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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 207 – número 1 janeiro a março de 2009 páginas 1 a 460

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Page 1: Revista Trimestral de Jurisprudência - stf.jus.br · 2. O mandado de injunção e o direito de greve dos servido-res públicos civis na jurisprudência do STF. 2.1. O tema da existência,

Revista Trimestral de Jurisprudência

volume 207 – número 1janeiro a março de 2009

páginas 1 a 460

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Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

Secretaria de DocumentaçãoJaneth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

Seção de Preparo de PublicaçõesLeide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesLeila Corrêa Rodrigues

Diagramação: Eduardo Franco Dias

Capa: Núcleo de Programação Visual

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. – Ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957)- . – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-.

v. 207-1; 22 cm.

Três números a cada trimestre.

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- .ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

CDD 340.6

Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande l’échange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch.

STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praça dos Três Poderes 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3217-4766

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), PresidenteMinistro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)

COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO, PresidenteMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias MelloMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes RochaMinistro Carlos Alberto MENEZES DIREITO

SEGUNDA TURMA

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet, PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO FilhoMinistro Antonio CEZAR PELUSO Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

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COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro MARCO AURÉLIOMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro CEZAR PELUSOMinistro MENEZES DIREITO – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministra ELLEN GRACIEMinistro JOAQUIM BARBOSAMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CEZAR PELUSOMinistro CARLOS BRITTOMinistro EROS GRAU

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro EROS GRAUMinistro MENEZES DIREITO

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS ....................................................................................................... 9ÍNDICE ALFABÉTICO .............................................................................. 431ÍNDICE NUMÉRICO .................................................................................. 457

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ACÓRDÃOS

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MANDADO DE INJUNÇÃO 670 — ES

Relator: O Sr. Ministro Maurício CorrêaRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar MendesImpetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito

Santo – SINDPOL — Impetrado: Congresso Nacional

Mandado de injunção. Garantia fundamental (cf, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (cf, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89.

1. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

1.1. No julgamento do MI 107/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 21-9-90, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguin-tes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de pro-vimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a

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existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injun-ção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao inte-ressado a possibilidade de ser contemplado por norma mais be-néfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador.

1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa constru-ção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma com-preensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-91; MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 27-3-92; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, DJ de 26-6-92; MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 24-5-02; MI 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17-12-02; e MI 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-03.

2. O mandado de injunção e o direito de greve dos servido-res públicos civis na jurisprudência do STF.

2.1. O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunida-des, esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do man-dado de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22-11-96; MI 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02; e MI 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 23-8-02.

2.2. Em alguns precedentes (em especial, no voto do Minis-tro Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02), aventou-se a possibilidade de

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aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei 7.783/89).

3. Direito de greve dos servidores públicos civis. Hipótese de omissão legislativa inconstitucional. Mora judicial, por diver-sas vezes, declarada pelo Plenário do STF. Riscos de consolida-ção de típica omissão judicial quanto à matéria. A experiência do direito comparado. Legitimidade de adoção de alternativas normativas e institucionais de superação da situação de omissão.

3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a am-pliação da regularidade das instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1º). Além de o tema envolver uma série de ques-tões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movi-mento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma verdadeira “lei da selva”.

3.2. Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional 19/98 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em con-sonância com imperativos constitucionais.

3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas, que demandam a concretização do direito de greve a todos os tra-balhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legisla-dor, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo.

3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial.

3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2º).

4. Direito de greve dos servidores públicos civis. Regu-lamentação da lei de greve dos trabalhadores em geral (Lei

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7.783/89). Fixação de parâmetros de controle judicial do exercício do direito de greve pelo legislador infraconstitucional.

4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às “atividades essenciais”, é especificamente de-lineada nos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exer-cício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador pode-ria adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos res-tritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional.

4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devida-mente regulamentada por lei específica para os servidores públi-cos civis (CF, art. 37, VII).

4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as pe-culiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de en-tidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Isso ocorre por-que não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das pos-sibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços priva-dos ditos “essenciais”.

4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades

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sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e varie-dade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89 é apenas exemplificativa (numerus apertus).

5. O processamento e o julgamento de eventuais dissídios de greve que envolvam servidores públicos civis devem obedecer ao modelo de competências e atribuições aplicável aos trabalha-dores em geral (celetistas), nos termos da regulamentação da Lei 7.783/89. A aplicação complementar da Lei 7.701/88 visa à judi-cialização dos conflitos que envolvam os servidores públicos civis no contexto do atendimento de atividades relacionadas a necessi-dades inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).

5.1. Pendência do julgamento de mérito da ADI 3.395/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, na qual se discute a compe-tência constitucional para a apreciação das “ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público ex-terno e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (CF, art. 114, I, na redação conferida pela EC 45/04).

5.2. Diante da singularidade do debate constitucional do di-reito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de injustifi-cada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os parâme-tros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o poder público e os servidores públicos civis.

5.3. No plano procedimental, afigura-se recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei 7.701/88 (que versa sobre espe-cialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos cole-tivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que se-jam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF.

5.4. A adequação e a necessidade da definição dessas ques-tões de organização e procedimento dizem respeito a elementos de fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os limites ao exer-cício do direito constitucional de greve dos servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços públicos. Ao adotar

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essa medida, este Tribunal passa a assegurar o direito de greve constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem desconsiderar a garantia da continuidade de pres-tação de serviços públicos – um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas pela sociedade.

6. Definição dos parâmetros de competência constitucio-nal para apreciação do tema no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Fixação do prazo de 60 (ses-senta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a maté-ria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89.

6.1. Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei 7.783/89, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de tratarem de “serviços ou atividades essenciais” (Lei 7.783/89, arts. 9º a 11).

6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injun-ção, aplicação da Lei 7.701/88, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF.

6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, esta-dual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, a, da Lei 7.701/88). Ainda no âmbito federal, se a con-trovérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da Lei 7.701/88). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6º da Lei 7.701/88). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais.

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6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âm-bitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei 7.783/89, a deflagra-ção da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do con-trato de trabalho (art. 7º da Lei 7.783/89, in fine).

6.5. Os Tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente inci-dentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servi-dores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qual-quer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve.

6.6. Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos ser-vidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança ju-rídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.

6.7. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envol-vam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, conhecer do mandado de injunção e propor a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber.

Brasília, 25 de outubro de 2007 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo (SINDIPOL) impetra mandado de injunção coletivo contra o Congresso Nacional, com pedido de medida liminar, objetivando seja reconhecido o direito de greve da categoria, com base na Lei federal 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição contida no inciso VII do art. 37 da Constituição de 1988.

2. Esclarece que após exaustivas e infrutíferas negociações com o Go-verno do Estado, que se recusou a atender reivindicações mínimas da categoria, viu-se na obrigação de deflagrar um movimento grevista na Polícia Civil capi-xaba. O Juiz da Vara de Feitos da Fazenda Pública Estadual, contudo, deferiu tutela antecipada em ação ordinária (Processo 024.010.028918), impedindo o exercício do direito constitucional de greve por parte dos seus associados, que se encontram sob ameaça de prisão, pagamento de multa diária e de corte do ponto.

3. Fundamentando-se em julgados desta Corte e do Tribunal de Justiça espírito-santense, afirma que não se pode admitir que a mora do legislador em regulamentar o direito de greve assegurado pelo constituinte originário sirva de pretexto para punições absurdas contra o trabalhador. Segue-se o argumento de que o “STF tem entendido que, não obstante o ‘caráter mandamental’ do instituto, é possível a cominação de prazo para o órgão competente editar a norma demandada, suprindo, assim, a mora legislativa, sob pena de, vencido esse prazo, assegurar, concretamente, apenas em relação ao impetrante, o exer-cício do direito inviabilizado pela falta da norma”, conforme ensina Hely Lopes Meirelles e outros administrativistas que menciona.

4. Requer o Impetrante a citação do Congresso Nacional para que regula-mente o inciso VII do art. 37 da Carta Federal, no prazo de trinta dias, e a sus-pensão liminar dos efeitos da sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que “proibiu o movimento paredista” deflagrado pela categoria (fl. 26). No mérito, pede seja julgado procedente o man-dado de injunção, garantindo-se aos seus associados o direito de greve na forma da Lei 7.783/89, enquanto não editada norma específica, bem como para declarar a nulidade do Processo 024.010.018.918 instaurado pelo Estado do Espírito Santo.

5. Pela decisão de fl. 69, indeferi o pedido de medida liminar e determinei fossem solicitadas informações à autoridade impetrada, que encaminhou resposta aduzindo não estar caracterizada a inércia do Congresso Nacional, uma vez que ali se encontram em tramitação várias proposições acerca da matéria (fls. 75/79).

6. O Procurador-Geral da República Professor Geraldo Brindeiro alude a precedente desta Corte em que foi concedido o writ tão-só para reconhecer a mora do Congresso Nacional na elaboração da lei complementar a que se refere o art. 37, VII, da Constituição (fls. 81/83), e afinal opina pelo deferimento parcial do mandado de injunção.

7. Após a manifestação do Parquet, o Impetrante compareceu aos autos (fls. 86/90) para noticiar a edição da Lei 7.311/01, que regulamentou o direito de

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greve dos servidores públicos estaduais, e, em decorrência, requer seja reconhe-cida a eficácia desse diploma legal até que venha a ser promulgada lei federal estabelecendo normas gerais sobre a matéria.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o julgamento do mandado de injunção tem como finalidade verificar se há mora, ou não, da autoridade ou do Poder de que de-pende a elaboração de lei regulamentadora do Texto Constitucional, cuja lacuna torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas asseguradas pela Carta Federal.

2. Ocorre que não pode o Poder Judiciário, nos limites da especificidade do mandado de injunção, garantir ao Impetrante o direito de greve. Caso assim procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito da competência prevista na Constituição. Também não lhe é facultado fixar prazo para que o Congresso Nacional aprove a respectiva proposição legislativa, nem anular sentença judicial, convolando o mandado de injunção em tipo de recurso não previsto na legislação processual.

3. Quanto ao pedido formulado após a manifestação do Ministério Público Federal, para que seja reconhecida a eficácia da Lei Estadual 7.311/02, anoto que não é possível atendê-lo, quer pela impropriedade do meio utilizado, quer pela vedação processual de se modificar a inicial depois de a autoridade coatora1 ter se pronunciado (CPC, art. 264 – aplicação subsidiária).

4. Relativamente à lacuna da norma regulamentadora do dispositivo consti-tucional em questão, assinalo que pedido idêntico já foi apreciado por esta Corte, a qual reconheceu a “mora do Congresso Nacional quanto à elaboração da lei comple-mentar a que se refere o art. 37, VII, da Constituição. Comunicação ao Congresso Nacional e ao Presidente da República” (MI 438/GO, Néri da Silveira, DJ de 16-6-95). No mesmo sentido, o MI 485/MT, de que fui Relator, DJ de 23-8-02.

Ante tais circunstâncias, conheço, em parte, do mandado de injunção, apenas para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da norma regulamentadora do art. 37, VII, da Carta da República, devendo, quanto a este fato, ser oficiado ao órgão impetrado.

EXTRATO DA ATA

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDIPOL (Advogados: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.

1 “Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o con-sentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.”

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Decisão: Após o voto do Ministro Maurício Corrêa, Relator, conhecendo, em parte, da impetração, e, nessa parte, acolhendo-a para certificar a mora do Congresso Nacional, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Nelson Jobim. Presidência do Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 15 de maio de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de mandado de injunção no qual o Impetrante postula o reconhecimento do direito de greve.

O Ministro Maurício Corrêa (Relator originário destes autos) fixou no seu voto a seguinte orientação:

A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o julgamento do mandado de injunção tem como finalidade verificar se há mora, ou não, da auto-ridade ou do Poder de que depende a elaboração de lei regulamentadora do Texto Constitucional, cuja lacuna torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas asseguradas pela Carta Federal.

2. Ocorre que não pode o Poder Judiciário, nos limites da especificidade do mandado de injunção, garantir ao Impetrante o direito de greve. Caso assim procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito da competência prevista na Constituição. Também não lhe é facultado fixar prazo para que o Congresso Nacional aprove a respectiva proposição legislativa, nem anular sentença judicial, convolando o mandado de injunção em tipo de recurso não previsto na legislação processual.

3. Quanto ao pedido formulado após a manifestação do Ministério Público Federal, para que seja reconhecida a eficácia da Lei Estadual 7.311/02, anoto que não é possível atendê-lo, quer pela impropriedade do meio utilizado, quer pela vedação processual de se modificar a inicial depois de a autoridade coatora ter se pronunciado (CPC, art. 264 – aplicação subsidiária).

4. Relativamente à lacuna da norma regulamentadora do dispositivo consti-tucional em questão, assinalo que pedido idêntico já foi apreciado por esta Corte, a qual reconheceu a “mora do Congresso Nacional quanto à elaboração da Lei Complementar a que se refere o art. 37, VII, da Constituição. Comunicação ao Congresso Nacional e ao Presidente da República” (MI 438/GO, Néri da Silveira, DJ de 16-6-95). No mesmo sentido, o MI 485/MT, de que fui Relator, DJ de 23-8-02.

Ante tais circunstâncias, conheço, em parte, do mandado de injunção, ape-nas para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da norma regula-mentadora do art. 37, VII, da Carta da República, devendo, quanto a este fato, ser oficiado ao órgão impetrado.

O mandado de injunção no Direito brasileiroEm sessão de 15 de maio de 2003, pedi vista dos autos para apreciar a

questão da conformação constitucional do mandado de injunção no direito

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brasileiro e a evolução da interpretação que este Supremo Tribunal Federal lhe tem conferido.

Como se vê, trata-se de pedido de mandado de injunção no qual o Impe-trante postula o reconhecimento do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 37, VII).

Preliminarmente, a questão da conformação constitucional do mandado de injunção no direito brasileiro e a evolução da interpretação que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem conferido a essa garantia fundamental merece algu-mas considerações.

No âmbito do direito comparado, cabe salientar que, se alguns sistemas constitucionais, como aquele fundado pela Lei Fundamental de Bonn, compor-tam discussão sobre a existência, ou não, de direitos fundamentais de caráter social (soziale Grundrechte), é certo que tal controvérsia não assume maior relevo entre nós.

O poder constituinte originário, embora em capítulos destacados, houve por bem consagrar os direitos sociais que também vinculam o poder público, por força inclusive da eficácia vinculante que se extrai da garantia processual-constitucional do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionali-dade por omissão.

Assinale-se que a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) abriu possi-bilidades para o desenvolvimento sistemático da declaração de inconstitucio-nalidade sem a pronúncia da nulidade, na medida em que atribuiu particular significado ao controle de constitucionalidade da chamada “omissão do legis-lador”. O art. 5º, LXXI, da CF previu expressamente a concessão do mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Ao lado desse instrumento, destinado, fundamentalmente, à defesa de direitos individuais contra a omissão do ente legiferante, introduziu o consti-tuinte, no art. 103, § 2º, um sistema de controle abstrato da omissão.

Desse modo, reconhecida a procedência da ação direta de inconstitucio-nalidade por omissão, deve o órgão legislativo competente ser informado da decisão, para as providências cabíveis.

Caso se trate de órgão administrativo, ele estará obrigado a colmatar a lacuna no prazo de 30 dias.

Deve-se admitir, portanto, que, com a adoção desses peculiares mecanis-mos de controle da omissão do legislador, criou-se a possibilidade de se desen-volver nova modalidade de decisão no processo constitucional brasileiro. Se se partir do princípio de que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no processo de mandado de injunção e no controle abstrato da omissão, tem con-teúdo obrigatório ou mandamental para o legislador e que a decisão que reco-nhece a subsistência de uma omissão parcial contém, ainda que implicitamente,

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a declaração de inconstitucionalidade da regra defeituosa, há de se concluir, inevitavelmente, que a superação da situação inconstitucional, mesmo nesses casos, deve ocorrer em duas etapas (Zweiaktverfahren).

Tecidas essas breves considerações, passemos à análise da jurisprudência desta Corte quanto ao writ of mandamus.

A) O mandado de injunção na jurisprudência do STF

O Supremo Tribunal Federal, em questão de ordem no MI 107/DF (Rel. Min. Moreira Alves), manifestou o seguinte entendimento:

Ementa: Mandado de injunção. Questão de ordem sobre sua auto-aplicabi-lidade, ou não. – Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regu-lamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as pro-vidências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconsti-tucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional. – Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte - que está devidamente definida pelo art. 102, I, auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve no sentido da auto-aplicabilidade do mandado de injunção, nos termos do voto do Relator.(MI 107, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 21-9-90.)

Portanto, deixou assente o Supremo Tribunal Federal que, consoante a sua própria natureza, o mandado de injunção destinava-se a garantir os direitos constitucionalmente assegurados, inclusive aqueles derivados da soberania po-pular, como o direito ao plebiscito, o direito ao sufrágio, a iniciativa legislativa popular (art. 14, I e III), bem como os chamados direitos sociais (Constituição, art. 6º), desde que o Impetrante estivesse impedido de exercê-los em virtude da omissão do órgão legiferante.

A concepção de omissão deve compreender não só a chamada omissão ab-soluta do legislador, isto é, a total ausência de normas, como também a omissão parcial, na hipótese de cumprimento imperfeito ou insatisfatório de dever consti-tucional de legislar (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(31)).

A partir do precedente firmado no MI 107/DF, de relatoria do Ministro Moreira Alves, o STF constatou que o mandado de injunção afigurava-se ade-quado à realização de direitos constitucionais que dependiam da edição de nor-mas de organização, sob pena do esvaziamento do significado desses direitos.

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Todavia, o Tribunal deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências re-queridas. Tanto a decisão a ser proferida no processo de controle abstrato da omissão, quanto a decisão que reconhece a inconstitucionalidade da omissão no mandado de injunção têm caráter obrigatório ou mandamental. As duas ações são destinadas a obter uma ordem judicial dirigida a um outro órgão do Estado.

Ter-se-ia aqui um exemplo daquela ação que Goldschmidt houve por bem denominar Anordnungsklagenrecht (ação mandamental) (GOLDSCHMIDT, James. Zivilprozessrecht, § 15ª, p. 61; cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(35)).

Essa ação mandamental exige a edição de ato normativo por parte do Poder Público. O processo de controle da omissão, previsto no art. 103, § 2º, da Constituição, é abstrato, e, consoante a sua própria natureza, deve a decisão nele proferida ser dotada de eficácia erga omnes (Cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(38-9)).

Segundo a orientação do Supremo Tribunal Federal, o constituinte preten-deu conferir aos dois institutos significado processual semelhante, e assegurou às decisões proferidas nesses processos idênticas conseqüências jurídicas. A garantia do exercício de direitos prevista no art. 5º, LXXVI, da Constituição, pertinente ao mandado de injunção, não se diferencia, fundamentalmente, da garantia destinada a tornar efetiva uma norma constitucional referida no art. 103, § 2º, da Constituição, concernente ao controle abstrato da omissão (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(38-9)).

As decisões proferidas nesses processos declaram a mora do órgão le-giferante em cumprir dever constitucional de legislar, compelindo-o a editar a providência requerida. Dessarte, a diferença fundamental entre o mandado de injunção e a ação direta de controle da omissão residiria no fato de que, en-quanto o primeiro destina-se à proteção de direitos subjetivos e pressupõe, por isso, a configuração de um interesse jurídico, o processo de controle abstrato da omissão, enquanto processo objetivo, pode ser instaurado independentemente da existência de um interesse jurídico específico (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(38-9)).

O Tribunal deixou assente que de sua competência para apreciar a omissão do legislador, no mandado de injunção, decorria, igualmente, a faculdade de de-terminar a suspensão dos processos administrativos ou judiciais e de suspender determinadas medidas ou atos administrativos. Poder-se-ia assegurar, assim, ao Impetrante a possibilidade de ser beneficiado pela norma que viesse a ser editada.

A equiparação dos efeitos das decisões proferidas no mandado de in-junção e no controle abstrato da omissão configura um elemento essencial da construção desenvolvida pelo Tribunal. Até porque a simples constatação de que a decisão proferida nesses processos tem caráter impositivo para os órgãos legiferantes não legitima, necessariamente, outras conseqüências jurídicas con-sideradas pelo acórdão como simples consectário desse caráter obrigatório, tais

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como a obrigação de suspender os processos que tramitam perante autoridades administrativas ou tribunais. Esses efeitos somente se mostram compreensíveis em face da suposição de que a decisão proferida no controle abstrato da omissão, por se tratar de um processo objetivo, deve ser dotada de eficácia erga omnes.

O Tribunal parte da idéia de que o constituinte pretendeu atribuir aos pro-cessos de controle da omissão idênticas conseqüências jurídicas. Isso está a in-dicar que, segundo seu entendimento, também a decisão proferida no mandado de injunção é dotada de eficácia erga omnes. Dessa forma, pôde o Tribunal fun-damentar a ampliação dos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção.

Essa construção permitiu ao Tribunal afirmar a imediata aplicação do man-dado de injunção, independentemente da edição das normas processuais especí-ficas. A natureza jurídica semelhante do mandado de injunção e do mandado de segurança, enquanto ações destinadas a obrigar os agentes públicos a empreende-rem determinadas providências, autorizava, segundo o Tribunal, que, na ausência de regras processuais próprias, fossem aplicadas aquelas pertinentes ao mandado de segurança (cf. MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, p. 11(39)).

Em resumo, pode-se afirmar que:i) os direitos constitucionalmente garantidos apresentam-se como direitos

à expedição de um ato normativo e não podem ser satisfeitos através de eventual execução direta por parte do Tribunal; a decisão judicial que declara a existên-cia de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, e o condena a editar a norma requerida;

ii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial;

iii) a decisão proferida no controle abstrato da omissão tem eficácia erga om-nes, e não tem diferença fundamental da decisão prolatada no mandado de injunção;

iv) é possível que o Supremo Tribunal Federal determine, na ação de man-dado de injunção, a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado pela norma mais benéfica. Essa faculdade legitima, igualmente, a edição de outras medidas que garantam a posição do Impetrante até a expedição das normas pelo legislador.

Após esse leading case, todavia, esta Corte passou a promover alterações significativas no instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, por conse-guinte, conformação mais ampla do que a até então admitida.

No MI 283/DF (DJ de 14-11-91), de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, o Tribunal, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse colma-tada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados. Explicita a ementa do acórdão:

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, do ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização por perdas e danos.

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1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107-QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contém o pedido, de aten-dimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. MI 168, MI 107 e MI 232).

2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8º, § 3º – “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em de-corrência das Portarias Reservados do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5, será concedida reparação de natureza econô-mica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.

3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal à qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para:

a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, do ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e à Presidência da República;

b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;

c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhe-cer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual ade-quada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem;

d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não pre-judicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o Impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.(MI 283/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-91.)

No MI 232/RJ, da relatoria do Ministro Moreira Alves (DJ de 27-3-92), o Tribunal reconheceu que, passados seis meses sem que o Congresso Nacional editasse a lei referida no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, o Requerente passaria a gozar a imunidade requerida. Consta da ementa desse julgado:

Mandado de injunção. – Legitimidade ativa da Requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do art. 195 da Constituição Federal. – Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito cons-titucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195,

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§ 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.(MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 27-3-92.)

Ainda com essa mesma orientação, registre-se a ementa do acórdão profe-rido no MI 284, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão Ministro Celso de Mello (DJ de 26-6-92):

Mandado de injunção – Natureza jurídica função processual – ADCT, art. 8º (portarias reservadas do Ministério da Aeronáutica) – A questão do si-gilo – Mora inconstitucional do Poder Legislativo – Exclusão da União Federal da relação processual – Ilegitimidade passiva ad causam – Writ deferido. – O caráter essencialmente mandamental da ação injuncional – consoante tem procla-mado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – impõe que se defina, como passivamente legitimado ad causam, na relação processual instaurada, o órgão público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual é imputável a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerro-gativa de índole constitucional.

− No caso, ex vi do § 3º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a inatividade inconstitucional é somente atribuível ao Congresso Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o processo legislativo, reclamado pela norma constitucional transitória.

– Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o carac-terizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconvi-vente com a prática das liberdades públicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. Joseph Comblin, “A ideologia da segu-rança nacional – O Poder Militar na América Latina” p. 225, 3ª ed., 1980; trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transfor-mando-o em “práxis” governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o principio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magis-tral sobre o tema (“O futuro da democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos mode-los políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais.

A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracteri-zação da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição ex-pressiva de Bobbio, como “um modelo ideal do governo público em público”. – O novo writ constitucional, consagrado pelo art. 5º, LXXI, da Carta Federal, não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de injunção não é o sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observân-cia do princípio constitucional da divisão funcional do Poder.

– Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa

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reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no MI 283, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à insti-tuição parlamentar, assegurando-se aos Impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.(MI 284, Rel. Min. Marco Aurelio, Rel. p/ o ac. Ministro Celso de Mello DJ de 26-6-92.)

Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, o Supremo Tribunal Federal afastou-se da orientação inicial-mente perfilhada, no que diz respeito ao mandado de injunção.

As decisões proferidas no MI 283 (Relator: Sepúlveda Pertence), no MI 232 (Relator: Moreira Alves) e no MI 284 (Relator: Celso de Mello) sinali-zam uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução “norma-tiva” para a decisão judicial.

Assim, no caso relativo à omissão legislativa quanto aos critérios de inde-nização devida aos anistiados (art. 8º do ADCT), o Tribunal entendeu que, em face da omissão, os eventuais afetados poderiam dirigir-se diretamente ao juiz competente que haveria de fixar o montante na forma do direito comum (cf., nesse sentido, MI 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-03; e MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotiti, DJ de 24-5-02). Em outro precedente relevante, considerou-se que a falta de lei não impedia que a entidade beneficente gozasse da imunidade constitucional expressamente reconhecida (cf. MI 679, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17-12-02).

As decisões referidas indicam que o Supremo Tribunal Federal aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie de sentença aditiva, se se utilizar a denominação do direito italiano.

B) O mandado de injunção e o direito de greve na jurisprudência do STF

Na espécie, discute-se o direito de greve de servidores públicos civis.Nesse particular, deve-se observar que, diferentemente das relativizações

realizadas quanto ao decidido no MI 107/DF (DJ de 2-8-91), nos casos em que se apreciaram as possibilidades e condições para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis, esta Corte ficou adstrita tão-somente à declaração da existência da mora legislativa para a edição de norma reguladora específica.

Como casos exemplificativos desse entendimento, enuncio os seguintes julgados: MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, maioria, DJ de 22-11-96; MI 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ de 23-8-02; e MI 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, maioria, DJ de 2-8-02.

Conforme exposto, este Tribunal, nas diversas oportunidades em que se manifestou sobre a matéria, tem reconhecido unicamente a necessidade de se editar a reclamada legislação.

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Nessas ocasiões, entretanto, o Ministro Carlos Velloso destacava a neces-sidade de que, em hipóteses como a dos autos, se aplicasse, provisoriamente, aos servidores públicos a lei de greve relativa aos trabalhadores em geral.

Registre-se, a propósito, trecho de seu voto no MI 631/MS (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02):

Assim, Senhor Presidente, passo a fazer aquilo que a Constituição deter-mina que eu faça, como juiz: elaborar a norma para o caso concreto, a norma que viabilizará, na forma do disposto no art. 5º, LXXI, da Lei Maior, o exercício do direito de greve do servidor público.

A norma para o caso concreto será a lei de greve dos trabalhadores, a Lei 7.783, de 28-6-89. É dizer, determino que seja aplicada, no caso concreto, a lei que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, que define as atividades essenciais e que regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores pú-blicos. Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito do direito de greve.(MI 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-02.)

Vê-se, assim, que, observados os parâmetros constitucionais quanto à atuação da Corte como eventual legislador positivo, o Ministro Carlos Velloso entendia ser o caso de determinar a aplicação aos servidores públicos da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado.

Assim como na interessante solução sugerida pelo Ministro Velloso, creio parecer justo fundar uma intervenção mais decisiva desta Corte para o caso da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 37, VII).

Entretanto, avento essa possibilidade por fundamentos diversos, os quais passarei a desenvolver em breve exposição sobre o direito de greve no Brasil e no direito comparado.

C) Direito de greve dos servidores públicos, omissão inconstitucional e alternativas de superação

O direito de greve dos servidores públicos tem sido objeto de sucessivas dilações desde 1988. A Emenda Constitucional 19/98 retirou o caráter com-plementar da lei regulamentadora, a qual passou a demandar, unicamente, lei ordinária e específica para a matéria. Não obstante subsistam as resistências, é bem possível que as partes envolvidas na questão partam de premissas que fa-voreçam o estado de omissão ou de inércia legislativa.

A representação de servidores não vê com bons olhos a regulamentação do tema, porque visa a disciplinar uma seara que hoje está submetida a um tipo de lei da selva. Os representantes governamentais entendem que a regulamentação acabaria por criar o direito de greve dos servidores públicos. Essas visões par-cialmente coincidentes têm contribuído para que as greves no âmbito do serviço

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público se realizem sem qualquer controle jurídico, dando ensejo a negociações heterodoxas, ou a ausências que comprometem a própria prestação do serviço público, sem qualquer base legal.

Mencionem-se, a propósito, episódios mais recentes relativos à paralisa-ção dos controladores de vôo do País; ou ainda, no caso da greve dos servidores do Judiciário do Estado de São Paulo, ou dos peritos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que trouxeram prejuízos irreparáveis a parcela signi-ficativa da população dependente desses serviços públicos.

A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias conseqüências para o Estado de Direito. Estou a relembrar que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.

Nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércia legislativa e a inope-rância das decisões desta Corte.

Comungo das preocupações quanto à não-assunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não-atuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.

Assim, tanto quanto no caso da anistia, essa situação parece exigir uma intervenção mais decisiva desta Corte.

Ademais, assevero que, apesar da persistência da omissão quanto à maté-ria, são recorrentes os debates legislativos sobre os requisitos para o exercício do direito de greve.

A esse respeito, em apêndice ao meu voto, elaborei documento compa-rativo da Lei 7.783/89 e o texto substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01 (que “Dispõe sobre os termos e limites do exercício do direito de greve pelos servi-dores públicos”), de autoria da então Deputada Federal Rita Camata, para dis-ciplinar o exercício do direito de greve dos servidores públicos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e a dos Municípios, previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição Federal.

Na oportunidade de apresentação do referido projeto de lei, o Relator da matéria, o Deputado Federal Isaías Silvestre, realizou uma síntese geral acerca do processo legislativo de apreciação dessa matéria, verbis:

O Projeto de Lei nº 4.497, de 2001, objetiva disciplinar o exercício do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição Federal.

Conforme relatado em sua justificativa, a proposição tem por base, quando pertinentes, os dispositivos da Lei nº 7.783, de 1989, que regula o direito de greve para os trabalhadores em geral, observando, porém, os aspectos próprios do ser-viço público, que exigem o estabelecimento de dispositivos específicos.

O art. 1º do projeto prevê que o direito de greve será exercido pelos servido-res públicos nos termos e limites da lei, competindo-lhes decidir sobre a oportuni-dade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

O art. 2º apresenta os conceitos pertinentes à matéria, entre outros o de órgão ou entidade pública, assim definido: “órgão da administração direta e

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indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e suas respectivas autarquias e fundações públicas”.

O art. 3º confere às entidades sindicais a prerrogativa de convocar, na forma de seus estatutos, assembléia geral para deliberar sobre as reivindicações das res-pectivas categorias e sobre a deflagração da greve, prevendo ainda os procedimentos cabíveis no caso de inexistência de entidade sindical representativa dos servidores.

O art. 4º exige, quando da deflagração da greve, a comunicação da data do seu início pelo menos com 72 horas de antecedência.

Os arts. 5º e 6º fixam os direitos e deveres dos servidores grevistas e da Administração Pública.

O art. 7º relaciona os serviços considerados essenciais. O art. 8º disciplina a realização da greve nos órgãos que executem tais serviços, prevendo que, no caso de inobservância das garantias estabelecidas pela lei, a Administração poderá pro-ceder à contratação de pessoal por tempo determinado ou de serviços de terceiros.

O art. 9º determina que os dias de greve sejam contados como de efetivo exercício, inclusive remuneratório, desde que, encerrada a greve, as horas não tra-balhadas sejam repostas de acordo com cronograma estabelecido conjuntamente pela Administração e pelos servidores.

Os arts. 10 e 11 indicam as condutas consideradas como abuso do direito de greve, nelas incluindo a recusa à prestação de serviços inadiáveis e a manutenção da greve após celebração de acordo ou decisão judicial, bem como as sanções correspondentes.

O art. 12 trata da responsabilidade nas esferas administrativa, civil e penal.Encontram-se apensadas ao projeto seis proposições, que passaremos a

comentar.O Projeto de Lei nº 5.662, de 2001, de autoria do Deputado Airton Cascavel,

busca regulamentar o exercício do direito de greve pelos servidores civis, fa-zendo-o em termos bastante próximos aos do projeto principal.

O Projeto de Lei nº 6.032, de 2002, foi enviado pelo Poder Executivo com o mesmo escopo. Difere, no entanto, dos anteriores em alguns aspectos, tais como: de-termina a obrigatoriedade de manutenção de percentual mínimo de 50% de servidores em atividade, podendo o Poder Público postular liminarmente a fixação de percen-tual superior; prevê que a “ameaça concreta de deflagração de greve autoriza o Poder Público a ingressar em juízo postulando a declaração de ilegalidade do movimento, inclusive liminarmente”; e introduz regras processuais específicas sobre a matéria.

O Projeto de Lei nº 6.141, de 2002, da Deputada Iara Bernardi, também apresenta dispositivos semelhantes aos da proposição principal, inovando, con-tudo, em alguns pontos, como: obrigatoriedade de instalação de processo de negociação, sob pena de crime de responsabilidade da autoridade pública respon-sável, no prazo de dez dias após a apresentação da pauta de reivindicações dos servidores, podendo o Poder Judiciário fixar multa diária pelo descumprimento dessa obrigação; previsão de instituição de um Comitê de Negociação, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em cada esfera político-adminis-trativa; e autorização para que uma Comissão de Intermediação e Arbitragem, composta por representantes da sociedade civil, possa auxiliar na obtenção de uma solução para o conflito, podendo, por consenso entre as partes, arbitrar as cláusulas aplicáveis a ambas.

O Projeto de Lei nº 6.668, de 2002, da Deputada Elcione Barbalho, tal como os demais, estabelece direitos e obrigações para os servidores grevistas e para a Administração, cabendo destacar, entre seus aspectos particulares, a

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possibilidade de composição dos conflitos por meio de arbitragem, cabendo às partes, em comum acordo, a escolha do árbitro. O projeto também se distingue em relação ao campo de aplicação de suas normas, que se destinam aos servidores da administração pública federal.

O Projeto de Lei nº 6.775, de 2002, oriundo da Comissão de Legislação Participativa, busca regulamentar o direito constitucional de greve dos servidores públicos civis com algumas disposições semelhantes às da proposição principal, cabendo destacar, entre os dispositivos particulares que apresenta, os seguintes: previsão de que a Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decida sobre a procedência das reivindicações dos servidores; e obrigatoriedade de constituição, no âmbito de cada Poder, nas três esferas de governo, de uma comissão permanente de assuntos sindicais e as-sociativos, com a finalidade de intermediar as relações entre as entidades sindicais e a Administração Pública.

O Projeto de Lei n.º 1.950, de 2003, do Deputado Eduardo Paes, pretende disciplinar a matéria no âmbito da administração pública federal. Além de dispo-sições similares às da proposição principal e das demais apensadas, o projeto es-tabelece que, frustrada a negociação, é facultada a cessação coletiva do trabalho, e que o Judiciário, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público Federal, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, das reivindicações.

No prazo regimental, foram apresentadas três emendas ao PL nº 4.497/01, pelo Deputado Francisco Rodrigues, com os seguintes objetivos: acrescentar às atividades consideradas essenciais os serviços que visam possibilitar o atendi-mento direto das atribuições legais das Forças Armadas; atribuir competência à Justiça do Trabalho para decidir sobre a procedência das reivindicações dos ser-vidores grevistas; e permitir à Administração a cobrança judicial de indenização por prejuízos derivados do abuso do direito de greve, motivado por decisão de entidade sindical.Segundo informações obtidas na página oficial da Câmara dos Deputados

(www.camara.gov.br), o Projeto de Lei 4.497/01 encontra-se na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, na pendência de apreciação de pedido de desarqui-vamento da proposição formulado pelo Presidente da Comissão de Legislação Participativa, o Deputado Federal Eduardo Amorim, em 13 de março de 2007.

Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar simplesmente que a satisfação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis deva ficar submetida absoluta e exclusivamente a juízo de oportunidade e con-veniência do Poder Legislativo.

Estamos diante de uma situação jurídica que, desde a promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja, há mais de 18 anos), remanesce sem qualquer al-teração. Isto é, mesmo com as modificações implementadas pela Emenda 19/98 quanto à exigência de lei ordinária específica, o direito de greve dos servidores públicos ainda não recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais.

Por essa razão, não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal.

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Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo em vista as imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a to-dos os trabalhadores, este Tribunal não pode se abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo.

Uma boa síntese dessa questão no direito comparado é trazida por Rui Medeiros:

Qualquer referência ao Direito Comparado neste domínio não pode perder de vista que as diferentes concepções defendidas, mesmo quando apresentadas como solução para um problema identificado sob o mesmo nomen iuris, têm, por vezes, subjacentes diferentes modos de delimitação do próprio fenômeno em apreciação. Seja como for, feita a advertência, é possível verificar que os direi-tos italiano, alemão e austríaco apresentam três modos diferentes de solucionar o problema das sanções aplicáveis às leis que conferem direitos em violação do princípio da igualdade. As especificidades não residem, propriamente, na resposta à questão da admissibilidade, com carácter mais ou menos excepcional, das de-cisões modificativas, pois, em qualquer dos países, não se exclui liminarmente uma tal solução. O mesmo se passa, aliás, em Espanha, em França e nos Estados Unidos. As divergências situam-se a outro nível.

[Esclarece Rui Medeiros que] A diferença entre a lição alemã e o ensina-mento italiano prende-se, antes de mais, com a delimitação dos casos em que são constitucionalmente admissíveis as decisões modificativas. Na verdade, além de o Bundesverfassungsgericht, ao contrário da Corte Costituzionale, rejeitar deci-sões modificativas quando a discriminação resulta do silêncio da lei, o Tribunal Constitucional italiano admite mais facilmente do que o Tribunal Constitucional Federal alemão a existência de valores constitucionais que postulem a modificação da lei. Mesmo um Autor, como Vezio Crisafulli, que não se cansa de sublinhar que a legislação positiva criada pela Corte Costituzionale é uma legislação a rime obbli-gate [isto é, trata-se de atividade legislativa vinculada ao poder de conforma-ção limitado pelo gizamento constitucional estabelecido para a matéria], alude ao contraste entre a solução italiana e a solução alemã: o Bundesverfassungsgericht alemão, perante uma violação do princípio da igualdade resultante de um trata-mento de favor concedido apenas a algumas das pessoas que se encontram num plano essencialmente igual, lança geralmente mão da simples declaração de in-compatibilidade, pois entende que o poder legislativo dispõe de várias possibilida-des de eliminação do vício e, entre outras opções, tanto pode estender a norma de favor aos até aí excluídos, como revogá-la para todos; pelo contrário, em situações deste género, a Corte italiana adopta uma sentença manipulativa, anulando a dis-posição nella parte in cui (ainda que implicitamente) esclude do beneficio a catego-ria preterida, estendendo assim o tratamento mais favorável.(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p. 461.)A propósito do papel das Cortes Constitucionais, anota Rui Medeiros:

A atribuição de uma função positiva ao juiz constitucional harmoniza-se, desde logo, com a tendência hodierna para a acentuação da importância e da cria-tividade da função jurisdicional: as decisões modificativas integram-se, coeren-temente, no movimento de valorização do momento jurisprudencial do direito.

O alargamento dos poderes normativos do Tribunal Constitucional consti-tui, outrossim, uma resposta à crise das instituições democráticas.

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Enfim, e este terceiro aspecto é particularmente importante, a reivindicação de um papel positivo para o Tribunal Constitucional é um corolário da falência do Estado Liberal. Se na época liberal bastava cassar a lei, no período do Estado Social, em que se reconhece que a própria omissão de medidas soberanas pode pôr em causa o ordenamento constitucional, torna-se necessário a intervenção activa do Tribunal Constitucional. Efectivamente, enquanto para eliminar um limite nor-mativo (v.g. uma proibição ou um ônus) e restabelecer plenamente uma liberdade, basta invalidar a norma em causa, o mesmo não se pode dizer quando se trata de afastar uma omissão legislativa inconstitucional. Neste segundo caso, se seguir o modelo clássico de justiça constitucional, a capacidade de intervenção do juiz das leis será muito reduzida. Urge, por isso, criar um sistema de justiça constitucional adequado ao moderno Estado Social. Numa palavra: “a configuração actual das constituições não permite qualquer veleidade aos tribunais constitucionais em ac-tuarem de forma meramente negativa, antes lhes exige uma esforçada actividade que muitas vezes se pode confundir com um indirizzo político na efectiva concre-tização e desenvolvimento do programa constitucional. Daí o falhanço de todas as teses que pretendiam arrumar os tribunais constitucionais numa atitude mera-mente contemplativa perante as tarefas constitucionais” e o esbatimento, claro em Itália, dos limites à admissibilidade de decisões modificativas.(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p. 493-494.)

Esclarece ainda Rui Medeiros:

As considerações anteriores apontam no sentido da inadmissibilidade das decisões modificativas. Mas isso não significa que não possa haver excepções. Efectivamente, embora parte da doutrina admita que as decisões modificativas são proferidas no exercício de um poder discricionário do Tribunal Constitucional e se contente em pedir aos juízes constitucionais que usem a sua liberdade de es-colha com parcimônia, numerosos autores esforçam-se por sublinhar que não está em causa o exercício de uma função substancialmente criativa ex nihil, verificando-se tão-somente a extração de um quid iuris já presente – de modo cogente e vinculativo para o próprio legislador – no ordenamento. Nesta pers-pectiva, o órgão de controlo, ao modificar a lei, não actua como se fosse legislador, já que “não possui aquele grau de liberdade de opção para definir o escopo legal que é atributo do legislador”. “O quid iuris adiectum, ainda que não explicitado formalmente na disposição ou no texto (verba legis), está já presente, e in modo obbligante, no próprio sistema”.

[Destaca Rui Medeiros que] Dois critérios são normalmente trazidos à colação para fundamentar este entendimento: o critério da vontade hipotética do legislador e o critério da solução constitucionalmente obrigatória. O campo de aplicação das decisões modificativas restringe-se, nesta perspectiva, aos domí-nios em que a liberdade de conformação do legislador se reduz quase ao zero ou em que se pode afirmar que o legislador, caso tivesse previsto a inconstitucionali-dade, teria alargado o âmbito de aplicação da lei. É certo que numerosos autores se socorrem ainda de um princípio geral de tratamento mais favorável. Mas, uma vez que um tal princípio se funda em normas ou princípios constitucionais (v.g. no princípio do Estado Social, no princípio da igualdade, na proibição de retrocesso social), o apelo ao princípio geral de tratamento mais favorável constitui no fundo uma simples modalidade do segundo critério referido.(MEDEIROS, Rui. A decisão de Inconstitucionalidade, p. 501).

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Por fim, Rui Medeiros assevera que:

– É freqüente a aceitação das decisões modificativas nos casos em que o Tribunal completa um regime basicamente escolhido pelo legislador e de um modo que em princípio o legislador não desdenharia. Diz-se, para o efeito, que não há, aí, substituição da vontade ou da opção do legislador por outras substan-cialmente diversas. (P. 502.)

– A admissibilidade das decisões modificativas impõe-se segundo outro cri-tério, quando a modificação da lei operada pelo Tribunal Constitucional incorpora unicamente uma “solução constitucionalmente obrigatória”, pois nestes casos, o Tribunal Constitucional não exerce manifestamente uma função substancialmente criativa ex nihil.(MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, cit., p. 504.).

Especialmente no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou mo-dificativas, esclarece Rui Medeiros que elas são em geral aceitas quando inte-gram ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou ainda quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora “solução constitucionalmente obrigatória” (MEDEIROS, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, cit., p. 504).

A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral no que con-cerne às denominadas “atividades essenciais” é especificamente delineada nos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89.

O art. 9º desse diploma normativo dispõe que o sindicato ou comissão de negociação deve manter um número de empregados em atividade para que seja garantida a manutenção dos serviços que, se paralisados, podem acarretar preju-ízo irreparável. Para isso, deve haver acordo entre o sindicato ou comissão de ne-gociação e a entidade patronal ou o empregador. Se não se chegar a esse acordo, o empregador pode contratar diretamente esses serviços, enquanto a greve durar.

O art. 10 da Lei Geral de Greve, por sua vez, elenca atividades e serviços que devem ser considerados como essenciais, verbis:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;IV – funerários;V – transporte coletivo;VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;VII – telecomunicações;VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e

materiais nucleares;IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;X – controle de tráfego aéreo;XI – compensação bancária.

O art. 11 da referida lei dispõe sobre a obrigatoriedade de se garantir, durante a greve, os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades

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inadiáveis da comunidade. Tal obrigação se dirige tanto aos sindicatos quanto aos empregadores e trabalhadores. O parágrafo único desse artigo estipula o conceito da expressão “necessidades inadiáveis” como “aquelas que, não atendidas, colo-quem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

O art. 12 da Lei 7.783/89, por sua vez, dispõe que, frustrada a obrigação prevista no artigo anterior, cabe ao poder público assegurar a prestação dos ser-viços indispensáveis.

No caso de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 9º, caput c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorga ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou me-nos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição.

Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, pode tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina.

A partir da experiência do direito alemão sobre a declaração de inconstitu-cionalidade sem pronúncia da nulidade, tendo em vista especialmente as omis-sões legislativas parciais, e das sentenças aditivas no direito italiano, denota-se que se está, no caso do direito de greve dos servidores, diante de hipótese em que a omissão constitucional reclama uma solução diferenciada.

De resto, uma sistêmica conduta omissiva do Legislativo pode e deve ser submetida à apreciação do Judiciário (e por ele deve ser censurada) de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos (CF, art. 5º, XXXV). Trata-se de uma garantia de proteção judicial efetiva que não pode ser negligenciada na vivência democrática de um Estado de Direito (CF, art. 1º).

Essa consideração traz repercussões acerca do papel institucional a ser de-sempenhado por esta Corte no processo de fiscalização de constitucionalidade das omissões legislativas. A esse respeito, Joaquín Brage Camazano esclarece as dificuldades normativas que se impõem para a realização de direitos funda-mentais e propõe uma superação da formulação kelseniana segundo a qual a função da Corte Constitucional deveria se limitar à de um “legislador negativo”. Segundo Camazano:

La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de senten-cias de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, con una u otra denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero

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hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen del TC como una suerte de “le-gislador negativo”. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisla-dores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico “arsenal” sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple “constitucionalidad/incons-titucionalidad”, es un elemento más, y de importancia, que viene a poner de re-lieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, “la praxis de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección” de la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, “certificando [así] la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo.”(CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación Constitucional, declara-ciones de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador (un sucinto inven-tario de algunas sentencias “atípica”).)

Sobre a necessidade de decisões adequadas para esse estado de inconsti-tucionalidade omissiva, afiguram-se pertinentes as lições de Augusto Martin de La Vega na seguinte passagem de sua obra:

Partiendo de que cada sistema de justicia constitucional tiende a confi-gurarse como un modelo particular en función de sus relaciones con el ordena-miento constitucional en el que opera, es difícil entender la proliferación de las sentencias manipulativas sin tener en cuenta la combinación de tres factores de-terminantes en el caso italiano: la existencia de una Constituición con una fuerte carga programática y ‘avocada’ a un desarrollo progresivo, la continuidad bá-sica de un ordenamiento legal con fuertes resquicios no sólo protoliberales sino incluso autoritarios, y la simultánea ineficacia del Parlamento para dar una res-posta en el tiempo socialmente requerido tanto a las demandas de actuación de la Constituición, como a la necesaria adecuación del preexistente ordenamiento legal al orden constitucional.(LA VEGA, Augusto Martín. La sentencia constitucional en Italia, p. 229-230.)

A meu ver, tais condicionamentos político-institucionais permitem uma aproximação ao caso brasileiro da omissão legislativa quanto ao direito de greve dos servidores públicos.

O que se propõe, portanto, é uma mudança de perspectiva quanto às possibilidades jurisdicionais de controle de constitucionalidade das omissões legislativas.

É certo, igualmente, que a solução alvitrada por essa posição não desborda do critério da vontade hipotética do legislador, uma vez que se cuida de adotar, provisoriamente, para o âmbito da greve no serviço público, as regras aplicáveis às greves no âmbito privado.

D) Conclusão

Em síntese, considerada a omissão legislativa alegada na espécie, voto, preliminarmente, pelo conhecimento do mandado de injunção.

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No mérito, acolho a pretensão tão-somente no sentido de que se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos.

Nesse particular, ressalto ainda que, em razão dos imperativos da conti-nuidade dos serviços públicos, não estou a afastar que, de acordo com as pe-culia ri da des de cada caso concreto e mediante solicitação de órgão competente, seja facultado ao juízo competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos dos já mencionados arts. 9º a 11 da Lei 7.783/89.

Creio que essa complementação na parte dispositiva de meu voto é indis-pensável porque, na linha do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou ati-vidades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos servi-ços privados ditos “essenciais”.

Isto é, mesmo provisoriamente, há de se considerar, ao menos, idêntica conformação legislativa quanto ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivên-cia, a saúde ou a segurança da população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).

Nessa extensão do acolhimento, porém, creio serem necessárias outras considerações com relação à recente decisão tomada por esta Corte no julga-mento da medida liminar na ADI 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso. Eis o teor da ementa do julgado:

Ementa: inconstitucionalidade. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o poder público e seus ser-vidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de traba-lho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça comum. Interpretação do art. 114, inciso I, da CF, introduzido pela EC 45/04. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República não abrange as causas instauradas entre o poder pú-blico e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.(ADI 3.395/DF, Pleno, maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, vencido o Min. Marco Aurélio, DJ de 10-11-06.)

Assim, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, é necessário que, na decisão deste MI, fixemos os parâmetros institucionais e constitucionais de defi-nição de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o poder público e os servidores com vínculo estatutário.

Nesse particular, assim como argumentei com relação à Lei Geral de Greve, creio ser necessário e adequado que fixemos balizas procedimentais mí-nimas para a apreciação e julgamento dessas demandas coletivas.

A esse respeito, no plano procedimental, vislumbro que é recomendável a aplicação da Lei 7.701/88 (que cuida da especialização das turmas dos tribunais do

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trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e jul-gar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que se-jam suscitados até o momento de colmatação legislativa da lacuna ora declarada.

Ao desenvolver mecanismos para a apreciação dessa proposta constitucio-nal para a omissão legislativa, creio não ser possível argumentar pela impossibili-dade de se proceder a uma interpretação ampliativa do texto constitucional nesta seara, pois é certo que, antes de se cogitar de uma interpretação restritiva ou ampliativa da Constituição, é dever do intérprete verificar se, mediante fórmulas pretensamente alternativas, não se está a violar a própria decisão fundamental do constituinte. No caso em questão, estou convencido de que não se está a afrontar qualquer opção constituinte, mas, muito pelo contrário, se está a engendrar esfor-ços em busca de uma maior efetividade da Constituição como um todo.

Relembro a afirmação de Pertence, no voto proferido no Inq 687-QO/SP, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 9-11-01, ocasião em que se discutia a competência desta Corte no contexto da prerrogativa de foro por exercício de função, verbis: “Se nossa função é realizar a Constituição e nela a largueza do campo do foro por prerrogativa de função mal permite caracterizá-lo como excepcional, nem cabe restringi-lo nem cabe negar-lhe a expansão sistemática necessária a dar efetividade às inspirações da Lei Fundamental”.

Sobre essa questão também nos ensina Canotilho:

A força normativa da Constituição é incompatível com a existência de competências não escritas salvo nos casos de a própria Constituição autorizar o legislador a alargar o leque de competências normativo-constitucionalmente especificado. No plano metódico, deve também afastar-se a invocação de “po-deres implícitos”, de “poderes resultantes” ou de “poderes inerentes” como for-mas autônomas de competência. É admissível, porém, uma complementação de competências constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica). Por esta via, chegar-se-á a duas hipóteses de competência complementares implícitas: (1) competências implícitas complementares, enquadráveis no programa normativo-constitucional de uma competência explícita e justificáveis porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências (ex.: quem tem competência para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para a preparação e formação de decisão); (2) competências implícitas complementares, necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sis-temática e analógica de preceitos constitucionais.(CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui-ção. 5. ed. Coimbra: Almedina. p. 543.)Nesse contexto, conforme já tive oportunidade de sustentar algumas vezes,

não há como, em Constituição tão detalhada como a nossa, deixar de fazer uma interpretação compreensiva do texto constitucional. Principalmente levando em consideração a questão ora sob análise (exercício do direito de greve por servi-dores públicos), resulta impossível não empreender esse tipo de compreensão.

Vê-se, pois, que o sistema constitucional não repudia a idéia de competên-cias implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas

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constitucionais evidentes. Por isso, considero viável a possibilidade de aplicação das regras de competência insculpidas na Lei 7.701/88 para garantir uma presta-ção jurisdicional efetiva na área de conflitos paredistas instaurados entre o po-der público e os servidores públicos estatutários (CF, arts. 5º, XXXV, e 93, IX).

Diante dessa conjuntura, é imprescindível que este Plenário densifique as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal.

Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda, abranger mais de uma unidade da federação, entendo que a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, a, da Lei 7.701/88).

Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da Lei 7.701/88).

Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvér-sia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também, por aplicação analógica, do art. 6º da Lei 7.701/88).

Ou seja, nesse último caso, as greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais.

Revela-se importante, nesse particular, ressaltar que a par da competência para o dissídio de greve em si – no qual se discute a abusividade, ou não, da greve – também os referidos tribunais, nos seus respectivos âmbitos, serão com-petentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de parali-sação em consonância com a excepcionalidade com a qual esse juízo se reveste.

Nesse particular, nos termos do art. 7º da Lei 7.783/89, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Na sus-pensão do contrato de trabalho não há falar propriamente em prestação de ser-viços, nem tampouco no pagamento de salários. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.

Os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e jul-gar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como:

i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar traba-lhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação;

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos ór-gãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e

iii) demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dis-sídio coletivo de greve.

Em última instância, a adequação e a necessidade da definição dessas ques-tões de organização e de procedimento dizem respeito à fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade de exercício do direito constitucional de greve dos servidores públicos e, sobretudo, os limites a esse exercício no contexto de continuidade na prestação dos serviços públicos.

Ao adotar essa medida, este Tribunal estaria a assegurar o direito de greve constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem des-considerar a garantia da continuidade de prestação de serviços públicos – um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas para o benefício da sociedade brasileira.

Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em res-peito aos ditames de segurança jurídica, entendo ser válida a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.

Diante do exposto, voto no sentido de que o presente mandado de injunção seja conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, de-terminar a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.

É como voto.

Apêndice I

Comparativo entre a Lei de Greve dos servidores em geral (Lei 7.783/89) e o substitutivo ao Projeto de Lei, acerca da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, 4.497/01

Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essen-ciais, regula o atendimento das neces-sidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

O Presidente da República, faço sa-ber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores

Dispõe sobre os termos e limites do exercício do direito de greve pelos servi-dores públicos.

O Congresso Nacional decreta:Art. 1º O direito de greve será exerci-

do pelos servidores públicos nos termos e limites estabelecidos por esta lei, compe-tindo-lhes decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nes-ta Lei.

Art. 2º Para os fins desta Lei, consi-dera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Art. 3º Frustrada a negociação ou ve-rificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação cole-tiva do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores di-retamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quaren-ta e oito) horas, da paralisação.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que de-finirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de con-vocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores inte-ressados deliberará para os fins previstos no “caput”, constituindo comissão de negociação.

Art. 5º A entidade sindical ou comis-são especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas nego-ciações ou na Justiça do Trabalho.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

Art. 2º Para os fins desta lei consi-dera-se:

I – Administração: órgão da adminis-tração direta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como respectivas autarquias e fundações públicas;

II – servidor: pessoa legalmente in-vestida em cargo público;

III – legítimo exercício do direito de greve: suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de serviços públicos.

Art. 3º Caberá à entidade sindical dos servidores convocar, na forma de seu estatuto, assembléia geral para deliberar sobre as reivindicações da categoria e so-bre a deflagração e a cessação da greve .

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades para con-vocação da assembléia geral e o quo-rum específico exigido para deliberação quanto à greve.

§ 2º Se inexistir entidade sindical representativa dos servidores públicos, assembléia geral convocada com pelo menos 24 (vinte e quatro) horas de an-tecedência, desde que conte com a pre-sença de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) dos integrantes da categoria, po-derá deliberar sobre a greve por maioria absoluta dos presentes, devendo, obriga-toriamente, caso a greve seja aprovada, constituir comissão de negociação.

§ 3º A entidade sindical ou a comis-são de negociação a que se refere o § 2º representará os interesses dos servidores em greve nas negociações com a Admi-nistração e, caso seja necessário, junto ao Poder Judiciário.

Art. 4º Apresentada a pauta de rei-vindicações nos termos do art. 3º, a Ad-ministração adotará os seguintes proce-dimentos:

I – instalará processo de negociação; II – no prazo de 30 (trinta) dias conta-

dos do recebimento das reivindicações,

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

I – o emprego de meios pacíficos ten-dentes a persuadir ou aliciar os trabalha-dores a aderirem à greve;

II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e emprega-dores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de ou-trem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do mo-vimento.

§ 3º As manifestações e atos de per-suasão utilizados pelos grevistas não po-derão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7º Observadas as condições pre-vistas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, deven-do as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, conven-ção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhado-res substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cum-prindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou dire-tamente com o empregador, manterá em

deverá manifestar-se, acolhendo-as, apresentando proposta conciliatória ou fundamentando a impossibilidade de seu atendimento.

Art. 5º Transcorrido o prazo previsto no inciso II do art. 4º e tendo a assem-bléia geral deliberado pela deflagração da greve, caberá à entidade sindical ou à comissão de negociação comunicar tal fato à Administração, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas do início da greve.

Art. 6º São assegurados aos servi-dores em greve, sem prejuízo de outros direitos:

I – a livre divulgação do movimento grevista entre os servidores;

II – a persuasão e o aliciamento dos servidores visando sua adesão à greve, mediante o emprego de meios pacíficos;

III – a arrecadação de fundos para o movimento grevista;

IV – a prestação de esclarecimentos à população sobre os motivos e objetivos da greve.

§ 1º Em nenhuma hipótese, o legíti-mo exercício do direito de greve poderá servir de justificativa ou atenuante pa-ra quaisquer ações de servidores ou da Administração que constituam violação, ameaça ou constrangimento ao exercício dos direitos e garantias fundamentais.

§ 2º É vedado à Administração, sob pena de responsabilidade das autori-dades, por qualquer forma constranger servidor a comparecer ao trabalho, bem como procurar frustrar o exercício dos direitos previstos neste artigo.

Art. 7º Durante o período de greve são vedados, nos órgãos ou entidades pú-blicas cujas atividades estejam interrom-pidas ou prejudicadas, os atos de:

I – demissão de servidor, exceto nos casos previstos no art. 12 ou quando se tratar de demissão fundada em fatos não relacionados à paralisação;

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irre-parável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;III – distribuição e comercialização

de medicamentos e alimentos;IV – funerários;V – transporte coletivo;VI – captação e tratamento de esgoto

e lixo;VII – telecomunicações;VIII – guarda, uso e controle de subs-

tâncias radioativas, equipamentos e ma-teriais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;XI – compensação bancária.Art. 11. Nos serviços ou atividades

essenciais, os sindicatos, os empregado-res e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispen-sáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

II – exoneração de servidor, exceto em se tratando de cargos em comissão de livre provimento e exoneração, ou, sendo cargo efetivo, se a pedido do servidor;

III – nomeação de novos servidores para exercício de cargo efetivo;

IV – contratação por tempo determi-nado prevista no art. 37, IX – da Consti-tuição Federal;

V – contratação de terceiros para a execução de serviços prestados usual-mente por servidor.

§ 1º As vedações constantes nos in-cisos IV e V não se aplicam aos casos previstos no § 2º do art. 9º.

§ 2º A inobservância do disposto nes-te artigo implicará a nulidade do ato res-pectivo e a responsabilização da autori-dade que o praticou ou determinou.

Art. 8º São considerados serviços ou atividades essenciais, além daqueles es-pecificados na lei de que trata o § 1º do art. 9º da Constituição Federal:

I – a representação diplomática do país no exterior e a recepção a repre-sentantes de governos estrangeiros ou de organismos internacionais, em visita oficial ao país;

II – o exercício de poder de polícia;III – os serviços de carceragem e vi-

gilância de presos e de segurança dos es-tabelecimentos do sistema penitenciário;

IV – os serviços de assistência à saú-de e previdência;

V – os serviços do Poder Judiciário diretamente vinculados ao exercício de suas funções;

VI – os serviços que visam possibili-tar o atendimento direto das atribuições legais das Forças Armadas.

Art. 9º Durante a greve em órgãos e entidades públicas que executem servi-ços ou atividades essenciais, os servido-res, sob a coordenação de entidade sindi-cal ou da comissão de negociação a que se refere o § 2º do art. 3º, ficam obrigados

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo imi-nente a sobrevivência, a saúde ou a segu-rança da população.

Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Pú-blico assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.

Art. 13. Na greve, em serviços ou ati-vidades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com an-tecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.

Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas conti-das na presente Lei, bem como a manu-tenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Jus-tiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acor-do, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direi-to de greve a paralisação que:

I – tenha por objetivo exigir o cumpri-mento de cláusula ou condição;

II – seja motivada pela superveniên-cia de fatos novo ou acontecimento im-previsto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

Art. 15. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, confor-me o caso, segundo a legislação traba-lhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer de-núncia quando houver indício da prática de delito.

a garantir a prestação dos serviços indis-pensáveis ao atendimento das necessida-des inadiáveis de interesse público.

§ 1º São necessidades inadiáveis de in-teresse público aquelas que, se não atendi-das, coloquem em risco iminente a segu-rança do Estado, a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, o exercício dos direitos e garantias fundamentais e a preservação do patrimônio público.

§ 2º No caso de inobservância do dis-posto neste artigo pelos servidores, fica a Administração autorizada a proceder à:

I – contratação de pessoal por tempo determinado, prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal;

II – contratação de serviços de tercei-ros para a execução de serviços presta-dos usualmente por servidor, admitida a dispensa de licitação;

§ 3º Os contratos previstos no § 2º restringir-se-ão à efetiva prestação dos serviços a que se refere o caput e serão rescindidos em prazo não superior a 15 (quinze) dias após o encerramento da greve.

Art. 10. Os dias de greve serão conta-dos como de efetivo exercício para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, des-de que, após o encerramento da greve, sejam repostas as horas não trabalhadas, de acordo com cronograma estabeleci-do pela Administração, com a participa-ção da entidade sindical ou da comissão de negociação a que se refere o § 2º do art. 3º.

Art. 11. Constitui abuso do direito de greve:

I – a paralisação que não atenda às formalidades para convocação da assem-bléia geral dos servidores e o quorum específico para deliberação;

II – a paralisação de serviços sem a devida comunicação à Administração, com a antecedência mínima prevista no art. 5º;

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Lei 7.783/89 Substitutivo ao Projeto de Lei 4.497/01

Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido.

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindica-ções dos respectivos empregados (lock-out).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

Art. 18. Ficam revogados a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e demais disposições em contrário.

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da Independência e 101º da República.

José SarneyOscar Dias CorrêaDorothea Werneck

III – a recusa à prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das ne-cessidades de interesse público previstas no art. 9º;

IV – a manutenção da greve após a celebração de acordo ou decisão judicial sobre a legalidade das reivindicações que a tenham motivado.

Art. 12. O abuso do direito de greve, devidamente apurado em processo ad-ministrativo, assegurada ao acusado am-pla defesa, acarretará as penalidades de:

I – suspensão de até 90 (noventa) dias, que poderá, a critério da Administra-ção, ser convertida em multa, na base de 30%, por dia, da remuneração, ficando o servidor, neste caso, obrigado a perma-necer no trabalho;

II – demissão, em caso de reincidência.Parágrafo único. A penalidade de sus-

pensão terá seu registro cancelado, sem qualquer efeito retroativo, decorridos 3 (três) anos de efetivo exercício, se o ser-vidor, durante esse período, não incorrer em nova infração disciplinar.

Art. 13. A responsabilidade pelos atos praticados durante a greve será apurada, no que couber, nas esfera administrativa, civil e penal.

§ 1º As sanções administrativas, civis e penais poderão cumular-se, sendo in-dependentes entre si.

§ 2º A responsabilidade administra-tiva do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existên-cia do fato ou sua autoria.

Art. 14. Esta lei entra em vigor na da-ta de sua publicação.

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Lei 7.783/89 Projeto de Lei 6.032/02

Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essen-ciais, regula o atendimento das neces-sidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

O Presidente da República, faço sa-ber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É assegurado o direito de gre-ve, competindo aos trabalhadores deci-dir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nes-ta Lei.

Art. 2º Para os fins desta Lei, consi-dera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Art. 3º Frustrada a negociação ou ve-rificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação cole-tiva do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores di-retamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quaren-ta e oito) horas, da paralisação.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que de-finirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindi-cal deverá prever as formalidades de

Disciplina o exercício do direito de greve dos servidores públicos dos Pode-res da União, dos Estados, do Distrito Federal a dos Municípios, previsto no art. 37, inciso VII da Constituição Fe-deral e dá outras providências. (Apense-se ao PL 4.497/01)

O Congresso Nacional decreta:Art. 1º Esta lei disciplina o exercício

do direito de greve dos servidores pú-blicos da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e es-tabelece os termos e os limites para o seu exercício.

Art. 2º Considera-se exercício regular do direito de greve a suspensão coleti-va, temporária e pacífica de serviço ou atividade estatal dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 3º Será suspenso de ofício, pela autoridade competente, o pagamento da remuneração do servidor em greve, rela-tivamente aos dias não trabalhados.

§ 1º Declarada a legalidade da gre-ve, será restabelecido o pagamento da remuneração, com efeitos retroativos à data de sua suspensão, ficando o servidor obrigado a repor os dias não trabalha-dos, mediante jornada diária acrescida de duas horas.

§ 2º Declarada a ilegalidade da greve, é vedada a reposição do pagamento dos dias paralisados.

Apêndice II

Comparativo entre a Lei de Greve dos servidores em geral (Lei 7.783/89) e o Projeto de Lei, acerca da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, 6.032/2002

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convocação e o quorum para a delibe-ração, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores inte-ressados deliberará para os fins previs-tos no caput, constituindo comissão de negociação.

Art. 5º A entidade sindical ou comis-são especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas nego-ciações ou na Justiça do Trabalho.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I – o emprego de meios pacíficos ten-dentes a persuadir ou aliciar os trabalha-dores a aderirem à greve;

II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e emprega-dores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem co-mo capazes de frustrar a divulgação do movimento.

§ 3º As manifestações e atos de per-suasão utilizados pelos grevistas não po-derão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7º Observadas as condições pre-vistas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, deven-do as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, conven-ção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve,

Art. 4º Cabe à entidade representa-tiva dos servidores públicos convocar assembléia geral específica para delibe-rar sobre suas reivindicações perante o poder público.

Parágrafo único. Inexistindo entidade representativa dos servidores públicos, estes se farão representar por comissão de liderança do movimento grevista que, para os fins desta lei, terá capacidade processual.

Art. 5º As decisões da assembléia ge-ral somente poderão ser tomadas com a presença mínima comprovada de dois terços do total dos servidores da catego-ria, considerando-se aprovadas se obti-verem a maioria absoluta dos votos dos membros presentes.

Art. 6º As deliberações aprovadas em assembléia geral, com indicativo de gre-ve, serão notificadas ao poder público para que se manifeste no prazo de trinta dias, acolhendo as reivindicações, apre-sentando proposta conciliatória ou fun-damentando a impossibilidade de seu atendimento.

§ 1º A omissão do Poder Público ou a frustração da tentativa conciliatória no prazo previsto neste artigo permitirá aos servidores decidir pela paralisação dos serviços, em assembléia geral específica.

§ 2º Decidindo a assembléia geral pe-la paralisação de serviço ou atividade pública, caberá à entidade representativa dos servidores comunicar tal fato ao po-der público, com antecedência mínima de dez dias.

§ 3º No prazo estabelecido no § 2º deste artigo, a entidade representativa deverá informar à comunidade sobre as reivindicações apresentadas ao Poder Público.

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bem como a contratação de trabalhado-res substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cum-prindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou dire-tamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irre-parável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Parágrafo único. Não havendo acor-do, é assegurado ao empregador, en-quanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços neces-sários a que se refere este artigo.

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;III – distribuição e comercialização

de medicamentos e alimentos;IV – funerários;V – transporte coletivo;VI – captação e tratamento de esgoto

e lixo;VII – telecomunicações;VIII – guarda, uso e controle de subs-

tâncias radioativas, equipamentos e ma-teriais nucleares;

Art. 7º Durante a greve deverá ser mantido percentual mínimo de cinqüenta por cento de servidores em atividade, de forma a garantir a continuidade dos servi-ços ou das atividades públicas.

Art. 8º São assegurados aos servido-res em greve:

I – a livre divulgação do movimento grevista; e

II – atos de convencimento dos ser-vidores para adesão à greve, fora do lo-cal de serviço, e mediante o emprego de meios pacíficos.

Parágrafo único. As manifestações e atos de convencimento utilizados pelos servidores em greve não poderão impe-dir o regular funcionamento do serviço ou da atividade pública, a liberdade de locomoção, o acesso ao trabalho, aos lo-gradouros e prédios públicos, nem causar ameaça ou dano à pessoa ou ao patrimô-nio público ou privado.

Art. 9º A ameaça concreta de defla-gração de greve autoriza o poder público a ingressar em juízo postulando a de-claração de ilegalidade do movimento, inclusivo liminarmente.

§ 1º Sob pena de indeferimento, a pe-tição inicial da ação a que se refere o ca-put será obrigatoriamente instruída com os documentos necessários ao pronto julgamento da causa, requisito também exigido da contestação, sendo vedada dilação probatória a pedido das partes.

§ 2º As manifestações do Ministério Público serão proferidas no prazo im-prorrogável de dez dias.

§ 3º O poder público poderá postular liminarmente a fixação de percentual de servidores em atividade, superior ao defi-nido no art. 7º, quando, por sua natureza, a atividade assim o exigir.

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IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;XI – compensação bancária.Art. 11. Nos serviços ou atividades es-

senciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de co-mum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiá-veis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo imi-nente a sobrevivência, a saúde ou a segu-rança da população.

Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o poder pú-blico assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.

Art. 13. Na greve, em serviços ou ati-vidades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com an-tecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.

Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas conti-das na presente Lei, bem como a manu-tenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Jus-tiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acor-do, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direi-to de greve a paralisação que:

I – tenha por objetivo exigir o cumpri-mento de cláusula ou condição;

II – seja motivada pela superveniên-cia de fatos novo ou acontecimento im-previsto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

§ 4º Da decisão que julgar o pedido de liminar caberá agravo de instrumento, a ser julgado na sessão seguinte à sua in-terposição, independentemente da con-cessão de efeito suspensivo ao recurso.

§ 5º Da decisão que julgar o agravo de que trata o § 4º caberá pedido de suspen-são ao Presidente do Tribunal competen-te para julgar eventual recurso especial ou extraordinário, ainda que pendente de juízo de admissibilidade no tribunal de origem.

§ 6º Da decisão que indeferir o pedido de que trata o § 5º caberá agravo no pra-zo de cinco dias, a ser julgado na sessão seguinte à sua interposição.

§ 7º O processo prosseguirá até de-cisão final sobre a legalidade ou ile-galidade da greve, independentemen-te do encerramento do movimento de paralisação.

§ 8º Os processos referidos nesta lei terão prioridade sobre todos os atos ju-diciais, salvo habeas-corpus e mandado de segurança.

Art. 10. A participação em greve, após declarada sua ilegalidade, produ-zirá os efeitos de falta não justificado, a partir da data de início do respectivo movimento grevista.

Art. 11. Enquanto não declarada ile-gal é vedada a demissão de servidor, ex-ceto na hipótese de conclusão de proces-so administrativo disciplinar que tenha por objeto fato não relacionado com a participação na greve.

Art. 12. Em caso de manutenção da greve após a declaração de ilegalidade do movimento, a Justiça imporá à en-tidade representativa dos servidores pena cominatória em valor não supe-rior a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais)

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Art. 15. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, confor-me o caso, segundo a legislação traba-lhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer de-núncia quando houver indício da prática de delito.

Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido.

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivin-dicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

Art. 18. Ficam revogados a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e demais disposições em contrário.

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da Independência e 101º da República.

José SarneyOscar Dias CorrêaDorothea Werneck

por dia de paralisação, até a cessação completa do movimento.

Art. 13. Será declarada ilegal a greve deflagrada em desacordo com o disposto nesta lei.

Art. 14. O art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XIV:

“XIV prática, durante a greve, de qualquer ato que viole os direitos e ga-rantias fundamentais de outrem, impe-dindo o acesso ao trabalho, perturbando o regular funcionamento do serviço ou atividade pública ou causando ameaça ou dano a propriedade ou a pessoa”. (NR).

Art. 15. Esta lei entra em vigor na da-ta de sua publicação.

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VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, tenho plena consciência de que estamos num momento histórico extremamente importante. Estamos redesenhando esse importantíssimo instituto, o mandado de injunção. Em boa hora esse Tribunal dará um passo à frente no sentido de permitir maior con-creção, maior eficácia a esse instituto, mas peço vênia aos colegas para pedir vista.

EXTRATO DA ATA

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (Advogados: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justifi-cadamente, nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28-4-04.

Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, que conhecia do man-dado de injunção e dava solução à omissão legislativa, nos termos de seu voto, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Não participa da vota-ção o Ministro Eros Grau por suceder ao Ministro Maurício Corrêa, Relator do presente feito. Presidência da Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 7 de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de mandado de injun-ção, com pedido de medida liminar, impetrado por Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo (SINDIPOL), contra omissão do Congresso Nacional, consistente na ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII, da Constituição de 1988.

O Impetrante narra, em suma, que deflagrou movimento grevista na Polícia Civil capixaba, após infrutíferas negociações com o Governo do Estado. Diz, ainda, que, instado por este, “o MM Juiz da Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Dr. Eraldo Gomes de Azevedo, deferiu tutela antecipada em ação ordinária (...), impedindo o exercício do direito constitucional de greve por parte dos associados do impetrante” (grifo no original – fl. 5).

Destaca-se da referida decisão o seguinte trecho:

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(...) diante do exposto, defiro, em parte, o pedido e determino a intimação do Sindipol, na pessoa do seu representante legal, de que a tutela antecipada defe-rida nos autos do presente processo, que proibiu o movimento paredista, ainda se encontra em vigor, sendo ilegítimo qualquer movimento grevista que porventura pretendam deflagrar e que a não obediência à ordem judicial emanada redundará, além da pena criminal correspondente, no corte do ponto de servidores, bem como na multa pecuniária diária a incidir sobre os dias parados que mantenho em R$ 10.000,00 (dez mil reais).(Grifos no original – fls. 5-6.)

Argumenta, mais, que, “após o advento da Emenda Constitucional 19/98, passando a condicionar o exercício do direito de greve à edição de lei específica e não mais a lei complementar, caso claro da Lei de Greve – específica, pugna-se como razoável a aplicação desta Lei ao caso concreto, analogamente, sem que se fira suscetibilidades, e impere o primado da legalidade” (fl. 14).

Requer o Impetrante, ao final, “seja o presente mandado de injunção jul-gado procedente, garantindo-se o exercício do direito de greve dos impetrantes com base na Lei Federal nº 7783/89, enquanto este direito não for regulamen-tado pelo Congresso Nacional; assim como sejam definitivamente banidos do mundo jurídico os efeitos da decisão proferida pelo Juízo Singular no Processo nº 024.010.028.918, anulando-se, definitivamente este processo, posto ferir de morte direito consagrado na Constituição Federal” (fl. 15).

O pedido de medida liminar foi indeferido à fl. 69.O Presidente do Congresso Nacional, em suas informações, sustentou, em

síntese, ter o Supremo Tribunal Federal firmado o entendimento “no sentido de que a finalidade a ser alcançada pela via da injunção resume-se à declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão constitucional, a ser comuni-cada ao órgão legislativo inadimplente, para que promova a integração norma-tiva do dispositivo constitucional nela objetivado” (fl. 76).

Aduz, ainda, a inexistência da alegada omissão por parte do Poder Le gis-la tivo, tendo em vista os inúmeras projetos de lei sobre o tema em tramitação no Congresso Nacional (fl. 78).

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento parcial do pedido para que seja declarada a mora do Poder Legislativo, nos termos da ju-risprudência da Corte sobre a matéria (fls. 81-83).

Em petição de fls. 86-90, o Impetrante informou a publicação da Lei es-tadual 7.311/02, que regulamentou o direito de greve por parte dos servidores públicos estaduais, insistindo na procedência do presente mandado de injunção para garantir o exercício do direito de greve aos policiais civis com base na Lei federal 7.783/89, ou no mencionado diploma local, enquanto o Congresso Nacional não estabelecer normas gerais sobre a matéria.

Na sessão plenária de 15-5-03, o Relator, Ministro Maurício Corrêa, co-nheceu em parte da impetração e, nessa parte, concedeu a ordem, para certificar a mora do Congresso Nacional.

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Na sessão de 7-6-06, o Ministro Gilmar Mendes, em voto-vista, conheceu do writ e acolheu a pretensão “tão-somente no sentido de que se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei espe-cífica para os servidores públicos”.

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a delicada questão, a qual passo a examinar em meu voto, que ora trago à apreciação do Plenário desta Casa.

Preliminarmente, sublinho a especial relevância do pleito sob exame, porquanto, neste julgamento, encontra-se em causa precisamente a própria con-formação que o Supremo Tribunal Federal emprestará a este inovador remédio constitucional.

Não resta dúvida, a meu ver, de que é chegada a hora desta Corte avançar no sentido de conferir maior efetividade ao mandado de injunção, dando concre-ção a um dos mais importantes instrumentos de defesa dos direitos fundamen-tais concebidos pelo constituinte originário.

E essa é visivelmente a tendência do STF, cuja jurisprudência acerca do instituto vem evoluindo de forma firme e progressiva, como, aliás, demonstram os votos dos eminentes Ministros que me antecederam no julgamento deste mandado de injunção.

É bem verdade que, no passado, ainda no início dessa evolução jurispru-dencial, os limites assinalados pelo Supremo à decisão judicial em mandado de injunção foram objeto de críticas por parte de alguns doutrinadores, que os consideravam excessivamente angustos.2 Mas esses limites, sobre os quais me permito tecer algumas reflexões, foram sendo paulatinamente ampliados (veja-se, a propósito, acórdãos proferidos nos MI 107-QO, Rel. Min. Moreira Alves; MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MI 232, Rel. Min. Moreira Alves; MI 235, Rel. Min. Moreira Alves; MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio; e MI 384, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, entre outros).

No que se refere aos efeitos da decisão em mandado de injunção, ponto que considero nodal neste julgamento, é possível identificar-se três correntes de pensamento.3 Para a primeira delas, a decisão nessa espécie de ação seria mera-mente declaratória, ou seja, teria como escopo tão-somente declarar a inconsti-tucionalidade da omissão legislativa e dar ciência dela ao órgão competente para as providências cabíveis.

Tal concepção, defendida por adeptos de uma visão mais ortodoxa do princípio da separação dos poderes, e já contemplada em julgado desta Corte,4

2 Por exemplo, SARAIVA, Paulo Lopo. O mandado de garantia social no direito constitucional luso-brasileiro. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 79, p. 138.3 Considerações sobre as três correntes de pensamento em mandado de injunção e seus princi-pais efeitos podem ser encontradas em: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de in-junção. São Paulo: Atlas, 1999. p. 80-116; e PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 134-182.4 MI 107-QO, Rel. Min. Moreira Alves.

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tem sido considerada ineficaz, por frustrar a expectativa do Impetrante de lograr uma tutela efetiva do direito cujo exercício é obstado pela ausência de norma regulamentadora.

A segunda corrente, por sua vez, admite a remoção, pelo Judiciário, do re-ferido obstáculo, viabilizando o exercício do direito no caso concreto. Ultrapassa, assim, a apontada fragilidade da solução aventada pela primeira corrente, uma vez que supera a inefetividade da decisão judicial ao conferir-lhe uma natureza condenatória. Dentre os autores que defendem essa concepção, pode-se mencio-nar Celso Agrícola Barbi,5 Flávia Piovesan6 e José Afonso da Silva.7

A terceira corrente, por fim, entende competir ao Judiciário elaborar a norma faltante para disciplinar a matéria pendente de regulamentação, su-prindo, desse modo, a omissão do legislador. A decisão judicial ostentará, então, caráter constitutivo, podendo ser adotada com validade erga omnes ou limitada à situação concreta. É a posição de José Ignácio Botelho de Mesquita, encam-pada pelo Ministro Eros Grau em seu voto no MI 712, bem como pelo Ministro Gilmar Mendes, para solucionar este caso.

Especificamente quanto à matéria de fundo deste mandado de injunção, verifico que de há muito vem sendo preconizada nesta Corte a aplicação da Lei 7.783/89, que regula o direito de greve no setor privado, aos servidores públicos, tendo sido essa tese acolhida por alguns Ministros. Destaco, a propósito, o voto do Ministro Marco Aurélio, no MI 20, cujo julgamento ocorreu em 19-5-94, o qual propôs fosse a referida Lei aplicada aos servidores públicos desde que fei-tas as necessárias adaptações.

No mesmo julgamento, em abono dessa tese, o Ministro Carlos Velloso consignou o seguinte:

Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores pú-blicos. Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito do direito de greve.

Essa posição minoritária prosseguiu sendo defendida nos MI 438, Relator o Ministro Néri da Silveira, MI 631, Relator o Ministro Ilmar Galvão, e MI 485, Relator o Ministro Maurício Corrêa. Dentre os debates que a solução suscitou, merece destaque a reflexão proposta pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no jul-gamento do MI 438, sendo Relator o Ministro Néri da Silveira:

Senhor Presidente, no MI 20, julgado em 19 de maio último, votei vencido, não conhecendo do pedido, por entender que a norma do art. 37, inciso VII, é,

5 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de injunção. In: FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio. (Coord.). Mandados de Segurança e de Injunção. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 387-396.6 PIOVESAN, Flávia. Op. cit, loc. cit.7 SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 166-167.

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na terminologia divulgada pela conhecida monografia de José Afonso da Silva, chamada norma de eficácia contida, limitável pelo legislador, mas enquanto não editada a lei, de eficácia imediata.

Não vou, sequer, ao ponto que chega o eminente Ministro Carlos Velloso porque, na medida em que o Tribunal conhece do mandado de injunção, ele de-clara, mediante o recurso à analogia, ou a outros processos de integração, que não há norma viabilizadora do direito constitucional pleiteado.

Parece-me, na minha perspectiva, impossível, para quem conhece do mandado de injunção, depois, adotar uma norma de lei vigente, porque essa norma se aplicaria, ainda que por analogia, e obstaria o conhecimento do pedido de injunção.

Não posso, partindo dos pressupostos estabelecidos do MI 107, uma vez superada a barreira do conhecimento, dizer que existe uma norma que seria apli-cável à hipótese, ainda que por analogia.

A solução proposta pelo Ministro Gilmar Mendes, no caso sob análise, como visto, filia-se, exatamente, à terceira corrente de pensamento, nos termos da sistematização do tema desenvolvida pela doutrina brasileira, afinando-se com os votos minoritários mencionados. Sua adoção sustenta-se, essencial-mente, na preocupação em conceder-se plena efetividade às normas constitucio-nais e na aceitação de um modelo de separação de poderes mitigado.

Ora, a efetividade das normas constitucionais, em especial a “operatividade dos direitos fundamentais”, nas palavras de Ricardo Luis Lorenzetti, Presidente da Corte Suprema da Argentina,8 não sem razão, representa tema caro aos consti-tucionalistas estrangeiros e nacionais. Estes, de um modo geral, reconhecem que o mandado de injunção pode e deve consubstanciar instrumento de realização do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garan-tias fundamentais, abrigado no art. 5º, § 1º, da Carta Magna.

Para que isso ocorra, não há dúvida, é preciso superar uma visão estática, tra-dicional, do princípio da separação dos poderes, reconhecendo-se que as funções que a Constituição atribui a cada um deles, na complexa dinâmica governamental do Estado contemporâneo, podem ser desempenhadas de forma compartilhada,9 sem que isso implique a superação da tese original de Montesquieu.

Não vou tão longe, porém, a ponto de ultrapassar a finalidade do mandado de injunção – que é, nas palavras de José Afonso da Silva, a de “realizar concre-tamente em favor do impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa sempre que a norma regulamentadora torne inviável seu exercício” – 10, avançando sobre a própria razão de ser do Poder Legislativo, ao qual compete expedir normas de caráter geral e abstrato para regular determinadas situações ocorrentes na rea-lidade fenomênica.

8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria de la decisión judicial. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006. p. 118-119.9 ALAS, Leopoldo Tolívar. Derecho Administrativo y Poder Judicial. Madrid: Editorial Tecnos, 1996. p. 14.10 Op. cit., p. 166.

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Em outras palavras, não me parece possível, data venia, ao Poder Judiciário, a pretexto de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte de determinada pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do mandado de injunção, expedir regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar diploma normativo vigente aplicável à situação diversa.

Por isso, entendo, com o devido respeito, que não se mostra factível o em-prego da Lei 7.783/89 para autorizar-se o exercício do direito de greve por parte dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Pará, inclusive fazendo tabula rasa de disposição legal nela contida que expressamente veda tal hipótese. Ademais, ao emprestar-se eficácia erga omnes à tal decisão, como se pretende, penso que esta Suprema Corte estaria intrometendo-se, de forma indevida, na esfera de competência que a Carta Magna reserva com exclusividade aos repre-sentantes da soberania popular, eleitos pelo sufrágio universal, direto e secreto.

É que, como sustentou o Ministro Sepúlveda Pertence, em assim proce-dendo, o STF estaria recorrendo a uma analogia, que o levaria, inevitavelmente, a uma aporia de dífícil, senão impossível, transposição.

Com efeito, a analogia foi definida por Norberto Bobbio como o “proce-dimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante”11. O referido autor considerou-a o mais típico e importante dos procedimentos hermenêuticos, por meio do qual se verifica “a tendência de cada ordenamento jurídico a expandir-se além dos casos expressamente regulamentados”.12 Assenta ele, contudo, que esse método, para que seja validamente empregado, pressupõe que haja, entre as duas hipóteses, uma semelhança relevante.13

Concessa venia, não vejo, no caso presente, semelhança relevante entre a greve na esfera pública e a greve no âmbito privado que autorize o recurso à analogia. Embora ambas as situações refiram-se ao fenômeno social “greve”, consistente na paralisação das atividades de determinado setor laboral em face de reivindicações não atendidas, as distinções que as separam são maiores do que os pontos comuns que as aproximam, a começar pelo regime jurídico dife-renciado ao qual estão submetidos os seus protagonistas.

As particularidades que distinguem os dois movimentos paredistas não deixaram de ser consideradas pelo constituinte originário, que lhes conferiu tra-tamento diverso no texto magno, com destaque para a ampla discricionariedade que, desde logo, emprestou aos trabalhadores do setor privado para decidirem sobre a oportunidade de exercer o direito de greve e os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º, caput, da CF).

De fato, não me parece difícil imaginar que as conseqüências e implica-ções para a sociedade de uma greve de servidores públicos são distintas daquelas 11 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 150.12 Idem, ibidem.13 Op. cit., p. 152, grifo meu.

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produzidas por uma paralisação de empregados na área privada. Mesmo no âm-bito exclusivamente público, diferentes greves apresentam características varia-das, que podem e devem ensejar tratamento diferenciado.

Parece inquestionável que uma greve de professores do ensino fundamen-tal, por exemplo, não deve ter o mesmo tratamento que o dispensado à uma greve de controladores de vôo ou de profissionais da saúde pública. Cada uma dessas paralisações requer regulamentação que atenda às suas especificidades e, ao mesmo tempo, resguarde os interesses da coletividade. Essa é exatamente a dificuldade que o Congresso Nacional vem enfrentando para disciplinar o di-reito de greve na esfera pública.

Não vejo, permito-me repetir, semelhança relevante entre a greve dos tra-balhadores do setor privado e a greve dos servidores públicos. Com efeito, não reconheço, data venia, identidade jurídica entre os dois fenômenos que autorize a aplicação da Lei 7.783/89 ao serviço público.

Servindo-me, novamente, dos ensinamentos de Bobbio, entendo que o ra-ciocínio por analogia, no Direito, somente é lícito se as duas situações, a regula-mentada e a não-regulamentada, tenham em comum a mesma ratio legis.14 Não vislumbrando, porém, conforme assentei, essa circunstância no caso concreto, afasto a possibilidade de empregar tal procedimento lógico para solucioná-lo.

Embora comungue da preocupação de que é preciso dar efetividade às normas constitucionais, sobretudo àquelas que consubstanciam direitos funda-mentais, estou convencido de que o Judiciário não pode ocupar o lugar do Poder ao qual o constituinte, intérprete primeiro da vontade soberana do povo, outor-gou a sublime função de legislar.

Tomo de empréstimo, a esse respeito, as ponderações de Maria Helena Diniz, quando afirma que “ao Poder Judiciário está reservada a grande respon-sabilidade de adequar o direito, quando houver omissão normativa ou quando a sua eficácia apresentar sintomas de inadaptabilidade em relação à realidade fático-social e aos valores positivos, mantendo-o vivo”, ressaltando, no entanto, que “desta afirmação não se infere que o juiz tenha uma liberdade onímoda”.15

É que, como bem assentou a citada autora:

O legislador, ao criar uma norma jurídica geral, generaliza estabelecendo um tipo legal que, em decorrência disso, está separado da realidade imediata da vida que lhe deu origem, abarcando, tão-somente, o seu aspecto geral, concen-trando-se em seus traços essenciais ou fundamentais, ao passo que o magistrado, ao sentenciar, não generaliza, mas cria uma norma jurídica individual, incidente e com validade sobre um dado caso concreto.16

São essas as razões que me levam a afastar a aplicação da Lei de Greve dos trabalhadores em geral às paralisações dos servidores públicos, sobre-

14 Op. cit., p. 154.15 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 286.16 Op. cit., p. 291.

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tudo porque penso que a solução ideal para o caso sob análise deve passar pela autolimitação do Judiciário no que concerne às esferas de atuação dos demais poderes, sem que este abdique da transcendental competência que a Constituição lhe confere de dar concreção aos direitos e garantias fundamen-tais, qualquer que seja a natureza da norma que os abrigue quanto à respectiva eficácia.

Em face do exposto, pelo meu voto, conheço do mandado de injunção, concedendo a ordem em parte para garantir o exercício do direito de greve aos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, assegurada por estes a prestação dos serviços inadiáveis, devendo o Governo do Estado abster-se de adotar medidas que inviabilizem ou limitem esse direito, tais como o corte do ponto dos servi-dores ou a imposição de multa pecuniária diária.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, permito-me fazer um pequeno parêntese: ontem fui procurado, publicamente, no Salão Branco desta Casa, por líderes sindicais do setor público e por dirigentes de uma importante confederação sindical que manifestaram a preocupação de adotar-se essa lei de greve do setor privado para o setor público. E ressaltou-se não só a diferença entre ambos os fenômenos, mas dizendo que – menciono isso também para reflexão dos eminentes Pares – a lei de greve do setor privado pressupõe, para o seu desencadeamento, o esgotamento das tratativas das negociações. Ponderaram-me os representantes sindicais que não há, no setor público, os ins-trumentos adequados, os canais institucionais para essas tratativas.

Portanto, se adotarmos esta lei de greve do setor privado para o setor público, a greve ficaria, em tese, inviabilizada. Porque, no primeiro momento de tratativas, de negociação, por falta absoluta de canais institucionais, ela não se viabilizaria.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator MI 670): Então, neste caso, re-comenda-se, por este tipo de raciocínio, a anomia. Quer dizer, não haver regra nenhuma.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Peço a V. Exa., por gentileza, para terminar o meu voto. Mas claro que não; evidentemente que não. Aliás, o orde-namento jurídico tem horror ao vácuo legislativo. Não existe anomia no ordena-mento jurídico. Essa é uma regra fundamental.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Senhora Presidente, apenas para rememorar, faço duas pequenas observações.

No meu voto, não há nenhuma referência à analogia. O que lá está exposto respeita ao exercício, pelo Poder Judiciário, de uma função normativa, não le-gislativa. Há uma disposição, contida no meu voto, no sentido de se aplicarem

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algumas das regras da lei ao setor privado. Posteriormente, houve uma evolução, durante os debates, e acabei por evoluir, no sentido de acompanhar os termos do voto do Ministro Gilmar Mendes.

Observo, também, em relação ao modelo de separação de Poderes mi-tigado, referido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que eu jamais diria tal coisa, até porque não uso a expressão “separação de Poderes”.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: De fato, refiro-me ao que diz a doutrina. Vossa Excelência afirmou – lembro-me perfeitamente, e até louvo o seu cuidado – que aplicaria o modelo de separação de Poderes vigentes na Constituição – salvo engano, se a memória não me trai.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Trata-se quase de uma “ob- servação de seminário” – como diria o Ministro Sepúlveda Pertence. No en-tanto, deixo registrado que, absolutamente, não adiro à questão do modelo.

Digo, basicamente, que evoluí no meu voto escrito para acompanhar a for-mulação do Ministro Gilmar Mendes.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Senhora Presidente, tendo em vista o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, repassei a questão da doutrina do Supremo Tribunal Federal em torno desse assunto e também fiz lon-gas considerações sobre este Tribunal e o direito de greve. Permiti-me, também, alguma incursão de aspecto histórico-sociológico.

Disse eu na ocasião:

O direito de greve dos servidores públicos tem sido objeto de sucessivas di-lações desde 1988. A Emenda Constitucional 19/98 retirou o caráter complemen-tar da Lei regulamentadora, a qual passou a demandar, unicamente, lei ordinária e específica para a matéria. Não obstante subsistam as resistências, é bem possível que as partes envolvidas na questão partam de premissas que favoreçam ao estado de omissão ou de inércia legislativa.

Por isso, o meu aparte ao voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Com-preendo integralmente as razões dessas centrais sindicais. O estado de coisas hoje vigente – porque não é Estado de Direito – favorece realmente essa situação de verdadeira anomia.

Na verdade, esse estado, criado a partir da Constituição de 1988, permitiu que entidades governamentais e sindicais, por motivos diversos, favorecessem o estado de inércia.

A representação de servidores não vê com bons olhos a regulamentação do tema, porque visa a disciplinar uma seara que hoje está submetida a um tipo de lei da selva.

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Os exemplos que trouxe naquela assentada já se encontram totalmente su-perados. Basta chamar, hoje, a questão da greve dos controladores.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A bem da verdade, preciso com-plementar que as centrais sindicais que me procuraram – creio que todos temos sobre a bancada o memorial por elas encaminhado –, ao manifestarem sua pre-ocupação no sentido da aplicação da lei de greve ao setor privado ou público, enfatizaram exatamente que querem uma disciplina específica para o setor pú-blico. Disseram-me – certamente também aos outros eminentes Ministros – que negociam nesse momento não só com o Poder Executivo, como também com o Legislativo. O memorial encaminhado enfatiza que elas querem a regulamen-tação da matéria.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Prossigo a leitura do meu voto:

Os representantes governamentais entendem que a regulamentação acaba-ria por criar o direito de greve dos servidores públicos. [que se entendia, até então, inexistente] Essas visões parcialmente coincidentes têm contribuído para que as greves no âmbito do serviço público se realizem sem qualquer controle jurídico, dando ensejo a negociações heterodoxas, ou a ausências que comprometem a pró-pria prestação do serviço público, sem qualquer base legal.

Ministro Ricardo Lewandowski, V. Exa., conforme o seu voto, acaba de proibir o desconto de dias parados, o que, como sabemos, não acontece no âm-bito da atividade privada. Por definição, a greve é uma opção de risco. Neste caso – permita-me uma ironia –, teremos um quadro de soma de felicidades; é um acréscimo em termos de férias.

Mencionem-se, a propósito, episódios mais recentes [já desatualizados] re-lativos à greve dos servidores do judiciário do Estado de São Paulo e à greve dos peritos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) (...)

Tudo absolutamente superado pelo emblemático caso dos Controladores.

A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de sel-vageria com sérias conseqüências para o Estado de Direito. Estou a relembrar que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.

Nesse quadro, não vejo mais como justificar [essa era a minha premissa básica, agora reforçada diante dos quadros recentes] a inércia legislativa e a ino-perância das decisões desta Corte.

Comungo das preocupações quanto à não assunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não atuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.

Em outras palavras, estou a dizer o seguinte: não acho que, a priori, a partir da verificação de uma omissão, deva o Tribunal imiscuir-se, na esfera le-gislativa, e desde logo produzir normas. Evidentemente, há todo um quadro de institucionalidade a ser respeitado.

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No entanto, conforme vimos e tive a oportunidade de elencar, são inúme-ros os pronunciamentos desta Corte – citei o MI 20, Ministro Celso de Mello; MI 485, Ministro Maurício Corrêa; MI 585, Ministro Ilmar Galvão. Todas es-sas decisões se limitavam a fazer apelos ao legislador; conforme sabemos, os apelos caíram no vazio por conta da convergência de visões que levaram a essa inoperância.

Em apêndice ao meu voto, inclusive, trouxe documento em que há a com-paração da Lei 7.783 com o texto do Projeto de Lei 6.032/02, então em tramita-ção – não sei se subsistiu no Congresso ou se restou parado.

Diante dessas considerações e tendo em vista essas premissas específicas, eu sustentava, na linha também do voto do Ministro Eros Grau, a necessidade de, neste caso, trilharmos o modelo de uma possível sentença de caráter aditivo, de modo a adotarmos o modelo mais severo das greves dos serviços de ativida-des essenciais. Em um dos casos, estamos a discutir, inclusive, greve de setores ligados à polícia civil.

Na parte final do meu voto, dizia eu também:

Creio que essa ressalva na parte dispositiva de meu voto é indispensável porque, na linha do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”.

Por isso, a rigor, embora na jurisprudência do Tribunal já tenhamos vários exemplos dessas sentenças aditivas no âmbito da interpretação conforme, a úl-tima decisão proferida pelo Tribunal na questão da cláusula de barreira sinaliza a adoção dessa técnica de decisão, que eu dizia podermos adotar, neste caso de mandado de injunção, por já haverem sucessivas advertências, sugestões, reco-mendações ao Congresso no sentido de efetivar, concretizar, regular essa maté-ria que tende de disciplina desde 1988.

Com todas as cautelas de estilo e com as que eventualmente o próprio ór-gão judiciário competente pudesse acrescentar – fiz referência, no meu voto –, que o órgão judiciário competente poderia fixar critérios mais rigorosos dos que os previstos na legislação, tendo em vista as situações concretas – de novo vem à mente, inevitavelmente, o exemplo recente da greve dos controladores –, é que entendi de sustentar a necessidade de uma revisão da jurisprudência. Não se tra-tava de uma revisão in genere de toda e qualquer orientação quanto ao mandado de injunção, mas especialmente considerando esta situação concreta.

O quadro de anomia – como dizia eu –, na verdade, favorecia, de um lado, a visão governamental de que não poderia haver greve no serviço público, o que se tornou, depois, uma quimera. As greves passaram a ocorrer; são, inclusive, privilegiadas, porque somente aqui há greve com o pagamento de salário – não se conhece isso no serviço privado.

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A visão das entidades sindicais, eventualmente a dos trabalhadores, é no sentido de saber que podem fazer greve sem nenhum controle judicial, jurídico. Portanto, essas entidades se tornam soberanas, o que me parece absolutamente inaceitável com qualquer premissa do Estado de Direito.

Por isso, entendo ser essa a fórmula adequada, com – claro – as eventuais adaptações. Estamos aqui a fazer experimentos institucionais para arrostarmos o difícil problema do mandado de injunção, agora aplicado ao direito de greve dos servidores públicos.

Daí eu ter dito inclusive que:

Isto é, mesmo provisoriamente, há de se considerar, ao menos, idêntica con-formação legislativa quanto ao não-atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivên-cia, a saúde ou a segurança da população” (Lei 7.783/89, parágrafo único, art. 11).

Faço essas ponderações, tendo em vista o voto do Ministro Ricardo Lewandowski.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, se os colegas não se importam, gostaria de tecer algumas ponderações.

Sou extremamente sensível às considerações feitas pelos Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes e, igualmente, à solução preconizada pelo Ministro Ricardo Lewandowski. No entanto, sou também excessivamente preocupado com o que poderíamos qualificar de “processo deliberativo de tomada de deci-sões numa democracia saudável”.

O Congresso Nacional tem agendadas, para as duas próximas semanas, audiências públicas para discutir precisamente esta questão da greve no serviço público. Não caminhamos para dar um “by pass” no Congresso Nacional, que é fórum competente para a decisão desta questão? Não estou adiantando o meu ponto de vista.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: São passados dezoito anos da vigência da Constituição.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na realidade, já se passaram quase deze-nove anos desde a promulgação da Constituição de 1988 e, não obstante formal-mente notificado, em 1994 (MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de sua inconstitucional omissão, o Congresso Nacional, mesmo assim, absteve-se de disciplinar o que determina o inciso VII do art. 37 da Lei Fundamental.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não desconheço o fato.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Começamos a votar este

tema há vários meses.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator do MI 670): Estamos propondo

apenas uma disciplina provisória até que haja uma deliberação definitiva, obviamente.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Até que o Congresso Nacional saia da inércia.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Claro. É a essência da decisão no mandado

de injunção.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Em razão dessas reflexões, que faço de

maneira apressada, peço vista dos autos.

VOTO(Antecipação)

O Sr. Ministro Celso de Mello: Este, Senhores Ministros – e aqui reme-moro frase do saudoso Ministro LUIZ GALLOTTI –, é um daqueles julgamen-tos em que os Ministros desta Corte Suprema, sob o olhar atento da sociedade brasileira, decidem questão impregnada do mais alto grau de relevo social e ju-rídico, porque o Supremo Tribunal Federal deve definir, no exame desta causa, a real natureza jurídica do mandado de injunção, em obséquio à necessidade de respeito efetivo aos direitos, prerrogativas e liberdades que a Constituição assegura aos cidadãos desta República, cabendo-lhe, ainda, resolver o delicado tema pertinente ao exercício do direito de greve no serviço público.

Nesta sessão, tivemos a oportunidade de ouvir votos brilhantes, como aquele magnificamente proferido, dentre outros, pelo eminente Ministro GILMAR MENDES.

A greve, como todos sabemos, foi erigida, pela Constituição Federal pro-mulgada em 1988, como direito reconhecido aos servidores públicos civis. O sistema de direito constitucional positivo conferiu, desse modo, legitimidade jurídica à greve no seio da Administração Pública, dela apenas excluindo, por razões de evidente interesse público, os militares das Forças Armadas e os integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, aos quais se proibiu, terminantemente, o exercício desse direito de ação coletiva (CF, art. 42, § 5º).

Presentemente, é assegurado o direito de greve – ainda que em condições diferenciadas – aos trabalhadores em geral (CF, art. 9º) e aos servidores públi-cos civis (CF, art. 37, VII).

Cumpre destacar, no contexto em que se desenvolvem as relações coleti-vas de trabalho no Brasil, que o preceito constitucional que garantiu o direito de greve no setor privado da economia já se acha regulamentado pela Lei 7.783/89.

O legislador constituinte brasileiro, seguindo moderna tendência regis-trada no plano do direito comparado, buscou positivar mecanismos destinados a solucionar os conflitos coletivos instaurados entre os agentes estatais e a adminis-tração pública, reconhecendo aos servidores civis – além da possibilidade da sin-dicalização (CF, art. 37, VI) – a titularidade do direito de greve (CF, art. 37, VII).

Neste ponto, a Constituição do Brasil incorporou a recomendação cons-tante da Convenção 151 da OIT (art. 8º), que dispõe sobre a institucionalização

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de meios voltados à composição dos conflitos de natureza coletiva surgidos en-tre o Poder Público e os seus servidores.

A importância do direito de greve, contudo, não pode prescindir da necessária observância dos princípios da supremacia do interesse público e da continuidade dos serviços desenvolvidos pela administração estatal, especial-mente daquelas atividades que, qualificadas pela nota da essencialidade, não podem sofrer, em hipótese alguma, qualquer tipo de interrupção.

É por essa razão que documentos de caráter internacional – como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 8º, “c” e “d”) – advertem que as leis concernentes ao exercício do direito de greve, es-pecialmente quando exercido no âmbito da administração pública, podem e devem estipular restrições ou limitações “no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteção dos direitos e liberdades de outrem”.

Não obstante restrições doutrinárias que censuram a utilização oficial, por autoridades do Estado laico, de manifestações confessionais, entendo ser adequado invocar, no caso – porque de pronunciamento religioso não se trata –, o magistério que, em tema de índole eminentemente social, expendeu o pró-prio Romano Pontífice na Encíclica “Laborem Exercens” (“Sobre o Trabalho Humano”, p. 49, item n. 20, 1981, Loyola), publicada em 1981, em celebração à promulgação, em 1891, pelo Papa Leão XIII, da Encíclica “Rerum Novarum”.

Após severa advertência de que as exigências sindicais “não podem trans-formar-se numa espécie de egoísmo de grupo ou de classe”, salientou-se, nesse documento pontifício, que a atividade desenvolvida pelas entidades represen-tativas dos prestadores de serviços deve ser entendida “como uma prudente solicitude pelo bem comum”, valendo rememorar, ainda, que se procedeu, em referida Carta Encíclica, a uma grave reflexão em torno dos limites que devem condicionar, no plano social, o exercício legítimo do direito de greve:

Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos lançam mão também do método da “greve”, ou seja, da suspensão do trabalho, como de uma espécie de ‘ultimatum’ dirigido aos órgãos competentes e, sobre-tudo, aos dadores de trabalho. É um modo de proceder que a doutrina social católica reconhece como legítimo, observadas as devidas condições e nos justos limites. Em relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito à greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela participarem. Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve simultaneamente relevar-se que a greve continua a ser, num certo sentido, um meio extremo. Não se pode abusar dele; e não se pode abusar dele especialmente para fazer o jogo da polí-tica. Além disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre assegurados, in-clusive, se isso for necessário, mediante apropriadas medidas legais. O abuso da greve pode conduzir à paralisação da vida socioeconômica; ora, isto é contrário às exigências do bem comum da sociedade, o qual também corresponde à natu-reza, entendida retamente, do mesmo trabalho.(Grifei.)

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Cabe observar, de outro lado, neste ponto, Senhores Ministros, que, no plano do direito comparado, como sabemos, delineiam-se pelo menos quatro modelos normativos concernentes ao exercício do direito de greve no serviço público, que assim podem ser caracterizados:

(1) Reconhecimento do direito de greve ao servidor público em condições diferenciadas daquelas estabelecidas para os trabalhadores em geral;

(2) Reconhecimento do direito de greve ao servidor público em condições idênticas às fixadas para os trabalhadores em geral;

(3) Reconhecimento tácito em favor dos servidores públicos do direito de greve; e

(4) Vedação total do exercício do direito de greve no serviço público.

O eminente jurista ARION SAYÃO ROMITA (“Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis - Aspectos Trabalhistas e Previdenciários”, p. 64/65, 1993, LTr), ao analisar o “status quaestionis” no plano do direito com-parado, observa:

O exame da legislação vigente em diferentes países permite identificar quatro grupos: 1º – países que reconhecem expressamente o direito de greve dos servidores públicos; 2º – países que não estabelecem diferença alguma entre as greves do setor público e as dos demais setores da economia; 3º – países cuja le-gislação não contém disposições relativas à licitude ou ilicitude dos movimentos grevistas de servidores públicos, 4º – países que proíbem expressamente a greve dos servidores públicos.

No primeiro grupo, alistam-se os países que consideram legal a greve quando o conflito não é resolvido mediante consultas, negociações ou qualquer outro procedimento existente. Esta é a situação de Alto Volta, Benin, Canadá, Costa do Marfim, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Guiné, Madagascar, México, Níger, Noruega, Portugal, Senegal, Suécia, Zaire. O reconhecimento do direito de greve se aplica, em princípio, aos funcionários em geral, mas há certas categorias de servidores aos quais se nega o exercício do direito. Há tam-bém restrições fundadas no tipo de conflitos, como por exemplo: na Noruega só é permitida a greve em caso de conflito de interesses; na Suécia, só é autorizada a greve que tiver origem em questões que possam constituir objeto de negociação.

No segundo grupo situam-se os países que reconhecem o direito de greve de modo geral, embora sujeito a restrições em certos casos, e não existem dispo-sições especiais que neguem esse direito aos servidores públicos. É o que se passa nos seguintes países: Camarões, Gana, Itália, Malásia, Malta, Maurício, Nigéria, Serra Leoa, Singapura e Sri Lanka.

O terceiro grupo é composto por países cuja legislação silencia quanto à legalidade ou ilegalidade do movimento grevista, o que suscita diferentes inter-pretações. No Tchad, em Israel e no Reino Unido, há reconhecimento tácito do direito de greve. Em contrapartida, a inexistência de disposições legislativas pode ser interpretada como proibição tácita da greve na função pública. É o que ocorre na Alemanha, quanto aos Beamte (os Angestellte e Arbeiter gozam do direito de greve), no Irã, no Paquistão, na Argélia e no Gabão. O mesmo podia dizer-se dos países socialistas antes das transformações operadas em 1989 e 1990, quando a greve passou a ser expressamente autorizada por lei em diversos desses países.

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No quarto grupo enfileiram-se os países que expressamente negam aos fun-cionários públicos o direito de greve. Em certos países, como Quênia, Trinidad e Tobago, Uganda, as proibições se referem aos serviços essenciais. Em outros, há proibição legal especificamente estabelecida para a greve no serviço público. É o sistema vigente nos seguintes países: Austrália, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, Estados Unidos, Filipinas, Guatemala, Honduras, Japão, Coveite, Líbano, Holanda (ferroviários e altos funcionários públicos), Ruanda, Síria, Suíça, Tailândia, Trinidad e Tobago, Venezuela. A proibição assume características de grande rigidez em países latinoamericanos, que a incluem no texto constitucio-nal, como é o caso de Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala, Honduras, Panamá e Venezuela e era também o caso do Brasil antes de 1988.

Certos países não podem ser classificados em qualquer desses grupos, porque não sendo a matéria prevista por lei, o problema da greve dos servido-res públicos continua sendo uma questão bastante controvertida, com opiniões doutrinárias divergentes e decisões judiciais conflitantes. Esta é a situação da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Uruguai.(Grifei.)

Decorridos quase 19 (dezenove) anos da promulgação da vigente Carta Política, ainda não se registrou – no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da Constituição – a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até o presente momento, o ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitu-cional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19-5-94 (há quase 13 anos, portanto), ao julgar o MI 20/DF, de que fui Relator, houvesse reconhe-cido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público.

Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legis-lativa imposta, pela Constituição da República, à União Federal.

Na realidade, o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional qualifica-se – presente o contexto temporal em causa – como requisito autorizador do ajuizamento da ação de mandado de injunção, pois, sem que se configurasse esse estado de mora legislativa – caracterizado pela superação excessiva de prazo razoável –, não haveria como reconhecer-se ocorrente, na espécie, o próprio interesse de agir em sede injuncional, como esta Suprema Corte tem advertido (RTJ 158/375, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) em sucessivas decisões:

MANDADO DE INJUNÇÃO. (...). PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO (RTJ 131/963 – RTJ 186/20-21). DIREITO SUB-JETIVO À LEGISLAÇÃO/DEVER ESTATAL DE LEGISLAR (RTJ 183/818-819). NECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE MORA LEGISLATIVA (RTJ 180/442). CRITÉRIO DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE INÉRCIA LEGIFERANTE: SUPERAÇÃO EXCESSIVA DE PRAZO RAZOÁVEL (RTJ 158/375). (...).(MI 715/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF 378, de 2005.)

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O caso em exame, como precedentemente acentuado, revela – conside-rada a superação irrazoável do lapso temporal já decorrido – um retarda-mento abusivo do dever estatal de legislar sobre a espécie ora em análise.

Essa omissão inconstitucional da União Federal, derivada do inaceitá-vel inadimplemento do seu dever de emanar regramentos normativos – encargo jurídico que foi imposto ao Congresso Nacional pela própria Constituição da República – encontra, neste “writ” injuncional, um poderoso fator de neutra-lização da inércia legiferante e da abstenção normatizadora do Estado.

O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa rea-ção jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta Política que, nesse “writ” processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão – e prolongada inércia – do Poder Público.

Não obstante atribuísse, ao mandado de injunção, desde o meu ingresso neste Supremo Tribunal, a relevantíssima função instrumental de superar, concretamente, os efeitos lesivos decorrentes da inércia estatal – posição que expressamente assumi, nesta Suprema Corte, no MI 164/SP, de que fui Relator (DJU de 24-10-89) –, devo reconhecer que a jurisprudência firmada na matéria pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal orientou-se, de modo cla-ramente restritivo, em sentido diverso.

A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do “writ”.

Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi conce-bido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.

Cabe verificar, portanto, neste ponto, se se revela admissível, ou não, na espécie em exame, o remédio constitucional do mandado de injunção.

Como se sabe, o “writ” injuncional tem por função processual específica viabilizar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas diretamente ou-torgados pela própria Constituição da República, em ordem a impedir que a inércia do legislador comum frustre a eficácia de situações subjetivas de van-tagem reconhecidas pelo texto constitucional.

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Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência – necessária ao exercício efetivo de determinados direitos neles diretamente fundados – de-pende, essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador.

É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invo-cado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individual à atividade le-gislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao poder público, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, presente a obrigação jurídico-constitu-cional de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á possível não só impu-tar comportamento moroso ao Estado (como já ocorreu, no caso, quando do julgamento do MI 20/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), mas, o que é muito mais importante ainda, pleitear, junto ao Poder Judiciário, que este dê expres-são concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental.

O exame dos elementos constantes deste processo evidencia que existe, na espécie em análise, o necessário nexo de causalidade entre o direito subje-tivo à legislação, invocado pela parte impetrante, e o dever da União Federal de editar a lei especial a que alude o art. 37, VII, da Carta da República, em contexto que torna plenamente admissível a utilização do “writ” injuncional.

A hipótese versada nos presentes autos refere-se a uma típica situa-ção de desrespeito à Constituição da República, por inércia normativa unicamente imputável ao Congresso Nacional (e, também, ao Presidente da República), eis que – decorridos quase dezenove (19) anos da promulgação da Carta Política – esta, no que concerne ao art. 37, VII, ainda não foi regulamen-tada, frustrando-se, desse modo, mediante arbitrária omissão, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve.

Na análise da estrutura constitucional do mandado de injunção, im-põe-se reconhecer que um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade consiste, precisamente, na “falta de norma regulamentadora”, cuja inexistên-cia atua como causa impeditiva do gozo e da prática de determinadas prerroga-tivas asseguradas pela Carta Política.

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Essa situação de lacuna técnica – “ou seja, da ausência de uma norma imprescindível para que outra produza efeitos jurídicos” (MARIA HELENA DINIZ, “Norma Constitucional e seus Efeitos”, p. 38, 1989, Saraiva; HANS KELSEN, “Teoria Pura do Direito”, vol. 2/111-112, 1962, Coimbra) – constitui requisito condicionante da própria impetrabilidade do mandado de injunção.

A ausência da legislação reclamada pelo texto constitucional efetiva-mente inviabiliza o exercício, pelos servidores públicos civis, do seu direito de exercer a greve no serviço público.

O dever jurídico de editar a lei em questão revela-se imputável, no caso, ao Congresso Nacional e ao Presidente da República, destinatários específi-cos da imposição legiferante inscrita no art. 37, VII, da Lei Fundamental, por efeito do que dispõem o art. 48 e o art. 61, § 1º, II, “c”, da Constituição.

A análise da presente ação de mandado de injunção, Senhores Ministros, impõe necessárias reflexões em torno do relevantíssimo problema suscitado pela omissão do Estado, decorrente da inércia de suas instituições, quanto à concretização das imposições legiferantes fundadas em cláusulas constitu-cionais mandatórias, tal como sucede no caso ora em exame, consideradas as próprias observações feitas pelo eminente Ministro GILMAR MENDES.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, consciente dos gravíssimos efeitos jurídicos, políticos e sociais que derivam do desrespeito estatal à Constituição da República, quaisquer que possam ser as modalidades de com-portamentos inconstitucionais em que haja incidido o poder público, teve o ensejo – quando do julgamento da ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – de censurar o gesto daqueles, que, por ação ou, como no caso, por omissão, transgridem a supremacia do estatuto constitucional:

DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPOR-TAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.

– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do poder público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.

– Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização con-creta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omis-são, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo poder público.(RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Vê-se, pois, que, na tipologia das situações inconstitucionais, inclui-se, também, aquela que deriva do descumprimento, por inércia estatal, de norma

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impositiva de determinado comportamento atribuído ao poder público pela própria Constituição.

Cumpre ter presente, bem por isso, a advertência de JORGE MIRANDA (“Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora), que, ao versar o tema, observa:

Por omissão entende-se a falta de medidas legislativas necessárias, falta esta que pode ser total ou parcial. A violação da Constituição, na verdade, pro-vém umas vezes da completa inércia do legislador e outras vezes da sua defi-ciente actividade, competindo ao órgão de fiscalização pronunciar-se sobre a adequação da norma legal à norma constitucional.

(...)A inconstitucionalidade por omissão não surge apenas por carência de

medidas legislativas, surge também por deficiência delas.(Grifei.)

A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor ex-tensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como com-portamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o poder público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princí-pios da Lei Fundamental.

É por essa razão que J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (“Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora), analisando a força normativa da Constituição – e assinalando que a eficácia preponderante e subordinante de suas cláusulas impede o reconhecimento de situações inconstitucionais –, acentuam, na perspectiva da inquestionável pree-minência normativa da Carta Política, que:

(...) tanto se viola a Lei fundamental quando as acções estaduais não estão em conformidade com as suas normas e princípios, como quando os preceitos cons-titucionais não são “actuados”, dinamizados ou concretizados pelos órgãos que constitucionalmente estão vinculados a fornecerem-lhes operatividade prática.

A Constituição impõe-se normativamente, não só quando há uma acção in-constitucional (fazer o que ela proíbe), mas também quando existe uma omissão inconstitucional (não fazer o que ela impõe que seja feito).(Grifei.)

As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo poder público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mu-dança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad):

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A inércia caracteriza-se pela não aplicação intencional, provisória mas prolongada, das disposições constitucionais pelos poderes incumbidos de lhes dar cumprimento e execução.

Configura inegável processo de mudança constitucional; embora não altere a letra constitucional, altera-lhe o alcance, na medida em que paralisa a aplicação constitucional. Tal paralisação, não desejada ou prevista pelo consti-tuinte, é de ser tida como inconstitucional.

Afeta, também, o sentido da Constituição.Destinada esta à aplicação efetiva, qualquer obstáculo que se lhe ante-

ponha desvirtua sua finalidade, resultando numa inconstitucionalidade (...). Por outro lado, indiretamente, a inércia dá causa à ocorrência de outros processos de mutação constitucional. O distanciamento, no tempo, entre a elaboração constitucional e a sua efetiva aplicação, sofre, inexoravelmente, a influência das transformações sociais diuturnas e constantes, de tal sorte que, após uma prolon-gada dilatação na aplicação do texto, é provável que esta, quando se efetivar, dê à Constituição sentido e significado diversos daqueles acolhidos no momento da formação da norma fundamental.

Como modalidade de mutação constitucional, a inércia é processo perni-cioso, que acarreta conseqüências desastrosas à vida constitucional dos Estados.

De um lado, porque, ao contrário dos demais processos de mutação cons-titucional, raramente busca adaptar a Constituição à realidade. Na maioria das vezes, serve como instrumento exatamente para evitar tal adaptação.

De outro lado, porque a inércia arrasta consigo a descrença na Constituição.(Grifei.)

Desse modo, e ante a irrecusável supremacia da Carta Política, revela-se essencial impedir o desprestígio da própria Constituição, seja por ação, seja por omissão dos órgãos, instituições e autoridades da República.

Cabe referir, no ponto, em face de sua inquestionável atualidade, o auto-rizado magistério de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT), cuja lição contém grave advertência, que, por ninguém, pode ser ignorada:

Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cum-pri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos – o que é pior (...). No momento, sob a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, é cum-pri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se em algum ponto a nada serve – que se corte nesse pedaço inútil. Se a algum bem público desserve, que pronto se elimine. Mas, sem na cumprir, nada saberemos. Nada sabendo, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é estrangulá-la ao nascer.(Grifei.)

É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens nor-mativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do poder público, descumprindo, por inércia e

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omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e afetem, em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior.

A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz ina-ceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se revelarem convenientes aos desíg-nios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

O grande publicista do Império, JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, Marquês de São Vicente – que compôs a primeira turma acadêmica que se graduou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (São Paulo), mi-nha “alma mater” – teve, já no século XIX, a exata percepção da gravidade e das conseqüências lesivas, derivadas do gesto infiel do poder público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização de seu dever polí-tico-jurídico, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional.

PIMENTA BUENO, em obra clássica de nossa literatura constitucional, publicada em 1857 (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958), ao cuidar do tema referente ao desenvolvimento da Constituição e à realização dos compromissos nela estabelecidos, assim se pronunciou:

Convém, e é justo contar sempre com a razão pública, desenvolver o sistema constitucional, não parar na inação, promover a confecção das leis, das institui-ções, dos melhoramentos necessários (...), isto é, deduzir as conseqüências lógicas das promessas constitucionais, para que não permaneçam só em letras mortas.(Grifei.)

Também ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ (“Processos In-formais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad), em precisa análise dos graves efeitos decorrentes da inércia do Estado, no plano constitucional, adverte:

A Constituição, obra de um Poder mais alto, solenemente promulgada, destina-se a ser efetivamente observada, cumprida e aplicada (...). E, com efeito, se se aceita a Constituição como obra de compromisso posta pelos constituintes no exercício do Poder Constituinte Originário, que lhes é conferido pelo povo, é de se esperar que a Constituição escrita seja aplicada plenamente, em especial pelos detentores dos poderes constituídos – Legislativo, Executivo e Judiciário – que, em regra, são titulados, pelo Constituinte, guardiães da Constituição.(Grifei.)

Perfilha o mesmo entendimento, de repulsa à “inatividade consciente na aplicação da Constituição” (Anna Cândida da Cunha Ferraz, op. loc. cit.), o

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ilustre Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem não basta “ter uma Constituição promulgada e formalmente vigente; impende atuá-la, comple-tando-lhe a eficácia, para que seja totalmente cumprida” (“Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros – Grifei).

O comportamento negativo dos poderes constituídos – que deixam de editar normas regulamentadoras do texto constitucional, previstas, em cláusula mandatória, na própria Constituição – torna inviável, numa típica e perversa relação de causa e efeito, o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas as-segurados, às pessoas, pelo estatuto fundamental.

O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia consti-tucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governa-mentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.

Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âm-bito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, por esta Suprema Corte, em diversos julgamentos (ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), como re-sulta da seguinte decisão, consubstanciada em acórdão assim ementado:

A TRANSGRESSÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL PODE CON-SUMAR-SE MEDIANTE AÇÃO (VIOLAÇÃO POSITIVA) OU MEDIANTE OMISSÃO (VIOLAÇÃO NEGATIVA).

– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do poder público, seja quando este vem a fazer o que o estatuto constitucional não lhe permite, seja, ainda, quando vem a editar normas em desacordo, formal ou material, com o que dispõe a Constituição. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.

– Se o Estado, no entanto, deixar de adotar as medidas necessárias à reali-zação concreta dos preceitos da Constituição, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a própria Carta Política lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, re-sultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total (quando é nenhuma a providência adotada) ou parcial (quando é insuficiente a medida efetivada pelo poder público). Entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).

– A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como com-portamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o poder público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

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DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFE-RANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.

– O poder público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandató-rio – infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

– A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz ina-ceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito su-balterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIO-NAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.

– O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas es-tritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público.

Para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de in-junção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a im-posição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional. Precedentes. (...).(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.)

Em suma, Senhores Ministros, as considerações que venho de fazer so-mente podem levar-me ao reconhecimento de que não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia da União Federal, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, ar-bitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitu-cional –, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Daí a importância da solução preconizada pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (MI 670/ES), cuja abordagem do tema ora em exame não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concreti-zadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis.

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Por tais razões, peço vênia para acompanhar os doutos votos dos emi-nentes Ministros GILMAR MENDES (MI 670/ES) e EROS GRAU (MI 712/PA), em ordem a viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e tem-peramentos preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da lei especial a que se refere o inciso VII do art. 37 da Constituição da República.

É o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, manifesto que dizer algo mais, depois do voto que acaba de pronunciar o Ministro Celso de Mello, seria, além de imprudente, vergonhoso.

Por circunstâncias pessoais conhecidas, no entanto, não gostaria de ficar omisso neste caso.

Pretendia rabiscar pobres anotações para o meu voto ouvindo o de todos os colegas, entre eles o do Ministro Joaquim Barbosa. Mas não tenho certeza, a essa altura, se terei oportunidade de ouvi-lo desta cadeira.

Deixo apenas assinalado que não recuo das objeções que pus, desde o “leading case” do MI 107, ao que hoje o Ministro Gilmar Mendes chamava um “protagonismo legislativo do Supremo Tribunal Federal” a utilizar-se, a man-cheias, do mandado de injunção para substituir-se ao Congresso. Muitas vezes a demora do processo legislativo não é um problema de inércia, não é um pro-blema de falta de vontade de legislar; é a impossibilidade política de chegar-se a uma fórmula aceita. E isso é do jogo democrático. E isso é, sobretudo, a grande virtude do processo legislativo democrático.

Mas – ainda há pouco recordava o Ministro Celso de Mello ao rever os anais da Casa – há inércia e inércia.

E esta é uma inércia, a meu ver, abusiva e geradora – demonstraram os Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes – de uma anomia de relevo gritante: a dis-ciplina do direito de greve, quando determinada pela Constituição, é um exemplo típico de um mandado de legislar que não pode ser abusivamente protraído.

Como anotei no voto vencido que proferi no MI 20 – quando pela primeira vez se discutiu a questão no Tribunal – historicamente a greve nunca esperou pela lei para realizar-se. E isso é o que temos assistido.

Algumas vezes, o papel do Supremo Tribunal, se não é de protagonismo legislativo, é, no entanto, de acicatar aos poderes políticos para o dever de dar efetividade à Constituição.

Não prossigo. Nada teria a dizer à notável conferência com que acaba de nos brindar o eminente Ministro Celso de Mello, a propósito. Recordo apenas como foi importante para a disciplina de um instrumento fundamental da in-vestigação criminal moderna uma decisão do Supremo Tribunal que pareceu

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aterrorizar a Nação, num primeiro momento, a de dizer que, enquanto não hou-vesse lei, toda escuta telefônica constituiria prova ilegítima, prova ilícita. Não foram necessários mais que dois ou três meses para que o Congresso Nacional editasse a lei reguladora.

Não desconheço riscos de rejeição na aplicação com temperamentos da Lei 7.783 à greve dos servidores públicos. É da maior seriedade a ponderação trazida pela Central Única dos Trabalhadores e outras numerosas entidades: a inexistência, nas questões salariais relativas aos servidores públicos de meca-nismos institucionais de negociação coletiva.

Mas, ou nos conformamos com essa inércia que, digo, é abusiva – o que seria demitirmo-nos da guarda da Constituição que nos foi confiada – ou, a meu ver, a solução propugnada por ambos os relatores – Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes – me convencem que ela, no momento, é a mais razoável.

Para não adotá-la – pelas razões que expôs com muita ponderação –, o eminente Ministro Ricardo Lewandowski acabou por chegar a uma solução mais radical: reconhecer o direito à paralisação, proibindo o desconto de dias parados, o que é risco inerente ao mecanismo da greve, o qual normalmente há de resolver-se mediante negociação que existirá – não tenhamos dúvida –, haja ou não mecanismos formais para tanto. Porque o risco da suspensão do paga-mento pelos dias de greve será um instrumento necessário à ponderação de in-teresses em choque a fim chegar-se ao fim da paralisação.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator MI 670): Ministro, peço a V. Exa. fazer um aparte para lembrar que, nesse mesmo diapasão, foi a decisão do Tribunal, no MI 283, a questão da anistia, o primeiro caso da relatoria de V. Exa. E outro, da relatoria do Ministro Celso de Mello. Depois, veio a legislação, mas o Tribunal assegurou a aplicação do art. 8º do ADCT naqueles termos propostos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Perfeito.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Gostaria também de fazer um breve

esclarecimento no sentido de que, realmente, eu garanto o serviço de greve, desde que assegurada, por parte dos grevistas, a prestação dos serviços essen-ciais. Há um condicionamento aí que, de certa maneira, limita o amplo exercício do direito de greve.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Claro, V. Exa. sabe que, quanto à continuidade do serviço público, não há dúvida de que seu voto se casa com as nossas preocupações.

Mas, Senhora Presidente, renovando escusas ao Ministro Joaquim Barbosa, também me somo ao voto dos eminentes Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, a Constituição, em tema de direitos e liberdades constitucionais, se desejou pleno-operante, isto é, in-vestiu no chamado Princípio da Máxima Eficácia das Normas dela própria,

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Constituição. É o que se infere da interpretação conjugada de dois dispositivos emblemáticos da Carta de 1988. O primeiro é o § 1º do art. 5º, segundo o qual:

Art. 5º (...)§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm apli-

cação imediata.

Aliás, esse dispositivo foi inspirado no art. 18, n. 1, da Constituição Portuguesa de 1976.

O segundo dispositivo é o mandado de injunção – justamente ele, o man-dado de injunção –, no art. 5º, inciso LXXI, assim redigido:

Art. 5º (...)LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma re-

gulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Quero dizer o seguinte: ou a Constituição é aplicada por conter um dispo-sitivo específico para um determinado direito ou liberdade, ou por merecimento do mandado de injunção; ou a Constituição é plenamente eficaz à face de um dispositivo para tanto aparelhado, apetrechado, ou, se for o caso de ausência de norma regulamentadora de que dependa o efetivo gozo de um direito ou liberdade constitucional, faz-se uso do mandado de injunção. Os dois disposi-tivos hão de ser interpretados casadamente e não solteiramente, pois cumprem a mesma função de tornar a Constituição plenamente eficaz nesse tema fun-damental dos direitos e liberdades constitucionais, e têm uma característica comum: um e outro são redigidos de modo clarissimamente ultrapassante do próprio conjunto normativo de que fazem parte, ou seja, têm a característica da ultra-aplicabilidade topográfica ou capitular; extravasam os diques do capítulo de que fazem parte para alcançar todo e qualquer direito constitucionalmente assegurado e não apenas, como à primeira vista parece, um direito figurante do capítulo intitulado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.”

Nesse contexto, secundando o que disse o Ministro Celso de Mello no seu antológico voto, o mandado de injunção, seja o individual, seja o coletivo, é uma ação constitucional, mas uma ação que se inscreve no sistema de freios e con-trapesos para favorecer, justamente, o Poder Judiciário. O mandado de injunção é um mecanismo extremamente prestigiador do Poder Judiciário, habilitando este Poder a, heterodoxamente embora, atuar ali nos flancos, ali no espaço vago deixado intencionalmente pelo Poder Legislativo. Por isso, diante desse vácuo legislativo, dessa inércia legislativa, o Poder Judiciário fica autorizado a produ-zir uma norma individual, ou seja, uma sentença, uma decisão naquela linha Kelseniana: toda decisão judicial é uma norma, não geral, não impessoal, não abstrata, mas individual, particular e concreta.

Com isso, o Poder Judiciário não estará legislando, absolutamente, não estará decidindo erga omnes; estará se debruçando sobre direitos que lhe são postulados em concreto e decidindo para o caso concreto, atento às especifi-cidades dele e renunciando a qualquer tentativa de incursão pelos domínios

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da transcendência dos fundamentos ou dos motivos determinantes da decisão. Nesse particular, penso que o Ministro Ricardo Lewandowski também cravou, fincou o seu voto nessa perspectiva da validade da decisão não erga omnes, mas exatamente para o caso em concreto. E, no particular, não vi nenhuma diferença entre os votos proferidos pelo Ministro Ricardo Lewandowski e aqueles que tra-zem a prestigiosa assinatura dos Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.

Nesse caso, ao prestigiar, sobremodo, o Poder Judiciário, a Constituição também dá uma resposta dura – como deve ser – à inércia, à inação do Poder Legislativo. Uma inação grave porque opera de modo a paralisar a Constituição naquilo em que a Constituição se deseja mais dinâmica: propiciar o efetivo gozo dos direitos e liberdades constitucionais, ou seja, uma inação do Poder Constituído que termina por paralisar a vontade objetiva do poder constituinte, o que é absolutamente inadmissível. Ou seja, o Poder Constituído a esterilizar, por inapetência legislativa, o Poder Constituinte, numa matéria emblemática, numa matéria decisiva, de primeiríssima grandeza e estatura constitucional, que é esse domínio dos direitos e liberdades fundamentais.

Concluo dizendo que essas palavras, mal alinhavadas, por certo, já as proferi em conteúdo e substância em 1999, ao prefaciar o livro “Mandado de Injunção”, do Professor Carlos Augusto Alcântara Machado – um belo livro, uma bela monografia. Eu disse o seguinte:

Em verdade, o presente livro resgata a grandiosidade operacional do mandado de injunção, instituto pelo qual a Magna Carta de Outubro colocou um providencial contraponto na inércia do Estado quanto à produção de norma regulamentadora de que dependa o efetivo gozo “dos direitos e liberdades constitucionais (...)

(...) o Texto Magno de 1988 assim saiu de uma era constritiva de direitos subjetivos para uma era construtiva e não quis ficar na retórica: disse, em alto e bom som, que certas situações jurídicas ativas de berço constitucional teriam no Poder Judiciário a garantia de sua efetividade, via mandado de injunção, caso o Estado optasse pelo cruzar de braços quanto à edição daquelas normas gerais que se fizessem necessárias à viabilização do pleno exercício daquelas situações.

Assim prescrevendo, a nossa Lei Maior veio a positivar uma das mais im-portantes regras de hermenêutica:” – hoje eu diria que a mais importante das regras de hermenêutica – “a regra de que a Constituição deve ter o máximo de eficácia por si mesma.” – essa é a regra das regras e a hermenêutica das hermenêu-ticas: a Constituição deve ter o máximo de eficácia por si mesma – “Com o mérito suplementar de não confundir o exercício da função jurisdicional com a legisla-tiva, pois o novo writ não significa jamais usurpação de competência legiferante. O Judiciário apenas resolve uma questão inter partes (não erga omnes, como é próprio da lei em sentido material) e por nenhuma forma inibe a verdadeira auto-ridade legiferante de vir a ocupar o espaço normativo até então deixado in albis. É ainda falar: o espaço de normatividade abstrata que é próprio de um poder não jurisdicional permanece à espera desse poder não jurisdicional, a despeito do pro-vimento judicial do mandamus no caso concreto.”

Então, Senhor Presidente, como sabemos que somente cabe a propositura, a impetração do mandado de injunção diante de uma norma constitucional de

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eficácia limitada, não faz sentido que a decisão judicial também seja de eficácia limitada. Ora, a uma norma constitucional de eficácia limitada há de se seguir uma decisão judicial de eficácia plena, senão a Constituição estaria lavrando na inocuidade absoluta em tema tão fundamental.

Com a devida vênia, acompanho V. Exa.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, creio que, depois de tudo o que foi dito aqui, há muito pouco a ser acrescentado. Antes, ressalto o voto brilhantíssimo do Ministro Celso de Mello; não o relerei, ainda que sejam poucas páginas, mas saliento a minha estima por todas as suas idéias.

Queria chamar a atenção para duas situações: primeiro, creio que, no mandado de injunção, está superado o entendimento de que se precisa dar efetividade à Constituição. Nesse sentido, perguntaria ao Ministro Ricardo Lewandowski se o seu voto está, exatamente, no sentido de dotar de efetividade.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sem dúvida nenhuma. Penso que conferi um avanço...

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Chamo a atenção por causa de uma obser-vação feita pelo Ministro Sepúlveda Pertence, de que a análise de V. Exa. poderia deixar um espaço de menor cuidado normativo, ou de maior empenho, no sentido de dar um direito sem limites. Isso foi posto aqui e eu gostaria de saber se V. Exa. dissente em relação à efetividade da prestação jurisdicional, neste caso, para que se garanta o direito de greve, porém com limites, como foi posto, de uma forma muito específica, nos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sem dúvida. Penso que propiciei um avanço com relação à jurisprudência mais tradicional da Casa que, conforme disse, se vinha se alterando e progredindo. Num primeiro momento, simples-mente declarava-se a mora do Congresso Nacional. Há uma corrente interme-diária a qual me filio, que dá concreção ao direito pleiteado, no caso concreto, estabelecendo os contornos para o seu exercício. E há a terceira, que é aquela que regula o caso concreto, adotando normas abstratas, até com efeito erga om-nes, corrente essa a qual não me associo, exatamente porque entendi, com todo o respeito, que, em trilhando esse caminho, estaríamos, num certo sentido, avan-çando sobre as competências do Poder Legislativo, o que me parece vedado.

Efetivamente, eminente Ministra Cármen Lúcia, dou concreção, no caso vertente, ao direito de greve e estabeleço os limites, quais sejam: os grevistas são obrigados a prestar os serviços essenciais à comunidade.

Fiquei preocupado porque, num dos casos, há uma decisão judicial estabe-lecendo uma multa pecuniária diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para a hipótese de paralisação. Evidentemente, é o obstáculo ao direito de greve que a Constituição garante e que precisa ser removido.

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Confirmo o que V. Exa. me pergunta, e de certa maneira antecipa, no sen-tido de que dou concreção ao direito de greve, mas estabeleço limitações.

A diferença entre os votos que me precederam e o meu está em que os eminentes Ministros Eros Grau, Relator, e Gilmar Mendes, adotando a Lei de Greve para o setor público, talvez estejam delimitando o direito, no caso con-creto, com mais minúcias do que eu. Eu simplesmente o garanto, até porque é difícil dizer, no caso dos servidores do Judiciário do Pará, quais são os serviços essenciais. Só as autoridades que os supervisionam dirão: se vão trabalhar nos habeas corpus, nos mandados de segurança, em matéria de réus presos, etc.; e, na polícia, se haverá plantão ou não, se a carceragem funcionará ou não, etc. Não sei se podemos entrar nesses detalhes. Meu voto foi justamente nesse sentido.

Não ficou bem claro, no meu entendimento, se os votos que me precede-ram dão efeito erga omnes à decisão ou não. Realmente, nesse sentido não con-cordo. E creio que entre o meu voto e os que me precederam talvez a diferença seja apenas uma questão de grau, de minúcias na regulamentação.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Posso esclarecer em rela-ção ao MI 712. Não entendi, e isso não vem ao caso, porque verifico que, afinal de contas, V. Exa. não divergiu e votou no mesmo sentido básico dos votos do Ministro Gilmar e do meu.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Delimitamos o direito de greve, talvez, com mais ou menos minúcias.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Fiz uma observação, em obiter dictum, pelo menos da experiência doutrinária – é claro que os casos con-cretos poderão iluminar eventuais decisões, especialmente tendo em vista ser-viços essenciais ou não-essenciais –, a respeito da possibilidade, exatamente em serviços públicos, de tê-los como não-essenciais se olharmos a lista constante nas hipóteses do art. 10 da Lei 7.783.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Exatamente nessa linha, acho que o Tribunal deve se propor a questão. Se vamos regular concretamente o exercício do direito de greve, nestes mandados de injunção, ditando a regra do caso, que fiquem claras as condições do exercício desse direito. Creio que o Tribunal deveria dizer se a greve do serviço público permite, ou não – e aí a perti-nência da minha observação à manifestação de V. Exa. –, a distinção entre serviço essencial e não-essencial, ou se deve considerar que todo o serviço público é essen-cial e, portanto, jamais poderá ser ininterruptamente suspenso por força de greve.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Se V. Exa. me permitir, é o caso da aplicação do princípio da continuidade do serviço público. Isso está posto muito claramente em meu voto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Tribunal deve deixar bem explicitadas as condições de exercício do direito de greve. Entre elas, preocupam-me duas: primeiro, a de que não se permite essa distinção em relação ao serviço público, porque não se pode imaginar serviço público que não seja essencial.

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A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ou, pelo menos, não é essencial para o efeito de uma paralisação total, porque a característica do serviço público é a continuidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não é possível imaginar situação em que o serviço público possa, de forma absoluta, estar ininterruptamente paralisado ou suspenso.

A segunda condição – essa já não tem pertinência com a observação de V. Exa., mas, de qualquer modo, a avanço, porque, quando votar, quero manifestar-me com clareza – é a respeito do não-pagamento dos dias de greve.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Esse é o único ponto de divergência que conseguimos observar.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É o único ponto de diver-gência do voto do Ministro Ricardo Lewandowski.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Em relação a isso, já deixei inicialmente posto, em meu voto, que adoto a lei e deixo claro, a meu ver, que as regras básicas seriam as dos arts. 10 e 11 da Lei de Greve, as quais, na verdade, consagram a idéia da essencialidade dos serviços.

Se nós olharmos a lista – inclusive o Ministro Celso lembrava há pouco o tão multicitado caso dos controladores, constante do inciso X, do controle de tráfego aéreo, da Lei 7.783 –, também estão todos os outros: tratamento de abastecimento de água; assistência médica, hospitalar; distribuição e comer-cialização de medicamentos e alimentos; serviços funerários; transporte cole-tivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas; etc. Todos esses, na verdade, são serviços públicos que, por definição, não podem comportar interrupção e podem ser ameaçados de descontinuidade.

Em relação ao aspecto suscitado pelo Ministro Lewandowski, no meu voto, referindo-me quanto ao aspecto da eficácia erga omnes, ressaltei que, a rigor, os casos de omissão inconstitucional, quando resolvidos – isso é pacífico numa parte da doutrina em Direito Comparado, pelo menos quando imagina-mos esse tipo de regra geral –, acabam por ser decididos, na verdade, com efi-cácia erga omnes, seja no âmbito da ação direta por omissão, seja no âmbito do próprio mandado de injunção. Estamos aqui a dizer, neste mandado de injunção, que isso vai se aplicar aos demais casos. Tanto que não vamos, espero, nos pro-nunciar sobre outros casos idênticos; não ficaremos a fazer regulações específi-cas, porque essa decisão valerá, a meu ver, como eficácia erga omnes. No caso, na verdade, a chamada “proteção subjetiva” se transmuda também num tipo de proteção objetiva. Pelo menos foi essa a posição por mim assumida.

Inicialmente, apontei, inclusive, divergência com o voto do Ministro Eros Grau, porque estaremos a emitir um tipo de juízo. Assim, o Tribunal decidiu, por exemplo, no caso dos mandados de injunção aqui referidos, sobre a anistia. Na verdade, não se esperava que o Tribunal ficasse todo dia a emitir juízo a

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respeito, tanto que reconheceu que aquelas regras seriam balizadas agora pelo direito comum. Qualquer cidadão que se encontrasse na situação prevista no art. 8º do ADCT poderia buscar a proteção judicial efetiva, segundo as regras do direito comum. Parece-me que não estamos a inovar, tendo em vista a pecu-liaridade da proteção dada em sede de omissão.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, se V. Exa. me permite, faço duas observações.

Em primeiro lugar, parti do pressuposto de que, no mandado de injunção, a decisão é caso a caso. Por isso me causa certa espécie conferir efeito erga omnes a uma decisão que tomamos caso a caso. Conforme aludi no meu voto, entendo que uma greve de professores primários apresenta diferenças enormes em relação à greve de controladores de voo.

Quero também aproveitar o ensejo para esclarecer a questão do pagamento dos dias parados.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Se V. Exa. me permite uma interrupção, essas questões, na prática generalizada, são resolvidas no âmbito da Justiça do Trabalho. Quer dizer, na sede do dissídio de greve, essa matéria é resolvida. Não se espera, cada vez que se coloque uma pretensão de greve, que o tema seja novamente alçado a esta Corte. Pelo menos assim não é desejável.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Para o caso do servidor público es-tatutário, estabelecemos que não cabe o dissídio coletivo (ADI 492, Velloso, RTJ 145/68).

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exato. Ficou estabelecido que ele não vai à Justiça do Trabalho.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim, mas haverá o dissídio de greve.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas isso não está previsto.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): O dissídio de greve será o juí -

zo competente para aferir a decisão sobre a greve. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O grevista, seja ele do setor privado

ou público, é hipossuficiente. No caso do servidor público, o que ele recebe são verbas de caráter alimentar. Se, no caso concreto, removo o obstáculo para que ele possa realizar o direito que, em tese, a Constituição lhe confere, mas não lhe garanto o pagamento dos dias parados para que ele continue a exercer esse direito, eu neutralizo esse direito. Dou com uma mão e tiro com a outra. Se depois a greve for considerada abusiva; se for, inclusive, levada a efeito apenas no que toca aos serviços essenciais, essas verbas, que porventura tenham sido pagas indevidamente, serão descontadas, como sói acontecer normalmente no serviço público.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, apresentei a questão apenas para acentuar dois pontos.

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Primeiro, o Tribunal está, segundo me parece por todos os votos manifes-tados até o momento, em perfeita consonância no sentido de que o mandado de injunção há de ter eficácia plena no sentido de, para usar os termos expressos da Constituição: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitu-cionais”, dotar de viabilidade ao direito posto como um daqueles protegidos por essa garantia. Estamos todos de acordo quanto a isso.

Também estamos de acordo no sentido de que o limbo normativo, esta-belecido nessas cinco legislaturas subseqüentes à Constituição, constitui o que chamo de abuso do poder de não legislar.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que exige, como pretendi deixar claro na ressalva inicial do meu voto, um juízo de ponderação na situação con-creta, para decidir da abusividade da omissão legislativa.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Por isso chamo a atenção para as cinco legislaturas subseqüentes à promulgação da Constituição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Continuo a temer que – sobretudo ante a solução constitucional de praticamente monopolizar a competência para o man-dado de injunção que importa no Supremo Tribunal Federal – tenhamos, em certos casos, de nos transformar na revivescência da Junta de Conciliação e Julgamento.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Na verdade, creio que todos os votos aqui proferidos – o Ministro Celso de Mello foi o que mais se estendeu a respeito – partiram da premissa de esse caso específico configurar uma situa-ção singular.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Começa a facilitar por se tratar do di-reito coletivo de uma categoria determinada.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Era uma situação peculiar em que havia uma recalcitrância histórica. Não se trata de o Tribunal romper com a doutrina de “self-restraint”.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Até porque o Tribunal já colocou em mora o Congresso em outros mandados de injunção.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A meu juízo, isso ficaria sujeito a uma precondição de relevância, ou repercussão geral – mais atualizada.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Por essa razão, fiz questão de chamar a atenção para a circunstância de estarmos na quinta legislatura subseqüente à promulgação da Constituição, que garante esse direito. Há treze anos, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se e pôs em mora o Congresso Nacional.

Exatamente para o caso concreto, como o do mandado de injunção, penso que se configura fraude à Constituição a não-legislação, de tal forma a se negar eficácia ao que entrou em vigor para produzir efeitos no mundo jurídico.

Farei juntar o meu voto com observações, inclusive, referentes ao histórico deste caso.

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Concluo para conhecer do mandado de injunção e conceder a ordem, nos termos do voto do Ministro Eros Grau. Apenas chamo a atenção para a cir-cunstância de que eu não caracterizaria – conforme ressaltou o Ministro Carlos Britto – no sentido de dar efeito erga omnes, nem de tangenciar essa matéria. Creio que o mandado de injunção tem natureza integrativa, ou seja, de integrar o ordenamento para o caso concreto diante dos Impetrantes.

Nesse sentido é o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, antes de manifestar meu voto, peço escusas ao eminente Relator, e também a V. Exa., cujo voto, de certo modo, integrou os termos do dispositivo do mandado de injunção, para pergun-tar: quais seriam especificamente os dispositivos da Lei 7.783 aplicados a este caso como condições do exercício do direito de greve?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator MI 712): Em primeiro lugar, ficou muito claro no meu voto que não se fala em serviço essencial; todo serviço público é atividade que não pode ser interrompida.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Então excluímos, desde logo, o disposto nos arts. 10 e 11 da lei.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Direi a V. Exa. exatamente o proposto originariamente no meu voto: a aplicação do disposto no art. 3º e parágrafo único; art. 4º; parágrafo único do art. 7º; art. 9º e art. 14. Na verdade, todos os outros preceitos não cabem na situação de greve no serviço público.

No meu voto ficou muito clara a distinção: a greve no setor privado é dis-puta por lucro do patrão, por mais-valia; na greve no serviço público não se dis-puta lucro, mas fundo público. Quem se encontra do outro lado não é o patrão, mas a sociedade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Minha dúvida é quanto aos dispositivos. Por que V. Exa. não aplica também o art. 5º, permitindo às entidades sindicais terem representação perante a Justiça competente?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Considero razoável; aliás, até mais que razoável. Eu havia evoluído no sentido de acompanhar o escopo mais amplo proposto pelo Ministro Gilmar Mendes. Agora, estamos especificando.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Na verdade, não quis descer a esse detalhe, tendo em vista exatamente a dificuldade, por todos proposta, do detalhamento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso não é dificuldade, mas o alcance prático da nossa decisão.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Assentei a aplicação da Lei 7.783 e enfatizei especialmente as regras dos arts. 10 e 11, com todas as

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peculiaridades, claro, em relação a situações referentes, por exemplo, à própria competência da Justiça, coisas que não estamos a definir desde logo.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Ministro Cezar Peluso, cometi um equívoco, na verdade, a minha proposta é do art. 1º ao 9º, e não dos arts. 1º e 9º. Então, efetivamente, o art. 5º está incluso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa., então, não aplica os arts. 10, 11, 12 nem o 13.

Nesses termos, profiro meu voto exatamente a partir da premissa que o voto de V. Exa. adota como condições do exercício do direito, mutatis mutandis, todas as disposições dos arts. 1º ao 9º e do art. 14.

Mais do que ocioso, seria realmente enfadonho, depois de votos tão bri-lhantes e exaustivos, como os proferidos antes do meu, fazer agora qualquer incursão teórica a respeito das concepções relativas ao mandado de injunção.

No entanto, devo dizer e deixar claro que é tão velho quanto esta Consti-tuição o meu entendimento de a função do mandado de injunção ser a de tornar viável o exercício de direito e de liberdade constitucionais, ou de prerrogativas ligadas à soberania, cidadania e nacionalidade, que não possam ser exercidos por falta de norma regulamentadora. Ou seja, a mim me parece não se tratar de instituto destinado a fazer com que uma decisão judicial estimule o Poder Le-gislativo a desempenhar a função de legislar.

Por isso, a mim não me importam as razões reais por que se dê omissão do Legislativo, seja por dificuldades políticas de obtenção de um projeto de comum acordo, seja por deliberada opção do legislador em não regulamentar, ou seja por esquecimento. São dados absolutamente irrelevantes, porque não concebo o mandado de injunção como expediente tendente a estimular o exercício da competência legislativa.

O mandado de injunção tem, no texto constitucional, a meu sentir, a função jurídico-processual de garantia de direito subjetivo, de liberdade cons-titucional, ou de prerrogativa, no sentido de tornar viável, no caso concreto, o exercício desse direito, liberdade, ou prerrogativa, independentemente do com-portamento futuro do legislador.

No caso, o mandado de injunção destina-se a assegurar o exercício de di-reito que não pode ficar na dependência de demora legislativa. E é, também, meu velho entendimento que a decisão do mandado de injunção significa edição de uma regra singular e concreta, isto é, de uma regra para o caso e para as pessoas vinculadas às relações desse caso.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Os substituídos processuais em cada caso.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Com essas premissas, julgo procedente o

mandado de injunção, para assegurar o exercício do direito de greve, mediante, porém, as condições legais específicas referidas pelo eminente Ministro Relator, mediante aplicação analógica.

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Não há como deixar de admitir que se trata da formulação de uma regra singular e concreta, com fundamento mais longínquo no expediente da analogia. Na verdade, compomos um mandamento concreto a partir da transladação de normas que regulam relações de direito privado para o campo do direito público.

Deve, desse modo, ficar absolutamente claro que não se está a instituir um modelo aberto cuja definição fique na dependência da atuação de outros magis-trados. Parece-me que isso frustraria o objetivo do mandado de injunção. Exigir que, cada vez que se deva exercer o direito de greve, seja preciso recorrer ao Judiciário para definir ou implementar-lhe outras condições, é inútil, além de frustrar a oportunidade de exercício.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministro Cezar Peluso, não é disso que se cuida, pelo menos quanto às minhas premissas.

A rigor, conforme sabemos, quando ocorrem todos os incidentes em torno da greve, em geral há, no chamado dissídio coletivo, o dissídio de greve, aferi-ção da legalidade ou ilegalidade. Daí, inclusive, a existência das competências específicas, no caso ou dos Tribunais Regionais do Trabalho ou do próprio TST, em se tratando de categorias de âmbito nacional.

Obviamente que, a despeito do poder regulatório que eventualmente ve-nhamos a imprimir a esta decisão, vamos ter certamente a intervenção do Poder Judiciário.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela só se transformará na medida pro-visória judicial quando se converter em súmula vinculante.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim. Então, esse quadro nós teremos. Certamente haverá uma medida cautelar, e sabemos disso, pedindo que se determine, por exemplo, o retorno, ou que se observe determinadas regras, e é disso que se cuida. É inevitável, portanto, a participação de órgãos judiciários, que não o Supremo Tribunal Federal, nesse processo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, quanto a isso, não faço tampouco ob-jeção. Meu voto também não pré-exclui essa intervenção do Poder Judiciário.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Não se trata de licença para que se faça.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Preocupa-me, pura e simplesmente, que não se emita aqui uma decisão cuja eficácia ainda fique dependendo, para exercício do direito que se pretende assegurar, da implementação, ou, enfim, da formula-ção de outras condições.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Não, não se trata de pedir li-cença para fazer greve, muito menos autorização judicial.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: E, quanto às condições, eu gostaria de deixar claras, peremptórias e taxativas estas duas que a mim me parecem fundamentais: o serviço público não admite a distinção entre serviço essencial e não essencial; todo serviço público é essencial. De modo que não se aplicam ao caso condições

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análogas às que constam dos arts. 10 e 11 da lei. E que, tampouco no serviço público, e pelas mesmas razões, ou até por mais fortes razões, não é possível re-conhecer direito ao pagamento dos dias de greve, como relembrou aqui ao meu lado o Ministro Marco Aurélio, com sua larguíssima experiência, entre outros campos, no Direito do Trabalho. A própria lei prevê que, com o desencadeamento da greve, fica suspenso o contrato de trabalho e, por via de conseqüência, sus-pensos os direitos e as obrigações que dele se irradiam, entre os quais a de pagar.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu não subscrevo essa parte do voto de V. Exa., com todas as vênias.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Peço vênia para discordar de V. Exa.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Vamos precisar de um segundo turno de

votação.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Cezar Peluso, eu apenas

queria um esclarecimento.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual é a parte? É a minha primeira parte?

É referência a mim, não?O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, a suspensão.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Quer impugnar.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Cezar Peluso, apenas um

esclarecimento. Se todos os serviços são essenciais, eu gostaria de saber qual seria o objeto, então, do direito de greve?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A mesma objeção que V. Exa. levanta quanto ao serviço público, vale para o serviço privado. Se o não-pagamento dos dias de greve fosse impedimento ao exercício de greve, sê-lo-ia tanto para o serviço público quanto para o serviço privado.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não é essa a questão, Ministro, é apenas uma questão teórico-acadêmica.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que estimula as partes a fazer cessar a greve é exatamente a não-prestação do serviço.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas se todos os serviços públicos são essenciais, então, eles não podem ser paralisados.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, não podem.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Então, não há direito de greve no

serviço público. Fazer o quê, então?O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas o núcleo essencial de cada ativi-

dade há de ser assegurado.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quer dizer, o núcleo essencial tem de ser

assegurado.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas aí, data venia, não estou entendendo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí é a garantia do princípio da conti-nuidade, que o Ministro Eros Grau enfatizou.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, porque, veja bem V. Exa.: como dizer-se

que determinado serviço público não seria essencial, podendo ficar indefinida-mente paralisado?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não, mas, se tudo é essencial...O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, tudo no serviço público é essencial.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Também acho. Mesmo porque há o

princípio da continuidade do serviço público.O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas não é a essencialidade do serviço que vai

impedir o direito de greve, lógico.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Claro que não. É para efeito das garantias da

continuidade. Estão previstos no art. 9º da lei.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É o art. 11.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas, então, o servidor entra em

greve e continua o serviço, é isso?O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Não, é como se ele fosse do

setor privado e fizesse a greve nos termos da lei.O Sr. Ministro Carlos Britto: Só as necessidades inadiáveis. O inadiável é

um plus em relação ao essencial.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Pois é, mas estamos num conjunto

mais abrangente.O Sr. Ministro Carlos Britto: Nem tudo que é essencial é inadiável, embora

tudo que seja inadiável é essencial.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: A doutrina faz uma distinção entre

os serviços essenciais e não essenciais.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): É, por isso se precisa de uma

jurisdição.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Mas não há essa distinção

no serviço público. Eu disse isso no meu voto. Não há possibilidade de se super-por uma coisa a outra.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que isso é fundamental.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Todo e qualquer serviço

público tem de ser mantido no mínimo da sua essencialidade. É isso.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas, então, V. Exa. entende que

existem serviços que não são essenciais. Se tem de ser mantido na sua essencia-lidade, admite que há os que não são essenciais.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, no núcleo; ser interrompido de forma absoluta.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É uma questão de palavra. Por isso digo que não há semelhança, não há superposição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nos mesmos termos em que, para o setor privado, é essencial, por exemplo, o serviço hospitalar, mas não todo o serviço hospitalar.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Mas eu concordo plenamente com isso.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas é isso que eu gostaria ficasse claro.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Quer dizer, que fique claro: não

podemos afirmar aqui que, pela essencialidade dos serviços públicos, não é pos-sível a paralisação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Até porque, se não fizermos essa distinção, toda nossa discussão terá sido inútil. Nós estamos dizendo que se aplique inte-gralmente a Lei 7.783. Não há diferença nenhuma.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Cezar Peluso trouxe à discussão, entre tantas outras contribuições, essa de deixar claro que todo serviço público é essencial. Porém, a Constituição faz uma distinção, e não precisou da lei, ela mesma fez isso no § 1º do art. 9º, entre essencial e inadiável.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente.O Sr. Ministro Carlos Britto: E é preciso trabalhar com as duas categorias.O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Os votos até agora proferidos trabalham isso?O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Sim, trabalham na medida

em que determinam a aplicação da lei, enfatizando a aplicação dos arts. 10 e 11.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: No meu voto, impeço a paralisação

dos serviços inadiáveis.O Sr. Ministro Carlos Britto: Inadiáveis.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O que é inadiável, para mim, é

muito claro, quer dizer, no âmbito dos servidores do Poder Judiciário: habeas corpus, mandados de segurança, questões que envolvem de réu preso; também, na Polícia Civil, há serviços claramente inadiáveis, essenciais e inadiáveis, e há outros, tais como elaborar boletins de ocorrência e outras coisas que tais, que não me parecem inadiáveis. Mas, no fundo, realmente, vejo que não estamos apli-cando in totum a lei de greve vigente no setor privado. É contra isso que eu me insurgia. Estamos pinçando nela determinadas condições para delimitar, no caso concreto, a greve. E nesse ponto, realmente, em essência, estamos de acordo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): A própria lei é, por definição, genérica, tanto que fez a definição: “São considerados serviços ou atividades essenciais:”. Claro que há até conceitos jurídicos aqui, com a vênia do Ministro Eros Grau, indeterminados.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É duvidoso, ante o disposto no art. 11, que a relação seja exaustiva.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Que seja exaustiva, por defi-nição. Por isso, há uma jurisdição especializada para a discussão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por isso mesmo, penso que não devemos or-denar, na decisão deste mandado de injunção, a aplicação estrita do art. 10, pois se reconhece que todo serviço público é essencial. E, aí, vamos ver, nos casos concretos – e isso a Justiça vai decidir quando necessário –, quais aqueles que, em cada serviço público, é considerado atividade inadiável.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Já que decidimos legislar sobre o as-sunto, não seria melhor exaurir?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ou nós fixamos as condições do exercício do direito de greve, ou, pura e simplesmente, não emitimos decisão alguma.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Eu concordo com isso.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Claro que não é numerus

clausus, porque obviamente não retira a possibilidade de outros casos estarem devidamente contemplados. Por isso, disse a jurisdição específica do dissídio.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: De qualquer maneira, a discussão está mostrando que o Tribunal deve ser menos severo quando condenar a mora do legislador. Legislar é muito difícil.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É isso que eu ia dizer. Nós estamos, na ver-dade, justificando a mora do legislador.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Enfrentando as mesmas dificuldades.O Sr. Ministro Cezar Peluso: As dificuldades que o legislador enfrenta

para tentar solucionar essas questões.O Sr. Ministro Carlos Britto: E com desvantagem para nós do Judiciário.O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estamos tentando superar essas dificuldades.O Sr. Ministro Carlos Britto: E uma desvantagem para o Judiciário, Minis-

tro Cezar Peluso, porque não se pode obrigar o legislador a legislar, mas o Judi-ciário é obrigado a julgar. Não podemos tangenciar, temos de dar uma resposta.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Judiciário tem de, nos termos da Constitui-ção, assegurar o exercício do direito no caso concreto.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pronto, exatamente.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Estou de acordo.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): V. Exa. me permite?O Sr. Ministro Cezar Peluso: Pois não, com o maior prazer.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): É exatamente o que V. Exa.

disse: em qualquer serviço público, para que haja a greve, a categoria dos gre-vistas há que assegurar a continuidade do serviço público.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Essenciais e inadiáveis.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essenciais são todos, Ministro; a questão é saber só quais os inadiáveis.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: No meu voto, uso a expressão inadiável.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator do MI 712): Estou tentando simples-mente ajudar. Isso foi afirmado no meu voto e, se não me engano, também no voto do Ministro Gilmar Mendes. Tanto ele quanto eu fizemos algumas distin-ções, uma delas fundamental, entre o existencial e o essencial, para afirmar que não se aplica o preceito do art. 10, porque, em relação a todo e qualquer serviço público, a categoria há que prover no sentido de não interrompê-lo.

Então, é exatamente o que V. Exa. disse. Por essa razão, propus que não se aplicasse o art. 10, porque ele supõe a possibilidade de haver algum serviço que não seja essencial.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exato, e eu subscrevo integralmente. Estou inteiramente de acordo. Fico feliz, porque, assim, o meu pensamento até ficou mais claro.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os neoliberais farão ressalva à obser-vação de V. Exa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: De modo que, nesses termos e com essas pre-cisões, acompanho integralmente o voto do eminente Relator.

EXTRATO DA ATA

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (Advo-ga dos: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que conhecia parcialmente do mandado de injunção e reconhecia a mora do Congresso Nacional, e dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso, que conheciam e julgavam procedente o mandado de injunção, para determinar a aplicação da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, e do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, julgando-a proce-dente em parte, nos termos do voto proferido, pediu vista dos autos o Ministro Joaquim Barbosa. Não participou da votação o Ministro Eros Grau por suceder ao Ministro Maurício Corrêa. Ausente, ocasionalmente, na segunda parte da sessão, a Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidência do Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 12 de abril de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, a esta altura do julgamento acredito que seja desnecessário repisar as considerações históricas e doutrinárias a respeito do mandado de injunção. Faço especial referência ao voto do eminente decano, Ministro Celso de Mello, muito elogiado nas sessões do Plenário de 12-4-07, que ficará nos anais da Corte.

Apenas para contextualizar as considerações que farei em meu voto é que retomarei pontos fundamentais da discussão que se trava na Corte nesses MI 670, MI 708 e MI 712.

Os votos nos MI 670, MI 708 e MI 712

O tema sob exame foi trazido ao plenário na sessão de 15-5-03 pelo Ministro Maurício Corrêa, Relator do MI 670, que votou pela procedência par-cial do mandado, declarando a mora do legislador na regulamentação do art. 37, VII, da Constituição Federal.

Pediu então vista o Ministro Gilmar Mendes e o julgamento prosseguiu na sessão de 7-6-06, ocasião em que também o Ministro Eros Grau leu seu voto no MI 712, de sua relatoria.

Com pequenas diferenças, ambos os Ministros concordaram sobre a solu-ção a ser dada à questão, incorporando ao conteúdo da decisão da Corte as dis-posições aplicáveis da Lei 7.783 para viabilizar o exercício do direito de greve.

Destaca-se, nesse primeiro momento, ao que me pareceu, que a tônica do voto do Ministro Gilmar Mendes se concentrava na limitação do direito de greve pelo controle judicial nas instâncias apropriadas, ressaltando a abrangên-cia geral da decisão do STF em seus efeitos (erga omnes).

O Ministro Eros Grau, por sua vez, destacou e insistiu em que, para efeitos da aplicação de disposições da Lei 7.783, todo serviço público é essencial, de modo que não se deve transigir às expensas do princípio da continuidade do serviço.

Nessa oportunidade pediu vista o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, continuando o julgamento em 12-4-07, sessão em que se discutiu o essencial da posição que parece ter se consolidado no Plenário.

O Ministro Lewandowski, em voto muito detalhado e atento às peculia-ridades do caso, propôs solução similar à dos votos proferidos pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, mas caracterizado pelas seguintes especificidades: (i) suspensão dos efeitos da decisão que, no caso, obstava o exercício do direito de greve; (ii) determinou em detalhe a observância de requisitos mínimos para a legitimidade da greve; (iii) e se opôs à abrangência geral da decisão da Corte, restringindo-a ao caso concreto.

Na seqüência, os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Britto, Carmen Lúcia e Peluso proferiram seus votos, na linha do voto do

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Ministro Gilmar Mendes. Destaca-se, nesse ponto, a referência expressa dos Ministros Carlos Britto e Carmen Lúcia, sobre a restrição dos efeitos ao caso concreto. Pedi vista naquela sessão.

Pouco tempo após, na sessão de 24-5-07, o Ministro Gilmar Mendes trouxe a julgamento o MI 708, reiterando as razões de seu voto no MI 670, acres-centando-lhe apenas algumas considerações específicas sobre o processamento do dissídio de greve, referindo-se à possibilidade de as instâncias ordinárias aplicarem subsidiariamente as disposições da Lei 7.701 (sobre a especializa-ção de órgãos colegiados na justiça do trabalho). Pediu então vista o Ministro Ricardo Lewandowski.

Nesse MI 708, continuando o julgamento em 19-9-07, o Ministro Ricardo Lewandowski continuou na linha que seguia, indicando medidas detalhadas para o exercício do direito de greve, sessão em que também votaram os Ministros Menezes Direito, Carmen Lúcia, Celso de Mello e Carlos Britto. Naquela opor-tunidade, o Ministro Direito sugeriu a indicação de prazo para que o Congresso suprisse a omissão, sugestão que foi acolhida pelo Ministro Gilmar Mendes.

Também pedi vista desse feito.Trago a julgamento em conjunto os MI 670 e MI 708.Observo, porém, que, após meu pedido de vista no MI 712, neste foi apresen-

tado pedido de desistência, que foi indeferido na sessão plenária do último dia 15.Acredito que seja esse o panorama completo da discussão, que tem sido

mais complexa do que registrado nas proclamações parciais. Pois bem.

Sobre a omissão do Congresso Nacional

Quanto à omissão do Congresso Nacional na regulamentação do direito de greve do servidor público até o presente momento, provavelmente ela se deu em razão de dificuldades políticas muito concretas. É ilustrativo dessa dificuldade o fato de que o próprio Congresso Nacional, em 1998, abandonou a exigência de lei complementar, que exige maioria qualificada, e optou pela lei ordinária, aprovada por maioria simples. Não obstante, o impasse persiste.

Creio que o Ministro Sepúlveda Pertence soube sintetizar bem essa preo-cupação em seu voto.

Em relação ao próprio STF, acredito que a restrição inicial a que se en-tendesse o mandado de injunção com a feição ora proposta também tinha como ponto de partida as dificuldades, também muito concretas, de a Corte decidir sobre a integração normativa para o exercício de determinados direitos consti-tucionalmente assegurados.

Vê-se que a Corte enfrentou o problema aos poucos, como se tateasse os limites de sua própria legitimidade nessa zona cinzenta da delicada relação en-tre os poderes da União.

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Dos precedentes da Corte já bastante citados, extraio não apenas a am-pliação progressiva do escopo do mandado de injunção, mas, principalmente, o cuidado com que o Supremo Tribunal Federal sempre enfrentou o risco de extrapolar seus poderes.

Acredito que, neste caso, o Tribunal está mantendo esse cuidado, e com-partilho das preocupações dos colegas. Adianto, assim, que concordo com muito do que já se disse neste Plenário sobre a questão.

Minha divergência parcial deriva apenas da concepção particular que te-nho a respeito de judicial restraint.

(A) constitucionalidade da norma editada. Não se pode negar que a refe-rência da Corte à Lei 7.783/89 antecipa, em certa medida, o juízo sobre a consti-tucionalidade da legislação vindoura pertinente à regulamentação do direito de greve do servidor público.

Explico: ao admitir a aplicabilidade da referida lei às greves no serviço pú-blico, o tribunal indicará que se o Congresso Nacional assim o desejar, poderá, por exemplo, editar lei muito simples, determinando a aplicação da Lei 7.783/89.

Tenho ressalvas sobre a constitucionalidade desse entendimento, porque a própria Constituição afirma a diferença essencial entre as greves no serviço público e as greves no setor privado.

Se não bastasse a disciplina do art. 37, VII, da Constituição, restaria toda a extensa e minudente regulação constitucional sobre o funcionamento do serviço público, que, como bem destacado no voto do eminente Ministro Eros Grau, tem natureza própria.

Assim, a referência desta Corte à Lei 7.783/89 induz, indiretamente, a su-gerir e mesmo a pautar o trabalho do Congresso Nacional. Noutras palavras, a força de uma decisão dessa natureza, ainda que apenas potencialmente, pode ter o efeito de restringir as opções do legislador.

(B) Redução do campo possível de regulamentação pelo Poder Le gis-la ti vo. Assim, constatada a mora legislativa, creio que se deve preservar ao má-ximo a liberdade da atividade futura do legislador, que, por sua vez, obviamente deve obediência à Constituição.

(C) Referência constitucional para a solução do impasse. Ao editar norma nova, e determinar qual é o direito aplicável ao caso, o Supremo Tribunal Federal necessariamente expedirá decisão de cunho mandamental. Nesse caso, persistirá aberta a via da reclamação, por exemplo, para que se assegure que as instâncias próprias respeitem essa decisão. O resultado disso é que, num mo-mento o STF definirá a aplicabilidade da Lei 7.783. Agora, já se propõe também a aplicação da Lei 7.701, e tudo isso sem que se defina, no dispositivo da decisão, as normas aplicáveis ao caso concreto.

E, por mais que nas sessões anteriores se tenha afirmado que a ques-tão será relegada aos tribunais inferiores, o que acontecerá na prática é que a Corte será chamada paulatinamente a corrigir distorções, e por mais que queira

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delegar, o espírito de responsabilidade que o STF sempre demonstrou o obrigará ao contrário, isto é, a trazer para si mais responsabilidades do que as que real-mente deveria assumir.

Tenho em mente uma preocupação muito específica: o risco de o STF suprir excepcionalmente a omissão legislativa, e essa disciplina excepcional tornar-se a regra. Nessa hipótese, decisões seqüenciais se tornarão rotina.

Quanto aos efeitos da decisão que será tomada nesta assentada, comungo das preocupações externadas pelo eminente Ministro Lewandowski, sobre a im-possibilidade de se conferir efeitos erga omnes. Isto sem ignorar, por outro lado, a preocupação sobre a repetição de feitos semelhantes.

(D) Direito de greve e interesse legítimo sob a Constituição Federal. O que contraponho à corrente já dominante neste caso é que a aplicação da Lei 7.783 causará a avaliação da legitimidade das atuais e futuras greves no setor público pela perspectiva procedimental e negocial, apenas. A Lei 7.783 tem por premissa fundamental a proteção de um direito social dos empregados frente ao poder econômico do empregador e estipula as regras para que esse desnível seja corrigido de modo a possibilitar a negociação – e essas circunstâncias estão também muito bem demonstradas no voto do eminente Ministro Eros Grau.

No caso do serviço público, não basta que a greve tenha sido deflagrada conforme as formalidades mínimas, o que se exige no setor privado – ela deve ter também compromisso com a Constituição.

Também não basta que se viabilize a negociação, bastante ampla no setor privado – é necessário que o próprio objeto da negociação seja compatível com a Constituição.

O que proponho, é que o mandado de injunção não seja configurado como mecanismo do desespero, para suprir o que o Congresso não faz, perpetuando e dando suporte à patológica omissão legislativa. O que sugiro é que o mandado de injunção seja apenas um instrumento para legitimar a abertura, nas instân-cias apropriadas, de um debate constitucional amplo, apenas retirando as amar-ras da noção de eficácia contida do direito.

Explico: na situação das greves do setor público, o temor dos servidores é de que o estatuto jurídico que lhes é aplicável seja aplicado estritamente, im-pedindo a greve com o corte de ponto, por exemplo. Para esse efeito, entendo que é essa a legislação que deve ser ordinariamente aplicável nesses casos. Se o servidor falta ao trabalho, excetuadas as ausências admitidas em lei, faltou com sua obrigação e, por via de conseqüências, deverá sofrer as sanções cabíveis.

Neste caso, o que o mandado de injunção deve viabilizar, única e exclusi-vamente, é que os servidores organizados em movimento grevista demonstrem à exaustão, perante as instâncias apropriadas, que exercem direito garantido e limitado pela Constituição, estritamente nos termos desta.

A forma que escolherem para a greve, seja lá qual for, será julgada à luz do texto constitucional como um todo. Não poderá ser violenta, não poderá tolher a liberdade alheia.

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Cito alguns exemplos ilustrativos do que seriam as repercussões concretas desse entendimento.

Primeiro em relação às repercussões externas do movimento grevista, na continuidade dos serviços:

A) Numa greve de servidores do Judiciário, por exemplo, deverão demons-trar os servidores que em nenhum momento a greve resultará em interrupção da garantia do habeas corpus (art. 5º, LXVIII).

B) Em repartições administrativas, em nenhum momento poderá ser negada cer-tidão a pretexto de interrupção dos serviços em decorrência de greve (art. 5º, XXXIII).

C) Numa greve do setor de saúde, em nenhum momento essa manifestação poderá resultar em comprometimento do direito de todos à vida (art. 5º, caput). Admito como conseqüência dessa orientação a possibilidade de virem a ser inviá-veis, por exemplo, greves que resultem em paralisação ou redução, no funciona-mento dos serviços públicos de saúde em locais em que nem o seu regular e pleno funcionamento atenda ao mínimo exigido para se assegurar o direito à vida.

D) As greves no setor público não poderão sequer impedir ou interromper os processos eleitorais.

É preciso também atentar, por exemplo, para o fato de que greves de servi-dores da área da educação devem ser consentâneas com disposições específicas da Constituição sobre a matéria, como o art. 208 da CF, que estipula as conse-qüências da ineficiência administrativa em matéria educacional:

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua

oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Essas questões não me parecem suficientemente resolvidas pela aplicação pura e simples, por similitude, das disposições da Lei 7.783/89, e na dúvida, deve-se preferir a centralidade do texto constitucional, bastante rico na defini-ção de responsabilidades.

Daí a preocupação com a afirmação de um direito isolado de greve, com base na Constituição, sem se colocar em relevo, e com o destaque devido, os deveres inseparáveis desse direito.

Em relação à própria relação funcional entre o servidor e o Estado, pa-rece-me fundamental também que se defina a legitimidade da greve em fun-ção da margem de negociação possível. Há no mundo modelos dessa espécie, como indicado no voto do eminente Ministro Celso de Mello. E entendo que na Constituição Federal temos indícios concretos de que esse modelo também seja exigido aqui. Para tanto, basta mencionar as normas relativas à execução da despesa pública e à responsabilidade fiscal.

Como admitir um movimento de greve quando se sabe de plano que a pauta reivindicatória é impossível, e que a administração não terá como re-sultado conceder determinado aumento sem ofender o disposto no art. 169 da Constituição Federal? Ou ainda, mesmo com lei autorizadora, sem ofender normas constitucionais e legais que impõem mínimo de despesas com saúde e

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educação? E por outro lado, como recusar legitimidade a uma greve que reivin-dique a aplicação desses mínimos constitucionais?

São questões que estão a merecer maior reflexão.Assim, acredito que a tarefa desta Corte nestes mandados de injunção

deve ser mais simples. A meu sentir, a Corte deve apenas declarar que a questão se resolve agora sob a lógica do ônus de demonstração de conformi-dade constitucional do interesse pleiteado, e da forma de seu pleito.

É bem verdade que poderá surgir um certo grau de conflituosidade, decorrente da complexidade da própria Constituição e das situações de fato.

Tenho ainda algumas considerações a fazer sobre problemas específicos adicionais, observados a partir do que se debateu neste plenário:

Sobre a competência das instâncias inferiores

Concordo integralmente com o entendimento do Ministro Gilmar Mendes sobre a definição da competência das instâncias apropriadas para decidir sobre o dissídio de greve. Nesse ponto, nada tenho a acrescentar.

Sobre o efeito erga omnes

Mas tenho reservas sobre a natureza objetiva que se quer conferir ao man-dado de injunção. Nesse sentido, ponho-me de acordo com as restrições mani-festadas pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, por exemplo. Mas não se pode negar que os feitos se repetirão. Nos termos em que se forma a maioria, o resultado prático de negar-se o efeito erga omnes é que a Corte repe-tirá o julgamento, apenas para afirmar em diversas oportunidades o mesmo que afirmou nessas últimas sessões. Mas, por outro lado, essa constatação prática não me parece suficiente para alterar a natureza do mandado de injunção, que é via vinculada ao interesse. Talvez fosse o caso, para resolver uma parte desse problema de repetição de feitos, já que não há dúvidas sobre a omissão legisla-tiva, de editar-se uma súmula vinculante sobre a matéria, do seguinte teor:

Ofende o direito constitucional de greve dos servidores públicos decisão judicial que julgue ilegal a grave e que tenha por único fundamento a inexistência de lei específica a que se refere o art. 37, VII, da Constituição Federal.

Sobre a fixação de prazo para que o Congresso Nacional supra a omissão

Essa sugestão surgiu na sessão de 19-9-07. Entendo que esse tipo de prazo só tem utilidade para casos como o da indenização prevista no art. 8º do ADCT. Aqui já se reconheceu a mora, e julgou-se desnecessário vincular o exercício do direito de greve ao decurso de prazo fixado pela Corte. E se não for para vincular o exer-cício do direito ao decurso de prazo, é desnecessária sua fixação, que sequer efeito pedagógico terá, pois sua inobservância pelo Congresso não terá qualquer efeito.

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Sobre a decisão judicial já prolatada no caso

Observo que o Ministro Lewandowski suscitou a necessidade de se afastar a decisão judicial que obsta o exercício do direito de greve. Porém, considerando o delineamento desse direito, tal como indicam os votos proferidos e o meu pró-prio, não há como se negar que as autoridades judiciárias em questão declaram a ilegalidade das greves de forma legítima. Entendo que essas decisões deve-rão ser impugnadas pelas vias próprias, como bem destacou o Ministro Marco Aurélio. Ademais, a partir da fixação do entendimento pelo STF é que essas questões passarão a ser decididas de forma adequada. No caso dos autos, o que se vê é que não temos elementos para, desde logo, suspender essas decisões.

Assim, acompanhando o voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, inclusive no que diz respeito às 16 (dezesseis) exigências que S. Exa. estipula como condições para o exercício do direito de greve no serviço público, eu conheço e defiro em parte, e em termos específicos, o presente mandado de injunção, para:

(i) declarar a mora do Poder Legislativo da União na regulamentação do direito de greve previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal;

(ii) determinar que se observem as restrições constitucionais decorrentes da natureza especialíssima do vínculo que une o servidor à administração pú-blica, tal como indiquei no meu voto;

(iii) restringir os efeitos desta decisão ao caso concreto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Valho-me do voto que proferi no MI 721-7/DF, julgado em 30 de agosto de 2007, quando o Plenário conferiu, pela primeira vez, a esse instrumental a concretude maior prevista na Constituição Federal:

A existência de disposições constitucionais dependentes de regulamentação levou o constituinte de 1988, em passo dos mais salutares, a prever, no art. 5º da Carta Federal, o mandado de injunção, fazendo-o mediante preceito a sinalizar a eficácia da impetração, tendo em conta o exercício dos direitos e liberdades consti-tucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.Tratando-se de ato omissivo de autoridade ou órgão submetidos à jurisdição

do Supremo, a este cabe processar e julgar originariamente o mandado de injunção. É o que decorre do teor da alínea q do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:(...)q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamen-

tadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas

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Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

(...)A natureza da citada ação constitucional – mandado de injunção –, proce-

dente a causa de pedir versada na inicial, leva o pronunciamento a ganhar contor-nos mandamentais, a ganhar eficácia maior, a ponto de viabilizar, consideradas as balizas subjetivas da impetração, o exercício do direito, da liberdade constitucional ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Eis que surgiu, no cenário normativo-constitucional, o instrumento capaz de revelar a lei fundamental como de concretude maior, abandonada visão simplesmente lírica.

E acrescentei:

Assento, por isso, a adequação, da medida intentada. Passados mais de quinze anos da vigência da Carta, permanece-se com o direito latente, sem ter-se base para o exercício. Cumpre, então, acolher o pedido formulado, pacífica a situação da Impetrante. Cabe ao Supremo, porque autorizado pela Carta da República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de forma temporária, até a vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito assegurado constitucionalmente.

Assim está autorizado pela norma do art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;O instrumental previsto na Lei Maior, em decorrência de reclamações, con-

sideradas as Constituições anteriores, nas quais direitos dependentes de regula-mentação não eram passíveis de ser acionados, tem natureza mandamental e não simplesmente declaratória, no sentido da inércia legislativa. Revela-se próprio, ao processo subjetivo e não ao objetivo, descabendo confundi-lo com ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujo rol de legitimados é estrito e está na Carta da República. Aliás, há de se conjugar o inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal com o § 1º do citado artigo, a dispor que as normas definidoras dos direi-tos e garantias fundamentais constantes da Constituição têm aplicação imediata. Iniludivelmente, buscou-se, com a inserção do mandado de injunção no cenário jurídico-constitucional, tornar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direi-tos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurí-dica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo.

É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e har-monia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória

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do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à pres-tação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à sobera-nia e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do art. 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não se chegou à casa do milhar na impetração dos mandados de injunção.

O caso referido envolvia a aposentadoria especial prevista no art. 40, § 4º, da Constituição Federal, ou seja, a decorrente de atividades exercidas exclusiva-mente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei complementar até hoje não editada.

O Supremo procedeu à entrega da prestação jurisdicional de forma com-pleta, determinando – conteúdo mandamental do pronunciamento – a observân-cia supletiva, quanto à Impetrante – servidora pública –, do disposto no art. 57 da Lei 8.213/91:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

A decisão foi tomada à unanimidade de votos.Nestes mandados de injunção, há o envolvimento de fenômeno irrefreável,

porque natural – considerados os que prestam serviços –, da greve no setor pú-blico, da paralisação dos serviços como derradeira estratégia visando alcançar certas condições de trabalho.

Em voto proferido na ADI 492-1/DF, no início da década de noventa, ressaltei:

Um novo panorama constitucional surgiu com a Carta de 1988, considerada a relação de forças no embate administração pública – servidores, a ponto de viabi-lizar profícua dialética. Compreendeu-se a valia da atuação coletiva e, assim, foram

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previstos dois direitos indispensáveis à verificação desta última – o da sindicaliza-ção dos servidores e o de greve. A retrógrada visão de que o agrupamento sindical colocava em risco o bem comum visado pelo Estado fez-se substituir pelo reconhe-cimento de um direito que, desde muito cedo, desde a revolução industrial, mostrou-se salutar, contribuindo sobremaneira para a correção de desigualdades. No inciso VI do art. 37 previu-se o direito à associação sindical e constata-se que a justificativa socialmente aceitável para a existência das entidades sindicais está, justamente, na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas – inciso II do art. 8º. O frágil diálogo servidor, individualmente considerado, e a administração pública cedeu lugar a outro em que os mais fracos envolvidos na relação jurídica atuam em conjunto e, por isso, passam a dispor de tom de voz mais audível. Por sua vez, o Estado conta hoje com interlocu-tor autorizado. Ainda como elemento viabilizador de uma maior atenção por parte do Estado, fixou-se, no inciso VII do citado artigo, o direito à greve, ou seja, de co-letivamente demonstrar-se insatisfação com as circunstâncias reinantes por meio da paralisação dos serviços. Tal direito giza de forma mais nítida o abandono das idéias pretéritas e é elemento revelador de postura democrática.

Pois bem, que valia terão os aludidos direitos se, a um só tempo, conclui-se que todos podem negociar menos o majestático Estado?

Articulam os receosos do diálogo, aliás preconizado nas Convenções 151 e 154 da OIT, formalizadas em 1978 e 1991, com o fato de o Estado estar jungido, na outorga de direitos e vantagens, a previsão legal – art. 169 da Constituição Federal. O enfoque não fulmina a salutar negociação, no que visa ao afastamento de um possível conflito coletivo de trabalho. A uma, porque a origem da regra do art. 169 não está em paternalismo notado em rodadas de negociação coletiva com os servidores, mas nas distorções que outrora correram à conta de inescrupulosos administradores que, ao tratar com a coisa pública, faziam-no sem apego a prin-cípios elementares, apadrinhando aqueles mais chegados e em relação aos quais buscavam, por isto ou por aquilo, agradar. A duas, porquanto a negociação coletiva tem abrangência que extrapola a simples concessão de direitos, e exclui a de benes-ses. Pode mostrar-se como meio hábil até mesmo ao encaminhamento de projeto de lei contendo as condições de trabalho almejadas, como ocorreu, aliás, no período anterior ao próprio envio ao Congresso Nacional do projeto que deu origem à Lei 8.112/90. Portanto, ainda que se diga que nem mesmo no campo coletivo, no qual pouca influência têm os interesses individuais, o Estado não pode transigir objeti-vando modificar as condições reinantes, tornando-se titular de direitos e detentor de obrigações, isto em face às peias do art. 169, impossível é deixar de admitir que a negociação coletiva pode visar ao afastamento do impasse, do conflito seguido de greve, mediante a iniciativa, exclusiva do Executivo, de encaminhar projeto objeti-vando a transformação em lei do que acordado na mesa de negociações. A três, de vez que do Estado devem ser cobrados atos responsáveis, descabendo a adoção de medidas como se merecedor fosse de tutela extravagante e obstaculizadora de um entendimento em alto nível. A quatro, porquanto nem mesmo o Estado, do qual é esperado procedimento exemplar, pode prescindir desse instrumento viabilizador da paz social que é a negociação coletiva, no que, para a busca do entendimento global, geralmente coloca em plano secundário interesses isolados e momentâneos.

O que se mostra paradoxal é a existência de norma constitucional expressa prevendo a sindicalização e, mais do que isto, o direito à greve, para, a seguir, em interpretação de preceito constitucional diverso, dizer-se que o Estado está

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protegido pela couraça da proibição de dialogar, ainda que objetivando o envio de projeto ao Legislativo, para que este, na voz abalizada dos representantes dos Estados – os Senadores – e do povo – os Deputados – diga da procedência do que reivindicado e negociado, não só considerados os interesses coletivos dos servido-res, como também os da sociedade como um todo.

Entrementes, aponta-se que na referência à aplicabilidade aos servidores de direitos pertinentes aos trabalhadores urbanos e rurais não se fez alusão ao inciso do art. 7º da Carta que versa sobre o reconhecimento aos acordos e conven-ções coletivos – o de número XXVI. Realmente, deu-se o silêncio. Todavia, há de se indagar: o legislador ordinário está impossibilitado de avançar no campo so-cial e prever outros direitos além dos assegurados constitucionalmente? Em feliz imagem, é dado dizer, como já o fizeram alguns doutrinadores, que em termos de direitos sociais não se tem no ápice da pirâmide das normas jurídicas a de nível constitucional, mas aquela mais favorável ao trabalhador e mostra-se descabido dizer que os servidores públicos não o são. Por sinal, a própria Lei 8.112 contém a outorga de direitos que não estão sequer no rol do art. 7º da Constituição Federal e para exemplificar cito a licença para tratamento da própria saúde por até dois anos e o prêmio por assiduidade. Se de um lado podemos ter como inviabilizada a formalização de convenção coletiva de trabalho, visto que a ordem jurídica exclui a formação de sindicatos de pessoas jurídicas – União, Estados e Municípios – de outro não se pode deixar de reconhecer que estes últimos podem firmar acordos coletivos, a menos que se queira alijar, no campo interpretativo, preceitos da própria Carta, tomando-os, também, por inconstitucionais. É que, na remissão contida no § 2º do art. 39 supramencionado, há indicação de dois incisos do art. 7º que versam justamente sobre o instrumento que é o acordo coletivo. Refiro-me aos incisos VI e XIII. O primeiro, após dispor sobre a irredutibilidade salarial, afasta-a desde que em convenção ou acordo coletivo as partes ajustem a respeito. O segundo indica como via idônea à adoção quer do regime de compensação de horário, quer o de redução de jornada, o acordo coletivo.

Ora, difícil é conceber não só o enfoque limitativo da remissão, como também a feitura de acordo coletivo que somente beneficie o Estado, a menos que se tenha o sindicato da categoria profissional dos servidores como integrado por “pelegos”, vo-cábulo outrora consagrado para designar aqueles que atuavam como dirigentes sin-dicais sem independência, ou seja, presos à autoridade do Ministério do Trabalho.

Frise-se, por oportuno, que, no tocante ao inciso VI, a remissão contida no § 2º somente se justifica quanto à parte final, já que, em relação à regra básica nele contida, ter-se-ia a superposição, pois o inciso XV do art. 37 da Carta dispõe es-pecificamente sobre a irredutibilidade de vencimentos.

A forma viável de o Estado chegar à redução dos salários, à compensação da jornada ou à redução desta é, como está na Lei Máxima – incisos VI e XIII do art. 7º, aplicável aos servidores por remissão inserta no § 2º do art. 39 – ne-gociando – e, como é óbvio, a negociação não é via de mão única, sob pena de revelar-se unilateral e, portanto, uma verdadeira imposição.

Peço vênia ao nobre Relator para dele divergir. Entendo que a negociação coletiva está assegurada pela própria Constituição Federal, quer implicitamente, ao prever o direito à sindicalização e à greve, quer por meio de remissão expressa – in-cisos VI e VII do art. 7º, no que dispõem que os salários e a jornada de trabalho po-dem ser reduzidos, desde que isto ocorra mediante acordo coletivo – § 2º do art. 39.

De qualquer maneira, dentre as interpretações possíveis, deve ser aga-salhada a que conduza à compatibilidade do texto com a Carta. Impossível é

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concluir pela inconstitucionalidade de um preceito de lei mediante presunção discrepante da normalidade, sendo que do administrador somente pode esperar-se procedimento harmônico com os princípios que norteiam os atos da administra-ção pública. Frente às limitações constitucionais, as negociações com os servido-res certamente não terão a amplitude daquelas ligadas ao setor privado, mas daí excluí-las é olvidar o próprio texto constitucional além de retroagir-se a fase em relação à qual não se deve guardar saudade.

Segui discorrendo acerca dos dissídios individuais e coletivos, bem como sobre a competência da Justiça do Trabalho, hoje reforçada pela Emenda Constitucional 45/04.

Continuo transcrevendo o voto – que não lerei, não precisam se assustar – para efeito de documentação:

Do direito ao ajuizamento de dissídios individuais e coletivos perante a Justiça do Trabalho

Até 5 de outubro de 1988, à Justiça do Trabalho competia conciliar e julgar dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho, sendo que o poder norma-tivo a ela atribuído estava vinculado à especificação de hipóteses mediante lei – art. 142 da Carta de 1969.

Por sua vez, dispunha o art. 110 da Constituição Federal de 1969 competir aos juízes federais, com recurso para o então Tribunal Federal de Recursos, julgar litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais. Na época, em relação aos servido-res, descabia cogitar do exercício do poder normativo por órgão do Judiciário, já que inexistente o direito à sindicalização. O deslocamento da competência da Justiça do Trabalho para a Justiça Federal decorreu da Emenda Constitucional 1, de 1969, de autoria da Junta Militar e, portanto, data de uma época de luminosi-dade democrática duvidosa.

Com a Carta de 1988, introduziu-se sensível modificação. Em primeiro lu-gar, abandonou-se a referência a dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, substituindo-se o vocábulo empregados por trabalhadores, gênero do qual aqueles – empregados – são espécies. Com isto, afastou-se a vinculação de outrora, no que limitava a atuação da Justiça do Trabalho às controvérsias resul-tantes do contrato individual de trabalho, a menos que a lei a estendesse a outras controvérsias. Em segundo lugar, com a cláusula “(...) abrangidos os entes de di-reito público externo e da administração pública direta e indireta, dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União (...)” inserida no corpo permanente da Constituição e, sem que se fizesse repetir norma semelhante à do art. 110 da Lei Básica anterior, estabeleceu-se a competência do Judiciário Trabalhista para as controvérsias individuais e coletivas que viessem a envolver as citadas pessoas de direito público e os respectivos servidores, pouco importando o regime jurídico único que viesse a ser adotado. Em terceiro lugar, previu-se, como salientado no item anterior, o direito dos servidores públicos à sindicalização e à greve.

Analiso primeiramente o ataque direcionado pelo Requerente desta ação direta de inconstitucionalidade à referência contida no art. 240, letra e, da Lei 8.112/90, ao direito dos servidores públicos ao ajuizamento de dissídios coletivos. O dispositivo repete a norma da primeira parte do art. 114 da Carta, na qual, após a

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alusão aos dissídios individuais e coletivos a envolver trabalhadores e empregado-res, visualizando-se a possibilidade de o regime único não ser o da Consolidação das Leis do Trabalho e, portanto, de não se poder enquadrar o Estado como em-pregador tal como definido nesta última, dispôs-se mediante preceito específico, tornando-se estreme de dúvidas a competência da Justiça do Trabalho para julgar os citados dissídios, ainda que propostos contra pessoas jurídicas de direito público interno. Desprezando-se a referência aos empregadores, aludiu-se aos entes de di-reito público como abrangidos pela norma, ou seja, como sujeitos nas relações man-tidas com os servidores, inegavelmente compreendidos no gênero “trabalhadores”.

Ainda que pudesse pesar alguma dúvida sobre o alcance do dispositivo, a Lei 8.112/90 tem enquadramento na parte final do artigo, ou seja, na previsão de que o legislador ordinário pode incluir, no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho, o que, sob a inspi-ração de idêntica regra da Carta anterior, já havia ocorrido em relação aos avulsos e aos pequenos empreiteiros.

Também não procede a articulada impropriedade do exercício do poder normativo quanto a entes de direito público. A norma do art. 169 da Constituição Federal está dirigida de modo a obstaculizar a atuação direta do administrador, não sendo aplicável ao próprio Estado no que, mediante a ação do Judiciário, é chamado a dirimir um conflito de interesses. Portanto, sofre ela temperamento por preceito da própria Carta, valendo notar, relativamente ao orçamento, que nesta restou prevista a abertura de crédito suplementar ou especial. De qualquer modo, o ajuizamento do dissídio coletivo não visa apenas ao aumento do que percebido pela prestação dos serviços, mas múltiplos aspectos relativos à forma pela qual esta ocorre. Cabe ainda ter presente que o poder normativo assegurado com exclu-sividade, na órbita do Judiciário, à Justiça do Trabalho, não é absoluto e sofre as limitações decorrentes de normas constitucionais, sendo certo que o inciso IX do art. 49 revela caber ao Congresso Nacional zelar pela preservação da respectiva atividade precípua – legislativa – isto em face da atribuição normativa dos outros Poderes, ou seja, do Executivo e do Judiciário.

O que não transparece crível é que a Constituição Federal encerre preceitos conflitantes. A não se admitir a possibilidade de ajuizamento de dissídio coletivo, quer pelo sindicato dos servidores, quer pela própria União perante a única Justiça que possui poder para julgá-los – o normativo – estar-se-á esvaziando por com-pleto a previsão relativa à sindicalização e à greve, ambas inerentes a movimentos coletivos, e, o que é pior, criando campo propício à perpetuação dos conflitos, sem que se assegure a uma das partes – à categoria profissional ou à União, ou mesmo ao Ministério Público – o ingresso no Judiciário objetivando colher prestação ju-risdicional que os dirima.

No campo dos dissídios individuais, às razões supra soma-se outra. A con-cluir-se que à Justiça do Trabalho não compete julgar as controvérsias oriundas do chamado regime único, o preceito do art. 114 da Constituição Federal tornar-se-á de natureza transitória, muito embora compreendido no corpo permanente da Carta, ficando limitado às demandas ajuizadas após 1988 que digam respeito a relações jurídicas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, ainda que nele não se tenha mais a alusão a empregados e empregadores. Por sua vez, os conflitos concernentes à observância da Lei 8.112/90 ficarão fora do crivo do Judiciário, pois também não podem ser tidos como compreendidos na definição da competên-cia dos juízes federais, isto tendo em vista a circunstância de o inciso I do art. 109 da Carta conter exclusão explícita não só das causas ligadas à falência, como

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também a acidentes de trabalho e aquelas sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Aliás, cabe mesmo indagar a razão de ser da referência às causas sujei-tas à Justiça do Trabalho, porquanto, excluídas aquelas relativas ao regime único e que, portanto, envolvam servidores e União, não vejo outras que possam ser tidas como sujeitas à competência da Jurisdição Federal civil e especializada, de direito e de eqüidade, que é a do Trabalho.

Frise-se, por oportuno, que não procede a singular explicação contida no parecer para a parte final do art. 114 da Constituição Federal, no que dispõe sobre a possibilidade de o legislador ordinário vir a elastecer a competência da Justiça do Trabalho, o que, aliás, está contido, também, no art. 113. Tratando-se de preceito tomado de empréstimo de Cartas anteriores, sempre foi interpretado como viabilizador da inclusão de outras demandas, não consideradas as normas procedimentais, mas os envolvidos em relação de trabalho. Daí jamais haver sido argüida a pecha quanto a atos normativos que dispuseram sobre a matéria, como ocorreu em relação aos avulsos e aos pequenos empreiteiros. Na expressão “con-trovérsia” sempre se teve como incluídos os mais diversos procedimentos. Por ou-tro lado, dizer-se que a Justiça do Trabalho, cujos órgãos vêm sendo aumentados em grande número para fazer frente à nova carga de processos – foram criadas quase quatro centenas de novas Juntas, vários Tribunais e aumentados outros, não tem competência para julgar demandas que envolvam as pessoas jurídicas de di-reito público interno é restringir o preceito do art. 114 apenas às controvérsias que envolvam organismos e Estados estrangeiros é de todo paradoxal.

Inegavelmente, a Constituição de 1988 alargou a competência da Justiça do Trabalho, aproximando o Estado, quanto ao tratamento jurisdicional, dos demais tomadores de serviços, o que se harmoniza com os melhores ideais democráticos. No art. 27, § 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias apenas foram ressalvadas as ações já em andamento na Justiça Federal.

É tempo de avançar-se, de experimentar-se novos dias, e concluir-se, a esta altura, quer pela inconstitucionalidade da negociação coletiva que o Congresso Nacional em boa hora restabeleceu mediante derrubada de veto, quer dos dispo-sitivos relativos à competência da Justiça, também Federal, do Trabalho, discrepa da Carta de 1988, tornando inócuos preceitos nela contidos.

Por tudo, peço vênia ao ilustre Relator para julgar improcedente o pedido formulado nesta ação direta de inconstitucionalidade. Tenho como constitucionais os dispositivos acatados, ou seja, as alíneas d e e do art. 240 da Lei 8.112/90.

Então, mais confortado, presente a nova óptica do Supremo – e sempre é tempo de abandonar o misoneísmo, a aversão a tudo que é novo, e de evoluir acompanhando a sempre ilustrada maioria já formada –, fixo as seguintes condi-ções, temporárias e considerados os envolvidos nos mandados de injunção, para o exercício do direito constitucional de greve:

Art. 1º É assegurado o direito de greve aos servidores públicos policiais ci-vis do Estado do Espírito Santo, competindo-lhes decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Art. 2º Considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão co-letiva, temporária, pacífica e parcial de prestação pessoal de serviços ao Estado do Espírito Santo.

Art. 3º Caberá ao Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espí-rito Santo convocar, na forma do estatuto, assembléia geral que definirá as reivindi-cações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços.

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Art. 4º As deliberações aprovadas em assembléia-geral, com indicativo de greve, serão notificadas ao poder público para que se manifeste no prazo de trinta dias, acolhendo as reivindicações, apresentando proposta conciliatória ou funda-mentando a impossibilidade de seu atendimento.

§ 1º Ante a omissão do poder público ou a frustração da tentativa concilia-tória no prazo previsto neste artigo, os servidores decidirão pela paralisação dos serviços em assembléia-geral específica.

§ 2º Decidindo a assembléia-geral pela paralisação de serviço ou atividade pública, caberá à entidade representativa comunicar tal fato ao poder público com antecedência mínima de dez dias.

§ 3º No prazo estabelecido no § 2º deste artigo, a entidade representativa de-verá informar à comunidade sobre as reivindicações apresentadas ao poder público.

Art. 5º A entidade sindical representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou perante a Justiça do Trabalho.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, entre outros direitos:I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os servi-

dores a aderirem à greve;II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.§ 1º Os meios adotados por servidores e poder público não poderão implicar vio-

lação ou constrangimento considerados direitos e garantias fundamentais de outrem.§ 2º É vedado ao poder público adotar meios capazes de constranger o ser-

vidor ao comparecimento ao trabalho ou de frustrar a divulgação do movimento.§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não

poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta regulamentação, a partici-pação em greve não suspende o vínculo existente, devendo as relações obrigacio-nais, durante o período, ser regidas por acordo, convenção ou sentença normativa da Justiça do Trabalho, visando a elidir enriquecimento ilícito.

Parágrafo único. É vedada a demissão de servidor público efetivo durante a greve, exceto na ocorrência das hipóteses previstas no artigo 10 ou a pedido do próprio interessado.

Art. 8º O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a proce-dência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo publi-car, de imediato, o respectivo acórdão.

§ 1º A ameaça concreta de deflagração de greve autoriza o poder público a ingressar em juízo postulando a declaração de ilegalidade do movimento.

§ 2º Sob pena de indeferimento, a petição inicial da ação a que se refere a ca-beça deste artigo será obrigatoriamente instruída com os documentos necessários ao pronto julgamento da causa, requisito também exigido quanto à contestação.

§ 3º As manifestações do Ministério Público do Trabalho serão formaliza-das no prazo improrrogável de dez dias.

§ 4º A decisão relativa a pedido de liminar é impugnável mediante agravo, a ser julgado na sessão seguinte à interposição, independentemente da concessão de efeito suspensivo ao recurso.

§ 5º Da decisão que julgar o agravo caberá pedido de suspensão ao Pre si den te do Tribunal competente para julgar eventual recurso contra a decisão definitiva.

§ 6º O processo prosseguirá até decisão final sobre a legalidade ou ilegali-dade da greve, independentemente do encerramento do movimento de paralisação.

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§ 7º Os processos referidos neste regulamento terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus e mandado de segurança.

§ 8º É vedada, até decisão final sobre a legalidade ou ilegalidade da greve, a suspensão do pagamento de vencimento dos servidores.

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com o poder público, manterá em atividade percentual mínimo de 30% dos servidores, com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público.

Parágrafo único. O poder público poderá postular a fixação liminar de percentual de servidores em atividade, superior ao definido, quando, por necessi-dade comprovada, for imprescindível para o atendimento de serviços inadiáveis à comunidade.

Art. 10. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente regulamentação, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da parali-sação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa, não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;II – seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento im-

previsto que modifique substancialmente a relação estabelecida.Art. 11. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes come-

tidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação tra-balhista, administrativa, civil ou penal.

Esclareço que essas condições dizem respeito ao MI 670-9/ES. Nos de-mais, assim procedo, com as seguintes peculiaridades:

a) MI 708-0/DF – fica assegurado o direito de greve aos servidores públi-cos que trabalhem na área de educação do Município de João Pessoa. Incumbirá ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa a representação dos servidores. A competência para decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, ressalvados eventuais recursos, caberá ao Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, com sede em João Pessoa e jurisdição no Estado da Paraíba.

b) MI 712-8/PA – é assegurado o direito de greve aos servidores pú-blicos do Poder Judiciário do Estado do Pará. Incumbirá ao Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará a representação dos ser-vidores. A competência para decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, ressalvados eventuais recursos, caberá ao Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, com sede em Belém e jurisdição naquela Unidade da Federação e no Estado do Amapá.

Quanto à fixação de prazo para o Congresso legislar, a interpretação sis-temática da Constituição Federal não a autoriza. Nem mesmo no processo obje-tivo, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, isso é possível, o que se dirá em mandado de injunção, a revelar relação subjetiva.

Há de se aguardar a opção político-normativa da Casa competente.É como voto.

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VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, saliento que não po-demos simplesmente adotar, quanto ao serviço público, as regras que dizem respeito à prestação de serviço no campo privado.

VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço a palavra apenas para também aderir a esse ponto de vista do eminente Ministro Marco Aurélio – art. 102, § 3º –, acrescentando o seguinte argumento que me ocorreu: esta Suprema Corte, em reiteradas decisões, consignou, e continua consig-nando, que a iniciativa em matéria de greve, que trata do Regime Jurídico de servidor público, é do Executivo.

Portanto, data venia, seria inócuo assinalarmos um prazo ao Congresso Nacional, porque isso feriria até o entendimento nosso no sentido de que a ini-ciativa legislativa é do Executivo.

Pesquisei várias ações diretas de inconstitucionalidade. Há uma do emi-nente Ministro Moreira Alves, e, há duas ou três semanas, assentamos nesse sentido a respeito de uma lei estadual oriunda do Legislativo, que tratava de abono de faltas e reposição de horas. Entendemos que era inconstitucional, do ponto de vista formal, porque a iniciativa era privativa do Executivo.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Quando se trata de abono, é diferente, porque é de iniciativa do Executivo. Não é matéria de greve.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Matéria de greve é outra coisa.

DEBATE

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, parto da Constituição, mas vislumbro também uma resistência no que o Supremo – e aí haveria a que-bra da harmonia entre os Poderes – viesse a determinar uma atividade precípua de outro Poder, e esse não a cumprisse, principalmente o Legislativo, já que sa-bemos que todo diploma decorre, como consignei em voto, de uma opção polí-tica dos representantes dos Estados e do povo, que são os senadores e deputados.

Penso até que é um passo muito largo impor-se ao Congresso prazo para legislar, quando, antes, não fixávamos, nem mesmo no mandado de injunção, as condições para o exercício do direito.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Até porque isso apenas se dá, salvo melhor juízo, com base no art. 103, § 2º, da Constituição, quando se trata de ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer modo, apenas cientificamos.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se V. Exa. fizer uma pesquisa, verá que sou coerente. Devo ter ficado vencido porque não fixo o prazo. E não o faço porquanto, se descumprido o prazo, para não haver o descrédito do Supremo, teremos que contar com instrumental próprio à suplantação do ato omissivo.

Se vier uma reclamação pelo descumprimento da decisão, do pronuncia-mento do Supremo, julgaremos procedente o pedido? Qual será a conseqüência? Substituiremos os deputados e senadores? Aí está o problema.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Senhores Ministros, o último voto é o meu.

A matéria foi, realmente, brilhantemente abordada. Apenas peço vênia aos colegas que estabeleceram condições específicas, para acompanhar, em toda a sua extensão, o voto inicialmente proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no MI 708.

Somo, portanto, o meu voto à corrente majoritária.

EXTRATO DA ATA

MI 670/ES — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Relator para o acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo – SINDPOL (Advogados: Homero Junger Mafra e outro). Impetrado: Congresso Nacional.

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que li-mitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condi-ções específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anterio-mente. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso do Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 25 de outubro de 2007 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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EXTRADIÇÃO 1.115 — REPÚBLICA PORTUGUESA

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRequerente: Governo de Portugal — Extraditando: João Belo Caldeira ou

João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira

Extradição. Passiva. Pedido formulado pelo Governo da República Portuguesa. Ordem de prisão. Mandado de deten-ção internacional. Expedição por Procurador da República do Departamento Central de Investigações e Acção Penal, auto-rizado pelo Procurador-Geral da República. Autoridade com-petente segundo a lei portuguesa. Não pertinência ao Poder Judiciário. Irrelevância. Legalidade reconhecida. Pedido deferido. Inteligência do art. 80, caput, da Lei 6.815/80. Precedentes. Para fins de extradição, o ordenamento jurídico brasileiro não exige que a ordem de prisão do extraditando haja sido expedida por au-toridade integrante do Poder Judiciário, senão apenas que tenha competência para fazê-lo nos termos da lei do Estado requerente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deferir o pedido de extra-dição. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de extradição do na-cional português João Belo Caldeira ou João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira, formalizado pelo Governo de Portugal, com fundamento em Tratado específico, firmado em 7-5-91 e promulgado pelo Decreto 1.325, de 2-12-94.

O pleito baseia-se em mandado de detenção internacional expedido, em 10-1-08, pelo Procurador da República do Departamento Central de Investiga-ção e Acção Penal, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes (arts. 21, n. 1, e 24º, alínea c, do Decreto-Lei 15/93, de 22-1, com alteração introduzida pela Lei 45/96, de 3-9).

Mediante o Aviso 219/MJ, de 12 de fevereiro de 2008, o Ministro de Estado da Justiça juntou aos autos a documentação recebida da Embaixada de Portugal, por vias diplomáticas, e que instruiu a nota verbal n. 20, verbis:

A Embaixada de Portugal apresenta os seus atenciosos cumprimentos ao Ministério das Relações Exteriores e tem a honra de junto remeter a documentação

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que constitui o pedido dirigido pelo Governo Português ao Governo Brasileiro para extradição do cidadão português “João Belo Caldeira”, natural de Benque-renças, nascido em 17 de Junho de 1948, filho de Manuel Vilela Caldeira e de Maria da Ressurreição Belo. O referido cidadão português encontra-se preso na Superintendência da Polícia Federal do Estado do Maranhão.

A pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, nem detida para o exercício da acção penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos daqueles que fundamentam o presente pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos.

O presente pedido de extradição é apresentado sob compromisso formal, por parte do Governo Português, de respeito pelo princípio da reciprocidade.

A embaixada muito agradeceria ao Ministério das Relações Exteriores que se dignasse encaminhar o referido pedido às competentes autoridades brasileiras.

O Governo Português assume os compromissos formais previstos no Art. 91 da Lei nº 6.815/80, alterada pela lei nº 6.964/81.

A embaixada de Portugal aproveita a oportunidade para reiterar ao Ministé-rio das Relações Exteriores os protestos da sua elevada consideração.(Fl. 4.)

Vieram aos autos cópias dos preceitos penais portugueses aplicáveis ao caso (fls. 83-112), bem como cópias dos documentos exigidos pelo Estatuto do Estrangeiro,1 com indicações sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias dos fatos delituosos imputados ao Extraditando.

Preenchidos os requisitos previstos no art. 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, foi decretada a prisão preventiva do extraditando em 15 de fevereiro de 2008, expedindo-se, para tanto, o respectivo mandado. Em 18 de fevereiro p.p., o Extraditando foi preso e encaminhado à Central de Custódia de Presos de Justiça de Pedrinhas, localizada em São Luís/MA.

O Extraditando foi devidamente interrogado perante a Justiça Federal no Estado do Maranhão (art. 211 do RISTF)2, oportunidade em que negou a autoria dos delitos (fls. 143-145).

Nomeado defensor dativo, para apresentação da defesa escrita (fl. 154), este se manifestou pela concessão do pedido extradicional, razão pela qual de-clarei o ora extraditando indefeso, determinando a imediata remessa dos autos à Defensoria Pública da União (fls. 191-192).

1 “Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo ser o pedido instruído com cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a pri-são preventiva, proferida por juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conterá indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.”2 “Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do extraditando a juiz do local onde estiver preso.

Parágrafo único. Para o fim deste artigo, serão os autos remetidos ao juiz delegado, que os de-volverá uma vez apresentada a defesa ou exaurido o prazo.”

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Aduz a defesa, em síntese, que “existem fundadas razões para considerar que o extraditando será sujeito a processo que não ofereça garantias de um pro-cedimento criminal que respeite as condições internacionais reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem” (fl. 220).

Requer ainda seja indeferido o pedido de extradição, sob argumento de que o Governo requerente não teria prestado formal compromisso de efetuar a detração penal, “computando o tempo de prisão que, no Brasil, foi cumprido por força da extradição” (fl. 220).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo deferimento do pedido extradicional (fls. 230-235).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição passiva formulado pela República Portuguesa, fundamentado em tratado específico fir-mado com a República Federativa do Brasil (Decreto 1.325, de 2 de dezembro de 1994), e com a observância das ressalvas impostas pela Lei 6.815/80, está em harmonia com a ordem jurídica brasileira.

O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o Extraditando, que é nacional português, natural de Benquerenças, e em Portugal cometera o ilícito penal por que foi condenado.

É possível atender a pleito extradicional, não apenas naqueles casos onde já exista sentença condenatória com pena privativa de liberdade, mas também quando a solicitação tenha por fim julgar o Réu, perante órgão do Poder Ju di ciá-rio competente, pela prática do crime que lhe é imputado. Nesses termos distin-gue-se extradição para fins executórios e instrutórios de ação penal estrangeira.

Presente, outrossim, uma das duas hipóteses que autorizam a concessão da extradição segundo a Lei 6.815/80, e que é a decretação da prisão do extra-ditando por juiz, tribunal ou autoridade competente, no Estado requerente (in-ciso II do art. 78).

Observe-se que o mandado de detenção internacional, validamente ex-pedido no Estado requerente, é subscrito por Procurador da República do Departamento Central de Investigações e Acção Penal, e devidamente auto-rizado pelo Procurador-Geral da República. E não há se falar em ilegalidade, como pretende a defesa.

É que “o ordenamento positivo brasileiro, no que concerne aos proces-sos extradicionais, não exige que a ordem de prisão contra o extraditando te-nha emanado, necessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário. Basta que se cuide de autoridade investida, nos termos da legislação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão” (cf. Ext 744, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18-2-00).

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Tiro do voto do Relator:

Não se alegue, de outro lado, que a ordem de prisão expedida contra o ora extraditando, por haver emanado do Ministério Público búlgaro, em Sofia, não se revestiria de validade ante o ordenamento constitucional brasileiro, que somente admite a decretação da prisão mediante ordem judicial.

Devo reconhecer que o pedido de extradição acha-se instruído com a or-dem de prisão emanada de autoridade que, nos termos da legislação do Estado requerente, dispõe de competência para decretar, naquele País, a privação cautelar da liberdade individual de pessoas que figurem como indiciadas ou acusadas em procedimentos de caráter penal-persecutório.

O mandado de prisão em causa foi expedido pelo Ministério Público em Sofia, com fundamento em norma de competência que atribui, ao representante dessa Instituição, o poder de ordenar a privação cautelar da liberdade individual dos supostos autores de ilícitos penais.

O Estatuto do Estrangeiro, ao dispor sobre os documentos que devem obri-gatoriamente instruir o pedido extradicional, refere-se, dentre eles, à cópia da decisão “que decretar a prisão preventiva, proferida por juiz ou autoridade compe-tente” (Lei 6.815/80, art. 80, caput).

Constata-se, pois, que o ordenamento positivo brasileiro, no que concerne aos processos extradicionais, não exige que a ordem de prisão tenha emanado, ne-cessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário.

Basta que se cuide, como no caso, de autoridade investida, nos termos da legislação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão cau-telar do extraditando.

Em tema de direito extradicional, portanto, não se pode impor ao Estado re-querente, na definição da autoridade competente para ordenar a prisão cautelar de alguém, o modelo jurídico consagrado pelo sistema normativo vigente no Brasil, que – com a só exceção de algumas hipóteses taxativamente discriminadas em sede constitucional (CF/88, art. 5º, LXI, in fine, e art. 136, § 3º, I) – atribui, aos órgãos do Poder Judiciário (e a estes, somente), a prerrogativa extraordinária de decretarem a privação da liberdade individual.

O pedido de extradição formalizado pelo Governo da República Portu-guesa, ademais, está instruído com os documentos mencionados no art. 80 do Estatuto do Estrangeiro (fls. 6-112).

2. É também requisito da extradição que o fato motivador do pedido seja considerado crime assim no Brasil, como no Estado requerente (inciso II do art. 77 da Lei 6.815/80). Ora, o delito previsto no art. 21, n. 1 e no art. 24, alí-nea c, ambos do Decreto-Lei 15/93, ajusta-se ao modelo normativo consolidado no tipo penal descrito no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Está, pois, caracteri-zada a dupla tipicidade, necessária ao deferimento do pleito de extradição.

Mister avaliar se as penas em abstrato são de magnitude tal que autorizem a extradição.

É que o Tratado incidente prevê que a extradição só será admissível diante de fatos puníveis “com pena privativa da liberdade de duração máxima superior a um ano” (art. II, n. 1).

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Dúvida não há de que, na legislação penal de ambas as partes, as penas máximas abstratamente cominadas aos delitos são superiores a um ano de reclu-são. Confira-se a legislação penal portuguesa: “crime de tráfico de estupefacien-tes, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea co D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro (na redacção da Lei 45/96 de 3 de Setembro), a que corresponde, em abstracto, a pena de 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão” (fl. 5).

E não é diferente em relação ao crime correspondente no direito positivo nacional, cuja pena, em abstrato, prevista para o crime de tráfico ilícito de en-torpecentes é de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos.

Pelos fatos narrados no pleito extradicional, o delito ter-se-ia consumado em dezembro de 2007, verbis:

Durante os dias 28 e 29nov07, João Belo Caldeira e a argüida Fernanda Ramos, realizaram diligências a fim de recolher junto da DHL a documentação referente ao contentor contendo cocaína, cuja chegada era eminente, a Lisboa.

Efectivamente, a 29nov07, estes dois suspeitos dirigiram-se às instalações da DHL em Lisboa, tendo o João Belo Caldeira recolhido a documentação expe-dida da Venezuela, com destino à empresa “Isidoro Gag”, a qual se encontrava no interior de um envelope amarelo.

O contentor importado, com o nº HLXU 6767157, contendo carga decla-rada de polvo congelado, cujo desalfandegamento foi providenciado nos termos supra descritos, exportado da Venezuela com destino a Portugal e à referida firma “Isidoro Gago”, veio a ser descarregado no porto de Lisboa no dia 22dez07.

Nessa mesma data procedeu-se à abertura do mesmo e, após busca efectu-ada à carga, foi detectado produto suspeito de ser estupefaciente, o qual sujeito a exame preliminar pelo Laboratório de Policia Cientifica acusou a presença de Cocaína. Foi o seu conteúdo apreendido e esta diligência validada pela au-toridade judiciária competente, apurando-se que, pelo menos 200 caixas, con-tinham Cocaína no seu interior, com o peso bruto estimado de cerca de 5.000 quilogramas.(Fl. 11.)

Perante a legislação da República Portuguesa, a prescrição dá-se em 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite má-ximo for superior dez anos (art. 118, n. 1, alínea a do Código Penal Português), o que se aplica ao crime de tráfico de estupefacientes. Tal delito, como dito, teria ocorrido em dezembro de 2007 (fl. 11).

Já nos termos do inciso I do art. 109 do Código Penal pátrio, o prazo da prescrição da pretensão punitiva, contado do dia da consumação do delito, é de 20 anos. Daí, não se ter operado essa causa de extinção de punibilidade, seja em face da legislação portuguesa, seja da brasileira.

3. Requer, por fim, a defesa seja o pedido julgado improcedente, haja vista que o Estado Requerente não teria formalizado o compromisso de efetuar a de-tração penal.

Não lhe assiste razão.

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É que a Nota Verbal 20/08 (fl. 4), expressamente, dispõe: “O Governo Português assume os compromissos formais previstos no Artigo 91, da Lei nº 6.815, alterada pela Lei nº 6.964/81”3, dentre os quais o de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta ao ora Extraditando por força do pedido ex-tradicional (inciso II).

4. Observados, portanto, os requisitos legais enumerados no Estatuto do Estrangeiro e em face do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, ressalvado o disposto no inciso II do art. 91 da Lei 6.815/80, defiro a extradição do nacional português João Belo Caldeira ou João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira.

EXTRATO DA ATA

Ext 1.115/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Re-querente: Governo de Portugal. Extraditando: João Belo Caldeira ou João Belo Vilela Caldeira ou João Caldeira (Advogado dativo: Richardson Wagner Silva Leite) (Advogada: Defensoria Pública da União).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deferiu o pedido de extradição. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Cármen Lúcia. Presidiu o jul-gamento o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Minis-tros Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 18 de setembro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

3 “Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição.”

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.351 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco AurélioRequerentes: Partido Comunista do Brasil – PC do B e outros e Partido

Democrático Trabalhista – PDT — Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional — Interessado: Partido Popular Socialista

Partido político – Funcionamento parlamentar – Propa-ganda partidária gratuita – Fundo partidário. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamen-tar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidá-ria gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.

Normatização – Inconstitucionalidade – Vácuo. Ante a de-claração de inconstitucionalidade de leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a ação direta para declarar a inconstitucionali-dade dos seguintes dispositivos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995: art. 13; a expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, contida na cabeça do art. 41; incisos I e II do mesmo art. 41; art. 48; a expressão “que atenda ao disposto no art. 13”, contida na cabeça do art. 49, com redução de texto; cabeça dos arts. 56 e 57, com interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações tempo-rais neles constantes, até que sobrevenha disposição legislativa a respeito; e a expressão “no art. 13”, constante no inciso II do art. 57. Também por unanimi-dade, em julgar improcedente a ação no que se refere ao inciso II do art. 56. Vo-tou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 7 de dezembro de 2006 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inicialmente, consigno que o relatório e o vo- to referem-se à ADI 1.351-3/DF e à ADI 1.354-8/DF, estando esta apensa àquela.

No julgamento da medida cautelar na segunda ação, o Ministro Maurício Corrêa formalizou o relatório de fls. 115 a 120, o qual adoto parcialmente, con-tendo o seguinte teor:

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O Sr. Ministro Maurício Corrêa: O Partido Social Cristão (PSC) ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade do art. 13, bem como das expressões que fazem remissões, contidas no inciso II do art. 41 do caput dos arts. 48 e 49 e ainda no inciso II do art. 57, todos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, que “dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal”.

(...)Eis o teor do primeiro dos dispositivos impugnados:

“Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.”O Autor entende que esse dispositivo é incompatível com o art. 5º, caput e

seu inciso XXXVI, da Carta Magna, assim fundamentado:“O art. 17, da Constituição Federal, consagra a liberdade para a cria-

ção dos partidos políticos. O seu § 1º, assegura-lhes autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, entre outras atribui-ções. Em nenhum momento a Letra Constitucional estabelece partidos de 1ª e 2ª categorias. Ao contrário, determina em seu art. 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Portanto, quando o legislador infra-constitucional cria normas díspares para iguais perante a lei, ele fere frontalmente a Lei Maior, com a agravante de ser em benefício próprio e de seus partidos políticos, com manifesto desrespeito às minorias e flagrante intenção de se eternizarem no poder.

O registro definitivo dos partidos políticos perante o Colendo Tribu-nal Superior Eleitoral, coloca-os em igualdade de condições perante a lei, assegurando-lhes o direito adquirido através de ato jurídico perfeito, com a obtenção de seu registro definitivo na Justiça Eleitoral.”

A impugnação a determinadas expressões insertas no inciso II do art. 41, nos arts. 48 e 49 e no inciso II do art. 57 da Lei nº 9.096/95, é conse-qüência da inquinada inconstitucionalidade do art. 13, a saber:

a) a expressão “que tenham preenchido as condições do art. 13”, con-tida no inciso II do art. 41, que tem a seguinte redação:

“Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obe-decendo aos seguintes critérios:

I – (omissis)II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário se-

rão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.”b) a expressão “que não atenda ao disposto no art. 13”, constante da

seguinte redação do caput do art. 48:“Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral,

que não atenda ao disposto no art. 13, tem assegurada a realização de

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um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.”c) a expressão “que atenda ao disposto no art. 13”, incluída na redação

do caput do art. 49:“Art. 49. O Partido que atenda ao disposto no art. 13 tem

assegurado:I – (omissis)II – (omissis)

d) a expressão “que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso ante-rior”, contida no inciso II do art. 57, assim disposto:

“Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:

I – (omissis)II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado

para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.”

Coube-me a distribuição do presente feito por ser o relator da ADI nº 1.351-3, proposta por outros oito partidos políticos, que também ataca o art. 13, partes do inciso II do art. 41, do art. 48, e do art. 49 e do inciso II do art. 57, da mesma Lei ora impugnada. [Os processos foram apensados no despacho de fl. 14].

Solicitadas as informações, prestou-as o Senhor Presidente da República, louvando-se na manifestação da Advocacia-Geral da União, que, ao sustentar a inexistência de incompatibilidade do citado art. 13 com a liberdade de criação dos partidos contida no art. 17 da Constituição, acrescenta:

“10. E não se diga que a verificação do caráter nacional, no art. 13, era desnecessária porque já teria sido feita de acordo com o § 1º do art. 7º da mesma lei. Não. Embora ambos os artigos tenham a mesma finalidade, a verificação se dá em momentos diferentes. A comprovação prevista no art. 7º, § 1º, se faz necessária para que o partido possa registrar-se no Tribunal Superior Eleitoral. Mas, para cumprir o mandamento constitucional há de o partido comprovar que é nacional no ato de registrar seus estatutos e continua nacional ao longo de sua existência. A exigência do art. 13 serve precisamente a isso. É verificação periódica e automática do cumprimento do dispositivo constitucional. Portanto, não apenas ele é pleno de constitucionalidade como ainda exerce papel verificador da observância de preceito constitucional.

11. Uma das razões de insurgência do requerente contra o art. 13 con-siste em que, na sua visão, a norma estaria em confronto com o caput do art. 17, que dispõe sobre a liberdade de criação dos partidos. Equivoca-se o PSC. A norma só versa, propriamente, sobre o funcionamento parlamen-tar. Só indiretamente, com propiciar a verificação do ‘caráter nacional’ do partido, evidencia a incidência do inc. I do art. 17 da Constituição que, esse sim, limita a criação de partidos que não tenham âmbito nacional. Portanto, a vedação de criação de mini-partidos não está no art. 13 da lei, mas no art. 17, I, da Constituição.

12. Entende ainda o requerente, que as disposições impugnadas ferem o § 1º do art. 17 da Lei Magna. É outro equívoco. Esse dispositivo constitu-cional assegura ‘aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento’. Ora, nenhuma das normas tidas por

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inconstitucionais sequer de leve toca nessas matérias. A alegação é, pois, destituída de qualquer fundamento.

13. A igualdade de todos perante a lei – outra das increpações do PSC contra as normas assinaladas – supõe, necessariamente, certas igualdades de fato. Não vá o pequeno partido, com apoio nessa garantia constitucional, pre-tender dispor, por exemplo, do mesmo tempo diante dos meios de comunicação de massa que os grandes partidos. E, assim, podem multiplicar-se aos milhares os exemplos de desigualdades que não atentam contra a Carta Magna.”Por sua vez, o Congresso Nacional também prestou as informações que lhe

foram solicitadas, argüindo a constitucionalidade dos dispositivos impugnados e acostando documentação relativa à tramitação do respectivo projeto de lei nas duas Casas do Legislativo (fls. 32/113).

Naquela assentada, o Tribunal, por unanimidade, indeferiu o pedido de medida cautelar.

O Advogado-Geral da União manifestou-se, à fl. 147 à 153 da ADI 1.354-8/DF, pela improcedência do pedido. Aponta que, do exame dos dispositivos ataca-dos, depreende-se que a análise da constitucionalidade restringe-se ao art. 13 da Lei 9.096/95, tendo em conta a referência a este nas demais normas impugnadas. Busca demonstrar que a não-inclusão da matéria na Constituição de 1988, embora contida nas Cartas anteriores, não veda o legislador ordinário a adotá-la nova-mente sob a égide da ordem atual. A limitação aos partidos políticos estaria em consonância com a adequação da lei ordinária para disciplinar o “caráter nacional” previsto no inciso I do art. 17 do texto constitucional. O legislador apenas fixou critérios para evitar a criação e a atuação de partidos excessivamente pequenos, não dotados de expressiva representatividade. Refuta o argumento segundo o qual o caráter nacional está totalmente conceituado pelo § 1º do art. 7º da mesma lei, asseverando aludir cada dispositivo a um momento distinto de verificação de regu-laridade, sendo este a do registro e a do art. 13, de natureza periódica. Menciona a doutrina sobre o tema e o que decidido no julgamento da medida cautelar.

Vieram-me, então, os processos em razão de o Relator ter ascendido à Presidência do Tribunal, conforme peça de fl. 154.

O Procurador-Geral da República, no parecer de fls. 158 a 160 – da ação de n. 1.354-8/DF –, também consigna resumir-se a questão ao exame da constitucio-nalidade do art. 13. Ante a óptica externada, a organização dos partidos políticos, apesar de livre, não é limitada, tendo em vista o requisito do “caráter nacional” contido no inciso I do art. 17 da Carta Federal. Afirma caber a determinação deste conceito à lei ordinária. Esta, restringindo a atuação parlamentar, guarda relação lógica com o fundamento constitucional. Considera observado o princí-pio da isonomia, levando em conta atribuírem as normas questionadas tempo nos meios de comunicação de massa e valor no rateio do fundo partidário conforme a proporção do partido. A discriminação de forma diversa seria inconstitucional. Cita a doutrina autorizada e pugna pela improcedência do pedido.

Na ADI 1.351-3/DF, cuja inicial não encerrou pedido de suspensão de pre-ceitos, mas implicou pleito de abrangência maior, são impugnados os arts. 13,

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56, inciso II – todo ele – e 57 – na integralidade – e ainda as expressões “(...) que tenham preenchido as condições do art. 13 (...)”, do inciso II do art. 41, e “(...) que atenda ao disposto no art. 13 (...)”, do art. 49, também da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Relativamente ao inciso II do art. 56, prevendo que “a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados disporá sobre o funcionamento da representação parti-dária conferida, nesse período, ao partido que possua representação eleita ou filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior”, a razão de ser está na restrição decorrente do art. 13, logo, a glosa a este último o alcança.

O art. 57 tem o seguinte teor:

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclama-ção dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro de-finitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publi-cação desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo repre-sentante em duas eleições consecutivas:

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apu-rados no País, não computados os brancos e os nulos;

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger repre-sentante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos;II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para

distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no in-ciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que couber, as disposições do Título IV:

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com dura-ção de dez minutos por semestre;

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b.

Ante as peculiaridades apresentadas, o Advogado-Geral da União, à fl. 231 à 239 da ADI 1.351-3/DF, defende que o princípio da plenitude partidária resguarda somente a existência de partidos autênticos, assim entendidos aqueles que se am-param em parcela razoável da população, e não numa individualidade forte, capaz de obter a adesão de apenas alguns seguidores. Diz não versar o art. 13 sob aná-lise a liberdade de criação de partidos, mas o funcionamento parlamentar, apenas evidenciando, indiretamente, a incidência do inciso I do art. 17 da Constituição da República. Logo, o óbice à criação de partidos pequenos estaria neste dispositivo

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constitucional, não no questionado. Aduz, alfim, inexistir ofensa ao princípio da igualdade, tendo em conta justamente o tratamento desigual dispensado aos parti-dos relevantes e pequenos, limitando a atuação destes últimos.

O Procurador-Geral da República, às fls. 241 e 242 da segunda ação, pronuncia-se contrariamente ao pleito dos requerentes, ratificando os termos da manifestação exarada na primeira, mediante a oferta de cópia do parecer.

Na ADI 1.351-3/DF, neguei seguimento, nas fls. 227 e 258, aos pedidos formulados na inicial quanto aos Requerentes Partido Liberal (PL), Partido Social Democrático (PSD), Partido Popular Socialista (PPS) e Partido dos Trabalhadores (PT), ante o não-atendimento à regularização processual refe-rente aos instrumentos de mandato com finalidade específica para a propositura de ação direta.

Às fls. 284 e 285, também da Ação 1.351-3/DF, acolhi o pleito de interven-ção, no processo, do Partido Popular Socialista (PPS), condicionando a admis-são do Partido Verde (PV), do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ao saneamento da representação processual, sendo que só este último atendeu à determinação (fl. 291).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Compõem a relação proces-sual, na ADI 1.351-3/DF, o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Verde (PV), e, na ADI 1.354-8/DF, o Partido Social Cristão (PSC), havendo sido admitidos naquela como terceiros o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Friso que não está em mesa para julgamento a ADI 2.677-1/DF, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

A discussão básica estampada nos processos em apreciação diz respeito à harmonia ou não do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos – Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 – com a Constituição Federal. Os demais dispositivos atacados, consideradas expressões a remeterem ao citado artigo – nos incisos II do art. 41 e II do art. 56, na cabeça dos arts. 48 e 49 e na cabeça e incisos do art. 57 –, são al-cançados pelo critério da conseqüência, por arrastamento. Eis o preceito em jogo:

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legisla-tivas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

Vê-se que o art. 13 em questão, relativamente ao funcionamento parla-mentar nas Casas Legislativas, prevê que o partido político deve preencher dois requisitos. O primeiro deles refere-se à quantidade dos votos válidos atinentes

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às cadeiras da Câmara dos Deputados. Então, há de se ter o mínimo de cinco por cento da totalidade dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos. Atendida essa condição, surge novo obstáculo a ser ultrapassado. É pre-ciso que os cinco por cento dos votos estejam distribuídos em nove Unidades da Federação, exigida ainda a quantidade mínima de dois por cento em cada uma delas. Eis, então, os pressupostos para que o partido político, em verdadeira cor-rida de obstáculos, alcance o funcionamento parlamentar:

a) obtenção de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, considerada a votação em todo o território nacional, afastados os brancos e os nulos;

b) distribuição desse percentual mínimo, em pelo menos um terço dos Estados brasileiros;

c) conquista, em cada um dos nove Estados, da percentagem mínima de dois por cento.

A exigência, além de estar ligada ao funcionamento parlamentar, reper-cute, ainda, no fundo partidário e no tempo disponível para a propaganda parti-dária. Sob o ângulo econômico-financeiro, ante o disposto no art. 41 do diploma analisado, a divisão do fundo, no tocante aos partidos que lograram votação mínima e aos demais, há de se fazer mediante equações extremadas:

a) noventa e nove por cento do fundo partidário devem ser rateados entre os partidos que atenderam às condições previstas no art. 13 em comento;

b) a percentagem ínfima de um por cento será distribuída entre todos os partidos que tenham estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Vale dizer: os partidos que atendam ao disposto no citado art. 13 partici-pam do rateio de cem por cento do fundo partidário, enquanto os que não atin-jam os patamares versados concorrem em partes iguais e juntamente com os primeiros – friso –, à divisão do valor resultante do percentual de um por cento do fundo partidário.

A outra restrição corre à conta do denominado programa partidário. Conforme estabelece o art. 48 da Lei 9.096/95, aos partidos que não preencheram os requisitos do art. 13 reservar-se-á, em cada semestre, espaço de dois minutos para a propaganda eleitoral, limitado à cadeia nacional. Já os demais partidos, aqueles que conseguiram cumprir as exigências do art. 13, poderão realizar um programa em rede nacional e outro em rede estadual, em cada semestre, com duração dez vezes maior, ou seja, de vinte minutos cada qual, gozando ainda do direito a inserções de trinta segundos ou um minuto, em âmbito nacional e estadual, perfazendo, por semestre, quarenta minutos – art. 49 da Lei 9.096/95.

Tem-se a plena procedência do que apontado como extremos quer sob o ângulo do funcionamento parlamentar, excluído no que não alcançados os pata-mares do art. 13, quer quanto à participação no fundo partidário, praticamente neutralizada em face das percentagens de noventa e nove por cento e de um por cento para rateio geral, quer em relação à propaganda partidária, tendo certos

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partidos o direito de veiculá-la apenas em cadeia nacional e por dois minutos em cada semestre, dispondo outros, para tanto, em rede nacional e estadual, de tempo dez vezes maior, além de contarem com as inserções a totalizarem, por semestre, também nos dois âmbitos, quarenta minutos em cada qual.

Explicando melhor, ante a qualificação dos partidos considerados os vo-tos obtidos – o que resulta em dualidade toda imprópria – em majoritários e minoritários, cabe aos primeiros – assim entendidos os de votação a atender ao disposto na lei –, para difundir o programa partidário, transmitir mensagens aos filiados sobre a execução do programa partidário, dos eventos com este relacionados e das atividades congressuais do partido e divulgar a respectiva posição quanto a temas político-comunitários, vinte minutos corridos em cada semestre, para transmissões em cadeia nacional e estadual, e quarenta minutos semestrais, com inserções de trinta segundos ou um minuto nas redes nacional e estadual. Os partidos minoritários, para as mesmas finalidades, têm direito a somente dois minutos por semestre e apenas em cadeia nacional, não contando com tempo algum para inserções.

As regras de repercussão avassaladora quanto à sobrevivência e ao cresci-mento dos partidos políticos tiveram a eficácia projetada no tempo, presentes os arts. 56 e 57 das Disposições Finais e Transitórias da Lei 9.096/95 e a mitigação das exigências previstas, também minimizadas as conseqüências. Em outras pala-vras, a plena eficácia dos artigos atacados nestas ações far-se-á a partir da legisla-tura que terá início em 2007, consideradas as eleições gerais ocorridas neste ano.

São vinte e nove os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, a saber: Partido Republicano Brasileiro (PRB), n. 10; Partido Progressista (PP), n. 11; Partido Democrático Trabalhista (PDT), n. 12; Partido dos Trabalhadores (PT), n. 13; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), n. 14; Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), n. 15; Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), n. 16; Partido Social Liberal (PSL), n. 17; Partido Trabalhista Nacional (PTN), n. 19; Partido Social Cristão (PSC), n. 20; Partido Comunista Brasileiro (PCB), n. 21; Partido Liberal (PL), n. 22; Partido Popular Socialista (PPS), n. 23; Partido da Frente Liberal (PFL), n. 25; Partido dos Aposentados da Nação (PAN), n. 26; Partido Social Democrata Cristão (PSDC), n. 27; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), n. 28; Partido da Causa Operária (PCO), n. 29; Partido Humanista da Solidariedade (PHS), n. 31; Partido da Mobilização Nacional (PMN), n. 33; Partido Trabalhista Cristão (PTC), n. 36; Partido Socialista Brasileiro (PSB), n. 40; Partido Verde (PV), n. 43; Partido Republicano Progressista (PRP), n. 44; Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), n. 45; Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), n. 50; Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), n. 56; Partido Comunista do Brasil (PC do B), n. 65, e, por fim, Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), n. 70. Sem normas e fatos não há julgamento. Pois bem, qual foi o desempenho desses par-tidos, considerada a votação para preenchimento das cadeiras da Câmara dos Deputados, nas eleições últimas? Dos vinte e nove partidos existentes, apenas sete alcançaram e suplantaram o patamar de cinco por cento dos votos para a

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Câmara dos Deputados em todo o território nacional, distribuídos de tal forma a perfazer pelo menos dois por cento em cada qual de nove Estados. Ante a ordem de classificação, se é que desta podemos cogitar, eis os partidos que lograram atender aos ditames legais:

a) Partido dos Trabalhadores (PT), com 14,94% dos votos, totalizando treze milhões, novecentos e oitenta e nove mil, oitocentos e cinqüenta e nove votos, cobrindo, presente a percentagem mínima de dois por cento, todas as uni-dades da Federação, elegendo 83 deputados federais;

b) Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), com 14,51% dos votos, totalizando treze milhões, quinhentos e oitenta mil, quinhentos e de-zessete votos, abrangendo, com relação ao patamar de dois por cento, todos os Estados, elegendo 89 deputados federais;

c) Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com 13,76% dos votos, totalizando doze milhões, oitocentos e oitenta e três mil, cento e quarenta e sete votos, não alcançando a percentagem de dois por cento no Rio Grande do Norte e no Amazonas, elegendo 66 deputados federais;

d) Partido da Frente Liberal (PFL), com 10,88% dos votos, totalizando dez milhões, cento e oitenta e dois mil, trezentos e oito votos, deixando de atingir a percentagem de dois por cento no Ceará, no Espírito Santo, em Rondônia e no Acre, elegendo 65 deputados federais;

e) Partido Progressista (PP), com 7,11% dos votos, totalizando seis mi-lhões, seiscentos e sessenta mil, novecentos e cinqüenta e um votos, não che-gando à percentagem de dois por cento apenas no Distrito Federal, elegendo 41 deputados federais;

f) Partido Socialista Brasileiro (PSB), com 6,21% dos votos, totalizando cinco milhões, oitocentos e treze mil, quatrocentos e noventa e quatro votos, não obtendo o patamar de dois por cento em Goiás, no Pará, no Paraná e em Mato Grosso do Sul, elegendo 27 deputados federais;

g) Partido Democrático Trabalhista (PDT), que, passando rente à trave, lo-grou 5,19% dos votos no País, totalizando quatro milhões, oitocentos e sessenta e dois mil e setenta e quatro votos, deixando de alcançar a percentagem mínima de dois por cento em Goiás, no Rio Grande do Norte, em Mato Grosso, no Distrito Federal, no Amazonas e em Sergipe, elegendo 24 deputados federais;

Em síntese, a prevalecer, sob o ângulo da constitucionalidade, o disposto no art. 13 da Lei 9.096/95, somente esses partidos terão funcionamento parla-mentar, participarão do rateio de cem por cento do saldo do fundo partidário, gozarão, em cada semestre e em cadeias nacional e estadual, de espaço de vinte minutos para a propaganda eleitoral e desfrutarão de inserções, por semestre e também em redes nacional e estadual, de trinta segundos ou um minuto, to-talizando oitenta minutos no ano. Os demais ficarão à míngua, vale dizer, não contarão com o funcionamento parlamentar, dividirão, com todos os demais partidos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a percentagem de um

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por cento do fundo partidário e, no tocante à propaganda partidária, terão, por semestre, apenas dois minutos restritos à cadeia nacional.

Eis a quantidade de votos obtidos por esses partidos:a) Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 4,72% dos votos, alcançando

quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos e sessenta e seis vo-tos, deixando de atingir o patamar de dois por cento em nove Estados – Mato Grosso, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Amapá, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Acre, elegendo 22 deputados;

b) Partido Liberal (PL), com 4,35 % dos votos, alcançando quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três votos, não logrando a percenta-gem de dois por cento em cinco Estados – Maranhão, Rio Grande do Sul, Piauí, Mato Grosso do Sul e Tocantins, elegendo 23 deputados;

c) Partido Popular Socialista (PPS), com 3,99% dos votos, iguais a três milhões, setecentos e quarenta mil e cinco votos, não conseguindo os dois por cento em onze Estados – Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Tocantins, Amazonas, Goiás, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Piauí, elegendo 22 deputados;

d) Partido Verde (PV), com 3,65 % dos votos, significando três milhões, quatrocentos e vinte e um mil e sete votos, alcançando a meta de dois por cento apenas em oito Estados – Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Rondônia, Roraima, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraná, elegendo 13 deputados;

e) Partido Comunista do Brasil (PC do B), com 2,12% dos votos, signifi-cando um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos, obtendo os dois por cento apenas em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Amapá, Bahia e Pernambuco, elegendo 13 deputados;

f) Partido Social Cristão (PSC), com 1,86% dos votos, percentagem a re-velar um milhão, setecentos e quarenta e cinco mil, cento e trinta e dois votos, ultrapassando os dois por cento em sete Estados – Sergipe, Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Amapá, São Paulo e Maranhão, elegendo 9 deputados;

g) Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com 1,23% dos votos, a reve-lar um milhão, cento e quarenta e nove mil, seiscentos e dezenove votos, tendo alcançado os dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Ceará e Distrito Federal, elegendo 3 deputados;

h) Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), com 0,97% dos votos, ou seja, novecentos e seis mil, trezentos e quarenta e sete votos, ultrapas-sando a meta de dois por cento em cinco Estados – Amazonas, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, elegendo 2 deputados;

i) Partido da Mobilização Nacional (PMN), com 0,94% dos votos, lo-grando oitocentos e setenta e cinco mil, seiscentos e dezesseis votos, chegando aos dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Norte, Acre, Alagoas e Amazonas, elegendo 3 deputados;

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j) Partido Trabalhista Cristão (PTC), com 0,86% dos votos, isto é, oitocen-tos e quatro mil, duzentos e vinte e seis votos, alcançando os dois por cento nos Estados de Roraima e São Paulo, elegendo 3 deputados;

l) Partido Humanista da Solidariedade (PHS), com 0,46% dos votos, ou seja, quatrocentos e trinta e cinco mil e dezenove votos, não logrando os dois por cento em nenhum dos Estados, elegendo 2 deputados;

m) Partido Social Democrata Cristão (PSDC), com 0,38% dos votos, logrando trezentos e cinqüenta e cinco mil e vinte e um votos, não obtendo os dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

n) Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), com 0,32% dos votos, alcan-çando, assim, trezentos e dois mil, quinhentos e vinte votos, conseguindo os dois por cento somente no Estado do Rio de Janeiro, elegendo 1 deputado;

o) Partido dos Aposentados da Nação (PAN), com 0,32% dos votos, perfa-zendo trezentos e um mil, duzentos e sessenta e seis votos, ultrapassando os dois por cento no Estado do Maranhão, elegendo 1 deputado;

p) Partido Republicano Brasileiro (PRB), com 0,25 % dos votos, tendo com isso duzentos e trinta e dois mil e novecentos e setenta e sete votos, não logrando os dois por cento em nenhum dos Estados, elegendo 1 deputado;

q) Partido Republicano Progressista (PRP), com 0,25 % dos votos, logrando duzentos e trinta e um mil, cento e sessenta e um votos, não obtendo dois por cento em nenhum Estado, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

r) Partido Social Liberal (PSL), com 0,20% dos votos, alcançando cento e oitenta e sete mil, trezentos e quarenta votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

s) Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), com 0,18% dos votos, isto é, cento e setenta mil, quatrocentos e trinta e seis votos, não chegando aos dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

t) Partido Trabalhista Nacional (PTN), com 0,16% dos votos, ou seja, cento e cinqüenta e um mil, duzentos e noventa e dois votos, conseguindo dois por cento em dois Estados: Rondônia e Roraima, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

u) Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), com 0,11% dos vo-tos, significando cem mil, quinhentos e setenta e quatro votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

v) Partido Comunista Brasileiro (PCB), com 0,05 % dos votos, percentual igual a quarenta e três mil, setecentos e dezenove votos, não obtendo dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

x) Partido da Causa Operária (PCO), com 0,03% do total, significando vinte e seis mil e novecentos e quarenta e nove votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

O registro desses dados servirá ao exame da razoabilidade das exigências legais.

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Sob o aspecto constitucional, somente a Carta outorgada de 1967 versou a matéria alusiva à cláusula de barreira. Fê-lo não quanto ao funcionamento par-lamentar em si, a existência de partido cerceado no tocante a prerrogativas nor-malmente existentes, mas relativamente à extinção. O art. 149 da Constituição Federal de 1967, ao dispor sobre a organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos, além de remeter a lei federal, assentou como princípio a neces-sidade de as agremiações haverem obtido, na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, dez por cento do eleitorado – atualmente cinco –, distribuídos pelo menos em sete Estados – e não em nove como agora – com um mínimo de sete por cento – hoje dois – em cada um deles. Eis o preceito regedor da matéria:

Art. 149. A organização, o funcionamento e a extinção dos Partidos Políti-cos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:

I – (...)(...)VII – exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última elei-

ção geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento de Senadores;

(...)

A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, também dispôs sobre o tema, flexibilizando a exigência anterior. Esta a disciplina verificada:

Art. 152. A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políti-cos serão regulados em lei federal observados os seguintes princípios:

I – (...)(...)VII – exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado na última

eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles; e

(...)

A Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978, ao dar nova reda-ção ao art. 152 mencionado, modificou a previsão:

Art. 152. A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto neste artigo, serão regulados em lei federal.

§ 1º (...)(...)§ 2º (...)(...)II – apoio, expresso em votos, de 5 % (cinco por cento) do eleitorado que haja

votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, por nove Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles;

(...)

Com a promulgação da Emenda Constitucional 25, de 15 de maio de 1985, houve nova alteração do art. 152 em análise. O § 1º do citado artigo ganhou a seguinte redação:

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§ 1º Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5 (cinco) Estados com o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles.

Então, é dado concluir que, sob a regência da Carta de 1967, tanto na reda-ção primitiva, quanto nas resultantes das Emendas Constitucionais 1/69 e 11/78, as exigências ligadas à representatividade de partido político alcançaram, com gradação maior, constitucional, a própria organização, funcionamento e extin-ção das agremiações. Com a Emenda Constitucional 25/85, dispôs-se de forma precisa quanto às conseqüências de não ter o partido atingido os patamares fi-xados, versando o novo § 2º do aludido art. 152 sobre a conseqüência de não ser alcançada a votação exigida, considerados os mandatos políticos:

§ 2º Os eleitos por Partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo parágrafo anterior terão seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de 60 (sessenta dias), por qualquer dos Partidos remanescentes.

O § 3º do mesmo dispositivo cuidou da problemática da criação, fusão, in-corporação, extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos, remetendo a lei federal, guardados, é certo, os princípios constitucionais.

Conclui-se, portanto, que, anteriormente, a matéria tinha disciplina cons - titucional.

Sob o ângulo da votação obtida, a própria Carta dispunha não só sobre a representação nas Casas Legislativas como também sobre a vida ou a morte civil do partido político.

O que aconteceu, considerados os novos ares constitucionais, os benfazejos ares democráticos, ao menos assim se quer e se proclama a todos os ventos, con-sagrados na Lei Fundamental de 1988? O art. 1º revela como um dos fundamen-tos da própria República o pluralismo político – inciso V. Já o parágrafo único do citado artigo estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do Diploma Maior. Este, ao fixar as condições de elegibilidade, menciona a necessária filiação partidária, ou seja, não existe a possibilidade de o cidadão, sem respaldo de partido político, lograr mandato eletivo, presente o sufrágio universal, o voto direto e secreto.

O Capítulo V de Título compreendido em parte básica da Constituição Fe-deral – o II, porque trata dos direitos e garantias fundamentais – encerra como medula a liberdade dos partidos políticos, predicado inafastável quanto a essas pessoas jurídicas de direito privado. Pedagogicamente consigna a liberdade na criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, revelando a neces-sidade de se resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripar-tidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Vê-se o relevo maior atribuído à multiplicidade política. Relembrem: como fundamento da República, versou-se o pluralismo político e, quanto aos partidos políticos, previu-se a livre

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criação, fazendo-se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratou-se do caráter nacional das entidades para, a seguir, dispor-se que os partidos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. O que se contém no art. 17 da Carta Federal diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvi-mento relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário, a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira. Em síntese, tudo quanto venha à balha em conflito com os ditames maiores, os constitucio-nais, há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural. Transcrevo, para efeito de documentação, a íntegra do citado artigo:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políti-cos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I – caráter nacional;II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou go-

verno estrangeiros ou de subordinação a estes;III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estru-

tura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

§ 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Ainda sob o ângulo do pluripartidarismo, da representatividade dos diver-sos segmentos nacionais, é dado perceber a ênfase atribuída pela Carta Federal às minorias. No tocante às comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o § 1º do art. 58 do Diploma Maior assegura sem distinguir, considerada a votação obtida, o número de eleitos, a represen-tação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. Aliás, na cabeça do artigo, há a remessa aos regimentos internos do Congresso bem como das duas Casas, e versa o preceito algo com-preendido no gênero funcionamento parlamentar, disciplina em sintonia com a independência dos Poderes. No processo legislativo, no aperfeiçoamento da lei em sentido formal e material, nesse ato complexo, atua, ao término da linha, o

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Executivo, sancionando ou vetando o que aprovado pelas Casas Legislativas. Fica no ar: existentes partidos com deputados eleitos, é dado a Poder diverso – o Executivo – compor e balizar o funcionamento interno, embora de forma con-junta com Senado e Câmara? Di-lo que não o jurista e ex-Ministro Célio Borja. Endosso a óptica por S. Exa. externada. Da mesma forma que ao Judiciário cumpre reger órgãos internos – art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição Federal – via regimento interno, tem-se, preservado o sistema como único, idêntico enfoque quanto à vida interna de cada Casa Legislativa – arts. 51, in-cisos III e IV, 52, incisos XII e XIII, e 58 da Carta da República. Vale repetir o que consignado pelo parecista em peça elaborada a pedido da Mesa da Câmara dos Deputados, considerada transcrição contida em memorial:

Da independência do órgão colegiado do Poder Legislativo e da inviolabi-lidade dos seus membros, no exercício do mandato, resulta a impossibilidade de lhes regular a conduta parlamentar por lei formal, dado que assim facultar-se-ia a intromissão de outra Casa e do Presidente da República em assunto entregue à autonomia de cada uma das Câmaras.

(...)As bancadas são instituições de direito parlamentar exclusivamente. Cons-

tituem-se, nos corpos legislativos, pela reunião dos representantes que se identifi-cam pela unidade de propósito e pela uniformidade da atuação. Agrupam-se sob a liderança que designam.

Sim, presentes deputados necessariamente vinculados a certo partido, cuja existência civil e registro no Tribunal Superior Eleitoral sejam incontestáveis, a eles são aplicáveis, em termos de atividade parlamentar, as normas constantes do Regimento Interno. Fora isso é menosprezar a independência funcional da Casa Legislativa.

Estabelece o § 3º do mesmo art. 58 que a criação de comissão parlamentar de inquérito se faz mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou, se comissão mista, de ambas as Casas. A Constituição Federal atribui ainda legitimidade aos partidos políticos para pro-vocarem a jurisdição constitucional concentrada, sendo suficiente, contar, para tanto, com um único representante em qualquer das Casas do Congresso. Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, tota-litária. Concretizam, em termos de garantias, o pluralismo político tão inerente ao sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos obtidos. Aliás, surge incongruente admitir que partido sem funcionamento par-lamentar seja, a um só tempo, legitimado para a propositura das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, não tendo atuação na Casa Legislativa, mas agindo via credenciamento popular no âmbito do Judi-ciário, tudo acontecendo – repito – sem que existente a restrição constitucional.

Vê-se que a Lei Básica de 1988 não manteve a vinculação surgida com a Constituição de 1967, para o desenvolvimento da atividade política pelo partido,

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aos votos obtidos em determinado certame. Nem se diga que o inciso IV do art. 17 remete o funcionamento parlamentar à disciplina mediante lei, podendo esta última dispor sobre algo de fundamental relevância, ou seja, sobre a cria-ção de partidos políticos de primeira e segunda categorias, considerado o de-sempenho nas urnas. A previsão quanto à competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar há de ser tomada sem esvaziar-se os princípios constitucionais, destacando-se com real importância o revelador do pluripartidarismo. Vale dizer que se deixaram à disciplina legal os parâmetros do funcionamento parlamentar sem, no entanto, viabilizar que norma estrita-mente legal determinasse a vida soberba de alguns partidos políticos e a morte humilhante de outros. Verificada a existência jurídica do partido, a participação em certas eleições, o êxito quanto a mandatos políticos em disputa, não há como afastar do cenário a vontade dos cidadãos que elegeram candidatos, que vieram a preencher cadeiras em Casas Legislativas, desvinculando-os, em quase um passe de funesta mágica, do próprio partido que respaldou a candidatura. Surge incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro passo, o aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar. O casamento não é passível desse divórcio.

Aliás, para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políti-cos, há de levar-se em conta que o enxugamento do rol é automático, presente a vontade do povo, de quem emana o poder. Se o partido político não eleger re-presentante, é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar. Considerada a ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável, a conveniente representatividade dos partidos políticos no parlamento fica jungida tão-somente ao êxito verificado nas urnas, entendendo como tanto haver sido atingido o quo-ciente eleitoral, elegendo candidatos, pouco importando o número destes. Só assim ter-se-á como atendido o fundamento da República, ou seja, o pluralismo político, valendo notar que o verdadeiro equilíbrio decorre do somatório de for-ças que revelem a visão dos diversos segmentos que perfazem a sociedade. Em síntese, não elegendo candidato, o partido fica automaticamente fora do contexto parlamentar. Estão enquadrados nessa situação, porquanto não alcançaram o coeficiente eleitoral, os seguintes partidos: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido Social Liberal (PSL), Partido Trabalhista Nacional (PTN), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Social Democrata Cristão (PSDC), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido da Causa Operária (PCO) e Partido Republicano Progressista (PRP).

Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político.

Tenham presente que a necessidade do trato constitucional da matéria, con-forme a tradição, conforme a assegurada liberdade de criação dos partidos, foi percebida quando dos trabalhos de revisão da Carta de 1988. O então Relator da revisão, Deputado Nelson Jobim, apresentou, em 1994, substitutivo ao Parecer 36. Neste ressaltou que a chamada “cláusula de barreira” não teria sido tratada

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na Constituição, aspecto que vinha dando margem a “perplexidades interpre-tativas por parte do legislador”. O substitutivo acrescentava, ao § 2º do art. 17 da Constituição Federal, relativizando-o, a necessidade de o partido político comprovar o apoiamento de eleitores exigido em lei. Acrescentava os § 5º e § 6º ao citado artigo e revogava o inciso IV nele contido, a versar sobre a remessa, à lei, do funcionamento parlamentar. Eis o teor dos preceitos que, caso aprovada a emenda constitucional de revisão, estariam hoje em vigor, afastando a celeuma que deu margem a este julgamento pelo Supremo, guarda maior da Constituição:

§ 5º Somente terá direito a representação na Câmara dos Deputados o par-tido que obtiver o apoio mínimo de cinco por cento dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, apurados em eleição geral e distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, atingindo dois por cento em cada um deles.

§ 6º Somente o partido que cumprir o disposto no parágrafo anterior poderá registrar candidato a Presidente da República.

O substitutivo data de 1994. Não houve o consenso indispensável à apro-vação da emenda em que pesem aos parâmetros flexibilizados, para alterar-se a Carta da República, previstos no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral. Pois bem, após histórico e disciplina a revelarem a necessi-dade do trato da matéria com envergadura maior – constitucional –, o legisla-dor comum veio a aprovar o texto do que seria o § 5º do art. 17 da Constituição Federal, olvidando a natureza rígida desse diploma. A Carta acabou alterada mediante lei ordinária! Transportou-se – sem o advérbio “somente”, é certo –, para o estatuto dos partidos políticos aprovado no ano seguinte, as regras sub-metidas ao Congresso Nacional e rejeitadas para inserção no Documento Maior da República. Não houve sequer alteração quanto às percentagens. Está-se a ver que o disposto no art. 13 da Lei 9.096/95 veio a mitigar o que garantido aos par-tidos políticos pela Constituição Federal, asfixiando-os sobremaneira, a ponto de alijá-los do campo político, com isso ferindo de morte, sob o ângulo político-ideológico, certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E tudo ocorreu a par-tir da óptica da sempre ilustrada maioria.

Sob o ângulo da razoabilidade, distancia-se do instituto diploma legal que, apesar da liberdade de criação de partidos políticos prevista na Constituição Federal, admite a existência respectiva e, em passo seguinte, inviabiliza o cres-cimento em termos de representação. A exigência de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos Deputados implica, considerados os dados da última eleição, a necessidade de o partido haver alcançado quatro milhões, seiscentos e oitenta e um mil, duzentos e noventa e três votos em um universo de noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos. Aliás, assentada, em relação a todos os partidos hoje registrados no Tribunal Superior Eleitoral, a necessidade de alcançar cinco por cento dos votos, ter-se-ia que contar não com cem por cento correspondentes à totalidade dos sufrágios, mas com cento e quarenta e cinco por cento!

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Ainda no tocante à razoabilidade, mostra-se imprópria a existência de partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar ca-bível, cumprindo ter presente que, a persistirem partidos e parlamentares a eles integrados, haverá, em termos de funcionamento parlamentar, o esvaziamento da atuação das minorias.

A cláusula constitucional a remeter o funcionamento parlamentar, as balizas deste, a preceito legal – o que, no entendimento do Ministro Célio Borja, constante de parecer, leva à disciplina mediante regimento interno – não pode ser tomada a ponto de admitir-se que a lei inviabilize, por completo, o dito funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões, em flagrante contrarie-dade à disposição do § 1º do art. 58 da Constituição Federal, no que sinaliza, em bom vernáculo, a necessidade de ambas – Mesa e comissões – serem integradas, se houver possibilidade física, de forma proporcional, pelos partidos e blocos par-lamentares existentes na Casa, vale dizer, que tenham deputados eleitos.

Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percenta-gem substancial votação – um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oi-tocentos e cinqüenta e oito votos –, perfazendo a percentagem de dois por cento dos votos em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá – e elegendo 13 deputados. Conta hoje com integrante a presidir a Câmara dos Deputados – o Deputado Aldo Rebelo. Pois bem, ante a incidência do art. 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o Deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência po-lítico–ideológica, ou terá que desistir de concorrer à reeleição, esta última admi-tida pelo Supremo desde que se trate de nova legislatura – muito embora o § 4º do art. 57 da Carta contenha cláusula vedando “a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”. Mais ainda: o atual Vice-Presidente da República, José Alencar, é do Partido Republicano Brasileiro (PRB). Foi reeleito. O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1 deputado. Contará com integrante Vice-Presidente da República, mas com depu-tado órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados.

Quanto ao rateio do fundo partidário, a circunstância de ter-se a divisão inicial considerados os percentuais de noventa e nove por cento e de um por cento, concorrendo ao primeiro os partidos ditos, sob o ângulo da representação, majoritários – com aumento da fatia de cada qual – e, à percentagem ínfima de um por cento, todos os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, haverá situações concretas em que a redução de valor a ser recebido alcançará percentagem superior a noventa e nove por cento.

Levem em conta a situação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que elegeu 22 deputados e obteve quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, qui-nhentos e sessenta e seis votos, o que, a toda evidência, não é pouco em termos

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de representatividade. Considerada a eleição de 2002, teve jus, em 2006, à cota de seis milhões, setecentos e quarenta e seis mil, cento e vinte e cinco reais, sessenta e quatro centavos. Com a nova disciplina, repetido em 2007 o valor arrecadado em 2006 para o Fundo Partidário, o PTB ficará com a quota de qua-renta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, verificada assim diminuição de 99,40%. O mesmo se diga em relação ao Partido Liberal (PL), cujos votos chegaram a quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três, elegendo 23 deputados. Ante a eleição de 2002 e considerado o Fundo Partidário relativo a 2006, alcançou seis milhões, setecentos e oito mil, noventa e três reais e treze centavos. Incidentes as novas regras e mantida a arrecadação de 2006 relativamente a 2007, caberá a ele quarenta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, ocorrendo decréscimo de 99,39%. Enquanto isso, todos os sete partidos que lograram atender às exigências legais, com cinco por cento dos votos nacionais distribuídos em nove Estados, obtendo em cada qual dois por cento dos votos, terão majoração, a saber: Partido Progressista (PP), de 0,54%; Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de 17,08%; Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de 34,29%; Partido da Frente Liberal (PFL), de 1,59%; Partido dos Trabalhadores (PT), de 12,68%; Partido Socialista Brasileiro (PSB), de 43,53%; e Partido Democrático Trabalhista (PDT) de 25,25 %. Ocorrendo alteração positiva e sendo alcançados valores que vão de 8.408.598,08 a 24.158.085,91. Não é aceitável, sob o ângulo da razoabili-dade, tal equação, dividindo entre sete partidos o grande bolo de 99% do que vier a ser arrecadado para o Fundo Partidário e os vinte e nove partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, inclusive esses sete, um por cento. O mesmo en-foque é dado verificar em termos de horário reservado à propaganda partidária. Os sete partidos que conseguiram atender aos requisitos legais terão, por semes-tre, cada qual, vinte minutos em rede nacional e vinte minutos em rede estadual bem como inserções nas duas cadeias, a totalizarem, em relação a cada uma, por semestre, quarenta minutos. Já os vinte e dois partidos de representação menor, aquém das rigorosas exigências legais, terão, cada qual, dois minutos por semes-tre e unicamente em rede nacional, não contando com o tempo para inserções.

Esta Corte é chamada a pronunciar-se sobre a matéria a partir da Constitui-ção Federal. Descabe empunhar a bandeira leiga da condenação dos chamados partidos de aluguel, o preconceito, mesmo porque não se pode ter como a revelá-los partidos, para exemplificar, como o Partido Popular Socialista (PPS), o Par-tido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido Verde (PV) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sendo que este último, aliás, é condenado a não subsistir sem que tenha experimentado espaço de tempo indispensável a lograr grau de acatamento maior frente ao eleitorado. Se, impossibilitado de figurar junto à Casa para a qual elegeu deputados, tendo substancialmente mitigada a participação no fundo partidário e no horário de propaganda eleitoral, não deixará jamais a situação embrionária, própria ao surgimento de uma nova sigla. Permanecerá, se tanto, em plano secundário, inviabilizado o acesso eficaz a eleitores, o que somente ocorre em virtude da atuação parlamentar e da divulgação de metas partidárias. A dose é cavalar, implicando a potencialização do objeto visado

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em detrimento de princípios constitucionais. Possíveis circunstâncias reinantes, possíveis desvios de finalidade hão de ser combatidos de forma razoável, sem a colocação em segundo plano de valores inerentes à democracia, a um Estado De-mocrático de Direito. Levem em conta ainda que o funcionamento parlamentar não o é apenas nas Assembléias e Câmaras, alcançando o Senado da República e neste os seguintes partidos, da ala excluída, elegeram nas últimas eleições sena-dores – sem contar aqueles que se encontram em meio ao mandato: Partido Tra-balhista Brasileiro (PTB), 3 senadores; Partido Comunista do Brasil (PC do B), 1 senador; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), 1 senador; Partido Popular Socialista (PPS), 1 senador; e Partido Liberal (PL), 1 senador.

Indaga-se: ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento parla-mentar no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas? Se positiva a res-posta, o sistema estará capenga, distinguindo-se onde o legislador não distinguiu.

Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrál-gico concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se contrapõe aos princípios que regem o governo da maioria – cuja finalidade é o alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respei-tados os direitos dos setores minoritários, não se constituindo, de forma alguma, em via de opressão destes últimos.

No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre –, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos mi-noritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria. Ao reverso, dos governos democráticos espera-se que resguardem as prerrogativas e a iden-tidade própria daqueles que, até numericamente em desvantagem, porventura requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhe esteja preser-vada a identidade cultural ou, no limite, para que continue existindo.

Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça, mas como fator de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende a enriquecer-se com essas diferenças. O desafio do Estado moderno, de organi-zação das mais complexas, não é elidir as minorias, mas reconhecê-las e, assim o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais. Para tanto, entre outros procedimentos, há de fomentar diuturnamente o aprendizado da tolerância como valor maior, de modo a possibilitar a convivência harmônica entre desiguais. Nesse aspecto, é importante sublinhar, o Brasil se afigura como exemplo para o mundo.

Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravi-dão da minoria pela maioria.

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Alfim, no Estado Democrático de Direito, paradoxal é não admitir e não acolher a desigualdade, o direito de ser diferente, de não formar com a maioria. Mais: o Estado Democrático de Direito constitui-se, em si mesmo – e, sob certo ponto de vista, principalmente –, instrumento de defesa das minorias. Esse foi o entendimento adotado, levando o Supremo a garantir a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pela vontade de um terço – e não da maioria – dos par-lamentares, no julgamento do MS 24.831-9/DF, relatado pelo Ministro Celso de Mello e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2006.

É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a ga-rantia da existência destas, preservados os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente.

Então, encerro este voto, no julgamento conjunto das Ações 1.351-3/DF e 1.354-8/DF, acolhendo os pedidos formulados – exceto quanto ao inciso II do art. 56 – e, com isso, declarando a inconstitucionalidade na Lei 9.096/95:

a) do art. 13;b) da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, na cabeça do art. 41,

e dos incisos I e II do mesmo preceito;c) do art. 48;d) da expressão “que atenda ao disposto no artigo 13”, no art. 49; e) da expressão “no artigo 13” do inciso II do art. 57.É o voto.

VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, reputo este julgamento histórico, tendo em conta o próprio Estado Democrático de Direito, a transferência de poder pelo povo a mandatários, a transferência de poder pelo povo a representantes. Por isso – não sou de me estender muito em votos –, peço a paciência dos colegas e também da assistência para o que tenho a assinalar e deixar registrado nos anais do Supremo.

DEBATE

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, tenho uma preocupa-ção, porque o art. 48 estabelece que:

Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral que não atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia na-cional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.

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Essa questão já foi amplamente discutida pelos requerentes e, agora, no voto do Relator. Salvo engano, está-se declarando a expressão “que não atenda ao disposto no art. 13”, não é Ministro Marco Aurélio?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De início, das expressões “que não atenda ao disposto no art. 13” e “com a duração de dois minutos”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se V. Exa. vai eliminar esses dois minutos, então fica o dispositivo todo; fica sem sentido; pois iria conceder mais dois minutos a todos os partidos.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: E fica pior, prejudica, não ajuda.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estou falando do art. 48 da Lei 9.096.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim: “(...) que não atenda ao disposto no

artigo (...) em cada semestre, com a duração de dois minutos”.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A única dúvida que poderíamos

ter, sob o ângulo da extensão, diz respeito à vinculação ao pedido formulado, ao objeto da própria ação direta de inconstitucionalidade, porque a impugnação se fez nesse sentido. Concordo com o Ministro Sepúlveda Pertence no que S. Exa. afirma que, retiradas as expressões “que não atenda ao disposto no art. 13” e também “com a duração de dois minutos”, o artigo perde conteúdo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, aí, o dispositivo é incons-titucional por arrastamento. Ele perde o sentido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Se for o pensamento do Cole-giado, adiro à declaração, na totalidade, da pecha de inconstitucional do art. 48.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O art. 57, III.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Não, o art. 57 só tem dois incisos.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro Gilmar Mendes, na

ADI 1.354-8/DF, esse dispositivo foi atacado, o inciso II.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso é quanto ao fundo, mas a minha obser-

vação é quanto ao tempo de TV. A minha pergunta é: assente a inconstituciona-lidade do art. 48 – para ficar ainda na questão da distribuição do tempo de TV –, não se deveria manter, quer dizer, deixar explicita a aplicação do art. 57, III?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Art. 57, III?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Precisaríamos retocar – e, talvez,

atuássemos como legisladores positivos – a cabeça do artigo, porque o que nele previsto o foi para viger por período determinado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não é um problema de declaração.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas pelo menos uma cláusula provisória

até que o Congresso delibere sobre isso.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Há uma saída.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vai ficar uma lacuna, e ela pode ser preen-chida pelo 57.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa é a proposta.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma declaração de inconstituciona-

lidade, ao mesmo tempo, com um tipo de interpretação conforme.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E se ataca o artigo como um todo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No final, V. Exa., em tese, está ten-

dendo a propor a preservação da disciplina transitória até que o legislador edite uma legislação que atenda aos princípios constitucionais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Há uma forma aceita pelo Tri-bunal, que é a procedência parcial da pecha de inconstitucionalidade quanto ao art. 57. Afastaríamos do cenário normativo apenas a limitação constante da cabeça do dispositivo, porque, nela, o que temos? Um balizamento de vigência:

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclama-ção dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte (...)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse é um dispositivo que, a rigor, já teria perdido a eficácia. Nós estamos tentando revitalizá-lo, tendo em vista a lacuna que se vislumbra.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma forma de declaração de incons-titucionalidade evitando cair num vazio normativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Houve, ao término do diploma, a revogação explícita, e não tácita. Se fosse a revogação tácita, ocorreria o resta-belecimento da redação anterior.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, evoluo para acolher a ponderação feita pelo Ministro Gilmar Mendes. Assento, então, que, no tocante ao art. 57, a interpretação é para preencher o que seria o vácuo nor-mativo mediante o afastamento desses limites, dessas balizas temporais que estão na cabeça do artigo.

Conseqüência prática: com isso, restabelecemos o que se mostrou de início norma transitória, até que o legislador venha e atue.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E que regulou essa situação transitória durante todo este período: dez anos de vigência da lei.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então, no art. 57, Ministro Marco Aurélio, será observado o seguinte: tiramos a baliza temporal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é uma declaração de inconstitu-cionalidade do art. 57. É declarar inconstitucional o art. 13 e suas repercussões,

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de acordo com o voto do Relator e com outros fundamentos que venham a ser aventados, mas declarando que, enquanto o legislador não edite norma que atenda ao princípio do pluralismo, da liberdade de criação de partidos etc., con-tinua em vigor a disposição transitória do art. 57, para evitar o vazio normativo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Sem as limitações temporais que são fixadas no art. 57.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem as limitações.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque, em relação ao fundo partidário,

que é outra questão, tenho a impressão de que a declaração de inconstituciona-lidade parcial resolveu integralmente o problema.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É só no tocante à expressão con-tida no inciso II do art. 57: “que cumpram o disposto no artigo 13”.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenham preenchido as condições do art. 13:

II – (...) na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para (...)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “(...) que cumpram o disposto no (...) inciso anterior (...)”.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Esse é o art. 49?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Evoluo para restringir o voto,

quanto à inconstitucionalidade do art. 57, à expressão contida no inciso II do art. 57: “o disposto no art. 13”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E fica: “que cumpram o disposto”; tira-se: “no art. 13 ou”, e continua: “no inciso anterior”.

O que se declara inconstitucional é a referência ao art. 13, permanecendo essa discriminação, que é razoável e não é impugnada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No regime anterior, o que tínha-mos em relação ao fundo partidário? Vinte por cento eram rateados em partes iguais, e os outros oitenta por cento, consoante a representação do partido na Câmara. Não podemos ter como restabelecido o quadro normativo anterior, por-que houve revogação expressa.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só uma pergunta: esta era uma cláusula transitória, o inciso II do art. 57. No contexto atual, o art. 41, com a declaração pro forma...

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas, segundo o ponto de vista externado, ela deixaria de ser transitória.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, ela voltaria a ser transitória.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vejamos o art. 41:

Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios.

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Esta é a regra permanente.

I – um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, estariam abrangidos todos esses partidos. E:

II – noventa e nove por cento do total do Fundo (...)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse fica sem sentido; sem o art. 13, que é o fator diferenciador, a totalidade deste artigo fica sem sentido.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Porque, sem o art. 13, não tem base.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sem o fator do discriminum, teria que sair.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Deveria sair, acompanhando,

por arrastamento do art. 13.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse regula uma distinção entre os

que atenderam, os que alcançaram ou não o patamar do art. 13. Ora, declarado inconstitucional o art. 13, toda essa disciplina do tratamento diferencial entre os que tenham alcançado e não alcançaram os patamares dele cai por terra; aí revitaliza-se o art. 57, no que reserva aos partidos de melhor desempenho: vinte e nove por cento do Fundo.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Porque o art. 13 apresentava o fator de dis-criminação que deixou de acontecer.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Até porque o art. 57 deixou de operar no pres-suposto da operacionalidade do art. 13; como o art. 13 já não opera, volta o art. 57.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Muito embora não haja pleito quanto ao inciso I do art. 41, ele cai por arrastamento.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Não tem sentido também.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu acho, porque ele regulamenta o

tratamento diferenciado conforme um critério que estamos a declarar inconsti-tucional; logo, não sobra nada dele.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É. Por arrastamento, nada sobra.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E a regência fica a do art. 57.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por interpretação e com apelo ao legisla-

dor, adotamos a fórmula positiva que existe, e vem funcionando, que é a do art. 57.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Que era a fórmula transitória.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Esperemos que o legislador seja

sensível ao apelo do Supremo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí, ao invés da reserva de noventa e

nove por cento para os partidos de melhor desempenho, ficam vinte e nove por cento. E isso, ninguém impugna.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Como vigorou por dez anos.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mesmo porque se observou que,

na 1.354-8/DF, não houve nenhum ataque sob esse ângulo. Ocorreu impugnação mais abrangente, mais linear, na 1.351-3/DF, o que demonstra que essa norma, para os partidos em geral, é palatável.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então, no art. 41, tanto o inciso I quanto o inciso II declaram-se inconstitucionais? O próprio caput? Mas ele de-fine um prazo de cinco dias. Acho que isso permanece.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É, Fundo Partidário. “(...) fará a respecti- va distribuição aos órgãos nacionais dos partidos (...)”. O que cai são os critérios.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Permanece o caput.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas, do caput, cai a seguinte expressão:

“obedecendo aos seguintes critérios”. O artigo termina aqui: “partidos”.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim. Até “órgãos nacionais dos

partidos”.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A expressão “obedecendo aos

seguintes critérios” é que cai.O Sr. Ministro Carlos Britto: A expressão sucumbe.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E, por interpretação do Tribunal, res-

surge provisoriamente o art. 57.O Sr. Ministro Carlos Britto: É, revitaliza, ressurge. Na verdade, é uma

repristinação.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Até o advento de nova disciplina...A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Aqueles critérios do art. 57.Muito bem. Quanto ao art. 48 e 49, não há dúvida?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aí não temos mais dúvidas.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E o art. 57 não é objeto da argüição,

salvo naquela referência ao art. 13.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: No art. 57, só a expressão: “no art. 13 ou”.

Só isso que cai.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, apenas para

facilitar depois a redação do acórdão, consigno que retifico o meu voto. Faço-o para, no tocante ao art. 41, declarar a inconstitucionalidade, na cabeça do artigo, da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, e também para declarar a in-constitucionalidade dos dois incisos. Relativamente ao art. 57, inciso II, restrinjo a declaração de inconstitucionalidade, objetivando tão-somente evitar o vácuo normativo, à expressão “o disposto no artigo 13”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, “o disposto” fica.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, “o disposto” ficaria, não é?

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No art. 13?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “o disposto no art. 13 ou”. Ou V. Exa.

quer manter?A Sra. Ministra Cármen Lúcia: “No art. 13 ou”.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E deixo o “ou” apenas para docu-

mentar que houve corte.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Além disso, Ministro Marco

Aurélio, no caput do art. 57, Vossa Excelência também não elimina a delimita-ção temporal?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na verdade, estamos fazendo uma inter-pretação conforme, autorizando que essa norma seja aplicada provisoriamente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não é um objeto do dispositivo da decisão, senão nesse sentido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não chego a isso justamente para evitar o vácuo, porque o Tribunal Superior Eleitoral tem pela frente o problema da distribuição do fundo já agora em janeiro.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí o TSE tem que regular isso. Ele rearrumará esse problema, com base no art. 57.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não precisaríamos sequer de um novo programa nos computadores, porque já vínhamos observando isso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 13 nunca se aplicou porque não estava eficaz.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como ficou o art. 49? Suprime-se a ex-pressão “que atenda ao disposto no art. 13”?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, só a expressão “que atenda ao disposto no art.13”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Creio que suprime tudo, porque o ar-tigo também regula a situação de uma categoria de partidos, que estamos decla-rando inconstitucionais.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É tudo também por conta da cláusula.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): O art. 49 na íntegra.O Sr. Ministro Carlos Britto: A razão de ser do art. 49 era a vigência do

art. 13. Então, o pressuposto lógico cai também.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Relativamente ao que se contém

no art. 49, considerado o critério do arrastamento, porque não há pedido abran-gente, também declaro a inconstitucionalidade total.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Tanto quanto o art. 48?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em relação ao art. 56, inciso II,

vejamos se há algum ajuste a fazer.

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Não se atacou o art. 56.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Havia uma redução do tempo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O art. 56 não está sendo atacado.

Então, ele também tem que entrar nessa declaração interpretativa.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Por causa do prazo.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em que sentido, Ministro

Sepúlveda Pertence?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No sentido de que continua aplicável,

em termos, não só o art. 56 como o art. 57.O Sr. Ministro Carlos Britto: Pelo vínculo funcional com o art. 13.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O inciso I do art. 56, que não

foi atacado, limita o funcionamento parlamentar, exigindo que o partido tenha eleito deputados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estabelece: “três representantes de di-ferentes Estados”. Essa diferenciação gradativa não foi atacada. Ela permanece.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Então permanece o art. 56 ape-nas sem a limitação temporal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Permanece o programa, em cadeia nacional, com dez minutos de duração.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E deixamos o inciso II. Julgamos improcedente quanto ao inciso II, para que a Câmara, então...

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque era objeto da argüição de incons-titucionalidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Inciso II de qual artigo?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Inciso II do art. 56.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas o art. 56 não foi atacado.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O inciso II do art. 56 foi atacado.

E o mais interessante é que, se o fulminássemos, não teríamos a disciplina quanto ao inciso I.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mantém-se o inciso I e elimina-se o inciso II...

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Esse é o problema. Creio que te-mos de deixar o inciso II.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Temos que deixar o art. 56.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Só com essa interpretação

conforme.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Retifico, no particular, o voto para

julgar improcedente o pedido quanto ao inciso II do art. 56.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há referência ao art. 13. É essa a distinção. Mantém a legislação e isso deve corresponder às resoluções do TSE nesse período de vacância.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse período, agora, ajustando a essa deci-são as resoluções do TSE.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente ele não altera, porque es-tamos tirando as referências ao art. 13. Essa nunca foi aplicada pelo TSE, até agora, porque, até aqui, se aplicaram as disposições transitórias.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vejo uma impropriedade no ataque formalizado. Surge o problema: o inciso I do art. 56, a rigor, limita o funcionamento parlamentar porquanto a norma exige, para que ocorra esse fun-cionamento parlamentar, a eleição, pelo partido, no mínimo, de três representan-tes, considerados diferentes Estados e, portanto, três Estados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Veja V. Exa. que, se atendermos a impugnação e subtrairmos o inciso II, só terão funcionamento parlamentar os partidos do inciso I.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A minha preocupação não é essa. A premissa de meu voto se mostrou como sendo a impossibilidade de cercear o funcionamento parlamentar relativamente a partido que logrou eleger candidato. Aqui a exigência é maior, porque, em meu voto, contento-me com a eleição de um único deputado, e aqui se exigem três e que não podem ter sido eleitos no mesmo Estado. Não posso ir além do pedido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O problema é a subtração do inciso II.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Quanto ao inciso II, julgo impro-

cedente o pedido e paro aqui. Não o adentro mais.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Dispensada a exigência fixada no inciso I,

a, do art. 57.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas isso não entra.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não posso, porque não há o pe-

dido. E aqui não seria por arrastamento. Devemos aguardar.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estabelece o inciso I do art. 56:

I – fica assegurado o direito ao funcionamento parlamentar na Câmara dos Deputados ao partido que tenha elegido e mantenha filiados, no mínimo, três re-presentantes de diferentes Estados;

Fica a questão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Se a Mesa, ao regular isso, infringir os princípios constitucionais em que está fundamentado, o voto de Vossa Excelência será outro problema.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Julgo improcedente, portanto, o pedido formulado quanto ao inciso II do art. 56, tout court.

Não vou adiante.

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VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, já me havia manifestado inicialmente no sentido da concordância com o voto do eminente Ministro Relator.

Gostaria apenas de destacar dois aspectos que me parecem decisivos – e vou fazer juntada de voto. Na verdade, a discussão que se colocou aqui é a pos-sibilidade, ou não, de se estabelecer o que se tem chamado entre nós, num certo eufemismo, de “cláusula de barreira” ou “cláusula de desempenho”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No caso, mais propriamente cláusula de desempenho. Não mata: deixa morrer.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa disposição encontrou base no Texto Constitucional, no próprio art. 17, que tratou do funcionamento parlamentar nos termos da lei. Isso fica evidente e, a partir daí, também o legislador tirou outras conseqüências no que concerne aos programas de televisão e ao acesso ao fundo partidário, reduzindo, significativamente, esse acesso para os tais partidos que não lograrem preencher ou satisfazer essa cláusula de barreira.

Como sabemos, essa fórmula tem paradigmas no Direito Comparado. No Direito alemão, consagra-se que o partido político que não obtiver 5 % (cinco por cento) dos votos, na votação proporcional, não obterá mandato algum, ou, pelo menos, três mandatos diretos, também na eleição, portanto, para o cha-mado “primeiro voto”. E, nesse caso, despreza-se a votação dada ao partido.

Todavia, nunca se atribuiu conseqüência no que concerne àquilo que cha-mamos de “igualdade de oportunidades” ou “igualdade de chances”. A legislação até tentou estabelecer um limite de 2,5 % (dois e meio por cento) dos votos, para fazer aquilo que, no modelo alemão, é o financiamento público das campanhas. Mas a Corte Constitucional entendeu que essa cláusula era, sim, violadora do princípio da igualdade de oportunidades, porque impedia que o partido político com uma pequena expressão conseguisse um melhor desempenho, exatamente porque ele não teria nem acesso à televisão, muito menos acesso aos recursos públicos. Daí a legislação ter fixado esse percentual em 0,5 % dos votos para o pagamento dessa indenização pelo desempenho dos partidos nas eleições.

Tenho para mim que, entre nós, tivesse o legislador encontrado uma fór-mula para fixar de fato uma cláusula de barreira semelhante, ainda que em pa-tamares inferiores, talvez não estivéssemos tendo essa discussão. Acredito que se trataria de uma fórmula constitucional. É possível, sim, ao legislador – não precisaria elevar a questão para o patamar da legislação constitucional – estabe-lecer uma cláusula de barreira.

De certa forma, o modelo proporcional já dá ensejo a alguma limita-ção quando estabelece o quociente eleitoral, a distribuição dos mandatos pela sobra – cláusula específica dizendo que só aquele que consegue o quociente eleitoral obtém a disputa dos mandatos pelos restos ou sobras –; portanto, já há cláusula semelhante na regulação, na concretização do modelo proporcional. Então, parece-me que isso é possível de se fazer entre nós.

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Todavia, a via eleita pelo legislador parece extremamente delicada, como já demonstrado no voto do Relator, por duas razões. A primeira razão é que se compromete o chamado funcionamento parlamentar in totum, uma violação claríssima do próprio princípio da proporcionalidade. Não se deixou qualquer espaço, não se fez qualquer mitigação, mas, simplesmente, negou-se o funcio-namento parlamentar das instituições ou agremiações partidárias que, como vi-mos, obtiveram um expressivo cabedal de votos. Portanto, aqui, há um sacrifício radical da minoria. Isso realmente parece comprometer o próprio art. 17.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Com eleição de duas dezenas de deputados.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Realmente, a fórmula, ainda que com-partilhemos do pensamento político, da teleologia quanto à necessidade de governabilidade – esse é um dos pensamentos, um “leitmotiv”, desse tipo de fórmula –, é evidente que aqui há um comprometimento da própria cláusula democrática. Não tenho, portanto, nenhuma dúvida quanto à inconstitucionali-dade dessa chamada cláusula de barreira à brasileira.

Outro dado que realmente preocupa é a questão da igualdade de oportu-nidade e o seu reflexo, tanto no que diz respeito ao fundo partidário como no que concerne ao modelo da distribuição do horário de TV e Rádio – questão já antiga, o Ministro Sepúlveda Pertence e eu discutíamos isso na Procuradoria-Geral da República nos anos 86/87, consagrando e deixando claro que, embora não explicitado no nosso ordenamento constitucional, na verdade, essa cláusula integra, sim, o nosso sistema jurídico-constitucional-partidário. Inclusive, a partir daquela decisão do TSE, a própria legislação passou a albergar um espaço maior para as minorias partidárias, porque reconhecer a autonomia e liberdade partidária e não permitir acesso ao fundo, e não permitir acesso ao Rádio e a Televisão, é fazer algo...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que essa lei fez foi garantir um ou-tro direito: o direito de acesso ao que o professor Marcelo Cerqueira chama de “corredor da morte”.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É verdade, porque ao garantir 1% do fundo partidário para essas agremiações e dois minutos para divulgação dos seus programas, na verdade, o modelo acabou por comprometer aqui o princípio da igualdade de chances ou da igualdade de oportunidades, que entendo presente na legislação brasileira.

É claro, como também já disse o Relator, que as preocupações do legislador são legítimas. O nosso sistema proporcional, consagrado a partir de 1932, vem dando sinais de alguma exaustão. A crise política que aí está bem o demonstra. E acredito que nós aqui estamos inclusive desafiados a repensar esse modelo a partir da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – e vou um pouco além da questão posta neste voto, neste caso: talvez estejamos desafiados a pensar inclusive sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram o mandato no sistema proporcional. É um segredo de carochinha que

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todos dependem da legenda para obter o mandato. E depois começa esse festival de trocas já anunciadas. Uma clara violação à vontade do eleitor.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): V. Exa. me permite?No voto, pelo menos sinalizo, quando me refiro que o casamento não ad-

mite divórcio, a fidelidade, que, para mim, é fidelidade a propósitos.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É verdade. É preciso, portanto, pensar isso,

tendo em vista esta institucionalidade complexa dos partidos políticos. Já vimos aqui que os partidos políticos são esses entes ambivalentes, um pouco ente pú-blico, um pouco ente privado, um pouco ente da própria sociedade, fazendo essa mediação entre o eleitor e o poder. É preciso pensar isso com seriedade. Se olhar-mos, então, essa questão nessa perspectiva, tenho a impressão de que vai chegar o momento e talvez, ainda nessa legislatura, devêssemos rever aquela jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal que consagrou o entendimento segundo o qual a infidelidade partidária não teria repercussão sobre o mandato exercido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De quando é essa jurisprudência, Ministro Gilmar Mendes?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É de 1991, MS 20.297.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro Paulo Brossard, com a ele-

gância que o caracteriza, defendeu com imensa bravura e eloqüência a perda do mandato do parlamentar que abandonasse o partido. Agora, isso é difícil de se conciliar com uma legislação como a nossa, que admite, por outro lado, a coli-gação nas eleições proporcionais.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí o mandato seria imperativo.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não quanto a mandato imperativo.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Veja bem. A perda do mandato de um

deputado eleito por determinada coligação traria ao exercício do mandato não necessariamente um filiado àquele partido do qual se afastou, mas um aliado, que pode ser de um partido absolutamente diverso, como é da nossa experiência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): V. Exa. me permite?Creio que não prejudica o instituto da fidelidade. Por que não prejudica?

Porque a coligação é para a reunião de forças, mas, posteriormente, a distribui-ção das cadeiras se faz segundo a sigla dos candidatos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas a suplência, não. Para a or-dem de suplência permanece a da coligação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas sendo a suplência um aces-sório, segue a sorte do principal. Se, em relação ao principal, há vinculação a predominar a sigla, evidentemente, quanto à suplência, também se deve obser-var o mesmo critério.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro Eros Grau está inquieto com o “seminário”.

O Sr. Ministro Eros Grau: Acho que nós estamos saindo do assunto.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Estamos, sim.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos saindo conscientemente, neste

caso, por conta da discussão que se coloca. Qual foi o móvel dessa legislação?O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mesmo porque se avizinha – e

vamos ver se agora ela vem – uma reforma política.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E encerro, Senhora Presidente, dizendo o

seguinte:Se consideramos a exigência da filiação partidária como condição de ele-

gibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares, essa orientação que admite não haver reflexo no mandato quanto à opção por uma nova agremiação partidária afigura-se amplamente questionável. Assim, ressalvadas as situações específicas decorrentes de ruptura de compromissos programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual significado, a meu ver, o abandono de legenda deveria dar ensejo à perda de mandato.

Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza em razão da votação atribuída à legenda. Como se sabe, com raras exceções, a maioria dos reeleitos sequer logra obter o quociente eleito-ral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação. Nas atuais elei-ções, tivemos a notícia nos jornais de que apenas trinta e quatro parlamentares lograram autonomamente preencher o quociente eleitoral com a votação obtida.

Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido do prisma jurídico e político que o eventual eleito possa simplesmente desvencilhar-se dos vínculos partidários originalmente estabelecidos, carregando um mandato obtido em um sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação partidária a que está afiliado para outra legenda. Essa é uma obiter dictum, apenas tendo em vista o móvel que determinou essa cláusula do art. 13.

Mas, tal como já observado – e vou fazer a juntada do voto –, acompanho o voto do eminente Relator, saudando o magnífico voto por ele proferido.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, trago também um voto escrito relativamente alentado, mas como terei de me retirar, peço vênia para fazer um breve resumo.

Em linhas gerais, concordo com o que foi dito pelo Relator. O meu voto segue na linha dos argumentos do eminente Ministro Marco Aurélio e também do eminente Ministro Gilmar Mendes.

No meu voto faço uma resenha histórica da cláusula de barreira, de exclu-são ou de desempenho, dizendo que ela surgiu na Alemanha no pós-guerra. Foi

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adotada pela primeira vez, ou melhor, tentou-se adotar essa cláusula no Brasil nos anos 50 por meio de legislação infraconstitucional. Mas, antes que entrasse efetivamente em vigor, ela foi revogada. Somente a partir do regime autoritá-rio, como aqui foi bem lembrado, na Constituição de 67, depois na Emenda Constitucional de 69 e, mais tarde, em outras emendas constitucionais, inclusive na Emenda Constitucional 25, editada antes ainda da Constituição de 1988, mas dentro de um quadro eminentemente bipartidário, é que essa cláusula passou a ter status constitucional.

Quando veio a Constituição de 1988, restabeleceu-se a cláusula de bar-reira, mas, em contrapartida, previu-se, com todas as letras, no art. 17 da Carta Magna, a mais ampla e irrestrita liberdade de organização dos partidos políticos, de um lado. E, de outro, nesse mesmo art. 17, consagrou-se, como um dos valores fundamentais da organização partidária, o pluripartidarismo. Agora, nota-se, a matéria é tratada no plano infraconstitucional, quer dizer, no art. 13 da Lei 9.096.

Em meu voto, teço algumas considerações – antes de ingressar no aspecto efetivamente constitucional – de natureza político-institucional. Digo que a cria-ção pura e simples de uma cláusula de barreira sem que se desenvolva reflexões dentro de um quadro mais amplo, ou seja, sem que se tenha como pano de fundo a chamada reforma política, notadamente no que diz respeito à fidelidade parti-dária, à votação em listas, ao voto distrital puro ou misto, à questão da vertica-lização, à quebra da simultaneidade das eleições para os parlamentos estadual e federal, e ao fim da representação desproporcional dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados, não levará aos resultados desejados. Se não se discutir essa questão dentro de um contexto mais amplo, insisto, acabaremos sempre privilegiando os partidos maiores, melhor estruturados materialmente, em detrimento dos partidos menores e ideológicos.

Acompanho, nesses termos, o voto do eminente Ministro Marco Aurélio. Além das considerações que expendi, o faço basicamente por dois motivos. Primeiro, porque entendo que a matéria, tratada num plano infraconstitucional, fere de morte o princípio agasalhado no inciso V do art. 1º da Constituição, qual seja, o pluralismo político, fundamento do Estado democrático de direito.

Depois, porque, como foi dito, a cláusula de barreira, tal como posta, atinge profundamente a garantia essencial, inerente a uma democracia represen-tativa, que é a garantia de que as minorias encontrem efetiva expressão no plano político, sob pena de instaurar-se uma ditadura da maioria, sobretudo quando se estabelece, como no caso, restrições draconianas, irrazoáveis, desproporcionais para o acesso ao fundo partidário e ao tempo no rádio e na televisão.

Finalmente, faço a seguinte consideração para rebater as objeções que foram apresentadas às ações de inconstitucionalidade ora ajuizadas: o requisito “caráter nacional”, estabelecido no art. 17, § 1º, da Constituição, a previsão de funcionamento parlamentar de acordo com a lei, a que se refere o seu inciso IV, e até mesmo o preceito contido no § 3º desse artigo, segundo o qual o direito aos recursos do fundo partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão far-se-ão na forma da lei, devem ser interpretados cum grano salis, porque não se pode

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dar a esses dispositivos constitucionais um elastério muito amplo, de maneira a afastar os valores maiores que se encontram ínsitos no princípio republicano e no princípio democrático, em especial o pluralismo político e a garantia de ex-pressão das minorias.

Por essas e outras razões que já foram explicitadas com muito mais brilho, também julgo procedentes ambas as ações, adotando as ressalvas feitas pelo eminente Relator.

É como voto.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhora Presidente, também tenho voto escrito e vou anexá-lo.

Quero apenas deixar registrado, também com muita rapidez, meus cum-primentos aos trabalhos sempre brilhantes do Ministro Marco Aurélio, cujo voto, hoje, tão alentado, tão profundo, vou, evidentemente, seguir, com as ache-gas para o final.

Também não posso deixar de cumprimentar os senhores advogados, que assomam à Tribuna e ajudam muito com suas ponderações, com a forma como trazem os argumentos. Isso faz com que a jurisdição seja prestada de forma sempre muito melhor e realiza o verdadeiro pluralismo da comunidade jurídica.

Não vou repetir tudo o que foi dito, até porque está escrito e farei anexar voto. Quero apenas fazer minhas ponderações no sentido de que, em primeiro lugar, quando se fala em ditadura da maioria, não tenho tanta preocupação com o fato de que estamos enaltecendo minorias. A minoria de hoje tem de ter espaço para ser a maioria de amanhã. Se não for assim, a cidadania se perde.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A proteção decorre do fato de o Supremo ter as portas abertas.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Claro, e de termos uma Constituição – como foi tantas vezes repetido – que faz isso. Em um país plural como o nosso, temos de ter pluralismo.

Não sou capaz ainda de entender, Senhora Presidente, por mais que se te-nha dito – como bem ponderou o Ministro Gilmar Mendes que é preciso tomar cuidado com questões ético-partidárias –, os partidos que se prestam a aluguel, que não são sempre nem necessariamente apenas pequenos, e a história da hu-manidade bem demonstra isso. É preciso que se saiba que estamos tentando construir uma sociedade inclusiva.

Esta cláusula, que, às vezes, é também chamada de “exclusão”, para mim, já peca, democraticamente, pelo nome, porque o nome acaba virando verdade, o pensamento e, depois, a experiência de cada pessoa. Não gosto da expressão. Não gosto até da expressão “exclusão”, porque parece que queremos incluir para vir para o nosso lado o outro, mas, realmente, esse apelido, por exemplo, não é bom.

Um outro dado que creio não ter sido tão enfatizado aqui – todos os outros já o foram – é que chamamos muita atenção para o fato de que, tal como posto na

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Lei 9.096, sempre se chama atenção para o inciso V do art. 1º: o pluralismo. O plu-ralismo podia não ensejar o multipartidarismo, como até chegou a ser ponderado.

Chamo mais atenção para o art. 14 da Constituição da República, quando diz:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)

Quer dizer, isto chegou a ser comentado também: talvez nós, brasileiros, tenhamos de interpretar a Constituição no sentido de que voto não é depósito em urna. O voto começa na urna e continua quando eleito candidato. Aí, sim, dá-se cumprimento ao art. 17, quando chama atenção para o funcionamento parlamen-tar – algo sobre o qual os constitucionalistas, aliás, não se debruçaram tanto –, para saber se esse funcionamento parlamentar, na forma da lei, é o exercício de funções parlamentares ou se é o preenchimento dos cargos de função – função no sentido de cargo.

O que se quer é que tudo isso possa acontecer; que o partido que consiga che-gar a ter eleitores chegue aos cargos postulados; e que o Parlamento funcione com todos os representantes do povo, já que o povo não tem candidatura avulsa, e, por-tanto, o partido, necessariamente, haverá de ser o caminho pelo qual se chega lá.

Concordo, quanto ao demais, que o princípio da proporcionalidade e o princípio da oportunidade foram agredidos.

Por tudo quanto posto aqui – não vou, realmente, me alongar –, acho que essa cláusula fere enormemente a Constituição, não apenas no art. 1º; fere no caput do art. 1º: o Estado não é democrático quando eu voto, e o meu eleito já entra sabendo não poder ter a participação que eu queria que ele tivesse.

Acompanho o Relator, com as modificações finais, e vou entregar o voto por escrito.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Da cláusula de barreira diz Marcello Cerqueira, em exposição proferida em congresso de Direito Constitucional realizado no mês de novembro que passou:

Essa cláusula (barreira, exclusão, desempenho), abolida com a redemo-cratização, em 1985, agora retorna (aparentemente agravada) na Lei 9.096/95 (...) Introduz-se, no Direito Constitucional, norma de exceção em face da qual está previamente censurada a liberdade partidária, a possibilidade de expressão de correntes e pensamentos políticos que não se enquadrem na “propalada” regra iníqua que implica negar seu aperfeiçoamento em uma sociedade complexa e di-ferenciada. É como um jardineiro que impede que flores novas desabrochem e se poupe de apenas regar antigas ervas, que podem ser daninhas.

2. Essa cláusula, designa-a o eminente professor como “corredor da morte das minorias políticas”.

3. A Constituição do Brasil afirma como um dos fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil o pluralismo político (art. 1º, V).

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Por outro lado, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional são titulares de legitimidade ativa para impetrar mandado de segu-rança coletivo e ação direta de inconstitucionalidade (arts. 5º, LXX, e 103, VIII). Todos os partidos políticos, todos eles, sem distinção de nenhuma ordem, desde que estejam representados no Congresso Nacional.

4. Essa lei na ação direta de inconstitucionalidade impugnada faz porém distinções entre os partidos, tratando-os de modo diferenciado. Isso de modo a entrar em testilhas com o disposto no art. 17 e parágrafos da Constituição. De sorte a agravar mesmo o direito de associação, objeto de garantias estipuladas nos incisos XVII, XVIII e XIX do art. 5º da Constituição.

5. A lei, de modo oblíquo, reduz a representatividade dos deputados elei-tos por determinados partidos, como que cassando não apenas parcela de seus deveres de representação, mas ainda – o que é mais grave – parcela dos direitos políticos dos cidadãos e das cidadãs que os elegeram. Para ela, o voto direto a que respeita o art. 14 da Constituição do Brasil não tem valor igual para todos. Uma lei com sabor de totalitarismo. Bem ao gosto dos que apoiaram a cassação de mandatos e de registro de partido político; bem ao gosto dos que, ao tempo da ditadura, contra ela não assumiram nenhum gesto senão o de apontar com o dedo. Não apenas silenciaram, delataram...

6. Uma lei tão adversa à totalidade que a Constituição é, tão adversa a esta totalidade que o mesmo partido político pelo qual poderá ter sido eleito o Chefe do Poder Executivo será, sob a incidência de suas regras, menos representativo do que os demais partidos no âmbito interno do Parlamento.

7. Múltipla e desabridamente inconstitucional, essa lei afronta o princípio da igualdade de chances ou oportunidades, corolário do princípio da igualdade. Pois é evidente que seria inútil assegurar-se a igualdade de condições na disputa eleitoral se não se assegurasse a igualdade de condições no exercício de seus mandatos pelos eleitos.

8. Discorrendo sobre as maiorias e o despotismo da maioria, sobre o ab-surdo de uma maioria fixada meramente por via matemática e estatística, Carl Schmitt 1 afirma a necessidade de pressupor-se, sempre, um princípio de justiça material, se não quisermos ver desmoronar de uma só feita todo o sistema da legalidade. Esse princípio é o da igualdade de “chance” para alcançar aquela maioria, aberta a todas as opiniões, a todas as tendências e a todos os movimen-tos concebíveis. Sem esse princípio, a matemática das maiorias seria um jogo grotesco, um insolente escárnio. Quem obtivesse a primeira maioria a deteria para sempre – seu poder seria permanente.

9. Quase à mesma época Herman Heller 2 afirmava, significativamente, que o parlamentarismo descansa de modo muito especial em um conteúdo comum de vontade que integra todas as oposições. Pois essa unidade política

1 Legalidad y legitimidad, trad. Jose Diaz Garcia, Aguilar, Madrid, 1971, p. 43-44.2 Europa y el fascismo, trad. de Francisco J. Conde, Editorial España, Madrid, 1931, p. 14.

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deve realizar-se, como sua essência requer, em condições da maior liberdade e igualdade de possibilidades de atuação política para todos os grupos.

10. Anoto ainda aqui, parenteticamente, que há vinte anos sobre esse mesmo princípio escreveu o Ministro Gilmar Mendes, em artigo publicado na RDP número 82, então discorrendo sobre a jurisprudência constitucional alemã.

11. A igualdade de chance em verdade não acresce sentido inovador à igualdade. Antes, pelo contrário, desdobra-se da sua própria raiz. Igualdade sig-nificando isonomia não apenas entre partidos, porém, sobretudo, entre eleitores. Isonomia com a qual a Lei 9.096/95 é de todo incompatível.

Julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, este é um tema gran-dioso, que, sem dúvida interfere no curso da vida e plasma o perfil da sociedade brasileira. Sobre ele tenho lido ultimamente muita coisa de excelente qualidade: um artigo do Professor Dalmo Dallari; esse do Marcelo Cerqueira, tão citado aqui, com todos os elogios merecidos; hoje, um primoroso artigo de Agnello Queiroz no Correio Braziliense; ontem, na Folha de São Paulo, um comentário também muito lúcido, muito bem posto, de Fernando Rodrigues; o parecer da Advocacia-Geral da União, sem dúvida, uma peça de fino lavor jurídico. Em suma, isso é próprio de uma constituição densamente axiológica. Como a nossa Constituição consagra muitos valores, alguns deles se antagonizam, na prática, levando-nos a um tipo difícil de opção – já tenho falado sobre isso –: se opta-mos de um jeito, prestigiamos a Constituição; se optamos de outro, prestigiamos igualmente a Constituição. E fica uma estranha opção interpretativa entre o certo e o certo, já que todas as opções têm lastro constitucional. É aquele tipo de questão que lembra Sócrates, em um dilema famoso, quando perguntado por um discípulo: Mestre, o homem deve casar ou permanecer solteiro? E Sócrates respondeu: Seja qual for a decisão, virá o arrependimento.

Mas aí nos socorre, graças a Deus, o chamado princípio da proporcionali-dade em sentido estrito, ou seja: entre o certo e o certo, qual a opção que menos ofende os outros valores da Constituição? Dizendo de modo reverso: qual a op-ção mais afirmativa dos demais valores da Constituição?

Aí entendo que o eminente Relator se houve muito bem. Fez um tipo de opção, em seu magnífico voto, que prestigia os partidos políticos e o princípio da liberdade associativa.

É sabido que partido político é uma modalidade de associação que a Constituição tratou em apartado, a partir do art. 17, não para desprestigiar, mas para prestigiar. Isolou a matéria para demonstrar por ela o seu especial apreço.

O Ministro Relator, também no seu voto, prestou tributo ao princípio da igualdade: a igualdade do eleitor, que, no art. 14 da Constituição, emite um voto de expressão da soberania popular, com valor igual para todos, ou seja, um voto

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que deve ter o mesmo peso político; igualdade entre os eleitos – afinal de contas, diz o art.1º, parágrafo único, da Constituição:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes elei-tos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Então, igualdade quanto aos eleitos, que poderão, em condições equâni-mes, escolher suas lideranças, participar de suas bancadas, atuar em blocos, participar de comissões, inclusive de formação das diversas Mesas dirigentes do Poder Legislativo.

S. Exa. também colocou em pé de igualdade os partidos políticos. E foi além: prestigiou também o pluralismo – já foi referido –, que é mencionado desde o preâmbulo da Constituição, num plano social genérico, o pluralismo cultural, e, no inciso V do art.1º, de modo específico, o pluralismo enquanto opção político-partidária, sabido que partido outra coisa não é senão que parte, fração, parcela de opinião pública, no sentido ideológico mesmo, uma mundi-vidência, um modo diferenciado de conceber a estruturação e o funcionamento tanto do Estado quanto do Governo.

De maneira, Presidente, que S. Exa. ainda, com o seu voto, prestigiou esse mecanismo de freios e contrapesos que opera não apenas entre os Poderes de um para o outro, mas no interior do próprio Parlamento, conferindo especial espaço de atuação às minorias parlamentares, visto que há um vínculo lógico entre mi-norias parlamentares e minorias partidárias.

Toda a Constituição é um estatuto das minorias para que se faça uma opo-sição aos eventuais governantes, minorias tuteladas pela Constituição, para que elas possam fazer um tipo de oposição altiva, independente, corajosa – e por que não dizer? –, patriótica.

O Ministro Marco Aurélio faz-me passar em revista os diversos valores da Constituição e chegar à serena conclusão de que o julgamento por S. Exa. exa-rado foi uma clara opção por valores constitucionais que, no seu conjunto, contra-indicam os dispositivos impugnados a partir do art. 13, um artigo que – ouvi isso ainda há pouco do Ministro Celso de Mello – tende a, mais do que exprimir um percalço, uma dificuldade, um embaraço, uma verdadeira exclusão dos partidos no âmbito do que a Constituição chamou de funcionamento parlamentar.

Chego a pensar – não faço uma afirmação muito categórica, muito peremp-tória (tenho um encontro marcado comigo mesmo), no plano de uma melhor interpretação desse inciso IV do art. 17 “funcionamento parlamentar de acordo com a lei”, como no plano do § 3º do art. 17 “Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão” –, pelo me-nos neste momento, que o funcionamento parlamentar é um direito. Não estamos diante de uma regra constitucional rigorosamente do tipo de eficácia limitada.

Quero crer que o chamamento à lei, a convocação ao legislador ordinário se faz aqui no plano instrumental, no plano do modus operandi, no plano funcional.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não quero que o nosso entusiasmo pelo pluralismo nos leve a uma condenação antecipada de qualquer modulação dos direitos, das prerrogativas dos partidos conforme o único sistema conhecido no Direito Comparado, o do desempenho eleitoral.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida que cláusula de barreira – já disse ontem muito bem Fernando Rodrigues – melhor se chamaria cláusula de desempenho, cláusula de “performance”. Por isso, não quero fazer uma afirma-ção categórica.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Essa afirmação incondicionada de igualdade e de paridade poderia levar a tanto.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Impressiona-me, Excelência, esse tipo de mensagem constitucional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas o que se fez não foi uma dife-renciação. A meu ver, foi – volto a Marcelo Cerqueira – um direito de acesso ao corredor da morte.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Foi, um garroteamento.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mais cruel a fórmula do que a da

Alemanha, porque a da Alemanha mata de logo o partido, negando-lhe a inves-tidura dos representantes. A nossa condena à morte por inanição.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida. Mais do que uma cláusula de barreira é uma cláusula de caveira, ou seja, cava o abismo, o fosso de qualquer possibilidade, impedindo o acesso dos partidos a essas fontes de sobrevivência, financeira ou de comunicação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É como retirar do enfermo os tu-bos que o mantêm vivo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida.Para encerrar, Presidente, impressiona-me muito essa expressão que aqui,

sim, me parece categórica:

Art. 17. (...)§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso

gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

A fórmula complementar, na forma da lei, acho que deve ser interpretada com muito temperamento e cuidado para que a lei não cumpra uma função subs-tancial tão densa a ponto de nulificar o comando constitucional, o que seria uma contradição, nos termos de a lei levar a Constituição a cumprir uma finalidade diametralmente oposta àquela certamente concebida pelo legislador constituinte.

Em suma, louvo o voto de S. Exa. o Ministro Marco Aurélio, dizendo que se tratou de um dos grandes votos proferidos pelo grande Magistrado, levando esta Casa de Justiça – esta nossa Casa de fazer destino – a contribuir para o aper-feiçoamento da democracia representativa.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, não trouxe voto escrito até porque, depois de tantos votos escritos que serão juntados, seria inútil juntar mais um. Duvido pudesse trazer alguma novidade a respeito, depois do brilho que, com certeza, esses votos escritos contêm.

Também acho que dar opinião sobre certos assuntos ficaria mais próprio para seminários. De qualquer maneira, só para marcar posição, quero dizer que a mim não me repugna e – na minha visão – não repugna tampouco ao sistema jurídico-constitucional vigente, um tratamento normativo que, embora presti-giando o pluralismo, evite o que os autores costumam chamar de “multiparti-darismo”, essa pulverização, fragmentação, que, – a meu ver –, com o devido respeito, não serve propriamente à proteção de minorias, como tais, suscetíveis de múltiplas configurações, mas serve, antes, a expressar, em termos de repre-sentação, idéias e concepções políticas – no sentido mais amplo da palavra, de convivência na pólis, como projeto de convivência ética – que componham corpo organizado dentro da sociedade. Duvido muito que dentro dessa socie-dade, qualquer que ela seja, possa encontrar-se, nesses termos, “corpus” orga-nizado de idéias ou de visão do mundo que ultrapasse a duas ou três dezenas, quando qualquer sistema poderia admitir pluralidade tal de partidos que com-portaria, por exemplo, o “Partido de Produtores de Banana do Vale do Ribeira”. Acho que não é essa a função do sistema partidário, até porque a tutela e a proteção de minorias podem ser objeto de programas partidários. As minorias podem ser tuteladas, podem ser protegidas por qualquer partido, cujo programa as contemple. Mas isso é mais próprio para um seminário.

Tampouco vou deter-me em relação às outras normas que restringem os direitos constitucionais assegurados no § 3º do art. 17, porque, evidentemente, não resistem ao postulado da proibição de excessos, pois reconhecem um direito e, em seguida, aniquilam o núcleo substantivo desse direito. A expressão “cor-redor da morte” mostra bem a incongruência ou contraditoriedade da legislação infraconstitucional na regulamentação do acesso ao rádio e à televisão e aos recursos do fundo partidário.

Quero ater-me, apenas, só para expressar ponto de vista pessoal, ao art. 13 – é o que me parece ter mais densidade em termos de discussão. Além de ofender textualmente o art. 17, caput, o art. 1º e vários outros, também dificil-mente escapa ao teste do postulado da igualdade. Toda desigualdade se funda em algum critério. A idade, por exemplo, é critério de desigualação. É um crité-rio legal e constitucional, quando, por exemplo, seja caso de medir a capacidade civil das pessoas. Nesse caso, o critério da idade tem toda a adequação para estabelecer diferenças de tratamento. O uso do critério tem de ser examinado à luz da sua finalidade.

O que temos no caso? Temos um critério de desigualdade baseado no nú-mero de votos atribuídos ou imputáveis aos partidos políticos como tais, isto é, qualidade atribuída aos partidos políticos nas razões da sua existência e, em

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particular, na razão da sua capacidade jurídica específica de apresentar e eleger candidatos.

Portanto, se esse critério fosse usado com a finalidade de restringir a exis-tência ou essa capacidade dos partidos, eu não teria nenhuma dúvida em aceitá-lo, porque vejo aí uma conexão lógico-jurídica entre o critério e a conseqüência.

O que sucede aqui? Usa-se esse critério para finalidade diferente: restrin-gir a atuação parlamentar, decotando prerrogativas próprias do partido que a ordem jurídica reconhece como existentes e inerentes à existência desse mesmo partido. Vejo nisso uma contradição insuperável com a ordem constitucional.

Essa a razão, Presidente, por que também estou de inteiro acordo com to-das as brilhantes razões e fundamentações de todos os votos, em particular o do eminente Relator. E, mais do que isso, não vejo, sequer do ponto de vista prático, qual a conveniência em manter as restrições que levariam – como têm levado, segundo dizem – a fusões de heterogeneidades. O que fará um deputado filiado ao Partido Verde em partido que não guarde espaço nenhum para preocupações ambientais, ecológicas etc.? Ou, então, que lugar poderia ocupar o candidato de um partido socialista ou o candidato de um partido comunista em partido que não tem a mesma ligação ideológica – pode ter até aversão e, provavelmente, re-conheça que são partidos de idéias obsoletas etc.? É exatamente a fusão desses heterogêneos que não constrói nada para a democracia. Só alimenta um jogo falso da vida parlamentar que, depois, conduz a desvios graves.

O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. me permite? Na linha do seu lúcido pensamento, estas duas ações diretas de inconstitucionalidade são um atestado eloqüente de que determinados partidos brasileiros, com muita dificuldade para alcançarem a cláusula de barreira, não querem partir para fusões ou incorpora-ções desnaturadoras deles; querem persistir com fidedignidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Recentes experiências de fusões me fazem indagar se não são piores do que a atomização partidária.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeitamente, se não é pior do que a ato-mização. Então, para preservar sua identidade é que esses partidos propõem as presentes ações diretas de inconstitucionalidade, sinalizando que eles são eminentemente orgânicos; são partidos que fazem, do ponto de vista ideológico, viagem de verticalidade; não são partidos simplesmente lineares ou figurativos. Quer dizer, há que se elogiar, também, esse tipo de disposição para vir a esta Casa persistir naquilo que estamos a exaltar: fidelidade partidária, fidedigni-dade aos seus propósitos institucionais.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Louvo, em particular, a iniciativa desses partidos, aos quais acho que o regime democrático e a Constituição brasileira teriam até de reconhecer o direito de se extinguirem fiéis às suas idéias.

São as razões breves por que acompanho integralmente o voto do emi-nente Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes:I – IntroduçãoO Ministro Marco Aurélio, Relator, submete à apreciação deste Plenário as

ADI 1.351-3 e ADI 1.354-8, propostas, respectivamente, pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) e outro (PDT) e pelo Partido Social Cristão (PSC), nas quais são impugnados o art. 13; expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; ex-pressão contida no caput do art. 49; e os arts. 56 e 57, todos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).

Este é o teor dos dispositivos normativos impugnados:

Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Le gis la-ti vas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios:

II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos vo-tos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.

Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral que não atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia na-cional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.

Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado:I – a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em

cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada;II – a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para in-

serções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.

Art. 56. No período entre a data da publicação desta Lei e o início da pró-xima legislatura, será observado o seguinte:

I – fica assegurado o direito ao funcionamento parlamentar na Câmara dos Deputados ao partido que tenha elegido e mantenha filiados, no mínimo, três re-presentantes de diferentes Estados;

II – a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados disporá sobre o funciona-mento da representação partidária conferida, nesse período, ao partido que possua representação eleita ou filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior;

III – ao partido que preencher as condições do inciso I é assegurada a reali-zação anual de um programa, em cadeia nacional, com a duração de dez minutos;

IV – ao partido com representante na Câmara dos Deputados desde o início da Sessão Legislativa de 1995, fica assegurada a realização de um programa em cadeia nacional em cada semestre, com a duração de cinco minutos, não cumula-tivos com o tempo previsto no inciso III;

V – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para dis-tribuição a todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior

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Eleitoral, na proporção da representação parlamentar filiada no início da Sessão Legislativa de 1995.

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclama-ção dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas:

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mí-nimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não com-putados os brancos e os nulos;

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos;

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distri-buição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que couber, as disposições do Título IV:

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração de dez minutos por semestre;

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b.

Como se pode constatar, o art. 13 da Lei 9.096/95 cria o que se tem deno-minado de “cláusula de barreira” ou “de desempenho” – um certo eufemismo – como requisito para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos políticos.

A regra possui fundamento no art. 17, inciso IV, da Constituição, que as-segura aos partidos políticos o funcionamento parlamentar, de acordo com a lei.

A Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) estabelece que “o partido polí-tico funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve constituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais das respectivas Casas e as normas desta Lei” (art. 12).

O art. 13 da Lei dos Partidos Políticos (dispositivo normativo atacado) dis-põe que somente “tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.

Assim, o partido político que não obtiver tais percentuais de votação não terá direito ao funcionamento parlamentar, o que significa a não-formação de bancadas e de suas lideranças, com todas as repercussões que isso pode cau-sar, como a não-participação em comissões parlamentares e o não-exercício

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de cargos e funções nas casas legislativas. Além disso, o partido somente terá direito a (a) receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, I); e (b) à re-alização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).

Esses são os contornos normativos da denominada cláusula de barreira instituída pelo art. 13 da Lei 9.096/95.

Observe-se, nesse ponto, que, diversamente dos modelos adotados no di-reito comparado – cito, como referência, o sistema alemão – a fórmula adotada pela legislação brasileira restringe o funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição do representante. Não há aqui, pois, repercussão direta sobre mandatos dos representantes obtidos para a agremiação que não satisfaça à referida cláusula de funcionamento parlamentar.

Nos termos de disposição transitória (art. 57), essa norma do art. 13 so-mente entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007. Daí a premente necessidade do posicionamento desta Corte sobre a matéria, diante da proximidade do início do dia 1º de fevereiro de 2007.

Tenho como relevante questionar se o legislador, além de definir as regras e, portanto, os contornos legais do sistema proporcional, fixando o quociente eleitoral e o quociente partidário, pode restringir de tal forma o funcionamento parlamentar dos partidos políticos, com repercussão direta sobre o regime de igualdade de chances que deve existir entre as agremiações partidárias.

A abordagem dessa problemática tangencia temas de inegável importância para o desenvolvimento de nosso sistema político-eleitoral, como a natureza e função dos partidos políticos no regime democrático, a conformação legislativa do sistema proporcional, o princípio da igualdade de chances e o tormentoso problema da fidelidade partidária, que estão a cobrar novas reflexões tendo em vista a necessária reforma política para o aperfeiçoamento de nossa democracia.

Esses temas serão objeto de uma análise mais detida nos tópicos seguintes.II – Natureza e função dos partidos políticos na democraciaA Constituição de 1988 atribuiu relevo ímpar à participação dos partidos

no processo eleitoral, estabelecendo como condição de elegibilidade a filiação partidária (CF, art. 17).

Assegura-se a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de par-tidos políticos, resguardados determinados princípios.

Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atua-ção dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral3. Mas não somente durante essa fase ou período.

3 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, Berlim/Nova York, 1995, p. 599 (p. 606).

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O processo de formação de vontade política transcende o momento eleitoral e se projeta para além desse período. Enquanto instituições permanentes de participação política, os partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e a sociedade. Como nota Grimm, se os partidos políticos estabelecem a mediação entre o povo e o Estado, na medida em que apresentam lideranças pessoais e programas para a eleição e procuram organizar as decisões do Estado consoante as exigências e as opiniões da sociedade, não há dúvida de que eles atuam nos dois âmbitos.

Assim, a questão não mais é de saber se eles integram a sociedade ou o Estado, mas em que medida eles estão integrados em um e outro âmbito4.

É certo, ademais, como se tem referido, que, na democracia partidária, tem-se um Estado partidariamente ocupado, o que coloca em confronto os par-tidos que ocupam funções e cargos no governo e aqueles que atuam apenas junto ao povo5. Afigura-se inevitável, igualmente, que para a agremiação partidária no poder se coloque o dilema de atuar exclusivamente no âmbito do Estado, enquanto partido do Governo, ou se deverá atuar também como organização partidária no âmbito da sociedade.

III – A conformação legislativa do sistema eleitoral proporcional e as restrições impostas aos partidos políticos

O art. 45 da Constituição brasileira estabelece o sistema proporcional para as eleições dos representantes parlamentares do povo. A legislação brasileira preservou o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que cor-responde à nossa prática desde 19326.

Trata-se de um modelo proporcional peculiar e diferenciado do modelo proporcional tradicional, que se assenta em listas apresentadas pelos partidos políticos. A lista aberta de candidatos existente no Brasil faz com que o mandato parlamentar, que resulta desse sistema, afigure-se também fruto do desempe-nho e do esforço do candidato. Trata-se, como destacado por Scott Mainwaring, de sistema que, com essa característica, somente se desenvolveu no Brasil e na Finlândia7. Em verdade, tal como anota Giusti Tavares, semelhante modelo é adotado também no Chile8.

4 Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (613). 5 Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 636. 6 A rigor, tal como anota Walter Costa Porto em palestra recente perante o IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional (1011.2006), o sistema adotado em 1932 era ainda um sistema misto, pois ele acabava por contemplar a eleição, em segundo turno, dos mais votados que não al-cançaram o quociente eleitoral. Somente em 1935 foi adotado um modelo puramente proporcional.7 MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais. In: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 335 (343).8 Cf. TAVARES, Giusti José Antonio. Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 126-127.

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No sentido da originalidade do sistema, anota Walter Costa Porto que o tema acabou não merecendo estudo adequado por parte dos estudiosos brasi-leiros, tendo despertado o interesse de pesquisadores estrangeiros, como Jean Blondel. Registrem-se as observações de Walter Costa Porto9:

Tal peculiaridade foi pouco examinada pelos nossos analistas. E foi um es-trangeiro que lhe deu atenção: Jean Blondel, nascido em Toulon, França, professor das universidades inglesas de Manchester e Essex, e autor, entre outros livros, de Introduction to Comparative Government, Thinking Politicaly and Voters, Parties and Leaders. Em introdução a uma pesquisa que realizou, em 1957, no Estado da Paraíba, escreveu Blondel:

“A lei eleitoral brasileira é original e merece seja descrita minucio-samente. É, com efeito, uma mistura de escrutínio uninominal e de repre-sentação proporcional, da qual há poucos exemplos através do mundo (...) Quanto aos postos do Executivo (...) é sempre utilizado o sistema majoritá-rio simples (...) Mas, para a Câmara Federal, para as Câmaras dos Estados e para as Câmaras Municipais, o sistema é muito mais complexo. O prin-cípio de base é que cada eleitor vote somente num candidato, mesmo que a circunscrição comporte vários postos a prover; não se vota nunca por lista. Nisto o sistema é uninominal. No entanto, ao mesmo tempo cada partido apresenta vários candidatos, tantos quantos são os lugares de deputados, em geral, menos se estes são pequenos partidos. De algum modo, os candidatos de um mesmo partido estão relacionados, pois a divisão de cadeiras se faz por representação proporcional, pelo número de votos obtidos por todos os candidatos de um mesmo partido (...) Votando num candidato, de fato o elei-tor indica, de uma vez, uma preferência e um partido. Seu voto parece dizer: ‘Desejo ser representado por um tal partido e mais especificamente pelo Sr. Fulano. Se este não for eleito, ou for de sobra, que disso aproveite todo o partido. O sistema é, pois, uma forma de voto preferencial, mas condições técnicas são tais que este modo de escrutínio é uma grande melhora sobre o sistema preferencial tal qual existe na França’ ”.

No sistema eleitoral adotado no Brasil, impõe-se precisar (1) o número de votos válidos, (2) o quociente eleitoral, (3) o quociente partidário, (4) a técnica de distribuição de restos ou sobras, e (5) o critério a ser adotado na falta de obtenção do quociente eleitoral.

Os votos válidos são os votos conferidos à legenda partidária e ao candi-dato. Não são computados os votos nulos e os votos em branco.

O quociente eleitoral, que traduz o índice de votos a ser obtido para a distribuição das vagas, obtém-se mediante a divisão do número de votos vá-lidos pelos lugares a preencher na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas ou nas Câmaras de Vereadores.

O quociente partidário indica o número de vagas alcançado pelos partidos e é calculado pela divisão do número de votos conferidos ao partido, diretamente, ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.9 Cf. COSTA PORTO, Walter, Sistema Eleitoral Brasileiro, Palestra proferida no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, Brasília 10-11-06, p. 8-9; Cf. também COSTA PORTO, Walter, Essa mentirosa urna, 2004, p. 163 et seq.

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A distribuição de restos ou sobras decorre do fato de, após a distribuição ini-cial, haver vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes para atingir o quociente eleitoral. Podem-se adotar diferentes critérios, como a distribuição pela maior sobra ou pela maior média 10. O Código Eleitoral adotou o critério da maior média, estabelecendo que para obtê-la “adiciona-se mais um lugar aos que já foram obtidos por cada um dos partidos; depois, toma-se o número de vo-tos válidos atribuídos a cada partido e divide-se por aquela soma; o primeiro lugar a preencher caberá ao partido que obtiver a maior média; repita-se a mesma operação tantas vezes quantos forem os lugares restantes que devam ser preenchidos, até sua total distribuição entre os diversos partidos” (Código Eleitoral, art. 109).

Se nenhum partido atingir o quociente eleitoral, o Código Eleitoral de-termina que hão de ser considerados eleitos os candidatos mais votados, in-dependentemente de qualquer critério de proporcionalidade (Código Eleitoral, art. 111). A solução parece questionável, como anota José Afonso da Silva, pois a Constituição prescreve, no caso, a adoção do sistema eleitoral proporcional11.

Vê-se, assim, que, também no sistema proporcional, tendo em vista razões de ordem prática, os votos dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral e os votos constantes das sobras podem não ter qualquer aproveitamento, não havendo como conferir-lhes significado quanto ao resultado.

Interessante notar que esse sistema permite que um candidato sem nenhum voto nominal seja eleito. Tal como registra Walter Costa Porto, nas eleições de 2 dezembro de 1945 o Partido Social Democrático apresentou dois candidatos a deputado federal, no Território do Acre: Hugo Ribeiro Carneiro e Hermelindo de Gusmão Castelo Branco Filho. O primeiro candidato obteve 3.775 votos; o segundo nenhum voto nominal, pois ficara no Rio de Janeiro. Não obstante, o partido alcançou uma vez o quociente eleitoral e mais uma sobra de 1.077 votos. O critério do “maior número de votos” do partido, em caso de sobra, acabou por conferir mandato a candidato que não obtivera sequer um voto12.

Mencione-se que pode ocorrer até mesmo que o candidato mais votado no pleito eleitoral não logre obter o assento em razão de a agremiação partidária não ter obtido o quociente eleitoral. Foi o que se verificou em vários casos ex-pressivos, entre os quais se destaca o de Dante de Oliveira, que, candidato pelo PDT a uma vaga para Câmara dos Deputados, pelo Estado de Mato Grosso, nas eleições de 1990, obteve a maior votação (49.886 votos) e não foi eleito em razão de seu partido não ter obtido quociente. À época, postulou a revisão do resultado com a alegação de que a inclusão dos votos brancos para obtenção do quociente eleitoral revelava-se inconstitucional (Código Eleitoral, art. 106, parágrafo único). O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou essa alegação com o argumento de que os votos brancos eram manifestações válidas e somente não 10 Cf. TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional, cit., p. 525.11 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 376.12 COSTA PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 157.

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seriam computáveis para as eleições majoritárias por força de normas constitu-cionais expressas (CF, arts. 28, 29, II, e 77, § 2º)13. Também o recurso extraordi-nário interposto contra essa decisão não foi acolhido tendo em vista as mesmas razões14. O art. 106, parágrafo único, do Código Eleitoral foi revogado pela Lei 9.504/97 15. Desde então, não se tem mais dúvida de que o voto em branco não deve ser contemplado para os fins de cálculo do quociente eleitoral.

Outra questão relevante coloca-se tendo em vista a cláusula contida no art. 109, § 2º, do Código Eleitoral, segundo a qual “só poderão concorrer à dis-tribuição dos lugares os partidos ou coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”. Explicita-se aqui outra relativização da efetividade do voto, uma vez que somente serão contemplados os votos dos partidos que lograram obter o quociente eleitoral. Nas eleições de 2002, José Carlos Fonseca obteve 92.727 votos para deputado federal no Estado do Espírito Santo. O quociente eleitoral foi de 165.284. A sua coligação obteve 145.271 votos ou 8,78 % dos votos con-feridos. Preenchidas sete vagas, cuidou-se da distribuição dos restos ou sobras. O Tribunal Regional Eleitoral recusou-se a contemplar a coligação à qual estava vinculado José Carlos Fonseca no cálculo das sobras em razão do disposto no art. 109, § 2º, do Código Eleitoral. Contra essa decisão foi impetrado mandado de segurança, forte no argumento da desproporcionalidade do critério ou da adoção de um critério legal que transmudava o sistema proporcional em sistema majori-tário. Enquanto a coligação que obtivera 8,78 % dos votos não seria contemplada com um mandato parlamentar, as demais estariam assim representadas:

Coligações Votos Cadeiras

Coligação Espírito Santo Forte 39.36 % 50 %

Frente Competência para Mudar 12.74 % 10 %

Frente Mudança para Valer 17,37 % 20 %

Frente Trabalhista 21,07 % 25 %

O TSE rejeitou a ação, assentando-se que a expressão sistema proporcio-nal contida no art. 45 da Constituição encontraria no Código Eleitoral critérios precisos e definidos. A discussão sobre a adequação dos critérios utilizados pelo legislador resvalava para controvérsia de lege ferenda sem reflexo no plano da legitimidade da fórmula16.

13 Cf. Recurso Especial-TSE 9.277, Relator Vilas Boas, DJ 23-4-91.; Cf. sobre o assunto também COSTA PORTO, Walter, Essa mentirosa urna, São Paulo, 2004, p. 171-173.14 RE 140.386, Relator Carlos Velloso, DJ de 20-4-01.15 Cf. Estudos de Xavier de Albuquerque, Leitão de Abreu, Paulo Bonavides e Tito Costa. In: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 79-137.16 Mandado de Segurança TSE 3.109-ES, Relator: Sálvio de Figueiredo; Cf. também COSTA PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 178-181.

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Convém assinalar que o modelo proporcional de listas abertas adotado entre nós contribui acentuadamente para a personalização da eleição, o que faz com que as legendas dependam, em grande medida, do desempenho de candida-tos específicos. Daí o destaque que se confere às candidaturas de personalidades dos diversos setores da sociedade ou de representantes de corporação. Essa per-sonalização do voto acaba por acentuar a dependência do partido e a determinar a sua fragilidade programática.

Assim, esse modelo de listas abertas tem conseqüência sobre a disciplina in-terna das legendas, que se tornam, quase inevitavelmente, reféns dos personalismos dos candidatos que as integram. Mainwaring chega a afirmar que vários aspectos da legislação eleitoral brasileira não têm – ou têm pouco – paralelo no mundo, e ne-nhuma outra democracia dá aos políticos tanta autonomia vis-à-vis seus partidos17.

IV – A cláusula de barreira e o princípio da proporcionalidadeA legislação brasileira estabeleceu uma forma peculiar de “cláusula de

barreira” ou “de desempenho” (art. 13 da Lei 9.096/95), ao determinar que “tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara de Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apu-rados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”. De acordo com a regra de transição contida no art. 57, essa norma do art. 13 so-mente entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007.

Assim, além de definir as regras e, portanto, os contornos legais do sis-tema proporcional, fixando o quociente eleitoral e o quociente partidário, o sistema de distribuição de mandatos por restos ou sobras etc., o legislador criou mais essa limitação ao funcionamento da agremiação partidária.

A questão que aqui se discute é a possibilidade ou não de a lei estabelecer uma cláusula de barreira que repercuta sobre o funcionamento parlamentar dos partidos políticos, tal como o fez o legislador brasileiro.

Como se vê, trata-se de uma restrição absoluta ao próprio funcionamento parlamentar do partido, sem qualquer repercussão sobre os mandatos de seus representantes. Não se estabelece qualquer tipo de mitigação, mas simplesmente veda-se o funcionamento parlamentar ao partido, com as conseqüências que isso pode gerar, como o não-recebimento dos recursos provenientes do fundo partidário, ou o seu recebimento em percentuais ínfimos, e a vedação do acesso ao rádio e à televisão.

Por isso, o modelo aqui adotado diferencia-se substancialmente de outros sistemas políticos-eleitorais do direito comparado.

Na realidade do direito alemão, consagra-se que o partido político que não obtiver 5 % (cinco por cento) dos votos na votação proporcional, ou pelo

17 MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais, in: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 335 (337).

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menos três mandatos diretos, não obterá mandato algum, também na eleição para o chamado primeiro voto. Nesse caso, despreza-se a votação dada ao partido. Todavia, nunca se atribuiu conseqüência no que concerne àquilo que nós chamamos de “igualdade de oportunidades” ou “igualdade de chances”. A legislação alemã tentou estabelecer um limite mais elevado para efetivar o financiamento público das campanhas18. Mas a Corte Constitucional entendeu que essa cláusula era sim violadora do principio da igualdade de oportunida-des (Chancengleicheit), porque impedia que os partidos políticos com pequena expressão conseguissem um melhor desempenho, tendo em vista que eles não teriam acesso à televisão, muito menos aos recursos públicos. Daí a legislação ter fixado percentual de 0,5 % dos votos para o pagamento de indenização pelo desempenho dos partidos nas eleições.

O modelo confeccionado pelo legislador brasileiro, no entanto, não dei-xou qualquer espaço para a atuação partidária, mas simplesmente negou, in totum, o funcionamento parlamentar, o que evidencia, a meu ver, uma clara violação ao princípio da proporcionalidade, na qualidade de princípio da re-serva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).

O fato é que – e isso foi bem demonstrado no voto do relator –, como ob-servado no último pleito eleitoral, agremiações partidárias que obtiveram um expressivo cabedal de votos não teriam, na próxima legislatura, direito a qual-quer funcionamento parlamentar, por força dessa “cláusula de barreira à brasi-leira”. Há, aqui, a meu ver, um sacrifício radical das minorias!

Como analisado, a Constituição brasileira definiu que as eleições dos de-putados federais, dos deputados estaduais e dos vereadores efetivar-se-ão pelo critério proporcional (CF, arts. 27, § 1º, e 45). E nada mais disse! É certo, por isso, que o legislador dispõe de alguma discricionariedade na concretização do sistema proporcional, inclusive o sistema de lista partidária fechada ou o sistema de lista com mobilidade.

Essa margem de ação conferida ao legislador também abrange a limi-tação do funcionamento parlamentar, tendo em vista que, como anunciado, a Constituição, em seu art. 17, inciso IV, assegura aos partidos políticos o funcio-namento parlamentar, de acordo com a lei.

18 Talvez o modelo mais conhecido e difundido de financiamento público dos partidos seja aquele instituído pela legislação alemã. Inicialmente, consagrou-se apenas a possibilidade de uma compensação aos partidos pelos gastos de campanha eleitoral consistente no pagamento de uma quantia por voto obtido, desde que o partido lograsse um percentual não inferior a 0,5 % dos votos válidos para as eleições parlamentares federais. Esse piso é considerado compatível com a Constituição e afigura-se importante para evitar abusos. A fixação de um percentual mais elevado, porém, poderia impedir o natural desenvolvimento do processo político e sua renovação. Daí ter a Corte Constitucional alemã declarado, inicialmente, a inconstitucionalidade de lei que fixava em 5 % o percentual de votos para que o partido pudesse gozar do benefício referido. A jurisprudência constitucional avançou, posteriormente, para admitir o financiamento estatal diretamente ao par-tido (BVerfGE 85, 264). Quanto ao benefício fiscal para doações privadas, admite-se até o limite 6600 Euros. Tal benefício aplica-se, porém, apenas às pessoas físicas (DEGENHART, Christoph. Staatsrecht I. 21. ed. Heidelberg: Muller, 2005, p. 36).

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Não se deve esquecer, todavia, que se tem, também neste caso, uma re-serva legal proporcional, que limita a própria atividade do legislador na confor-mação e limitação do funcionamento parlamentar dos partidos políticos.

Estou certo de que se o legislador brasileiro tivesse conformado um modelo semelhante ao adotado no direito alemão, por exemplo, tal como explicado anteriormente, talvez não estaríamos aqui a discutir esse tema. É possível, sim, ao legislador pátrio, o estabelecimento de uma cláusula de barreira ou de desempenho que impeça a atribuição de mandatos à agre-miação que não obtiver um dado percentual de votos.

A via eleita pelo legislador brasileiro, no entanto, parece-me extremamente delicada. A regra do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos não deixa qualquer es-paço, não realiza qualquer mitigação, mas simplesmente nega o funcionamento parlamentar à agremiação partidária. Como ressaltado pelo Ministro Pertence, “a cláusula de barreira não mata, mas deixa morrer”. Há aqui, portanto, uma clara violação ao princípio da proporcionalidade.

V – A cláusula de barreira em face do princípio da igualdade de chan-ces (Chancengleicheit)

A questão constitucional debatida nestas ações também gira em torno do significado do princípio da igualdade de chances (Chancengleicheit) para o pro-cesso eleitoral democrático.

Como analisado, o partido que não obtiver os percentuais de votação pre-vistos pelo art. 13 da Lei 9.096/95, ou seja, que não ultrapassar a denominada cláusula de barreira, somente terá direito a (a) receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, I); e (b) à realização de um programa em cadeia na-cional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).

Por outro lado, os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 com-partilharão os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (art. 41, II). Ademais, o partido que atenda ao disposto no art. 13 também tem assegurada: a) a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; b) a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais (art. 49).

O fator e a proporção desse discrímen legalmente estabelecido entre os partidos políticos detentores de mandatos eletivos devem ser analisados desde a perspectiva do princípio da igualdade de chances ou de oportunidades.

O princípio da igualdade entre os partidos políticos é fundamental para a adequada atuação dessas instituições no complexo processo democrático. Impõe-se, por isso, uma neutralidade do Estado em face das instituições par-tidárias, exigência essa que se revela tão importante quanto difícil de ser im-plementada19. A importância do princípio da igualdade está em que sem a sua 19 Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (626).

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observância não haverá possibilidade de estabelecer uma concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, o que acabará por comprometer a essência do próprio processo democrático. A dificuldade está nos aspectos jurídicos e fáticos. Quanto aos aspectos jurídicos, ela reside na diferenciação acentuada do objeto envolvido como conseqüência das próprias diferenças de uma sociedade livre e aberta. Daí afirmar Dieter Grimm que a neutralidade es-tatal deve ser entendida como não-influência da desigualdade, o que lhe confere caráter de igualdade formal20. Quanto aos aspectos fáticos, afigura-se inegável que o Estado, que há de conduzir-se com neutralidade em relação aos partidos, é também um Estado partidariamente ocupado21.

O princípio da Chancengleicheit parece ter encontrado sua formulação inicial na República de Weimar, com as obras de Herman Heller (Probleme der Demokratie, I und II, 1931, e Europa und der Faschismus, 1929) e de Carl Schmitt (Der Hüter der Verfassung, 1931, e Legalität und Legitimität, 1932).

Na concepção de Heller, “o Estado de Direito Democrático atual encontra seu fundamento, principalmente, na liberdade e igualdade da propaganda polí-tica, devendo assegurar-se a todas as agremiações e partidos igual possibilidade jurídica de lutar pela prevalência de suas idéias e interesses”.22 O notável publi-cista acrescentava que a fórmula técnica para preservar a unidade da formação democrática assenta-se na livre submissão da minoria à vontade majoritária, isto é, na renúncia das frações minoritárias a uma superação da maioria, me-diante o uso da violência. Isso pressupõe a renúncia à opressão da minoria e exige a preservação das perspectivas dela vir a se tornar maioria23.

Por seu turno, advertia Carl Schmitt que um procedimento neutro e indi-ferente da democracia parlamentar poderia dar ensejo à fixação de uma maioria por via da matemática ou da estatística, causando, dessa forma, o próprio esfa-celamento do sistema de legalidade. Tal situação somente haveria de ser evitada com a adoção de um princípio consagrador de igualdade de chances para alcan-çar a maioria, aberto a todas as tendências e movimentos24. E, enfaticamente, asseverava Carl Schmitt:

Sin este principio, las matemáticas de las mayorías, con su indiferencia frente al contenido del resultado, no solo serían un juego grotesco y un insolente escarnio de toda justicia, sino que, a causa del concepto de legalidad derivado de dichas matemáticas, estas acabarían también con el sistema mismo, desde el ins-tante en que se ganara la primera mayoría, pues esta primera mayoría se institui-ría enseguida legalmente como poder permanente. La igualdad de chance abierta a todos no puede separarse mentalmente del Estado legislativo parlamentario.

20 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (626). 21 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 599 (627).22 HELLER, Herman. Europa und der Faschismus. Berlin/Leipzig, 1929, p. 95 et seq.23 HELLER, Herman. Europa und der Faschismus, cit., p. 9.24 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad. Trad. esp. Madri: Aguilar, 1971, p. 43-44.

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Dicha igualdad permanece como el principio de justicia y como una condición vital para la autoconservación 25.

Com impecável lógica, consignava o eminente publicista que a legalidade do poder estatal conduz à negação e à derrogação do direito de resistência enquanto Direito,26 uma vez que ao poder legal, conceitualmente, não é dado cometer in-justiças, podendo, para isso, converter em “ilegalidade” toda resistência e revolta contra a injustiça e antijuridicidade27. E o eminente mestre acrescentava que:

Si la mayoría puede fijar a su arbitrio la legalidad y la ilegalidad, también puede declarar ilegales a sus adversarios políticos internos, es decir, puede de-clararlos hors-la-loi, excluyéndolos así de la homogeneidad democrática del pue-blo. Quien domine el 51 por 100 podría ilegalizar, de modo legal, al 49 por 100 restante. Podría cerrar tras sí, de modo legal, la puerta de la legalidad por la que ha entrado y tratar como a un delincuente común al partido político contrario, que tal vez golpeaba con sus botas la puerta que se le tenía cerrada 28.

Destarte, a adoção do princípio de igualdade de chances constitui condi-ção indispensável ao exercício legal do poder, uma vez que a minoria somente há de renunciar ao direito de resistência se ficar assegurada a possibilidade de vir a se tornar maioria.29 Vale registrar, ainda nesse particular, o seu magistério:

El Estado legislativo parlamentario de hoy, basado en la dominación de las mayorías del momento, solo puede entregar el monopolio del ejercicio legal del poder al partido momentáneamente mayoritario, y solo puede exigir a la mi-noría que renuncie al derecho de resistencia mientras permanezca efectivamente abierta a todos la igualdad de chance para la obtención de la mayoría y mientras presente visos de verdad este presupuesto de su principio de justicia 30.

Na vigência da Lei Fundamental de Bonn (1949), a discussão sobre a “igualdade de chances” entre os partidos foi introduzida por Forsthoff, que assentou os seus fundamentos nas disposições que consagram a liberdade de criação das agremiações políticas (art. 21, I, 2) e asseguram a igualdade de con-dições na disputa eleitoral (art. 38 e 28)31.

Também Gerhard Leibholz considerou inerente ao modelo constitucional o princípio de “igualdade de chances”, derivando-o, porém, diretamente, do preceito que consagra a ordem liberal-democrática ( freiheitlich demokratischen Grundordnung)32.

25 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 44.26 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 44.27 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 46.28 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 46.29 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 47.30 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 47.31 FORSTHOFF, Ernst. Die politischen Parteien im Verfassungsrecht. Tübingen, 1950, p. 6 e 12.32 LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungsrechtliche Stellung und innere Ordnung der Parteien. DJT, p. C. 2.

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Mais tarde, após os primeiros pronunciamentos do Tribunal Federal Constitucional, passou Leibholz a considerar que o postulado da igualdade de chances encontrava assento no princípio da liberdade e pluralidade partidárias (arts. 21, I, e 38, I) e no princípio geral de igualdade (art. 3º, l).

Tais elementos serviram de base para o desenvolvimento da construção jurisprudencial iniciada pelo Bundesverfassungsgericht em 1952. Observe-se que, nos primeiros tempos, a jurisprudência da Corte Constitucional parecia identificar o princípio de igualdade de chances com o direito de igualdade elei-toral – Wahlrechtsgleicheit – (Lei Fundamental, art. 38, l). As controvérsias sobre o financiamento dos partidos e a distribuição de horários para transmis-sões radiofônicas e televisivas ensejaram o estabelecimento da distinção entre o princípio da igualdade de chances, propriamente dito, e o direito de igualdade eleitoral. Os preceitos constitucionais atinentes à liberdade partidária (art. 21, l) e ao postulado geral da isonomia (art. 3º, I) passaram a ser invocados como fun-damento do direito de igualdade de chances dos partidos políticos33.

Converteu-se, assim, a “igualdade de chances” em princípio constitu-cional autônomo, um autêntico direito fundamental dos partidos, assegu-rando-se às agremiações tratamento igualitário por parte do poder público e dos seus delegados34.

Inicialmente, perfilhou o Tribunal Constitucional orientação que preco-nizava aplicação estritamente formal do princípio de “igualdade de chances”. Todavia, ao apreciar controvérsia sobre a distribuição de horário para transmis-são radiofônica, introduziu o 2º Senado da Corte Constitucional o conceito de “igualdade de chances gradual” – abgestufte Chancengleicheit, de acordo com a “significação do Partido” 35.

Considerou-se, entre outros aspectos, que o tratamento absolutamente igualitário levaria a uma completa distorção da concorrência, configurando a equiparação legal das diferentes possibilidades ( faktische Chancen) manifesta afronta ao princípio da neutralidade que deveria ser observado pelo poder pú-blico em relação a todos os partidos políticos36.

A Lei dos Partidos de 1967 veio consagrar, no § 5º, o princípio da igual-dade de chances tal como concebido pela jurisprudência da Corte Constitucio-nal, estabelecendo a seguinte disposição: “(1) Se um delegado do Poder Público coloca suas instalações ou serviços à disposição dos partidos, há de se dar igual tratamento às demais agremiações partidárias. A amplitude da garantia

33 BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht. Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2, p. 22-23.34 TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung. Fern-universität Hagen, un. 3, p. 23; TSATSOS, MOHR, MORLOK e WENZEL. Deutsches Staatsrecht, Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2, p. 42; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit., p. 22-23.35 BVerfGE 14, 121; LIPPHARDT, op. cit., p. 691-692 et seq.36 LIPPHARDT op. cit., p. 442.

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pode ser atribuída, gradualmente, de acordo com a “significação do partido”, assegurando-se, porém, um mínimo razoável à consecução dos objetivos par-tidários. A significação do partido é aferida, em especial, pelos resultados ob-tidos nas últimas eleições para a Câmara de Representantes. Ao partido com representação no Parlamento há de se assegurar uma participação não inferior à metade daquela reconhecida a qualquer outro partido”.

Como se constata, o § 5º da Lei dos Partidos consagrou a gradação da “igualdade de chances” (abgestufte Chancengleicheit), estabelecendo ine-quívoca “cláusula de diferenciação” (Differenzierungsklausel).37 É evidente que uma interpretação literal do dispositivo poderia converter o postulado da “igualdade de chances” numa garantia do status quo, consolidando-se a posição dos partidos estabelecidos (etablierte Parteien)38.

Tal possibilidade já havia sido enunciada por Carl Schmitt, ao reconhecer que os partidos no governo desfrutam de inevitável vantagem, configurando-se uma autêntica e supralegal “mais-valia política” decorrente do exercício do poder39. Após asseverar que a detenção do poder outorga ao partido dominante a forma de poder político que supera de muito o simples valor das normas, ob-serva Carl Schmitt:

El partido dominante dispone de toda la preponderancia que lleva consigo, en un Estado donde impera esta clase de legalidad, la mera posesión de los me-dios legales del poder. La mayoría deja repentinamente de ser un partido; es el Estado mismo. Por mas estrictas y delimitadas que sean las normas a las que se sujeta el’Estado legislativo en la ejecución de la ley, resalta ‘siempre lo ilimitado que está detrás’, como dijo una vez Otto Mayer. En consecuencia, por encima de toda normatividad, la mera posesión del poder estatal produce una plusvalía política adicional, que viene a añadirse al poder puramente legal y normativista, una prima superlegal a la posesión legal del poder legal y al logro de la mayoría40.

Não se pode negar, pois, que os partidos estabelecidos gozam de evidente primazia em relação aos newcomers, decorrente sobretudo de sua posição con-solidada na ordem política.41 Por outro lado, a realização de eleições com o pro-pósito de formar um Parlamento capaz de tomar decisões respaldado por uma nítida maioria enseja, não raras vezes, modificações legítimas nas condições de igualdade. Disso pode resultar, à evidência, um congelamento (Erstarrung) do sistema partidário42.

37 LIPPHARDT. op. cit., p. 699.38 LIPPHARDT. op. cit., p. 700; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 30-31.39 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 49.40 SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit., p. 49.41 TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 30.42 HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts in der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg, 1982, p. 69.

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Todavia, há de se observar que o direito de “igualdade de chances” não se compadece com a ampliação ou a consolidação dos partidos estabelecidos. Eventual supremacia há de ser obtida e renovada em processo eleitoral justo ( fairer Wettbewerb) e abrangente da totalidade da composição partidária43.

Como já ressaltado, a gradação da igualdade de chances, tal como desenvol-vida pelo Tribunal Constitucional e assente na Lei dos Partidos (§ 5), há de levar em conta a “significação do partido”. Esta deve corresponder à sua participação na formação da vontade política (... Anteil den sie an der politischen Willensbildung des Volkes hat).44 E o critério fundamental para aferição do grau de influência na vontade política é fornecido, basicamente, pelo desempenho eleitoral45.

Não há dúvida de que a gradação da “igualdade de chances” deve realizar-se cum grano salis, de modo a assegurar razoável e adequada eficácia a todo e qualquer esforço partidário.46 Até porque o abandono da orientação que consa-gra a igualdade formal entre os partidos não pode ensejar, em hipótese alguma, a nulificação do tratamento igualitário que lhes deve ser assegurado pelo poder público. Eventual gradação do direito de igualdade de chances há de se efetivar com a observância de critério capaz de preservar a própria seriedade do sistema democrático e pluripartidário47.

Tal constatação mostra-se particularmente problemática no que concerne à distribuição dos horários para as transmissões radiofônicas e televisivas. Uma radical gradação do direito de igualdade de chances acabaria por converter-se em autêntica garantia do status quo. Daí ter-se consolidado na jurisprudência constitucional alemã orientação que assegura a todos os partícipes do prélio eleitoral, pelo menos, uma “adequada e eficaz propaganda” (angemessene und wirksame Wahlpropaganda).48 Considera-se, assim, que um Sendezeitminimum (“tempo mínimo de transmissão”) deve ser assegurado a todos os concorrentes, independentemente de sua “significação” 49.

Ainda assim, verificam-se na doutrina sérias reservas à gradação do di-reito de igualdade de chances, no tocante às “transmissões eleitorais”. É que tal oportunidade assume relevância extraordinária para os pequenos partidos e as novas agremiações, que, diversamente dos etablierten Parteien, não dispõem de meios adequados para difundir a sua plataforma eleitoral50. Também Tsatsos e

43 LIPPHARDT. op. cit., p. 700.44 BVerfGE 24, 344; LIPPHARDT, op. cit., p. 446.45 LIPPHARDT, op. cit., p. 446; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 25. 46 LIPPHARDT, op. cit., p. 700-701 e 438-439; TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 43; BATTIS, op. cit., p. 22-25. 47 BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit., p. 21-22; cf. também BVerfGE, 24, 300.48 LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439. 49 LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439.50 Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 346-347.

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Morlok sustentam, nesse particular, que a igualdade formal de todos os que par-ticipam do processo eleitoral deve ser decididamente afirmada. Entendem que, “em uma democracia, não constitui tarefa de um Poder onisciente e interventivo tomar providências que indiquem aos eleitores a imagem ‘correta’ dos partidos. Ao revés, com a escolha prévia dos partidos, arroga-se o Estado um direito que apenas é de se reconhecer à cidadania na sua manifestação eleitoral”.51.

Digna de relevo é a problemática relativa ao financiamento dos partidos. Em 1958, declarou o Bundesverfassungsgericht a inconstitucionalidade de lei que facultava a subvenção aos partidos mediante desconto de imposto, ao fun-damento de que tal prática não era compatível com o princípio de “igualdade de chances”.52 Posteriormente, declarou-se a inconstitucionalidade de disposi-ção contida na lei de orçamento, que assegurava aos partidos representados no Parlamento significativa soma de recursos, entendendo que o funcionamento per-manente das organizações partidárias através de recursos públicos não era com-patível com a liberdade e abertura do processo de formação da vontade popular 53.

Calcado na orientação consagrada pelo Tribunal, que considerava legítima apenas a alocação de recursos públicos para fazer face aos elevados custos da campanha54, estabeleceu o legislador disposição que concedia aos partidos po-líticos que obtivessem o mínimo de 2,5 % dos votos válidos apurados em cada região eleitoral uma subvenção a título de “reembolso de despesas eleitorais” (Erstattung vom Wahlkampfkosten), (Lei dos Partidos, § 18).

A Corte Constitucional declarou, todavia, a nulidade do preceito, pe-los fundamentos seguintes: “No que concerne ao ‘reembolso das despesas eleitorais’, hão de ser contempladas todas as agremiações que participa-ram do prélio eleitoral, não sendo possível estabelecer uma votação mínima (Mindesstimmenanteil) com a justificativa de que as eleições devam criar um parlamento com poder de decisão. Ao revés, tal exigência somente pode ser estabelecida como pressuposto indispensável de aferição da seriedade das propostas e programas apresentados pelos partidos, isto é, a sua avaliação pelos eleitores traduzida pelo resultado das eleições. No tocante ao ‘reem-bolso das despesas eleitorais’, há de se reconhecer o perigo de alguns grupos fragmentários tomarem parte do pleito tão-somente em virtude da subvenção pública. A votação mínima que legitima a concessão do “reembolso das des-pesas eleitorais” somente há de ser fixada tendo em vista as relações concretas fornecidas pelas eleições parlamentares. O número de eleitores correspondia, naquelas eleições, a cerca de 38 milhões; o número de votantes, 33,4 milhões. Nessas condições, se se considerar a média de participação nas eleições, um

51 TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 32.52 BVerfGE 8/51; Vide TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 49; LIPPHARDT, op. cit., p. 258-264.53 BVerfGE, 20, 56 ff – 19-7-66 – TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 49-50; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 27-28.54 BVerfGE, 20, 56.

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partido deveria obter cerca de 835.000 votos para atingir o percentual de 2,5 % legalmente exigido. Tal exigência, como prova de seriedade dos esforços elei-torais, não parece razoável. Uma votação mínima de 0,5 % dos votos apurados significaria que um partido deveria somar cerca de 167.000 votos. Um partido que logrou tantos sufrágios não pode ter contestada a seriedade de seu esforço eleitoral” (BVerfGE 24, 300)55. Em face da referida decisão, não restou ao legis-lador outra alternativa senão a de fixar em 0,5 % o aludido percentual mínimo (Lei dos Partidos, § 18, 2).

Tais considerações estão a demonstrar que, não obstante eventuais per-calços de ordem jurídica ou fática, a “igualdade de chances”, concebida como princípio constitucional autônomo, constitui expressão jurídica da neutralidade do Estado em relação aos diversos concorrentes56. O seu fundamento não se as-senta única e exclusivamente no postulado geral da “igualdade de chances” (Lei Fundamental, art. 3º, I). Ao revés, a igualdade de chances é considerada como derivação direta dos preceitos constitucionais que consagram o regime demo-crático (art. 20, I) e pluripartidário (art. 21, I)57.

Não tenho dúvida de que a “igualdade de chances” é princípio inte-grante da ordem constitucional brasileira.

Considere-se, de imediato, que o postulado geral de igualdade tem ampla aplicação entre nós, não se afigurando possível limitar o seu alcance, em princípio, às pessoas naturais, ou restringir a sua utilização a determinadas situações ou ativi-dades. Nesse sentido, já observara Seabra Fagundes que “tão vital se afigura o prin-cípio ao perfeito estruturamento do Estado democrático, e tal é a sua importância como uma das liberdades públicas, para usar a clássica terminologia de inspiração francesa, que, não obstante expresso como garantia conferida a ‘brasileiros e es-trangeiros residentes no País’, o que denota, à primeira vista, ter tido em mira ape-nas as pessoas físicas, se tornou pacífico alcançar, também, as pessoas jurídicas” 58.

Em virtude, a chamada “força irradiante do princípio da igualdade” parece espraiar-se por todo o ordenamento jurídico, contemplando, de forma ampla, to-dos os direitos e situações. Daí ter asseverado Francisco Campos:

A cláusula relativa à igualdade diante da lei vem em primeiro lugar, na lista dos direitos e garantias que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangei-ros residentes no País. Não foi por acaso ou arbitrariamente que o legislador cons-tituinte iniciou com o direito à igualdade a enumeração dos direitos indivi duais.

55 Cf. BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit., p. 29-30.56 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 344-345.57 LIPPHARDT, op. cit., p. 92-93; GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 344; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit., p. 22.58 FAGUNDES, Miguel Seabra. O princípio constitucional de igualdade perante a lei e o Poder Legislativo. RF 161/78; cf. também, CAMPOS, Francisco. Parecer. RDA 72/403.

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Dando-lhe o primeiro lugar na enumeração, quis significar expressivamente, embora de maneira tácita, que o princípio de igualdade rege todos os direitos em seguida a ele enumerados. É como se o art. 141 da Constituição estivesse assim redigido: “A Constituição assegura com ‘igualdade os direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)’ ”.59

Explicitando esse pensamento, acrescenta o insigne jurista que o princípio de igualdade tem por escopo a proteção da livre concorrência entre os homens em todos os âmbitos de atividade. Registre-se o seu magistério:

O alcance do princípio de igualdade perante a lei há de ser, portanto, inter-pretado na maior latitude dos seus termos, ou como envolvendo não só a hipótese de que, embora não havendo existido, venha, entretanto, a se criar no País o regime de classes, como toda e qualquer situação, a que, embora casualmente ou episodica-mente, sem caráter sistemático, ou de modo puramente singular, se deixe de aplicar o critério ou a medida geral prevista para casos ou situações da mesma espécie, e se lhes aplique critério ou medida de exceção. O princípio não tem, portanto, como foco de incidência, um ponto preciso e definido. Ele se difunde por todo o tecido das relações humanas que possam constituir objeto de regulamentação jurídica ou sejam suscetíveis de configurar-se em conteúdo de um ato ou de um comando da au-toridade pública. Não é princípio adstrito a um aspecto ou a uma forma de organiza-ção social; é um postulado de ordem geral, destinado a reger o comércio jurídico em todas as modalidades, de modo a assegurar, particularmente sob as constituições liberais e democráticas, o regime da concorrência, que é a categoria sob a qual elas concebem não somente a ordem social, como a ordem política, a ordem econômica e a ordem jurídica. O princípio de igualdade tem por principal função proteger e garantir a livre concorrência entre os homens, seja quando a sua atividade tem por objeto o poder, seja quando o pólo de seu interesse são os bens materiais ou imate-riais, cujo gozo exclusivo lhes é assegurado pelo direito de propriedade60.

De resto, a concorrência é imanente ao regime liberal e democrático, tendo como pressuposto essencial e inafastável a neutralidade do Estado.

É o que se constata na seguinte passagem do preclaro magistério de Francisco Campos:

O regime liberal e democrático postula a concorrência não apenas como categoria histórica, mas como a categoria ideal da convivência humana. Ora, a concorrência pressupõe, como condição essencial, necessária ou imprescindível, que o Estado não favoreça a qualquer dos concorrentes, devendo, ao contrário, assegurar a todos um tratamento absolutamente igual, a nenhum deles podendo atribuir prioridade ou privilégio, que possa colocá-lo em situação especialmente vantajosa em relação aos demais. Esta, no mundo moderno, a significação do prin-cípio da igualdade perante a lei. Por ele, todos ficarão certos de que na concorrên-cia, tomada esta expressão no seu sentido mais amplo, o Estado mantém-se neutro ou não procurará intervir senão para manter entre os concorrentes as liberdades ou as vantagens a que cada um deles já tinha direito ou que venha a adquirir, me-diante os processos normais da concorrência. O princípio de igualdade tem hoje,

59 CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/396.60 CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/397.

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como se vê, um campo mais vasto de aplicação do que nos tempos que se seguiram imediatamente às suas primeiras declarações61.

Afigura-se, pois, dispensável ressaltar a importância do princípio da iso-nomia no âmbito das relações estatais. Como a ninguém é dado recusar a inte-gração a uma determinada ordem estatal, faz-se mister reconhecer o direito de participação igualitária como correlato necessário da inevitável submissão a esse poder de império. E o direito de participação igualitária na vida da comu-nidade estatal e na formação da vontade do Estado não se restringe à igualdade eleitoral, ao acesso aos cargos públicos, ao direito de informação e de mani-festação de opinião, abrangendo a própria participação nos partidos políticos e associações como forma de exercer influência na formação da vontade política62.

Vê-se, pois, que o princípio de igualdade entre os partidos políticos consti-tui elementar exigência do modelo democrático e pluripartidário.

No entanto, não se pode ignorar que, tal como apontado, a aplicação do princípio de “igualdade de chances” encontra dificuldades de ordem jurídica e fática. Do prisma jurídico, não há dúvida de que o postulado da igualdade de chances incide sobre uma variedade significativa de objetos. E, do ponto de vista fático, impende constatar que o Estado, que deve conduzir-se de forma neutra, é, ao mesmo tempo, partidariamente ocupado63.

Aludidas dificuldades não devem ensejar, à evidência, o estabelecimento de quaisquer discriminações entre os partidos estabelecidos e os newcomers, porquanto eventual distinção haveria de resultar, inevitavelmente, no próprio falseamento do processo de livre concorrência.

Não se afirma, outrossim, que ao legislador seria dado estabelecer distin-ções entre os concorrentes com base em critérios objetivos. Desde que tais dis-tinções impliquem alteração das condições mínimas de concorrência, evidente se afigura sua incompatibilidade com a ordem constitucional calcada no postu-lado de isonomia. Mais uma vez é de se invocar a lição de Francisco Campos:

Se o princípio deve reger apenas a aplicação da lei, é claro que ao legisla-dor ficaria devassada a imensidade de um arbítrio sem fronteiras, podendo alte-rar, à sua discrição, por via de medidas concretas ou individuais, as condições da concorrência, de maneira a favorecer, na corrida, a um dos concorrentes, em detrimento dos demais. O que garante, efetivamente, a concorrência não é tão-só o princípio da legalidade, entendido como a exigência que os atos da justiça e da administração possam ser referidos ou imputados à lei. Desde que ficasse asse-gurada ao legislador a faculdade de alterar a posição de neutralidade do Estado em face dos concorrentes, tomando o partido de uns contra outros, a ordem da concorrência não poderia ter a posição central e dominante que lhe cabe, incon-testavelmente, no ciclo histórico que se abriu com a revolução industrial do Século

61 CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.62 LARENZ, Karl. Richtiges Recht. München: C. H. Beck, 1979, p. 126-127.63 GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit., p. 344; cf., também, SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 49.

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passado e que ainda não se pode dar como encerrado no mundo ocidental. O cará-ter de norma obrigatória para o legislador, para ele especialmente, resulta da natu-reza e da extensão do princípio de igualdade perante a lei. Seria, de outra maneira, um princípio supérfluo ou destituído de qualquer significação.64

Não parece subsistir dúvida, portanto, de que o princípio da isonomia tem aplicação à atividade político-partidária, fixando os limites e contornos do poder de regular a concorrência entre os partidos.

Ademais, como já observado, faz-se mister notar que o princípio da igual- dade de chances entre os partidos políticos parece encontrar fundamento, igualmente, nos preceitos constitucionais que instituem o regime democrático, representativo e pluripartidário (CF, art. 1º, V, e parágrafo único). Tal modelo realiza-se, efetivamente, através da atuação dos partidos, que são, por isso, elevados à condição de autênticos e peculiares órgãos públicos ainda que não estatais, com relevantes e indispensáveis funções atinentes à formação da von-tade política, à criação de legitimidade e ao processo contínuo de mediação (Vermittlung) entre povo e Estado (Lei 5.682/71, art. 2º).65

Esta mediação tem seu ponto de culminância na realização de eleições, com a livre concorrência das diversas agremiações partidárias.

E a disputa eleitoral é condição indispensável do próprio modelo represen-tativo, como assinala Rezek:

O regime representativo pressupõe disputa eleitoral cuja racionalidade de-riva da livre concorrência entre os partidos, cada um deles empenhado na reunião da vontade popular em torno de seu programa político. Não merece o nome de partido político, visto que não lhe tem a essência, o chamado “partido único”: aqui se trata, antes, de um grande departamento político do Estado, fundado na presun-ção de que seu ideário representa a vontade geral a ponto de alcançar o foro da in-contestabilidade. As eleições, no Estado unipartidário, não traduzem o confronto de teses programas, mas a mera expedição popular, em favor dos eleitos, de um atestado de habilitação ao cumprimento do programa que de antemão se erigira em dogma. A pluralidade de partidos não é, dessa forma, uma opção. Sem ela não há que falar, senão por abusiva metáfora, em partido político de espécie alguma.66

Portanto, não se afigura necessário despender maior esforço de argu-mentação para que se possa afirmar que a concorrência entre os partidos, inerente ao próprio modelo democrático e representativo, tem como pressu-posto inarredável o princípio de “igualdade de chances”.

O Tribunal Superior Eleitoral teve oportunidade de discutir a aplicação do princípio de “igualdade chances” a propósito da distribuição de tempo entre os partidos no rádio e na televisão.

64 CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.65 Ver, a propósito, LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungstaat-Verfassungsrecht. Stuttgart, 1973, p. 81; DENNINGER, Erhard. Staatsrecht. Hamburg, 1973, p. 71-74.66 REZEK, Francisco. Organização Política do Brasil — Estudos de Problemas Brasileiros (texto de aula). Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 34.

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Cuidava-se de discussão sobre a constitucionalidade da Lei 7.508, de 1986, que regulamentava propaganda eleitoral para as eleições nacionais e es-taduais (inclusive para a Assembléia Nacional Constituinte). Referida Lei não assegurava qualquer fração de tempo para propaganda eleitoral no Rádio e na Televisão aos partidos que não contassem com representante no Congresso Nacional ou nas Assembléias Legislativas (art. 1º, II).

O Procurador-Geral da República, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, manifestou-se, com base em estudo por nós elabo-rado67, pela inconstitucionalidade parcial da referida lei. Todavia, por maioria de votos (quatro a três), o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a argüição de incons-titucionalidade formulada. Acentuou, porém, o Ministro Néri da Silveira, então Presidente do Tribunal, que a argumentação desenvolvida nos votos vencidos e na manifestação do Procurador-Geral eram considerações valiosas que have-riam de ser consideradas nas novas leis sobre a matéria68.

A legislação que tratou do tema a partir da referida decisão não mais dei-xou de contemplar os partidos políticos sem representação parlamentar na dis-tribuição do tempo para divulgação da campanha eleitoral.

Assinale-se, porém, que, tal como observado, o princípio da “igualdade de chances” entre os partidos políticos abrange todo o processo de concorrência entre os partidos, não estando, por isso, adstrito a um segmento específico. É fundamental, portanto, que a legislação que disciplina o sistema eleitoral, a ati-vidade dos partidos políticos e dos candidatos, o seu financiamento, o acesso aos meios de comunicação, o uso de propaganda governamental, entre outras, não negligencie a idéia de igualdade de chances sob pena de a concorrência entre agremiações e candidatos se tornar algo ficcional, com grave comprometimento do próprio processo democrático.

Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral está a apreciar, no Recurso Especial 21.334, Relator o Ministro Peçanha Martins, controvérsia constitucio-nal sobre o direito de determinado partido político, no âmbito estadual, veicular programa político partidário sem ter elegido representantes para a Assembléia Legislativa. Em voto que proferi nesse recurso, quando integrante daquela Corte Eleitoral, ressaltei que o critério adotado pelo legislador, na distribuição dos horários de propaganda eleitoral, impossibilitou o acesso ao rádio e à tele-visão dos partidos políticos habilitados que não contam com representantes na Assembléia Legislativa Estadual. Ainda que se possa considerar razoável a sis-temática estabelecida pelo legislador no tocante à distribuição dos horários, de acordo com a representação parlamentar, afigura-se inevitável reconhecer que a negação, ainda que limitada, do direito de acesso ao rádio e à televisão, não

67 TSE-Acórdão 8.444, de 4.11.1986, Relator Aldir Passarinho. MENDES, Gilmar Ferreira. Propaganda Eleitoral. Horário Gratuito. Distribuição Eqüitativa. Revista de Direito Público, v. 20, n. 82, p. 100-110, abr./jun. 1987.68 MS-TSE 754, Relator Roberto Rosas, DJ 11-4-90; MS-TSE 746, Relator Roberto Rosas, DJ 11-4-90; RMS 785, Relator Aldir Passarinho, DJ 2-10-87.

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se compadece com o postulado da “igualdade de chances”. O Ministro Cezar Peluso pediu vista do recurso para melhor analisar a matéria (em 4-4-06).

No presente caso, não tenho dúvida de que as restrições impostas pela Lei 9.096/95 ao acesso gratuito pelos partidos políticos ao rádio e à televisão, as-sim como aos recursos do fundo partidário, afrontam o princípio da “igualdade de chances”.

Destarte, a Lei dos Partidos Políticos estabeleceu as seguintes regras:

a) Quanto ao acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário:

a.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo art. 13, ou seja, que não ultrapassar a denominada “cláusula de barreira”, somente terá direito a receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, I);

a.2) os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 comparti-lharão os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (art. 41, II).b) Quanto ao acesso dos partidos políticos ao rádio e à televisão:

b.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo art. 13 terá direito à realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48);

b.2) o partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada: 1) a realização de um programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia estadual, em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; 2) a uti-lização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais (art. 49).

Como se vê, essa regra torna inviável a própria sobrevivência dos partidos que não ultrapassem a “cláusula de barreira”, na medida em que destina a todos eles apenas 1% (um por cento) dos recursos do Fundo Partidário, permane-cendo os outros 99% (noventa e nove por cento) restantes com os demais partidos.

O significado do Fundo Partidário para os partidos políticos pode ser devi-damente apreendido na Tabela abaixo a propósito dos recursos financeiros aufe-ridos pelas agremiações partidárias no exercício financeiro de 2005.

Receitas auferidas pelas direções nacionais dos partidos exercício financeiro – 2005

Par- tido

Recursos F. P.* % Recursos

próprios** % Total %

PT 24.690.181,55 69,36% 10.907.790,47 30,64% 35.597.972,02 100%

PSDB 19.239.678,07 99,45 % 106.786,40 0,55 % 19.346.464,47 100%

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Par- tido

Recursos F. P.* % Recursos

próprios** % Total %

PMDB 17.949.068,71 95,72% 801.965,17 4,28% 18.751.033,88 100%

PFL 17.800.148,30 99,07% 166.904,47 0,93% 17.967.052,77 100%

PP 10.518.884,51 97,54% 265.531,18 2,46% 10.784.415,69 100%

PSB 7.114.067,31 88,05% 965.557,98 11,95 % 8.079.625,29 100%

PTB 6.941.278,19 99,89% 7.384,51 0,11% 6.948.662,70 100%

PDT 6.908.638,95 98,95% 73.587,57 1,05 % 6.982.226,52 100%

PL 6.900.799,97 91,50% 640.858,22 8,50% 7.541.658,19 100%

PPS 1.181.644,31 65,98% 609.384,99 34,02% 1.791.029,30 100%

PV 1.151.497,31 93,57% 79.118,39 6,43% 1.230.615,70 100%

PC do B 878.655,93 33,20% 1.767.710,52 66,80% 2.646.366,45 100%

Prona 44.190,71 15,74% 236.617,44 84,26% 280.808,15 100%

PSC 44.190,71 47,45 % 48.937,18 52,55 % 93.127,89 100%

PSDC 44.190,71 41,64% 61.943,32 58,36% 106.134,03 100%

PHS 44.190,71 58,17% 31.782,86 41,83% 75.973,57 100%

PSTU 39.937,04 4,19% 912.262,44 95,81% 952.199,48 100%

PCO 29.198,22 100% Não informado 0,00% 29.198,22 100%

PMN 24.435,09 4,86% 478.547,72 95,14% 502.982,81 100%

PRTB 23.944,55 19,48% 98.945,98 80,52% 122.890,53 100%

PMR/PRB 12.102,83 52,78% 10.827,78 47,22% 22.930,61 100%

PTC/PRN 8.442,60 15,57% 45.784,61 84,43% 54.227,21 100%

P-SOL 8.442,60 54,03% 7.183,37 45,97% 15.625,97 100%

PAN 5.256,79 40,55% 7.706,31 59,45 % 12.963,10 100%

PCB 2.523,11 11,20% 20.000,00 88,80% 22.523,11 100%

PRP 2.523,11 2,21% 111.554,19 97,79% 114.077,30 100%

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Par- tido

Recursos F. P.* % Recursos

próprios** % Total %

PSL - - 111.425,41 100% 111.425,41 100%

PT do B - - 55.820,00 100% 55.820,00 100%

PTN - - Não informado - - -

* Os valores provenientes do Fundo Partidário tiveram como base os relatórios emitidos pelo Siafi.** Os valores correspondentes aos Recursos Próprios podem sofrer alterações.

Tem-se, portanto, um modelo legal do Fundo Partidário assaz restritivo para com os partidos menores e, especialmente, com as agremiações em formação.

Em outros termos, o art. 41 da Lei 9.096/99 condena as agremiações minoritá-rias a uma morte lenta e segura, ao lhes retirar as condições mínimas para concorrer no prélio eleitoral subseqüente em regime de igualdade com as demais agremiações.

Não bastasse isso, a lei restringe em demasia o acesso ao rádio e à televi-são dos partidos que não alcancem os percentuais estabelecidos pelo art. 13, na medida em que lhes assegura a realização de um programa em cadeia nacio-nal, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos.

Levando-se em conta que, atualmente, a disputa eleitoral é travada priori-tariamente no âmbito do rádio e, principalmente, da televisão, parece não haver dúvida de que tal regra, em verdade, torna praticamente impossível às agremia-ções minoritárias o desenvolvimento da campanha em regime de “igualdade de chances” com os demais partidos, os quais têm assegurada a realização de um programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia estadual, em cada se-mestre, com a duração de vinte minutos cada, assim como a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.

Todos sabem que há muito as eleições deixaram de ser resolvidas nos pa-lanques eleitorais. Na era da comunicação, o rádio e a televisão tornam-se pode-rosos meios postos à disposição dos partidos para a divulgação de seus conteúdos programáticos e de suas propostas de governo. Na medida em que permitem o contato direto e simultâneo entre candidatos/partidos e eleitores, constituem fer-ramentas indispensáveis à própria sobrevivência das agremiações partidárias. Dessa forma, uma limitação legal assaz restritiva do acesso a esses recursos de comunicação tem o condão de inviabilizar a participação dos partidos políticos nas eleições e, com isso, a sua própria subsistência no regime democrático.

É preciso ressaltar, por outro lado, que a adoção de critério fundado no desempenho eleitoral dos partidos não é, por si só, abusiva. Em verdade, tal como expressamente reconhecido pela Corte Constitucional alemã, não viola o

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princípio de igualdade a adoção pela lei do fator de desempenho eleitoral para os fins de definir o grau ou a dimensão de determinadas prerrogativas das agre-miações partidárias.

Não pode, porém, o legislador adotar critério que congele o quadro parti-dário ou que bloqueie a constituição e desenvolvimento de novas forças políticas.

A regra da “cláusula de barreira”, tal como foi instituída pela Lei 9.096/95, limitando drasticamente o acesso dos partidos políticos ao rádio e à televisão e aos recursos do fundo partidário, constitui uma clara violação ao princípio da “igualdade de chances”.

VI – A crise do sistema eleitoral proporcional no Brasil: novas refle-xões sobre a fidelidade partidária na jurisprudência do STF

É preciso deixar enfatizado, não obstante, que as preocupações do legisla-dor são, de fato, legítimas. A criação de uma “cláusula de barreira” para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos políticos tem o claro intuito de anteci-par alguns pontos de uma reforma política mais ampla.

Hoje, parece inegável que o sistema eleitoral de feição proporcional, que corresponde à nossa prática política brasileira desde 1932, vem apresentando significativos déficits e emitindo sinais de exaustão.

Recentemente, o país mergulhou numa das maiores crises éticas e po-líticas de sua história republicana, crise esta que revelou algumas das graves mazelas do sistema político-partidário brasileiro, e que torna imperiosa a sua imediata revisão.

De tudo que foi revelado, tem-se como extremamente grave o aparelha-mento das estruturas estatais para fins político-partidários e a apropriação de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos.

A crise tornou, porém, evidente, para todos, a necessidade de que se-jam revistas as atuais regras quanto à fidelidade partidária.

Em outros termos, estamos desafiados a repensar o atual modelo a par-tir da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Devemos refletir, inclusive, sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que ob-tiveram o mandato no sistema proporcional, o que constitui, sem sombra de dúvidas, uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do modelo de representação popular pela via da democracia de partidos!

Com efeito, é assegurada aos partidos políticos autonomia para fixar, em seus programas, seus objetivos políticos e para definir sua estrutura interna e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e dis-ciplina partidárias69 (CF, art. 17 e § 1º).

69 O art. 3º da Lei 9.096/95 diz que “é assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”. O art. 14 da mesma lei diz que “o partido é livre para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua es-trutura interna, organização e funcionamento”.

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Nesse aspecto, tem sido até aqui pacífica a orientação no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral de que a infidelidade partidária não terá repercussão sobre o mandato exercido70. A maior sanção que a agremiação par-tidária poderia impor ao filiado infiel é a exclusão de seus quadros.

Se consideramos a exigência de filiação partidária como condição de ele-gibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares, essa orientação afigura-se amplamente questionável.

Assim, ressalvadas situações específicas decorrentes de ruptura de com-promissos programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual significado, o abandono da legenda, a meu ver, deve dar ensejo à perda do mandato. Na verdade, embora haja participação especial do candidato na ob-tenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza em razão de votação atribuída à legenda. Como se sabe, com raras exceções, a maioria dos eleitos sequer logram obter o quo-ciente eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação.

Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido, do prisma ju-rídico e político, que o eventual eleito possa, simplesmente, desvencilhar-se dos vínculos partidários originalmente estabelecidos, carregando o man-dato obtido em um sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação partidária a que estava filiado para outra legenda.

Daí a necessidade imperiosa de revisão da jurisprudência do STF acima referida.

VII – A necessidade de uma solução diferenciada: a interpretação das disposições transitórias (art. 57) com efeitos aditivos

O Ministro Marco Aurélio, Relator, votou no sentido da declaração de inconstitucionalidade/nulidade total dos dispositivos impugnados: o art. 13; expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; expressão contida no caput do art. 49; e os arts. 56 e 57, todos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).

Essa conclusão me preocupa, pois temos, no caso, os arts. 56 e 57, que trazem normas de transição e que regeram o tema desde a publicação da lei, em 20-9-95. A declaração de nulidade total dessas normas, com eficácia ex tunc, resultará, invariavelmente, num vácuo legislativo.

Por isso, o Tribunal deve encontrar uma solução que, ao declarar a in-constitucionalidade da regra do art. 13 e do sistema normativo dele decorrente, preserve as normas de transição do art. 57 que regem a questão atualmente, pelo menos até que o legislador elabore novas regras para disciplinarem a matéria.

Nesse sentido, a técnica da interpretação conforme à Constituição pode oferecer uma alternativa viável.

70 MS 20.297, Relator Moreira Alves, julgado em 18-12-81. Acórdão-TSE 11.075, Relator Célio de Oliveira Borja, DJ de 15-5-90).

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Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição71. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição72. O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado, de forma resumida, na parte dispositiva da decisão73.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, porém, a in-terpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpre-tação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto74 e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador 75.

Assim, a prática demonstra que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto76.

Muitas vezes, porém, esses limites não se apresentam claros e são difíceis de definir. Como todo tipo de linguagem, os textos normativos normalmente padecem de certa indeterminação semântica, sendo passíveis de múltiplas interpretações. Assim, é possível entender, como o faz Rui Medeiros, que “a problemática dos limites da interpretação conforme à Constituição está indisso-ciavelmente ligada ao tema dos limites da interpretação em geral” 77.

A eliminação ou fixação, pelo Tribunal, de determinados sentidos norma-tivos do texto, quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformar-se numa decisão modificativa dos sentidos originais do texto.

A experiência das Cortes Constitucionais européias – destacando-se, nesse sentido, a Corte Costituzionale italiana78 – bem demonstra que, em certos casos, o recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos

71 Rp 948, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 82:55-6; Rp 1.100, RTJ 115:993 et seq.72 Cf., a propósito, Rp 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 125:997.73 Cf., a propósito, Rp 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ 126:514; Rp 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 125:997; Rp 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 9-9-88.74 Bittencourt, O controle jurisdicional, cit., p. 95.75 ADI 2.405/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17-2-06; ADI 1.344/ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 19-4-06; Rp 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 15-4-88; ADI 3.046/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 28-5-04.76 Rp 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 125:997; Rp 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ 126:514; Rp 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 9-9-88.77 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999. p. 301.78 Cf. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003.

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da norma constitui a única solução viável para que a Corte Constitucional en-frente a inconstitucionalidade existente no caso concreto, sem ter que recorrer a subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de inconstitu-cionalidade total ou, no caso de esta trazer conseqüências drásticas para a segu-rança jurídica e o interesse social, a opção pelo mero não-conhecimento da ação.

Sobre o tema, é digno de nota o estudo de Joaquín Brage Camazano79, do qual cito a seguir alguns trechos:

La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de senten-cias de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, con una u otra denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen del TC como una suerte de “le-gislador negativo”. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisla-dores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico ‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple “constitucionalidad/ inconsti-tucionalidad”, es un elemento más, y de importancia, que viene a poner de relieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, “la praxis de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección” de la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, “certificando [así] la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo.”

Certas modalidades atípicas de decisão no controle de constitucionalidade decorrem, portanto, de uma necessidade prática comum a qualquer jurisdição constitucional.

Assim, o recurso a técnicas inovadoras de controle da constitucionali-dade das leis e dos atos normativos em geral tem sido cada vez mais comum na realidade do direito comparado, na qual os tribunais não estão mais afeitos às soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de mera decisão de improcedência da ação com a conseqüente declaração de constitucionalidade.

Além das muito conhecidas técnicas de interpretação conforme à Consti-tuição, declaração de nulidade parcial sem redução de texto, ou da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, aferição da “lei ainda constitucional” e do apelo ao legislador, são também muito utilizadas as técni-cas de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da decisão ou de outro momento que venha a ser determinado pelo tribunal.

Nesse contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluí- do significativamente nos últimos anos, sobretudo a partir do advento da Lei 9.868/99, cujo art. 27 abre ao Tribunal uma nova via para a mitigação de efeitos

79 CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación constitucional, declaraciones de inconstituciona-lidad y arsenal sentenciador (un sucinto inventario de algunas sentencias “atípicas”). en Eduardo Ferrer Macgregor (ed.), La interpretación constitucional, Porrúa, México, 2005, en prensa.

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da decisão de inconstitucionalidade. A prática tem demonstrado que essas no-vas técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de constitucionalidade80.

Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais e de nosso Supremo Tribunal Federal bem demonstra que a ampla utilização dessas decisões, comumente denominadas “atípicas”, as converteram em moda-lidades “típicas” de decisão no controle de constitucionalidade, de forma que o debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões, mas nos limites que elas devem respeitar.

O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se depa-rar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão interpretativa corretiva da lei81.

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador 82.

No recente julgamento conjunto das ADI 1.105 e ADI 1.127, ambas de rela-toria do Ministro Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme à Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei83.

Em outros vários casos mais antigos84, também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme à Constituição a determina-dos dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões mani-pulativas de efeitos aditivos85.80 RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7-5-04.81 ADI 2.405/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17-2-06; ADI 1.344/ES, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-4-96; Rp 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 15-4-88.82 ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, ADI 2.209, ADI 2.596, ADI 2.332, ADI 2.084, ADI 1.797, ADI 2.087, ADI 1.668, ADI 1.344, ADI 2.405, ADI 1.105, ADI 1.127.83 ADI 1.105/DF e ADI 1.127/DF, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski.84 ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, ADI 2.209, ADI 2.596, ADI 2.332, ADI 2.084, ADI 1.797, ADI 2.087, ADI 1.668, ADI 1.344, ADI 2.405, ADI 1.105, ADI 1.127.85 Sobre a difusa terminologia utilizada, vide: MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucio-nal. Tomo II. O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 238 et seq. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003. DÍAZ REVORIO, Francisco Javier. Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional. Valladolid: Lex Nova; 2001. LÓPEZ BOFILL, Héctor. Decisiones interpretativas en el control de constitucionalidad de la ley. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.

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Sobre a evolução da Jurisdição Constitucional brasileira em tema de de-cisões manipulativas, o constitucionalista português Blanco de Morais fez a seguinte análise:

(...) o fato é que a Justiça Constitucional brasileira deu, onze anos volvi-dos sobre a aprovação da Constituição de 1988, um importante passo no plano da suavização do regime típico da nulidade com efeitos absolutos, através do alargamento dos efeitos manipulativos das decisões de inconstitucionalidade. Sensivelmente, desde 2004 parecem também ter começado a emergir com maior pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos.

Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade, a ADIn 3105, a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditi-vos. Esta eliminou, com fundamento na violação do princípio da igualdade, uma norma restritiva que, de acordo com o entendimento do Relator, reduziria arbi-trariamente para algumas pessoas pertencentes à classe dos servidores públicos, o alcance de um regime de imunidade tributária que a todos aproveitaria. Dessa eliminação resultou automaticamente a aplicação, aos referidos trabalhadores inactivos, de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais cate-gorias de servidores públicos.

Em futuro próximo, o Tribunal voltará a se deparar com o problema no jul-gamento da ADPF 54, Relator o Ministro Marco Aurélio, que discute a constitu-cionalidade da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos. Caso o Tribunal decida pela procedência da ação, dando interpretação conforme aos arts. 124 a 128 do Código Penal, invariavelmente proferirá uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva.

Ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da Re-pública, o Tribunal admitiu a possibilidade de, ao julgar o mérito da ADPF 54, atuar como verdadeiro legislador positivo, acrescentando mais uma excludente de punibilidade – no caso do feto padecer de anencefalia – ao crime de aborto.

Portanto, é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais européias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos proble-mas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional.

O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos im-pugnados – principalmente as normas de transição contidas no art. 57 – torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade” 86.86 Segundo Blanco de Morais, “às clássicas funções de valoração (declaração do valor negativo do acto inconstitucional), pacificação (força de caso julgado da decisão de inconstitucionalidade) e

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Entendo que as normas de transição contidas no artigo 57, que discipli-naram a matéria desde o advento da Lei dos Partidos Políticos, de 1995, devam continuar em vigor até que o legislador edite nova lei que dê nova regulamen-tação ao tema.

Dessa forma, proponho ao Tribunal que o art. 57 da Lei 9.096/95 seja interpretado no sentido de que as normas de transição nele contidas conti-nuem em vigor até que o legislador discipline novamente a matéria, dentro dos limites esclarecidos pelo Tribunal neste julgamento.

VIII – ConclusãoPor todos esses motivos, não tenho nenhuma dúvida sobre a inconstitucio-

nalidade dessa “cláusula de barreira à brasileira”.A inconstitucionalidade não reside na natureza desse tipo de restrição à

atividade dos partidos políticos, mas na forma e, portanto, na proporção estabe-lecida pelo legislador brasileiro. Não se deixou qualquer espaço para a atuação parlamentar das agremiações partidárias que não atingiram os percentuais exi-gidos pelo art. 13 da Lei 9.096/95 e que, contraditoriamente, podem eleger um cabedal expressivo de representantes. O modelo é patológico na medida em que impede o funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição do representante.

Na prática, a subsistência de um modelo como esse tem o condão de pro-duzir, a curto prazo, dois principais efeitos indesejados. O primeiro é o de anular a efetividade da atuação do partido como bancada específica, o que se afigura decisivo para que se encontre uma solução que supere esta inevitável “situa-ção de isolamento”, mediante a fusão com outras agremiações partidárias que consigam atingir os percentuais de votação exigidos pela lei. O segundo, co- mo conseqüência, é a acentuação do desvirtuamento da fidelidade partidária, com a integração dos parlamentares eleitos a partidos detentores do direito de funcionamento parlamentar, sem qualquer respeito ou preocupação com as in-tenções programáticas de cada agremiação.

Portanto, a cláusula de barreira estabelecida pela Lei 9.096/95 não repre-senta nenhum avanço, mas sim um patente retrocesso em termos de reforma po-lítica, na medida em que intensifica as deformidades de nosso singular sistema eleitoral proporcional, que atualmente apresenta visíveis sinais de exaustão.

Deixo enfatizado, não obstante, que o legislador pode estabelecer uma cláusula de desempenho que fixe, de forma proporcional, certo percentual de votação como requisito para que o partido político tenha direito não só ao funcionamento parlamentar, mas à própria eleição de representantes, ficando,

ordenação (força erga omnes da decisão de inconstitucionalidade) juntar-se-ia, também, a função de reparação, ou de restauração corretiva da ordem jurídica afectada pela decisão de inconstitu-cionalidade”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O contencioso cons-titucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 262-263.

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porém, assegurado a todos os partidos, com observância do princípio da igual-dade de chances, o acesso aos meios e recursos necessários para competir no prélio eleitoral seguinte, incluídos, nesse sentido, o acesso ao rádio e à televisão e aos recursos do fundo partidário.

Até que o legislador brasileiro edite novas regras com essa conformação, as normas de transição do art. 57 devem permanecer em vigor, regulando a matéria.

Em conclusão, voto pela declaração de inconstitucionalidade dos seguin-tes dispositivos da Lei 9.096/95: do art. 13; da expressão “obedecendo aos se-guintes critérios” contida no art. 41, assim como dos incisos I e II deste artigo; do art. 48; da expressão “que atenda ao disposto no art. 13” contida no art. 49; e da expressão “no art. 13 ou” contida no inciso II do art. 57. Ademais, o art. 57 da Lei 9.096/95 deve ser interpretado no sentido de que as normas de transição nele contidas continuem em vigor até que o legislador discipline novamente a matéria, dentro dos limites esclarecidos pelo Tribunal neste julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, manifesto o pro-pósito de ser breve. Se não o for, não será por brilho ou substância do voto, mas por desorganização dele.

Começo por lembrar que participei da decisão unânime que deferiu a medida cautelar em uma das ações diretas em pauta, a ADI 1.354, em decisão de que Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa. Hoje, só nos mantemos teimosamente na bancada, partícipes daquela decisão, os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e eu mesmo.

Na breve fundamentação do voto que então proferi para acompanhar o Relator, dois aspectos me impressionaram naquela decisão liminar: a pri-meira, o cotejo com uma decisão anterior do Tribunal, a da ADI 958, quando declaramos inconstitucional um dispositivo da Lei 8.713/93, que vedava aos partidos que não tivessem obtido nas eleições anteriores determinado desem-penho a apresentação de candidatos às eleições majoritárias, a começar pela de Presidente da República. Então, o argumento predominante nesta ADI 958 foi o que se chamou de ofensa ao “substantive due process of law”, porque se fundava a diferenciação entre os partidos em dados concretos já conhecidos. A inconsti-tucionalidade era, então, chapada.

Menos evidente nos pareceu a da Lei 9.096, particularmente o seu art. 13, que estamos hoje a examinar, porque essa, a exemplo de vários exemplos do Direito Comparado, regula a diferenciação dos partidos a partir de um desem-penho futuro.

Por outro lado, não havia, ao tempo de julgamento liminar, sequer rastro de periculum in mora, dada a longa vacatio legis a que se submeteu a eficácia desta cláusula de barreira ou cláusula de desempenho do art. 13 da atual Lei dos Partidos Políticos.

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O certo é que a reflexão a que fui levado nos últimos dias, particularmente pela leitura dos magníficos trabalhos – tanto o dos partidos requerentes como o do memorial, em sentido contrário, do eminente Advogado-Geral da União –, levou-me à convicção que hoje traduzo numa adesão integral ao magnífico voto do Relator, o eminente Ministro Marco Aurélio.

Também acompanho todos os votos que aqui foram proferidos – até os “clandestinos”, como os dos Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, cuja íntegra só conheceremos com a publicação do acórdão. Com um deles, o do Ministro Gilmar Mendes, estou preso até por uma solidarie-dade biográfica: foi calçado em um primoroso parecer do então Procurador da República Gilmar Mendes, cuja parte nuclear está transcrita no memorial dos par-tidos requerentes, que, em 1986 – lá se vão vinte anos –, às vésperas das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, como Procurador-Geral, formulei repre-sentação ao Tribunal Superior Eleitoral, lá acolhida, suscitando a inconstituciona-lidade de dispositivo da lei regente daquele pleito que eliminava, simplesmente, da distribuição do tempo da chamada propaganda eleitoral gratuita, os partidos sem representação no Congresso Nacional, embora admitidos à apresentação de candidatos. Reporto-me, então, menos as observações que fiz, secundárias, mas ao excelente trabalho de Gilmar Mendes sobre a relativa – e friso relativa – igual-dade de chances, que há de entender-se contida no próprio princípio fundamental do pluralismo político e no da liberdade de criação de partidos políticos.87

No mais, não ousaria enfear o acórdão que se prenuncia, com os votos proferidos e com os anunciados – aliás, entre os “clandestinos”, o do Ministro Celso de Mello também –, não ousaria tentar um tratamento sistemático – a esta altura, absolutamente ocioso – de todos os argumentos aqui expendidos.

Impressionou-me, particularmente, o princípio fundamental do plura-lismo partidário ínsito, menos no princípio fundamental do pluralismo político do que na regra de liberdade de criação partidária – aí, é pluralismo partidário, e não pluralismo ideológico ou cultural –, no qual, repito, insiro esta relativa igualdade de chances: repetidamente já se disse aqui que democracia não se faz apenas como governo da maioria, mas como um governo da maioria em que a minoria pode aspirar a transformar-se em maioria.

Uma interpretação pedestre e míope do art. 17, IV, da Constituição Federal diria tratar-se de norma de eficácia limitada. Cabe à lei regular o funcionamento parlamentar que ali se assegura aos partidos políticos. Entendo, aqui, data ve-nia, não se tratar de uma reserva absoluta de regimento interno, pois, mal ou bem, a Constituição a confiou à lei, e se estabeleceu, não tenho dúvida, uma competência legislativa explícita para modular o funcionamento partidário. O critério universal básico será, realmente, a diferenciação pelo desempenho e representatividade de cada partido no conjunto do eleitorado.

87 Pareceres do Procurador-Geral da República (1985/1987), 1988, p. 360 – Pertence – e p. 372 – Gilmar.

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Mas, nessa competência para modular, que há de ser exercida – já se disse, aqui, salvo engano, o Ministro Carlos Britto – com extrema circunspecção, não está, evidentemente, o poder de destruir o funcionamento parlamentar que acaba envolvendo uma diferenciação substancial entre os mandatos na mesma Casa Legislativa, conforme os partidos a que se filiam os mandatários.

Também já se observou aqui que, diversamente da fórmula da República Federal da Alemanha, a nossa cláusula de exclusão não extingue o partido polí-tico, não lhes decreta a morte, mas é mais cruel porque condena os partidos que não tenham atingido o patamar legal à morte fatal por inanição.

A desproporção entre a distribuição do acesso aos veículos de comunica-ção de massa – reduzida a esses risíveis dois minutos anuais – e a participação, com os grandes partidos, no rateio de 1% do fundo partidário são fórmulas que, mais do que arbitrárias, são risíveis, se não valem por confessar que, efetiva-mente, se visou à eliminação desses partidos.

Não desconheço, com todas as vênias da eloqüência dos eminentes Cole-gas, existir, sim, um problema concreto na exagerada proliferação de partidos sem nenhuma significação social ou ideológica – esse é um problema concreto do regime político e, particularmente, do regime brasileiro –, mas ele não auto-riza essa solução – mais cruel do que a alemã – de condenação à morte de parti-dos que, embora pequenos, obtiveram representação no Congresso.

Também me impressionou muito a acirrada argumentação dos requerentes de que não é admissível – já aí não em nome dos partidos, mas em nome do próprio conceito de representação popular e de representação dos Estados nas duas Casas do Congresso Nacional – haver mandatos com prerrogativas diversas, se a inves-tidura, dos eleitos, malgrado baixo desempenho do partido, é admitida pela lei.

Aliás, no que diz respeito ao Senado Federal, esta fórmula da Lei 9.096 traz implicações sérias até com o federalismo. Basta recordar que, em tempos de constituições menos “mineralógicas”, conhecíamos duas cláusulas pétreas na primeira Constituição da República: a própria República e, a exemplo do mo-delo americano, a igualdade de representação dos Estados no Senado. Será essa igualdade compatível com duas classes de senadores, conforme o desempenho dos partidos que os hajam lançado candidatos a uma eleição majoritária?

Reafirmo não proscrever toda forma de tratamento diferenciado de par-tidos políticos conforme o seu desempenho, que tem exemplos no Direito Comparado e, no Brasil – recordou o Ministro Gilmar Mendes –, começa pela própria disciplina, cuja constitucionalidade jamais se questionou, do nosso sis-tema de representação proporcional, que elimina, quer na primeira distribuição das cadeiras, quer na distribuição das sobras, os partidos que, na circunscrição, não hajam alcançado o quociente eleitoral.

Essas breves observações, Senhora Presidente, eu as faço apenas em ho-menagem à discussão, ao empenho dos advogados dos partidos requerentes, particularmente dos dois ilustres advogados que hoje ascenderam à tribuna, e aos magníficos votos aqui proferidos a partir do voto do eminente Relator.

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A preocupação que me causara do vácuo normativo ficou, a meu ver, bem resolvida com a aceitação, pelo eminente Relator, da sugestão do Ministro Gilmar Mendes de, com o apelo ao legislador para editar norma compatível com os princípios – até que o faça –, aplicar-se o direito transitório estabelecido na própria Lei 9.096, que se vem praticando – já são quatro eleições, se não me en-gano – sem maior questionamento.

Há uma diferenciação razoável no que diz respeito ao fundo partidário: o percentual de 99% reservado aos partidos de melhor desempenho no dispositivo permanente cai para 29%, conforme o art. 57 da Lei.

Senhora Presidente, acompanho o eminente Relator para julgar proceden-tes as ações diretas.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Com toda brevidade, porque tudo que devia ser dito já o foi, e acompanhando as cautelas com que se mani-festaram os Colegas relativamente à possibilidade efetiva de se estabelecerem eventuais e proporcionais restrições, entendo, também, que a igualdade de oportunidade de difusão de propostas partidárias foi o que este Tribunal hoje consagrou. A proposta da Lei, nos termos em que foi posta, por excessivamente draconianos, evidentemente não pode prevalecer.

EXTRATO DA ATA

ADI 1.351/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerentes: Partido Comunista do Brasil – PC do B e outros (Advogados: Paulo Machado Guimarães e outros) e Partido Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior e outro). Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Interessado: Partido Popular Socialista. (Advogados: Cesar Silvestri Filho e outro).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995: art. 13; a expressão “obedecendo aos seguintes cri-térios”, contida no caput do art. 41; incisos I e II do mesmo art. 41; art. 48; a expressão “que atenda ao disposto no art. 13”, contida no caput do art. 49, com redução de texto; caput dos arts. 56 e 57, com interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações temporais neles constantes, até que sobrevenha dispo-sição legislativa a respeito; e a expressão “no art. 13”, constante no inciso II do art. 57. Também por unanimidade, julgou improcedente a ação no que se refere ao inciso II do art. 56. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, jus-tificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pelos requerentes, Partido Comunista do Brasil (PC do B) e outros, o Dr. Paulo Machado Guimarães e, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Dr. José Antônio Figueiredo de Almeida.

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Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 7 de dezembro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.642 — MG(ADI 1.642-MC na RTJ 181/871)

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauRequerente: Governador do Estado de Minas Gerais — Requerida: As-

sembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais

Ação direta de inconstitucionalidade. Alínea d do in-ciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Ge-rais. Aprovação do provimento, pelo Executivo, dos cargos de presidente das entidades da administração pública indireta estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do disposto no art. 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas es-tatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das em-presas estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme à Constituição.

1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das entidades da administração pública indireta restringe-se às au-tarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes.

2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujei-tas, nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

3. Distinção entre empresas estatais que prestam serviço público e empresas estatais que empreendem atividade econô-mica em sentido estrito.

4. O § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público.

5. A intromissão do Poder Legislativo no processo de provi-mento das diretorias das empresas estatais colide com o princí-pio da harmonia e interdependência entre os poderes. A escolha dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.

6. Pedido julgado parcialmente procedente para dar inter-pretação conforme à Constituição à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais, para restrin-gir sua aplicação às autarquias e fundações públicas, dela excluí-das as empresas estatais, todas elas.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgar parcialmente procedente a ação direta.

Brasília, 3 de abril de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado de Minas Gerais propõe ação direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionali-dade da alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, com a reda-ção que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional 261, de 10 de julho de 1997:

Art. 62 – Compete privativamente à Assembléia Legislativa:[...]XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a

escolha:a) dos Conselheiros do Tribunal de Contas indicados pelo Governador do

Estado;b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador do

Estado, do Conselho Estadual de Educação e do Conselho de Defesa Social;c) de interventor em município;d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos

Presidentes e dos Diretores do sistema financeiro estadual;[...].

1 “Emenda à Constituição 26/1997Dá nova redação ao inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado.Art. 1º O inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado passa a vigorar com a seguinte redação:‘Art. 62. (...)XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha:a) dos Conselheiros do Tribunal de Contas indicados pelo Governador do Estado;b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador do Estado, do Conselho

Estadual de Educação e do Conselho de Defesa Social;c) de interventor em município;d) dos Presidentes das entidades da administração pública indireta, dos Presidentes e dos

Diretores do sistema financeiro estadual;e) de titular de cargo, quando a lei o determinar.’Art. 2º Esta emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.”Redação anterior:“Art. 62. (...)XXIII – aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha:a) dos Conselheiros e Auditores do Tribunal de Contas indicados pelo Governador;b) dos membros do Conselho de Governo indicados pelo Governador, do Conselho Estadual de

Educação e do Conselho de Defesa Social;c) de Interventor em Município;d) de titular de cargo, quando a lei o determinar.”

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2. O Requerente sustenta que, ao acrescentar a alínea d ao inciso XXIII do art. 62, a Emenda Constitucional 26 transportou para o rol de competências do Poder Legislativo atribuição inerente à autonomia do Poder Executivo. Alega que o texto normativo resultante da emenda colide com o “princípio da sepa-ração dos poderes” – arts. 2º e 60, § 4º, inciso III, da Constituição do Brasil. Acentua caber ao Chefe do Poder Executivo, encarregado constitucionalmente de exercer a administração pública e de definir a sua direção, eleger, privativa-mente, aqueles que proverão os cargos das entidades que a compõem.

3. A Assembléia Legislativa observa que o texto legal não retirou do Executivo a prerrogativa de escolher os dirigentes das entidades da adminis-tração indireta, que continua sendo da competência do Governador do Estado, devendo o Legislativo apenas aprová-la (fls. 18/43).

4. A medida cautelar foi deferida (acórdão de fls. 74/80).5. O Advogado-Geral da União, aderindo aos argumentos expendidos pela

Assembléia Legislativa, pugna pela improcedência do pedido, acrescentando que não é vedado às Assembléias Legislativas dispor a respeito de temas que entendam de importância à consecução de seus objetivos, conforme as particu-laridades e interesses das unidades da federação (fls. 52/67).

6. O Procurador-Geral da República às fls. 69/72 opina pela parcial proce-dência do pedido, para que seja dada interpretação conforme a Constituição à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, de modo que reste limitada a aplicação do preceito às autarquias e fundações públicas.

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Requerente pretende ver declarada a inconstitucionalidade da alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, que inclui entre as atribuições da Assembléia Legislativa a aprovação, por voto secreto, da escolha, pelo Poder Executivo, dos presidentes das entida-des da administração indireta estadual.

2. A matéria foi amplamente debatida quando do exame da pretensão cautelar.3. Esta Corte analisou a questão em outras oportunidades. Considerando

os precedentes invocados no voto do então relator, Ministro Nelson Jobim, assentou que o preceito impugnado deveria receber interpretação conforme à Constituição, restringindo-se sua aplicação tão-somente às autarquias e funda-ções públicas. De sua incidência restaram excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

4. Lê-se no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil que as sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sen-tido estrito estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas. O pre-ceito questionado nesta ação direta de inconstitucionalidade não alcança empresas

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estatais prestadoras de serviço público. Daí por que se impõe distinguirmos umas das outras, as empresas estatais que prestam serviço público das empresas estatais que empreendem atividade econômica em sentido estrito. Isso permitirá possamos indagar da incidência, sobre elas, dos efeitos do preceito veiculado por esse § 1º.2

5. A expressão atividade econômica conota, no contexto do art. 173 e seu § 1º, atividade econômica em sentido estrito. O art. 173, caput, enuncia as hipóteses nas quais é permitida ao Estado a exploração direta de atividade econômica. Trata-se, aqui, de atuação do Estado – isto é, da União, do Estado-membro, do Distrito Federal e do Município – como agente econômico, em área da titularidade do setor privado. Atividade econômica em sentido amplo é terri-tório dividido em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito. As hipóteses indicadas no art. 173 do texto constitucional são aquelas nas quais é permitida a atuação da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios neste segundo campo. O preceito não al-cança empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público. Lembro que há precedentes desta Corte sobre a distinção entre empresa estatal que exerce atividade econômica em sentido es-trito e empresa estatal prestadora de serviço público, a ADI 83 e os RE 220.906, RE 225.011, RE 229.696 e RE 354.897. Sobre o regime aplicável às empresas estatais que prestam serviço público e a impenhorabilidade dos seus bens, veja-se, da nossa jurisprudência, além dos acórdãos acima indicados, os RE 220.906, RE 225.011, RE 229.696, RE 220.099 e RE 230.161-AgR e a AC 669. No que concerne às empresas estatais e entidades estatais que exploram atividade eco-nômica em sentido estrito, a ADI 83.

6. Dir-se-ia então que, a regra desse parágrafo não se aplicando às empre-sas estatais que prestam serviço público, o preceito atacado nesta ação não con-teria, quanto a elas, afronta ao texto constitucional. Ocorre que o § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil respeita ao regime jurídico funcional das empresas estatais de que se cuida, ao passo que o inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional 26/97 diz com o regime jurídico estrutural dessas mesmas empresas3. A regra do § 1º do art. 173 alcança as empresas estatais que exploram atividade econômica em sentido estrito no seu relacionamento com terceiros, plano do seu regime fun-cional. A escolha dos dirigentes das empresas estatais, todas elas, é matéria in-serida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.

7. Por isso a exclusão das empresas públicas e das sociedades de econo-mia mista que prestam serviço público ao disposto no art. 173 e parágrafos da Constituição não é, no caso, relevante. Essa circunstância bem vincada, re-porto-me a reiteradas decisões desta Corte, no sentido de que se há de ter como 2 Veja-se meu A ordem econômica na Constituição de 1988, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 119 et seq.3 Da diferença entre tais regimes tratei em outras oportunidades; veja-se meu A ordem econô-mica na Constituição de 1988, cit., p. 122 et seq.

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ilegítima a intervenção parlamentar no processo de provimento da direção das empresas públicas ou sociedades de economia mista da administração indireta dos Estados, sejam quais forem as suas atividades (ADI 2.225-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29-9-00; ADI 862, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 3-9-03; ADI 2.167, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º-9-00; ADI 1.281-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 23-6-95; entre outros julgados).

8. Embora as sociedades de economia mista e as empresas públicas presta-doras de serviço público não estejam alcançadas pelo disposto no art. 173 e pará-grafos da Constituição do Brasil, a intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento de suas diretorias entra em testilhas com o princípio da harmonia e interdependência entre os poderes, na vulgata referido como “separação” de poderes. Reporto-me, quanto a este ponto, ao voto que proferi na ADI 3.367.

Julgo parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme à Constituição à alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais, restringindo sua aplicação às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as empresas estatais, todas elas.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, estou de acordo, mas não posso deixar passar em branco essa oportunidade de louvar o estudo que subjaz a esse voto do Ministro Eros Grau, um estudo carregado de precisão técnica.

A Constituição, de fato, deixa claro – e o Ministro bem observou – que a atividade própria do Estado, em todo o capítulo da ordem econômico-social, é a prestação de serviços públicos. Diz o art. 175 que incumbe ao Estado a pres-tação de serviços públicos, não a exploração de atividade econômica. Quando o Estado explora a atividade econômica, atua em campo alheio, em campo que a Constituição reservou – parágrafo único do art. 170 – à iniciativa privada. Quando o Estado atua enquanto empresário, explorando atividade tipicamente econômica, o faz em caráter excepcional, criando suas empresas públicas, so-ciedades de economia mista, com regime próprio, com estatuto próprio para cada qual delas – o Ministro deixou bem vincado isso –, art. 173, § 1º, o que não impede o Estado também de prestar serviço público mediante sociedades de economia mista e empresas públicas. As empresas estatais tanto operam no campo da prestação dos serviços públicos quanto operam no campo da explo-ração de atividade econômica. Mas, em uma e em outra situação – acho que também o Ministro Eros Grau deixou tudo isso muito bem claro –, é a partir de estatuto próprio, de modo a situar essas atividades no campo da administração pública ou no campo do Poder Executivo, com exclusividade. De maneira que qualquer interferência do Poder Legislativo nesse campo realmente caracteriza uma usurpação de competência, uma invasão do princípio que a Constituição literalmente chama de separação dos Poderes.

Eu também acolho toda a tessitura do raciocínio de S. Exa., sem discrepar minimamente que seja da conclusão a que chegou.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, da mesma maneira que o Relator, penso que a expressão “administração pública indireta” alcança não apenas as sociedades de economia mista e empresas públicas, pessoas ju-rídicas de direito privado, mas também autarquias. E vejo que a alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Carta mineira submete à necessária aprovação da Assembléia os nomes dos indicados para a presidência das entidades da admi-nistração pública indireta e, também, dos presidentes e dos diretores do sistema financeiro estadual.

Tanto quanto possível, considerada a atuação dos Poderes, observo a sime-tria, ou seja, o trato no âmbito federal. Reconheço que há, no inciso III do art. 52 da Constituição Federal – depois de se prever os cargos que ficam submetidos à aprovação pelo Senado dos nomes para ocupá-los –, uma verdadeira carta em branco ao legislador ordinário. Refiro-me à cláusula segundo a qual compete ao Senado aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a es-colha – e aí mencionam-se os cargos – de titulares de outros cargos que a lei determinar. Mas não imagino que se possa dar a esse dispositivo alcance maior a ponto, até mesmo, de ter-se disciplina em Unidade da Federação, ainda que mediante preceito do Diploma Maior da Unidade da Federação, que não encon-tre alguma sintonia com a existente no campo federal.

Daí concluir que, não estando os presidentes das autarquias e fundações públicas federais submetidos à aprovação do Senado, não tenho como placitar essa submissão à Assembléia do Estado, considerada autarquia estadual ou fun-dação pública estadual.

Peço vênia ao Relator para entender inconstitucional, portanto, a expres-são contida na alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais: “dos Presidentes das entidades da administração pública indi-reta”. Não o faço quanto à parte final – submissão dos nomes que devam preen-cher cargos de “Presidente e dos Diretores de sistema financeiro estadual”. Por que não o faço? Porque, quanto à autarquia federal Banco Central, há preceito expresso – e tendo-se a simetria – na Constituição Federal de 1988. Refiro-me à alínea d do inciso III do art. 52 da Carta em vigor.

Julgo parcialmente procedente o pedido formulado, portanto, para decla-rar a inconstitucionalidade apenas da expressão “dos Presidentes das entidades da administração pública indireta”, contida na alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição mineira.

EXTRATO DA ATA

ADI 1.642/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/MG – Arésio A. de Almeida Dâmaso e Silva). Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais (Advogados: Julio Cesar dos Santos Esteves e outros).

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedente a ação direta, consignando-se o voto do Mi-nis tro Marco Aurélio, que também a julgava parcialmente procedente, porém, em maior extensão, para excluir a expressão “dos Presidentes das entidades de administração pública indireta”. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa e, neste julgamento, a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 3 de abril de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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INQUÉRITO 2.008 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAutor: Ministério Público Federal — Indiciados: Jaime Martins Filho e

outros

Inquérito policial. Parlamentar. Deputado federal. Crime eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Não ocorrência de abordagem direta a eleitores, com o objetivo de lhes obter promessa de voto a candidato do indiciado. Falta de prova de dolo específico. Atipicidade reconhecida pelo Procurador-Geral da República. Arquivamento determinado. Determina-se arquivamento de inquérito policial para apuração do delito de corrupção eleitoral, quando não há prova de abordagem direta de eleitores, com o objetivo de lhes obter promessa de voto a candi-dato do indiciado, cujo dolo específico tampouco se provou.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, determinar o arquivamento do inquérito em relação ao Deputado Federal Jaime Martins Filho, nos termos do voto do Relator. Ausente, justifica-damente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 16 de agosto de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de investigação judicial eleito-ral instaurada, mediante representação, pela Vara da Justiça Eleitoral de Nova Serrana/MG, contra componentes da coligação “Unidos por Nova Serrana”, para apurar suposta prática da conduta descrita no art. 240 do Código Eleitoral.

O que sucedeu é que, no decorrer das investigações, teriam sido apurados indícios de participação do Deputado Federal Jaime Martins Filho no suposto delito, motivo pelo qual foram os autos remetidos a esta Corte.

O então Ministro Carlos Velloso determinou vista dos autos à PGR, que opinou nos seguintes termos: “Assim, havendo identidade de fatos delituosos e de partes, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo apensamento dos pre-sentes autos ao Inquérito 1811-2/140” (fls. 181-182).

Deferido o pedido, em 5-9-03, os autos foram apensados ao Inq 1.811.É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A eficácia preclusiva da decisão de arquivamento de inquérito depende da razão jurídica que, fundamentando-a, não ad-mita desarquivamento nem pesquisa de novos elementos de informação, o que se dá quando reconhecida atipicidade da conduta ou pronunciada extinção da punibilidade.

É que, nesses casos, o ato de arquivamento do inquérito se reveste da au-toridade de coisa julgada material, donde a necessidade de ser objeto de decisão do órgão judicial competente.

O Plenário desta Corte, no julgamento da Pet 3.197, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 31-3-05, decidiu:

Ementa: I – Arquivamento de notícia criminal requerido com base na atipi-cidade do fato: exigência de decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento: precedentes.

II – Crime contra a honra: ausência patente de criminalidade dos fatos impu tados aos requeridos.

Colhe-se do voto condutor:

(...) diversamente do que sucede no arquivamento requerido com a anuência do Procurador-Geral da República, com fundamento na ausência de elementos informativo para a denúncia – cujo atendimento é compulsório pelo Tribunal –, aquele que se lastreia na atipicidade do fato (v.g., HC 59.764, Muñoz, RTJ 103/590; HC 66.625, Primeira Turma, Gallotti, RT 670/357; HC 80.560, 20-2-01, Pertence) ou na extinção da sua punibilidade – dados os seus efeitos de coisa julgada mate-rial – há de ser objeto de decisão jurisdicional do órgão judicial competente.

2. A conduta imputada ao parlamentar não se amolda ao delito de corrup-ção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), que exige “abordagem direta ao elei-tor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será dado ou de que haverá abstenção em decorrência da oferta feita, não sendo suficiente o mero pedido de voto realizado de forma genérica” (REE 15.326, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 20-8-99).

Nesse sentido, o parecer da Procuradoria-Geral da República:

1. Apura-se através do presente inquérito a suposta prática de crime eleito-ral, pelo Deputado Jaime Martins Filho, consistente no oferecimento de vantagem a eleitores em troca de votos ao então candidato a prefeito da cidade de Nova Serrana, Sr. Joel Martins. Segundo consta, às vésperas do pleito, o Investigado teria promovido uma reunião fechada com moradores do Bairro Maria José do Amaral, em Nova Serrana, e prometido a regularização de terrenos doados sem escritura, caso votassem no candidato a prefeito do seu partido, o PFL.

2. No curso da investigação foram ouvidas várias pessoas presentes ao evento, tendo todas confirmado a realização da reunião com o Investigado, no gal-pão da Fábrica Lyon, divergindo os depoimentos, no entanto, com relação ao as-sunto tratado entre os presentes, especificamente quanto ao fato de o Investigado ter oferecido vantagem aos eleitores em troca de votos.

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3. Na verdade, apenas dois depoentes afirmaram que o Investigado teria pedido votos ao seu candidato a Prefeito, afirmando que a eleição do mesmo tornaria mais fácil a regularização dos terrenos. Cumpre transcrevê-los, na parte que interessa:

Depoimento de Jair Bueno de Souza:“(...) que nesta reunião o depoente presenciou o Deputado Jaiminho

dizendo que se as pessoas ali presentes votassem no candidato a prefeito Joel Martins, bem como os moradores do bairro Maria José do Amaral, se-ria mais fácil de ganhar a escritura de suas casas;” (fls. 38)Depoimento de Márcia Figueiredo Santos:

“(...) que no decorrer da reunião o Deputado Federal Jaiminho discur-sou sobre o problema do loteamento no bairro Maria José do Amaral, onde diversas pessoas moram e não têm escritura de seus lotes de terreno, doados pela Prefeitura Municipal; que o Deputado Federal Jaiminho disse que se o candidato a Prefeito Joel Martins fosse eleito, ficaria mais fácil resolver este problema das escrituras, deixando claro que era uma briga política, e sendo o candidato Joel do mesmo partido, as dissidências seriam mais fáceis de serem resolvidas;” (fls. 44)4. Os demais depoentes presentes à reunião negaram a existência de propa-

ganda eleitoral ou nada esclareceram sobre os fatos investigados.5. A jurisprudência, notadamente do Tribunal Superior Eleitoral, é pacífica

no sentido de que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral, é imprescindível a “abordagem direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será dado ou de que haverá abstenção em decor-rência da promessa feita, não sendo suficiente o mero pedido de voto realizado de forma genérica” (Recurso Especial Eleitoral nº 15.326, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 20.8.99).

6. No mesmo sentido: “A prática do crime capitulado no art. 299 do código Eleitoral pode ser cometida inclusive por quem não seja candidato, uma vez que basta, para a configuração do tipo penal, que a vantagem oferecida esteja vinculada à obtenção de votos” (RHC nº 65, Rel. Min. Fernando Neves, grifei). Ademais, “Sendo elemento integrante do tipo em questão a finalidade de ‘obter ou dar voto ou prometer abstenção’ não é suficiente para a sua configuração a mera distribuição de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a pro-messa de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do re-cebimento da dádiva” (HC nº 463, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 3.10.03, grifei).

7. No presente caso, muito embora seja discutível a existência da reunião e que nela o Investigado tratou do tema relativo à regularização dos lotes, não há nada que aponte tenha o mesmo efeito a abordagem direta aos eleitores presentes no sentido de obter a promessa do voto ao seu candidato a prefeito.

8. Os depoimentos de fls. 45/46 e 47/48 são esclarecedores a esse respeito:“(...) que em hora alguma o Deputado Jaime Martins mencionou o

nome do candidato a prefeito Joel Martins, mas falou que com a atual ad-ministração na Prefeitura, seria difícil para ele (o Deputado Jaime Martins) fazer um acordo, já que a área desapropriada e onde está atualmente o bairro Maria José do Amaral, era de propriedade de seu falecido pai; que não foi pedido, pelo Deputado Jaime Martins, votos a quem quer que seja, a troco de escrituras (...)” (depoimento de Ademir Luiz da Silva, fls. 45/46)

“(...) que o Deputado Federal Jaime Martins disse, nesta reunião, que se o partido político dele, o PFL, ganhasse, seria mais fácil resolver o problema das escrituras dos lotes doados no bairro Maria José do Amaral; que o depoente não pode afirmar se o Deputado federal Jaime Martins

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mencionou, em alguma hora, o nome do candidato a prefeito, nominado Joel Martins, e se pediu votos para este ou candidatos a vereadores de seu partido, em troca das escrituras dos lotes, porque as pessoas que es-tavam na reunião, em torno de 80, falavam muito alto (...); que não lhe foi pedido (ao depoente), por quem quer que seja, votos para nenhum dos concorrentes das eleições municipais de 01/10/2000, e tampouco havia panfletos, faixas ou pinturas com nomes de candidatos e números respectivos (...)” (depoimento de Edílson Pego de Oliveira, fls. 47/48).9. As simples alegações alusivas à existência de dissidências políticas rela-

cionadas à regularização dos títulos de propriedade na região, apesar de manifes-tadas às vésperas do pleito eleitoral, sem a comprovação do dolo específico, não têm o condão de caracterizar a prática de algum dos núcleos do tipo penal previsto no artigo 299 do Código Eleitoral – delito de corrupção eleitoral.

10. Assim, por não vislumbrar a prática de ilícito penal pelo parlamentar investigado, requer o Ministério Público Federal o arquivamento do feito.(Fls. 208-211.)

O tratamento penal dispensado à corrupção eleitoral atende ao fato de que, nela, há de se evidenciar o dolo específico de obter voto mediante oferecimento de vantagem indevida. O pedido de forma genérica ou meramente implícito não se subsume à conduta descrita no art. 299 do Código Eleitoral.

E dos depoimentos colhidos durante a persecução penal, não se extrai nenhuma abordagem do parlamentar investigado, com o fim de obter sufrágio dos eleitores.

Não há, no caso, como atribuir ao parlamentar conduta típica que se aco-mode ao tipo penal.

3. Assim, acolho o parecer da Procuradoria-Geral da República e de-termino o arquivamento dos Inquéritos Penais 1.811 e 2.008 em relação ao Deputado Federal Jaime Martins Filho.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.008/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Autor: Ministério Público Federal. Indiciados: Jaime Martins Filho e outros.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, determinou o arquivamento do inquérito em relação ao Deputado Federal Jaime Martins Filho, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 16 de agosto de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 2.121 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Fundação Universidade de Brasília — Agravado: Juiz da 9ª

Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal — Interessada: Companhia Energética de Brasília – CEB

Reclamação. Extinção do feito. Reclamação proposta vi-sando a garantir a autoridade da decisão proferida na ADI 1.104. Perda do objeto da ação direta de inconstitucionalidade e por conseqüência perda do objeto da reclamação. Prejuízo dos agra-vos regimentais interpostos. Perda superveniente do objeto da ação. Reclamação prejudicada.

1. Tendo sido extinta a ação direta de inconstitucionalidade, dá-se a perda de objeto também da reclamação e, logo, dos agra-vos regimentais.

2. Reclamação julgada prejudicada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar prejudicada a reclamação, nos termos do voto, reformu-lado, do Relator.

Brasília, 13 de fevereiro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento à reclamação.

2. A Fundação Universidade de Brasília ajuizou esta reclamação, bem como a de n. 2.165, em apenso, impugnando as decisões proferidas pelo Juízo da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal nos autos de ações cautelares e de cobrança movidas em seu desfavor. Sustenta que essas decisões afrontam a autoridade de pronunciamento desta Corte, que indeferiu medida liminar nos autos da ADI 1.104. Nesta ação direta discute-se a constitucionali-dade da Lei 464/93 do Distrito Federal, que isentou as entidades assistenciais e beneficentes, declaradas de utilidade pública, das taxas e tarifas referentes ao fornecimento de água e energia elétrica.

3. O juízo reclamado alegou que as decisões atacadas foram proferidas de acordo com o pronunciamento do TJDFT, nos autos do Mandado de Segurança

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4.448/95, no qual foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 464/93 e levando-se em consideração que o Supremo Tribunal Federal não havia apreciado a cons-titucionalidade da lei distrital (fls. 50/53).

4. O Ministro Nelson Jobim, Relator à época, deferiu a liminar, suspen-dendo os efeitos das decisões reclamadas (fls. 108/115).

5. A Companhia Energética de Brasília, na qualidade de terceiro preju-dicado, interpôs agravo regimental no qual requereu a suspensão da decisão agravada, até o julgamento do mérito da ADI 1.104, cujo objeto é a Lei 464/93 do Distrito Federal.

6. O Procurador-Geral da República opinou pelo desprovimento do agravo regimental. Isto porque a agravante pretende discutir a constitucionalidade da Lei 464/93. No mérito, pugnou pela procedência do pedido (fls. 412/414).

7. Apreciando o agravo da Companhia Energética de Brasília, reconsiderei a decisão concessiva de liminar e neguei seguimento à reclamação, por entender que o ato que indefere medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade não é dotado de efeito vinculante (fls. 417/418).

8. Irresignada, a Reclamante – Fundação Universidade de Brasília – agrava, alegando que a decisão proferida pelo TJDF nos autos do Mandando de Segurança 4.448/95 contrariou o entendimento firmado por esta Corte no julga-mento da medida cautelar na ADI 1.104 (fls. 427/437).

9. O Procurador-Geral da República opina pelo desprovimento deste agravo regimental. Quanto ao mérito da reclamação, ressalva a impossibilidade de atribuir-se efeito vinculante ao indeferimento de medida cautelar nas ações diretas (fls. 438/442).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O recurso não merece acolhimento.2. Como destacou o Procurador-Geral da República, não foi impugnado o

fundamento central da decisão agravada, “segundo o qual ‘o efeito vinculante – medida de caráter excepcional – é conferido pela Lei n. 9.868/99 às decisões concessivas de medida liminar, e não a todo e qualquer juízo da Corte sobre a pretensão de medida acauteladora’ ”. A ausência de impugnação adequada obsta o conhecimento do recurso (nesse sentido: AI 248.662, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28-3-01; AI 437.138-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 6-8-04 e Rcl 646-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 11-6-99).

3. Além disso, a Agravante sustenta que o acórdão do TJDF – que julgou o incidente de inconstitucionalidade em mandado de segurança – afronta a de-cisão proferida por esta Corte nos autos da ADI 1.104. Ora, o pedido da recla-mação volta-se contra sentença proferida pelo Juiz da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, e não contra aquele acórdão, cujo trânsito em

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julgado ocorreu em 30-3-98, o que impede sua impugnação, na via reclamatória, ante os termos do Enunciado 734 da Súmula desta Corte1.

4. Retomando a argumentação da decisão reclamada, reitero: as decisões que indeferem o pedido de medida cautelar formulado em ação direta de incons-titucionalidade não são dotadas de efeito vinculante. A Lei 9.868/99 confere esse atributo de caráter excepcional apenas às decisões concessivas de medida liminar (nesse sentido: Rcl 2.063-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, DJ de 5-6-03 e Rcl 2.434-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 2-4-04).

Não conheço do agravo regimental.

DEBATE

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quer dizer que poderia cobrar mesmo tendo a presunção de constitucionalidade?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não; vou concluir meu voto, objeti-vamente: o fato de ter sido indeferida a medida cautelar numa ação direta de inconstitucionalidade não tem o efeito de declaração de constitucionalidade da lei, do texto normativo. Este é o objeto da ação direta de inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A cobrança dependeria da in-constitucionalidade, teria efeito contrário.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não, aqui é exatamente o efeito contrário.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que se discute aqui não é o

problema de uma lei do Distrito Federal que deu isenção.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É uma lei do Distrito Federal que deu

isenção.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí, a Companhia Energética de

Brasília está cobrando de um dos objetos a isenção. Foi movida ação direta de in-constitucionalidade contra a lei; o Tribunal a indeferiu; portanto, está mantida a lei. Na Reclamação, o que ocorre? A Companhia Energética de Brasília estava cor-tando a energia elétrica da Universidade de Brasília, que era amparada por uma lei.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas o objeto da reclamação não é esse.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Qual é o objeto para entender o caso?O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vou pedir a V. Exa. para indicar adia-

mento temporário, até que eu examine os autos e possa dizer, com precisão, qual é o objeto da reclamação.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Lembro-me dessa questão. O Supremo Tribunal Federal, numa ação direta de inconstitucionalidade, indeferiu a liminar contra essa lei, a qual concede benefícios e isenções a determinadas entidades.

1 Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.

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O Distrito Federal – essas empresas Ceb, Caesb – procedeu à execução, em sede do juízo ordinário, contra a UnB, Sarah Kubitscheck e outras instituições, di-zendo que essa lei seria inconstitucional. Essa é a afirmação. Incidentalmente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal declarou a inconstitucionalidade e deu prosseguimento à execução. Contra essa decisão, então, traz a UnB, no caso, a reclamação. Fundamentalmente é essa a questão.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É isso mesmo.O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tomo a liberdade de ler parte

da decisão quando deferi a liminar. Nós deferimos a liminar em setembro de 2002. Digo:

Na espécie, afigura-se inequívoco que o Supremo Tribunal Federal indefe-riu a liminar pelos fundamentos resumidos na ementa do acórdão:

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei 464, de 22-6-93, do Distrito Federal, art. 1º. Norma que isentou das taxas e tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica as entidades assistenciais e beneficentes, declaradas de utilidade pública, atuando no Distrito Federal. 2. Alegação de ofensa aos arts 21, XII, b e 22, IV, ambos da Constituição Federal. 3. Não se trata, na espécie, de lei distrital sobre água e energia elétrica, mas, apenas, no dispositivo atacado, se dis-põe acerca de isenção de retribuição pelos serviços de água e energia elétrica. 4. Medida cautelar indeferida, por não presentes os pressupostos à concessão.

O Tribunal fez um juízo já valorativo. Digo, no despacho:

(...) como se pode depreender, não se trata de uma simples decisão de inde-ferimento, por ausência dos pressupostos processuais formais.

Na espécie, resta evidente que, pelo menos num juízo severo de exame limi-nar, o Tribunal afastou a ilegitimidade da lei em questão.

Observe-se, outrossim, que o Tribunal tem entendido que, em caso de pro-positura semelhante de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo e perante o TJ contra lei estadual, há de se suspender o processo no âmbito da Justiça estadual até a deliberação definitiva desta Corte.

Aqui, citei acórdão da ADI 1.423 do Ministro Moreira Alves:

(...) Rejeição das preliminares de litispendência e de continência, porquanto, quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça local e outra no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o Supremo Tribunal Federal, conforme sustentou o relator da presente ação direta de inconstitucionalidade em voto que proferiu, em pedido de vista, na Rcl 425.

(...)(ADI 1.423-MC, Moreira Alves.)

Ainda, cito mais os acórdãos da lavra dos Senhores Ministros Maurício Corrêa, Francisco Rezek, Sepúlveda Pertence na ADI 2.146.

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Aí, eu dizia mais:

O próprio caráter dúplice ou ambivalente sugere cuidado na compreensão da decisão que indefere a liminar afirmando, in genere, a possível legitimidade da lei.

O Tribunal ao negar a liminar na ADI 1.104, a contrario sensu, presume-se declarar a constitucionalidade da Lei 464/93.

A lei distrital continua vigente para reconhecer a isenção da Fundação U ni-ver si dade de Brasília.

Estão presentes os requisitos da liminar.Defiro-a.

Suspendi, para efeito de aguardar a decisão final, a decisão do Tribunal. O que ocorre? O Tribunal de Justiça acaba pretendendo manter a sua decisão que concedeu a liminar, enquanto nós a negamos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então, o Tribunal de Justiça julgou em representação de inconstitucionalidade?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Em processo de execução.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas esse precedente do Ministro

Moreira Alves é problema de ação direta de inconstitucionalidade estadual.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Neste caso a Ceb deu seguimento a uma

execução e, incidentalmente, argüiu a inconstitucionalidade da lei, que tinha sido apreciada pelo Tribunal, em sede de liminar.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A nossa decisão é de 21 de se-tembro de 1994. Em 21 de setembro, nós indeferimos a liminar na ADI 1.104. Em 13 de março de 96, a Segunda Câmara Cível do TJDF decidiu, em argüição de inconstitucionalidade no Mandado de Segurança 4.448, o seguinte:

Argüição de incidente de constitucionalidade de lei, artigo tal, tal. E vem:

“II – Não pode o Poder Público local estabelecer isenção pagamento de ta-rifas”, ou seja, em argüição de inconstitucionalidade no mandado de segurança, que é incidente.

A Ceb, em face disso, propôs ação de cobrança contra a Fundação, exi-gindo o pagamento da importância, etc. Então, a Reclamante ajuizou ação de-claratória de isenção tributária e ação cautelar inominada contra a Ceb.

O juiz da nona vara julgou improcedentes as ações da Reclamante, que eram ações específicas.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, queria, apenas, insistir no seguinte ponto: o que está em jogo aqui na reclamação proposta, sob a afirmação de que...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Que está se negando efeitos à decisão na ADI 1.104, que indeferiu a liminar sob fundamentos de falta de plausibilidade.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Independentemente de todos esses efeitos que V. Exa. mencionou serem perfeitamente corretos, o fundamento da reclamação está no argumento de que estaria sendo afrontada uma decisão do Supremo que teria, segundo o Reclamante, o efeito de, ao negar a liminar, reco-nhecer a constitucionalidade da lei. Por isso meu voto é no sentido de manter a decisão e de não conhecer do agravo regimental, sob o fundamento de que a con-cessão de medida liminar não produz o efeito de afirmar a constitucionalidade.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A minha divergência de V. Exa. é exatamente essa. O que temos no caso? Temos uma decisão do Tribunal que presu-miu, na decisão liminar, a constitucionalidade da lei. A presunção de constituciona-lidade está estabelecida com a falta. Posteriormente, dois anos depois – uma coisa assim –, o Tribunal Regional, em argüição de inconstitucionalidade incidental, da Segunda Câmara, acaba dando pela inconstitucionalidade. Com base nessa deci-são de inconstitucionalidade, a Ceb entra com ação de cobrança contra a Fundação Universidade de Brasília e pretende daí extrair efeitos de algo que estamos deci-dindo e já negamos a liminar. Então, evidentemente, é uma situação atípica.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Uma coisa seria se tivéssemos julgado a liminar – isso já tive oportunidade de anotar – com base na falta dos pressu-postos de mero periculum in mora. Neste caso, todavia, houve análise quanto à implausibilidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas com isso estamos obrigando o Tribunal a respeitar a decisão no julgamento de mérito do processo que está em causa. O Tribunal perdeu a liberdade de decidir se esse aditamento é questão constitucio-nal, porque é obrigado a respeitar.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Se manter o mérito, como faz? Fica uma enorme desordem.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao mesmo tempo o Tribunal considerou plausível a constitucionalidade da norma.

Até em termos de especulação doutrinária, já cogitei de se aplicar aqui, a contrario, o art. 21 da Lei 9.868 da ação declaratória, quando nós considerás-semos plausível a constitucionalidade da lei, portanto, indeferíssemos a limi-nar, determinássemos a suspensão dos processos envolvendo a questão posta. Parece-me que é esse o raciocínio da Reclamante – mais ortodoxo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A Reclamante não está pedindo a suspensão do processo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas fundamentalmente isso pode dar para esse efeito, para que ela não seja executada.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Gostaria de ler o voto do Ministro Néri da Silveira na ação direta de inconstitucionalidade.

Lei local dispôs sobre isenção de taxas e tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica, em favor de entidades assistenciais e beneficentes declaradas

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de utilidade pública, atuando no Distrito Federal. Não se impugna a isenção do imposto territorial urbano assegurada a essas entidades.

Afirma-se incompatibilidade da referida isenção de taxas e tarifas com o art. 21, XII, b da Constituição, ao dispor que compete à União explorar, direta-mente ou mediante autorização, concessão ou permissão, “os serviços e instala-ções de energia elétrica (...)”.

Nenhum dos dispositivos se refere à matéria tributária ou à contraprestação pelos serviços de água e energia elétrica.

Prevê o art. 145, II, da Constituição, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos (...)”. No art. 151, III, a Constituição veda a União “instituir isenções de tributos da compe-tência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”

Ora, os serviços de água e energia elétrica, no Distrito Federal, são pres-tados por empresas integrantes do complexo administrativo distrital. Compete ao Distrito Federal dispor sobre taxas e tarifas remuneratórias desses serviços locais que presta, por intermédio das empresas por ele mantidas. É certo que o art. 175, parágrafo único, incisos I e III, da Constituição de 1988, estipula que a lei disporá sobre “o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão”, e a política tarifária. Já no regime da Constituição de 1967, com a Emenda 1, de 1969, Pontes de Miranda anotava que a lei, aí prevista, é federal (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 1, de 1969, Forense, 1987, tomo VI, p. 269).

Não se trata aqui, porém, de legislar sobre águas e energia, mas, apenas, quanto à isenção de retribuição pelos serviços de água e energia de que beneficia-das as entidades em foco.

Compreendo, entretanto, neste juízo preambular, referente à cautelar que não se há de ter, desde logo, como infringente da Constituição Federal, norma legal que preveja a isenção de taxa e tarifa, quanto a serviços de água e luz, prestados pelo Estado ou Distrito Federal, em se cuidando de entidade beneficente, de assistência social, declarada de utilidade pública, que já vem gozando de redução no valor das tarifas de água e energia em elevado percentual, conforme destacam as informações.

De qualquer sorte, sem adiantar conclusão definitiva sobre o mérito da de-núncia, não vejo, aqui, também, configurado periculum in mora (...)

Ou seja, aqui já mostra claramente que essa matéria seria disciplinável pela lei distrital. O Ministro Néri da Silveira, no voto acompanhado por toda a Corte, nessa decisão de 21-9-94, o indeferimento foi por unanimidade – Presidente o Ministro Octávio Gallotti.

Então, no caso, entendi que estávamos em uma situação completamente curiosa. O Supremo, num juízo preliminar, indefere a liminar, exatamente já focando que essa matéria de taxas é da competência distrital, que não se tratava da lei federal, tratava-se da cobrança de serviços das entidades estaduais, isen-tou-se e o Tribunal nega a liminar. Lateralmente, no tribunal local, declara-se a inconstitucionalidade dessa mesma norma que está sob apreciação do Supremo, em toda a integralidade esse dispositivo, suspende-se e, ao mesmo tempo, pro-move-se a execução das entidades beneficiadas.

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Ora, isto significa – e foi o que entendi no caso para efeito de liminar – que, pelo menos, havia um forte sentido de que estaria sendo descumprido aquele fato, circunstância de termos mantido, em liminar, a constitucionalidade da lei.

Foi essa a razão pela qual deferi a liminar. Então, nessa mesma linha, mantenho.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é, creio que a situação concreta resolve-se pela resposta que se dê à seguinte pergunta: quando o Supremo, defrontando-se com o processo objetivo, com o controle concentrado de constitucionalidade, indefere liminar e mantém a lei com plena eficácia, fica obstaculizado o controle difuso de constitucionalidade? Não abro exceção. Uma coisa é, no julgamento precário e efêmero, porque diz respeito à medida acauteladora da ação direta de inconstitucionalidade, deferir-se a liminar e suspender-se a eficácia da lei. Caso mesmo assim, a lei venha a ser observada, tem-se como desafiada a reclamação.

Algo diverso é o Tribunal, por este ou aquele motivo, indeferir a liminar, mantendo a eficácia da lei. Indago: fica afastado o controle difuso? A resposta para mim é desenganadamente negativa. Se é negativa, está certo o ato do rela-tor ao negar seguimento à reclamação. Caso contrário, vão chover reclamações. Não estabeleço distinção conforme a fundamentação e, até mesmo, a opinião do relator, constante do voto ao indeferir a medida acauteladora.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O indeferimento da medida liminar, no caso, não significa nada, absolutamente nada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senão, a rigor, estará obstaculizada, porque demoramos muito a julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, a própria jurisdição.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, porque toda vez que o Tribunal negar uma medida liminar, suspendem-se todos os processos, todas as causas em que seja discutida incidentalmente a questão constitucional.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho a impressão que, neste caso, temos de fazer um “distinguishing”. Naqueles casos em que há um simples indeferi-mento da liminar, (...). Neste caso, na verdade, o Tribunal emitiu um juízo, ainda que provisório, sobre o mérito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque sabemos que, preocupados com o pronunciamento, estamos muito adiante do que deveríamos ir quando da análise do processo nessa fase.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temos casos em que sequer concedemos a liminar, porque já se passou tanto tempo, por exemplo, do pedido e, portanto, fa-zemos outro tipo de avaliação. Neste caso, não, o Tribunal avaliou a questão, e eu proporia que, pelo menos, trilhássemos uma linha intermediária em que deter-minássemos a suspensão dos efeitos da decisão, naquilo que venho sustentando, quer dizer, aplicação, a contrario, do art. 21 da Lei 9.868, também em sede de cautelar. Por quê? Isso o Ministro Sepúlveda Pertence já destacou, em outro momento. Aqui, temos a delicadeza da convivência do sistema concentrado com

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o difuso. E, se de um lado há esse risco, apontado pelo Ministro Marco Aurélio, por outro, também temos o risco da desqualificação da decisão do Tribunal. Sabemos que têm assentadas, aqui, em que discutimos largamente, aprofunda-damente, a questão em sede de cautelar, emitindo juízo mesmo sobre o mérito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, veja V. Exa., não fica afastada a chegada do processo ao Supremo, pela via natural, e que, talvez, seja mais célere do que o processamento da própria ação direta de inconstitucionalidade, tendo em conta a sobrecarga de ações diretas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Concedamos, então, a reclamação, para o fim de suspender o processo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O problema é admitir a exceção. Até aqui, a jurisprudência se mostrou linear.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Relator poderia informar: houve recursos dessa decisão do Tribunal de Justiça?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não. Estou tentando esclarecer isso, já algum tempo, mas tenho a impressão de que voltei num ritmo mais lento do que os meus Colegas, depois das férias.

V. Exa. me permite, vou ler:

Após a requisição das necessárias informações e ouvido o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, requer a procedência da presente reclamação, para declarar írrita a decisão do em. Juiz da 9ª Vara Federal (...)

A reclamação não é sequer voltada contra o acórdão do Tribunal de Justiça. O acórdão do Tribunal de Justiça apareceu, agora, no agravo. Esse é um ponto que eu me permitiria enfatizar. O segundo ponto está em que parece-me ser um precedente muito sério...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Eros Grau, o pre-cedente será muito sério se amanhã, por decisão deste Tribunal, permitir-se que se corte, por exemplo, o fornecimento de água e luz para o Hospital Sarah Kubistcheck – isso é mais grave. Isso V. Exa. vai verificar que é mais grave, e é esse o tema de que se está tratando.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas V. Exa. não me deixou terminar.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, há medidas acauteladoras, e

deve-se confiar, também, no taco dos demais juízes do país.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Tribunal vai ter de esclarecer,

quando ele julga uma liminar, se esse é um caso em que está negando ou afir-mando a constitucionalidade.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Avalia-se quando vier a reclamação.O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vamos ter dois tipos de decisão

quando apreciarmos uma liminar. Em um caso a liminar não tem, absoluta-mente, nenhum cabimento. Apenas nas hipóteses nas quais a liminar não tem cabimento, seria de se presumir a constitucionalidade.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então, Ministro Eros Grau, mantém o fechamento de tudo?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Na verdade, nem vou manter, porque nem cheguei a ler o meu voto, no mérito. É uma página só, se V. Exa. me per-mitir eu digo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pode ler a conclusão, porque sabemos qual é a fundamentação.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu vou manter o entendimento de que a não concessão da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade não tem efeito vinculante de presunção de constitucionalidade.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, tenho este processo e vou pedir vista. Acho que, aqui, temos esta encruzilhada que a toda hora aponta entre o modelo concentrado e o difuso. A meu ver, temos de encontrar uma so-lução adequada.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A única solução plausível é a suspen-são do processo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se houvesse consenso nesse sentido, ca-minharíamos nessa linha, determinávamos, nesse caso, a suspensão do processo ou os efeitos da decisão, até que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da ação direta de inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Até por uma questão de coerência, agora, vou me manter.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que não suspender todos os processos em que há ação direta de inconstitucionalidade com ou sem pedido de caute-lar? Entrou com a ação direta de inconstitucionalidade, suspende-se o processo automaticamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Também, pelo questionamento no Supremo.O Sr. Ministro Cezar Peluso: O caso de indeferimento de liminar é o

mesmo em que não há, sequer, pedido de liminar.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, não é o mesmo caso.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual a concretude da nossa decisão? A

lei atacada na ação direta de inconstitucionalidade continua a surtir efeitos no cenário nacional, inclusive desafiando declaração de inconstitucionalidade por órgão competente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O problema é que o conteúdo deste indeferimento de liminar pode ser o mesmo do deferimento de uma liminar, por exemplo, em ação declaratória, que tenha efeito vinculante.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Cautelar de constitucionalidade.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Declaratória de constitucionalidade.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas cautelar. Por isso que estou

propondo aplicação analógica do art. 21, tão-somente – é a mesma coisa. O que examinamos no art. 21?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas a conseqüência é diferente.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, não é diferente.O Sr. Ministro Cezar Peluso: É diferente: não suspende e tem efeito

vinculante.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Passaremos a determinar que estamos

suspendendo. O que aconteceu, aqui? Até então, tudo isto é um processo de construção. Não sabíamos, sequer, quais as conseqüências do deferimento da liminar, daí passamos a admitir, sim, a reclamação quando havia descumpri-mento, não observância do deferimento da liminar em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Passamos a admitir e o Ministro Sepúlveda Pertence, inclusive, liderou essa discussão.

Agora, temos o contraponto, os casos notórios de indeferimento que são ab-solutamente similares aos casos de deferimento da cautelar em ação declaratória de constitucionalidade, uma vez que o caráter é dúplice, daí a minha proposta.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A proposta de V. Exa. é que, cada vez que apreciarmos uma ação direta de inconstitucionalidade, seja negada a limi-nar e a gente declare...

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não; estou propondo que, neste caso es-pecífico, avancemos para conceder a reclamação, portanto, julgar procedente a reclamação para os fins de suspender a decisão ou os efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei, tão-somente isso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Acontece que a dificuldade, pelo que es-tou vendo no nosso “espelho”, é a reclamação contra uma decisão do Juiz Federal.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A decisão é do Juiz de Primeiro Grau.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso não tem nada a ver com a declara-

ção incidente de inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça.O Sr. Ministro Cezar Peluso: É contra decisão do Juiz do Primeiro Grau.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A execução é contra a UnB.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A execução é contra a UnB – fundação

autárquica federal.O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Peço vista.

EXTRATO DA ATA

Rcl 2.121-AgR-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Fundação Universidade de Brasília (Advogados: Anita Lapa Borges de Sampaio e outro). Agravado: Juiz da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito

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Federal. Interessada: Companhia Energética de Brasília – CEB (Advogados: Renata Nogueira e Murilo Bouzada de Barros e outros).

Decisão: Após o voto do Ministro Eros Grau (Relator), dando provi-mento ao agravo regimental, e do voto do Ministro Nelson Jobim (Presidente), negando-lhe provimento, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Mi nis tros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Procurador-Geral da Re pú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 2 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO(Vista)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de agravo regimental interposto pela Fundação Universidade de Brasília (FUB) contra decisão da lavra do Mi-nistro Eros Grau que negou seguimento a reclamações ajuizadas pela Agra-vante, para garantir a autoridade do acórdão do Plenário desta Corte proferido no julgamento da ADI 1.104-MC/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 12-5-95.

No caso, as Rcl 2.121/DF e Rcl 2.165/DF impugnam decisões tomadas pelas instâncias ordinárias que afirmam a inconstitucionalidade da Lei distrital 464/93, apesar de este Supremo Tribunal Federal ter indeferido pedido de limi-nar formulado com objetivo de se suspender a norma impugnada em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

Em síntese, alega-se que já no julgamento da liminar na ADI 1.104/DF, o STF afastou a inconstitucionalidade da lei, ainda que em juízo preliminar. Assim, não poderiam as instâncias ordinárias deliberar em sentido contrário.

Inicialmente, o Ministro Nelson Jobim deferiu a liminar da Rcl 2.121 para suspender “a eficácia das decisões proferidas pelo Juiz da 9ª Vara Federal da Se-ção Judiciária do Distrito Federal e de todo e qualquer ato dela resultante (Ação Ordinária 2000.34.021446-3; Ação Cautelar Inominada 1999.34.00.033578-7; e da Ação Ordinária 1999.34.00.036446-5)” (fl. 115).

Interposto agravo regimental pela Companhia Energética de Brasília (CEB) (fls. 125-138), o feito foi redistribuído ao Ministro Eros Grau, nos termos do art. 38 RISTF (fl. 409).

Ouvido o Ministério Público Federal, que opinou pela procedência da re-clamação, em parecer da lavra do Procurador-Geral da República à época, Dr. Cláudio Fonteles (fl. 414), o Min. Eros Grau reconsiderou a decisão de fls. 108-115, para negar seguimento a ambas as reclamações, sob os seguintes fundamentos:

Entendo, de modo diverso, que o efeito vinculante – medida de caráter excep-cional – é conferido pela Lei 9.868/99 às decisões concessivas de medida liminar, e não a todo e qualquer juízo da Corte sobre a pretensão de medida acauteladora.

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Com efeito, a questão posta mostra nova faceta da relação entre os dois sistemas de controle de constitucionalidade, no que concerne à decisão do Supremo Tribunal Federal que indefere o pedido de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Como acentuado na decisão da lavra do Ministro Jobim (fls.109-115), há casos em que, ao indeferir a cautelar, o Tribunal enfatiza, ou quase, a não-plausibilidade da impugnação. Em outras hipóteses, o indeferi-mento assenta-se apenas em razões formais, como o tempo decorrido da edição da lei ou não-configuração de urgência.

Na primeira hipótese, é possível justificar a reclamação sob o argumento de violação da autoridade da decisão do Supremo Tribunal. Na segunda, o ar-gumento é mais tênue, uma vez que sequer houve manifestação substancial do Tribunal sobre o conteúdo da norma.

É verdade, porém, que em ambas as situações podem ocorrer conflitos negativos para a segurança jurídica, com pronunciamentos contraditórios por parte de instâncias judiciais diversas.

Assim, em semelhantes casos de indeferimento de liminar na ação direta de inconstitucionalidade com possibilidade de repercussão nas instâncias or-dinárias, parece-me pertinente adotar fórmula semelhante à prevista no art. 21 da Lei 9.868/99, para a ação declaratória de constitucionalidade: determina-se a suspensão dos julgamentos que envolvam a aplicação da lei até a decisão final do Supremo Tribunal sobre a controvérsia constitucional.

A vantagem técnica dessa fórmula é a de que ela alcança resultado similar, no que concerne à segurança jurídica, sem afirmar, a priori, o efeito vinculante da decisão provisória adotada pelo Tribunal em sede de cautelar.

Na espécie, contudo, verifica-se a perda de objeto da ADI 1.104/DF e, conseqüentemente, das presentes reclamações. Assim despachei nos autos da ADI 1.104/DF (DJ de 26-9-06):

Decisão: O Procurador-Geral da República propôs ação direta de incons-titucionalidade da expressão “e das taxas e tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica” do art. 1º da Lei 227, de 9 de janeiro de 1992, do Distrito Federal, alterada pelo art. 1º da Lei 464, de 22-6-93, que isenta do pagamento de Imposto Territorial Urbano e de taxas pelo fornecimento de água e energia elétrica, as en-tidades assistenciais e beneficentes declaradas de utilidade pública para o Distrito Federal, verbis:

“Art. 1º. Ficam isentas do Imposto Territorial Urbano ‘e das taxas e tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica’ as entidades assisten-ciais e beneficentes, declaradas de utilidade pública do Distrito Federal.”O pedido de liminar foi indeferido (fls. 32-39), estando o acórdão assim

ementado:“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei nº 464, de

22/6/1993, do Distrito Federal, art. 1º. Norma que isentou das taxas e tarifas pelo fornecimento de água e energia elétrica as entidades assistenciais e beneficentes, declaradas de utilidade pública, atuando no Distrito Federal.

2. Alegação de ofensa aos arts. 21, XII, b, e 22, IV, ambos da Constituição Federal.

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3. Não se trata, na espécie, de lei distrital sobre água e energia elé-trica, mas, apenas, no dispositivo atacado, se dispõe acerca de isenção de retribuição pelos serviços de água e energia elétrica.

4. Medida cautelar indeferida, por não presentes os pressupostos à concessão.”(Fl. 39.)A Advocacia-Geral da União (fls. 43-49) e o Procurador-Geral da República

(fls. 51-54) manifestaram-se pela improcedência da presente ação. A Lei 3.588, de 22 de abril de 2005, do Distrito Federal, revoga expressa-

mente a Lei 227, de 9 de janeiro de 1992, verbis:“Lei nº 3.588, de 22 de abril de 2005Art. 1º Fica autorizada a participação acionária da Companhia de Sa-

neamento do Distrito Federal – CAESB no capital social da Corumbá Con-cessões S.A. mediante integralização de ações ordinárias e preferenciais.

Parágrafo único. A participação acionária da Companhia de Sanea-mento do Distrito Federal – CAESB no capital social da Corumbá Con-cessões S.A., corresponderá ao valor máximo de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), a ser integralizado no exercício.

Art. 2º Para cumprir o disposto nesta Lei, fica o Distrito Federal auto-rizado a integralizar o capital social da Caesb, nos exercícios 2005 e 2006.

Art. 2ºA A participação acionária de que trata o art. 1º fica condicio-nada à participação da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal, com direito a voto, no conselho de administração de Corumbá Concessões S.A. (inserido – Lei nº 3.603 de 06 de junho de 2005)

Art. 3º Fica revogada a Lei nº 227, de 09 de janeiro de 1992.Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.”

Diante da edição da Lei 3.588/05 do Distrito Federal, necessário concluir que, estando revogada a Lei 227/92, a presente ação está prejudicada por perda su-perveniente de objeto, conforme o entendimento firmado por esta Corte no julga-mento da ADI 709/PR, Rel. Min. Paulo Brossard (DJ de 7-10-92), e já consolidado na jurisprudência do Tribunal (ADI 1.889/AM, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 3-10-05; ADI 387/RO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 9-9-05; ADI 3.513/PA, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 22-8-05; ADI 2.436/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 26-8-05; ADI 380/RO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 4-3-05).

Ante o exposto, julgo prejudicada a presente ação direta de inconstitucio-nalidade por perda superveniente de objeto, nos termos do art. 21, IX, do RISTF.

Dessa forma, não obstante minhas reservas quanto à decisão agravada, con-signadas como obiter dictum, as presentes reclamações devem ser julgadas prejudi-cadas, ante a insubsistência da medida cautelar cuja autoridade pretendia se garantir.

É o meu voto.

VOTO(Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): De fato, ocorre o que o Ministro Gilmar Mendes observou: tendo sido extinta a ação direta de inconstitucionalidade, disso decorre a perda de objeto também da Reclamação e, logo, dos agravos.

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EXTRATO DA ATA

Rcl 2.121-AgR-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Fundação Universidade de Brasília (Advogados: Anita Lapa Borges de Sampaio e outro). Agravado: Juiz da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Interessada: Companhia Energética de Brasília – CEB (Advogados: Renata Nogueira e Murilo Bouzada de Barros e outros).

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justifi-cadamente, nos termos do § 1º do art. 1º da Resolução 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 22-3-06.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou prejudicada a reclamação, nos ter-mos do voto, reformulado, do Relator, vencido o Ministro Nelson Jobim, que ne-gava provimento ao agravo. Não participou da votação a Ministra Cármen Lúcia por suceder ao Ministro Nelson Jobim que proferira voto. Ausente, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Mi nis tros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Pro cura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 13 de fevereiro de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.907 — AM

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiRequerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil —

Requerido: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas

Ação direta de inconstitucionalidade. Portaria 954/01 do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ato normativo que disciplina o horário de trabalho dos servidores do Judiciário. Vício de natureza formal. Ofensa ao art. 96, I, a e b, da CF. Ação julgada procedente com efeitos ex nunc.

I – Embora não haja ofensa ao princípio da separação dos poderes, visto que a Portaria em questão não altera a jornada de trabalho dos servidores e, portanto, não interfere com o seu re-gime jurídico, constata-se, na espécie, vício de natureza formal.

II – Como assentou o Plenário do STF nada impede que a matéria seja regulada pelo Tribunal, no exercício da autonomia administrativa que a Carta Magna garante ao Judiciário.

III – Mas a forma com que o tema foi tratado, ou seja, por por-taria ao invés de resolução, monocraticamente e não por meio de de-cisão colegiada, vulnera o art. 96, I, a e b, da Constituição Federal.

IV – Ação julgada procedente, com efeitos ex nunc.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Eros Grau. Em seguida, o Tribunal deliberou emprestar eficá-cia ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente).

Brasília, 4 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 103, VII, da Constituição Federal, propõe a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, da Portaria 954/01, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que dispõe sobre o horário de expediente forense nas Comarcas da Capital e do interior, bem como dos respectivos órgãos de apoio.

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Eis o teor do ato impugnado:

O Desembargador Djalma Martins da Costa, Presidente do Egrégio Tribu-nal de Justiça do Estado do Amazonas, no uso de suas atribuições legais, e consi-derando a presente necessidade de se racionalizar os gastos com material, energia elétrica e pessoal nos órgãos jurisdicionais de primeiro grau das Comarcas da capital e do interior do Estado; considerando que, para esse desiderato, dentre outras providências, urge a uniformização dos horários de expediente forense dos órgãos jurisdicionais de primeira instância e de apoio administrativo do Tri-bunal; considerando a manifestação de concordância dos MM. Juizes de Direito, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado, por seus respectivos representantes legais, quanto à fixação de horário único, pela manhã, para o ex-pediente forense, nas Comarcas da Capital e do interior do Estado; considerando que a vigente Lei de Organização Judiciária do Estado (Lei Complementar nº 17, de 23.01.97 – DOE de 15.4.97) é silente sobre essa matéria; considerando, por fim, a competência que lhe conferem os incisos I e LXI do art. 70 da citada Lei de Or-ganização Judiciária; resolve:

Art. 1º – A partir de 1º.10.2001, o horário de expediente forense na Co-marca de Manaus (Fórum Ministro Henoch Reis, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Juizado da Infância e da Adolescência e Auditoria Militar) e nas Co-marcas do interior do Estado, bem como o horário de expediente administrativo dos órgãos de apoio do Tribunal de Justiça, será único, das 08 às 14 horas, de segunda a sexta-feira.

§ 1º – A vara do 9º Juizado Especial Cível e a Vara do 19º Juizado Especial Criminal de Manaus, por funcionarem no Posto de Atendimento ao Cidadão (PAC), no Shopping Center São José, na Zona Leste desta cidade, excepcional-mente, continuarão com os seguintes horários de expediente forense: segunda-feira: de 12 às 18 horas; de terça a sexta-feira: de 10 às 16 horas.

§ 2º – Os Escrivães do Judicial e Anexo das Comarcas do interior do Estado manterão serviços de atendimento à comunidade, em suas respectivas Serventias, concernentes às atividades notariais e registrais, e também, para recebimento de petições de advogados, Defensores Públicos e Promotores de Justiça, exclusiva-mente, para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.

§ 3º – A Diretora do Fórum Ministro “Henoch Reis”, nesta Capital, manterá serviço de recebimento de petições dos advogados, defensores públicos e promo-tores e curadores de Justiça, para posterior remessas às respectivas Varas, exclusi-vamente, para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.

Art. 3º – O horário de expediente dos Ofícios de Notas e Registros Públicos desta Capital continua sendo de 08 às 12 horas e das 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.

Art. 4º – Os Juizes de Direito das Comarcas do interior e desta Capital e Juiz de Direito Diretor do Fórum Ministro Henoch Reis, nos limites de suas respectivas circunscrições, ficam obrigados a fielmente cumprir, os horários de expediente fixados nos artigos anteriores, sob pena de responsabilidade funcional.

Art. 5º – Fica a Corregedoria Geral de Justiça encarregada de fiscalização e controle do cabal cumprimento das disposições contidas nesta Portaria.

Art. 6º – A presente Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revo-gadas as disposições em contrário.

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Publique-se. Registre-se. Cumpra-se. Gabinete da Presidência do egrégio Tribunal de Justiça, em Manaus, 18 de setembro de 2001. Desembargador Djalma Martins da Costa Presidente.(Fl. 18.)

Sustenta o Autor, em síntese, que o ato impugnado apresenta caráter nor-mativo, dado que, “na ausência de regramento acerca da matéria, tomou por apoio entendimento de que, na falta de preceito legal, caberia ao presidente do TJ legislar”, podendo, assim, submeter-se ao controle concentrado de constitu-cionalidade, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (fl. 6).

Alega que se registrou, na espécie, violação ao art. 5º, caput, da Carta Magna, visto que a referida portaria “quebrou ainda o princípio da isonomia, ao tratar os servidores do poder Judiciário do Estado do Amazonas de forma diversa daquela pela qual são tratados os servidores dos Poderes Legislativo e Executivo” (fl. 12).

Afirma, também, que houve, igualmente, ofensa aos arts. 5º, II, e 37, ca-put, da Lei Maior, que agasalham o princípio da legalidade, visto que a matéria somente poderia ser regulada por lei formal.

Assevera, ainda, que também foi malferido o art. 61, § 1º, II, c, da Lei Maior, porquanto a portaria impugnada, ao estabelecer o horário de funciona-mento dos fóruns e do Tribunal de Justiça, na Capital e no interior do Estado, em verdade, acabou por interferir na jornada de trabalho dos funcionários do Poder Judiciário, usurpando, assim, a competência privativa do Chefe do Executivo no tocante à disciplina do regime jurídico dos servidores em geral (fl. 9).

Por fim, assenta que o art. 96, I, a e b, da Constituição, embora estabeleça a competência dos Tribunais de Justiça para eleger seus órgãos diretivos e ela-borar seus regimentos internos, bem como para organizar suas secretarias e ser-viços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, não confere a estes o poder de regular a matéria tratada na portaria em questão (fl. 9).

Solicitadas as informações (fl. 50), na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, a Presidente do Tribunal de Justiça local informou, em suma, que aquela Corte, ao baixar o diploma normativo atacado levou em conta as condições climáticas e econômicas do Estado, aduzindo que o estabelecimento de horários diferenciados para o expediente forense constitui prática já utilizada por outros tribunais (fl. 57).

Disse, ainda, que a decisão de modificar o horário de funcionamento da Justiça local resultou de discussão da qual participaram o então Presidente do Tribunal, os juízes de direito, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo que todos concordaram com a mudança, salvo o representante da OAB (fl. 58).

Asseverou, também, que a portaria objeto da presente ação foi editada com base na autonomia administrativa que a Constituição Federal, em seu art. 96, caput, assegura ao Poder Judiciário, lembrando, mais, que o inciso I, alínea b, do mencionado dispositivo outorga aos tribunais a competência “para

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organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados” (fl. 58).

Por fim, sustenta que, ao contrário do alegado pelo autor, o ato impug-nado tem caráter meramente regulamentar, “derivado do comando legal con-tido no art. 70, I, da lei de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar estadual nº 17, de 23.01.97)” (fls. 59-60).

A Advocacia-Geral da União, reportando-se à interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, opinou pela inconstitucionalidade do diploma normativo em tela (fls. 69-74).

No mesmo sentido, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela procedência desta ação direta de inconstitucionalidade (fls. 76-78).

É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Em primeiro lugar, regis-tro que a portaria em causa, que dispõe sobre o horário de expediente forense nas comarcas da Capital e do interior do Estado do Amazonas, assim como dos órgãos de apoio do Tribunal de Justiça local, configura ato normativo de caráter autônomo, passível de impugnação por meio de ação direta, conforme já decidiu esta Corte (cf. ADI 349, Rel. Min. Marco Aurélio).

Trata-se, basicamente, de verificar se o ato normativo impugnado, ao mo-dificar o horário de expediente forense, usurpou a iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo estadual para a instauração de processo legislativo em tema que diz respeito ao regime jurídico dos servidores públicos ou não.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, na ADI 248/RJ, Relator o Ministro Celso de Mello, que “o regime jurídico dos servidores públicos, enquanto prer-rogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder Executivo revela-se projeção específica do princípio da separação de poderes”.

E, no tocante ao sentido da locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos”, o Ministro Celso de Mello, nos autos da ADI 766/RS, con-signou o quanto segue:

Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão de sua abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas de provimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse; (e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho; (k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumu-lações remuneradas; (l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade,

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aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o) ao processo administrativo.(Grifei.)

Em caso semelhante ao da presente ação direta, o Plenário desta Suprema Corte, no julgamento da ADI 2.308/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, sus-pendeu a eficácia da Resolução 4/00, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que modificou o horário de expediente forense da Secretaria do Tribunal de Justiça e dos juizados de primeiro grau catarinense.

O acórdão então proferido possui a seguinte ementa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida Liminar. Resolução 04/00, de 13 de junho de 2000, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que altera a jornada de trabalho dos servidores do Tribunal e da Justiça de primeiro grau do Estado.

– Não há dúvida de que a Resolução em causa, que altera o horário de expe-diente da Secretaria do Tribunal de Justiça e da Justiça de primeiro grau do Estado de Santa Catarina, e que conseqüentemente reduz para seis horas, em turno único, a jornada de trabalho de todos os servidores de ambas, é ato normativo e tem cará-ter autônomo, porquanto dá como fundamento, para justificar a competência para tanto do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, o disposto no art. 96, I, a e b, da Constituição Federal e no art. 83, III, da Constituição estadual.

– Em exame sumário como é o compatível com pedido de concessão de liminar, é inegável a plausibilidade jurídica da argüição de inconstitucionalidade em causa, com base especialmente na alegação de ofensa aos arts. 5º, II, 37, caput (ambos relativos ao princípio da legalidade), 96, I, a e b (que versa a competência dos Tribunais) e 61, § 1º, II, c (que atribui competência exclusiva ao chefe do Poder Executivo para a iniciativa de lei relativa a regime jurídico do servidor público), todos da Constituição Federal.

– Por outro lado, é conveniente a suspensão da eficácia da resolução em apreço, não só pela relevância da argüição de inconstitucionalidade dela, mas também por causa do interesse do público em geral e, em particular, dos serviços administrativos do Tribunal e da justiça de primeiro grau com a não-redução da jornada de trabalho de todos os seus servidores.

Liminar deferida para suspender, ex nunc e até o julgamento final desta ação, a eficácia da Resolução 04/00, de 13 de junho de 2000, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Noutro caso semelhante, decidido na ADI 2.400/SC, Relator o Ministro Ilmar Galvão, o STF suspendeu a eficácia de lei catarinense que modificou a jornada de trabalho dos servidores do Poder Judiciário local, em acórdão assim ementado:

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei 11.619, de 5 de dezembro de 2000, do Estado de Santa Catarina. Redução da jornada de trabalho dos servidores do Poder Judiciário estadual. Alegada violação ao art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.

Plausibilidade da alegação de ofensa ao dispositivo constitucional em refe-rência, corolário do princípio da separação dos poderes, de observância imperiosa pelos Estados, conforme entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal.

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Medida cautelar deferida para suspensão provisória da eficácia do diploma sob enfoque.

Este Supremo Tribunal tem assim decidido, por entender que a cláu-sula de reserva de iniciativa do processo legislativo, estabelecida na Carta Magna, excepciona o princípio geral da legitimação concorrente para o pro-cesso de formação das leis, configurando a sua inobservância vício formal de inconstitucionalidade.

Não se trata, porém, no caso, exatamente da mesma questão, visto que a norma impugnada, embora altere o horário de trabalho dos servidores do Judiciário local, não altera a sua jornada de trabalho e, portanto, a rigor, não interfere com o respectivo regime jurídico.

Como assentou o egrégio Plenário, diante o julgamento desta ação direta de inconstitucionalidade, a matéria regulada pela Portaria em questão pode ser disciplinada pelo Tribunal, no exercício da autonomia administrativa que a Carta Magna assegura ao Judiciário.

Ocorre, porém, que a forma com que o tema foi tratado, ou seja, por porta-ria ao invés de resolução, em outras palavras, monocraticamente e não por meio de decisão colegiada, vulnera o art. 96, I, a e b, da Constituição Federal.

Isso posto, julgo procedente a presente ação direta para declarar inconsti-tucional a Portaria 954/01 do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por vício de natureza formal, conferindo efeitos ex nunc à decisão.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa portaria não está dispondo sobre o funcionamento de órgãos jurisdicionais e administrativos no âmbito do próprio Poder Judiciário?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): É no próprio âmbito do Poder Judiciário. Meditei muito sobre essa questão e realmente há precedentes muito específicos – esses que citei – sobre tal questão, estabelecendo que ha-veria um descompasso entre o funcionalismo pertencente ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo local. Trago aqui um resumo, mas eu queria, se Vossas Excelências me permitirem, trazer à colação exatamente este trecho do voto do eminente Ministro Celso de Mello, em que Sua Excelência consigna, com muita clareza, o que é regime jurídico do funcionalismo público, ou dos servidores pú-blicos, matéria cuja iniciativa pertence exclusivamente ao Chefe do Executivo.

Diz o Ministro Celso de Mello:

“Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão da sua abran-gência conceitual, compreende todas as regras pertinentes: (a) às formas de pro-vimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse; (e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e

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de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho;” – estou sublinhando aqui – “(k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diá-rias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; (l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação;” – e, finalmente – “(o) ao processo administrativo.”

Esse é o entendimento de S. Exa. no que diz respeito ao regime jurídico dos servidores públicos.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): A impressão que eu tenho é de que a distinção, no caso, é a de que a Portaria não se limitou a disciplinar o horá-rio de expediente de atendimento ao público, mas adentrou a matéria de regime da jornada de trabalho que depende de lei.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): V. Exa. tem toda razão.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: O problema não seria apenas de competência.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, não seria apenas de compe-

tência, dependeria de lei também.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É que a forma, o tipo legislativo para isso

não poderia ser uma resolução.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Uma portaria está alterando a jor-

nada de trabalho. Não se trata apenas de abrir o foro no expediente tal, chamado expediente externo, que o Tribunal, evidentemente, tem competência para regular.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Talvez pelo princípio da legalidade, além do relativo à isonomia, todas essas alegações foram feitas pela OAB federal e, em princípio, me parecem pertinentes.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Parece-me que a grande preocupação da petição inicial era com o jurisdicionado, que fica, portanto, mediante atos de um dos Poderes, suscetível quanto ao exercício dos seus direitos, daí por que, para isso, depende realmente de um tipo legislativo específico que dê segurança ao direito de quem faz uso desse serviço.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu entendo que o vício está no fato de se tratar de uma portaria, que é ato de decisão singular; se fosse uma resolução do próprio Tribunal, ato de decisão colegiada, a matéria se comportaria no art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição e não haveria vício de inconstitucionalidade.

Então eu me inclino para considerar inconstitucional pela usurpação de função do Colegiado, do Tribunal.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há aspectos que, a meu ver, precisam ser considerados, e um deles diz respeito à autonomia administrativa do próprio

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Tribunal. O Presidente do Tribunal o personifica e, na maioria das vezes, tem-se a submissão de portarias ao Colegiado. E, no caso, não há redução da jornada. Observa-se, em termos de prestação de serviços, a jornada corrida de seis horas. Essa prática é adotada inclusive, creio, no próprio Supremo Tribunal Federal.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Há um aspecto que me pareceu interes-sante, porque nessa portaria há um dispositivo, que é o art. 3º, que faz exatamente a ressalva no que concerne ao expediente forense para o recebimento de petições.

Diz assim:

A Diretora do Fórum Ministro “Henoch Reis”, nesta Capital, manterá ser-viço de recebimento de petições dos advogados, defensores públicos e promotores e curadores de Justiça, para posterior remessa às respectivas Varas, exclusiva-mente, para fins de contagem de prazo processual (§ 3º do art. 172 do CPC), no horário de 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.

Na realidade, o que me pareceu, como disse o Ministro Marco Aurélio, pelo que estou deduzindo, é que a portaria do Presidente regula o funciona-mento do expediente administrativo do Tribunal. Ele não alcança o regime jurídico nem muda o horário da jornada de trabalho. A jornada de trabalho é a mesma, ele apenas regula o horário de funcionamento, e existem peculiaridades locais no Amazonas, no Pará, tanto isso que os fusos horários são diferentes.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O horário dos servidores continua de seis horas.O Sr. Ministro Menezes Direito: Continua seis horas. E ele ressalvou ex-

pressamente, com a devida cautela, a possibilidade de manter-se o respeito in-tangível aos prazos processuais. Eu não consigo visualizar, e tenho a impressão até mesmo que não conflita com o precedente do Ministro Celso de Mello, por-que a preocupação do Ministro Celso de Mello foi exatamente a de conceituar o regime jurídico, e o horário evidentemente inclui-se no regime jurídico, se há modificação da jornada de trabalho, mas quando se trata apenas de regular o funcionamento do expediente administrativo do Tribunal, o Tribunal é compe-tente, ele tem condições de fazer essa fixação, porque, se não fosse assim, nós estaríamos retirando do Tribunal a competência para estabelecer o seu expe-diente administrativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apenas gostaria de terminar o voto.O Sr. Ministro Menezes Direito: Desculpe, Ministro Marco Aurélio, por

ter interrompido.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Imagina, V. Exa. trouxe achegas impor-

tantíssimas.Continuo acreditando que só devemos partir para a declaração de in-

constitucionalidade de ato normativo abstrato quando o conflito seja evidente. Estamos aqui a discutir a matéria e estamos pensando muito, e devemos pen-sar muito, porque isso implica o bom funcionamento na administração do Tribunal. Já se tornou estreme de dúvidas que não houve o benefício maior

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para os servidores quanto à redução da jornada de trabalho, que continua sendo a mesma, seis horas corridas. Isso se coaduna inclusive com o preceito da Constituição Federal relativo aos turnos ininterruptos, em que há seqüência do trabalho. Por isso penso que, até mesmo considerada a prática existente nos diversos tribunais do País quanto à regência do expediente administrativo, não se deve glosar essa portaria.

Peço vênia para julgar improcedente o pedido formulado.O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu só tenho dúvida se o modelo adequado de

regência da matéria é a portaria ou se seria uma resolução do próprio Tribunal, um ato do Tribunal.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É um ato do Tribunal, compete aos tribunais.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Porque está dito na Constituição que compete privativamente aos tribunais, art. 96, inciso I, alínea a.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Receio que dentro em pouco o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuíze ação contra ato da Presidên-cia do Supremo relativamente ao funcionamento do protocolo.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, na verdade estamos tra-tando, segundo o Ministro Carlos Britto, de uma agressão à Constituição feita pelo Presidente e não pelo Tribunal. Seria isso?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Seria.O Sr. Ministro Eros Grau: Eu quero só pontualizar duas questões que me

parecem importantes. É que aí nós estamos diante da capacidade regimental. Não se trata de regulamento.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, é na parte final do artigo, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas através de regimento.O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, regimento é a primeira parte. Esta é

uma segunda parte do dispositivo.O Sr. Ministro Eros Grau: De todo modo, eu gostaria de deixar pontuali-

zada circunstância que me parece importante: nós não estamos diante do exer-cício de capacidade regulamentar, mas de capacidade regimental, atribuída aos Tribunais, uma parcela da função normativa. Assim como o Poder Legislativo exerce outra parcela dessa função normativa, a função legislativa. Cabe uma parcela de função normativa ao Poder Judiciário, assim como cabe outra parcela da função normativa ao Legislativo. O Legislativo tem o monopólio da função legislativa, não da função normativa.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu admitiria se, nos considerandos da porta-ria, houvesse referência a uma decisão do Tribunal. Não há.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Mas Ministro Carlos Ayres, se V. Exa. me permitir, como disse o Ministro Eros, isso é uma matéria da economia interna do Tribunal. O Tribunal pode dar competência ao Presidente para bai-xar esses atos. O que a Constituição fala é que compete aos Tribunais, mas não diz que compete ao órgão colegiado “A” ou ao órgão colegiado “B” ou ao Presidente. Ao meu sentir, o que me chamou a atenção é que, na realidade, o precedente que foi lembrado cuida da definição do regime jurídico. E, evidente-mente, que o horário está incluído no regime jurídico. Não há a menor dúvida. E essa foi a cautela do Ministro Celso, mas, aqui, não há alteração do horário. O horário é o mesmo e, mais do que isso, como pode haver dificuldades, o próprio Presidente do Tribunal, nesta portaria, determinou uma providência indispen-sável para assegurar o cumprimento do disposto no Código de Processo Civil com relação ao recebimento de petições ou de ações. Então, me parece que nós vamos tirar uma competência que obedece às peculiaridades locais, mesmo por-que, no Amazonas, há fuso horário diferente, há situação climática diferente e isso fica na alçada do Presidente ou do órgão do Tribunal, o que for, regular o funcionamento do expediente administrativo, desde que, como pôs o Ministro Celso de Mello, pelo menos na minha compreensão, não haja alteração do re-gime jurídico. O que quer dizer, no caso, não houve alteração do regime jurídico porque o horário de funcionamento, de trabalho, da jornada foi obedecido. Essa é a razão pela qual eu ponderaria sobre a necessidade de se fazer uma revisão no sentido de julgar constitucional a portaria do Presidente.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, peço a palavra. Na verdade, quando eu trouxe esta ação direta de inconstitucionali-dade para julgamento do Plenário, eu vim – confesso a V. Exas. – sem grande convicção, porque o meu primeiro impulso foi exatamente o de coonestar esta portaria, entendendo exatamente que cabe aos tribunais regulamentar o horário do expediente forense em seus respectivos Estados. Entretanto não apenas me ative a esse precedente relatado pelo eminente Ministro Celso de Mello, que trata especificamente sobre a questão do Regime Jurídico, mas um específico, que é a ADI 2.308, relatada pelo Ministro Moreira Alves, que invalidou, em sede cautelar, uma resolução do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, e não uma mera portaria.

Mas penso que a discussão é extremamente oportuna, porque temos de resolver, agora, por este Plenário, a seguinte questão: são competentes os Tribunais de Justiça dos Estados para, por meio de resolução ou portaria, esta-belecer os horários do expediente forense?

O Sr. Ministro Menezes Direito: Expediente forense, não. Estabelece o horário do expediente administrativo.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Sim, mas, por conseqüên-cia, aqui, também, se estabelece, nesta portaria – se os Senhores verificarem – o expediente forense.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, expediente forense.O Sr. Ministro Menezes Direito: Claro, mas obedecido o regime do Código

de Processo Civil, como está especificado.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Pois é, mas, também, o

expediente forense. Esta é uma questão de caráter administrativo e relevante, inclusive nesse momento em que se criou o Conselho Nacional de Justiça. Esta é uma matéria que tem de ser deixada aos Tribunais de Justiça local, aos Tribunais Regionais do Trabalho e Federais, ou é uma matéria que tem de regulada em nível nacional? É uma questão que coloco.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Celso, por essa razão é que, no art. 3º, ele mantém o horário de funcionamento dos cartórios.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Exatamente. O art. 3º mantém o horário de funcionamento das Serventias.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Exatamente por esse aspecto. O Sr. Ministro Celso de Mello: O horário de expediente “continua sendo

de 08 às 12 horas e das 14 às 17 horas”.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, há um dado que talvez

esteja escapando, e a meu ver é muito importante, e diz respeito àquilo que o Ministro Celso de Mello acaba de dizer. Aliás, o Ministro Marco Aurélio já ha-via dito. Se V. Exas. verificarem, esta portaria é do período em que nós tivemos a chamada “crise do apagão”. Ela é de 91, tanto que nos “considerandos” está assim:

“O Desembargador Djalma Martins da Costa, Presidente do Egrégio Tri bu-nal de Justiça do Estado do Amazonas, no uso de suas atribuições legais, e consi-derando a presente necessidade de se racionalizar os gastos” – e aí faz a referência expressa – “com material, energia elétrica e pessoal (...)”

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Se pretendia economizar por-que está diminuindo? Não seria expedida para manter um regime a título de economia.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É isso o que estou dizendo. Diante de uma contingência, se nós não reconhecermos que o Tribunal há de ter compe-tência para lidar com o seu funcionamento, tendo em vista as suas finalidades, tal como disse o Ministro Celso de Mello, parece-me que poderia engessar um pouco o Judiciário. Isso aqui veio por causa disso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Quanto a isso, estou de pleno acordo com V. Exa. O que me parece é que isso foi motivo de objeção expressa na petição inicial.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Exatamente. Estamos de acordo.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É que a petição inicial nega ao

presidente do Tribunal de Justiça competência para isso. É textual a petição ini-cial, onde se transcrevem dois dispositivos do Regimento Interno – e isso não

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foi contestado –, segundo os quais o presidente não tem competência para tanto. A Constituição é expressa quanto ao problema do autogoverno, não há dúvida:

Art. 96. Compete privativamente:I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos (...) dispondo sobre a competência e o funcionamento

dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

Ora, na verdade, a portaria dispõe textualmente sobre órgãos jurisdicio-nais, porque obriga textualmente o juiz a cumprir o horário, sob pena discipli-nar. É textual:

Art. 4º: (...) ficam obrigados a fielmente cumprir os horários de expediente fixados nos artigos anteriores, sob pena de responsabilidade funcional.

Está, pois, dispondo sobre o funcionamento dos órgãos jurisdicionais. E, evidentemente, nos demais artigos, dispõe sobre o funcionamento dos órgãos administrativos. Diz mais, de apoio administrativo. Ora, horário dos órgãos de apoio administrativo, horário de expediente administrativo dos órgãos de apoio do tribunal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Todo o texto é assim.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Exatamente. Noutras palavras, o

Presidente do Tribunal é que tomou a iniciativa de dispor a respeito de matéria que, segundo a Constituição, embora fazendo parte do poder de autogoverno do Judiciário, compete ao Tribunal. A menos que o Tribunal tivesse delegado, por via regimental, ao Presidente do Tribunal o poder de regulamentar.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: É, nesse ponto, que fala no uso de suas atribuições legais.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Realmente, estou convencido, como o Ministro Marco Aurélio avançou, de que o Tribunal tem competência para fixar horário de expediente externo e interno.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Penso que essa é uma demarcação que tem de ser feita.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Desde que não altere a jornada de trabalho textualmente.

O Sr. Ministro Eros Grau: V. Exa. me permite uma observação?O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Claro.O Sr. Ministro Eros Grau: Quero voltar à minha observação anterior.Nós temos decidido seguidamente aqui, quando vem algum regulamento,

em decisões monocráticas, que o problema não é de constitucionalidade, mas, sim, de legalidade. Aí não conhecemos da discussão.

Ocorre, no caso, que a Constituição atribui o exercício da função regimen-tal aos tribunais. E o que houve aí foi como se fosse um regulamento, algo que

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complementa a lei e que, no caso, complementou indevidamente o que deveria ser o regimento.

Tenho para mim, portanto, que estamos diante de um caso de afronta não à legalidade, mas ao regimento, à regimentalidade – se me for permitido o uso da expressão. E essa não é matéria a ser discutida no Supremo Tribunal Federal, mas em outra instância. Isso não nos cabe.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aqui diz com o autogoverno dos tribunais.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas segundo estou entendendo,

pelo raciocínio de V. Exa. descumpre o art. 96, I, a.O Sr. Ministro Carlos Britto: Está descumprindo o art. 96, I, a. E a matéria

é constitucional.O Sr. Ministro Eros Grau: Meu Deus do céu! Estamos diante de um ato do

próprio Tribunal, contra o próprio Tribunal, contra a regimentalidade do próprio Tribunal. Guardadas as devidas proporções e feito um paralelo, é como se o re-gulamento afrontasse a lei, ou a capacidade de dispor em matéria legal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o fundamento de validade é o art. 96, I, a, da Constituição.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Peluso, veja que, na inicial, a Ordem dos Advogados brasileiros, na realidade, impugna especificamente a maté-ria objeto da portaria, que teria de ser matéria de lei. Essa é a impugnação central.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Mas podemos rejeitar o fundamento.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Claro, mas essa é a impugnação central. É possível se rejeitar esse fundamento.

O Sr. Ministro Eros Grau: Por aí, não tenho dúvida em acompanhar. Mas se a questão for outra, não tenho dúvida nenhuma em insistir no meu ponto de vista.

VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, avanço o meu voto no sentido de assentar a inconstitucionalidade pela inadequação do ato singular com que o Presidente do Tribunal se manifestou – portaria –, deixando de fazê-lo colegiadamente, deixando de ser um ato do Tribunal no rigor dos termos da Constituição. V. Exa. bem citou: art. 96, inciso I, alínea a.

Com todas as vênias, é como voto.

DEBATE

O Sr. Ministro Eros Grau: Com todas as vênias – perdoe-me, Ministro Carlos Britto –, se esse ponto de vista prevalecer, daqui para frente, quando nos chegar um questionamento sobre algum regulamento, algum decreto, vou

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examinar. Não vou remeter à instância que julga a legalidade. A questão, guar-dadas as proporções, é exatamente a mesma. Mas tudo bem.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Se bem entendi, mas não sou evidentemente intérprete do Ministro Carlos Britto, essa norma da Constituição foi ofendida diretamente, porque foi praticado ato por quem, pela Constituição, não tinha competência para fazê-lo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O parâmetro de controle é o art. 96, inciso I, alínea a.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ou seja, trata-se de ofensa direta à Constituição, porque foi praticado ato em desacordo com a norma de compe-tência prevista na Constituição.

O Sr. Ministro Celso de Mello: A Constituição impõe, para o trato dessa matéria, seja observado o princípio da colegialidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Eu até nem faria reparo, até porque provavelmente esta é a situação do Supremo Tribunal Federal, a que o Regimento Interno tivesse atribuído ou delegado tal competência ao presidente do Tribunal para regular horário de Secretaria etc. Eu não teria nenhuma dúvida em acompanhar essa conclusão. Mas a petição inicial argüi exatamente o fato de que o Regimento Interno não delegou ao presidente competência para fazê-lo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E na portaria não há invocação do Regimento Interno.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Mas há nas informações.O Sr. Ministro Eros Grau: Se me permitir o Ministro Carlos Britto, indago:

esse é o único preceito da Constituição que atribui o exercício de competência normativa aos tribunais?

O Sr. Ministro Carlos Britto: No caso, sim.O Sr. Ministro Eros Grau: Mas eu não vejo se há outro.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): É sobre funcionamento de órgão

jurisdicional e órgão administrativo. O autogoverno da magistratura está exa-tamente aí.

O Sr. Ministro Celso De Mello: O núcleo do autogoverno da Magistratura concentra-se no art. 96 da Constituição da República.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): O núcleo do poder de autogo-verno está aí.

O Sr. Ministro Eros Grau: Quer dizer, fora dessa hipótese, a Constituição não atribui nenhuma outra competência normativa?

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, não atribui para dispor so-bre funcionamento.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Ministro, V. Exa. viu as informações?

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O Sr. Ministro Eros Grau: Sim, fora essa.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, é porque, nas infor-

mações, está expresso que, diferentemente do que afirma o autor da ação direta de inconstitucionalidade, o mencionado ato impugnado tem caráter meramente regulamentar, “derivado do comando legal contido no art. 70, I, da Lei de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar estadual nº 17, de 23.01.97)”, que tem a seguinte redação:

Art. 70. Ao Presidente do Tribunal de Justiça compete:I – Superintender, na qualidade de Chefe do Poder Judiciário do Estado,

todo o serviço da Justiça, velando pelo regular funcionamento de seus órgãos e pela observância (...)

Isso está nas informações.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Pela lei, é só fiscalizar.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Sim, fiscalização. E eles é que interpreta-

ram que isso era competência da Presidência.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, quero apenas fazer algumas ponderações. Estou realmente muito sensibilizado pelos argumentos expendidos nesta tarde. Eu sempre me inclinei pela autonomia dos tribunais locais para regular matéria de economia interna.

Mas apenas observo que – pincei aqui, porque li o meu voto em resumo – a autora, a Ordem dos Advogados do Brasil, diz o seguinte:

“na ausência de regramento acerca da matéria, tomou-se por apoio” – ao ato impugnado – “entendimento de que, na falta de preceito legal, caberia ao presi-dente do TJ legislar”.

Depois das informações prestadas pelo Presidente do TJ local, vê-se que essa norma nasceu de uma reunião com todos os interessados da comunidade jurídica, ou dos operadores do Direito, ou seja, de uma discussão da qual par-ticiparam o Presidente do Tribunal, juízes de Direito, membros do Ministério Público, membros da Defensoria Pública, a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo que todos teriam concordado, menos os represen-tantes da OAB. Então, o Presidente certamente se arrogou o direito de solucio-nar a questão por iniciativa própria.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: E menos os desembargadores também.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O Presidente, então, em

face dessa reunião, editou a portaria. Essa é a verdade.O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): O que estou submetendo a V. Exas.,

talvez fosse importante deixar fixado, é: primeiro, o Tribunal tem competência para regular essa matéria. No caso, essa competência não foi exercida pelo Tribunal.

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O Sr. Ministro Celso de Mello: A Lei de Organização Judiciária do Estado do Amazonas atribui essa competência ao Presidente do Tribunal de Justiça?

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Não, é só para fiscalizar.A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Pelo menos, o dispositivo que a Desembar-

gadora cita aqui é que o princípio da colegialidade parece que não foi respeitado. A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Esse é o fato que pode gerar inconsti-

tucionalidade.O Sr. Ministro Menezes Direito: Olha aqui, o art. 70, só para efeito de in-

terpretação, da Lei Orgânica diz o seguinte:

Art. 70 – Ao Presidente do Tribunal de Justiça compete: I – Superintender, na qualidade de Chefe do Poder Judiciário do Estado,

todo o serviço da Justiça, velando pelo regular funcionamento de seus órgãos e pela observância do cumprimento do dever por parte dos Magistrados, serven tuá-rios e servidores de justiça;

(...)LXI – Exercer outras quaisquer atribuições mencionadas em Lei, neste

Código ou no Regimento Interno;

Esse é o texto da Lei Orgânica do Estado do Amazonas.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu vou pedir vênia ao Ministro Relator e ao eminente Ministro Peluso, mas vou insistir no raciocínio que antes desenvolvi.

Entendo que não há inconstitucionalidade nem na perspectiva posta da competência do órgão colegiado, porque a distribuição constitucional refe-rida aos Tribunais pode ser distribuída internamente, seja pelo regimento do Tribunal, seja pela Lei Orgânica. E não me parece que a expressão utilizada pela lei orgânica, com o verbo superintender, seja restritiva da capacidade que tem o Presidente do Tribunal de regular o funcionamento dos órgãos administrati-vos e, portanto, do expediente administrativo do Tribunal, mesmo porque, pelo menos na minha compreensão, trata-se, já foi aventado por outros eminentes Colegas nesta tarde, de matéria que alcança peculiaridade local, e o Presidente do Tribunal pode, dentro do espírito da lei orgânica e da própria expressão cons-titucional, entender de regular esse horário de funcionamento dos serviços de expediente, sem, é preciso que se diga, alterar a matéria relativa ao regime jurí-dico. Ou seja, no caso, não há essa alteração porque a carga horária foi mantida.

Por essas razões é que eu peço vênia ao eminente Ministro Lewandowski para julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, vou pedir vênia para tam-bém acompanhar a divergência do Ministro Carlos Alberto Direito.

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Para mim a questão é muito simples e se resume no seguinte: os tribunais podem exercer função regimental. E isso está no âmbito da função regimental. Não houve nenhum excesso no caso.

VOTO(Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, como antecipei voto, mantenho-me no sentido de consignar a inconstitucionalidade da portaria, to-mando como parâmetro de controle da constitucionalidade desse modelo nor-mativo o art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição, consagrador do princípio do autogoverno dos tribunais.

Logo, em homenagem ao princípio da colegialidade, a matéria deveria ser regrada por Resolução do Tribunal e não por Portaria de seu Presidente.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também eu vou pedir muitas vênias ao brilhante voto do Ministro Ricardo Lewandowski, mas vou acompanhar a divergência iniciada pelo eminente Ministro Menezes Direito, por entender não ter havido agressão ao princípio constitucional da legalidade, o que foi argüido, e que consta do voto.

Na linha, portanto, da divergência, também julgo improcedente a pre sen- te ação.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o emi-nente Relator, mas por outro fundamento. Entendo que há violação ao art. 96, I, a, da Constituição Federal.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, é nesse mesmo sentido o meu voto, também por agressão ao art. 96, I, a, da Constituição.

Entendo que a ação deva ser julgada procedente.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, adiantei o ponto de vista quando, de certa forma, contribuiu para a boa fundamentação de meu voto o Ministro Menezes Direito, no sentido de declarar a constitucionalidade. Por que o faço? Porque não posso vislumbrar, na referência genérica à atuação do Tribunal, o alcance de apanhar também atos administrativos que, no dia-a-dia, ficam a cargo daquele que personifica o Tribunal, que é o próprio Presidente. Não imagino Regimento Interno a disciplinar, consideradas as especificidades

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locais, o funcionamento de Cartórios, de Varas. Essa atuação se faz a partir de ato realmente do administrador, que é o próprio Presidente do Tribunal.

Não encontro na Constituição Federal preceito que possa ser cotejado com a portaria editada, a ponto de concluir-se pela inconstitucionalidade. Não há regência específica sobre o tema. A alusão à competência do Tribunal precisa ser sopesada considerando-se os casos concretos, e não estamos aqui a discu-tir ofício judicante em si. Estamos a discutir um ato – que inclusive tem a seu favor a presunção de merecimento quanto à atividade a ser desenvolvida pelos Cartórios – simplesmente administrativo.

Por isso reafirmo o voto que proferi no sentido da improcedência do pe-dido inicial e da declaração, portanto, de constitucionalidade da Portaria. E se pega o enfoque mais rigoroso – porque a prática nos tribunais é esta, os atos são baixados pelo Presidente –, veremo-nos com uma série de ações diretas de inconstitucionalidade, quem sabe, inclusive, contra ato da Presidência do próprio Supremo.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Também vou pedir vênia aos eminentes Ministros que abriram a dissidência e acompanhar o eminente Relator, julgando procedente a ação, sobretudo porque, do ponto de vista da ob-jeção suscitada pelo Ministro Eros Grau, acho que seria, realmente, de algum modo compreensível não fosse a existência da norma inscrita no inciso b, onde há uma disposição ainda mais textual que diz competir aos tribunais:

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhe forem vinculados, (...)

Em outras palavras, trata-se de organização dos serviços administrativos e jurisdicionais. E, aqui, no caso, por norma expressa o presidente do Tribunal regulou até o horário de funcionamento dos órgãos jurisdicionais e, até, comi-nou responsabilidade disciplinar aos magistrados que descumprissem a nova regulamentação.

Razão por que, pedindo vênia a todos esses votos dissidentes, acompanho o eminente Relator e julgo procedente a ação.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, peço a palavra só para dizer que farei consignar em meu voto tudo o que foi discutido aqui, sobretudo este aspecto importantíssimo que é a faculdade de autogoverno dos tribunais, ou melhor, que o tema se insere na faculdade de autogoverno dos tribunais, desde que a decisão seja colegiada: a disciplina do horário de trabalho dos juízes e servidores, bem como o horário de trabalho, inclusive, dos juizados e das demais repartições judiciais.

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PROPOSTA

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Agora, por uma questão não apenas de cautela, mas sobretudo legal, penso que o Tribunal teria de fixar a eficácia dessa decisão, para que não se vá anular eventualmente ou dar pretexto para anular qualquer ato praticado. A meu ver, a eficácia teria de ser ex nunc.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem lembrado. Eu não objetaria a isso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Acho que seria a solução, por-que, se não, vamos dar pretexto para argüir nulidade de atos praticados etc.

VOTO (Sobre proposta)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, tenho sustentado invariavel-mente que há o vício a partir da edição do próprio ato no que conflitante com a Constituição Federal.

Peço para me manter fiel a esse entendimento.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.907/AM — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Marcelo Rocha de Mello Martins e outros). Requerido: Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Eros Grau. Em seguida, o Tribunal deliberou empres-tar eficácia ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 4 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 3.066 — RN

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiAgravante: Estado do Rio Grande do Norte — Agravado: Juiz de Di-

reito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal (Ação Ordinária 001.99.001345-7) — Interessados: Antonio Heriberto de Brito ou Antonio Eriberto de Brito e outros)

Agravo regimental em reclamação. Vencimentos. Servidor público estadual. URV. Inaplicabilidade do entendimento se-dimentado na ADI 1.797/PE. Limitação temporal. Impossibili-dade. Agravo improvido.

I – O objeto da ADI 1.797/PE é ato administrativo restrito aos membros e servidores do Tribunal Regional do Trabalho (6ª Região), matéria estranha à debatida nestes autos. Ausência de identidade material. Precedente: Rcl 2.916/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes.

II – O entendimento firmado na ADI 1.797/PE foi supe-rado no julgamento da ADI 2.323-MC/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, pois não se trata de reajuste ou aumento de vencimentos. Incabível, portanto, a limitação temporal.

III – Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das no-tas taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negar pro-vimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes Direito e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 25 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental in-terposto pelo Estado do Rio Grande do Norte contra decisão do Min. Carlos Velloso, à época Relator, que negou seguimento à presente reclamação proposta contra decisão do Juiz de Direito da 13º Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN que, em ação ordinária, determinou a implantação imediata do índice de 11,98%, referente à conversão de URV, na remuneração dos interessados.

Em sua fundamentação, sustentou o Ministro Relator que não seria cabível a reclamação, tendo como fundamento a afronta à ADI 1.797/PE.

Irresignado, o Estado do Rio Grande do Norte interpôs o presente recurso de agravo regimental.

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À fl. 175, concedi vista à Procuradoria-Geral da República, que se mani-festou nos seguintes termos:

O agravo regimental é tempestivo, o que impõe seu conhecimento. Quanto ao mérito, contudo, não merece prosperar.

Conforme já ressaltado pelo Ministro Relator (fls. 142/144), a ADI 1.797 não tem aplicabilidade ao presente caso.

Naquele julgamento, este Supremo Tribunal Federal apreciou uma decisão administrativa do Tribunal Regional do Trabalho da 6º Região (Recife/PE), que estendeu a seus servidores e magistrados a diferença remuneratória de 11,98%, decorrente de erro verificado na conversão de cruzeiros reais em URV.

Outro, porém, é o caso aqui versado. A decisão impugnada nesta reclama-tória é a do Juízo de Direito do Estado do Rio Grande do Norte. Apesar de o tema de fundo guardar semelhança com a matéria debatida na ADI 1.797 – conversão do valor dos vencimentos dos servidores públicos de cruzeiro real para URV – constata-se que o provimento reclamado buscou fundamento em ato normativo di-verso daquele impugnado na ação direta sob comento, até mesmo porque a decisão administrativa ali questionada tem incidência restrita aos membros e servidores do TRT da 6ª Região.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem reexaminada a ques-tão, verifica-se que a decisão não merece reforma, visto que a agravante não aduz novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada.

Como consignado na decisão agravada, o objeto da ADI 1.797/PE é um ato administrativo restrito aos membros e servidores do Tribunal Regional do Traba-lho (6ª Região), matéria estranha à debatida nestes autos. Desse modo, não há iden-tidade material entre a decisão reclamada e o acórdão apontado como paradigma.

Nesse sentido é a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Transcrevo, aqui, trecho da decisão proferida na Rcl 2.916/RN, pelo Rel. Min. Gilmar Mendes:

Trata-se de reclamação, com pedido liminar, proposta pelo Estado do Rio Grande do Norte em face de decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN que, nos autos do Processo 001.99.014982-0, em suposta afronta a autoridade de decisão proferida por este excelso pretório, teria determinado a imediata implantação do índice de 11,98% sobre os vencimentos dos autores, servidores públicos estaduais, decorrente da conversão da URV, sem levar em consideração as devidas compensações e sem estabelecer qualquer limite tem-poral para tanto. Visa o Reclamante a garantir a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal, assegurada no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição Fe deral, em especial aquela proferida nos autos da ADI 1.797-0/PE, cuja eficácia e integri-dade estariam sendo comprometidos com a manutenção da decisão reclamada.

(...)No caso em análise, a decisão judicial que determinou a incorporação do

índice de 11,98% aos vencimentos dos servidores do Estado do Rio Grande do Norte foi proferida com base na Lei 8.880/94, ato normativo distinto do que foi declarado inconstitucional na ADI 1.797/PE. Ademais, é de se observar que, na

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ADI 1.797/PE, a decisão administrativa objeto de controle tinha incidência restrita aos membros e servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, com jurisdição apenas sobre o Estado de Pernambuco. Portanto, apesar da similitude entre matérias, não se pode invocar, no presente caso, afronta à decisão proferida pelo STF na ADI 1.797/PE. No mesmo sentido, arrolo os seguintes precedentes desta Corte: Rcl 2.990-RN, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5-4-05; Rcl 3.742/RN, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-9-05; Rcl 2.967-MC/RN, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 29-11-04; Rcl 3.098/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 11-3-05. Assim sendo, nego seguimento à presente reclamação, (RISTF, art. 21, § 1º), ficando cassada a liminar anteriormente deferida.(Grifo nosso.)

Ademais, o entendimento firmado na ADI 1.797/PE foi superado no julga-mento da ADI 2.323-MC/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, uma vez que não se trata de reajuste ou aumento de vencimentos. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Objeto: decisão do conselho de ad-ministração do Superior Tribunal de Justiça, de 4-10-00, que aprovou a incorpo-ração, aos vencimentos básicos dos servidores da referida Corte, da diferença de 11,98%. Fundamento: alegada ofensa ao princípio da legalidade e aos arts. 96, II, b; e 169, ambos da Constituição Federal. Ausência de relevância do funda-mento da inicial. Plausibilidade do entendimento de que a diferença em destaque resultou de erro – que o ato impugnado visou corrigir – no critério de conversão dos respectivos valores, de Cruzeiros Reais em URV (Unidades Reais de Valor), verificado em abril de 1994. Medida cautelar indeferida.

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

Rcl 3.066-AgR/RN — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agra-vante: Estado do Rio Grande do Norte (Advogados: PGE/RN – Idálio Campos e outros). Agravado: Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal (Ação Ordinária 001.99.001345-7). Interessados: Antonio Heriberto de Brito ou Antonio Eriberto de Brito e outros (Advogados: Helder Manoel Lopes de Souza e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Minis-tros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie, Menezes Direito e, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Mi-nistro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 25 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.895 — SP

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoRequerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assem-

bléia Legislativa do Estado de São Paulo

Lei estadual. Proibição de máquinas caça-níqueis, de video-bingos, de videopôquer e assemelhadas. Inconstitucionalidade. Precedentes da Suprema Corte.

1. Esta Suprema Corte já assentou que a expressão “sistema de sorteios” constante do art. 22, XX, da Constituição Federal alcança os jogos de azar, as loterias e similares, dando interpre-tação que veda a edição de legislação estadual sobre a matéria, diante da competência privativa da União.

2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria de votos, julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de junho de 2007 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de São Paulo “em relação à Lei estadual nº 12.519, de 02 de janeiro de 2007, que proíbe a instalação, utilização, manu-tenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares” (fl. 2).

Alega o Requerente que:

(...)1) Aos 02 de janeiro de 2007, tendo em vista a rejeição do veto oposto pelo

Governador do Estado ao Projeto de Lei nº 184, de 2003, de iniciativa parlamen-tar, veio a ser promulgada, pelo Presidente da Assembléia Legislativa, em 02 de janeiro de 2007, a Lei 12.519, do seguinte teor:

“O Presidente da Assembléia Legislativa:Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo, nos

termos do art. 28, § 8º, da Constituição do Estado, a seguinte lei:Art. 1º Ficam proibidas a instalação, utilização, manutenção, locação,

guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopô-quer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares.

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§ 1º Persiste a proibição de que trata o caput, quanto à guarda ou ao depósito, ainda que o referido equipamento esteja desligado, desativado, incompleto ou desmontado.

§ 2º A desobediência a esta lei acarretará ao estabelecimento ou a seus responsáveis legais, solidariamente obrigados, a aplicação de multa, além da expropriação das máquinas.

§ 3º Em caso de máquinas caça-níqueis alugadas, sublocadas, arren-dadas ou cedidas em comodato ou regime de parceria, os proprietários do equipamento sofrerão as mesmas sanções previstas no § 2º.

Art. 2º As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações próprias, consignadas no orçamento vigente.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, aos 2 de janeiro de 2007.a) Rodrigo Garcia – PresidentePublicada na Secretaria da Assembléia Legislativa do Estado de São

Paulo, aos 2 de janeiro de 2007.a) Marco Antonio Hatem Beneton – Secretário Geral Parlamentar.

2. Reveste-se a referida lei, no seu todo, de inconstitucionalidade, sob mais de um enfoque, quais sejam,

a) vício material, pela invasão da competência legislativa privativa da União Federal; e

b) vício formal, por não assistir ao Estado-Membro competência adminis-trativa para fiscalizar as atividades lotéricas e de bingos.

I – Da viabilidade do imediato processamento da presente ação3. Conquanto a lei estadual ora em análise já tenha sido objeto de outra

ação direta de inconstitucionalidade, sob nº 3.850, promovida pela ABRESI – Associação Brasileira de Gastronomia, Hospitalidade e Turismo, à qual foi negado seguimento por despacho da I. Ministra Ellen Gracie, encontrando-se os autos conclusos ao Relator para apreciação do agravo regimental interposto, inexiste impedimento ao seguimento da presente ação.

4. Constitui entendimento dessa Colenda Suprema Corte que nos casos em que houver ajuizamento de duas ou mais ações declaratórias de inconstitucionali-dade, cujo objeto de impugnação seja o mesmo, dar-se-á o apensamento das ações subseqüentes àquelas anteriormente ajuizadas, para efeito de seu julgamento simul-tâneo. Nesse sentido, os julgamentos proferidos nas ADI 1.298-3, 1.460-9 e 1.287-7.

5. Ademais, embora o objeto da presente ação coincida com o da anterior-mente proposta, são diversos, em sua fundamentação jurídica, os dispositivos constitucionais maculados.

6. Mormente, sob o ponto de vista prático, da mais efetiva proteção do inte-resse público, entre aguardar-se o processamento do recurso interposto e promo-ver-se o imediato ajuizamento da presente ação, é de bom alvitre que se o faça, para ser evitada a obrigatoriedade de regulamentação do diploma estadual questionado.

II – Da invasão da competência privativa da União Federal7. Detém a União Federal competência privativa para legislar sobre determi-

nadas matérias. Como ensina Ives Gandra Martins:“As competências podem ser privativas, concorrentes e comuns. Nas

competências privativas apenas aquele poder enunciado, constitucional-mente, pode exercê-la. Nas concorrentes as diversas esferas atuantes podem dela usar, mas no conflito prevalece a da União sobre Estados e Municípios

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e dos Estados sobre os Municípios. Nas competências comuns, todos podem atuar sem necessidade de prevalência, em face de conflito não se colocar.

(...)O art. 22 não cuida nem de competência concorrente, nem de compe-

tência comum. Cuida da competência privativa para legislar.”8. Assim, a Constituição Federal, no art. 22, inciso XX, estabelece a com-

petência privativa do Poder Central para dispor sobre sistemas de consórcios e sorteios. Elenca, a seguir, no art. 195, inciso III, a receita de concursos sobre prog-nósticos como uma das contribuições destinadas a custear a seguridade social, que será financiada, precipuamente, mediante recursos provenientes dos orçamen-tos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

9. Paralelamente, cabe à União, com exclusividade, legislar sobre direito penal, ex vi do disposto no inciso I do mesmo artigo. No âmbito da legislação federal, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.668, de 3 de outubro de 1941), no Capítulo VII, dedicado às contravenções relativas à polícia de costumes, tipifica no art. 50, sob a rubrica jogo de azar, a conduta de “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante pagamento de entrada ou sem ele”.

10. Considera-se jogo de azar, conforme define o § 3º, alínea a, do citado dispositivo da LCP, “o jogo em que o ganho e a perda dependam exclusiva e principalmente da sorte”. Nesse sentido, refere Guilherme de Souza Nucci, na obra Leis penais e processuais penais comentadas, 2006: RT, p. 172 e ss., que “o bingo eletrônico é considerado, igualmente, jogo de azar” (STJ, AgRg na Medida Cautelar 10.784-RS, 2ª T., Castro Meira v.u., 13-12-2005).

11. Ainda, o Decreto-Lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, que dispõe sobre o serviço de loterias, apresenta disposições pertinentes sobre a matéria:

Art. 3º A concessão ou exploração lotérica, como derrogação das normas do Direito Penal, que proíbem o jogo de azar, emanará sempre da União, por autorização direta quanto à loteria federal, ou mediante decreto de ratificação quanto a loterias estaduais.

Art. 32 Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-Lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.

§ 1º As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumen-tar as suas emissões, ficando limitadas às quantidades do bilhete e séries em vigor na data de publicação deste Decreto-Lei.12. Posteriormente, a Lei federal 8.672, de 6 de julho de 1993, denominada

“Lei Zico”, instituiu normas gerais sobre o desporto, e, a título de angariar recursos para o seu fomento, autorizou, em seu art. 57, as entidades de direção e de prática desportiva filiadas a entidades de administração, mediante credenciamento na Secretaria da Fazenda da respectiva Unidade da Federação, a realização de sorteios na modalidade denominada Bingo, ou similar, conferindo ao órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal a pertinente normatização e fiscalização.

13. Pouco depois, porém, a Lei federal 9.615, de 24 de março de 1998, de-nominada “Lei Pelé”, instituindo normas gerais sobre desporto, veio a revogar, expressamente, em seu art. 96, a denominada “Lei Zico”. A matéria relativa ao Bingo era tratada em seu Capítulo IX, arts. 59 a 98, que ficaram revogados, a par-tir de 31 de dezembro de 2001, pelo art. 2º da Lei federal 9.981, de 14 de julho de 2000, “respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração”. Instituiu, ainda, o parágrafo único desse artigo que:

“Parágrafo único – Caberá ao Indesp o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como decisão sobre a regularidade das prestações de contas.”

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14. Nesse ínterim, o art. 17 da Medida Provisória 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, veio conferir nova redação ao art. 59 da Lei federal 9.615, de 1998:

Art 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público da com-petência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.15. A jurisprudência desse Excelso Pretório, reiteradamente, vem reconhe-

cendo a inconstitucionalidade das legislações estaduais que dispõem sobre bin-gos, a exemplo do julgamento do Tribunal Pleno, em 3-3-05, da ADI 2.948/MT, em que foi Relator o Min. Eros Grau:

Ementa: ação direta de inconstitucionalidade. § 2º do art. 62 da Lei 7.156/99 do Estado do Mato Grosso. Instalação e operação de máquinas ele-trônicas do jogo de bingo naquele Estado-Membro. Matéria afeta à compe-tência privativa da União. Inconstitucionalidade formal. 1. A Constituição do Brasil determina expressamente que compete à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX). 2. A exploração de loterias constitui ilícito penal. Nos termos do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição, lei que opera a migração dessa atividade do campo da ilicitude para o campo da licitude é de competência privativa da União. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.16. Diante desse quadro, é inarredável concluir-se que o Estado-Membro

não detém competência para legislar sobre sorteios, que assiste, privativamente, à União Federal (CF, 22, inciso XX), nem, tampouco, consoante decorre do art. 22, inciso I, da CF, para dispor sobre a repressão aos jogos de azar, por constituir ma-téria afeta ao direito penal.

III – Da inconstitucionalidade formal17. A considerar-se, ad argumentandum, que a fiscalização atribuída ao

Estado dar-se-ia em nível administrativo – também sob esse prisma a inovação le-gislativa reverteria em inconstitucionalidade, de cunho formal, eis que a atividade lotérica Bingo, expressamente definida como “serviço público federal”, passou a ser dependente de concessão ou autorização do Poder Público federal, não rema-nescendo na ordem jurídica qualquer delegação em favor dos Estados-Membros em termos de normatividade ou fiscalização nesse campo (CF, 22, parágrafo único).

18. Atualmente, sequer a Caixa Econômica Federal, indicada como órgão autorizador dessa atividade lotérica, é detentora de qualquer competência, salvo quanto às concessões porventura vigentes, uma vez que a Medida Provisória 2.049-37/00 apenas fez referência ao dispositivo legal revogado pela “Lei Pelé” (art. 59), sem nada declarar acerca do restabelecimento de sua vigência.(Fls. 2 a 11.)

O Ministro Sepúlveda Pertence aplicou a norma do art. 12 da Lei 9.868/99, tecendo as seguintes considerações:

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, da Lei estadual 12.519, de 2 de janeiro de 2007, do Estado de São Paulo, que proíbe a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares.

Alega-se, em suma, invasão da competência legislativa privativa da União e incompetência administrativa do Estado para fiscalizar as atividades lotéricas e de bingos.

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Certo, a matéria é objeto da Súmula Vinculante 2, posterior à vigência da lei impugnada – o que afasta a hipótese de reclamação constitucional (CF, art. 103-A) –, e que tem o seguinte teor:

“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que dis-ponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”Realmente, a súmula, na sua concepção original, a não ser a sua eficácia ar-

gumentativa, esgotava os seus efeitos no processo interno do Tribunal. Era, como dizia o saudoso mestre Victor Nunes Leal, “um método de trabalho” no Supremo.

A profícua experiência na aplicação do entendimento sumulado aos casos idênticos – conferindo maior celeridade e segurança à prestação jurisdicional – in-fluenciou o constituinte derivado, após mais de uma década de tormentosa discussão, a adotar o instituto – agora com novo plexo de eficácia – como forma de solução para as dificuldades resultantes da convivência de dois sistemas de controle de constitu-cionalidade, em época de abarrotamento de processos no Supremo Tribunal Federal.

Mas a auspiciosa vinculação dos órgãos do Poder Judiciário e da administra-ção pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, ao entendi-mento sumulado não se aplica, por óbvio, em relação ao Supremo Tribunal Federal.

É que, se assim fosse, a revisão ou o cancelamento de uma súmula vincu-lante – previstos no art. 103-A da Constituição – se tornariam uma impossibili-dade lógica.

Ademais, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por órgão colegiado exige a observância da reserva de plenário (CF, art. 97).

Certo, o parágrafo único do art. 481, do Código de Processo Civil, prevê a possibilidade de dispensa desse princípio nos demais Tribunais se já houver deci-são incidental do Supremo declaratória da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo de que se cuida.

Não é o caso: a Súmula Vinculante 2 não cuida do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade (Lei estadual 12.519/07); a norma determinada a que se refere é o inciso XX do art. 22 da Constituição Federal.

Daí porque a eventual aplicação do entendimento sumulado não pres-cinde do atendimento ao rito processual previsto na Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Assim, nos termos do art. 12, da Lei 9.868/99, que aplico ao caso:a) Requisitem-se informações em 10 dias;b) Manifestem-se o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da

República, sucessivamente, em 5 dias.(ADI 3.895-MC/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.)

O Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo prestou informações nos termos seguintes:

(...)Do direitoQuanto aos dispositivos de índole constitucional que o Requerente entende

vulnerados, cumpre assinalar que os pontos abordados e discutidos na inicial en-volvem, fundamentalmente, os limites de atuação legiferante do Estado-Membro.

De plano, insta consignar que ao proibir “a instalação, utilização, manu-tenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níques, de videobingo, videopôquer e assemelhadas” o Estado de São Paulo não se infiltrou em âmbito de atuação legiferante da União Federal, posto que a normatização então atacada não

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cuida da regulamentação dos “sistemas de consórcios e sorteios”, tampouco traz à colação normas de índole penal.

Em verdade, a lei em apreço cuida de matéria concernente a danos cau-sados ao consumidor, bem como à proteção e a defesa da saúde, temas estes considerados pela Lex Fundamentalis como de competência concorrente entre os entes da Federação (art. 24, VIII e XII, da Constituição Federal).

Ora, é inegável que a prática compulsiva do bingo traz graves danos à saúde da população, que muitas vezes inebriada com possíveis ganhos patrimoniais, mesmo que de pequena monta, ingressam estágio de patologia.

Acerca do assunto pronunciou-se com excelência, em artigo publicado em revista da Faculdade Paulista de Medicina, o médico psiquiatra do Ambulatório do Jogo Patológico, Marcelo Fernandes, o qual desvendou que “o jogo patológico é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde desde 1992 e caracteriza-se, em linhas gerais, pela incapacidade de controlar o hábito de jogar, a despeito de proble-mas – financeiros, familiares, profissionais, etc. – decorrentes desse comportamento”.

Ressaltou, na mesma ocasião, que “a fissura de um jogador compulsivo pelo jogo pode ser maior que a de um cocainômano pela cocaína”.

Segundo elementos extraídos do estudo supra mencionado verificou-se que nos últimos anos os “dois únicos ambulatórios públicos que tratam do problema, ambos na capital paulista, Amjo (Ambulatório do Jogo)-HC e Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes)-UNIFESP”, constataram um “aumento significativo na procura por tratamento [...] além de uma mudança no perfil dos pacientes. Parece estar ocorrendo uma democratização do problema com aumento no número de mulheres, bem como de pessoas de classes socioeconômicas mais baixas. Outro dado comum nos dois ambulatórios é o aumento do bingo como jogo de preferência, passando de 65% em 1998 para cerca de 90% no último ano, deixando loterias, videopôquer, turfe e caça-níqueis em segundo plano na preferência dos jogadores”.

[...] “Essa curva ascendente coincide com outro ‘boom’: o crescimento do número de casas de bingo. Desde sua instituição com a Lei Zico, em 1993, não param de crescer. Em 1993, havia 150 casas no país. Atualmente (2003) já chegam a 1.100, sendo 430 em São Paulo”.

Como visto, no caso em tela é alarmante a questão de saúde pública, sendo, pois, de competência dos Estados-Membros.

Com efeito, sob qualquer ângulo que se queira enfrentar a questão, patente que a Lei 12.519/2007, do Estado de São Paulo, só pode ser interpretada como fonte de prescrições dirigidas, essencialmente, à defesa da saúde e do consumidor.

Assim, decorre da competência legislativa aqui apontada a necessidade de o Estado-Membro impor seu poder coercitivo na regulamentação das matérias de sua competência constitucionalmente fixada.

Nesse caso, a multa, criada pela indigitada lei, não decorre da regulamen-tação de crime – o que indicaria uma matéria de “direito penal” de competência da União –, mas de natureza administrativa imposta pelo Estado-Membro para “fazer valer” seu poder coercitivo.

Da impossibilidade de concessão de liminar.Caso este Egrégio Tribunal entenda necessário apreciar pedido de liminar,

como demonstrado nos tópicos anteriores, seu pedido padece da plausibilidade jurídica autorizadora da medida liminar ( fumus boni iuris).

Em sede de ação direta de inconstitucionalidade, a concessão de medida cautelar requer, em princípio, a presença dos mesmos requisitos das demais

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medidas de urgência: deve, portanto, ser concedida somente quando a dilatio tem-poris do processo poderá acarretar um prejuízo atual irreparável.

Para Clémerson Merlin Cleve:“O STF define a medida cautelar como providência excepcional, de-

vendo a excepcionalidade da medida ser considerada como um expressivo fator limitativo de sua concessão. Afinal, os atos estatais gozam da presun-ção juris tantum da legitimidade (rectius constitucionalidade).

Exige o STF, para a concessão da medida cautelar, a satisfação simul-tânea de certos requisitos, que se apressam, (a) na plausibilidade jurídica da tese exposta ( fumus boni juris), (b) na possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora), (c) na irrepa-rabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados e (d) na necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. (A fiscalização abstrata de constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 159/160).”Permissa venia, estes requisitos não estão presentes nesta ação direta.Alegações referentes única e exclusivamente à tese jurídica, por si só, não

servem, em princípio, ao embasamento de tese judicial para a obtenção de medida liminar, e muito menos no campo do processo objetivo do controle de consti-tucionalidade, dada a generalidade de sua abrangência e profundo interesse público presente nessa jurisdição constitucional.

Não se demonstrou nenhum prejuízo efetivo. Ao contrário, prejuízo advirá, para a população do Estado de São Paulo, se a lei impugnada vier a ser suspensa.

Dessa forma, seja por qual prisma se analise a questão, não seria recomen-dável diagnosticar a concessão da medida liminar.

ConclusãoDe todo o exposto, tem-se, em sede de conclusão, que não se encontram confi-

gurados, na presente ação, os requisitos legais para concessão da liminar requerida. Requer-se, destarte, seja indeferido o pedido de liminar para suspensão dos

efeitos da Lei estadual 12.519, de 2 de janeiro de 2002. Por outro lado, caso Vossas Excelências entendam por bem antecipar a

decisão de mérito e julgar definitivamente a ação, nos termos do art. 12 da Lei 9.868/99, requer seja o pedido julgado improcedente.(Fls. 37 a 41.)

O Dr. José Antonio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União, manifesta-se pela procedência da ação com base na orientação firmada nesta Corte, assim:

A presente controvérsia limita-se a identificar se a proibição quanto à ins-talação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e assemelhadas, em bares, restaurantes e similares, é da competência legislativa dos Estados-Membros. Todavia, em que pese a nobre intenção do legislador estadual, o diploma mostra-se inconstitucio-nal, por disciplinar matéria de competência privativa da União.

De início, cumpre destacar que a lei ora impugnada, embora disponha em sentido contrário das costumeiramente analisadas por essa Excelsa Corte, possui natureza idêntica a elas. É que, da mesma forma que as normas estaduais autori-zadoras de jogos de azar, seja na forma de loterias, bingos, equipamentos caça-níqueis, videobingo, videopôquer e assemelhados, o diploma que os coíbe, em bares, restaurantes e assemelhados, versará igualmente sobre sistema de sorteios.

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Assim, apesar do tratamento divergente da Lei 12.519/2007, do Estado de São Paulo, a identidade do ramo do direito é razão suficiente para tornar aplicá-veis, ao caso dos autos, os argumentos relativos à inconstitucionalidade formal, por usurpação da competência da União de que trata o art. 22, XX, da Carta de 1988, havidos nas ADIs 2847/DF, 2996/SC, 3183/MS, 3259/PA e 3060/GO, que declararam ilegítimas as leis estaduais autorizadoras de jogo.

Segundo os precedentes, o termo “sorteios”, localizado no inciso XX do art. 22 da Constituição Federal, há de ser entendido de forma ampla. Quando do julgamento da ADI 2847/DF, o Min. Carlos Britto, acompanhando o voto do Min. Carlos Velloso, Relator, asseverou que o vocábulo representa

“um gênero de toda e qualquer competição para obtenção de prêmio, seja em dinheiro, seja em bens de outra natureza, com desembolso de recur-sos por parte do competidor ou, então, pela sua adesão a regras de propa-ganda comercial, contanto que o resultado pró ou contra dependa do acaso; isto é, fique à mercê do fado ou destino, ora exclusiva, ora preponderante”.Na ocasião, conforme explica o voto do Min. Relator, verificou-se que “as

loterias estão abrangidas pela terminologia sorteios”.A partir daí, esse Excelso Pretório reconheceu que a norma contida na Carta

de 1988 compreende diversas espécies, como loterias e bingos, aproximando o conceito de sorteios ao de jogos de azar, em quaisquer de suas formas. Assim, seja qual for a modalidade de jogo, apenas a União tem competência legislativa na seara. Conforme destaca a seguinte passagem do voto do Min. Celso de Mello, na já citada ADI 2847/DF, verbis:

“(...) A experiência jurídica do Estado brasileiro, especialmente a partir da década de 90, tem revelado, de modo bastante expressivo, ser da União Federal – e desta apenas – a competência para legislar, disciplinar e regular, no plano normativo, o tema pertinente aos jogos de bingo (ou a quaisquer outras modalidades de jogos cujos resultados se mostrem alea-tórios, porque unicamente dependentes do acaso), à sua exploração, ao credenciamento, autorização e fiscalização das entidades que os promovem e à instalação e operação, em salas próprias, de máquinas eletrônicas pro-gramadas para a exploração dos referidos jogos de bingos.

(...)Cumpre-me ressaltar, finalmente, como precedentemente enfatizado,

que a prática institucional do Estado brasileiro tem sempre reconhecido incluir-se, na esfera de competência do Poder Central a possibilidade de dispor, nor-mativamente, dentre outros tipos de jogos, sobre cartas de jogar, jogos de azar, jogos lícitos carteados, cassinos, loterias, bingos ou similares, por exemplo.

(...)Desse modo, Senhor Presidente – e consideradas, de um lado, a com-

petência privativa da União para legislar sobre serviços lotéricos, jogos, apostas, bingos e sorteios (CF, art. 22, XX) e, de outro, a evidência histórica de que essa competência tem sido sempre exercida pelas instâncias centrais de Poder –, não vejo como reconhecer, presente esse contexto, competência aos Estados-Membros ou ao Distrito Federal para legislar em tema de quais-quer modalidades de jogos ou das atividades por mim referidas.”Assim, sob tais fundamentos, o Supremo Tribunal Federal declarou a in-

constitucionalidade formal das leis estaduais que regulamentavam a exploração de bingos, loterias, caça-níqueis:

“Constitucional. Loterias. Leis 1.176/96, 2.793/01, 3.130/03 e 232/92, do Distrito Federal. C.F., art. 22, I e XX. I – A Legislação sobre loterias é

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da competência da União: C.F., art. 22, I e XX. II. – Inconstitucionalidade das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/01, 3.130/03 e 232/92. III. – ADI julgada procedente”(ADI 2.847/DF; Rel. Min. Carlos Velloso; Julgamento: 5-8-04; DJ de 26-11-04);

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.570/03 do Estado do Pará. Serviços de loterias. Regras de exploração. Sistemas de consórcios e sorteios e Direito Penal. Competência exclusiva da União para legislar sobre a maté-ria. Inconstitucionalidade. 1. Ao mencionar ‘sorteios’ o texto da Constituição do Brasil está aludir ao conceito de loteria. Precedente. 2. Lei estadual que disponha sobre espécies de sorteios usurpa competência exclusiva da União. 3. Flagrante incompatibilidade entre a lei paraense e o preceito veiculado pelo art. 22, inciso X, da CB/88. 4. A exploração de loterias constitui ilícito penal. A isenção à regra que define a ilicitude penal da exploração da atividade vin-culada às loterias também consubstancia matéria de Direito Penal. Compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal – art. 22, inciso I, CB/88. 5. Pedido de declaração de inconstitucionalidade procedente”(ADI 3.259/PA; Rel. Min. Eros Grau; Julgamento: 16-11-05; DJ de 24-2-06);

“1. Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 11.348, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre serviço de loterias e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a com-petência privativa da União para dispor sobre sistemas de sorteios. 2. Não está em causa a Lei estadual 3.812/99, a qual teria criado a Loteria do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados membros.”(ADI 2.996/SC; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 10-8-06; DJ de 29-9-06);

“Ação direta de inconstitucionalidade. Loterias e bingos do Estado de Mato Grosso do Sul. Violação do art. 22, XX, da Constituição Federal. Vício de competência. Inconstitucionalidade. Precedentes. São inconstitu-cionais, por ofensa à competência da União para legislar sobre sistema de consórcios e sorteios (art. 22, XX, da Constituição federal), os decretos que compõem o sistema normativo regulamentador do serviço de loterias e bin-gos no estado de Mato Grosso do Sul. Precedentes. Ação direta de inconsti-tucionalidade julgada procedente.”(ADI 3.183/MS; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julgamento: 10-8-06; DJ de 20-10-06);

“Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 7.416, de 10 de outubro de 2003, do Estado da Paraíba, que dispõe sobre serviço de loterias e jogos de bingo: inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a competência priva-tiva da União para dispor sobre sistemas de sorteios.”(ADI 3.277/PB; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 2-4-07; DJ de 25-5-07);

“Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 13.639/00 – com a redação dada pela Lei estadual 13.672/00 - do Estado de Goiás, que dis-põe sobre modalidades lotéricas e congêneres, dentre as quais os bingos (inciso IV, § 2º, art. 1º) e as máquinas caça-níqueis (inciso V, § 2º, art. 1º): inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da

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Constituição Federal, que estabelece a competência privativa da União para dispor sobre sistemas de sorteios.”(ADI 3.060/GO; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Julgamento: 3-5-07; DJ de 1º -6-07);É importante destacar que, nos precedentes acima, as leis declaradas in-

constitucionais buscavam regulamentar não somente bingos e loterias, mas tam-bém videoloterias, termo que abrange, por exemplo, caça-níqueis e videobingos.

Por tais razões, recentemente, o Min. Sepúlveda Pertence, Relator da ADI 3.277/PB, em seu voto-condutor do acórdão, afirmou que:

“Pacificou-se – malgrado a divergência do Ministro Marco Aurélio – entendimento de que incumbe privativamente à União legislar sobre ‘sis-tema de sorteios’, o que – conforme demonstrou o Ministro Britto no julgamento da ADI 2.847 (5-8-04, DJ de 26-11-04) – envolve a regulação substancial das modalidades de sorteio, dos direitos, deveres e responsabi-lidades daí decorrentes.”Consolidando o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal sobre a

matéria, foi aprovada, em sessão plenária de 30-5-07, a Súmula Vinculante 2, nos seguintes termos, verbis:

“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que dis-ponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”No caso dos presentes autos, a lei impugnada tem o propósito de censurar

o jogo em estabelecimentos do Estado de São Paulo, através da proibição do uso e da circulação de máquinas caça-níqueis, de videobingo, videopôquer e asseme-lhadas. Entretanto, apesar da nobre intenção do legislador, a matéria em questão, como se verificou exaustivamente ante os precedentes acima, é de índole federal.

A partir da orientação fixada, pelo Excelso Pretório, acerca do conteúdo jurí-dico do inciso XX do art. 22 da Carta Política, é de se concluir que, tal como norma estadual que autoriza e regulamenta o jogo de azar, a lei que o coíbe também deve ser tida formalmente inconstitucional, na medida em que adentra em assunto a ser tra-tado somente pelo ente central. Seja num ou noutro sentido, o fato é que tais leis ter-minam por versar sobre sistemas de sorteio, seara legislativa imprópria aos Estados.

Assim, do mesmo modo que a regulamentação intentada por outras unidades foi declarada inconstitucional, por usurpação da competência da União, também deve selo a lei estadual que proíbe expressamente a exploração de máquinas de jogos.

Por fim, esclareça-se que, no exercício de sua competência privativa para legislar sobre sistemas de sorteio, a União editou as Leis 9.615, de 24 de março de 1998, e 9.981, de 14 de julho de 2000, bem como o Decreto 3.659, de 14 de novem-bro de 2000, confirmando o interesse do Ente central na matéria.

Ante o exposto, por não observar os limites estabelecidos no art. 22, XX, da Constituição da República, verifica-se vício insuperável de natureza formal na Lei 12.519/07, do Estado de São Paulo, razão porque deve ser declarada inválida.(Fls. 45 a 51.)

Opina o Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República, pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade mediante os seguintes fundamentos:

(...)12. A lei paulista impugnada, por ser estadual, infringe a Constituição da

República, que, no seu art. 22, inciso XX, confere competência privativa à União para legislar sobre “sistemas de consórcios e sorteios”.

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13. Assim, o Estado de São Paulo usurpou competência constitucional-mente atribuída à União, visto que na noção de sorteios compreendem-se os jogos de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas. É que, como se sabe, o conceito de sorteios abrange toda espécie de jogo cujo resultado dependa do acaso.

14. Dito isso, é necessário registrar que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em diversas oportunidades, que somente à União cabe legislar sobre tema ligado a sorteios – ADI’s 3.183, 2.690, 2.847, 2.995, 3.148, 3.189, 3.293, 3.063, 3.060, 2.996, 3.147, 3.277, 3.259 e 2.948.

15. Com efeito, é deste modo que vem decidindo a Corte:“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual

13.639/00 – com a redação dada pela Lei estadual 13.672/00 – do Estado de Goiás, que dispõe sobre modalidades lotéricas e congêneres, dentre as quais os bingos (inc. IV, § 2º, art. 1º) e as máquinas caça-níqueis (inciso V, § 2º, art. 1º): inconstitucionalidade formal declarada, por violação do art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a competência priva-tiva da União para dispor sobre sistemas de sorteios” (ADI 3.060, Ministro Sepúlveda Pertence, j. 3-5-07, DJ de 1º -6-07).16. A iterativa manifestação desta Corte deu ensejo à edição da recente

Súmula Vinculante 2, segundo a qual “[é] inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclu-sive bingos e loterias”.

17. É bem verdade que, nas oportunidades em que o Supremo Tribunal se deparou com o tema em exame, analisou leis estaduais que autorizavam a reali-zação de sorteios, diferentemente do que ocorre com a que ora se impugna, que a proíbe. Mas, em ambas as hipóteses, a natureza da matéria tratada é a mesma, conforme frisou o Advogado-Geral da União. Vale dizer que o tema ‘sorteios’ está presente tanto na lei que permite a sua realização quanto na que veda, e que tal constatação é suficiente para atrair, em ambos os casos, a competência legislativa privativa da União.

18. A orientação firme e refletida da Corte Suprema deveria bastar para se verem aperfeiçoados os comportamentos estatais travados nessa seara. Ocorre, contudo, que o tema em questão é espinhoso, não pela reflexão jurídica que im-põe, mas pela insistente e reiterada manifestação normativa de vários estados da Federação. Por isso, há a necessidade, ainda, como se vê em mais este caso, de se provocar a Corte pelo processo de controle concentrado.

19. Por fim, é de se concluir que a lei estadual impugnada, por dispor sobre matéria concernente a sorteios, padece de inconstitucionalidade formal, por-quanto invade a competência privativa constitucionalmente conferida à União para legislar sobre o tema – art. 22, inciso XX, da Lei Maior.(Fls. 55 a 57.)

É o relatório, que deverá ser distribuído aos demais Senhores Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Governador do Estado de São Paulo ajuizou ação direta de inconstitucionalidade de lei de iniciativa legislativa que proibiu a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de

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máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas em ba-res, restaurantes e similares, ainda que o equipamento esteja desligado, desati-vado, incompleto ou desmontado, ao argumento da existência de vícios formais e materiais. Estabeleceu também a possibilidade de aplicação de multa e de expropriação dos equipamentos em caso de desobediência.

Aplicado o art. 12 da Lei 9.868, de 1999, por decisão do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, chegaram as informações do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e as manifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República.

O Dr. José Antônio Dias Toffoli manifestou-se pelo conhecimento e pelo seu provimento da ação ao fundamento de que a competência para legislar sobre a matéria é da União. Indicou precedentes desta Suprema Corte em torno do art. 22, I, da Constituição Federal, trazendo, ainda, a Súmula 2 para apoiar seu pronun-ciamento. Diz o ilustre Advogado-Geral que a “lei impugnada tem o propósito de censurar o jogo em estabelecimento do estado de São Paulo, através da proibição do uso e da circulação de máquinas caça-níqueis, de video bingo, videopôquer e assemelhadas. Entretanto, apesar da nobre intenção do legislador, a matéria em questão, como se verificou exaustivamente ante os precedentes acima, é de índole federal” (fl. 50) Ademais, prossegue o Dr. Toffoli, a “partir da orientação fixada pelo Excelso Pretório, acerca do conteúdo jurídico do inciso XX do art. 22 da Carta Política, é de se concluir que, tal como norma estadual que autoriza e regu-lamenta o jogo de azar, a lei que o coíbe também deve ser tida como formalmente inconstitucional, na medida em que adentra em assunto a ser tratado somente pelo ente central. Seja num ou noutro sentido, o fato é que tais leis terminam por versar sobre sistema de sorteio, seara legislativa imprópria aos Estados” (fl. 50). Finalmente, afirma que, “no exercício de sua competência privativa para legislar sobre sistema de sorteio, a União editou as Leis 9.615, de 24 de março de 1998, e 9.981, de 14 de julho de 2000, bem como o Decreto 3.659, de 14 de novembro de 2000, confirmando o interesse do ente central na matéria” (fl. 50).

O eminente Procurador-Geral da República opinou pela procedência do pedido. O Dr. Antonio Fernando considerou violado o art. 22, XX, da Cons ti tui-ção Federal, ao argumento de que o “Estado de São Paulo usurpou competência constitucionalmente atribuída à União, visto que na noção de sorteios compreen-dem-se os jogos de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e as-semelhadas. É que, como se sabe, o conceito de sorteios abrange toda espécie de jogo cujo resultado depende do acaso” (fl. 55). Destacou o Dr. Antonio Fernando que “nas oportunidades em que o Supremo Tribunal se deparou com o tema em exame, analisou leis estaduais que autorizavam a realização de sorteios, diferen-temente do que ocorre com a que ora se impugna, que a proíbe. Mas, em ambas as hipóteses, a natureza da matéria é a mesma, conforme frisou o Advogado-Geral da União. Vale dizer que o tema ‘sorteios’ está presente tanto na lei que permite a sua realização quanto na que veda, e que tal constatação é suficiente para atrair, em ambos os casos, a competência legislativa privativa da União” (fl. 56).

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Fácil perceber que a questão gira em torno da interpretação que se possa dar ao art. 22, XX, da Constituição Federal, que estabelece a competência pri-vativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios. As ma-nifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República avançaram para reconhecer que a disciplina proibitiva da lei estadual sob exame está nos limites da regra constitucional, ou seja, oferecem interpretação ampla ao termo “sorteios”, que abrangeria o jogo eletrônico na linhagem dos bingos e das máquinas de caça-níqueis.

De fato, esta Suprema Corte tem andado nesse tema ampliando o conceito de sorteios para alcançar os jogos de azar. Veja-se, a propósito, o que se assen-tou na ADI 2.995/PE (DJ de 28-9-07), Relator nosso decano, Ministro Celso de Mello, permanecendo vencido o eminente Ministro Marco Aurélio. A ementa logo destaca que a “cláusula de competência inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição da República atribui máximo coeficiente de federalidade ao tema dos ‘sorteios’ (expressão que abrange os jogos de azar, as loterias e similares), em ordem a afastar nessa específica matéria, a possibilidade cons-titucional de legítima regulação normativa, ainda que concorrente, por parte dos Estados-Membros, do Distrito Federal ou dos Municípios”. No corpo do seu erudito voto, o eminente Ministro Celso de Mello afirmou que, “considerando, de um lado, os precedentes que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame e tendo em vista, de outro, a competência privativa da União para legislar sobre serviços lotéricos, jogos, apostas, bingos e sorteios (CF, art. 22, XX) –, não vejo como reconhecer, presente esse contexto, competên-cia, ao estado de Pernambuco, para legislar em tema de quaisquer modalidades jogos ou das atividades anteriormente referidas”.

Verifico, portanto, que esta Corte Suprema, recentemente, enlaçou no conceito de sistema de sorteios a modalidade de jogos de azar, assim, o bingo e os caça-níqueis.

Na verdade, teria eu, se votasse naquela ocasião, feito interpretação di-versa, na medida em que o conceito de “sistema de sorteios”, dispondo o verná-culo que palavra própria, “jogos”, não poderia ter essa extensão. E assim penso porquanto a Constituição faz reserva explícita dos poderes residuais no art. 25, § 1º, o que quer dizer que procura com isso preservar o mais possível a natureza essencial da forma federativa de estado, que não se compraz com essa centrali-zação demasiada que causa, pelo menos na minha concepção, distorções severas no gerenciamento das atividades públicas. Todavia, no belíssimo voto proferido pelo Ministro Celso de Mello essa questão central foi posta com diversa con-clusão. De fato, a Corte assentou, então, acompanhando o raciocínio deduzido pelo Relator, com a solitária voz e autoridade do Ministro Marco Aurélio em outra direção, que “os diplomas normativos ora impugnados efetivamente vulneraram a cláusula de competência, que, inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição da República, atribui, ao tema dos ‘sorteios’ (expressão que abrange, na jurisprudência desta Corte, os jogos de azar, as loterias e simila-res), um máximo coeficiente de federalidade, apto a afastar, nessa específica

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matéria, a possibilidade constitucional de legítima regulação normativa por parte dos estados-membros, do Distrito Federal, ou, ainda, dos Municípios”. Por essa razão entendo não mais caber o reexame desse aspecto nuclear para subsistência da competência residual no tocante aos jogos de azar na perspectiva do art. 22, XX, da Constituição Federal. Permito-me apenas registrar, sendo a primeira vez que me manifesto no assunto, a minha interpretação não amplia-tiva, que, com todo o maior respeito à maioria formada nesta Suprema Corte, parece-me mais consentânea ao meu modo de enxergar a forma federativa aco-lhida pelo constituinte dos oitenta para o estado brasileiro.

No caso, portanto, como a lei estadual impugnada cuida especificamente de proibir a instalação, utilização, manutenção, locação, guarda ou depósito de máquinas caça-níqueis, de videobingo, de videopôquer e assemelhadas, im-pondo penalidade para a infração, não há outra solução que a de reconhecer a existência do vício formal, atropelado o art. 22, XX, da Constituição Federal.

Julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade da Lei estadual 12.519, de 2 de janeiro de 2007, do Estado de São Paulo.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estamos no Plenário. Reconheço a existência de inúmeros precedentes sobre a matéria, mas continuo convencido de que não cumpre à União reger serviço público, e o serviço lotérico, pela destina-ção dos recursos, é um serviço público do Estado, de uma unidade da Federação.

Peço vênia ao relator para julgar improcedente o pedido, reportando-me ao voto proferido na ADI 2.847-2/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário de 26 de novembro de 2004:

[...] O que cumpre examinar é a competência para legislar sobre loterias, visando ao funcionamento destas, presente o disposto no inciso XX do art. 22 da Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:(...)XX – sistemas de consórcios e sorteios; (...)

Em síntese, ter-se-ia como adentrado o campo do Direito Penal caso dispu-sesse qualquer das leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade sobre contravenção penal, excluindo-a, na linha direta, do cenário jurídico. No caso, o preceito do Decreto-Lei 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, limita-se a glosar a prática lotérica sem a existência de concessão e, na espécie, discute-se a compe-tência para regular tal prática, o que se circunscreve a campo estranho ao penal. No mais, os autores não divergem sobre a definição do serviço de loteria como público, definição que decorre da lei, segundo Miguel Reale, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso. O legis-lador, como ressaltado por Celso Antônio Bandeira de Mello em “Curso de Direito Administrativo”, “erige, ou não, em serviço público tal ou qual atividade, desde que respeitados os limites constitucionais”. Em artigo publicado em “Temas de

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Direito Constitucional”, Luís Roberto Barroso aduz que a atividade de exploração de loterias é considerada como serviço público por definição legislativa desde 1932, aludindo ao Decreto, desse ano, de n. 21.143, e aos Decretos-Leis sucessivos 2.980/41, 6.259/44 e 204/67, sendo que, no último, dispôs-se:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente decreto-lei.Inegavelmente, com esse preceito criou-se o monopólio da União para a

exploração das loterias (gênero).Ainda sob a égide da Constituição anterior, Caio Tácito produziu artigo

sob o título “Loterias Estaduais (criação e regime jurídico)” publicado na Revista de Direito Público 77, de 1986, às páginas 78 e 79. Apontou o autor o conflito da norma do Decreto-Lei 204/67 com o princípio da autonomia estadual. Remeteu à regra segundo a qual aos Estados são conferidos todos os poderes que explícita ou implicitamente não lhes sejam vedados – presente o art. 13, § 1º, da Carta à época em vigor e, hoje, a cláusula do § 1º do art. 25 da Lei Máxima de 1988, a revelar que são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas na própria Constituição. Evocando a convivência, constitucionalmente ordenada, entre o poder central e os poderes locais, ressaltou o jurista caber aos Estados membros a admi-nistração dos próprios serviços e, a fortiori, a competência de criá-los conforme opção política. No mesmo sentido, emitiu parecer o Ministro desta Corte Oswaldo Trigueiro, em 1985, assentando que “a Constituição não impede o funcionamento da loteria estadual. Primeiro, porque não atribui esse serviço à União, com exclusi-vidade. Segundo, porque não proíbe de forma expressa, ou simplesmente implícita, a existência das loterias estaduais. (...) Se a União pudesse, por lei ordinária, tornar exclusivo um serviço público que a Constituição não proíbe aos Estados, a auto-nomia destes estaria reduzida a letra morta; a legislação comum poderia aumentar desmedidamente a área de competência federal, estabelecendo a exclusividade da maioria dos serviços públicos concorrentes ou de exclusividade estadual”. O parecer foi publicado na Revista de Direito Público 76, de 1985, às páginas 38 e 39.

Nessa mesma linha, pronunciou-se o saudoso Geraldo Ataliba, salien-tando que “só são exclusivas da União as competências arroladas no art. 8º da Constituição Federal. Estas o Estado Federado não pode desempenhar, sem acordo com a União. As demais possíveis atividades públicas – ex vi do preceito do § 1º do art. 13 – podem ser exercidas pelos Estados concorrentemente, ou não, com a União”. Em passo seguinte, adentrando a exploração de loterias e similares, concluiu o publicista tratar-se de “atividade subsumível no conceito lato de ser-viço público”. Quanto à competência da União para legislar sobre Direito Penal, disse da impossibilidade de dar-se a esse enfoque alcance superlativo, a ponto de chegar-se à proibição, aos Estados, do exercício de uma atividade que é qualificada como serviço público e que, segundo lições expendidas, rege-se pelas leis que o ente federado vier a adotar. Confira-se com artigo constante da Revista de Direito Público 91, página 96, de Carlos Ari Sundfeld, sob o título “Loterias Estaduais na Constituição de 1988”.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em 1987, consignou que “o congela-mento do status quo fático das loterias estaduais decidido por uma lei da União fere esta basilar isonomia”, referindo-se ao art. 9º, inciso I, da Carta em vigor, no que preceituava ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos

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Territórios e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uma dessas pessoas de direito público interno contra outra.

É sabença geral constituir premissa básica do federalismo que somente à Constituição Federal cabe restringir a autonomia dos Estados-Membros. Resta saber: tem-se na previsão do inciso XX do art. 22 da Carta da República abrangên-cia a ponto de alcançar as loterias estaduais nas diversas espécies? A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios apanha as loterias estaduais? Eis a questão constitucional da maior relevância com a qual se defronta a Corte, não havendo espaço para óptica que, escapando da seara jurídico-constitucional, situe-se em outras mais amplas, mesmo porque a União explora, com largueza maior, a atividade lotérica.

Sob o ângulo do monopólio, bem ressaltou Fábio Konder Comparato em “Monopólio Público e Domínio Público – exploração indireta da atividade mono-polizada”, publicado em Direito Público: Estudos e Pareceres, 1996, p. 149, que a Carta atual, ao contrário das Constituições de 1946 e 1967-69, mostra-se taxativa quanto aos setores ou atividades em que se tem o monopólio estatal, agora deferido exclusivamente à União. Então, o consagrado mestre proclamou que a lei já não pode criar outros monopólios não estabelecidos expressamente no texto constitucio-nal. No mesmo sentido é a lição de Pinto Ferreira, também mencionada no parecer “Natureza Jurídica das Loterias e Bingos – Competência dos Estados-Membros na Matéria”, de Luís Roberto Barroso: “Só existem monopólios criados pela Constituição”. A Lei Máxima não reserva o serviço público de loterias expressa-mente à União, ficando afastada, assim, a possibilidade de cogitar-se de monopólio.

Daí a perplexidade gerada com a inserção, na Medida Provisória 2.216-31, de 31 de agosto de 2001, do art. 17 emprestando nova redação ao art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março de 1968, que, revogada pela Medida Provisória 168, de 20 de janeiro de 2004, voltou a vigorar, no que o Senado retirou do cenário jurídico o último diploma, ou seja, a medida provisória proibitiva dos bingos.

Art. 17. O art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março de 1988, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.

Eis mais uma serventia encontrada para esse instrumento excepcional de nor-matização que é a medida provisória – criar o monopólio ligado à área da loteria!

A visão primeira do inciso XX do art. 22 da Carta Federal, a versar sobre sistemas de consórcios e sorteios, reservando-os à disciplina pela União, con-duz à conclusão sobre a abrangência a ponto de alcançar loterias. Afinal, estas submetem-se a sistema de sorteio. Todavia, os dois vocábulos – consórcio e sor-teio –, conforme ressaltado por Luís Roberto Barroso, jamais englobaram o servi- ço lotérico. Cita o autor a Lei 5.768/71, no que tratou do sorteio de consórcio, da distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda e das operações voltadas à aquisição de bens de qualquer natureza, sendo que nesse diploma a única refe-rência a loteria fez-se, considerada a seriedade, mediante remissão para definir os participantes contemplados. A Lei 5.864/72 cuidou dos sorteios organizados por instituições declaradas de utilidade pública para custeio de obras sociais, ne-nhuma ligação havendo com a exploração de loterias pelo poder público.

Cretella Júnior, em Comentários à Constituição de 1988, volume III, p. 1579, registrou que, pela primeira vez, a Carta da República conferiu à União

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competência privativa para legislar sobre consórcios e sorteios. Então, o autor traçou um paralelo entre a inflação e a competência constante do inciso anterior, ou seja, do inciso XIX, para legislar sobre sistemas de poupança, captação e ga-rantia – dada a perda do poder aquisitivo da moeda – da poupança popular. Ora, ante as interpretações possíveis, deve-se buscar a que mantenha íntegro o sistema, preserve a própria Federação. A Constituição Federal, conforme destacado por Carlos Ari Sundfeld no artigo mencionado, não prevê a competência da União para legislar sobre loterias. A junção, no inciso XX, dos vocábulos “consórcios” e “sorteios” é conducente a chegar-se à identidade entre eles. Tem-se, então, o texto a apanhar os sorteios que se façam ligados a atividade financeira assemelhada aos consórcios. Colho, ainda, do parecer de Luís Roberto Barroso, que a Constituição, quando se refere à modalidade lotérica, utiliza a expressão “concurso de prognós-ticos” – inciso III do art. 195 –, o mesmo se constatando em diploma legal de ín-dole ordinária – a Lei 6.717, de 12 de novembro de 1979, no que autorizou a Caixa Econômica a realizar, como modalidade da Loteria Federal regida pelo Decreto-Lei 204, de 27 de janeiro de 1967, presente o gênero “serviço público”, concurso de prognóstico sobre os resultados de sorteios de números, promovido em datas fixa-das, com distribuição de prêmios mediante rateio. Aqui, sim, atuou a União e fê-lo porquanto envolvido um serviço público de índole federal, aludindo-se, expres-samente, à modalidade “loteria federal”, contrapondo-se a esta a loteria estadual.

O que se nota, a esta altura, é que, ante possíveis desvirtuamentos de objetivo verificados em uma espécie de loteria, a dos bingos, já que estes também dependem de sorteio para obter-se prêmio, confundem-se conceitos e, com isso, é colocado em jogo todo o sistema de loteria estadual existente no País, emprestando-se, para tanto, ao inciso XX do art. 22 da Constituição Federal, alcance incompatível com o fato de viver-se em uma Federação, o que pressupõe, necessariamente, a reserva e a manutenção, relativamente aos entes federados, da disciplina normativa dos serviços públicos que resolvam prestar. O remédio para os desvios de conduta por-ventura existentes não é esse, sob pena de inconcebível retrocesso constitucional. As leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade disciplinam a loteria – gênero, como se tem em quase todos os Estados brasileiros, pouco importando que abranja a nova modalidade – a que se faz sob a nomenclatura “bingo”, geradora de toda essa celeuma no campo administrativo e político-legislativo.

Perceba-se o alcance do estrago que uma concepção centralizadora oca-sionará. A loteria estadual, sempre revelada como serviço público e voltada ao amparo social especialmente dos menos afortunados, está em todos os Estados, sendo exceção única o do Amapá, no que o chefe do Poder Executivo nos dois mandatos que antecederam ao atual, Governador João Capiberibe, vetou projetos que visavam a regulá-la. Também não cabe, diante da modalidade “bingo”, distin-guir essa espécie, considerando-a, quanto à normatividade e até mesmo à explo-ração, primazia da infalível atuação federal. A sorte lançada, para usar vocábulo pertinente à matéria, é ampla. Ou bem se conclui que a previsão do inciso XX do art. 22 da Constituição Federal diz respeito a consórcios e sorteios, sem a abrangência a ponto de solapar o princípio – até hoje não colocado em dúvida – consoante o qual ao Estado membro cumpre legislar sobre os próprios serviços públicos, ou, mitigando-se o federalismo, em concentração ímpar, não notada sequer no regime de exceção que precedeu os novos ares democráticos, a Carta de 1988, assenta-se a insubsistência, a ilicitude de toda a legislação estadual que até aqui foi observada, atribuindo-se à União legitimidade constitucional para legislar sobre a loteria estadual, essa espécie de serviço público. Este julgamento ganha,

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portanto, sentido maior, presentes quer as inúmeras ações em andamento contra leis de outros Estados, quer a sinalização ao Congresso Nacional, aos deputados e senadores, sobre o fidedigno alcance da Carta da República.

É certo que a chamada Lei Zico – Lei 8.672, de 6 de julho de 1993 – veio a disciplinar o bingo, buscando-se, com isso, recursos para o setor de desportos. A seguir, a Lei Pelé – Lei 9.615, de 24 de março de 1998 –, revogando inteiramente o diploma primitivo, manteve os bingos como fonte de recursos para tal setor. Todavia, isso se fez no campo federal, sem prejuízo da atividade dos Estados, mesmo porque, no Estado do Rio de Janeiro, legislação anterior às duas federais referidas, a Lei 2.055, de 25 de janeiro de 1993, já autorizava a Loterj a promover o sorteio em tal modalidade.

Por entender que não se tem, no inciso XX do art. 22 da Constituição Federal, a competência exclusiva da União para legislar sobre loterias, o que acabaria por colocar as diversas loterias estaduais na clandestinidade, peço vênia ao Relator para julgar improcedente o pedido formulado, ressaltando, mais uma vez, que se está a tratar não apenas da espécie “bingo”, mas do gênero loteria. É como voto na espécie.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também farei juntar voto posteriormente.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.895/SP — Relator: Ministro Menezes Direito. Requerente: Go ver-na dor do Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação direta, nos ter-mos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 4 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 4.903 — SE

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiAgravantes: Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e outros — Agra-

vados: Estado de Sergipe, Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região e Juiz do Trabalho da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju (Reclamação Trabalhista 01801-2006-004-20-00-2)

Agravo regimental. Reclamação. Constitucional. Afronta ao decidido na ADI 3.395-MC/DF. Cabimento da reclamação. Verosimilhança entre o decidido e a decisão tida como afrontada. Agravo improvido.

I – O provimento cautelar deferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vincu-lante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário.

II – A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão, legitima o uso da reclamação se e quando a integridade e a autoridade desse julgamento forem desrespeitadas.

III – A questão tratada na reclamação guarda pertinência com o decidido na ADI 3.395-MC/DF.

IV – Agravo interposto contra o decidido em sede de limi-nar prejudicado, porquanto decidida a questão de mérito.

V – Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negar provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes Direito.

Brasília, 25 de junho de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravos regimentais interpostos pelo Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e Outros, interes-sados, contra decisão que deferiu a liminar e o segundo que julgou procedente a reclamação.

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Eis o teor da decisão impugnada:

Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo Estado de Sergipe, em face da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju – Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, em razão do processamento, naquele juízo, da recla-mação trabalhista de número 01801-2006-004-20-00-2.

Sustenta o Reclamante que os referidos processamentos teriam ofendido a au-toridade do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.395/DF.

Pede a concessão de medida liminar para determinar ao TRT da 20ª Região que suspenda a reclamação trabalhista de número 01801-2006-004-20-00-2 que tramita na 4ª vara do Trabalho de Aracaju (fls. 2-8), até o julgamento de mérito da ADI 3.395.

Solicitadas as informações (fl. 43), aduziu a Juíza da 4ª Vara do Trabalho que ainda não foi proferida decisão meritória na reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2, logo, “não houve qualquer ato que caracterize desrespeito ou afronta à autoridade das decisões prolatadas pelo excelso Supremo Tribunal Federal” (fls. 48-49).

Pela Presidência do TRT da 20ª Região foi informado que“(...)a Justiça do Trabalho decidiu porque a pretensão de obter reconhe-

cimento do vínculo de emprego com pagamento de verbas trabalhistas so-mente à ela poderia ser destinada. A presença de regime estatutário válido implicaria a improcedência do pedido, não parecendo adequado que se en-viasse a outro órgão de jurisdição a pretensão de verba trabalhista restrita ao regime de emprego” (fls.51-53).Deferi a pretensão cautelar, deduzida pelo reclamante para suspender a

tramitação da Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2 que tramita na 4ª vara do Trabalho de Aracajú – Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, até o julgamento final da presente reclamação.

Passo a decidir.Bem examinados os autos, verifico que os atos decisórios proferidos

pelo juízo da 4ª Vara do Trabalho da Comarca de Aracaju/SE, nos autos da Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2, afrontou a decisão desta Corte na ADI 3.395-MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso. Observo que se trata de recla-mação trabalhista ajuizada em decorrência de relação de caráter estatutário ou jurídico-administrativo.

Consoante verificou a Procuradoria-Geral da República às fls. 96-98,“o juízo reclamado afrontou o pronunciamento deste Supremo Tri bu-

nal Federal, tendo em vista que aqueles autos cuidam exatamente de causa instaurada entre o poder público e servidor a ele vinculado por relação de cunho jurídico-administrativo ou estatutário.

Com efeito, verifica-se que a demanda versa sobre eventuais direitos de servidores investidos em cargo em comissão, nomeados e exonerados por atos do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (fls. 30/34), vale dizer, o vínculo estabelecido entre os autores da ação e o poder público estadual é de natureza estatutária ou judídico-administrativa”.Como bem observou o Ministro Joaquim Barbosa, quando do julgamento

da Rcl 4.001,“Esta Corte tem confirmado, em julgamento de reclamações, que

não cabe à Justiça Trabalhista analisar causas sobre relações de caráter

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jurídico-administrativo entre indivíduos e administração pública. É exata-mente a situação do caso. Para ficar apenas em julgamentos mais recentes, cf., v.g., Rcl 4.012-MC (Min. Ellen Gracie, no exercício da Presidência), Rcl 4.055-MC (Min. Nelson Jobim, no exercício da Presidência), Rcl 4.104-MC (Rel. Min. Joaquim Barbosa), Rcl 4.000-MC (Rel. Min. Gilmar Mendes) e Rcl 3.183-MC (Rel. Min. Joaquim Barbosa).”Com efeito, a decisão proferida pelo Plenário desta Corte, nos autos da

ADI 3.395-MC/DF, suspendeu, cautelarmente, qualquer interpretação do art. 114, I, da Constituição, “que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a (...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”.

Nesse sentido, destaco a seguinte decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, nos autos do CC 7.253:

“Devo registrar, finalmente, que eminentes Ministros desta Suprema Corte, em razão desse mesmo entendimento, têm vislumbrado a ocorrên-cia de transgressão à autoridade da decisão que a Presidência do Supremo Tribunal Federal proferiu, em sede cautelar, na já referida ADI 3.395/DF (Rcl 3.737/PA, Rel. Min. Ellen Gracie – Rcl 3.736/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa – Rcl 3.814/PA, Rel. Min. Ellen Gracie), assentando, por tal mo-tivo, a incompetência da Justiça do Trabalho para julgamento de causas instauradas entre o poder público e seus agentes, em decorrência de vín-culos de natureza estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, como sucede na espécie.

Sendo assim, pelas razões expostas, tendo em consideração os pre-cedentes mencionados, e nos termos do art. 120, parágrafo único, do CPC, conheço deste conflito negativo de competência e declaro competente o magistrado estadual que proferiu a decisão de fl. 154, a quem incumbirá processar e julgar a presente causa.

Encaminhem-se, pois, a esse ilustre magistrado estadual (fl. 154), os presentes autos.”(Grifos no original.)Isso posto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal, julgo procedente a presente reclamação para, nos termos do decidido pelo Plenário desta Corte no julgamento da ADI 3.395-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, cassar os atos decisórios proferidos pelo juízo reclamado nos autos da Reclamação trabalhista 01801-2006-004-20-00-2, tendo em vista a sua incompetência para processar e julgar o feito, restando, portanto, prejudicado o agravo regimental interposto.

Sustenta o agravante o não cabimento da reclamação, porquanto este Tribunal ainda não analisou o mérito da ADI 3.395/DF. Aduz que houve pronún-cia apenas quanto ao pedido de liminar formulado na ação, razão pela qual não poderia a reclamação ter sido admitida.

Superada essa questão preliminar, argumentam, no mérito, que a decisão proferida não deve prevalecer, pois o que se discute na presente reclamação não tem conexão com o debatido em sede da ADI 3.395/DF.

Ressaltam, ainda, que a reclamação trabalhista proposta pelos ora agra-vantes é anterior à EC 45/04, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho.

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Pugnam pelo conhecimento e provimento do presente agravo, para que se permita o regular processamento da reclamação trabalhista ora questionada.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Com a análise do mérito da reclamação o primeiro agravo regimental, interposto contra o deferimento da liminar, encontra-se prejudicado.

Quanto ao segundo, esse não merece prosperar.A reclamação destina-se a permitir a desconstituição de ato concreto em

desacordo com julgado proferido por esta Corte. Nesse sentido é a jurisprudên-cia deste Tribunal (cf. Rcl 1.915/SP, Rel. Min. Maurício Correa):

Ementa: reclamação. Governador do Estado. Legitimidade ativa. Pre-catório. Pedido contra ato futuro: inadmissibilidade. Observância à decisão proferida na ADI 1.662/SP. Preterição. Seqüestro de verba pública. Hipótese de cabimento da medida constritiva. 1. Reclamação por descumprimento de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Governador do Estado. Legiti-midade ativa para sua proposição, tendo em vista sua capacidade postulatória para o ajuizamento de idêntica ação direta. Precedentes. 2. Reclamação. Existência de ato concreto praticado em desacordo com o julgamento da ação direta de incons-titucionalidade. Admissibilidade da ação contra qualquer ato concreto que resulte afronta à competência desta Corte ou à autoridade de suas decisões. Precedente. Não-conhecimento quanto à pretensão de inibir a autoridade recla-mada de expedir novas ordens de seqüestro de verbas públicas, por necessária a existência de fato concreto, contrário à decisão do Supremo Tribunal Federal. 3. Precatório. Pagamento. Preterição de ordem de precedência. Ocorrência. Situação suficiente para motivar o seqüestro de verbas públicas destinadas à satisfação de dívidas judiciais alimentares. Observância à autoridade da decisão proferida na ADI 1662. Reclamação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada improcedente.(Grifos nossos.)

Ademais, esta Corte, nos autos da ADC 8-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, entendeu ser cabível a reclamação quando o que se tem por afrontado é decisão cautelar em sede de controle concentrado de constitucionalidade:

Ementa: ação declaratória de constitucionalidade – processo objetivo de controle normativo abstrato – a necessária existência de controvérsia judicial como pressuposto de admissibilidade da ação declaratória de constitucionali-dade – ação conhecida. – O ajuizamento da ação declaratória de constitucionali-dade, que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Sem a observância desse pressu-posto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscali-zação normativa in abstracto, pois a inexistência de pronunciamentos judiciais

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antagônicos culminaria por converter a ação declaratória de constitucionalidade em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo Su-premo Tribunal Federal. – O Supremo Tribunal Federal firmou orientação que exige a comprovação liminar, pelo autor da ação declaratória de constitucio-nalidade, da ocorrência, “em proporções relevantes”, de dissídio judicial, cuja existência – precisamente em função do antagonismo interpretativo que dele resulta – faça instaurar, ante a elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes, verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Ação declaratória de constitucionalidade – Outorga de medida cautelar com efeito vinculante – Possi-bilidade. – O Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para exercer, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, o poder geral de cautela de que se acham investidos todos os órgãos judiciários, independentemente de expressa previsão constitucional. A prática da jurisdição cautelar, nesse contexto, acha-se essencialmente vocacionada a conferir tutela efetiva e garantia plena ao resultado que deverá emanar da decisão final a ser proferida no processo objetivo de con-trole abstrato. Precedente. – O provimento cautelar deferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário. Precedente. – A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão – precisamente por derivar do vínculo subordinante que lhe é inerente –, legitima o uso da reclamação, se e quando a integridade e a autoridade desse julgamento forem desrespeitadas.

(...)Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello.

(Grifos nossos.)

Também não prospera o argumento de que a reclamação versou sobre questão diversa daquela tratada na ADI 3.395/DF.

O parecer da Procuradoria-Geral da República tratou do assunto, nestes termos (fl. 97):

Com efeito, verifica-se que a demanda versa sobre eventuais direitos de servidores investidos em cargo em comissão, nomeados e exonerados por atos do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe (fls. 30/34), vale dizer, o vínculo estabelecido entre os autores da ação e o poder público estadual é de na-tureza jurídico-administrativa.

Ao analisar os atos proferidos pelo Presidente do TJSE, juntados às fls. 30-34, verifico que versam sobre cargos de livre nomeação e exoneração do chefe daquele Poder estadual. Tanto é assim que, da mesma forma que nomeou os ofi-ciais, os exonerou por meio de ato administrativo unilateral.

Não há, pois, vínculo celetista entre os oficiais e o Tribunal de Justiça da-quele Estado, mas sim liame de caráter jurídico-administrativo, que caracteriza a relação dos ocupantes de cargos comissionados com a administração.

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A reclamação, destarte, guarda pertinência com o que foi decidido na ADI 3.395-MC/DF.

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.É como voto.

EXTRATO DA ATA

Rcl 4.903-AgR-AgR/SE — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravantes: Espólio de Marcos Antônio Valois Tavares e outros (Advogados: Marília Nabuco Santos e outros). Agravados: Estado de Sergipe (Advogado: PGE/SE – Wellington Matos do Ó), Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Re-gião e Juiz do Trabalho da 4ª Vara do Trabalho de Aracaju (Reclamação Traba-lhista 01801-2006-004-20-00-2).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso de agravo. Ausentes, justificadamente, os Mi-nistros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ellen Gracie e Menezes Direito. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 25 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECLAMAÇÃO 5.171 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaReclamante: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL —

Reclamada: Juíza do Trabalho da 21ª Vara do Trabalho de Brasília (Proc 00183-2007-021-10-00-4) — Interessados: Simone de Oliveira Brandão e outros)

Reclamação. Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Contrato temporário. Regime jurídico administrativo. Descumprimento da ADI 3.395. Competência da Justiça Federal.

1. Contrato firmado entre a Anatel e a Interessada tem natureza jurídica temporária e submete-se ao regime jurídico administrativo, nos moldes do inciso XXIII do art. 19 da Lei 9.472/97 e do inciso IX do art. 37 da Constituição da República.

2. Incompetência da Justiça Trabalhista para o processa-mento e o julgamento das causas que envolvam o poder público e servidores que sejam vinculados a ele por relação jurídico-administrativa. Precedentes.

3. Reclamação julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por maioria, em julgar procedente a reclamação, nos termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente.

Brasília, 21 de agosto de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada neste Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2007, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com fundamento no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição da República, nos arts. 156 e seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no art. 14, inciso II, da Lei 8.038/90, contra decisão da Juíza da 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF (Reclamação Trabalhista 00183-2007-021-10-00-4).

Em síntese, argumentou a Reclamante que a Magistrada da 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF teria desrespeitado o que decidido por este Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.395, ao encerrar a audiência de instru-ção e julgamento, na qual as propostas de conciliação foram rejeitadas, e designar nova data para julgamento de reclamações trabalhistas propostas por emprega-dos contratados para prestação de serviço técnico, por tempo determinado.

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2. Em 21 de maio de 2007, deferi a medida liminar pleiteada para deter-minar a suspensão da Reclamação trabalhista 00183-2007-021-10-00-4, até o julgamento final desta reclamação, nos seguintes termos:

9. Demonstrada a ocorrência do perigo da demora na prestação jurisdicional requerida na presente Reclamação, porque se pode configurar descumprimento do que decidido por este Supremo Tribunal Federal, e considerando estar presente a plausibilidade jurídica, também comprovada pela Reclamante, faz-se mister a sus-pensão da tramitação do processo mencionado na reclamação, a fim de se evitar a continuidade da reclamação trabalhista perante juízo que pode, efetivamente, não titularizar competência para a decisão da causa, como se pode ter dado em relação à 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF (...)(Fls. 101-102.)

3. Em 6 de junho de 2007, a Juíza Substituta da 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF informou que, “(...) ao receber a determinação de suspensão da re-clamação até a decisão final da Medida Cautelar em Reclamação 5.171/DF, ime-diatamente determin[ou] o cumprimento da ordem (...)” (fl. 122).

Em suas informações, a magistrada também encaminhou cópia da sen-tença por ela proferida em 18-5-07, em que determinou o desmembramento do feito, que prosseguiu apenas com relação a Simone de Oliveira Brandão, julgou procedente em parte os pedidos da ora Interessada e condenou a Anatel ao pa-gamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço referente ao período de 30-6-00 a 20-3-05.

Foram fundamentos daquela decisão:

(...) diante da inconstitucionalidade das leis que se sucederam na prorro-gação de contratos temporários [da Anatel], para suprir a inexistência de quadro próprio, impera, conseqüentemente, a ofensa ao art. 37, inciso II, da [Constituição da República]. Pois, no desvirtuamento dos contratos temporários, de natureza administrativa, resta a contratação irregular de pessoal, sem concurso público, recaindo na hipótese da Súmula 363 do [Tribunal Superior do Trabalho].

(...)Reza o parágrafo segundo, do art. 37, [da Constituição da República], que

a não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Conseqüentemente, sendo nula a contratação da Reclamante, dela não de-correm direitos, salvo salários em sentido estrito, observado o número de horas trabalhadas e [o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] ...

Destarte, sendo nula a contratação defiro tão somente, o pagamento do [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] de todo período (de 30-6-00 a 20-3-05).

O contrato nulo não deve ser anotado na carteira profissional do empregado (...)(Fls. 128-129.)

4. O Procurador-Geral da República manifestou-se pela procedência da presente reclamação (fls. 131-133).

5. Em 10 de julho de 2007, vieram-me os autos conclusos.

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6. É o relatório, do qual deverão ser encaminhadas cópias aos eminentes Ministros deste Supremo Tribunal Federal (art. 87, inciso IV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. A questão debatida é deter-minar a relação estatuída entre a agência reguladora (Anatel) e seus contratados temporários, a dizer, se essa contratação implicaria descumprimento, ou não, do que decidido por este Supremo Tribunal Federal na ADI 3.395.

No julgamento da ADI 2.987, este Supremo Tribunal Federal decidiu:

Servidor público: contratação temporária excepcional ([Constituição da República], art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes (...)(Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2-4-04.)

Seguindo essas mesmas premissas, no julgamento da ADI 2.229, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade de lei capi-xaba que autorizava a contratação temporária, de caráter emergencial, de defen-sores públicos, ao argumento de ser a Defensoria Pública instituição permanente.

Conforme ressaltou o Ministro Carlos Velloso, Relator:

(...) a Defensoria Pública é um órgão permanente que não comporta defenso-res contratados em caráter precário. A solução é o Estado organizar a Defensoria em termos racionais, tal como recomenda a Constituição, art. 134, promovendo concurso público de provas e títulos – [Constituição da República], art. 37, (in-ciso II – para a admissão dos defensores públicos (...).(DJ de 25-6-04.)

É o que se conclui da leitura da ementa daquele julgado:

Constitucional. Administrativo. Servidor público: defensor público: contra-tação temporária. [Constituição da República], art. 37, II e IX. Lei 6.094, de 2000, do Estado do Espírito Santo: inconstitucionalidade. I – A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: [Constituição da República], art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a neces-sidade temporária de excepcional interesse público. [Constituição da República], art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) pre-visão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de in-teresse público; d) interesse público excepcional. II – Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade. III – Ação direta de inconstitucionali-dade julgada procedente (...)(DJ de 25-6-04.)

2. Embora a autoridade reclamada, conforme consta da sentença, tenha entendido que o caso levado a juízo estivesse a caracterizar descumprimento ao

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art. 37, inciso II, da Constituição da República, ao fundamentar que “a criação das agências reguladoras, autarquias especiais, foi feita (...) sem a conseqüente regula mentação de seu quadro de pessoal permanente, o qual foi suprido ao longo de quase uma década por contratações precárias, sem concurso público, em utilização inadequada do permissivo constitucional do art. 37, inc. IX”, da Constituição da República, há que se ressalvar que o constituinte amparou os casos em que se faz necessária a contratação temporária ante a imprescindibili-dade desta para que a administração possa atender os interesses e necessidades públicos. Daí a edição da Lei federal 8.745/93, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

3. Da leitura do contrato juntado aos autos, assinado entre Anatel e Simone de Oliveira Brandão, tem-se:

2.1.) A cláusula primeira desse contrato estabelece ser o seu “objeto a pres-tação de serviços técnicos determinado sem vínculo efetivo com a [Anatel] por parte d[e Simone de Oliveira Brandão], para atender necessidade temporária de excepcional interesse público da contratante”, ora Reclamante” (fl. 25).

2.2.) A cláusula segunda define que “(...) este contrato reger-se-á por regime administrativo próprio, em consonância com o disposto no inciso IX do art. 37 da Constituição [da República] e no inciso XXIII, do art. 19 da Lei 9.472 de 16 de julho de 1997” (fl. 25, grifos nossos).

A Lei 9.472/97 “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunica-ções, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institu-cionais, nos termos da EC 8, de 1995”, e o seu art. 19 dispõe:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendi-mento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasi-leiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

(...)XXIII – contratar pessoal por prazo determinado, de acordo com o disposto

na Lei n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993.

E a Lei 8.745/93 regula exatamente “(...) a contratação, por tempo determi-nado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX, do art. 37, (...)” da Constituição da República.

Também o Decreto 2.424/97 autorizou a “(...) contratação temporária de recursos humanos para os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal (...)”:

Art 1º Ficam autorizados os Ministérios Militares (...) as Agências Nacio-nais de Energia Elétrica e de Telecomunicações a promoverem contratação tem-porária de recursos humanos, em caráter excepcional, bem assim as prorrogações dos contratos existentes, observadas as disposições legais pertinentes.

Por sua vez, a norma introduzida pelo art. 4º da Lei 8.745/93 trouxe a pos-sibilidade de se prorrogarem os contratos de trabalho temporários.

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E, no caso específico, a Lei 9.986/00, que dispôs sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, estatuiu:

Art. 26. As Agências Reguladoras já instaladas poderão, em caráter ex-cepcional, prorrogar os contratos de trabalho temporários em vigor, por prazo máximo de vinte e quatro meses além daqueles previstos na legislação vigente, a partir do vencimento de cada contrato de trabalho.

Em 20 de maio de 2004, foi editada a Lei 10.871, que dispôs sobre a cria-ção de carreiras e a organização de cargos efetivos das agências reguladoras, pela qual foi dada continuidade à regulamentação dos contratos temporários:

Art. 30. As Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta Lei, [entre elas, a Anatel], a partir da publicação desta Lei, poderão efetuar, nos termos do art. 37, IX, da Constituição, e observado o disposto na Lei n. 8.745, de 9 de de-zembro de 1993, contratação por tempo determinado, pelo prazo de 12 (doze) meses, do pessoal técnico imprescindível ao exercício de suas competências institucionais.

As normas mencionadas foram editadas em cumprimento ao que disposto no art. 37, inciso IX, da Constituição da República.

4. Ao analisar o art. 37, inciso IX, da Constituição da República, Celso Antônio Bandeira de Mello pontua:

A constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou mu-nicipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da nor-malidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade tempo-rária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar (...)(Curso de Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 261-262.)

5. No julgamento da ADI 3.395/DF, por maioria, o posicionamento deste Supremo Tribunal Federal consistiu em referendar a medida cautelar deferida pelo Ministro Nelson Jobim, cujos termos são os seguintes:

Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da [Constituição da República], na redação da [Emenda Constitucional] 45/04. Suspendo, ad referen-dum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da [Constituição

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da República], na redação dada pela [Emenda Constitucional] 45/04, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a “(...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.”(DJ de 4-2-05, grifos nossos.)

6. Naquela decisão, ao mencionar que estariam suspensas as interpreta-ções que incluíssem na competência da justiça laboral as causas entre o poder público “e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem esta-tutária ou de caráter jurídico-administrativo”, incluíram-se os contratados por tempo determinado.

Assim é que, ante os critérios constitucionais de temporariedade e de excepcionalidade, a administração pública realiza a contratação de servidores temporários.

Conforme consignei, faz-se necessário, então,

(...) que se estabeleçam os critérios legais para a definição administrativa do que seja a temporariedade e a excepcionalidade. Aquela relativa à necessidade, e esta concernente ao interesse público.

É temporário aquilo que tem duração prevista no tempo, o que não tende à duração ou à permanência no tempo. A transitoriedade põe-se como uma condi-ção que indica ser passageira a situação, pelo que o desempenho da função, pelo menos pelo contratado, tem o condão de ser precário. A necessidade que impõe o comportamento há de ser temporária, segundo os termos constitucionalmente traçados. Pode-se dar que a necessidade do desempenho não seja temporária, que ela até tenha de ser permanente. Mas a necessidade, por ser contínua e até mesmo ser objeto de uma resposta administrativa contida ou expressa num cargo que se encontre, eventualmente, desprovido, é que torna aplicável a hipótese cons-titucionalmente manifestada pela expressão “necessidade temporária”. Quer-se, então, dizer que a necessidade das funções é contínua, mas aquela que determina a forma especial de designação de alguém para desempenhá-las sem o concurso e mediante contratação é temporária (...)(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servi-dores públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 241-242.)

Assim, embora os doutrinadores adotem classificações diversas, para José Afonso da Silva, a estrutura estatal desenvolve-se com o desempenho de atividades por parte de “(...) dois grandes grupos: (1) os servidores públicos que compreendem quatro categorias (art. 37, I e IX); (a) servidores investidos em cargos (funcionários públicos), (b) servidores públicos investidos em em-pregos (empregados públicos), (c) servidores admitidos em funções públicas (servidores públicos em sentido estrito) e (d) servidores contratados por tempo determinado (prestacionistas de serviço público temporário); (2) os militares que compreendem os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (art. 42) e os das Forças Armadas (art. 142, § 3º). (...)” (Curso de Di-reito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 678, grifos nossos).

Conforme já destaquei,

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O que determina, pois, em verdade, a categorização dos agentes públicos em espécies definidas é o objeto da função estatal a ser desempenhada e – como conseqüência direta de tal critério – a natureza do vínculo firmado entre o agente e a pessoa pública. Em razão do acolhimento do objeto da função como critério informador se tem a definição constitucional da situação jurídica do agente apta a desenvolvê-la, atuando como Estado. Para tanto, estabelece-se, no ordenamento, a natureza da relação a vincular a pessoa física à pessoa estatal (...)(Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 61-62).

7. Nos termos trazidos aos autos, o contrato ADGRH 504/00 – Anatel (fls. 25-31), firmado entre essa agência reguladora e Simone de Oliveira Brandão, Autora da Reclamação trabalhista 0183-2007-021-10-00-4, ora Interessada, foi prorrogado, nos Termos Aditivos 303/01 (fls. 35-36), 266/02 (fls. 38-39), 332/03 (fls. 42-43) e 493/04 (fls. 45-46).

Contratada inicialmente em 30 de junho de 2000, o último termo aditivo prorrogou seu contrato temporário até 28 de fevereiro de 2005 (fls. 31 e 45).

As prorrogações ocorreram nos termos autorizados pela Cláusula Décima Segunda do Contrato ADGRH 504:

12.1. O contrato vigorará por um ano, a contar da data de sua assinatura, quando o contratado [ora Interessado] iniciará sua prestação de serviços.

12.2. O contrato poderá ser prorrogado por até duas vezes, por meio de ter-mos de aditamento, por períodos de duração de até um ano, a critério exclusivo da contratante [ora Reclamante], e de acordo com a avaliação de desempenho do contratado, realizada pelo responsável superior (...)(Fl. 30.)

8. A circunstância de permitir o contrato originário a prorrogação “por até duas vezes” e ocorrerem quatro prorrogações é matéria que não cabe discutir no âmbito da Reclamação, embora haja essa previsão na Lei 9.986/00.

9. Assim, o que se tem na espécie é que o contrato temporário foi realizado nos termos do que permite o art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da legislação que se lhe segue, submetendo-se o contratado ao regime jurídico administrativo, nos moldes da Lei 8.745/93; do inciso XXIII do art. 19 da Lei 9.472/97 e do Decreto 2.424/97.

Adotado o regime jurídico administrativo, especificado para ser aplicado à espécie, afasta-se a natureza celetista do vínculo estabelecido entre as partes e cogitada pela Interessada, autora daquela reclamação trabalhista.

Logo, na esteira da decisão tomada na ADI 3.395-MC, afastada ficou a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da Reclamação traba-lhista 00183-2007-021-10-00-4.

Nesse sentido, este Supremo Tribunal Federal já decidiu: Rcl 4.816-MC/GO, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 5-12-06; Rcl 4.071/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 1º-3-06; Rcl 4.262/ES,Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 20-4-06; Rcl 4.275-MC/

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SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 28-4-06; Rcl 4.356-MC/SE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 23-5-06; Rcl 4.568-MC/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, DJ de 28-8-06; Rcl 3.183-MC/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 15-4-05; Rcl 3.431-MC/PA, Rel. Min. Carlos Britto, decisão monocrá-tica, DJ de 8-8-05; Rcl 4.000-MC/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão mo-nocrática, DJ 2.2.2006; Rcl 4.013-MC/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 3-2-06; e Rcl 4.237/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, deci-são monocrática, DJ de 11-4-06.

10. Demonstrado o descumprimento da decisão proferida na ADI 3.395-MC, comprometida ficou a autoridade do julgamento deste Supremo Tribunal, pelo que voto no sentido de julgar procedente a presente reclamação para determinar a remessa dos autos da Reclamação trabalhista 0183-2007-021-10-00-4, em trâmite na 21ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, à Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos moldes instituídos na cláusula décima quarta do contrato ADGRH-n. 504/00 – Anatel (fls. 25-31), aditado pelos Termos 303/01 (fls. 35-36), 266/02 (fls. 38-39), 332/03 (fls. 42-43) e 493/04 (fls. 45-46).

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia à Relatora – creio que todas as reclamações são da Ministra Cármen Lúcia – para, depois de exame das iniciais contidas nestes processos, julgar improcedentes os pedidos formulados. Assim o faço reportando-me ao voto proferido no RE 573.202-9/AM:

[...] Realmente, se ajuizada a ação, considerada a Carta Federal pretérita, a partir de regime especial, a competência era da Justiça comum.

Mas, no caso concreto, houve – e houve perante a jurisdição cível especia-lizada, que é a jurisdição do trabalho – o ajuizamento de uma ação trabalhista em que a prestadora dos serviços acionou princípio muito caro ao Direito do Trabalho, que é o da realidade. E apontou que a contratação ocorrida seria simplesmente uma contratação de fachada. E evocou a existência de vínculo não especial, mas empregatício, pretendendo, nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho e legislação esparsa, aviso prévio, décimo terceiro salário, fundo de garantia, multa pelo despedimento sem justa causa e, friso, anotação da Carteira de Trabalho.

Como é definida a competência? A jurisdição é una, mas sabemos que, ante a necessidade de racionalização, há diversos segmentos. Como é definida a competência considerada certa causa ajuizada? É definida a partir das causas de pedir e dos pedidos formulados na inicial. Procedência ou improcedência resolve-se em outro campo, que não é o da competência. Se a recorrida tivesse realmente ajuizado uma ação acionando a lei estadual, que encerra o citado regime especial, não teria a menor dúvida em concluir que incumbiria à Justiça comum dirimir o conflito de interesses. Ela, no entanto, ajuizou uma ação trabalhista, evocando, a partir do princípio da realidade, a partir do dia-a-dia da prestação dos serviços, a existência de contrato de trabalho.

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Ora, temos decidido – e cito um precedente de V. Exa., Presidente, neste Plenário, no CC 7.128-1, Santa Catarina – que, nesses casos em que se pede – re-pito – o reconhecimento do vínculo empregatício, competente para dizer se exis-tente ou não o vínculo é a Justiça do Trabalho. E quer considerada a Constituição anterior, quer a Constituição atual, que, ante a Emenda Constitucional 45, am-pliou-se e muito a competência da Justiça do Trabalho, no que veio a expungir a referência, no art. 114, a empregador – que pressupõe sempre o vínculo emprega-tício –, aludindo à relação de trabalho-gênero. Não surge controvérsia maior. Mas, isso não vem ao caso, e sabemos que o Tribunal suspendeu a eficácia do art. 114, na nova redação, tendo em conta vício formal na tramitação da proposta que re-sultou na Emenda 45. E, ao suspender, apenas consignou que continuaria, quanto a prestadores de serviço a pessoas jurídicas de Direito Público, a competência da Justiça do Trabalho quando evocado – simples evocação, a existência ou não é outra coisa – o vínculo empregatício.

Não posso imaginar que se transfira à Justiça comum a solução de con-trovérsia na qual apontado o mascaramento de verdadeiro contrato de trabalho, mediante aquela contratação inicial sob o ângulo formal, presente a lei especial e projeção no tempo – um trabalho temporário que, neste caso, inclusive, teria se projetado por oito anos.

Então, Presidente, creio que devemos marchar com segurança, e, neste caso, em que se discute a competência – se da Justiça comum ou da Justiça do Trabalho, por isso nós encontramos precedentes em todos os sentidos –, precisa-mos perquirir qual é a causa de pedir e quais os pedidos formulados. Se a causa de pedir é a existência de um vínculo empregatício, contrato de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, e se os pedidos dizem respeito a esse vínculo, não há como – a não ser que se coloque em segundo plano o próprio sistema pá-trio – concluir pela competência da Justiça comum.

Foi isso que decidimos no CC 7.128-1, Santa Catarina, relatado por V. Exa., com acórdão publicado no Diário de Justiça, de 1º de abril. V. Exa. fez consignar na ementa:

“(...)4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade tem-

porária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição (...)”E o meu eterno Tribunal, Tribunal Superior do Trabalho, acabou por editar

o Verbete 205, orientação jurisprudencial com o seguinte teor:“Competência material. Justiça do Trabalho. Ente público. Contra-

tação irregular. Regime especial. Desvirtuamento.”Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho dirimir dissí-

dio individual entre trabalhador e ente público, se há – aqui está a pedra de toque definidora da competência – controvérsia acerca do vínculo empregatício, ou seja, para dirimir se, no caso, ocorreu realmente uma relação empregatícia, como tal regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, somente é competente a Justiça do Trabalho. Se a Justiça do Trabalho conclui que não, que realmente o regime se mostrou especial, aí sim ela assenta esse fato e julga o autor carecedor da ação trabalhista proposta. Fora isso, a meu ver, é não se ter critério para a definição da competência. Repito, definem a competência para julgamento da causa a petição inicial, as causas de pedir da petição inicial e o pedido formulado. E aqui, no caso,

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se disse da existência, verdadeiramente, de um contrato de trabalho. Não há como o processo voltar à estaca zero depois – creio – de anos e anos.

[...]

É como voto.

EXTRATO DA ATA

Rcl 5.171/DF — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Reclamante: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Advogado: Raimundo Juarez Neto). Reclamada: Juíza do Trabalho da 21ª Vara do Trabalho de Brasília (Proc. 00183-2007-021-10-00-4). Interessados: Simone de Oliveira Brandão e outros (Advogado: Silvio Palma Masseli).

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, julgou procedente a reclamação, nos termos do voto da Relatora. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 21 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 25.938 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaImpetrantes: Antonio Augusto de Toledo Gaspar e outros — Impetrado:

Conselho Nacional de Justiça

Mandado de segurança. Resolução 10/05, do Conselho Na-cional de Justiça. Vedação ao exercício de funções, por parte dos Magistrados, em Tribunais de Justiça Desportiva e suas comissões disciplinares. Estabelecimento de prazo para desliga-mento. Norma proibitiva de efeitos concretos. Inaplicabilidade da Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, exceto o de magistério.

1. A proibição jurídica é sempre uma ordem, que há de ser cumprida sem que qualquer outro provimento administrativo tenha de ser praticado. O efeito proibitivo da conduta – acumu-lação do cargo de integrante do Poder Judiciário com outro, mesmo sendo este o da Justiça Desportiva – dá-se a partir da vi-gência da ordem e impede que o ato de acumulação seja tolerado.

2. A Resolução 10/05, do Conselho Nacional de Justiça, consubstancia norma proibitiva, que incide, direta e imediata-mente, no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos ma-gistrados que desempenham funções na Justiça Desportiva e é caracterizada pela auto-executoriedade, prescindindo da prática de qualquer outro ato administrativo para que as suas determi-nações operem efeitos imediatos na condição jurídico-funcional dos Impetrantes. Inaplicabilidade da Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal.

3. As vedações formais impostas constitucionalmente aos magistrados objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder Judiciário, de modo que seus integrantes sejam dotados de con-dições de total independência e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão com outras atividades deixe em menor valia e cuidado o desempenho da atividade jurisdicio-nal, que é função essencial do Estado e direito fundamental do jurisdicionado.

4. O art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição da República vinculou-se a uma proibição geral de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou fei-ção, salvo uma de magistério.

5. Segurança denegada.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, em não haver impedimento do Presidente do Conselho Nacional de Justiça, que fez a publicação da decisão, mesmo que tivesse participado eventualmente da própria sessão que deu ensejo à prática do ato. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, indeferiu a segurança. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Declarou suspeição o Ministro Joaquim Barbosa. Falou pelos Impetrantes o Dr. Rubens Approbato Machado.

Brasília, 24 de abril de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Antonio Augusto de Toledo Gaspar e outros, em 10-4-06, contra ato do Conselho Nacional de Justiça, consubstanciado na Resolução 10/05, buscando torná-la “sem efeito” (fl. 18) para os Impetrantes.

O caso

2. Em 19-12-05, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 10, pela qual ficou vedado “o exercício (...) de funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares” dos integrantes do Poder Judiciário, determinando-se, ainda, que aqueles que exerciam funções nos qua-dros da Justiça Desportiva delas se desligassem até 31-12-05.

3. Contra aquela Resolução se insurgiram os Impetrantes, em 10.4.2006, pela presente ação. Magistrados buscaram afastar aquela vedação para persistir na condição de integrantes de órgãos da Justiça Desportiva.

Em 17-4-06, o então Relator deste mandado de segurança, Ministro Joaquim Barbosa, indeferiu a medida liminar pleiteada, ao fundamento de que: a) “a impetração parece atacar norma abstrata, o que é incabível no âmbito do mandado de segurança, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal” e b) “não obstante a resolução atacada date de 19-12-05 – publicada em 22-12-05 –, somente agora, em 10-4-06, os Impetrantes impetraram mandado de segurança – quando o prazo decadencial de 120 dias já se encontra quase expirado. Essa demora, sem dúvida alguma, enfraquece o argumento da ne-cessidade de provimento jurisdicional imediato, ainda mais porque o art. 3º da resolução estabelece que a mesma entrará em vigor na data de sua publicação.” (fls. 85-86, DJ de 25-4-06).

Determinou aquele nobre Ministro, contudo, que fossem solicitadas infor-mações ao Conselho Nacional do Ministério Público e, na seqüência, ouvido o Procurador-Geral da República.

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4. Contra essa decisão, os Impetrantes interpuseram agravo regimental, afirmando que “o que se pretende não é ‘atacar norma abstrata’, mas sim os efei-tos concretos de um ato emanado do Conselho Nacional de justiça, de caráter nitidamente sancionatório” (fl. 93), que teria determinado o seu desligamento da Justiça Desportiva, a dizer, dos órgãos que integravam.

Asseveraram que “o efeito concreto é, portanto, inerente ao próprio ato impugnado e tem força executiva em relação aos Impetrantes, situação que au-toriza o writ constitucional” (fl. 93).

5. Nas informações prestadas, o Conselho Nacional de Justiça, por sua então Presidente, Ministra Ellen Gracie, esclareceu que a Resolução 10/05 fora editada em harmonia com o art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição da República, no qual se consagra “o princípio da dedicação exclusiva à função judicante” (fl. 101).

6. Em 19-6-06, o Procurador-Geral da República manifestou-se pela extinção do mandado de segurança, sem julgamento de mérito, com base na Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal (fl. 106).

7. Em 23-3-07, o eminente Ministro Joaquim Barbosa declarou-se suspeito para julgar a causa (fl. 108), tendo sido os autos redistribuídos, vindo-me eles conclusos em 3-4-07 (fl. 113).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. O objeto do presente man-dado de segurança é a incidência dos efeitos da Resolução 10/05, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, na situação funcional dos Impetrantes como inte-grantes de órgãos da Justiça Desportiva.

Ato normativo do Conselho Nacional de Justiça e mandado de segurança

2. Cumpre, inicialmente, ponderar sobre a natureza do ato questionado, pois daí resulta a possibilidade jurídica, ou não, de se dar seguimento à presente ação de mandado de segurança.

Expedida no exercício de competência normativa do Conselho Nacional de Justiça, a Resolução 10/05 contém ato normativo, genérico, abstrato e impessoal.

Todavia, por se cuidar de ato proibitivo, que define prazos para que os seus destinatários adotem providências, personalizam-se os seus efeitos sobre o pa-trimônio de bens jurídicos dos Impetrantes.

3. De se distinguir, portanto, a impossibilidade de se fazer uso da via do mandado de segurança para questionar “lei em tese” (Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal) de outra circunstância, que é a que se refere à necessidade de se questionarem os efeitos de uma norma proibitiva.

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A inação de uma autoridade administrativa ou judicial pode ser determi-nada por norma que a proíba de agir ou que determina que ela aja no sentido de impedir, de vedar, de impossibilitar ou de desfazer o quanto antes praticado. Não haverá, então, um fazer determinado pela norma. É o não fazer, o não agir ou o agir segundo padrão que imponha o cumprimento do que a proibição esta-belece que é o objeto do questionamento.

A proibição, nesse caso, põe-se por força da norma e é ela que se com-bate, não, porém, em tese, mas nos efeitos que a sua aplicação impõe a pessoa determinada.

É o efeito concreto do ato consubstanciado na Resolução 10/05 para cada qual dos Impetrantes que é questionado na presente impetração. Não é a tese contida naquele ato normativo, senão a sua aplicação na vida de cada um de-les. A aplicação do ato, que não carece de qualquer prática administrativa ou judicial para fazer incidir o seu efeito sobre o patrimônio de bens jurídicos dos Impetrantes, reveste-se das características de concretude e instantaneidade de efeitos que viabilizam o uso da ação de mandado de segurança. E dessas carac-terísticas dota-se o ato do Conselho Nacional de Justiça, afastando-o, a meu ver, do óbice posto pela Súmula 266, do Supremo Tribunal.

4. Na assentada de 16-2-06, ao julgar a constitucionalidade da Resolução 7/05 do Conselho Nacional de Justiça, o Plenário deste Supremo Tribunal de-feriu pedido de medida cautelar na ADC 12/DF para suspender, até a decisão de mérito daquela ação, todos os processos que tivessem por objeto aquela re-solução, dada a sua adjetivação jurídica de generalidade, abstração e impessoa-lidade. É o que se contém no voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa (fl. 86), segundo o qual:

Ementa: ação declaratória de constitucionalidade, ajuizada em prol da Resolução 7, de 18-10-05, do Conselho Nacional de Justiça. Medida cautelar. (...) A Resolução 7/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositi-vos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âm-bito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução 7/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. (...) Medida liminar deferida para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação conforme para incluir o termo “chefia” nos incisos II, III, IV, V do art. 2º do ato normativo em foco; b) suspender, até o exame de mérito desta ação declaratória de consti-tucionalidade, o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução 7/05, do Conselho Nacional de Justiça; c) obs-tar que juízes e Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma Resolução 7/05, do CNJ e d) suspender, com eficácia ex

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tunc, os efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento da sobredita aplicação.(ADC 12-MC/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ de 1º-9-06.)

Mas, diversamente do que se dá na presente ação, naquela ação declarató-ria de constitucionalidade se discutia ato normativo que determinava aos Presi-dentes dos Tribunais que exonerassem servidores enquadrados nas hipóteses do art. 2º da Resolução 7/05. Na espécie vertente se constata não haver outro ato ad-ministrativo a ser praticado por qualquer outra autoridade para que os efeitos da Resolução 10/05 se imponham. São os integrantes do Poder Judiciário, que com-ponham quadros da Justiça desportiva, que ficam obrigados a se desligar destes por força daquele ato do Conselho. A proibição impõe-se independente de nova ordem ou da prática de qualquer outro ato. Aliás, de se atentar que a proibição ju-rídica é sempre uma ordem, que, no caso em apreciação, há de ser cumprida sem que qualquer outro provimento administrativo tenha de ser praticado. Pelo que o efeito proibitivo da conduta – acumulação do cargo de integrante do Poder Judi-ciário com outro, mesmo sendo este o da Justiça Desportiva –, contém-se a par-tir da vigência da mesma e impede que aquele ato de acumulação seja tolerado. Os próprios destinatários da norma expendida pelo Conselho vêem-se obrigados a se afastarem das funções exercidas no órgão de Justiça Desportiva ou em suas Comissões Disciplinares pela vedação que lhes é imposta pelo Conselho.

5. A Resolução 10/05 tem a seguinte redação:

Art. 1º É vedado o exercício pelos integrantes do Poder Judiciário de fun-ções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares (Lei 9.615, de 24.03.98, arts. 52 e 53).

Art. 2º É determinado aos atuais membros do Poder Judiciário que exercem funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares que se desliguem dos referidos órgãos até o dia 31 de dezembro de 2005.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

6. Depreende-se, pois, de sua só leitura, que a aplicação imediata e con-creta da norma proibitiva do art. 1º tem seus efeitos diretamente relacionados ao que está disposto no art. 2º, no qual se fixa prazo para a providência determinada aos destinatários da ordem.

A conduta definida nos dispositivos dirige-se a magistrados certos e de-termináveis, quais sejam, aqueles que exercem funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em suas Comissões Disciplinares.

É nessa condição que estão os Impetrantes.A determinação para que se desliguem das funções indicadas é taxativa

com a definição mesma do prazo para a providência, a saber, até o dia 31-12-05.Dúvida não remanesce, pois, longe de se estar diante de um ato questio-

nado em tese, o que se tem, na espécie, é ato normativo que proíbe conduta e determina providência, para que todos se afeiçoem ao quanto nela proibido, pro-duzindo efeitos concretos sobre o patrimônio de bens jurídicos dos Impetrantes.

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7. Ao cuidar do objeto do mandado de segurança e de seu cabimento quando o ato normativo impugnado se revela de efeitos concretos, pondera Francisco Campos que:

o que, evidentemente, tinham em vista os ilustres julgadores, ao se pro-nunciar pela inidoneidade da invocação do mandado de segurança contra atos de natureza legislativa, não era a natureza formal do ato ou a espécie da autoridade incumbida de editá-lo, mas, precisamente, o fato de que o legislador, de modo geral, edita o direito em tese, ou sob a forma de regras ou de normas abstratas, que só mediante atos de autoridade incumbidas de aplicá-lo se insere no tecido dos interesses e das faculdades individuais. Somente então se torna concreta ou se individua a incidência do ato legislativo, que passa a aderir àqueles interesses e faculdades, regendo-os efetivamente ou operando em relação a eles as proibições e restrições que até o advento do novo direito não os podia limitar. Esta me parece ser a tese sufragada pelo egrégio Tribunal. (...) Quando se diz, portanto, que contra ato de natureza normativa, como a lei ou qualquer outra resolução editada por via geral ou com o caráter de generalidade e abstração que distingue a lei em sentido material dos demais atos de governo, de conteúdo concreto ou individual, não cabe o mandado de segurança, se diz menos do que deveria dizer-se, pois a asser-ção é, igualmente, verdadeira quanto aos demais remédios judiciais, que não têm por objeto, em caso algum, vulnerar a lei na sua generalidade, mas tão-somente subtrair à sua incidência o caso particular que, por expressa determinação do le-gislador, passa desde logo a reger-se pelas disposições legais. O que, na hipótese, constitui objeto da ação ou do mandado de segurança não é a lei em tese ou em abstrato, ou a lei como norma geral em si e por si mesma, ou por motivo da sua generalidade, mas a lei no momento em que se especializa ou se concretiza como regra de um ato individual ou de um interesse legítimo que para se realizar de-pende do concurso de autoridades públicas, obrigadas, entretanto, a abster-se por força de injunção que lhes é intimada na própria lei. No caso em que a lei a par do mandamento geral contém uma ordem concreta às autoridades públicas, de cujo concurso depende o exercício de uma autoridade individual, para que se recusem a prestá-lo, o que visa a lei é, precisamente, tornar-se desde logo executória, sem necessidade de qualquer ato administrativo destinado a especializar ao caso con-creto a norma geral que enuncia. Por obra da injunção legal, a lei se aplica de modo direto e imediato ou se tornam operantes desde logo as restrições ou limitações postas por ela ao exercício da liberdade que pretende regular (...) se (...) a lei ou qualquer ato de natureza normativa, contém medidas ou disposições por força das quais o indivíduo se vê privado desde logo de uma liberdade ou de um interesse legítimo, a medida judicial invocada pelo indivíduo lesado não tem por objeto a lei em tese, senão a sua incidência concreta sobre a liberdade ou o interesse em ques-tão. Configura-se, no caso, a condição necessária para o exercício do direito de ação, que tem, precisamente, por pressupostos a lesão de um direito individual (...)(Parecer, In Revista Forense, v. 155, p. 80.)

Também Hely Lopes Meirelles observa sobre o tema que:

o objeto normal do mandado de segurança é o ato administrativo específico, mas por exclusão presta-se a atacar as leis e decretos de efeitos concretos, as deli-berações legislativas e as decisões judiciais para as quais não haja recurso capaz de impedir a lesão ao direito subjetivo do impetrante.

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Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, (...) as que proíbem con-dutas individuais (...). Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta: atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança.(MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 41, grifos nossos.)

Na mesma linha de raciocínio, Celso Antônio leciona que:

há uma grande quantidade de leis que produzem, só com a sua promulga-ção e entrada em vigor, um agravo específico ao direito do administrativo. São as leis proibitivas. Uma lei proibitiva, à medida que vede inconstitucionalmente, que alguém pratique um dado ato, já lhe criou uma barreira e um dique, de tal sorte que o próximo comportamento em relação ao indivíduo, que está a se considerar lesado por essa lei proibitiva inconstitucional, será uma conduta material. Já será o agravo ao direito. (...) Diria eu que todas as vezes que de uma lei resulte desne-cessidade da prática de um ato jurídico ulterior, mas possa a autoridade pública, por força da lei, passar imediatamente ao comportamento material, que é o lesivo especificamente, que já lesa o comportamento do administrado, nesses casos em que a lei por força de sua dicção, por força de seu conteúdo, gera uma situação em que o ato sucessivo já seria a violação, já seria a prática do comportamento ma-terial violador do direito, em todos esses casos poder-se-á impetrar mandado de segurança contra a própria lei, a menos que se queira admitir que é preferível, por amor a alguma simetria, não se sabe de onde extraída, aliás, que o direito primeiro seja violado e que depois alguém possa impetrar a segurança.(MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de mandado de segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 17).

Comentando o Enunciado 266 da súmula deste Supremo Tribunal, ob-servei, em outra ocasião, que “primordialmente, há mister salientar-se que o descabimento de debate jurisdicional sobre teses legais é a regra que encontra no sistema constitucional positivo a exclusiva exceção da ação direta de incons-titucionalidade pelo que o enunciado peca por restringir ao mandado de segu-rança uma norma pertinente à integralidade sistêmica processual positivada. Por outro lado, a inviabilidade da escolha da ação de segurança contra tese legal somente prevalece quando não se tratar de lei auto-executável, hipótese em que o patrimônio jurídico do cidadão não sofre a investida imediata do cometimento indigitado ameaçador ou lesivo. Sendo auto-executável, pois, a norma impug-nada, tem sido normalmente admitido o seu questionamento. Não dissentem a jurisprudência e doutrina pátrias, ainda, quanto à não-aplicação daquela ilação, quando a regra disputada como inconstitucional tiver natureza proibi-tiva, pois essa espécie é havida como obviamente incidente sobre uma atuação

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obrigatoriamente omissiva dos poderes públicos, contra os quais não se poderia insurgir senão mediante o questionamento direto da regra determinadora da conduta questionada.” (Do mandado de segurança. In: Revista de Informação Legislativa. Ano 23, n. 90, abril/junho 1986. p. 163-164).

Ao tratar do cabimento do mandado de segurança, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em assentada de 7-10-03, decidiu que:

Ementa: – Constitucional. Mandado de segurança. Lei em tese: Não-cabimento. Súmula 266-STF. I – Se o ato normativo consubstancia ato admi-nistrativo, assim de efeitos concretos, cabe contra ele o mandado de segurança. Todavia, se o ato – lei, medida provisória, regulamento – tem efeito normativo, genérico, por isso mesmo sem operatividade imediata, necessitando, para a sua individualização, da expedição de ato administrativo, então contra ele não cabe mandado de segurança, já que, admiti-lo implicaria admitir a segurança contra lei em tese: Súmula 266-STF. II – Segurança não conhecida.(Grifos nossos.) (RMS 24.266, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, 24-10-03.)

No exercício da Presidência do Supremo Tribunal, nos autos do MS 26.325, impetrado por promotor de justiça amapaense contra a Resolução 5/06 do Conselho Nacional do Ministério Público, o eminente Ministro Gilmar Mendes decidiu, liminarmente, que:

(...) Não se desconhece a orientação do Supremo Tribunal Federal, cristali-zada na Súmula 266, no sentido do não-cabimento de mandado de segurança con-tra lei ou ato normativo em tese, uma vez que ineptos para provocar lesão a direito líquido e certo. Segundo esse entendimento, a concretização de ato administrativo com base na lei poderá viabilizar a impugnação, com pedido de declaração de in-constitucionalidade da norma questionada.

Embora seja uma medida compreensível no contexto do sistema difuso, é certo que o sistema de proteção jurídica sofreu profunda alteração com o advento da Constituição de 1988. Assim, é de se indagar se ainda subsistem razões para a mantença dessa orientação restritiva, pelo menos em relação àquelas leis das quais decorrem efeitos diretos e imediatos para as diversas posições jurídicas.

No âmbito da Corte Constitucional alemã tem-se mitigado o significado do princípio da subsidiariedade aplicável ao recurso constitucional (Verfassungsbe-schwerde) para admitir a impugnação de leis que afetem posições jurídicas de forma direta, desde que não se afigure razoável aguardar a exaustão das instâncias. Reco-nhece-se, por outro lado, que leis que alteram a denominação de cargos ou proíbem o exercício de uma profissão no futuro são dotadas de eficácia imediata e mostram-se aptas para afetar direito subjetivo e, por isso, podem ser impugnadas diretamente. Assim, em tais casos, afigura-se razoável a superação da súmula referida ou, pelo menos, que se adote um distinguishing para afirmar que as leis que afetam posições jurídicas de forma imediata poderão ser impugnadas em mandado de segurança.

Entendo ser exatamente o caso dos presentes autos. Nele, tem-se um ato normativo que, ao dirigir expressa proibição aos membros do Parquet, alcançou, de maneira direta e imediata, a posição jurídica do impetrante, promotor de jus-tiça e ocupante do cargo de Secretário de Estado do Poder Executivo amapaense. Mostra-se inteiramente supérfluo o aguardo de novo ato administrativo para que a

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impugnação se viabilize, uma vez que a resolução contestada, por si só, tem força suficiente para impor ao impetrante as vedações nela contidas.

Por essas razões, conheço do presente writ (...)(DJ de 1º-2-07.)

8. O ato ora impugnado consubstancia norma proibitiva, que incide, direta e imediatamente, no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos magistra-dos que desempenham funções na Justiça Desportiva – e é caracterizado pela auto-executoriedade –, prescindindo da prática de qualquer outro ato adminis-trativo para que as suas determinações operem efeitos imediatos na condição jurídico-funcional dos Impetrantes.

9. Assim, pelas características e efeitos do ato tido como coator da Resolução 10/05, a produzir os seus efeitos próprios, diretos e imediatos no patrimônio jurídico dos Impetrantes, não vislumbro óbice a impedir o trânsito desta ação de mandado de segurança, razão pela qual dela conheço.

Indago, Senhor Presidente, se seria processualmente conveniente pôr-se em votação essa preliminar, que é prejudicial do seguimento da ação e, portanto, do próprio voto elaborado.

No mérito

10. Superada a questão preliminar, há de se considerar que, no mérito, a questão posta em exame tem como ponto nuclear a análise da possibilidade de haver, ou não, nódoa jurídica a tisnar o ato coator questionado, qual seja, a proibição de o magistrado exercer qualquer cargo ou função, salvo uma de magistério, segundo prescrição constitucional, cujo desdobramento teria sido o elemento determinante da resolução ora apreciada.

11. Segundo as informações prestadas pela eminente Ministra Ellen Gracie, então Presidente do Conselho Nacional de Justiça (fl. 101), a expedição do ato teria se embasado no parágrafo único do art. 95 da Constituição brasi-leira, que estabelece a exclusividade do magistrado à função judicante, ressalva feita a uma de magistério, nos termos seguintes:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:(...)Parágrafo único. Aos juízes é vedado:I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma

de magistério.

12. De se enfatizar que as vedações formais impostas, constitucional-mente, aos magistrados objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder Judiciário, de modo que seus integrantes dotem-se de condições de total inde-pendência, e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão de atividades deixe em menor valia e cuidado com desempenho que é função essencial do Estado e di-reito fundamental do jurisdicionado.

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Neste sentido assentiu o Plenário do Supremo Tribunal, quando do julga-mento da ADI 3.126-MC/DF, Relator o eminente Ministro Gilmar Mendes, na qual se examinou a possibilidade de o magistrado exercer mais de um cargo ou função de magistério:

Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Resolução 336, de 2.003, do Presidente do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o acúmulo do exercício da magistratura com o exercício do magistério, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus. (...) 4. Considerou-se, no caso, que o objetivo da restrição constitucional é o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os afazeres da magistratura. Necessidade de se avaliar, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judi-cante. 5. Referendada a liminar, nos termos em que foi concedida pelo Ministro em exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, tão-somente para suspender a vigência da expressão “único (a)”, constante da redação do art. 1º da Resolução 336/03, do Conselho de Justiça Federal.(DJ de 6-5-05.)

13. O ato tido como coator pelos Impetrantes, na presente ação, tem natu-reza normativa proibitiva. Por ele busca-se assegurar a efetividade direta e ime-diata do comando posto no inciso I do parágrafo único do art. 95 da Cons ti tui ção do Brasil. A norma constitucional é literal, taxativa e objetiva: ao magistrado é proibido exercer qualquer outro cargo ou função, senão uma de magistério.

14. O principal argumento dos Impetrantes seria o de que a proibição cons-titucional não incidiria no ambiente de cargos ou funções privadas (fl. 5), pelo que teria havido excesso na Resolução do digno Conselho Nacional de Justiça ao vedar quaisquer outros cargos ou funções, aí incluídas aquelas exercidas nos órgãos da Justiça Desportiva e em suas Comissões, o que colidiria, segundo ale-gam, frontalmente com o texto constitucional.

Citam doutrina que, ao comentar aquele dispositivo constitucional (art. 95, parágrafo único, da Constituição), sufraga a interpretação segundo a qual so-mente cargos ou funções públicas é que seriam colhidos pela proibição.

15. Imprescindível, portanto, é atentar-se ao comando da norma constitu-cional, para se concluir sobre o pedido formulado na presente ação.

Isso porque, se a Constituição do Brasil veda (ou vedasse) apenas a acu-mulação de um cargo de juiz com outro cargo ou função pública (salvo uma de magistério), como pretendem os Impetrantes, restaria examinar a natureza dos cargos ou funções da Justiça Desportiva para, então, se concluir pela pertinên-cia, ou não, do pedido de segurança apresentado.

Das vedações de acumulação de cargos ou funções pelos magistrados, salvo uma de magistério (art. 95, parágrafo único, da Constituição)

16. Desde 1934, as Constituições brasileiras trazem referências ao estatuto fundamental da magistratura, especificando, ao lado das garantias, as vedações que com elas conviviam.

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A Constituição de 1934 previu que:

Art. 65. Os Juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qual-quer outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição.(Grifos nossos.)

A Carta de 1937 preceituou que:

Art. 92. Os Juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qual-quer outra função pública.(Grifos nossos.)

A Constituição de 1946 estabeleceu:

Art. 96. É vedado ao Juiz:I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,

salvo o magistério secundário, e superior e os casos previstos nesta Constituição, sob pena de perda do cargo judiciário;(Grifos nossos.)

A Carta de 1967 estatuiu que:

Art. 109. É vedado ao Juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,

salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição;(Grifos nossos.)

E, ainda, na norma posta pela EC 1/69, que alterou a Constituição de 1967:

Art. 114. É vedado ao juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,

salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição;(Grifos nossos.)

Com o advento da EC 7, de 1977, aquela norma passou a ser a seguinte:

Art. 114. É vedado ao juiz, sob pena de perda do cargo judiciário:I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função, salvo um

cargo de magistério superior, público ou particular, e nos casos previstos nesta Constituição;(Grifos nossos.)

Suprimiu-se, nesta, pela primeira vez, a referência expressa à natureza pú-blica da função, cuja acumulação com o cargo de juiz ficava vedado.

A Constituição de 1988 refere-se a cargo ou função e não qualifica de público o que se pretendesse acumular com o cargo de juiz. É o texto literal do art. 95, parágrafo único, da Constituição do Brasil:

Art. 95. (...)Parágrafo único. Aos juízes é vedado:I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma

de magistério; (...)

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17. Para a interpretação da norma constitucional em foco, dentre os diver-sos critérios possíveis de serem adotados, há de se levar em conta o histórico-teleológico, pois com ele, como ensina, dentre outros, Paulo Bonavides, “o intérprete, ‘debaixo da consideração de todos os momentos acessíveis, se ima-gina da forma mais plena possível na alma do legislador’ (...) (caracterizando) ‘uma interpretação mais ou menos livre, consentida a uma autoridade, especial-mente o juiz, a fim de adaptar o conteúdo da norma a exigências práticas surgi-das depois da emanação da própria norma (...)” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 446).

18. Ao se considerar o elemento histórico da norma, especialmente quando se enfatizam os seus antecedentes, anota-se, da mudança processada no antece-dente mais próximo, constante da Emenda 7/77 à Carta de 1967, que se preten-deu, exatamente, excluir do estatuto constitucional dos magistrados permissão para se acumular o cargo de juiz com qualquer outro, público ou privado, que não um (que, de resto, poderia ser público ou privado) de magistério. Daí a refe-rência feita, quando da outorga da Emenda 7/77:

A mantença da regra constitucional proibitiva, de mesmo teor daquela ou-torgada em 1977, conduz, pelo menos num primeiro momento, ao entendimento de que não foi sem cuidado que se impôs a vedação nos expressos termos apro-veitados pelo Constituinte de 87/88.

Do elemento histórico se extrai que a norma constitucional posta no art. 95, parágrafo único, inciso I, vinculou-se a uma proibição geral, de acumu-lação do cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição, que não uma de magistério.

19. Quanto ao fim buscado pelo constituinte, é de se realçar conter-se, na dicção aproveitada, a pretensão de abarcar todo e qualquer cargo ou função, de qualquer natureza, cuja acumulação com o cargo de juiz fica vedada, o que não pode ser desconhecido pelo intérprete e pelo aplicador da norma.

Em primeiro lugar, porque o constituinte originário, a despeito de não ter dito expressamente que aqueles cargos ou funções seriam de natureza pública ou privada, afirmou o que pode ser exercido – uma função de magistério. Com isso, excluiu qualquer outro desempenho do titular de cargo de magistrado, que não uma daquelas, sendo que não destacou sequer essa de sua condição pública ou privada. Parece demasiado querer que fosse apenas público o que apenas pú-blico não foi tido no texto.

Ademais, cargos e funções não são conceitos restritos à administração pública, pois podem ser igualmente ocupados ou desempenhadas em organi- zações privadas.

Também, ao utilizar expressão genérica, silenciando-se quanto ao termo “público”, para fixar a vedação à ocupação de cargos ou funções, o consti-tuinte brasileiro ampliou o que os magistrados não mais poderiam assumir profissionalmente.

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20. Nem se cogite que, se houvesse compatibilidade de matérias e, princi-palmente, de tempo, estaria garantido o desempenho de outras atribuições pró-prias de cargo ou função privada ao juiz.

A magistratura demanda exclusividade de desempenho, até mesmo porque com menos de oito horas não é possível se atender às demandas que o cargo de juiz reclama. E como se hão de manter as oito horas de sono, normalmente previs-tas pela Organização Mundial de Saúde, e oito horas de lazer (aí incluído o con-vívio familiar, social, etc.), seria impossível pensar, validamente, pudesse um juiz desempenhar atividades inerentes a outro cargo ou função – pública ou privada – sem retirar horas que seriam de dedicação própria e obrigatória ao desempenho do cargo de magistrado, em detrimento, pois, de suas atribuições constitucionais.

21. Os taxativos termos da norma constitucional, na qual se embasou o Conselho Nacional de Justiça para expedir a Resolução 10/05, não propiciam muito espaço de interpretação ao juiz, pois onde a norma restringiu, não com-pete ao intérprete alargar os termos postos no sistema jurídico.

É a lição de Carlos Maximiliano, segundo a qual, “embora se não trate de processos diferentes e, sim, de efeitos dessemelhantes, todavia a distinção entre extensiva e restritiva conserva importância prática (...) Realiza-se a primeira quando, em havendo dúvida razoável sobre a aplicabilidade de um texto, por ex-tensão, ao caso em apreço, resolvem pela afirmativa; a segunda, ao verificar-se hipótese contrária, isto é, quando optam pela não aplicabilidade. Entretanto, em uma e outra emergência a escolha entre a amplitude e a estrutura depende do dever primordial de não tornar irrealizável o objetivo da regra em apreço. Tanto a exegese rigorosa como a liberal se inspiram na letra e no espírito e razão da lei: tomam cuidado com os males que o texto se propôs evitar ou combater, e com o bem que deveria proporcionar” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 203).

No caso em pauta, a norma constitucional proibiu, de modo amplo e extreme de dúvidas, qualquer outra acumulação que não a do cargo de juiz com um cargo ou função de magistério. E não qualificou sequer esse, que haveria de ser apenas um.

Qualquer outra formulação conduz mais que a uma interpretação a uma al-teração do sentido e efeito buscado pela norma constitucional que a um encontro com o conteúdo nela posto.

22. Daí porque, considerando-se o fundamento constitucional da Re-solução 10/05, tal como informado pela então nobre Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministra Ellen Gracie, voto no sentido de ser denegada a segurança, em razão da ausência de qualquer eiva de inconstitucionalidade que pudesse ser vislumbrada nas disposições contidas naquele ato, a determinar o comportamento dos Impetrantes.

Mais uma vez, Senhor Presidente, indago sobre a conveniência de ser julgado este ponto, que é prejudicial do seguimento de exame do quanto posto, relativamente à natureza das funções da Justiça Desportiva, a cujos quadros se integravam os magistrados-Impetrantes.

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Da natureza quase-pública dos cargos e funções da Justiça Desportiva

23. Superada a questão relativa à acumulação de cargo de juiz com outro que não seja público, resta, ainda, apreciar a natureza das funções da Justiça Desportiva, a fim de se concluir sobre a sua natureza e a sua inclusão, ou não, no rol de cargos ou funções acumuláveis com a de juiz.

24. Dispõe o art. 217, § 1º, da Constituição brasileira:

Art. 217. (...)§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às com-

petições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, re-gulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

O Tribunal de Justiça Desportiva é órgão integrante da Justiça Desportiva, nos termos da Lei 9.615/98:

Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do des-porto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório.

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pres-supostos processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal.(Grifos nossos.)

Nesse sentido, na assentada de 27-5-98, no julgamento do Conflito de Atribuições 53/SP, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu:

Conflito de atribuições – Tribunal de Justiça Desportiva – Natureza jurí-dica – Inocorrência de conflito. 1. Tribunal de Justiça Desportiva não se constitui em autoridade administrativa e muito menos judiciária, não se enquadrando a hi-pótese em estudo no art. 105, I, g, da CF/88.2. Conflito não conhecido.(DJ de 3-8-98.)

25. Não se pode deixar de reconhecer que, conquanto não componha a ad-ministração pública, a Justiça Desportiva tem a peculiar condição de ser cons-titucionalmente prevista. Norma constitucional põe, impõe e dispõe sobre a sua atuação, a qual vincula órgãos e entes estatais, incluído o próprio Judiciário, que somente pode conhecer das matérias controvertidas submetidas à sua aprecia-ção em condição de subsidiariedade. Ademais, não se há deixar de assinalar que aquela atuação é determinante quanto às decisões proferidas.

A legislação brasileira que cuida dos órgãos e competências da Justiça Desportiva, por sua vez, é minudente, interventiva e vinculante, pelo que a

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autonomia da estrutura, relativamente ao Estado, não pode ser tida como perfei-tamente definida e assegurada.

Daí se poder concluir que, tal como está na legislação infraconstitucional vigente, a Justiça Desportiva desempenha função quase-estatal, ou, no jargão mais contemporâneo, pública não estatal, distinguindo-se ela da perfeita natu-reza de atividade privada, mas também não se confundindo com atuação estatal.

Leciona Sebastião José Roque que “a Justiça Desportiva é um sistema de julgamento que caminha de forma paralela à jurisdição normal; objetiva diri-mir as lides surgidas no campo desportivo. Mais precisamente, envolve pessoas físicas e jurídicas registradas nas federações esportivas e atos praticados nas competições esportivas promovidas pelas federações. (...) Seu campo de ação é, portanto, restrito. O Código Brasileiro Disciplinar de Futebol – CBDF (Portaria 702, de 18-12-81, do Ministério de Educação e Cultura), em seu art. 28, prevê os casos enquadrados na competência da Justiça Desportiva (...)” (Natureza da Justiça Desportiva. In Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, v. 5, n. 5, p. 181 et seq.).

Em artigo específico sobre o tema (Justiça Comum x Justiça Desportiva), o eminente Ministro Gilmar Mendes acentua que “no Brasil, o tema foi discu-tido, em função da importância do esporte e da tendência à centralização. Há uma tentativa ou possibilidade de regular uma série de situações nesse âmbito, tanto que falamos em justiça desportiva. Ocorre que, entre nós, a questão mere-ceu disciplina legal, com definição quanto à composição da própria justiça e às várias instâncias, diferentemente do que ocorre nesses sistemas que reconhecem a autonomia não só da ordem jurídica desportiva, mas também da própria justiça desportiva. (...) O art. 217, § 1º, (da Constituição) não exclui a apreciação do Poder Judiciário, mas somente sinaliza, como condição de admissibilidade da interven-ção do judiciário, o esgotamento das instâncias da justiça desportiva, desde que isso ocorra dentro de um prazo razoável de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão (art. 217, § 2º). (...) Se queremos uma justiça des-portiva autônoma, que parece ser a clara vontade do constituinte no art. 217, § 1º e § 2º, da CF/88, seria razoável cogitar, no plano material, de um ordenamento jurídico desportivo menos estatal. (...) A presença forte do Estado, com definição quanto à composição, recursos, etc., sem dúvida permite que muitos sustentem que se trata de um modelo de contencioso, embora no Superior Tribunal de Justiça haja jurisprudência que repudia essa idéia, uma vez que a questão estaria a envolver entidades privadas típicas, não ocorrendo aí um conflito de atribui-ções entre entidades públicas. O texto chega a sugerir a idéia de um juízo arbitral. Talvez não se chegue ao resultado desse debate sem se fazer, de fato, uma reins-titucionalização e uma revitalização de todo o modelo, rediscutindo fórmulas e as próprias bases do estatuto jurídico formal do Estado, que é excessivamente detalhado e interventivo (...)” (Justiça Comum x Justiça Desportiva. In Curso de Direito Desportivo. São Paulo: Ícone, 2003. p. 128 et seq.).

26. Não se há deixar de realçar, ainda uma vez, que, nos termos do art. 217, § 1º e § 2º, da Constituição do Brasil, o Poder Judiciário poderá conhecer, ainda que subsidiária e sucessivamente ao exercício das funções da Justiça Desportiva, de controvérsias postas à decisão desta.

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Nestes casos, se ao juiz fosse permitido integrar órgão da Justiça Des-por tiva ficaria ele impedido de desempenhar o seu mister constitucional se so-breviesse ao órgão judicial por ele integrado de causa que já fora de seu prévio exame naquela. Tanto, por si só, patenteia dificuldades que sobreviriam se fosse admissível a acumulação pretendida pelos Impetrantes.

A participação de magistrados em Tribunais de Justiça Desportivos, e em suas Comissões Disciplinares, sem qualquer dúvida pode vir a configurar prejuízo do desempenho imparcial de sua função judicante, pois questões já analisada poderão ser levadas à apreciação de órgão do Poder judiciário do qual eles façam parte.

Diante disso, ficam espancadas eventuais dúvidas que pudessem prevale-cer sobre a impossibilidade de os magistrados, ora Impetrantes, exercerem qual-quer cargo ou função, sejam eles públicos ou privados, salvo a de magistério que desde primórdios constitucionais é reconhecido.

Por tudo quanto posto, também pela natureza constitucional peculiar da Jus-tiça Desportiva, voto no sentido de denegar a segurança pela incompatibilidade constitucional do cargo de juiz com cargo ou função da Justiça Desportiva.

27. Realço, ao final, o prejuízo do agravo regimental interposto pelos Impetrantes (fls. 91-98), em 2-5-06, pelo qual se pleiteou a reconsideração da decisão agravada, por força da qual se indeferiu a liminar, pelo julgamento, agora, do mérito da ação impetrada.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também supero, até por-que daria caráter preventivo ao mandado de segurança.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, quero, inicial-mente, cumprimentar o eminente advogado Rubens Approbato Machado pela excelente sustentação oral feita da tribuna.

Peço, no entanto, vênia, para acompanhar a eminente Ministra Cármen Lúcia, conhecendo do mandado de segurança, mas negando e indeferindo a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, também não posso deixar de fazer referência a esta figura exemplar de advogado que é o Dr. Rubens Approbato Machado.

Vejo a Justiça Desportiva como uma expressão do fenômeno jurídico – en-tre as inúmeras outras expressões dele – fenômeno jurídico que não se esgota no direito posto pelo Estado.

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Aqui se trata de uma forma de justiça estruturada a partir de relações de comunhão de escopo, no âmbito da qual, excepcionalmente, é possível a auto-regulação.

Nessas condições, vejo como vigoroso e rigorosamente fundamentado o voto da Relatora. Acompanho a Relatora.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também saúdo o advoga- do e jurista Rubens Approbato Machado, figura emblemática da comunidade jurídica brasileira, foi um excelente Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros títulos de merecimento.

Entretanto, perfilharei o entendimento da Relatora, a partir de uma in-terpretação que me parece rigorosamente teleológica, ou finalística, da norma constitucional que faz da inacumulabilidade de cargos, no plano da judicatura, uma regra, qual seja: os cargos não são acumuláveis; quando acumuláveis, os cargos são mal desempenhados. Penso que Hely Lopes Meirelles dizia exem-plarmente: cargos acumulados são mal desempenhados em regra.

A Constituição, então, estabelece uma exceção: a acumulação de um cargo de juiz com outro de magistério. Também, finalisticamente, explica-se essa ex-ceção: magistério e magistratura são irmãs siamesas no sentido de que, de um lado, é ensinando que se aprende; de outro, como dizia Camões, há um saber que só de experiência é feito; vale dizer, o juiz tem muito a ganhar com o exercício do magistério, e o magistério tem muito a ganhar com a protagonização dos juí-zes. São atividades que se co-implicam, funcionalmente, porque, no plano da cognição, são mutuamente proveitosas. A razão de ser dessa exceção é exata-mente a mutualidade de proveito. São duas funções geminadas, a magistratura e o magistério. Os juízes, na cátedra, em sala de aula, contribuem, e muito, para a formação dos futuros profissionais de Direito. A Constituição foi sábia.

Entretanto, no tocante à cumulação aqui pretendida, embora não se trate a Justiça Desportiva de uma atividade pública, parece-me que ela acarretaria uma dispersividade da função judicante.

É certo que a Justiça Desportiva recebeu da Constituição um tratamento para além do conferido ao processo simplesmente administrativo. Há um con-tencioso na Justiça Desportiva, que é previsto na Constituição, temperado por ela mesma, Constituição, na medida em que só permite o acesso às vias jurisdi-cionais com o exaurimento das instâncias dessa outra Justiça.

Assim, conheço do mandado de segurança, mas, na linha do excelente voto da eminente Relatora, também indefiro a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Desejo registrar, Senhor Presidente, nos Anais desta Suprema Corte, um fato extremamente significativo.

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Refiro-me ao fato de que o Supremo Tribunal Federal, reunido em sessão plenária, teve o privilégio de ouvir, hoje, a palavra qualificada de um grande profissional do Direito, o eminente Advogado paulista, Dr. Rubens Approbato Machado, que, com tanto brilho, presidiu não apenas o Conselho Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, mas, também, o E. Conselho Federal da OAB, destacando-se, nessa condição, como um dos seus grandes “Bâtonniers”.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E ainda falta, na vida de S. Exa., uma pre-sidência, a do Corinthians!

O Sr. Ministro Celso de Mello: É verdade, mas tenho para mim que a con-cretização desse evento poderá não estar muito distante no tempo!

Não obstante a belíssima sustentação oral que acabamos de ouvir, peço vênia ao eminente Advogado, Dr. Rubens Approbato Machado, para acompa-nhar, integralmente, o douto voto proferido pela eminente Relatora, Ministra CÁRMEN LÚCIA.

É o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não fosse a ótica até aqui exteriorizada, já estaria me imaginando candidato ao Tribunal de Justiça Desportiva pelo clube de meu coração, o Flamengo.

Mas, Presidente, a Carta de 1988, ao contrário da anterior, dispôs ex-pressamente sobre fases que devem anteceder o ingresso em Juízo. Fê-lo no tocante ao dissídio coletivo na Justiça do Trabalho e, também, quanto à Justiça Desportiva, consideradas a disciplina e as competições.

O que nos vem da Constituição e, mais especificamente, da Lei Orgânica da Magistratura? Vem-nos o princípio, de início, da concentração da atividade daquele que tem o ofício judicante. E, fora o magistério, e mesmo assim cargo único no magistério, não há a possibilidade de atuação em outras áreas.

O art. 36 da Loman é categórico – e foi recepcionado pela Carta de 1988 – ao dispor:

Art. 36. É vedado ao magistrado:I – exercer o comércio [não é o caso] ou participar de sociedade comercial,

inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

Então, vem a vedação apropriada, adequada à situação concreta:

II – exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo [e a situação concreta não está aqui incluída na exceção] de associação de classe, e sem remuneração;

E o item III diz respeito às manifestações por meio de comunicação sobre processo pendente de julgamento.

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Penso que – e não me atrevo a definir a Justiça Desportiva sob o ângulo da natureza jurídica – não há campo para o recrutamento de magistrados visando integrar essa Justiça que atua na área não jurisdicional, mas administrativa.

Louvo a preocupação do ilustre, proficiente, exemplar advogado, Dr. Approbato, mas subscrevo o que frisado pelo Ministro Cezar Peluso: exemplo de que a Justiça Desportiva não necessita de magistrados para bem operar está na presidência por um advogado – como disse, exemplar –, e presidência que aponto como das mais salutares em termos de independência, em termos de glosa de situações jurídicas que realmente desafiam essa glosa.

Acompanho a Relatora, indeferindo a ordem.

DEBATE

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Senhores Ministros, a Minis-tra Cármen Lúcia havia suscitado uma questão tendo em vista a situação pecu-liar do presidente do Supremo Tribunal Federal que também exerce as funções de presidente do Conselho Nacional de Justiça.

Eu me lembrava de uma explicação, uma questão na ADC 12, em que o Ministro Nelson Jobim invocava uma situação similar à dos Ministros desta Corte que também atuam no Tribunal Superior Eleitoral. Citava os vários prece-dentes e declarou não estar impedido.

Ainda me socorro de outro precedente, MS 24.875, da relatoria do Minis-tro Sepúlveda Pertence. Foi aquele mandado de segurança impetrado por juízes aposentados desta Corte. Aí, colocou-se a questão da aplicação da regra, hoje ainda constante, do art. 205 do Regimento Interno. Neste mandado de segu-rança, averbou-se:

VI – Mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal: questões de ordem decididas no sentido de não incidência, no caso, do disposto no art. 205, parágrafo único e inciso II, do RISTF, que têm em vista hipótese de impedimento do Presidente do Supremo Tribunal, não ocorrente no caso concreto.

1. O disposto no parágrafo único do art. 205 do RISTF só se aplica ao Ministro Presidente que tenha praticado o ato impugnado e não ao posterior ocupan te da Presidência.

É uma questão sensível de política judicial que poderia levar, na verdade, ao impedimento de dois juízes, no caso: aquele que esteja eventualmente a exercer a função no Conselho Nacional de Justiça, como é o caso que agora se coloca, e aquele que eventualmente praticou o ato.

E aqui ainda há uma sutileza que precisa ser destacada: na maioria dos casos do Conselho, o Presidente não vota, não tem voto; apenas vota para de-sempatar. Logo, pelo menos em relação a este caso, haveria esta tranqüilidade. Teríamos dois argumentos, portanto, o de não ter votado, porque o presidente não vota, além de se tratar da sucessão na função.

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De modo que – acredito –, para o caso específico, não há falar em impedi-mento do Presidente.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Além de obedecer à norma constitucional, há um outro imperativo, o de viabilizar a própria administração dos órgãos do Poder Judiciário; ou seja, estamos num outro patamar, o de administração su-perior dos órgãos do Poder Judiciário. Isso precisava ser viabilizado de alguma forma. Então a própria Constituição resolveu a questão, fazendo, no caso do presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça.

Quanto à Justiça Eleitoral, há outra explicação no plano teleológico, mas não vem ao caso discutir agora.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Claro, se se colocar uma ou-tra questão em que o Presidente venha a desempatar, portanto, participar ativa-mente da decisão do Conselho, certamente nós teremos de nos pronunciar, neste caso, de maneira específica.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nós não temos precedentes de resoluções votadas pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): No âmbito do Eleitoral, tam-bém se coloca a outra questão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. O Tribunal nunca reconheceu impedimento dos Ministros que presidem e presidiram o Tribunal Superior Eleitoral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Portanto, V. Exa. encaminha-ria nesse sentido.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Neste sentido.O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Porque os Ministros do

Supremo Tribunal Federal também participam do julgamento dos recursos extraordinários.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Além dos recursos extraordinários, mas mos-trando na função sobretudo do Presidente.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Na verdade, Senhor Presidente, em ma-téria de atuação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que participam de julgamentos em outro órgão judiciário (o Tribunal Superior Eleitoral), há que se ter presente, nesse tema, a existência de norma regimental (RISTF, art. 277, parágrafo único) e, também, de enunciado sumular consubstanciado na Súmula 72 desta Suprema Corte, que assim dispõe:

No julgamento de questão constitucional, vinculada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos os Ministros do Supremo Tribunal Fe-deral que ali tenham funcionado no mesmo processo, ou no processo originário.(Grifei.)

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso é tradicional no Direito, assim como, nos embargos infringentes, jamais se levantou dúvida quanto à possibilidade de os mesmos juízes que participaram do julgamento embargado participarem dos embargos infringentes, ou de ação rescisória.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Não fosse assim, Senhor Presidente, o Supremo Tribunal Federal ficaria impedido de exercer, com regularidade e em plenitude, as suas atribuições jurisdicionais.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Por isso entendo que essa questão, então, encaminha-se nesse sentido.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Eu também peço vênia aos eminentes Impetrantes e ao eminente Defensor Rubens Approbato Machado, por quem é notório o meu apreço pessoal, para acompanhar o magnífico, bri-lhante voto da Ministra Cármen Lúcia.

Acredito haver aqui, realmente, sutilezas que precisam ser explicitadas e que podem afetar essa idéia básica de imparcialidade, de independência, a idéia central, chave, perseguida pelo texto constitucional, bem como pela Lei Orgânica da Magistratura.

E, como já ressaltado também nos outros votos, pelo Ministro Cezar Peluso, depois, especialmente, pelo Ministro Marco Aurélio, a advocacia está prenhe de valores que poderão ocupar, de forma extremamente satisfatória, essas funções que podem se abrir nessa importante atividade da Justiça Desportiva. E, com isso, claro, eu não me afasto da posição externada numa aula proferida na Escola da Advocacia, em São Paulo, na qual eu dizia da peculiaridade desse Superior Tribunal de Justiça Desportiva, cujas decisões, muitas vezes, assumem uma repercussão que muitas Cortes Constitucionais não logram obter.

Fazendo essas considerações, eu acompanho o voto da eminente Relatora.

QUESTÃO DE ORDEM

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Senhor Presidente, ponho a Vossa Excelência uma questão inicial. Este mandado de segurança é contra o Conselho Nacional de Justiça, que é presidido hoje por V. Exa. É bem verdade que quem prestou as informações foi a Ministra Ellen Gracie, porém a autori-dade coatora é quem está no cargo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Já se decidiu que não há impe-dimento. Foi da época do Ministro Nelson Jobim, não é? Nós tivemos uma questão de ordem, invocando até a Loman quanto à situação do Presidente do Conselho.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): A autoridade coatora é o próprio Presidente do Conselho. Quem prestou informações foi ainda a Ministra Ellen Gracie, porque era ela a Presidente, mas claro, isso não a acompanha. E como é um ato concreto contra determinadas pessoas...

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Em dois outros mandados de segurança em que a Presidente do Conselho era a autoridade coatora, ela se ausentou nas duas ocasiões. Inclusive num man-dado que está com vista ao Ministro Marco Aurélio, ela se ausentou. Nas duas úl-timas vezes, nos mandados de minha relatoria, a Ministra preferiu não participar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, teríamos uma situação muito inte-ressante. Estivesse presente a Ministra Ellen Gracie, que presidiu a sessão em que o Conselho deliberou, não estaria impossibilitada de participar; e o atual Presidente, que não presidiu, estaria?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Sim, mas é porque a autoridade coatora é quem ocupa o cargo. Então, realmente, não acompanha.

No MS 26.163, que está com vista para o eminente Ministro Marco Aurélio, a Ministra Ellen Gracie ausentou-se.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estou com vista de um processo a envol-ver o Conselho Nacional de Justiça e não sei nem se posso participar do julga-mento. Um certo partido veio a representar contra mim, por ato praticado na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ao próprio Conselho. E agora vou julgar ato do Conselho!

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Ministra Cármen Lúcia, faça o relatório, por favor.

EXTRATO DA ATA

MS 25.938/DF — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Impetrantes: Antonio Augusto de Toledo Gaspar e outros (Advogado: Rubens Approbato Machado). Impetrado: Conselho Nacional de Justiça.

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal assentou que não há impedimento do Presidente do Conselho Nacional de Justiça, que fez a publicação da deci-são, mesmo que tivesse participado eventualmente da própria sessão que deu ensejo à prática do ato. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade e nos ter-mos do voto da Relatora, indeferiu a segurança. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Declarou suspeição o Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Falou pelos Impetrantes o Dr. Rubens Approbato Machado.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Procura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de abril de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR NO MANDADO DE SEGURANÇA 27.483 — DF

(MS 27.483-MC na RTJ 206/)

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoImpetrantes: Tim Celular S.A. e outros — Impetrado: Presidente da

Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas

1. Comissão Parlamentar de Inquérito. Interceptação te-lefônica. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Impossibi-lidade jurídica. Requisição de cópias das ordens judiciais e dos mandados. Liminar concedida. Admissibilidade de submissão da liminar ao Plenário, pelo Relator, para referendo. Preceden-tes (MS 24.832-MC, MS 26.307/MS e MS 26.900-MC). Voto vencido. Pode o relator de mandado de segurança submeter ao Plenário, para efeito de referendo, a liminar que haja deferido.

2. Comissão parlamentar de inquérito (CPI). Prova. Inter-ceptação telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Com-petência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Aparência de ofensa a direito líquido e certo. Liminar concedida e referen-dada. Voto vencido. Inteligência dos arts. 5º, X e LX, e 58, § 3º, da CF, art. 325 do CP, e art. 10, c/c art. 1º da Lei federal 9.296/96. Comissão parlamentar de inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de de-cisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, que-brar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a comissão parlamentar de inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, preliminarmente, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, em entender cabível, a critério do Relator, o referendo da decisão concessiva da li-minar em mandado de segurança. No mérito, o Tribunal, por maioria, referenda a liminar concedida, com as ressalvas aduzidas pelo Relator, vencido também neste ponto o Ministro Marco Aurélio, que negava o referendo. Votou o Presi-dente, Ministro Gilmar Mendes. Não participaram da votação a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Eros Grau por não terem assistido ao relatório e ao voto. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 14 de agosto de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Tim Celular S.A. e outras operadoras de telefonia fixa e móvel, todas nomeadas e qualificadas à inicial, contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para Investigar Escutas Telefônicas Clandestinas, Deputado Federal Marcelo Itagiba, que lhes determi-nou remessa de informações cobertas por sigilo judicial.

Alegaram as Impetrantes que ofício subscrito pelo Presidente da CPI re-queria lhe fossem transferidos, até 3 de agosto corrente, em meio magnético, os sigilos referentes ao conteúdo de todos os mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no ano de 2007.

Sustentaram que o atendimento ao ofício revelaria clara colisão entre dois interesses públicos de alta relevância, quais sejam, o de mais bem investigar e apurar irregularidades (a) e o de preservar o segredo de justiça que recai sobre os mandados judiciais e sobre todos os processos em que foram essas ordens emitidas, reserva que tem por fim último a defesa da garantia constitucional da intimidade de todas as pessoas envolvidas (b).

Requereram lhes fosse concedida liminar, para que pudessem recusar-se a prestar tais informações, sem que o ato, em relação a seus presentantes e dire-tores, configurasse crime de desobediência, ou violação dos segredos de justiça. No mérito, pediram a confirmação da liminar.

Concedi a liminar, que submeto ao Plenário.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Concedi a liminar nestes termos:É entendimento firme e aturado desta Corte, e unânime da doutrina, que,

nos termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as comissões parla-mentares de inquérito têm todos os “poderes de investigação próprios das au-toridades judiciais”, mas apenas esses, e nenhum além desses. Estão, portanto, submissas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes de qualquer grau, no desempenho de idên-ticas funções (MS 23.595, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 1º-2-00; MS 25.908, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ de 31-3-06; HC 86.232-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 1º-8-05; HC 79.244, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-3-00; HC 87.971-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 21-2-06; HC 71.039, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 6-12-96; HC 86.849-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 13-10-05; HC 95.279, decisão liminar, Min. Cezar Peluso, j. 25-7-08; na doutrina, cf. Raul Machado Horta, “Limitações constitucionais dos poderes de investi-gação”, in RDP 5/38; João de Oliveira Filho, “Inquéritos Parlamentares”, in Revista de Informação Legislativa, v. 2/73; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Ed. Saraiva, 1992, v. 2/72,

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apud voto do Min. Celso de Mello, no HC 71.039/RJ; Uadi Lamêgo Bulos, Comissão Parlamentar de Inquérito – Técnica e Prática, Saraiva, 2001, p. 200-208; Ovídio Rocha Barros Sandoval, CPI ao Pé da Letra, Millennium, 2001, p. 41-49, 46-48; Jessé Claudio Franco de Alencar, Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil, RJ, Renovar, 2005, p. 75-86).

Daí vem, em linha reta, que, sob esse ponto de vista, o qual é o da qualidade e extensão dos poderes instrutórios das comissões parlamentares de inquérito, estas se situam no mesmo plano teórico dos juízes, sobre os quais, no exercí-cio da jurisdição, que lhes não é compartilha às comissões, nesse aspecto, pela Constituição da República, não têm elas poder algum, até por força do princípio da separação dos poderes. Tampouco têm, por não menos direta conseqüência, poder sobre as decisões, jurisdicionais, proferidas nos processos, entre as quais relevam, para o caso, as que decretam o chamado segredo de justiça, previsto como exceção à regra de publicidade, a contrario sensu, no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal. Dito de maneira menos congestionada, as comissões par-lamentares de inquérito carecem, ex autoritate propria, de poder jurídico para revogar, cassar, compartilhar, ou de qualquer outro modo quebrar sigilo legal e constitucionalmente imposto a processo judiciário. Trata-se de competência pri-vativa do Poder Judiciário, ou seja, matéria da chamada reserva jurisdicional, onde o Judiciário tem, não apenas a primeira, mas também a última palavra.

É coisa intuitiva:

Não há como entender que a locução poderes de investigação próprios das autoridades judiciais permita ao Legislativo invadir competências privativas do Judiciário, isto é, funções típicas deste, senão admitindo-se o desrespeito a prin-cípios basilares da República Federativa do Brasil, quais sejam: sua Constituição como Estado Democrático de Direito e a independência dos Poderes. Ora, os prin-cípios e direitos fundamentais não podem, nem devem, ceder ante caprichos ou mesmo necessidades de um trabalho investigativo.(ALVES, José Wanderley Bezerra. Comissões Parlamentares de Inqué-rito – Poderes e Limites de Atuação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2004. p. 158-159.)

É intuitiva a razão última de a Constituição da República nem a lei have-rem conferido às comissões parlamentares de inquérito, no exercício de suas relevantíssimas funções, poder de interferir na questão do sigilo dos processos jurisdicionais, porque se trata de medida excepcional, tendente a resguardar a intimidade das pessoas que lhe são submissas, enquanto garantia constitucional explícita (art. 5º, inciso X), cuja observância é deixada à estima exclusiva do Poder Judiciário, a qual é exercitável apenas pelos órgãos jurisdicionais compe-tentes para as respectivas causas – o que implica que nem outros órgãos jurisdi-cionais podem quebrar esse sigilo, não o podendo, a fortiori, as CPIs. E é essa também a razão óbvia por que não pode violar tal sigilo nenhuma das pessoas que, ex vi legis, lhe tenham acesso ao objeto, assim porque intervieram nos pro-cessos, como porque doutro modo estejam, a título de destinatários de ordem judicial, sujeitas ao mesmo dever jurídico de reserva.

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Ora, aplicadas essas breves noções ao caso, aparenta, para efeito deste juí- zo prévio, sumário e provisório, razoabilidade jurídica ( fumus boni iuris) a pre-tensão das Impetrantes de se guardarem da pecha de ato ilícito criminoso, não apenas à vista do art. 325 do Código Penal, mas, sobretudo, perante o art. 10, cc. art. 1º, da Lei federal 9.296, de 1996, que tipifica como crime a quebra de se-gredo de justiça, sem autorização judicial, ou, ainda, por deixarem de atender ao que se caracterizaria como requisição da comissão parlamentar de inquérito. É a figura clássica do dilema.

Escusa notar, porque é apodítico, que, se as impetrantes, segundo os ter-mos do ofício, “transferissem” à Comissão, sem ordem judicial, o sigilo que recobre o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação, com cópia das res-pectivas ordens, devassariam ipso facto a intimidade das pessoas partícipes das causas, sobre insultarem, em princípio, a obrigação legal de sigilo que lhes pesa.

E há risco de dano grave (periculum in mora), porque nesta data se esgota o prazo outorgado, sob cominação implícita, no ato que impugnam as impetrantes, a cujo descumprimento pode corresponder medida imediata e suscetível de lhes acarretar constrangimento à liberdade. Não, porém, aos trabalhos da comissão e, pois, nem à autoridade, porque eventual mau sucesso das impetrantes no jul-gamento definitivo deste pedido de segurança não provocará prejuízo algum à consecução dos altos propósitos que decerto inspiraram a deliberação da CPI.

2. Do exposto, concedo a liminar, autorizando, até decisão contrária nesta causa, as impetrantes a não encaminharem à comissão parlamentar de inquérito o conteúdo dos mandados judiciais de interceptação telefônica cumpridos no ano de 2007 e protegidos por segredo de justiça, exceto se os correspondentes sigilos forem quebrados prévia e legalmente.

Comunique-se, com urgência, por ofício e fac-símile, o inteiro teor desta decisão à autoridade apontada como coatora, solicitando-lhe, ainda, que preste informações.

PRELIMINAR

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, gostaria apenas de acrescentar, não obstante reconheça os altos propósitos da comissão parla-mentar de inquérito, preordenada a investigar fatos relacionados a conhecidos abusos em interceptações e escutas telefônicas, que nem sequer as próprias atividades estatais de repressão a crimes podem, no Estado Democrático de Direito, desenvolver-se à margem ou à revelia da lei. Toda atividade estatal deve ser guiada e realizada nos quadros do ordenamento jurídico, que não é constitu-ído só por leis, mas, sobretudo, pela Constituição.

Reconhecendo aqueles altos propósitos da comissão parlamentar de in-quérito, reavaliei, após a concessão da liminar que então me parecia e ainda parece necessária, alguns aspectos do caso para os submeter à consideração da Corte, nesta oportunidade.

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A maneira que teria o Judiciário de colaborar com o trabalho da comissão, evidentemente, a meu ver, e com o devido respeito, não poderia estar na quebra dos sigilos judiciais que, segundo entendo, nem esta Corte tem poder para deter-minar no âmbito dos processos judiciais de competência de outros juízos. Mas pareceu-me que eventualmente a comissão parlamentar de inquérito, se tenha interesse, pode, sem tal quebra, receber algumas informações capazes de cons-tituir subsídios para suas atividades.

Nesse sentido, submeto à consideração de V. Exas. as seguintes informa-ções que as operadoras poderiam transferir à Comissão.

Em primeiro lugar, relação dos juízos que expediram os mandados de in-terceptação – só a relação dos juízos – e a quantidade dos mandados emitidos por cada juízo, ou seja, informar que o juízo da vara tal expediu, no ano de 2007, por exemplo, vinte mandados de interceptação, sem outras explicitações.

Depois, relação dos órgãos policiais específicos destinatários das ordens ju-diciais. É que se alega que até a polícia rodoviária teria sido destinatária de ordens de interceptação, quando, em princípio, não tem competência de polícia judiciária. Então, seria, deveras, preciso saber se houve, ou não, alguma ordem judicial diri-gida a órgão que não dispõe ou não dispunha de competência de polícia judiciária. Daí, identifica-se o órgão policial específico que seria destinatário da ordem.

Em terceiro lugar, havendo elementos – que pode não havê-los em muitos casos –, relação dos órgãos que requereram as interceptações, enquanto provi-dência tendente a informar quem teve interesse nas interceptações. Apenas isso.

Em quarto lugar, relação da cidade ou das cidades em que se situam os termi nais telefônicos objeto das ordens de interceptação. É que outra das alega-ções está em que determinados juízos teriam expedido ordem de interceptação de terminais situados fora da sua jurisdição. Então, as operadoras podem sim-plesmente informar qual o juízo que expediu ordem de interceptação de termi-nais e quais as cidades em que estes se situam.

Finalmente, a duração total de cada interceptação autorizada. Noutras palavras, informação do período total autorizado para cada interceptação, com indicação da quantidade de dias durante os quais foi realizada.

Mas é preciso ficar absolutamente claro que não pode constar dessas infor-mações nenhum dos seguintes dados:

a) os números dos processos em que foram as ordens expedidas. Quando se transmite o número de identificação do processo, abre-se a porta para quebra, ainda que indireta, do sigilo. E não interessa à comissão parlamentar de inquérito saber os números dos processos, se não há interesse em conhecer-lhes o conteúdo protegido pelo sigilo. Isto é, não há interesse jurídico em conhecer o número do processo, se o seu conteúdo não pode ser objeto de acesso da comissão.

b) o nome de qualquer das partes do processo ou dos titulares dos termi-nais interceptados. Não se pode revelar a quem pertença determinado terminal, nem o nome das partes dos processos.

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c) os números dos terminais, pois que a transmissão da informação sobre o número dos terminais, objeto dos mandados de interceptação, quebra indire-tamente o sigilo judicial.

d) finalmente, em hipótese alguma, porque isso significaria a quebra mais ostensiva do segredo de Justiça, não podem as operadoras enviar cópias dos man-dados, nem das decisões que os acompanharam, nem das que, embora não hajam acompanhado os mandados, são as ordens judiciais de que estes resultaram.

Em suma, a meu ver, com o devido respeito, não pode haver nenhuma possibilidade de identificação nem dos processos, nem dos nomes das partes, nem dos terminais, nem das pessoas submetidas, como titulares dos terminais, à interceptação.

A mim me parece que apenas aqueloutros dados, a que já me referi, podem dar à comissão elementos valiosos para a conclusão do seu trabalho, sem que, com isso, se fira o segredo de Justiça que recobre os processos judiciais.

Senhor Presidente, é o que estou propondo à Corte, para efeito de referendo.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, é muito difícil adotar duas posições. Refiro-me à circunstância de, como Relator, em impetrações, atuar sempre no campo individual e, ao mesmo tempo, no Plenário, vir a conceber que se possa transferir o ato, que o Regimento prevê expressamente no rol das atribuições do relator, ao Colegiado.

Creio que o ministro Cezar Peluso – compreendo o intuito de S. Exa. – não submete ao Tribunal, a referendo, a liminar implementada ou está a submeter?

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Estou submetendo a referendo.O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia para reiterar o que

tenho consignado no Plenário. A atribuição no campo acautelador, em se tra-tando de impetração, é, regimentalmente, do relator. Distingo o que se contém no art. 21 do Regimento Interno da norma autorizadora do art. 203, específica quanto ao mandado de segurança.

Por isso, peço vênia e a compreensão, inclusive, de S. Exa. o Relator, para mostrar-me coerente com o que faço, diuturnamente, no Tribunal, e revelar que o processo e o implemento de qualquer medida estarão em ótimas mãos com S. Exa., o Relator.

EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, estou de pleno acordo com o princípio que tem sido – aliás, sou testemunha disso – reiterada-mente observado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, como eu mesmo e os demais Ministros temos feito ordinariamente.

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Em dois ou três casos, porém – e este, provavelmente, deve ser o terceiro ou o quarto –, pela relevância da matéria, como já fiz isso noutras oportunida-des, com a aprovação do Plenário, vencido o eminente Ministro Marco Aurélio, e, mais, diria, até em homenagem ao princípio da colegialidade, pela importân-cia da decisão e a necessidade de que os demais Ministros tomem conhecimento dos termos de questão que me parece relevantíssima e lhe dê a solução da Corte, submeto ao Plenário o tema da liminar, que pode constituir objeto recorrente de outras causas.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, como afirmou o Ministro Marco Aurélio, comungo também desse entendimento que é da alçada do Ministro Relator o exame da medida cautelar em mandado de segurança em habeas corpus. Tanto isso que, nas duas matérias, o Supremo tem assentado a jurisprudência sobre o descabimento de recurso. Mas o fato, como disse V. Exa, é que nós já, em outras oportunidades, abrimos ensanchas a que esta Corte re-ferendasse a cautelar.

Por essa razão, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio apenas para acom-panhar a jurisprudência da Corte.

VOTO(Sobre preliminar)

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também, eu, como já existem alguns poucos precedentes e pela relevância da matéria, penso muito recomendável o que foi feito pelo eminente Ministro Relator, razão pela qual o acompanho, com as vênias, evidentemente, do eminente Ministro Marco Aurélio.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio, entendo que é possível ao Relator, tendo em conta a relevância da matéria, trazê-la à apreciação do Plenário, como já foi feito em outras vezes.

VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também entendo que, no caso, quem pode decidir monocraticamente, levando em conta a importância da matéria, sua repercussão, a magnitude do tema, pode trazê-la à apreciação do Plenário, homenageando, assim, o princípio da colegialidade.

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VOTO(Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Também entendo nesse sen-tido. Até já ressaltei que, em muitos desses casos em que se dá a competência ao Relator, a meu ver, se tem, aqui, um fenômeno de metonímia processual. Na verdade, dá-se a competência ao Relator por razões funcionais, mas, na verdade, não se destitui a competência do Plenário, apenas por razões de mecânica pro-cessual. O mesmo se dá no que concerne, a meu ver, na suspensão de segurança ou à suspensão de liminar, em que a competência é conferida ao Presidente, mas não afasta a competência do Plenário.

De modo que acompanho também o eminente Relator, com as vênias de-vidas ao Ministro Marco Aurélio.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, eu acompanho o eminente Relator, destacando a prudência da providência tomada. Realmente é muito relevante o papel da comissão parlamentar de inquérito, e esta Corte tem reconhecido, em diversas oportunidades, essa relevância, particularmente nesse trânsito da vida republicana brasileira em que essa questão dos grampos tem sido alardeada e, afinal, não se tem, efetivamente, um conhecimento adequado da extensão em que isso está sendo feito.

E, evidentemente, cabe ao Supremo Tribunal Federal, nessa circunstân-cia, velar pelo prestígio de dois princípios: o princípio do sigilo, que esta Corte tem sempre procurado seguir, e, agora, o Ministro Cezar Peluso reforça com essa idéia de que, sim, é possível dar alguns dados, desde que esses dados não quebrem o sigilo; e o segundo princípio que é o princípio da informação. E a junção e a ponderação desses dois princípios convergem para a solução que foi adotada.

Por essas razões, acompanho o Ministro Cezar Peluso, confirmando a liminar nos termos de S. Exa.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, acompanho o Relator, com as ponderações que considero da maior relevância, porque nem se pode im-pedir a Comissão do Poder Legislativo de cumprir o seu objetivo de investigar, nem se pode permitir que alguns dos direitos fundamentais, como o direito ao segredo, sejam de alguma forma ofendidos.

Razão pela qual acompanho integralmente, com as ponderações todas fei-tas, pontuadamente, pelo Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, também acom-panho o eminente Relator nessa prudente solução que S. Exa. deu ao caso, ressaltando que o Supremo Tribunal Federal tem admitido a quebra do sigilo bancário e fiscal, por parte das comissões parlamentares de inquérito, desde que em função de fatos por ela investigados e, também, desde que baseado em elementos concretos.

A pretensão inicial da CPI era a de obter dados resultantes da quebra de sigilo, que foi determinada por diversos juízes, em situações distintas. Portanto, Sua Excelência, a meu ver, acertou plenamente ao indeferir o pedido. Mas, agora, entendo que a solução dada pelo Relator mostra-se bastante adequada porque, com o fornecimento dos dados que S. Exa. está liberando para a CPI, está-se permitindo que ela aprofunde e leve adiante o objeto de suas investigações.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também entendo que o eminente Relator muito bem equacionou a causa, sobretudo fazendo uma distin-ção precisa, técnica, entre a natureza das funções de uma comissão parlamentar de inquérito e aquelas que são próprias dos órgãos judicantes.

No que toca ao inciso XII do art. 5º da Constituição, versante sobre a in-violabilidade do sigilo, no caso que nos interessa, das comunicações telefônicas, também com S. Exa. o Ministro Cezar Peluso, entendo que a Constituição, para a quebra desse sigilo, só se refere ao poder judicial.

Quando diz ordem judicial, a Constituição diz assim, salvo por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, foi de rigor técnico. Só o Poder Judiciário se encaixa no âmbito significante dessas expressões. Evidente que as comissões parlamentares de inquérito ficam do lado de fora, nada obstante a valiosidade intrínseca do seu mister.

Na sessão de hoje, o Ministro abranda um pouco os termos do seu pro-vimento em sede cautelar para, decisivamente, colaborar com a comissão parlamentar de inquérito, mas sem devassar o conteúdo, sobretudo isso, das co-municações telefônicas compartilhadas ou interceptadas às escutas.

E vejo um mérito muito grande numa das aberturas agora admitidas pelo Ministro Cezar Peluso: a Comissão Parlamentar de Inquérito fica em condições de fazer um confronto, uma avaliação entre o número autorizado judicialmente de interceptações de escuta telefônica e o número efetivamente concretizado, praticado, para ver se houve extrapolação policial da própria ordem judicial quanto à quantidade das escutas. Vejo nisso também um grande mérito no pro-vimento que S. Exa., agora, submete a referendo desta nossa Corte.

Acompanho S. Exa.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, estabeleço uma premissa: nem sempre, quando se parte para a quebra da privacidade de dados, existe o sigilo quanto ao processo como um grande todo, já que, segundo a Constituição, ele o é, de regra, público, devendo ganhar, portanto, publicidade.

Então, o que ocorre na maioria das vezes? Quebra-se o sigilo, e os dados respectivos, esses sim, ficam guardados, tendo acesso a eles somente os repre-sentantes processuais das partes.

É a primeira premissa que estabeleço. Não generalizo o sigilo a ponto de apanhar o processo como um todo.

Tenho votado, no Plenário – e a beleza do Colegiado é justamente essa, o somatório de forças distintas –, invariavelmente, no sentido de tomar a cláusula autorizadora da quebra do sigilo como uma cláusula fechada. Explico melhor: há necessidade de ordem judicial e, mesmo assim, presente a ordem judicial, o escopo deve ser a investigação criminal ou a instrução de processo criminal.

O Tribunal conclui de forma diversa, estabelecendo, após a quebra de sigilo em processo da respectiva competência, o compartilhamento de dados com outros órgãos, inclusive com órgãos incumbidos de atuar simplesmente no campo administrativo, que não são órgãos judiciais.

Mantenho-me fiel ao disposto no rol das garantias constitucionais, à li-mitação que decorre – se não me falha a memória – do inciso XII do art. 5º da Carta da República.

Então teria tudo para acompanhar, presentes esses votos anteriores, o Re-lator, mas não posso fazê-lo. E a razão é muito simples: consoante previsto no § 3º do art. 58 da Constituição Federal, as comissões parlamentares de inquérito, atuando no campo da investigação, possuem poderes que não são próprios à po-lícia. Se a referência, no § 3º, fosse ao poder de investigação da polícia, não teria a menor dúvida em assentar, considerada esta comissão parlamentar de inqué-rito – para a investigação de escutas telefônicas clandestinas –, a impossibilidade do acesso aos dados pretendidos, que não são os levantados com a interceptação, mas os que visam a estampar, em última análise, aquelas interceptações que fo-ram realmente autorizadas por órgão investido do ofício judicante e, portanto, pelo Judiciário, e as clandestinas, que dizem não serem poucas!

Pretende-se os nomes das partes dos processos, e aqui se faz em jogo a publicidade – reporto-me ao início do meu voto –, e também os números dos terminais objeto das interceptações e estes não estão compreendidos sequer no próprio sigilo.

Atravessamos uma época em que se fala muito em conflito entre as insti-tuições. Exagera-se, inclusive, no conceito respectivo, porque, em certas situa-ções concretas, não ocorre esse conflito. Ao contrário, as instituições funcionam nos campos reservados pela Constituição Federal.

No caso, sob a minha óptica, e com a devida vênia dos que entendem de forma diversa, se brecarmos o acesso da Comissão Parlamentar de Inquérito aos

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dados pretendidos, em primeiro lugar, acabaremos esvaziando-a por completo, considerado o objetivo da instalação. Em segundo lugar, estaremos conferindo interpretação restritiva – e a única interpretação que cabe é a estrita, consoante se contém no preceito – ao § 3º do art. 58 do Diploma Maior, e gerando, permito-me o desassombro, aqui sim, um conflito verdadeiramente institucional.

Em síntese, assento que a regra prevista no inciso XII do art. 5º da Carta da República veio a ser temperada pelo próprio constituinte quando fez inserir, no § 3º do art. 58, o seguinte preceito, de natureza imperativa, como todos os demais constantes da Constituição Federal:

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investi-gação [que poderes] próprios das autoridades judiciais, (...)

Entendo que, conforme pronunciamentos do próprio Plenário, uma comis-são parlamentar de inquérito poderia até mesmo vir a formalizar a quebra do sigilo de dados, não havendo necessidade, ante a autorização contida no § 3º, de recorrer ao Judiciário.

Ora, repito, o que pretendeu a comissão parlamentar de inquérito, ao dirigir-se às empresas telefônicas, foi justamente colher elementos para elucidar a existência da famigerada escuta clandestina. Certo ex-dirigente de operadora telefônica chegou mesmo a dizer, em depoimento à comissão parlamentar de inquérito – e não sei se estaria, por isso, impedido de votar neste processo – que meus telefones no Rio teriam sido objeto de interceptação! Ainda bem que sou um livro aberto.

Então, Presidente, volto a afirmar: considerado o objeto da comissão parlamentar de inquérito, sem o fornecimento desses dados – e não se pediu o resultado das interceptações em si, ou seja, os dados levantados com as inter-ceptações, mas os elementos formais que levaram ao levantamento desses ele-mentos – estará manietada a comissão instaurada.

Peço vênia ao Relator para, no caso, não referendar a liminar deferida por S. Exa.

Vencido nessa parte – evidentemente agora S. Exa. mitiga a negativa ini-cial, propondo que sejam fornecidos certos elementos – e porque chego ao mais, defiro, obviamente, esse fornecimento.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, gostaria de fazer dois esclarecimentos apenas.

O primeiro deles é que a CPI foi textual no ofício e na proposta aprovada. Exigiu e, como tal, requisitou às operadoras, não apenas cópias dos mandados, mas também cópias das ordens judiciais que os acompanharam. O que significa isso na prática? Como V. Exas. bem o sabem, alguns mandados não se exaurem num único documento, porque a decisão de que resultam é, às vezes, muito

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longa e, assim, necessita de interpretação. Isto sucede, sobretudo, nesta Casa, onde se expede mandado e, com este, sempre segue cópia da decisão que lhe determinou a expedição. E foi o que requisitou a CPI.

Quando se remete cópia de decisão que determinou interceptação, reme-tem-se todos os dados ali constantes, isto é, todas as razões que o juízo deduziu para determinar a interceptação. As cópias vão, pois, revelar quais os fatos, quais as pessoas, quais as suspeitas, quais as diligências, quais os outros dados em que se baseou a decisão. Enfim, as cópias devassam tudo, pondo fim ao si-gilo. Encaminhando-se as cópias, já não há sigilo nenhum.

Segundo, não tenho dúvida nenhuma de que, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição da República, as CPI têm, textualmente, os mesmos poderes instrutórios dos juízos. O caso aqui não é, todavia, de exercício de poder ins-trutório, de poder de investigação; é do poder de quebrar sigilo judicial de pro-cesso. Nenhum juiz tem tal poder em relação a processo alheio. Não é de poder instrutório que se trata. O que a CPI invoca é poder de quebrar sigilo judicial imposto pelos juízos. Nenhum juiz tem esse poder! E eu nego, com o devido respeito, nego a esta própria Corte o poder e a competência para quebrar sigilo de processos de outros juízos.

O Sr. Ministro Celso de Mello: Entendo, Senhor Relator, que o Supremo Tribunal Federal dispõe, por autoridade própria, de poder para requisitar infor-mações e esclarecimentos sobre matéria posta sob sigilo judicial e veiculada em procedimentos judiciais e de investigação penal sobre os quais incida a nota do “segredo de justiça”, desde que os atos neles praticados estejam sob apreciação jurisdicional desta Suprema Corte.

Em tais situações, não é oponível, ao Relator da causa nesta Corte Su-pre ma, bem assim a este próprio Tribunal, o sigilo judicial referente a matéria sob investigação penal ou veiculada em processo judicial, sob pena de as au-toridades apontadas como coatoras – sejam elas autoridades judiciárias, poli-ciais ou administrativas – criarem, em torno de si, um inadmissível círculo de proteção, que, encobrindo-lhes eventuais atos arbitrários, ilícitos ou abusivos, culmine por frustrar o exercício da jurisdição que a Constituição da República outorgou ao Supremo Tribunal Federal.

Não tem qualquer sentido negar-se, ao Supremo Tribunal Federal, nos processos regularmente instaurados perante esta Corte, o acesso a dados sigi-losos, se a “disclosure” das informações neles contidas revelar-se necessária à resolução do litígio.

Em uma palavra: o sigilo judicial, especialmente quando decretado por órgãos investidos de jurisdição inferior, não pode representar obstáculo ao exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição constitucional das liberdades, sob pena de se frustrarem os mecanismos que a própria Constituição da República concebeu e forjou em favor dos direitos e garantias individuais, buscando protegê-los contra comportamentos ilícitos e condutas abusivas de quaisquer agentes estatais.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Exatamente. Isto é, não se pode re-conhecer, na interpretação da Constituição, à luz da importância das tarefas de comissão parlamentar de inquérito, poder jurídico que sequer o Judiciário tem como tal.

Estas foram as razões que me levaram a conceder a liminar e que nela dei-xei claras, ao negar à CPI aqueles dados.

O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. permite? Entendo que este art. 58, § 3º, versante sobre comissões parlamentares de inquérito e seus poderes ins-trutórios, ou de investigação, nos termos da Constituição, está desafiando de nossa parte – mais cedo ou mais tarde teremos de enfrentar e superar esse de-safio – uma interpretação, digamos, mais clara ainda, mais exauriente do que a que temos dado.

Por enquanto, inclino-me por entender o seguinte: os poderes investi-gatórios ou instrutórios que são próprios dos juízes as CPI também têm, mas para cumprimento dos fins que são próprios das CPI. Dentre esses fins, não se encaixam, rigorosamente, a investigação criminal, a instrução criminal, usadas pela Constituição, para o específico fim de quebra de sigilo telefônico, mediante ordem judicial. É uma conclusão provisória, mas que me satisfaz.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): E, menos ainda, de corregedoria de decisões judiciais, como se fora lícito à comissão ter acesso ao conteúdo de ordens judiciais para que se pronuncie sobre elas!

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Nesse caso, quebra-se o princípio da sepa-ração de Poderes, inclusive.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Pois foi isso que invoquei. O princí-pio da separação de Poderes foi um dos que expressamente invoquei.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente): Eu também acompanho o eminente Relator, que acredito, agora – tal como já foi pontuado pelos diversos colegas –, logrou fazer uma belíssima concordância prática ao compatibilizar a questão do sigilo e sua necessária; no caso, também a especificidade relativa à autonomia do ato judicial de um lado, e os poderes da própria comissão parla-mentar de inquérito.

A rigor – como destacou bem o Ministro Celso de Mello –, esses poderes que são reconhecidos às comissões parlamentares de inquérito não envolvem al-guns atos, típicos da atividade jurisdicional. Eles são confiados à CPI, para que possa realizar o seu mister básico, e é nesse sentido que o Relator acaba de fazer uma concepção de aproximação.

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VOTO(Aditamento)

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Se a comissão tiver interesse, as operadoras deverão encaminhar as seguintes informações: primeiro, relação dos juízos que expediram os mandados, bem como a quantidade destes e dos terminais objeto das ordens – quantos mandatos e quantos terminais; segundo, relação dos órgãos policiais específicos destinatários das ordens judiciais; ter-ceiro, havendo elementos, relação dos órgãos que requereram as interceptações; quarto, relação da cidade ou cidades em que se situam os terminais objeto das ordens de interceptações; e, quinto, duração total de cada interceptação.

Ficando claro, outrossim, que não podem, de modo algum, constar das in-formações: primeiro, o número de cada processo; segundo, o nome de qualquer das partes ou dos titulares dos terminais interceptados; terceiro, os números dos terminais; e, quarto, cópias dos mandados e das decisões que os acompanharam ou que os determinaram.

VOTO(Explicação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Eu vou até elaborar uma ementa sobre isso, para que fique bem claro neste julgamento de referendo.

EXTRATO DA ATA

MS 27.483-MC-Referendo/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Im-petrantes: Tim Celular S.A. e outros (Advogados: David Marques Muniz Rechulski e outros). Impetrado: Presidente da Comissão Parlamentar de Inqué-rito das Escutas Telefônicas Clandestinas.

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, entendeu cabível, a critério do Relator, o referendo da deci-são concessiva da liminar em mandado de segurança. No mérito, o Tribunal, por maioria, referendou a liminar concedida, com as ressalvas aduzidas pelo Relator, vencido também neste ponto o Ministro Marco Aurélio, que negava o referendo. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Não participaram da votação a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Eros Grau por não terem assistido ao relatório e ao voto. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 14 de agosto de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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HABEAS CORPUS 81.321 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: João Luiz Rocco — Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e

outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ação penal. Crime tributário, ou crime contra a ordem tri-butária. Art. 1º da Lei 8.137/90. Delito material. Tributo. Inscri-ção mediante auto de infração. Cancelamento por decisão judicial em mandado de segurança. Crédito não lançado definitivamente. Falta irremediável de elemento normativo do tipo. Crime que se não tipificou. Trancamento do processo. Habeas corpus concedido para esse fim. Precedentes. Não se tipificando crime tributário sem o lançamento fiscal definitivo, não se justifica pendência de ação penal, quando foi cancelada, por decisão judicial em man-dado de segurança, a inscrição do suposto débito exigido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.

Brasília, 4 de dezembro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de João Luiz Rocco, contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que lhe denegou a ordem nos autos do HC 16.472.

O paciente foi denunciado, perante o Juízo da 3ª Vara Criminal Federal, da Primeira Subseção Judiciária de São Paulo, sob acusação de prática do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.

A inscrição do débito exigido mediante o auto de infração de pessoa fí-sica, que originou a ação penal movida contra o paciente (Processo-Crime 2000.6181.00218-9), foi cancelada por ordem judicial nos autos do Mandado de Segurança 98.0018423-6, tendo o Magistrado determinado reabertura de prazo para apresentação de defesa administrativa, após a efetiva intimação do ora paciente para impugnar o auto de infração.

Por isso, alegam os impetrantes que a ação penal movida contra o ora pa-ciente carece de justa causa, em razão de ausência de materialidade de delito, porque não constituído definitivamente o crédito tributário.

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Sob o mesmo argumento, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou a ordem.

Foi, então, impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que, em ato aqui reputado configurador de constrangimento ilegal, lhe denegou a ordem, em acórdão assim ementado:

Processual penal. Tributário. Trancamento de ação penal. Falta de justa causa. Condição de procedibilidade.

1. O exaurimento da instância administrativa não é condição de procedibi-lidade para a Ação Penal (Lei 9430/96, art. 83). Ressalva da posição contrária do Relator.

2. Habeas corpus conhecido. Pedido indeferido.(Fl. 42.)

O pedido de liminar foi indeferido (fl. 18), e a Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 67-69).

À vista de petição dos impetrantes (fl. 73), reapreciei a decisão de fl. 18 e deferi a suspensão do processo-crime contra o Paciente.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Consistente o pedido.Para a configuração do delito imputado ao paciente, deve-se apurar antes

se o tributo é, ou não, devido. O art. 1º da Lei 8.137/90 fala expressamente em suprimir ou reduzir tributo, de sorte que o lançamento definitivo caracteriza elemento normativo do tipo, à míngua do qual a conduta do agente é atípica.

Donde, a ação incriminada no art. 1º da Lei 8.137/90 só pode ser supressão ou redução do crédito tributário devido, ou seja, definitivamente constituído, líquido, certo e exigível, nos termos de lançamento definitivo.

É o que o Plenário desta Corte, com largo voto vencedor por mim decla-rado, decidiu, no julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-5-05), assentando que os delitos tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, consumando-se apenas com a efetiva ocorrência do re-sultado, qual seja, supressão ou redução de tributo devido, o que somente pode caracterizar-se com o lançamento definitivo do crédito tributário:

I – Crime material contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º): lança-mento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADI 1.571-MC), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 – que é material ou de resultado –, enquanto não haja decisão defi-nitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento

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definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (Lei 9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contri-buinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.(HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-5-05.)

Carece, por conseqüência, de justa causa, toda ação penal destinada a perseguir ilícito penal tributário, enquanto o crédito tributário não esteja devi-damente lançado pela autoridade administrativa.

2. É o que convém ao caso. O auto de infração, que serve de sustentáculo ao ajuizamento da ação penal, foi desconstituído judicialmente.

Assim, até que seja declarado, válida e definitivamente, se o tributo é, ou não, devido, não se admite ação penal contra o paciente, fundada no auto desconstituído:

Habeas corpus. Penal Tributário. Crime contra a ordem tributária. Su-pressão ou redução de tributo devido (Lei 8.137/90, art. 1º, I e II). Denúncia ofe-recida antes da constituição definitiva de crédito tributário. Anulação por vício formal e substituição do lançamento durante o curso da ação penal. Ausência de justa causa. Antes da constituição definitiva do crédito tributário, não há justa causa para início da ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 8.137/90). Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-5-05). A substituição, por novos lançamentos, dos autos de infração anulados por vício formal não convalida a ação penal ajuizada antes do lançamento definitivo, porquanto a constituição do crédito tributário projeta um novo quadro fático e jurídico para o oferecimento da denúncia. Durante a pendência do julgamento de recurso administrativo no âmbito tributário, não há o início do curso do prazo prescricional (art. 111, I, do Código Penal). Ordem de habeas corpus concedida, para trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia, com base em crédito tri-butário definitivamente constituído.(HC 84.345 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJ de 24-3-06.)

3. Ante o exposto, concedo a ordem, para determinar o trancamento do Processo-crime 2000.61.81.000218-9, em trâmite na 3ª Vara Criminal Federal, da Primeira Subseção Judiciária de São Paulo.

EXTRATO DA ATA

HC 81.321/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: João Luiz Rocco. Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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Decisão: A Turma adiou o julgamento do pedido de habeas corpus. Unânime. Falou pelo Paciente o Dr. André Gustavo Sales Damiani. Primeira Turma, 13-8-02.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceu o Ministro Cezar Peluso, a fim de julgar processos a ele vincula-dos, ocupando a cadeira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 4 de dezembro de 2007 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 82.848 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPacientes: Orestes Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca,

Renato Rossi e Alberto Liberman — Impetrantes: João Carlos de Lima Junior e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ação penal. Crime tributário ou contra a ordem tributá-ria. Apropriação indébita de verba previdenciária. Art. 198-A do Código Penal. Abolitio criminis. Não ocorrência. Mera inser-ção dos tipos no Código Penal. Justa causa reconhecida. Habeas corpus denegado. Inteligência do art. 3º da Lei 9.983/00, que re-vogou o art. 95, d, da Lei 8.212/91. Precedentes. O art. 3º da Lei 9.983/00, que revogou o disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/91, não operou abolitio criminis dos chamados delitos previdenciá-rios, cuja tipificação foi inserida no Código Penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Orestes Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca, Renato Rossi e Alberto Liberman, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que lhes denegou o HC 20.262, com o mesmo objeto deste writ, nos seguintes termos:

Penal. Habeas corpus. Crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Lei 8.212/91, art. 95, d. revogação pela Lei 9.983/00. Abolitio criminis. Inocorrência.

– A modificação legislativa introduzida pela Lei 9.983/00, que deu nova definição ao crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não importou em abolitio criminis em relação aos fatos pretéritos, mas apenas deu nova moldura ao tipo, preservando a antijuricidade da conduta.

– Habeas corpus denegado.(Fl. 41.)

Os Pacientes estavam sendo investigados pela prática do delito previsto no art. 168-A, do Código Penal, em razão da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito 32.687.757-6, segundo a qual, no período compreendido entre julho de

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1994 e dezembro de 1998, a sociedade limitada de que eram diretores teria dei-xado de recolher aos cofres públicos, em época própria, importâncias relativas a contribuições sociais descontadas dos empregados.

O impetrante pleiteia, em síntese, o reconhecimento de falta de justa causa, por entender que a Lei 9.983/00, que inseriu o art. 168-A no Código Penal, operou abolitio criminis em relação à conduta anteriormente descrita no art. 95, d e e, da Lei 8.212/91, vigente à época dos fatos.

Idêntico pedido foi formulado perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Re-gião e ao Superior Tribunal de Justiça, sendo o writ denegado em ambas as instâncias.

Aqui, o pedido de liminar foi indeferido (fl. 49).A Procuradoria-Geral da República ofereceu parecer e, como o writ visava

ao trancamento de inquérito policial, opinou pela denegação da ordem (fls. 52-54), nos seguintes termos:

A finalidade do inquérito policial é apurar apenas a existência da infração penal e a respectiva autoria. A classificação de mencionada infração é encargo do Ministério Público e deverá ocorrer no momento do oferecimento da denúncia, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Assim, ainda que o inquérito policial verse sobre o delito do art. 95, alí-nea d, da Lei 8.212/90. e ainda que o crime previsto nesse dispositivo houvesse sido abolido (o que não ocorreu), não haveria motivo para o trancamento do in-quérito, vez que o Ministério Público, ao formalizar a denúncia, poderá, em tese, enquadrar a conduta apurada pela autoridade policial em outro tipo penal.

[...]Por fim, embora o art. 95 da Lei 8.212/90 tenha sido revogado pelo art. 3º da

Lei 9.983/00, não há que se falar em abolitio criminis, vez que o crime ali previsto, pela mesma Lei 9.983/00 passou a integrar o texto do Código Penal Brasileiro (art. 168-A).

Ante o exposto, o parecer do Ministério Público Federal é pelo indeferi-mento do writ (fls. 53-54).

Informações atualizadas noticiam que foi oferecida denúncia contra os pacientes, pela prática do crime previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, perante a 1ª Vara Federal de Campinas/SP. A acusação havia sido rejei-tada, mas o Ministério Público intentou recurso em sentido estrito, tendo então o Tribunal Regional Federal da 3ª Região dado provimento ao recurso, para que o juízo de 1º grau analisasse a presença dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal (fl. 77). Foram interpostos recursos especial e extraordinário, ainda não apreciados pelo Tribunal a quo (fls. 78-79).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão ao Impetrante.Esta Corte tem entendido que o art. 3º da Lei 9.983/00 apenas transmudou

a base legal de imputação de apropriação indébita previdenciária para o Código

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Penal, sem alterar a descrição da conduta anteriormente incriminada pela Lei 8.212/90, de sorte que é impróprio falar-se em abolitio criminis:

Habeas corpus – Crime contra a ordem previdenciária (apropriação indé-bita) – Alegação de ocorrência da abolitio criminis em virtude da revogação do art. 95, d, da Lei 8.212/91 – Pretendido reconhecimento de ausência de culpabili-dade – Indagação de ordem probatória –Inadmissibilidade na via estreita do writ constitucional – Pedido indeferido. Habeas corpus e alegação de ausência de tipicidade penal e de culpabilidade.

– O caráter sumaríssimo da via jurídico-processual do habeas corpus não permite que se proceda, no âmbito estreito desse writ constitucional, a qualquer indagação de ordem probatória, notadamente se a impetração objetivar a análise, discussão e valoração da prova penal. Não se revela viável, desse modo, em sede de habeas corpus, o exame da alegação de ausência de dolo na conduta imputada ao agente. Precedentes.

Crime de apropriação indébita previdenciária. – O crime de apropriação indébita contra a Previdência Social continua tipificado no ordenamento positivo, nos termos do art. 168-A do Código Penal, não obstante a derrogação do art. 95, d, da Lei 8.212/91. A superveniência da Lei 9.983/00 (art. 3º) não implicou alteração na descrição normativa da conduta anteriormente incriminada, pois o art. 3º da referida Lei 9.983/00, longe de provocar a descaracterização típica do comporta-mento delituoso, “apenas transmudou a base legal de imputação para o Código Penal, continuando sua natureza especial em relação à apropriação indébita sim-ples, prevista no art. 168 do CP”.(HC 84.021, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20-4-06.)

Recurso ordinário em habeas corpus. Não-recolhimento de contribuição previdenciária. Ausência de dolo específico. Abolitio criminis. Inocorrência. Dificuldade financeira. Matéria probatória. 1. O art. 3º da Lei 9.983/00 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea d do art. 95 da Lei 8.212/91 para o art. 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico. Daí a improcedência da alegação de abolitio criminis ao argumento de que a lei mencionada teria alterado o elemento subjetivo, pas-sando a exigir o animus rem sibi habendi. 2. A pretensão visando ao reconhe-cimento de inexigibilidade de conduta diversa, traduzida na impossibilidade de proceder-se ao recolhimento das contribuições previdenciárias, devido a difi-culdades financeiras, não pode ser examinada em habeas corpus, por demandar reexame das provas coligidas na ação penal. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.(RHC 86.072, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 28-10-05). Cf., ainda, HC 87.107-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 16-2-06; RE 408.363, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 18-4-05; RHC 87.303-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 15-12-05.

Não é outra a opinião da doutrina, como pondera Alberto Silva Franco, ao comentar o disposto no art. 168-A, do Código Penal:

Não há cogitar, no entanto, com a promulgação da Lei 9.983/2000, de abolitio criminis a não ser em relação à alínea j do art. 95 da Lei 8.212/91. Embora

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houvesse explícita revogação, no art. 3.º da Lei 9.983/2000, em relação a todas as alíneas do art. 95 da Lei 8.212/91, força é convir que essa revogação não tem o condão de desconsiderar os crimes previdenciários praticados anteriormente à Lei 9.983/2000 para efeito de aplicação do art. 2.º do Código Penal, conforme o entendimento de Luiz Henrique Pinheiro Bittencourt (“A abolitio criminis do art. 95 da Lei 8.212/91, pela Lei 9.983, de 14 de julho de 2000”, in Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, outubro de 2000, n. 95, p. 15). Este posicionamento é inaceitável. Os crimes previdenciários existiam antes e conti-nuaram a existir depois da Lei 9.983/2000. Esta não é, portanto, lei posterior que descriminalizou os agravos contra a previdência social constantes do art. 95 da Lei 8.212/91. Pouco importa a existência de dificuldades no enquadramento das sanções relativas ao art. 95 da Lei 8.212/91 e que a Lei 9.983/2000 tenha repro-duzido, com alterações, os tipos previdenciários anteriormente estruturados. A revogação do art. 95 da Lei 9.983/2000 significou apenas que, a partir da entrada em vigor da nova lei, os crimes previdenciários foram inseridos no Código Penal. Mas os fatos ocorridos antes dessa vigência continuam a ser regrados pelo art. 95 da Lei 8.212/91, admitindo-se tão somente que a pena privativa de liberdade rela-tiva à apropriação indébita previdenciária tenha retroatividade, mesmo no período da vacatio legis (sobre essa matéria, vide o art. 2.º, item 1.02 f) porque o máximo da sanção punitiva é inferior à cominada pelo art. 5.º da Lei 7.492/86, estabelecida como preceito sancionatório para as hipóteses das alíneas d, e e f em virtude do § 1.º, do art. 95 da Lei 8.212/91.(FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação jurispruden-cial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2778.)

2. Ante o exposto, denego a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 82.848/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Pacientes: Orestes Mazzariol Junior, Joaquim de Paula Barreto Fonseca, Renato Rossi e Alberto Liberman. Impetrantes: João Carlos de Lima Junior e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Minis-tros Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificada-mente, o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor - denador.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS 86.190 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrente: Carlos Antônio Coelho — Recorrido: Ministério Público

Federal

Ação penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Sentença con-denatória. Exame de dependência toxicológica. Inexistência. Irrelevância. Prova não requerida pela defesa e cuja necessidade dependeria de aferição do juízo da causa. Nulidade, ademais, só argüida em habeas corpus, após o trânsito em julgado da sen-tença. Preclusão consumada. Recurso improvido. Precedentes. A falta de exame de dependência toxicológica, cuja necessidade depende de requerimento da defesa e aferição do juízo da causa, constitui nulidade teórica que, argüida apenas após o trânsito em julgado da sentença condenatória, é coberta pela preclusão.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus impetrado em favor de Carlos Antônio Coelho, contra decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O recorrente foi denunciado, perante a 4a Vara de Entorpecentes e Con-travenções Penais do Distrito Federal (fls. 15-17), e condenado à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do delito pre-visto no art. 12, caput, da Lei 6.368/76 (fls. 31-45), confirmada a decisão em recurso de apelação (fls. 46-56).

Depois de transitada em julgado a condenação (fl. 221), foi impetrado habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, argüindo-se a nulidade do pro-cesso por violação ao art. 22, § 5º, da Lei 6.368/76, porque, tendo o paciente de-clarado, em sede policial (fl. 21) e depois no interrogatório judicial (fls. 26-27), ser viciado no uso de tóxicos, não se procedeu ao exame pericial de dependência.

A ordem foi denegada pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão assim ementada:

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Criminal. HC. Tráfico ilícito de entorpecentes. Supressão de instância. Acórdão de apelação. Inexistência. Nulidade.

Ausência de exame de dependência toxicológica. Irrelevância.Fundamentação válida do decreto condenatório. Inércia da defesa. Pre-

clusão. Ordem denegada.I. Tratando-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no

julgamento de recurso de apelação, ocorre o efeito devolutivo amplo, ou seja, é prescindível constar expressamente no aresto a tese defendida na impetração. Precedentes do STF e deste Tribunal.

II. Não se acolhe alegação de nulidade por ausência de exame de dependência toxicológica, pois o Julgador não está obrigado a determinar a realização do referido exame, se outros elementos de convicção vêm a justificar sua dispensa, especial-mente se as provas dos autos apontam para a prática do crime de tráfico. Precedentes.

III. Evidenciado que a defesa não requereu, na fase de conhecimento, a rea-lização do exame de dependência toxicológica do paciente, quedando-se inerte sobre o assunto nas diversas oportunidades nas quais se manifestou no processo, inclusive quando da interposição do recurso de apelação, está preclusa a discussão sobre a propalada nulidade pela não realização da perícia.

IV. Ordem denegada.(Fl. 113.)

O presente recurso insiste na nulidade “do processo a partir do despacho saneador, inclusive, com a expedição de alvará de soltura. Entendendo a douta Turma que o caso não é de declarar a nulidade, que determine a submissão do recorrente a exame de dependência toxicológica, deixando assente que se a con-clusão da perícia reconhecer a inimputabilidade ou semi-imputabilidade, que os autos retornem ao juízo monocrático para que profira outra decisão, com obser-vância das regras contidas no art. 19 e seu parágrafo único da Lei n.º 6.368/76, por ser medida de Direito e de restrita Justiça” (fls. 122-123).

A Procuradoria-Geral da República contra-arrazou e requereu não fosse o recurso conhecido; caso conhecido, requereu fosse desprovido (fls. 126-131). Em parecer, opina pelo desprovimento do recurso (fls. 140-143).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Cumpre notar desde logo que não houve, durante o trâmite do processo, requerimento da defesa para realização de exame de dependência toxicológica. Desse ângulo, não se descobre nulidade processual alguma, como já decidiu a Corte em caso análogo:

Competência – Habeas corpus – Ato de Tribunal de Justiça. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de su-perior. Habeas corpus – Prova. Se de um lado o julgamento de todo e qualquer habeas corpus pressupõe cotejo de certo fato com a ordem jurídica em vigor, de outro não menos correto é que se mostra imprópria tal via visando-se ao reexame

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dos elementos probatórios e ao entendimento sobre a prática de delito menos grave. Tóxico – Exame. Descabe cogitar de constrangimento ilegal quando o exame toxicológico não foi requerido pela defesa e os contornos fáticos afigu-ram-se conducentes à conclusão sobre o tráfico e não uso de entorpecentes.(HC 74.484, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13-12-96 – Grifei.)

2. E da simples declaração do acusado de ser viciado no uso de tóxicos não se extrai exigência legal de submetê-lo a exame de dependência. Ademais, cabe ao juiz da causa aferir a necessidade, ou não, da produção de tal meio de prova. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:

Habeas corpus. Condenação do paciente a três anos de reclusão, como incurso no art. 12 da Lei 6.368/76. Alegação de cerceamento de defesa, porque não determinado exame de dependência toxicologica. Improcedência. A cir-cunstancia de o réu declarar-se viciado não leva, necessariamente, a obrigato-riedade de realização do exame, cabendo ao juiz aferir, em cada caso, da sua necessidade. Reapreciação de provas inviável em habeas corpus. Somente em revisão criminal seria possivel reexame do conjunto de provas considerado na sen-tença condenatória e no acórdão que a confirmou. Fixação das penas no minimo legal. Habeas corpus indeferido.(HC 69.733, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 21-5-93 – Grifei.)

Habeas corpus. Tóxicos. Exame de dependência toxicologica. A aferição da conveniência da realização do exame de dependência toxicológica tendo-se declarado viciado o paciente cabe ao juiz condutor da instrução criminal. Precedentes do STF (RHC 61.716 e RHC 65.438, inter alia). Habeas corpus indeferido.(HC 69.995, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 25-6-93.)

3. Ademais, a falta da prova, que se pretende obrigatória, constituiria nu-lidade processual sanada por força da preclusão, porque não argüida nas alega-ções finais, nos termos do disposto nos arts. 571, inciso II, e 572 do Código de Processo Penal. A nulidade só foi invocada pela defesa mediante habeas corpus, após o trânsito em julgado da decisão condenatória (fl. 221). É da jurisprudência da Corte:

Exame de dependência toxicológica: a falta de sua determinação, quando exigível à vista das circunstâncias do caso concreto, constitui nulidade da instru-ção criminal, coberta pela preclusão, se só argüida após o trânsito em julgado da decisão condenatória.(HC 82.651, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-9-03.)

4. Isto posto, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA

RHC 86.190/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Carlos Antônio Coelho (Advogado: Divaldo Theóphilo de Oliveira Netto). Recorrido: Ministério Público Federal.

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Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste jul-gamento, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 31 de outubro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 87.375 — SC

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GraciePaciente: Carlos Oslame ou Carlos Oselame — Impetrantes: Rodrigo

Roberto da Silva e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Direito processual penal. Habeas corpus. Pena de inabilita-ção ao exercício de cargo ou função pública. Ausência de ameaça ou lesão à liberdade de locomoção. Inidoneidade do writ. Não conhecimento.

1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à eventual nulidade do julgamento do recurso especial pelo Su-pe rior Tribunal de Justiça ao reconhecer que não se operou a prescrição relativamente à pretensão que ensejou a aplicação da pena de inabilitação do paciente para cargo ou função pública pelo prazo de 5 (cinco) anos.

2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a questão, concluindo no sentido da inidoneidade do habeas corpus para proteção de outros direitos que não relacionados à liberdade de locomoção do paciente (HC 84.816/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 6-5-05).

3. Não conhecimento de habeas corpus quanto à alegação de o aresto do STJ haver mantido como válida a pena de inabilita-ção para função pública, por não constituir esse ponto ameaça à liberdade de ir e vir do paciente.

4. A pena de inabilitação para exercício de cargo ou função pública tem natureza independente e autônoma em relação à pena estabelecida em razão da prática do crime de responsabili-dade de prefeito municipal, tal como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (AI 379.392-QO/SP, Primeira Turma, DJ de 16-8-02).

5. Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do jul-gamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ellen Gracie, Presidente e Relatora.

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado con-tra ato do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, deu-lhe provi-mento, em acórdão assim ementado (fl. 15):

Recurso especial. Penal e processo penal. Dissídio jurisprudencial. Alínea c do permissivo constitucional. Art. 1º, inciso II do Decreto-Lei 201/67. Inabilitação para o exercício de cargo público. Prescrição da pretensão punitiva. Extinção da punibilidade.

“O Pretório Excelso, em situação semelhante, concluiu não ser a pena de inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, por possuir natureza inde-pendente, prescrevendo, assim, cada qual a seu tempo.”

Recurso conhecido e provido.

Narra, o impetrante, que o paciente foi denunciado juntamente com outros co-denunciados por suposta prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/67, c/c art. 29, do Código Penal (por sessenta e cinco vezes). Devido à informação de que o paciente assumira o cargo de prefeito municipal de Rio Rufino/SC, os autos foram encaminhados ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Esclarece que a 2ª Câmara Criminal da Corte local julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o paciente nas sanções do art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/67, em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, posteriormente substituída por duas penas restritivas de direito, apli-cando, ainda, a pena acessória de inabilitação para o exercício de cargo ou fun-ção pública pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Informa que, de ofício, declarou-se a extinção da punibilidade pela ocor-rência da prescrição da pretensão punitiva. Inconformado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso especial que foi, posteriormente, provido, ocasião em que o STJ reconheceu que a pena de inabilitação não é aces-sória à pena privativa de liberdade.

Argumenta que o fato de o STJ haver reconhecido a pena de inabilitação como autônoma, afastando a prescrição da pretensão punitiva estatal, incorreu em supressão de instância, afrontando o princípio constitucional da ampla defesa. Afirma que o Tribunal de Justiça, ao fixar a pena de inabilitação, não adentrou no seu mérito. Assim, “há que se proceder a uma nova dosimetria da pena, momento em que, dadas as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, analisando-se a tipicidade, materialidade e culpabilidade, pode o paciente vir até a ser absolvido, o que, como é sabido, só poderá ser analisado pela instância a quo” (fl. 10).

Requer a concessão da ordem para “remeter os autos da ação penal para o tribunal de justiça de Santa Catarina, a fim de que se proceda à análise de mérito da pena de inabilitação como autônoma, com nova dosimetria da pena anterior-mente imposta ao paciente” (fl. 12).

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2. Decisão de indeferimento do pedido de liminar (fls. 30/34).3. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido do não-

conhecimento do writ (fls. 36/41).É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à eventual nulidade do julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer que não se operou a prescrição relativamente à pretensão que ensejou a aplicação da pena de inabilitação do paciente para cargo ou função pública pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Da manifestação do Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi, extraio o seguinte trecho (fls. 39/41):

(...)Percebe-se claramente que rebelam-se os impetrantes contra a decisão que

determinou a imediata aplicação da pena de inabilitação ao paciente, sem remessa dos autos ao Tribunal de Justiça Estadual, para fins de se proceder à nova dosime-tria da pena.

Ora, é cediço que o habeas corpus destina-se unicamente à tutela da liber-dade física dos indivíduos, pois diz o art. 5º, LXVIII, da CF:

“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.Nesse passo, haverá impossibilidade jurídica do pedido quando o writ for

utilizado para tutelar bem-interesse diverso do direito de locomoção.Na hipótese dos autos, resta patente que o remédio volta-se contra decisão

que determinou a aplicação ao paciente da pena de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de cinco anos. Inexiste, portanto, nem mesmo de modo reflexo, qualquer ofensa ou ameaça de violação à liberdade corporal, a ensejar a via do habeas corpus.

2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a questão, concluindo no sentido da inidoneidade do habeas corpus para proteção de outros direitos que não relacionados à liberdade de locomoção do paciente (HC 84.816/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 6-5-05).

A respeito exatamente da matéria relacionada à condenação à pena de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública e a impossibilidade ju-rídica do emprego do habeas corpus para tratar da questão, aproveito para trans-crever julgado desta Corte (HC 79.791/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ de 4-8-00):

Habeas corpus. 2. Paciente condenado a dois anos de reclusão, em regime aberto, por infringir o art. 1º, inciso II, do Decreto-lei 201, de 1967. Inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, quer ele-tiva, quer por nomeação. Art. 1º, § 2º, do mencionado dispositivo legal. 3. Recurso

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ordinário em habeas corpus contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça não conhecido, em sessão de 9-11-99, pela Turma, porque desfundamentado. RHC 79.577-3/GO. 4. Cabimento de habeas corpus originário para impugnar o re-ferido acórdão, à vista da norma geral do art. 102, I, i, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional 22/99, eis que se aponta como coator tribunal superior. 5. Habeas corpus não conhecido, quanto à alegação de o aresto do STJ haver man-tido como válida a pena de inabilitação para função pública, por não constituir esse ponto ameaça à liberdade de ir e vir do paciente. 6. Análise de elemento sub-jetivo do delito. Inviabilidade do reexame de provas em habeas corpus. 7. Habeas corpus conhecido, em parte, e, nessa parte, indeferido.

3. E, relativamente à matéria de fundo, o próprio impetrante reconhece que a pena de inabilitação para exercício de cargo ou função pública tem natureza independente e autônoma em relação à pena estabelecida em razão da prática do crime de responsabilidade de prefeito municipal, tal como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (AI 379.392-QO/SP, Primeira Turma, DJ de 16-8-02), tal como foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do re-curso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

4. Diante da circunstância do descabimento de habeas corpus para tratar de matéria atinente à pena de inabilitação do paciente para o exercício de cargo ou função pública, considero que não deve ser conhecido o writ.

5. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 87.375/SC — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Carlos Oslame ou Carlos Oselame. Impetrantes: Rodrigo Roberto da Silva e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, à unanimidade, não conheceu do habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 91.161 — BA

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: Jessé de Santana Teles — Impetrante: Abdon Antônio Abbade

dos Reis — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ação penal. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Carac-terização. Custódia que perdura por mais de um ano e dois meses depois de encerrada a instrução processual. Informações desencontradas do juízo sobre o estado da causa. Demora não imputável à defesa. Dilação não razoável. Constrangimento ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, consubstancia constran-gimento ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por una-nimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Re-lator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 11 de dezembro de 2007 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Jessé da Santana Teles, que alega constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo na duração da prisão preventiva.

Policial civil, o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito de tortura, que teria sido praticado contra detentos da Delegacia de Polícia local e contra familiares destes. Tendo-lhe sido decretada a prisão preventiva, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que, segundo o impetrante, foi concedido. Contra o acórdão do Tribunal estadual, in-surgiu-se o Ministério Público, interpondo o REsp 658.428, ao qual o Superior Tribunal de Justiça deu provimento, em dezembro de 2004, para determinar o restabelecimento da prisão preventiva imposta pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Ibicaraí/BA.

Contra tal decisão do Superior Tribunal de Justiça foi aqui impetrado o HC 86.571, sob minha relatoria, com a alegação de que o decreto de prisão pre-ventiva, porque indevidamente fundamentado, deveria ser revogado.

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Em sessão realizada no último dia 10 de abril, a Segunda Turma desta Corte denegou a ordem, entendendo que a prisão preventiva, decretada contra o paciente, tem fundamentação que lhe confere caráter cautelar.

Na sessão de julgamento, ao proferir sustentação oral, o impetrante ino-vou, ao invocar outro fundamento para a impetração: excesso de prazo para a formação da culpa, pedido que não foi apreciado, em razão de falta de elementos nos autos.

Agora, neste pedido de writ, o impetrante alega excesso de prazo na dura-ção da prisão preventiva do paciente, que já dura 2 (dois) anos e 3 (três) meses, estando, quando da impetração, em abril deste ano, o feito na fase a que alude o art. 499 do Código de Processo Penal.

Requereu, por isso, fosse deferida liminar, para que o paciente aguardasse em liberdade o julgamento da presente impetração. No mérito, pleiteia a conces-são da ordem, com a conseqüente revogação da prisão provisória do Paciente.

Indeferi o pedido de liminar (fls. 45-46) e determinei fosse oficiado ao juízo da Vara Criminal do foro da comarca de Ibicaraí/BA, que prestou infor-mações e atestou, em maio deste ano, que os autos estavam “no aguardo da apresentação das alegações finais pelas partes” (fls. 56-58).

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 60-63).

Trouxe o feito a julgamento e, em sessão realizada em 7 de agosto p.p., a Turma, por votação unânime, acolhendo proposta formulada pelo Ministro Gilmar Mendes, converteu o julgamento em diligência para solicitar a esse Juízo que informasse a fase em que se acha o Processo-crime 15/03, a que se refere a presente impetração (fl. 67).

Em resposta, a Juíza informou que o feito está com vista às partes para requerimentos de diligência, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, à exceção do Co-réu Rômulo de Oliveira Martins, em relação a quem foi determi-nada a instauração de incidente de insanidade mental (fls. 76-77).

Ante o desencontro das informações prestadas – em 14 de maio p.p., a ju-íza da causa noticiou que “os autos se encontram hoje com vista ao Ministério Público para apresentação de alegações finais, e em seguida será aberto [sic] vis-tas aos Senhores Advogados de defesa para o mesmo fim” (fl. 57) e, em setem-bro, encaminhou certidão datada de 31 de agosto p.p. que atesta que “os autos principais se encontra [sic] com vista as partes para requerimento de diligências, art. 499 do CPP” –, requisitei que a juíza informasse, de modo específico, a fase em que se acha o processo-crime a que responde o ora paciente, esclarecendo a contradição existente nas informações já prestadas (fl. 79).

A juíza da causa prestou informações, por meio de envio de certidão, datada de 24 de outubro p.p., que informa que “os autos encontra-se [sic] com carga para o M.P. para apresentação das Alegações Finais” (fl. 87).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão ao Impetrante, porque caracterizado, efetivamente, excesso de prazo na duração da custódia cautelar do Paciente.

Nas primeiras informações prestadas, a juíza afirmou que se trata de “processo com oito réus e por isso mesmo contou com muitos fatos criminosos a serem apurados e com muitas vítimas e testemunhas para serem ouvidas. Ademais, alguns dos réus não residem nesta Comarca, sendo necessária a ex-pedição de cartas precatórias para intimação e ofícios para apresentação. Por fim, saliento que os acusados possuem advogados distintos, o que também contribui na demora processual. Desse modo, a instrução somente pode ser en-cerrada em setembro de 2006 e mesmo assim em Março de 2007 foi instaurado incidente de insanidade mental contra um dos acusados” (fl. 57).

Em setembro de 2006, portanto, há um ano e dois meses, a instrução do processo foi encerrada, e isso parece claro das diversas certidões anexadas aos autos (fls. 31, 77 e 87). No mais, as informações sobre o andamento da causa são desencontradas e, até, injustificadas: em maio deste ano, informa a juíza, os autos estavam com vista com o Ministério Público para apresentação de alega-ções finais; depois, passados mais de três meses, em novas informações, envia certidão que atesta que os autos estavam com vista às partes, em fase processual prévia à anteriormente informada, ou seja, para requerimento de diligências, nos termos do art. 499 do Código de Processo Penal; e, agora, dois meses depois das segundas informações prestadas, informa que os autos estão com carga para o Ministério Público, para apresentação de alegações finais.

Não informa a juíza, todavia, se, na fase do art. 499 do Código de Processo Penal, foi requerida diligência que justificasse a delonga processual, nem presta esclarecimentos sobre a causa de tal demora.

Isso, porém, diante do quadro que se desenha, é de somenos importância: ainda que o feito seja complexo, conte com oito acusados, muitas vítimas e tes-temunhas, o fato é que, desde as primeiras informações prestadas – e já se vão ao menos seis meses –, a demora caracterizada não é razoável, e o acusado está preso há quase 2 (dois) anos e 11 (onze) meses, desde que a prisão preventiva foi restabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do decidido no HC 85.894 (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22-6-05), “uma vez configurado o excesso de prazo na formação da culpa, a pri-são preventiva há de ser afastada”. Colhe-se-lhe, aí, do voto condutor:

Realmente, a prisão preventiva não pode ser projetada indefinidamente no tempo. Incumbe ao Estado aparelhar-se, para cumprir os prazos processuais, aten-dendo à garantia constitucional que se obrigou a observar, considerada a norma do art. 7º do Pacto de José da Costa Rica, sobre o direito de todo e qualquer acusado a um julgamento em tempo razoável.

É o que hoje também prescreve o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República.

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E é a razão por que o Plenário já assentou que duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar do acusado, sem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, substancia constrangi-mento ilegal, ainda que se trate de imputação de crime grave:

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), con-siderada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime he-diondo ou de delito a este equiparado.

– O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judi-ciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do pro-cesso, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo ir-razoável ou superior àquele estabelecido em lei.

– A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que repre-senta – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republi-cana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/04. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, n. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

– O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cau-telar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em ina-ceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.(HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29-4-05.)

No mesmo sentido, os julgados abaixo:

Ação penal. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Custódia que perdura por mais de dois anos. Instrução processual ainda não encerrada. Demora não imputável à defesa. Feito de certa complexidade. Gravidade do delito. Irrelevância. Dilação não razoável. Constrangimento ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, substancia constrangimento ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave.(HC 84.931, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 16-12-05.)

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Ação penal. Prisão preventiva. Prisão em flagrante. Excesso de prazo. Caracterização. Custódia que perdura por mais de dois anos. Instrução processual ainda não encerrada. Requerimentos da defesa, deferidos quando já configurado o excesso. Demora não imputável à defesa. Dilação não razoável. Constrangimento ilegal caracterizado. Habeas corpus concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Voto vencido do Relator original, Ministro Carlos Britto. A duração pro-longada e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pes-soa humana e, como tal, consubstancia constrangimento ilegal, ainda que tenha defesa requerido diligências após caracterização do excesso de prazo.(HC 87.461, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 10-11-06.)

2. Ante o exposto, concedo a ordem em favor do paciente, para determi-nar a expedição de alvará de soltura do paciente, se por al não esteja preso, para que aguarde em liberdade o julgamento do processo-crime.

PROPOSTA DE DILIGÊNCIA

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, proponho a conversão do julgamento em diligência, para que se oficie ao Juiz de Direito da Comarca Ibicaraí/BA, a fim de informar, de modo específico, a fase que presentemente se acha o processo-crime a que se refere esta ação de habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 91.161/BA — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Jessé de Santana Teles. Impetrante: Abdon Antônio Abbade dos Reis. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, acolhendo proposta formulada pelo Ministro Gilmar Mendes, converteu o julgamento em diligência, para que se oficie ao Juiz de Direito da Comarca de Ibicaraí/BA, para que informe, de modo específico, a fase que presentemente se acha o processo-crime a que se refere esta ação de habeas corpus. Falou, pelo paciente, o Dr. Abdon Antonio Abbade dos Reis. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Segunda Turma, 7-8-07.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 11 de dezembro de 2007 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor - denador.

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HABEAS CORPUS 92.791 — RS

Relator: O Sr. Ministro Marco AurélioRelator para o acórdão: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Vilmar Padilha Cardozo — Impetrante: Defensoria Pública da

União — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Execução penal. Remição de dias trabalha-dos. Falta grave. Discussão sobre a gravidade. Impossibilidade. Precedentes.

1. A perda dos dias remidos pelo trabalho de que trata o artigo 127 da Lei de Execuções Penais não afronta os princípios da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena ou do direito adquirido.

2. Não é possível a esta Corte Suprema examinar a questão da gravidade da falta, porque isso depende de circunstâncias de fato que envolveram o episódio que motivou a penalidade.

3. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Menezes Direito, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis como o Gabinete resumiu os parâme-tros deste processo:

O Paciente, condenado a 26 anos e 9 meses de reclusão, teria cometido falta grave no curso da execução da pena – negou-se a virar de costas durante revista corporal. O Juízo da execução decretou, então, a perda dos 311 dias remidos pelo trabalho. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, reconhecendo o di-reito adquirido aos dias remidos em virtude de decisão judicial, deu provimento ao agravo. O Ministério Público estadual interpôs recursos especial e extraordinário. Admitidos pelo Segundo Vice-Presidente do Tribunal de Justiça (fls. 103 a 107 do apenso), o processo foi remetido, primeiramente, ao Superior Tribunal de Justiça, que apreciou o recurso especial. A ementa do julgado restou assim redigida (fl. 118):

Recurso especial. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remi-dos. Aplicação do art. 127 da LEP.

1. Em razão do cometimento de falta grave pelo sentenciado, cabe ao Juízo da Execução decretar a perda dos dias remidos. Precedentes.

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2. Recurso conhecido e provido para, reformando o acórdão recor-rido, decretar a perda dos dias remidos.É esse o ato atacado nesta impetração. A Defensoria Pública da União sus-

tenta que a remissão é direito privativo do condenado que exerceu atividade labo-ral, sendo um dos objetivos do instituto a reintegração e a readaptação ao convívio social. Ressalta o voto de V. Exa., proferido no RE 452.994/RS, publicado no Diário da Justiça de 29 de setembro de 2006. Afirma que a perda total dos dias remidos, pelo cometimento de falta grave, fere o princípio da dignidade da pessoa humana e o da individualização da pena, por não ser admissível a aplicação de sanção de tal magnitude àquele que eventualmente cometeu falta grave no âmbito do estabeleci-mento prisional. Ressalta a necessidade de ser observado o princípio da proporcio-nalidade, que, no caso, decorreria do acolhimento da noção de Justiça distributiva.

Assevera incabível a penalidade, porquanto, em razão do mesmo fato, o paciente sofrera sanção disciplinar, bem como averbação de falta no prontuário, circunstância que constituirá óbice à fruição do benefício de progressão de regime. Diz da afronta ao princípio da não-duplicidade de imputação. Quanto ao art. 127 da Lei de Execuções Penais, sustenta que a aplicação do preceito há de fazer-se con-siderados o critério da interpretação sistemática e os parâmetros de razoabilidade.

Requer o deferimento da ordem para, cassado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, declarar-se a impossibilidade da perda dos dias remidos pelo trabalho, sob pena de afronta aos princípios da individualização da pena, da dig-nidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade. Se outro for o entendimento da Corte, pleiteia a concessão da ordem, reconhecendo-se a limi-tação temporal de 30 dias para a perda dos dias remidos, conforme o disposto no art. 58 da Lei de Execuções Penais.

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de fl. 14, manifesta-se pelo indeferimento do pedido. Argumenta que o Supremo proclamou a constituciona-lidade do art. 127 da Lei de Execuções Penais, afastando a alegação de violação de direito adquirido. Menciona precedentes. Ressalta a inaplicabilidade do art. 58 da Lei de Execuções Penais, que se refere ao isolamento, à suspensão e à restrição de direitos do preso.

Lancei visto no processo em 19 de janeiro de 2008, liberando-o para ser julgado na Turma a partir de 19 de fevereiro seguinte, isso objetivando a ciência da Impetrante.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A situação é realmente emble-mática considerada a razoabilidade, a ordem natural das coisas, a dinâmica da própria vida. O paciente perdeu, em sede extraordinária, 311 dias remidos. Vale dizer que, sob o ângulo da remição, 933 dias trabalhados foram por terra, já que a contagem do tempo para esse fim faz-se à razão de um dia de pena por três de tra-balho – § 1º do art. 126 da Lei de Execução Penal. O motivo mostrou-se único: re-cusou-se a obedecer ordem no sentido de virar-se de costas para revista em cela.

Tal postura, ante o disposto no inciso VI do art. 50 da citada lei, equipara-se, em termos de enquadramento, a incitar ou participar de movimento para

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subverter a ordem ou a disciplina, fugir, possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem, provocar acidente de trabalho e descumprir, no regime aberto, as condições impostas. No entanto, deve-se levar em conta não só o princípio da razoabilidade, como também a regra de a remi-ção ser paulatina. O mesmo art. 126 da Lei de Execução Penal, no § 3º, revela-a declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público. Em síntese, surge situação aperfeiçoada quando, periodicamente, são levantados os dias trabalha-dos – chegando-se ao que remido –, o Ministério Público manifesta-se e o juiz da execução formaliza ato decisório. Há de interpretar-se sistematicamente, de modo integrativo e inteligente, considerada sadia política penitenciária, o dis-posto nos arts. 126 a 130 da Lei de Execução Penal, conferindo-se ao 127 – a prever a perda dos dias remidos em virtude de infração disciplinar grave – al-cance consentâneo com o próprio sistema, não se chegando a exarcebação que, além de colocar em segundo plano decisão judicial – administrativa –, implique, em última análise, resultado inverso ao buscado, que inegavelmente é a resso-cialização do preso. A perda diz respeito a situação concreta em que não tenha ainda a declaração pelo juiz da execução da remição, a qual, verificada, não pode ser afastada do cenário jurídico.

Concedo a ordem para, reformando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, restabelecer, não pelas razões lançadas, mas em face da compreensão supra, o pronunciamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, afastando a perda dos dias já compreendidos em remição sacra-mentada ante ato judicial. É como voto na espécie.

DEBATE

O Sr. Ministro Menezes Direito: Ministro Marco Aurélio, só para minha orientação, estamos interpretando o art. 127 da Lei de Execuções Penais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Numa interpretação sistemática dos artigos 126 a 130.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu só quero perguntar o seguinte: como há precedentes, gostaria de saber se eles alcançaram essa hipótese, porque há precedentes da Ministra Cármen Lúcia, dos Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): De minha lavra cer-tamente não há.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu sei, e V. Exa. jamais faria uma apre-ciação dessa natureza, porque V. Exa. é muito atento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): E este caso – foi o que disse – é emblemático, a começar pela infração.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu sei que é emblemático, mas há precedentes.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Neste caso, pode-se discutir se no caso houve falta grave.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): O enquadramento. Há a problemática do instituto disciplina, ou subordinação, ou – o antônimo – insubordinação. Será que – não sei há quantos anos o Paciente já estava preso –, por isso ou por aquilo, numa cela, com submissão total ao poder de polícia dos agentes penitenciários, a simples recusa de virar de costas para uma revista le-varia a conseqüência tão drástica: ter de cumprir mais de trezentos e onze dias de prisão, praticamente mais um ano?

O Sr. Ministro Menezes Direito: Eu não entraria nesse mérito da análise da gravidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Sei que há preceden-tes, por isso estou considerando as peculiaridades do caso.

A premissa de meu voto é esta: situação já sacramentada, após audição do Ministério Público e decisão do juiz, não pode estar compreendida na perda dos dias remidos.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Quer dizer que V. Exa. está susten-tando que uma decisão administrativa desconstitui uma judicial?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Há controvérsia se a decisão do Juiz da Vara de Execuções tem cunho judicial ou administrativo.

Ministro Carlos Ayres Britto, sei que V. Exa. vem estudando esse tema.O Sr. Ministro Carlos Britto: Pedi vista até para estudar esse tema.Ministro Marco Aurélio, nesta questão, eu me inclino para conceder de

ofício o habeas corpus, considerando que não houve falta grave; naquela que pedi vista, houve falta grave, foi uma rebelião. Penso que foi isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Veja, essa espécie de falta grave está em uma norma em branco, que cogita da indisciplina, da insubordinação.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu acho que não houve isso.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Dependendo da óp-

tica, qualquer procedimento pode ser enquadrado em uma dessas vertentes.O Sr. Ministro Carlos Britto: Concederia de ofício. V. Exa. está conce-

dendo de ofício?O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, julguei, no Tacrim, cen-

tenas ou até milhares desses agravos em execução.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Em processo juris-

dicional e não administrativo. É interessante, porque se o agravo é em processo jurisdicional, a decisão impugnada também tem essa natureza.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Cabe recurso. V. Exa., no fundo, se eu bem compreendi, está dizendo que uma decisão da autoridade penitenciária

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pode, por assim dizer, desconstituir uma decisão, porque quando se homologa o cálculo dos dias remidos, após a oitiva do Ministério Público, cuida-se de uma decisão do juiz.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Há um acerto, e a di-minuição da pena é imediata. A pena não pode ser restabelecida ante uma falta grave. Cogitei de sanção retroativa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Ricardo Lewandowski, se V. Exa. me permite, é muito rápido. No HC 89.784, disse que “os dias remidos são con-tabilizados, como em uma conta bancária, em favor do prisioneiro.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Ele não pode gastar o que foi creditado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Os dias remidos são contabilizados, dia a dia, em favor do apenado, como em uma conta bancária, agora, esse registro contábil pode ser estornado. Como estornar o registro à contabilidade? Diante de uma falta grave. E qual é o objetivo desta contabilização? É levar o apenado a, conhecendo os benefícios gradativamente obtidos, motivar-se para não co-meter nenhuma falta, pois ele sabe que, se cometer uma falta grave, a perda será enorme, a possibilidade de apenamento disciplinar será de monta, ele terá sua contabilidade zerada, ou seja, o estorno será radical. Então ele tem todas as motivações para não incidir em falta grave, porque o prejuízo dele será enorme. Agora, considerei essa contabilização como uma modalidade interessante de sanção premial. Ele recebe um prêmio pelo bom comportamento e pelos dias trabalhados. Porém, se ele cometer falta grave, deixará de receber o prêmio, ele abrirá mão do prêmio que recebeu.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Não é prêmio, Exa., é uma complementação in natura do próprio salário que ele recebe pelo serviço.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A sanção premial opera, no plano adminis-trativo, como um mecanismo de política penitenciária. Institui-se esse prêmio como um mecanismo eficaz de política penitenciária para levar o apenado ao bom comportamento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): É um incentivo ao bom comportamento, a não cometer falta grave.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É um incentivo.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Se os colegas estão

de acordo com a concessão de ofício, eu, vencido no provimento, acompanho e concedo a ordem de ofício.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não houve falta grave no caso. Eu não estou entrando em contradição com o meu voto anterior.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Vou votar e ficar vencido.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Não vamos chegar a

um habeas de ofício negativo!

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, estou concedendo diante de um fundamento como pressuposto, é a flagrante ilegalidade desse enquadra-mento como falta grave. Penso que houve uma flagrante ilegalidade da autori-dade administrativa ao enquadrar, como falta grave, essa recusa do apenado de se deixar revistar por um determinado modo.

Daí a proposta de voto que faço, no sentido de conceder a ordem de ofício.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, eu agradeço as in-tervenções do Ministro Carlos Britto, que são sempre elucidativas, tal e qual o voto de V. Exa., com absoluta dedução de um raciocínio pleno de logicidade, mas vou pedir vênia a V. Exa. para divergir.

O art. 127 da Lei 7.210/84, diz explicitamente:

O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo re-mido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.

Essa é a regra jurídica que incide na espécie.Esta Corte tem um precedente, Relator o eminente Ministro Sepúlveda

Pertence, também na sessão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, cuja ementa é extremamente clara e permite alcançar a hipótese sob julgamento.

Diz a ementa:

É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remi-dos se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expec-tativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.

Ou seja, o dispositivo é muito claro e o Pleno do Supremo Tribunal Federal, em junho de 2005, entendeu não haver violação do direito adquirido, considerando o raciocínio de que a própria regra jurídica estabelece essa possi-bilidade na ocorrência do fato que ela indica.

Tenho para mim, portanto, que não há violência ao direito adquirido, e nem há, por esse motivo, nenhuma violação do princípio da decisão judicial, como o próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou.

Por outro lado, eu quero crer que não cabe à Suprema Corte examinar questão da gravidade da falta, porque isso depende de circunstâncias de fato que envolveram o episódio que motivou a penalidade. Não bastasse isso, a meu sen-tir, é preciso considerar a tipicidade do regime prisional, independentemente das enormes dificuldades do sistema penitenciário nacional. A questão da falta de cumprimento de uma ordem da autoridade penitenciária pode configurar, sim, em certas circunstâncias de fato, uma falta gravíssima a gerar situações que não são adequadas para um regime carcerário, ainda mais considerando um regime coletivo, como é o caso das prisões brasileiras, em celas que são múltiplas, não são apenas individuais.

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Por essas razões, eu vou pedir vênia a V. Exa. e denego a ordem com base nesse precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também vou pedir vê-nia para acompanhar a divergência por um motivo: eu tenho enorme dificuldade em superar a dicção do art. 127, que é muito taxativa e vem sendo interpretado pelo Supremo, pelo menos numa boa parte de sua jurisprudência, no sentido exatamente de ter o condenado ciência de que, se ele superar essas condições, voltará à estaca zero, razão pela qual ele, em momento algum, deixará de atender a esse regime. Por essa dificuldade – até aqui tenho-me manifestado num sentido oposto –, é que vou insistir – embora, neste caso específico e com a demonstração do Presidente – não tenha dúvida de que há alguns dados que nos fazem refletir sobre o tema – ser necessário o reestudo desse tema. Por outro lado não tenho, também, como superar essa questão – como disse o eminente Ministro Menezes Direito –, porque os dados de fato, de não ter voltado quando determinado, não são acompanhados, em sede de habeas corpus, de todos os elementos para que se soubessem, exatamente, todas as circunstâncias que levaram a isso.

De toda sorte, mantenho, portanto, o meu ponto de vista, acompanhando a divergência com as vênias, evidentemente, do brilhante voto do eminente Ministro Presidente.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Presidente, sem prejuízo de rees-tudar a matéria, porque as ponderações de V. Exa. são realmente instigantes e merecem uma segunda reflexão de minha parte, eu, nesse aspecto, vou acom-panhar o entendimento do Pleno. As minhas manifestações anteriores são no sentido da constitucionalidade do art. 127, da Lei de Execução Penal. No que tange à concessão da ordem de ofício, em atenção às peculiaridades do caso, peço vênia para observar que o art. 50 da Lei 7.210/84, que é a Lei de Execução Penal, consigna o seguinte:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

Sem querer entrar na questão fática, até porque a Ministra Cármen Lúcia muito bem observou que o habeas corpus não se presta ao revolvimento de ma-téria dessa natureza, quer-me parecer, num primeiro exame, que o ato praticado pelo paciente amolda-se perfeitamente ao inciso I do art. 50, que corresponde a incitar a subversão da disciplina, pois não se virou para ser revistado, para que se constatasse se portava eventualmente alguma arma ou não, e, dessa maneira, rom-pendo a necessária disciplina que deve haver dentro do estabelecimento prisional.

Portanto, com a devida vênia, e sem prejuízo de refletir novamente sobre a questão, eu vou acompanhar a divergência.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, eu considero esse tema tormentoso. Sempre me incomodei com ele. Sempre me inquietou. Quando penso que minha reflexão já se fez de modo aturado, passo a duvidar da qua-lidade dessa reflexão e a buscar um fundamento que ainda não encontrei para perfilhar às completas – vamos homenagear o Ministro Menezes Direito – o ponto de vista de V. Exa.

E, hoje, V. Exa. me surpreende ainda uma vez, Ministro Marco Aurélio, ao fazer esse cotejo entre uma decisão judicial e outra administrativa. É mais um elemento para o meu repensar. Espero em breve trazer a matéria, na minha expectativa e na minha vontade, com um ponto de vista diferente do que tenho me manifestado até agora.

No caso, porém, mesmo conhecendo as limitações processuais do habeas corpus, estou com V. Exa. O ato não caracterizou uma falta grave. Ele podia até ser apenado, mas não com a perda dos dias remidos. Há outras modalidades de disciplinamento. Ele poderia ser exemplado de outra forma, não com a perda dos dias remidos. Eu achei também desproporcional.

Como nós sabemos que, no devido processo legal, a proporcionalidade comparece como elemento conceitual, ou seja, o devido processo legal substan-cial incorpora os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, eu proponho à Turma a concessão do habeas corpus de ofício, porque entendo que o enqua-dramento dessa conduta como falta grave é flagrantemente inconstitucional.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Aí não seria bem de ofício, porque, na inicial, ele ataca o enquadramento da postura como a revelar falta grave.

Então, V. Exa. concede, acompanhando-me?O Sr. Ministro Carlos Britto: Concedo.

EXTRATO DA ATA

HC 92.791/RS — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acór-dão: Ministro Menezes Direito. Paciente: Vilmar Padilha Cardozo. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas corpus; vencidos os Ministros Marco Aurélio, Relator e Presidente, e Carlos Britto. Relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito. Falou o Dr. Antonio de Maia e Pádua, Defensor Público da União, pelo Paciente.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceu o Ministro Cezar Peluso, a fim de julgar processos a ele vincula-dos, ocupando a cadeira da Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 92.941 — PI

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Climácio Dias Gomes — Impetrante: Defensoria Pública da

União — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Processual penal. Negativa de liberdade pro-visória. Ausência de ilegalidade flagrante. Decisão devidamente fundamentada em elementos concretos. Habeas corpus denegado.

1. A decisão que negou a liberdade provisória ao paciente funda-se em elementos concretos e não em mera presunção de periculosidade ou gravidade abstrata do crime, como sustenta a impetração.

2. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 11 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Climácio Dias Gomes, buscando a revogação da prisão preventiva do paciente ou, alternativamente, a concessão de liberdade provisória.

Aponta como autoridade coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao RHC 21.875/PI, Relator o Ministro Napoleão Maia Nunes Filho, interposto perante aquele Tribunal com objetivo idêntico ao perseguido nesta oportunidade.

Alega que:

No caso concreto, a prisão cautelar do paciente vem se sustentando, desde o 1º grau de jurisdição e até o STJ, na alegação genérica de necessidade de pre-servação da ordem pública, sem indicação específica das circunstâncias do fato criminoso ou da conduta do agente que poderiam nos levar à conclusão – e não à presunção – de que o paciente poderá colocar em risco, se solto, a manutenção da ordem e da paz social.

O modus operandi descrito pela denúncia na hipótese em testilha não foge à consumação das próprias elementares do delito de roubo, nada revelando de extraordinário em relação à conduta praticada ou às circunstâncias do crime pelo qual foi o paciente denunciado.

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Ora, é impossível praticar roubo sem grave ameaça, razão pela qual a consu-mação da conduta incriminada pela norma do art. 157 do CP não pode induzir ou criar presunção acerca da possível periculosidade elevada do agente, sob pena de decretação da prisão cautelar independentemente de qualquer circunstância mais gravosa ou elemento concreto da ação incriminada, levando-se em conta apenas a natureza do crime cometido.

Ademais, a dita periculosidade do agente se fundamenta, no caso dos autos, na suposta confissão do próprio acusado de que teria sido processado pelo Juízo criminal de Remanso, na Bahia, o que, por si só, revela-se um absurdo.

Não existem documentos nos autos, como, por exemplo, a folha de ante-cedentes criminais, que comprovem a existência de qualquer outro processo contra o paciente (o que, da mesma forma, não conduziria à obrigatoriedade da decretação da prisão preventiva), estando mais do que evidente, aqui, a ocorrência de presunção de periculosidade em abstrato que se pretende im-por para justificar uma custódia provisória flagrantemente inconstitucional.(Fl. 6.)

Ao final, requer “a concessão da ordem de habeas corpus para que seja de-clarada a nulidade da prisão cautelar imposta ao paciente nos autos do processo nº 1020/2006, da 4ª Vara Criminal de Teresina, no Piauí, eis que ausentes os requisitos da prisão preventiva, garantindo-se ao acusado o direito de aguardar o julgamento em liberdade até o trânsito em julgado da decisão final que vier a ser proferida nos autos do processo criminal em epigrafe” (fl. 10 – grifos no original).

O pedido de liminar foi indeferido, tendo sido solicitadas informações à au-toridade coatora e ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia sobre possíveis pro-cessos em andamento contra o paciente naquela unidade da Federação (fls. 90 a 92).

A autoridade coatora prestou informações às fls. 124 a 133 e o Tribunal de Justiça da Bahia às fls. 111 a 118.

A ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, opinou pela denegação da ordem (fls. 136 a 138).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Paciente foi preso em flagrante pela prática, em tese, de roubo circunstanciado pelo concurso de agentes.

Narra a denúncia que “no dia 18.11.06, por volta das 23h30min, a vítima estava tentando fazer uma ligação de um orelhão próximo ao Tancredo Neves quando foi surpreendida pelos acusados, que mediante ameaça, exigiram que a mesma lhe entregasse sua motocicleta” (fl. 33).

O pedido de liberdade provisória (fls. 35 a 42) foi negado com seguintes fundamentos:

A despeito dos argumentos expendidos pelo ilustre defensor, entendo que a prisão sob exame deve ser mantida, por ora, pois além de tratar-se de crime não

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afiançável, os pressupostos estão representados pela materialidade do delito e por suficientes indícios de autoria do roubo qualificado.

Embora não se possa esconder que o sacrifício da prisão antecipada deve ser reduzido no mínimo de casos, não há como olvidar, por outro lado, que o modus operandi do acusado, neste caso representa, no mínimo uma possível periculosi-dade a determinar maior rigor na aplicação da lei.

Nem vale o argumento da presunção da inocência, pois o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal não tornou insubsistente a prisão provisória.(Fl. 46.)

Contra essa decisão impetrou-se habeas corpus ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, que denegou a ordem (fls. 65 a 63). Na oportunidade, conside-rou-se não apenas que a decisão denegatória do pedido de liberdade provisória estava devidamente fundamentada, mas, ainda, que existia, na Comarca de Remanso/BA, uma condenação criminal contra o paciente, noticiada por ele próprio durante o interrogatório.

Sobreveio o RHC 21.875/PI, interposto ao Superior Tribunal de Justiça, que desproveu o recurso, afirmando que “[i]n casu, a prisão preventiva foi fun-dada na garantia da preservação da ordem pública, em vista da personalidade do acusado voltada para o crime, de sorte que, ao revés do asseverado pelo re-corrente, a motivação não consistiu apenas em circunstâncias abstratas, como a gravidade do delito praticado, mas foram elencadas justificativas deveras con-cretas, aptas a embasar a medida constritiva” (fl. 92).

Com efeito, a impressão firmada pelo Tribunal a quo sobre a fundamen-tação adequada das decisões que mantiveram a prisão cautelar do paciente não parece emergir de um Juízo flagrantemente contrário aos elementos de convic-ção constantes dos autos. Não é possível afirmar, a partir do exame do que se contém nos autos, que o paciente, solto, não representa perigo à ordem pública, como assinalaram as instâncias ordinárias.

Demais disso, nas informações prestadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia tem-se que o paciente responde a outras duas ações penais (Processo 801/01 – furto e Processo 1.573/05 – uso de documento falso, ambas em fase de alegações finais), o que demonstra estar a decisão que negou a ele o pedido de liberdade provisória fundada em elementos concretos e não em mera presunção de periculosidade ou gravidade abstrata do crime, como sustenta a impetração.

Como bem lembrou o Desembargador Jose Bonifácio Junior, no voto proferido no HC 07.000812-4, impetrado no Tribunal de Justiça do Piauí, “deve-se observar o princípio da confiança no juiz da causa que, por estar mais pró-ximo dos fatos, tem sem dúvida mais condições de avaliar a manutenção ou não da custódia provisória” (fl. 67).

Ademais, ao contrário do que alega a impetração, não se verifica ne-nhuma condição favorável ao paciente a ensejar a concessão da sua liberdade provisória.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para divergir.O decreto de prisão está baseado em circunstâncias relativas ao próprio

crime. Claro que o crime do art. 157, § 2º, incisos I e II, ocorre mediante violên-cia. Por isso é que se dá a majoração da pena.

Além desse aspecto – ou seja, já se lançou no cenário jurídico, antes de ter-se a culpa formada, essa mesma culpa –, há o problema do excesso de prazo. O Paciente está preso desde 18 de novembro de 2006.

Por isso, concedo a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 92.941/PI — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Climácio Dias Gomes. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Superior Tribu-nal de Justiça.

Decisão: A Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 11 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 93.046 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Márcio Batista da Silva — Impetrante: Luiz Carlos da Silva

Neto — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Processual penal. Indeferimento das dili-gências requeridas pela defesa no momento da contrariedade ao libelo. Possibilidade. Cerceamento de defesa e nulidade da sen-tença de pronúncia não caracterizados. Precedentes.

1. Todos os pedidos foram indeferidos, fundamentada-mente, expondo o Magistrado a inconveniência e a desnecessi-dade da realização das diligências naquela fase processual, sem que tanto caracterize cerceamento de defesa.

2. Cabe ao juiz da causa decidir sobre a conveniência e a im-prescindibilidade da produção de outras provas, além daquelas que já foram produzidas nos autos da ação penal.

3. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 11 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Luiz Carlos da Silva Neto em favor de Márcio Batista da Silva, Réu preso, buscando o deferimento de liminar para que seja “sobres-tado o feito, até que seja apreciado o mérito da presente impetração, por estarem presentes os elementos autorizadores da medida de urgência” (fls. 42/43).

Aponta como órgão coator a Quinta Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça, que denegou a ordem no HC 67.976/RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz (fl. 2).

O Impetrante traz extenso arrazoado sobre possível nulidade da sentença de pronúncia, em razão de terem sido indeferidas três das quatro diligências re-queridas na fase de contrariedade ao libelo acusatório. São elas:

(...)(1) Oitiva dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e

Alex Sandro Lima de Oliveira;

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(2) Realização de perícia nas fitas VHS referentes à confissão extrajudicial dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e Alex Sandro Lima de Oliveira e ainda alusiva à Reconstituição do delito imputado;

(3) Realização de perícia no veículo em que foram encontrados os corpos das vítimas;

(4) A consecução de nova reconstituição dos fatos narrados na peça acusa - tória(Fls. 5/6.)

No mérito, pede que seja concedida a ordem “nos termos da impetração, para ratificar o pedido de liminar eventualmente deferido e, para que seja de-terminada a realização das diligências postuladas pela defesa em sua contrarie-dade ao libelo” (fl. 43).

A liminar foi indeferida (fls. 197 a 199).As informações, acompanhadas dos documentos de fls. 208 a 222, foram

prestadas pela autoridade apontada como coatora à fl. 207.O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Mario José Gisi, opinou

pela denegação do writ (fls. 240 a 244).Em 28-2-08, o Impetrante pediu a reconsideração da decisão indeferi-

tória de liminar, informando que o Júri teria sido marcado para o dia 17-4-08 (petição/STF 26.645/08).

Em virtude de o processo já estar pronto para julgamento, deixei de apre-ciar o pedido de reconsideração para trazê-lo à sessão.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Consta nos autos ter o Paciente sido pronunciado pela prática de três homicídios duplamente qualificados (art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal), em concurso de pessoas (art. 29 do Código Penal), e associação para o tráfico (art. 14 da Lei 6.368/76 – fl. 74).

Informa o Impetrante que, ofertado o libelo acusatório, foi aberto prazo para o oferecimento de contrariedade, momento em que a defesa do Paciente requereu diligências que julgava imprescindíveis ao julgamento do caso. Foram elas indeferidas pelo Juízo da 4ª Vara Criminal – IV Tribunal do Júri da Co-mar ca da Capital – Rio de Janeiro (fls. 177 a 179).

Contra o indeferimento das diligências foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, denegado pela Terceira Câmara Criminal daquele Tribunal (fl. 180).

Com o mesmo objetivo, impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, tendo a ordem sido denegada pela Quinta Turma daquele Superior Tri-bunal (fl. 184).

Alegando as mesmas nulidades suscitadas nas ações anteriormente impe-tradas, foi impetrado o presente habeas corpus.

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Entendo que o caso é de denegação da ordem.Restou bem demonstrado, nos autos, especialmente pelas decisões dos ha-

beas corpus antecedentes e pela decisão do Juiz da 4ª Vara Criminal – IV Tribunal do Júri da Comarca da Capital (Rio de Janeiro), pela qual foram indeferidas as dili-gências requeridas pela defesa do Paciente por ocasião da contrariedade do libelo, não se estar diante de situação que represente flagrante constrangimento ilegal.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, ora impugnada, teve a seguinte ementa:

Habeas corpus. Processual Penal. Crimes de homicídios qualificados. In-de fe rimento de diligências requeridas pela defesa por ocasião da contrariedade do libelo. Alegação de cerceamento de defesa. Inocorrência. Diligências indefe-ridas de forma motivada pelo juízo processante.

1. A teor do entendimento desta Corte, o Juiz pode indeferir, em decisão devidamente fundamentada, as diligências que entenda ser protelatórias ou desne-cessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular poder discricionário.

2. Na presente hipótese, o Magistrado refutou um por um os pedidos de di-ligência formulados em favor do ora Paciente, apresentando, fundamentação con-sistente e lógica para o indeferimento, quer seja diante do caráter protelatório ou da destituição de interesse jurídico dos pedidos, não se afigurando demonstrado o possível constrangimento ilegal, por cerceamento de defesa.

3. Ordem denegada.(Fl. 184.)

Ressaltou a Ministra Laurita Vaz, em seu voto, que “o Magistrado refu-tou, um por um, os pedidos de diligência formulados em favor do ora Paciente, apresentando fundamentação consistente e lógica para o indeferimento, quer seja diante do caráter protelatório ou da destituição de interesse jurídico dos pedidos, não se afigurando, demonstrado o possível constrangimento ilegal, por cercea-mento de defesa, ora alegado” (fl. 189).

Pelo que se tem nas razões expostas pelo Tribunal a quo, não me parece haver flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem para que sejam realizadas as diligências requeridas, seja pela ausência de razões jurídicas do pedido, seja porque teriam caráter protelatório.

É certo que em nosso sistema processual penal não existe norma geral a respeito da exclusão de provas irrelevantes ou impertinentes, mas prevê, em dis-positivos específicos, algumas restrições. Podemos citar, por exemplo, o art. 184, no qual é previsto a possibilidade do indeferimento de perícias quando não ne-cessárias ao esclarecimento da verdade. O art. 212 possibilita ao Juiz recusar a pergunta formulada à testemunha, quando não tiver relação com o processo. A lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), em seu art. 81, § 1º, permite ao Juiz limitar ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.

Essas observações bem demonstram que, se por um lado existe direito constitucional das partes ao contraditório e a produção de provas, por outro há

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o livre convencimento do Magistrado, que, investido na função de julgar, deve pautar-se nessas mesmas garantias para, na condução do processo, aplicar o direito com base em elementos que realmente traduzem a verdade real, e não a verdade produzida ou dirigida a determinado fim, seja por interesse da acusa-ção, seja por interesse da defesa.

Não estou aqui, em sede de habeas corpus, fazendo exame sobre a perti-nência ou não das provas requeridas pela defesa e recusadas pelo Magistrado de 1º grau. Apenas ressalto a possibilidade de o julgador da causa analisar o pedido e, verificando a desnecessidade ou impertinência das provas a serem produzidas, indeferi-las, visando sempre o bom andamento do processo e o justo julgamento dos fatos.

No presente caso, o indeferimento das diligências deu-se por decisão que teve os seguintes fundamentos:

(...)A defesa do acusado oferece contrariedade ao libelo requerendo várias dili-

gências, requerimento este que passo a examinar.1 – Da oitiva dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha

Rocha e Alex Sandro Lima de Oliveira, já condenados por este Juízo, como testemunhas além daquelas mencionadas na Defesa Prévia:

Em primeiro lugar, conforme certidão de fls. 323, a Defesa do réu não ofe-receu Alegações Preliminares, no tríduo legal.

Quanto à oitiva dos co-réus, indefiro, já que os mesmos já foram julgados e condenados após dois interrogatórios judiciais, a despeito de confissão extrajudi-cial. Outrossim, ouvi-los como “testemunhas”, por óbvio não estariam eles obri-gados a dizer a verdade, o que aponta para a inutilidade de suas oitivas.

2 – Da perícia nas fitas VHS acauteladas e que foram apresentadas em Plenário no julgamento dos demais réus:

Há muito a Defesa dos personagens envolvidos neste processo e nos au-tos desmembrados, vem tentando a não exibição das fitas, alegando, destacada-mente, terem sido obtidas por meio ilícitos (v.g. fls. 531 e 1159 dos autos de nº. 1999.01.014501-2), sendo que, adoto as mesmas razões dos ilustres magistrados que decidiram não restar configurada qualquer violação ao princípio inserto no artigo 5º., LVI, da CF.

Agora, a Defesa fala “em estranheza” da gravação dos fatos, alegando que nunca foram periciados pelo ICCE.

Em um dos apensos destes autos, às fls. 02⁄53, há um Laudo de Exame de Videofonograma com relação às duas fitas referentes às confissões dos co-réus Eduardo Pessanha Rocha, Renato Pessanha Rocha e Alex Sandro Lima de Oliveira. Há também, Laudo de Reconstituição, às fls. 239⁄68. Ora, se nos autos principais, quando deferida a exibição nada se requereu, nada “se estranhou”, não há porque se retroceder para fazer perícia em material cuja regularidade da grava-ção nunca foi questionada. Assim, indefiro a perícia.

3 – Da realização de perícia no veículo no qual foram encontrados os corpos das vítimas:

No item 07 de fls. 1159 dos autos principais, por ocasião do julgamento de Levi Batista da Penha, co-réu de Márcio Batista da Silva, a Defesa, Dr. Luiz Carlos Silva Neto, argüiu a nulidade do processo apontando a imprescindibilidade

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da perícia no veículo no qual teriam sido encontrados os corpos das vítimas, con-forme Laudo de Exame em local de encontro de cadáveres (fls. 458⁄9 dos autos principais). Como lá se decidiu, aqui há que se decidir. É inviável, neste momento, a realização de tal perícia, até porque o referido veículo, conforme auto de depó-sito de fls. 59, se encontra desde 26.01.1999 na posse de Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, que até veiculou pedido para venda do automóvel. Assim, por tais ra- zões, entendendo que este pleito tem fortes características de requerimento pro-telatório, indefiro.

4 – Da nova reconstituição dos fatos:Como já se apontou alhures, é faticamente inviável a realização da nova

reconstituição perseguida pela Defesa. A uma, porque não se poderia obrigar os co-réus, já condenados, com recurso interposto perante o Tribunal, a participarem desta nova reconstituição, na medida em que eles se retrataram durante a fase judicial. Como se poderia, por outro lado, se proceder a esta nova reconstituição dos fatos, se os co-réus afirmaram que jamais estiveram no local do crime e dele participaram.

Diz, entretanto, a ilustre Defesa, como fez a Defesa dos co-réus às fls. 931⁄4, que o local objeto da reconstituição não é o local do crime, que teria ocorrido no Campo do Zé Viado, sendo certo que não há nenhum elemento nos autos, nestes ou nos desmembrados, que demonstrem ter sido a perícia realizada em local outro, “diverso”.

Diante destes fatos, mais uma vez indefiro o pleito defensivo.(Fls. 177 a 179 – grifos no original.)

Como se vê, todos os pedidos foram indeferidos, fundamentadamente, expondo a inconveniência e a desnecessidade da realização das diligências na-quela fase processual, sem que tanto caracterize cerceamento de defesa. Frise-se, cabe ao Juiz da causa decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade da produção de outras provas, além daquelas que já foram produzidas nos autos da ação penal.

Nesse sentido também é a jurisprudência desta Suprema Corte:

Ementa: Habeas corpus. Alegação de nulidade pelo cerceamento de defesa decorrente do indeferimento de diligências. Inocorrência. Na fase do art. 499 não se tem a renovação da instrução criminal. Pelo que ao juiz do processo é conferido o poder de decidir sobre a conveniência e a imprescindibilidade da produção de outras provas, a par das que já foram coletadas. Decisão regularmente fundamen-tada. Habeas corpus indeferido.(HC 87.728/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 22-9-06.)

Habeas corpus. Extorsão mediante seqüestro. Art. 499 do CPP. Pedido de extensão. Este Tribunal tem jurisprudência pacífica no sentido de não admi-tir a reiteração de habeas corpus. Não-conhecimento do habeas em relação ao último dos Pacientes. Não se configura identidade de situações a justificar a ex-tensão. Enquanto na defesa prévia o pedido de diligência é um juízo de conve-niência da parte, na fase do art. 499 do CPP pode o juiz, fundamentadamente, indeferir diligências que entender desnecessárias ou protelatórias. Precedentes.

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Impossibilidade de conhecimento da alegação de cerceamento de defesa para não caracterizar supressão de instância. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, indeferido.(HC 83.578/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 28-5-04 – Grifo nosso.)

Habeas corpus. Alegações de cerceamento de defesa, de descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal e de impedimento da Câmara Criminal. Alegações improcedentes. Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento de diligências requeridas pela defesa, se foram elas consideradas desnecessárias pelo órgão julgador a quem compete a avaliação da necessidade ou conveni-ência do procedimento então proposto. É de repelir-se a alegação de haver sido descumprida a decisão proferida no HC 69.314. Com efeito, ao deferir o writ em favor do Paciente, esta Corte se limitou a anular o acórdão e determinar que ou-tro fosse proferido após ouvida a defesa sobre as peças inseridas nos autos pelo órgão acusador. O que determinou a Corte foi cumprido pelo Tribunal a quo. Por fim, inocorre qualquer situação de impedimento de a Câmara Criminal realizar o novo julgamento do processo objeto de anulação, porquanto o inciso III do art. 252 do Código de Processo Penal se refere ao impedimento de Juiz que, no mesmo processo, mas em outra instância, se houver pronunciado, de fato ou de direito, sobre a questão, o que, evidentemente, não é o caso dos autos. Habeas corpus indeferido.(HC 76.614/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 12-6-98 – Grifo nosso.)

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 93.046/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Márcio Batista da Silva. Impetrante: Luiz Carlos da Silva Neto. Coator: Superior Tri-bu nal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-

tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 11 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 93.190 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoPacientes: Isaías da Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno,

Márcio José Guimarães, Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo Chaves de Castro Lima, Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva, Márcio Cândido da Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e Leonardo Marques da Silva — Impetrantes: Luis Lago dos Santos e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Processual penal. Transferência tempo-rária dos pacientes do Rio de Janeiro para Prisão Federal em Catanduvas/PR. Mandado de segurança do Estado do Rio de Janeiro contra decisão que indeferiu o pedido de prorrogação da transferência. Liminar deferida para suspender os efeitos dessa decisão. Constrangimento ilegal não-configurado. Via inade-quada para discussão sobre a necessidade ou não da transferên-cia. Habeas corpus denegado.

1. A transferência dos pacientes para o Presídio Federal de Catanduvas/PR revelou cenário a indicar fatos de extrema gravidade, o que impõe análise apropriada que não guarda per-tinência com o habeas corpus, como assentado em precedente da Corte em tudo semelhante (HC 93.003/RJ, da minha relatoria, julgado em 11-3-08).

2. Não há litispendência entre o mandado de segurança impetrado na origem pelo Ministério Público e o impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro.

3. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 13 de maio de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Luis Lago dos Santos e José Henrique Machado da Silva em favor de Isaías da Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno, Márcio José Guimarães, Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo Chaves de Castro Lima, Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva,

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Márcio Cândido da Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e Leonardo Marques da Silva, buscando o restabelecimento da decisão do Juiz da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro/RJ, que indeferiu o pedido de pror-rogação do prazo da transferência dos pacientes, juntamente com outros presos, para o Presídio Federal de Catanduvas/PR.

Aponta como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 83.737/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti.

Alegam os Impetrantes que:

A princípio elencamos os fatos com base no relatório e voto do Eminente Mi nis tro Paulo Gallotti, o qual em síntese relata: a uma, que afirmam os Impe-trantes que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferiu decisão unâ-nime no Habeas Corpus nº 82.318/RJ, impetrado em favor dos mesmos Pacientes, o qual concedeu a ordem para cassar o efeito suspensivo a agravo de execução do Ministério Público, que prorrogaram por tempo indeterminado a permanência dos Pacientes na Penitenciária Federal de Catanduvas no Paraná; a duas, relatam os Pacientes que através do Estado do Rio de Janeiro foi impetrado um novo Man-dado de Segurança, agora de nº 2007.078.0203, que ao invés de requerer que fosse atribuído ao agravo interposto pelo Ministério Público efeito suspensivo, usou de uma manobra judicial modificando o pólo ativo, isto é, indicando a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro e requereu que os Pacientes permanecessem em Ca-tanduvas com base no princípio do interesse público, vez que a ida dos mesmos para aquela unidade, teria gerado um benefício à segurança pública.

Diz o ministro Paulo Gallotti:“Acentuam os impetrantes que esse provimento está em confronto

com o decidido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 82.318, dado que ‘em verdade, o artifício utilizado pelo Governo do Estado, através, agora, da Procuradoria-Geral (também órgão do Ministério Público) constitui bis in idem, pois trata do mesmo fato ob-jeto do recurso em andamento) agravo e mandado de segurança)”.A três, relata também que o Mandado de Segurança impetrado pelo Estado

do Rio de Janeiro tem objeto diverso do writ, almejado pelo Ministério Público, já que não pretende o novo atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, além disso alega o respeitável Ministro que ao contrário do que dizem os Impetrantes, a Procuradoria do Estado não se confunde com o Ministério Público.

Para finalizar, esclarecemos que as palavras proferidas pelo imparcial Ministro Paulo Gallotti no final de seu voto justificam e alicerçam o recurso que ora impetramos, vez que ao afirmar que “(...) No que se refere a alegada litispendência, por igual sorte não tem a mínima procedência. (...) O Pedido no primeiro mandado se refere unicamente à atribuição de efeito suspensivo ao agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os efeitos da de-cisão proferida em primeiro grau e a conseqüente permanência dos presos no Presídio Federal de Catanduvas (...) Logo não há repetição de ações (...)”.

Nítido está que o Governo do Estado do Rio de Janeiro utilizou-se de uma artimanha para burlar, e conseguiu, uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, porque quando os mesmos Pacientes impetraram o Habeas Corpus nº 82.318, o próprio Relator e Turma deferiu liminar e concedeu a ordem, unanimemente, determinando a suspensão do efeito suspensivo no Mandado de

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Segurança nº 2007.078.00199, com a cassação do efeito suspensivo os Pacientes retornariam para as prisões do Estado do Rio de Janeiro, inconformado com tal de decisão contra o Ministério Público, entra o Governo do Estado, através de sua Procuradoria com um novo mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (2007.078.00203), desta vez, para requerer a prorro-gação da estadia dos Pacientes por mais 12 (doze) meses na Penitenciária Federal de Catanduvas, a 08ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao invés de indeferir tal pleito, por se tratar de outro mandado de se-gurança, inacreditavelmente, concedeu liminar com efeito positivo prorrogando a permanência dos Pacientes até a decisão final do agravo em execução.

A defesa dos Pacientes tentou demonstrar na 06ª Turma do Superior Tribu-nal de Justiça que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proferiu decisão em total desrespeito ao acórdão que por unanimidade cassou os efeitos do Mandado de Segurança acima já citado, tendo se utilizado de todos os argumentos legais possí-veis, obtendo a graça de um voto do valor do eminente Ministro Presidente da 06ª Turma que desde o início de sua exposição afirmou:

“O que eu estou pensando é que se está deixando de cumprir decisão do Superior Tribunal. O que não se alcançou de um modo alcançou-se de outro, alcançou, aliás, por meio da utilização do mesmo instrumento – mandado de segurança. Se o primeiro mandado não va-leu, valeu o segundo – o objetivo era o mesmo. Ora, já que concedia a ordem de habeas corpus (HC 82.318), a questão haveria de ter solução pelo agravo, não mediante outro mandado de segurança. Repetiu-se a ação, simples e indevidamente. Com isso, a autoridade da decisão do Superior Tribunal foi atingida. Impõe-se o reparo. Voto, assim, pela concessão da ordem”.(Grifo nosso.)Invocamos dessa iluminada, imparcial e justa Corte Suprema uma análise

objetiva do trecho destacado pela defesa dos pacientes, quando o Ministro relator destaca os objetivos de ambos os Mandados de Segurança, em que afirma: “(...) O pedido no primeiro mandado se refere unicamente à atribuição do efeito sus-pensivo ao agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os efeitos da decisão proferida em primeiro grau (...)”

Sábio julgadores, quando no primeiro mandamus a 06ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem para manter os efeitos da decisão de pri-meiro grau, da mesma forma decidiu que a questão meritória da permanência ou não dos Pacientes em Catanduvas somente seria solucionada com o julgamento do agravo em execução, o que ainda não aconteceu. Ao conceder a liminar no Mandado de Segurança o qual fez cessar os efeitos da decisão de primeiro grau, da mesma forma em afronto completo ao acórdão acima referido, a 08ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro repetiu a ação simples e indevida para dirimir uma questão que estava limitada ao preâmbulo do agravo.(Fls. 3 a 5 – Grifos no original.)

Para fundamentar o pedido de liminar, sustentam que:

Nas fartas razões retro articuladas é claro como o sol a presença do fumus boni juris e o periculum in mora.(Fl. 6.)

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Ao final, requerem que seja deferida a liminar “para cassar os efeitos do acórdão ora atacado e anular a decisão que determinou a permanência dos pacientes na penitenciária federal de catanduvas até que seja proferida decisão no agravo em execução” (fl. 6), e, no mérito, “a concessão da ordem cassando-se o constrangimento ilegal ao qual estão submetidos os pacien-tes” (fl. 6 – grifo no original).

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 87 a 97).As informações foram prestadas à fl. 107, que, na verdade, referem-se

ao HC 91.462/RJ, também impetrado em favor dos Pacientes naquele Superior Tribunal, cuja liminar foi indeferida pelo Ministro Paulo Gallotti (fls. 108/109).

O Ministério Público Federal, pelo parecer da lavra do ilustre Subprocura-dor-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denega-ção da ordem (fls. 112 a 116).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Os Pacientes, juntamente com o con-denado Robson André da Silva, todos integrantes das facções criminosas co-nhecidas como “Comando Vermelho” e “Terceiro Comando Puro”, ligadas ao narcotráfico, foram transferidos para o Presídio Federal de Catanduvas/PR, a pedido do Secretário de Estado da Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, pelo prazo de 120 dias.

Em 11-3-08, a Primeira Turma desta Suprema Corte denegou a ordem no HC 93.003/RJ, cujo acórdão ainda não foi publicado, impetrado em favor do con-denado Robson André da Silva com objetivo idêntico ao buscado no presente writ.

Naquela oportunidade, proferi o seguinte voto:

O Paciente, juntamente com outros onze condenados, todos integrantes das facções criminosas conhecidas como “Comando Vermelho” e “Terceiro Comando Puro”, ligadas ao narcotráfico, foi transferido para o Presídio Federal de Catanduvas/PR, a pedido do Secretário de Estado da Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, pelo prazo de 120 dias.

Transcrevo excerto do voto do Ministro Paulo Gallotti, pelo qual foi dene-gada a ordem no Superior Tribunal de Justiça, que bem descreve os fatos constan-tes nos autos:

“Em decisão datada de 5-1-07, o Juiz Carlos Augusto Borges, da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, acolhendo solicitação do Secretário de Administração Penitenciária daquele Estado, determinou a transfe-rência temporária dos pacientes, que estavam recolhidos na Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, no Rio de Janeiro, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, pelo prazo de 120 dias, com fundamento, em sín-tese, na necessidade de se preservar a segurança pública.

Posteriormente, em petição datada de 11-4-07, o Ministério Público do Rio de Janeiro requereu a prorrogação do prazo de permanência dos

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pacientes em Catanduvas, enfatizando que ‘após a transferência, a onda de violência gerada pelas organizações criminosas comandadas pelos presos se encerrou’, pleito que, todavia, restou indeferido pelo então magistrado da Vara de Execuções, Dr. Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, em 18-4-07.

Contra essa decisão o Ministério Público interpôs recurso de agravo em execução, pendente de julgamento no Tribunal de origem, bem como impetrou, perante aquela Corte, mandado de segurança, ali registrado sob o n. 2007.078.00199, visando a atribuir efeito suspensivo ao agravo, res-tando a liminar deferida ‘com a conseqüente manutenção dos apenados na Unidade Federal de Catanduvas pelo período de 120 dias, prorrogáveis, ou até a apreciação do recurso de agravo interposto pelo Ministério Público, o que primeiro ocorrer’.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o HC 82.318/RJ, concedeu a ordem para, na linha dos diversos precedentes desta Corte, cassar a referida liminar, atribuindo ao agravo em execução do parquet tão-somente o efeito devolutivo.

Confira-se a ementa do julgado:‘Habeas corpus. Transferência temporária de presos do Rio

de Janeiro para Catanduvas, no Paraná. Indeferimento, pelo Juiz das execuções, do pedido de prorrogação do prazo formulado pelo Ministério Público. Agravo em execução interposto pelo parquet. Impossibilidade de concessão de mandado de segurança para atri-buir efeito suspensivo ao agravo. Art. 197 da Lei de Execuções Penais. Ordem concedida.

1 – O Superior Tribunal de Justiça há muito pacificou o enten-dimento de que o mandado de segurança não pode ser utilizado para atribuir efeito suspensivo a agravo em execução, que, por expressa determinação legal, não o possui.

2 – Em razão da determinação contida no artigo 197 da Lei de Execução Penal, cabe ao Ministério Público, instituição a quem incumbe a função de defender a ordem jurídica e o regime democrá-tico, diante do indeferimento de pedido formulado perante o Juiz das Execuções, interpor e aguardar o desfecho do julgamento do agravo manejado.

3 – O mandado de segurança, ação de índole constitucional cujo objetivo é o de proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, não pode servir de instrumento para, em confronto com expressa disposição legal e em dissonância com o princípio do devido processo, restringir direito de condenado confe-rido pela lei de execução penal.

4 – Remarque-se que esta Corte não está a tecer qualquer con-sideração a respeito do mérito da necessidade de permanência ou não dos pacientes na Penitenciária de Catanduvas, mas, sim, muito embora se reconheça a dificuldade que tem enfrentado a segurança pública não só do Estado do Rio de Janeiro, mas dos grandes cen-tros urbanos do País, que, na linha de precedentes desta Corte, o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação manda-mental com o fim de atribuir a agravo em execução efeito que ele não possui por expressa determinação legal.

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5 – Habeas corpus concedido para cassar os efeitos da decisão proferida nos autos do MS nº 2007.078.00199, atribuindo ao agravo em execução interposto pelo Ministério Público tão-somente o efeito devolutivo.’Insurgem-se, desta vez, os impetrantes contra o acórdão da Oitava

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que deferiu li-minar no Mandado de Segurança 2007.078.00203, impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro, determinando a permanência dos pacientes no Presídio Federal de Catanduvas.

Veja-se, no que interessa, o teor do acórdão:‘Trouxe o Estado do Rio de Janeiro, no presente mandado de

segurança, alentadas razões e justificativas de fato e de direito, em agasalho ao seu pleito, para demonstrar que os motivos ensejadores da transferência dos presos para o Presídio Federal de Catanduvas ainda persistem. A par disso, é notório que este Estado enfrenta clima de violência, insegurança e terror no seio da coletividade, tudo a jus-tificar o acolhimento do pedido liminar.

À guisa de exemplo, há mais de dez dias, vivem os habitantes do conhecido Morro do Alemão submetidos a verdadeira guerrilha urbana, causada por confronto entre policiais e traficantes Homens e mulheres subtraídos da liberdade de ir e vir, escolas fechadas, pessoas recolhidas em seus lares e impedidos de sair na rua, pessoas atingidas por balas perdidas.

Revelam os noticiários a ocorrência de 15 mortes e 46 feridos nesses episódios.

Notícia de hoje a revelar também confronto entre policiais e traficantes na favela da Chatuba, no Bairro da Penha, onde foram apreendidos 60 kg de maconha. A par disso, também é notório o clima de violência em outras regiões desta cidade.

As estatísticas estão a revelar expressivas apreensões de subs-tâncias entorpecentes, como seja: a) 2 toneladas e 400 kg de maconha no Morro da Mangueira; b) 245 kg de maconha na Vila Cruzeiro; c) 50 kg de maconha na Rodoviária Novo Rio; d) 1 tonelada e meia de maconha na Rodovia Presidente Dutra; e) 50 kg de maconha na Favela da Metral; f) 30 kg de maconha no Morro da Providência; g) 4,5 kg de cocaína da BR-393 e; h) 60 kg de pasta de cocaína em Conceição de Macabu, entre outras.

Some-se a tanto a justificada preocupação do Estado na preven-ção e repressão da violência e das conseqüências que da mesma resul-tam e a iminência de receber autoridades internacionais em evento de grande repercussão, com os jogos Panamericanos a iniciarem-se nos próximos dias e a exigir do Estado um nível de segurança competente, haja vista que sediará delegação e representação de 42 países. Por esta e outras circunstâncias se mostra a razoabilidade do pedido e a urgên-cia da medida, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora.

Justifica-se à apreciação da matéria deduzida em sede de agravo, nesta sede, porquanto a demora procedimental do recurso implicaria em perecimento do direito invocado, em detrimento da substância da matéria que agora se examina, com objetivo de

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garantir a ordem pública, no interesse coletivo, diante de circuns-tâncias excepcionais, de prevalência do interesse coletivo em face de interesses individuais.

Ressalte-se, por derradeiro, que o ato de transferência de presos de um Estado para outro da Federação é de natureza administrativa, previsto em lei, fundado na conveniência e na oportunidade. O direito subjetivo do preso, direito individual, queda em face da supremacia do direito coletivo e do interesse público (aplicação do artigo 86 da LEP) e aos propósitos de prevenção geral e especial. De toda conve-niência que se evite a presença de presos no meio em que exercem liderança sobre facção criminosa, ligada ao narcotráfico.

Nestas condições, defere-se a liminar para suspender os efei-tos da decisão atacada, decisão administrativa proferida pelo Juiz da Execução Penal e determinar a permanência dos presos transferidos na Penitenciária Federal de Catanduvas, até o julgamento do mérito a ser proferido neste mandamus’ (fls. 85/87).Acentuam os impetrantes que esse provimento está em confronto

com o decidido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 82.318, dado que ‘em verdade, o artifício utilizado pelo Governo do Estado, através, agora, da Procuradoria-Geral (também órgão do Ministério Público) constitui bis in idem, pois trata do mesmo fato objeto do recurso em andamento (agravo e mandado de segurança)’.

Argumentam, ainda, que ‘a Penitenciária Federal de Catanduvas é destinada a presos em regime disciplinar diferenciado, o que, a toda evidên-cia, não se aplica aos pacientes que, como decidido pelo Juízo da VEP, não estão sujeitos a tais regras’ (fls. 14 a 16).Baseado nesses fatos, o Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem de

habeas corpus para manter o Paciente e os demais condenados na Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, estando o acórdão assim ementado:

“Habeas corpus. Transferência Temporária de Presos do Rio de Janeiro para Catanduvas, no Paraná. Mandado de segurança impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro, perante o Tribunal de Justiça daquele Es ta do, contra a decisão do Juiz das execuções que indeferiu o pedido de prorro-gação do prazo de transferência. Writ parcialmente conhecido e denegado.

1 – O mandado de segurança impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro no Tribunal de Justiça, procurando impedir o regresso dos presos transfe-ridos para Catanduvas, no Paraná, tem objeto distinto do mandamus ali anteriormente impetrado pelo Ministério Público, em que se buscou atri-buir efeito suspensivo ao agravo em execução interposto pelo parquet, cuja liminar foi cassada por esta Corte.

2 – A alegação de que os pacientes estariam reclusos indevidamente em estabelecimento destinado a presos em regime disciplinar diferenciado não foi apreciada pelo Tribunal de origem, não podendo esta Corte enfrentá-la, pena de supressão de instância.

3 – Habeas corpus parcialmente conhecido e denegado”(Fl. 21.)Essa é a decisão contra a qual se insurgem as impetrantes na presente ação.Não verifico nenhuma ilegalidade flagrante ou constrangimento ilegal a dar

ensejo à concessão da ordem.

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Na hipótese vertente, verifica-se, porém, que, apesar dos argumentos da impetração, não há como ter-se como eivada de flagrante ilegalidade a decisão ora questionada, especialmente porque os fatos narrados nos autos são de extrema gravidade e demandam análise profunda do contexto em que se deu a transferên-cia do paciente para o Presídio Federal no Estado do Paraná, a fim de verificar se é necessária, ou não, a sua permanência naquele presídio por mais algum tempo. Assim, não é o habeas corpus a via adequada para tal discussão, sendo esta reser-vada e recomendada às vias ordinárias.

Quanto à alegação de possível litispendência dos mandados de segurança, transcrevo do parecer do Ministério Público Federal o seguinte trecho:

“(...)8. (...) percebe-se que possuem objetos distintos, conforme consig-

nou a Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo, no Mandado de Segurança nº 2007.078.00203, impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro (fls. 97/104, apenso): ‘De trivial sabença, que há litispendência quando se repete ação que está em curso. Na hipótese, em tela, com referência ao mandado de Segurança nº 199, é impetrante o Ministério Público, enquanto no presente Mandado de Segurança é impetrante o Estado do Rio de Janeiro. O pedido no primeiro Mandado se refere unicamente à atribuição de efeito sus-pensivo ao Agravo em execução. Neste, o pedido é para fazer cessar os efeitos da decisão proferida em primeiro grau e a conseqüente perma-nência dos presos, no Presídio Federal de Catanduvas” (fl. 65).Ademais, não impressiona o argumento de que, por já terem-se encerrado os

Jogos Pan-Americanos, não mais existiriam os motivos que ensejaram a transfe-rência dos presos para o Paraná. É notória a violência urbana pelo qual passa não só a cidade do Rio de Janeiro, mas todos os grandes centros urbanos, decorrente da atuação das quadrilhas que se organizam em verdadeiros exércitos para a prá-tica das mais variadas espécies de crime. Ressalte-se, ainda, o fato de serem os presos transferidos, entre eles o paciente, membros ativos e, alguns, chefes dessas facções criminosas, conforme mencionado no voto do Ministro Paulo Gallotti, acima transcrito.

(...)Ante o exposto, conheço parcialmente do habeas corpus e denego a ordem.

Com base nos mesmos fundamentos, denego a ordem de habeas corpus.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para reafirmar o que tenho sustentado nesses anos. Há de buscar-se, com a prisão de todo e qualquer acusado, de todo e qualquer cidadão, a ressocialização. Esta passa pela assistência da respectiva família, conforme previsto no rol das garantias consti-tucionais – incisos XLIX e LXIII do art. 5º. Essa premissa direciona à conclusão segundo a qual o local da custódia deve viabilizar o acesso dos familiares, des-cabendo isolamento em local a estes inacessível.

Levando em conta esse dado, peço vênia para conceder a ordem.

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EXTRATO DA ATA

HC 93.190/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Pacientes: Isaías da Costa Rodrigues, Márcio dos Santos Nepomuceno, Márcio José Guimarães, Marco Antonio Pereira Firmino da Silva, Ricardo Chaves de Castro Lima, Cláudio José de Souza Fontarigo, Elias Pereira da Silva, Márcio Cândido da Silva, Charles da Silva Batista, Marcus Vinicius da Silva e Leonardo Marques da Silva. Impetrantes: Luis Lago dos Santos e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas cor-pus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausente, justificada-mente, a Ministra Cármen Lúcia. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Brasília, 13 de maio de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 93.291 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoPaciente: Renato Costa de Andrade e Silva — Impetrantes: Luiz Carlos da

Silva Neto e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime de quadri-lha ou bando. Ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal não configurada. Materialidade. Reexame de provas. Inviabilidade. Precedentes. Ordem denegada.

1. Tratando-se de crime de quadrilha ou bando, a denúncia que contém condição efetiva que autorize o denunciado a profe-rir adequadamente a defesa não configura indicação genérica capaz de manchá-la com a inépcia. No caso, a denúncia demons-trou claramente o crime na sua totalidade e especificou a conduta ilícita do Paciente.

2. O trancamento de ação penal em habeas corpus impetrado com fundamento na ausência de justa causa é medida excepcional que, em princípio, não tem cabimento quando a denúncia ofer-tada narra suficientemente fatos que constituem o crime.

3. A via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valo-ração dos elementos de prova.

4. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 18 de março de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Habeas corpus, com pedido de liminar, im-petrado pelos advogados Luiz Carlos da Silva Neto e Ricardo Gontijo Buzelin em favor de Renato Costa de Andrade e Silva, buscando a anulação do processo crimi-nal instaurado contra o paciente e a expedição do correspondente alvará de soltura.

Apontam como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 75.430/RJ, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, impetrado àquele Tribunal com objetivo idêntico ao perseguido nesta oportunidade.

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Alegam que:

A sua prisão processual foi decretada pelo D. Magistrado, quando do rece-bimento da exordial acusatória, tendo sido o mandado regularmente cumprido e o acusado submetido a segregação cautelar desde o dia 13/10/2006, (doc. 02)

Contra a higidez da denúncia ofertada e a prisão preventiva decretada foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, tendo sido a ordem denegada. (doc. 03)

Foi então impetrada a ordem de habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que também denegou a ordem, (doc. 04).

Nesse interregno o MM. Juízo de 1º grau declinou de sua competência (doc. 05) para processo e julgamento do feito originário por entender que a competência seria da Justiça Federal para processo e julgamento do delito de “quadrilha ar-mada” imputado na denúncia e que já estava sendo processado pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Criminal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sob pena de se configura, segundo o Magistrado de 1º grau vedado bis in idem.

Até a presente data o MM. Juízo da 4ª Vara Federal Criminal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ainda não se manifestou sobre sua competência para processo e julgamento do feito que tramitava perante a Justiça Estadual.

Item I – Da inépcia da denúncia/flagrante cerceamento de defesaSucede que a peça acusatória manejada pelo Parquet estadual, s.m.j., não

observou o comando dos artigos 41 e 43, III, do Código de Processo Penal, re-dundando, por conseguinte, em patente cerceamento de defesa em desfavor do paciente, assim como dando azo à persecução penal envolta em inaceitável peri-clitação do devido processo legal.

Os termos da exordial acusatória merecem transcrição, sendo relevante no-tar a lacuna descritiva e o caráter genérico da peça, em passagens que a remarcam a expõe a sua ausência de minudências conforme preceitua abertamente a norma do art. 41, do Código de Processo Penal (...)

(...)Do apanhado se consubstancia um verdadeiro, s.m.j., ensaio jornalístico,

com personagens e acontecimentos narrados em tom estritamente noticioso e por isso descompromissado com a minudência objetiva que deve guarnecer uma peça acusatória processual penal.

Interessante notar que ao longo de várias e várias linhas a denúncia ofe-recida não logrou identificar indiciariamente que fosse um único fato em um viés objetivo. Não declinou um eventual homicídio, que, em tese, poderia ser atribuído ao Paciente e a tal “guerra” na região. Como também não especificou indiciaria-mente que execução teria ocorrido à luz do dia seja pela identificação ao me-nos da vítima do modo e do meio pelo qual teria se consubstanciado o delito. Por certo que o jornal da data já deveria ter fornecido essa informação. Nada, nenhuma informação objetiva e/ou pormenorizada. Contudo, aduz estranhamente que tal fato (?) seria inconteste. Mas que fato esse que não a generalidade do nar-rado com lastro em “notícias” de imprensa?(Fls. 3 a 7 – grifos no original.)

Ao final requerem, em caráter liminar, seja o paciente posto em liberdade até o julgamento definitivo do presente writ; e, no mérito, a anulação do pro-cesso, desde o recebimento da denúncia, com a conseqüente expedição de alvará de soltura.

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A liminar foi indeferida (fls. 164 a 170).Em 18-12-07, o Impetrante suscitou a prevenção do Ministro Celso de

Mello para a relatoria deste writ, em virtude de ele ter sido relator de outros dois habeas corpus impetrados nesta Corte, referentes à mesma ação penal (fls. 179 a 181). Encaminhei os autos à Ministra Presidente para decidir sobre o pedido formulado.

A Ministra Ellen Gracie decidiu pela manutenção da relatoria (f ls. 183/184).

A autoridade impetrada prestou informações (fl. 186) e encaminhou os documentos de fls. 187 a 200.

O Ministério Público Federal, pelo parecer da lavra do ilustre Subprocu-rador-Geral da República Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denega-ção da ordem (fls. 203 a 211).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: O Paciente, juntamente com outras 28 pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, do crime previsto no art. 288 do Código Penal, formação de quadrilha ou bando (fls. 31 a 37).

Recebida a denúncia (fls. 58 a 76), o Ministério Público resolveu aditá-la, mencionando novos fatos e mais denunciados (fls. 97 a 105), no que foi atendido (fl. 106).

Contra essas decisões teria sido impetrado habeas corpus ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sem êxito. Sobreveio, então, o HC 75.430/RJ, denegado pelo Superior Tribunal de Justiça em acórdão assim ementado:

Processual Penal. Quadrilha. Grupo de extermínio. Disputa por pontos de caça-níqueis e bancas de aposta no jogo do bicho. 1. Inépcia da denúncia. Falta de individualização da função de cada acusado na quadrilha. Inexigibilidade. Fato narrado em todas as suas circunstâncias. 2. Ordem denegada.

1. Em se tratando de imputação por crime de quadrilha, não se exige a indi-vidualização da função desempenhada por cada acusado, bastando a descrição do fato em todas as suas circunstâncias.

2. Ordem denegada.(Fl. 16.)

É firme a jurisprudência consagrada por esta Corte Suprema no sentido de que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ações pe-nais em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem com-provadas, de plano, a atipicidade da conduta, a causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria.

Nesse sentido:

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Ação penal – Falta de justa causa – Trancamento.O trancamento da ação penal por falta de justa causa situa-se no campo da

excepcionalidade, sendo indispensável que, da narração dos fatos na denúncia, surja a atipicidade.(HC 90.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25-5-07.)

Habeas corpus. Crime de apropriação indébita. Impossibilidade de modi-ficação da capitulação no recebimento da denúncia. Concessão de sursis proces-sual: impossibilidade. Não-aplicação analógica do art. 168-A, § 2º, do Código Penal. Arrependimento posterior. Pedido de trancamento da ação penal. Habeas corpus denegado.

(...)3. O trancamento da ação penal, em habeas corpus, apresenta-se como

medida excepcional, que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura crime em tese.

(...)(HC 87.324/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 18-5-07.)

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Inépcia da denúncia. Inexistên-cia. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. Trancamento da ação penal. Possibilidade de substituição do enquadramento legal descrito na inicial. Súmula 524 do STF. Questões não apreciadas pelo tribunal a quo. Supressão de instância.

I – Denúncia que bem individualiza as condutas, expondo de forma porme-norizada o fato criminoso, preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do CPP. Ademais, não se declara inepta a denúncia se o seu teor permitir o exercício do direito de defesa.

II – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, se apresenta como me-dida excepcional que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura crime em tese.

(...)(HC 85.496/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 8-9-06.)

Habeas corpus. Penal. Crime contra a ordem econômica. Atipicidade. Crime tributário. Exaurimento da via fiscal. Trancamento da ação penal. Ree-xame de provas. Inviabilidade.

(...)3. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, é medida excepcio-

nal; justifica-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria.

(...)(HC 86.583/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 27-4-07.)

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Juizado especial. Inépcia da de-núncia. Falta de justa causa para a ação penal.

I – Denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do CPP.

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II – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime.

III – Habeas corpus indeferido.(HC 85.066/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20-5-05.)

Não é o que se tem nos autos.A partir de um exame mais detido dos fundamentos que levaram à denega-

ção da ordem pelo Superior Tribunal de Justiça, acórdão ora impugnado, verifico que esse Tribunal não se equivocou ao afastar a alegada inépcia da denúncia.

Confira-se, a propósito, o texto da exordial acusatória:

Em data que não foi possível precisar, mas que ocorreu a partir de meados do ano 2000, uma grande disputa se iniciou em áreas da zona oeste da cidade, des-tacando-se os bairros de Bangu, Santíssimo, Anchieta, Vila Kennedy, Realengo, Padre Miguel, Sulacap, Senador Camará e demais bairros vizinhos a estes, tendo como objetivo principal o domínio e a exploração dos conhecidos “pontos” de anotação de “jogo-do-bicho”, bem como em toda a área de comércio existente da localidade supracitada, para a instalação e exploração das máquinas de jogos ele-trônicos, conhecidas por “máquinas de caça-níqueis”.

A disputa foi travada entre membros da família do falecido contraventor Castor de Andrade, que construiu e estabeleceu todo o seu império com a ativi-dade contravencional e demais ações praticadas na esfera da ilicitude nas áreas acima citadas, permanecendo à frente de suas atividades ilegais e clandestinas até ser preso e condenado, momento em que a disputa pelo domínio do patrimônio angariado, como também da função de “chefia” se iniciou.

O falecimento de Castor de Andrade, bem como de seu filho, Paulo de Andrade, foi o marco inicial da disputa pelo poder entre os seus “sucessores” no negócio clandestino, ensejando o início de uma guerra pelo poder na área da zona oeste, figurando como oponentes Fernando Ignácio de Miranda, de um lado, que formou um forte aparato para garantir sua atuação na empreitada acima citada, possuindo sob o seu comando um grande grupo que a ele obedece e cumpre suas ordens, estrutura que está em fase final de investigação. O bando age diretamente em confronto com a segunda quadrilha, chefiada pelos denunciados Rogério de Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade, que igualmente se estrutura-ram de forma idêntica, objetivando o combate aos ataques perpetrados, visando, assim, a conquista do domínio da área. Para tanto, organizaram-se, possuindo atualmente, como membros do seu grupo dos demais denunciados e outros que ainda estão sendo identificados.

Os denunciados, consciente e voluntariamente, deliberaram se associar de forma estável, permanente, estruturando-se com o objetivo principal de enfrentar o grupo rival. Agindo na defesa das empresas denominadas Rio Oeste Games, exploram as conhecidas máquinas de caça-níqueis, bem como outros equipamen-tos de jogos eletrônicos, além de dominarem pontos conhecidos por “bancas de apostas de jogo-do-bicho”.

A disputa entre os dois grupos pelo domínio e poder na exploração dos cha-mados “caça-níqueis” e “jogo-do-bicho” na localidade se transformou em uma verdadeira “guerra”, sendo esta a principal motivação dos vários crimes praticados

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pelos denunciados, membros da quadrilha capitaneada por Rogério de Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade. Visam a conquista do poder, o domínio e a exclusividade na administração e exploração das atividades ilegais na região.

A quadrilha se apresenta estruturada de forma a garantir a manutenção dos pontos de exploração da Oeste Games já instalados, bem como projeta e pratica ações direcionadas à obtenção e domínio das áreas exploradas pela empresa rival, denominada de “Adult Fifty Games” ou “Ivegê ”, que é explorada pelo contraventor Fernando Ignácio de Miranda.

Para atingir os objetivos citados, criaram-se diversas “bases fixas”, deno-minadas de “escritórios”, que se encontram estrategicamente onde permanecem concrentrados os membros da quadrilha que atuam na segurança dos pontos de anotação de “jogo-do-bicho” e também zelando pelos estabelecimentos comerciais onde se encontram instalados equipamentos da empresa, permanecendo, ainda, funcionários que fazem a manutenção das máquinas eletrônicas também de áreas determinada. Essas bases fixas, os “escritórios”, ficam responsáveis pelo controle dos eventos e recolhimento do dinheiro dos pontos de exploração, incluindo a fisca-lização e segurança contra eventuais “ataques” por parte da empresa rival.

A estrutura da quadrilha é composta por funções escalonadas, atendendo a uma hierarquia, cabendo o comando das ações aos denunciados Rogério de Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade, este último com atuação um pouco maior nos contatos externos diretos com demais membros, tendo em vista serem os dois primeiros foragidos da justiça.

Aos denunciados Rogério de Andrade, Renato de Andrade e Rinaldo de Andrade cabe a administração, gerência, bem como “ordens” e “determinações” que são repassadas aos demais denunciados, membros da quadrilha, por meio de comparsas seus que diretamente se comunicam com o “comando”, através de reuniões, em locais privados, ou com a colaboração de terceiros, na clandestini-dade, face a existência de mandados de prisão em desfavor de Rogério e Renato de Andrade, por sentença condenatória de processo anterior, transitada em julgado.

Os membros da quadrilha que diretamente recebem as ordens ou as autori-zações para a prática das ações ilícitas e do mercado contravencional, repassam a membros que, dentre outras funções, atuam como executores dos crimes idealiza-dos e determinados, ora com o objetivo da manutenção de seus pontos e áreas de atuação, disputando com a quadrilha rival, ora agindo de forma a invadir o “ter-ritório” do opositor, tomando-lhes a área, matando seus “inimigos”, quebrando e danificando o patrimônio de terceiros, havendo, inclusive, o confronto armado em algumas ocasiões.

Outros membros da quadrilha exercem, dentre outras tarefas secundárias, a função de segurança dos depósitos de material e armamento dos pontos de explo-ração dos produtos clandestinos, garantindo, assim, eventual revide e resistência quando do ataque do oponente.

Atuam, também, na “segurança pessoal” de outros membros da quadrilha que desenvolvem atividades em outras ‘tarefas de risco’ como transporte de ar-mamento, de dinheiro recolhido, ou mesmo aquele que figura como “supervisor” de determinada área, figurando ainda como ligação direta entre o “comando” e os “executores”. A “segurança pessoal” de determinados membros da quadrilha visa evitar ou impedir eventual ação do oponente, geralmente atentados e crimes de homicídios praticados mediante utilização de meios que impossibilitam sua defesa.

Dentro da estrutura da quadrilha, figuram denunciados que têm por incum-bência, ainda, a execução de crimes de homicídios; os delitos são cometidos não

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só contra os seus rivais, visando o enfraquecimento do opositor e o domínio da área que visam obter. Os denunciados, que têm como função a execução de even-tual adversário, igualmente eliminam os próprios membros da quadrilha, quando estes praticam atos de caráter duvidoso, ficando o julgamento e a ordem para ma-tar a critério do “comando” e membros do “escalão superior”.

Os crimes de homicídio praticados pela quadrilha têm a natureza de ati-vidade de grupo de extermínio, eis que os denunciados atuam com o objetivo direto de eliminar os adversários que compõem o grupo rival, que com eles vem disputando o domínio das atividades ilícitas ligadas à contravenção e à máfia dos caça-níqueis.

Os denunciados se mobilizam e agem em seus confrontos se utilizando de armamento de grosso calibre, fato este inconteste diante das notícias dos crimes oriundos da guerra por eles travadas há quase 05 (cinco) anos, bem como pelas apurações e investigações policiais realizadas quanto à identificação dos membros da quadrilha responsáveis pelas execuções.

(...)Assim agindo, os denunciados, consciente e voluntariamente, se associaram

de forma estável e permanente, com o objetivo de praticarem crimes, incluindo-se dentre os delitos os de natureza hedionda, atuando o bando, munido de armamento de grosso calibre (...)(Fls. 100 a 104.)

Entendo que a melhor orientação doutrinária é a que exige que esteja na denúncia condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente sua defesa. E é o que me parece ocorrer neste caso. Não se tratou, como alega a impetração, de indicação genérica. A peça de denúncia demonstrou claramente o crime na sua totalidade e especificou a conduta ilícita do paciente neste habeas corpus, consistente no comando de todo o esquema, agindo como verdadeiro comandante dos demais co-denunciados.

Parece-me, portanto, que a denúncia, além de preencher todos os requisi-tos formais estatuídos no art. 41 do Código de Processo Penal, não incide nas hipóteses do art. 43 do mesmo diploma que determinariam a sua rejeição.

É preciso ter presente que o delito imputado ao paciente é a formação de quadrilha ou bando, e não os crimes que teriam, supostamente, sido praticados por essa associação criminosa, conforme tentam induzir os impetrantes. Nessa medida, cumpre lembrar que o tipo posto no artigo 288 do Código Penal, prevê, simplesmente: “associarem-se, mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para a prática de crimes”. Trata-se, com efeito, de crime formal que se consuma mediante a simples “associação” qualificada pelo animus de praticar crimes.

Há, portanto, elementos concretos suficientes com relação ao paciente, especialmente quando indica ser ele um dos líderes da quadrilha, juntamente com outros dois co-denunciados, para amparar a denúncia, nos moldes em que foi proposta, e ensejar a continuação da persecução penal.

Foi nesse sentido, também, a manifestação do Ministério Público Federal, pelo parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Edson Oliveira de Almeida:

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(...)7. Da leitura da decisão supra vê-se que a denúncia, com base em inqué-

rito policial previamente instaurado, narra, em tese, o crime tipificado no art. 288 do Código Penal, contendo elementos necessários à formação típica da conduta. Demonstra que em meados do ano de 2000, uma grande disputa, entre dois grupos rivais, iniciou-se em diversas localidades da Cidade do Rio de Janeiro, visando o do-mínio, o poder e a exploração de atividades lucrativas denominadas jogo-de-bicho e jogos eletrônicos – máquinas de caça-níqueis –, apontando o paciente como um dos líderes do grupo – gerência, administração e comando. Descreve, com detalhes, a atuação das empreitadas da quadrilha, fortemente armada, como um verdadeiro grupo de extermínio, consignando que ‘dentro da estrutura da quadrilha, figuram denunciados que têm por incumbência, ainda, a execução de crimes de homicídios; os delitos são cometidos não só contra os seus rivais, visando o enfraquecimento do opositor e o domínio da área que visam obter. Os denunciados, que têm como função a execução de eventual adversário, igualmente eliminam os próprios membros da quadrilha, quando estes praticam atos de caráter duvidoso, ficando o julgamento e a ordem para matar a critério do ‘comando’ e membros do ‘escalão superior’.

8. Portanto, não prospera a irresignação concernente à ausência de indicação objetiva das práticas criminosas para a formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal), eis que demonstrado na peça acusatória a convergência/união de vontades de dezenas de pessoas, sendo o paciente apontado como um dos comandantes/chefes, na prática de diversos crimes, com a finalidade de manter o domínio e a exclusividade de outras atividades ilegais rentáveis, tais como a exploração do ‘jogo-do-bicho’ e de máquinas eletrônicas denominadas ‘caça-níqueis’. Ficou evi-denciado, assim, tanto o elemento subjetivo especial do tipo – finalidade de come-ter crimes – como também o elemento estabilidade e permanência da associação. Logo, conforme asseverou o acórdão impugnado: ‘Nenhuma irregularidade há, portanto, na denúncia, que se baseou em inquérito policial devidamente instaurado, após notícia de crime. Aliás, verifica-se que a denúncia em nenhum momento faz referência a reportagens ou a telejornais, mencionando, ao contrário, em não pou-cas ocasiões, apurações de inquéritos policiais, inclusive dos homicídios suposta-mente praticados pela quadrilha da qual o paciente é acusado de participar’(Fls. 209/210.)

Frise-se, por fim, que é na ação penal que deverá se desenvolver o contra-ditório, sendo, então, produzidos todos os elementos de convicção do julgador e garantido ao Paciente todos os meios de defesa constitucionalmente previstos. Não é o habeas corpus o instrumento adequado para o exame de questões con-trovertidas, inerentes ao processo de conhecimento.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus pleiteada.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, assim como acaba de expor, brilhantemente, como sempre, o eminente Ministro Menezes Direito, também não vislumbro dados que possam levar ao deferimento, à concessão desta ordem.

Acompanho integralmente o Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também eu, nada obstante o louvável esforço e a combatividade do Advogado, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito nos convence de sobejo que a situação é de indeferimento do habeas corpus.

EXTRATO DA ATA

HC 93.291/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Paciente: Renato Costa de Andrade e Silva. Impetrantes: Luiz Carlos da Silva Neto e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Fala-ram: o Dr. Silva Neto, pelo paciente, e o Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, Subpro-curador-Geral da República, pelo Ministério Público Federal.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro-curador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 18 de março de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 93.782 — RS

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiPaciente: Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt — Impetrantes:

Eduardo Pivetta Boeira e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Processual Penal. Habeas corpus. Regressão de regime prisional. Falta grave. Fato definido como crime. Soma ou uni-ficação de penas. Benefícios da execução. Arts. 111 e 118 da Lei 7.210/84. Remição. Súmula vinculante 9 do Supremo Tribunal Federal. Princípio da presunção de inocência. Dignidade da pessoa humana. Vetor estrutural. Ordem denegada na parte conhecida.

I – A prática de falta grave pode resultar, observado o con-traditório e a ampla defesa, em regressão de regime.

II – A prática de “fato definido como crime doloso”, para fins de aplicação da sanção administrativa da regressão, não de-pende de trânsito em julgado da ação penal respectiva.

III – A natureza jurídica da regressão de regime lastreada nas hipóteses do art. 118, I, da Lei de Execuções Penais é sancio-natória, enquanto aquela baseada no incido II tem por escopo a correta individualização da pena.

IV – A regressão aplicada sob o fundamento do art. 118, I, segunda parte, não ofende ao princípio da presunção de inocên-cia ou ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana.

V – Incidência do teor da Súmula vinculante 9 do Supremo Tribunal Federal quando à perda dos dias remidos.

VI – Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente.

Brasília, 16 de setembro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Eduardo Piveta Boeira e outros em favor de Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt, contra a Quinta Turma do Superior

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Tribunal de Justiça, que denegou a ordem em habeas corpus impetrado contra decisão do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul que, em sede de Agravo em Execução, manteve decisão do Juízo das Execuções, que determinou a regressão do regime prisional e determinou a perda dos dias remidos.

A decisão atacada possui a seguinte ementa (fl. 45):

Execução penal. Habeas corpus. Decisão monocrática de desembargador. Trânsito em julgado. Cabimento do Writ. Regressão de regime prisional. Falta grave. Prática de crime doloso. Tráfico de entorpecentes. Trânsito em julgado da sentença condenatória. Desnecessidade.

I – Esta Corte firmou o entendimento de que, com base no art. 105, inciso I, alínea c, da Carta Magna, é cabível habeas corpus contra decisão monocrática com trânsito em julgado (Precedentes).

II – O art. 118, inciso I, da Lei de Execução Penal estabelece que o apenado ficará sujeito à transferência para o regime mais gravoso quando praticar fato definido como falta grave ou crime doloso, independentemente do trânsito em julgado de sentença condenatória. In casu, o e. Tribunal a quo reconheceu como falta grave, devidamente apurada em regular processo administrativo, o come-timento de crime doloso (tráfico de entorpecentes) no curso do cumprimento da reprimenda no regime semi-aberto, razão pela qual se mostra cabível a regressão de regime. (Precedentes).

Habeas corpus denegado.

Dizem os impetrantes que tal regressão se deu em virtude de o ora pa-ciente, cumprindo pena em regime semi-aberto, ter sido acusado pela prática de novo delito, em processo no qual não existe decisão condenatória transitada em julgado.

Alegam, então, que o fato de considerar-se a mera acusação de cometi-mento de novo crime como falta grave, apta a dar causa à regressão de regime e à perda dos dias remidos, atenta contra o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, requerem “seja deferida a medida liminar, a fim de que sejam suspensos os efeitos das decisões ora atacadas para que o Paciente possa cumprir sua pena em regime de origem (semi-aberto) até o julgamento do mérito do presente habeas corpus” (fl. 9).

Indeferi a medida liminar (fls. 15-17), após o que vieram aos autos as in-formações prestadas pelo STJ (fls. 35-45).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 47-49).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os au-tos, tenho que a ordem é de ser denegada.

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A presente impetração afirma a manifesta ilegalidade da regressão ba sea- da na prática de ato definido como crime, sem que haja o trânsito em julgado da decisão condenatória respectiva.

Com efeito, observado o contraditório e a ampla defesa no processo ad-ministrativo, é pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a falta grave pode resultar, a critério do magistrado, fundado em sua livre convicção calcada nos elementos produzidos nos autos, na regressão de regime.

Colho da doutrina, a lição de Carlos Vico Manãs, Sérgio Mazina Martins e Tatiana Viggiani Bicudo:1

As hipóteses de regressão de regime – isto é, de desajuste ao regime menos gravoso – são taxativas e não admitem ampliação. Mas elas não são automáticas e limitadas a um juízo sobre a sua materialidade e autoria. Por exemplo, não basta que o condenado cometa uma falta grave para que seja regredido: é imprescin-dível que sua falta seja de tal natureza que revele seu desajuste com o regime semi-aberto ou com o regime aberto. O mesmo pode ser repetido quanto a todas as demais situações do art. 118 da LEP, cujo enunciado – atente-se! – apenas “su-jeita” o condenado à regressão em tais ou quais casos, em vez de prontamente dispor a regressão nesses casos. O “sujeitar”, aqui, traz a imagem de um “expor”, mas não a de um “impor”. A lei exige, dessa forma, a experiência do juiz da exe-cução, forçado a ser, então, o juiz da individualização da pena. Em alguns casos, será aconselhável a regressão; em outros casos, eventualmente, encaminhamentos diversos serão mais apropriados. Não se descarta que uma simples transferência de estabelecimento pode ser o quanto concretamente baste.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal temos, por exemplo, o HC 76.271/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, em que se assentou o seguinte:

Direito Penal e Processual Penal. Regime semi-aberto de cumprimento de pena. Fuga: quebra de dever disciplinar. Sanção de regressão ao regime fechado (arts. 50, inciso II, e 118, inciso I e § 1º e § 2º, da Lei de Execuções Penais). Direito de defesa do sentenciado. Cabimento, porém, da medida cautelar de regressão. Habeas corpus.

1. Se até antes da condenação, pode o denunciado ser preso preventiva-mente, para assegurar a aplicação da lei penal, não é de se inferir que o sistema constitucional e processual penal impeça a adoção de providências, do Juiz da Execução, no sentido de prevenir novas fugas, de modo a se viabilizar o cumpri-mento da pena já imposta, definitivamente, com trânsito em julgado. Essa provi-dência cautelar não obsta a que o réu se defenda, quando vier a ser preso. O que não se pode exigir do Juiz da Execução é que, diante da fuga, instaure a sindicân-cia, intime o réu por edital, para se defender, alegando o que lhe parecer cabível para justificar a fuga, para só depois disso determinar a regressão ao regime ante-rior de cumprimento de pena.

2. Essa determinação pode ser provisória, de natureza cautelar, antes mesmo da recaptura do paciente, para que este, uma vez recapturado, permaneça

1 MANÃS, Carlos Vico; MARTINS, Sérgio Mazina; BICUDO, Tatiana Vigiani. Execução Penal. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 588.

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efetivamente preso, enquanto justifica a grave quebra de dever disciplinar, como o previsto no art. 50, inciso II, da Lei de Execuções Penais, qual seja, a fuga, no caso.

3. Tal medida não encontra obstáculo no art. 118, inciso I e § 1º e § 2º da mesma Lei. É que aí se trata da imposição definitiva da sanção de regressão. E não da simples providência cautelar, tendente a viabilizar o cumprimento da pena, até que aquela seja realmente imposta.

4. Habeas corpus indeferido.

Em específico, no que se refere à prática de “fato definido como crime do-loso”, leciona Guilherme de Souza Nucci,2

a relação das faltas graves consta do art. 50 desta Lei. Por outro lado, cometer um fato (note-se que se fala em fato e não em crime, de modo que não há necessi-dade de se aguardar o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória) defi-nido como crime doloso (despreza-se o delito culposo para tal finalidade), conforme a gravidade concreta auferida pelo juiz, pode levar o condenado do aberto ao semi-aberto ou deste para o fechado, bem como do aberto diretamente para o fechado.

As hipóteses enumeradas taxativamente no inciso I do art. 118 da LEP possuem natureza jurídica de sanção. Essa sanção tem cunho administrativo, uma vez que são aplicadas em decorrência do exercício do controle estatal sobre pessoa já definitivamente condenada ou, quando muito e que não é o caso dos autos, de pessoa recolhida sob a premissa da instrumentalidade da prisão. Tal conclusão é extraída da remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao afirmar a interrupção dos prazos para a concessão de benefícios na execução criminal no caso de falta grave, em especial da fuga.3

Por sua vez, a determinação legal do inciso II do art. 118, que trata da soma e da unificação de penas, não possui essência sancionatória, muito embora possa acarretar a regressão do regime. Aqui, a norma visa à exata observância do dis-posto nos arts. 33 a 36 do Código Penal e tem por escopo a correta individuali-zação da pena, em conformidade estrita aos preceitos constitucionais em geral e ao vetor da dignidade da pessoa humana em especial.

Vê-se, pois, que não é necessário o trânsito em julgado da decisão para a apli-cação da regressão de regime, uma vez que não há ofensa ao princípio da presunção da inocência ou violação ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana.

Quanto à questão da perda dos dias remidos, aplica-se a Súmula vincu-lante 9 deste Supremo Tribunal Federal.

Isso posto, denego a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia para divergir.

2 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 501.3 O prazo recomeça a correr a partir da recaptura. Nesse sentido, entre outros: RHC 89.031/RS, Rel. p/ o ac. Min. Carlos Britto.

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O princípio do terceiro excluído revela que uma coisa é ou não é. Ou bem se tem de forma alargada o princípio da não-culpabilidade, princípio constitucional, e, evidentemente, para haver a regressão no regime de cumprimento da pena, é preciso que haja a condenação criminal – é o caso – mas transitada em julgado, por crime posterior ao cometido e que ensejara o cumprimento da pena e a pro-gressão no regime. Não posso temperar o princípio para dar de barato a culpa do envolvido no novo episódio. Prevalece o princípio da não-culpabilidade.

Quando o art. 118 da Lei de Execuções Penais faz referência, para a re-gressão ao regime mais gravoso, à prática de fato definido como crime doloso ou falta grave – e se está no campo do crime doloso –, evidentemente remete à Constituição Federal. Em última análise, interpreto o citado inciso I do art. 118 à luz do Diploma Maior, e não o preceito que encerra a garantia constitucional à luz da Lei de Execuções.

EXTRATO DA ATA

HC 93.782/RS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: Aldomar Birajara de Quevedo Bitencourt. Impetrante: Eduardo Pivetta Boeira e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas cor-pus; vencido o Ministro Marco Auréilio, Presidente.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Subpro-curador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 16 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 93.802 — RS

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: Deivide Sarote — Impetrante: PGE/RS – Tatiana Siqueira

Lemos — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Execução penal. Pena privativa de liberdade. Remição. Dias remidos. Perda. Licitude. Prática de falta grave. Constitu-cionalidade do art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal). HC denegado. Decisão do Plenário no RE 452.994. Outros prece-dentes. É constitucional o art. 127 da Lei 7.210/84, que autoriza a decretação da perda dos dias remidos do condenado punido por prática de falta grave.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-ficas, por unanimidade de votos, denegar a ordem. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa.

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de habeas corpus impetrado em fa-vor de Deivide Sarote contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, unanimemente, deu provimento ao REsp 998.145, interposto pelo Ministério Público estadual, para determinar, por cometimento de falta grave, a perda dos dias remidos do apenado.

O acórdão está assim ementado:

Recurso especial. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos. Aplicação do art. 127 da LEP.

1. Em razão do cometimento de falta grave pelo sentenciado, cabe ao Juízo da Execução decretar a perda dos dias remidos. Precedentes.

2. Recurso conhecido e provido para, reformado o acórdão recorrido, decre-tar a perda dos dias remidos.(Fl. 11.)

O Paciente, condenado à pena de 10 (dez) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, por cumprir em regime semi-aberto, cometeu falta disciplinar de natureza grave no curso da execução penal. Consta do termo de ocorrência, reproduzido à fl. 4 do apenso:

No dia 18.03.2006, o denunciado deixou de apresentar-se de saída tem-porária autorizada pelo Juízo local, sendo considerado foragido da Justiça. Na

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data de 15.04.2006, deu entrada no Presídio Estadual de Cerro Largo, autuado em flagrante delito, identificando-se com o nome de Leandro Cruz Villela, sendo posto em liberdade provisória em 26.04.2006, com nova entrada naquele presídio na data de 15.06.2006, cfe mandado de prisão preventiva decretada pelo Juízo daquela Comarca. Em 06.07.2006 removido [sic] de retorno a esta Penitenciária Modulada de Uruguaiana, para cumprimento de pena.

O Juízo da Execução determinou a regressão do Paciente para o regime fechado e deixou de aplicar perda dos dias remidos, porque entendeu suficiente a regressão (fl. 18 do apenso).

O Ministério Público estadual interpôs agravo, no qual alegou que a perda dos dias remidos pelo apenado seria conseqüência legal, segundo o art. 127 da Lei de Execuções Penais, do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, e cuja aplicação não viola os princípios do direito adquirido e da coisa julgada, de modo que seria imperiosa a reforma da decisão de 1º grau.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso (fls. 53 do apenso).

Irresignado, o órgão ministerial interpôs recursos especial e extraor-dinário, ambos admitidos. No especial, que ensejou o acórdão aqui reputado configurador de constrangimento ilegal, alegou que a perda dos dias remidos, declarada por prática de falta grave, não ofende o direito adquirido, “porquanto o instituto da remição, sendo prêmio concedido ao apenado em razão do tempo trabalhado, gera expectativa de direito” (fl. 67 do apenso).

Nesta impetração, a defesa sustenta que a cumulação da penalidade de perda dos dias remidos com a reprimenda administrativa estabelecida na con-clusão do procedimento administrativo afrontaria os princípios constitucionais do non bis in idem e da razoabilidade (fl. 6).

Requer a Impetrante, ao fim, “seja concedida a ordem no presente habeas, para que seja cassado o acórdão proferido pelo STJ, e reconhecida a impossi-bilidade da perda dos dias remidos pelo trabalho, posto que direito adquirido do paciente, sob pena de afronta aos princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e razoabilidade” e, alterna-tivamente, “que se conceda a ordem, reconhecendo a limitação temporal de 30 dias, para a perda dos dias remidos, com a aplicação do art. 58 da LEP” (fl. 8).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não assiste razão à Impetrante.Está assentada a jurisprudência desta Corte, e o Superior Tribunal de

Justiça decidiu em consonância com tal entendimento, a respeito da constitucio-nalidade do art. 127 da Lei de Execuções Penais.

No julgamento do RE 452.994-7/RS (Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence), o Plenário, por maioria de votos, decidiu que o art. 127 da Lei de

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Execução Penal, cuja letra versa sobre a perda dos dias remidos por prática de falta grave, foi recebido pela nova ordem constitucional. Na oportunidade, acompanhei a divergência por entender que: “O direito foi adquirido sob clara condição legal resolutiva. A coisa julgada não é ofendida, porque não há aplica-ção de outra pena, nem outra qualquer alteração da sentença”.

Consta da ementa:

Ementa: Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o di-reito ao tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade.

É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remi-dos se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expec-tativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.(DJ de 29-9-06.)

2. Outrossim, quanto ao pedido alternativo de limitação da perda a um pe-ríodo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 58 da Lei de Execuções Penais, tem decidido esta Corte no sentido de sua inviabilidade.

Confiram-se, a respeito, as seguintes ementas exemplares:

Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de dias remidos. Art. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos principios da propor-cionalidade, igualdade e individualização da pena. Inocorrência. Limitação tem-poral da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicável a situação diversa. Ordem denegada. I – É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é legítima a sanção correspondente à perda total dos dias remidos pela prática de falta grave, nos termos do art. 127 da LEP, por ser medida con-sentânea com os objetivos da execução penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do mesmo diploma legal por tratar de matéria distinta, não guardando pertinência com o objeto do presente writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.(HC 90.107, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 27-4-07.)

Ementa: agravo regimental. Lei de Execução Penal, arts. 127 e 58. Falta grave. Perda dos dias remidos. Ofensa aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. Inocorrência. É pacífico o entendimento de ambas as Turmas desta Corte no sentido de que o cometimento de falta grave pelo preso durante o cumprimento da pena implica a perda dos dias remidos, sem que isso caracterize ofensa ao princípio da individualização da pena e ao direito adquirido. A remição da pena constitui mera expectativa de direito, exigindo-se ainda a ob-servância da disciplina pelos internos. Inviável a aplicação do art. 58 da Lei de Execução Penal para limitar a perda a trinta dias, uma vez que tal norma trata de isolamento, suspensão e restrição de direito, não se confundindo com o tema rela-tivo à remição da pena. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 580.259-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 26-10-07. No mesmo sentido: HC 89.784, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 2-2-07, e HC 89.528, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06.)

3. Em razão do exposto, denego a ordem.

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EXTRATO DA ATA

HC 93.802/RS — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Deivide Sarote. Impetrante: PGE/RS – Tatiana Siqueira Lemos. Coator: Superior Tribu-nal de Justiça.

Decisão: Denegada a ordem. Decisão unânime. Ausentes, justificada-mente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.

Brasília, 26 de fevereiro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 93.803 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauPaciente: Ricardo Jorge Barbosa — Impetrante: Alexandre Moura Dumans

e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes e lavagem de dinheiro. Prisão preventiva. Ausên-cia de fundamentação reconhecida pelo órgão ad quem. Opor-tunidade dada pelo Desembargador Federal para que o órgão prolator da decisão a fundamentasse adequadamente, em lugar de, face à deficiência do decreto, deferir a liminar. Comporta-mento censurável. Fuga para impugnar prisão considerada in-justa. Legitimidade.

1. Ação penal por tráfico ilícito de entorpecentes e lavagem de dinheiro. Prisão cautelar decretada apenas com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, sem demonstração dos elementos necessários à constrição prematura da liberdade. Circunstância reconhecida por Desembargador Federal que, ao examinar habeas corpus, oficiou ao órgão a quo dando conta da ausência de fundamentação da decisão proferida por Juiz Federal Substituto, possibilitando o agravamento da situação do paciente, em lugar de deferir a liminar. Comportamento censurável.

2. É legítima a fuga com o objetivo de impugnar prisão cau-telar considerada injusta (precedentes).

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 10 de junho de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de limi-nar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em acórdão cuja ementa é a seguinte:

Habeas corpus. Paciente foragido acusado de tráfico internacional de dro-gas e lavagem de dinheiro, supostamente integrante de quadrilha organizada com

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conexões no Uruguai, Colômbia, Estados Unidos e Europa. Fuga desde o início das investigações. Prisão preventiva justificada na proteção da Ordem Pública, da instrução criminal e para eventual aplicação da Lei Penal. Precedentes do STJ. Situação pessoal do Paciente diversa de outros co-réus que tiveram a custódia cautelar revogada pelo magistrado condutor da ação penal. Ordem denegada.

1. Havendo fortes indícios de que o paciente pertence a extensa quadrilha internacional voltada para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro proveniente do tráfico, com ramificações em diversos continentes, justifica-se a prisão preven-tiva para a preservação da ordem pública.

2. Especificamente em relação ao paciente, o fato de ele se encontrar fora-gido desde o início da instrução processual, não tendo sequer sido interrogado, denota a diferença de sua situação se comparada aos demais co-réus que tiveram o pedido de liberdade provisória acolhido. Segundo a orientação prevalecente no Supremo Tribunal Federal e nesta Corte Superior de Justiça, a fuga do acusado é motivo suficiente para demonstrar a necessidade da prisão preventiva, como me-dida cautelar, para garantia da ordem pública, para garantia da instrução criminal e eventual aplicação da lei penal.

3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.4. Ordem denegada.

2. Em extenso arrazoado os impetrantes alegam que o Juiz, ao decretar a prisão preventiva, limitou-se a reproduzir expressões da lei e a uma alusão vaga e genérica à denúncia e ao “material probante contido nos autos do inqué-rito policial”. Isso consubstanciaria afronta ao artigo 93, IX, da Constituição do Brasil.

3. Sustentam que a ausência de fundamentação da custódia cautelar teria sido notada na decisão (rectius, despacho) do Juiz Convocado do TRF da 2ª Região, Marcelo Pereira da Silva, em habeas corpus requerido àquela Corte visando à liberdade provisória de co-réu. Não obstante, o magistrado, em vez de revogar o ato, solicitou informações e instou o Juízo a quo a complementá-lo com fundamentação adequada. A justificação foi a de que a decisão “se deu em sede de plantão no dia 28.03.2007, o que inviabiliza muitas vezes uma escorreita e adequada análise do caso”.

4. Dizem que “ao impor a motivação de todas as decisões judiciais, o já mencionado art. 93, inciso IX, da Constituição da República não excepcionou as que fossem proferidas pelos juízos de plantão, o que torna injustificável a ‘nova chance’ dada pelo insigne Juiz Convocado, porquanto decreto de prisão imotivado é decisão natimorta, por lhe faltar elemento essencial”. Daí que “ao determinar que o Juiz da 4ª Vara Federal Criminal fundamentasse a decisão constritiva, o Juiz Convocado deu azo a algo ainda mais inaceitável: a permis-são para que uma medida de cunho inequivocamente defensivo como o habeas corpus pudesse agravar a situação dos réus” (fls. 24/25).

5. Alegam que “o fato de o Paciente não ter-se entregado espontaneamente não pode servir como argumento retroativo a validade de um decreto constritivo eivado de nulidades. Se, como visto, a decisão desrespeitou, de forma flagrante, direitos individuais, é irrelevante que tenha sido cumprida ou não” (fl. 28).

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6. Afirmam ainda que, apesar de inexistir alusão à garantia da ordem pú-blica no decreto prisional originário, esse fundamento constou das várias de-cisões que indeferiram pleitos cautelares formulados pela defesa. Foi, todavia, revogada a prisão preventiva de co-réu cuja situação foi considerada idêntica a do paciente na decisão revocatória.

7. Requerem a concessão de liminar a fim de que seja expedido alvará de soltura clausulado com a condição de que o paciente compareça semanal-mente ao Juízo processante. Pugnam, no mérito, pelo deferimento da liberdade provisória.

8. A liminar foi indeferida.9. Posteriormente ao parecer da Procuradoria-Geral da República, no sen-

tido da denegação da ordem, os impetrantes protocolaram petição (fls. 417/419) alegando que o órgão ministerial opinou equivocadamente. Isso em razão de o Parquet ter abordado as razões da impetração sob o enfoque da isonomia entre o paciente e os co-réus beneficiados com a liberdade provisória. Afirmam que o que se sustenta, na verdade, é a completa ausência de fundamentos para a decre-tação da prisão cautelar do Paciente.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A prisão preventiva do Paciente e outros foi decretada por Juiz Federal de plantão nos seguintes termos (fls. 181/181v):

Tendo em vista os indícios de autoria e materialidade dos fatos claramente explicitados na denúncia oferecida, bem como pelo farto material probante contido nos Autos do Inquérito Policial, decreto a prisão preventiva dos acusa-dos Alexandre Pareja Garcia, Yasmin Lorena Rodriguez Gallego, Ruy Delfim Ferreira Vasco, Ricardo Jorge Barbosa, Manoel Camilo Rodrigues Sales, José Cezar Pereira, Verônica Mattos da Costa, Luiz Carlos Mattos da Costa, Moysés Tomas de Oliveira e Lissy Jurliette Pareja Garcia, com fundamento no artigo 312 do Diploma Processual Penal Brasileiro, já que presentes seus pressupostos.

2. O Juiz não explicitou a base concreta da prisão cautelar, limitando-se a afirmar, vagamente, a presença de seus pressupostos.

3. A deficiência do decreto prisional foi observada pelo Juiz convocado do TRF da 2ª Região, Marcelo Pereira da Silva, em decisão (rectius, despacho) pela qual requereu informações para decidir a respeito de pleito cautelar requerido por Co-réu:

(...)A despeito da gravidade dos fatos apurados pela operação policial que foi

denominada de “Platina”, que rendeu ensejo, inclusive, a decretação da prisão temporária de várias pessoas, dentre as quais o paciente, é de se ver que o decreto

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judicial que acolheu o pedido ministerial e decretou a prisão preventiva do paciente carece da necessária fundamentação, uma vez que a mera justifica-ção de que “presentes seus pressupostos” não preenche os requisitos legais de fundamentação específica ao caso concreto e para a pessoa do paciente. Não bastasse isso, a decisão que a esta se sucedeu, pela qual a denúncia foi recebida, também não traz nenhuma explicitação dos motivos pelos quais a prisão preven-tiva deve ser mantida, apenas mencionando aquele juízo que “durante a realização dos interrogatórios, decidirei a respeito da revogação da prisão dos acusados, que 4 se encontram nessa condição”. (grifei.)

Não se encontra sequer no pleito ministerial as razões pelas quais o de-creto prisional cautelar deveria ser acolhido, pois o MPF faz genérica menção aos pressupostos previstos no art. 312 do CPP. (grifei.)

De qualquer forma, considerando-se que descabe a este juízo de segunda instância proceder originalmente a adequada análise da necessidade desta prisão preventiva, apresentando os fundamentos que a sustentam, até porque se assim o fosse, suprimido estaria um grau de jurisdição para o paciente, e ainda conside-rando-se que a primeira decisão adotada (a que decretou a preventiva) se deu em sede de plantão no dia 28.03.2007, o que inviabiliza muitas vezes uma escorreita e adequada análise do caso, determino que se oficie o ilustre juízo impetrado para que este, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, não apenas preste informações cabíveis como fundamente adequadamente a necessidade da prisão preven-tiva decretada. (Grifei.)

4. Percebe-se claramente que a situação do paciente daquele habeas cor-pus foi agravada pelo despacho do Juiz convocado do TRF da 2ª Região. Este, apesar de reconhecer a fragilidade do decreto prisional – diga-se de passagem, comum a todos os envolvidos –, determinou ao juízo de origem que funda-mentasse adequadamente a decisão, quando o certo seria conceder a liminar. Em outras palavras, viabilizou-se, em habeas corpus, de forma esdrúxula, a oportunidade de reformatio in pejus.

5. A Segunda Turma deste Tribunal decidiu, em tema de prisão preventiva, ser “indispensável a fundamentação do despacho que a decretou. As informa-ções não substituem a fundamentação exigida em lei. Não há despacho, decisão ou sentença que adote fundamentação a posteriori, depois de produzir efeitos” (HC 44.499, Segunda Turma, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ de 23-2-68). A Primeira Turma adotou o mesmo entendimento ao afirmar que “[o] despa-cho que decreta a prisão preventiva, quando falho, não se considera sanado por fundamentação suplementar, depois e haver produzido efeitos” (HC 56.900, Primeira Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 27-4-79).

6. A revogação da prisão preventiva do paciente foi indeferida, em três oportunidades, sempre sob o singelo fundamento de que ele se encontrava fora-gido desde a prolação da decisão que a decretou.

7. A jurisprudência desta Corte está alinhada no sentido de que se o pa-ciente foge para não se sujeitar a prisão considerada injusta não há razão nem necessidade da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal. Nesse sentido a ementa do HC 91.971, DJ de 22-2-08, de que fui Relator:

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Habeas corpus. Penal e processual penal. Extorsão. Prisão preventiva. Fundamentação. Inidoneidade. Fuga: Avaliação, caso a caso.

1. Residência fora do distrito da culpa. Circunstância que não autoriza a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal, especialmente porque o endereço do paciente é conhecido, o que viabiliza a expedição de carta precatória.

2. Prisão cautelar para garantia da ordem pública fundada no fato de o pa-ciente ter tornado disponível sua conta-corrente para depósito de quantia resul-tante do crime de extorsão, advindo daí sua periculosidade.

3. Tese da defesa visando a demonstrar, com argumentos factíveis, que o presidiário acusado do crime de extorsão, ex-cliente do paciente, utilizou a conta-corrente deste para quitar dívida de honorários advocatícios, não para o recebi-mento do produto do crime.

4. Controversa a autoria, a segregação cautelar, arrimada na suposta pericu-losidade do paciente, mostra-se temerária.

5. Conveniência da instrução criminal, como forma de evitar ameaças às testemunhas. Ausência de base empírica.

6. Fuga como justificativa da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal. Necessidade de avaliá-la, caso a caso, para concluir-se se a intenção do pa-ciente é frustrar o cumprimento da pena ou impugnar prisão que considera injusta.

7. Ausente, no caso, demonstração de que o paciente pretende subtrair-se à aplicação da lei penal.

Ordem concedida.

8. O Paciente foi preso posteriormente e, quando interrogado, respondeu “(...) que soube do decreto de sua prisão em março deste ano [março/2007], que aguardou por algum tempo o julgamento de habeas corpus impetrados, sendo que ao final pediu aos seus advogados para que o apresentassem à Justiça, eis que nada tinha feito de errado e estaria pagando apenas por conhecer o acusado Alexander.”

9. Insisto em que a decisão do Juiz convocado do TRF da 2ª Região não concedeu a liminar requerida, ensejando que írrito decreto de prisão fosse revigorado.

Defiro o habeas corpus, concedendo a liberdade provisória do paciente. Em conseqüência, determino seja expedido alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas de estilo.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também acompanho o voto do eminente Ministro Relator, dando relevo a esse fato para o qual o eminente advogado chamou atenção. Se o decreto de prisão é um só e não tinha funda-mento – tanto não o tinha, que, por sua deficiência, todos os Réus estavam presos e, por força de lei, foram liberados –, não há razão nenhuma para a subsistência da prisão, porque não há decreto com fundamento em relação ao ora Paciente.

Noutras palavras, ele está preso e, do ponto de vista jurídico, não se sabe nem o porquê. O decreto que lhe fundamenta a prisão é tão inválido que pos-sibilitou a liberdade de todos os demais. Na verdade, o advogado não deixa de

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ter certa razão ao dizer que isto, de certo modo, é capricho, pela simples cir-cunstância de não ter-se apresentado. E a pergunta é esta: por que deveria ter-se apresentado diante de um decreto que não valia – tanto não valia que os demais réus foram soltos?

Acompanho, integralmente, o voto do eminente Ministro Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Na verdade, foi ele que decretou a prisão no habeas corpus. A decisão anterior não tinha fundamento.

EXTRATO DA ATA

HC 93.803/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Ricardo Jorge Barbosa. Impetrantes: Alexandre Moura Dumans e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas cor-pus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Alexandre Moura Dumans e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Mário José Gisi. Ausente, jus-tificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 10 de junho de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 94.497 — RS

Relatora: A Sra. Ministra Ellen GraciePaciente: Osni Puzinski — Impetrante: Defensoria Pública da União —

Coator: Relator do Recurso Especial 999.125 do Superior Tribunal de Justiça

Direito Penal. Habeas corpus. Remição da pena. Falta gra- ve. Súmula Vinculante 9, STF. Constitucionalidade do art. 127, LEP. Denegação.

1. O tema em debate neste habeas corpus já foi objeto de consolidação da orientação desta Corte através da edição do enunciado da Súmula Vinculante 9: “O disposto no art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal pre-visto no caput do art. 58”.

2. Há orientação pacificada no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a exe-cução da pena privativa de liberdade, implica a perda dos dias remidos pelo trabalho, inexistindo motivo para se cogitar de eventual violação a direito adquirido (HC 89.784/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 2-2-07), bem como não há possibilidade de limitação da pena a apenas trinta dias (HC 89.528/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06).

3. A perda do direito ao benefício da remição dos dias trabalhados em decorrência da falta grave não atenta contra o princípio da individualização da pena (AI 601.909-ED/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 6-10-06), bem como não viola dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana (AI 580.543-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1º-6-07).

4. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: 1. Cuida-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do relator do Superior Tribunal de Justiça que deu

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provimento ao recurso especial e, assim, restabeleceu a decisão do juízo das execuções penais, decretando a perda do direito à remição pelo dias trabalhados devido à ocorrência de falta grave.

Argumenta o impetrante que a perda total dos dias remidos fere os prin-cípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da individua-lização da pena. A regra do art. 127 da LEP deve respeitar direito adquirido, sendo certo que o benefício da remição da pena representa uma das formas de individualização da pena.

Requer a concessão da ordem para o fim de ser reconhecido o direito do paciente aos dias já remidos, restabelecendo o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

2. Decisão que indeferiu o pedido de liminar (fls. 18/19).3. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido da dene-

gação da ordem (fls. 22/24).É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. O tema em debate neste habeas corpus já foi objeto de consolidação da orientação desta Corte através da edição do enunciado da Súmula Vinculante 9, in verbis:

O disposto no art. 127 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do art. 58.

2. Como registrei na decisão que indeferiu o pedido de liminar, há orien-tação pacificada no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a execução da pena privativa de liberdade, implica a perda dos dias remidos pelo trabalho, inexistindo motivo para se cogitar de eventual violação a direito adquirido (HC 89.784/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 2-2-07), bem como não há possibilidade de limitação da pena a apenas trinta dias (HC 89.528/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13-10-06).

A perda do direito ao benefício da remição dos dias trabalhados em decor-rência da falta grave não atenta contra o princípio da individualização da pena (AI-ED 601.909/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 6-10-06), bem como não viola dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana (AI 580.543-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1º-6-07).

3. Transcrevo, apenas a título exemplificativo, dois julgados desta Corte que trataram do tema:

Habeas corpus. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos. Ausência de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da individualiza-ção da pena e da dignidade da pessoa humana.

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O Pleno do Supremo Tribunal Federal reafirmou, no julgamento do RE 452.994, que o cometimento de falta grave resulta na perda dos dias remidos pelo trabalho, sem que isso implique ofensa aos princípios da isonomia, da indivi-dualização da pena e da dignidade da pessoa humana.

Ordem denegada.(HC 94.445-1/RS, Rel. Min. Eros Grau.)

Habeas corpus. Processual Penal. Falta grave. Perda dos dias remidos: aplicação do art. 127 da Lei de Execuções Penais. Precedentes.

1. É entendimento pacífico neste Supremo Tribunal no sentido de que a prática de falta grave durante o cumprimento de pena implica a perda dos dias remidos pelo trabalho do sentenciado, sem que isso signifique violação de direito adquirido. Precedentes.

2. Habeas corpus indeferido.(HC 93.160/RS, Min. Cármen Lúcia.)

4. Ante o exposto, denego o habeas corpus.É como voto.

EXTRATO DA ATA

HC 94.497/RS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Paciente: Osni Puzinski. Impetrante: Defensoria Pública da União. Coator: Relator do Recurso Especial 999.125 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, neste julga-mento, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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HABEAS CORPUS 94.938 — RJ

Relatora: A Sra. Ministra Cármen LúciaPaciente: A.S.S. — Impetrante: DPE/RJ – Adalgisa Maria Steele

Macabu — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Me-dida socioeducativa. Art. 121, § 5º, do Estatuto: Não-derrogação pelo novo Código Civil: Princípio da especialidade. Regime de semiliberdade. Superveniência da maioridade. Manutenção da medida: possibilidade. Precedentes. Habeas indeferido.

1. Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente relativa-mente ao limite de idade para aplicação de seus institutos.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a maioridade civil como causa de extinção da medida socioeduca-tiva imposta ao infrator: ali se contém apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º).

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, se-gundo o qual se impõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é norma especial, e não o Código Civil ou o Código Penal, diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.

4. A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medi-das adotadas visam não apenas à responsabilização do interes-sado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores. Precedentes.

5. Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Cármen Lúcia, Relatora.

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia: 1. Habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em favor de Admo Soares da Silva, contra decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 21-2-08, denegou a ordem no HC 88.399 (fls. 35-41).

2. Tem-se, na impetração, que “o Ministério Público ofereceu represen-tação contra o Paciente pelo cometimento de ato infracional análogo ao tipifi-cado no artigo 157, caput, do Código Penal, sendo ao final julgada procedente a pretensão punitiva estatal e ao Paciente aplicada medida sócio-educativa de semiliberdade (...)” (fl. 3 – grifos no original).

3. Visando afastar a medida socioeducativa imposta ao Paciente pelo Juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, por ter ele completado dezoito anos de idade, foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, em 22 de maio de 2007, denegou a ordem nos termos seguintes:

Habeas corpus. Paciente representado por infração ao art. 157, caput, do Código Penal. Pretensão à extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade imposta, em razão do advento da maioridade. Impossibilidade. Aplicação do art. 2º, parágrago único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ausência de constrangimento ilegal. Denegação da ordem.(Fl. 31.)

4. Objetivando a mesma medida, foi impetrada nova ação perante o Supe-rior Tribunal de Justiça, sobrevindo a decisão objeto da presente impetração, da lavra do eminente Ministro Felix Fischer, que decidiu nos termos seguintes:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional equiparado a roubo. Internação. Progressão para semiliberdade. Maioridade civil. Liberação compulsória. Impossibilidade.

Não houve qualquer modificação na interpretação do art. 121, § 5º, da Lei nº 8.069/90, frente à nova maioridade civil tratada no art. 5º da Lei nº 10.406/2002. Assim, deve permanecer a idade de 21 (vinte e um) anos como limite para a concessão da liberdade compulsória àqueles que estejam cumprindo as medidas sócio-educativas aplicadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente. (Precedentes).

Habeas corpus denegado.(Fl. 41.)

5. A presente ação tem a mesma finalidade das anteriormente impetradas.A Impetrante narra que o Paciente atingiu a maioridade civil em novem-

bro de 2006, e que, por esta razão, considera descabida a manutenção da medida socioeducativa. Afirma ela que “não há previsão legal autorizadora de sua im-posição ou mesmo de sua manutenção em se cuidando de maiores de 18 anos, os quais, ressabidamente, não se enquadram no conceito de adolescente como quer o Estatuto da Criança e do Adolescente” (fls. 4-5).

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Assevera que o fundamento da decisão ora questionada “(...) importa em restrição à liberdade do Paciente, posto que, alcançada a imputabilidade penal, somente é possível continuar a ser executada se se tratar de medida socioedu-cativa de internação, em relação a qual há previsão legal expressa, descabendo estendê-la a qualquer outra medida (...)” (fl. 6).

Pede seja concedida a ordem para que, “(...) cassado o v. aresto hostilizado, seja declarada extinta a medida sócio-educativa (...)” imposta ao Paciente (fl. 10 – grifos no original).

6. Em 5 de junho de 2008, determinei a manifestação da Procuradoria-Geral da República (fl. 45), que, em 23-6-08, opinou pela denegação da ordem (fls. 47-54).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): 1. Conforme relatado, pretende-se com esta ação seja extinta a medida socioeducativa imposta ao Paciente pelo Juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, por ter ele comple-tado dezoito anos de idade.

2. Sustenta a Impetrante que, por força do novo Código Civil – que fixou a maioridade em dezoito anos – nenhuma medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) poderia ser aplicada após o reedu-cando atingir aquela idade.

Segundo esse argumento, o art. 121, § 5º, do Estatuto teria sido revogado pelo Novo Código Civil, passando a ser considerada a idade de dezoito anos como limite para liberação compulsória do jovem infrator.

3. Não tem razão de direito a Impetrante, pois não se vislumbra qual-quer contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente ao limite de idade para aplicação de seus institutos.

Em momento algum, o Estatuto da Criança e do Adolescente menciona a maioridade civil como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao infrator. O que ali se contém é apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º).

Além disso, o Estatuto é norma especial que deve prevalecer sobre o Código Civil e o Código Penal, que são diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.

4. Há de se realçar, ainda, que a proteção integral da criança e do adoles-cente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo le-gislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da

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sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores.

5. Conforme enfatizou o Subprocurador-Geral, Dr. Mário José Gisi, “(...) A análise conjunta dos arts. 120, § 2º, e 121, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente não nos parece afrontosa aos demais princípios emanados daquele diploma. Dá, sim, coerência sistêmica à aplicação da referida lei especial, razão por que comungamos do entendimento firmado no tribunal a quo, contra qual se insurge a impetrante” (fl. 50).

Salientou ele, ainda, que “(...) Não se mostra indevida a manutenção de adolescente contando mais de 18 anos em regime socioeducativo, porquanto o ato infracional foi praticado em data anterior ao alcance da maioridade civil e penal. A possibilidade de extensão de medida socioeducativa até os 21 anos de idade, mais do que acompanhar a legislação civil anterior, denota o escopo de manter sob o sistema de proteção de que trata o ECA adolescentes que even-tualmente tenham praticado atos análagos a crimes, ainda que às vésperas da atingirem a imputabilidade penal” (fl. 50).

Nesse sentido, os julgados seguintes:

Ementa: Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida so-cioeducativa. Art. 121, § 5º, do Estatuto: não-derrogação pelo novo Código Civil: princípio da especialidade. Regime de semiliberdade. Superveniência da maio-ridade. Manutenção da medida: possibilidade. Precedentes. Ordem denegada.

1. Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente ao limite de idade para apli-cação de seus institutos.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a maioridade ci-vil como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao infrator: ali se contém apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcional-mente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º).

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, segundo o qual se im-põe o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é norma especial, e não o Código Civil ou o Código Penal, diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral.

4. A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas à responsabilização do interessado, mas o seu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos aí os menores. Precedentes.

5. Habeas corpus denegado.(HC 91.491, de minha relatoria, DJ de 19-6-07);

Habeas corpus. Adolescente. Infração aos arts. 12 e 14 da Lei 6.368/76, e 16 da Lei 10.826/03. Internação. Progressão para o regime de semiliberdade. Atingi-mento da maioridade. Manutenção da medida. Possibilidade. Ofensa ao art. 121, § 5º, do ECA não caracterizada. Alegação de interpretação extensiva ou analógica in pejus. Inocorrência. I – A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente rege-se pela idade do infrator à época dos fatos. II – O atingimento da maioridade

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não impede a permanência do infrator em regime de semiliberdade, visto que se trata de medida mais branda do que a internação. III – Alegação de interpretação extensiva e analógica in pejus que não pode ser acolhida. IV – Ordem denegada.(HC 90.129, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 18-5-07);

Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medida socioedu-cativa de semiliberdade. Extinção aos dezoito anos de idade, diversamente da internação, que vai até os vinte e um anos. Improcedência.

Salvo o disposto quanto ao prazo máximo de internação nos seus arts. 121, § 3º, e 122, § 1º, o ECA não estipula limite máximo de duração da medida socio-educativa de semiliberdade (art. 120, § 2º). Daí por que, independentemente de o adolescente atingir a maioridade civil, esta, a exemplo do que ocorre com a inter-nação, tem como limite temporal a data em que vier a completar vinte e um anos (art. 121, § 5º).

A circunstância de o preceito do § 2º do art. 120 mandar aplicar à medida socioeducativa de semiliberdade as disposições relativas à internação “no que couber” não autoriza o entendimento de que, salvo o § 5º do art. 121, todos os de-mais parágrafos do art. 121 do ECA a ela se aplicam. O limite de vinte e um anos também sobre ela incide, ainda que o texto normativo não o diga expressamente.

A projeção da medida socioeducativa de semiliberdade para além dos dezoito anos decorre da remissão às disposições legais atinentes à internação. Essa é uma maneira de a lei dizer precisamente o que afirmaria se fosse repetitiva. A remissão de um texto ao outro evita que aquele reproduza inteiramente o que este afirma.

De mais a mais, o ECA não determinou, em nenhum dos seus preceitos, a extinção da medida socioeducativa de semiliberdade quando o adolescente com-pletar dezoito anos de idade.

A aplicação da medida de semiliberdade para além dos dezoito anos não decorre de interpretação sistemática, mas de texto expresso de lei. Isso resulta evidente na circunstância de o legislador, no que tange às medidas socioeducativas (ECA, arts. 112 a 121), ter disciplinado de forma idêntica apenas as restritivas de liberdade (semiliberdade e internação).

Ordem denegada.(HC 90.248, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 27-4-07.)

6. Pelo exposto, voto no sentido de denegar a ordem de habeas corpus.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): A toda evidência, de adoles-

cente, de criança, não se trata mais. O que tenho sustentado é que a regência do Estatuto da Criança e do Adolescente era harmônica com o Código Civil preté-rito, seguia, quanto à maioridade, o Código anterior.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): E que mudou.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): E, mesmo assim, repetiu-se a

idade mínima para se alcançar a maioridade, 21 anos. Com a promulgação do Có-digo Civil de 2002, houve uma derrogação necessária, implícita, do preceito do Es-tatuto da Criança o do Adolescente. Não concebo como se possa manter um maior de idade, que não é mais criança nem adolescente, nesse regime socioeducativo.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Mas ele passou exatamente pela representação ainda como menor de 18 anos.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É um fenômeno, já ter alcan-çado a maioridade. Vai continuar internado? É interessante a matéria.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Na minha compreensão, sim.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): V. Exa. se referiu a um prece-

dente. Fiquei vencido?A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Eu não citei aqui, mas me lem-

bro de discussões em que V. Exa. argúi exatamente isso, não sei se foi um caso meu, mas V. Exa. registra essa sua posição. Até não foi num caso como este.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Penso que a razão da referên-cia a 21 anos – § 5º do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente – era única, ou seja, retratar, à época, a maioridade.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Exatamente. São os arts. 120, § 2º, e 121, § 5º.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Era a faixa etária exigida para se ter a maioridade. Se veio à balha a redução a 18 anos, implicitamente – sob pena de o sistema não ser mais único, de haver a maioridade, para efeitos em geral, aos 18 anos e de se continuar, no tocante ao adolescente que claudicou, com a maioridade só alcançada aos 21 –, deu-se a derrogação. Caso contrário, o sistema fica capenga.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Ocorre, Presidente, que, aqui, o Estatuto da Criança não fala em maioridade civil, fala “aos 21 anos”.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas, Ministra, a razão era única. Há 2500 anos, já diziam os filósofos materialistas gregos: nada surge sem uma causa.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Sim, mas temos uma legislação, uma norma em vigor à qual me submeto.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: V. Exa. me permite um aparte, emi-nente Ministra Cármen Lúcia, até adiantando meu ponto de vista?

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Por favor.O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de uma medida socioedu-

cativa. O sistema instituído pelo ECA é de proteção do menor e do adolescente, não é uma medida de caráter repressiva. E, na verdade, aqui ele continua sob a proteção do Estado.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Até porque, se fosse o contrário, o fato teria sido praticado quando ele tinha 17 anos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): O aparte não seria à Ministra Cármen Lúcia, seria a mim.

O Sr. Ministro Menezes Direito: A questão realmente é interessante, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente realmente fala em 21 anos.

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A referência evidentemente foi feita com relação à maioridade do Código Civil anterior. A discussão que se põe, a meu ver, é saber se essa medida socioeduca-tiva é uma pena ou não. Se for uma pena, é evidente que tem de se fazer a apli-cação dos 18 anos para liberar o menor da medida socioeducativa, mas todos os especialistas em Estatuto da Criança e do Adolescente entendem que a medida socioeducativa não é uma pena, por isso é que se chama medida socioeducativa. É uma medida de proteção do menor, dito infrator.

A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): De proteção.O Sr. Ministro Menezes Direito: Ora, se é uma medida de proteção do me-

nor dito infrator, pelo menos na minha compreensão, não se justifica a derroga-ção da medida pelo advento do novo Código. É possível aplicar essa medida até os 21 anos, como originariamente foi proposta. Se eventualmente houver uma aplicação posterior à edição do Código Civil, aí não me parece possível, por um motivo muito simples, porque como a maioridade foi reduzida para 18 anos, a maioridade inviabiliza o conceito de menor, de criança e de adolescente e, por essa razão, não caberia a aplicação até posterior à maioridade.

Por essas razões, acompanho, pedindo vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio, a eminente Ministra Cármen Lúcia e denego a ordem.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Em nota de rodapé no Theotônio, há menção a dois precedentes do Superior Tribunal de Justiça, inclusive de Ministros de peso – o Ministro Felix Fischer e o saudoso Ministro Quaglia.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Saudoso é o Quaglia. V. Exa. falou dois de peso. Realmente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Não. Em termo de judicatura.O Sr. Ministro Menezes Direito: Perdão.O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Passado e presente.O Sr. Ministro Menezes Direito: V. Exa. falou dois de peso.A Sra. Ministra Cármen Lúcia (Relatora): Nesse caso, nós, aqui na Pri-

meira Turma, temos vários habeas corpus julgados exatamente nesse mesmo sentido. Por exemplo, o HC 91.491 e o HC 90.129.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Mas os precedentes são nesse sentido que a Turma sustenta.

O Sr. Ministro Menezes Direito: Interessante.

EXTRATO DA ATA

HC 94.938/RJ — Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Paciente: A.S.S. Im-petrante: DPE/RJ – Adalgisa Maria Steele Macabu. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas cor-pus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.

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Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Ausente, justifica-damente, o Ministro Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 179.075 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoEmbargante: Rio Negro Comercio e Indústria de Aço S.A. — Embargado:

Estado de São Paulo

1. Recurso. Embargos de declaração. Pretensão de alte-ração do teor decisório. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. Inadmissibilidade. Reexame de fatos e provas. Súmula 279 do STF. Embargos rejeitados. Não se admitem em-bargos de declaração de decisão em que não há omissão, contra-dição nem obscuridade.

2. Tributo. ICMS. Produtos semi-elaborados destinados à exportação. Alíquota. Período compreendido entre a entrada em vigor do sistema tributário nacional (art. 34, § 5º, do ADCT) e o advento da Resolução 22/89 do Senado Federal. Observância da Resolução 129/79. Embargos rejeitados. Precedentes. É assente o entendimento da Corte, no sentido da aplicabilidade da Res. SF 129/79 quanto ao período que antecedeu a entrada em vigor da Res. SF 22/89.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos, negar provimento aos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, a Ministra Cármen Lúcia.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra julgado assim ementado:

Direito Constitucional, Tributário e Processual Civil.ICMS. Operação de exportação de produto semi-elaborado. Resolução 22,

de 1º-12-89 do Senado Federal. alíquota.1. Como constou da inicial, o contrato de exportação de aço laminado foi

celebrado, no caso, a 19-12-89.Nessa ocasião já estava em vigor a Resolução 22, de 1º-6-89, do Senado Fe-

deral, que fixara a alíquota na operação de exportação do produto semi-elaborado.Essa nova alíquota, portanto, haveria de ser observada na operação em cau-

sa, tornando-se irrelevante, em tal circunstância, a questão relativa à inexistência

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de alíquota válida, entre o período de entrada em vigor do novo sistema tributário (1º-3-89) e o advento da Resolução 22, de 1º-6-89.

Enfim tal tema só haveria de ser considerado, se a exportação tivesse ocor-rido no período referido (1º-3-89 a 1º-6-89).

2. Adotados, ainda, os fundamentos da decisão agravada, que se reporta aos do precedente do plenário, no RE 205.634/RS, nega-se provimento ao agravo.(Fl. 300.)

Alega a embargante que o contrato de exportação de aço laminado não teria sido celebrado em 19-12-89 (sob a égide da Res. SF 22/89), como afirmado pelo acórdão recorrido, e, sim, nos meses de março e abril de 1989, período este compreendido entre a entrada em vigor do sistema tributário nacional (art. 34, § 5º, do ADCT) e a publicação da Resolução 22 do Senado Federal, de 1º-6-89, de modo que não haveria alíquota de ICMS por observar.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Não há como acolher os embargos.Estimar o momento da celebração do contrato de exportação demandaria

reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na estreita via do recurso extraordinário (Súmula 279).

2. Ainda que assim não fosse, melhor sorte não teria a embargante. É que esta Corte já assentou que, no período compreendido entre a entrada em vigor do sistema tributário instituído pela CF/88 (1º-3-89) e o advento da Resolução 22 do Se-nado Federal, de 1º-6-89, que definiu a alíquota de ICMS incidente sobre a exporta-ção de produtos semi-elaborados, era válida a observância, pelos estados-membros, das alíquotas previstas na Resolução 129/79. É o que se vê às seguintes ementas:

Agravo regimental no recurso extraordinário. Sistema Tributário Nacio-nal. Vigência. Art. 34, § 5º, do ADCT. ICMS. Operação de exportação. Alíquota. Resolução 129/79 do Senado Federal. Ofensa ao art. 155, § 2º, IV, da CB/88. Alegação insubisitente. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, à luz do art. 34, § 5º, do ADCT, no sentido de que, não havendo alíquota fixada pelo Senado Federal – período que antecedeu a edição da Resolução 22/89 –, a ado-ção, pelos Estados-membros, nas operações de exportação, da alíquota máxima anteriormente fixada pelo Senado no exercício da competência prevista no art. 23, § 5º, da Constituição de 1969 [Resolução 129/79] não ofende o art. 155, § 2º, IV, da CB/88. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 501.189-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJE de 5-6-08);

Agravo de instrumento – ICMS – Operações de exportação ocorridas entre 1º de março de 1989 e 1º de junho de 1989 – Alíquota fixada por lei estadual com estrita observância do limite máximo permitido pela Resolução 129/79 do Senado Federal – Legitimidade constitucional do diploma legislativo estadual – Recurso de agravo improvido.(AI 314.587-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 2-2-07);

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Agravo regimental no agravo de instrumento. ICMS. Incidente sobre expor-tação. Matéria fática. Súmula 279-STF. 1. Não havendo alíquota fixada pelo Se-nado Federal. Os Estados adotavam a alíquota máxima anteriormente fixada por aquela Casa Legislativa nas operações de exportação. Resolução 129/69. 2. ICMS incidente sobre exportação de produto semi-elaborado. O Supremo Tribunal Fe-deral firmou entendimento no sentido da validade da definição provisória do con-ceito de produto semi-elaborado, mediante convênio firmado pelos Estados (artigo 34, § 8º, do ADCT). 3. Controvérsia decidida com fundamento em matéria fático-probatória. Incidência da Súmula n. 279-STF. Agravo regimental não provido.(AI 534.304-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 2-12-05);

I – ICMS: alíquota do imposto incidente nas operações de exportação: Lei 6.374/89 do Estado de São Paulo. Na falta de alíquota fixada pelo Senado Federal (CF, art. 155, § 2º, IV), era lícito aos Estados adotar, nas operações de exporta-ção, a alíquota máxima anteriormente fixada pelo Senado Federal, no exercício da competência prevista no art. 23, § 5º, da Carta de 1969 (Resolução 129/79). II – ICMS: exportação de produto semi-elaborado. Firmou-se o entendimento do STF, no sentido da validade da definição provisória do conceito de produto semi-elaborado, mediante convênio firmado pelos Estados, nos termos do art. 34, § 8º, ADCT (RE 205.634, Pleno, 7-8-97).(RE 200.799, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6-8-99.)

3. Do exposto, rejeito os embargos de declaração.

EXTRATO DA ATA

RE 179.075-AgR-ED/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante: Rio Negro Comércio e Indústria de Aço S.A. (Advogado: Mario Luiz Oliveira da Costa). Embargado: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Marco Antonio Moraes Sophia).

Decisão: A Turma negou provimento aos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Rela-tor. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Com-pareceram os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente, para julgarem processos a eles vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 244.262 — PR

Relator: O Sr. Ministo Cezar PelusoAgravante: Norconsil Construções Civis Ltda. — Agravada: União

Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Contribuição Social. Cofins. Venda de imóveis. Incidência. Ofensa indireta à Constituição. Agravo regimental não provido. É pacífica a ju-risprudência desta Corte no sentido de não tolerar em recurso extraordinário alegação de ofensa que, irradiando-se de má in-terpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infra-constitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Brasília, 22 de abril de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão do teor seguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na instância de origem, indeferiu processamento de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e assim ementado:

“Tributário. Cofins. LC 70/91. Incidência. Empresas.1. A contribuição social para o financiamento da seguridade social –

Cofins – instituída pela LC 70/91 é devida pelas empresas construtoras ou incorporadoras de imóveis.

2. Precedentes deste e de outros TRF’s.3. Apelação improvida.”

2. Inviável o recurso.Observa-se claramente que o acórdão impugnado se limitou a aplicar a le-

gislação infraconstitucional pertinente ao caso.Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de se não admitir em

recurso extraordinário alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República.

3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF; art. 38 da Lei 8.038, de 28-5-90; e art. 557 do CPC).(Fl. 211.)

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Alega a Agravante haver violação direta ao texto constitucional.É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o recurso.A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento

invariável da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos argumentos do recurso, os quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris.

É que esta Corte assentou jurisprudência no sentido de que a questão da in-cidência, ou não, da Cofins sobre venda de imóveis, se resolve apenas na interpre-tação da legislação infraconstitucional (AI 515.709, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 31-3-05; AI 521.267, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25-11-04; RE 279.705, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-4-04; AI 522.623, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 15-3-05; AI 451.522, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 28-11-05; AI 555.473, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 15-9-05; RE 429.326, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 9-8-05; RE 432.936, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 9-8-05; AI 506.515, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12-4-05).

2. Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AI 244.262-AgR/PR — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Norconsil Construções Civis Ltda. (Advogados: José Machado de Oliveira e ou-tros e Flávio Zanetti de Oliveira). Agravada: União (Advogado: PFN – Dolizete Fátima Michelin).

Decisão: Negado provimento. Votação unânime. Ausentes, justifica-damente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento o Ministro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 22 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 256.446 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoEmbargantes: Deodato Batista Fabrício e outro — Embargada: União

1. Recurso. Embargos de declaração. Efeito modificativo. Contradição. Existência. Alteração do capítulo decisório. Ad-missibilidade. Embargos declaratórios prestam-se a modificar capítulo decisório, quando a modificação figure conseqüência inarredável do reconhecimento e sanação do vício que o mareie.

2. Competência. Originária. Ação rescisória ajuizada pe-rante o STJ. Pedido de rescisão de acórdão seu. Decisão que teria sido revista, no mérito, pelo STF. Impossibilidade de alteração do pedido. Extinção do processo, sem julgamento de mérito. Julgamento emitido no exercício da competência constitucional. Ofensa ao art. 102, I, j, e ao art. 105, I, e, da CF. Não-ocorrência. Negativa de seguimento a recurso extraordinário. Embargos declaratórios acolhidos para esse fim. Se, embora operando erro de direito, o Superior Tribunal de Justiça extinguiu processo de ação rescisória, sem julgamento de mérito, no exercício de sua competência constitucional, não se admite, contra tal decisão, recurso extraordinário.

3. Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em agravo regimental. Má-fé descaracterizada. Relevação da pena. Embargos acolhidos para esse fim. Merece relevada aplicação da multa, quando se não caracterize má-fé processual.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade de votos, dar provimento aos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, a Ministra Cármen Lúcia.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra acórdão assim ementado:

Ementas: 1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental

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improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.

2. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a inter-posição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado.(Fl. 209.)

Alegam os Embargantes que, apesar de a fundamentação da decisão im-pugnada ter-lhes sido favorável, o acórdão teria incorrido em contradição ao julgar procedente o recurso extraordinário interposto pela União.

Instada a manifestar-se, a embargada pugnou pela aplicação de nova multa aos Embargantes e manutenção da decisão impugnada, por ausência de contradição.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com razão os Embargantes.Nos termos da Súmula 249, “é competente o STF para a ação rescisória

quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento a agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida”. Aplicando tal orientação, o Superior Tribunal de Justiça acolheu embargos de-claratórios com efeitos modificativos, para, reformando acórdão que dera pela procedência de ação rescisória promovida da União, extinguir o feito, sem jul-gamento de mérito.

A União pretendeu, em síntese, com a interposição de recurso extraordi-nário, a reforma do acórdão recorrido, para que se restabelecesse o acórdão an-terior, embargado, que lhe julgara procedente a ação rescisória (fl. 80).

Posto sob análise o recurso extraordinário, assentei, em decisão confir-mada pela Turma, que, em se tratando de ação rescisória contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, somente a este caberia julgá-la, “até para dizer, em preliminar, se tinha, ou não, competência para conhecer da ação rescisória, sobretudo quando havia decisão monocrática ulterior de Ministro do STF sobre a questão de mérito, em sede de agravo (...)” (fl. 191).

Mas, conquanto os fundamentos da decisão devessem conduzir a juízo de inviabilidade do recurso extraordinário, foi este, no capítulo decisório, pro-vido, “para restabelecer o acórdão proferido, na ação rescisória, pelo Superior Tribunal de Justiça” (fl. 192).

É manifesta a contradição.Na verdade, nada resta por restabelecer no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça, pois este, ao acolher embargos de declaração para extinguir o processo,

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sem julgamento de mérito, atuou nos limites da sua competência constitucional, como já assentei monocraticamente. É o que se vê da decisão de fls. 189-192:

Por resumir, a petição inicial, cujo pedido e causa de pedir já não podem al-terados de ofício nem por provocação, tem por objeto expresso o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no mandado de segurança. Logo, o Supremo Tribunal Federal – manietado pelos limites do objeto do pedido de desconstitui-ção – não tem competência para julgar ação rescisória de acórdão que não é seu. Logo, competente para apreciar o pedido – e, como tal, até para dizer, em preli-minar, se tinha, ou não, competência para conhecer da ação rescisória, sobretudo quando havia decisão monocrática ulterior de Ministro do STF sobre a questão de mérito, em sede de agravo – era o Superior Tribunal de Justiça, que deu pela pro-cedência da rescisória. Se nisso acertou, ou não, é coisa que já não poderia nem pode remediada por via da decisão proferida nos embargos declaratórios, cujo acórdão, contra texto constitucional, atribui a esta Corte competência que, diante dos termos imodificáveis da causa, ela não tem, para desconstituir, em rescisória, acórdão do próprio Superior Tribunal de Justiça, como pediu a autora.

Eventual erro de direito no julgamento da rescisória só pode, em tese, cor-rigir-se doutro modo.

Ressalto que se não discute, aqui, o acerto ou o desacerto da decisão do Superior Tribunal de Justiça, que extinguiu o feito da rescisória, sem julgamento do mérito, até porque se não conceberia declinasse aquela Corte da competên-cia, quando se cuidava de ação rescisória que tinha por objeto formal a descons-tituição de acórdão do próprio Superior Tribunal de Justiça.

2. Pelo exposto, acolho os embargos de declaração, para, atribuindo-lhe efeito modificativo, negar seguimento ao recurso extraordinário e revogar a multa imposta no agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AI 256.446-AgR-ED/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargantes: Deodato Batista Fabrício e outro (Advogados: Éldi Rosin e outro). Embargada: União (Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: A Turma deu provimento aos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Minis-tros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Compareceram os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, ocupando as cadeiras da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ricardo Lewandowski, respectivamente, para julgarem processos a eles vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 23 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO

REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 386.847 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoEmbargante: Hélio da Costa Carvalho — Embargado: Instituto Nacional

do Seguro Social – INSS

Recurso. Embargos de declaração. Decisão que não conhece de embargos anteriores. Suspensão ou interrupção do prazo para interposição de outro recurso. Não-ocorrência. Trânsito em julgado da decisão embargada. Embargos não conhecidos. Não se conhece dos embargos de declaração, quando já transitada em julgado a decisão embargada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, não conhecer dos embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello.

Brasília, 14 de maio de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração interpos-tos contra julgado, assim ementado:

Ementa: Recurso. Embargos de declaração. Multa aplicada em agravo regi-mental. Depósito não efetuado. Não-satisfação da condição para interposição de recurso. Embargos não conhecidos. Aplicação do art. 557, § 2º, do CPC. Não se co-nhece do recurso, quando não satisfeita uma das condições para sua interposição.(Fl. 358.)

O Embargante insiste no acolhimento dos embargos, por entender que “não pode a lei condicionar o manejo dos embargos declaratórios a prévio de-pósito de multa, sob pena de ofensa aos dispositivos supra transcritos” (fl. 368).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Incognoscíveis os embargos.Conforme assente jurisprudência desta Corte, embargos de declaração não

conhecidos, porque inadmissíveis à falta de condição legal, não suspendem nem

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interrompem o prazo para a interposição de outro recurso (AI 530.539-AgR, Rel Min. Ellen Gracie, DJ de 4-3-05; AI 418.285-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 15-4-05; RE 239.421-ED-ED-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-5-03).

De modo que, como os embargos declaratórios, anteriormente opostos do acórdão proferido em agravo regimental, não foram conhecidos, já ocorreu o trânsito em julgado da decisão publicada em 26-8-05 (fl. 340).

2. Isto posto, não conheço dos embargos declaratórios e declaro o trânsito em julgado da decisão exarada no agravo regimental e publicada em 26-8-05, de-terminando a imediata baixa dos autos, independentemente da publicação deste acórdão (cf. Inq 2.333-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 26-4-07).

EXTRATO DA ATA

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante: Hélio da Costa Carvalho (Advogados.: Hélio José Figueiredo e outro). Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Advogado: Antônio Gercino Carneiro de Almeida).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos de decla-ração, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julga-mento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 14-5-08.

Decisão: Retificada a proclamação da assentada anterior, para constar que o Tribunal, por unanimidade, não conheceu dos embargos, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes à ses-são os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 5 de junho de 2008 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 398.165 — RO

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoRecorrentes: Izolina Cruz de Sá e outros — Recorrida: União

Recurso. Extraordinário. Repercussão geral do tema. Re-conhecimento pelo Plenário. Recurso interposto contra acórdão publicado antes de 3-5-07. Irrelevância. Devolução dos autos ao Tribunal de origem. Aplicação do art. 543-B do CPC. Preceden-tes (AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, e RE 540.410-QO/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 20-8-08). Aplica-se o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil aos recursos cujos temas constitucionais apresentem repercussão geral reco-nhecida pelo Plenário, ainda que interpostos contra acórdãos publicados antes de 3-5-07.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão publicado antes de 3-5-07 que versa sobre tema cuja repercussão geral já foi reconhecida pela Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O recurso extraordinário versa sobre tema cuja repercussão geral já foi reconhecida (RE 565.089, Rel. Min. Marco Aurélio).

Ocorre que esta Corte, ao acolher, por maioria, questão de ordem por mim suscitada no RE 540.410, em consonância com a decisão da questão de ordem proposta pelo Ministro Gilmar Mendes (AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJE de 14-8-08), entendeu ser aplicável o regime previsto no art. 543-B do CPC, na hipótese de já ter sido reconhecida, sobre a matéria, a existência de repercussão geral aos recursos extraordinários interpostos de acórdãos

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publicados anteriormente a 3-5-07, e cujos autos já tenham sido distribuídos nesta Corte. É o que se vê do seguinte excerto (cf. Informativo 516):

Na linha do que decidido no AI 715.423-QO/RS (j. 11-6-08), e, tendo em conta que o recurso extraordinário trata de tema — requisitos para a concessão de benefício de prestação continuada a necessitado, em face do disposto no art. 203, V, da CF — cuja repercussão geral já foi reconhecida (RE 567.985/MT, DJE de 11-4-08), o Tribunal, por maioria, acolheu questão de ordem suscitada pelo Min. Cezar Peluso, em recurso extraordinário, do qual Relator, para, com fundamento no art. 328, parágrafo único, do RISTF (“Quando se verificar subida ou distribui-ção de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil”) determinar a devolução dos autos, e de todos os recursos extraordinários que ver-sem a mesma matéria, ao Tribunal de origem, para os fins do art. 543-B do CPC (...).(RE 540.410-QO/RS, da minha relatoria, j. em 20-8-08.)

2. Diante do exposto, e com fundamento no art. 328, parágrafo único, do RISTF, determino a devolução dos autos ao Tribunal de origem, para os fins do art. 543-B do CPC.

EXTRATO DA ATA

RE 398.165/RO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrentes: Izolina Cruz de Sá e outros (Advogado: José Jovino de Carvalho). Recorrida: União (Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: A Turma, por votação unânime, determinou a devolução dos au-tos ao Tribunal de origem, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificada-mente, neste julgamento, os Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 482.606 — SP

Relator: O Sr. Ministro Ricardo LewandowskiAgravante: Brasanitas Empresa Brasileira de Saneamento e Comércio

Ltda. — Agravada: União

Agravo regimental em embargos de declaração em recurso extraordinário. Constitucional. Tributário. PIS. Art. 239 da Cons-tituição. Lei 9.715/98. Constitucionalidade. Agravo improvido.

I – O art. 239 da Constituição da República não implicou o engessamento da contribuição ao PIS, apenas recepcionou-a ex-pressamente, podendo ser regularmente alterada pela legislação infraconstitucional ordinária. Precedentes.

II – Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, negar provimento ao agravo regimental nos embargos de declaração no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravo regimental in-terposto contra decisão que, ao rejeitar embargos declaratórios, manteve decisão que deu parcial provimento ao recurso extraordinário apenas para afastar a apli-cação do art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98.

A Agravante insiste no fundamento de inconstitucionalidade da Lei 9.715/98, ante a constitucionalização da contribuição ao PIS pelo art. 239 da Constituição Federal.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): A decisão agravada não merece reforma.

Especificamente sobre o tema, destaco a seguir trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no julgamento do RE 390.840/MG, de que foi Relator:

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No mais, a norma do art. 239 em análise não implicou o engessamento do Programa de Integração Social. O teor do preceito revela, isso sim, a destinação do que arrecadado sem fazer alusão explícita à base de incidência, que continuou a ser a prevista na Lei Complementar 7, de 7 de setembro de 1970. Daí a inviabili-dade de se dizer que houve, no caso, o empréstimo de envergadura constitucional aos parâmetros da citada contribuição.

Também não procede o que asseverado no tocante à necessidade de lei complementar. É certo que, originariamente, a Lei Complementar 7/70 dispôs sobre a incidência da contribuição sobre o valor do imposto de renda ou como se devido fosse. Todavia, a alteração que veio à baila, via Medida Provisória 1.676-38/98, convertida na Lei 9.715/98, passando a ter-se como base o faturamento, fez-se ao abrigo do art. 195, inciso I, da Constituição Federal, no que consignava, à época, que a seguridade social seria financiada pelo empregador, considerado o faturamento. Então, forçoso é concluir que não se tem situação concreta a atrair a observância necessária do § 4º do art. 195 da Carta Política, segundo o qual a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, inciso I. Note-se, mais, o que assentado no voto condutor do julgamento da ADC 1-1/DF, do Ministro Moreira Alves. Descabe partir para a exigência de lei complementar, fixando os parâme-tros da contribuição, quando estes últimos se mostrem enquadráveis na previsão do art. 195, inciso I, da Constituição Federal, na redação primitiva. O recurso, no que tange à Lei 9.715/98, não está a merecer provimento, ficando afastada, assim, a possibilidade de se concluir pela ofensa à Carta da República.

Esse entendimento é mantido por recentes decisões desta Corte. Confira-se, a título exemplificativo, o julgamento do RE 430.523-AgR/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, assim ementado:

Agravo regimental. PIS. Art. 239 da CF/88. Alteração de base de cálculo. Possibilidade.

Como indicado na decisão agravada, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 390.840, entendeu que o art. 239 da Constituição não implicou o engessamento da contribuição ao PIS.

Agravo regimental de que se conhece, mas a que se nega provimento.

No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE 456.197-AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau; RE 469.079-ED/SP e AI 617.899-AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes.

Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 482.606-ED-AgR/SP — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravante: Brasanitas Empresa Brasileira de Saneamento e Comércio Ltda. (Advogados: Ricardo Oliveira Godoi e outros e Estefânia Ferreira de Souza Viveiros). Agravada: União (Advogada: PFN – Maria Fernanda de Faro Santos).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental nos embar-gos de declaração no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.

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Unânime. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão o Ministro Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 2 de setembro de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 541.338 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoEmbargante: União — Embargado: Ministério Público Federal — Interes-

sada: K. Ueno Agricultura e Pecuária Ltda.

Recurso. Extraordinário. Legimidade recursal. Caracte-rização. Ministério Público. Impugnação de decisão proferida em mandado de segurança. Recurso provido. Incidência dos arts. 499, § 2º, do Código de Processo Civil, e 10 da Lei 1.533/51. Precedentes. Embargos recebidos como agravo, a que se negou provimento. O Ministério Público tem legitimidade para recor-rer em processo de mandado de segurança, onde oficie na condi-ção de fiscal da lei.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, pre-liminarmente, por unanimidade de votos, conhecer dos embargos de declaração como recurso de agravo e, a ele, também por unanimidade, negar provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração contra julgado cuja ementa dispõe:

Recurso. Administrativo. Depósito prévio. Requisito de admissibili-dade. Inconstitucionalidade das normas que o exigem. Violação ao art. 5º, LV, da CF. Recurso extraordinário provido. Precedentes do Plenário. É inconsti-tucional toda exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens, para admissibilidade de recurso administrativo.(Fl. 187. Grifos no original.)

A Embargante sustenta omissão no julgado, pelo fato de não haver decisão sobre a ilegitimidade recursal do Ministério Público, argüida em contra-razões ao recurso extraordinário. Requer o acolhimento dos embargos, para que seja negado provimento ao recurso, porquanto “(...) a hipótese sob exame trata de direitos individuais homogêneos, de natureza tributária, consubstanciados na exigibilidade de depósito recursal em processo administrativo” (fl. 195).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Dado seu manifesto caráter in-fringente, recebo os embargos declaratórios como agravo regimental.

Mas tenho-o por inconsistente.É que se trata de processo de mandado de segurança, em que o Ministério

Público tem o dever de oficiar, nos termos do art. 10 da Lei 1.533/51. Assim, o re-curso extraordinário interposto apóia-se no art. 499, § 2º, do Código de Processo Civil, que legitima o representante do Ministério Público a recorrer assim no processo em que seja parte, como naqueles em que oficie como fiscal da lei.

Ademais, é nesse sentido mais que velha e aturada a jurisprudência desta Corte, como se vê às seguintes ementas exemplares:

Direito Constitucional, Administrativo e Processual Civil. Pena de inabi-litação permanente para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras. Inadmissibilidade: art. 5, XLVI, e, XLVII, b, e § 2º, da CF. Representação da União, pelo Ministério Público: legitimidade para interposição do recurso extraordinário. Recurso extraordinário. 1. À época da interposição do recurso extraordinário, o Ministério Público Federal ainda representava a União em Juízo e nos Tribunais. Ademais, em se tratando de mandado de segurança, o Ministério Público oficia no processo (art. 10 da Lei 1.533, de 31-12-51), e poderia recorrer, até, como custos legis. Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada nas contra-razões, no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a interposição. (...)(RE 154.134, Rel. Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, DJ de 29-10-99.)

Recurso – Ministério Público. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer nos processos em que figure quer como parte, quer como fiscal da lei – artigo 499 do Código de Processo Civil. (...)(RE 195.774, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 5-5-00.)

2. Do exposto, recebo os embargos como agravo, mas lhe nego provimento.

EXTRATO DA ATA

RE 541.338-ED/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante: União (Advogada: PFN – Marisa Albuquerque Mendes). Embargado: Ministério Público Federal (Advogada: Aurea Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre). Interessada: K. Ueno Agricultura e Pecuária Ltda. (Advogado: Wilson dos Reis).

Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos de declaração como recurso de agravo, a que, também por unanimi-dade, negou provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.

Brasília, 12 de agosto de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 544.655 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros GrauAgravante: Município de Belo Horizonte — Agravado: Horacio Raúl

Pérez Garcia

Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitu-cional. Administrativo. Estrangeiro. Acesso ao serviço público. Art. 37, I, da CB/88.

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sen-tido de que o art. 37, I, da Constituição do Brasil (redação após a EC 19/98) consubstancia, relativamente ao acesso aos cargos públicos por estrangeiros, preceito constitucional dotado de efi-cácia limitada, dependendo de regulamentação para produzir efeitos, sendo assim, não auto-aplicável. Precedentes.

Agravo regimental a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 9 de setembro de 2008 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A decisão agravada tem o seguinte teor:

Decisão: Discute-se no presente recurso extraordinário a possibilidade de estrangeiro ser admitido por concurso público no quadro da administração direta municipal.

2. O Recorrido impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, pleiteando o direito de inscrever-se no concurso. Obteve a liminar e, no mérito, a concessão da segurança.

3. O acórdão impugnado confirmou a segurança ao fundamento de que a omissão legislativa não pode prejudicar os que residem regularmente no País. Afirmou que “[a] inércia da Administração pública em regulamentar a forma de acesso permitido aos estrangeiros não pode construir óbice ao ingresso a concurso para cargo que não encontra nenhum impedimento lógico ou legal aos mesmos”.

4. Extrai-se dos autos que o estrangeiro já exerce cargo público há mais de quinze anos, reúne todas as condições para se naturalizar e tem família no Brasil, esposa e filhos brasileiros. O Recorrido teve deferida sua inscrição no concurso, foi aprovado e já se encontra empossado, no pleno exercício no cargo (fl. 139).

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5. O Recorrente alega que o acórdão impugnado violou o disposto no art. 37, inciso I, da Constituição do Brasil.

6. Este Tribunal fixou entendimento no sentido de que o aludido preceito constitucional – acesso de estrangeiros aos cargos públicos – é dotado de eficácia limitada, dependendo de regulamentação para produzir efeitos (RE 227.129, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 11-11-99.

7. Não há, no caso, lei municipal que discipline a forma de acesso preten-dida. Por outro lado, este Tribunal decidiu que “a inércia estatal na efetivação da prestação legislativa não deve comprometer ou nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários” (MI 20, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22-11-96).

8. O acórdão recorrido está em conformidade com os precedentes desta Corte. A deficiência de regulamentação tão-somente quanto à forma de acesso dos estrangeiros a cargos públicos não tem a virtude de subtrair direito constitu-cionalmente previsto.

Nego seguimento ao recurso com fundamento no disposto no art. 21, § 1º, do RISTF.

2. O Município de Belo Horizonte alega que a decisão agravada está em confronto com o entendimento deste Supremo Tribunal Federal no sentido que o disposto no inciso I, do art. 37 da CB/88, por não ser auto-aplicável, só permite o ingresso de estrangeiros em cargos públicos após a edição de lei ulterior que discipline a matéria.

3. Colaciona precedentes do STF no mesmo sentido e requer o provimento do agravo regimental.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O recurso merece provimento.2. O Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes ao dos autos, fixou

entendimento no sentido de que o art. 37, I, da Constituição do Brasil (redação após a EC 19/98), relativamente ao acesso aos cargos públicos por estrangeiros, consubstancia preceito constitucional dotado de eficácia limitada, dependendo de regulamentação para produzir efeitos, sendo assim, não auto-aplicável. Nesse sentido, o RE 227.129, Rel. Min. Nelson Jobin, DJ de 11-11-99, o RE 293.297, de minha relatoria, DJ de 29-5-06, e o RE 439.754, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12-12-05, do qual transcrevo parte elucidativa:

Ementa: Constitucional. Administrativo. Serviço público. Estrangeiro. CF, art. 37, I. A norma do inciso I do art. 37, CF, relativamente ao estrangeiro, é de eficácia limitada, porque dependente de normatização ulterior, assim não auto-aplicável. Recurso provido.

(...)Decido.Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, fls. 146-149, la-

vrado pelo ilustre Subprocurador-Geral, Prof. Geraldo Brindeiro:

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“(...)6. O recurso merece ser conhecido pela afronta ao art. 37, I, da

Constituição Federal, eis que devidamente prequestionado no acórdão re-corrido e, no mérito, deve ser provido.

7. Transcrevo o art. 37, I, da Constituição da República, na redação da Emenda Constitucional nº 19/1998, in verbis:

‘Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qual-quer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei ;’ (o grifo nosso).8. Da leitura do dispositivo constitucional em questão, válido con-

cluir que a acessibilidade do cargo público aos estrangeiros é de eficácia limitada, dependendo de lei que a discipline para poder operar efeitos.

9. Nesse sentido trago à colação o ensinamento de Alexandre de Moraes:‘O acesso de estrangeiros aos cargos, empregos e funções

públicas não ocorrerá imediatamente a partir da EC nº 19/98, por tratar-se de norma constitucional de eficácia limitada à edição de lei, que estabelecerá a necessária forma.’ (Constituição do Brasil Interpretada, Editora Atlas, 2004, pág. 834).10. Outro não é o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

‘Agora, com a Emenda Constitucional nº 19/98, que dá nova redação ao inciso I do artigo 37, o direito de acesso estende-se tam-bém aos estrangeiros ‘na forma da lei’; entende-se que se trata de lei de cada entidade da federação, já que a matéria de servidor público não é reservada à competência privativa da União. O dispositivo não é auto-aplicável, dependendo de lei que estabeleça as condições de ingresso do estrangeiro.’ (Direito Administrativo, Editora Atlas, 14ª edição, 2002, pág. 442).11. O acórdão recorrido, entretanto, conferiu incorreta exegese ao

dispositivo em questão, ao permitir o empossamento do recorrido, de nacio-nalidade venezuelana, em cargo público estadual, sem que haja lei estadual disciplinando as condições de ingresso de estrangeiros aos cargos públicos.(...).”(Fls. 147-149.)Correto o parecer.A norma inscrita no inciso I do art. 37 da CF, relativamente aos estran-

geiros, exige, para a sua eficácia plena, normatização ulterior. É dizer, trata-se de dispositivo constitucional que não é auto-aplicável.Dou provimento ao presente agravo regimental, para dar provimento ao

recurso extraordinário interposto pelo Município de Belo Horizonte.

EXTRATO DA ATA

RE 544.655/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Município de Belo Horizonte (Advogada: Carolina Cardoso Guimarães Lisboa). Agravado: Horacio Raúl Pérez Garcia (Advogados: Maria Madalena Alves Carvalho e outros).

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Decisão: A Turma, a unanimidade, deu provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu, este julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 9 de setembro de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coor- denador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 554.303 — RS

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoAgravante: Pablo Lemos Santana — Agravado: Ministério Público do

Estado do Rio Grande do Sul

Agravo regimental. Execução penal. Remição de dias tra-balhados. Falta grave. Limites. Precedentes.

1. A perda dos dias remidos pelo trabalho de que trata o art. 127 da Lei de Execuções Penais não afronta os princípios da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena ou do direito adquirido.

2. Não é possível afirmar que a subtração em referência deva ser limitada à mesma quantidade de dias estabelecida para a du-ração máxima da sanção disciplinar de isolamento, suspensão e restrição de direitos prevista no art. 58 do mesmo diploma legal.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, por maioria de votos, negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário.

Brasília, 20 de maio de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Pablo Lemos Santana interpõe agravo regimental contra decisão monocrática de fls. 125 a 127, assim exarada:

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim ementado:

“Agravo em execução. Cometimento de falta grave. Remição. Art. 127 da Lei de Execução Penal. Inaplicabilidade por incompatibilidade material com a Constituição Federal de 1988.

A perda da remição afronta a Constituição Federal no que tange ao direito social ao trabalho, o princípio da proporcionalidade e da isonomia, bem como afeta direito adquirido do apenado.

Não incidência da regra do art. 127 da LEP, vez que não recepcionado pela CF/88.

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Precedentes deste Colegiado.Agravo não provido.”

(Fls. 79/80.)O Recorrente alega que o cometimento de falta disciplinar de natureza

grave pelo interno deve implicar a perda dos dias remidos, sem que com isso se cogite de ofensa a direito adquirido, à dignidade do trabalhador ou de sua cidada-nia, ou, ainda, aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

O recurso especial interposto (fls. 56 a 69) não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (fl. 115).

Decido.A irresignação colhe êxito.Esta Corte já se manifestou, por diversas vezes sobre a constitucionalidade

do art. 127 da Lei de Execuções Penais, afirmando, assim, a possibilidade de o re-cluso perder o direito à remição dos dias trabalhados em função do cometimento de falta grave. Nesse sentido, anote-se:

“Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito ao tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade. É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sen-tença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.”(RE 452.994/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 29-9-06.)

“Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de dias remidos. Arts. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos princípios da proporcionalidade, igualdade e individualização da pena. Inocorrência. Limitação temporal da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicá-vel a situação diversa. Ordem denegada. I – É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é legítima a sanção correspon-dente à perda total dos dias remidos pela prática de falta grave, nos termos do art. 127 da LEP, por ser medida consentânea com os objetivos da execu-ção penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do mesmo diploma legal por tra-tar de matéria distinta, não guardando pertinência com o objeto do presente writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.”(HC 90.107/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 27-4-07.)

“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Matéria criminal. 3. Cometimento de falta grave pelo preso. Perda dos dias remidos. Possibili-dade. 4. Violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa jul-gada. Inocorrência. Precedentes. 5. Violação aos princípios constitucionais da isonomia, da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. Inocorrência. Precedente. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.”(AI 563.636-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 25-5-07.)Ante o exposto conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento

para determinar que os dias trabalhados pelo preso recorrido não sejam computa-dos para efeito de remição da pena a ele imposta.

Intime-se.

O Agravante sustenta, em síntese, que o cometimento de falta grave não pode implicar a perda de todos os dias remidos pelo trabalho. Alega que,

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segundo critérios de razoabilidade, o art. 127 da Lei de Execuções Penais, que determina a referida subtração, deve ser interpretado em harmonia com o art. 58 do mesmo diploma, que estabelece limite máximo de 30 dias para a duração das sanções disciplinares. Nesses termos, o cometimento de falta grave poderia de-terminar a perda de, no máximo, 30 dias remidos.

O Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi, opinou pelo desprovimento do agravo regimental.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Pablo Lemos Santana foi condenado a 13 anos e 11 meses de reclusão, pela prática de crimes capitulados nos arts. 157 e 155, § 4º, do Código Penal (fls. 26 a 33).

No curso da execução, o réu conduziu-se de forma desrespeitosa com os agentes penitenciários, pelo que restou caracterizado, após a instauração do competente inquérito administrativo disciplinar, o cometimento de falta grave (fls. 12 a 19). A Juíza da Vara de Execuções homologou a sanção disciplinar apli-cada, deixando, no entanto, de decretar a perda dos dias remidos por entender que estes configurariam direito adquirido do apenado (fls. 23/24).

O Ministério Público apresentou, então, agravo em execução (fls. 2 a 8) que não foi provido pelo Tribunal de Justiça estadual (fls. 48 a 51).

Sobreveio recurso extraordinário a que se deu provimento pela decisão monocrática ora impugnada, decretando-se a perda dos dias remidos pelo tra-balho anteriores ao cometimento da falta grave, nos termos do que dispõe o art. 127 da Lei de Execuções Penais.

O presente agravo regimental não colhe êxito.A decisão impugnada está em sintonia com a jurisprudência desta Corte,

que reiteradamente tem declarado a constitucionalidade do art. 127 da Lei de Execuções Penais.

Anote-se:

Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito ao tempo remido: Lei 7.210/84, art. 127 – constitucionalidade. É manifesto que, ha-vendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.(RE 452.994/RS, Tribunal Pleno, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29-9-06.)

Agravo regimental em agravo de instrumento. Matéria penal. Falta grave. Perda dos dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP. Inexistência de afronta ao direito adquirido, à coisa julgada e à garantia da individualização da pena. Precedentes. A possibilidade da remição da pena constitui expectativa de direito,

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condicionada que está ao preenchimento de outros requisitos legais. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 452.994, fixou o entendimento de que a falta grave acarreta a perda dos dias remidos, inexistindo ofensa ao direito adquirido e à coisa julgada. Ademais, esta Primeira Turma, no julgamento dos HC 86.173, HC 86.259 e HC 86.043, ao reexaminar a matéria, afirmou não haver violação à garantia constitucional da individualização da pena. Incide, ademais, no caso, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. Agravo regimental desprovido.(AI 592.222-AgR/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 11-5-07.)

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Matéria criminal. 3. Cometimento de falta grave pelo preso. Perda dos dias remidos. Possibilidade. 4. Violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Inocorrência. Precedentes. 5. Violação aos princípios constitucionais da isono-mia, da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. Inocorrência. Precedente. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 563.636-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 25-5-07.)

Agravo regimental. Lei de Execução Penal, art. 127. Falta grave. Perda dos dias remidos. Ofensa aos princípios da individualização da pena e da propor-cionalidade. Inocorrência. É pacífico o entendimento de ambas as Turmas desta Corte no sentido de que o cometimento de falta grave pelo preso durante o cumpri-mento da pena implica a perda dos dias remidos, sem que isso caracterize ofensa ao princípio da individualização da pena e ao direito adquirido. A remição da pena constitui mera expectativa de direito, exigindo-se ainda a observância da disci-plina pelos internos. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 513.810-AgR/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 26-10-07.)

Especificamente no que diz com a possibilidade de limitação dos dias remidos cuja perda será decretada, verifico, de outra parte, que o art. 127 da norma de regência não estabelece nenhum limite, afirmando, ao contrário, que “o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.

Trata-se, com efeito, de omissão que não está sublinhada, nos precedentes citados, como ofensiva aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena ou do direito adquirido.

Esta Primeira Turma já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema no julgamento do HC 90.107/RS, que traz a seguinte ementa:

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falta grave. Perda de dias remi-dos. Arts. 27 da Lei de Execução Penal. Ofensa aos princípios da proporciona-lidade, igualdade e individualização da pena. Inocorrência. Limitação temporal da sanção. Impossibilidade. Preceito da LEP aplicável a situação diversa. Ordem denegada. I – É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é legítima a sanção correspondente à perda total dos dias remidos pela prática de falta grave, nos termos do art. 127 da LEP, por ser medida consentânea

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com os objetivos da execução penal. II – Inaplicável ao caso o art. 58 do mesmo diploma legal por tratar de matéria distinta, não guardando pertinência com o ob-jeto do presente writ. III – Precedentes. IV – Ordem denegada.(Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 27-4-07.)

Na mesma direção se posicionou a Turma, em 26-2-08, no julgamento do HC 92.791/RS, do qual sou Relator para o acórdão.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Peço vênia ao Relator para pro-ver o agravo, reportando-me ao voto proferido no RE 452.994-7/RS:

O art. 127 da Lei de Execução Penal preceitua que o condenado que for punido com falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando um novo período a partir da data da infração disciplinar. Cumpre, então, definir: ocorrida a fuga, iniludivelmente prevista como falta grave – inciso II do art. 50 da Lei de Execução Penal –, perde o condenado os dias remidos e assim declarados me-diante pronunciamento do Juízo da Execução?

O trabalho do preso tem como escopo maior a ressocialização, o retorno ao convívio social. A remição é forma de se alcançar a diminuição do tempo de execução da pena. Vale dizer que, a um só tempo, o preso tem ocupação, logrando o aporte de recurso viabilizador da ajuda a familiares e a repercussão dos dias trabalhados no tempo relativo à pena. Então, assento a primeira premissa: ante o trabalho prestado, tem-se forma mesclada de retribuição – aquela em pecúnia e o desconto de dias na pena imposta.

A dinâmica da vida é conducente a concluir-se que, passo a passo, com o trabalho e na proporção de um dia de pena por três trabalhados, dá-se, em verda-deira ficção jurídica, o cumprimento da pena. Ora, esse aspecto já seria suficiente a ensejar o entendimento sobre a inviabilidade do retorno ao statu quo ante, afastando-se do cenário jurídico algo já ocorrido e em relação ao qual a sociedade é a maior interessada. Da mesma forma que a ordem natural das coisas impede a devolução da força despendida pelo preso, inviabilizado fica o cancelamento da retribuição, ainda que parcial. Mais do que isso, a remição é reconhecida me-diante pronunciamento judicial, ouvido o Ministério Público. Surge, então, dado da maior importância e que há sempre de implicar segurança jurídica: a norma do art. 127 da Lei de Execução Penal, a revelar a perda do direito ao tempo remido, começando novo período a partir da data da infração disciplinar, não se coaduna com a ordem natural das coisas, resultando em retrocesso que contraria as balizas inerentes à dignidade do homem. Repita-se que, no dia-a-dia do cumprimento da pena, vai-se deixando para trás o tempo transcorrido, ao qual se adita, ante ficção legal, período em decorrência da prestação de serviços, do trabalho. Não se pode simplesmente elidir as conseqüências legais próprias.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu estou reestudando essa matéria para ver se aplico a pena de perda dos dias remidos no princípio da proporcionalidade.

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Mas, por enquanto, vou acompanhar o eminente Relator.Estou reexaminando para ver se analiso o próprio conceito de falta grave e,

depois, se existente a falta grave, se não é de se aplicar a ela o chamado princípio da proporcionalidade para que os dias remidos não sejam perdidos totalmente. Estabelecer uma gradação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): É interessante. Examinamos um caso em que – fui inclusive o Relator – um presidiário perdeu novecentos dias remidos porque se recusou a virar de costas para ser revistado. Teria ocorrido uma insubordinação, enquadrada pela Lei de Execuções Penais como falta grave.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu acompanhei V. Exa. na perplexidade.

EXTRATO DA ATA

RE 554.303-AgR/RS — Relator: Ministro Menezes Direito. Agravante: Pablo Lemos Santana (Advogada: Defensoria Pública da União). Agravado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausente, justificada-mente, a Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Brasília, 20 de maio de 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 559.507 — SC

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoAgravante: Banco Santander Meridional S.A. — Agravado: Luiz Mário

Bratti

1. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Advogado que teve carga dos autos. Recurso inominado não conhecido, no âmbito do Juizado Especial, por intempestividade. Necessidade de reexame do conjunto fático-probatório. Inteligência da Súmula 279. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Não cabe recurso extraordinário que tenha por objeto reexame de provas.

2. Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Alegação de ofensa ao art. 5º, XXXVI, LIV e LV, da Constituição da República. Violação constitucional indireta. Não cabe recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inob-servância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República.

3. Recurso. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c art. 14, II e III, e o art. 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo e, por considerá-lo manifestamente infundado, impor, à parte agravante, multa de 5% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de março de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental contra decisão do teor seguinte:

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu proces-samento de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Primeira Turma Recursal do Estado de Santa Catarina e assim ementado:

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“Ação de cobrança de honorários advocatícios. Pedido acolhido no juizado a quo. Ciência da decisão ao Procurador com substabelecimento mediante carga nos autos. Intimação inequívoca. Apelo intempestivo. Recurso não conhecido.”(Fl. 278.)O Agravante, com base no art. 102, III, a, alega violação ao disposto nos

arts. 5º, XXXVII, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal.2. Inviável o recurso.Os temas constitucionais suscitados no apelo extremo não foram objeto de

consideração no acórdão recorrido, faltando-lhes, assim, o requisito do preques-tionamento, que deve ser explícito (Súmulas 282 e 356).

Ainda que superado esse óbice, o acórdão impugnado decidiu a causa com base no conjunto fático-probatório e na legislação infraconstitucional (Lei 9.099/95), de modo que eventual ofensa à Constituição Federal seria, aqui, apenas indireta.

E, para dissentir do julgado quanto à tempestividade do recurso inominado, é rever a Corte as premissas de fato em que, para decidir a causa, se assentou o Tribunal de origem. E, evidente que, para adotar outra conclusão, seria mister reexame prévio do conjunto fático-probatório e norma subalterna, coisa de todo inviável (Súmulas 279 e 280).

Quanto à alegação de ofensa ao art. 5º, LIV e LV, da Carta Magna, é de todo aplicável a jurisprudência desta Corte, no sentido de que “as alegações de desres-peito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação juris-dicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário” (AI 372.358-AgR – Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11-6-02).

E por fim, quanto à alegação de ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República, observo que o acórdão está devidamente fundamentado, e é o que basta, pois, como se decidiu no RE 140.370, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence:

“O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acór-dão, está satisfeita a exigência constitucional”.3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (arts. 21, § 1º, RISTF, 38 da

Lei 8.038, de 28-5-90, e 557 do CPC).(Fl. 437-438.)

O Agravante insiste na alegação de violação direta e frontal à Constituição da República, especificamente aos arts. 5º, XXXV, LIV e LV, e 93, IX. Sustenta, ainda, estarem prequestionadas as matérias constitucionais apontadas no recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Abusivo o recurso.A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento

invariável da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos argumentos do recurso, os quais nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris.

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Ademais, ainda que superado o óbice do prequestionamento, esta Turma já julgou causa idêntica, em que eram partes, inclusive, as mesmas de agora, com ementa no mesmo sentido da decisão ora agravada:

Agravo regimental. Ação de cobrança de honorários advocatícios. Carga dos autos. Ciência inequívoca do conteúdo da decisão. Início do prazo recursal. Matéria infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Súmula 279. Alegação de violação direta e frontal do art. 5º, LV, da Constituição federal. Necessidade de exame prévio de norma infraconstitucional para a verificação de contrariedade ao Texto Maior. Caracterização de ofensa reflexa ou indireta. Para se chegar a conclu-são diversa daquela a que chegou o acórdão recorrido, seria necessário reexaminar os fatos da causa, o que é vedado na esfera do recurso extraordinário, de acordo com a Súmula 279/STF. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 528.750-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 28-4-06.)

É oportuno, aliás, advertir que o disposto no art. 544, § 3º e § 4º, e no art. 557, ambos do Código de Processo Civil, desvela o grau da autoridade que o ordenamento jurídico atribui, em nome da segurança jurídica, às súmulas e, posto que não sumulada, à jurisprudência dominante, sobretudo desta Corte, as quais não podem desrespeitadas nem controvertidas sem graves razões jurídicas capazes de lhes autorizar revisão ou reconsideração. De modo que o inconfor-mismo sistemático, manifestado em recursos carentes de fundamentos novos, não pode deixar de ser visto senão como abuso do poder recursal.

Ao presente agravo, que não traz argumentos consistentes para ditar even-tual releitura da orientação assentada pela Corte, não sobra, pois, senão caráter só abusivo. Há, aqui, além de violação específica à norma proibitiva inserta no art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil, desatenção séria e danosa ao dever de lealdade processual (arts. 14, II e III, e 17, VII), até porque recursos como este roubam à Corte, já notoriamente sobrecarregada, tempo precioso para cuidar de assuntos graves. A litigância de má-fé não é ofensiva apenas à parte adversa, mas também à dignidade do Tribunal e à alta função pública do processo.

2. Isso posto, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos, e condeno a parte agravante a pagar à parte agravada multa de 5% (cinco por cento) do valor corrigido da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito da respec-tiva quantia, tudo nos termos do art. 557, § 2º, c/c. arts. 14, II e III, e 17, VII, do Código de Processo Civil.

EXTRATO DA ATA

AI 559.507-AgR/SC — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Banco Santander Meridional S.A. (Advogados: Isabela Braga Pompílio e outros). Agravado: Luiz Mário Bratti (Advogados: Luiz Mário Bratti e outros).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo e, por considerá-lo manifestamente infundado, impôs, à parte agravante, multa de 5% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do voto do Relator.

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R.T.J. — 207 425

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 4 de março de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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R.T.J. — 207426

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 651.364 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Menezes DireitoAgravante: Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. — Agravada:

Rosilene Medeiros do Nascimento França

Agravo regimental no agravo de instrumento. Juizados Especiais. Turma Recursal. Remissão aos fundamentos da sen-tença. Lei 9.099/95. Possibilidade.

1. Não viola a exigência constitucional de motivação a fun-damentação de turma recursal que, em conformidade com a Lei 9.099/95, adota os fundamentos contidos na sentença recorrida.

2. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de agosto de 2008 — Menezes Direito, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Menezes Direito: Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. interpõe agravo regimental contra decisão de fls. 165/166, que negou provimento ao agravo de instrumento, com a seguinte fundamentação:

Vistos.Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. interpõe agravo de instrumento

contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário assentado em contrarie-dade aos artigos 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro que manteve, por seus próprios fundamentos, a sentença de 1º grau que entendeu devida indenização por danos morais em virtude de acidente ambiental configurado no vazamento de ma-terial poluente que causou prejuízo à atividade de pesca exercida pela agravada.

Opostos embargos de declaração (fls. 130 a 135), foram rejeitados (fl. 138).Decido.Anote-se, primeiramente, que o acórdão dos embargos declaratórios, con-

forme expresso na certidão de fl. 138v, foi publicado em 24-11-06, não sendo exi-gível, conforme decidido no AI 664.567-QO, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6-9-07, a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário.

A irresignação não merece prosperar.

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R.T.J. — 207 427

Não há falar em negativa de prestação jurisdicional ou violação do art. 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal. A Agravante teve acesso aos recursos cabíveis na espécie e a jurisdição foi prestada, no caso, mediante decisão suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão da recorrente, tendo o Tribunal de origem justificado suas razões de decidir.

Além disso, o acórdão atacado se limitou a aplicar a legislação infracons-titucional pertinente ao caso. A alegada violação dos dispositivos constitucionais invocados seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que não enseja reexame em recurso extraordinário. Nesse sentido, anote-se:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de cobrança. Despesas condominiais. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. Impossibilidade da análise da legislação infraconstitucional e do reexame de provas na via do recurso extraordinário. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa reflexa à Constituição da República”.(AI 594.887-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 30-11-07.)

“Agravo de instrumento – Alegação de ofensa ao postulado da mo-tivação dos atos decisórios – Inocorrência – Ausência de ofensa direta à Constituição – Recurso improvido. O Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional po-dem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. Precedentes”.(AI 360.265-AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20-9-02.)Nego provimento ao agravo.Intime-se.

Insiste a agravante na violação dos arts. 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal, uma vez que a Turma Recursal “pronunciou-se no sentido de simplesmente manter a sentença proferida pelo juiz de Primeiro grau por seus próprios fundamentos, servindo conseqüentemente a súmula do julgamento como acórdão, a teor do que determina o art. 46 da Lei 9.099/95” (fl. 171). Desse modo, “em nenhum momento restou apreciada, e conseqüentemente fundamen-tadas as matérias elencadas pela agravante em seu recurso inominado, bem como nos embargos de declaração, não tendo aquele Orgão Julgador apresentado a prestação jurisdicional de forma mais completa e convincente possível” (fl. 171).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Não merece prosperar o inconformismo.

Reafirmo que não houve violação dos arts. 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal, uma vez que a agravante teve acesso aos recursos

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R.T.J. — 207428

cabíveis na espécie e a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada, tendo o Tribunal de origem justificado suas razões de decidir, sendo certo que não viola a exigência constitucional de motivação a fundamentação de turma recursal que, em conformidade com a Lei 9.099/95, adota os fundamentos contidos na sentença recorrida. Sobre o tema, anote-se:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Matéria infraconstitucio-nal. Ofensa reflexa. Juizado especial. Remissão aos fundamentos da sentença. Ausência de fundamentação. Inocorrência. Reexame de provas. Impossibilidade em recurso extraordinário. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infra-constitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O § 5º do art. 82 da Lei 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao art. 93, IX, da Constituição do Brasil. 3. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 649.140-AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 17-8-07.)

Decisão – Turma recursal – Fundamentação. A Lei 9.099/95 viabiliza a adoção pela turma recursal dos fundamentos contidos na sentença proferida, não cabendo cogitar de transgressão do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.(AI 453.483-AgR/PB, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 8-6-07.)Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AI 651.364-AgR/RJ — Relator: Ministro Menezes Direito. Agravante: Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. (Advogados: Cláudio Fernandes Duarte da Silva e outros e Antônio Rufino Neto e outros). Agravada: Rosilene Medeiros do Nascimento França (Advogados: Alex Daflon dos Santos e outros).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificada-mente, o Ministro Carlos Britto e a Ministra Cármen Lúcia.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e a Ministra Cármen Lúcia. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 26 de agosto 2008 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 688.587 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoEmbargante: Estado de Minas Gerais — Embargado: Lafarge Brasil S.A.

Recurso. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos recebidos como agravo regimental. Interposição con-tra decisão que converte agravo de instrumento regular em re-curso extraordinário. Inexistência de preclusão e de prejuízo. Agravo não conhecido. Aplicação da Súmula 289. Da decisão que provê agravo de instrumento e o converte em recurso extraordi-nário, não cabe agravo regimental, salvo quando se afirme incog-noscível o agravo de instrumento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Se-gunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráfi-cas, preliminarmente, por unanimidade, conhecer dos embargos de declaração como recurso de agravo, e, também por unanimidade, não conhecer do agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 15 de abril de 2008 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de embargos de declaração opostos à decisão do teor seguinte:

Presentes os requisitos formais de admissibilidade, dou provimento ao agravo. Converta-se em recurso extraordinário.

À Secretaria para reautuação e registro.(Fl. 490.)

O Embargante sustenta a inadmissibilidade do recurso extraordinário, pois haveria óbice ao conhecimento e provimento deste. Aduz haver omissão na decisão embargada, pois “(...) o agravante deixou de impugnar alguns dos fundamentos da decisão de recorribilidade, o que, segundo a juripsrudência remansosa deste Excelso Supremo Tribunal, impede que seja dado provimento ao agravo (...)” (fl. 494).

É o relatório.

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R.T.J. — 207430

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Dado o manifesto caráter infrin-gente, processo os embargos declaratórios como agravo regimental.

Mas tenho-o por incognoscível.A decisão que provê agravo de instrumento regular e o converte em re-

curso extraordinário não envolve juízo de admissibilidade deste, de modo que não gera preclusão a respeito, nem gravame a nenhuma das partes. É o que já se inferia à Súmula 289: “O provimento do agravo, por uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal, ainda que sem ressalva, não prejudica a questão do cabimento do recurso extraordinário”.

Questão diversa seria eventual argüição de vício capaz de impedir a cog-nição do agravo de instrumento, caso em que se legitimaria uso de agravo re-gimental. Mas não é disso que trata a espécie, pois o Agravante apenas insiste na tese da inadmissibilidade e improcedência do recurso extraordinário, não trazendo qualquer óbice quanto ao conhecimento do recurso que ora se julga; portanto, não há impedimento à conversão em recurso extraordinário.

A hipótese é de falta absoluta de lesividade.2. Ante o exposto, recebo os embargos como agravo, mas dele não conheço.

EXTRATO DA ATA

AI 688.587-ED/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Embargante: Es-ta do de Minas Gerais (Advogada: Advocacia-Geral do Estado/MG – Amélia Josefina Alves Nogueira da Fonseca). Embargado: Lafarge Brasil S.A. (A dvo-gada: Cláudia Horta de Queiroz).

Decisão: A Turma, preliminarmente, por votação unânime, conheceu dos embargos de declaração como recurso de agravo, de que, no entanto, também por unanimidade, não conheceu, nos termos do voto do Relator. Ausente, justi-ficadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.

Brasília, 15 de abril de 2008 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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APn Abolitio criminis: inocorrência. (...) Crime contra a ordem tributária.

HC 82.848 RTJ 207/316PrPn Abordagem direta de eleitor: ausência. (...) Inquérito. Inq 2.008

RTJ 207/201PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Ato normativo au-

tônomo. Portaria de Tribunal de Justiça. ADI 2.907 RTJ 207/220PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Decisão. Efeito ex nunc.

ADI 2.907 RTJ 207/220PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Processamento imediato.

Identidade de objeto com outra ADI. Ações subseqüentes: apensa-mento. Julgamento simultâneo. Jurisprudência do STF. ADI 3.895 RTJ 207/242

PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. HC 93.291 RTJ 207/360

PrSTF Ação rescisória. (...) Recurso extraordinário. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

Adm Acesso por estrangeiro. (...) Cargo público. RE 544.655-AgR RTJ 207/412

PrSTF Ações subseqüentes: apensamento. (...) Ação direta de inconstitucio-nalidade. ADI 3.895 RTJ 207/242

PrCv Acórdão. Fundamentação suficiente. Turma recursal. Fundamentos da sentença: adoção. Lei 9.099/95, art. 82, § 5º. CF/88, arts. 5º, LV; e 93, IX. AI 651.364-AgR RTJ 207/426

Adm Acumulação vedada. (...) Cargo público. MS 25.938 RTJ 207/276

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ADC-Ass — ÍNDICE ALFABÉTICO434

Trbt ADCT da Constituição Federal/88, art. 34, § 5º. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

PrSTF ADI 1.104: perda superveniente do objeto. (...) Reclamação. Rcl 2.121-AgR-AgR RTJ 207/205

PrCv ADI 3.395: julgamento do mérito. (...) Agravo regimental. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260

Adm Administração pública indireta. Empresa estatal. Serviço público e atividade econômica. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional. ADI 1.642 RTJ 207/194

Adm Administração pública indireta. Entidades. Presidente: escolha. As-sembléia Legislativa: aprovação prévia. Autarquia e fundação pública: aplicação restrita. Sociedade de economia mista e empresa pública: regime jurídico de empresa privada. CF/88, arts. 2º e 173, § 1º. Consti-tuição do Estado de Minas Gerais/89, art. 62, XXIII, d: interpretação conforme à Constituição. ADI 1.642 RTJ 207/194

PrCv Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.171 RTJ 207/266

PrCv Agravo regimental. Caráter abusivo. Litigância de má-fé. Multa. CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrCv Agravo regimental. Descabimento. Decisão de relator. Provimento de agravo de instrumento. Recurso extraordinário: processamen-to. Preclusão e prejuízo: inexistência. Súmula 289. AI 688.587-ED RTJ 207/429

PrCv Agravo regimental. Prejudicialidade. Reclamação: admissibilidade. ADI 3.395: julgamento do mérito. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260

Trbt Alíquota. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

Ct Alternativa normativa: legitimidade de adoção. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

Ct Apelo ao legislador. (...) Controle concentrado de constitucionalida-de. ADI 1.351 RTJ 207/116

Pn Apropriação indébita previdenciária. (...) Crime contra a ordem tribu-tária. HC 82.848 RTJ 207/316

PrPn Arquivamento. (...) Inquérito. Inq 2.008 RTJ 207/201Adm Assembléia Legislativa: aprovação prévia. (...) Administração pública

indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Ati-Car 435

Pn Atipicidade da conduta. (...) Crime contra a ordem tributária. HC 81.321 RTJ 207/312

Ct Ato impugnado: resolução do CNJ. (...) Impedimento. MS 25.938 RTJ 207/276

PrSTF Ato normativo autônomo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907 RTJ 207/220

PrSTF Atuação como fiscal da lei. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED RTJ 207/410

Adm Autarquia e fundação pública: aplicação restrita. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

Pn Autonomia. (...) Pena. HC 87.375 RTJ 207/324Ct Autonomia parcial. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938 RTJ 207/276PrSTF Autos: devolução ao tribunal de origem. (...) Recurso extraordinário.

RE 398.165 RTJ 207/405

BTrbt Base de cálculo: alteração. (...) Programa de Integração Social (PIS).

RE 482.606-AgR-ED RTJ 207/407Pn Base legal: transmutação. (...) Crime contra a ordem tributária.

HC 82.848 RTJ 207/316

CPrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907

RTJ 207/220PrCv Cabimento. (...) Mandado de segurança. MS 25.938 RTJ 207/276PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260PrCv Capítulo decisório: modificação. (...) Embargos de declaração.

AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400PrCv Caráter abusivo. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR RTJ 207/422PrCv Caráter infringente. (...) Embargos de declaração. RE 541.338-ED

RTJ 207/410Adm Cargo em comissão. (...) Servidor público. Rcl 4.903-AgR-AgR

RTJ 207/260Adm Cargo público. Acesso por estrangeiro. Norma constitucional: eficácia

limitada. Regulamentação: necessidade. CF/88, art. 37, I, redação da EC 19/98. RE 544.655-AgR RTJ 207/412

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Car-CF/ — ÍNDICE ALFABÉTICO436

Adm Cargo público. Magistrado. Exercício de função em Tribunal de Jus-tiça Desportiva. Acumulação vedada. Resolução 10/05-CNJ. CF/88, art. 95, parágrafo único, I. MS 25.938 RTJ 207/276

PrSTF Celebração: momento. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

PrPn Cerceamento de defesa: ausência. (...) Decisão judicial. HC 93.046 RTJ 207/345

El CF/88, arts. 1º, IV e parágrafo único; e 17, IV e § 1º. (...) Partido políti-co. ADI 1.351 RTJ 207/116

Adm CF/88, arts. 2º e 173, § 1º. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

Ct CF/88, arts. 5º, X e LX; e 58, § 3º. (...) Comissão Parlamentar de In-quérito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

PrCv CF/88, arts. 5º, LV; e 93, IX. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR RTJ 207/426Ct CF/88, art. 5º, LXXI. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11PrPn CF/88, art. 5º, LXXVIII. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 RTJ 207/328Ct CF/88, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11Ct CF/88, art. 9º, § 1º. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11Ct CF/88, art. 22, XX. (...) Competência legislativa. ADI 3.895

RTJ 207/242Adm CF/88, art. 37, I, redação da EC 19/98. (...) Cargo público. RE 544.655-

AgR RTJ 207/412Ct CF/88, art. 37, VII. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11Ct CF/88, art. 37, VII. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11Adm CF/88, art. 95, parágrafo único, I. (...) Cargo público. MS 25.938

RTJ 207/276Ct CF/88, art. 96, I, a e b: ofensa. (...) Poder Judiciário. ADI 2.907

RTJ 207/220PrSTF CF/88, arts. 102, I, j; e 105, I, e: ofensa inocorrente. (...) Recurso extra-

ordinário. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400Adm CF/88, art. 114, I, redação da EC 45/04. (...) Servidor público. Rcl

4.903-AgR-AgR RTJ 207/260Ct CF/88, art. 217, § 1º. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938 RTJ 207/276Trbt CF/88, art. 239: ofensa inocorrente. (...) Programa de Integração So-

cial (PIS). RE 482.606-AgR-ED RTJ 207/407

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ÍNDICE ALFABÉTICO — “Cl-Con 437

El “Cláusula de barreira” ou “de desempenho” ou “de exclusão”. (...) Par-tido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

El “Cláusula de diferenciação”: possibilidade. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

Pn Código Civil: norma de caráter geral. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

PrPn Código Eleitoral/65, art. 299. (...) Inquérito. Inq 2.008 RTJ 207/201Ct Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Poderes de investigação:

limite. Quebra de sigilo de processo judicial: impossibilidade. Requi-sição de cópia de ordem judicial e de mandado de interceptação telefô-nica: inadmissibilidade. Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Lei 9.296/96, art. 1º, c/c art. 10. CP/40, art. 325. CF/88, arts. 5º, X e LX; e 58, § 3º. MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

Ct Competência constitucional: fixação. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11

Ct Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

PrCv Competência jurisdicional. Justiça Federal. Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Contrato temporário. Regime jurídico administrativo. Decisão na ADI 3.395-MC: descumprimento. Rcl 5.171 RTJ 207/266

Ct Competência legislativa. União Federal. Sistemas de consórcios e sorteios: loteria e bingo. CF/88, art. 22, XX. Súmula Vinculante 2. Lei estadual 12.519/07/SP: inconstitucionalidade. ADI 3.895 RTJ 207/242

PrSTF Competência originária do STJ. (...) Recurso extraordinário. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

PrCv Condição legal: ausência. (...) Embargos de declaração. AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403

Ct Conhecimento. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11Adm Constituição do Estado de Minas Gerais/89, art. 62, XXIII, d: interpre-

tação conforme à Constituição. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

PrPn Constrangimento ilegal: caracterização. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 RTJ 207/328

PrPn Constrangimento ilegal inocorrente. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351

PrCv Contradição. (...) Embargos de declaração. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

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Con-Cri — ÍNDICE ALFABÉTICO438

PrSTF Contrato de exportação. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

PrCv Contrato temporário. (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.171 RTJ 207/266

PrSTF Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). (...) Recurso extraordinário. AI 244.262-AgR RTJ 207/398

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Técnica. Interpre-tação conforme à Constituição. Apelo ao legislador. Efeito aditivo. Norma aplicável. Regra de transição: eficácia projetada no tempo. Lei 9.096/95, arts. 56 e 57. ADI 1.351 RTJ 207/116

PrCv Conversão em agravo regimental. (...) Embargos de declaração. RE 541.338-ED RTJ 207/410

PrPn Corrupção eleitoral: atipicidade da conduta. (...) Inquérito. Inq 2.008 RTJ 207/201

Pn CP/40, art. 168-A, redação da Lei 9.983/00, art. 3º. (...) Crime contra a ordem tributária. HC 82.848 RTJ 207/316

Ct CP/40, art. 325. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

PrSTF CPC/73, art. 499, § 2º. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED RTJ 207/410

PrSTF CPC/73, art. 543-B: aplicação. (...) Recurso extraordinário. RE 398.165 RTJ 207/405

PrCv CPC/73, art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III; e 17, VII. (...) Agravo regi-mental. AI 559.507-AgR RTJ 207/422

Pn Crédito tributário não constituído. (...) Crime contra a ordem tributá-ria. HC 81.321 RTJ 207/312

Pn Criança ou adolescente. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

Pn Crime contra a ordem tributária. Apropriação indébita previdenciá-ria. Abolitio criminis: inocorrência. Base legal: transmutação. CP/40, art. 168-A, redação da Lei 9.983/00, art. 3º. HC 82.848 RTJ 207/316

Pn Crime contra a ordem tributária. Atipicidade da conduta. Crédito tri-butário não constituído. Inscrição do suposto débito: cancelamento por decisão judicial. Lei 8.137/90, art. 1º. HC 81.321 RTJ 207/312

Pn Crime de responsabilidade. (...) Pena. HC 87.375 RTJ 207/324PrPn Crime de responsabilidade de prefeito. (...) Habeas corpus. HC 87.375

RTJ 207/324

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Cri-Dir 439

Pn Critério adotado: cronológico absoluto. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

DPrSTF Data de publicação do acórdão: irrelevância. (...) Recurso extraordiná-

rio. RE 398.165 RTJ 207/405PrSTF Decisão. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907

RTJ 207/220Adm Decisão anterior: superação pela ADI 2.323-MC. (...) Servidor público

estadual. Rcl 3.066-AgR RTJ 207/239PrSTF Decisão cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. (...) Recla-

mação. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260PrCv Decisão de relator. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED RTJ 207/429PrCv Decisão de relator: concessão de liminar. (...) Mandado de segurança.

MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298PrCv Decisão embargada: trânsito em julgado. (...) Embargos de declaração.

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403PrPn Decisão judicial. Fundamentação suficiente. Diligência: indeferimen-

to. Cerceamento de defesa: ausência. Princípio do livre convencimento do juiz. HC 93.046 RTJ 207/345

PrCv Decisão na ADI 3.395-MC: descumprimento. (...) Competência juris-dicional. Rcl 5.171 RTJ 207/266

Adm Decisão na ADI 3.395-MC: ofensa. (...) Servidor público. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260

PrPn Denegação. (...) Liberdade provisória. HC 92.941 RTJ 207/341PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Quadrilha ou bando. Narração sufi-

ciente do fato. Direito de defesa: exercício. HC 93.291 RTJ 207/360PrCv Descabimento. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED RTJ 207/429PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 87.375 RTJ 207/324 − HC 93.190

RTJ 207/351PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. AI 256.446-AgR-ED

RTJ 207/400Int Detração penal. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110PrPn Diligência: indeferimento. (...) Decisão judicial. HC 93.046 RTJ 207/345Pn Direito adquirido e coisa julgada: ofensa inocorrente. (...) Remição.

HC 93.802 RTJ 207/374PrPn Direito de defesa: exercício. (...) Denúncia. HC 93.291 RTJ 207/360

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Dir-Est — ÍNDICE ALFABÉTICO440

Ct Direito de greve: limites. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Dissídio de greve. Servidor público civil. Processamento e julgamento.

Direito de greve: limites. Competência constitucional: fixação. Pro-cedimento mínimo: definição. Pagamento de dias parados e medida cautelar incidente: juízo competente. Lei 7.701/88, arts. 2º, I, a; e 6º. Lei 7.783/89, art. 7º. MI 670 RTJ 207/11

PrPn Dolo específico: necessidade. (...) Inquérito. Inq 2.008 RTJ 207/201Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

ECt Efeito aditivo. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.

ADI 1.351 RTJ 207/116PrSTF Efeito ex nunc. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.907

RTJ 207/220PrCv Efeito modificativo. (...) Embargos de declaração. AI 256.446-AgR-

ED RTJ 207/400PrSTF Efeito vinculante. (...) Reclamação. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260PrPn Elemento concreto. (...) Liberdade provisória. HC 92.941 RTJ 207/341PrCv Embargos de declaração. Caráter infringente. Conversão em agravo

regimental. RE 541.338-ED RTJ 207/410PrCv Embargos de declaração. Contradição. Efeito modificativo. Capítulo

decisório: modificação. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400PrCv Embargos de declaração. Inadmissibilidade. Condição legal: ausência.

Prazo para interposição de outro recurso. Suspensão ou interrupção: ausência. Decisão embargada: trânsito em julgado. AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403

PrCv Embargos de declaração. Multa em agravo regimental: revogação. Litigância de má-fé: ausência. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

PrCv Embargos de declaração. Obscuridade, contradição e omissão: ausên-cia. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

Adm Empresa estatal. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

Adm Entendimento da ADI 1.797: aplicação restrita aos membros e servi-dores do TRT da 6ª Região. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR RTJ 207/239

Adm Entidades. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194Int Estado requerente: compromisso. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Est-Fun 441

Pn Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 121, § 5º. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

PrPn Exame de dependência toxicológica. (...) Prova criminal. RHC 86.190 RTJ 207/320

PrPn Excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 RTJ 207/328Adm Exercício de função em Tribunal de Justiça Desportiva. (...) Cargo pú-

blico. MS 25.938 RTJ 207/276Trbt Exportação de produto semi-elaborado. (...) Imposto sobre Circulação

de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395PrSTF Extinção do processo sem julgamento de mérito. (...) Recurso extraor-

dinário. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400Int Extradição. Detração penal. Estado requerente: compromisso. Lei

6.815/80, redação da Lei 6.964/81, art. 91, II. Ext 1.115 RTJ 207/110Int Extradição. Extradição instrutória. Dupla tipicidade. Tráfico de en-

torpecente. Prescrição inocorrente. Pena superior a um ano. Promessa de reciprocidade. Lei 6.815/80, art. 77. Lei 11.343/06, art. 33. Ext 1.115 RTJ 207/110

Int Extradição. Extradição passiva. Mandado de prisão: autoridade competente. Tratado Brasil–Portugal. Lei 6.815/80, art. 80. Ext 1.115 RTJ 207/110

Int Extradição instrutória. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110Int Extradição passiva. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

FPn Faixa etária. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387Pn Falta grave. (...) Regime prisional. HC 93.782 RTJ 207/369Pn Falta grave. (...) Remição. HC 92.791 RTJ 207/333 − HC 93.802

RTJ 207/374 − HC 94.497 RTJ 207/384 − RE 554.303-AgR RTJ 207/416PrPn Fuga do réu: legitimidade. (...) Prisão preventiva. HC 93.803

RTJ 207/378Ct Função pública não-estatal. (...) Justiça Desportiva. MS 25.938

RTJ 207/276El Funcionamento parlamentar: requisitos. (...) Partido político. ADI 1.351

RTJ 207/116PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Prisão preventiva. HC 93.803

RTJ 207/378

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Fun-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO442

PrPn Fundamentação insuficiente: reconhecimento pelo órgão ad quem. (...) Prisão preventiva. HC 93.803 RTJ 207/378

PrCv Fundamentação suficiente. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR RTJ 207/426PrPn Fundamentação suficiente. (...) Decisão judicial. HC 93.046

RTJ 207/345PrPn Fundamentação suficiente. (...) Liberdade provisória. HC 92.941

RTJ 207/341PrCv Fundamentos da sentença: adoção. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR

RTJ 207/426El Fundo partidário: rateio. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

GPrPn Gravidade da falta: análise. (...) Habeas corpus. HC 92.791 RTJ 207/333Ct Greve. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11Ct Greve. Servidor público civil. Lei regulamentadora: inexistência. Mora

legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. Lei 7.783/89: aplicação até a edição de lei específica. CF/88, art. 37, VII. MI 670 RTJ 207/11

Ct Greve. Servidor público civil. Omissão legislativa inconstitucional. Plenário do STF: declaração de mora por diversas vezes. Risco de con-solidação de omissão judicial. Alternativa normativa: legitimidade de adoção. MI 670 RTJ 207/11

Ct Greve. Servidor público civil. Serviço público: imperativo de continui-dade. Serviço ou atividade essencial: possibilidade de regime de greve mais severo. Parâmetro de controle judicial: fixação. Lei 7.783/89, arts. 9º, 10 e 11, parágrafo único. CF/88, art. 9º, caput, c/c art. 37, VII. CF/88, art. 9º, § 1º. MI 670 RTJ 207/11

HPrPn Habeas corpus. Descabimento. Liberdade de locomoção: ameaça ino-

corrente. Crime de responsabilidade de prefeito. Pena de inabilitação para o exercício de função pública. HC 87.375 RTJ 207/324

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Mandado de segurança. Litispendên-cia: ausência. Pedidos diversos. HC 93.190 RTJ 207/351

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Questão controvertida. HC 93.291 RTJ 207/360

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Remição. Gravidade da falta: análi-se. HC 92.791 RTJ 207/333

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Int 443

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Transferência temporária de preso para presídio federal. Prazo. Pedido de prorrogação: indeferimento. Liminar: suspensão dos efeitos da decisão. Constrangimento ilegal inocorrente. HC 93.190 RTJ 207/351

Ct Horário de trabalho de servidor do Judiciário: alteração. (...) Poder Ju-diciário. ADI 2.907 RTJ 207/220

IPrSTF Identidade de objeto com outra ADI. (...) Ação direta de inconstitucio-

nalidade. ADI 3.895 RTJ 207/242Ct Impedimento. Inocorrência. Presidente do STF. Mandado de seguran-

ça. Ato impugnado: resolução do CNJ. MS 25.938 RTJ 207/276Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Alí-

quota. Exportação de produto semi-elaborado. Período anterior à Reso-lução 22/89-Senado Federal. Resolução 129/79-Senado Federal: aplica-ção. ADCT da Constituição Federal/88, art. 34, § 5º. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

Pn Inabilitação para o exercício de função pública. (...) Pena. HC 87.375 RTJ 207/324

PrCv Inadmissibilidade. (...) Embargos de declaração. AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403

PrSTF Incidência sobre venda de imóvel. (...) Recurso extraordinário. AI 244.262-AgR RTJ 207/398

PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 93.291 RTJ 207/360El Infidelidade partidária: conseqüência. (...) Mandato eletivo. ADI 1.351

RTJ 207/116PrPn Informações sobre os motivos justificadores do excesso: discrepância.

(...) Prisão preventiva. HC 91.161 RTJ 207/328Ct Inocorrência. (...) Impedimento. MS 25.938 RTJ 207/276PrPn Inquérito. Arquivamento. Corrupção eleitoral: atipicidade da conduta.

Dolo específico: necessidade. Abordagem direta de eleitor: ausência. Código Eleitoral/65, art. 299. Inq 2.008 RTJ 207/201

Pn Inscrição do suposto débito: cancelamento por decisão judicial. (...) Crime contra a ordem tributária. HC 81.321 RTJ 207/312

Ct Interpretação conforme à Constituição. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 1.351 RTJ 207/116

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Juí-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO444

JPrPn Juízo da causa: aferição da necessidade. (...) Prova criminal.

RHC 86.190 RTJ 207/320PrSTF Julgamento simultâneo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.

ADI 3.895 RTJ 207/242PrSTF Jurisprudência do STF. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.

ADI 3.895 RTJ 207/242Ct Jurisprudência do STF: evolução. (...) Mandado de injunção. MI 670

RTJ 207/11PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 93.291 RTJ 207/360Ct Justiça Desportiva. Autonomia parcial. Função pública não-estatal.

CF/88, art. 217, § 1º. MS 25.938 RTJ 207/276Adm Justiça do Trabalho: incompetência. (...) Servidor público. Rcl

4.903-AgR-AgR RTJ 207/260PrCv Justiça Federal. (...) Competência jurisdicional. Rcl 5.171 RTJ 207/266

LPrSTF Legitimidade ativa. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED

RTJ 207/410PrSTF Lei 1.533/51, art. 10. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED

RTJ 207/410Int Lei 6.815/80, art. 77. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110Int Lei 6.815/80, art. 80. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110Int Lei 6.815/80, redação da Lei 6.964/81, art. 91, II. (...) Extradição. Ext

1.115 RTJ 207/110Ct Lei 7.701/88, arts. 2º, I, a; e 6º. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Lei 7.783/89: aplicação até a edição de lei específica. (...) Greve. MI 670

RTJ 207/11Ct Lei 7.783/89, art. 7º. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Lei 7.783/89, arts. 9º, 10 e 11, parágrafo único. (...) Greve. MI 670

RTJ 207/11Pn Lei 8.137/90, art. 1º. (...) Crime contra a ordem tributária. HC 81.321

RTJ 207/312El Lei 9.096/95, arts. 13; 41, caput, expressão, I e II; 48; e 57, II, expressão:

inconstitucionalidade. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lim 445

El Lei 9.096/95, art. 49, caput, expressão: inconstitucionalidade com redu-ção de texto. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

El Lei 9.096/95, arts. 56, caput; e 57, caput: interpretação conforme à Constituição. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

El Lei 9.096/95, art. 56, II: constitucionalidade. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

Ct Lei 9.096/95, arts. 56 e 57. (...) Controle concentrado de constituciona-lidade. ADI 1.351 RTJ 207/116

PrCv Lei 9.099/95, art. 82, § 5º. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR RTJ 207/426Ct Lei 9.296/96, art. 1º, c/c art. 10. (...) Comissão Parlamentar de Inqué-

rito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298Trbt Lei 9.715/98. (...) Programa de Integração Social (PIS).

RE 482.606-AgR-ED RTJ 207/407Int Lei 11.343/06, art. 33. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 58: inaplicabilidade. (...) Remição.

HC 93.802 RTJ 207/374Pn Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127. (...) Remição. HC 94.497

RTJ 207/384 − RE 554.303-AgR RTJ 207/416Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 118, I. (...) Regime prisional.

HC 93.782 RTJ 207/369Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 127. (...) Remição. HC 92.791

RTJ 207/333Pn Lei de Execução Penal (LEP), art. 127: recepção pela CF/88. (...) Remi-

ção. HC 93.802 RTJ 207/374Ct Lei estadual 12.519/07/SP: inconstitucionalidade. (...) Competência

legislativa. ADI 3.895 RTJ 207/242Ct Lei regulamentadora: inexistência. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11PrPn Liberdade de locomoção: ameaça inocorrente. (...) Habeas corpus.

HC 87.375 RTJ 207/324El Liberdade partidária: preservação. (...) Partido político. ADI 1.351

RTJ 207/116PrPn Liberdade provisória. Denegação. Fundamentação suficiente. Elemen-

to concreto. HC 92.941 RTJ 207/341PrPn Liminar: suspensão dos efeitos da decisão. (...) Habeas corpus.

HC 93.190 RTJ 207/351PrPn Liminar em habeas corpus: ausência de concessão. (...) Prisão preven-

tiva. HC 93.803 RTJ 207/378

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Lim-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO446

Pn Limitação temporal da sanção: impossibilidade. (...) Remição. HC 93.802 RTJ 207/374 − HC 94.497 RTJ 207/384 − RE 554.303-AgR RTJ 207/416

Adm Limitação temporária: impossibilidade. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR RTJ 207/239

PrCv Litigância de má-fé. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrCv Litigância de má-fé: ausência. (...) Embargos de declaração. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

PrPn Litispendência: ausência. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351

MAdm Magistrado. (...) Cargo público. MS 25.938 RTJ 207/276Pn Maioridade civil superveniente: irrelevância. (...) Medida socioeduca-

tiva. HC 94.938 RTJ 207/387Ct Mandado de injunção. Conhecimento. Greve. Servidor público civil.

Mora legislativa do Congresso Nacional. CF/88, art. 5º, LXXI. MI 670 RTJ 207/11

Ct Mandado de injunção. Greve. Servidor público civil. Jurisprudência do STF: evolução. CF/88, art. 37, VII. MI 670 RTJ 207/11

Ct Mandado de injunção. Mora legislativa do Congresso Nacional: reco-nhecimento. Prazo para legislar: fixação. MI 670 RTJ 207/11

Int Mandado de prisão: autoridade competente. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

PrCv Mandado de segurança. Cabimento. Resolução do Conselho Na-cional de Justiça (CNJ). Norma de efeito concreto. Resolução 10/05-CNJ: auto-executoriedade. Súmula 266: inaplicabilidade. MS 25.938 RTJ 207/276

PrCv Mandado de segurança. Decisão de relator: concessão de liminar. Re-ferendo do Plenário: possibilidade. MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

PrPn Mandado de segurança. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351Ct Mandado de segurança. (...) Impedimento. MS 25.938 RTJ 207/276PrSTF Mandado de segurança. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED

RTJ 207/410El Mandato eletivo. Sistema proporcional. Infidelidade partidária: conse-

qüência. ADI 1.351 RTJ 207/116

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Mat-Nor 447

Ct Matéria de competência do tribunal. (...) Poder Judiciário. ADI 2.907 RTJ 207/220

PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 92.791 RTJ 207/333 − HC 93.190 RTJ 207/351 − HC 93.291 RTJ 207/360

PrSTF Matéria de prova. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395 − AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AI 244.262-AgR RTJ 207/398 − AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrSTF Medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade: indeferimen-to. (...) Reclamação. Rcl 2.121-AgR-AgR RTJ 207/205

Pn Medida socioeducativa. Criança ou adolescente. Proteção integral. Faixa etária. Critério adotado: cronológico absoluto. Estatuto da Crian-ça e do Adolescente (ECA), art. 121, § 5º. HC 94.938 RTJ 207/387

Pn Medida socioeducativa. Regime de semiliberdade: possibilidade de manutenção. Maioridade civil superveniente: irrelevância. Princípio da especialidade. Código Civil: norma de caráter geral. Nulidade: alega-ção tardia. Preclusão. HC 94.938 RTJ 207/387

PrSTF Ministério Público. (...) Recurso extraordinário. RE 541.338-ED RTJ 207/410

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

Ct Mora legislativa do Congresso Nacional: reconhecimento. (...) Manda-do de injunção. MI 670 RTJ 207/11

PrCv Multa. (...) Agravo regimental. AI 559.507-AgR RTJ 207/422PrCv Multa em agravo regimental: revogação. (...) Embargos de declaração.

AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

NPrPn Narração suficiente do fato. (...) Denúncia. HC 93.291 RTJ 207/360Pn Natureza jurídica: sanção administrativa. (...) Regime prisional.

HC 93.782 RTJ 207/369Ct Norma aplicável. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.

ADI 1.351 RTJ 207/116Adm Norma constitucional: eficácia limitada. (...) Cargo público.

RE 544.655-AgR RTJ 207/412

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Nor-Pen — ÍNDICE ALFABÉTICO448

PrCv Norma de efeito concreto. (...) Mandado de segurança. MS 25.938 RTJ 207/276

Pn Nulidade: alegação tardia. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

PrPn Nulidade: alegação tardia. (...) Prova criminal. RHC 86.190 RTJ 207/320

OPrCv Obscuridade, contradição e omissão: ausência. (...) Embargos de de-

claração. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395Ct Omissão legislativa inconstitucional. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11PrPn Órgão a quo: oportunidade para adequação. (...) Prisão preventiva.

HC 93.803 RTJ 207/378

PCt Pagamento de dias parados e medida cautelar incidente: juízo compe-

tente. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Parâmetro de controle judicial: fixação. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11El Partido político. Funcionamento parlamentar: requisitos. Propagan-

da eleitoral gratuita: distribuição de tempo. Fundo partidário: rateio. “Cláusula de barreira” ou “de desempenho” ou “de exclusão”. Pluralis-mo político e direito das minorias. Princípio da autonomia partidária. Princípio da igualdade de chances: ofensa. CF/88, arts. 1º, IV e pará-grafo único; e 17, IV e § 1º. Lei 9.096/95, arts. 13; 41, caput, expressão, I e II; 48; e 57, II, expressão: inconstitucionalidade. Lei 9.096/95, art. 49, caput, expressão: inconstitucionalidade com redução de texto. Lei 9.096/95, arts. 56, caput; e 57, caput: interpretação conforme à Constituição. Lei 9.096/95, art. 56, II: constitucionalidade. ADI 1.351 RTJ 207/116

El Partido político. Liberdade partidária: preservação. “Cláusula de diferenciação”: possibilidade. Princípio da igualdade de chances. ADI 1.351 RTJ 207/116

PrPn Pedido de prorrogação: indeferimento. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351

PrPn Pedidos diversos. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351Pn Pena. Crime de responsabilidade. Inabilitação para o exercício de fun-

ção pública. Autonomia. HC 87.375 RTJ 207/324PrPn Pena de inabilitação para o exercício de função pública. (...) Habeas

corpus. HC 87.375 RTJ 207/324Int Pena superior a um ano. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Per-Pri 449

Trbt Período anterior à Resolução 22/89-Senado Federal. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

Ct Plenário do STF: declaração de mora por diversas vezes. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

El Pluralismo político e direito das minorias. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

Ct Poder Judiciário. Horário de trabalho de servidor do Judiciário: altera-ção. Matéria de competência do tribunal. CF/88, art. 96, I, a e b: ofensa. Portaria 954/01-TJAM: inconstitucionalidade. ADI 2.907 RTJ 207/220

Ct Poderes de investigação: limite. (...) Comissão Parlamentar de Inqué-rito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

Ct Portaria 954/01-TJAM: inconstitucionalidade. (...) Poder Judiciário. ADI 2.907 RTJ 207/220

PrSTF Portaria de Tribunal de Justiça. (...) Ação direta de inconstitucionali-dade. ADI 2.907 RTJ 207/220

PrPn Prazo. (...) Habeas corpus. HC 93.190 RTJ 207/351PrSTF Prazo: termo inicial. (...) Recurso extraordinário. AI 559.507-AgR

RTJ 207/422PrCv Prazo para interposição de outro recurso. (...) Embargos de declara-

ção. AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403Ct Prazo para legislar: fixação. (...) Mandado de injunção. MI 670

RTJ 207/11Pn Preclusão. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387PrPn Preclusão. (...) Prova criminal. RHC 86.190 RTJ 207/320PrCv Preclusão e prejuízo: inexistência. (...) Agravo regimental. AI 688.587-

ED RTJ 207/429PrCv Prejudicialidade. (...) Agravo regimental. Rcl 4.903-AgR-AgR

RTJ 207/260PrSTF Prejudicialidade. (...) Reclamação. Rcl 2.121-AgR-AgR RTJ 207/205Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110Adm Presidente: escolha. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642

RTJ 207/194Ct Presidente do STF. (...) Impedimento. MS 25.938 RTJ 207/276El Princípio da autonomia partidária. (...) Partido político. ADI 1.351

RTJ 207/116

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Pri-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO450

PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana: ofensa. (...) Prisão preventi-va. HC 91.161 RTJ 207/328

Pn Princípio da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência: ofensa inocorrente. (...) Regime prisional. HC 93.782 RTJ 207/369

Pn Princípio da especialidade. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387

El Princípio da igualdade de chances. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

El Princípio da igualdade de chances: ofensa. (...) Partido político. ADI 1.351 RTJ 207/116

Pn Princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e da igual-dade: ofensa inocorrente. (...) Remição. HC 93.802 RTJ 207/374

Pn Princípio da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena e do direito adquirido: ofensa inocorrente. (...) Remição. HC 92.791 RTJ 207/333 − RE 554.303-AgR RTJ 207/416

PrPn Princípio do livre convencimento do juiz. (...) Decisão judicial. HC 93.046 RTJ 207/345

PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo. Responsabilidade da defesa: ausência. Constrangimento ilegal: caracterização. Informações sobre os motivos justificadores do excesso: discrepância. Princípio da dig-nidade da pessoa humana: ofensa. CF/88, art. 5º, LXXVIII. HC 91.161 RTJ 207/328

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. Fuga do réu: legitimi-dade. HC 93.803 RTJ 207/378

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente: reconhecimento pelo órgão ad quem. Liminar em habeas corpus: ausência de concessão. Órgão a quo: oportunidade para adequação. Reformatio in pejus. HC 93.803 RTJ 207/378

Ct Procedimento mínimo: definição. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11

Ct Processamento e julgamento. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11PrSTF Processamento imediato. (...) Ação direta de inconstitucionalidade.

ADI 3.895 RTJ 207/242Trbt Programa de Integração Social (PIS). Base de cálculo: alteração. Lei

9.715/98. CF/88, art. 239: ofensa inocorrente. RE 482.606-AgR-ED RTJ 207/407

Int Promessa de reciprocidade. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Rec 451

El Propaganda eleitoral gratuita: distribuição de tempo. (...) Partido polí-tico. ADI 1.351 RTJ 207/116

Pn Proteção integral. (...) Medida socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387PrPn Prova criminal. Tráfico de entorpecente. Exame de dependência

toxicológica. Juízo da causa: aferição da necessidade. RHC 86.190 RTJ 207/320

PrPn Prova criminal. Tráfico de entorpecente. Exame de dependência toxicológica. Requerimento da defesa: ausência. Trânsito em julga-do da sentença condenatória. Nulidade: alegação tardia. Preclusão. RHC 86.190 RTJ 207/320

PrCv Provimento de agravo de instrumento. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED RTJ 207/429

QPrPn Quadrilha ou bando. (...) Denúncia. HC 93.291 RTJ 207/360Ct Quebra de sigilo de processo judicial: impossibilidade. (...) Comissão

Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298PrPn Questão controvertida. (...) Habeas corpus. HC 93.291 RTJ 207/360

RPrSTF Reclamação. Cabimento. Decisão cautelar em ação direta de inconsti-

tucionalidade. Efeito vinculante. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260PrSTF Reclamação. Prejudicialidade. Medida liminar em ação direta de in-

constitucionalidade: indeferimento. ADI 1.104: perda superveniente do objeto. Rcl 2.121-AgR-AgR RTJ 207/205

PrCv Reclamação: admissibilidade. (...) Agravo regimental. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Ação rescisória. Competência originária do STJ. Extinção do processo sem julgamento de mérito. CF/88, arts. 102, I, j; e 105, I, e: ofensa inocorrente. AI 256.446-AgR-ED RTJ 207/400

PrSTF Recurso extraordinário. Legitimidade ativa. Ministério Público. Man-dado de segurança. Atuação como fiscal da lei. Lei 1.533/51, art. 10. CPC/73, art. 499, § 2º. RE 541.338-ED RTJ 207/410

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria de prova. Contrato de exportação. Celebração: momento. Súmula 279. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Incidência so-bre venda de imóvel. AI 244.262-AgR RTJ 207/398

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Rec-Rem — ÍNDICE ALFABÉTICO452

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Matéria de pro-va. Recurso inominado. Prazo: termo inicial. Súmula 279. AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrSTF Recurso extraordinário. Repercussão geral: reconhecimento. Data de publicação do acórdão: irrelevância. Autos: devolução ao tribunal de origem. CPC/73, art. 543-B: aplicação. Regimento Interno do Supre-mo Tribunal Federal (RISTF), art. 328, parágrafo único. RE 398.165 RTJ 207/405

PrCv Recurso extraordinário: processamento. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED RTJ 207/429

PrSTF Recurso inominado. (...) Recurso extraordinário. AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrCv Referendo do Plenário: possibilidade. (...) Mandado de segurança. MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

PrPn Reformatio in pejus. (...) Prisão preventiva. HC 93.803 RTJ 207/378Pn Regime de semiliberdade: possibilidade de manutenção. (...) Medida

socioeducativa. HC 94.938 RTJ 207/387PrCv Regime jurídico administrativo. (...) Competência jurisdicional. Rcl

5.171 RTJ 207/266Adm Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional. (...) Adminis-

tração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194Pn Regime prisional. Regressão. Natureza jurídica: sanção administra-

tiva. Falta grave. Sentença condenatória. Trânsito em julgado: desne-cessidade. Princípio da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 118, I. HC 93.782 RTJ 207/369

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 328, parágrafo único. (...) Recurso extraordinário. RE 398.165 RTJ 207/405

Ct Regra de transição: eficácia projetada no tempo. (...) Controle concen-trado de constitucionalidade. ADI 1.351 RTJ 207/116

Pn Regressão. (...) Regime prisional. HC 93.782 RTJ 207/369Adm Regulamentação: necessidade. (...) Cargo público. RE 544.655-AgR

RTJ 207/412Pn Remição. Falta grave. Limitação temporal da sanção: impossibilida-

de. Princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e da igualdade: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 58: inaplicabilidade. HC 93.802 RTJ 207/374

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Rem-Sen 453

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Direito adquirido e coisa julgada: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 127: recepção pela CF/88. HC 93.802 RTJ 207/374

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Limitação temporal da sanção: impossibilidade. Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127. Súmula Vinculante 9. HC 94.497 RTJ 207/384

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Limitação temporal da sanção: impossibilidade. Princípio da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena e do direito adquirido: ofensa inocor-rente. Lei de Execução Penal (LEP), arts. 58 e 127. RE 554.303-AgR RTJ 207/416

Pn Remição. Falta grave. Tempo remido: perda. Princípio da propor-cionalidade, da isonomia, da individualização da pena e do direito adquirido: ofensa inocorrente. Lei de Execução Penal (LEP), art. 127. HC 92.791 RTJ 207/333

PrPn Remição. (...) Habeas corpus. HC 92.791 RTJ 207/333PrSTF Repercussão geral: reconhecimento. (...) Recurso extraordinário.

RE 398.165 RTJ 207/405PrPn Requerimento da defesa: ausência. (...) Prova criminal. RHC 86.190

RTJ 207/320Ct Requisição de cópia de ordem judicial e de mandado de interceptação

telefônica: inadmissibilidade. (...) Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). MS 27.483-REF-MC RTJ 207/298

Adm Resolução 10/05-CNJ. (...) Cargo público. MS 25.938 RTJ 207/276PrCv Resolução 10/05-CNJ: auto-executoriedade. (...) Mandado de seguran-

ça. MS 25.938 RTJ 207/276Trbt Resolução 129/79-Senado Federal: aplicação. (...) Imposto sobre Cir-

culação de Mercadorias e Serviços (ICMS). RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395

PrCv Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (...) Mandado de segurança. MS 25.938 RTJ 207/276

PrPn Responsabilidade da defesa: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 91.161 RTJ 207/328

Ct Risco de consolidação de omissão judicial. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

SPn Sentença condenatória. (...) Regime prisional. HC 93.782 RTJ 207/369

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Ser-Téc — ÍNDICE ALFABÉTICO454

Ct Serviço ou atividade essencial: possibilidade de regime de greve mais severo. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

Ct Serviço público: imperativo de continuidade. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11

Adm Serviço público e atividade econômica. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

Adm Servidor público. Cargo em comissão. Vínculo jurídico-administra-tivo. Justiça do Trabalho: incompetência. Decisão na ADI 3.395-MC: ofensa. CF/88, art. 114, I, redação da EC 45/04. Rcl 4.903-AgR-AgR RTJ 207/260

Ct Servidor público civil. (...) Dissídio de greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Servidor público civil. (...) Greve. MI 670 RTJ 207/11Ct Servidor público civil. (...) Mandado de injunção. MI 670 RTJ 207/11Adm Servidor público estadual. Vencimentos. URV. Limitação temporária:

impossibilidade. Entendimento da ADI 1.797: aplicação restrita aos membros e servidores do TRT da 6ª Região. Decisão anterior: supera-ção pela ADI 2.323-MC. Rcl 3.066-AgR RTJ 207/239

El Sistema proporcional. (...) Mandato eletivo. ADI 1.351 RTJ 207/116Ct Sistemas de consórcios e sorteios: loteria e bingo. (...) Competência

legislativa. ADI 3.895 RTJ 207/242Adm Sociedade de economia mista e empresa pública: regime jurídico de

empresa privada. (...) Administração pública indireta. ADI 1.642 RTJ 207/194

PrCv Súmula 266: inaplicabilidade. (...) Mandado de segurança. MS 25.938 RTJ 207/276

PrSTF Súmula 279. (...) Recurso extraordinário. RE 179.075-AgR-ED RTJ 207/395 − AI 559.507-AgR RTJ 207/422

PrCv Súmula 289. (...) Agravo regimental. AI 688.587-ED RTJ 207/429Ct Súmula Vinculante 2. (...) Competência legislativa. ADI 3.895

RTJ 207/242Pn Súmula Vinculante 9. (...) Remição. HC 94.497 RTJ 207/384PrCv Suspensão ou interrupção: ausência. (...) Embargos de declaração.

AI 386.847-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED RTJ 207/403

TCt Técnica. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 1.351

RTJ 207/116

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ÍNDICE ALFABÉTICO — Tem-Vín 455

Pn Tempo remido: perda. (...) Remição. HC 92.791 RTJ 207/333 − HC 93.802 RTJ 207/374 − HC 94.497 RTJ 207/384 − RE 554.303-AgR RTJ 207/416

Int Tráfico de entorpecente. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Prova criminal. RHC 86.190 RTJ 207/320PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 93.291 RTJ 207/360PrPn Transferência temporária de preso para presídio federal. (...) Habeas

corpus. HC 93.190 RTJ 207/351Pn Trânsito em julgado: desnecessidade. (...) Regime prisional. HC 93.782

RTJ 207/369PrPn Trânsito em julgado da sentença condenatória. (...) Prova criminal.

RHC 86.190 RTJ 207/320Int Tratado Brasil–Portugal. (...) Extradição. Ext 1.115 RTJ 207/110PrCv Turma recursal. (...) Acórdão. AI 651.364-AgR RTJ 207/426

UCt União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 3.895 RTJ 207/242Adm URV. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR RTJ 207/239

VAdm Vencimentos. (...) Servidor público estadual. Rcl 3.066-AgR

RTJ 207/239Adm Vínculo jurídico-administrativo. (...) Servidor público. Rcl 4.903-AgR-

AgR RTJ 207/260

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ÍNDICE NUMÉRICO

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ACÓRDÃOS

670 (MI) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes 207/11 1.115 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/110 1.351 (ADI) Rel.: Min. Marco Aurélio 207/116 1.642 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau 207/194 2.008 (Inq) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/201 2.121 (Rcl-AgR-AgR) Rel.: Min. Eros Grau 207/205 2.907 (ADI) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski 207/220 3.066 (Rcl-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski 207/239 3.895 (ADI) Rel.: Min. Menezes Direito 207/242 4.903 (Rcl-AgR-AgR) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski 207/260 5.171 (Rcl) Rel.: Min. Cármen Lúcia 207/266 25.938 (MS) Rel.: Min. Cármen Lúcia 207/276 27.483 (MS-REF-MC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/298 81.321 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/312 82.848 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/316 86.190 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/320 87.375 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie 207/324 91.161 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/328 92.791 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Menezes Direito 207/333 92.941 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito 207/341 93.046 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito 207/345 93.190 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito 207/351 93.291 (HC) Rel.: Min. Menezes Direito 207/360 93.782 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski 207/369 93.802 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/374 93.803 (HC) Rel.: Min. Eros Grau 207/378 94.497 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie 207/384 94.938 (HC) Rel.: Min. Cármen Lúcia 207/387

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ÍNDICE NUMÉRICO460

179.075 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/395 244.262 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/398 256.446 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/400 386.847 (AI-AgR-ED-EDv-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/403 398.165 (RE) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/405 482.606 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski 207/407 541.338 (RE-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/410 544.655 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau 207/412 554.303 (RE-AgR) Rel.: Min. Menezes Direito 207/416 559.507 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/422 651.364 (AI-AgR) Rel.: Min. Menezes Direito 207/426 688.587 (AI-ED) Rel.: Min. Cezar Peluso 207/429