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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 200 – número 2 abril a junho de 2007 páginas 631 a 1036

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Page 1: Revista Trimestral de Jurisprudência · 2008-09-11 · Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) ... em sessão plenária,

Revista Trimestral de Jurisprudência

volume 200 – número 2abril a junho de 2007páginas 631 a 1036

Page 2: Revista Trimestral de Jurisprudência · 2008-09-11 · Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) ... em sessão plenária,

Diretoria-GeralSérgio José Américo Pedreira

Secretaria de DocumentaçãoAltair Maria Damiani Costa

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

Seção de Preparo de PublicaçõesLeide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesLeila Corrêa Rodrigues

Diagramação: Cláudia M. de Oliveira, Joyce Ferreira e Manoel V. Santana

Capa: Núcleo de Programação Visual

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo TribunalFederal, Coordenadoria de Divulgação deJurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . –Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.

v. 200-2; 22 cm.

Três números a cada trimestre.

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; SupremoTribunal Federal 2007- .

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. SupremoTribunal Federal (STF).

CDD 340.6

Solicita-se permuta.Pídese canje.On demande l'échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.Wir bitten um Austausch.

STF/CDJUSAANQd. 3, Lt. 915, 1º andar72220-000 – Brasí[email protected]: (0xx61) 3403-3795

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-PresidenteMinistro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, PresidenteMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias MelloMinistro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTOMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha

SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDESMinistro Antonio CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

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COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCEMinistro GILMAR MENDESMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro EROS GRAU – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURÉLIOMinistro CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM BARBOSA

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro CARLOS BRITTOMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDESMinistro CEZAR PELUSOMinistro EROS GRAU

COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS ................................................................................................631

DECISÕES MONOCRÁTICAS .............................................................. 1011

ÍNDICE ALFABÉTICO ................................................................................. . I

ÍNDICE NUMÉRICO .............................................................................. XXV

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ACÓRDÃOS

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AGRAVO REGIMENTAL NA ARGÜIÇÃO DE SUSPEIÇÃO 38 — PR

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GracieAgravante: Mozarte de Quadros — Agravado: Relator da Rcl 4.047 do Supremo

Tribunal FederalAgravo regimental. Suspeição do Relator argüida após o qüinqüídio

regimental. Intempestividade. Art. 279 do Regimento Interno do SupremoTribunal Federal.

1. A finalidade da exceção de impedimento ou de suspeição é afastar omagistrado eventualmente impedido ou suspeito da condução do processoantes do julgamento da causa.

2. Argüição de suspeição oferecida a destempo.3. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-nal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental, nostermos do voto da Relatora.

Brasília, 30 de junho de 2006 — Ellen Gracie, Relatora e Presidente.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de agravo regimental interposto por Mozartede Quadros da decisão que negou seguimento à argüição de suspeição do Relator da Rcl4.047/PR, Ministro Gilmar Mendes, por intempestividade.

2. Sustenta o Agravante, em síntese:

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a) a existência de parcialidade do Relator da Rcl 4.047/PR, Ministro Gilmar Mendes,consubstanciada no cerceamento a advogado, ante a ausência de apreciação da falta depublicação do nome do advogado constituído no RE 120.927/PR, tendo sido intimadoapenas o Recorrente e ora Agravante, que, por motivo de força maior, se encontravaimpedido de advogar por estar doente à época, conforme documentos juntados aos autosda referida reclamação;

b) a tempestividade do ajuizamento da presente argüição de suspeição, porquantosomente se pode verificar o cerceamento do advogado pelo ato em si;

c) a existência de divergência ideológica entre o Agravante e o Ministro GilmarMendes, a qual se teria exacerbado no Tribunal Superior Eleitoral;

d) a nulidade da decisão proferida no RE 120.927/PR, por omissão nas publicaçõesdo nome de advogado regularmente constituído;

e) a superação do trânsito em julgado certificado nos autos do RE 120.927/PR,diante da nulidade da intimação anteriormente mencionada.

3. Requer, ao final, o reconhecimento da suspeição do Ministro Gilmar Mendes,Relator da Rcl 4.047/PR, anulando-se os atos nela praticados, nos termos do art. 285 doRISTF, bem como a remessa de cópia dos autos ao Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil, para o fim de assegurar a prerrogativa do exercício profissional e deresponsabilizar o referido Ministro na forma do art. 52, II, da Constituição Federal.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): 1. A presente argüição de suspeição foioferecida a destempo, dado que a Rcl 4.047/PR foi distribuída em 9-2-06, quinta-feira,exaurindo-se o qüinqüídio regimental em 14-2-06, terça-feira, nos termos do art. 279 doRegimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

2. A petição da argüição somente foi apresentada em 2-5-06 (fl. 2).3. A finalidade da exceção de impedimento ou de suspeição é afastar o magistrado

eventualmente impedido ou suspeito da condução do processo antes do julgamento dacausa.

4. Meu voto é pela manutenção da decisão agravada.

EXTRATO DA ATA

AS 38-AgR/PR — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Agravante: Mozarte de Quadros(Advogado: Simon Gustavo Caldas de Quadros). Agravado: Relator da Rcl 4.047 doSupremo Tribunal Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nostermos do voto da Relatora, Ministra Ellen Gracie (Presidente). Ausentes, justificadamente,os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Eros Grau e Cármen Lúcia.

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Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e RicardoLewandowski. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva deSouza.

Brasília, 30 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 347 — SP(ADI 347-MC na RTJ 135/2)

Relator: O Sr. Ministro Joaquim BarbosaRequerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa

do Estado de São Paulo

Ação direta de inconstitucionalidade. Constituição do Estado de SãoPaulo. Art. 74, XI. Controle de constitucionalidade, pelo Tribunal de Justiça, delei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. Procedência.

É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depoisde 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercero controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipaisem face da Constituição Federal. Precedentes.

Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de SãoPaulo.

Pedido julgado procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgarprocedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 20 de setembro de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidadeprovocada por representação do Presidente da Câmara Municipal de São Paulo e ajuizadapelo Procurador-Geral da República contra a expressão “Federal” constante do inciso XIdo art. 74 da Constituição do Estado de São Paulo.

O dispositivo impugnado estabelece o seguinte:

Art. 74. Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição,processar e julgar originariamente:

XI - a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, contes-tados em face da Constituição Federal. (Grifei.)

Alega o Requerente que a expressão atacada viola o art. 125, § 2º, da ConstituiçãoFederal.

As razões trazidas pela representação da Câmara Municipal de São Paulo enfatizamque a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal antes da Constituição de1988 era clara no sentido da impossibilidade de tribunais de justiça estaduais exerceremcontrole de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Federal. A

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vedação a tal controle teria persistido depois da promulgação da Constituição de 1988, aqual reforçaria a idéia de que o controle concentrado de constitucionalidade somente écabível nas hipóteses estritamente indicadas em seu texto.

Submetido o pedido liminar a julgamento, a Corte decidiu por sua procedência. Orespectivo acórdão tem a seguinte ementa:

- Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de suspensão liminar da expressão “Federal”contida no inciso XI do art. 74 da Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 5 deoutubro de 1989, o qual atribui competência ao Tribunal de Justiça para processar e julgaroriginariamente “a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal emface da Constituição Federal”.

- Ocorrência, no caso, de relevância da fundamentação jurídica do pedido, bem como deconveniência da suspensão liminar da eficácia da expressão impugnada.

Liminar deferida para suspender a eficácia da expressão “Federal” contida no inciso XI doart. 74 da Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 5 de outubro de 1989.

Nas informações, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo enfatiza que amudança promovida pela Constituição de 1988, por meio da qual se elevou o município aograu de ente federativo, teria gerado a necessidade de mudança da jurisprudência conso-lidada na vigência da Constituição anterior. Ademais, argumenta, a Constituição de 1988teria colocado no mesmo patamar o controle difuso e o controle concentrado, de modoque não se justificaria a impossibilidade de exercício da forma concentrada de controledos atos municipais em face da Constituição Federal. Finalmente, o silêncio da Lei Maiorem relação ao controle de constitucionalidade de atos municipais em face da Constituiçãonão impediria que os tribunais de justiça o fizessem.

A Advocacia-Geral da União opina pela improcedência do pedido. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, baseada na jurisprudência desta Corte, anterior e posteriorà promulgação da Constituição de 1988, manifesta-se pela procedência do pedido.

É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Diante da jurisprudência mais que pacíficada Corte, o caso merece poucas considerações.

A Constituição do Estado de São Paulo estabelece a competência do Tribunal dejustiça estadual para analisar, de maneira concentrada, a constitucionalidade de leismunicipais em face da Constituição Federal.

A jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal antes do advento daCarta de 1988 considerava inconstitucional uma tal disposição de constituição estadual.No entanto, mesmo depois da promulgação da Constituição de 1988, o entendimento daCorte permaneceu inalterado.

Uma das decisões mais recentes sobre o assunto leva facilmente à conclusão deque são consistentes os argumentos expendidos na inicial. Com efeito, o Tribunal, porocasião do julgamento da ADI 409 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), por unanimidade,consagrou:

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Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restritoà fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais – sejam estaduais ou municipais –, emface da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga compe-tência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidadede normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes.

O mesmo posicionamento foi esposado no julgamento da ADI 209 (Rel. Min. SydneySanches, DJ de 11-9-98), da ADI 508 (Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 23-5-03), da ADI699-MC (Rel. Min. Octavio Galotti, DJ de 24-4-92) e da Rcl 337 (Rel. Min. Paulo Brossard,DJ de 19-12-94), entre outros.

Por fim, é importante assinalar, considerando a defesa, pela Assembléia Legislativa,da norma impugnada, que a argüição de descumprimento de preceito fundamental oferecealternativa de controle concentrado para a aferição da constitucionalidade das leis muni-cipais. Embora não me comprometa com a tese da constitucionalidade da Lei 9.882/99, querege a ADPF, ainda em discussão neste Supremo Tribunal Federal, é inegável sua presunçãode constitucionalidade, até que haja um juízo de constitucionalidade em contrário estabe-lecido pelo Tribunal.

Do exposto, julgo procedente o pedido, para declarar inconstitucional a expressão“Federal” constante do inciso XI do art. 74 da Constituição do Estado de São Paulo.

EXTRATO DA ATA

ADI 347/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Requerente: Procurador-Geralda República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Advogado:Alexandre Issa Kimura).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos dovoto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Ausentes,justificadamente, as Ministras Ellen Gracie (Presidente) e Cármen Lúcia e, neste julgamento,o Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, CarlosBritto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 20 de setembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 688 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos BrittoAgravante: José Paulo Piccolotto Naccarato — Agravado: Conselho Superior da

Magistratura do Estado de São Paulo

Agravo regimental. Medida cautelar incidental à ADI 2.415. Concursopúblico para outorga de delegações de notas e de registro. Exclusão deserventia. Decisão que negou seguimento ao pedido.

Descabimento da medida cautelar, regulada pelo Código de ProcessoCivil, porque se trata de processo subjetivo, que não se aplica às ações diretasde inconstitucionalidade, pela natureza objetiva destas últimas. Ademais, acautelar inerente à ADI 2.415 já foi examinada e indeferida nos autos próprios,não sendo admissível o seu rejulgamento para surtir efeitos concretos comrelação ao Autor, titular de serventia desmembrada.

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unani-midade de votos, desprover o agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 12 de junho de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra a decisãoque, apoiada no § 1º do art. 21 do RISTF, negou seguimento à medida cautelar ajuizada porJosé Paulo Piccolotto Naccarato, Tabelião de Protesto de Títulos da Comarca de RibeirãoPreto. Segundo o Requerente, essa medida cautelar é incidental à ADI 2.415, propostapela Anoreg/Brasil.

2. A ADI 2.415, a seu turno, tem em mira o Provimento 747/00, alterado pelo Provi-mento 750/01, ambos do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Deacordo com a respectiva inicial, falece competência ao Poder Judiciário bandeirante parareorganizar os serviços notariais e de registro, mediante delegação, acumulação, criação,extinção e desdobramento de serventias. Esse papel caberia exclusivamente à lei, emsentido formal e material.

3. Muito bem. A medida cautelar na referida ação direta (relatada pelo Ministro IlmarGalvão) foi indeferida, por maioria, em 13-12-01. Por conseqüência, o Tribunal de Justiçade São Paulo realizou o Terceiro Concurso Público de Provas e de Títulos para Outorga deDelegações de Notas e de Registro naquele Estado; concurso esse que se encontra nafase derradeira, colocando em disputa, entre outros, o Segundo Tabelionato de Protestode Letras e Títulos de Ribeirão Preto.

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4. Acontece que esta serventia resulta do desmembramento do cartório titularizadopelo Requerente. Sendo assim – raciocina o Autor –, a eiva de inconstitucionalidade quecontamina os provimentos impugnados estende-se logicamente ao ato que determinou afeitura do concurso, com a inclusão da serventia desmembrada. De todo modo, ainda quese considere válido o fatiamento do cartório primário, o novo notariado só poderia serobjeto de concorrência quando ocorresse a vacância da atual delegação.

5. Assim, por acreditar nessa linha de raciocínio e dada a urgência do caso, o Reque-rente ajuizou, solitariamente, esta medida cautelar, na qual pediu que se excluísse domencionado concurso público o novel Segundo Tabelionato de Protesto de Letras eTítulos de Ribeirão Preto. Alternativamente pediu, ainda em caráter liminar, a reserva destaserventia até o julgamento definitivo da ADI 2.415.

6. Esclareço agora aos eminentes Pares que neguei seguimento à cautelar por doisfundamentos: o primeiro, atinente à impossibilidade jurídica do pedido, visto que o Autorse utilizou, impropriamente, do processo subjetivo (ação cautelar regulada pelo CPC) parainterferir em um processo de índole objetiva. Como segundo fundamento, levei em contaque o Requerente pretendia, no fundo em benefício próprio, reverter o indeferimento damedida cautelar alusiva à ADI 2.415.

7. Daí surgiu o agravo regimental de fls. 39/56, em que são repisados os fundamentosda inicial, centrados no raciocínio de que as cautelares concedidas nas ADI 3.319 e 3.331devem ter seus efeitos estendidos à citada ADI 2.415 e, por decorrência, à presente medidacautelar, de sorte a garantir a reserva da vaga resultante do desdobramento do Tabelionatotitularizado pelo Agravante.

8. Pareceu-me oportuno, no passo seguinte, ouvir o ilustrado Ministério PúblicoFederal, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 59/64).

9. Finalmente, anoto que mantive o meu ponto de vista e, por isso, submeto o agravoà elevada apreciação do Plenário.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Por um dever de fidelidade com oseminentes Pares, transcrevo a parte nuclear da decisão agravada, in verbis (fls. 33/35):

6. Concluído este breve relatório, adianto a minha convicção de que o feito não merecetrânsito nesta egrégia Corte, por dois bons motivos. O primeiro decorre do fato de que o Autor seutiliza do processo subjetivo (ação cautelar regulada pelo CPC) para se embrenhar em um proces-so de índole objetiva, de controle concentrado, ou abstrato, de constitucionalidade. São grandezasdiferentes, um e outro – digo eu. A água e o óleo. Não se misturam. Daí o acerto com que sepronunciou a ilustrada Procuradoria-Geral da República, na AO 991, com as seguintes palavras:“(...) o julgamento em sede de ação direta de inconstitucionalidade não envolve discussão sobresituações de caráter individual ou de natureza concreta. Mas, limita-se apenas ao exame meramenteabstrato e objetivo da compatibilidade entre determinado ato normativo e o texto da Constituição.Não se busca, em sede de jurisdição concentrada de constitucionalidade, a tutela de interessessubjetivos, mas, tão-somente, a integridade do ordenamento constitucional (...).”

7. Devo registrar, ademais, que esse entendimento foi exteriorizado no julgamento da AC349, de minha relatoria, feito em 16-2-05. Tratava-se, no caso, de exceções de suspeição emrepresentação de inconstitucionalidade, aforada no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

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R.T.J. — 200 641

8. Por outro lado – e agora já estou falando do segundo fundamento que impede o êxitoda presente medida –, a leitura da inicial leva à conclusão de que o Autor busca, individualmente,o resultado que a Anoreg/Brasil não alcançara abstratamente no exame da medida cautelaralusiva à ADI 2.415. No fundo, ele quer o rejulgamento da referida cautelar, agora no interessepróprio. Há fatos novos – diz o peticionário – decorrentes da circunstância de que o concursojá se encontra na fase final, apto a produzir efeitos praticamente irreversíveis. Essa realidade,todavia, não infirma o juízo provisório firmado pelo Supremo Tribunal Federal, naquele julga-mento, do seguinte teor:

(...)Não se tratando da criação de novos cargos públicos, possuem os Tribunais de Justiça

estaduais competência para delegar, acumular e desmembrar serviços auxiliares dos juízos,ainda que prestado por particulares, como os desempenhados pelas serventias judiciais.

(...)9. Aqui, é importante frisar que o autor, à luz do art. 103 da Magna Carta, não detém

legitimidade para ingressar, ainda que por via oblíqua ou incidental, nos domínios da referida açãodireta, em busca de uma reavalição do que nela fora decidido em 13-12-01. Se tal fosse permitido,ter-se-ia de abrir as mesmas portas para qualquer pessoa física que demonstrasse algum interesseno desfecho dela, ação direta. Poderiam manifestar-se os atuais tabeliães e os candidatos inscritosno mencionado concurso, que têm interesses contrapostos. Cada um com sua medida cautelar eseu pedido específico. Ou cada um com sua defesa. Esse cenário, pontilhado de situações de caráterindividual, alheias à figura do amicus curiae, levaria à descaracterização do controle abstrato.

10. Dito isso, e considerando que o art. 7º da Lei 9.868/99 não admite a intervenção deterceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, há de se aguardar o julgamento demérito da ADI 2.415, o que deverá acontecer sem maiores delongas.

11. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido, na forma do art. 21, § 1º, do RISTF, e do art.38 da Lei 8.038/90. Em conseqüência, fica prejudicado o exame do requerimento de liminar.

12. Feita a transcrição do decisum impugnado, observo que as razões do recursoapenas reforçaram os argumentos expendidos na inicial, sem nenhuma inovação quepudesse abalar meu convencimento. Por isso, voto pelo desprovimento do agravo.

EXTRATO DA ATA

AC 688-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: José Paulo PiccolottoNaccarato (Advogado: Frederico Henrique Viegas de Lima). Agravado: Conselho Superiorda Magistratura do Estado de São Paulo.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termosdo voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Ricardo Lewandowski e, nestejulgamento, a Ministra Ellen Gracie (Presidente) e o Ministro Marco Aurélio. Presidiu ojulgamento o Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 12 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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EXTRADIÇÃO 965 — REPÚBLICA ITALIANA

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRequerente: Governo da Itália — Extraditando: Nereo Zanghi

Extradição. Passiva. Pendência, no Brasil, de processo criminal contra oextraditando, por fato diverso. Irrelevância. Medida que, deferida, terá suaefetivação sujeita à discricionariedade do Governo da República do Brasil.Extradição concedida nesses termos. Inteligência do art. 89, c/c os arts. 67 e90, da Lei 6.815/80. Precedentes. Não impede a extradição o fato de o extradi-tando estar sendo processado ou ter sido condenado, no Brasil, por fato diverso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Sepulveda Pertence, na confor-midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir aextradição. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Nelson Jobim(Presidente).

Brasília, 7 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de extradição do nacional italianoNereo Zanghi, formalizado pelo Governo da Itália, com fundamento em tratado firmado em17-10-89 e promulgado pelo Decreto 863, de 9-7-1-93.

O pleito baseia-se em ordem de prisão expedida, em 17 de abril de 2002, pelo Juiz deInvestigações Preliminares junto ao Tribunal de Bolonha, sob fundamento da prática docrime de compra ilícita e venda de substâncias entorpecentes (art. 73 do Decreto doPresidente da República 309, de 9-10-90).

O Extraditando foi condenado, nos termos do acórdão proferido nos autos doProcesso 2.161/04, às penas de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e multa no valor de24.000 euros (fls. 443-445).

Vieram aos autos cópias dos preceitos penais italianos aplicáveis ao caso (fls. 118-121; 387-395), bem como dos documentos exigidos pelo Estatuto do Estrangeiro1, comindicações sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato delituoso imputado aoExtraditando.

Preenchidos os requisitos previstos no art. 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980,foi decretada a prisão preventiva do Extraditando em 10 de dezembro de 2004, expedindo-se,

1 “Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estadoque a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo ser o pedido instruído com cópia autênticaou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferidapor juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conteráindicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade doextraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.”

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para tanto, o respectivo mandado. Em 13 de dezembro daquele ano, o Extraditando foipreso e encaminhado ao Presídio Ary Franco, na cidade do Rio de Janeiro/RJ.

Em 12 de julho de 2005, o Extraditando foi transferido para o Presídio EsmeraldinoBandeira, a fim de ser submetido a tratamento médico-hospitalar.

Mediante o Aviso 1.562/MJ, de 28 de julho de 2005, o Ministro de Estado da Justiçajuntou aos autos a documentação complementar recebida da Embaixada da Itália por viasdiplomáticas e que instruiu a Nota Verbal 149:

A Embaixada da Itália apresenta os seus melhores cumprimentos ao Ministério das RelaçõesExteriores da República Federativa do Brasil e, com base no Tratado de Extradição entre aRepública Italiana e a República Federativa do Brasil firmado em Roma a 17 de outubro de 1.989,vem com a presente atender o pedido de integração de documentação, formulado pelo Exmo.Min. Relator do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, no âmbito do procedimento de extradiçãodo cidadão italiano Nereo Zanghi (Ext. 965).

A tal fim a Embaixada da Itália especifica que a sentença ainda não tornou-se definitivaportanto envia em anexo o dispositivo de sentença com a relativa tradução em português e osartigos relativos a prescrição.

Ressalta-se no entanto que a ordem de custódia cautelar emitida em 17 de abril de 2002permanece válida.

A embaixada da Itália agradece antecipadamente e vale-se do ensejo para renovar aoMinistério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil os protestos da sua maiselevada estima e consideração. (Fl. 442.)

Impetrou-se, então, ordem de habeas corpus2 em favor do Extraditando, distribuídaao Min. Carlos Velloso, sob alegação de “constrangimento ilegal que sofre o paciente emface da prisão preventiva mantida após esgotado o prazo para a formalização do pedidode extradição por parte do estado requerente” (fls. 166-170). Tal ação mandamental não foiconhecida em razão do enunciado da Súmula 6923.

Delegado o ato de interrogatório à Justiça Federal no Rio de Janeiro (art. 211 doRISTF4), o Extraditando, devidamente assistido por procuradora constituída, informouque “reconhece apenas parte dos fatos delituosos narrados no pedido de extradiçãopelos quais em ciência de que fora condenado, como procedente; que deseja que seupedido de extradição seja logo atendido já que deseja voltar imediatamente para seu paíspara cumprir a pena (...)” (fls. 141-143).

A defesa “nada tem a se opor ao pedido de extradição requerido pelo GovernoItaliano” (145-147).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão do pedido extradicional(fls. 468-470).

É o relatório.2 HC 85.505.3 “Súmula 692. Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundadoem fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito.”4 “Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do extraditando a juiz do local onde estiverpreso. Parágrafo único. Para o fim deste artigo, serão os autos remetidos ao juiz delegado, que os devolveráuma vez apresentada a defesa ou exaurido o prazo.”

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição passiva formuladopela República Italiana, com fundamento em tratado firmado com a República Federativa doBrasil e, devidamente instruído com os documentos mencionados no art. 80 do Estatuto doEstrangeiro, está em harmonia com a ordem jurídica brasileira (fls. 3-121, 179-395 e 442-460).

Observo estar presente uma das duas hipóteses que autorizam a concessão daextradição segundo a Lei 6.815/90, ou seja, que é a decretação da prisão do extraditandopor juiz, tribunal ou autoridade competente, no Estado requerente (inciso II do art. 78).

Não obstante subsista válida a ordem de prisão cautelar proferida, em 17 de abril de2002, pelo Juiz de Investigações Preliminares do Tribunal de Bolonha (Autos 747/02, fls.442), juntou-se cópia do acórdão da Apelação 2.161, em que o Tribunal de Apelação deBolonha reformou parcialmente a sentença condenatória, para fixar a pena do Extraditandoem 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (fls. 443-444).

A competência penal para processar e julgar o Extraditando é exclusiva do Estadorequerente, segundo, aliás, princípios de direito penal internacional, tais como o daterritorialidade da lei penal (o delito, em tese, foi cometido na República Italiana) e o danacionalidade ativa (o Extraditando é nacional italiano).

O Estatuto do Estrangeiro prevê, no art. 77, as hipóteses em que não se concederá aextradição do acusado:

I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fatoque motivar o pedido;

II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estadorequerente;

III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano;V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido

no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado

requerente;VII - o fato constituir crime político; eVIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo

de exceção.

Nenhuma se aplica ao caso.O delito atribuído ao Extraditando consiste na prática de compra ilícita e venda de

substâncias entorpecentes (art. 73 do Decreto do Presidente da República 309, de 9-10-90).O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o

Extraditando, que é nacional italiano, natural de Bari, e na Itália teria cometido o ilícitopenal de que é acusado.

É também requisito da extradição que o fato motivador do pedido seja consideradocrime assim no Brasil, como no Estado requerente. Ora, o delito previsto no art. 73, combi-nado com o art. 80 do citado Decreto 309, de 9-10-90, ajusta-se ao modelo normativoconsolidado no tipo penal descrito no art. 12 da Lei 6.368/76. Está, pois, caracterizada, adupla tipicidade, necessária ao deferimento do pleito de extradição.

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O crime de tráfico ilícito de entorpecentes, no Brasil, é punível com pena privativa deliberdade variável entre o mínimo de 3 (três) anos e o máximo de 15 (quinze) anos. A penaé de reclusão, o que afasta a incidência do inciso IV do art. 77 da Lei 6.815/80.

Pelos fatos narrados no pleito extradicional, o delito ter-se-ia consumado entre osmeses de agosto de 2000 e fevereiro de 2001. Levando-se em consideração que a penaaplicada ao Extraditando foi de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses e que a prescrição, nostermos da legislação penal pátria, se consuma em 12 (doze) anos (inciso III do art. 109),concluo que não se operou essa causa de extinção de punibilidade.

E, perante a legislação da República Italiana, a prescrição dá-se em 10 (dez) anospara as penas fixadas entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos de prisão (fl. 446).

Lembro, ainda, que a sentença penal condenatória não transitou em julgado, demodo que, se considerarmos a pena máxima prevista para o delito, segundo a legislaçãopátria, ou seja, 15 anos de reclusão, o prazo prescricional seria de 20 anos (inciso I do art.109 do CP). Já perante a legislação penal italiana (art. 73 do Decreto do Presidente daRepública 309, de 9-10-90), a pena máxima prevista é de 20 anos de reclusão, sendo o prazoprescricional de 15 anos (item 1 do art. 157 do Código Penal italiano).

Considero, nos dois casos, satisfeita a exigência pertinente ao duplo grau depunibilidade, haja vista não ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, seja em faceda legislação italiana, seja da brasileira.

3. Observo que o Extraditando está sendo processado criminalmente, no Brasil, pelaprática do delito descrito no art. 12 da Lei 6.368/76 (fls. 970-974).

Evidente, pois, que a efetivação ou não da extradição ficará condicionada àdiscricionariedade do Governo do Brasil, nos termos do art. 89, combinado com os arts. 67e 90, todos da Lei 6.815/80. Aliás, o Plenário desta Corte, no julgamento da Ext 947 (Rel.Min. Carlos Velloso, DJ de 14-4-05), decidiu que, nos termos do voto do Relator, “nãoimpede a extradição o fato de o extraditando estar sendo processado, ou tiver sido conde-nado, no Brasil, por fato diverso”.

4. Cumpridos, portanto, os requisitos legais enumerados no Estatuto do Estrangeiroe em face do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Italiana e oGoverno da República Federativa do Brasil, defiro a extradição do nacional italiano NereoZanghi, com a ressalva do art. 89, combinado com os arts. 67 e 90, todos da Lei 6.815/80.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, para mim, não é ponto fundamen-tal a concordância do extraditando com o pedido de extradição. No caso, entretanto, tem-se o atendimento dos requisitos legais.

EXTRATO DA ATA

Ext 965/República Italiana — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governoda Itália. Extraditando: Nereo Zanghi (Advogado: Lucimar de Morais Cunha).

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Decisão: Deferida a extradição. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, aMinistra Ellen Gracie e o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento oMinistro Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF).

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF). Presentes à sessãoos Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, CezarPeluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 7 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.075 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloRequerente: Confederação Nacional do Comércio – CNC — Requeridos: Presidente

da República e Congresso Nacional

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei 8.846/94 editada pela UniãoFederal – Alegação de ofensa aos postulados constitucionais da Federação eda separação de poderes – Inocorrência – Exercício, pela União Federal, desua competência impositiva, com estrita observância dos limites que defi-nem essa atribuição normativa – Diploma legislativo que não usurpa a esferade competência tributária dos Estados-Membros e dos Municípios – Legiti-midade do poder regulamentar deferido aos Ministros de Estado – Atribuiçãoregulamentar de segundo grau que possui extração constitucional (CF, art.87, parágrafo único, II) – Inocorrência de outorga, pela Lei 8.846/94, dedelegação legislativa ao Ministro da Fazenda – Poder regulamentar secun-dário desvestido de conteúdo normativo primário – Transgressão, no entanto,pela Lei 8.846/94 (art. 3º e seu parágrafo único), ao princípio constitucional danão-confiscatoriedade tributária – Suspensão cautelar da eficácia de tal pre-ceito legal – Medida cautelar deferida, em parte.

A tributação confiscatória é vedada pela Constituição da República.- É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o

Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, oprincípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV,da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diplomalegislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multafiscal de 300% (trezentos por cento).

- A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – aindaque se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte,de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição,pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir,no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, dopatrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pelainsuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existênciadigna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfaçãode suas necessidades vitais básicas.

- O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não podeagir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmentecondicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiroparâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.

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O poder regulamentar deferido aos Ministros de Estado, embora deextração constitucional, não legitima a edição de atos normativos de caráterprimário, estando necessariamente subordinado, no que concerne ao seuexercício, conteúdo e limites, ao que prescrevem as leis e a Constituição daRepública.

- A competência regulamentar deferida aos Ministros de Estado, mesmosendo de segundo grau, possui inquestionável extração constitucional (CF,art. 87, parágrafo único, II), de tal modo que o poder jurídico de expedirinstruções para a fiel execução das leis compõe, no quadro do sistemanormativo vigente no Brasil, uma prerrogativa que também assiste, opeconstitutionis, a esses qualificados agentes auxiliares do Chefe do PoderExecutivo da União.

- As instruções regulamentares, quando emanarem de Ministro de Es-tado, qualificar-se-ão como regulamentos executivos, necessariamente su-bordinados aos limites jurídicos definidos na regra legal a cuja implementa-ção elas se destinam, pois o exercício ministerial do poder regulamentar nãopode transgredir a lei, seja para exigir o que esta não exigiu, seja para esta-belecer distinções onde a própria lei não distinguiu, notadamente em tema dedireito tributário. Doutrina. Jurisprudência.

- Poder regulamentar e delegação legislativa: institutos de direitopúblico que não se confundem. Inocorrência, no caso, de outorga, ao Ministroda Fazenda, de delegação legislativa. Reconhecimento de que lhe assiste apossibilidade de exercer competência regulamentar de caráter meramentesecundário.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de medida liminar com relação a todaLei e, do mesmo modo, especificamente, quanto ao § 2º do art. 1º; com relação ao art. 3º,após o voto do Ministro Relator, que não conhecia da ação, e do voto do Ministro MarcoAurélio, que dele conhecia, o julgamento foi adiado pelo pedido de vista do Ministro IlmarGalvão. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso, e, neste julgamento, oMinistro Néri da Silveira. Plenário, 29-6-95. Dando seqüência ao julgamento, e após ovoto-vista proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, o Tribunal, por votação majoritária,conheceu da ação direta quanto ao art. 3º e seu parágrafo único da Lei 8.846, de 21-1-94,vencido o Relator (Ministro Celso de Mello, Presidente), que dela não conhecia. Prosse-guindo no julgamento do pedido de medida cautelar, referente a essa norma legal, oTribunal, por votação unânime, suspendeu, com eficácia ex nunc, até final julgamento daação direta, a execução e a aplicabilidade do art. 3º e seu parágrafo único da Lei 8.846, de21-1-94. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa.

Brasília, 17 de junho de 1998 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: A Confederação Nacional do Comércio, entidadesindical de grau superior, ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, impugnando a Lei8.846, de 21 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a emissão de documentos fiscais e oarbitramento da receita mínima para efeitos tributários, e dá outras providências.

A Autora, ao deduzir a presente impugnação, argumenta que “A emissão de notafiscal de que trata a legislação ora inquinada de inconstitucionalidade (art. 1º da Lei8.846/94) é obrigação acessória vinculada a obrigação principal inserta na compe-tência tributária de Estados e Municípios e isto fica flagrante pela descrição dasoperações mencionadas no artigo 1º da Lei, quais sejam: Venda de mercadorias, pres-tação de serviços, operação de alienação de bens móveis, locação de bens móveis etransação realizada com bens e serviços, por pessoas físicas ou jurídicas”, razão pelaqual – segundo sustenta – ficou caracterizada, na espécie, a usurpação, pela UniãoFederal, da esfera de competência constitucionalmente reservada aos demais entesfederados, vulnerando-se, desse modo, com o diploma legislativo em causa, o postuladofundamental da Federação.

De outro lado, a Autora, com apoio nas razões que formula, aponta a inconstituciona-lidade da norma inscrita no parágrafo 2º do art. 1º da Lei 8.846/94, que teria importado –segundo alega – em inadmissível delegação de poder regulamentar ao Ministro da Fazenda,enfatizando, a esse propósito, que a cláusula normativa consubstanciada no preceitolegal em questão ofende a regra de competência, que, proclamada pelo art. 84, IV, daConstituição, defere, ao Presidente da República – e a este, exclusivamente –, o poder deregulamentar as leis.

Finalmente, a Autora atribui caráter confiscatório à multa fiscal prevista no art. 3º daLei 8.846/94 (300% sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado),sustentando a ocorrência de frontal transgressão legislativa ao postulado inscrito no art.150, IV, da Constituição, que veda práticas estatais que conduzam, pela aniquilação dodireito de propriedade, ao confisco patrimonial.

Requisitei prévias informações à Presidência da República e ao Congresso Nacional,órgãos que co-participaram do processo de formação da lei objeto de impugnação nestasede de controle normativo abstrato (fl. 41).

O Chefe do Poder Executivo da União (fls. 50/75) e o Presidente do CongressoNacional (fls. 47/48) sustentaram, nas informações prestadas ao Supremo TribunalFederal, a plena validade jurídico-constitucional da Lei 8.846/94, repelindo, em conse-qüência, a impugnação deduzida pela Confederação Nacional do Comércio.

Havendo pleito de suspensão cautelar da eficácia da lei ora impugnada, submetoesse pedido à deliberação do E. Plenário do Supremo Tribunal Federal.

É o relatório.

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VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A Autora sustenta que o art. 3º e respectivoparágrafo único da Lei 8.846/94, por veicular norma configuradora de prática confiscató-ria em matéria tributária, estaria em conflito com a cláusula inscrita no art. 150, IV, daConstituição.

Entendo insuscetível de conhecimento a presente ação direta, no ponto em que aconfederação sindical questiona, precisamente, a validade constitucional do mencionadoart. 3º e respectivo parágrafo único da Lei 8.846, de 21-1-94.

É que não me parece viável, em sede de fiscalização normativa abstrata, a verificação,em tese, de ofensa à cláusula inscrita no art. 150, IV, da Constituição, pois tal exame impõe,ordinariamente, a análise de situações concretas fundadas em realidades fáticas cuja cons-tatação escapa ao âmbito do processo de controle concentrado de constitucionalidade.

Cabe reconhecer, no entanto, tratando-se do exame da aplicabilidade da cláusulavedatória constante do art. 150, IV, da Carta Política, que sempre se revelará possível,quanto a esse tema, a fiscalização incidental de constitucionalidade (método difuso), poisessa modalidade de controle permite que, nela, proceda-se à aferição do caráterconfiscatório dos valores exigidos, a ser realizada em função de cada caso concreto ou emface de determinada situação individual ocorrente, eis que são amplos, na esfera deverificação concreta de constitucionalidade, tanto o exame de fatos quanto a produçãoprobatória.

Cuidando-se, porém, de controle concentrado de constitucionalidade, em cujo âmbitonão se permite o exame aprofundado de questões de fato ou a discussão em torno desituações individuais concretas, revela-se inviável a utilização do processo de fiscalizaçãonormativa abstrata, quando instaurado com o objetivo de constatar-se a ocorrência, emtese, de ofensa à cláusula inscrita no art. 150, IV, da Constituição, ressalvada, é claro, ahipótese em que emerja, de forma nítida e objetivamente indiscutível, a situação de conflitohierárquico com o postulado constitucional que veda a utilização do tributo com efeitoconfiscatório.

Cumpre referir, neste ponto, a correta observação de LUIZ EMYGDIO F. DA ROSAJR. (“Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário”, p. 320, item n. 14, 10. ed., 1995,Renovar), quando, ao analisar o princípio constitucional que veda a utilização do tributocom efeito confiscatório, põe em destaque a necessidade de examinar-se, em função decada caso concreto, a alegação de ofensa a tal postulado:

Outro princípio expresso que deve ser destacado está consagrado no art. 150, IV, da CFde 1988, que veda às entidades federadas “utilizar tributo com efeito de confisco”. Tal princípioera entendido como implícito na Constituição anterior face aos §§ 11 e 12 do art. 153: oprimeiro proibia o confisco e o segundo assegurava o direito de propriedade.

Tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde auma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado, sem opagamento da correspondente indenização ao contribuinte. A vedação do tributo confiscatóriodecorre de um outro princípio: o poder de tributar deve ser compatível com o de conservar e nãocom o de destruir. Assim, tem efeito confiscatório o tributo que não apresenta as característicasde razoabilidade e justiça, sendo, assim, igualmente atentatório ao princípio da capacidadecontributiva. O art. 150, IV, da CF de 1988 limita-se a enunciar o princípio sem precisar o que

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se deve entender por tributo com efeito confiscatório. Daí o referido princípio deve ser entendidoem termos relativos e não absolutos, examinando-se, em cada caso concreto, se a taxaçãoestabelecida pelo tributo atenta ou não contra o direito de propriedade.(Grifei.)

Essa mesma percepção, manifestada em torno da necessidade de aferir-se, em cadacaso concreto, a ocorrência, ou não, da transgressão estatal ao postulado que veda atributação confiscatória, também é revelada por PAULO DE BARROS CARVALHO (“Cursode Direito Tributário”, p. 101, 4. ed., 1991, Saraiva), HUGO DE BRITO MACHADO (“Cursode Direito Tributário”, p. 185, 7. ed., 1993, Malheiros), REGINA HELENA COSTA (“Prin-cípio da Capacidade Contributiva”, p. 75, 1993, Malheiros) e ANTONIO ROBERTOSAMPAIO DÓRIA (“Direito Constitucional Tributário” e “Due Process of Law”, p. 196,item n. 62, 2. ed., 1986, Forense), cujo magistério – ao enfatizar que a norma inscrita no art.150, IV, da Constituição encerra uma cláusula aberta, veiculadora de um conceito jurídicoindeterminado – reclama que os Tribunais, na ausência de “uma diretriz objetiva egenérica, aplicável a todas as circunstâncias” (ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIODÓRIA, op. loc. cit.), procedam, em cada hipótese concreta emergente, à avaliação, “hicet nunc”, dos excessos eventualmente praticados pelo Estado.

A indeterminação conceitual da noção de efeito confiscatório gerado pela atividadeimpositiva do Estado, de um lado, e a ausência de uma definição normativa, em sedeconstitucional (como o fazia a Constituição de 1934, art. 184, parágrafo único), que permitaquantificar, desde logo, valores considerados irrazoáveis, excessivos e comprometedoresdo patrimônio privado, de outro, atuam como causas que pré-excluem, no plano do estritocontrole normativo abstrato, a possibilidade jurídica de fiscalização concentrada deconstitucionalidade de regras legais, como aquela consubstanciada no art. 3º, “caput”, daLei 8.846/94, objeto de impugnação nesta sede processual, considerada a necessidade deaferir-se a efetiva ocorrência, em cada caso concreto, examinada a situação patrimonialindividual de cada contribuinte, de vulneração ao postulado em referência.

Mostra-se irrepreensível, sob esse aspecto, o magistério de RICARDO LOBOTORRES (“Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 56, 2. ed., 1995, Renovar):

A relação entre o direito de propriedade e o direito tributário é dialética. A propriedadeprivada fornece o substrato por excelência para a tributação, já que esta significa sempre aintervenção estatal no patrimônio do contribuinte. Mas está protegida qualitativa e quantitati-vamente contra o tributo: não pode ser objeto de incidência fiscal discriminatória, vedada pelaproibição de privilégio (art. 150, II); nem pode sofrer imposição exagerada que implique nasua extinção, em vista da proibição de confisco (art. 150, IV).

A vedação de tributo confiscatório, que erige o status negativus libertatis, se expressa emcláusula aberta ou conceito indeterminado. Inexiste possibilidade prévia de fixar os limitesquantitativos para a cobrança, além dos quais se caracterizaria o confisco, cabendo ao critérioprudente do juiz tal aferição, que deverá se pautar pela razoabilidade. A exceção deu-se naArgentina, onde a jurisprudência, em certa época, fixou em 33% o limite máximo da incidênciatributária não-confiscatória.(Grifei.)

Cumpre levar em consideração, ainda, neste ponto, e para o efeito específico dereconhecer-se a inviabilidade do controle normativo abstrato relativamente ao preceitoinscrito no art. 3º da Lei 8.846/94, alegadamente vulnerador do princípio constitucionalque veda a tributação confiscatória, as seguintes ponderações expendidas por PAULODE BARROS CARVALHO (“Curso de Direito Tributário”, p. 101/102, 4. ed., 1991, Saraiva):

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Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco.Aqui está outro princípio que não constava expressamente da Constituição anterior, mas

de difícil configuração. A idéia de confisco não traz em si essa dificuldade. O problema residena definição do conceito, na delimitação da idéia, como limite a partir do qual incide avedação do art. 150, IV, da Constituição Federal. Aquilo que para alguns tem efeitosconfiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigênciatributária.

A temática sobre as linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decidida-mente não foi desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina está aindapor ser elaborada. Dos inúmeros trabalhos de cunho científico editados por autores do assimchamado direito continental europeu, nenhum deles logrou obter as fronteiras do assunto,exibindo-as com a nitidez que a relevância da matéria requer. Igualmente, as elaboraçõesjurisprudenciais pouco têm esclarecido o critério adequado para isolar-se o ponto de ingressonos territórios do confisco. Todas as tentativas até aqui encetadas revelam a complexidade dotema e, o que é pior, a falta de perspectivas para o encontro de uma saída dotada deracionalidade científica.

(...)De evidência que qualquer excesso impositivo acarretará em cada um de nós a sensação

de confisco. Porém, o difícil é detectarmos os limites. Haverá sempre uma zona nebulosa,dentro da qual as soluções resvalarão para o subjetivismo.

(...)Intrincado e embaraçoso, o objeto da regulação do referido art. 150, IV, da CF, acaba

por oferecer unicamente um rumo axiológico, tênue e confuso, cuja nota principal repousa nasimples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhes que existe limitepara a carga tributária. Somente isso.(Grifei.)

Não foi por outra razão, Senhor Presidente, que o Plenário desta Suprema Corte,defrontando-se com igual tema em sede de ação direta de inconstitucionalidade, deixouconsignadas, no voto então proferido pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO,Relator, as seguintes considerações:

Sustenta-se que a multa, no percentual de 30% do valor do faturamento bruto, éconfiscatória, pelo que atenta contra o direito de propriedade garantido no art. 5º, XXII.

Não se tem, no caso, entretanto, multa de 30%. Tem-se, sim, multa de um a trinta porcento do valor do faturamento bruto, excluídos os impostos.

Concedo que, em certos casos, poderá ocorrer inconstitucionalidade material, vale dizer,inconstitucionalidade em concreto, no caso de aplicação da multa no seu grau máximo. Emabstrato, entretanto, não vejo configurada, pelo menos ao primeiro exame, a inconstituciona-lidade argüida.(ADI 1.094/DF, DJ de 27-4-95 – Grifei.)

A inviabilidade de efetuar-se, em abstrato, o controle de constitucionalidade perti-nente ao princípio inscrito na Carta Política, que veda a utilização do tributo com efeitoconfiscatório, impossibilita, a meu juízo, no que concerne, especificamente, a esse aspectoda questão, que se instaure o processo de fiscalização normativa perante o SupremoTribunal Federal.

Sendo assim, e em face das razões expostas, não conheço da presente ação direta deinconstitucionalidade, unicamente no ponto em que esta impugna a norma inscrita no art.3º e respectivo parágrafo único da Lei 8.846/94.

É o meu voto.

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VOTO(Sobre medida cautelar)

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A Autora da presente ação direta postula oreconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 8.846/94, que dispõe sobre a emissão dedocumentos fiscais e o arbitramento da receita mínima para efeitos tributários, por en-tender que esse diploma legislativo vulnera, de modo frontal, o texto da Carta da Repú-blica, nos pontos em que esta consagra (a) a vedação de práticas confiscatórias peloEstado (CF, art. 150, IV), (b) o princípio federativo e a sua conseqüente projeção noplano da discriminação constitucional das competências em matéria tributária e (c) aimpossibilidade de o legislador outorgar competência a Ministro de Estado para regu-lamentar o conteúdo de lei editada pelo Congresso Nacional.

Impõe-se analisar, Senhor Presidente, a alegada ocorrência de usurpação federal,que, concretizada pela edição da Lei 8.846/94, teria ofendido a competência tributáriareservada, pela Carta Política, aos Estados-Membros e aos Municípios.

A Autora, para justificar esse argumento de inconstitucionalidade – que traduziriaofensa ao postulado da Federação –, expõe a seguinte fundamentação (fls. 3/6):

A inconstitucionalidade da Lei 8.846/94, origina-se no fato de ter a União Federalestabelecido, por iniciativa do Poder Executivo, penalidades decorrentes do descumprimentode obrigações tributárias acessórias para as quais lhe falta competência para legislar.

Reza o Código Tributário Nacional que a obrigação tributária é principal ou acessória(art. 113). Diz mais, que a obrigação acessória tem por objeto as prestações positivas ounegativas previstas na legislação instituidora da obrigação acessória no interesse da arrecadaçãoe fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º).

O interesse da arrecadação decorre diretamente da ocorrência da obrigação principal,isto é, da materialização do fato gerador e do surgimento da obrigação do pagamento dotributo.

Como conseqüência da ocorrência do fato gerador, surge a obrigação da emissão da notafiscal, obrigação acessória eminentemente vinculada ao surgimento da obrigação principal.

(...)A competência tributária compreende, então, o poder de criação do tributo, de criação

das obrigações acessórias necessárias ao atendimento do interesse da arrecadação do mesmoe, ainda, a instituição das penalidades pecuniárias em que se converterá dita obrigação aces-sória, em caso de seu descumprimento.

Em contraponto, temos a impossibilidade da criação de sanção decorrente do descum-primento de obrigação acessória por ente federado que não detém competência para a criaçãodaquele tipo de obrigação tributária.

A emissão de nota fiscal de que trata a legislação ora inquinada de inconstitucionalidade(art. 1º da Lei 8.846/94) é obrigação acessória vinculada a obrigação principal inserta nacompetência tributária de Estados e Municípios e isto fica flagrante pela descrição das opera-ções mencionadas no artigo 1º da Lei, quais sejam:

- Venda de mercadorias;- Prestação de serviços;- Operação de alienação de bens móveis;- Locação de bens móveis;- Transações realizadas com bens e serviços, por pessoas físicas ou jurídicas.Todas as operações acima mencionadas identificam-se com os fatos geradores descritos

nas legislações estaduais instituidoras do ICMS e nas legislações municipais instituidoras do ISS.Logo, a emissão de notas fiscais relativas a cada uma daquelas operações tem exclusiva

vinculação com os fatos geradores descritos nas legislações pertinentes a cada um dos impostos

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que lhe dão causa. Legislação esta oriunda da competência tributária constitucionalmenteoutorgada a Estados-Membros e Municípios, e não à União.

Assim, se como demonstrado, o surgimento da obrigação acessória depende da ocorrên-cia do fato gerador que é descrito em lei decorrente da competência de Estado-membro ou deMunicípio, tem-se que somente estes entes federativos poderão, constitucionalmente, criar eregulamentar as obrigações acessórias pertinentes aos impostos derivados de sua competênciatributária.

(....)Está a União, assim agindo, solapando princípio fundamental, inserto no artigo 1º da

Constituição, que ao declarar o Brasil uma República federativa, insere a discriminação decompetência entre os diversos níveis de Poder que a compõem, como parâmetro constitucionalbalizador da ação de cada um deles e que, uma vez ultrapassado, fere de inconstitucionalidadea norma violadora dos limites implícita ou explicitamente estabelecidos pela Constituição. (Grifei.)

Tenho para mim, Senhor Presidente, ao menos para efeito deste juízo de delibação,que não se revelam consistentes as objeções deduzidas pela Autora, especialmente anteas razões que o Chefe do Poder Executivo da União expôs nas informações que prestoua esta Suprema Corte (fls. 63/64 e 67/70):

Inicialmente, cabe-nos aduzir que a Lei 8.846/94, não caracteriza invasão, pela União,de competência atribuída a outros entes da Federação.

E assim é, porque o próprio artigo 1º dessa Lei é claríssimo, ao asseverar que, ipsis litteris:“Art. 1º A emissão de nota fiscal, recibo ou documento equivalente, relativo à

venda de mercadorias, prestação de serviços ou operações de alienação de bens móveis,deverá ser efetuada, para efeito da legislação do imposto sobre a renda e proventos dequalquer natureza, no momento da efetivação da operação.”A redação límpida e cristalina desse dispositivo deve ter ofuscado a compreensão da

Requerente. Não fica, sequer, sombra de dúvida sobre a obrigação acessória regulada. Nãoexiste menção a tributos instituídos pelos demais entes da Federação. O dever aqui regulado, deemitir a nota fiscal, recibo ou documento equivalente, refere-se, tão-somente, ao imposto sobrea renda e proventos de qualquer natureza.

Com toda certeza, deve ter contribuído para levar a Requerente ao equívoco, a compre-ensão inexata do que seja nota fiscal. Por oportuno, esclarecemos que essa figura, no âmbitofederal, também pode significar qualquer documento ou escrito que o comerciante fornece aseu freguês, quando compra ou quando efetiva algum pagamento, não estando cingido àconceituação estabelecida pelos outros entes da Federação.

Nesse aspecto, a Confederação Requerente parece ter olvidado que os contribuintes porela congregados sempre tiveram o dever de manter escrituração com observância da legislaçãocomercial e fiscal.

Assim, é recomendável que lembremos, no âmbito da primeira estão eles sujeitos, porexemplo, à Lei nº 556, de 25.06.1850 (Código Comercial) que, há mais de cento e quarenta equatro anos, estabelece alguns princípios a serem observados, assim como ao Decreto-lei nº486, de 03.03.69, que dispõe sobre a escrituração e livros mercantis e dá outras providências e,ainda, ao Decreto nº 64.567, de 22.05.69, que regulamenta dispositivos do Decreto-lei nº 486,de 03.03.69.

(...)Depreende-se dos dispositivos transcritos que, no âmbito da legislação comercial, a nota,

chamada fiscal, tem posição relevantíssima na escrituração, pois é com base nela que são feitosos lançamentos contábeis.

(...)Vê-se, pois, que a legislação tributária, fazendo referência expressa à escrituração co-

mercial, também exige que a nota fiscal seja emitida no momento da efetivação das operações,como não poderia deixar de ser.

(...)

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Além do mais, deve ser levado em conta que a norma em questão foi editada em con-sonância, também, com o § 1º do artigo 145 da Lei das Leis o qual, em sua parte final dispõeque, especialmente para conferir efetividade aos objetivos da pessoalidade e da capacidadeeconômica do contribuinte, quanto aos impostos, é facultado à administração tributária, iden-tificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e asatividades econômicas do contribuinte.

Outro lamentável equívoco que deve ser esclarecido é a cogitação de que no impostosobre a renda e proventos de qualquer natureza inexistiria a nota fiscal como obrigaçãoacessória e que a União não poderia criá-la para efeito da legislação desse imposto.

A assertiva parte do princípio de que a Lei nº 8.446/94 ainda não existe. Na verdade nãoexiste um vínculo entre a obrigação principal e a obrigação acessória. É o próprio CTN quemfaz a distinção, ao dispor que a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tempor objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com ocrédito dela decorrente (art. 113, § 1º), e que, a obrigação acessória decorre da legislaçãotributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse daarrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º).

(...)Assim, concessa maxima venia, é hipótese por demais esdrúxula aquela que afirma que

a União não pode ou não tem competência para criar uma obrigação acessória para efeito dalegislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

Não podemos olvidar que, no âmbito do imposto sobre a renda e proventos de qualquernatureza, os controles contábeis, no caso das pessoas jurídicas, são obrigações acessóriasdeterminadas pela administração fiscal (através de decretos, portarias, instruções normativas)que servirão para orientar as repartições fazendárias na apuração e na exigência do imposto.

Pode-se, de logo, concluir que, embora na condição de acessórias, essas obrigaçõestributárias são a melhor garantia para que o credor tributário tenha acesso ao objeto dasobrigações principais, o pagamento do tributo.

Não existissem e nem fosse possível ampliar as obrigações tributárias acessórias, certa-mente as entidades tributantes não iriam conseguir levar aos cofres públicos as receitas tributá-rias, mesmo revestidas da compulsoriedade que lhes é peculiar.

E assim é porque os fatos geradores das obrigações principais, em sua maioria, aconte-cem com a ciência imediata apenas de quem os acarreta, o contribuinte; e este, compelido porlei a assumir um ônus financeiro indesejável, tenderá a descumprir o seu encargo, se o sujeitoativo não tiver mecanismos para conhecer o seu direito e forçar o seu cumprimento.

Registremos, como evidência de tais assertivas, o fato de, ano a ano, os principais tributosfederais revelarem níveis de arrecadação sempre mais altos, resultado direto da criação, inclu-sive, de novas formas de controle, reformulação e aperfeiçoamento das exigências acessórias.

Assim é que, não pode repugnar ao Direito e à Justiça o fato de uma Lei regularmenteeditada, estabelecer novas obrigações acessórias relacionadas com um determinado tributo. (Grifei.)

Por acolher as razões formuladas pelo Senhor Presidente da República, tenho porinocorrente o requisito da plausibilidade jurídica pertinente à suposta usurpação, pelaUnião Federal, da esfera de competência tributária reservada aos demais entes federados,motivo pelo qual indefiro a pretendida suspensão cautelar de eficácia da Lei 8.846/94.

Há, ainda, Senhor Presidente, um outro aspecto a ser considerado. Refiro-me àargüição de inconstitucionalidade do art. 1º, § 2º, da Lei 8.846/94.

A Autora sustenta que esse preceito legal – por conferir, a Ministro de Estado, atitularidade de uma prerrogativa que pertence, exclusivamente, ao Chefe do Poder Exe-cutivo (a prerrogativa de regulamentar as leis) – teria desrespeitado a regra inscrita noart. 84, IV, “in fine”, da Constituição (fl. 7):

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Estamos diante de uma autorização legislativa outorgante de Poder Regulamentar, atri-buindo ao Ministro da Fazenda competência para regulamentar a Lei 8.846/94, o que écompetência privativa do Presidente da República, de acordo com o inciso IV do artigo 84 daConstituição Federal, a qual é indelegável, já que não consta da enumeração do parágrafoúnico do mencionado artigo 84 da Carta Magna.(Grifei.)

Tenho para mim, analisada a questão sob o prisma da competência regulamentar,que não assiste qualquer razão à Autora, eis que, desde a Constituição de 1934 (art. 60,“b”), e com a exceção da Carta Federal de 1937, os sucessivos ordenamentos constitucio-nais republicanos brasileiros – de 1946 (art. 91, II), de 1967 (art. 87, II), de 1969 (art. 85, II)e de 1988 (art. 87, parágrafo único, II) – têm outorgado, ao Ministro de Estado, o poder deexpedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos.

Isso significa, portanto, que a competência regulamentar deferida aos Ministrosde Estado, mesmo sendo de segundo grau, possui inquestionável extração constitucional,de tal modo que o poder jurídico de expedir instruções para a fiel execução das leis reflete,no quadro do sistema normativo vigente no Brasil, uma prerrogativa que também assiste,“ope constitutionis”, a esses qualificados agentes auxiliares do Chefe do Poder Executivoda União (ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “O Regulamento no Direito TributárioBrasileiro”, p. 134/135, item n. 123, 1981, RT; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentáriosà Constituição de 1988”, vol. V/2.957, item n. 583, 1991, Forense Universitária; MANOELGONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol.2/178-179, 1992, Saraiva, v.g.).

Daí a observação feita por MARCELO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol.II/340-341, item n. 116, 1978, Forense), cujo magistério salienta, com absoluta correção, apropósito da anterior Carta Política (em tudo idêntica, no tema ora em exame, à vigenteConstituição), que “Os regulamentos do Poder Executivo não dimanam sempre doPresidente da República sob a forma de decreto. Os ministros de Estado, por força doitem II do art. 85 da Constituição, também podem expedir instruções para execuçãodas leis, decretos e regulamentos, que em geral tomam a forma de portaria e, em relaçãoàs leis e decretos, são, muitas vezes, verdadeiros regulamentos” (grifei).

Vê-se, desse modo, presente o contexto normativo emergente da cláusula inscritano art. 87, parágrafo único, II, da Constituição promulgada em 1988, que inocorre asituação de alegado conflito hierárquico entre a regra consubstanciada no art. 1º, § 2º, daLei 8.846/94 e o texto da Lei Fundamental.

Cumpre assinalar, ainda, que o mecanismo extraordinário da delegação legislativaem sentido externo tem por específica função jurídica a transferência, ao Poder Executivo,do exercício tópico de uma determinada prerrogativa de caráter normativo, que se submete,ordinariamente, ao domínio institucional das atividades parlamentares.

Daí a correta observação do eminente Ministro CARLOS VELLOSO, feita em trabalhomonográfico sobre o tema (“Temas de Direito Público”, p. 399/426, 1994, Del Rey), no qualacentuou – após fazer a distinção entre o poder regulamentar e a delegação legislativa –que esta, quando concretamente exercida, “propicia a prática de ato normativo primário,de ato com força de lei (...)” (Grifei).

Não foi esse, porém, o efeito que o legislador ordinário visou com a regra ora impug-nada (art. 1º, § 2º), pois esta meramente autoriza o Ministro da Fazenda a estabelecer,

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para os fins a que se refere a Lei 8.846/94, “os documentos equivalentes a nota fiscal ourecibo”, podendo, inclusive, dispensá-los, quando os considerar desnecessários.

As instruções regulamentares pertinentes ao tema versado no preceito legal emquestão, se e quando emanarem do Ministro da Fazenda, qualificar-se-ão como regula-mentos executivos, necessariamente subordinados aos limites jurídicos definidos na regralegal a cuja implementação elas se destinam, pois, como ressaltado pelo magistériojurisprudencial desta Suprema Corte, o exercício do poder regulamentar, por Ministro deEstado, “não pode contrariar a lei, exigindo, em matéria tributária, o que esta nãoexigiu, ou distinguindo onde ela não distinguiu” (RTJ 69/510, Rel. Min. ALIOMARBALEEIRO – Grifei).

Impende considerar, finalmente, o que foi acentuado pelo Senhor Presidente daRepública nas informações que prestou a este Supremo Tribunal Federal (fl. 60):

Na espécie, o que o legislador fez foi tão-só reconhecer o poder regulamentar lato sensue de segundo grau conferido ao Ministro da Fazenda, de forma direta e primária, pela Consti-tuição em seu art. 87, II. É o poder tradicional do Ministro para baixar instruções, ou seja,como diz MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “normas gerais e impessoais destinadasa permitir ou a facilitar a boa execução (como dizia a Constituição de 1946, art. 91, II) das leis,decretos e regulamentos. Na verdade, as instruções se distinguem pela matéria das leis e dosregulamentos. Diferem destes na fonte e na autoridade. Na fonte, porque são editadas pelosministros, enquanto a lei resulta de um ato complexo de que participa o Legislativo e o Presi-dente da República como Chefe do Executivo, e o regulamento provém da competência priva-tiva deste” (op. cit. vol. 2, escólio ao art. 87, II, da Carta de 1988).

Como se vê, o disposto na Lei nº 8.846/94 não conflita com o poder regulamentarconstitucionalmente outorgado ao Presidente da República. O titular da Pasta da Fazenda nãoestá regulamentando a Lei nº 8.846/94. Está expedindo instruções, regulamento lato sensu,para facilitar a boa execução do diploma legal. E esse poder, de resto, é inerente à Administra-ção. O Banco Central, v. gr., baixa circulares aos bancos com vistas ao fiel cumprimento da leie das resoluções do Conselho Monetário Nacional, conforme determina o art. 9º da Lei nº 4.595,de 31.12.64. Nisso, a todas as luzes, não está a Autarquia a invadir competência regulamentardo Presidente da República, mas simplesmente editando atos administrativos normativos desegundo grau.(Grifei.)

Sendo assim, Senhor Presidente, e por ausência de plausibilidade jurídica, tambémindefiro a pretendida suspensão cautelar de eficácia da norma inscrita no art. 1º, § 2º, daLei 8.846, de 21-1-94.

É o meu voto.

VOTO (Preliminar)

(Sobre medida cautelar)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não quero me comprometer com aassertiva de que a ação direta seja incompatível com a concretização de conceitosindeterminados. Mesmo no caso de tributo ou obrigação tributária assessória, haverácasos de absoluta evidência do confisco. Já se lembrou, aqui, um IPTU que se fixasse novalor do imóvel ou um Imposto de Renda que se fixasse em 100% ou 120% sobre a rendalíquida.

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Prefiro acompanhar, nesta preliminar, o voto dos Srs. Ministros Ilmar Galvão e MarcoAurélio. Não obstante, antecipo – não chegarei a votar sobre a liminar, porque ficareivencido – que, se ela chegasse, negaria a suspensão cautelar. Não se trata de multamoratória, onde é mais do que razoável o precedente do art. 134, parágrafo único, daConstituição de 34; trata-se, sim, de uma típica multa penal, compulsiva em que,evidentemente, o risco da infração há de ser muito maior do que a vantagem tributária quedela, infração, pudesse decorrer para o contribuinte. Ou seria uma multa cujo risco valeriaa pena correr, segundo a normalidade das coisas, na qual, só de raro em raro, se poderáverificar a omissão da nota fiscal.

EXTRATO DA ATA

ADI 1.075-MC/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: ConfederaçãoNacional do Comércio – CNC (Advogados: Dolimar Toledo Pimentel e outro). Requeridos:Presidente da República e Congresso Nacional.

Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do adian-tado da hora. Plenário, 22-6-95.

Decisão: Por votação unânime, o Tribunal indeferiu o pedido de medida liminar comrelação a toda a Lei e, do mesmo modo, especificamente, quanto ao § 2º do art. 1º; comrelação ao art. 3º, após o voto do Ministro Relator, que não conhecia da ação, e do voto doMinistro Marco Aurélio, que dela conhecia, o julgamento foi adiado pelo pedido de vistado Ministro Ilmar Galvão. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso, e, nestejulgamento, o Ministro Néri da Silveira.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMoreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Celso de Mello, MarcoAurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Procurador-Geral da República,Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 29 de junho de 1995 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizadapela Confederação Nacional do Comércio, tendo por objeto o art. 3º da Lei de conversão daMP 374, de 23-11-93, editada sob o número 8.846, em 24-1-94.

Estabelece o referido dispositivo a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal, paraefeito da legislação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, no momentoda venda de mercadorias ou da prestação do serviço, sancionando o descumprimentodessa determinação com multa de trezentos por cento sobre o valor do bem objeto daoperação ou sobre o serviço prestado.

Pedi vista, na sessão de 29-6-95, após o voto do eminente Relator, Min. Celso deMello, que, apreciando requerimento de medida cautelar, não conheceu da ação. Os autos,todavia, por motivos que escaparam à vontade do eminente Relator, somente na últimasemana vieram-me às mãos.

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Meu voto, preliminarmente, com a devida vênia, conhece da ação; e, no mérito,defere a cautelar para suspender a eficácia do dispositivo que, manifestamente, tem caráterconfiscatório, ofendendo a norma do art. 150, IV, da Constituição.

VOTO(Sobre tributação confiscatória)

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Com a superação da questão preliminar, eadmitida, em conseqüência, no ponto, a presente ação direta, impõe-se analisar a pre-tendida suspensão cautelar de eficácia do art. 3º e seu parágrafo único da Lei n. 8.846,de 21-1-94.

E, ao fazê-lo, não tenho dúvida em acolher essa postulação de ordem cautelar, eisque se revela densa a plausibilidade jurídica da tese que lhe dá sustentação.

A norma legal em questão comina a aplicação de multa pecuniária de 300% inci-dente sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado, nas hipóteses emque o contribuinte – pessoa física ou jurídica – não tenha comprovado a emissão ousimplesmente não tenha emitido nota fiscal, recibo ou documento equivalente.

Sustenta-se que essa previsão normativa representa transgressão ao princípioconstitucional que veda a utilização dos tributos com efeito confiscatório, pois caracteri-zaria, em virtude do “quantum” excessivo da multa cominada, verdadeira expropriação dopatrimônio dos contribuintes do imposto de renda, ferindo, dessa maneira, o postuladoda capacidade contributiva (fls. 7/9).

O Presidente da República, ao prestar as informações que lhe foram requisitadas,enfatiza que o reconhecimento constitucional do direito de propriedade – precisamenteporque não se reveste de valor absoluto – não impede a incidência de multas fiscais sobreo patrimônio do contribuinte naqueles casos em que este deixar de adimplir as obriga-ções tributárias acessórias que lhe competem, salientando (fls. 71/72):

Destarte, não há de se conceber que o reflexo indireto da multa sobre o patrimônio, visandoa atender ao interesse público, represente a intenção de se abolir a garantia constitucional dodireito de propriedade.

O próprio CTN estabelece que quando uma obrigação acessória não é cumprida, essainfringência faz surgir uma principal, cujo objeto é a multa. Assim, se o contribuinte deixa decumprir a obrigação acessória prevista em lei é porque pretende obter, com esse procedimento,vantagem maior, já estando computado na transgressão o risco que lhe é implícito.

Por outro lado, a proibição constitucional da utilização de tributos com efeito de confisconão atinge as multas, pois, é notório, as multas não se enquadram na categoria dos tributos.

(...)No caso em questão, aduza-se, o intuito de fraude é evidente e a multa de 300% (trezentos

por cento) não é inovação na ordem jurídica brasileira. Citamos, como exemplo, as multasinstituídas pelos artigos 4º e 5º da Lei nº 8.218, de 29.08.91 (dispõe sobre impostos e contribui-ções federais), onde as multas chegam à alíquota de 450% (quatrocentos e cinqüenta porcento) e nem por isso são inconstitucionais. (Grifei.)

É inquestionável, Senhores Ministros, considerando-se a realidade normativa emer-gente do ordenamento constitucional brasileiro, que nenhum tributo – e, por extensão,

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nenhuma penalidade pecuniária oriunda do descumprimento de obrigações tributáriasprincipais ou acessórias – poderá revestir-se de efeito confiscatório.

Mais do que simples proposição doutrinária, essa asserção encontra fundamentoem nosso sistema de direito constitucional positivo, que consagra, de modo explícito, aabsoluta interdição de quaisquer práticas estatais de caráter confiscatório, com ressalvade situações especiais taxativamente definidas no próprio texto da Carta Política (art. 243e seu parágrafo único).

Essa vedação – que traduz conseqüência necessária da tutela jurídico-constitucionalque ampara o direito de propriedade (CF, art. 5º, incisos XXII, XXIV e XXV; art. 182, § 2º,e art. 184, “caput”) – estende-se, de maneira bastante significativa, ao domínio da atividadetributária do Estado.

Os entes estatais, investidos pela Constituição de competência impositiva, não podemutilizar essa extraordinária prerrogativa político-jurídica de que dispõem em matéria tribu-tária, para, com fundamento nela, exigirem prestações pecuniárias de valor excessivo quecomprometam, ou, até mesmo, aniquilem o patrimônio dos contribuintes.

O ordenamento normativo vigente no Brasil, ao definir o estatuto dos contribuintes,proclamou, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação fiscal do Estado, umaimportante garantia fundamental que impõe, em sede constitucional, aos entes públicosdotados de competência impositiva, expressiva limitação ao seu poder de tributar.

Trata-se da vedação, que, tendo por destinatários a União Federal, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios, proíbe-lhes a utilização do tributo “comefeito de confisco” (CF, art. 150, IV).

Revela-se inquestionável, dessa maneira, que o “quantum” excessivo dos tributos oudas multas tributárias, desde que irrazoavelmente fixado em valor que comprometa o patri-mônio ou ultrapasse o limite da capacidade contributiva da pessoa, incide na limitaçãoconstitucional, hoje expressamente inscrita no art. 150, IV, da Carta Política, que veda autilização de prestações tributárias com efeito confiscatório, consoante enfatizado peladoutrina (IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. VI,tomo I, p. 161/165, 1990, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários àConstituição Brasileira de 1988”, vol. 3/101-102, 1994, Saraiva; ROQUE ANTÔNIOCARRAZZA, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 210, 5. ed., 1993, Malheiros,v.g.) e acentuado pela própria jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal (RTJ 33/647,Rel. Min. LUIZ GALLOTTI; RTJ 44/661, Rel. Min. EVANDRO LINS; RTJ 73/548, Rel.Min. ALIOMAR BALEEIRO; RTJ 74/319, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE; RTJ78/610, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU; RTJ 96/1354, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).

É relevante observar, com apoio na experiência concreta resultante da prática denosso constitucionalismo, que houve uma Constituição brasileira – a Constituição Federalde 1934 – que limitou, em tema de sanção tributária, o máximo valor cominável das multasfiscais, restringindo, desse modo, no plano específico da definição legislativa das pena-lidades tributárias, a atividade normativa do legislador comum.

A Constituição republicana de 1934 prescreveu, em seu art. 184, parágrafo único,que “As multas de mora, por falta de pagamento de impostos ou taxas lançadas, nãopoderão exceder de dez por cento sobre a importância em débito” (Grifei).

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O vigente texto constitucional, no entanto, deixou de reeditar norma semelhante, oque não significa que a Constituição de 1988 permita a utilização abusiva de multas fiscaiscominadas em valores excessivos, pois, em tal situação, incidirá, sempre, a cláusulaproibitiva do efeito confiscatório (CF, art. 150, IV).

Sabemos todos, tal como acentuei quando do exame da questão preliminar (querestou superada), que o ordenamento normativo vigente no Brasil, ao definir o estatutodos contribuintes, proclamou, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação fiscal doEstado, uma importante garantia fundamental que impõe, em sede constitucional, aosentes públicos dotados de competência impositiva, expressiva limitação ao seu poder detributar.

Essa garantia reflete-se na vedação, que, destinada à União Federal, aos Estados-Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, proíbe-lhes a utilização do tributo “comefeito de confisco” (CF, art. 150, IV).

Cumpre destacar, neste ponto, a correta observação de LUIZ EMYGDIO F. DAROSA JR. (“Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário”, p. 320, item n. 14, 10. ed.,1995, Renovar), cujo magistério, ao analisar o princípio constitucional que veda a utilizaçãodo tributo com efeito confiscatório, ressalta:

A vedação do tributo confiscatório decorre de um outro princípio: o poder de tributardeve ser compatível com o de conservar e não com o de destruir. Assim, tem efeito confiscatórioo tributo que não apresenta as características de razoabilidade e justiça, sendo, assim, igual-mente atentatório ao princípio da capacidade contributiva.(Grifei.)

É certo que a norma inscrita no art. 150, IV, da Constituição encerra uma cláusulaaberta, veiculadora de um conceito jurídico indeterminado, reclamando, em conseqüência,que os Tribunais, na ausência de “uma diretriz objetiva e genérica, aplicável a todas ascircunstâncias” (ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, “Direito Constitucional Tri-butário e Due Process of Law”, p. 196, item n. 62, 2. ed., 1986, Forense), procedam àavaliação dos excessos eventualmente praticados pelo Estado, tendo em consideração aslimitações que derivam do princípio da proporcionalidade.

É irrepreensível, sob esse aspecto, o magistério de RICARDO LOBO TORRES(“Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 56, 2. ed., 1995, Renovar):

A vedação de tributo confiscatório, que erige o “status negativus libertatis”, se expressaem cláusula aberta ou conceito indeterminado. Inexiste possibilidade prévia de fixar os limitesquantitativos para a cobrança, além dos quais se caracterizaria o confisco, cabendo ao critérioprudente do juiz tal aferição, que deverá se pautar pela razoabilidade. A exceção deu-se naArgentina, onde a jurisprudência, em certa época, fixou em 33% o limite máximo da incidênciatributária não-confiscatória.(Grifei.)

A Constituição da República, ao disciplinar o exercício do poder impositivo doEstado, subordinou-o a limites insuperáveis, em ordem a impedir que fossem praticados,em detrimento do patrimônio privado e das atividades particulares e profissionais lícitas,excessos que culminassem por comprometer, de maneira arbitrária, o desempenho regularde direitos que o sistema constitucional reconhece e protege.

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Como observei anteriormente, não há uma definição constitucional de confisco emmatéria tributária. Trata-se, na realidade, de um conceito aberto, a ser formulado pelo juiz,com apoio em seu prudente critério, quando chamado a resolver os conflitos entre oPoder Público e os contribuintes.

A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representasenão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possaconduzir, no campo da fiscalidade – trate-se de tributos não-vinculados ou cuide-se detributos vinculados –, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônioou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade dacarga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, a prática de atividadeprofissional lícita e a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde ehabitação, por exemplo).

O poder público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderada-mente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio darazoabilidade.

Daí a advertência de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (“Curso de DireitoTributário Brasileiro”, p. 253, item n. 6.28, 1999, Forense), cujo magistério – ao ressaltarque a vedação do confisco atua como limitação constitucional ao poder de graduar atributação – enfatiza, com razão, que, em sede de estrita fiscalidade, “o princípio do não-confisco tem sido utilizado também para fixar padrões ou patamares de tributaçãotidos por suportáveis (...) ao sabor das conjunturas mais ou menos adversas que estejamse passando. Neste sentido, o princípio do não-confisco se nos parece mais com umprincípio da razoabilidade da tributação (...)”.

Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias que venhode expor, a clássica advertência de OROZIMBO NONATO, consubstanciada em decisãoproferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aqueleeminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneirado que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, docélebre caso “McCulloch v. Maryland”, que “o poder de tributar não pode chegar àdesmedida do poder de destruir” (RF 145/164 – RDA 34/132), eis que – como relembraBILAC PINTO, em conhecida conferência sobre “Os Limites do Poder Fiscal do Estado”(RF 82/547-562, 552) – essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, “umpoder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível coma liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade”(Grifei.)

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário,investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidadesgovernamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico,de um “estatuto constitucional do contribuinte”, consubstanciador de direitos e garantiasoponíveis ao poder impositivo do Estado, culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeitopassivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividadeslegítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice OliverWendell Holmes, Jr. (“The power to tax is not the power to destroy while this Court sits”),

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em “dictum” segundo o qual, em livre tradução, “o poder de tributar não significa nemenvolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema”, proferidas,ainda que como “dissenting opinion”, no julgamento, em 1928, do caso “Panhandle OilCo. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox” (277 U.S. 218).

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido demedida cautelar em ordem a suspender, com eficácia “ex nunc”, até final julgamento dapresente ação direta, a execução e a aplicabilidade do art. 3º e seu parágrafo único da Lei8.846, de 21-1-94.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

ADI 1.075-MC/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: ConfederaçãoNacional do Comércio – CNC (Advogados: Dolimar Toledo Pimentel e outros). Requeridos:Presidente da República e Congresso Nacional.

Decisão: O Tribunal, por votação majoritária, conheceu da ação direta quanto ao art.3º e seu parágrafo único da Lei 8.846, de 21-1-94, vencido o Relator (Ministro Celso deMello, Presidente), que dela não conhecia. Prosseguindo no julgamento do pedido demedida cautelar, referente a essa norma legal, o Tribunal, por votação unânime, suspendeu,com eficácia ex nunc, até final julgamento da ação direta, a execução e a aplicabilidade doart. 3º e seu parágrafo único da Lei 8.846, de 21-1-94. Ausentes, justificadamente, osMinistros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros MoreiraAlves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Carlos Velloso, Marco Aurélio,Ilmar Galvão e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 17 de junho de 1998 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA 1.800 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Caixa Econômica Federal – CEF — Agravado: Alexandre Vasconcelos

Malta

Agravo regimental. Ação rescisória. Pedidos independentes. Provimentode apenas um deles pelo acórdão rescindendo. Conhecimento da rescisórianesta Corte quanto aos outros pedidos. Impossibilidade. Efeito substitutivo.Art. 512 do CPC. Capítulos da sentença. Súmula 249. Inaplicabilidade.

1. O provimento, pelo acórdão rescindendo, de um dos pedidos da açãoprincipal não é suficiente para atrair a competência desta Corte para o julga-mento de outros pedidos independentes, que sequer foram conhecidos.

2. A decisão rescindenda substitui o acórdão prolatado pelo tribunal deorigem somente quando o recurso é conhecido e provido. O efeito substitutivoprevisto no art. 512 do CPC não incide sobre os pedidos não conhecidos peloacórdão rescindendo. Precedente (RE 194.382, Relator o Ministro MaurícioCorrêa, DJ de 25-4-03).

3. A decisão rescindenda, no capítulo em que não conhece do recursoextraordinário, não opera o efeito substitutivo do art. 512 do CPC. A questãode mérito a ser impugnada por meio de ação rescisória não se encontra nadecisão proferida por esta Corte – que é meramente processual no pontopertinente –, mas no acórdão prolatado pelo tribunal de origem. Não háfalar-se, pois, na aplicação da Súmula 249. Precedentes (AC 112, Relator oMinistro Cezar Peluso, DJ de 4-2-05, e AR 1.780-AgR, Relator o MinistroEros Grau, DJ de 3-3-06).

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento aoagravo.

Brasília, 23 de março de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto pela Caixa Eco-nômica Federal contra decisão monocrática que julgou extinta ação rescisória, sem julga-mento do mérito. Eis o teor da decisão recorrida:

(...)8. A decisão rescindenda limitou-se a conhecer do recurso extraordinário na parte relativa

à aplicação dos índices do Plano Bresser (junho/1987).

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9. Os demais pedidos deduzidos naquele feito, quanto aos índices de outros planos econô-micos, não mereceram nenhum pronunciamento desta Corte. A última palavra foi dada peloTribunal a quo, cujo acórdão permanece intacto naqueles pontos, na medida em que não foisubstituído por outro (art. 512 do CPC).

10. A presente ação tem por objeto pedido que não foi conhecido pela decisão rescindenda –aplicação dos índices dos Planos Collor I (maio/90) e Collor II (fevereiro/91).

11. Como se infere do art. 102, I, j, da Constituição c/c o art. 259 do RISTF, o SupremoTribunal Federal não é competente para julgamento da presente rescisória, mas sim o Tribunal aquo, que expediu a última decisão de mérito sobre a pretensão da Autora (art. 485, caput, doCPC).

12. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte, conforme os seguintes precedentes: AR1.255, Relator para o acórdão o Ministro Nelson Jobim, DJ de 13-6-03; AR 1.331, Relator oMinistro Moreira Alves, DJ de 25-6-99; AR 1.253, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 4-2-94; AR 1.207, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 1º-7-93; AR 1.277, Relator o MinistroCarlos Velloso, DJ de 13-5-94; AR 1.354-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 6-6-97e AR 1.368, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 2-2-04.

13. Por outro lado, a alegação de negativa de vigência dos preceitos da Lei Complementar110/01 não subsiste, pois o mencionado texto legal é superveniente à publicação da decisão rescin-denda.

Julgo extinto o processo, sem apreciação do mérito, com base no art. 21, § 1°, do RISTFc/c o art. 267, VI, do CPC.

Deixo de remeter os autos ao Juízo competente, pois a presente ação tem por objetodecisão proferida em sede de recurso extraordinário, de modo que o pedido, insuscetível demodificação, não poderia ser conhecido pelo Tribunal a quo.(AR 1.255, Relator para o acórdão o Ministro Nelson Jobim, DJ de 13-6-03.)

2. A Agravante alega que a decisão rescindenda resolveu parcialmente o mérito dacausa, atraindo a competência desta Corte para o julgamento da ação rescisória. Requer areconsideração da decisão agravada ou o provimento do agravo regimental para reformá-la.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A decisão rescindenda – o AI 338.041, Relator oMinistro Sydney Sanches, DJ de 27-8-01 – solucionou a lide nos seguintes termos:

1. Trata-se de agravo de instrumento oposto a decisão denegatória de recurso extraordinárioem que se pleiteia a aplicação dos índices oficiais de correção monetária às contas vinculadas aoFGTS.

2. Quanto aos temas constitucionais (arts. 5º, XXXV, LIV, LV; 93, IX, da CF/88), suscita-dos na preliminar, não foram objeto de consideração no acórdão recorrido, sem embargos dedeclaração, carentes, pois, do requisito do prequestionamento (Súmulas 282 e 356 do STF).

3. Quanto ao mérito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE226.855, relatado pelo Ministro Moreira Alves (DJ de 13-10-00), decidiu que a atualizaçãorelativa aos Planos Verão (fevereiro/89) e Collor I (abril/90), por se situar no planoinfraconstitucional, não pode ser reexaminada por esta Corte em recurso extraordinário. E,considerando a inexistência de direito adquirido a regime jurídico, negou a atualização quanto aosPlanos Bresser (julho/87), Collor I (maio/90) e Collor II (fevereiro/91).

4. No caso presente, o acórdão determinou a aplicação dos índices correspondentes aosmeses de julho/87, de fevereiro/89, de abril/90, de maio/90, de julho/90 e de fevereiro/91.

5. Isso posto, adotando os fundamentos deduzidos no precedente referido, com base no art.544, § 3º e § 4º, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 9.756/98 e pela Lei8.950/94, dou provimento ao presente agravo para, desde logo, conhecer, em parte, do recurso

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extraordinário e, nessa parte, dar-lhe provimento, para excluir da condenação a atualizaçãorelativa ao Plano Bresser (julho/87).

6. Quanto ao mais, carece o recurso do indispensável prequestionamento (Súmu-las 282 e 356 do STF).

7. Em face da sucumbência recíproca, será proporcionalizada a responsabilidade por custas ehonorários advocatícios, fazendo-se as devidas compensações, ressalvado o benefício da assistênciajudiciária gratuita.(Fl. 51 – Grifou-se.)

2. A questão referente aos índices aplicados na correção dos saldos do FGTScorrespondentes ao Plano Collor I (maio/90) e ao Plano Collor II (fev/91) não foi conhe-cida pela decisão rescindenda.

3. Incide, neste caso, a Súmula 515 desta Corte, segundo a qual “a competência paraa ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciadano recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitadano pedido rescisório”.

4. Nesse sentido: AR 1.255, Relator para o acórdão o Ministro Nelson Jobim, DJ de13-6-03; AR 1.207, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 1º-7-93; AR 1.277, Relator oMinistro Carlos Velloso, DJ de 13-5-94; AR 1.354-AgR, Relator o Ministro Celso deMello, DJ de 6-6-97; AR 1.368, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 13-12-03, entreoutros.

5. O fato de a decisão impugnada ter dado provimento a um dos pedidos – o referenteao Plano Bresser – não é suficiente para atrair a competência desta Corte para o julgamentodos outros requerimentos formulados, que sequer foram conhecidos.

6. Os pedidos formulados no processo que deu origem à decisão rescindenda sãoabsolutamente independentes. Cada um deles poderia consubstanciar uma ação específica.Em virtude dessa autonomia, o julgamento de um ou outro não prejudica a análise dosdemais.

7. Se o pedido formulado na ação ordinária se limitasse à correção dos saldos doFGTS correspondentes ao Plano Verão (fevereiro/89), e o recurso extraordinário não fosseconhecido por ausência de prequestionamento, a competência para julgamento de eventualação rescisória seria do tribunal de origem, conforme se depreende, contrario sensu, daSúmula 249, uma vez que a Corte não chegou a analisar a questão constitucional contro-vertida.

8. O mesmo ocorre nestes autos. Embora o recurso extraordinário tenha sido julgadoparcialmente procedente, acolhido apenas um dos pedidos formulados, o mérito dosdemais, não consubstanciando questão constitucional controvertida, deixou de ser conhe-cido e, conseqüentemente, analisado pela Corte.

9. A decisão rescindenda apenas substituiria o acórdão prolatado pelo tribunal deorigem se o recurso houvesse sido conhecido e provido (RE 194.382, Relator o MinistroMaurício Corrêa, DJ de 25-4-03). O efeito substitutivo previsto no art. 512 do CPC nãoincide sobre pedidos não conhecidos pelo aresto impugnado.

10. Reporto-me, neste ponto, ao que a doutrina processualista moderna chama de“capítulo da sentença”, que vem sendo gradativamente acolhida por esta Corte, como se

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vê no recente julgado do Ministro Cezar Peluso (AC 112, DJ de 4-2-05) e recente julgadopor mim relatado, AR 1.780-AgR, DJ de 3-3-06:

Ementa: Agravo regimental. Ação rescisória. Pedidos independentes. Provimento de ape-nas um deles pelo acórdão rescindendo. Conhecimento da rescisória nesta Corte quanto aosoutros pedidos. Impossibilidade. Efeito substitutivo. Art. 512 do CPC. Capítulos da sentença.Súmula 249. Inaplicabilidade.

1. O provimento, pelo acórdão rescindendo, de um dos pedidos da ação principal não ésuficiente para atrair a competência desta Corte para o julgamento de outros pedidos independentes,que sequer foram conhecidos.

2. A decisão rescindenda substitui o acórdão prolatado pelo tribunal de origem somentequando o recurso é conhecido e provido. O efeito substitutivo previsto no art. 512 do CPC nãoincide sobre os pedidos não conhecidos pelo acórdão rescindendo. Precedente (RE 194.382,Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 25-4-03).

3. A decisão rescindenda, no capítulo em que não conhece do recurso extraordinário, nãoopera o efeito substitutivo do art. 512 do CPC. A questão de mérito a ser impugnada por meio deação rescisória não se encontra na decisão proferida por esta Corte – que é meramente processualno ponto pertinente –, mas no acórdão prolatado pelo tribunal de origem. Não há falar-se,pois, na aplicação da Súmula 249. Precedente (AC 112, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de4-2-05).

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

11. A decisão rescindenda, no ponto, vale dizer, no capítulo em que não conheceudo recurso extraordinário, não operou o efeito substitutivo do art. 512 do CPC. Em conse-qüência, a questão de mérito a ser impugnada por meio de ação rescisória não se encontrana decisão proferida por esta Corte – que é meramente processual no ponto pertinente –,mas, sim, no acórdão prolatado pelo tribunal de origem. Não há falar-se, pois, na aplicaçãoda Súmula 249 do STF.

Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AR 1.800-AgR/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Caixa EconômicaFederal – CEF (Advogados: Sônia Coimbra e outro e Sergio Luiz Guimarães Farias).Agravado: Alexandre Vasconcelos Malta.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos dovoto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento,os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro NelsonJobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República,Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 23 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 2.433 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Neide Caricchio — Agravado: Presidente do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo — Interessado: Município de Campinas

Execução. Fazenda Pública. Precatório judicial. Ordem cronológica.Quebra ou preterição. Não-ocorrência. Precatórios judiciais cujo pagamentoincumbe a presidentes de tribunais diversos. Reclamação julgada improce-dente. Agravo improvido. Inteligência do art. 100, § 2º, da CF. Precedentes.Não se caracteriza quebra de precedência na ordem cronológica, quando setrate de precatórios judiciais cujo pagamento incumbe a presidentes detribunais diversos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provi-mento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, oMinistro Nelson Jobim (Presidente).

Brasília, 9 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra a decisãodo seguinte teor:

1. Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, interposta por servidora públicaaposentada, titular de crédito judicial de natureza alimentícia, contra decisão denegatória doPedido de Seqüestro 081.461.0/6-00, proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo e formulado contra o Município de Campinas, por suposta quebra daordem cronológica para pagamento dos precatórios.

O pedido funda-se em que a decisão ofenderia o julgamento final desta Corte na ADI 1.662(Rel. Min. Maurício Corrêa).

Foram prestadas informações (fls. 54/57).A Procuradoria-Geral da República é pela procedência da reclamação (fls. 69/72).2. Inconsistente a reclamação.O ato decisório impugnado não afronta os termos da decisão proferida desta Corte, na ADI

1.662 (Rel. Min. Maurício Corrêa), dos quais resulta que somente preterição de direito deprecedência ou o não-pagamento de parcela, nos casos previstos pelo § 4º do art. 78 do ADCT,com a redação da Emenda 30, autoriza seqüestro de recursos públicos.

Ora, à luz das informações prestadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo vê-se de prontoque, além de o objeto daquela ADI 1.662 nada ter com os fundamentos da decisão ora atacada, nãohá excogitar quebra de ordem, tampouco pela razão breve de que os créditos tidos por paradigmastramitam junto a outro tribunal, qual seja, o Tribunal Regional do Trabalho, donde terem sidoentendidos como “créditos com diverso regramento, que não convivem em relação única deprecedência”.

E é isso que a Corte vem reconhecendo:

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“É manifesta a improcedência da reclamação.De um lado, a decisão do Tribunal na ADI 1.662 teve por objeto dispositivos de

resolução do Tribunal Superior do Trabalho, ato normativo de todo estranho aos funda-mentos da decisão reclamada.

Por outro lado, ainda que se pretendesse estender a força vinculante do acórdão doSTF ao seu motivo determinante – vale dizer, o de reduzir-se o seqüestro de rendas, naexecução contra a Fazenda Pública, à hipótese de preterição da ordem cronológica dosprecatórios –, no caso, é precisamente na negação da existência de preterição que selastreou a decisão reclamada: não é a reclamação a via própria para aferir do acerto ou nãoda negativa.

De qualquer sorte, da parte inicial do art. 100, § 2º, da Constituição resulta acorreção, na decisão reclamada, da premissa da impossibilidade de confundir, em umaordem cronológica única, os precatórios judiciais cujo pagamento incumba aos presidentesde tribunais diversos.

Esse o quadro, nego seguimento à reclamação, prejudicado o pedido liminar.”(Rcl 2.436/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2-10-03, p. 68. No mesmo sen-tido, cf. Rcl 2.434-MC/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5-3-04, p. 39).3. Do exposto, com fundamento no art. 38 da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, art. 557,

caput, do CPC e art. 21, § 1º, do RISTF, julgo improcedente a reclamação, prejudicado opedido de liminar. Publique-se. Intime-se. Brasília, 18 de novembro de 2004.(Fls. 75-76.)

2. A Agravante, além de insistir nos argumentos, sustenta, em síntese: a) ainexistência de outra via processual e de outro órgão jurisdicional para a solução daquestão, e b) a irrelevância de os precatórios comparados serem oriundos de Tribunaisdiferentes (do Trabalho e de Justiça), à medida que também esses entre si deveriamobservar a ordem de pagamento, privilegiando os ofícios requisitórios mais antigos sobreos mais recentes.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Inconsistente o agravo.Incontroverso que a suposta preterição estaria no pagamento de precatório oriundo

do Tribunal Regional do Trabalho, em dano do expedido, em favor da ora Reclamante,pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Não há, consoante já ressaltou a decisão agravada,excogitar quebra de precedência, porque se tratam de ordens cronológicas diversas, rela-tivas a decisões de tribunais diversos. É o que se cansa de reconhecer esta Corte.

2. Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

Rcl 2.433-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Neide Caricchio(Advogado: Roberto Chiminazzo). Agravado: Presidente do Tribunal de Justiça do Estadode São Paulo. Interessado: Município de Campinas (Advogado: Guilherme Gottardello).

Decisão: O Tribunal, à unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nostermos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim (Presi-dente). Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

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Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os MinistrosSepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, CarlosBritto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 9 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.587 — GO(ADI 2.587-MC na RTJ 187/173)

Relator: O Sr. Ministro Maurício CorrêaRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Carlos BrittoRequerente: Partido dos Trabalhadores – PT — Requerida: Mesa da Assembléia

Legislativa do Estado de GoiásAção direta de inconstitucionalidade. Alínea e do inciso VIII do art. 46

da Constituição do Estado de Goiás, na redação que lhe foi dada pela EmendaConstitucional 29, de 31 de outubro de 2001.

Ação julgada parcialmente procedente para reconhecer a inconstitucio-nalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida no dispositivonormativo impugnado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na confor-midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar proce-dente, em parte, a ação e declarar a inconstitucionalidade da expressão “e os Delegados dePolícia”, contida na alínea e do inciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, naredação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 29, de 29 de agosto de 2001, vencidosos Ministros Maurício Corrêa (Relator), Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Carlos Velloso,que a julgavam totalmente inconstitucional, e os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello,que a julgavam integralmente improcedente. Votou o Presidente.

Brasília, 1º de dezembro de 2004 — Carlos Ayres Britto, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O Partido dos Trabalhadores (PT) propõe açãodireta de inconstitucionalidade da alínea e do inciso VIII do art. 46 da Constituição doEstado de Goiás, na redação introduzida pela Emenda Constitucional 29, de 31 de outubrode 2001, que outorga competência ao Tribunal de Justiça para julgar e processar determi-nados servidores públicos do Estado. A norma impugnada tem o seguinte teor:

Art. 46. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:(...)VIII - processar e julgar originariamente:(...)e) os Juízes do primeiro grau, os membros do Ministério Público, ressalvada a

competência da Justiça Eleitoral, e os Delegados de Polícia, os Procuradores do Estadoe da Assembléia Legislativa e os Defensores Públicos, ressalvadas as competências daJustiça Eleitoral e do Tribunal do Júri;

2. Alega o requerente que a mencionada norma viola os arts. 5º, I e LIII; 22, I; 25 e 125,§ 1º, da Constituição Federal. Sustenta que a prerrogativa de foro “é decorrência doexercício de garantias constitucionalmente asseguradas aos Membros dos Poderes e dasInstituições a eles equiparadas”.

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3. Tece considerações sobre a outorga legal de foro por prerrogativa de função adeterminados agentes públicos constitucionalmente legitimados, para concluir que o legis-lador estadual não pode deferir foro especial a servidores públicos que desempenhemfunções na esfera federal as quais não sejam revestidas da mesma prerrogativa. Dessemodo os delegados de polícia, os procuradores do Estado e da Assembléia Legislativa,assim como os defensores públicos, não são agentes políticos, dado que não pertencema órgãos dotados de independência segundo a Constituição, não justificando, dessaforma, a tutela estatal pretendida, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e do juiznatural.

4. Além do mais a norma impugnada regula matéria de ordem processual, cuja compe-tência é privativa da União (CF, art. 22, inciso I). Ressalta que os delegados da PolíciaFederal e os advogados da União não têm prerrogativa de foro autorizada pela Constituiçãonem pelas leis que disciplinam suas atribuições. Quanto aos defensores públicos, também aLei Complementar 80/94 nada dispôs a respeito da questão.

5. Afirma que a previsão, além de inconstitucional, conflita com a tendência de pôrfim aos privilégios, sendo inaceitável submeter a sociedade aos riscos da impunidade.

6. A Assembléia Legislativa prestou informações, em que sustenta a improcedênciada ação (fls. 36/41).

7. Esta Corte, por maioria de votos, deferiu a medida liminar requerida, em acórdãocujo ementa transcrevo1.

8. O Advogado-Geral da União, José Bonifácio Borges de Andrada, manifesta-sepela improcedência da ação. Para ele, a atuação legislativa estadual encontra amparo noart. 125 da Carta Política, que assegura autonomia aos Estados-Membros para organizarsua Justiça e a competência dos tribunais. Traz à colação precedentes desta Corte quedemonstram a possibilidade de ampliação das hipóteses de foro especial por prerrogativade função, especialmente nos casos em que, como o presente, fica resguardada a compe-tência do Tribunal do Júri (fls. 73/78).

9. O Procurador-Geral da República, Professor Geraldo Brindeiro, opina pela proce-dência da ação. Sustenta a ocorrência de vício formal, pois a norma do Estado dispôssobre matéria de ordem processual, cuja competência legislativa é da União (CF, art. 22, I).Do ponto de vista material, entende que a disposição atacada vai de encontro ao modelofederal, nada justificando a pretendida equiparação desses agentes públicos com os

1 “Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Art. 46, VIII, alínea e, da Constitui-ção do Estado de Goiás: competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar determinadosservidores. Violação aos arts. 5, I e III; 22, I; 25 e 125, da Carta Federal.

1. Os Estados-Membros têm competência para organizar a sua Justiça, com observância do modelofederal (CF, art. 125).

2. A Constituição estadual não pode conferir competência originária ao Tribunal de Justiça paraprocessar e julgar os procuradores do Estado e da Assembléia Legislativa, os defensores públicos e osdelegados de polícia, por crimes comuns e de responsabilidade, visto que não gozam da mesmaprerrogativa os servidores públicos que desempenham funções similares na esfera federal. Medida cautelar deferida.” (DJ de 6-9-02 – Fls. 59/68.)

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membros da magistratura e do Ministério Público, uma vez que estes detêm, diversamentedaqueles, independência funcional, servindo a prerrogativa de foro de instrumento desti-nado a assegurar eficácia a tal garantia constitucional (fls. 80/83).

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para distribuição aos SenhoresMinistros.

VOTO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Verifico, de início, que, na redação anteriorà Emenda Constitucional 29/01, a alínea e do inciso VIII do art. 46 da Constituição doEstado de Goiás dispunha que “compete privativamente ao Tribunal de Justiça (...)processar e julgar (...) os Juízes do primeiro grau e os membros do Ministério Público, noscrimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.

2. A noticiada emenda constitucional acrescentou aos citados agentes públicos,como destinatários de foro por prerrogativa de função, os delegados de polícia, osprocuradores do Estado e da Assembléia Legislativa e os defensores públicos.

3. A questão relativa à possibilidade de ampliação das carreiras atingidas pelo foroespecial, por meio de previsões incluídas nas constituições dos Estados, não é pacíficanesta Corte. No julgamento do HC 78.168, Néri da Silveira, DJ de 29-8-03, admitiu-se, deforma incidente, a legitimidade do art. 104, XIII, b, da Constituição do Estado da Paraíba,que outorgara a referida prerrogativa aos procuradores do Estado e aos defensores públi-cos, embora adotando interpretação conforme, excetuando os casos de competência doTribunal do Júri, como ficou assentado também na ADI 469/DF (Marco Aurélio, j. 5-4-01).

4. Da mesma forma, o Tribunal, ao julgar a ADI 541-MC, Marco Aurélio, DJ de 14-2-92, decidiu que “não se mostra ofensiva à Carta preceito de Constituição estadual quecontempla os Procuradores do Estado com a prerrogativa de foro, isto ao atribuir aoTribunal de Justiça a competência para processá-los e jugá-los nos crimes comuns e deresponsabilidade”.

5. No entanto, a partir do julgamento da medida liminar requerida na ADI 2.553/MA,Pertence, j. 20-2-02, a questão ganhou contornos diversos. Sua Excelência votou na mesmalinha da jurisprudência antes mencionada e, dessa forma, indeferiu o pedido de suspensãodo inciso VI do art. 81 da Constituição do Maranhão, introduzido pela Emenda Constitu-cional 34/01, que assegurou a prerrogativa aos membros das Procuradorias-Gerais doEstado, da Assembléia Legislativa e da defensoria pública e aos delegados de polícia, noscrimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

6. Concluiu o Ministro Pertence, na oportunidade, ser indevida a extensão da prerro-gativa de foro apenas aos delegados de polícia, por entendê-la de difícil conciliação com asrelações constitucionais de controle e instrumentalidade entre o Ministério Público e aPolícia Judiciária. O Tribunal, no entanto, por maioria de votos, deferiu a cautelar parasuspender, na íntegra, a eficácia da emenda constitucional questionada.

7. A seguir, durante o julgamento do pedido liminar nesta ação, ocorrido em 15-5-02,também por maioria de votos, a Corte achou por bem suspender a eficácia da norma queacrescentou à competência originária do Tribunal de Justiça para processar e julgar, nos

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crimes comuns e de responsabilidade, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral edo Tribunal do Júri, os delegados de polícia, os procuradores do Estado e da AssembléiaLegislativa e os defensores públicos.

8. Não é recente nesta Corte a discusão acerca da possibilidade de o Estado-Mem-bro incluir em sua Constituição disciplina a respeito da competência por prerrogativa deforo, e se essa matéria tem natureza constitucional ou processual. Em breve pesquisa emnossa jurisprudência, deparei-me com o acórdão proferido no HC 58.410, Moreira Alves,DJ de 15-5-81, no qual esta Corte entendeu que “pode a Constituição do Estado-Membro,com base no poder implícito que reconhece a este de atribuir a seus agentes políticos asmesmas prerrogativas de função de natureza processual penal que a Constituição Federaloutorga aos seus que lhes são correspondentes, estabelecer que o foro por prerrogativade função de deputado estadual é o Tribunal de Justiça (...)”.

9. Desse julgado colhe-se a seguinte lição do Ministro Oswaldo Trigueiro2:

(...) desde que não podem legislar sobre matéria penal, ou mesmo processual – reservadasà competência privativa da União –, os Estados devem limitar-se a reproduzir o direito federal,com as adaptações necessárias e indispensáveis. (...) Por força da Constituição, as garantiasestaduais são correspondentes às garantias federais. Quando acusado de crime comum, o deputadoestadual pode ser regularmente processado, independentemente de licença da Assembléia a quepertence. Mas é resguardado pelo privilégio de foro especial – o Tribunal de Justiça (...).

10. Seguindo tal entendimento, o Tribunal, no mencionado habeas corpus, fixou aexegese de que “a matéria de que se cuida – prerrogativa de foro – é mais de naturezaconstitucional e política do que processual. O privilégio foi instituído em razão daimportância hierárquica do cargo que a pessoa exerce. É uma garantia política da função,procurando-se, com o instituto, evitar o desprestígio do cargo”. Fixada essa premissa,anotou a Corte que “as prerrogativas de foro, no tocante aos deputados estaduais (...)não têm por fonte a legislação estadual; sim, a Carta Maior. A Constituição do Estado, noparticular, limita-se, pois, a reproduzir o paradigma federal, não invadindo, assim, a esferade competência legislativa exclusiva da União”.

11. E mais, conforme restou assentado no HC 57.173, Cordeiro Guerra, DJ de 12-9-80,“a norma constitucional estadual correspondente não é norma de reprodução obrigatória,mas norma de imitação (reprodução facultativa), imitação essa que pode ser completa,desde que circunscrita ao âmbito estadual, que é a esfera de incidência da Constituição doEstado-Membro”.

12. Parece-me de todo conveniente e necessário, portanto, que, neste julgamento demérito, o Tribunal adote uma exegese definitiva sobre o tema. Confesso aos colegas que,após a decisão cautelar, muito refleti acerca da questão, dado que, embora tenha sempreme alinhado aos que consideravam indevida a ampliação do rol daqueles contempladoscom prerrogativa de função, tinha e tenho como extremamente relevantes e consistentesos argumentos em sentido contrário.

2 Direito Constitucional Estadual, p. 160.

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13. É importante considerar, de plano, que a Constituição Federal sempre ressalvouque as Constituições estaduais deveriam necessariamente observar as balizas definidaspela primeira, e assim dispôs expressamente nos arts. 25 da Constituição e 11 do ADCT3.Por isso a importância que tem sido dada por esta Corte ao pricípio da simetria.

14. Não foi diferente quando o constituinte originário cuidou dos Tribunais deJustiça dos Estados. Está claro e expresso no art. 125 da Carta Federal que “os Estadosorganizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição” (gri-fei). Essa observância compulsória, por óbvio, estende-se à fixação da competência dosTribunais de Justiça pelas respectivas Constituições estaduais, a quem a Carta da Repú-blica expressamente outorgou tal poder no parágrafo primeiro do mesmo art. 125.

15. A questão que ora se coloca é simplesmente a de saber se o alargamento dashipóteses de foro privilegiado pelas Constituições dos Estados atinge ou não os princípiosfixados pela Constituição Federal. Penso que sim, pelas razões que a seguir aduzo.

16. Um dos princípios maiores da organização constitucional brasileira é, sem dúvida,o da isonomia. A idéia de tratar as pessoas de maneira igualitária perante a lei vem grafadaexpressamente em vários artigos da Constituição e está implícita em várias outras regras.Na questão jurisdicional emergem dois outros princípios que, de alguma forma, também seinspiram no postulado da igualdade, que são o do juiz natural e o do promotor natural.

17. O foro especializado por prerrogativa de função constitui claramente exceçãoconstitucional à aplicação desses postulados. A partir do momento em que o ocupantedessa ou daquela função não é tratado como os outros quando comete esse ou aquelecrime, sendo investigado, processado e julgado por instituições diversas das que ordina-riamente atuam em relação aos demais cidadãos que cometem o mesmo delito, há umaevidente diferença de tratamento, chancelada pela Constituição, por razões de interessepúblico, mas evidentemente como cláusula de exceção.

18. Essa jurisdição especial assegurada constitucionalmente a certas funções pú-blicas tem como matriz o interesse maior da sociedade de que aqueles que ocupam referidoscargos possam exercê-los em sua plenitude, com alto grau de autonomia e independência, apartir da convicção de que seus atos, se eventualmente questionados, serão julgados deforma imparcial. Nas palavras do saudoso e sempre lembrado Ministro Victor Nunes Leal,“presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgaros ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja àeventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A pre-sumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral,garantia contra e a favor do acusado”4.

3 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados osprincípios desta Constituição.”

“Art 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição doEstado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Consitituição Federal, obedecidos os princípiosdesta.”4 Rcl 473, Victor Nunes, Aud. de Publicação de 6-6-62.

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19. Essa excepcionalidade em face de preceitos tão sensíveis da Constituição Federalpossui, como visto, uma razão de ser própria, específica, justificável, que transmuda suaconotação de privilégio, no sentido pejorativo do termo, para prerrogativa essencial aobom exercício da função. Fica evidente, porém, sua natureza de exceção de naturezaconstitucional.

20. Como deixou assentado o Ministro Sydney Sanches no julgamento do Inq 687,“as prerrogativas de foro, pelo privilégio que, de certa forma, conferem, não devem serinterpretadas ampliativamente, em uma Constituição que pretende tratar igualmente oscidadãos comuns (...)”, o que requer extrema cautela na análise da questão.

21. Embora veja com bons olhos e tenha como natural evolução a tendência da Corteem relativizar, em alguns aspectos, o princípio da simetria, penso que nesse tema suaaplicação é imperiosa e inafastável. Tenho que as hipóteses de foro diferenciado são asexaustivamente definidas pela nossa Carta Política, ficando ao alvedrio do constituinteestadual tão-somente a sua aplicação nos casos de correlação entre os cargos públicosfederais assim contemplados e seu correspondente no Estado.

22. Em outras palavras, a Constituição Federal já atribui, de forma cogente, aosTribunais de Justiça a competência constitucional e excepcional de processar e julgar osjuízes e membros do Ministério Público dos Estados respectivos (CF, art. 96, III) , osprefeitos (CF, art. 29, X) e os deputados estaduais (CF, art. 27,§ 1º, c/c art. 53, § 1º).Permitiu, ainda, na forma do art. 125, que as Constituições estaduais possam estabeleceroutras prerrogativas de funções, desde que observados os princípios da Carta Federal, oque, nesse caso, interpreto como sendo limitação material ao poder constituinte estadual,que fica restrito às exceções admitidas pelo modelo federal.

23. Por isso mesmo é que a Constituição admitiu prerrogativa de foro para os magis-trados federais e membros do Parquet e para os membros do Congresso Nacional, jácontemplando com igual tratamento os paradigmas estaduais. Os governadores e membrosdos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios já estão sob jurisdição do SuperiorTribunal de Justiça, assim como seus paradigmas federais estão sujeitos a julgamento poresta Corte.

24. Poderia, em conseqüência, ser admitida, por correspondência, tendo em vistaprevisão expressa na Carta do Estado, a competência do Tribunal de Justiça para processare julgar os secretários de Estado, em face de igual previsão para os ministros de Estado noâmbito federal (CF, art., 102, I, b e c), assim como em relação aos vice-governadores. Foradessas hipóteses, no entanto, penso que há clara extrapolação dos limites traçados pelaConstituição, com o estabelecimento de cláusula de exceção aos princípios da isonomia edo juiz natural, que, por sua própria natureza, exigem expressa autorização e previsão naCarta Federal, hoje inexistente.

25. Mas não é somente isso. Vê-se claramente, voltando-se às lições de VictorNunes, que há lógica e razoabilidade na outorga de foro especial por prerrogativa defunção às autoridades antes mencionadas. Desse modo, quanto aos membros da magis-tratura e do Ministério Público, por razões óbvias, agrega-se complementação às prerro-gativas e garantias que expressamente lhes são outorgadas pela Constituição Federal nosarts. 95 e 128 e que asseguram efetividade ao exercício das atribuições constitucionais dascarreiras respectivas.

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26. Razoável, pois, que os membros do Poder Legislativo tenham garantia para que,com tranqüilidade, exerçam, sem receio e na sua plenitude, o mandato popular, certos deque influências externas, de cunho político-partidário, não deverão interferir na isençãode eventual julgamento judicial. Por outro lado, assegura-se à sociedade que essas auto-ridades, ainda que investidas de claro poder político e de influência, terão julgamentoimparcial e isento a partir da hierarquia de seus órgãos julgadores. O mesmo ocorre com oschefes e dirigentes máximos do Poder Executivo e com os membros dos Tribunais deContas.

27. Ora, essas carreiras, pela relevância que a plenitude de seu exercício significapara a sociedade, para o interesse público, justificaram por parte do constituinte tratamentodiferenciado, a ponto de representarem, como dito antes, desvio do dogma geral daisonomia. Por essa razão, tem-se aí um rol exaustivo, a vincular o constituinte estadual,que não dispõe de outorga para criar exceções às regras da garantia da igualdade, do juiznatural ou mesmo do promotor natural.

28. De outra parte, não vislumbro qualquer relação de razoabilidade entre as carreirasde que trata o ato impugnado e os objetivos dessa prerrogativa de foro especial. Comtodo o respeito aos advogados públicos e delegados de polícia, que prestam relevantesserviços à sociedade, não vejo em que a autonomia ou a efetividade de suas atuaçõesesteja relacionada com a necessidade de deterem foro especial por prerrogativa de fun-ção. Se reconhecermos que há relação de causa e efeito, haverá também para quase todoe qualquer servidor público, a exemplo dos auditores fiscais, técnicos da Receita Federal,fiscais do Trabalho, fiscais da Previdência e tantos outros, o que tornaria a prerrogativade função um amontoado de privilégios, agora sim no sentido negativo da palavra, fatoque a sociedade brasileira certamente não toleraria.

29. Veja que, em essência, salvo quanto às questões disciplinares aplicáveis aosservidores públicos em geral, não há diferença entre os defensores públicos e os advo-gados que atuam na condição de profissionais liberais. A variação fundamental está tão-somente na forma de remuneração pelo trabalho. Enquanto os primeiros são pagos peloEstado para defender os interesses judiciais dos hipossuficientes, os segundos auferemsua renda diretamente de seus clientes. Por que não outorgar também aos advogadosregularmente inscritos na OAB a prerrogativa de foro?

30. O mesmo se aplica aos procuradores dos Estado, que são advogados, servidoresdo Estado, que têm a função de defender seus interesses em juízo. Até admitiria umaprerrogativa de foro ao Procurador-Geral do Estado nas hipóteses em que este detiver acondição de secretário de Estado, assim como tem status de ministro o Advogado-Geralda União. Mas a todos os procuradores, inclusive os da Assembléia Legislativa, como faza norma impugnada, não me parece condizer com os princípios constitucionais em vigor.

31. Penso que o art. 125 não outorgou às Constituições estaduais uma verdadeiracarta em branco para assegurar o privilégio a quem bem entendesse, conferindo ao Tribunalde Justiça competências que não encontram paralelo na Carta Política. A questão refoge auma simples opção política, mas retrata um sistema rígido de jurisdição excepcional, que,por diferir postulados basilares do Estado de Direito Democrático, exige uma interpretaçãorestritiva e expressa.

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32. Conforme referiu o Ministro Carlos Velloso no julgamento do citado Inq 687,“o princípio da igualdade é inerente à República e ao regime democrático. Não é à toa,aliás, que o princípio isonômico é acentuado, mais de uma vez, na Constituição: assim,por exemplo, art. 52, caput, art. 5º, I, art. 150, II, art. 7º, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, art.3º, III, art. 43, art. 170, VII”. Nesse contexto, as hipóteses que excepcionam sua aplica-ção somente podem ser admitidas se veiculadas pela própria Constituição Federal edevem, nesses termos, merecer a mais limitada interpretação.

33. A questão do foro especial tem natureza constitucional e não fere, admito, matériaprocessual penal de ordem ordinária, estando por isso mesmo reduzida aos casos expressosna Carta Magna e nas Constituições estaduais que conservem a simetria necessária com omodelo federal. Situações, como a ora analisada, que não se enquadram no delimitadoespectro antes mencionado estão em descompasso com a Constituição Federal e nãopodem, nesses termos, subsistir no mundo jurídico.

34. Registro, ainda, que, no caso dos delegados de polícia, há, ainda, mais umacircunstância, lembrada pelo Ministro Pertence no julgamento da ADI 2.553-MC. É que,gozando eles da prerrogativa de foro, estar-se-ia diante de incompatibilidade substancialentre as suas atribuições e as dos membros do Ministério Público, a quem incumbe ocontrole externo da atividade policial, a requisição de diligências e a instauração do inqué-rito policial, funções instrumentais destinadas a permitir a promoção da ação penal pública,na forma da lei, e que estão “supra-ordenadas às funções de ‘política judiciária’ e ‘apuraçãode infrações penais’, confiadas às Polícias Civis dos Estados”5. De qualquer sorte, sob aótica defendida ao longo de meu voto, a previsão contraria os princípios da igualdade edo juiz natural, afrontando, por conseguinte, a segunda parte do art. 125 da ConstituiçãoFederal.

35. Como venho afirmando em outras oportunidades, embora os Estados-Membrostenham o poder de organizar a sua Justiça (CF, art. 125), devem observar os princípioscontidos na Constituição Federal, que, por sua vez, não contemplou os advogados estatais,os defensores públicos e os delegados de polícia com tal garantia funcional.

36. Conforme observou o titular do Parquet, conquanto caiba aos Estados, por meiode suas Constituições, fixar a competência de seus respectivos Tribunais de Justiça – CF,art. 125, § 1º –, essa competência não é ampla e irrestrita, sendo certo que seus limitesestão contidos na Constituição Federal, que impõe a observância a seus princípios – CF,art. 25, e ADCT, art. 11. Daí concluir pela ausência de similitude com o modelo estabelecidopela Constituição Federal, que não prevê foro privilegiado em favor dos procuradores daUnião, dos defensores públicos da União, bem como dos delegados da Polícia Federal.

Ante essas circunstâncias, julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidadeda letra e do inciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, na redação dadapela EC 29, de 31 de outubro de 2001, restabelecendo-se, por conseguinte, sua redaçãooriginária.

5 Ministro Pertence: ADI 2.553, j. 20-2-02.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, ouvi atentamente o laboriosovoto de V. Exa. e me permito, data venia, discordar em parte.

É que, sempre que a Constituição nomina certos cargos, ela o faz com o evidentepropósito de prestigiá-los, sobretudo quando organiza tais cargos em carreiras. É o casodos delegados de polícia, dos defensores públicos, dos procuradores de Estado, semfalar em juízes e membros do Ministério Público. Quero dizer: a Constituição não nominaum cargo ou uma instituição senão para prestigiá-los, para conferir-lhes um tratamento emseparado, revelador do altíssimo apreço da Constituição por eles. De sorte que reconhecera constitucionalidade da lei agora adversada é prestigiar sobremodo tais carreiras e home-nagear o desígnio constitucional.

Não vejo no princípio do juízo natural nenhum obstáculo, data venia, até porque oTribunal de Justiça, passando a ser o foro de processo e julgamento de tais agentes,operará como juízo natural. Até não gosto de dizer princípio do juiz natural, impessoalizoe digo princípio do juízo natural.

E quanto ao princípio da reserva legal, ou da igualdade de todos perante a lei,também ouso discordar, por interpretá-lo da seguinte maneira: quando a Constituição diz“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, parece claro quererdizer que não pode haver uma distinção que implique discriminação ou preconceito.Ninguém pode ser discriminado perante a lei, mas ser distinguido ou diferenciado, sim.Qual é a lei que não distingue, não diferencia?

A lei é elaborada a partir de dois pressupostos: o primeiro, que haja um conflitoseriamente instabilizador da sociedade, demandante de regulação. Onde há concórdia, nãohá necessidade de lei. Onde há perturbadora discórdia, claro que há necessidade de lei.

O segundo pressuposto: a lei tem que distinguir, diferenciar. Não há lei que não façadiferenciação entre pobres e ricos, adultos, adolescentes e crianças. Não existe uma só leique não distinga. Agora, o que a lei não pode fazer é discriminar, até porque a proibição dediscriminar já está no art. 3º, inciso IV, da Constituição.

Em última análise, ao dizer a Constituição que “todos são iguais perante a lei”,entendo que todos têm o direito de não ser discriminados pela lei, todos têm o direito à não-discriminação, apenas isso. Enfim, acolheria a ação direta de inconstitucionalidade apenasquanto ao cargo de delegado de polícia, por uma razão também de base constitucional. O§ 6º do art. 144 da Constituição diz que os delegados de polícia são subordinados, hierarqui-zados administrativamente aos governadores de Estado, do Distrito Federal e dos Territó-rios. E, uma vez que os delegados são, por expressa dicção constitucional, agentes subor-dinados, eu os excluiria desse foro especial, ratione personae ou intuitu personae.

Então, acato a ação direta de inconstitucionalidade somente para excluir o foroespecial aos delegados. No mais, data venia, julgo improcedente a ação.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, penso que a regra de prerrogativa de forona Constituição da República, que é norma de Direito Processual Constitucional, de exclu-siva competência da União, já é em si, posto que nesse escalão normativo, uma exceção,

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tanto ao princípio da igualdade, quanto ao do juiz natural. Suas hipóteses são exceçõesfundadas na consideração, estimada pelo Constituinte, da importância – diria – político-funcional que certas funções públicas têm dentro da estrutura da vida republicana. Ouseja, avaliou o constituinte que os titulares de certas funções estatais, que exigem maiorindependência, não apenas de ordem técnica, mas sobretudo de ordem político-funcional,mereceriam a exceção do foro por prerrogativa do seu exercício.

O que mais me pesa e avulta é o fato de que, ao fazê-lo, o constituinte teve em contaque essas funções, embora vistas e reguladas no plano federal, encontram correspon-dência, na medida da própria estrutura simétrica da federação, em homólogas nos planosestadual e municipal. Penso que não escapou ao Constituinte essa correspondência ouhomologia nos planos estadual e municipal, à luz da unitária importância política de certasfunções do Estado.

Isso significa que o constituinte federal, ao estabelecer a exceção àqueles doisprincípios, aliás muito caros à vida e ao perfil da República, enumerou as funções cujostitulares devem receber as mesmas garantias, as quais não podem estender-se a outrasfunções que, no mesmo juízo, não as mereceram tampouco no nível federal. Ademais,sendo exceções – diria – óbvias, já demandariam interpretação estrita, por mais de umarazão. É que, embora tais exceções sejam justificadas do ponto de vista político-institucio-nal, do ponto de vista metajurídico ferem o caráter singular da vida republicana, caracteri-zado pelo princípio da igualdade.

Creio serem essas, duas fortes razões adicionais para que a interpretação básica sejade que a avaliação do constituinte federal a respeito dos cargos e funções, cujo exercíciosuportaria tal exceção, encarna princípio constitucional que, nos termos do art. 125, § 1º,tem de ser observado pelo constituinte estadual, sob pena de gerar risco de indesejáveisdesigualdades, porque Estados há nos quais as mesmas categorias receberiam a prerro-gativa e outros em que não, afrontando-se assim, mais uma vez, a necessidade de interpre-tação estritíssima das exceções constitucionais.

Nem vejo grande diferença, do ângulo da subordinação, entre os delegados de polícia,os procuradores do Estado e os defensores públicos. Estes, aliás, não padecem nenhumrisco de interferência política no exercício das funções. Que razões pretextaria defensorpúblico para exigir igual prerrogativa? A meu ver, nenhuma, com o devido respeito.

Sr. Presidente, pedindo vênia, acompanho o voto de Vossa Excelência.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, compartilho, em parte, das preocupa-ções já declaradas por Vossa Excelência e, agora, manifestadas pelo Ministro Cezar Pelusoquanto à possibilidade dessa extensão, não pelos fundamentos externados no que dizrespeito à eventual lesão ao princípio da isonomia, ou eventual ofensa ao princípio repu-blicano. Sabemos que a República não deixa de existir por causa da prerrogativa de foro.Lembro até de uma passagem, extremamente feliz, do Ministro Sepúlveda Pertence, na

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discussão do Inq 656, ao dizer que aqui não se deve esquecer que pode haver arbítrio. Esabemos que existem arbítrios no contexto da instauração abusiva de inquéritos na condi-ção de processos. Por isso existe a prerrogativa de função. O Ministro, inclusive, dizia queo arbítrio judicial não é menos odioso do que os demais. Portanto, é preciso levar isso emconta.

Fazer também uma ontologia, a partir da perspectiva da Constituição, é muito difícil,porque, de fato, há, aqui, um quadro quase que caótico em termos de opção. Se formoslevar em conta as várias considerações possíveis – aí não compartilho da consideração deVossa Excelência nem do Ministro Cezar Peluso –, uma das atividades arriscadas, hoje, noBrasil, é a da advocacia pública.

Há algum tempo, uma eminente colega, procuradora da República que atuou comgrande vigor na defesa da União, dizia que sempre sofreu perseguição e ameaça nacondição de procuradora da República na defesa da União, não atuando como membrodo Ministério Público. Isso é um dado curioso.

O que temos, hoje, de episódios na advocacia pública, inclusive de inquéritos poli-ciais abertos contra advogados públicos que evitam os estelionatos pela via judicial –como bem conhecemos –, é um número expressivo. Já dizia isso quando Advogado-Geralda União e reitero agora: comparar a atividade do advogado público com a atividade doadvogado privado, data venia, não tem cabimento. Quem acompanha, minimamente, essasquestões, sabe-o muito bem. Não é por acaso que todo advogado público que atua comdenodo na defesa sofre uma perseguição enorme, por causa da organização do estelionatopela via judicial. Realmente, os exemplos estão aí.

Só gostaria de deixar isso de forma clara, porque não se equipara. Agora, obviamentehá esse risco já colocado de deixar ao constituinte estadual uma opção livre e que podelevar, de fato, à falta de um parâmetro. Se formos buscar uma racionalização a partir dotexto constitucional, diria que temos aí enormes perplexidades, porque, certamente, háatividades de nenhum risco, de importância política relativíssima, que estão contempladascom a prerrogativa de foro; outras, não.

Mas gostaria de fazer uma análise mais cuidadosa e, por isso, peço vista dos autos.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.587/GO — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Requerente: Partido dos Traba-lhadores – PT (Advogados: Alan Emanuel Trajano e outros). Requerida: Mesa da Assem-bléia Legislativa do Estado de Goiás (Advogado: Wladimir Sérgio Reale).

Decisão: Após os votos dos Ministros Relator, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso,que julgavam procedente a ação e declaravam a inconstitucionalidade da letra e do incisoVIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, na redação dada pela Emenda Consti-tucional 29, de 29 de agosto de 2001, e do voto do Ministro Carlos Britto, que a julgavaprocedente em menor extensão, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Falaram,pela requerida, o Dr. Wladimir Sérgio Reale e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláu-dio Lemos Fonteles. Presidência do Ministro Maurício Corrêa.

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Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os MinistrosSepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, EllenGracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geralda República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasilia, 17 de março de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidadecontra o art. 46 da Emenda Constitucional 29, de 31 de outubro de 2001, que introduziu noart. 46, VIII, da Constituição do Estado de Goiás a seguinte disposição:

Art. 46. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:(...)VIII - processar e julgar originariamente:(...)e) os Juízes do primeiro grau, os membros do Ministério Público, ressalvada a competência

da Justiça Eleitoral, e os Delegados de Polícia, os Procuradores do Estado e da AssembléiaLegislativa e os Defensores Públicos, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral e do Tribunaldo Júri;

O Ministro Maurício Corrêa considerou a norma inconstitucional pelos seguintesfundamentos:

(...) não vislumbro qualquer relação de razoabilidade entre as carreiras de que trata o atoimpugnado e os objetivos dessa prerrogativa de foro especial. Com todo o respeito aos advogadospúblicos e delegados de polícia, que prestam relevantes serviços à sociedade, não vejo em que aautonomia ou a efetividade de suas atuações esteja relacionada com a necessidade de deterem foroespecial por prerrogativa de função. Se reconhecermos que há relação de causa e efeito, haverápara quase todo e qualquer servidor público, a exemplo dos auditores fiscais, técnicos da ReceitaFederal, fiscais do Trabalho, fiscais da Previdência e tantos outros, o que tornaria a prerrogativade função um amontoado de privilégios, agora sim no sentido negativo da palavra, fato que asociedade brasileira certamente não toleraria.

29. Veja que, em essência, salvo quanto às questões disciplinares aplicáveis aos servidorespúblicos em geral, não há diferença entre os defensores públicos e os advogados que atuam nacondição de profissionais liberais. A variação fundamental está tão-somente na forma de remune-ração pelo trabalho. Enquanto os primeiros são pagos pelo Estado para defender os interessesjudiciais dos hipossuficientes, os segundos auferem sua renda diretamente de seus clientes. Por quenão outorgar também aos advogados regularmente inscritos na OAB a prerrogativa de foro?

30. O mesmo se aplica aos procuradores dos Estados, que são advogados, servidores doEstado, que têm a função de defender seus interesses em juízo. Até admitiria uma prerrogativa deforo ao Procurador-Geral do Estado nas hipóteses em que este detiver a condição de secretário deEstado, assim como tem status de ministro o Advogado-Geral da União. Mas todos os procuradores,inclusive os da Assembléia Legislativa, como faz a norma impugnada, não me parece condizercom os princípios constitucionais em vigor.

31. Penso que o art. 125 não outorgou às Constituições estaduais uma verdadeira carta embranco para assegurar o privilégio a quem bem entendesse, conferindo ao Tribunal de Justiçacompetências que não encontram paralelo na Carta Política. A questão refoge a uma simplesopção política, mas retrata um sistema rígido de jurisdição excepcional, que, por diferir postuladosbasilares do Estado de Direito Democrático, exige uma interpretação restritiva e expressa.

Adiante, explicitou-se esse entendimento nos seguintes termos:

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A questão do foro especial tem natureza constitucional e não fere, admito, matéria proces-sual penal de ordem ordinária, estando por isso mesmo reduzida aos casos expressos na CartaMagna e nas Constituições estaduais que conservem a simetria necessária com o modelo federal.Situações, como a ora analisada, que não se enquadram no delimitado espectro antes mencionadoestão em descompasso com a Constituição Federal e não podem, nesses termos, subsistir nomundo jurídico.

34. Registro, ainda, que, no caso dos delegados de polícia há, ainda, mais uma circunstância,lembrada pelo Ministro Pertence no julgamento da ADI 2.553-MC. É que, gozando eles daprerrogativa de foro, estar-se-ia diante de incompatibilidade substancial entre as suas atribuiçõese as dos membros do Ministério Público, a quem incumbe o controle externo da atividade policial,a requisição de diligências e a instauração do inquérito policial, funções instrumentais destinadasa permitir a promoção da ação penal pública, na forma da lei, e que estão “supra-ordenadas àsfunções de ‘polícia judiciária’ e ‘apuração de infrações penais’, confiadas às polícias civis dosEstados”. De qualquer sorte, sob a ótica defendida ao longo de meu voto, a previsão contraria osprincípios da igualdade e do juiz natural, afrontando, por conseguinte, a segunda parte do art. 125da Constituição Federal.

Pedi vista, externando minha preocupação com a fórmula preconizada, de leiturarestritiva do texto constitucional.

Tal como assinalado no voto do Ministro Maurício Corrêa, “(...) o Tribunal, ao julgara ADI 541-MC, Marco Aurélio, DJ de 14-2-92, decidiu que ‘não se mostra ofensivo à Cartapreceito de Constituição estadual que contempla os procuradores do Estado com a prerro-gativa de foro, isto ao atribuir ao Tribunal de Justiça a competência para processá-los ejulgá-los nos crimes comuns e de responsabilidade’.” Essa orientação teria sido alteradapor ocasião do julgamento da ADI 2.533/MA. A despeito da posição sustentada peloRelator, Pertence, que entendia constitucional o deferimento da prerrogativa de foro aosmembros das Procuradorias-Gerais do Estado, da Assembléia Legislativa e da DefensoriaPública – o Relator excluía desse elenco apenas os delegados de polícia –, a Corte conce-deu a cautelar para suspender a vigência da norma impugnada.

Da mesma forma, no julgamento da cautelar na presente ação direta de inconstitucio-nalidade, foi deferida liminar para suspender a vigência das disposições ora submetidasao exame de mérito (15-5-02).

Tal como anotado pelo eminente Relator, esta Corte tem entendimento firme nosentido de que a Constituição do Estado-Membro pode “(...) com base no poder implícitoque reconhece a este de atribuir a seus agentes políticos as mesmas prerrogativas defunção de natureza processual penal que a Constituição Federal outorga aos seus quelhes são correspondentes, estabelecer que o foro por prerrogativas de função de deputadoestadual é o Tribunal de Justiça (...)” (HC 58.410, Moreira Alves, DJ de 15-5-81). É que aquestão relativa à prerrogativa tem mais natureza constitucional e política do que proces-sual.

Na espécie, tal como observado, entendeu o Relator que não haveria relação derazoabilidade entre as funções exercidas pelos membros das carreiras de que trata o atoimpugnado e os objetivos da prerrogativa de foro.

Peço vênia para apresentar minha divergência parcial.Assente que não se cuida aqui de matéria processual, mas de tema de política

constitucional, cabem algumas considerações.

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Inicialmente, quero registrar que não me impressiona eventual argumento no sentidode que a prerrogativa de foro haveria de ser entendida de forma restritiva. Há muito ajurisprudência do Supremo Tribunal admite a possibilidade de extensão ou ampliação desua competência expressa quando esta resulte implícita no próprio sistema constitucional.Nesse sentido o precedente da relatoria do eminente e saudoso Ministro Luiz Gallotti, nosautos da Den 103, julgada em 5 de setembro de 1951.

Não é verdade, igualmente, que a prerrogativa de foro seja uma idiossincrasiabrasileira.

Nessa linha, é o que se depreende do voto proferido por Sepúlveda Pertence no Inq687, verbis:

(...)De início, não posso concordar (...) em que no Direito Comparado o foro especial por

prerrogativa de função seja desconhecido: são numerosas as Constituições e leis que o prevêemem hipóteses mais ou menos numerosas, a começar das velhas cartas constitucionais dos EstadosUnidos (art. III, Seção 2) e da Argentina (atual art. 100) – que o limitam ao julgamento dosembaixadores e membros das representações estrangeiras (a título de exemplo, na Espanha,Constituição, arts. 71, 4 e 102, 1, e Ley Orgânica del Poder Judicial, art. 57, 2º e 3º; na França,Constituição, art. 67; na Itália, Constituição, arts. 96 e 134; em Portugal, art. 133, 4, e tambémo Código de Processo Penal., arts. 11, 1, a, e 2, a, e 12.1, a; na Venezuela, art. 215, 1º e 2º).

Certo, poucos ordenamentos são tão pródigos quanto a vigente Constituição brasileira naoutorga da prerrogativa de foro (v.g., CF 88, art. 102, I, b e c; 105, I, a; 109, I, a; 96, III; 27, § 1º,e 29, X, sendo certo ainda ser consolidada na jurisprudência que tanto a lei processual federalquanto as Constituições estaduais e a Lei Orgânica da Justiça Eleitoral podem criar outras hipóte-ses, de cujo âmbito se tem ressalvado apenas a competência do Júri).

É certo também que o maior número das ações penais de competência originária doSupremo Tribunal cresceu significativamente, como seria fatal, quando a prerrogativa de foro seestendeu aos membros do Congresso Nacional (que só a haviam tido na Constituição do Império,em que o art. 47, 3º, confiava ao Senado o julgamento dos delitos individuais de Senadores eDeputados): hoje, nesse ponto, só pude encontrar regra semelhante na Constituição da Espanha(art. 71, 4); na Venezuela (Constituição, art. 215, 1º e 2º), com relação a parlamentares e outrasautoridades – salvo o Presidente da República e os crimes políticos, em que é total (Constituição,art. 215, 1º), a competência da Suprema Corte é restrita a “declarar se há procedência ou não parao julgamento” e, em caso afirmativo, remeter o caso ao tribunal comum competente, onde, noentanto, a instauração do processo contra membro do Congresso dependerá da licença da suaCâmara (Constituição, art. 144).

Mas é preciso enfatizar de logo e definitivamente que não está em discussão o institutoconstitucional da prerrogativa de foro.

De lege ferenda, participo mesmo em grande parte das preocupações republicanas daqueles(...) que se têm proclamado seus radicais adversários.

O juiz, contudo, especialmente se titular de suprema jurisdição constitucional – se não podemais fingir ignorar o peso sobre as próprias decisões da sua mundividência –, também não se podedeixar arrastar às tentações do voluntarismo arbitrário ou do inconsciente wishfull thinking, quelhe permitissem enxergar na Constituição o que lá não está, embora a seu ver devesse estar ouinsistir em não ver o que nela claramente se inscreveu: o arbítrio judicial não é menos odioso queos demais.

O pretenso argumento republicano não impressiona. Em verdade, nações de práticarepublicana – veja-se que o conceito hoje tem uma significativa transcendência – adotamo regime de prerrogativa por razões de política constitucional. Há pouco, o notávelProfessor Jorge Miranda registrou a necessidade de ampliação da prerrogativa de foro emPortugal, tendo em vista o uso dos processos judiciais para fins políticos.

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Cuidando especificamente da questão no plano das Constituições estaduais, anotouPertence na ADI 2.553, verbis:

Além de explicitar, no caput, que aos Estados incumbe organizar sua Justiça, observados osprincípios nela estabelecidos, a Constituição da República, no art. 125, § 1º, reservou expressa-mente às Constituições estaduais definir a competência dos respectivos tribunais.

Em princípio, esse poder compreende o de outorgar-lhes competências penais origináriaspor prerrogativa de função.

Certo, a própria Constituição Federal, nessa área, já impôs, implícita ou explicitamente,determinadas competências ao Tribunal de Justiça dos Estados (cf. arts. 29, X; 96, III; e 27, § 1º,c/c 53, IV).

Dessa inclusão compulsória de determinadas hipóteses na competência penal originária doTribunal de Justiça não se tem extraído, porém, a contrario sensu, que outras não possam seraditadas pela Constituição do Estado.

Por isso – na trilha do que incidentemente fora afirmado no HC 76.168, Plenário, 18-11-98, Néri da Silveira (Informativo STF 132) – declaramos constitucional, no art. 104, XIII, b,da Constituição da Paraíba, o foro por prerrogativa de função atribuído aos Procuradores doEstado e aos Defensores Públicos, embora, mediante interpretação conforme, tenhamos reduzidoo alcance do dispositivo à Justiça ordinária local, ainda aí, com exceção dos casos de competênciado Tribunal do Júri (ADI 469/PB, 5-4-01, Marco Aurélio, Informativo STF 223).

Quanto às categorias funcionais nele compreendidas, o precedente basta a elidir aplausibilidade da presente argüição, de modo a inviabilizar o deferimento da cautelar.

No preceito ora questionado – na linha da tendência de banalização do foro privilegiado,denunciado pelo Requerente –, a elas acresceram a dos Procuradores da Assembléia Legislativa ea dos Delegados de Polícia.

A legitimidade da inclusão dos primeiros – os membros da Procuradoria da AssembléiaLegislativa – não gera perplexidade, pois exercem funções de advocacia de Estado, perfeita-mente assimiláveis às dos procuradores do Estado.

(...)O poder – em princípio, reconhecido às Constituições estaduais – de outorgar competência

penal originária ao Tribunal local para conhecer de ação penal contra agentes públicos do Estado –além daqueles explicitamente previstos na Constituição Federal ou de funções assimiláveis aosque, no âmbito federal, se conferiu a mesma prerrogativa de foro – não é ilimitado: sujeita-se àaferição de sua razoabilidade e de sua compatibilidade substancial com outras regras ou princípiosna Carta da República.

Ora, nesta ficaram expressas, no art. 129, como “funções institucionais do MinistérioPúblico”, as de “exercer o controle externo da atividade policial”, na forma da lei comple-mentar mencionada no inciso anterior (art. 129, VIII), e a de “requisitar diligênciasinvestigativas e a instauração de inquérito policial” (art. 129, VIII).

Cuida-se, logo se vê, de funções instrumentais da atribuição primordial do MinistérioPúblico, na órbita do processo civil, de “promover, privativamente, a ação penal pública naforma da lei”, a qual, de sua vez, está instrumentalmente supra-ordenada às funções de “políciajudiciária” e “apuração de infrações penais”, confiadas às Polícias Civis dos Estados.

Com essas relações constitucionais necessárias de controle, poder de requisição einstrumentalidade entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, a um primeiro exame, parecedifícil conciliar a outorga aos delegados de Polícia – responsáveis pela ação da última – de foro porprerrogativa de função que os subtraia da esfera de atuação dos órgãos do Ministério Público deatribuições territoriais coextensivas.

Daí concluir Pertence:

São de densa plausibilidade, sob esse prisma, as ponderações da petição inicial – a um sótempo para evidenciar, neste juízo de delibação, o peso da argüição de inconstitucionalidade e aconveniência da suspensão cautelar, no tópico, da inovação questionada. Verbis:

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“Sem mais argumentações a respeito do mérito da ampliação do foro especial àsoutras carreiras jurídicas, haja vista ser flagrante a sua inconstitucionalidade frente àConstituição Federal, conforme anteriormente demonstrado, deve-se dizer que conceder omesmo privilégio aos Delegados de Polícia, além da inconstitucionalidade, representadificultar a apuração de crimes, notadamente de tortura e abuso de autoridade, aumentandoa impunidade execrada pela sociedade brasileira, estimulando práticas criminosas e come-timento de mais arbitrariedades contra os direitos humanos, assegurados na mesma CartaMagna, que não previu prerrogativa de foro para tais categorias de servidores públicos.

Ademais, as nações do mundo inteiro, hodiernamente, mobilizam-se para a defesados direitos humanos e pugnam pela igualdade e pela diminuição, senão exclusão, dequaisquer privilégios.

Por sua vez, o Brasil deflagrou, recentemente, uma campanha nacional de combateà tortura, realizada pelo Ministério da Justiça, através da Secretaria de Estado dos DireitosHumanos.

Todos sabem que os delitos de tortura e de abuso de autoridade constituem indesejá-veis e reiteradas práticas nas delegacias e presídios nacionais. A situação não é diferente noMaranhão, onde a imprensa noticia diariamente a ocorrência desses crimes, os quais vêmaumentando assustadoramente, preocupando as autoridades do Poder Judiciário e do Minis-tério Público, que necessitam cada vez mais de Juizes de Direito e Promotores de Justiçapara dar efetivo combate a tais práticas abominadas pela Sociedade.

É de se perguntar o que diria o Povo Maranhense ao confrontar uma campanhacontra crimes de tortura, sabidamente cometidos por policiais em cadeias e presídios, comuma Emenda Constitucional que concede inconstitucional e inusitado privilégio, que sóaumentará a impunidade e estimulará a criminalidade no meio policial com graves conse-qüências para a sociedade.

Exemplo recente, entre inúmeros outros, que destaca negativamente o Estado doMaranhão no âmbito do respeito aos direitos humanos, é o caso ocorrido na comarca deCoroatá, em que um Delegado de Polícia, juntamente com outros policiais, torturaram,assassinaram, atearam fogo no cadáver e enterraram um preso. Naquele caso, as primeirasprovidências foram adotadas pelos Promotores de Justiça da comarca, entre as quais opedido de prisão preventiva do Delegado e dos policiais, prontamente acatado pelo respec-tivo Juiz de Direito.

Deve-se enfatizar que, a vigorar a Emenda Constitucional estadual, a prática decrimes por Delegados de Polícia com a participação de policiais, além de suprimir o duplograu de jurisdição, deslocará, pela regra do foro especial, a competência do julgamento parao Tribunal de Justiça não só dos Delegados, mas também dos co-autores dos delitos,ampliando, dessa forma, o foro privilegiado a agentes de polícia e policiais militares.

Noutro ângulo, as conseqüências nefastas dessa disposição podem ser claramenteextraídas da grande quantidade de Delegados e policiais, notadamente aqueles envolvidosno crime organizado, denunciados pelo Ministério Público Estadual, fatos esses de granderepercussão nacional e internacional, com ampla divulgação por ocasião da presença daCPI Federal do Narcotráfico no Maranhão.

Tal situação cria claros obstáculos à apuração dos supra-referidos delitos, pelasseguintes razões:

a) retira a possibilidade de utilização das estruturas capilarizadas do MinistérioPúblico e da Magistratura, com membros presentes em todas as comarcas do Estado;

b) a Procuradoria-Geral de Justiça e o Tribunal de Justiça têm sede na capital doEstado, distante dos locais onde os fatos acontecem, sendo estes presenciados pelos Juízesde Direito e Promotores de Justiça nas diversas comarcas, conhecedores próximos doscrimes praticados em sua jurisdição;

c) as inúmeras atribuições do Procurador-Geral de Justiça inviabilizariam o ofereci-mento de denúncias acerca de todos os casos de tortura, abuso de autoridade e demaiscrimes, a menos que fosse aumentada a assessoria jurídica, com a criação de inúmeroscargos de assessor, o que se toma inviável ante os duros preceitos da Lei de Responsabili-dade Fiscal;

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d) a concentração dos julgamentos no Tribunal de Justiça suprimiria uma instânciade ambas as instituições, em prejuízo da própria Sociedade, que merece uma respostaimediata e eficaz daqueles que vivenciam diretamente os fatos e por isso são chamados dePromotor Natural e Juiz Natural;

e) repercussão estadual e nacional, em razão da Campanha Nacional contra a Tor-tura no Brasil, expondo de forma altamente negativa o Estado do Maranhão perante osdemais Entes da Federação e perante o mundo, pela concessão inconstitucional de privilégioextensivo a criminosos envolvidos no crime organizado.”Não se trata – convém frisar – de negar a relevância da Polícia Judiciária, nem da atuação

nela dos Delegados de Polícia: cuida-se é de ponderar a compatibilidade entre a prerrogativa deforo a esses conferida e a efetividade de outras regras constitucionais eminentes para a salvaguardadas liberdades públicas.

Esse o quadro – e sem prejuízo de exame mais aprofundado da questão –, defiro parcialmentea medida cautelar para suspender, até decisão definitiva da ação direta, a vigência e aaplicabilidade, no art. 81, IV, do Estado do Maranhão, na redação da EC estadual 34/01, dosvocábulos “e os Delegados de Polícia”: é o meu voto.

Também Marco Aurélio faz a seguinte consideração na ADI 541:

Examino, agora, o pleito alusivo ao art. 136, inciso II, da Constituição do Estado daParaíba. Preceitua o dispositivo que aos procuradores do Estado é assegurada a prerrogativa deserem julgados, nos crimes comuns ou de responsabilidade, pelo Tribunal de Justiça do Estado.De início, não vejo conflito evidente com a norma inscrita no inciso I do art. 22 da ConstituiçãoFederal. Se de um lado compete privativamente à União legislar sobre direito processual, de outroestá reconhecido na própria Carta que a competência dos Tribunais dos Estados é definida narespectiva Constituição. Ademais, não vislumbro, no caso, aspectos conducentes à conclusão emtorno do concurso do periculum in mora. No particular, indefiro a liminar.

Ao pedir vista, deixei assente para a definição de minha preocupação com a falta deum critério mais ou menos seguro. Anotei, então, verbis:

Sr. Presidente, compartilho, em parte, das preocupações já declaradas por Vossa Excelênciae, agora, manifestadas pelo Ministro Cezar Peluso quanto à possibilidade dessa extensão, nãopelos fundamentos externados no que diz respeito à eventual lesão ao princípio da isonomia oueventual ofensa ao princípio republicano. Sabemos que a República não deixa de existir por causada prerrogativa de foro. Lembro até de uma passagem, extremamente feliz, do MinistroSepúlveda Pertence, na discussão do Inq 656, ao dizer que aqui não se deve esquecer que podehaver arbítrio. E sabemos que existem arbítrios no contexto da instauração abusiva de inquéritose na condução de processos. Por isso existe a prerrogativa de função. O Ministro, inclusive, diziaque o arbítrio judicial não é menos odioso do que os demais. Portanto, é preciso levar isso emconta.

Fazer também uma ontologia, a partir da perspectiva da Constituição, é muito difícil, porque,de fato, há, aqui, um quadro quase que caótico em termos de opção. Se formos levar em conta asvárias considerações possíveis – aí não compartilho da consideração de Vossa Excelência nem doMinistro Cezar Peluso –, uma das atividades arriscadas, hoje, no Brasil, é a da advocacia pública.

Há algum tempo, uma eminente colega, procuradora da República que atuou com grandevigor na defesa da União, dizia que sempre sofreu perseguição e ameaça na condição deprocuradora da República na defesa da União, não atuando como membro do Ministério Público.Isso é um dado curioso!

O que temos, hoje, de episódios na advocacia pública, inclusive de inquéritos policiaisabertos contra advogados públicos que evitam os estelionatos pela via judicial – como bemconhecemos –, é um número expressivo. Já dizia isso quando Advogado-Geral da União e reiteroagora: comparar a atividade do advogado público com a atividade do advogado privado, datavenia, não tem cabimento. Quem acompanha, minimamente, essas questões, sabe-o muito bem.Não é por acaso que todo advogado público que atua com denodo na defesa sofre uma perseguiçãoenorme, por causa da organização do estelionato pela via judicial. Realmente, os exemplos estão aí.

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Só gostaria de deixar isso de forma muito clara, porque não se equipara. Agora, obviamentehá o risco já colocado de deixar ao Constituinte estadual uma opção livre e que pode levar, de fato,à falta de um parâmetro. Se formos buscar uma racionalização a partir do texto constitucional,diria que temos aí enormes perplexidades, porque, certamente, há atividades de nenhum risco, deimportância política relativíssima, que estão contempladas com a prerrogativa de foro; outras, não.

Mas gostaria de fazer uma análise mais cuidadosa e, por isso, peço vista dos autos.

De fato, mesmo no texto da Constituição Federal pode-se encontrar essa falta decritérios seguros para a definição da prerrogativa de foro.

Penso que uma questão central, no caso em exame, é saber se estão presentes aquelespressupostos que justificam a diferenciação de tratamento entre agentes públicos. Lembro,aqui, da lição de Victor Nunes, a evidenciar o ethos da prerrogativa de foro entre nós:

A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituídanão no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício,isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atosvenham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador queos tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadasfunções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, sejaàs influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquiabilateral, garantia contra e a favor do acusado.

Sob essa perspectiva, a justificativa para o foro diferenciado parte, em primeirolugar, da perspectiva do interesse público.

Nessa linha, gostaria aqui de deixar registrada outra observação. Penso que a garantiaconstitucional da prerrogativa de foro passa a ser tanto mais importante se se consideraque vivemos hoje numa sociedade extremamente complexa e pluralista, em que a possibi-lidade de contestação às escolhas públicas é amplíssima. Refiro-me ao problema da com-plexidade de que fala Canotilho em relação à Teoria da Constituição. Vivemos em umasociedade organizada sob bases plurais assentadas em inevitáveis diferenciações funcio-nais (sistema político, econômico, científico) (CANOTILHO, Direito Constitucional eTeoria da Constituição. 4. ed., Coimbra, 2000, p. 1303). “Isto conduz [diz Canotilho] acrescentes graus de especialização, impessoalidade e abstração no conjunto do sistema”.

Por isso, ensina o mestre português, não se vislumbra a possibilidade de um códigounitarizante dos vários sistemas sociais. Não é por acaso também que, em nome dessahipercomplexidade social, se justifica a oposição a qualquer escolha pública e, sobretudo,às deliberações políticas democráticas (CANOTILHO, cit., p. 1303).

Se esse é um dado da nossa sociedade democrática e pluralista, também não deixade ser um fator de instabilidade. Também é certo que é o próprio sistema democrático queoferece as correções.

De fato, as decisões tecnocráticas ou políticas podem e devem ser contestadas. Asua juridicidade deve ser aferida. É a própria Constituição que cria os mecanismos paraaferição da legitimidade dos atos do poder público.

Mas é o próprio sistema que exige, em relação a certos agentes, um tratamentodiferenciado, no que toca à impugnação judicial de atos praticados no exercício da função,tendo em vista uma perspectiva de estabilidade que interessa às próprias instituiçõespúblicas.

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Voltando a discussão especificamente para o caso em exame, não tenho dúvidaquanto ao caráter singular das atividades de advocacia pública. Não são raros os casosem que advogados públicos, na defesa intransigente do interesse público, acabam porsofrer uma intolerável perseguição política. E aqui a realidade oferece toda espécie deexemplos. E justamente por não terem as amplas prerrogativas de que gozam promotorese juízes, em termos práticos, o constrangimento a um advogado público pode ser muitomais eficaz, o que obviamente acaba por afetar não apenas esses agentes, mas as própriasinstituições que eles representam.

Lembro ainda que um dos problemas fundamentais da sociedade de risco é aassinalagmaticidade do risco, de que fala Canotilho, em perspectiva mais ampla. Não háuma distribuição uniforme do risco na sociedade. Por vezes o risco criado por uns écompletamente suportado por outros. A assinalagmaticidade pode manifestar-se em outrasdimensões. Pode haver, por exemplo, um deficit e democrático na própria formulação dasdecisões que encerram riscos. A distribuição do risco também pode estar vinculada àlocalização das fontes de risco. Por exemplo, em matéria ambiental, a distribuição de riscospode vincular-se ao quadro normativo e à eficiência das instituições em diferentes locali-dades.

No caso, estamos falando de uma categoria de agentes públicos que está sujeita ariscos absolutamente diferenciados. No terreno das disputas judiciais, penso que osriscos a que estão sujeitos os advogados públicos são diferenciados, não podendo serequiparados aos suportados pelos advogados privados. E por vezes são bem maioresque os suportados pelos membros do Ministério Público. O mesmo ocorre na atividadeconsultiva. Não são raros os casos de perseguição aos advogados públicos que, simples-mente por uma obrigação funcional, ofereceram os subsídios técnicos para a adoção deuma política pública.

Tudo isso, no meu entendimento, justifica que seja garantido a tais agentes o julga-mento perante órgão judicial que, na linha exposta por Victor Nunes, presumidamentepossui maior independência e capacidade de resistir a eventuais pressões. Essa é – e aquitambém recordo a lição de Victor Nunes – uma garantia a favor e contra o acusado, tendoem vista que também implica maior capacidade do órgão judicial de resistir a pressões dospróprios advogados públicos.

Não vejo, portanto, qualquer inconstitucionalidade na opção do legislador estadual, etambém não vislumbro uma vedação constitucional para tanto.

No caso em exame entendo que a fórmula proposta por Pertence resolve adequada-mente a questão. Preserva-se a decisão do constituinte estadual, sem que haja alteraçãoquanto à competência do Tribunal do Júri.

Tenderia, até mesmo, a reconhecer a plena legitimidade da prerrogativa de foro aodelegado de polícia.

Na espécie, porém, considero insuperável a objeção suscitada quanto ao própriocontrole da atividade policial.

Nesses termos, o meu voto é no sentido da inconstitucionalidade parcial da normapara expungir a regra concernente aos delegados de polícia.

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VOTO(Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sra. Presidente, tenho certa dúvida quanto aos asses-sores jurídicos das Assembléias Legislativas. Gostaria de pontuar para Vossas Excelênciasa busca de um critério objetivo. Qual seria? Para prerrogativar certos agentes em matériade foro, o critério objetivo seria: a Constituição, ao criar as carreiras públicas jurídicas,equiparou umas à judicatura, quando considerou tais carreiras essenciais à funçãojurisdicional do Estado. Por exemplo, Ministério Público, Advocacia Pública e DefensoriaPública, por designação constitucional, são carreiras jurídicas, públicas, essenciais àfunção jurisdicional do Estado. Se adotarmos esse critério objetivo assim ressaído daConstituição, conferiríamos a prerrogativa de foro especial a essas três carreiras jurídicaspúblicas, excluindo as demais. Penso ser um bom critério, considerando que prerrogativaé uma condição de exercício altivo e desembaraçado do cargo, além de independente,tanto do ponto de vista administrativo quanto técnico.

Excluiria os delegados, por uma razão também objetiva. Eles são de assento consti-tucional, há previsibilidade expressa quanto ao cargo de delegado. Porém a própria Cons-tituição diz que eles chefiam as Polícias Civis. E tanto as Polícias Civis quanto os Corposde Bombeiros Militares e a Polícia Militar são instituições subordinadas, conhecemsubordinação hierárquica por desígnio expresso da Constituição. Então, excluiria os dele-gados por essa única razão.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, colho da Constituição Federal queos Estados, no tocante à confecção das Cartas estaduais, têm as competências não vedadasconstitucionalmente. Mais do que isso, no art. 125, § 1º, está revelado competir à LeiMaior estadual a fixação da competência dos Tribunais de Justiça.

Ora, o fato de não se contar, na Constituição Federal, com a disciplina quanto àprerrogativa de foro em relação a detentores de certos cargos obstaculiza, por si só, aatuação do constituinte estadual? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa. Enão nos cabe, no controle concentrado de constitucionalidade, extravasar os limites dessemesmo controle para adentrar o campo da conveniência política – diria até mesmo político-administrativa – do ente federado. Vivemos em uma Federação e há de se preservar acompetência legislativa dos Estados, desde que essa competência, reafirmo, não ultra-passe as balizas fixadas pela Carta da República.

Quando o Diploma Máximo, no art. 96, inciso III, versa a competência dos Tribunais deJustiça para o julgamento, considerados crimes comuns e de responsabilidade, dos juízes,dos membros do Ministério Público, ele o faz prevendo uma garantia mínima, semobstaculizar a possibilidade de o constituinte estadual ir além e estender essa mesmagarantia a detentores de outros cargos, visando à proteção do exercício desses mesmoscargos.

Por isso, lanço mão da óptica já exteriorizada, até certo ponto, pelo Ministro CarlosAyres Britto. Sinto-me um pouco tolhido para definir ser possível, mesmo não havendonorma expressa na Carta da República – se houvesse, seria uma sobreposição –, estipular

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a prerrogativa em relação a estes e aqueles cargos e não ser possível em relação a outros.Poderíamos tomar de empréstimo as atividades essenciais ao implemento da Justiça; seriaum critério. Indago: na fase primeira, da persecução criminal, em que há atuação dodelegado de polícia, não há razoabilidade em se estabelecer, em uma opção, repito, políticado Estado-Membro, a prerrogativa de foro no que tange a esses delegados, como ocorrecom procuradores das Assembléias? De duas, uma: ou bem ficamos – e aí entendemosque não haveria campo para se acionar o art. 25 da Carta da República, na confecção daConstituição estadual – e tomamos os textos da Carta da República como numerusclausus, observadas as prerrogativas estabelecidas, ou caminhamos no sentido de umadescentralização, sob esse prisma, para entender viável a previsão de prerrogativa deforo, pela Carta estadual, quanto a ocupantes de outros cargos.

Da mesma forma, cuida o art. 108, I, da competência da Justiça Federal. Há referênciaapenas a juízes federais e membros do Ministério Público. Sabemos não haver uma distin-ção tão grande assim entre membros do Ministério Público e das Defensorias Públicas.Aqueles que integram essas duas instituições são, em última análise, advogados públicos,atuando o Ministério Público – aí tomo de empréstimo a ação penal – como órgão acusador,o promotor, o procurador, acusando em nome do Estado-juiz, e o defensor público, comoórgão de defesa, também arregimentado pelo próprio Estado.

Não vislumbro violência à Lei Maior, e a base para se julgar procedente o pedidoformulado na inicial é única, é a ofensa frontal, direta à Carta da República, no que a alíneae do inciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás prevê o julgamento dedelegados de polícia, de procuradores do Estado, de procuradores da AssembléiaLegislativa e de defensores públicos, afastados os crimes eleitorais e os crimes dolososcontra a vida – da competência do Tribunal do Júri –, pelo Tribunal de Justiça.

Por isso, peço vênia para julgar improcedente o pedido formulado na inicial.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Sra. Presidente, é conhecida a minha posiçãonesta Casa, sustentada de há muito, no sentido de considerar o foro por prerrogativa defunção, ou foro privilegiado, inadmissível na República. Aliás, só temos foro privilegiado,e é mesmo privilegiado, eufemisticamente chamado de foro por prerrogativa de função,por termos sido Império. É o tributo que pagamos por termos sido Império.

A República não admite juiz de uns ou de alguns, senão o juiz natural, que julga atodos. Costumo mencionar que os Estados Unidos da América, por não terem sido Império,não conhecem o foro privilegiado. É certo que na Constituição norte-americana existe umpreceito estabelecendo foro por prerrogativa de função, para os chefes de missão diplo-mática, somente isto, o que se justifica, aliás.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: V. Exa. me permite? A imagem a que o mundo inteiroassistiu, há cerca de quatro, cinco anos, do então presidente dos Estados Unidos, BillClinton, submetendo-se a um grand jury, a um juiz de primeira instância, diz tudo sobre oDireito nos Estados Unidos.

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E não é um dado necessariamente positivo, diga-sede passagem. A avacalhação que aquilo representou não é um dado positivo, é a desmo-ralização de um sistema. Não é um bom exemplo o sistema norte-americano.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Tanto não desmoralizou que ele é um dos homens demaior prestígio nos Estados Unidos e no mundo. Vale a pena copiar, no ponto, o sistemanorte-americano.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas o dano que isso causou à instituição graças àexposição feita.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não há falar em dano. O presidente, na condição decidadão, sujeito de direitos e de deveres, como todos os cidadãos sentou-se diante de umjuiz de primeiro grau. Veja V. Exa. outro exemplo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Uma desmoralização. E V. Exa. sabe o abuso cometidoe o uso político disso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Veja V. Exa. outro exemplo que mencionarei na linhapreconizada pelo Sr. Ministro Joaquim Barbosa: o do Presidente Nixon, submetendo-se aoJuiz Federal Jonh Sirica, filho de imigrantes. Isso quer dizer que se tem ali uma República.Tenho dito aqui, desde o dia em que ingressei nesta Casa, o que dizia também no antigoTribunal Federal de Recursos e no Superior Tribunal de Justiça: foro privilegiado é tributoque pagamos por termos tido a monarquia como forma de governo, o que não podeocorrer, entretanto, numa República. Nós pretendemos viver numa República.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Penso que os exemplos já citados, e podemos trazeroutros, certamente não têm a correspondência histórica que V. Exa. está pretendendoestender.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: V. Exa. mencionou a Espanha?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, a Espanha, a Itália e vários outros países.O Sr. Ministro Carlos Velloso: E a Espanha é o quê? Uma Monarquia. É dizer, a sua

forma de governo é monárquica.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Alemanha seria também uma Monarquia, o que

mais? A Alemanha também tem foro.O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quais são as autoridades que se submetem ao foro

privilegiado na Alemanha? V. Exa. poderia mencionar?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tem na própria Corte Constitucional para o Presidente

da República. Agora, isso nega a característica de República?O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vai parar em dois ou três nomes. Duas ou três funções.

Agora, o que se está pretendendo fazer aqui, neste País? Comentávamos, o MinistroCezar Peluso e eu, que vamos chegar a um ponto em que acabaremos com os juízes deprimeiro grau. Todos terão foro privilegiado. Seria o caos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É preciso entender o que V. Exa. chama de privilégio.Realmente é um substantivo oriundo dos regimes monárquicos, estamos tratando é deprerrogativa, não de privilégio.

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O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, eufemisticamente V. Exa. chama de prerroga-tiva. É puro privilégio, incabível na República.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Prerrogativa corresponde ao conceito de atribuição, ouseja, para que as competências sejam exercidas com mais desembaraço, com maior inde-pendência.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Data venia, fiquei na mesma. Por que essas compe-tências não serão exercidas com desembaraço diante do juiz natural que deve julgar atodos?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Olhe, V. Exa. é vitalício, somos vitalícios, isso é umaprerrogativa.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Essa prerrogativa não é minha, é do jurisdicionado. Épara que o jurisdicionado confie na sentença, confie no juiz que, decidindo contra o poder,seja político ou econômico, não seja alvo de perseguições. Coisa diferente, portanto.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É para facilitar o exercício do cargo.O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não vejo nenhum inconveniente no acabar com o foro

privilegiado. Amanhã, se cometermos um delito de trânsito, delito a que todos os quedirigimos automóveis estamos sujeitos, estaríamos diante de um juiz de primeiro grau.Que dano causaria isso? Nenhum, penso.

Continuo. Examinemos o caso concreto sob o ponto de vista da nossa Constituição,feitas as restrições que mencionei.

O estabelecimento desse foro privilegiado – evito falar em prerrogativa de função –,em razão de uma função pública exercida, somente se viabiliza, em princípio, na ConstituiçãoFederal.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência me permite? Já votei, mas este debatecolocou-me diante do seguinte dilema: sou capaz de entender completamente a posiçãodo Ministro Marco Aurélio, que parte do pressuposto de o legislador estadual ter completaliberdade no assunto. Ora, ou reconhecemos que o modelo federal deve ser observado,ou a alternativa é que não precisa ser observado e, portanto, o constituinte estadual podeestender prerrogativa de foro a quem quer que seja, sem que possamos substituir-lhe ojuízo de conveniência em um julgamento como este, decidindo que, para nós, seria impor-tante que tal categoria tivesse prerrogativa de foro ou que tal categoria não a tivesse:delegado de polícia não, mas defensor público deve ter. Se o constituinte estadual, comoalternativa, tem poder, essa limitação só pode decorrer do texto da Constituição Federal,não de um juízo de conveniência estabelecido pelo Tribunal.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Data venia, no caso não foi juízo de conveniência.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Passei por eles coincidentemente. Mas, data

venia, minha base é o art. 125 da Constituição, com um dado também, com relação aosdelegados de polícia, do direito positivo: o controle externo da atividade policial peloMinistério Público.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Dizia eu que, em princípio, a fixação desse tipo de foroanti-republicano somente se viabiliza na Constituição Federal, porque ele viola, primeiro,

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o princípio da igualdade e, segundo, o princípio do devido processo legal, porque, neste,ensinam os melhores estudiosos de Direito Processual Constitucional, inclui-se o juiznatural.

Admito, com base na simetria federal, possa ser possível ao constituinte decorrente,constituinte estadual, exercendo em caráter excepcional competência de Direito Proces-sual Constitucional – o eminente Ministro Cezar Peluso lembrou, em seu voto, que essaquestão se inclui no âmbito do Direito Processual Constitucional –, estabelecer foroprivilegiado. Por exemplo, para os deputados estaduais, tendo em consideração o foroespecial dos parlamentares federais. O mesmo pode ser dito relativamente aos secretáriosde Estado. Isso, sempre digo, não é bom; não é republicano, mas se admite, entretanto, emobséquio ao princípio da simetria federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 125 da Constituição, Vossa Excelência nãoconsidera?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Chegarei lá. No caso, não encontra base nessa simetriao foro especial para os delegados de polícia, os procuradores de Estado, da AssembléiaLegislativa e os defensores públicos. Os similares federais não têm esse foro privilegiado.Não se chegou ainda a tanto, mas, certamente, algo deve estar sendo preparado, sendopensado. Tudo é possível.

O caput do art. 125 estabelece:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça (...) [e faz um registro desnecessário, mas otem feito] (...) observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

E o § 1º, que se interpreta, evidentemente, tendo em vista o que está posto no caput,diz:

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei deorganização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Essa competência está limitada pelos princípios constitucionais sensíveis, expressosna Constituição, e pelos estabelecidos, explícitos e implícitos, que, para a sua verificação –o Ministro Carlos Britto, eminente constitucionalista, há de concordar –, demandampesquisa no corpo da Carta. Essa pesquisa não precisa ser muito longa, pois, conforme já foidito, a questão de que se cuida inscreve-se no âmbito do Direito Processual Constitucional.O devido processo legal, no qual se inclui o juiz natural, constitui princípio constitucionalestabelecido de observância obrigatória para os Estados-Membros.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência me permite mais um aparte? Receioestar atrapalhando o seu raciocínio, mas Vossa Excelência está-me suscitando algumasidéias que provavelmente devam ser errôneas. Há um segundo fato, que diz respeito aoprincípio do devido processo legal: não sendo observada tal simetria, e, portanto, nãosendo observado tratamento uniforme para todas as esferas da Federação, teremos, emalguns casos, os mesmos titulares das mesmas funções sendo julgados segundo um tipode processo legal em alguns Estados e segundo tipo diverso de processo legal em outros,porque se diminuem as instâncias. Em alguns, as instâncias são três, em outros, quatro, epara pessoas que exercem as mesmas funções!

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Em alguns casos a instância é única. É o caso doSupremo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas aí é unitário. Quero demonstrar com isso que onão-estabelecimento de parâmetros objetivos dos Estados permite que cada Estado atribuaa prerrogativa a quem o Constituinte entenda que deva fazê-lo. Desse modo, algunsEstados podem estender a prerrogativa para certas funções, e as mesmas funções não aterem em outros Estados. Criamos, portanto, diversidade de processos legais para julga-mento de pessoas que exercem as mesmas funções!

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Exatamente. Essa discussão é a partir da própriaperspectiva de haver ou não uma ontologia quanto à prerrogativa de foro na Constituiçãode 1988. Respondi negativamente a isso. Quem de fato vivencia a vida política einstitucional no Brasil sabe que um presidente do Banco Central ou um secretário daReceita Federal ou, eventualmente, um chefe da Polícia Federal tem muitos mais embatesque o Ministro de Esportes, para citar um caso de Ministro e Ministério inexpressivos.Então, é claro, aí é uma opção política.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Haveria a perplexidade se dentro do Estado houvessevários bancos centrais. Aí, sim. Só há um Presidente do Banco Central. Não queroadentrar o meu ponto de vista sobre o Presidente do Banco Central, estou apenas racio-cinando.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só estou dizendo como na nossa história políticaessa questão se coloca.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Reconheço, com Vossa Excelência, que excessospoderiam ser praticados, e já o foram no âmbito mencionado por Vossa Excelência. Porémnão se trata de excluir ou retirar a competência dos juízes de primeiro grau, que são osautênticos juízes naturais.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência está excluindo o Supremo TribunalFederal?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, é excepcional. Acho interessante que muitasautoridades querem ser julgadas aqui, em instância única. É que o Supremo e os TribunaisSuperiores não têm vocação para julgar ações originárias. Então, creio até que a defesafica mais fácil, as ações não terminam. Algum parlamentar já foi condenado aqui?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Excelência, sobre juiz natural – prefiro chamar juízonatural –, quando da primeira discussão deste tema, eu disse o seguinte: não vejo noprincípio do juízo natural nenhum obstáculo, data venia, até porque o Tribunal de Justiça,passando a ser o foro de processo de julgamento de tais agentes, operará como juízonatural.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: É perfeito o raciocínio de Vossa Excelência em termosformais. Estou mencionando juiz natural em termos substanciais: juiz que julga a todos, omendigo e o rico, que é o juiz de primeiro grau.

A competência do Supremo Tribunal Federal para a ação penal originária é excepcional;a dos demais tribunais de justiça, também para ações penais originárias, é excepcional. O juizde primeiro grau, que vive a realidade da causa, esse é o verdadeiro juiz natural em termossubstanciais, não em termos formais.

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Sra. Presidente, agradeço aos eminentes Colegas os acréscimos trazidos ao meuvoto com os apartes e peço vênia aos eminentes Ministros que pensam de forma contrá-ria, para julgar procedente a ação, acompanhando, portanto, o voto do eminente MinistroRelator.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: A evolução histórica do constitucionalismo brasileiro,analisada na perspectiva da outorga da prerrogativa de foro, demonstra que as sucessivasConstituições de nosso País, notadamente a partir de 1891, têm se distanciado, no planoinstitucional, de um modelo verdadeiramente republicano.

Na realidade, as Constituições republicanas do Brasil não têm sido capazes derefletir, em plenitude, as premissas que dão consistência doutrinária, que imprimem signifi-cação ética e que conferem substância política ao princípio republicano, que se revelaessencialmente incompatível com tratamentos diferenciados, fundados em ideações e empráticas de poder que exaltam – sem razão e sem qualquer suporte constitucionallegitimador – privilégios de ordem pessoal ou de caráter funcional, culminando por afetara integridade de um valor fundamental à própria configuração da idéia republicana, que seorienta pelo vetor axiológico da igualdade.

Daí a afirmação incontestável de JOÃO BARBALHO (“Constituição Federal Brasi-leira”, p. 303/304, edição fac-similar, 1992, Brasília), que associa, à autoridade de seuscomentários, a experiência de membro da primeira Assembléia Constituinte da Repúbli-ca, de Senador da República e de Ministro do Supremo Tribunal Federal, em magistérioque dá ênfase e que empresta relevância hermenêutica à idéia republicana:

Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos,patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela odireito (...).(Grifei.)

Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República. Nada devejustificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinados privilégiosa certos agentes públicos, especialmente quando a lei é editada com propósitoscasuísticos e estranhos aos fins autorizados pelo princípio republicano.

Cabe reconhecer, no entanto, que a prerrogativa de foro acha-se instituída emnosso sistema constitucional.

As atribuições constitucionais dos Tribunais, contudo, devem merecer interpretaçãoque impeça a expansão indevida de sua competência originária, para que não se privilegiem,de um lado, aqueles que detêm (ou, até mesmo, já não mais detêm), nas mais elevadasinstâncias do aparelho de Estado, as prerrogativas de poder e para que não se iniba, deoutro, a aplicação ordinária do postulado do juiz natural.

É preciso enfatizar, neste ponto, que a vigente Constituição do Brasil – aopluralizar, de modo excessivo, as hipóteses de prerrogativa de foro – incidiu em verda-deiro paradoxo político-institucional, pois, pretendendo ser republicana, mostrou-seestranhamente aristocrática...

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Essa paradoxal visão aristocrática e seletiva de poder, no entanto, não podejustificar a censurável distorção em que, muitas vezes, tem incidido o Poder Legislativono exercício de atividade meramente ordinária, quando edita normas de caráter legalmotivadas, unicamente, em sua formulação, pela perspectiva do Príncipe (“ex parteprincipis”), afastando-se, por isso mesmo, do postulado republicano da igualdade.

Ninguém ignora que a Carta Política do Império do Brasil, de 1824, consagrouapenas cinco (5) hipóteses de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal de Justiça,que era o órgão de cúpula do Poder Judiciário do regime monárquico (art. 164, II).

A Constituição promulgada em 1988, no entanto, não foi capaz de igual parcimônia,ao ampliar, para quase 20 (vinte), as hipóteses de “privilégio” de foro, além de conferirautorização, aos Estados-Membros, para incluir, nas Cartas estaduais, outras novas hipó-teses de prerrogativa de foro perante os respectivos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 1º),com ressalva, apenas, dos casos de competência do Júri e daqueles que decorrem, de modoexpresso ou implícito, do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental da República.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Ministro, o discípulo costuma ir mais longedo que o mestre. A Constituição republicana foi muito mais longe do que a própria Cons-tituição imperial, Vossa Excelência deixou bem claro.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Quero fazer um pouco de justiça à Constituição de 1988.Em grande parte, as prerrogativas instituídas por ela se destinam à autonomização dosPoderes Legislativo e Judiciário frente ao Poder Executivo, assim como dos entes perifé-ricos da Federação perante a União. Neste caso em exame, a Constituição estadual estácriando prerrogativa de foro contra “o príncipe”. Não é a favor dele, é para que certosagentes públicos integrantes de carreiras jurídicas públicas exerçam o seu ofício com maisindependência. É contra o príncipe, volto a dizer.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Considero isso inadmissível. Vossa Excelência disseque a Constituição, ao estabelecer foro privilegiado para o Legislativo, apenas quis asse-gurar uma certa posição de independência perante o Executivo. Vossa Excelência sabe –todos o sabemos – que foi a Emenda Constitucional 1, outorgada por uma Junta Militar,que instituiu o foro por prerrogativa de função para os parlamentares.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Muitas vezes, o vício, a hipocrisia tem necessidade derender homenagem à virtude, e há coisas assim na Constituição, no “emendão de 1969”.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas a Constituição de 1988 não deixou de fazero mesmo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Basta pensar nas prerrogativas do Ministério Público,são justificadas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ministro, Vossa Excelência me permite? Ninguém estánegando essa independência aos delegados de polícia. Eles estão autorizados a não agircom independência?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, só excluí os delegados de polícia porque, pelaConstituição, eles se relacionam com certas autoridades de modo subordinado. Não é ocaso das outras carreiras jurídicas públicas.

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Há o argumento normativo do Ministro SepúlvedaPertence em relação ao art. 129; é exatamente esse tema, a relação de tensão estabelecida.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Se se permitir foro privilegiado para procurador,defensor, etc., não vejo por que excluir o delegado.

O Sr. Ministro Celso de Mello: É certo, no entanto, Senhores Ministros, nãoobstante as considerações que vêm de ser feitas, notadamente aquelas expostas peloeminente Senhor Ministro CARLOS VELLOSO, que a prerrogativa de foro, tal como pre-vista na Constituição da República, acha-se estabelecida “ratione muneris”, destinada acompor o estatuto jurídico de determinados agentes públicos, enquanto ostentarem essaparticular condição funcional, porque vocacionada, sempre nas hipóteses definidas emsede constitucional, a proteger aquele que está a exercer ou a titularizar determinadacondição funcional.

Não se cuida – e esta Corte já se manifestou nesse sentido – de um privilégio decaráter pessoal, mas, sim, de uma prerrogativa de ordem estritamente funcional, que,prevista em sede constitucional, destina-se a proteger – enquanto derrogação extraordi-nária dos postulados da igualdade e do juiz natural – aquele que se acha no desempenhode determinado ofício público.

Tratando-se da competência originária dos Tribunais de Justiça, cabe ter presente oque prescreve o art. 125, § 1º, da Constituição da República, em texto que assim dispõe:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nestaConstituição.

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendoa lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.(Grifei.)

Note-se, a propósito da questão pertinente à competência originária dos Tribunaisestaduais – cuja definição resulta da própria Constituição do Estado-Membro, regulada,no ponto, por lei estadual de organização judiciária, de iniciativa do Tribunal de Justiçalocal (CF, art. 125, § 1º) – que as únicas exceções decorrem do texto da própria ConstituiçãoFederal, que fixa, diretamente, essa mesma competência originária, nas hipóteses (a) dejulgamento de ações penais originárias promovidas contra Prefeitos Municipais (CF,art. 29, X) ou contra Juízes estaduais e membros do Ministério Público local, ressalvada acompetência da Justiça Eleitoral (CF, art. 96, III) e (b) de exame da ação direta interventivaajuizada com a finalidade de viabilizar a intervenção do Estado-Membro no Município(CF, art. 35, IV).

O fato é que a competência dos Tribunais de Justiça locais, notadamente aquela decaráter originário, é regida por normas fundadas na Constituição da República, na CartaPolítica dos próprios Estados-Membros e nas respectivas leis de organização judiciária.

É por essa razão, como salientam os autores (CÁSSIO SCARPINELLA BUENO,“O Foro Especial para as Ações de Improbidade Administrativa e a Lei 10.628/02”, in“Improbidade Administrativa – questões polêmicas e atuais”, p. 438/461, 444, item n. 3, 2.ed., 2003, Malheiros, v.g.) – que o próprio Código de Processo Civil não define as causassujeitas à competência originária dos Tribunais estaduais (art. 93), precisamente por

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respeitar, no tema, a cláusula de reserva de Constituição, que exclui, da esfera do legis-lador comum da União, a definição das matérias que podem ser incluídas no âmbito dasatribuições jurisdicionais originárias dessas mesmas Cortes judiciárias estaduais.

Não se pode desconsiderar, portanto, que a Constituição Federal, no art. 125, § 1º,expressamente outorgou, ao Estado-Membro, a possibilidade de definir, no texto de suaprópria Constituição, a competência originária dos Tribunais locais.

Não cabe, desse modo, ao legislador comum da União, modificar, ampliar ou reduzir orol de competências das Cortes judiciárias locais, pois essa tarefa foi explicitamentedeferida, com exclusividade, pelo legislador constituinte, aos Estados-Membros.

Cumpre ter presente, neste ponto, o autorizado magistério de UADI LAMMÊGOBulos (“Constituição Federal Anotada”, p. 1074, 5. ed., 2003, Saraiva), para quem “Cabe,à Constituição do Estado, regular a competência dos Tribunais de Justiça (...)”, semprejuízo da regulação, por legislação estadual, dos demais temas pertinentes à organizaçãojudiciária local.

Daí a advertência que faz o eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso deDireito Constitucional Positivo”, p. 615, 23. ed., 2004, Malheiros), quando enfatiza que “Acompetência dos tribunais e juízes estaduais é matéria da Constituição e leis de organi-zação judiciária do Estado, sendo estas, conforme anotamos, de iniciativa do Tribunal deJustiça (art. 125, § 1º)” (grifei).

Impende referir, de outro lado, a precisa lição de MANOEL GONÇALVES FERREIRAFILHO (“Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, p. 34, 2. ed., 1999, Saraiva),segundo a qual “Quer a Constituição que a competência dos tribunais estaduais sejafixada pela respectiva Carta Magna, e, assim, não fique a mercê da legislação ordinária.O fito dessa norma é dar maior estabilidade a essas regras” (grifei).

Cumpre assinalar, ainda, por necessário, na linha desse entendimento, que a juris-prudência desta Suprema Corte (RTJ 140/26, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 175/548, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), com fundamento no art. 125, § 1º da ConstituiçãoFederal, tem enfatizado caber, às Constituições estaduais, a fixação da competência origi-nária das Cortes judiciárias locais:

Justiça dos Estados: competência originária dos tribunais locais: matéria reservada àsConstituições estaduais.

1. A demarcação da competência dos tribunais de cada Estado é uma raríssima hipótesede reserva explícita de determinada matéria à Constituição do Estado-Membro, por força doart. 125, § 1º, da Lei Fundamental da República; o âmbito material dessa área reservada àsConstituições estaduais não se restringe à distribuição entre os tribunais estaduais da competênciaque lhes atribua a lei processual privativa da União; estende-se – quando a não tenha predeter-minado a Constituição Federal – ao estabelecimento de competências originárias rationemuneris, assim, as relativas ao mandado de segurança segundo a hierarquia da autoridadecoatora.(RTJ 185/711, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)

Foi por tais razões que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 78.168/PB, Rel.Min. NÉRI DA SILVEIRA (RTJ 187/626-635), decidiu, em unânime votação, pela possibi-lidade jurídico-constitucional de a Constituição do Estado-Membro definir as hipótesesde prerrogativa de foro em razão da função.

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Nesse julgamento plenário, proclamou-se que, “Embora seja permitido à Consti-tuição de Estado-Membro instituir foro especial por prerrogativa de função (CF, art.125, § 1º), ela não pode excluir a competência constitucional do Júri para o julgamentode crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º, XXXVIII, d), a não ser em relação aosagentes políticos correspondentes àqueles a quem a Constituição Federal outorga talprivilégio” (Informativo/STF 132).

Também a Colenda Primeira Turma desta Suprema Corte, ao julgar o HC 70.474/RS,Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, enfatizou que “A Constituição – ao outorgar, semreserva, ao Estado-Membro, o poder de definir a competência dos seus tribunais (art.125, § 1º) – situou positivamente no âmbito da organização judiciária estadual a outor-ga do foro especial por prerrogativa de função, com as únicas limitações que decorramexplícita ou implicitamente da própria Constituição Federal” (RTJ 152/548 – Grifei).

Daí por que o eminente Advogado-Geral da União, em sua douta promoção, assina-lou, a propósito do tema, com indiscutível acerto, que:

(...) o que não pode a Constituição Estadual fazer é reduzir os casos de prerrogativa deforo dispostos no art. 96, inciso III, da Constituição Federal, deixando de prever o foro privile-giado para os juízes estaduais e para os membros do Ministério Público, nos crimes comuns ede responsabilidade, ressalvando a competência da Justiça Eleitoral. Ora, o art. 96, inciso III,é apenas indicativo, nada obstando a que o Estado, exercendo a autonomia que lhe foi consti-tucionalmente assegurada, possa estabelecer outras competências para os seus tribunais, naforma do permissivo constante do § 1º do art. 125 da Constituição Estadual, segundo o qual: “acompetência dos tribunais será definida na Constituição do Estado (...)”.

Dessa feita, não se afigura inconstitucional a norma de Constituição Estadual que apenasamplia as hipóteses de foro especial a outras carreiras, resguardando, inclusive, a competênciado Tribunal do Júri, nos crimes comuns.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para, aoacompanhar o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, julgar improcedente a presenteação direta de inconstitucionalidade, eis que entendo assistir, ao Estado-Membro, podernormativo, fundado na própria Constituição da República (art. 125, § 1º), para definir, demodo plenamente legítimo, a competência originária do Tribunal de Justiça local, ins-tituindo, com apoio nessa atribuição que lhe é dada pela Carta Política, hipóteses deprerrogativa de foro em matéria penal, observadas, unicamente, as restrições proclamadaspor esta Suprema Corte nos já mencionados julgamentos do HC 78.168/PB (RTJ 187/626-635) e do HC 70.474/RS (RTJ 152/548).

É o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, participo em grande partedas restrições de jure constituendo, aqui manifestadas quanto à prodigalidade com que aConstituição de 1988 e, mais ainda, as Constituições estaduais têm conferido foro porprerrogativa de função a torto e a direito.

Meu voto, assim, aproxima-se muito do que acaba de proferir o Ministro Celso deMello.

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Mas não posso fugir à evidência de que a matéria se insere no âmbito da autonomiados Estados-Membros por disposição expressa do art. 125, § 1º, com as limitações decor-rentes do sistema constitucional. Deste, extraí, na ADI 2.553-MC, a exclusão, a inconstitu-cionalidade do foro por prerrogativa de função conferido aos delegados de polícia.

Os fundamentos do meu voto foram recordados generosamente no voto do MinistroGilmar Mendes. Restrinjo-me a reafirmá-lo, para julgar procedente, em parte, a ação direta,na mesma extensão com que o fizeram os Ministros Gilmar Mendes e Carlos Britto.

O Ministro Celso de Mello julga simplesmente improcedente a ação?O Sr. Ministro Celso de Mello: A minha leitura do art. 125, § 1º, da Constituição da

República permite-me extrair o reconhecimento de que a Assembléia Nacional Consti-tuinte outorgou, ao Estado-Membro, a possibilidade de definir, em sede constitucionalestadual, as hipóteses de prerrogativa de foro, ressalvadas as limitações impostas pelaprópria Constituição Federal, notadamente aquela concernente à garantia do julgamentopelo Júri, na linha da decisão plenária que esta Corte proferiu no julgamento do HC78.168/PB (RTJ 187/626).

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então me reporto ao voto proferido especifica-mente na ADI 2.553-MC, do Maranhão, para julgar procedente, em parte, a ação, apenascom relação aos delegados de polícia.

VOTO (Explicação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, se Vossa Excelência me permite umesclarecimento, esse voto prestigia o princípio da Federação, prestigia o exercício dasfunções essenciais da jurisdição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não quero fazer juízos de valor.O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Mas adianto isso, se Vossa Excelência me

permite, sem ferir o princípio republicano, porque, no caso, são prerrogativas contra osexercentes do Poder Executivo. Então, não são prerrogativas favorecedoras de quem estána cúpula do poder, mas de quem, eventualmente, pode sofrer pressão por parte dos queestão. Assim, voto com a maior tranqüilidade, certo de estar homenageando os maisexcelsos valores consagrados pela Constituição.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.587/GO — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Requerente: Partido dos Traba-lhadores – PT (Advogados: Alan Emanuel Trajano e outros). Requerida: Mesa da Assem-bléia Legislativa do Estado de Goiás (Advogados: Wladimir Sérgio Reale).

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justificadamente,nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência doMinistro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.

Decisão: Após os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence,julgando procedente, em parte, a ação, dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Celsode Mello, julgando-a improcedente, e do voto do Ministro Carlos Velloso, julgando

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procedente a ação, o julgamento foi suspenso em virtude do adiantado da hora. Nãoparticipou da votação o Ministro Eros Grau por suceder ao Ministro Maurício Corrêaque já proferira voto. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim (Presidente).Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, GilmarMendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral daRepública, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 24 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, acompanho, com a devida vênia, aparcial divergência inaugurada a partir do voto do eminente Ministro Carlos Britto, tendoem conta, principalmente, os fundamentos tão bem lançados no voto vista do eminenteMinistro Gilmar Mendes, dos quais destaco (1) a natureza político-constitucional daescolha pelo foro por prerrogativa de função; (2) que essa opção, longe de ser incompatívelcom o modelo republicano, representa um fator de estabilidade das próprias instituiçõespresentes em uma democracia complexa e pluralista como a nossa; (3) e que a prerrogativade foro busca corrigir não só a distorção representada pelo utilização abusiva das demandasjudiciais com finalidade política, mas também a que se manifesta no uso da função pública,pelo agente acusado, para exercer pressão sobre o órgão judicial.

Compartilho, igualmente, a posição externada pelos colegas por mim já referidos epelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence no tocante à incompatibilidade da prerrogativade foro concedida aos delegados de polícia com o mecanismo de controle da própriaatividade policial expressamente prevista na Constituição Federal.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado e declaro ainconstitucionalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida no art. 46, VIII, e,da Constituição do Estado de Goiás.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acompanho a divergência iniciada peloMinistro Carlos Britto pelos motivos e fundamentos expendidos pelos Ministros GilmarMendes e Sepúlveda Pertence, e, inclusive, pela Ministra Ellen Gracie.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.587/GO — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Relator para o acórdão: MinistroCarlos Britto. Requerente: Partido dos Trabalhadores – PT (Advogados: Alan EmanuelTrajano e outros). Requerida: Mesa da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás (Advo-gado: Wladimir Sérgio Reale).

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R.T.J. — 200 703

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, a ação e declarou ainconstitucionalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida na alínea e doinciso VIII do art. 46 da Constituição do Estado de Goiás, na redação que lhe foi dada pelaEmenda Constitucional 29, de 29 de agosto de 2001, vencidos os Ministros MaurícioCorrêa (Relator), Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Carlos Velloso, que a julgavam total-mente inconstitucional, e os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que a julgavamintegralmente improcedente. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Não participou davotação o Ministro Eros Grau, por suceder ao Ministro Maurício Corrêa (Relator).

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 1º de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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R.T.J. — 200704

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.707 — SC

Relator: O Sr. Ministro Joaquim BarbosaRequerente: Governador do Estado de Santa Catarina — Requerida: Assembléia

Legislativa do Estado de Santa Catarina

Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 11.222/99 do Estado de Santa Catarina. Separação de poderes. Violação. Inconstitu-cionalidade.

Os dispositivos impugnados são inconstitucionais, seja porque violarama reserva de iniciativa do Governador do Estado em matérias afeitas à estru-tura do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal), sejaporque dispõem sobre matéria que caberia ao Governador do Estado regularpor decreto (art. 84, VI, da Constituição). Precedentes.

Violação, em última análise, do princípio da separação de poderes (art.2º da Constituição).

Pedido julgado procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar proce-dente a ação, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 11.222, de17 de novembro de 1999, do Estado de Santa Catarina, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidadeproposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina em face dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º daLei 11.222, de 17 de novembro de 1999, do Estado de Santa Catarina.

Assim prescrevem os dispositivos:

Art. 3º O Poder Executivo deverá criar Comissão Executiva da política de preservação,recuperação e utilização sustentável dos ecossistemas do Complexo Lagunar Sul, composta porrepresentantes das Secretarias de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e doDesenvolvimento Rural e da Agricultura, Fundação do Meio Ambiente – FATMA, Polícia deProteção Ambiental, Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Empresa de PesquisaAgropecuária e Extensão Rural do Estado de Santa Catarina – EPAGRI, Companhia Integrada deDesenvolvimento Agrícola de Santa Catarina – CIDASC e Associação dos Municípios da Regiãode Laguna – AMUREL, Prefeituras Municipais, Colônias de Pescadores e Associações Comerciaise Industriais.

§ 1º Poderão integrar a Comissão Executiva, como convidados, os representantes daSecretaria Nacional dos Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, do Instituto Brasileirodo Meio Ambiente – IBAMA, do Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas e das Organi-zações não Governamentais ligadas ao meio ambiente.

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R.T.J. — 200 705

§ 2º Cabe à Comissão Executiva, sob a presidência do representante da Secretaria de Estadodo Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, planejar, coordenar e controlar as atividades dapolítica de preservação, recuperação e utilização sustentável dos ecossistemas do ComplexoLagunar Sul.

Art. 4º Para os efeitos do art. 2º desta Lei, serão instituídos grupos de trabalho, a fim deestudar e propor ações, aos órgãos públicos e à sociedade, de forma a garantir o desenvolvimentosustentável.

§ 1º A Comissão Executiva da política de preservação, recuperação e utilização sustentáveldos ecossitemas do Complexo Lagunar Sul, indicará as metas e diretrizes necessárias aos grupos detrabalho.

§ 2º A Comissão Executiva, mediante propostas dos grupos de trabalho, poderá convidar,para participar dos respectivos trabalhos, representantes da comunidade técnico-científica.

Art. 5º A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente proverá oapoio administrativo à execução desta Lei.

Art. 6º O Poder Executivo, no prazo de sessenta dias, editará os atos necessários à execuçãodesta Lei.

O projeto de lei foi elaborado por deputados estaduais (fl. 27), tendo sido aprovadopelo Plenário. Após o veto integral do Governador e a rejeição pela Casa Legislativa doprojeto, a lei restou promulgada.

Segundo o Requerente, tais dispositivos seriam inconstitucionais por violarem osarts. 2º, 61 e 169, todos da Constituição Federal de 1988. Matéria de criação, estruturaçãoe atribuições de Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, argumenta,somente poderiam ser versadas em projeto de lei de iniciativa do Governador do Estado.Ressalta ainda que os dispositivos questionados acarretam aumento de despesa, poisserá necessário despender quantias para a criação, a coordenação da Comissão Executivae o estabelecimento dos grupos de trabalho.

Ao final, pede a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Leiestadual 11.222/99.

Solicitadas informações à autoridade requerida, ela enfatiza que a Lei 11.222/99 nãose refere a estruturação, criação e atribuições de Secretarias de Estados, versando apenassobre aspectos relativos à preservação ambiental. Também afirma que não houve quebrado princípio da separação de poderes, pois a Assembléia Legislativa teria agido dentro desuas atribuições legiferantes. Por último, lembra que não há, no caso, que falar em aumentode despesa.

Nas informações definitivas, a requerida ratificou as informações apresentadas.A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, ambas, manifes-

tam-se pela procedência do pedido.É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Os dispositivos atacados versam sobre acriação da Comissão Executiva da Política de Preservação, Recuperação e Utilização Sus-tentável dos Ecossistemas do Complexo Lagunar Sul.

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R.T.J. — 200706

O art. 3º da Lei 11.222/99 dispõe que o Poder Executivo deverá criar a Comissão edisciplinar sua composição. O § 1º trata especificamente dos integrantes da Comissão,enquanto o § 2º se estende sobre suas competências.

O art. 4º determina que o Poder Executivo institua grupos de trabalho. Nos termosdo § 1º, a Comissão Executiva estabelecerá as metas e diretrizes para as funções do grupode trabalho. Já o § 2º confere à Comissão permissão para que convide determinadaspessoas para comporem os grupos de trabalho.

Por sua vez, o art. 5º dispõe que a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbanoe Meio Ambiente dará o apoio necessário para o cumprimento da lei.

Por fim, o art. 6º estabelece prazo de sessenta dias para que o Poder Executivo editeatos para a execução da lei.

Parece claro que todos os dispositivos atacados ou estabelecem deveres ou inter-ferem na estrutura do Poder Executivo estadual.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é clara em afirmar que as regrasreferentes ao processo legislativo, especialmente aquelas que dispõem sobre iniciativareservada, impõem-se compulsoriamente aos Estados. Entre as regras de aplicação compul-sória, encontra-se a do art. 61, § 1º, II, e (especificamente sobre tal dispositivo, cf., v.g.:ADI 2.417, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 2.806, Rel. Min. Ilmar Galvão; ADI 2.646, Rel.Min. Maurício Corrêa; ADI 2.569, Rel. Min. Carlos Velloso; e ADI 1.391, Rel. Min.Sepúlveda Pertence).

No caso específico, a Assembléia legislou de modo a interferir significativamente naestrutura do Poder Executivo, o que é vedado pelo art. 61, § 1º, II, e.

A Requerida observa, nas informações, que a Emenda Constitucional 32/01 permitiuao Executivo dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da admi-nistração federal, desde que não causasse aumento de despesa. Ressalte-se que a açãodireta foi protocolada em 23-8-02, em momento posterior, portanto, à entrada em vigor dareferida emenda.

A conclusão não se altera por conta de tal argumento. Com efeito, se se considerarque a criação da Comissão Executiva não gera aumento de despesa, a AssembléiaLegislativa terá atuado em área de cuja regulamentação o Poder Executivo possui completaautonomia para tratar, inclusive por decreto. Se, ao contrário, considerar-se que a criaçãoda Comissão gera aumento de despesa, aplica-se ao caso a reserva de iniciativa. Noutraspalavras, os dispositivos atacados são inconstitucionais, seja por aplicação do art. 84, VI,seja por aplicação do art. 61, § 1º, II, e, ambos da Constituição de 1988. Como os doisdispositivos são concretizações do art. 2º da Constituição, o argumento da separação depoderes me basta para considerar inconstitucionais os dispositivos vergastados.

Assim, julgo inconstitucionais os arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 11.222/99 do Estado deSanta Catarina.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.707/SC — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Requerente: Governador doEstado de Santa Catarina (Advogado: PGE/SC – Walter Zigelli). Requerida: AssembléiaLegislativa do Estado de Santa Catarina.

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R.T.J. — 200 707

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar ainconstitucionalidade dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 11.222, de 17 de novembro de 1999, doEstado de Santa Catarina, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, MinistroNelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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R.T.J. — 200708

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.043 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRequerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estado

de Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais — Interessada:Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 137 da Lei Complementar 65,de 16 de janeiro de 2003, do Estado de Minas Gerais. Defensor público. Exer-cício da advocacia à margem das atribuições institucionais. Inconstituciona-lidade. Violação do art. 134 da Constituição do Brasil.

1. O § 1º do art. 134 da Constituição do Brasil repudia o desempenho,pelos membros da Defensoria Pública, de atividades próprias da advocaciaprivada. Improcede o argumento de que o exercício da advocacia pelos defen-sores públicos somente seria vedado após a fixação dos subsídios aplicáveisàs carreiras típicas de Estado.

2. O § 1º e § 2º do art. 134 da Constituição do Brasil veiculam regrasatinentes à estruturação das defensorias públicas, que o legislador ordinárionão pode ignorar.

3. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade doart. 137 da Lei Complementar 65, do Estado de Minas Gerais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 137 da LeiComplementar 65/03, do Estado de Minas Gerais, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de abril de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República, com fundamento noinciso VI do art. 103 da Constituição do Brasil, propõe ação direta de inconstitucionalidadecontra o art. 137 da Lei Complementar mineira 65, de 16 de janeiro de 2003:

Art. 137. Aos membros da Defensoria Pública em exercício quando da publicação desta leicomplementar, não se aplica a proibição prevista no art. 80, inciso I, até a fixação dos subsídiosprevistos no art. 75.

2. Os preceitos normativos aos quais se refere esse art. 137 são os seguintes:

Art. 75. O subsídio do membro da Defensoria Pública é fixado nos termos dos arts. 39, § 4º,e 135 da Constituição da República, mediante lei de iniciativa do Governador do Estado.

(...)

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R.T.J. — 200 709

Art. 80. Além das proibições gerais decorrentes do exercício de cargo público, ao membroda Defensoria Pública é vedado especialmente:

I - exercer a advocacia fora de suas atribuições institucionais;

3. Para embasar a suposta inconstitucionalidade, o Requerente sustenta que o pre-ceito guerrado estaria em confronto direto com o art. 134 da Constituição do Brasil, queveda expressamente o exercício da advocacia, pelos defensores públicos, fora das atribui-ções institucionais, sem que se admita as exceções instituídas pelo legislador estadual.

4. Aduz, ainda, que a concessão inserta no texto normativo impugnado é prerrogativaque bate de frente com o interesse público inerente à instituição da Defensoria Pública, deprestar “orientação jurídica e a defesa em todos os graus e gratuitamente dos necessita-dos”, posto que afasta a “prevalência dos direitos das populações carentes”.

5. A Assembléia Legislativa mineira alega que a proibição de exercer a advocacia, pordecorrer de interpretação literal do art. 134 da CB/88, deve ser afastada até que se estabe-leça o subsídio aplicável às carreiras típicas de Estado. É que o órgão informante sustentaque, interpretada sistemática e logicamente a Constituição – conjugando-se o art. 134 comos arts. 135 e 39 – chegar-se-á a conclusão de que o primeiro deles não é auto-aplicável.Logo, a proibição dele constante teria eficácia somente após de instituído o subsídio aque fariam jus os defensores públicos (fls. 53/57).

6. O Governador do Estado de Minas Gerais, por sua vez, compartilha da mesmalinha de pensamento da Assembléia Legislativa e sustenta a constitucionalidade do textonormativo impugnado, aduzindo que sua eficácia perdurará apenas até o “momento dointegral cumprimento de todas as disposições do sistema constitucional relativos aoservidor que compõe os quadros da Defensoria Pública, cuidados na lei regulamentadorada carreira” (fls. 66/72).

7. Prestadas informações, a Advocacia-Geral da União sustenta que a DefensoriaPública, quer da União, quer dos entes federados, goza de “estatura constitucional, possu-indo seu alicerce jurídico consubstanciado na própria Carta Política (...) que não pode serafastado pelos Estados-Membros, por ocasião da elaboração de lei disciplinadora daDefensoria Pública em âmbito regional” (fls. 74/80). Daí concluir pela impropriedade denorma estadual cujo objeto seja permitir o exercício da advocacia por defensores públicos.

8. O Procurador-Geral da República defende o confronto direto entre o texto norma-tivo estadual e a Constituição do Brasil, afirmando:

(...) por imposição constitucional do parágrafo único do art. 134 da Constituição, aDefensoria Pública, como instituição indispensável à função jurisdicional, deve ser organizada,em todo o território nacional, segundo regras gerais uniformes e harmônicas, que visem atribuir-lheum estatuto jurídico único, principalmente quanto à criação e provimento de cargos, garantias eprerrogativas, assim como proibições, impedimentos e deveres de seus membros. Em todo caso,por mandamento constitucional explícito, será vedado ao defensor público o exercícioda advocacia fora de suas atribuições institucionais.(Grifou-se.)

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros(RISTF, art. 172).

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R.T.J. — 200710

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Procurador-Geral da República persegue a decla-ração de inconstitucionalidade do art. 137 da Lei Complementar, do Estado de Minas Gerais,de número 65, que permite aos defensores públicos o exercício da advocacia fora das atribui-ções institucionais.

2. Em que pese o esforço despendido pelos Requeridos, no sentido de demonstrar aconstitucionalidade do preceito atacado na presente ação direta de inconstitucionalidade,é flagrante a sua desarmonia com a norma veiculada pelo art. 134 da Constituição do Brasil,que repudia o desempenho, pelos membros da Defensoria Pública, de atividades própriasda advocacia privada.

3. Pretende-se demonstrar a constitucionalidade do art. 137 da Lei Complementarestadual 65 sob o argumento de que a interpretação sistemática do art. 134 c/c o art. 135 edo § 4º do art. 39 da Constituição do Brasil conduziria à conclusão de que o exercício daadvocacia pelos defensores públicos somente estaria vedado após a fixação dos subsídiosaplicáveis “às carreiras típicas de Estado”.

4. O Procurador-Geral da República enfatiza que o impedimento constitucional queo preceito contestado tenta afastar “prescinde de qualquer elucubração interpretativa nosentido de encontrar um sistema normativo inserto na Constituição que permita o estabe-lecimento de exceções à vedação da atividade advocatícia” (fl. 89).

5. As redações atuais do art. 135 e do § 4º do art. 39 foram incorporadas à Constituiçãodo Brasil pela EC 19, de 5 de maio de 1998, vale dizer, dez anos após a sua promulgação,em seu texto originário já constando o preceito veiculado pelo art. 134, mesmo em suaredação anterior à EC 45. Aqueles dois preceitos submetem a remuneração dos integrantesdas carreiras típicas de Estado a regime remuneratório diverso do outrora aplicável, circuns-tância alheia à vedação que colhe os integrantes da Defensoria Pública.

6. Ora, a sujeitar-se a interpretação do texto normativo constitucional originário –art. 134 – a preceitos introduzidos pela emenda constitucional, isso nos levaria à conclu-são de que no primeiro momento era amplamente vedado o exercício da advocacia privadapelos defensores públicos e, após, essa vedação seria relativizada: a proibição apenasincidiria posteriormente à fixação dos subsídios dos membros da carreira.

7. Mas isso assim não pode ser. Ademais, encontra-se em vigor o texto de lei à qualfaz referência o art. 134 da CB/88, a Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994, quedispõe sobre a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dosTerritórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados-Membros.

8. A LC 80/94 define expressamente, nos arts. 46, 91, 130 e 137, ser vedado o exercícioda advocacia pelos membros da Defensoria Pública, quer no âmbito federal, quer no esta-dual. E, ainda, na eventual inexistência do texto de lei, o exercício da atividade de que secuida fora das atribuições institucionais é categoricamente proibido desde o advento daConstituição de 1988. O § 1º e o § 2º do art. 134 da Constituição do Brasil veiculam regrasatinentes à estruturação das defensorias públicas, que o legislador ordinário não podeignorar.

9. Em outras palavras: o art. 134 deixou a cargo do legislador ordinário organizar aDefensoria Pública, “prescrevendo normas gerais para sua organização nos Estados”.

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Não obstante, além de assegurar aos integrantes da carreira, desde o momento da promul-gação da Constituição do Brasil, independentemente da edição de norma superveniente,“a garantia da inamovibilidade”, vedou “o exercício da advocacia fora das [suas] atribui-ções institucionais”.

Julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 137 da LC65, do Estado de Minas Gerais.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, também consideroinconstitucional, e aduzo que compete – segundo o art. 22 da Constituição Federal –privativamente à União legislar, entre outras coisas, sobre condições para o exercício deprofissões; inclusive as limitações ao exercício da advocacia são objeto, como se sabe, doEstatuto da Advocacia.

Acompanho o voto do Relator.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A lei estadual estabeleceu?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Depois que entrou em vigor a emenda

que previa a remuneração mediante subsídios até que fosse fixado o subsídio, suspen-deu-se a proibição.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Reiterou-se a condição constitucional para se aguardaro subsídio, achando que estão ganhando pouco e, por isso, devem advogar.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Impressiona-me, também, a par dos fundamentos dovoto do eminente Relator, o fato de que essa proibição aos defensores públicos para oexercício da advocacia também figura do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias. É interessante: o ADCT, ao dispor sobre a Defensoria, insiste nas proibições. E entreas proibições do art. 134 da Constituição Federal está o exercício da advocacia. É o art. 22.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria o aproveitamento. Aqui, não é nem o aproveita-mento, quer dizer, os admitidos até aquela data da lei local e até a vinda do subsídio. É arelativização da Carta Federal, tendo em conta a remuneração baixa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ouça Vossa Excelência o que diz o art. 22 do ADCT:

Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalaçãoda Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira [até aí, tudo bem], com aobservância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Os ex-defensores aqui não conse-guiram aquele acordo do Ministério Público na Constituição: a possibilidade de trocar asgarantias pelas vedações.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Entre as vedações está o exercício da advocacia.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mesmo assim, não é?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Pois é.O Sr. Ministro Carlos Britto: O que reforça o voto do eminente Relator.

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R.T.J. — 200712

EXTRATO DA ATA

ADI 3.043/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativado Estado de Minas Gerais. Interessada: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais(Advogado: DPG/MG – Marlene Oliveria Nery).

Decisão: Julgou-se procedente a ação direta, para declarar a inconstitucionalidadedo art. 137 da Lei Complementar 65/03, do Estado de Minas Gerais, nos termos do voto doRelator. Votou o Presidente, Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF). Decisãounânime. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente) e o MinistroCelso de Mello.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF). Presentes à sessãoos Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 26 de abril de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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R.T.J. — 200 713

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE 3.564 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRequerente: Governador do Estado do Paraná — Requerida: Assembléia Legislativa

do Estado do Paraná

Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade. Lei Comple-mentar 109/05, do Estado do Paraná. Propositura de ação regressiva. Prazo.Regime jurídico dos servidores da Procuradoria-Geral do Estado. Ato norma-tivo de iniciativa parlamentar.

1. A Lei Complementar 109/05, do Estado do Paraná, versa sobre regi-me jurídico aplicável a servidores públicos, tendo, contudo, decorrido de ini-ciativa parlamentar.

2. O texto do ato normativo atacado impõe determinadas condutas funcio-nais aos servidores da Procuradoria-Geral daquela unidade federativa, matériaque demanda a iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

3. Previsão de multa correspondente a 1/30 do montante da remune-ração mensal dos procuradores, na hipótese de descumprimento do prazoestabelecido no art. 1º da lei para a propositura da ação regressiva contra osagentes públicos que, nesta qualidade, por dolo ou culpa, deram causa àcondenação da administração pública, direta ou indireta em ações de respon-sabilidade civil.

4. Fumus boni iuris e periculum in mora caracterizados.5. Medida cautelar deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conceder aliminar e suspender a eficácia da Lei Complementar 109, de 23 de junho de 2005, do Estadodo Paraná, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de outubro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado do Paraná propõe ação direta,com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da Lei Comple-mentar 109/05, promulgada pela Assembléia Legislativa daquela unidade federativa, cujoteor é o seguinte:

Art. 1º A propositura de ação regressiva, prevista no parágrafo 6º do art. 27 da ConstituiçãoEstadual, contra os agentes públicos que, nesta qualidade, por dolo ou culpa, deram causa àcondenação da Administração Pública, Direta ou Indireta deverá ser promovida pela Procurado-

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ria-Geral do Estado, no prazo de 90 (noventa) dias contados do trânsito em julgado da decisãocondenatória ao pagamento dos danos decorrentes do ato administrativo comissivo ou omissivo.

Parágrafo único. O caso previsto no caput deste artigo impõem-se [sic] para efeito deresponsabilização da autoridade competente pela propositura da ação regressiva, sem importarem decadência do direito do Poder Público Estadual de ressarcir-se pelo dano sofrido, na forma dalei processual.

Art. 2º A não-propositura da ação regressiva no prazo previsto no art. 1º desta lei impor-tará na aplicação de multa diária, correspondente a 1/30 (um, trinta avos) do montante daremuneração mensal dos servidores públicos responsáveis pela propositura da ação ou pela deter-minação da sua propositura.

Art. 3º Esta lei complementar entrará em vigor na data de sua publicação.

2. O Requerente sustenta que o texto normativo atacado foi editado em desconfor-midade com os arts. 61, § 1º, inciso II, alínea c, e 84, incisos II e III, ambos da Constituiçãodo Brasil1, uma vez que trata de matéria cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe doPoder Executivo – regime jurídico de servidores públicos.

3. Invocando precedentes da Corte, afirma estar presente a plausibilidade do pedido,indispensável à concessão de medida cautelar.

4. Evidencia a existência do periculum in mora, destacando que “a norma contidano art. 2º da lei impõe sanção pecuniária no valor de 1/30 do montante da remuneraçãomensal dos servidores públicos responsáveis pela propositura da ação ou pela determi-nação de sua propositura”; que aludidos servidores estarão, “a partir de 21 de setembrode 2005 (...) indevidamente sujeitos à multa prevista”.

5. Havendo pedido de medida cautelar, submeto a questão ao exame do Plenário.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de pedido de medida cautelar em açãodireta de inconstitucionalidade cujo objeto é lei complementar paranaense que dispõesobre regime jurídico de servidores estaduais pertencentes ao quadro da Procuradoria-

1 “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão daCâmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, aoSupremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, naforma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:(...)II - disponham sobre:(...)c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade

e aposentadoria;Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...)II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;”

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Geral do Estado, fixando prazo para a propositura da ação regressiva prevista no art. 27,§ 6º, da Constituição estadual2, e cominando a respectiva sanção para o caso de des-cumprimento.

2. Estão presentes os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de medidacautelar.

3. O ato normativo hostilizado inegavelmente dispõe sobre regime jurídico dos servi-dores da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, sendo certo que esta Corte já afirmou,inúmeras vezes, que a iniciativa de leis que versem sobre regime jurídico de servidorespúblicos é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Assim se manifestou, em casosanálogos, este Tribunal:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 10.076, de 2 de abril de 1996, do Estado deSanta Catarina, pela qual foram canceladas punições aplicadas a servidores civis e militares noperíodo de 1º de janeiro de 1991 até a data de sua edição. Alegada ofensa aos arts. 2º, 5º,XXXVI, e 61, § 1º, II, c, da Constituição. Plausibilidade do fundamento da inconstitucionalidadeformal, dado tratar-se de lei que dispõe sobre servidores públicos, que não teve a iniciativa doChefe do Poder Executivo estadual, como exigido pela norma do art. 61, § 1º, II, c, da Constitui-ção, corolário do princípio da separação dos poderes, de observância imperiosa pelos Estados-Membros, na forma prevista no art. 11 do ADCT/88. Conveniência da pronta suspensão de suaeficácia.Cautelar deferida.(ADI 1.440-MC, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 1º-6-01.)

Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de concessão de medida cautelar. 2. Lei 7.341,de 2002, do Estado do Espírito Santo, que dispõe sobre a necessidade de diploma de graduação emcurso superior de ensino para o cargo de agente de polícia. 3. Regime jurídico de servidorespúblicos. Lei de iniciativa da Assembléia Legislativa. Vício de iniciativa. 4. Configuração dosrequisitos de plausibilidade jurídica do pedido e conveniência política de suspensão da vigência daLei. 5. Cautelar deferida com efeitos ex tunc.(ADI 2.856-MC, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30-4-04.)

4. O texto normativo hostilizado impõe determinadas condutas funcionais aos servi-dores da Procuradoria-Geral do Estado, matéria que demanda a iniciativa do Chefe doPoder Executivo.

5. Plenamente caracterizado, destarte, o fumus boni iuris.6. De outro lado, a suspensão dos efeitos da lei atacada é conveniente. Seus desti-

natários estariam, a partir de 21 de setembro de 2005 – noventa dias após a publicação dalei –, sujeitos a multa correspondente a 1/30 do montante de sua remuneração mensal casodesrespeitado o prazo fixado no caput do art. 1º da lei. Daí o periculum in mora.

Defiro o pedido de medida cautelar e suspendo os efeitos da Lei Complementar 109/05,do Estado do Paraná.

2 “Art. 27. A administração pública direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado edos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabili-dade, eficiência, motivação, economicidade e, também o seguinte:

(...)§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos

responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito deregresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, não estou de todo convencido deque se trata, na lei impugnada, de Regime Jurídico dos Servidores Públicos.

No fundo, em essência, o propósito da lei é até saudável: estabelecer um prazo para apropositura da ação de regresso contra o servidor somente depois de transitada em julgadoa decisão condenatória ao pagamento dos danos decorrentes do ato administrativo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Pode o Estado legislar sobre essa matéria?O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então ela é processual?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é processual: data venia, é relativa à obriga-

ção do Procurador do Estado.O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Também creio não haver nada de processual.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aqui trata-se de responsabilidade civil.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vejam bem: são noventa dias do trânsito

em julgado.O Sr. Ministro Carlos Britto: Só depois do trânsito em julgado quanto ao pagamento

dos danos decorrentes do ato administrativo, seja comissivo, seja omissivo. Parece umanorma de saudável inovação no campo da seriedade administrativa.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O problema todo é o seguinte: na açãocontra o Estado, não se apura culpa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, Ministro, é depois de transitada em julgadoa condenação do Estado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É depois.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Na condenação, sim, mas na ação contra

o Estado?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nela, não se apura a culpa do servidor.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, em noventa dias, tem de se apurar

necessariamente?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se houver elementos.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoe-me, mas não é mérito, não é questão de

ser bom ou mau. Esta matéria é relativa a servidor público.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Regime jurídico do servidor público?O Sr. Ministro Carlos Britto: Regime jurídico não é.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É questão de saber se é iniciativa privativa.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É ou não iniciativa privativa?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa é a questão.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa é a questão. Agora o fundamento de se tratar deregime jurídico, data venia, não me convenceu de todo.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Digo no meu voto:

O texto normativo hostilizado impõe determinadas condutas funcionais aos servidores daProcuradoria-Geral do Estado, matéria que demanda iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

Essa é a questão, e não se é ou não regime. É uma questão única e exclusivamente deiniciativa. A mim parece, e estou convencido, tratar-se de ato de iniciativa do Chefe doPoder Executivo. Por isso proponho a liminar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, fiquei muito impressionado com oart. 1º da Lei Complementar 109/05, imaginando que, após ele, tivéssemos uma culminaçãoa adentrar o campo ou do Direito Processual ou do Direito substancial, mas não há essaculminação.

Assim está disposto no art. 2º da mesma lei:

Art. 2º A não-propositura da ação regressiva no prazo previsto no art. 1º desta lei [no-venta dias] importará na aplicação de multa diária, correspondente a 1/30 (um, trinta avos)do montante da remuneração mensal dos servidores públicos responsáveis pela propositura daação (...)

No caso, a iniciativa foi do Executivo?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Primeiro, desencargo de dolo ou culpa. É difícil

a operacionalização; vai-se depender de um juízo do Procurador.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Quero deixar claro, se me permitirem, que quem

disse se tratar de regime jurídico do servidor foi o Autor. Apenas para ressalvar, digo quea matéria é de iniciativa do Executivo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Cria-se uma obrigação para o Procurador,para um agente do Executivo. Aí está o ponto mais complicado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na verdade, disciplina-se um serviço.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Determina-se a obrigação da prática de um

serviço.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É criado um regime para a Procuradoria.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Acompanho o voto do Relator.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.564-MC/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estadodo Paraná (Advogados: PGE/PR – Sérgio Botto de Lacerda e outro). Requerida: Assem-bléia Legislativa do Estado do Paraná.

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a liminar e suspendeu a eficácia daLei Complementar 109, de 23 de junho de 2005, do Estado do Paraná, nos termos do votodo Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, osMinistros Carlos Velloso, Cezar Peluso e, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Carlos Britto,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barrose Silva de Souza.

Brasília, 26 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE 3.715 — TO

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesRequerente: Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil —

Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins

Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Constituiçãodo Estado do Tocantins. Emenda Constitucional 16/06, que criou a possibili-dade de recurso, dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da AssembléiaLegislativa, das decisões tomadas pelo Tribunal de Contas do Estado com baseem sua competência de julgamento de contas (§ 5º do art. 33) e atribuiu àAssembléia Legislativa a competência para sustar não apenas os contratos,mas também as licitações e eventuais casos de dispensa e inexigibilidade delicitação (art. 19, inciso XXVIII, e art. 33, inciso IX e § 1º). 3. A ConstituiçãoFederal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionaisque conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas daUnião são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-Mem-bros. Precedentes. 4. No âmbito das competências institucionais do Tribunalde Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinçãoentre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contasprestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no art. 71,inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais adminis-tradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88. Precedentes.5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento peloTribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legisla-tivo. Precedentes. 6. A Constituição Federal dispõe que apenas no caso decontratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional(art. 71, § 1º, CF/88). 7. As circunstâncias específicas do caso, assim como ocurto período de vigência dos dispositivos constitucionais impugnados, jus-tificam a concessão da liminar com eficácia ex tunc. 8. Medida cautelardeferida, por unanimidade de votos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de medida cautelar para suspender, com eficácia ex tunc, a vigência daexpressão “licitação em curso, dispensa ou exigibilidade”, contida no inciso XXVIII doart. 19 e no § 1º do art. 33; da expressão “excetuados os casos previstos no § 1º desteartigo”, constante do inciso IX do art. 33, bem como do inteiro teor do § 5º do art. 33, todosda Constituição do Estado do Tocantins, com a redação dada pela Emenda Constitucional16, de 18 de abril de 2006, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 24 de maio de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, compedido de medida liminar, proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais deContas do Brasil (ATRICON), contra dispositivos da Constituição do Estado do Tocan-tins, alterados pela Emenda Constitucional 16, de 18 de abril de 2006, os quais possuem oseguinte teor:

Art. 1º O inciso XXVIII, do art. 19 da Constituição do Estado passa a vigorar com aseguinte redação:

“Art. 19. (...)XXVIII - ordenar a sustação de contratos, licitação em curso, dispensa ou

inexigibilidade, impugnados pelo Tribunal de Contas, por solicitação deste órgão.”Art. 2º O art. 33 da Constituição do Estado passa a vigorar acrescido do § 5º com a seguinte

redação:“Art. 33. (...)§ 5º Do julgamento de que trata o inciso II deste artigo, envolvendo respon-

sáveis no âmbito estadual, cabe recurso com efeito suspensivo, em 30 dias, parao Plenário da Assembléia Legislativa.”Art. 3º O inciso IX e o § 1º do art. 33 da Constituição do Estado passam a vigorar com a

seguinte redação:“Art. 3º (...)IX - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, excetuados os casos

previstos no § 1º deste artigo, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa ou àCâmara Municipal, conforme o caso.

§ 1º Em se tratando de contratos, licitação em curso, dispensa ou inexigibili-dade, o ato de sustação será adotado diretamente pela Assembléia Legislativa ou pelaCâmara Municipal, que solicitará imediatamente ao Poder Executivo as medidas cabíveis.”Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Após tecer considerações sobre o preenchimento do requisito da pertinênciatemática para fins de legitimação ativa para a propositura da presente ação direta deinconstitucionalidade, a Atricon sustenta que os referidos dispositivos da Constituiçãodo Estado do Tocantins, alterados pela Emenda Constitucional 16/06, violam o art. 71,incisos I, II e X, § 1º e § 3º, e o art. 75 da Constituição da República.

Segundo a associação, o tratamento originário dado pelo legislador constituinteestadual ao tema da organização do Tribunal de Contas estava em total consonância coma Constituição Federal. O art. 19, inciso XXVIII, e o art. 33, inciso IX e § 1º, em sua redaçãooriginária, de 5 de outubro de 1989, definiam as competências da Assembléia Legislativae do Tribunal de Contas do Estado reproduzindo o modelo construído pela ConstituiçãoFederal, da seguinte forma:

Art. 19. É da competência privativa da Assembléia Legislativa:(...)XXVIII - ordenar a sustação de contratos impugnados pelo Tribunal de Contas, por solici-

tação deste órgão;Art. 3º Ao Tribunal de Contas compete:(...)IX - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à

Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal, conforme o caso;(...)

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§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pela AssembléiaLegislativa ou pela Câmara Municipal, que solicitará imediatamente ao Poder Executivo asmedidas cabíveis.

Assim, de acordo com a redação original do art. 19, inciso XXVIII, e do § 1º do art. 33,a Assembléia Legislativa tinha a competência para sustar apenas os contratos impugna-dos pelo Tribunal de Contas, por solicitação deste órgão. Conforme o inciso IX do art. 33,antes da alteração constitucional, cabia ao Tribunal de Contas do Estado, sem a interven-ção da Assembléia Legislativa, a sustação dos demais atos que considerasse irregulares.

A Emenda Constitucional 16/06, ao alterar os referidos dispositivos constitucionais,atribuiu competência à Assembléia Legislativa – retirando-a, conseqüentemente, do Tri-bunal de Contas do Estado – para sustar não só os contratos, mas também as licitaçõesem curso, bem como os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação.

Dessa forma, conforme as alegações da entidade requerente, “com a vigência daEmenda Constitucional 16/06, o Tribunal de Contas não tem mais poderes para sustarsimples licitações irregulares, nem eventuais dispensas ou inexigibilidades de licitaçãoilegal”. Portanto, segundo a associação, “(...) a Assembléia Legislativa subtraiu, para si,importantes, necessárias e imprescindíveis atribuições, essenciais à autonomia do Tribunalde Contas (...)” e, com isso, “(...) um rol significativo de atribuições do Tribunal de Contas,de fundamental importância à sua independência e sobrevivência institucional, foi trans-ferido para a Assembléia Legislativa”.

Alega a associação requerente que, desse modo, existe ofensa ao art. 71, X, § 1º, e aoart. 75 da Constituição Federal.

Ademais, afirma a Requerente que a EC 16/06, ao acrescentar o § 5º ao art. 33 daConstituição do Estado do Tocantins, criando espécie de recurso das decisões do Tribunalde Contas para a Assembléia Legislativa, viola o art. 71, incisos I e II, e o art. 75 daConstituição Federal, na medida em que permite, “por via oblíqua”, a transformação dacompetência constitucional do Tribunal de Contas do Estado para julgar as contas emcompetência para apenas apreciá-las, pois sempre estará aberta a via do recurso, comefeito suspensivo, à Assembléia Legislativa, à qual caberá o julgamento definitivo. Dessaforma, a modificação constitucional violaria também o § 3º do art. 75, na medida em queimprime um caráter provisório às decisões do Tribunal de Contas do Estado.

Quanto à urgência da pretensão cautelar, a Requerente alerta para o conflitoinstitucional já instaurado entre o Tribunal de Contas e a Assembléia Legislativa doEstado do Tocantins, com a possibilidade de danos irreparáveis à Administração Públicae à população locais.

Assim, requer o deferimento da medida cautelar, com eficácia ex tunc, para suspendera vigência das expressões “licitação em curso, dispensa e inexigibilidade”, contidas noinciso XXVIII do art. 19 e no § 1º do art. 33; e “excetuados os casos previstos no § 1º desteartigo”, constante do inciso IX do art. 33; bem como do inteiro teor do § 5º do art. 33,todos da Constituição do Estado do Tocantins, com a redação dada pela Emenda Consti-tucional 16, de 18 de abril de 2006.

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Em suas informações (fls. 164-240), a Requerida, Assembléia Legislativa do Estado doTocantins, sustenta a constitucionalidade da norma atacada (EC 16/06), por não haverofensa aos artigos da Constituição Federal apontados como violados pela Requerente.

Quanto à nova redação do inciso XXVIII do art. 19 da Constituição do Estado doTocantins, a Assembléia afirma que a licitação e suas exceções não são atos executáveise, conseqüentemente, não são passíveis de sustação. Eles seriam apenas preparatóriospara um eventual contrato.

Assim, como o art. 71, § 1º, da Constituição Federal atribui ao Congresso Nacionala competência para sustar contratos, caberia também a ele, Congresso, sustar licitação emcurso, dispensa ou inexigibilidade, que não estariam abrangidos pelo inciso X do art. 71da CF/88. Em suas palavras: “o contrato é maior que a licitação. É o fim onde esta e suasexceções são o meio. (...) E se ao Congresso é atribuída a função de sustar contratos, queé a parte final das licitações, também, por lógica, é atribuída a si a sustação de licitação, jáque a execução dos atos licitatórios redundam no contrato. ‘Quem pode o mais pode omenos’” (fls. 167-168).

No que concerne ao acréscimo do § 5º ao art. 33 da Constituição estadual, a Reque-rida alega que o dispositivo expressa o controle dos atos administrativos pelo PoderLegislativo, competente para “o julgamento e aprovação ou não das contas públicas” (fl.170). Logo, não haveria ofensa ao princípio da simetria.

Por fim, a Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins afirma que não há qualquerconflito institucional instaurado em relação ao Tribunal de Contas do Estado doTocantins, como alegado pela associação requerente.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Constituição Federal é clara ao determinar, em seuart. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização doTribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dosEstados-Membros. Nesse sentido, este Tribunal tem considerado que “os Estados-Membros estão sujeitos, na organização e composição dos seus Tribunais de Contas, aum modelo jurídico heterônomo estabelecido pela própria Carta Federal, que lhes restringeo exercício e a extensão do poder constituinte decorrente de que se acham investidos”.Assim, “a norma consubstanciada no art. 75 do texto constitucional torna, necessaria-mente, extensíveis aos Estados-Membros as regras nele fixadas” (ADI 892-MC/RS, Rel.Min. Celso de Mello, DJ de 7-11-97; ADI 2.959/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 11-11-05;ADI 3.361/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 11-11-05; ADI 397/SP, Rel. Min. Eros Grau, DJ de9-12-05; ADI 2.208/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 25-6-04; ADI 134/RS, Rel. Min.Maurício Corrêa, DJ de 3-9-04; ADI 1.632/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 28-6-02;ADI 892/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-4-02; ADI 2.502-MC/DF, Rel. Min.Sydney Sanches, DJ de 14-12-01; ADI 2.117-MC/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de7-11-03; ADI 1.957-MC/AP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 11-6-99).

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Dessa forma, esta Corte também tem entendido que, no contexto do art. 75 daConstituição Federal, entre as normas constitucionais de observância obrigatória pelosEstados-Membros incluem-se as atinentes às competências institucionais do Tribunal deContas da União (ADI 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-4-99).

No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o SupremoTribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciare emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do PoderExecutivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contasdos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88 (ADI1.779-1/PE, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de14-9-01; ADI 1.140-5/RR, Rel. Min. SydneySanches, DJ de 26-9-03; ADI 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-4-99).

No primeiro caso, cabe ao Tribunal de Contas apenas apreciar, mediante parecerprévio, as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. A competência para julgar essascontas fica a cargo do Congresso Nacional, por força do art. 49, inciso IX, da Constituição.

Na segunda hipótese, a competência conferida constitucionalmente ao Tribunal deContas é de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis pordinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fun-dações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contasdaqueles que derem causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízoao erário (art. 71, II, CF/88).

O exercício dessa competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não ficasubordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo. E a razão é singela: as contas anuaisprestadas pelas próprias Casas Legislativas submetem-se ao controle do Tribunal de Con-tas, como tem entendido este Tribunal em vários precedentes (ADI 1.779-1/PE, Rel. Min.Ilmar Galvão, DJ de 14-9-01; ADI 1.140-5/RR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 26-9-03;ADI 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-4-99; ADI 1.964-3/ES, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 7-5-99).

Esses parâmetros, fixados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, sãosuficientes para justificar a suspensão cautelar dos dispositivos impugnados.

A Emenda Constitucional 16/06, ao alterar a redação do art. 19, inciso XXVIII, e doart. 33, inciso IX e § 1º, da Constituição do Estado do Tocantins, atribuiu à AssembléiaLegislativa a competência para sustar não apenas os contratos, mas também as licitaçõese eventuais casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, atos sempre compreendidosdentro da competência ordinária do Tribunal de Contas. A Constituição Federal dispõeque apenas no caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente peloCongresso Nacional (art. 71, § 1º, CF/88). Os demais casos, nos quais estão compreen-didos atos ordinários de sustação de licitações irregulares, ficam sob a competência doTribunal de Contas (art. 71, inciso X).

Ademais, a Emenda Constitucional 16/06, ao acrescentar o § 5º ao art. 33 da Consti-tuição do Estado do Tocantins, criou a possibilidade de recurso, dotado de efeitosuspensivo, para o Plenário da Assembléia Legislativa, das decisões tomadas pelo Tribunalde Contas com base no inciso II do art. 33 da mesma Constituição estadual.

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O referido art. 33, inciso II, assim dispõe:

Art. 33 Ao Tribunal de Contas compete:I - Apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, pela administração

financeira dos Municípios e por todas as entidades da administração direta e indireta, estadual emunicipais, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar do seurecebimento.

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens evalores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídase mantidas pelos Poderes Públicos estadual e municipal e as contas daqueles que derem causa àperda, extravio ou outras irregularidades que resultem prejuízo ao tesouro público.

Como se vê, a Constituição do Estado do Tocantins reproduziu o modelo adotadopela Constituição Federal para o Tribunal de Contas da União, especificamente nosincisos I e II do art. 71, que assim dispõem:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxíliodo Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecerprévio, que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens evalores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídase mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ououtra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

Assim, segundo o inciso I do art. 71, cabe ao Tribunal de Contas emitir parecerprévio sobre (apreciar) as contas do Chefe do Poder Executivo, a ser enviado ao CongressoNacional, ao qual caberá o julgamento dessas contas, por força do art. 49, inciso IX. Oinciso II do art. 71, por outro lado, confere ao Tribunal de Contas a competência parajulgar as contas, decisão esta que não se submete ao controle da Casa Legislativa.

A possibilidade de que as decisões do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins,tomadas com base na competência definida no art. 33, inciso II, da Constituição estadual,sejam submetidas ao controle posterior pela Assembléia Legislativa, por meio de recurso –frise-se, dotado de efeito suspensivo –, parece não se compatibilizar com o modelo federaldescrito no art. 71, incisos I e II, da Constituição da República. Adite-se a isso o argumentode que o § 3º do art. 71 da Constituição prescreve expressamente que as decisões doTribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa possuem eficácia detítulo executivo.

O caso é singular e faz transparecer o conflito institucional instaurado entre o Tribunalde Contas e a Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins, com sérios prejuízos àadministração pública e à população estadual. A alteração constitucional dessa relaçãointerorgânica tem inviabilizado a própria atuação do Tribunal de Contas do Estado, que sevê subtraído de suas competências ordinárias.

As circunstâncias específicas do caso, assim como o curto período de vigência dosdispositivos constitucionais impugnados, justificam a concessão da liminar com eficáciaex tunc.

Ante o exposto, voto pelo deferimento da medida cautelar para suspender, comeficácia ex tunc, a vigência da expressão “licitação em curso, dispensa e inexigibilidade”,contida no inciso XXVIII do art. 19 e no § 1º do art. 33; e “excetuados os casos previstos

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no § 1º deste artigo”, constante do inciso IX do art. 33; bem como do inteiro teor do § 5ºdo art. 33, todos da Constituição do Estado do Tocantins, com a redação dada pelaEmenda Constitucional 16, de 18 de abril de 2006.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, está claro que há umaofensa ao princípio da simetria constitucional. O que se pretende aqui, com bastanteevidência, é deslocar a discussão técnica que se trava nos tribunais de contas acerca daaplicação dos recursos públicos para um âmbito exclusivamente político. Há, aí, umatentativa de promover uma capitis deminutio do Tribunal de Contas do Tocantins.

Por essas razões, acompanho integralmente o voto do Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, quase dezoito anos depois devigência da nossa Constituição, é incrível como esse capítulo – versante sobre fiscalizaçãocontábil, financeira e orçamentária, que encima os arts. 70 a 75 – ainda suscita esse tipo dedivergência.

Não se entende que essa função de fiscalização contábil, financeira e orçamentáriaé única, porém exercida por dois órgãos, distintos e independentes, cada qual com suascompetências, com seu rol de inconfundíveis competências constitucionais.

Quando a Constituição quer imbricar as coisas, que a atuação se dê conjuntamente –Legislativo e Tribunal de Contas –, prevê às expressas.

O Ministro Relator deixou tão claro que o art. 71, inciso II, estabelece o julgamentodas contas, ao passo que o inciso I preceitua:

Art.71. (...)I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer

prévio, que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

Por que o Tribunal de Contas emite apenas parecer prévio? Porque a Constituiçãono art. 49, inciso IX, determinava que competia ao Congresso Nacional julgar as contas doPresidente da República. Enfim, o advogado que assomou à tribuna deixou tão claro,enquanto o Legislativo atua mediante juízos políticos de conveniência, de oportunidade,de necessidade, os Tribunais de Contas só podem atuar pela formulação de juízos delegalidade que são juízos rigorosamente técnicos.

E o Ministro Relator deixou claramente posto que o modelo de organização, compo-sição e fiscalização do TCU, no lastro formal da Constituição Federal, é de obrigatóriaextensão, é um modelo impositivo para os demais tribunais de contas, apenas a Constituiçãoexpressa “no que couber”, porque muda a nomenclatura, o nome dos membros do tribunal,não sendo mais Ministro e passando a ser Conselheiro.

O voto do Ministro Relator é magnífico e, para mim, não deixa nenhuma dúvidaquanto à procedência da ação direta de inconstitucionalidade que estamos a julgar.

Acompanho o voto de Sua Excelência, com todo meu aplauso.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, acompanho integralmente o votodo eminente Relator, o qual deixou muito claro que o controle externo, embora atribuídonominalmente ao Congresso Nacional, é exercido mediante competências que a Constitui-ção discrimina taxativamente em relação ao Congresso e também ao Tribunal de Contas,ainda que a título de órgão auxiliar. Trata-se de competências autônomas do Tribunal deContas, como se vê ao inciso II do art. 71, e, sem cuja compreensão, o § 3º, atribuindoeficácia executiva aos julgamentos do Tribunal de Contas, fica sem sentido nenhum. Istoé, se transferido o julgamento final, mediante recurso, para a Assembléia Legislativa,permanece sem nenhuma aplicabilidade a disposição do § 3º.

Em relação à competência de sustação, ela é clara, a meu ver, no inciso IX, e só exclui,pela remissão do § 1º, o caso de contrato em que a atuação do Congresso Nacional édireta, independente de qualquer ato do Tribunal de Contas. Todas as demais são de suacompetência.

Acompanho, integralmente, o voto do Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, também acompanho o voto doRelator, deixando registrado que adiro à proposta de empréstimo de eficácia ex tunc,tendo em conta as peculiaridades do caso, especialmente a data da vinda à balha dosdispositivos atacados.

VOTO (Sobre medida cautelar)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, não tenho dúvidas quantoà chapada inconstitucionalidade desta emenda constitucional questionada. Só não querofazer especulações para matar a minha curiosidade: por que esta emenda constitucional?São vicissitudes históricas da política provinciana brasileira.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.715-MC/TO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Associaçãodos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Advogado: João Costa Ribeiro Filho).Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins.

Decisão: O Tribunal, à unanimidade, deferiu o pedido de medida cautelar para sus-pender, com eficácia ex tunc, a vigência da expressão “licitação em curso, dispensa ouinexigibilidade”, contida no inciso XXVIII do art. 19 e no § 1º do art. 33; da expressão“excetuados os casos previstos no § 1º deste artigo”, constante do inciso IX do art. 33,bem como do inteiro teor do § 5º do art. 33, todos da Constituição do Estado do Tocantins,com a redação dada pela Emenda Constitucional 16, de 18 de abril de 2006, nos termos dovoto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Falou pela Requerente o Dr.João Costa Ribeiro Filho.

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Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 22.355 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauImpetrantes: Carlos Torres Pereira e outro e Espólio de Alexandre Dumas Para-

guassu — Impetrado: Senado Federal

Mandado de segurança. Habilitação de herdeiros por morte do impe-trante. Impossibilidade. Caráter mandamental e natureza personalíssimado direito postulado. Extinção do feito com relação ao de cujus. Exame pelaComissão de Constituição e Justiça de processo administrativo funcionalinstaurado no âmbito do Senado Federal. Impossibilidade. Reenquadramentode servidores. Resoluções 6/60, 18/73 e 42/93, do Senado Federal. Impos-sibilidade. Segurança denegada.

1. A habilitação de herdeiros do impetrante de mandado de segurança éimpossível em razão do caráter mandamental do writ e da natureza persona-líssima do direito postulado. Impõe-se a extinção do feito sem julgamento demérito com relação ao espólio.

2. Cabe à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal apenaso exame de matéria legislativa, inexistindo preceito legal que determine aapreciação de processo administrativo funcional instaurado no âmbito doSenado Federal.

3. A Resolução 18/73 facultava aos funcionários do Senado Federal aopção entre permanecer em seus cargos originários (Resolução 6/60), inte-grando cargo suplementar em extinção, ou aderir ao novo plano de carreira(arts. 23 e 24).

4. A Resolução 42/93 previu a possibilidade de opção entre o novo planoe o cargo antigo, sem que isso implicasse a reabertura do prazo para a opçãofacultada pela Resolução 18/73 (art. 45, parágrafo único).

5. Mandado de segurança julgado extinto com relação ao espólio deAlexandre Dumas Paraguassu. Segurança denegada relativamente aosdemais Impetrantes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,julgar extinto o processo com relação ao espólio de Alexandre Dumas Paraguassu edenegar a segurança relativamente aos demais Impetrantes, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 22 de junho de 2006 — Eros Grau, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por CarlosTorres Pereira e outros contra ato da Comissão Diretora do Senado Federal que determinouo arquivamento de processo administrativo em que os Impetrantes pleiteavam enquadra-mento, nos termos do disposto no art. 45, parágrafo único, e nos arts. 14 e 40, parágrafoúnico, do Plano de Carreira do Senado Federal instituído pela Resolução 42/93-SF.

2. Os Impetrantes pretendem, por meio do presente writ, garantir o exame do ProcessoAdministrativo 006.67/94-2, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do SenadoFederal. Ademais, pleiteiam reenquadramento funcional nos termos dos preceitos mencio-nados, de modo que venham a aposentar-se no cargo de Diretor Efetivo, com proventosequivalentes à remuneração percebida pelo Diretor-Geral.

3. Entendem que a Resolução 6/60 assegurava-lhes direito de acesso ao cargo deDiretor Efetivo (PL-1), bem assim aposentadoria nessa função, ainda que não tenha severificado o efetivo acesso a ele. Com a instituição do Plano de Carreira do Senado Federalpela Resolução 18/73, os Impetrantes, ainda servidores ativos, optaram por aderir ao novoplano.

4. Afirmam que, sobrevindo a Resolução 42/93, que implantou outro Plano de Car-reira do Senado Federal, a eles mais uma vez se abriu, embora agora aposentados, apossibilidade de opção pelo cargo antigo, previsto na Resolução 6/60.

5. Assim, partindo de interpretação dos arts. 40, parágrafo único, e 45, parágrafoúnico, da Resolução 42/93, entendem que, renovando-se a opção realizada vinte anosantes, poderiam obter reenquadramento funcional com esteio na Resolução 6/60, perce-bendo os proventos equivalentes ao de um Diretor Efetivo aposentado.

6. Ausentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, a liminar foi indeferida peloRelator à época, Ministro Francisco Rezek (fl. 234). Posteriormente, chegou aos autosnotícia de que um dos impetrantes, Alexandre Dumas Paraguassu, havia falecido, seusherdeiros tendo requerido que o espólio o sucedesse, o que foi deferido pelo MinistroFrancisco Rezek (fl. 236).

7. A Mesa do Senado Federal afirma, em suas informações (fls. 246/249), ser desca-bida a exigência dos Impetrantes, no sentido de que a decisão da Comissão Diretora doSenado seja precedida por parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, umavez que no caso não se trata de matéria legislativa, além de inexistir preceito legal quefundamente esse pedido.

8. Quanto à pretensão dos Impetrantes, de obtenção de reenquadramento funcio-nal, sustenta que “os servidores optantes pelo cargo de Diretor Efetivo, na forma do pará-grafo único do art. 40 da Resolução 42, de 1993, foram todos eles, no passado, aposenta-dos no Cargo de Diretor” (fl. 249) e puderam optar por função comissionada. OsImpetrantes, por outro lado, jamais teriam ocupado esse cargo.

9. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 260/265, opinou peladenegação da segurança. Afirma ser ilegítima a pretensão dos Impetrantes, de encaminha-mento dos processos administrativos ao exame da Comissão de Constituição e Justiça.Assevera, ademais, que não restou demonstrado o direito ao enquadramento pretendido.

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10. Salienta que os Impetrantes tiveram a oportunidade de, em atividade, optar entreaderir a plano de carreira instituído na década de 1970 ou permanecer no cargo em que seencontravam. Os servidores que optaram por continuar no plano anterior foram distri-buídos a um Quadro Suplementar, ao passo que os Impetrantes, que não se manifestaramno prazo dessa opção, foram incluídos no novo plano, aposentando-se em seguida. Osservidores ocupantes do mencionado Quadro Suplementar obtiveram o direito de apo-sentar-se no cargo de Diretor Efetivo, direito que não seria extensível aos Impetrantes,que deixaram de exercer seu direito de opção pela permanência nos cargos antigos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Os Impetrantes pretendem garantir o exame doProcesso Administrativo 006.67/94-2 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania doSenado Federal. Requerem, ainda, com fundamento no art. 45, parágrafo único, e nos arts.14 e 40, parágrafo único, do Plano de Carreira do Senado Federal instituído pela Resolução42/93-SF, reenquadramento funcional, de modo que venham a aposentar-se no cargo deDiretor Efetivo, com proventos equivalentes à remuneração percebida pelo Diretor-Geral.

2. Julgo extinto o processo, sem julgamento do mérito, em relação ao Espólio deAlexandre Dumas Paraguassu. Faço-o considerando reiterada jurisprudência desta Corteno sentido de que não cabe a habilitação de herdeiros, por morte do Impetrante, emmandado de segurança:

Mandado de segurança. Habilitação de herdeiros por morte do impetrante. Questão deordem. Impossibilidade da habilitação dos herdeiros, dados o caráter mandamental da ação demandado de segurança e a natureza personalíssima do único direito postulado: a reintegração emdecorrência da invalidade do ato de demissão. Precedentes do STF. Pedido de habilitação indefe-rido, dando-se o processo por extinto sem julgamento do mérito e ressalvando-se aos herdeiros doImpetrante as vias ordinárias para a persecução dos efeitos patrimoniais decorrentes da eventualinvalidade do ato administrativo de sua demissão.(MS 22.130-QO, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 30-5-97.)

3. Embora admitida pelo Ministro Francisco Rezek a habilitação das herdeiras doImpetrante, observo, em face do disposto no art. 471, II1, e no § 3º do art. 2672, ambos doCPC, que as questões preliminares ali indicadas podem ser apreciadas a qualquer tempo egrau de jurisdição, até final julgamento de mérito.

4. No que tange à pretensão dos demais Impetrantes, no sentido de que os autosdos processos administrativos sejam encaminhados à Comissão de Constituição, Justiçae Cidadania do Senado Federal, é correto o entendimento afirmado pela Comissão Diretora

1 “Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:I - (...)II - nos demais casos prescritos em lei.”

2 “§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida asentença de mérito, da matéria constante dos n. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeiraoportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.”

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em suas informações, corroboradas pelo Procurador-Geral da República em seu parecer.Cabe à CCJ apenas o exame de matéria legislativa, inexistindo preceito legal que ampare opedido dos Impetrantes.

5. Quanto à pretensão de obtenção de reenquadramento no cargo de Diretor Efetivo,o parecer de fls. 154/159, exarado pelo Senador Nabor Júnior, é esclarecedor. Dele constaque os Impetrantes exerciam, na década de 1970, cargos previstos na Resolução 6/60-SF,resolução que permitia seu acesso ao cargo de Diretor Efetivo.

6. A Lei 5.645/70 estabeleceu diretrizes para a classificação de cargos na administra-ção pública federal, em razão do que o Senado definiu medidas voltadas à reorganizaçãodo seu quadro de funcionários, editando novo plano de carreira (Resolução 18/73).

7. Facultava-se aos funcionários, nos termos do disposto nos seus artigos 23 e 243, oprazo de 45 dias para que optassem entre permanecer em seus cargos originários, inte-grando quadro suplementar em extinção, ou aderir ao novo plano de carreira. Os Impetrantespermaneceram inertes, passando automaticamente a integrar o novo plano de carreira,percebendo todas as vantagens decorrentes do cargo no qual vieram a se aposentar.

8. Vinte anos após, sobreveio a Resolução 42/93, que implantou um terceiro plano decarreira. Seu art. 45, parágrafo único4, previu, mais uma vez, a possibilidade de opção entreo novo plano e o cargo antigo, compondo novo quadro suplementar. Os Impetrantes enten-dem que esse preceito reabriria o prazo para a opção que poderiam ter assumido vinte anosantes, quando da implantação do plano de carreira instituído pela Resolução 18/73.

9. Sustentam, ademais, que, optando pelos seus cargos primitivos, aos quais diziarespeito a Resolução 6/60, poderiam, com esteio no art. 40, parágrafo único, da Resolução42/935, obter enquadramento funcional no cargo de Diretor Efetivo – que nunca vieram aexercer – percebendo os proventos equivalentes aos de Diretor-Geral.

3 “Art. 23. Aos atuais funcionários, mediante opção a ser formalizada junto à Subsecretaria de Pessoal,no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, é facultado permanecer nos cargos de que são ocupantes efetivos,com os direitos, vantagens e obrigações da situação anterior à vigência desta Resolução.

Art. 24. Os funcionários que optarem na forma do artigo anterior ou que não lograrem habilitaçãono processo seletivo a que se refere o artigo 7º desta Resolução serão incluídos em Quadro Suplementar,a ser extinto, sem prejuízo dos direitos, vantagens e obrigações inerentes aos cargos de que são ocupantesefetivos, decorrentes da legislação anterior à vigência desta Resolução, devendo os cargos respectivosser suprimidos à medida que vagarem.”4 “Art. 45. O servidor poderá deixar de ser incluído nas carreiras a que se refere esta Resolução,mediante opção a ser formalizada perante o respectivo Órgão de Pessoal, no prazo de sessenta diascontado da data de sua publicação.

Parágrafo único. Os cargos cujos atuais ocupantes manifestarem a opção prevista neste artigo,passarão a integrar Quadro Suplementar do respectivo Órgão, aplicando-se, após a vacância, o art. 14desta Resolução.”5 “Art. 40. Aplica-se aos servidores inativos o disposto nesta Resolução, na forma do art. 40, § 4º, daConstituição Federal.

Parágrafo único. Na hipótese de os servidores aposentados nos extintos cargos isolados de DiretorEfetivo optarem pela revisão dos proventos, com base nas funções comissionadas instituídas por estaResolução, ser-lhes-ão atribuídos o vencimento fixado para o Padrão 45, da tabela constante do AnexoII, bem como as demais vantagens correspondentes à respectiva função comissionada.”

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10. A tese não merece acolhimento. Os Impetrantes poderiam, quando em atividade,optar entre permanecer no cargo em que se encontravam, regido pela Resolução 6/60, ouaderir ao plano de carreira instituído pela Resolução 18/73. Deixando de formalizar a op-ção, foram automaticamente incluídos neste último plano de carreira. É inadmissível que,vinte anos após, com base no estipulado em um terceiro plano de carreira (Resolução 42/93), os Impetrantes pretendam modificar situação já consolidada.

11. Ainda que pudessem optar pelo cargo que ocupavam sob a égide da Resolução6/60, não poderiam lograr o pretendido reenquadramento. Embora possível, em tese, oacesso ao cargo de Diretor Efetivo, os Impetrantes não comprovaram tê-lo exercido –condição indispensável para a aposentadoria nele.

Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem julgamento do mérito, em relação aoEspólio de Alexandre Dumas Paraguassu, ressalvadas as vias ordinárias às herdeiras doImpetrante. Quanto aos demais, denego a segurança postulada no presente mandado desegurança.

VOTO

A Sra. Ministra Carmen Lúcia: Como acentuado no voto do eminente MinistroRelator, os Impetrantes são servidores públicos que se aposentaram no cargo de analistasna década de 1970, conforme informações do Primeiro Vice-Presidente no exercício daPresidência do Senado Federal.

Em 1993 o Senado editou a Resolução 42, que instituiu o plano de carreira de seusservidores.

Formularam os Impetrantes pedido administrativo de enquadramento nos termos doart. 45, parágrafo único, c/c arts. 14 e 40, parágrafo único, daquele ato normativo, cujaexpressão é a seguinte:

Art. 14. Os atuais cargos de Assessor Legislativo, Assessor Parlamentar, AnalistaLegislativo, Técnico Legislativo e Auxiliar Legislativo são transpostos para a Carreira de Espe-cialização em Atividades legislativas, nos termos do Anexo I.

(...)Art. 40. Aplica-se aos servidores inativos o disposto nesta Resolução, na forma do art. 40,

§ 4º, da Constituição Federal.Parágrafo único. Na hipótese de os servidores aposentados nos extintos cargos isolados de

Diretor Efetivo optarem pela revisão dos proventos, com base nas funções comissionadas insti-tuídas por esta Resolução, ser-lhes-ão atribuídos o vencimento fixado para o Padrão 45, da tabelaconstante do Anexo II, bem como as demais vantagens correspondentes à respectiva funçãocomissionada.

(...)Art. 45. O servidor poderá deixar de ser incluído nas carreiras a que se refere esta Resolução,

mediante opção a ser formalizada perante o respectivo Órgão de Pessoal, no prazo de 60(sessenta) dias contados da data de sua publicação.

Parágrafo único. Os cargos cujos atuais ocupantes manifestarem a opção prevista nesteartigo, passarão a integrar Quadro Suplementar do respectivo Órgão, aplicando-se, após a vacân-cia, o art. 14 desta Resolução.

Indeferido como foi o pleito pelo Diretor-Geral do Senado em 1994, formulou-sepedido de reconsideração dirigido à Comissão Diretora, a qual negou provimento aorecurso, determinando o seu arquivamento.

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Os Impetrantes requereram, então, revisão daquela decisão pela Comissão de Cons-tituição, Justiça e Cidadania, pleito igualmente indeferido pela Comissão Diretora, e, maisuma vez, determinado o arquivamento do expediente.

Contra essa decisão e a não-remessa do pedido à Comissão de Constituição eJustiça e Cidadania é que se impetra o presente mandado de segurança.

Há que se analisar, preliminarmente, questão referente ao aspecto da legitimidadedos Impetrantes. É que a presente ação tem como um deles o “espólio” de AlexandreDumas Paraguassu.

A natureza mandamental da decisão proferida em mandado de segurança, bem comoo direito subjetivo e personalíssimo que visa proteger, conduziram a jurisprudência desteTribunal no sentido da inadmissão da via eleita e a habilitação de herdeiros em sede demandado de segurança.

Dentre os precedentes destaco:RMS 17.991, Min. Themistocles Cavalcanti, DJ de 28-6-68;RE 80.354, Min. Soares Muñoz, DJ de 7-11-78;MS 22.130-QO, Min. Moreira Alves, DJ de 30-5-97;RE 140.616-ED, Min. Maurício Corrêa, DJ de 31-10-97.Assim, quanto ao espólio de Alexandre Dumas Paraguassu, voto no sentido de

julgar extinto o processo, sem adentrar o mérito, com a ressalva das vias ordinárias aosherdeiros.

Tenho como legítima a ação de mandado de segurança quanto aos demais Impetran-tes.

Quanto ao mérito da questão posta em exame na ação, tenho que, nos termos dosarts. 104 a 115 da Lei 8.112/90, os servidores exerceram seus direitos de petição ereconsideração perante o órgão a cujos quadros estão vinculados.

Foi-lhes assegurado, conforme assevera o Procurador-Geral da República, “(...) umasérie de recursos e solicitações à Comissão Diretora do Senado, todos indeferidos porabsoluta inconsistência do pedido”.

Ressalto as informações da autoridade coatora: “(...) o pedido de remessa doProcesso Administrativo à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, nointeresse dos servidores/Impetrantes, foi feito após decisão definitiva da ComissãoDiretora do Senado (...)”.

Para ser admitido e concedido o mandado de segurança há que se considerar aexistência e prova das condições constitucionais, atentando-se ao elemento fundamentalda comprovação de direito líquido e certo ameaçado ou violado por ato ilegal de autoridade.Este o conteúdo do art. 5º, LXIX, da Constituição da República, repetido na legislaçãopertinente.

A doutrina é inconteste quanto à exigência da demonstração de liquidez e certeza dodireito alegado, o que não comprovaram os Impetrantes.

Também poderia ser lembrada a preleção de Hely Lopes Meirelles ao discorrer sobreo direito líquido e certo:

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(...) é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto aser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para semamparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos osrequisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se suaextensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos aindaindeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meiosjudiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresentecom todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Emúltima análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovaçãoposterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança. Evidentemente, o conceito de liquideze certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC,art. 1533). É um conceito impróprio – e mal-expresso – alusivo a precisão e comprovação dosfatos e situações que ensejam o exercício desse direito. Por se exigir situações e fatos comprovadosde plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança. Há, apenas, uma dilaçãopara informações do impetrado sobre as alegações e provas oferecidas pelo impetrante, comsubseqüente manifestação do Ministério Público sobre a pretensão do postulante. Fixada a lidenestes termos, advirá a sentença considerando unicamente o direito e os fatos comprovados coma inicial e as informações. (In Mandado de Segurança. 18. ed., Malheiros, 1997, p. 34/35.)

A alegação dos Impetrantes no sentido de que teriam direito ao exame do seu pedidopela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania não tem respaldo nas normas vigentes,especialmente se se atentar ao disposto no art. 101 do Regimento Interno do SenadoFederal, que descreve as atribuições daquele órgão, entre as quais não está o reexame dematéria submetida a processo administrativo.

Essa Comissão não se manifesta em atos de gestão administrativa praticados peloSenado ou pelo seu órgão diretor, como pretendem os Impetrantes.

Nem há direito, portanto, ao exame, menos ainda o que se pudesse qualificar delíquido e certo. Ausentes as condições constitucionais para a concessão da ordem desegurança pedida, voto no sentido de sua denegação quanto aos Impetrantes CarlosTorres Pereira e Evandro Fonseca Paraguassu.

EXTRATO DA ATA

MS 22.355/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrantes: Carlos Torres Pereira eoutro e Espólio de Alexandre Dumas Paraguassu (Advogado: Carlos Torres Pereira).Impetrado: Senado Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou extinto o processo com relação aoespólio de Alexandre Dumas Paraguassu e denegou a segurança relativamente aos demaisImpetrantes, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Celsode Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 22 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 22.895 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrente: Orlando de Oliveira — Recorrida: União Federal

Servidor Público. Militar. Suboficial da reserva remunerada daAeronáutica. Promoção. Pretensão de promoções sucessivas aos postos deSegundo-Tenente, Primeiro-Tenente e Capitão. Quadro de oficiais especia-listas. Requisito. Estágio de Adaptação. Falta de participação. Segurançaindeferida. Recurso improvido. Inteligência e aplicação do Decreto 86.686/81,modificado pelo Decreto 92.675/86. Constitui requisito indispensável paraingresso no Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica a realização doEstágio de Adaptação ao Oficialato, nos termos da legislação vigente à datados exames classificatórios para a matrícula.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto doRelator. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 11 de outubro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado contraato do Sr. Ministro de Estado da Aeronáutica, que indeferiu requerimento de nomeação doImpetrante aos postos de Segundo-Tenente, Primeiro-Tenente e Capitão, por não ter rea-lizado o Estágio de Adaptação ao Oficialato.

O Superior Tribunal de Justiça denegou a segurança, à unanimidade, em acórdãoassim ementado:

Administrativo. Militar. Estágio de Adaptação ao Oficialato.Não há ilegalidade ao exigir-se o preenchimento de requisitos meritórios para a matrícula

no Estágio de Adaptação ao Oficialato.Segurança denegada.

Interpôs, então, o Impetrante, recurso ordinário para esta Corte, na forma previstana alínea a do inciso II do art. 102 da Constituição Federal, oportunidade em que sustentaque não realizou o Estágio de Adaptação por exclusiva culpa do Ministério da Aeronáu-tica, o qual teria modificado, impedindo-lhe a participação no respectivo curso.

Alega o Recorrente que atendeu às exigências estabelecidas no Decreto 86.686, de3 de dezembro de 1981, ao ser aprovado nos exames psicotécnico, médico e de aptidãofísica, donde ter direito a freqüentar o Estágio de Adaptação ao Oficialato.

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Aduz, ainda, que o Decreto 92.675, de 16 de maio de 1986, que acresceu dois novosobjetos ao exame de seleção (escolaridade e conhecimentos especializados), teriaexorbitado os limites do art. 17 do Estatuto dos Militares, que reza:

Art. 17. A precedência entre militares da ativa do mesmo grau hierárquico, ou correspon-dente, é assegurada pela antigüidade no posto ou graduação, salvo nos casos de precedênciafuncional estabelecida em lei.

Entende não ser lícito à autoridade editar atos normativos que regulamentem oingresso de candidatos ao Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica, em contra-riedade ao disposto no Estatuto dos Militares.

Requer seja o presente recurso conhecido e provido, para declarar-se a ilegalidadedo Decreto 92.675, de 16 de maio de 1986, e nomeá-lo Segundo-Tenente do Quadro deOficiais Especialistas da Aeronáutica, promovendo-o, em seguida, aos postos de Primeiro-Tenente e Capitão, com os direitos e vantagens conseqüentes.

A União, por seu Procurador-Geral, ofereceu contra-razões às fls. 110/114. Argüiuque não houve nenhuma ilegalidade nas alterações enumeradas pelo Decreto 92.675/86, queexige, além dos exames psicotécnico, médico e de aptidão física, as avaliações de escola-ridade e de conhecimentos especializados.

E concluiu que “o Decreto modificativo é de 16 de maio de 1986, i.é., anterior à dataem que o ora recorrente foi cogitado para matricular-se no Estágio de Adaptação aoOficialato, o que significa que ele tinha conhecimento das novas regras àquele tempo, nãocabendo, portanto, alegar ofensa a direito líquido e certo” (fl. 113).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não-provimento do recurso.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Na condição de Suboficial da reserva remune-rada da Aeronáutica, o Recorrente pleiteou, junto ao Ministro de Estado da Aeronáutica,que lhe fossem asseguradas sucessivas promoções aos postos de Segundo-Tenente,Primeiro-Tenente e Capitão, no Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica (Processo06-02/4648/93).

O pedido foi indeferido sob fundamento de que o ora Recorrente não realizou oEstágio de Adaptação ao Oficialato, nos termos exigidos pela legislação vigente (Decreto86.686, de 3 de dezembro de 1981, alterado pelo Decreto 92.675, de 16 de maio de 1986),requisito indispensável para o ingresso no Quadro de Oficiais Especialistas da Aero-náutica.

As exigências originais para acesso ao Estágio de Adaptação, capituladas no art. 9ºdo Decreto 86.686/81, limitavam-se aos exames psicotécnico, médico e de aptidão física.Mas, com a edição do Decreto 92.675/86, foram-lhe acrescidos os exames de Escolaridade ede Conhecimentos Especializados.

Relevo que os arts. 10, 11 e 14 do Decreto 86.686/86, com a nova redação do Decreto92.675/86, ao definir os critérios classificatórios para a matrícula no Estágio, dispõem queprevalecerá a ordem de antiguidade dentre os classificados nos exames de escolaridade ede conhecimentos especializados:

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Art. 10. Os Suboficiais e Primeiros-Sargentos que satisfizerem as condições estabelecidasnos itens I a VII do art. 8º deste decreto serão matriculados no Estágio de Adaptação ao Oficialato(EAOf), atendidas as condições do art. 11.

Art. 11. A matrícula no Estágio de Adaptação ao Oficialato dar-se-á por ordem de antigüi-dade dentre os classificados nos Exames de Escolaridade e de Conhecimentos Especializados.

Parágrafo único. O Ministro da Aeronáutica baixará instruções fixando a duração e indi-cando a Organização Militar que ministrará o estágio de Adaptação ao Oficialato e dispondo sobrea Organização e funcionamento do mesmo.

Art. 14. Os Suboficiais e Primeiros-Sargentos que concluírem com aproveitamento oEstágio de Adaptação ao Oficialato serão nomeados Segundos-Tenentes e, neste ponto, incluídosno Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica do Corpo de Oficiais da Ativa da Aeronáutica.

Parágrafo único. Os Segundos-Tenentes serão incluídos no QOEA, por ordem decrescentede antigüidade, independentemente de especialidade ou de resultado no Estágio de Adaptação aoOficialato (EAOf).

Tal norma prescreve que todos os candidatos aprovados nos exames de escolaridadee conhecimentos especializados estarão aptos para se matricularem no curso de Aptidãoao Oficialato. E, que, sendo o número de vagas oferecidas inferior ao número de candidatosaprovados, a classificação se fará segundo o critério de antiguidade na carreira.

Não descubro, pois, transgressão aos princípios da antiguidade e da hierarquia. Osrequisitos para o ingresso no Curso de Aptidão foram previamente estabelecidos noDecreto 86.686/81, alterado pelo Decreto 92.675/86, ambos em vigor na data em que oRecorrente pleiteou sua nomeação ao posto de Segundo-Tenente (fl. 68).

A Segunda Turma desta Corte, no julgamento do RMS 22.565 (Rel. Min. MaurícioCorrêa, DJ de 19-6-98), por unanimidade, decidiu:

Recurso ordinário em mandado de segurança. Administrativo. Estágio. Requisitos. Pro-moção. Modificação no regulamento. Ofensa a direito líquido e certo. Inexistência.

O Decreto 92.675/86, que alterou as disposições do Decreto 86.686/81, estabelecendonovos critérios para a participação do militar no Estágio de Adaptação ao Oficialato, não violadireito líquido e certo nem ofende quaisquer princípios constitucionais, por ter sido editado emobediência ao Estatuto dos Militares visando o aperfeiçoamento técnico dos especialistas queintegrarão o Quadro de Oficiais da Aeronáutica.

Recurso ordinário não provido.

Do voto condutor colhe-se:

Assim sendo, os princípios da antiguidade e da hierarquia foram preservados pelalegislação regulamentadora, uma vez que, após a devida classificação nos exames de escolaridadee conhecimentos especializados, a matrícula no Estágio de Adaptação ao Oficialato dar-se-ia coma rigorosa observação da ordem de antiguidade dos classificados.

O fato é que não assiste direito líquido e certo ao Recorrente, porque o novo critérioestabelecido no Decreto 92.675/86, a que se submeteu o Impetrante sem contestar, nãopossui qualquer ilegalidade. Da mesma forma, frise-se que o Decreto 86.686/81 foi editado emobediência ao Estatuto dos Militares e visa, nada mais nada menos, do que o aperfeiçoamentotécnico dos especialistas que integrarão o Quadro de Oficiais da Aeronáutica.

O cerne da questão, efetivamente, é não ter o Recorrente preenchido os requisitosnecessários à inscrição no estágio, dado que não se classificou dentro das vagas existentes,quando aí, sem dúvida, ser-lhe-ia propiciada a prerrogativa da antiguidade para in-gresso no Estágio e posteriormente a promoção do Oficialato.

Tenho que a modificação no regulamento que obstou à participação do Recorrenteno Estágio de Adaptação ao Oficialato, ao exigir a aprovação nos exames de Escolaridade

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e de Conhecimentos Especializados, além da simples antiguidade, não violou nenhumanorma ou princípio jurídico, nem feriu direito subjetivo do Recorrente, e está em consonân-cia com o Estatuto dos Militares.

Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.

EXTRATO DA ATA

RMS 22.895/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Orlando de Oliveira(Advogado: José Danilo Carneiro). Recorrida: União Federal (Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança,nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro ErosGrau.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 11 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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MANDADO DE SEGURANÇA 24.523 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Sepúlveda PertenceImpetrantes: Maria Madalena da Conceição e outras — Impetrado: Tribunal de Contas

da União

I - Mandado de segurança: Tribunal de Contas da União: legitimaçãopassiva.

“O Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólopassivo do mandado de segurança, quando a decisão impugnada revestir-se decaráter impositivo” (MS 24.001-6/DF, 20-5-02, Maurício Corrêa, DJ de20-9-02).

II - Mandado de segurança: legitimação ativa das Impetrantes que nãoforam parte no processo administrativo que tramitou no TCU, por força daInstrução Normativa 44/02/TCU, que determina a aplicação extensiva dasdecisões que negam registro a concessão de benefícios.

III - Pensão por morte: servidores da Câmara dos Deputados falecidosquando vinculados ao Estado por relação trabalhista: não-incidência do art.40, § 5º, da Constituição Federal.

“O art. 40, § 5º, da Constituição, ao estabelecer que o ‘benefício dapensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventosdo servidor falecido’, embora não faça distinção entre pensões concedidasantes e pensões concedidas após o advento da Carta de 88 – conforme sedecidiu no julgamento do MS 21.521 (Velloso, DJ de 6-8-93) –, só alude àspensões estatutárias, isto é, às pensões instituídas por servidor público: nãobeneficia, assim, ao servidor falecido antes da Constituição – e, pois, da insti-tuição do regime único –, quando vinculado ao Estado por relação trabalhista enão estatutária”. (RE 223.732, Primeira Turma, 3-10-00, Pertence, DJ de 10-11-00).

Cuidando-se de relação previdenciária, as dependentes do empregadomorto têm direito à percepção de pensão paga pelo INSS.

IV - Mandado de segurança indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, denegar a segurança.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator para o acórdão.

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R.T.J. — 200740

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por MariaMadalena da Conceição e outras contra ato do Presidente do Tribunal de Contas daUnião que determinou a cessação dos pagamentos das pensões a elas concedidas pelaCâmara dos Deputados em razão do falecimento de seus cônjuges.

2. As Impetrantes alegam que os pagamentos das pensões dos ex-servidores foramtransferidos aos órgãos de origem por força da Lei 7.956/89. Daí por que as pensões foramconcedidas pela própria Câmara dos Deputados, que submeteu os respectivos atos conces-sivos ao exame do TCU, para registro e homologação, nos termos da legislação vigente.

3. O Acórdão 30/2003, exarado no processo 017-704/2000-3 do TCU, determinou quea Câmara dos Deputados suspendesse os pagamentos atinentes à pensão atribuída àprimeira Impetrante, bem assim os relativos a todos os casos análogos, subtraindo-os dafolha de pagamento (Ofício 3/2003-COBEN; fls. 160/161).

4. As pensionistas, nos termos do acórdão, não fariam jus aos benefícios, eis que osex-servidores faleceram ainda no regime celetista e anteriormente à Resolução 54, de 18-10-84, bem assim ao Ato da Mesa 42, de 7-11-84, ambos da Câmara dos Deputados, quetransformaram os empregos da Tabela Permanente em cargos do Quadro Permanente.

5. As Impetrantes afirmam que a Corte de Contas e o Departamento de Pessoal daCâmara dos Deputados conferiram tratamento desigual a situações iguais, eis que noProcesso 9954/88 se decidiu pela legalidade da concessão de pensão a viúva que se encon-trava em situação idêntica à das Impetrantes; estas, repita-se, resultaram excluídas dosbenefícios.

6. Observam que o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, instituídopela Lei 8.112/90, pôs fim ao regime celetista no âmbito do Poder Público, unificando todoo quadro funcional em um único regime, de sorte que todos os funcionários públicospassaram à qualidade de estatutários, com plano de carreira definido.

7. Por fim, alegam que a suspensão do pagamento dos benefícios violaria direitoadquirido há mais de treze anos, assegurado pela Constituição vigente.

8. Requerem, liminarmente, seja assegurado o pagamento das aposentadorias epensões concedidas, que possuem caráter alimentar, sendo a segurança definitiva conce-dida, para cassar o ato questionado.

9. O Impetrado prestou informações (fls. 228/240), nas quais, de início, levantapreliminar de ilegitimidade ativa, alegando que a correta autoridade coatora contra aqual haveria de ser impetrada a segurança pelas demais Impetrantes que não a Sra. MariaMadalena da Conceição seria a Câmara dos Deputados, visto que somente aquela figuravacomo parte interessada no Acórdão 30/03.

10. Ainda em sede preliminar, afirma que foi interposto o competente recurso noâmbito daquela Corte de Contas, de modo que os efeitos da decisão estariam suspensosaté seu julgamento final. Permito-me insistir neste ponto, afirmado pelo TCU e posterior-mente por ele mesmo desmentido: os efeitos da decisão estariam suspensos até seujulgamento final.

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R.T.J. — 200 741

11. No mérito, alega que seria irracional a alegação do órgão interno da Câmara dosDeputados que deferiu as pensões às Impetrantes, ao considerar, de modo fictício, que osseus cônjuges, embora falecidos sob a égide do regime celetista, teriam, se vivos fossem,optado pelo regime estatutário.

12. Indeferido o pedido liminar (fls. 259/267), os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral da República, que, ante a existência de recurso com efeito suspensivo pendente dejulgamento – informação não veraz da autoridade coatora, como veremos adiante – exarouparecer pelo não-conhecimento do writ.

13. Quanto à matéria de fundo, opina pela denegação da ordem, sustentandoinexistir amparo legal à pretensão das Impetrantes, eis que o art. 40, § 5º, da Constituiçãodo Brasil não se aplicaria aos empregados públicos celetistas, mas tão-somente aos servi-dores públicos estatutários.

14. Em sessão plenária do último dia 7 de outubro, este Tribunal houve por bemconverter o julgamento em diligência, a fim de que o TCU informasse se, efetivamente, asImpetrantes, em razão do efeito suspensivo atribuído ao pedido de reexame, estão areceber os benefícios (fls. 290).

15. As informações foram prestadas em data de 22 de outubro (Aviso 2116-GP/TCU).O Presidente daquela Corte de Contas esclareceu que, no dia 15 anterior, formulara inda-gações ao Presidente da Câmara dos Deputados quanto a pagamentos efetuados àsImpetrantes, a título de pensão, no período de eficácia do efeito suspensivo do Pedido deReexame – ou seja, da data em que o Ministro Relator, no TCU, conheceu do recurso atéa data da publicação do Acórdão 1.780/03-TCU-1ª Câmara (18-8-03) – e desta última dataaté 15 de outubro corrente. Dá conta, a seguir, de que o Departamento de Pessoal daCâmara dos Deputados esclareceu que “as Impetrantes tiveram seus benefícios pensionaissuspensos desde fevereiro/2003, situação esta que permanece até a presente data”. Asfichas financeiras das Impetrantes não registram nenhum pagamento em seu benefício noperíodo.

16. O Presidente do TCU sustenta então que “a reversão de determinações emanadasdesta Corte, por força do efeito suspensivo conferido aos pedidos de reexame interpostosem face de suas decisões, conforme letra expressa do art. 48, parágrafo único, c/c o art. 33,ambos da Lei 8.443/92, só se efetiva após o pronunciamento sobre a admissibilidade dorecurso, tarefa esta afeta ao relator do feito recursal, ex vi do art. 278 do Regimento Internodo TCU”.

17. Isso afirmado, conclui: “Ocorre que no caso vertente o pagamento das referidaspensões não chegou a ser restabelecido em função da interposição de pedido de reexamepelos Impetrantes contra os termos do Acórdão n. 20/2003-TCU-1ª Câmara, vez que asquestões relativas à admissibilidade do recurso e, por via reflexa, à atribuição de efeitosuspensivo à determinação contida no mencionado Acórdão vieram a ser dirimidas peloRelator simultaneamente ao mérito do recurso quando da apreciação do feito, oportunida-de em que, dissentindo do parecer da unidade técnica (doc. 05), proferiu o voto condutordo Acórdão 1.780/03-TCU-1ª Câmara, no sentido de conhecer da peça ingressa, para ne-gar-lhe provimento (Doc. 03)”.

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18. Para que fique bem claro: no caso, embora o pedido de reexame interposto emmarço de 2003 fosse dotado de efeito suspensivo, esse mesmo efeito suspensivo ficoususpenso (uma estranha suspensão da suspensão de efeitos!) até agosto de 2003, quandoo recurso foi admitido e, no mesmo momento, simultaneamente improvido. Note-se bemque, não obstante tenha sido assim, a autoridade coatora – isto é, o próprio TCU – nasinformações de fls. 228/240 sustenta, preliminarmente, que, mercê da interposição dopedido de reexame, os efeitos do Acórdão 30/2003 estariam suspensos até o seu julga-mento final, o que não é veraz.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Afasto, de início, a ilegitimidade ativa das demaisImpetrantes que não a Sra. Maria Madalena da Conceição. Embora a primeira Impetrantetenha sido a única a figurar como parte no processo administrativo que tramitou no TCU, oAcórdão 030/03 atingiu o direito das demais Impetrantes por força do disposto no art. 16da Instrução Normativa 44/021 daquela Corte de Contas, que determina a aplicação exten-siva das decisões que negam registro a concessão de benefício aos casos análogos.

2. Quanto à ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas para a impetração do writ,é pacífica a jurisprudência desta Corte, conforme precedente do MS 24.001, Relator oMinistro Maurício Corrêa, DJ de 20-9-022.

3. Ademais, exatamente segundo decisão tomada por esta Corte (MS 24.754, Relatoro Ministro Marco Aurélio, julgado precisamente no dia 7 de outubro de 2004), não hárazão para que, na espécie, figure como autoridade coatora o órgão que concedeupensões às Impetrantes – no caso o Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dosDeputados –, dado tratar-se de mero executor de decisão que proveio do TCU.

1 “Art. 16. O órgão de origem deverá aplicar a todos os casos análogos existentes em seu quadro depessoal, no prazo fixado pelo Tribunal, o entendimento manifestado nas decisões de caráter normativo,bem como naquelas que negarem registro a ato de admissão ou de concessão, sob pena de responsabili-dade solidária da autoridade administrativa e de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/92.”2 “Mandado de segurança. Ato do Tribunal de Contas que tornou nula a admissão de servidor nasecretaria do TRT da 13ª Região. Legitimidade passiva do TCU. Aprovação e classificação em concursopúblico. Declaração de que ocupava cargo de juiz classista. Desincompatibilização. Posse e exercícioapós o prazo legal. Responsabilidade da administração. Inexistência de culpa do servidor. Segurançaconcedida. 1. O Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólo passivo do mandadode segurança, quando a decisão impugnada revestir-se de caráter impositivo. Precedentes. 2. Ofensa aosprincípios da ampla defesa e do contraditório: inexistência, visto que o Impetrante teve oportunidade deinterpor pedido de reconsideração e de manifestar-se em embargos de declaração perante o órgãoimpetrado. 3. Acumulação de cargos. Óbice à posse de candidato aprovado em concurso público, afastadopela superveniente aposentadoria proporcional do interessado como Juiz Classista (EC 20/98, art. 11).4. Não se pode considerar nula a posse efetivada após decorrido o prazo legal, se o candidato, tendocumprido todas as exigências legais, não contribuiu para a mora da administração. 5. Mera presunçãosem base probante não autoriza a conclusão de que houve má-fé na postergação do ato administrativo.6. Não é decadencial o prazo de trinta dias, haja vista que a própria lei admite hipóteses de suspensão dotrintídio para a posse e exercício. Casos excepcionados pelo TCU em que esse termo não tem sidocumprido. Segurança concedida.”

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4. O inciso I do art. 5º da Lei 1.533/51 diz que não se dará mandado de segurançaquando se tratar de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo.

5. Todavia, ainda que as Impetrantes tenham exercido o direito que lhes assegura oart. 48 da Lei 8.443/92, a coação, de parte do Tribunal de Contas da União, é evidente, vistoque o pagamento das pensões foi suspenso desde fevereiro de 2003.

6. O efeito suspensivo do recurso interposto pelas ora Impetrantes no âmbito doTCU foi-lhes negado. O Presidente da Corte de Contas alega que a suspensão dos efeitosdo Acórdão 30/03 apenas se verificaria quando do exame da admissibilidade do recurso, oque afronta o expressamente estipulado pelos arts. 48 e 33 da Lei 8.443/923.

7. Estranhamente, embora os preceitos – repito: os arts. 48 e 33 da Lei 8.443/92 – nãocondicionem a concessão do efeito suspensivo ínsito ao pedido de reexame ao seu conhe-cimento e o recuse em relação ao recurso interposto pelas ora Impetrantes, mesmo assim(na prática de venire contra factum proprium?), a autoridade coatora afirmou, em suaprimeira manifestação, as informações de fls. 228/240, que, exercido o direito ao recurso,“suspensos estão os comandos da decisão recorrida e pendente está seu julgamento”(fl. 232).

8. O fato, contudo, é que, em sua nova e recente manifestação, a autoridade coatoraconfirma o que sustentei na sessão de 7 de outubro, louvando-me em manifestação dasImpetrantes às fls. 243/245, quanto à não-concessão, quando de sua interposição, deefeito suspensivo ao pedido de reexame, assim resultando perpetuado o ato coator,viabilizando a impetração do presente mandado de segurança.

9. Note-se bem que o Presidente da Corte de Contas esclarece que, no dia 15 deoutubro de 2004, formulou indagações ao Presidente da Câmara dos Deputados quanto apagamentos efetuados às Impetrantes, a título de pensão, no período de eficácia do efeitosuspensivo do Pedido de Reexame; vale dizer: da data em que o Ministro Relator, no TCU,conheceu do recurso até a data da publicação do Acórdão 1.780/03/TCU/1ª Câmara (18-8-03). Considerou existente um “período de eficácia do efeito suspensivo do Pedido deReexame” do Acórdão 30/03, mas a seguir, em seus esclarecimentos, deu conta de que a“admissibilidade” desse mesmo Pedido de Reexame apenas foi apreciada no momento dojulgamento do mérito do recurso, em 12 de agosto de 2003 (Acórdão 1.780/03; fls. 307/311). Sucede que a data do conhecimento do recurso e a data do Acórdão 1.780/03 são amesma data, razão pela qual as indagações feitas ao Presidente da Câmara dos Deputadoseram despiciendas. Estou insistindo nesse ponto para que as circunstâncias do casofiquem bem expostas e vincadas.

3 “Art. 48. De decisão proferida em processos concernentes às matérias de que tratam as Seções III eIV deste capítulo caberá pedido de reexame, que terá efeito suspensivo.

Parágrafo único. O pedido de reexame reger-se-á pelo disposto no parágrafo único do art. 32 e noart. 33 desta lei.”

“Art. 33. O recurso de reconsideração, que terá efeito suspensivo, será apreciado por quem houverproferido a decisão recorrida, na forma estabelecida no regimento interno, e poderá ser formulado porescrito uma só vez, pelo responsável ou interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal,dentro do prazo de quinze dias, contados na forma prevista no art. 30 desta lei.”

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10. O primeiro acórdão (Acórdão 30/03) foi objeto de recurso, carente de efeitosuspensivo. Veio um segundo acórdão (Acórdão 1.780/03), que ensejou a interposição deembargos de declaração, também carentes do mesmo efeito, apreciados no Acórdão3.050/2003, que confirmou a decisão embargada.

11. Em resumo, as Impetrantes estão sem receber os benefícios desde fevereiro de2003 até hoje, de modo que não há como negar direito à impetração, sob pretexto deobservância da letra da lei, sem que os fatos, quando demonstrem a ocorrência de violaçãode direito líquido e certo, sejam ponderados.

12. Superados os óbices processuais, passo à análise do mérito da demanda.13. Os empregos da Tabela Permanente foram transformados em cargos do Quadro

Permanente da Câmara dos Deputados no advento da Resolução 54, de 18-10-84, e do Atoda Mesa 42, de 7-11-84, ambos da Câmara dos Deputados. Daí que os empregados celetistaspassaram à condição de servidores estatutários, sendo facultada àqueles que neste sen-tido expressamente optassem, no prazo de quinze dias, a permanência no regime da CLT(cf. art. 2º da Resolução 54/844).

14. Em 1989, mercê da edição da Lei 7.956, a responsabilidade pelos pagamentoscorrespondentes a todos os benefícios de pensões especiais e previdenciárias concedi-das e a conceder – repito: concedidos e a conceder – foi transferida para o órgão deorigem, onde trabalhavam os ex-servidores:

Art. 1º O processamento das concessões e atualizações, bem como o pagamento daspensões especiais e previdenciárias concedidas e a conceder, referidas nas Leis 1.711, de 28 deoutubro de 1952, 3.373, de 12 de março de 1958, 3.738, de 4 de abril de 1960, e 6.782, de 19 demaio de 1980, devidas às famílias de funcionários falecidos da Câmara dos Deputados, do SenadoFederal e do Tribunal de Contas da União, competem à unidade pagadora do órgão a que pertenciao de cujus.

15. Diante disso, a primeira Impetrante, Maria Madalena da Conceição, requereu àCâmara dos Deputados, em 23-7-97, a concessão de pensão em seu favor (fl. 89), já que,quando requerido o mesmo benefício ao INSS, em favor de seus filhos menores, aquelaautarquia negou-se a concedê-lo, a pretexto de observância do preceito acima transcrito(fl. 29). Note-se bem que a primeira Impetrante, “por desinformação”, segundo alega (fl.89), requereu tardiamente a concessão de pensão; o servidor que fora seu esposo faleceraem março de 1981.

16. A Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados manifestou-se, em 11de janeiro de 1999, com fundamento na eqüidade, pela concessão do benefício (fls. 125/126), uma vez que o próprio Tribunal de Contas da União, no Processo TC 9.954/88,aprovara a concessão de pensão a viúva de servidor falecido ainda no regime celetista.

17. Não obstante, quando examinada a concessão do benefício da primeiraimpetrante pelo TCU, a pensão civil instituída em seu favor foi considerada ilegal.

4 “Art. 2º Aos atuais servidores, mediante opção a ser formalizada junto ao Departamento de Pessoal,no prazo de 15 (quinze) dias, é facultado permanecer nos empregos de que são ocupantes, com direitos,vantagens e obrigações da situação anterior à vigência desta Resolução.”

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18. Essa conclusão não merece prosperar.19. A concessão de benefício previdenciário deve observar os requisitos previstos

na legislação vigente à época da morte do segurado. Veja-se, a esse respeito, o precedentedo AI 476.943-AgR, Relator o Ministro Nelson Jobim5. Mas, note-se bem, apenas osrequisitos, não o regime.

20. O art. 40, § 5º, da Constituição do Brasil, em sua redação anterior à EmendaConstitucional 20/98, considerado auto-aplicável por força de decisões do Plenário destaCorte6, não faz distinção entre servidores estatutários e celetistas, conforme decidido no AI324.666-8-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício Corrêa (DJ de 14-12-01)7.De mais a mais, o art. 20 do ADCT conferiu efeito retroativo ao referido preceito:

Art. 20. Dentro de cento e oitenta dias, proceder-se-á à revisão dos direitos dos servidorespúblicos inativos e pensionistas e à atualização dos proventos e pensões a eles devidos, a fim deajustá-los ao disposto na Constituição.

21. As viúvas dos ex-servidores listados no writ eram titulares de direito adquiridoàs pensões, de modo que o requerimento tardio do benefício não compromete esse direito.

22. Ressalte-se, por outro lado, que as Impetrantes não eram, nem são, titulares dedireito adquirido ao regime jurídico das pensões, consoante reiterado entendimento destaCorte8.

23. O regime jurídico das pensões, bem como dos benefícios de aposentadoria emgeral, poderia ser modificado, seja para pior, seja para melhor, em relação ao beneficiário9.

24. No caso de que se cuida, o regime jurídico foi modificado, a partir da Resolução54/84 e do Ato da Mesa 42/84, transformando-se os empregos da Tabela Permanente emcargos do Quadro Permanente, de modo que os empregados celetistas passaram à condi-ção de servidores estatutários, desde que não optassem formalmente, no prazo de quinzedias, por permanecer nessa situação, de celetistas (cf. art. 2º da Resolução 54/84).

25. O argumento de que se vale a autoridade impetrada nas informações, à fl. 235 –de que seria necessária a opção pelo regime estatutário, se o servidor estivesse vivo em 1º

5 Antes deste, o RE 88.475 (RTJ 94/1201).6 MI 211 (RTJ 157/411), MI 263 (RTJ 157/22), MI 274-AgR (RTJ 152/357), MS 21.521 (RTJ 150/191)e RE 140.863 (RTJ 152/934).7 “Agravo regimental em agravo de instrumento. Art. 40, § 4º, da Constituição Federal. Auto-aplicabilidade. Art. 20 do ADCT/88. Efeito retroativo. 1. O art. 40, § 4º, da Constituição Federal, a queo art. 20 do ADCT/88 deu efeito retrooperante, não fez distinção entre servidor celetista e estatutário.Precedentes. 2. Hipótese em que a aposentadoria de servidor regido pela CLT ocorreu posteriormenteà vigência da Constituição Federal. Direito à revisão de proventos na forma prevista no citado art. 40,§ 4º, com a redação anterior à EC 20/98. Agravo regimental a que se nega provimento.”8 ADI 3.105, RE 177.072, in RTJ 183/323; 178.802, in RTJ 143/293; 99/1267; 88/651; RE 99.522,in RDA 153/110-113; RE 92.638, in RDA 145/56-61; RE 185.966; RE 146.749, in RTJ 158/228; RE82.881, in RTJ 79/268; RE 99.592, in RTJ 108/382; RE 99.594, in RTJ 108/785; RE 99.955, in RTJ116/1065; RE 199.753.9 Ressalte-se, sem redução do quantum percebido, exceto em razão da incidência de tributos e contri-buições.

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de janeiro de 1985 – não procede, é também aqui equívoco, pois a exigência contidanaquela Resolução era bem outra: a opção “a ser formalizada junto ao Departamento dePessoal, no prazo de 15 (quinze) dias”, facultava ao servidor a permanência no empregopúblico de que era ocupante, regido pela CLT. Inexistente a expressa manifestação devontade, opera-se a transformação da situação de emprego em situação estatutária.

26. Em suma, a alteração do regime jurídico alcança as pensionistas, tal qual asalcança o art. 1º da Lei 7.956/89. Por isso, lhes é aplicável o disposto no § 4º do art. 40 daConstituição do Brasil (que não fez distinção entre estatutários e celetistas), conjugado como art. 20 do ADCT, que conferiu efeito retrooperante ao preceito.

27. As Impetrantes não eram, nem são, titulares de direito adquirido ao regime jurídicodas pensões; devem suportar quaisquer efeitos de modificações que o alcancem, emqualquer sentido. Por isso são beneficiadas pela mudança de regime consubstanciada naResolução 54/84 e no Ato da Mesa 42/84, observado o disposto no § 4º do art. 40 daConstituição do Brasil, conjugado com o art. 20 do ADCT, e na Lei 7.956/89. A concessão dobenefício reveste-se, pois, de legalidade.

28. Invoco, em caráter complementar, o art. 243 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de1990, que submeteu todos os servidores regidos pela CLT ao regime jurídico aplicável aosservidores civis da União, contemplando as situações preexistentes. A concessão e amanutenção da pensão por morte, transmudada em estatutária a partir da data de publicaçãodessa Lei, foi de imediato transferida à competência do órgão de origem do de cujus.

29. Reforça esse entendimento, ademais, o disposto no art. 247 c/c o art. 231, § 2º, daLei 8.11210, este último vigente até 1999, que prescreviam ajuste de contas com a Previ-dência Social quanto ao período de contribuição por parte dos servidores celetistasabrangidos pelo art. 243, ficando o custeio integral das aposentadorias e pensões a cargodo Tesouro Nacional.

30. As pensões das Impetrantes não poderiam ter sido suspensas.Ante o exposto, concedo a segurança para cassar a decisão proferida pelo TCU e, em

conseqüência, restabeleço os pagamentos dos benefícios das Impetrantes, com a percep-ção dos valores bloqueados junto à Câmara dos Deputados desde fevereiro de 2003.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, seria interessante o destaqueporque, quando da impetração, havia recurso com eficácia suspensiva pendente noTribunal de Contas da União.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É verdade. Não obstante, essas viúvas deixaramde receber a pensão desde então. Como lhes foi negada, também, a pensão pelo INSS –demonstrarei isso adiante –, a pretexto dessa suspensividade, elas deixaram de receber averba alimentar, desde que foi publicado o acórdão posteriormente impugnado com esserecurso suspensivo.

10 O § 2º desse artigo, vetado pelo Presidente da República, foi mantido pelo Congresso Nacional.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia para permanecer fiel aoque previsto na lei de regência do mandado de segurança e também aos predicados“utilidade e necessidade”.

No caso, a lei afasta, de forma peremptória, evitando até uma precipitação em vir aoJudiciário, a impetração quando se tem recurso com eficácia suspensiva. E esse recursofoi manuseado e interposto perante o Tribunal de Contas da União. Não está em jogo, nocaso concreto, o que devido, à guisa de benefício, pelo Instituto de Previdência Social,mas a pensão, presente o que seria – e não sei se é o caso dos autos – um cargo público.

Peço vênia para subscrever o parecer da Procuradoria-Geral da República e concluir,portanto, pela carência da impetração.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, tenho a mais absoluta tranqüilidadeem insistir na posição por mim assumida: superados os óbices processuais, passo àanálise do mérito da demanda. Não há como negar direito à impetração, sob o pretexto deobservância da lei, quando os fatos demonstrem a ocorrência de violação a direito líquidoe certo. Os fatos devem ser ponderados.

O que se passa no caso, que examinei detidamente, é que essas Impetrantes estãosem receber verba alimentar. Entendo que não se pode tomar a lei pela sua letra fria. Sefosse assim, bastaria lermos e não seria necessário interpretarmos.

Portanto, insisto na admissibilidade do mandado de segurança.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, peço vênia ao Ministro Marco Auréliopara perfilhar o entendimento do Relator do feito.

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, indago ao Ministro Relator: como asviúvas podem ter sido privadas do pagamento da pensão, se o recurso interposto temefeito suspensivo?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Elas estavam sem receber, e o Tribunal de Contasda União permaneceu a negar o efeito...

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas, então, não decorreu da decisão do Tribunal deContas?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Decorreu da decisão do Tribunal de Contas. Foisuspenso o pagamento, e elas não receberam mais.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas o parecer diz:

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Da letra do art. 48 da Lei 8.443/92 se extrai:Art. 48. De decisão proferida em processos concernentes às matérias de que tratam as

Seções III e IV deste capítulo caberá pedido de reexame, que terá efeito suspensivo.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ocorre o seguinte: o pagamento está suspensodesde fevereiro de 2003. Houve um recurso contra a decisão que recusou o registro àsaposentadorias.

Não obstante o efeito suspensivo, o pagamento encontra-se suspenso desde feve-reiro de 2003.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, aí, não seria, então, por ato do Tribunal deContas da União, mas do órgão de origem. E a impetração se faz mal dirigida.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não se faz mal dirigida por uma razão muito simples.O Sr. Ministro Marco Aurélio: A direção não é a do Relator, não. Digo a impetração,

em si, a petição inicial, ao apontar o órgão que seria autor do ato de constrangimento.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Que é o Tribunal de Contas da União, de cuja

decisão decorreu a suspensão. A Câmara dos Deputados apenas cumpriu essa decisão.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não seria o caso de suspender julgamento com uma

diligência e oficiar o Tribunal para saber se está suspenso o pagamento, ou não?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Parece-me que sim.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vamos deixar de lado a nossa jurisprudência, não é?O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se, eventualmente, de fato, o Tribunal suspender o

pagamento, significa que ele negou efeito suspensivo ao recurso administrativo. Nessecaso, viabiliza-se o mandado de segurança.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É apenas uma suposição.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nas informações do Tribunal de Contas da União, não

houve esclarecimento a respeito?O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Estão aqui, nas minhas mãos, e nas informações...O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministério Público dá conta, no seu parecer, da

suspensão dos efeitos. Tanto que ele acolhe a preliminar, exatamente porque o dano nãose consumou.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas o dano se consumou. Por isso, exatamente,estou recusando.

Por essa diligência, vai ficar perfeitamente esclarecido.O Sr. Ministro Cezar Peluso: As informações consignam exatamente o contrário, à fl.

232:

6. A segunda preliminar a ser tratada é a interposição, no âmbito do TCU, de recursonominado como Pedido de Reexame, com efeito suspensivo (art. 48, da Lei n. 8.443/92),estando ele em fase de instrução, conforme fazem prova os documentos acostados aopresente parecer.

7. Com isso, fica pacífica a subsunção do caso concreto ao art. 5º, inciso I, da Lei n. 1.533/51, porquanto o direito a recurso foi exercido, suspensos estão os comandos da decisãorecorrida e pendente está seu julgamento.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, a pensão estatutária permanece incólume.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Segundo informação do TCU. Nem seria o caso de pôr

em dúvida a informação do TCU. Então o TCU estaria dando uma informação falsa.O Sr. Ministro Carlos Britto: Acho que o Relator não se opõe a que se faça a diligência,

não é? Porque esclarece tudo.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, estou de pleno acordo em que seconverta o julgamento em diligência para solicitar novas informações ao Tribunal deContas sobre se, efetivamente, em razão do efeito suspensivo do recurso do pedido dereexame pendente, as Impetrantes vêm recebendo sua pensão.

EXTRATO DA ATA

MS 24.523/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrantes: Maria Madalena daConceição e outras (Advogada: Maria Lúcia Bezerra Nunes). Impetrado: Tribunal deContas da União.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento em diligência parasolicitar novas informações, ao Tribunal de Contas da União, sobre se, efetivamente, emrazão do efeito suspensivo do recurso do pedido de reexame pendente, as Impetrantesvêm recebendo sua pensão. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim,Presidente, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Presidênciado Ministro Sepúlveda Pertence.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral daRepública, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 7 de outubro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por MariaMadalena da Conceição e outras contra ato do Presidente do Tribunal de Contas daUnião que determinou a cessação dos pagamentos das pensões concedidas pela Câmarados Deputados em razão do falecimento de seus cônjuges.

2. Alegam as Impetrantes que, por força da Lei 7.956/89, os pagamentos das pen-sões dos ex-servidores foram transferidos aos órgãos de origem. Em razão disso, aspensões foram concedidas pela própria Câmara dos Deputados, que submeteu os atosconcessivos ao exame do TCU para registro e homologação, nos termos da legislaçãovigente.

3. O Acórdão 30/2003, exarado no Processo 017-704/2000-3 do TCU, determinou quea Câmara dos Deputados suspendesse os pagamentos atinentes à pensão atribuída àprimeira Impetrante, bem assim os relativos a todos os casos análogos, subtraindo-os dafolha de pagamento (Ofício 03/03-COBEN; fls. 160/161).

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4. Segundo o acórdão, os ex-servidores não fariam jus aos benefícios, eis que fale-ceram ainda no regime celetista e anteriormente à Resolução 54, de 18-10-84, bem assim aoAto da Mesa 42, de 7-11-84, ambos da Câmara dos Deputados, que transformaram osempregos da Tabela Permanente em cargos do Quadro Permanente.

5. Aduzem as Impetrantes, outrossim, que a Corte de Contas e o Departamento dePessoal da Câmara dos Deputados conferiram tratamento desigual a situações iguais, eisque no Processo 09954/88 se decidiu pela legalidade da concessão de pensão a viúva quese encontrava em situação idêntica à das Impetrantes; estas, repito, resultaram excluídasdos benefícios.

6. Ressaltam que o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, instituídopela Lei 8.112/90, pôs fim ao regime celetista no âmbito do Poder Público, unificando todoo quadro funcional em um único regime, de sorte que todos os funcionários públicospassaram à qualidade de estatutários, com plano de carreira definido.

7. Por fim, alegam que a suspensão do pagamento dos benefícios violaria direitoadquirido há mais de treze anos, assegurado pela Constituição vigente.

8. Requerem, liminarmente, seja assegurado o pagamento das aposentadorias epensões concedidas, que possuem caráter alimentar, sendo a segurança definitiva conce-dida para cassar o ato questionado.

9. O Impetrado prestou informações (fls. 228/240), nas quais, de início, levanta pre-liminar de ilegitimidade ativa, alegando que a correta autoridade coatora contra a qualhaveria de ser impetrada a segurança pelas demais Impetrantes que não a Sra. MariaMadalena da Conceição seria a Câmara dos Deputados, visto que somente aquela figuravacomo parte interessada no Acórdão 030/03.

10. Ainda em sede preliminar, afirma que foi interposto o competente recurso noâmbito daquela Corte de Contas, de modo que os efeitos da decisão estariam suspensosaté seu julgamento final. Permito-me insistir neste ponto, afirmado pelo TCU e posterior-mente por ele mesmo desmentido: os efeitos da decisão estariam suspensos até seujulgamento final.

11. No mérito, alega que seria irracional a alegação do órgão interno da Câmara dosDeputados que deferiu as pensões às Impetrantes, ao considerar, de modo fictício, que osseus cônjuges, embora falecidos sob a égide do regime celetista, teriam, se vivos fossem,optado pelo regime estatutário.

12. Indeferido o pedido liminar (fls. 259/267), os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral da República, que, ante a existência de recurso com efeito suspensivo pendente dejulgamento – informação não veraz da autoridade coatora, como veremos adiante – exarouparecer pelo não-conhecimento do writ.

13. Quanto à matéria de fundo, opina pela denegação da ordem, sustentandoinexistir amparo legal à pretensão das Impetrantes, eis que o art. 40, § 5º, da Constituiçãodo Brasil não se aplicaria aos empregados públicos celetistas, mas tão-somente aos servi-dores públicos estatutários.

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14. Em sessão plenária do último dia 7 de outubro, este Tribunal houve por bemconverter o julgamento em diligência, a fim de que o TCU informasse se, efetivamente, asImpetrantes, em razão do efeito suspensivo atribuído ao pedido de reexame, estão a receberos benefícios (fl. 290).

15. Prestadas as informações em data de 22 de outubro (Aviso 2.116-GP/TCU), oPresidente daquela Corte de Contas esclareceu que, no dia 15 anterior, formulou indagaçõesao Presidente da Câmara dos Deputados quanto a pagamentos efetuados às Impetrantes,a título de pensão, no período de eficácia do efeito suspensivo do Pedido de Reexame –ou seja, da data em que o Ministro Relator, no TCU, conheceu do recurso até a data dapublicação do Acórdão 1.780/2003-TCU-1ª Câmara (18-8-03) – e desta última data até 15 deoutubro corrente. Dá conta, a seguir, de que o Departamento de Pessoal da Câmara dosDeputados esclareceu que “as Impetrantes tiveram seus benefícios pensionais suspensosdesde fevereiro/2003, situação esta que permanece até a presente data”. As fichas finan-ceiras das Impetrantes não registram nenhum pagamento em seu benefício no período.

16. Sustenta então o Presidente do TCU que “a reversão de determinações emanadasdesta Corte, por força do efeito suspensivo conferido aos pedidos de reexame interpostosem face de suas decisões, conforme letra expressa do art. 48, parágrafo único, c/c o art. 33,ambos da Lei n. 8.443/1992, só se efetiva após o pronunciamento sobre a admissibilidadedo recurso, tarefa esta afeta ao relator do feito recursal, ex vi do art. 278 do RegimentoInterno do TCU”.

17. Isso afirmado, conclui o Presidente do TCU, nos seguintes termos: “Ocorre queno caso vertente o pagamento das referidas pensões não chegou a ser restabelecido emfunção da interposição de pedido de reexame pelos Impetrantes contra os termos doAcórdão 20/2003-TCU-1ª Câmara, vez que as questões relativas à admissibilidade dorecurso e, por via reflexa, à atribuição de efeito suspensivo à determinação contida nomencionado Acórdão vieram a ser dirimidas pelo Relator simultaneamente ao mérito dorecurso quando da apreciação do feito, oportunidade em que, dissentindo do parecer daunidade técnica (doc. 05), proferiu o voto condutor do Acórdão 1.780/2003-TCU-1ªCâmara, no sentido de conhecer da peça ingressa, para negar-lhe provimento (Doc. 03)”.

18. Para que fique bem claro: no caso, embora o pedido de reexame interposto emmarço de 2003 fosse dotado de efeito suspensivo, esse mesmo efeito suspensivo ficoususpenso (uma estranha suspensão da suspensão de efeitos!) até agosto de 2003, quandoo recurso foi admitido e, no mesmo momento, simultaneamente improvido. Note-se bemque, não obstante tenha sido assim, a autoridade coatora – isto é, o próprio TCU – nasinformações de fls. 228/240 sustenta, preliminarmente, que, mercê da interposição dopedido de reexame, os efeitos do Acórdão 30/03 estariam suspensos até o seu julgamentofinal, o que não é veraz.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): De início, cumpre afastar a ilegitimidade ativa dasdemais Impetrantes que não a Sra. Maria Madalena da Conceição. Embora a primeiraImpetrante tenha sido a única a figurar como parte no processo administrativo que tramitouno TCU, o Acórdão 030/2003 atingiu o direito das demais Impetrantes por força do disposto

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no art. 16 da Instrução Normativa 44/021 daquela Corte de Contas, que determina a aplica-ção extensiva das decisões que negam registro a concessão de benefício aos casosanálogos.

2. Quanto à ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas para a impetração do writ,é pacífica a jurisprudência desta Corte, conforme precedente do MS 24.001, Relator oMinistro Maurício Corrêa, DJ de 20-9-022.

3. Ademais, exatamente segundo decisão tomada por esta Corte (MS 24.754, Relatoro Ministro Marco Aurélio, julgado precisamente no dia 7 de outubro de 2004), não hárazão para que, na espécie, figure como autoridade coatora o órgão que concedeupensões às Impetrantes – no caso o Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dosDeputados –, dado tratar-se de mero executor de decisão que proveio do TCU.

4. O inciso I do art. 5º da Lei 1.533/51 diz que não se dará mandado de segurançaquando se tratar de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo.

5. Todavia, ainda que as Impetrantes tenham exercido o direito que lhes assegura oart. 48 da Lei 8.443/92, a coação, de parte do Tribunal de Contas da União, é evidente, vistoque o pagamento das pensões foi suspenso desde fevereiro de 2003.

6. O efeito suspensivo do recurso interposto pelas ora Impetrantes no âmbito doTCU foi-lhes negado. O Presidente da Corte de Contas alega que a suspensão dos efeitosdo Acórdão 30/2003 apenas se verificaria quando do exame da admissibilidade do recurso,o que afronta o expressamente estipulado pelos arts. 48 e 33 da Lei 8.443/923.

1 “Art. 16. O órgão de origem deverá aplicar a todos os casos análogos existentes em seu quadro depessoal, no prazo fixado pelo Tribunal, o entendimento manifestado nas decisões de caráter normativo,bem como naquelas que negarem registro a ato de admissão ou de concessão, sob pena de responsabili-dade solidária da autoridade administrativa e de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/92.”2 “Mandado de segurança. Ato do Tribunal de Contas que tornou nula a admissão de servidor nasecretaria do TRT da 13ª Região. Legitimidade passiva do TCU. Aprovação e classificação em concursopúblico. Declaração de que ocupava cargo de juiz classista. Desincompatibilização. Posse e exercícioapós o prazo legal. Responsabilidade da administração. Inexistência de culpa do servidor. Segurançaconcedida. 1. O Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólo passivo do mandadode segurança, quando a decisão impugnada revestir-se de caráter impositivo. Precedentes. 2. Ofensa aosprincípios da ampla defesa e do contraditório: inexistência, visto que o Impetrante teve oportunidade deinterpor pedido de reconsideração e de manifestar-se em embargos de declaração perante o órgãoimpetrado. 3. Acumulação de cargos. Óbice à posse de candidato aprovado em concurso público, afastadopela superveniente aposentadoria proporcional do interessado como Juiz Classista (EC 20/98, art. 11).4. Não se pode considerar nula a posse efetivada após decorrido o prazo legal, se o candidato, tendocumprido todas as exigências legais, não contribuiu para a mora da administração. 5. Mera presunçãosem base probante não autoriza a conclusão de que houve má-fé na postergação do ato administrativo.6. Não é decadencial o prazo de trinta dias, haja vista que a própria lei admite hipóteses de suspensão dotrintídio para a posse e exercício. Casos excepcionados pelo TCU em que esse termo não tem sidocumprido. Segurança concedida.”3 “Art. 48. De decisão proferida em processos concernentes às matérias de que tratam as Seções III eIV deste capítulo caberá pedido de reexame, que terá efeito suspensivo. Parágrafo único. O pedido de reexame reger-se-á pelo disposto no parágrafo único do art. 32 e no art.33 desta lei.” “Art. 33. O recurso de reconsideração, que terá efeito suspensivo, será apreciado por quem houverproferido a decisão recorrida, na forma estabelecida no regimento interno, e poderá ser formulado porescrito uma só vez, pelo responsável ou interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal,dentro do prazo de quinze dias, contados na forma prevista no art. 30 desta lei.”

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7. Estranhamente, embora os preceitos – repito: os arts. 48 e 33 da Lei 8.443/92 – nãocondicionem a concessão do efeito suspensivo ínsito ao pedido de reexame ao seu conhe-cimento e o recuse em relação ao recurso interposto pelas ora impetrantes, mesmo assim (naprática de venire contra factum proprium?), a autoridade coatora afirmou, em sua primeiramanifestação, as informações de fls. 228/240, que, exercido o direito ao recurso, “suspensosestão os comandos da decisão recorrida e pendente está seu julgamento” (fl. 232).

8. O fato, contudo, é que, em sua nova e recente manifestação, a autoridade coatoraconfirma o que afirmei na sessão de 7 de outubro, louvando-me em manifestação dasImpetrantes às fls. 243/245, quanto à não-concessão, quando de sua interposição, deefeito suspensivo ao pedido de reexame, assim resultando perpetuado o ato coator,ensejando a viabilização do presente mandado de segurança.

9. Note-se bem que o Presidente da Corte de Contas esclarece que, no dia 15 deoutubro de 2004, formulou indagações ao Presidente da Câmara dos Deputados quanto apagamentos efetuados às Impetrantes, a título de pensão, no período de eficácia do efeitosuspensivo do Pedido de Reexame – ou seja: da data em que o Ministro Relator, no TCU,conheceu do recurso até a data da publicação do Acórdão 1.780/2003-TCU-1ª Câmara(18-8-03). Considerou existente um “período de eficácia do efeito suspensivo do Pedidode Reexame” do Acórdão 30/03, mas a seguir, em seus esclarecimentos, deu conta de quea “admissibilidade” desse mesmo Pedido de Reexame apenas foi apreciada no momentodo julgamento do mérito do recurso, em 12 de agosto de 2003 (Acórdão 1.780/03; fls 307/311). Sucede que a data do conhecimento do recurso e a data do Acórdão 1.780/03 são amesma data, razão pela qual as indagações feitas ao Presidente da Câmara dos Deputadoseram despiciendas. Estou insistindo nesse ponto para que as circunstâncias do casofiquem bem expostas e vincadas.

10. O primeiro acórdão (Acórdão 30/03) foi objeto de recurso, carente de efeitosuspensivo. Veio um segundo acórdão (Acórdão 1.780/03), que ensejou a interposição deembargos de declaração, também carentes do mesmo efeito, apreciados no Acórdão3.050/03, que confirmou a decisão embargada.

11. Em resumo, as Impetrantes estão sem receber os benefícios desde fevereiro de2003 até hoje, de modo que não há como negar direito à impetração, sob pretexto deobservância da letra da lei, sem que os fatos, quando demonstrem a ocorrência de viola-ção de direito líquido e certo, sejam ponderados.

12. Superados os óbices processuais, passo à análise do mérito da demanda.13. Os empregos da Tabela Permanente foram transformados em cargos do Quadro

Permanente da Câmara dos Deputados no advento da Resolução 54, de 18-10-84, e do Atoda Mesa 42, de 7-11-84, ambos da Câmara dos Deputados. Daí que os empregados celetistaspassaram à condição de servidores estatutários, sendo facultada àqueles que nestesentido expressamente optassem, no prazo de quinze dias, a permanência no regime daCLT (cf. art. 2º da Resolução 54/844).

4 “Art. 2º Aos atuais servidores, mediante opção a ser formalizada junto ao Departamento de Pessoal,no prazo de 15 (quinze) dias, é facultado permanecer nos empregos de que são ocupantes, com direitos,vantagens e obrigações da situação anterior à vigência desta Resolução.”

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14. Em 1989, mercê da edição da Lei 7.956, a responsabilidade pelos pagamentoscorrespondentes a todos os benefícios de pensões especiais e previdenciárias concedidase a conceder – repito: concedidos e a conceder – foi transferida para o órgão de origem,onde trabalhavam os ex-servidores:

Art. 1º O processamento das concessões e atualizações, bem como o pagamento daspensões especiais e previdenciárias concedidas e a conceder, referidas nas Leis 1.711, de 28 deoutubro de 1952, 3.373, de 12 de março de 1958, 3.738, de 4 de abril de 1960, e 6.782, de 19 demaio de 1980, devidas às famílias de funcionários falecidos da Câmara dos Deputados, do SenadoFederal e do Tribunal de Contas da União, competem à unidade pagadora do órgão a que pertenciao de cujus.

15. Diante disso, a primeira Impetrante, Maria Madalena da Conceição, requereu àCâmara dos Deputados, em 23-7-97, a concessão de pensão em seu favor (fl. 89), já que,quando requerido o mesmo benefício ao INSS, em favor de seus filhos menores, aquelaautarquia negou-se a concedê-lo, a pretexto de observância do preceito acima transcrito(fl. 29). Note-se bem que a primeira Impetrante, “por desinformação”, segundo alega (fl.89), requereu tardiamente a concessão de pensão; o servidor que fora seu esposo faleceraem março de 1981.

16. A Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados manifestou-se, em 11de janeiro de 1999, com fundamento na eqüidade, pela concessão do benefício (fls. 125/126), uma vez que o próprio Tribunal de Contas da União, no Processo TC 9.954/88,aprovou a concessão de pensão a viúva de servidor falecido ainda no regime celetista.

17. Não obstante, quando examinada a concessão do benefício da primeiraImpetrante pelo TCU, a pensão civil instituída em seu favor foi considerada ilegal.

18. Essa conclusão não merece prosperar.19. A concessão de benefício previdenciário deve observar os requisitos previstos

na legislação vigente à época da morte do segurado. Veja-se, a esse respeito, o precedentedo AI 476.943-AgR, Relator o Ministro Nelson Jobim5. Mas, note-se bem, apenas osrequisitos, não o regime.

20. O art. 40, § 5º, da Constituição do Brasil, em sua redação anterior à EmendaConstitucional 20/98, considerado auto-aplicável por força de decisões do Plenário destaCorte6, não faz distinção entre servidores estatutários e celetistas, conforme decidido no AI324.666-8-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício Corrêa (DJ de 14-12-01)7.De mais a mais, o art. 20 do ADCT conferiu efeito retroativo ao referido preceito:

5 Antes deste, o RE 88.475 (RTJ 94/1201).6 MI 211 (RTJ 157/411), MI 263 (RTJ 157/22), MI 274-AgR (RTJ 152/357), MS 21.521 (RTJ 150/191)e RE 140.863 (RTJ 152/934).7 “Agravo regimental em agravo de instrumento. Art. 40º, § 4º, da Constituição Federal. Auto-aplicabilidade. Art. 20 do ADCT/88. Efeito retroativo. 1. O art. 40, § 4º, da Constituição Federal, a queo art. 20 do ADCT/88 deu efeito retrooperante, não fez distinção entre servidor celetista e estatutário.Precedentes. 2. Hipótese em que a aposentadoria de servidor regido pela CLT ocorreu posteriormenteà vigência da Constituição Federal. Direito à revisão de proventos na forma prevista no citado art. 40,§ 4º, com a redação anterior à EC 20/98. Agravo regimental a que se nega provimento.”

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Art. 20. Dentro de cento e oitenta dias, proceder-se-á à revisão dos direitos dos servidorespúblicos inativos e pensionistas e à atualização dos proventos e pensões a eles devidos, a fim deajustá-los ao disposto na Constituição.

21. As viúvas dos ex-servidores listados no writ eram titulares de direito adquirido àspensões, de modo que o requerimento tardio do benefício não compromete esse direito.

22. Por outro lado, ressalte-se que as Impetrantes não eram, nem são, titulares dedireito adquirido ao regime jurídico das pensões, consoante reiterado entendimento destaCorte8.

23. O regime jurídico das pensões, bem como dos benefícios de aposentadoria emgeral, poderia ser modificado, seja para pior, seja para melhor, em relação ao beneficiário9.

24. No caso de que se cuida, o regime jurídico foi modificado, a partir da Resolução54/84 e do Ato da Mesa 42/84, transformando-se os empregos da Tabela Permanente emcargos do Quadro Permanente, de modo que os empregados celetistas passaram à condiçãode servidores estatutários, desde que não optassem formalmente, no prazo de quinze dias,por permanecer nessa situação, de celetistas (cf. art. 2º da Resolução 54/84).

25. O argumento de que se vale a autoridade impetrada nas informações, à fl. 235 –de que seria necessária a opção pelo regime estatutário, se o servidor estivesse vivo em 1ºde janeiro de 1985 –, não procede, é também aqui equívoco, pois a exigência contidanaquela Resolução era bem outra: a opção “a ser formalizada junto ao Departamento dePessoal, no prazo de 15 (quinze) dias”, facultava ao servidor a permanência no empregopúblico de que era ocupante, regido pela CLT. Inexistente a expressa manifestação devontade, opera-se a transformação da situação de emprego em situação estatutária.

26. Em suma, a alteração do regime jurídico alcança as pensionistas, tal qual asalcança o art. 1º da Lei 7.956/89. Por isso, lhes é aplicável o disposto no § 4º do art. 40 daConstituição do Brasil (que não fez distinção entre estatutários e celetistas), conjugadocom o art. 20 do ADCT, que conferiu efeito retrooperante ao preceito.

27. As Impetrantes não eram, nem são, titulares de direito adquirido ao regime jurídicodas pensões; devem suportar quaisquer efeitos de modificações que o alcancem, emqualquer sentido. Por isso são beneficiadas pela mudança de regime consubstanciada naResolução 54/84 e no Ato da Mesa 42/84, observado o disposto no § 4º do art. 40 daConstituição do Brasil, conjugado com o art. 20 do ADCT, e na Lei 7.956/89. A concessão dobenefício reveste-se, pois, de legalidade.

28. Invoco, em caráter complementar, o art. 243 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de1990, que submeteu todos os servidores regidos pela CLT ao regime jurídico aplicável aos

8 ADI 3.105, RE 177.072, in RTJ 183/323; 178.802, in RTJ 143/293; 99/1267; 88/651; RE 99.522,in RDA 153/110-113; RE 92.638, in RDA 145/56-61; RE 185.966; RE 146.749, in RTJ 158/228; RE82.881, in RTJ 79/268; RE 99.592, in RTJ 108/382; RE 99.594, in RTJ 108/785; RE 99.955, in RTJ116/1065; RE 199.753.9 Ressalte-se, sem redução do quantum percebido, exceto em razão da incidência de tributos e contri-buições.

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servidores civis da União, contemplando as situações preexistentes. A concessão e amanutenção da pensão por morte, transmudada em estatutária a partir da data de publicaçãodessa Lei, foi de imediato transferida à competência do órgão de origem do de cujus.

29. Reforça esse entendimento, ademais, o disposto no art. 247 c/c o art. 231, § 2º, daLei 8.11210, este último vigente até 1999, que prescreviam ajuste de contas com a Previ-dência Social quanto ao período de contribuição por parte dos servidores celetistasabrangidos pelo art. 243, ficando o custeio integral das aposentadorias e pensões a cargodo Tesouro Nacional.

30. As pensões das Impetrantes não poderiam ter sido suspensas.Ante o exposto, concedo a segurança para cassar a decisão proferida pelo TCU e, em

conseqüência, restabeleço os pagamentos dos benefícios das Impetrantes, com a percep-ção dos valores bloqueados junto à Câmara dos Deputados desde fevereiro de 2003.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho o Relator, quanto àcarência da ação, considerada a impossibilidade jurídica do pedido, já que estaria pendenterecurso administrativo com eficácia suspensiva, que há de ser questionada sob o ânguloda concretude. As pensões das Impetrantes foram suspensas.

Surge um outro problema quanto à legitimidade ad causam ativa.Peço vênia ao Relator para divergir. Valho-me, inclusive, das informações prestadas

pelo Tribunal de Contas da União.A decisão atacada no mandado de segurança tem balizas subjetivas próprias, apenas

foi fulminada a pensão que vinha sendo satisfeita relativamente à primeira Impetrante.O fato de o Tribunal de Contas da União contar com um ato a revelar algo semelhante

ao antigo prejulgado, no âmbito administrativo, não implica a extensão de efeitos doacórdão formalizado às demais pensionistas.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No caso, parece que o Tribunal de Contas orde-nou à Câmara que aplicasse aos casos similares a sua orientação. Se fosse uma extensãodecidida pela Câmara, estaria certo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não teria a menor dúvida em acompanhar o Relator sea situação concreta fosse a retratada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, de extensão doque decidido e devidamente formalizado pelo Tribunal de Contas da União às demaisImpetrantes. Entretanto, não houve essa extensão, como se esclareceu nas informaçõesprestadas; não houve essa extensão, presumo, considerado o próprio ato atacado nomandado de segurança. Daí até mesmo por não conceber uma eficácia extensiva e automá-tica quanto ao que decidido pelo Tribunal de Contas da União, relativamente a homologa-ções de pensões, peço vênia para acolher a preliminar.

10 O § 2º desse artigo, vetado pelo Presidente da República, foi mantido pelo Congresso Nacional.

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DEBATE

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para esclarecer o ponto levantado peloMinistro Sepúlveda Pertence, leio à fl. 232.

Consta das informações do Tribunal de Contas:

5. Isto porque não são elas titulares de direito material possivelmente atingível pelos limitessubjetivos e objetivos da coisa julgada administrativa. A Assertiva de que as demais pensionadas [aspensões tinham outras origens] tiveram seus proventos de pensão retidos pela Câmara dosDeputados, conforme atos da sua Coordenação de Benefícios, consoante fazem prova asImpetrantes, apenas reflete (...)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Deverão entrar com mandado de segurança contra aCâmara em outra seara, em outro juízo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esclareço ao Ministro Pertence que, aoque tudo indica, pelas informações, o ato teria sido praticado por essa Coordenação deBenefícios da Câmara, que, recebendo a instrução em relação à primeira Impetrante, MariaMadalena, diz:

(...) consoante fazem prova as Impetrantes, apenas reflete [diz a autoridade] a má identi-ficação da autoridade coatora, sendo ela exatamente a que estendeu para terceiros, por sua únicaresponsabilidade e exclusivo poder-dever de agir, no exercício de sua competência e da auto-tutelaque lhe é deferida pelo ordenamento jurídico-administrativo pátrio. Não podem, portanto, iden-tificar como coator este Tribunal, que, frise-se, jamais analisou situações concretas diversasdaquela objeto do TC 017.704/2000-3.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Na impetração, conforme o despacho de V. Exa. –está no material que nos foi remetido –, alega-se:

Sustentam a legitimidade passiva do TCU, pois(...)(...) a ilegalidade do ato impugnado, se deu no momento em que a autoridade coatora, o

Tribunal de Contas da União (Acórdão 30/2003), exarada no processo nº 017.704/200-3, deinteresse da 1ª Impetrante, ou seja, de (...) Maria Madalena da Conceição, determinando que aCâmara (sic) dos deputados cumprisse a Instrução Normativa nº 44, de 02 de Outubro de 2002,daquela Egrégia Corte de Contas, mais precisamente, o art. 16 (...) determinando ainda, a direçãoda Câmara dos Deputados que a coordenação de benefícios daquela Casa procedesse a retirada dopagamento da 1ª Impetrante, da Folha de Pagamento, bem como (...) (de) todos os outrosbenefícios que essa julgasse ser análogos, em razão da decisão do TCU.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Essa constava da inicial.O Sr. Ministro Marco Aurélio: De que peça é esse trecho?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É da petição inicial.O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o ato, em si, o ato de comunicação à Câmara? Ele

deve estar no processo, como também o acórdão do próprio Tribunal de Contas da União.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Está aqui, sim. Só gostaria de esclarecer dois

pontos. Em primeiro lugar, à fl. 302, o Presidente do Tribunal de Contas da União – não nasinformações, mas na resposta que nos deu à diligência determinada pelo Pleno – disseque obteve do Departamento de Pessoal da Câmara a resposta de que as Impetrantesestão todas sem receber desde fevereiro de 2003.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Resta saber: por ato do Tribunal de Contas ou poruma ilação da própria Câmara?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Antes de chegar neste ponto, se me permitir,quero me valer da jurisprudência desta Corte, no mandado de segurança de que foiRelator o Ministro Marco Aurélio, exatamente no dia 7 de outubro.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, vou reafirmar que não tenho compromissosequer com os meus próprios erros, valendo-me e confiando no que colocado por VossaExcelência.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas, caso tenha sido erro, foi de um mês atrás.Quero me referir a um voto proferido por V. Exa. no mesmo dia 7, no ato seguinte aocomeço do julgamento deste mandado de segurança, no qual V. Exa. afirma que não hárazão para que figure como autoridade coatora o órgão que concedeu as pensões – e, porcoincidência, era o mesmo órgão –, dado tratar-se de mero executor de decisão que provémdo Tribunal de Contas. Qual é essa decisão?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Naquele caso. Cada processo com as respectivasbalizas.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Neste caso, trata-se do art. 16 da InstruçãoNormativa 44/02, que determina:

O órgão de origem [no caso, o órgão de origem é a Câmara dos Deputados] deverá aplicara todos os casos análogos existentes em seu quadro de pessoal, no prazo fixado pelo Tribunal, oentendimento manifestado nas decisões de caráter normativo, bem como aquelas (...)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência está lendo?O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sim. Estou simplesmente confirmando o que

disse o Ministro Sepúlveda Pertence.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, aí seria admitirmos, relativamente ao Tribunal

de Contas da União, a detenção de um instrumental que nem o Supremo Tribunal Federaltem: a súmula vinculante, ou seja, uma instrução vinculante a gerar o interesse à impetração.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Gostaria de saber do eminente Relator se há instruçãodo Tribunal de Contas que atribua tal efeito a decisões normativas, porque, caso exista, asdemais Impetrantes formularam, perante ela, pedido de caráter preventivo, ou seja, osprimeiros, que foram prejudicados diretamente pelo acórdão, têm interesse imediato, e osdemais, justo receio da aplicação extensiva prejudicial.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas não se trata de caráter preventivo, todasestão sem receber desde fevereiro de 2003.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Por favor, Ministro, leia a InstruçãoNormativa do Tribunal de Contas.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Instrução Normativa 44/02, art. 16:

O órgão de origem deverá aplicar a todos os casos análogos existentes em seu quadro depessoal, no prazo fixado pelo Tribunal, o entendimento manifestado nas decisões de caráternormativo [que não é o caso], bem como naquelas que negarem registro a ato de admissão ou deconcessão, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa e de aplicação dassanções previstas na Lei 8.443/92.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se se entender que ela é cogente; se se entender queela é normativa abstrata, é inconstitucional, tenho a disposição como inconstitucional.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, o aspecto ora levantado é exata-mente o de que desse acórdão que está sendo atacado, do Tribunal de Contas, é quedecorreu a lesão aos demais Impetrantes com base na ligação que lhe fez a InstruçãoNormativa. Logo, de forma indireta, o acórdão é a causa da lesão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Lesão de todas as Impetrantes.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O acórdão não toca nos demais casos.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A própria estendeu.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, gostaria de esclarecer um ponto,

porque o Ministro Cezar Peluso disse que teria caráter preventivo. Não teria caráterpreventivo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não teria, se não houvesse Instrução.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ainda que não houvesse.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O tema está posto. O Ministro Marco

Aurélio mantém a divergência. O Ministro Eros Grau reconhece a legitimidade ativa.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, diante da conjugação do acórdão comessa Instrução Normativa, fica claro que houve a extensão do prejuízo por efeito deresponsabilidade do Tribunal de Contas, ao qual é possível atribuir a responsabilidadepelo ato atacado no mandamus.

Com essa consideração, acompanho o eminente Relator.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Também, Sr. Presidente, até porque, se o Tribunal nãoquisesse que fosse o precedente estendido, teria feito no acórdão restrição expressa deque não se aplicaria a nenhum caso análogo. Aplicou-se!

E mais um dado concreto: as impetrantes, a esta altura, já não têm mandado desegurança para restabelecer as pensões, se estas forem devidas.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, legal ou ilegal, constitucional ouinconstitucional, a Instrução Normativa determina à administração a aplicação, aos casossimilares, de suas decisões em matéria de legalidade de pensões.

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O Tribunal de Contas, é preciso notar, não tem apenas a competência do julgamentoda legalidade das pensões em cada caso. Ele tem também a competência para determinare assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exatocumprimento da lei, se verificada a ilegalidade.

Saber se o poderia fazer mediante esse ato normativo é outro problema, mas quemmenos pode ser prejudicado por isso são as Impetrantes, quando a Câmara deu execuçãoa esse ato normativo.

Peço vênia para acompanhar o Ministro Relator e entender que o Tribunal de Contasestá qualificado para figurar no processo como autoridade coatora.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Eros Grau, a situação dos outrosImpetrantes, que não foram objeto de julgamento, é a mesma situação de fato?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exata e precisamente a mesma situação.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Todos os casos são de pensionistas de “celetis-

tas” da Câmara que faleceram antes da conversão ao Regime Jurídico Único.Sr. Presidente, fui Relator, na Primeira Turma, de um caso, salvo engano o RE

233.732, e concluí em sentido contrário.O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Sepúlveda Pertence, foi no RE 221.069?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não. O único que tenho aqui, embora não esteja

encontrando, quer nos acórdãos publicados, quer no Informativo, não pode haver erro denúmero: é o 233.732, julgado em 3 de outubro de 2000.

Entendo que, quando o art. 20 do ADCT manda adaptar a situação dos servidorespúblicos inativos e pensionistas, pressupõe sempre que o falecido tenha sido servidorpúblico antes do fato gerador da pensão, que é a morte. Mas vou verificar esse precedente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Até citei V. Exa. num outro precedente, também nessamesma linha.

O Sr. Ministro Carlos Britto: No RE 221.069, do Ministro Gilmar Mendes.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE 221.069?O Sr. Ministro Carlos Britto: É esse mesmo.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Se o Ministro Sepúlveda Pertence me permitir,

vejo minhas anotações. De fato, esse caso era uma situação diferente: no caso a que V.Exa. se refere, já eram servidores; aqui, ainda não.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Era um celetista que faleceu como tal e, depois,se pretendeu a pensão, com base no art. 40 da Constituição.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Transmutando a pensão previdenciária em estatutária.Foi o caso de V. Exa.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não. A pensão previdenciária lhe foi negada peloINSS.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, a consulta a caso de que fuiRelator na Primeira Turma, em 3-10-00, confirmou a impressão de que, então, o meu voto,acompanhado pelos eminentes Pares, concluiu de modo frontalmente contrário ao votohoje proferido pelo Ministro Eros Grau.

Assim relatei o caso naquela oportunidade. Trata-se do RE 223.732, Recorrente umaviúva pensionista, contra uma autarquia do Estado do Rio Grande do Sul:

Recurso extraordinário, a e c, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulque julgou improcedente ação ajuizada pela Recorrente, visando à condenação do Recorrido acomplementar a pensão por ela recebida do INSS, até o valor da remuneração que estaria sendopaga a seu falecido marido. Lê-se no voto condutor do julgado (fls. 86/87):

“A Constituição da República, em seu art. 40, § 5º, que foi invocado pela apelante,após estabelecer que o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dosvencimentos ou proventos do servidor, prevê uma limitação, assim como faz o art. 41,§ 3º, da Constituição Estadual, também, invocado, qual seja até o limite da lei. Esse limiteé o estabelecido pela Lei Federal nº 8.213/91 e, também, o era pela Lei Estadual nº 7.672/82, qual seja até oitenta por cento do valor da aposentadoria e mais dois acréscimos de dezpor cento por dependente, até o máximo de dois.”Até aqui não tem pertinência com o caso.

“Inexiste norma legal determinando, entretanto, essa complementação de pensãopor parte de autarquia.

É certo que, a partir da vigência da Lei nº 10.098/94, que dispõe sobre o estatuto eregime jurídico dos servidores civis, que é extensiva às autarquias e fundações (art. 274),todo servidor por ela abrangido deverá ser obrigatoriamente contribuinte do órgãoprevidenciário estadual. Por isso que, ao cônjuge dependente de servidor falecido emconseqüência de acidente de serviço, estabelece o seu art. 259, que será concedidacomplementação da pensão que, somada à que perceber do órgão previdenciário estadual,perfaça a totalidade da remuneração percebida pelo servidor, quando em atividade. Portanto,foi determinada uma compensação e estabelecido um novo limite.

Esse último dispositivo é que foi invocado, como embasamento legal da pretensão.Ou seja, se ele pode ou não ser aplicado à apelante.Não o pode, por duas razões.Em primeiro lugar, porque o marido da demandante [aqui é o ponto] faleceu antes

de entrar em vigor essa lei complementar, circunstância bastante para impedir a suaaplicação. Em segundo lugar, porque, tendo ele sempre sido vinculado à previdência socialfederal não se pode determinar, agora, mormente para efeito de pensão, que sejaestabelecida vinculação com a previdência estadual. Vinculação que não mais pode sercogitada em virtude do falecimento do servidor. Aliás, apenas para não deixar sem registro,como não se admite dupla vinculação previdenciária, salvo por dois empregos ou atividadesdiversas, estando o servidor vinculado à previdência federal, só se pode cogitar davinculação previdenciária estadual depois de aquela ter cessado. Ou seja, depois de devida-mente regularizada a situação. O que não mais pode ocorrer no caso, em virtude da mortedo servidor.

A hipótese, assim, é de improcedência da ação, assim como decidido em primeirograu, ainda que por outra fundamentação, mesmo porque a conclusão é a mesma, qual sejaa de que, tendo o marido da apelante sido vinculado ao sistema previdenciário federal, nãopode ser buscada, na esfera estadual, qualquer complementação da pensão.”Alega a Recorrente violação ao art. 40, § 5º, CF, e cita, em pretendido abono de sua tese,

a decisão proferida no MS 21.521 (Velloso, DJ de 6-8-93), verbis:“I - Pensão por morte, concedida anteriormente à Lei 8.112/90: passam a ser

mantidas pelo órgão ou entidade de origem do servidor. Lei nº 8.112/90, art. 248. Deverá

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ela corresponder ao valor da respectiva remuneração ou provento, observado o tetoinscrito no art. 37, XI, da Constituição. CF, art. 40, § 5º; Lei 8.223/90, arts. 215 e 42.

II - Mandado de segurança deferido.”O Ministério Público, em parecer do il. Subprocurador-Geral Roberto Monteiro Gurgel,

opina pelo provimento do recurso extraordinário.

Esse foi o relatório daquele caso.O meu voto, então, foi o seguinte:

O Tribunal de Justiça, a meu ver, concluiu com acerto, não obstante a discrepância daprimeira parte de sua fundamentação [o do valor da pensão por morte] com o entendimento doSTF, consolidado a partir do MI 211, 10-11-93, Velloso, do qual compartilho.

Diferentemente da pensão considerada no MS 21.521 [que fora invocado pela Recorrente],cujo instituidor falecera na condição de servidor estatutário, a pensão sobre a qual se discute aquié de natureza previdenciária, uma vez que o ex-marido da Recorrente, ao falecer, em junho de1968, sujeitava-se ao regime da CLT.

Ora, o art. 40, § 5º, da Constituição, ao estabelecer que “o benefício da pensão por mortecorresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido”, embora não façadistinção entre pensões concedidas antes e pensões concedidas após o advento da Carta de 1988 –conforme se decidiu no julgamento do mencionado mandado de segurança –, só alude às pensõesestatutárias, isto é, às pensões instituídas por servidor público.

É evidente, por outro lado, que a lei local instituidora do regime jurídico único, nãopodendo retroagir para transformar em estatutário o regime celetista do ex-marido da autora, nãopoderia modificar a natureza da pensão por ela percebida.

O mesmo, creio, é de dizer no caso presente: a lei que converteu em servidorespúblicos os antigos empregados públicos celetistas não poderia alterar a natureza dapensão anterior.

E não se trata aqui, a meu ver, com todas as vênias, de discutir a imutabilidade dedeterminado estatuto legal, que está à base da velha discussão, da velha afirmação dainexistência de direito adquirido a regime jurídico, ao qual aludiu o eminente Relator.

Cuida-se, sim, de pensões diversas: uma estatutária, outra previdenciária, decorrentecada qual de um pressuposto inconfundível – numa, a prévia existência de uma relaçãoestatutária, funcional; noutra, de uma relação celetista e conseqüente vinculação aochamado regime geral da Previdência Social.

Falecido o autor da pensão, o instituidor da pensão, sem jamais ter sido funcionáriopúblico, antes mesmo da Constituição acenar com a instituição futura de um regime jurídicoúnico, não creio que essa instituição, de 1990, possa retroagir para criar uma pensão denatureza diversa – a pensão estatutária – à qual falta o pressuposto, o ter sido oinstituidor servidor público anteriormente.

E o art. 20 do ADCT, a meu ver, confirma essa perspectiva. Nele se lê:

Art. 20. Dentro de cento e oitenta dias, proceder-se-á à revisão dos direitos dos servidorespúblicos inativos e pensionistas e à atualização dos proventos e pensões a eles devidos, a fim deajustá-los ao disposto na Constituição.

Veja bem, o destinatário da norma é o servidor ou o pensionista, pensionista deservidor, na data da Constituição. Tanto assim que se estabelece prazo para essa revisão

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de proventos e pensões não a partir da data futura e incerta em que se viesse a estabelecero chamado regime jurídico único, mas, sim, da data da própria Constituição.

Por isso, constrangido de votar contra viúvas, peço todas as vênias ao MinistroEros Grau para indeferir a segurança.

DEBATES

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, examinei o RE223.732, de que Vossa Excelência é Relator, mas, naquele momento, a situação era comple-tamente diferente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas a premissa é a mesma.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Muito bem, mas os fatos, lá, são inteiramente

diferentes.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Entendo. São inteiramente diferentes, mas, de

tudo o que li, apenas para dar ênfase, o importante é o período final do meu voto, do qualcontinuo absolutamente convencido:

É evidente, por outro lado, que a lei local instituidora do regime jurídico único, nãopodendo retroagir para transformar em estatutário o regime celetista do ex-marido da Autora,não poderia modificar a natureza da pensão por ela percebida.

A única diferença é que, naquele caso, discutia-se sobre uma lei local do Rio Grandedo Sul. Aqui, a base da pretensão das Impetrantes é a Lei 8.112, que converteu osceletistas em servidores públicos. Agora, para gerar pensão estatutária – regida pelo art.40 da Constituição –, era pressuposto indispensável que o marido – desnecessário dizer“em vida” – tivesse sido servidor estatutário da União.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa interpretação que Vossa Excelência faz do art. 20do ADCT como adstrito às pensões e aposentadorias estatutárias é confirmada pelo art.58 do mesmo ADCT, que só inclui no seu âmbito de incidência material as pensões eaposentadorias previdenciárias, dois regimes jurídicos distintos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Dois regimes absolutamente diversos – VossaExcelência lembra perfeitamente – de revisão dos valores de aposentadorias e pensões:um para o servidor estatutário, outro para os benefícios previdenciários. Isso me parecedecisivo. Se fosse em razão da conversão prometida ou determinada pela Constituição, otermo a quo desses 180 dias não poderia ser a própria Constituição, mas a lei que efetivassea conversão de todos os trabalhadores do setor público à condição de servidores estatu-tários.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E a própria Lei 8.112, ao possibilitar a conversão deregime jurídico, nas suas Disposições Transitórias e Finais, § 1º, art. 243, diz o seguinte:“§ 1º Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por estaLei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação.”

Ora, o marido da Impetrante falecera em 1981, então está fora do âmbito de incidên-cia material da nova lei.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): E ela resta, portanto, absolutamente sem nenhumaproteção do Estado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, ela reclama junto à Previdência.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, foi a Lei 8.112/90 que submeteu aoregime jurídico único, vale dizer, ao regime estatutário, os então celetistas da União:

Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade deservidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclu-sive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei 1.711, de 28 de outubro de1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis doTrabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados porprazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo deprorrogação.

Esse artigo transformou em estatutários os celetistas e, coerente com o caput doartigo, o § 1º dispôs:

§ 1º Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Leificam transformados em cargos, na data de sua publicação.

No que toca às pensões, a lei dispôs:

Art. 248. As pensões estatutárias, concedidas até a vigência desta Lei, passam a sermantidas pelo órgão ou entidade de origem do servidor.

A lei não abrange, portanto, as pensões não-estatutárias, mantidas pela PrevidênciaSocial, observando-se a lei vigente à data do óbito do instituidor da pensão.

Estou de acordo com o Ministro Sepúlveda Pertence, com a vênia do eminenteMinistro Eros Grau.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, apenas para efeito de documen-tação, recordo que, a propósito de um problema absolutamente assimilável, o da paridadede proventos e vencimentos, a mesma tese foi consagrada pela Segunda Turma, no RE221.069-AgR, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, embora a princípio me incline aaderir ao ponto de vista externado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, peço vista, paramaior reflexão.

EXTRATO DA ATA

MS 24.523/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrantes: Maria Madalena daConceição e outras (Advogada: Maria Lúcia Bezerra Nunes). Impetrado: Tribunal deContas da União.

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Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, acolheu a legitimidadepassiva, vencido o Ministro Marco Aurélio, que acolhia a legitimidade ativa. Em seguida,após o voto do Ministro Eros Grau (Relator), que concedia a segurança, e dos votos dosMinistros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, negando-a, pediu vista dos autos oMinistro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Presi-dência do Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. An-tonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 10 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de mandado de segurança, com pedido deliminar, impetrado por Maria Madalena da Conceição e outras, em face de ato do Presi-dente do Tribunal de Contas da União (Acórdão/TCU 30-2003, Primeira Câmara, proferidonos autos do processo TC 017.704/2000-3) que concluía pela cassação das pensões pormorte que as Impetrantes percebiam.

As Impetrantes são esposas e filhas de ex-empregados da Câmara dos Deputadoscontratados sob o regime da legislação trabalhista e falecidos no período compreendidoentre 1977 e 1983.

A partir da vigência da Lei 7.956/89, a Câmara dos Deputados passou a pagar àsImpetrantes as pensões por morte, em obediência ao comando normativo que conferiaaos órgãos de origem do servidor a responsabilidade pelo pagamento dos benefíciosprevidenciários do funcionalismo público.

O requerimento dos benefícios somente ocorreu após a edição da Resolução 54/84,regulamentada pelo Ato da Mesa 42/84, que transformou os empregos do quadro perma-nente em cargos públicos. Por isso, as pensões foram concedidas sob o regramento dalegislação estatutária.

A Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União, de ofício, procedeu ao exame dosbenefícios previdenciários instituídos, vindo a reconhecer sua ilegalidade, em processo queteve como interessada a primeira Impetrante – Maria Madalena da Conceição. Posterior-mente, por força do enunciado 106 da Súmula de Jurisprudência daquela Corte de Contas,o Tribunal estendeu o entendimento a todos os beneficiários que se encontravam emsituação semelhante.

As Impetrantes pleiteiam o restabelecimento das pensões que vinham auferindo.Argumentam que a transformação em cargos públicos dos empregos exercidos pelosseus instituidores as legitimaria à percepção dos respectivos benefícios sob o regimeestatutário.

A autoridade coatora prestou informações (fls. 229-240).Em 10-11-04, o Plenário reconheceu a legitimidade passiva do Tribunal de Contas da

União e, após o voto do Relator, Ministro Eros Grau, pela concessão da segurança, e dos

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votos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, por sua denegação, pedi vistados autos, para melhor refletir sobre o assunto.

Entendo correta a decisão do Tribunal de Contas da União.Não retroage, para atingir as situações jurídicas que deram origem às pensões por

morte concedidas às Impetrantes, a norma que transformou em cargos do quadro perma-nente da Câmara dos Deputados os empregos lá ocupados pelos respectivos instituidoresdas pensões. Nessa linha são os precedentes da Corte já citados pelos eminentes MinistrosSepúlveda Pertence e Carlos Britto: RE 221.069 (Rel. Min. Néri da Silveira) e RE 223.732 (Rel.Min. Sepúlveda Pertence).

No caso dos autos, os instituidores das pensões por morte eram empregados daCâmara dos Deputados regidos pela CLT e falecidos no período compreendido entre 24-10-77 e 2-2-83, antes, portanto, do advento da Resolução 54, de 19 de outubro de 1984(regulamentada pelo Ato da Mesa 42/84), que procedeu à transformação dos empregospúblicos em cargos públicos.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do já citado RE 223.732 (Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 10-11-00), decidiu pela impossibilidade de aplicação do novoregime previdenciário às relações jurídicas estabelecidas, nos casos em que o empregadotenha falecido antes do advento da lei nova. Eis a ementa da decisão:

Pensão por morte: Constituição, art. 40, § 5º: não-incidência sobre pensão previdenciáriade servidor falecido quando vinculado ao Estado por relação trabalhista.

O art. 40, § 5º, da Constituição, ao estabelecer que “o benefício da pensão por mortecorresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido”, embora não façadistinção entre pensões concedidas antes e pensões concedidas após o advento da Carta de 1988 –conforme se decidiu no julgamento do MS 21.521 (Velloso, DJ de 6-8-93) –, só alude às pensõesestatutárias, isto é, às pensões instituídas por servidor público: não beneficia, assim, ao servidorfalecido antes da Constituição – e, pois, da instituição do regime único –, quando vinculado aoEstado por relação trabalhista, e não estatutária.

Naquela ocasião, discutia-se o direito de pensionista do Instituto de Previdênciaestadual à complementação da pensão percebida até o valor da remuneração que estariasendo paga a seu marido. A Recorrente sustentava ter direito à complementação com funda-mento na Lei 10.098/94 do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe sobre o estatuto eregime jurídico dos servidores civis estatuais e tornou todos os servidores por ela abran-gidos contribuintes obrigatórios da previdência estadual, concedendo aos beneficiários depensões por morte, por força de seu art. 259, complementação do benefício já pago peloórgão previdenciário estadual até o valor da remuneração dos servidores em atividade.

Naquele julgamento, a Primeira Turma concluiu pela impossibilidade de aplicação danova lei sobre o benefício previdenciário concedido porque o servidor já era falecido nadata da edição da lei e a norma não pode retroagir para transformar em estatutário o regimeprevidenciário do instituidor da pensão, visto que na data de seu falecimento tinha suasrelações com a administração regidas pela legislação trabalhista. Confira-se trecho dovoto do Relator:

Ora, o art. 40, § 5º, da Constituição, ao estabelecer que “o benefício da pensão por mortecorresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido”, embora não faça

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distinção entre pensões concedidas antes e pensões concedidas após o advento da Carta de 1988 –conforme se decidiu no julgamento do mencionado mandado de segurança –, só alude às pensõesestatutárias, isto é, às pensões instituídas por servidor público.

É evidente, por outro lado, que a lei local instituidora do regime jurídico único, nãopodendo retroagir para transformar em estatutário o regime celetista do ex-marido da Autora,não poderia modificar a natureza da pensão por ela percebida.

Por outro lado, a alteração produzida no regime jurídico dos servidores da Câmara dosDeputados pela Resolução 54/84 não poderia atingir a situação jurídica dos instituidoresdas pensões das Impetrantes, não somente porque haviam falecido antes da alteração deregime, mas também porque, se estivessem vivos, talvez optassem por não se submeter àscondições impostas pela citada resolução para a transferência ao regime estatutário.

De fato, o novo regramento criou duas realidades paralelas e distintas: a de servidoresregidos pelas normas próprias dos servidores públicos e a de empregados regidos pelasregras da CLT. Isso porque foi facultada a permanência no regime celetista para os empre-gados que expressamente o requeressem. Lê-se, com efeito, na Resolução:

Resolução nº 54/1984Art. 1º Fica a Mesa autorizada a transformar, em cargos do Quadro Permanente da Câmara

dos Deputados da Tabela Permanente, observadas e mantidas as respectivas estruturações dasCategorias Funcionais.

Art. 2º Aos atuais servidores, mediante opção a ser formalizada junto ao Departamento dePessoal, no prazo de 15 (quinze) dias, é facultado permanecer nos empregos de que são ocupantes,com direitos, vantagens da situação anterior à vigência desta Resolução.

Ato da Mesa nº 42/1984Art. 1º Ficam transformados em cargos do Quadro Permanente da Câmara dos Deputados,

observado o disposto no art. 2º da Resolução nº 54, de 1984, os empregos ocupados das CategoriasFuncionais a que se refere o § 2º do art. 1º da Resolução nº 36, de 1983, do Grupo-OutrasAtividades de Nível Superior.

Art. 2º As transformações decorrentes da aplicação do disposto no art. anterior vigoram apartir de 1º de janeiro de 1985 e serão efetivadas mediante portaria singular do Diretor-Geral.

Como se vê, as citadas normas possibilitaram a coexistência dos dois regimes, oceletista e o estatutário, de acordo com a opção do funcionário. Os empregados queoptaram pela migração para o regime estatutário deixaram de gozar dos benefícios daPrevidência Social e passaram a usufruir dos benefícios inerentes à condição de servidorespúblicos estatutários. Já os que continuaram regulados pela CLT permaneceram no gozodos benefícios típicos desse regime. Não há comunicação entre benefícios inerentes acada regime.

Em suma, as alterações ulteriores à morte dos instituidores na legislação de regênciadas relações jurídicas entre a Câmara dos Deputados e os seus servidores não afetam arelação previdenciária estabelecida entre as beneficiárias das pensões por morte de ex-funcionários e a Previdência Social, exatamente porque o vínculo com a administração jáestava extinto.

Cito, no mesmo sentido, o RE 221.069 (Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 22-6-01).Confira-se trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República utilizado como funda-mento da referida decisão:

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3. Com a sua aposentadoria, deu-se a extinção dos seus contratos de trabalho, passando elesà condição de meros segurados do sistema geral da previdência social, como qualquer ex-empre-gado de empresa privada. A instituição do regime único, por sua vez, não operou qualquer modi-ficação quanto a tais segurados, ex-servidores públicos lato sensu, apenas transformando vínculodos servidores celetistas que ainda se encontravam em atividade. Estes, passando a deter vínculoestatutário, ficaram, quando de sua aposentadoria, ao abrigo do disposto no art. 40, § 4º, da CF/88,juntamente com todos os demais servidores que, possuindo originalmente vínculo estatutário, seaposentaram antes ou depois da implantação da nova ordem constitucional.

4. Esse é o sentido que se deve extrair da citada norma constitucional, podendo-se invocarem favor desse entendimento o aresto proferido no RE nº 223.732-1-RS (Rel. Exmo. Sr. Min.Sepúlveda Pertence, DJ 10.11.2000), onde se vê, já a partir de sua ementa, que a E. PrimeiraTurma desse Pretório Excelso, embora em caso envolvendo interesse de pensionista (art. 40, §5º, da CF/88), adotou a mesma linha de raciocínio aqui percorrida, in verbis:

“Pensão por morte: Constituição, art. 40, § 5º: não-incidência sobre pensãoprevidenciária de servidor falecido quando vinculado ao Estado por relação trabalhista. Oart. 40, § 5º, da Constituição, ao estabelecer que ‘o benefício da pensão por mortecorresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido’, emboranão faça distinção entre pensões concedidas antes e pensões concedidas após o advento daCarta de 1988 – conforme se decidiu no julgamento do MS 21.521 (Velloso, DJ 6.8.93) –, só alude às pensões estatutárias, isto é, às pensões instituídas por servidor público: nãobeneficia, assim, ao servidor falecido antes da Constituição – e, pois, da instituição doregime único –, quando vinculado ao Estado por relação trabalhista, e não estatutária”.

Por último, cumpre mencionar que a Lei 8.112/90, ao transformar os empregos públicosem cargos públicos (art. 248), expressamente ressalvou que somente as pensões de natu-reza estatutária seriam pagas à conta do órgão ao qual o servidor estava vinculado, ficandoas demais, portanto, sob a responsabilidade do INSS.

Do exposto, acompanho o voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, peladenegação da segurança.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, tenho breve anotação, mas, inicial-mente, gostaria de lembrar que o precedente mencionado pelo Ministro Joaquim Barbosano RE 223.732, Ministro Sepúlveda Pertence, não se aplica à hipótese. Nesse caso, do RE223.732, o Recorrente estava buscando na esfera estadual complementação de aposenta-doria concedida na esfera federal, por isso o precedente não pode ser usado.

Em primeiro lugar, cabe, sim – e nisso estou insistindo –, o precedente do MinistroMaurício Corrêa no Agravo Regimental 344.358. Em segundo lugar, gostaria de deixar bemdefinidos os exatos limites desta impetração, bem assim tecer breves considerações arespeito de alguns precedentes citados por ocasião da sessão plenária de 10 de novembropassado. Isso, a fim de que não reste qualquer dúvida a propósito desses limites e não sevenha, no futuro, pretender aplicar o que vier a ser nestes autos decidido a hipótesesfáticas distintas daquela de que aqui se trata.

2. O presente caso está muito bem delineado e delimitado. Trata-se de pensionistasda Câmara dos Deputados que buscam, uma a concessão, as outras o restabelecimentodas pensões que recebiam daquela Casa Legislativa, por força da Resolução 54, de 18-10-84,e do Ato da Mesa 42, de 7-11-84, atos normativos que transformaram os empregos da tabela

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permanente em cargos do quadro permanente. O universo daquelas que seriam atingidaspelo provimento deste mandado de segurança restringe-se àquele listado à fl. 162 dosautos.

Ou seja, nós não estaremos criando um esqueleto na medida em que se reconheça odireito dessas pensionistas.

3. Os atos normativos da Câmara, transmudando o regime jurídico dos servidorespúblicos daquele órgão, regime jurídico ao qual elas não tinham direito adquirido, alcançouas pensionistas, assim como as alcançaram os efeitos da Lei 7.956/89, que transferiu opagamento das pensões da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do próprioTribunal de Contas da União para os órgãos aos quais pertenciam os de cujus. Esta, aliás,a justificativa do próprio INSS ao negar a concessão do benefício à primeira Impetrante,como documentado na inicial (fl. 29).

Porque estamos, aqui, diante de um caso de absoluta, total e completa injustiça. OINSS se recusa a pagar e o Tribunal de Contas da União também, agora, define como ilegalo pagamento das pensões. Ou seja, as pensionistas estão completamente abandonadas:nem INSS, nem a pensão do poder público.

4. O art. 40, § 4º e § 5º, da Constituição do Brasil, na redação anterior à EC 20/98,determinou a revisão dos proventos de aposentadorias e pensões, estendendo aos pen-sionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidoresem atividade, inclusive quando decorrentes de transformação ou reclassificação de car-gos. O art. 20 do ADCT, por sua vez, conferiu efeito retroativo aos aludidos preceitos,determinando prazo de 180 dias para que fosse procedida a revisão dos direitos dospensionistas, a fim de ajustá-los ao disposto na Constituição, sem que houvesse, emnenhuma hipótese, distinção entre servidores estatutários e celetistas.

5. O efeito retrooperante concedido pelo art. 20 do ADCT, bem como dos arts. 243 e247 c/c 231, § 2º, da Lei 8.112/90, é confirmado pelo precedente do MS 21.521, Relator oMinistro Carlos Velloso. Em seu voto, ao transcrever o parecer da Procuradoria-Geral daRepública, afirma S. Exa. que:

Isso significa que o regime criado pela Carta para as pensões estende-se àquelas instituídasantes de sua vigência, pois somente a elas poderia dirigir-se o preceito transitório, ao determi-nar-lhes a atualização.

Há uma mudança de regime. Este Tribunal tem dito, definido, insistido e declarado,inúmeras vezes, que não há direito adquirido ao regime jurídico. Eu digo: para o bem oupara o mal. É isso que sustento.

6. Esta – na linha do pensamento exposto pelo eminente Ministro Carlos Velloso –a jurisprudência desta Corte, reiterada em inúmeros julgados.

7. Ora, como referido em meu voto, o art. 40, § 4º, da Constituição do Brasil aplica-setanto aos servidores estatutários como aos celetistas. Fundamentei essa assertiva noprecedente do AI 324.666-8-AgR, Relator o Ministro Maurício Corrêa, em votação unânimeda Segunda Turma desta Corte, participando do julgamento o Presidente Néri da Silveirae os Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Leio trecho do voto doRelator:

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[O] art. 40, § 4º, ao referir-se “aos servidores (...)” não fez distinção entre estatutários eceletistas, sendo que o art. 20 do ADCT conferiu efeito retrooperante ao citado art. 40, § 4º,alcançando o benefício do agravado, conforme restou decidido no RE 237.343, Velloso, DJ de 19-2-99, e no RE 213.585, Galvão, DJ de 25-9-98 (...)

Deve ser observado, ainda, que o art. 243 da Lei 8.112/90, segundo o qual “ficam subme-tidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidoresdos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e dasfundações públicas, regidos pela Lei 1.711, de 28-10-52 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civisda União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º-5-43,” (...)

8. Aliás, o art. 247 deve ser lido em conjunto com o art. 231, § 2º, da Lei 8.112/90,parágrafo que, inicialmente vetado pelo Presidente da República, foi mantido peloCongresso Nacional e teve vigência até 1999:

§ 2º O custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro Nacional.

9. Esses preceitos, no entanto, foram tomados em meu voto apenas em carátercomplementar, para demonstrar como se deu a regulamentação do que já estava previstono texto constitucional, art. 40, § 4º e § 5º, c/c art. 20 do ADCT.

10. No entanto, repito, a situação destes autos restringe-se unicamente aos atingidospela Resolução 54 e pelo Ato da Mesa 42 da Câmara dos Deputados. Conforme se lê doparecer do Tribunal de Contas da União acostado aos autos (fls. 42/43), em processoadministrativo no qual a situação fática é exatamente igual à das Impetrantes e o benefíciofoi registrado.

Então, o Tribunal de Contas – diria eu –, numa espécie de venire contra factumproprium às avessas, diz:

em um e outro caso operou-se a efetiva transformação de “empregos” em “cargos” quandojá falecido um e outro instituidor. Ademais disso, a partir de 1º.01.1985, ex vi do Ato da Mesa 42,não existiam mais aqueles empregos, sendo ressalvada apenas a situação daqueles poucos, segundoenfatiza a repartição concedente, que exerceram a faculdade que lhes era propiciada de permane-cerem nos empregos de que eram ocupantes. Daí concluir-se que em relação aos demais empregosconstantes da Tabela Permanente, e, via de conseqüência, em relação aos beneficiários dos queforam ocupantes dos antigos empregos, passou a prevalecer a situação nova criada pela ResoluçãoCD 54-84.

A par desses esclarecimentos, reafirmo, Senhor Presidente, a convicção de que opresente mandado de segurança deve ser concedido, para restabelecer o direito do uni-verso de pensionistas listado à fl. 162 dos autos. Trata-se de hipótese restrita àquelasalcançadas pelos efeitos dos atos normativos da Câmara dos Deputados: a Resolução 54e o Ato da Mesa 42.

Nesses termos, insisto em manter o meu voto no sentido de conceder a segurança.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, quando o Ministro Sepúlveda Pertencediz que o art. 20 se limita a contemplar os benefícios estatutários, ele parece-me forrado derazão, porque o art. 58 do ADCT já se refere a benefícios previdenciários que serão

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atualizados, mas sob outro regime, o regime da Previdência geral. Ou seja, para os benefí-cios custeados pela Previdência Social geral, há um dispositivo transitório específico, oart. 58. O art. 20, portanto, se atém aos estatutários.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 20 do ADCT fixou um prazo de 180 diaspara rever proventos e pensões, mostrando, é claro, que se cuidava rever a situaçãodecorrente da promulgação da Constituição. Ora, a Constituição, por si mesma, nãoconverteu nenhum emprego em cargo. Ademais, a relação empregatícia já se tinha dissol-vido antes da Constituição, pela morte do empregado, que, assim, jamais manteve relaçãoestatutária.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao contrário, viabilizou a adoção de regime própriopelas pessoas jurídicas de direito público, que poderia ser o regime da Consolidação dasLeis do Trabalho.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eventualmente, poderia.O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, acompanho a dissidência, com a devida

vênia do Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, também vou pedir vênia ao eminenteRelator e acompanhar a divergência. Tenho, aqui, anotado rapidamente o que eu tinharegistrado no começo do julgamento e que resumo agora.

A morte extinguiu o vínculo celetista com a administração. Nesse instante, osbeneficiários adquiriram o direito à pensão sob o regime geral da Previdência. A instituiçãoposterior do Regime Único não pode retroagir para alcançar direitos adquiridos sob oregime anterior; há impossibilidade de modificar situação consolidada sob o império da leianterior. A única coisa que penso possa o Tribunal fazer, no caso, é deixar declarado queo INSS pague a pensão na forma do regime da Previdência.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, também, com a vênia do Ministro ErosGrau, refiro-me, especificamente, ao RE 370.571, de minha relatoria, pelo qual decidi nosentido da divergência.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, ao enfrentar o pedido de concessãode medida acauteladora, Vossa Excelência, com a verve costumeira, consignou os fatos.

Em 28 de março de 1981, faleceu o senhor Erasmo Dias Cardoso, ex-servidor daCâmara dos Deputados, empregado sob o regime celetista como técnico em radiologia; em23 de julho de 1997, a primeira Impetrante, Maria Madalena da Conceição, na condição deex-esposa do falecido, requereu junto ao Órgão a inclusão no benefício pensional.

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Então, o que se tem? A Resolução de 1984 da Câmara dos Deputados, transformandoo emprego em cargo público, que já não apanhou a situação, porque falecido o servidor.Ele morreu como empregado, tendo uma relação jurídica, à época, regida pela Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT), vinculado, portanto, à Previdência.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E ao regime previdenciário geral.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é, à Previdência Social.Também entendo que o art. 20 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-

rias da Carta de 1988 apenas rege as relações jurídicas submetidas ao denominadoestatuto – servidores, detentores de cargo, ainda que aposentados, e pensionistasdesses mesmos servidores.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Até porque os outros estão contemplados pelo art. 58do ADCT.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Exato. A situação é peculiar. E não estamos aqui ajulgar um mandado de segurança impetrado contra o Instituto, mas contra a decisão doTribunal de Contas da União, no sentido da extravagância do reconhecimento do direitoà pensão como se o servidor falecido tivesse detido o cargo público.

Com a devida vênia do Relator, acompanho o Ministro Sepúlveda Pertence, indefe-rindo a ordem.

VOTO(Vista)

(Aditamento)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, também faço esse adendo a quealudiu o eminente Ministro Cezar Peluso em seu voto.

VOTO (Esclarecimento)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, porque chamado à colação pelo emi-nente Ministro Relator, quero esclarecer que, no M S 21.521, de que fui Relator e que estaCorte, por unanimidade, concedeu, tratava-se o instituidor da pensão de um servidor doTribunal de Contas. Quer dizer, o instituidor da pensão era servidor público estatutário,caso em que o art. 20 do ADCT teria íntegra aplicação. Não é o caso de que estamostratando nesta assentada.

Fica apenas esse esclarecimento para que eu não pareça incoerente.

VOTO(Explicação)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, apenas deixo explícito que fareiconstar da ementa que a relação era previdenciária e assim as dependentes do empregadomorto continuam, portanto, com direito à percepção de pensão paga pelo INSS.

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EXTRATO DA ATA

MS 24.523/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Relator para o acórdão: MinistroSepúlveda Pertence. Impetrantes: Maria Madalena da Conceição e outras (Advogada:Maria Lúcia Bezerra Nunes). Impetrado: Tribunal de Contas da União.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa, justificada-mente, nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003.Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 10-3-05.

Decisão: O Tribunal, por maioria, denegou a segurança, vencido o Ministro ErosGrau (Relator). Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o MinistroSepúlveda Pertence.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 24.910 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoImpetrante: Lúcio Barbosa Figueiredo — Impetrado: Presidente da República

Desapropriação. Imóvel rural. Reforma agrária. Produtividade doimóvel antes de estiagem. Presença de invasores nas proximidades. Fator delotação de animais. Matérias factuais controversas. Discussão em mandadode segurança. Inadmissibilidade. Temas cabíveis na cognição da açãoexpropriatória. Mandado de segurança denegado. Precedentes. Não seadmite, em mandado de segurança contra decreto de expropriação de imóvelrural, para fins de reforma agrária, discussão sobre matérias fáticas, comoprodutividade do bem, presença de invasores nas proximidades e fator delotação de alimárias.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, nestejulgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Carlos Britto.

Brasília, 15 de março de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido deliminar, impetrado por Lúcio Barbosa Figueiredo, contra ato do Presidente da Repúblicaque, nos termos do Decreto de 5-4-2004, declarou de interesse social, para fins de reformaagrária, imóvel denominado “Fazenda Franqueza e Realeza”, situado nos Municípios deEcoporanga e Carlos Chagas, respectivamente nos Estados do Espírito Santo e de MinasGerais.

2. Sustenta o Impetrante, em síntese: a) desrespeito à previsão do § 7º do art. 6º daLei 8.629/93, pois o Incra teria desconsiderado motivo de força maior consistente nolongo período de estiagem que acometeu a região onde se situa o imóvel, a partir do anode 2000, tanto quanto a existência de invasões e de acampamentos em áreas próximas,razões pelas quais o imóvel não teria atingido os índices legais exigidos; b) impropriedadedo modelo usado para avaliar o Grau de Eficiência na Exploração da Terra (GEE), por meiodo fator de lotação pecuária (capacidade de certa área comportar determinado número deanimais), com violação do inciso II do § 2º do art. 6º da Lei 8.629/93 e do inciso, III do art.19 da CF, uma vez que o Incra teria adotado índices diversos para regiões atingidas pelasmesmas intempéries; c) ausência da qualificação de agrimensor entre os membros daequipe de fiscalização que realizou o levantamento de dados, o que geraria nulidade dessaetapa administrativa, em razão da incapacidade técnica dos agentes públicos; e d) falta desua notificação e oitiva na sindicância tendente a apurar o desaparecimento dos autosoriginais do processo administrativo e sua restauração, com flagrante cerceamento dodireito de defesa.

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3. Foram prestadas informações (fls. 566/661).4. A Procuradoria-Geral da República é pela denegação da ordem (fls. 664/669).É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o pedido.Já é velha e aturada a jurisprudência da Corte, no sentido de que, para efeito de

requisito de tutela em mandado de segurança, não se reputa líquido e certo direito cujosuporte fático (fattispecie concreta) consista em circunstâncias históricas controvertidas,cuja apuração depende de dilação probatória, inadmissível naquela via processual.

É esta, em resumo, a hipótese a que se reduzem as alegações do Impetrante, relativas(a) à produtividade do imóvel, (b) à ocorrência de estiagem prolongada como fatorimpeditivo de exploração da terra, (c) à presença de invasores nas proximidades da Fazenda(e não no próprio imóvel), (d) à falta de qualificação técnica dos agentes públicos queprocederam ao levantamento preliminar de dados, e (e) à impropriedade do fator de lotaçãoadotado pelo Incra para a apuração do Grau de Eficiência na Exploração da Terra (GEE).

Não há, deveras, nenhuma prova de que, antes dos intermitentes períodos afirmadosde estiagem na região, o imóvel fosse produtivo. E seria indispensável tal prova, pré-cons-tituída, porque, nos termos do art. 6º, § 7º, da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, nãoperde a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, motivo de força maior oucaso fortuito, deixe de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência que a espécieexigiria. Donde, por concluir-se tenha sido, no ano da vistoria, prejudicada a produtividadepor eventual seca, cumpre ao interessado demonstrar que antes era o imóvel produtivo.

A propósito, de nada servem a esta causa dados periciais de produtividade atual,sujeitos a impugnação no âmbito de processo cautelar ainda pendente, coisa que,ademais, só reforça o estado de incerteza na matéria. De todo modo, não custa advertir quenão há avaliar, aqui, a influência da suposta estiagem, reconhecida nos anos de 2001 e2003, sobre a produtividade do imóvel, que, vistoriado em agosto de 2002, dispunha entãode largos e excepcionais recursos hídricos, como consta do laudo e das informações (cf.fls. 590) (a e b).

Presença de invasores nas proximidades da Fazenda não constitui, ainda quandoprovado o fato, na moldura de expropriação para fins de reforma agrária, causa escusantede improdutividade, sobretudo quando esta é imputada, pelo titular do domínio, a razõesclimáticas (c).

O agrimensor que subscreveu o laudo não está, é verdade, inscrito no Conselhoprofissional do Espírito Santo e de Minas Gerais, mas o está no do Rio de Janeiro (cf. fl.644), sem que se lhe possa aferir, neste processo, o grau de experiência profissionalespecífica, cuja estima bastaria, quando menos, para capacitá-lo ao exercício da atividadede subscrever simples memorial descritivo das coordenadas dos vértices que definemlimites de imóveis, segundo a decisão do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura eAgronomia, que invocou o Impetrante mesmo (cf. fl. 584). Essa experiência, aliás, é coisa

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que se infere e presume à aprovação no concurso público para ingresso nos quadros doIncra. E de sua suposta falta não se segue nenhum erro danoso, alegado nem provado, nadefinição daqueles limites territoriais (d).

Tampouco quadraria investigar, neste processo, se o fator de lotação que se adotou,fixado nos estritos termos da competência prevista no art. 6º, caput, da Lei 8.629/93, cujaconstitucionalidade já foi proclamada desta Corte (cf. MS 22.302, Rel. Min. OctavioGallotti, DJ de 19-12-96; MS 23.311, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25-2-00; MS23.523, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-2-03; MS 23.369, Rel. Min. Moreira Alves,DJ de 9-2-01, etc.), seria, ou não, impróprio para a microrregião em que se encontra oimóvel, a qual comporia área física submissa a certa agência de fomento estatal (Adene).É que, como logo se intui, os índices regionais de lotação de alimárias dependem decaracterísticas que, variando no tempo e no espaço, são apuradas e retratadas nos censosagropecuários, de modo que tais fatores não podem, sob nenhum aspecto, sobretudo oda razoabilidade da discriminação, ser discutidos nem questionados no âmbito do mandadode segurança (e).

Sem nenhum prejuízo ao ora Impetrante, todas essas matérias cabem, aliás, nacognição da ação expropriatória, hoje de ampla latitude, nos termos disciplinados pela LeiComplementar 76/93 (MS 21.982, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28-4-95; MS 23.014,Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 9-12-98; MS 24.327, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 19-12-02; MS 24.113, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 23-5-03; MS 24.503, Rel. Min.Marco Aurélio, DJ de 7-8-03; MS 24.911, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1º-10-04, e MS24.578, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 18-2-05).

2. Colho, por fim, da informação de fls. 579/596, prestada pela Coordenação deProcessos Agrários, Legislação, Normas e Pesquisas (CPALNP), que, deveras, o desapa-recimento dos autos originais do processo administrativo, ora restaurado, foi objeto desindicância, a qual, porém, teve início depois de exaurida a fase inicial da desapropriação.À época, já tinham sido realizados a notificação prévia e o laudo de vistoria e apresentada,pelo interessado, impugnação administrativa, de cuja resposta ficou ciente opportunotempore.

Sobre haver o ora Impetrante exercitado os poderes do contraditório e da ampladefesa nos temas que lhe diziam respeito, carecia e carece, a toda evidência, da condiçãode interessado jurídico em relação àqueles dois procedimentos internos – sindicância erestauração dos autos –, razão por que não era caso de o notificar, aí, para deduzir alega-ções sobre assunto administrativo que lhe não concernia e de cuja solução não padeceunenhum gravame.

3. Do exposto, denego a segurança.

EXTRATO DA ATA

MS 24.910/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Impetrante: Lúcio BarbosaFigueiredo (Advogados: Alemer Jabour Moulin e outro). Impetrado: Presidente da Repú-blica (Advogado: Advogado-Geral da União).

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do votodo Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e oMinistro Carlos Britto. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. AntonioFernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 25.668 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloImpetrante: Alexander Forbes Brasil Corretora de Seguros Ltda. — Impetrado: Presi-

dente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI dos Correios

Comissão parlamentar de inquérito – Quebra de sigilo bancário, fiscale telefônico – Ausência de indicação de fatos concretos – Fundamentaçãogenérica – Inadmissibilidade – Controle jurisdicional – Possibilidade –Conseqüente invalidação do ato de disclosure – Inocorrência, em tal hipótese,de transgressão ao postulado da separação de poderes – Mandado de segurançadeferido.

A quebra de sigilo – que se apóia em fundamentos genéricos e que nãoindica fatos concretos e precisos referentes à pessoa sob investigação –constitui ato eivado de nulidade.

- A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefô-nicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatívelcom o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadasde CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídasda necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica comopressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de inti-midade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes.Doutrina.

O controle jurisdicional de abusos praticados por comissão parla-mentar de inquérito não ofende o princípio da separação de poderes.

- O Supremo Tribunal Federal, quando intervém para assegurar asfranquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia daConstituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por ComissãoParlamentar de Inquérito, desempenha, de maneira plenamente legítima, asatribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porquevocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgrideo princípio da separação de poderes. Doutrina. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente,Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 23 de março de 2006 — Celso de Mello, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: O eminente Procurador-Geral da República, Dr.ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, ao manifestar-se nestes autos,assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 397/401):

MANDADO DE SEGURANÇA. SUPOSTA SUPRESSÃO DE DIREITOS DO IMPE-TRANTE POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILOBANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. ALEGADA NULIDADE DO ATO COATOR, PORAUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA, NA HIPÓTESE, DE ADEQUADOLASTRO PARA A DECISÃO. ENVOLVIMENTO DE EMPRESAS DO MESMO GRUPOECONÔMICO. INVESTIGAÇÃO NO IRB-BRASIL. ATIVIDADE DE RESSEGURO.NEGOCIAÇÕES POSTAS EM SUSPEITA POR SINDICÂNCIA INTERNA. ATUAÇÃO DEEMPRESA DO GRUPO QUE LIDA, COM EXCLUSIVIDADE, NO MERCADO DE RESSE-GURO. QUEBRA DOS DADOS TAMBÉM DA ENTIDADE QUE SE DEDICA APENAS ASEGUROS, DE NATUREZA MAIS USUAL. NÃO SE INDICA NA DECISÃO EVIDÊNCIADE ENVOLVIMENTO, ATÉ O INSTANTE, DA IMPETRANTE NA CONDUÇÃO DOSNEGÓCIOS DA EMPRESA DE RESSEGURO. CARÁTER EXCEPCIONAL DA ORDEMDE QUEBRA DE SIGILOS A EXIGIR UMA MÍNIMA FUNDAMENTAÇÃO.

PARECER PELA CONCESSÃO DA ORDEM.1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Alexander Forbes Brasil Corretora

Ltda. em que é impugnado ato da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI dos Correios.2. A Impetrante abre suas alegações informando que a referida Comissão Parlamentar,

reunida em sessão, aprovou requerimento que resultou na quebra de seus sigilos bancário,fiscal e telefônico. Contudo, a justificar o pedido de decretação da nulidade dessa decisão,alega que houve equívoco na condução dos trabalhos de investigação. Nesse sentido, eenfocando a vertente que apura denúncias de irregularidades no IRB – Brasil RE, a impetraçãoanuncia que, apesar de compor o mesmo grupo econômico que detém o controle da empresaALEXANDER FORBES RESSEGUROS, não guarda ela nenhuma relação direta com a opera-ção de resseguros. Expõe que “(...) Alexander Forbes CORRETORA, conjuntamente com aAlexander Forbes RESSEGUROS, são subsidiárias da ALEXANDER FORBES GROUP e ope-ram em segmentos de mercado absolutamente distintos no Brasil” – fl. 4. Partindo dessadistinção, a Impetranteargumenta que os esforços de investigação da CPMI estão maldirecionados – chega-se a mencionar possível equívoco dos parlamentares em face dasimilitude de nomenclaturas –, bastando para tanto considerar que suas atividades não teriamqualquer relação com as operações efetuadas pelo IRB – Brasil Resseguros S/A. A decisão seconstituiria em ato de arbítrio, portanto, pois sem fundamento idôneo a justificar o afastamentodos sigilos dos dados da impetrante, de regra resguardados pela ordem constitucional.

3. Aportando ao Supremo Tribunal Federal, de pronto foi examinado o pedido decautela. Restou deferido no despacho de fls. 213-218, considerando-se, naquele instante, quenão estariam devidamente relacionados os fatos concretos e precisos que indicariam a necessida-de da excepcional diligência.

4. Requisitadas informações à autoridade indicada coatora, estão juntadas às fls. 265-273.

5. Nesse estado chegam os autos à Procuradoria-Geral da República.6. Não se pode obscurecer os contornos fáticos que tracejam a questão trazida nos autos.

É objeto de investigação pelas autoridades públicas competentes o funcionamento do Institutode Resseguros do Brasil – IRB Brasil Resseguros S/A. Sindicância interna, trazida inclusive porcópia pela Impetrante – fls. 52-104 –, evidencia o favorecimento indevido de três corretoras deresseguros: Acordia/Assurê, Cooper Gay e Alexander Forbes.

7. Em termos singelos, a referida sindicância identifica procedimentos que escapam àspráticas assentadas, em aparente benefício das citadas empresas, agraciadas com nomeaçõesgenerosas em distribuições de riscos entre as corretoras integrantes do mercado de retrocessão.Dirigentes do IRB, ao arrepio das negociações passadas e aos anseios explicitados pelos segurados,

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fizeram uso do monopólio detido na atividade de resseguro para indicar, sem evidência derespaldo técnico e econômico necessário, certas corretoras para determinados negócios. Estádito no relatório da Comissão de Sindicância – fls. 75:

“No caso da corretagem de resseguro (...) há um ingrediente que não pode sermenosprezado: é o IRB-Brasil RE que, com sua potestade de indicar o ‘broker’, determi-na qual (is) agente (s) irá (ão) participar de um determinado negócio.

Mesmo em tal Mercado, altamente dirigido, o surgimento de novos ‘broker’s”com conquista de parcela significativa da totalidade dos negócios não seria de se estra-nhar se a indicação pelo IRB – Brasil Re seguisse uma lógica razoável, baseada emcritérios objetivos e legítimos.

O que se viu, todavia, é que as indicações eram precedidas de despachos despro-vidos de fundamentação, o que inculca que os atributos específicos das eleitas não eram,a princípio, levados em conta.” (ênfases acrescidas.)8. O relatório expressa o estranhamento de se terem prestigiado corretoras de pouco

tempo no mercado, desde logo incumbidas das corretagens em pé de igualdade com outrosagentes. Haveria indícios de orquestração de manobras para o favorecimento de algumasentidades, dentre elas ALEXANDER FORBES, que, especificamente, teria recebido indicaçãopara corretagem de resseguros para Tam Linhas Aéreas – fls. 76-78 – e Usiminas – fls. 79.

9. As considerações traçadas no relatório são consistentes, e demandarão exame detidonas esferas apropriadas. Fato é que há envolvimento da empresa ALEXANDER FORBES emnegociações realizada sob o comando do IRB sob investigação.

10. A distinção que nos traz a Impetrantediz, contudo, sob uma nuança: há duas socie-dades distintas, uma corretora de seguros, outra especializada no mercado de resseguro, aindaque ambas integrem grupo econômico. Essa ilação não pode ser tomada em termos simplistas.A autonomia societária de cada uma das entidades não representa imediato isolamento decomando. Nem evidencia a completa isenção de Alexander Forbes Corretora nos negócios deAlexander Forbes Resseguros.

11. Veja-se, nessa linha, os dados que nos são comunicados pelo Ministério da Fazenda,por sua Secretaria de Acompanhamento Econômico, quando se levou a exame naquela esferao ato de concentração das empresas Alexander Forbes 10200 Ltda. e RE Participações eConsultoria Ltda., com o qual se instituiu a “joint venture” que resultou na constituição deAlexander Forbes Resseguros do Brasil Ltda.

12. Merece destaque que Alexander Forbes 10200, sociedade constituída de acordo comas leis inglesas – fls. 37 –, é possivelmente a controladora de Alexander Forbes Resseguros(detém 50,1% de participação do capital social), como é também, comprovadamente, a sócialargamente preponderante na avaliação do capital social de Alexander Forbes Brasil Corretorade Seguros, possuindo 15.499.996 (quinze milhões, quatrocentos e noventa e nove mil, novecen-tos e noventa e seis) quotas, contra apenas 4 (quatro) dos outros três sócios – fls. 39.

13. Ou seja, o centro de comando das operações e decisões societárias do grupo noBrasil – a matriz é sediada na África do Sul – não deixa de ser o constituído por AlexanderForbes 10200.

14. Tudo isso é dito para demonstrar que não se pode afastar de pronto a corretora detoda e qualquer atuação da empresa de resseguro que compõe o grupo Alexander Forbes. Asinvestigações levadas a cabo sobre o IRB podem desaguar numa análise mais apurada tambémda corretora do grupo, sem dúvida.

15. Mas tais observações não são fortes o suficiente para afastar as razões centraisdeduzidas na peça inicial.

16. É fato incontestável a deficiência do requerimento de quebra de sigilo, faltando-lhemínima fundamentação. Refere-se, de forma simplificada, a suposto envolvimento da CorretoraAlexander Forbes do Brasil no caso de possível favorecimento de “brokers” – fls. 115 –, emreferência clara à investigação realizada sobre a condução do IRB. Do que se tem notícia,contudo, é do dito envolvimento da A. F. Resseguro. Não se aponta, de maneira concreta,qualquer passo ou conduta que pudesse ligar a corretora, ora impetrante, à condução daempresa de resseguro. Movimento inicial deveria ser endereçado à esta entidade, para, após asdevidas avaliações do quadro instalado no caso em apreço, volver-se a investigação à

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corretora. Tenha-se viva a idéia de que os sigilos da entidade de resseguro foram tambémrequeridos – fls. 118. Em síntese, o requerimento de quebra não indica mínimos elementosque pudessem envolver a Impetrantenos negócios tomados pela Alexander Forbes Resseguro.

17. No mesmo sentido, veja-se que as informações são extremamente genéricas, semtomar o cuidado de identificar uma possível situação que exigisse a quebra dos sigilos daimpetrante. Poderiam ter desenhado um lastro fático como o acima ilustrado, dando conta doentroncamento das empresas envolvidas, mas, contudo, o que se tem é uma decisão singela, semmaiores expressões. A autoridade pública, portanto, deixou de fundamentar seu ato, em ofensaa direito da impetrante, que há de ser resguardada contra abuso no manejo de instrumento tãocontundente.

18. Em desfecho, a concessão da ordem parece se impor, mas, diga-se, em face dadeficiência da fundamentação do pronunciamento da CPMI, o que não representa, no outrovértice, a isenção plena da Impetranteaos poderes de investigação, pois a conformaçãosocietária das empresas envolvidas (corretora e entidade de resseguro) enseja o controle deambas por uma única sociedade, circunstância que as aproxima em demasia.

19. Ante exposto, o Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem. (Grifei.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Entendo assistir plena razão ao eminenteProcurador-Geral da República, eis que a decisão do órgão parlamentar ora apontadocomo coator, que decretou a quebra de sigilo dos registros bancários, fiscais e telefônicosda Impetrante, não se reveste da necessária fundamentação legitimadora dessa medidaexcepcional questionada na presente sede mandamental.

A empresa impetrante, ao postular a invalidação da deliberação em causa, alega quea CPMI dos Correios – ao assim proceder – transgrediu o ordenamento positivo, lesandogarantias de índole constitucional, notadamente aquela que tem por suporte a cláusula do“due process of law” (CF, art. 5º, LV).

Sustenta-se, ainda, na presente impetração, que o ato ora impugnado reveste-se deinsuperáveis vícios que lhe infirmam a validade jurídico-constitucional, eis que – segundoalega a Impetrante – a mencionada decisão da CPMI dos Correios (a) foi proferida “emface de terceiro que não possui nenhuma relação com o IRB”, (b) emanou de “Poderincompetente, porquanto tal competência é exclusiva do Judiciário” e (c) apresenta-sedesprovida “de fundamentação, em arrepio ao artigo 93, inciso IX, da ConstituiçãoFederal” (fl. 26).

Tal como corretamente assinalou o eminente Procurador-Geral da República, emseu douto parecer, tem razão a ora Impetrante no ponto em que sustenta, com inteiraprocedência, a nulidade do ato que lhe ordenou a quebra de sigilo. É que a deliberaçãoestatal impugnada pela Impetrante não se apóia em fundamentação suficiente e idônea,apta a legitimar a adoção, pela Comissão Parlamentar de Inquérito ora apontada comocoatora, de medida que se mostra impregnada de caráter tão extraordinário, como o é a queresulta da quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico.

Essa circunstância que venho de referir, bastante por si mesma, revela-se suficientepara ensejar, por si só, independentemente do exame das demais alegações deduzidaspela ora Impetrante, a invalidação do ato de quebra emanado da CPMI dos Correios.

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Na realidade, Senhor Presidente, a análise do pleito mandamental em questão (fls.2/27), de um lado, e o exame das razões que motivaram a decretação da quebra dossigilos bancário, fiscal e telefônico da Impetrante (fl. 115), de outro, demonstram a eviden-te falta de fundamentação subjacente à efetivação, no caso, da medida excepcional da“disclosure”.

Reconheço, por isso mesmo, que o ato ora apontado como coator, ante a claraausência de motivação de que se ressente, não se ajusta aos padrões mínimos fixadospela jurisprudência constitucional desta Suprema Corte.

Para se constatar esse déficit de fundamentação, suficiente para comprometer aprópria validade do ato de quebra de sigilo, basta ler a justificação que a CPMI dosCorreios adotou para viabilizar o acesso aos registros bancários, fiscais e telefônicos daempresa ora impetrante, assim a ela se referindo (fl. 115):

Por estar envolvida, direta ou indiretamente, no caso de possível favorecimento a“Brokers”, conforme Relatório Preliminar nº 1 CPMI dos Correios – Subrelatoria do IRB. (Grifei.)

O exame dessa fundamentação – que é genérica e insuficiente – permite reco-nhecer, na deliberação que nela se apoiou, uma evidente transgressão ao mandamentoconstitucional que impõe, aos atos de “disclosure”, a necessária observância, porparte de qualquer órgão estatal (como uma CPI, p. ex.), do dever de motivar a adoçãode medida tão extraordinária como a que ora se impugna nesta sede mandamental.

É preciso advertir que a quebra de sigilo não se pode converter em instrumento dedevassa indiscriminada dos dados – bancários, fiscais e/ou telefônicos – postos sob aesfera de proteção da cláusula constitucional que resguarda a intimidade, inclusive aquelade caráter financeiro, que se mostra inerente às pessoas em geral.

Não se pode desconsiderar, no exame dessa questão, que a cláusula de sigilo queprotege os registros bancários, fiscais e telefônicos reflete uma expressiva projeção dagarantia fundamental da intimidade – da intimidade financeira das pessoas, em particular –,que não deve ser exposta, enquanto valor constitucional que é (VÂNIA SICILIANO AIETA,“A Garantia da Intimidade como Direito Fundamental”, p. 143/147, 1999, Lumen Juris), aintervenções estatais ou a intrusões do Poder Público, quando desvestidas de causa pro-vável ou destituídas de base jurídica idônea.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a norma constitucional que outorga“poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” a uma Comissão Parla-mentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º) traz, quanto a esta, o reconhecimento da necessidadede que os seus poderes somente devam ser exercidos de maneira compatível com anatureza do regime e com respeito (indeclinável) aos princípios consagrados na Consti-tuição da República.

A deliberação parlamentar questionada nesta sede mandamental, contudo – aoaprovar o Requerimento 1.219/05 (fls. 115 e 283) –, apoiou-se em genérica formulaçãodesvestida de qualquer fundamentação idônea, incidindo, por tal específica razão, nacensura que esta Suprema Corte proclamou em situações assemelhadas, com apoio emprecedentes firmados por seu E. Plenário, como resulta claro de julgamento consubstan-ciado em acórdão assim ementado:

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO – AUSÊNCIADE INDICAÇÃO CONCRETA DE CAUSA PROVÁVEL – NULIDADE DA DELIBERAÇÃO PAR-LAMENTAR – MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.

A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DEDEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONALDA INTIMIDADE.

- A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro,necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoioconcreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta.

A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa – quando ausente a hipóteseconfiguradora de causa provável – revela-se incompatível com o modelo consagrado na Cons-tituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário,pelo poder público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia,ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado – não obstante aausência de quaisquer indícios concretos – o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, emordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada(que nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado derelevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventual-mente descobertos.(RTJ 182/560, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)

Cumpre rememorar, bem por isso, neste ponto, Senhor Presidente, a advertênciadesta Suprema Corte, cujo magistério jurisprudencial, ao interpretar o alcance da normainscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República, reconhece assistir, a qualquerComissão Parlamentar de Inquérito, o poder de decretar, “ex auctoritate propria”, aquebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, desde que o faça,no entanto, em ato adequadamente fundamentado, do qual conste a necessária referênciaa fatos concretos que justifiquem a configuração, “hic et nunc”, de causa provável (sequerindicada na espécie em exame), apta a legitimar a medida excepcional da “disclosure”(RTJ 173/805, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 174/844, Rel. Min. SEPÚLVEDAPERTENCE – RTJ 177/229, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 178/263, Rel. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE – MS 23.619/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.):

“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO – INOCOR-RÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOSREFERENTES À PESSOA INVESTIGADA – NULIDADE DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR –MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.

A QUEBRA DO SIGILO, POR ATO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO,DEVE SER NECESSARIAMENTE FUNDAMENTADA, SOB PENA DE INVALIDADE.

- A Comissão Parlamentar de Inquérito – que dispõe de competência constitucional paraordenar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do PoderLegislativo – somente poderá praticar tal ato, que se reveste de gravíssimas conseqüências, sejustificar, de modo adequado, e sempre mediante indicação concreta de fatos específicos, anecessidade de adoção dessa medida excepcional. Precedentes.

A QUEBRA DE SIGILO – QUE SE APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUENÃO INDICA FATOS CONCRETOS E PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTI-GAÇÃO – CONSTITUI ATO EIVADO DE NULIDADE.

- A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzirmedida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o texto da Constituição, quandofundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulaçõesgenéricas, muitas vezes padronizadas, que não veiculam a necessária e específica indicação dacausa provável, que constitui pressuposto de legitimação essencial para a válida ruptura, porparte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Carta Política.(MS 23.964/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)

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Esse entendimento, Senhor Presidente – que encontra apoio em autorizado ma-gistério doutrinário (UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquéri-to”, p. 253/257, item n. 2, 2001, Saraiva; ODACIR KLEIN, “Comissões Parlamentares deInquérito”, p. 67/68, 1999, Fabris Editor; ALEXANDRE ISSA KIMURA, “CPI – Teoria ePrática”, p. 73/81, item n. 3.6, 2001, Ed. Juarez de Oliveira; ALEXANDRE DE MORAES,“Direito Constitucional”, p. 387, item n. 2.5.1, 18. ed., 2005, Atlas; OVÍDIO ROCHABARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, p. 131/134, item n. 90, 2001, Millennium;LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito –Poderes de Investigação”, p. 73, item n. 2, e p. 123/126, item n. 7, 2001, Juarez de Oliveira,v.g.) –, repele deliberações de Comissões Parlamentares de Inquérito, que, cingindo-sea meras presunções, ou a referências destituídas “do mínimo necessário de suporteinformativo”, ou, ainda, a afirmações vagas e genéricas, nestas fundamentam, mesmoassim, a medida extraordinária da quebra de sigilo, em claro desrespeito ao modeloinstitucional de poderes limitados e ao sistema de garantias subjetivas estabelecidosno estatuto constitucional (MS 23.668/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

Cabe registrar, neste ponto, Senhor Presidente, uma última observação. Refiro-meao fato de que a presente decisão – precisamente por fazer prevalecer, na espécie, umagarantia constitucional desrespeitada pela CPI em questão – não pode ser qualificadacomo um ato de indevida interferência na esfera orgânica do Poder Legislativo.

É que a função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nemdeve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeitoa garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por issomesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se emmeio de transgressão ao regime da lei.

Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem nemdevem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Osórgãos do Poder Público, quando investigam (como na espécie), processam ou julgam,não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, pormais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimentoestatal.

Não se diga, por isso mesmo, na perspectiva do caso em exame, que a atuação doPoder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparadospelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes eTribunais no âmbito de atuação do Poder Legislativo.

Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzemnem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima dequalquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República.

Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderesda República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado – situe-seele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo – é imune à forçada Constituição e ao império das leis.

Uma decisão judicial – que restaura a integridade da ordem jurídica e que tornaefetivos os direitos assegurados pelas leis – não pode ser considerada um ato de interfe-rência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou o Plenário do SupremoTribunal Federal, em unânime decisão:

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O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLA-MENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidadede conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípioconservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivose reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir nemqualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários,por parte de qualquer agente do poder público ou de qualquer instituição estatal.

- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais epara garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plena-mente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelorespeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionaisnas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade decontrole jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poderda República.(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Esse entendimento, Senhor Presidente, tem sido por mim observado em diversosjulgamentos que proferi nesta Suprema Corte e nos quais tenho sempre enfatizado que arestauração, em sede judicial, de direitos e garantias constitucionais lesados por uma CPInão traduz situação configuradora de ofensa ao princípio da divisão funcional do poder,como resulta claro da seguinte (e recente) decisão, que está assim ementada:

“(...) O postulado da separação de poderes e a legitimidade constitucional do controle,pelo Judiciário, das funções investigatórias das CPIs, se e quando exercidas de modo abusivo.Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. (...).”(HC 88.015-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in “Informativo/STF” 416/06.)

É imperioso destacar, ainda, Senhor Presidente, no contexto destas consideraçõesfinais, que a exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema consti-tucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderesinvestigatórios de que se acha investida.

A observância dos direitos e garantias constitui fator de legitimação da atividadeestatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos – magistrados, adminis-tradores e legisladores.

O poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado Democrático de Direito, não hálugar para o poder absoluto.

Ainda que em seu próprio domínio institucional, portanto, nenhum órgão estatal –como uma Comissão Parlamentar de Inquérito, p. ex. – pode, legitimamente, pretender-sesuperior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal edas leis da República.

O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorga-das pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa, no contexto de nossa experiênciainstitucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, emnosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República.

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A separação de poderes – consideradas as circunstâncias históricas que justificarama sua concepção no plano da teoria constitucional – não pode ser jamais invocada comoprincípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatalou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, oexercício, pela pessoa que sofre a investigação, do seu direito de requerer a tutelajurisdicional contra abusos que possam ser cometidos pelas instituições do Estado, nãoimportando se vinculadas à estrutura do Poder Legislativo (como na espécie), do PoderExecutivo ou do Poder Judiciário.

A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado,por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário,por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamentojurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínuatensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (quejamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderãoimpor-se de forma absoluta).

É, portanto, com apoio na Constituição e nas leis – e não na busca pragmática deresultados – que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações detensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade, deum lado, e o valor da liberdade e dos demais direitos e garantias fundamentais, de outro.

O que simplesmente se revela intolerável – e não tem sentido, por divorciar-se dospadrões ordinários de submissão à “rule of law” – é a insinuação, de todo paradoxal,contraditória e inaceitável, de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leisconfiguraria fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal.

É tempo de concluir este voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, consideradas asrazões mencionadas, tenho por inteiramente acolhível a pretensão mandamentaldeduzida pela empresa impetrante, por reconhecer que a fundamentação do ato de quebrade sigilo em causa revela-se genérica, insuficiente e, por isso mesmo, incompatível com ospadrões firmados pela jurisprudência constitucional desta Suprema Corte.

Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o douto parecer do eminenteProcurador-Geral da República (fls. 397/401), defiro o pedido formulado nesta sedemandamental, em ordem a invalidar o ato da CPMI dos Correios, que, ao aprovar o Reque-rimento 1.219/05 (fl. 283), “determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefôni-co da impetrante, Alexander Forbes Brasil Corretora de Seguros Ltda. (...)” (fls. 26,item n. IV, “a” e “b”).

É o meu voto.

DEBATE

O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. terminou deferindo o mandado de segurançacom base...

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Com base nesse específico ponto quevenho de referir: ausência de fundamentação do ato da CPI que ordena a decretação daquebra dos registros sigilosos.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sr. Presidente, acompanho inteiramente ovoto do eminente Ministro Celso de Mello, mas com o seguinte adendo: esse art. 58, § 3º,da Constituição, que dá às comissões parlamentares de inquérito poderes de investiga-ção próprios das autoridades judiciais, deve ser lido em conjunto com o art. 93, inciso IX,da Constituição Federal:

Art. 93. (...)IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas

todas as decisões, sob pena de nulidade (...);

Por isso, S. Exa., com muito acerto, está invalidando a decisão.O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Tem inteira procedência a observação feita

pelo eminente Ministro LEWANDOWSKI. Foi por tal razão que fiz consignar, no votoque proferi nesta sessão plenária, que as CPIs têm o dever de fundamentar as delibera-ções com que decretam a quebra de sigilo.

É importante rememorar, neste ponto, que as Comissões Parlamentares de Inquéritodispõem de quase todos os poderes instrutórios de que se acham investidos os magis-trados, exceto aqueles cuja prática está sujeita ao postulado constitucional da reservade jurisdição.

Cumpre assinalar, por necessário, que esses órgãos de investigação parlamentarsubmetem-se, quanto ao exercício de tais prerrogativas, às mesmas limitações que aConstituição da República impõe aos juízes e Tribunais, como aquela que exige, sob penade nulidade, a adequada motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX). Vale dizer, aquebra de sigilo, por qualquer CPI, impõe que esta fundamente a sua deliberação de modoadequado, com a indicação de causa provável...

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sob pena de nulidade.Acompanho integralmente o Ministro Relator.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, creio que devemosobservar que, talvez – não tenho estatística disso –, já estamos, reiteradamente, conce-dendo mandado de segurança, exatamente nos termos da falta de fundamentação.

Observo, no caso concreto, conforme o Relator referiu, o requerimento do DeputadoCarlos Willian, que diz assim:

Requeiro, com fundamento no § 3º do art. 58 da Constituição Federal, combinado com odisposto na Lei nº 1.579/52 e com o art. 4º,§ 2º da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001, bemcomo nos termos regimentais, a transferência dos sigilos bancários, fiscal e telefônico desdejaneiro de 2002, da Corretora Alexander Forbes do Brasil.

JustificaçãoPor estar envolvida, direta ou indiretamente, no caso de possível favorecimento a

“Brokers”, conforme Relatório Preliminar nº 1 CPMI dos Correios – Subrelatoria do IRB.

Além do mais, este requerimento foi votado na 44ª Reunião da Comissão Parlamentarde Inquérito, em que foram aprovados, em bloco, da seguinte forma os requerimentos: no

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sistema de aprovação de blocos – vem todo o conjunto – é um voto só que abrange todos.Alguns desses requerimentos são meramente para requerer convocação – estão da p. 274até a p. 283 –, não a reprodução do requerimento, mas dizendo qual o objeto do requeri-mento e o seu número.

Então, vem uma lista, começa o problema da transferência de sigilo na p. 276 e vaiaté a p. 283.

Srs. Ministros, o que me chama a atenção é exatamente a reiteração, por parte daautoridade parlamentar, de atos que o Tribunal já glosou de há muito. E este “já glosou dehá muito” mostra, por exemplo, nas informações prestadas pelo eminente Senador Presi-dente da Comissão, o seguinte:

Em que pese a Comissão impetrada não ter agido arbitrariamente, e somente ter tomadoessa decisão mediante o surgimento da necessidade inafastável da investigação, é importante verque a proteção do sigilo constante (...)

Creio ser importante esse registro para se compreender a inadequação das condutaspraticadas no Parlamento em relação às regras constitucionais já definidas de há muitopor este Tribunal. Não me recordo, creio que já deferimos desde 91, mas, neste momento,nesta quadra que vivemos, como diria o Ministro Marco Aurélio – registro a autoria –, nóstemos uma repetição, portanto já estamos deferindo isso há mais de ano, neste momento,nesta Sessão Legislativa do Parlamento.

Creio que isso preocupa ao Tribunal e a todos nós, porque não se possa dizer, ao fime ao cabo, que eventuais resultados ou não resultados das atividades investigatóriasdesta Comissão possam ser atribuídas ao Tribunal. É importante que o próprio Parlamentoe nós tenhamos presente que o que o Tribunal está a fazer é exatamente assegurar aquiloque não se assegurava em outros momentos da história brasileira. E isso é importante paraque se compreenda e entenda claramente que condutas absolutamente reiteradas, tãoreiteradas que deve ser a enésima vez que ouço as manifestações e os votos do MinistroCelso de Mello, com toda essa sua loquacidade. Mormente, considerando que as condutasdo Tribunal, ajustadas exatamente à Constituição, às vezes dão azo a manifestações deterceiros em jornais brasileiros que levam, exatamente, à situação contrária.

Faço esse registro para que se perceba que o Tribunal está atento às circunstânciase à constante violação de direitos constitucionais.

Sabemos que essas coisas não são gratuitas e precisamos deixar muito claro paraque não atribuam os possíveis insucessos dessas investigações a este Tribunal.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Juiz chamado a explicar sua sentença e outrascoisas mais.

Há, provavelmente, uma interpretação excessivamente literal: o que a Constituiçãoteria dado à CPI seriam os poderes do juiz, mas não os deveres, incluído o de motivar suasdecisões...

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E a dificuldade da participação de um colegiado tãoamplo.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso mesmo temos oposto temperamentos,não exigimos preciosidades formais na fundamentação da CPI, exatamente por ser umadeliberação de estilo parlamentar.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Pertence, lembre-se de que naCPI do Poder Judiciário, houve um mandado de segurança e, depois, não se repetirammais os atos, ou seja, bastava a concessão de uma segurança em relação a determinadotema: a comissão parlamentar de inquérito, relativa ao Poder Judiciário, não reiterava aprática do ato que já havia sido rechaçado. Aqui, não é o caso específico desta CPI.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, também, na linha do voto proferido peloMinistro Celso de Mello, tenho concedido liminares em mandado de segurança contraquebras de sigilo, especialmente essas de caráter absolutamente genérico. Em alguns casos,tem-se verificado pedido de reconsideração e, até mesmo, uma nova deliberação por parteda CPI e, nesses casos, às vezes, tem-se feito até a reconsideração – acredito que o MinistroSepúlveda Pertence também já teve oportunidade recente de fazê-lo. Esse é um dado impor-tante.

O outro dado relevante, que precisa ser também destacado, diz respeito ao uso quese faz desse tipo de informação, que se tornou um pouco comum, e não é privilégio dasCPIs. Na verdade, vemos estampados nos jornais, nos finais de semana, interceptaçõestelefônicas realizadas pela polícia federal, ou com autorização judicial, e que são cedidasàs revistas para a publicação, ou às vezes, o ativíssimo Ministério Público também propiciaesse tipo de assessoria.

Então, na verdade, há uma cultura de violação grave, muitas vezes a serviço deforças políticas. É preciso registrar isso com toda ênfase. Há uma prática de violaçãograve. Recentemente tive oportunidade, em um caso de quebra de sigilo envolvendocooperativas ligadas ao MST, de autorizar a quebra; depois, veio um reclamo no sentidode que estaria ocorrendo vazamento e determinei providências no sentido de evitar quehouvesse esse tipo de vazamento. De fato, não é uma prática condizente. A quebra dosigilo se dá, mas não para que se faça a divulgação nos jornais. Agora, isso se tornou,infelizmente, uma praga da cultura, inclusive em uma luta política que vai à selvageria apartir desse tipo de divulgação e manipulação.

Então, aqui há toda uma distorção que precisa ser devidamente discutida.Recentemente, tive oportunidade de salientar, diante dessa jurisprudência, hoje

firme, praticamente uniforme do Supremo Tribunal Federal em muitos sentidos, como oMinistro Celso de Mello ressaltou, que é chegada a hora, talvez, de uma institucionalização,de fazer uma nova lei de CPIs, para que se tenham balizas mais seguras para o trato de umtema que é extremamente relevante na nossa cultura.

Ressaltando o quadro político em que vivemos, e, para concluir, veja V. Exa. que,agora, a par de todos esses abusos cometidos eventualmente pelas CPIs, verificamos quehá uma quebra de sigilo à brasileira, essa realizada pela Caixa Econômica Federal, segundoos jornais estão a afirmar, que vai, então, além de tudo. Quer dizer, talvez porque as CPIsnão bastam, com todas essas deliberações em massa e tudo mais, já se pode fazer essetipo de investigação direta.

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Então, estamos vivendo uma quadra extremamente delicada em termos de respeitoaos direitos fundamentais, com essas manipulações todas que já verificamos.

Com essas considerações, acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, valendo-me do que disse o MinistroGilmar Mendes, se há uma prática constante que desacredita a Constituição, não é surpre-endente que se promova quebra de sigilo de um caseiro ou coisa semelhante. E até quesobrevenha lei mais minudente, indagaria da Corte se não seria o caso de se editar súmulaa respeito, prescrevendo que é nulo todo o ato de comissão parlamentar de inquérito quedecrete quebra de sigilo bancário fiscal sem fundamentação adequada.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Poderíamos ir além: dizer em que consistiria, também,essa fundamentação; indicar algum conteúdo para a fundamentação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Fundamentação genérica é suficiente. A Constituição jáo prevê textualmente. É maneira de o Tribunal cristalizar sua posição aturada e inveterada arespeito desse assunto e demonstrar que é insusceptível de discussão.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tenho recebido de autoridades, relatores, presidentes,sub-relatores de CPIs informações de boa qualidade, fundamentadas, e deixando claroesse vínculo de pertinência entre o investigado e o objeto da CPI e, mais ainda, com pelomenos elementos indiciários configurativos, a meu sentir, de causa provável de ilicitude.

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Quando uma CPI fundamenta, de modojuridicamente idôneo, as deliberações com que decreta a quebra de registros sigilosos,observando as exigências constitucionais tão claramente reveladas pela jurisprudênciadesta Suprema Corte, este Tribunal não defere provimentos liminares nem concede man-dados de segurança, eis que, em tais situações, as deliberações da CPI revestem-se deplena legitimidade jurídico-constitucional.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É o que estou ressalvando.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho até que é uma distinção importante a questão da

fundamentação do requerimento e do ato de quebra e de justificações a posteriori, isto é,por via de informações. Não é possível conceber, no plano do Judiciário, que uma senten-ça nula possa ser, amanhã ou depois, legitimada ou aperfeiçoada por informações que ojuiz apresente em mandado de segurança. Isso nunca se viu! Se uma sentença não temfundamentação, não basta o juiz, depois, dar as razões que antes deveria ter dado parajustificar a subsistência do ato. Estou dizendo que devemos estar atentos a essarelevantíssima distinção.

Sr. Presidente, acompanho o voto do Ministro Relator, para conceder a segurança.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senhores Ministros, é bom que tenhamostambém presente – isso é um fato que precisa ser considerado não por nós, evidentemente,mas pela sociedade brasileira – que, na sociedade midiática que vivemos hoje e conside-

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rando a natureza do processo eleitoral brasileiro, a exposição pública de parlamentares fazparte do jogo político. Conheço bem esse tema – creio que o Ministro Sepúlveda Pertencetalvez me socorra – e lembro que um dos volumes da revista forense traz famosas discus-sões que ocorreram na Câmara sobre a CPI Carlos Lacerda.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Antes, a CPI do Banco do Brasil.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Que envolvia o problema Zero Hora,

enfim, em que há longos trabalhos dos parlamentares de então na discussão do tema, emostrando a natureza das CPIs. Ocorre que CPIs que foram instituídas inicialmente comoforma de investigação para auxílio legislativo, ou seja, para conhecimento de uma realidadee, em cima dela, promover atos legislativos, acabaram sendo exclusivamente utilizadas nosentido investigatório. Não estou negando que deva existir, mas a investigação se tornaum objetivo exclusivo, porque essa investigação, no mais das vezes, traz a notoriedade eela traz as condições.

Então, observamos bem que, como estamos, hoje, em uma sociedade midiática eprincipalmente televisiva, o que emociona não é a razão, mas, sim, a imagem, o fato. Ouseja, a mensagem não entra mais pela razão, entra pelo olho. Há um trabalho de GiovanniSartori sobre essa situação, que é extraordinário.

Temos que ter presente que o uso desses instrumentos, absolutamente dignos doparlamento, como as CPIs, não se transforme em instrumentos para fins exclusivos emprocessos eleitorais. Esse é o problema que vivemos. Daí talvez se possa justificar, politi-camente, esses abusos que se fazem, porque o que interessa não é o objetivo da investi-gação, mas o fato de tê-la provocado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É o fenômeno da espetacularização que a mídia enseja, eV. Exa. está fazendo uma advertência muito procedente.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aproveitei o espaço, já que me retiro doTribunal na semana que vem, para fazer essa observação e constatar que o Tribunal estáatento não somente aos casos individuais, mas, sim, à natureza desse conjunto macro decasos que estão a definir um tipo de conduta, como disse o Ministro Gilmar Mendes, queé toda ela desprezível.

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, gostaria apenas de sublinhar o que disse oMinistro Cezar Peluso, sobretudo porque – eu diria – essa não é apenas a posição doSupremo. É o que define a Constituição. Na verdade, não somos mais do que os intérpretesda Constituição. Não dizemos o que pensamos ser assim ou assado. Nós dizemos o quediz a Constituição.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Somos os mais reverentes ao quedecide o Congresso. O Congresso Constituinte promulgou a Constituição, e nós noscurvamos à decisão do Congresso, fazendo cumprir as normas constitucionais.

EXTRATO DA ATA

MS 25.668/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Impetrante: Alexander ForbesBrasil Corretora de Seguros Ltda. (Advogados: Paulo Bezerra de Menezes Reiff e outro e

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Marcos Joaquim Gonçalves Alves). Impetrado: Presidente da Comissão Parlamentar Mistade Inquérito – CPMI dos Correios.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o mandado de segurança, nos termosdo voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificada-mente, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 23 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.699 — PI

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Júlio César de Carvalho Lima — Agravado: Relator do AI 521.466 do

Supremo Tribunal Federal

Agravo regimental. Mandado de segurança. Ausência de impugnaçãodos fundamentos da decisão agravada. Improvimento.

1. A circunstância de as razões do agravo regimental voltarem-secontra os fundamentos da decisão agravada é pressuposto de sua admissibi-lidade, sob pena de não-conhecimento. Precedentes (SS 2.169-AgR, Relator oMinistro Maurício Corrêa, DJ de 2-4-04; SS 2.290-AgR, Relator o Minis-tro Maurício Corrêa, DJ de 30-4-04; STA 3-AgR, Relator o Ministro MaurícioCorrêa, DJ de 30-4-04; e MS 22.041-AgR, Relator o Ministro Celso deMello, DJ de 23-9-94).

Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provi-mento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 12 de junho de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental contra decisão que negouseguimento a mandado de segurança impetrado por Júlio César de Carvalho Lima contrao Relator do AI 521.466, da Segunda Turma deste Tribunal.

2. A decisão agravada fundamentou-se na jurisprudência desta Corte, pacífica nosentido de não admitir mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicionalemanadas das Turmas ou do Plenário. Acrescentou-se, ademais, a manifesta decadênciado direito à impetração. A decisão monocrática do AI 521.466 foi publicada em 9-11-04,protocolada a petição inicial do mandado de segurança em 29-11-05.

3. O Agravante, em seu arrazoado (fls. 185/188), apenas reitera os argumentos quantoao mérito da impetração, sem atacar os fundamentos da decisão recorrida.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): As razões deduzidas pelo agravante não im-pugnam os fundamentos da decisão agravada, limitando-se a rediscutir o mérito daimpetração.

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2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que “(é) pressuposto deadmissibilidade do agravo regimental que suas razões se voltem contra os fundamentosda decisão agravada, sob pena de não ser conhecido” (SS 2.169-AgR, Relator o MinistroMaurício Corrêa, DJ de 2-4-04). No mesmo sentido: SS 2.290-AgR, Relator o MinistroMaurício Corrêa, DJ de 30-4-04; STA 3-AgR, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de30-4-04; e MS 22.041-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 23-9-94.

Nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

MS 25.699-AgR/PI — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Júlio César de CarvalhoLima (Advogados: San Martin Coqueiro Linhares e outro). Agravado: Relator do AI521.466 do Supremo Tribunal Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nostermos do voto do Relator. Impedido o Ministro Celso de Mello. Ausentes, justificada-mente, o Ministro Ricardo Lewandowski e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio.Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barrose Silva de Souza.

Brasília, 12 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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HABEAS CORPUS 82.959 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco AurélioPaciente e Impetrante: Oseas de Campos — Coatores: Superior Tribunal de Justiça

e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Pena – Regime de cumprimento – Progressão – Razão de ser. A pro-gressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso, que, maisdia ou menos dia, voltará ao convívio social.

Pena – Crimes hediondos – Regime de cumprimento – Progressão –Óbice – Art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 – Inconstitucionalidade – Evoluçãojurisprudencial. Conflita com a garantia da individualização da pena – art. 5º,inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, documprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligênciado princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assen-tada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, deferir o pedido de habeascorpus e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros CarlosVelloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. OTribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstituciona-lidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação àspenas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamentodo óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apre-ciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes aoreconhecimento da possibilidade de progressão.

Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça, ao indeferir a ordem nohabeas corpus com o qual se defrontou, assim resumiu as teses sufragadas (folha 31):

Processual Penal. Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Inexistência delesão corporal grave ou morte. Violência presumida. Crime hediondo. Regime inte-gralmente fechado. Art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90. Constitucionalidade. Não revogação pelaLei 9.455/97.

- A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que oscrimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja,mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante

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violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas seremcumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei8.072/90.

- E na linha do pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, consolidou,majoritariamente, o entendimento de que a Lei 9.455/97, que admitiu a progressão do regimeprisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que prevê oregime fechado integral para os chamados hediondos.

- É firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência do STF, nosentido da compatibilidade da norma do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal.

- Habeas corpus denegado.

O Paciente, com a peça de folhas 2 a 7, sustenta: que o ato praticado deveria merecerenquadramento como obsceno e não como atentado violento ao pudor; que a violênciapresumida em relação a vítima menor de quatorze anos não qualifica o crime de atentadoviolento ao pudor como hediondo; a ausência de fundamentação do acórdão proferidopelo Superior Tribunal de Justiça; a impossibilidade de aumento da pena em um sexto, pornão revelar a espécie crime continuado; a incoerência de ter-se progressão no regime decumprimento da pena em se tratando de crime de tortura e não se lograr o mesmo naespécie. Requer a absolvição e, assim não se concluindo, a redução da pena e a progres-são no regime de cumprimento.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é no sentido do indeferimento daordem (folhas 41 e 42).

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os parâmetros objetivos deste habeas sãorevelados ante o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, apenas cabeo exame da questão referente à Lei 8.072/90 e a relativa à alegada falta de fundamentaçãodo que assentado. Quanto ao vício de forma, ou seja, à falta de fundamentação do quedecidido, o acórdão de folhas 23 a 31 noticia a improcedência da articulação. A Corterevelou os fundamentos pelos quais a ordem não se mostrou procedente, citando arestosem torno da matéria. No mais, valho-me de votos proferidos, salientando que este processoesteve em mesa para julgamento na última sessão do primeiro semestre do corrente anojudiciário, havendo ocorrido o adiamento.Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990

Esta matéria conduziu-me a afetar, na forma prevista no art. 22 do Regimento Interno, opresente caso a este Plenário. É que tenho como relevante a argüição de conflito do § 1º do art.2º da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal, considerado, quer o princípio isonômico em sualatitude maior, quer o da individualização da pena previsto no inciso XLVI do art. 5º da Carta,quer, até mesmo, o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendocomo escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste último a observância dadignidade da pessoa humana, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contextorevelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regimemenos rigoroso.

Preceitua o parágrafo em exame que, nos crimes hediondos definidos no art. 1º da citadaLei, ou seja, nos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e naforma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envene-namento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte,

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genocídio, tortura, tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins e, ainda, terrorismo, a pena serácumprida integralmente em regime fechado.

No particular, contrariando-se consagrada sistemática alusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-seentre cidadãos não a partir das condições sócio-psicológicas que lhe são próprias, mas de episódiocriminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cujaformalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimescomo senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da humanização da pena queo regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já entãocom as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à vida continuada emambiente criado para atender a situação das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferecequadro harmônico com a almejada ressocialização.

Senhor Presidente, tenho o regime de cumprimento da pena como algo que, no campo daexecução, racionaliza-a, evitando a famigerada idéia do “mal pelo mal causado” e que sabidamenteé contrária aos objetivos do próprio contrato social. A progressividade do regime está umbilical-mente ligada à própria pena, no que, acenando ao condenado com dias melhores, incentiva-o àcorreção de rumo e, portanto, a empreender um comportamento penitenciário voltado à ordem,ao mérito e a uma futura inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipa-damente, sabe da irrelevância dos próprios atos e reações durante o período no qual ficará longedo meio social e familiar e da vida normal a que tem direito um ser humano; que ingressa em umapenitenciária com a tarja da despersonalização?

Sob esse enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento dapena não é em si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicial-mente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, nointeresse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia-menos-dia receberá de voltaaquele que inobservou a norma penal e, com isso, deu margem à movimentação do aparelhopunitivo do Estado. A ela não interessa o retorno de um cidadão, que enclausurou, embrutecido,muito embora o tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo,objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demonstrando, a mais nãopoder, ser uma quase utopia. Por sinal, a Lei 8.072/90 ganha, no particular, contornos contradi-tórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando aprogressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vidagregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime. Éque, pelo art. 5º da Lei 8.072/90, foi introduzido, no art. 83 do Código Penal, preceito assegurandoaos condenados por crimes hediondos, pela prática de tortura ou terrorismo e pelo tráfico ilícitode entorpecentes a possibilidade de alcançarem a liberdade condicional, desde que não sejamreincidentes em crimes de tal natureza – inciso V. Pois bem, a Lei em comento impede a evoluçãono cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramentocondicional. Descabe a passagem do regime fechado para o semi-aberto, continuando o incurso nassanções legais a cumprir a pena no mesmo regime. No entanto, assiste-lhe o direito de verexaminada a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a doisterços da pena.

Conforme salientado na melhor doutrina, a Lei 8.072/90 contém preceitos que fazempressupor não a observância de uma coerente política criminal, mas que foi editada sob o clima daemoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade.

Por ela, os enquadráveis nos tipos aludidos são merecedores de tratamento diferenciadodaquele disciplinado no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos não às regrasrelativas aos cidadãos em geral, mas a especiais, despontando a que, fulminando o regime deprogressão da pena, amesquinha a garantia constitucional da individualização.

Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado-Juiz, ao fixá-la, está compelido, pornorma cogente, a observar as circunstâncias judiciais, ou seja, os fatos objetivos e subjetivos quese fizeram presentes à época do procedimento criminalmente condenável. Ela o é não em relaçãoao crime considerado abstratamente, ou seja, ao tipo definido em lei, mas por força das circuns-tâncias reinantes à época da prática. Daí cogitar o art. 59 do Código Penal que o juiz, atendendo

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à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, àscircunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só as penasaplicáveis dentre as cominadas (inciso I) como também o quantitativo (inciso II), o regime inicialde cumprimento da pena privativa de liberdade – e, portanto, provisório, já que passível demodificação até mesmo para adotar-se regime mais rigoroso (inciso III) – e a substituição da penaprivativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Dizer-se que o regime de progressão no cumprimento da pena não está compreendido nogrande todo que é a individualização preconizada e garantida constitucionalmente é olvidar oinstituto, relegando a plano secundário a justificativa socialmente aceitável que o recomendou aolegislador de 1984, é fechar os olhos ao preceito que o junge a condições pessoais do próprio réu,dentre as quais exsurgem o grau de culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade,alfim, os próprios fatores subjetivos que desaguaram na prática delituosa. Em duas passagens, oCódigo Penal vincula a fixação do regime às circunstâncias judiciais previstas no art. 59, fazendo-o no § 3º do art. 33 e no inciso II do próprio art. 59. Todavia, ao que tudo indica, receou-se,quando da edição da Lei 8.072/90, que poderia faltar aos integrantes do aparelho judiciário, aosjuízes, aos tribunais, o zelo indispensável à definição do regime e sua progressividade e, aí, alijou-sedo crivo mais abalizado que pode haver tal procedimento.

Assentar-se, a esta altura, que a definição do regime e modificações posteriores não estãocompreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringirgarantia constitucional em detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão aprincípios tão caros em um Estado Democrático como são os da igualdade de todos perante a lei,o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem comum. Apermanência do condenado em regime fechado durante todo o cumprimento da pena não interes-sa a quem quer que seja, muito menos à sociedade que um dia, mediante o livramento condicionalou, o mais provável, o esgotamento dos anos de clausura, terá necessariamente que recebê-lo devolta, não para que este torne a delinqüir, mas para atuar como um partícipe do contrato social,observados os valores mais elevados que o respaldam.

Por último, há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla as restriçõesa serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90 e dentre elasnão é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento da pena. O incisoXLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º – afasta, tão-somente, a fiança, a graça e aanistia para, em inciso posterior (XLVI), assegurar de forma abrangente, sem excepcionar esta ouaquela prática delituosa, a individualização da pena. Como, então, entender que o legisladorordinário o possa fazer? Seria a mesma coisa que estender aos chamados crimes hediondos, e assimenquadrados pela citada Lei, a imprescritibilidade que o legislador constitucional somente colou àsações relativas a atos de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e oEstado Democrático (inciso XLVI). Indaga-se: é possível ao legislador comum fazê-lo? A respostasomente pode ser negativa, a menos que se coloque em plano secundário a circunstância de que aprevisão constitucional está contida no elenco das garantias constitucionais, conduzindo, por issomesmo, à ilação no sentido de que, a contrario sensu, as demais ações ficam sujeitas à regra geralda prescrição. O mesmo raciocínio tem pertinência no que concerne à extensão, pela Lei emcomento, do dispositivo atinente à clemência ao indulto, quando a Carta, em norma de exceção,apenas rechaçou a anistia e a graça – inciso XLIII do art. 5º.

Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, no quedispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida,integralmente, no regime fechado.

As razões acima foram lançadas quando proferi voto no HC 69.657-1/SP, havendoficado vencido na companhia do Ministro Sepúlveda Pertence. O Pleno concluiu de formadiversa. Consigno que continuo convicto da inconstitucionalidade do preceito.Da derrogação da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97

Valho-me também de voto proferido neste Plenário no HC 6.371-0/SP:

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Hoje, tem-se quadro normativo novo, considerada a Lei definidora dos parâmetros alusivosao crime de tortura. Por isso, a matéria está a merecer reflexão.

Nota-se que a Carta de 1988 colocou em pé de igualdade os crimes de tortura, de tráficoilícito de entorpecentes e drogas afins, de terrorismo e os definidos como hediondos, fazendo-omediante preceito que tem o seguinte teor:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia aprática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e osdefinidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e osque, podendo evitá-lo, se omitirem.À luz da repercussão social dos citados crimes e, a partir de enumeração que tem início com

o mais gravoso – o crime de tortura –, obstaculizou-se a concessão de fiança, a graça e a anistia.Pois bem, desse preceito surge a certeza de um tratamento sistemático, observada a isonomia. ALei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, definiu como crimes hediondos o latrocínio (art. 157, § 3º,in fine), a extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º), a extorsão mediante seqüestro e naforma qualificada (art. 159, caput, e § 1º, § 2º e § 3º), o estupro (art. 213, caput, e combinaçãocom o art. 223, caput, e parágrafo único), o atentado violento ao pudor (art. 214 e combinaçãocom o art. 223, caput, e parágrafo único), a epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), oenvenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte(art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal e, ainda, o crime de genocídio (arts.1º, 2º e 3º da Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados. Em relação a eles e,também, no tocante à prática da tortura, ao tráfico de entorpecentes e drogas afins e ao terroris-mo, acrescentaram-se, à impossibilidade de chegar-se à fiança, à graça e à anistia, três outrasregras: a primeira, envolvida na espécie, ou seja, a do cumprimento integral da pena em regimefechado; a segunda, direcionada ao juiz e à necessidade de vir a fundamentar hipótese deinterposição de recurso – da apelação – em liberdade. E a última, referente à prisão temporária deque cuida a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, revelando-a, nos citados crimes, como passívelde alcançar trinta dias, período prorrogável por idêntico espaço de tempo em caso de extrema ecomprovada necessidade. Ora, está-se diante de tratamento próprio, sistemático, quanto a conse-qüências do crime, considerados procedimentos glosados penalmente que encerram, para efeitode tratamento no campo da persecução criminal, um grande todo. No caso da tortura, veio à balhadiploma específico, definidor do respectivo tipo, e aí, em verdadeira correção de rumo no sentidode respeitar-se a Constituição Federal, isso relativamente à individualização da pena, dispôs-sesobre o início do cumprimento da pena em regime fechado, viabilizando-se, assim, a conclusãoacerca de haver sido contemplada a progressão no regime de cumprimento da pena. O legislador,ao prever apenas o início, tão-somente o início, de cumprimento da pena no regime maisrigoroso, sinalizou no sentido da pertinência de fases outras, adentrando-se o regime semi-abertoe o aberto. Logo, exsurgiu disposição contrária ao sistema a que me referi, ao § 1º do art. 2º da Lei8.072, de 25 de julho de 1990. Não faz sentido entender-se que o crime mais grave do rol – o detortura – contemple a aplicação da pena e o cumprimento em regime de progressão, não oadmitindo os demais crimes situados no mesmo sistema. Com inteira razão, consignou a Procurado-ria-Geral da República, em peça subscrita pelo Subprocurador-Geral Cláudio Lemos Fonteles:

14. Ocorre que a recente Lei 9.455/97, que definiu os crimes de tortura, tambémfixou disposições no espaço que lhe foi constitucionalmente conferido, fazendo-o deforma mais amena, na preservação de filosofia compatível com a progressão criminal.Disse, então, no § 7º do art. 1º do cumprimento inicial da pena, no regime fechado.

15. Ora, quando duas leis infraconstitucionais, no espaço próprio que a Constituiçãoconfere-lhes dispor, dispõem diferentemente sobre tratamento que a Constituição quercomum e idêntico às situações – infrações penais – que expressa, há de prevalecer adisposição normativa mais favorável ao réu, pena violar-se o tratamento constitucionalisonômico (folha 148).O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de enfrentar a matéria e assentou, no

julgamento do Recurso Especial 140.617/GO que:REsp – Constitucional – Penal – Execução da pena – Crimes hediondos (Lei

8.072/90) – Tortura (Lei 9.455/97) – Execução – Regime fechado – A Constituição daRepública (art. 5º, XLIII) fixou o regime comum, considerando-os inafiançáveis e

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insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes edrogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A Lei 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica dispondo:

“A pena por crime previsto neste art. será cumprida integralmente em regimefechado” (art. 2º, § 1º).A Lei 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1º-7º:

“O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciaráo cumprimento da pena em regime fechado.”A Lei 9.455/97, quanto à execução da pena, é mais favorável do que a Lei 8.072/90.

Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política.Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a lei dos crimes hedion-dos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes (decisão unânime,Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, havendo participado do julgamento os Minis-tros Vicente Leal, Fernando Gonçalves, Alselmo Santiago e William Paterson – in ConsuLex ano I, 11, de 30 de novembro de 1997).Há de ter-se presente o que Tercio Sampaio Ferraz aponta como “princípio hermenêutico

da unidade da Constituição”, no que direciona à lógica, ao afastamento de conclusões conducentesa verdadeiro paradoxo, e este é revelado com a óptica de encerrar a ordem jurídico-constitucionalbase para tratamento diferenciado de casos a envolver crimes que foram tidos como dotados desemelhante potencial agressivo e, o que é pior, albergando-se tratamento mais favorável, consi-derado o regime de cumprimento de pena, ao mais repugnante, ao mais ofensivo à dignidade dohomem, à própria natureza, como é o de tortura. Neste, condenado o acusado, cumprirá a penade forma progressiva, ou seja, nos regimes fechado, semi-aberto e aberto. Nos demais crimes, denocividade que não suplanta, a toda evidência, a tortura, no que quase sempre é de autoria de quemtem o dever de preservar o direito constitucional, não só do cidadão mas também do preso, àintegridade física e moral – incisos XLVII e XLIX do art. 5º da Carta de 1988 –, a pena serácumprida integralmente no regime fechado.

Verifica-se, na espécie, derrogação tácita do art. 2º da Lei 8.072/90. Em face de incompa-tibilidade decorrente da imposição constitucional de um sistema harmônico de disciplina penal –inciso XLIII do art. 5º – não mais subsiste, por opção político-legislativa-criminal revelada noart. 1º, § 7º, da Lei 9.455/97 (Lei da Tortura) a regra, aliás conflitante com o princípio constitu-cional de individualização da pena – inciso XLVI do mesmo art. 5º –, reveladora do esdrúxulocumprimento da pena, na integralidade, em regime fechado.

Nesse sentido, é a melhor doutrina – Alberto Silva Franco:Vale acentuar que o legislador constitucional, ao estabelecer, no inc. XLIII, do art.

5º da Constituição Federal, restrições, de caráter penal e processual penal, aos delitos alimencionados, deu-lhes um tratamento rigorosamente uniforme, equiparando-os em suadanosidade social. A própria Lei 8.072/90, mesmo estabelecendo restrição ao nível daexecução penal, não prevista no texto constitucional, teve a preocupação de não criardistinções entre as hipóteses constitucionalmente igualadas. Agora, no entanto, há umaseparação bem nítida. De um lado, os crimes hediondos, o terrorismo e o tráfico ilícito deentorpecentes não autorizam o sistema progressivo na execução da pena; de outro, o delitode tortura consagra o referido regime prisional. Essa mudança de perspectiva mostra-semuito mais profunda do que possa, à primeira vista, parecer na medida em que se torna,para efeito de buscar-se a uniformidade de tratamento estabelecida na Constituição Federal,ponto de referência para a ampliação da regra contida na Lei 9.455/97. O ordenamentopenal constitui um sistema racional de normas e, como tal, não suporta contradiçõesinternas. Não há razão lógica que justifique a aplicação do sistema progressivo aos conde-nados por tortura e que, ao mesmo tempo, se negue igual sistema aos condenados porcrimes hediondos. Nem sob o ponto de vista do princípio da lesividade, nem sob o ângulopolítico-criminal, há possibilidade de considerar-se a tortura um fato delituoso menosgrave do que os crimes hediondos ou o tráfico ilícito de entorpecentes. A extensão da regrado § 7º, do art. 1º da Lei 9.455/97, para todos os delitos referidos na Lei 8.072/90, equalizahipóteses fáticas que estão constitucionalmente equiparadas e restabelece, em sua inteireza,

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a racionalidade e a sistematização do ordenamento penal. Além disso, representa umatomada de posição do legislador ordinário em sintonia fina com o texto constitucional(Revista Brasileira de Ciências Criminais 19, página 69.)Destarte, forçoso é concluir pela derrogação, pela Lei 9.455/97, da Lei 8.072/90, ficando

ultrapassada assim a visão extravagante, sob todos os títulos, do integral cumprimento da penaem regime fechado. Concedo a ordem e, portanto, assento que, já agora, a esta altura, consideradoo arcabouço normativo no que norteado pela Carta da República, não temos mais a vigorar opreceito da Lei 8.072/90, que cogitou, no passado, para mim, do cumprimento integral da penano regime fechado.

É como voto, na espécie dos autos.

Do enquadramento do estupro e do atentado violento ao pudor como crimes hediondosNo julgamento do HC 77.480-7/SP, perante a Segunda Turma, tive a oportunidade de

consignar:

Permito-me, no entanto, marcar posição a respeito, tendo em vista o teor do voto doRelator, no que remete a precedente desta Corte, no sentido de ser dispensável para a atração doart. 9º da Lei 8.072/90 a ocorrência de lesão corporal grave ou morte. É que, no referido artigo,deu-se a exacerbação da pena, aumentada de metade. Portanto, a Lei 8.072/90, além de haveralterado o balizamento do art. 214 do Código Penal, elevando-o de dois a sete anos para seis a dezanos, previu, ainda assim, o aumento de metade. Fê-lo, em bom vernáculo, mediante conjugaçãode três artigos, ou seja, dos arts. 214, 223, caput e parágrafo único, e 224 do Código Penal. Valedizer, para que se tenha a pena majorada, indispensável é que, do atentado, haja resultado lesão denatureza grave ou morte e, ainda, que a vítima não tenha mais de catorze anos, seja alienada oudébil mental, conforme previsão do art. 224, conhecendo o agente tal circunstância, ou nãotenha podido, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Somente então é que se chega, emface do acúmulo de circunstâncias negativas, à majoração. Uma vez ocorrido o concurso, naespécie, desses três artigos, a majoração de metade dar-se-á consideradas as penas não do art. 214em si, mas do art. 223, ou seja, de oito a doze anos e de doze a vinte e cinco anos.

Posteriormente, ante o dissenso surgido, o tema veio a Plenário e ora é suscitadonovamente, em virtude da alteração na composição. Fiz ver, então:

Devo dizer que somei o meu voto, no âmbito da Segunda Turma, ao do Ministro Néri daSilveira, estabelecendo, numa interpretação para mim teleológica e sistemática, que a Lei 8.072/90 somente enquadra como hediondos os crimes de estupro e os de atentado violento ao pudorquando cometidos com grave lesão ou seguidos de morte. Ao assim proceder, considerei a próprialei mencionada e, mais do que isso, a ordem natural das coisas, a impossibilidade de colocar, namesma vala, o atentado violento ao pudor e o estupro – sem a grave lesão, sem a morte – e oscrimes com essas qualificadoras. Não há como dar aos preceitos interpretação que leve à incoe-rência – o homicídio simples não é crime hediondo, mas o atentado violento ao pudor, sem asocorrências citadas, o é.

A Lei 8.072/90, no art. 9º, refere-se a outras figuras penais. É sintomático que, apenas emrelação ao estupro e ao atentado violento ao pudor, a norma utilize o vocábulo “combinação”. Ameu ver, esse dado deve ser levado em conta para concluir-se pelo real sentido do dispositivo, noque acaba por agravar a situação do condenado. Isso não implica dizer que esses tipos ficariamapenados de maneira menos acentuada, já que o mínimo para eles previsto é substancial.

Reporto-me ao voto proferido e concluo em consonância com os votos dos MinistrosMaurício Corrêa, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira, distinguindo, portanto, a forma qualifi-cada para, então, ter como incidente o disposto no art. 9º da Lei 8.072/90.

Concedo a ordem para, cassando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal deJustiça, assentar o direito do Paciente à progressão no regime de cumprimento da pena,declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90.

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VOTO(Antecipação)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, fui Relator para o acórdão do HC81.288/SC, em que se discutiu a questão e no qual decidiu o Supremo Tribunal Federal quenão se exige violência grave ou morte para que os crimes de estupro e de atentadoviolento ao pudor sejam considerados crimes hediondos. No presente caso, há também aquestão da inconstitucionalidade ou não do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.

Peço licença a V. Exa., bem assim aos eminentes Colegas que me antecedem, paraantecipar o meu voto.

No julgamento do HC 69.657/SP, Relator para o acórdão o Ministro FranciscoRezek, vencido o Relator originário, Ministro Marco Aurélio, e o Ministro SepúlvedaPertence, decidiu esta Corte:

Ementa: Habeas corpus. Lei dos crimes hediondos. Pena cumprida necessaria-mente em regime fechado. Constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072.

Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação, onde o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072, dos crimeshediondos, impõe cumprimento da pena necessariamente em regime fechado. Não há inconstitu-cionalidade em semelhante rigor legal, visto que o princípio da individualização da pena não seofende na impossibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena: retirada aperspectiva da progressão frente à caracterização legal da hediondez, de todo modo tem o juizcomo dar trato individual à fixação da pena, sobretudo no que se refere à intensidade.

Habeas corpus indeferido por maioria.(DJ de 18-6-93.)

O voto que proferi, quando do citado julgamento, tem o seguinte teor:

Sr. Presidente, na Segunda Turma, tive oportunidade de relatar caso igual e, na ocasião,examinei e decidi alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072, de 1990, queteria, segundo se dizia, violado o preceito constitucional que determina ao juiz que faça aindividualização da pena (HC 69.377/MG).

Minha resposta foi negativa. Entendi que o dispositivo não estaria a infringir a Constitui-ção, sob tal aspecto.

Tenho meditado a respeito do tema. Creio, tal como afirmou o Sr. Ministro FranciscoRezek, que a denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, prestou desserviço ao DireitoPenitenciário, porque ela retira a esperança dos presos, dos sentenciados, e um preso sem espe-rança acaba se revoltando, já que não terá sentido, para ele, o bom comportamento. Não sei seessas últimas rebeliões ocorridas nos presídios têm sido influenciadas por esse dispositivo queestamos a examinar.

Entretanto, repito, Sr. Presidente, não vejo inconstitucionalidade no dispositivo legalobjeto da argüição. Reporto-me, repito, ao voto que proferi na Turma, no HC 69.377/MG, emque examinei a questão. Destaco do aludido voto:

(...)Sustenta, ainda, o Impetrante, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/

90 (Lei dos crimes hediondos), que determina o cumprimento da pena em regime fechado.Também nesta parte, não tem razão o Impetrante, pois o dispositivo impugnado é

compatível com os incisos XLIII e XLVI do art. 5º da Constituição Federal.Dispõem as normas constitucionais:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistiaa prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e osdefinidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executorese os que, podendo evitá-los, se omitirem;

(...)

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XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, asseguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;b) perda dos bens;c) multa;d) prestação social alternativa;e) suspensão ou interdição de direitos;

A Lei 8.072/90, ao estabelecer a obrigatoriedade do regime fechado, em nada preju-dica a individualização da pena, procedida de acordo com as regras do art. 59 do CódigoPenal.

Se o juiz fixou a pena atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social,à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bemcomo ao comportamento da vítima, não se pode negar que individualizou a pena. O fato denão ter podido, livremente, fixar o regime inicial, por força de lei, não caracterizainconstitucionalidade. A Lei 8.072/90 estabeleceu, apenas, exceção à regra do § 2º do art.33 do Código Penal.Com essas breves considerações, peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio, para

acompanhar o voto do Sr. Ministro Francisco Rezek.

A segunda questão é esta: quanto aos crimes de estupro e atentado violento ao pudorexige-se, para que sejam considerados crimes hediondos, violência grave ou morte?

Em dezembro de 2001, o Supremo Tribunal decidiu pela negativa, acompanhando amaioria o voto que então proferi, do seguinte teor:

O Paciente foi condenado pelo crime tipificado no art. 213, c/c os arts. 226, II, 71, caput,e 69, do Código Penal, à pena de 16 (dezesseis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regimefechado. A condenação do paciente foi por ter praticado crime de estupro contra duas vítimas,suas filhas. Está na sentença condenatória:

(...)A filha Patrícia, vítima mais velha, noticiou a ocorrência do primeiro estupro na

comarca de Ibirama, isto quando contava com apenas 11 anos de idade. O ato sexualcriminoso se houve quando sua mãe saiu, não havendo mais ninguém na residência, a nãoser réu e vítima. E assim se sucederam inúmeros crimes, cerca de dois por semana duranteaproximadamente cinco anos, o acusado utilizando-se sempre do mesmo modus operandi,qual seja, com a ausência da esposa, mandava o irmão fazer qualquer tarefa para ficarsozinho na residência com a vítima, quando então ocorria o constrangimento sexual.

Relatou Patrícia, inclusive, que a violência chegou ao ponto do acusado lhe teramordaçado com as vestes da mesma que antes rasgara.

No que se refere à vítima Gisele, com a saída de Patrícia do lar, pelos motivos acimadelineados, o réu, lançando mão de idêntica maneira de execução, passou a estuprá-la coma mesma regularidade, porém durante um lapso temporal de aproximadamente cincomeses.

(...) (Fl. 13.)Sustenta-se, na impetração, que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, conso-

ante entendimento desta Corte, só se caracterizam como hediondos se da violência resultar lesãocorporal de natureza grave ou de morte (fls. 4/7).

O eminente Ministro Maurício Corrêa, Relator, concedeu a ordem para anular os acórdãosproferidos pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 271.167 e pelo Tribunal de Justiça do Estadode Santa Catarina no Ag 3.232-8.

Passo a votar.O acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido no REsp 271.167/SC, Relator o

Ministro Vicente Leal, está assim ementado:Execução penal. Recurso especial. Estupro. Crime hediondo. Comutação

da pena. Indulto. Impossibilidade.

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- O crime de estupro, definido no art. 213 do Código Penal, encontra-se compreen-dido no conceito de crimes hediondos, sendo insusceptível de concessão de indulto, nostermos do art. 2º, I, da Lei 8.072/90.

- Recurso especial não conhecido.(...) (Fl. 45.)

O que se sustenta é que o crime de estupro, para ser considerado como crime hediondo, deledeve resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, o que foi acolhido pelo eminente Relator.Asseverou S. Exa.: “no caso vertente, não considero hediondos os crimes praticados pelo paciente,dado que da violência não resultou lesão corporal de natureza grave ou morte”. Invocou oeminente Relator, ademais, precedentes da Turma: HC 78.305, Néri da Silveira; HC 80.223,Jobim; HC 80.353, M. Corrêa. Esses precedentes cuidam, segundo o eminente Relator, do crimede atentado ao pudor. Todavia, no HC 80.223, Jobim, “decidiu-se, por unanimidade, que tanto oatentado violento ao pudor quanto o estupro, para serem considerados como crimes hediondos,devem resultar em lesão corporal de natureza grave ou morte”.

Abrindo o debate, esclareça-se que a Lei 8.072/90, art. 1º, definiu o estupro como crimehediondo. Posteriormente, essa classificação foi ratificada pelo art. 1º da Lei 8.930, de 6-9-94,que deu nova redação ao citado art. 1º da Lei 8.072/90.

Dispõe o art. 1º, V e VI, da Lei 8.072/90, com redação da Lei 8.930/94:Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no

Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:(...)V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput

e parágrafo único);Por isso, porque o art. 1º da Lei 8.072/90, com a redação da Lei 8.930/94, reza que são

considerados crimes hediondos os crimes de estupro, “art. 213 e sua combinação com o art. 223,caput e parágrafo único” e atentado violento ao pudor, “art. 214 e sua combinação com o art.223, caput e parágrafo único”, há quem sustente que somente se caracterizam como hediondos oestupro e o atentado violento ao pudor quando cometidos mediante violência real, ou,noutras palavras, seriam hediondos somente quando da violência resultar morte ou lesão corporalde natureza grave, na forma do disposto no art. 223 do Código Penal. Então, somente seriamhediondos os tais crimes – estupro e atentado violento ao pudor – quando praticados medianteviolência real e desde que resultasse dessa violência lesão corporal de natureza grave ou morte(art. 223 e seu parágrafo único), afastada, em conseqüência, a presunção de violência do art. 224do Código Penal.

Perfilha esse entendimento, de que o estupro e o atentado violento ao pudor, nas suasformas simples, não são hediondos (FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: RT,4. ed., 2000, p. 235). Em sentido contrário, vale dizer, no sentido de que os delitos de estupro eatentado violento ao pudor, na forma simples, são também hediondos – o registro é de Damásiode Jesus – os seguintes doutrinadores: DELMANTO, Código Penal Comentado. Renovar, 5. ed.,2000, p. 412 e 417; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal, Parte Especial.Saraiva, 1991, III/4 e 5; TORON, Alberto Zacharias. Crimes Hediondos. São Paulo: RT, 1996, p.99; PRADO, Luiz Régis e BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado. RT, 2. ed.,1999, p. 694 (parte anotada por Cezar Roberto Bitencourt); MIRABETE. Código Penal Inter-pretado, Atlas, 2000, p. 1268, n. 214.5 (referindo-se ao atentado violento ao pudor);MIRABETE. Manual de Direito Penal, Parte Geral. São Paulo: Atlas, 1998, I: 135, n. 3.6.22;LEAL, João José. Crimes Hediondos. São Paulo: Atlas, 1996, p. 24 e 76; FERNANDES,Antônio Scarance. Aspectos da Lei dos Crimes Hediondos. São Paulo: 1993, p. 70, nota 2;ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito Penal, Parte Especial: RT, 1995, p. 545. (JESUS,Damásio de, “Estupro e atentado violento ao pudor, nas formas típicas simples, são hediondos”,in RT 789/506 e www.damasio.com.br, fev. 2001). O próprio Damásio deixa expresso que essa éa sua posição (Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 10. ed., 2000, p. 700), lecionando quea Lei 8.072/90 “é clara ao fazer referência aos nomes dos delitos e respectivos dispositivos:crimes de estupro e atentado violento ao pudor, previstos nos arts. 213 e 214 do Código Penal.

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Lembrou-se o legislador das formas qualificadas pelo resultado do art. 223, caput e parágrafoúnico. Por isso, depois de indicar o nomen juris e o número das disposições incriminadoras,mencionou as figuras qualificadas. Não diz, por exemplo, “estupro em sua combinação com o art.223”, mas “estupro e sua combinação (...)” (destaque nosso). Quer dizer, crime de estupro simplese qualificado.” (Ob. e loc. cits.).

Estou em que a razão está com a maioria dos doutrinadores: os crimes de estupro e deatentado violento ao pudor, tanto na sua forma simples, Código Penal, arts. 213 e 214, quanto naqualificada, Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único, são hediondos, ex vi do disposto naLei 8.072/90, art. 1º, V e VI.

O que deve ser considerado é que tais crimes são tratados, na Lei 8.072/90, art. 1º, V e VI,com a redação da Lei 8.930/94, nas suas formas simples e qualificadas, com caráter autonômico.

Saliente-se, por primeiro, que a conjunção “e” – estupro (art. 213 e sua combinação como art. 223, caput...), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223,caput...) –, conjunção coordenativa aditiva, dá a idéia de soma, acréscimo, assim de termosautônomos. No caso, o que está na lei é isto: são crimes hediondos o estupro tipificado no art. 213do Código Penal e sua combinação com o art. 223, vale dizer, e o estupro qualificado, o mesmodevendo ser dito relativamente ao atentado violento ao pudor.

Dir-se-á: para que o acréscimo, dado que, se considerados hediondos o estupro e o atentadoviolento ao pudor, nas suas formas simples, a fortiori as suas formas qualificadas também oseriam? É que, em Direito Penal, tem vigência o princípio da reserva legal, princípio esse que, naordem jurídica brasileira, tem status constitucional: CF, art. 5º, XXXIX: não há crime sem leianterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Em tema de crime e de pena não écondenável, portanto, o excesso na tipificação.

O entendimento que sustentamos mais se reforça se combinarmos o art. 1º, V e VI, com oart. 6º, ambos da Lei 8.072/90. É que o art. 6º majorou as penas dos crimes nela tipificados, assimdos crimes de que cuidamos, tanto nas suas formas simples quanto nas qualificadas – Código Penal,arts. 213, 214 e 223 –, sem distingui-los, a indicar que, na verdade, a utilização, nos incisos V e VIdo art. 1º, da conjunção coordenativa “e”, tem o sentido de adição, soma, acréscimo. É dizer, sãohediondos os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, nas suas formas simples e nas suasformas qualificadas: art. 213 e sua combinação com o art. 223 (...) art. 214 e sua combinação como art. 223 (...)

Deve ser considerado, ademais, que o núcleo do tipo objetivo do crime de estupro – CódigoPenal, art. 213 – é constranger mulher à conjunção carnal, ou seja, forçar mulher à conjunçãocarnal mediante violência ou grave ameaça. No atentado violento ao pudor o mesmo pode serdito relativamente a alguém, vale dizer, constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,a praticar ou permitir que com esse alguém se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal(Código Penal, art. 214).

No tipo objetivo de ambos os crimes – estupro e atentado violento ao pudor – estápresente a violência ou a grave ameaça, a deixarem na vítima seqüelas morais graves. Escrevendosobre o crime de estupro, lecionou a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul, que “a hediondez do estupro está na sua prática e não nas seqüelas de ordemfísica que possa ter provocado na vítima. Trata-se de delito complexo que, além de atentar contraa liberdade sexual da mulher, agride sua integridade física, emocional e mental. A essência do crimeé o uso da violência na prática do ato sexual indesejado, não havendo a possibilidade de se tercomo qualificativo de maior ou menor hediondez a ocorrência de lesões corporais ou a morte.” Eacrescenta: “Ora, não são meras conseqüências de ordem física que caracterizam o estupro comocrime hediondo, mas sim as seqüelas de ordem psíquica e emocional que marcam a mulher para oresto da vida, ainda que de forma invisível.” (DIAS, Maria Berenice. “Estupro, crime duplamentehediondo”, Correio Braziliense, Caderno “Direito e Justiça”, 27-8-01).

No julgamento do HC 77.480, por mim relatado, decidiu a Segunda Turma:Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Atentado violento ao pudor:

crime hediondo. Lei 8.072/90, art. 1º, VI.I - A hipótese cuida de atentado violento ao pudor contra menor de 3 (três) anos de

idade, considerado crime hediondo, nos termos do art. 1º, VI, da Lei 8.072/90.

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II - Para a aplicação da majorante prevista no art. 9º da Lei 8.072/90, nos casos deatentado violento ao pudor, não se exige a ocorrência de lesão grave ou morte (HC74.780-RJ, Min. Maurício Corrêa, DJ de 6-2-98 e HC 76.004, Min. Ilmar Galvão, DJ de19-5-98).

III - HC indeferido.(RTJ 169/993.)No meu voto, invoquei o decidido pela Primeira Turma no HC 76.004/RJ, Relator o

Ministro Ilmar Galvão.Do exposto, com a vênia do Sr. Ministro Relator, indefiro o writ.

(DJ de 25-4-03.)

Quero ressaltar, Sr. Presidente, o magnífico voto proferido, no julgamento do citadoHC 81.288/SC, pela eminente Ministra Ellen Gracie.

De todo o exposto, com a vênia devida ao nobre Relator, reportando-me ao decididono HC 69.657/SP e no HC 81.288/SC, indefiro o writ.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, acompanho a divergênciamanifestada pelo eminente Ministro Carlos Velloso, no que tange à caracterização, comohediondez, dos crimes de atentado violento ao pudor e de estupro.

No tocante, porém, à inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072, acompanhoo eminente Ministro Marco Aurélio. A Constituição, quando tratou da individualização dapena, o fez depois de falar sobre os crimes hediondos, e, se o regime de execução da penaé integralmente fechado, parece-me que teremos a hediondez desse regime. Ou seja, oEstado estará praticando a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente.

Por isso, Ministro Marco Aurélio, eu o acompanho inclusive por outro tipo deconsideração. O Direito é cada vez mais permeado daquela técnica de convencimento dosseus destinatários, que Norberto Bobbio chama de “sanção premial”, quer dizer, um direitoque acena cada vez mais com promessas de recompensa do que com ameaças de castigo.Isso se aplica também ao regime das execuções das penas. É possível estimular a condutasocialmente desejável, com mais eficácia, pelo prêmio ou pela recompensa do quedesestimular a conduta socialmente indesejável pelo castigo.

Então, filosoficamente e com base no princípio constitucional da individualizaçãoda pena, defiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 82.959/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: Oseas deCampos. Coatores: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo.

Decisão: Apresentado o feito em mesa pelo Relator, o julgamento foi adiado. Presi-dência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 1º-7-03.

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, e Carlos Britto, quedeferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e

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assentar o direito do paciente à progressão no regime de cumprimento da pena, e dosvotos dos Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, indeferindo-a, pediu vista oMinistro Cezar Peluso. Presidência do Ministro Maurício Corrêa.

Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie,Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Claudio Lemos Fonteles.

Brasília, 6 de agosto de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, o Paciente e Impetrante foi acusado daprática do delito previsto no art. 214, c/c os arts. 224, § 1º, I, 226, III, e 71, todos do CódigoPenal. Condenado, interpôs apelação, julgada pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, que lhe deu parcial provimento para reduzir a pena a 12 anos e 3meses de reclusão, mantido o regime integral fechado para o seu cumprimento (fl. 23).

Em writ impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça (HC 23.920), argumentouo Impetrante que o crime pelo qual fora condenado não poderia ser considerado hedion-do, já que dele não resultara lesão corporal grave nem morte, tendo sido praticado apenascom violência presumida. Sustentou, outrossim, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, daLei 8.072/90, que veda a progressão de regime, acrescentando, em alternativa, que talnorma teria sido revogada pela Lei 9.455/97.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça indeferiu a ordem nos termos do votodo e. Min. Vicente Leal, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

Processual Penal. Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Inexistência de lesãocorporal grave ou morte. Violência presumida. Crime hediondo. Regime integralmente fechado.Art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90. Constitucionalidade. Não revogação pela Lei 9.455/97.

- A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que oscrimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja,mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados medianteviolência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas seremcumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei8.072/90.

- E na linha do pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, consolidou,majoritariamente, o entendimento de que a Lei 9.455/97, que admitiu a progressão do regimeprisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que prevê oregime fechado integral para os chamados crimes hediondos.

- É firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência do STF, nosentido da compatibilidade da norma do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal.

- Habeas corpus denegado.(DJ de 17-2-03.)

É contra este v. acórdão que se insurge agora o Impetrante, reclamando, conforme orelatório, que o ato deveria ser considerado obsceno, e não atentado violento ao pudor; quea violência presumida contra menor de quatorze anos não qualificaria o crime como hedi-ondo; que haveria ausência de fundamentação no acórdão proferido pelo Superior Tribunal

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de Justiça; que não quadraria aumento da pena em um sexto, por não ser a espécie crimecontinuado; e que seria incoerente a admissão de progressão de regime no cumprimento depena por crime de tortura e não nos crimes hediondos.

Remete-se a julgados do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais “os crimesde estupro e atentado violento ao pudor, na modalidade ficta (com violência presumida)não são considerados crimes hediondos” (HC 9.345; HC 11.537; REsp 203.580), e a Lei9.455/97 alcança a pena dos crimes previstos na Lei 8.072/90, autorizando a progressão noregime de cumprimento (HC 10.658).

Solicitadas informações, o Superior Tribunal de Justiça enviou cópia integral doacórdão proferido no HC 23.920.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo indeferimento da ordem.Já votaram os Ministros Marco Aurélio, Relator, Carlos Velloso e Carlos Britto. O

Relator, no sentido da concessão da ordem por não ser hediondo o crime de atentadoviolento ao pudor na forma simples. O Min. Carlos Velloso, em antecipação de voto, épelo indeferimento, nos termos do precedente da Corte no HC 81.288. O Min. CarlosBritto, pelo deferimento, quanto à declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2ºda Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime.

2. Pedi vista para exame mais cauteloso de ser, ou não, o crime de atentado violentoao pudor, na forma simples, considerado hediondo, e da vedação da progressão de regime.

2.1 Quanto à primeira questão, cumpre atentar na evolução no trato legislativo docrime de atentado violento ao pudor.

Na redação original do Código Penal, a pena cominada ao crime previsto no art. 214era a de reclusão de 2 (dois) a 7 (sete) anos.

Com a edição da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), foi-lhe acres-centado parágrafo único para punir mais severamente o autor do crime quando praticadoem prejuízo de vítima menor de 14 (quatorze) anos, caso em que a pena seria de 3 (três)a 9 (nove) de reclusão.

A entrada em vigor desta lei foi protraída para 13 de outubro de 1990 e, durante avacatio, veio a lume a Lei 8.073/90 – Lei dos Crimes Hediondos –, que, no art. 6º, determi-nou o aumento dos limites máximo e mínimo da pena do crime de atentado violento aopudor na forma simples, os quais passaram a ser de 6 a 10 anos de reclusão.1 Essa leientrou em vigor em 25 de julho de 1990 e, em vários dispositivos, tratou do crime deatentado violento ao pudor, verbis:

Art. 1º São considerados hediondos os crimes de (...); atentado violento ao pudor (art. 214e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (...).

Art. 6º Os arts. (...); 213, 214, 223, caput e seu parágrafo único; (...) passam a vigorar coma seguinte redação.

1 E, ainda, indevidamente igualou as penas cominadas ao crime de estupro e ao crime de atentadoviolento ao pudor.

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Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. (...) 214 e suacombinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas demetade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquerdas hipóteses referidas no art. 2242 também do Código Penal.

A pena originária para o crime de atentado violento ao pudor foi, assim, triplicadaem seu mínimo legal.

O aparente conflito entre as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente eaquelas previstas na Lei dos Crimes Hediondos resolveu-se, não sem considerável con-trovérsia, pelo entendimento de revogação tácita dos parágrafos acrescidos aos arts. 213e 214 do Código Penal, que acabaram expressamente revogados pela Lei 9.281/96.

Antes dessa revogação expressa e em virtude da controvérsia, foi editada a Lei8.930/94, que deu nova redação ao art. 1º da Lei 8.072/90, alterando a redação originária,que passou a esta, no que interessa ao caso:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

(...)VI - atentado violento ao pudor (art. 2143 e sua combinação com o art. 223, caput e

parágrafo único4).

Não houve alteração substancial no que tange à matéria sub judice.Aqui, foi o Paciente condenado pelo crime definido no art. 214, c/c o disposto no art.

224, letra a, ambos do Código Penal, ou seja, na modalidade de violência presumida ouficta, em razão da menoridade da vítima – ou seja, a condenação deu-se pela prática docrime de atentado violento ao pudor na forma simples (art. 214 do CP).

Tal crime não poderia ser considerado hediondo, segundo sustenta o Impetrante, àmedida que o inciso VI do art. 1º da Lei 8.072/90 somente teria atribuído essa qualidade àsformas qualificadas do atentado, isto é, àquelas descritas no art. 223, caput e parágrafoúnico, do Código Penal, o mesmo sucedendo com a causa de aumento de pena prevista noart. 9º da Lei 8.072/90.

A questão já foi tema de aceso debate nesta Corte, merecendo análise o acórdão doPlenário nos autos do HC 81.288-1 (Relator para acórdão o Min. Carlos Velloso, julgadoem 17-12-01) e que é precedente decisivo na matéria.

Vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira eMarco Aurélio, decidiu-se ali que:

2 “Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (quatorze) anos; b) é alienada oudébil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecerresistência.”3 “Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que comele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”4 “Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12(doze) anos. Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte ecinco) anos.”

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Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples – CódigoPenal, arts. 213 e 214 – como nas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único),são crimes hediondos. Leis 8.072/90, redação da Lei 8.930/94, art. 1º, V e VI.(HC 81.228, julgado em 17-12-01, DJ de 25-4-03.)

A tese vencedora contou com os votos dos Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie,Ilmar Galvão, Nelson Jobim, Sydney Sanches, Celso de Mello e Moreira Alves.

A discussão centrou-se no valor semântico da conjunção “e” constante do incisoVI do art. 1º da Lei 8.072/90: “atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação como art. 223, caput e parágrafo único)”.

Para a douta maioria, a conjunção “e”, coordenativa aditiva, daria a idéia de soma e,como tal, indicaria que tanto o atentado violento ao pudor na forma simples quanto oqualificado por morte ou lesão corporal grave seriam considerados hediondos para osfins da Lei 8.072/90.

O entendimento seria reforçado pelo fato de que o disposto no art. 6º da Lei 8.072/90(que aumentou a pena originariamente prevista para os crimes de estupro e atentadoviolento ao pudor na redação do Código Penal), aumentando as penas, assim das figurassimples, como das qualificadas, estaria a predicar que a conjunção “e”, nos incisos V e VIdo art. 1º, guardaria alcance de soma, acréscimo (fls. 281-2).

Por outro lado, quando o legislador quis considerar hediondos somente as figurasqualificadas de alguns delitos (v.g., extorsão, roubo, epidemia), tê-lo-ia feito de forma clara.No caso do estupro e do atentado violento ao pudor, porém, a adjetivação de hediondoestendeu-se às duas formas: simples e qualificada (fls. 285 e 305). Além disso, excetuado opróprio homicídio, não haveria, no Código Penal, previsão de comportamento mais agressivoe nefasto (fl. 285).

Os votos vencidos professaram, todavia, que as normas incriminadoras se sujeitamà interpretação estrita, vedadas analogia e interpretação extensiva em dano do acusado(fl. 267):

ainda que se desenvolva raciocínio adstrito à interpretação literal, exsurge que a conjunçãoe, contida na expressão “e sua combinação com” estampada no inciso V do art. 1º da Lei dosCrimes Hediondos, equivale e dizer “combinado com”. Não havendo combinação com aqualificadora que define a hediondez, o delito simples não pode ser considerado hediondo.(Fl. 268.)

Isso porque:

não se mostra razoável, ante a axiologia jurídico-penal, que uma ação delitiva na figurasimples, punível com reclusão de 6 a 10 anos, seja considerada como da mesma natureza hediondaatribuída à sua forma qualificada, também punível com reclusão que varia de 8 a 12 anos (quandoresulta lesão corporal grave) e de 12 a 25 anos (quando resulta morte).(Min. Maurício Corrêa, fl. 269, cf. precedentes aí citados: HC 80.353, Rel. Min.Maurício Corrêa; HC 80.479 e HC 80.223, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 78.305-4,Rel. Min. Néri da Silveira.)

Concluiu o Min. Maurício Corrêa:

De qualquer sorte, é regra básica de hermenêutica que a lei não contém palavras inúteis. Sea norma tencionasse qualificar como hedionda qualquer espécie de estupro, teria feito referência

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apenas e tão-somente ao tipo com a indicação isolada, entre parênteses, do dispositivo penal –estupro (art. 213) –, tornando-se absolutamente desnecessária a explicação que acompanha, nalei vigente, o nomen iuris – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput eparágrafo único).(Fl. 273, grifei.)

O Min. Sepúlveda Pertence ponderou:

Não consigo entender, para incluir mais um delito nesse rol infeliz dos crimes hediondos,ser necessário fazer referência – ainda que com uma redação, confesso, infeliz – à formaqualificada de um delito, se a forma simples já merecesse o fogo do inferno dos crimeshediondos .(Fl. 323, grifei.)

O Min. Marco Aurélio aduziu:

numa interpretação para mim teleológica e sistemática, que a Lei 8.072/90 somenteenquadra como hediondo os crimes de estupro e o de atentado violento ao pudor quando cometidoscom grave lesão ou seguidos de morte. Ao assim proceder, considerei a própria lei mencionada e,mais do que isso, a ordem natural das coisas, a impossibilidade de colocar na mesma vala oatentado violento ao pudor e o estupro – sem a grave lesão, sem a morte – e os crimes com essasqualificadoras. Não há como dar aos preceitos interpretação que leve à incoerência – o homicídiosimples não é crime hediondo, mas o atentado violento ao pudor, sem as ocorrências citadas, o é. (Fl. 338.)

2.2 Data venia, tenho que a interpretação acertada é a que reputa hediondo somenteo atentado violento ao pudor – raciocínio que se estende ao crime de estupro – qualificadopelo resultado morte ou lesão corporal.

A leitura do rol dos crimes considerados hediondos mostra-nos que o legisladorreservou tratamento mais severo, na maior parte das hipóteses, às formas mais graves dosdelitos que previu:

a) homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, aindaque cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 1º, I);

b) latrocínio, que é figura qualificada pelo resultado do crime e roubo (art. 157, § 3º,in fine, do CP) (art. 1º, II);

c) extorsão qualificada pela morte (art. 1º, III);d) extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 1º, IV);e) epidemia com resultado morte (art. 1º, VII);f) falsificação, corrupção, adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais (art. 1º, VII-B).Quanto aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, guardou o nomen iuris

dos crimes, abrindo, em seguida, parêntese para especificar, nos dois casos e após remis-são aos respectivos artigos do Código Penal (arts. 213 e 214), “e sua combinação com oart. 223, caput e parágrafo único.”

Alberto Silva Franco, apoiando-se nos ensinamentos do Des. Geraldo Roberto deSouza, entende que as figuras simples, tanto do estupro como do atentado violento aopudor, não foram considerados crimes hediondos pela Lei 8.072/90:

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E sobram razões no sentido desse entendimento, conforme considerações feitas pelo Des.Geraldo Roberto de Souza, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nesses termos:

(...)Já houve interpretação no sentido de que o tipo básico (estupro e atentado violento ao

pudor) também deva ser considerado crime hediondo. Não é a melhor exegese. O legislador, nessecaso, deixou antes e fora dos parênteses só o nomen iuris (estupro, atentado violento ao pudor);abriu imediatamente o parêntese, significando que introduziu esclarecimento, explicação a essestermos, obviamente por não lhe bastar a citação pura e simples do nomen iuris do tipo penal.Aberto o parêntese, o legislador menciona os números dos artigos (213 e 214, respectivamente),mas não é só o que pretende explicar, pois acrescenta “e sua combinação com o art. 223, capute parágrafo único”. A novidade é esta expressão grifada, que formalmente (e em virtude daconjunção aditiva e) parece somar aos arts. 213 e 214 as formas qualificadas do caput do art. 223(resultado: lesão corporal grave) e do parágrafo único (resultado: morte). Mas na verdade a novaexpressão é conceitualmente a mesma que combinado com, muito mais usada na linguagemjurídica, tanto na doutrina, como na jurisprudência e na lei. Não se trata, portanto, de coordena-ção entre substantivos, mas de verdadeira subordinação de categorias diversas. O fato mesmo deo legislador não ter aposto o termo caput ao número dos arts. 213 e 214, como fez antes noinciso IV com o art. 159 e agora faz com o art. 223; e de não ter acrescido ao nomen iuris aexpressão e na forma qualificada, antes e fora do parêntese, como antes fez no inciso IV, denotaque não está relacionando com o tipo básico (estupro e atentado violento ao pudor) as formasqualificadas do art. 223 e do seu parágrafo único, como se fossem figuras somadas, mas, aocontrário, está integrando a redação do tipo básico com as orações subordinadas que compõem ocaput e o parágrafo único do art. 223, assim: “Constranger mulher à conjunção carnal, medianteviolência, pena tal, se da violência ou do fato resulta respectivamente lesão corporal de naturezagrave ou morte”. Em suma, aquele e sua combinação com, a saber, a combinação do teor do tipobásico com o teor de suas formas qualificadas, vale o mesmo que “extorsão qualificada” (substan-tivo adjetivado), como se o legislador tivesse redigido “estupro combinado com” ou “estuproqualificado” (substantivo + adjetivo), figura una.

Não importa que a redação original no art. 1º da Lei 8.072/90 tenha escrito caput emseguida ao art. 213. Já não escrevera em seguida ao art. 214. Sua aposição hoje seria até indevida,porque esses artigos estão sem incisos e sem parágrafo. É verdade que, à época da redação originaldo art. 1º da Lei 8.072/90, os arts. 213 e 214 apresentavam um parágrafo único, que foi revogadoem 1996, mas o que conta é a redação atual e a interpretação de que o e depois dos arts. 213 e 214,na Lei dos Crimes Hediondos, não soma as formas qualificadas ao tipo básico, mas apenasparticipa de redação inovadora, que substitui a forma mais corrente e usual de “combinado com”ou mesmo “qualificado”, por “e sua combinação com”.

De outra parte, é indiferente que o art. 9º da Lei 8.072/90 tenha mantido o termo caputdepois do art. 213. As considerações acima se sustêm, mesmo porque não teria cabimento que umdispositivo que apenas determina uma causa de aumento de pena (art. 9º) viesse modificar aclassificação dos crimes hediondos estabelecida por art. específico (o art. 1º), tão-só por inadver-tência de sua redação que deveria ter sido igualmente alterada pela Lei 8.930/94, como foi o art.1º da Lei 8.072/90.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado, de forma quase pacífica, que o art.9º da Lei 8.072/90 só é aplicável em relação ao estupro qualificado pelo resultado e não ao estuprosimples, o que significa que aquele é hediondo e este não exibe esse rótulo (...).5

O que me reforça o convencimento e, desde o princípio, relevou-me a atenção, foi acombinação de duas circunstâncias. A primeira, a imperatividade da interpretação restritade normas que reduzam a amplitude de direitos fundamentais, in casu a liberdade individual,sobretudo daquelas que instituem o mais rigoroso regime jurídico-penal vigente no País, as

5 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000. p. 237-8.

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da Lei 8.072/90. A segunda, o fato mesmo de a discussão ter desnudado a complexidade eas dificuldades teóricas do tema, como tais de todo em todo incompatíveis com a idéia deum sentido normativo claro, que prescindisse do recurso ao velho princípio da soluçãohermenêutica mais favorável à liberdade. O acórdão proferido no autos do HC 81.288,desenvolveu-se por longas setenta e sete páginas. Ora, ninguém alterca por quase oitentapáginas para provar o apodítico! Então, é que dúvida havia e, séria, devia ser resolvidapro libertate.

3. De todo modo, o tema não se resume ao disposto no inciso VI do art. 1º da Lei 8.072/90, mas encerra questão da aplicabilidade da causa de aumento da penas, prevista no art. 9º,ao crime de atentado violento ao pudor:

Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. (...) 214 e suacombinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acresci-das de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima emqualquer das hipóteses referidas no art. 2246 também do Código Penal.(Grifos nossos.)

Tal causa de aumento da pena, pelas mesmas razões, aplica-se tão-somente ao crimede atentado violento ao pudor qualificado pelo resultado (morte ou lesões corporaisgraves), ou, o que é dizer o mesmo, somente quando seja praticado o crime descrito no art.214, c/c o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal.

4. Sustenta o Impetrante, ainda, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90,7 que veda a progressão de regime, sem prejuízo da alegação de que o dispositivo teriasido revogado pela Lei 9.455/97.

O texto é o seguinte:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogasafins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;II - fiança e liberdade provisória;§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em

regime fechado.§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá

apelar em liberdade.(Grifei.)

Em 1992, o Plenário fixou precedente no julgamento do HC 69.657/SP, que recebeua seguinte ementa:

Habeas corpus. Lei dos Crimes Hediondos. Pena cumprida necessariamente em regimefechado. Constitucionalidade do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072.

6 “Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (quatorze) anos; b) é alienada oudébil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecerresistência.”7 Sobre os “equívocos e casuísmos” de que padece a Lei 8.072/90 desde suas origens até sua redaçãoatual, vale a pena a leitura de LEAL, João José. Lei dos crimes hediondos ou direito penal da severidade:12 anos de equívocos e casuísmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 40, p. 154 et seq, out/dez.2002.

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Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação, onde o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, doscrimes hediondos, impõe o cumprimento da pena necessariamente em regime fechado. Não háinconstitucionalidade em semelhante rigor legal, visto que o princípio da individualização da penanão se ofende na impossibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena: retirada aperspectiva da progressão frente à caracterização legal da hediondez, de todo modo tem o juizcomo dar trato individual à fixação da pena, sobretudo no que se refere à intensidade.

Habeas corpus indeferido por maioria.

Nesse julgamento, ficaram vencidos o Relator, Min. Marco Aurélio, e o Min.Sepúlveda Pertence. O Relator para o acórdão foi o Min. Francisco Rezek, acompanhadopor Moreira Alves, Néri da Silveira, Octavio Gallotti, Paulo Brossard, Celso de Mello,Carlos Velloso e Ilmar Galvão.

A tese vencedora subtraiu ao âmbito do princípio da individualização da pena omomento da execução, limitando-o ao ato da dosimetria.

Mas o Min. Marco Aurélio ponderou, a meu juízo, com razão, que:

Assentar-se, a esta altura, que a definição do regime e modificações posteriores não estãocompreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringirgarantia constitucional em detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão aprincípios tão caros em um Estado Democrático como são os da igualdade de todos perante a lei,o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem comum. Apermanência do condenado em regime fechado durante todo o cumprimento da pena não interessaa quem quer que seja, muito menos à sociedade que um dia, mediante o livramento condicional ou,o mais provável, o esgotamento dos anos de clausura, terá necessariamente que recebê-lo devolta, não para que este torne a delinqüir, mas para atuar como um partícipe do contrato social,observados os valores mais elevados que o respaldam.

(...)Por último, há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla as restrições

a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90 e dentre elasnão é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento da pena.(Fl. 420.)

E advertiu o Min. Sepúlveda Pertence:

De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão danatureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquemcoisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução.

E não ilide essa minha convicção o inciso XLVIII do art. 5º, que diz respeito ao estabele-cimento penitenciário em que se cumprirá a privação da liberdade e não às formas alternativas doaprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão da pena.(Fl. 437.)

O entendimento vencedor tampouco escapou à censura doutrinária. Maria LúciaKaram foi incisiva a respeito:

Os argumentos, acenados pela corrente que se tornou prevalecente no Supremo TribunalFederal, no sentido de que o princípio da individualização se satisfaria e se esgotaria na definiçãoda quantidade da pena, não impedindo que o legislador ordinário retirasse do juiz qualquerdiscricionariedade na fixação do regime prisional, simplesmente excluem a execução da penaprivativa de liberdade do alcance daquele princípio.

Com isso, subtrai-se campo de atuação à norma constitucional, assim, inquestionavelmente,sendo-lhe retirada eficácia, para permitir ao legislador ordinário uma regulação da execução dapena privativa de liberdade à margem da ordem constitucional, como se, exatamente ali, onde a

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pena encontra seu momento de maior concreção, fosse autorizado ao legislador ordinário ignorara particularização operada na pena concretamente imposta, para, com disposições de carátergenérico, retornar ao momento anterior de sua cominação abstrata, como se o comando constitu-cional que lhe determina assegurar a individualização da pena pudesse, exatamente neste momentode maior concreção, de maior personalização, ser pura e simplesmente afastado.8

A Constituição Federal, ao criar a figura do crime hediondo, assim dispôs no art. 5º,XLIII:

a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura,o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimeshediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, seomitirem.(Grifei.)

Excepcionou, portanto, de modo nítido, da regra geral da liberdade sob fiança e dapossibilidade de graça ou anistia, dentre outros, os crimes hediondos, vedando-lhesapenas com igual nitidez: a) a liberdade provisória sob fiança; b) a concessão de graça;c) a concessão de anistia.

Não fez menção nenhuma a vedação de progressão de regime, como, aliás – é bomlembrar –, tampouco receitou tratamento penal stricto sensu (sanção penal) mais severo,quer no que tange ao incremento das penas, quer no tocante à sua execução.

Preceituou, antes, em dois incisos:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes(...);

(...)XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do

delito, a idade e o sexo do apenado.(Grifei.)

É, pois, norma constitucional que a pena deve ser individualizada, ainda que noslimites da lei, e que sua execução em estabelecimento prisional deve ser individualizada,quando menos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

Evidente, assim, que, perante a Constituição, o princípio da individualização dapena compreende: a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamentecominada no preceito secundário da norma penal; b) individualização da pena aplicada emconformidade com o ato singular praticado por agente em concreto (dosimetria da pena);c) individualização da sua execução, segundo a dignidade humana (art. 1º, III), o compor-tamento do condenado no cumprimento da pena (no cárcere ou fora dele, no caso dasdemais penas que não a privativa de liberdade) e à vista do delito cometido (art. 5º,XLVIII).

Logo, tendo predicamento constitucional o princípio da individualização da pena(em abstrato, em concreto e em sua execução), exceção somente poderia ser aberta pornorma de igual hierarquia nomológica.

8 KARAM, Maria Lúcia. Regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade. In: Escritos emhomenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 315-6.

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“A imposição de um regime único e inflexível para o cumprimento da pena privativade liberdade”, nota Maria Lúcia Karam, “com a vedação da progressividade em suaexecução, atinge o próprio núcleo do princípio individualizador, assim, indevidamenteretirando-lhe eficácia, assim indevidamente diminuindo a razão de ser da norma constitu-cional que, assentada no inciso XLVI do art. 5º da Carta de 1988, o preconiza e garante”.9

Já sob este aspecto, falta, pois, legitimidade à norma inserta no § 1º do art. 2º da Lei8.072/90.

Mas não é só.Quando o constituinte reservou o tratamento excepcional (no sentido primário de

exceção) aos crimes hediondos, não lhes vetou progressão de regime (forma deindividualização da execução da pena), nem impôs outra restrição qualquer à incidênciada regra da individualização.

J. J. Gomes Canotilho, ao cuidar do regime das leis restritivas de direitos funda-mentais, ensina que compreende ele três instâncias: 1ª) delimitação do âmbito de proteçãoda norma; 2ª) averiguação do tipo, da natureza e da finalidade da restrição; e 3ª) controleda observância dos limites estabelecidos pela Constituição às leis restritivas (problemado limite de limites).10 Tais instâncias funcionam como critérios de interpretação-aplica-ção das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

Dentro do âmbito da 3ª instância – limite de limites – enquadra-se a exigência deautorização de restrição expressa, que, nas palavras do eminente constitucionalistaportuguês, “tem como objectivo obrigar o legislador a procurar sempre nas mesmasnormas constitucionais o fundamento concreto para o exercício de sua competência derestrição de direitos, liberdades e garantias, e criar segurança jurídica nos cidadãos, quepoderão contar com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casosexpressamente considerados pelas normas constitucionais como sujeitos a reserva delei restritiva.” E, acrescenta, “a exigência de autorização constitucional expressa visaexercer uma função da advertência (Warnfunktion) relativamente ao legislador, tornando-o consciente do significado e alcance da limitação de direitos, liberdades e garantias, econstituir uma norma de proibição, pois sob reserva de lei restritiva não se poderãoenglobar outros direitos salvo os autorizados pela Constituição.”11

A autorização constitucional para a restrição de direitos deve, pois, ser observada àrisca pelo legislador, sob pena de entrar em contraste com a Constituição.

De modo que não resiste a tal exigência a vedação de progressão de regime previstano dispositivo controverso, que deve, por ambos os fundamentos, ser declaradoinconstitucional.

9 KARAM, Maria Lúcia. Regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade. In: Escritos emhomenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 314.10 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina,1998. p. 411.11 Idem, p. 412.

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Ademais, conforme acentuado por Alberto Silva Franco, “o sistema progressivo é,em verdade, o precipitado lógico, a decorrência natural, o resultado prático de algunsprincípios constitucionais inseridos na Constituição Federal. É o ponto de interseção emque se conectam os princípios da legalidade, da individualização e da humanidade dapena.”12 “O princípio da individualização da pena”, prossegue, “garante, em resumo, umapena particularizada, pessoal, distinta e, portanto, inextensível a outro cidadão, em situa-ção fática igual ou assemelhada.”13 Pondera: “mais importante do que a sentença em sié o seu cumprimento, porque é na execução que a pena, cominada em abstrato pelolegislador e ajustada pelo juiz à situação singular, encontra o seu momento de maiorconcreção. É aí que o processo de individualização chega à sua derradeira etapa: a da penareal que adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado.”14

Ensina, ainda, que os objetivos do sistema progressivo de execução da pena – parteessencial da individualização da pena – tem triplo objetivo: “a) a diminuição gradativa dotônus da pena; b) o estímulo à boa conduta, e c) a obtenção paulatina da reforma moral dorecluso e sua conseqüente preparação para a vida em liberdade.”15

E conclui, em nosso entender, acertadamente, que “excluir, portanto, o sistemaprogressivo, também denominado “sistema de individualização científica”, da fase deexecução é impedir que se faça valer, nessa fase, o princípio constitucional daindividualização da pena. Lei ordinária que estabeleça regime prisional único, sem possi-bilidade de nenhuma progressão atenta, portanto, contra tal princípio, de indiscutívelembasamento constitucional.”16

Deveras, a aniquilação do sistema progressivo conflita com o princípio da humani-dade da pena (art. 5º, III, XLVII e LXIX, da CF), transformando-lhe a finalidade “numaresposta estatal que paga o mal causado com um mal, de igual ou superior intensidade,dela eliminando não apenas qualquer intento ressocializador (que pode ter expressão aténa tentativa de evitar um processo dessocializador), mas também o mínimo ético que éexigível na execução penal.”17

O mesmo entendimento é perfilhado por Tupinambá Pinto de Azevedo, paraquem

a) norma constitucional que cerceia direitos ou garantias deve ser interpretada restritiva-mente, inclusive pelo legislador ordinário;

b) o princípio da individualização da pena deve ser observado também na fase de execução,sendo absolutamente ilegítima a consideração de fato delituoso para fins de concessão dos bene-fícios executórios.18

12 FRANCO, Alberto Silva. Ob. cit., p. 161.13 Idem, p.163.14 Idem, p.164.15 Idem, p.165.16 Idem, p.165.17 Idem, p.168.18 AZEVEDO, Tupinambá Pinto de. Crimes hediondos e regime carcerário único: novos motivos deinconstitucionalidade. In: CARVALHO, Salo de (Org.). Crítica à execução penal: doutrina, jurisprudên-cia e projetos legislativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 588. Grifos do original.

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Acresça-se que o Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto 678,de 6 de novembro de 1992, não só veda a submissão de qualquer pessoa a penas desumanasou degradantes (art. 5, n. 2), como fixa os escopos que devem orientar a disciplina legal ea execução das penas privativas de liberdade, verbis:

As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e areadaptação social dos condenados.(Art. 5, n. 6.)

Independentemente do grau hierárquico que na escala nomológica se atribua aosdispositivos oriundos de tratados internacionais de direitos humanos ratificados peloBrasil – refiro-me ao significado do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal –,o fato é que a norma é posterior à Lei 8.072/90 e se mostra de todo incompatível com seuart. 1º, § 1º, em sendo evidente que a proibição da progressão de regime impede a reformae a readaptação social dos condenados.

É bom não esquecer ainda que a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), no art. 1º,estatui que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença oudecisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do conde-nado e do internado” (grifei).

Alberto Zacharias Toron, em percuciente crítica da Lei 8.072/90, aponta o profundodivórcio entre a disciplina dessa lei e os princípios que governam a execução penal. Aoanalisar as restrições às medidas penais previstas na lei (elevação das penas, inclusive doestupro e do atentado violento ao pudor, e supressão do regime progressivo), afirma que:

apontam para um reforço da retribuição fora dos marcos da proporcionalidade quando secomparam os novos patamares punitivos estabelecidos pela lei em estudo, com as penas fixadaspara outros delitos. Dessa maneira, impondo-se uma reprimenda em todos os sentidos severa,veicula-se no âmbito da sociedade uma visão de rigor que, ao mesmo tempo, deveria atuar comocontra-estímulo a novas ações delitivas. (E, arremata,) no plano do agente criminoso e a despeitodo Pacto de São José da Costa Rica, despreza-se por inteiro a prevenção positiva, pois, aose expungir o sistema progressivo, prestigiou-se a custódia com efeito neutralizador.Vale dizer, descrendo-se da ressocialização, joga-se na única coisa aparentemente certa: enquantopreso, o delinqüente não ameaça os bens juridicamente protegidos e, enfim, preserva-se a pazsocial.19

(Grifei.)

Tão incongruente com o princípio da individualização da pena, da readaptação doscondenados, tão ilógica e irracional se desvela a disciplina instaurada pela chamada Leidos Crimes Hediondos, que, hoje, temos situação insólita: o condenado por crimes hedion-dos não pode progredir no regime, mas pode obter livramento condicional, tanto quecumpridos três quartos da pena (art. 83, V, CP – inciso acrescentado pela própria Lei

19 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos: o mito da repressão penal. São Paulo: Revista dosTribunais, 1996. p. 133, grifei. Cf., no mesmo sentido, CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Pena: cumpri-mento integral em regime fechado. In: Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003. p. 291.

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8.072/90).20 Ou seja, sem que se possa avaliar o seu grau de ressocialização e/ou propor-cionar ao condenado condições para sua harmônica integração social por meio da pro-gressão para regimes menos severos (semi-aberto e aberto), sai ele diretamente deestabelecimento prisional de segurança máxima (art. 3º da Lei 8.072/90) para as ruas!

Concluo com as palavras de Luiz Vicente Cernicchiaro: “Só se aprende a viver emsociedade vivendo na sociedade!”21

5. Tenho, em conseqüência, por prejudicada a questão da derrogação do § 1º do art.2º da Lei 8.072/90, pela Lei 9.544/97.

6. Mas outra questão, não versada no voto do ilustre Relator, chamou-me a atenção.Trata-se da aplicação (cf. fl. 23 = 62 xerocopiada), ao crime praticado pelo Paciente, dacausa de aumento de pena prevista no art. 226, III, do Código Penal, verbis:

Art. 226. A pena é aumentada da quarta parte:(...)III - se o agente é casado.

Conforme observou Nelson Hungria, à luz da então vigente regra constitucional deindissolubilidade, “a razão da majorante está na impossibilidade, por parte do agente, dereparar o mal pelo subseqüente matrimônio. Como acertadamente adverte Noronha, aespecial agravante subsiste ainda no caso de ser o agente desquitado, pois o desquitenão rompe o vínculo conjugal”.22

Ocorre que, desde a Emenda 9, de 1977, com a admissibilidade constitucional dodesfazimento do vínculo, agora incorporada ao novo Código Civil (art. 1571), o só fato deser o agente casado já não impede a reparação do mal por casamento. Esvaiu-se a ratioiuris da norma agravante!

A questão que se propõe, então, é esta: continuaria ela a viger com base noutraratio?

Receio que não.Do ponto de vista do bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras, descritas

nos arts. 213 a 222, qual seja, a liberdade sexual, ser o agente casado em nada implicaofensa mais grave ou exacerbação do dano causado à vítima, nem, tampouco, impossibi-lidade de repará-lo, segundo a concepção de 1940, aliás eminentemente patriarcal, porquecentrada na idéia de que a reparação do crime de estupro, por exemplo, se adscreveria aocasamento do agente com a vítima.

20 No mesmo sentido, Min. Marco Aurélio, verbis: “Por sinal, a Lei 8.072/90 ganha, no particular,contornos contraditórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado,afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vidagregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime.” (HC69.657-1, fl. 417).21 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Pena: cumprimento integral em regime fechado. In: Escritos emhomenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 291.22 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1956. v. VII, p.250-1.

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Mas as outras hipóteses de causa de aumento da pena previstas no mesmo dispo-sitivo – ser o crime cometido com o concurso de duas ou mais pessoas (inciso I) epraticado por quem detenha título de autoridade sobre a vítima, como ascendente, paiadotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregador, etc. (inciso II) –guardam, todas, nexo de pertinência com o objeto jurídico tutelado, a liberdade sexual davítima, assim porque lhe agravam o dano (inciso I), como porque, praticado o delito porpessoa que tenha especial dever de proteção e vigilância relativamente ao bem jurídicotutelado, o caso envolve sempre abuso de relação de confiança oriunda de vínculo fami-liar, civil ou profissional, colhendo a vítima em situação de desvantagem (inciso II).23

Ora, tais nexos lógico-normativos entre o bem jurídico tutelado e as causas deaumento da pena já se não encontram nem descobrem na hipótese do aumento por ser oagente casado, cuja condição de per se não avulta o dano imposto à vítima, não corrompedever de proteção e vigilância, nem induz abuso de relação de confiança.

Poder-se-ia excogitar que o aumento visaria a tutelar, indiretamente, o dever defidelidade conjugal, nos casos de crime em que, como o do previsto no art. 213, suaprática importe violação de tal dever.

O argumento é pobre – e por várias razões: a) quando a prática do crime supõenecessariamente conjunção carnal, configura-se, em concurso formal, o crime de adultério(art. 240 do Código Penal), que já tutela de forma autônoma a violação do dever defidelidade, não se prestando a esfera dos crimes contra a liberdade sexual à proteção domesmo dever; b) se se entendesse doutro modo, a punição do autor, agravada nos termosdo art. 226, III, do Código Penal, seria sempre superior à pena cominada para o própriocrime de adultério (detenção, de 15 dias a 6 meses),24 o que conduziria à absurda situaçãode a circunstância de um crime determinar pena maior do que a prevista para a prática docrime em si; e, c) por fim, alguns dos crimes aos quais se aplicaria a causa de aumento nãocompreendem violação do dever de fidelidade, como, por exemplo, o crime de assédiosexual (art. 216-A) e o de corrupção de menores, na modalidade de facilitação (art. 218), oque só confirma não ser a tutela da fidelidade conjugal a razão normativa do aumento, atéporque já inspirou figura penal autônoma.

Luis Régis Prado pensa que, além da impossibilidade de reparar o dano pelo casa-mento, a causa de aumento da pena teria levado “em consideração o fato de que o agentecasado, mais do que o solteiro, tem o dever de ser guardião dos bons costumes, em nomedos interesses da sociedade, da qual sua própria família, como a da vítima, é parte inte-grante.”25

23 Cf., nesse sentido, HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,1956. v. VII, p. 248-9.24 De fato, tomando por critério de comparação a pena mínima cominada a cada um dos tipos sujeitosà causa de aumento (arts. 213 a 220 do Código Penal) e calculando um quarto de cada uma delas (o art.226, III, manda aumentar em um quarto a pena aplicada), teremos que o menor aumento será de 3meses (arts. 215, 216, 216-A, 220) e o maior de um ano e meio (arts. 213 e 214), muito superiores,portanto, à própria pena prevista para o crime de adultério, que é de 15 dias a 6 meses de detenção!25 PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: doutrina, jurisprudência selecionada, leituraindicada. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 869.

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Objete-se desde logo que a entidade familiar, a qual recebe particular proteçãoconstitucional, não se limita àquela formada em torno do casamento. Entidade familiar,antes, é hoje instituição que abarca não só o casamento como também a união estável e ogrupo formado por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, CF). Assim, se foraem atenção à integridade da família que se exigisse do agente ser o “guardião dos bonscostumes”, certamente o dispositivo hospedaria insustentável discriminação e, como tal,não teria sido recebido pelo ordenamento jurídico vigente.

Poderia, então, o legislador instituir causa de aumento da pena com fundamento naexigência de ser o homem casado o “guardião dos bons costumes”, ou, em outros termos,o simples fato de o agente ser casado e praticar crimes contra a liberdade sexual de terceirojustificaria maior reprovabilidade, por conta do vínculo conjugal, e, pois, ampliação darestrição da liberdade do ofensor? Ou, o que é o mesmo, o atentado violento ao pudorpraticado por agente solteiro, divorciado, ou viúvo, é menos grave, ou menos reprovável,sob o ponto de vista da lesão sofrida pelo bem jurídico tutelado, do que o cometido poragente casado?

A questão remete-nos ainda à separação entre Moral e Direito e, especialmente,entre Moral e Direito Penal, distinção legada pelo Iluminismo. A confusão entre Moral eDireito Penal, não custa lembrar, esteve à raiz de notórias aberrações, como a criminalizaçãodo homossexualismo. Aliás, foi em torno da confusão estabelecida entre Direito Penal,Moral e religião que se elaboraram as “teorias do bem jurídico-penal” – desde AnselmVon Feuerbach até Claus Roxin –, hoje largamente desenvolvidas e aceitas pela doutrinae pela jurisprudência, nacional e estrangeira.26

Segundo recorda Giovanni Fiandaca, o renascimento dos estudos sobre o tema dobem jurídico na Alemanha Ocidental “foi, em grande parte, ocasionado pelos esforços dereforma dos delitos sexuais – isto é, de uma matéria que, de qualquer maneira, tornou-se olocus classicus do interesse moderno sobre os limites do direito penal –, mas, também,dos delitos contra a religião – setor este não menos sintomático da demonstração do nívelde secularização alcançado pelo instrumento penalístico.”27

A concepção iluminista e laica, de Hobbes, passando por Locke, Bentham, Beccaria,Mill, Bobbio e Hart, baseia-se na separação entre Direito e Moral. “O direito, segundoesta tese, não é – não deve ser, pois a razão jurídica não o permite, nem a razão moral opretende – um instrumento de reforçado da moral. O seu objectivo não é o de oferecer umbraço armado à moral, ou melhor, dada a existência de várias concepções morais na socie-dade, a uma determinada moral. O direito tem o dever, diferente e mais limitado, de assegurara paz e a convivência civil, impedindo os danos que as pessoas podem causar umas àsoutras – ne cives ad arma veniant – sem lhes impor sacrifícios inúteis ou insustentá-veis.”28

26 Consulte-se, por todos, POLAINO NAVARRETE, Miguel. El bien jurídico em el derecho penal.Sevilla: Universidad de Sevilla, 1974.27 FIANDACA, Giovanni. O “bem jurídico” como problema teórico e como critério de políticacriminal. Trad. de Heloisa Estellita. Revista dos Tribunais, 2000. v. 776, p. 410.28 FERRAJOLI, Luigi. A questão do embrião entre direito e moral. Revista do Ministério Público,Coimbra, ano 24, n. 94, p. 11, abr/jun. 2003.

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Luigi Ferrajoli insiste sobre a necessidade dessa separação:

Podemos identificar esta segunda posição – a da separação axiológica entre direito e moral –com o primeiro postulado do liberalismo: ou seja, com o princípio do pluralismo moral e culturalque devemos admitir e tolerar na sociedade. Direito e moral, com base nela, não só são,como devem permanecer sistemas deontológicos separados. Todos estamos submetidosao mesmo direito: é uma condição da igualdade e, antes ainda, da certeza e do próprio papelnormativo do direito. Ao contrário, nem todos temos, e nem sequer devemos ter, numasociedade liberal, as mesmas opiniões, ou crenças, ou valores morais ou culturais.

É nesta assimetria e nesta sua recíproca autonomia que se baseiam tanto o direito modernocomo a ética moderna: por um lado, a moral laica fundada, em oposição à heteronomia do direito,na autonomia da consciência individual, ou seja, na tese metaética da separação da moral dodireito, em virtude da qual o juízo moral sobre um facto é independente da sua qualifica-ção jurídica; por outro, a secularização do direito e a laicidade do Estado baseadas na tesemetajurídica da separação do direito da moral, em virtude da qual o direito positivo nãosomente é uma coisa diferente da moral, como nem sequer deve reflectir uma deter-minada moral, proibindo um comportamento como crime só porque é consideradopecado.

(...) O direito e o Estado, em virtude deste princípio, não encarnam valores morais etambém não têm o dever de afirmar, apoiar ou reforçar a (ou uma determinada) moral ou a (ouuma determinada) cultura, mas apenas têm o dever de tutelar os cidadãos, garantindo os seusdireitos. O Estado não tem portanto de se meter na vida moral dos cidadãos, defendendoou impedindo estilos morais de vida, crenças ideológicas ou religiosas, opções ouatitudes culturais. O seu dever é apenas o de garantir a igualdade, a segurança e os mínimosvitais. (...) É precisamente nesta sua neutralidade moral, ideológica e cultural, e portanto na suanão invasão da vida privada das pessoas a não ser para proibir condutas que prejudi-quem terceiros, que reside a laicidade do direito e do Estado liberal. Por isso mesmo, odireito penal foi o terreno no qual nasceu o liberalismo e ao mesmo tempo o Estado de Direito.Por isso, o princípio da ofensividade, como critério de justificação do que é punível, éum corolário do princípio liberal.29

Constituindo-se a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de Direito,laico, fundado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e inciso III) e na tolerânciapara com cultos, crenças, consciência e opinião (art. 5º, IV e VI), à medida que não preju-diquem direitos alheios, não pode o direito positivo assumir, ou seja, impor coativamenteaos cidadãos, determinada concepção moral ou “de bons costumes”, nem muito menosfazê-lo sob a ameaça de restrição a direito fundamental, como a liberdade física (art. 5º,caput).30

“Não devem”, ensina Miguel Reale Júnior, “em um Estado de Direito Democráticoconstituir valores penalmente tutelados ou bens jurídico-penais convicções de cunhomoral ou religioso, punindo-se por exemplo o homossexualismo ou a prática da quim-banda”.31

29 FERRAJOLI, Luigi. A questão do embrião entre direito e moral. Revista do Ministério Público,Coimbra, ano 24, n. 94, p. 11-12, abr/jun. 2003, grifamos.30 Sequer poderia ser veículo de implementação de políticas sociais – vício da legislação penal contem-porânea –, o que não passa de falácia essa utilização “na medida em que a resposta penal a umadeterminada demanda social nada mais é do que uma forma de fugir à responsabilidade de atenderefetivamente a essa demanda” (PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direitopenal mínimo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 126.)31 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003.v. 1, p. 25.

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Vale a pena transcrever palavras de Maria da Conceição Ferreira Cunha, que, emprimoroso estudo acerca das relações entre Direito Penal e Constituição, tratou dos limitesque a adoção do Estado Democrático de Direito impõe ao Direito Penal:

Esta doutrina retira do conceito de Estado de direito, democrático e social, constitucional-mente consagrado, um princípio geral, de onde decorrem três indicações básicas, as primeiras detipo negativo e a última, sua conseqüências, de tipo positivo, para a delimitação da áreacriminalizável: Do princípio da liberdade e da tolerância – da máxima liberdade individualcompatível com a liberdade alheia e, assim, da máxima tolerância compatível com uma vida emcomum – decorre a exclusão da legitimidade do Direito Penal para tutelar valorespuramente morais, religiosos ou ideológicos (em si e por si mesmos considerados) cujodesrespeito não cause verdadeiros danos sociais; para tutelar meras intenções não exteriorizadasem factos, cuja punição redundaria numa intromissão na liberdade de consciência individual; e,assim, uma legitimidade criminalizadora limitada à tutela de condições básicas para a vida emcomum, sendo certo que, numa sociedade democrática, pluralista e compromissória, estas condi-ções não podem identificar com aqueles valores puramente morais ou ideológicos (...)

Seria importante acentuar este aspecto: em sociedades democráticas, cuja essênciareside no princípio da liberdade, ligado à exigência de respeito pela dignidade humana(de todo e qualquer homem, qualquer que sejam as suas particulares convicções emodo de vida); sociedades que não se baseiam num monismo axiológico, mas quepromovem até “a diversidade ética como algo intrinsecamente valioso”, sociedadespluralistas e, necessariamente compromissórias, não se poderia vir defender ser amoral e a ideologia maioritária (mesmo que bastante dominante), em si e por simesma considerada – ou seja, desligada de eventuais efeitos danosos para outrosvalores considerados básicos – um bem jurídico penal ancorado constitucionalmente,assim como não se poderia defender a punição de meras intenções, não competindo aoEstado exercer o papel de conformador ou tutor moral dos cidadãos, mas, apenas, amenos ambiciosa função de preservação dos bens essenciais para uma vida em comunidade. Atéporque, o valor da liberdade individual e tolerância se sobrepõem, como mais essenciais, à moraldominante (...). O mandato de tolerância exige do Estado, principalmente em matérias discutidasno aspecto religioso ou ideológico, prescindir de regulamentações jurídicas, desde que a capacidadefuncional da convivência social tenha por imprescindível uma intervenção do legislador. Tam-bém Figueiredo Dias sublinha a necessidade de distinção entre Direito e moral, com a consequenteexpurgação do Direito Penal de todas as “excrecências moralistas” salientando seresta uma exigência da própria moral. Assim, defende-se um princípio de imanência social,no sentido de que o Direito Penal não deverá perseguir finalidades transcendentes, mas permanecer“fiel à terra” e às suas necessidades; assim como se defende o “princípio do consenso” nadeterminação dos factos a criminalizar.32

Giovanni Fiandaca filia-se neste mesmo pensamento, ao postular que “princípios deindiscutível relevo constitucional, como o direito à liberdade moral, à livre manifestaçãodo pensamento, o princípio de tolerância ideológica e de tutela das minorias, impedem quese transforme o Direito Penal de um Estado Democrático em tutor da virtude, desta forma,impõe a limitação da repressão penal somente àquelas infrações da, assim chamada,moralidade pública que sejam, de fato, socialmente danosas e que, de qualquer maneira,violem o direito à ‘autodeterminação sexual’.”33

32 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e dadescriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995. p. 135-138. Grifei.33 FIANDACA, Giovanni. O “bem jurídico” como problema teórico e como critério de política criminal.Trad. de Heloisa Estellita. Revista dos Tribunais, v. 776, p. 428, 2000. Grifei.

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Claus Roxin, de longa data aliás, sustentava a inadmissibilidade da criminalizaçãode comportamentos enquanto simplesmente imorais, dentre outras razões, porque própriada democracia é a tolerância: “o hodierno Estado democrático de direito, enquanto laico efundado na soberania popular, não pode perseguir o aperfeiçoamento moral dos cidadãosadultos, mas deve limitar-se a assegurar as condições de uma convivência pacífica.”34

Em tal perspectiva, não só não pode o Direito predefinir quais sejam os “bonscostumes” como, se pudera, não lhe seria dado eleger a pessoa casada, exclusivamente,como guardiã de tais valores morais, impondo-lhe maior restrição à liberdade, quandopraticasse crimes, suposto aqueles que visam a proteger a liberdade sexual. Ou seja, maiorreprovabilidade fundada apenas no grau teórico de imoralidade do ato praticado peloagente casado não encontraria apoio em nosso ordenamento jurídico.

Por outro lado, se é verdade que – e é – o ordenamento jurídico num Estado Demo-crático de Direito laico e que tem por vocação a indulgência para com as diferenças – oque é, aliás, uma das festejadas qualidades da cultura e da alma brasileiras – somente podeimiscuir-se na vida privada “para proibir comportamentos que prejudiquem terceiros”,nisto residindo sua laicidade, é força concluir pela incompatibilidade da causa de aumentoem exame com tais postulados, porque o fato de o agente ser casado não redunda em maiorprejuízo à vítima dos crimes contra a liberdade sexual.

Mariângela Gama de Magalhães Gomes, citando Nilo Batista, assevera que, dentreas quatro funções atribuídas ao princípio da ofensividade que estrutura a intervençãopenal, a quarta significa a proibição da incriminação de condutas desviadas, “ou seja,orientadas em direção oposta àquela aprovada pela coletividade, que não afetem qual-quer bem jurídico; esta proibição funda-se no chamado ‘direito à diferença’, de práticas ehábitos de grupos minoritários que não podem ser criminalizados”.35

Como observa com acuidade Giovanni Fiandaca, é precisamente no campo dosdelitos sexuais que se deve observar com mais rigor a separação entre Direito e Moral,pois “quanto piú la vita di uma comunità si ispira a precetti universalmente accettati, chefissano rigidamente anche gli ambiti delle manifestazioni sessuali lecite, tanto più fortesara la tentazione di identificare i delitti sessuali con i delitti contro la morale e di farcoincidere, perciò, crimine e peccato; la distinzione di principio tra azione delittuosa, da unlato e azione semplicemente immorale, dall´altro, sarà invece più marcata nella misura in cuipredominino in una determinata comunità sociale concezioni laiche ispirate al pluralismoideologico”.36

Mas, continua o professor italiano, “al diritto penale non spetta ergersi a tutore dellavirtù morale dei cittadini, onde non dovrebbe mai essere elevato a delitto un fato pur

34 Apud ESTELLITA, Heloisa. Tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição Federal. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 39.35 FIANDACA, Giovanni. I reati sessuali nel pensiero di Francesco Carrara: un onorevole compromessotra audacia illuministica e rispetto per la tradizione. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v.31, p. 428, 1988.36 FIANDACA, Giovanni. I reati sessuali nel pensiero di Francesco Carrara: un onorevole compromessotra audacia illuministica e rispetto per la tradizione. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v.31, p. 904, 1988.

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eticamente condannabile ma privo di apprezzabili conseguenze dannose a carico diterzi”.37 Concluindo que, na esfera dos delitos sexuais, tal qual fez Carrara em seuProgramma, deve-se evitar “il più possibile la confusione tra magistero punitivo e sferamorale”, assumir “la libertà/integrità della singola persona umana a oggetto di tutela dellenorme che incriminano condotte di violenza sessuale” e “nel problematizzare la necessitàe/o meritevolezza di pena con riguardo ai comportamenti che, privi di conseguenzetangibili nei confronti di vittime ben determinate, si considerado tradizionalmenteoffensive di quel bene-fantasma che continua ancor oggi a essere evocato con la ‘diafanaetichetta’ ‘moralità pubblica’”.38

Em suma, não implicando maior ofensividade ao bem jurídico tutelado e, ademais,tendo perdido a razão normativa, que estava na indissolubilidade do vínculo matrimonial,a causa de aumento aparece claro como mero julgamento ético desfavorável ao agentecasado, tarefa que, certamente, não incumbe ao Direito e, muito menos, ao Direito Penal.

Por tais razões, afasto o aumento de pena imposto ao Paciente com base no art. 226,III, CP, anulando o título condenatório nesse capítulo, para determinar ao magistrado queproceda a nova adequação da pena.

7. Do exposto, acompanho o Relator no entendimento de que, na forma simples, ocrime de atentado violento ao pudor não é hediondo, não se lhe aplicando, portanto, orespectivo regime jurídico, nem tampouco a causa de aumento de pena prevista no art. 9ºda Lei 8.072/90. E faço-o, sem prejuízo de entender, seguindo ainda o Relator, que odisposto no § 1º do art. 2º desse diploma é inconstitucional, preexcluído, o exame daquestão atinente à derrogação da norma pela Lei 9.455/97. E concedo por fim a ordem,para, cassando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, garantir ao paciente,não só o direito à progressão de regime mas também a inaplicabilidade da causa deaumento prevista no art. 226, inciso III, do Código Penal.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na condição de Relator, acompanharia, comconvencimento, o voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso quanto à causa de aumento.Agora, pelo trecho que foi enxertado na inicial, manuscrita – talvez seja de pessoa quetenha o costume de fazer peças em benefício dos reclusos –, não contamos com essacausa de aumento no decreto condenatório. No caso, houve a aplicação da agravante doart. 61, II, f – pelo menos é o que está nesse trecho.

Não sei se consta do processo a decisão condenatória; existe a inserção, como eudisse, na inicial de parte da sentença, que, quanto à dosimetria, assim consigna:

Nessas condições, e levando-se em consideração, também, que as conseqüências foram demenor monta, salvo de escandalizar as crianças, seqüelas psicológicas não aclaradas, a pena-basedeve ser (fixada) em 06 anos e 06 meses, com o fim de adequá-la a uma justa retribuição a umareprobatória.

37 Ibid., p. 906.38 Ibid., p. 919.

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Em seguida, já na segunda fase, adotando-se os fundamentos da sentença, a pena é aumen-tada para 07 anos, em decorrência da circunstância agravante prevista no art. 61, inc. II, f, doCódigo Penal.

Ao final, a reprimenda é acrescida de metade, atingindo 10 anos e 06 meses em razão doart. 9º da Lei 8.072/90, já que os crimes foram perpetrados contra menores de 14 anos. A respeitodo tema, a Colenda Segunda Turma do Excelso Pretório, no julgamento do HC 74.780/RJ, Rel.Min. Maurício Corrêa, deixou sufragado o seguinte:

E paramos aqui.

VOTO(Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, só queria confirmar que ofundamento do meu voto é apenas um: sou pela inconstitucionalidade da lei por vedar oregime de progressão da execução da pena.

EXTRATO DA ATA

HC 82.959/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: Oseas deCampos. Coatores: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo.

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, e Carlos Britto, quedeferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça eassentar o direito do Paciente à progressão no regime de cumprimento da pena; dos votosdos Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que a indeferiam; e do voto do MinistroCezar Peluso, que acompanhava o Relator e cancelava ex officio o aumento da pena do art.226, III, do Código Penal, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes,justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, os Ministros NelsonJobim e Joaquim Barbosa. Presidência do Ministro Maurício Corrêa.

Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os MinistrosSepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, GilmarMendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República,Dr. Claudio Lemos Fonteles.

Brasília 18 de dezembro de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes:Introdução

Valho-me da síntese constante do voto do Min. Cezar Peluso, verbis:

O Paciente e Impetrante foi acusado da prática do delito previsto no art. 214, c/c os arts.224, § 1º, I, 226, III, e 71, todos do Código Penal. Condenado, interpôs apelação, julgada pela 1ªCâmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que lhe deu parcial provimento para reduzira pena a 12 anos e 3 meses de reclusão, mantido o regime integral fechado para o seu cumprimento(fl. 23).

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Em writ impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça (HC 23.920), argumentou oImpetrante que o crime pelo qual fora condenado não poderia ser considerado hediondo, já quedele não resultara lesão corporal grave nem morte, tendo sido praticado apenas com violênciapresumida. Sustentou, outrossim, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, queveda a progressão de regime, acrescentando, em alternativa, que tal norma teria sido revogadapela Lei 9.455/97.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça indeferiu a ordem nos termos do voto do e.Min. Vicente Leal, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

Processual Penal. Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Inexistência delesão corporal grave ou morte. Violência presumida. Crime hediondo. Regime integral-mente fechado. Art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90. Constitucionalidade. Não revogação pela lei9.455/97.

- A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de queos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples,ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticadosmediante violência presumida, são considerados hediondos devendo, as suas respectivaspenas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto noart. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.

- E na linha do pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, consolidou,majoritariamente, o entendimento de que a Lei n. 9.455/97, que admitiu a progressão doregime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, queprevê o regime fechado integral para os chamados crimes hediondos.

- É firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência doSTF, no sentido da compatibilidade da norma do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 com aConstituição Federal.

- Habeas corpus denegado.” (DJ de 17-2-2003.)É contra este v. acórdão que se insurge agora o Impetrante, reclamando, conforme o

relatório, que o ato deveria ser considerado obsceno, e não atentado violento ao pudor; que aviolência presumida contra menor de quatorze anos não qualifica o crime como hediondo; quehaveria ausência de fundamentação no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça; quenão quadraria aumento da pena em um sexto, por não ser a espécie crime continuado; e que seriaincoerente a admissão de progressão de regime no cumprimento de pena por crime de tortura, enão nos crime hediondos.

Remete-se a julgados do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais “os crimes deestupro e atentado violento ao pudor, na modalidade ficta (com violência presumida) não sãoconsiderados crimes hediondos” (HC 9.345; HC 11.537; REsp 203.580), e a Lei 9.455/97alcança a pena dos crimes previstos na Lei 8.072/90, autorizando a progressão no regime decumprimento (HC 10.658).

Solicitadas informações, o Superior Tribunal de Justiça enviou cópia integral do acórdãoproferido no HC 23.920.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo indeferimento da ordem.Já votaram os Ministros Marco Aurélio, Relator, Carlos Velloso e Carlos Britto. O

Relator, no sentido da concessão da ordem por não ser hediondo o crime de atentado violento aopudor na forma simples. O Min. Carlos Velloso, em antecipação de voto, é pelo indeferimento,nos termos do precedente da Corte no HC 81.288. O Min. Carlos Britto, pelo deferimentoquanto à declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda progres-são de regime.

Também votou pelo indeferimento o Ministro Joaquim Barbosa.O Ministro Cezar Peluso concluiu o seu voto no sentido de não ser hediondo o

crime de atentado violento ao pudor na forma simples e de ser inconstitucional o § 1º doart. 2º da Lei 8.072, de 1990. Por conseguinte, concedeu a ordem de habeas corpus paragarantir ao Paciente não só o direito à progressão de regime mas também a inaplicabilidadeda causa de aumento prevista no art. 226, inciso III, do Código Penal.

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Pedi vista dos autos para melhor analisar a questão. Registro que devolvi os autospara julgamento em 26 de maio. O que se tem visto nos últimos meses é: em face darediscussão pelo Supremo Tribunal Federal sobre a progressão de regime em crimeshediondos, instaurou-se um amplo debate sobre a matéria agora capitaneada pelo Governo.Da progressão de regime nos crimes hediondosA orientação do Supremo Tribunal Federal

Tem-se revelado assaz polêmica na jurisprudência da Corte a interpretação do dis-posto no art. 5º, XLVI, da Constituição, sobre a natureza do princípio da individualizaçãoda pena. A questão tem assumido relevo em razão da expressa disposição da Lei de CrimesHediondos, que nega a possibilidade de progressão de regime.

No julgamento do HC 69.657, DJ de 18-6-93, essa questão foi amplamente discutida,tendo restado vencedora a posição que sustentava constitucionalidade da norma da Lei8.072/90 que veda a progressão de regime.

Registre-se a orientação adotada por Rezek, verbis:

Se o legislador ordinário estabelece, no que diz respeito à pena, algo não caracterizado pelaplasticidade; se o legislador diz que no caso de determinado crime o regime da pena será necessa-riamente fechado, não me parece que esteja por isso sendo afrontado o principio isonômico –mediante um tratamento igual para seres humanos naturalmente desiguais –, nem tampouco opreceito constitucional que manda seja a pena individualizada. Tenho dificuldade em admitir quesó se estaria honrando, em legislação ordinária, a norma constitucional que manda individualizara pena, na hipótese de dar-se ao magistrado certo elastério em cada um dos seus tópicos dedecisão, de modo que ele pudesse optar sempre entre pena prisional e outro gênero de pena, eainda entre regimes prisionais diversificados, além de poder naturalmente alvitrar a intensidade dapena. Não me parece que, passo por passo, o legislador deva abrir opções para o juiz processantepara não ofender o principio da individualização.

Reflito sobre aquilo que o próprio Ministro Relator enfatizou em certa passagem de seudouto voto:

Por sinal, a Lei 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um sótempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade,e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antesmesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime.Nessa assertiva do eminente Relator, encontro algo capaz de neutralizar sua preocupação

com a desesperança do condenado desde seu primeiro dia de cárcere. Se no caso de crime hediondoele não tem, como os demais condenados, a esperança da progressividade, tem entretanto outraque depende rigorosamente de sua conduta, e que vai naturalmente influenciá-la: a da obtenção dolivramento condicional depois de certo prazo de cumprimento da pena.

Denunciando o que lhe parece uma contradição na ideologia da própria lei, o MinistroMarco Aurélio critica esse caráter abrupto do livramento condicional. Não se dá ao condenado aprogressividade; deixa-se que ele fique no confinamento da prisão fechada para um dia, de súbito,sem esse escalonamento tão salutar, lançá-lo na vida gregária, na vida em comunidade, quando selhe concede, por bom comportamento, a liberdade condicional.

Também aqui parece-me que o raciocínio do Relator é o mais percuciente e sensato. Masnão somos uma casa legislativa. Não temos a autoridade que tem o legislador para estabelecer amelhor disciplina. Nosso foro é corretivo, e só podemos extirpar do trabalho do legisladorordinário – bem ou mal-avisado, primoroso ou desastrado – aquilo que não pode coexistir com aConstituição. Permaneço fiel à velha tese do Ministro Luiz Gallotti: a inconstitucionalidadenão se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do textoordinário ao texto maior.

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Toda a linha de argumentação que o Ministro Marco Aurélio imprime ao seu voto parece-mesábia, e a tudo daria minha adesão prazerosa se estivéssemos a elaborar, em lugar do Congresso, alei dos crimes hediondos – seguramente não lhe daríamos esse nome, e provavelmente, na esteirada melhor doutrina, não permitiríamos que ela se editasse com tantos defeitos. (RTJ 147/604-605.)

Na defesa dessa posição, destaque-se também a manifestação de Celso de Mello, aoenfatizar que a norma constitucional teria como destinatário apenas o legislador, verbis:

Impõe-se ressaltar que esse postulado tem por exclusivo destinatário o próprio legislador,a quem competirá, em função da natureza do delito e de todos os elementos que lhe são circuns-tanciais – e a partir de uma opção político-jurídica que se submete à sua inteira discrição –cominar, em momento de pura abstração, as penas respectivas e definir os correspondentesregimes de sua execução.

O princípio constitucional da individualização das penas, que é de aplicabilidade restrita,concerne, exclusivamente, à ação legislativa do Congresso Nacional. Este, em conseqüência,constitui o seu único destinatário. O princípio em causa não se dirige a outros órgãos do Estado,pois.

No caso, o legislador – a quem se dirige a normatividade emergente do comandoconstitucional em questão –, atuando no plano normativo, e no regular exercício de suacompetência legislativa, fixou em abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertencecom exclusividade, e em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos, a sanção penalque lhes é imponível. A par dessa individualização in abstracto, o legislador – ainda com apoio emsua competência constitucional – definiu, sem qualquer ofensa a princípios ou a valores consagradospela Carta Política, o regime de execução pertinente às sanções impostas pela prática dos delitosreferidos.

A fixação do quantum penal e a estipulação dos limites, essencialmente variáveis, queoscilam entre um mínimo e um máximo, decorrem de uma opção legitimamente exercida peloCongresso Nacional. A norma legal em questão, no ponto em que foi impugnada, ajusta-se aquanto prescreve o ordenamento constitucional, quer porque os únicos limites materiais querestringem essa atuação do legislador ordinário não foram desrespeitados (CF, art. 52, XLVII) –não se trata de pena de morte, de pena perpétua, de pena de trabalhos forçados, de pena debanimento ou de pena cruel –, quer porque o conteúdo da regra mencionada ajusta-se à filosofiade maior severidade consagrada, em tema de delitos hediondos, pelo constituinte brasileiro (CF,art. 5º, XLIII).

A progressividade no processo de execução das penas privativas de liberdade, de outro lado,não se erige à condição de postulado constitucional. A sua eventual inobservância pelo legisladorordinário não ofende o princípio de individualização penal. (RTJ 147/607-608.)

Dessa orientação, divergiu Marco Aurélio, nos termos seguintes:

Assentar-se, a esta altura, que a definição do regime e modificações posteriores não estãocompreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringirgarantia constitucional em detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão aprincípios tão caros em um Estado Democrático como são os da igualdade de todos perante a lei,o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem comum. (...)

(...) a própria Constituição Federal contempla as restrições a serem impostas àqueles que semostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90 e dentre elas não é dado encontrar a relativaà progressividade do regime de cumprimento da pena. O inciso XLIII do rol das garantias consti-tucionais – art. 5º – afasta, tão-somente, a fiança, a graça e a anistia para, em inciso posterior(XLVI), assegurar de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, aindividualização da pena.(RTJ 147/602.)

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Também Sepúlveda Pertence manifestou orientação diversa ao afirmar:

(...) Individualização da pena, Senhor Presidente, enquanto as palavras puderem exprimiridéias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não anatureza do delito em tese.

Estou convencido também de que esvazia e torna ilusório o imperativo constitucional daindividualização da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicaçãojudicial da pena, e o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela.

De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão danatureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquemcoisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução.(RTJ 147/608.)

No julgamento do presente habeas corpus, esta questão foi renovada. O Relator,Marco Aurélio, reafirmou o entendimento anteriormente manifestado. Também AyresBritto defendeu orientação semelhante.

Cezar Peluso reforça a idéia de inconstitucionalidade da norma questionada pelosseguintes fundamentos:

A Constituição Federal, ao criar a figura do crime hediondo, assim dispôs no art. 5º,XLIII:

a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática datortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos comocrimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendoevitá-los, se omitirem.(Grifei.)Excepcionou, portanto, de modo nítido, da regra geral da liberdade sob fiança e da

possibilidade de graça ou anistia, dentre outros, os crimes hediondos, vedando-lhes apenas comigual nitidez: a) a liberdade provisória sob fiança; b) a concessão de graça; c) a concessão deanistia.

Não fez menção nenhuma a vedação de progressão de regime, como, aliás – é bomlembrar –, tampouco receitou tratamento penal stricto sensu (sanção penal) mais severo, querno que tange ao incremento das penas, quer no tocante à sua execução.

Preceituou, antes, em dois incisos:XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes

(...);(...)XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a

natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.(Grifei.)É, pois, norma constitucional que a pena deve ser individualizada, ainda que nos limites

da lei, e que sua execução em estabelecimento prisional deve ser individualizada, quandomenos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

Evidente, assim, que, perante a Constituição, o princípio da individualização da penacompreende: a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamente cominadano preceito secundário da norma penal; b) individualização da pena aplicada em conformidadecom o ato singular praticado por agente em concreto (dosimetria da pena); c) individualização dasua execução, segundo a dignidade humana (art. 1º, III), o comportamento do condenado nocumprimento da pena (no cárcere ou fora dele, no caso das demais penas que não a privativa deliberdade) e à vista do delito cometido (art. 5º, XLVIII).

Logo, tendo predicamento constitucional o princípio da individualização da pena (emabstrato, em concreto e em sua execução), exceção somente poderia aberta por norma de igualhierarquia nomológica.

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“A imposição de um regime único e inflexível para o cumprimento da pena privativa deliberdade”, nota Maria Lúcia Karam, “com a vedação da progressividade em sua execução, atingeo próprio núcleo do princípio individualizador, assim, indevidamente retirando-lhe eficácia,assim indevidamente diminuindo a razão de ser da norma constitucional que, assentada no incisoXLVI do art. 5º da Carta, de 1988, o preconiza e garante”.

Já sob este aspecto, falta, pois, legitimidade à norma inserta no § 1º do art. 2º da Lei8.072/90.

A reserva legalO texto constitucional brasileiro, como sabemos, não conferiu tratamento uniforme à

chamada reserva legal ou restrição legal, de modo que encontramos as mais diversasformas de referências à intervenção do legislador no chamado âmbito de proteção dosdireitos fundamentais.

A Constituição autoriza, em diversas disposições, a intervenção do legislador noâmbito de proteção de diferentes direitos individuais.

Assim, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares deinternação é assegurada, nos termos da lei (CF, art. 5º, VI).

Tem-se, nesse exemplo, caso típico de simples reserva legal ou de simples restriçãolegal (einfacher Gesetzesvobehalt), exigindo-se apenas que eventual restrição seja pre-vista em lei.

Tal como referido, a leitura de alguns incisos do art. 5º do texto constitucionalexplicita exemplos de reserva legal simples:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercíciodos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidadescivis e militares de internação coletiva;

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquerpessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar odano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores econtra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:a) privação ou restrição de liberdade;b) perda de bens;c) multa;d) prestação social alternativa;e) suspensão ou interdição de direitos;LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas

hipóteses previstas em lei;

Os casos elencados acima demonstram que o constituinte vale-se de fórmulasdiversas para explicitar a chamada reserva legal simples (na forma da lei; nos termos dalei; salvo nas hipóteses previstas em lei).

O entendimento segundo o qual a disposição constitucional sobre a individualizaçãoestaria exclusivamente voltada para o legislador, sem qualquer significado para a posiçãoindividual, além de revelar que se cuidaria então de norma extravagante no catálogo dedireitos fundamentais, esvaziaria por completo qualquer eficácia dessa norma. É que, para

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fixar a individualização da pena in abstracto, o legislador não precisaria sequer de autori-zação constitucional expressa. Bastaria aqui o critério geral do nullum crimen, nullapoena sine lege.

Em verdade, estou convencido de que a fórmula aberta parece indicar, tal como emrelação aos demais comandos constitucionais que remetem a uma intervenção legislativa,que o princípio da individualização da pena fundamenta um direito subjetivo, que não serestringe à simples fixação da pena in abstracto, mas que se revela abrangente da própriaforma de individualização (progressão).

Em outros termos, a fórmula utilizada pelo constituinte assegura um direito funda-mental à individualização da pena. A referência à lei – princípio da reserva legal – explicitatão-somente que esse direito está submetido a restrição legal expressa e que o legisladorpoderá fazer as distinções e as qualificações, tendo em vista as múltiplas peculiaridadesque dimanam da situação a reclamar regulação.

É evidente, porém, que, como todos sabem, a reserva legal também está submetidaa limites. Do contrário, ter-se-ia a possibilidade de nulificação do direito fundamentalsubmetido à reserva legal por simples decisão legislativa. Este é o cerne da questão. Se seestá diante de um direito fundamental à individualização da pena e não de mera orientaçãogeral ao legislador – até porque para isso despicienda seria a inclusão do dispositivo noelenco dos direitos fundamentais –, então há que se cogitar do limite à ação do legisladorna espécie.

Em outras palavras, é de se indagar se o legislador poderia, tendo em vista a naturezado delito, prescrever, como o fez na espécie, que a pena privativa de liberdade seriacumprida integralmente em regime fechado, isto é, se, na autorização para intervenção noâmbito de proteção desse direito, está implícita a possibilidade de eliminar qualquerprogressividade na execução da pena.

Essa indagação remete-nos para discussão de outro tema sensível da dogmáticados direitos fundamentais, que é o da identificação de um núcleo essencial, como limite dolimite para o legislador.O princípio da proteção do núcleo essencial

1. Considerações preliminaresAlguns ordenamentos constitucionais consagram a expressa proteção do núcleo

essencial, como se lê no art. 19, II, da Lei Fundamental alemã, de 1949, na ConstituiçãoPortuguesa de 1976 (art. 18, III) e na Constituição espanhola de 1978 (art. 53, n. 1). Emoutros sistemas, como o norte-americano, cogita-se, igualmente, da existência de umnúcleo essencial de direitos individuais.

É preciso ressaltar, porém, que a cláusula constante do art. 19, II, da Lei Fundamentalconfigura tentativa de fornecer resposta ao poder quase ilimitado do legislador no âmbitodos direitos fundamentais, tal como amplamente reconhecido pela doutrina até o início doséculo passado. A proteção dos direitos individuais realizava-se mediante a aplicação doprincípio da legalidade da Administração e dos postulados da reserva legal e da supremaciada lei1. Isso significava que os direitos fundamentais submetidos a uma reserva legalpoderiam ter a sua eficácia completamente esvaziada pela ação legislativa (Die Grundrechte

1 Cf., a propósito, HERBERT. Der Wesensgehalt der Grundrechte, in: EuGRZ 1985, p. 321.

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waren nicht “verfassungskräftig”, sondern lediglich gesetzeskräftig” und daher“leerlaufend”)2.

Tentou-se contornar o perigo do esvaziamento dos direitos de liberdade pela ação dolegislador democrático com a doutrina das “garantias institucionais” (“Institutgarantien”),segundo a qual determinados direitos concebidos como instituições jurídicas deveriam tero mínimo de sua essência garantido constitucionalmente.3 A falta de mecanismos efetivosde controle de constitucionalidade das leis – somente em 1925 reconheceu o Reichsgerichta possibilidade de se proceder ao controle de constitucionalidade do direito ordinário4 – ea ausência de instrumentos asseguradores de efetividade dos direitos fundamentais emface dos atos administrativos contribuíam ainda mais para a onipotência do legislador.

A Lei Fundamental de Bonn declarou expressamente a vinculação do legislador aosdireitos fundamentais (LF, art. 1, III), estabelecendo diversos graus de intervençãolegislativa no âmbito de proteção desses direitos. No art. 19, II, consagrou-se, por seuturno, a proteção do núcleo essencial (In keinem Falle darf ein Grundrecht in seinemWesengehalt angestatet werden). Essa disposição, que pode ser considerada uma reaçãocontra os abusos cometidos pelo nacional-socialismo5, atendia também aos reclamos dadoutrina constitucional da época de Weimar, que, como visto, ansiava por impor limites àação legislativa no âmbito dos direitos fundamentais6. Na mesma linha, a Constituiçãoportuguesa e a Constituição espanhola contêm dispositivos que limitam a atuação dolegislador na restrição ou na conformação dos direitos fundamentais (cf. Constituição por-tuguesa de 1976, art. 18º, n. 3, e Constituição espanhola de 1978, art. 53, n. 1)7.

2 THOMAS, Richard. Grundrechte und Polizeigewalt, in: TRIEPEL, Heinrich (Org.), Festgabe zurFeier des fünfzigsjährigen Bestehens des Preussischen Oberverwaltungsgerichts, 1925. p. 183-223 (191s.); ANSCHÜTZ, Gerhard. Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August 1919. 14. ed., 1933, p.517 s.3 WOLFF, Martin. Reichsverfassung und Eigentum, in: Festgabe der Berliner Juristischen Fakultät fürWilhelm Kahl zum Doktorjubiläum am 19. April 1923, p. IV1-30; SCHMITT, Carl. Verfassungslehre,1928, p. 170 s; Idem, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der Reichsverfassung (1931), in:Verfassungsrechtliche Aufsätze aus den Jahren 1924, 1954. Materialien zu einer Verfassungslehre, 1958,p. 140-173; Cf., também, HERBERT, Georg. Der Wesensgehalt der Grundrechte, in: EuGRZ 1985, p.321(322). 4 RGZ 111, p. 320 s. 5 VON MANGOLDT, Hermann. Das Bonner Grundgesetz, 1. ed., 1953, Considerações sobre osdireitos fundamentais, p. 37, art. 19, nota 1. 6 WOLFF, Martin. Reichsverfassung und Eigentum, in: Festgabe der Berliner Juristischen Fakultät fürWilhelm Kahl zum Doktorjubiläum am 19. April 1923. p. IV1-30; SCHMITT, Carl. Verfassungslehre,1928, p. 170 s; Idem, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der Reichsverfassung (1931), in:Verfassungsrechtliche Aufsätze aus den Jahren 1924’1954. Materialien zu einer Verfassungslehre, 1958,p. 140-173; Cf., também, HERBERT. Der Wesensgehalt der Grundrechte, in: EuGRZ 1985, p. 321 (322);KREBS, Walter. In von Münch/Kunig, Grundgesetz-Kommentar, vol. I, art. 19, II, n. 23, p. 999. 7 O art. 18º, n. 3, da Constituição portuguesa de 1976 assim estabelece: “As leis restritivas de direitos,liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nemdiminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” Já o art. 53, n. 1,da Constituição espanhola de 1978 assim dispõe: “Los derechos y libertades reconocidos en el Capítulosegundo del presente Título vinculam a todos los poderes públicos. Sólo por ley, que en todo caso deberárespetar su contenido esencial, podrá regularse el ejercicio de tales derechos e libertades, que se tutelaránde acuerdo con lo previsto en el artículo 161, 1, a.”

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De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Consti-tuição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleoessencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decor-rente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais8.

2. Diferentes posições dogmáticas sobre a proteção do núcleo essencialO significado de semelhante cláusula e da própria idéia de proteção do núcleo

essencial não é unívoco na doutrina e na jurisprudência.No âmbito da controvérsia sobre o núcleo essencial suscitam-se indagações ex-

pressas em dois modelos básicos:1. Os adeptos da chamada teoria absoluta (absolute Theorie) entendem o núcleo

essencial dos direitos fundamentais (Wesensgehalt) como unidade substancial autônoma(substantieller Wesenskern) que, independentemente de qualquer situação concreta, es-taria a salvo de eventual decisão legislativa9. Essa concepção adota uma interpretaçãomaterial segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal10.Em outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte dolegislador; outro seria insuscetível de limitação. Nesse caso, além da exigência de justifica-ção, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um “limite do limite” para a própriaação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de regulação.

2. Os sectários da chamada teoria relativa (relative Theorie) entendem que o nú-cleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguidopela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria aferido mediante a utilização deum processo de ponderação entre meios e fins (Zweck-Mittel-Prüfung), com base noprincípio da proporcionalidade11. O núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível derestrição ou redução com base nesse processo de ponderação12. Segundo essa concepção,a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente declaratório.

Gavara de Cara observa, a propósito, que, para a teoria relativa, “o conteúdo essencialnão é uma medida preestabelecida e fixa, uma vez que não se trata de um elemento autôno-mo ou parte dos direitos fundamentais”13. Por isso, segundo Alexy, a garantia do art. 19,II, da Lei Fundamental alemã não apresenta, em face do princípio da proporcionalidade,qualquer limite adicional à restrição dos direitos fundamentais14.

8 HESSE. Grunzüge des Verfassungsrechts, p. 134.9 VON MANGOLDT/Klein, Franz. Das Bonner Grundgesetz. 2. ed. 1957, Art. 19, nota V 4;SCHNEIDER, Ludwig. Der Schutz des Wesensghehalts von Grundrechten na Art 19, II, GG, 1983, p. 189 s.Cf. sobre o assunto, também, PIEROTH/SCHLINK. Grundrechte – Staatsrecht II, p. 69; HERBERT.Der Wesensgehalt der Grundrechte, EuGRZ 1985, p. 321 (323).10 MARTÍNEZ-PUJALTE, Antonio Luis. La Garantia del contenido esencial de los derechos funda-mentales. Madri. 1997, p. 22-23.11 MAUNZ. In: Maunz-Dürig-Herzog-Scholz, Grundgesetz – Kommentar, art. 19, II, n. 16 s.12 Cf. SCHMIDT, Walter. Der Verfassungsvorbehalt der Grundrechte. AöR 106 (1981), p. 497-525(515); Ver, também, HERBERT, Der Wesensgehalt der Grundrechte, EuGRZ 1985, p. 321 (323).13 GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos Fundamentales y Desarrollo Legislativo. Madri. 1994,p. 331.14 ALEXY. Theorie der Grundrechte, p. 272.

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Tanto a teoria absoluta quanto a teoria relativa pretendem assegurar maior proteçãodos direitos fundamentais, na medida em que buscam preservar os direitos fundamentaiscontra uma ação legislativa desarrazoada15.

Todavia, todas elas apresentam insuficiências.É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial16,

insuscetível de redução por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos,numa fórmula vazia, dada à dificuldade ou até mesmo à impossibilidade de se demonstrarou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que aidéia de proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, podeensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger17. Não é preciso dizer também que aidéia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais eelementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos epráticos18.

Por seu turno, opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exageradaao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los como princípioscentrais do sistema constitucional19.

Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípioda proporcionalidade proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoriarelativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais20. Éque, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramenteeconômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidarda harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida21.

Embora o texto constitucional brasileiro não tenha estabelecido expressamente aidéia de núcleo essencial, é certo que tal princípio decorre do próprio modelo garantísticoutilizado pelo constituinte. A não-admissão de um limite ao afazer legislativo tornariainócua qualquer proteção fundamental.

Vale aqui transcrever excerto do voto do Min. Rodrigues Alckmin sobre a liberdadede conformação do legislador:

Essa liberdade, dentro de regime constitucional vigente, não é absoluta, excludente dequalquer limitação por via de lei ordinária.

Tanto assim é que a cláusula final (“observadas as condições de capacidade que a leiestabelecer”) já revela, de maneira insofismável, a possibilidade de restrições ao exercício decertas atividades.

15 Cf. HERBERT, Der Wesensgehalt der Grundrechte, EuGRZ 1988, p. 321 (323).16 MARTÍNEZ-PUJALTE, Antonio Luis, La garantía del contenido esencial de los derechos funda-mentales. Madri. 1997, p. 22.17 MARTÍNEZ-PUJALTE, La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales, p. 29.18 MARTÍNEZ-PUJALTE, La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales, p. 31.19 MARTÍNEZ-PUJALTE, La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales, p. 28.20 HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts, p. 149.21 HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts, p. 149.

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Mas também não ficou ao livre critério do legislador ordinário estabelecer as restrições queentenda ao exercício de qualquer gênero de atividade lícita. Se assim fosse, a garantia constitucionalseria ilusória e despida de qualquer sentido.

Que adiantaria afirmar “livre” o exercício de qualquer profissão, se a lei ordinária tivesse opoder de restringir tal exercício, a seu critério e alvitre, por meio de requisitos e condições queestipulasse, aos casos e pessoas que entendesse?

É preciso, portanto, um exame aprofundado da espécie, para fixar quais os limites a que alei ordinária tem de ater-se, ao indicar as “condições de capacidade”. E quais os excessos que,decorrentes direta ou indiretamente das leis ordinárias, desatendem à garantia constitucional. (Rp 930, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-77.)Transcreve Alckmin lição de Fiorini:

Observa, a este respeito, Fiorini (Poder de Polícia, p. 149 e ss.):No hay duda que las leyes reglamentarias no puedem destruir las libertades consagra-

das como inviolables y fundamentales. Cuál debe ser la forma como debe actuar el legisla-dor cuando sanciona normas limitativas sobre los derechos individuales? La mismapregunta puede referir-se al administrador cuando concreta actos particulares. Si el Estadodemocrático exhibe el valor inapreciable con caráter absoluto como es la persona humana,aquí se halla la primera regla que rige cualquier clase de limitaciones. La persona humanaante todo. Teniendo en mira este supuesto fundante, es como debe actuar con carácterrasonable la regulamentación policial. La jurisprudencia y la logica juridica han instituidocuatro principios que rigen este hacer: 1º) la limitacion debe ser justificada; 2º) el medioutilizado, es decir, la cantidad y el modo de la medida, debe ser adecuado al fin deseado; 3º)el medio y el fin utilizados deben manifestarse proporcionalmente; 4º) todas las medidasdeben ser limitadas. La razonabilidad se expresa con la justificación, adecuación,proporcionalidad y restricción de las normas que se sancionen. Hasta la policia de antañopretendia estos datos de razonabilidad que enmarcaban con los principios de la justicia, puesdeseaba que no fuera arbitraria. Los principios lógicos expuestos no son fáciles de realizaren al pacto con la realidad social, máxime cuando se debe tener en cuenta un valor que sevaloró en la relación con mayor grado que cualquer otro: la persona humana. Se hapretendido hallar una fórmula gramatical comprensiva y salvadora diciendo que laslimitaciones policiales deben ser siempre justas y razonables. La locución es genérica y dedifícil compresión ante la realidad social, puesto que comprende a otros muchos valores, lamoderación, corrección, etc., que se confunden con una medida más genérica como lo es laequidad. La jurisprudencia en nuestro país, y en especial la norteamericana, condensa enmuchos de sus fallos las cuatro reglas expuestas bajo la denominación de “razoabilidad”aunque no la determinen en forma expresa y positiva. La razoabilidad, cuando se refiere ala medida dictada por la gestión policial, debe hallarce justificada, realizada en formaadecuada y sacrificando minimamente los ámbitos individuales. La justa y razonablereglamentación de los derechos declarados como fundamentales para la existencia humanaen sociedad, halla en el “due process of law” de la jurisprudencia norteamericana substan-cial solución sobre este objeto jurídico que algunos califican “standard juridico”. Juan F.Linares la ha calificado de “garantia innominada” en la Constitución Argentina,presentandola como la garantia de la seguridad de la “legal y justa aplicación del derecho”.Esta garantia justifica en forma directa el control jurisdiccional sobre cualquer clase deactos realizados por la actividad policial y la responsabilidad por sus desviaciones.

E adiante, invocando decisão da Corte Suprema Argentina:

(...) es incuestionable que (...) pueden los tribunales resolver en circunstanciasextraordinarias de manifesto e insalvable conflicto entre aquéllas y la ley fundamental, quelas mismas no tienen relación con sus fines aparentes y que se han desconocido con ellas,innecesaria e injustificadamente, derechos primordiales que el poder judicial debe amparar(...) porque de otra suerte la faculdad de reglamentación de las legislaturas y de lasmunicipalidades seria ilimitada.

(Fl. 176.)

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Vê-se, pois, que a argumentação desenvolvida no belíssimo precedente parece nãodistinguir as situações de aplicação do princípio da proporcionalidade das do princípio donúcleo essencial.

Independentemente da filiação a uma das teorias postas em questão, é certo que omodelo adotado na Lei 8.072/90 faz tabula rasa do direito à individualização no queconcerne aos chamados crimes hediondos.

A condenação por prática de qualquer desses crimes haverá de ser cumprida inte-gralmente em regime fechado. O núcleo essencial desse direito, em relação aos crimeshediondos, resta completamente afetado. Na espécie, é certo que a forma eleita pelolegislador elimina toda e qualquer possibilidade de progressão de regime e, por conse-guinte, transforma a idéia de individualização enquanto aplicação da pena em razão desituações concretas em maculatura.

Daí afirmar Maria Lucia Karam, em texto já referido por Peluso, que “a imposição deum regime único e inflexível para o cumprimento de pena privativa de liberdade, comvedação de progressividade em sua execução, atinge o próprio núcleo do princípioindividualizador, assim indevidamente retirando-lhe eficácia, assim, indevidamente dimi-nuindo a razão de ser da norma constitucional que assentada no inciso XLVI do art. 5º daCarta de 1988, o preconiza e garante.” (Regimes de cumprimento da pena privativa deliberdade. In: Escrito em homenagem a Alberto Silva Franco: São Paulo. 2003. p. 314.)

No caso dos crimes hediondos, o constituinte adotou um conceito jurídico indeter-minado que conferiu ao legislador ampla liberdade, o que permite quase a conversão dareserva legal em um caso de interpretação da Constituição segundo a lei. Os crimesdefinidos como hediondos passam a ter tratamento penal agravado pela simples decisãolegislativa. E a extensão legislativa que se emprestou à conceituação de crimes hediondos,como resultado de uma política criminal fortemente simbólica, agravou ainda mais essequadro.

A ampliação dos crimes considerados hediondos torna ainda mais geral a vulneraçãodo princípio da individualização, o que, em outras palavras, quase transforma a exceção emregra. Todos os crimes mais graves ou que provocam maior repulsa na opinião públicapassam a ser tipificados como crimes hediondos e, por conseguinte, exigem o cumprimentoda pena em regime integralmente fechado. Os direitos básicos do apenado à individualiza-ção são totalmente desconsiderados em favor de uma opção política radical.

Não é difícil perceber que fixação in abstracto de semelhante modelo, sem permitirque se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a sua capacidade de reinte-gração social e os esforços envidados com vistas à ressocialização, retira qualquer carátersubstancial da garantia da individualização da pena. Ela passa a ser uma delegação embranco oferecida ao legislador, que tudo poderá fazer. Se assim se entender, tem-se acompleta descaracterização de uma garantia fundamental.

Portanto, nessa hipótese, independentemente da doutrina que pretenda adotar sobrea proteção do núcleo essencial – relativa ou absoluta –, afigura-se inequívoca a afronta aesse elemento integrante do direito fundamental. É que o próprio direito fundamentalrestaria violado.

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É interessante notar que o próprio Governo federal, na gestão do Ministro Jobim noMinistério da Justiça, encaminhou Projeto de Lei (Projeto de Lei 724-A, de 1995), quepretendia introduzir uma nova política para os denominados crimes de especial gravidade.A Exposição de Motivos do Projeto ressaltava a filosofia que haveria de lhe dar embasa-mento nos seguintes termos:

(...) Essa proposta, transformada em lei, permitirá o tratamento rigoroso desses crimes,que se irradiará para todo o sistema, seja na aplicação da pena, seja na sua execução, sem contudoinviabilizar a individualização dessa mesma pena.

(...)O Projeto, em resumo, estabelece como nítida orientação de Política Criminal, tratamento

penal mais severo para os crimes nele referidos mas permite, por outro lado, que esse tratamentose ajuste ao sistema progressivo do cumprimento de pena, instituído pela reforma de 1984, semo qual torna-se impossível pensar-se em um razoável “sistema penitenciário”. Se retirarmos docondenado a esperança de antecipar a liberdade pelo seu próprio mérito, pela conduta disciplinada,pelo trabalho produtivo durante a execução da pena, estaremos seguramente acenando-lhe, comoúnica saída, a revolta, as rebeliões, a fuga, a corrupção. (JOBIM, Nelson. Mensagem 783. Diário da Câmara dos Deputados, 19 de janeiro

de 1996, p. 1898.)

O aludido projeto de lei, aprovado na Câmara dos Deputados, acrescentava o se-guinte § 4º ao art. 33 do Código Penal:

§ 4º O juiz determinará o cumprimento de metade da pena aplicada em regime fechado,desde o início, quando o crime for de especial gravidade.

Tal proposta demonstra que o modelo previsto na Lei 8.072/90, se já não se revelainadequado, é, pelo menos desnecessário, uma vez que existem alternativas igualmenteeficazes e menos gravosas para a posição jurídica afetada.

Em verdade, tal como apontado por Marco Aurélio e Peluso, a Lei dos Crimes He-diondos contém incongruência grave, pois, ao mesmo tempo em que repele a progressi-vidade, admite o livramento condicional desde que cumpridos dois terços da pena (CP, art.83, V). Tem-se, pois, o retorno à vida social sem que tenha havido progressão do regime,com a reintrodução gradual do condenado na vida em sociedade.

Essa incongruência explicita, a um só tempo, a desnecessidade da medida adotada(lesão ao princípio da proporcionalidade) e a falta de cuidado por parte do legislador nafixação de limites do direito fundamental à individualização da pena (caráter arbitrário danorma).

Fica evidente, assim, que a fórmula abstrata consagrada pelo legislador, que veda aprogressão aos crimes hediondos, não se compatibiliza também com o princípio daproporcionalidade, na acepção da necessidade (existência de outro meio eficaz menoslesivo aos direitos fundamentais). Verificada a desnecessidade da medida, resta evidenciadaa lesão ao princípio da proporcionalidade.

A previsão da Lei 9.455/97 quanto à possibilidade de progressão do crime de tortura(§ 7º, art. 1º) se não tem caráter revogatório da Lei 8.072/90, parece indicar, também, adesnecessidade da medida enquanto instrumento de combate à criminalidade.

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Como explicar, com algum grau de plausibilidade, que o crime de tortura possa ter aprogressão de regime expressamente admitida e os demais crimes considerados hediondosestejam excluídos desse benefício?

Ora, semelhante incongruência também demonstra, de forma insofismável, a ausênciade necessidade da providência fixada na Lei 8.072/90. Do contrário, não haveria justifica-tiva para o legislador conferir tratamento díspar a situações idênticas.

Ressalto que não sou refratário à idéia de que se possa adotar um diferente critériode progressividade para os crimes hediondos. Não preconizo a aplicação do princípio daigualdade em toda a sua extensão, tal como defendido pelo Min. Marco Aurélio, porque,a rigor, foi a própria Constituição que os distinguiu em relação aos demais crimes. O quenão encontra amparo constitucional, a meu ver, é a vedação, geral e abstrata, da progressão.Como demonstrado, essa proibição não passa pelo juízo de proporcionalidade.

Demonstrada a inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime emcrime hediondo, passo a adotar as razões esposadas na Rcl 2.391, pois também agoraentendo que o Tribunal, ante a sua reiterada jurisprudência anteriormente firmada, haveráde fixar a eficácia restrita dos efeitos da presente declaração.A eventual revisão da jurisprudência

Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria constitucionalseja aquele relativo à evolução jurisprudencial e, especialmente, a possível mutação consti-tucional. Se a sua repercussão no plano material é inegável, são inúmeros os desafios noplano do processo em geral e, em especial, do processo constitucional.

Nesse sentido, vale registrar a douta observação de Larenz:

De entre os factores que dão motivo a uma revisão e, com isso, freqüentemente, a umamodificação da interpretação anterior, cabe uma importância proeminente à alteração da situa-ção normativa. Trata-se a este propósito de que as relações fácticas ou usos que o legisladorhistórico tinha perante si e em conformidade aos quais projectou a sua regulação, para os quais atinha pensado, variaram de tal modo que a norma dada deixou de se “ajustar” às novas relações.É o factor temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei está, como facto histórico, em relaçãoactuante com o seu tempo. Mas o tempo também não está em quietude; o que no momento dagênese da lei actuava de modo determinado, desejado pelo legislador, pode posteriormente actuarde um modo que nem sequer o legislador previu, nem, se o pudesse ter previsto, estaria dispostoa aprovar. Mas, uma vez que a lei, dado que pretende ter também validade para uma multiplicidadede casos futuros, procura também garantir uma certa constância nas relações inter-humanas, aqual é, por seu lado, pressuposto de muitas disposições orientadas para o futuro, nem toda amodificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma.Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução – por via de umainterpretação modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiênciado entendimento anterior da lei passou a ser “evidente”.(LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa. 1997, p. 495.)

Daí afirmar Larenz:

A alteração da situação normativa pode assim conduzir à modificação – restrição ouextensão – do significado da norma até aqui prevalecente. De par com a alteração da situaçãonormativa, existem factos tais como, sobretudo, modificações na estrutura da ordem jurídicaglobal, uma nítida tendência da legislação mais recente, um novo entendimento da ratio legis oudos critérios teleológico-objectivos, bem como a necessidade de adequação do Direito pré-cons-

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titucional aos princípios constitucionais, que podem provocar uma alteração de interpretação.Disto falámos nós já. Os tribunais podem abandonar a sua interpretação anterior porque seconvenceram que era incorrecta, que assentava em falsas suposições ou em conclusões nãosuficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o factor temporal, pode também resultarque uma interpretação que antes era correcta agora não o seja. (Larenz, Metodologia, cit., p. 498-500.)

Por isso, ensina Larenz, de forma lapidar:

O preciso momento em que deixou de ser “correcta” é impossível de determinar. Istoassenta em que as alterações subjacentes se efectuam na maior parte das vezes de modo contínuoe não de repente. Durante um “tempo intermédio” podem ser “plausíveis” ambas as coisas, amanutenção de uma interpretação constante e a passagem a uma interpretação modificada,adequada ao tempo. É também possível que uma interpretação que aparecia originariamentecomo conforme à Constituição, deixe de o ser na seqüência de uma modificação das relaçõesdeterminantes. Então é de escolher a interpretação, no quadro das possíveis, segundo os outroscritérios de interpretação, que seja agora a única conforme à Constituição.

No plano constitucional, esse tema mereceu uma análise superior no trabalho deInocêncio Mártires Coelho sobre interpretação constitucional (COELHO, InocêncioMártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.)

No Capítulo 4 da obra em referência, que trata das conseqüências da diferença entrelei e Constituição, propicia-se uma releitura do fenômeno da chamada mutação consti-tucional, asseverando-se que as situações da vida são constitutivas do significado dasregras de direito, posto que é somente no momento de sua aplicação aos casos ocorrentesque se revelam o sentido e o alcance dos enunciados normativos. Com base em Perez Luñoe Reale, enfatiza-se que, em verdade, a norma jurídica não é o pressuposto, mas o resultadodo processo interpretativo ou que a norma é a sua interpretação.

Essa colocação coincide, fundamentalmente, com a observação de Häberle, segundoa qual não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada (Es gibt keineRechtsnormen, es gibt nur interpretierte Rechtsnormen), ressaltando-se que interpretar umato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública(Einen Rechssatz “auslegen” bedeutet, ihn in die Zeit, d.h. in die öffentliche Wirklichkeitstellen – um seiner Wirksamkeit willen). Por isso, Häberle introduz o conceito de pós-compreensão (Nachverständnis), entendido como o conjunto de fatores temporalmentecondicionados com base nos quais se compreende “supervenientemente” uma dada norma.A pós-compreensão nada mais seria, para Häberle, do que a pré-compreensão do futuro,isto é, o elemento dialético correspondente da idéia de pré-compreensão (HÄBERLE, Peter.Zeit und Verfassung. In: Probleme der Verfassungsinterpretation, org: Dreier, Ralf/Schwegmann, Friedrich, Nomos, Baden-Baden, 1976, p. 312-313.)

Tal concepção permite a Häberle afirmar que, em sentido amplo, toda lei interpretada –não apenas as chamadas leis temporárias – é uma lei com duração temporal limitada (Ineinem weiteren Sinne sind alle – interpretierten – Gesetzen “Zeitgesetze” – nicht nurdie zeitlich befristeten). Em outras palavras, o texto, confrontado com novas experiências,transforma-se necessariamente em outro.

Essa reflexão e a idéia segundo a qual a atividade hermenêutica nada mais é doque um procedimento historicamente situado autorizam Häberle a realçar que uma

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interpretação constitucional aberta prescinde do conceito de mutação constitucional(Verfassungswandel) como categoria autônoma.

Nesses casos, fica evidente que o Tribunal não poderá fingir que sempre pensaradessa forma. Daí a necessidade de, em tais casos, fazer o ajuste do resultado, adotando-se técnica de decisão que, tanto quanto possível, traduza a mudança de valoração. Noplano constitucional, esses casos de mudança na concepção jurídica podem produzir umamutação normativa ou a evolução na interpretação, permitindo que venha a ser reco-nhecida a inconstitucionalidade de situações anteriormente consideradas legítimas. Aorientação doutrinária tradicional, marcada por uma alternativa rigorosa entre atos legíti-mos ou ilegítimos (entweder als rechtmässig oder als rechtswidrig), encontra dificuldadepara identificar a consolidação de um processo de inconstitucionalização (Prozess desVerfassungswidrigwerdens). Prefere-se admitir que, embora não tivesse sido identificada, ailegitimidade sempre existira.

Daí afirmar Häberle:

O Direito Constitucional vive, prima facie, uma problemática temporal. De um lado, adificuldade de alteração e a conseqüente duração e continuidade, confiabilidade e segurança; deoutro, o tempo envolve agora mesmo, especificamente o Direito Constitucional. É que o proces-so de reforma constitucional deverá ser feito de forma flexível e a partir de uma interpretaçãoconstitucional aberta. A continuidade da Constituição somente será possível se passado e futuroestiverem nela associados.(Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 295-296.)

Häberle indaga:

O que significa tempo? Objetivamente, tempo é a possibilidade de se introduzir mudança,ainda que não haja a necessidade de produzi-la.(Häberle, Zeit und Verfassung, cit., p. 300.)

Tal como anota Häberle, “o tempo sinaliza ou indica uma reunião (ensemble) deforças sociais e idéias. (...) A ênfase ao “fator tempo” não deve levar ao entendimento deque o tempo há de ser utilizado como “sujeito” de transformação ou de movimento (...). Ahistória (da comunidade) tem muitos sujeitos. O tempo nada mais é do que a dimensão naqual as mudanças se tornam possíveis e necessárias (...).” (Häberle, Zeit und Verfassung,cit., p. 300.)Uma nova visão dos direitos fundamentais e de suas repercussões

Não é raro que essas alterações de concepções se verifiquem, dentre outros campos,exatamente em matéria de defesa dos direitos fundamentais. Aqui talvez se mesclem asmais diversas concepções existentes na própria sociedade e o processo dialético que asenvolve. E os diversos entendimentos de mundo convivem, sem que, muitas vezes, o“novo” tenha condições de superar o “velho”.

É natural também que esse tipo de situação se coloque de forma bastante evidenteno quadro de uma nova ordem constitucional. Aqui, entendimentos na jurisprudência, nadoutrina e na legislação tornam, às vezes, inevitável que a interpretação da Constituiçãose realize, em um primeiro momento, com base na situação jurídica preexistente. Assim, atémesmo institutos novos poderão ser interpretados segundo entendimento consolidado

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na jurisprudência e na legislação pré-constitucionais. Nesse caso, é, igualmente, compre-ensível que uma nova orientação hermenêutica reclame cuidados especiais.

Nesse sentido, refiro-me mais uma vez às lições de Larenz:

O que é para os tribunais civis, quando muito, uma excepção, adequa-se em muito maiormedida a um Tribunal Constitucional. Decerto que se poderá, por exemplo, resolver muitas vezessobre recursos constitucionais de modo rotineiro, com os meios normais da argumentação jurídica.Aqui tão-pouco faltam casos comparáveis. Mas nas resoluções de grande alcance político para ofuturo da comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal Constitucional incumbe umaresponsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funciona-mento. Não pode proceder segundo a máxima: fiat justitia, pereat res publica. Nenhum juizconstitucional procederá assim na prática. Aqui a ponderação das consequências é, portanto, detodo irrenunciável, e neste ponto tem Kriele razão. Certamente que as conseqüências (maisremotas) tão pouco são susceptíveis de ser entrevistas com segurança por um Tribunal Constitu-cional, se bem que este disponha de possibilidades muito mais amplas do que um simples juiz civilde conseguir uma imagem daquelas. Mas isto tem que ser aceite. No que se refere à avaliação dasconseqüências previsíveis, esta avaliação só pode estar orientada à idéia de “bem comum”,especialmente à manutenção ou aperfeiçoamento da capacidade funcional do Estado de Direito.É, neste sentido, uma avaliação política, mas devendo exigir-se de cada juiz constitucional que seliberte, tanto quanto lhe seja possível – e este é, seguramente, em larga escala o caso – da suaorientação política subjectiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de antipatiapara com outros, e procure uma resolução despreconceituada, “racional”.(Metodologia, cit., p. 517.)

Talvez o caso historicamente mais relevante da assim chamada mutação constitu-cional seja expresso na concepção da igualdade racial nos Estados Unidos. Em 1896, nocaso Plessy versus Ferguson, a Corte Suprema americana reconheceu que a separaçãoentre brancos e negros em espaços distintos, no caso específico – em vagões de trens –, eralegítima. Foi a consagração da fórmula equal but separated. Essa orientação veio a sersuperada no já clássico Brown versus Board of Education (1954), no qual se assentou aincompatibilidade dessa separação com os princípios básicos da igualdade.

Nos próprios Estados Unidos, a decisão tomada em Mapp versus Ohio, 367 U.S. 643(1961), posteriormente confirmada em Linkletter versus Walker, 381 U.S. 618 (1965), apropósito da busca e apreensão realizada na residência da Sra. Dollree Mapp, acusada deportar material pornográfico, em evidente violação às leis de Ohio, traduz significativa mu-dança da orientação até então esposada pela Corte Suprema.

A condenação de Dollree Mapp foi obtida com base em evidências obtidas pelapolícia quando adentraram sua residência, em 1957, apesar de não disporem de mandadojudicial de busca e apreensão. A Suprema Corte, contrariando o julgamento da 1ª Instância,declarou que a “regra de exclusão” (baseada na Quarta Emenda da Constituição), queproíbe o uso de provas obtidas por meios ilegais nas Cortes federais, deveria ser estendidatambém às Cortes estaduais. A decisão provocou muita controvérsia, mas os proponentesda “regra de exclusão” afirmavam constituir esta a única forma de assegurar que provasobtidas ilegalmente não fossem utilizadas.

A decisão de Mapp versus Ohio superou o precedente Wolf versus Colorado, 338U.S. 25 (1949), tornando a regra obrigatória aos Estados, e, àqueles acusados, cujas inves-tigações e processos não tinham atendido a estes princípios, era conferido o direito dehabeas corpus.

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Em 1965, a Suprema Corte americana julgou o caso Linkletter versus Walker, 381 U.S.618, no qual um condenado por arrombamento na Corte de Louisiana requereu o direito dehabeas corpus, com fundamento na decisão do caso Mapp versus Ohio.

A Suprema Corte decidiu contrariamente à aplicação retroativa da norma naquelescasos que tiveram o julgamento final antes da decisão proferida em Mapp. Essa mudançafoi descrita por Christina Aires Lima em sua dissertação de Mestrado:

Apesar do entendimento da Corte Federal do Distrito de Lousiana e da Corte de Apelaçãodo Estado, de que no caso Linkletter as investigações sobre a pessoa e bens do acusado foramfeitas de modo ilegal, tais Cortes decidiram que a regra estabelecida no caso Mapp não poderia seraplicada retroativamente às condenações das cortes estaduais, que se tornaram finais antes doanúncio da decisão do referido precedente.

As decisões dessas Cortes foram fundadas no entendimento de que, conferir-se efeitoretroativo aos casos que tiveram julgamento final antes da decisão do caso Mapp, causaria umenorme e preocupante problema para a administração da Justiça.

A Suprema Corte americana admitiu o certiorari requerido por Linkletter, restrito à questãode saber se deveria, ou não, aplicar efeito retroativo à decisão proferida no caso Mapp.(LIMA, Christina Aires Corrêa. O Princípio da Nulidade das Leis Inconstitucio-nais. UnB, 2000, p. 84.)

Ao justificar o indeferimento da aplicação da norma retroativamente, a opinião majori-tária da Corte Suprema americana, no julgamento do caso Linkletter versus Walker, foi noseguinte sentido:

Uma vez aceita a premissa de que não somos requeridos e nem proibidos de aplicar umadecisão retroativamente, devemos então sopesar os méritos e deméritos em cada caso, analisandoo histórico anterior da norma em questão, seu objetivo e efeito, e se a operação retrospectiva iráadiantar ou retardar sua operação. Acreditamos que essa abordagem é particularmente corretacom referência às proibições da 4ª. Emenda, no que concerne às buscas e apreensões desarrazoadas.Ao invés de “depreciar” a Emenda devemos aplicar a sabedoria do Justice Holmes que dizia que “navida da lei não existe lógica: o que há é experiência”.(United States Reports, Vol. 381, p. 629.)

E mais adiante ressaltou:

A conduta imprópria da polícia, anterior à decisão em Mapp, já ocorreu e não será corrigidapela soltura dos prisioneiros envolvidos. Nem sequer dará harmonia ao delicado relacionamentoestadual-federal que discutimos como parte do objetivo de Mapp. Finalmente, a invasão deprivacidade nos lares das vítimas e seus efeitos não podem ser revertidos. A reparação chegoumuito tarde.(United States Reports, Vol. 381, p. 637.)

No direito alemão, mencione-se o famoso caso sobre o regime da execução penal(Strafgefangene), de 14 de março de 1972. Segundo a concepção tradicional, o estabeleci-mento de restrições aos direitos fundamentais dos presidiários mediante atos normativossecundários era considerada, inicialmente, compatível com a Lei Fundamental. Na espécie,cuidava-se de Verfassungsbeschwerde proposta por preso que tivera carta dirigida a umaorganização de ajuda aos presidiários interceptada porque continha críticas à direção dopresídio. A decisão respaldava-se em portaria do Ministério da Justiça do Estado.

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A Corte Constitucional alemã colocou em dúvida esse entendimento na decisãoproferida sobre problemática da execução penal, como se logra depreender da seguintepassagem do acórdão:

O constituinte contemplou, por ocasião da promulgação da Lei Fundamental, a situaçãotradicional da execução da pena, tal como resulta dos artigos 2º, parágrafo 2º, 2º período, e 104,parágrafos 1º e 2º da Lei Fundamental, não existindo qualquer sinal de que ele partira da premissade que o legislador haveria de editar uma lei imediatamente após a entrada em vigor da LeiFundamental. Na apreciação da questão sobre o decurso de prazo razoável para o legisladordisciplinar a matéria e, por conseguinte, sobre a configuração de ofensa à Constituição, deve-seconsiderar também que, até recentemente, admitia-se, com fundamento das relações peculiaresde poder (besondere Gewaltverhältnisse), que os direitos fundamentais do preso estavam subme-tidos a uma restrição geral decorrente das condições de execução da pena. Cuidar-se-ia de limita-ção implícita, que não precisava estar prevista expressamente em lei. Assinale-se, todavia, que,segundo a orientação que se contrapõe à corrente tradicional, a Lei Fundamental, enquantoordenação objetiva de valores com ampla proteção dos direitos fundamentais, não pode admitiruma restrição ipso jure da proteção dos direitos fundamentais para determinados grupos depessoas. Essa corrente somente impôs-se após lento e gradual processo.(BVerfGE 33, 1 (12))

A especificidade da situação impunha, todavia, que se tolerassem, provisoriamente,as restrições aos direitos fundamentais dos presidiários, ainda que sem fundamento legalexpresso. O legislador deveria emprestar nova disciplina à matéria, em consonância com aorientação agora dominante sobre os direitos fundamentais.

A evolução do entendimento doutrinário e jurisprudencial – uma autêntica mutaçãoconstitucional – passava a exigir, no entanto, que qualquer restrição a esses direitosdevesse ser estabelecida mediante expressa autorização legal.Efeitos da declaração de inconstitucionalidade

Embora a Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo TribunalFederal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é lícito indagar sobre aadmissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso.

Ressalte-se que não estou a discutir a constitucionalidade do art. 27 da Lei 9.868, de1999. Cuida-se aqui tão-somente de examinar a possibilidade de aplicação da orientaçãonele contida no controle incidental de constitucionalidade.

Para tanto, faz-se necessária, inicialmente, a análise da questão no direito americano,que é a matriz do sistema brasileiro de controle.

É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, onde a doutrinaacentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão “lei inconstitucional” configuravauma contradictio in terminis, uma vez que “the inconstitutional statute is not law at all”(WILLOUGHBY, Westel Woodbury. The Constitutional Law of the United States, NewYork, 1910, v. 1, p. 9/10; cf. COOLEY, Thomas M. Treaties on the ConstitutionalLimitations, 1878, p. 227), passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidadede se estabelecerem limites à declaração de inconstitucionalidade (TRIBE, Laurence. TheAmerican Constitutional Law, The Foundation Press, Mineola, New York, 1988). ASuprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativade juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se asleis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuais condenaçõesnelas baseadas quedam ilegítimas, e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria

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a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigênciada norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afetatão-somente a demanda em que foi levada a efeito, não se há que cogitar de alteração dejulgados anteriores.

Sobre o tema, afirma Tribe:

No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: “a Constituição nemproíbe nem exige efeito retroativo.” Parafraseando o Justice Cardozo pela assertiva de que “aconstituição federal nada diz sobre o assunto”, a Corte de Linkletter tratou da questão daretroatividade como um assunto puramente de política (política judiciária), a ser decidido nova-mente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: “Os critérios condutores da solução da questão implicam (a) o uso a ser servido pelosnovos padrões, (b) a extensão da dependência das autoridades responsáveis pelo cumprimento dalei com relação aos antigos padrões, e (c) o efeito sobre a administração da justiça de umaaplicação retroativa dos novos padrões.(Tribe, American Constitutional Law, cit., p. 30.)

Vê-se, pois, que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo passou aadmitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos deter-minados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclu-sivamente pro futuro (cf., a propósito, Sesma, El Precedente, cit., p. 174 e ss.). De resto,assinale-se que, antes do advento da Lei 9.868, de 1999, talvez fosse o STF, muito prova-velmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modoexpresso, da limitação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade. Não só a SupremaCorte americana (caso Linkletter versus Walker) mas também uma série expressiva deCortes Constitucionais e Cortes Supremas adotam a técnica da limitação de efeitos (cf.,v.g., Corte Constitucional austríaca (Constituição, art. 140), a Corte Constitucional alemã(Lei Orgânica, § 31, 2 e 79, 1), a Corte Constitucional espanhola (embora não expressa naConstituição, adotou, desde 1989, a técnica da declaração de inconstitucionalidadesem a pronúncia da nulidade. Cf. Garcia de Enterría, Justicia Constitucional, cit., p. 5),a Corte Constitucional portuguesa (Constituição, art. 282, n. 4), o Tribunal de Justiça daComunidade Européia (art. 174, 2, do Tratado de Roma), o Tribunal Europeu de DireitosHumanos (caso Markx, de 13 de junho de 1979. Cf. SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto.Da declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis 9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel. O Controle de Constitucionalidade e a Lei 9.868/99 (Org.).Rio de Janeiro, 2001.)

No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que o modelodifuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos.

Sem dúvida, afigura-se relevante no sistema misto brasileiro o significado da decisãolimitadora tomada pelo Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de normas sobreos julgados proferidos pelos demais juízes e tribunais no sistema difuso.

O tema relativo à compatibilização de decisões nos modelos concreto e abstrato nãoé exatamente novo e foi suscitado, inicialmente, na Áustria, tendo em vista os reflexos dadecisão da Corte Constitucional sobre os casos concretos que deram origem ao incidentede inconstitucionalidade (1920-1929). Optou-se ali por atribuir efeito ex tunc excepcionalà repercussão da decisão de inconstitucionalidade sobre o caso concreto (Constituiçãoaustríaca, art. 140 , n. 7, 2ª parte).

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No direito americano, a matéria poderia assumir feição delicada tendo em vista ocaráter incidental ou difuso do sistema, isto é, modelo marcadamente voltado para adefesa de posições subjetivas. Todavia, ao contrário do que se poderia imaginar, não érara a pronúncia de inconstitucionalidade sem atribuição de eficácia retroativa, especial-mente nas decisões judiciais que introduzem alteração de jurisprudência (prospectiveoverruling). Em alguns casos, a nova regra afirmada para decisão aplica-se aos processospendentes (limited prospectivity); em outros, a eficácia ex tunc exclui-se de forma absoluta(pure prospectivity). Embora tenham surgido no contexto das alterações jurisprudenciaisde precedentes, as prospectivity têm integral aplicação às hipóteses de mudança deorientação que leve à declaração de inconstitucionalidade de uma lei antes consideradaconstitucional (cf. Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 743.)

A prática da prospectivity, em qualquer de suas versões, no sistema de controleamericano, demonstra, pelo menos, que o controle incidental não é incompatível com aidéia da limitação de efeitos na decisão de inconstitucionalidade.

Há de se reconhecer que o tema assume entre nós peculiar complexidade tendo emvista a inevitável convivência entre os modelos difuso e direto. Quais serão, assim, osefeitos da decisão ex nunc do Supremo Tribunal Federal, proferida in abstracto, sobre asdecisões já proferidas pelas instâncias afirmadoras da inconstitucionalidade com eficáciaex tunc?

Um argumento que pode ser suscitado diz respeito ao direito fundamental de acessoà justiça, tal como já argüido no direito português, afirmando-se que haveria a frustraçãoda expectativa daqueles que obtiveram o reconhecimento jurisdicional do fundamento desua pretensão (cf. Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 746.)

A propósito dessa objeção, Rui Medeiros apresenta as seguintes respostas:

- É sabido, desde logo, que existem domínios em que a restrição do alcance do julgamentode inconstitucionalidade não é, por definição, susceptível de pôr em causa esse direito fundamen-tal (v.g., invocação do 4 do art. 282 para justificar a aplicação da norma penal inconstitucionalmais favorável ao argüido do que a norma repristinada);

- Além disso, mostra-se claramente claudicante a representação do direito de acção judicialcomo um direito a uma sentença de mérito favorável, tudo apontando antes no sentido de que oart. 20 da Constituição não vincula os tribunais a “uma obrigação-resultado (procedência dopedido) mas a uma mera obrigação-meio, isto é, a encontrar uma solução justa e legal para oconflito de interesse entre as partes”;

- Acresce que, mesmo que a limitação de efeitos contrariasse o direito de acesso aostribunais, ela seria imposta por razões jurídico-constitucionais e, por isso, a solução não poderiapassar pela absoluta prevalência do interesse tutelado pelo art. 20 da Constituição, postulando aoinvés uma tarefa de harmonização entre os diferentes interesse em conflito;

- Finalmente, a admissibilidade de uma limitação de efeitos na fiscalização concreta nãosignifica que um tribunal possa desatender, com base numa decisão puramente discricionária, aexpectativa daquele que iniciou um processo jurisdicional com a consciência da inconstituciona-lidade da lei que se opunha ao reconhecimento da sua pretensão. A delimitação da eficácia dadecisão de inconstitucionalidade não é fruto de “mero decisionismo” do órgão de controlo. O quese verifica é tão-somente que, à luz do ordenamento constitucional no seu todo, a pretensão doautor à não-aplicação da lei desconforme com a Constituição não tem, no caso concreto, funda-mento.(Cf. Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 746-747.)

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Essas colocações têm a virtude de demonstrar que a declaração de inconstitucionali-dade in concreto também se mostra passível de limitação de efeitos. A base constitucionaldessa limitação – necessidade de outro princípio que justifique a não-aplicação do princípioda nulidade – parece sugerir que, se aplicável, a declaração de inconstitucionalidaderestrita revela-se abrangente do modelo de controle de constitucionalidade como umtodo. É que, nesses casos, tal como já argumentado, o afastamento do princípio da nulidadeda lei assenta-se em fundamentos constitucionais e não em razões de conveniência. Se osistema constitucional legitima a declaração de inconstitucionalidade restrita no controleabstrato, essa decisão poderá afetar, igualmente, os processos do modelo concreto ouincidental de normas. Do contrário, poder-se-ia ter inclusive esvaziamento ou perda designificado da própria declaração de inconstitucionalidade restrita ou limitada.

A questão tem relevância especial no direito português, porque, ao lado do modeloabstrato de controle, de perfil concentrado, adota a Constituição um modelo concreto deperfil incidental, à semelhança do sistema americano ou do brasileiro. Trata-se de herançado sistema adotado pela Constituição portuguesa de 1911.

É claro que, nesse contexto, tendo em vista os próprios fundamentos legitimadoresda restrição de efeitos, poderá o Tribunal declarar a inconstitucionalidade com efeitoslimitados, fazendo, porém, a ressalva dos casos já decididos ou dos casos pendentes atédeterminado momento (v.g., até a decisão in abstracto). É o que ocorre no sistema portu-guês, onde o Tribunal Constitucional ressalva, freqüentemente, os efeitos produzidos até adata da publicação da declaração de inconstitucionalidade no Diário da República ou,ainda, acrescenta no dispositivo que são excetuadas aquelas situações que estejam pen-dentes de impugnação contenciosa (cf. Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade,cit., p. 748.)

Essa orientação afigura-se integralmente aplicável ao sistema brasileiro.Assim, pode-se entender que, se o STF declarar a inconstitucionalidade restrita,

sem qualquer ressalva, essa decisão afeta os demais processos com pedidos idênticospendentes de decisão nas diversas instâncias. Os próprios fundamentos constitucionaislegitimadores da restrição embasam a declaração de inconstitucionalidade com eficácia exnunc nos casos concretos. A inconstitucionalidade da lei há de ser reconhecida a partir dotrânsito em julgado. Os casos concretos ainda não transitados em julgado hão de ter omesmo tratamento (decisões com eficácia ex nunc) se e quando submetidos ao STF.

É verdade que, tendo em vista a autonomia dos processos de controle incidental ouconcreto e de controle abstrato, entre nós, mostra-se possível um distanciamento tempo-ral entre as decisões proferidas nos dois sistemas (decisões anteriores, no sistemaincidental, com eficácia ex tunc e decisão posterior, no sistema abstrato, com eficácia exnunc). Esse fato poderá ensejar uma grande insegurança jurídica. Daí parecer razoávelque o próprio STF declare, nesses casos, a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc naação direta, ressalvando, porém, os casos concretos já julgados ou, em determinadassituações, até mesmo os casos sub judice, até a data de ajuizamento da ação direta deinconstitucionalidade. Essa ressalva assenta-se em razões de índole constitucional, espe-cialmente no princípio da segurança jurídica. Ressalte-se aqui que, além da ponderaçãocentral entre o princípio da nulidade e outro princípio constitucional, com a finalidade de

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definir a dimensão básica da limitação, deverá a Corte fazer outras ponderações, tendo emvista a repercussão da decisão tomada no processo de controle in abstracto nos diversosprocessos de controle concreto.

Dessa forma, tem-se, a nosso ver, adequada solução para o difícil problema daconvivência entre os dois modelos de controle de constitucionalidade existentes no direitobrasileiro, também no que diz respeito à técnica de decisão.

Aludida abordagem responde a outra questão intimamente vinculada a essa. Trata-sede saber se o STF poderia, ao apreciar recurso extraordinário, declarar a inconstituciona-lidade com efeitos limitados.

Não parece haver dúvida de que, tal como já exposto, a limitação de efeito é umapanágio do controle judicial de constitucionalidade, podendo ser aplicado tanto nocontrole direto quanto no controle incidental.

Na jurisprudência do STF, pode-se identificar uma tímida tentativa, levada a efeitoem 1977, no sentido de, com base na doutrina de Kelsen e em concepções desenvolvidasno direito americano, abandonar a teoria da nulidade em favor da chamada teoria daanulabilidade para o caso concreto.

Em verdade, no caso específico, considerou o Relator, Leitão de Abreu, que a matérianão comportava a aplicação da doutrina restritiva, pois, ao celebrar o negócio jurídico, orecorrido não tomara em consideração a regra posta no ato legislativo declaradoinconstitucional (RTJ 82, p. 795/6). Assim, parece claro que toda argumentação desenvol-vida por Leitão de Abreu, na espécie, não passa de obiter dictum.

Segundo essa concepção, a lei inconstitucional não poderia ser considerada nula,porque, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade, esua aplicação continuada produziria conseqüências que não poderiam ser olvidadas. A leiinconstitucional não seria, portanto, nula ipso jure, mas apenas anulável. A declaração deinconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo. Da mesma forma que o legisladorpoderia dispor sobre os efeitos da lei inconstitucional, seria facultado ao Tribunal reco-nhecer que a lei aplicada por longo período haveria de ser considerada como fato eficaz,apto a produzir conseqüências pelo menos nas relações jurídicas entre pessoas privadase o poder público. Esse seria também o caso se, com a cassação de um ato administrativo,se configurasse quebra da segurança jurídica e do princípio da boa-fé (RE 79.343, Rel.Min. Leitão de Abreu, RTJ 82, p. 795.)

É interessante registrar a síntese da argumentação desenvolvida por Leitão deAbreu:

Hans Kelsen, enfrentando o problema, na sua General Theory of Law and State, inclina-sepela opinião que dá pela anulabilidade, não pela nulidade da lei inconstitucional. Consigna ele, emnota que figura à p. 160 desse livro: The void ab initio theory is not generally accepted. (Cf. forinstance Chief Justice Hughes in Chicot County Drainage District v. Baxter State Bank, 308, U.S. 371 (1940)). The best formulation of the problem is to be found in Wellington et al.Petitioners, 16 Piock. 87 (Mass., 1834), at 96: “Perhaps, however, it may be well doubtedwhether a formal act of legislation can ever with strict legal propriety be said to be void; It seemsmore consistent with the nature of the subject, and the principles apliccable to analogous cases,to treat it as voidable”. Com base nessa orientação jurisprudencial, escreve o famoso teórico dodireito: “A decisão tomada pela autoridade competente de que algo que se apresenta como norma

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é nulo ab initio, porque preenche os requisitos da nulidade determinados pela ordem jurídica, é umato constitutivo; possui efeito legal definido; sem esse ato e antes dele o fenômeno em questãonão pode ser considerado “nulo”. Donde não se tratar de decisão “declaratória”, não constituin-do, como se afigura, declaração de nulidade: é uma verdadeira anulação, uma anulação com forçaretroativa, pois se faz mister haver legalmente existente a que a decisão se refira. Logo ofenômeno em questão não pode ser algo nulo ab initio, isto é, o não ser legal. É preciso que essealgo seja considerado como força anulada com força retroativa pela decisão que a declarou nula abinitio” (Ob. cit., p. 161). Acertado se me afigura, também, o entendimento de que se não deve tercomo nulo ab initio ato legislativo que entrou no mundo jurídico munido de presunção devalidade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, a obediênciapelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, emverdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta nulidade. Como,entretanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, comisso, de modo pleno, a questão de saber se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos oufatos verificados em conformidade com a norma que haja sido pronunciada como inconsistentecom a ordem constitucional. Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, aque se refere o Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menosantes da determinação de inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícitoignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob alei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poderpúblico, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão que decreta ainconstitucionalidade pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e,fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo.(RE 79.343, Rel. Min. Leitão de Abreu, RTJ 82, p. 794/5.)

Essa posição não provocou qualquer mudança na jurisprudência sobre a nulidadeipso jure. E, em verdade, é possível até que não fosse apta a provocar qualquer mudança.É que o próprio Relator, Leitão de Abreu, ao julgar o RE 93.356, em 24 de março de 1981,destacou, verbis:

Nos dois casos, a tese por mim sustentada pressupunha a existência de situação jurídicaformalmente constituída, com base em ato praticado, de boa-fé, sob a lei que só posteriormenteveio a ser declarada inconstitucional. Ora, como assinala com precisão o parecer da Procuradoria-Geral da República, não é esse o caso dos autos, pois que o poder público não chegou a reconhecerao recorrente o direito ao cômputo do tempo de serviço, a que reporta.(RE 93.356, Rel. Min. Leitão de Abreu, RTJ 97, p. 1369.)

Orientação semelhante já havia sido adotada no primeiro precedente (RE 79.343,Rel. Min. Leitão de Abreu, RTJ 82, p. 791 et seq.), tendo sido realçado que não havia falar-se de proteção de boa-fé, pois restara claro que, ao concluir o negócio jurídico, não tomarao recorrido em consideração a regra posta no ato legislativo posteriormente declaradoinconstitucional.

Assim, talvez seja lícito dizer que Leitão de Abreu limitou-se a propor uma reflexãosobre o tema da limitação dos efeitos no caso concreto, a ser aplicada em alguma questãoapropriada. Nessa parte, as considerações por ele trazidas equivalem a simples obiterdicta. Ressalte-se, porém, que, se aceita a tese esposada por Leitão, ter-se-ia a possibili-dade de limitação de efeitos da decisão no próprio controle incidental ou da decisão inconcreto. Em outras palavras, o Tribunal poderia declarar a inconstitucionalidade inci-dentalmente, com eficácia restrita, o que daria ensejo à aplicação da norma inconstitucionalno caso concreto. Tanto quanto é possível depreender da argumentação desenvolvida

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por Leitão de Abreu, a opção por uma declaração de inconstitucionalidade com efeitolimitado decorreria de critérios de conveniência ou de política judiciária, tal como admitidono direito americano.

Diferentemente da posição externada por Leitão de Abreu, entendo que o princípioda nulidade enquanto cláusula não-escrita continua a ter plena aplicação entre nós.

Não se nega, pois, caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da leiinconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casosem que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omis-são; exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nashipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídicoconstitucional (grave ameaça à segurança jurídica).

Assim, configurado eventual conflito entre o princípio da nulidade e o princípio dasegurança jurídica, que, entre nós, tem status constitucional, a solução da questão há deser, igualmente, levada a efeito em um processo de complexa ponderação.

Desse modo, em muitos casos, há de se preferir a declaração de inconstitucionalidadecom efeitos restritos à insegurança jurídica de uma declaração de nulidade, como demons-tram os múltiplos exemplos do direito comparado e do nosso direito.

A aceitação do princípio da nulidade da lei inconstitucional não impede, assim, quese reconheça a possibilidade de adoção, entre nós, de uma declaração de inconstituciona-lidade alternativa. É o que demonstra a experiência do direito comparado, acima referida.Ao revés, a adoção de decisão alternativa é inerente ao modelo de controle de constitucio-nalidade amplo, que exige, ao lado da tradicional decisão de perfil cassatório com eficáciaretroativa, também decisões de conteúdo outro, que não importem, necessariamente, naeliminação direta e imediata da lei do ordenamento jurídico.

Acentue-se, desde logo, que, no direito brasileiro, jamais se aceitou a idéia de que anulidade da lei importaria eventual nulidade de todos os atos que com base nela viessema ser praticados. Embora a ordem jurídica brasileira não disponha de preceitos semelhantesaos constantes do § 79 da Lei do Bundesverfassungsgericht, que prescreve a intangibili-dade dos atos não mais suscetíveis de impugnação, não se deve supor que a declaraçãode nulidade afete, entre nós, todos os atos praticados com fundamento na lei inconstitu-cional. É verdade que o nosso ordenamento não contém regra expressa sobre o assunto,aceitando-se, genericamente, a idéia de que o ato fundado em lei inconstitucional estáeivado, igualmente, de iliceidade (cf., a propósito, RMS 17.976, Rel. Min. Amaral Santos,RTJ 55, p. 744). Concede-se, porém, proteção ao ato singular, em homenagem ao princípioda segurança jurídica, procedendo-se à diferenciação entre o efeito da decisão no planonormativo (Normebene) e no plano do ato singular (Einzelaktebene) mediante a utiliza-ção das chamadas fórmulas de preclusão (cf. IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassun-gswidrigkeit von Norm und Einzelakt. Baden-Baden, 1980, p. 266 et seq. Ver, também,MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. São Paulo, 2004, p. 305).

Assim, os atos praticados com base na lei inconstitucional que não mais se afiguremsuscetíveis de revisão não são afetados pela declaração de inconstitucionalidade.

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Vislumbra-se exceção expressa a esse entendimento na sentença condenatória pe-nal, uma vez que aqui inexiste prazo, fixado pela legislação ordinária, para a propositura darevisão. Nos termos do art. 621 do Código de Processo Penal, a revisão pode ser propostaa qualquer tempo se a sentença condenatória for contrária a texto expresso da lei penal.Esse fundamento abrange, inequivocamente, a sentença penal condenatória proferidacom base na lei inconstitucional (HC 45.232, Rel. Min. Themistocles Cavalcanti, RTJ 44, p.322 et seq.)

Essa constatação mostra também que a preservação de efeitos dos atos praticadoscom base na lei inconstitucional passa por decisão do legislador ordinário. É ele quemdefine, em última instância, a existência e os limites das fórmulas de preclusão, fixandoipso jure os próprios limites da idéia de retroatividade contemplada no princípio da nuli-dade.

Como ressaltado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal procede à diferen-ciação entre o plano da norma (Normebene) e o plano do ato concreto (Einzelaktebene)também para excluir a possibilidade de anulação deste em virtude da inconstitucionalidadedo ato normativo que lhe dá respaldo.

Admite-se que uma das causas que pode dar ensejo à instauração da ação rescisóriano âmbito do processo civil – violação a literal disposição de lei (art. 485, V, do CPC) –contempla, também, a inconstitucionalidade de uma lei na qual se fundou o juiz paraproferir a decisão transitada em julgado (RMS 17.976, Rel. Min. Amaral Santos, RTJ 55, p.744 et seq.; RE 86.056, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 1º-7-77).

Todavia, a rescisão de sentença proferida com base em lei considerada inconstitucio-nal somente pode ser instaurada dentro do prazo de dois anos, a contar do trânsito emjulgado da decisão (CPC, arts. 485 e 495).

No modelo consagrado pelo § 79, (3), da Lei do Bundesverfassungsgericht, admite-sea possibilidade de que a execução de sentença calcada em lei inconstitucional seja impug-nada mediante embargos à execução (CPC alemão, § 767).

Inicialmente, a impugnação de sentença trânsita em julgado, no sistema brasileiro,somente se haveria de verificar por via de ação rescisória.

Em julgado de 13 de setembro de 1968, explicitou-se essa orientação:

A suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atospraticados sob o império da lei inconstitucional. Contudo, a nulidade da decisão judicial transitadaem julgado só pode ser declarada por via de ação rescisória, sendo impróprio o mandado desegurança (...).(RMS 17.076, Rel. Min. Amaral Santos, RTJ 55, p. 744.)

Esse entendimento foi reiterado posteriormente, enfatizando-se que a execuçãojudicial de decisão transitada em julgado não pode ser obstada com a oposição deembargos, uma vez que a nulidade dessa decisão deve ser aferida do âmbito da açãorescisória (RE 86.056, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 1º-1-77). Em acórdão maisrecente, ressaltou-se que “a execução (...) está amparada no respeito à coisa julgada, quese impõe ao Juízo executante, e que impede que, sobre ela (e até que venha a ser regular-mente desconstituída a sentença que lhe deu margem), tenha eficácia o acórdão posteriordesta Corte” (Rcl 148, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 109, p. 463).

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A Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, introduziu regra segundo aqual, para os fins de execução judicial, “considera-se inexigível o título judicial fundadoem lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ouem aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal” (art.741, parágrafo único, do CPC; art. 836, parágrafo único, da CLT).

Assim sendo, ressalvada a hipótese de declaração de inconstitucionalidade comlimitação de efeitos (art. 27, Lei 9.868/99), a declaração de inconstitucionalidade (comeficácia ex tunc) em relação a sentenças já transitadas em julgado poderá ser invocada,eficazmente, tanto em ação rescisória como nos embargos à execução.

Às vezes, invoca-se diretamente fundamento de segurança jurídica para impedir arepercussão da decisão de inconstitucionalidade sobre as situações jurídicas concretas.

Nessa linha, tem-se asseverado a legitimidade dos atos praticados por oficiais dejustiça investidos na função pública por força de lei posteriormente declarada inconstitu-cional. No RE 79.620, da relatoria de Aliomar Baleeiro, declarou-se ser “válida a penhorafeita por agentes do Executivo, sob as ordens dos juízes, nos termos da lei estadual de SãoPaulo s/n, de 3-12-71, mormente se nenhum prejuízo disso adveio para o executado” (DJ de13-12-74; cf., também, RE 78.809, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ de 11-10-74). Orientaçãosemelhante foi firmada no RE 78.594, da relatoria de Bilac Pinto, assentando-se que, “ape-sar de proclamada a ilegalidade da investidura do funcionário público na função de oficialde justiça em razão da declaração de inconstitucionalidade da lei estadual que autorizou taldesignação, o ato por ele praticado é válido” (DJ de 4-11-74).

Em outros termos, razões de segurança jurídica podem obstar à revisão do atopraticado com base na lei declarada inconstitucional.

Registre-se ainda, por amor à completude, que a jurisprudência do STF contempla,ainda, uma peculiaridade no que se refere aos efeitos da decisão que declara a inconstitu-cionalidade da lei concessiva de vantagens a segmentos do funcionalismo, especialmenteaos magistrados. Anteriormente já havia o STF afirmado que “a irredutibilidade dos venci-mentos dos magistrados garante, sobretudo, o direito que já nasceu e que não pode sersuprimido sem que sejam diminuídas as prerrogativas que suportam o seu cargo” (RE105.789, Rel. Min. Carlos Madeira, RTJ 118, p. 301).

Por essa razão, tal garantia superaria o próprio efeito ex tunc da declaração deinconstitucionalidade da norma (RE 105.789, Rel. Min. Carlos Madeira, RTJ 118, p. 301).Decisão publicada em 8-4-94, também relativa à remuneração de magistrados, retrataentendimento no sentido de que a “retribuição declarada inconstitucional não é de serdevolvida no período de validade inquestionada da lei declarada inconstitucional – mastampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade” (RE 122.202, Rel. Min.Francisco Rezek, DJ de 8-4-94).

Essa tentativa, um tanto quanto heterodoxa, de preservar as vantagens pecuniáriasjá pagas a servidores públicos com base numa lei posteriormente declarada inconstitu-cional parece carecer de fundamentação jurídica consistente em face da doutrina da nuli-dade da lei inconstitucional. Ela demonstra, ademais, que o Tribunal, na hipótese, acaboupor produzir uma mitigação de efeitos com base em artifícios quase que exclusivamenteretóricos. Mais apropriado seria reconhecer que, nos casos referidos, a retroatividade

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plena haveria de ser afastada com fundamento no princípio da segurança jurídica, que,como se sabe, também entre nós é dotado de hierarquia constitucional.

Não se afirme que, sob a Constituição de 1988, o STF teria rejeitado a possibilidadede adotar a técnica de decisão com efeitos limitados.

De forma direta, a questão da limitação dos efeitos foi colocada perante o STF,inicialmente na ADI 513, proposta contra dispositivo da Lei 8.134/90, que instituía índicede correção aplicável a imposições tributárias anteriormente fixadas (art. 11, parágrafoúnico). Célio Borja cuidou, fundamentalmente, de indagar acerca da eventual ocorrênciade “excepcional interesse social” que legitimasse o afastamento do princípio da nulidadeda lei inconstitucional, verbis:

Alegação de só poder ter efeito ex nunc a decisão que nulifica lei que instituiu ou aumentoutributo auferido pelo tesouro e já aplicado em serviços ou obras públicas. Sua inaplicabilidade àhipótese dos autos que não cogita, exclusivamente, de tributo já integrado ao patrimônio público,mas de ingresso futuro a ser apurado na declaração anual do contribuinte e recolhido posterior-mente. Também não é ela atinente a eventual restituição de imposto pago a maior, porque estáprevista em lei e terá seu valor reduzido pela aplicação de coeficiente menos gravoso.

Não existe ameaça iminente à solvência do tesouro, à continuidade dos serviços públicosou a algum bem política ou socialmente relevante, que justifique a supressão, in casu, do efeitopróprio, no Brasil, do juízo de inconstitucionalidade da norma, que é a sua nulidade. É de repelir-se,portanto, a alegada ameaça de lacuna jurídica ameaçadora (bedrohliche Rechtslucke).(ADI 513, Rel. Min. Célio Borja, RTJ 141, p. 739.)

Nesses termos, ainda que Célio Borja tenha, no caso concreto sob exame, negado aocorrência dos pressupostos aptos a afastar a incidência do princípio da nulidade da leiinconstitucional, não negou ele a legitimidade de proceder-se a uma tal ponderação.

É verdade, na ADI 1.102, julgada em 5 de outubro de 1995, Maurício Corrêa tornoumanifesta sua preocupação com o problema:

Creio não constituir afronta ao ordenamento constitucional exercer a Corte políticajudicial de conveniência, se viesse a adotar sistemática, caso por caso, para a aplicação de quais osefeitos que deveriam ser impostos quando, como nesta hipótese, defluísse situação tal a recomen-dar, na salvaguarda dos superiores interesses do Estado e em razão da calamidade dos cofres daPrevidência Social, se buscasse o dies a quo, para a eficácia dos efeitos da declaração deinconstitucionalidade, a data do deferimento da cautelar.

(...)Ressalvada a minha posição pessoal quanto aos efeitos para a eficácia da decisão, que, em

nome da conveniência e da relevância da segurança social, seriam a partir da concessão da cautelardeferida em 9 de setembro de 1994, e acolhendo a manifestação do Procurador-Geral da República,julgo procedentes as ADI 1.102-2, 1.108-1 e 1.116-2, para, confirmando a liminar concedidapela maioria, declarar a inconstitucionalidade das expressões “empresários” e “autônomos”contidas no inciso I do art. 22 da Lei 8.212, de 25 de julho de 1991.(ADI 1.102, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 17-11-95.)

É expressivo, a propósito da limitação dos efeitos, o voto de Sepúlveda Pertence,verbis:

De logo – a observação é de Garcia de Enterría – a conseqüente eficácia ex tunc dapronúncia de inconstitucionalidade gera, no cotidiano da Justiça Constitucional, um sério incon-veniente, que é o de levar os tribunais competentes, até inconscientemente, a evitar o maispossível a declaração de invalidade da norma, à vista dos efeitos radicais sobre o passado.

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O caso presente, entretanto, não é adequado para suscitar a discussão.O problema dramático da eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade surge,

quando ela vem surpreender uma lei cuja validade, pelo menos, era “dada de barato”, e de repente,passados tempos, vem a Suprema Corte a declarar-lhe a invalidez de origem. Não é este o caso: aincidência da contribuição social sobre a remuneração de administradores, autônomos e avulsosvem sendo questionada desde a vigência da Lei 7.787, e creio que, nas vias do controle difuso,poucas terão sido as decisões favoráveis à Previdência Social. (...)

Sou em tese favorável a que, com todos os temperamentos e contrafortes possíveis e parasituações absolutamente excepcionais, se permita a ruptura do dogma da nulidade ex radice da leiinconstitucional, facultando-se ao Tribunal protrair o início da eficácia erga omnes da declaração.Mas, como aqui já se advertiu, essa solução, se generalizada, traz também o grande perigo deestimular a inconstitucionalidade. (ADI 1.102, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 17-11-95.)

Entendeu-se, portanto, quando do julgamento da ADI 1.102, que, embora aceitável,em tese, a discussão sobre a restrição de efeitos, o caso não se mostrava adequado, tendoem vista que modelo legal adotado vinha sendo sistematicamente impugnado no Judiciário,inclusive no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal.

Observe-se que, em decisão de 23 de março de 1994, no julgamento do HC 70.514(Rel. Sydney Sanches, DJ de 27-6-97), teve o STF oportunidade de ampliar a já complexatessitura das técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, admitindo que leique concedia prazo em dobro para a Defensoria Pública era de ser considerada constitu-cional enquanto esses órgãos não estivessem devidamente habilitados ou estruturados.

Assim, o Relator, Sydney Sanches, ressaltou que a inconstitucionalidade do § 5º doart. 5º da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, acrescentado pela Lei 7.871, de 8 de novembrode 1989, não haveria de ser reconhecida, no ponto em que confere prazo em dobro, pararecurso, às Defensorias Públicas, “ao menos até que sua organização, nos Estados, alcanceo nível da organização do respectivo Ministério Público” (HC 70.514, Rel. Min. SydneySanches, DJ de 27-6-97).

Da mesma forma pronunciou-se Moreira Alves, como se pode depreender da seguintepassagem de seu voto, no julgamento do HC 70.514:

A única justificativa, Sr. Presidente, que encontro para esse tratamento desigual em favorda Defensoria Pública em face do Ministério Público é a de caráter temporário: a circunstância deas Defensorias Públicas ainda não estarem, por sua recente implantação, devidamente aparelhadas,como se acha o Ministério Público.

Por isso, para casos como este, parece-me deva adotar-se a construção da Corte Constitu-cional alemã no sentido de considerar que uma lei, em virtude das circunstâncias de fato, pode vira ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato não se apresen-tarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais.

Assim, a lei em causa será constitucional enquanto a Defensoria Pública, concretamente,não estiver organizada com a estrutura que lhe possibilite atuar em posição de igualdade com oMinistério Público, tornando-se inconstitucional, porém, quando essa circunstância de fato nãomais se verificar.

Afigura-se, igualmente, relevante destacar o voto de Sepúlveda Pertence, que assimferiu a questão no mesmo habeas corpus:

No HC 67.930, quando o Tribunal afirmou a subsistência, sob a Constituição de 1988, dalegitimação de qualquer do povo, independentemente de qualificação profissional e capacidade

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postulatória, para a impetração de habeas corpus, tive a oportunidade de realçar essa situação defato da Defensoria Pública.

E, por isso, ao acompanhar o eminente Relator acentuei que, dada essa pobreza dosserviços da Assistência Judiciária, e até que ela venha a ser superada, a afirmação da indispensabi-lidade do advogado para requerer habeas corpus, que seria o ideal, viria, na verdade, a ser umentrave, de fato, à salvaguarda imediata da liberdade.

Agora, em situação inversa, também esse mesmo estado de fato me leva, na linha dos votosaté aqui proferidos, com exceção do voto do Ministro Marco Aurélio – a quem peço vênia –, aacompanhar o eminente Relator e rejeitar a prejudicial de inconstitucionalidade rebus sicstantibus.

Ressalvou-se, portanto, de forma expressa, a possibilidade de que o Tribunalpudesse vir a declarar a inconstitucionalidade da disposição em apreço, uma vez que aafirmação sobre a legitimidade da norma assentava-se em uma circunstância de fato quese modifica no tempo.

Posteriormente, em 19 de maio de 1998, no RE criminal 147.776, da relatoria deSepúlveda Pertence, o tema voltou a ser agitado de forma pertinente. A ementa do acórdãorevela, por si só, o significado da decisão para atual evolução das técnicas de controle deconstitucionalidade:

Ministério Público: Legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do danoresultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: Código de Processo Penal, art. 68,ainda constitucional (cf. RE 135.328): processo de inconstitucionalização das leis.

1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidadeplena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei comfulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma novaordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade derealização da norma da Constituição – ainda quanto teoricamente não se cuide de preceito deeficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

2. No contexto da Constituição, de 1988, a atribuição anteriormente dada ao MinistérioPúblico pelo art. 68 do Código de Processo Penal – constituindo modalidade de assistênciajudiciária – deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, sóse pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art.134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou emcada Estado considerado –, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferênciaconstitucional de atribuições, o art. 68 do Código de Processo Penal será considerado aindavigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o Plenário no RE 135.328.(DJ de 19-6-98.)Revela-se expressiva, para a análise do tema em discussão nestes autos, a seguinte

passagem do voto de Pertence:O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição constitucional

ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre aconstitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade comfulminante eficácia ex tunc; ou, ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre oreconhecimento da recepção incondicional e o da perda de vigência desde a data da Constituição.

Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que geram – fazem abstra-ção da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fatoinstantâneo, mas um processo no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição –ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada –, subordina-se muitasvezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizam.

É tipicamente o que sucede com as normas constitucionais que transferem poderes eatribuições de uma instituição preexistente para outra criada pela Constituição, mas cuja im-

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plantação real pende não apenas de legislação infraconstitucional que lhe dê organizaçãonormativa, mas também de fatos materiais que lhe possibilitem atuação efetiva.

Isso o que se passa com a Defensoria Pública, no âmbito da União e no da maioria dasUnidades da Federação.

Certo, enquanto garantia individual do pobre e correspondente dever do poder público, aassistência judiciária alçou-se ao plano constitucional desde o art. 141, § 35, da Constituição de1946 e subsistiu nas cartas subseqüentes (1967, art. 150, § 32; 1969, art. 153, § 32) e naConstituição em vigor, sob a forma ampliada de “assistência jurídica integral” (art. 5º, LXXIV).

Entretanto, é inovação substancial do Texto, de 1988, a imposição à União e aos Estadosda instituição da Defensoria Pública, organizada em carreira própria, com membros dotados dagarantia constitucional da inamovibilidade e impedidos do exercício privado da advocacia.

O esboço constitucional da Defensoria Pública vem de ser desenvolvido em cores fortespela Lei Complementar 80, de 12-1-94, que, em cumprimento do art. 134 da Constituição,“organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normasgerais para sua organização nos Estados”. Do diploma infere-se a preocupação de assimilar,quanto possível, o estatuto da Defensoria e o dos seus agentes aos do Ministério Público: assim,a enumeração dos mesmos princípios institucionais de unidade, indivisibilidade e independênciafuncional (art. 3º); a nomeação a termo, por dois anos, permitida uma recondução, do defensorpúblico geral da União (art. 6º) e do Distrito Federal (art. 54); a amplitude das garantias eprerrogativas outorgadas aos defensores públicos, entre as quais, de particular importância, a de“requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências,processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício desuas atribuições” (arts. 43, X; 89, X, e 128, X).

A Defensoria Pública ganhou, assim, da Constituição e da lei complementar um equipa-mento institucional incomparável – em termos de adequação às suas funções típicas – ao dosagentes de outros organismos públicos – a exemplo da Procuradoria de diversos Estados –, aosquais se vinha entregando individualmente, sem que constituíssem um corpo com identidadeprópria, a atribuição atípica da prestação de assistência judiciária aos necessitados.

Ora, no direito pré-constitucional, o art. 68 do Código de Processo Penal – ao confiá-lo aoMinistério Público –, erigiu em modalidade específica e qualificada de assistência judiciária opatrocínio em juízo da pretensão reparatória do lesado pelo crime.

Estou em que, no contexto da Constituição, de 1988, essa atribuição deva efetivamentereputar-se transferida do Ministério Público para a Defensoria Pública: essa, porém, para essefim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldesdo art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na Uniãoou em cada Estado considerado – se implemente essa condição de viabilização da cogitadatransferência constitucional de atribuições, o art. 68 do Código de Processo Penal será conside-rado ainda vigente.

O caso concreto é de São Paulo, onde, notoriamente, não existe Defensoria Pública,persistindo a assistência jurídica como tarefa atípica de procuradores do Estado.

O acórdão – ainda não publicado – acabou por ser tomado nesse sentido por unanimidade,na sessão plenária de 1º-6-94, com a reconsideração dos votos antes proferidos em contrário.

Ora, é notório, no Estado de São Paulo a situação permanece a mesma considerada noprecedente: à falta de Defensoria Pública instituída e implementada segundo os moldes da Cons-tituição, a assistência judiciária continua a ser prestada pela Procuradoria-Geral do Estado ou, nasua falta, por advogado.

Fica evidente, pois, que o STF deu um passo significativo rumo à flexibilização dastécnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, introduzindo, ao lado dafórmula apodítica da declaração de inconstitucionalidade com equivalência de nulidade, oreconhecimento de um estado imperfeito, insuficiente para justificar a declaração de ilegi-timidade da lei ou bastante para justificar a sua aplicação provisória. Expressiva nessesentido é a observação de Pertence, ao destacar que “o caso mostra, com efeito, a inflexívelestreiteza da alternativa da jurisdição constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos

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no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitivada lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou,ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepçãoincondicional e o da perda de vigência desde a data da Constituição.” Daí observar, ainda,os reflexos dessa orientação no plano da segurança jurídica, ao enfatizar que essas “alter-nativas radicais – além dos notórios inconvenientes que geram – fazem abstração daevidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fatoinstantâneo, mas um processo no qual a possibilidade da realização da norma da Consti-tuição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada –subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem” (RE criminal147.776, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19-6-98.).

É inegável que a opção desenvolvida pelo STF inspira-se diretamente no uso que aCorte Constitucional alemã faz do “apelo ao legislador”, especialmente nas situaçõesimperfeitas ou no “processo de inconstitucionalização”. Nessas hipóteses, avalia-se,igualmente, que, tendo em vista razões de segurança jurídica, a supressão da normapoderá ser mais danosa para o sistema do que a sua preservação temporária.

Não há negar, ademais, que, aceita a idéia da situação “ainda constitucional”, deve-rá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma em outro momento,fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o “apelo ao legislador” e adeclaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão muito próximosdo prisma conceitual ou ontológico.

Essas considerações demonstram que razões de segurança jurídica podem revelar-seaptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional.

Nesses termos, resta evidente que a norma contida no art. 27 da Lei 9.868/99, temcaráter fundamentalmente interpretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídi-cos indeterminados utilizados – segurança jurídica e excepcional interesse social – serevestem de base constitucional. No que diz respeito à segurança jurídica, parece nãohaver dúvida de que encontra expressão no próprio princípio do Estado de Direito conso-ante, amplamente aceito pela doutrina pátria e alienígena. Excepcional interesse socialpode encontrar fundamento em diversas normas constitucionais. O que importa assinalaré que, consoante a interpretação aqui preconizada, o princípio da nulidade somente há deser afastado se puder-se demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declara-ção de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou deoutro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social (cf., a propósitodo direito português, Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 716).

Observe-se que sequer o argumento de que a existência de uma decisão alternativaacabaria por debilitar a aplicação da norma constitucional há de ter acolhida aqui. Comoobserva Garcia de Enterría, se não se aceita o pronunciamento prospectivo, não se declaraa inconstitucionalidade de um número elevado de leis, permitindo que se crie um estadode greater restraint (cf. Garcia de Enterría, Justicia Constitucional, cit., p. 13.). Tudoindica, pois, que é a ausência de uma técnica alternativa à simples declaração de nulidadeque pode enfraquecer a aplicação da norma constitucional.

Portanto, o princípio da nulidade continua a ser a regra também no direito brasileiro.O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendoem vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de

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segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob aforma de interesse social relevante. Assim, aqui, como no direito português, a não-aplica-ção do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária,mas em fundamento constitucional próprio.

No caso em tela, observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade comefeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente.

Anoto que, a despeito do caráter de cláusula geral ou conceito jurídico indeterminadoque marca o art. 282 (4) da Constituição portuguesa, a doutrina e a jurisprudência enten-dem que a margem de escolha conferida ao Tribunal para a fixação dos efeitos da decisãode inconstitucionalidade não legitima a adoção de decisões arbitrárias, estando condiciona-da pelo princípio de proporcionalidade.

A propósito, Rui Medeiros assinala que as três vertentes do princípio da proporciona-lidade têm aplicação na espécie (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentidoestrito).

Peculiar relevo assume a proporcionalidade em sentido estrito na visão de RuiMedeiros:

A proporcionalidade nesta terceira vertente tanto pode ser perspectivada pelo lado dalimitação de efeitos como pelo lado da declaração de inconstitucionalidade. Tudo se reconduz,neste segundo caso, a saber se à luz do princípio da proporcionalidade as conseqüências gerais dadeclaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas. Impõe-se, para o efeito, ponderaçãodos diferentes interesses em jogo, e, concretamente, o confronto entre interesses afectado pelalei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em conseqüência da decla-ração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória.

Todavia, ainda quanto a esta terceira vertente do princípio da proporcionalidade, não éconstitucionalmente indiferente perspectivar o problema das conseqüências da declaração deinconstitucionalidade do lado da limitação de efeitos ou do lado da própria declaração deinconstitucionalidade. A declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex tunc tem, manifes-tamente prioridade de aplicação. Todo o sistema de fiscalização de constitucionalidade portuguêsestá orientado para a expurgação de normas inconstitucionais. É, aliás, significativa a recusa deatribuição de força obrigatória geral às decisões de não inconstitucionalidade. Não basta, pois,afirmar que “o Tribunal Constitucional deve fazer um juízo de proporcionalidade, cotejando ointeresse na reafirmação da ordem jurídica – que a eficácia ex tunc da declaração plenamentepotencia – com o interesse na eliminação do factor de incerteza e de insegurança – que aretroactividade, em princípio, acarreta (Acórdão do Tribunal Constitucional 308/93)”. É precisoacrescentar que o Tribunal Constitucional deve declarar a inconstitucionalidade com força obri-gatória geral e eficácia retroactiva e repristinatória, a menos que uma tal solução envolva osacrifício excessivo da segurança jurídica, da eqüidade ou de interesse público de excepcionalrelevo.(MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 703/704.)

ConclusãoConsiderando que, reiteradamente, o Tribunal reconheceu a constitucionalidade da

vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, bem como todas as possíveisrepercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil,processual e penal, reconheço que, ante a nova orientação que se desenha, a decisãosomente poderia ser tomada com eficácia ex nunc. É que, como observa Larenz, também ajustiça constitucional não se opera sob o paradigma do fiat justitia, pereat res publica.Assente que se cuida de revisão de jurisprudência, de autêntico overruling, e entendo

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que o Tribunal deverá fazê-lo com eficácia restrita. E, certamente, elas não eram – nemdeveriam ser consideradas – inconstitucionais quando proferidas.

Com essas considerações, também eu, Senhor Presidente, declaro a inconstitucio-nalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Faço isso, com efeito ex nunc, nos termos do art.27 da Lei 9.868/99, que entendo aplicável à espécie. Ressalto que esse efeito ex nunc deveser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveisde serem submetidas ao regime de progressão.

Defiro a ordem de habeas corpus, para que se devolva ao juízo de origem o exameacerca do preenchimento, pelo Paciente, das condições para a progressão de regime.

Relativamente aos outros dois aspectos abordados no presente habeas corpus – oenquadramento do atentado violento ao pudor como crime hediondo22 e a aplicação dacausa de aumento – permaneço com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

É como voto.

22 Já se encontra assentado na jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que os crimes de estuproe de atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples – Código Penal, arts. 213 e 214 – comonas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único), são crimes hediondos.

Nesta assentada, não vejo razão para serem afastadas as considerações esposadas pela Ministra EllenGracie, no HC 81.288, julgado pelo Plenário da Corte, verbis:

“A Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, ao relacionar quais os delitos considerados hediondos, foiexpressa ao referir o estupro, apondo-lhe, entre parênteses, a capitulação legal: art. 213 e suacombinação com o art. 223, caput e parágrafo único. Vale dizer, foi intenção do legislador, ao utilizar-seda conjunção coordenativa aditiva, significar que são considerados hediondos: (1) o estupro em suaforma simples, que, na definição legal, corresponde a: constranger mulher à conjunção carnal, medianteviolência ou grave ameaça; (2) o estupro de que resulte lesão corporal de natureza grave; e (3) o estuprodo qual resulte a morte da vítima.

A análise sistêmica do art. 1º da Lei 8.072/90 revela a correção desta assertiva, pelo tratamento dadoa outros delitos igualmente classificados entre os que merecem especial repúdio do corpo social. Assim,na extorsão (art. 158, § 2º), no roubo (art. 157, § 3º, in fine), na epidemia (art. 267, § 1º), o legisladordelimitou a reprimenda exclusivamente para a forma qualificada. Não o fez relativamente ao delito deestupro. Assim deliberando, mostrou-se o legislador atento à efetiva gravidade deste crime, raras vezesdenunciado, e que produz em suas vítimas tantas seqüelas, tão graves e de tão extensa duração. Creio serpossível afirmar, com base científica, não haja no rol do Código Penal, excetuado o próprio homicídio,outra conduta agressiva que sujeite a respectiva vítima a tamanhas conseqüências nefastas e que tanto seprolonguem no tempo.

Até mesmo a pura análise gramatical, ou literal, do dispositivo nos leva à mesma conclusão.Compõe-se a redação do inciso como segue: ‘V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223,caput, parágrafo único)’. Vale dizer, após o nomen juris genérico do delito e, entre parênteses,encontra-se o número que o artigo assumiu no corpo do Código Penal. Seguem-se (e aí estão, a meusentir, as duas palavras de cuja exata apreensão semântico/estrutural depende a perfeita interpretação detodo o artigo e o deslinde da mens legis), a conjunção e e o pronome sua (combinação etc.).” (HC81.288, Rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-4-03.)

E concluiu magistralmente a Ministra:“De tudo, é possível concluir que, não fora a expressa inclusão do delito, em sua forma simples, entre

os que o art. 1º da Lei 8.072/90 reputou hediondos, como procurei demonstrar no início deste voto, e,ainda assim, seria viável afirmar que não existe estupro do qual não resulte lesão de natureza grave.

Na lição do mestre Nelson Hungria, em caso de lesão corporal ‘não se trata, como o nomen jurispoderia sugerir, prima facie, apenas do mal infligido à inteireza anatômica da pessoa. Lesãocorporal compreende toda e qualquer ofensa ocasionada à normalidade funcional do corpo ou organismo

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EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no habeas temos causas de pedire objetivos diversos, porque, se se afastasse totalmente, como preconizei em meu voto, aLei 8.072/90, não se daria a majoração da pena relativa a atentado violento ao pudor.

EXTRATO DA ATA

HC 82.959/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: Oseas deCampos (Advogados: Roberto Delmanto Junior e outro). Coatores: Superior Tribunal deJustiça e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justificadamente,nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência doMinistro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio (Relator) e Carlos Britto, quedeferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça eassentavam o direito do paciente à progressão do regime de cumprimento da pena; dosvotos dos Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que indeferiam a ordem; do votodo Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o Relator e cancelava ex officio o aumentoda pena do art. 226, III, do Código Penal; e do voto do Ministro Gilmar Mendes, quedeclarava a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º, com eficácia ex nunc, pediu vista dosautos a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Nelson Jobim.

humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista fisiológico ou psíquico. Mesmo adesintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência, a vontade ou a memória dizem coma atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não se concebe umaperturbação mental sem um dano à saúde e é inconcebível um dano à saúde sem um mal corpóreo ou umaalteração do corpo. Quer como alteração da integridade física, quer como perturbação do equilíbriofuncional do organismo (saúde), a lesão corporal resulta sempre de uma violência exercida sobre a pessoa.’

Para as Professoras Silvia Pimentel, Ana Lucia P. Schitzmeyer e Valéria Pandjiarjian, integrantes doComitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e do Núcleo deEstudos da Violência da Universidade de São Paulo, ‘A violência sexual do estupro, enquanto violênciade gênero é fenômeno praticamente universal. Contudo não é inevitável e muito menos incontrolável.Como demonstram estudos transculturais, as relações entre os sexos e as políticas dos sexos diferemradicalmente de sociedade para sociedade, sendo em muito determinadas por complexas configuraçõesde arranjos econômicos, políticos, domésticos e ideológicos.’ As autoras relembram que ‘a polícia, oMinistério Público e o Poder Judiciário não se comportam de forma criativa e ativa em relação aprovidências que poderiam melhor garantir a efetividade do processo legal’ e enfatizam a necessidade desensibilização quanto à questão de gênero dos operadores do Direito. A esse propósito, nunca serádemasiado louvar a iniciativa pioneira da Associação Internacional de Mulheres Magistradas, que, sob adedicada coordenação da ilustre Desembargadora Shelma Lombardi de Kato, tem promovido osseminários do projeto ‘Jurisprudência da Igualdade’, nos quais espaço especial é reservado à divulgaçãoe à ênfase na efetiva implementação dos instrumentos internacionais a que nosso País tem apresentadopronta adesão e que têm por objetivo a garantia dos direitos da mulher, em sua acepção ampla de direitoshumanos.

Ao repelir a interpretação que afasta do rol dos crimes hediondos o delito de estupro em sua formasimples, estará esta Corte dando à lei sua correta inteligência e ademais e, principalmente, sinalizandoque o Estado brasileiro, para além da simples retórica, estende proteção efetiva às mulheres e criançasvítimas de tal violência e reprime, com a severidade que a sociedade exige, os seus perpetradores.”

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Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 2 de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

ESCLARECIMENTOS

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Pedi vista destes autos após a manifestação do eminenteMinistro Gilmar Mendes, que, tal como o haviam feito os Colegas Ministros Carlos Brittoe Cezar Peluso, acompanhava o Relator, Ministro Marco Aurélio, para deferir ao Paciente,condenado pela prática de crime hediondo, a progressão de regime. Pelo indeferimento daordem, manifestaram-se os Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa.

Dado o lapso de tempo transcorrido, rememoro brevemente os votos já proferidos.O eminente Relator limitou a manifestação da Corte nestes autos nos seguintes termos:“apenas cabe o exame da questão referente à Lei 8.072/90 (progressividade de regime)e a relativa à alegada falta de fundamentação do que decidido.” Afastou S. Exa., desdelogo, a alegação de falta de fundamentação do acórdão. No que diz respeito à questão deconstitucionalidade, entendeu que a garantia de individualização da pena, inserida no roldos direitos assegurados pelo art. 5º da Constituição Federal, inclui a fase de execução dapena aplicada, donde não ser viável afastar a possibilidade de progressão do respectivoregime de cumprimento. Segundo S. Exa., a edição da Lei 9.455/97, que permitiu a progressãopara o crime de tortura, indica a necessidade de igual tratamento para os outros delitosrotulados hediondos e corresponde a uma derrogação implícita da norma do § 1º do art. 2ºdo mencionado texto legal. Por tal motivo, concedeu a ordem para assegurar a progressão.No final de seu voto, muito embora houvesse circunscrito o tema às duas questões antesreferidas, teceu considerações em que reafirmou seu entendimento de que o estupro – e,no caso, o atentado violento ao pudor – só se insere entre os crimes hediondos quandosobrevenha lesão corporal grave ou morte.

Também o Ministro Carlos Britto aplicou o princípio da individualização da penapara assegurar a progressão de regime. Manifestou-se S. Exa. todavia em desacordo como Relator no que diz respeito à classificação do delito entre os que a lei considera hediondos,mantendo a jurisprudência firmada sobre o tema.

Já o Ministro Cezar Peluso rejeita a qualificação de hediondo para o delito em suaforma simples. Também nega a possibilidade do aumento de metade, determinado pelo art.9º da Lei 8.072/90, quando o delito não seja qualificado pelo evento morte ou lesão corporalgrave. Na questão de constitucionalidade, entende S. Exa. que a individualização da penanão se resume à dosimetria, mas se estende à execução.

O Ministro Gilmar Mendes, em longo e erudito voto, cuja fundamentação seriatemerário tentar resumir, entende, em suma, que a progressão de regime também estáincluída no direito fundamental à individualização da pena. Propõe a declaração deinconstitucionalidade com efeitos limitados de modo a não abranger as situações cons-tituídas durante o lapso de tempo em que a lei foi tida por constitucional. Por fim, mantéma jurisprudência da Casa no que diz respeito à classificação do delito como hediondo.

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Diante desse quadro e, principalmente, tendo em vista a referida delimitaçãotemática estabelecida pelo eminente Relator, faz-se necessário que o Tribunal defina setambém estará em debate, na presente sessão, a questão da classificação do crime deatentado violento ao pudor, na sua forma simples, entre os crimes hediondos, ou se aCorte ficará restrita ao exame da constitucionalidade da vedação da progressão de regimeprisional para tais delitos.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministra Ellen Gracie, o Impetrante efeti-vamente sustentou, no pedido de habeas corpus, que o ato praticado deveria merecerenquadramento como obsceno e não como atentado violento ao pudor. Foi isso queVossa Excelência referiu.

Sustenta, também, que a violência presumida não qualifica o crime de atentadoviolento ao pudor como hediondo. Alega, ainda, a ausência de fundamentação doacórdão, a impossibilidade de aplicar o aumento da pena em 1/6 (um sexto), por não setratar de crime continuado; e, por último, o direito à progressão no regime de cumprimentode pena.

O problema é que Vossa Excelência examinará só a última hipótese.A Sra. Ministra Ellen Gracie: Cuidei de ler o voto do Relator, que fez essa delimitação,

e, posteriormente, houve o voto do Ministro Carlos Britto, que também analisou as duasquestões – progressão de regime e classificação do delito – divergindo do Relator nesseponto. Na seqüência, ainda, manifestou-se o Ministro Cezar Peluso, acompanhando o Sr.Ministro Marco Aurélio quanto ao crime hediondo e, também, quanto à progressão deregime. Mas como Sua Excelência havia feito essa delimitação inicial – e eu tratei detranscrevê-la literalmente –, indago ao Relator e ao Tribunal se vamos analisar ambas asquestões ou se vamos ficar restritos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui, temos o seguinte: os MinistrosCezar Peluso e Marco Aurélio referem-se ao problema do crime hediondo além da questãoda progressão.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas o objeto do pedido do Paciente é a pro-gressão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na condição de Relator, gostaria de prestarjustamente esses esclarecimentos. Em última análise, há concentração de causas de pedir,todas elas voltadas ao afastamento do cumprimento da pena integralmente em regimefechado. De qualquer forma, confirmarei esse dado porque já prolatei o voto há algumtempo.

Então, se o Tribunal concluir que a Lei 8.072/90 é inconstitucional, no que impõe oregime integralmente fechado para cumprimento da pena nos crimes hediondos, as demaiscausas ficam suplantadas, tendo em conta o pedido formulado na inicial.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Veja, Ministro Marco Aurélio, a petiçãoinicial é manuscrita e tem uma síntese no início.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Geralmente, tem-se uma petição inicial comletra...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Na página dois há uma síntese do pedido:“Habeas Corpus. Eu, requerente ora Preso...”

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): “... vem com todo o respeito solicitar (...) odireito à individualização da pena. Progressão de regime.”

Então, foi o que disse: o objeto é único, ou seja, a progressão de regime. É dadoseparar a matéria e votar. As demais causas podem ficar prejudicadas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, vamos nos restringir à progressãode regime.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, essa era a indagação inicial que euprecisava esclarecer com o Tribunal, porque tenho um longo voto proferido em habeascorpus anterior, da relatoria do Ministro Calos Velloso, específico sobre a questão doestupro como crime hediondo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministra Ellen Gracie, apenas para organizar:concedem o pedido, pela progressão do regime de cumprimento da pena, os Srs. MinistrosMarco Aurélio (Relator), Carlos Britto e Cezar Peluso; o Sr. Ministro Gilmar Mendes declaroua inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º; negam a progressão do regime os Srs. MinistrosCarlos Velloso e Joaquim Barbosa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, vou poupar o Tribunal da leitura dasanotações que trouxe com relação à classificação desse delito como crime hediondo.

VOTO(Vista)

(Sobre a progressão do regime prisional)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Delimitado, portanto, o objeto sobre o qual este Plená-rio deverá se ater na presente sessão de julgamento, passo, efetivamente, à análise daviabilidade da progressão do regime prisional no tocante aos crimes hediondos, apenasfazendo juntar ao acórdão, tal como fizeram os colegas que me antecederam, a minhamanifestação sobre a classificação dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudorcomo crime hediondo.

Inicialmente, para bem delimitar a questão que está posta, vou à origem da açãopenal. O Paciente foi acusado de molestar três crianças de idades entre 6 e 8 anos. Apre-sentando-se como pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, granjeou a confiança dospais dos menores, que lhe deram hospitalidade e lhe permitiram passear a sós com ascrianças. Nessas ocasiões, foram praticados os abusos. A sentença de primeiro grau e oacórdão do TJSP reconheceram a prática de atentado violento ao pudor com violênciapresumida e em caráter continuado. O juiz sentenciante calculou a pena-base em 9 anos dereclusão. Aplicadas as causas de aumento, a reprimenda acabou fixada em 18 anos dereclusão. Ao analisar a apelação, o TJSP reduziu a pena-base e a fixou em 6 anos e 6 meses.Em decorrência dessa redução e aplicada (1) a agravante prevista no art. 61, II, f, do Código

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Penal1, (2) aumentada a pena de metade em face da incidência do art. 9º da Lei 8.072/902 e(3) acrescida de 1/6 pela continuidade, resultou numa pena de 12 anos e 3 meses dereclusão a ser cumprida em regime fechado.

Peço licença para esclarecer que o acréscimo pela incidência do art. 9º da Lei 8.072/90já foi excluído por decisão do STJ nos autos do Habeas Corpus 25.321, Rel. Min. VicenteLeal, julgado em 11-3-03, DJ de 7-4-033. Tal discussão está, portanto, prejudicada.

2. No que diz respeito à possibilidade de progressão, rememoro que o instituto daindividualização da pena foi constitucionalizado com a Constituição, de 1946, no seu art.141, § 29. A redação foi a seguinte: “A Lei regulará a individualização da pena.” Essamesma redação foi repetida nas Cartas subseqüentes (Constituição Federal de 1969, art.153, § 23; Constituição Federal de 1988, art. 5º, XL). O constituinte deixou ao legisladorordinário a regulação e a disciplina do instituto. Surgiram, então, as Leis 7.209/84 e 7.210/84.A primeira alterou a Parte Geral do Código Penal e cuidou da individualização da pena; asegunda tratou da individualização da execução penal. É importante ressaltar, porém, que,antes dessa normatização, a individualização da pena sempre foi observada. Isso porqueo Código Penal sempre dispôs de normas que equacionavam a operação de correspon-dência entre a responsabilidade do agente e a punição. O legislador ordinário discriminouas sanções cabíveis, fixou as espécies delituosas, formulou o preceito sancionador dasnormas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que varia de ummínimo a um máximo claramente determinados. Estabeleceu circunstâncias qualificadoras,atenuantes e agravantes e instituiu os preceitos que regulam o aumento e a diminuiçãodas penas.

Ao juiz, portanto, dentro de tais limitadores, cabe a tarefa meticulosa de graduar apena em face do contato com o criminoso e do imediato conhecimento de sua personali-dade, incluindo a perquirição de sua maior ou menor periculosidade.

O arcabouço da individualização da pena é constituído por um complexo de normase conta com as atuações legislativa e judicial, culminando com a sentença condenatória,resultado da ponderação que o juiz faz dos elementos subjetivos e objetivos do crime emrelação a cada réu. O juiz transforma em coação concreta o preceito sancionador abstratoda norma penal.

1 “Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam ocrime:

II - ter o agente cometido o crime:f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de

hospitalidade;”2 Lei 8.072/90, art. 9º: “As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158,§ 2º, 159, caput e seus § 1º, § 2º e § 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafoúnico, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, sãoacrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima emqualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”3 “(...) na hipótese de crime contra os costumes praticado contra não maior de 14 anos, com violênciapresumida, não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90, pois o fundamentodessa causa é a violência contra criança, e esta, em sua modalidade ficta, já constitui elementoconstitutivo do tipo, sendo inadmissível um bis in idem. Assim, a majorante só é aplicável quandoocorrer violência real, lesão corporal ou morte, sendo a vítima criança não maior de 14 anos.”

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Surge, então, o título executivo penal, que, como se viu, levou em consideração ascircunstâncias personalíssimas do Acusado.

A individualização, porém, não se esgota no título executivo penal. Ela prosseguena fase executória, visto que a pena será cumprida em estabelecimentos penais distintosde acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. É o que dispõe aConstituição, no seu art. 5º, inciso XLVIII. Ao longo da execução, serão também observadosprocedimentos disciplinares previstos em legislação específica. E, aqui, novamente, a indi-vidualidade do apenado determinará o curso da execução.

É difícil, portanto, admitir, dentro desse grande complexo de normas que constituemo arcabouço do instituto da individualização da pena e de sua execução, que a restrição naaplicação de uma única dessas normas, por opção de política criminal, possa afetar todoo instituto. E mais, que possa essa restrição representar afronta à norma constitucionalque instituiu a individualização da pena, ou seja, imaginar que o todo ficaria contaminadoporque uma determinada parcela foi objeto de restrição. Por isso, com a devida vênia, nãoconsidero eivada de inconstitucionalidade a norma que restringiu a aplicação da regra daprogressividade no regime prisional.

O legislador ordinário que instituiu essa progressividade, em 1984, com o adventoda Lei de Execução Penal (art. 112), poderia até mesmo desconstituí-la. E, se pode olegislador desconstituí-la, pode, também, restringi-la, negando a sua aplicação aos crimeshediondos. Nada mais faz o legislador do que seguir a trilha do constituinte, que discriminoudeterminados delitos, privando seus autores de alguns benefícios penais. É o caso, no art.5º da Constituição Federal, dos incisos XLII, XLIII e XLIV, que tratam dos delitos deracismo, tortura, tráfico, terrorismo e grupos armados.

O instituto da individualização da pena não fica comprometido apenas porque olegislador não permitiu ao juiz uma dada opção. A escolha do juiz em matéria de pena estásubmetida ao princípio da legalidade. Há crimes punidos apenas com privação de liberdade.Não pode o juiz substituir essa pena de privação de liberdade por restritiva de direitos ouprestação pecuniária. Essa limitação, no entanto, não compromete a individualização dapena. Bem a propósito, diz o tópico da ementa do HC 69.603, lavrada pelo Ministro PauloBrossard: À lei ordinária, disse Sua Excelência, “compete fixar os parâmetros dentro dosquais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se olegislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma cons-titucional, que, nos crimes hediondos, o cumprimento da pena será no regime fechado,significa que ele não quis deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquerdiscricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional.”

Muitas críticas foram feitas à Lei 8.072/90. Até mesmo com relação ao nome da lei.Mas como lembrou o Ministro Francisco Rezek no HC 69.657, também sobre o mesmotema: “Não somos uma Casa Legislativa. Não temos a autoridade que tem o legisladorpara estabelecer a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo e só podemos extirpar dotrabalho do legislador ordinário – bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado – aquiloque não pode coexistir com a Constituição. Permaneço fiel à velha tese do Ministro LuísGallotti: ‘A inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de repre-sentar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior.’”

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3. Deixo de acolher as ponderações do Ministro Gilmar Mendes, que, com seu brilhoinvulgar de scholar, ainda assim não me consegue fazer aderir à sua proposição de umadeclaração de inconstitucionalidade modulada, de sorte a apenas abranger as hipótesesfuturas (pure prospectivity), ou seja, as sentenças ainda não proferidas, com ressalva doscasos já decididos. Se adotarmos tal solução, não poderemos aplicá-la ao Paciente destehabeas corpus. Mas essa proposição nos cria um problema insolúvel. Tudo porque, emcontrole difuso, como é o caso presente, ou a declaração de inconstitucionalidade serveà solução da controvérsia ou ela nem se pode colocar. No controle difuso, não se produzinterpretação constitucional, a menos que ela seja útil ao caso. Não se define o status deconstitucionalidade de uma regra jurídica, senão quando ela esteja sendo aplicada ao casoconcreto. E, se não for para ser aplicada no caso presente, a declaração de inconstitucio-nalidade não tem substrato válido, já que esta não é hipótese de controle abstrato. Aalternativa, portanto, seria fazer valer, para a hipótese presente, a nova interpretaçãolimited prospectivity. Essa proposta, porém, não supera outro obstáculo lógico. Se assentenças já publicadas ficam resguardadas da nova interpretação, pelo bom motivo de queos juízes que as proferiram não poderiam prever que a jurisprudência assente da Casa – etantos anos após a promulgação da nova Constituição – se fosse reverter dessa sorte,como excetuar dessa salvaguarda a sentença condenatória do caso presente? O juiz quea prolatou, tanto quanto o TJSP, encontrava-se na mesma situação fática de insciência ouimprevisibilidade de todos os seus demais colegas.

As propostas de solução inspiradas no direito americano não encontram aplicação.Nem é preciso lembrar que lá o controle de constitucionalidade só se faz por via difusa,enquanto entre nós vigora sistema muito mais complexo que concilia as formas difusa econcentrada de controle. Isso nos obriga a respeitar as limitações decorrentes dessacoexistência de técnicas de controle.

Para que a inconstitucionalidade da norma pudesse ser reconhecida com efeitoslimitados, seria necessário que a Corte a analisasse em ação direta.

Por isso, entendo que declarar a inconstitucionalidade, com temperamento, desseart. para aplicar a interpretação inovadora a este caso concreto seria exercício devoluntarismo que nada nos autoriza fazer. Sirvo-me de citação que fez o Ministro GilmarMendes, do Prof. Rui Medeiros, para quem “A delimitação da eficácia da decisão deinconstitucionalidade não é fruto de mero ‘decisionismo’ do órgão de controle” (in Adecisão de inconstitucionalidade, p. 746-747). A Corte estaria se avocando um arbítrioexcessivo ao “selecionar” quais réus serão beneficiados retroativamente por seu novoentendimento. Por isso, com vênias ao Ministro Gilmar Mendes, não me parece aplicávelaqui a doutrina da limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Mantenho, por isso, quanto ao tema da progressão de regime, o entendimentotradicional desta Corte e rejeito a alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º daLei 8.072/90.

4. Por tais razões, indefiro o pedido de habeas corpus, acompanhando a divergênciaque foi iniciada pelo Ministro Carlos Velloso.

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VOTO(Vista)

(Sobre o atentado violento ao pudor como crime hediondo)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: No julgamento do HC 81.288, Rel. Min. Carlos Velloso,o Plenário apreciou a questão da classificação do crime de estupro, na sua forma simples,entre os crimes hediondos, o qual guarda perfeito paralelismo de tratamento com o atentadoviolento ao pudor. Alinhei-me, na ocasião daquele julgamento, com o Relator e persisto noentendimento de que o legislador quis incluir as formas não qualificadas desses delitosentre aqueles que merecem a mais severa repressão.

Reproduzo, em razão da alteração de composição da Corte, aquilo que consignei nojulgamento do HC 81.288. Disse naquela ocasião:

A Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, ao relacionar quais os delitos considerados hediondos,foi expressa ao referir o estupro [e aqui aplica-se isso ao atentado violento ao pudor], apondo-lhe,entre parênteses, a capitulação legal: art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafoúnico. Vale dizer, foi intenção do legislador, ao utilizar-se da conjunção coordenativa aditiva,significar que são considerados hediondos: (1) o estupro em sua forma simples, que, na definiçãolegal, corresponde a: constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ame-aça; (2) o estupro de que resulte lesão corporal de natureza grave; e (3) o estupro do qual resultea morte da vítima.

A análise sistêmica1 do art. 1º da Lei 8.072/90 revela a correção desta assertiva, pelotratamento dado a outros delitos igualmente classificados entre os que merecem especial repúdiodo corpo social. Assim, na extorsão (art. 158, § 2º), no roubo (art. 157, § 3º, in fine), na epidemia(art. 267, § 1º), o legislador delimitou a reprimenda exclusivamente para a forma qualificada. Nãoo fez relativamente ao delito de estupro. Assim deliberando, mostrou-se o legislador atento àefetiva gravidade desse crime, raras vezes denunciado, e que produz em suas vítimas tantasseqüelas, tão graves e de tão extensa duração. Creio ser possível afirmar, com base científica, nãohaja no rol do Código Penal, excetuado o próprio homicídio, outra conduta agressiva que sujeitea respectiva vítima a tamanhas conseqüências nefastas e que tanto se prolonguem no tempo.

Até mesmo a pura análise gramatical, ou literal, do dispositivo nos leva à mesma conclusão.Compõe-se a redação do inciso como segue: V - estupro [e aqui no caso atentado violento aopudor] (art. 213 [ou 214] e sua combinação com o art. 223, caput, parágrafo único). Valedizer, após o nomen juris genérico do delito e, entre parênteses, encontra-se o número que o art.assumiu no corpo do Código Penal. Seguem-se (e aí estão, a meu sentir, as duas palavras de cujaexata apreensão semântico/estrutural depende a perfeita interpretação de todo o art. e o deslindeda mens legis) a conjunção e e o pronome sua (combinação, etc).

Na língua portuguesa, a conjunção e tanto pode assumir significado aditivo quantoadversativo.

A última estrofe do belíssimo poema Acordar da cidade de Lisboa, de Fernando Pessoa, noheterônimo Álvaro de Campos, nos dá exemplo de ambas as formas. Diz ele:

Por isso, não te importes com o que penso,E muito embora o que eu te peça,Te pareça que não quer dizer nada,(...)Dá-me rosas, rosas,E lírios também.2

1 Quadro anexo 1.2 PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1964. fl. 102.

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Valho-me do concurso do Professor Adalberto Kaspary, autor renomado de diversos livrosde português jurídico3, para afirmar que “na estrofe do poeta, o primeiro e tem valor adversativo,sendo perfeitamente substituível por uma das conjunções adversativas propriamente ditas, taiscomo mas ou porém.”

“Já no dispositivo sob análise, a conjunção e está inquestionavelmente em sua acepçãobásica, originária, isto é, aditiva. Até porque a conotação adversativa desta conjunção se verificamais em textos literários, subjetivos, sendo incompatível com o valor denotativo, não-subjetivo,com que as palavras devem ser empregadas no linguajar jurídico-legal.”

Para efeito da análise de que nos ocupamos, seria possível substituir, no texto de Pessoa, oprimeiro e pelas conjunções mas ou porém (adversativas). O segundo e tem nítida conotaçãoaditiva. Dá-me rosas e, mais ainda, e, além delas, lírios também.

No inciso de que estamos tratando é possível ler: “V - estupro (art. 213 e, mais ainda, suacombinação com (...)”; ou “V - estupro (art. 213 e, além dele, sua combinação com (...)”.Todavia, é impossível fazer a leitura substituindo o e por mas ou porém. Donde concluir-se que,no caso, a conjunção tem significado inegavelmente aditivo.

Diz ainda o Prof. Kaspary: “De outra parte, a forma pronominal sua está no dispositivoem apreço, na condição de pronome adjetivo possessivo, na sua relação originária de posse,pertinência. Sinonimiza com a forma genitiva dele do pronome pessoal reto da terceira pessoae, na estrutura redacional do dispositivo (inciso V), refere-se ao termo art. 213, que o precede.”

Assim, a redação original do inciso V, que é:“estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput, parágrafo único)”Deve-se ler:“estupro (art. 213 mais a combinação dele (art. 213) com o art. 223, caput,

parágrafo único).”Ou seja, o legislador pretendeu significar – e corretamente redigiu o dispositivo para tanto –

que estava apontando, para inclusão no rol dos delitos considerados hediondos, o estupro, talcomo vai descrito no art. 213, mais as suas formas qualificadas pela lesão corporal de naturezagrave e a morte.

Insistem alguns defensores na tese de que o delito, em sua forma simples, vale dizer, aquelacorrespondente ao art. 213, teria sido retirado do rol dos crimes hediondos, quando, a partir daedição da Lei 8.930/94, foi eliminada da redação do art. 1º, inciso V, da Lei 8.072/90, a referênciaao caput do mesmo art. 213. O argumento, que à primeira vista pode impressionar, todavia, nãose sustenta.

A extração da palavra caput da redação do art. 1º, V, corresponde, não a uma alteração deconteúdo do dispositivo, mas tão-somente à adaptação de sua forma às alterações legislativas quese seguiram à redação original da Lei dos Crimes Hediondos. Para compreender adequadamenteessa evolução legislativa, é preciso remontar à redação original do Código Penal, que impunha aodelito de estupro penalidade de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos. Em 1990, o CongressoNacional editou uma das legislações mais modernas de proteção da infância, o conhecido Estatutoda Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13-7-90. Esta Lei, entre tantos outros dispositivosacauteladores dos interesses dos menores, inseriu, por meio de seu art. 263, parágrafos únicos aosarts. 213 e 214 do Código Penal, agravando as penas aplicáveis a tais delitos, quando cometidoscontra menores de quatorze anos. Estabeleceu o referido art. 263 pena de reclusão de quatro a dezanos para o estupro praticado contra menor e pena de três a nove anos de reclusão para oatentado violento ao pudor quando, igualmente, a vítima fosse menor. Todavia, o referidoestatuto teve sua vigência protraída por noventa dias (art. 266), entrando em vigor apenas em

3 KASPARY, Adalberto José. Habeas verba: Português para juristas. 2. ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1994. 235 p.

KASPARY, Adalberto José. O verbo na linguagem jurídica: Acepções e regimes. 4. ed. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1996. 388 p.

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13-10-90. Antes dessa data, a saber, em 25-7-90, foi promulgada, e com vigência imediata, a Leidos Crimes Hediondos, que veio a prever, para os mesmos delitos, penas ainda mais severas, valedizer, reclusão de seis a dez anos, tanto para o estupro, quanto para o atentado violento ao pudor.Em razão dessa incongruência, os parágrafos introduzidos pela Lei 8.069/90, se porventuraaplicados, levariam à situação paradoxal de reprimirem-se com menor severidade as violaçõespraticadas contra menores do que aquelas que fossem perpetradas contra pessoas adultas, em claracontradição com o espírito inspirador da norma protetiva da infância. Por isso mesmo, conside-rou-se que tais parágrafos haviam sido tacitamente revogados pela Lei 8.072/90, antes mesmoque entrasse em vigor a Lei 8.069/90, que os estabelecera. Não fazia mesmo qualquer sentidoviesse o agressor de menores a ser beneficiado com apenamento mais brando, invocando-sejustamente a legislação concebida para estender maior proteção à criança e ao adolescente. Talrevogação se fez, afinal, de forma expressa, por meio da Lei 9.281/96. Portanto, a expressãocaput, cuja inclusão em qualquer redação legislativa só faz sentido quando existam parágrafos quequalifiquem os dispositivos inseridos na cabeça do artigo, era, e é, de todo desnecessária, e suaexclusão não leva à conseqüência pretendida pelos ilustres defensores. Como se viu, emborainicialmente introduzidos na redação original do Código Penal, tais parágrafos, na realidade,nunca foram implementados, pois sua aplicação pelo julgador resultaria em solução aberrante dosistema de proteção ao menor.

A redação legislativa não deixa dúvidas. Quando o art. 9º, por exemplo, menciona:“art. 157, 3º”, está remetendo apenas à hipótese daquele parágrafo, ou seja, à formaqualificada do delito do art. 157 (latrocínio). Quando, no entanto, diz: art. 159, caput e seus§ 1º, § 2º e § 3º, significa que o seqüestro, em todas as suas formas, está incluído entre osdelitos que o legislador entende necessário tratar com maior rigor4. O paralelismo deformas é absoluto. Conforme já expliquei, a desnecessidade da expressão caput se explicapela inexistência de parágrafos tanto ao art. 213 quanto ao art. 214.

Reitero, assim, estas e todas as demais razões contidas no extenso voto que proferino HC 81.288 para manter a jurisprudência formada a partir daquele precedente.

4 Não há dúvida na doutrina ou na jurisprudência quanto à classificação do seqüestro, em sua formasimples, entre os crimes hediondos. Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, p. 244, LEAL, João José. Crimes hediondos: Aspectos político-jurídicos da Lei8.072/90. São Paulo: Atlas, p. 68. MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: Texto, comentá-rios e aspectos polêmicos. 7. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, p. 41. NUCCI, Guilherme de Souza. CódigoPenal Comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 543. BITENCOURT, Cesar Roberto.Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Saraiva, 2002, p. 698. STJ, HC 27.452; HC 41.438; HC44.690.

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Texto da Lei 8.072/90 com aredação que lhe foi dada pela

Lei 8.930/94Texto do Código Penal Leitura integrada

Art. 1º São considerados hediondos:

I - homicídio (art. 121), quandopraticado em ativi-dade típicade grupo de extermínio, aindaque cometido por um só agen-te, e homicídio qualificado (art.121, § 2º, I, II, III, IV e V)

ANEXO I

Art. 121, § 2º: Matar alguém,I - mediante paga ou promessa de re-compensa, ou por outro motivo torpe;II - por motivo fútil;III - com emprego de veneno, fogo,explosivo, asfixia, tortura ou outromeio insidioso ou cruel, ou de que possaresultar perigo comum;IV - à traição, de emboscada, ou medi-ante dissimulação ou outro recurso quedificulte ou torne impossível a defesado ofendido;V - para assegurar a execução, a ocul-tação, a impunidade ou vantagem deoutro crime:Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Não o homicídio simples,mas apenas aquele do art.121, § 2º.

II - latrocínio (art. 157, § 3º,in fine)

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia,para si ou para outrem, mediante graveameaça ou violência a pessoa, ou de-pois de havê-la, por qualquer meio, re-duzido à impossibilidade de resistência:(...)§ 3º Se da violência resulta lesão corpo-ral grave, a pena é de reclusão, de setea quinze anos, além da multa; se resultamorte, a reclusão é de vinte a trintaanos, sem prejuízo da multa.

Não o roubo simples, masapenas aquele que resulte emmorte.

Art. 158. Constranger alguém, me-diante violência ou grave ameaça, ecom o intuito de obter para si ou paraoutrem indevida vantagem econômica,a fazer, tolerar que se faça ou deixar defazer alguma coisa:(...)§ 2º Aplica-se à extorsão praticadamediante violência o disposto no § 3ºdo artigo anterior.

III - extorsão qualificadapela morte (art. 158, § 2º)

IV - extorsão mediante seqües-tro e na forma qualificada (art.159, caput e § 1º, § 2º e § 3º)

Na forma simples e na quali-ficada.

Não a forma simples.

Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fimde obter, para si ou para outrem,qualquer vantagem, como condição oupreço do resgate:Pena – reclusão, de oito a quinze anos.§ 1º Se o seqüestro dura mais de 24(vinte e quatro) horas, se o seqüestrado émenor de 18 (dezoito) ou maior de 60(sessenta) anos, ou se o crime écometido por bando ou quadrilha.Pena – reclusão, de doze a vinte anos.

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§ 2º Se do fato resulta lesão corporal denatureza grave:Pena – reclusão, de dezesseis a vinte equatro anos;§ 3º Se resulta a morte:Pena – reclusão, de vinte e quatro a trintaanos.

V - estupro (art. 213 e suacombinação com o art. 223,caput, parágrafo único)

Art. 213. Constranger mulher à con-junção carnal, mediante violência ougrave ameaça:Pena – reclusão, de seis a dez anos.Art. 223. Se da violência resulta lesãocorporal de natureza grave.Pena – reclusão, de oito a doze anos.Parágrafo único. Se do fato resulta amorte:Pena – reclusão, de doze a vinte ecinco anos.

VI - atentado violento ao pudor(art. 214 e sua combinaçãocom o art. 223, caput e pará-grafo único)

Art. 214. Constranger alguém, medi-ante violência ou grave ameaça, apraticar ou permitir que com ele sepratique ato libidinoso diverso daconjunção carnal:Pena – reclusão, de seis a dez anos.Art. 223. Se da violência resulta lesãocorporal de natureza grave:Pena – reclusão, de oito a doze anos.Parágrafo único. Se do fato resultamorte:Pena – reclusão, de doze a vinte e cincoanos.

Art. 267. Causar epidemia, mediantea propagação de germes patogênicos:Pena – reclusão, de dez a quinze anos.§ 1º Se do fato resulta morte, a pena éaplicada em dobro.

Na forma simples e na quali-ficada.

Na forma simples e na quali-ficada.

Somente na forma qualifi-cada.

VII - epidemia com resultadomorte (art. 267, § 1º)

DEBATE

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, peço auxílio ao Ministro Celso deMello, que, na sessão da última terça-feira, rememorou decisão recente da Primeira Turmano sentido de afirmar que, no controle difuso, não se faz a limitação de efeitos. Lembro-mede se tratar de uma questão tributária, relativa a IPTU.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Município do Rio de Janeiro tem insistido nessaquestão do IPTU sem nenhum dos pressupostos da modulação dos efeitos temporais.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na realidade, a pretensão manifestada pelo Municípiodo Rio de Janeiro – que busca, em tais processos (IPTU), a atribuição de eficáciaprospectiva às decisões desta Corte neles proferidas – revela-se inviável, pois a modulação,no tempo, dos efeitos resultantes da declaração de inconstitucionalidade (que supõe apronúncia de ilegitimidade constitucional da norma estatal) não se aplica aos casos, como

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os ora referidos, em que este Tribunal, tratando-se de leis pré-constitucionais, formula,quanto a estas, mero juízo negativo de recepção. Sem o necessário pressuposto da decla-ração de inconstitucionalidade (a que não corresponde a formulação de um simples juízonegativo de recepção do ordenamento positivo pré-constitucional), não se mostra possívela utilização da técnica da modulação dos efeitos peculiares à pronúncia de ilegitimidadeconstitucional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: De qualquer maneira, antes, sequer se fixara ajurisprudência pela validade do IPTU.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nisso concordo com a Ministra Ellen Gracie.Aliás, o sistema austríaco, que começa com a postura radical de Kelsen de que ainconstitucionalidade era motivo de anulabilidade da lei, teve de render-se à evidência deque não era possível negar os efeitos da “anulação” da lei àquele que lhe provocara ocontrole. E, nessa série do Rio de Janeiro, era isso: teríamos de começar por negar aoImpetrante – que, desde o início, não se conformou com o IPTU progressivo, antes daEmenda 29 – o direito que ele pleiteia desde o início.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: A questão é importante para a coerência do sistema.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Aí não é o caso de afirmar que não se aplica no

controle incidental, e sim que não se aplica no caso determinado, que foi a hipótese que secolocou àquela incongruência, àquele lapso do modelo kelseniano. Em 1920, só havia ocontrole com eficácia ex nunc ou pro futuro.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Logo depois, a reforma de 29 da Constituiçãoaustríaca já fez essa ressalva.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Exatamente, há essa possibilidade.E, entre os americanos, tem-se admitido, até mesmo, para ressalvar em matéria pro-

cessual penal, a discussão “Linkletter versus Walker”, que é o típico controle incidental.Portanto, não há nenhuma incompossibilidade.

Agora, quanto à aplicação no caso concreto – e, aí, o Ministro Sepúlveda Pertencejá esclarece: se alguém impetrou um mandado de segurança para não pagar um tributo,porque o considerava inconstitucional, agora, depois de anos vir a considerar que eleganha, mas não leva, portanto, acabaria por produzir uma absoluta iniqüidade. Daí não seraplicável um caso, mas essa é uma outra questão.

Agora, aqui, o que tivemos? Em 1990, 1991, 1992, o Tribunal declarou constitucionalessa lei. Neste momento, temos um outro desenho. Se se configura a maioria que se estáa desenhar, podemos chegar a um resultado de declaração de inconstitucionalidade da leique foi declarada, anteriormente, constitucional. Ora, se isso ocorrer, vamos ter de fazeruma série de perguntas, inclusive, em matéria penal, como, por exemplo, a responsabili-dade civil do Estado e tudo mais. Daí a minha proposta de aplicar uma eficácia ex nuncmitigada.

Em um outro caso, no do recolhimento da prisão, até sofistiquei um pouco mais aproposta, mostrando que, a rigor, não seria eficácia ex nunc tout court, porque se aplicariaa todos os casos que tivessem ainda alguma eficácia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Enfim, em síntese, a todas as penas que estejamsendo cumpridas.

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se houver ainda um dia de pena, teremos a progressão.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu estava com a preocupação do Ministro

Gilmar Mendes, porque essa declaração, na verdade, equivale à introdução de uma leipenal mais benéfica e, esta, até por imperativo constitucional, teria de aplicar-se.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Teria de ser retroativa.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Creio que a preocupação do Ministro Gilmar

Mendes, lendo, hoje, a monografia que é o voto de Sua Excelência sobre a modulaçãotemporal da declaração de inconstitucionalidade que, depois, dedica cinco linhas ao casoconcreto. Creio que a preocupação principal foi a responsabilidade civil pelas penas jácumpridas integralmente em regime fechado às extintas, porque Sua Excelência ressalvaao final do seu voto-vista no presente habeas corpus:

Com essas considerações, também eu, Senhor Presidente, declaro a inconstitucionalidadedo art. 2º, § 1º, da Lei 8.072, de 1990. Faço isso, com efeito ex nunc, nos termos do art. 27 da Lei9.868, de 1999, que entendo aplicável à espécie. Ressalto que esse efeito ex nunc deve serentendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de seremsubmetidas ao regime de progressão.

Então, creio, realmente, Sua Excelência não dá efeitos ex tunc apenas com relação aconseqüências não penais do eventual cumprimento integral da pena em regime fechado.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não posso supor que o Estado vá agora responderpela prisão, se se considera que era constitucional à época.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Haveria, primeiro, ação regressiva contra oBrossard e o Resek.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: O HC 69.657 foi julgado em 1993, relativamente poucotempo depois da entrada em vigor da Lei 8.072, de junho de 1990. A realidade agora é outra,totalmente diferente.

2. A crítica de Alberto Silva Franco1 ao casuísmo do legislador na elaboração da Lei8.072/90 – a onda de extorsão mediante seqüestro, notadamente os casos Abílio Diniz, emSão Paulo, e Roberto Medina, no Rio de Janeiro, e a reação a que de pronto deu causa –é bastante expressiva:

É mister, portanto, que se denuncie com eloqüência esta postura ideológica, que representaum movimento regressivo, quer no direito penal, quer no direito processual penal, quer ainda naprópria execução penal. (...) Não basta a denúncia da postura autoritária. É necessário o seudesmonte implacável. E isso poderá ser feito, sem dúvida, pelo próprio juiz na medida em que,indiferente às pressões dos meios de comunicação social e à incompreensão de seus próprioscolegas, tenha a coragem de apontar as inconstitucionalidades e as impropriedades contidas naLei 8.072/90.

1 Crimes hediondos: Anotações sistemáticas à Lei 8.072/90. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000. p. 98/99.

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3. A regulação jurídica é sempre provisória e está sujeita a ser atropelada pela violênciados fatos. Não me refiro, neste ponto, à violência de todos os delitos, nem à circunstânciade o direito afirmar-se precisamente quando violado, quando suas regras e princípiossejam desacatados – o Poder Judiciário ocupa-se exclusivamente das leis que tenhamsido violadas. Desejo fazer alusão à circunstância de a realidade não parar quieta, ela simderrubando bibliotecas e preceitos que já não sejam com ela coerentes. Por isso mesmoafirmo que o direito é um organismo vivo que não envelhece, nem permanece jovem, namedida em que, em virtude da sua interpretação/aplicação, é (= deve ser) contemporâneoà realidade.

4. Tenho reiteradamente insistido em que a interpretação do direito é compreensãonão apenas dos textos mas também – repito-me – da realidade. Alterada a realidade social,a norma que se extrai de um mesmo texto será diversa daquela que dele seria extraídaanteriormente à mudança da realidade.

5. Daí a distinção entre inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidadesuperveniente. No primeiro caso o texto porta em si, desde o seu primeiro momento devigência, a nódoa da inconstitucionalidade. No segundo, nasce são; mas, no correr dotempo, outra sendo a realidade, torna-se supervenientemente inconstitucional.

6. Alguns, entre nós, afirmam, ao eventualmente alterar posição diante de um deter-minado texto normativo, que “evoluíram”. Mudanças nas pessoas certamente ocorrem,mas o que se dá de modo mais freqüente é a mudança na própria realidade, determinandoa convolação do que era constitucional em inconstitucional; e mesmo o contrário –convolação do que era inconstitucional em constitucional – poderá, em tese, vir a ocorrer.

7. É o que atualmente se verifica. Tenho que, ao menos atualmente, a Lei de 1990entra em testilhas com o disposto no art. 5º, XLVI (individualização da pena), no art. 1º, III(dignidade da pessoa humana) e no art. 5º, XLVII, e (proibição da imposição de penascruéis) da Constituição do Brasil.

8. No que tange à proibição da progressão de regime nos crimes hediondos, afrontao princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI), direcionado ao legislador, que nãopode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar, segundo sua avaliação,caso a caso, a pena do condenado que tenha praticado qualquer dos crimes relacionadoscomo hediondos. Considere-se, ainda, a vedação da imposição de penas cruéis (art. 5º,XLVII, e) e o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), sendo também certo queo cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano, importa violação aesses preceitos constitucionais. De outra banda, a lei possibilita, objetivamente, a pro-gressão de regime aos condenados pelo crime de tortura. Acaso seria, esse delito, demenor gravidade em relação aos demais arrolados no art. 1º da Lei 8.072/90?

9. A declaração de inconstitucionalidade, por este Tribunal, da proibição da pro-gressão de regime na referida lei, em acatamento a princípios basilares da boa execuçãopenal, não configurará, de modo algum, a abertura de portas dos presídios. A decisão finalsobre a progressão do regime do apenado é tarefa do Juízo de Execução Penal (art. 66, III,b, da Lei de Execuções Penais (LEP); Lei 7.210/84), precedida de parecer da ComissãoTécnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário (art. 112 e parágrafoúnico da LEP).

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10. Esse é o ponto que eu queria enfatizar; quer dizer, a decisão final sobre a progres-são é sempre do juiz.

11. Outro aspecto diz com a liberdade condicional, se atendidos determinados requi-sitos (Código Penal, art. 83 – cumprimento de 2/3 da pena e ausência de reincidênciaespecífica). É de indagar-se: a inserção do preso em regime integralmente fechado, semque se lhe possibilite o reingresso gradativo no meio social, é benéfica a ele próprio e àsociedade? Obviamente não. A doutrina, ancorada na realidade, sustenta acertadamenteque o recluso submetido ao regime integral tende a embrutecer na medida em que nãovislumbre qualquer horizonte, qualquer esperança de reabilitar-se e ser útil à sociedade.

12. Resta prejudicada, em conseqüência, a questão atinente à progressão de regimena chamada Lei da Tortura. Ainda que assim não fosse, trata-se de lei especial posterior àLei dos Crimes Hediondos, derrogando-a em tudo quanto com ela conflite, sendo de rigora observância do disposto no parágrafo único do art. 2º do Código Penal, em razão do quese aplica ao condenado a lei mais benéfica, mesmo para os fatos anteriores à sua promul-gação.

13. Sendo assim, concedo a ordem, voto pela inconstitucionalidade do § 1º do art. 2ºda Lei 8.072/90, com aquela conformação bem peculiar que foi proposta pelo MinistroGilmar Mendes.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Entendo, Senhor Presidente, que razões de políticacriminal – fundamentadas em preceito da própria Constituição da República, em textoque submete a tratamento penal objetivamente mais rigoroso a prática do tráfico ilícito deentorpecentes e drogas afins, do terrorismo e dos delitos legalmente definidos comohediondos (CF, art. 5º, XLIII) – justificam a norma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90.

Tenho para mim que a determinação legal de cumprimento das penas, por crimesprevistos na Lei 8.072/90, em regime integralmente fechado, longe de transgredir o prin-cípio de individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), objetiva dar-lhe concreção eefetividade, consideradas as diretrizes que resultam da cláusula inscrita no art. 5º, incisoXLIII, da Lei Fundamental.

Na realidade, o postulado da individualização penal, presente o contexto em exame,tem por destinatário o próprio legislador, a quem compete, em função da natureza dodelito e de todos os elementos que lhe são circunstanciais – e a partir de uma opçãopolítico-jurídica que se submete à sua inteira discrição – cominar, em momento de puraabstração, as penas respectivas e definir os correspondentes regimes de execução.

No caso, o legislador – a quem se dirige a normatividade emergente do comandoconstitucional em questão –, atuando no regular exercício de sua competência legislativa,fixou em abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertence com exclusividade,e em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos, a sanção penal que lhes éimponível. A par dessa individualização “in abstracto”, o Poder Legislativo, legitimadopor vetores condicionantes de sua atuação institucional resultantes de norma fundadana própria Constituição (art. 5º, XLIII), definiu, de modo inteiramente legítimo, sem qual-

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quer ofensa a princípios ou a valores consagrados na Carta Política, o regime de execuçãopertinente às sanções impostas pela prática dos delitos em questão.

A opção feita pelo legislador ordinário, consubstanciada no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90,fundamenta-se em critérios cuja razoabilidade e legitimidade são inquestionáveis. A“ratio” subjacente à definição legislativa em causa encontra apoio em fatores que não serevelam conflitantes com o nosso sistema de direito constitucional positivo, como resultaclaro da própria natureza (e especial gravidade) dos delitos hediondos (e daqueles quelhes são equiparados) relacionados na Lei 8.072/90, com as alterações subseqüentes nelaintroduzidas:

1. homicídio simples praticado por grupo de extermínio;2. homicídio qualificado;3. latrocínio;4. extorsão qualificada pela morte;5. extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada;6. estupro;7. atentado violento ao pudor;8. epidemia com resultado morte;9. falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins

terapêuticos ou medicinais;10. crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei 2.889/56;11. tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins;12. terrorismo.

Vê-se, desse texto legal, que a escolha legislativa a que procedeu o Estado brasileiromostra-se adequada à exigência de rigor que deriva do próprio texto constitucional ecujas prescrições justificam, plenamente, o tratamento penal mais gravoso dispensadoaos delitos hediondos e aos crimes a estes equiparados.

Na realidade, a cláusula legal que impõe o cumprimento da execução da pena emregime integralmente fechado revela-se impregnada de racionalidade, cuja justificação –presentes os critérios constitucionais que legitimam reação estatal e tratamento penalmais rigorosos nos casos previstos no art. 5º, XLIII, da Carta Política – resulta da neces-sidade de o Estado estabelecer mecanismos diferenciados de repressão à criminalidadeviolenta, cuja perpetração põe em risco valores fundamentais que estruturam a própriaorganização social, além de produzir, considerada a sua eficácia altamente desestabiliza-dora, conseqüências socialmente desestruturantes e profundamente lesivas à segurançados cidadãos.

Tais fatores viabilizam o exercício, pelo Estado, de seu poder de conformaçãolegislativa, legitimando, em conseqüência, as formulações normativas de disciplina peni-tenciária de caráter mais restritivo, cujo regramento reflete, na verdade, diretrizes depolítica criminal delineadas pelo próprio texto constitucional, ajustando-se, por isso mesmo,ao postulado da individualização penal.

Não foi por outro motivo que este Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, aoapreciar a questão ora em exame (validade jurídico-constitucional do art. 2º, § 1º da Lei8.072/90, que impôs a execução da pena em regime exclusivamente fechado, tratando-sede crimes hediondos, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e de terrorismo),

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teve a oportunidade de reconhecer, com absoluta correção, a plena constitucionalidade danorma legal em referência, proferindo decisões consubstanciadas em acórdãos assimementados:

HABEAS CORPUS. LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. PENA CUMPRIDA NECESSA-RIAMENTE EM REGIME FECHADO. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI8.072.

Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação, onde o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072, dos crimeshediondos, impõe cumprimento da pena necessariamente em regime fechado. Não háinconstitucionalidade em semelhante rigor legal, visto que o princípio da individualização dapena não se ofende na impossibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena:retirada a perspectiva da progressão frente à caracterização legal da hediondez, de todo modotem o juiz como dar trato individual à fixação da pena, sobretudo no que se refere à intensidadedela.

Habeas corpus indeferido por maioria.(RTJ 147/598, Rel. Min. FRANCISCO REZEK.)

HABEAS CORPUS.CRIME HEDIONDO. Condenação por infração do art. 12, § 2º, II, da Lei 6.368/76.

Caracterização. REGIME PRISIONAL. Crimes hediondos. Cumprimento da pena em regimefechado. Art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Alegação de ofensa ao art. 5º, XLVI, da Constituição.Inconstitucionalidade não caracterizada. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. Regulamen-tação deferida, pela própria norma constitucional, ao legislador ordinário.

À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderáefetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no usoda prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que, nos crimes hediondos, ocumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relaçãoaos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional.Ordem conhecida, mas indeferida.(RTJ 146/611, Rel. Min. PAULO BROSSARD – Grifei.)

Cumpre referir, no ponto, em face de sua extrema pertinência e inquestionávelcorreção, expressiva passagem do voto proferido pelo eminente Ministro NÉRI DASILVEIRA, quando do julgamento do HC 69.657/SP (RTJ 147/598, Rel. Min. FRANCISCOREZEK), oportunidade em que salientou:

O Estado, então, que há de combater a criminalidade, sem arma, também, por via da lei,da cominação, mas, para o combate efetivo a esse tipo de criminalidade, o faz, não só estabe-lecendo uma pena mais grave, como estipulando, por igual, que o cumprimento da pena sedará segundo regime mais severo para o criminoso.

Não compreendo que se atente assim contra o princípio da isonomia, o tratamento doscriminosos em geral. Entendo que o princípio da isonomia só pode ser visualizado, neste plano,relativamente a cada tipo penal e de acordo com o regime jurídico estabelecido para determi-nado crime. Ninguém poderá impedir que o Estado defina política de combate a determinadoscrimes que repercutam, de forma mais grave, na sociedade, em uma certa quadra do tempo,para que esses crimes possam diminuir, reduzindo-se os malefícios que trazem para a sociedade,como também para tornar inequívoca a reprovação, dentro de uma tábua de valores, a certotipo de delito.(Grifei.)

A resposta penal do Estado, Senhores Ministros, concebida na perspectiva da legí-tima formulação, pelo poder público, de uma política de repressão a delitos que afetam aspróprias condições existenciais da coletividade e que expõem a riscos gravíssimos os

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cidadãos desta República, revela-se proporcional e compatível com a extrema seriedadedos crimes que compõem o rol inscrito no art. 1º da Lei 8.072/90, ajustando-se, por issomesmo, de modo harmonioso, ao postulado constitucional da individualização da pena.

Daí a correta observação que fez o eminente Ministro PAULO BROSSARD, quandodo julgamento plenário do HC 69.603/SP, de que foi Relator (RTJ 146/611, 615):

A disposição constitucional traça um preceito de política criminal que consagra aindividualização da pena. Princípio este, cujos parâmetros vêm sintetizados no art. 59 doCódigo Penal, que fixa as regras que devem nortear o juiz no cumprimento desse princípioconstitucional, estabelecendo que, ao aplicar a pena cominada ao caso concreto, deve ojulgador – “atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade doagente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamentoda vitima” – estabelecer – “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevençãodo crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;II - a quantidade da pena aplicável, dentro dos limites previstos;III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se

cabível.”4. Assim, a disciplina da pena, que é deferida à legislação ordinária e se fará de confor-

midade com o que ela dispuser. Se a lei ordinária dispõe que nos crimes a que for cominada apena de reclusão superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado (art. 33,§ 2º, a, Código Penal), não pode o juiz dispor em contrário.

5. É à lei ordinária que compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderáefetivar ou a concreção ou a individualização da pena.

6. Alguns autores entendem que a individualização da pena pode se dar em três fases: alegislativa, a judicial e a administrativa. Assim, se o legislador ordinário, no uso da prerrogativaconstitucional que lhe foi deferida pelo art. 5º, inciso XLVI, dispõe que nos crimes hediondos ocumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aoscrimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional.

Poderia o legislador ordinário fazer o que fez? Entendo que sim, já que a própria normaconstitucional lhe deferiu essa faculdade. Se a referida disposição é retrógrada ou não, se é justaou injusta, se o legislador agiu bem ou mal, não é questão que compete ao julgador decidir. Nãoé o Judiciário o foro adequado para dirimir essa questão.(Grifei.)

Essa mesma percepção quanto à plena compatibilidade do art. 2º, § 1º, da Lei dosCrimes Hediondos com o que dispõe o art. 5º, XLVI, da Carta Política foi também revelada,nesta Corte, pelo eminente Ministro FRANCISCO REZEK, por ocasião do julgamento plená-rio do HC 69.657/SP, de que se tornou Relator para o acórdão (RTJ 147/598, 604-605):

Se o legislador ordinário estabelece, no que diz respeito à pena, algo não caracterizadopela plasticidade; se o legislador diz que no caso de determinado crime o regime da pena seránecessariamente fechado, não me parece que esteja por isso sendo afrontado o princípioisonômico – mediante um tratamento igual para seres humanos naturalmente desiguais –, nemtampouco o preceito constitucional que manda seja a pena individualizada. Tenho dificuldadeem admitir que só se estaria honrando, em legislação ordinária, a norma constitucional quemanda individualizar a pena, na hipótese de dar-se ao magistrado certo elastério em cada umdos seus tópicos de decisão, de modo que ele pudesse optar sempre entre pena prisional e outrogênero de pena, e ainda entre regimes prisionais diversificados, além de poder naturalmentealvitrar a intensidade da pena. Não me parece que, passo por passo, o legislador deva abriropções para o juiz processante para não ofender o princípio da individualização.

Reflito sobre aquilo que o próprio Ministro Relator enfatizou em certa passagem de seudouto voto:

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“Por sinal, a Lei 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um sótempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressivida-de, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregáriaantes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime.”Nessa assertiva do eminente Relator encontro algo capaz de neutralizar sua preocupa-

ção com a desesperança do condenado desde seu primeiro dia de cárcere. Se no caso de crimehediondo ele não tem, como os demais condenados, a esperança da progressividade, tementretanto outra que depende rigorosamente de sua conduta e que vai naturalmente influenciá-la: a da obtenção do livramento condicional depois de certo prazo de cumprimento da pena.(Grifei.)

Não vejo razão, Senhor Presidente, que justifique, de minha parte, mudança napercepção do tema ora em exame, pois também partilho do mesmo entendimento que aeminente Ministra ELLEN GRACIE acaba de expor em seu douto voto.

Caso venha a prevalecer, no entanto, Senhor Presidente, a declaração incidental deinconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, como parece indicar o resultado dapresente votação, entendo que a proclamação de inconstitucionalidade em causa, emboraafastando a restrição fundada na norma legal em questão, não afetará nem impedirá oexercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente emsede de execução penal (LEP, art. 66, III, b), a significar, portanto, que caberá, ao próprioJuízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demaisrequisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menosgravoso.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, caso venha a declarara inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, nada mais fará senão respeitar –tendo presente o que dispõe o art. 66, III, b, da Lei de Execução Penal (LEP) – a competênciado magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão.

É que não assiste, a esta Suprema Corte, mediante atuação per saltum – o querepresentaria inadmissível substituição do Juízo da Execução –, o poder de anteciparprovimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, dobenefício legal em referência.

Tal observação, Senhor Presidente, caso efetivamente sobrevenha a declaração deinconstitucionalidade pretendida pelo ora Impetrante, põe em relevo orientação jurispru-dencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de “habeascorpus”, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédioconstitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva concernentes à determinação doregime prisional inicial ou pertinentes à progressão para regime penal mais favorável(RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550, v.g.).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei 10.792/03,que alterou o art. 112 da LEP – para dele excluir a referência ao exame criminológico –, quenada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando oentenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que ofaçam, contudo, em decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamentereconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO

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QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ – HC 40.278/PR, Rel.Min. FELIX FISCHER – HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentreoutros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 – RT 837/568):

(...). II - A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou deexigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, noentanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária.

III - Não há qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaram a produção dos laudostécnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressãode regime prisional ao apenado. (...).(HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – Grifei.)

A Lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) nãorevogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferirmérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autorde crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de periculosi-dade (art. 83, parágrafo único, do CP).(RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI – Grifei.)

A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não maisindispensável, o exame criminológico – cuja realização está sujeita à avaliação discricio-nária do magistrado competente – reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia,“ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito dobenefício a ser concedido ao condenado” (RT 613/278).

Em suma: desde que venha a ser declarada, “incidenter tantum”, a inconstituciona-lidade do preceito legal em exame (o que se fará contra o meu voto), cabe referir que asconsiderações ora expostas evidenciam a impossibilidade de se garantir o ingressoimediato do ora Paciente em regime penal mais favorável.

É que, se tal ocorrer – e afastado, então, o obstáculo representado pela norma emanálise –, caberá, ao magistrado de primeira instância, proceder à verificação dos demaisrequisitos, inclusive daqueles de ordem subjetiva, para decidir sobre a possibilidade, ounão, de o condenado, ora Paciente, vir a ser beneficiado com a progressão para regimemais brando de cumprimento de pena, sendo lícito, ainda, ao juiz competente, se o julgarnecessário, ordenar, em decisão fundamentada, a realização do exame criminológico.

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, acompanho, integralmente,os votos proferidos pelos eminentes Ministros CARLOS VELLOSO, JOAQUIM BARBOSAe ELLEN GRACIE, para, reconhecendo a plena constitucionalidade do § 1º do art. 2º, daLei 8.072/90, indeferir o pedido de “habeas corpus”.

É o meu voto.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, reestudei esta matéria, atépara proferir uma decisão monocrática recentemente. Já examinei; tentei extrair da Consti-tuição diretamente os meus juízos, as minhas proposições; e vou fazer uma síntese, queacabei de escrever.

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Certamente para homenagear o princípio da dignidade da pessoa humana a nossaConstituição vedou duas penas: a de morte – com a ressalva que conhecemos “em guerradeclarada” – e a de prisão perpétua. Ao fazer essa dupla vedação, a Constituição terminoupor revelar algo que me parece óbvio: sua crença na regenerabilidade de todo e qualquercondenado, independentemente da natureza ou da gravidade do crime por ele praticado.Se não fosse para acreditar nessa regeneração, a Constituição certamente imporia a penacapital e a de confinamento perpétuo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não raciocine pelo legislador, porque é umperigo. Não faça essas observações porque a história pode revelar o contrário.

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Extraio esse juízo não do legislador, mas da normaposta. Não caio na veleidade de psicanalisar quem fez a norma, porém, a norma feita.

Coerente com essa crença na regenerabilidade de todo e qualquer condenado, aConstituição instituiu a garantia da individualização da pena, em dispositivo posterioràquele versante sobre crimes hediondos. Depois que a Constituição versou o tema doscrimes hediondos, passou a cuidar da garantia da individualização da pena, sinalizandoque ela se aplica mesmo em dois momentos: no momento sentencial, abstrato dacominação, e no momento administrativo, concreto, da execução da pena.

Portanto, a individualização da pena, já no contexto administrativo, penitenciário,de confinamento efetivo, vale-se ou traduz-se naquilo que Norberto Bobbio chamaria de“sanção premial”: possibilitar um tratamento mais brando àquele apenado que, de modopersonalizado – como sofre a execução da pena –, intramuros, vai respondendo afirmati-vamente com a melhoria do seu temperamento, do seu caráter, revelando uma nova dispo-sição para voltar ao convívio da sociedade mais aperfeiçoado.

Isso também confirma, de acordo com o que os doutrinadores dizem, que o direito depunir – próprio do Estado – tem dois fundamentos: um, a imposição do castigo, pura esimples, do sofrimento, pois a pena é algo amargo, ou gravoso; o outro, o caráter didático,profilático, recuperador, no plano individual.

Em tese, sei que é fácil, mas, na prática, é um pouco difícil.Como conseqüência de tudo isso, penso não podermos recusar o voto do Ministro

Marco Aurélio no sentido da superação do óbice levantado pelo § 1º do art. 2º da Lei8.072/90.

Parece-me que votar contra o Ministro Marco Aurélio é decretar a sentença de morteda garantia da individualização da pena.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Permita-me, Vossa Excelência. Não seriavotar contra a minha pessoa, em si, mas contra a Constituição.

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Perfeito, nessa linha. Mas, Senhor Presidente, háuma perplexidade: que grandeza temporal, que termo aritmético a aplicar como pena mínimade 1/6 se a lei não instituiu, especificamente para os crimes hediondos, essa grandeza de1/6? Eu diria: realmente, se aplicarmos a grandeza de 1/6 – a que prevalece para os crimescomuns, o cumprimento da pena resultante da prática de um crime comum –, estaremostratando de modo igual situações desiguais. De modo igual sujeitos ou agentes desi-guais, o que me parece inconstitucional. Entretanto, retirar, pura e simplesmente, a eficácia

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dessa Lei das Execuções Penais no que toca a essa grandeza de 1/6, tenho como deflagrar,no próprio ordenamento, uma conseqüência pior; ou seja, esse vácuo legislativo vaisignificar, em última análise, o garroteamento do princípio maior da garantia da individua-lização da pena.

Então, o que proponho? Sem deixar de reconhecer a inconstitucionalidade da apli-cação deste 1/6, eu faria uma modulação dos efeitos da nossa decisão para assegurar aeficácia da lei no que toca a 1/6, até que o legislador venha a produzir uma norma especí-fica sobre crimes hediondos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Até porque se trata apenas da admissibilidadeda progressão.

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Só isso. Sem prejuízo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É preciso deixar isso bem claro: não se está

impondo ao juízo das execuções que abra as portas indistintamente: há de examinar casoa caso a concorrência dos pressupostos da progressão, abstraída apenas a vedação legalque se declara inconstitucional.

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: É fundamental. Quanto ao preenchimento derequisitos de índole eminentemente subjetiva, que o juiz da execução penal ocupe esteespaço como lhe cabe.

Portanto, com esse fundamento, acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, o que se pede no presentehabeas corpus é a superação do óbice do § 1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos.

2. Sobre o tema, inicio este meu voto com o juízo de que a progressão no regime decumprimento de pena em estabelecimento físico do Estado finca raízes na vontade objetivada Constituição de 1988. Não que a própria Constituição vocalize o fraseado “regime deprogressão em estabelecimento penitenciário ou prisional do Poder Público”. Porém nosentido inicial de que ela, Constituição Federal, ao proibir a pena de morte (“salvo em casode guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”) e o aprisionamento em caráter perpétuo(alíneas a e b do inciso XLVII do art. 5º), parece que somente o fez no pressuposto daregenerabilidade de toda pessoa que se encontre em regime de cumprimento de condena-ção penal, seja quando essa condenação diga respeito à privação total da liberdade delocomoção, seja quando referente à privação parcial dessa mesma liberdade. Indepen-dentemente, portanto, da natureza e da gravidade do delito afinal reconhecido e já com otrânsito em julgado da respectiva sentença. Pois se o Magno Texto não partisse desseradical a priori lógico da possibilidade de regeneração da pessoa humana, nada impediriaque ele inserisse nos seus mecanismos de inibição criminal o confinamento penitenciárioperpétuo e até mesmo a pena capital.

3. Externando por outra forma a idéia, penso que foi em direta homenagem ao princípioda dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) que a nossa Constituição Federal

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interditou a pena de morte e a prisão perpétua. Ao assim dispor, teria mesmo que secomprometer com a proclamação da garantia da individualização da pena, como efetiva-mente ocorreu (inciso XLVI do mesmo art. 5º). E tal proclamação já significa afirmar que ocumprimento da pena privativa de liberdade de locomoção há de ostentar uma dimensãoensejadora da regeneração do encarcerado.

4. Estou a dizer, por conseguinte, que a vedação constitucional da pena capital e daprisão perpétua já significa imprimir à efetiva execução das penas privativa ou restritiva daliberdade de locomoção um papel ressocializador (outros preferem dizer “socializador”);de parelha, naturalmente, com a clássica função de castigo ou sofrimento que éindissociável da idéia mesma de pena. Com o que o poder estatal de punir passa a ternaquele primeiro mister socialmente profilático do cumprimento das penas em causa umdos seus fundamentos. Uma das suas justificativas lógicas.

5. Se é assim – vale dizer, se a Constituição mesma parece conferir à execução daspenalidades em foco uma paralela função de reabilitação individual, na perspectiva de umsaneado retorno do apenado à vida societária, esse mister reeducativo é de ser desempe-nhado pelo esforço conjunto da pessoa encarcerada e do Estado-carcereiro. Esforço con-junto que há de se dar, segundo pautas adrede fixadas, naquilo que é o próprio cerne doregime que a lei designa como de execuções penais (Lei federal 8.072/90). Um regimenecessariamente concebido para fazer da efetiva constrição da liberdade topográfica de ire vir um mecanismo tão eficiente no plano do castigo mesmo quanto no aspectoregenerador que a ela é consubstancial.

6. É neste ponto que o regime das execuções penais, para permanecer fiel àquelainspiração constitucional da dignidade da pessoa humana, tem que seqüenciar a conhe-cida garantia da individualização da pena. E se digo “seqüenciar”, é pelo fato de que talgarantia não se exaure com a sua primeira e necessária aplicação, que é o momentosentencial da dosimetria da reprimenda que venha a ser imposta ao sujeito condenado emação penal.

7. Com efeito, as coisas sinalizam imbricamento. Encaixe em congruente unidade. Épor reconhecer a todo ser humano uma dignidade inata (inciso III do art. 1º) que a LeiRepublicana interdita a pena de morte (como regra geral) e a prisão ad aeternum. Impri-mindo à execução da pena constritiva de liberdade, por conseqüência, um paralelo misterreeducativo. O que implica trazer para os domínios de tal execução a garantia igualmenteconstitucional da individualização da pena. Seja qual for a gravidade do crime afinal reco-nhecido, pois o fato é que a garantia da individualização da pena vem consagrada emdispositivo constitucional posterior àquele que versa, justamente, sobre os delitos decaráter hediondo (incisos XLVI e XLIII do art. 5º). Restando claro que ela, garantia daindividualização da pena, não se esgota com a sentença de condenação de alguém aconfinamento carcerário. Quero dizer: a garantia constitucional da individualização dapena, serviente que é do princípio também constitucional da dignidade da pessoa humana,não limita essa dignidade ao momento jurisdicional condenatório que atende pelo nomede cominação. Prossegue vida afora do sentenciado para alcançar a fase que já se definecomo de matéria penitenciária ou de Direito Penitenciário, propriamente, porquantoocorrente no interior de um dado estabelecimento prisional do poder público.

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8. Convém repetir: há de haver um regime jurídico de gradativo abrandamento dosrigores da execução penal em si, como resultante lógica da garantia constitucional deindividualização da pena. Regime tão serviente dessa garantia quanto a precedente decisãojudicial condenatória. E tudo a decolar originariamente do proto-princípio da dignidade dapessoa humana, que já se põe como um dos explícitos fundamentos da República Federa-tiva do Brasil (inciso III do art. 1º da Lei Fundamental). Pois é da essência desse funda-mental princípio o reconhecimento de que toda pessoa natural é um verdadeiromicrocosmo. Um ser absolutamente único, na medida em que, se é parte de um todo, étambém um todo à parte. Se é parte de algo (o corpo social), é também um algo à parte. Aexibir na lapela da própria alma o bóton da originalidade. Que não cessa pelo fato em si docometimento de um crime do tipo hediondo, seguido ou não de condenação judicial eposterior cumprimento da pena em estabelecimento prisional do Estado. Afinal, não é dese confundir jamais hediondez do crime com hediondez da pena, visto que direitos subje-tivos outros não são nulificados pela condenação penal em si, como os direitos à saúde,à integridade física, psicológica e moral, à recreação, à liberdade de expressão, à preferênciasexual e de crença religiosa.

9. Tanto parece razoável assim pensar, tanto o princípio da dignidade da pessoahumana e a garantia da individualização da pena dão mostras de continuar na escolta doencarcerado que a Constituição mesma determina que “a pena será cumprida em estabe-lecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”(inciso XLVIII do art. 5º). Sem deixar de imediatamente complementar essa proteção indi-vidual com a regra de que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física emoral” (inciso XLIX), quando, antes, já havia determinado que “ninguém será submetidoa tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (inciso III)1.

10. Por este ângulo de visada, então, tudo sugere ter-se por inconstitucional umregime carcerário que não reduza o seu teor de severidade à medida que o prisioneiro várespondendo às normas de disciplina interna com a melhoria do seu próprio (dele, encar-cerado) temperamento e caráter. Com a redução do seu potencial de periculosidade. Vistoque todo regime penitenciário de cumprimento da sanção penal deve operar como verda-deiro espelho de cristal, a refletir, sem distorção, o personalizado modo como o prisioneiropassa a responder às normas intra-muros que lhe são impostas. Raciocínio – ainda umavez enfatize-se – extraído do ineliminável caráter educativo da pena, traduzido no empenhoestatal e do próprio condenado para que o regime prisional não deixe de cumprir estafunção que é própria de toda penitência: franquear ao penitente a possibilidade de fazerdo modus operandi da reprimenda que lhe é infligida uma oportunidade de superação doanimus delinquendi a que não resistiu quando do cometimento do crime pelo qual veio aser definitivamente condenado.

11. É certo que o inciso XLVI do art. 5º da Constituição não regulou, por si mesmo,as condições ou os requisitos da individualização da pena. Convocou o legislador de

1 Consoante observei em outras oportunidades, o regime de progressão penitenciária é uma claratécnica de “sanção premial”, a operar, não pela ameaça de castigo como fator de punição da condutasocialmente indesejável, porém pela promessa de recompensa como fator de estímulo ao comporta-mento socialmente desejável.

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segundo escalão para fazê-lo (“a lei regulará a individualização da pena (...)”). Mas não émenos certo que se cuida de um transpasse de poder normativo que não priva o disposi-tivo constitucional de toda e qualquer dimensão eficacial imediata. É exprimir: o preceitoconstitucional em exame não prescinde da intercalação da lei comum, é fato, porém não éde ser nulificado por ela. Se compete à lei indicar os parâmetros de densificação dagarantia constitucional da individualização do castigo, a esse diploma legal não é permiti-do se desgarrar do núcleo significativo ambivalente que exsurge da Constituição mesma: omomento abstrato da cominação da pena privativa de liberdade, seguido do instanteconcreto do respectivo cumprimento em recinto penitenciário. Ali, busca da “justa medida”entre ação criminosa dos sentenciados e reação coativa do Estado. Aqui, a mesma procurade uma justa medida, só que no transcurso de uma outra relação de causa e efeito: de umaparte, a resposta crescentemente positiva do encarcerado ao esforço estatal de recuperá-lopara a normalidade do convívio social; de outra banda, a passagem de um regime prisionalmais severo (porque integralmente fechado) para outro menos rigoroso (porque jáincorporante de saídas do presídio e retorno a ele em horas certas).

12. No ponto questionado, portanto, tenho por bem decidir pela superação do óbiceinstituído pelo § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, por se tratar de cláusula com flagrantevício de inconstitucionalidade. Nem por isso a matéria fica de todo resolvida, devo admitir.É que, suplantado o impedimento legal da progressão, um outro desafio temático passa atomar corpo. Desafio que bem se expressa na seguinte pergunta: que prazo mínimo decumprimento de pena é de se observar para o efeito de progressão de regime prisional?

13. A mais instantânea resposta só pode ser esta: o prazo de 1/6 da pena imposta, jáfixado pelo art. 112 da LEP para os crimes comuns. Isso devido a que não se pode extrair(quero crer) nem do sistema constitucional nem do sistema legislativo-penal-ordináriouma objetiva grandeza temporal, uma espécie de tempo médio que separe as duas situa-ções: a dos condenados por crime sob “o fartum ou o bafio” da hediondez, de uma parte,e, de outra, a dos apenados por delitos comuns.

14. Acontece que essa utilização do parâmetro uniforme de pelo menos 1/6 da penajudicialmente aplicada redunda em tratamento jurídico igual para situações ontologica-mente desiguais. Pois não se pode obscurecer o fato de que, pelo inciso XLIII do art. 5º daMagna Carta Federal, é sonegado às pessoas condenadas por crimes hediondos o acessoa determinados benefícios que ela, Constituição, deixou de interditar aos acusados pordelitos comuns. São, especificamente, os benefícios da fiança, da graça e da anistia(inciso XLIII do art. 5º). Mais até, não se pode ignorar que a Magna Lei de 1988 exigiu quese levasse em conta a natureza do crime até mesmo para o efeito de segregação emestabelecimento penitenciário oficial (ainda o art. 5º, inciso XLVIII). A robustecer o juízode que tanto o momento jurisdicional da cominação quanto o momento administrativo deexecução da pena devem refletir aquela fundamental dicotomia entre os delitos timbradospela hediondez e os crimes que não chegam a esse plus de lesividade social.

15. Daqui resulta que também tenho por inconstitucional a aplicação da regra geralde 1/6 aos condenados pelos delitos hediondos. Invalidade, contudo, que não implicaretirar do mundo jurídico o diploma viciado. Explico: o vício da inconstitucionalidadetraduz-se, como regra geral, na necessidade de extirpar do Ordenamento Jurídico o atoinválido, de sorte a preservar a coerência de tal Ordenamento e garantir a hierarquia e a

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rigidez da Constituição Federal. Mas há casos em que tal extirpação normativa é tambémagressora da própria Constituição da República. Casos em que “razões de segurançajurídica ou de excepcional interesse social” (art. 27 da Lei 9.868/99, aqui subsidiariamenteaplicada) se contrapõem ao abate em si do ato inconstitucional. O que tem levado estaSuprema Corte a, em um juízo de ponderação, “retrabalhar” os efeitos de certas declara-ções de inconstitucionalidade2.

16. É o que se dá com a aplicação da regra geral de 1/6 aos condenados por delitoshediondos, a exigir que se imprima às respectivas decisões uma ponderação ou modula-ção temporal de efeitos.

17. Em síntese, também voto pela inconstitucionalidade da incidência da regra geralde 1/6 aos condenados por crimes hediondos. Mas tenho por imperioso protrair-se aeficácia e aplicabilidade da LEP (art. 112), no ponto, até que norma legal específica venhaa ser editada. Norma que, agora sim, cuide de forma particularizada o tema da progressãono regime de cumprimento de pena pela prática de crime hediondo. Isso, lógico, desde quetambém sejam preenchidos os requisitos subjetivos que a própria lei já estabelece, o queserá analisado, in concreto, pelo Juízo da execução.

18. Com esses fundamentos, peço vênia aos colegas que entendem em sentidocontrário e defiro a ordem de habeas corpus.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, tenho convicção conhecida,expressa em 18 de dezembro de 1992, nos votos vencidos, em companhia do Relatordeste caso, eminente Ministro Marco Aurélio, no HC 69.603, Ministro Paulo Brossard, eno HC 69.657, Ministro Rezek.

À inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei Roberto Jefferson basta-me agarantia da individualização da pena expressa no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.

Disse então:

Individualização da pena, Sr. Presidente, enquanto as palavras puderem exprimir idéias, é aoperação que tem em vista o agente, e não a natureza do delito: em razão dessa última, o que sedimensiona é a cominação abstrata da escala de sanções.

Estou convencido de que esvazia e torna ilusório o imperativo constitucional da individuali-zação da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação judicial da pena,e dele faça abstração no momento da execução.

2 No julgamento do RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, este Supremo Tribunal assentou apossibilidade de aplicação subsidiária da regra de modulação de efeitos, inscrita no art. 27 da Lei 9.868/99,ao controle incidental de inconstitucionalidade:

“Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, comseus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalênciado interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental deinconstitucionalidade”.

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De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação se a execução, em razão danatureza do crime, fará a pena idêntica, segundo os critérios da individualização, significar coisasabsolutamente diversas.

Ninguém tem dúvida de que a mesma pena de três anos de reclusão imposta, digamos,a um peculatário e a pena mínima de três anos de reclusão imposta ao vapozeiro dofornecedor de maconha na favela serão coisas substancialmente diversas, se uma podeser cumprida com os mais liberais substitutivos e a outra terá de ser cumprida peloencarceramento, em regime fechado, durante toda a sua duração.

É claro – e a eminente Ministra Ellen Gracie, com o aticismo habitual, o pondera –que o art. 5º, XLVI, apenas prevê que a lei regulará a individualização da pena.

Seria, porém, o mais inócuo dos preceitos constitucionais, com todas as vênias, seinterpretado apenas como previsão ou mandato legislativo, inútil em uma legislação penaldo Século XX, de que haveria um sistema de graduação de pena conforme parâmetrosestabelecidos na lei: nenhum Código Penal o deixou de fazer no século.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: V. Exa. me permite? A rigor, se pudéssemos interpretardessa forma, apenas como a individualização em abstrato, essa norma perderia o conceitode norma de direito fundamental, porque o legislador poderia fazer tudo com ela.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exatamente, o eminente Ministro Gilmar Mendesdemonstra, em seu voto magnífico, que assim entendida, sem opor limite à discrição dolegislador o respeito ao núcleo essencial, ou ao conteúdo mínimo da regra, enquantogarantia fundamental, o preceito não seria garantia fundamental alguma.

Lembro-me do voto, constantemente recordado, do saudoso Ministro RodriguesAlckmin, na Rp 930, a propósito do cometimento à lei, pela Constituição, do estabeleci-mento das condições de capacidade para o exercício de profissões. A anotar:

Mas também não ficou ao livre arbítrio do legislador ordinário estabelecer as restrições queentenda ao exercício de qualquer gênero de atividade ilícita. Se assim fosse, a garantia constitu-cional seria ilusória e despida de qualquer sentido.

O mesmo seria dizer desta exacerbação das normas constitucionais dos crimeshediondos, cometida pela Lei 8.072.

Fizeram-se, aqui, considerações não puramente dogmáticas. De minha parte, nãotinha ilusões. Mas creio que o resultado da aplicação por uma década e meia da Lei dosCrimes Hediondos basta a desvelar a falência, mais uma vez, da pretensão ingênua decombate à criminalidade pela exacerbação das penas ou endurecimento de sua execução.As estatísticas o revelam.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Cuidado que isso pode autorizar pena demorte; quando alguém pegar esse gancho, pode dizer: então, há pena de morte.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é à toa que V. Exa. citou o saudoso autor daexpressão “crime hediondo”. Por quê? Porque este movimento de exacerbação de penascomo solução ou como arma bastante ao combate à criminalidade só tem servido a finali-dades retóricas e simbólicas de aplacar a intranqüilidade social, editando leis que, nãotocando nos fatores diversos da exacerbação, sobretudo, da criminalidade urbana, nadafarão, senão enaltecer os seus autores perante essa opinião pública movida pelo gritohistérico dos meios de comunicação em momentos dramáticos.

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Por isso, Sr. Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro Relator para declarara inconstitucionalidade do preceito previsto no § 1º do art. 2º da Lei 8.072.

Continuo mantendo as minhas dúvidas, sobretudo quanto à constitucionalidadeformal do art. 27 da Ladi, dado que, por lei ordinária, conferiu a uma maioria qualificada doTribunal poderes que, em certas hipóteses, não estão conferidos sequer ao órgão dereforma constitucional.

Mas, é certo que, historicamente, o Supremo Tribunal já, diversas vezes, modulou,no controle difuso, à vista da circunstância ou do caso concreto ou da equação jurídicado caso concreto, os seus efeitos.

Lembro a mais recente e expressiva delas: a do cancelamento da Súmula 394, quandose estabeleceu, por decisão unânime do Plenário, que a nova orientação seria inaplicávelaos processos findos. E, também, o caso dos vereadores no qual, em nome da segurançadas regras do jogo eleitoral, não se quis cortar, além da metade, o mandato que foradisputado para número de vagas que o Tribunal depois entendeu exagerado.

Explicito, apenas, o que parece estar no voto do Ministro Gilmar Mendes – queacolho, no particular –, que isso não impedirá que o condenado, que esteja, ainda, acumprir a sua pena, postule a progressão de regime.

De tal modo que não consigo divisar conseqüências penais dessa modulaçãoproposta; ela terá, no máximo, conseqüências de ordem civil, patrimonial, dado que a nega-tiva da progressão se fundou, efetivamente, em uma jurisprudência que se tinha porconsolidada – e eu mesmo já me rendera a ela com as ressalvas de hábito – pelo SupremoTribunal Federal.

Enfatizo que estamos tirando do juiz da execução o gesso inconstitucional que, ameu ver, lhe impôs indevidamente a Lei 8.072. Mas não o estamos demitindo da responsa-bilidade, em cada caso, de examinar se e quando se mostrará devida a progressão.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Talvez até pudéssemos explicitar, se assim entendercabível, que poderá o juiz exigir, até mesmo, o exame criminológico.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não tenho a menor dúvida de que não é ilegalsubmeter o condenado, para qualquer desses benefícios da execução da pena, ao examecriminológico ou a outros meios de prova.

É importante que isso fique muito claro.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Reporto-me ao que afirmei nas hipótesesanteriores e acompanho a divergência do Ministro Carlos Velloso.

Tenho muita desconfiança quando, nas fundamentações de alguns juristas, se fazreferência ao que o legislador quis fazer ou deixou de fazer, inventando certas premissasque absolutamente não existem. Seria que os nossos juristas, quando examinassem asquestões dos legisladores, tivessem a paciência de perquirir o que realmente aconteceuno seio da Câmara e do Senado.

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Observem bem, vamos deixar a ficção quanto à Lei de Torturas naquele momento emque se acrescentou à Lei 9.455, publicada em 4 de abril de 1997, o § 7º do art. 1º, no qualestabeleceu que:

Art. 1º (...)§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o

cumprimento da pena em regime fechado.

Quero, também, noticiar ao Ministro Carlos Britto, não é o caso, mas lembrar queesse dispositivo foi acrescentado pelo Professor Francisco de Assis Toledo e por mim,Ministro da Justiça, à época, na negociação que fazíamos com o Congresso Nacional,para aprovar a lei e assegurar o projeto que já tramitava para efeito da Lei de Tortura. Nãohouve absolutamente nada de vontades “a” ou “b”; houve uma tentativa de um entendi-mento político que pudesse viabilizar aquilo que o atual governo retirou quando poderiater sido votado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, se o intérprete da Lei fosse se ocupardo que ocorre nas combinações da Câmara...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, estou dizendo isso porquealguns afirmam que se quis isso ou aquilo. Estou meramente contando o que aconteceu.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Usa-se apenas a metáfora quando se fala emvontade da lei ou do legislador.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas vamos deixar bem claro que essametáfora, às vezes, transforma-se em um argumento retórico de uma mera manifestaçãoindividual, quando se atribui a terceiro, ou seja, ao processo legislativo, em que as consi-derações não são absolutamente essas que ocorrem. É bom ter presente, principalmente,quando se fala, por exemplo, em situações que se fez ou se deixou de fazer algo. É bom quese tenha a humildade, nessas condições, de examinar, na verdade, o que se passou dentrodo Congresso.

Principalmente a academia tem uma dificuldade de circular dentro dos arquivos doCongresso para dizer a genealogia da norma. Lembro-me, inclusive, da obra fundamentalde Nietzsche quando trata da genealogia da ética, mostrando, exatamente, a relação depoder, na ética, contra todos os discursos idealistas que vinham, inclusive, de Kant.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quanto a isso, antes de Nietzsche, Bismarck jádissera.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Perdão, Bismarck é posterior a Nietzsche.Bismarck é do século passado e Nietzsche é anterior.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Retifico, mas insisto na comparação das leis comas salsichas.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Como não estamos numa academia, nãoprecisamos visitar ou revisitar o Congresso.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Só estou dizendo que não devemosprocurar atribuir fundamentos que não sejam de natureza dogmática a certas vontades.

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Concluo dizendo que o que instruiu a elaboração desse projeto de lei foi a seguintecircunstância real, da qual o Ministro Sepúlveda Pertence tem absoluta razão: todos osapenados em crimes hediondos, com longa duração de pena, que não têm nenhumaperspectiva de qualquer tipo de liberação, não têm nenhum constrangimento de praticarcrimes dentro do presídio – e o fazem. Quero mostrar um exemplo concreto em relação aisso. Quando exerci aquelas funções, houve o seguinte fato, em um Estado da Federação –lembrem-se que havia aquele sistema, e ainda há, de visitas íntimas, ou seja, as mulheres,esposas dos apenados comparecem para manter relações sexuais com seus maridos –ocorria que os chefes das galerias identificavam a mulher de algum apenado que vivia emsua galeria, chamava-o e dizia que da próxima vez seria ele; se o apenado não fizesse,matavam-no, como mataram doze, pelo fato de não terem concedido a manutenção de rela-ções sexuais com suas mulheres e filhas, as quais compareciam juntas para fazerem a visita.

Então, observem que a realidade concreta do estabelecimento penal é muito pior doque se imagina. Seria conveniente, inclusive, que alguns juristas comparecessem a essesestabelecimentos e convivessem, como fiz durante um período longo como advogado,depois como Ministro, para mostrar que as coisas são completamente distintas daquelateoria de que a pena vai recuperar, etc., etc. Na verdade, é exatamente o contrário, daí porque a necessidade de um tratamento diferenciado.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas exatamente por isso é que se está preconizandoa progressão.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que há, exatamente, Ministro Gilmar, éque, no nosso entendimento, estaríamos ingressando numa seara que era exclusiva dolegislador. Esse é o nosso ponto de vista. Desde há muito, não recorro a núcleos essenciais.Tendo núcleos essenciais, teríamos de descobrir qual é o não essencial; porque, se todonúcleo tiver característica adjetivada de essencial, haverá um núcleo não essencial, quenão conheço neste dado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, como Relator, apenasressalto que empresto à declaração de constitucionalidade eficácia ex tunc quanto àsconseqüências penais, não o fazendo sob o ângulo patrimonial.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Eu parti da premissa, foi todo o desenvolvimento demeu voto, no sentido de que declaramos essa lei inicialmente constitucional – não hádúvida em relação a isso – e muitas penas se extinguiram segundo esse regime. A Consti-tuição cogita de responsabilidade civil do Estado, ou por erro judicial, ou por prisãoexcessiva, até mesmo. É uma das hipóteses claras de responsabilidade civil do Estado, porconta desse aspecto. Daí eu ter ressaltado que o efeito ex nunc deve ser entendido comoaplicável às condenações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Proporia ao eminente Relator que deixássemosclaro que a decisão não se aplica a eventuais conseqüências jurídicas às penas extintas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É exatamente esse o objetivo.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Se os Colegas concordarem, gostaria deexplicitar, como já feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que, na verdade, não estamosdecidindo o caso concreto, estamos decidindo o regime de progressão ou não do sistema.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Temos de comunicar ao Senado.

EXTRATO DA ATA

HC 82.959/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: Oseas deCampos (Advogados: Roberto Delmanto Junior e outro). Coatores: Superior Tribunal deJustiça e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Decisão: Renovado o pedido de vista da Ministra Ellen Gracie, justificadamente,nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência doMinistro Nelson Jobim. Plenário, 24-2-05.

Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou,incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de1990, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Carlos Velloso, JoaquimBarbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Presidente (Ministro Nelson Jobim). O Tribunal,por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade dopreceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas jáextintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento doóbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação,caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhe-cimento da possibilidade de progressão. Votou o Presidente.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. AntonioFernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 23 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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HABEAS CORPUS 83.170 — PR

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesPaciente: Rui Capelão Cardoso — Impetrantes: Ronaldo Antônio Botelho e outro —

Coator: Tribunal Superior Eleitoral

Habeas corpus. 2. Art. 299 do Código Eleitoral. Acordo entre candidatosa vereador para que deixasse de concorrer ao mandato em troca de nomeaçãopara cargo de confiança. 3. Aditamento da denúncia. Compra de votos. Alegaçãode cerceamento de defesa e violação do contraditório. Pedido de reconheci-mento de nulidade. Improcedência. Recebido o aditamento, houve abertura devista à defesa pelo prazo de oito dias. 4. Pedido de assistência litisconsorcialda acusação feito pelo suplente de vereador. Inexistência de normas que tratemsobre a matéria. Jurisprudência predominante no STF no sentido de que,salvo no caso de querelante, não há compatibilidade entre o rito do habeascorpus e os tipos de intervenção de terceiro. 5. Pedido de extensão dos efeitosda decisão do Tribunal Superior Eleitoral que determinou o arquivamento daação penal contra o outro envolvido no acordo por ausência de justa causa emface da atipicidade da conduta. Situação processual idêntica. Deferimento. 6.Habeas corpus deferido tão-somente para estender ao Paciente os efeitos dadecisão do TSE no HC 43, Classe 23ª, prosseguindo a ação penal quanto aosdemais crimes eleitorais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, em conformidadecom a ata do julgamento e as notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferirparcialmente o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 18 de maio de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de RuiCapelão Cardoso contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral que negou provimento aagravo regimental em agravo de instrumento por ele interposto.

Alega-se que foi denunciado pelo crime do art. 299 do Código Eleitoral, por haverfirmado um acordo com Nino Pastore para que este deixasse de concorrer ao mandato devereador em favor do Paciente, em troca de nomeação para cargo em confiança.

Posteriormente, houve aditamento da denúncia para a inclusão de outros fatos corres-pondentes ao art. 299 do Código Eleitoral, por oferecimento de pequenas importâncias paraa obtenção de voto de quatro eleitores.

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Sustenta-se que a ação penal, proposta contra Nino Pastore pelo mesmo fato, res-tou arquivada em recurso ordinário em habeas corpus por ausência de justa causa em faceda atipicidade da conduta. Por isso, entende-se impositiva a cassação da condenação doPaciente nesse ponto.

Invoca-se ainda violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do con-traditório, com relação aos fatos que foram objeto de aditamento da denúncia, visto que omagistrado aplicou o parágrafo único do art. 384 do Código de Processo Penal, com aslimitações processuais quanto ao rito e à prova. Solicita-se a anulação da ação penal apartir do aditamento da denúncia.

A pena do Paciente restou substituída por duas penas restritivas de direito, dentreas quais a interdição temporária de direito, consistente na proibição do exercício do man-dato eletivo de vereador de Cascavel.

Deferi a liminar requerida para que se suspendesse a execução da condenação doPaciente (fls. 17-18).

Às fls. 29-93, Adriano Ducati (suplente do Paciente) apresentou petição requerendoinicialmente o seu ingresso no feito como assistente litisconsorcial e interpondo agravoregimental contra a decisão por mim proferida.

À fl. 95, na linha da jurisprudência do Tribunal, neguei seguimento ao agravo regi-mental, porque incabível.

Às fls. 98-108, Adriano Ducati reitera o pedido de cassação da liminar. Determinei,então, o cumprimento do despacho anterior, com a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Opina o parquet: 1) pela inadmissão do assistente; 2) pelo indeferimento do writquanto ao pedido de anulação da ação penal desde o aditamento; e 3) pelo deferimento daordem para que sejam estendidos ao Paciente os efeitos da decisão do Tribunal SuperiorEleitoral proferida em favor de Nino Pastore, ressaltando que “o Paciente foi condenadopor outros crimes, nos termos do art. 299 do Código Eleitoral, em continuidade delitiva,tratando-se, o presente habeas corpus apenas de um deles” (fls. 112-119).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): A Procuradoria-Geral da República manifes-tou-se, inicialmente, pelo descabimento do pedido de assistência formulado por AdrianoDucati, com fundamento na doutrina e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,nestes termos:

Por sua vez, no que tange ao pedido de ingresso no feito como assistente, formulado porAdriano Ducati, por se julgar prejudicado pela liminar então deferida nos presentes autos, talrequerimento não merece prosperar pois “A doutrina não permite a intervenção do assistente daacusação no processo de habeas corpus.” (MORAES, Alexandre de, in Direito Constitucional,13ª ed. Atualizada com a EC nº 39/02 – São Paulo: Atlas, 2003, p. 145; bem como JESUS,Damásio E. (Código de Processo... Op. cit. p. 452).

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Nesse sentido, têm-se, ainda, precedentes sobre o tema provenientes do colendo SuperiorTribunal de Justiça, dentre os quais vale mencionar as seguintes ementas, verbis:

“Processual penal. Habeas corpus. Assistente de acusacão, inadmissibilidade.Não cabe intervenção do assistente da acusação no processo de habeas

corpus, visto como a função do assistente é restrita à parte acusatória (art. 271 doCPP), enquanto que, no habeas corpus, onde não existe sequer acusação, o Minis-tério Público não desempenha o papel de acusador e sim de fiscal da lei.

Precedentes jurisprudenciais.Despacho de Relator que negou seguimento a embargos de declaração em recurso de

habeas corpus, interpostos por quem se intitula assistente de acusação.Agravo regimental improvido, confirmando-se aquele despacho pelos seus próprios,

fundamentos.”(RHC nº 590/SP, Relator eminente Ministro Assis Toledo, publicado no DJ de 17.09.1990)(grifo nosso).

“Recurso especial habeas corpus.Recurso interposto por terceiro, que se diz prejudicado, objetivando a

cassação de ordem concedida pelo Tribunal.Não sendo permitida a intervenção do assistente da acusação processo da habeas

corpus como se tem decidido (AGRG nos EDCL no RHC 505, STJ), com maior razão nãose deve admitir essa intervenção de quem, sequer, demonstra preencher as exigências dosarts. 268 e 31 do CPP.

Recurso especial não conhecido.”REsp 17.039/GO, Relator eminente Ministro Assis Toledo, publicado no DJ de 16-11-1992) (grifo nosso).

(Fls. 115-116.)

Na ausência de norma que trate especificamente dessa matéria, a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal tem precedentes em ambos os sentidos, dependendo da confi-guração do caso concreto. No entanto, a jurisprudência predominante desta Corte é nosentido de que, salvo no caso de intervenção de querelante (nesse sentido: HC 73.912,Primeira Turma, Rel. Moreira Alves, DJ de 14-11-96, e Pet 423-AgR, Pleno, Rel. Celso deMello, DJ de 13-3-92), não há compatibilidade entre o rito do habeas corpus e os tipos deintervenção de terceiro, verbis:

Ementa: Habeas corpus – Prisão civil – Prestação alimentícia – Credora – Intervenção –Inadmissibilidade. As peculiaridades instrumentais do habeascorpus, medida voltada à defesa daliberdade do cidadão, afastam a intervenção de terceiro que se diga interessado na preservação doquadro atacado, ou seja, na prisão do Paciente, pouco importando tratar-se de credora de presta-ção alimentícia não satisfeita.(HC 75.515-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-2-98.)

No mesmo sentido, a Turma, resolvendo questão de ordem no HC 73.752/RJ, Rel.Min. Ilmar Galvão, não conheceu do pedido de reconsideração requerido pelo INSS emface da decisão que concedera habeas corpus para estender à condenada pelos crimes depeculato e formação de quadrilha o direito à progressão do regime de cumprimento depena. Considerou-se, na espécie, inexistir legitimidade ad causam do INSS para intervirno procedimento do habeas corpus, dado que não se admite tal intervenção por ausênciade previsão legal, salientando-se, ademais, a orientação firmada no Tribunal no sentido dainadmissibilidade de pedido de natureza recursal contra decisão do Pleno ou de Turmaque concede ou denega habeas corpus. Precedentes citados: HC 70.274-AgR-EDv-ED/RJ(DJ de 9-12-94); HC 70.471/RJ (DJ de 10-12-93); HC 77.506/RJ (DJ de 4-12-98) e HC 73.881/GO

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(DJ de 15-8-97). HC 73.752/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 6-2-01 (HC 73.752, Rel. Min. IlmarGalvão, DJ de 6-9-96), (Informativo 204).

Nesse sentido, não prospera o pleito de intervenção formulado por Adriano Ducati,suplente de vereador.

O alegado cerceamento de defesa foi objeto de análise percuciente do MinistérioPúblico Federal, no parecer da lavra do Procurador-Geral da República, verbis:

Com efeito, quanto ao pedido de anulação da ação penal desde o aditamento da denúncia,por suposta ofensa às “garantias do contraditório e da ampla defesa em relação aos fatos trazidoscom o aditamento e não constantes do libelo inicial” (fls. 12), não assiste melhor sorte aoimpetrante, uma vez que consta nos autos, mais precisamente na sentença proferida pela JuízoEleitoral a fls. 51, que “Recebido o aditamento, abriu-se vista à defesa pelo prazo de oito dias,vindo ela argumentar com a decadência, a impossibilidade jurídica e a falta de justa causapara ampliar a imputação, alegações estas que restaram repelidas por decisão não recorrida.”

Ir além, seria ir de encontro à firme e remansosa jurisprudência desse Supremo TribunalFederal, que não admite exame do conjunto fático-probatório, como se depreende da análise daementa a seguir transcrita, verbis:

“Habeas corpus”. — Esta Corte, de há muito, firmou jurisprudência no sentido deque a verificação da justa causa “subtrair-se-á ao âmbito estreito do ‘habeas corpus’,sempre que a apreciação jurisdicional de sua alegada ausência implicar análiseaprofundada ou exame valorativo dos elementos de fato em que se apóia a peça deacusação penal” (HC 70.763, relator Ministro Celso de Mello, citando precedentes). É oque ocorre no caso.

“Habeas corpus” indeferido.(HC nº 80.559/DF, Relator eminente Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 22.3.02)(grifo nosso).

(Fls. 116-117.)

Os autos evidenciam que o Paciente foi devidamente intimado para apresentar defesano prazo de oito dias (fl. 176 do Apenso 1), conforme vista determinada pelo juiz eleitoralà fl. 174 do referido Apenso. Portanto, não procede, nesse ponto, a pretensão doImpetrante.

Quanto à possibilidade da extensão dos efeitos da decisão que considerou atípica aconduta de Nino Pastore, defiro a pretensão tendo como fundamento o parecer do Minis-tério Público Federal, que devidamente esclarece a matéria, verbis:

Por sua vez, o writ merece prosperar no que diz respeito ao pedido de cassação da conde-nação do paciente, estritamente em relação ao acordo firmado entre o paciente, Rui CapelãoCardoso, e Nino Pastore, devendo-se ressaltar que o Paciente foi condenado por outros crimes,em continuidade delitiva, tratando-se, no presente habeas corpus, apenas de um deles.

As ações penais contra Rui Capelão Cardoso, eleito Vereador, e Nino Pastore forampropostas imputando-lhes a conduta do art. 299 do Código Eleitoral que assim preceitua, vejamos:

“Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem,dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ouprometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.”A ação penal proposta contra Nino Pastore, pelo mesmo fato, qual seja, acordo firmado

por escrito entre ambos, foi arquivada em recurso de habeas corpus pelo Tribunal SuperiorEleitoral, por ausência de justa causa em face da atipicidade da conduta.

Logo, não se pode admitir que uma determinada conduta seja crime para um e fato atípicopara outro, pois em relação ao tipo penal ora examinado comete o mesmo crime tanto quem dá,

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como quem recebe dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem. Portanto, forçoso reconhecerque o Paciente encontra-se em situação processual idêntica à de Nino Pastore, não sendo cabívelo tratamento diferenciado aos mesmos. Desse modo, em obediência ao princípio da isonomia e aopróprio art. 580 do CPP, é de se garantir igual tratamento aos co-réus, devendo-se estender osefeitos sentença absolutória ao Paciente que fora anteriormente condenado, com base em motivosque não eram de caráter exclusivamente pessoal.

Afinal, a “interpretação teleológica e sistemática dos artigos 580 e 654, § 2º, do Código deProcesso Penal é conducente a concluir-se pela viabilidade da extensão do provimento judicial quehaja beneficiado co-réu, pouco importando haver decorrido de julgamento de habeas-corpus”. (HCnº 75.331/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 06.03.1998).

Nesse sentido essa Colenda Corte já consolidou o entendimento da extensão dos efeitos,como se depreende da análise dos seguintes arestos, verbis:

“Habeas corpus. Co-autoria. Desmembramento do processo.2. Tratando-se de dois crimes de roubo, em co-autoria, desmembrado o processo

e condenado um dos co-réus por delitos tentados, o outro co-réu por um crime tentado eo outro consumado.

3. Aplicação do art. 580 do Código Processo Penal. Sendo, no caso, idêntica asituação de dois co-réus no processo, não pode prevalecer, contra um dos acusados,condenação mais gravosa, resultante da natureza diversa atribuída ao mesmo fato nosdois julgamentos.

4. Caberá às instâncias ordinárias o ajustamento da pena imposta ao paciente, apartir da consideração de ambos os crimes como tentados.

5. Habeas Corpus deferido para, mantida a condenação, anular a decisão na partereferente a definição da pena, determinando-se que outra seja proferida, relativamente aopaciente, tidos os dois crimes como tentados.”(HC nº 71.480/SP, Relator Ministro Néri da Silveira, DJ de 25.11.1994) (grifo nosso).

“Direito Penal e Processual Penal. Art. 580 do Código do Processo Penal. Con-curso de agentes. Art. 29 do C. Penal. Recurso. Absolvição de um deles. Extensão aooutro.

1. No caso de concursos de agentes (art. 29 do C. Penal), a decisão do recursointerposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamen-te pessoal, aproveitara aos outros (art. 580 do C. Penal).

2. Assim, “a decisão em favor de um réu só poderá ser estendida a outro se foremidênticas as situações de ambos no mesmo processo” (S.T.F. – RTJ 67,1685).

3. Não sendo esse o caso dos autos e estando satisfatoriamente fundamentada acondenação do paciente, e de se lhe denegar a pretendida extensão dos efeitos da absolvi-ção do co-réu.

4. ‘HC’ indeferido.”(HC nº 71.673/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 18-08-1995) (grifo nosso).

(Fls. 117-119.)

Nesses termos, o meu voto é pelo deferimento do pedido de extensão, em favor deRui Capelão Cardoso, dos efeitos da decisão do HC 43, Classe 23ª – Paraná, RelatorMinistro Luiz Carlos Madeira, do Tribunal Superior Eleitoral, devendo prosseguir a açãopenal quanto aos demais crimes eleitorais.

EXTRATO DA ATA

HC 83.170/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Rui Capelão Cardoso.Impetrantes: Ronaldo Antônio Botelho e outro. Coator: Tribunal Superior Eleitoral.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu parcialmente o pedido de habeascorpus, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

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Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 18 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.184 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrente: Maria Cristina Sanchez Gomes Ferreira — Recorrido: Ministério Público

Federal

Competência criminal. Ministério Público da União. Procuradora doTrabalho. Designação para oficiar no Tribunal Regional do Trabalho. Açãopenal por crime comum (arts. 4º, caput e parágrafo único, 6º e 10 da Lei7.492/86). Prerrogativa de foro. Feito da competência originária do SuperiorTribunal de Justiça. Atuação temporária naqueloutro tribunal. Infrações queteriam sido praticadas antes da designação. Irrelevância. Nulidade da decisãodo Juízo Federal que recebeu a denúncia. Recurso provido para pronunciá-la.Inteligência do art. 105, I, a, da CF. Precedentes. Independentemente da datada prática do ato que lhe é imputado, o membro do Ministério Público da Uniãoque oficie perante qualquer tribunal está, nos crimes comuns e de responsabi-lidade, sujeito à jurisdição penal originária do Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 6 de junho de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário interposto por MariaCristina Gomes Sanchez Ferreira contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que,por maioria de votos, denegou-lhe o HC 24.703.

A Paciente, hoje Procuradora do Trabalho, responde, juntamente com co-réus, aação penal perante o Juízo da 6ª Vara Criminal Federal Especializada em Crimes contra oSistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores, da Seção Judiciária do Estado deSão Paulo, sob acusação de que teria praticado, enquanto membro do Conselho de Admi-nistração da Cruzeiro do Sul Companhia Seguradora, os delitos previstos nos arts. 4º,caput e parágrafo único, 6º e 10, todos da Lei 7.492/86.

A denúncia foi inicialmente proposta contra outros acusados (fls. 10-30). Recebidae processada (fls. 31-32), então perante a 5ª Vara Criminal da Justiça Federal, foi opostaexceção de suspeição, acolhida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fls. 36-38).Enquanto era processada a argüição, foi oferecido aditamento à denúncia, incluída entreos acusados a ora Recorrente (fls. 40-56). A decisão de recebimento do aditamento foiigualmente proferida por juiz suspeito (fls. 57-63), daí ter sido declarada nula (fls. 64-71).

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Por fim, a inicial acusatória proposta contra a Paciente (fls. 40-56) foi recebida, em 30de agosto de 2002 (fls. 79-91), pelo juízo de 1º grau, que, todavia, é reputado absolutamenteincompetente pela Recorrente, a qual sustenta ter prerrogativa de foro perante o SuperiorTribunal de Justiça, nos termos que estabelece a Constituição da República, no art. 105, I,a, porque, desde junho de 1996 (fl. 152), exerce o cargo de Procuradora do Trabalho e, emrazão da Portaria 182, de 26 de junho de 1996, emitida pelo Procurador-Geral do Trabalho, foidesignada para exercício das funções na Procuradoria-Geral do Trabalho da 4ª Região eatuação em sessões de julgamento perante o Tribunal Regional do Trabalho dessa Região.

Daí, intentou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (fls. 2-17). Enquanto owrit era processado, o Juízo da 5ª Vara Criminal da Justiça Federal da Seção Judiciária doEstado de São Paulo declinou da competência para processar e julgar a ora Recorrente edeterminou a remessa dos autos da ação penal para o Superior Tribunal de Justiça (fls.157-158).

Não obstante tal fato e, ainda, os pareceres da Procuradoria-Geral da República, oprimeiro favorável à concessão da ordem (fls. 145-147), e o segundo, a considerar prejudi-cado o writ em razão da remessa dos autos da ação penal ao Superior Tribunal de Justiça(fls. 166-168), este, por maioria de votos, denegou o pedido (fls. 182-196).

Em suma, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que era incompetente para julgar aRecorrente, porque a atuação desta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região decor-reria de designações periódicas e, por isso, o exercício seria pro tempore (fl. 187). Eis oteor da ementa:

Habeas corpus. Competência. Procurador do trabalho. Atuação perante tribunal semcaráter de permanência.

1. Em matéria de competência não há presunção. A competência é sempre certa e deter-minada, não comportando o tema interpretação ampliativa ou restritiva, principalmente em setratando de foro por prerrogativa de função.

2. O rol do art. 105, I, a da Lei Fundamental defere ao Superior Tribunal de Justiça acompetência originária para o processo e julgamento, nos crimes comuns e nos de responsabili-dade, dos membros do Ministério Público da União “que oficiem perante tribunais”.

3. Neste contexto, sendo a atuação perante o Tribunal Regional do Trabalho, pro tempore,eventual, episódica, não há atração da competência do Superior Tribunal de Justiça para oprocesso e julgamento de ação penal, onde oferecida denúncia contra Procurador do Trabalho,classificado na letra do art. 85, VIII, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993.

4. A atuação no caso não se reveste do caráter de permanência. É temporária, por designa-ção e, portanto, não se lhe defere a prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça.

5. Precedente do Supremo Tribunal Federal.6. Ordem denegada.

(Fl. 195.)

Contra tal decisão foram opostos embargos de declaração (fls. 199-203), instruídoscom documentos que atestavam, mais uma vez, que a atuação da Recorrente no Tribunalera permanente (fls. 204-224). Os embargos foram, porém, rejeitados (fls. 227-232). Osautos da ação penal foram devolvidos à Justiça Federal de 1º grau, e o processo,redistribuído à Sexta Vara Federal Criminal, Especializada em Crimes contra o SistemaFinanceiro Nacional e em Lavagem de Valores, da Seção Judiciária do Estado de SãoPaulo.

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Interpôs-se este recurso (fls. 258-265). A Procuradoria-Geral da República contra-arrazoou-o (fls. 267-275) e, depois, opinou pelo improvimento (fls. 284-287).

Requisitei informações ao Procurador-Geral do Trabalho acerca da situação funcionalda Recorrente (fl. 300). Reiterando o que já constava dos autos, vieram minuciosos subsí-dios, consolidados nos seguintes documentos: (i) declaração (fl. 312) e atestado subscritospela Diretoria do Departamento de Recursos Humanos da Procuradoria-Geral do Trabalho,de que a Recorrente, aprovada em concurso de provas e títulos, tomou posse em 27 dejunho de 1996 e “permanece em exercício do cargo até a presente data, com lotação naProcuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região/RS” (fl. 311); (ii) histórico funcional queatesta suas últimas designações (fl. 313); (iii) também o Procurador-Regional Chefe da 4ªRegião atestou que a ora Recorrente “foi designada, pela Portaria 153, de 16 de dezembrode 2005, para funcionar na coordenadoria interveniente, a saber, aquela que atua nosfeitos em tramitação no TRT da Quarta Região (Segundo Grau de Jurisdição). A Portaria153 previu efeitos a partir de 15/03/2006. Assim, desde aquela data a Procuradora emquestão vem sendo designada para acompanhar as sessões do Tribunal, e exarar pare-ceres quanto aos recursos e feitos de competência originária. As últimas portarias queassim dispuseram foram as de número 042, de 25/04/2006, e 047, de 03/05/2005, ambasdispondo sobre as sessões de maio do corrente” (fl. 315); (iv) vieram ainda cópia da própriaPortaria 153/2005 e indicação exemplificativa de indicação da Recorrente para atuação emdeterminada turma, o que é feito mês a mês (fls. 316-322).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Como flui nítido ao relatório, o recursoenvolve a questão de saber se a Procuradora do Trabalho, que, por designação, oficia noTribunal Regional do Trabalho, possui, ou não, prerrogativa de foro perante o SuperiorTribunal de Justiça.

Tenho que sim.2. Os membros do Ministério Público da União que oficiam perante quaisquer tribu-

nais – é o caso da Recorrente – estão sujeitos à jurisdição penal do Superior Tribunal deJustiça (art. 105, I, a, da Constituição da República), a que compete processá-los e julgá-losnos ilícitos penais comuns e de responsabilidade. Também a Lei Orgânica do MinistérioPúblico – Lei Complementar 75/93 – prevê a mesma prerrogativa processual do membro doMinistério Público da União, que oficie perante tribunais, de ser processado e julgado,nos crimes comuns e de responsabilidade, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Os demais membros do Ministério Público da União – aqueles que atuam peranteórgãos judiciários de primeira instância – submetem-se à competência penal origináriados Tribunais Regionais Federais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 108,I, a, da Constituição da República, e art. 18, II, c, da Lei Complementar 75/93). Por essa sórazão, o processo-crime movido contra a Recorrente, em trâmite na Sexta Vara FederalCriminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, já seria absolutamente nulo.

3. Há mais, porém. Os documentos juntados à impetração (fls. 92-94), bem comooutros, que o foram com os embargos declaratórios no Superior Tribunal de Justiça (fls.

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204-224), além dos que acompanharam o recurso (fls. 263-265) e os agora enviados pelaProcuradora-Geral do Trabalho (fls. 310-322), provam todos que a Recorrente, supostoocupe o cargo inicial de carreira, de Procuradora do Trabalho (art. 85, VIII, da Lei Comple-mentar 75/93), atua e exerce suas funções no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região(fl. 315).

Foi o que, aliás, atestou o Procurador-Regional Chefe da 4ª Região, ao assentar quea ora Recorrente “foi designada, pela Portaria 153, de 16 de dezembro de 2005, parafuncionar na coordenadoria interveniente, a saber, aquela que atua nos feitos emtramitação no TRT da Quarta Região (Segundo Grau de Jurisdição). A Portaria 153previu efeitos a partir de 15-03-2006. Assim, desde aquela data a Procuradora em questãovem sendo designada para acompanhar as sessões do Tribunal, e exarar pareceres quan-to aos recursos e feitos de competência originária. As últimas portarias que assim dispu-seram foram as de número 042, de 25/04/2006, e 047, de 03/05/2005, ambas dispondo sobreas sessões de maio do corrente” (fl. 315).

É o que basta para desencadear a competência do Superior Tribunal de Justiça, nostermos do art. 105, I, a, da Constituição da República.

A objeção levantada pelo Superior Tribunal de Justiça, de que a atuação da Recor-rente seria temporária e, portanto, incapaz de atrair a competência dessa Corte, confundedesignação para exercício da função junto ao Tribunal – o que vem sendo permanente nocaso – e indicação para atuar em determinada Turma, essa, sim, renovada mês a mês, comoocorre em qualquer tribunal.

A competência prevista no art. 105 da Constituição Federal é estabelecida em razãodas funções exercidas por aqueles membros do Ministério Público que oficiam perantetribunais e não, propriamente, pelo degrau na carreira. Assim, pouco se dá sejaProcuradora do Trabalho ou Procuradora-Regional do Trabalho: membro do MinistérioPúblico da União, oficiante em tribunal, possui prerrogativa de foro.

4. Por fim, noto que a denúncia foi recebida pelo Juízo da 5ª Vara Criminal da JustiçaFederal do Estado de São Paulo, em 30 de agosto de 2002, quando a Recorrente já exerciaas atividades no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Friso que é irrelevante, paradefinição do órgão judiciário constitucionalmente competente, o momento da supostaprática da infração penal, porque a competência por prerrogativa de foro, objeto do art.105, I, a, da Constituição da República, é ditada em razão das funções exercidas à data dainstauração do processo, como já o reconheceu esta Corte:

Habeas corpus – Crimes comuns — Prática atribuída a membro do Ministério Público daUnião que atua perante Tribunal Regional Federal – Competência penal originária do SuperiorTribunal de Justiça – Pedido deferido. Crimes comuns – Membro do Ministério Público daUnião que atua perante tribunal – Prerrogativa de foro – Os membros do Ministério Públicoda União que atuam perante quaisquer Tribunais judiciários estão sujeitos à jurisdiçãopenal originária do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a, in fine), a quemcompete processá-los e julgá-los nos ilícitos penais comuns, ressalvada a prerrogativade foro do Procurador-Geral da República, que tem, no Supremo Tribunal Federal, o seujuiz natural (CF, art. 102, I, b). A superveniente investidura do membro do MinistérioPúblico da União em cargo ou em função por ele efetivamente exercida “perantetribunais”, tem a virtude de deslocar, ope constitutionis, para o Superior Tribunal deJustiça, a competência originária para o respectivo processo penal condenatório, ainda

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que a suposta prática delituosa tenha ocorrido quando o Procurador da República seachava no desempenho de suas atividades perante magistrado federal de primeira ins-tância. Princípio do juiz natural e processo penal democrático – A consagração constitucionaldo princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) tem o condão de reafirmar o compromisso doEstado brasileiro com a construção das bases jurídicas necessárias à formulação do processo penaldemocrático. O princípio da naturalidade do juízo representa uma das matrizes político-ideológi-cas que conformam a própria atividade legislativa do Estado, condicionando, ainda, o desempe-nho, em juízo, das funções estatais de caráter penal-persecutório. A lei não pode frustrar agarantia derivada do postulado do juiz natural. Assiste, a qualquer pessoa, quando eventualmentesubmetida a juízo penal, o direito de ser processada perante magistrado imparcial e independente,cuja competência é predeterminada, em abstrato, pelo próprio ordenamento constitucional.(HC 73.801, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-6-97. Grifei.)

Ao sistema constitucional repugna processo instaurado perante juízo absoluta-mente incompetente, que furta a persecutio criminis ao juiz natural.

5. Do exposto, dou provimento ao recurso, para pronunciar a nulidade da decisãoque recebeu a denúncia contra a Recorrente e determinar ao Juízo Federal da Sexta VaraCriminal Federal, Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e emLavagem de Valores, da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, que encaminhe aoSuperior Tribunal de Justiça, foro competente, os autos da AP 95.101307-3.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, o voto do eminente Relator estárigorosamente conforme o sentido da Constituição no art. 105, inciso I, alínea a.

Em matéria de definição de competência do Superior Tribunal de Justiça, quanto amembros do Ministério Público, a Constituição exige um elemento subjetivo: ser membrodo Ministério Público; e um elemento objetivo: oficiar perante tribunais. O eminenteRelator demonstrou, à saciedade, que esses dois requisitos estão presentes no caso.

Acompanho o voto de Sua Excelência.

EXTRATO DA ATA

RHC 84.184/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Maria CristinaSanchez Gomes Ferreira (Advogados: Rogério Lauria Tucci e outro). Recorrido: MinistérioPúblico Federal.

Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nostermos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 6 de junho de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 85.519 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauPaciente: Rubens Catenacci — Impetrantes: Cezar Roberto Bittencourt e outro —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Prisão preventiva:Fundamentos acrescidos ao decreto de prisão pelo órgão ad quem –

Não é permitido ao órgão ad quem suplementar os fundamentos do decreto deprisão preventiva, valorando decisivamente a fuga do paciente, que o juiz nãoconsiderou bastante, se vista isoladamente, para justificar a segregaçãocautelar.

Compatibilidade da ordem pública com a necessidade de garantia daaplicação da lei penal – Tratando-se de conceitos distintos, que não guardamqualquer afinidade, um não pode ser sustentáculo do outro: ou bem sedemonstra cabalmente a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal,ou não se a afirma como justificadora da prisão preventiva, invocandofundamentos próprios de outra hipótese legal.

Garantia da aplicação da lei penal – Fuga – Necessidade de analisá-lacaso a caso (precedente).

Magnitude da lesão – Sendo própria do tipo penal, não pode respaldar aprisão preventiva para garantia da ordem econômica (precedente).

Ordem pública – Reiteração criminosa – Presunção judicial – A pre-sunção de não haver notícias de que a atividade delitiva tenha cessado não ésuficiente ao embasamento da prisão cautelar como garantia da ordem pública.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus nos termos do voto do Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus em que o Superior Tribunal deJustiça é apontado como coator, por negar provimento ao RHC 15.564.

2. O Paciente e outros foram denunciados sob a acusação da prática dos crimesdescritos nos arts. 288 e 299 do Código Penal, 4º, 16 e 22 da Lei 7.492/86 e 1º, VI e VII, § 4º,da Lei 9.613/98 (fls. 41/105).

3. Os Impetrantes impugnam a prisão preventiva, decretada nos seguintes termos:

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Ora, a fraude perpetrada pela Imperial através das contas CC5 teria perdurado entre osanos de 1996 e 1998. Envolveu a abertura de dezenas de contas “laranjas” e acarretou a remessaao exterior de mais de quinhentos milhões de reais, ocultando-se ao órgão fiscalizador o realtitular do numerário. Somente a conta da laranja Elvira Werle, cujos créditos foram explicitadosno laudo de nº 1.676/03 (...) teria recebido dezenas de depósitos para posterior remessa a contasCC5, o que revela habitualidade da conduta delitiva.

Devido a dimensão dos fatos e o número dos envolvidos, não estão de todo identificados osreais titulares do numerário remetido ao exterior. É, provável, porém, que o estratagema tenhaservido para ocultar o produto de diversos crimes, desde sonegação fiscal a crimes mais gravescomo corrupção de agentes públicos, peculato e até mesmo tráfico de drogas. Como vem sendoinvestigado no inquérito 207/98, já se tem indícios de que o esquema fraudulento de remessa denumerário através de contas CC5 teria servido para desvio de dinheiro da Prefeitura de São Pauloe ainda sido utilizado por João Arcanjo Ribeiro, conhecido criminoso, atualmente preso noUruguai.

A magnitude da lesão provocada pelos crimes imputados aos dirigentes da Imperial ésignificativa. Trata-se de um dado relevante a ser considerado, cf. estabelecido no conhecidoprecedente do Supremo Tribunal Federal, HC 80.717/SP. Tal fato encontra-se relacionado com aprópria necessidade de resguardo da ordem pública. Repetindo o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro“a ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dadoofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania do comportamento” (STJ –RHC 3.169-5, DJU 15.05.95).

O mais preocupante é que não há notícias de que a atividade delitiva tenha cessado. Porcerto, descoberta a fraude com as contas CC5 não se espera que os autores de delitos continuema utilizar o mesmo expediente. Não foi, porém, desmantelada a organização conduzida pelosdirigentes da Imperial Câmbios, com o que os seus amplos recursos podem estar sendo utilizadospara a continuidade da fraude sob outras formas. Registre-se que Divonzir e Rubens, apontadoscomo dirigentes de fato da imperial, eram a época dos fatos e ainda são dirigentes da empresa SiglaCâmbio e Turismo Ltda., que opera em Curitiba/PR, o que lhes fornece os meios necessários paracontinuidade da fraude, sob outras formas.

Cumpre também destacar que a realização de crime de tal dimensão só pode ter sidopossível através de uma complexa organização da fraude, com a comunhão de esforços de váriaspessoas e inclusive a cooptação de dirigentes e gerentes de instituições pertencentes ao sistemafinanceiro nacional, em verdadeira organização criminosa.

Embora a legislação brasileira careça de conceituação precisa do que é uma organizaçãocriminosa, constata-se a presença na atividade delitiva imputada aos acusados de característicasnormalmente associadas a entidades da espécie segundo doutrina e jurisprudência, como: divisãofuncional das atividades, planejamento empresarial, recrutamento de pessoas, real capacidadepara a fraude difusa, conexão estrutural com agentes do poder público ou, no caso, com agentesdo sistema financeiro legal (cf. exemplificado por GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado:Enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político criminal. RT, 1995, p. 69/78). Alémdisso, encontra-se presente o substrato mínimo para a caracterização de uma organização crimi-nosa, ou seja, os elementos do crime previsto art. 288 do CP, associação para o fim de cometi-mento de crimes, como, aliás, imputado na denúncia.

Presente uma organização criminosa, há autorização legislativa expressa para um regimepenal e processual mais severo, o que, aliás, é de todo justificável, podendo ser citado o art. 7º daLei nº 9.034/95 que impede a concessão de liberdade provisória aos agentes que tenham tidointensa e efetiva participação na organização criminosa, o que, aliás, é o caso dos dirigentes daImperial.

Por certo os fatos narrados na denúncia já tem alguma data. Entretanto, somente agora,com a formação de Força Tarefa do MPF e com a propositura da presente denúncia, foi possívelter uma exata dimensão dos fatos delitivos imputáveis aos dirigentes da Câmbios Imperial.Somente agora, outrossim, tem-se provas mais contundentes de seus reais gestores. Ademais, nãose exclui o risco atual para a ordem pública e econômica considerando que empresa delituosa nãofoi desmantelada.

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Diante de todos esses fatos, magnitude da lesão, habitualidade delitiva, elementos típicosde organização criminosa, é forçoso reconhecer que a decretação da prisão preventiva sejustifica para a proteção da ordem pública e da ordem econômica.

Doutro lado, os dirigentes da Imperial, considerando os seus empreendimentos, devemdispor de amplos recursos no exterior (veja-se, por exemplo, o referido jornal paraguaio arespeito das empresas de Rubens Catenacci no Paraguai), o que inegavelmente lhes conferemamplas facilidades para se evadirem do país, colocando em risco a aplicação da lei penal.Alguns dos dirigentes são ainda estrangeiros, o que lhes confere ainda maior facilidade paraevadirem-se. Esse risco, por si só, não seria suficiente para justificar a prisão preventiva.Entretanto, deve ser avaliado em conjunto com a necessidade de proteção da ordem pública, oque autoriza a prisão preventiva.

Vale destacar que a prisão preventiva não contraria o princípio da presunção da inocência,art. 5º, LVII, da CF/88. A melhor interpretação deste princípio é no sentido de impor à acusaçãoum pesado ônus na demonstração da responsabilidade criminal do acusado, além de impedir aprodigalização da prisão antes da sentença. Havendo, porém, justificativa suficiente não háobstáculo constitucional à decretação da prisão.

Nessa perspectiva de que a prisão preventiva não deve ser prodigalizada, reputo necessárioreservar a medida extrema para os dirigentes da Imperial, quer de fato, quer de direito, até porqueela tem como um de seus motivos impedir a prática de novos delitos similares por eles, o que nãose encontra facilmente ao alcance dos demais acusados sem o concurso dos dirigentes.

Demonstrando que este Juízo age criteriosamente, não prodigalizando a prisão preventiva,reserva-se a prisão preventiva a apenas quatro de um total de vinte e sete acusados, ou seja, apenasaqueles cuja manutenção em liberdade ameaça a ordem pública e econômica e oferece risco àeficácia da lei penal.

Assim sendo, diante de todo o exposto e como garantia da ordem pública e econômica epara assegurar a aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva de Rubens Catenacci, DivonzirCatenace, Victor Manuel Decoud Cardenas e Oscar Antero Cardenas Morel, dirigentes de direitoou de fato da Câmbios Imperial S.R.L. e a quem foram imputadas fraudes que ultrapassam a cifrade quinhentos milhões de reais.

4. Alegam, em síntese, que:(i) “a verificação da fuga, após o decreto de prisão preventiva, em nada interfere o

exame da sua invalidade, sob pena de sermos obrigados a reconhecer que a legalidade dequalquer prisão preventiva estaria sujeita à efetiva captura do perseguido; teríamos umavalidade submetida à condição resolutiva” (HC 82.903, Sepúlveda Pertence, PrimeiraTurma, DJ de 24-6-03);

(ii) a prisão preventiva há de estar fundamentada em dados reais e concretos, o quenão ocorre na espécie;

(iii) a magnitude da lesão é elemento do tipo penal e não pode, por isso mesmo, serinvocada como fundamento para a prisão preventiva, conforme precedente firmado noHC 82.909, Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 5-8-03; ademais, como a decisão deprimeiro grau não mencionou o art. 30 da Lei 7.492/86, não caberia ao TRF da 4ª Regiãofazê-lo, agregando fundamento ao ato monocrático;

(iv) a decisão faz uma inversão probatória inconcebível em nosso sistema processual,ao presumir que “não há notícias de que a atividade delitiva tenha cessado”, porquanto“o ônus da prova de que os réus deram continuidade aos delitos imputados”é da acusa-ção, e não da defesa”; ademais, tal presunção decorreria “da completa ausência de notíciade qualquer outro delito desde agosto de 2003 (data da decisão que decretou a prisão) atéos dias de hoje”;

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(v) não procede a alusão a “uma organização criminosa” para afirmar a vedação daliberdade provisória, com fundamento no art. 9º da Lei 9.034/95, que o STF estaria em viasde declarar inconstitucional na Rcl 2.391;

(vi) a decisão de primeiro grau seria arbitrária, porque, embora tenha consignadoque o Paciente dispunha de recursos no exterior que lhe possibilitassem evadir, afirmouque essa circunstância, por si só, não seria suficiente para justificar a prisão preventiva e,no entanto, a decretou;

(vii) a situação econômica do Paciente não pode ser invocada para alicerçar prisãoque se arrima em presunções, conforme decidiu esta Corte no HC 72.368, SepúlvedaPertence;

(viii) a linguagem utilizada pelo Juiz mostra a superficialidade dos fundamentos daprisão cautelar, quando diz:

“(...) é provável, porém, que o estratagema tenha servido para ocultar o produto dediversos crimes (...)”

“(...) já se tem indícios de que o esquema fraudulento de remessa de numerárioatravés de contas CC5 teria servido para desvio do dinheiro da Prefeitura de São Paulo(...)”

“(...) com o que os seus amplos recursos podem estar sendo utilizados para a conti-nuidade da fraude sob outras formas (...)”

“(...) o que inegavelmente lhes confere amplas facilidades para se evadirem do país,colocando em risco a aplicação da lei penal. Esse risco, por si só, não seria suficiente parajustificar a preventiva (...)”

5. Concluem dizendo que “(a) consequência de todas essas ponderações é que adecisão de (sic) decretou a prisão preventiva do paciente, ao não lançar mão de fatosconcretos capazes de autorizar a cautela extrema, padece de substancial fundamentação,ou seja, de argumentos legítimos capazes de revelar a incidência dos requisitos abstratosenunciados na norma”.

6. Requerem a concessão da ordem para revogar a prisão preventiva nos autos daAção Penal 2003.70.0039532 (posteriormente desmembrada na Ação Penal2004.70.00012219-8).

7. Após o parecer da Procuradoria-Geral da República no sentido da denegação (fls.185/195), os Impetrantes protocolaram petição acompanhada de documentos comprovan-do que a República do Paraguai negou a extradição requerida pelo Juiz Federal da 1ª VaraCriminal de Curitiba. Não obstante o indeferimento da extradição, os Impetrantes dizemque o Paciente deseja vir ao Brasil responder ao processo e defender-se de todas asimputações, esclarecendo ainda que a prisão se faz desnecessária porque (i) “o pacientenão se evadiu para evitar a prisão – portanto, não é fugitivo – como se afirma; ao contrá-rio, o paciente foi residir no Paraguai no ano de 2000, e desde 2001 não tem domicílio fiscalno Brasil;” (ii) “os fatos imputados na denúncia referem-se a período compreendido entreos anos de 1986 e 1998 e, desde então, nenhum fato é imputado ao paciente”.

8. Dei nova vista à Procuradoria-Geral da República, que confirmou seu pareceranterior.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): As instâncias precedentes – TRF da 4ª Região eSTJ – valoraram decisivamente a fuga do Paciente como justificativa da necessidade desua custódia cautelar, causa a que o juiz não considerou bastante se vista isoladamente,quando disse que “[e]sse risco, por si só, não seria suficiente para justificar a preventiva.Entretanto, deve ser avaliado em conjunto com a necessidade de proteção da ordempública, o que autoriza a prisão preventiva”.

2. Não vejo aí como compatibilizar a garantia da ordem pública com a necessidade deassegurar a aplicação da lei penal. São conceitos distintos, que não guardam qualquerafinidade; um não pode ser sustentáculo do outro. Ou bem se afirma e se demonstracabalmente a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, ou não se a adota comojustificadora da prisão preventiva, vinculada a fundamentos próprios de outra hipóteselegal. Nesse aspecto, tenho que o decreto de prisão preventiva restou enfraquecido, nãopodendo ser suplementado por decisões posteriores, na linha da jurisprudência destaCorte (cf. HC 82.903, Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 1º-8-03).

3. Afirmei, no HC 85.453, DJ de 10-6-05, que “a fuga, como causa justificadora danecessidade da prisão cautelar, deve ser analisada caso a caso”. Disso resulta que, se oPaciente foge para não se sujeitar à prisão que lhe parece injusta, e essa injustiça vem a serreconhecida pelo Judiciário, essa fuga não pode dar ensejo à custódia cautelar, especial-mente quando o réu deseja apresentar-se espontaneamente para responder ao processo.Consentâneo com o caso sob exame é o HC 84.448, DJ de 19-8-05, Rel. originário o Min.Carlos Britto, ficando eu como Relator para o acórdão, em que consignei: “[à]s instânciassubseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode serconsiderada a assertiva de que a fuga do Paciente constitui fundamento bastante paraenclausurá-lo preventivamente”.

4. A “magnitude da lesão” é própria do tipo penal, não podendo ser invocada comogarantia da ordem econômica, conforme já decidiu esta Turma no HC 82.909, DJ de 17-3-03,Rel. o Ministro Marco Aurélio.

5. A necessidade de resguardar a ordem pública da reiteração criminosa, também nãoa tenho por demonstrada. O Magistrado, ao dizer que “não há notícias de que a atividadedelitiva tenha cessado” e ao mesmo tempo decretar a prisão preventiva para resguardo daordem pública, o fez à luz de presunção, em vez de demonstrar cabalmente fundamentosconcretos de amparo à medida. Registre-se ainda a afirmação de que “descoberta a fraudecom as contas CC5 não se espera que os autores dos delitos continuem a utilizar o mesmoexpediente”. Ora, se o Juiz presumiu que não haveria reiteração dos crimes da espécie, nãopoderia, por óbvio, justificar a prisão para garantia da ordem pública e econômica comfundamento na potencialidade delitiva do Paciente.

6. Por fim, fato novo e relevante trazido aos autos é o que diz com o indeferimento,pela Justiça do Paraguai, do pedido de extradição requerido pelo Juiz Federal da 1ª VaraCriminal de Curitiba. Não obstante, o Paciente, pelo seu advogado, que firma compromissoético de apresentá-lo à Justiça brasileira, manifesta intenção de comparecer para responderpelos crimes de que é acusado.

Defiro a ordem para cassar o decreto de prisão preventiva.

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EXTRATO DA ATA

HC 85.519/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Rubens Catenacci. Impe-trantes: Cezar Roberto Bittencourt e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Falou pelo Paciente o Dr. Cezar Roberto Bittencourt.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.876 — PR

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrente: Joel Farrapo — Recorrido: Ministério Público Federal

Ação penal. Atos processuais. Defesa técnica. Defensor. Falta. Recursocontra pronúncia subscrito por advogado suspenso de suas atividades. Exis-tência de dois outros advogados constituídos. Irrelevância. Pronúnciamantida. Prejuízo presumido. Nulidade processual reconhecida. Recursoprovido. Precedentes. Inteligência e aplicação do art. 4º da Lei 8.906/94. Sãotidos por inexistentes os atos processuais, privativos de advogado, praticadospor quem, ao tempo de sua prática, estava suspenso das atividades.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 11 de abril de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário interposto contraacórdão do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu habeas corpus Impetrado em favordo ora Recorrente.

O ora Recorrente está sendo processado, com outros co-réus, pela prática do delitoprevisto no art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c o art. 73 e o art. 61, II, alínea h, e o art. 69 doCódigo Penal, perante a Vara Criminal da Comarca de Catanduvas/PR.

Em 20 de junho de 2003, o Recorrente foi pronunciado. O Impetrante vislumbra, aqui,a primeira nulidade: sustenta que o magistrado teria lançado juízo de certeza sobre aincidência das qualificadoras, usurpando competência do tribunal popular.

Da decisão de pronúncia interpôs-se recurso em sentido estrito, cujas razões, toda-via, foram subscritas por advogado suspenso dos quadros da Ordem dos Advogados doBrasil, coisa que caracterizaria a segunda nulidade do processo.

Sob tais argumentos, o Impetrante ingressou com habeas corpus perante o SuperiorTribunal de Justiça, requerendo fossem reconhecidas as nulidades e expedido alvará desoltura em favor do Recorrente. Ambos os fundamentos foram afastados pela QuintaTurma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 39.130, nos termos destaementa:

Criminal. HC. Homicídio qualificado. Advogado suspenso. Ausência de defesa. Inocorrên-cia. Existência de outros advogados constituídos. Ausência de prejuízo para a defesa. Pronún-cia. Recurso em sentido estrito. Nulidade. Invasão de competência do tribunal do júri. Inocor-rência. Mero juízo de admissibilidade da acusação. Ordem denegada.

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I - Não obstante o subscritor das razões do recurso em sentido estrito estivesse suspenso desuas atividades pela Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Paraná, esse fato não foi suficientepara estacar a ação penal, diante da presença de dois outros patronos capazes de promover adefesa do réu.

II - Não se declara a nulidade de ato que não resulta em prejuízo para a defesa.III - Ausência de qualquer causa de nulidade no acórdão que, ao julgar o recurso em sentido

estrito, se atém aos limites do pedido, tão-somente para confirmar a sentença de pronúncia,expondo, nos exatos termos da lei, um mero juízo de admissibilidade da acusação.

IV - Inocorrência de invasão da competência do Conselho de Sentença.V - Ordem denegada.

(Fls. 232-239.)

O Recorrente alega que o advogado suspenso foi o único subscritor do recurso emsentido estrito. No momento em que este chegou ao setor de autuação do Tribunal deJustiça do Estado do Paraná, o funcionário responsável certificou, antes, pois, do julga-mento, que o advogado subscritor estava suspenso do exercício da advocacia (fl. 66).Entende, assim, imperioso o reconhecimento da nulidade, perante o art. 261 do Código deProcesso Penal, porque estava o Acusado, naquele momento, indefeso. Não bastasse, oart. 4º, parágrafo único, da Lei 8.906/94 declara a nulidade de atos praticados por advogadosuspenso.

Argumenta, ainda, que o magistrado emitiu juízo de certeza quanto às qualificadorasprevistas no art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal.

Requereu, então, a título de liminar, suspensão do processo perante o Juízo da VaraCriminal da Comarca de Catanduvas/PR, até o julgamento deste recurso, e, ao fim, oreconhecimento da sua nulidade a partir da decisão de pronúncia (fls. 262-280).

Foram apresentadas contra-razões (fls. 285-288).Concedi liminar e determinei a suspensão do processo.A Procuradoria-Geral da República opinou pelo improvimento do recurso, verbis:

3. O recurso não merece provimento. Tenho por correto o entendimento esposado peloacórdão recorrido que considerou nulidade relativa a intervenção do advogado com inscriçãosuspensa e, nessa linha, afastou a alegação de nulidade por não demonstrado o prejuízo necessárioà anulação do processo pela suposta ausência de defesa. Com efeito, embora as razões recursotenham sido assinadas por advogado que se encontrava suspenso na OAB/PR, as petição foiassinada por advogado habilitado, cabendo notar que o ora Recorrente ainda era representado poroutros dois advogados (conforme consta à fl. 113). Reporto-me à manifestação da MinistérioPúblico Federal à fl. 287: “cumpre esclarecer que, consoante consta das informações de fls. 143/144, o paciente havia constituído três advogados, sendo que a petição de interposição doindigitado recurso foi ofertada por procurador não suspenso pela Ordem dos Advogados doBrasil”. Assim, desprovimento do recurso em sentido estrito, cujas razões apresentaram-se tecni-camente viáveis, por si só, não induz ausência de defesa. O que induz a nulidade é a ausência dedefesa técnica. Cabe distinguir entre a infringência às proibições do caput do art. 4º da Lei 8.906/94, que é causa de nulidade absoluta (HC 71.705-SP), e do respectivo parágrafo único, caso denulidade relativa. Essa tem sido a orientação do Supremo Tribunal Federal, afastando a alegaçãode nulidade da intervenção do advogado suspenso, quando não comprovado o prejuízo: “Advoga-do suspenso por falta de pagamento de contribuição devida a OAB. Nulidade rejeitada, porfalta de comprovação de prejuízo” (HC 71.520-ES, Rel. Min. Octávio Galotti, DJU de 01/03/96;RHC 61.123/RJ, rel. Min. Néri da Silveira, DJU de 24.02.84).

4. Não merece acolhida, também, a suscitada nulidade da Sentença de Pronúncia quereconheceu a qualificadora descrita no artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal. Como se infere

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da referida decisão, a juíza se ateve aos limites da pronúncia, sem incorrer em excesso de motiva-ção, limitando-se a demonstrar o juízo de probabilidade da autoria e, por conseguinte, a necessi-dade de submeter ao Tribunal do Júri as qualificadas do motivo torpe e do recurso que dificultou adefesa das vítimas. Não cabe crítica à motivação que se revela adequada ao momento processual,“não contendo linguagem ou raciocínio capaz de influir indevidamente no ânimo dos jurados”(HC 69.990-MS, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 16.04.93).

5. Ante o exposto, opino pelo desprovimento do recurso.(Fls. 325-333. Grifei.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Sustenta o Recorrente a nulidade da deci-são de pronúncia, por se ter excedido na motivação ao cuidar das qualificadoras.

Reproduzo trecho da decisão de pronúncia:

No que tange às qualificadoras, devem elas ser submetidas ao crivo do Conselho de Sentença.O motivo torpe está aparentemente amparado pelos elementos dos autos. Registro que

motivo torpe, na lição de Luiz Regis Prado, “é o motivo abjeto, indigno, desprezível, querepugna ao mais elementar sentimento ético. O motivo torpe provoca acentuada repulsão,sobretudo pela ausência de sensibilidade moral do executor”.

No caso trazido a deslinde judicial, há indícios de que os réus tenham agido imbuídos pelosentimento de vingança, o que configura a fórmula genérica disciplinada pelo artigo 121, parágrafo2º, inciso I, do Estatuto repressivo. Tal conclusão vem amparada pelas declarações dos própriosréus e das testemunhas inquiridas em Juízo.

Da mesma forma, não é possível descartar, de plano, a ocorrência da qualificadora descritano artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, referente à utilização de recurso que impossibilitoua defesa das vítimas, já que estas foram surpreendidas quando estavam dormindo, de forma que nãoera possível antever a prática das condutas.

Arremato a análise recordando o magistério de José Frederico Marques, que ensinava aincidência do apotegma in dubio pro societate no que tange à inclusão das qualificadoras napronúncia:

“A pronúncia deve conter o dispositivo legal em cuja sanção entender o juiz incursoo réu (art. 408, § 1º), bem como a especificação de ‘todas as circunstâncias qualificativasdo crime’ (art. 416). De observar, porém, que o juiz deve admitir provadas essas circuns-tâncias sempre que não se convença firmemente de sua inexistência. Na dúvida razoávelsobre o não reconhecimento das circunstâncias elementares, preferível será deixar, para oTribunal do Júri, a decisão sobre a matéria, porque é este, por força do mandamentoconstitucional, o juiz natural da lide”.Vislumbra-se, pois, a ocorrência das qualificadoras relativas ao motivo torpe e utilização de

recurso que dificultou a defesa das vítimas, previstas no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do CódigoPenal, tal como descrito na denúncia. (Fls. 39-40. Grifei.)

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento do Recurso em SentidoEstrito 0145498-4, manteve a decisão de pronúncia.

E o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão da nulidade por excesso delinguagem, decidiu:

No presente caso, não se verifica ilegalidade na sentença de pronúncia ou na decisão que aconfirmou, uma vez que foi exposto, nos exatos termos da lei, um mero juízo de admissibilidadeda acusação.

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Isto porque, ao julgar o recurso em sentido estrito, ateve-se aos limites do pedido, tão-somente para confirmar a sentença de pronúncia, nos termos em que foi proferida.

Não se vislumbra, portanto, qualquer nulidade do acórdão por invasão da competênciaconstitucional do Conselho de Sentença.(Fl. 236.)

Tenho, neste ponto, por correta a decisão.Na decisão de pronúncia, cabe ao juiz expor os motivos do seu convencimento em

termos estritos, com o propósito de submeter a causa ao juízo soberano do plenário dojúri, sem afirmações capazes de influenciá-lo.

Explica Frederico Marques:

O magistrado que prolata a sentença de pronúncia, deve exarar a sua decisão em termossóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados. É aconselhável,por outro lado, que dê a entender, sempre que surja controvérsia a propósito de elementares docrime, que sua decisão, acolhendo circunstância contrária ao réu ou repelindo as que lhe sejamfavoráveis, foi inspirada no desejo de deixar aos jurados o veredicto definitivo sobre a questão, afim de não subtrair do Júri o julgamento do litígio em todos os seus aspectos1.

Ora, a decisão impugnada ateve-se a esses limites, ao afirmar que, quanto àsqualificadoras, “o motivo torpe está aparentemente amparado pelos elementos dos autos”e que “há indícios de que os réus tenham agido imbuídos pelo sentimento de vingança”.

É certo que:

(...) O juiz que se excede na justificação da pronúncia não está invadindo a esfera decompetência do júri, o que só ocorreria se, por absurdo, condenasse o réu ou o absolvesse porprecariedade de provas. Tal excesso parece caracterizar, antes disso, uma impropriedade ligada aoestilo da motivação, ou seja, trata-se do emprego de expressões lingüísticas não apropriadas paraum tipo de decisão que, apresentada em plenário, pode representar uma indevida influência naformação da convicção dos jurados.

Sob esse enfoque, haverá também nulidade, mas não da decisão de pronúncia e sim dojulgamento em plenário, se aos jurados forem lidas ou referidas as expressão que revelam umaopinião judicial peremptória sobre as questões relacionadas ao próprio mérito da causa2.

No caso, nem demasia de linguagem ocorreu.2. Os Impetrantes sustentam, mais, que teria havido nulidade no julgamento do

recurso contra a decisão de pronúncia, porque suas razões foram subscritas por advoga-do suspenso dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

A nulidade foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

No tocante à nulidade do processo por ausência de defesa técnica, não prospera aimpetração.

Verifica-se, com efeito, que o advogado subscritor das razões do recurso em sentido estritoestava suspenso de suas atividades.

1 MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. São Paulo: Saraiva, 1963. v. 1, p. 232-233.2 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001. p. 233-235.

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Conforme se extrai dos autos, no entanto, foram constituídos três advogados de defesa,Airton Pompeu Reis, Paulo Roberto Bond Reis e Sérgio Bond Reis, os quais ampararam o pacientedurante toda a instrução processual.

Assim, não obstante o subscritor das razões do recurso em sentido estrito estivessesuspenso de suas atividades, esse fato foi suficiente para estacar a ação penal, diante da presençade dois outros patronos capazes de promover sua defesa.

A ação penal, com efeito, corre seu curso normal, inclusive com o julgamento dosupracitado apelo defensivo.

Não vislumbro, assim, qualquer prejuízo à defesa do réu capaz de justificar a nulidade dofeito.(Fls. 235-236.)

Nenhuma controvérsia há acerca do fato de que o recurso em sentido estrito inter-posto em favor do Paciente o foi por advogado suspenso do exercício da advocacia,circunstância, aliás, certificada nos autos antes do julgamento (fl. 66) que o rejeitou (fls.97-105).

O art. 4º da Lei 8.906/94 prescreve que são nulos os atos praticados por advogadosuspenso:

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita naOAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido – noâmbito do impedimento –, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatívelcom a advocacia.(Grifei.)

O argumento do acórdão impugnado não convence. Ainda que outros dois advogadosestivessem atuando na defesa do Recorrente, o único a arrazoar e subscrever o recurso nãopoderia tê-lo feito.

É manifesta, pois, a ausência de defesa, ante a nulidade do recurso.E é evidente o prejuízo, ante o improvimento do recurso.A meu ver, aliás, conforme decidi nos autos do HC 83.800, “o caso é de inexistência

jurídica de atos processuais privativos de advogado” (RT 843/499).E dos julgamentos desta Corte colho o seguinte precedente:

Habeas corpus. Nulidade: ausência de defesa técnica: defensora não habilitada, consti-tuída pelo réu: prejuízo para a defesa. 1. Tem-se como nulo o processo em que funcionou comodefensor do réu, ainda que por este constituído, quem não estava regularmente inscrito emnenhuma Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. 2. Não se pode emprestar ao caso dosautos a extensão da regra ínsita no art. 565 do CPP, de vez que o réu, outorgante do instrumentode mandato com poderes ad judicia, cuja profissão declarada é a de servente de pedreiro, nãopoderia deduzir que a outorgada, com escritório montado e freqüentando o presídio onde o réu seachava preso, era falsa advogada e que se valia da inscrição de profissional habilitado para agir emJuízo. 3. Comprovado nos autos o prejuízo para o réu pela inexistência de defesa técnica, porquepatrocinada por pessoa inabilitada para o exercício da advocacia, do que resultou por comprome-ter o seu status libertatis, impõe-se a declaração da nulidade do processo a partir do interrogatórioe a expedição do alvará de soltura. 4. Habeas corpus deferido para anular o processo a partir dointerrogatório, determinando a imediata expedição de alvará de soltura.(HC 71.705, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 31-5-96.)

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3. Isso posto, dou provimento ao recurso, para anular o processo, a partir da apre-sentação do recurso, a fim de que advogado constituído pelo Recorrente, devidamentehabilitado, apresente, no prazo legal, novas razões contra a decisão de pronúncia nosautos do Processo-Crime 003/2002, da Vara Criminal da Comarca de Catanduvas/PR.

EXTRATO DA ATA

RHC 85.876/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Joel Farrapo (Advo-gado: Gustavo Roberto de Sá Pereira). Recorrido: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nostermos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Compareceu o MinistroJoaquim Barbosa, ocupando a cadeira do Ministro Ricardo Lewandowski, a fim de julgarprocessos a ele vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de CastroMathias Netto.

Brasília, 11 de abril de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.304 — PE

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauPacientes: Valdivan Pereira Alves e Waldemir Rodrigues dos Santos — Impetrante:

Rômulo Brito — Coatores: Superior Tribunal de Justiça e Juiz de Direito da Vara Única daComarca de Orocó

Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Decisão denegatória do apeloem liberdade. Art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90. Fundamentos do art. 312 doCódigo de Processo Penal. Idoneidade. Prisão preventiva. Relaxamento porexcesso de prazo: circunstância que não impede a prisão cautelar decretadana sentença.

1. Crime de tráfico de entorpecentes. O § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90requer decisão fundamentada para possibilitar o apelo em liberdade. O Juiz,além de negar o recurso em liberdade, apontou duas hipóteses do art. 312 doCódigo de Processo Penal como justificadoras da prisão cautelar: garantiada ordem pública e efetividade da aplicação da lei penal. Hipóteses vinculadasa fatos concretos e idôneos, consubstanciados na dificuldade de dar cumpri-mento à sentença condenatória e na necessidade de resguardar a sociedadeda prática de novos crimes da espécie, considerada a realidade do local conhe-cido por “polígono da maconha”.

2. O relaxamento da prisão preventiva, por excesso de prazo, não impe-de sua decretação por outros fundamentos explicitados na sentença.

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, inde-ferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 4 de outubro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O ato impugnado é o acórdão proferido pelo STJ no HC40.006, assim ementado:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Condenação no art. 12 da Lei 6368/76.Direito de apelar em liberdade. Impossibilidade. Art. 35 da Lei 6.368/76 e art. 2º, § 2º, da Lei8.072/90.

O art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 veio mitigar a imperatividade da imposição do art. 35 da Lei6.368, de modo que, nas hipóteses de tráfico de entorpecentes, em regra o condenado não podeapelar em liberdade, podendo fazê-lo, excepcionalmente, desde que o Juiz o resolva em decisãomotivada. In casu, embora sucintamente, está suficientemente fundamentada a negativa do apeloem liberdade contida na sentença condenatória.

Ordem denegada.

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2. Os Pacientes foram condenados, respectivamente, às penas de 7 (sete) anos e 6(seis) meses e de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime integralmentefechado, como incursos no art. 12, § 1º, II, c/c o art. 18, III, todos da Lei 6.368/76. O Juiznegou a ambos o direito de apelar em liberdade, adotando como fundamentos a garantiada ordem pública e a efetiva aplicação da lei penal.

3. Impetraram habeas corpus no TJ/PE e, ante a denegação, outro writ no STJ.Sustentaram nas duas impetrações: (i) falta de fundamentação para negar o recurso emliberdade e (ii) ser desnecessária a medida excepcional de constrição de suas liberdades,já que, presos em flagrante, tiveram suas prisões relaxadas, permaneceram soltos porvinte e dois meses sem qualquer imputação de prática criminosa, compareceram a todosos atos processuais, são primários e têm bons antecedentes.

4. Daí esta impetração, sob idênticos fundamentos.5. A liminar foi indeferida pela Ministra Ellen Gracie no período de recesso forense.6. A Procuradoria-Geral da República manifesta-se no sentido do indeferimento.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Consta da sentença que os Pacientes “foramabordados em flagrante delito cultivando plantação de maconha, fato este ocorrido nodia 22 de setembro de 2002 (...) em uma ilha localizada no leito do Rio São Francisco (...),oportunidade que foi localizado e erradicado 62.300 (sessenta e dois mil e trezentos) pésde maconha, bem como 13,2 (treze quilogramas e duzentas gramas) do mesmo vegetalprontos para comercialização (fl. 9)”.

2. Antes, porém, o Juiz de plantão reconheceu o excesso de prazo no curso dainstrução criminal e relaxou a prisão em 7 de janeiro de 2003.

3. Na sentença prolatada em 10 de setembro de 2004, o Juiz declinou fundamentosdo art. 312 do CPP para negar o apelo em liberdade:

Tendo em vista que os réus foram presos em flagrante e assim permaneceram por longoperíodo até que a prisão foi relaxada por excesso de prazo, consignando o Juiz de Plantão à épocalamentação expressa por assim proceder, sendo a extrema gravidade do crime e culpabilidade dosréus ora reconhecida, decreto a prisão dos réus ora condenados, com fundamento no art. 2º, § 2º,da Lei 8.072/90.

Importa registrar que a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, assim comoas demais formas de prisão cautelar, não impõem ao réu uma “pena antecipada”, porque nãoderiva do reconhecimento definitivo da culpabilidade, mas, sim, de sua periculosidade, seja para aordem pública, seja para a futura aplicação da lei penal, razão porque não se há de cogitar deviolação do princípio constitucional da presunção de inocência.

A colocação dos réus em cárcere, que responderam parte do processo presos por prisão emflagrante, nada mais é do que o efeito da sentença penal que os condenaram e reconheceu ascondutas criminosas. Aplicação, na hipótese, da Súmula 09 do Superior Tribunal de Justiça.

(...)Ademais, tratando-se de crime hediondo, em regra o condenado não pode apelar em

liberdade, podendo fazê-lo excepcionalmente, desde que o Juiz o resolva em decisão motivada(art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90), o que não é a hipótese do caso concreto.

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Acrescente-se ainda o justo receio do Ministério Público, em suas razões finais, cujosfundamentos são convalidados por este Juízo, vez que conhecedor da “impossibilidade” de se darcumprimento a sentenças condenatórias nesta Comarca de réus soltos, e ainda o risco iminentedos réus continuarem na atividade ilícita, estimulando a atividade já bastante desenvolvida nestaregião, desta forma, colocando em risco a ordem pública.

4. O § 2º do art. 2º da Lei 8.072/901 exige decisão fundamentada para permitir o apeloem liberdade. A decisão que negou o recurso em liberdade apresentou duas justificativasda prisão cautelar, arroladas no art. 312 do Código de Processo Penal: efetividade daaplicação da lei penal e garantia da ordem pública. A base fática da medida excepcionalencontra-se no justo receio – manifestado pelo Ministério Público e acolhido pelo Juiz –a respeito da impossibilidade de dar-se efetividade à aplicação da lei penal, considerada arealidade local, além do risco de os Pacientes manterem-se no tráfico, atividade bastantedesenvolvida na região conhecida como o “polígono da maconha”.

5. O relaxamento da prisão preventiva, por excesso de prazo, não impede sua decre-tação por outros fundamentos explicitados na sentença, que, no caso, considero idôneos(cf., nesse sentido, o HC 67.557, Primeira Turma, Relator o Ministro Francisco Rezek, DJde 25-8-89).

Denego a ordem.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não foi bem uma cautelar. Cogi-tou-se, inclusive, de efeito de sentença ainda não imutável.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O perigo à ordem pública parece-me evidente naregião.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Com o risco de continuar na atividade delitiva, numaárea já marcada.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Conhecida como polígono da maconha.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para entenderque a execução precoce da pena – e ganha esse contorno a ordem de prisão – não sesustenta.

Não desconheço o texto da Lei 6.368, de 1976, a revelar que o réu condenado porinfração dos arts. 12 ou 13 nela contidos não poderá apelar sem recolher-se à prisão.

1 Lei 8.072/90“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins

e o terrorismo são insuscetíveis de:I - anistia, graça e indulto;II - fiança e liberdade provisória.§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em

liberdade.”

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Todavia aqui temos um pressuposto de recorribilidade extravagante, consignado tambémno vetusto art. 594 do Código de Processo Penal. Dir-se-á que se fundamentou a ordem deprisão. Poder-se-ia, isso sim, se não houvesse já o excesso de prazo, fundamentar a prisãono art. 312 do Código de Processo Penal – uma prisão preventiva. Porém, jamais partir-se,diante do princípio da não-culpabilidade, para a imposição dessa condição, tendo emconta possível desejo de manifestar contra o decreto condenatório, exigindo-se daqueleque está irresignado uma postura até paradoxal, contrária ao inconformismo, que é asubmissão à custódia do Estado, ante o título condenatório que ataca.

A situação, para mim, é semelhante à pendente de julgamento no Plenário quanto àprisão automática, diante de certa prática delituosa.

Peço vênia ao Relator, para conceder a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 86.304/PE — Relator: Ministro Eros Grau. Pacientes: Valdivan Pereira Alves eWaldemir Rodrigues dos Santos. Impetrante: Rômulo Brito. Coatores: Superior Tribunalde Justiça e Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Orocó.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus; vencidosos Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, que o deferiam.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.Cláudia Sampaio Marques.

Brasília, 4 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.424 — SP

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GracieRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar MendesPaciente: Casem Mazloum — Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro — Coator:

Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. 1. Crime previsto no art. 331, § 1º, do Código Penal(adulteração de sinal identificador de veículo automotor). 2. Alegações: a)atipicidade da conduta; b) que o Paciente não seria o destinatário da normapenal; e c) violação do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. 3.Na espécie, afigura-se de todo evidente que a conduta imputada ao Paciente –substituição de placas particulares de veículo automotor por placas reservadasobtidas junto ao Detran –, não se mostra apta a satisfazer o tipo do art. 311 doCódigo Penal. 4. Não há qualquer dúvida de que o órgão de controle – Detran –sabia e poderia saber sempre que se cuidava de placas reservadas fornecidasà Polícia Federal. 5. Ordem concedida para que seja trancada a ação penalcontra o Paciente, por não restarem configurados, nem em longínqua aprecia-ção, os elementos do tipo em tese.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, em virtude de questão de ordemsuscitada pelo Impetrante e acolhida, por unanimidade, pela Turma, reiniciar o julgamentodo feito e, por maioria de votos, deferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 11 de outubro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus substitutivo. O Paciente,magistrado federal, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por infração do art.311, § 1º, do Código Penal. A peça acusatória (fls. 239/257) revela que o Acusado recebeuum par de placas reservadas do Detran – DAP 5361 –, que compunha um lote objeto derequisição feita por um outro magistrado, Rocha Matos, também denunciado. A finalidadeda requisição era viabilizar investigações de caráter sigiloso (fl. 243), como constou,expressamente, do requisitório.

Apurou-se, entretanto, que essas placas tiveram outra destinação. Substituíram asplacas originais – FUS 2112 – do veículo Volkswagen, marca Beetle, de propriedade origi-nária de um advogado, mas usado pelo Paciente e posteriormente por ele adquirido (fl.244). Essas placas reservadas foram, depois, utilizadas num outro veículo do Denunciado,um Audi A-3, chapa DDF 8335. Essa utilização não foi negada pelo Paciente. A denúnciafoi recebida pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, ensejando habeascorpus ao Superior Tribunal de Justiça, que o indeferiu (fls. 227/237).

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2. Entendeu a Corte Superior que o tipo penal consiste na alteração de qualquersinal identificador do veículo automotor, não distinguindo entre sinais identificadoresinternos ou externos. Assim, não se pode acolher o argumento de que o delito só secaracteriza quando a adulteração ou a remarcação incide sobre sinal identificador obriga-tório, ou seja, sobre caracteres gravados no chassi ou no monobloco e reproduzidos emoutras partes (CTB, art. 114).

A Turma Julgadora afastou, também, a interpretação teleológica do tipo penal e, notocante ao fato de as placas pertencerem ao próprio Detran, ponderou que a requisição foifraudada, tendo havido desvio de finalidade na utilização.

3. Inconformado, o Impetrante renova, neste habeas corpus substitutivo, a mesmapretensão de trancamento da ação penal, com o reconhecimento da atipicidade de conduta.Sustenta, também, numa interpretação teleológica, que outros seriam os destinatários danorma penal em questão, ou seja, os ladrões e os receptadores de veículos. E, argumen-tando com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entende inadmissível apena mínima prevista para o delito em questão – quatro anos e oito meses de reclusão (emface das causas de aumento previstas no art. 71 e § 1º do art. 311) –, pela simples condutade usar placas reservadas oriundas do próprio Detran (fl. 13).

4. Não houve pedido de liminar. A ilustre Subprocudora-Geral da República, CláudiaSampaio Marques, opinou pela denegação da ordem (fls. 366/376).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Esta Turma, no julgamento do HC 82.973,impetrado pela Juíza Adriana Pileggi de Soveral, que também figura como denunciada namesma ação penal cujo trancamento é objeto desta impetração, indeferiu a ordem emacórdão que tem a seguinte ementa:

Inquérito judicial. Utilização, por magistrados federais, de placas reservadas em veículosparticulares seus e de familiares, à margem de qualquer procedimento legal e com afronta ao art.116 da Lei 9.503/97. Procedimento investigatório que deve ser ultimado, inclusive para apuraçãode eventual ilícito administrativo. Prematuro o exame da atipicidade da conduta. Habeas corpusindeferido. (Fls. 357/362.)

Esta Turma, portanto, na oportunidade, não questionou e nem podia ter questionadoa alegada atipicidade da conduta, porque o precedente foi julgado em 17-6-03 (fl. 363), emdata anterior à sessão do Superior Tribunal de Justiça, que recebeu a denúncia, ou seja,em 17-6-04 (fl. 259).

2. A questão posta neste habeas corpus substitutivo já passou pelo crivo destaCorte no julgamento do HC 79.780, invocado no acórdão do Tribunal Regional Federalque recebeu a denúncia (fl. 96) e também no aresto do Superior Tribunal de Justiça (fl.218). Nessa ocasião, o Relator, Ministro Octavio Gallotti, fez nítida distinção entre adulte-ração de sinal identificador obrigatório – caracteres do chassi ou do monobloco –, previstono art. 114 do CTB, e adulteração de sinal identificador externo – placa numerada dianteiraou traseira –, de que trata o art. 115 do mesmo Código, concluindo que uma ou outradessas condutas tipifica, em tese, o delito previsto no art. 311 do Código Penal.

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É certo, entretanto, que a hipótese julgada no HC 79.780 não é exatamente idênticaà destes autos. No precedente, as placas adulteradas eram comuns. Na ação penal de quecuidamos, as placas são reservadas. E não houve adulteração ou remarcação do númerodo chassi ou em outro qualquer sinal identificador do veículo automotor, nem do seucomponente ou equipamento. Na hipótese dos autos, houve, isso sim, utilização irregularde placas reservadas. Placas comuns foram substituídas por placas reservadas, de usorestrito às atividades policiais (CTB, art. 116).

E mais: essas placas foram obtidas mediante fraude. E passaram a ser usadas parafins particulares. Com desvio de finalidade. Essa conduta se insere no tipo penal emcomento? O Superior Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente, endossando o enten-dimento sufragado no TRF que repeliu a tese de atipicidade da conduta, na fase de recebi-mento da denúncia.

3. Ora, em matéria de trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, oentendimento desta Corte é no sentido de que o pedido só é admissível nas hipóteses emque a atipicidade da conduta é flagrante e manifesta, por se tratar de uma medida excepcional(HC 84.738, HC 84.232 e HC 84.943 ). A regra é a subsistência do juiz natural. Na espécie,dois órgãos judiciários, o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça,admitiram que a substituição de placas comuns por placas reservadas configura alteraçãode sinal identificador externo de veículo automotor. E, portanto, a conduta se ajusta aotipo penal previsto no art. 311 do Código Penal. Ausente a excepcionalidade, e sem adiantarnenhum juízo de valor, inviável é o writ.

4. Diante do exposto, indefiro o habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 86.424/SP — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Casem Mazloum.Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Depois do voto da Ministra Relatora, indeferindo o pedido de habeascorpus, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo MinistroGilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Repú-blica, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.

Brasília, 6 de setembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Adriano Salles Vanni (Advogado): Excelentíssimo Senhor Ministro, eu haviapeticionado antes do julgamento nessa sessão, pedindo que me fosse comunicado comantecedência o início do julgamento, porque gostaria de sustentar. Talvez por uma falhaadministrativa, não tenha tido a possibilidade de fazê-lo. Ingressei com petição, pedindopara que, subsidiariamente, pudesse sustentar antes que o Ministro Gilmar Mendesiniciasse seu voto.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Senhor Presidente, conforme Vossa Excelênciame havia comunicado, de fato houve um contato do ilustre advogado com meu Gabinete.No entanto, não com pessoa devidamente autorizada. Sua Excelência não fez contato comqualquer dos assessores ou com o Chefe de Gabinete. Assim, recebeu, realmente, umainformação incorreta. Entendo que o julgamento do habeas corpus, quanto mais rápidoseja feito, melhor para o interesse do Paciente. E é este que deve prevalecer, não o doadvogado. Disso decorre minha atitude de colocar os habeas corpus imediatamente, outão logo me seja possível, em Mesa, na obediência desse princípio de celeridade a favordo réu, do apenado, enfim, do Paciente. Não tenho objeção alguma a que o advogado façauso da palavra; ao contrário, não é a primeira vez que afirmo que sempre a Corte saienriquecida e os julgadores esclarecidos quando ouvem os defensores e os patronos dosautores das ações. Não tenho objeção alguma, mas não quero deixar de fazer esse escla-recimento de que o meu Gabinete foi contatado por meio de pessoa indevida, não qualifi-cada para dar o tipo de informação que o ilustre defensor buscava.

É o caso de reiniciar o julgamento.

VOTO(Confirmação)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sr. Presidente, não obstante o brilho dasustentação oral que acabamos de ouvir, mantenho o posicionamento já manifestado peloindeferimento deste habeas corpus.

Sinceramente, não me sensibiliza o fato de que a placa seja originária do Detran,portanto uma placa não falsificada. O que se falsificou foi o veículo sobre o qual ela estavaposta, quer dizer, a identificação de qual veículo deveria ter aquela placa.

O eminente advogado nos afirmou que as placas foram cedidas pelo Detran à PolíciaFederal e desta repassadas para utilização da 1ª Vara Federal, não para a utilização emveículos particulares. Inicialmente, a placa foi utilizada em um veículo que sequer pertenciaao magistrado, mas, sim, a um advogado, sendo, depois, adquirido por ele, e essa mesmaplaca ainda foi posteriormente repassada para um outro veículo.

Assim, o Detran não tinha, realmente, condições de identificar qual veículo portavaa dita placa.

Mantenho o posicionamento anterior. Não vou reler o voto, que já é do conhecimentode Vossas Excelências, o qual permanece, nesse sentido, pelo indeferimento do habeascorpus.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor deCasem Mazloum contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que conside-rou correto o enquadramento da conduta do Paciente no art. 311, § 1º, do Código Penal.

A Relatora, Ministra Ellen Gracie, votou pelo indeferimento da ordem, verbis:

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Ora, em matéria de trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, o entendimentodesta Corte é no sentido de que o pedido só é admissível nas hipóteses em que a atipicidade daconduta é flagrante e manifesta, por se tratar de uma medida excepcional (HC 84.738, HC 84.232e HC 84.943). A regra é a subsistência do juiz natural. Na espécie, dois órgãos judiciários, oTribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça, admitiram que a substituição de placascomuns por placas reservadas configura alteração de sinal identificador externo de veículoautomotor. E, portanto, a conduta se ajusta ao tipo penal previsto no art. 311 do Código Penal.Ausente a excepcionalidade, e sem adiantar nenhum juízo de valor, inviável é o writ.

Alegam os Impetrantes que:

A denúncia consignou que no curso do ano de 2000 e 2001 o Paciente utilizou em seuveículo as placas reservadas de numeração DAP 5361, remetidas pelo Detran à Polícia Federal,substituindo-as pelas placas primitivas, concluindo, então, que houve a configuração do crime doart. 311, § 1º, do Código Penal.

(...)O documento ora juntado (doc. 03), que já constava a fls. 21/26 do processo originário,

demonstra que o par de placas recebido pelo Paciente era proveniente do Detran, órgão esteque detinha o devido registro de seu destinatário, não se tratando, portanto, de placas forjadas ealheias ao controle do órgão de fiscalização de trânsito.(Fls. 4-5.)

Sustentam a atipicidade da conduta, a) por ausência de lesão ao bem jurídico tutelado,b) por não ser o Paciente o destinatário da norma penal; e c) por violação da proporciona-lidade ou da razoabilidade.

Aduzem, verbis:

O Paciente não remarcou nem adulterou placas. Apenas utilizou placas reservadas prove-nientes do próprio Detran, o que retira qualquer conotação ilícita de sua conduta, podendoconfigurar, quando muito, infração administrativa.

O documento expedido pelo Detran (doc. 03), com a informação de que as placas constavamcomo remetidas à Justiça Federal, comprova: a) que a autoridade de trânsito tinha conhecimentoda exata localização das placas cedidas à Polícia Federal, nada tendo questionado à época, o queautoriza a conclusão de que não havia nenhuma irregularidade; e b) que o Paciente nunca adulterouou remarcou sinal de identificação de veículo, apenas usou um par de placas reservadas, devida-mente registradas no Detran.(Fls. 6-7.)

Assim dispõe o art. 311 do Código Penal, com redação dada pela Lei 9.426, de 1996:

Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículoautomotor, de seu componente ou equipamento:

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

Consoante a lição de Cezar Bitencourt, “o bem jurídico protegido é a fé pública,especialmente a proteção e a segurança no registro de automóveis” (BITENCOURT, CezarRoberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1071).

Ao analisar o tipo, José Silva Júnior esclarece:

Os núcleos: adulterar diz com a ação pela qual se acresce, suprime ou se troca parte dooriginal verdadeiro. É, portanto, uma alteração ou modificação, que deve ser capaz de causarprejuízo; remarcar é marcar de novo (alterando). Para melhor compreensão, tenha-se presente

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que a contrafação diz com a confecção (fabricação) integral de alguma coisa à semelhança deoutra, de molde a provocar engano, a respeito da sua autenticidade.(FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretaçãojurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 2, p. 3804.)

Na hipótese dos autos, não parece configurada a tipicidade, como bem ressaltadopela Desembargadora Federal Alda Basto, em sua declaração de voto, verbis:

Anoto que não há qualquer alegação, nem se suscita, nos autos do inquérito ou no corpo dadenúncia, dúvidas quanto à autenticidade das placas utilizadas pelos denunciados em seus veículosparticulares. Em nenhum momento se cogita de que qualquer das placas utilizadas pelos denunciadosnão seja uma daquelas expedidas e entregues, aos denunciados, pelo DETRAN.

(...)As placas nomeadas na denúncia foram confeccionadas à ordem do DETRAN, órgão

competente para mandar expedir as placas e, foram entregues também pelo DETRAN ao Dr.Bellini, através de Ofício do Diretor do DETRAN, ofício no qual textualmente o Diretor doDETRAN, ao entregar as placas reservadas grafou estar entregando “sob a permanente guarda”e “critério de utilização” do Diretor do DELOPS.(Fl. 124.)

Com esse mesmo raciocínio, concluiu o Desembargador Federal Peixoto Júnior:

Para a caracterização do delito é necessário o elemento ilicitude intrínseca, é necessárioque o novo sinal de identificação tenha sido criado como obra do espírito criminal fora dostrâmites oficiais, é preciso que a atividade criminosa já esteja na sua gênese material e eficiente,vale dizer no próprio ato de fabricação ou reaproveitamento, a remarcação não podendo serconfundida com simples utilização de outro sinal de identificação mas apenas com aquele original-mente confeccionado ou reaproveitado com a finalidade criminosa, como tal só se concebendo osprovidenciados por agentes praticando conduta de falsificação, sejam particulares ou estejam noexercício de função pública no sentido penal. (Fls. 109-110.)

E continua:

Não é suficiente substituir o sinal de identificação, é necessário substituir criando, nosentido de fabricar ou reaproveitar, novo sinal de identificação, a tanto não equivalendo aconduta de fraudulenta obtenção de placa no sistema oficial.

A mera substituição de placa original por outra mas no âmbito de procedimento de caráteroficial ainda que viciado não perfaz, enfim, conduta amoldada ao tipo objetivo do delito, podendosim acarretar a responsabilidade de autores e partícipes pelo delito correspondente ao procedi-mento de obtenção da vantagem, e é o que ocorre no caso com a denúncia por falsidade ideoló-gica, quanto aos denunciados que apenas se beneficiaram desse suposto delito nessa condição porele não podendo responder. (Fls. 111-112.)

No sentido de que, para a configuração do crime, é imprescindível que a substitui-ção da placa se faça por outra placa falsa, é a lição de Luiz Regis Prado:

Se as placas são lacradas à estrutura do veículo, e constituindo o lacre parte integrante daplaca identificadora, a substituição total das placas verdadeiras por outras, falsas, atéporque implicaria no rompimento desse lacre, configura o tipo em estudo.(Sem grifos no original.) (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, v. 4, p. 416.)

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De resto, a substituição de placas particulares por outras fornecidas pelo Detrannão pode configurar qualquer adulteração ou falsificação, pela simples razão de que esteórgão sempre poderia verificar a existência da placa reservada, a sua origem e a razão desua utilização, perante as autoridades públicas ou quem mais tivesse interesse no assunto.

Nessa hipótese, relativamente à violação do lacre, poderia, eventualmente, subsistira irregularidade prevista no art. 230 do Código de Trânsito Brasileiro, tal como ressaltadopela Desembargadora Federal Alda Basto.

Com efeito, o entendimento não poderia ser diferente, sob pena de afronta ao prin-cípio da reserva legal em matéria penal.

Não se pode aqui pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese nãomencionada no dispositivo legal.

Zaffaroni e Pierangeli são enfáticos:

Se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovávelo que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado, baseando a conclusãoem que proíbe, não justifica ou reprova condutas similares, este procedimento de interpretação éabsolutamente vedado no campo da elaboração científico-jurídica do direito penal. E assim éporque somente a lei do Estado pode resolver em que casos este tem ingerência ressocializadoraafetando com a pena os bens jurídicos do criminalizado, sendo vedado ao juiz “completar” ashipóteses legais. Como o direito penal é um sistema descontínuo, a própria segurança jurídica, quedetermina ao juiz o recurso à analogia no direito civil, exige aqui que se abstenha de semelhanteprocedimento.(ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de DireitoPenal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 168.)

E continuam agora abordando a temática da interpretação restritiva:

A partir da rejeição do in dubio pro reo, entende-se que a interpretação da lei pode serextensiva, literal ou restritiva com relação ao alcance da punibilidade. Cremos que há um limitesemântico do texto legal, além do qual não se pode estender a punibilidade, pois deixa de serinterpretação para ser analogia. Dentro dos limites da resistência da flexibilidade semântica dotexto são possíveis interpretações mais amplas ou mais restritivas da punibilidade, mas nãocremos que isso possa ser feito livremente, mas que deve obedecer a certas regras, como tambémentendemos que o princípio in dubio pro reo tem vigência penal somente sob a condição de queseja aplicado corretamente.

a) Em princípio rejeitamos a “interpretação extensiva”, se por ela se entende a inclusão dehipóteses punitivas que não são toleradas pelo limite máximo da resistência semântica da letra dalei, porque isso seria analogia.

b) Não aceitamos nenhuma regra apodítica dentro dos limites semânticos do texto. Écorreto quando se diz “onde a lei não distingue não se deve distinguir”, isto é correto desde que seacrescente “salvo que haja imperativos racionais que nos obriguem a distinguir e, claro está,sempre que a distinção não aumente a punibilidade saindo dos limites do texto.

c) Há casos em que a análise da letra da lei dá lugar a duas interpretações possíveis: uma,mais ampla e outra, mais restrita da punibilidade. Isso é observado sem superar o plano exegético.Assim, a expressão “coisa” do art. 155 do CP pode ser interpretada em sentido ordinário (amplo)ou civil (restrito). Nesses casos é que entra em jogo o in dubio pro reo: sempre teremos deinclinar-nos a entendê-las em sentido restritivo, e de acordo com este sentido, ensaiar nossasconstruções. Não obstante; esse princípio não tem um valor absoluto, porque bem pode ocorrerque o sistema entre em choque com a expressão entendida em seu sentido restrito, e se harmonize

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com seu sentido amplo, o que, em tal caso, poderemos fazê-lo, porque tem caráter absoluto oprincípio da racionalidade da ordem jurídica, que é o próprio pressuposto de nossa atividadecientífica.

Em síntese: entendemos que o princípio in dubio pro reo nos indica a atitude que necessa-riamente devemos adotar para entender uma expressão legal que tem sentido duplo ou múltiplo,mas pode ser descartado ante “a contradição da lei assim entendida com o resto do sistema”.(Op. cit., p. 170-171.)

Não se está aqui a apoiar a atuação irregular de magistrado!A prática de tais atos pode configurar irregularidade administrativa, certamente

passível de responsabilização nessa esfera.Ocorre que o fato de uma conduta ser moralmente reprovável ou até constituir

irregularidade administrativa não deve justificar, por si só, a propositura de ação penal.Basta lembrarmos do caso do painel do Senado (Inq 1.879, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7-5-04) e do caso ainda inconcluso da cola eletrônica (Inq 1.145, Rel. Min. Maurício Corrêa).

Na espécie, afigura-se de todo evidente que a conduta imputada ao Paciente –substituição de placas particulares de veículo automotor por placas reservadas obti-das junto ao Detran – não se mostra apta a satisfazer o tipo do art. 311 do Código Penal.Não há qualquer dúvida de que o órgão de controle – Detran – sabia e poderia sabersempre que se cuidava de placas reservadas fornecidas à Polícia Federal.

Não me abalanço também a subscrever a tese da Relatora sobre a subsistência oupredomínio do juiz natural.

Essa tese, no sentido de que o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal deJustiça já se manifestaram pela tipicidade da conduta, só faz prolongar o constrangimentoilegal a que está sendo submetido o Paciente.

No Supremo Tribunal Federal, cada vez mais, infelizmente, repetem-se casos dedenúncias ineptas e aventureiras, recebidas pelos Tribunais Regionais Federais e confir-madas pelo Superior Tribunal de Justiça. Esta Corte não se tem eximido de seu papel degarante dos direitos fundamentais.

E, de resto, o Supremo Tribunal Federal não é menos juiz natural do que aquelasdoutas Cortes.

São expressivos os casos de revisão de julgamentos proferidos pelos Tribunais deJustiça, pelos Tribunais Regionais e pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito destaCorte.

Considero dignos de registro alguns desses precedentes mais recentes, para quepossamos fazer uma reflexão abalizada.

Recentemente, tivemos um desses casos da chamada Operação Anaconda, aqui naSegunda Turma, cuja lembrança chega a ser constrangedora.

Uma denúncia que beira a irresponsabilidade e que o Ministro Celso de Melloclassificou de “bizarra”. Era a imputação de um falso, por alguém que, por equívoco,declarara, perante a Receita Federal, que tinha nove mil dólares no Afeganistão e quetambém declarara possuir o mesmo valor no Brasil. Esse era o falso imputado (cf. HC84.388, acórdão ainda não publicado).

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Nesse mesmo processo, relativamente à imputação do crime previsto no art. 10 daLei 9.296/96, a denúncia limitava-se a transcrever conversas telefônicas, sem a observânciados requisitos mínimos à persecução criminal, e sem a demonstração dos elementos indis-pensáveis à configuração do tipo penal. Também aqui a ordem de habeas corpus foiconcedida.

Igualmente, o decidido por esta Turma no HC 84.409, no qual constava da denúnciater o agente “participação peculiar na quadrilha”, sem que se dissesse em que consis-tia essa peculiar participação. Assim restou ementado o acórdão:

Habeas corpus. Denúncia. Estado de direito. Direitos fundamentais. Princípio da digni-dade da pessoa humana. Requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal não preenchidos.1. A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no planoda dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes. 2. Denún-cias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com ospostulados básicos do Estado de Direito. 3. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo.Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daquelesque podem decidir sobre o seu curso. 4. Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal. (HC 84.409, acórdão de minha relatoria, DJ de 9-8-05.)

No HC 84.768, a denúncia utilizava-se de um silogismo de feição fortemente artificialpara indicar o Paciente, um Desembargador de Pernambuco, como autor intelectual de umpossível roubo. Esta Segunda Turma também deferiu a ordem nesse caso (HC 84.768,acórdão de minha relatoria, DJ de 27-5-05).

Se me fosse permitido fazer uma consideração antropológica e sociológica, diria quetais casos de recebimento de denúncias fortemente ineptas são reveladores de uma típicacovardia institucional. Aceita-se a denúncia inepta, porque assim se estará a satisfazerum dado anseio identificado na opinião pública.

É evidente a erronia dessa orientação e a ameaça que a sua adoção traz para oEstado de Direito.

Como se vê, a questão é extremamente séria e implica o uso do processo criminalpara finalidades outras, não compatíveis com os elementos basilares do Estado de Direito.

É certo que o processo penal não pode ser utilizado como pena ou sanção.Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de

iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.Nesses termos, com as vênias de estilo e com as escusas de haver me manifestado

pela denegação da ordem em caso similar (HC 82.973, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 25-6-03), o meu voto é no sentido de se conceder a ordem de habeas corpus, para que sejatrancada a ação penal contra o Paciente, porque entendo não configurados, nem emlongínqua apreciação, os elementos do tipo em tese.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Apenas uma informação. Essas placas foram encami-nhadas para quê?

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A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Para uso da 1ª Vara Federal, depois foramutilizadas em um veículo de terceiro. O caso nem sequer pertencia ao magistrado, e, naseqüência, retiradas deste veículo, o qual veio a ser adquirido pelo magistrado, e coloca-das em outro, aí a minha divergência do brilhante voto do Ministro Gilmar Mendes.Falseou-se, sim, a possibilidade de identificação do veículo. Se alguém procurasse peloveículo n. 100, não o encontraria, porque no lugar desta placa de n. 100 havia sido colocadaa de n. 200, cedida pela Polícia Federal, não adulterada fisicamente. De fato, criou-se aimpossibilidade de rastreamento desses veículos. Isso me parece claro.

O Sr. Adriano Salles Vanni (Advogado): Só para esclarecer, se for possível?A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Se for matéria de fato, concordo.O Sr. Adriano Salles Vanni (Advogado): Houve uma trama e a denúncia foi feita. A

Polícia Federal requereu essas placas para serem usadas em investigação policial pelaDelops. Esta delegacia entregou, mediante ofício, esse par de placas na 1ª Vara CriminalFederal. Portanto, o Detran sabia que aquelas placas estavam para uso da 1ª Vara Federal,não interessa o carro, se digitassem a placa no sistema do Detran apareceria 1ª VaraFederal. Esse é o fato.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, dispõe o art. 311 do Código Penal:

Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículoautomotor, de seu componente ou equipamento:

Está-se a ver, portanto, que o tipo objetivo desta figura penal é adulterar ou remarcarnúmero de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componen-te, portas, motor, vidros ou equipamento, tudo aquilo que serve para equipar o veículo.Este é o tipo objetivo. O tipo subjetivo é o chamado “dolo genérico”, ou seja, a vontadelivre e consciente de adulterar ou remarcar, sabendo da falsidade do novo número ousinal.

No caso, o que aconteceu? O Detran destinou à 1ª Vara Federal um par de placas,segundo informou o eminente advogado. Estou em que incorre nas penas do art. 311 doCódigo Penal quem adultera placas de veículos. A adulteração de uma placa de veículoconfigura o crime. Também penso e estou certo de que configura crime o fato, por exem-plo, de serem clonadas placas para serem utilizadas em carros furtados. Tem-se, aí, aconfiguração do tipo objetivo do delito de adulteração desse sinal identificador de veícu-lo automotor, já que a placa integra o conceito de sinal identificador do veículo.

Indago: configurar-se-ia o tipo objetivo desta figura penal o fato de em um automó-vel ser colocada uma placa, chamada “placa reservada”, fornecida pelo próprio Departa-mento de Trânsito? A eminente Ministra Relatora entende que, se fosse utilizada no carrodo magistrado, não haveria a configuração do tipo objetivo. O fato de essa placa ter sidoemprestada – o magistrado a detinha por autorização do Departamento de Trânsito – aalguém, e por este posta em um automóvel, teríamos a configuração do tipo previsto noart. 311 do Código Penal: “adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinalidentificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:”?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Mantenho que sim, eminente Ministro CarlosVelloso.

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Imagine V. Exa. a possibilidade de que o veículo regularmente registrado sob n. 100fosse furtado, com ele se cometesse um crime, a Polícia estivesse à procura do veículo n.100, e que este veículo, por algum motivo, tivesse substituída a sua placa por essa “placareservada”?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Polícia sempre saberia qual seria a placa.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): A Polícia inteira está à procura do veículo n.

100, mas este foi remarcado com o n. 200, com essa “placa reservada”, que, diz o MinistroGilmar Mendes, a Polícia sempre saberá que é da 1ª Vara Federal e, portanto, acima dequalquer suspeita.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Polícia sempre saberá. Contra a fé pública certa-mente não será, pelo menos, nunca a do Detran.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): A fé pública está em que cada veículocorresponda ao número de seu registro: o veículo n. 100 porte sempre a placa n. 100; queo veículo de n. 200 porte a placa n. 200 e não que se transfira uma placa reservada para umoutro veículo qualquer.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não é esse o tipo do art. 311 do Código Penal.O Sr. Ministro Carlos Velloso: Está denunciado também a pessoa que utilizou a placa

reservada?A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não era propriedade do magistrado o veículo

em que inicialmente foi colocada a placa. Ele veio a adquiri-lo depois.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas essa não é a questão.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Posteriormente, a placa foi transferida para

um outro carro. A Polícia não tem conhecimento de nada disso, se está no 16º automóvelaquela placa reservada. A Polícia não sabe onde anda a placa; o Detran muito menos.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O magistrado emprestou essa placa a alguém?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não. Ele fazia uso de um veículo pertencente

a um advogado, que, parece-me, está também denunciado neste mesmo grupo.O Sr. Ministro Carlos Velloso: É ele, o magistrado, quem utilizava a placa?O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O magistrado utiliza.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sim, o magistrado.O Sr. Ministro Carlos Velloso: Pensei que tivesse sido transferido para um automóvel

de terceiros.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é colocado na discussão.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ministro Carlos Velloso, no caso da Juíza

Adriana Pileggi de Soveral, julgado por esta Turma, parece-me, se não estou equivocada,que a placa estava em automóvel de pessoa da família, não era o dela.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Relatora, aí me convenço de que realmentenão há ocorrência do tipo objetivo, porque o magistrado tinha um automóvel que não

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estava em seu nome. Ele utilizava esse automóvel, apesar de não estar em seu nome, fatoque muita vez costuma ocorrer. Recebeu o magistrado uma placa reservada do Detran.Estava o magistrado utilizando um carro de terceiro e substituiu a placa deste por aquelaque recebeu do Detran.

Quer me parecer – e aí peço mil vênias à eminente Ministra Relatora, a quem tenhoo costume de não só acompanhar, mas de admirar os seus doutos votos – que não háocorrência do tipo objetivo. Fiquei com dúvida quando me confundi, achando que eleteria emprestado essa placa a um terceiro, que a utilizava. Aí, sim, talvez tivesse ocorridoa falsificação do sinal identificador. No caso, entretanto, ele utilizava certo automóvel queestava em nome de alguém. Recebe do Detran uma placa para utilizar no automóvel de quefazia uso e, neste automóvel, utilizou a placa que recebeu do Detran.

Sr. Presidente, peço vênia à Ministra Ellen Gracie, repito, para acompanhar o voto doSr. Ministro Gilmar Mendes.

EXTRATO DA ATA

HC 86.424/SP — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: MinistroGilmar Mendes. Paciente: Casem Mazloum. Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro.Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Em virtude de questão de ordem suscitada pelo Impetrante e acolhida, porunanimidade, pela Turma, reiniciou-se o julgamento do feito. A Turma, por votação majori-tária, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes,vencida a Ministra Relatora. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Falou, peloPaciente, o Dr. Adriano Salles Vanni. Ausente, justificadamente, neste julgamento, oMinistro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro JoaquimBarbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.

Brasília, 11 de outubro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.524 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauPaciente: Sérgio Xavier dos Santos — Impetrante: Orlando Marins de Oliveira —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Corrupção passiva e violação de sigilo profissional.Prisão preventiva. Excesso de prazo da instrução criminal. Supressão deinstância.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, ao fundamento de con-figurar supressão de instância, não conheceu da alegação de excesso de pra-zo, em virtude de não ter sido submetida a exame do Tribunal de Justiça do Riode Janeiro, está em sintonia com o entendimento deste Tribunal.

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus em que é apontado coator oSuperior Tribunal de Justiça, por ter denegado o HC 42.992, cuja ementa é a seguinte:

Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Arts. 317, § 1º; 325,caput, do Código Penal. Prisão preventiva. Fundamentação. Garantia da ordem pública.Excesso de prazo. supressão de instância.

I - Tendo em vista que a tese acerca do excesso de prazo para o encerramento da instruçãocriminal não foi submetida à autoridade apontada como coatora, fica esta Corte impedida deexaminar tal alegação, sob pena de supressão de instância. (Precedentes).

II - Resta devidamente fundamentado o r. decisum que decretou a prisão preventiva, como reconhecimento da materialidade do delito e de indícios de autoria, e expressa menção àsituação concreta que se caracteriza pela garantia da ordem pública, tendo em vista a existênciade indícios concretos de periculosidade do Paciente, em razão do modus operandi com que odelito foi praticado. (Precedentes).

Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.

2. O Impetrante alega, na singela petição de fls. 2/3, que o Paciente é primário, possuibons antecedentes e encontra-se preso desde o dia 8-11-2004. Informa que a ação penalestá na fase das alegações finais.

3. Requer a expedição de alvará de soltura.4. O Ministério Público Federal é pelo não-conhecimento.É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Impetrante impugna apenas o ponto doacórdão do STJ que não conheceu da alegação de excesso de prazo porque não submetidaao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, resignando-se quanto ao fundamento da neces-sidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública.

2. A alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo não pode ser conhe-cida nesta Corte pelo mesmo fundamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.Ademais, o próprio Impetrante informa que a ação penal está na fase de alegações finais,ficando superada a tese de excesso de prazo. Por outro lado, ainda que se cogitasse daconcessão de ofício, não constam dos autos documentos que comprovem ser o excessoatribuível ao Poder Judiciário.

Denego a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 86.524/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Sérgio Xavier dos Santos.Impetrante: Orlando Marins de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco

Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot.

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.646 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: Ajivaldo Santos da Fonseca ou Agivaldo Santos Fonseca ou Agivaldo

Santos Fonzeca ou Adivaldo Santos da Fonseca — Impetrante: PGE/SP – Patrícia HelenaMassa Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator: Colégio Recursal do Juizado EspecialCriminal da Comarca de São Vicente

Processo criminal. Suspensão condicional. Transação penal. Admissi-bilidade. Maus antecedentes. Descaracterização. Reincidência. Condenaçãoanterior. Pena cumprida há mais de 5 (cinco) anos. Impedimento inexistente.Habeas corpus deferido. Inteligência dos arts. 76, § 2º, III, e 89 da Lei 9.099/95. Aplicação analógica do art. 64, I, do Código Penal. O limite temporal decinco anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, aplica-se, por analogia, aosrequisitos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 11 de abril de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor deAjivaldo Santos da Fonseca, contra ato do Colégio Recursal do Jecrim da Comarca de SãoVicente/SP, que, nos autos do Habeas Corpus 7/05, não reconheceu, por maioria devotos, direito do Paciente à transação penal, nem à suspensão condicional do processo,verbis:

A ordem deve ser denegada.O Paciente já foi condenado definitivamente pelos crimes de lesão corporal e porte de

drogas para uso próprio, de acordo com as certidões de fls. 30 e 31.De fato, suas penas já foram cumpridas há mais de cinco anos, não sendo portanto

reincidente. No entanto, o Paciente ostenta maus antecedentes, não fazendo jus aos benefícios datransação penal e da suspensão condicional do processo.

É que os artigos 76 § 2º, III e 89 da Lei 9099/95 exigem que o autor do fato tenha bonsantecedentes para ser beneficiado com tais propostas.

Há entendimento jurisprudencial no sentido de que, decorrido o prazo de 05 (cinco) anosdo cumprimento da pena, não obstante eliminados os efeitos da reincidência, as condenaçõesanteriores caracterizam maus antecedentes.(Fls. 52-53.)

O Paciente está sendo processado perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de SãoVicente/SP, pela prática do delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, tendo o representante

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do Ministério Público, ao oferecer a denúncia, deixado de propor “a transação penal e asuspensão dos autos ante as certidões juntadas” (fl. 18), o que foi acolhido pelo juízo e,depois, por maioria de votos, pelo Colégio Recursal.

Informa o Impetrante que o ora Paciente foi absolvido e impronunciado em doisprocessos e, embora condenado em duas outras ações, tais condenações não são hábeisa gerar reincidência. Dessa forma, requer a aplicação analógica do art. 64, inciso I, doCódigo Penal, para submeter os requisitos constantes dos arts. 76, § 2º, inciso I, e 89 da Lei9.099/95 à temporariedade da reincidência, de forma que possa ser formulada ao Pacienteproposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo.

Requisitei informações ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 64, 70 e109). O Juízo da Vara das Execuções Criminais de São Paulo prestou-as (fls. 96-97, 106 e127).

Diante das informações, concedi liminar, para suspender o curso da Ação Penal de1.130/03, a que responde o ora Paciente perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de SãoVicente/SP, até o julgamento do presente writ.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento da ordem (fls. 187-190),verbis:

4. A presente ordem merece ser concedida.5. Cinge-se a questão em saber se a existência de condenação imposta ao Paciente, mesmo

após decorridos mais de cinco anos da extinção da punibilidade pelo cumprimento da penaimposta, obsta a concessão da transação penal e da suspensão condicional do processo, previstonos artigos 76 e 89, respectivamente, da Lei nº 9.099/95.

6. Conforme se depreende dos autos o Paciente foi condenado pela prática de lesõescorporais culposas à pena de 02 (dois) meses de detenção, tendo sido julgada extinta a penaaplicada em 13 de dezembro de 1993 (processo 560/88 – fls. 14); no processo nº 266/1980, oPaciente foi condenado pela prática do delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76 (fls. 15), sendoque o prazo da suspensão condicional da pena imposta ao Paciente expirou em 21 de julho de1983, e a prescrição da pena pecuniária ocorreu em 20 de julho de 1985 (fls. 127).

7. De fato, a condenação anterior não pode e não deve ter feito perpétuo, aqui aproveitan-do-me do pronunciamento do il membro do Parquet a fl. 46: “não é do espírito do Direito Penalatual sejam perpetuados os efeitos das condenações criminais, de modo a tornar inexeqüível oideal de recuperação do ser humano decaído pelo cometimento dalguma infração penal”.

8. De acordo com o preceito do art. 64, I, do Código Penal, após cinco anos da data documprimento ou da extinção da pena imposta pela condenação anterior, esta não mais prevalece,ou seja, perde a sua força de gerar reincidência quanto ao crime subseqüente. Deste modo, o agenteretorna à qualidade de primário.

9. No caso presente, os crimes que levaram o Promotor a não propor os benefíciosprevistos na Lei 9.099/95, tiveram suas penas cumpridas e extintas nas décadas de oitenta enoventa, portanto, há muito superado o prazo de cinco anos, previsto no art. 64, I, do CódigoPenal, que deve ser aplicado, analogicamente, à situação do Paciente.

10. Se as condenações, no caso, não prevalecem para o efeito da reincidência, a teor dodisposto no referido art. 64 do CP, não podem também servir de impedimento aos benefícios datransação penal e suspensão condicional da pena, por total ausência de base normativa.

11. Dizer-se que perduram os efeitos, sob a perspectiva de maus antecedentes, quandoeliminada a reincidência, data vênia não é trilhar boa razão jurídica, pois que se desconsidera anódoa – a reincidência –, por completo, não se pode extrair dado remanescente – maus antece-dentes – no que se despiu de qualquer efeito jurídico.

12. Reproduzo, por a ele aderir, o pensamento, ainda que vencido, do Min. SepúlvedaPertence, ao votar no hc 80.897, citado no despacho do em. Ministro Relator Cezar Peluso:

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“Entendo plenamente aplicável, por analogia, à suspensão condicional do proces-so, o art. 64 do Código Penal, na medida em que nele lei penal comum considerou ser ointervalo de cinco anos, a partir do trânsito em julgado de anterior condenação, capaz deapagar o estima dessa.

Defiro a ordem para que se examinarem as demais condições da suspensão” (HC nº80.897, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 01.08.03) (vide: fls. 131.)13. Somos, pois, pela concessão da ordem, para que, anulado o processo crime, desde o

recebimento da denúncia, determine o Juízo da 3ª. Vara Criminal da Comarca de São Vicente oenvio dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para que examinada as demais condições, outromembro do MP seja designado para examinar a possibilidade de oferecer transação penal, ousursis processual.(Fls. 188-190.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Analiso, primeiramente, as certidões juntadasaos autos, em nome do Paciente, as quais atestam que:

(i) no Processo 1.507/80, que tramitou perante a 10ª Vara Criminal do Foro daComarca da Capital/SP, o Paciente foi absolvido (fl. 16);

(ii) no Processo 63/82, que correu perante a Vara do Júri do Foro da Comarca deGuarulhos/SP, o ora Paciente foi impronunciado (fl. 17);

(iii) no Processo 560/88 da 5ª Vara Criminal da Comarca de Santos/SP, o Paciente foicondenado pela prática do delito de lesões corporais culposas à pena de 2 (dois) meses dedetenção; concedido sursis, foi julgada extinta a pena em 13 de dezembro de 1993, emrazão de o ora Paciente ter cumprido as condições impostas (fl. 14);

(iv) no Processo 266/80, que tramitou perante a 23ª Vara Criminal da Comarca daCapital/SP, o Paciente foi condenado pela prática do delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76(fl. 15).

Tendo em vista que, quanto ao último processo, a certidão juntada aos autos nãoatestava o cumprimento da pena, nem tampouco a data da sua extinção, determinei aexpedição de ofício ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para que esclarecessea respeito (fls. 64 e 70).

O juízo da Vara das Execuções Criminais de São Paulo informou que a execução desentença 207.664 era composta de dois processos: no que toca ao Processo 202/79 da 27ªVara Criminal da Capital/SP, a pena foi julgada extinta, pela prescrição, em 13 de agosto de1985; e, em referência ao Processo 266/80 da 23ª Vara Criminal da Capital/SP, o prazo dasuspensão condicional da pena corporal expirou em 21 de julho de 1983, e a prescrição dapena pecuniária ocorreu em 20 de julho de 1985 (fl. 127), tendo sido declarada extinta apena privativa de liberdade, bem como a punibilidade por ocorrência da prescrição dapretensão executória no tocante à pena de multa (fl. 106).

Diante de tais informações, tem-se de há muito superado o prazo de 5 (cinco) anos,previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, para efeito de reincidência. Tal limite temporal,segundo preleciona a doutrina, deve também aplicar-se, de forma analógica, aos requisitosprevistos para transação penal e suspensão condicional do processo.

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Condenação anterior, ainda que já não tenha eficácia para o efeito da reincidência, porquepassados cinco anos, mesmo assim, em princípio, impediria a suspensão do processo. De se notarque a lei adotou aparentemente o sistema da perpetuidade. Em casos concretos, essa aparenteinflexibilidade pode gerar injustiças flagrantes, a ponto talvez de justificar alguma suavização.Suponha-se alguém que fora condenado há trinta ou quarenta anos por um crime culposo e agorase envolve em outro da mesma natureza. A mácula pretérita acompanhará o sujeito ad aeternum?Pensamos que não. Aplicando-se analogicamente o art. 64, I, do CP, cremos que se devarespeitar o limite de cinco anos, consoante o sistema da temporariedade1.

Se o réu já sofreu condenação por outro crime, em princípio o benefício da suspensãocondicional do processo torna-se inviável. Note-se que o texto legal fala em “crime”. Logo, se acondenação anterior disser respeito a contravenção, tal circunstância não impedirá, só por si, asuspensão. Mas mesmo que se trate de condenação pela prática de crime, não se deve olvidar queo Código Penal, no art. 64, dispõe não prevalecer a condenação anterior se entre a data documprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de temposuperior a cinco anos. Certo que o dispositivo legal dispõe que a condenação anterior nãoprevalece para efeito de reincidência, dando a entender que para outros fins deve prevalecer. Semembargo, considerando que a norma do art. 89 tem um acentuado conteúdo penal,considerando que ela é sumamente benéfica, não só pelo fato de não permitir oandamento do processo, verdadeiro anátema a estigmatizar o acusado, como inclusivepela possibilidade de, cumprido o período de provas, ser decretada extinta a punibili-dade, parece-nos que, se praticada nova infração depois de decorrido aquele períodoqüinqüenal de que trata o art. 64 do CP, cessa o obstáculo para a concessão do benefício.É possível haja alguma resistência quanto a esse entendimento. Pense-se na hipótese de umapessoa já condenada há dez anos por uma lesão corporal leve e que hoje cometeu um estelionato.Seria justo não lhe conceder os benefícios da suspensão do processo, sabendo os operadores doDireito da impotência do Estado em mais uma oportunidade?2

No mesmo sentido, voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, suposto vencidonos autos do HC 80.897:

Entendo plenamente aplicável, por analogia, à suspensão condicional do processo, o art.64 do Código Penal, na medida em que nele lei penal comum considerou ser o intervalo de cincoanos, a partir do trânsito em julgado de anterior condenação, capaz de apagar o estigma dessa.

Defiro a ordem para que se examinem as demais condições da suspensão. (HC 80.897, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 1º-8-03.)

Compartilho tal entendimento, donde concluo que o Paciente está sofrendo cons-trangimento ilegal diante da negativa de o Ministério Público propor-lhe transação penalou suspensão condicional do processo.

3. Do exposto, concedo a ordem, para declarar nulo o Processo-Crime 1.130/03, emtrâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de São Vicente – Juizado Especial Criminal –,desde a decisão de recebimento da denúncia, e determino àquele Juízo que remeta osautos à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, para que outro membro doMinistério Público seja designado para, analisadas as demais condições, examinar a possi-bilidade de oferecimento de proposta de transação penal ou de suspensão condicional doprocesso ao ora Paciente.1 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance;GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26-9-1995. 4. ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 291. Grifei.2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 2. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 170-171. Grifei.

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EXTRATO DA ATA

HC 86.646/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Ajivaldo Santos da Fonsecaou Agivaldo Santos Fonseca ou Agivaldo Santos Fonzeca ou Adivaldo Santos da Fonseca.Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária). Coator:Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de São Vicente.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Compareceu o MinistroJoaquim Barbosa, ocupando a cadeira do Ministro Ricardo Lewandowski, a fim de julgarprocessos a ele vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de CastroMathias Netto.

Brasília, 11 de abril de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 87.347 — MS

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiPaciente: Nelio Alves de Oliveira — Impetrantes: Luiz Vicente Cernicchiaro e outro —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Processual Penal. Defesa prévia. Lei de tóxicos. Art.38 da Lei 10.409/02, inobservância. Existência de prejuízo para a ampladefesa.

I - A inobservância do rito instituído pela Lei 10.409/02, art. 38, resultana nulidade do processo penal desde o recebimento da denúncia, inclusive.

II - Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferiro pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 29 de agosto de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado por LuizVicente Cernicchiaro, Fábio Mendes Figueiredo e Soraya Batista Kassab em favor deNélio Alves de Oliveira contra acórdão proferido pela 5ª Turma do Superior Tribunal deJustiça, que denegou a ordem requerida sob o argumento de que, dentre outros, nãohouve comprovação, pelo interessado, do prejuízo sofrido pela ausência de oportunidadede oferecimento de defesa preliminar, nos termos do art. 38 da Lei 10.409/02.

A decisão possui a seguinte ementa:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Tráfico e associação para o tráfico deentorpecentes. Arts. 12, caput, e 14 da Lei nº 6.368/1976. Ausência de materialidade do delitoe indícios de autoria. Necessidade da custódia demonstrada. Alegação de inobservância do art.38 da Lei nº 10.409/2002. Inexistência de prejuízo à defesa.

Ordem denegada.

Narram os Impetrantes que o Paciente, piloto de aviões, foi denunciado, em adita-mento de denúncia, pelos crimes tipificados nos arts. 12 e 14 da Lei 6.368/76 (tráfico eassociação para o tráfico, respectivamente).

Sustentam que a inobservância da exigência legal relativa à apresentação de defesapreliminar, instituída pela Lei 10.409/02, acarreta nulidade absoluta do processo, por feriro princípio do contraditório.

Alegam, por fim, que a ausência da apresentação da defesa técnica há de ser supridacom a designação de defensor dativo, nos termos da referida lei, juntando aos autos,

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inclusive, cópia do aditamento da denúncia, no qual há pedido expresso da acusação nosentido da observância da referida formalidade (fls. 27-34).

A medida liminar foi indeferida pelo então Relator, Ministro Carlos Velloso, em 6-12-05 (fl. 69).

Requisitadas informações, foram elas prestadas pela Ministra Laurita Vaz, Presidenteda 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (fls. 101-111).

O Ministério Público Federal, pelo parecer do Subprocurador-Geral da República,Dr. Edson Oliveira de Almeida, opina pelo deferimento da ordem (fls. 115-122).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Cuida-se de habeas corpusimpetrado em favor de Nélio Alves de Oliveira contra decisão proferida pela 5ª Turma doSuperior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem requerida, sob o argumento, dentreoutros, de que não houve comprovação, pelo interessado, do prejuízo sofrido com aausência de oportunidade de oferecimento de defesa preliminar em processo criminal queversa sobre tóxicos, nos termos do art. 38 da Lei 10.409/02.

A ordem é de ser concedida.Como bem consignou o parecer ministerial, o Paciente foi denunciado pela prática

dos crimes de tráfico de entorpecentes e de associação para o tráfico (arts. 12 e 14 da Lei6.368/76).

Apesar de requerida pela acusação a oportunidade de oferecimento de defesa préviapor parte do Paciente, o processo seguiu seu curso sem a prática do referido ato, conformese depreende da decisão de fls. 35-42.

Diante disso, não há como deixar de constatar que se registrou ofensa ao direito dedefesa do Acusado. A nulidade apontada, com efeito, independe da comprovação deprejuízo por tratar-se de direito indisponível. Isso porque qualquer assertiva quanto aoresultado da peça acusatória, quando esta já tenha sido recebida, sem que tenha havidoo oferecimento da defesa prévia, é matéria meramente especulativa (Precedentes – HC84.835/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RHC 86.535-MC/SP, Rel. Min. Cezar Peluso; HC87.438-MC/SP, Rel. Min. Eros Grau).

A regra processual, como já assentei anteriormente, em comento é imediatamenteaplicável. Diz respeito ao direito da ampla defesa ao contraditório, que deve tutelar oexercício dos poderes e faculdades processuais, consubstanciando o devido processolegal.

Registro, por oportuno que a presente impetração é semelhante àquela julgada poressa Turma em sessão de 15-8-06, na qual figurava como paciente Carlos Roberto da Silva(HC 87.346), em que fui vencido no tocante à manutenção da prisão preventiva.

Mas, diferentemente da situação daquele Paciente, nesta impetração, constato aausência de fundamentação idônea para a decretação da prisão preventiva.

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Com essas considerações, concedo a ordem para tornar sem efeito o ato que rece-beu o aditamento da denúncia diante da ausência de defesa prévia, para que seja observadoo rito imposto pela Lei 10.409/02, cassando o decreto de prisão preventiva.

É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho o Relator e ressalto:mesmo que fundamentado o ato que implicou a custódia preventiva, e teria de homenagearo retorno ao statu quo ante do processo, em conseqüência da ordem, não teria a prisãodeterminada após como subsistir – apenas para não me comprometer com a tese de que,nesses casos, cabe a manutenção da preventiva se devidamente fundamentada.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, o que sempre me preocupa é que a defesadeveria suscitar a questão logo na primeira oportunidade, porque, deixando para fazê-loagora, sempre há o risco da prescrição, tanto tempo já decorrido. Mas, na linha dosprecedentes da Casa, concordo com o Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também estou de acordo. Temosvários precedentes, a partir do HC 84.835, de que fui Relator.

EXTRATO DA ATA

HC 87.347/MS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Nelio Alves deOliveira. Impetrantes: Luiz Vicente Cernicchiaro e outro. Coator: Superior Tribunal deJustiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Falou pelo Paciente o Dr. Luiz Vicente Cernicchiaro.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Compareceu o MinistroEros Grau, a fim de participar de julgamento de processo a ele vinculado, assumindo acadeira do Ministro Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot.

Brasília, 29 de agosto de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 88.191 — PA

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaPacientes: Alexandre Beldi Netto, Antonio Roberto Beldi, Marco Antonio Beldi e

Antonio Fábio Beldi — Impetrantes: Luiz Rosati e outro — Coator: Superior Tribunal deJustiça

Habeas corpus. Processual Penal. Constrangimento ilegal. Tranca-mento da ação penal. Ausência da cópia da decisão impugnada. Impossibilidadede conhecimento dos fundamentos atacados, necessário à análise da impetra-ção. Precedentes.

1. A presente ação está deficientemente instruída, não acompanhada dacópia da denúncia, peça essencial à verificação da plausibilidade jurídica deseus argumentos.

2. O trancamento de ações penais em curso só é admissível quandoverificadas a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausênciade elementos indiciários demonstrativos de autoria e prova da materialidade.Precedentes.

3. O exame do suposto constrangimento ilegal não se coaduna com a viaprocessual eleita, sendo tal análise reservada aos processos de conhecimento,nos quais a dilação probatória é garantida.

4. Habeas corpus a que se denega ordem.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na confor-midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir opedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Não participou, justificada-mente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recursoordinário, com pedido de liminar, impetrado por Luiz Rosati e outro em favor de AlexandreBeldi Netto, Antonio Roberto Beldi, Marco Antonio Beldi e Antonio Fábio Beldi, contraacórdão do Superior Tribunal de Justiça, para o fim de que “(...) seja determinado otrancamento da ação penal 2004.39.00.000179-3 (...)”, em trâmite na 4ª Vara Federal daSeção Judiciária do Pará, que recebeu a denúncia oferecida contra os Pacientes, pelaprática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 7.492/86.

A defesa, com o fito de trancar essa ação penal, impetrou habeas corpus perante oTribunal Regional Federal da 1ª Região, cuja ordem foi denegada nos termos seguintes:

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Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Denúncia por infração dos artigos 19 e 20 daLei n.º 7.492/1986: recebimento. Pleito de trancamento. Inconsistência.

1. Denúncia cujo teor revela-a afeiçoada ao artigo 41 do CPP, estando, como nela afirmado,lastreada em inquérito policial, não bastando, para, de plano, afastá-la, argumentos que, deman-dando dilação probatória, valoração crítica da prova em que se louvou o Ministério Público, paraofertá-la, ou até a pertinência da classificação legal que propôs, exigem o processamento dacausa, com o pleno exercício do contraditório, inconciliáveis com a estreiteza processual da viaescolhida.

2. Denegação da ordem, por incomprovado o argüido constrangimento ilegal.

Contra aquela decisão, impetrou-se novo habeas corpus perante o Superior Tribunalde Justiça, no qual se decidiu:

Criminal. HC. Crimes contra o sistema financeiro. Trancamento da ação penal. Inépciada denúncia. Inexistênica de individualização das condutas. Autoria e materialidade não com-provadas. Ausência de fraude. Inexistência de prova do desvio do numerário. Pedidos jáapreciados por esta corte. Reiteração. Atos investigatórios praticados pelo Ministério Público.Possibilidade. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

I - Hipótese na qual os pacientes foram denunciados pela suposta prática de crimes contrao sistema financeiro, pois obtiveram, de maneira fraudulenta, financiamentos junto ao BancoNacional de Desenvolvimento Social – BNDES, concedidos com recursos do Fundo da MarinhaMercante – FMM, os quais teriam sido revertidos em benefício dos acusados, em total desacordocom as finalidades contratuais a que se destinavam.

II - Tratando-se de habeas corpus com objeto idêntico ao de writ anteriormente impetradoperante esta Corte, configura-se a inadmissível reiteração, razão pela qual não se conhece dopedido de trancamento da ação penal instaurada em desfavor dos acusados.

III - A exordial acusatória está lastreada por documentação colhida em inquérito policial,realizado conjuntamente com procedimento administrativo conduzido pelo Ministério Público.

IV - O entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio,os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público.

V - A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos doMinistério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, indepen-dentemente da investigação policial.

VI - Além da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementosde convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidaspor outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dosfatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes.

VII - O Supremo Tribunal Federal decidiu que a vedação dirigida ao Ministério Público équanto a presidir e realizar inquérito policial.

VIII - Ordem parcialmente conhecida e denegada.(HC 47.747/PA, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 8-3-06, informação obtida no sítio doSuperior Tribunal de Justiça, na internet.)

Para questionar o acórdão do Superior Tribunal de Justiça perante este SupremoTribunal, foram interpostos, com argumentos idênticos àquele, o presente habeas corpussubstitutivo e, ainda, o RHC 88.403.

Os Impetrantes sustentam que a denúncia é inepta, “(...) pela ausência de autoria eindividualização da conduta pseudo ilícita atribuída aos pacientes (...)”, bem como nula,em face da “(...) inexistência da subsunção entre a hipótese meramente ventilada (...) e ostipos legais descritos (...)”.

Alegam, ainda, constrangimento ilegal decorrente da inexistência de inquérito policial,assim como “(...) ausência de justa causa, materialidade e autoria, imprescindíveis aooferecimento da denúncia (...)”.

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Em 8 de março de 2006, a Ministra Ellen Gracie, a quem sucedi na relatoria desta ação,indeferiu a liminar sob o fundamento de que a impetração não estava instruída com cópiado acórdão do Superior Tribunal de Justiça, bem como porque havia notícia nos autos deinterposição de recurso ordinário perante este Supremo Tribunal. No mesmo ato, solicitouinformação (fl. 674).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal, em 14-7-06, opinou peloapensamento ao presente habeas do recurso ordinário interposto contra a mesma decisãoora impugnada, autuado neste Supremo Tribunal como RHC 88.403, após o que requereunova vista para manifestação quanto ao mérito da impetração (fls. 820-825). Em 21-7-06,determinei o quanto requerido (fl. 832).

Em novo parecer, o Subprocurador-Geral da República manifestou-se pela denegaçãodeste habeas corpus e pelo desprovimento do RHC 88.403 (fls. 834-837).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): A presente ação foi impetrada com o fim deque “(...) seja determinado o trancamento da ação penal 2004.39.00.000179-3 (...)” emtrâmite na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, na qual foi recebida e processada adenúncia oferecida contra os Pacientes, pela prática, em tese, dos delitos previstos nosarts. 19 e 20 da Lei 7.492/86.

Há de se realçar, preliminarmente, a identidade havida entre os elementos fáticos eos fundamentos jurídicos apresentados nesta ação e no recurso ordinário em habeascorpus apensado, razão pela qual a decisão aqui exarada deve ser aproveitada a ambos.

A ordem requerida não dispõe das condições legais para ser concedida. A presenteação constitucional está deficientemente instruída, não estando acompanhada de cópiada denúncia contra a qual se insurgem os Impetrantes, peça essencial à verificação daplausibilidade jurídica de seus argumentos. Ora, se a impetração ataca, essencialmente, ainicial acusatória, considerando-a inepta e nula, a sua ausência impede a análise mínima enecessária dos argumentos apresentados.

Tal documento é imprescindível para examinar o acerto jurídico – ou o desacerto –da decisão do Juiz da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, que recebeu a denúnciaoferecida contra os Pacientes, objeto da impetração. Observe-se que, na acanhada açãode habeas corpus, é imperiosa a apresentação de todos os elementos tendentes à demons-tração das questões postas em análise, por inexistir, na espécie, dilação probatória.

Aliás, foi nesse sentido o parecer do Subprocurador-Geral da República Mario JoséGisi, cujos fundamentos podem ser acolhidos como parte a se agregar nesta decisão:

No tocante às questões referentes à inépcia da denúncia, à inexistência de subsunção entrehipótese e tipo legal e à ausência de justa causa, entendeu-se que, para sua análise, seria necessárioo “conhecimento integral do teor da denúncia ajuizada” (fl. 822). Assim, justificou-se o pleito deapensar o RHC 88403, sendo acolhida a promoção.

Entretanto, examinando-se os documentos juntados ao mencionado recurso, tem-se que látambém deixou de ser juntada cópia da peça acusatória. Com efeito, consoante bem apontou o

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ilustre Colega que no feito se manifestou, “o exame detido dos autos mostra que a cópia dadenúncia não consta na lista de documentos anexados pelos impetrantes juntamente com ainicial, para a instrução do feito (fl. 66), sendo, por conseguinte, indiscutivelmente inviável oexame das alegações deste ‘writ’ referentes à exordial, tais como inépcia, falta de justa causa e nãoindividualização das condutas dos pacientes.”

Destarte, não estando disponível, em ambos os autos, a cópia da peça acusatória, é de seconsiderar incabível a análise dos referidos argumentos – inépcia da denúncia, inexistência desubsunção entre hipótese e tipo legal e ausência de justa causa – não merecendo prosperar omandamus. Com efeito, é cediço que o habeas corpus se destina a proteger direito cuja violaçãoé demonstrada de plano, ante a impossibilidade de dilação probatória em seu rito. Destarte, o atoilegal restritivo da liberdade deve ser inequívoco nos autos.(Fls. 835-836.)

Sem o conhecimento do conteúdo material do que impugnado na ação, torna-seinviável aferir a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos Impetrantes em favordos Pacientes, por não se ter como analisar, de forma segura, os argumentos expostos nopresente habeas corpus, confrontando-os com os fundamentos em que se apóia aqueladecisão.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Supremo Tribunal, verbis:

Direito Constitucional e Processual Penal. Habeas corpus. Nulidades. Defesas conflitantes.Sevícias sofridas pelo réu: falta de exame de corpo de delito. Omissões da sentença condenatória.Injustiça desta. Não estando o pedido de habeas corpus instruído com cópias de peças doprocesso, pelas quais se poderia, eventualmente, constatar a ocorrência das falhas alegadas,não se pode sequer verificar a caracterização, ou não, do constrangimento ilegal. Habeascorpus não conhecido.”(HC 71.254, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 24-2-95, grifos nossos.)

Ressalto, ainda, que o trancamento de inquéritos e de ações penais em curso só éadmissível quando verificadas a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou aausência de elementos indiciários demonstrativos de autoria e prova da materialidade.(Nesse sentido: HC 84.776, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 28-10-04; HC 80.954, Rel. Min.Sydney Sanches, DJ de 5-4-02; HC 81.517, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14-6-02; e HC82.393, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22-8-03.)

O exame da alegada inocência dos Pacientes, diante da hipótese de suposto cons-trangimento ilegal, não se coaduna com a via processual eleita, sendo tal análise reservadaaos processos de conhecimento, nos quais a dilação probatória tem espaço garantido.

Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus e, pelos mesmos fundamentos,nego provimento ao RHC 88.403, apensado a este.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 88.191/PA — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Pacientes: Alexandre Beldi Netto,Antonio Roberto Beldi, Marco Antonio Beldi e Antonio Fábio Beldi. Impetrantes: LuizRosati e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou,justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 200946

HABEAS CORPUS 88.387 — MT

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiPaciente: Moysés Nadaf Neto — Impetrante: Eduardo Mahon — Coator: Superior

Tribunal de Justiça

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Crime contra a liberdadesexual. Ação penal pública condicionada. Miserabilidade da vítima. Ofere-cimento tardio da representação. Pas de nullité sans grief. Violência presu-mida. Revolvimento de matéria fático-probatória. Impossibilidade.

I - São processados por meio de ação penal pública condicionada à repre-sentação os crimes contra a liberdade sexual cometidos contra vítima que nãopode suportar as despesas do processo.

II - A miserabilidade da vítima prescinde de demonstração formal,podendo, inclusive, ser presumida.

III - O oferecimento da representação, condição de procedibilidade daação penal pública condicionada, não exige requisito formal, podendo sersuprida pela manifestação expressa da vítima ou de seu representante, nosentido do prosseguimento da ação penal contra o autor.

IV - Se a vítima, apesar de menor, demonstra interesse no prossegui-mento da persecução penal, a representação formal, oferecida por curadorespecial após o oferecimento da denúncia, supre a formalidade, já que ratificaa manifestação anterior. Inexistência de nulidade se inexiste comprovação deprejuízo para o réu.

V - Há violência presumida nos crimes contra a liberdade sexual quandoo delito é cometido mediante violência moral, praticada em virtude de temorreverencial, que retira da vítima a capacidade de defesa, diante do respeito eda obediência devidos ao ofensor.

VI - Não se admite, na via estreita do habeas corpus, a análise aprofun-dada de fatos e provas.

VII - Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, indeferiro pedido de habeas corpus.

Brasília, 10 de outubro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado porEduardo Mahon, em favor de Moysés Nadaf Neto, contra o acórdão da 5ª Turma do Supe-rior Tribunal de Justiça que denegou o HC 47.212/MT, conforme a ementa a seguir transcrita:

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R.T.J. — 200 947

Criminal. HC. Atentado violento ao pudor. Trancamento da ação penal. Ilegitimidade doMinistério Público. Ausência de atestado de pobreza e representação da vítima. Inocorrência.Colidência de interesses. Curador especial. Nomeação a destempo. Irregularidade. Ausência denulidade. Exame de corpo de delito. Ausência. Prescindibilidade em delitos contra os costumes.Atipicidade da conduta. Impropriedade do writ. Ordem denegada.

I - Não há forma rígida para a representação, bastando a manifestação inequívoca doofendido ou de seu representante legal, no sentido de que sejam tomadas providências visando àapuração da suposta prática delituosa.

II - A aferição do estado de pobreza pode ser feita através de simples análise das condiçõesde vida da vítima e representantes, não sendo indispensável um atestado.

III - Existência de confronto de interesses entre a segunda vítima e sua genitora, ocasio-nando a nomeação de curador especial ocorrida posteriormente ao recebimento da denúncia.

IV - Se a representação foi oferecida pela curadora especial, tem-se como suprida a exigêncialegal, “permitindo o prosseguimento da persecutio criminis in juditio”.

V - A ausência de laudo pericial não tem o condão de afastar os delitos de estupro e atentadoviolento ao pudor, nos quais a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmenteporque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam comtestemunhas e sequer deixam vestígios.

VI - O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijamo exame do conjunto fático-probatório, tendo em vista a incabível dilação que se faria necessária.

VII - Maiores considerações sobre a atipicidade da conduta que refogem à via eleita.VIII - Ordem denegada.

(Fl. 42.)

Consta dos autos que o Paciente foi denunciado pela prática de atentado violentoao pudor com violação de dever inerente à sua profissão (art. 214 combinado com o art. 61,g, na forma do art. 69, ambos do Código Penal), consistente na prática de atos libidinosos,na condição de médico especialista em ginecologia, com duas vítimas, uma maior, outramenor.

Sustenta o Impetrante, em síntese, que houve inversão da ordem processual penal,visto que a representação da vítima menor, por curador especial, somente foi apresentadaapós o recebimento da denúncia. Acrescenta que, ainda que se admitisse eventual colisãode interesses entre a vítima menor e seu representante legal, não poderia o magistrado terrecebido a denúncia porque a nomeação de curador ocorreu de forma tardia.

Assim, ausente a condição de procedibilidade, a denúncia não se sustenta, pois arepresentação feita a destempo não tem o condão de convalidar o ato.

Alega, ainda, que só se mostra possível o reconhecimento da condição de pobrezada vítima quando há declaração expressa nesse sentido ou caso seja notória tal condição,o que não se verifica na hipótese. Assim, para que o delito descrito no art. 214 do CódigoCriminal, que pressupõe ação penal privada, possa, com amparo no art. 225 do mesmoCodex, ser processado mediante o ajuizamento de ação penal pública condicionada àrepresentação, não basta a mera indicação pelo Ministério Público de que elas foramatendidas em hospital público.

Assevera, mais, que houve revogação tácita do art. 225 do Código Penal, porque acriação da Defensoria Pública retirou do Ministério Público a proteção das vítimas emsituação de miserabilidade. Nesse sentido, cita precedente da Corte no qual se reconheceua inconstitucionalidade progressiva dos dispositivos que delegavam ao Ministério Públicoa competência para ajuizar a ação civil ex delito quando a vítima é pobre.

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Afirma, ademais, que, na falta de exame de corpo de delito ou de outros elementosprobatórios, não há falar em materialidade do delito.

Diz, também, que a denúncia não indica qualquer violência praticada pelo ora Paci-ente, razão pela qual não ficou configurado o atentado violento ao pudor, que exige acomprovação de violência ou grave ameaça contra a vítima. Segundo o Impetrante, naverdade, alterou-se a tipificação dos delitos com a finalidade de retirar do Denunciado osbenefícios a que teria direito, em especial a fiança.

Por fim, requer o trancamento da ação penal, em razão da falta de titularidade parasua propositura, da inexistência de condição objetiva de procedibilidade e da ausência dematerialidade.

Indeferida a liminar (fls. 71-72), foram prestadas as informações de estilo pela auto-ridade apontada como coatora (fls. 77-78).

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 82-88).É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos, concluoque o presente writ não merece acolhimento.

Primeiramente, verifica-se, da leitura do art. 225, § 1º, I, do Código Penal, que, nocaso de crime contra a liberdade sexual praticado contra vítima que não pode prover àsdespesas do processo, compete ao Ministério Público ajuizar a ação penal pública condi-cionada à representação.

Não se sustenta o argumento de que se exige do Ministério Público a apresentaçãode prova da miserabilidade, porque a jurisprudência desta Corte reconhece que a aplicaçãodo art. 225 do Código Penal pode basear-se na mera presunção da condição de pobreza.Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RHC 79.779/SP, Rel. Min.Marco Aurélio; e HC 69.049/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso.

A criação da Defensoria Pública em momento algum retirou do Ministério Público acompetência para ajuizar a ação penal pública condicionada à representação, quando avítima de crimes contra a liberdade sexual não tiver meios de contratar profissional daadvocacia, sem prejuízo do próprio sustento, razão pela qual não se mostra infirmada alegitimidade do Ministério Público para a propositura da ação penal contra o Paciente.

O argumento segundo o qual a inexistência de representação à época da denúnciaviciaria o ato também não procede. Isso porque a condição de procedibilidade para aapresentação de ação penal pública condicionada se convalida, a qualquer momento,quando há a manifestação expressa da vítima ou de seu representante no sentido dainstauração da ação penal contra o autor do delito, conforme se tem decidido nos seguintesprecedentes: HC 86.122/SC, Rel. Min. Eros Grau; HC 77.576/RS, Rel. Min. Nelson Jobim; eHC 61.118/SP, Rel. Min. Rafael Mayer.

Com efeito, a intenção do menor em processar o Paciente foi plenamente ratificadapor meio de representação formal apresentada pelo curador. Não há, portanto, qualquer

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nulidade, mesmo porque não se evidenciou qualquer prejuízo, cuja prova se exige comfundamento no princípio pas de nullité sans grief.

No tocante à violência praticada pelo Acusado contra a menor, observa-se que o art.224, c, do Código Penal a presume quando a vítima não pode oferecer resistência.

No caso, a denúncia descreve que o Acusado, na condição de médico ginecologis-ta, exigia que as vítimas se submetessem à prática de atos libidinosos, sob a alegação deque se cuidava de tratamento médico. Consigna, mais, que os abusos teriam sido cometi-dos sempre em consultas nas quais as vítimas não estavam acompanhadas das respecti-vas genitoras, indicando que o agente, em princípio, praticava os delitos em situação naqual a capacidade de resistência das vítimas estava reduzida.

A descrição dos atos atribuídos ao Paciente demonstra que as vítimas, malgradoprotestassem pela cessação dos atos executórios, eram interrompidas pelo Paciente, queinsistia na necessidade da prática de atos libidinosos, que incluíam toque, beijo e apalpa-ção realizados em suas partes íntimas. Em ambos os casos, sustentando a existência depatologias, o acusado teria buscado a excitação das vítimas e a satisfação de sua lascíviapor meio de contato físico e diálogos libertinos.

Pela descrição dos fatos trazida na denúncia, e sem que se realize uma análiseaprofundada das provas, vedada nos angustos lindes deste remédio constitucional, épossível verificar que, em princípio, os atos libidinosos foram realizados por meio deviolência moral, praticada num contexto de temor reverencial, o que retirou das vítimas acapacidade de defesa diante do respeito e da obediência devidos ao ofensor. Inexigível,portanto, a prova de cometimento de violência real ou de grave ameaça.

Por fim, relembre-se que a análise do contexto probatório, referente à demonstraçãode materialidade do delito, extrapola os limites da via estreita do habeas corpus, que nãoadmite discussão aprofundada de fatos e provas, como tem consignado esta Corte pormeio de remansosa jurisprudência (HC 83.872/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC 79.503/RJ,Rel. Min. Maurício Corrêa; HC 85.390/RS, Rel. Min. Carlos Velloso).

Em face do exposto, indefiro a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Acompanho, no ponto. E, quanto àtipicidade do fato, o que pode ocorrer, ao final da instrução, é a eventual desclassificaçãopara o art. 216 do Código Penal: atentado ao pudor mediante fraude.

O que Vossa Excelência se referiu é que a denúncia assevera que o médico pretextavaque os atos libidinosos seriam necessários ao diagnóstico ou à terapia: isso é fraude.

Por ora, pelo menos antes da condenação, o fato de o primeiro atentado violento aopudor ser um dos chamados crimes hediondos, parece que não gera nenhum constrangi-mento imediato ao paciente.

Acompanho o Relator.

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R.T.J. — 200950

EXTRATO DA ATA

HC 88.387/MT — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Moysés NadafNeto. Impetrante: Eduardo Mahon. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Falou pelo Pacientea Dra. Sandra Cristina Alves.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 10 de outubro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 200 951

RECURSO EM HABEAS CORPUS 88.403 — PA

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaRecorrentes: Alexandre Beldi Netto, Antonio Roberto Beldi, Marco Antonio Beldi e

Antonio Fábio Beldi — Recorrido: Ministério Público Federal

Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Trancamentoda ação penal. Habeas corpus substitutivo com idêntica fundamentação.Preclusão. Precedentes.

1. Recurso ordinário em habeas corpus no qual o Recorrente se limitoua reeditar os mesmos fundamentos do habeas corpus anteriormente impetradoneste Supremo Tribunal. A impetração originária de habeas corpus torna pre-cluso o recurso ordinário de idênticos objeto e fundamentação. Precedentes.

2. Recurso ordinário não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negarprovimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Nãoparticipou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Consoante se extrai dos autos, os Pacientes foramdenunciados pela prática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 7.492/86.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região,cuja ordem foi denegada nos termos do acórdão de fls. 656/670, assim ementado:

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Denúncia por infração dos arts. 19 e 20 da Lei7.492/1986: recebimento. Pleito de trancamento. Inconsistência.

1. Denúncia cujo teor revela-a afeiçoada ao artigo 41 do CPP, estando, como nela afirma-do, lastreada em inquérito policial, não bastando, para, de plano, afastá-la, argumentos que,demandando dilação probatória, valoração crítica da prova em que se louvou o Ministério Públi-co, para ofertá-la, ou até a pertinência da classificação legal que propôs, exigem o processamentoda causa, com o pleno exercício do contraditório, inconciliáveis com a estreiteza processual davia escolhida.

2. Denegação da ordem, por incomprovado o argüido constrangimento ilegal.

Contra essa decisão impetrou-se o habeas corpus perante o Superior Tribunal deJustiça, que, ao apreciar o writ, assim decidiu:

Criminal. HC. Crimes contra o sistema financeiro. Trancamento da ação penal. Inépciada denúncia. inexistência de individualização das condutas. Autoria e materialidade não com-

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R.T.J. — 200952

provadas. Ausência de fraude. Inexistência de prova do desvio do numerário. Pedidos já apre-ciados por esta corte. Reiteração. Atos investigatórios praticados pelo Ministério Público. Pos-sibilidade. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

I - Hipótese na qual os pacientes foram denunciados pela suposta prática de crimes contrao sistema financeiro, pois obtiveram, de maneira fraudulenta, financiamentos junto ao BancoNacional de Desenvolvimento Social – BNDES, concedidos com recursos do Fundo da MarinhaMercante – FMM, os quais teriam sido revertidos em benefício dos acusados, em total desacordocom as finalidades contratuais a que se destinavam.

II - Tratando-se de habeas corpus com objeto idêntico ao de writ anteriormente impetradoperante esta Corte, configura-se a inadmissível reiteração, razão pela qual não se conhece dopedido de trancamento da ação penal instaurada em desfavor dos acusados.

III - A exordial acusatória está lastreada por documentação colhida em inquérito policial,realizado conjuntamente com procedimento administrativo conduzido pelo Ministério Público.

IV - O entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio,os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público.

V - A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos doMinistério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, indepen-dentemente da investigação policial.

VI - Além da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementosde convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidaspor outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dosfatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes.

VII - O Supremo Tribunal Federal decidiu que a vedação dirigida ao Ministério Público équanto a presidir e realizar inquérito policial.

VIII - Ordem parcialmente conhecida e denegada.(Fl. 692.)

Os Recorrentes interpuseram o presente recurso ordinário em favor dos Pacientes(fls. 696-760).

Houve contra-razões por parte do Ministério Público Federal (fls. 763-774).O recurso foi admitido e remetido ao Supremo Tribunal Federal (fl. 776).Os Recorrentes sustentam a denúncia como inepta, “(...) pela ausência de autoria e

individualização da conduta pseudo ilícita atribuída aos pacientes (...)”, bem como nula,em face da “(...) inexistência da subsunção entre a hipótese meramente ventilada (...) e ostipos legais descritos (...)” (fl. 758).

Alegam, ainda, constrangimento ilegal decorrente da inexistência de inquérito policial,assim como “(...) ausência de justa causa, materialidade e autoria, imprescindíveis aooferecimento da denúncia (...)” (fl. 758).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo não-conhecimentodo recurso e, caso ultrapassada a admissibilidade, pelo seu desprovimento (fls. 848/854).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Trata-se de recurso ordinário em habeascorpus (fls. 696/760) contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou ordemanteriormente impetrada em favor dos Pacientes, visando ao trancamento da ação penalinstaurada pela suposta prática de crimes contra o sistema financeiro nacional.

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R.T.J. — 200 953

Pugna-se pelo trancamento da ação penal instaurada contra os Pacientes.Contudo, a apreciação do recurso ordinário esbarra em óbice criado pelos próprios

Recorrentes.É que eles acharam por bem atacar o provimento jurisdicional do Superior Tribunal

de Justiça também por meio de habeas corpus substitutivo ao recurso ordinário (HC88.191, fls. 780/840), limitando-se a reeditar – tanto no recurso quanto no habeas corpussubstitutivo – os mesmos fundamentos do habeas corpus submetido à apreciação doSuperior Tribunal de Justiça (fls. 2/65).

Como é sabido, a impetração originária de habeas corpus perante o Supremo TribunalFederal torna precluso o recurso ordinário de idênticos objeto e fundamentação.

A propósito do tema, vale destacar a jurisprudência deste Tribunal, verbis:

Ementa: Habeas corpus: a impetração de habeas corpus originário ao STF contra decisãodenegatória da ordem emanada de Tribunal Superior torna preclusa a via alternativa do recursoordinário de objeto e fundamentos idênticos aos da primeira.(RHC 80.849, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-8-01.)

Pelo exposto, não conheço do recurso ordinário.É o voto.

EXTRATO DA ATA

RHC 88.403/PA — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Recorrentes: Alexandre BeldiNetto, Antonio Roberto Beldi, Marco Antonio Beldi e Antonio Fábio Beldi (Advogados:Luiz Rosati e outro). Recorrido: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nostermos do voto da Relatora. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamentoo Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 200954

HABEAS CORPUS 88.607 — MG

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesPaciente: Newton Cardoso — Impetrante: José Guilherme Villela — Coator: Superior

Tribunal de Justiça

Habeas corpus contra decisão proferida pela Corte Especial do STJ naAção Penal 297/MG . 1. Crime previsto no art. 312 (última parte) do CódigoPenal, praticado no exercício de mandato de governador no ano de 1988.Expirado o mandato em 1991, a denúncia foi recebida pelo STJ em 2004. 2. Aimpetração busca a declaração de nulidade do ato de recebimento da denúnciae a remessa dos autos ao Juízo Criminal de Belo Horizonte/MG . 3. Em 15-9-05, a Lei 10.628, de 24-12-02, foi julgada inconstitucional pelo Plenário doSupremo Tribunal Federal (ADI 2.797/DF e 2.860/DF). Cessada está, pois, acompetência do STJ para julgar o Paciente. 4. Precedentes desta Corte nosentido do reconhecimento de nulidade do recebimento de denúncia e de conde-nação prolatadas por órgãos incompetentes: Inq 1.544-QO/PI, Rel. Min. Celsode Mello, Tribunal Pleno, unânime, DJ de 14-12-01; HC 84.152/AM, Rel.Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, unânime, DJ de 25-6-04; e HC86.398/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, unânime, DJ de18-8-06. 5. No caso sob análise, o reconhecimento da validade do ato de rece-bimento da denúncia imputa ao Réu injusto gravame, o qual não pode sersuportado, uma vez que fora devidamente questionado pela defesa desde aprimeira oportunidade processual. 6. Concessão da ordem para que sejacassado o ato de recebimento da denúncia, em face da manifesta incompetênciado STJ, devendo os autos ser encaminhados à autoridade judicial competente,para que proceda como entender de direito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir opedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 3 de outubro de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de pedido de habeas corpus, sem pedido demedida liminar, impetrado por José Guilherme Villela, em favor de Newton Cardoso,contra decisão (fls. 16-34) proferida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça naAção Penal 297/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime (DJ de 16-5-05). Eis o teor daementa desse julgado:

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R.T.J. — 200 955

Ação penal. Denúncia. Desvio de verbas públicas. Código Penal. Art. 312.Competência do STJ para apreciar a espécie em face do disposto no art. 84, § 1º, do Código

de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.628, de 24-12-02. Argüição de inconstitu-cionalidade rejeitada.

Recebimento da denúncia que narra a ocorrência, em tese, de fatos definidos na lei penalcomo crime, encontrando a imputação feita ao acusado respaldo na documentação coligida nosautos.(Fl. 34.)

Para fins de adequada compreensão do caso, transcrevo trecho da inicial daimpetração que bem resumiu o tema objeto deste pedido de habeas corpus, verbis:

2. Mediante a peça de fl. 954/963 dos autos da STJ – APn 297/MG, o Ministério PúblicoFederal ofereceu em 4.12.2003 denúncia contra o Paciente, imputando-lhe crime de peculato (C.Penal, art. 312), que teria sido cometido, juntamente com outros agentes administrativos, nosegundo semestre de 1988, quando o denunciado exercia o honroso mandato popular de Governadordo Estado de Minas Gerais.

3. O próprio Ministério Público Federal, oficiando pelo eminente Subprocurador-Geral daRepública Wagner Gonçalves (f. 903/914), já havia propugnado pela declaração de inconstituciona-lidade da Lei n. 10.628, de 24.10.2002, que justificaria a competência originária do Col. SuperiorTribunal de Justiça para processar e julgar, por crime funcional, Governador de Estado após oencerramento do mandato eletivo.

4. A denúncia, contudo, acabou sendo processada nos termos dos arts. 4º, 5º e 6º da Lei n.8.038, de 28.5.90, que regulam o contraditório prévio estabelecido para o julgamento criminaldos titulares de foro especial por prerrogativa de função e veio a ser submetida à Col. CorteEspecial na assentada de 5.5.2004, quando, na sustentação oral, o defensor do acusado insistiu,sem êxito, na incompetência daquela Corte, argüindo, precisamente, a inconstitucionalidade daaludida Lei n. 10.628/2002.

5. A Col. Corte Especial, todavia, não acolheu a argüição de inconstitucionalidade nem, aomenos, sobresteve no julgamento até à iminente apreciação pelo STF das ADIns 2.797 e 2.870/DF, as quais, àquela época, já se achavam em pauta, como era notório e foi relembrado na aludidadefesa oral. Com simples ressalvas dos eminentes Ministros Francisco Peçanha Martins eFranciulli Netto, a unanimidade da Col. Corte se formou em torno do douto voto do relator,eminente Ministro Barros Monteiro, que aduziu quanto à preliminar de competência:

“A competência para apreciar a espécie é desta Corte Superior em face do dispostono art. 84, § 1°, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 10.628, de24.12.02. Este Tribunal, em duas ações penais movidas contra ex-governadores, houvepor bem rejeitar a argüição de inconstitucionalidade do mencionado preceito legal (AçãoPenal n. 274-AM, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Ação Penal n.282-AC, Relator Antônio de Pádua Ribeiro)” – fl. 1041.6. Ocorre que, ao julgar recentemente as duas referidas ADIns, o Supremo Tribunal Federal,

por expressiva maioria, deu pela sua integral procedência de acordo com douto voto do relator,eminente Ministro Sepúlveda Pertence, para

“declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628, de 14 de dezembro de 2002, queacresceu os §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, vencidos os SenhoresMinistros Eros Grau, Gilmar Mendes e a Presidente (julgado de 15.9.2005, publicado no DJde 26.9.2005, Sec. 1, p. 36, para os efeitos da Lei n. 9.868/99).”7. Diante desse fato notório, veio aos autos a informação da Secretaria (fl. 1101), na qual

se fundou o eminente Relator para determinar a remessa do processo a uma das Varas Criminaisda comarca de Belo Horizonte (fl. 1102), providência que se tornou, sem dúvida, óbvia conseqüên-cia dos efeitos erga omnes e ex tunc da declaração de inconstitucionalidade da norma em que sefundava a competência originária do STJ, como já assinalado.

8. Não houve, entretanto, qualquer esclarecimento quanto à subsistência ou insubsistênciado acórdão da Col. Corte Especial, que, após cumprir os preceitos do contraditório prévio

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disciplinado pelos arts. 4º, 5º e 6º da Lei n. 8.038, de 28.5.90, recebeu a denúncia, vencido oeminente Ministro José Delgado, que a rejeitou (f. 1035/1053).

9. Daí, a necessidade de suscitar a defesa uma questão de ordem devidamente fundamentada,postulando a nulidade ou insubsistência do acórdão que recebeu a denúncia e instaurou a açãopenal, ante a manifesta incompetência originária do Col. Superior Tribunal de Justiça paraprocessar ex-Governador de Estado, já reconhecida e proclamada pela Suprema Corte no julga-mento da argüição de inconstitucionalidade da norma legal ordinária, em que se amparou o julgadoda Col. Corte Especial (cf. petição de f. 1106/1139).

10. A providência cautelar da defesa não surtiu efeito prático. Ao contrário, em novojulgamento a Col. Corte Especial, rejeitando a questão de ordem suscitada, não se considerouincompetente para receber a denúncia, nem anulou seu acórdão, que fora anterior ao julgamentoplenário do Eg. Supremo Tribunal, pois entendeu serem “válidos os atos praticados anteriormenteà declaração de inconstitucionalidade do art. 84, § 1º do Código de Processo Penal, acrescentadopela Lei n. 10.628, de 24.12.2002”, em cuja constitucionalidade o julgamento da Corte procuraraarrimo (v. julgado de fls. 1158/1165).(Fls. 3-5.)

Em síntese, o Impetrante alega que, a partir do julgamento das ADI 2.797/DF e2.860/DF pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a incompetência do Superior Tribunalde Justiça seria manifesta. Conseqüentemente, com base em precedentes deste STF, plei-teia-se a “nulidade do recebimento da denúncia por órgão que se tornou incompetente emvirtude da declaração de inconstitucionalidade emanada da Suprema Corte” (fl. 6).

O Impetrante requer (fl. 14) a declaração da “nulidade do referido recebimento dadenúncia e a insubsistência de todos os seus efeitos jurídicos”, e, por fim, a concessão daordem de habeas corpus, “a fim de que, cassado o julgado do STJ que recebeu a denúnciacontra o Paciente, seja o feito remetido a uma das Varas Criminais de Belo Horizonte (MG)para o devido processo legal”, para que o juízo então competente proceda como entenderde direito.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da Repú-blica Dr. Cláudio Lemos Fonteles, opinou pela “concessão da ordem para que o ato derecebimento da denúncia seja cassado, e os autos sejam remetidos para uma das varascriminais do Estado de Minas Gerais para o devido trâmite processual” (fls. 238/239). Eiso teor da ementa do parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 237-239), verbis:

Ementa:1. Com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 84 da Lei nº 10.628/2002, o

Superior Tribunal de Justiça deixou de ser o foro originário para processamento e julgamento deex-governador de Estado.

2. Pelo deferimento da ordem.(Fl. 237.)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O Ministério Público Federal ofereceu, em4-12-03, denúncia (fls. 153-162) contra o ora Paciente pela suposta prática do crime previstono art. 312, última parte, do Código Penal (“Art. 312: Apropriar-se o funcionário público dedinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em

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razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”). A denúncia narra que, àépoca dos fatos (segundo semestre de 1988), o acusado exercia mandato de Governadordo Estado de Minas Gerais.

Em 5-5-04, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu (fl. 34), porunanimidade, ser competente para apreciar a ação em face do disposto no art. 84, § 1º, doCódigo de Processo Penal (com a redação dada pela Lei 10.628, de 24 de dezembro de2002), rejeitando a argüição de inconstitucionalidade levantada pela defesa em sustentaçãooral, e recebeu a denúncia.

A defesa suscitou questão de ordem nos autos da Ação Penal 297/MG, pleiteando àCorte Especial do STJ a declaração de nulidade do acórdão que recebera a denúncia. Porunanimidade, a questão de ordem foi rejeitada (fl. 86).

Desse modo, tendo sido a infração praticada por governador cujo mandato já expirou,não haveria como reconhecer a incidência do foro por prerrogativa de função.

Vale destacar ainda o julgamento das ADI 2.797/DF e 2.860/DF, de relatoria do Min.Sepúlveda Pertence, em que se discutia a constitucionalidade do art. 84 do CPP, na reda-ção dada pela Lei 10.628/02, a qual, por sua vez, estendera o foro por prerrogativa defunção aos ex-ocupantes de cargos públicos ou mandatos eletivos. Ao final, esta Cortedeclarou inconstitucional o mencionado artigo, extinguindo, por conseguinte, o foro porprerrogativa de função a ex-ocupantes de cargos públicos e mandatos eletivos, conformenoticiou o Informativo 362/STF, verbis:

Em relação ao mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, Relator, julgou procedente o pedido deambas as ações (ADI 2.797/DF e 2.860/DF). Salientou que o § 1º do art. 84 do CPP constituireação legislativa ao cancelamento da Súmula 394, ocorrido no julgamento do Inq 687-QO/SP(DJ de 9-11-01), cujos fundamentos a lei nova estaria a contrariar, e no qual se entendera que atese sumulada não se refletira na CF/88 (Enunciado 394 da Súmula: “Cometido o crime durante oexercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que oinquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”). Asseverou serimprocedente a alegação de que o cancelamento da Súmula 394 se dera por inexistir, à época,previsão legal que a consagrasse, já que tanto a súmula quanto a decisão no Inq 687-QO/SP teriamderivado de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. Declarou a inconstituciona-lidade do § 1º do art. 84 do CPP por considerar que o mesmo, além de ter feito interpretaçãoautêntica da Carta Magna, o que seria reservado à norma de hierarquia constitucional, teriausurpado a competência do STF como guardião da Constituição Federal ao inverter a leitura porele já feita de norma constitucional, o que, se admitido, implicaria sujeitar a interpretaçãoconstitucional do STF ao referendo do legislador ordinário. Declarou, também, a inconstituciona-lidade do § 2º do art. 84 do CPP. Disse que esse parágrafo veiculou duas regras: a que estende acompetência especial por prerrogativa de função para inquérito e ação penais à ação de improbi-dade administrativa e a que manda aplicar, em relação à mesma ação de improbidade, a previsãodo § 1º do citado artigo. Esta última regra, segundo o Relator, estaria atingida por arrastamentopela declaração de inconstitucionalidade já proferida. E a primeira implicaria declaração decompetência originária não prevista no rol taxativo da Constituição Federal. Ressaltou que a açãode improbidade administrativa é de natureza civil, conforme se depreende do § 4º do art. 37 da CF(“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda dafunção pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradaçãoprevistas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”) e que o STF jamais entendeu ser competentepara o conhecimento de ações civis, por ato de ofício, ajuizadas contra as autoridades para cujoprocesso penal o seria. Salientou, ainda, que a Constituição Federal reservou às constituiçõesestaduais, com exceção do disposto nos arts. 29, X, e 96, III, a definição da competência dos seus

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tribunais (CF, art. 125, § 1º), o que afastaria, por si só, a possibilidade da alteração dessa previsãopor lei federal ordinária. Concluiu que o eventual acolhimento, no julgamento da Rcl 2.138/DF,da tese de que a competência constitucional para julgar crimes de responsabilidade se estenderia àsações de improbidade, não prejudicaria nem seria prejudicado pela declaração de inconstituciona-lidade do § 2º do art. 84, já que a competência dos tribunais para julgar crimes de responsabilidadeé bem mais restrita que aquela para julgar os crimes comuns.(Informativo 362/STF, ADI 2.797/DF e ADI 2.860/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,Pleno, por maioria, DJ de 26-9-05.)

Tendo em vista a decisão proferida pelo STF nas ADI 2.797/DF e 2.860/DF, a Secretariado STJ submeteu os autos à consideração do Ministro Relator da AP 297/MG, MinistroBarros Monteiro, que determinou a remessa dos autos a uma das varas criminais da comarcade Belo Horizonte/MG.

Com este habeas corpus, a impetração busca a declaração de nulidade do ato derecebimento da denúncia e a remessa dos autos ao juízo criminal de Belo Horizonte/MG,para que o juízo de 1ª instância proceda como for de direito (fl. 14).

Quanto ao tema, o parecer ministerial apresenta o seguinte entendimento (fls. 237-239):

2. A defesa almeja a concessão da ordem para que, cassado o julgado do STJ, que recebeu adenúncia, sejam os presentes autos remetidos a uma das varas criminais de Belo Horizonte, MinasGerais – fl. 14.

3. A ordem deve ser concedida.4. De fato, a denúncia foi recebida, com base na constitucionalidade do artigo 84 da Lei

10.628/2002, em 5 de maio de 2004 – fls. 34, quando o Paciente já não exercia mais o cargo deGovernador do Estado de Minas Gerais.

5. E além disso, em 15 de setembro de 2005, a lei supramencionada foi julgadainconstitucional por esse Supremo Tribunal Federal – fls. 190, de forma que o Superior Tribunalde Justiça é corte incompetente para processar e julgar o Paciente, que não detém qualquerprerrogativa de foro perante aquela Corte desde 1991.

6. Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem paraque o ato de recebimento da denúncia seja cassado, e os autos sejam remetidos para uma das varascriminais do Estado de Minas Gerais para o devido trâmite processual.(Fls. 237-239.)

O Paciente (Newton Cardoso) deixou o cargo de Governador do Estado de MinasGerais em 1991. Em 15-9-05, a Lei 10.628, de 24-12-02, foi julgada inconstitucional peloPlenário do Supremo Tribunal Federal. Cessada está, pois, a competência do STJ parajulgar o Paciente.

Assentada a incompetência do Superior Tribunal de Justiça, passo a examinar avalidade do ato de recebimento da denúncia.

Nesse particular, é pertinente transcrever voto do Eminente Ministro Celso de Mellono Inq 1.544-QO/PI, DJ de 14-12-01, no qual se discutiram os efeitos do recebimento dedenúncia por autoridade incompetente, verbis:

(...)Entendo assistir inteira razão à douta Procuradoria-Geral da República, pois, quando do

recebimento da denúncia, por parte do E. TRF/1ª Região, em 4-3-99, o denunciado Paulo CelsoFonseca Marinho já estava no pleno exercício do mandato parlamentar de Deputado Federal,consoante atesta a certidão de fl. 265.

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Torna-se evidente, pois, que o ato de recebimento da denúncia foi praticado, no caso oraem exame, por órgão judiciário destituído de competência constitucional para apreciar litígiospenais instaurados contra membros do Congresso Nacional.

Como se sabe, incumbe, ao Supremo Tribunal Federal, em sua inafastável condição de juiznatural dos membros do Congresso Nacional (CF, art. 102, I, b), processar e julgar, originaria-mente, nos processos penais condenatórios, tanto Deputados Federais quanto Senadores daRepública.

Essa realidade normativa torna evidente a usurpação, pelo TRF/1ª Região, da competênciapenal originária do Supremo Tribunal Federal, eis que – a despeito da prerrogativa de foro de quegozam, constitucionalmente, os membros do Congresso Nacional, perante esta SupremaCorte (CF, art. 102, I, b) – a denúncia, oferecida contra Paulo Celso Fonseca Marinho, entãoPrefeito do Município de Caxias/MA, foi recebida em momento no qual o denunciado já seachava no exercício do mandato legislativo de Deputado Federal, investido, por isso mesmo,em situação político-jurídica que impedia fosse praticado, por essa E. Corte Regional, o ato derecebimento da peça consubstanciadora da acusação penal.

Esse particular aspecto da questão – recebimento da denúncia, quando o acusado já seachava investido no mandato de Deputado Federal – foi expressamente reconhecido pelopróprio TRF/1ª Região (fl. 270), que, não obstante declinando de sua competência, para oSupremo Tribunal Federal, na presente causa, manteve, no entanto, o ato processual de recebi-mento da denúncia.

(...)Em suma: sendo, o Supremo Tribunal Federal, o juiz natural dos membros do Congresso

Nacional, nos processos penais condenatórios (RTJ 137/570, 571, Rel. Min. Celso de Mello –RTJ 166/785, 786, Rel. Min. Celso de Mello – Inq 507/DF, Rel. Min. Paulo Brossard), quali-fica-se, esta Corte, como o único órgão judiciário competente para receber, ou não, denúnciarelativa a suposto crime atribuído a parlamentares federais (Rcl 1.861/MA, Rel. Min. Celso deMello, Pleno).

Se é assim, torna-se evidente que o recebimento da denúncia, por parte de órgãojudiciário absolutamente incompetente, não se reveste de validade jurídica, mostrando-se,em conseqüência, tal ato decisório, insuscetível de gerar o efeito interruptivo da prescriçãopenal, a que refere o art. 117, I, do CP.

Como se sabe, a eficácia interruptiva da prescrição penal somente ocorre quando o atode que deriva reveste-se de validade jurídica, consoante tem reconhecido a jurisprudência dosTribunais em geral (RT 628/292 – RT 684/382) e, notadamente, a do Supremo Tribunal Federal(RTJ 90/459, Rel. Min. Leitão de Abreu – RTJ 95/1058, Rel. Min. Thompson Flores – RTJ 117/1091, Rel. Min. Djaci Falcão – RTJ 124/403, Rel. Min. Sydney Sanches – RTJ 141/192, Rel.Min. Sepúlveda Pertence – RT 620/400, Rel. Min. Carlos Madeira).

Esse entendimento, por sua vez, encontra apoio no magistério da doutrina (DEL-MANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, FábioM. de Almeida. Código Penal Comentado. 5. ed. Renovar, 2000, p. 222; JESUS, Damásio E. de.Código Penal Anotado. 5. ed. Saraiva, 1995. p. 309/310; MIRABETE, Júlio Fabbrini. CódigoPenal Interpretado. Atlas, 1999. p. 623, item 117.2; COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito PenalParte Geral. 6. ed. Forense, 1998. Vol. I, tomo III, p. 2090, item 4, 1998, v.g.).(Inq 1.544-QO/PI, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, unânime, DJ de 14-12-01.)

No mesmo sentido, a Primeira Turma deste Tribunal, por unanimidade, DJ de 25-6-04, reconheceu a nulidade do acórdão de recebimento da denúncia prolatado por órgãoincompetente, conforme a ementa, in verbis:

Competência – Crime do art. 40 da Lei 9.504/97 – Reeleição de Governador. Se o casoversa sobre prática enquadrável, segundo o Ministério Público, no art. 40 da Lei 9.504/97, tem-sea incompetência do Superior Tribunal de Justiça, pouco importando que o candidato à reeleiçãodetenha a qualificação de governador.

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Competência – Denúncia – Insubsistência – Prescrição. Uma vez assentada a incompe-tência do órgão julgador, fica afastado do mundo jurídico o ato decisório de recebimento dadenúncia, descabendo assentar a eficácia interruptiva. (HC 84.152/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, unânime, DJ de 25-6-04.)

Esta Segunda Turma, por unanimidade, na sessão de 7-3-06, reconheceu a nulidade dacondenação penal proferida por órgão incompetente, verbis:

Ementa: Habeas corpus. Ex-prefeito. Foro privilegiado. Competência. Julgamento daADI 2.797. Inconstitucionalidade dos § 1º e § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal,inseridos pela Lei 10.628/02. Incompetência do órgão sentenciante. Ordem concedida. Habeascorpus de ofício para anular o acórdão proferido pela seção criminal do Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro. Remessa dos autos ao juízo monocrático competente.

Em 15-9-05, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 2.797, ocasião em quereconheceu a inconstitucionalidade dos § 1º e § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal,inseridos pela Lei 10.628/02, fato que elimina a discussão que havia sobre a matéria na época daimpetração do habeas corpus.

É patente a incompetência do órgão sentenciante, uma vez que, quando proferida a sentença,o Paciente não mais ostentava a condição de prefeito da Cidade de Cabo Frio/RJ.

Ordem concedida.(HC 86.398/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, unânime, DJ de 18-8-06).

No caso concreto, o Paciente deixara o cargo de Governador do Estado de MinasGerais desde 1991, e a infração penal se deu no segundo semestre de 1988.

Nesse contexto e conforme demonstrado anteriormente, a prerrogativa de foro serelaciona com a função exercida, e não com a pessoa física que o ocupe. A jurisprudênciadeste Supremo Tribunal é pacífica no sentido de que o foro especial por prerrogativa defunção é destinado a proteger o exercício do cargo, e não a pessoa que o exerça. Assim, nocaso concreto, o encerramento do mandato de governador não permitiu o reconhecimentoda competência do STJ.

Ademais, independentemente do resultado do julgamento das ADI 2.797/DF e2.860/DF e da discussão que o Plenário deste Supremo Tribunal Federal ainda deveenfrentar – nos termos dos estudos do Professor Rui Medeiros – quanto ao tema dalimitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade de normas penais que envolvamconteúdo mais favorável argüido, entendo que o caso concreto ora em apreço apresentauma singularidade que não pode ser desprezada.

É dizer, desde a propositura da peça acusatória, a defesa do ora Paciente suscitou,perante a instância então competente (o STJ), a inconstitucionalidade da regra de compe-tência estabelecida pelo art. 84, § 1º, do Código de Processo Penal (com a redação dadapela Lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002). Em última análise, o não-reconhecimento danulidade do ato decisório que recebeu a denúncia, no caso concreto, traz consigo ailegítima conseqüência de imputar ao Paciente uma espécie de reformatio in pejus.

A validação do recebimento da denúncia consiste em juízo jurídico equivocado, ameu ver, porque acarreta a conseqüência de legitimação de recebimento de peçaacusatória efetuado por órgão judicial cuja competência fora legitimamente questionada,pela defesa do Réu, desde o princípio.

Nesse particular, é válido invocar os seguintes dizeres de Rui Medeiros, que explicitaem seus ensinamentos que: “Está muito difundida a idéia de que, nos termos gerais, a

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decisão de inconstitucionalidade, embora possa vir a favorecer o estatuto do argüido,nunca pode agravar a sua situação.” (MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionali-dade, p. 753/754). O caso sob análise demanda, portanto, que o reconhecimento da validadedo ato de recebimento da denúncia imputa ao Réu injusto gravame, o qual não pode sersuportado, uma vez que fora devidamente questionado pela defesa desde a primeiraoportunidade processual.

Nesses termos, considerada essa singularidade, o meu voto é pela concessão daordem para que seja cassado o ato de recebimento da denúncia, em face da manifestaincompetência do STJ, devendo os autos ser encaminhados à autoridade judicial compe-tente para que proceda como entender de direito.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 88.607/MG — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Newton Cardoso.Impetrante: José Guilherme Villela. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nostermos do voto do Relator. Falou pelo Paciente o Dr. José Guilherme Villela.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros GilmarMendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 3 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 89.251 — SP

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiPaciente: Antonio Roberto Barbosa — Impetrante: Luiz Vicente Pellegrini Porto —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Suspensão condicional doprocesso. Crime continuado. Súmula 723 do Supremo Tribunal Federal.

I - O entendimento firmado na Corte é no sentido da inadmissão dasuspensão condicional do processo por crime continuado quando a penamínima majorada for superior a um ano, nos exatos termos da Súmula 723.

II - Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, inde-ferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado por LuizVicente Pellegrini Porto, em favor de Antônio Roberto Barbosa, contra o decidido noacórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que desproveu o RHC 19.126/SP,conforme a ementa a seguir transcrita:

Criminal. RHC. crimes de estelionato. Continuidade delitiva. Suspensão condicional doprocesso não oferecida ao recorrente pelo Ministério Público. Pena superior a 1 ano. Lei10.259/01. Requisitos inalterados. Recurso desprovido.

I - Hipótese que o recorrente foi denunciado pela prática de onze crimes de estelionato, emcontinuidade delitiva, não lhe tendo sido oferecida a proposta de suspensão condicional doprocesso pelo Ministério Público.

II - O instituto da suspensão condicional do processo não sofreu qualquer alteração com oadvento da Lei nº 10.259/01, sendo permitido apenas para os crimes que tenham pena mínimanão superior a 1 ano.

III - A suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95, éinaplicável aos crimes cometidos em concurso material, formal, ou em continuidade, quando asoma das penas mínimas cominadas a cada crime, a consideração do aumento mínimo de 1/6, ouo cômputo da majorante do crime continuado, conforme o caso, ultrapassar o quantum de 1 ano,hipótese dos autos.

IV - Incidência da Súmula nº 243/STJ. Precedentes.V - Recurso desprovido.

(Fl. 22.)

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O Paciente foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 171, caput(estelionato), combinado com os arts. 71, caput (crime continuado – 11 vezes), e 29 (con-curso de pessoas), todos do Código Penal.

Sustenta o Impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal, uma vez que o mem-bro do Ministério Público deixou de oferecer a suspensão condicional do processo, pre-vista no art. 89 da Lei 9.099/95. Narra que o órgão de acusação entendeu que o Pacientenão fazia jus ao benefício porque o delito foi cometido em continuidade delitiva.

Entende o Impetrante, ainda, que o enunciado da Súmula 723 do Supremo TribunalFederal está em dissonância com a doutrina e a jurisprudência firmada nos Tribunaisestaduais, mais humana e consentânea com o espírito que norteou a edição da citada Lei.

Postula, ao final, “que cesse o constrangimento ilegal imposto ao Paciente, de maneiraa que sejam verificados os demais requisitos legais para o oferecimento a ele da suspensãocondicional do processo, afastada a interpretação da r. decisão anexada” (fl. 11).

Indeferida a medida liminar, em 10-7-06, pela Ministra Presidente, e dispensadas asinformações (fls. 30-31), o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem(fls. 33-35).

Tendo sido, posteriormente, negado seguimento ao recurso por meio de decisão doRelator, procedeu o Impetrante à interposição de agravo regimental em que sustentou,além das teses suscitadas na impetração, a possibilidade de aplicação analógica do art.119 do Código Penal, que dispõe sobre a incidência da prescrição em concurso de crimes.

Em face de tais argumentos, reconsiderei a decisão agravada para submeter a matériaà Turma julgadora.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos, verificoque o presente writ não merece acolhimento.

Na hipótese, a pena mínima prevista para o crime de estelionato é de 1 (um) ano dereclusão (art. 171, caput, do Código Penal). O acréscimo pelo crime continuado é de 1/6(um sexto) a 2/3 (dois terços) da pena.

Como bem salientou o ilustre membro do Ministério Público em seu parecer, o bene-fício é inaplicável ao caso:

O artigo 89 da Lei 9.099/95 só permite a suspensão condicional do processo para delitoscom cominação de pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano. Tal benefício é inaplicável aoscrimes cometidos em continuidade quando o cômputo da majorante ultrapassa o quantum de 1(um) ano.

(...)A propósito, a recente Lei 11.313/2006 em nada alterou o preceituado pelo artigo 89 da

Lei 9.099/95, modificando apenas os artigos 60 e 61 desse estatuto.(Fls. 34-35.)

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Nesse sentido, afigura-se evidente a afronta à Súmula 723 desta Corte, a qual possuio seguinte teor: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuadose a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto forsuperior a um ano”.

Percebe-se, assim, que o entendimento consolidado na Corte tem como base a aplica-ção analógica das disposições relativas à suspensão condicional da pena e à fiança, que serevelam institutos muito assemelhados à suspensão condicional do processo. Deve-se,portanto, levar em conta a soma das penas, no caso de concurso material, ou a pena únicaagravada, nos casos de concurso formal e crime continuado. Esse é o entendimentoperfilhado pelo Tribunal no julgamento do HC 77.242/SP, Rel. Min. Moreira Alves.

Afasta-se, no caso, a incidência das regras relacionadas à prescrição (art. 119 doCódigo Penal), cuja teleologia se dirige a outros fins.

Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: HC 78.876/MG, Rel.Min. Maurício Corrêa; RHC 80.143/SP, Rel. Min. Sydney Sanches; HC 80.721/SP, Rel. Min.Néri da Silveira; HC 80.837/SP, Rel. Min. Celso de Mello; HC 80.811/PR, Rel. Min. MoreiraAlves; e HC 82.936/SP, Rel. Min. Eros Grau.

Em face do exposto, indefiro a ordem.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quando a matéria chegou aoPlenário, sustentei o entendimento de que o instituto da continuidade delitiva não podeser interpretado a ponto de haver prejuízo para aquele que o preceito objetiva beneficiar.

Fiquei vencido, e o Tribunal editou o Verbete 623 da Súmula. Ante esse mesmoverbete, ressalvo o entendimento e acompanho o Relator, indeferindo a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também fiquei vencido em leadingcase julgado no Plenário.

Indefiro o habeas corpus nos mesmos termos do voto do Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA

HC 89.251/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: AntonioRoberto Barbosa. Impetrante: Luiz Vicente Pellegrini Porto. Coator: Superior Tribunal deJustiça

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco

Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 89.330 — SP

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiPaciente: Sandra Aparecida Cristóvão — Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa

Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Penal. Roubo qualificado (CP, art. 157, § 2º, II). Fixa-ção de cumprimento de pena. Regime semi-aberto. Inteligência das Súmulas718 e 719 do STF. Gravidade em abstrato do delito. Ordem concedida.

I - A gravidade em abstrato do delito de roubo qualificado, mesmo haven-do causa de aumento de pena (concurso de pessoas) não pode ser consideradapara fins de fixação do regime de cumprimento de pena.

II - Ausente o trânsito em julgado em processos-crime, esses não podemser considerados como antecedentes criminais.

III - Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferiro pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificada-mente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 29 de agosto de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado pelaProcuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo (PAJ/PGE/SP), subscritopela Procuradora Dra. Patrícia Helena Massa Arzabe, em favor de Sandra AparecidaCristóvão, contra decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 43.324/SP,cujo acórdão foi assim ementado:

Habeas corpus. Roubo qualificado. Regime prisional mais gravoso (fechado) diante doquantum da pena infligida. Legalidade. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Pena-base fixa-da acima do mínimo legal. Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do CP.

1. Muito embora a sentença tenha feito referência a maus antecedentes tendo em conta aexistência de processos e inquéritos em andamento contra a ré – o que, por certo, não tem sidoadmitido pela jurisprudência das Cortes Superiores – o Juiz sentenciante consignou, ainda, desfa-voráveis outras circunstâncias judiciais, as quais justificaram a exasperação da pena-base acima domínimo, bem como a aplicação do regime prisional mais gravoso. Inteligência dos arts. 59 e 33,§ 2º, ambos do CP. Precedentes do STJ.

2. Ordem denegada.

Narra a Impetrante que a Paciente foi condenada pelo crime tipificado no art. 157,§ 2º, II, do Código Penal (roubo qualificado pelo concurso de pessoas) ao cumprimentoda pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado.

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O crime foi praticado com a participação de um adolescente, no centro da cidade deSão Paulo, e consistiu no arrebatamento de um telefone celular, após um empurrão navítima, a qual conseguiu perseguir o menor até a sua detenção pela Polícia Militar, recupe-rando-se o bem móvel subtraído.

Sustenta a Impetrante, em suma, que a fundamentação do regime fechado para aPaciente é inidônea, sendo flagrante nulidade da sentença nesse ponto, razão pela qual aPaciente faz jus ao regime intermediário, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal (fl. 6).

Alega, ainda, que o acórdão impugnado, ao considerar adequado o regime impostoà Paciente, está em confronto com a legislação penal, segundo a qual o cumprimento dapena em regime prisional mais brando, preenchidos os pressupostos dos arts. 59 e 33, § 2º,b, do Código Penal, somente é afastável diante de argumento consistente e razoável.

Por fim, entende que se aplicam ao caso as Súmulas 7181 e 7192 dessa Corte.Com esses argumentos requer o deferimento da medida liminar e a concessão da

ordem para estabelecer o regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena.A medida liminar foi indeferida pela Ministra Presidente, em 24-7-06 (fls. 86/87).O Ministério Público Federal, pelo parecer do Subprocurador-Geral da República,

Dr. Mario José Gisi, é no sentido da concessão da ordem (fls. 89-94).É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Trata-se de habeas corpus impetradopor Patrícia Helena Massa Arzabe, Procuradora do Estado de São Paulo, em exercício naProcuradoria de Assistência Judiciária (PAJ/PGE/SP), em favor de Sandra AparecidaCristóvão, contra decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 43.324/SP.

Sustenta a Impetrante, em suma, que a fundamentação do regime fechado para aPaciente é inidônea, sendo flagrante nulidade da sentença nesse ponto, razão pela qual aPaciente faz jus ao regime intermediário, isto é, o semi-aberto, nos termos do art. 33, § 2º,b, do Código Penal (fl. 6).

Requer, por fim, a aplicação das Súmulas 7183 e 7194dessa Corte.A ordem é de ser concedida.

1 Súmula 718 do STF – “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constituimotivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.”2 Súmula 719 do STF – “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicadapermitir exige motivação idônea.”3 Súmula 718 do STF – “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constituimotivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.”4 Súmula 719 do STF – “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicadapermitir exige motivação idônea.”

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Bem asseverou o Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 89-94, que ajurisprudência dominante desta Corte aponta para impossibilidade da fixação de regimeprisional mais austero, apenas com fundamento na gravidade em abstrato do delito. Esseo teor da Súmula STF 718 e o caso dos autos.

Na sentença, o Juiz de primeiro grau, para estabelecer o regime prisional, levou emconsideração a existência de processo criminal em andamento contra a Paciente, por furtoqualificado, sem trânsito em julgado, considerando-o antecedente criminal (fl. 43).

Considerou, ainda, que a Paciente revelou má conduta social e personalidade desa-justada, por ter praticado o crime na companhia de adolescente, concluindo ser o regimefechado o único adequado à periculosidade por ela revelada (fl. 44).

Ora, o mero juízo de valor sobre a gravidade do delito em abstrato pode também serverificado, nos trechos abaixo transcritos, colacionados pelo Ministério Público Federal àfl. 93:

A propósito do regime prisional fechado, cumpre uma maior fundamentação, lembrando-seainda na companhia do Juiz do Tribunal de Alçada Criminal Paulista Corrêa de Moraes, relator daApelação n. 936801/2, que “Esta Colenda Câmara tem proclamado, vezes sem conta, queo regime fechado é o único compatível com o início do cumprimento de pena impostaao autor do roubo, uma das mais intranqüilizadoras expressões da criminalidade, nostempos correntes.”(Fls. 44/45 – Destaque nosso.)

(...)É de pronta intelecção que a perpetração de roubo denota personalidade avessa

aos preceitos ético-jurídicos, que presidem à convivência social. Tendo isso presente,deve o Juiz sujeitar o agente ao mais severo regime prisional (CP, art. 59, III).(Fl. 45 – Destaque nosso.)

(...)Não se vê, em princípio que a brandura do regime prisional se proporcione como

satisfação suficiente à reprovação do crime de roubo.(Fl. 50 – Destaque nosso.)

Como se vê, a decisão impugnada não foi adequadamente fundamentada, inexistindofatos concretos a justificar o regime imposto (Precedentes – HC 83.520/SP, Rel. Min.Joaquim Barbosa; HC 85.508/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 83.927/SP, Rel. Min.Carlos Britto).

Por essas razões conheço do presente habeas corpus, concedo a ordem para que aPaciente cumpra a pena privativa de liberdade inicialmente em regime semi-aberto.

EXTRATO DA ATA

HC 89.330/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Sandra AparecidaCristóvão. Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária).Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Ministro MarcoAurélio.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Compareceu o MinistroEros Grau, a fim de participar de julgamento de processo a ele vinculado, assumindo acadeira do Ministro Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot.

Brasília, 29 de agosto de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 200 969

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 89.486 — PE

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiAgravante: José Edson Batista da Silva — Agravado: Relator do HC 63.592 do

Superior Tribunal de Justiça

Agravo regimental. Habeas corpus. Negativa de seguimento. Ausênciada decisão atacada. Medida liminar indeferida pela autoridade impetrada.Súmula 691 do STF.

I - A ausência da decisão atacada nos autos, em habeas corpus impetradocontra indeferimento de liminar, viabiliza sua negativa de seguimento, mor-mente quando a decisão sequer foi disponibilizada para consulta pública.

II - Impossibilidade de cotejo entre os argumentos apresentados peloagravante e a necessária razoabilidade da decisão atacada.

III - Agravo regimental conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, negarprovimento ao agravo regimental no habeas corpus. Ausentes, justificadamente, o MinistroMarco Aurélio e a Ministra Cármen Lúcia.

Brasília, 19 de setembro de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental interposto dadecisão de 22-8-06, na qual neguei seguimento ao habeas corpus impetrado contra oindeferimento de medida liminar pelo Ministro Relator do HC 63.592/PE.

Transcrevo integralmente a decisão agravada:

Trata-se de habeas corpus impetrado por Rodrigo Trindade em favor de José EdsonBatista da Silva contra decisão do Ministro Relator do HC 63.592/PE, da 5ª Turma do SuperiorTribunal de Justiça, que indeferiu o pedido de medida liminar pleiteada.

O objeto daquele habeas corpus é a cassação do acórdão do Tribunal de Justiça dePernambuco que desaforou o julgamento pelo júri popular da Comarca de Camocim de São Félixpara a cidade do Recife, ou a designação de Comarca mais próxima do distrito da culpa para ojulgamento.

Narra o Impetrante que o Paciente, pronunciado pelo crime tipificado no art. 121, § 2º, IV,combinado com o art. 14, II, ambos do Código Penal (homicídio qualificado, na forma tentada),por duas vezes, sofre constrangimento ilegal pelo desaforamento do julgamento para a Comarcado Recife, sem que a decisão do Tribunal de Justiça fosse fundamentada.

Sustenta, em síntese, ser direito do cidadão o julgamento no distrito da culpa, uma vez queestariam ausentes os pressupostos do art. 424 do Código de Processo Penal.

Discorre, ainda, sobre a inexistência de prova produzida no primeiro grau para fins decomprovação da dúvida sobre a imparcialidade do juiz ou sobre a segurança do Réu, entendendo-a imprescindível.

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Assevera, mais, que houve decisão per saltum do Tribunal de Justiça do Estado dePernambuco, existindo Comarcas mais próximas do distrito da culpa aptas à realização do Plenáriodo Júri que a capital do Estado.

Informa, por fim, a designação de julgamento para o dia 14-9-06 (fl. 68).Decido:Considerando que o presente habeas corpus foi impetrado contra decisão que indeferiu

medida liminar, sem que o Impetrante tenha providenciado o teor da decisão impugnada, a qual,segundo pesquisa nos sistemas de informática do Superior Tribunal de Justiça, ainda não foi sequerpublicada, tenho como impossível a análise do requerimento.

Ademais, o pedido encontra-se em confronto com o teor da Súmula 691 desta Corte.Isto posto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao presente habeas

corpus, prejudicada a análise do pedido de medida liminar.(Fls. 72/73.)

Sustenta o Agravante, em síntese, ter enviado a esta Corte, via fac-símile, antes deproferida a decisão, uma petição para que a análise do pedido liminar somente fosse feitoapós a chegada das informações da autoridade tida por coatora.

Reitera, ainda, alegações da inicial, aduzindo que a autoridade tida por coatoraindeferiu a medida liminar pleiteada com o argumento de que a matéria era “complexa”, oque feriria o princípio da motivação dos atos judiciais. Anexa ao agravo regimental cópiadaquela decisão.

Postula, ao final, o acolhimento do pedido e a concessão da medida liminar, parasuspender o julgamento popular do Paciente, marcado para o dia 14-9-06.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Insurge-se o Agravante contra deci-são que negou seguimento ao habeas corpus impetrado contra decisão indeferitória deliminar, sem instruir o pedido com o teor da decisão atacada.

Por liberalidade, providenciou-se pesquisa junto ao sítio eletrônico do SuperiorTribunal de Justiça, constatando-se, na ocasião, que a decisão não se encontrava dispo-nível para consulta, já que sequer havia sido incluída no sistema de informática.

Considerando o teor da Súmula 691 desta Corte como fundamento secundário,neguei seguimento ao habeas corpus por entender ser impossível a análise do requeri-mento, uma vez que, ausente a peça essencial, ficou prejudicado o cotejo entre as alega-ções do Impetrante e a razoabilidade do conteúdo decisório atacado.

A existência de pedido posterior para a análise da medida liminar somente após achegada das informações, além de desprovido de base legal, é incabível, uma vez queficou prejudicada com a negativa de seguimento.

As considerações quanto à matéria de fundo, suscitadas pelo Agravante, concomi-tantemente com a apresentação espontânea da decisão atacada, não merecem análise. Éque o exame do mérito do agravo está vinculado ao conteúdo já existente nos autos nomomento da decisão.

Pelo exposto, conheço e julgo improcedente o presente agravo regimental.

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EXTRATO DA ATA

HC 89.486-AgR/PE — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: JoséEdson Batista da Silva (Advogado: Rodrigo Trindade). Agravado: Relator do HC 63.592do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no habeas corpus. Unâ-nime. Ausentes, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio e a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosCarlos Britto e Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, o Ministro MarcoAurélio e a Ministra Cármen Lúcia. Subprocuradora-Geral da República, Dra. CláudiaSampaio Marques.

Brasília, 19 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 89.576 — SP

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaAgravante: Renato de Oliveira Souza ou Renato Oliveira Souza — Agravada:

Relatora do HC 53.453 do Superior Tribunal de Justiça

Agravo regimental. Habeas corpus. Penal. Processual Penal. Atoomissivo da relatora do habeas corpus impetrado no Superior Tribunal deJustiça. Ação pendente de julgamento naquele Tribunal. Supressão de ins-tância. Precedentes.

1. Habeas corpus impetrado contra ato omissivo da Ministra LauritaVaz, do Superior Tribunal de Justiça. O Agravante tenta dar seguimento aohabeas corpus, contudo não trouxe qualquer argumento capaz de modificar oquanto havido na decisão agravada.

2. Os fundamentos relativos à ilegalidade da prisão preventiva doPaciente não foram apreciados definitivamente pelo Superior Tribunal deJustiça. Qualquer decisão deste Supremo Tribunal Federal sobre a matériaconfiguraria supressão de instância. Precedentes. A admissão de habeascorpus, nesses casos, é medida excepcional que apenas se torna viáveldiante da patente configuração da plausibilidade jurídica do pedido e daurgência da pretensão. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental no habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Este o teor da decisão pela qual neguei seguimento aohabeas corpus (fls. 183-185):

1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Carlos ChammasFilho e outros em favor de Renato de Oliveira Souza, contra ato omissivo da Ministra LauritaVaz, do Superior Tribunal de Justiça, que ainda não levou a julgamento o HC 53.453, de suaRelatoria.

Relata-se, na peça inicial desta ação, que:“(...) o Habeas Corpus nº 53.453 foi impetrado no dia 31 de janeiro de 2006, tendo

sido enviado ao Parquet Federal somente no dia 20 de fevereiro (...)(...)O exacerbamento na demora do julgamento teve início já no prédio do Ministério

Público Federal: tendo sido enviado para parecer no dia 20 de fevereiro de 2006, sóretornou ao Superior Tribunal de Justiça 1 mês e 9 dias depois (...)

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E (...) é onde até hoje encontram-se hibernado os autos do Habeas Corpus nº53.453, aguardando tão necessária atenção do judiciário a uma situação da patente ilegali-dade que já se arrasta por quase 1 ano e 2 meses, sendo que mais de 6 meses sóaguardando a prestação jurisdicional do Tribunal coator.”(Fl. 3.)

“Desta feita, faz-se necessário o recebimento do presente remédio constitucional,com a final concessão da ordem, para que se veja sanada a patente omissão em se ilidir umareprimenda corporal patentemente ilegal (...)”(Fl. 4.)No mais, o Impetrante repete os fundamentos do habeas impetrado no Superior Tribunal

de Justiça e traz fundamentos de mérito da ação penal.2. Inviável o habeas corpus.O Impetrante pretende o julgamento per saltum das questões ainda não analisadas pelo

Superior Tribunal de Justiça.Os temas suscitados na presente impetração sequer foram objeto de apreciação por parte

da eminente Ministra Laurita Vaz no processo de que é Relatora. De se destacar, neste ponto, quea jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tem admitido o conhecimento de habeascorpus, por entender incabível o exame, per saltum, de fundamentos não ainda apreciados peloórgão judiciário apontado como coator. (HC 73.390, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 17-5-96;HC 81.115, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 14-12-01.)

3. Pelo exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, § 1º, do Regi-mento Interno do Supremo Tribunal Federal), ficando prejudicado, como é óbvio, o pedido deliminar.(Fls. 183-184.)

No presente recurso, o Agravante alega que “(...) negar seguimento ao HabeasCorpus n. 89.579/SP (...) É negar ao Paciente o acesso à Justiça!” (Fl. 192.)

Sustenta, em síntese, que as teses discutidas no habeas corpus “(...) não foramanalisadas pela instância prévia por absoluta ineficiência estatal. O Paciente não pode terseu direito a prestação jurisdicional (adequada) tolhido por conta de um defeito na máquinajudiciária, calcando-se numa suposta supressão de instância. O que se vê aqui é umainstância negando-se a prestar sua jurisdição. Senão abertamente, com certeza através daposição omissa que passou a ocupar com a demora despendida. E o somar dos fatores,constitui, sim, coação passível de ser reformada por este Pretório Excelso.” (Fls. 193-194.)

Requer “(...) seja reformado o despacho que negou seguimento ao Habeas Corpus789.576/SP, recebendo e processando-o ou, caso V. Exa. assim entenda, seja recebida apresente como agravo regimental, processando-se nos termos do artigo 317 e seguintes doRegimento Interno desta Suprema Corte.” (Fl. 195.)

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Inicialmente, lembro a Vossas Excelênciasque o presente habeas corpus foi impetrado contra ato omissivo da Ministra Laurita Vaz,do Superior Tribunal de Justiça, que, segundo alega o Impetrante/Agravante, ainda nãolevou a julgamento o HC 53.453, de sua relatoria.

Relata-se, na peça inicial desta ação, que:

(...) o Habeas Corpus nº 53.453 foi impetrado no dia 31 de janeiro de 2006, tendo sidoenviado ao Parquet Federal somente no dia 20 de fevereiro (...)

(...)

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O exacerbamento na demora do julgamento teve início já no prédio do Ministério PúblicoFederal: tendo sido enviado para parecer no dia 20 de fevereiro de 2006, só retornou ao SuperiorTribunal de Justiça 1 mês e 9 dias depois (...)

E (...) é onde até hoje encontram-se hibernado os autos do Habeas Corpus nº 53.453,aguardando tão necessária atenção do judiciário a uma situação da patente ilegalidade que já searrasta por quase 1 ano e 2 meses, sendo que mais de 6 meses só aguardando a pres-tação jurisdicional do Tribunal coator.(Fl. 3.)

Desta feita, faz-se necessário o recebimento do presente remédio constitucional, com afinal concessão da ordem, para que se veja sanada a patente omissão em se ilidir uma reprimendacorporal patentemente ilegal (...). (Fl. 4.)

Em que pese à tentativa do Agravante em fazer dar seguimento ao presente habeascorpus, não trouxe ele qualquer argumento capaz de modificar o quanto antes decididopor meio da decisão agravada.

A admissão de habeas corpus, nesses casos, é medida excepcional que apenas setorna viável diante da patente configuração da plausibilidade jurídica do pedido e daurgência da pretensão. Não é o que se verifica na espécie. Em consulta ao andamentoprocessual do HC 53.453 no sítio do Superior Tribunal de Justiça na internet, verifico quehá indeferimento de liminar e os autos encontram-se conclusos com parecer da Procura-doria-Geral da República. Percebe-se que, na verdade, o Impetrante, ora Agravante, fazuso do presente habeas corpus como se recurso fosse, em razão de ter sido indeferida aliminar pedida no Tribunal a quo.

Frise-se, os fundamentos relativos à ilegalidade da prisão preventiva do Pacienteainda não foram definitivamente apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça, e, portanto,qualquer decisão deste Supremo Tribunal Federal nesse sentido configuraria supressãode instância. Nesse sentido, vale destacar os seguintes precedentes: HC 85.496, Rel. Min.Ricardo Lewandowski, DJ de 8-9-06; HC 86.934-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de23-6-06; HC 86.990, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 2-5-06; HC 84.349, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 24-9-04; HC 83.922, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 2-4-04; e HC83.489, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19-12-03.

Pelas razões expostas, desprovejo o presente agravo regimental e mantenho a deci-são agravada.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 89.576-AgR/SP — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Agravante: Renato deOliveira Souza ou Renato Oliveira Souza (Advogados: Carlos Chammas Filho e outro).Agravada: Relatora do HC 53.453 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no habeas corpus, nostermos do voto da Relatora. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamentoo Ministro Marco Aurélio.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 26 de setembro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO 240.735 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Município de Governador Valadares — Agravada: Vanessa Alves de

Araújo Rodrigues

Agravo regimental no recurso extraordinário. Cargo público. Declara-ção de desnecessidade. Lei em sentido estrito. Inexistência. Impossibilidade.Processo administrativo.

1. Os cargos públicos apenas podem ser criados e extintos por lei deiniciativa do Presidente da República. A declaração de desnecessidade semamparo legal não é hábil a extingui-los.

2. A exoneração de servidor público ocupante de cargo efetivo, aindaque em estágio probatório, depende da prévia instauração de procedimentoadministrativo, sob pena de ofensa ao princípio do devido processo legal.

Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidadeda ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provi-mento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 28 de março de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A decisão proferida no recurso extraordinário tem o se-guinte teor (fl. 740):

Decisão: Discute-se no presente recurso extraordinário a possibilidade da exoneração deservidores públicos não-estáveis, em razão de ter sido o cargo – por portaria – declarado desne-cessário.

2. Assevera o Tribunal a quo que “há um estudo detalhado e minucioso sobre a necessidadede se enxugar a máquina administrativa. Todavia, sem verificar que cargos estariam em demasia,optou-se pela dispensa, indiscriminada, de servidores concursados, nomeados e em período deestágio probatório, não estáveis” (fls. 10-11).

3. O Recorrente alega que o acórdão impugnado violou o art. 41, § 3º, da Constituição doBrasil. Salienta ainda que “o ato de declaração de desnecessidade de cargo público decorre deexercício do poder discricionário do Administrador, vale dizer, de seus próprios juízos de oportu-nidade e conveniência e, também por isto, independe de lei infraconstitucional que a autorize”(fls. 448-449).

4. Observa-se, entretanto, que os cargos públicos apenas podem ser criados por lei deiniciativa do Presidente da República – art. 61, § 1º, II, a, da CB de 88. Logo, sua extinção, damesma forma, depende de lei em sentido estrito.

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5. Acrescente-se ainda que a decisão combatida está em consonância com o entendimentodesta Corte, no sentido de que é nula a “demissão de servidor por motivo de conveniênciaadministrativa e interesse público, sem processo administrativo” (RE 244.544-AgR, Relator oMinistro Maurício Corrêa, DJ de 21-6-02).

Ante o exposto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao recurso.

2. Contra essa decisão o Município de Governador Valadares interpõe o presenteagravo regimental. Afirma que “ao Chefe do Poder Executivo, sendo competente para oprovimento de cargos públicos, cabe a declaração da desnecessidade destes, segundoseu juízo de conveniência e oportunidade” (fl. 762).

3. Sustenta que “o servidor em estágio probatório encontra-se em situação precária,podendo ser exonerado, ante a declaração de desnecessidade do cargo por ele ocupado,independentemente de prévio processo administrativo, já que os motivos da exoneraçãonão dizem respeito à conduta ou à capacidade funcional do agente público” (fls. 763-764).

4. Alega ainda que “apenas em se tratando de extinção de cargo público há necessi-dade de prévia autorização legislativa, assim como o ato de sua criação (...) não recaindoa mesma exigência sobre o ato de declaração de desnecessidade de cargo público, o qualnão implica, necessariamente, a extinção deste” (fl. 764).

5. Por fim, colaciona precedente do STF que supostamente corroboraria sua argu-mentação.

Requer o provimento do agravo regimental.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não assiste razão às argumentações do Agravante.2. Os cargos públicos apenas podem ser criados por lei de iniciativa do Presidente

da República (art. 61, § 1º, II, a, da CB/88). Logo, sua extinção, da mesma forma, depende delei em sentido estrito.

3. Ora, a declaração de desnecessidade de um cargo implica – ainda que indireta-mente – a sua extinção. Assim, é imprescindível o prévio amparo legal.

4. O precedente colacionado pelo Agravante não ampara a sua pretensão. Destacoinicialmente que a ementa transcrita à fl. 764 da petição do agravo regimental nãocorresponde ao MS 21.213 – conforme afirmado nas razões deste recurso – mas, sim, aoMS 21.227, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 22-10-93.

5. Ao julgar aquele mandado de segurança, o Ministro Relator adotou como razão dedecidir o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio no MS 21.225, no qual restou deter-minado que:

A extinção do cargo e a declaração de sua desnecessidade (...) decorrem do juízo de conve-niência e oportunidade formulado pela administração pública. O servidor não tem assegurada a viada oposição ao que a respeito vier a ser deliberado. A Lei 8.028, de 12 de abril de 1990, resultantedo Projeto de Conversão da Medida Provisória 150, de 15 de março de 1990, autorizou o PoderExecutivo a “extinguir ou transferir, no âmbito da Administração Pública Federal, mediantealteração de denominação e especificação, sem aumento de despesas, cargos ou funções de

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confiança” (...) sendo que o excedente de pessoal em exercício nos órgãos e Ministérios, conside-rados cargos e empregos permanentes dos respectivos quadros ou tabelas, seria alcançado peladisponibilidade – art. 28, inciso IV.

(...)Dizer que a declaração da extinção do cargo ou da citada desnecessidade não prescindia de

lei que os especificasse é olvidar os termos da própria Lei 8.028/90 e a respectiva regulamentaçãoatribuída, pelo inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, ao Chefe do Poder Executivo.

6. Constata-se que no precedente colacionado pelo Agravante a declaração dedesnecessidade dos cargos públicos estava amparada por lei em sentido estrito (Lei8.028/90).

7. Por outro lado, este Tribunal firmou entendimento no sentido de que “(o) servidorpúblico ocupante de cargo efetivo, ainda que em estágio probatório, não pode ser exone-rado ad nutum, com base em decreto que declara a desnecessidade do cargo, sob pena deofensa à garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa” (RE378.041, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 11-2-05).

Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 240.735-AgR/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Município deGovernador Valadares (Advogados: José Nilo de Castro e outro). Agravada: VanessaAlves de Araújo Rodrigues (Advogados: Antonio Augusto Fernandes Filho e outro).

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nostermos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os MinistrosCelso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO 375.045 — MG

Relator: O Sr. Ministro Gilmar MendesAgravante: Droga Rosa Ltda. — Agravada: União

Agravo regimental. 2) Cofins. Lei 9.718/98. Declaração de inconstitu-cionalidade do § 1º do art. 3º. Compensação tributária. 3) Independentementede constar no pedido inicial da ação, não cabe ao STF apreciar matéria semnatureza constitucional e ausente do recurso extraordinário. 4) A declaraçãode inconstitucionalidade de dispositivo legal que implicou na instituição ou namajoração de tributo importa em direito creditório frente à respectiva FazendaPública, desde que seja ele demonstrável mediante a respectiva documentaçãofiscal e sob ampla possibilidade de fiscalização pelas autoridades fazendáriascompetentes. 5) Compensação tributária. Inexistência de controvérsia jurídicaa priori. A restituição do indébito tributário, independentemente da opção daparte quanto à forma de restituição dos valores (pagamento em pecúnia oucompensação), tem disciplina legal própria e estrita, inclusive no que diz comos encargos aplicáveis e com o prazo que pode abranger anteriormente aoajuizamento da ação. Eventual controvérsia surgida no cumprimento da deci-são deverá ser dirimida pelo juízo da execução ou pelos mecanismos própriosda administração tributária. Precedentes. Agravo regimental a que se negaprovimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negarprovimento ao agravo.

Brasília, 25 de abril de 2006 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de agravo regimental oposto a decisãoassim redigida:

Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III,a, da Constituição Federal, contra acórdão no qual ficou assentada a constitucionalidade do § 1º doart. 3º e do art. 8º e parágrafos, da Lei 9.718, de 28 de novembro de 1998.

Quanto à constitucionalidade do art. 8º e parágrafos, da Lei 9.718, de 1998, o acórdãorecorrido não divergiu da jurisprudência firmada por esta Corte. Nesse sentido, o RE 336.134,Pleno, Rel. Ilmar Galvão, DJ de 16-5-03, assim ementado:

“Ementa: Tributário. Cofins. Art. 8º e § 1º da Lei 9.718/98. Alíquota majorada de2% para 3%. Compensação de até um terço com a Contribuição Sobre o Lucro Líquido(CSLL), quando o contribuinte registrar lucro no exercício. Alegada ofensa ao princípio daisonomia.

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Por efeito da referida norma, o contribuinte sujeito a ambas as contribuições foicontemplado com uma bonificação representada pelo direito a ver abatido, no pagamentoda segunda (Cofins), até um terço do quantum devido, atenuando-se, por esse modo, acarga tributária resultante da dupla tributação.

Diversidade entre tal situação e a do contribuinte tributado unicamente pela Cofins,a qual se revela suficiente para justificar o tratamento diferenciado, não havendo que falar,pois, de ofensa ao princípio da isonomia.

Não-conhecimento do recurso.”No julgamento do RE 357.950, Rel. Marco Aurélio, sessão de 9-11-05, o Plenário do

Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento acima citado e declarou a inconstituciona-lidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718, de 1998, em face do disposto no art. 195, I, da Carta Magna,com a redação anterior à Emenda Constitucional 20, de 11 de dezembro de 1998.

O acórdão recorrido divergiu, tão-somente, da orientação firmada em relação ao § 1º doart. 3º da Lei 9.718, de 1998.

Assim, conheço e dou parcial provimento ao recurso (art. 557, § 1º-A, do CPC), paraafastar a aplicação do § 1º do art. 3º da Lei 9.718, de 1998. Sem honorários (Súmula 512/STF).

Alega o Agravante, em síntese, que houve omissão acerca da forma de restituiçãodos valores caracterizados como indébito tributário em razão da decisão, especialmenteno que diz com o “direito à compensação”.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): A matéria suscitada é estranha àquela espe-cificamente devolvida à Corte por ocasião do recurso extraordinário. Aliás, nem poderiaser diferente, tendo em vista a sua inequívoca natureza infraconstitucional.

Outrossim, mesmo que se entendesse incumbir ao Tribunal, em razão do provimento(total ou parcial) do apelo extremo, decidir sobre os consectários diretos da decisão, amatéria, em princípio, não enseja controvérsia jurídica.

Em primeiro lugar a decisão proferida nos autos faz surgir, per se, um inequívocodireito creditório frente à Fazenda Nacional. Contudo, e como em qualquer caso destanatureza, a quantificação deste crédito far-se-á mediante a devida documentação fiscalcaracterizadora dos valores oportunamente recolhidos pela parte, sob plena possibilidadede fiscalização pelas autoridades fazendárias competentes.

Ademais, a restituição do indébito tributário tem disciplina legal própria (arts. 165 eseguintes do CTN), inclusive no que diz com os encargos aplicáveis (art. 167 do CTN),salvo disposição contrária em legislação específica, e com o prazo qüinqüenal que podeabranger período anterior ao ajuizamento da ação (art. 168 do CTN). Essas regras sãoválidas independentemente da opção da parte quanto à forma de restituição dos valores,caracterizados como indébito tributário em razão da decisão embargada: se como paga-mento em pecúnia do montante a ser repetido, estas regras se articulam com aquelas doart. 100 da CF e sua correspondente disciplina processual civil; se sob a forma de compen-sação, dar-se-á observados os estritos limites e condições da respectiva legislação deregência vigente à época de sua implementação (art. 170 do CTN).

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Eventual controvérsia surgida na oportunidade de cumprimento da decisão deveráser dirimida pelo juízo da execução, sem prejuízo do eventual recurso aos mecanismospróprios da administração tributária. Neste sentido, o RE 422.005-ED, Segunda Turma,Rel. Ellen Gracie, DJ de 20-4-06.

Com estes esclarecimentos, nego provimento ao agravo regimental (art. 557, § 1º, doCPC).

É como voto.

EXTRATO DA ATA

RE 375.045-AgR/MG — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Droga RosaLtda. (Advogados: Ana Patrícia Lafetá de Oliveira e outro e Luís C. Correa Santos). Agra-vada: União (Advogado: PFN – Fabrício da Soller).

Decisão: Negado provimento ao agravo. Decisão unânime. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o MinistroGilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros JoaquimBarbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocura-dor-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 25 de abril de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 409.203 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos VellosoRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Joaquim BarbosaRecorrente: Estado do Rio Grande do Sul — Recorrida: Lucia Terezinha Pereira Iorio

Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal.Faute du service public caracterizada. Estupro cometido por presidiário,fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional comomanda a lei. Configuração do nexo de causalidade. Recurso extraordináriodesprovido.

Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado subme-tido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão,sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem amedida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão doEstado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infratora oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos deidade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão.

Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execuçãopenal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria conti-nuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conse-guinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer obárbaro crime de estupro.

Recurso extraordinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo TribunalFederal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, conhecer enegar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro JoaquimBarbosa, vencido o Ministro Relator, que dele conhecia e lhe dava provimento.

Brasília, 7 de março de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O acórdão recorrido, em ação sob o rito ordinário,proferido pela Décima Câmara Cível do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grandedo Sul, está assim ementado:

Responsabilidade civil do Estado. 1. Apenado em regime aberto que, durante fuga,invade residência e pratica violência contra as moradoras, uma delas sendo vítima de estupro.Falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesarde ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime. Confirmação dasentença de procedência, por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao valor arbitrado

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como reparação dos danos morais. Homologação da desistência do apelo das autoras, restandoprejudicado o recurso adesivo. Sentença confirmada em reexame necessário. (Fl. 260.)

Daí o recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, funda-do no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, damesma Carta, sustentando, em síntese que o dano suportado pela Recorrida decorreuexclusivamente de ato de terceiro, não havendo falar em responsabilidade civil do Estadodo Rio Grande do Sul. Ademais, inexiste nexo causal entre a suposta falha do serviçoestatal e o dano sofrido pela Recorrida.

Admitido o recurso, subiram os autos.A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-

Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, opinou pelo não-conhecimentodo recurso e, se conhecido, pelo não-provimento.

Autos conclusos em 10-3-05.É o relatório.

VOTO

Ementa: Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade civildas pessoas públicas. Ato omissivo do poder público: estupro praticado porapenado fugitivo. Responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: falha doserviço. CF, art. 37, § 6º.

I - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidadecivil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suastrês vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entre-tanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço pú-blico, de forma genérica, a falta do serviço.

II - A falha do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa orequisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a açãoomissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.

III - Crime de estupro praticado por apenado fugitivo do sistema peni-tenciário do Estado: nesse caso, não há falar em nexo de causalidade entre afuga do apenado e o crime de estupro, observada a teoria, quanto ao nexo decausalidade, do dano direto e imediato. Precedentes do STF: RE 369.820/RS,Ministro Carlos Velloso, DJ de 27-2-04; RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão,DJ de 19-12-96; RE 130.764/PR, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.

IV - RE conhecido e provido.O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Trata-se de ação de indenização por danos

morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. Um apenado, fugitivo da prisão, invadiu acasa das Autoras e, portando arma, exigiu-lhes dinheiro. Não atendida a exigência domeliante, as Autoras foram submetidas a ameaças, sendo que uma delas, de 12 anos deidade, foi estuprada.

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Pediram, então, indenização por danos morais ao Estado, porque “o indivíduo eraforagido do sistema penitenciário estadual” (fl. 261).

A ação foi julgada procedente em primeira instância, confirmada a sentença peloTribunal de Justiça, mediante a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva doEstado. O acórdão admitiu ter havido “falha evidente do Estado na fiscalização do cumpri-mento da pena pelo autor do fato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foisujeito à regressão de regime” (fl. 260, ementa do acórdão).

Preliminarmente, o recurso é de ser conhecido, por isso que não se torna necessário,no caso, o exame da prova. O acórdão esclarece os fatos e realiza a sua tipificação legal. Oque nos cabe, agora, é verificar se essa tipificação está correta.

Passo ao exame do mérito.Em caso semelhante, oriundo, aliás, do Rio Grande do Sul, RE 369.820/RS, por mim

relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Ementa: Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade civil das pessoas públicas.Ato omissivo do poder público: latrocínio praticado por apenado fugitivo. Responsabilidadesubjetiva: culpa publicizada: falta do serviço. CF, art. 37, § 6º.

I - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato ésubjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperíciaou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuídaao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.

II - A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito dacausalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público eo dano causado a terceiro.

III - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisãotempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e olatrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, DJ de 19-12-96; RE130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.

IV - Recurso extraordinário conhecido e provido.(DJ de 27-2-04.)

Assim o voto que proferi por ocasião do citado julgamento:

(...)A Autora-Recorrida e seu marido estavam num veículo estacionado às margens da BR 386,

no Km 328, quando foram assaltados por “um apenado fugitivo, em co-autoria com outrosdelinqüentes”, culminando o fato com a morte do marido da autora. (Fls. 310/313.)

Anote-se, por primeiro, portanto: o marido da autora foi morto por “um apenado fugitivo,em co-autoria com outros delinqüentes”, em número de quatro.

O Estado do Rio Grande do Sul, em razão disso, foi condenado, já que o homicídio forapraticado por um apenado foragido, a indenizar a Autora-Recorrida por danos materiais e danomoral.

Está no voto em que se embasa o acórdão:“(...)O autor do dano tinha movimentadíssima folha de antecedentes, com prévias con-

denações. E o documento de fl. 249 faz certo que havia fugido em 20 de fevereiro de 1992,sendo recapturado em 27 de junho do mesmo ano. Ora, o lastimável evento se deu em 22de junho. Portanto, durante lapso temporal em que o assassino esteve foragido. E a fuga depresídio, lançando-se à rua perigoso delinqüente corresponde à inequívoca falta do serviço.

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O acórdão recorrido concluiu, assim, estar evidenciada a responsabilidade do poderpúblico, em face da existência de nexo causal entre o evento lesivo e o desempenho dastarefas estatais, considerada, especialmente, a circunstância de o mesmo haver sido prati-cado por criminoso de alta periculosidade, em co-autoria com outros delinqüentes, aindaque foragido há quatro meses e que a sua pena, à época, somasse quatro anos e três mesesde reclusão, e não cinqüenta e quatro anos, como depois fixada pelo Tribunal.

Ainda, os fatos evitam o argumento genérico de um mero dever de dar segurança,como se o Estado fosse responsável por algum tipo de seguro de vida ou de patrimônio.Não é o caso. Na hipótese, é evidente a falta de serviço, em que perigosíssimo delinqüenteconseguiu fugir.

Fica claro, portanto, que o Estado deve responder pelo mal funcionamento de seusserviços, sempre que seu funcionário for demorado, lento e vagaroso no desem-penho dos mesmos e desse estado de letargia surgir o dano, como referiu UldericoPires dos Santos, na obra A responsabilidade civil na doutrina e jurisprudência, Forense,1984. p. 597.

(...)”. (Fl. 399.)II

No caso, o dano não resultou de ato praticado por agente público, mas foi causado medianteato comissivo de terceiro. Ter-se-ia, portanto, ato omissivo do poder público.

No voto que proferi no RE 204.037/RJ, cuidei do tema: a responsabilidade do poder públicopor ato omissivo.

Destaco do voto que proferi:“(...)O § 6º do art. 37 da CF dispõe:

‘Art.37. (...)(...)§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras

de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável noscasos de dolo ou culpa.’Em princípio, pois, a responsabilidade objetiva do poder público, assentada na

teoria do risco administrativo, ocorre por ato de seus agentes. Dir-se-á que o ato do agentepúblico poderá ser omissivo. Neste caso, entretanto, exige-se a prova da culpa. É que aomissão é, em essência, culpa, numa de suas três vertentes: negligência, que, de regra,traduz desídia, imprudência, que é temeridade, e imperícia, que resulta de falta de habilidade(LAZARINI, Álvaro. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Omissivos dos seus Agentes,em Revista Jurídica, 162/125).

Celso Antônio Bandeira de Mello, dissertando a respeito do tema, deixa expressoque ‘o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou – vale dizer:quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamenteao abster-se.’ E continua: ‘A responsabilidade por omissão é responsabilidade por compor-tamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suasmodalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpanão individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatalgenericamente. É a culpa anônima ou faute du service dos franceses, entre nós traduzidapor ‘falta de serviço’.’

É que, em caso de ato omissivo do poder público, o dano não foi causado pelo agentepúblico. E o dispositivo constitucional instituidor da responsabilidade objetiva do poderpúblico, art. 107 da CF anterior, art. 37, § 6º, da CF vigente, refere-se aos danos causadospelos agentes públicos, e não aos danos não causados por estes, ‘como os provenientes deincêndio, de enchentes, de danos multitudinários, de assaltos ou agressões que alguém sofraem vias e logradouros públicos, etc.’ Nesses casos, certo é que o poder público, se tivesseagido, poderia ter evitado a ação causadora do dano. A sua não-ação, vale dizer, a omissãoestatal, todavia, se pode ser considerada condição da ocorrência do dano, causa, entretanto,

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não foi. A responsabilidade em tal caso, portanto, do Estado, será subjetiva. (MELLO,Celso Antônio Bandeira de. Responsabilidade extracontratual do Estado por comporta-mentos administrativos, em Revista dos Tribunais, 552/11, 13 e 14; Curso de direitoadministrativo, em Revista dos Tribunais, 552/11, 13 e 14; Curso de Direito Administra-tivo. 5. ed., Malheiros. p. 489 et seq.).

Não é outro o magistério de Hely Lopes Meirelles: ‘o que a Constituição distingueé o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados poratos de terceiros ou por fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribuiresponsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,causem a terceiros. Portanto, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo daatuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Adminis-tração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danosaos particulares’. A responsabilidade civil por tais atos e fatos é subjetiva. (MEIRELLES,Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed., Malheiros, 1996. p. 566).

Esta é, também, a posição de Lúcia Valle Figueiredo, que, apoiando-se nas lições deOswaldo Aranha Bandeira de Mello e de Celso Antônio Bandeira de Mello, leciona que‘ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não há como severificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pelateoria subjetiva’. E justifica: é que, ‘se o Estado omitiu-se, há de se perquirir se havia odever de agir. Ou, então, se a ação estatal teria sido defeituosa a ponto de se caracterizarinsuficiência da prestação de serviço.’ (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Admi-nistrativo. Malheiros, 1994. p. 172).

Desse entendimento não destoa a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DireitoAdministrativo. 5. ed. Atlas, 1995. p. 415).

Posta a questão em tais termos, força é concluir, no caso, pelo nãoconhecimento dorecurso, dado que, conforme vimos, a versão fática do acórdão é que não houve culpa doservidor da empresa ao não impedir a ocorrência do fato, nem é possível presumir, no caso,a faute de service, ou a culpa anônima, vale dizer, a culpa que poderia ser atribuída aoserviço estatal de forma genérica.

(...)” (RTJ 179/797-798).Maria Helena Diniz também sustenta que a responsabilidade do Estado por ato omissivo é

subjetiva (Código Civil Anotado. 4. ed. Saraiva. p. 31).De outro lado, há juristas que entendem que a responsabilidade estatal por ato omissivo é

objetiva. Assim, por exemplo, Yussef Said Cahali (Responsabilidade Civil do Estado. 2. ed.Malheiros, 1995. p. 40), Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno. 4. ed. RT, 2000. p. 430)e Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Saraiva, 1999. p. 190), entre outros.

No voto que proferi no RE 204.037/RJ, retrotranscrito, mencionei que Hely LopesMeirelles adotara a responsabilidade subjetiva na hipótese de ações omissivas do poder público.Agora, melhor examinando a obra do saudoso e notável mestre, reconheço o meu engano. HelyLopes Meirelles, na verdade, sustentava a teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelos atoscomissivos e omissivos dos seus agentes. “O essencial é que o agente da Administração hajapraticado o ato ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto deexercê-las.” (Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. Malheiros, 1999. p. 589). Continua: “Oque a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores)dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da natureza. Observe-se queo art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes,nessa qualidade, causem a terceiros.” (Grifei). E acrescenta, esclarecendo: “Portanto, o legisladorconstituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; nãoresponsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, (...)” (DireitoAdministrativo Brasileiro. 24ª ed., Malheiros. 1999. p. 589/590). Ora, no citado RE 204.037/RJ,cuidávamos de ato praticado por terceiro, no interior de veículo de transporte coletivo, assim deconcessionária do serviço público.

O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, no RE 109.615/RJ, Relator oMinistro Celso de Mello, decidiu no sentido de que é objetiva a responsabilidade do Estado “pelosdanos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão.” (RTJ 163/1107.)

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IIINo caso, o acórdão decidiu pela ocorrência da falta do serviço.A falta do serviço decorre do não-funcionamento ou do funcionamento insuficiente,

inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público deve prestar.No RE 179.147/SP, por mim relatado, decidiu esta Segunda Turma que “tratando-se de ato

omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ouculpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto,necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, afaute du service dos franceses.” (RTJ 179/791.)

IVTodavia, a faute du service não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de

causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. OMinistro Moreira Alves, no voto que proferiu no RE 130.764/PR, lecionou que “a teoria adotadaquanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria dainterrupção do nexo causal”, que “sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta osinconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causali-dade adequada” (cf. SILVA, Wilson Mello da. Responsabilidade sem culpa n. 78 e 79. p. 128 etseq. São Paulo: Saraiva, 1974). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (DaInexecução das Obrigações. 5. ed., n. 226. p. 370. São Paulo: Saraiva, 1980), só admite o nexode causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto eimediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não hajaconcausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim (1. c): “os danos indiretos ou remotos não seexcluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, peloaparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.” (RE130.764/PR, RTJ 143/270, 283.)

VA questão a ser posta, agora, é esta: a fuga de um apenado da prisão, vindo este, tempos

depois, integrando quadrilha de malfeitores, assassinar alguém, implica obrigação de indenizar porparte do poder público, sob color de falta do serviço?

No citado RE 130.764/PR, da relatoria do Ministro Moreira Alves, cuidou-se de temasemelhante ao aqui tratado. Ali, a espécie versada foi a seguinte: bando de marginais, integradopor dois evadidos de prisões estaduais, invadiu residência e, dominando a família, apossou-se debens desta, levando o terror às pessoas, agredindo o dono da casa e causando elevado prejuízo àfamília. Proposta a ação de indenização, reconheceram as instâncias ordinárias a responsabilidadecivil do Estado, condenando-o a compor os danos materiais, mediante a aplicação da responsa-bilidade objetiva e invocando a falta do serviço. Decidiu, então, o Supremo Tribunal Federal, nomencionado RE 130.764/PR:

“Ementa: Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilhade que fazia parte preso foragido vários meses antes.

- A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 daEmenda Constitucional 1/69 (e, atualmente, no § 6º do art. 37 da Carta Magna), nãodispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação oua omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.

- Em nosso sistema jurídico, como resulta do dispositivo no art. 1.060 do CódigoCivil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato,também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivoda codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidadecontratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva,até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconve-nientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidadeadequada.

- No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com basenos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento daresponsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste,e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no art. 107 da

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Emenda Constitucional 1/69, a que corresponde o § 6º do art. 37 da atual Constituição.Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dosevadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que oacórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como aformação da quadrilha e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.

- Recurso extraordinário conhecido e provido.”(DJ de 7-8-92.)No RE 172.025/RJ, Relator o Ministro Ilmar Galvão, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Ementa: Responsabilidade civil do Estado. art. 37, § 6º, da ConstituiçãoFederal. Latrocínio praticado por preso foragido, meses depois da fuga.

Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao poder públicoresponsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dospresos.

Precedente da Primeira Turma: RE 130.764, Relator Ministro MoreiraAlves.

Recurso extraordinário não conhecido.”(DJ de 19-12-96.)Nesse RE 172.025/RJ, cuidou-se de ação de reparação de dano proposta contra o Estado do

Rio de Janeiro, com base no art. 107 da CF/67, por ter sido o marido da autora vítima de latrocíniopraticado por presidiário foragido.

Caso igual, portanto, ao que examinamos aqui.(...).

O caso aqui tratado é igual ao que foi examinado e decidido no RE 369.820/RS, acimatranscrito.

Não há dúvida de que, no caso, houve falha do serviço, a faute du service dosfranceses. Esta, todavia, não prescinde da demonstração do nexo de causalidade. É dizer,no caso, deveria estar demonstrado o nexo de causalidade entre a fuga do apenado e olamentável fato ocorrido, certo que há de ser observada a teoria, quanto ao nexo decausalidade, do dano direto e imediato.

Não há possibilidade, portanto, da adoção, no caso sob julgamento, da falha doserviço.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento.

EXTRATO DA ATA

RE 409.203/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Estado do Rio Grandedo Sul (Advogada: PGE/RS – Karina da Silva Brum). Recorrida: Lucia Terezinha PereiraIorio (Advogado: Durval da Fonseca Fraga).

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, conhecendo do recurso e dando-lheprovimento, pediu vista o Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, nestejulgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento oMinistro Carlos Velloso.

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie eo Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, os Ministros Celso de Mello eGilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.

Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de recurso extraordinário interposto peloEstado do Rio Grande do Sul de acórdão do Tribunal de Justiça daquele estado cujaementa tem o seguinte teor:

Responsabilidade civil do Estado. 1. Apenado em regime aberto, que durante fuga, invaderesidência e pratica violência contra as moradoras, uma delas sendo vítima de estupro. Falhaevidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesar de terfugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime. Confirmação da sentença deprocedência, por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao valor arbitrado como reparaçãode danos morais. Homologação da desistência do apelo das autoras, restando prejudicado o recursoadesivo. Sentença confirmada em reexame necessário.

Discute-se, no presente recurso, em síntese, o alcance do art. 37, § 6º, da ConstituiçãoFederal, no caso de atos omissivos do Estado.

Cuida-se de caso em que um condenado fugitivo1 invadiu a casa das Recorridas e,portando uma arma, exigiu-lhes dinheiro. Não atendida a exigência do criminoso, as Recor-ridas (mãe e filha) foram submetidas a ameaças, e uma delas, menor com 12 anos de idade,foi estuprada.

Pleitearam, então, as Recorridas indenização por danos morais ao Estado, visto queo criminoso era foragido do sistema penitenciário estadual.

O feito foi julgado procedente em primeira instância, decisão confirmada pelo Tribunalde Justiça, sob o argumento de que se aplicava ao caso o princípio da responsabilidadeobjetiva do Estado. Concluiu o acórdão do Tribunal estadual pela falha do Estado nafiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que já havia fugido sete vezes e,no entanto, não fora submetido à regressão de regime.

Sustenta o Recorrente que o dano suportado pela Recorrida decorreu exclusiva-mente de ato de terceiro.

A Procuradoria-Geral da República opina pelo não-conhecimento do recurso e, nahipótese de ser ele conhecido, por seu não-provimento.

Na sessão da Segunda Turma de 7-6-05, o Relator, Ministro Carlos Velloso, enten-deu que, em se tratando de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade civil doEstado é de cunho subjetivo.

Dessa forma, com base na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, Lúcia ValleFigueiredo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e outros, entendeu Sua Excelência que talresponsabilização exige dolo ou culpa, ainda que referida culpa possa não ser atribuída aum indivíduo, mas ao serviço estatal genericamente. É a chamada culpa anônima, ou fautede service dos franceses.

Nas palavras do Ministro Relator, essa “falha do Estado” deve ser entendida comoo “não-funcionamento ou o funcionamento insuficiente, inadequado, tardio ou lento doserviço que o poder público deve prestar”.

1 O condenado estava submetido a regime aberto. Entretanto, no dia do crime, o apenado estava fugido,não tendo voltado para o presídio à noite. O crime foi cometido às 4h30.

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Sua Excelência ressaltou, porém, que a mera constatação da falha do serviço estatalnão é apta, de pronto, a gerar a responsabilidade do Estado. Destacou a necessidade daconstatação do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e odano causado a terceiro.

Assim, mencionou voto em que o Ministro Moreira Alves, por ocasião do julgamentodo RE 130.764, lecionava:

(...) em nosso ordenamento jurídico, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é ateoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal (...)que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duasteorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada (...) Essa teoria sóadmite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o danodireto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste,não haja concausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim: “os danos indiretos ou remotos não seexcluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, peloaparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis. (...)”

Concluiu, então, o Ministro Carlos Velloso que no presente caso houve a falha doserviço. Entretanto, Sua Excelência também entendeu que, segundo a teoria do nexo decausalidade do dano direto e imediato – anteriormente exposta –, não houve nexo causalentre a conduta estatal e o dano sofrido pelas Recorridas.

Dessa forma, o Ministro Relator deu provimento ao recurso do Estado, para afastarsua condenação ao pagamento de indenização por danos morais à Recorrida.

Pedi vista dos autos, a fim de proceder a exame mais acurado da controvérsia.Senhor Presidente, peço vênia ao ilustre Ministro Carlos Velloso para dele divergir.A mim me parece sobejamente caracterizada a faute du service public, apta a desen-

cadear a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul.Consta dos autos que o causador do dano era condenado submetido a regime

aberto que, em sete oportunidades anteriores, já havia praticado a falta grave de evasão,sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena tomassem alguma iniciativano sentido de submetê-lo à regressão de regime prisional, de resto perfeitamente aplicávelem casos dessa natureza.

Na noite do crime, que ocorreu às 4h30 da manhã (horário, portanto, em que ocondenado deveria estar recolhido à prisão), encontrava-se o apenado mais uma vez emsituação de fuga, pois não retornara ao presídio à noite como devido.

Ora, o nexo de causalidade, no caso, parece-me patente. Se a lei de execução penalhouvesse sido aplicada com um mínimo de rigor, o condenado dificilmente teria continuadoa cumprir a pena nas mesmas condições que originariamente lhe foram impostas. Por viade conseqüência, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer obárbaro crime que cometeu, num horário em que deveria estar recolhido ao presídio.

O nexo causal, a meu ver, está presente no caso.Por outro lado, não vislumbro, neste, semelhanças com alguns outros casos em que

a jurisprudência da Corte afasta a responsabilidade do Estado em razão de ato omissivo.Na maioria dos casos em que é afastada a responsabilidade estatal, há sempre um elemento

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sutil a descaracterizar a causalidade direta: ora o elemento tempo, ora a circunstância deter sido o crime praticado por condenado fugitivo em parceria com outros delinqüentesfugitivos.

No julgamento do RE 130.764 (Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 7-8-92) e do RE172.025 (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 19-12-96), a Primeira Turma excluiu a responsabili-dade civil do Estado, por ausência de nexo de causalidade entre o fato e o dano, em razãodo longo período de tempo transcorrido entre a data da fuga e a ocorrência do ato danoso.Concluiu ainda, em relação ao primeiro caso, que também não havia causalidade porque oagente atuara com a colaboração de outras pessoas.

No julgamento do RE 136.247 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 18-8-00), aPrimeira Turma também reconheceu a inexistência de responsabilidade civil do Estadopelos danos causados por presa foragida. É que, apesar de ter a detenta fugido do estabe-lecimento prisional por incúria da guarda que a acompanhava, os crimes por ela praticadosforam premeditados. A fuga fora apenas um meio para que a agente praticasse o crime,excluída, portanto, a responsabilidade civil do Estado.

Comungo, pois, com o entendimento externado pelo Ministério Público Federal, noparecer de lavra do Dr. Wagner de Castro Mathias Netto:

Em tais circunstâncias, a única hipótese que afasta a responsabilidade objetiva do Estado éa prova de que o fato danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou por caso fortuito ou forçamaior, o que, na espécie, não se registrou.

Verifica-se, todavia, a presença de conduta omissiva do Estado, que, diante das inúmerasfugas do condenado, não lhe aplicou a necessária regressão do regime de cumprimento da pena ou,sequer, contra ele empenou maior vigilância.

Nesses casos, diante de danos causados por omissão, ou seja, quando houve inércia porparte de quem tinha o dever legal de agir e não agiu, ou fez tardia e ineficazmente, nasce aobrigação de indenizar, decorrente da evidente negligência consubstanciada na falta de serviço doente público. (Fl. 313.)

Do exposto, com a vênia do eminente Ministro Relator, voto pelo não-provimentodo presente recurso extraordinário.

DEBATE

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Eminente Ministro, V. Exa. afirma que o presodeveria apresentar-se na noite em que foi praticado o crime, mas o certo é que ele estavafugitivo havia tempos. Admito a falta de serviço, mas não o nexo de causalidade entreessa falta e o acontecido. Se o delito tivesse ocorrido na noite em que deveria o preso seapresentar, eu veria talvez o nexo.

V. Exa. reparou que ele estava fugitivo?O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Velloso, para mim o dado decisivo é o fato

de que era a oitava vez.O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sim, perfeito. Isso me impressionou também,

mas estou sendo fiel à doutrina do nexo de causalidade, que há de ser, inclusive, imediato.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Fiz as distinções em relação à jurisprudência daCasa, que realmente exige a causalidade direta, mas, nesses casos em que o SupremoTribunal Federal não admite responsabilidade objetiva, há aquilo que chamei de elementosutil: a participação de um terceiro na prática do crime.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A falta foi não ter dado a ele a regressão. Agora, ele tendo fugido e tempos depois praticado esse delito, será que haverá

nexo? Estava fugitivo.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, mantenho o meu voto.

EXTRATO DA ATA

RE 409.203/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Estado do Rio Grandedo Sul (Advogada: PGE/RS – Karina da Silva Brum). Recorrida: Lucia Terezinha PereiraIorio (Advogado: Durval da Fonseca Fraga).

Decisão: Após os votos do Ministro Relator, conhecendo e dando provimento aorecurso extraordinário, e do Ministro Joaquim Barbosa, conhecendo mas lhe negandoprovimento, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelaMinistra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro GilmarMendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro GilmarMendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 30 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO(Vista)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Sr. Presidente, Peço licença para recordar, dado otempo decorrido, o voto do Sr. Ministro Joaquim Barbosa.

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul deacórdão do Tribunal de Justiça daquele estado cuja ementa tem o seguinte teor:

“Responsabilidade civil do Estado. 1. Apenado em regime aberto, que, durantefuga, invade residência e pratica violência contra as moradoras, uma delas sendo vítima deestupro. Falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor dofato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime.Confirmação da sentença de procedência, por seus próprios fundamentos, inclusive quantoao valor arbitrado como reparação de danos morais. Homologação da desistência do apelodas autoras, restando prejudicado o recurso adesivo. Sentença confirmada em reexamenecessário.”Discute-se, no presente recurso, em síntese, o alcance do art. 37, § 6º, da Constituição

Federal, no caso de atos omissivos do Estado.Cuida-se de caso em que um condenado fugitivo1 invadiu a casa das Recorridas e, portando

uma arma, exigiu-lhes dinheiro. Não atendida a exigência do criminoso, as Recorridas (mãe efilha) foram submetidas a ameaças, e uma delas, uma menor com 12 anos de idade, foi estuprada.

1 O condenado estava submetido a regime aberto. Entretanto, no dia do crime, o apenado estava fugido,não tendo voltado para o presídio à noite. O crime foi cometido às 4h30.

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Pleitearam, então, as Recorridas indenização por danos morais ao Estado, visto que ocriminoso era foragido do sistema penitenciário estadual.

O feito foi julgado procedente em primeira instância, decisão confirmada pelo Tribunal deJustiça, sob o argumento de que se aplicava ao caso o princípio da responsabilidade objetiva doEstado. Concluiu o acórdão do Tribunal estadual pela falha do Estado na fiscalização do cumpri-mento da pena pelo autor do fato, que já havia fugido sete vezes e, no entanto, não fora submetidoà regressão de regime.

Sustenta o Recorrente que o dano suportado pela Recorrida decorreu exclusivamente de atode terceiro.

A Procuradoria-Geral da República opina pelo não-conhecimento do recurso e, na hipótesede ser ele conhecido, por seu não-provimento.

Na sessão da Segunda Turma de 7-6-05, o Relator, Ministro Carlos Velloso, entendeu que,em se tratando de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil do Estado é de cunhosubjetivo.

Dessa forma, com base na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, Lúcia Valle Figueiredo,Maria Sylvia Zanella Di Pietro e outros, entendeu Sua Excelência que tal responsabilização exigedolo ou culpa, ainda que referida culpa possa não ser atribuída a um indivíduo, mas ao serviçoestatal genericamente. É a chamada culpa anônima, ou faute de service dos franceses.

Nas palavras do Ministro Relator, essa “falha do Estado” deve ser entendida como o “não-funcionamento ou o funcionamento insuficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que opoder público deve prestar”.

Sua Excelência ressaltou, porém, que a mera constatação da falha do serviço estatal não éapta, de pronto, a gerar a responsabilidade do Estado. Destacou a necessidade da constatação donexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.

Assim, mencionou voto em que o Ministro Moreira Alves, por ocasião do julgamento doRE 130.764, lecionava:

“(...) em nosso ordenamento jurídico, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidadeé a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexocausal (...) que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientesdas outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e da causalidade adequada(...) Essa teoria só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de umacausa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto,quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim: ‘osdanos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis,porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto nãoexistam estas, aqueles danos são indenizáveis. (...)’”Concluiu, então, o Ministro Carlos Velloso que, no presente caso, houve a falha do serviço.

Entretanto, Sua Excelência também entendeu que, segundo a teoria do nexo de causalidade dodano direto e imediato – anteriormente exposta –, não houve nexo causal entre a conduta estatale o dano sofrido pelas Recorridas.

Dessa forma, o Ministro Relator deu provimento ao recurso do Estado, para afastar suacondenação ao pagamento de indenização por danos morais à Recorrida.

Pedi vista dos autos, a fim de proceder a exame mais acurado da controvérsia.Senhor Presidente, peço vênia ao ilustre Ministro Carlos Velloso para dele divergir.A mim me parece sobejamente caracterizada a faute du service public, apta a desencadear

a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul.Consta dos autos que o causador do dano era condenado submetido a regime aberto que, em

sete oportunidades anteriores, já havia praticado a falta grave de evasão, sem que as autoridadesresponsáveis pela execução da pena tomassem alguma iniciativa no sentido de submetê-lo àregressão de regime prisional, de resto perfeitamente aplicável em casos dessa natureza.

Na noite do crime, que ocorreu às 4h30 da manhã (horário, portanto, em que o condenadodeveria estar recolhido à prisão), encontrava-se o apenado mais uma vez em situação de fuga, poisnão retornara ao presídio à noite como devido.

Ora, o nexo de causalidade, no caso, parece-me patente. Se a lei de execução penalhouvesse sido aplicada com um mínimo de rigor, o condenado dificilmente teria continuado a

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cumprir a pena nas mesmas condições que originariamente lhe foram impostas. Por via deconseqüência, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbarocrime que cometeu, num horário em que deveria estar recolhido ao presídio.

O nexo causal, a meu ver, está presente no caso.Por outro lado, não vislumbro, neste, semelhanças com alguns outros casos em que a

jurisprudência da Corte afasta a responsabilidade do Estado em razão de ato omissivo. Na maioriados casos em que é afastada a responsabilidade estatal, há sempre um elemento sutil adescaracterizar a causalidade direta: ora o elemento tempo, ora a circunstância de ter sido o crimepraticado por condenado fugitivo em parceria com outros delinqüentes fugitivos.

No julgamento do RE 130.764 (Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 7-8-92) e do RE 172.025(Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 19-12-96), a Primeira Turma excluiu a responsabilidade civil doEstado, por ausência de nexo de causalidade entre o fato e o dano, em razão do longo período detempo transcorrido entre a data da fuga e a ocorrência do ato danoso. Concluiu ainda, em relaçãoao primeiro caso, que também não havia causalidade porque o agente atuara com a colaboração deoutras pessoas.

No julgamento do RE 136.247 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 18-8-00), a PrimeiraTurma também reconheceu a inexistência de responsabilidade civil do Estado pelos danos causa-dos por presa foragida. É que, apesar de ter a detenta fugido do estabelecimento prisional porincúria da guarda que a acompanhava, os crimes por ela praticados foram premeditados. A fugafora apenas um meio para que a agente praticasse o crime, excluída, portanto, a responsabilidadecivil do Estado.

Comungo, pois, com o entendimento externado pelo Ministério Público Federal, no pare-cer de lavra do Dr. Wagner de Castro Mathias Netto:

“Em tais circunstâncias, a única hipótese que afasta a responsabilidade objetiva doEstado é a prova de que o fato danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou por casofortuito ou força maior, o que, na espécie, não se registrou.

Verifica-se, todavia, a presença de conduta omissiva do Estado, que, diante dasinúmeras fugas do condenado, não lhe aplicou a necessária regressão do regime de cumpri-mento da pena ou, sequer, contra ele empenou maior vigilância.

Nesses casos, diante de danos causados por omissão, ou seja, quando houve inérciapor parte de quem tinha o dever legal de agir e não agiu, ou fez tardia e ineficazmente, nascea obrigação de indenizar, decorrente da evidente negligência consubstanciada na falta deserviço do ente público.”(Fl. 313.)Do exposto, com a vênia do eminente Ministro Relator, voto pelo não-provimento do

presente recurso extraordinário.

2. Verifico no caso a imediatidade da conexão entre o ato omissivo dos agentesestatais e o grave episódio danoso que vitimou a pequena Jaqueline. O agressor cumpriapena em regime semi-aberto por delito de furto. Já computava sete episódios de fugaquando, no dia 3-4-01 (fl. 73), novamente deixou de recolher-se à noite ao estabelecimentoprisional. Somente por inação dos agentes estatais, ainda não se havia procedido a re-gressão de regime em decorrência das fugas sucessivas, o que veio afinal a ocorrer, apósa tragédia que atingiu a família e, em especial, a menor de 12 anos.

Por isso, com a vênia do eminente Relator, não considero que o caso corresponda aoparadigma fixado no RE 130.764, no qual diversas concausas, além da faute de service, seconjugaram para produzir o evento danoso. Aqui, se os agentes do poder público hou-vessem antecipadamente cumprido com suas atribuições, o apenado deveria estar encar-cerado na noite em que agrediu mãe e filha. A omissão se coloca, portanto, como causamaterial suficiente a permitir que o evento danoso ocorresse. Assim, o dever de indenizarexsurge de forma inafastável.

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3. Desse modo, peço vênia ao eminente Relator para adotar a linha da divergênciainaugurada pelo Sr. Ministro Joaquim Barbosa e negar provimento ao recurso.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): O Estado recorrente insurge-se contradecisão, que, emanada do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, encon-tra-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

Responsabilidade civil do Estado. 1. Apenado em regime aberto, que, durantefuga, invade residência e pratica violência contra as moradoras, uma delas sendo vítimade estupro. Falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autordo fato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão deregime. Confirmação da sentença de procedência, por seus próprios fundamentos, inclu-sive quanto ao valor arbitrado como reparação de danos morais. Homologação da desistência doapelo das autoras, restando prejudicado o recurso adesivo. Sentença confirmada em reexamenecessário.(Grifei.)

Entendo incensurável, Senhores Ministros, o acórdão ora impugnado nesta sederecursal extraordinária, especialmente se analisado em face do que dispõe o § 6º do art. 37da Constituição da República, que adotou, em tema de responsabilidade civil do poderpúblico, a teoria do risco administrativo.

Com efeito, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentosconstitucionais brasileiros, desde a Constituição de 1946, revela-se fundamento de ordemdoutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico,a responsabilidade civil objetiva do poder público, pelos danos que seus agentes, nessaqualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, § 6º).

Essa concepção teórica – que informa o princípio constitucional da responsabilidadecivil objetiva do poder público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne àomissão do agente público – faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítimapelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, indepen-dentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de faltado serviço público, não importando que se trate de comportamento positivo ou que secuide de conduta negativa daqueles que atuam em nome do Estado, consoante enfatiza omagistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”,p. 650, 31. ed., 2005, Malheiros; SERGIO CAVALIERI FILHO, “Programa de Responsabi-lidade Civil”, p. 248, 5. ed., 2003, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Curso de DireitoAdministrativo”, p. 90, 17. ed., 2000, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, “Responsabilida-de Civil do Estado”, p. 40, 2. ed., 1996, Malheiros; TOSHIO MUKAI, “Direito Administra-tivo Sistematizado”, p. 528, 1999, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de DireitoAdministrativo”, p. 213, 5. ed., 2001, Saraiva; GUILHERME COUTO DE CASTRO, “AResponsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro”, p. 61/62, 3. ed., 2000, Forense;MÔNICA NICIDA GARCIA, “Responsabilidade do Agente Público”, p. 199/200, 2004,Fórum, v.g.), cabendo ressaltar, no ponto, a lição expendida por ODETE MEDAUAR(“Direito Administrativo Moderno”, p. 430, item n. 17.3, 9. ed., 2005, RT):

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Informada pela “teoria do risco”, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, namaioria dos ordenamentos, como “responsabilidade objetiva”. Nessa linha, não mais se invocao dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário setorna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofridopela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins deressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento dalicitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administra-ção. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir.(Grifei.)

Impõe-se destacar, neste ponto, segundo entendo (RTJ 163/1107-1109, Rel. Min.CELSO DE MELLO), que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil daresponsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano,(b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ounegativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesivaimputável a agente do poder público, que, nessa condição funcional, tenha incidido emconduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu comporta-mento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidadeestatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417).

A compreensão desse tema e o entendimento que resulta da exegese dada ao art. 37,§ 6º, da Constituição foram bem definidos e expostos pelo Supremo Tribunal Federal emjulgamentos cujos acórdãos estão assim ementados:

Responsabilidade civil objetiva do poder público – Princípio constitucional.- A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucio-

nais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabi-lidade civil objetiva do poder público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa,por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional daresponsabilidade civil objetiva do poder público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivocausado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido,independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de faltado serviço público.

- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidadecivil objetiva do poder público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidadematerial entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) doagente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do poderpúblico, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva,independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) aausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417).

- O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis queadmite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado,nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito ea força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 – RTJ 55/50). (...).(RTJ 163/1107-1108, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

- Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso nointerior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenouo Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeralcomprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagradoprincípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato

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comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicosna tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhe-cido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe davítima, a ser fixada em execução de sentença.(RTJ 182/1107, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – Grifei.)

Cabe advertir, por necessário, que a ausência de qualquer dos pressupostoslegitimadores da incidência da regra inscrita no art. 37, § 6º, da Carta Política basta paradescaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorrecircunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agentepúblico (positivo ou negativo) e a consumação do dano pessoal ou patrimonial infligidoao ofendido.

As circunstâncias do presente caso – apoiadas em pressupostos fáticos soberana-mente reconhecidos pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 - RTJ 153/1019 - RTJ158/693, v.g.) - evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configu-rado em face do comportamento omissivo em que incidiu o poder público, que se abstevede promover a fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que já havia fugidoem 7 (sete) oportunidades. Essa omissão do Estado do Rio Grande do Sul foi causa diretado evento danoso. Diante das inúmeras fugas do condenado, a autoridade competentetinha o dever de ser mais vigilante e de promover a regressão do sentenciado em referênciano regime de cumprimento da pena. Se o Estado assim houvesse agido, procedendo comdiligência em face dos incidentes anteriormente registrados, o apenado em questão teriasido submetido a regime penal mais gravoso, o que o teria impedido de praticar os delitosgravíssimos que veio a cometer.

A omissão do poder público local, além de profundamente censurável, revelou-secausa suficiente à eclosão dos eventos delituosos perpetrados por referido sentenciado,do que resultou – ante a falha evidente do Estado no cumprimento de sua obrigação defiscalizar – a prática de violência pessoal, inclusive estupro, contra as moradoras de umaresidência em que esse mesmo sentenciado veio, criminosamente, a ingressar durante afuga que empreendeu.

O e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proferiu decisão queinterpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra, em nossosistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do poder público. O v. acórdão impugnadonesta sede recursal extraordinária, ao fazer aplicação do preceito constitucional em refe-rência, reconheceu, com inteiro acerto, no caso em exame, a cumulativa ocorrência dosrequisitos concernentes (1) à consumação do dano, (2) à omissão administrativa, (3) aovínculo causal entre o evento danoso e o comportamento estatal e (4) à ausência dequalquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração daresponsabilidade civil do Estado.

Sendo assim, pelas razões expostas e pedindo vênia, acompanho os doutos votosproferidos pelos eminentes Ministros JOAQUIM BARBOSA e ELLEN GRACIE, para,também, conhecer do presente recurso extraordinário, em ordem a negar-lhe provimento,mantendo, em conseqüência, o v. acórdão proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estadodo Rio Grande do Sul.

É o meu voto.

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EXTRATO DA ATA

RE 409.203/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Relator para o acórdão: MinistroJoaquim Barbosa. Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul (Advogada: PGE/RS – Karinada Silva Brum) Recorrida: Lucia Terezinha Pereira Iorio (Advogado: Durval da FonsecaFraga).

Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e negou provimento ao recursoextraordinário, nos termos do voto do Ministro Joaquim Barbosa, vencido o MinistroRelator, que dele conhecia e lhe dava provimento. Lavrará o acórdão o Ministro JoaquimBarbosa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Graciee o Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes.Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 7 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO 461.932 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Celulose Nipo Brasileira S.A. – CENIBRA — Agravado: João Manoel

Costa1. Recurso. Agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Prequestiona-

mento no extraordinário. Caracterização. Agravo conhecido. Deve ser conhe-cido agravo, quando prequestionada a matéria constitucional, sem que issoimplique consistência do recurso extraordinário.

2. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Prescrição. Relação detrabalho. Trabalhador rural. Ação trabalhista ajuizada antes do advento da EC28/00. Redução do prazo. Impossibilidade. Agravo desprovido. Inteligência doart. 7º, XXIX, da CF. Precedentes. Não se reduz o prazo prescricional da açãotrabalhista iniciada antes da promulgação da Emenda Constitucional 28/00.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo interposto contra decisão do teorseguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na instância de origem, indeferiuprocessamento de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho assimementado:

“Recurso de revista. Pressupostos específicos.1. Não merece destrancamento o recurso de revista quando o acórdão regional

decide em harmonia com a reiterada e notória jurisprudência do Tribunal Superior doTrabalho (artigo 896, §§ 4º e 5º, da CLT).

2. Agravo de instrumento não provido.”2. Inviável o recurso.Observa-se claramente que o acórdão impugnado se limitou a aplicar a legislação

infraconstitucional pertinente ao caso.Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de se não admitir, em recurso

extraordinário, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, deinobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República.

Por outro lado, quanto à alegação de ofensa ao art. 5º, II, XXXV, LIV e LV, da Carta Magna,é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de que “em regra, as alegações de desrespeitoaos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do

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contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quandomuito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa queimpede a utilização do recurso extraordinário”. (AI 372.358-AgR – Rel. Min. Celso de Mello,DJ de 11-6-02.)

Ainda que assim não fosse, para averiguar se o Recorrido se enquadra ou não na categoriade trabalhador rural, demandaria reexame de fatos e provas, inviável em sede extraordinária(Súmula 279).

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei8.038, de 28-5-90, e art. 557 do CPC). (Fls. 103/104.)

Requer a parte agravante seja provido o agravo, pelas razões expostas às fls. 107/115.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconseqüente o recurso.Posto tenha sido, deveras, ventilada questão constitucional, não vinga o agravo de

instrumento, mediante o qual pretende a Agravante ver reduzido o prazo prescricional daação iniciada antes da promulgação da Emenda Constitucional 28/00.

É que a Corte já assentou:

Se nem mesmo a Constituição Federal – salvo quando ela expressamente declara – retroageseus efeitos para desconstituir fatos ocorridos no passado (RE 219.434, Moreira Alves, PrimeiraTurma, DJ de 20-9-02), o que se dirá de suas emendas. É o entendimento firmado por estaSuprema Corte, v.g. ADI 2.201, Nelson Jobim, DJ de 12-12-03; ADI 1.291, Octavio Gallotti, DJde 16-5-03; Pet 2.915-QO, Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 16-5-03; e RE 213.965,Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ de 7-4-00.(RE 423.575, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.)

Tal decisão foi confirmada em sede de agravo regimental, de cuja ementa consta:

Prescrição trabalhista: trabalhador rural: CF, art. 7º, XXIX: pretensão inadmissível deimpor redução do prazo prescricional à ação iniciada antes da promulgação da Emenda Constitu-cional 28/00; a norma constitucional – ainda quando o possa ser – não se presume retroativa: sóalcança situações anteriores, de direito ou de fato, se o dispuser expressamente: precedentes. 2.Recurso extraordinário: descabimento: questão relativa à aplicação da multa prevista no art. 557,§ 2º, do Código de Processo Civil, restrita ao âmbito infraconstitucional; alegada ofensa indiretaà Constituição Federal: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 636.(DJ de 17-12-04.)

2. Isso posto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

AI 461.932-AgR/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Celulose NipoBrasileira S.A. – CENIBRA (Advogados: José Alberto Couto Maciel e outro). Agravado:João Manoel Costa (Advogados: Jorge Romero Chegury e outro).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,nos termos do voto do Relator. Unânime.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO 492.629 — RS

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Banco Santander Meridional S.A. — Agravados: Luiz Carlos Silveira e

outro

1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Intempestividade. Com-provação de que o recurso foi interposto no prazo legal. Decisão agravada.Reconsideração. Provada sua tempestividade, deve ser conhecido o recurso.

2. Litisconsórcio. Recurso extraordinário. Interposição por um só doslitisconsortes. Agravo de instrumento contra decisão denegatória. Prazo emdobro. Inadmissibilidade. Aplicação do princípio consagrado na Súmula 641.Agravo regimental não provido. Precedentes. Não se conta em dobro prazopara interposição de agravo de instrumento, quando somente um dos litiscon-sortes haja interposto o recurso extraordinário não admitido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto doRelator. Não participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.

Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo interposto contra decisão do teorseguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, na instância deorigem, indeferiu processamento de recurso extraordinário.

2. Incognoscível o recurso.Publicado o acórdão recorrido em 1º-11-00, quarta-feira (fl. 59), o prazo para o recurso

extraordinário começou a correr na terça-feira, dia 7-11-00, e expirou no dia 21-11-00 (terça-feira). O recurso foi protocolado no dia 1º-12-00, sem causa legal de suspensão nem interrupçãodo prazo. Veio, pois, a desoras.

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei8.038, de 28-5-90, e art. 557 do CPC). (Fl. 69.)

Insiste a parte agravante no provimento do recurso extraordinário, pelas razõesexpostas às fls. 103/104.

É o relatório.

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R.T.J. — 200 1003

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Já não subsiste o fundamento da decisãoagravada quanto à intempestividade do recurso extraordinário, pois aplicável o prazo emdobro do previsto no art. 191 do CPC. É que, perante o acórdão recorrido, tanto o BancoSantander Meridional S.A. (antiga denominação Banco Meridional do Brasil S.A.), quantoa Caixa de Auxílio dos Funcionários do Banco Nacional do Comércio, litisconsortes repre-sentados por diferentes procuradores, sucumbiram.

2. Mas nem por isso é cognoscível o agravo de instrumento.Somente o Banco Santander Meridional S.A. interpôs recurso extraordinário, que

não foi admitido. Contra a decisão denegatória, foi interposto o agravo de instrumento,mas cujo prazo não era em dobro.

É firme a orientação desta Corte no sentido de que não quadra a aplicação do art. 191do Código de Processo Civil à interposição de agravo de instrumento, quando somenteum dos litisconsortes haja interposto o recurso extraordinário não admitido. É o que, porexemplo, decidiu a Primeira Turma, no AI 154.873-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão (DJ de 2-6-95, Ementário 1.789-02), cujo acórdão invoca o AI 86.800-AgR, Rel. Min. Moreira Alves(RTJ 105/139), e tem a seguinte ementa:

Litisconsórcio. Prazo. Agravo de instrumento contra despacho denegatório de recursoextraordinário. Código de Processo Civil, art. 191: inaplicação.

Não cabe o benefício da contagem em dobro do prazo para opor agravo, se o recursoextraordinário não admitido foi interposto apenas por um dos litisconsortes, não sendo cabívelao outro.

Trata-se, aliás, de aplicação do princípio agora consagrado na Súmula 641.Daí a manifesta intempestividade do agravo de instrumento. A decisão objeto do

recurso foi publicada no dia 17 de setembro de 2002, terça-feira (fl. 84), de modo que oprazo para interposição começou a correr na quarta-feira, dia 18 de setembro de 2002, e,sem causa suspensiva nem interruptiva, expirou no dia 27 subseqüente, sexta-feira. Oagravo foi protocolado no dia 7 de outubro de 2002. A desoras, portanto.

3. Isso posto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

AI 492.629-AgR/RS — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Banco SantanderMeridional S.A. (Advogados: Eduardo Mariotti e outros). Agravados: Luiz Carlos Silveirae outro (Advogados: Renato Gomes Ferreira e outro).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o MinistroCarlos Britto.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 2001004

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO 558.168 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Telemar Norte Leste S.A. — Agravado: Lucio Eduardo Monteiro

1. Recurso. Extraordinário. Interposição antes de publicação do acórdão.Possibilidade teórica de acompanhamento eletrônico. Irrelevância. Sistemaque apenas informaria o estado do processo, não as razões de decidir. Recursoprepóstero. Não-conhecimento. Se não se prova doutro modo o conhecimentoanterior das razões de decidir, não se conhece de recurso interposto antes dapublicação da decisão recorrida no Diário da Justiça ou da sua juntada aosautos.

2. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre amatéria. Argumentação desarrazoada. Caráter meramente abusivo. Litigânciade má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III,e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamenteinadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagarmulta ao agravado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo interposto contra decisão do teorseguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, na instância deorigem, não admitiu o processamento de recurso extraordinário.

2. Incognoscível o agravo.O recurso extraordinário foi protocolado em 31-8-04, antes que se fizesse público e

existente como ato processual, em 24-9-04 (fl. 43), o acórdão impugnado. Não serve comotermo de início de contagem do prazo recursal, a mera notícia do julgamento (cf. Pet 1.320-AgR-AgR/DF, Rel. Min. Nelson Jobim). Desta forma, foi o recurso interposto prematura eintempestivamente. Nesse sentido:

“(...) a intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematu-ras (que se antecipam à publicação dos acórdãos) quanto resultar de oposições tardias (quese registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das duas situações –impugnação prematura ou oposição tardia –, a conseqüência de ordem processual é uma só:o não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição. (...) o

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R.T.J. — 200 1005

prazo para interposição de recurso contra decisões colegiadas só começa a fluir da publica-ção da súmula do acórdão no órgão oficial (CPC, art. 506, III). Na pendência dessapublicação, qualquer recurso eventualmente interposto considerar-se-á intempestivo(...)”.(AI 381.102/SP, Rel. Min. Celso de Mello.)3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei

8.038, de 28-5-90, e art. 557 do CPC). (Fls. 69/70.)

Insiste a parte agravante no provimento do agravo, sustentando que: a) “a finalida-de precípua da publicação é de levar ao conhecimento das partes o conteúdo da decisão,com o escopo de garantir o direito de defesa” e que essa finalidade pode ser alcançada poroutros meios, a exemplo do “acesso ao inteiro teor de um acórdão ou decisão pela internetantes da publicação” e da “intimação oficial do advogado sem a publicação quando oprocurador da parte comparece em cartório”; b) “não há qualquer previsão no CPC ou emqualquer outra norma vigente no ordenamento jurídico pátrio que estabeleça que a publi-cação é pressuposto de existência de uma decisão”, sendo, portanto, tal entendimento,um óbice ao direito de recorrer e um “formalismo inútil”, uma vez que desrespeita oprincípio da instrumentalidade das formas consubstanciado no art. 154 do CPC; e c) anoção de prazo recursal “não obriga a parte a observar um limite mínimo para a interposi-ção do recurso, mas sim um limite máximo, sob pena de preclusão temporal.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Abusivo o recurso.É verdade que sistemas de acompanhamento eletrônico podem dar a conhecer o

estado do processo e, até, o teor do dispositivo de decisões, mas, neste caso, assim nãohá nenhuma prova de que estivera disponível tal informação, nem a partir de que data oestaria, como a não há de que, diversamente do que sucede de ordinário, eventual sistematornasse disponível o inteiro teor do acórdão impugnado que fizessem públicas tambémas razões de decidir, sem cujo conhecimento não se concebe recurso adequado.

Daí subsistir a pertinência da decisão agravada, que invocou e resumiu os funda-mentos de orientação invariável da Corte e de todo pertinente à hipótese (cf. AI 502.204-AgR/MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 4-11-05; AI 479.035-AgR/MG, Rel. Min. ErosGrau, DJ de 6-5-05; AI 479.019-AgR/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-9-04;RE 267.899-AgR-ED/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 23-9-05; RE 418.151-ED/PE,Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 21-5-04; RE 278.975/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de10-6-05), sem que nada lhe acrescentassem os argumentos do recurso à compreensão e aodesate da quaestio iuris agora ressuscitada.

Ao presente agravo, que não traz argumentos sérios para ditar eventual releitura daorientação assentada pela Corte, não sobra, pois, senão caráter só abusivo. Há aqui, alémda violação específica à norma proibitiva inserta no art. 557, § 2º, do Código de ProcessoCivil, desatenção séria e danosa ao dever de lealdade processual (arts. 14, II e III, e 17, VII),até porque recursos como este roubam à Corte, já notoriamente sobrecarregada, tempoprecioso para cuidar de assuntos graves. A litigância de má-fé não é ofensiva apenas àparte adversa, mas também à dignidade do Tribunal e à alta função pública do processo.

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R.T.J. — 2001006

2. Isso posto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada por seuspróprios fundamentos, e condeno a parte agravante a pagar à parte agravada a multa de5% (cinco por cento) do valor corrigido da causa, ficando condicionada, a interposição dequalquer outro recurso, ao depósito da respectiva quantia, tudo nos termos do art. 557,§ 2º, c/c arts. 14, II e III, e 17, VII, do Código de Processo Civil.

EXTRATO DA ATA

AI 558.168-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Telemar NorteLeste S.A. (Advogados: Ademir Coelho Araújo e outro). Agravado: Lucio EduardoMonteiro (Advogado: Marcos Sobrinho).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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R.T.J. — 200 1007

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO 569.544 — PE

Relator : O Sr. Ministro Celso de MelloAgravante: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Pernambuco –

DER/PE — Agravados: Carlos Gustavo de Alencar Barros e outro, Francisco de Assis deAndrada Jurubeba e outro e Clécio Bezerra de Melo e outro

Recurso de agravo – Cumulativa interposição de dois (2) recursos contraa mesma decisão, fora das hipóteses legais – Inadmissibilidade – Ofensa aopostulado da singularidade dos recursos – Não-conhecimento do segundorecurso – Exame do primeiro recurso – Agravo de instrumento – Alegadaviolação a preceitos inscritos na Constituição da República – Ausência deofensa direta à Constituição – Contencioso de mera legalidade – Recursoimprovido.

- O princípio da unirrecorribilidade, ressalvadas as hipóteses legais,impede a cumulativa interposição, contra o mesmo ato decisório, de mais deum recurso. O desrespeito ao postulado da singularidade dos recursos tornainsuscetível de conhecimento o segundo recurso, quando interposto contra amesma decisão. Doutrina.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimentono sentido de que a discussão em torno dos requisitos de admissibilidade dorecurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, não viabiliza oacesso à via recursal extraordinária, por tratar-se de tema de caráter emi-nentemente infraconstitucional, exceto se o julgamento emanado dessa AltaCorte judiciária apoiar-se em premissas que conflitem, diretamente, com oque dispõe o art. 105, III, da Carta Política. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nostermos do voto do Relator.

Brasília, 21 de março de 2006 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: A parte ora recorrente interpôs, contra a mesmadecisão, dois (2) recursos de agravo, que possuem o mesmo conteúdo material (fls. 209-212 e fls. 213-216).

Esses dois (2) recursos insurgem-se contra a mesma decisão, que, por mim proferida,possui o seguinte teor (fls. 188-189):

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R.T.J. — 2001008

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que adiscussão em torno dos requisitos de admissibilidade do recurso especial, dirigido aoSuperior Tribunal de Justiça, não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por tratar-sede tema de caráter eminentemente infraconstitucional (AI 181.489-AgR/SP, Rel. Min.SYDNEY SANCHES – AI 220.604/GO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – AI 233.210/SP, Rel.Min. ILMAR GALVÃO, v.g.), exceto se o julgamento emanado dessa Alta Corte judiciáriaapoiar-se em premissas que conflitem, diretamente, com o que dispõe o art. 105, III, daCarta Política (RTJ 154/207, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 154/648, Rel. Min.CARLOS VELLOSO – RTJ 159/1002, Rel. Min. MOREIRA ALVES – AI 161.370-AgR/RJ, Rel.Min. SYDNEY SANCHES – AI 210.444-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – AI 218.785-AgR/GO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – AI 219.119-AgR/RJ, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA –AI 294.607-AgR/PR, Rel. Min. NELSON JOBIM – AI 302.241/SP, Rel. Min. CELSO DEMELLO – RE 256.428-AgR/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM):

“A controvérsia sobre o cabimento, ou não, do recurso especial, salvo hipóteseem que se assente proposição contrária ao disposto no art. 105, III, e alíneas, daConstituição, estará, sempre, confinada ao plano infraconstitucional, não ensejandorecurso extraordinário.”(AI 170.739-AgR-ED/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – Grifei.)O exame do acórdão em questão torna evidente que não ocorre, no caso, a situação

excepcional, que, se registrada, legitimaria o acesso à via recursal extraordinária, o que tornaaplicável, em conseqüência, à espécie dos autos, a orientação jurisprudencial prevalecentenesta Suprema Corte:

“ACÓRDÃO QUE NÃO ADMITIU RECURSO ESPECIAL POR AUSÊNCIADOS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Questão circunscrita ao âmbito de interpretação de normas de naturezainfraconstitucional, relativas à hipótese de cabimento do recurso especial, inexistindoespaço, por isso, para seu exame, pelo STF, em recurso extraordinário.”(AI 218.785-AgR/GO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – Grifei.)Esta Corte, de outro lado, e no que concerne ao argumento de desrespeito aos postulados

da legalidade, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, do devido processo legal, doslimites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, tem enfatizado que, em princípio, taisalegações podem configurar, quando muito, situações caracterizadoras de ofensa meramentereflexa ao texto da Constituição (RTJ 147/251 – RTJ 159/328 – RTJ 161/284 – RTJ 170/627-628 – AI 126.187-AgR/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 153.310-AgR/RS, Rel. Min.SYDNEY SANCHES – AI 185.669-AgR/RJ, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – AI 192.995-AgR/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 257.310-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO –RE 254.948/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), o que não basta, só por si, paraviabilizar o acesso à via recursal extraordinária.

A espécie ora em exame não foge aos padrões acima mencionados, refletindo, por issomesmo, possível situação de ofensa indireta às prescrições da Carta Política, circunstânciaessa que impede – como precedentemente já enfatizado – o próprio conhecimento dorecurso extraordinário (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 132/455, Rel.Min. CELSO DE MELLO).

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instru-mento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.

(...).Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta ColendaTurma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

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R.T.J. — 200 1009

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Preliminarmente, não conheço do segundorecurso de agravo (fls. 213-216), porque interposto quando já deduzido, em momentoanterior, pela mesma parte agravante, e contra a mesma decisão, idêntico recurso (fls. 209-212).

Desse modo, conheço, unicamente, do primeiro recurso de agravo interposto pelaparte agravante (fls. 209-212), eis que o comportamento processual da parte ora agravante,com a interposição de dois (2) recursos idênticos, contra o mesmo ato decisório, deduzidosfora das hipóteses legalmente autorizadas (CPC, arts. 498 e 541), importou em evidentetransgressão ao postulado da unirrecorribilidade ou da singularidade dos recursos,segundo o qual, “para cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto peloordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais outrovisando a impugnação do mesmo ato judicial” (NELSON NERY JUNIOR, “PrincípiosFundamentais – Teoria Geral dos Recursos”, p. 93, item n. 2.4, 5. ed. 2000. RT – Grifei).

Cabe assinalar, por necessário, que o princípio da unirrecorribilidade, ressalvadasas hipóteses legais, impede a cumulativa interposição, contra o mesmo ato decisório, demais de um recurso.

O desrespeito ao postulado da singularidade dos recursos torna insuscetível deconhecimento o segundo recurso, quando interposto, como no caso, contra a mesmadecisão.

Passo, em conseqüência, a examinar o primeiro recurso de agravo, deduzido às fls.209-212. E, ao fazê-lo, nego-lhe provimento. É que não assiste razão à parte ora recorrente,eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencialfirmada pelo Supremo Tribunal Federal na matéria ora em exame.

Cabe enfatizar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federalfirmou entendimento no sentido de que a discussão em torno dos requisitos deadmissibilidade do recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, nãoviabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por tratar-se de tema de caráter eminente-mente infraconstitucional (AI 181.489-AgR/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – AI220.604/GO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – AI 233.210/SP, Rel. Min. ILMARGALVÃO, v.g.), exceto se o julgamento emanado dessa Alta Corte judiciária apoiar-se empremissas que conflitem, diretamente, com o que dispõe o art. 105, III, da Carta Política.

O exame do acórdão em questão torna evidente que não ocorre, no caso, a situaçãoexcepcional, que, se registrada, legitimaria o acesso à via recursal extraordinária, o quetorna aplicável, em conseqüência, à espécie dos autos, a orientação jurisprudencial pre-valecente nesta Suprema Corte:

ACÓRDÃO QUE NÃO ADMITIU RECURSO ESPECIAL POR AUSÊNCIA DOSRESPECTIVOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Questão circunscrita ao âmbito de interpretação de normas de natureza infraconsti-tucional, relativas à hipótese de cabimento do recurso especial, inexistindo espaço, por isso,para seu exame, pelo STF, em recurso extraordinário.(AI 218.785-AgR/GO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – Grifei.)

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R.T.J. — 2001010

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao recursode agravo interposto às fls. 209-212, mantendo, em conseqüência, por seus própriosfundamentos, a decisão ora agravada.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 569.544-AgR/PE — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Departamentode Estradas de Rodagem do Estado de Pernambuco – DER/PE (Advogados: PGE/PE –Sérgio Augusto Santana Viana e outro). Agravados: Carlos Gustavo de Alencar Barros eoutro (Advogados: Leucio Lemos Filho e outro), Francisco de Assis de Andrada Jurubebae outro (Advogados: Adolfo Moury Fernandes e outro) e Clécio Bezerra de Melo e outro(Advogados: Adilson Pinheiro Freire e outro).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Graciee os Ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 21 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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DECISÕES MONOCRÁTICAS

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ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DEPRECEITO FUNDAMENTAL 99 — PE

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiArgüente: Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB — Argüido: Tribunal de

Justiça do Estado de Pernambuco

Decisão: Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental, compedido de medida liminar, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros ( AMB),em face do art. 216, caput e parágrafo único; e do art. 226, caput, da Resolução 10, de 28-12-70 (Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco).

Assim dispõem as normas impugnadas:

Art. 216. Não havendo juiz em disponibilidade ou sem exercício, na forma do artigoanterior, ou decidindo o Tribunal não aproveitá-lo, o Presidente fará publicar a existência de vagapara remoção, por meio de edital com o prazo de 5 (cinco) dias para as Comarcas de 3ª (terceira)entrância e 15 (quinze) dias para as demais, contado da publicação do edital.

Parágrafo único. No prazo a que se refere este artigo deverão requerer a remoção os juízesaos quais interesse a comarca ou vara vaga ou que venha a vagar em virtude do seu preenchimento.

Art. 226. Quando promovido, o juiz da comarca cuja entrância tiver sido elevada, poderárequerer ao Presidente do Tribunal de Justiça, no prazo de 5 (cinco) dias, que sua promoção seefetive na comarca onde se encontra, caso a ela tenha direito.

A AMB, após sustentar a sua legitimidade ativa ad causam, alega que os dispositi-vos impugnados descumprem os preceitos fundamentais do “juízo natural” e do “devidoprocesso legal”. Ademais, conforme a Argüente, eles tratariam de matéria atribuída pelaConstituição, com exclusividade, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).

Argumenta, em suma, ter observado o princípio da subsidiariedade da ADPF, por setratar de questionamento de ato normativo anterior à Constituição de 1988. De acordocom a Argüente, embora, em tese, possam ser movidas ações individuais por todos osmagistrados que tiveram seus direitos violados pela aplicação dos dispositivos ora impug-nados, essas ações não seriam capazes de declarar sua revogação com efeito erga omnes.

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R.T.J. — 2001014

Aduz, também, que as normas impugnadas contrariam as regras da Loman sobre aquestão e violam a isonomia e a impessoalidade que devem orientar o sistema de promo-ções e remoções de magistrados.

Afirma, por fim, que “o descumprimento à Constituição é tanto formal – usurpaçãoda competência da Loman em afronta aos dispositivos nela prescritos – como material, jáque viola a impessoalidade que deve prevalecer no sistema de remoção dos magistrados”(fl. 13).

Pede a concessão de liminar “para determinar que o Tribunal de Justiça do Estadode Pernambuco suspenda a aplicação dos artigos 216, § 1º e 226, do Código de Organiza-ção Judiciária nos procedimentos de remoção e promoção dos juízes daquele Estado,passando a observar as regras da Loman” (fl. 18). Requer, mais, “que esse eg. SupremoTribunal Federal julgue a ação procedente, para o fim de declarar a revogação ou a incons-titucionalidade dos referidos dispositivos, fixando o momento a partir do qual deverá taldeclaração surtir efeito, tendo em vista as razões de segurança jurídica envolvidas” (fl. 19).

Requisitadas prévias informações (fl. 82), foram estas prestadas às fls. 96-98,oportunidade em que o Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado dePernambuco informou encontrar-se em tramitação “um anteprojeto de Lei Complementardo novo Código de Organização Judiciária do Estado” (fl. 97). Afirmou, ainda, que “osartigos mencionados pela reclamante têm sua aplicação de modo restrito, vez que esteTribunal preocupa-se com a busca e o estabelecimento de critérios objetivos com relaçãoà promoção e remoção de magistrados pelo critério de merecimento” (fl. 98).

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela extinção do processo semjulgamento de mérito (fls. 91-94).

Passo a decidir.A presente ação não deve ser conhecida.É que a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) constitui via

estreita, ação especial, somente admissível se atendidos determinados pressupostosestabelecidos na lei de regência. Dentre esses pressupostos, destaca-se o princípio dasubsidiariedade, segundo o qual não deve ser permitida a utilização da ADPF quandohouver outro meio eficaz de sanar a lesividade (art. 5º, § 1º, Lei 9.882/99).

Conforme entendimento desta Corte sobre o tema, embora, em princípio, deva-se terem mente, para efeito de aferição da subsidiariedade, os demais processos objetivosprevistos no ordenamento jurídico, a exigência refere-se, precisamente, à inexistência deoutro meio capaz de oferecer provimento judicial com eficácia ampla, irrestrita e imediatano caso concreto.

É o que se depreende da leitura de trecho do voto do Relator na ADPF 33-MC,Ministro Gilmar Mendes:

Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento,o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos jáconsolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade

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ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário,não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou inconstitucionalidade –isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitu-cional relevante de forma ampla, geral e imediata –, há de se entender possível a utilizaçãoda argüição de descumprimento de preceito fundamental.

(...)É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das

vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata.(Sem grifos no original.)Bem examinados os autos, entendo ser possível, no caso concreto, ao menos em

tese, a obtenção do provimento pretendido de forma ampla, geral e imediata, pela utiliza-ção de outras medidas processuais. Essa circunstância, por si só, é suficiente para afastara via utilizada.

Entretanto, mesmo que se considerasse a possibilidade de superação desse óbice,a ação não mereceria acolhida também por outro motivo. É que verifico não estar atendida,no caso, a exigência de demonstração da necessidade de imediata definição da causa.

Ao contrário, a Argüente deixou de comprovar as razões que a levaram a entenderconfigurada séria ameaça à segurança jurídica, decorrente da eventual aplicação dosdispositivos impugnados: art. 216, caput e parágrafo único; e art. 226, caput, da Resolu-ção 10, de 28-12-70, Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco.

Igualmente, não demonstrou, de maneira adequada, a existência de controvérsiaconstitucional relevante, considerada condição implícita do sistema brasileiro, nem foramindicadas incongruências hermenêuticas ou confusões jurisprudenciais aptas a ensejar omanejo da ADPF (ADPF 76, Rel. Min. Gilmar Mendes).

Por todas essas razões, não conheço desta argüição de descumprimento de preceitofundamental, ficando prejudicado, em conseqüência, o exame do pedido de medida liminar.

Arquivem-se estes autos.Publique-se.Brasília, 15 de março de 2007 — Ricardo Lewandowski, Relator.

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SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 102 — BA

Relator: Ministro PresidenteRequerente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Requeridos: Juiz Federal

da 15ª Vara Federal do Juizado Especial Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia, JuizFederal da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia, Juiz Federal da 22ª VaraFederal do Juizado Especial Federal Cível da Seção Judiciária do Estado da Bahia, JuizFederal da 23ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia — Intimados: AugustoEmiliano Dias, Raimundo Santana Gaspar, Lídia Alves Lima da Silva, Carlinda Delfina daSilva, Luzia da Conceição Santos do Nascimento, Bernadete da Hora Barros, Maria CleideSilva Coelho Almeida, Augusto Vieira do Nascimento, José de Souza Barros, José Martinsda Silva, Blandina Araújo dos Santos, Erenildo Gomes de Sá, Nilza Maturino dos Santos,João Estáquio Guimarães, Antônio Carvalho de Oliveira, José Valdolino Roque, JoséFlorêncio de Santana, Luiz Pereira Sampaio, Valdeliz Figueiredo Souza Cruz, Andreza deSouza Cerqueira, Jerônimo Pereira Sodré, Marlene Lopes da Silva, Juldete Gomes Lima,Maria da Graças Mascarenhas Silva, Maria da Paz Poles Paixão, Wessely AntônioQueiroz, Hosannah Bispo dos Santos, Marlene Lopes da Silva, José Pereira dos Santos,Edgar dos Santos e Lindaura Santos de Cerqueira

Decisão: 1. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) formulou requerimento desuspensão da eficácia de decisões que, proferidas pelos juizados especiais federais daSeção Judiciária do Estado da Bahia, anteciparam os efeitos da tutela jurisdicional preten-dida para determinar a imediata revisão do benefício de pensão por morte, majorando-opara cem por cento do salário de benefício, a partir da vigência da Lei 9.032/95. A autarquiafez prova de que contra tais decisões interpôs recursos perante a turma recursal compe-tente, “que, todavia, não suspendem os efeitos” (fl. 4).

Alega a existência, no caso, de controvérsia de índole constitucional e sustenta aocorrência de graves lesões à ordem e à economia públicas, consubstanciada: (1) naindevida sobrecarga gerada pela obrigação do pagamento, pela Previdência, de inúmerasrevisões cuja averiguação definitiva de sua constitucionalidade ainda está pendentenesta Corte, em prejuízo da eficácia social verificada na pontual prestação dos demaisbenefícios de caráter fundamental e necessariamente alimentares; (2) no impacto financeirocausado pelas antecipações de tutela, que contribuem para o alcance da soma de 40bilhões de reais estimados para que a Previdência Social pudesse atender, quanto aoacréscimo pretendido, a todos os segurados titulares de pensão por morte.

Apontando precedente – STA 45 – no qual esta Presidência, em 5-8-05, deferiupedido de mesmo conteúdo, pede a Requerente, ao final, “a suspensão de todas asexecuções de antecipação de tutela proferida nos Juizados Especiais Cíveis de Salvador,inclusive as citadas no corpo desta petição (...) até que se conclua o julgamento dos REs416.826 e 415.454” (fls. 20/21).

2. Verifico, inicialmente, a indiscutível existência de tema constitucional na contro-vérsia (CF, arts. 5º, XXXVI, e 195, § 5º), estando firmada, portanto, a competência destaPresidência para examinar o presente pedido de suspensão, fundamentado no art. 4º daLei 8.437/92 e no art. 1º da Lei 9.494/97.

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3. Registro que o tema do valor mensal da pensão por morte caracterizou-se, por seualcance em massa, como uma das mais relevantes questões multitudinárias enfrentadaspelo Judiciário pátrio nos últimos tempos, cuja solução definitiva para os milhares deprocessos existentes encontra-se, felizmente, próxima, já que programado o julgamentodeste assunto, no Plenário desta Suprema Corte, para o início de fevereiro do correnteano. A significativa quantidade de feitos sobre o tema já presentes neste Tribunal(estimados em 10 mil) levou o eminente Ministro Gilmar Mendes a tomar, recentemente,importante medida judicial cautelar racionalizadora, consubstanciada na aplicação, emprocesso de sua relatoria (RE 519.394-MC), do instituto previsto no art. 321, § 5º, VI, doRISTF, o que permitiu o sobrestamento de todos os demais processos correlacionadosnas instâncias recursais dos juizados especiais federais.

4. A proximidade do alcance, por esta Corte, de uma solução cabal para o assunto emanálise, somada à existência, já reconhecida por esta Presidência na STA 45, de lesão àordem e à economia públicas na concessão multitudinária das tutelas antecipadas oraimpugnadas, justifica, a meu ver, o deferimento do presente pedido.

Constato que a Turma Recursal do Juizado Federal baiano tem confirmado asdecisões de primeira instância, inclusive no que diz respeito à manutenção da tutelaantecipada. Além disso, tem fixado a aplicação de multa diária no caso do descumprimento,pelo INSS, das antecipações de tutela deferidas em primeiro grau. Veja-se, por exemplo,trecho do acórdão prolatado no Recurso 2006.33.00.714942-9, relativo ao Processo2003.33.00.731770-0, no qual foi proferida uma das decisões cuja suspensão é pretendidapelo Requerente, verbis:

Outrossim, considerando presentes os requisitos da majoração do beneficio requestado,restando demonstrada a verossimilhança das alegações apresentadas e diante da sua naturezaalimentar, resta evidenciado que o recorrido poderá sofrer danos irreparáveis frente à demora daprestação jurisdicional (periculum in mora).

Assim, confirmo a medida antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional almejada, jágarantida na primeira instância, ratificando comando já exagerado, no sentido de que o INSSpromova a imediata majoração do beneficio da parte, autora, deixou para a fase de execuçãoapenas o pagamento das parcelas vencidas.

Ademais, constatando que o INSS, até o presente momento, não comprovou o cumprimentoda medida antecipada deferida na sentença (fls. 31/33 – 22-08-2005), fato este demonstrado pelapetição apresentada pela parte recorrida (fl. 65), arbitro multa diária no montante de R$100,00(cem reais) pelo mencionado descumprimento (§ 4º do art. 461 do CPC), a partir de 15(quinze) (dias) da intimação do presente acórdão, pela autarquia previdenciária.

Forte em tais razões, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeiro graunos seus precisos termos.

No precedente de mesma temática já referida (STA 45, DJ de 12-8-05), examinado pormeu eminente antecessor na Presidência, Ministro Nelson Jobim, as quase 22 mil anteci-pações de tutela concedidas pela Primeira Turma Recursal do Juizado Especial FederalCível de São Paulo já apontavam para o vultoso efeito multiplicador das decisões dessanatureza, a exigir, no dizer de S. Exa, “o pagamento, pelo INSS, de valores consideráveissem a respectiva previsão orçamentária”, acarretando maior ônus aos cofres públicos(lesão à economia pública) e tumulto na máquina administrativa (lesão à ordem pública).

Assim também ocorre no presente caso, sendo imperiosa a excepcional suspensãodas tutelas expressamente trazidas aos autos, por não permitir a Lei 9.494/97, conformepretendido pelo Requerente, a suspensão genérica de decisões.

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5. Ante todo o exposto, defiro, em parte, o pedido formulado, para suspender, até ojulgamento final dos RE 415.454 e 416.827, as tutelas antecipadas que, especificamente,majoraram a pensão por morte devida em face da aplicação da Lei 9.032/95, consideradosos benefícios concedidos antes da edição do referido Diploma, tudo nos seguintes pro-cessos dos juizados especiais federais da Seção Judiciária do Estado da Bahia: 1) 15º VF:2003.33.00.739330-0, 2003.33.00.742598-1, 2003.33.00744260-0, 2004.33.00.701092-7,2004.33.00.702345-0, 2004.33.00.714347-9, 2004.33.00.714516-0, 2004.33.00.715196-6,2004.33.00.715289-6, 2004.33.00.715292-3, 2004.33.00.721462-4, 2005.33.00.705844-2,2005.33.00.707750-0, 2005.33.00.768685-0; 2) 21º VF: 2003.33.00.743296-0,2003.33.00.744946-0, 2003.33.00.748236-8, 2004.33.00.759540-8; 22º VF: 2003.33.00.728678-5,2003.33.00.731770-0, 2003.33.00.733492-0, 2003.33.00.733576-0, 2003.33.00.742351-1,2003.33.00.744636-1, 2003.33.00.744692-3, 2003.33.00.744695-4, 2003.33.00.744935-3,2004.33.00.721400-0, 2004.33.00.721411-7, 2004.33.00.738406-8; 3) 23º VF:2003.33.00.712733-3.

Publique-se.Brasília, 11 de janeiro de 2007 — Ellen Gracie, Presidente.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 595 — ES(ADI 595-MC na RTJ 138/84)

Relator: O Sr. Ministro Celso de MelloRequerente: Governador do Estado do Espírito Santo — Requerida: Assembléia

Legislativa do Estado do Espírito Santo

Ação direta de inconstitucionalidade. Instrumento de afirmação da su-premacia da ordem constitucional. O papel do Supremo Tribunal Federalcomo legislador negativo. A noção de constitucionalidade/inconstitucionali-dade como conceito de relação. A questão pertinente ao bloco de constitucio-nalidade. Posições doutrinárias divergentes em torno do seu conteúdo. Osignificado do bloco de constitucionalidade como fator determinante do caráterconstitucional, ou não, dos atos estatais. Necessidade da vigência atual, emsede de controle abstrato, do paradigma constitucional alegadamente violado.Superveniente modificação/supressão do parâmetro de confronto. Prejudicia-lidade da ação direta.

A definição do significado de bloco de constitucionalidade – indepen-dentemente da abrangência material que se lhe reconheça – reveste-se defundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata,pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projeta-se comofator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais con-testados em face da Carta Política.

A superveniente alteração/supressão das normas, valores e princípiosque se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade, porimportar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto,faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de preju-dicialidade da ação direta, legitimando, desse modo – ainda que mediantedecisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67) – a extinção anômalado processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Doutrina.Precedentes.

Decisão: A douta Procuradoria-Geral da República propõe o reconhecimento, naespécie, da ocorrência de situação caracterizadora de prejudicialidade deste processo decontrole normativo abstrato, eis que, após o ajuizamento da presente ação direta, regis-trou-se modificação de paradigma, derivada da superveniência da EC 19/98, que introdu-ziu substancial alteração nas cláusulas de parâmetro alegadamente desrespeitadas peloato normativo ora impugnado (fls. 65/67).

Passo a apreciar a questão suscitada pela douta Procuradoria-Geral da República,concernente à alegada configuração de prejudicialidade da presente ação direta, motivadapela superveniente alteração da norma de parâmetro, que foi invocada, no caso, comoparadigma de confronto e de aferição da suposta inconstitucionalidade da norma oraimpugnada.

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O exame dessa questão impõe algumas reflexões prévias – que reputo imprescindí-veis – em torno dos fins a que se destina o processo de fiscalização normativa abstrata, talcomo delineado em nosso sistema jurídico.

Como se sabe, o controle normativo abstrato qualifica-se como instrumento depreservação da integridade jurídica da ordem constitucional vigente.

A ação direta, enquanto instrumento formal viabilizador do controle abstrato, tra-duz um dos mecanismos mais expressivos de defesa objetiva da Constituição e de preser-vação da ordem normativa nela consubstanciada. A ação direta, por isso mesmo, repre-senta meio de ativação da jurisdição constitucional concentrada, que enseja, ao SupremoTribunal Federal, o desempenho de típica função política ou de governo, no processo deverificação, em abstrato, da compatibilidade vertical de normas estatais contestadas emface da Constituição da República.

O controle concentrado de constitucionalidade, por isso mesmo, transforma, oSupremo Tribunal Federal, em verdadeiro legislador negativo (RTJ 126/48, Rel. Min.MOREIRA ALVES – RTJ 153/765, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.063/DF, Rel.Min. CELSO DE MELLO). É que a decisão emanada desta Corte – ao declarar, in abstracto,a ilegitimidade constitucional de lei ou ato normativo federal ou estadual – importa emeliminação dos atos estatais eivados de inconstitucionalidade (RTJ 146/461-462, Rel.Min. CELSO DE MELLO), os quais vêm a ser excluídos, por efeito desse mesmo pronun-ciamento jurisdicional, do próprio sistema de direito positivo ao qual se achavam, atéentão, formalmente incorporados (RTJ 161/739-740, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse entendimento – que tem suporte em autorizado magistério doutrinário (CELSORIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 326, item n. 4, 11. ed., 1989,Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 614, item n. 10.9, 10.ed., 2001, Atlas, v.g.), e que se reflete, por igual, na orientação jurisprudencial firmada poresta Suprema Corte (RT 631/227) – permite qualificar, o Supremo Tribunal Federal, comoórgão de defesa da Constituição, seja relativamente ao legislador, seja, ainda, em face dasdemais instituições estatais, pois a Corte, ao agir nessa específica condição institucional,desempenha o relevantíssimo papel de “órgão de garantia da hierarquia normativa daordem constitucional” (J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 809, 4.ed., 1987, Almedina, Coimbra).

Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que a jurisprudência firmada peloSupremo Tribunal Federal – tratando-se de fiscalização abstrata de constitucionalidade –apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos,que, emanados da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, tenham sido edita-dos sob a égide de texto constitucional ainda vigente.

O controle por via de ação, por isso mesmo, mostra-se indiferente a ordens norma-tivas inscritas em textos constitucionais já revogados, ou que tenham sofrido alteraçõessubstanciais por efeito de superveniente promulgação de emendas à Constituição.

É por essa razão que o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte tem adver-tido que o controle concentrado de constitucionalidade reveste-se de um só e únicoobjetivo: o de julgar, em tese, a validade de determinado ato estatal contestado em face do

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ordenamento constitucional, ainda em regime de vigência, pois – conforme já enfatizadopelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 95/980 – RTJ 95/993 – RTJ 99/544 – RTJ 145/339) –,o julgamento da argüição de inconstitucionalidade, quando deduzida, in abstracto, nãodeve considerar, para efeito do contraste que lhe é inerente, a existência de paradigmarevestido de valor meramente histórico.

Vê-se, desse modo, que, tratando-se de fiscalização normativa abstrata, a questãopertinente à noção conceitual de parametricidade – vale dizer, do atributo que permiteoutorgar, à cláusula constitucional, a qualidade de paradigma de controle – desempenhapapel de fundamental importância na admissibilidade, ou não, da própria ação direta,consoante já enfatizado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADI 1.347-MC/DF),Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Isso significa, portanto, que a idéia de inconstitucionalidade (ou de constituciona-lidade), por encerrar um conceito de relação (JORGE MIRANDA, “Manual de DireitoConstitucional”, tomo II, p. 273/274, item n. 69, 2. ed., Coimbra Editora Limitada) – quesupõe, por isso mesmo, o exame da compatibilidade vertical de um ato, dotado de menorhierarquia, com aquele que se qualifica como fundamento de sua existência, validade eeficácia – torna essencial, para esse específico efeito, a identificação do parâmetro deconfronto, que se destina a possibilitar a verificação, in abstracto, da legitimidade constitu-cional de certa regra de direito positivo, a ser necessariamente cotejada em face da cláusu-la invocada como referência paradigmática.

A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procurade um padrão de cotejo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete,o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado emface da Constituição.

Esse processo de indagação, no entanto, impõe que se analisem dois (2) elementosessenciais à compreensão da matéria ora em exame. De um lado, põe-se em evidência oelemento conceitual, que consiste na determinação da própria idéia de Constituição e nadefinição das premissas jurídicas, políticas e ideológicas que lhe dão consistência. Deoutro, destaca-se o elemento temporal, cuja configuração torna imprescindível constatarse o padrão de confronto, alegadamente desrespeitado, ainda vige, pois, sem a sua conco-mitante existência, descaracterizar-se-á o fator de contemporaneidade, necessário àverificação desse requisito.

No que concerne ao primeiro desses elementos (elemento conceitual), cabe terpresente que a construção do significado de Constituição permite, na elaboração desseconceito, que sejam considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressa-mente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Consti-tuição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de suatranscendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízesmergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Funda-mental do Estado.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para além deuma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar – distanciando-se, então, dasexigências inerentes ao positivismo jurídico – que a Constituição da República, muito

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mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de sertambém entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo,de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 –RTJ 77/657).

É por tal motivo que os tratadistas – consoante observa JORGE XIFRA HERAS(“Curso de Derecho Constitucional”, p. 43) –, em vez de formularem um conceito únicode Constituição, costumam referir-se a uma pluralidade de acepções, dando ensejo àelaboração teórica do conceito de bloco de constitucionalidade (ou de parâmetro cons-titucional), cujo significado – revestido de maior ou de menor abrangência material –projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das regras constituci-onais meramente escritas e dos princípios contemplados, explícita ou implicitamente, nocorpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até mesmo, a compreendernormas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver, em todaa sua plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental,viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas conceituais mais amplas, a con-cretização da idéia de ordem constitucional global.

Sob tal perspectiva, que acolhe conceitos múltiplos de Constituição, pluraliza-se anoção mesma de constitucionalidade/inconstitucionalidade, em decorrência de formula-ções teóricas, matizadas por visões jurídicas e ideológicas distintas, que culminam pordeterminar – quer elastecendo-as, quer restringindo-as – as próprias referências paradig-máticas conformadoras do significado e do conteúdo material inerentes à Carta Política.

Torna-se relevante destacar, neste ponto, por tal razão, o magistério de J. J.GOMES CANOTILHO (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 811/812,item n. 1, 1998, Almedina), que bem expôs a necessidade de proceder-se à determinação doparâmetro de controle da constitucionalidade, consideradas as posições doutrináriasque se digladiam em torno do tema:

Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição(art. 3.º/3). Significa isto que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estarsubordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Masqual é o estalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade dos actosnormativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições:(1) o parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou leis com valor constitu-cional formal, e daí que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto devista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escri-tos da constituição (ou de outras leis formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitu-cional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dosactos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leisconstitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordemconstitucional global.

Na perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência, blocode constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e das leis com valorconstitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as normase princípios constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aosprincípios reclamados pelo ‘espírito’ ou pelos ‘valores’ que informam a ordem constitucionalglobal.(Grifei.)

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Veja-se, pois, a importância de compreender-se, com exatidão, o significado queemerge da noção de bloco de constitucionalidade – tal como este é concebido pela teoriaconstitucional (BERNARDO LEÔNCIO MOURA COELHO, “O Bloco de Constitucionali-dade e a Proteção à Criança”, in Revista de Informação Legislativa n. 123/259-266, 263/264, 1994, Senado Federal; MIGUEL MONTORO PUERTO, “Jurisdicción Constitucionaly Procesos Constitucionales”, tomo I, p. 193/195, 1991, Colex; FRANCISCO CAAMAÑODOMÍNGUEZ/ANGEL J. GÓMEZ MONTORO/MANUEL MEDINA GUERRERO/JUANLUIS REQUEJO PAGÉS, “Jurisdicción y Procesos Constitucionales”, p. 33/35, item C,1997, Berdejo; IGNACIO DE OTTO, “Derecho Constitucional, Sistema de Fuentes”, p.94/95, § 25, 2. ed./2. reimpressão, 1991, Ariel; LOUIS FAVOREU/FRANCISCO RUBIOLLORENTE, “El bloque de la constitucionalidad”, p. 95/109, itens n. I e II, 1991, Civitas;JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “O Princípio da Subsidiariedade: Conceitoe Evolução”, p. 77/81, 2000, Forense; DOMINIQUE TURPIN, “Contentieux Constitution-nel”, p. 55/56, item n. 43, 1986, Presses Universitaires de France, v.g.) – , pois, dessapercepção, resultará, em última análise, a determinação do que venha a ser o paradigmade confronto, cuja definição mostra-se essencial, em sede de controle de constitucionali-dade, à própria tutela da ordem constitucional.

E a razão de tal afirmação justifica-se por si mesma, eis que a delimitação conceitualdo que representa o parâmetro de confronto é que determinará a própria noção do que éconstitucional ou inconstitucional, considerada a eficácia subordinante dos elementosreferenciais que compõem o bloco de constitucionalidade.

Não obstante essa possibilidade de diferenciada abordagem conceitual, torna-seinequívoco que, no Brasil, o tema da constitucionalidade ou inconstitucionalidade supõe,no plano de sua concepção teórica, a existência de um duplo vínculo: o primeiro, de ordemjurídica, referente à compatibilidade vertical das normas inferiores em face do modeloconstitucional (que consagra o princípio da supremacia da Carta Política), e o segundo, decaráter temporal, relativo à contemporaneidade entre a Constituição e o momento de forma-ção, elaboração e edição dos atos revestidos de menor grau de positividade jurídica.

Vê-se, pois, até mesmo em função da própria jurisprudência do Supremo TribunalFederal (RTJ 169/763, Rel. Min. Paulo Brossard), que, na aferição, em abstrato, daconstitucionalidade de determinado ato normativo, assume papel relevante o vínculo deordem temporal, que supõe a existência de uma relação de contemporaneidade entrepadrões constitucionais de confronto, em regime de plena e atual vigência, e os atosestatais hierarquicamente inferiores, questionados em face da Lei Fundamental.

Dessa relação de caráter histórico-temporal, exsurge a identificação do parâmetrode controle, referível a preceito constitucional, ainda em vigor, sob cujo domínio normativoforam produzidos os atos objeto do processo de fiscalização concentrada.

Isso significa, portanto, que, em sede de controle abstrato, o juízo de inconstituci-onalidade há de considerar a situação de incongruência normativa de determinado atoestatal, contestado em face da Carta Política (vínculo de ordem jurídica), desde que orespectivo parâmetro de aferição ainda mantenha atualidade de vigência (vínculo deordem temporal).

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Sendo assim, e quaisquer que possam ser os parâmetros de controle que seadotem – a Constituição escrita, de um lado, ou a ordem constitucional global, de outro(LOUIS FAVOREU/FRANCISCO RUBIO LLORENTE, “El bloque de la constitucionalidad”,p. 95/109, itens n. I e II, 1991, Civitas; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”,p. 712, 4. ed., 1987, Almedina, Coimbra, v.g.) – torna-se essencial, para fins de viabilização doprocesso de controle normativo abstrato, que tais referências paradigmáticas encon-trem-se, ainda, em regime de plena vigência, pois, como precedentemente assinalado,o controle de constitucionalidade, em sede concentrada, não se instaura, em nossosistema jurídico, em função de paradigmas históricos, consubstanciados em normasque já não mais se acham em vigor.

É por tal razão que, em havendo a revogação superveniente da norma de confronto,não mais se justificará a tramitação da ação direta, que, anteriormente ajuizada, fundava-se na suposta violação do parâmetro constitucional cujo texto veio a ser suprimido ousubstancialmente alterado.

Bem por isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o regime cons-titucional anterior, tem proclamado que tanto a superveniente revogação global da Cons-tituição da República (RTJ 128/515 – RTJ 130/68 – RTJ 130/1002 – RTJ 135/515 – RTJ141/786), quanto a posterior derrogação da norma constitucional (RTJ 168/436 – RTJ169/834 – RTJ 169/920 – RTJ 171/114 – RTJ 172/54 – ADI 296/DF – ADI 512/PB – ADI1.137/RS – ADI 1.143/AP – ADI 1.300/AP – ADI 1.885-QO/DF – ADI 1.907-QO/DF), porafetarem o paradigma de confronto, invocado no processo de controle concentrado deconstitucionalidade, configuram hipóteses caracterizadoras de prejudicialidade da açãodireta, em virtude da evidente perda de seu objeto:

II - Controle direto de constitucionalidade: prejuízo. Julga-se prejudicada, totalou parcialmente, a ação direta de inconstitucionalidade no ponto em que, depois de seuajuizamento, emenda à Constituição haja ab-rogado ou derrogado norma de Lei Fundamen-tal que constituísse paradigma necessário à verificação da procedência ou improcedência delaou de algum de seus fundamentos, respectivamente: orientação de aplicar-se no caso, no tocanteà alegação de inconstitucionalidade material, dada a revogação primitiva do art. 39, § 1º, CF 88,pela EC 19/98.(RTJ 172/789-790, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei.)Cumpre ressaltar, por necessário, que essa orientação jurisprudencial reflete-se

no próprio magistério da doutrina (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abs-trata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 225, item n. 3.2.6, 2. ed., 2000, RT;OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e Efei-tos”, p. 219, item n. 9.9.17, 2. ed., 2001, RT; GILMAR FERREIRA MENDES, “JurisdiçãoConstitucional”, p. 176/177, 2. ed., 1998, Saraiva), cuja percepção do tema ora em examepõe em destaque, em casos como o destes autos, que a superveniente alteração da normaconstitucional, revestida de parametricidade, importa na configuração de prejudicialidadedo processo de controle abstrato de constitucionalidade, eis que, como enfatizado, oobjeto da ação direta resume-se, em essência, à fiscalização da ordem constitucionalvigente.

Todas as considerações que vêm de ser expostas justificam-se em face da circuns-tância de que, posteriormente à instauração deste processo de controle normativo

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abstrato, sobreveio a Emenda Constitucional 19/98, que suprimiu e/ou alterou, substancial-mente, as cláusulas de parâmetro, cuja suposta ofensa motivou o ajuizamento da presenteação direta.

A circunstância caracterizadora da prejudicialidade desta ação direta, em decorrên-cia da razão mencionada na presente decisão, autoriza uma última observação: no exer-cício dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro Relator, competênciaplena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidosa esta Corte, legitimando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição,venha a praticar.

Cumpre acentuar, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconhe-ceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições doRelator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidosou ações, quando incabíveis, estranhos à competência desta Corte, intempestivos, semobjeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante doTribunal (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175).

Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da cole-gialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidadede submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbitodo Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (AI159.892-AgR/SP , Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é tambémaplicável aos processos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 563/DF, Rel. Min.PAULO BROSSARD – ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADI 2.060/RJ, Rel.Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.215/PE,Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do SupremoTribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai, ao Relator da causa, opoder de efetuar – enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF,art. 21, I) – o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata,o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e dascondições da própria ação direta” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, como razão de decidir, oparecer da douta Procuradoria-Geral da República, julgo prejudicada a presente açãodireta, por perda superveniente de objeto.

Arquivem-se os presentes autos.Publique-se.Brasília, 18 de fevereiro de 2002 — Celso de Mello, Relator.

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MANDADO DE SEGURANÇA 21.633 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos VellosoDecisão proferida pelo Sr. Ministro Sepúlveda PertenceImpetrante: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrado: Presidente do Supremo

Tribunal Federal e do Processo de “Impeachment” — Litisconsortes passivos: BarbosaLima Sobrinho e outro

Despacho: O Senhor Fernando Collor de Mello, Presidente da República, ora sus-penso de suas funções (CF, art. 86, § 1º, II), no último sábado, 26-12-92, impetrou mandadode segurança preventivo, com pedido de liminar, contra omissão atribuída ao eminenteMinistro Sydney Sanches, Presidente do Supremo Tribunal Federal – e, como tal, doprocesso de impeachment a que responde o Requerente –, porque ainda não deferida “apetição de 23-12-92, a qual o Impetrante postulou fossem elididos os efeitos da revelia quelhe foi imposta, declarando haver constituído novo defensor (...)”.

2. Na petição aludida, afirmada pelo il. Dr. José Moura Rocha e acompanhada daprocuração ad judicia do il. Impetrante, se requereu:

A habilitação do subscritor desta, à qualidade de Advogado do requerente; e o conseqüenteafastamento do ilustre Defensor Dativo que lhe foi indicado por Vossa Excelência;

A concessão de vista dos respectivos autos ao mesmo Advogado, pelo prazo de 30 (trinta)dias, à consideração de que se trata de processo de notória complexidade jurídica e fática; e,ademais, tendo em conta que o deferimento do que se pode neste item não estorva o dispositivono artigo 86, § 2º, da Constituição Federal.

3. Tão logo ajuizado o mandado de segurança, despachei, reservando-me, pelasrazões então explicitadas, para decidir hoje sobre o pedido liminar, quando as circunstân-cias autorizavam prever que, sobre o requerimento que lhe fora dirigido, já se houvessemanifestado o Senhor Presidente do Supremo Tribunal.

4. Efetivamente, há pouco recebi de Sua Excelência a informação de que, na data deontem, despachou, nos seguintes termos, a petição da defesa do Impetrante:

a) defiro a habilitação do ilustre Advogado Dr. José Moura Rocha, para atuar, no processo,como defensor do Acusado;

b) indefiro o pedido de vista dos autos, por trinta dias;c) mantenho a designação da sessão de julgamento para o dia 29 de dezembro corrente, às

9 horas;d) determino notificação ao ilustre advogado dativo, Professor Inocêncio Mártires

Coelho, para que compareça à sessão e permaneça, durante toda ela, à disposição da Presidência,para eventualmente atuar na defesa do Acusado, se este, novamente, por qualquer razão, se tornarrevel.

5. Cumpre-me, assim, decidir da liminar quanto às pretensões remanescentes, agora,já explicitamente denegadas pela autoridade coatora.

6. Os antecedentes da impetração são conhecidos.7. Notificados da designação do dia 22 de dezembro para o julgamento do processo

de impeachment pelo Senado Federal, na véspera, o Impetrante revogou o mandato con-ferido aos dois ilustres advogados que o vinham defendendo, os quais, em conseqüên-cia, comunicaram ao Presidente do feito que não compareceriam à sessão.

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8. Ao destituir os advogados – em carta que cumula de justos elogios o trabalhoprofissional por eles desenvolvido e os mantém como defensores constituídos, no pro-cesso por crime comum, perante o Supremo Tribunal –, o Impetrante deixou claro seupropósito de ausentar-se do processo, por entender inexistentes, no momento, “as condi-ções mínimas para um julgamento imparcial”; resolução essa – de “não comparecer nempessoalmente nem pelos meus advogados constituídos ao tribunal instalado no Senado” –que reiterou, naquela mesma data, no manifesto “ao povo brasileiro”, cópia do qual instruia presente impetração.

9. Aberta a sessão, em 22 de dezembro, e comprovada a anunciada revelia, o Presi-dente do processo, nos termos da lei aplicável – Lei 1.079/50, art. 26 ou 62, § 1º e § 2º –,adiou o julgamento para 29 de dezembro e nomeou defensor do acusado revel o ilustreadvogado Inocêncio Mártires Coelho.

10. Não obstante tais circunstâncias, era irrecusável – como vem de reconhecer odespacho da autoridade impetrada – o direito do Impetrante de purgar a revelia, em quevoluntariamente se pusera, e constituir novo advogado para representá-lo na sessão dejulgamento.

11. O comparecimento ao processo, pessoal ou por meio de advogados constituí-dos, é um ônus, não um dever do acusado (cf. J. Frederico Marques, Elementos do DireitoProcessual Penal, 1961, II/229; Giuseppe Gianzi, verbete Contumácia (Direito ProcessualPenal) na Enciclopedia del Diritto, Giuffré, 1962, X/472): por isso, a revelia não é sanção,mas fato processualmente relevante, cujos efeitos o revel, comparecendo, pode fazercessar a qualquer tempo.

12. No processo penal ordinário, impõe-se ao réu o ônus do comparecimento pessoalpara ser interrogado e acompanhar a instrução: por isso, à luz da interpretação literal doart. 564, III, c, do Código de Processo Penal (cf. J. Frederico Marques, ob. cit., II/67), jápredominou o entendimento que negava ao réu o direito à constituição de advogado ouà manutenção no processo do defensor anteriormente constituído (v.g., STF, HC 34.100,18-4-56, Rocha Lagôa, RTJ 9/27; HC 44.522, 5-10-67, Eloy da Rocha, RTJ 49/386); cuida-se,porém, de restrição corretamente superada pela tese contrária, que dá a prevalência devi-da à garantia constitucional da ampla defesa, cujo alcance a revelia só afeta no tocante àautodefesa, de que se priva o revel (cf. STF, RHC 55.735, 13-12-77, Bilac Pinto, RTJ 85/775;RHC 57.704, Muñoz, DJ de 17-3-80; RHC 61.091, Moreira Alves, JSTF, Lex 62/342; HC63.979, 2-5-86, Mayer, RTJ 118/168; RHC 63.909, 9-5-86, Néri da Silveira, RTJ 138/116).

13. No processo de impeachment, contudo – dado que a presença pessoal doacusado é mera faculdade sua (Lei 1.079/50, art. 25) –, o problema sequer se põe, uma vezque o comparecimento ao processo do advogado posteriormente constituído é bastanteà purgação da revelia.

14. A partir da cessação da revelia, pretende, no entanto, o impetrante obter que seadie novamente o julgamento, a fim de propiciar, por 30 dias, o estudo dos autos por seunovo advogado.

15. A pretensão, no entanto – bem indeferida pelo Presidente do processo –, eviden-temente não constitui, ao que penso, direito subjetivo do Impetrante, de modo a viabilizar,no ponto, o mandado de segurança.

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16. A purgação da revelia tem efeitos ex nunc (J. Frederico Marques, ob. cit., II/230;G. Gianzi, ob. loc. cit., X/477): a nova intervenção no processo, do qual voluntariamente seausentara o acusado, faz cessar o estado de revelia, mas evidentemente não importa anulidade da sua decretação e, por isso, não lhe atinge a validade dos efeitos processuaisconsumados enquanto vigeu.

17. Donde a regra do art. 322 do Código de Processo Civil – que decorre dos princí-pios gerais e independe de norma legal explícita –, segundo a qual, podendo, a qualquertempo, voltar a intervir no processo, o revel, entretanto, o recebe, no estado em que seencontrar.

18. É inquestionável, pois, que subsiste o ato de designação da data de amanhã, 29de dezembro, para a realização do julgamento, sem que lhe possa opor o impetrante asuperveniente purgação da contumácia, mercê da constituição do seu novo patrono.

19. Há mais, contudo: além de o Impetrante não ter direito ao adiamento que pleiteia,a pretensão de adiamento encontra na lei proibição explícita.

20. Não obstante a veemente contestação que lhe opôs o douto advogado dosdenunciantes, estou em que é correta a impetração, quando, no silêncio da lei do impea-chment, invocou a aplicação supletiva do Código de Processo Penal, como fundamentodo direito do requerente a fazer cessar a revelia, mediante o ingresso no feito do seu novoadvogado.

21. Mas, essa aplicação subsidiária do Código de Processo Penal para colmatar aslacunas da fragmentária disciplina da Lei 1.079/50 não pode parar no que aproveita aoImpetrante: há de estender-se à regência de tudo aquilo em que a sua imitação se mostrarapropriada.

22. Ora, são patentes e inequívocas a vinculação genética e a persistente semelhan-ça atual entre o rito do impeachment e o procedimento do júri. Desse último, portanto, élícito transplantar, para reger o julgamento dos crimes de responsabilidade, tudo quanto,não seja incompatível com a natureza do processo de impeachment, nem objeto de dispo-sição em contrário, na lei especial que o reger.

23. Ora, regulando a sessão de julgamento pelo júri, dispõe o Código de ProcessoPenal:

Art. 449. Apregoado o réu, e comparecendo, perguntar-lhe-á o juiz o nome, a idade e setem advogado, nomeando-lhe curador, se for menor e não o tiver, e defensor, se maior. Em talhipótese, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido.

Parágrafo único. O julgamento será adiado, somente uma vez, devendo o réu ser julgado,quando chamado pela segunda vez. Neste caso a defesa será feita por quem o juiz tiver nomeado,ressalvado ao réu o direito de ser defendido por advogado de sua escolha, desde que se achepresente.

Art. 450. À falta, sem escusa legítima, do defensor do réu ou do curador, se um ou outro foradvogado ou solicitador, será imediatamente comunicada ao Conselho da Ordem dos Advogados,nomeando o presidente do tribunal, em substituição, outro defensor, ou curador, observando odisposto no artigo anterior.

24. É manifesta a adequação de tais preceitos à situação criada com a revelia em quese pôs, declarada e propositadamente, o impetrante, em 22 de dezembro, pela destituiçãodos seus primitivos advogados, para que não comparecessem, em seu nome, ao julga-mento.

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25. Certo, o recuo, antes do julgamento, e a conseqüente extinção da revelia lheasseguram a atuação do advogado de sua escolha, se presente à sessão: este, porém, aointervir no processo, em 23 de dezembro, recebeu-o no estado em que então já se encon-trava, ou seja, com a sessão final marcada para amanhã, 29 de dezembro.

26. Invoca-se, para lastrear o pedido de adiamento, o tempo ainda restante do prazode suspensão das funções do Presidente da República acusado, fixado no art. 86, § 2º, daConstituição: mas, é claro, data venia, que, do dispositivo constitucional, o que resultapara o Impetrante é apenas o direito eventual de retorno ao exercício do mandato presi-dencial, se e quando decorridos, sem julgamento, os cento e oitenta dias; jamais o deprotrair, até esse termo final, a duração do processo.

27. Finalmente, os citados arts. 449 e 450 do Código de Processo Penal resolvem asituação do defensor dativo, nomeado em razão da contumácia do Requerente.

28. Certo, regra geral, em qualquer fase do processo, o ingresso no feito de advogadoconstituído implica o término da investidura do defensor nomeado (cf. G. Bellavista,verbete Difesa Giudiziaria Penale na Enciclopedia del Diritto, Giuffré, XII/454,458).

29. Sucede, porém, que, ao disciplinar o adiamento do júri em razão da ausência doadvogado do réu, o Código – naqueles dispositivos, que entendo aplicáveis ao processode impeachment – previu a nomeação cautelar de defensor dativo, com o fito de impedirsegundo adiamento, caso persista ou se renove a contumácia anteriormente verificada.

30. Correta, pois, também, no ponto, a decisão da autoridade impetrada, quandomanteve, como medida de cautela, a designação do defensor nomeado, para atuar, nojulgamento, se necessário.

31. Alude-se, na impetração, a que a constituição de novo advogado se deveu a tero Impetrante, pelas razões expostas em comunicado à imprensa, considerado o defensordativo incompatibilizado com os interesses de sua defesa: quando se considere que areferência ao fato, na parte expositiva da petição, constitui fundamento do pedido de suadestituição, o certo é que, assim como a investidura do advogado dativo não depende daconfiança pessoal do acusado, as críticas de cunho subjetivo deste à orientação que odefensor imprima à defesa de ofício não comprometem sua manutenção no encargo, ajuízo da autoridade competente para nomeá-lo. De resto, no caso, da manutenção cautelardo ilustre patrono dativo, só resultará sua efetiva atuação na sessão do julgamento, se oImpetrante, por seu advogado de confiança, reincidir na contumácia.

32. Desse modo, em conclusão, julgo prejudicado em parte o mandado de segurança,porque já admitida a intervenção do defensor constituído e purgada a revelia; no mais,indefiro a liminar, à falta, data venia, de relevância dos fundamentos da impetração.

33. Solicitem-se informações. Citem-se os denunciados para integrar a relação pro-cessual, como litisconsortes da autoridade coatora. Oportunamente, distribua-se.

Brasília, 28 de dezembro de 1992 — Sepúlveda Pertence, no exercício eventual daPresidência (RISTF, art. 34, I).

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HABEAS CORPUS 70.052 — DF

Relator: Ministro PresidenteDecisão proferida pelo Sr. Ministro Sepúlveda PertencePaciente: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrante: Mario Gonçalves Junior

Despacho: O advogado Mário Gonçalves Júnior impetra habeas corpus, com pedi-do liminar, em favor do Senhor Fernando Collor de Mello, Presidente da República, sus-penso de suas funções para responder, perante o Senado Federal, a processo por crimesde responsabilidade.

Fundando-se na suspeição dos senadores, por prejulgamento do Paciente, requer,liminarmente, a suspensão do processo e, ao final, “a nulidade de todos os atos pratica-dos pelos senadores, suspeitos, determinando-se a dissolução do Colegiado e novacomposição, agora isenta de ânimo, a partir dos senadores suplentes, e a renovação dosatos viciados” (fls. 12-13).

É manifesto o descabimento de habeas corpus, uma vez que da eventual condena-ção do Paciente no processo de impeachment a que responde nenhum constrangimentopoderá advir a sua liberdade de locomoção.

A propósito de impetração similar em favor do mesmo Paciente – HC 69.647, 30-6-92,DJ de 5-8-92 – acentuou, com precisão, o em. Ministro Celso de Mello:

Analisando-se a questão sob a perspectiva do impeachment, de cuja decretação pelo SenadoFederal resulta a desqualificação funcional do Presidente da República (CF, art. 52, I e seuparágrafo único), não há como reconhecer a pertinência da utilização do habeas corpus, queconstitui meio processual destinado a tutelar, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir epermanecer da pessoa.

O impeachment – enquanto prerrogativa institucional do Poder Legislativo – configurasanção de índole político-administrativa, destinada a operar, de modo legítimo, a destituiçãoconstitucional do Presidente da República, além de inabilitá-lo, temporariamente, pelo períodode oito anos, para o exercício de qualquer função pública eletiva ou de nomeação.

O processo de impeachment, promovido contra o chefe de Estado pela prática de crime deresponsabilidade, quer em virtude da função instrumental que desempenha, quer em razão danatureza mesma das infrações que justificam a sua instauração, não legitima a imposição dequalquer sanção que ofenda a incolumidade do status libertatis do Presidente da República.

(...)Foi precisamente por essa razão, e tendo presente a qualificação política do instituto em

análise, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 26.544-8/DF, de que foi Relator osaudoso Ministro Laudo de Camargo, não conheceu do writ, porque impertinente, no processode impeachment, qualquer controvérsia relativa ao status libertatis do chefe do Poder Executivo.

O Supremo Tribunal Federal, ao proferir esse julgamento, definiu de modo eloqüente aabsoluta inviabilidade jurídico-processual da utilização do remédio heróico do habeas corpusnaqueles casos que envolvem a instauração do processo político-administrativo de impeachment.Esse pronunciamento da Corte está assim ementado (Arquivo Judiciário, vol. 45/ 212- 215):

O habeas corpus só se legitima quando o paciente sofre, ou está na iminência desofrer, em sua liberdade física, coisa que não pode acontecer com o processo deimpeachment, cujo objeto é a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de outro,dentro de certo tempo.

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Desse modo, liminarmente, nego seguimento ao pedido, prejudicado o requeri-mento liminar.

Brasília, 28 de dezembro de 1992 — Sepúlveda Pertence, no exercício da Presidência(RISTF, art. 37, I).

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R.T.J. — 2001032

HABEAS CORPUS 70.053 — DF

Relator: Ministro PresidenteDecisão proferida pelo Sr. Ministro Sepúlveda PertencePaciente: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrante: Antonio Vivaldino

Lopes — Coator: Senado Federal

Despacho: O advogado Antonio Vivaldino Lopes impetra habeas corpus, compedido liminar, em favor de Fernando Afonso Collor de Mello, Presidente da República,suspenso de suas funções para responder a processo por crimes de responsabilidadeinstaurado pelo Senado Federal.

Alega o Impetrante a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva:uma vez que não há, na Lei 79/50 ou no Código Penal, fixação de prazo prescricional paraa persecução aos crimes de responsabilidade, porque sujeitos somente a penas restritivasde direito, sustenta a recepção, mediante desconstitucionalização, do art. 157 da Consti-tuição Imperial, que sujeitava ao prazo de ano e dia da prática do delito o exercício da açãopopular contra os juízes por subornos, peita, peculato e concussão, preceito que seaplicaria ao impeachment, por analogia.

Não obstante a imaginosa curiosidade da tese, não é ela susceptível de exame na viado habeas corpus, cujo descabimento resulta precisamente do fato de o processo deimpeachment não submeter o acusado à ameaça de penas privativas de liberdade (cf. emcasos anteriores relativos ao mesmo caso, em que envolvido o Paciente, os despachosliminares no HC 69.647, 30-7-92, Celso de Mello, DJ de 5-8-92, e no HC 70.052, desta data,Sepúlveda Pertence).

Por conseguinte, de logo, nego seguimento ao pedido, prejudicado o requerimentoliminar.

Brasília, 28 de dezembro de 1992 — Sepúlveda Pertence, no exercício da Presidência(RISTF, art. 37, I).

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R.T.J. — 200 1033

HABEAS CORPUS 70.054 — DF

Relator: Ministro PresidenteDecisão proferida pelo Sr. Ministro Sepúlveda PertencePaciente: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrante: Aidano Jose Faria —

Coator: Presidente do Supremo Tribunal Federal

Despacho: O advogado Aidano José Faria requer habeas corpus, com pedido limi-nar, em favor de Fernando Affonso Collor de Mello, Presidente da República, suspensodas funções para responder a processo por crime de responsabilidade instaurado peloSenado Federal. Funda-se o pedido na alegação de ilegitimidade ativa dos denunciantese requer a suspensão liminar do processo e, ao final, o seu trancamento.

Sucede, como é de saber elementar, que do processo de impeachment não surgeameaça à liberdade de locomoção do acusado, uma vez que aos crimes de responsabilidadenão se comina pena de prisão.

Por isso, invocando o precedente do HC 69.647, 30-7-92, Celso de Mello, DJ de 5-8-92,nesta data já neguei seguimento a dois pedidos de habeas corpus em favor do Paciente (HC70.052 e 70.053).

Desse modo, de logo, nego seguimento à impetração, prejudicado o requerimentoliminar.

Brasília, 28 de dezembro de 1992 — Sepúlveda Pertence, no exercício da Presidência(RISTF, art. 37, I).

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HABEAS CORPUS 70.055 — DF(HC 70.055-AgR na RTJ 147/650)

Relator: O Sr. Ministro Ilmar GalvãoDecisão proferida pelo Sr. Ministro Sepúlveda PertencePaciente: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrante: Pedro Calmon Mendes —

Coatores: Presidente do Senado Federal e Presidente do Supremo Tribunal Federal

Despacho: O advogado Pedro Calmon Mendes requer habeas corpus em favor doex-Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello, visando a que se anule adecisão pela qual o Senado Federal, em processo de impeachment, lhe impôs a pena deinabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.

2. Entende o impetrante que, tendo o Paciente renunciado ao mandato presidencial,no curso do julgamento por crimes de responsabilidade, extinguiu-se o processo, care-cendo o Senado Federal de competência para impor-lhe a questionada restrição de direi-tos, que reputa acessório da pena principal, tornada sem objeto, dada a vacância docargo.

3. Requer liminar, “no sentido de suspender todos os efeitos da condenação, quepoderão impedir a liberdade de ir e vir do Paciente, na iminência de ver-se obrigado apermanecer no distrito da sentença, além do dano irreparável de natureza psicológica (...)”

4. É manifesto o equívoco da suposição de que da condenação por crime de respon-sabilidade possa advir qualquer restrição à liberdade de locomoção do Paciente: a inabi-litação para o exercício de função pública – única aplicada – não implica, por si só, aobrigação de permanência neste ou naquele local, nem sequer é susceptível de converter-se em outra restrição ou ameaça de constrangimento à liberdade física do ex-dignitáriocondenado.

5. Desse equívoco resulta a patente inidoneidade da via processual eleita, afora acarência de legitimação do Impetrante para impugnar a aludida condenação em favor doPaciente, ainda que por outros meios.

6. No primeiro da série de habeas corpus requeridos por terceiros voluntários emfavor do ex-Presidente, no curso do processo de impeachment – HC 69.647, 30-6-92 –acentuou, com precisão, o despacho do em. Ministro Celso Mello, DJ de 5-8-92:

Analisando-se a questão sob a perspectiva do impeachment, de cuja decretação pelo Sena-do Federal resulta a desqualificação funcional do Presidente da República (CF, art. 52, I e seuparágrafo único), não há como reconhecer a pertinência da utilização do habeas corpus, queconstitui meio processual destinado a tutelar, de modo direito e imediato, o direito de ir, vir epermanecer da pessoa.

O impeachment – enquanto prerrogativa institucional do Poder Legislativo – configurasanção de índole político-administrativa destinada a operar, de modo legítimo, a destituiçãoconstitucional do Presidente da República, além de inabilitá-lo, temporariamente, pelo períodode oito anos, para o exercício de qualquer função pública eletiva ou de nomeação.

O processo de impeachment, promovido contra o Chefe de Estado pela prática de crime deresponsabilidade, quer em virtude da função instrumental que desempenha, quer em razão danatureza mesma das infrações que justificam a sua instauração, não legitima a imposição dequalquer sanção que ofenda a incolumidade do status libertatis do Presidente da República.

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Não obstante o amplo dissídio doutrinário em torno da qualificação jurídica doimpeachment (Paulo Brossard de Souza Pinto, O Impeachment, p. 71/83, 1965, Globo; PintoFerreira, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 3º/596-600, 1992, Saraiva; Manoel Gon-çalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2º/168-172, 1992,Saraiva; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 472-473, 5. ed.1989, RT; José Cretella Júnior, Comentário à Constituição de 1988, vol. V/2931-2945, 1991,Forense Universitária; Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emendan. 1 de 1969, tomo III/351-361, 3. ed. 1987, Forense: Michel Temer, Elementos de DireitoConstitucional, p. 165/170, 7. ed. 1990, RT; José Frederico Marques, Elementos de DireitoProcessual Penal, vol. 3/375, Forense; João Barbalho, Constituição Federal Brasileira –Comentários, p. 133, 2. ed. 1924; Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição Brasileira,p. 105/106, 1954, Freitas Bastos; Aurelino Leal, Teoria e prática da Constituição FederalBrasileira, Primeira Parte, p. 480, 1925), cumpre ter presente a advertência daqueles que, comoThemistocles Brandão Cavalcanti, acentuam que o impeachment é processo político tanto nodireito americano como no direito público brasileiro, não assumido, em conseqüência, aconotação de processo penal ou de procedimento de natureza quase criminal.

Foi precisamente por essa razão, e tendo presente a qualificação político do instituto emanálise, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 26.544-8/DF, de que foi Relator osaudoso Ministro Laudo de Camargo, não conheceu do writ, porque impertinente, no processo deimpeachment, qualquer controvérsia relativa ao status libertatis do chefe do Poder Executivo.

O Supremo Tribunal Federal, ao proferir esse julgamento, definiu de modo eloqüente, aabsoluta inviabilidade jurídico-processual da utilização do remédio heróico do habeas corpusnaqueles casos que envolvessem a instauração do processo político-administrativo doimpeachment. Esse pronunciamento da Corte está assim ementado (Arquivo Judiciário, vol.45/212-215):

O habeas corpus só se legitima quando o paciente sofre, ou está na iminência desofrer, em sua liberdade física, coisa que não pode acontecer com o processo impeachment,cujo é a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de outro, dentro de certo tempo.

7. Por isso, às vésperas do julgamento, no exercício eventual da Presidência daCorte, negou seguimento, liminarmente, a diversos pedidos similares (HC 70.052, 70.053 e70.054, todos de 28-12-92).

8. A situação não se alterou com a superveniência da condenação, se, em razão dela,a única sanção imposta não afeta a liberdade de locomoção do Paciente, nem, sequer, ésusceptível de converter-se em sanção tal que a atinja ou ameaça.

9. Nego seguimento ao pedido, prejudicado o requerimento liminar.Brasília, 4 de janeiro de 1993 — Sepúlveda Pertence, no exercício da Presidência

(RISTF, art. 37, I).

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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A

PrCv Ação cautelar. Descabimento. Medida cautelar em ADI: indeferimento. Novojulgamento com efeito concreto: impossibilidade. Ação direta de inconstitucio-nalidade: natureza objetiva. AC 688-AgR RTJ 200/639

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Atuação do STF como legislador nega-tivo. ADI 595 RTJ 200/1019

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. (...) Medida cautelar. ADI 3.715-MCRTJ 200/719

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Prejudicialidade. Emenda constitu-cional superveniente. Parâmetro constitucional: alteração substancial. ADI595 RTJ 200/1019

PrCv Ação direta de inconstitucionalidade: natureza objetiva. (...) Ação cautelar.AC 688-AgR RTJ 200/639

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade: prejudicialidade. (...) Competência juris-dicional. ADI 595 RTJ 200/1019

PrPn Ação penal. (...) Ministério Público. HC 88.387 RTJ 200/946PrPn Ação penal. Trancamento. Atipicidade da conduta. Veículo automotor: utiliza-

ção irregular de placa reservada. CP/40, art. 311, § 1º, redação da Lei 9.426/96.Código de Trânsito Brasileiro (CTB), art. 116. HC 86.424 RTJ 200/919

PrPn Ação penal. Trancamento: hipóteses. HC 88.191 RTJ 200/941PrPn Ação penal pública condicionada. Atentado violento ao pudor. Representa-

ção à época da denúncia: ausência. Curador: representação formal posterior.Nulidade inocorrente. Prejuízo não demonstrado. HC 88.387 RTJ 200/946

PrPn Ação penal pública condicionada. Legitimidade ativa. Ministério Público.Atentado violento ao pudor. Miserabilidade: presunção. HC 88.387 RTJ 200/946

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IV Açã-Ate — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Ação regressiva em ação de responsabilidade civil: prazo. (...) Processolegislativo. ADI 3.564-MC RTJ 200/713

PrCv Ação rescisória. Acórdão rescindendo: pedidos independentes. Pedido nãoconhecido: incompetência do STF. Pedido conhecido: efeito substitutivo.CPC/73, art. 512. Súmula 249. AR 1.800-AgR RTJ 200/664

PrCv Acórdão rescindendo: pedidos independentes. (...) Ação rescisória. AR 1.800-AgR RTJ 200/664

Ct Adiamento do julgamento: ausência de direito subjetivo. (...) Impeachment.MS 21.633 RTJ 200/1026

PrPn Advogado diverso constituído nos autos: irrelevância. (...) Recurso em senti-do estrito. RHC 85.876 RTJ 200/909

PrPn Advogado suspenso: assinatura. (...) Recurso em sentido estrito. RHC 85.876RTJ 200/909

PrCv Agravo de instrumento. Intempestividade. Litisconsórcio. Recurso extraor-dinário: interposição por um dos litisconsortes. Prazo em dobro: inaplicabi-lidade. Súmula 641. AI 492.629-AgR RTJ 200/1002

PrCv Agravo regimental. Caráter abusivo. Litigância de má-fé. Multa. CPC/73, art.557, § 2º, c/c os arts. 14, II e III, e 17, VII. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004

PrCv Agravo regimental. Matéria ausente do recurso extraordinário. Matéria cons-tante do pedido inicial: irrelevância. RE 375.045-AgR RTJ 200/979

PrCv Agravo regimental. Razões. Decisão agravada: ausência de impugnação dosfundamentos. MS 25.699-AgR RTJ 200/793

PrPn Aplicação da lei penal: fuga do réu. (...) Prisão preventiva. HC 85.519 RTJ200/903

PrSTF Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Descabimento. Con-trovérsia constitucional relevante: ausência de demonstração adequada. ADPF99 RTJ 200/1013

PrSTF Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Descabimento. Exis-tência de outro meio eficaz. Princípio da subsidiariedade. ADPF 99 RTJ 200/1013

Ct Assembléia Legislativa. Licitação, dispensa e inexigibilidade: sustação. Mo-delo federal: observância compulsória. CF/88, art. 71, § 1º. ADI 3.715-MC RTJ200/719

Ct Assembléia Legislativa: recurso. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.715-MC RTJ 200/719

PrPn Assistente da acusação. (...) Habeas corpus. HC 83.170 RTJ 200/892PrPn Atentado violento ao pudor. (...) Ação penal pública condicionada. HC

88.387 RTJ 200/946

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VÍNDICE ALFABÉTICO — Ate-CF/

PrPn Atentado violento ao pudor. (...) Ministério Público. HC 88.387 RTJ 200/946Pn Atentado violento ao pudor. Violência moral e temor reverencial. Violência

presumida. HC 88.387 RTJ 200/946PrPn Atipicidade da conduta. (...) Ação penal. HC 86.424 RTJ 200/919PrCv Ato administrativo impositivo. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ

200/739Ct Ato de CPI. (...) Controle jurisdicional. MS 25.668 RTJ 200/778Adm Ato omissivo. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 409.203 RTJ 200/982Ct Atuação condicionada à contumácia. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ

200/1026PrSTF Atuação do STF como legislador negativo. (...) Ação direta de inconstitucio-

nalidade. ADI 595 RTJ 200/1019PrPn Atuação temporária perante TRT. (...) Competência criminal. RHC 84.184 RTJ

200/898

BCt Bloco de constitucionalidade: conceito. (...) Controle concentrado de consti-

tucionalidade. ADI 595 RTJ 200/1019

CCt Cabimento. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 1.075-

MC RTJ 200/647PrCv Caráter abusivo. (...) Agravo regimental. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004PrCv Caráter mandamental e natureza personalíssima. (...) Mandado de segurança.

MS 22.355 RTJ 200/728PrCv Carência da ação: inocorrência. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ

200/739Adm Cargo público. Declaração de desnecessidade. Juízo de conveniência e opor-

tunidade da administração pública. Extinção por portaria: descabimento. Leide iniciativa do presidente da República: necessidade. RE 240.735-AgR RTJ200/976

Ct Cargo público: extinção. (...) Processo legislativo. RE 240.735-AgR RTJ 200/976TrPrv Celetista. (...) Pensão por morte. MS 24.523 RTJ 200/739Ct CF/88, art. 7º, XXIX: irretroatividade. (...) Prescrição. AI 461.932-AgR RTJ

200/999Adm CF/88, art. 37, § 6º. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 409.203 RTJ

200/982

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VI CF/-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO

TrPrv CF/88, art. 40, § 5º, redação anterior à EC 20/98. (...) Pensão por morte. MS24.523 RTJ 200/739

Ct CF/88, arts. 58, § 3º, e 93, IX. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).MS 25.668 RTJ 200/778

Ct CF/88, art. 61, § 1º, II, a. (...) Processo legislativo. RE 240.735-AgR RTJ 200/976Ct CF/88, art. 61, § 1º, II, c. (...) Processo legislativo. ADI 3.564-MC RTJ 200/713Ct CF/88, arts. 61, § 1º, II, e, e 84, VI: violação. (...) Processo legislativo. ADI 2.707

RTJ 200/704Ct CF/88, arts. 71, II, e 75. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.715-MC RTJ

200/719Ct CF/88, art. 71, § 1º. (...) Assembléia Legislativa. ADI 3.715-MC RTJ 200/719Ct CF/88, art. 86, § 2º: inaplicabilidade. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026Ct CF/88, art. 87, parágrafo único, II. (...) Competência legislativa. ADI 1.075-MC

RTJ 200/647Ct CF/88, art. 100, § 2º: inteligência. (...) Precatório. Rcl 2.433-AgR RTJ 200/668PrPn CF/88, art. 105, I, a. (...) Competência criminal. RHC 84.184 RTJ 200/898PrSTF CF/88, art. 105, III. (...) Recurso extraordinário. AI 569.544-AgR RTJ 200/1007Ct CF/88, art. 134, § 1º: ofensa. (...) Defensor público. ADI 3.043 RTJ 200/708Ct CF/88, art. 150, IV. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI

1.075-MC RTJ 200/647PrPn Código de Trânsito Brasileiro (CTB), art. 116. (...) Ação penal. HC 86.424 RTJ

200/919PrPn Colegiado de julgamento: composição. (...) Habeas corpus. HC 70.052 RTJ

200/1030Adm Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ): incompetência. (...)

Processo administrativo. MS 22.355 RTJ 200/728Ct Comissão Executiva: criação. (...) Processo legislativo. ADI 2.707 RTJ 200/704Ct Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Poderes de investigação. Sigilo

fiscal, bancário e telefônico: quebra. Fato concreto: ausência de indicação.Fundamentação insuficiente. CF/88, arts. 58, § 3º, e 93, IX. MS 25.668 RTJ200/778

Ct Competência. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.715-MC RTJ 200/719Int Competência criminal. Estado requerente. Processo e julgamento. Extraditan-

do. Ext 965 RTJ 200/642PrPn Competência criminal. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Procurador do

trabalho. Atuação temporária perante TRT. Fato anterior à designação: irrele-vância. Lei Complementar 75/93. CF/88, art. 105, I, a. RHC 84.184 RTJ 200/898

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VIIÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con

PrPn Competência criminal. Tribunal de Justiça. Processo e julgamento. Defensorpúblico e procurador de Estado e de Assembléia Legislativa. Prerrogativa deforo. Constituição do Estado de Goiás/89, art. 46, VIII, e, redação da EC 29/01.ADI 2.587 RTJ 200/671

PrPn Competência criminal. Tribunal de Justiça. Processo e julgamento. Delegadode polícia: agente subordinado. Prerrogativa de foro: inexistência. Constitui-ção do Estado de Goiás/89, art. 46, VIII, e, expressão, redação da EC 29/01:inconstitucionalidade. ADI 2.587 RTJ 200/671

PrSTF Competência jurisdicional. Relator. Controle concentrado de constituciona-lidade. Ação direta de inconstitucionalidade: prejudicialidade. Princípio dacolegialidade: ofensa inocorrente. Regimento Interno do Supremo TribunalFederal (RISTF), art. 21, I. ADI 595 RTJ 200/1019

Ct Competência legislativa. Poder regulamentar. Ministro de Estado. Delegaçãolegislativa: inocorrência. CF/88, art. 87, parágrafo único, II. ADI 1.075-MC RTJ200/647

PrPn Condenação anterior: pena cumprida há mais de cinco anos. (...) Processo cri-minal. HC 86.646 RTJ 200/933

PrPn Constituição do Estado de Goiás/89, art. 46, VIII, e, expressão, redação da EC29/01: inconstitucionalidade. (...) Competência criminal. ADI 2.587 RTJ200/671

PrPn Constituição do Estado de Goiás/89, art. 46, VIII, e, redação da EC 29/01. (...)Competência criminal. ADI 2.587 RTJ 200/671

Ct Constituição do Estado de São Paulo/89, art. 74, XI: inconstitucionalidade. (...)Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 347 RTJ 200/636

PrPn Constrangimento ilegal: impossibilidade de verificação. (...) Habeas corpus.HC 88.191 RTJ 200/941

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Cabimento. Princípio da não-confiscatoriedade: análise. CF/88, art. 150, IV. ADI 1.075-MC RTJ 200/647

PrSTF Controle concentrado de constitucionalidade. (...) Competência jurisdicio-nal. ADI 595 RTJ 200/1019

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Lei municipal em face daConstituição Federal. Tribunal de Justiça: julgamento. Constituição do Estadode São Paulo/89, art. 74, XI: inconstitucionalidade. ADI 347 RTJ 200/636

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Parâmetro constitucionalem vigor: necessidade. Bloco de constitucionalidade: conceito. ADI 595 RTJ200/1019

Ct Controle jurisdicional. Ato de CPI. Princípio da independência e harmoniados Poderes: ofensa inocorrente. MS 25.668 RTJ 200/778

PrSTF Controvérsia constitucional relevante: ausência de demonstração adequada.(...) Argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF 99 RTJ200/1013

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VIII Cóp-Dec — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Cópia da denúncia: ausência. (...) Habeas corpus. HC 88.191 RTJ 200/941Pn CP/40, art. 33, § 2º, b. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965PrPn CP/40, art. 64, I: aplicação analógica. (...) Processo criminal. HC 86.646 RTJ

200/933PrPn CP/40, art. 225, § 1º, I. (...) Ministério Público. HC 88.387 RTJ 200/946PrPn CP/40, art. 311, § 1º, redação da Lei 9.426/96. (...) Ação penal. HC 86.424 RTJ

200/919PrCv CPC/73, art. 512. (...) Ação rescisória. AR 1.800-AgR RTJ 200/664PrCv CPC/73, art. 557, § 2º, c/c os arts. 14, II e III, e 17, VII. (...) Agravo regimental.

AI 558.168-AgR RTJ 200/1004PrPn CPP/41, art. 84, § 1º, redação da Lei 10.628/02: inconstitucionalidade decla-

rada na ADI 2.797 e na ADI 2.860. (...) Denúncia. HC 88.607 RTJ 200/954PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão preventiva. HC 86.304 RTJ 200/915Ct CPP/41, arts. 449 e 450. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026PrPn Criação de Defensoria Pública: irrelevância. (...) Ministério Público. HC 88.387

RTJ 200/946PrPn Crime continuado. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis

processual. HC 89.251 RTJ 200/962Pn Crime hediondo. (...) Regime prisional. HC 82.959 RTJ 200/795PrPn Crime praticado no exercício do mandato. (...) Denúncia. HC 88.607 RTJ 200/954Ct Crítica subjetiva à defesa pelo acusado: irrelevância. (...) Impeachment. MS

21.633 RTJ 200/1026PrPn Curador: representação formal posterior. (...) Ação penal pública condicio-

nada. HC 88.387 RTJ 200/946

D

PrCv Decisão agravada: ausência de impugnação dos fundamentos. (...) Agravoregimental. MS 25.699-AgR RTJ 200/793

PrPn Decisão atacada: ausência. (...) Habeas corpus. HC 89.486-AgR RTJ 200/969PrCv Decisão impugnada: identidade. (...) Recurso. AI 569.544-AgR RTJ 200/1007Adm Declaração de desnecessidade. (...) Cargo público. RE 240.735-AgR RTJ 200/

976PrPn Decretação por fundamento diverso: possibilidade. (...) Prisão preventiva.

HC 86.304 RTJ 200/915Adm Decreto 86.686/81, redação do Decreto 92.675/86: inteligência. (...) Militar.

RMS 22.895 RTJ 200/735

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IXÍNDICE ALFABÉTICO — Def-Dup

Ct Defensor dativo: manutenção no encargo. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ200/1026

Ct Defensor dativo: nomeação cautelar. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026Ct Defensor público. Exercício da advocacia privada até fixação de subsídio. Lei

Complementar 80/94, arts. 46, 91, 130 e 137. CF/88, art. 134, § 1º: ofensa. LeiComplementar estadual 65/03/MG, art. 137: inconstitucionalidade. ADI 3.043 RTJ200/708

PrPn Defensor público e procurador de Estado e de Assembléia Legislativa. (...)Competência criminal. ADI 2.587 RTJ 200/671

PrPn Defesa prévia: inobservância. (...) Processo criminal. HC 87.347 RTJ 200/938PrPn Defesa técnica: ausência. (...) Recurso em sentido estrito. RHC 85.876 RTJ

200/909Ct Delegação legislativa: inocorrência. (...) Competência legislativa. ADI 1.075-

MC RTJ 200/647PrPn Delegado de polícia: agente subordinado. (...) Competência criminal. ADI

2.587 RTJ 200/671PrPn Denúncia. Recebimento: nulidade. Governador. Crime praticado no exercício

do mandato. Função pública: cessação do exercício. Prerrogativa de função:impossibilidade de extensão. Superior Tribunal de Justiça (STJ): competênciainocorrente. CPP/41, art. 84, § 1º, redação da Lei 10.628/02: inconstitucionali-dade declarada na ADI 2.797 e na ADI 2.860. HC 88.607 RTJ 200/954

PrPn Denunciante: ilegitimidade ativa. (...) Habeas corpus. HC 70.054 RTJ 200/1033PrCv Desapropriação. (...) Mandado de segurança. MS 24.910 RTJ 200/774Adm Desapropriação. Reforma agrária. Procedimento administrativo. Sindicância

e restauração dos autos: ausência de interesse. Notificação: desnecessidade.MS 24.910 RTJ 200/774

PrCv Descabimento. (...) Ação cautelar. AC 688-AgR RTJ 200/639PrSTF Descabimento. (...) Argüição de descumprimento de preceito fundamental.

ADPF 99 RTJ 200/1013PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 70.052 RTJ 200/1030 – HC 70.053 RTJ

200/1032 – HC 70.054 RTJ 200/1033 – HC 70.055 RTJ 200/1034 – HC 89.486-AgRRTJ 200/969

PrPn Dilação probatória: inadmissibilidade. (...) Habeas corpus. HC 88.191 RTJ200/941

Trbt Documento fiscal: não-emissão. (...) Tributo. ADI 1.075-MC RTJ 200/647Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642

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X Efe-Fal — ÍNDICE ALFABÉTICO

E

PrSTF Efeito ex tunc. (...) Medida cautelar. ADI 3.715-MC RTJ 200/719PrCv Efeito suspensivo negado. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ 200/739PrSTF Emenda constitucional superveniente. (...) Ação direta de inconstitucionali-

dade. ADI 595 RTJ 200/1019Int Entrega do extraditando. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642Int Estado requerente. (...) Competência criminal. Ext 965 RTJ 200/642Adm Estágio de Adaptação ao Oficialato: requisitos. (...) Militar. RMS 22.895 RTJ

200/735Adm Estágio probatório. (...) Servidor público. RE 240.735-AgR RTJ 200/976Adm Estupro praticado por presidiário foragido. (...) Responsabilidade civil do

Estado. RE 409.203 RTJ 200/982PrSTF Exceção de suspeição. Prazo: exaurimento. Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal (RISTF), art. 279. AS 38-AgR RTJ 200/633PrPn Excesso de linguagem: ausência. (...) Pronúncia. RHC 85.876 RTJ 200/909Ct Exercício da advocacia privada até fixação de subsídio. (...) Defensor público.

ADI 3.043 RTJ 200/708PrSTF Existência de outro meio eficaz. (...) Argüição de descumprimento de preceito

fundamental. ADPF 99 RTJ 200/1013Adm Exoneração ad nutum. (...) Servidor público. RE 240.735-AgR RTJ 200/976PrPn Extensão a co-réu. (...) Habeas corpus. HC 83.170 RTJ 200/892PrCv Extinção do processo. (...) Mandado de segurança. MS 22.355 RTJ 200/728Adm Extinção por portaria: descabimento. (...) Cargo público. RE 240.735-AgR RTJ

200/976Int Extradição. Dupla tipicidade. Tráfico de entorpecente. Prescrição inocorrente.

Tratado Brasil–Itália. Ext 965 RTJ 200/642Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando. Faculdade

do presidente da República. Lei 6.815/80, art. 89 c/c os arts. 67 e 90. Ext 965 RTJ200/642

Int Extraditando. (...) Competência criminal. Ext 965 RTJ 200/642

F

Int Faculdade do presidente da República. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642TrPrv Falecimento anterior à CF/88. (...) Pensão por morte. MS 24.523 RTJ 200/739

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XIÍNDICE ALFABÉTICO — Fat-Hab

PrPn Fato anterior à designação: irrelevância. (...) Competência criminal. RHC84.184 RTJ 200/898

Ct Fato concreto: ausência de indicação. (...) Comissão Parlamentar de In-quérito (CPI). MS 25.668 RTJ 200/778

Adm Faute de service (falta do serviço). (...) Responsabilidade civil do Estado. RE409.203 RTJ 200/982

Pn Fixação. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965PrPn Função pública: cessação do exercício. (...) Denúncia. HC 88.607 RTJ 200/954PrPn Fundamentação. (...) Prisão preventiva. HC 85.519 RTJ 200/903Ct Fundamentação insuficiente. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

MS 25.668 RTJ 200/778PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 85.519 RTJ 200/903Pn Fundamentação insuficiente. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965

G

PrPn Garantia da ordem econômica: magnitude da lesão. (...) Prisão preventiva. HC85.519 RTJ 200/903

PrPn Garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC86.304 RTJ 200/915

PrPn Garantia da ordem pública: presunção de reiteração criminosa. (...) Prisãopreventiva. HC 85.519 RTJ 200/903

PrPn Governador. (...) Denúncia. HC 88.607 RTJ 200/954Pn Gravidade em abstrato do crime. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965

H

PrPn Habeas corpus. Assistente da acusação. Intervenção: descabimento. HC 83.170RTJ 200/892

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente.Impeachment do presidente da República. Colegiado de julgamento: composi-ção. HC 70.052 RTJ 200/1030

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente.Impeachment do presidente da República. Denunciante: ilegitimidade ativa.HC 70.054 RTJ 200/1033

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente.Impeachment do presidente da República. Prescrição da pretensão punitiva. HC70.053 RTJ 200/1032

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XII Hab-Ina — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente.Impeachment do presidente da República. Renúncia. Senado Federal: compe-tência para imposição de inabilitação de função pública. HC 70.055 RTJ 200/1034

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Medida liminar em habeas corpus: indeferi-mento. Decisão atacada: ausência. Súmula 691. HC 89.486-AgR RTJ 200/969

PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu. Identidade de situação processual: atipici-dade da conduta. HC 83.170 RTJ 200/892

PrPn Habeas corpus. Instrução deficiente. Cópia da denúncia: ausência. Dilaçãoprobatória: inadmissibilidade. Constrangimento ilegal: impossibilidade de ve-rificação. HC 88.191 RTJ 200/941

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ. Supressão de instância. HC89.576-AgR RTJ 200/972

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo tribunal a quo. Supressão de ins-tância. HC 86.524 RTJ 200/931

PrPn Habeas corpus substitutivo: fundamento e objeto idênticos. (...) Recurso emhabeas corpus. RHC 88.403 RTJ 200/951

PrCv Habilitação de herdeiros: impossibilidade. (...) Mandado de segurança. MS22.355 RTJ 200/728

I

PrPn Identidade de situação processual: atipicidade da conduta. (...) Habeas corpus.HC 83.170 RTJ 200/892

Ct Impeachment. Presidente da República. Defensor dativo: manutenção noencargo. Atuação condicionada à contumácia. Crítica subjetiva à defesa peloacusado: irrelevância. MS 21.633 RTJ 200/1026

Ct Impeachment. Presidente da República. Julgamento. Revelia. Novo advoga-do. Defensor dativo: nomeação cautelar. CPP/41, arts. 449 e 450. MS 21.633RTJ 200/1026

Ct Impeachment. Presidente da República. Novo advogado: constituição após arevelia. Adiamento do julgamento: ausência de direito subjetivo. CF/88, art. 86,§ 2º: inaplicabilidade. MS 21.633 RTJ 200/1026

PrPn Impeachment do presidente da República. (...) Habeas corpus. HC 70.052 RTJ200/1030 – HC 70.053 RTJ 200/1032 – HC 70.054 RTJ 200/1033 – HC 70.055 RTJ200/1034

PrCv Impeachment do presidente da República. (...) Mandado de segurança. MS21.633 RTJ 200/1026

PrPn Inadmissibilidade. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursisprocessual. HC 89.251 RTJ 200/962

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XIIIÍNDICE ALFABÉTICO — Ind-Lei

PrSTF Indébito tributário: forma de restituição. (...) Recurso extraordinário. RE 375.045-AgR RTJ 200/979

PrPn Inexistência. (...) Recurso em sentido estrito. RHC 85.876 RTJ 200/909PrPn Instrução deficiente. (...) Habeas corpus. HC 88.191 RTJ 200/941PrCv Instrução Normativa 44/02/TCU. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ

200/739PrCv Intempestividade. (...) Agravo de instrumento. AI 492.629-AgR RTJ 200/1002PrSTF Intempestividade. (...) Recurso extraordinário. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004PrCv Interposição cumulativa. (...) Recurso. AI 569.544-AgR RTJ 200/1007PrPn Intervenção: descabimento. (...) Habeas corpus. HC 83.170 RTJ 200/892

JAdm Juízo de conveniência e oportunidade da administração pública. (...) Cargo

público. RE 240.735-AgR RTJ 200/976Ct Julgamento. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026

LAdm Legislação vigente à época do fato: aplicação. (...) Militar. RMS 22.895 RTJ

200/735PrPn Legitimidade ativa. (...) Ação penal pública condicionada. HC 88.387 RTJ

200/946PrCv Legitimidade ativa. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ 200/739PrPn Legitimidade ativa. (...) Ministério Público. HC 88.387 RTJ 200/946PrCv Legitimidade passiva do TCU. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ

200/739Ct Lei Complementar estadual 65/03/MG, art. 137: inconstitucionalidade. (...) De-

fensor público. ADI 3.043 RTJ 200/708PrPn Lei Complementar 75/93. (...) Competência criminal. RHC 84.184 RTJ 200/898Ct Lei Complementar 80/94, arts. 46, 91, 130 e 137. (...) Defensor público. ADI

3.043 RTJ 200/708Adm Lei de iniciativa do presidente da República: necessidade. (...) Cargo público.

RE 240.735-AgR RTJ 200/976Ct Lei estadual 11.222/99/SC, arts. 3º, 4º, 5º e 6º: inconstitucionalidade. (...) Pro-

cesso legislativo. ADI 2.707 RTJ 200/704Ct Lei municipal em face da Constituição Federal. (...) Controle concentrado de

constitucionalidade. ADI 347 RTJ 200/636

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XIV Lei-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrCv Lei 1.533/51, art. 5º, I. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ 200/739Int Lei 6.815/80, art. 89 c/c os arts. 67 e 90. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642Pn Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º: inconstitucionalidade. (...) Regime prisional. HC

82.959 RTJ 200/795PrCv Lei 8.443/92, arts. 33 e 48. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ 200/739PrPn Lei 8.906/94, art. 4º. (...) Recurso em sentido estrito. RHC 85.876 RTJ 200/909PrCv Lei 9.032/95. (...) Tutela antecipada. STA 102 RTJ 200/1016PrPn Lei 9.099/95, arts. 76, § 2º, III, e 89: inteligência. (...) Processo criminal. HC

86.646 RTJ 200/933PrPn Lei 10.409/02, art. 38. (...) Processo criminal. HC 87.347 RTJ 200/938PrPn Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente. (...) Habeas corpus. HC 70.052

RTJ 200/1030 – HC 70.053 RTJ 200/1032 – HC 70.054 RTJ 200/1033 – HC 70.055RTJ 200/1034

Ct Licitação, dispensa e inexigibilidade: sustação. (...) Assembléia Legislativa.ADI 3.715-MC RTJ 200/719

PrCv Litigância de má-fé. (...) Agravo regimental. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004PrCv Litisconsórcio. (...) Agravo de instrumento. AI 492.629-AgR RTJ 200/1002

M

PrCv Mandado de segurança. Legitimidade ativa. Processo administrativo no TCU.Registro de benefício: aplicação extensiva a terceiro. Instrução Normativa 44/02/TCU. MS 24.523 RTJ 200/739

PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva do TCU. Ato administrativoimpositivo. MS 24.523 RTJ 200/739

PrCv Mandado de segurança. Matéria de prova. Desapropriação. Produtividadedo imóvel, presença de invasores e fator de lotação de animais. MS 24.910 RTJ200/774

PrCv Mandado de segurança. Morte do impetrante. Habilitação de herdeiros: impos-sibilidade. Caráter mandamental e natureza personalíssima. Extinção do pro-cesso. MS 22.355 RTJ 200/728

PrCv Mandado de segurança. Prejudicialidade. Impeachment do presidente daRepública. Revelia: advogado dativo. Novo advogado: possibilidade de no-meação. MS 21.633 RTJ 200/1026

PrCv Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União (TCU). Recurso admi-nistrativo. Efeito suspensivo negado. Carência da ação: inocorrência. Lei1.533/51, art. 5º, I. Lei 8.443/92, arts. 33 e 48. MS 24.523 RTJ 200/739

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XVÍNDICE ALFABÉTICO — Mat-Mod

PrCv Matéria ausente do recurso extraordinário. (...) Agravo regimental. RE 375.045-AgR RTJ 200/979

PrCv Matéria constante do pedido inicial: irrelevância. (...) Agravo regimental. RE375.045-AgR RTJ 200/979

PrCv Matéria de prova. (...) Mandado de segurança. MS 24.910 RTJ 200/774PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. RE 375.045-AgR

RTJ 200/979 – AI 569.544-AgR RTJ 200/1007PrCv Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF. (...) Tutela antecipada.

STA 102 RTJ 200/1016Ct Matéria reservada à iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI

2.707 RTJ 200/704 – ADI 3.564-MC RTJ 200/713 – RE 240.735-AgR RTJ 200/976PrPn Maus antecedentes: não-configuração. (...) Processo criminal. HC 86.646 RTJ

200/933Pn Maus antecedentes: não-configuração. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ

200/965PrSTF Medida cautelar. Ação direta de inconstitucionalidade. Efeito ex tunc. ADI

3.715-MC RTJ 200/719PrCv Medida cautelar em ADI: indeferimento. (...) Ação cautelar. AC 688-AgR RTJ

200/639PrPn Medida liminar em habeas corpus: indeferimento. (...) Habeas corpus. HC

89.486-AgR RTJ 200/969Adm Militar. Promoção: descabimento. Quadro de Oficiais Especialistas da Aero-

náutica. Estágio de Adaptação ao Oficialato: requisitos. Legislação vigente àépoca do fato: aplicação. Princípio da antiguidade e da hierarquia: ofensainocorrente. Decreto 86.686/81, redação do Decreto 92.675/86: inteligência. RMS22.895 RTJ 200/735

PrPn Ministério Público. (...) Ação penal pública condicionada. HC 88.387 RTJ200/946

PrPn Ministério Público. Legitimidade ativa. Ação penal. Atentado violento aopudor. Criação de Defensoria Pública: irrelevância. CP/40, art. 225, § 1º, I. HC88.387 RTJ 200/946

Ct Ministro de Estado. (...) Competência legislativa. ADI 1.075-MC RTJ 200/647PrPn Miserabilidade: presunção. (...) Ação penal pública condicionada. HC 88.387

RTJ 200/946Ct Modelo federal: observância compulsória. (...) Assembléia Legislativa. ADI

3.715-MC RTJ 200/719Ct Modelo federal: observância compulsória. (...) Tribunal de Contas estadual.

ADI 3.715-MC RTJ 200/719

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XVI Mor-Ped — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrCv Morte do impetrante. (...) Mandado de segurança. MS 22.355 RTJ 200/728PrCv Multa. (...) Agravo regimental. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004Trbt Multa de caráter confiscatório. (...) Tributo. ADI 1.075-MC RTJ 200/647

N

Adm Nexo de causalidade. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 409.203 RTJ200/982

Adm Notificação: desnecessidade. (...) Desapropriação. MS 24.910 RTJ 200/774Ct Novo advogado. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026Ct Novo advogado: constituição após a revelia. (...) Impeachment. MS 21.633

RTJ 200/1026PrCv Novo advogado: possibilidade de nomeação. (...) Mandado de segurança.

MS 21.633 RTJ 200/1026PrCv Novo julgamento com efeito concreto: impossibilidade. (...) Ação cautelar.

AC 688-AgR RTJ 200/639PrPn Nulidade. (...) Processo criminal. HC 87.347 RTJ 200/938PrPn Nulidade inocorrente. (...) Ação penal pública condicionada. HC 88.387 RTJ

200/946PrPn Nulidade inocorrente. (...) Pronúncia. RHC 85.876 RTJ 200/909

O

Ct Ordem cronológica: quebra inocorrente. (...) Precatório. Rcl 2.433-AgR RTJ200/668

P

Ct Pagamento por presidente de tribunal diverso. (...) Precatório. Rcl 2.433-AgRRTJ 200/668

PrSTF Parâmetro constitucional: alteração substancial. (...) Ação direta de inconsti-tucionalidade. ADI 595 RTJ 200/1019

Ct Parâmetro constitucional em vigor: necessidade. (...) Controle concentradode constitucionalidade. ADI 595 RTJ 200/1019

PrCv Pedido conhecido: efeito substitutivo. (...) Ação rescisória. AR 1.800-AgRRTJ 200/664

PrCv Pedido não conhecido: incompetência do STF. (...) Ação rescisória. AR 1.800-AgR RTJ 200/664

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XVIIÍNDICE ALFABÉTICO — Pen-Pre

Pn Pena extinta: ausência de conseqüência jurídica. (...) Regime prisional. HC82.959 RTJ 200/795

PrPn Pena superior a um ano. (...) Suspensão condicional do processo penal –sursis processual. HC 89.251 RTJ 200/962

TrPrv Pensão do INSS: direito à percepção. (...) Pensão por morte. MS 24.523 RTJ200/739

TrPrv Pensão por morte. Celetista. Falecimento anterior à CF/88. Totalidade de venci-mentos ou proventos: inaplicabilidade. Pensão do INSS: direito à percepção.CF/88, art. 40, § 5º, redação anterior à EC 20/98. MS 24.523 RTJ 200/739

PrCv Pensão por morte. (...) Tutela antecipada. STA 102 RTJ 200/1016Ct Poder regulamentar. (...) Competência legislativa. ADI 1.075-MC RTJ 200/647Ct Poderes de investigação. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). MS

25.668 RTJ 200/778PrCv Prazo em dobro: inaplicabilidade. (...) Agravo de instrumento. AI 492.629-AgR

RTJ 200/1002PrSTF Prazo: exaurimento. (...) Exceção de suspeição. AS 38-AgR RTJ 200/633Ct Prazo: impossibilidade de redução. (...) Prescrição. AI 461.932-AgR RTJ 200/999Ct Precatório. Ordem cronológica: quebra inocorrente. Pagamento por presidente

de tribunal diverso. CF/88, art. 100, § 2º: inteligência. Rcl 2.433-AgR RTJ 200/668PrPn Preclusão. (...) Recurso em habeas corpus. RHC 88.403 RTJ 200/951PrSTF Prejudicialidade. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 595 RTJ

200/1019PrCv Prejudicialidade. (...) Mandado de segurança. MS 21.633 RTJ 200/1026PrPn Prejuízo à defesa. (...) Processo criminal. HC 87.347 RTJ 200/938PrPn Prejuízo não demonstrado. (...) Ação penal pública condicionada. HC 88.387

RTJ 200/946PrPn Prerrogativa de foro. (...) Competência criminal. ADI 2.587 RTJ 200/671PrPn Prerrogativa de foro: inexistência. (...) Competência criminal. ADI 2.587 RTJ

200/671PrPn Prerrogativa de função: impossibilidade de extensão. (...) Denúncia. HC 88.607

RTJ 200/954Ct Prescrição. Reclamação trabalhista anterior à EC 28/2000. Trabalhador rural.

Prazo: impossibilidade de redução. CF/88, art. 7º, XXIX: irretroatividade. AI461.932-AgR RTJ 200/999

PrPn Prescrição da pretensão punitiva. (...) Habeas corpus. HC 70.053 RTJ 200/1032Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642

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XVIII Pre-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Presidente da República. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026 – MS21.633 RTJ 200/1026

Ct Prestação de contas: julgamento. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.715-MC RTJ 200/719

Adm Princípio da antiguidade e da hierarquia: ofensa inocorrente. (...) Militar. RMS22.895 RTJ 200/735

PrSTF Princípio da colegialidade: ofensa inocorrente. (...) Competência jurisdicio-nal. ADI 595 RTJ 200/1019

Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa. (...) Processolegislativo. ADI 2.707 RTJ 200/704

Ct Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa inocorrente. (...)Controle jurisdicional. MS 25.668 RTJ 200/778

Pn Princípio da individualização da pena: nova inteligência em evoluçãojurisprudencial. (...) Regime prisional. HC 82.959 RTJ 200/795

Ct Princípio da não-confiscatoriedade: análise. (...) Controle concentrado deconstitucionalidade. ADI 1.075-MC RTJ 200/647

PrCv Princípio da singularidade dos recursos. (...) Recurso. AI 569.544-AgR RTJ200/1007

PrSTF Princípio da subsidiariedade. (...) Argüição de descumprimento de preceitofundamental. ADPF 99 RTJ 200/1013

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação. Suplementação pelo órgão ad quem:impossibilidade. HC 85.519 RTJ 200/903

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Garantia da ordem econômica:magnitude da lesão. Aplicação da lei penal: fuga do réu. Garantia da ordempública: presunção de reiteração criminosa. HC 85.519 RTJ 200/903

PrPn Prisão preventiva. Relaxamento: excesso de prazo. Sentença condenatória.Decretação por fundamento diverso: possibilidade. Garantia da ordem públicae aplicação da lei penal. CPP/41, art. 312. HC 86.304 RTJ 200/915

Adm Procedimento administrativo. (...) Desapropriação. MS 24.910 RTJ 200/774Adm Processo administrativo. Senado Federal. Reenquadramento de servidor:

impossibilidade. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ): in-competência. Resoluções 6/60, 18/73 e 42/93/Senado Federal. MS 22.355 RTJ200/728

Adm Processo administrativo: ausência. (...) Servidor público. RE 240.735-AgRRTJ 200/976

PrCv Processo administrativo no TCU. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ200/739

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XIXÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Que

PrPn Processo criminal. Condenação anterior: pena cumprida há mais de cincoanos. Maus antecedentes: não-configuração. Transação penal ou suspensãocondicional do processo penal – sursis processual: possibilidade. Lei 9.099/95, arts. 76, § 2º, III, e 89: inteligência. CP/40, art. 64, I: aplicação analógica. HC86.646 RTJ 200/933

PrPn Processo criminal. Nulidade. Tráfico de entorpecente. Defesa prévia: inobser-vância. Prejuízo à defesa. Lei 10.409/02, art. 38. HC 87.347 RTJ 200/938

Pn Processo criminal diverso em curso. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ200/965

Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642Int Processo e julgamento. (...) Competência criminal. Ext 965 RTJ 200/642 – ADI

2.587 RTJ 200/671Ct Processo legislativo. Matéria reservada à iniciativa do Executivo. Cargo

público: extinção. CF/88, art. 61, § 1º, II, a. RE 240.735-AgR RTJ 200/976Ct Processo legislativo. Matéria reservada à iniciativa do Executivo. Comissão

Executiva: criação. Princípio da independência e harmonia dos Poderes: ofensa.CF/88, arts. 61, § 1º, II, e, e 84, VI: violação. Lei estadual 11.222/99/SC, arts. 3º,4º, 5º e 6º: inconstitucionalidade. ADI 2.707 RTJ 200/704

Ct Processo legislativo. Matéria reservada à iniciativa do Executivo. Regimejurídico de servidor público. Ação regressiva em ação de responsabilidadecivil: prazo. CF/88, art. 61, § 1º, II, c. ADI 3.564-MC RTJ 200/713

PrPn Procurador do trabalho. (...) Competência criminal. RHC 84.184 RTJ 200/898PrCv Produtividade do imóvel, presença de invasores e fator de lotação de animais.

(...) Mandado de segurança. MS 24.910 RTJ 200/774Pn Progressão: possibilidade. (...) Regime prisional. HC 82.959 RTJ 200/795Adm Promoção: descabimento. (...) Militar. RMS 22.895 RTJ 200/735PrPn Pronúncia. Nulidade inocorrente. Excesso de linguagem: ausência. Qualifica-

dora: manutenção. RHC 85.876 RTJ 200/909PrSTF Publicação do acórdão recorrido: necessidade. (...) Recurso extraordinário.

AI 558.168-AgR RTJ 200/1004

Q

Adm Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica. (...) Militar. RMS 22.895 RTJ200/735

PrPn Qualificadora: manutenção. (...) Pronúncia. RHC 85.876 RTJ 200/909PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 89.576-AgR RTJ

200/972PrPn Questão não apreciada pelo tribunal a quo. (...) Habeas corpus. HC 86.524 RTJ

200/931

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XX Raz-Reg — ÍNDICE ALFABÉTICO

R

PrCv Razões. (...) Agravo regimental. MS 25.699-AgR RTJ 200/793PrPn Recebimento: nulidade. (...) Denúncia. HC 88.607 RTJ 200/954Ct Reclamação trabalhista anterior à EC 28/2000. (...) Prescrição. AI 461.932-AgR

RTJ 200/999PrCv Recurso. Interposição cumulativa. Decisão impugnada: identidade. Segundo

recurso: não-conhecimento. Princípio da singularidade dos recursos. AI569.544-AgR RTJ 200/1007

PrCv Recurso administrativo. (...) Mandado de segurança. MS 24.523 RTJ 200/739PrPn Recurso em habeas corpus. Preclusão. Habeas corpus substitutivo: funda-

mento e objeto idênticos. RHC 88.403 RTJ 200/951PrPn Recurso em sentido estrito. Inexistência. Advogado suspenso: assinatura.

Defesa técnica: ausência. Advogado diverso constituído nos autos: irrele-vância. Lei 8.906/94, art. 4º. RHC 85.876 RTJ 200/909

PrSTF Recurso especial: pressupostos de admissibilidade. (...) Recurso extraordi-nário. AI 569.544-AgR RTJ 200/1007

PrSTF Recurso extraordinário. Intempestividade. Publicação do acórdão recorrido:necessidade. AI 558.168-AgR RTJ 200/1004

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Indébito tributário: formade restituição. RE 375.045-AgR RTJ 200/979

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Recurso especial: pres-supostos de admissibilidade. CF/88, art. 105, III. AI 569.544-AgR RTJ 200/1007

PrCv Recurso extraordinário: interposição por um dos litisconsortes. (...) Agravo deinstrumento. AI 492.629-AgR RTJ 200/1002

Adm Reenquadramento de servidor: impossibilidade. (...) Processo administrativo.MS 22.355 RTJ 200/728

Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 24.910 RTJ 200/774Pn Regime inicial fechado: descabimento. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ

200/965Pn Regime integralmente fechado: declaração incidental de inconstitucionali-

dade. (...) Regime prisional. HC 82.959 RTJ 200/795Ct Regime jurídico de servidor público. (...) Processo legislativo. ADI 3.564-MC

RTJ 200/713Pn Regime prisional. Crime hediondo. Progressão: possibilidade. Princípio da

individualização da pena: nova inteligência em evolução jurisprudencial. Lei8.072/90, art. 2º, § 1º: inconstitucionalidade. HC 82.959 RTJ 200/795

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XXIÍNDICE ALFABÉTICO — Reg-Sen

Pn Regime prisional. Crime hediondo. Regime integralmente fechado: declara-ção incidental de inconstitucionalidade. Requisitos para progressão: análisepelo juiz da execução. Pena extinta: ausência de conseqüência jurídica. HC82.959 RTJ 200/795

Pn Regime prisional. Fixação. Processo criminal diverso em curso. Maus antece-dentes: não-configuração. HC 89.330 RTJ 200/965

Pn Regime prisional. Roubo qualificado. Regime inicial fechado: descabimento.Gravidade em abstrato do crime. Fundamentação insuficiente. CP/40, art. 33,§ 2º, b. Súmulas 718 e 719: inteligência. HC 89.330 RTJ 200/965

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 21, I. (...) Com-petência jurisdicional. ADI 595 RTJ 200/1019

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 279. (...) Exce-ção de suspeição. AS 38-AgR RTJ 200/633

PrCv Registro de benefício: aplicação extensiva a terceiro. (...) Mandado de segu-rança. MS 24.523 RTJ 200/739

PrSTF Relator. (...) Competência jurisdicional. ADI 595 RTJ 200/1019PrPn Relaxamento: excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 86.304 RTJ 200/915PrPn Renúncia. (...) Habeas corpus. HC 70.055 RTJ 200/1034PrPn Representação à época da denúncia: ausência. (...) Ação penal pública con-

dicionada. HC 88.387 RTJ 200/946Pn Requisitos para progressão: análise pelo juiz da execução. (...) Regime

prisional. HC 82.959 RTJ 200/795Adm Resoluções 6/60, 18/73 e 42/93/Senado Federal. (...) Processo administrativo.

MS 22.355 RTJ 200/728Adm Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo. Estupro praticado por presi-

diário foragido. Nexo de causalidade. Faute de service (falta do serviço). CF/88,art. 37, § 6º. RE 409.203 RTJ 200/982

Ct Revelia. (...) Impeachment. MS 21.633 RTJ 200/1026PrCv Revelia: advogado dativo. (...) Mandado de segurança. MS 21.633 RTJ 200/1026Pn Roubo qualificado. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965

S

PrCv Segundo recurso: não-conhecimento. (...) Recurso. AI 569.544-AgR RTJ200/1007

Adm Senado Federal. (...) Processo administrativo. MS 22.355 RTJ 200/728PrPn Senado Federal: competência para imposição de inabilitação de função pública.

(...) Habeas corpus. HC 70.055 RTJ 200/1034

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XXII Sen-Tra — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Sentença condenatória. (...) Prisão preventiva. HC 86.304 RTJ 200/915Adm Servidor público. Estágio probatório. Exoneração ad nutum. Processo admi-

nistrativo: ausência. Súmula 21: ofensa. RE 240.735-AgR RTJ 200/976Ct Sigilo fiscal, bancário e telefônico: quebra. (...) Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI). MS 25.668 RTJ 200/778Adm Sindicância e restauração dos autos: ausência de interesse. (...) Desapropria-

ção. MS 24.910 RTJ 200/774Adm Súmula 21: ofensa. (...) Servidor público. RE 240.735-AgR RTJ 200/976PrCv Súmula 249. (...) Ação rescisória. AR 1.800-AgR RTJ 200/664PrCv Súmula 641. (...) Agravo de instrumento. AI 492.629-AgR RTJ 200/1002PrPn Súmula 691. (...) Habeas corpus. HC 89.486-AgR RTJ 200/969PrPn Súmula 723. (...) Suspensão condicional do processo penal – sursis processual.

HC 89.251 RTJ 200/962Pn Súmulas 718 e 719: inteligência. (...) Regime prisional. HC 89.330 RTJ 200/965PrPn Superior Tribunal de Justiça (STJ). (...) Competência criminal. RHC 84.184

RTJ 200/898PrPn Superior Tribunal de Justiça (STJ): competência inocorrente. (...) Denúncia.

HC 88.607 RTJ 200/954PrPn Suplementação pelo órgão ad quem: impossibilidade. (...) Prisão preventiva.

HC 85.519 RTJ 200/903PrPn Supressão de instância. (...) Habeas corpus. HC 86.524 RTJ 200/931 – HC 89.576-

AgR RTJ 200/972PrCv Suspensão. (...) Tutela antecipada. STA 102 RTJ 200/1016PrPn Suspensão condicional do processo penal – sursis processual. Inadmissibi-

lidade. Crime continuado. Pena superior a um ano. Súmula 723. HC 89.251 RTJ200/962

T

TrPrv Totalidade de vencimentos ou proventos: inaplicabilidade. (...) Pensão pormorte. MS 24.523 RTJ 200/739

Ct Trabalhador rural. (...) Prescrição. AI 461.932-AgR RTJ 200/999Int Tráfico de entorpecente. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Processo criminal. HC 87.347 RTJ 200/938PrPn Trancamento. (...) Ação penal. HC 86.424 RTJ 200/919PrPn Trancamento: hipóteses. (...) Ação penal. HC 88.191 RTJ 200/941

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XXIII ÍNDICE ALFABÉTICO — Tra-Vio

PrPn Transação penal ou suspensão condicional do processo penal – sursis pro-cessual: possibilidade. (...) Processo criminal. HC 86.646 RTJ 200/933

Int Tratado Brasil–Itália. (...) Extradição. Ext 965 RTJ 200/642PrCv Tribunal de Contas da União (TCU). (...) Mandado de segurança. MS 24.523

RTJ 200/739Ct Tribunal de Contas estadual. Competência. Prestação de contas: julgamento.

Assembléia Legislativa: recurso. Modelo federal: observância compulsória.CF/88, arts. 71, II, e 75. ADI 3.715-MC RTJ 200/719

PrPn Tribunal de Justiça. (...) Competência criminal. ADI 2.587 RTJ 200/671Ct Tribunal de Justiça: julgamento. (...) Controle concentrado de constituciona-

lidade. ADI 347 RTJ 200/636Trbt Tributo. Documento fiscal: não-emissão. Multa de caráter confiscatório. ADI

1.075-MC RTJ 200/647PrCv Tutela antecipada. Suspensão. Pensão por morte. Matéria pendente de julga-

mento no Plenário do STF. Lei 9.032/95. STA 102 RTJ 200/1016

V

PrPn Veículo automotor: utilização irregular de placa reservada. (...) Ação penal. HC86.424 RTJ 200/919

Pn Violência moral e temor reverencial. (...) Atentado violento ao pudor. HC88.387 RTJ 200/946

Pn Violência presumida. (...) Atentado violento ao pudor. HC 88.387 RTJ 200/946

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ÍNDICE NUMÉRICO

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ACÓRDÃOS E DECISÕES MONOCRÁTICAS

38 (AS-AgR) Rel.: Min. Ellen Gracie .................................. 200/63399 (ADPF) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski .............. 200/1013

102 (STA) Rel.: Min. Ellen Gracie ................................ 200/1016347 (ADI) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ........................ 200/636595 (ADI) Rel.: Min. Celso de Mello .......................... 200/1019688 (AC-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto ................................ 200/639965 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/642

1.075 (ADI-MC) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 200/6471.800 (AR-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/6642.433 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/6682.587 (ADI) Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Britto .................. 200/6712.707 (ADI) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ........................ 200/7043.043 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/7083.564 (ADI-MC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/7133.715 (ADI-MC) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............................ 200/719

21.633 (MS) Rel.: Min. Carlos Velloso ........................... 200/102622.355 (MS) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/72822.895 (RMS) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/73524.523 (MS) Rel. p/ o ac.: Min. Sepúlveda Pertence ...... 200/73924.910 (MS) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/77425.668 (MS) Rel.: Min. Celso de Mello ............................ 200/77825.699 (MS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/79370.052 (HC) Rel.: Min. Sydney Sanches ....................... 200/103070.053 (HC) Rel.: Min. Sydney Sanches ....................... 200/103270.054 (HC) Rel.: Min. Sydney Sanches ....................... 200/103370.055 (HC) Rel.: Min. Ilmar Galvão ............................... 200/103482.959 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio ............................. 200/795

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ÍNDICE NUMÉRICOXXVIII

83.170 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............................ 200/89284.184 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/89885.519 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/90385.876 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/90986.304 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/91586.424 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes .............. 200/91986.524 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/93186.646 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/93387.347 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ................ 200/93888.191 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia ............................... 200/94188.387 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ................ 200/94688.403 (RHC) Rel.: Min. Cármen Lúcia ............................... 200/95188.607 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............................ 200/95489.251 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ................ 200/96289.330 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ................ 200/96589.486 (HC-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski ................ 200/96989.576 (HC-AgR) Rel.: Min. Cármen Lúcia ............................... 200/972

240.735 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ..................................... 200/976375.045 (RE-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes ............................ 200/979409.203 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Joaquim Barbosa .......... 200/982461.932 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso ................................ 200/999492.629 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 200/1002558.168 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .............................. 200/1004569.544 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello .......................... 200/1007

* Decisão proferida por Ministro diverso do Relator da causa.