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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 210 – número 1 outubro a dezembro de 2009 páginas 1 a 536

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Revista Trimestral de Jurisprudncia

volume 210 nmero 1outubro a dezembro de 2009

pginas 1 a 536

Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

Secretaria de DocumentaoJaneth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgao de JurisprudnciaLeide Maria Soares Corra Cesar

Seo de Preparo de PublicaesCntia Machado Gonalves Soares

Seo de Padronizao e RevisoRochelle Quito

Seo de Distribuio de EdiesMaria Cristina Hilrio da Silva

Diagramao: Rodrigo Melo CardosoCapa: Ncleo de Programao Visual

(Supremo Tribunal Federal Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudncia / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia. Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . Braslia: Imprensa Nacional, 1957-.

v. 210-1; 22 cm.

Trs nmeros a cada trimestre.

Editores: Editora Braslia Jurdica, 2002-2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- .

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudncia - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

CDD 340.6

Solicita-se permuta. Pdese canje. On demande lchange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch.

STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praa dos Trs Poderes 70175-900 Braslia-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3217-4766

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), PresidenteMinistro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-PresidenteMinistro Jos CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CRMEN LCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro Jos Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)

COMPOSIO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO, PresidenteMinistro MARCO AURLIO Mendes de Farias MelloMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CRMEN LCIA Antunes RochaMinistro Jos Antonio DIAS TOFFOLI

SEGUNDA TURMA

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet, PresidenteMinistro Jos CELSO DE MELLO FilhoMinistro Antonio CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPBLICA

Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

COMPOSIO DAS COMISSES

COMISSO DE REGIMENTO

Ministro MARCO AURLIOMinistra CRMEN LCIAMinistro CEZAR PELUSOMinistro DIAS TOFFOLI Suplente

COMISSO DE JURISPRUDNCIA

Ministra ELLEN GRACIEMinistro JOAQUIM BARBOSAMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSO DE DOCUMENTAO

Ministro CEZAR PELUSOMinistro CARLOS BRITTOMinistro EROS GRAU

COMISSO DE COORDENAO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro EROS GRAUMinistro DIAS TOFFOLI

SUMRIO

Pg.ACRDOS ....................................................................................................... 9 NDICE ALFABTICO .............................................................................. 505 NDICE NUMRICO .................................................................................. 533

ACRDOS

PROPOSTA DE SMULA VINCULANTE 1 DF

Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito

Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Interessadas: Associao dos Advogados de So Paulo AASP e Associao Nacional dos Procuradores da Repblica ANPR

Proposta de smula vinculante. Inqurito policial. Advogado do indiciado. Vista dos autos.

1. Aprovada a Smula Vinculante 14, com a seguinte redao: direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa.

2. Proposta acolhida com a aprovao da Smula Vinculante 14.

ACRDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia da Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, por maioria de votos, acolher a proposta de edio de smula vinculante e aprovar o enunciado da Smula Vinculante 14 nos seguintes termos: direito do defen-sor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com com-petncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa.

Braslia, 2 de fevereiro de 2009 Menezes Direito, Relator.

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RELATRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Pedido para a edio de smula vinculante formulado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no tocante ao exame dos autos do inqurito policial sigiloso por parte do advogado consti-tudo pelo investigado.

O Requerente justifica seu pedido sob o argumento de que, apesar dos precedentes desta Suprema Corte no sentido da inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial, vrios juzes tm negado aos advogados o acesso aos autos em questo.

Prope a edio da smula com a seguinte redao:

O advogado constitudo pelo investigado, ressalvadas as diligncias em an-damento, tem o direito de examinar os autos de inqurito policial, ainda que estes tramitem sob sigilo.

Parecer do Ministrio Pblico Federal desfavorvel edio da smula vinculante ora proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (fls. 26 a 29).

A Comisso de Regimento desta Suprema Corte, integrada pela Ministra Ellen Gracie e pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, assim, opinou:

(...) esta Comisso considera devidamente atendidos todos os requisitos formais indispensveis normal tramitao da presente proposta externa de edi-o de enunciado de smula vinculante.

Por j ter havido a designao de relatoria e, at mesmo, manifestao de mrito do Senhor Procurador-Geral da Repblica, poderiam os autos, considerado o procedimento ora proposto, retornar ao eminente Relator, Ministro Menezes Direito, que, aps abrir oportunidade admisso de amici curiae e sobre tais pedidos deliberar, pedir a incluso do feito em pauta de julgamento do Plenrio.(Fls. 44/45.)

Determinei, fl. 55, de acordo com o 2 do art.3 da Lei 11.417/06, a aber-tura do prazo de 10 (dez) dias para que eventuais terceiros interessados se mani-festassem quanto proposta de edio de smula vinculante.

A Associao dos Advogados de So Paulo (AASP) protocolou petio, sob o nmero 170.081/08 (fls. 62 a 68), ratificando os argumentos apresentados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e propondo fosse comple-mentada a redao oferecida na inicial, a fim de que conste:

O advogado constitudo pelo investigado, ressalvadas as diligncias em an-damento, tem o direito de examinar e obter cpia dos autos de inqurito policial, ainda que este tramite sob sigilo.

A Associao Nacional dos Procuradores da Repblica (ANPR) protocolou petio, sob o nmero 174.251/08 (fls. 93 a 105), manifestando-se contrariamente

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edio da smula vinculante, por no haver dvida de que o modelo de perse-cuo criminal brasileira ficar substancialmente comprometido, em especial na represso dos delitos mais graves.

o relatrio.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Trata-se de pedido de edio de smula vinculante para regular o exame dos autos do inqurito policial sigiloso pelos advogados constitudos pelos investigados.

A matria objeto da presente proposta j foi tratada em diversos preceden-tes de ambas as Turmas e do Plenrio desta Suprema Corte. Vejamos:

Habeas corpus Prejuzo Ambiguidade e necessidade de pronunciamento do Supremo. Surgindo ambguo o prejuzo da impetrao e sendo o tema de impor-tncia maior, considerado o Estado Democrtico de Direito, impe-se o pronuncia-mento do Supremo quanto matria de fundo.

Inqurito Sigilo Alcance Acesso por profissional da advocacia. O si-gilo emprestado a autos de inqurito no obstaculiza o acesso por profissional da advocacia credenciado por um dos envolvidos, no que atua a partir de viso p-blica, a partir da f do grau detido.(HC 88.520/AP, Plenrio, Rel. Min. Crmen Lcia, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurlio, DJ de 19-12-07.)

I Habeas corpus: inviabilidade: incidncia da Smula 691 (No compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra deci-so do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar).

II Inqurito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial.

1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial, que no processo, porque no destinado a decidir litgio algum, ainda que na esfera administrativa; existncia, no obstante, de di-reitos fundamentais do indiciado no curso do inqurito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de no se incriminar e o de manter-se em silncio.

2. Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial, corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outor-gada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art.7, XIV), da qual ao contr-rio do que previu em hipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prer-rogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das inves-tigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade.

3. A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia consti-tucional do indiciado (CF, art.5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declaraes.

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4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitu-des da execuo de diligncias em curso (cf. Lei 9.296, atinente s interceptaes telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em consequncia a autoridade policial de meios legtimos para obviar inconvenientes que o conheci-mento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio.

5. Habeas corpus de ofcio deferido, para que aos advogados constitudos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inqurito policial e a obteno de cpias pertinentes, com as ressalvas mencionadas.(HC 90.232/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 2-3-07.)

Advogado. Investigao sigilosa do Ministrio Pblico Federal. Sigilo inoponvel ao patrono do suspeito ou investigado. Interveno nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistncia tcnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficcia das investigaes em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatrio. Habeas corpus concedido. Inteligncia do art.5, LXIII, da CF; do art.20 do CPP; do art.7, XIV, da Lei 8.906/94, art.16 do CPPM; e do art.26 da Lei 6.368/76. Precedentes. direito do advogado, suscetvel de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigaes, ter acesso amplo aos elementos que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria ou por rgo do Ministrio Pblico, digam respeito ao constituinte.(HC 88.190/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 6-10-06.)

Habeas corpus Impetraes sucessivas Liminar Julgamento defini-tivo Verbete 691 da Smula do Supremo Inadequao. Uma vez verificado o julgamento de fundo da impetrao formalizada na origem, considerada a din-mica do processo, imprpria a evocao do bice revelado pelo Verbete 691 da Smula do Supremo.

Inqurito Elementos coligidos e juntados Acesso da defesa Devido processo legal. Descabe indeferir o acesso da defesa aos autos do inqurito, ainda que deles constem dados protegidos pelo sigilo.(HC 92.331/PB, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurlio, DJ de 1-8-08.)

I Habeas corpus prejudicado dado o superveniente julgamento do m-rito do mandado de segurana cuja deciso liminar era objeto da impetrao ao Superior Tribunal de Justia e, em consequncia, deste.

II Habeas corpus: inviabilidade: incidncia da Smula 691 (No compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra de-ciso do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar).

III Inqurito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial.

1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial, que no processo, porque no destinado a decidir lit-gio algum, ainda que na esfera administrativa; existncia, no obstante, de direitos

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fundamentais do indiciado no curso do inqurito, entre os quais o de fazer-se assis-tir por advogado, o de no se incriminar e o de manter-se em silncio.

2. Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial, corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outor-gada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art.7, XIV), da qual ao contr-rio do que previu em hipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prer-rogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das inves-tigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade.

3. A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia consti-tucional do indiciado (CF, art.5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declaraes.

4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitu-des da execuo de diligncias em curso (cf. Lei 9.296, atinente s interceptaes telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em consequncia, a autoridade policial de meios legtimos para obviar inconvenientes que o conheci-mento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio.

5. Habeas corpus de ofcio deferido, para que aos advogados constitudos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inqurito policial e a obteno de cpias pertinentes, com as ressalvas mencionadas.(HC 87.827/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 23-6-06.)

I Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inqurito policial.

1. O cerceamento da atuao permitida defesa do indiciado no inqurito policial poder refletir-se em prejuzo de sua defesa no processo e, em tese, re-dundar em condenao a pena privativa de liberdade ou na mensurao desta: a circunstncia bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuzo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente liberdade de locomoo do Paciente.

2. No importa que, neste caso, a impetrao se dirija contra decises que denegaram mandado de segurana requerido, com a mesma pretenso, no em fa-vor do paciente, mas dos seus advogados constitudos: o mesmo constrangimento ao exerccio da defesa pode substantivar violao prerrogativa profissional do advogado como tal, questionvel mediante mandado de segurana e ameaa, posto que mediata, liberdade do indiciado por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrio atividade dos seus defensores.

II Inqurito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial.

1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial, que no processo, porque no destinado a decidir lit-gio algum, ainda que na esfera administrativa; existncia, no obstante, de direitos

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fundamentais do indiciado no curso do inqurito, entre os quais o de fazer-se assis-tir por advogado, o de no se incriminar e o de manter-se em silncio.

2. Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial, corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outor-gada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art.7, XIV), da qual ao contr-rio do que previu em hipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prer-rogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das inves-tigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade.

3. A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia consti-tucional do indiciado (CF, art.5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declaraes.

4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitu-des da execuo de diligncias em curso (cf. Lei 9.296, atinente s interceptaes telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em consequncia, a autoridade policial de meios legtimos para obviar inconvenientes que o conheci-mento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio.

5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constitudos pelo pa-ciente se faculte a consulta aos autos do inqurito policial, antes da data designada para a sua inquirio.(HC 82.354/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 24-9-04.)

Da minha lavra, na mesma linha, menciono a deciso monocrtica profe-rida no Inq 2.652/PR.

Com efeito, a jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal tem assegu-rado a amplitude do direito de defesa, o exerccio do contraditrio e o devido processo legal (art.5, incisosLIV e LV, CF) mesmo que em sede de inquritos policiais e/ou processos originrios, cujos contedos devam ser mantidos sob sigilo.

Por outro lado, a redao sugerida pelo requerente j exclui da determina-o contida na smula as diligncias em andamento, o que afasta o argumento do Ministrio Pblico Federal de que o acesso do advogado do indiciado aos autos poderia implicar em obstculo efetividade da atividade investigatria.

No tocante s diligncias j realizadas, portanto, de acordo com o posi-cionamento jurisprudencial firmado nesta Suprema Corte, entendo que deve ser assegurada vista dos autos ao advogado constitudo pelo investigado.

J com relao ao pedido de extrao de cpias, tratando-se de autos sub-metidos a sigilo, devem as questes ser analisadas, caso a caso, pelo Magistrado competente, que tomar as devidas cautelas quando do exame do pedido. Considero, assim, que esse aspecto no deve integrar a redao da smula.

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Por fim, entendo que os reiterados pedidos formulados pelos advogados, visando assegurar o direito a ampla defesa nos autos do inqurito, indicam a per-tinncia da edio da smula para regular a matria.

Do exposto, acolho o pedido no sentido da edio de smula vinculante, com o seguinte teor:

direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos ele-mentos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Senhor Presidente, creio que possvel simplificar a matria quanto ao seu mrito, porque, na realidade, esta Suprema Corte, em diversas e reiteradas oportunidades, tem assegurado o acesso do advogado nas situaes que foram postas pelos advogados e pelo ilustre Dr. Subprocurador-Geral da Repblica.

Em verdade, a Suprema Corte tem-se destacado com esse objetivo de as-segurar, na radicalidade do seu sentido jurdico, a ampla defesa e a garantia do contraditrio.

Eu vou pedir licena ao eminente Subprocurador-Geral apenas para fazer uma observao no sentido de que no creio, sob nenhum ngulo, que se possa dizer que a aprovao da smula significa um obstculo tutela penal a ser exercida pelo Estado, porque, quando esta Suprema Corte, em diversas oportu-nidades, assegura o amplo acesso dos advogados aos autos da investigao, ela est no pressuposto de que essa investigao se d no campo de uma sociedade democrtica, e uma sociedade democrtica, pelo menos na minha compreenso, incompatvel com qualquer ato de investigao que seja sigiloso, que corra revelia, que no se d cincia quele interessado para que ele possa produzir a sua defesa e at mesmo matar, no nascedouro, qualquer tipo de investigao que possa ter nascido, e muitas vezes V. Exa. sabe que nasce, por denncia annima.

Ento, no creio que as posies reiteradas da Suprema Corte tenham esse sentido que a douta Procuradoria da Repblica apresentou na sua manifestao explcita nestes autos.

Poder-se-ia argumentar, a, sim, que se trataria de uma matria processual e que, sendo uma matria processual, no seria pertinente a edio de uma smula vinculante, porque, sendo matria de processo, estaria fora do alcance constitu-cional e, portanto, fora da abrangncia da matria relativa smula vinculante.

Gostaria de vencer esse argumento com outro, pelo menos como ponde-rao. que, neste caso, trata-se de um direito substantivo do exerccio do di-reito de defesa, ou seja, numa palavra, trata-se de assegurar especificamente ao

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advogado a defesa do seu constituinte pelos meios prprios, um direito que est inserido na clusula fundamental do art.5. E, por este motivo, na reiterao dos pronunciamentos da Corte Suprema, seria razovel que se avanasse para con-solidar esta posio no sentido de vincular-se a posio da Suprema Corte a esta especfica manifestao de assegurar aos advogados o direito de amplo acesso aos autos de qualquer investigao.

Ponho-me em sentido, pelo menos de observao, para aguardar a mani-festao dos meus ilustres Colegas no tocante proposta de acrscimo no que diz respeito s cpias, porque tenho a sensao, e fui advogado durante muitos anos, de que esse direito cpia num inqurito sigiloso no essencial a ponto de desqualificar a participao do advogado nos termos em que a Ordem dos Advogados ps na smula: com acesso amplo aos autos do inqurito.

Senhor Presidente, gostaria de sugerir, alm daquela que foi dada pela Ordem dos Advogados do Brasil, de apresentar, e a Corte sabe que no brigo contra os fatos redacionais, que a redao uma matria consensual, o que se tem de examinar o mrito em si mesmo, e, com relao ao mrito, creio que existe convergncia, outra proposta de redao; poder-se-ia at dizer que h uma convergncia teilhardiana, tout ce qui monte converge; estamos todos de acordo nesse sentido do alcance da Corte Suprema no assegurar o direito amplo do ad-vogado aos autos desses inquritos judiciais, eu gostaria de ponderar uma outra sugesto que consta de um precedente especfico da Segunda Turma, de que foi Relator o eminente Ministro Cezar Peluso.

A proposta da Ordem dos Advogados diz o seguinte:

O advogado constitudo pelo investigado, ressalvadas as diligncias em an-damento, tem o direito de examinar os autos de inqurito policial, ainda que estes tramitem sob sigilo.

Essa a proposta que veio da Ordem dos Advogados do Brasil.

A proposta que estou tambm sugerindo consta de ementa, de acrdo da Segunda Turma, unnime, de que foi Relator o Ministro Cezar Peluso, e que diz o seguinte:

direito do advogado, suscetvel de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigaes, ter acesso amplo aos elementos que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria ou por rgo do Ministrio Pblico, digam respeito ao constituinte.

Tenho a impresso de que essa redao um pouco mais abrangente e explicita com mais substncia do que aquela que a prpria apresentou na sua manifestao. Ou seja, numa palavra, o que me parece oportuno que nesta oportunidade se adote para a smula vinculante as mesmas perspectivas que adotamos em julgados cujos temas tambm tinham esse envolvimento relativo garantia do exerccio do direito de defesa.

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Eu, portanto, Senhor Presidente, concluo no sentido de julgar procedente a proposta de smula vinculante, vencendo essa objeo muito fundada de que poderia ser tida como uma matria processual e no sentido tambm de, se aco-lhida esta manifestao pela procedncia da proposta, sugerir esta smula tal e qual consta da ementa de acrdo de que foi Relator o Ministro Cezar Peluso na Segunda Turma.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, V. Exa. me permite e os Colegas tambm?

Quero endossar integralmente o que diz o Ministro Menezes Direito rela-tivamente ao mrito da questo que est posta. Ns todos convergimos quanto ao entendimento de que o advogado isto um entendimento antigo tem real-mente direito de acesso aos autos e conhecimento integral daquilo que impu-tado contra o investigado. No entanto, Senhor Presidente, Senhores Ministros, creio que me deva ser feita justia no sentido de que sou uma velha defensora da smula vinculante. Sempre fui uma entusiasta do instituto e creio que ele, em boa hora, veio como uma medida importante especialmente no que diz respeito possibilidade de administrao judiciria.

Como ferramenta til administrao judiciria, creio que se impe, ao examinar a proposta de enunciado, a considerao de convenincia e oportuni-dade. E fao essa provocao ao eminente Relator e tambm aos Colegas para que possamos verificar se este , efetivamente, um daqueles casos em que haja urgncia e necessidade de a Corte Suprema manifestar um absoluto posiciona-mento a respeito da matria, matria que, como se sabe, e foi desenvolvido no parecer da Procuradoria da Repblica, interessa sejamos claros no queles investigados de pouco poder aquisitivo.

Coloco essa provocao para os Colegas refletirem porque acho que esse instrumento extremamente poderoso, colocado pelo legislador nas mos do Supremo Tribunal Federal, no deve, de forma nenhuma, a Corte eventualmente permitir que ele seja manipulado para finalidades que no sejam as de estrita administrao judiciria.

Eu me fao clara, Senhor Presidente. Sempre entendi que o uso da smula vinculante deveria, pelo menos nos seus primrdios, atender grande massa de processos que hoje inviabiliza o funcionamento do Judicirio. E V. Exa., no dis-curso brilhante que proferiu hoje pela manh, assim o salientou.

Matrias tributrias, matrias referentes Previdncia Social que abarro-tam os nossos fruns deveriam ser as matrias prioritrias para a pacificao por meio da edio de smula vinculante.

Duvido que este tema tenha tanta abrangncia que merea, ao menos no momento, a apreciao da Corte. a provocao que fao, ainda me resguar-dando para, no debate, evoluir.

R.T.J. 21020

EXPLICAO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Gostaria s de agradecer a in-terveno da Ministra Ellen Gracie, mas o que eu pude verificar, pelo menos at onde vai o meu conhecimento, que so muitos os casos e no dizem respeito s queles de colarinho-branco, dizem respeito, tambm, a pessoas comuns, ou seja, a Suprema Corte, em muitos e muitos casos, tem manifestado essa posio. E, se isso assim, como me parece que seja, dada a verificao dos precedentes existentes, tenho que oportuna a manifestao da Suprema Corte basicamente porque ela nasce, at mesmo, de uma provocao autorizada constitucionalmente de proposta de smula vinculante.

E a Suprema Corte tem de ter a cautela, pelo menos na minha viso, de fa-zer com que esses grandes temas relativos ao direito de defesa sejam assegurados at mesmo por smula vinculante, porque esses so os temas, pelo menos insisto na minha compreenso, que dizem mais respeito ao papel emergente da Suprema Corte como ltimo estgio da garantia das liberdades fundamentais.

Mas agradeo a interveno da eminente Ministra Ellen Gracie.

EXPLICAO

A Sra. Ministra Crmen Lcia: Senhor Presidente, quero saber, inicial-mente, se o que se est a discutir j o voto do Ministro Relator ou se a questo aventada pela Ministra Ellen Gracie, quanto oportunidade, ser objeto de de-bate, porque, nesse caso, o Ministro Menezes Direito estaria se estou enten-dendo a dizer que oportuno, uma vez que a proposta foi apresentada pela Ordem dos Advogados, nos termos constitucionalmente estabelecidos, e que a oportunidade viria dos casos ao Supremo na hora exatamente em que, dando cobro a uma norma constitucional de competncia ou de atribuio, a Ordem dos Advogados fez valer essa prerrogativa e entendeu que o papel do advogado precisa ser discutido neste momento. isso? V. Exa. est dizendo que a propos ta da Ministra Ellen Gracie seria superada, quanto oportunidade, exatamente por-que foi agora, neste momento, que houve a apresentao da discusso a partir da proposio da OAB?

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Considerando, tambm, que se trata de um tema relativo a direitos fundamentais, direito liberdade.

A Sra. Ministra Crmen Lcia: E que j h reiterados pronunciamentos.

VOTO

A Sra. Ministra Crmen Lcia: Senhor Presidente, dando sequncia ao que foi posto pelo Ministro Menezes Direito, acompanho S. Exa., quanto ao mrito, no sentido exatamente de que, pedindo vnia Procuradoria, tenho a impresso de que no h divergncia, como bem apresentou o Ministro Relator, porque investigao no devassa. A devassa no cabvel num Estado de direito; e a devassa, aqui, dispensa a presena de advogado.

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E diria, at, independentemente do que se venha a anotar nos apontamen-tos feitos por V. Exa., pela Procuradoria da Repblica, o que se est a discutir qual o papel do advogado nos termos que a Constituio pe no art.132, que precisa garantir a prestao da justia que comea, muitas vezes, exatamente na investigao.

Razo pela qual acompanho o voto do eminente Relator.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peo vnia tam-bm para acompanhar o Relator, consignando, inicialmente, que entendo que oportuno e conveniente o debate e a edio da smula vinculante sobre o tema, neste momento, no apenas porque a Corte foi provocada pela colenda Ordem dos Advogados do Brasil, como tambm porque se trata de tema relativo aos di-reitos fundamentais. Esses direitos se colocam no pice de todos os valores da Constituio Federal.

Entendo que o direito de acesso pelas partes ao que se contm nos pro-cessos judiciais e tambm nos processos administrativos deflui diretamente do princpio democrtico, do princpio da publicidade, que deve nortear a ao da administrao pblica e tambm dos valores que integram o catlogo de Direitos Fundamentais da nossa Constituio.

De outra parte tambm, atento s preocupaes do douto Ministrio Pblico, observo que uma smula vinculante no uma lei, como todos sabemos, podendo, eventualmente, a autoridade descumpri-la em face do caso concreto, de modo fundamentado, quando o interesse pblico assim o exigir.

Tambm, no que concerne proposta da doutssima Associao dos Advogados de So Paulo, observo que o que pretende S. Exa. exatamente obter cpia das peas que se contm no inqurito policial.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A Associao dos Advogados, se bem entendi a proposta, gostaria de acrescentar quilo que sugeriu o eminente Ministro Menezes Direito que no apenas os advogados tivessem direito de exa-minar os autos do inqurito policial, mas tambm de tirar cpia das peas.

Mas gostaria de observar que este um direito que j se contm no art.7, inciso XIV, do Estatuto da Ordem da Advocacia do Brasil que assim est redigido:

Art.7So direitos do advogado: XIV examinar em qualquer repartio policial, mesmo sem procurao,

autos de flagrante e de inqurito, findos ou em andamento, ainda que conclusos autoridade, podendo copiar peas e tomar apontamentos;

Portanto no cabe smula repetir a lei, data venia.

Ento, Senhor Presidente, com essas consideraes, acompanho integral-mente a sugesto do eminente Ministro Relator Menezes Direito.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, inicialmente, eu me pro-nuncio sobre a preliminar suscitada pela Ministra Ellen Gracie quanto oportu-nidade ou no da edio da smula proposta.

Em princpio, estou achando que cabem os pressupostos do art. 103-A, com seu 1, e que esto presentes para a edio da smula; primeiro, porque o Supremo poder, por provocao e houve uma provocao de algum com habilitao processual reconhecida pela prpria Constituio em diversas passa-gens. Basta lembrar que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil habilitado processual universal para as aes diretas de inconstitucionalidade.

Muito bem, e dispe o art.103-A da Constituio Federal:

(...) aps reiteradas decises sobre matria constitucional (...)

Aqui, a matria multiplamente constitucional, porque esto em jogo, segundo discusses j travadas, direitos individuais, como o da ampla defesa, exerccio da profisso de advogado, investigao criminal, mediante abertura de inqurito policial. Todas essas matrias so de bero, so de matriz constitucio-nal, explicitamente. E h ns sabemos disso decises judiciais controvertidas sobre o tema no aqui na Corte, ao que parece, mas fora da Corte, sim, e, quando no, conflito de decises judiciais com procedimentos da administrao pblica. Parece-me, ento, que os pressupostos constitucionais de edio da s-mula esto presentes. Nesse ponto, portanto, peo vnia Ministra Ellen Gracie para no sufragar, no endossar, a sua lcida proposta.

Quanto ao mrito, gostaria de suscitar alguma reflexo sobre o tema.

Fao, na Turma, uma ponderao recorrente. O art.144 da Constituio se refere segurana pblica, qualificando-a como dever do Estado, direito e res-ponsabilidade de todos. Esta matria, segurana pblica, aqui nesse captulo entregue a alguns rgos chamados de segurana pblica. Esses rgos, como a polcia federal (pelo menos esse) e as polcias civis dos Estados estas ltimas presididas pelos delegados de polcia, atuam mediante abertura de inqurito quando das investigaes criminais.

O inqurito policial de previsibilidade constitucional implcita e tambm explcita. Por exemplo, sobre o Ministrio Pblico, no art.129, incisoVIII, a Constituio fala explicitamente de inqurito policial, dizendo fazer parte das funes institucionais do Ministrio Pblico:

VIII requisitar diligncias investigatrias e a instaurao de inqurito po-licial (...)

Quero dizer com isso que, de fato, a Constituio contrabalana a lista dos direitos individuais, neles embutido o tema da ampla defesa e do contra-ditrio, com o dever do Estado de investigar criminalmente na perspectiva de

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detectar infraes penais e identificar os respectivos autores. o que a Associao Nacional dos Procuradores da Repblica invoca, citando Manuel da Costa Andrade, professor portugus, quando corretamente a meu ver indica que o princpio da justia penal eficaz, que podemos extrair do art.144 da Constituio Federal, um vetor necessrio de ponderao com os direitos e garantias indivi-duais, tambm em matria penal.

Se, de um lado, temos direitos e garantias individuais em matria penal, de lastro constitucional, tambm de lastro constitucional temos a consagrao do princpio da justia penal eficaz.

Nesse ponto, parece-me que so dois princpios que nos remetem, neces-sariamente, para Dworkin e Alexy, quando falam da aplicabilidade dos princ-pios como servientes, obedientes, ao necessrio juzo de otimizao. Ou seja, os princpios que colidem, no caso concreto, tero que ser aplicados mediante um juzo de otimizao ou de ponderao. Da essa definio dos princpios como mandados de otimizao.

Penso, portanto, que a redao da smula deve encerrar, encarnar um mandado de otimizao. Ela deve ter a virtude de consubstanciar um verdadeiro mandado de otimizao ou de conciliao entre esses princpios igualmente constitucionais. De uma parte, falemos de princpio da ampla defesa; de outra parte, o princpio da justia penal eficaz. E, a, me parece que a redao da s-mula comportaria uma discusso um pouquinho mais aprofundada. Por exem-plo: eu fao uma distino no sei se procedente para o caso entre autos do inqurito policial e diligncias processadas nos autos, vale dizer, entre investiga-o e diligncias concretizadoras da investigao. A investigao policial como um todo, uma espcie de continente; e as diligncias como meios de operacio-nalizar a investigao. A investigao se d por meio de sucessivas diligncias.

Eu me perguntaria: ns deveramos consagrar na smula o direito irrestrito dos advogados de acesso aos autos da investigao, ou das diligncias, de cada diligncia j concluda? Claro que estou falando de um receio que justo, de que o conhecimento prvio de uma diligncia comprometa toda a linha da investiga-o. E, comprometendo toda a linha da investigao, o princpio da justia penal eficaz resultaria vulnerado. uma distino que eu apenas pondero, levo con-siderao dos eminentes Ministros.

De outra parte, tambm no posso deixar passar a oportunidade para lem-brar o seguinte: ainda estou no juzo de otimizao, no juzo de ponderao. O princpio da ampla defesa, vocalizado pelo art.5, incisoLV, diz:

Art.5(...)LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

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Ora, em processo judicial ou administrativo. Ns sabemos que o inqu-rito policial nem processo administrativo nem processo judicial, pr-pro-cesso, um tertium genus. uma terceira figura, uma terceira via de direito. Da chamarmos muito at eu nem gosto dessa expresso de fase inquisitorial da investigao criminal.

Ser que essa considerao de no ser o inqurito policial um processo administrativo nem judicial, e, portanto, no comportar essa defesa com toda a amplitude, no nos levaria tambm a fazer a distino entre investigao e dili-gncias investigatrias?

Senhor Presidente, so questionamentos que eu levanto para debate dos Senhores Ministros com a melhor das intenes, de encontrarmos uma redao que signifique um mandado de otimizao diante de princpios que parecem colidentes.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Eu tenho a impresso de que o eminente Ministro Carlos Britto fez a sua razo no sentido de entender pela oportunidade e entender tambm pela necessidade de edio de smula, com as cautelas necessrias no que concerne redao.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, perfeito.

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Como todos ns sabemos, a re-dao vai depender do consenso, e eu estou de pleno acordo.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, penso que, de certo modo no pelo fato de ter sido eu o Redator, essa ementa responde s preocupaes do Ministro Carlos Britto e da douta Procuradoria.

O que ficou muito claro, no apenas no meu voto condutor naquele habeas corpus, mas tambm em outros, que duas coisas devem ser distinguidas nos inquritos policiais: uma coisa so os elementos de provas j documentados. Quanto a estes elementos de prova j documentados, no encontro modo de res-tringir o direito dos advogados em defesa dos interesses do cliente envolvido nas investigaes. Outra coisa so todos os demais movimentos, atos, aes e dili-gncias da autoridade policial que tambm compem o inqurito. A autoridade policial pode, por exemplo, proferir despacho que determine certas diligncias cujo conhecimento pode frustr-las; a esses despachos, a essas diligncias, o advogado no tem direito de acesso prvio, porque seria concorrer com a au-toridade policial na investigao e, evidentemente, inviabiliz-la. Por isso, da ementa consta textualmente: ter acesso amplo aos elementos que, j documen-tados. Isto , elementos de prova. Por isso, tal ementa, a meu ver, resguarda os interesses da investigao criminal, no apenas das diligncias em andamen-to, mas ainda das diligncias que esto em fase de deliberao. A autoridade policial

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fica autorizada a no dar cincia prvia desses dados ao advogado, a qual poderia comprometer o resultado final da investigao. O que no se quer retirar dos advogados, na defesa dos clientes envolvidos nas investigaes, o acesso aos ele-mentos de prova que j tenham sido documentados.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu pensei numa redao, Ministro, no sei se V. Exa. concordaria com a redao que fiz, tambm para a discusso, evidente.

O advogado constitudo pelo investigado tem o direito de acesso ao conte-do das diligncias policiais j concludas em inqurito policial.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nem todas, porque, como disse o Procurador, com toda razo, h certos elementos que, embora j concludos, indicam a neces-sidade de realizao de outros.

No fcil. questo grave. H certas diligncias cuja realizao no se exaure em si mesma, mas aponta para outras.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Cezar Peluso, por causa de todas essas especificidades que eu dizia que a matria no convm nem oportuno que seja sumulada. Uma smula no pode ser submetida a interpretaes de todas as autoridades policiais. Ou ento, no uma smula vinculante.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas acho que, se o Tribunal deixar absolu-tamente claro, na aprovao da smula, qual o seu alcance em relao a esses termos, no haver dvida nenhuma. Isto , as autoridades policiais continuaro autorizadas a estabelecer seu programa de investigao sem que os advogados lhe tenham acesso. O que no podero evitar apenas isso, e que me parece fundamental na smula: os elementos de prova j coligidos, mas que no apon-tem para outras diligncias, que no impliquem conhecimento do programa de investigao da autoridade policial, enfim que no cerceiem de nenhum modo o Estado no procedimento de investigao, esses no podem ser subtrados do advogado. Ento, ele ter acesso, mas evidentemente a autoridade policial es-tar autorizada a separar os elementos de inqurito. Por isso no me pareceu adequada a redao que faz remisso a autos de inqurito, at porque autos no andam, so mero papel; o que anda o inqurito.

Em segundo lugar, a afirmao do poder de acesso aos autos de inqurito significaria tudo aquilo que a autoridade policial est elaborando e que, de al-gum modo, est por escrito compondo o inqurito. A, sim, ficaria inviabilizada toda a possibilidade de investigao, que, evidentemente, no se faz em termos de contraditrio, em que a polcia atue conjuntamente com os advogados! No nada disso.

E, mais, o leading case, do qual participei, era de uma investigao que estava em andamento h no sei quantos anos e havia velhos elementos l que ficaram conhecidos, do interessado, pela imprensa. Ento, havia algum dado que j havia sido recolhido h anos e aos quais o interessado no teve acesso. O que ficou assegurado que tivesse acesso quilo que j tinha sido colhido eventual-mente contra ele naquele caso; no que se opusesse impedimento autoridade de prosseguir nas investigaes como entendesse de direito.

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nesses termos, Senhor Presidente, que voto em favor da proposta do emi-nente Ministro Menezes Direito, porque ela deixa claro exatamente isto: no acesso aos autos do inqurito, acesso aos elementos de prova j documentados. Apenas isso.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito.

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): No aos autos do inqurito, mas aos elementos de prova j documentados. Foi por essa razo, desculpe-me Ministra Ellen, estou atravancando a a palavra de V. Exa., que eu entendi que essa ementa da Segunda Turma, Relator Ministro Peluso, explicitava bem essas cautelas todas que estamos tomando.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse caso, concluo o meu voto aderindo ao voto do eminente Relator, sem me pronunciar em definitivo, mas estou lendo, agora, a proposta do Ministro Peluso e, primeira vista, me parece excelente.

VOTO(Aditamento)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, manifestei-me inicial-mente apenas para suscitar a questo de convenincia e oportunidade, que me parece indispensvel cada vez que esta Corte se manifesta a respeito das smulas vinculantes, mas aquela ainda no era a minha manifestao final.

Neste momento, quero, em primeiro lugar, louvar a iniciativa da Ordem dos Advogados e manifestar o meu respeito antigo pelas bandeiras sustentadas por ela, muitas delas que eu mesma empunhei em tempos idos. A defesa intran-sigente da Ordem pelos direitos individuais, a defesa do direito plena defesa no processo penal tem marcado a atuao dos seus ilustres integrantes.

De modo que o primeiro registro este de que est adequada a atuao da Ordem nesta proposta.

Depois, tambm, gostaria de esclarecer e foi en passant mencionado aqui no nosso debate que sou Presidente da Comisso de Jurisprudncia qual, na forma regimental, se oferece a proposta de enunciado de smula, para efeito de uma primeira manifestao. Para que no parea, a, uma incoerncia de minha parte nem dos demais integrantes da Comisso, desejo afirmar que a nossa ma-nifestao, Ministro Carlos Britto, se d apenas com relao regularidade do iter processual, at porque no seria vivel que os trs membros da Comisso adiantassem voto relativamente a outras questes, inclusive esta de convenincia e oportunidade.

De modo que o iter processual realmente foi todo seguido. O ilustre Relator teve as cautelas devidas. Fez publicar edital. De minha parte, gostaria que essa publicidade fosse ainda maior para que pudssemos ouvir a respeito de uma ma-tria como esta, inclusive queles que tero obrigao de aplicar a smula que

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vamos editar. Aqui no houve qualquer manifestao, embora convocados por edital. As autoridades da rbita policial poderiam ter comparecido na qualidade de amici curiae. De modo que essa tambm uma cautela que, talvez, para o futuro, deva ser adotada.

O ponto principal da minha discordncia, e agora entro j no mrito, que a smula vinculante, um instituto que prezo extremamente, pelo qual me bati durante longos anos, um instrumento extremamente poderoso, extremamente importante, que tem como objetivo principal o estabelecimento da segurana jurdica, ou seja, que a interpretao dada pelos Tribunais e pela Suprema Corte seja uma s a respeito de determinada matria de direito.

Como vimos aqui no debate, ao que tudo indica, a aplicao ou no desta smula vai depender de interpretao a ser dada por cada uma das autoridades policiais, no curso das investigaes.

Isso no um bom sinal volto a dizer, parece-me sinalizar no sentido das minhas preocupaes. A smula algo que no deve ser passvel de interpre-tao, deve ser suficientemente clara para ser aplicada sem maior tergiversao.

De modo que, fazendo esses reparos, peo vnia ao eminente Relator e aos demais Colegas que o acompanham, mas me manifesto contrariamente, no ao mrito, que, com relao a este, j foi dito, o prprio Estatuto da Ordem garante acesso dos ilustres defensores s peas processuais, mas quanto edio da pr-pria smula.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, quando proferi meu voto, no tinha em mos recebi agora a ementa do julgado do qual o eminente Ministro Cezar Peluso foi Relator.

Adiro, integralmente, a essa formulao, inclusive a formulao proposta pelo eminente Ministro Relator Menezes Direito. Apenas observo o seguinte: nesta smula, alis, na ementa deste julgado, como no poderia deixar de ser, S. Exa. o Relator faz meno a um direito garantido por habeas corpus, mas como estamos aqui editando uma smula, penso eu que a teor do art.103-A, 3, da Constituio Federal, garantido por meio de reclamao.

Ento, eu ponderaria, com todo o respeito, apenas fazendo este acrscimo: direito do advogado suscetvel de ser garantido por meio de reclamao, no por meio de habeas corpus. E a segue integralmente a observao.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurlio: Presidente, a poca de delinquncia maior. Os desvios de conduta afloram e as instituies vm funcionando.

Compreendo a preocupao do Ministrio Pblico quanto a no se criar obs-tculo ao esclarecimento dos fatos, ao esclarecimento de possveis imputaes,

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ao esclarecimento de dados que repercutam no campo penal, como tambm compreendo a colocao da Ministra Ellen Gracie, sob o ngulo da oportuni-dade, de editar-se um verbete de smula vinculante versando a matria. Mas o dia a dia do Judicirio, o dia a dia do Supremo tem demonstrado que episdios ocorrem a partir do af de se chegar atribuio de responsabilidade, olvidando-se, por vezes, franquias constitucionais, garantias constitucionais.

Temos enfrentado a matria, e acabei mesmo de assinar um acrdo da Primeira Turma em que, revelado o tema, houve a concesso do habeas corpus para viabilizar o acesso do profissional da advocacia a peas j coligidas nos autos do inqurito.

Presidente, creio que devemos, com todo respeito que merece a Ministra Ellen Gracie, enfrentar a matria em boa hora suscitada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pacificando-a. Tenho aqui mencionados, e fiz apenas uma pesquisa superficial, sete precedentes, a revelar que as controvr-sias alusivas ao acesso se repetem, havendo, portanto, o requisito constitucional para a edio de verbete. Sete precedentes em que versado o direito inafastvel de acesso a um certo processo, de acesso a autos de inqurito considerado o que neles se contenha em termos de documentao.

Recebi, Presidente, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa pea subscrita pelo criminalista Arnaldo Malheiros Filho, Presidente do Conselho Deliberativo desse rgo, pela Presidente Flvia Rahal e pelo Vice-Presidente Roberto Soares Garcia, com proposta de um verbete cujo teor, a meu ver, atende aos ditames constitucionais e legais. Partiria apenas para aluso, tambm, Defensoria Pblica. E esse verbete est assim redigido:

O advogado constitudo por investigado ou por qualquer convocado[porque fica muito difcil definir-se a priori a qualificao daquele que se faz envolvido nos autos do inqurito, sabemos que muitas vezes convocado o cidado para prestar esclarecimentos j se tendo direcionamento objetivando investig-lo, j o tendo como pessoa envolvida no episdio retratado no inqurito, da a referncia a convo-cado: ou por qualquer convocado]tem o direito [incluiria bem como a Defensoria Pblica, voltando os olhos, portanto, aos menos afortunados] de examinar in-tegralmente os autos de inqurito policial [sabemos que a eficincia repousa na transparncia dos atos praticados pelo Estado-administrador], ressalvadas as di-ligncias em andamento, deles podendo obter cpia, ainda quando tramitem sob sigilo [e no estou aqui a revogar o artigo 20 do Cdigo de Processo Penal, porque no o entendo como a encerrar um sigilo absoluto], devendo a autoridade policial fazer juntar aos autos imediatamente todos os documentos [j que poderemos ter a obstacularizao de acesso mediante a inrcia na juntada desses documentos; tive o cuidado de conferir os precedentes da Corte e notei que este tema da obrigatorie-dade de juntada de documentos foi versado quando do julgamento do HC 82.354 e voltou a ser referido, mediante transcrio, no acrdo do HC 87.827, ambos da relatoria do ministro Seplveda Pertence, portanto h respaldo para insero dessa obrigatoriedade de juntada de elementos de diligncias j concludas e que devem estar documentadas nos autos do inqurito], termos e assentadas de atos j encer-rados, sob pena de reconhecimento de ilicitude dos elementos sonegados defesa.

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Sonegados por esta ou aquela forma. E sabemos que, na maioria das vezes, a sonegao escamoteada a pretexto de guardar-se o xito das investigaes.

Eu me permitiria, Presidente, fazer uma ponderao ao estimado ministro Menezes Direito quanto ao verbete proposto e tambm ao Colegiado. Ouvimos, inclusive, na abertura do Ano Judicirio, que esta ser a bandeira do Ministrio Pblico Federal.

que, quanto ao procedimento investigatrio pelo Ministrio Pblico, no h jurisprudncia pacificada no Tribunal. Ao contrrio, a matria ainda se encontra pendente de crivo do Colegiado. Da, a meu ver, no podermos inserir a referncia a procedimento investigatrio formalizado por rgo do Ministrio Pblico.

Voto, Presidente, no sentido de entender oportuna a apreciao da matria pelo Supremo, pacificando de vez o tema, e tambm no sentido de adotar o teor proposto com o aditamento que implica a referncia Defensoria Pblica pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa. como voto na espcie.

Tenho aqui comigo, no voto, Presidente, as referncias ao HC 82.354, ao HC 87.827 cito-os apenas para documentao no voto que estou proferindo, ao HC 90.232, ao HC 88.190, ao HC 88.520, ao HC 92.331 e ao HC 91.684. Sob o ngulo da legislao, aponto a Constituio Federal, o art.5, incisoXXXIII, que revela o direito informao, direito, inclusive, gratuito; o incisoLIV, quanto ao devido processo legal e o entendo de forma abrangente; o incisoLV, e o art.133 nela contido, relativo participao do profissional da advocacia para alcanar-se a almejada justia. No tocante ao Estatuto da Ordem, fao aluso aos arts.6, pargrafo nico, e 7, incisosXIII e XIV. Quanto ao Cdigo de Processo Penal, aos arts.9 e 14, e evoco o que seria, para alguns, obstculo aprovao do ver-bete, mas evoco em outra ptica, que o art.20.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Entendo altamente relevante a formula-o, no caso, de smula vinculante, tal como preconizada no doutssimo voto proferido pelo Senhor Relator, eminente Ministro MENEZES DIREITO.

Tenho salientado, Senhor Presidente, em vrias decises por mim pro-feridas no Supremo Tribunal Federal, que o Estado no pode ignorar nem transgredir o regime de direitos e garantias fundamentais que a Constituio da Repblica assegura a qualquer pessoa sob investigao criminal ou processo penal.

Ningum ignora, exceto os cultores e executores do arbtrio, do abuso de poder e dos excessos funcionais, que o processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda das liberdades individuais.

Da por que se impe, s autoridades pblicas, neste Pas, notadamente quelas que intervm nos procedimentos de investigao penal ou nos processos

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penais, o dever de respeitar, de observar e de no transgredir limitaes que o ordenamento normativo faz incidir sobre o poder do Estado.

Formulouse, na espcie, consideradas as razes expostas pelo E. Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, proposta de smula vin-culante destinada a garantir, aos Advogados (e, por intermdio destes, aos Indiciados e aos Rus), o direito de acesso j reconhecido em lei aos autos de procedimentos penais que tramitem em regime de sigilo.

Como anteriormente j assinalei em outras decises (HC 87.725/DF, Rel. Min. Celso de Mello HC 93.767MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.), a proposta ora em exame pe em evidncia situao impregnada de alto relevo jurdico-constitucional, consideradas as graves implicaes que o regime de sigilo necessariamente excepcional impe ao exerccio, em plenitude, do direito de defesa e prtica, pelo advogado, das prerrogativas profissionais que lhe so inerentes (Lei 8.906/94, art.7, incisosXIII e XIV).

O Estatuto da Advocacia ao dispor sobre o acesso do Advogado, desde que investido de mandato, aos procedimentos estatais que tramitem em re-gime de sigilo asseguralhe, como tpica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefcio de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exerccio do direito de conhecer os da-dos probatrios j formalmente produzidos no mbito da investigao penal, para que se possibilite a prtica de direitos bsicos de que tambm titular aquele contra quem foi instaurada, pelo poder pblico, determinada persecuo criminal.

Nem se diga, por absolutamente inaceitvel, considerada a prpria declarao constitucional de direitos, que a pessoa sob persecuo penal (em ju-zo ou fora dele) mostrarseia destituda de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poder legitimar tal entendimento, pois a razo de ser do sistema de liberdades pblicas vinculase, em sua vocao protetiva, a amparar o cida-do contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal.

Cabe relembrar, no ponto, por necessrio, a jurisprudncia firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matria pertinente posio jurdica que o indiciado e, com maior razo, o prprio Ru ostenta em nosso sistema normativo, e que lhe reconhece direitos e garantias inteiramente oponveis ao poder do Estado, por parte daquele que sofre a persecuo penal:

INQURITO POLICIAL UNILATERALIDADE A SITUAO JURDICA DO INDICIADO.

O inqurito policial, que constitui instrumento de investigao penal, qualificase como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuao persecutria do Ministrio Pblico, que enquanto dominus litis o verda-deiro destinatrio das diligncias executadas pela Polcia Judiciria.

A unilateralidade das investigaes preparatrias da ao penal no autoriza a Polcia Judiciria a desrespeitar as garantias jurdicas que assistem ao indiciado, que no mais pode ser considerado mero objeto de investigaes.

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O Indiciado sujeito de direitos e dispe de garantias, legais e constitu-cionais, cuja inobservncia, pelos agentes do Estado, alm de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigao policial.(RTJ 168/896897, Rel. Min. Celso de Mello.)

No custa advertir, como j tive o ensejo de acentuar em deciso profe-rida no mbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF, Rel. Min. Celso de Mello), que o respeito aos valores e princpios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organizao do Estado Democrtico de Direito, longe de comprometer a eficcia das investigaes penais, configura fator de irrecusvel legitimao de todas as aes lcitas desenvolvidas pela Polcia Judiciria, pelo Ministrio Pblico ou pelo prprio Poder Judicirio.

A pessoa contra quem se instaurou persecuo penal no importa se em juzo ou fora dele no se despoja, mesmo que se cuide de simples indiciado, de sua condio de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponveis, cujo desrespeito s pe em evidncia a censurvel (e inaceitvel) face arbitrria do Estado, a quem no se revela lcito desconhecer que os po-deres de que dispe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da Repblica.

Esse entendimento que reflete a prpria jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal construda sob a gide da vigente Constituio encontra apoio na lio de autores eminentes, que, no desconhecendo que o exerccio do poder no autoriza a prtica do arbtrio, enfatizam que, mesmo em procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigao policial, h direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente no podem ser ignorados pelo Estado.

Cabe referir, nesse sentido, o magistrio de FAUZI HASSAN CHOUKE (Garantias Constitucionais na Investigao Criminal, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (A Polcia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade, in A Polcia Luz do Direito, p. 17, 1991, RT), de ROGRIO LAURIA TUCCI (Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURCIO GENOFRE (O Indiciado: de Objeto de Investigaes a Sujeito de Direitos, in Justia e Democracia, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (Devido Processo Legal Due Process of Law, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (Inqurito Policial e Ao Penal, p. 60/61, item n. 48, 7 ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (Investigao Policial Teoria e Prtica, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.

Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstncia de o indiciado (e com maior razo, o ru em juzo criminal) ser, ele prprio, sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constitudo tem direito de acesso aos autos da investigao (ou do processo) penal, no obstante

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em tramitao sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que h de ser compreendido enquanto prerrogativa indisponvel assegurada pela Constituio da Repblica em perspectiva global e abrangente.

certo, no entanto, em ocorrendo a hiptese excepcional de sigilo e para que no se comprometa o sucesso das providncias investigatrias em curso de execuo (a significar, portanto, que se trata de providncias ainda no formalmente incorporadas ao procedimento de investigao) , que o Acusado (e, at mesmo, o mero indiciado), por meio de Advogado por ele constitudo, tem o direito de conhecer as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitudes da execu-o das diligncias em curso (...) (RTJ 191/547548, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE grifei).

Vse, pois, que assiste, quele sob persecuo penal do Estado, o direito de acesso aos autos, por intermdio de seu Advogado, que poder examinlos, extrair cpias ou tomar apontamentos (Lei 8.906/94, art. 7, XIV), observandose, quanto a tal prerrogativa, orientao consagrada em decises proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059MC/PR, Rel. Min. Celso de Mello HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE Inq 1.867/DF, Rel. Min. Celso de Mello MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a persecuo estatal esteja sendo processada em carter sigiloso, hiptese em que o Advogado do investigado (ou do Indiciado ou do Denunciado ou, ainda, do Ru), desde que por este constitudo, poder ter acesso s peas que digam respeito pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova j produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial , corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explici-tamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art.7, XIV), da qual ao contrrio do que previu em hipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal re-solve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interes-ses do sigilo das investigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade.

A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia consti-tucional do indiciado (CF, art.5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o ob-jeto do qual haja o investigado de prestar declaraes.

O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitu-des da execuo de diligncias em curso (cf. Lei 9.296, atinente s interceptaes telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em consequn-cia, a autoridade policial, de meios legtimos para obviar inconvenientes que o

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conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio.(Grifei.)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do deferimento de pleito cautelar deduzido em habeas corpus impetrado contra emi-nente Ministro desta prpria Corte:

INQURITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSO GLOBAL DA FUNO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI 8.906/94, ART. 7, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NO PODEM PRIVILEGIAR O MISTRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILI-ZAO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCCIO DE DIREITOS E GARAN-TIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAO PENAL. CONSEQUENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATRIOS J DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAO PENAL. POSTULADO DA COMUNHO OU DA AQUISIO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

O indiciado sujeito de direitos e dispe de garantias plenamente opo-nveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigao penal no autoriza que se desrespeitem as garantias bsicas de que se acha investido, mesmo na fase pr-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecuo criminal.

O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constitudo pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecuo esta-tal), o direito de pleno acesso aos autos de investigao penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitandose, no entanto, tal prerrogativa jurdica, s provas j produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatrio, excludas, consequentemente, as informaes e providncias investigatrias ainda em curso de execuo e, por isso mesmo, no documentadas no prprio inqurito. Precedentes. Doutrina.(HC 87.725/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 2-2-07.)

Os eminentes Advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALE-XANDRA LEBELSON SZAFIR, em recentssima obra que versa, dentre ou-tros temas, aquele ora em anlise (Prerrogativas Profissionais do Advogado, p. 86, item n. 1, 2006, OAB Editora), examinaram, com preciso, a questo suscitada pela injusta recusa, ao Advogado investido de procurao (Lei 8.906/94, art.7, XIII), de acesso aos autos de inqurito policial ou de processo penal que tramitem, excepcionalmente, em regime de sigilo, valendo rememorar, a esse propsito, a seguinte passagem:

No que concerne ao inqurito policial h regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procurao, ter acesso aos autos (art.7, inc. XIV) e que no excepcionada pela disposio constante do 1 do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo que

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o incisoXIV do art.7 no fala a respeito dos inquritos marcados pelo sigilo. Todavia, quando o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratrio para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatrio. Sim, porque inquritos secretos no se compatibilizam com a garantia de o ci-dado ter ao seu lado um profissional para assisti-lo, quer para permanecer ca-lado, quer para no se autoincriminar (CF, art.5, LXIII). Portanto, a presena do advogado no inqurito e, sobretudo, no flagrante no de carter afetivo ou emocional. Tem carter profissional, efetivo, e no meramente simblico. Isso, porm, s ocorrer se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, blind lawyers, podero, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestarseo, unicamente, a legitimar tudo o que no inqu-rito se fizer contra o indiciado.(Grifei.)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059MC/PR, Rel. Min. Celso de Mello HC 87.827/RJ, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acrdo assim ementado:

ADVOGADO. Investigao sigilosa do Ministrio Pblico Federal. Sigilo inoponvel ao patrono do suspeito ou investigado. Interveno nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistncia tcnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficcia das investigaes em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatrio. HC concedido. Inteligncia do art.5, LXIII, da CF, art.20 do CPP, art.7, XIV, da Lei 8.906/94, art.16 do CPPM, e art.26 da Lei 6.368/76. Precedentes. direito do advogado, suscetvel de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investi-gaes, ter acesso amplo aos elementos que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria ou por rgo do Ministrio Pblico, digam respeito ao constituinte.(Grifei.)

Cabe destacar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema em an-lise. Refirome ao postulado da comunho da prova, cuja eficcia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes informatio delicti, compem o acervo probatrio coligido e formalmente incorporado aos autos pelas autoridades e agentes estatais.

Esse postulado assume inegvel importncia no plano das garantias de ordem jurdica reconhecidas ao investigado e ao ru, pois, como se sabe, o princpio da comunho (ou da aquisio) da prova assegura, ao que sofre persecuo penal ainda que submetida esta ao regime de sigilo, o direito de conhecer os elementos de informao j existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exerccio da autodefesa, quer para desempenho da defesa tcnica.

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que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedi-mento persecutrio, no pertence a ningum, mas integra os autos do res-pectivo inqurito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessvel a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecuo penal por parte do Estado.

Essa compreenso do tema cabe ressaltar revelada por autorizado magistrio doutrinrio (ADALBERTO JOS Q. T. DE CAMARGO ARANHA, Da Prova no Processo Penal, p. 31, item n. 3, 3 ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPO NEVES, O Princpio da Comunho da Prova, in Revista Dialtica de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, Curso de Processo Penal, p. 259, item n. 17.7, 7 ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, A Prova Penal, p. 31, item n. 2, 2 ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lio expendida por JOS CARLOS BARBOSA MOREIRA (O Juiz e a Prova, in Revista de Processo, n 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato no aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o nus, ou pelo adversrio. A isso se chama o princpio da comunho da prova: a prova, depois de feita, comum, no pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua provenincia. (...).(Grifei.)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinncia, o magistrio de PAULO RANGEL (Direito Processual Penal, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8 ed., 2004, Lumen Juris):

A palavra comunho vem do latim communione, que significa ato ou efeito de comungar, participao em comum em crenas, ideias ou interesses. Referindose prova, portanto, querse dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), no obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).

O princpio da comunho da prova um consectrio lgico dos princpios da verdade real e da igualdade das partes na relao jurdico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histrica nos autos do processo, no abrem mo do meio de prova levado para os autos.

(...) Por concluso, os princpios da verdade real e da igualdade das partes na relao jurdico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertenam a todos os sujeitos processuais, ou seja, do origem ao princpio da comunho das provas.(Grifei.)

por tal razo que se impe assegurar, aos investigados e aos rus em ge-ral, o acesso a toda informao j produzida e formalmente incorporada aos autos da persecuo penal, mesmo porque o conhecimento do acervo probatrio pode revestirse de particular relevo para a prpria defesa de qualquer deles.

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fundamental, no entanto, que os elementos probatrios j tenham sido formalmente produzidos nos autos da persecuo penal.

O que no se revela constitucionalmente lcito, segundo entendo, impedir que o Ru (ou Indiciado, quando for o caso) tenha pleno acesso aos da-dos probatrios, que, j documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados), veiculam informaes que possam revelarse teis ao conhe-cimento da verdade real e conduo da defesa da pessoa investigada ou proces-sada pelo Estado, no obstante o regime de sigilo excepcionalmente imposto ao procedimento de persecuo penal.

O fascnio do mistrio e o culto ao segredo no devem estimular, no m-bito de uma sociedade livre, prticas estatais cuja realizao, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos bsicos daquele que sub-metido, pelos rgos e agentes do Poder, a atos de persecuo criminal, valendo relembrar, por oportuno, a advertncia de JOO BARBALHO feita em seus comentrios Constituio Federal de 1891 (Constituio Federal Brasileira Comentrios, p. 323/324, edio fac-similar, 1992, Senado Federal):

O pensamento de facilitar amplamente a defesa dos acusados conformase bem com o esprito liberal das disposies constitucionais relativas liberdade individual, que vamos comentando. A lei no quer a perdio daqueles que a justia processa; quer s que bem se apure a verdade da acusao e, portanto, todos os meios e expedientes de defesa que no impeam o descobrimento dela devem ser permitidos aos acusados. A lei os deve facultar com largueza, regularizandoos para no tornar tumulturio o processo.

Com a plena defesa so incompatveis, e, portanto, inteiramente inadmissveis, os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o de-poimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafianveis na ausncia do acusado ou tendo-se dado a produo das testemunhas de acusao sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denncia, o juramento do ru, o interrogatrio dele sob a coao de qualquer natureza, por perguntas sugestivas ou capciosas, e em geral todo o procedimento que de qual-quer maneira embarace a defesa.

Felizmente, nossa legislao ordinria sobre a matria realiza o propsito da Constituio, cercando das precisas garantias do exerccio desse inaufervel direito dos acusados para ela res sacra reus.(Grifei.)

Tal como decidi no MS 24.725MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello (Informativo/STF 331), cumpre enfatizar, por necessrio, que os estatutos do poder, numa Repblica fundada em bases democrticas, no podem privilegiar o mistrio.

A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspirao, repudiou o compromisso do Estado com o mistrio e com o sigilo, que fora to fortemente realado sob a gide autoritria do regime poltico anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prtica governamental.

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Ao dessacralizar o segredo, como proclamou esta Corte Suprema (RTJ 139/712713, Rel. Min. Celso de Mello), a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e exps o Estado, em plenitude, ao princpio democr-tico da publicidade, convertido, em sua expresso concreta, em fator de legitimao das decises e dos atos governamentais.

preciso no perder de perspectiva que a Constituio da Repblica no privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em praxis gover-namental, sob pena de grave ofensa ao princpio democrtico, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lio magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia, 1986, Paz e Terra), no h, nos modelos polticos que consagram a democracia, espao possvel reservado ao mistrio.

Tenho por inquestionvel, por isso mesmo, que a exigncia de publicidade dos atos que se formam no mbito do aparelho de Estado traduz consequncia que resulta de um princpio essencial, a que a nova ordem jurdico-constitucional vigente em nosso Pas no permaneceu indiferente, revestindose de excepcionalidade, por isso mesmo, a instaurao do regime de si gilo nos procedimentos penais, consideradas, para tanto, razes legtimas de interesse pblico, cuja verificao, no entanto, no tem o condo de suprimir ou de com-prometer a eficcia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigao ou persecuo penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado.

As razes que venho de expor que meramente reiteram a minha posio sobre a matria ora em exame constituem o prprio fundamento de inmeros julgamentos proferidos, nesta Corte, a propsito do tema, como se pode ver, por exemplo, de deciso assim ementada:

PERSECUO PENAL INSTAURADA EM JUZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUDO PELO INDICIADO OU PELO RU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSO GLOBAL DA FUNO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI 8.906/94, ART. 7, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NO PODEM PRIVILE-GIAR O MISTRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAO PENAL OU ACUSA-O CRIMINAL EM JUZO. CONSEQUENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATRIOS J DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUO PENAL (INQURITO PO-LICIAL OU PROCESSO JUDICIAL). POSTULADO DA COMUNHO OU DA AQUISIO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

A pessoa que sofre persecuo penal, em juzo ou fora dele, sujeito de direitos e dispe de garantias plenamente oponveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigao penal no autoriza que se desrespeitem as garantias bsicas de que se acha investido, mesmo na fase pr-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecuo criminal.

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O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constitudo pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecuo es-tatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecuo penal, mesmo que su-jeita, em juzo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitandose, no entanto, tal prerrogativa jurdica, s provas j produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatrio, excludas, conse-quentemente, as informaes e providncias investigatrias ainda em curso de execuo e, por isso mesmo, no documentadas no prprio inqurito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.(HC 93.767MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 178, de 19-9-08.)

J tempo de concluir este meu voto, Senhor Presidente. E, ao faz-lo, entendo que se mostra altamente relevante consideradas as razes ora ex-postas, bem assim os fundamentos subjacentes ao douto voto proferido pelo eminente Relator editar smula vinculante sobre a matria em exame, como postulado pelo E. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Esta Corte encerra o julga-mento da primeira proposta de smula vinculante (PSV 1), sobre tema da maior relevncia para a efetiva afirmao e correta aplicao das garantias constitucio-nais dos direitos fundamentais em nosso Estado Democrtico de Direito.

A referida proposta, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advo-gados do Brasil, visa consolidao, em enunciado sumular dotado de efei-tos vinculantes, do entendimento, j assentado na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o advogado tem o direito de ter acesso e de examinar, ressalvadas as diligncias em andamento, os autos de inqurito ou pro-cedimento investigatrio criminal, ainda que em trmite sob segredo de justia.

Em relao ao tema do direito de acesso aos autos de procedimento inves-tigatrio penal, pertinente reiterar as seguintes consideraes que expendi em deciso proferida nos autos do Inq 2.367/MT:

Conforme afirmei na deciso proferida em 18 de julho de 2006 no Inq 2.314/MT, tais medidas restritivas so imprescindveis para se assegurar a eficcia das investigaes criminais que estejam sendo realizadas com o escopo de eluci-dar, com a maior brevidade possvel, os fatos objeto da denominada Operao Sanguessuga.

Para fins de organizao do processamento de eventuais solicitaes de cpias dos autos que, futuramente, sejam formulados, determino a aplicao do entendimento acima fixado para o deferimento ou no de todos pedidos que sejam realizados em quaisquer dos autos j distribudos ou dos feitos que venham a ser distribudos minha relatoria no que concerne s investigaes da operao refe-rida. Para tanto, a autoridade policial competente deve assegurar aos investigados, assim como aos respectivos advogados formalmente constitudos, o direito de con-sultar os autos e extrair cpias.(Inq 2.367/MT, de minha relatoria, deciso de 22-11-06.)

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certo que a aplicao do princpio do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial objeto de muita controvrsia.

Parte expressiva da doutrina (MIRABETE, Jlio Fabbrini, Processo penal, So Paulo: Atlas, 1991, p. 75; e MARQUES, Jos Frederico, Elementos de direito processual penal, Rio de Janeiro: Forense, 1961, v. I, p. 157) e da jurisprudncia (cf. RE 136.239/SP, Rel. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ de 14-8-92) en-tende ser inaplicvel a garantia do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial, uma vez que se no tem aqui um processo compreendido como instru-mento destinado a decidir litgio.

Orientao mais extensiva defendida, entre outros, por Rogrio Lauria Tucci, que sustenta a necessidade da aplicao do princpio do contraditrio em todo o perodo da persecuo penal, inclusive na investigao, visando a dar maior garantia da liberdade e melhor atuao da defesa.

Afirma Tucci que a contraditoriedade da investigao criminal con-siste num direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser um ele-mento decisivo do processo penal, no pode ser transformado, em nenhuma hiptese, em mero requisito formal (TUCCI, Rogrio Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 357-360).

No mbito dos inquritos policiais e originrios, a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal tem se firmado no sentido de garantir, a um s tempo, a incolumidade do direito constitucional de defesa do investigado ou indiciado e a regular apurao de fatos e documentos que sejam, motivadamente, impres-cindveis para o desenvolvimento das aes persecutrias do Estado (HC 90.232/AM, Rel. Min. Seplveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 2-3-07; HC 82.354/PR, Rel. Min. Seplveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 24-9-04). Registre-se o teor da ementa do HC 82.354/PR, Rel. Min. Seplveda Pertence:

Ementa: I Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inqurito policial.

1. O cerceamento da atuao permitida defesa do indiciado no inqurito policial poder refletir-se em prejuzo de sua defesa no processo e, em tese, re-dundar em condenao a pena privativa de liberdade ou na mensurao desta: a circunstncia bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuzo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente liberdade de locomoo do Paciente.

2. No importa que, neste caso, a impetrao se dirija contra decises que denegaram mandado de segurana requerido, com a mesma pretenso, no em fa-vor do Paciente, mas dos seus advogados constitudos: o mesmo constrangimento ao exerccio da defesa pode substantivar violao prerrogativa profissional do advogado como tal, questionvel mediante mandado de segurana e ameaa, posto que mediata, liberdade do indiciado por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrio atividade dos seus defensores.

II Inqurito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial.

1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditrio e da ampla de-fesa ao inqurito policial, que no processo, porque no destinado a decidir litgio

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algum, ainda que na esfera administrativa; existncia, no obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inqurito, entre os quais o de fazer-se assis-tir por advogado, o de no se incriminar e o de manter-se em silncio.

2. Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado interessado pri-mrio no procedimento administrativo do inqurito policial , corolrio e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, expli-citamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art.7, XIV), da qual ao contrrio do que previu em hipteses assemelhadas no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade.

3. A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia consti-tucional do indiciado (CF, art.5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declaraes.

4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informa-es j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitudes da execuo de diligncias em curso (cf. Lei 9.296, atinente s inter-ceptaes telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em con-sequncia, a autoridade policial de meios legtimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio.

5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constitudos pelo pa-ciente se faculte a consulta aos autos do inqurito policial, antes da data designada para a sua inquirio.(nfases acrescidas.)

Nesse particular, esta Corte tem assegurado a amplitude do direito de de-fesa em sede de inquritos policiais e originrios, em especial no que concerne ao exerccio do contraditrio e ao acesso de dados e documentos j produzi-dos no mbito das investigaes criminais. A propsito, confira-se o seguinte precedente:

Ementa: Advogado. Investigao sigilosa do Ministrio Pblico Federal. Sigilo inoponvel ao patrono do suspeito ou investigado. Interveno nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistncia tcnica ao cliente ou consti-tuinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficcia das investigaes em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatrio. Habeas corpus concedido. Inteligncia do art.5, LXIII, da CF; do art.20 do CPP; do art.7, XIV, da Lei 8.906/94; do art.16 do CPPM; e do art.26 da Lei 6.368/76. Precedentes. direito do advogado, suscetvel de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas inves-tigaes, ter acesso amplo aos elementos que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria ou por rgo do Ministrio Pblico, digam respeito ao constituinte.(HC 88.190/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, unnime, DJ de 6-10-06.)

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Em idntico sentido, registre-se, ainda, o julgamento do HC 88.520/AP (Rel. Min. Crmen Lcia, Pleno, maioria, julgado em 23-11-06, DJ de 19-12-07), no qual, uma vez mais, o Plenrio definiu novas amplitudes constitucionais com relao ao devido processo legal, ampla defesa e ao contraditrio (CF, art.5, incisosLIV e LV):

Habeas corpus Prejuzo Ambiguidade e necessidade de pronunciamento do Supremo. Surgindo ambguo o prejuzo da impetrao e sendo o tema de impor-tncia maior, considerado o Estado Democrtico de Direito, impe-se o pronuncia-mento do Supremo quanto matria de fundo.

Inqurito Sigilo Alcance Acesso por profissional da advocacia. O si-gilo emprestado a autos de inqurito no obstaculiza o acesso por profissional da advocacia credenciado por um dos envolvidos, no que atua a partir de viso p-blica, a partir da f do grau detido.(HC 88.520/PA, Rel. Min. Crmen Lcia, Pleno, maioria, julgado em 23-11-06, DJ de 19-12-07.)

No mesmo sentido, citem-se o HC 92.331/PB, Rel. Min. Marco Aurlio, DJE de 1-8-08; o HC 87.619/SP, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 7-4-06; e o HC 87.827/RJ, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 23-6-06.

Assim, a existncia de uma slida jurisprudncia sobre o tema nesta Corte confere inegvel respaldo presente p