a prerrogativa de sufragio dos presos

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 A PRERROGATIVA DE SUFRÁGIO DOS PRESOS COMO RADICALIZAÇÃO DA VONTADE DEMOCRÁTICA “Acreditar em vosso próprio pensamento, acreditar que aquilo que é verdadeiro para vós, no fundo de vosso coração, é verdadeiro para todos os homens – isto é o gênio. Exprimi vossa convicção latente e ela será a opinião universal; pois aquilo que é mais íntimo torna-se, no seu devido tempo, o mais externo” Ralph Waldo Emerson Carlos Eduardo Cunha Martins Silva Bacharel em Direito pela UFF. Pós-Graduando em Criminologia, Direito e Processo Penal pela UCAM. Mestrando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Advogado Orientador do Núcleo de Prática Penal e de Direitos Humanos do Escritório Modelo da OAB-RJ. RESUMO O presente artigo examina a importância da manifestação da vontade política dos presos, no intento de aprofundar uma maior consolidação da democracia em nosso país. Nesse objetivo, o ensaio aborda a relevância da liberação do poder constituinte, associado a uma ampliação da participação no processo de decisão política, como forma de elevar à condição de cidadão, determinadas pessoas que se encontram fora da comunidade política. Nesta perspectiva, este estudo destaca as violações cometidas pela administração pública, no que concerne ao direito de voto dos presos provisórios, bem como evidencia determinados aspectos que motivariam uma condição política ativa dos internos do sistema penitenciário com condenação criminal em caráter definitivo. PALAVRAS CHAVE DIREITOS POLÍTICOS; PRESOS; PODER CONSTITUINTE; CIDADANIA; DEMOCRACIA. ABSTRACT

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  • A PRERROGATIVA DE SUFRGIO DOS PRESOS COMO RADICALIZAO DA VONTADE DEMOCRTICA

    Acreditar em vosso prprio pensamento, acreditar que aquilo que verdadeiro para vs, no fundo de vosso corao, verdadeiro para todos os homens isto o gnio. Exprimi vossa convico latente e ela ser a opinio universal; pois aquilo que mais ntimo torna-se, no seu devido tempo, o mais externo

    Ralph Waldo Emerson

    Carlos Eduardo Cunha Martins Silva

    Bacharel em Direito pela UFF. Ps-Graduando em Criminologia, Direito e Processo Penal pela UCAM. Mestrando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Advogado Orientador do Ncleo de Prtica Penal e de Direitos Humanos do Escritrio Modelo da OAB-RJ.

    RESUMO

    O presente artigo examina a importncia da manifestao da vontade poltica dos presos, no intento de aprofundar uma maior consolidao da democracia em nosso pas. Nesse objetivo, o ensaio aborda a relevncia da liberao do poder constituinte, associado a uma ampliao da participao no processo de deciso poltica, como forma de elevar condio de cidado,

    determinadas pessoas que se encontram fora da comunidade poltica. Nesta perspectiva, este estudo destaca as violaes cometidas pela administrao pblica, no que concerne ao direito

    de voto dos presos provisrios, bem como evidencia determinados aspectos que motivariam uma condio poltica ativa dos internos do sistema penitencirio com condenao criminal em carter definitivo.

    PALAVRAS CHAVE

    DIREITOS POLTICOS; PRESOS; PODER CONSTITUINTE; CIDADANIA; DEMOCRACIA.

    ABSTRACT

  • The present article examines the importance of the manifestation of the prisoners' political

    wish, in the project of deepening a larger consolidation of the democracy in our country. In that I aim at, the rehearsal approaches the relevance of the liberation of the constituent power, associate the an enlargement of the participation in the process of political decision, as form

    of elevating to citizen's condition, certain people that they are out of the political community. In this perspective, this study detaches the violations committed by the public administration,

    in what it concerns to the right of the temporary prisoners' vote, as well as it evidences certain aspects that would motivate a political condition activates of the interns of the penitentiary system with criminal condemnation in definitive character.

    KEYWORDS

    POLITICAL RIGHTS; PRISONERS; CONSTITUENT POWER; CITIZENSHIP; DEMOCRACY.

    Noes introdutrias

    Os internos do sistema prisional brasileiro, quer sejam os que esto presos provisoriamente ou os condenados em carter definitivo, no tm obtido a possibilidade de manifestar-se politicamente atravs do exerccio do direito de sufrgio, concretizado na

    prtica pelo voto.

    Observamos, na atualidade, que no tocante aos custodiados cautelares, apesar de inexistir qualquer proibio normativa a impedir-lhes a manifestao concreta da vontade poltica, os mesmos tm suas condies de cidadania sistematicamente desrespeitadas, sendo

    tais violaes correntemente justificadas atravs de malsinadas dificuldades operacionais alegadas por uma administrao pblica cada vez mais burocratizada.

    Por sua vez, os detentos com sentena criminal transitada em julgado, ainda que afetados pela proibio trazida pelo mandamento descrito no artigo 15, inciso III, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, em virtude de uma interpretao constitucional consentnea com os princpios fundamentais da cidadania e da dignidade da

    pessoa humana, indicadores do sentido da leitura do ordenamento jurdico ptrio, no podem ser privados de suas manifestaes eleitorais.

  • Por conseguinte, cabe invocar a relevante opinio de Dalmo Dallari, elevando a participao poltica a uma necessidade fundamental da natureza humana, indispensvel para impedir que alguns imponham uma ordem injusta, o que sempre acaba sendo prejudicial a todos1.

    Com isso, visualizamos que a construo de uma democracia efetiva no pode prescindir da opinio de quem queira e tenha a oportunidade de express-la, pois a

    manifestao do sujeito a nica que pode conduzir soma em lugar da diviso, representando um passo adiante na construo de um humanismo2.

    1. O poder constituinte da multido como paradigma de uma democracia plena

    O exerccio do poder constituinte deve ser o meio pelo qual a vontade democrtica,

    expressa intensamente nas questes sociais, se torna idnea a ingressar no sistema poltico. Nesse sentido, ele pode ser caracterizado como uma fora de ruptura que modifica, interrompe e desfaz todo o equilbrio anteriormente existente e toda continuidade possvel.

    Ao contrrio, identificado com o paradigma do equilbrio e da continuidade, visto ser

    uma doutrina jurdica que conhece apenas o passado, est o constitucionalismo que, no entender de Negri:

    define a ordem social e poltica como o conjunto articulado, seja de ordens sociais distintas, seja de poderes jurdicos e polticos distintos: o paradigma constitucionalista sempre o da constituio mista, da mediao da desigualdade e na desigualdade, portanto um paradigma no democrtico.3

    Assim sendo, o poder constituinte, compreendido ento como uma fora de ruptura e

    de expanso, conceito inexorvel pr-constituio da totalidade democrtica, entra em coliso de maneira direta, contundente e duradoura com o constitucionalismo, que a teoria e prtica do governo limitado pela lei e pelo controle jurisdicional dos atos administrativos.

    Nesse vis, vale destacar que no poder constituinte est contida a idia do passado no mais explicar o presente, da porque somente o futuro apto a faz-lo, motivo pelo qual o referido ato constitutivo se encontra numa constante dinmica de forma e reforma.

    Sobre os movimentos de forma e de reforma incessantes, eles significam que toda potncia, representada pelo ato constituinte de gerao de direitos, pode se tornar uma

  • potestas, um poder constitudo, sendo correto afirmar-se que o contrrio tambm pode acontecer, em razo das mudanas ocasionais que tendem a se observar nesse processo ao longo do tempo.

    Nessa seara, cabe revelar o desacerto da pretenso do constitucionalismo,

    compreendido como um poder constitudo, de regular juridicamente o poder constituinte, fracionando-o e bloqueando sua temporalidade constitutiva, desconstituindo-se a idia de que

    a constituio no seria um ato do povo, mas sim do governo. Pensando nestes marcos, se acredita na eficcia de um mecanismo interno do

    constitucionalismo, traduzido num sistema de freios e contrapesos (checks and balances), que objetiva ao controle recproco de diferentes autonomias, no intento de conspurcar uma compreenso radical da vontade democrtica, expressa pelo poder constituinte. emergncia do tema, cumpre enfatizar o correlato pensamento de Victor Nunes Leal:

    Assim, para que as reivindicaes populares pudessem eventualmente converter-se em lei vlida, exeqvel, seria preciso transpor um sem-nmero de obstculos. No poderia haver, portanto, um estado mais bem estruturado para servir aos intersses da burguesia naquela fase histrica do que o estado liberal, com poderes divididos, segundo o sistema de freios e contrapesos. MONTESQUIEU foi, sem dvida, o grande construtor do liberalismo poltico, porque le soube descrever essa forma de estado de maneira magistral. A est, portanto, explicado o verdadeiro sentido sociolgico da diviso de poderes. Era um sistema concebido menos para impedir as usurpaes do executivo do que para obstar as reivindicaes das massas populares (ainda em embrio, mas j carregadas de ameaa).4

    Noutro giro, vale ressaltar que a constituio do social surge da potncia fundamentada na ausncia, ou seja, motivada pelo desejo, que nutre constantemente seu movimento.

    A aludida potncia tem sua expansividade e produtividade ancorada num vazio de

    limitaes, numa clara ausncia de determinaes positivas, onde o poder constituinte encontra seu lugar.

    Esta fora constituinte, que surge ento daquela falta de determinaes, do turbilho do vazio, como uma necessidade totalmente aberta, conduz a potncia constitutiva ao no esgotamento no poder constitudo.

    Tomando como fundamento a questo de que a ausncia de pressupostos e a plenitude da potncia representam um conceito bem positivo de liberdade, verificamos que a onipotncia e a expansividade presentes no poder constituinte so inerentes a um contexto democrtico pleno.

  • Nessa toada, frise-se como componente indissocivel da democracia, a denominada multido, que, segundo Hardt e Negri, composta de um sistema biopoltico expansivo e inclusivo, onde toda a populao tende a tornar-se necessria, j que a sociedade global funciona conjuntamente, como um todo complexo e integrado5.

    Tal multido, a partir de sua perspectiva de se produzir no comum e de produzi-lo, tende a esvaziar a distino entre produo econmica e governo poltico, posto que ela

    competente a construir uma organizao poltica da sociedade, baseada na cooperao, na comunicao, nas formas de vida e nas relaes sociais.

    Pensando nessa perspectiva, observamos a democracia da multido como um procedimento absoluto da liberdade e do governo, hbil a manter aberto aquilo que o

    pensamento jurdico, atravs dos antigos postulados da soberania, notadamente defendidos na via do constitucionalismo, gostaria de enclausurar. Sobre o tema, pronunciam-se tambm

    Hardt e Negri:

    Uma forma de entender a democracia da multido, portanto, uma sociedade dos cdigos-fonte abertos, ou seja, uma sociedade cujo cdigo-fonte revelado, para que todos possam trabalhar em cooperao na soluo de seus problemas e na criao de novos e melhores programas sociais.6

    Nesse nterim, cumpre mencionar que na organizao da multido, o direito

    desobedincia e diferena ocupam um papel fundamental, pois no existe qualquer obrigao a priori em relao ao poder, visto que se trata de um conjunto difuso de singularidades que produzem uma vida comum.

    Com efeito, a idia de obrigao que pudesse estar situada neste mbito organizacional multitudinrio, s teria advento caso ocorresse um processo decisrio, em conseqncia da incontroversa vontade poltica ativa da multido, que, excluindo a soberania do campo

    poltico, seria capaz de governar a si prpria, decidindo o seu destino. propsito, no que tange ao plano de democracia da multido, ele se encontra

    necessariamente exposto tanto violncia quanto represso do poder soberano, o que lhe impe a paradoxal classificao como um projeto de resistncia.

    Todavia, devemos considerar que esta qualificao do projeto democrtico da multido se transforma ento num poder constituinte, apto a criar as relaes e as instituies sociais de uma nova sociedade.

    Impulsionada pela crescente produo do comum, a multido realiza trocas constantes

    com as singularidades como um todo, o que afeta determinantemente a ambas, ao passo que

  • isto implica na formao de uma espcie de motor constituinte, movido pelas redes de produo cooperativas originrias daqueles cmbios permanentes, propiciando-se desta forma o aparecimento de uma nova lgica institucional na sociedade.

    Consubstanciado nesta nova lgica institucional na sociedade, como um paradigma a

    ser alcanado na busca pela verdadeira democracia, Hardt e Negri observam:

    Um dos mais graves erros dos tericos polticos considerar o poder constituinte como um ato poltico puro separado do ser social existente, como mera criatividade irracional, o ponto obscuro de alguma expresso violenta do poder. Carl Schmitt, assim como todos os pensadores fascistas e reacionrios dos sculos XIX e XX, sempre tentou exorcizar o poder constituinte dessa maneira, com um calafrio de medo. Mas o poder constituinte algo completamente diferente. Ele uma deciso que emana do processo ontolgico e social do trabalho produtivo; uma forma institucional que desenvolve um contedo comum; uma manifestao de fora que defende a progresso histrica da emancipao e da libertao; , em suma, um ato de amor. As pessoas hoje em dia parecem incapazes de entender o amor como um conceito poltico, mas precisamente de um conceito de amor que precisamos para apreender o poder constituinte da multido. O moderno conceito de amor quase exclusivamente limitado ao casal burgus e ao espao claustrofbico da famlia nuclear. O amor tornou-se uma questo estritamente privada. Precisamos de uma concepo mais generosa e irrestrita de amor. Precisamos recuperar a concepo pblica e poltica de amor comum s tradies pr-modernas.7

    Preocupado com esta dimenso poltica do amor, propicia a forjar as novas bases de uma humanidade voltada para a constituio do comum, que no mutile as singularidades dos sujeitos que a integram, Plastino afirma:

    precisamente porque se insere em um coletivo que o acolhe, que o sujeito se produz em sua diferena e singularidade. O conceito de indivduo muito pobre para pensar a complexidade desse riqussimo processo, podendo ser substitudo com vantagem pelo conceito de sujeito pensado na sua singularidade. Ao produzir-se na sua singularidade, o sujeito emerge do coletivo, dele se diferenciando, ao mesmo tempo em que tem nele seu ambiente vital, condio imprescindvel para sua emergncia. Nesta perspectiva, a afirmao da diferena e da singularidade convive articuladamente com a insero e o pertencimento, ultrapassando o artificialismo que consiste em pensar um sujeito como um indivduo que precede o social e nele se insere num segundo momento.8

    Ademais, invocando-se a importncia poltica do amor, no que toca necessidade de se constituir com o outro numa relao fundamentada na premissa da alteridade, justificada mediante os postulados da piedade, Rousseau caminha no rumo contrrio de sua poca ao afirmar que:

  • certo que a piedade um sentimento natural que, moderando em cada indivduo a atividade do amor de si mesmo, concorre para a conservao mtua de toda a espcie. ela que nos leva a socorrer, sem refletir, aqueles que vemos sofrer; (...) ela que, em vez desta mxima sublime da justia ponderada: Faze ao prximo o que queres que te faam, inspira a todos os homens esta outra mxima de bondade natural, bem menos perfeita, porm talvez mais til do que a precedente: Alcana teu bem com o menor mal possvel para o prximo. , em suma, nesse sentimento natural, mais do que nos argumentos sutis, que se deve procurar a causa da repugnncia que todo homem experimentaria ao fazer o mal, mesmo independentemente das mximas da educao. Conquanto possa pertencer a Scrates e aos espritos de sua tmpera adquirir a virtude pela razo, h muito tempo o gnero humano j no existiria, se sua conservao s dependesse dos raciocnios daqueles que o compem.9

    Pelo exposto, vislumbramos que uma vertente mais radical da democracia, tendo como base a multido, necessita de uma construo permanente do comum, estimuladora da participao de todos, agregando-se assim as diferentes singularidades, com o escopo de

    fomentar uma nova organizao da vida social, que rompa com a questo disciplinar e com os mecanismos de controle presentes na sociedade atual.

    Particularizando esses postulados, quanto mais cidados ativos observssemos, maiores seriam as possibilidades de que as instituies democrticas estivessem em afinidade

    com as redes comunicativas e colaborativas que produzem e reproduzem a vida social, podendo chegar-se assim, quem sabe, ao patamar de se estabelecer a construo de um direito comum, para alm da dicotomia entre direito pblico e privado, que simplesmente representam formas diversas de gesto do capital coletivo.

    Quando se fala no mencionado direito comum, quer se enfatizar a possibilidade de abertura e recomposio do espao de ao das foras singulares da multido, na forma de

    uma subjetividade poltica10.

    2. A importncia da ampliao da participao poltica para o alargamento da cidadania

    De incio, cabe ressaltar a consagrao de uma ampliada participao poltica na Declarao Universal de Direitos Humanos que, em seu artigo 21, 1, preceitua a prerrogativa de que toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direo dos negcios, pblicos do seu pas, quer diretamente, quer por intermdio de representantes livremente escolhidos.

    Ato contnuo, destaque-se em nvel regional a Conveno Americana sobre Direitos

    Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), adotada e aberta assinatura na conferncia

  • especializada interamericana de 22 de novembro de 1969, internalizada no ordenamento jurdico ptrio pelo Decreto n 678/92, que, no seu artigo 23, 1, a, ao tratar dos direitos polticos, faculta a todos os cidados, o gozo do direito de participar da direo dos assuntos pblicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos.

    Em sentido contrrio ao regulamento internacional e regional em matria de direitos humanos, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 15, inciso III, ostenta um reprovvel dispositivo, atentatrio cidadania, que a suspenso dos direitos polticos dos condenados por sentena penal condenatria transitada em julgado, enquanto durarem os efeitos da condenao criminal11.

    Ora, no se pode sustentar numa constituio, que se pretenda ser cidad, a existncia

    de um dispositivo constitucional que venha a suprimir a capacidade de sufrgio dos condenados criminalmente com sentena passada em julgado, enquanto estiverem sofrendo os efeitos desta condenao, porque isto inferiorizar a cidadania deles perante todos os outros cidados, o que acarreta um claro vcio de inconstitucionalidade material da norma supressora daquela prerrogativa dos apenados.

    Nesse diapaso, deve-se enfatizar que a cidadania princpio fundamental do Estado brasileiro (artigo 1, inciso III, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988), pronta a orientar a interpretao dos dispositivos constitucionais, em virtude de sua normatividade. Acerca deste conceito, Lus Roberto Barroso advoga que os princpios no so como as regras, comandos imediatamente descritos de condutas especficas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam finalidades pblicas a serem realizadas por

    diferentes meios12. Levando-se isto em considerao, a importncia do sufrgio dos presos se

    reconheceria no poder que lhes fosse dado para participarem na gerncia da vida pblica. Tomando essa incumbncia para si, talvez encontrariam um modo de serem ouvidos e representados socialmente, j que, na atualidade, os internos do sistema prisional, muitas das vezes encontram na rebelio seu nico meio de expresso. A respeito desta forma especfica

    de se obter visibilidade por parte dos detentos, bem se coloca Heleno Fragoso:

    As rebelies so fato comum nas prises. Elas se devem ao ambiente anormal, autoritrio e opressivo, e ocorrem por toda a parte, periodicamente. A comisso que investigou a rebelio de Attica concluiu que uma das causas estava na falta de caminhos no violentos para que os internos pudessem expressar as suas queixas acumuladas.13

  • Sob um enfoque democrtico, estratgica a importncia da manifestao da opinio poltica dos presos, que encontrariam na participao eleitoral, a legitimidade necessria para intervirem em todas as fases do ciclo do poder, asseguradas, desta sorte, as suas opes e escolhas dentro do processo. Corroborando tal premissa, Michelangelo Bovero assegura que:

    qualquer um que esteja submetido s decises coletivas tem (ou melhor, deveria ter) o direito de participar do processo de formao dessas mesmas decises. Isto significa que os direitos de cidadania poltica, os direitos de participao no processo decisrio poltico, devem ser considerados direitos da pessoa, ou seja, cabem (deveria caber) a qualquer um como pessoa, uma vez que a pessoa est submetida quelas decises polticas: e no h qualquer razo vlida para excluir qualquer um daqueles que estejam (de modo estvel) submetidos a uma ordenao normativa do direito de participar na formao desta mesma ordenao.14

    Contudo, h que se mencionar os bices existentes no mbito de formao da

    manifestao da vontade poltica no processo eleitoral, em conseqncia da forte influncia do poder econmico, bem como das foras polticas dominantes. Isto culmina, evidentemente,

    na reduo do campo da cidadania e impulsiona uma indispensvel reviso de todo aquele procedimento.

    Ciente da influncia negativa das questes econmicas nos rumos da efetiva participao na vida poltica no Estado, Guillermo O Donnell descreve que o capitalismo

    deve engendrar a figura do sujeito livre e igual ante ao direito, ao contrato e moeda, sem o que no poderia existir a ao seminal de compra e venda da fora de trabalho e a apropriao

    do valor. No seu entendimento, ele frisa que esta liberdade efetiva (na esfera abstrata que se

    encontra posta) e ilusria (em relao posio das classes sociais) dos sujeitos se aplicaria igualmente cidadania, onde os esforos para limitar a participao na comunidade poltica

    aos proprietrios so bastante considerveis, j que quem deve aparecer abstratamente igual para contratar tende a surgir na mesma condio no intento de constituir o poder poltico.

    Com isso, o poder se voltaria reproduo da sociedade e da dominao de classe que a articula15.

    Nesse mbito, cabe destacar a defesa de Benjamin Constant a respeito da articulao do poder voltada reproduo social e a dominao de classe, baseada numa enganosa idia de unidade, expressada numa concepo flagrantemente demofbica e contramajoritria:

    O povo dizem absolutamente incapaz de indicar para os diversos postos do governo os homens que so mais convenientes pelo seu carter e talento. O povo

  • no deve acolher, imediatamente. Os colgios eleitorais devem se formar no pela base, mas pelo pncaro da sociedade. (...) Deste modo, os eleitores tero sempre o maior interesse na manuteno da ordem e da liberdade pblica, na estabilidade das instituies e no progresso das idias, na solidez dos bons princpios e no aperfeioamento gradual das leis e da administrao. (...) Quando um povo numeroso e disseminado num vasto territrio escolhe seus mandatrios principais sem intermedirios, essa operao o obriga inevitavelmente a dividir-se em sees entre si distantes e que no lhe permitem nem a comunicao nem os acordos recprocos. Decorre disso uma seleo fragmentria. Tem que se buscar a unidade das eleies na unidade do poder eleitoral.16

    Nesse contexto, cumpre igualmente destacar as preocupaes demofbicas e contramajoritrias de James Madison, semelhantes s anteriormente apontadas, oriundas da concepo de Benjamin Constant:

    de grande importncia numa repblica no apenas proteger a sociedade contra a opresso de seus governantes, mas proteger uma parte da sociedade contra a injustia da outra. Existem necessariamente diferentes interesses em diferentes classes de cidados. Se uma maioria estiver unida por um interesse comum, os direitos da minoria ficaro ameaados.17

    De outro modo, Friedrich Mller aborda esta noo de limitao da comunidade poltica como tcnica de reduo da cidadania, a partir de sua idia sobre a marginalizao como subintegrao, explicada pela discriminao parcial de parcelas significativas da populao, que, apesar de verem asseguradas apenas a sua presena fsica num determinado territrio, so tendencial e difusamente excludas dos sistemas prestacionais (econmicos, jurdicos, polticos, mdicos, de treinamento e educao, entre outros)18.

    O autor alemo ainda menciona que os grupos populacionais excludos podem ser

    tratados conforme o direito ou no-direito, dependendo de seu comportamento ou de acordo com as situaes e as chances que se apresentarem para eles. Na prtica se retira deles a dignidade humana, conseqentemente, a prpria qualidade de seres humanos, consoante se verifica atravs da atuao dos aparelhos de represso estatal que, corriqueiramente, violam

    os direitos fundamentais e outras garantias jurdicas dos subintegrados19. Na mesma linha de raciocnio, Marcelo Neves enxerga que nos Estados componentes

    da modernidade perifrica, no lugar da legitimao por procedimentos democrticos, em torno dos quais se sustentaria um suposto espao pblico pluralista, h uma tendncia privatizao do Estado, o que, em larga medida, contribui para torn-lo cenrio de interesses particulares conflitantes, os quais buscam se impor margem dos procedimentos constitucionais,

  • maculando-se, desta forma, a concretizao constitucional dos direitos humanos e da soberania do povo20.

    E o terico vai mais alm, seguindo a trajetria do pensamento de Friedrich Mller, ao expor como um dos obstculos da realizao do Estado Democrtico de Direito nos pases da

    modernidade perifrica, notadamente no Brasil, a generalizao das relaes de subintegrao que impedem a incluso dos subintegrados nos sistemas sociais, marcadamente no sistema

    jurdico, no sentido da ausncia de direitos e deveres a serem partilhados reciprocamente por eles, o que significa a inexistncia da cidadania como um mecanismo de integrao jurdico-poltica igualitria da populao na sociedade21.

    Entretanto, o objetivo de maximizao da cidadania guarda consonncia com a luta pela igualdade de todos, no que tange sua qualidade de seres humanos, dignidade humana, aos direitos fundamentais e s demais garantias de proteo legalmente vigentes, sem que se

    permita que as ligeiras diferenas de nacionalidade, os direitos eleitorais passivos e ativos ou a faixa etria atrapalhem este embate.

    Noutras palavras, na batalha contra a excluso, uma democracia constitucional no pode justificar-se apenas perante o povo ativo nem diante dele enquanto instncia de atribuio, mas deve indispensavelmente poder fazer isso tambm frente ao demos, na condio de destinatrio de todas as prestaes afianadas que a respectiva cultura da constituio invoca. Nesta medida, a superestrutura, constituda do binmio, superintegrao/subintegrao (incluso/excluso), deslegitima ento uma sociedade formada no apenas no mbito do Estado de Direito, mas j a partir de seu sustentculo democrtico22.

    Outrossim, enfoque-se a importante lio de Heller, que coloca a constituio de um Estado no como processo mas produto, no como atividade mas forma desta atividade, em

    sntese, ela seria uma forma aberta por onde passa a vida, vida em forma e forma nascida da vida23.

    Por tudo o quanto se exps neste tpico, somos levados a concluso de que a ampliao da esfera de atores polticos importante para a construo de uma via democrtica

    efetiva, no cabendo ao texto constitucional expressar regramentos que venham discriminar alguns sujeitos, subtraindo-lhes a sua condio de cidados.

    3. O desrespeito do direito de sufrgio dos presos cautelares

  • Preliminarmente, deve-se observar que o sufrgio um direito inquestionvel do cidado. Desta feita, sendo cada sujeito componente da coletividade poltica, cada um seria titular de parte ou frao da soberania. Neste caso, a aludida prerrogativa inerente cidadania se apresentaria como o ato de expresso da livre vontade dos participantes de um colgio

    eleitoral.

    Materializado mediante a forma do voto, que transportaria a vontade popular para o

    plano prtico, o direito de sufrgio, teoricamente universal no ordenamento jurdico ptrio, por fora da norma constitucional inscrita no artigo 14, caput, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, no o de fato, visto que existem algumas restries que impossibilitam essa universalidade.

    Tais restries, a teor do que entende Valda Mendona, devem ser aceitas dentro do princpio da universalidade do sufrgio, por razes de ordem eminentemente tcnicas e no

    discriminatrias, que, porventura, advm de condies de nascimento, fortuna ou de capacidade especial24.

    Contraditoriamente ao fundamento trazido pela autora, de maneira peridica, uma gama de pessoas no Brasil deixam de exercer a sua cidadania poltica a cada pleito eleitoral, em decorrncia de uma simples condio, qual seja, a de serem presos cautelares, ou melhor, detentos com custodia cautelar decretada e, portanto, sem condenao criminal transitada em julgado, militando em seu favor a presuno de inocncia (artigo 5, inciso LVII, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988).

    Neste panorama, verifique-se que aparentemente no existe nenhuma escusa de ordem

    tcnica a impedir uma condio ativa da cidadania dos presos provisrios, mormente se levarmos em considerao o preceito do artigo 15, inciso III, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Porm, os entraves burocrticos da administrao pblica penitenciria acabam por dificultar a livre expresso da vontade poltica destes detentos.

    A Associao pela Reforma Prisional (ARP), entidade da sociedade civil responsvel pelo acompanhamento da implementao de leis, decises judiciais e administrativas sobre direitos dos presos e condies carcerrias, chegou a catalogar que em 16 (dezesseis) estados brasileiros os presos provisrios tinham os seus direitos polticos ignorados25.

    Impende-se ressaltar que a gravidade desta vertiginosa excluso poltica dos detentos provisrios, guarda ntima ligao com os designos autoritrios, transformadores da segregao cautelar numa verdadeira priso-pena, o que se v muito em funo da lacuna semntica observada nos fundamentos de decretao da custdia preventiva, insculpidos no

    artigo 312 do Cdigo de Processo Penal brasileiro.

  • Num sentido contrrio a estes apelos autoritrios, caracterizadores da priso cautelar como uma espcie de antecipao da pena, est o importante precedente do Supremo Tribunal Federal, da relatoria do Ministro Celso de Mello, no sentido de reforar a garantia da presuno de inocncia ao acusado, tomando-se como postulado a fundao do sistema

    jurdico brasileiro em bases democrticas:

    HABEAS CORPUS - CRIME HEDIONDO - ALEGADA OCORRNCIA DE CLAMOR PBLICO - TEMOR DE FUGA DO RU - DECRETAO DE PRISO PREVENTIVA - RAZES DE NECESSIDADE INOCORRENTES - INADMISSIBILIDADE DA PRIVAO CAUTELAR DA LIBERDADE - PEDIDO DEFERIDO. A PRISO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privao cautelar da liberdade individual reveste-se de carter excepcional, somente devendo ser decretada em situaes de absoluta necessidade. A priso preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurdico, impe - alm da satisfao dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existncia material do crime e indcio suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base emprica idnea, razes justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinria medida cautelar de privao da liberdade do indiciado ou do ru. A PRISO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RU. - A priso preventiva no pode - e no deve - ser utilizada, pelo Poder Pblico, como instrumento de punio antecipada daquele a quem se imputou a prtica do delito, pois, no sistema jurdico brasileiro, fundado em bases democrticas, prevalece o princpio da liberdade, incompatvel com punies sem processo e inconcilivel com condenaes sem defesa prvia. A priso preventiva - que no deve ser confundida com a priso penal - no objetiva infligir punio quele que sofre a sua decretao, mas destina-se, considerada a funo cautelar que lhe inerente, a atuar em benefcio da atividade estatal desenvolvida no processo penal. O CLAMOR PBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAO DA PRIVAO CAUTELAR DA LIBERDADE. - O estado de comoo social e de eventual indignao popular, motivado pela repercusso da prtica da infrao penal, no pode justificar, s por si, a decretao da priso cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilao do postulado fundamental da liberdade. O clamor pblico - precisamente por no constituir causa legal de justificao da priso processual (CPP, art. 312) - no se qualifica como fator de legitimao da privao cautelar da liberdade do indiciado ou do ru, no sendo lcito pretender-se, nessa matria, por incabvel, a aplicao analgica do que se contm no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiana criminal. Precedentes. - A acusao penal por crime hediondo no justifica, s por si, a privao cautelar da liberdade do indiciado ou do ru. A PRESERVAO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIES E DA ORDEM PBLICA NO CONSUBSTANCIA, S POR SI, CIRCUNSTNCIA AUTORIZADORA DA PRISO CAUTELAR. - No se reveste de idoneidade jurdica, para efeito de justificao do ato excepcional de privao cautelar da liberdade individual, a alegao de que o ru, por dispor de privilegiada condio econmico-financeira, deveria ser mantido na priso, em nome da credibilidade das instituies e da preservao da ordem pblica. ABANDONO DO DISTRITO DA CULPA PARA EVITAR SITUAO DE FLAGRNCIA - DESCABIMENTO DA PRISO PREVENTIVA. - No cabe priso preventiva pelo s fato de o agente - movido pelo impulso natural da liberdade - ausentar-se do distrito da culpa, em ordem a evitar, com esse gesto, a caracterizao da situao de flagrncia. AUSNCIA DE DEMONSTRAO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISO

  • PREVENTIVA DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situao de real necessidade, no se legitima a privao cautelar da liberdade individual do indiciado ou do ru. Ausentes razes de necessidade, revela-se incabvel, ante a sua excepcionalidade, a decretao ou a subsistncia da priso preventiva. DISCURSOS DE CARTER AUTORITRIO NO PODEM JAMAIS SUBJUGAR O PRINCPIO DA LIBERDADE. - A prerrogativa jurdica da liberdade - que possui extrao constitucional (CF, art. 5, LXI e LXV) - no pode ser ofendida por interpretaes doutrinrias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de contedo autoritrio, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituio da Repblica, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prtica de crime hediondo, e at que sobrevenha sentena penal condenatria irrecorrvel, no se revela possvel - por efeito de insupervel vedao constitucional (CF, art. 5, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. Ningum pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilcito penal cuja prtica lhe tenha sido atribuda, sem que exista, a esse respeito, deciso judicial condenatria transitada em julgado. O princpio constitucional da no-culpabilidade, em nosso sistema jurdico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Pblico de agir e de se comportar, em relao ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao ru, como se estes j houvessem sido condenados definitivamente por sentena do Poder Judicirio.26 [grifos nossos]

    Diante disso, a assimilao de um processo penal democrtico em nosso sistema jurdico, perpassa pela preservao de todas as garantias individuais do acusado, o que ser capaz de evidenciar uma condio maior de desenvolvimento de sua cidadania, pois atravs deste caminho ele ganhar a visibilidade do poder pblico, a partir da perspectiva de sua constituio como um sujeito dotado de direitos.

    Noutra vertente, frise-se, na atualidade, a existncia de uma rede nacional de apoio e

    defesa ao voto dos presos condenados e provisrios, capitaneada pela Associao Juzes para a Democracia (AJD), e subscrita por diversas entidades da sociedade civil27, cujo interesse colocar no centro de seus debates, as questes necessrias efetivao da cidadania poltica dos apenados.

    Nesse propsito, destaque-se a valorosa iniciativa de sediar a 179 Seo da 27 Zona Eleitoral, no primeiro turno das eleies municipais de 2008, da 52 Delegacia de Polcia (Nova Iguau), sendo a primeira unidade prisional a considerar os direitos polticos dos detentos provisrios no territrio fluminense. Sobre o assunto, vale citar alguns pontos

    relevantes da matria de Joo Paulo Gondim para o veculo de comunicao Fazendo Mdia:

    A votao na unidade prisional, notabilizada por promover atividades cidads com seus presos, como cursos de alfabetizao e cineclubes, s ocorreu aps intensas cobranas de entidades envolvidas na luta pelos direitos humanos no estado do Rio de Janeiro como a Associao dos Juzes para a Democracia (AJD), a Associao para a Reforma Prisional (ARP), o Instituto Carioca de Criminologia (ICC), o Tortura Nunca Mais/RJ, a Comisso de Direitos Humanos da OAB-RJ, a Pastoral Carcerria, o Justia Global e o Conselho da Comunidade e Pastoral Metodista.

  • Alm disso, os 200 (duzentos) presos da 52 Delegacia de Polcia enviaram um abaixo-assinado ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), solicitando o cumprimento da garantia constitucional. Aps uma srie de reivindicaes, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro emitiu, em maio, 102 ttulos aos custodiados. Entretanto, foram cassados, at as eleies de 2008, os direitos polticos de quatro detentos, com sentena transitada em julgado.Durante o perodo eleitoral, candidatos a vereador fizeram campanha na carceragem. Nenhum postulante prefeitura apareceu. Alguns juzes da comarca de Nova Iguau tambm passaram pela carceragem: Wanderley de Carvalho Rego, presidente da Justia Eleitoral, Joo Batista Damasceno, titular da 7 Vara Cvel, e Francisco Mariano de Brito, da Vara de Infncia, Juventude e do Idoso, que fez questo de aconselhar os presos que no deixassem de votar, pois os problemas carcerrios sero resolvidos apenas com presso poltica. Afinados no discurso, os visitantes das eleies na 52 DP destacaram o alto valor da cidadania dos detentos e lamentaram que um evento de tal importncia ocorresse to tardiamente e em apenas uma localidade do estado. A tranqilidade na qual a eleio transcorreu foi elogiada por unanimidade. Alvoroo, s o da animao causada pelo show dos funkeiros, aps o ltimo voto. Felizes, os detentos cantaram as msicas em unssono, tendo nas mos copos plsticos com refrigerante e um dos duzentos salgadinhos comprados para celebrar o evento. A assessoria de imprensa do TRE-RJ justificou a mora constitucional de 20 (vinte) anos sem facultar o voto aos presos provisrios sob a alegao de que as votaes na cadeia seriam de difcil execuo, pois presos liberados e transferidos no voltariam para seus domiclios eleitorais (as delegacias) e tambm por questes de segurana, inclusive dos prprios mesrios das eleies. Delegado titular da 52 DP, Orlando Zaccone, no se furtou de contestar os argumentos do TRE-RJ, Isso no tem fundamento. Em relao segurana, no existe lugar mais seguro do que o prprio local em que a pessoa est custodiada. Haveria problema de segurana se ns tivssemos que transportar o preso da carceragem para um local fora. Mas no isso que est sendo proposto. E o argumento da segurana dos funcionrios cai por terra porque os prprios agentes de segurana podem ser treinados para desempenhar funes de presidente, vice-presidente, mesrio, secretrio, afirmou o delegado. Ele ainda acrescentou que no h crime eleitoral na cadeia, como boca-de-urna. Ainda sobre os supostos problemas do voto dos presos provisrios, Zaccone continua a rebat-los, Vimos que o preso domiciliado aqui que recebeu o alvar de soltura pode retornar pra c s pra votar. E tem outro aspecto: ns podemos garantir aos presos que no conseguiram, por algum motivo, tirar o ttulo eleitoral nessa seo justificar, perante a Justia Eleitoral, o seu voto, o que tambm ocorreu. Sobre o preso transferido para outra delegacia, ele pode ser transferido para a custdia onde ele tem o ttulo, dois dias antes da eleio. Por exemplo, se eu tiver algum preso que tirou o ttulo nesta sesso mas que foi transferido para outra unidade, eu posso muito bem transferi-lo dois, trs dias antes para ele ficar aqui somente no perodo eleitoral e poder votar. A questo toda a seguinte: saber se h interesse poltico em fazer valer esse direito ou no. A discusso no campo da poltica. Tudo o que se coloca de contra-argumento so argumentos polticos que muitas vezes visam retirar o direito do preso provisrio de votar, fulminou Zaccone. De acordo com o delegado, o governo j acenou que a partir das eleies de 2010 todos os TREs do Brasil sero obrigados a criarem sees eleitorais nas unidades que abrigam presos provisrios.28

    O exemplo positivo do estado do Rio de Janeiro, que viabilizou o direito de sufrgio dos presos preventivos na 52 Delegacia de Polcia, s pde se concretizar na prtica, graas aos precedentes consolidados pelas diversas resolues proferidas no Tribunal Superior

  • Eleitoral29, autorizando o voto dos detentos provisrios, na forma do artigo 136, caput, da Lei n 4.737/65 (Cdigo Eleitoral).

    Acresa-se isto, a preciosa contribuio do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria, ao editar a Resoluo n 14/94, fixadora de regras mnimas para o tratamento do preso no Brasil. Em seu artigo 63, o referido regulamento estabelece que so assegurados os direitos polticos ao detento que no est sujeito aos efeitos da condenao criminal com trnsito em julgado.

    A seu turno, clame-se ainda a constituio de um verdadeiro absurdo, na hiptese de que numa populao carcerria de 7.259 presos provisrios em todo o estado do Rio de Janeiro 30, s encontrarmos aproximadamente cerca de uma centena de custodiados aptos ao

    exerccio de seus direitos polticos. Isto nos conduz certeza de que o ato de negar a possibilidade da livre expresso

    poltica torna invisvel o interno do sistema prisional, constituindo-se tal ao como um fato proposital, de carter discriminatrio, feito no interesse de uma administrao pblica incapaz de fomentar polticas pblicas inclusivas e forosamente crdula na funo da pena como forma de reinsero social do condenado.

    Desmitificando de maneira categrica esta crena no sistema penitencirio como meio de incluso social dos detentos, esto os dizeres de Augusto Thompson, explicitando que reformar criminosos pela priso traduz uma falcia e o aumento de recursos, destinados ao sistema prisional, seja razovel, mdio, grande ou imenso, no vai modificar a verdade da assertiva31.

    Do mesmo modo, Wacquant critica a penitenciria ao pontuar que o funcionamento interno dos estabelecimentos penais cada vez mais dominado pela austeridade e segurana,

    com o objetivo de reinsero social do infrator, reduzindo-se a mero slogan de marketing burocrtico32.

    Por fim, a falncia da penitenciria abre caminho para o que Deleuze apresenta como os novos meios de controle alternativos ao confinamento disciplinar do presdio, os quais

    constituem exemplos, as penas substitutivas e o monitoramento de condenados criminais por coleiras eletrnicas33, tambm pouco contributivos reintegrao e cidadania dos infratores

    da lei penal.

    4. A possibilidade de expresso da vontade poltica dos condenados em sentena criminal transitada em julgado

  • As conseqncias da imposio de uma pena de priso so extremamente pesadas a quem destinatrio dela. Desde os vilipndios dos direitos mais caros condio humana, passando pela estigmatizao do crcere e atingindo o pice com a perda da condio de

    cidado, o apenado paga um preo muito alto pela violao da norma penal. Adotando essa trajetria de raciocnio, Luigi Ferrajoli entende o crcere como uma

    instituio ao mesmo tempo no liberal, desigual, atpica, ao menos em parte extralegal e extrajudicial, lesiva dignidade da pessoa, penosa e inutilmente aflitiva. Oriundo do projeto iluminista de mitigao e da racionalidade das penas, guiado atravs do princpio da proporcionalidade34, no parece mais idneo, porque no pertinente ou necessrio a satisfazer

    a nenhuma das duas razes que, de plano, justificariam a sano criminal, quais sejam, a preveno do delito, dado o carter crimingeno do crcere, destinado a sempre funcionar

    como escola de delinqncia, alm de recrutamento da criminalidade organizada, e a preveno da vingana privada e da punio informal, satisfeita, na atual sociedade da mdia, muito mais pela publicidade do processo e pelo carter simblico e estigmatizante da condenao35.

    Dissertando sobre a clientela do sistema prisional, Alessandro Baratta enfoca a questo sob um ponto de vista macrossociolgico, no intento de explicar os critrios que permeiam a seleo da populao criminosa:

    se partimos de um ponto de vista mais geral, e observarmos a seleo da populao criminosa dentro da perspectiva macrossociolgica da interao e das relaes de poder entre os grupos sociais, reencontramos, por detrs do fenmeno, os mesmos mecanismos de interao, de antagonismo e de poder que do conta, em uma dada estrutura social, da desigual distribuio de bens e de oportunidades entre os indivduos. S partindo deste ponto de vista pode-se reconhecer o verdadeiro significado do fato de que a populao carcerria, (...) em sua em enorme maioria, seja recrutada entre a classe operria e as classes economicamente mais dbeis. Realmente, s do interior desta perspectiva tal significado pode subtrair-se ao libi terico que, ainda em nossos dias, generosamente oferecido pelas interpretaes patolgicas da criminalidade.36

    Aquiescendo com o carter classista do direito penal acima exposto, Pachukanis enfatiza as distores da realidade expressas no sentido de sua prtica no interior do Estado de

    classe:

    As teorias do Direito Penal, das quais se deduzem os princpios da poltica penal dos interesses da sociedade no seu conjunto, constituem deformaes, conscientes ou no, da realidade. A Sociedade no seu conjunto existe apenas na imaginao

  • dos juristas; de fato, existem somente classes que tm interesses opostos, contraditrios. Todo sistema histrico de poltica penal traz as marcas dos interesses da classe que o realizou. O senhor feudal mandava executar os camponeses revoltosos e os moradores da cidade que se opunham ao seu domnio. As cidades aliadas enforcavam os cavaleiros salteadores e destruam os seus castelos. Na Idade Mdia, todo o indivduo que quisesse exercer um ofcio sem ser membro da corporao era tido como um violador da lei; a burguesia capitalista, ainda em fase de nascimento, declarou delituosos os esforos dos operrios para se agruparem em associaes.37

    Em linhas gerais, os presos no tm as mnimas condies de dilogo com a sociedade que os produziu, os encarcerou e os esqueceu, j que poucas pessoas se aventuram a conhecer a difcil realidade das unidades prisionais em nosso pas. Estas penitencirias, que costumam se assemelhar s masmorras medievais, dada a situao de insalubridade e de segregao que apresentam, propiciam uma situao de maus tratos, de doenas, de fome e de abandono aos

    apenados, que vem escoar sua condio humana nas cadeias cada vez mais superlotadas. Ao ensejo, partindo de uma genealogia baseada na correlao entre o macro-poder

    constitudo pelo aparelho de Estado e os micro-poderes difundidos no seio social, Foucault teoriza o desenvolvimento dos grandes aparelhos estatais, como instituies de poder asseguradoras da manuteno das relaes de produo e desenvolvimento do capitalismo com enfoque na produtividade.

    Paralelamente, o terico francs descreve um poder sobre a vida, conhecido como biopoder, espcie de anatomia poltica surgida no sculo XVIII, que se configuraria atravs de tcnicas centradas no corpo humano individual, objetivando sua melhor distribuio no espao e um maior aproveitamento de suas foras (em termos utilitrios). O conjunto destas prticas, presentes em todos os nveis da sociedade, propiciaria o surgimento das disciplinas,

    que se conformariam em instituies de confinamento ou de seqestro dos indivduos, como a famlia, a escola, a fbrica, o hospital, o manicmio, o presdio, entre outras38.

    Tomando por base a instituio disciplinar do presdio de Foucault, observamos que ela capaz de moldar as subjetividades dos detentos, estigmatizando-os permanentemente como refugos ou estorvos sociais. Alm do mais, a mesma investe numa poltica coercitiva de trabalho sobre os corpos dos apenados, esquadrinhando-os, desarticulando-os e recompondo-

    os, o que se apresenta como uma gesto calculada de suas vidas, angariando-se assim a sujeio de seus corpos dceis e a ciso destes, da potncia que suas aptides naturais os poderiam conduzir39.

    No bastasse toda essa situao de desprezo, invisibilidade social e de submisso ao poder disciplinar, os presos ainda tm de suportar o fato de sequer poderem defender seus

  • ideais e interesses, principalmente aqueles que mais afetam a sua vida diretamente, como a questo da regulamentao da remunerao do trabalho exercido por eles na penitenciria40 e a participao dos mesmos na administrao dos recursos do Fundo Penitencirio Nacional (FUPEN), visto que so impossibilitados constitucionalmente de exercitarem sua opinio poltica, enquanto estiverem cumprindo pena.

    Proibindo-os assim de votar, confrontamos um dispositivo constitucional presente no

    captulo dos direitos polticos (suspenso das prerrogativas polticas) e outro descrito na base de apoio do Estado Democrtico de Direito brasileiro (cidadania), devendo-se resolver o conflito entre os dispositivos da constituio, optando-se pela utilizao da tcnica da ponderao de valores constitucionais, priorizando-se a escolha pelo valor mais adequado

    vontade constitucional41. Neste caso, a opo valorativa deve-se ater qualidade de cidado do apenado, posto que ela se caracteriza como um dos pilares informativos de todo o nosso

    ordenamento jurdico. No obstante, alm de ofender o ncleo material da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 1988, conforme anteriormente pontuamos, a suspenso dos direitos polticos dos condenados suscita uma aporia em parte da doutrina, quanto necessidade de constar expressamente da sentena penal condenatria a determinao da subtrao daquelas prerrogativas.

    Na inteleco de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins o que importante notar que nessa hiptese a suspenso dever constar expressamente da sentena, enquanto a perda momentnea deflui da prpria sentena transitada em julgado, ainda que omisso o decisrio judicial a respeito42.

    Em sintonia com os movimentos de vanguarda, advindos do Poder Judicirio do Rio

    Grande do Sul, coloca-se o posicionamento do juiz gacho Eugnio Couto Terra, entendendo que, ao sentenciar, o magistrado tem de levar em conta o artigo 92 do Cdigo Penal Brasileiro, ou seja, que esta suspenso de direitos polticos no seria automtica, mas sim um efeito da condenao que o juiz tem de, motivadamente, declarar na sentena. Outro exemplo disso, residiu no processo 0012.05.0014008-2, da 6 Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre, que obteve enorme repercusso, motivando os advogados e defensores a recorrerem de

    sentena contendo suspenso de direitos polticos. Tais paradigmas chamaram a ateno para a importncia de no se excluir do processo eleitoral uma quantidade to grande de pessoas, mas se buscar um verdadeiro sufrgio universal. Com isso, poder ganhar fora um novo entendimento a respeito do direito de voto da populao carcerria43.

  • Atento s presses realizadas pelas diversas entidades da sociedade civil que compem a rede nacional de apoio e defesa ao voto dos presos condenados e provisrios, o Congresso Nacional, mediante Proposta de Emenda Constituio n 65/2003, de autoria do senador Pedro Simon, finalmente trouxe baila o debate sobre a possibilidade de voto dos

    condenados criminais com sentena transitada em julgado. A idia chave da proposta de emenda seria situar os condenados juntamente com

    analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e os menores de dezoito, na condio de beneficirios do voto facultativo, incluindo-os na relao dos inelegveis, ao lado dos inalistveis e dos analfabetos. Desta feita, o artigo 14, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, ganharia um pequeno acrscimo num de seus pargrafos, enquanto que o artigo 15, inciso III, do mesmo diploma legal, seria revogado.

    Justificando a sua proposta legislativa, o autor da medida esclarece que a cassao dos

    direitos polticos dos condenados no pode ser compreendida como uma pena adicional privao da liberdade, mas como uma decorrncia das limitaes que a pena impe ao direito de ir e vir do preso. Se a suspenso temporria do direito de voto do condenado decorre de limitaes de ordem tcnica, a tecnologia empregada presentemente nas eleies permite a instalao e o funcionamento de urnas nos presdios.

    O primeiro relator da Proposta de Emenda Constituio n 65/2003, senador lvaro Dias, manifestou-se pela aprovao da matria em razo de que na forma presente, a suspenso dos direitos polticos, enquanto durarem os efeitos da condenao, constitui penalidade adicional que, por incidir da mesma maneira sobre todo condenado, no guarda

    relao alguma com a gravidade do delito que motivou a condenao. Sendo assim, trata-se de uma dose extra de pena, que atinge a todos os condenados por igual. Se considerarmos a

    gradao das penas de acordo com a hierarquia dos delitos, um princpio elementar de administrao da justia, possvel duvidar, com bons argumentos, da justia de penalidades dessa ordem44.

    Lamentvelmente, a Proposta de Emenda Constituio n 65/2003 tramita no Congresso Nacional h seis anos, se arrastando na Comisso de Constituio e Justia (CCJ) do Senado Federal, sendo que nela j ocorreram duas trocas de relatores, trazendo divergentes opinies sobre a matria discutida.

    Adite-se a isto, o fato de que na atualidade a proposta legislativa tramita em bloco com outras propostas relativas mesma matria (Propostas de Emenda Constituio n 14/2003; 39/2004; 28/2008 e 1/2009), possuindo atualmente como relator, o presidente da Comisso de Constituio e Justia (CCJ) do Senado Federal, senador Demstenes Torres, que encaminhou

  • parecer pela rejeio do conjunto propositivo em 02 de julho de 2009, constando como sua ltima providncia a designao de pauta para o debate do assunto45.

    Consideraes finais

    Em decorrncia do que se exps, necessria uma irrestrita concepo de cidadania, para se perceber o quanto importante o sufrgio dos presos, sejam eles provisrios ou com condenao criminal transitada em julgado, j que, desta forma, somos aptos a alcanar uma democracia de bases slidas, onde a participao de todos, indistintamente de qualquer fator discriminatrio, indispensvel consecuo de uma nova sociedade, sustentada pela

    constituio das relaes em direo ao outro, lanando-se mo das premissas da alteridade e dando-se a devida importncia ao amor no seu aspecto poltico.

    Para tanto, devemos compartilhar com Roberto Lyra Filho, a adequao do pensamento jurdico, ao processo de lutas sociais constantes, utilizando-se de artifcios de vanguarda e resistncias contra as foras conservadoras dos grupos opressores, a fim de que possamos encontrar os caminhos para a superao dos conflitos46, tendo como medida a busca

    da considerao das singularidades dos sujeitos. Nesse momento, devemos recordar os ensinamentos de Rousseau, quando ele ressalta

    a importncia da igualdade de todos os sujeitos no contexto da vida em sociedade:

    em lugar de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrrio, por uma igualdade moral e legtima toda a desigualdade fsica, que entre os homens lanara a natureza, homens que podendo ser dessemelhantes na fora, ou no engenho, tornam-se todos iguais por conveno e direito.47

    Destarte, mencione-se ainda que os direitos de cidadania dos presos no s se regulariam pela Carta Magna, como tambm pela Lei n 7.210/84 (Lei de Execuo Penal), em seus artigos 40, 41, 64, 66 e 81. No entanto, vale ressalvar que tais prerrogativas, na maioria dos casos, acabam por tornar-se letra morta, tendo em vista a realidade cruel do sistema prisional.

    Logo, torna-se importante que o detento possa ser cidado, para que possa exigir o cumprimento de seus direitos no crcere e, at mesmo, possa fiscalizar a conduta da

  • administrao pblica, notadamente a penitenciria, realizando o controle de legalidade de seus atos, mediante, quem sabe, a propositura de uma ao popular48.

    Finalmente, oportuno frisar nossa concordncia com o pensamento de Heleno Fragoso, quando ele afirma que a suspenso dos direitos polticos dos presos infundada,

    servindo para estigmatiz-los e marcar sua separao do mundo livre49, o que extremamente censurvel, se pensarmos na hiptese de que todos so importantes para a constituio de uma

    sociedade democrtica efetiva.

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  • PLASTINO, Carlos Alberto. Cidadania como Pertencimento: uma reflexo a partir da psicanlise. In: Trabalho, Educao e Sade. v. 4, n. 2. Rio de Janeiro: Fundao Oswaldo Cruz, Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio, 2006, p. 385-394. PUGGINA, Rodrigo. O direito de voto do preso. In: FERREIRA, Carlos Llio Lauria.

    Parecer sobre o voto do preso. Reivindicaes de presidirios. Processo n 08001.002269/2001-11. Aprovao na 315 reunio ordinria do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria. So Lus. 27 out. 2005. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2005. ______________________. Do Contrato Social. 3. ed. So Paulo: Martin Claret, 2000. THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. WACQUANT, Loc. As prises da misria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    1 DALLARI, Dalmo de Abreu. O que participao poltica. So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 36.

    2 LINS, Ronaldo Lima. A indiferena ps-moderna. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006, p. 84.

    3 NEGRI, Antonio. Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,

    2002, p. 21. 4 LEAL, Victor Nunes. A Diviso de Poderes no Quadro Poltico da Burguesia. In: CAVALCANTI, T. e outros.

    Cinco Estudos. Rio de Janeiro: FGV, 1955, p. 92-113, p. 108. 5 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multido. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 420.

    6 Ibidem, p. 425.

    7 Ibidem, p. 439.

    8 PLASTINO, Carlos Alberto. Cidadania como Pertencimento: uma reflexo a partir da psicanlise. In: Trabalho,

    Educao e Sade. v. 4, n. 2. Rio de Janeiro: Fundao Oswaldo Cruz, Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio, 2006, p. 385-394, p. 393. 9 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 3. ed.

    So Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 192/193. 10

    COCCO, Giuseppe Mario; NEGRI, Antonio. Glob(AL): Biopoder e lutas em uma Amrica Latina globalizada. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 208. 11

    A Smula n 9 do Tribunal Superior Eleitoral diz que a suspenso de direitos polticos decorrente de condenao criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extino da pena, independendo de reabilitao ou de prova de reparao dos danos. 12

    BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalizao do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional do Brasil). In: SOUZA NETO, Cludio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coords.). A constitucionalizao do direito: fundamentos tericos e aplicaes especficas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 214. 13

    FRAGOSO, Heleno Cludio. Direitos dos presos. Os problemas de um mundo sem lei. In: CATO, Yolanda; FRAGOSO, Heleno Cludio; SUSSEKIND, Elisabeth. Direitos dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 22. 14

    BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores: uma gramtica da democracia. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 131. 15

    O DONNELL. Guillermo. Anotaes para uma teoria do estado. p. II. Dados, Revista de Cincias Sociais. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1980, p. 71-82, p. 74. 16

    CONSTANT, Benjamin. Princpios Polticos Constitucionais. Rio de Janeiro: Lber Juris, 1989, pp. 103/104. 17

    HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. Os Artigos Federalistas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 351. 18

    MLLER, Friedrich. Quem o povo? A questo fundamental da democracia. So Paulo: Max Limonad, 1998, p. 91. 19

    Ibidem, p. 94. 20

    NEVES, Marcelo. Entre Tmis e Leviat: uma relao difcil: o Estado Democrtico de Direito a partir e alm de Luhmann e Habermas. So Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 247. 21

    Ibidem, p. 248.

  • 22 MLLER, Friedrich. op. cit., pp. 94/95.

    23 HELLER, Hermann. Teoria do estado. So Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 296.

    24 MENDONA, Valda de Souza. Voto livre e espontneo: exerccio de cidadania poltica consciente.

    Florianpolis: OAB/SC, 2004, p. 100. 25

    Dado obtido no stio eletrnico . Acesso em 23 ago. 2009. 26

    Supremo Tribunal Federal. 2 Turma. HC 80.719/SP. Relator: Celso de Mello. ac. un. Julgado em 26.06.2001. DJ 28.09.2001, p. 37. 27

    As entidades da sociedade civil so o Conselho Nacional de Defensores Pblicos Gerais, a Pastoral Carcerria Nacional da Igreja Catlica, a Pastoral Carcerria da Igreja Metodista, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o Instituto de Acesso Justia, a Associao pela Reforma Prisional, a Associao Brasileira de Magistrados, o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais, o Instituto Carioca de Criminologia, o Instituto de Estudos Criminais do Estado do Rio de Janeiro, o Justia Global, o Movimento de Magistrados Fluminense pela Democracia, a Rede Social de Justia e Direitos Humanos, a Associao Paulista de Defensores Pblicos e a Associao Grupo Reconstruo e Movimento pela Conscincia Prisional. Informao obtida no meio eletrnico . Acesso em 23 ago. 2009. 28

    GONDIM, Joo Paulo. Presos provisrios do Rio de Janeiro finalmente votam. Fazendo Mdia, Rio de Janeiro, 12 out. 2008. Poltica. Disponvel em: . Acesso em: 24 ago. 2009. 29

    As Resolues do Tribunal Superior Eleitoral n 20.471/99, n 20.997/2002, n 21.160/2002, n 21.633/2004 e n 21.804/2004, firmaram posicionamento na direo de franquear a possibilidade de voto dos presos provisrios. 30

    Informao do portal eletrnico do Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN), do Ministrio da Justia, , referente ao perodo do ms de junho de 2008. Acesso em 22. ago. 2009. 31

    THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 16/17. 32

    WACQUANT, Loc. As prises da misria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 119. 33

    DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversaes. Rio de Janeiro: 34, 1992, p. 219-226, p. 225. 34

    BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. So Paulo: Martin Claret, 2000, p. 70. 35

    FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrtica. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. n. 12. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 31-39, p. 36. 36

    BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: introduo sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, pp. 106/107. 37

    PACHUKANIS, Evgeny Bronislavovich. Teoria Geral do Direito e Marxismo. So Paulo: Acadmica, 1988, p. 48. 38

    FOUCAULT, Michel. Direito de morte e poder sobre a vida. In: Histria da sexualidade I a vontade de saber. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 127-149, p. 132. 39

    _________________. Vigiar e Punir: nascimento da priso. 35. ed. Petrpolis: Vozes, 2008, p. 119. 40

    Acerca da questo, observe-se a recente deciso no CC 92.859/MS, proferida pela Terceira Seo do Superior Tribunal de Justia (STJ), que assegurou a competncia do juzo de execuo penal, para a apreciao do pedido de recebimento de valores decorrentes do trabalho prestado durante o perodo executivo da pena, consoante faculta o artigo 66, inciso III, alnea f, da Lei n 7.210/84 (Lei de Execuo Penal). 41

    BARROSO, Lus Roberto. op. cit., p. 215. 42

    BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. v. II. So Paulo: Saraiva, 2001, p. 667. 43

    PUGGINA, Rodrigo. O direito de voto do preso. In: FERREIRA, Carlos Llio Lauria. Parecer sobre o voto do preso. Reivindicaes de presidirios. Processo n 08001.002269/2001-11. Aprovao na 315 reunio ordinria do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria. So Lus. 27 out. 2005, p. 17. 44

    FERREIRA, Carlos Llio Lauria. Parecer sobre o voto do preso. Reivindicaes de presidirios. Processo n 08001.002269/2001-11. Aprovao na 315 reunio ordinria do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria. So Lus. 27 out. 2005, pp. 26 e 27. 45 Informaes completas sobre a tramitao da matria na pgina virtual do Senado Federal . Acesso em 25 ago. 2009. 46

    FILHO, Roberto Lyra. O que Direito. 17. ed. So Paulo: Brasiliense, 1995, p. 83. 47

    ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. 3. ed. So Paulo: Martin Claret, 2000, p. 35. 48

    Regulamentada pelo artigo 5, inciso LXXIII, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, e pela Lei n 4.717/65, assegura como legitimado para a sua propositura o cidado, que deve fazer prova de sua condio atravs do ttulo eleitoral ou documento que a ele corresponda (artigo 1, 3, da Lei n 4.717/65).

  • 49 FRAGOSO, Heleno Cludio. op. cit., p. 41.