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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 204 – número 3 abril a junho de 2008 páginas 931 a 1424

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  • Revista Trimestral de Jurisprudência

    volume 204 – número 3abril a junho de 2008

    páginas 931 a 1424

  • Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

    Secretaria de DocumentaçãoJaneth Aparecida Dias de Melo

    Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

    Seção de Preparo de PublicaçõesLeide Maria Soares Corrêa Cesar

    Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

    Seção de Distribuição de EdiçõesLeila Corrêa Rodrigues

    Diagramação: Ludmila AraujoCapa: Núcleo de Programação Visual

    (Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

    Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.

    v. 204-3; 22 cm.

    Três números a cada trimestre.

    Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- .ISSN 0035-0540

    1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

    CDD 340.6

    Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande l’échange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch.

    STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praça dos Três Poderes 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3217-4766

  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), PresidenteMinistro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)

    COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

    PRIMEIRA TURMA

    Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello, PresidenteMinistro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTOMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes RochaMinistro Carlos Alberto MENEZES DIREITO

    SEGUNDA TURMA

    Ministro José CELSO DE MELLO Filho, PresidenteMinistra ELLEN GRACIE NorthfleetMinistro Antonio CEZAR PELUSO Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

    PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

    Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

  • COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

    COMISSÃO DE REGIMENTO

    Ministro MARCO AURÉLIOMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro CEZAR PELUSOMinistro MENEZES DIREITO – Suplente

    COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

    Ministra ELLEN GRACIEMinistro JOAQUIM BARBOSAMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

    COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

    Ministro CEZAR PELUSOMinistro CARLOS BRITTOMinistro EROS GRAU

    COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

    Ministro CELSO DE MELLOMinistro EROS GRAUMinistro MENEZES DIREITO

  • SUMÁRIO

    Pág.ACÓRDÃOS .................................................................................................. 939ÍNDICE ALFABÉTICO ............................................................................ 1347ÍNDICE NUMÉRICO ................................................................................ 1419

  • ACÓRDÃOS

  • AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 64 — RO

    Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaRequerente: Governador do Estado de Rondônia — Requerida: Assembléia

    Legislativa do Estado de Rondônia

    Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalida-des formal e material dos arts. 4º e 5º da Lei 227/89 do Estado de Rondônia. Afronta aos arts. 25; 37, incisos X e XIII; 61, § 1º, inciso I, alínea a; e 63 da Constituição da República.

    1. Inconstitucionalidade formal dos arts. 4º e 5º da Lei 227/89, que desencadeiam aumento de despesa pública em maté-ria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Afronta aos arts. 25; 61, § 1º, inciso I, alínea a; e 63 da Constituição da República.

    2. Inconstitucionalidade material dos arts. 4º e 5º da Lei 227/89, ao impor vinculação dos valores remuneratórios dos ser-vidores rondonienses com aqueles fixados pela União para os seus servidores (art. 37, inciso XIII, da Constituição da República).

    3. Afronta ao art. 37, inciso X, da Constituição da Repú-blica, que exige a edição de lei específica para a fixação de remu-neração de servidores públicos, o que não se mostrou compatível com o disposto na Lei estadual 227/89.

    4. Competência privativa do Estado para legislar sobre po-lítica remuneratória de seus servidores. Autonomia dos Estados-membros. Precedentes.

    5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

  • R.T.J. — 204942

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, julgar procedente a ação direta e declarar a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei 227, de 10 de maio de 1989, do Estado de Rondônia.

    Brasília, 21 de novembro de 2007 — Cármen Lúcia, Relatora.

    RELATÓRIO

    A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado de Rondônia, em 21-6-89, objetivando a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei estadual 227, de 10-5-89, que estabelecem:

    Art. 4º Fica fixado o mês de maio, como a data-base para o funcionalismo público do Estado de Rondônia.

    Art. 5º A política salarial dos funcionários públicos do Estado de Rondônia acompa-nhará em acordo a política salarial dos funcionários públicos proposta pela União.

    2. O Autor afirma que teria encaminhado a Mensagem 279 para a Assembléia Legislativa de Rondônia, “com a finalidade de conceder reajuste de vencimentos, salários, soldos, gratificações, proventos e pensões dos servidores da Administra-ção Direta e Indireta do Poder Executivo e dando outras providências” (fl. 2).

    Alega que, após regular tramitação, a Assembléia Legislativa de Rondônia teria aprovado o projeto com emendas parlamentares e, posteriormente, derrubado os vetos apostos pelo Governador aos arts. 4º e 5º da lei estadual agora impugnada.

    Assevera o Autor que “a Constituição Federal no art. 25 e seu parágrafo único determina que os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pela Constituição e Leis que adotarem, reservando-se aos mesmos as competências que não lhes sejam vedadas. Ambos os artigos, como redigidos, estão constituindo vedação ao poder de auto-governo do Estado, além de comprometerem o regime federativo” (fl. 3).

    Sustenta a impossibilidade da fixação de data-base para o aumento dos servidores do Estado por iniciativa do Poder Legislativo, porque “leis que au-mentem vencimentos ou a despesa pública” (fl. 3) seriam da competência do Poder Executivo. Daí entender ter havido desrespeito ao art. 61, § 1º, inciso II, alínea a, da Constituição da República.

    Ressalta que haveria “violação ao princípio federativo [porque teria sido] suprim[ida] a competência privativa do Executivo, para iniciativa de leis de au-mentos remuneratórios; atrela[do] o Executivo estadual à União infringindo-se a independência dos poderes e agredi[ndo] princípios constitucionais atinentes à execução financeira e orçamentária” (fls. 4-5).

    Pede, por isso, seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei estadual 227/89.

  • R.T.J. — 204 943

    3. Em suas informações, a Assembléia Legislativa de Rondônia asseverou que o “Poder Legislativo de Rondônia, nada mais fez (...) que cumprir [o] ‘manda-mento constitucional inserto no item ‘X’ do art. 34 da Ordenação Fundamental da República (...) [que] est[aria] a obrigar a fixação de data-base, para revisão geral dos vencimentos dos servidores públicos” (fl. 49, grifos no original).

    Quanto ao art. 5º, sustentou que o quadro de pessoal de Rondônia seria composto “por servidores da União e do Estado, exercendo tanto um quanto outro as mesmíssimas atribuições” (fl. 51), pelo que “não poderia (...) dispor de maneira diferente, já que se estaria quebrando o princípio (...) de isonomia de vencimentos para cargos e atribuições iguais ou assemelhados” (fl. 52).

    4. O Advogado-Geral da União defendeu a constitucionalidade da norma impugnada, devendo-se acentuar, entretanto, que, naquele momento (1994), era entendimento prevalecente a sua obrigação de atuar nesse exclusivo sentido (fls. 84-91).

    5. O Procurador-Geral da República opinou pela procedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei estadual rondo-niense 227/89 (fls. 93-96).

    É o relatório, do qual deverão ser encaminhadas cópias aos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 9º da Lei 9.868/99 c/c art. 87, in-ciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

    VOTO

    A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, o Gover-nador do Estado de Rondônia ajuizou a presente ação direta de inconstitucio-nalidade, pondo em questão a validade constitucional dos arts. 4º e 5º da Lei rondoniense 227/89, argumentando que com eles se teriam afrontado os arts. 25 e 61, § 1º, inciso II, alínea a, da Constituição da República.

    Estabelecem os dispositivos impugnados:

    Art. 4º Fica fixado o mês de maio, como a data-base para o funcionalismo público do Estado de Rondônia.

    Art. 5º A política salarial dos funcionários públicos do Estado de Rondônia acompa-nhará em acordo a política salarial dos funcionários públicos proposta pela União.

    A versão originária dos dispositivos contidos no projeto de lei enviado à Assembléia Legislativa pelo Governador de Rondônia era a seguinte:

    Art. 4º Fica assegurado aos servidores estaduais de todos níveis e categorias um rea-juste salarial 10% (dez por cento), a partir de 1º de agosto de 1989.

    Art. 5º Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a promover revisão salarial dos ser-vidores da Administração Direta e Indireta, quando necessário, no exercício financeiro de 1989.

    2. O Autor alega, basicamente, desobediência às normas constitucionais a) que asseguram a autonomia dos Estados-membros para dispor sobre matérias de sua administração pública, incluída aí a que se refere ao regime remuneratório

  • R.T.J. — 204944

    de seus servidores e b) que atribuem ao chefe do Poder Executivo competência privativa de iniciativa legislativa em matéria de aumento de remuneração ou reajuste de cargos e funções públicas de seus servidores.

    3. A Constituição brasileira acolhe, em seu art. 1º, o princípio federativo, para o cumprimento do qual assegura aos entes federados competência privativa, que explicita o espaço constitucional de autonomia de cada qual. O art. 25 autoriza os Estados-membros a se organizarem segundo suas respectivas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal.

    Tal como posto no sistema constitucional, o modelo federativo adotado no Brasil adota a simetria dos modelos federal e estaduais nas matérias que se refiram aos princípios.

    Na esteira dessa opção constituinte é que o art. 61, § 1º, inciso II, alínea a, da Constituição da República estabelece ser da competência privativa do chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre aumento de re-muneração de servidores públicos, o que vale tanto no plano federal quanto no plano dos Estados-membros e, também, no dos Municípios.

    Nesse sentido, na assentada de 14-2-96, julgando-se a ADI 507/AM, Rel. Min. Celso de Mello, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu:

    O poder constituinte outorgado aos Estados-membros sofre as limitações jurídicas impostas pela Constituição da República.

    – Os Estados-membros organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem (CF, art. 25), submetendo-se, no entanto, quanto ao exercício dessa prerrogativa institucional (essencialmente limitada em sua extensão), aos condicionamentos normativos impostos pela Constituição Federal, pois é nesta que reside o núcleo de emanação (e de res-trição) que informa e dá substância ao poder constituinte decorrente que a Lei Fundamental da República confere a essas unidades regionais da Federação. Doutrina. Precedentes.(DJ de 8-8-03, grifos no original.)

    É exatamente por prevalecer esse entendimento que os Estados devem obrigatoriamente obedecer ao quanto disposto nas normas contidas nos arts. 61, § 1º, inciso II, alínea a, e 63 da Constituição da República. Nesse sentido o que decidido na ADI 2.079/SC:

    1. Criação de gratificação – Pró-labore de Êxito Fiscal. Incorre em vício de incons-titucionalidade formal (CF, arts. 61, § 1º, II, a e c, e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes.(Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ de 18-6-04, grifos nossos.)

    E:

    Ementa: Constitucional. Processo legislativo. Servidor público. Criação de órgãos públicos. Iniciativa legislativa reservada. CF, art. 61, § 1º, II, a, c e e; art. 63, I; Lei 13.145/01 do Ceará, art. 4º; Lei 13.155/01 do Ceará, arts. 6º, 8º e 9º, Anexo V, referido no art. 1º. I – As regras do processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros. Precedentes do STF. II – Leis relativas à remuneração do servidor público, que digam respeito ao regime jurídico

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    destes, que criam ou extingam órgãos da administração pública, são de iniciativa privativa do chefe do Executivo. CF, art. 61, § 1º, II, a, c e e. III – Matéria de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda – CF, art. 63, I – ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência de emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF. IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.(ADI 2.569-4/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ de 2-5-03.)

    Na espécie em pauta, a despeito de a Lei rondoniense 227/89 ser resul-tado de processo legislativo iniciado por proposta do Poder Executivo, o Poder Legislativo, no exercício de suas atribuições, emendou o projeto introduzindo as normas que acabaram se tornando os arts. 4º e 5º do diploma que veio a ser promulgado, a despeito dos vetos apostos pelo então Governador, tiveram suas redações mantidas pela Assembléia Legislativa de Rondônia. E foi exatamente em razão daquelas emendas que se veio a ter a definição de aumento de despesas fixada, de forma, aliás, vinculada ao quanto venha a ser definido por outro ente federado, a saber, a União, relativamente a seus servidores.

    4. Nem se há indagar da legitimidade dos membros das Assembléias Le-gislativas para processar emendas a projetos de leis iniciados pelo titular do Poder Executivo. Entretanto, o limite da atuação legítima está na observância dos princípios constitucionais e nas regras de acatamento obrigatório pelos en-tes federados, tal como a que se contém nos arts. 61, § 1º, inciso II, alínea b, da Constituição do Brasil e 63, inciso I, entre outros.

    Assim decidiu este Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no julga-mento da ADI 3.114:

    As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parla-mento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto nos § 3º e § 4º do art. 166, implicarem au-mento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF).(ADI 3.114/SP, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ de 7-4-06, gri-fos nossos.)

    Ainda nesse sentido: ADI 2.170/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribu-nal Pleno, DJ de 9-9-05; e ADI 2.569-4/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ de 2-5-03.

    5. Ao opor veto às alterações feitas por emenda parlamentar, o então Governador do Estado de Rondônia enfatizou:

    No tocante ao artigo 4º, hão de convir Vossas Excelências que não é possível a este Executivo, mesmo com o honroso apoio desse Legislativo, estabelecer o mês de maio de cada ano como data-base para reajustes salariais para os servidores de todas as categorias profissionais.

    Claro que o reajuste é indispensável, é justo, e tem de ser feito, porém na hora ou no momento certo, respeitadas as disponibilidades financeiras sem as quais tal não seria

  • R.T.J. — 204946

    possível e essa absoluta impossibilidade somente contribuiria para constrangimentos e re-voltas da parte dos servidores e descrédito para o Governo do Estado.

    (...)Referente ao artigo 5º, devo salientar que este Governo jamais deixou de conceder

    aos seus servidores reajuste ao tempo e com base nos percentuais em que eles são concedi-dos pelo Governo Federal.

    Há, não podem olvidar Vossas Excelências, porém, a questão da disponibilidade financeira, da arrecadação do Estado, respeitada também a sua autonomia em relação do Governo Federal.(Fl. 28.)

    6. Tem razão também o Autor ao perorar sobre a inconstitucionalidade formal pela circunstância de haver inegável agravo à competência privativa do Estado para legislar sobre a política remuneratória de seus servidores. E com-petência – frise-se – não é faculdade, senão que dever. E, nesse caso, dever irre-nunciável, sob pena de se ver esvaziado o princípio da autonomia federativa, o que não é, obviamente, admissível.

    A norma do art. 5º da lei rondoniense, aqui apreciada, importa em de-fecção insubsistente, por deprimir princípio que constitui esteio da própria Federação brasileira. A afronta ao art. 25 da Constituição brasileira emerge ní-tida dos termos da norma estadual questionada.

    7. Formalmente inconstitucionais mostram-se, portanto, os arts. 4º e 5º da Lei 227/89 por acarretarem, inequivocadamente, aumento de despesa pública em matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo.

    8. Há de se salientar que, conquanto não posto, expressamente, como questão a ser considerada por este Supremo Tribunal, há de se realçar que, também sob o aspecto material, incorrem em inegável inconstitucionalidade os dispositivos postos em questão na presente ação. Colidem os arts. 4º e 5º da Lei rondoniense 227/89 com o quanto posto no art. 37, inciso X, da Cons-tituição, segundo o qual “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º, do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica (...)”, havendo de se entender por esta a que se caracteriza por ser monotemática e dirigida a uma situação por ela específica. Não há de conside-rar preenchida a exigência constitucional estabelecida naquela norma por uma lei que pudesse ser tida como “um cheque em branco legislativo”, tal como se deu na espécie.

    9. Também contraria aquele dispositivo o art. 37, inciso XIII, da Cons-tituição do Brasil, porque impõe, inegavelmente, uma vinculação dos valores remuneratórios dos servidores rondonienses com aqueles fixados pela União para os seus servidores, o que não é compatível com os comandos consti-tucionais.

    Este Supremo Tribunal Federal assentou, na ADI 237, Rel. Min. Octavio Gallotti, que:

    É contrário ao princípio federativo (art. 25 da Constituição Federal) o estabele-cimento de equiparação ou vinculação entre servidores (civis ou militares) estaduais e

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    federais, de modo que do aumento de remuneração concedido, aos últimos, por lei da União, pudesse resultar majoração de despesa para os Estados.(ADI 237/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ de 1º-7-93.)

    Vinculação, disse em outra ocasião,

    é o elo legalmente estipulado entre vencimentos correspondentes a cargos, funções ou empregos diversos, mas para os quais se estabelece uma corrente jurídica inquebrantável quanto ao seu regime remuneratório e, especialmente, ao valor das espécies remuneratórias correspectivas. Dá-se não uma igualação, mas uma relação vertical de moto contínuo no que concerne ao fator pecuniário retributivo. (...) A vinculação estabelece uma verticali-dade do regime remuneratório, determinada, em geral, pela hierarquia dos cargos das car-reiras estatais. Havendo, então, alteração (que será sempre um acréscimo, pois a redução é proibida no regime remuneratório do agente público) de uma remuneração a que se acha outra vinculação, esta também passará por igual mudança em idêntico índice, mantendo-se, evidentemente, a mesma diferença que a caracterize (...). Tanto a equiparação quanto a vinculação, proibidas de serem introduzidas no sistema jurídico pelo legislador infracons-titucional, poderiam vir a ser fontes de desigualação de iguais, o que romperia o princípio constitucional encarecido no sistema (...)(Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 330 et. seq.)

    É o que ocorre no caso dos autos. O art. 5º da Lei estadual 227/89 prevê vinculação entre a política salarial dos servidores estaduais e a dos servidores da União. Afasta-se, assim, a autonomia do Poder Legislativo estadual, ofen-dendo o princípio federativo, implicando aumento das despesas estaduais sem prévia dotação orçamentária, sem respeito aos limites constitucionais definidos como obrigatórios segundo os índices previstos em lei própria e, ainda, estabe-lecendo uma indébita vinculação, a tisnar de inválida a norma elaborada pela Assembléia Legislativa rondoniense.

    Nesse sentido, este Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 1.064/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, segundo a qual:

    Ementa: Estado de Mato Grosso do Sul. EC 1/93, que acrescentou parágrafo único ao art. 35 da Carta estadual, instituindo salário mínimo profissional para engenheiros, quí-micos, arquitetos, agrônomos e médicos veterinários. Manifesta ofensa ao princípio cons-titucional da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo para leis que têm por objeto remuneração de servidores. Norma que, de outra parte, institui vinculação de vencimentos de servidores estaduais a índice ditado pelo Governo Federal, garantindo-lhes reajusta-mento automático, independentemente de lei específica do Estado, contrariando a norma do art. 37, XIII, da CF e ofendendo a autonomia do Estado-membro. Procedência da ação, com declaração de inconstitucionalidade do texto indicado.

    Pelo exposto, voto no sentido de julgar procedente a presente ação di-reta de inconstitucionalidade.

    VOTO

    O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, é também como voto, fa-zendo questão também de elogiar o brilhante voto da Ministra Cármen Lúcia.

  • R.T.J. — 204948

    Uma síntese perfeita; do ponto de vista técnico, uma peça irretocável, Ministra Cármen Lúcia. Parabéns!

    EXTRATO DA ATA

    ADI 64/RO — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Requerente: Governador do Estado de Rondônia (Advogado: Pedro Origa Neto). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.

    Decisão: O Tribunal, por votação unânime, julgou procedente a ação di-reta e declarou a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º da Lei 227, de 10 de maio de 1989, do Estado de Rondônia, nos termos do voto da Relatora. Votou o Presi-dente. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (Presidente) e os Mi-nistros Gilmar Mendes (Vice-Presidente) e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Ministro Celso de Mello (art. 37, I, do RISTF).

    Presidência do Ministro Celso de Mello (art. 37, I, do RISTF). Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

    Brasília, 21 de novembro de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

  • R.T.J. — 204 949

    EXTRADIÇÃO 1.047 — REPÚBLICA DO LÍBANO

    Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRequerente: Governo do Líbano — Extraditanda: Rana Abdel Rahim

    Koleilat ou Rana Abdel Rahman Koleilat ou Rana Abdel Rahim Kolailat ou Fakhriya Said Mhanna ou Fakhría Said Mehanna ou Fakhría Said Mhanna ou Fakhríeh Said Mehanna ou Rana Koleilat ou Rana Abdul Rahim Kolaylat ou Rana Abdel Hamid Koleilat

    Extradição. Constituição do Brasil, art. 102, inciso I, alí-nea g. República do Líbano. Promessa de reciprocidade. Inexis-tência de tratado. Preceito do Código Penal libanês expressivo de incerteza quanto ao cumprimento da promessa de reciprocidade. Inércia do país requerente em esclarecer.

    1. Extradição fundada na promessa de reciprocidade, ante a inexistência de tratado entre o Brasil e o Líbano. Incerteza, quanto ao cumprimento da promessa, gerada pelo texto do art. 30 do Código Penal libanês, segundo o qual “ninguém pode ser entregue a um Estado estrangeiro fora dos casos estabeleci-dos pelas disposições do presente código, se não é por aplicação de um tratado tendo força de lei”.

    2. Hipótese em que a Missão Diplomática libanesa, instada a esclarecer o alcance do preceito, permaneceu inerte.

    3. Sendo a extradição instrumento de cooperação inter-nacional no combate ao crime, cumpre ao País requerente de-sincumbir-se, no prazo legal, do ônus que lhe cabe, pena de indeferimento do pleito extradicional.

    Extradição indeferida.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido extradicional, nos termos do voto do Relator.

    Brasília, 10 de outubro de 2007 — Eros Grau, Relator.

    RELATÓRIO

    O Sr. Ministro Eros Grau: A Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques fez o seguinte relato, em parecer aprovado pelo Procurador-Geral da República (fls. 1081/1086):

  • R.T.J. — 204950

    1. O Governo do Líbano, com base em promessa de reciprocidade, formalizou pedido de extradição executória e instrutória (fls. 04 do PPE, em apenso) da cidadã libanesa Rana Abdel Rahim Kileilat, com fundamento em dois compêndios de sentença e diversos mandados de cap-tura, pelos seguintes crimes: roubo; fraude; improbidade administrativa; contrariando a lei mo-netária e financeira; falsificação e uso de documentos falsos; desfalque e cheques sem fundos.

    2. A prisão foi decretada em 15.3.2006 (fls. 15) e efetivada em 15.3.2006 (fls. 30).3. O Estado requerente juntou documentos complementares (fls. 670/717 e 744/751).4. O processo de extradição foi suspenso em razão do pedido de refúgio da extradi-

    tanda (fls. 726), que, afinal, foi indeferido (fls. 756).5. A extraditanda foi interrogada (fls. 779-785) e apresentou defesa técnica (fls. 859/880),

    oportunidade em que alegou: a) impossibilidade de cumprimento da reciprocidade pelo Estado requerente, em razão do art. 30 do Código Penal libanês; b) a insuficiência da do cumentação juntada ao pedido de extradição; c) falta da dupla tipicidade de determinadas condutas; d) im-possibilidade de concessão da extradição com finalidade de comparecimento perante o juiz de instrução; e) não previsão de pena privativa de liberdade em relação a alguns crimes.

    6. O Ministério Público Federal, com base no art. 85, § 2º, da Lei nº 6.815/80, reque-reu as seguintes diligências:

    “a) seja solicitado do Estado requerente, a fim de esclarecer a possibilidade jurídica de a República do Líbano formular pedido de extradição com base em pro-messa de reciprocidade, à vista do que dispõe o art. 30 do Código Penal libanês;

    b) seja solicitado ao Estado requerente cópias devidamente traduzidas do art. 672 do Código Penal libanês, bem como dos processos que ensejaram os se-guintes mandados de captura 141/21407, 175/25230, 187/17178, 196/28758, 109/5803, 203/2934, 55/8161, 76/9337 e 80/9817;

    c) seja oficiada a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, solicitando-lhe informação a respeito da existência de inquérito policial, tendo como investigada a ora extraditanda.”7. Juntaram-se aos autos ofício da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo

    (fls. 955/957) e documentos encaminhados pelo Estado requerente (fls. 971/1064).8. Instada a manifestar-se a respeito dos documentos juntados, a extraditanda alegou

    o não atendimento, pelo Governo do Líbano, das diligências requeridas (fls. 1071/1077).

    O parecer ministerial é no sentido do não-conhecimento do pleito extradicional.

    É o relatório.

    VOTO

    O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Ministério Público Federal aponta óbice ao conhecimento da extradição, consistente na inércia do Estado reque-rente – apesar de instado a isso – em prestar informação quanto à possibilidade jurídica do cumprimento da promessa de reciprocidade. Eis os fundamentos declinados pelo Parquet:

    9. Inicialmente, vale ressaltar que a falta de tratado de extradição entre o Brasil e o país que requer tal medida não impede que o Supremo Tribunal Federal conheça do pedido. Entretanto, ele deverá ser necessariamente instruído de modo a assegurar plena reciproci-dade à autoridade brasileira em situações semelhantes.

    10. A fim de assegurar a viabilidade da promessa de reciprocidade, impõe-se a análise da legislação interna do Estado requerente. Nesse sentido, há jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal, valendo destacar a decisão na Extradição nº 10101, assim ementada:

    1 Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 19-12-06.

  • R.T.J. — 204 951

    “Extradição. República Federal da Alemanha. Questão de ordem. Promessa de reciprocidade. Pedido de extradição de pessoa naturalizada brasileira.

    Pedido de extradição, formulado com base em promessa de reciprocidade, de cidadão brasileiro naturalizado, por fatos relacionados a tráfico de drogas anteriores à entrega do certificado de naturalização. Inviabilidade da extradição, por impos-sibilidade de cumprimento da promessa de reciprocidade, uma vez que, no país requerente, a vedação de extradição de seus nacionais não admite exceções como as previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 5º, LI). Questão de ordem resolvida pela extinção da extradição, sem julgamento de mérito. Determinada a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público, para as finalidades cabíveis, verificando-se a possibilidade de aplicação extraterritorial da lei penal brasileira.” (negrito nosso.)11. O art. 30 do Código Penal libanês prescreve o seguinte:

    “Ninguém pode ser entregue a um Estado estrangeiro fora dos casos estabe-lecidos pelas disposições do presente código, se não é por aplicação de um tratado tendo força de lei.”12. Tal dispositivo do Código Penal libanês foi analisado por essa Corte quando

    do julgamento da Extradição nº 443, conforme se extrai do trecho do voto do Ministro Francisco Rezek.

    “(...) Todavia, o problema do artigo 30 – que sequer podemos garantir fosse vi-gente quando os precedentes se julgaram – nunca se colocou em mesa em nosso meio. Jamais, antes, a defesa lançou em mesa essa norma e pediu ao Plenário que confron-tasse sua linguagem com a promessa de reciprocidade. O artigo, efetivamente, não nos dá certeza alguma, mas faz supor que a República do Líbano adota o modelo britânico, da extradição necessariamente fundada em tratado bilateral. O artigo 30 do Código Penal libanês retiraria ao governo daquela república a prerrogativa de oferecer pro-messas de reciprocidade. É uma questão fundamental, que reclama esclarecimento (...).

    (...) Isto soa como aparente evidência de que a República do Líbano adota o modelo britânico, em que a extradição só se opera à base de tratado, e nunca à base de reciprocidade. Não sei em que medida esse texto era vigente, ou terá sido observado, nas relações extradicionais pretéritas entre o Líbano e Brasil. Certo é que o texto que se nos apresenta neste faz crer que a ordem jurídica da República do Líbano funda a relação extradicional unicamente em tratado. Desse modo, é importante saber se o Poder Executivo detém a perspectiva constitucional de comprometer-se com nação estrangeira em tal matéria, oferecendo reciprocidade, visto que não há tratado de extradição Brasil–Líbano, e a reciprocidade pretende ser a única base jurídica deste pedido (...).”13. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, deci-

    diu que o Governo da República Libanesa deveria indicar os pressupostos constitucionais ou legais que fundamentavam a garantia da reciprocidade. Entretanto, o Governo do Líbano permaneceu silente acerca dessa e de outras diligências, o que ocasionou o indeferimento do pedido de extradição.

    14. Como não há informação de outro pedido de extradição pelo Governo do Líbano desde então, esse questionamento veio à tona na presente extradição, conforme alegação apresentada pela extraditanda (fls. 859/880) e diligência requerida pelo Ministério Público Federal (fls. 888/890), que foi deferida por Vossa Excelência. (fl. 892).

    15. Não obstante a diligência no sentido de esclarecer o alcance do teor do art. 30, do Código Penal libanês, o Governo do Líbano não atendeu ao mencionado requerimento. Os documentos complementares enviados pelo Governo do Líbano não esclarecem a dili-gência requerida.

    16. Esse esclarecimento, conforme asseverado às fls. 888/890, mostra-se imprescin-dível, pois visa avaliar a possibilidade jurídica de a República do Líbano formular pedido de extradição com base em promessa de reciprocidade, à vista do que dispõe o art. 30 do Código Penal libanês.

  • R.T.J. — 204952

    17. Não obstante seja possível a análise do pedido de extradição – ou até mesmo a con-cessão – ainda que não cumpridas as diligências requeridas pelo Supremo Tribunal Federal, essa não é a hipótese dos autos. Isso porque a diligência relativa ao alcance do art. 30, do Código Penal libanês, foi tida por imprescindível quando da sua formulação (fls. 888/890).

    18. Ademais, “(...) Seria surrealista e inconsistente uma promessa de reciprocidade feita ao Brasil por país que não conheça a figura da extradição sobre base estrita de recipro-cidade, e cujo governo estivesse apenas garantindo que um pedido brasileiro, e eventual-mente endereçado a ele, será mandado ao Poder Judiciário, para que este, vestibularmente, diga que não lhe dará trânsito em razão de sua impossibilidade jurídica (...)2”.

    19. Persistindo, portanto, a indefinição quanto à viabilidade do cumprimento da pro-messa de reciprocidade pelo Estado requerente, uma vez que, tal como ocorreu na Extradi-ção nº 443, não se sabe ao certo o alcance do art. 30, do Código Penal libanês, impõe-se a extinção do processo sem apreciação do mérito.

    20. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo não-conheci-mento do pedido de extradição formulado pelo Governo do Líbano.

    As diligências requeridas pela Procuradoria-Geral da República foram deferidas em 10 de abril do ano corrente. O ofício, acompanhado do parecer, foi recebido no Ministério das Relações Exteriores no dia 12 seguinte e, ante a ausência de resposta, o pedido foi reiterado no dia 24-5-07. A Embaixada do Líbano manifestou-se somente em 8-6-07, quando encaminhou a esta Corte os documentos juntados aos autos no dia 25-6-07, documentos que, contudo, não esclarecem o alcance do disposto no art. 30 do Código Penal daquele país.

    A Extraditanda está presa há aproximadamente um ano e sete meses. Aguarda todo esse tempo o desfecho do pedido de sua extradição. O Estado requerente não cumpriu prazos legais. A dilação desses prazos já não é, a esta altura, razoável.

    Sendo a extradição instrumento de cooperação internacional no combate ao crime, os países envolvidos devem ser diligentes, no sentido de obviar o des-fecho do respectivo processo. A manutenção da prisão da Extraditanda além do estritamente necessário implica, no caso sob exame, alto custo ao erário, além de eventuais violações a direitos humanos.

    Este Pleno, no julgamento da Ext 933, sendo eu o Relator, DJ de 10-3-07, indeferiu o pedido face à inércia do Reino da Espanha em suprir a deficiência da instrução. O acórdão restou assim ementado:

    Extradição. Instrução deficiente. Diligência. Reiterações. Não-atendimento. Indeferimento.

    Instrução deficiente. Falta dos textos legais e respectivas traduções referentes aos pra-zos prescricionais. Instado, por via diplomática, a suprir a falta, o Estado requerente não enca-minhou os documentos, permanecendo inerte após três reiterações que se sucederam no prazo de um ano. O § 2º do art. 85 da Lei 6.815/80 estabeleceu o prazo improrrogável de sessenta dias para que a instrução seja complementada, decorridos os quais o processo será levado a julgamento independentemente de ter sido realizada a diligência. Embora tendo prazo maior, o Estado requerente não se desincumbiu por completo do ônus que lhe cabia, sendo forçoso o indeferimento do pleito extradicional, nada obstante a presença dos demais requisitos.

    Extradição indeferida.

    2 Trecho do voto do Ministro Francisco Rezek na Ext 443.

  • R.T.J. — 204 953

    Acolho a manifestação ministerial e, com esses acréscimos, indefiro o pe-dido de extradição.

    EXTRATO DA ATA

    Ext 1.047/República do Líbano — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governo do Líbano. Extraditanda: Rana Abdel Rahim Koleilat ou Rana Abdel Rahman Koleilat ou Rana Abdel Rahim Kolailat ou Fakhriya Said Mhanna ou Fakhría Said Mehanna ou Fakhría Said Mhanna ou Fakhríeh Said Mehanna ou Rana Koleilat ou Rana Abdul Rahim Kolaylat ou Rana Abdel Hamid Koleilat (Advogados: José Eduardo Rangel de Alckmin, Victor Mauad e outros).

    Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu o pedido extradicional, nos termos do voto do Relator. Falou pela Extraditanda o Dr. José Eduardo Rangel de Alckmin. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

    Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

    Brasília, 10 de outubro de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

  • R.T.J. — 204954

    EXTRADIÇÃO 1.074 — REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

    Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloRequerente: Governo da Alemanha — Extraditando: Mike Büttner

    Extradição passiva de caráter instrutório – Suposta prá-tica de três (3) delitos de estelionato (“burla”) – Inexistência de tratado de extradição entre o Brasil e a República Federal da Alemanha – Promessa de reciprocidade – Fundamento jurídico suficiente – Necessidade de respeito aos direitos básicos do sú-dito estrangeiro – Momento consumativo do delito de estelio-nato – Competência da República Federal da Alemanha para o processo e julgamento das infrações penais atribuídas ao súdito estrangeiro – Observância, na espécie, dos critérios da dupla tipicidade e da dupla punibilidade – Atendimento, no caso, dos pressupostos e requisitos necessários ao acolhimento do pleito extradicional – Extradição deferida.

    Inexistência de tratado de extradição e oferecimento de promessa de reciprocidade por parte do Estado requerente.

    – A inexistência de tratado de extradição não impede a for-mulação e o eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (nota verbal) formalmente trans-mitido por via diplomática. Doutrina. Precedentes.

    Processo extradicional e sistema de contenciosidade limi-tada: inadmissibilidade de discussão sobre a prova penal produ-zida perante o Estado requerente.

    – A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o con-texto probatório em que a postulação extradicional se apóia.

    – O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal.

    – Revelar-se-á excepcionalmente possível, no entanto, a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, sempre que tal exame se mostrar indispensável à solução de controvér-sia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à obser-vância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando

  • R.T.J. — 204 955

    quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a reque-rer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro. Inocorrência, na espécie, de qualquer dessas hipóteses.

    Validade constitucional do art. 85, § 1º, da Lei 6.815/80.– As restrições de ordem temática, estabelecidas no Estatuto

    do Estrangeiro (art. 85, § 1º) – cuja incidência delimita, nas ações de extradição passiva, o âmbito material do exercício do direito de defesa –, não são inconstitucionais, nem ofendem a garantia da plenitude de defesa, em face da natureza mesma de que se reveste o processo extradicional no direito brasileiro. Precedentes.

    Obiter dictum do Relator (Ministro Celso de Mello) – Bra-sileiro naturalizado – Tráfico ilícito de substâncias entorpecen-tes e drogas afins – Irrelevância se cometido antes ou depois da naturalização – Necessidade de comprovação do envolvimento do brasileiro naturalizado nessa prática delituosa (CF, art. 5º, LI) – Inovação constitucional do modelo extradicional brasi-leiro – Ônus que incumbe ao Estado requerente – Possibilidade excepcional de extradição pelo Brasil.

    – O brasileiro naturalizado, em tema de extradição pas-siva, dispõe de proteção constitucional mais intensa que aquela outorgada aos súditos estrangeiros em geral, pois somente pode ser extraditado pelo Governo do Brasil em duas hipóteses excep-cionais: (a) crimes comuns cometidos antes da naturalização e (b) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins praticado em qualquer momento, antes ou depois de obtida a naturalização (CF, art. 5º, LI).

    – Tratando-se de extradição requerida contra brasileiro naturalizado, fundada em suposta prática de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, impõe-se, ao Estado requerente, a comprovação do envolvimento da pessoa reclamada no cometi-mento de referido evento delituoso.

    – A inovação jurídica introduzida pela norma inscrita no art. 5º, LI, in fine, da Constituição – além de representar, em favor do brasileiro naturalizado, clara derrogação do sistema de contenciosidade limitada – instituiu procedimento, a ser disci-plinado em lei, destinado a ensejar cognição judicial mais abran-gente do conteúdo da acusação penal estrangeira, em ordem a permitir, ao Supremo Tribunal Federal, na ação de extradição passiva, o exame do próprio mérito da persecutio criminis instau-rada perante autoridades do Estado requerente.

    – A simples e genérica afirmação constante de “mandado judicial” estrangeiro, de que existem graves indícios de culpa per-tinentes ao suposto envolvimento de brasileiro naturalizado na

  • R.T.J. — 204956

    prática do delito de tráfico de entorpecentes, não satisfaz a exigên-cia constitucional inscrita no art. 5º, LI, in fine, da Carta Política.

    Naturalização – Requerimento da nacionalidade brasileira feito pelo súdito estrangeiro – Momento aquisitivo e aplicação do art. 5º, LI, da Constituição Federal.

    – A concessão da naturalização constitui, em nosso sistema jurídico, ato que se insere na esfera de competência do Ministro da Justiça, qualificando-se como faculdade exclusiva do Poder Executivo (Lei 6.815/80, art. 111).

    – A aquisição da condição de brasileiro naturalizado, não obstante já deferida a concessão da naturalização pelo Ministro da Justiça, somente ocorrerá após a entrega, por magistrado fe-deral, do concernente certificado de naturalização. Precedentes.

    Extradição e respeito aos direitos humanos: paradigma ético-jurídico cuja observância condiciona o deferimento do pe-dido extradicional.

    – A essencialidade da cooperação internacional na repres-são penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo res-peito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro.

    O extraditando assume, no processo extradicional, a condi-ção indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extra-dição (o Brasil, no caso).

    – O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extra-dição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do pos-tulado do due process of law (RTJ 134/56-58 – RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as par-tes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no caso, de que o re-gime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das liberdades públicas fundamentais.

    Extradição – Dupla tipicidade e dupla punibilidade.– O postulado da dupla tipicidade – por constituir requi-

    sito essencial ao atendimento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente

  • R.T.J. — 204 957

    qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado reque-rente. Delitos imputados ao súdito estrangeiro – burla qualifi-cada/fraude – que encontram plena correspondência típica no art. 171 (estelionato) do Código Penal brasileiro.

    O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal (essentialia delicti), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, in-dependentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos.

    – Não se concederá a extradição, quando se achar extinta, em decorrência de qualquer causa legal, a punibilidade do extra-ditando, notadamente se se verificar a consumação da prescrição penal, seja nos termos da lei brasileira, seja segundo o ordena-mento positivo do Estado requerente. A satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade constitui requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional. Observância, na espécie, do postulado da dupla punibilidade.

    Local de consumação das supostas práticas delituosas atri-buídas ao súdito estrangeiro em questão – Conduta e resultado ocorridos em território alemão – Competência da Justiça da República Federal da Alemanha para julgamento do feito – Princípio da territorialidade.

    – Os atos de execução e realização do tipo penal pertinente à “burla” (estelionato), como a conduta fraudulenta consistente na utilização de meios e artifícios destinados a induzir em erro as vítimas, tiveram lugar na República Federal da Alemanha.

    – Os danos de ordem financeira causados às vítimas ocor-reram em território germânico, regendo-se, em conseqüência, a aplicação da legislação penal pertinente (que é a alemã), pelo princípio da territorialidade.

    Existência de família brasileira (união estável), notada-mente de filho com nacionalidade brasileira originária – Si-tuação que não impede a extradição – Compatibilidade da Súmula 421/ STF com a vigente Constituição da República – Pe-dido de extradição deferido.

    – A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência more uxorio do extraditando com pessoa de nacionalidade brasileira constituem fatos destituí-dos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não im-pedindo, em conseqüência, a efetivação da extradição do súdito estrangeiro. Precedentes.

  • R.T.J. — 204958

    – Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro.

    – A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação interna-cional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com pessoas de nacionali-dade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradi-ção. Precedentes.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes (RISTF, art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, deferir o pedido de extradição. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Ministros Joaquim Barbosa (licenciado) e Menezes Di-reito e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Falou pelo Extraditando o Dr. Jaques de Camargo Penteado. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).

    Brasília, 27 de março de 2008 — Celso de Mello, Relator.

    RELATÓRIO

    O Sr. Ministro Celso de Mello: O Governo da República Federal da Alemanha, mediante nota verbal regularmente apresentada por sua Missão Diplomática ao Governo brasileiro, requer, com base em promessa de recipro-cidade, a extradição, de caráter instrutório, de MIKE BÜTTNER, nacional alemão, para “(...) persecução penal por diversos delitos de fraude na Alema-nha” (fl. 4).

    O Estado requerente postulou, ainda, a decretação da prisão cautelar do Extraditando, instruindo esse pedido com mandado internacional de prisão expedido por autoridade judiciária alemã competente (fls. 10/12). Decretei, então, a prisão cautelar do Extraditando em 8-3-07 (fls. 74/76), tendo sido ela efetivada em 16-3-07 (fls. 94/95), cabendo registrar, ainda, que foram apreen-didos, em poder do ora Extraditando, os objetos descritos a fls. 204/206, neles figurando folhas de cheque em diversos valores, totalizando estes 18.391.792 milhões de euros (fls. 205/206).

    Como a prisão ocorreu em Bragança Paulista/SP, deleguei competência a Juiz Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo para a realização do interrogatório do ora Extraditando (fl. 109), que ocorreu no dia 25-5-07, a ele havendo estado presente o ilustre Advogado constituído pelo súdito alemão em causa (fls. 166/168).

  • R.T.J. — 204 959

    O ora Extraditando, por intermédio de Advogado constituído, Dr. Jaques de Camargo Penteado – de quem tive a honra de ser colega no Ministério Público do Estado de São Paulo –, produziu excelente defesa técnica, em que impugnou o pedido extradicional ora em julgamento (fls. 239/250).

    O ora Extraditando ofereceu defesa que se apóia, em síntese, nos seguin-tes fundamentos (fls. 239/250):

    a . CONDIÇÕES PESSOAIS, FAMILIARES E PROFISSIONAIS DO EXTRADITANDO.

    Para ilustrar o “status” pessoal, familiar e profissional do extraditando, deve ser enfatizado que o mesmo é primário, trabalhador e honesto e que, desde 1.10.1997, é ca-sado com a brasileira Rosinei Aparecida Büttner (doc. 1), e pai de filha brasileira, consti-tuindo uma família tipicamente nacional, que fixou o seu domicílio em Bragança Paulista, mostrando-se razoável a sua permanência em nosso território, como forma de assegurar a especial proteção do Estado à instituição familiar (art. 226, “caput”, CF).

    (...)b. PROMESSA DE RECIPROCIDADE E DOS SEUS ELEMENTOS.(...)A doutrina e a jurisprudência, contudo, firmaram a orientação de que a promessa

    de reciprocidade supre a falta do tratado, o que não dispensa o Estado promitente desse tratamento recíproco, da fixação de algumas proposições concretas para se avaliar o pedido de extradição, evitando-se que uma promessa vaga e genérica, possa violar os direitos humanos. Parece que, nessa matéria, não basta que o Estado requerente se obrigue a não agir de certo modo, mas é necessário que afirme a sua plena adesão a um sistema de administração da justiça penal que observe a “prevalência dos direitos humanos”, um dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras (art. 4º, inc. II, CF).

    (...)Assim, porque a promessa de reciprocidade, em concreto, não abrange o compro-

    misso de submeter a criminalidade menos grave a tratamento processual mais garantista, deve ser indeferida a extradição.

    c. FALTA DE DENÚNCIA E DE FUNDAMENTAÇÃO DA CUSTÓDIA ORIGINÁRIA.

    O pedido de extradição instrutória não veio acompanhado de duas peças processuais essenciais ao exercício da ampla defesa: a acusação e a razão da custódia.

    (...)A falta da acusação formal impede a discussão acerca da natureza do fato objeto da

    imputação, a sua classificação como iliceidade penal ou civil, o local dos fatos e a partici-pação dos sujeitos ativos no desenvolvimento dessa realidade histórica.

    (...)O mandado de captura, desacompanhado da peça acusatória, é insuficiente para

    a análise do pedido, pois não se trata do texto advindo do órgão acusador, mas de um re-sumo que, por abstrair a imputação concreta, impede a integral cognição do ato acusató-rio. Acrescente-se que esse breve resumo não está acompanhado das peças do respectivo processo. Por isso, não é possível formular um controle seguro do pedido extradicional, até porque se desconhece se essa sinopse é compatível com um mínimo de prova pré-constituí da, necessária à instauração da causa penal.

    (...)Sem o exame das peças faltantes, não é possível reconhecer se meros e regulares

    atos de administração, praticados por um empregado de pessoa jurídica, podem estar sendo classificados como criminosos, de forma indevida.

    (...)

  • R.T.J. — 204960

    d. LOCAL DO CRIME E ILEGITIMIDADE DO ESTADO REQUERENTE.Os fatos imputados, se criminosos fossem, seriam crimes comuns de fraude, equipa-

    rados ao delito de estelionato, que é um crime material e que se consuma no momento e no lugar em que o sujeito ativo obtém a vantagem indevida, em prejuízo alheio.

    Esses fatos ocorreram em território espanhol (fl. 167), vige a regra geral da territo-rialidade, e não foi produzida prova alguma de que o Estado requerente, no caso concreto, poderia aplicar as suas leis internas à hipótese analisada, certo que nunca alegou a norma da extraterritorialidade. O deferimento do pedido, nos termos em que postos, implicaria a violação do princípio do juiz natural.

    Nos termos do art. 78, da Lei 6.815/1980, não se pode deferir a extradição porque o fato não aconteceu no território alemão e não há base alguma para a aplicação de seu direito à realidade histórica desenvolvida fora de sua jurisdição. Não se cuidou de instruir o pedido com a cópia do texto legal aplicável à pretensão de incidência do direito alemão aos fatos ocorridos fora de seu território (art. 80, da Lei 6.815/1980).

    e. ATIPICIDADE DE CONDUTA IMPUTADA.A leitura do denominado “Caso 2: Dr. Witte” (fl. 11) mostra que se transforma um

    simples negócio civil em imputação de crime. Houve um pedido de financiamento de um in-vestidor, foi estipulada taxa de administração e o eventual indeferimento da pretensão não pode tipificar uma iliceidade penal. Não há nenhuma imputação de conduta dolosa, de uma intenção pré-ordenada de receber a taxa e não cumprir com o compromisso de acompa-nhar o pedido de financiamento que, pela descrição formulada, não cabia ao extraditando.

    (...)f. PRESCRIÇÃO DE IMPUTAÇÃO.Um dos fatos resumidos no mandado de captura, o terceiro, está prescrito. Não se

    concede a extradição quando extinta a punibilidade pela prescrição (art. 77, inc. VI, da Lei 6.815/1980).

    Os dois outros prescreverão em data próxima, não se justificando a extradição para a persecução penal de fatos cuja prescrição é iminente. Assim como boa parte da jurispru-dência e da doutrina sustentam que se deve evitar a instauração de ação penal em relação a crimes cujas penas acham-se sujeitas a prazos de prescrição próximos, deve ser evitada a pri-são de extraditando que, encaminhado ao Estado requerente, terá a sua punibilidade extinta.

    g. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO.Com a superveniência da prescrição de um dos fatos imputados, com a evidência

    de que ao menos outro deles não passa de uma eventual infração civil, com a prescrição iminente dos fatos remanescentes, e com os modernos instrumentos do direito alemão para evitar causas penais fadadas ao insucesso ou pouco úteis, a extradição deve ser indeferida.

    (...)Acrescente-se que a legislação brasileira veda a extradição quando o nosso di-

    reito interno sancionar a conduta com pena igual ou inferior a um ano (art. 77, inc. IV, da Lei 6.815/1980). A pena estipulada para o estelionato é de um ano de reclusão (art. 171, “ caput”, CP), mostrando-se cabível a suspensão do processo (art. 89, da Lei 9.099/95), o que implica o indeferimento da extradição porque a mesma deve ser reservada para os autores de crimes graves.

    h. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA.(...)Além disso, as sumárias informações apresentadas pelo Estado requerente, mos-

    tram que a participação do extraditando nos fatos, ainda que fossem criminosos, o que se concede para fins de argumentação, é de menor importância.

    (...)Essa diminuta participação, caso condenado o extraditando, implicaria pena redu-

    zida e o seu desconto em regime aberto que, “data venia”, não recomendam a custódia e a extradição.(Grifei.)

  • R.T.J. — 204 961

    O Ministério Público Federal, em sua primeira manifestação nestes au-tos, requereu a seguinte diligência (fls. 288/289):

    4. Compulsando os autos, observa-se que o Estado requerente deixou de juntar a cópia autenticada e a tradução do texto legal relativo à suspensão e à interrupção do prazo prescricional dos crimes. Tais documentos, ressalte-se, são indispensáveis à completa ins-trução do pedido de extradição, na medida em que possibilitarão a análise, à luz do Código Penal alemão, da extinção da punibilidade do ora extraditando.

    5. Registre-se que as certidões de fls. 45/46 e 61/62 traduzidas, respectivamente, às fls. 47/49 e 63/64, não mencionam os marcos suspensivos e interruptivos da prescrição no Direito alemão, transcreveu-se tão somente o prazo e seu termo “a quo”.

    6. Não custa asseverar que os marcos suspensivos e interruptivos estão previstos no art. 78, alíneas “b” e “c”, do Código Penal alemão, vez que o mesmo encontra-se trans-crito no acórdão da Extradição nº 1027.

    7. Assim, visando à correta instrução do pedido, em obediência ao disposto no art. 80, “caput”, da Lei nº 6.815/90, é necessário que o Estado requerente providencie a juntada de cópia autenticada e tradução do texto legal relativo à suspensão e à interrupção do prazo prescricional previsto no Código Penal alemão.

    Ante o exposto, nos termos do art. 85, § 2º, da Lei nº 6.815/80, requeiro a Vossa Excelência seja oficiado ao eminente Ministro de Estado da Justiça para que solicite, por intermédio do Ministro das Relações Exteriores, ao Governo da Alemanha o cumprimento do referido mister, no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias.(Grifei.)

    Essa diligência foi deferida (fl. 291), dela resultando a produção dos do-cumentos que se acham a fls. 297/308.

    Após o cumprimento da diligência solicitada, o Ministério Público Federal, em nova manifestação, agora da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES, aprovada pelo eminente Chefe do “Parquet”, Dr. ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, opinou pelo deferimento deste pedido extradicional, em promo-ção de que transcrevo a passagem a seguir reproduzida (fls. 312/315):

    3. O extraditando foi interrogado (f ls. 166/168) e apresentou defesa técnica (fls. 239/250), oportunidade em que alegou, em síntese: a) constituição de família no Brasil; b) insuficiência dos documentos para a análise dos pressupostos da extradição; c) a incompetência do Estado requerente; d) a atipicidade das condutas; e) a prescri-ção do terceiro fato objeto do pedido de extradição e iminência em relação aos demais; f) menor potencialidade lesiva dos crimes; g) participação de menor importância. Instruíram-se a defesa com os documentos de fls. 251/276.

    4. Juntou-se cópia do texto legal relativo à suspensão e à interrupção do prazo prescricional previsto no Código Penal alemão (fls. 300/308), conforme requerido pelo Ministério Público Federal (fls. 288/289).

    5. Inicialmente, cumpre asseverar que a Nota Verbal nº 41 (fls. 04/06) contém os compromissos exigidos pelo art. 91, da Lei nº 6.815/80, encontrando-se o pedido de-vidamente instruído com cópias autenticadas do Mandado de Captura (fls. 10/12), dos textos legais pertinentes (fls. 16/18, 21/23 e 300/308) e identificação do extraditando (fls. 28/32).

    6. Ao contrário do que foi alegado pela defesa, o Estado requerente possui compe-tência para julgar os delitos imputados a MIKE BÜTTNER, pois é nacional alemão (fl. 55) e, consoante Nota Verbal nº 46 (fls. 04/06), as fraudes teriam sido praticadas através da agência de crédito Heeren, que é sediada em Oldenburg na Alemanha.

  • R.T.J. — 204962

    7. Os crimes não possuem conotação política o que afasta a vedação do art. 77, VII, do Estatuto do Estrangeiro.

    8. Não procede a alegação de insuficiência dos documentos juntados pelo Estado requerente. O Mandado de Captura (traduzido às fls. 10/12) indica, satisfatoriamente, o local, a data, a natureza e as circunstâncias dos fatos criminosos, possibilitando a análise do pedido de extradição.

    9. Não é possível, por sua vez, a análise, no âmbito do pedido de extradição, da ale-gada participação de menor importância do extraditando nos delitos que fundamentam a presente extradição. É sabido que o sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime de extradição passiva adotado pelo Brasil, não permite, salvo algumas exceções, indagações probatórias pertinentes ao ilícito criminal que justificou o ajuizamento do pe-dido de extradição.

    10. Segundo acusação constante do Mandado de Captura (fls. 10/12), o extradi-tando, juntamente com ACHIM FELTEN, teria praticado três delitos de “burla”, puníveis conforme os parágrafos 263 I; III 2 nº 1, 25 II, 53 do Código Penal alemão, pois, simulando proporcionar crédito a pessoas que o procuravam, obteve vantagens patrimoniais de forma ilícita, por intermédio da cobrança de taxas de disponibilização, causando prejuízos a terceiros.

    11. As três condutas atribuídas ao extraditando, consistentes na obtenção de van-tagens ilícitas em prejuízo alheio, valendo-se de meio fraudulento (cf. descrição de fl. 11), encontram correspondência no nosso ordenamento jurídico. Equivalem ao crime de este-lionato, previsto no art. 171, caput, do Código Penal.

    12. Relativamente à prescrição, aduz o extraditando a extinção da punibilidade do terceiro fato, qual seja, “Caso 3: Tews” (fl. 11), bem como a iminência da prescrição dos outros dois.

    13. Não assiste razão ao extraditando. De acordo com o § 78, alínea 3, 4, do Código Penal alemão, o crime de burla prescreve em cinco anos. Entretanto, com a expedição do mandado de prisão em 02/04/2003 (fls. 10/12), houve a interrupção do prazo prescricional, nos termos do § 78, c, item 5, do Código Penal alemão (fls. 301/302), iniciando novo prazo a partir de então.

    14. Sendo assim, há de se concluir que entre o cometimento dos crimes de burla (23/05/2002 “Caso 3: Tews”, 22/10/2002 “Caso 1: Frömmrich” e 25/10/2002 “Caso 2: Dr. Witte”) e a data da expedição do mandado de prisão, assim como entre esta e a presente data, não houve o transcurso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos.

    15. Também não há que se falar em extinção da punibilidade à luz do ordenamento jurídico brasileiro, pois o delito de estelionato é punido com pena máxima de 5 (cinco) anos de reclusão, tendo o prazo prescricional de 12 (doze) anos, nos moldes do artigo 109, inc. III, do Código Penal.

    16. Por fim, o fato de o extraditando ter família constituída no Brasil não se apre-senta como óbice a extradição, conforme jurisprudência dessa Corte, sendo aplicável a Súmula 421/STF.

    17. Ante o exposto, manifesta-se o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo deferi-mento do pedido de extradição.(Grifei.)

    Dei ciência, ao ora Extraditando (fl. 331), dos documentos produzidos a fls. 297/308 e a fls. 318/329, ocasião em que reiterou os termos da defesa ante-riormente apresentada (fls. 333/343):

    (...) A ausência de fundamento de fato e a falta de fundamentação adequada da ordem de prisão implicam a ineficácia desta para interromper a prescrição que, destarte, ocorreu, e impede a extradição (fl. 337).

    A tradição legislativa veda a extradição para os crimes de menor potencial ofen-sivo, reservando-a para os crimes de maior gravidade. Dispõe a Lei 6.815/80 que não se

  • R.T.J. — 204 963

    concederá a extradição quando “a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano” (art. 77, inc. IV). (fl. 338)

    A imputação indicada na ordem de prisão é desprovida de gravidade suficiente para ensejar a extradição. Nada obstante a classificação da gravidade do delito seja afeta ao direito brasileiro, o próprio direito do Estado requerente estipula pena alternativa, de multa, para o tipo ora estudado (fl. 16) e o classifica de “perseguição moderada” (fl. 300) (fls. 338/339).

    Da falta de comprovação de envolvimento no fato (fl. 339).O estudo dos autos, a partir do parco material fornecido pelo Estado requerente,

    é que o Estado competente para o julgamento é o da Espanha, o que tem reflexos do prin-cípio do juiz natural da causa e, nas circunstâncias, impede a extradição pretendida pela Alemanha (fl. 343).(Grifei.)

    Determinei, então, que se ouvisse, na condição de “custos legis”, a douta Procuradoria-Geral da República, que reiterou a manifestação de fls. 312/315, fazendo-o nos seguintes termos (fl. 347):

    O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em atenção ao despacho de fl. 345, vem ex-por o que se segue.

    2. Por meio da petição nº 163.976/2007, às fls. 318/329, o Ministério da Justiça en-caminhou a essa Corte os originais dos documentos que já haviam sido fornecidos pela Embaixada alemã em atendimento ao parecer ministerial de fls. 288/289.

    3. Foi dada ciência à defesa, que renovou os argumentos apresentados anterior-mente (fls. 333/343).

    4. Tendo em vista que os documentos apresentados pelo Estado requerente e os ar-gumentos da defesa já foram objeto de análise por este órgão, o Ministério Público Federal reitera os termos do parecer de fls. 312/315, manifestando-se pelo deferimento do pedido de extradição.(Grifei.)

    É o relatório.

    VOTO

    O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A República Federal da Alema-nha pretende a entrega extradicional de MIKE BÜTTNER, súdito alemão, con-tra quem existe, naquele País, acusação penal pela suposta prática dos crimes de “fraude” ou “burla”.

    A presente extradição, Senhora Presidente, reveste-se de caráter ins-trutório (YUSSEF SAID CAHALI, “Estatuto do Estrangeiro”, p. 363, 1983, Saraiva; GILDA RUSSOMANO, “A Extradição no Direito Internacional e no Direito Brasileiro”, p. 22, 2. ed., 1973, Konfino; MIRTÔ FRAGA, “O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado”, p. 318, 1985, Forense), eis que o ora Extraditando ainda não sofreu condenação definitiva pela suposta prática das infrações penais de fraude ou de estelionato.

    Entendo, primeiramente, que esta extradição reveste-se de plena legiti-midade e encontra fundamento jurídico no compromisso de reciprocidade formalmente assumido pelo Governo do Estado requerente (fls. 4/6).

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    É que não existe, entre o Brasil e a República Federal da Alemanha, tra-tado de extradição. Tal circunstância, contudo, não impede a formulação e o eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente, como no caso, prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (nota verbal) formalmente transmitido por via diplomática, conso-ante tem sido reiteradamente enfatizado pela jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 96/42, Rel. Min. RAFAEL MAYER – RTJ 145/428-430, Rel. p/ o ac. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 162/452, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – Ext 315/República Federal da Alemanha, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE – Ext 340/República Federal da Alemanha, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN – Ext 824/República Federal da Alemanha, Rel. Min. ELLEN GRACIE – Ext 897/República Tcheca, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

    Extradição. Tratado. Ausência que se supre com a promessa de reciprocidade. (...).(RTJ 91/8, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU – Grifei.)

    Cabe relembrar, neste ponto, por oportuno, que, além dos tratados bilaterais – que atuam, no contexto dos processos extradicionais, como ver-dadeiras “leges speciales” (RTJ 154/26, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 164/420-421 – Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) – também a promessa de reciprocidade constitui, em nosso sistema normativo, fundamento jurí-dico suficiente para legitimar a válida formulação do pedido de extradição passiva, consoante assinala o magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 249, item n. 5.98, 3. ed., 2000, Atlas; CAROLINA CARDOSO GUIMARÃES LISBOA, “A Relação Extradicional no Direito Brasileiro”, p. 126/128, item n. 2.1.2, 2001, Del Rey; GILDA MACIEL CORRÊA MEYER RUSSOMANO, “A Extradição no Direito Internacional e no Direito Brasileiro”, p. 48, item n. 2, 3. ed., 1981, Revista dos Tribunais; ARTUR DE BRITO GUEIROS SOUZA, “As Novas Tendências do Direito Extradicional”, p. 105, item n. 1.3, 1998, Renovar; LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO/VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, “Curso de Direito Constitucional”, p. 147, item n. 2.32, 6. ed., Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 382, item n. 16.1, 2002, Celso Bastos Editor; JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito Internacional Público”, p. 198/200, itens ns. 115/116, 7. ed., 1998, Saraiva; CARMEN TIBURCIO/LUÍS ROBERTO BARROSO, “Algumas Questões so-bre a Extradição no Direito Brasileiro”, “in” RT 787/437-460, 438).

    A existência, no caso, de promessa de reciprocidade formulada pelo Estado requerente, como resulta inequívoco da nota verbal apresentada ao Governo brasileiro (fls. 4/6), legitima o processamento, na espécie, da presente ação de extradição passiva, mostrando-se desnecessária a afirmação, nessa Nota Verbal, de que a República Federal da Alemanha adere, plenamente, “(...) a um sistema de administração da justiça penal que observe a ‘prevalência

  • R.T.J. — 204 965

    dos direitos humanos’, um dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras (art. 4º, inc. II, CF)” (fl. 241).

    Cabe destacar, inicialmente, que o mandado de captura expedido con-tra o ora Extraditando possui as informações necessárias aptas a indicar a natureza da prática delituosa atribuída ao súdito estrangeiro (fls. 10/12), obser-vando, no ponto, a exigência estabelecida pela jurisprudência firmada por esta Suprema Corte:

    EXTRADIÇÃO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA. INE-XISTÊNCIA DE TRATADO BILATERAL. PROMESSA DE RECIPROCIDADE EM CONDIÇÕES DE SER CUMPRIDA. DÚVIDAS SOBRE CORRETA IDENTIFICAÇÃO DO EXTRADITANDO. INEXISTÊNCIA. EXTRADITANDO QUE RESPONDE A PRO-CESSO NO BRASIL. FATOS DIVERSOS. PEDIDO DEFERIDO. EXTRADIÇÃO CON-DICIONADA AO CUMPRIMENTO DA PENA IMPOSTA NO BRASIL.

    1. O pedido de extradição foi formalizado nos autos, com mandado de prisão que indica precisamente o local, a data, a natureza e as circunstâncias dos fatos delituosos atribuídos ao Extraditando, transcrevendo os dispositivos legais da ordem jurídica alemã pertinentes ao caso. Observados os requisitos do art. 77 da Lei 6.815/80.

    2. Indícios de autoria e de materialidade evidenciados no mandado de prisão, que faz alusão a provas testemunhais e documentais do suposto envolvimento do Extraditando nos fatos que lhe são imputados.(Ext 1.015/República Federal da Alemanha, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Grifei.)

    Não se pode desconhecer, de outro lado, que o Estado requerente quali-fica-se como Estado verdadeiramente democrático, cujas instituições assegu-ram, em juízo penal, a qualquer réu, as garantias jurídico-processuais básicas reconhecidas pelas declarações internacionais de direitos.

    Cabe ressaltar que as infrações penais atribuídas ao Extraditando (fls. 10/12) acham-se desvestidas de caráter político. Constituem delitos co-muns, insuscetíveis de julgamento perante órgãos judiciários ou tribunais de exceção no Estado requerente, cuja Lei Fundamental – a Lei Fundamental de Bonn – expressamente proclama a inadmissibilidade dos juízos “ad hoc” (art. 101):

    Artigo 101[Vedação dos tribunais de exceção]Não serão admitidos tribunais de exceção. Ninguém poderá ser retirado da juris-

    dição de seu juízo legítimo.Tribunais para campos legais específicos só poderão ser instituídos por lei.

    (Grifei.)

    O súdito estrangeiro em questão deverá ser julgado, na República Federal da Alemanha, por órgãos do Poder Judiciário que se conformam às exi-gências impostas pelo princípio do juiz natural, em tudo compatíveis com as diretrizes que esta Suprema Corte firmou a propósito de tão relevante postulado constitucional (RTJ 169/557, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 179/378-379, Rel. Min. CELSO DE MELLO):

  • R.T.J. — 204966

    O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITU-CIONAL INDISPONÍVEL ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PER-SECUÇÃO PENAL.

    – O princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes ma-trizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do poder público, das funções de caráter penal-persecutório, notadamente quando exercidas em sede judicial.

    O postulado do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de du-pla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem por titular qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal in-cumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal.

    É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo – considerado o princípio do juiz natural – que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão me-diante julgamento pela autoridade judicial competente. Nenhuma pessoa, em conseqüên-cia, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do Estado – consagrou, agora, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política, prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.(RTJ 193/357-358, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

    Como anteriormente destacado, a República Federal da Alemanha pre-tende a entrega extradicional do súdito alemão em causa, contra quem existe, naquele País, acusação penal pela suposta prática de 3 (três) crimes de “burla”, como resulta claro da seguinte passagem constante do “mandado de detenção” (fls. 10/12):

    É decretada prisão preventiva a Sr. Mike Büttner, nascido a 30.07.1965 em Poebneck, Gerente da empresa International Lam na Capital Group, S.L. Sede: Avenida de dela Francia n.º 161, Esc. 5-E, 46024 Valência/Espanha.

    Ele é argüido, no período de 23.05.2002 a 28.10.2002 em Oldenburg, Hamburgo, Berlim, Ganderkesee e Valência/Espanha devido a três delitos, contudo em conjunto com as seguintes pessoas, procuradas separadamente Achim Felten, por, com a intenção pro-fissional de conseguir vantagens materiais ilícitas para si ou para terceiros ter lesado o patrimônio de outros, induzindo em erro ou mantendo o erro através de alegação de factos inexistentes ou distorção ou omissão de factos verdadeiros.

    Acusação:Em virtude de uma iniciativa comum geriam a empresa alegadamente existente

    International Law und Capital Group com sede em Valência/Espanha e outras filiais na Europa. Para aparentar credibilidade, o argüido Felten exibia duas licenciaturas no âm-bito do direito e apresentava-se como proprietário de um escritório de advogados com sede em Begrenz/Áustria e outras filiais. A actividade dos argüidos Felten e Büttner centrava-se na simulação de proporcionar crédito a pessoas que o procuravam, a cobrar taxas de disponibilização e a utilizar este dinheiro para fins próprios, de forma adversa ao acordo. Nunca teve a intenção de proporcionar crédito efectivamente.

    Caso 1: Frömmrich,Os argüidos Felten e Büttner simularam ter efectuado, através da agência de cré-

    dito Heeren sediada em Oldenburg, com base neste plano de actividades, um crédito de no mínimo 7,8 milhões de Euros ao investidor Hermann Frömmrich de Hamburgo. A taxa de empréstimo deveria ser paga através de um banco. Para efeitos de segurança, o banco teria tido à sua disposição uma garantia bancária de um banco suíço, que, por sua vez, exigia para tal uma taxa de disponibilização no valor de 73.170,– Euros, que teriam de ser pagos através do mediador Law e Capital Group.

  • R.T.J. — 204 967

    O cliente Frömmrich efectuou em boa-fé o pagamento desta taxa de disponibiliza-ção, negociado telefonicamente com o argüido Felten a 22.10.2002 e facturado pela Law und Capital Group a 23.10.2002, numa mediação seguinte a 28.10.2002 para a conta da Law und Capital Group no banco Cam Benitachel em Alicante/Espanha. Depois, os argüi-dos Felten e Büttner iludiram o investidor, fazendo-o esperar por um envio dos documentos do contrato, até o contacto ser totalmente perdido a meio de Novembro de 2002. Nunca aconteceu a mediação de um crédito.

    Caso 2: Dr. Witte:Em virtude de um pedido de crédito do investidor Dr. Witte iniciado pela agência

    de crédito Heeren, a empresa Law und Capital Group comunicou ao lesado através do ar-güido Büttner por escrito em 28.08.2002, que poderia ser efectuado um financiamento de 60 milhões de USD. Numa carta de 08.10.2002 o argüido Felten comunicou que o financia-mento ocorreria até 08.11.2002. A condição seria o pagamento da quantia total de 270.000 USD para a conta da empresa Law und Capital Group no banco CAM. Após a transferência do dinheiro, o Dr. Witte obteve, para sua segurança, a 25.10.2002, dois cheques relaciona-dos com esta quantia, que no acto da apresentação, não tinham cobertura. Na respectiva conta encontravam-se 7,00 euros. No momento do depósito, os argüidos já tinham inter-rompido a comunicação com o Dr. Witte. Nunca aconteceu a mediação de um crédito.

    Caso 3: Tews:No Verão de 2002 O empresário Tews dirigiu-se ao Law und Capital Group por in-

    termédio de Heeren para receber um crédito no montante de (valor ilegível). Os argüidos Felten e Büttner confirmam o intermédio a 05.07.2002. A 23.05.2002 Tews celebrou um contrato de gestão comercial com o Law und Capital Group, segundo o qual este deve-ria alcançar um conceito de financiamento e negociar um crédito. Para tal, Tews pagou, no âmbito do contrato, um reembolso de despesas de 4002 Euros. No entanto, o Law und Capital Group não desenvolveu actividades para Tews.

    Processo punível conforme os parágrafos 263 1; 32 n.º 1, 25 II, 53 do Código Penal.Os argüidos Felten e Büttner são instantaneamente suspeitos devido às declara-

    ções dos lesados Frömmrich, Dr. Witte e Tews, a declaração do cúmplice Heeren, assim como os documentos apresentados e confiscados, assim como as outras investigações da inspecção policial de Oldenburg.

    Há motivo para detenção devido à fuga, parágrafo 112 II n.º 1 regulamento do có-digo penal.

    O argüido Büttner tem paradeiro desconhecido. Desde 01.08.2001 anunciou a sua partida para Espanha, é no entanto residente parcialmente na Alemanha com a sua esposa. É procurado já noutro local. A morada da empresa International Law und Capital Group mencionada pelo argüido é, segundo determinações da polícia, uma morada fictícia.(Grifei.)

    A pretensão extradicional deduzida pela República Federal da Alemanha satisfaz, a meu ver, a exigência concernente ao postulado da dupla tipicidade.

    É que os delitos imputados ao súdito estrangeiro – burla qualificada/fraude – encontram plena correspondência típica no art. 171 (estelionato) do Código Penal brasileiro, que dispõe:

    Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, in-duzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.(Grifei.)

    A legislação penal alemã, por sua vez, ao tipificar o delito de burla, as-sim define esse ilícito penal:

  • R.T.J. — 204968

    § 263 Código Penal – Burla(1) Aquele que, com a intenção de alcançar uma vantagem patrimonial ilícita para

    si ou para terceiros, prejudica o patrimônio de outro, induzindo-o em erro ou mantendo o erro através de alegação de factos inexistentes ou distorção ou omissão de factos verdadei-ros incorre numa pena de prisão de até 5 anos ou multa.

    (2) A tentativa é punida por lei.(3) Em casos muito graves, a pena de prisão é de um a dez anos.(4) São aplicados respectivamente o § 243, alínea 2 e §§ 247 e 248a.(5) O tribunal pode decretar vigilância da conduta (§ 68, alínea 1).

    (Grifei.)

    Vê-se, por isso mesmo, que as infrações penais, cujas supostas práticas ensejaram este pedido extradicional, atendem a exigência da dupla tipici-dade, eis que os crimes de burla qualificada atribuídos ao ora Extraditando acham-se definidos como fatos delituosos tanto na legislação penal do Estado requerente (Código Penal alemão, parágrafo 263, n. 3 – fl. 16), quanto no ordenamento positivo vigente no Brasil (CP, art. 171), o que se mostra sufi-ciente para satisfazer o postulado da dupla incriminação, na linha do que tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ 162/452 – RTJ 176/73-74):

    EXTRADIÇÃO – DUPLA TIPICIDADE E DUPLA PUNIBILIDADE.– A possível diversidade formal concernente ao “nomen juris” das entidades deli-

    tuosas não atua como causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil e no Estado estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional.

    O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencial ao atendi-mento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto.

    O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a pre-sença dos elementos estruturantes do tipo penal (“essentialia delicti”), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos.(Ext 977/República Portuguesa, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

    Extradição: delitos de “burla qualificada” (Código Penal alemão, art. 263, alí-neas 1 e 3) e “desvio” (Código Penal alemão, art. 246, alíneas 1 e 2), à base da imputação de fatos que, no direito brasileiro, encontram adequação no crime de estelionato (Código Penal art. 171, caput): dúplice incriminação dos fatos: demais pressupostos legais atendi-dos: deferimento.(Ext 1.004/República Federal da Alemanha, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)

    Cabe registrar, no ponto, que a defesa do ora Extraditando alega a “atipicidade” da segunda conduta atribuída ao súdito estrangeiro (caso dois: Dr. Witte, fl. 245), sustentando, para tanto, que a “leitura do denominado ‘Caso 2: Dr. Wittte’ mostra que se transforma um simples ‘negócio civil’ em imputação de crime” (fl. 245).

  • R.T.J. — 204 969

    Destaco, por isso, quanto ao fato descrito no mandado de captura, a se-guinte passagem (fl. 11):

    Em virtude de um pedido de crédito do investidor Dr. Witte iniciado pela agência de crédito Heeren, a empresa Law und Capital Group comunicou ao lesado através do ar-güido Büttner por escrito em 28.08.2002, que poderia ser efectuado um financiamento de 60 milhões de USD. Numa carta de 08.10.2002 o argüido Felten comunicou que o financia-mento ocorreria até 08.11.2002. A condição seria o pagamento da quantia total de 270.000 USD para a conta da empresa Law und Capital Group no banco CAM. Após a transferência do dinheiro, o Dr. Witte obteve, para sua segurança, a 25.10.2002, dois cheques relaciona-dos com esta quantia, que no acto da apresent