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231 VOLUME REVISTA TRIMESTRAL DE JURISPRUDÊNCIA janeiro a março de 2015

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231VOLUME

REVISTA TRIMESTRALDE JURISPRUDÊNCIA

janeiro a março de 2015

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volume 231janeiro a março de 2015

REVISTA TRIMESTRAL DE JURISPRUDÊNCIA

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Edição Secretaria de Documentação / Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência

Capa e projeto gráfico Eduardo Franco Dias

Diagramação Camila Penha Soares, Eduardo Franco Dias e Neir dos Reis Lima e Silva

Solicita-se permuta.Pídese canje.On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.Wir bitten um Austausch.

(Supremo Tribunal Fe deral — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Fe deral. – V. 1, n. 1 (abr./jun. 1957) - . – Brasília : STF, 1957- .

v. ; 22 x 15 cm.

Trimestral.

Título varia: RTJ.

Repositório Oficial de Jurisprudência do Supremo Tribunal Fe deral.

Nome do editor varia: Imprensa Nacional / Supremo Tribunal Fe deral, 1957 a 2001; Editora Brasília Jurídica, 2002 a 2006; Supremo Tribunal Fe deral, 2007- .

Disponível também em formato eletrônico a partir de abr. 1957: http://www.stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp.

ISSN 0035-0540.

1. Tribunal supremo, jurisprudência, Brasil. 2. Tribunal supremo, periódico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Fe deral (STF). Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. II. Título: RTJ.

CDD 340.6

Livraria do SupremoSupremo Tribunal Fe deral, Anexo II-A, Cobertura, Sala 624 Praça dos Três Poderes – 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (61) 3217-4780

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SU PRE MO TRIBUNAL FEDERAL

Mi nis tro Enrique Ricardo Lewandowski (16‑3‑2006), Presidente

Mi nis tra Cármen Lúcia Antunes Rocha (21‑6‑2006), Vice‑Presidente

Mi nis tro José Celso de Mello Filho (17‑8‑1989), Decano

Mi nis tro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (13‑6‑1990)

Mi nis tro Gilmar Ferreira Mendes (20‑6‑2002)

Ministro José Antonio Dias Toffoli (23‑10‑2009)

Ministro Luiz Fux (3‑3‑2011)

Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa (19‑12‑2011)

Ministro Teori Albino Zavascki (29‑11‑2012)

Ministro Luís Roberto Barroso (26‑6‑2013)

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SUMÁRIO

Acórdãos � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 7

Índice alfabético � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 329

Índice numérico � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 341

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ACÓRDÃOS

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AÇÃO PENAL 633 — RS

Relator: O sr. ministro Teori ZavasckiRevisor: O sr. ministro Roberto BarrosoAutor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do SulRéu: Alexandre Rubio Roso

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA� FALSIDADE IDEOLÓGICA� DESOBEDIÊNCIA� AUSÊNCIA DE DOLO� INSUFICIÊNCIA DE PROVAS� ABSOLVIÇÃO� DENÚN‑CIA JULGADA IMPROCEDENTE� RÉU ABSOLVIDO NOS TERMOS DO INCiso III DO ART� 386 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL�

1� O crime de desobediência se configura quando demonstrada a clara intenção do agente de não cumprir ordem emanada da auto‑ridade pública� Para a configuração do delito, é insuficiente que a ordem não seja cumprida, sendo necessário que tenha sido endere‑çada diretamente a quem tem o dever de cumpri‑la e que este, com vontade específica de contrariar, desatenda ao comando�

2� No caso dos autos, ficou demonstrado que o réu não foi respon‑sável pelo descumprimento da ordem judicial, inexistindo, ademais, qualquer proceder doloso no fato ocorrido�

3� Denúncia julgada improcedente, nos termos do art� 386, III, do Código de Processo Penal�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por

AP 633

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AP 633

unanimidade, em julgar improcedente a ação penal para absolver o réu Ale‑xandre Rubio Roso, nos termos do voto do relator� Votou o presidente, minis‑tro Joaquim Barbosa� Ausentes, justificadamente, o ministro Celso de Mello, a ministra Cármen Lúcia, em viagem oficial para participar do Programa del VI Observatorio Judicial Electoral e do Congresso Internacional de Derecho Elec‑toral, promovidos pela Comissão de Veneza, na Cidade do México, e o ministro Dias Toffoli�

Brasília, 24 de outubro de 2013 — Teori Zavascki, relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Teori Zavascki: 1� Em 28 de setembro de 2010, o Ministério Público ofereceu denúncia (fls� 2/4), perante vara criminal da Comarca de São Leopoldo, contra Alexandre Rubio Roso, pela prática dos delitos previstos nos arts� 299, parágrafo único, e 330, em concurso material, todos do Código Penal, nos seguintes termos:

No dia 18 de novembro de 2009, no uso das atribuições de Secretário Municipal de Saúde do Município de São Leopoldo, o denunciado ALEXANDRE RUBIO ROSO inseriu, em documento público, declaração falsa com o fim de alterar a ver-dade sobre fato juridicamente relevante, consoante ofício encartado à fl� 102 dos autos�

Por ocasião dos fatos, após a devida intimação da municipalidade (fl� 98) acerca da determinação judicial de condução para internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, o denunciado inseriu falsa declaração em ofício enviado à Procuradoria‑Geral do Município, informando que a condução do paciente até o Hospital Centenário havia sido realizada�

Após, sobreveio aos autos ofício do Hospital Centenário (fl� 136), informativo de que o paciente Paulo Saldanha da Gama foi atendido, pela última vez, em 7 de janeiro de 2009, data anterior à determinação de condução ao referido hospital e internação compulsória�

Diante dessa informação, foram intimadas a Procuradoria‑Geral do Município e a Secretaria Municipal de Saúde (fls� 132 e 141), para que os referidos órgãos escla‑recessem a situação, informando todas as providências efetivadas em virtude da determinação judicial de condução e internação provisória� Assim, consoante os documentos das fls� 142‑4, em julho de 2010 – após mais de oito meses de inércia provocada pela informação falsa –, a Procuradoria‑Geral do Município e a Secretaria Municipal de Saúde informaram à Justiça que não foi efetivada a condução do paciente�

Nas mesmas circunstâncias fáticas e temporais do fato precedente, no uso das atribuições de Secretário Municipal de Saúde do Município de São Leopoldo, o

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AP 633

denunciado ALEXANDRE RUBIO ROSO desobedeceu à ordem legal de funcioná-rio público, qual seja a determinação judicial da fl� 83 dos autos que determinou a condução e internação compulsória do paciente Paulo Saldanha dos Santos�

Por ocasião dos fatos, tendo sido devidamente intimada a municipalidade, conforme fls� 87 e 98 dos autos, o denunciado desatendeu à ordem legal, inclusive enviando ofício (fl� 102) contendo falsa informação de que havia providenciado o cumprimento da determinação (1º FATO)�

2� A denúncia foi recebida (fl� 151) pelo juiz de direito� Com a diplomação do réu como deputado federal, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal (fl� 160)�

3� Recebidos os autos, foi aberto prazo para o denunciado apresentar defesa prévia e adiado o interrogatório para o final da instrução (fls� 167/168)� Em sua defesa prévia (fls� 173/181), o acusado arrolou testemunhas, juntou documentos e requereu diligências deferidas parcialmente, conforme decisão de fls� 184/185�

4� Na fase de instrução, foram colhidos os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação (fls� 308/323) e pela defesa (fls� 325/336)� O réu foi inter‑rogado às fls� 337/339�

5� Na fase do art� 10 da Lei 8�038/1990 o Ministério Público requereu as seguin‑tes diligências (fls� 504/506):

Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal, na fase do art� 10 da Lei nº 8�038/1990, que seja determinada a expedição dos seguintes ofícios:

a) à Procuradoria do Município de São Leopoldo/RS, solicitando informações a respeito da data em que o mandado de internação compulsória de Paulo Salda‑nha dos Santos, recebido em 12‑11‑2009, foi encaminhado à Secretaria de Saúde de São Leopoldo/RS, com o envio de cópia do protocolo de entrega do referido documento;

b) à Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo, solicitando informações a respeito do trâmite do mandado de internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos no referido órgão público, bem como da existência de requisição à Administração‑Geral da Secretaria de veículo e/ou outros materiais necessários à internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, cuja condução ao hos‑pital teria ocorrido em 17‑11‑2009, 5 (cinco) dias após o recebimento da intimação judicial pela Procuradoria do Município de São Leopoldo/RS e;

c) à Fundação Hospital Centenário, solicitando informações a respeito do rece‑bimento de cópia do mandado de internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos ou de pedido da Secretaria de Saúde de São Leopoldo para a reserva de leito para o referido paciente em 17‑11‑2009, e do trâmite interno dos referidos documentos, apresentando cópia dos mesmos, caso existam�

A defesa, embora intimada, nada requereu�

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AP 633

Foram deferidas as diligências requeridas pela acusação e juntados os do ‑cumen tos às fls� 518/579, 583/589 e 593/594�

Em suas alegações finais (fls� 614/618), o Procurador‑Geral da República requereu a absolvição do acusado destacando que:

16� (���) não ocorreu a prática do delito de falsidade ideológica, pois os elementos colhidos ao longo da instrução demonstraram que os autores do ofício acredita‑vam ser verdadeira a efetivação da internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, não configurando o especial fim de agir previsto em lei para o crime�

17� Ante o exposto, o Procurador‑Geral da República pede pela absolvição do Deputado Federal Alexandre Rúbio Roso, ante a inexistência de prova de autoria dos delitos tipificados nos arts� 299 e 330 do Código Penal�

Por sua vez a defesa sustenta em sua peça de alegações finais (fls� 620/628) a absolvição do acusado, diante da ausência de dolo, para a prática do crime imputado, destacando‑se:

(���) o agir do Secretário se pautou pelo respaldo técnico/administrativo de sua assessoria, não tendo qualquer participação direta no ocorrido, que lamenta‑velmente, não passou de um equívoco – jamais no que denunciou o Ministério Público�

No caso concreto, além de não haver participação do Réu, o que se verifica de fato é o intuito da Chefia de Gabinete do Secretário de Saúde de cumprir a ordem judicial, a qual foi diligenciada de pronto� Em que pese o equívoco, mas há que se considerar que a ordem foi cumprida! O elemento volitivo foi o de cumprir a determinação judicial! Daí por que, sem a intimação pessoal, e sem o elemento volitivo, não há que se falar em crime de desobediência�

6. É o relatório� À revisão�

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki (relator): 1� O réu foi denunciado porque, no entendimento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, teria desobedecido a ordem judicial proferida nos autos da medida de proteção de idoso, para a internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, em hospital ou clínica de reabilitação� Afirma a acusação que, além de desatender a ordem, o réu inseriu informação falsa no ofício em que noticiou ao juiz o cumprimento do mandado (fl� 106)� Como bem ressaltado pelo MP, embora a ordem tenha sido emitida em novembro de 2009, somente em julho de 2010 houve verdadeira condução e avaliação médica�

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2� É sabido que o crime de desobediência requer para sua configuração que o agente tenha o claro desiderato de não cumprir ordem emanada de autori‑dade pública� Para a configuração do delito, é insuficiente que a ordem não seja cumprida; é necessário que a ordem tenha sido endereçada diretamente a quem tem o dever de cumprir e que este, com vontade específica de contrariar, desatenda ao seu comando�

3� No caso, isso não ocorreu� A prova colhida demonstrou que o réu não deixou de atender a ordem judicial por vontade própria e que ele sequer sabia que a determinação judicial não havia sido implementada� Realmente, o mandado de internação compulsória recebido pela Procuradoria do Município, em 13‑11‑2009, foi, por sua vez, encaminhado, via ofício, à Secretaria Municipal em 19‑11‑2009� Porém, conforme se observa no documento de fls� 583/589, após receber o ofício, a Secretaria de Saúde providenciou um agendamento para avaliação psiquiátrica de Paulo Saldanha� No dia seguinte, a Procuradoria expediu novo ofício esclarecendo que não se tratava de consulta, mas sim de internação com‑pulsória� Entretanto, não há registro da pessoa que recebeu esse ofício�

4� Em documento de fls� 593/594, a Secretaria de Saúde esclareceu que era atribuição da chefia de Gabinete o recebimento deste tipo de comunicação e que “(���) ocorrem normalmente encaminhamentos, verbais, e repasse dos ofícios recebidos, entre a Chefia de Gabinete e a Coordenação de Enfermagem da Secre‑taria de Saúde” e também que esta providência era comunicada verbalmente à chefia de Gabinete com a devolução do ofício ou da ordem judicial� No caso, o mesmo procedimento foi adotado, tendo havido apenas uma comunicação verbal entre a chefia de Gabinete da Secretaria e a Coordenação de Enfermagem, responsável pela efetivação da internação médica�

5� Do depoimento de Kelly Margareth Schünemann (fls� 317/319), única pro‑curadora do município que atuava na área da saúde naquela época, merece destaque o seguinte trecho:

(���) os mandados judiciais para cumprimento imediato (com prazo em horas) eram repassados por fax e sem memorando para a Secretaria Municipal de Saúde; as ordens com maior prazo eram encaminhadas por memorando; nas ordens com menor prazo os memorandos seguiam posteriormente; a Procuradoria recebia, semanalmente, de 6 a 7 ordens judiciais na área da saúde para cumprimento; as ordens judiciais e os memorandos eram, em geral, encaminhados para a Secre‑taria de Saúde por meio de um moto‑táxi, o qual fazia o protocolo e trazia de volta o recibo; o contato da Procuradoria com a Secretaria de Saúde era feito “em papel”, apenas excepcionalmente, se necessário (���) o Secretário não recebia

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AP 633

pessoalmente esses memorandos; havia sempre um contato com a chefe de Gabi‑nete, na época, uma pessoa de nome “Débora”�

Débora Soares, chefe de gabinete da Secretaria à época, afirmou, por sua vez (fls�325/329):

(���) essas determinações para cumprimento das ordens judiciais, feitas pela chefia de gabinete do Secretário Municipal de Saúde eram verbais, com posterior enca‑minhamento do mandado judicial, e geralmente realizados mediante contato telefônico (���) na atual gestão, a do Secretário de Saúde Valmor Luiz Ruaro, foi criado dentro da estrutura da Secretaria uma assessoria administrativa, que fica sob a responsabilidade do Secretário Executivo e que passou a desempenhar, dentro outras funções, a de dar cumprimento a ordens judiciais (���)�

Sobre o documento de fls� 106, assinado pelo réu e que informa a efetivação da internação, embora esta não tivesse acontecido afirmou:

(���) reconhece que redigiu o documento de fls� 106 dos autos, semelhante a todos os outros com o mesmo conteúdo; a pessoa de Cláudia J� Bhehm, referida no documento de fls� 144 dos autos, é estagiária da chefia de gabinete do Secretário Municipal de Saúde; de igual modo redigiu para o Secretário do documento de fls� 147 dos autos; reconhece ter redigido o documento de fls� 106 para o Secretário Municipal de Saúde com a informação equivocada de que teria sido realizada a condução, em 17‑11‑2009, de Paulo Saldanha dos Santos até o Hospital Centenário; essa informação foi inserida equivocadamente no Ofício assinado pelo Secretário Municipal de Saúde, à época o acusado, em razão da chefia de gabinete deste haver recebido notícia errada repassada provavelmente pela equipe da coordenação de enfermagem da Secretaria (���)�

6� Também merece destaque o depoimento da testemunha Jussara Izoton, coordenadora da equipe de enfermagem da Secretaria Municipal de Saúde à época dos fatos (fl� 331), que afirma:

(���) recebia sempre mediante contato verbal (por telefone) e como coordenadora da equipe de enfermagem da Secretaria Municipal de Saúde, as determinações para a implementação de ordens judiciais relativas à saúde; (���) essas determi‑nações eram sempre feitas pela chefia de gabinete do Secretário; não recebia em mãos as ordens judiciais, as quais eram repassadas diretamente da chefia de gabinete do secretário para a equipe de transporte; recebia também verbal‑mente, as informações quanto ao cumprimento das ordens judiciais e repassava da mesma forma para a chefia de gabinete do Secretário (���)�

7� Os depoimentos estão coerentes entre si e complementam a prova do cumen‑tal dos autos� Nele fica claro que, embora não tenha havido o cumprimento da

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AP 633

ordem judicial de internação, o que é censurável, não foi o acusado o responsável por essa omissão, tampouco, pela informação inverídica inserida no documento (fl� 106)� Não há dúvida de que houve erro cometido pelas equipes envolvidas no procedimento (procuradoria, chefia de gabinete e hospital)� A falha destes órgãos não pode, todavia, ser imputada a uma vontade consciente e direta do acusado de se negar a dar cumprimento a ordem de autoridade legal, muito menos a de inserir informação falsa para prejudicar terceiros� Nem se mostra razoável, na administração de uma secretaria de saúde de um município da expressão de São Leopoldo (RS), com tantas ocorrências semelhantes, exigir que o próprio secretário tenha controle e fiscalização direta de cada um dos eventos que por lá tenham curso�

Ademais, o elevado grau de informalidade com que, pela própria natureza de imediatidade com que as providências de internação devem ser tomadas, como já destacado nos depoimentos transcritos, eventual equívoco de uma informação repassada verbalmente, por qualquer servidor que atendesse ao telefone, bastaria para que toda uma cadeia de informações inverídicas fosse produzida� Esses erros, indesejáveis, mas nem sempre evitáveis, não podem ser encarados, por si sós, como delito de falsidade ideológica, que supõe, como já afirmado, a presença do dolo, ou seja, a vontade livre e desimpedida de pre‑judicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante� Ausente o dolo, não se admitindo forma culposa, inexiste o crime, mesmo que a informação seja mesmo inverídica�

8� Ante o exposto, nos termos do parecer da Procuradoria‑Geral da Repú‑blica, julgo improcedente a denúncia oferecida contra ALEXANDRE RUBIO ROSO da acusação pelos delitos previstos nos arts� 299, parágrafo único (falsidade ideológica qualificada), e 330 (desobediência) do Código Penal, nos termos do art� 386, III, do Código de Processo Penal�

É como voto�

VOTO

DIREITO PENAL� FALSIDADE IDEOLÓGICA – ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE DOLO� DESOBEDIÊNCIA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA� 1� Imputação de prática de crime de falsidade ideológica (CP, art� 299) e de desobediência (CP, art� 330), por ter o réu, na qualidade de Secretário Municipal de Saúde, informado falsamente o cumprimento de ordem judicial de internação� 2� Falta de prova de dolo genérico e de dolo específico em relação ao crime de falsidade ideológica� 3� Ocorrência de causa de extinção de punibilidade quanto ao crime de desobediência, pela prescrição da pretensão punitiva�

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AP 633

O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): 1� Trata‑se de ação penal inicial‑mente movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP/RS) contra Alexandre Rubio Rosso, na qual se imputa a prática, em tese, dos delitos de desobediência (CP, art� 330) e de falsidade ideológica (CP, art� 299)� As condutas teriam sido praticadas na época em que o réu exercia o cargo de Secretário Municipal de Saúde do Município de São Leopoldo/RS� Nessa con‑dição, em 18-11-2009, ele teria informado, falsamente, haver cumprido ordem judicial que determinou a internação compulsória do toxicômano Paulo Sal‑danha dos Santos�

2� A referida ordem havia sido proferida pela 1ª Vara Cível Especializada em Família da Comarca de São Leopoldo, em ação ajuizada pelo Ministério Público estadual� De forma específica, determinou‑se que o Município de São Leopoldo providenciasse a condução do paciente ao Hospital Centenário, onde deveria permanecer até a obtenção de vaga em Instituição destinada ao tratamento de dependentes químicos (fl� 87)�

3� Segundo a denúncia, o réu teria inserido informação falsa sobre fato juri‑dicamente relevante – o cumprimento da ordem judicial – no Ofício 381/2009, encaminhado à Procuradoria‑Geral do Município� Dessa forma, teria praticado o crime de falsidade ideológica e teria desobedecido a mencionada ordem judicial�

4� A denúncia foi recebida em 12‑12‑2010 (fl� 151)� Em 17-12-2010, o réu foi diplo‑mado deputado federal para a legislatura 2011/2015� Por conta disso, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo declinou da competência ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 20‑5‑2011 (fl� 160)� No parecer de fls� 164/165, a Procuradoria‑Geral da República manifestou‑se pela validade dos atos prati‑cados em primeira instância e requereu a continuidade do feito com a citação do réu� Às fls� 167/168, o relator originário, ministro Ayres Britto, determinou a citação do denunciado para oferecer defesa prévia e fixou que a realização do interrogatório deveria ocorrer ao final da instrução criminal�

5� Na defesa preliminar de fls� 173/174 e fls� 189/190, o réu juntou as portarias pelas quais foi nomeado e exonerado do cargo de Secretário Municipal de Saúde de São Leopoldo, expedidas, respectivamente, em 24‑4‑2009 e em 31‑3‑2010� Na mesma peça defensiva, requereu a expedição de ofício ao Município de São Leopoldo, para o fim de fornecimento do organograma da estrutura adminis‑trativa da Secretaria de Saúde à época dos fatos, “inclusive declinando os cargos e os nomes dos servidores que trabalharam na Secretaria naquele período” (fl� 173)� Por fim, além de arrolar testemunhas de defesa, o réu sustentou que os documentos que instruem a denúncia não demostram que ele foi intimado pessoalmente para cumprir qualquer decisão judicial�

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AP 633

6� Às fls� 184/185, o relator deferiu a produção das provas requeridas pela defesa, exceto o pedido de especificação do nome dos servidores que traba‑lhavam na Secretaria, ao fundamento de não vislumbrar necessidade (fl� 185)�

7� Em audiência realizada em 13‑12‑2011 na 1ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação, Anuar Pereira de Souza Filho (fls� 312/315) e Ivo Engueroff (fls� 308/311)� No mesmo dia, a testemunha arrolada pela acusação, Kelly Margareth Schünemann, foi ouvida no seu domicílio, em razão de seu estado de saúde (fls� 317/319)� A testemunha Raquel da Luz Bortoluzzi, também da acusação, foi ouvida em 14‑12‑2011 (fls� 321/322)� As testemunhas Débora Soares (fls� 325/330), Jussara Izoton (fls� 331/333) e Maria do Carmo Prompt (fls� 334/336), arroladas pela defesa, foram ouvidas em 15‑12‑2011� Em todos os depoimentos, esteve presente o Juiz Instrutor João Carlos Costa Mayer Soares, nos termos do art� 3º, III, da Lei 8�038/1990, c/c o art� 21‑A do RISTF� Colhida a prova oral, o réu foi interrogado, em 16�12�2011, na sala de audiências do STF (fls� 337/339)�

8� À fl� 493, a defesa desistiu da expedição de ofício ao Município de São Leo‑poldo e informou não ter interesse em requerer outras diligências� A Procurado‑ria‑Geral da República, por sua vez, observou divergências entre o depoimento de Maria do Carmo Prompt e as declarações do acusado em interrogatório� Segundo o Parquet, mencionada testemunha de defesa afirmou a existência de um controle escrito das determinações judiciais encaminhadas à Secretaria de Saúde Municipal, ao passo que o acusado afirmou que a tramitação das internações compulsórias era feita verbalmente, em razão da urgência� A fim de esclarecer essa contradição, a acusação requereu a expedição de ofícios à Procuradoria do Município de São Leopoldo, à Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo e ao Hospital Centenário (fls� 504/506)� O pedido ministerial foi deferido às fls� 508/510 e a Fundação Hospital Centenário esclareceu, no Ofício 1�186/SEJ, não constar do Serviço de Arquivos Médicos (SAME) cópia de man‑dado de internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos ou de pedido da Secretaria de Saúde de São Leopoldo para reserva de leito em 17‑11‑2009 (fl� 518)� O Hospital também encaminhou documentos probatórios de atendimentos ambulatoriais do paciente Paulo Saldanha dos Santos e de internações ante‑riores à determinação judicial em questão (fls� 519/579)�

9� A Procuradoria‑Geral do Município também atendeu à determinação da relatoria juntando aos autos o Ofício 0356/2012, acompanhado dos Memoran‑dos 2408/2009 e 2454/2009, nos quais comunicou à Secretaria de Saúde Muni‑cipal de São Leopoldo que haviam sido expedidos os mandados judiciais de internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, em 12‑11‑2009 e em

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17‑11‑2009� Apresentou, também, cópia do controle interno da Procuradoria‑‑Geral do Município, ou seja, uma lista de protocolo de entrega de documentos remetidos daquele órgão para a Secretaria Municipal de Saúde (fls� 583/589)� Mediante o Ofício 25/2012, a Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo/RS prestou esclarecimentos e informou, basicamente, não dispor de sistema informatizado para acompanhamento da tramitação de requerimentos e ofí‑cios (fls� 593/594 e 607/608)�

10� Em 29‑11‑2012, tornou‑se relator o ministro Teori Zavascki�11� Em alegações finais, a Procuradoria‑Geral da República pede a absolvição

do deputado federal Alexandre Rúbio Roso� No que diz respeito ao crime de desobediência (CP, art� 330), o Ministério Público argumenta não ser possível imputar ao acusado a prática do delito, diante da inexistência de provas de que o réu tivesse tomado conhecimento da ordem de internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos� Quanto ao crime de falsidade ideológica (CP, art� 299), sustenta que os elementos colhidos ao longo da instrução demonstram que os autores do ofício acreditavam na veracidade da efetiva internação com‑pulsória de Paulo Saldanha dos Santos, não configurando o especial fim de agir previsto em lei para o crime (fls� 614/618)� A defesa requereu a absolvição do réu nas alegações finais de fls� 614/634�

12� Os autos vieram à revisão em 23‑7‑2013�13� Decido�

I – Quanto ao crime de falsidade ideológica14� É incontroverso nos autos que o réu Alexandre Rubio Rosso, na qualidade

de Secretário de Saúde do Município de São Leopoldo/RS, assinou, em 18‑11‑2009, o Ofício 381/2009, direcionado à procuradora do Município Kelly Margareth Schünemann, cujo teor transcreve‑se a seguir (fl� 206):

Assunto: Processo nº: 33/1.09.0007329-5Natureza: Medida de Proteção ao Idoso Requerente: Ministério Público Requerido: Paulo Saldanha dos SantosAo cumprimentá‑la cordialmente, informamos a Vossa Senhoria, que foi rea‑

lizada a condução, em favor de Paulo Saldanha dos Santos até o Hospital Cente‑nário no dia 17 de novembro do ano corrente�

Sem mais, colocamo‑nos à disposição para maiores informações�Atenciosamente,Alexandre RosoSecretário Municipal de Saúde

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15� Também é incontroverso nos autos que Paulo Saldanha dos Santos não foi internado no Hospital Centenário� Nesse sentido, o réu inseriu uma informação falsa em documento público� No entanto, o tipo penal da falsidade ideológica é doloso por natureza, não se cogitando de qualquer punição na seara criminal pela falsa informação decorrente de conduta culposa� Em verdade, além de exigir o dolo genérico – que consiste na intenção de inserir a declaração falsa –, o tipo penal descrito no art� 299 requer um especial fim do agente: o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante�

16� Na espécie, para a configuração da prática delitiva, esse elemento subjetivo específico seria a vontade de informar, com ciência da falsidade, a internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, de modo a alterar a verdade sobre o cumprimento de uma ordem judicial� Embora o ofício firmado pelo réu tenha sido um indício satisfatório de autoria para o recebimento da denúncia, não é suficiente para a condenação pela prática de falsidade ideológica� Isso porque a mera assinatura documental, isoladamente, não tem o condão de revelar que o agente teria a intenção de inserir uma declaração falsa�

17� No caso concreto, a acusação não demonstrou durante a instrução proba‑tória que o réu, livre e conscientemente, tenha inserido, em documento público, informação que sabia ser falsa� Essa também foi a conclusão a que chegou a Procuradoria‑Geral da República no seguinte trecho das suas alegações finais (fls� 617/618):

14� Em relação ao delito de falsidade ideológica – consistente na falsa declaração assinada pelo acusado de que Paulo Saldanha dos Santos havia sido internado compulsoriamente –, apurou‑se que a chefia de gabinete da Secretaria de Saúde de São Leopoldo/RS foi induzida a erro, sendo‑lhe falsamente informado que a internação havia ocorrido�

15� Sobre esse ponto, merece destaque outro trecho do depoimento de Débora Soares:

“(���) reconhece ter redigido o documento de fls� 106 para o Secretário Municipal de Saúde com a informação equivocada de que teria sido realizada a condução em 17‑11‑2009, de Paulo Saldanha dos Santos até o Hospital Centenário; essa informação foi inserida equivocadamente no Ofício assinado pelo Secretário Municipal de Saúde época acusado, em razão da chefia de gabinete deste haver recebido notícia errada repassada provavelmente pela equipe de coordenação de enfermagem da Secretaria (���)” (fls� 327)

16� Dessa forma, não ocorreu a prática do delito de falsidade ideológica, pois os elementos colhidos ao longo da instrução demonstram que os autores do ofício acreditavam ser verdadeira a efetivação da internação compulsória de Paulo

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Saldanha dos Santos, não configurando o especial fim de agir previsto em lei para o crime�

18� Em resumo, não se demonstrou nos autos que o réu tenha feito uma decla‑ração falsa de forma dolosa� O que se evidencia, em verdade, é a falta do cuidado necessário ao cumprimento de uma ordem judicial� O tipo penal em questão, porém, não pune o descuido�

19� No caso concreto, portanto, não comprovado o elemento subjetivo gené-rico (dolo) e tampouco o elemento subjetivo especial (finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante), o réu deve ser absolvido da imputação de prática de falsidade ideológica (CP, art� 299) por atipicidade da conduta (CP, art� 386, III)�

II – Quanto ao crime de desobediência20� No que diz respeito à imputação do crime de desobediência (Código

Penal, art� 330), operou‑se a perda do jus puniendi estatal em razão da prescrição, calculada com base na pena máxima cominada em abstrato� O tipo em questão comina pena máxima de seis meses� Como os fatos descritos na denúncia são anteriores à Lei 12�234/2010, a prescrição opera‑se em dois anos. Esse lapso já foi superado desde o recebimento da denúncia, em 1º-12-2012 (fl. 151)�

21� Embora tenha ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, havendo a possibilidade de se concluir, prima facie e sem necessidade de exame aprofun-dado do material probatório, pela absolvição, opta‑se por esta medida, por ser mais favorável ao réu� Com efeito, à luz do mesmo raciocínio desenvolvido na análise do delito de falsidade ideológica, considerando que o acusado pensava estar informando corretamente a internação compulsória de Paulo Saldanha dos Santos, é impossível inferir de sua conduta a intenção de desobedecer à ordem emanada do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de São Leopoldo/RS� A propósito, confira‑se o seguinte trecho das alegações finais apresentadas pela Procuradoria‑Geral da República:

11� Logo, não se pode imputar ao acusado a prática do delito de desobediência, pois não há provas de que teve conhecimento da ordem de internação compul‑sória de Paulo Saldanha dos Santos�

12� Ademais, segundo informado pela então chefe de gabinete do acusado, Débora Soares, foram tomadas as medidas necessárias para cumprimento da ordem judicial, sendo a determinação de internação compulsória repassada por meio telefônico à coordenadoria de enfermagem da Secretaria de Saúde�

13� Todavia, não se sabe a razão que levou ao descumprimento da ordem� A difi‑culdade na apuração da responsabilidade pela inobservância do mandado judicial

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reside na forma em que as determinações eram comunicadas aos setores da Secretaria de Saúde de São Leopoldo/RS responsáveis pela adoção das medidas cabíveis: por meio telefônico�

22� Diante do exposto, voto pela absolvição quanto à imputação da prática do delito de falsidade ideológica (CP, art� 299), com fundamento no art� 386, III, do Código de Processo Penal� No que diz respeito ao crime de desobediên-cia (CP, art� 330), em que pese estar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva (CP, art� 107, IV, c/c art� 109, VI, e 117, I), voto também pela absolvição, nos termos do art� 386, III, do CPP, por ser medida mais favorável ao réu e pela circunstância especial de não haver necessidade de exame mais aprofundado do material probatório�

EXPLICAÇÃO

O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): Presidente, não há um problema importante, porque, se não tivesse ocorrido a prescrição, ainda assim eu teria absolvido e até tinha incluído isso no meu voto, porque ser absolvido eviden‑temente é melhor do que ter extinta a punibilidade, mas como a extinção da punibilidade é uma prejudicial, eu acho que essa é a hipótese�

O sr. ministro Teori Zavascki (relator): A denúncia foi recebida realmente em 10‑12‑2010� O Ministério Público não alegou prescrição, nem o acusado�

O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): Eu percebi�Presidente, o fato teria ocorrido em 18‑11‑2009 quando o acusado teria infor‑

mado, falsamente, haver cumprido ordem judicial que determinou a internação compulsória do toxicômano fulano de tal� Portanto, 18‑11‑2009�

A denúncia, como registrou o ministro Teori, foi recebida dia 12‑12‑2010� O fato ocorreu antes da Lei 12�234/2010, que majorou o prazo de prescrição�

Então, como a pena máxima do crime de desobediência era de seis meses, já ocorreu o lapso de dois anos� É como eu estou raciocinando, Ministro Teori�

O sr. ministro Teori Zavascki (relator): Realmente, não foi alegado�O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): Vossa Excelência tem toda razão�De modo que eu estava propondo, como ementa do meu voto���O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Se a denúncia foi recebida em

2010, não tem interrupção�O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): Não, a denúncia foi recebida em

2010� O fato é de 2009�O sr. ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, penso que o Tribunal

avançou na matéria� O pronunciamento pela absolvição é mais favorável ao

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acusado, e a prescrição não deixa de ser mérito, ficando sempre a dúvida quanto à imputação havida�

O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Sem dúvida, é melhor ser absolvido�

O sr. ministro Roberto Barroso (revisor): Bom, seja como for, a minha posi‑ção é que está prescrito� E, de todo modo, eu absolveria� De modo que acho que o ministro Teori e eu temos uma posição convergente, apenas, acertamos como fazer o dispositivo�

O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente): Variação de fundamento�

EXTRATO DA ATA

AP 633/RS — Relator: Ministro Teori Zavascki� Revisor: Ministro Roberto Bar‑roso� Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (Procurador: Procurador‑geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul)� Réu: Alexandre Rubio Roso (Advogado: Jefferson Oliveira Soares)�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, julgou improcedente a ação penal para absolver o réu Alexandre Rubio Roso� Votou o presidente, ministro Joaquim Barbosa� Ausentes, justificadamente, o ministro Celso de Mello, a ministra Cármen Lúcia, em viagem oficial para participar do Programa del VI Observatorio Judicial Electoral e do Congresso Internacional de Derecho Electoral, promovidos pela Comissão de Veneza, na Cidade do México, e o ministro Dias Toffoli�

Presidência do ministro Joaquim Barbosa� Presentes à sessão os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso� Vice‑procuradora‑geral da República, doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho�

Brasília, 24 de outubro de 2013 — Luiz Tomimatsu, assessor‑chefe do Plenário�

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AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.489 — AM

Relator: O sr. ministro Eros GrauRelator para o acórdão: O sr. ministro Dias ToffoliAgravante: José Souza NascimentoAgravados: Companhia Tropical de Hotéis da Amazônia

T. Loureiro Engenharia e Construção Ltda. Amaplac – Industria de Madeiras S.A.

Processual civil� Ação rescisória� Agravo regimental� Acórdão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal� Substituição do acórdão� Impossibilidade jurídica do pedido�

1� Do preceito veiculado pelo art� 512 do Código de Processo Civil decorre que o pedido rescisório deve referir‑se à última decisão de mérito proferida na causa�

2� O acórdão prolatado no RE 108�948 substituiu a decisão colegiada do Tribunal amazonense ao apreciar a questão federal controver‑tida, ainda que a conclusão seja pelo não conhecimento do recurso� Incide, no caso, o teor da Súmula 249/STF� Se a questão federal foi examinada, ainda que repelida, a competência para a ação rescisória é do Supremo Tribunal Federal� Objeto de eventual rescisão seria o acórdão prolatado pelo STF, não o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas�

3� Os argumentos apresentados no agravo regimental são insufi‑cientes para desconstituir a decisão agravada� O pedido deduzido na ação é juridicamente impossível, dado que o acórdão que se pretende

AO 1�489 AgR

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AO 1.489 AgR

desconstituir não prevalece em face de julgado posterior dotado de efeito substitutivo�

4� Agravo regimental a que se nega provimento�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unani‑midade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do relator�

Brasília, 10 de novembro de 2010 — Dias Toffoli, relator para o acórdão�

RELATÓRIO

O sr. ministro Eros Grau: A decisão agravada tem o seguinte teor:

Trata‑se de ação rescisória, autuada sob a classe de ação originária, para des‑constituir acórdão prolatado pelo TJ/AM em embargos infringentes�

2� O Tribunal local admitiu a ocorrência de prescrição aquisitiva do imóvel em ação reivindicatória, extinguindo o feito com apreciação do mérito [art� 269, IV, do CPC]� Os autos foram remetidos a esta Corte após a declaração de suspeição de mais da metade dos desembargadores do tribunal amazonense�

3� O autor aponta a existência de três vícios que importariam na rescisão do aresto: (i) falsidade de prova; (ii) violação a literal disposição do artigo 168, IV, do Código Civil de 1916; e (iii) erro de fato no acórdão rescindendo�

4� O acórdão rescindendo foi objeto de recurso extraordinário [RE 108�948, rel� p/ o ac� min� CÉLIO BORJA, DJ de 23‑9‑1988]�

5� O recorrente sustentava nas razões do extraordinário a negativa de vigên‑cia: (i) dos artigos 394, 395 e 266 do CPC, porquanto sobreveio sentença, quando a hipótese seria de suspensão do processo; (ii) dos artigos 267, 295 e 467 do CPC, em virtude do desentranhamento de um incidente de falsidade documental; e (iii) dos artigos 330, I, e 269, IV, do CPC, eis que o acórdão recorrido considerou válido o julgamento antecipado da lide que reconheceu a prescrição aquisitiva�

6� O Relator do feito, Ministro CARLOS MADEIRA, dava provimento ao recurso� Entendeu vulnerados os artigos 330, I, e 269, IV, do CPC�

7� O Ministro CÉLIO BORJA, embora tenha concluído seu voto‑vista pelo não conhecimento do recurso, apreciou a questão federal controvertida para reco‑nhecer a ausência de violação dos preceitos processuais� Aplica‑se, na espécie, a Súmula n� 249 desta Corte�

8� O acórdão prolatado no julgamento do RE n� 108�948 substituiu a decisão

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AO 1.489 AgR

colegiada do Tribunal amazonense [art� 512 do CPC]� Objeto de eventual resci‑são seria eventualmente o acórdão prolatado pelo Supremo, não o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas�

9� O pedido ora deduzido é juridicamente impossível, na medida em que o acór‑dão que se pretende desconstituir não prevalece em face de julgado posterior dotado de efeito substitutivo�

Julgo extinto o presente feito sem apreciação do mérito, nos termos do disposto no artigo 267, VI, do CPC c/c artigo 21, § 1º, do RISTF�

2� O agravante sustenta que a Súmula 249/STF não se aplica à hipótese dos autos, mas sim a Súmula 515/STF� Afirma que o acórdão que julgou o recurso extraordinário substitui a decisão rescindenda apenas no que foi objeto de impugnação recursal e que nele foram discutidas somente questões distintas das suscitadas na presente ação rescisória�

3� O objeto da rescisória constituiria o próprio mérito do acórdão rescindendo, que tomou por base prova falsa� O interesse processual estaria demonstrado pelo fato de o reconhecimento da falsidade da prova do domínio do réu impli‑car exclusão da prova do exercício da sua posse sobre o imóvel e, portanto, constituir motivo suficiente para a negativa do usucapião reconhecido nas instâncias inferiores�

4� Requer o provimento do agravo regimental para o fim de que a decisão agravada seja reformada, determinando‑se o prosseguimento da ação�

5� O parecer do Ministério Público Federal é pelo desprovimento do recurso�É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Eros Grau (relator): O Supremo Tribunal Federal, ao decidir pelo não conhecimento do recurso extraordinário interposto em face da decisão pro‑latada nos embargos infringentes, apreciou as questões controvertidas e o próprio mérito da questão, inclusive no que tange à prescrição aquisitiva do domínio�

2� Do preceito veiculado pelo art� 512 do Código de Processo Civil decorre que o pedido rescisório deve estar referido à última decisão de mérito proferida na causa�

3� O acórdão prolatado no RE 108�948 substituiu a decisão colegiada do Tri‑bunal amazonense ao apreciar a questão federal controvertida e concluir pela ausência de violação dos preceitos processuais, ainda que o relator para o acór‑dão, o ministro Célio Borja, tenha concluído seu voto‑vista pelo não conhe‑cimento do recurso� Incide, no caso, a Súmula 249/STF� O acórdão concluiu

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AO 1.489 AgR

pelo não conhecimento do recurso, após, repita‑se, o exame da questão federal controvertida� Se a questão federal foi examinada, ainda que repelida, a com‑petência para a ação rescisória é do Supremo Tribunal Federal�

4� O que se requereu nesta ação foi a desconstituição do acórdão substituído, aquele que julgou os embargos infringentes, não do acórdão substitutivo, o que examinou o recurso extraordinário� O acórdão prolatado no julgamento do RE 108�948 substituiu a decisão colegiada do Tribunal Amazonense [art� 512 do CPC]�

5� Objeto de eventual rescisão seria o acórdão prolatado pelo Supremo Tri‑bunal Federal, não o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas�

6� Os argumentos esgrimidos no presente agravo regimental são insuficien‑tes para desconstituir a decisão agravada� O pedido deduzido na ação é juri‑dicamente impossível, dado que o acórdão que se pretende desconstituir não prevalece em face de julgado posterior, dotado de efeito substitutivo�

Nego provimento ao agravo regimental�

EXTRATO DA ATA

AO 1�489 AgR/AM — Relator: Ministro Eros Grau� Agravante: José Souza Nas‑cimento (Advogados: Samuel Cavalcante da Silva e outros)� Agravados: Com‑panhia Tropical de Hotéis da Amazônia (Advogado: Pedro Augusto de Freitas Gordilho), T� Loureiro Engenharia e Construção Ltda� (Advogados: Luiz Carlos Lopes Madeira e outros), Amaplac – Indústria de Madeiras S�A� (Advogado: Aristofanes Castro Filho)�

Decisão: Após o voto do ministro Eros Grau (relator), negando provimento ao recurso de agravo, pediu vista dos autos o ministro Dias Toffoli� Ausentes, licenciado, o ministro Joaquim Barbosa e, neste julgamento, a ministra Ellen Gracie� Presidência do ministro Cezar Peluso�

Presidência do ministro Cezar Peluso� Presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli� Procurador‑geral da Repú‑blica, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos�

Brasília, 16 de junho de 2010 — Luiz Tomimatsu, secretário�

VOTO-VISTA

O sr. ministro Dias Toffoli: Como bem relatado pelo eminente ministro Eros Grau:

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AO 1.489 AgR

A decisão agravada tem o seguinte teor:“Trata‑se de ação rescisória, autuada sob a classe de ação originária, para desconstituir acórdão prolatado pelo TJ/AM em embargos infringentes�

2� O Tribunal local admitiu a ocorrência de prescrição aquisitiva do imóvel em ação reivindicatória, extinguindo o feito com apreciação do mérito (art� 269, IV, do CPC)� Os autos foram remetidos a esta Corte após a declaração de suspeição de mais da metade dos desembargadores do Tribunal amazonense�

3� O autor aponta a existência de três vícios que importariam na rescisão do aresto: (i) falsidade de prova; (ii) violação a literal disposição do artigo 168, IV, do Código Civil de 1916; e (iii) erro de fato no acórdão rescindendo�

4� O acórdão rescindendo foi objeto de recurso extraordinário (RE 108�948, rel� p/ o ac� min� CÉLIO BORJA, DJ de 23‑9‑1988)�

(���)8� O acórdão prolatado no julgamento do RE n� 108�948 substituiu a decisão

colegiada do Tribunal amazonense (art� 512 do CPC)� Objeto de eventual res‑cisão seria eventualmente o acórdão prolatado pelo Supremo, não o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas�

9� O pedido ora deduzido é juridicamente impossível, na medida em que o acórdão que se pretende desconstituir não prevalece em face de julgado posterior dotado de efeito substitutivo�

Julgo extinto o presente feito sem apreciação do mérito, nos termos do dis‑posto no artigo 267, VI, do CPC c/c artigo 21, § 1º, do RISTF�”

2� O agravante afirma que a Súmula 249/STF não se aplica à hipótese dos autos e sim a Súmula 515/STF, afirmando, para tanto, que o acórdão que julgou o recurso extraordinário substitui a decisão rescindenda apenas no que foi objeto de impug‑nação recursal e nele foram discutidas somente questões distintas das suscitadas na presente ação rescisória�

3� O objeto da rescisória constituiria o próprio mérito do acórdão rescindendo, que tomou por base prova falsa� O interesse processual estaria demonstrado pelo fato de o reconhecimento da falsidade da prova do domínio do réu implicar exclu‑são da prova do exercício da sua posse sobre o imóvel e, portanto, constituir motivo suficiente para a negativa do usucapião reconhecido nas instâncias inferiores�

4� Requer o provimento do agravo regimental para o fim de que a decisão agra‑vada seja reformada, determinando‑se o prosseguimento da ação�

5� O parecer do Ministério Público Federal é pelo desprovimento do recurso�

O ministro relator Eros Grau, em sessão plenária de 16‑6‑2010, proferiu seu voto no sentido de negar provimento ao agravo regimental� Segundo ressaltou o eminente ministro:

O Supremo Tribunal Federal, ao decidir pelo não conhecimento do recurso extraordinário interposto em face da decisão prolatada nos embargos

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infringentes, apreciou as questões controvertidas e o próprio mérito da ques‑tão, inclusive no que tange à prescrição aquisitiva do domínio�

2� Do preceito veiculado pelo art� 512 do Código de Processo Civil decorre que o pedido rescisório deva estar referido à última decisão de mérito proferida na causa�

3� O acórdão prolatado no RE 108�948 substituiu a decisão colegiada do Tribunal amazonense ao apreciar a questão federal controvertida e concluir pela ausên‑cia de violação dos preceitos processuais, ainda que o relator para o acórdão, o ministro Célio Borja, tenha concluído seu voto‑vista pelo não conhecimento do recurso� Incide, no caso, o teor da Súmula 249/STF� O acórdão concluiu pelo não conhecimento do recurso, após, repita‑se, o exame da questão federal contro‑vertida� Se a questão federal foi examinada, ainda que repelida, a competência para a ação rescisória é do Supremo Tribunal Federal�

4� O que se requereu nesta ação foi a desconstituição do acórdão substituído, aquele que julgou os embargos infringentes, não do acórdão substitutivo, aquele que examinou o recurso extraordinário� O acórdão prolatado no julgamento do RE 108�948 substituiu a decisão colegiada do Tribunal amazonense (art� 512 do CPC)�

5� Objeto de eventual rescisão seria o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, não o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas�

6� Os argumentos esgrimidos no presente agravo regimental são insuficientes para desconstituir a decisão agravada� O pedido deduzido na ação é juridica‑mente impossível, dado que o acórdão que se pretende desconstituir não preva‑lece em face de julgado posterior dotado de efeito substitutivo�

Naquela ocasião, pedi vista dos autos para melhor apreciar a questão�Passo a proferir o meu voto�Desde logo, antecipo que acompanho o voto proferido pelo eminente minis‑

tro Eros Grau�Com efeito, o pedido da rescisória é juridicamente impossível, uma vez que

o acórdão que julgou o extraordinário efetivamente substituiu o acórdão res‑cindendo� O objeto da presente rescisória deveria ser o acórdão prolatado por este Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 108�948, e não o acórdão do Tribunal de Justiça do Amazonas, como pretende o agravante�

Mediante análise mais detida do pedido inicial da rescisória e do acórdão do RE 108�948, verifica‑se que a Segunda Turma desta Corte apreciou todas as questões federais controvertidas e os mesmos questionamentos apresentados na presente ação originária, discutindo especificamente cada ponto levado ao seu conhecimento�

Desse modo, não assiste razão ao agravante quando afirma que o acórdão proferido no recurso extraordinário teria se pronunciado apenas sobre seus pres‑supostos e seus aspectos legais, não analisando o mérito da ação reivindicatória�

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Na verdade, toda a controvérsia gira em torno do fato de a sentença proferida pelo Juízo de Primeira Instância ter acolhido as prescrições extintiva e aqui‑sitiva da propriedade, extinguindo o processo com julgamento de mérito, nos termos do art� 269, IV, do CPC�

Já na ementa do acórdão deste Tribunal, verifica‑se que a questão da pres‑crição foi objeto de análise:

Ação reivindicatória� Reconhecida a prescrição aquisitiva do domínio e, via de consequência, a extintiva do direito de ação, não afronta o art� 330, I, do Código de Processo Civil, declarar‑se extinto o processo de acordo com o disposto em seu artigo 269, IV, sendo certo que o incidente de falsidade relativo à titulação da área fora desentranhado dos autos – decisão que transitou em julgado – patente, ademais, a inutilidade dessa arguição porque consumado o usucapião� Fato interruptivo da prescrição tido como incomprovado pelas instâncias originárias� Questão cujo reexame é vedado ao STF, a teor da Súmula 279� RE não conhecido� [RE 108�948, rel� p/ o ac� min� Célio Borja, Segunda Turma, DJ de 23‑9‑1988�]

Nesse sentido, confira‑se, ainda, o seguinte trecho do voto‑vista do minis‑tro Célio Borja, no qual se observa que houve o exame da alegada violação ao art� 168, IV, do Código Civil de 1916:

Em suas razões e, particularmente, no memorial do ilustre advogado dos recor‑rentes, Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, sustenta-se que a prescrição extintiva e a aquisitiva não poderiam ser decretadas porque os autores, ora recorrentes, invocaram “na réplica à contestação e na resposta à reconvenção (que embutia, relembre-se também, ação de usucapião) (...) a causa legal de suspensão do curso da prescrição, prevista no art. 166, IV, do Código Civil (v. nº 2 retro)” (item 19 do Memorial)�

(���)Refere‑se, por certo, o memorial ao artigo 168, IV, do Código Civil: a prescrição

não corre em favor do mandatário e das pessoas que lhe são equiparadas, contra o mandante e as pessoas representadas, ou seus, herdeiros, quanto ao direito e obrigações confiados à sua guarda.

Essa causa impeditiva de prescrição foi suscitada pelos recorrentes, na tré-plica (v� fls� 382/383)�

(���)Ainda que se faça tábula rasa da possibilidade processual do depoimento de

D� Magnólia, penso que a decisão proferida nos embargos infringentes infir-mou o valor probante, ou indiciário, da carta de fls. 467, tendo, assim, por não demonstrado o fato interruptivo da prescrição�

Também foi objeto de análise no recurso extraordinário a alegação de falsi‑dade da prova apresentada� Segundo os autores, o acórdão rescindendo ter‑se‑ia

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baseado em certidão falsa, que estabelecia a anterioridade do título de Felipe Joa‑quim (antecessor dos réus), em relação ao de Leonardo Malcher (antecessor dos autores), quando, na realidade, esta antecederia aquela em mais de quatro meses�

Como se observa a seguir, a inutilidade da prova acerca da falsidade do documento referido pelo autor foi exaustivamente analisada pelo eminente ministro Célio Borja, in verbis:

Esclareça‑se não estar obrigado o Juiz a dar seguimento ao incidente quando lhe constate a impertinência�

Nesse sentido, há precedente desta Corte (RE 86�606/GO, Primeira Turma, in RTJ 90/936) no qual o Relator, eminente ministro CUNHA PEIXOTO, afirma:

“��� a arguição de falsidade deve ser repelida in limine se o documento não tem qualquer influência na decisão da causa�

Ensina Pontes de Miranda: (���)”Foi esse voto condutor sufragado pelo saudoso ministro RODRIGUES ALCKMIN

que admitiu pudesse ser o incidente desprezado, à vista das mais provas colhidas�

No caso, o efeito indeferitório do despacho parece‑me evidente por duas razões: porque tinha por inepta a arguição e porque não influente no desfecho da causa, tanto assim que, o MM� Juiz antecipou‑o, julgando extinto o processo, com jul‑gamento de mérito, autorizado pelo artigo 269, IV, CPC (���)�

Destarte, tendo este Supremo Tribunal Federal apreciado no RE 108�948 as questões federais suscitadas, ocorreu, de fato, a substituição do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, o que, nos termos do art� 512 do Código de Processo Civil, evidencia a impossibilidade jurídica da presente ação originária� Nesse sentido, confira‑se o seguinte julgado da Corte:

Processual civil� Ação rescisória� Acórdão da Segunda Turma do Supremo Tri-bunal Federal, pelo qual foi reformada decisão do Primeiro Tribunal de Alçada de São Paulo, que concluíra pela constitucionalidade do Decreto 2�601/1973, do Município de Jundiaí, relativo à base de cálculo do IPTU� Impossibilidade jurídica do pedido, em face da regra do art. 512 do CPC, tendo em vista que a decisão impugnada fora substituída por acórdão proferido pelo STF, ao julgar embargos de divergência contra ela tempestivamente opostos� Processo extinto sem apreciação do mérito� [AR 1�112/SP, rel� min� Ilmar Galvão, DJ de 11‑9‑1992�]

Assim sendo, acompanho o voto do eminente relator, negando provimento ao agravo�

É como voto.

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ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas duas palavras�O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Pois não, Ministro Marco Aurélio�

Vossa Excelência está com a palavra�O sr. ministro Marco Aurélio: Este incidente decorre do fato de, durante

muito tempo, termos adotado a nomenclatura não conhecimento, quando, na verdade, se adentrava o mérito da controvérsia e se afastava a violência à lei�

Esse procedimento foi objeto de crítica em obra doutrinária do nosso colega José Carlos Barbosa Moreira� Evoluímos� A situação concreta: foi ajuizada a rescisória contra o que se entendeu a última decisão de mérito no processo, que seria do Tribunal de Justiça� Ocorreu o deslocamento para o Supremo, sob o ângulo da competência, tendo em conta a alínea n do inciso I do art� 102 da Constituição Federal, e o relator, então, percebeu que o acórdão – da Segunda Turma – substituíra o prolatado pelo Tribunal de Justiça� E, como não se pode‑ria alterar o pedido formalizado pelo autor da rescisória, extinguiu o processo revelador dessa ação de impugnação autônoma, sem julgamento de mérito�

Penso que é irreprochável essa conclusão; por isso, acompanho o relator�O sr. ministro Dias Toffoli: O pronunciamento de Vossa Excelência me

conforta, pela posição tomada�

EXPLICAÇÃO

O sr. ministro Dias Toffoli: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Vossa Excelência fará a redação

do acórdão?O sr. ministro Dias Toffoli: Fico como redator do acórdão�O sr. ministro Marco Aurélio: Relator designado�O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Aí não é nem simplesmente reda‑

tor, é relator para o acórdão�O sr. ministro Marco Aurélio: Não, é relator, porque não pode desprezar o

relatório que foi feito pelo antecessor� É redator, e o Regimento prevê que, ficando vencido o relator, ou não estando mais no Tribunal, se designará para redigir o acórdão – e quem redige é redator e não relator – aquele que votou em primeiro lugar, ou segundo considerado o relator, no sentido da corrente majoritária�

O sr. ministro Ayres Britto (presidente): Tem razão� Então, Vossa Excelência fica designado como redator do acórdão�

O sr. ministro Marco Aurélio: Parece que alguns não gostam muito dessa nomenclatura�

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EXTRATO DA ATA

AO 1�489 AgR/AM — Relator: Ministro Eros Grau� Redator para o acórdão: Minis‑tro Dias Toffoli� Agravante: José Souza Nascimento (Advogados: Samuel Caval‑cante da Silva e outros)� Agravados: Companhia Tropical de Hotéis da Amazô‑nia (Advogado: Pedro Augusto de Freitas Gordilho), T� Loureiro Engenharia e Construção Ltda� (Advogados: Luiz Carlos Lopes Madeira e outros), Amaplac – Indústria de Madeiras S�A� (Advogado: Aristofanes Castro Filho)�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos terrnos do voto do relator, negou provimento ao recurso de agravo� Redigirá o acórdão o ministro Dias Toffoli� Ausentes o ministro Cezar Peluso (presidente), em representação para participar de compromissos na Suprema Corte Americana, em Washington, e para profe‑rir palestra sobre o Sistema Judiciário Brasileiro, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, e, justificadamente, a ministra Ellen Gracie e o ministro Gilmar Mendes� Presidiu o julgamento o ministro Ayres Britto (vice‑presidente)�

Presidência do ministro Ayres Britto (vice‑presidente)� Presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli� Procurador‑geral da Re ‑pública, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, e subprocuradora‑geral da República a doutora Sandra Cureau�

Brasília, 10 de novembro de 2010 — Luiz Tomimatsu, secretário�

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REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.638 — DF

Relator: O sr. ministro Marco AurélioRequerente: Associação dos Magistrados Brasileiros Interessado: Presidente do Conselho Nacional de Justiça Amicus curiae : Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

PROCESSO OBJETIVO – LIMINAR – ATUAÇÃO DO RELATOR – REFERENDO PARCIAL� Atuando o relator em período no qual o Colegiado não esteja reunido, cumpre submeter a cautelar na abertura dos trabalhos� Refe‑rendo parcial implementado pela ilustrada maioria nos termos da ata do julgamento�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em afastar a preliminar suscitada pelo procurador‑geral da República, por maioria, em referendar o indeferimento da liminar em relação ao art� 2º da Resolução 135, do Conselho Nacional de Justiça, vencidos os ministros Cezar Peluso (presidente) e Luiz Fux, que davam, cada qual nos termos dos respectivos votos, interpretação conforme, por unanimi‑dade, em referendar o indeferimento da liminar quanto ao art� 3º, V, do mesmo diploma, por maioria, em referendar o deferimento da medida acauteladora quanto ao art� 3º, § 1º, vencidos a ministra Cármen Lúcia e ministro Joaquim Bar‑bosa, por maioria, em referendar o indeferimento da liminar relativamente ao art� 4º da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça, vencidos os ministros

ADI 4�638 MC‑REF

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ADI 4.638 MC-REF

Cezar Peluso (presidente) e Luiz Fux, por unanimidade, em referendar a decisão liminar quanto ao art� 20, cabeça, em relação aos arts� 8º e 9º, cabeça e § 2º e § 3º, em referendar a medida acauteladora para dar interpretação conforme no sentido de, onde conste presidente ou corregedor, ler‑se órgão competente do tribunal, por maioria, quanto ao art� 10, em dar interpretação conforme para, excluindo a expressão “por parte do autor da representação”, entender‑se que a norma viabiliza recurso por parte do interessado, seja ele o magistrado contra o qual se instaura o procedimento, seja o autor da representação arquivada, vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que mantinham a liminar nos termos do voto do relator, e, em parte, a ministra Rosa Weber, que a indeferia, por maioria, no tocante ao art� 12, cabeça e parágrafo único, em negar referendo à liminar concedida, vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Celso de Mello e presidente, bem como o ministro Ricardo Lewandowski, que deferia a medida acauteladora para conferir interpretação conforme ao dispositivo, de modo a assentar que a com‑petência correicional do Conselho Nacional de Justiça é de natureza material ou administrativa comum, nos termos do art� 23, I, da Constituição Federal, tal como aquela desempenhada pelas corregedorias dos tribunais, cujo exercício depende de decisão motivada apta a afastar a competência disciplinar destes, nas situações anômalas caracterizadas no voto do ministro Celso de Mello no MS 28�799/DF, por maioria, quanto aos § 3º, § 7º, § 8º e § 9º do art� 14, cabeça, aos incisos IV e V do art� 17, cabeça, e ao § 3º do art� 20 da Resolução 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça, em negar referendo à medida acauteladora, vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cezar Peluso (presidente), que a referendavam, e o ministro Luiz Fux, que a referendava parcialmente, por maioria, em referendar a liminar concedida quanto ao § 1º do art� 15, vencida a ministra Rosa Weber, por maioria, no tocante ao parágrafo único do art� 21 da mencionada norma, em dar interpretação con‑forme à Carta da República para entender que deve haver votação específica de cada uma das penas disciplinares aplicáveis a magistrados até que se alcance a maioria absoluta dos votos, consoante o art� 93, VIII, da Constituição, vencidos os ministros relator, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, e, por maioria, em autorizar os ministros a decidirem monocraticamente matéria em consonân‑cia com o entendimento firmado nesta ação direta de inconstitucionalidade, vencido o ministro relator�

Brasília, 8 de fevereiro de 2012 — Marco Aurélio, relator�

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ADI 4.638 MC-REF

RELATÓRIO

O sr. ministro Marco Aurélio: Eis o teor da decisão mediante a qual deferi a medida acauteladora:

MAGISTRATURA – PREDICADOS E VALORES – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ATUAÇÃO – AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS – ENVERGADURA CONSTITUCIONAL – CONCILIAÇÃO�

1� Ao confeccionar relatório e voto, fiz ver no início deste último:

Trago este processo para apreciação imediata do pedido de concessão de medida acauteladora, presentes a envergadura da matéria, a relevância da causa de pedir lançada na inicial e, sobretudo, o risco de manter‑se com plena eficácia os dis‑positivos atacados, aptos a sujeitar os magistrados brasileiros, à exceção dos ministros do Supremo, às regras previstas na Resolução 135, de 2011, editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)�

Liberado o processo para apreciação do pedido de concessão de medida acauteladora pelo Plenário, em 5 de setembro deste ano, esteve na pauta diri‑gida alusiva às sessões de: 14, 21 e 28 de setembro, 5, 13, 19 e 26 de outubro, 3, 16, 23 e 30 de novembro, 7 e 14 de dezembro� O pregão não aconteceu, apesar da preferência legal e regimental concernente a pleito de liminar, não havendo sido acionado o disposto no art� 12 da Lei 9�868/1999�

Nesta data – 19 de dezembro de 2011 –, houve a última sessão do Plenário do Ano Judiciário� Continuo convencido da urgência do exame do pedido formu‑lado� Reconheço que, conforme o preceito do art� 21, IV, do Regimento Interno, incumbia‑me submetê‑lo ao Colegiado Maior� Fi‑lo, observando a lei interna� Encerrados os trabalhos, abre‑se a oportunidade para o acionamento do dis‑posto no inciso V do referido artigo do Regimento Interno, a sinalizar ser atribui‑ção do relator “determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad referendum do Plenário ou da Turma”� Daí a providência que ora implemento, presente a circunstância de o processo ter sido incluído na pauta de várias ses‑sões do Plenário, no total de treze, isso sem considerar as outras que ocorreram após a liberação para o crivo do Colegiado�

2� Eis as informações prestadas pela Assessoria:

A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB insurge‑se contra a Resolução 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, que “dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo discipli‑nar aplicável aos magistrados, acerca dos ritos e das penalidades, e dá outras providências”�

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ADI 4.638 MC-REF

Inicialmente, sustenta a inconstitucionalidade formal da integralidade do ato atacado, porque versa ora sobre matéria cuja competência é privativa dos tribu‑nais (CF, art� 96, I e III), ora sobre tema reservado a lei complementar (CF, art� 93, cabeça, VIII e X)� Aponta o descompasso entre a Carta da República e os dispo‑sitivos da Resolução transcritos a seguir:

“Art� 2º Considera‑se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência adminis‑trativa definida na Constituição e nas leis próprias�

Art� 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

(���)V – aposentadoria compulsória;(���)§ 1º As penas previstas no art� 6º, § 1º, da Lei n� 4�898, de 9 de dezembro de

1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complementar n� 35, de 1979�

(���)Art� 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo,

está sujeito à pena de advertência� Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave�

(���)Art� 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente

ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo�

Parágrafo único� Se da apuração em qualquer procedimento ou processo administrativo resultar a verificação de falta ou infração atribuída a magis‑trado, será determinada, pela autoridade competente, a instauração de sindi‑cância ou proposta, diretamente, ao Tribunal, a instauração de processo admi‑nistrativo disciplinar, observado, neste caso, o art� 14, caput, desta Resolução�

Art� 9º A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo‑se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante�

§ 1º Identificados os fatos, o magistrado será notificado a fim de, no prazo de cinco dias, prestar informações�

§ 2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame�

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ADI 4.638 MC-REF

§ 3º Os Corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comuni‑carão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados�

Art� 10� Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação�

(���)Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação

de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça�

Parágrafo único� Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução aplicam‑se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrati‑vas praticadas pelos Magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem�

(���)Art� 14� Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado

respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes�

(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�(���)§ 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou

o Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor�§ 8º Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento prepa‑

ratório, ainda que não seja mais o Corregedor�§ 9º O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para

ser concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instru‑ção e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial�

Art� 15� O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do pro‑cesso administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afas‑tamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral�

§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelar‑mente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo adminis‑trativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar�

§ 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu

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ADI 4.638 MC-REF

local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função�

(���)Art� 17� Após, o relator determinará a citação do Magistrado para apresentar

as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encami‑nhando‑lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo admi‑nistrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando‑se que:

(���)IV – considerar‑se‑á revel o magistrado que, regularmente citado, não apre‑

sentar defesa no prazo assinado;(���)V – declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao reque‑

rido, concedendo‑lhe igual prazo para a apresentação de defesa�Art� 18� Decorrido o prazo para a apresentação da defesa prévia, o relator

decidirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas reque‑ridas, determinando de ofício as que entender necessárias�

(���)Art� 20� O julgamento do processo administrativo disciplinar será reali‑

zado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias�

§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�§ 4º Os Tribunais comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo

de 15 dias da respectiva sessão, os resultados dos julgamentos dos processos administrativos disciplinares�

Art� 21� A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial�

Parágrafo único� Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar‑se‑á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos�

(���)”Volta‑se contra a denominação de “tribunal” emprestada, no art� 2º, ao Conselho

Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal� Conforme argumenta, o uso do termo resulta em modificação da natureza normativa dos Órgãos, que podem considerar‑se habilitados a promover atos típicos da atividade‑fim do Poder Judi‑ciário, o que seria inadmissível, porquanto a Carta da República conferiu‑lhes mera atribuição administrativa�

Assinala que o inciso V do art� 3º exclui, na aplicação da sanção disciplinar de aposentadoria compulsória, o direito ao recebimento de vencimentos propor‑cionais e contraria os textos da parte final do art� 103‑B, § 4º, III, da Constitui‑ção Federal e do inciso V do art� 42 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional� Segundo assevera, o dispositivo atacado acaba por violar garantia constitucional do magistrado e revela invasão da competência do legislador complementar�

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ADI 4.638 MC-REF

No tocante ao § 1º do art� 3º, diz da inviabilidade de submeter os juízes às penas administrativas versadas na Lei 4�898, de 1965, ou a qualquer outro regime jurí‑dico disciplinar que não seja o previsto na Lei Orgânica da Magistratura ou o estabelecido por lei complementar de iniciativa do Supremo� Menciona prece‑dentes do Tribunal no sentido da impossibilidade de concorrência entre dois regimes de responsabilidade político‑administrativa para agentes políticos e alega aplicar‑se a mesma lógica à espécie�

Busca demonstrar a inconstitucionalidade do art� 4º, a prever as penas de adver‑tência e de censura� Alude aos arts� 43 e 44 da Lei Orgânica da Magistratura, consoante os quais as sanções referidas devem ser aplicadas reservadamente e por escrito� Sustenta ter o texto contestado suprimido a exigência de sigilo na imposição das sanções� Defende que apenas outro Estatuto da Magistratura poderia inovar sobre o tema, nos termos do art� 93, IX, da Constituição Federal�

Quanto ao art� 20, anota ser do interesse público a decretação de sigilo nos processos disciplinares instaurados contra magistrados, para manter‑se a cre‑dibilidade do Poder Judiciário� Discorre sobre a necessidade de não macular a honra e a integridade do juiz durante o curso do processo, não o sujeitando a situações de constrangimento que possam prejudicar o desempenho da função� Conforme assevera, o art� 93, IX, da Carta da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 2005, não obsta a realização de sessão secreta, consoante se depreende da parte final do texto�

No tocante aos arts� 8º e 9º, ressalta a distinção desarrazoada entre os juízes, pois os de 1º grau serão processados pelo Corregedor e os demais pela Presidência� Argui a invasão da competência regimental dos tribunais e aduz não existir justi‑ficativa para atribuir à Presidência função típica da Corregedoria� Faz referência ao julgamento da medida acauteladora na ADI 1�105, rel� min� Paulo Brossard, acór‑dão publicado em 27 de abril de 2001, quando o Supremo consignou ser privativa dos tribunais a definição da competência dos respectivos órgãos fracionários� Acrescenta que o art� 9º, ao ampliar a relação de legitimados a representar contra magistrados, contrariou o art� 27 da Lei Orgânica da Magistratura, o qual limita o rol aos Poderes Executivo ou Legislativo, Ministério Público e Conselho Federal ou Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil�

Destaca que, da forma como redigido o art� 10, abre‑se caminho a interpretação no sentido da pertinência de interpor recurso ao Conselho Nacional de Justiça contra decisão proferida pelos tribunais, pois o próprio CNJ passou a se autode‑nominar “tribunal”� Alega ter a Constituição Federal admitido a avocação ou a revisão – art� 103‑B, § 4º, III e V – do processo disciplinar, e não da sindicância� Aponta a inviabilidade de o CNJ apreciar procedimento recursal em processo que tramita perante os tribunais�

Salienta haver a cabeça do art� 12 estabelecido competência concorrente entre o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais, contrariando o art� 103‑B, III, do Diploma de 1988, a prever a competência subsidiária do Conselho� Evoca decisões monocráticas proferidas por Vossa Excelência e pelo ministro Celso de Mello, nos

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MS 28�884/DF e MS 28�799/DF, respectivamente, no sentido do caráter prioritário do poder disciplinar dos tribunais� Assinala revelar o parágrafo único do dispo‑sitivo outra inversão de competência, pois prescreve que os tribunais deverão observar, primeiro, a resolução do Conselho Nacional de Justiça e, apenas sub‑sidiariamente, os respectivos regimentos internos�

Sustenta a usurpação da competência privativa dos tribunais para cuidar das atribuições dos respectivos órgãos, ante o teor do § 3º do art� 14, a dispor que o Presidente e o Corregedor possuem direito a voto no processo administrativo disciplinar� No tocante ao § 7º e ao § 8º do mesmo artigo, anota não incumbir ao Conselho Nacional de Justiça tratar da distribuição de processos ou definir quem pode, ou não, ser relator� Diz não caber ao Conselho fixar para os tribu‑nais os prazos de duração do processo administrativo disciplinar, arguindo a inconstitucionalidade do § 9º do mesmo artigo�

Alude à violação das garantias da vitaliciedade e da inamovibilidade e à inva‑são de matéria reservada a lei complementar, porque o art� 15, parágrafo único, autoriza o afastamento do juiz antes da instauração do processo disciplinar� Consoante argumenta, os arts� 27, § 3º, e 29 da Lei Orgânica da Magistratura somente admitem o afastamento após a instauração do processo administrativo ou do recebimento da denúncia, respectivamente�

Salienta que o art� 17, cabeça, institui nova etapa de defesa não prevista na legislação complementar, o que acarreta inconstitucionalidade formal� Além disso, também seria inconstitucional o prazo exíguo de cinco dias estabelecido no texto, por não permitir o adequado exercício do direito de defesa� No ponto, ressalta a ofensa ao princípio da proporcionalidade (CF, art� 5º, LIV)�

Afirma que o procedimento de instrução criado pelo art� 18 mostra‑se distinto do versado no art� 27, § 4º, da Lei Orgânica da Magistratura, inovando em seara de competência do legislador complementar� Em relação ao § 3º do art� 20, mais uma vez, sustenta não caber ao Conselho Nacional de Justiça fixar os parâmetros do procedimento de votação em processo disciplinar que tramita perante o tribunal�

Finalmente, alega a inconstitucionalidade do parágrafo único do art� 21, ante a inadmissibilidade de punição de magistrado sem o voto da maioria absoluta dos membros do tribunal� A divergência quanto à aplicação da pena, segundo aduz, não pode servir de pretexto para afastar a regra da maioria absoluta, sob risco de afronta ao art� 93, X, da Constituição Federal�

Requer o deferimento de medida acauteladora para suspender, até o exame final da ação direta, a vigência dos preceitos atacados� Ressalta o fato de todos os magistrados estarem submetidos às normas contidas na Resolução 135, de 12 de junho de 2011, destacando o perigo da demora�

Ante a natureza da matéria e a repercussão possuída, acionei o disposto no § 3º do art� 10 da Lei 9�868/1999� Pelo fato de haver liberado a papeleta para o julgamento do pedido de concessão de medida acauteladora em 5 de setembro

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de 2011 e, até a data de 7 de outubro seguinte, não ter ocorrido o pregão do pro‑cesso, determinei fossem ouvidos o Conselho Nacional de Justiça, a Advocacia‑‑Geral da União e a Procuradoria‑Geral da República�

Consigno ainda que a Associação dos Magistrados Brasileiros formalizou, ante‑riormente, a ADI 3�992/DF, de relatoria do ministro Joaquim Barbosa� No citado processo, a entidade busca impugnar a Resolução 30, de 7 de março de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, que “dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados”� O mencionado ato foi revogado pela norma atacada na presente ação direta�

3� Ressalto que o Plenário, em diversas ocasiões, reconheceu a legitimidade da requerente, Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), para ajuizar ação direta, com fundamento no art� 103, IX, da Carta Federal� Precedentes: ADI 138, rel� min� Ilmar Galvão, acórdão publicado em 21 de julho de 1996, ADI 202, rel� min� Octavio Gallotti, acórdão publicado em 7 de março de 1997, e ADI 1�578, rel� min� Cármen Lúcia, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 3 de abril de 2009� Encontra‑se preenchido, ainda, o requisito da afinidade temática, haja vista o estreito vínculo entre os objetivos institucionais da entidade e o tema analisado�

O ato em exame é abstrato, geral e autônomo� Visa à regulação, em caráter permanente e uniforme, do procedimento administrativo disciplinar aplicá‑vel aos magistrados� Buscou‑se, na edição, retirar o respectivo fundamento de validade diretamente do texto constitucional, no que este atribui ao Con‑selho competência para controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, bem como para disciplinar, mediante resolução, o funcionamento próprio e as atribuições do ministro corregedor, até que entre em vigor o novo Estatuto da Magistra‑tura – Carta Federal, art� 103, § 4º, e Emenda Constitucional 45/2004, art� 5º, § 2º� A Resolução 135, de 2011, do CNJ mostra‑se, portanto, passível de impugnação por meio de ação direta�

No julgamento da medida cautelar na ADC 12/DF, rel� min� Ayres Britto, acór‑dão publicado em 1º de setembro de 2006, afirmei não ter a Emenda Constitucio‑nal 45, de 2004, emprestado ao Conselho Nacional de Justiça poder normativo, inexistindo preceito constitucional a atribuir‑lhe competência legiferante� Com base nesse entendimento, a solução seria suspender, de pronto, a íntegra da resolução atacada, por inconstitucionalidade formal� A ilustrada maioria, no entanto, concluiu estar o Conselho, embora órgão administrativo e não uma casa das leis, dotado de competência para editar atos de caráter geral e abstrato� Feito o registro e reafirmado o ponto de vista individual – que será retomado quando do exame final deste processo –, cumpre definir se o órgão de controle,

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ao editar especificamente a resolução em questão, extrapolou os limites a si conferidos pela Carta da República�

As competências atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional 45, de 2004, produzem inevitável tensão entre a autonomia dos tribunais e a atuação do órgão� De um lado, o art� 103‑B, § 4º, III, preconiza competir ao Conselho “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções admi‑nistrativas, assegurada ampla defesa”�

De outro, os arts� 96, I, a; e 99 do Diploma Maior asseguram aos tribunais a autodeterminação orgânico‑administrativa, o que inclui a capacidade para resolver, de forma independente, a estruturação e o funcionamento dos pró‑prios órgãos bem como para formular a proposta do respectivo orçamento� Trata‑se de garantia institucional voltada à preservação do autogoverno da magistratura e consubstanciada na autonomia administrativa e financeira e na competência privativa para elaborar os regimentos internos, organizar as respectivas secretarias e juízos e dispor sobre a competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos�

Há de se atentar, ainda, para o art� 93 da Constituição da República, o qual reserva a lei complementar veicular o Estatuto da Magistratura, observados alguns princípios, como o voto da maioria absoluta do tribunal ou do Conse‑lho Nacional de Justiça para remover, colocar em disponibilidade e aposentar magistrados e a necessidade de as decisões administrativas, inclusive discipli‑nares, serem motivadas e tomadas em sessão pública�

Transcrevo os dispositivos em comento:

Art� 96� Compete privativamente:I – aos tribunais:a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com obser‑

vância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

(���)

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Art� 99� Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira�(���)Art� 93� Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá

sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:(���)VIII – o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por

interesse público, fundar‑se‑á em decisão por voto da maioria absoluta do res‑pectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional n� 45, de 2004)

(���)IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fun‑

damentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a pre‑sença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n� 45, de 2004)

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional n� 45, de 2004)

No julgamento da ADI 3�367, cujo acórdão foi publicado em 17 de março de 2006, o Supremo assentou a constitucionalidade do próprio Conselho, oca‑sião em que fiquei vencido� O relator, ministro Cezar Peluso, destacou que a introdução desse órgão de controle não atinge o autogoverno do Judiciário� Sua Excelência fez ver:

Da totalidade das competências privativas dos tribunais, objeto do disposto no art� 96 da Constituição da República, nenhuma delas lhes foi castrada a esses órgãos, que continuarão a exercê‑las todas com plenitude e exclusividade, ela‑borando regimentos internos, elegendo corpos diretivos, organizando as secre‑tarias e serviços auxiliares, concedendo licenças, férias e outros afastamentos a seus membros, provendo cargos de juiz de carreira, assim como os necessários à administração da justiça, etc�, sem terem perdido o poder de elaborar e enca‑minhar as respectivas propostas orçamentárias�

De fato, o tratamento nacional reservado ao Poder Judiciário pela Constitui‑ção não autoriza o Conselho Nacional de Justiça a suprimir a independência dos tribunais, transformando‑os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole� A solução de eventual controvérsia entre as atribuições do Con‑selho e as dos tribunais não ocorre com a simples prevalência do primeiro, na medida em que a competência do segundo também é prevista na Constituição da República� Não questiono incumbir ao Conselho a fiscalização da atividade

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administrativa e financeira do Poder Judiciário e a instauração dos procedi‑mentos de ofício� A atuação legítima, contudo, exige a observância da autono‑mia político‑administrativa dos tribunais, enquanto instituições dotadas de capacidade autoadministrativa e disciplinar�

O tema foi analisado em mandados de segurança impetrados contra atos do Conselho em processos disciplinares específicos� Na decisão proferida na medida cautelar no MS 28�884/DF, assentei a necessidade de o Conselho Nacio‑nal de Justiça, em âmbito disciplinar, atuar de forma subsidiária, de modo a harmonizar as competências constitucionais que lhe foram atribuídas pela Carta Cidadã com a competência disciplinar dos tribunais� Eis o que consignei:

Salta aos olhos a relevância do pedido formulado quanto à necessária determi‑nação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido de julgar o processo administrativo, glosada a atividade monocrática, a atividade do corregedor� Inca‑bível é cogitar‑se, na situação concreta, de legitimação concorrente, sob pena de menosprezo à organicidade e à dinâmica do Direito, vindo‑se a agasalhar avoca‑ção que se distancia da previsão do inciso III do § 4º do art� 103‑B da Constituição Federal – a revelar competir ao Conselho Nacional de Justiça “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem pre‑juízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”� Relativa‑mente aos processos disciplinares de juízes e membros de tribunais, a revisão, de ofício ou mediante provocação, pressupõe, a teor desse inciso e também do inciso V – “rever, de ofício, ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” –, o exaurimento da atuação na origem, mesmo porque, conforme o inciso VIII do art� 93 da Carta da República – e incumbe interpretá‑la de forma sistemática –, cabe ao tribunal, de início, o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, observado o voto da maioria absoluta�

De clareza ímpar, também nessa linha, revela‑se a decisão do ministro Celso de Mello no MS 28�799/DF, quando destacou o postulado da subsidiariedade como vetor interpretativo a conferir unidade ao texto constitucional e a afastar casos de interferência indevida na administração dos tribunais:

Não obstante a dimensão nacional em que se projeta o modelo judiciário vigente em nosso país, não se pode deixar de reconhecer que os corpos judiciários locais, por qualificarem-se como coletividades autônomas institucionalizadas, possuem

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um núcleo de autogoverno que lhes é próprio e que, por isso mesmo, constitui expressão de legítima autonomia que deve ser ordinariamente preservada, porque, ainda que admissível, é sempre extraordinária a possibilidade de interferência, neles, de organismos posicionados na estrutura central do Poder Judiciário nacional�

É por tal motivo que se pode afirmar que o postulado da subsidiariedade representa, nesse contexto, um fator de harmonização e de equilíbrio entre situações que, por exprimirem estados de polaridade conflitante (pretensão de autonomia em contraste com tendência centralizadora), poderão dar causa a grave tensão dialética, tão desgastante quão igualmente lesiva para os sujeitos e órgãos em relação de frontal antagonismo�

Em uma palavra: a subsidiariedade, enquanto síntese de um processo dialético representado por diferenças e tensões existentes entre elementos contrastantes, constituiria, sob tal perspectiva, cláusula imanente ao próprio modelo consti‑tucional positivado em nosso sistema normativo, apta a propiciar solução de harmonioso convívio entre o autogoverno da Magistratura e o poder de controle e fiscalização outorgado ao Conselho Nacional de Justiça�

(���)Disso resulta que o exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, da compe-

tência disciplinar que lhe foi atribuída dependeria, para legitimar‑se, da estrita observância do postulado da subsidiariedade, de tal modo que a atuação desse órgão devesse sempre supor, dentre outras situações anômalas, (a) a inércia dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo‑disciplinar, (b) a simulação investigatória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados�

Esta ação direta não trata da intervenção do Conselho Nacional de Justiça em processo disciplinar específico, mas do poder para instituir normas relativas a todos os processos disciplinares, em desrespeito à autonomia dos tribunais e em violação à reserva de lei complementar� É flagrante o descompasso com a Constituição da República�

A competência normativa do Conselho Nacional de Justiça, reconhecida pela sempre ilustrada maioria, não surge para elidir a dos tribunais� Esse Órgão, a título de uniformizar as regras concernentes ao procedimento disciplinar aplicável aos magistrados, não pode atropelar o autogoverno dos tribunais, tampouco pode invadir a esfera de competência reservada ao legislador�

No que tange aos tribunais de justiça, observem ainda os parâmetros da Federação, valendo lembrar que a forma federativa é um mecanismo de pro‑teção da autonomia privada e da autonomia pública dos cidadãos, servindo a descentralização política para conter o poder e para aproximá‑lo do respectivo

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titular, o povo� A importância da Federação está revelada na Carta de 1988 a partir do primeiro artigo� A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, constituindo‑se em Estado Democrático de Direito� Os Estados organizam‑se segundo os ditames maiores e, aí, surgem os três Poderes – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário –, que, nos moldes do art� 2º, são independentes e harmônicos entre si� Configura exceção o Distrito Federal, o qual ficou destituído de Poder Judiciário próprio�

O art� 60, § 4º, obstaculiza a deliberação sobre proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado� A previsão apanha qualquer emenda constitucional que, de alguma maneira, coloque em risco a autonomia dos entes federados� Por conseguinte, por força do princípio federativo, afigura‑se inafastável a autonomia dos tribunais de justiça, no que se mostram órgãos de cúpula do Poder Judiciário local� Se, em relação aos tribunais em geral, há de se considerar o predicado da autonomia preconizado nos arts� 96, I, e 99 da Constituição, quanto aos tribunais de justiça, cumpre atentar, em acréscimo, para o princípio federativo�

Em época de crise, é preciso cuidado redobrado ao regular, de sorte a evitar que paixões momentâneas orientem os agentes normatizadores, em detrimento da reflexão maior que deve anteceder a edição dos atos normativos em geral e, em especial, das emendas à Constituição�

Não incumbe ao Conselho Nacional de Justiça criar deveres, direitos e sanções administrativas, mediante resolução, ou substituir‑se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura referentes ao processo disciplinar� O preceito do art� 5º, § 2º, da Emenda Constitucional 5, de 2004, de caráter nitidamente transitório, não lhe autoriza chegar a tanto� Restringe‑se à regulação concernente ao funcionamento do próprio Conselho e às atribui‑ções do ministro corregedor� Aludo, uma vez mais, às palavras do ministro Cezar Peluso no julgamento da ADI 3�367, quando Sua Excelência assentou que o exercício da atividade de controle do Conselho Nacional de Justiça sujeita‑‑se, “como não podia deixar de ser, às prescrições constitucionais e às normas subalternas da Lei Orgânica da Magistratura e do futuro Estatuto, emanadas do Poder Legislativo, segundo os princípios e regras fundamentais da indepen‑dência e harmonia dos Poderes”�

Para efeito de documentação, menciono os arts� 46 e 48 da Lei Complemen‑tar 35, de 1979, a qual veicula o Estatuto da Magistratura� De acordo com tais dispositivos, o procedimento disciplinar para a decretação da remoção, da disponibilidade ou da perda do cargo de magistrado obedecerá ao prescrito no art� 27 da referida lei, enquanto o procedimento disciplinar para apuração das

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faltas puníveis com advertência ou censura será estabelecido pelos regimentos internos dos tribunais�

Analisando o tema, no julgamento final da ADI 2�580‑5/CE, da relatoria do ministro Carlos Velloso, acórdão publicado em 26 de setembro de 2002, o Ple‑nário concluiu pela recepção dos preceitos, assentando estar a disciplina regi‑mental limitada ao procedimento para apuração de faltas dos magistrados puníveis com as penas de advertência e censura, ante o disposto no art� 48 da LOMAN� Vale dizer: quanto às demais, tem‑se a reserva de lei complementar, o que também obstaculiza a atuação regedora do Conselho�

Cabe, ainda, examinar a matéria sob o ângulo das garantias do magistrado enquanto sujeito passivo do processo administrativo disciplinar� A Lei Orgânica da Magistratura, naquilo que recepcionada considerada também a Emenda Constitucional 45, de 2004, é vinculativa, sob pena de abandono dos princípios da legalidade e do devido processo legal�

Alfim, não olvido o silêncio do Estatuto da Magistratura em diversas questões relacionadas ao processo disciplinar aplicável aos magistrados e a consequente necessidade de regulamentação� Vivemos, porém, em um Estado Democrático de Direito, em um Estado em que o Judiciário – no exercício da competência disciplinar – está submetido ao princípio da legalidade, cabendo ao Congresso, e não ao Conselho Nacional de Justiça, alterar a Lei Orgânica da Magistratura, por meio de diploma complementar� Como tenho enfatizado à exaustão, o fim a ser alcançado não pode justificar o meio empregado, ou seja, a punição dos magistrados que cometem desvios de conduta não pode justificar o abandono do princípio da legalidade�

Em casos de omissão da LOMAN, cumpre aplicar subsidiariamente o Estatuto dos Servidores Públicos, consoante reiterados pronunciamentos deste Supremo� A título de ilustração, cito o precedente oriundo do MS 25�191, da relatoria da ministra Cármen Lúcia, publicado no Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2007, em que se determinou a observância da Lei 8�112/1990 na falta de regras, na Lei Orgânica da Magistratura, sobre a prescrição da pretensão punitiva por faltas disciplinares� Menciono também o acórdão prolatado no RMS 23�436, de minha relatoria, publicado em 15 de outubro de 1999, em que se aplicou a regra da Lei 8�112/1990 de interrupção do prazo prescricional em relação a preten‑sões punitivas deduzidas contra magistrados� Ao Conselho, no entanto, não cabe, mediante resolução, ao argumento de que estaria apenas a consolidar tal jurisprudência, estabelecer normas cogentes sobre processo disciplinar de modo a vincular os tribunais, a partir da presunção de que estes, ao elaborar os respectivos regimentos internos ou ao interpretar a legislação pertinente, irão

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falhar no cumprimento da missão institucional censória que lhes foi conferida pela Lei Fundamental�

Consideradas essas premissas, passo ao exame específico dos arts� im pug‑nados�

a) ART� 2ºA requerente volta‑se contra a denominação de “tribunal” que, segundo alega,

teria sido emprestada, no art� 2º, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal� Transcrevo o teor do artigo:

Art� 2º Considera‑se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacio‑nal de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias�

Dúvidas não há sobre o preceito constitucional atinente à natureza do Conse‑lho Nacional de Justiça� Integra a estrutura do Poder Judiciário, mas não é órgão jurisdicional, não intervém na atividade judicante� Possui caráter eminentemente administrativo e não dispõe de competência alguma para, mediante atuação colegiada ou monocrática, reexaminar atos de conteúdo jurisdicional, formaliza‑dos por magistrados ou tribunais do País� Precedentes: ADI 3�367, rel� min� Cezar Peluso, acórdão publicado no Diário da Justiça de 17 de março de 2006, e MS 27�708, de minha relatoria, acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 21 de maio de 2010� Nesse último, o entendimento foi resumido na seguinte ementa:

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ATRIBUIÇÃO – ACORDO JUDICIAL – INTANGI‑BILIDADE� Detendo o Conselho Nacional de Justiça atribuições simplesmente administrativas, revela‑se imprópria declaração a alcançar acordo judicial�

O direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio� A escolha pelo constituinte derivado do termo “Conselho” para a ins‑tituição interna de controle do Poder Judiciário mostra‑se eloquente� Buscou evidenciar a natureza administrativa do órgão e definir, de maneira precisa, os limites de atuação�

Cumpre indagar: o artigo encerra, relativamente ao Conselho Nacional de Jus‑tiça e ao Conselho da Justiça Federal, a qualificação de Tribunal? A resposta é negativa� O vocábulo “tribunal” nele contido revela tão somente que as normas que se seguem são aplicáveis também ao Conselho Nacional de Justiça e ao Con‑selho da Justiça Federal� Em síntese: tem‑se, com a expressão “considera‑se tri‑bunal”, apenas a submissão dos dois órgãos à resolução, embora os dispositivos não se refiram especificamente a eles, aludindo unicamente a Tribunal�

Sob esse ângulo, não procede o pedido formulado�b) ART� 3º, V

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ADI 4.638 MC-REF

Eis o texto:“Art� 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

(���)V – aposentadoria compulsória;”

Sustenta a requerente que o preceito impugnado excluiria o direito ao recebi‑mento dos vencimentos proporcionais em caso de aposentadoria compulsória�

A Carta da República reserva a lei complementar de iniciativa do Supremo a definição dos direitos e deveres dos magistrados bem como das sanções discipli‑nares que lhes são aplicáveis� O art� 103‑B, § 4º, III, preconiza expressamente que a sanção de aposentadoria deve ser aplicada “com subsídios ou proventos pro‑porcionais ao tempo de serviço”� A resolução impugnada não dispõe em sentido contrário, tampouco permite a interpretação de que a sanção de aposentadoria compulsória seria aplicável sem o subsídio ou os proventos correspondentes� Aliás, é inerente à aposentadoria a percepção de proventos� Do contrário, tratar‑‑se‑ia de perda do cargo, o que se mostra possível somente mediante sentença judicial transitada em julgado, em razão da vitaliciedade assegurada aos juízes no art� 95, I, da Constituição da República�

O silêncio do art� 3º da Resolução atacada – que arrola a aposentadoria compul‑sória sem fazer referência à percepção de subsídio ou proventos proporcionais – não autoriza presumir que órgão sancionador atuará à revelia do art� 103‑B, § 4º, III, da Constituição da República, dispositivo que determina expressamente a aplicação da aposentadoria compulsória “com subsídios ou proventos propor‑cionais ao tempo de serviço”�

A declaração de inconstitucionalidade do ato normativo pressupõe conflito manifesto com preceito constitucional, inexistente na espécie� Também não subsiste o que articulado sob esse aspecto�

c) ART� 3º, § 1ºAssim dispõe o preceito:“§ 1º As penas previstas no art� 6º, § 1º, da Lei n� 4�898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complementar n� 35, de 1979�”

Transcrevo o art� 6º, § 1º, da Lei 4�898, de 1965, para efeito de documentação:“Art� 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal�

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:

a) advertência;b) repreensão;c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta

dias, com perda de vencimentos e vantagens;d) destituição de função;

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e) demissão;f) demissão, a bem do serviço público�”

O pedido formulado pela requerente restringe‑se à sanção administrativa civil�A forma republicana de governo instaura um regime de responsabilidade a

que se deve submeter, de modo pleno, todas as autoridades estatais, inclusive os magistrados� Os juízes brasileiros respondem administrativa e penalmente pela prática de abuso de autoridade, como qualquer outro agente público� Esta situação decorre do primado de igualdade perante a lei e do princípio da respon‑sabilidade dos agentes às consequências jurídicas do próprio comportamento�

A Constituição Federal é um grande todo, não cabendo abandonar a interpreta‑ção sistemática� A possibilidade de os magistrados responderem disciplinarmente por ato caracterizador de abuso de autoridade não implica sujeição às penas administrativas versadas na Lei 4�898, de 1965, porque as sanções que lhes podem ser aplicadas estão versadas de forma taxativa na Lei Orgânica da Magistratura�

No art� 35, a LOMAN revela em preceito exaustivo os deveres do magistrado, prevendo incumbir‑lhe, entre outras obrigações, cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão as disposições legais e os atos de ofício� Versa, ainda, o trato das partes com urbanidade e o dever de atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se tratar de providência que reclame e possibilite solução de urgência� A inobservância de qualquer dos deveres admi‑nistrativos gera penalidades estabelecidas na própria Lei Orgânica� Forçoso é concluir pela existência de disciplina especial derrogatória, não se aplicando aos magistrados, no campo administrativo, a Lei 4�898/1965� O CNJ, ao dispor em sentido diverso, acabou por fazer as vezes do Congresso Nacional�

Nesse ponto, procede o pedido formalizado�d) ARTS� 4º e 20Eis o teor dos arts� impugnados:“Art� 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência� Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave�

(���)Art� 20� O julgamento do processo administrativo disciplinar será reali‑

zado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias�”

A requerente afirma ter o art� 4º implicado a supressão da exigência de sigilo na imposição das sanções de advertência e censura, consoante preconizado na Lei Orgânica da Magistratura� Defende que apenas outro Estatuto da Magistratura poderia inovar sobre o tema, nos termos do art� 93, IX, da Carta da República� Quanto ao art� 20, aponta o interesse público na decretação de sigilo nos processos disci‑plinares instaurados contra magistrados, para manter‑se a credibilidade do Poder Judiciário� Anota que a atual redação do art� 93, IX, da Constituição Federal não obsta a realização de sessão fechada, consoante se depreende da parte final do texto�

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As alegações não subsistem� O respeito ao Poder Judiciário não pode ser obtido por meio de blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão sancionador� Tal medida é incompatível com a liberdade de informação e com a ideia de democracia, a pressupor, como adverte Norberto Bobbio – em O futuro da democracia. Trad� Marco Aurélio Nogueira� 11� ed� São Paulo: Paz e Terra, 2000� p� 98 –, o exercício do poder público em público, de forma a viabi‑lizar a crítica e o controle social� Faz‑se necessário, portanto, que as decisões em processos disciplinares que envolvam magistrados sejam tomadas à luz do dia, à luz da democracia� Não é dado a juízes e órgãos sancionadores pretender eximir‑se da fiscalização da sociedade� O sigilo imposto com o objetivo de pro‑teger a honra dos magistrados contribui para um ambiente de suspeição e não para a credibilidade da magistratura, pois nada mais conducente à aquisição de confiança do povo do que a transparência e a força do melhor argumento�

Com a edição da Emenda Constitucional 45, de 2004, o constituinte derivado modificou o art� 93 da Carta Federal, assegurando, nos incisos IX e X, a obser‑vância do princípio da publicidade no exercício da atividade judiciária, inclusive nos processos disciplinares instaurados contra juízes�

Os preceitos são expressos:“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;”

Os dispositivos estão em plena consonância com os ditames democrático e repu‑blicano, bem assim com o art� 37 da Lei Maior, segundo o qual a administração pública – gênero – está submetida aos princípios da legalidade, da impessoali‑dade, da moralidade, da publicidade e da eficiência� Impõe‑se, portanto, o acesso a informações passíveis de serem enquadradas como públicas e iniludivelmente o são as alusivas à atuação dos magistrados, aos eventuais desvios e às sanções disciplinares aplicadas� A publicidade, como bem enfatizou o eminente decano, ministro Celso de Mello, na decisão monocrática proferida na medida cautelar no MS 24�725, atua como fator de legitimação dos atos estatais, pressupõe o acom‑panhamento pela sociedade de tudo que esteja no âmbito da denominada coisa pública� Esta pertence a todos, não se podendo invocar a intimidade, ou seja, a guarda de sigilo quanto a elementos que a compõem�

A Emenda Constitucional 45, de 2004, não impede a realização de sessões reser‑vadas para garantir o direito à intimidade, consoante prevê o próprio art� 93, IX, da Carta Federal� O constituinte derivado, no entanto, exige fundamentação específica para a decretação de sigilo no processo disciplinar, porque a trans‑parência é a tônica da atividade pública� A lei a que remete o dispositivo deve

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ser editada a fim de se restringir, em determinados atos, a presença às próprias partes e respectivos advogados, não sendo necessária para assegurar a obser‑vância do princípio da publicidade, sob pena de inverter os valores protegidos, já que a regra – a publicidade – passaria a ser exceção�

Não se cuida de caça às bruxas, quando, então, ficaria inaugurada verdadeira época de descontrole social, de terror� A quadra é reveladora de um novo senso de cidadania, transparecendo o interesse geral em dominar, sob o ângulo do conhecimento, tudo o que se implemente na seara administrativa, presentes atos omissivos e comissivos� Ante o novo contexto, a resolução do Conselho Nacio‑nal de Justiça, ao prever a publicidade das sanções disciplinares e da sessão de julgamento, não extrapola os limites normativos nem ofende garantia da magis‑tratura, pois, a rigor, tais normas decorrem diretamente do texto constitucional, sobretudo depois da edição da Emenda de reforma do Poder Judiciário�

Não subsiste, portanto, o pedido de concessão de liminar no tocante aos arts� 4º e 20 da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça�

e) ART� 8º e § 2º e § 3º DO ART� 9ºOs arts� 8º e 9º estabelecem:“Art� 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo�

(���)Art� 9º A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser

feita por toda e qualquer pessoa, exigindo‑se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante�

(���)§ 2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito

penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame�

§ 3º Os Corregedores locais, nos casos de magistrados de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comuni‑carão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados�”

Como salientado, o poder fiscalizatório, administrativo e disciplinar conferido pela Constituição Federal ao Conselho Nacional de Justiça não o autoriza a inva‑dir o campo de atuação dos tribunais concernente à definição das atribuições dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos� O disposto no art� 8º e nos § 2º e § 3º do art� 9º da resolução impugnada – ao incumbir a investigação de irregularidades ao corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, e ao presidente ou a outro membro competente do tribunal – interfere diretamente na

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autonomia político‑administrativa dos tribunais para dispor sobre a competên‑cia dos próprios órgãos, em afronta aos arts� 96, I, a; e 99 da Carta da República�

Dada a função de órgão fiscalizador e a competência subsidiária de que é titular, o Conselho Nacional de Justiça pode exigir informações acerca do andamento dos processos disciplinares em curso nos tribunais, mas não lhe cabe definir quem será a autoridade responsável pelo envio dos dados, sob pena de contrariedade aos arts� 96, I, alínea a, e 99 da Constituição de 1988�

Quanto à cabeça do art� 9º, improcede a alegação da requerente de que a reso‑lução atacada teria ampliado o rol dos legitimados para representar contra os magistrados� Em rigor, a representação contra servidores insere‑se no direito de petição consagrado no art� 5º, XXXIV, a, do Diploma Maior, segundo o qual “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”� A parte final do preceito garante a qualquer cidadão dirigir‑se ao poder público para reclamar de ilegalidade ou de abuso de poder cometido por magistrado� Trata‑se do direito cívico de exercer o controle social inerente à democracia� Portanto, por força do direito de petição, que configura cláusula pétrea, muito antes do advento da resolução impugnada, já se facultava a qual‑quer pessoa denunciar ao poder público irregularidades perpetradas por juízes�

Ainda que assim não fosse, seria de concluir que o rol de legitimados a repre‑sentar contra magistrados foi ampliado, não pela resolução atacada, mas pelo art� 103‑B, § 4º, III, e § 7º, da Constituição da República, dispositivos que auto‑rizam o Conselho Nacional de Justiça e as ouvidorias a receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário ou serviços auxiliares� Considerado o caráter subsidiário – repito – da compe‑tência do Conselho em matéria disciplinar, a extensão do rol de legitimados a provocar os tribunais torna‑se mera consequência dos preceitos constitucionais citados� Carece de sentido que o interessado possa representar junto ao órgão a que a Carta Federal atribui competência complementar, mas seja destituído de legitimidade para dar início, no tribunal, ao exercício da função disciplinar ordi‑nária� Cuida‑se, inclusive, de incentivo para que o tribunal ponha fim a eventual inércia na apuração de infração disciplinar, o que viria a dispensar a atuação do Conselho no caso concreto�

Ante o quadro, consigno a procedência parcial do pedido de concessão de limi‑nar para suspender a eficácia do art� 8º e do § 2º do art� 9º� No que se refere ao § 3º do art� 9º, o afastamento da norma deve restringir‑se à divisão de atribuições, de modo a viabilizar aos tribunais a definição, por meio do regimento interno, dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações ali versadas� No tocante à cabeça do art� 9º, não subsiste o pleito formulado�

f) ART� 10Eis o teor do preceito:“Art� 10� Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação�”

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Sob o ângulo da atuação do Conselho Nacional de Justiça nos processos disci‑plinares, o fato de a representação formalizada na corregedoria do tribunal ter sido arquivada não consubstancia óbice à atividade subsidiária, como se per‑cebe, mediante interpretação sistemática e teleológica, do disposto no art� 103‑B da Carta Federal, mormente nos incisos III e V do § 4º dele constante, segundo os quais lhe incumbe receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário e rever, de ofício ou por provocação, os processos de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano�

No entanto, os mencionados artigos da Constituição da República não autori‑zam o Conselho a instituir, em caráter geral e abstrato, recurso no procedimento disciplinar em trâmite nos tribunais, sob pena de ofensa à reserva de lei comple‑mentar para reger o procedimento disciplinar voltado à apuração de faltas puní‑veis com remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória, ou de ofensa à autonomia dos Tribunais para estabelecer o procedimento destinado à apuração de faltas puníveis com advertência e censura� Em outras palavras: enquanto não editado novo Estatuto da Magistratura ou alterado o atual, o Conselho Nacio‑nal de Justiça pode, na forma do art� 5º da Emenda Constitucional 45, de 2004, fixar as hipóteses em que reverá, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano, mas não lhe é dado criar recursos contra decisões administrativo‑disciplinares de tribunais tomadas em procedimento reservado à normatização do legisla‑dor complementar ou dos próprios tribunais, dependendo da sanção aplicável�

Nesse aspecto, procede o pedido formalizado�g) ART� 12 E PARÁGRAFOEis o teor do artigo:“Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça�

Parágrafo único� Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução aplicam‑se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrati‑vas praticadas pelos Magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem�”

Em razão das considerações expostas, confiro ao art� 12, cabeça, interpretação conforme à Constituição, para assentar, em âmbito disciplinar, a competência subsidiária do Conselho Nacional de Justiça�

Quanto ao parágrafo único, alega a requerente revelar o dispositivo “inversão de competência”, pois prevê que os tribunais deverão observar, primeiro, a Reso‑lução do Conselho Nacional de Justiça e, apenas subsidiariamente, os respectivos regimentos internos�

Uma vez mais, verifica‑se a invasão da autonomia administrativa dos tribu‑nais para regular o procedimento disciplinar, nos termos versados no art� 96, I, a, da Carta Federal e na Lei Orgânica da Magistratura� Ante as razões lançadas

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anteriormente, assento a procedência do pedido de concessão de liminar para suspender o preceito�

h) § 3º, § 7º, § 8º e § 9º DO ART� 14, CABEÇA E INCISOS IV E V DO ART� 17 E § 3º DO ART� 20

Eis a redação dos dispositivos:“Art� 14� Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes�

(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�(���)§ 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou

o Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor�§ 8º Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento prepa‑

ratório, ainda que não seja mais o Corregedor�§ 9º O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para

ser concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instru‑ção e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial�

Art� 17� Após, o relator determinará a citação do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encami‑nhando‑lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo admi‑nistrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando‑se que:

(���)IV – considerar‑se‑á revel o magistrado que, regularmente citado, não apre‑

sentar defesa no prazo assinado;V – declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao reque‑

rido, concedendo‑lhe igual prazo para a apresentação de defesa�Art� 20� (���)(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�

Conforme já consignado, a Carta Federal conferiu aos tribunais a competência para elaborar os regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcio‑namento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos� Ao Conselho Nacional de Justiça não é permitido, no processo disciplinar dos tribunais, criar novos procedimentos e definir quem será o relator ou se existirá, ou não, revisor� Igualmente, não lhe cabe determinar prazo para a conclusão, ainda que possa instaurar processo de ofício se verificada falha, nos Tribunais, na execução dos mecanismos ordinários de investigação e censura�

O art� 14, cabeça, da norma impugnada reproduz o conteúdo do art� 27 da Lei

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Orgânica da Magistratura, implicando sobreposição passível de surtir efeitos normativos ou causar confusão caso alterada a LOMAN�

Igualmente, falece ao Conselho Nacional de Justiça definir quem participará do julgamento no âmbito dos tribunais�

Por essas razões, subsiste o pedido de suspensão do art� 14, cabeça, § 3º, § 7º, § 8º e § 9º, do art� 17, cabeça e incisos IV e V, e do art� 20, § 3º, da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça�

i) § 1º DO ART� 15Eis o teor do dispositivo:“Art� 15� (���)

(���)§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelar‑

mente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo adminis‑trativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar�”

Está em descompasso com a Constituição da República a introdução, mediante ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, de nova hipótese cautelar de afastamento de magistrado do cargo� Eventual restrição às garantias da ina‑movibilidade e da vitaliciedade exige a edição de lei em sentido formal e mate‑rial, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo� Para efeito de documentação, menciono, ainda, os arts� 27, § 3º; e 29 do Estatuto da Magistratura, segundo os quais o afastamento cautelar do magistrado pode ser determinado pelo tribunal quando da instauração do processo administrativo disciplinar ou do recebimento da ação penal acusatória�

Ante o quadro, consigno a procedência do pedido de suspensão do dispositivo�j) ART� 21, PARÁGRAFO ÚNICOTranscrevo o dispositivo:“Art� 21� (���)

Parágrafo único� Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar‑se‑á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos�”

O preceito conflita com a parte final do art� 93, X, da Carta da República, a qual preconiza o voto da maioria dos membros do tribunal para a tomada de decisões disciplinares�

As garantias da magistratura, longe de representarem um valor em si, possuem forte conotação instrumental� Destinam‑se a salvaguardar a imparcialidade do juiz e o bom exercício da função judiciária� O juiz exerce o controle da atividade estatal, do que decorre a necessidade de ter garantida a independência em rela‑ção aos demais Poderes e a influências externas, ainda que as pressões surjam dentro do próprio tribunal�

A efetiva possibilidade de responsabilização dos juízes pela prática de infra‑ções consubstancia conquista fundamental da democracia brasileira e traduz

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imperativo do sistema republicano, mas não cabe, para alcançar esse fim, fle‑xibilizar as garantias processuais do magistrado previstas no Diploma Maior e colocar em risco a independência que lhe é essencial�

A norma editada pelo Conselho Nacional de Justiça permite a aplicação de pena com quórum abaixo da maioria absoluta exigida constitucionalmente� Para chegar a tal conclusão, basta imaginar um tribunal pleno integrado por trinta magistrados, no qual haja divergência entre a aplicação das penas de censura, advertência e remoção, situação que possibilitaria a imposição de sanção disci‑plinar com somente dez votos� A decisão sobre a pena pertinente, assim como a relativa à condenação, tem natureza disciplinar e exige votação qualificada, de modo a preservar a garantia do magistrado enquanto sujeito passivo do processo disciplinar� Acrescento que a forma enquadrada olvida, até mesmo, o voto médio� Seja qual for a gradação da pena, a aplicação pressupõe maioria absoluta� Verifi‑cada a dispersão de votos, cumpre colocar as correntes em votação, duas a duas, chegando‑se ao consenso retratado no entendimento da maioria�

Subsiste o pedido de suspensão do preceito�Por fim, esclareço que, ao contrário do que se tem propagado, a suspensão da

eficácia das normas citadas não significa tolher a atuação do Conselho Nacional de Justiça� Significa, isso sim, que esse Órgão deve observar as esferas de compe‑tência normativa que o Constituinte reservou ao próprio Congresso Nacional e aos tribunais� No campo disciplinar, para legitimar‑se ante a Carta da República, a atividade do Conselho há de ser subsidiária, sempre pressupondo, nas pala‑vras, anteriormente reproduzidas, do eminente decano do Tribunal, ministro Celso de Mello:

“(���) dentre outras situações anômalas, (a) a inércia dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo‑disciplinar, (b) a simulação investiga‑tória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e con‑trole ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados�”

4� Em síntese, suspendo a eficácia do § 1º do art� 3º, do art� 8º, do § 2º do art� 9º, do art� 10, do parágrafo único do art� 12, da cabeça do art� 14 e dos respectivos § 3º, § 7º, § 8º e 9º, do art� 17, cabeça, incisos IV e V, do § 3º do art� 20, do § 1º do art� 15 e do parágrafo único do art� 21� No que se refere ao § 3º do art� 9º, apenas suspendo a eficácia da norma quanto à divisão de atribuições, de modo a via‑bilizar aos tribunais a definição, por meio do regimento interno, dos responsá‑veis pelo cumprimento das obrigações ali versadas� Quanto à cabeça do art� 12, defiro a liminar para conferir‑lhe interpretação conforme, de modo a assentar a competência subsidiária do Conselho Nacional de Justiça em âmbito disciplinar� Indefiro o pedido de liminar quanto ao art� 2º, ao inciso V do art� 3º e os arts� 4º, 9º e 20 da Resolução 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça�

5� Com a abertura do Ano Judiciário de 2012, em 1º de fevereiro, o processo estará em mesa para o referendo desta decisão�

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É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Proponho o referendo do Pleno à deci‑são por mim proferida�

DEBATE

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro Marco Aurélio, Vossa Exce‑lência me permite? Faço uma ponderação ao Tribunal, com o devido respeito a Vossa Excelência�

Acho que essa bela introdução que Vossa Excelência faz não é apenas uma premissa, põe uma questão fundamental� Por quê? Porque no artigo subsequente já teremos a questão envolvida em relação à competência para legislar� Quando o art� 2º diz que se considera “Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Con‑selho Nacional de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver”, já está legislando para os tribunais� De modo que acho que o Tribunal tem que se pronunciar previamente sobre os limites da competência legiferante do Conselho Nacional de Justiça� Noutras palavras, se o Conselho, atendendo ao que rezam o art� 5º, § 2º, da Emenda 45, os arts� 96, I, a; e 99 da Constituição da República e a Lei Orgânica da Magistratura, tem poder normativo para o seu funcionamento, ou se o tem para disciplinar o funcionamento dos tribunais também em matéria de procedimento disciplinar� Eu acho que essa já é uma questão fundamental na decisão desta Corte�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Se posso me pronunciar como rela‑tor sobre a matéria, considerada a mesma ressalva que fiz no início do voto, a resposta é desenganadamente negativa�

Quando a Constituição Federal versa, até que venha à balha, até que venha a lume, a Lei Orgânica da Magistratura, essa competência normativa do Conselho, é para o respectivo funcionamento e o da Corregedoria – há alusão, inclusive, no dispositivo constitucional, à Corregedoria – e não para adentrar campo reservado à lei complementar, o Estatuto da Magistratura, e disciplinar, em todo o território nacional, o processo administrativo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Há delegação legislativa�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Para viabilizar o respectivo funcio‑

namento, por isso de caráter transitório� Caso contrário, estaria esvaziada a

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previsão da vinda de uma lei orgânica da magistratura mais consentânea com a Carta de 1988 do que a pretérita – anteprojeto que está no próprio Supremo, já que a iniciativa é dele e não do Conselho Nacional de Justiça –, visando ao encaminhamento ao Congresso Nacional�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, quero me manifestar em sentido contrário às manifestações até aqui externadas e propor que nós examinemos, tópico a tópico, a resolução que está sendo submetida em sede de ação direta de inconstitucionalidade, com base exatamente na ADI 3�367, de relatoria de Vossa Excelência, bem como na ADC 12, em que o Tribunal afirmou a legitimidade da disciplina sobre o nepotismo� Proponho que nós examinemos tópico a tópico, tal como proposta a ação direta de inconstitucionalidade, a resolução submetida ao Plenário�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, a decisão submetida a referendo implica esse exame, artigo a artigo� Tanto que ressalvei inicialmente o entendimento sobre a competência normativa, que não reconheço, do Con‑selho Nacional de Justiça� Estou pronto para a leitura�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu quero crer que, naquela questão do nepotismo, o CNJ não inovou na ordem jurídica� Ele simplesmente utilizou de seu poder regulamentar, previsto no § 4º do art� 103‑B, porque a própria Corte entendeu que a proibição do nepotismo decorria dos princípios que estavam abrigados no art� 37 da Carta Magna� Não houve nenhuma inovação na ordem jurídica; portanto, naquele caso, o CNJ não legislou e não editou norma de cará‑ter geral e abstrato�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Houve inovação normativa porque a própria relação de parentesco não era a mesma�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): O vezo popular revela que filho feio não tem pai, mas filho bonito tem!

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, mais um argumento para acres‑cer a esse confronto eventual do regimento com o Estatuto da Magistratura� É que a Constituição Federal estabelece que a função precípua do Conselho Nacional da Magistratura é zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, de sorte que o próprio Conselho está submetido ao Estatuto da Magistratura e deve zelar pelo seu cumprimento, não podendo se confrontar com ele�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Acontece que não há ainda essa norma, e a Emenda Constitucional 45 veio depois�

O sr. ministro Dias Toffoli: Essa norma de transição do § 2º do art� 5º do corpo da Emenda Constitucional 45 é similar àquela do parágrafo único do

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art� 25 do ADCT, que permite, por exemplo, que o Conselho Monetário Nacio‑nal seja o poder legislador sobre o sistema financeiro nacional enquanto não regulamentado o art� 192 da Constituição Federal�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Enquanto não houver a lei, porque senão não se cumpre a Constituição�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): “Seu funcionamento” não significa funcionamento dos outros!

O sr. ministro Dias Toffoli: E atribuições� Usa‑se o vocábulo “atribuições”�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Funcionamento�A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o funcionamento é para cumprir os fins�

Os fins dizem respeito às competências, Presidente�O sr. ministro Luiz Fux: Até estaria contra os princípios democráticos ima‑

ginar um regimento fazer as vezes de uma lei complementar�O sr. ministro Ayres Britto: Acontece que as coisas estão geminadas, imbri‑

cadas� As competências do CNJ infletem sobre o funcionamento dos tribunais� Fica difícil separar radicalmente as coisas�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Se se trata de criação de um sistema corre‑cional, como separar a atividade do Conselho da atividade das corregedorias? Se nós entendermos que se trata de um órgão de cúpula de um sistema corre‑cional complexo, como regular a atividade do Conselho sem afetar as atividades das corregedorias?

O sr. ministro Ayres Britto: Isso�O sr. ministro Dias Toffoli: Como a Lei Orgânica pode prever o CNJ se ele é

posterior à Lei Orgânica da Magistratura?O sr. ministro Gilmar Mendes: Exatamente�A sra. ministra Cármen Lúcia: Aqui há um vazio até que sobrevenha essa

norma�O sr. ministro Dias Toffoli: Prever as suas competências e as suas atribui‑

ções? Daí esse dispositivo dar poder normativo ao CNJ� Com a devida vênia�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, Vossa Excelência me

permite? Vamos à letra expressa do preceito? O legislador, ao emendar a Carta, foi até mesmo pedagógico:

Art� 5º (���)§ 2º “Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura [que versará o Conselho]

o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará [o quê?] o seu funcionamento e definirá as atribuições do ministro‑Corregedor�”

Pode, no caso, disciplinar o funcionamento dos tribunais?O sr. ministro Ayres Britto: Não, não é isso�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ou estabelecer prazos e ritos pro‑cessuais?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Até porque o art� 96, I, a, é expresso: cabe aos tribunais, no seu regimento, disciplinar o seu funcionamento� Está expresso�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Examinemos a resolução em cada um dos tópicos�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, quanto a isso não há dúvida nenhuma� Eu só estou querendo levantar uma questão fundamental: o Conselho não está impedido de baixar normas que, no seu funcionamento, repercutam sob os órgãos fiscalizados – isto está fora de dúvida� É impossível conceber o funcionamento do Conselho sem que alguns atos recaiam, na tarefa de fisca‑lização, sobre os outros tribunais� Essa é uma questão que eu não ponho em dúvida� Outra coisa é o CNJ, mediante resolução, dizer como os tribunais locais devem atuar no funcionamento deles! É outra coisa completamente diferente� São duas questões absolutamente distintas� Uma coisa é dizer: o CNJ não pode disciplinar o seu funcionamento sem, concomitante e automaticamente, ditar normas que vão incidir sobre a esfera dos tribunais e dos outros órgãos fisca‑lizados, sujeitos ao seu poder de fiscalização� Isso é óbvio! Ele não pode atuar, se não tiver poder de influir sobre os outros tribunais� Isso é uma coisa� Agora, outra coisa é afirmar, perante esses textos constitucionais expressos, que o CNJ tem poder de, mediante resolução, ditar o funcionamento dos tribunais�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Em caráter abstrato�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Em caráter abstrato� E dizer como

o tribunal deve funcionar, por exemplo, quando vai julgar um ministro indis‑ciplinado, qual o procedimento adotado ou como devem agir os órgãos locais�

Não se está discutindo uma norma do funcionamento do Conselho; está‑se discutindo norma de funcionamento dos órgãos dos tribunais� Aí não vejo como compatibilizar interpretação – que eu diria ser mais do que generosa, para usar de eufemismo – do § 2º do art� 5º da Emenda, com o texto expresso do art� 96, I, a, que diz que compete aos tribunais regular o seu funcionamento�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Norma permanente�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: E que foi instituído pelo legislador

constituinte originário�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, e mais do que isso, o que

notou agora o ministro Marco Aurélio com grande propriedade: essa norma é de caráter permanente; a do CNJ é de caráter transitório�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Até a vinda da LOMAN�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Porque quem vai regular até o funcionamento do CNJ é o Estatuto da Magistratura, cuja iniciativa cabe a esta Casa, não ao Conselho�

Agora, não me oponho, até por questão metodológica, a que, à luz desse princípio, que me parece fundamental, examinemos cada artigo, porque para mim o art� 2º já diz respeito textualmente à questão dessa competência� Ele poderia ter dito “para alguns efeitos”� Mas, não, aqui está dito “para todos os efeitos”� Significa que a norma do art� 2º também é para o tribunal pleno ou órgão especial, onde houver; isto é, para os tribunais�

Enfim, como não é questão de metodologia, sobre a qual acho ser inútil insis‑tir, passo – até porque assim o sugere o ministro relator, com o aplauso do ministro Gilmar Mendes – ao exame de artigo por artigo� Mas acho que o Tri‑bunal tem de ter presente que cada uma das normas examinadas tem de sê‑lo em atenção aos limites normativos do Conselho Nacional de Justiça�

Com isso, passo a palavra ao senhor ministro�O sr. ministro Gilmar Mendes: Certamente, só gostaria de dizer que, na linha

do que Vossa Excelência argumenta, Presidente, há o próprio texto constitucio‑nal na versão da emenda, quando fala, por exemplo, em zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências� Óbvio que se está conferindo aqui um poder normativo�

O sr. ministro Ayres Britto: Sim, e o normativo permanente�O sr. ministro Gilmar Mendes: É� E depois, como foi invocado na ação decla‑

ratória de constitucionalidade que cuidou da questão do nepotismo, também quando se tratou de zelar pela observância do art� 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos, admitiu‑se uma orientação normativa� De modo que não podemos ler o § 5º da disposição refe‑rida isolado desse contexto normativo em que o tema está posto�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, mas eu gostaria de, com o devido respeito, replicar à objeção de Vossa Excelência�

Vossa Excelência está me dizendo que norma ditada pelo constituinte deri‑vado pode violar norma que diga respeito à Federação e ditada pelo constituinte originário? O art� 96, I, a, é norma do constituinte originário, que diz respeito à estruturação da Federação no âmbito dos tribunais, atribuindo aos tribunais locais a autonomia reafirmada no art� 99, ao passo que a emenda é norma que não poderia contrariar, nos termos do art� 64, a norma de caráter permanente emanada do constituinte originário�

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O sr. ministro Gilmar Mendes: Esse debate nós podemos travar no mérito, não é?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, sob pena, inclusive, de ferir a cláusula pétrea, porque estaríamos avançando numa cláusula pétrea�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas, então, nenhuma autonomia de nenhuma entidade pode ser alterada�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente, é como se o consti‑tuinte derivado pudesse, a pretexto de editar emenda, alterar todas as normas produzidas pelo originário�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: No que diz respeito à Federação, por exemplo, ou direitos e garantias fundamentais�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, nenhuma emenda constitucio‑nal pode mudar competências dos Estados e dos Municípios, porque esse é o coração da Federação�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas isso é questão que nós exa‑minaremos quando for colocada, Ministra�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Essa questão já foi colocada várias vezes aqui no Supremo�

O sr. ministro Ayres Britto: Há outra ordem de consideração aí: quando a Constituição, no art� 2º, fala da independência do Poder Judiciário perante o Poder Legislativo e o Poder Executivo, dispõe que são independentes e harmô‑nicos entre si� Nós estamos aí diante do princípio da separação dos Poderes, não do princípio federativo� É outra coisa� Entre si, autonomia do Judiciário perante o Legislativo e o Judiciário e vice‑versa� Então, é uma independência recíproca� Estamos no âmago do princípio da separação dos Poderes, e não no âmago do princípio federativo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, a autonomia é quali‑dade que se opõe a quem quer que possa violá‑la� Fora disso, não há autonomia�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas há o desenho da autonomia fixada em cada caso�

O sr. ministro Ayres Britto: A doutrina estrangeira é pacífica nisso� Quando a Constituição diz que o Poder Judiciário é autônomo perante os outros dois Poderes, está dizendo implicitamente, o não verbal da Constituição: o Poder Judiciário só se submete às leis e à Constituição e é autônomo perante os outros Poderes� Pronto�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente� A resolução do CNJ não tem força de lei perante a autonomia prescrita pela Constituição�

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O sr. ministro Luiz Fux: O Conselho Nacional de Justiça pertence ao Poder Judiciário�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Este debate vai prosseguir� Vamos exami‑nar na definição tópica que o órgão criado é um órgão nacional, tanto é que tem uma composição singular de magistrados da Justiça Federal: é presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, a corregedora é do STJ e tem até a presença de juízes estaduais� Portanto, houve essa preocupação, tendo em vista o caráter nacional desse órgão, mas isso vem da tradição brasileira� Se nós olharmos a Emenda 7, já havia essa ideia de estruturar o Judiciário como um Poder nacional� Nós escutamos isso topicamente no voto do relator�

Eu entendo que essa matéria foi pacificada na ADI 3�367, quando afirmamos a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça com essa função de órgão central de coordenação, de planejamento do sistema judicial�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Ministro Gilmar Mendes, Vossa Excelência me permite só uma observação quanto a isso? Esta Resolução 135 emana de pedido de providências de um corregedor estadual, do corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que pediu exatamente uma uniformização por meio de normas� Ele estaria abdicando disso?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministra, muito bem intencionado, só que contrário à Constituição�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Não� Essa é a diretriz de Vossa Excelência, que eu respeito, embora seja contrária�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Aliás, voltando à ADI 3�367, nem preciso repetir� O eminente ministro relator, na decisão liminar, invoca trecho do meu voto em que digo textualmente que o exercício dessa atividade do Con‑selho se sujeita – como não podia deixar de ser – às prescrições constitucionais e às normas subalternas da Lei Orgânica da Magistratura e do futuro Estatuto, emanados do Legislativo, coisa com que Vossa Excelência concordou textual, e para mim, honrosamente, naquela oportunidade�

Mas, vamos ao art� 2º�

VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, concordo com a conclusão, mas peço vênia para não concordar com um dos fundamentos�

O Conselho Nacional de Justiça, criado, nominado, estruturado e funciona‑lizado pela Constituição, não pode ser um órgão meramente administrativo�

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Ele é hibridamente político e administrativo, de alto governo, de alta política, que se chamaria de “governativa” na linguagem do eminente jurista espanhol Manoel Carrasco Duran� Diz ele que órgãos como o CNJ, que lá também exis‑tem, têm natureza governativa, não podem ser mera, singela e simplesmente um órgão administrativo�

Apenas quanto a esse fundamento é que discordo�

EXPLICAÇÃO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, nós já estamos julgando artigo por artigo?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Já a liminar em relação ao art� 2º�O sr. ministro Luiz Fux: No caso antecedente, Vossa Excelência passou a

palavra�A sra. ministra Cármen Lúcia: Então, Vossa Excelência vai tomar os votos?O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu, por metodologia e atendendo

às ponderações do relator e do ministro Gilmar Mendes, deixei a questão para ser examinada caso por caso� Agora, aqui, Sua Excelência está rejeitando o pedido, com base na interpretação de que a referência do vocábulo “tribunal” significa que as normas são aplicáveis também aos dois conceitos� Por isso, peço vênia para aderir�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Marco Aurélio, Vossa Excelência me per‑mite apenas uma ponderação, porque ela está exatamente na linha do que Vossa Excelência entende? Quer dizer, Vossa Excelência entende que a expressão “tri‑bunal” está aqui figurando apenas para afirmar que essas regras se aplicam também ao Conselho Nacional de Justiça, à semelhança do que se aplicam aos tribunais�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas isso está em meu voto e em bom vernáculo�

O sr. ministro Luiz Fux: Exatamente, mas no meu modo de ver, por estar de acordo com o voto de Vossa Excelência uma interpretação conforme a Cons‑tituição, sem redução de texto, ela esclareceria que esta expressão “tribunal”, aqui, aplicável ao CNJ, é apenas para efeito de submissão a essas regras� Talvez ficasse esclarecedor isso�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É que não raciocino, Ministro, com o extravagante�

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O sr. ministro Luiz Fux: Mas o ministro Ayres Britto está sugerindo, talvez, algo transcendente�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): E seria raciocinar com o extrava‑gante entender, desconhecendo a cláusula “para os efeitos desta resolução”, que o Conselho se autointitulou tribunal, para todos os efeitos�

O sr. ministro Luiz Fux: Eu compreendo a posição de Vossa Excelência, mas como há essa dúvida, tanto que foi suscitada a questão de um órgão adminis‑trativo se autoatribuir a condição de tribunal e, a fortiori, poder amanhã, mais tarde, exarar decisões judiciais���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Compreendo a preocupação de Vossa Excelência porque eu próprio fui relator de mandado de segurança em que cas‑samos ato do Conselho que implicou afastamento de um acordo com transação judicial do cenário jurídico� Compreendo a preocupação�

O sr. ministro Celso de Mello: Recentemente, o Plenário do Supremo Tri‑bunal Federal, ao julgar o MS 26�598 MC‑AgR/DF e o MS 28�611 MC‑AgR/MA, dos quais fui relator, invalidou, por usurpação de competência, deliberação do Senhor Corregedor Nacional de Justiça, que, agindo “ultra vires”, suspendeu a eficácia de decisões, claramente impregnadas de conteúdo jurisdicional, con-cessivas de mandado de segurança�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas estamos a falar aqui apenas de uma resolução que cuida de atividade correcional�

O sr. ministro Celso de Mello: O que estou dizendo é que é correta a afirma‑ção do eminente relator quando salienta a real natureza do Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim�O sr. ministro Celso de Mello: Vale dizer, é órgão estruturado na organi‑

zação institucional do próprio Poder Judiciário���O sr. ministro Gilmar Mendes: Órgão do Poder Judiciário�O sr. ministro Celso de Mello: ���que exerce fiscalização interna, não fis‑

calização externa���O sr. ministro Ayres Britto: Aí está certo�O sr. ministro Celso de Mello: ���embora possuindo composição que permite

qualificá‑lo como órgão de colegialidade heterogênea, uma vez que ingressam, em sua composição, não apenas magistrados, quer da União, quer locais, mas, também, pessoas estranhas aos quadros da magistratura�

O art. 92 da Constituição é muito claro ao incluir na estrutura institucional do Poder Judiciário o Conselho Nacional de Justiça, investido de incumbências de ordem institucional que lhe foram cometidas pela Constituição� Mas este

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Tribunal, realçando e reafirmando o caráter meramente administrativo desse órgão, salientou, em decisão unânime, que o CNJ não dispõe de atribuições que lhe permitam, “(...) quer colegialmente, quer mediante atuação monocrática de seus Conselheiros ou, ainda, do Corregedor Nacional de Justiça, fiscalizar, reexaminar e suspender os efeitos decorrentes de atos de conteúdo jurisdicional emanados de magistrados e Tribunais em geral (...)” (MS 28.611 MC-AgR/MA, rel� min� CELSO DE MELLO, Pleno)�

DEBATE (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Dias Toffoli: Eu gostaria de fazer uma sugestão a Vossa Excelên‑cia, eminente relator, e aos colegas: ouvirmos o voto integral do eminente relator�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): De cambulhada não dá, Presidente�O sr. ministro Dias Toffoli: Porque, senão, em cada dispositivo, virão as

discussões, e elas se repetirão�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): De cambulhada, não� Cada artigo

tem de ser examinado com o cuidado que cada um exige� Esse negócio de exa‑minar tudo de uma vez, não�

O sr. ministro Dias Toffoli: Como foi o julgamento do “ficha limpa”�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Essa é a praxe�O sr. ministro Dias Toffoli: Fazer a leitura da íntegra do voto�O sr. ministro Joaquim Barbosa: O relator profere o seu voto, e os outros

fazem os destaques que quiserem�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O eminente relator está condu‑

zindo o seu voto artigo por artigo� Vamos ater‑nos à metodologia do relator, que é boa para todo o mundo, porque cada dispositivo será examinado com a profundidade necessária�

O sr. ministro Dias Toffoli: Assim que houver alguma divergência, vou ter que ler as premissas do meu voto�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós estamos aqui para isso mesmo, para aprender com Vossa Excelência�

O sr. ministro Dias Toffoli: Eu acho que seria mais eficaz ouvirmos o voto na íntegra�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mais eficaz é examinarmos pro‑fundamente�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Como fazíamos antigamente em relação às ações diretas de inconstitucionalidade�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Para não ficar dúvida depois�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Quando a matéria é tranquila, sim,

podemos votar em conjunto; mas aqui, não, há peculiaridades no tocante a cada artigo atacado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Quando há divergências, como neste caso, por exemplo, já temos que examinar�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ministro Marco Aurélio, essa matéria era tranquila há sete anos, por que subitamente deixou de sê‑lo?

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Para Vossa Excelência, que é um douto!

VOTO (Sobre o art. 2º)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, também acompanho no sentido do indeferimento, mas o fundamento do meu voto nesta passagem é exclusiva‑mente a circunstância de que, para mim, a interpretação possível e compatível com a Constituição é no sentido de que não se alterou a natureza do Conselho, simplesmente se fixou que serão também aos conselhos, tanto quanto aos tri‑bunais, aplicáveis aquelas normas� Apenas isso� Para mim não há alteração e, por isso, eu indefiro a cautelar�

VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Luiz Fux: Eu, com a devida vênia, gostaria de manter a sugestão no sentido de que houvesse uma interpretação conforme sem redução do texto, especificando que é considerado Tribunal apenas para os efeitos dessa lei, para evitar fatos antecedentes que aqui já se passaram, inclusive com submissão à Corte de decisões judiciais emanadas de um órgão administrativo�

VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu acompanho o relator, mas pelos fundamentos do meu voto escrito�

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VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, gostaria também de manifes‑tar apoio à decisão do relator, que indeferiu a cautelar neste ponto, na linha do que nós já afirmamos na ação direta de inconstitucionalidade referida, quando entendemos que aqui se trata de um órgão que integra o Poder Judiciário� Mais do que isso, nós dissemos inclusive que os integrantes do Conselho que não com‑põem o Judiciário, os indicados pelo Congresso Nacional, Câmara e Senado, e os indicados pela Ordem dos Advogados, na condição de membros do Conselho ficam vinculados ao mesmo Estatuto da Magistratura quanto aos benefícios e impedimentos� Foi esse o entendimento� Portanto, trata‑se de um órgão que integra a estrutura do Judiciário para as competências que estão definidas no texto constitucional�

Claro que não ocorre a ninguém que o Conselho possa eventualmente come‑çar a dar liminar para cassar decisão judicial, embora nós saibamos, ministro Britto destacou muito bem, que podem haver atos jurisdicionais que deem ensejo a medidas administrativas, inclusive a sanções administrativas�

O sr. ministro Ayres Britto: Perfeito� Sem desfazer o ato jurisdicional�O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, sem desfazer o ato jurisdicional�A sra. ministra Cármen Lúcia: O Conselho não tem competência jurisdi‑

cional�O sr. ministro Gilmar Mendes: Só isso, mas integra a estrutura, é um órgão

de governo, nesse sentido, do Poder Judiciário�O sr. ministro Celso de Mello: O Conselho Nacional de Justiça qualifica-

-se como órgão de colegialidade heterogênea situado na estrutura institucio‑nal do próprio Poder Judiciário (CF, art� 92, I‑A), exercendo, em consequência, atividade de fiscalização interna que não pode, no entanto, como já decidiu o Plenário desta Suprema Corte, incidir sobre atos de conteúdo jurisdicional (MS 28.598 MC-AgR/DF, rel� min� CELSO DE MELLO – MS 28.611 MC-AgR/MA, rel� min� CELSO DE MELLO, v.g.)�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E é condizente com o que nós decidimos inclusive na ação direta de inconstitucionalidade da relatoria do ministro Peluso�

Com esses fundamentos, que não divergem dos fundamentos do ministro Britto, da ministra Cármen Lúcia e, acredito, do ministro Dias Toffoli, indefiro a cautelar neste ponto�

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VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, estou de acordo com o voto do relator, ministro Marco Aurélio, mas observo o seguinte: lendo a ini‑cial dos eminentes advogados, doutor Gordilho, doutor Alberto Pavie e outros, impugna‑se apenas no art� 2º a identificação de “Conselho com Tribunal”�

Quando nós acolhemos essa proposta do ministro Marco Aurélio, nós não estamos placitando o artigo como um todo, porque a ministra Cármen Lúcia, salvo engano, diz que concorda que os tribunais também estejam abrangidos por esta resolução� Este art� 2º faz menção não apenas ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal, mas também ao tribunal pleno e ao órgão especial� Isso não está em questão� Nós só estamos discutindo esse pequeno aspecto da norma em que nós entendemos irrelevante esta identifica‑ção desta expressão “Conselho com Tribunal”�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ricardo Lewandowski: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): De qualquer forma, se Vossa Exce‑

lência me permite, é que na ação direta de inconstitucionalidade não estamos presos à causa de pedir, mas estamos vinculados ao pedido�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)

VOTO (Sobre o art. 2º)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, se me permite, a matéria, como visto, é altamente polêmica�

Eu compartilho do entendimento de Vossa Excelência e entendo que de fato havia uma prejudicialidade na questão proposta, na medida em que a ação direta de inconstitucionalidade vem, pelo viés material, com relação a alguns dispositivos, quase duas dezenas de dispositivos�

Já que vamos prosseguir no julgamento de uma outra forma, eu gostaria de me manifestar no sentido de acompanhar o eminente relator quanto ao indeferi‑mento da liminar com relação ao art� 2º, na medida em que não vislumbro nesse preceito qualquer aspiração do CNJ de transmudar a natureza jurídica dele, Conselho� É um Conselho de natureza administrativa, e me parece – pela própria letra do art� 2º – que “Considera‑se Tribunal para os efeitos desta resolução”�

Então, com todo o respeito aos entendimentos contrários, nessa linha de fundamentação, eu acompanho o eminente relator�

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ADI 4.638 MC-REF

VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu não tenho dúvida nenhuma em acompanhar o raciocínio exposto de que, realmente, a norma permite esta interpretação, adotada por todos, de que o Conselho Nacional de Justiça é, de fato, um órgão administrativo e não é, portanto, órgão jurisdicional�

Vou pedir vênia à douta maioria e roubar o encanto de ficar vencido solitaria‑mente neste caso� E vou dizer o porquê� Quando a norma diz que se considera tribu‑nal para os efeitos desta lei, sem estabelecer nenhuma limitação, está dizendo que todos os tribunais estão sujeitos a todos os efeitos da resolução� E daí, porque não há ressalva, a minha interpretação conforme, para dizer que se considera tribunal, nos termos em que Vossas Excelências estão produzindo o sentido dessa norma, apenas para alguns efeitos da resolução� Quais? Aqueles compatíveis com o âmbito de eficácia do poder normativo transitório do Conselho, ou seja, os tribunais só podem ser alcançados pelos efeitos dessa resolução que caibam no âmbito de inci‑dência do poder normativo transitório do Conselho Nacional de Justiça� Noutras palavras, os tribunais não poderão ser atingidos por normas que, transbordando desse poder normativo transitório, sejam incompatíveis com a autonomia que os tribunais têm de se autorregularem nos termos da própria Constituição�

O que não parece acertado, e nisso eu peço vênia a Vossas Excelências, é dar uma interpretação que subentenda o seguinte: o Conselho Nacional de Justiça tem poder de editar resolução que revogue a Lei Orgânica da Magistratura e, como tal, ainda que tenha o Supremo a exclusividade da iniciativa da Lei Orgânica e do Estatuto, ele se superponha ao Poder Legislativo, porque essa resolução pode revogar, segundo a tese, as normas da Lei Orgânica da Magistratura, que este mesmo Tribunal já disse que foram recebidas pela ordem constitucional vigente�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Senhor Presidente, há pedido espe‑cífico que nos levará ao enfrentamento dessa matéria�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas já estou me antecipando� Quero deixar claro desde logo�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É que estamos presos, quanto a esse artigo, ao pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Por isso que tinha razão o ministro Toffoli quando disse que era importante que nós explicitássemos as premissas� Em outro ponto, eu vou tentar fazê‑lo� Pelo menos no meu voto eu estou deixando claro, e a meu ver me parece que isso decorre do texto constitucional, que esta atividade assim chamada “normativa” do Conselho Nacional de Justiça não se coloca em confronto com a LOMAN� E isso nós afirmamos de forma muito clara�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Há várias normas aqui que se colocam assim�

O sr. ministro Luiz Fux: Elas não podem se colocar�O sr. ministro Gilmar Mendes: Não podem se colocar� Agora, nós não esta‑

mos a afirmar que ter o poder normativo significa poder de revogar a LOMAN� Haverá situações que terão que ser examinadas�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vossa Excelência acabou de me dar mais um fundamento para o meu voto� Eu estou afirmando exatamente isto, que, em tudo o mais que não conflite com as normas, sobretudo as da Lei Orgânica, a resolução vale� Ela não vale para se sobrepor, por exemplo, às normas da Lei Orgânica�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas o ministro Gilmar fez uma distinção que eu também faço, Ministro Peluso� É a seguinte: há duas competências norma‑tivas do CNJ: uma é transitória, está lá na Emenda 45, e a outra é permanente�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas onde está prevista a compe‑tência permanente?

O sr. ministro Ayres Britto: A transitória é para o CNJ dispor, enquanto não vier o Estatuto da Magistratura, sobre o seu funcionamento, ao passo que a permanente é para o CNJ dispor sobre a sua competência� Competência é uma coisa, é norma permanente; funcionamento, norma transitória�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas, Ministro, aqui não está em dúvida o poder que o CNJ, como qualquer outro órgão da administração pública, um órgão administrativo típico, tem de, para atuar, regulamentar� Para isso existem os regulamentos�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Nos limites da lei�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente�O sr. ministro Ayres Britto: Sim, mas é que Vossa Excelência falou ainda

há pouco só da competência transitória�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso existe� Os regulamentos exis‑

tem para disciplinar a atuação de cada órgão administrativo nos limites da lei� Isso não está em dúvida� Isso eu reconheço�

O que estou dizendo é outra coisa, Ministro� Estou dizendo que, aqui, no meu raciocínio, com o devido respeito, eu preciso fazer uma restrição, em via de interpretação conforme, para dispor que: “Considera‑se Tribunal, para alguns efeitos desta resolução���”; e não para todos, por quê? Porque, entre vários, há alguns que não podem ser considerados aplicáveis aos tribunais, como, por exemplo, os incompatíveis com normas da Lei Orgânica da Magistratura� É só isso o que estou dizendo�

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O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso será examinado�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Será examinado, mas eu já estou

antecipando o meu ponto de vista�O sr. ministro Ayres Britto: Não foi o objeto do pedido�

VOTO (Sobre o art. 2º)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, o meu voto é muito sim‑ples, muito singelo�

Acompanho o relator, simplesmente para dizer que não vejo aqui uma ten‑tativa de aparentar ou de assimilar o Conselho Nacional de Justiça a tribunal� O que há aqui é uma mera assimilação semântica�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Todos estamos de acordo quanto a isso�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não é? Uma tentativa de deixar expresso quais são os órgãos abrangidos no campo de incidência da norma� Nada além disso� Não estou vendo nenhuma tentativa de transformar o órgão em tribunal�

Acompanho o relator�

VOTO (Sobre o art. 3º, § 1º)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, nesse ponto, peço vênia para não acompanhar, por uma singela circunstância, apenas para efeitos da cautelar: no inciso IV do § 4º do art� 103‑B, a Constituição estabelece ser de com‑petência do Conselho Nacional de Justiça “representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade”�

Como para exame de qual diploma aplicado, e a LOMAN não trata especifi‑camente dele, a presunção é de constitucionalidade das normas, eu também, neste ponto, indefiro, com as vênias do relator�

VOTO (Sobre o art. 3º, § 1º)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acho que retirar a eficácia dessa norma neste momento, pelo prazo que durar eventualmente a cautelar, significa criar uma excepcionalidade injustificável para os magistrados, ou seja, dizer que essa lei de 45 anos não se aplica a magistrados�

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DEBATE II (Sobre o art. 3º, § 1º)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, se eu bem entendi – eu não sou intérprete do relator, que não precisa disso –, Sua Excelência está dizendo que não é que não haja sujeição teórica dos magistrados a essa lei; está só dizendo que as penas previstas nessa lei não se aplicam à magistratura�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu acho que a norma é até dispensável�O sr. ministro Dias Toffoli: Ela já diz: desde que não sejam incompatíveis

com a lei complementar�A sra. ministra Cármen Lúcia: Desde que não incompatível�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas alguma aqui é compatível?

O que é compatível? A advertência? Já está prevista na LOMAN�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): O pedido está direcionado apenas

ao aspecto civil�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Em última análise: o Conselho aditou

a LOMAN!O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E mais: se me permite Vossa Exce‑

lência, que é um jurista completo e é também um grande criminalista, a norma de aplicação de pena tem, em sentido lato, um caráter penal; ou seja, permitir que o CNJ legisle sobre pena mediante resolução, com o devido respeito���

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ele não está legislando, Senhor Presidente�A sra. ministra Cármen Lúcia: Está mandando aplicar�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Está mandando aplicar outra lei!O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Aplique a pena da lei tal aos magis‑

trados� Não está prevendo pena?O sr. ministro Ricardo Lewandowski: O que impressiona é que o magistrado

estará sujeito a dois regimes legais, no que diz respeito a infrações administra‑tivas, quando praticar eventualmente o abuso de autoridade�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ministro Ricardo Lewandowski, essa norma deve ter uma razão de ser�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: É um bis in idem�O sr. ministro Joaquim Barbosa: E a razão de ser, muito provavelmente, é

que alguns tribunais já devem ter decidido que os magistrados não se subme‑tem a essa lei�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas aí o CNJ avoca�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso diremos nós quando uma

causa chegar com esse objeto aqui ao Supremo�O sr. ministro Joaquim Barbosa: A causa não chegará aqui, Senhor Presi‑

dente� Ela morre lá na segunda instância�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Chegará� Imagine se, ao aplicar‑

‑se uma pena dessa, o interessado não chegue ao Supremo� Claro que chega�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não cabe habeas corpus, nada para fazer

subir�O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, o argumento que Vossa Excelên‑

cia utilizou no final é absolutamente intransponível: a criação de sanção por via de ato normativo secundário�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sanção no sentido lato, mediante a resolução�

O sr. ministro Luiz Fux: Viola a regra básica de que não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem infração legal�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E de lei complementar�A sra. ministra Cármen Lúcia: Que venha a lei�

VOTO (Sobre o art. 3º, § 1º)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, eu gostaria de me manifestar no sentido do voto do relator, pelas premissas que já aduzi e que trago no meu voto, reconhecendo o poder normativo do CNJ, ressaltando os fundamentos, inclusive o de que o Poder Judiciário é um poder nacional (isso em várias ações o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de asseverar) e também reconhecendo esse poder normativo que foi outorgado a partir do art� 5º, § 2º, da EC 45/2004�

Reconheço que, quanto a esse poder normativo, no tocante à sua atividade correcional e disciplinar em âmbito nacional, até que entre em vigor um novo estatuto da magistratura, o CNJ está incumbido desse dever de uniformização, mas em compatibilidade com a LOMAN�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas o dispositivo diz exatamente isso�O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas é que se acrescenta em matéria

penal�A sra. ministra Cármen Lúcia: Aqui na petição fala‑se em matéria cível�O sr. ministro Gilmar Mendes: Em relação a esse tópico, eu estou dizendo

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exatamente isto: conforme ressaltado acima, a Constituição impõe uma disci‑plina uniforme da magistratura�

Parece‑me que há um estatuto disciplinar próprio quando se cria essa reserva de lei complementar em relação à sanção administrativa, de que nós estamos a falar� Se se tratar de abuso de autoridade, matéria criminal, é outro departa‑mento, mas é um regime todo próprio o estatuto disciplinar�

Portanto, quanto às suas respectivas responsabilidades e punições nessa seara, o regime jurídico que se lhes aplica é específico em razão de disposição constitucional expressa, art� 93�

Assim, Presidente, na LOMAN estão previstos os direitos e deveres dos magis‑trados, sendo que a violação administrativa desses últimos pode implicar puni‑ção por meio de sanções previstas na própria lei complementar�

Esse é o regime, a meu ver, aplicável à magistratura em âmbito administra‑tivo, consoante a jurisprudência do Supremo� E eu cito a AO 155�

Nesse campo administrativo, a Lei 4�898, relativamente apenas à infração administrativa, não se aplica aos magistrados�

Então, ao dispor, portanto, em sentido diverso, a resolução, a meu ver, afron‑tou a Constituição, art� 93, bem como a LOMAN, e por isso eu estou a acompanhar o relator e deferir, neste ponto específico, a cautelar�

VOTO (Sobre o art. 3º, § 1º)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presente, eu vou acompanhar também o eminente relator, entendendo que, no particular, a resolução ultrapassou o próprio comando constitucional, que se limitou a dizer: o poder de represen‑tação ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública e de abuso de autoridade�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): E a Associação dos Magistrados Brasileiros não se insurge quanto a essa representação�

O sr. ministro Ayres Britto: E essa competência do CNJ permanece incólume�

VOTO (Sobre o art. 3º, § 1º)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, também eu, que inicialmente iria acompanhar a divergência, em razão dos debates, acompanho o eminente relator no ponto�

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ADI 4.638 MC-REF

EXTRATO DA ATA

ADI 4�638 MC‑REF/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio� Requerente: Associa‑ção dos Magistrados Brasileiros (Advogado: Alberto Pavie Ribeiro)� Interes‑sado: Presidente do Conselho Nacional de Justiça (Advogado: Advogado‑geral da União)� Amicus curiae: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior e outros)�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar suscitada pelo procurador‑geral da República� Por maioria, o Tribunal referendou o indeferi‑mento da liminar em relação ao art� 2º da Resolução 135 do Conselho Nacio‑nal de Justiça, contra os votos dos ministros Cezar Peluso (presidente) e Luiz Fux, que davam, cada qual nos termos de seus respectivos votos, interpretação conforme� Em relação a seu art� 3º, V, o Tribunal, por unanimidade, referendou o indeferimento da liminar� E, em relação ao art� 3º, § 1º, contra os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Joaquim Barbosa, o Tribunal referendou o deferimento da liminar� Em seguida, foi o julgamento suspenso� Falaram, pela requerente, o doutor Alberto Pavie Ribeiro; pelo amicus curiae, o doutor Ophir Cavalcante Júnior; pela Advocacia‑Geral da União, o ministro Luís Inácio Lucena Adams, advogado‑geral da União, e, pelo Ministério Público Federal, o doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, procurador‑geral da República�

Presidência do ministro Cezar Peluso� Presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber� Procurador‑‑geral da República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos�

Brasília, 1º de fevereiro de 2012 — Luiz Tomimatsu, secretário�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, gostaria apenas de fazer uma ponde‑ração, pela ordem, porquanto tenho uma percepção um pouco diversa das razões de decidir do ministro e amigo Marco Aurélio – que me permita aqui expor�

Em todas as obras dedicadas à magistratura e às garantias da magistratura, o sigilo do julgamento sempre foi entrevisto como uma garantia pro populo� Por quê? Porque o julgamento em sigilo pode efetivamente resultar num desaco‑lhimento de qualquer acusação e na conjuração de qualquer fato desabonador em relação a esse juiz� Evidentemente quando esse julgamento se opera de público, máxime levando em consideração que qualquer pessoa do povo pode

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representar contra esse juiz, máxime quando a resolução estabelece que deve ser afastado diante da primeira denúncia, ainda que não se saiba se o seu con‑teúdo tem procedência, essa garantia pro populo fica enfraquecida porquanto o cidadão passa a ter uma ótica de suspeição em relação a esse magistrado�

E essa é uma linha ideológica que outras instituições têm seguido, Senhor Presidente� Observo, por exemplo, que o Estatuto da Advocacia, Lei 8�906/1994, prevê que o processo disciplinar para punição de advogado tramitará em sigilo�

Art� 72� O processo disciplinar instaura‑se de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada�

§ 2º O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, (���)�

Verifico ainda, Senhor Presidente, que, como pertencia ao Ministério Público, para minha honra, a Lei Orgânica do Ministério Público também prevê que as publicações relativas ao processo administrativo conterão o respectivo número omitido o nome do acusado�

E ainda, Senhor Presidente, talvez como um argumento de encerramento, também observo que a Lei 8�112, que cuida do Regime dos Servidores Públicos Federais, que é norma subsidiária à aplicação, diante das lacunas da LOMAN, dispõe que a comissão que vai apurar a infração do servidor fará reuniões e audiências em caráter reservado�

Então, exsurge uma indagação: por que submeter o magistrado que ainda não tem culpa formada – e uma das obrigações da magistratura é respeitar os homens de acusação ainda infundada – a uma publicização de uma acusação que não se sabe sequer se é procedente? Pode‑se afirmar que aí há um interesse público da transparência� Mas se olvida, nesse particular, que esse interesse público colide com um princípio basilar da República Federativa, que é o res‑peito à dignidade da pessoa humana� Se nós temos que respeitar os homens de acusação ainda infundada, não tenho a menor dúvida de que este é um consec‑tário do respeito a esse cânone, que é um dos fundamentos da República, que é a dignidade humana� Mas será que realmente, numa visão contemporânea, o interesse público sobrepuja todo e qualquer interesse privado?

Eu colhi, Senhor Presidente, em lições de Ronald Dworkin, na sua obra, numa tradução livre, Falando sobre os direitos de forma séria – Talking Seriously About Rights, ele afirma o seguinte: na solução da colisão entre o interesse público e o interesse privado – e, nesse particular, ele é também repisado pelo eminente jurista Luis Roberto Barroso na sua obra Direito constitucional contemporâneo –, um outro parâmetro para solucionar se vale o interesse público na transpa‑rência, ou se vale a dignidade da pessoa humana, é o princípio da dignidade

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humana� Como se sabe, a dimensão mais nuclear desse princípio se sintetiza na máxima Kantiana segundo a qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, essa máxima de corte antiutilitarista, diz o professor Barroso, pretende evitar que o ser humano seja reduzido à condição de meio para a realização de metas coletivas ou de outras metas individuais� Assim, se determinada política representa a concretização de importante meta cole‑tiva, como a garantia da segurança pública ou a saúde pública, mas implica a violação da dignidade de uma só pessoa, tal política deve ser preterida como há muito reconhecem os publicistas comprometidos com o Estado de Direito�

Então, Senhor Presidente, diante dessa gama de instituições que submetem os seus servidores a um processo disciplinar em caráter sigiloso, até porque não se sabe o resultado, e, no caso da Magistratura, principalmente, como pode um magistrado exercer suas funções submetido a um processo numa audiência pública, se amanhã, mais tarde, ele pode vir a ser absolvido, e essa absolvição não terá, sob o aspecto moral, aquela eficácia humana ex tunc? Eu até aproveito um pouco da minha experiência – por isso, Ministro Marco Aurélio, eu faço esta intervenção –, tive a lamentável oportunidade de assumir um processo já em fase de julgamento final no Superior Tribunal de Justiça, que, à época, sua Corte Especial era composta por 25 membros, havia uma acusação formulada contra um desembargador� Essa acusação, já em processo final, com uma hora de sustentação pelo Ministério Público, com uma hora pela defesa, essa ação penal foi julgada improcedente por 25 a 0, não foi um placar dividido, foi julgada improcedente por 25 a 0� Respeitou‑se o segredo de Justiça, a sala estava vazia, mas aquele homem teve uma síncope sozinho, assistindo àquele julgamento� De sorte que isso é uma imagem que me marcou muitíssimo�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vossa Excelência me permite revelar o lado prático: o sigilo, a meu ver, é uma balela, porque a existência do processo e o respectivo conteúdo acaba vindo à balha e sendo do conhecimento popu‑lar� E, então, o que passa a ocorrer: passa‑se a ver chifres em cabeça de cavalo� Imagina‑se que a situação versada no processo é de gravidade maior, a exigir o sigilo� Então, o sigilo surge contraproducente� A meu ver, a suposição macula mais do que a realidade retratada e formalizada no processo administrativo�

O sr. ministro Luiz Fux: É, no meu modo de ver, Presidente, se houver o sigilo e houver seriedade no sigilo, esse efeito deletério não vai ocorrer e, evidente‑mente, que quem viola sigilo comete até um delito�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas isso, Ministro, na prática, não tem eficácia maior�

O sr. ministro Luiz Fux: Por outro lado, assim como essas leis federais todas

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tutelam os outros componentes dessas instituições, a LOMAN também determina que haja esse sigilo� De sorte que entendo que efetivamente há uma contrapo‑sição inquestionável entre a resolução e a LOMAN�

De sorte que eu vou pedir vênia, nesse particular, Ministro Marco Aurélio, sobre certos argumentos, para discordar do voto de Vossa Excelência�

DEBATE (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Antes de colher o voto da eminente ministra Rosa e dos demais ministros, como Vossa Excelência fez uma inter‑venção antecipada, vou trazer à consideração da Corte outra visão sobre os arts� 43 e 44 da Lei Orgânica da Magistratura�

Acho que o problema aqui, do meu ponto de vista, com o devido respeito, está um pouco deslocado, porque, a meu sentir, os arts� 43 e 44 dispõem sobre a natureza das penas, não sobre publicidade ou sigilo de processo; é uma con‑cepção de pena, ou melhor, uma concepção de duas penas que a Lei Orgânica, na liberdade legislativa, resolveu assumir como penas reservadas� Isto é, penas que, em razão da natureza do tipo das infrações a que correspondem, não devem ser levadas a público� É uma concepção de pena; é uma concepção legal de pena� De modo que é daí que se tem que tirar o raciocínio jurídico� Não é dizer que o processo tem que ser público, não é disso que se trata, mas de se indagar se a Lei Orgânica, que não pode ser revogada pela resolução, era ou não constitucional ao conceber duas penas com caráter reservado� Se pode, e a resposta a meu ver é positiva, porque não me parece que o legislador esteja impedido de conceber pena administrativa com o caráter ou a natureza reservada, diante da ponde‑ração que o legislador faz dos tipos de ílicitos disciplinares a que essas penas devam corresponder, a consequência é que o processo não pode ser público, porque, se o fosse, contrariaria a natureza das penas� Não se trata de indagar se esses dois dispositivos ofendem a regra geral da publicidade, mas de dizer, se for o caso, que, pela natureza imposta por lei complementar, conforme a Cons‑tituição, há duas penas que, pelo seu próprio feitio, são de caráter reservado por deliberação do legislador� A consequência é que os procedimentos também têm que ser reservados, entrando, portanto, na exceção ou nas exceções que a própria Constituição vigente abriu para certos casos de publicidade restrita�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, gostaria, como rela‑tor, de fazer uma ponderação� Tivemos uma nova realidade normativa com a Emenda 45, colando ao processo jurisdicional e ao administrativo, inclusive

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o disciplinar, a natureza pública� A meu ver, quando a Lei Orgânica da Magis‑tratura dispõe que determinadas penas hão de ser implementadas, sempre e sempre, em caráter sigiloso, com comunicação apenas àquele que cometeu o desvio de conduta, ficou suplantada pelo novo preceito constitucional no que impõe a publicidade, mesmo porque vêm‑nos do direito civil uma noção segundo a qual o acessório segue a sorte do principal� O principal é o processo administrativo que a Constituição quer público, e o acessório é a pena a ser aplicada nesse processo administrativo�

O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência me permite, Ministro, o in ci‑so X do art� 93 contém dois comandos, o primeiro é geral, para toda e qualquer matéria, dizendo assim:

(���) as decisões administrativas dos tribunais [sobre toda e qualquer matéria] serão motivadas e em sessão pública (���)�

Mas vem o segundo comando, que é específico, em matéria disciplinar tam‑bém serão públicas as sessões, apenas com a decisão por “maioria absoluta de seus membros”, e “serão públicas”�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Parece evidente que aqui mudou o marco normativo� De modo que aplicar esse modelo adotado pela LOMAN tornou‑se impossível à luz do texto constitucional�

O sr. ministro Ayres Britto: Constitucional�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A partir do momento em que o pró‑

prio processo, no qual será aplicada a pena, deve ser público�O sr. ministro Gilmar Mendes: O próprio julgamento tem que ser público�A sra. ministra Cármen Lúcia: Não foi recepcionada, a meu ver, pela emenda,

a norma da LOMAN�O sr. ministro Ayres Britto: Penas de advertência e de censura são de

caráter disciplinar, ambas� E a Constituição falou sobre as penas disciplina‑res, dizendo que as sessões serão públicas, em matéria disciplinar�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Peço licença, apenas para refletirmos um pouco mais� Penso que o inciso X deve ser lido em conjunto com o inciso XI, anterior, que diz o seguinte: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judi‑ciário – todos os julgamentos, aí não faz nenhuma distinção entre julgamento de caráter jurisdicional ou administrativo – serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação�

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Então, eu penso que a lei aqui pode perfeitamente ser compreendida como a LOMAN, que foi recepcionada pela lei�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Essa é a disciplina do processo jurisdicional�

O sr. ministro Celso de Mello: Vossa Excelência me permite uma obser‑vação?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim�O sr. ministro Celso de Mello: A ideia de sigilo, na verdade, foi banida do

novo sistema constitucional� E isso resulta claro, precisamente, dos incisos a que Vossa Excelência se refere, quer se cuide do inciso IX, quer se trate do inciso X, ambos do art� 93 da Constituição�

O sr. ministro Ayres Britto: As sessões serão públicas�O sr. ministro Celso de Mello: A Constituição permite que se estabeleça

excepcionalmente, regime de publicidade restrita, não, porém, de sigilo�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É disso que se trata, Ministro�O sr. ministro Celso de Mello: A norma ora impugnada é fiel ao comando

constitucional, porque prevê a possibilidade de adoção do regime de publi‑cidade restrita� Tratando-se, no entanto, de decisão administrativa, em sede disciplinar, deverá ser ela motivada e proferida em sessão pública, exigindo--se, ainda, em garantia do próprio magistrado, seja ela tomada pelo Tribunal com observância do “voto da maioria absoluta de seus membros” (CF, art� 93, X)� De maioria qualificada, portanto�

O sr. ministro Ayres Britto: Maioria absoluta�O sr. ministro Celso de Mello: Vale dizer, por maioria absoluta dos mem‑

bros do órgão judiciário competente para exercer, no caso, a chamada jurisdi‑ção censória�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vossa Excelência me permite? Há uma razão de ser para a distinção entre o processo jurisdicional e o processo administrativo� No processo jurisdicional, tem‑se geralmente interesses sub‑jetivos privados� Já no processo administrativo, a envolver servidor, sobressai o interesse coletivo, o interesse público�

O sr. ministro Ayres Britto: Está bem colocado�O sr. ministro Celso de Mello: Saber, inclusive, as razões pelas quais deter‑

minado magistrado, incumbido de exercer a função jurisdicional, foi punido� Esse interesse, realmente, é geral e pertence a toda a sociedade�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso é que está, Ministro� O pro‑blema é que a lei, de acordo com a Constituição, a LOMAN, avaliou um baixo grau de ofensividade dos ilícitos a que fez corresponderem penas reservadas�

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É o próprio legislador, quer dizer��� Procurou introduzir o seguinte: a mim me parece que a regra da publicidade está no inciso IX, como uma exceção, como no art� 5º já há outra exceção, que também���

O sr. ministro Celso de Mello: ���se acha inscrita no inciso XXXIII do art� 5º de nossa Constituição Federal�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós temos, portanto, um sistema de publicidade, que é a regra, mas que a Constituição, em duas normas expres‑sas, abre exceções, resguardando a intimidade do interessado, etc�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: E sempre que não prejudique o inte‑resse público�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o interesse público, neste caso, não é saber exatamente o que se passa?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Então, a regra da publicidade está no inciso IX� É a regra geral da publicidade� Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, etc� Esta é a regra geral�

No inciso X, há duas normas, a meu ver� Uma que reafirma que essa publicidade se aplica também às decisões administrativas; e uma segunda norma, que já não diz respeito à publicidade, mas diz respeito a quórum de aplicação de penas�

O sr. ministro Ayres Britto: Foi o que dissemos�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas agora, então, vamos fazer a

leitura� Se nós temos duas normas, uma que cuida da publicidade e outra que cuida de quórum de aplicação de pena, o que há de ilógico em conceber que essa segunda norma pode ser aplicada também nos casos em que se abre exceção às regras da publicidade?

Noutras palavras, nada impede que esse quórum seja observado para a apli‑cação de penas reservadas� O que a norma está querendo dizer é que ainda as penas de advertência e de censura têm que ser tomadas pela maioria absoluta dos membros dos tribunais� Apenas isso�

O sr. ministro Ayres Britto: Aí está certo, mas em sessão pública�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso é outra coisa, Ministro�

A sessão pública já está firmada na outra norma�O sr. ministro Ayres Britto: Esse é o núcleo da questão� É sessão pública�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Como regra geral�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, neste caso concreto, não

está em jogo o quórum, o pedido é específico� A Associação dos Magistrados Brasileiros apenas quer o afastamento da norma quanto à publicidade� Só isso�

O sr. ministro Ayres Britto: Porque o núcleo duro da imputação é o caráter sigiloso ou não da sessão pública quanto à publicidade�

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O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, só para acrescentar� Na ver‑dade, não se está aqui pleiteando prerrogativas para que juízes que cometam atos indevidos sejam protegidos� De forma alguma� O que se está afirmando aqui é que há uma unidade do sistema, e essa unidade do sistema implica na recepção inequívoca da Lei Orgânica da Magistratura, e a própria Lei Orgânica da Magistratura determina que o processo seja sigiloso� E isso não é nenhuma prerrogativa, muito embora o regime jurídico da magistratura seja diferente, e é diferente exatamente no interesse público do povo� Quer dizer, não se divulga aquilo que ainda não se sabe para que o povo não leve aquele juízo a uma aura de suspensão de desconfiança que o intranquiliza, porque intranquiliza muito mais o cidadão o juiz que não é imparcial do que o juiz que não sabe Direito� Isso é uma questão�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Pior é supor uma imputação mais séria do que a existente no processo administrativo�

O sr. ministro Ayres Britto: Ministro, pior é uma absolvição em sessão secreta� Isso é desastroso para o conceito do Poder Judiciário�

O sr. ministro Luiz Fux: Isso numa visão populista, digamos assim, da Jus‑tiça� Eu digo assim, tecnicamente, pelo que está na lei, pela unidade da Cons‑tituição, esse é um raciocínio que está consoante à interpretação que está se fazendo da Carta Maior�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Temos divergência porque sustento

o contrário�O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência, Ministro Celso de Mello, disse

apropriadamente, aliás, na linha do pensamento do ministro Gilmar Mendes, que a Constituição aboliu o regime de sigilo como regra� Há uma exceção criada por ela, ou seja, a cultura do biombo foi excomungada pela Constituição� Só há uma exceção em que a sessão é secreta: é no inciso IV do art� 52, em matéria parlamentar�

O sr. ministro Celso de Mello: Em matéria parlamentar, sim�O sr. ministro Ayres Britto: Quando o Senado Federal julga o pedido de

aprovação de chefe de missão diplomática em caráter permanente� Somente nessa oportunidade é que a Constituição fala em sessão secreta� Em nenhuma outra mais�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto: Secreta a votação! Mas não a sessão�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, eu só faria uma pergunta

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a Vossa Excelência para encaminhar o meu raciocínio� Vossa Excelência admite que um processo‑crime, com aplicação possível de pena grave, pode, nos termos da própria Constituição, ter publicidade relativa?

O sr. ministro Celso de Mello: A Constituição, no art� 93, IX, estabelece, como regra, a publicidade ampla e geral, mas viabiliza, na parte final dessa mesma regra, a adoção do regime de publicidade restrita�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu estou me remetendo à norma do art� 5º�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto: (Cancelado)O sr. ministro Celso de Mello: A resolução em causa mostra‑se perfeita‑

mente fiel ao comando constitucional, quando estabelece, como regra, o modelo de publicidade ampla e, excepcionalmente, autoriza a adoção do regime de publicidade restrita�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se Vossa Excelência me permite – e, evidentemente, Vossa Excelência sabe melhor do que eu –, não apenas pelo disposto no art� 93, IX, mas pelo art� 5º, LX:

Art� 5º(���)LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a

defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Daí que a Constituição não aboliu, nem podia abolir, ainda que em caráter excepcional, os processos que corram em regime de publicidade restrita� Por isso é que existem processos criminais que correm em publicidade restrita� Isso não foi abolido pelo sistema�

Se um magistrado processado criminalmente, dependendo da hipótese, o seu processo criminal, em que a pena seja a mais grave do ordenamento jurí‑dico, pode ser processado sob regime de publicidade restrita, a pergunta é: o que há de absurdo ou contraditório no sistema constitucional em que por uma pena, considerada a mais leve da concepção legal, com caráter naturalmente reservado, não possa sê‑lo?

O sr. ministro Ayres Britto: Porque é disciplinar, Excelência� Em matéria disciplinar, há regramento específico�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vamos raciocinar, Ministro: se, para aplicar a pena mais grave do ordenamento jurídico, que é a pena criminal, eu posso admitir porque a própria da Constituição o permite, um processo de publicidade restrita���

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O sr. ministro Celso de Mello: Jamais processos sigilosos, pois excepcio‑nalmente admissível o regime de publicidade restrita�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Publicidade restrita, mas é esse o caso da censura e da advertência�

O sr. ministro Ayres Britto: A censura é pena disciplinar�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É a mais leve do ponto de vista

administrativo�O sr. ministro Ayres Britto: Mas, em matéria disciplinar, há regramento

específico�O sr. ministro Gilmar Mendes: O argumento prova demais� Veja que nós

tivemos, não faz muito tempo, julgamento, de que Vossa Excelência mesmo foi relator, de processo criminal contra magistrados e recebemos a denúncia de forma pública�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas Vossa Excelência é testemu‑nha que eu queria que o processo fosse sigiloso�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas o Tribunal entendeu de forma diversa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O Tribunal não atendeu, por isso

me curvei� E mais do que isso, eventualmente, quem foi absolvido, o que teve votos de absolvição, pelo que foi dito���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas isso não importa, é isso que estou dizendo, veja que não há contradição no sistema jurídico�

O sr. ministro Luiz Fux: Presidente, também é uma contradição a Suprema Corte admitir a recepção da Lei Orgânica e não aplicar a Lei Orgânica�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Até para aplicar pena criminal para um magistrado, dependendo da hipótese, o processo criminal pode trami‑tar em regime de publicidade restrita, porque não o poderia, no plano adminis‑trativo, para aplicar uma pena administrativa levíssima, concebida pelo próprio legislador, com caráter reservado?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Aqui me parece que estamos diante de uma escolha constitucional muito clara, quer dizer, não há sequer falar em silêncio eloquente� É uma explicitação muito clara, é uma escolha do texto constitu‑cional� Eu concordo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): As exceções, também, Ministro, são textuais�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu concordo de constitutione ferenda, com Vossa Excelência, com o ministro Fux, mas esse argumento levaria, inclusive, a ter um modelo reservado, sobretudo para os processos criminais em geral, porque esse argumento é aqui expendido pelo ministro Fux, e nós sabemos

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que há ordenamentos jurídicos que vedam a divulgação do nome de pessoas quando elas estão processadas�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Só um esclarecimento para Vossa Excelência� Eu parto de outro ponto de vista que não do ministro Fux; eu não concordo, com o devido respeito, com o ponto de vista do ministro Fux, porque acho que nem magistrado, nem ninguém que esteja de algum modo ligado ao sistema jurídico e Judiciário tem que ter penas e processos disciplinares em segredo� Portanto, o meu princípio não é esse, eu acho que para todos tem que ser aberto, sem exceção, para todos, sem exceção� Portanto, o meu fundamento não está aí, o meu fundamento é completamente diferente�

O sr. ministro Luiz Fux: Então, Vossa Excelência está afirmando que toda essa legislação é inconstitucional�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Quanto ao argumento sobre a dignidade da pessoa humana, esgrimido pelo ministro Fux, e quanto à conveniência, inclusive, de preservar o magistrado, tendo em vista a dignidade de suas funções� O que estou a dizer é que o texto constitucional fez aqui, claramente, uma opção em relação ao processo judicial, tendo em vista o inciso IX dizendo que “em deter‑minados atos”, mas aí tem que haver, realmente, uma ponderação do próprio legislador� E, em relação ao inciso X, ao dizer:

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pú ‑blica, sendo as disciplinares���

Portanto, também em sessão pública�O sr. ministro Ayres Britto: As disciplinares���O sr. ministro Gilmar Mendes: Aí me parece, tal como já sustentado pelo

relator, que não há possibilidade, nem pelo legislador complementar antece‑dente, nem pelo Estatuto futuro da Magistratura, numa lei pós‑constitucio‑nal, de se fazer uma outra escolha em relação a esse modelo ou a esse regime� De modo que aqui me parece que, inequivocamente, restou revogada a disciplina da LOMAN, não se podendo imputar, portanto, o vício à disciplina escolhida pelo Conselho�

É essa a minha visão�O sr. ministro Celso de Mello: O modelo passa a ser ostensivo; essa é a regra

constitucionalmente básica!O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas há exceções� Este é o

problema: é uma regra que admite exceção�O sr. ministro Celso de Mello: Claro, o modelo de ampla publicidade admite,

sempre em caráter excepcional, a utilização, por efeito de expressa autorização

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constitucional, do regime de publicidade restrita (CF, art� 93, IX, “in fine”)� Nós estamos discutindo, porém, agora, a incidência do inciso X desse mesmo art� 93 da Lei Fundamental, que dispõe que as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e proferidas em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas é onde entra a hipótese das duas penas reservadas�

Bem, mas, enfim, acho que estamos todos esclarecidos, só nos resta, confor‑mando‑nos com a opinião de cada qual, com o devido respeito, colher os votos�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, eu comungo da compreensão de que a publicidade restrita é absoluta exceção na normatividade constitucio‑nal, pedindo todas as vênias a Vossa Excelência e ao ministro Fux, em especial pela axiologia que reflete a Emenda Constitucional 45, que, como todos nós sabemos, é de 2004; a LOMAN é de 1979; e a confirmação por esta Corte de que é recepcionada na nova ordem constitucional data de julgamento de 2002�

Então, com todo o respeito, renovando o pedido de vênias, eu acompanho o eminente relator na sua conclusão, em juízo de cognição sumária, indeferindo a liminar neste ponto�

VOTO (Confirmação – sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, apenas reafirmando o meu ponto de vista, entendo que a doutrina baseada em todos os doutrinadores atuais, modernos, entende que há a sobrepujança da dignidade humana sobre este interesse público citado explicitamente por Ronald Dworkin, em Taking Rights Seriously� De sorte que, além de todos os argumentos que já utilizei, pela garantia pro populo, enfim, estou convencido disso, eu vou pedir vênia ao ministro relator�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também tenho para mim que não foi recepcionada a LOMAN, no ponto, exatamente porque a Constitui‑ção estabeleceu, como o ministro Celso e o ministro Gilmar já disseram, e na

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esteira do que afirmou o ministro relator, que a regra é da publicidade, e que, neste caso, a meu ver, com a devida vênia do entendimento de Vossa Excelência e do ministro Fux, até é mais grave, porque se trata daquele que é responsável, como juiz, exatamente para garantir a publicidade, que lança luz e acaba com qualquer dúvida a respeito de qualquer assunto�

O ministro Ayres Britto fala que não se permite mais o biombo, e eu digo que esse tipo de processo era das catacumbas: faziam‑se planos em recônditos para não se saber de nada� Isso é próprio de ditadura, isso não é próprio de demo‑cracia� A democracia quer julgamentos públicos�

E o ministro Gilmar até lembrou aqui uma vez, no ano passado, que claro que o fato de serem processados já causa problemas para as pessoas, e esse é um dado sobre o qual nós podemos pensar numa outra ocasião, mas, para efeito de exame e decisão sobre cautelar, na dúvida, já prevaleceria a norma, e neste caso a norma me parece plantada de forma palmar numa regra constitucional expressa, que não admite nem silêncio�

Eu, portanto, peço vênia ao ministro Fux e acompanho o relator, exatamente no sentido do indeferimento da cautelar�

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu também queria pedir vênia à ministra Cármen Lúcia para dizer que, da minha ideologia, não participa nenhuma ideia antidemocrática nem julgamentos em catacumbas�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se participasse, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América se sentiria extremamente ofendida! Mas não há de ser nada, não�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas aí é outro sistema, Ministro�

VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu vou pedir vênia para acompanhar o relator, porque eu entendo que esta resolução do CNJ não tem o condão de derrogar o inciso IX do art� 93, in fine, que, em casos excepcio‑nais, permite que a lei estabeleça, para a preservação da intimidade do inte‑ressado, um certo sigilo, desde que não fique prejudicado o interesse público à informação, e sempre de forma devidamente motivada�

Mas eu acompanho o relator nas conclusões com esta ressalva�Se Vossa Excelência me permitir, me honrou com a incumbência de repre‑

sentar o Supremo Tribunal Federal na abertura do ano legislativo do Congresso Nacional, inclusive fazendo um pronunciamento�

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Então, peço vênia para adiantar o meu voto e o farei em breves minutos�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sobre o julgamento de toda a

liminar?O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Apenas da liminar� E não estou ante‑

cipando o pronunciamento do eminente ministro Marco Aurélio, relator da matéria, porquanto Sua Excelência já proferiu o voto� Então, quero dizer, desde logo, que acompanho Sua Excelência em todas as conclusões, integralmente�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski:

I – Breve relatórioA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (AMB) ajuizou ação direta

de inconstitucionalidade com pedido de liminar, contra a Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, publicada no DJ de 15‑7‑2011, pelos argumentos abaixo resumidos�

A AMB, de início, impugna integralmente o diploma normativo em comento, arguindo a sua inconstitucionalidade formal, sob a alegação de que a matéria nele tratada extravasa as competências constitucionais do CNJ� Sustenta que a matéria é de competência privativa dos tribunais quanto às penas de censura e advertência (CF, art� 96, I e II) ou, então, de competência privativa do legislador complementar, quanto às penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria (CF, art� 93, caput, VIII e X)�

Além de tal vício, que entendem suficiente por si só para ensejar a declaração de inconstitucionalidade de toda a Resolução 135, afirmam que o diploma ata‑cado abriga várias outras disposições que vulneram garantias constitucionais dos magistrados�

Asseveram, nessa linha, que a referida resolução apresenta diversas inconsti‑tucionalidades pontuais, que devem ser escoimadas do texto por esta Suprema Corte, caso não seja reconhecido o vício formal que tisna integralmente o diploma vergastado� Eis os dispositivos e as razões que explicitam:

i) art� 2º, porque conselho é conselho e não é tribunal;ii) inciso V do art� 3º, porque a pena de aposentadoria compulsória somente

pode ser aplicada com subsídios ou proventos proporcionais;

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iii) § 2º do art� 3º, porque, ao submeter os magistrados às sanções administra‑tivas da Lei 4�898/1964, submete os magistrados indevidamente a dois regimes jurídicos disciplinares incompatíveis entre si;

iv) art� 4º, porque as penas de censura e advertência só podem ser aplicadas de forma “reservada”;

v) art� 20, porque é do interesse público que o processo disciplinar contra magistrado seja sigiloso, salvo quanto às sanções de disponibilidade ou aposentadoria;

vi) arts� 8º e 9º, porque criam distinção desarrazoada entre juízes de primeiro e segundo grau, além de ingressar na competência regimental dos tribunais;

vii) art� 9º, porque amplia o rol dos legitimados para representar contra magistrados perante os tribunais;

viii) art� 10, porque cria um recurso nos tribunais contra as decisões que determinarem o arquivamento de representações, inclusive perante o CNJ;

ix) art� 12, porque atribui ao CNJ uma competência censória concorrente, ao invés de meramente subsidiária, em detrimento da competência primária dos tribunais;

x) parágrafo único do art� 12, porque o CNJ impõe aos tribunais a observância da citada resolução em detrimento das normas estabelecidas legitimamente por aqueles;

xi) art� 14, porque estabelece a obrigatoriedade do voto dos presidentes e dos corregedores dos tribunais, bem como porque estabelece que a distribuição e tramitação dos processos ocorra de forma predeterminada, inclusive quanto ao prazo de duração;

xii) parágrafo único do art� 15, porque o magistrado não pode ser afastado do cargo fora das hipóteses previstas na Lei Orgânica da Magistratura, sob pena de ofensa às garantias da inamovibilidade e da vitaliciedade;

xiii) art� 17 e incisos IV e V, porque há usurpação da competência do legisla‑dor complementar para dispor sobre o Estatuto da Magistratura, na medida em que fixa prazos distintos daqueles nele previstos;

xiv) art� 18, porque regulamenta a instrução dos processos disciplinares nos tribunais;

xv) § 3º do art� 20, porque não compete ao CNJ dispor sobre quem deve votar nos processos disciplinares que tramitam nos tribunais; e

xvi) Parágrafo único do art� 21, porque os magistrados somente podem ser punidos mediante o voto da maioria absoluta dos respectivos tribunais�

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II – Legitimidade ativa ad causam da AMBA legitimidade ativa ad causam da autora decorre do art� 103, IX, da Consti‑

tuição Federal, e do art� 2º, IX, da Lei 9�868/1999, que autorizam a propositura de ação direta de inconstitucionalidade por “entidade de classe de âmbito nacional”�

Esse é exatamente o caso da associação requerente, que representa, em âmbito nacional, a categoria dos magistrados brasileiros, apresentando, entre os seus objetivos institucionais, a defesa dos interesses difusos relacionados ao regular funcionamento do Poder Judiciário, conforme já decidiu o Plenário desta Corte na ADI 1�303, rel� min� Maurício Corrêa�

III – Inconstitucionalidade formalEm que pesem os respeitáveis argumentos da requerente, entendo que o

diploma legal atacado permanece hígido, do ponto de vista constitucional, porquanto a Lei Maior lhe conferiu a atribuição de regrar os próprios trabalhos, conforme estabelece o art� 103‑B, § 4º, I�

IV – Competências legislativas concorrentesA questão fulcral discutida nesta ação direta de constitucionalidade ajui‑

zada pela AMB, a meu ver, consiste na interpretação do art� 12 da Resolução 135� Em outras palavras, trata‑se de saber se a ação censória do CNJ pode ou não ser desencadeada independentemente da atuação das corregedorias dos distintos tribunais do País�

Inicialmente, permito‑me consignar que não se mostra apropriado, data venia, do ponto de vista jurídico e nem mesmo sob o aspecto terminológico, falar‑se em uma competência concorrente entre o CNJ e os tribunais em matéria disciplinar� É que não se está – parece‑me evidente – diante de uma das “com‑petências legislativas concorrentes”, disciplinada no art� 24 da Carta Magna, o qual regula, com minúcias, a atividade da União, de um lado, e a dos entes federados, de outro, no campo normativo, de maneira a evitar conflitos, redun‑dâncias e superposições�

Nesse campo, aliás, a atuação da União jamais se confunde com a dos entes federados� Isso porque a competência da União limita‑se a legislar em um nível mais elevado que os Estados‑membros, ou seja, em um plano de maior abstra‑ção, editando normas gerais, que podem ser suplementadas pelos Estados‑‑membros em atenção às suas peculiaridades locais� Na eventual ausência de normas gerais, os entes federados exercem a competência legislativa plena� Caso a União edite lei federal com caráter de norma geral, fica suspensa a efi‑cácia da lei estadual, no que esta contrariar aquela� Essa matéria encontra‑se

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exaustivamente regulada nos § 1º a 4º do art� 24 da Constituição da República� Em outras palavras, como as regras de competência dizem respeito à própria distribuição do poder, o texto constitucional tratou de torná‑las explícitas para impedir que o pacto federativo possa ser solapado por conflitos dessa natureza�

Ainda que se insista em aplicar essa terminologia à questão em debate, vale trazer a colação a acertada crítica veiculada por Sérgio Niemayer, nos termos abaixo:

A ideia de competência está atrelada à de distribuição de poder� Dizer que um órgão tem competência concorrente a outro significa dizer que podem atuar em igualdade de condições sobre determinada matéria� Mas tal igualdade não ocorre tout court, senão consoante determinados critérios� É a própria Constituição que indica como se deve compreender a competência concorrente quando a admite no art� 24 conferindo poderes legiferantes comuns à União, Estados e Distrito Federal (art� 24, § 1º a 4º)�

Não se trata de uma concorrência puramente paralela, mas qualificada, limi‑tada� Isso porque, como a própria palavra já deixa entrever, o concurso de com‑petências não significa apenas concorrência paralela, mas encerra também a ideia de disputa entre os poderes assim distribuídos� É ínsito ao significado da palavra concorrência a ideia de competição, disputa, rivalidade� Se se admitisse a concorrência puramente paralela, equipolente, então seria forçoso admitir que o ato de um ente ou órgão poderia conviver com o ato de outro que com ele fosse concorrentemente competente, sendo ambos os atos válidos e eficazes, ainda que conflitantes, o que constituiria manifesto absurdo, arrebatando a segurança jurídica e produzindo o caos� Por isso que só tem sentido falar de competência concorrente se esta for balizada verticalmente, não cumulativa, ou quando se estabelecer um critério de harmonização dos atos emanados dos diversos entes ou órgãos investidos em competência concorrente para eliminar a disputa que entre eles possa ocorrer�

No âmbito legislativo, os parágrafos do art� 24 exemplificam a criação do critério adotado para tal fim� Em sede jurisdicional, o problema é resolvido pelo instituto da prevenção� Sempre que dois ou mais juízos forem competentes para conhecer de determinada matéria, os critérios de prevenção informam que um e apenas um deles poderá exercer sua competência, afastando a dos demais�

Deflui que a concorrência competencial não significa, seja no âmbito legiferante, seja no campo jurisdicional ou na província administrativa, uma confluência de dois entes ou órgãos que (con)correm para o mesmo ponto de convergência com igualdade de forças ou de poder� Se não fosse assim, seria inevitável o surgimento de conflitos entre os atos de um e de outro ente ou órgão em razão da força efi‑cacial equipolente derivada de suas competências concorrentes cumulativas�

Quando o texto constitucional estabelece competir ao CNJ “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (���) sem prejuízo

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da competência disciplinar e correicional dos tribunais (���)”, não o faz para ins‑tituir uma competência concorrente cumulativa, porque isso conduziria a um absurdo� Basta imaginar um mesmo procedimento que iniciasse, originaria‑mente, seja por identidade de provocação ou não, tanto na Corregedoria de um tribunal quanto no CNJ, e em cada um desses órgãos culminasse com resultados inconciliáveis� Qual deveria prevalecer?

Se a competência entre ambos for concorrente (���), ou seja, paralela, cumulativa, equipolente, então, aquela indagação não admite resposta e instaurar‑se‑ia um paradoxo em razão do conflito entre as duas decisões, já que por suposição são antípodas, e a falta de um critério de preferência as tornaria ineficazes, esva‑ziando os poderes tanto do CNJ quanto da Corregedoria�

Se não é óbvio, pelo menos é aconselhável que duas decisões opostas não podem subsistir num mesmo sistema, sob pena de provocar uma contradição destruidora dos fins perseguidos pelo próprio sistema� Por isso que tal resultado constitui evidente absurdo e, portanto, deve ser abandonado�1

V – Competências materiais comunsCaso se insista em empregar, na discussão do tema submetido a esta Suprema

Corte – quiçá à míngua de arcabouço conceitual mais adequado – a técnica constitucional da repartição de competências entre a União e os entes federa‑dos, entendo que melhor seria cogitar‑se do exercício de uma das “competências materiais comuns”, que alguns preferem denominar de “competências adminis‑trativas comuns”, tratadas no art� 23 da Lei Maior, mais especificamente daquela mencionada logo em seu inciso I, qual seja: “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público”�

Para o mestre José Afonso da Silva:

“Competência comum” significa que a prestação do serviço por uma entidade não exclui igual competência de outra – até porque aqui se está no campo da competência‑dever, porque se trata de cumprir a função pública de prestação de serviços à população�2

Essa cooperação entre as distintas esferas de poder foi introduzida na Lei Maior pelos constituintes de 1988, tendo em conta o federalismo “coopera‑tivo” ou de “integração” que o Brasil vive na quadra atual, caracterizado pelo

1 NIEMAYER, Sérgio. A competência do CNJ não é nem pode ser concorrente. conjur.com.br/2012 – jan-16/competencia-cnj-não-concorrente-subsidiaria-corregedoria, acesso em 23 de janeiro de 2012.

2 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 273.

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entrelaçamento de competências e compartilhamento de rendas entre a União e os entes federados�3 Esse entrelaçamento de competências, aliado ao compar‑tilhamento de rendas – é importante sublinhar –, não se dá de forma aleatória e nem conflituosa, ocorrendo, ao revés, de modo ordenado e o mais possível harmonioso�

Com efeito, mesmo no campo das competências materiais ou administrativas comuns, onde as linhas que demarcam a atuação da União e a dos entes federa‑dos são menos nítidas, não existe – ou pelo menos não deveria existir – qualquer possibilidade de superposição de ações por parte dos distintos atores públicos�

É que as esferas de competência das unidades político‑administrativas que integram a Federação encontram‑se bem delimitadas no texto constitucional� De fato, seria inconcebível, verbi gratia, que a União ou determinado Estado passassem a atuar no campo do ensino fundamental, cuja manutenção os cons‑tituintes originários reservaram, com exclusividade, ao Município, embora com a cooperação técnica e financeira daqueles níveis federativos superiores (art� 30, VI, da CF), a pretexto de exercer a competência material ou adminis‑trativa comum de “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência” (art� 23, VI, da CF), salvo, é claro, nalguma circunstância extraordinária em que certa comuna não possa prestar esse serviço essencial de forma apro‑priada� Mesmo assim, a atuação da União ou do Estado será sempre excepcional, meramente corretiva e, portanto, episódica, dependendo o seu desencadea‑mento de decisão motivada, inclusive para o efeito de apropriação de verbas orçamentárias destinadas aos serviços que lhes são próprios�

Disso se conclui que o CNJ e as corregedorias dos tribunais exercem, em matéria disciplinar, uma competência material ou administrativa comum, que, longe de ser mutuamente excludente, mostra‑se, a meu sentir, claramente complementar�

O CNJ, porém, embora tenha recebido essa competência disciplinar, de natu‑reza comum, dos constituintes derivados, por meio do § 4º do art� 103‑B, inserido na Lei Maior pela Emenda Constitucional 45/2004, não pode exercê‑la de forma imotivada, visto que tal colidiria com princípios e garantias que os constituintes originários instituíram em favor dos juízes e tribunais�

VI – Princípio da subsidiariedadeO primeiro deles consiste no princípio da subsidiariedade� A noção de

3 V. sobre o tema LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da inter-venção federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 29/30.

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subsidiariedade não é nova na história do pensamento humano� Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e Dante Alighieri, num passado distante, referiram‑se a ela� Depois, Proudhon, Tocqueville e Stuart Mill, entre outros, igualmente feri‑ram o tema� Nenhum deles, todavia, conferiu ao assunto enfoque sistemático, de modo a estabelecer os lineamentos gerais de um princípio�

A questão somente recebeu um tratamento dogmático na doutrina social da Igreja, que, ao elaborar sobre ela, buscou valorizar a autonomia do indivíduo e o pluralismo da vida comunitária como contraponto às ideologias estatizantes, de um lado, e liberalizantes, de outro, que se enfrentavam no final do século XIX e em meados da centúria seguinte�4

Embora a tese da subsidiariedade já figurasse de forma embrionária na Encí‑clica Rerum Novarum, de Leão XIII, ela somente encontrou expressão mais arti‑culada na Encíclica Quadragesimo Ano, de Pio XI, em que se lê o seguinte:

Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e infe‑riores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social� O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros e não destruí‑los nem absorvê‑los�

A expressão “princípio da subsidiariedade”, contudo, foi empregada pela primeira vez na Encíclica Centesimus Annus, de João Paulo II�

O referido princípio acabou ingressando no direito público com o significado de uma distribuição de tarefas entre a comunidade maior, isto é, o Estado, e as comunidades menores, constituídas pelos indivíduos e os corpos sociais intermediários situados entre aqueles e a instância política máxima, quais sejam, famílias, igrejas, associações, empresas, sindicatos, universidades etc� De acordo com esse princípio, a comunidade maior só pode executar as tarefas próprias das comunidades menores em caso de necessidade, e desde que estas não possam desempenhá‑las de forma mais eficaz�

Embora encontre maior aplicação no federalismo, que constitui uma técnica de estruturação estatal cujo objetivo é harmonizar interesses plurais, em um contexto democrático, o princípio da subsidiariedade tem lugar também nos Estados unitários e nos regionais, onde se pratica – ou se deveria praticar – a

4 V. sobre o tema LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, regionalização e soberania. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 265/266.

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descentralização administrativa para prestigiar autarquias municipais, no primeiro caso, ou regiões autônomas, no segundo�

Esse é também um dos principais fatores que contribuem para a sobrevivên‑cia harmoniosa entre os integrantes da União Europeia� Segundo esse princípio, os órgãos da União só podem empreender iniciativas em assuntos de interesse comum se os objetivos da ação almejada não puderem ser adequadamente atingi‑dos pelos Estados‑membros ou a tarefa pretendida seja superior às forças destes�

VII – Princípio federativoA forma federativa de Estado adotada no Brasil a partir da Constituição de

1891 repousa sobre o princípio subsidiariedade, tendo levado à instituição de um sofisticado sistema de repartição de competências entre a União e os entes federados – privativas, concorrentes, suplementares e comuns – de modo a tornar mais efetiva a prestação dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, pro‑mover uma maior aproximação entre governantes e cidadãos�

A mesma concepção levou a que se implantasse no Brasil um sistema judiciá‑rio complexo, integrada por distintas jurisdições especializadas, distribuídas entre a União e os Estados‑membros, segundo uma estrutura hierarquizada, que comporta diferentes instâncias cujo ápice é o Supremo Tribunal Federal�

Tal sistema compreende uma Justiça Estadual autônoma, que integra – ombreando com o Legislativo e o Executivo – a estrutura tripartite do poder local� A organização da Justiça dos Estados, a teor do art� 125 da Carta Política, é estabelecida pelos próprios entes federados, com observância apenas dos princípios que ela abriga, cabendo às respectivas constituições, de acordo com o § 1º do referido dispositivo, definir as competências dos tribunais�

VIII – Autonomia dos tribunaisOs constituintes de 1988, ademais, asseguraram ao Poder Judiciário, agora

considerado como um todo, no art� 99 da Carta Magna, a necessária – e longa‑mente almejada – autonomia administrativa e financeira, ou seja, o poder de autogoverno, que o já mencionado José Afonso da Silva, com muita propriedade, classifica de “garantia institucional”, compreendendo a primeira “independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos” e a segunda “independência na execução e elaboração de seus orçamentos”5�

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 588.

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Para esse consagrado jurista, no ponto que interessa, a autonomia adminis‑trativa dos tribunais abrange, entre outras prerrogativas, as seguintes:

(���) elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcio‑namento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos; organizar suas secre‑tarias e serviços auxiliares e os dos serviços que lhe forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva�6

A atividade correicional dos tribunais, portanto, constitui competência que não pode ser anulada ou, de qualquer forma, cerceada, sob pena de restar mal‑ferida a autonomia administrativa que lhes foi outorgada pelos constituintes originários como garantia institucional, salvo em circunstâncias excepcionais, adiante discriminadas� Da mesma forma haverá ofensa ao princípio federativo, caso as cortes estaduais venham a sofrer um encolhimento imotivado em sua prerrogativa de autogoverno�

Vale ressaltar, ainda, que a Constituição de 1988, desde a sua primeira versão, fez expressa menção à importante atividade censória dos tribunais, no art� 93, X, da Lei Maior, inclusive sublinhando que as “decisões disciplinares”, espécie do gênero “decisões administrativas”, devem ser motivadas e aprovadas por maioria absoluta�

Isso significa que não seria lícito aos constituintes derivados – e com maior razão seria vedado aos elaboradores do Regimento Interno, mero diploma norma‑tivo de caráter secundário – eliminar ou, por qualquer maneira, amesquinhar a garantia institucional que os constituintes originários conferiram aos tribunais, subtraindo destes a atividade correicional – conatural à autonomia administra‑tiva de que desfrutam –, atribuindo ao CNJ, numa irrazoável superposição de competências, um poder de intervenção incondicionado na seara disciplinar�

Com isso não se exclui, evidentemente, uma intervenção, supletiva ou cor‑retiva, do CNJ – possibilidade corretamente aventada pelo ministro Celso de Mello, em substancioso voto proferido no MS 28�799/DF – nas situações que se mostrem anômalas, a saber: quando caracterizada a inércia dos tribunais, a simulação investigatória, a indevida procrastinação das correições ou a falta de isenção das autoridades locais para promover a responsabilidade funcional dos magistrados�

6 Idem, loc. cit., grifos meus.

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IX – Garantia do devido processo legalCumpre sublinhar, de outra parte, que a submissão dos magistrados às cor‑

regedorias ou, quando for o caso, aos órgãos de cúpula dos tribunais, que equi‑valem aos seus “juízes naturais” em matéria administrativa, corresponde a outra importante garantia constitucional, qual seja, a de que eles só podem ser investigados e punidos segundo o “devido processo legal” – e é escusado dizer, estabelecido em lei formal – assegurados, ainda, o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos que lhe são inerentes, nos termos do art� 5º, LV, da Carta da República�

Trata‑se, ademais, de garantia conferida indistintamente a todos os cidadãos, a qual, por configurar cláusula pétrea – à semelhança do que ocorre com a forma federativa de Estado e a separação dos Poderes –, não pode ser subtraída ou mitigada nem mesmo por emenda constitucional, tendo em conta a expressa vedação do art� 60, § 4º, do texto constitucional�

Entendimento diverso, além de afrontar o direito fundamental que todo juiz tem de ser investigado segundo o devido processo legal, retira dos tribunais – como visto acima – importante parcela da garantia institucional que lhes foi conferida pelos constituintes originários, correspondente ao poder‑dever de fiscalizar as atividades funcionais dos magistrados que os integram�

X – Competência do CNJA alteração promovida na Lei Maior pela EC 45/2004, que criou o CNJ, longe de

aniquilar a atividade censória dos tribunais, substituindo‑a por uma interven‑ção aleatória ou, até mesmo, arbitrária desse órgão sobre qualquer magistrado do País, ao contrário, serviu para confirmar regra de competência concebida pelos constituintes originários em favor daqueles�

Com efeito, de acordo com o inciso I do § 4º do art� 103‑B da Carta Magna, introduzido pela referida Emenda Constitucional, compete ao CNJ, entre outras atribuições, “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura”, este, aliás, veiculado por lei complementar, que deli‑neia os contornos do devido processo legal dos processos disciplinares contra os juízes�

Não bastasse isso, o inciso II do mencionado dispositivo, ao conferir ao CNJ o poder de apreciar, de ofício ou mediante provocação, “atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”, dotando‑o da faculdade de “desconstituí‑los, revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei”, pressupõe, como decorrência lógica do enunciado, a prévia prática de atos sujeitos a eventual reforma ou correção�

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O inciso III do referido artigo, por sua vez, não poderia ser mais claro no sentido de abonar a tese da competência material ou administrativa comum, ao estatuir, com todas as letras, que a faculdade atribuída ao CNJ de “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário”, se dá “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais”, até porque, em seguida, o texto o autoriza a “avocar processos disciplinares em curso” para aplicar as sanções que entender cabíveis�

O ministro Marco Aurélio Mello, em instigante artigo recentemente publi‑cado no jornal O Estado de São Paulo, com muita razão, apontou para a falta de razoabilidade de entendimento diverso, consignando o seguinte:

No Brasil, há 90 tribunais, sendo 27 de Justiça, idêntico número de Regionais Eleitorais, 24 Tribunais do Trabalho, 5 Regionais Federais, 3 Militares, além dos Superiores – STM, TSE, TST, e STJ� Cada qual conta com uma corregedoria� É crível imaginar‑se a do Conselho com atuação abrangente a ponto de relegá‑las à ino‑cuidade? A resposta é negativa�7

Supondo‑se, porém, convém repetir, que as corregedorias ou os órgãos de cúpula dos tribunais, responsáveis pela fiscalização da conduta de seus magis‑trados claudiquem no cumprimento de seus deveres, caberá ao CNJ promover a devida correção de rumos, mas sempre de forma motivada, dando azo a que tal decisão possa ser, se preciso for, amplamente sindicada pelo Supremo Tri‑bunal Federal�

XI – Motivação e proporcionalidadeA exigência de motivação impõe ao administrador público – e o CNJ é um

órgão administrativo, segundo já decidiu, inúmeras vezes, o Supremo Tribunal Federal –, sob pena de nulidade, a obrigação de indicar, de forma clara e objetiva, os pressupostos de fato e de direito que o levaram a praticar determinado ato� Ou seja, na hipótese ora em discussão, a razão do excepcional afastamento da atividade censória dos tribunais, que integra o próprio cerne da garantia insti‑tucional que lhes foi assegurada pelos constituintes originários�

Nesse sentido, ensina Edmir Netto de Araújo:

Para o ato administrativo, ao contrário do que ocorre no direito privado, a inexis-tência de um motivo, atribuível à Administração ao cuidar do interesse público, determina a configuração de vício insanável, pela inexistência, exatamente, de interesse público que determine sua finalidade� Da mesma forma quando o

7 O Estado de São Paulo, 8 de janeiro de 2012, p. J 5.

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motivo é existente, mas falso (o que levará à caracterização de desvio de poder, p� ex�), ou, ainda, ilícito ou não correspondente ao interesse público que sua finalidade representa�8

Mas não basta apenas que o ato revelador dessa substituição excepcional de competência seja motivado� É preciso, sobretudo, que se revista de razoabi‑lidade, quer dizer, se mostre compatível com os padrões normais de atuação� E ainda: não pode abrigar qualquer tipo de excesso, pois os atos que se afastam da normalidade institucional ou da praxe administrativa exigem, muito mais do que aqueles de rotina, uma estrita correlação entre meios e fins, em aten‑ção ao princípio da proporcionalidade, que os juristas alemães, com bastante propriedade, chamam de Übermassverbot, ou seja, de “vedação de excesso”, conceito, hoje, universalmente adotado nos ordenamentos jurídicos dos países civilizados como princípio geral de direito, e que se espraia por diversos dispo‑sitivos da Carta Magna de 1988�9

Principio, pois, dando interpretação conforme ao art� 12 da Resolução 135 do CNJ, para que se entenda que a atividade disciplinar corresponde a uma com‑petência material ou administrativa comum, tal como aquela desempenhada pelas corregedorias dos tribunais, que só pode ser exercida em situações excep‑cionais, mediante decisão motivada�

XII – Das inconstitucionalidades pontuaisQuanto ao art� 2º da Resolução 135, observo que esta Suprema Corte em dis‑

tintas ocasiões já afirmou que o CNJ não é dotado de competência jurisdicional, sendo mero órgão administrativo�

Assim sendo, a Resolução 135, ao classificar o CNJ e o Conselho da Justiça Fe ‑deral de “tribunal”, ela simplesmente disse – até porque mais não poderia dizer – que as normas que nela se contêm aplicam‑se também aos referidos órgãos�

No tocante ao art� 3º, V, registro que não se pode concluir, de plano, a partir da redação do referido dispositivo que a sanção correspondente à aposentadoria compulsória se dará sem “subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço”, eis que o art� 103‑B, § 4º, III, é expresso em sentido diverso�

A omissão dessa locução no texto não autoriza tal exegese� Somente na ocor‑rência da perda do cargo, por decisão judicial transitada em julgado, na qual

8 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 496, grifos meus.

9 V. sobre o tema BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2009. p. 435.

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essa consequência for expressamente mencionada, é que a extinção da referida retribuição pecuniária será possível�

No tocante ao art� 3º, § 1º, entendo que os juízes brasileiros estão, como os demais cidadãos, em especial as autoridades públicas, submetidos ao regime republicano, que apresenta dentre suas características básicas a submissão de todos ao regime da ampla responsabilidade, por tal razão não se eximem das consequências da prática de eventual abuso de autoridade� No entanto, no campo disciplinar, eles acham‑se sujeitos a disciplina própria, que é aquela estabelecida na Lei Orgânica da Magistratura, em especial no art� 35�

Assim, não poderia o CNJ, agindo em lugar do Congresso Nacional, impor‑‑lhes as sanções administrativas previstas na Lei 4�898/1965�

No concernente aos arts� 4º e 20, não procede o inconformismo da requerente, pois a EC 45/2004 alterou os incisos IX e X do art� 93 da Constituição da Repú‑blica, estabelecendo que as sessões administrativas serão públicas, inclusive as disciplinares, salvo em casos excepcionais devidamente fundamentados�

Examinado o art� 8º e os § 2º e 3º do art� 9º, penso que, conforme evidenciei acima, que os tribunais são dotados de autonomia que lhes permite estabelecer as atribuições dos respectivos órgãos administrativos e jurisdicionais, não tendo o poder fiscalizatório, e disciplinar conferido pela Constituição da República ao CNJ autorizado o órgão ao invadir tal seara�

Já quanto ao caput do art� 9º, não me parece tenha ele ampliado o rol dos legitimados para representar contra os magistrados, visto que tal faculdade se vê amplamente contemplada no direito de petição abrigado no art� 5º, XXXIV, a, da Carta Magna�

Relativamente ao art� 10, observo que o art� 103‑B da Lei Maior, em especial os incisos III e V de seu § 4º, que habilitam o CNJ a receber e conhecer das recla‑mações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário e rever, de ofício ou por provocação, os processos de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano, não o credenciam a estabelecer, em caráter geral e abstrato, recurso em procedimento disciplinar que tramite nos tribunais, por ofensa à reserva de lei complementar, competente para regrar a apuração de faltas puníveis com remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória, ou de lesão à autono‑mia dos tribunais para estabelecer o procedimento voltado à apuração de faltas puníveis com advertência e censura�

Enquanto não editado novo o Estatuto da Magistratura ou alterado o atual, é facultado ao CNJ, nos termos do art� 5º da EC 45/2004, determinar as hipóteses em que reverá, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano, mas não lhe é

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lícito criar recursos contra decisões administrativas ou disciplinares de tribu‑nais tomadas em procedimento cujo regramento constitui reserva do legislador complementar ou dos próprios tribunais, dependendo da sanção�

Quanto ao art� 12, pelos argumentos que expus acima, assento que a com‑petência do CNJ é de natureza material ou administrativa comum, devendo ser exercida de forma excepcional e motivada, nas hipóteses anteriormente veiculadas, a título exemplificativo�

Já o parágrafo único do dispositivo, pelas razões antes aventadas, deve ser afastado, tendo em conta a autonomia dos tribunais, sobretudo na vertente explicitada no art� 96, I, a, da Lei Maior�

No tocante aos § 3º, 7º, 8º e 9º do art� 14, caput, e incisos IV e V do art� 17 e § 3º do art� 20, assento, mais uma vez, que o texto constitucional autorizou os tribu‑nais a elaborar os respectivos regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competên‑cia e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos�

Não é dado ao CNJ criar novos procedimentos no processo disciplinar dos tribunais, nem estabelecer quem será o relator ou se existirá, ou não, revisor� Também não lhe é lícito fixar prazo para a conclusão, ainda que possa instau‑rar processo de ofício se constatar a desídia dos tribunais no âmbito de sua competência censório�

Ademais, o art� 14, caput, da norma impugnada reproduz o art� 27 da Lei Orgânica da Magistratura, implicando sobreposição que pode gerar efeitos normativos ou causar confusão se a LOMAN for modificada�

Não pode, também, o CNJ definir quem deve participar dos julgamentos nos tribunais�

No que toca ao § 1º do art� 15, convém salientar que tal dispositivo está em flagrante descompasso com a Carta Magna, visto que o CNJ, ao arrepio desta, cria, mediante mero ato normativo, nova hipótese cautelar de afastamento de magistrado�

Qualquer restrição às garantias da inamovibilidade e da vitaliciedade exige a promulgação de lei em sentido formal e material, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da legalidade e ao devido processo legal�

Com relação ao art� 21, parágrafo único, consigno que o dispositivo choca‑‑se com a parte final do art� 93, X, da Lei Maior, que prevê o voto da maioria dos membros do tribunal para a tomada de decisões disciplinares�

XIII – Da parte dispositivaAcompanho o ministro Marco Aurélio para suspender a eficácia do § 1º do

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art� 3º, do art� 8º, do § 2º do art� 9º, do art� 10, do parágrafo único do art� 12, do caput do art� 14 e dos respectivos § 3º, 7º, 8º e 9º, do art� 17, caput, IV e V, do § 3º do art� 20, do § 1º do art� 15 e do parágrafo único do art� 21�

Quanto ao § 3º do art� 9º, apenas suspendo a eficácia da norma quanto à divisão de atribuições, de modo a viabilizar aos tribunais a definição, por meio do regimento interno, dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações ali estabelecidas�

No tocante ao caput do art� 12, defiro a liminar para conferir‑lhe interpreta‑ção conforme, de modo a assentar que a competência correicional do CNJ é de natureza material ou administrativa comum, cujo exercício depende de decisão motivada apta a afastar competência dos tribunais nesse campo, nas situações anômalas em que ficar caracterizada a inércia destes, a simulação investiga‑tória, a indevida procrastinação das correições ou a falta de isenção das auto‑ridades locais para promover a responsabilidade funcional dos magistrados�

Indefiro o pedido de liminar no concernente ao art� 2º, ao inciso V do art� 3º e aos arts� 4º, 9º e 20 da Resolução 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, teria apenas uma dificul‑dade, considerado o sistema pátrio, em admitir competências comuns� Essa admissibilidade desaguaria no duplo processo administrativo, presentes o mesmo juiz e os mesmos fatos: um tramitando na corregedoria do tribunal e outro no Conselho Nacional de Justiça�

Mas Vossa Excelência, ao término do voto, acaba lançando que, no caso da competência originária do Conselho Nacional de Justiça, aquele já em curso na corregedoria de origem passaria a ser originário ou então ter‑se‑ia avocação do processo administrativo� Vossa Excelência sinaliza, como sinalizei na decisão, as situações anômalas, ou seja: inércia, simulação na investigação, procras‑tinação ou ausência de independência da corregedoria do tribunal� Quanto a isso, estamos de acordo�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Vossa Excelência tem toda razão�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vossa Excelência também não

admite a existência de dois processos administrativos�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Porque, mesmo na competência

administrativa ou material comum, existem regras para evitar a sobreposição�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Eu sei, mas Vossa Excelência, para

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evitar sobreposição, também não admite dois processos administrativos, tendo em conta os mesmos fatos�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Estou estabelecendo regras� A deci‑são precisa ser motivada�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Então, estamos de acordo� Porque consigno, Presidente, na decisão proferida���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós não vamos discutir� Ele só está antecipando o voto dele, porque tem que se retirar�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu só queria colocar isto�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não estamos discutindo ainda

o art� 12�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro Ricardo Lewandowski,

não estamos em posições antagônicas� Também admito� Admito inclusive que, ante situação anômala, referida de forma exemplificativa – no acórdão da lavra do ministro Celso de Mello, decano –, o Conselho Nacional de Justiça possa avocar o processo�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ou até tomar iniciativa do processo�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, tomar a iniciativa diante de

uma inércia�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Claro que sim�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Foi dado conhecimento à correge‑

doria de origem do fato extravagante, não houve a instauração de processo, o Conselho Nacional de Justiça pode e deve atuar�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Só para situarmos, Ministro: por

enquanto, não estamos discutindo o art� 12� Ele está simplesmente dizendo, segundo entendi, que Vossa Excelência, a partir de agora, acompanha inte‑gralmente o voto do ministro relator em relação a todos os artigos, só que, em relação ao art� 12, nós já temos fundamento um pouco diferente, mas que está de acordo com a conclusão� É isso? Então fica registrado�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Tem que ser um ato motivado e a com‑petência é material administrativa comum� Não são competências excludentes�

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, não quero debater o voto� Como o eminente ministro não estará presente, eu pergunto: Vossa Excelência está referendando com observações?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu estou referendando todos� Com relação ao art� 12, estou entendendo que as competências não se excluem, mas se complementam dentro de determinadas condições, dentro de uma decisão

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devidamente motivada e que atenda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade�

É como voto�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, a Constituição é lapidar sobre essa matéria em discussão� A meu ver, não há nem necessidade de dis‑cussão alguma�

O que diz a Constituição? “As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e proferidas em sessão pública”� Não há o que discutir�

O sr. ministro Ayres Britto: E mais do que isso, Excelência: e em matéria disciplinar também�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Matéria disciplinar está incluída�O sr. ministro Ayres Britto: Mas ela fala expressamente “sendo as disci‑

plinares”�O sr. ministro Joaquim Barbosa: “Sendo as disciplinares” tomadas pelo quórum�O sr. ministro Ayres Britto: Também públicas� Apenas tomadas sob um

quórum de votação qualificado de maioria absoluta�O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Ayres Britto, se o ministro Joaquim Bar‑

bosa me permite, Vossa Excelência com essa ênfase que deu agora ao processo inclusive disciplinar, como tive a honra de pertencer à carreira e vivenciar inter‑namente como as coisas se passavam, verifico que sim, todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentados� Serão públicos todos os julgamentos�

Eu me recordo que os tribunais dividem as suas sessões em sessões jurisdi‑cionais e sessões administrativas� As sessões administrativas não são consi‑deradas sessões de julgamento� É mais um argumento apenas para submeter à especulação, muito embora a maioria esteja aí formada� É apenas para justificar uma certa identidade dessa questão com o que está exposto na Constituição Federal� E isso tem uma razão de ser porque são problemas interna corporis, não são problemas assim de fatos que gerem, acarretem algum prejuízo para o interesse público ou para o povo� É o juiz que não permanece na comarca, o juiz que falta às audiências� São questões que interessam à própria corporação, como ocorre com as outras corporações que eu li aqui, que também estabelecem esse processo disciplinar�

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O sr. ministro Ayres Britto: Isso interessa a toda a coletividade, aos juris‑dicionados todos�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Data venia, Ministro� Essas questões inte‑ressam, e muito, à coletividade� Interessam no mais alto grau, mas eu retomo o raciocínio�

Quando eu disse que essa frase lapidar liquida qualquer tipo de discussão, o que essa frase quis foi remeter a um deficit de memória que nós, brasileiros, parecemos ter� Essa frase da Constituição quis simplesmente abolir um pas‑sado nefasto das chamadas CGI’s, de triste memória, os julgamentos secretos que ceifavam carreiras neste país� E o interessado só tomava conhecimento quando a decisão era publicada no Diário Oficial�

O sr. ministro Celso de Mello: E a esse respeito, Ministro Joaquim Bar‑bosa, vale a pena rememorar passagem lapidar do velho João Barbalho, que foi senador da República, ministro da Justiça e ministro do Supremo Tribunal Federal, quando, comentando a Constituição republicana de 1891, afirma que uma das grandes virtudes do novo regime consistiu, exatamente, na abolição de julgamentos secretos� Isso representou um importante avanço que, hoje, se acha consolidado em nossa vigente Constituição�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Muito clara� Vossa Excelência deu o exemplo pessoal de ter assistido a uma sessão secreta; ter assistido não, ter presenciado parte de uma sessão secreta desta Corte�

De maneira, Senhor Presidente, que eu concordo com os votos da divergên‑cia já instalada�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Nesse caso, o relator indeferiu�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu concordo com o relator também� E mais,

eu acrescento, como já fez a ministra Cármen Lúcia, a total caducidade, a total superação da Lei Orgânica da Magistratura nesta matéria�

É como voto�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, eu só quero acrescentar� O meu voto já é conhecido, eu também indefiro a liminar, louvo o excelente voto do ministro relator no ponto� E apenas lembro, Ministro Celso de Mello, a pro‑pósito do que chamei há pouco de “cultura do biombo”, que graças a Deus foi substituída pela “cultura da transparência”, que um juiz da Suprema Corte norte‑americana, Louis Brandeis, nascido em 1856, dizia que, em matéria de

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finanças públicas – a propósito disso, olhe que frase lapidar, Ministro Celso de Mello –, vamos atualizar a linguagem, nas coisas públicas, o melhor desinfe‑tante ainda é a luz do sol�

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Celso de Mello: Nada se revela mais adequado a um Estado sob regime democrático do que o permanente exercício da transparência� Nenhuma autoridade pública, notadamente os magistrados, pode temer o escrutínio público, pois pesa sobre qualquer pessoa ou órgão que atue na arena pública um insuprimível dever de se expor à mais ampla fiscalização social�

A cláusula da publicidade, indissociável, por efeito de sua natureza mesma, do postulado que consagra a ética republicana do poder, não pode sujeitar temas, como o de que ora se trata, a um inconcebível regime que suprima o caráter ostensivo do novo modelo constitucional, pois, nessa matéria, há de prevalecer o postulado da publicidade, a impor transparência a atos estatais em geral�

Não custa rememorar, tal como sempre tenho assinalado nesta Suprema Corte (Pet 4.848/DF, rel� min� CELSO DE MELLO), que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério�

Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na expressiva lição de BOBBIO (“O Futuro da Democracia”, p� 86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”�

A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior�

Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitima-ção das decisões e dos atos governamentais�

Isso significa, portanto, que somente em caráter excepcional os procedimen‑tos estatais poderão ser submetidos ao (impropriamente denominado) regime de sigilo (“rectius”: de publicidade restrita), não devendo tal medida converter-se, por isso mesmo, em prática processual ordinária, sob pena de deslegitimação dos atos a serem realizados no âmbito da causa�

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É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal tem conferido visibili-dade a procedimentos penais originários em que figuram, como acusados ou como réus, os próprios membros do Poder Judiciário (como sucedeu, p. ex., no Inq 2�033/DF e no Inq 2�424/DF), pois os magistrados, também eles, como convém a uma República fundada em bases democráticas, não dispõem de privilégios nem possuem gama mais extensa de direitos e garantias que os outorgados, em sede de persecução penal, aos cidadãos em geral�

Essa orientação nada mais reflete senão a fidelidade desta Corte Suprema às premissas que dão consistência doutrinária, que imprimem significação ética e que conferem substância política ao princípio republicano, que se revela essencialmente incompatível com tratamentos diferenciados, fundados em ideações e práticas de poder que exaltam, sem razão e sem qualquer suporte constitucional legitimador, o privilégio pessoal e que desconsideram, por isso mesmo, um valor fundamental à própria configuração da ideia republicana que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade�

Daí a afirmação incontestável de JOÃO BARBALHO (“Constituição Federal Brasileira”, p� 303/304, edição fac-similar, 1992, Brasília), que associa, à auto‑ridade de seus comentários, a experiência de membro da primeira Assembleia Constituinte da República e, também, a de senador da República e a de ministro do Supremo Tribunal Federal:

Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito (...). [Grifei�]

Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República� Nada deve justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determi‑nados privilégios, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos�

Desse modo, e fiel à minha convicção no tema em referência (Inq 2.881/SP, rel� min� CELSO DE MELLO, v.g.), referendo, integralmente, no ponto, a decisão proferida pelo eminente ministro MARCO AURÉLIO�

É o meu voto.

VOTO (Sobre os arts. 4º e 20)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Estamos todos de acordo� Quero bre‑vemente complementar meu voto, dizendo que estou inteiramente de acordo com todas as manifestações a favor da regra geral da publicidade� E vou até mais

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longe, como já adiantei: essa é regra que deve valer para todos os intervenientes nos processos judiciais� Todos� Todos que tenham algum papel em processo judicial devem ter processos disciplinares públicos, amplos, etc�

Estou de inteiro acordo com a regra da boa democracia, da transparência, etc� Evidentemente, ninguém é a favor de processo secreto – processo secreto é outra coisa, não é processo com publicidade restrita� Não há ninguém que sustente que processo secreto tenha algum valor jurídico hoje; isso valia para a Inquisição� É uma velharia que ninguém seria capaz de sustentar�

Eu reafirmo, portanto, também a minha crença no supremo valor dessa ampla publicidade – que tem que ser ampla mesmo, e não apenas só para magistra‑dos, não�

Mas, a meu ver, não é disso que se cuida neste caso� Neste caso se trata apenas de regras de concepção de penas que pode cair na própria exceção da regra geral da publicidade irrestrita� Apenas isso, não é o estabelecimento de nenhum princípio de que alguma coisa deva ser feita às escondidas�

DEBATE (Sobre os arts. 8º e 9º, caput, § 2º e 3º)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos� Tal como já foi discutido ontem, foi relembrado que essa resolução foi provocada a partir de um pedido de providência, de uma sugestão da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que apontava exatamente a existência de incongruências, não uniformidades no tratamento, perplexidades nos tribunais a propósito desse assunto� Por isso, então, o próprio corregedor – o desembargador João Byron de Figueirêdo Frota – que fez essa petição, acompa‑nhada de um longo arrazoado, dirigida ao ministro Gilson Dipp, sugerindo uma série de providências, dizendo que em função da própria experiência angariada na função, sugeria, então, as modificações na tal Resolução 30� Isso apontava essa falta de uniformidade e a perplexidade existente nos órgãos correcionais�

Então, parece‑me que temos que olhar esse aspecto e verificar essa pers‑pectiva aqui destacada� Por outro lado, Presidente, a mim me parece que em relação à criação do CNJ, quer dizer, ao se atribuir a incumbência de controlar a atuação financeira, administrativa e disciplinar da magistratura, a ampla autonomia político‑administrativa conferida aos tribunais recebeu, como foi dito, um novo tratamento constitucional, em razão da necessidade de compa‑tibilizá‑la com as competências atribuídas a esse novo órgão de controle de nível nacional� Como também se sabe, isso não é incomum, por vezes reformas

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constitucionais bastante mais pontuais do que a empreendida pela Emenda Constitucional n� 45 têm o condão de alterar a interpretação de toda a Consti‑tuição, ou pelo menos partes significativas do texto, por exemplo, o que aconte‑ceu com a emenda da reeleição� Recentemente, nós tivemos aqui um debate, a partir deste novo modelo de educação FUNDEF e FUNDEB, em que reconhecemos a legitimidade da lei do chamado piso para o magistério, para o professorado estadual e municipal, uma intervenção bastante radical na esfera da autonomia, seja do Estado, seja do próprio município; e nós consideramos, tendo em vista os valores aqui envolvidos, que a fórmula era constitucional�

De modo que peço vênia ao eminente relator, para, nesse ponto, esboçar já uma divergência, porque, se pudéssemos acolher a premissa em que se assenta o seu voto, nós teríamos que dizer que resoluções como a do nepo‑tismo também seriam inconstitucionais, ou aquelas orientações relativas ao teto remuneratório, ou ainda, Presidente, veja o esforço que se faz hoje, dentro da função do próprio CNJ, para se ter o chamado número único de processo� Como se ter uma numeração única sem uma disciplina específica que afeta o processo lá embaixo, a partir de uma tipificação, claro que com participa‑ção de todos os tribunais? Não se trata de um ato baixado discricionária ou arbitrariamente� Nesse caso específico, o relato desse brilhante conselheiro, Walter Nunes, que prestou relevantíssimos serviços ao CNJ e ao País, é deta‑lhado, minucioso, ao dizer da construção e da participação amplas� Se nós formos olhar, essa resolução é fruto de uma construção coletiva, é uma obra coletiva dos tribunais� Os próprios tribunais perceberam que havia insegu‑rança, além de perplexidades e incongruências nas suas próprias disciplinas� De modo que, com essas considerações, se for necessário volto ao tema, mas com essas considerações, Senhor Presidente, eu me manifesto no sentido do total indeferimento da cautelar no ponto�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Apenas uma ponderação, não diver‑gimos quanto ao âmago da questão, a necessidade de ter parâmetros visando à atuação dos tribunais�

A glosa que implementei foi mínima e ficou restrita à divisão de atribuições no âmbito do Tribunal, matéria regimental� Matéria que a Constituição prevê que deve ser disciplinada no Regimento Interno� Evidentemente, não teríamos como – pelo menos estou convencido disso – placitar a definição – em ato que não consubstancia sequer lei – mediante regulamento do Conselho Nacional de Justiça� Ele não regulamentou a atuação dos respectivos órgãos� Acabou por regulamentar a atuação de órgãos dos tribunais�

Agora, de qualquer forma, se não houver previsão no Regimento Interno, e,

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a partir disso, ocorrer a inércia, há campo para a atuação plena do Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu vou fazer uma proposta con‑ciliatória, uma tentativa de superarmos essa divergência que me parece quase irrelevante� Acho que poderíamos dar interpretação conforme para onde conste “Presidente ou Corregedor” ser lido “o órgão competente do Tribunal”�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Está bem, concordo�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O órgão competente de cada tri‑

bunal terá esses deveres�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Concordo, deve‑se fazer referência

ao órgão competente�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É o tribunal que vai dizer se quem

vai informar é o corregedor ou é o presidente, se quem vai arquivar é o presidente ou é o corregedor� Então, basta dizer: o órgão competente do tribunal, e pronto�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, porque, Presidente, voltando àquela discussão que ontem nós travávamos, se nós compreendermos o CNJ como um órgão de cúpula do sistema de correição – e ele é nesse sentido, ele tem outras funções, mas ele integra esse sistema –, nós vamos ver que ele busca aqui tratar, de forma harmônica, esse sistema� Nesse sentido, eu não tenho objeção�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E resolve isso�A sra. ministra Cármen Lúcia: Até porque, Presidente, na verdade, do que

eu li e foi observado pelo conselheiro Walter e referido pelo ministro Gilmar, houve um levantamento – que eu também fiz – e em todos os tribunais o corre‑gedor trata do juiz, e o presidente responde como órgão especial para tratar do desembargador; talvez, por isso, tenham colocado que é o órgão competente�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministra, é porque há alguns tribu‑nais em que o corregedor tem competência também sobre os desembargadores� Então, é melhor deixar que cada regimento interno���

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o corregedor é que é responsável real‑mente pelos juízes�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): O corregedor, de qualquer forma, não tem competência para impor pena�

O sr. ministro Ayres Britto: É isso o que eu queria ponderar�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Pena, não�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Porque a Constituição Federal prevê

expressamente que a competência é do Colegiado� Agora, a atuação no processo, quem será o relator, fica como Vossa Excelência colocou� Já aderi à sugestão�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Aqui é para prestar informações�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O relator está de acordo, o Tribu‑nal está de acordo?

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, eu queria fazer só uma pon‑deração, posso até concluir com Vossa Excelência, mas eu preciso fazer uma ponderação, que é a seguinte: a meu sentir, o que nos interessa nesta ação direta de inconstitucionalidade é o § 4º do art� 103‑B da Constituição, nuclearmente, porque os incisos do § 4º cumprem uma função instrumental, estão a serviço da matéria que se contém no § 4º�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Inclusive o primeiro?O sr. ministro Ayres Britto: Sim�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Cumpre ao Conselho Nacional de

Justiça zelar pela autonomia dos tribunais�O sr. ministro Ayres Britto: Isso, e o que é que diz o § 4º? A mim é muito

claro que o Conselho desempenha uma só função, uma única função, função de controle, que hoje, no mundo contemporâneo, é tido como a quarta função estruturante do Estado: legislação, jurisdição, execução e controle� O controle é um valor fundante do Estado, da sociedade, porque quem gerencia interes‑ses públicos, bens, valores públicos deve mesmo ser controlado, até em prol do princípio da transparência�

Então, o CNJ tem uma função: controlar� E é um controle excelente para o Judiciário� Primeiro, porque é interno ao Judiciário como um todo, na medida em que ele, CNJ, é órgão do Judiciário, órgão de cúpula do Judiciário, no plano – como disse –, de alto governo judiciário, órgão público�

Se o CNJ é externo a cada tribunal, é interno ao Judiciário na sua unidade, como um todo� Tudo o mais que vem nos incisos é para servir a essa função de controle�

Diz a Constituição: compete ao Conselho o controle� Isso é que é fundamen‑tal, o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, e o controle – está implícito aí – do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes� Esse é o papel do CNJ�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Só que esses deveres não são fixa‑dos pelo Conselho� Este é o problema� Então, é só dizer “o órgão competente do tribunal local”, que atribui o dever� É isso�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Controle, segundo os deveres pre‑vistos na legislação de regência e no regimento interno�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Controla‑se aquele órgão que, nos termos da ordem jurídica do tribunal local, é o responsável por cumprir esse dever�

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O sr. ministro Ayres Britto: É controle nos dois sentidos, Ministro Gilmar, é controle no sentido de prevenção, de orientação, profilático e é controle no sentido de correção�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Saber se cumpriu o dever� Exatamente�

O sr. ministro Ayres Britto: Isso, saber se cumpriu o dever� Perfeito�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Então, basta que os tribunais

locais definam quem tem esse dever, e aí o tribunal controla�O sr. ministro Ayres Britto: Agora, aí é que vem, talvez eu vote até contra

o relator� O fundamento de validade das competências do CNJ é a Constituição, mas o fundamento de validade das competências dos tribunais não é o CNJ� É também a Constituição�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, claro�O sr. ministro Ayres Britto: É também a Constituição� Então o CNJ não

pode impor aos tribunais deveres� Não pode� Cada qual que cumpra com o seu dever� Se os tribunais não cumprirem com o seu dever, aí atua o CNJ na sua função de controle�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): De acordo, Ministro�A sra. ministra Cármen Lúcia: A proposta é exatamente garantir isso�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós estamos de acordo� Não há

ninguém que discorde� Então, é nesses termos que estamos encaminhando a proposta conciliatória de solução�

O sr. ministro Ayres Britto: Se for com esse fundamento, eu concordo�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É com esse fundamento�O sr. ministro Ayres Britto: Se for com esse fundamento, eu concordo�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Subscrevo, Presidente, integralmente

o que lançado pelo ministro Carlos Ayres Britto�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente� Onde as compe‑

tências já estão preestabelecidas na resolução, leia‑se “o órgão competente do tribunal”� O Tribunal está de acordo? Então, mantivemos a liminar nos termos da interpretação conforme agora enunciada�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, tal como já me manifestara no item anterior, entendo que aqui é também uma disciplina típica do poder correcional geral atribuído ao CNJ como órgão de cúpula do sistema� Na verdade, refere‑se à

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chamada investigação preliminar, que foi incorporada praticamente por todos os tribunais e consta de vários regimentos internos dessas Cortes� Nesta linha, não vejo nenhuma exorbitância por parte do CNJ ao prestigiar – vamos desta‑car – a decisão do Tribunal� Aqui não se trata de recurso para o CNJ, mas para o próprio Tribunal, de modo que peço vênia ao relator para indeferir a cautelar nesse ponto�

VOTO (Sobre o art. 10)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Também eu, Senhor Presidente, indefiro, exatamente na linha do ministro Gilmar, com as vênias do ministro relator� Entendo que, neste caso, foi até um fortalecimento, visando a que houvesse a uniformização�

DEBATE (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, preocupa‑me a unilaterali‑dade� O recurso realmente – Vossa Excelência tem toda a razão – não é para o Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se fosse para o CNJ, eu admitiria; aí, sim, está dentro da competência dele estabelecer um recurso para o funcio‑namento dele, ou seja, das decisões locais pode caber recurso para o CNJ� Isso tem sentido�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas não a criação mediante regula‑mento� Foi o que disse� De início, o preceito é defeituoso no que cria um recurso unilateral: somente o autor da representação, e não o representado, pode inter‑por esse recurso�

Em segundo lugar, tem‑se, de qualquer forma, a possibilidade de revisão, por provocação ou de ofício, dentro de um ano, da decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas, veja, reforça inclusive a autonomia do tribunal porque nesse caso haverá decisão por parte dele; daí, sim, poderá haver eventual avocação pelo CNJ�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar, eu acho que a questão se situa no seguinte: pode o Conselho criar um recurso que deve ser previsto em regimento interno? É essa a sua posição?

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Se o regimento interno tiver a pre‑visão do recurso administrativo, muito bem, mas não podemos, a meu ver, cogitar – até por coerência ao que estabelecemos anteriormente – de recurso criado mediante atuação do Conselho Nacional de Justiça via regulamento e de observância obrigatória pelos tribunais� De qualquer forma, Presidente, quem julga o processo administrativo, quem pode impor, ou não, a penalidade é o tribunal� Seria um recurso, portanto, para o próprio tribunal�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas é da investigação preliminar?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, todas as decisões referidas

nos artigos anteriores�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Não, aqui não, aqui é linear�O sr. ministro Gilmar Mendes: É quanto ao arquivamento�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Todas as decisões referidas nos

artigos anteriores�O sr. ministro Gilmar Mendes: E é unilateral por uma razão simples: o repre‑

sentado não terá interesse porque a decisão foi favorável a ele�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Agora, a criação em si���O sr. ministro Luiz Fux: O recurso já é em si�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas a criação via regulamento pelo

Conselho Nacional de Justiça, interferindo em algo que diz respeito à atuação do órgão de origem, olvidando até mesmo o regimento interno do órgão de origem, é, a meu ver, passo demasiadamente largo�

O sr. ministro Luiz Fux: E máxime quando o interessado pode se dirigir diretamente ao CNJ e pedir para avocar, desarquivar�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, mas é exatamente na linha� Essa reso‑lução, tal como tive oportunidade de dizer em relação ao ponto anterior, tem o objetivo de consolidar uma disciplina normativa sobre essa temática a pedido dos próprios tribunais� Há várias normas no mesmo sentido em inúmeros regi‑mentos e, no caso, o recurso teria que ser mesmo unilateral porque houve o arquivamento� Veja, agora a autonomia do tribunal é reforçada�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu até concordaria com o racio‑cínio de Vossa Excelência, se nos artigos anteriores só se cuidasse de arquiva‑mento� O art� 8º não cuida só de arquivamento�

O sr. ministro Luiz Fux: Veja o seguinte: não está nem especificado o órgão� Então, qual é a razão de ser?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, não, só um minutinho, Minis‑tro, porque eu tenho esse dado aqui: o art� 8º não cuida só de arquivamento�

O sr. ministro Luiz Fux: Não, eu iria���

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E neste caso���O sr. ministro Dias Toffoli: Mas, a partir do 8º, se vai para o 14, Presidente,

onde há defesa prévia, a preliminar perante���A sra. ministra Cármen Lúcia: É, exatamente� Neste caso não há�O sr. ministro Dias Toffoli: A defesa prévia, preliminar, se dará na forma

do 14, caput, de acordo com a remissão que eu���A sra. ministra Cármen Lúcia: Se houver o prosseguimento, tem‑se a instrução�O sr. ministro Dias Toffoli: Exato� A defesa já vai ser no tribunal�A sra. ministra Cármen Lúcia: Exatamente�O sr. ministro Dias Toffoli: É como se fosse automático esse recurso, art� 14,

caput�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Por que, então, a resolução fez

referência a artigos anteriores?O sr. ministro Dias Toffoli: É apenas uma técnica redacional equivocada�O sr. ministro Gilmar Mendes: É�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, sem prejuízo do que afirmei no voto anterior, que todas as competências do CNJ são outorgadas direta‑mente pela Constituição e as dos tribunais também, aqui, no inciso I do § 4º – o inciso I também é instrumental do controle que está no art� 4º, e o controle compete ao CNJ –, há uma referência ao Estatuto da Magistratura, habilitando o CNJ a expedir regulamentos, ou seja, regulamentos para aplicar o Estatuto da Magistratura�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: É que vem a lei complementar�O sr. ministro Ayres Britto: É, exato�O sr. ministro Dias Toffoli: Eu compartilho dessa posição�O sr. ministro Ayres Britto: O que disse o ministro Gilmar Mendes me

parece correto: é uma providência federativamente uniforme para viabilizar exatamente o controle� Nesse caso, eu vou acompanhar a divergência�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Até porque, Ministro Britto, a ementa da resolução diz que dispõe sobre a uniformização de normas� Se fosse de cada tribunal, não teria que uniformizar, cada um trataria�

Por essa razão, eu também estou acompanhando a divergência, com as vênias do relator�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vou manter, Presidente�

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ADI 4.638 MC-REF

DEBATE (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu estou preocupado aqui com o princípio fundamental do contraditório e com a previsão da recorribilidade a todos que se sintam lesados, teoricamente, pela decisão� Estou lendo aqui até o art� 22, e não encontrei nenhuma previsão de recurso por parte do magistrado processado�

O sr. ministro Luiz Fux: Poderia repetir, Senhor Presidente?O sr. ministro Joaquim Barbosa: Mas o recurso por parte do interessado é

expressão do princípio constitucional do direito de petição� Não prevê‑lo sig‑nifica restringir esse direito�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Princípio constitucional do duplo grau�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas aqui o interessado é o autor

da representação, Ministro�O sr. ministro Ayres Britto: É que todo processo administrativo se submete

ao duplo grau de jurisdição�O sr. ministro Gilmar Mendes: Haverá recurso, sim�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Por parte do autor da representação�O sr. ministro Luiz Fux: Na realidade, a finalidade do dispositivo foi evitar

que o corregedor, no exercício da sua função, entendesse de somenos impor‑tância – como está previsto no artigo anterior – o fato noticiado e o arquivasse, e que desse arquivamento coubesse recurso para o tribunal� Primeiro, qual o órgão? Segundo, se o regimento interno do tribunal tiver órgão e recurso pró‑prios, esse dispositivo se sobrepõe ao regimento interno do tribunal?

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vou fazer uma colocação para mos‑trar que o preceito é inócuo� Imaginemos que o representante, diante do arqui‑vamento da representação, não interponha o recurso� Esse fato, essa omissão, essa inércia, obstaculiza a atuação, por provocação ou de ofício, do Conselho Nacional de Justiça, requisitando o processo, até um ano após, para reexame da situação? Não�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Em nenhum lugar há previsão de recurso do magistrado�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não se trata disso� Trata‑se de apreciação pelo tribunal� Parece‑me que é absolutamente irregular dentro da ideia de uma disciplina do sistema�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Agora, o Conselho Nacional de Jus‑tiça prevê um recurso�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu até superaria as minhas obje‑ções quanto ao alcance da competência normativa do CNJ� Mas o mais grave que me parece é a infração ao princípio do contraditório, no qual o recurso é sempre deferido em termos gerais para quem se sinta lesado pela decisão, e não pelos controles da representação� Onde está aqui, na resolução, a possibilidade de recurso do juiz?

O sr. ministro Ayres Britto: Mas é neutro, caberá recurso�O sr. ministro Gilmar Mendes: Veja que o lesado, eventualmente, é um ele‑

mento da sociedade, é o representante�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A contrario sensu, se a representação

tiver curso e for julgada procedente, não cabe recurso�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas no curso do processo

não há nenhum recurso (inaudível)�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente, contra a abertura

do procedimento disciplinar�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Essa é a discussão que nós estamos a travar�O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar, só uma observação, pela ordem,

apenas para reforçar� O art� 96 dispõe que:

Art� 96� Compete privativamente:I – aos tribunais:a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com obser‑

vância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas isso não está em jogo�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Como não está em jogo, Ministro?

É como se o Código de Processo Penal só estabelecesse a previsão de recurso para acusação�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Vamos voltar à origem de toda a discussão sobre a criação do Conselho� Na verdade, discutia‑se se nós estaríamos criando um Conselho interno ou externo, que era a ideia de ter um controle social ou não� O que se está a fazer? Poderá ser, por exemplo, uma representação aqui� O representante poderá ser, por exemplo, o Ministério Público; poderá ser a

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ADI 4.638 MC-REF

Ordem dos Advogados do Brasil; poderá ser um cidadão que se sinta lesado num processo, como sói acontecer�

Essa norma apenas reforça o princípio da colegialidade: contra um indeferi‑mento liminar, permite que o tribunal se manifeste� Para todos nós que estamos a afirmar que somos defensores da autonomia do tribunal, essa norma vem a calhar, vem a reforçar a tese da colegialidade, da autonomia do tribunal� Ele se pronuncia sobre o assunto�

Agora, se o Conselho vai avocar, se haverá uma representação para o Conse‑lho em outro momento, essa é uma outra questão� Portanto, parece‑me que não há nenhum vezo nessa norma� Em relação à possibilidade de abrir sindicância, haverá ampla defesa por parte do interessado�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, e o vício formal?O sr. ministro Gilmar Mendes: O vício formal já está respondido�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não está respondido, não, Ministro�O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, sim, a partir do modelo competencial

que se criou e que este Tribunal já reconheceu, quando nós reconhecemos a legitimidade da resolução do nepotismo�

Vou dar um exemplo – já dei e vou voltar a dar –: alguém é capaz de dizer que é ilegal a disciplina da numeração exclusiva, do número único? E é possível que se faça essa numeração única, temática, sem uma disciplina nacional, sem uma disciplina de um órgão?

O sr. ministro Ayres Britto: Sim, isso é verdade�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas as matérias são diversas�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas aí é diferente, Ministro�O sr. ministro Gilmar Mendes: Está muito claro, porque nós estamos a falar

de um órgão de cúpula do sistema correcional, do sistema de controle, como disse o ministro Britto�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Por quê? Por que o prazo de quinze dias, não de cinco, de dez dias, de um mês?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Só que esse sistema de controle não dá ao órgão o poder de ditar normas para outros órgãos�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas ele está criando exatamente um sistema� É disso que se cuida�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não�O sr. ministro Gilmar Mendes: Como temos sistemas de controle na esfera

da administração�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, criou‑se no vazio, inclu‑

sive quanto ao prazo� Por que quinze dias? Será que o Conselho Nacional de

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ADI 4.638 MC-REF

Justiça pode definir – sem ser legislador, sem substituir‑se ao Congresso, sem substituir‑se aos tribunais – o prazo para a interposição de recurso?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Define uma série de procedimentos em rela‑ção à sua competência� A pergunta básica é em relação ao procedimento relativo ao funcionamento desse sistema de correição� Portanto, Presidente, eu indefiro�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Só que é o funcionamento do tri‑bunal local�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu indefiro, na linha dos votos já proferidos pelo ministro Toffoli, pela ministra Cármen e pelo ministro Britto�

O sr. ministro Luiz Fux: Antes de passar à votação, Senhor Presidente, gos‑taria de rememorar, pois debatemos isso ontem� O art� 5º, § 2º, da Emenda 45 dispõe que, até que se crie e que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, o que pode fazer? Ratione materiae, o que é que pode conter a resolução? O CNJ, mediante resolução, dis‑ciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do ministro corregedor�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É o funcionamento do tribunal�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não há nada aqui quanto ao fun‑

cionamento do CNJ� Nada� Nada quanto ao funcionamento do CNJ�O sr. ministro Gilmar Mendes: É o sistema correcional; é disso que se cuida�O sr. ministro Dias Toffoli: É o inciso I do § 4º do 103‑B�O sr. ministro Luiz Fux: Mas como é que se vai criar um recurso através de

um ato desse para���O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Regulamento é da atividade dele,

Ministro� Nenhum órgão regulamenta a atividade de outro, Ministro�O sr. ministro Ayres Britto: São duas fontes normativas�O sr. ministro Luiz Fux: Para a função do tribunal? Isso é legislador processual�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O regulamento é para o órgão

administrativo que regulamenta� Isso é primário em direito administrativo� Onde já se viu a administração pública expedir decreto para regulamentar a atuação de órgão de outro Poder, de outro Estado?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não é de um outro Poder, não�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não é de outro Poder, não�A sra. ministra Cármen Lúcia: Que fosse de um outro Poder� No caso de con‑

trole de correição, por exemplo, a CGU, a Controladoria, entra até nos Municípios e exige que haja um determinado procedimento para a prestação de contas�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministra, contra o meu ponto de vista – porque é Controladoria da União –, já exteriorizei neste Plenário�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministra, a analogia de que há um

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órgão nacional que intervém na autonomia estadual seria o mesmo que permi‑tir que a União baixasse decreto para estabelecer como é que deve funcionar determinado hospital municipal ou órgão da administração�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas, como tem de ser feita a prestação de conta para a Controladoria, tem, sim�

O sr. ministro Luiz Fux: E sem prejuízo, Senhor Presidente, porque a analogia pressupõe lacuna, e a Constituição é textual�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, o exemplo de Vossa Excelência não é feliz porque a União baixa hoje instrução por conta do sistema SUS, que o integra� Há um sistema integrado nessa área�

A sra. ministra Cármen Lúcia: E, no caso da Controladoria‑Geral da União, é isto: correição; exatamente para que possa ser feita a correição�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso já ocorria�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas contra isso não é previsto o

recurso do interessado�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A colocação pelo menos tem rele‑

vância�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)

ESCLARECIMENTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Gostaria de fazer mais uma ponde‑ração, que é a seguinte: como aqui o recurso não é equitativo como é da sua natureza, eu não conheço�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, porque a instauração dependerá

de decisão do Colegiado�O sr. ministro Dias Toffoli: É o parágrafo único do art� 8º, que faz remissão

ao 14, caput�O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso, a instauração dependerá da decisão

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do Colegiado� Agora, aqui se trata de uma representação in limine arquivada, voltando, então, a esse argumento histórico�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Esse recurso apanha inclusive as decisões do tribunal que arquivam�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Claro! Está nos artigos anteriores�O sr. ministro Dias Toffoli: Veja a situação que acontecerá se não tiver

uma uniformização: determinado tribunal prevê o recurso; outro tribunal, não�O sr. ministro Gilmar Mendes: Claro, a grande confusão�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Uma coisa é a necessidade de

uniformização; outra coisa é o meio de que se utiliza�Mas eu queria fazer uma ponderação, que é a seguinte: até deixaria de lado

o problema gravíssimo do transbordamento da competência constitucional do CNJ� Eu deixaria de lado, não fosse o fato de que este será o único caso no ordenamento jurídico em que o recurso não está ligado a interesse resultante da lesividade da decisão, mas apenas ao arbítrio de contemplar uma das partes�

Quero dizer o seguinte: o que me parece – não sei bem o termo para usar, mas há alguma coisa que me choca – é que não se asseguram aos magistrados aquilo que os magistrados, segundo a lei, asseguram às partes dos processos jurisdicionais�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Mas não se trata de magistrados, aqui, Presidente; é o magistrado investigado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O tratamento igualitário que compõe a estrutura no procedimento do contraditório� Quer dizer, o poder teórico da parte vencida tem que ser também reconhecido à outra parte; e aqui se dá recurso ao autor da representação, que no caso tem analogia com a figura do acusador, e não se dá recurso algum àquele que figura na posição de réu!

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Claro, pois que há abertura do

procedimento�O sr. ministro Dias Toffoli: Porque é desnecessário o recurso, em razão do

parágrafo único do art� 8º, que remete ao 14, caput�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isto é, nós não damos para os

magistrados sequer aquilo que os magistrados, por força da Constituição, têm que garantir às partes!

O sr. ministro Gilmar Mendes: O que é isso? Submetido ao julgamento do próprio tribunal�

O sr. ministro Ayres Britto: Acho que aqui não se trata de sucumbência�

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O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas ninguém está negando; pelo contrário�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Claro que está negando, Vossa

Excelência está reconhecendo só para um�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: E veja a confusão em que nós nos envolve‑

mos neste caso� Reiterando todo o trabalho que foi feito no CNJ – e não deveria haver essa descontinuidade, mas houve, infelizmente –, todos foram ouvidos na elaboração desta norma, como já está demonstrado� Mas veja a manifestação da AMB, pelo seu então presidente, a propósito desta resolução como um todo:

A Associação do Magistrados Brasileiros, após análise de toda a documentação enviada por Vossa Excelência, solicitando manifestação desta entidade sobre alte‑ração da redação dos dispositivos da Resolução 30, de março de 2007, que trata da uniformização das normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicados aos magistrados, entendeu que as propostas trazidas aos autos já são suficientes para o aperfeiçoamento da referida resolução, não havendo, portanto, qualquer reparo a fazer nem sugestões a apresentar�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Podemos incorporar isso à juris‑prudência do Supremo Tribunal Federal���

O sr. ministro Ayres Britto: Como disse Vossa Excelência, esse dispositivo operacionaliza o sistema de fiscalização e de controle� E não podemos perder de vista que o controle é um princípio e, como princípio, subordina os Estados‑‑membros à luz do art� 125 da Constituição, parte permanente, e do art� 11 das Disposições Transitórias�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Que disciplina um sistema correcional�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O eminente advogado quer usar

da palavra? O ministro relator concede?O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, Presidente, sempre pronto a

ouvir os senhores advogados�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vossa Excelência está com a palavra�O sr. advogado: Apenas um esclarecimento de matéria de fato ao eminente

ministro Gilmar Mendes com relação a esse ofício da AMB: o então presidente encaminhou, porém estava em deliberação, tanto assim que a diretoria entendeu de propor a ação direta de inconstitucionalidade tão logo concluído o estudo pela inconstitucionalidade� É um mero esclarecimento�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu não entendi bem o esclarecimento�

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O sr. advogado: O ofício do presidente da AMB a que se refere o eminente ministro Gilmar Mendes, à época em que foi enviado, ainda não havia um estudo da AMB pela propositura da ação� Quando se concluiu, a entidade entendeu pela propositura� Foi, naquele momento, um entendimento exclusivo do então presidente da AMB�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): De qualquer forma, Presidente, o arrependimento é eficaz� Não vinga a manifestação da vontade�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exceto quando a pena já esteja cumprida�

A sra. ministra Cármen Lúcia: O que mostra que é preciso ler e pensar muito antes de assinar as coisas�

O sr. ministro Gilmar Mendes: O que mostra quão fortes são as disputas corporativas�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Pois é, mas, neste caso, nem se trata de questão corporativa; trata‑se de uma questão de equidade�

O sr. ministro Gilmar Mendes: É que todos participaram da constituição desse modelo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, falsos congressos par‑ticiparam de constituições editadas por ditadores� Além do problema da com‑petência, que me parece grave e quase insuperável, este segundo aspecto, desse tratamento desequilibrado, desproporcional e, por isso, contrário a um prin‑cípio fundamental do processo, a contraditoriedade, eu acho que, a meu ver, não poderia subsistir�

E, mais, a resolução, neste artigo, impede, pelo entendimento que se venha a fixar, que os tribunais, nos seus regimentos, possam prever recurso por parte do magistrado interessado�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Não�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O ministro está sustentando que

o CNJ desenha o sistema e, portanto, a competência dos tribunais está cassada�O sr. ministro Gilmar Mendes: O tribunal poderá simplesmente confirmar

a decisão e ponto�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, não só para Vossa Excelên‑cia, na qualidade de presidente desta Corte, só para ilustrar, quanto para nós, os demais membros deste Tribunal, nenhuma das nossas decisões se basta, ou

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seja, são sempre suscetíveis a recursos� Não há no sistema de Direito Público brasileiro, especialmente no Judiciário, decisões terminais no âmbito de cole‑giados, por parte de individualidades componentes desses tribunais�

Em uma decisão – aqui no caso é decisão do corregedor –, é uma decorrên‑cia natural do sistema que haja um recurso para o Colegiado� Não vejo nada de mais� Quantos recursos internos são criados, alguns deles sem previsão expressa em norma de hierarquia superior? Por quê? Porque isso é decorrência natural do sistema, ou seja, do fato de que decisão monocrática de membro de colegiado sempre é suscetível a recurso� E essa norma não faz outra coisa senão explicitar isso� Só isso�

Com essas breves considerações, Senhor Presidente, eu peço vênia ao rela‑tor� Embora concorde em parte com a sua argumentação, quando ele diz que essa norma é anódina, na conclusão eu divirjo, para negar referendo à cautelar�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se Vossa Excelência, como con‑sectário da sua exposição, com a qual eu estou de acordo, concluísse que esse artigo deve ser desconsiderado, porque há admissibilidade de recurso por parte de qualquer interessado, eu estaria de pleno acordo� Se Vossa Excelência disser: dessas decisões cabem recursos tanto para o magistrado, como para o autor da representação, estou de acordo�

O sr. ministro Gilmar Mendes: O magistrado não tem sequer interesse porque houve o arquivamento�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós estamos vendo a hipótese em que se instaure o processo�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Na sequência, eu concordo com Vossa Exce‑lência�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Basta eliminar a frase final: “por parte do autor da representação”�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, é isso que estou preten‑dendo: ajustar o meu raciocínio com o de Vossa Excelência� Se nós fixarmos o princípio de que, das decisões referidas nos artigos anteriores, caberá sempre para o tribunal um recurso por parte do interessado, seja ele o magistrado contra o qual se instaure um procedimento, seja ele o autor da representação, estou de acordo� Então, todos terão direito a recurso? Estou de acordo�

DEBATE (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, lembro‑me de uma sessão

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administrativa do Tribunal em que se questionou o cabimento de recurso admi‑nistrativo contra decisão prolatada pelo presidente� O recurso seria para o Cole‑giado� Entendemos incabível esse recurso�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas ali não era tanto uma condição dos juízes�

O sr. ministro Ayres Britto: É o princípio do recurso; é o princípio da recor‑ribilidade que fica ressalvado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se todos têm direito a esse recurso, estou de acordo�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Acho que não faz sentido porque a instau‑ração é por parte do tribunal, mas não vejo problema nenhum� É importante que se mantenha�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Então, fixamos o princípio, me ‑diante interpretação conforme, de que das decisões anteriores caberá recurso ao tribunal por parte do interessado, seja ele o magistrado contra o qual se instaura o procedimento, seja ele o autor da representação arquivada�

A sra. ministra Cármen Lúcia: E a alternativa, então, seria suspender a parte final, por parte do autor da representação� Ficaria apenas até tribunal� Estou de acordo�

VOTO (Confirmação – sobre o art. 10)

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, peço vênia para manter a colocação primeira� Faço‑o porque não estamos a atuar como legisladores positivos, como o fez, a meu ver – com a devida vênia daqueles que entendem de forma diversa –, o Conselho Nacional de Justiça ao criar esse recurso� Por isso, entendo que há o vício formal, baseado principalmente no poder, na com‑petência que foi outorgada transitoriamente ao Conselho Nacional de Justiça para regular apenas matérias indispensáveis ao respectivo funcionamento� Versa‑se o funcionamento de tribunais�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se Vossa Excelência me permite, eu acho que nós podemos compatibilizar essa sua argumentação, que a mim me parece correta, com base no próprio argumento trazido pelo ministro Joa‑quim Barbosa�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas estaríamos atuando como legisladores�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não se trata, na verdade, de norma

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inovadora, mas simplesmente de norma que explicita um princípio do sistema constitucional e que é o da recorribilidade das decisões susceptíveis de causar lesão�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A partir dessas explicitações, vai‑se legislando, vai‑se regrando�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas, nesse caso, nós escaparía‑mos dessa alternativa�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, mantenho o voto pro‑ferido�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu gostaria de me alinhar ao posi‑cionamento do ministro Marco Aurélio e do ministro Celso de Mello, porquanto entendo que, efetivamente, pela Constituição Federal, isso vai criar uma nova função num outro Tribunal, e nos limites do art� 5º, § 2º, da Emenda 45, não há a permissão para essa função legislativa�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Então, Vossa Excelência também ficaria vencido nesse sentido�

O sr. ministro Luiz Fux: Fico�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu vou, data venia, manter o meu posicionamento anterior, acompanhando o relator� Em que pesem os doutos argumentos, eu entendo também, tal como o fez o eminente ministro Celso de Mello, que o CNJ atuou ultra vires, ou seja, além daquela competência que lhe foi atribuída pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias�

VOTO (Sobre o art. 10)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Bem, a despeito de comungar desse ponto de vista, a mim me parece possível transigir neste caso� Como referiu o ministro Joaquim Barbosa, essa norma estaria, na verdade, apenas explicitando um princípio do sistema constitucional, o da recorribilidade contra toda decisão, ainda que de caráter administrativo, dotada de lesividade teórica�

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Então, acompanhei a maioria para dar essa interpretação conforme, riscando do art� 10 a expressão final “por parte do autor da representação”�

VOTO (Sobre o art. 10)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, peço excusas a Vossa Exce‑lência�

Na linha do debate, que está sendo extremamente rico e proveitoso para mim, eu poderia votar – como fiz com relação ao preceito anterior – no sentido da interpretação conforme� Mas, diante dos votos em sentido contrário, que são vários, peço a Vossa Excelência para consignar o meu voto no sentido de – com todo respeito a esses entendimentos e também em juízo de delibação, cognição sumária – concluir pelo indeferimento do pedido�

Entendo que se insere, sim, com todas as vênias, na competência transitória de normatização do CNJ, em função da redação da Emenda Constitucional 45, a possibilidade de regrar e, inclusive, no caso, prever esse recurso no âmbito dos tribunais, de todos os tribunais, por reputar indispensável a uniformização dos procedimentos para que o próprio CNJ, na condição de órgão nacional, consiga exercer a missão relevantíssima que lhe foi confiada, ponderadas, em especial, as razões históricas que ensejaram a sua criação� Fico vencida na outra linha, com todo o respeito�

VOTO (Aditamento – sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, em primeiro lugar, faço um aditamento à nomenclatura da alínea g, para referir‑me, como está no corpo da decisão proferida e na parte dispositiva, ao parágrafo, porque se ataca não só a cabeça do art� 12 como também o parágrafo�

Quanto ao art� 12, estamos diante de situação concreta que permite a inter‑pretação conforme a Carta da República� Por quê? Porque preceitua o art� 12:

Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal [ou seja, a com‑petência primária do tribunal; o próprio Conselho Nacional de Justiça reconheceu essa competência] a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado [então vem a segunda parte], sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça�

Há duas interpretações possíveis� A primeira: atua o tribunal de origem e,

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conforme a decisão prolatada, possa vir o Conselho Nacional de Justiça, como está previsto na Carta da República, a atuar revendo, inclusive, a decisão pro‑ferida, até um ano após o término do processo administrativo que esteve em curso no tribunal de origem� A segunda – e ficaríamos com o sistema admi‑nistrativo capenga – seria possível ter‑se simultaneamente, considerados os mesmos fatos, e o mesmo envolvido, o processo administrativo no tribunal e o processo administrativo no Conselho Nacional de Justiça�

O que nos vêm da Carta, Presidente? Vem‑nos que o autor da Emenda Cons‑titucional 45, ao delimitar a atuação do CNJ, revelou competir‑lhe – como foi ressaltado pelo ministro Carlos Ayres Britto:

Art� 103‑B (���)(���)§ 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação adminis‑

trativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura [temos aqui a homenagem a outro preceito da Consti‑tuição Federal, a outro valor estampado na Constituição Federal]:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário (���);II – zelar pela observância do art� 37 [quanto aos predicados da administração

pública, podendo expedir atos, inclusive os formalizados em processos adminis‑trativos disciplinares, revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei] (���);

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestado‑res de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do Poder Público ou oficializados, [e vem a resposta a uma indagação que faço: per saltum, com queimas de etapas? Não] sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso (���) [ou seja, com uma motivação socialmente aceitável� Daí aquelas premissas da decisão proferida pelo decano de forma exemplificativa: no caso de inércia, de simulação na inves‑tigação, de procrastinação, de ausência de independência do tribunal de origem]�

Há também o inciso V, a revelar que essa atuação não é primária:

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares [que a parte I do art� 12 da resolução aponta como de competência dos tribunais] de juízes e membros de tribunais julgados a menos de um ano�

Há mais, Presidente: O Conselho Nacional de Justiça remeteu, reconhecendo a atuação primária das corregedorias, estas cerca de 90% das reclamações que recebera na via direta, ou seja, per saltum – como disse –, isto é, sem que o

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interessado antes visitasse, mediante requerimento, a corregedoria do tribunal de origem� Evidentemente, não podemos conceber que o Conselho Nacional de Justiça possa pinçar, aleatoriamente, as reclamações que entenda deva julgar, ou tendo como base o envolvido – fulminando de morte o princípio da impes‑soalidade, que é básico na administração pública – ou sob o ângulo intelectual, a matéria desafiadora�

Diante desse contexto, Presidente, penso que há de se conferir – estou por enquanto na cabeça do artigo – sentido compatível com os incisos do § 4º do art� 103‑B da Constituição Federal� E deve‑se entender, mesmo porque uma única corregedoria não pode substituir noventa existentes e pagas pelo contri‑buinte, que esse “sem prejuízo” da atuação do Conselho Nacional de Justiça há de ser empolgado de forma harmônica com o que está na Constituição Federal, implicando a possibilidade de o Conselho, em uma daquelas situações anôma‑las ou outras aceitáveis – ressaltadas pelos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, durante antecipação do voto –, poder requisitar a remessa, o deslocamento, do processo da corregedoria de origem para o respectivo âmbito e exercer a glosa cabível, como também pode, já findo o processo na origem, até um ano após, como contemplado na Carta da República e, tendo em conta alguma distorção, alguma excepcionalidade, o que não é a regra, avocar o pro‑cesso já findo, reabrindo‑o�

Daí concluir que o art� 12, cabeça, merece interpretação conforme à Carta da República para entender‑se que a cláusula “sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça” observa a regra primeira, definidora, no próprio art� 12 em comento, da competência do tribunal “a que pertença ou esteja subordinado o magistrado”� A possibilidade dessa atuação é nos moldes contemplados na Constituição Federal, ante a anomalia, uma situação anômala que se configure, ou até mesmo um quadro em que foi encerrado o processo e ainda não tenha decorrido, para a revisão – que é contemplada inclusive no Estatuto dos Servi‑dores Públicos –, um ano� É o voto que profiro quanto ao art� 12�

O parágrafo único preceitua que:

Parágrafo único� Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução aplicam‑‑se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrativas praticadas pelos Magistrados (���)�

Que processo disciplinar? Aquele que o próprio CNJ admite, instaurado ini‑cialmente no tribunal a que vinculado o magistrado�

Então, vem o dispositivo que é atacado:

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(���) sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem�

Em síntese, prevê que, havendo conflito entre o regimento interno do tribunal e o que regulado pelo Conselho Nacional de Justiça, muito embora o ato extravase o que necessário para a atuação do próprio Conselho, adentrando a atividade administrativa do tribunal, prevalece, de qualquer forma, a regulamentação do Conselho em detrimento – e não sei como definiria esse conflito, se se resolveria no campo da inconstitucionalidade, da ilegalidade, ou da primazia, diríamos assim, do Conselho Nacional de Justiça – do regimento interno do tribunal�

Então, quanto ao art� 12, a interpretação é conforme à Carta da República e, quanto ao parágrafo único, é no sentido da suspensão do preceito, ou seja, quanto aos processos administrativos em curso em tribunal, a regência não é a do regulamento do Conselho Nacional de Justiça, mas a do regimento interno do próprio tribunal�

É como voto�

DEBATE (Sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Marco Aurélio, pela ordem� Do voto de Vossa Excelência também se depreende aquilo que foi objeto da observação do minis‑tro Ricardo Lewandowski� Pelo que se pode interpretar do voto de Vossa Exce‑lência, também é possível, havendo motivação, que o CNJ inicie o procedimento�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Eu só não posso dizer que me ins‑pirei no voto de Sua Excelência porque a decisão foi prolatada anteriormente�

O sr. ministro Luiz Fux: É anterior, é verdade�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): E foi prolatada a partir da tomada

de empréstimo da óptica do nosso decano, ministro Celso de Mello�O sr. ministro Luiz Fux: Mas, de qualquer maneira – por isso que naquela

oportunidade eu pedi para o ministro Lewandowski reiterar o voto para anotar, e agora o ministro Lewandowski já está de volta, pode reafirmar –, há também casos em que o Conselho Nacional de Justiça pode, motivadamente, iniciar o procedimento�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Essa é exatamente a minha inter‑pretação�

O sr. ministro Luiz Fux: Não é só avocar, também pode, motivadamente, iniciar o procedimento� Esse plus é importante�

O sr. ministro Celso de Mello: Entendo, Senhor Presidente, que o exercício,

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pelo Conselho Nacional de Justiça, da competência disciplinar que lhe foi atri‑buída depende, ordinariamente, para legitimar‑se, da estrita observância do postulado da subsidiariedade, cabendo, ao tribunal judiciário local, o desem-penho da competência primária em tema de responsabilização disciplinar dos magistrados a ele vinculados�

Como já tive o ensejo de enfatizar, a subsidiariedade, enquanto síntese de um processo dialético representado por diferenças e tensões existentes entre elementos contrastantes, constitui, sob tal perspectiva, cláusula imanente ao próprio modelo constitucional positivado em nosso sistema normativo, apta a propiciar solução de harmonioso convívio entre o autogoverno da Magistratura e o poder de controle e fiscalização outorgado, no plano central, ao Conselho Nacional de Justiça�

Se, no entanto, o tribunal local deixar de exercer a competência primária de que se acha investido ou, então, vier a manipulá‑la, ilicitamente, dando causa a situações anômalas, legitimar-se-á, em tal ocorrendo, a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça agir, desde logo, em sede originária, fazendo instaurar o pertinente procedimento disciplinar contra magistrados faltosos�

Destaco, para esse efeito, em rol meramente exemplificativo, algumas das situações anômalas cuja ocorrência justificará o exercício imediato, pelo Conse‑lho Nacional de Justiça, de sua competência disciplinar originária: (a) a inércia dos tribunais na adoção de medidas de índole administrativo‑disciplinar, (b) a simulação investigatória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados�

Isso significará que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventual‑mente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça deverá ocorrer nos casos em que os tribunais – havendo tido a possibilidade de exercer, eles próprios, a competência disciplinar e correcional primária de que se acham ordinariamente investidos – deixarem de fazê‑lo (inércia) ou pretextarem fazê‑lo (simulação) ou demonstrarem incapacidade de fazê‑lo ( falta de independência) ou, ainda, dentre outros comportamentos evasivos, protelarem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida)�

Dessa maneira, a incidência do postulado da subsidiariedade, como requi-sito legitimador da prática concreta, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua competência em matéria correcional, disciplinar e/ou administrativa, não só harmonizará o exercício dessa jurisdição censória com o princípio da autono‑mia institucional dos tribunais, como conferirá, também, maior coeficiente

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de legitimidade jurídica à atuação desse órgão estatal, propiciando-se, desse modo, nos termos da abordagem ora preconizada, a análise do tema sob a perspectiva dos múltiplos valores constitucionais envolvidos�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, pela ordem� Essa dis‑cussão se tornou um tanto quanto metafísica, porque parece que nós estamos a falar de coisas que são absolutamente incompatíveis e incompossíveis, essa ideia da subsidiariedade e a ideia da competência concorrente�

Quando se afirma que uma boa parte dos procedimentos em relação aos juízes, especialmente aos magistrados de primeiro grau, deve começar nas corregedorias, nos tribunais, e quando se diz até que o Conselho observa já essa práxis, está se dizendo mesmo, até por razões de índole prática, que o Conselho observa esse princípio da subsidiariedade�

O sr. ministro Ayres Britto: Isso no plano dos fatos, teoricamente é outra coisa�

O sr. ministro Gilmar Mendes: No plano dos fatos� O ministro Celso já des‑tacou situações em que o mau funcionamento do sistema justifica a atuação�

Agora, quando se formaliza esse modelo de forma geral, nós incorremos numa série de riscos e vamos fazer um pouco leitura das estrelas� Por que isso? O ministro Joaquim ontem ainda perguntava: mas por que agora essa sublevação quanto ao Conselho Nacional de Justiça? Porque veja, Presidente, na medida em que nós formalizarmos essa relação, vamos obter um sem‑número de nulidades das ações do Conselho� É disso que se cuida� Vamos deitar por terra todas as ações que o Conselho fez até agora, vamos provocar uma insegurança jurídica�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Não, nós vamos, talvez, modular essa nossa decisão�

O sr. ministro Luiz Fux: Data venia, nós estamos em sede de liminar, que legalmente tem efeitos ex nunc� Respeita tudo o que já se praticou�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu perguntaria: é possível uma decisão administrativa sem motivação? Não há decisão administrativa sem motivação�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu prossigo� Se nós olharmos, Presidente, depois – como já foi também aqui amplamente destacado, e a ministra Rosa acaba de sublinhar esse aspecto –, a razão, a mens legislatoris dessa Emenda 45, que começa lá em 1992, na proposta do Hélio Bicudo, vamos ver que, no que diz respeito ao aspecto disciplinar, o Conselho estava voltado a exercer o poder correcional em relação aos desembargadores� Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares� Isso é um juízo comum�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Nem o Conselho Nacional de Justiça�

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O sr. ministro Gilmar Mendes: Jornalistas e jornaleiros dizem isso a toda hora� Quer dizer, o número de investigações em relação aos próprios membros de tribunais já é baixo� E nós sabemos, compreendemos isso, não estamos fazendo nenhuma acusação� Isso é���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É consenso�O sr. ministro Gilmar Mendes: É� Então veja, quando se exige que – em nome

da subsidiariedade – o processo de investigação comece na corregedoria do tribunal, e se quer transformar o Conselho, na sua função disciplinar, em um órgão de correição das corregedorias, porque é isso que vai acabar ocorrendo, isso é um esvaziamento brutal da função do Conselho Nacional de Justiça�

Eu vou avançar nessa discussão sobre a subsidiariedade, porque me anima essa questão teórica também�

Veja que a subsidiariedade é uma via de mão dupla, Senhor Presidente� Ela tem todas as dimensões� Isso vai a Aristóteles, a discussão percorre vários campos: tem uma dimensão social; tem uma dimensão entre grupos sociais, família e outros estamentos; ela tem uma dimensão política; tem uma dimensão entre o Estado e sociedade, quer dizer, qual é a função dos organismos sociais e qual é a função dos organismos estatais� Vejam, por exemplo, discussões que nós temos, no mundo todo, sobre educação religiosa nas escolas públicas, ou educação sexual, que envolve esse tema delicado� Isto é, essa seria uma missão da família, e não do Estado� A discussão sobre a subsidiariedade entra aí� Ela envolve também a relação entre entes estatais, e, muitas vezes, a subsidiarie‑dade se afirma� E é nesse sentido que eu diria que se pode dizer, tranquilamente, que o Conselho está cumprindo o princípio da subsidiariedade� Por quê? Nessa relação vertical de que se cuida, entre entes que estão articulados, muitas vezes impõe‑se a ação desse órgão mais genérico, mais amplo� É disso que se cuida, especialmente quando estamos a falar na experiência corrente brasileira da atuação dos tribunais e da atuação das corregedorias em relação aos seus pró‑prios membros, aos desembargadores e eventualmente juízes integrantes�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar, Vossa Excelência me permite apenas uma observação? Veja o seguinte: dentre as observações que nos parece cabível de fazer exsurgir a competência originária inicial do CNJ, uma delas é exatamente essa� Quer dizer, o tribunal, pelas suas corregedorias, não tem con‑dições de proceder ao julgamento daquela infração, porque – segundo Vossa Excelência afirmou – é público e notório que os desembargadores não punem os seus pares� Essa é um situação excepcional que evidentemente autoriza a competência originária do CNJ�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não está sendo ressalvada���

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O sr. ministro Luiz Fux: Não, mas vão fazer isso� E, em segundo lugar, Minis‑tro Gilmar – vou me valer do exemplo de Vossa Excelência –, como nós vamos esvaziar o trabalho correicional do Conselho Nacional de Justiça, se Vossa Exce‑lência disse, e eu reafirmo, que 90% dos processos que se iniciam no Conselho Nacional de Justiça são devolvidos nos tribunais locais? Se alguém esvazia sua própria competência é o CNJ que, em dados oficiais, noticia que devolve 90% do seu material�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Então estará impedido eventualmente�O sr. ministro Luiz Fux: Mas não está impedido�O sr. ministro Gilmar Mendes: Claro que estará�O sr. ministro Ayres Britto: Ministro, uma coisa é declinar da competência;

outra coisa é se ver privado da competência por uma decisão nossa�O sr. ministro Luiz Fux: Não está privado, Ministro Ayres� Até submeti à sua

apreciação, certa feita, um documento para nós debatermos, como é comum entre os estudiosos� Então veja Vossa Excelência o seguinte: se houver conflito de interesse do tribunal, é evidente que esse tribunal não pode funcionar� Se estiver na iminência da prescrição, evidentemente que não dá tempo, tem que mandar direto para o Conselho Nacional de Justiça� Se o Conselho Nacional de Justiça motivar de qualquer maneira que aquele tribunal não tem condições de julgar, evidentemente que cabe ao Conselho Nacional de Justiça� O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição caríssima ao Supremo Tribunal Federal�

O sr. ministro Ayres Britto: O que nos cabe é conhecer o regime jurídico, o CNJ na Constituição�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Na medida em que se placita essa forma, com essa exigência de que haja uma condição de procedibilidade, primeiro passar pela corregedoria���

O sr. ministro Luiz Fux: Não é isso� Eu não disse isso� Ministro Gilmar, data venia�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência é eminente processua‑lista, Vossa Excelência sabe que nós vamos estar criando, primeiro, uma grande bagunça – eine große Konfusion, como se diz em alemão –, porque vai haver interposição de recurso para todos os casos� Vamos criar uma grande confusão, uma grande insegurança jurídica�

Por outro lado, veja, a leitura da subsidiariedade se dá nesse duplo plano� O que é a subsidiariedade? É a busca do nível mais adequado para a ação, de modo que pode haver uma subsidiariedade, como se diz, para baixo, se o assunto puder ser resolvido por uma esfera menor, ou uma subsidiariedade em dire‑ção ao alto� Nós mesmos temos afirmado isso em relação à Federação quando

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reconhecemos que a ação normativa, citei o exemplo da intervenção da União em matéria de piso salarial do magistério, e nós temos tido outras interven‑ções, esse modelo de FUNDEF, FUNDEB, o próprio modelo do SUS é um sistema integrado que exige uma coordenação�

Então, veja, no caso específico, se nós criarmos essa condição jurídica num tema que já é confuso e que já enseja controvérsia, vamos estar agravando a questão�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, e como faríamos para afastar a duplicidade de processo?

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Basta estabelecer a primazia� É essa pala‑vra que está faltando, Ministro, estabeleça‑se a primazia do Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A única primazia que reconheço é a do Judiciário!

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: O que nós estamos imaginando é que um ato administrativo tem que ser necessariamente motivado� Não existe ato administrativo que não seja motivado� O CNJ não pode dizer que vai inter‑vir num tribunal sem uma motivação, porque esse ato é nulo de pleno direito�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Motivo haverá, agora exigir a formalização de uma motivação é mais um fator, num momento inicial, de insegurança�

O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência me permite? É como exigir do CNJ, para exercer sua competência constitucional, o ônus da prova de que é competente�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Os administrativistas são unânimes em dizer que não há ato administrativo que não seja motivado�

O sr. ministro Luiz Fux: Não é só isso, Ministro Lewandowski� Há uma uni‑dade na Constituição�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Em relação ao parágrafo único, o desenho dessa autonomia regimental se dá em consonância com as funções do CNJ� E o CNJ tem tanta consciência de que essa tem que ser uma competência compar‑tilhada que construiu isso em conjunto� Sonega‑se essa informação� Mas isso é evidente� A construção foi conjunta, tanto é que nós vimos manifestação clara da AMB, uma participação ativa�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Apenas uma elucidação, Presidente� Em relação aos integrantes do tribunal, quem atua não é o corregedor, não é a corregedoria, é o tribunal� E quase sempre o relator do processo é o presidente, como ocorre, por exemplo, no campo jurisdicional, se temos a articulação de suspeição ou impedimento de integrante do Supremo�

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O sr. ministro Ayres Britto: Mas, Ministro Gilmar, quando a Constituição quis que a ação dos tribunais���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Agora, com essa atuação do Con‑selho Nacional de Justiça, posso garantir que as corregedorias estão bem mais atentas à necessidade de atuarem�

O sr. ministro Ayres Britto: Quando a Constituição quis que os tribunais precedessem a atuação do CNJ, a Constituição o disse, quando conferiu com‑petência ao CNJ para rever, para avocar, para desconstituir atos, é evidente que nesses casos há uma precedência da atuação dos tribunais�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Se não fosse dela também, não precisaria dessa norma�

O sr. ministro Ayres Britto: Não precisaria, perfeito� Então o CNJ, na linha de partida das coisas, só deve satisfação a si mesmo, ele extrai diretamente da Constituição as suas competências�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, se os tribunais têm com‑petência, é preciso que o CNJ diga por que naquele caso está excluindo o exercício dessa competência do tribunal�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas toda decisão administrativa tem que ser motivada�

O sr. ministro Ayres Britto: Não, os tribunais também não precisam de autorização do CNJ para exercitar as próprias competências�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Porque não está excluindo a com‑petência do CNJ, Ministro, simplesmente por isso�

O sr. ministro Ayres Britto: Os tribunais não precisam da autorização do CNJ, nem justificar nada para exercer as suas próprias competências�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eles precisam justificar quando vão abrir uma sindicância ou um processo administrativo�

O sr. ministro Ayres Britto: Não, eu digo um perante o outro�O sr. ministro Dias Toffoli: Presidente, esse é o ponto central da ação, a

subsidiariedade ou o caráter concorrencial da atuação do CNJ, eu acho que todos já estudamos bastante a matéria, refletimos���

O sr. ministro Dias Toffoli: Colher os votos, não é?O sr. ministro Ayres Britto: É, precisa�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, embora o ministro

Marco Aurélio, na versão lida do seu voto, não tenha emitido expressamente, não tenha formulado a expressão princípio da subsidiariedade, eu acho que���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Consta da decisão�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Consta da decisão e toda a discussão

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de corre da controvérsia em torno desse tema� Para mim, essa tese é absoluta‑mente inconsistente� Ao criar o Conselho Nacional de Justiça, a Emenda Cons‑titucional 45 não se limitou a criar mais um órgão para exercer, concomitan‑temente, atribuições já exercidas com deficiência por outros órgãos existentes, o que a emenda quis foi requalificar de maneira substantiva uma dada função, atribuindo‑a ao novo órgão criado, que dela passou a ser cotitular, numa posi‑ção de evidente proeminência ou primazia, e essa palavra a meu ver é chave� Essa proeminência, essa primazia, decorre, em primeiro lugar, do fato de que a própria Constituição conferiu ao Conselho o formidável e extraordinário poder de avocar� Poder de avocar, no nosso sistema administrativo‑constitucional, é uma excrescência, mas, neste caso, a Constituição quis, através da Emenda 45, conferir esse poder extraordinário ao Conselho Nacional de Justiça para avocar processos disciplinares em curso nas corregedorias dos tribunais� Ora, não se confere poder marginal, subsidiário a um órgão hierarquicamente superior, ou seja, um órgão de cúpula, que tenha prerrogativa de tomar para si decisões que, em princípio, deveriam ser tomadas por outros órgãos inferiores� Não há qualquer lógica na posição contrária, a meu ver�

Em segundo lugar, quando um determinado órgão superior tem o poder de atuar de ofício, e esse é o caso, em campo de atuação, em princípio demarcado para a atuação de um outro órgão inferior, jamais se pode entender que a com‑petência do órgão superior tem natureza subsidiária, a não ser que haja uma norma expressa a estabelecer essa subsidiariedade� Entendo, portanto, Senhor Presidente, e eu vejo que, no caso, isso não ocorre�

Em nenhum momento a Emenda 45 aventou a hipótese da subalternidade da ação disciplinar do Conselho Nacional de Justiça em relação às corregedorias� Ao contrário, essa tese é fruto da imaginação criadora de uns poucos que, a exemplo da famosa frase de Lampedusa, querem que as coisas mudem, de uma certa forma, “para que tudo continue como antes”� O que está em jogo aqui é exa‑tamente isso, não é? Como as decisões do Conselho passaram a expor situações escabrosas no seio do Poder Judiciário Nacional, vem essa insurgência súbita a provocar toda essa reação corporativa contra um órgão que vem, sem dúvida alguma, produzindo resultados importantíssimos no sentido da correição das mazelas do nosso sistema de Justiça�

Pedindo vênia ao eminente relator, acompanho a divergência para negar referendo à decisão na parte em que a medida liminar foi deferida�

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, apenas sob o ângulo de que essa ideia tenha surgido absolutamente do nada, eu – evidentemente que todos nós estudamos o tema, fizemos votos longos e vamos juntar, e não vamos agora ficar

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a proceder à leitura –, por exemplo, tenho algumas anotações de que no próprio âmbito do CNJ já se decidiu que a sua competência é subsidiária�

Na sessão realizada em 29 de setembro de 2009, o conselheiro Jorge Hélio Chaves decidiu no Procedimento de Controle 2009�10�00�01856‑7 que: o Conse‑lho Nacional de Justiça não é instância revisora de decisões administrativas dos tribunais (���)�

RECURSO ADMINISTRATIVO� PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO� ATO DE AUTORIDADE JUDICIÁRIA (���)�

Consta da ementa:

A criação do Conselho Nacional de Justiça não eliminou as instâncias locais de controle que, salvo nos casos de morosidade ou irregularidade, devem ser pres‑tigiadas� Incidências do princípio da subsidiariedade (���)�

Há, inclusive, Senhor Presidente, um acórdão do ministro Gilson Dipp, membro da magistratura, em que também afirmou que o CNJ envia às corre‑gedorias locais os processos aos tribunais, quando ele entende, então, que não há motivo para se iniciar no Conselho Nacional de Justiça�

Essa é uma matéria que vem sendo debatida no seio do próprio Conselho Nacional de Justiça� É importante que fique claro que, em primeiro lugar, o Conselho Nacional de Justiça é uma instituição caríssima ao Supremo Tribunal Federal, tanto que o Supremo Tribunal Federal tem na presidência do Conselho Nacional o seu presidente, que indica os seus integrantes� Em segundo lugar, é de se reconhecer o trabalho belíssimo que vem exercendo o Conselho Nacional de Justiça; entretanto, nós temos como função a guarda da Constituição Federal� Então, nós temos, tecnicamente, muito embora sob a ótica interdisciplinar, os poderes do Conselho Nacional de Justiça exercidos têm dado resultados efetivos, eficientíssimos; nós temos, sob o ângulo da técnica e sob o ângulo do princípio da unidade da Constituição, que conciliar a autonomia das corregedorias dos tribunais e a existência do Conselho Nacional de Justiça�

A proposição, elaborada pelo ministro Marco Aurélio e reiterada pelo minis‑tro Ricardo Lewandowski, no meu modo de ver, ela não retira a competência do Conselho Nacional de Justiça para que lá se inaugure um procedimento, desde que haja, por exemplo, como disse o ministro Gilmar Mendes, uma impossibi‑lidade de o tribunal funcionar por suspeição generalizada�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ministro, pense na seguinte situação: o Conselho Nacional de Justiça faz correições temporárias nos tribunais, não

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é? Ele designa os seus técnicos, os juízes auxiliares, para, em outras palavras, fiscalizar, rever o que vem sendo feito por esses tribunais�

Vossa Excelência não acha que há uma incompatibilidade de base nessas situações quando surgem irregularidades? Não há uma incompatibilidade absoluta de o próprio tribunal investigado tomar para si o julgamento dessa���

O sr. ministro Luiz Fux: Acho� Entendo, claro� Estou de acordo com Vossa Excelência� É um caso de competência originária do CNJ�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Pois, bem� Ao estabelecer motivação formal, vamos simplesmente impedir que o Conselho exerça parte das suas atividades que se consubstanciam nessas correições�

Foi nessas correições que surgiu esse quadro de horror que nós tomamos conhecimento nos últimos anos�

O sr. ministro Luiz Fux: As situações anômalas justificam a competência originária do CNJ, as situações anômalas� Agora, por exemplo, um ato interna corporis do tribunal, como é que iremos conciliar a atuação das corregedorias com a atuação do CNJ e o princípio da unidade da Constituição? Eu quero saber como é que nós vamos sair dessa cilada�

O sr. ministro Ayres Britto: É a coisa mais fácil desse mundo, Excelência� É a coisa mais fácil trabalhar em prol da unidade�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Claro� Se a Constituição deu ao Conselho esse poder extraordinário de tomar para si, a Constituição nem diz que há necessidade de uma motivação, simplesmente avoca, é compatível esse poder extraordinário com essa primazia que se quer dar às corregedorias? Não é� Evidentemente, não é�

O sr. ministro Luiz Fux: Não é� Tem primazia quem pode avocar�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Pois é, mas, quando se fala em primazia,

não se pode estabelecer travas a essa primazia� O que se pretende é estabelecer travas, empecilhos a essa primazia� E isso não existe� Isso não pode existir em matéria de controle administrativo disciplinar�

O sr. ministro Luiz Fux: Não é o que se está votando aqui: travas à primazia�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Nós não podemos esquecer que o tema

disciplina, a ação disciplinar é uma submodalidade da ação administrativa� E a ação administrativa é, por natureza, de ofício�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas até um pai, quando castiga um filho, precisa dar os motivos� E no direito administrativo isso é um dogma� Um ato administrativo, que não for motivado, padece de um vício insanável�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas Vossa Excelência está falando de motivação ou de motivo? Pois são coisas diferentes em direito administrativo�

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O sr. ministro Joaquim Barbosa: São coisas diferentes�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Estou falando de motivação, Ministro�O sr. ministro Ayres Britto: Porque motivação a Constituição diz que só é

exigível quando decide� Na decisão é preciso motivação, ou seja, fundamentação�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas a decisão de intervir e de

afastar uma corregedoria de um tribunal é uma decisão?O sr. ministro Ayres Britto: Mas aí não é uma decisão de intervir� A deci‑

são, depois da intervenção, é que deve ser motivada� Motivo é apenas o fato concreto, apenas isso�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Data venia, não� Há uma decisão de intervir�

O sr. ministro Ayres Britto: Motivo é um fato exterior ao ato administra‑tivo� Não confundir motivo com motivação�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: É um motivo in pectore, como se faz nas escolhas dos Papas?

O sr. ministro Ayres Britto: Os motivos já estão na Constituição, todos: representação, queixa, denúncia, ato de rever, de avocar�

O sr. ministro Dias Toffoli: Daí a investigação preliminar�O sr. ministro Ayres Britto: Os motivos estão na Constituição� Agora,

quando se decide, se motiva, ou seja, se fundamenta� Não confundir motivo com motivação�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Não, mas quando se instaura um procedimento – ao que eu saiba – e isso é curial no direito administrativo, seja uma sindicância ou seja um processo administrativo, é preciso dizer por que é que está‑se instaurando, data venia� E depois vem a decisão que também pre‑cisa ser fundamentada�

O sr. ministro Ayres Britto: A representação já é a chave de ignição� A chave de ignição do atuar do CNJ, todas elas já estão na Constituição� Uma represen‑tação, em si, já é a ignição� Já põe em ignição a competência do CNJ�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Uma mera requisição, sem nada? Sem nenhum motivo e sem nenhuma motivação?

O sr. ministro Ayres Britto: Não é isso� Agora, a motivação está para as decisões administrativas, assim como a fundamentação está para as decisões judiciais�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Ayres Britto, se Vossa Excelência me permite� Eu pertenci à Turma de Direito Público no STJ, e nós julgamos vários casos sob a égide dessa nova lei que regula o procedimento administrativo� Então é uma lei geral aplicável em todo o território nacional� O que diz a lei? A lei diz o seguinte:

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Art� 15� Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devi‑damente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior�

Isso é uma regra geral de uma lei federal que estabeleceu um princípio que hoje é mais do que encartado na Constituição, faz parte da ideologia pós‑posi‑tivista da Constituição� Como é que se pode derrogar competência de um órgão constitucionalmente a quem está atribuída uma função sem dizer por que ele não vai exercer a sua função? Como é que se concilia essa competência das Corregedorias quanto ao Conselho? Entendo que, à luz da razoabilidade, de acordo com o que foi exposto pelo ministro Marco Aurélio, das advertências feitas pelo ministro Celso de Mello, pelo que foi exposto pelo ministro Ricardo Lewandowski, ou seja, há situações em que o processo não pode tramitar pela corregedoria local� O tribunal não tem condições� Há uma prescrição eminente� O Conselho não concorda que aquele processo tramite lá� É o que está aconte‑cendo hoje� O Conselho fica com 10% e devolve 90%, por quê? Porque, em relação a esses dez por cento, ele entende que tem que prosseguir no Conselho Nacional de Justiça, e não nos tribunais locais; e os 90% seguem para as corregedorias� O próprio Conselho prestigia as corregedorias�

O sr. ministro Ayres Britto: Perfeito, como deve ser mesmo� Agora, declinar da competência em função de uma dificuldade concreta é uma coisa� E ter a sua competência subtraída é outra coisa�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: O meu voto não foi nesse sentido� Meu voto foi no sentido de criar uma competência material comum�

O sr. ministro Luiz Fux: Não se tira nenhuma linha da competência do Con‑selho� Esse voto não tira uma linha da competência do Conselho�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): O meu voto não chega ao afasta‑mento, do cenário jurídico, da atuação do Conselho Nacional de Justiça� Não!

O sr. ministro Ayres Britto: Uma coisa muito clara, se me permite, para afastar a tese da subsidiariedade� Claro que a Constituição fala, ao tratar de algumas das competências do CNJ, “sem prejuízo” da competência disciplinar e correicional dos tribunais� Mas, antes disso, a Constituição também falou, a propósito da competência do CNJ, de uma delas, sem prejuízo das competências do TCU� E é preciso que o TCU primeiro aja para só depois o CNJ agir� Isso é uma observação do professor Sérgio Monte Alegre�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, as coisas são totalmente diversas�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Inciso II do § 4º�O sr. ministro Luiz Fux: Problema de finanças dos tribunais, gastos�

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O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Articulação própria em demasia�O sr. ministro Ayres Britto: Como disse o ministro Gilmar Mendes, acho

que nem se coloca do ponto de vista jurídico o tema da subsidiariedade� No plano dos fatos, sim�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu só quis dizer que mesmo a adoção da tese da subsidiariedade não implica a eliminação da competência primária do CNJ, porque ela comporta essa dupla leitura, é disso que estou falando� Mesmo adotando a ideia da subsidiariedade, e veja que na prática isso ocorre, isso é aprendizado institucional� Agora, quando se fixa isso e se estabelece uma con‑dição de procedibilidade, porque é disso que vamos falar no final, nós vamos inclusive criar uma causa automática de nulidade, e veja, com todas as conse‑quências que daí decorrem�

O sr. ministro Ayres Britto: Das duas interpretações, qual a que prestigia mais o sistema de controle? Isso é que interessa�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É o sistema constitucional, não é o sistema de controle�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Ayres Britto, se Vossa Excelência me per‑mite? Isto não é uma questão de interpretação, in claris cessat interpretatio� Quando a lei é clara, não há interpretação� A lei estabelece competência das Corregedorias, a lei estabelece a competência do CNJ, não é interpretação, nós temos é que conciliar�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas só se pode dizer que a lei é clara depois da interpretação� Só se pode chegar à conclusão de que a lei é clara depois da interpretação�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Matéria constitucional, mesmo quando ela é claríssima, se reinterpreta para fazer as mutações necessárias�

O sr. ministro Ayres Britto: A verdade, Ministro, data venia, é que o CNJ não pode ser visto como um problema� O CNJ é uma solução para o bem do Judiciário� Ele é um órgão do Poder Judiciário�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas é preciso deixar claro que, para todos nós, é uma solução� Nós aplaudimos a criação do CNJ, mas nós temos agora que balizar a atuação desse importante órgão�

O sr. ministro Luiz Fux: Nós não podemos estabelecer aqui quem acha que o CNJ é um problema e quem acha que não é� Não é isso� A questão é técnica� Como é que nós vamos guardar a Constituição, velar pela sua inteireza, com esse conflito aparente de competências?

O sr. ministro Ayres Britto: É aparente o conflito�

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O sr. ministro Joaquim Barbosa: Acho que as palavras são muito claras na Constituição�

O sr. ministro Ayres Britto: E os tribunais vão sair prestigiados, foram prestigiados pela Constituição, e o CNJ também prestigiado� Vão atuar com o tempo, com o tempo, as duas instâncias vão atuar de um modo mais har‑monioso possível� No futuro, nós não falaremos do CNJ como um problema de defeito estrutural e sim gerencial, puramente gerencial� Estruturalmente o modelo é excelente, o modelo é muito bom, porque prestigia o controle das atividades públicas em homenagem a duas coisas� Primeiro, porque república é res publica, e quem gera interesses, valores e bens públicos tem que prestar contas, tem que ser fiscalizado, tem que ser controlado, é evidente� Segundo, porque o Judiciário – não é à toa que o Poder Judiciário vem no art� 2º da Cons‑tituição em terceiro lugar; primeiro é o Legislativo, depois o Executivo e por último o Judiciário, por quê? Porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e tudo começa com a lei, é a fonte primária das obrigações� A atividade legislativa é a primeira, na fisiologia do Estado e do próprio Direito, mas o Judiciário controla a produção da lei� Se a lei for inconstitucional, passa pelo crivo do Judiciário, que pode negar eficácia a ela� O segundo momento lógico é o Executivo: para executar, concretizar, materializar o que se contém na lei� O Judiciário de novo controla o Poder Exe‑cutivo, controlou o Legislativo no plano da produção da lei, para saber da sua constitucionalidade, e vai controlar o Executivo para ver se o Executivo agiu conforme a lei� Mais uma vez o Judiciário controla os outros dois Poderes� Mas esse Poder que vem por último, porque é o controlador dos outros dois, tem que ser controlado� O que vem por último tem que ser o primeiro exemplo de obediência à Constituição, de obediência à lei, de decência, de transparência�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas nós estamos de acordo com tudo isso�

O sr. ministro Luiz Fux: Mas isso tudo é dever de ofício, não é uma obrigação�O sr. ministro Ayres Britto: Mas veio para isso, para em conjunto com

tribunais e juízes� O Judiciário não tem que ficar na retaguarda deste processo de arejamento dos costumes, o Judiciário tem que estar na vanguarda, como avassaladoramente está� O Poder Judiciário avassaladoramente não teme o CNJ� O CNJ é um belíssimo instrumento� Nós padecemos é da insustentável leveza do ser� De que é que nós reclamamos? O CNJ é um órgão interno ao Judiciário� Quem o preside é o presidente do Supremo; quando o presidente do Supremo está impedido ou ausente, é o vice‑presidente do Supremo� O corregedor nacional de

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Justiça é o ministro do STJ; dos quinze membros do CNJ, nove são do Judiciário� Então, de que nos queixamos nós?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, é importante dizer que não há dois lados, aqui, com relação ao CNJ� É que alguns entendem que os atos devem ser motivados, de alguma forma, e outros entendem que a competência decorre diretamente da Constituição� Eu até diria: se essa competência fosse tão claramente explicitada na Constituição, não precisaria a edição desta Reso‑lução 135� É isso que está causando essa controvérsia toda�

O sr. ministro Ayres Britto: Eu acho tudo tão claro, para mim, é tudo tão claro���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O problema todo é interpretar a cláusula da Constituição que foi invertida aqui na resolução� O que a Constitui‑ção diz é: “sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais�” A pergunta é: quando é que não prejudica a competência do tribunal?

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Quando o Conselho decidir que cabe a ele�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Pois não� Mas motivadamente�O sr. ministro Marco Aurélio: À livre discrição não�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Pela inversão aqui, é exatamente

o contrário� A inversão da resolução é exatamente o contrário�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, mas seria como um raio do

Olimpo, assim, sem nada?O sr. ministro Ayres Britto: A pergunta de Vossa Excelência, como sempre,

é pertinente, inteligente, mas a resposta é simples: qual é a fonte da competência dos tribunais? A Constituição� Não precisa de autorização do CNJ para agir, não precisa de dar satisfações� Qual é a fonte da competência do CNJ em matéria de controle? A Constituição�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Controle de algo existente�O sr. ministro Ayres Britto: Não precisa da atuação precedente dos tribu‑

nais, cada qual tira da Constituição o seu leitmotiv, a sua inspiração�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu sei, Ministro, mas, quando o

CNJ exerce essa competência impedindo que o tribunal exerça a sua, a compe‑tência do tribunal está sendo prejudicada�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas não impede�A sra. ministra Cármen Lúcia: Não há impedimento�O sr. ministro Joaquim Barbosa: O contrário ocorre de maneira muito mais

grave�O sr. ministro Dias Toffoli: Esse é o cerne da questão�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Este é o problema, interpretar isso�

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O sr. ministro Ayres Britto: Mas aí o ministro Joaquim já deu a resposta� E o ministro Gilmar também� O órgão de cúpula do sistema, em matéria de fiscalização, é o CNJ, só está abaixo do Supremo Tribunal Federal�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Ele é o órgão de cúpula, e ele dá a palavra final nesses dois temas que a Constituição atribuiu a ele�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Órgão de cúpula é o Supremo� No Judiciário, por enquanto, é o Supremo�

O sr. ministro Ayres Britto: Quando a Constituição fala da autonomia dos tribunais, diz que cabe ao CNJ zelar pela autonomia dos tribunais� Zelar� Em que sentido o CNJ zela pela autonomia dos tribunais? A autonomia dos tribunais se dá não é perante o CNJ, não se coloca isso, ambos são do Judiciário� A autonomia é perante os outros dois Poderes, por isso que no art� 2º da Constituição está dito: são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, ou seja, há indepen‑dência e harmonia entre eles� O que faz o CNJ? Vela para que o Judiciário não abra mão da sua autonomia perante os outros dois Poderes, não decline de sua autonomia, não fique de joelhos, não seja subserviente aos outros dois Poderes�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Se Vossa Excelência me permite, veja que há uma série de resoluções do CNJ no sentido da organização dessa autonomia� Por exemplo, o estímulo à criação dos fundos para a regulamentação sobre as custas e emolumentos� Isso mereceu, por exemplo, a disciplina de um notável desembargador de São Paulo, de um dos colegas mais eminentes do CNJ, da minha época, o desembargador Rui Stoco, que trabalhou num modelo de reso‑lução, e num modelo de legislação para todos os tribunais de justiça, para que eles, de fato, tornassem a autonomia financeira algo vivo� Vossa Excelência feriu um ponto importante�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Até porque, Ministro Gilmar, a autonomia cada órgão tem segundo o que a Constituição fixa, não existe esse conceito abstratamente, o desenho da autonomia é fixado pela Constituição�

O sr. ministro Ayres Britto: O controle, que é tido como a quarta função estruturante do Estado, é elemento conceitual da República� E o nosso país não tem o nome de Federação Republicana, o nosso país se chama República Federativa, a federação é apenas um modo ideal de concretizar o governo repu‑blicano� O governo republicano, a república, como forma de governo, melhor se concretiza numa estrutura federal, por isso que o Brasil não é Federação Republicana do Brasil, não é o nome do Brasil�

O sr. ministro Dias Toffoli: Essa discussão, no Rio Grande do Sul, deu na Revolução de 1893, entre os federalistas e os republicanos� Vamos descobrir hoje se a nova ministra Rosa Weber é “maragata” ou “chimanga”�

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O sr. ministro Ayres Britto: Estamos cuidando aqui de princípios republi‑canos, e a Constituição é eminentemente exigente de uma interpretação nossa que fortaleça o sistema de controle, porque é elemento conceitual da República e da própria democracia�

A sra. ministra Cármen Lúcia: E a Federação não está prejudicada pela singela circunstância de que há uma descentralização�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É por isso que é preciso fazer as corregedorias funcionarem, também�

O sr. ministro Luiz Fux: Aliás, esta foi a razão do surgimento do Conselho Nacional de Justiça, fazer as corregedorias funcionarem� Isso pode ser, digamos assim, um tiro pela culatra, porque as corregedorias podem se descomprometer completamente�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas isso não é o ethos principal, isso resulta da própria atuação�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Não é isso que está acontecendo, desde a criação do CNJ� Nós estamos vendo o contrário�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministra, vamos voltar um pouco aos argumentos que Vossa Excelência mesma usa, que é o seguinte: o CNJ foi criado, entre outros motivos, porque se dizia, não quero discutir aqui a extensão disso, mas havia uma certa verdade nisso, que havia certa deficiência nas correge‑dorias� A grande pergunta é: o CNJ veio para que as corregedorias passem a atuar como devem ou veio para acabar com as corregedorias? É uma boa pergunta�

O sr. ministro Ayres Britto: Sem dúvida�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não, surgiu para que elas funcionem, porque���O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Afinal de contas, para que veio o

Conselho? Para remediar o vício que era apontado e sobre o qual havia até um certo consenso, ou veio para extinguir o órgão?

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Veio para otimizá‑los�O sr. ministro Ayres Britto: Resposta, Excelência: o CNJ veio para se somar

às corregedorias, quando possível, e para substituir as corregedorias, quando necessário�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Qual é o melhor caminho para fazer com que as corregedorias também atuem? Essa é a grande questão�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E as funções�O sr. ministro Ayres Britto: Veio para reforçar as corregedorias quando

possível, e para substituí‑las, quando necessário�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente, é isso mesmo�O sr. ministro Luiz Fux: Exatamente isso�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Aí é preciso, como a própria reso‑lução disse e como nós acabamos placitando, pela nossa decisão, que tudo, até as decisões interlocutórias – art� 20 – têm que ser fundamentadas�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas não é para substituir as corregedorias por iniciativa das corregedorias, não� Não é isso, não� Por iniciativa do próprio CNJ�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, é só isso que eu estou ponderando por ora� Só isso� É o próprio Conselho que disse que qualquer decisão administrativa, inclusive as chamadas interlocutórias, tem que ser fundamentada�

O sr. ministro Ayres Britto: Decisão, sim� Decisão� Ao final do processo administrativo, se decide�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, interlocutória não é final de processo, Ministro�

O sr. ministro Ayres Britto: Não, aí são os incidentes processuais, que também tem�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Ayres, só a título do nosso bom e cotidiano debate� Veja o seguinte: o CNJ remete 90%� Isso aqui está dito oficialmente pelo CNJ: remete 90%� Significa dizer que ele avalia que aqueles 10% têm que per‑manecer no CNJ, por razões próprias do CNJ� Então, que mal faz – se é verdade que, e está textual, as corregedorias existem, o CNJ surgiu para fazer as corre‑gedorias funcionarem –, que mal faz nós regularmos no sentido de que o CNJ tem competência originária nos casos em que ele, CNJ, entende que deve tê‑la? Que mal faz isso?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Que mal faz isso? Essa é a grande pergunta�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Isso é imprescindível, Ministro�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Antes de passar o voto à ministra

Rosa, só quero antecipar o meu ponto de vista�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Essa é a minha proposta, agora, não con‑

cordo com a trava que vem logo em seguida� Essa é a minha proposta�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu só quero dizer o seguinte, não

tenho nenhuma restrição em duas coisas: primeiro, em reconhecer que o CNJ tem competência primária para iniciar procedimento contra magistrado� Não tenho restrição nenhuma a isso� Mas tampouco tenho restrição a uma solução que signifique apenas o seguinte: quando o CNJ o fizer, dê a razão pela qual está prejudicando a competência do tribunal local� Só� Mais nada�

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ADI 4.638 MC-REF

VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Trata‑se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pela Associação dos Magistrados Bra‑sileiros (AMB), em que impugnada, pelo viés formal, a integralidade da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que “dispõe sobre a uniformiza‑ção de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências”, e, pelo aspecto material, os dispositivos que especifica�

A legitimidade ativa da autora para o ajuizamento da presente ação direta de inconstitucionalidade tem assento no inciso IX do art� 103 da Constituição da República, bem com no art� 2º, IX, da Lei 9�868/1999, enquanto entidade de classe de âmbito nacional e diante do vínculo de afinidade temática entre o objeto da demanda e os objetivos institucionais da associação�

O ato normativo atacado, que se pretende vocacionado à imperatividade e à coerção estatal, reúne as características da abstração, da generalidade e da autonomia, sendo perfeitamente impugnável pela via processual objetiva eleita, nos termos dos arts� 102, I, a, e 103, § 3º, da CF, e nos moldes do precedente fir‑mado ao julgamento da ADC 12�

A arguição preliminar, da Advocacia‑Geral da União, de inviabilidade do acolhimento da pretensão deduzida na presente ação direta, no tocante aos arts� 4º, 12 e 20 da Resolução 135/2011 do CNJ, ao argumento de que não impug‑nado adequadamente, em sua integralidade, todo o complexo normativo que daria sustentação aos dispositivos hostilizados, a implicar inocuidade do even‑tual provimento da pretensão, uma vez que persistiriam incólumes, no orde‑namento jurídico, normas hierarquicamente superiores cujo conteúdo repro‑duzem, quais sejam, os arts� 4º, III; 8º, § 4º; 116; e 140 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça e 103‑B, § 4º, III e V, da Constituição da República, não obsta, a meu juízo, em um primeiro olhar, o exame da medida acauteladora, basicamente porque, na leitura que faço, a conformação dos dispositivos da Resolução 135/2011 ao texto do art� 103‑B, § 4º, III e V, da Constituição da Repú‑blica, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004, dos quais não configura mera reprodução, traduz controvérsia vinculada ao próprio mérito da ação�

Sob o prisma da inconstitucionalidade formal, a autora sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado trata de matérias não inseridas entre aquelas em relação às quais foi o Conselho Nacional de Justiça provisoriamente auto‑rizado, pelo Poder Constituinte derivado, a disciplinar mediante a edição de resoluções, invadindo, por conseguinte, competências privativas, de um lado,

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dos tribunais (art� 96, I e II, da Constituição Federal), e, de outro, do legislador complementar (art� 93, caput, VIII e X, da Carta Política)�

Materialmente, insurge‑se contra o conteúdo dos seguintes dispositivos da Resolução 135/2011 do CNJ: arts� 2º; 3º, IV e V e § 1º; 4º; 8º; 9º; 10; 12, caput e parágrafo único; 14; 15, parágrafo único; 17, IV e V; 18; 20, caput e § 3º; 21, parágrafo único�

Destaco, já de antemão, que a própria Resolução 135/2011 aponta, como fun‑damento para a sua edição, o art� 5º, § 2º, da Emenda Constitucional 45/2004, que confere ao Conselho Nacional de Justiça a competência transitória para, enquanto não entrar em vigor a anunciada lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura, suprir‑lhe a falta, disciplinando, mediante resolução, o seu funcionamento e definindo as atribuições do ministro corregedor� Eis o teor do preceito invocado:

Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Jus‑tiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro‑Corregedor�

Eis a sede material que, combinada com o art� 103‑B, § 4º, I, II, III e V, da Cons‑tituição republicana, ancora o entendimento do Conselho Nacional de Justiça, evidenciado pelo teor do ato normativo ora impugnado, de que inserida entre as atribuições que lhe foram confiadas pelo Poder Constituinte derivado a edição de resolução, de caráter normatizador, dispondo sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados�

Embora entenda prejudicial o enfrentamento da questão relativa à incons‑titucionalidade formal da Resolução 135/2011 do CNJ, o Plenário entendeu por bem prosseguir no julgamento de uma outra forma� Passo, pois, ao exame dos dispositivos impugnados sob o prisma da sua constitucionalidade material�

Art. 2ºSegundo a autora, o art� 2º da Resolução 135/2011 padece de inconstituciona‑

lidade por emprestar, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal, a denominação de tribunais, verbis:

Art� 2º Considera‑se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacio‑nal de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respetiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias�

Não identifico, no dispositivo impugnado, aspiração de transmudar a natu‑reza do Conselho Nacional de Justiça ou do Conselho da Justiça Federal, órgãos

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colegiados, integrantes da estrutura do Poder Judiciário (consoante dispõem, respectivamente, os arts� 92, I‑A, e 105, II, da Constituição da República), embora de atribuições administrativas, na esteira da jurisprudência pacificada desta Corte (cfr�: MS 27�708, rel� min� Marco Aurélio; ADI 3�367, rel� min� Cezar Peluso)�

A análise semântica revela que o dispositivo, autorreferente, está a indicar, como recurso de técnica normativa e economia redacional, que, onde consta na Resolução, o vocábulo “tribunal” se limita a designar os órgãos colegiados nele relacionados, inclusive o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho da Justiça Federal� Não pertine, pois, à natureza de suas atividades�

A existência de eventual pretensão de se atribuir ao CNJ, ou ao CJF, compe‑tências diversas daquelas que lhe foram conferidas pela Carta Política, se o caso, dependerá da verificação material do sentido das normas da resolução, insuscetíveis de se concretizarem em virtude de tal opção redacional do autor do ato regulamentar�

Acompanho o relator para indeferir a liminar, no particular�

Art. 3º, IV e VA autora denuncia a constitucionalidade dos incisos IV e V do seu art� 3º, por

supostamente excluírem da aplicação das penas de disponibilidade e aposen‑tadoria compulsória, o recebimento de “subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço”, nos seguintes termos:

Art� 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

(���)IV – disponibilidade;V – aposentadoria compulsória;

Ora, o conteúdo jurídico dos tipos “disponibilidade” e “aposentadoria com‑pulsória” é definido pela Constituição da República� Se, nessa medida, recebem, como predicado, o recebimento dos subsídios ou proventos proporcionais, a referência, em ato normativo infraconstitucional, disciplinando a sua aplica‑ção, sem dispor de modo diverso, como in casu, não tem o condão de alterar a carga semântica que lhes é inerente�

Em outras palavras, porque inexistente no ordenamento constitucional outra modalidade de “aposentadoria compulsória” que não com vencimentos, sub‑sídios ou proventos, conforme o caso, proporcionais ao tempo de serviço, a referência ao instituto, no ordenamento jurídico infraconstitucional, ainda que

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sem detalhar todos os seus adjetivos, necessariamente supõe a carga semântica definida na norma hierarquicamente superior� No caso, outra interpretação sequer se faz presente�

De modo algum o dispositivo traduz a eficácia temida pela parte, pelo que incogitável, na espécie, de conflito com o texto constitucional�

Aqui, também, acompanho o relator para indeferir a liminar�

Art. 3º, § 1ºO preceito assim dispõe:

As penas previstas no art� 6º, § 1º, da Lei n� 4�898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complemen‑tar n� 35, de 1979�

A autora sustenta que o dispositivo estaria submetendo os magistrados, simultaneamente, a dois regimes diferentes de responsabilidade político‑admi‑nistrativa contrariamente à vedação constitucional à concorrência de regimes sancionatórios, regime da Lei 4�898/1965 e o regime da LOMAN�

O questionamento a respeito da aplicabilidade, aos magistrados, das penas previstas no § 1º do art� 6º da Lei 4�898/1965, à compreensão de que instituído, no sistema da LOMAN, regime fechado de responsabilidade – numerus clausus, derrogatório da aplicação de qualquer outra norma concorrente, se mostra pertinente�

No entanto, reservando‑me a possibilidade de, em cognição plena do feito, vir a entender que a referência do art� 3º, § 1º, da Resolução 135/2011 ao art� 4�898/1965 se mostre constitucionalmente oportuna, me parece, no exercício do juízo de mera delibação, suficiente demonstrada a plausibilidade jurídica – fumus boni iuris – da tese, apta a afastar a presunção de constitucionalidade do ato nor‑mativo expedido�

Isso porque a redação do art� 3º, § 1º, da Resolução 135/2011 sugere a submissão dos magistrados, simultaneamente, a dois regimes disciplinares concorrentes, sendo potencialmente lesiva a invocação da Lei 4�898/1965 no ato normativo impugnado, ao devido processo legal�

Por essa razão, acompanho o eminente relator no que defere a liminar, nesse aspecto�

Arts. 4º e 20, caput e § 2ºEis o teor dos artigos:

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Art� 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência� Na reiteração e nos casos de procedimento incor‑reto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave�

Art� 20� O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias�

(���)§ 2º Para o julgamento, que será público, serão disponibilizados aos integrantes

do órgão julgador acesso à integralidade dos autos do processo administrativo disciplinar�

Em síntese, a autora defende que, nos termos da LOMAN, as penas de censura e advertência somente poderiam ser aplicadas de forma “reservada”, bem como a existência de interesse público a justificar o sigilo dos processos administra‑tivos disciplinares contra magistrados�

Não obstante a jurisprudência desta Casa tenha consagrado a recepção da LOMAN pela Constituição de 1988 (ADI 2�580/CE, rel� min� Carlos Velloso), as alterações promovidas pela superveniência da EC 45/2004 nos incisos IX e X do art� 93 da Lei Maior presentam uma nova ordem axiológica com a qual o sigilo, como regra, se mostra incompatível� O texto constitucional hodierno excepciona, tão somente, na expressa dicção do art� 93, IX, os “casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”�

Inserida, pois, a matéria objeto dos dispositivos impugnados – procedimento administrativo disciplinar aplicável a magistrados – na competência do órgão editor do ato impugnado, em conformidade ao seu conteúdo, ao consagrar o primado da publicidade dos procedimentos administrativos disciplinares, com os incisos IX e X do art� 93 da Lei Maior, na redação que lhes foi conferida pela EC 45/2004, entendo que cabe, nessas condições, em cognição sumária, pres‑tigiar a presunção de constitucionalidade dos atos normativos� Acompanho o relator para indeferir a liminar�

Arts. 8º, 9º, § 2º e 3ºOs dispositivos têm o seguinte teor:

Art� 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, obser‑vados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo�

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Parágrafo único� Se da apuração em qualquer procedimento ou processo admi‑nistrativo resultar a verificação de falta ou infração atribuída a magistrado, será determinada, pela autoridade competente, a instauração de sindicância ou proposta, diretamente, ao Tribunal, a instauração de processo administrativo disciplinar, observado, neste caso, o art� 14, caput, desta Resolução�

Art� 9º (���)§ 1º (���)§ 2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal,

o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame�

§ 3º Os Corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comuni‑carão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados�

A autora sustenta que referidos dispositivos invadem a competência privativa dos tribunais para dispor, nos seus regimentos internos, sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos (art� 96, I, a, da CF)�

A competência normativa do CNJ, no exercício do controle do cumprimento dos deveres funcionais nos juízes, há de ser harmonizada com a competên‑cia dos tribunais para dispor sobre o funcionamento dos respectivos órgãos administrativos�

Se há tribunais cujos regimentos internos preveem a competência do Corre‑gedor para exercer o controle disciplinar apenas dos magistrados de primeiro grau, atribuindo‑a ao presidente nos demais casos, é bem verdade que outros tribunais se organizam regimentalmente de modo diverso no tocante a essas competências�

Acolho a proposta do eminente ministro presidente para dar interpretação conforme aos arts� 8º e 9º, caput e § 2º e 3º, a fim de, onde constem as expressões “Presidente” ou “Corregedor”, ler‑se “órgão competente do Tribunal”�

Arts. 10; 12, caput e parágrafo único; 14, § 3º, 7º, 8º e 9º; 15, § 1º; 17, caput, IV e V; 18; e 20, § 3º

Assim dispõem os dispositivos impugnados:

Art� 10� Das decisões referidas nos arts� anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação�

Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença

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ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacio‑nal de Justiça�

Parágrafo único� Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução apli‑cam‑se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrativas pra‑ticadas pelos Magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem�

Art� 14� Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respec‑tivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes�

(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�(���)§ 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o

Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor�§ 8º Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento prepara‑

tório, ainda que não seja mais o Corregedor�§ 9º O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para ser

concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial�

Art� 15� (���)(���)§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente

decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo discipli‑nar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar�

Art� 17� Após, o relator determinará a citação do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encaminhando‑‑lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando‑se que:

(���)IV – considerar‑se‑á revel o magistrado que, regularmente citado, não apresen‑

tar defesa no prazo assinado;V – declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao requerido,

concedendo‑lhe igual prazo para a apresentação de defesa�

Art� 18� Decorrido o prazo para a apresentação da defesa prévia, o relator deci‑dirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas requeridas, determinando de ofício as que entender necessárias�

§ 1º Para a colheita das provas o relator poderá delegar poderes a magistrado de primeiro ou segundo grau�

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§ 2º Para todos os demais atos de instrução, com a mesma cautela, serão inti‑mados o magistrado processado ou seu defensor, se houver�

§ 3º Na instrução do processo serão inquiridas, no máximo, oito testemunhas de acusação e, até oito de defesa, por requerido, que justificadamente tenham ou possam ter conhecimento dos fatos imputados�

§ 4º O depoimento das testemunhas, as acareações e as provas periciais e téc‑nicas destinadas à elucidação dos fatos, serão realizados com aplicação subsi‑diária, no que couber, das normas da legislação processual penal e da legislação processual civil, sucessivamente�

§ 5º A inquirição das testemunhas e o interrogatório deverão ser feitos em audiência una, ainda que, se for o caso, em dias sucessivos, e poderão ser reali‑zados por meio de videoconferência, nos termos do § 1º do art� 405 do Código de Processo Penal e da Resolução n� 105, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça�

§ 6º O interrogatório do magistrado, precedido de intimação com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, será realizado após a produção de todas as provas�

§ 7º Os depoimentos poderão ser documentados pelo sistema audiovisual, sem a necessidade, nesse caso, de degravação�

Art� 20� (���)(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�

A autora sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado trata de maté‑rias não inseridas entre aquelas em relação às quais foi o Conselho Nacional de Justiça provisoriamente autorizado, pelo Poder Constituinte derivado, a disciplinar mediante a edição de resoluções, invadindo, por conseguinte, com‑petências privativas, de um lado, dos is (art� 96, I e II, da Constituição Federal), e, de outro, do legislador complementar (art� 93, caput, VIII e X, da Carta Polí‑tica)� A constitucionalidade do art� 12, em particular, é desafiada à alegação de que estaria sendo invertido o sentido da norma constitucional, que atribui‑ria ao CNJ, em face dos tribunais, competência apenas subsidiária quanto aos procedimentos administrativos disciplinares de magistrados, atribuindo‑lhe competência concorrente sem amparo no texto constitucional, em detrimento da competência originária dos tribunais�

O cerne da insurgência diz, em sua essência, com a própria extensão da com‑petência normativa do CNJ�

Destaco que a Resolução 135/2011 aponta, como fundamento para a sua edição, o art� 5º, § 2º, do corpo da Emenda Constitucional 45/2004, que confere ao Conselho Nacional de Justiça a competência transitória para, enquanto não entrar em vigor a futura lei complementar dispondo sobre o Estatuto da Magistratura, suprir-lhe a falta, disciplinando, mediante resolução, o

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seu funcionamento e definindo as atribuições do ministro corregedor. Esta a sede material que, combinada com o art� 103‑B, § 4º, I, II, III e V, da Consti‑tuição Republicana, ancora o entendimento do Conselho Nacional de Justiça, evidenciado pelo teor do ato normativo ora impugnado, de que inserida entre as atribuições que lhe foram confiadas pelo Poder Constituinte derivado a edição de resolução, de caráter normatizador, uniformizando o procedimento admi‑nistrativo disciplinar aplicável aos magistrados�

Órgão administrativo, estratégico e de controle, integrante do Poder Judi‑ciário (art� 92, I‑A, da Constituição Federal), o Constituinte derivado, como visto, conferiu ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação admi‑nistrativa e financeira do Poder Judiciário e o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, com atribuições, entre outras, de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistra‑tura, autorizando‑o a expedir atos regulamentares� Fixou‑lhe competência para zelar pela observância do art� 37 da Lei Maior e apreciar, até mesmo de ofício, a legalidade dos atos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí‑los, revê‑los, ou fixar prazo para adoção das providências necessárias ao exato cumprimento da lei, receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, e, ainda, avocar processos dis‑ciplinares em curso, bem como determinar a aplicação de punições�

Esta Casa já decidiu, no julgamento da ADI 3�367/DF, que “são constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional�” Na oportunidade, asseverou o eminente relator, ministro Cezar Peluso, a respeito da competência do Conse‑lho Nacional de Justiça relativamente ao controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes:

A outorga dessa particular competência ao Conselho não instaura, como novís‑sima das novidades, o regime censório interno, a que, sob a ação das corregedo‑rias, sempre estiveram sujeitos, em especial, os magistrados dos graus inferiores, senão que, suprindo uma das mais notórias deficiências orgânicas do Poder, capacita a entidade a exercer essa mesma competência disciplinar, agora no plano nacional, sobre todos os juízes hierarquicamente situados abaixo desta Suprema Corte� Como se percebe sem grandes ginásticas de dialética, deu‑se apenas dimensão nacional a um poder funcional necessário a todos os ramos do governo, e cujo exercício atém‑se, como não podia deixar de ser, às prescrições constitucionais e às normas subalternas da Lei Orgânica da Magistratura e do futuro Estatuto, emanadas do Poder Legislativo, segundo os princípios e as regras fundamentais da independência e harmonia dos Poderes�

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O entendimento fixado à apreciação da ADI 3�367/DF, no tocante à compa‑tibilidade não apenas do Conselho Nacional de Justiça – enquanto órgão de natureza administrativa integrante da cúpula do Poder Judiciário nacional –, mas da própria principiologia que norteou a sua concepção, com os princípios constitucionais regentes da organização dos Poderes e do Estado, se erige, por‑tanto, a meu juízo, como premissa exegética do exame do tema�

Necessário também não esquecer da teleologia de que se revestiu a criação do CNJ� Se a Constituição da República lhe atribuiu competência para exercer o con‑trole do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não o fez sem disponibi‑lizar os meios necessários para que alcançasse essa finalidade institucional� Nova‑mente, destaco elucidativo trecho do voto do eminente relator da ADI 3�367/DF:

Entre nós é coisa notória que os instrumentos orgânicos de controle ético‑disci‑plinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (���)

Tem‑se, portanto, reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes predica�

A jurisprudência desta Corte Suprema já assentou o reconhecimento do fato de que a Emenda Constitucional 45/2004 significou efetiva alteração na orga‑nização do Poder Judiciário� Mais uma vez, reporto‑me ao magnífico voto do eminente ministro Cezar Peluzo, nos autos da ADI 3�367/DF: “nada obsta a que o constituinte reformador lhe redesenhe a configuração histórica, mediante reor‑ganização orgânica e redistribuição de competências no âmbito da estrutura interna do Judiciário, sem perda nem deterioração das condições materiais de isenção e imparcialidade dos juízes�”

A Constituição da República Federativa do Brasil, salvaguardada a imu-tabilidade das cláusulas pétreas, consagra, mormente pelo mecanismo das emendas constitucionais, abertura dinâmica ao redesenho das instituições, deferência à riqueza da vida e à compreensão de que os modelos institucionais estabelecidos são sempre passíveis de reconfiguração, com vista a seu aper-feiçoamento e a adequá-los à sociedade complexa e multifacetada contem-porânea, desde que observadas, nesse processo, as garantias constitucionais procedimentais que visam a impedir a deturpação do próprio mecanismo.

Nesse passo, a Emenda Constitucional 45/2004 teve o objetivo, respeita-dos os limites imutáveis essenciais à preservação do estado democrático

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de direito, justamente de conferir novos arranjos a desenhos institucionais que a experiência há muito evidenciava desgastados, ineficientes, inócuos a seus fins. É reconhecer que, com a prática institucional, vazios não pre-vistos aparecem, necessidades se revelam, e logo reclamam ajustes na sua arquitetura. Representativa dessa toada foi a criação do Conselho Nacional de Justiça, com a específica reunião de competências que lhe foi atribuída.

O constituinte derivado buscou, assim, dar máxima efetividade aos princípios consagrados no citado art� 93, valendo repisar que o desiderato de preencher vazios institucionais, cuja existência tem se mostrado extremamente danosa à vida republicana, foi um dos principais impulsionadores da criação do Conselho nos debates sobre a reforma do Judiciário�

Forte nessas premissas, entendo imperativa a releitura sistemática das normas constitucionais e infraconstitucionais envolvidas, à luz do novo para-digma constitucional instituído pela Emenda Constitucional 45/2004.

Lado outro, no julgamento da medida cautelar na ADC 12/DF, da relatoria do eminente ministro Ayres Britto (DJ de 1º‑9‑2006, com apreciação do mérito em 20‑8‑2008), em que examinada a constitucionalidade da Resolução 7/2005 do CNJ, esta Corte Suprema fixou exegese do § 4º do art� 103‑B da Lei Maior segundo a qual o CNJ detém competência para expedir normas de caráter genérico e abs‑trato sobre as matérias dos respectivos incisos I e II� Eis a ementa do precedente:

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO 7, de 18‑10‑2005, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA� MEDIDA CAU‑TELAR� Patente a legitimidade da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) para propor ação declaratória de constitucionalidade� Primeiro, por se tratar de entidade de classe de âmbito nacional� Segundo, porque evidenciado o estreito vínculo objetivo entre as finalidades institucionais da proponente e o conteúdo do ato normativo por ela defendido (inciso IX do art� 103 da CF, com redação dada pela EC 45/2004)� Ação declaratória que não merece conhecimento quanto ao art� 3º da resolução, porquanto, em 6‑12‑2005, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 9/2005, alterando substancialmente a de n� 7/2005� A Reso-lução 7/2005 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositi-vos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente voca-cionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução 7/2005 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta Cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios

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conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição Federal, razão por que não há antino-mia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. Logo, o Conse-lho Nacional de Justiça fez adequado uso da competência que lhe conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda 45/2004� Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam contra a liberdade de nomea‑ção e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art� 37)� Isto porque a interpretação dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art� 37� Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade� É dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado� Não se trata, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgâni‑cos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respec‑tivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público� O modelo normativo em exame não é suscetível de ofender a pureza do princípio da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo� Primeiro, pela consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art� 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois; segundo, porque ele, Poder Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele� Ademais, o art� 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art� 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art� 37, cabeça� Medida liminar deferida para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação conforme para incluir o termo “chefia” nos inciso II, III, IV, V do art� 2º do ato normativo em foco; b) suspender, até o exame de mérito desta ADC, o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça; c) obstar que juízes e Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma Resolução 7/2005, do CNJ; e d) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determina‑ram o afastamento da sobredita aplicação� [Destaquei�]

Na esteira do precedente, entendo que, à luz dos arts� 103, § 4º, I, II, III e V, da

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Constituição Republicana e 5º, § 2º, da Emenda Constitucional 45/2004, não há falar em usurpação da competência dos tribunais ou do legislador comple-mentar� Enquanto não entrar em vigor o novo Estatuto da Magistratura, cabe ao Conselho disciplinar, mediante resoluções, as matérias de sua competência� De outra parte, a superveniência da Emenda Constitucional 45/2004 impõe a releitura do precedente fixado no julgamento da ADI 2�580‑5/CE (em 26‑9‑2002) – recepção da LOMAN – em face do novo regime constitucional�

Nessa linha, à questão que se coloca – pode o CNJ regulamentar matérias até então sediadas na LOMAN e nos Regimentos Internos dos tribunais, como os processos disciplinares que tramitam no âmbito das cortes? – a resposta há de ser, a meu juízo – e pedindo vênia aos que professam respeitabilíssimo entendimento em contrário –, a resposta há de ser, repito, positiva diante do redesenho institucional promovido pela Emenda Constitucional 45/2004, com a consectária necessidade de compatibilização dessas normas em face de um Con‑selho Nacional e das competências que lhe foram cometidas� Destaco aqui que o potencial exercício inadequado ou exorbitante de uma competência não leva, por si só, necessariamente à inconstitucionalidade, presentes no ordena‑mento jurídico mecanismos próprios para coibir e extirpar eventuais excessos�

Nesse contexto, e ainda não editado o Estatuto da Magistratura, a unifor-mização dos regramentos pertinentes aos procedimentos administrativos disciplinares aplicáveis aos magistrados se apresenta, a meu juízo, como condição necessária à plena efetividade da missão institucional do Conse-lho Nacional de Justiça de controle do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. Por outro enfoque, poder‑se‑ia cogitar que a multiplicidade e discrepância dos procedimentos a que sujeitos, em sede disciplinar, os magis‑trados atenta até contra o próprio princípio da isonomia� O caráter uno do Poder Judiciário não só legitima como reclama a existência de um regramento minimamente uniforme da matéria�

Nessa ordem de ideias, o regrar, pelo CNJ, dos procedimentos, para fins de uniformização, resguarda, a meu juízo, o princípio da igualdade�

Consoante asseverou o ministro Cezar Peluzo, no voto proferido ao exame da ADI 3�367/DF:

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tra‑tamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República� Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magis‑tratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função�

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Data maxima venia, tampouco vislumbro, na atuação do Conselho Nacio-nal de Justiça, materializada na edição da Resolução 135/2011, quebra ou risco de quebra do pacto federativo.

Registro, a propósito, que não visualizo no princípio federativo um sentido único, centrífugo, atomista e separador, e sim um princípio de equilíbrio que, em momentos distintos, se orienta em sentidos também distintos, exigência da sua vocação para amoldar as necessidades do contínuo aperfeiçoamento institucional da República� Ora, sim, tendente a afirmar a autonomia, não é senão esse mesmo princípio que exige e legitima a integração e a cooperação dos entes federados em uma União soberana, o que também já foi consagrado na jurisprudência desta Corte, ao julgamento da ADC 12�

Lembro que o princípio federativo surge, na teoria e na prática políticas, com objetivo eminentemente instrumental, consentâneo e complementar ao de outro princípio igualmente fundamental, o da separação de poderes: a de dividir o poder para que o poder vigie o poder� Nas palavras já imortalizadas do federalista Madison: “Assim, emerge uma dupla segurança dos direitos do povo� Os diferentes governos controlarão um ao outro, ao mesmo tempo em que cada um será controlado por si mesmo�”

A suposição de que todo movimento uniformizador seja antifederativo padece, a meu juízo, da mesma inconsistência teórica da crença de que qualquer atitude fragmentadora se conforma ao princípio federativo� Ora, a autonomia extrema é a secessão, que nada tem de federativa� A avaliação da congruência ou incongruência de um movimento político com o princípio federativo, consi‑derado o seu sentido essencial, há de levar em conta a sua estrutura complexa, o seu caráter instrumental e a sua teleologia� Peço vênia para referir o magistério de Raul Horta Machado em passagem publicada no período que antecedeu o início dos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, representativa dos desafios que se colocavam:

Entre as grandes tarefas da geração atual destaca‑se a de reconstruir a Federação, modelando instituições que possam projetá‑la no próximo milênio� O centro da reconstrução da Federação Constitucional reside na repartição das competên‑cias, para redefinir as áreas de atuação da União Federal, dos Estados‑membros e de outros níveis de Governo� A Federação projetada para o futuro requer repar‑tição de competências ajustada a tal objetivo� [HORTA, Raul Machado� Estrutura da Federação� Revista de Direito Público – RDP 81/52 – jan�‑mar�/1987�]

Há quem vislumbre na Constituição de 1988 a passagem do clássico fe -dera lis mo hegemônico e centrípeto para um federalismo de equilíbrio, em

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que, sem sacrificar a autonomia dos entes federados, tampouco se condena à inexistência movimentos voltados ao aperfeiçoamento das instituições republicanas, e do qual fórmula típica é o estabelecimento de competências normativas concorrentes. A própria complexidade do mundo contemporâ‑neo, nessa ótica, tornaria inevitável a acolhida do federalismo cooperativo, em substituição ao federalismo competitivo de antanho� E a aferição do ponto de equilíbrio entre os entes estatais teria como referência a efetividade de um determinado arranjo institucional para a realização das funções a que o Estado, mediante a instituição daquele órgão, ou Poder, está obrigado a desempenhar�

A noção de federação surge como ferramenta para limitar a autonomia do poder exercido pelos diferentes entes políticos� O isolamento é essencialmente antirrepublicano�

Vale ressaltar, ainda, que a Constituição da República, no seu art� 125, subor‑dina as leis de organização judiciária dos Estados à observância dos princípios nela estabelecidos, que se impõe fundamental, mandatória uniformemente a todos os entes federados, consabido o caráter nacional e uno peculiar ao Poder Judiciário, ainda que em um regime federativo� Nessa mesma linha, restou assen‑tado, no julgamento da ADI 3367/DF, voto do relator, ministro Cezar Peluso:

PODER JUDICIÁRIO� Caráter Nacional� Regime orgânico unitário� Controle admi‑nistrativo, financeiro e disciplinar� Órgão interno ou externo� Conselho Nacional de Justiça� Criação por Estado‑membro� Inadmissibilidade� Falta de competência constitucional� Os Estados‑membros carecem de competência para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça�

(���)O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário,

de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República� Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”�

(���)O Conselho não é concebido nem estruturado como órgão da União, e, sim, do

Poder Judiciário nacional�(���)Não é, (���), imutável o conteúdo concreto da forma federativa� As relações de

subordinação vigentes na estrutura do Judiciário, dado seu caráter nacional, (���), podem ser ampliadas e desdobradas pelo constituinte reformador, desde que tal reconfiguração não rompa o núcleo essencial das atribuições do Poder em favor

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de outro� E foram redefinidas pela Emenda 45, sem usurpação de atribuições por outro Poder, nem sacrifício da independência� A redução das autonomias inter‑nas, atribuídas a cada tribunal, não contradiz, sob nenhum aspecto, o sistema de separação e independência dos Poderes� A Corte cansou‑se de proclamar que não são absolutas nem plenas as autonomias estaduais circunscritas pela Cons‑tituição (art� 25), porque, se o fossem, seriam soberanias� E o Conselho não tem competência para organizar nem reorganizar as Justiças estaduais�

Com base nessa compreensão, entendo que a edição da Resolução 135/2011 do CNJ em nada deprecia a forma federativa da República�

Por outro lado, sem embargo da respeitabilidade do entendimento de que subsidiária – como regra, pelo menos – a competência do CNJ, em face do tribunal de origem, no tocante ao controle disciplinar dos magistrados (v.g., MS 28�884 MC/DF, rel� min� Marco Aurélio; MS 28�799/DF, rel� min� Celso de Mello), a leitura hermenêutica do art. 103-B, § 4º, I, II, III e V, da CF, conduz, a meu sentir, a conclusão diversa: a competência do CNJ é originária e concorrente, e não meramente supletiva ou subsidiária. E sendo uno e nacional o Poder Judiciário, e sendo, pois, órgão nacional – e não federal–, o Conselho Nacional de Justiça, entendo que se insere na competência do CNJ o poder de expe-dir resolução uniformizando o procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados no âmbito dos tribunais, observadas as balizas constitucionais nos moldes antes expostos. A competência do CNJ, no tocante ao controle disciplinar dos magistrados, delineia‑se, assim, a meu sentir como concorrente, e não apenas como subsidiária, à luz do regime constitucional estabelecido pela Emenda 45/2004�

Com efeito, ao criar órgão de caráter nacional, incumbido de relevantíssima tarefa, a Emenda Constitucional 45/2004 necessariamente lhe conferiu os meios para atingir os seus fins institucionais� Se o Judiciário é uno e nacional, a ati‑vidade regulamentar do Conselho, no sentido de suprir o vazio e uniformizar procedimentos enquanto não vier o novo Estatuto da Magistratura, está inserida no comando constitucional que lhe confere existência e delineia suas compe‑tências� Como compreender inconstitucional regramento editado, na linha da uniformização, quando esta condiciona a própria concretização dos seus fins?

Em um exame sumário, pois, a Resolução 135/2011 do CNJ não me parece padecer dos vícios que a autora lhe imputa frente ao texto constitucional, obser‑vada a regra de transição prevista no art� 5º, § 2º, da EC 45/2004 para vigorar até entrada, no mundo jurídico, de vindoura lei complementar dispondo sobre o Estatuto da Magistratura� Diante do papel preponderante conferido ao Conselho Nacional de Justiça no redesenho institucional delineado na Constituição da

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República a partir da Emenda Constitucional 45/2004, quanto à estrutura de controle do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, e presentes os entendimentos firmados por esta Corte no julgamento da ADI 3�367‑1 e da ADC 12, entendo subsistir em favor do ato normativo impugnado a presunção de constitucionalidade, reconhecendo a competência do CNJ para, observa‑das as balizas constitucionais já referidas, editar, originariamente, normas pertinentes à uniformização do procedimento administrativo disciplinar, no âmbito dos tribunais, com vista à apuração de irregularidades praticadas por magistrados, conforme lhe foi conferido pelo constituinte derivado, nos rigores dos arts� 103‑B, § 4º, I, II, III e V, da CF, e 5º, § 2º, da EC 45/2004�

Especialmente em relação ao art� 10 da resolução impugnada, entendo, com todas as vênias, que se insere na competência transitória de normatização do CNJ, em função da redação da Emenda Constitucional 45, a possibilidade de regrar e, inclusive, no caso, prever esse recurso no âmbito dos tribunais, de todos os tribunais, por reputar indispensável a uniformização dos procedimen‑tos para que o próprio CNJ, na condição de órgão nacional, consiga exercer a missão relevantíssima que lhe foi confiada, ponderadas, em especial, as razões históricas que ensejaram a sua criação�

Na linha de todas as premissas já lançadas – e lembrando, mais uma vez, que o cerne da insurgência diz com o alcance da competência normativa do Conselho Nacional de Justiça –, destaco que também o art� 15, § 1º, da Resolução 135/2011 do CNJ se insere nessa competência de editar normas de caráter primá‑rio no âmbito de suas atribuições, aí compreendido o controle do cumprimento dos deveres funcionais�

Nessa ótica, reafirmando o caráter precário da cognição sobre a medida acauteladora, não identifico os requisitos justificadores da sua concessão, razão pela qual, respeitosamente, peço vênia para, divergindo do eminente relator, indeferir a liminar, quanto aos dispositivos em comento, a saber, arts� 10; 12, caput e parágrafo único; 14, § 3º, 7º, 8º e 9º; 15, § 1º; 17, caput, IV e V; 18; e 20, § 3º�

Art. 9º, caputEis o teor:

Art� 9º A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo‑se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante�

A autora reputa inconstitucional o preceito, por supostamente ampliar o rol dos legitimados a representar contra magistrados perante os tribunais�

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Na linha do exposto pelo eminente relator, entendo que o teor dos arts� 5º, XXXIV, a, segundo o qual é assegurado a todos, independentemente do paga‑mento de taxas, o direito de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, e 103‑B, § 7º, da Carta Política, nos termos do qual “a União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça” encerram suficiente densidade normativa para afastar o fumus boni iuris na espécie�

Ressalto, ademais, que a faculdade de “noticiar irregularidade”, a fim de que seja promovida a sua apuração, não se confunde com a instauração de proce‑dimento disciplinar�

Acompanho, pois, para indeferir a liminar, no aspecto�

Art. 21, parágrafo únicoTranscrevo o dispositivo:

Art� 21� A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial�

Parágrafo único� Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar‑se‑á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos�

Sustenta a autora que, além de disciplinar a matéria diversamente da LOMAN, o preceito estaria autorizando a aplicação de pena sem formação de maioria absoluta�

O dispositivo atende plenamente a exigência de que não será aplicada sanção disciplinar a magistrado sem a formação, a respeito da caracterização de irre‑gularidade assim punível, da convicção da maioria absoluta dos membros do Colegiado competente� E, uma vez inequívoca a vontade da maioria absoluta do Colegiado no sentido de que demonstrada, no caso, a prática de conduta irregular que comporta a aplicação de sanção disciplinar, propõe tão somente um crité‑rio – que é inclusive um critério garantista, benéfico – para o deslinde de eventual impasse formado na definição da penalidade aplicável� Não encerra, portanto, permissivo para a aplicação de sanção sem a convicção da maioria absoluta do Colegiado no sentido de que a aplicação de penalidade se impõe, tenho por amparado o preceito impugnado, em razoável interpretação do art� 93, X, da CF�

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Acolho, não obstante, a proposta do eminente ministro presidente de confe‑rir‑lhe interpretação conforme a Constituição, no sentido de que resguardar, em relação à aplicação das penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, a necessária obtenção da maioria absoluta exigida pelo inciso VIII do art� 93 da Lei Maior�

ConclusãoJá reconhecida por esta Corte a constitucionalidade da EC 45/2004 no tocante

à criação do CNJ como órgão administrativo integrante da cúpula do Poder Judiciário Nacional, há de se conceder a possibilidade também dos meios neces‑sários à sua atuação� Não vislumbro, pois, nos arts� 2º; 3º, IV e V; 4º; 9º, caput; 10; 12, caput e parágrafo único; 14, § 3º, 7º, 8º e 9º; 15, § 1º; 17, caput, IV e V; 18; 20, caput e § 3º; e 21, parágrafo único, da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça� Defiro a liminar para suspender a eficácia do § 1º do art� 3º� E dou interpretação conforme aos arts� 8º e 9º, caput e § 2º e 3º, para, onde constem as expressões “Presidente” ou “Corregedor”, ler‑se “órgão competente do Tribu‑nal”; e ao art� 21, parágrafo único, para resguardar, em relação à aplicação das penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, a necessária obtenção da maioria absoluta exigida pelo inciso VIII do art� 93 da Lei Maior�

É como voto.

DEBATE (Sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vossa Excelência dispensa a motivação?A sra. ministra Rosa Weber: Não� Em absoluto, eu não dispenso motivação,

situo‑me e identifico a���O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Estamos de acordo�O sr. ministro Gilmar Mendes: Não em relação a isso�O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência é pelo referendo ou não

referendo?A sra. ministra Rosa Weber: Não referendo�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, mas Vossa Excelência, de qual‑

quer forma, assenta que a atuação do Conselho Nacional de Justiça pressupõe uma motivação?

A sra. ministra Rosa Weber: Não, entendo que a iniciativa do CNJ independe de motivação expressa, sob pena de, na origem, eu estar a retirar a própria

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finalidade do exercício do controle que a ele foi conferido, porque a investigação se impõe, muitas vezes, seja feita sem que se explicite�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Então, Vossa Excelência proclama a supremacia do Conselho Nacional de Justiça, tendo em conta os tribunais?

O sr. ministro Gilmar Mendes: O poder primário do CNJ em relação aos tribunais, tal como foi dito no voto�

O sr. ministro Ayres Britto: Competência primária e, ao mesmo tempo, concorrente�

O sr. ministro Luiz Fux: Uma instância hegemônica�A sra. ministra Rosa Weber: Não� Veja bem, Ministro Marco Aurélio, o que

eu digo é que o CNJ pode, sim, ele tem competência primária, embora seja con‑corrente, para exercer o controle administrativo disciplinar�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas, Ministra, então, como é que justificamos o fato de o Conselho Nacional de Justiça ter determinado a baixa de 90% das representações? Ele pode escolher a bel‑prazer a que vai julgar? Será que é um superórgão?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Por razões muito simples, é porque ele avalia que naqueles casos a matéria não é relevante�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas avalia subjetivamente, não pre‑cisa objetivar essa avaliação?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, são critérios que ele poderá ter dado�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Então é o único órgão, no direito

administrativo, que não precisa explicitar os seus motivos para agir�O sr. ministro Gilmar Mendes: Não� Ele explicita� Em geral, ele diz que a

matéria poderá ser examinada�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Isso, para mim, é uma revolução no

direito administrativo�O sr. ministro Dias Toffoli: E a eventual lesão está sujeita a um mandado

de segurança junto a esta Corte� Eu mesmo já deferi várias liminares, os cole‑gas também�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Até a intervenção federal, que é a medida mais drástica que existe na Constituição, precisa ser fundamentada e ainda está sujeita à ratificação do Congresso Nacional�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Em síntese, o Conselho Nacional de Justiça tudo pode�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Tanto não pode, que nós temos concedido mandado de segurança contra o CNJ, contra os próprios atos�

O sr. ministro Ayres Britto: Como a matéria já foi exaustivamente debatida

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e o voto da ministra Rosa Weber já foi proferido no sentido do não referendo, eu vou colher o voto do ministro Luiz Fux�

A sra. ministra Rosa Weber: Se me permite, Senhor Presidente, apenas para não deixar sem resposta o eminente ministro Marco Aurélio, que me distinguiu com o seu questionamento, o que eu gostaria de dizer é que eu estou tratando do tema em termos conceituais, se o CNJ pode ou não agir de ofício�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Todos estamos de acordo, ele tem que agir� Ele deve agir�

A sra. ministra Rosa Weber: Eu não coloco isso em dúvida, tem poder‑dever de agir, não há dúvida alguma�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ele deve agir, agora, em que situa‑ção? Atropelando os tribunais do País?

A sra. ministra Rosa Weber: Aí é outra questão, com todo respeito; aí a questão é outra�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Substituindo‑se aos tribunais do País?

A sra. ministra Rosa Weber: Não, aí a questão é outra, é a atenuação da autonomia dos tribunais, e acho que a motivação, todo ato���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Aí é que está a celeuma�A sra. ministra Rosa Weber: Todo ato é motivado, não existe um ato humano

ou de instituição que não tenha uma motivação; agora, a necessidade da funda‑mentação expressa, antes de praticá‑lo, é que aqui está sendo colocada�

O sr. ministro Ayres Britto: Exatamente, é por isso que os administrati‑vistas distinguem a figura do motivo, que é exterior ao ato administrativo, e da motivação, que é interna ao ato administrativo�

O sr. ministro Dias Toffoli: A representação é um motivo para se iniciar�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vamos colocar o Conselho Nacio‑

nal de Justiça no divã para saber por que atuou substituindo‑se a um tribunal�

VOTO (Aditamento – sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu vou começar só fazendo uma observação rápida sobre a afirmação do ministro Gilmar e do ministro Toffoli de que, qualquer coisa, se ingressa com mandado de segurança� Muito bem, o mandado de segurança reclama direito líquido e certo� Ora, se o Conselho Nacional de Justiça pode atuar no vácuo, ou seja, sem motivação, cabe mandado de segurança sob que alegação?

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O sr. ministro Gilmar Mendes: Ministro Fux, não é sem motivação�O sr. ministro Luiz Fux: Qual é a alegação?O sr. ministro Gilmar Mendes: Haverá motivo, haverá uma causa, como

dizia o clássico português, nosso Marcelo Caetano� Um fato concreto sempre haverá� Deu‑se o exemplo das inspeções que são feitas e, a partir daí, tomam‑se providências� Agora, pedir motivação, obrigar a motivação, na verdade, é impor uma formalização que vai levar a esse quadro de nulidade, porque vai‑se dizer que a motivação não é suficiente, por exemplo�

Não estamos a falar disso, o ministro Britto destacou bem; não estamos a falar de falta de motivo� Sempre haverá motivo, mas não a necessidade de moti‑vação, que se está tentando agregar�

O sr. ministro Ayres Britto: Como fundamentação�O sr. ministro Gilmar Mendes: Quer dizer, como ato formal�O sr. ministro Dias Toffoli: Até porque seria um prejulgamento�O sr. ministro Gilmar Mendes: Na verdade, está‑se criando duas condições

de procedibilidade: antes, era a tentativa de dizer que primeiro tem de haver o exaurimento de manifestação pelas corregedorias e, agora, motivação por parte do CNJ�

A rigor, nós já vimos isso aqui� Um pedaço mínimo da ação do CNJ diz respeito à questão disciplinar� Se nós olharmos, esse órgão é, na verdade, maiúsculo, ele trata de estratégia, de organização, de planejamento, não tem essa fricção toda� A rigor, nós estamos talvez discutindo questões a partir de conflitos mínimos, eu diria até menores, na dimensão toda da ação do CNJ: de planejamento e de estratégia nacional, em que todos os tribunais são envolvidos� Nós vimos aqui essa própria resolução, que é de construção coletiva�

Então, nós estamos a falar de motivo� O ato terá motivo� Agora, exigir a moti‑vação é exigir a formalização� O ato já será nulo porque não veio com a motiva‑ção e o ato será nulo porque não tem motivação suficiente, o que vai gerar uma confusão, porque, às vezes, um procedimento nem sequer é um procedimento disciplinar, é um procedimento de investigação no sentido amplo do termo, no sentido de avaliar situações� Muitas vezes, o CNJ, a partir disso, traça diretrizes, fixa; na verdade, faz aquilo que a gente chama “fuga pra frente”, não se limita a esta questão de punir ou não punir magistrados, mas de estabelecer regras para o futuro�

O sr. ministro Luiz Fux: Eu entendi a posição de Vossa Excelência, mas não me convenci�

Senhor Presidente, eu já tinha debatido o tema, então, eu gostaria de, sinte‑ticamente, colocar reiteradamente aquilo que já expus�

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O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição caríssima para o Supremo Tribunal Federal, que tem o seu presidente como presidente do órgão e indica os seus integrantes� O resultado do trabalho do CNJ é um resultado visível, pal‑pável, em prol da instituição e da magistratura�

Volto a afirmar que estamos num campo técnico, na qualidade de tutores das regras constitucionais� Nós estamos guardando a Constituição, e a perplexidade que essa questão envolve é exatamente esta: como conciliarmos a autonomia dos tribunais locais, das corregedorias locais, com a função do Conselho Nacional de Justiça, que, conforme a própria Constituição estabelece, deve ser exercida sem prejuízo, sem prejudicar a atuação das corregedorias�

Ora, a questão federativa é lindeira e representa um dos limites materiais imanentes, que impedem qualquer tipo de reforma� Quer dizer, essa reforma não poderia nem ter esse objetivo� Se isso não pode ser objeto de reforma, quiçá de uma interpretação, principalmente pela Suprema Corte�

Dessa maneira, estabelecer que o CNJ, em casos motivados, tenha competên‑cia comum é praticamente adaptar a realidade normativa à realidade prática� É o que está acontecendo hoje� O CNJ fica com uma pequena parte desses proce‑dimentos e remete 90% desse volume para os tribunais locais� Então, o próprio CNJ está ponderando aquilo que é essencial ao exercício das suas atribuições e àquilo que deve ficar sujeito às corregedorias locais�

Por isso, entendo que realmente devemos referendar essa liminar do ministro Marco Aurélio – e, como o próprio nome indica, esse é um provimento que se baseia num fumus boni iuris e num periculum in mora –, mas com a observação de que é possível ao Conselho Nacional de Justiça ter competência primária originária todas as vezes que se coloca uma situação anômala a seu ver, e essa situação anômala deve ser declinada para que ele possa assumir originaria‑mente aquele feito�

É com essas observações que eu referendo a liminar do ministro Marco Aurélio�

VOTO

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhores Ministros, na presente ação, duas são as principais premissas que busco deixar assentadas de forma clara neste jul‑gamento� A primeira diz com a competência do Conselho Nacional de Jus-tiça de editar resolução sobre o tema, uniformizando normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados� A segunda, com a competência direta e ampla do CNJ para atuar em processos

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administrativos disciplinares da magistratura, disposta especificamente no art� 12 da resolução ora em análise�

Antes de tudo, porém, faz‑se primordial termos em mente o processo histó‑rico acerca da criação do Conselho Nacional de Justiça�

1. Processo histórico de criação do Conselho Nacional de JustiçaA história do Brasil – Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil República –

demonstra que o debate que aqui se faz, que hoje subjaz a esse tema, é perma‑nentemente pendular na Nação brasileira� Qual é o debate? O debate de uma maior autoridade das elites locais ou da elite nacional; uma maior legitimidade ou competência dos Estados, das províncias, antigamente, das capitanias, na época da colônia, ou um maior poder da Nação, do poder central�

O Brasil nasceu separado em capitanias, depois veio o governo geral, depois o Vice‑Reinado, o Reino Unido, o Império e por fim a República� Dom Pedro I fechou a Constituinte de 1823 porque ela estava dando muita autonomia às assembleias provinciais e às províncias� E, na primeira regência – após a abdi‑cação de Pedro I, quando há exatamente uma insurreição das elites locais, das elites provinciais a Dom Pedro e ele abdica do trono e se inicia a primeira regência –, vem o Ato Adicional à Constituição de 1824, que descentralizou exatamente as competências normativas, às assembleias provinciais (até então formalmente chamadas de Conselhos Geraes), para deliberar sobre o Judiciário, sobre segurança pública, sobre economia, educação e outros temas�

E, ao longo da Primeira Regência, o que se verificou quanto ao tema que importa ao que estamos a julgar? Verificou‑se a absoluta falta de uniformidade na disciplina do Judiciário brasileiro, do Judiciário nacional, e a necessidade, então, do chamado Regresso (entre outros motivos de ordem política), que veio com a Lei de Interpretação, capitaneada pelo Visconde de Uruguai, Paulino José de Sousa, lei essa de interpretação ao Ato Adicional de 1834� E um dos pontos centrais do Regresso foi exatamente a retomada de uniformidade do Judiciá‑rio e das normas jurídicas e processuais� Quem deve disciplinar o Judiciário? As assembleias locais ou a Nação? Deve ser uma disciplina uniforme ou uma disciplina disforme, respeitando as vontades locais?

Ali os rótulos eram “conservadores” e “liberais”: os conservadores, aqueles que defendiam uma maior autonomia da Nação perante as províncias, do poder central perante as províncias; e os liberais, aqueles que defendiam que, estando mais próximas do cidadão, estando mais próximas do povo, as assembleias locais, era mais democrático que essas disciplinassem o autogoverno das pro‑víncias, a sua autoorganização, inclusive quanto ao Judiciário�

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Com a República, esses rótulos mudaram de “liberais” e “conservadores” para “federalistas” – aqueles que defendiam um maior poder da assembleia estadual – e “republicanos”, aqueles que defendiam um maior poder da Nação� No Rio Grande do Sul, houve a Revolução de 1893, daí os maragatos, que eram federalistas, versus os republicanos, que defendiam uma maior unidade do Estado do Rio Grande do Sul com a nação� E vencedor foi Júlio de Castilhos; depois, Borges de Medeiros; depois, Getúlio Vargas� E não foi à toa que Getúlio Vargas fez a centralização do Estado Novo, porque ele era um chimango, um pica‑pau, embora casado com uma maragata�

O mesmo debate continua, depois com a descentralização e redemocratiza‑ção em 1946, depois com nova concentração no Governo Militar de 1964, depois com a descentralização que a Constituição de 1988 procura fazer, inclusive em matéria tributária, e, depois, vem o Fundo Social de Emergência no que diz respeito à questão orçamentária (Emenda Constitucional de Revisão 1, de 1994)�

Esse é o pêndulo da Nação brasileira� E a riqueza desse debate no Supremo Tribunal Federal, que é o debate da Nação, em que há juízes que defendem uma maior autonomia do poder local e juízes que defendem uma maior concentra‑ção do poder na Nação�

É disso que se trata�Como se vê, esse debate perpassa a história brasileira até os dias atuais, e

a criação do Conselho Nacional de Justiça é resultado desse processo his-tórico� Os embates entre os defensores dessa nova forma de controle do Poder Judiciário e seus adversários foram marcados por uma diferenciada visão das atividades de correição, planejamento e organização da magistratura� De um lado, aqueles que acreditavam na suficiência do modelo então em vigor� De outro, os que percebiam o esgotamento das estruturas constitucionais e legais, cuja mantença implicaria a contestação do Poder Judiciário como instituição apta a corresponder às expectativas do povo brasileiro�

Reduzindo‑se o âmbito do exame desse processo histórico ao campo cor‑reicional, é evidente que a missão do CNJ era romper com a inércia, a falta de estrutura e as limitações de ordem sociológica das corregedorias dos tribunais� Essa viragem foi uma das marcas mais significativas do novo regime jurídico disciplinar inaugurado pelo CNJ�

Na realidade, ele subtraiu o controle da moralidade administrativa da magistratura dos órgãos e das elites judiciárias locais, para colocá-lo em poder de um elemento externo, nacional, descomprometido com as parti-cularidades regionais� É o avanço do elemento republicano sobre o fe dera lis ta,

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naquilo que se concerta com a eficiência na solução de desequilíbrios de poder e de uso do direito por grupos específicos�

O CNJ, nesse sentido, tem a missão constitucional de trazer para as luzes do cenário nacional aqueles problemas internos da judicatura, mais comuns e semelhantes do que se imaginava�

Essa transferência é também um deslocamento de poder e isso não se faz de modo suave� Há erros – e o CNJ os há cometido não poucas vezes –, mas o pro‑cesso histórico não pode ser revertido, a não ser que o STF, em nome de alguns aspectos de ordem técnico‑jurídica, resolva detê‑lo� Mas, como disse Victor Hugo, em Os Miseráveis, a marcha da História é inexorável� Quando muito, se consegue retardá‑la, mas, quando as energias do tempo irrompem, os efeitos dessa retomada são muito mais drásticos� Se, como disse o autor francês, a reação deteve a mudança nos campos de batalha de Waterloo, em 1815, e no Congresso de Viena, a revolução fez‑se duplamente implacável em 1848�

Como bem salientou o eminente ministro Cezar Peluso, no voto que proferiu na ADI 3�367/DF:

(���) são duas, em suma, as ordens de atribuições conferidas ao Conselho pela Emenda Constitucional 45/2004: (a) o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário, e (b) o controle ético‑disciplinar de seus membros�

A primeira não atinge o autogoverno do Judiciário� Da totalidade das compe‑tências privativas dos tribunais, objeto do disposto no art� 96 da Constituição da República, nenhuma lhes foi castrada a esses órgãos, que continuarão a exercê‑‑las todas com plenitude e exclusividade, elaborando os regimentos internos, elegendo os corpos diretivos, organizando as secretarias e serviços auxiliares, concedendo licenças, férias e outros afastamentos a seus membros, provendo os cargos de juiz de carreira, assim como os necessários à administração da justiça etc�, sem terem perdido o poder de elaborar e encaminhar as respectivas propostas orçamentárias�

(���)A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle

“do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art� 103‑B, § 4º)� E tampouco parece‑me hostil à imparcialidade jurisdicional�

Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a cons‑ciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação juris‑dicional (���)�

Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético‑disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedo‑rias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em

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conhecido estudo de Maria Tereza Sadek� Realidade algo semelhante encontra‑‑se nos demais países latino‑americanos�

Ainda nas palavras do ministro Cezar Peluso: “somente um órgão de dimen‑são nacional e de competências centralizadas pode, sob tais aspectos, respon‑der aos desafios da modernidade e às deficiências oriundas de visões e práticas fragmentárias na administração do Poder”�

Ninguém desconhece, porque é irrecusável, a importância do Conselho Nacio‑nal de Justiça� O CNJ consolidou‑se como um órgão situado na estrutura central do Poder Judiciário nacional� Tem poderes sensórios e exerce competência dis-ciplinar, apurando indícios de descumprimento dos deveres da magistratura� Nesse passo, o art� 103‑B da Constituição da República estabelece:

Art� 103‑B (���)§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira

do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Esta‑tuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provo‑cação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí‑los, revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestado‑res de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

(���)V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de

juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;(���)

Partindo, então, dessa premissa histórica e irrecusável e das competências constitucionalmente atribuídas ao CNJ, passo à análise específica da resolução ora questionada�

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2. Da constitucionalidade formal da Resolução 135 do CNJ: status de lei complementar das resoluções do CNJ e limitações ao espaço de atuação nomogenética dos tribunais

Ao Conselho Nacional de Justiça, nos termos do que dispõe o art� 103‑B, § 4º, da Constituição Federal, compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes� Para tanto, a Lei Maior conferiu‑lhe a competência de “expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providência” (art� 103‑B, § 4º, I, da Constituição)�

Nesse sentido, inclusive, já decidiu esta Corte, fixando o entendimento, na ADC 12, de que o controle administrativo do CNJ pode ser feito mediante resolu-ções dotadas de caráter normativo primário (ADC 12/DF, rel� min� Ayres Britto, DJE de 18‑12‑2009)� A propósito, nessa ocasião, o ministro Gilmar Mendes desta‑cou que “[o]s referidos dispositivos, conforme se vê, autorizam expressamente a expedição de atos regulamentares pelo CNJ, no âmbito de sua atuação, estando entre as suas atribuições o dever de observância dos princípios e disposições contidas no art� 37 da Constituição Federal (art� 103‑B, § 4º, II, da CF/1988)”�

Dessa forma, no cumprimento de sua atividade de controle, cabe ao CNJ o papel de agente fiscalizador da atuação administrativa e disciplinar do Poder Judiciário, podendo expedir atos regulamentares, ou recomendar providências, no âmbito de sua competência, com vistas ao aprimoramento da atividade de correição das condutas dos magistrados�

Ora, a análise da questão não pode ser feita sob o argumento simplista de que, se a LOMAN disciplina alguns aspectos do procedimento disciplinar no caso de aplicação das penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria, todo o processamento deve estar necessariamente restrito ao campo de atuação da legislação complementar, o que vedaria ao CNJ tratar do assunto em seus atos regulamentares� Tampouco se pode firmar, unicamente em razão de uma dis‑posição contida na LOMAN, a competência privativa dos tribunais para regular a matéria, por meio de seus Regimentos Internos�

A meu ver, a inserção do Conselho Nacional de Justiça, pela EC 45/2004, em momento posterior à edição da Lei Complementar 35, de 1979, e sua previsão como órgão nacional de controle, ao qual compete zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, já seriam suficientes para afastar o apontado vício de inconstitucionalidade formal�

Em verdade, a nova conformação jurídico‑constitucional delineada pela EC 45/2004 passa a exigir que a interpretação das disposições contidas nos arts� 93 e 96 da Carta Maior seja feita sem prejuízo das relevantes atribuições conferidas ao CNJ� A própria LOMAN também deve ser interpretada de forma

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a não restringir as atribuições do CNJ, uma vez que editada em época (1979) na qual sequer havia previsão desse órgão administrativo superior�

Ademais, é importante destacar previsão transitória contida no texto da própria Emenda Constitucional 45/2004 a respeito das atribuições do Conse‑lho Nacional de Justiça� Vide:

Art� 5º O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público serão instalados no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulga‑ção desta Emenda, devendo a indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final�

(���)§ 2º Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional

de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do ministro-Corregedor�

Com efeito, nos termos do art� 93 da Constituição, “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistra‑tura, observados os seguintes princípios”�

Todavia, até o advento do Estatuto da Magistratura – cujo projeto, de iniciativa desta Casa, passados 23 anos da Carta de 1988, sequer foi encami-nhado ao Congresso Nacional –, será o próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio de suas resoluções, tal como a que ora se analisa, que disciplinará seu funcionamento e – o mais importante aqui na espécie – as atribuições do ministro corregedor.

Em razão disso, na ausência do Estatuto da Magistratura, as resoluções do CNJ, com fundamento na própria EC 45/2004, tem força de lei complementar, podendo o CNJ estabelecer, sim, regras que, a princípio, seriam reservadas à seara do legislador complementar, inclusive as de competência do Estatuto da Magistratura�

Contudo, ainda assim, estou igualmente convencido de que a Resolução 135, de uma forma geral, não teve o condão de afastar a incidência das normas já constantes da LOMAN ou a necessidade de seu cumprimento, em especial quanto àquelas contidas nos arts� 27 e seguintes, inclusive repetindo literalmente várias prescrições contidas na referida legislação�

Mas vejamos, ainda, a problemática acerca do espaço normativo dos regi-mentos internos dos tribunais, ou seja, o âmbito de atuação nomogenética dos tribunais na definição de sua economia interna e, especialmente, o seu âmbito de criação normativa no regramento dos processos disciplinares, em face das disposições estabelecidas pelo CNJ�

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O exame do art� 96, I, a, CF/1988, revela a competência privativa dos tribunais para “elaborar seus regimentos internos (���), dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”� Como asseverado pela autora, de acordo com o art� 48 da LOMAN, “os Regimentos Inter‑nos dos tribunais estabelecerão o procedimento para a apuração de faltas puní‑veis com advertência ou censura”� Segundo sustenta, trata‑se de competência exclusiva dos tribunais e essa previsão contida na Lei Orgânica da Magistratura Nacional seria suficiente para inquinar formalmente a resolução ora impugnada�

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967� São Paulo: Saraiva, 1968� t� III� p� 559), com seu peculiar estilo, afirma que “é de tradição venerável e sempre justa que o tribunal vote o seu regimento interno� É um dos elementos da sua independência, porque, se assim não acontecesse, poderiam os legisladores, com a aparência de reorganizar a Justiça, alterar a ordem dos julgamentos e atingir a vida interna dos tribunais”�

O que nos interessa é, em relação aos regimentos internos, sua normatividade, no âmbito da economia interna, no que se refere ao aspecto “institucional‑admi‑nistrativo”, como denomina José Levi Mello do Amaral Júnior (arts� 93, X, ao 99� In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; BILAC PINTO FILHO, Francisco� Comentários à Constituição Federal de 1988� Rio de Janeiro: Forense, 2009� p� 1210)� Em relação a esse ponto, afirma o autor citado que “os regimentos internos disciplinam quais e quantos são os órgãos diretivos das cortes: presidência, uma ou mais vice‑presidências, corregedoria, direção da escola judiciária e de revista de jurisprudência, órgão especial, órgãos fracionários, órgãos administrativos auxiliares etc�”�

José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo� 32� ed� São Paulo: Malheiros, 2009� p� 589) qualifica a prerrogativa do art� 96, I, a, CF/1988, como expressão da garantia de autonomia orgânico-administrativa, compreensiva da “independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos”�

Inegavelmente, as competências constitucionais do Conselho Nacional de Justiça acabam por convergir, em alguns aspectos, com as atribuições dos próprios tribunais. Mas, se é certo que os tribunais possuem autonomia para dispor sobre sua economia interna, também é certo que, assim como o art� 93, caput, CF/1988, comete ao Estatuto da Magistratura disciplinar as questões inseridas em seus incisos, o art. 103-B, § 4º, CF/1988 também tem uma função constritiva dessa liberdade nomogenética dos tribunais�

Sobre o problema da compatibilidade entre o Estatuto da Magistratura e o poder de elaboração dos regimentos internos dos tribunais, aduziu o ministro

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Sidney Sanches, em artigo intitulado Estatuto da Magistratura, publicado na Revista de Processo 57/126:

Esse entendimento permitirá que o Estatuto, além de regular direitos e deveres dos magistrados, cuide também da organização do Poder Judiciário nacional, no campo das normas gerais, ensejando-lhe uma certa uniformidade, em sua expressão global, o que não prejudicará o atendimento das peculiaridades seto‑riais, regionais, ou locais, que devem ser respeitadas, enquanto não se mostrem incompatíveis com a Constituição Federal e com o Estatuto nacional�

(���)Devo acrescentar: não me parece aceitável que o Constituinte de 1988, ao se refe‑

rir, no art� 93, logo em seguida ao elenco dos órgãos do Poder Judiciário (art� 92), ao Estatuto da Magistratura, quisesse aludir apenas ao regulamento dos direitos e deveres dos membros de uma corporação (a magistratura) e não ao que seria principal – a organização e o funcionamento do Poder Judiciário nacional, a que eles servem�

De certa forma, a passagem transcrita também se aplica aos limites de atua‑ção normativa local em relação às regulamentações administrativas uniformi‑zadoras editadas pelo Conselho Nacional de Justiça, pois essas também gizam os contornos dos limites materiais de atuação normativa local�

Sob esse ângulo, a competência privativa dos tribunais para elaborar seus regimentos internos não pode, por si só, ser critério limitador da competência do CNJ – órgão de caráter nacional – de editar normas uniformizadoras da atua‑ção administrativa dos diversos tribunais do País� Isso porque, não obstante a Constituição deferir aos tribunais a competência para elaborar seus regimen‑tos, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, a própria Carta Federal, em seu art� 103‑B, § 4º, defere ao CNJ o controle do cumprimento dos deveres funcionais pelos juízes, podendo, inclusive, expedir atos regulamentares, deixando, assim, clara a extrema relevância do papel do CNJ como órgão central de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do cumprimento dos deveres funcionais pelos seus membros�

Como asseverou o eminente ministro Ayres Britto em seu voto na medida cautelar da ADC 12, no § 4º do art� 103‑B da Carta de 1988, há quatro núcleos expressos de competência atribuída ao CNJ e um núcleo implícito, decorrendo esse da outorga de competência para dispor, primariamente, sobre cada qual dos núcleos expressos� Vide trecho do voto do eminente ministro:

No âmbito dessas competências de logo avançadas pela Constituição é que se

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inscrevem, conforme visto, os poderes do inciso II, acima transcrito� Dispositivo que se compõe de mais de um núcleo normativo, quatro deles expressos e um implícito, que me parecem os seguintes:

I – núcleos expressos: a) “zelar pela observância do art� 37” (comando, esse, que, ao contrário do que se lê no inciso de n� I, não se atrela ao segundo por nenhum gerúndio); b) “apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”; c) “podendo desconstituí‑los”, (agora, sim, existe um gerúndio), “revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei”; d) “sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União” (isto quando se cuidar, naturalmente, da aplicação de lei em tema de fiscalização “contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial”, mais aquelas densificadoras dos princípios da “economicidade”, “eficácia e eficiência” das respectivas gestões, pelo fato de que nesses espaços jurídicos é que também se dá a atuação dos Tribunais de Contas, tudo conforme os arts� 70 e 74 da Cons‑tituição Federal);

II – o núcleo inexpresso é a outorga de competência para o Conselho dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos, na lógica pres‑suposição de que a competência para zelar pela observância do art� 37 da Consti‑tuição e ainda baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrá-rias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato, que já é uma forma de prevenir a irrupção de conflitos. O poder de precaver-se ou acautelar-se para minimizar a possibilidade das transgres-sões em concreto�

(���) Aqui, a Magna Carta inventariou as competências que houve por bem deferir ao CNJ, quedando silente quanto a um tipo de atuação necessariamente prece‑dida de lei�

Logo, o Conselho Nacional de Justiça parece ter feito adequado uso da com‑petência que lhe conferiu a Carta Republicana, expedindo ato apropriado, exatamente dentro de seu âmbito de competência, que inclui, entre outras, a incumbência de zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e, portanto, a competência para dispor, primariamente, acerca do procedimento a ser adotado para que se alcance essa finalidade�

3. Uniformização dos procedimentos disciplinares: exigência do princípio da igualdade e do caráter nacional da magistratura

Ademais, o regramento uniforme pelo CNJ é imposição inclusive do princí-pio da igualdade constitucional entre todos os magistrados, pois assegura a adoção dos mesmos procedimentos, independentemente do tribunal ao qual estejam vinculados� Afinal, como já afirmado mais de uma vez por esta Corte,

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há de se ressaltar o caráter nacional da magistratura� Nesse sentido, vide o seguinte pronunciamento do STF:

MAGISTRATURA� Remuneração� Limite ou teto remuneratório constitucional� Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrá-ria. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, XI, e § 12, da CF� Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça� Ação direta de inconstitu‑cionalidade� Liminar deferida� Voto vencido em parte� Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal� [ADI 3�854 MC/DF, rel� min� Cezar Peluso, DJ de 26‑6‑2007�]

Sendo o Poder Judiciário uno, não se há de admitir tratamento não uniforme dos processos disciplinares relativos aos seus membros, apenas pelo fato de estarem exercendo sua competência em determinado tribunal� É preciso, em verdade, cada vez mais, evitarem‑se brechas que possibilitem que cada um dos braços do Judiciário, organizados em diferentes instâncias, possa definir suas próprias normas relativas ao procedimento disciplinar dos magistrados, sem a verificação de normas centrais de uniformização� A respeito da importância de que seja conferido tratamento uniforme ao Poder Judiciário, inclusive quanto ao aspecto disciplinar, já registrava Alcino Salazar, no ano de 1975:

Ponto fundamental da reforma a ser empreendida, já ressaltado, é o da institui‑ção de um órgão de cúpula com atribuições de ordem administrativa e poder disciplinar dominante� Sua finalidade essencial será, a um tempo, a de exercer a supervisão do funcionamento de todos os órgãos, titulares e agentes da área do Poder Judiciário de sorte a preservar sua unidade orgânica e a de exercer o pleno comando hierárquico quanto aos deveres e responsabilidades funcionais de todos� A disciplina da magistratura, padronizada e efetiva, em todas as suas graduações, é elemento assegurador, por excelência, da boa administração da justiça, do proveitoso rendimento de sua atividade. O exercício do poder hierárquico é, antes de tudo, decorrência da sua condição de um dos três Poderes da República, com independência assegurada na Constituição� Não se justifica, nem se compreende, a posição de isolamento e funcionamento autônomo dos diferentes órgãos do Poder Judiciário, quer os das Justiças especializadas, quer os da Justiça comum, federal ou estadual, vivendo cada um sua existência, sem qualquer laço de subordinação hierárquica de caráter administrativo� Pode‑se dizer que os diferentes órgãos da Justiça brasileira formam um arquipélago, cujas

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ilhas estão cercadas de autonomia por todos os lados (���)� [Poder Judiciário – Bases para reorganização� Rio de Janeiro: Forense, 1975, p� 245/246�]

Ademais, como bem salientou o eminente ministro Cezar Peluso, no voto que proferiu na ADI 3�367/DF:

O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República� Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”�

A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais� O fenômeno é corri‑queiro, de distribuição de competência pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder� Nesse sentido fala‑se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Traba-lhista, Eleitoral, etc�, sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos�

Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES, sabe‑se que:

“O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional implica a idéia de uni‑dade e totalidade da força, que são as notas características da idéia de sobe‑rania� O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos Juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância� (grifos no original)�”

Desenvolvendo a idéia asseveram ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINE GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

“O Poder Judiciário é uno, assim como uma é a sua função precípua – a juris‑dição – por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade� Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao princípio uma lex, uma jurisdictio� Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário�É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional� É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais�(���)

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(���) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional� A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem esta‑dual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacio‑nal e não comporta divisões� No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando‑se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que precisam ser processadas no país� Atende‑se, para essa distribuição de competência, a critérios de diver‑sas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)�”

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário trata‑mento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República, uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar n� 35, de 14‑3‑1979; art� 93, caput, da CF)� (���)

Dessa forma, entendo que a Resolução 135 do CNJ tem o efeito salutar de uniformizar nacionalmente normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, e que a mesma foi editada em consonân‑cia com as competências constitucionais conferidas ao CNJ�

4. Do regime de compartilhamento de atribuições disciplinares – Afastamento da tese da subsidiariedade da atuação correicional do CNJ: constitucionalidade do art. 12 da Resolução 135 do CNJ

No ponto, é imprescindível afastar‑se a tese da subsidiariedade da atua-ção correicional do CNJ, que, no entender da autora, resultaria na inconstitu‑cionalidade material do art� 12 da resolução ora questionada� Sustenta‑se que houve inversão do sentido da norma constitucional, que atribuiria competência apenas subsidiária ao CNJ, ao passo que o art� 12 da resolução teria conferido competência concorrencial a esse órgão, em detrimento da competência ori‑ginária dos tribunais�

Vejamos o que dispõe o referido dispositivo:

Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça�

De início, como já salientado, não podemos esquecer que, nos termos do

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art� 5º, § 2º, da EC 45/2004, na ausência do Estatuto da Magistratura, será o próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio de suas resoluções, tal como a que ora se analisa, quem definirá as atribuições do ministro corregedor�

Em razão disso, no meu entender, não há como se arguir a inconstituciona‑lidade do dispositivo impugnado, pois ele tem respaldo, inclusive, no teor da própria EC 45/2004�

É bem verdade que, quanto ao tema da atuação correicional do CNJ, não há posição firmada por colegiado do STF� A questão foi trazida a debate pelo Plená‑rio desta Corte, na sessão de 16 de março de 2011, no julgamento do MS 28�003, no qual, após o voto da ministra relatora, Ellen Gracie, denegando a segurança, pediu vista dos autos o ministro Luiz Fux� Naquela assentada, a ministra Ellen Gracie, em seu voto, afastou a tese da subsidiariedade e defendeu competir “ao Conselho Nacional de Justiça a relevante missão de exercer o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados brasileiros, cabendo‑‑lhe receber e conhecer de reclamações contra membros do Poder Judiciário”�

Não desconheço, igualmente, as eruditas decisões monocráticas de alguns dos pares da Corte em favor da tese ora defendida� O Tribunal, contudo, não se pronunciou em definitivo sobre a matéria, que permanece sob o império das manifestações monocráticas, em sede de mandado de segurança� E, nesse sentido, tenho a oportunidade de defender, nesta ação direta de inconstitucio‑nalidade, a não aplicabilidade da tese da atuação subsidiária e residual do CNJ�

Como já assentei anteriormente no exame monocrático da medida liminar no MS 29�187/DF, “não há espaço para bizantinismos neste campo”� No meu sentir, a tese da subsidiariedade tem implicações notórias para a definição da natureza, das funções e da autoridade do CNJ, que não pode ter suas prerro-gativas constitucionais barateadas, sob pena de não mais se prestar aos objetivos colimados pela Sociedade brasileira quando de sua instituição no texto magno pela Emenda 45/2004�

Com efeito, a legitimidade constitucional do CNJ emerge da vontade soberana do povo brasileiro, que entendeu, por meio de seus representantes no Congresso Nacional, que deveria subverter a ordem de correição jurisdicional e trazê‑la, exatamente, para o foro republicano daquele Conselho, que deverá conservá‑lo enquanto bem servir ao interesse de seus principais favorecidos, os jurisdicio‑nados, que só almejam uma distribuição de Justiça equânime e moralmente inatacável�

Com a vênia daqueles que são favoráveis à tese da subsidiariedade, entendo que não se pode subtrair desse órgão os meios de exercer diretamente e plenamente suas funções� A meu ver, a norma do art� 103‑B, § 4º, CF/1988, é por

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demais eloquente na afirmação dessa atribuição autônoma do CNJ� Vejamos, mais uma vez, as disposições constitucionais:

Art� 103‑B (���)§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira

do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(���)III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder

Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestado‑res de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

(���)V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de

juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

Igualmente importante é a previsão contida no inciso VIII do art� 93 da Carta Magna, que, na redação conferida pela EC 45, salientou essa atividade correicio‑nal do CNJ, ao determinar que “o ato de remoção, disponibilidade e aposenta‑doria do magistrado, por interesse público, fundar‑se‑á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa”�

Ora, em nenhum momento a Constituição limitou a competência correicio‑nal do CNJ a uma atuação subsidiária em relação aos tribunais� Pelo contrário, trata‑se de competência concorrente, paralela à competência disciplinar e correicional dos tribunais�

Com a devida vênia, entendo que limitar a atuação do CNJ a uma prévia atuação das corregedorias locais, ou restringir o conhecimento originário ou a avocação a determinadas hipóteses, resultaria em excessiva restrição à atua‑ção desse importante órgão nacional, a qual não deriva, no meu sentir, sequer implicitamente, das regras constitucionais acima mencionadas�

De acordo com a Carta da República, o Conselho Nacional de Justiça pode receber e conhecer diretamente as reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário; avocar processos disciplinares em curso; além de ter a

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prerrogativa de rever, de ofício ou mediante provocação, os processos dis-ciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano�

Não verifico, nas normas constitucionais, espaço para interpretação que autorize a esta Suprema Corte restringir a possibilidade de conhecimento direto de reclamações ou de avocação dos procedimentos pelo CNJ somente se verifi‑cadas determinadas hipóteses ou situações�

Imagine‑se a situação de um presidente de tribunal, que, na prática, não se submete aos órgãos correicionais do seu próprio plexo judiciário, depender de atuação subsidiária do CNJ para ter seus atos supostamente ilícitos apre‑ciados� A exigência de atuação primeira da corregedoria local serviria apenas para atrasar a instauração do procedimento, além de prejudicar as apurações investigatórias�

Por outro lado, a fixação dessas cláusulas enfraquecerá a atuação e a auto‑ridade correicional do CNJ, que ficará sempre condicionada a situações espe‑cíficas e devidamente fundamentadas, as quais, por sua vez, servirão de fun‑damento para alegações de nulidade dos procedimentos e para impugnações via jurisdicional, criando‑se, assim, novos e desgastantes contenciosos neste já assoberbado Pretório� Tudo isso gerará mais impunidade e ineficiência nas apurações dos desvios de conduta dos membros da magistratura, contraria‑mente ao espírito da criação desse órgão�

Entendo, portanto, que deve ser prestigiada a autonomia do CNJ neste campo tão sensível que é o do regime disciplinar da magistratura nacional� Enfim, restringir a atuação correicional do CNJ à subsidiariedade é restringir excessivamente o campo de ação desse órgão, sem que haja fundamento cons-titucional, frustrando, inclusive, o processo histórico inerente à criação desse órgão de controle, premissa do meu voto�

Com efeito, o CNJ não pode se transformar em órgão ancilar dos tribunais� Não pode o Conselho ficar limitado às disposições diferenciadas dos regimen‑tos internos dos diversos órgãos do Poder Judiciário, muito menos deve agir como elemento acessório do aparelho repressivo‑disciplinar dos tribunais dos Estados ou das Regiões Federais, restando limitado a uma atuação prévia das corregedorias locais ou às suas conclusões, sob pena de ter esvaziada uma de suas mais importantes funções, que é a correicional, razão primitiva do sur‑gimento do próprio CNJ�

5. Da necessária publicidade dos atos decisórios: constitucionalidade do art. 20 da Resolução 135 do CNJ

Sustenta, ainda, a autora a inconstitucionalidade do art� 20 da Resolução 135

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do CNJ, o qual estabelece que o julgamento do processo administrativo dis‑ciplinar de magistrado seja realizado em sessão pública� Argumenta que é do interesse público que esses processos contra magistrados sejam sigilosos, devendo‑se afastar o sigilo somente quando a sanção tiver de se tornar pública para ser aplicada�

Ora, a Constituição de 1988 inaugurou uma nova era no tratamento da publi‑cidade dos atos administrativos e judiciais� A regra tornou‑se a divulgação irres‑trita desses juízos, em nome de princípios fundantes do Estado Democrático de Direito e da República� Sendo todos iguais perante a lei, independentemente de classe, etnia, sexo, profissão ou opções político‑ideológicas, a lógica constitu-cional é que se divulguem fatos e fundamentos de deliberações proferidas por órgãos ou juízos� Nesse sentido, especificamente quanto aos órgãos juris‑dicionais, a Constituição de 1988 é enfática:

Art� 93� Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(���)IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n� 45, de 2004)

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. (Redação dada pela Emenda Constitucional n� 45, de 2004)�

Na verdade, pode‑se falar em um autêntico sistema constitucional de defesa da publicidade dos atos decisórios, sejam administrativos (art� 37, caput, CF/1988), sejam judiciais (art� 5º, LX, CF/1988)� Essa opção do constituinte fez surgir um direito fundamental de acesso aos dados processuais, como bem afirma Jónatas E. M. Machado (Liberdade de expressão: Dimensões constitu‑cionais da esfera pública no sistema social� Coimbra: Coimbra, 2002� p� 564‑565):

Pelo menos nos casos em que estejam envolvidos titulares de cargos públicos de natureza política, ou figuras ligadas à dinamização dos diversos subsistemas de acção social, e tratando‑se de crimes realizados no exercício das suas funções, ou outros crimes considerados graves, o segredo de justiça deve limitar‑se ao neces‑sário para assegurar a realização e a eficácia do inquérito� Igualmente impor-tante, é a remoção do segredo quando haja suspeitas de abusos ou desvios de poder por parte das autoridades policiais e judiciárias. (...) As autoridades

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policiais e judiciárias devem permanecer expostas às críticas sérias e funda-das de parcialidade, corrupção, injustiça, incompetência, negligência gros-seira ou qualquer forma de desvio de poder�

Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de direito constitucional� São Paulo: Saraiva, 2007� p� 487‑488) ensinam que a Constituição adotou a regra da “publicidade plena ou popular” (citando Antonio Scarance Fernandes, in Processo penal constitucional� 4� ed� São Paulo: RT, 2005� p� 72), com as necessárias exceções ligadas à intimidade dos envolvidos� Aduzem os autores:

Observe‑se, oportunamente, que a Constituição de 1988 institui uma ordem democrática fundada no valor da publicidade (Öffentlichkeit), substrato axioló‑gico de toda a atividade do Poder Público� No Estado Democrático de Direito, a publicidade é a regra; o sigilo, a exceção, que apenas se faz presente, como impõe a própria Constituição, quando seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art� 5º, XXXIIII) e quando não prejudique o interesse público à infor‑mação (art� 93, IX)�

Portanto, essa postura da autora de defender um suposto interesse público de que os processos contra magistrados corressem sempre em caráter sigiloso, além de censurável tecnicamente, criaria para a judicatura um status dife‑renciado em relação aos demais súditos da República, o que é, para se dizer o menos, inconstitucional�

A questão, todavia, não é unidimensional� Por outro lado, não se nega a existência de abusos na divulgação de dados envolvendo os tais “procedimen‑tos censórios” de juízes� Essa prática, que desborda da cláusula constitucio‑nal de “preservação do direito à intimidade do interessado” (art� 93, IX, in fine, CF/1988), tem‑se observado também nas audiências públicas promovidas pelo CNJ� O modo como se conduzem essas reuniões é propício ao arregimentar de arrivistas ou de pessoas com interesses escusos, os quais, sem qualquer funda‑mento tangível, lançam nas cisternas da opinião pública os nomes e as repu‑tações de juízes� Muita vez, essa atuação é uma forma de extravasar recalques relativos a decisões justas anteriormente proferidas contra os interesses desses indivíduos, destituídos de qualquer base normativa, ou, ainda, um subterfúgio para afastar um juiz imparcial do julgamento de causas específicas�

Contudo, tais razões não são suficientes para macular de inconstitucionali‑dade o art� 20 da Resolução 135 do CNJ� Em verdade, esse dispositivo, ao deter‑minar que o “julgamento do processo administrativo disciplinar será reali‑zado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as

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interlocutórias”, nada mais fez senão atender diretamente ao que já disposto na Constituição da República, uma vez que há previsão constitucional que, prima facie, clausulou os procedimentos administrativos e judiciais com a regra da ampla publicidade�

Exceções, evidentemente, vão existir� Inclusive o § 1º do mesmo art� 20 prevê, expressamente, que “[e]m determinados atos processuais e de julgamento, poderá, no entanto, ser limitada a presença às próprias partes e seus advoga‑dos, ou somente a estes, desde que a preservação da intimidade não prejudique o interesse público”� Entretanto, aqui se trata de norma excepcional, e não da regra geral, como pretende a autora�

6. Não aplicação da resolução aos integrantes da magistratura eleitoral:Conforme estabelece o art� 1º da Resolução 135 do CNJ, ora impugnada:

Art� 1º Para os efeitos desta Resolução, são magistrados os Juízes Substitutos, os Juízes de Direito e os Desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais, os Juízes Federais e dos Tribunais Regionais Federais, os Juízes do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, os Juízes Militares e dos Tribunais Mili‑tares, os Juízes Eleitorais e dos Tribunais Regionais Eleitorais, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, os ministros do Tribunal Superior do Trabalho, os ministros do Superior Tribunal Militar e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, exceto aqueles que também integram o Supremo Tribunal Federal.

Como se vê, a resolução já exclui do seu alcance os ministros do Supremo Tri‑bunal Federal, em consonância com o julgamento desta Corte na ADI 3�367/DF, quando se assentou que o “Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito” (rel� min� Cezar Peluso, DJ de 17‑3‑2006)�

Todavia, a teor do art� 1º acima citado, restam inseridos, no âmbito de apli‑cação da resolução, os magistrados integrantes da Justiça Eleitoral�

Entendo, contudo, conforme já me pronunciei no Tribunal Superior Eleito‑ral, que o Conselho Nacional de Justiça não tem competência sobre os juízes eleitorais, sejam eles oriundos de qualquer classe ou tribunal� Não cabe ao CNJ, que não tem competência nem superioridade sobre o Supremo Tribunal Federal, dirigir orientações a uma Justiça que é presidida por um integrante do Supremo Tribunal Federal, que tem na sua vice‑presidência outro integrante do STF e é composto por um terceiro juiz vogal, também ministro do STF, além de por três ministros substitutos�

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Nesse ponto, é de se destacar que o Poder Judiciário Eleitoral tem competên‑cia não apenas jurisdicional nos litígios e demandas de caráter judicial� Mais do que isso, a Constituição de 1988 confiou à Justiça Eleitoral a relevante missão de zelar pela administração das eleições� É a Justiça Eleitoral brasileira uma agência, uma verdadeira agência reguladora de eleições, realizando as eleições em nome da Nação brasileira� Foi dada a ela, historicamente, este papel de ser o agente regulador do processo eleitoral, uma atuação extremamente peculiar�

Diante disso, não se pode admitir a interferência do Conselho Nacional de Justiça – órgão de caráter administrativo – nos trabalhos da Justiça Eleitoral, sob pena de se imiscuir na administração dessa Justiça especializada e, em consequência, na própria administração das eleições, competência que a Cons‑tituição da República conferiu exclusivamente à Justiça Eleitoral�

Ademais, a respeito especificamente da atuação correicional, é de se ressaltar que a disciplina da Corregedoria da Justiça Eleitoral tem sede constitucional expressa, contida no parágrafo único do art� 119 da Constituição de 1988:

Art� 119� O Tribunal Superior Eleitoral compor‑se‑á, no mínimo, de sete mem‑bros, escolhidos:

(���)Parágrafo único� O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice‑

‑Presidente dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal, e o Corregedor Eleitoral dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça�

Confere‑se, portanto, poder de correição ao Corregedor Eleitoral sobre todo o Poder Judiciário Eleitoral, afastando‑se, com isso, a atuação correicional por parte do Conselho Nacional de Justiça em relação aos magistrados que atuam perante essa Justiça especializada�

Como salientei, a propósito, no julgamento da Pet 3�020/DF, no Tribunal Superior Eleitoral:

É fundamental manter essa independência da Justiça Eleitoral� Um órgão de administração da justiça, criado pela Emenda Constitucional 45, imiscuir‑se na disputa de poder que ocorre na sociedade brasileira, sobrepondo‑se ao Poder Judiciário Eleitoral e à sua própria corregedoria, é um passo demasiadamente largo, que é temerário diante da própria composição heterogênea daquele órgão de administração�

Em razão disso, não tendo o CNJ competência para estabelecer regras admi‑nistrativas à Justiça Eleitoral nem poder correicional sobre os seus magistrados, gostaria de deixar claro, nessa oportunidade, ainda que apenas a título de obiter

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dictum, o entendimento de que afasto essa Justiça especializada da aplicação da Resolução 135/2010, ora em análise�

7. ConclusãoCom essas considerações, acrescidas, ainda, das razões expostas em Plenário,

voto pelo parcial referendo da liminar deferida, tão somente para:(i) em relação ao art� 3º, § 1º, suspender a aplicação do dispositivo para o caso

de sanção administrativa civil;(ii) conferir interpretação conforme aos arts� 8º e 9º, caput e § 2º e 3º, no sen‑

tido de esclarecer que, onde conste presidente ou corregedor, deve‑se ler como órgão competente do Tribunal;

(iii) conferir interpretação conforme ao art� 10, para, excluindo a expressão “por parte do autor da representação”, esclarecer que o sentido da norma é a possibilidade de recurso por parte do interessado, seja ele o magistrado contra o qual se instaura o procedimento, seja ele o autor da representação arquivada;

(iv) suspender o parágrafo único do art� 15;(v) dar interpretação conforme ao parágrafo único do art� 21, para que, em

caso de divergência, cada uma das penas seja votada em separado, até que se chegue à maioria absoluta prevista no art� 93, X, da Constituição Federal�

É como voto�

VOTO (Aditamento)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, esse é o ponto central da ação direta� Farei um resumo do voto que trago por escrito, para não cansar os nobres colegas, mas não posso me furtar de fazer uma fala um pouco mais extensa nesse momento�

A história do Brasil – Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil República – demonstra que o debate que aqui se faz, que hoje subjaz a esse tema, é perma‑nentemente pendular na Nação brasileira� Qual é o debate? O debate de uma maior autoridade das elites locais ou da elite nacional; uma maior legitimidade ou competência dos Estados, das províncias, antigamente, das capitanias, na época da colônia, ou um maior poder da Nação, do poder central�

O Brasil nasceu separado em capitanias, depois veio o governo geral, depois o Vice‑Reinado, o Reino Unido, o Império e por fim a República� Dom Pedro I fechou a Constituinte de 1823 porque ela estava dando muita autonomia às assembleias provinciais e às províncias� E, na primeira regência – após a abdicação de Pedro

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I, quando há exatamente uma insurreição das elites locais, das elites provinciais a Dom Pedro e ele abdica do trono e se inicia a primeira regência –, vem o Ato Adicional à Constituição de 1824, que descentralizou exatamente as competên‑cias normativas, às assembleias provinciais (até então formalmente chamadas de Conselhos Geraes), para deliberar sobre o Judiciário, sobre segurança pública, sobre economia, educação e outros temas� E, ao longo da Primeira Regência, o que se verificou quanto ao tema que importa ao que estamos a julgar? Verificou‑‑se a absoluta falta de uniformidade na disciplina do Judiciário brasileiro, do Judiciário nacional, e a necessidade, então, do chamado Regresso (entre outros motivos de ordem política), que veio com a Lei de Interpretação, capitaneada pelo Visconde de Uruguai, Paulino José de Sousa, lei essa de interpretação ao Ato Adicional de 1834� E um dos pontos centrais do Regresso foi exatamente a retomada de uniformidade do Judiciário e das normas jurídicas e processuais� Quem deve disciplinar o Judiciário? As assembleias locais ou a Nação? Deve ser uma disciplina uniforme ou uma disciplina disforme, respeitando as vontades locais? Ali os rótulos eram “conservadores” e “liberais”: os conservadores, aqueles que defendiam uma maior autonomia da Nação perante as províncias, do poder central perante as províncias; e os liberais, aqueles que defendiam que, estando mais próximas do cidadão, estando mais próximas do povo, as assembleias locais, era mais democrático que essas disciplinassem o autogoverno das províncias, a sua auto‑organização, inclusive quanto ao Judiciário�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Dias Toffoli: E, quando Vossa Excelência diz que isso é preo‑

cupante, Vossa Excelência está sendo coerente com o pensamento que Vossa Excelência sempre externa aqui, sempre bastante liberal como o é�

Mas continuo: com a República esses rótulos mudaram de “liberais” e “conser‑vadores” para “federalistas” – aqueles que defendiam um maior poder da assem‑bleia estadual – e “republicanos”, aqueles que defendiam um maior poder da Nação� No Rio Grande do Sul, houve a Revolução de 1893, daí os maragatos, que eram federalistas, versus os republicanos, que defendiam uma maior unidade do Estado do Rio Grande do Sul com a nação� E vencedor foi Júlio de Castilhos; depois, Borges de Medeiros; depois, Getúlio Vargas� E não foi à toa que Getúlio Vargas fez a centralização do Estado Novo, porque ele era um chimango, um pica‑pau, embora casado com uma maragata�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Dias Toffoli: Sim� Mas esse debate perpassa a história brasi‑

leira, depois com a descentralização e redemocratização em 1946, depois com nova concentração no Governo Militar de 1964, depois com a descentralização

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que a Constituição de 1988 procura fazer, inclusive em matéria tributária, e, depois, vem o Fundo Social de Emergência no que diz respeito à questão orça‑mentária (Emenda Constitucional de Revisão 1, de 1994)� Esse é o pêndulo da Nação brasileira� E a riqueza desse debate no Supremo Tribunal Federal, que é o debate da Nação, em que há juízes que defendem uma maior autonomia do poder local e juízes que defendem uma maior concentração do poder na Nação�

É disso que se trata�Aqui estão sendo bastante coerentes o ministro Marco Aurélio, o relator: Sua

Excelência, em várias ações diretas de inconstitucionalidade, quando se glosa a legislação estadual por simetria à Constituição Federal, no que diz respeito à organização administrativa, por exemplo, Sua Excelência dá uma preponderân‑cia e pondera mais positivamente a favor do poder das Assembleias Legislativas; o Presidente Cezar Peluso, que defendeu a PEC dos recursos para fins de que se transitassem em julgado os processos judiciais nos Estados e viessem ao grau da Nação em ação rescisória; o ministro Celso de Mello; o ministro Lewandowski, que é um defensor do municipalismo, um federalismo mais radical ainda, do ponto de vista, eu digo aqui, dos seus estudos acadêmicos�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Vossa Excelência me permite? Apenas um rápido aparte, concordando com tudo com que Vossa Excelência falou, inclusive com relação ao movimento pendular do federalismo brasileiro, há momentos de grande concentração do ponto de vista histórico, mas há depois um momento de desconcentração de poderes� Portanto, nós estamos, talvez, vivendo um momento de concentração, mas, quiçá, no futuro haja uma descon‑centração novamente em favor dos Estados e dos Municípios�

O sr. ministro Dias Toffoli: Digo isso, Senhor Presidente, para desmascarar uma certa visão que se deu de que este debate era um debate sobre investigar ou não investigar� Este debate é um debate muito mais profundo, todos aqui são favoráveis a que se investigue, que se julgue e que se faça justiça no caso concreto, inclusive as associações de magistrados�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se Vossa Excelência me permite, só estou lembrando o que eu disse ontem: o âmago é saber que órgão os órgãos punem, não é o problema de saber se se deve ou não deve punir�

O sr. ministro Dias Toffoli: Exatamente� E essa questão da competência de qual órgão é o órgão preponderante para fazer esse julgamento, ou aquele que terá a última palavra� Como eu já me manifestei em despacho monocrático, o CNJ foi criado para subtrair a derradeira palavra, a última palavra, ou para, em outros termos, trazer à luz do cenário nacional aquilo que deve ser colocado no cenário da Nação� É por isso que tem, sim, o CNJ o poder, a competência, a

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capacidade e a prerrogativa de dizer o que ele quer que fique no cenário nacio‑nal e devolver os 90%, 95%, que sejam 99%; mas, se for necessário trazer 1% ao lume da Nação, o CNJ tem essa competência, o CNJ tem esse poder, o CNJ tem essa prerrogativa, porque foi‑lhe dada pela Emenda Constitucional 45� Então, a questão não é: “’Ah, mas o CNJ devolve às corregedorias a maioria dos procedi‑mentos”� Ele não foi criado para ser um substituto das corregedorias� Não retirou poder destas� É que o CNJ foi criado para trazer à luz da Nação aquilo que ele, enquanto órgão da nação, entender ser necessário ser colocado à luz da nação�

O sr. ministro Luiz Fux: Se Vossa Excelência me permite, é exatamente a nossa proposta, que o CNJ diga o que tem que ser trazido à luz da nação e o que tem que ficar com os tribunais locais� A proposta foi essa, muito simples�

O sr. ministro Dias Toffoli: A discussão que fica é a questão da necessi‑dade de uma motivação, no sentido de fundamentação, conforme já se deba‑teu� E, aqui, eu acompanho as manifestações já externadas anteriormente por aqueles que divergem do eminente relator�

Mas, Senhor Presidente, gostaria de, só para registrar, pois eu vou deixar o meu voto por escrito, alguns pontos que eu acho importantes� Eu cito, aqui, Senhor Presidente, para ser leal com Vossa Excelência, trechos do voto de Vossa Excelência no julgamento da ADI 3�367, em que Vossa Excelência destacou exa‑tamente essa competência do CNJ�

Trago aqui os dispositivos do art� 103‑B da Constituição, exatamente, mos‑trando que ele dá ao CNJ essa prerrogativa� Eu faço, Senhor Presidente, a aná‑lise da constitucionalidade da resolução à luz do art� 103‑B, § 4º, I, que permite expedir atos regulamentares, e também do art� 5º, § 2º, do corpo da Emenda Constitucional 45, debate esse que já fizemos no dia de ontem� Eu não vou cansar os nobres colegas com a leitura do meu voto, mas só para fazer o registro dos fundamentos constitucionais, para deixar público durante esta sessão de jul‑gamento os meus fundamentos constitucionais no art� 103, § 4º, e no art� 5º, § 2º, do corpo da Emenda Constitucional 40� Cito a teoria jurídica, e digo mais adiante no meu voto, Senhor Presidente, já na metade para o final do meu voto, e aqui me permita fazer uma rápida leitura�

Eu digo que, inegavelmente, as competências constitucionais do Conselho acabam por convergir em alguns aspectos com as atribuições dos próprios tri‑bunais – isso foi bastante debatido aqui� Mas é certo que os tribunais possuem autonomia� Aqui, também, não estamos nós – que estamos defendendo a pos‑sibilidade de atuação do CNJ de maneira mais ampla – retirando a autonomia dos tribunais� Eles têm autonomia para dispor sobre a sua economia interna� Também é certo que, assim como o art� 93, caput, da Constituição comete ao

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Estatuto da Magistratura disciplinar as questões inseridas em seus incisos do art� 103‑B, § 4º, também há uma função constritiva dessa liberdade nomogené‑tica dos tribunais�

Aqui, cito o ministro Sydney Sanches na revista de processo� Vou omitir a leitura� Digo que a competência privativa dos tribunais para elaborar seus regi‑mentos internos não pode, por si só, ser critério limitador da competência do CNJ, órgão de caráter nacional, de editar normas uniformizadoras da atuação, que foi o que fez surgir a lei de interpretação ao Ato Adicional de 1834, no ano de 1840, para uniformizar as normas relativas à Justiça e à segurança pública�

Isso porque, não obstante a Constituição deferir aos tribunais a competência para elaborar seus regimentos, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, a própria Constituição Federal, no art� 103‑B, § 4º, defere ao CNJ a atribuição de controle do cumpri‑mento dos deveres funcionais pelos juízes, podendo expedir atos regulamen‑tares, deixando, assim, clara a extrema relevância do papel do CNJ como órgão central de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do cumprimento dos deveres funcionais pelos seus membros�

Prossigo, Senhor Presidente, mais uma vez, citando agora o ministro Ayres Britto� Eu cito Sua Excelência na medida cautelar da ADC 12, em passagem que Sua Excelência destacou���

O sr. ministro Ayres Britto: Sobre o nepotismo�O sr. ministro Dias Toffoli: Exatamente� Aqui eu destaco um trecho� Eu vou

ler um trecho dentro do trecho, que eu destaco aqui, para resumir: “o núcleo inexpresso é a outorga de competência para o Conselho dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos na lógica pressuposição de que a competência para zelar pela observância do art� 37 da Constituição e ainda baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade”�

Comungo da possibilidade da normatividade do CNJ, com a devida vênia do eminente relator e dos que o acompanham nesse aspecto�

O sr. ministro Ayres Britto: Se Vossa Excelência permite, eu assentei essa normatividade primária, esse poder de normatividade primária, ou primaz, no CNJ à face do art� 37, Ministro Celso de Mello, em especial, porque o art� 37 veicula princípios que, a meu juízo, têm os seus elementos conceituais já avançados pela Constituição� Ou seja, os conteúdos todos do art� 37 estão devidamente conceitua‑dos na Constituição� De sorte que eles seriam autoaplicáveis, e o CNJ nada mais fez do que debulhar, sem inovar esses conteúdos, apenas isso� Foi a minha intenção�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)

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O sr. ministro Ayres Britto: ADC 12� Vossa Excelência tem sempre uma memória prodigiosa�

O sr. ministro Dias Toffoli: E, aí, digo, Senhor Presidente, que entendo que usou bem da sua competência o CNJ�

Apenas para pontuar alguns outros tópicos do meu voto: também abordo a questão da igualdade constitucional entre todos os magistrados, tendo em vista que a magistratura é nacional, conforme já destacou a eminente ministra Rosa Weber, em seu voto� Não vou fazer a leitura desse tópico, o qual contém vários trechos, mas destaco voto de Vossa Excelência, proferido na ADI 3�367, a respeito dessa questão do pacto federativo e da natureza nacional da magistratura�

Um outro tópico, Senhor Presidente, que destaco em meu voto, é o regime de compartilhamento de atribuições disciplinares� E aqui afasto a tese de subsidia‑riedade do CNJ� Discorro sobre este debate que nós aqui efetuamos de maneira bastante aprofundada� Destaco outros trechos do voto em relação a outros dispositivos da resolução, mas há um trecho aqui que eu vou aproveitar essa oportunidade para trazê‑lo à debate desta Corte� Não é especificamente sobre o art� 12, mas sobre toda a resolução, tendo em vista posicionamento que proferi junto ao Tribunal Superior Eleitoral, em julgamento lá realizado� E aí eu falo em relação a toda a Resolução 135�

Entendo que o CNJ não tem competência sobre o Judiciário eleitoral brasileiro� Já votei assim mais de uma vez, como substituto no Tribunal Superior Eleito‑ral� E, aqui, então, como esse é um tema que não veio ainda a lume, eu gostaria de fazer, então, a leitura, mas é um trecho rápido do voto, na medida em que o art� 1º da resolução fala, inclusive, de juízes eleitorais, dos tribunais regionais eleitorais, ministros do Tribunal Superior Eleitoral; fala que estão submetidos ao Conselho os ministros do Tribunal Superior Eleitoral�

E digo eu, então – após transcrever o art� 1º da resolução –, como se vê, a resolução já exclui do seu alcance os ministros do Supremo, sim, em consonân‑cia com o julgamento dessa Corte na ADI 3�367� Todavia, a teor do art� 1º, acima citado, restam inseridos, no âmbito de aplicação da resolução, os magistrados integrantes da Justiça Eleitoral�

Entendo, contudo, conforme já me pronunciei no Tribunal Superior Elei‑toral, que o Conselho Nacional de Justiça não tem competência para tratar a respeito dos juízes eleitorais, sejam eles oriundos de qualquer classe ou tribu‑nal� Não cabe ao CNJ, que não tem competência, nem superioridade sobre o Supremo Tribunal Federal, dirigir orientações a uma Justiça que é presidida por um integrante do Supremo Tribunal Federal e que tem na sua vice‑presidência outro integrante do Supremo Tribunal Federal, bem como um terceiro juiz

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vogal titular e três juízes suplentes do Supremo Tribunal Federal� Nesse ponto, é de se destacar que o Poder Judiciário eleitoral tem competência não apenas jurisdicional� Há aqui uma questão: a Justiça Eleitoral brasileira, paralelamente à competência jurisdicional e à competência para o seu autogoverno, é uma agência, uma agência reguladora de eleições� Ela realiza as eleições em nome da nação brasileira� Foi dada a ela, historicamente, este papel de ser o agente regulador do processo eleitoral� Uma verdadeira agência reguladora� É uma atuação extremamente peculiar�

Diante disso, não se pode admitir – penso eu – a interferência do Conselho Nacional de Justiça, órgão de caráter administrativo, nos trabalhos da Justiça Eleitoral, sob pena de se imiscuir na administração dessa Justiça especializada e em uma agência reguladora, que o é no que diz respeito à organização dos pleitos eleitorais no País, porque, senão, seria permitir que o Conselho se imis‑cuísse na organização das eleições� E, para a organização das eleições, o órgão exclusivo é o Poder Judiciário eleitoral�

Ademais, a respeito especificamente da atuação correicional, é de se res‑saltar que a disciplina da corregedoria da Justiça Eleitoral tem sede constitu‑cional, em nível nacional� Ela é prevista na Constituição e regulada no Código Eleitoral, tendo competência nacional, inclusive em relação aos juízes, juntas e zonas eleitorais�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas o Conselho da Justiça Federal também tem�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas a previsão aqui é em relação à atuação na organização das eleições também�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, só sob o aspecto disciplinar�O sr. ministro Dias Toffoli: Eu estou aqui preocupado no que diz respeito

à Justiça Eleitoral em relação à atividade de organização das eleições�O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim, mas isso é outra coisa�O sr. ministro Dias Toffoli: É porque há casos concretos, Ministro Gilmar

Mendes� Inclusive, eu tive participação em julgamentos em que assentei que integrantes do CNJ, monocraticamente, oficiavam a juízes eleitorais dizendo o que eles tinham ou não a fazer na organização das eleições�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas aí há eventuais abusos�A sra. ministra Cármen Lúcia: Exorbitância de qualquer natureza tem que

ser mesmo coartada�O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas não quanto à matéria disciplinar�O sr. ministro Dias Toffoli: Mas, enfim, eu já estou concluindo� Eu salientei

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no Tribunal Superior Eleitoral e registro aqui no meu voto a Petição 3�020, em que eu disse:

É fundamental manter essa independência da Justiça Eleitoral� Um órgão de administração da justiça, criado pela Emenda Constitucional 45, imiscuir‑se na disputa de poder que ocorre na sociedade brasileira, sobrepondo‑se ao Poder Judiciário Eleitoral e à sua própria corregedoria, que é de caráter nacional, é um passo demasiadamente largo, que é temerário diante da própria composição heterogênea daquele órgão de administração� Assim, Senhor Presidente, não tendo o CNJ competência, a meu ver, para estabelecer regras administrativas na Justiça Eleitoral, nem poder convencional sobre sobre seus magistrados, afasto dessa justiça especializada a aplicação da Resolução 135/2011 ora em análise�

Pontuo isso no meu voto para não ter que voltar ao texto�Em relação ao art� 12, eu nego referendo, com a devida vênia, e, no meu voto,

que resumi aqui, eu agrego esse tema acatando então a liminar�Só uma questão para esclarecimento ao eminente relator: a resolução é ata‑

cada no seu todo também, não é?A sra. ministra Cármen Lúcia: No aspecto da inconstitucionalidade formal,

não é, Ministro?O sr. ministro Dias Toffoli: Então, na inconstitucionalidade� Mas, de qual‑

quer forma, há o pedido contido� Eu vou afastar a aplicação da resolução à Justiça Eleitoral� Assim eu já havia votado no Eleitoral�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Ministro, só para deixar claro, eu me lembro que, na época da corregedoria do ministro Gilson Dipp, havia uma preocupação inclusive de fazer uma parceria, um convênio, tendo em vista a delicadeza do tema da Justiça Eleitoral�

Agora, quanto a aspectos disciplinares, a mim me parece que não há como diferençar no que diz respeito, pelo menos, aos integrantes diretos, porque são desembargadores, são juízes federais que estão submetidos, pelas mesmas premissas, ao entendimento que nós estamos a esposar� E os fatos também, infelizmente, confirmam que a Justiça Eleitoral não é imune aos desvios� Pelo contrário, nós temos tido vários casos de afirmação desses desvios�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas eu sou testemunha, ao longo da minha vida profissional, da eficácia de atuação da Corregedoria Nacional Eleitoral, inclusive, sempre que houve denúncias de local de transferências de votos� Havia uma cidade que ficou conhecida no Tribunal Superior Eleitoral durante uns quinze ou vinte anos, que era Camaçari, na Bahia, e sempre se fazia inspeção e se glosavam os títulos fraudulentos que eram para lá transferidos a cada dois

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anos� E a Justiça Eleitoral, por intermédio da Corregedoria Nacional, sempre teve uma atuação bastante eficaz�

Então, pedindo vênia ao eminente ministro Gilmar Mendes, vou manter a minha posição em relação à essa questão, e, no que diz respeito à Justiça Eleitoral���

A sra. ministra Cármen Lúcia: É o art� 1º, portanto, que Vossa Excelência���O sr. ministro Dias Toffoli: Entendo que não se aplica à Justiça Eleitoral a

Resolução 135�O sr. ministro Luiz Fux: Eu não me manifestei sobre isso� Foi objeto do

pedido?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Na verdade, era do primeiro artigo�

Isso tinha cabimento no exame do primeiro artigo�O sr. ministro Luiz Fux: Então foi objeto do pedido�O sr. ministro Dias Toffoli: Como foi feita a análise, artigo por artigo, então,

para colocar na conclusão do meu voto, faço uma interpretação conforme ao art� 2º, que foi impugnado expressamente� Em relação ao art� 2º, então, dou essa interpretação conforme, porque ele foi impugnado inclusive do ponto de vista material, para fins de afastar da competência do CNJ o Poder Judiciário Eleitoral�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas o art� 2º é aquele que afirma o que é tribunal para os fins dessa resolução� O art� 1º é que faz referência exatamente a quais são os tribunais e juízes mencionados por essa resolução�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Esse tema, alusivo à Justiça Eleitoral, não está em mesa para apreciação, Presidente�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Das duas, uma, ou cabe ali no art� 2º ou não cabe em lugar nenhum, fica sendo uma fundamentação autônoma�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): É marcação pelo colega de ponto de vista, opinião individual�

O sr. ministro Dias Toffoli: Aí fica sendo um obter dictum� Se não houver pedido, fica como um obter dictum�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não é melhor ficar como obiter dictum?

O sr. ministro Dias Toffoli: Fica como obter dictum, então, Senhor Presidente�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Vamos ver se não está implícito em

algum artigo, porque eu comungo dessa tese também� Vossas Excelências não sabem a dificuldade que tive nas eleições gerais de 2010, com interferência inde‑vida do CNJ no processo eleitoral� Quiseram interferir no pagamento dos mesários, do vale‑refeição, dizendo que no Brasil todos só podiam ser, na diária, com “ticket” vale‑refeição, inclusive no interior da Amazônia; entre o primeiro e o segundo

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turno quiseram que nós devolvêssemos os funcionários requisitados e abríssemos concurso em sessenta dias� Isso, quando, desde 1932, a Justiça Eleitoral, por ser sazonal, trabalha com funcionários requisitados e há inúmeros outros exemplos�

A sra. ministra Cármen Lúcia: No caso do mutirão, que queriam tirar, nos dias da eleição, os juízes que estavam no mutirão�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Outro caso: no mutirão carcerário, em plena eleição, queriam impedir que os magistrados voltassem para as sua varas, para participarem do processo eleitoral� E ainda inúmeros exemplos em que foi claramente extrapolada a competência do CNJ�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro Dias Toffoli concorda com essas observações do ministro Ricardo Lewandowski?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas o ministro Dias Toffoli partici‑pou, inclusive, de uma sessão em que nós rechaçamos uma intervenção do CNJ nesse sentido�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Então, Vossas Excelências estão admitindo que o CNJ pode errar? Ótimo�

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu já deferi liminares contra decisão do CNJ, e digo em meu voto, embora não tenha destacado aqui, que os abusos que o CNJ comete são passíveis de serem glosados pela Suprema Corte�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Não estamos falando que nenhum tribunal, nem o Supremo, é infalível�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Os exemplos que foram dados não tratam de questão disciplinar�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Tratam, sim� Porque, quando o CNJ exige que se pague com vale refeição e não em dinheiro, está imputando impli‑citamente ao ordenador de despesa uma irregularidade�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Data venia, não� Com essa questão de mesá‑rio� Isso não é objeto�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Não� Está imputando implicitamente ao ordenador de despesa uma irregularidade�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso não foi matéria objeto de discussão� Absolutamente extravagante�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, Vossa Excelência pergun‑tou se eu estava de acordo com as observações, eu disse que estava, quanto às observações, mas o ministro relator deu um voto lapidar dizendo o que estava sendo objeto de julgamento, daí a proposta de que as observações do ministro constassem como obter dictum�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Melhor ficar como obiter dictum,

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porque, se não, vamos ter que reabrir� Vamos ficar como obiter dictum, ou como “óbito dictum”�

VOTO (Aditamento)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também vou pedir vênia ao ministro relator para negar referendo no ponto específico, por considerar que a matéria constitucionalmente posta ao Conselho Nacional de Justiça exerce natureza primária e concorrente� Gostaria de acentuar três ou quatro pontos�

Em 1992, acho que o então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados era o doutor Marcello Lavenère, quando constituiu uma comissão exatamente para estudar, depois também com o doutor Batoquio, o que foi lembrado por Vossa Excelência, a proposta de emenda constitucional do então deputado Hélio Bicudo, e o argumento principal que congregava toda a preo‑cupação era exatamente, como Vossa Excelência disse ontem, já no discurso de abertura do Ano Judiciário, a tentativa de se dar eficiência ao princípio do controle� Estamos todos de acordo quanto a isso, e o que levou a essa comissão e a essa atuação do Conselho Federal, naquela oportunidade, era a circunstância de se ter como certo que as corregedorias existiam tradicionalmente, mas que não chegavam aos objetivos, daí a necessidade do Conselho Nacional de Justiça�

A alteração que veio em 2004, pela Emenda Constitucional 45, parece‑me que mudou, realmente, a configuração do próprio Poder Judiciário no que se refere, especificamente, a esse ponto� E o ministro Gilmar Mendes lembrou muito bem que este é um dos pontos de que trata o Conselho Nacional, que trata de muitos outros pontos com uma atuação nacional, sem nenhum tipo de questionamento e que ninguém imagina que interfira na autonomia dos órgãos, especialmente dos tribunais�

Aqui, eu chamo a atenção para o fato de que autonomia, para mim, aliás, como está posto em todo o direito constitucional brasileiro, se forma e se informa por aquilo que é definido constitucionalmente, quer dizer, a Federa‑ção é composta de entidades autônomas, mas se se tomar o modelo americano, a autonomia de lá não tem nada a ver com a nossa autonomia� As autonomias não falam por si, as autonomias são definidas� Eu acho, como o ministro Carlos Britto lembrou, aqui não há senão um conflito aparente de normas, porque o que há, a meu ver, é uma conjugação que, pela interpretação, chega, exatamente, à finalidade básica do Conselho, que é a de dar efetividade a determinados prin‑cípios, no caso específico do controle e da disciplina���

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Ayres Britto: Não há antinomia normativa�A sra. ministra Cármen Lúcia: Não, não há� Não há até porque as normas

não desafinam, quem pode desafinar é o intérprete� Constituição é sistema, e o sistema está posto hoje com a presença do Conselho Nacional de Justiça, o que não ocorria quando foi elaborada essa Constituição que não contava exatamente com isso que veio a ser uma conquista da sociedade brasileira�

E por essa razão é que eu, pedindo vênia ao ministro Marco Aurélio, não referendo a decisão e, portanto, indefiro a cautelar pleiteada� Porque a mim me parece que aqui se exerce, quando o Conselho decide que determinado caso vai ter continuidade e outro não, o que é absolutamente conhecido de todos nós, que é a discricionariedade na atuação daquela competência� E, por isso, eu também não caminho no sentido de imaginar como sendo necessária a moti‑vação formal, porque motivo há, como todo ato, isso está posto lapidarmente, por exemplo, no segundo capítulo do livro do Seabra Fagundes, só para citar um clássico� Mas a motivação significa a exposição ao mundo externo de um determinado motivo que poderia gerar, e que geraria, certamente, uma série de questionamentos, fazendo com que houvesse o emperramento ao invés de uma maior eficiência do sistema�

E nós temos, inclusive, no direito administrativo, a questão dos motivos deter‑minantes� Manifestado o motivo, aquele motivo, ainda que não seja o único ou não tenha de prevalecer, pode levar, sim, ao questionamento, inclusive ao desfa‑zimento para o refazimento de um determinado ato, o que, a meu ver, realmente, faz com que não seja necessária essa motivação formal� E acho que, como as competências do CNJ se extraem da Constituição, e em cada caso vai se ter a possibilidade sempre aberta de se ter o questionamento de determinado proce‑dimento ou processo, então, eu não vejo nenhuma dificuldade em que isso se faça sem que haja necessidade do exercício dessa competência – repito – primária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça, sem necessidade de nenhuma outra formalização que seja uma fonte de embaraços e não de maior eficiência�

Tenho como necessária essa possibilidade, até para que o Conselho possa atuar de uma maneira mais equânime em relação a todos os magistrados bra‑sileiros, porque haveria, realmente, quebra do princípio da igualdade se nós tivéssemos procedimentos diferenciados ou necessidades impostas de maneira diferenciada, já que não há critérios objetivos formais�

Mais uma vez, como disse, pedindo vênia ao eminente ministro relator, eu não referendo essa parte porque tenho, para mim, que a competência constitu‑cionalmente estabelecida do Conselho Nacional de Justiça é uma competência primária, extraídos os seus fundamentos da própria Constituição, e que se

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exerce concorrentemente de maneira a respeitar e até fortalecer as autonomias dos tribunais�

É como voto, Senhor Presidente�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Presidente, pela ordem�Eu queria apenas esclarecer que Vossa Excelência, na condução do CNJ, jamais

interferiu nas eleições e sempre colaborou para que elas corressem da melhor forma possível� As decisões às quais eu me referi foram isoladas, de conselheiros e de juízes auxiliares�

Quero fazer este registro�

VOTO (Sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, também entendo que – arre‑matando, porque eu já falei até demais – o sistema, com a introdução do CNJ no capítulo do Poder Judiciário, não experimentou nenhuma antinomia normativa; pelo contrário, o sistema de controle se aperfeiçoou, ficou bem mais lógico�

O Conselho Nacional de Justiça é um órgão de cúpula, como pude dizer ontem, de alta direção judiciária, de alta política judiciária� Ele pode ser visto juridi‑camente como uma longa manus do próprio Supremo Tribunal Federal, uma mão alongada, porque o Supremo, antes do CNJ, não tinha como chegar aos atos administrativos dos juízes dos tribunais, senão depois de judicializados� Agora, não, por intermédio, ainda que por modo oblíquo, do CNJ, o Supremo Tribunal Federal interfere na dinâmica administrativa e financeira de todos os tribunais e juizados, na medida em que todos os atos administrativos e jurisdicionais do CNJ estão submetidos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, o que significa, numa linguagem metafórica, que o grande papel do Supremo Tribunal Federal, a partir da Emenda 45, e pertinentemente ao CNJ, é – com bom senso, lógico! – atento ao atuar daquela Casa, o de ora podar, ora adubar, assim promovendo equilíbrio, restabelecendo equilíbrio no sistema; de sorte que não vejo o CNJ como um problema, vejo como uma solução�

No que toca especificamente à matéria agora posta em votação, o art� 12, reco‑nhecendo o brilho do voto do ministro Marco Aurélio, que sempre fundamenta na própria Constituição, consistentemente, judiciosamente, os seus pontos de

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ADI 4.638 MC-REF

vista, sempre técnicos, vou pedir vênia a Sua Excelência para também negar referendo à liminar�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes (relator):

I – IntroduçãoO ministro Marco Aurélio traz ao referendo do Plenário a decisão cautelar

monocrática proferida em 19 de dezembro de 2011 na ADI 4�638� A decisão cau‑telar determinou o seguinte:

a) suspendeu a eficácia do § 1º do art� 3º, do art� 8º, do § 2º do art� 9º, do art� 10, do parágrafo único do art� 12, do caput do art� 14 e dos respectivos § 3º, § 7º, § 8º e 9º, do art� 17, caput, incisos IV e V, do § 3º do art� 20, do § 1º do art� 15 e do parágrafo único do art� 21;

b) no que se refere ao § 3º do art� 9º, suspendeu a eficácia da norma quanto à divisão de atribuições, de modo a viabilizar aos tribunais a definição, por meio do regimento interno, dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações ali versadas;

c) quanto ao caput do art� 12, deferiu a liminar para conferir‑lhe interpretação conforme, de modo a assentar a competência subsidiária do Conselho Nacional da Justiça em âmbito disciplinar;

d) indeferiu o pedido de liminar quanto ao art� 2º, ao inciso V do art� 3º e os arts� 4º, 9º e 20 da Resolução 135, de 2011, do Conselho Nacional da Justiça�

Passo então à análise dessa decisão cautelar�

II – A reserva de plenário para decidir sobre medida cautelar em ação direta de incons-titucionalidade

A medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade é da competência exclusiva do Plenário do Supremo Tribunal Federal� A decisão liminar nessas ações diretas está submetida à reserva de plenário, regra esta que decorre do art� 97 da Constituição e do art� 10 da Lei 9�868/1999 (“a medida cautelar na ação direta será concedida pela maioria absoluta dos membros do Tribunal”) e também está expressamente prevista no Regimento Interno do Supremo Tri‑bunal Federal (art� 5º, X)�

A submissão à reserva de plenário tanto da decisão de mérito quanto da deci‑são cautelar baseia‑se no fato de que ambas produzem efeitos diretos sobre a vigência de leis e atos normativos� Esse é o ethos da regra da reserva de plenário�

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ADI 4.638 MC-REF

Por isso, mesmo nos casos de “excepcional urgência”, a Lei 9�868/1999 reserva exclusivamente ao plenário do tribunal a competência para apreciar a medida cautelar� Nessas hipóteses, dispõe o art� 10, § 3º, da referida lei que “o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado”�

A reserva de plenário para a decisão cautelar admite uma única exceção, precisamente definida no art� 10, caput, da Lei 9�868/1999, a qual resulta não do caráter urgente de eventual medida, mas da impossibilidade de reunião de todos os membros do Tribunal nos períodos de recesso� Assim, obviamente, ante a impraticável reunião dos magistrados em sessão plenária nos períodos de recesso do Tribunal, o Regimento Interno da Corte confere poderes ao minis‑tro presidente para decidir sobre questões urgentes (art� 13, VIII), o que envolve também os pedidos de medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionali‑dade� E ressalte‑se que, apesar de a Lei 9�868/1999 mencionar apenas a palavra “recesso”, ela aplica‑se também aos períodos de férias do Tribunal� A palavra “recesso” foi empregada na Lei 9�868/1999 (art� 10, caput) com sentido amplo, abarcando tanto o recesso propriamente dito como as férias forenses� Ademais, é preciso reconhecer que a distinção entre o recesso e as férias é realizada no Regimento Interno do STF para fins administrativos internos�

Portanto, a única exceção à reserva de plenário prevista pela lei encontra‑se no excepcional poder conferido ao presidente do Supremo Tribunal Federal para decidir cautelarmente nos períodos de recesso e de férias� De toda forma, mesmo nessa hipótese excepcional, deverá a medida cautelar ser levada ao referendo do Tribunal Pleno tão logo termine o período de recesso ou de férias (art� 21, IV e V, RISTF)� Caberá ao relator do processo (designado por regular distribuição da ação após o término do período de férias) levar a medida cautelar decidida pela Presidência ao referendo do Plenário� Em hipóteses excepcionais, poderá o próprio presidente levar sua decisão ao referendo do Pleno, tal como já ocor‑reu no julgamento da ADI 3�929 MC‑QO, rel� min� Ellen Gracie (julgamento em 29‑8‑2007, DJ de 11‑10‑201010)�

10 “Questão de ordem. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de medida cautelar. Defe-rimento, pela presidência, no período de férias forenses do tribunal. Arts. 10, caput, da Lei 9.868/1999, e 13, VIII, do RISTF. Relatoria do referendo Plenário atribuída à própria presidente, por força da excepcionalidade do caso concreto. Possibilidade. O caput do art. 10 da Lei 9.868/1999 autoriza, nos períodos de recesso da Corte, a excepcional concessão monocrática da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Por imposição do art. 21, IV e V, do Regimento Interno, as decisões liminares concedidas pela Presidência nessas circuns-tâncias são depois submetidas à referendo do Colegiado, normalmente após a distribuição

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ADI 4.638 MC-REF

É claro que a lei não pode prever todas as possíveis hipóteses que possam vir a configurar a urgência da pretensão cautelar� Podem naturalmente ocorrer casos em que a espera pelo julgamento da sessão plenária seguinte ao pedido de medida cautelar leve à completa perda de sua utilidade� Assim, não se pode deixar de considerar que o relator, fazendo uso do poder geral de cautela, possa decidir monocraticamente sobre o pedido de medida cautelar na ação direta� Nessa hipótese, é imprescindível a submissão imediata, na sessão plenária seguinte, da decisão cautelar ao referendo do l (art� 21, V, RISTF)�

Não obstante, é preciso reconhecer que tais casos serão excepcionalíssimos, pois a própria Lei 9�868/1999 prevê mecanismo para se evitar perecimento de direito e assegurar o futuro pronunciamento definitivo do Tribunal, que é a pos‑sibilidade de concessão da medida liminar com efeitos ex tunc, suspendendo‑se a vigência da norma questionada desde a sua publicação� Portanto, o sistema definido pela Lei 9.868/1999 para a concessão de medidas cautelares deixa pouco espaço para a ocorrência de casos em que seja necessária uma decisão monocrática fora dos períodos de recesso e de férias. A técnica da modulação dos efeitos, posta à disposição do Tribunal no julgamento da medida caute-lar, é instrumento hábil para se assegurar a decisão de mérito na ação direta e, dessa forma, ela praticamente elimina as hipóteses em que seja necessá-ria uma urgente decisão monocrática do relator. Ficam abertas apenas as hipóteses em que a suspensão da vigência da norma seja imprescindível para estancar imediatamente a produção de seus efeitos sobre fatos e estados de coisas que, de outra forma, não poderiam ser revertidos.

Observe‑se que a decisão cautelar monocrática em ação direta, fora dos perío‑dos de recesso e férias, é fato raro no Supremo Tribunal Federal, o que atesta ainda mais a sua excepcionalidade� Em rápido levantamento, após o advento da Lei 9�868/1999, identificam‑se apenas as seguintes decisões:

1) a decisão proferida em 28 de março de 2003 pelo ministro Sepúlveda Per‑tence na ADI 2�849 (ADI 2�849 MC, rel� min� Sepúlveda Pertence, DJ de 3‑4‑2003)� Registre‑se que não houve referendo do Plenário e, em 15 de maio de 2010, o processo foi extinto por perda superveniente de objeto, devido à revogação da lei impugnada;

dos autos da ação direta a um determinado relator superveniente. Peculiaridades presen-tes que recomendam a exposição do caso pelo próprio órgão prolator da decisão trazida a referendo do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Questão de ordem resolvida no sentido de autorizar a Presidência, excepcionalmente, a relatar o referendo da decisão cautelar monocrática proferida nos autos da presente ação direta.” [ADI 3.929 MC-QO, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 29-8-2007, DJ de 11-10-2007.]

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ADI 4.638 MC-REF

2) a decisão proferida em 16 de agosto de 2004 pelo ministro Carlos Britto na ADI 3�273 (ADI 3�273 MC, rel� min� Carlos Britto, julgamento em 16‑8‑2004, DJ de 23‑8‑2004)� Ressalte‑se que essa decisão foi logo suspensa por decisão do presidente, ministro Nelson Jobim, no MS 25�024� Naquela ocasião, considerou‑‑se que a decisão monocrática violava a reserva de plenário estabelecida pelo art� 10 da Lei 9�868/1999 (MS 25�024 MC, rel� min� Eros Grau, decisão monocrática proferida pelo presidente, ministro Nelson Jobim, julgamento em 17‑8‑2004, DJ de 23‑8‑2004)11�

3) a decisão proferida em 19‑5‑2009 pelo ministro Menezes Direito na ADI 4�232 (ADI 4�232 MC, rel� min� Dias Toffoli, DJE de 25‑5‑2009)� Registre‑se que a refe‑rida liminar monocrática não chegou a ser referendada pelo Plenário, ante o falecimento do ministro Menezes Direito pouco tempo depois� Atualmente, ela encontra‑se incluída em pauta para julgamento (desde 22‑2‑2010), sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, que sucedeu o ministro Menezes Direito�

4) a decisão proferida em 1º de julho de 2009 pelo ministro Celso de Mello na ADI 4�190, referendada pelo Plenário do STF somente no ano posterior, em 10‑3‑2010 (ADI 4�190 MC, rel� min� Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 1º‑7‑2009, DJE de 4‑8‑2009);

5) a decisão proferida em 2‑10‑2009 pela ministra Cármen Lúcia na ADI 4�307, referendada pelo Plenário do STF em 11‑11‑2009 (ADI 4�307 MC, rel� min� Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 2‑10‑2009, DJE de 8‑10‑2009)� Nesse caso, é preciso registrar que se tratava da Emenda Constitucional 58, de 23‑9‑2009, que alterou a forma de recomposição das Câmaras Municipais, fixando os limites dos números de vereadores nos Municípios brasileiros� Em 29‑9‑2009, o procurador‑geral da República ajuizou a ação direta e, em 2‑10‑2009, veio a liminar da ministra Cármen Lúcia� Na ocasião, a decisão monocrática

11 “A decisão sobre medida cautelar é da competência do Tribunal Pleno e sua concessão depende do voto da maioria absoluta de seus membros, ouvidos, previamente, os ‘órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei’ (Lei 9.868/1999, art. 10). A lei abre uma única exceção à regra: ’Salvo no período de recesso’ (Lei 9.868/1999, art. 10). Em nenhum momento, salvo o recesso, a lei autoriza a decisão de cautelar pelo relator. Mesmo nos casos de ‘excepcional urgência’, a lei mantém a competência da decisão com o Tribunal. Autoriza que tal decisão possa ser tomada ‘sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei...’ (Lei 9.868/1999, art. 10, § 3º). Possibilita, ainda, a lei que o Tribunal afaste a regra geral do efeito ex nunc da cautelar e a conceda com ‘eficácia retroativa’ (Lei 9.868/1999, art. 11, § 1º). Com esta última regra completa-se o tratamento legal da excepcionalidade. Em momento algum, ‘salvo no período de recesso’, é possível decisão monocrática. (...).” [MS 25.024 MC, rel. min. Eros Grau, decisão monocrática proferida pelo presidente ministro Nelson Jobim, julgamento em 17-8-2004, DJ de 23-8-2004.]

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ADI 4.638 MC-REF

justificou‑se na urgente necessidade de se impedir a imediata recomposição das Câmaras Municipais, com a consequente diplomação e posse de milhares de vereadores e alteração dos cálculos eleitorais de votação com efeitos retroa‑tivos ao período eleitoral anterior (do ano de 2008), antes mesmo da realização da sessão plenária do STF seguinte à publicação da emenda constitucional� Naquela ocasião, a petição inicial do procurador‑geral da República dava notí‑cia da efetiva posse de alguns vereadores� Havia o risco iminente de que, ante a posse, pudessem ser produzidas, inclusive, novas leis municipais, com graves danos à segurança jurídica�

6) a decisão proferida em 26 de agosto de 2010 pelo ministro Carlos Britto na ADI 4�451, referendada pelo Plenário do STF em 2‑9‑2010 (ADI 4�451 MC, rel� min� Carlos Britto, DJE de 1º‑9‑2010)�

7) a decisão proferida em 1º de julho de 2011 pelo ministro Luiz Fux na ADI 4�598, a qual ainda não foi submetida pelo referido relator ao referendo do Plenário do Tribunal (ADI 4�598 MC, rel� min� Luiz Fux, DJE de 2‑8‑2011)�

8) a decisão proferida em 19‑12‑2011 pelo ministro Marco Aurélio na ADI 4�638, trazida ao referendo do Plenário do Tribunal em 1º de fevereiro de 2012�

Além desses casos, todos proferidos em ações diretas de inconstitucionali‑dade, não se pode deixar de citar a medida cautelar proferida monocraticamente pelo ministro Marco Aurélio no conhecido caso do “aborto de fetos anencéfa‑los”� A medida liminar na ADPF 54, proferida em 1º de julho de 2004, autorizou as gestantes a – mediante laudo médico comprovador da anomalia – realizar a operação de parto de fetos anencéfalos e determinou o sobrestamento de todos os processos judiciais que discutissem a questão� A liminar monocrática foi cassada pelo Plenário na sessão de 20 de outubro de 2004, na parte em que reconhecia às gestantes o direito ao aborto�

A análise desses poucos casos permite verificar que, apesar da existência de processos em que a decisão monocrática estava plenamente justificada – como claramente ocorreu, por exemplo, na decisão proferida pela ministra Cármen Lúcia na ADI 4�307 MC acima citada –, na maioria das vezes a decisão monocrá‑tica era plenamente dispensável, seja em virtude da proximidade da realização de sessão plenária, do longo tempo de vigência da norma impugnada ou em razão da sempre possível modulação dos efeitos da medida liminar�

Verifica‑se também que, das oito decisões acima citadas, seis foram proferidas a partir do ano de 2009, o que revela um crescente aumento de liminares mono-cráticas nos últimos dois anos. A análise demonstra, ainda, que na maioria dos casos as decisões monocráticas são proferidas na véspera do período de recesso (no dia 19 de dezembro) ou de férias (no dia 1º de julho) do Tribunal.

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Ressalte-se nessa hipótese que, no dia 19 de dezembro, o Tribunal realiza a sessão plenária de encerramento dos trabalhos do ano judiciário�

O fato é que o quadro atual revela um perceptível crescimento do número de decisões cautelares monocráticas em ações diretas de inconstitucionali-dade, muitas delas cabalmente descabidas, o que demonstra a necessidade de regras regimentais mais claras e incisivas sobre o tema.

Faço esse registro da questão, portanto, para que fique bem claro que medidas liminares decididas de forma monocrática são em regra ilegais, por violação à Lei 9.868/1999 (art. 10), e inconstitucionais, por afronta ao art. 97 da Constituição. As hipóteses excepcionalíssimas deveriam ser bem delimitadas e definidas no Regimento Interno do Tribunal.

O quadro atual assim o exige e, dessa forma, deixo aqui registrado que elaborarei uma proposta de emenda regimental para regulamentar o uso do poder geral de cautela pelo relator nas ações do controle abstrato de constitucionalidade.

Feitas essas considerações preliminares, passo à análise das questões constitucionais atinentes à medida cautelar concedida pelo ministro Marco Aurélio nesta ADI 4.638.

III – O poder normativo do CNJ em matéria disciplinar e correcionalTalvez a principal questão subjacente aos temas em debate nesta ADI 4�638

esteja precisamente na delimitação dos poderes normativos atribuídos ao CNJ pela Constituição de 1988 – isto é, pela Emenda Constitucional 45/2004 –, espe‑cificamente quanto à sua atribuição de exercer as competências disciplinar e correcional definidas pelo art� 103‑B, § 4º, da Constituição�

É preciso reconhecer, antes de tudo, que as características e os limites do poder normativo do CNJ já foram amplamente debatidas por esta Corte no julga‑mento do conhecido caso do nepotismo (ADC 12, rel� min� Carlos Britto) e, dessa forma, qualquer posicionamento atual do Tribunal deverá seguir uma linha de coerência com os fundamentos daquele precedente� Portanto, nas considerações que tecerei a seguir, levarei em conta os fundamentos que deixei consignados em meu voto proferido na ADC 12�

III.1 – A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça e os “poderes constitucionais implícitos”

O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional 45/2004, tem sua competência disciplinada pela Constituição Federal, da seguinte forma:

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Art� 103‑B� O Conselho Nacional de Justiça compõe‑se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

(���)§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e finan‑

ceira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua com‑petência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art� 37 e apreciar, de ofício ou mediante provoca‑ção, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí‑los, revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos pres‑tadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessá‑rias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa�

Os referidos dispositivos, conforme se vê, autorizam expressamente a expe‑dição de atos regulamentares pelo CNJ, no âmbito de sua atuação, estando entre as suas atribuições o dever de observância aos princípios e disposições contidas no art� 37 da Constituição Federal (art� 103‑B, § 4º, II, da CF/1988)�

Assim, a competência do Conselho Nacional de Justiça está delimitada cons‑titucionalmente pelas regras descritas no art� 103‑B e pelos princípios do art� 37 da Constituição� De acordo com o § 4º do art� 103‑B, compete ao Conselho o

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controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cum‑primento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe zelar pela observância do art� 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário�

Como se vê, a Constituição concede ao CNJ poderes discricionários delimita‑dos pelas regras de competência do art� 103‑B e pelos princípios do art� 37� Desses poderes discricionários decorrem poderes administrativos “inerentes” ou “implícitos” (inherent powers, implied powers)12� Com efeito, quando a Cons‑tituição confere ao CNJ a competência de fiscalizar a atuação administrativa do Poder Judiciário e de fazer cumprir o art. 37, implicitamente concede os poderes necessários para o exercício eficaz dessa competência. Como ensina GARCÍA DE ENTERRÍA, “todo poder é conferido pela lei como instrumento para a obtenção de uma finalidade específica (pública), que está normalmente implí‑cita” 13� A Constituição, ao atuar por meio de princípios, determina os fins sem indicar explicitamente os meios�

III.2 – O poder normativo do CNJ quanto à sua competência constitucional disciplinar e correcional

O art� 103‑B, § 4º, atribui ao CNJ competência disciplinar e correcional sobre todos os órgãos do Poder Judiciário nacional:

Art� 103‑B� (���)§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e finan‑

ceira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua com‑petência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art� 37 e apreciar, de ofício ou mediante provoca‑ção, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí‑los, revê‑los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos

12 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. 12. ed. Madrid: Civitas; 2004. p. 456.

13 Ibidem, p. 462.

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prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

É certo que, ao atribuir tais competências a um órgão centralizado de âmbito nacional, abrangente de todo o Poder Judiciário em suas diversas esferas, incluí‑dos todos os seus membros, a Constituição – diga‑se, a Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário) – operou uma verdadeira quebra de paradigma em matéria disciplinar e correcional no âmbito da magistratura nacional�

Com efeito, até então o poder disciplinar e correcional sobre os juízes e mem‑bros dos tribunais era atribuído aos diversos tribunais e esferas do Poder Judi‑ciário, segundo as regras definidas localmente em leis estaduais orgânicas e nos distintos regimentos internos, respeitados os parâmetros nacionais fixados na Constituição (art� 93) e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN, LC 35/1973)�

O poder normativo quanto a esses temas, portanto, ficava restrito aos tribu‑nais locais, ante a competência fixada no art� 96, I (elaborar o regimento interno e assim disciplinar a organização e funcionamento dos órgãos administrativos internos, como as corregedorias), e no art� 125, caput e § 1º, da Constituição Federal (iniciativa de lei de organização judiciária local)�

Com o advento da EC 45/2004, os tribunais passaram a compartilhar com um órgão nacional centralizado, o CNJ, esse poder correcional e disciplinar de seus magistrados� O que antes era exercido no âmbito da autonomia administrativa e normativa dos diversos órgãos do Poder Judiciário, conforme as referidas normas constitucionais (art� 96 e 125 da Constituição), passou a ser exercido também por um órgão correcional central, cuja competência abarcou todo o Poder Judiciário nacional�

Naturalmente, de acordo com a sistemática constitucional que trata do Poder Judiciário, a regulamentação do exercício compartilhado entre CNJ e tribunais dessa competência correcional e disciplinar deve ser objeto do Estatuto da Magistratura (art� 93, caput, da Constituição)�

Destarte, como se sabe, a Constituição de 1988 manteve o sistema da ordem constitucional pretérita (art� 112 da Emenda Constitucional 1, de 1969), ao

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prescrever, no art� 93, caput, que somente lei complementar nacional, de ini‑ciativa do Supremo Tribunal Federal, poderá dispor sobre o Estatuto da Magis‑tratura� Ressalte‑se, não obstante, que, até o advento dessa lei complementar prevista no art� 93, caput, da Constituição, o Estatuto da Magistratura continua a ser disciplinado pela Lei Complementar 35/1979 (LOMAN)� Esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 2�370‑5/CE, rel� min� Sepúlveda Pertence; DJ de 9‑3‑2001; ADI 2�753‑1/CE, rel� min� Carlos Velloso, DJ de 11‑4‑2003; ADI 1�503‑6/RJ, rel� min� Maurício Corrêa, DJ de 18‑5‑2001; AO 185‑4/TO, rel� min� Ellen Gracie, DJ de 2‑8‑2002)�

Portanto, não é nenhuma novidade que as disposições da LOMAN constituem um regime jurídico único para os magistrados brasileiros� Esse sistema norma‑tivo nacional está amparado em duas razões�

Em primeiro lugar, o Poder Judiciário é um Poder nacional e, assim, seus membros devem estar submetidos a regras uniformes� Sobre o tema, são eluci‑dativas as considerações do ministro Néri da Silveira no julgamento da AO 155/RS, in verbis:

Penso que a disciplina uniforme para a magistratura nacional, quer destinada aos juízes da União, quer aos juízes dos Estados-membros, teve seu primeiro diploma na Lei Complementar 35, de 1979, editada com base no parágrafo único do art. 112, da Emenda Constitucional 1, de 1969, alterada pela Emenda Constitucional 7/1977. Manteve-se esse sistema na Constituição de 1988, ao estipular no art. 93, que Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dispusesse sobre o Esta-tuto da Magistratura, estabelecendo-se, desde logo, um rol de princípios a serem observados na edição dessa lei complementar, concernentes a direitos e vantagens, ao lado de deveres e proibições, para os magistrados brasileiros.

O que quis efetivamente a Emenda Constitucional 7, agora confirmada na Cons‑tituição de 1988, foi, destarte, que existisse regime jurídico único nacional para os juízes brasileiros� Essa intenção dos constituintes tem sua razão de ser, pois o Poder Judiciário é um Poder nacional� Não obstante a existência da dualidade das Justiças – da União e dos Estados‑membros – o certo é que, dos três Poderes do Estado brasileiro, o único que se pode afirmar como um poder nacional é o Poder Judiciário� As decisões da Justiça dos Estados são susceptíveis de revisão por órgãos integrantes da Justiça da União, o que não sucede com as delibera‑ções dos outros dois poderes� Deliberação de Assembleia Legislativa não pode ser cassada pelo Congresso Nacional, como decisão de governador não é recor‑rível para o presidente da República, no que concerne ao Poder Executivo� Isso, entretanto, sucede quanto aos órgãos da Justiça dos Estados, relativamente a órgãos superiores da Justiça da União� Há, sem nenhuma dúvida, organização de natureza nacional, hierarquizada, no âmbito do Poder Judiciário�

Conveniente seria, dessa maneira, portanto – e isso é um antiga discussão no

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Direito Brasileiro –, que também se estabelecesse uniformidade no que concerne aos direitos e vantagens dos magistrados�

O caráter nacional do Poder Judiciário já foi amplamente afirmado na juris‑prudência desta Corte, especialmente na conhecida decisão na ADI 3�367, rel�min� Cezar Peluso�

Em segundo lugar, é possível vislumbrar que a alternativa de caracteriza‑ção das normas da LOMAN como meramente programáticas ou não vinculan‑tes para o legislador e o judiciário estaduais abriria uma via perigosa para a concessão ilimitada de privilégios e, ao fim e ao cabo, poderia dar ensejo a um quadro instável de “troca institucional de boas vontades” entre os Poderes locais, incompatível com a independência assegurada constitucionalmente ao Poder Judiciário� Nesse ponto, trago à colação os argumentos levantados pelo ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da AO 155/RS, in verbis:

Ao centralizar o “Estatuto da Magistratura”, fazendo-o objeto de uma lei comple-mentar nacional, e, no que diz respeito a direitos e vantagens fixadas, unificar o tratamento não só para a Magistratura da União, mas também para as magistra-turas locais, creio que a Constituição pretendeu, sobre dois prismas diversos, mas complementares um do outro, resguardar a independência do Judiciário em face dos governos locais.

Os direitos e vantagens, estabelecidos no Estatuto da Magistratura, são o mínimo a impedir que os possa restringir o legislador local, mas são também o máximo, a desestimular, enfim, qualquer “troca institucional de boas vontades” entre os Poderes, na órbita local�

Como efeito, como tenho afirmado em estudos doutrinários sobre o tema, trata‑se de um verdadeiro bloqueio de competência levado a efeito pela edição da lei complementar nacional, de modo que o direito estadual em contradição com os limites nela fixados deve ser considerado inconstitucional� Nesse caso, a lei complementar não configura exatamente um parâmetro de controle abs‑trato, mas simples índice para a aferição da ilegitimidade ou de não observância da ordem de competência estabelecida na Constituição (Cf� MENDES, Gilmar Ferreira� Jurisdição constitucional� 3� ed� São Paulo: Saraiva, 1999� p� 192‑193)�

Voltando então à linha de raciocínio, ao atribuir poderes correcionais e dis‑ciplinares a um Conselho Nacional, um órgão central, a Constituição indubi‑tavelmente determinou, ainda que implicitamente, a uniformização das regras quanto ao exercício desses poderes�

Caberá, portanto, ao Estatuto da Magistratura tratar do poder disciplinar e correcional em âmbito nacional atribuído ao CNJ�

Consciente da dificuldade inerente ao processo legislativo de feitura desse

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Estatuto da Magistratura, o legislador da EC 45/2004 previu que, até o advento desse estatuto nacional, compete ao CNJ disciplinar normativamente sua ativi‑dade correcional� É o que se extrai do art� 5º, § 2º, do corpo textual da EC 45/2004:

Art� 5º (���)§ 2º Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional

de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do ministro‑Corregedor�

Portanto, a própria EC 45/2004 atribuiu ao CNJ o poder normativo quanto à sua atividade correcional e disciplinar da magistratura em âmbito nacional. Até que entre em vigor o novo Estatuto da Magistratura, o CNJ está constitu-cionalmente incumbido do dever de uniformização, em âmbito nacional, das normas de organização e procedimento em matéria disciplinar e correcional.

Tal entendimento decorre tanto da interpretação do art. 5º, § 2º, da EC 45/2004, quanto dos poderes implícitos atribuídos ao CNJ pelo art. 103-B, § 4º, da Constituição, como já analisado.

É no âmbito do exercício desse poder normativo que se encontra a Reso-lução 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça.

É claro, não obstante, que o CNJ, ao exercer esse poder normativo, não pode ir de encontro ou além do que já estabelece o atual Estatuto da Magis-tratura, a LOMAN (LC 35/1973).

Justamente por isso, e apenas por isso, a presente ação não é inteiramente descabida. Deve esta Corte verificar se o CNJ, ao editar a Resolução 135, de 2011, respeitou as normas já presentes na LOMAN quanto ao poder correcio-nal e disciplinar dos magistrados em âmbito nacional.

Ultrapassada a questão quanto à existência de um poder normativo do CNJ de uniformização nacional de regras em matéria correcional e discipli-nar, resta apenas verificar a regularidade do exercício desse poder. O que se deve discutir, portanto, não é a existência de tal poder normativo – o qual, como se analisou, decorre claramente da Constituição –, mas o seu regular exercício específico na edição da Resolução 135, de 2011. É o que se fará a seguir, tendo como parâmetro de análise as normas presentes na LOMAN e a jurisprudência desta Corte sobre os diversos temas debatidos.

IV – Exame dos dispositivos atacadosEsclarecidas essas premissas, as quais fundamentam o presente voto, passo

à análise dos dispositivos da Resolução 135/2011, do CNJ, que foram objeto de impugnação�

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1) Art. 2ºA requerente impugna a atribuição da denominação de Tribunal ao Con‑

selho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal, realizada por esse dispositivo nos seguintes termos:

Art� 2º Considera‑se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacio‑nal de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias�

O eminente ministro relator indeferiu a cautelar relativamente a esse artigo� De fato, o CNJ, apesar de integrar a estrutura do Poder Judiciário, não é órgão jurisdicional, não detendo competência para intervir na atividade judicante, consoante bem salientou o relator e ficou consignado no julgamento da ADI 3�367, que confirmou a constitucionalidade da EC 45/2004, no que diz respeito à cria‑ção do CNJ e ao estabelecimento de sua disciplina constitucional�

Ocorre que o dispositivo em exame apenas pretendeu, “para os efeitos desta resolução”, incluir o CNJ e o CJF em seu âmbito normativo, de modo que sempre que a resolução mencionasse as atribuições administrativas e disciplinares dos tribunais, se pudesse, desde já, entender abarcados também os referidos conselhos�

Portanto, o emprego do termo “Tribunal” tem como único propósito, a partir de técnica de redação legislativa, a uniformização da linguagem utilizada pela resolução, de modo a evidenciar que a resolução dirige‑se a todos os órgãos da administração judiciária com competência de natureza correcional�

Diante do exposto, quanto ao art. 2º da Resolução 135/2011, do CNJ, acom-panho o relator e voto pelo indeferimento da medida cautelar.

2) Art. 3º, VNa hipótese, a requerente alega que o dispositivo atacado, ao prever a pena

de aposentadoria compulsória, teria excluído o direito à percepção dos venci‑mentos proporcionais ao tempo de serviço� O dispositivo possui o seguinte teor:

Art� 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

(���)V – aposentadoria compulsória;

Ao aduzir que tanto a LOMAN, no inciso V de seu art� 42, como a própria Constituição Federal, na parte final do inciso III do § 4º do art� 103‑B, previram

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expressamente que a penalidade de aposentadoria compulsória dar‑se‑ia com a percepção de subsídios ou proventos (a LOMAN ainda se refere a vencimentos) proporcionais ao tempo de serviço, a requerente sustenta a inconstituciona‑lidade da resolução, nesse ponto, em razão de ter criado nova modalidade de sanção, em contraposição a texto expresso da Constituição�

Não assiste razão à associação requerente� É evidente que a fixação de san‑ções aplicáveis aos magistrados é matéria de reserva de lei, no caso comple‑mentar, todavia, a resolução, ao prever a pena de aposentadoria compulsória, apenas reiterou o que já expresso na Constituição e na LOMAN, de modo que deve ser interpretada à luz desses diplomas�

Ademais, como bem frisou o relator, é inerente à aposentadoria a percepção de proventos; caso assim não fosse, o vocábulo utilizado pela resolução deveria ser outro�

Dessa forma, insubsistente a alegação de inconstitucionalidade do inciso V do art. 3º da Resolução 135/2011, do CNJ, acompanho o relator, para indeferir, no ponto, a cautelar.

3) Art. 3º, § 1ºEsse dispositivo determina a aplicação do rol de penalidades de natureza

administrativa civil, constantes do art� 6º, § 1º, da Lei 4�898/1965 (abuso de auto‑ridade), aos magistrados, desde que não sejam incompatíveis com a LOMAN� Eis o texto:

§ 1º As penas previstas no art� 6º, § 1º, da Lei n� 4�898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Comple‑mentar n� 35, de 1979�

Apesar de o dispositivo expressamente fazer a ressalva acerca da necessária compatibilidade das sanções administrativas da Lei 4�898/1965 com a LOMAN, a alegação da requerente, nesse tópico, merece prosperar.

Conforme ressaltei acima, a Constituição impõe uma disciplina uniforme da magistratura e, muito embora os magistrados sejam abarcados pela legislação penal, no que toca às suas atuações administrativas e, portanto, às suas respecti‑vas responsabilidades e punições nessa seara, o regime jurídico que se lhes aplica é específico, em razão de disposição constitucional expressa (art� 93, CF/1988)�

Desse modo, na LOMAN, estão previstos os direitos e deveres dos magistrados, sendo que a violação administrativa desses últimos pode implicar punição por meio de sanções previstas na própria Lei Complementar 35/1979�

Esse é o regime aplicável à magistratura em âmbito administrativo, consoante

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a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (p� ex�: AO 155, mencionada acima), de modo que, nesse campo, administrativo, a Lei 4�898/1965 não se aplica aos magistrados�

Ao dispor em sentido díspar, a Resolução afrontou a Constituição (art. 93), bem como a LOMAN, o que me leva a acompanhar o relator para deferir, no ponto específico, a cautelar.

4) Arts. 4º e 20Sustenta‑se que o art� 4º suprimiu a exigência, constante da LOMAN, no sen‑

tido de que a imposição das penas de advertência e censura aos magistrados deve dar‑se sob sigilo�

Por outro lado, argumenta a requerente que o art� 20, ao preconizar a rea‑lização de sessões públicas para julgamentos de processos administrativos disciplinares, contrariaria o interesse público em se resguardar a credibilidade do Judiciário, além de afirmar que o art� 93, IX, CF/1988, permite a realização de sessão fechada�

Confira‑se o teor dos dispositivos:

Art� 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência� Na reiteração e nos casos de procedimento incor‑reto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave�

(���)Art� 20� O julgamento do processo administrativo disciplinar será reali‑

zado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias�

As alegações da associação requerente não merecem prosperar� A EC 45/2004 alterou a redação dos incisos IX e X do art� 93 da Constituição Federal, impondo a regra da publicidade das decisões judiciais, inclusive em âmbito administra‑tivo e disciplinar� Confira‑se:

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; [Grifei�]

Assim, o constituinte reformador, também nesse ponto, procurou conferir

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maior transparência à atuação do Poder Judiciário, consignando que o sigilo dos julgamentos não é regra, mas exceção, diante do texto constitucional vigente�

Nesse passo, portanto, é a LOMAN que está a merecer reparos, mais especifi‑camente os seus arts� 43 e 44, até porque não será o sigilo na aplicação de san‑ções disciplinares aos magistrados que trará credibilidade ao Judiciário, mas uma atuação transparente e segura, consoante requer o texto constitucional�

Diante do exposto, mais uma vez acompanho o relator para indeferir a cautelar.

5) Art. 8º e art. 9º, caput e § 2º e 3ºOs dispositivos impugnados são os seguintes:

Art� 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, obser‑vados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo�

(���)Art� 9º A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita

por toda e qualquer pessoa, exigindo‑se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante�

(���)§ 2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal,

o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame�

§ 3º Os Corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comuni‑carão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados�

A requerente sustenta que o art� 9º, caput, ampliou indevidamente o rol de legitimados para representar contra os magistrados� Cumpre afastar de plano essa impugnação.

Conforme observou o relator, o art� 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal garante a todos o direito de petição aos poderes públicos� E o art� 103‑B, § 4º, III e § 7º, garante a todos os interessados o direito de dirigir reclamações ou denúncias contra membros do Judiciário às ouvidorias de justiça e ao CNJ�

Dessa forma, não há que se falar em ampliação do rol de legitimados, pois a resolução apenas permitiu que as reclamações que constitucionalmente já

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podiam ser dirigidas ao CNJ e às ouvidorias também possam ser endereçadas aos tribunais diretamente envolvidos�

Acompanho o relator, quanto ao caput do art. 9º, e indefiro a cautelar.Quanto ao art� 8º e aos § 2º e 3º do art� 9º, a requerente alega que a resolução do

Conselho teria interferido indevidamente na autonomia político‑administrativa dos tribunais, especificamente no que concerne à competência para a divisão de atribuições de seus próprios órgãos, consoante dispõe o art� 96, I, a, CF/1988:

Art� 96� Compete privativamente:I – aos tribunais:a) Eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com

observância das normas de processo e das garantias das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

Sustenta‑se que, ao atribuir competências específicas a órgãos dos tribunais para a promoção da investigação preliminar, a resolução teria interferido na autonomia administrativa dos tribunais� A questão posta é delicada�

O advento do Conselho Nacional de Justiça deu‑se, como é sabido, após amplo debate político e social, que culminou com a promulgação da reforma do Judi‑ciário, resultante de um pacto entre os três Poderes em nível federal, e que contou com a oitiva e a participação ativa de todos os interessados, inclusive, e especialmente, das associações de magistrados�

É evidente que, com a alteração constitucional que resultou na criação do CNJ, atribuindo-lhe a incumbência de controlar a atuação financeira, administrativa e disciplinar da magistratura, a ampla autonomia político--administrativa conferida aos tribunais receberia novo tratamento consti-tucional, em razão da necessidade de compatibilizá-la com as competências atribuídas a esse novo órgão de controle de nível nacional.

Isso não é incomum. Por vezes, reformas constitucionais bastante mais pontuais do que a empreendida pela EC 45 têm o condão de alterar a inter-pretação de toda a Constituição ou, pelo menos, de partes significativas do texto (é o que aconteceu, por exemplo, a partir da promulgação da emenda da reeleição).

O CNJ não deve ser encarado pela magistratura, como de fato não é pela maior parte dela, como um inimigo ou grande censor; pelo contrário, o CNJ deve atuar em cooperação com a magistratura (e esse é o melhor sentido a ser atribuído, no caso, ao termo subsidiariedade) para que se solucionem os problemas graves que levaram a sociedade a pedir a sua criação�

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Recentemente fiz referência às conquistas do CNJ e da magistratura em texto publicado na última edição da revista Interesse Nacional� Na oportunidade afirmei:

E aqui cabe lembrar as primeiras conquistas alcançadas com a firme atuação do CNJ em prol dessa institucionalização – tanto mais corajosa quanto mais pantanosa revelou-se a seara dos interesses contrariados: a proibição do nepotismo no âmbito do Judiciário, a obrigatoriedade do atendimento ao teto salarial, a definição de critérios de promoção e fixação de juízes bem como a estatização e a realização compulsória de concurso público para provimento de cargos em serventias judiciais e extrajudi-ciais. Outro importante instrumento a servir de referencial a todos os órgãos jurisdi-cionais brasileiros tem sido o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo Plenário do Conselho em 2008. O efeito moralizador de tais medidas, a par de fortalecer a credibilidade das instituições, soou como marco zero na reestrutura-ção e reorganização das carreiras e dos serviços relativos à atividade jurisdicional.

Esse empenho pela institucionalidade, longe de ferir a independência funcional de juízes, abrangeu desde medidas relativamente simples – como o aperfeiçoa‑mento do sistema de coleta de dados estatísticos, com a uniformização de padrões antes dispersos – até procedimentos complexos, a exemplo da unificação das tabelas processuais e da adoção da numeração única de processos, verdadeiro desafio, principalmente ao se considerar que, num país de dimensões continen‑tais, durante séculos as instâncias judiciais atuaram como se fossem autarquias, ilhas absolutamente isoladas, estanques, quase que herméticas, quando, a rigor, cada um dos órgãos, independentemente da própria competência, deve ser e agir, sempre, como parte de uma mesma engrenagem�

Tais providências, aparentemente basilares, produziram desde o começo resul‑tados significativos, quer pela óbvia economia de meios, quer no tocante ao conhecimento e gestão da atividade jurisdicional, já que a definição de padrões favorece não só a análise de dados e de variáveis estatísticas mas também o intercâmbio e o gerenciamento de informações entre os sistemas usados no Poder Judiciário, tornando possível a compatibilização universal de procedimentos e linguagens� Em outras palavras, a par do aumento da eficiência, a padronização reverte em imediatos parâmetros de avaliação� A partir daí, mais confiável far‑se‑‑á o diagnóstico, o passo mais importante na engenharia das soluções seguras�

Exemplos tão primários são, contudo, suficientes para mostrar a importância do CNJ na elaboração e coordenação de políticas judiciárias abrangentes, indis‑pensáveis para modernizar o Judiciário como um todo, de forma a eliminar, ainda que gradualmente, as ainda gritantes disparidades notadas entre juízes e tribunais dos estados federativos� Nada obstante, à mercê do processo de total informatização dos órgãos jurisdicionais, avanços significativos já podem ser notados – mormente no que tange à automação e integração de sistemas –, e de fato não falta muito para que todas as jurisdições se vejam amalgamadas numa única e eficiente rede virtual� Aos poucos a utopia vai se transmudando em

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realidade por meio do processo eletrônico que, além do barateamento de meios e simplificação de métodos, possibilita o acesso direto às informações� E tudo em atendimento ao princípio da publicidade, em homenagem à transparência tão cara às nações que se pretendem democráticas”�

Ressalte‑se que várias das conquistas ressaltadas acima foram objeto de ações ajuizadas nesta Corte por essa mesma associação requerente (por exem‑plo: as ações que discutiram a resolução acerca do nepotismo e o teto remu-neratório), mas a atuação firme do Supremo Tribunal Federal garantiu a con‑tinuidade dos trabalhos bem‑sucedidos do CNJ�

Voltando à linha de raciocínio, a implementação do Conselho, com a missão de melhorar a gestão, o planejamento, dar transparência e maior racionalidade aos trabalhos do Judiciário, implica, ainda que implicitamente, que se confira a tal órgão poderes para implementar, em nível nacional, pois o Judiciário é um Poder nacional (ADI 3�367, ADC 12), as medidas necessárias�

Sem o reconhecimento dessa competência, seriam inimagináveis ações do CNJ como as que atacaram o nepotismo, procuraram impor a observân-cia do teto remuneratório, unificaram a numeração dos processos, fizeram levantamentos estatísticos que permitiram o ataque a problemas antigos inerentes à prestação jurisdicional.

Isso quer dizer que, no exercício de seu poder normativo (e esta Corte já reconheceu a existência do poder regulamentar do CNJ em nível nacional, vide ADC 12 MC), visando à uniformização de procedimentos e à otimização das funções exercidas pelo Poder Judiciário, o CNJ editará regras que deverão ser observadas por toda a magistratura, ante seu caráter nacional�

Os dispositivos em exame (art. 8º e § 2º e 3º do art. 9º) apenas procuram criar procedimentos uniformes voltados à atuação de todos os órgãos com poderes correcionais, de molde a otimizar o funcionamento deles próprios, bem como a viabilizar a possibilidade de controle de suas respectivas atua-ções, o que compete ao CNJ ao fim e ao cabo.

Registre-se que não há incompatibilidade com relação à LOMAN, uma vez que os dispositivos se voltam a regulamentar a fase de investigação prelimi-nar, o que não é objeto da LOMAN.

Mais uma vez vale ressaltar: o poder normativo do CNJ deve ser exercido nos limites de sua competência constitucional primária (tal como compreendida neste voto) e desde que em harmonia com a LOMAN, ou seja, em consonância com seus dispositivos, ou nos casos em que for omissa, até que sobrevenha o Estatuto da Magistratura, quando se terá um novo marco regulatório.

Por fim, cumpre observar que o Supremo Tribunal Federal deve encaminhar

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ao Congresso Nacional o Estatuto da Magistratura, que poderá tratar dessas novas questões, mas ainda não se desincumbiu desse mister�

Nesse cenário é que o constituinte derivado inseriu, na reforma do Judiciá‑rio, cláusula de transição pela qual permite que o CNJ, enquanto não sobrevier o Estatuto da Magistratura, exerça de modo amplo seu poder regulamentar (Art� 5º, § 2º, EC 45/2004, c/c art� 103‑B, § 4º, I, CF/1988)�

Ante o exposto, apesar de inicialmente ter formulado o meu voto no sentido do indeferimento da medida cautelar, relativamente ao art. 8º e aos § 2º e 3º do art. 9º da Resolução 135/2001, do CNJ, acato a sugestão, que emergiu dos debates do Plenário, para assentar a interpretação conforme à Constituição proposta no sentido de se atribuir às palavras “Corregedor” e “Presidente”, ou “corregedores” e “presidentes”, referidas aos cargos dos tribunais, constantes dos dispositivos em exame, o sentido de “órgão competente de cada tribunal”.

6) Art. 10Ataca‑se o art� 10, ao fundamento de que o CNJ não pode, por meio de reso‑

lução, criar recurso contra decisões dos tribunais que arquivem investigações preliminares contra magistrados� O dispositivo está assim redigido:

Art� 10� Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação�

Conforme se depreende da exposição realizada no tópico anterior, o CNJ, ante a omissão do Supremo Tribunal Federal em encaminhar o Estatuto da Magistratura, goza de autorização constitucional para regulamentar seus procedimentos�

Tratando‑se de órgão de controle de um Poder nacional e de explícito caráter nacional, a regulamentação que venha a editar deverá uniformizar os procedi‑mentos administrativos da magistratura como um todo, até como pressuposto viabilizador, ou pelo menos facilitador, do exercício de suas funções�

Conforme mencionado, a fase de investigação preliminar foi criada por essa resolução, de modo que a ela compete a inteireza de sua regulamentação� Inclu‑sive com a previsão de recursos contra arquivamento de investigações�

Ressalte‑se que os recursos são dirigidos ao próprio tribunal prolator da decisão de arquivamento, e não ao Conselho�

Assim, apesar de ter proposto incialmente o indeferimento da cautelar, nesse ponto, acato a interpretação conforme à Constituição proposta para fixar que “o interessado”, e não apenas o “autor da representação”, poderá interpor o recurso de que cuida o art. 10 da Resolução 135/2011, do CNJ.

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7) Art. 12, caput e parágrafo únicoOs dispositivos impugnados têm o seguinte teor:

Art� 12� Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quais‑quer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça�

Parágrafo único� Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução apli‑cam‑se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrativas pra‑ticadas pelos Magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem�

Esse dispositivo dá início ao terceiro capítulo da Resolução 135/2011, do CNJ, o qual trata especificamente do Processo Administrativo Disciplinar�

Inicio a análise pelo parágrafo único, que foi impugnado em razão de colocar a resolução em exame acima das disposições regimentais, as quais deverão ser aplicadas quando não conflitarem com as disposições da resolução�

Mais uma vez, valho‑me da argumentação lançada acima� Uma vez assentado por esta Corte que o Judiciário é um Poder nacional e que o CNJ, evidentemente, é um órgão de controle, com poder regulamentar, de âmbito nacional, faz‑se imprescindível, para a viabilização do desempenho de suas funções constitucio‑nais, a edição de normas que consigam uniformizar procedimentos abarcando toda a magistratura�

Esse o sentido do art� 103‑B, § 4º, I:

Art� 103‑B� (���)§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e finan‑

ceira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua compe-tência, ou recomendar providências; [Grifei�]

Se a competência do Conselho é nacional (ressalte‑se, não apenas federal!), seus atos regulamentares deverão surtir efeitos em todo o Poder Judiciário, mormente, ante a cláusula transitória do art� 5º, § 2º, da EC 45/2004�

Por essas razões, indefiro o pleito no tocante ao parágrafo único do art. 12 da Resolução 135/2011 do CNJ.

Quanto ao art� 12, caput, ao qual o relator conferiu interpretação conforme para fixar que a competência correcional do CNJ é apenas subsidiária, faz‑se necessário desenvolver outra linha de argumentação�

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Em artigo recente, publicado também na última edição da revista Interesse Nacional, que se dedicou a analisar o CNJ, o ministro Nelson Jobim asseverou que a expansão do âmbito de atuação do Judiciário levou à necessidade de um maior controle sobre a magistratura:

Esta expansão da magistratura e dos poderes processuais substanciais dos juízes veio aguçar especialmente o problema de sua responsabilidade perante o corpo social (accountability = dever de prestar contas)�

Cappelletti informa existirem três modelos de estruturação do Poder Judiciário: o “repressivo” ou “da sujeição”; o “autônomo‑corporativo” ou “do isolamento” e o da “responsabilização social”�

A responsabilidade típica do modelo “repressivo” possui natureza “política” ou “constitucional”, encontrando‑se a Magistratura obrigada a prestar contas ao governo� Neste modelo, verifica‑se a inoperabilidade (em virtude das dificuldades de ordem procedimental) ou a opressão dos membros da Magistratura�

O modelo dito “autônomo‑corporativo” ou do “isolamento” é diametralmente oposto ao anterior� Segundo seus parâmetros, o Judiciário atua como um corpo independente, alheio aos demais poderes e mesmo aos movimentos sociais orgâ‑nicos� Nossa tradição judiciária republicana aproxima‑se deste tipo abstrato� Sobre ele paira a ameaça da anarquia individual: não só a instituição, mas cada membro individual do Poder Judiciário autonomiza‑se sobremaneira, ao largo de controles de qualquer natureza� Acerca da questão, afirmou Cappelletti:

“Embora reconhecendo que esse sistema pode ser bem menos perigoso às liberdades fundamentais dos cidadãos do que o sistema de sujeição do Judi‑ciário ao poder político, não estou seguro, porém, seja ele necessariamente menos danoso na sociedade moderna, que necessita de uma administração da justiça razoavelmente ordenada e eficiente (Mauro Cappelletti, Juízes Irres-ponsáveis?, Porto Alegre, Ed� Sérgio Fabris, 1989)�”

Por fim, aponta Cappelletti o chamado modelo da “responsabilização social”, em que se procura o justo equilíbrio das responsabilidades política e social com as formas de responsabilidade jurídica (nas suas modalidades civil, penal e disciplinar):

“Trata‑se, obviamente, de um modelo que procura combinar razoável medida de responsabilidade política e social com razoável medida de responsabilidade jurídica, em todos os seus subtipos principais – penal, civil e disciplinar – evi‑tando, de um lado, subordinar os juízes aos poderes políticos, aos partidos políticos e a outras organizações sociais e também a ações vexatórias de liti‑gantes irritados, iludindo, porém, de outro lado, o isolamento corporativo da magistratura e igualmente a anarquia controlada e irresponsável dos mem‑bros individuais do Judiciário (Juízes Irresponsáveis?, op� cit�)�”

De um lado, pois, não se pode desconhecer que a independência entre os Pode‑res, no Estado contemporâneo, pressupõe necessariamente formas de mútuo controle e responsabilidade�

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De outro lado, é de buscar a instituição de mecanismos eficientes de fiscaliza‑ção que zelem pelo regular exercício do Poder em sua forma, sem interferir nem adentrar no mérito da prestação jurisdicional em si mesma�

Foi justamente este equilíbrio entre os valores de independência e responsabili‑dade dos membros do Poder Judiciário que a EC n� 45/2004 procurou contemplar�

Com compreensão similar, o Supremo Tribunal julgou improcedente a ADI 3�367, que impugnava a criação do Conselho Nacional de Justiça, nos termos do brilhante voto do relator, ministro Cezar Peluso, do qual extraio o seguinte trecho (fls� 231 e segs):

A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle “do cum-primento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à imparcialidade jurisdicional.

Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciên‑cia de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional�

(���)Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-

-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de Maria Tereza Sadek� (���)

Tem‑se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio perma‑nente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes predica� Para isso, é preciso, com reta consciência e grandeza de espírito, desvestirem‑se os juízes de preconceitos corporativos e outras posturas irracionais, como a que vê na imunidade absoluta e no máximo isolamento do Poder Judiciário condições sine qua non para a subsistência de sua imparcialidade (���)

Longe, pois, de conspirar contra a independência judicial, a criação de um órgão com poderes de controle nacional dos deveres funcionais dos magistrados res‑ponde a uma imperfeição contingente do Poder, no contexto do sistema repu‑blicano de governo� [Grifei�]

Nota‑se, portanto, que as sucessivas tentativas de reabertura da discussão, com o fito de tolher a atuação do Conselho, não devem prosperar e foram afas‑tadas desde a primeira manifestação desta Corte sobre o tema�

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7.1 O princípio da subsidiariedade e a competência constitucional do CNJTodavia, discute‑se acerca da alegada subsidiariedade da competência cor-

recional do Conselho� É preciso, portanto, procurar entender o que significa efetivamente o princípio da subsidiariedade aplicado ao direito público e como e se ele dever ser aplicado às relações entre CNJ e tribunais�

O princípio da subsidiariedade, tal como enunciado desde a antiguidade clássica – remonta a Aristóteles a ideia de que ao grupo mais restrito (família, por exemplo) caberia ocupar‑se das questões mais corriqueiras e ao grupo mais amplo (cidade, por exemplo) caberia a preocupação com as práticas gerais que conduziriam à otimização do bem‑viver comunitário –, considera o indivíduo como o centro do sistema político, de forma que a atuação do Estado (e da polis) deveria ser em função do bem desse indivíduo� (TANCREDO, Fabrizio Grandi� O princípio da subsidiariedade: as origens e algumas manifestações� Revista Faculdade Direito Universidade Lisboa, p� 177‑178)�

Afirmam os estudiosos do tema (por todos, vide: Margarida Salema Martins, O princípio da subsidiariedade e sua perspectiva jurídico-político, Coimbra, 2003, p� 43) que o princípio da subsidiariedade, tal qual se encontra percebido pela modernidade, tem em São Tomás de Aquino a sua concepção primitiva, para quem a sociedade é múltipla e variada, de forma que cada pessoa constitui o mundo de si própria, devendo ser responsável pelo próprio destino�

Também ajuda na compreensão do princípio da subsidiariedade o pensa‑mento de Tocqueville� Segundo anota Fabrizio Grandi: “Quanto à exigência de descentralização do poder público, o autor comungava sua opinião com os profetas do federalismo e da administração autônoma�” (p� 181) Nas palavras de Reinhold Zippelius:

Quanto mais se descentraliza o poder de decisão política, tanto maior é, regra geral, para a generalidade dos cidadãos o campo de um engagement político pró‑prio� É essa a ideia condutora de uma democracia com poderes divididos, ou seja, o poder político encontra‑se repartido entre a Federação e os Estados membros da Federação, consistindo a sua base num complexo ramificado de unidades administrativas autônomas� As instituições autônomas devem regular e tratar, em larga medida, os seus assuntos no exercício de competências próprias (admi‑nistração autônoma em sentido democrático)� [Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1997, p� 251 apud Fabrizio Grandi, p� 181�]

O pensamento da Igreja Católica sobre o princípio da subsidiariedade encon‑tra‑se presente, ainda que de forma embrionária, na Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que data de 1891, portanto, século XIX� Após sedimentação

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em diversas outras Encíclicas do Século XX (Quadragésimo Anno de 1931; Mater e Magistra de 1961; Pacem in Terris de 1963), mais recentemente, o Papa João Paulo II, na Encíclica Centesimus Annus, reafirma o princípio da subsidiarie‑dade, estabelecendo que:

uma estrutura social de ordem superior não deve intervir na vida interna de um grupo social de ordem inferior, privando‑a de suas competências, senão que deve apoiá‑la em caso de necessidade e ajudá‑la a coordenar sua ação com os demais componentes sociais, com vistas ao bem comum� [Fabrizio Grandi, p� 185�]

O princípio da subsidiariedade, em última análise, procura responder às seguin‑tes questões: Por que a autoridade? A que finalidade esta autoridade deve servir? Qual o âmbito de aceitação e de validade das competências dessa autoridade?

No âmbito do CNJ, seria possível responder a esses questionamentos afir‑mando que a autoridade atribuída pela Constituição ao Conselho teve em vista suprir as necessidades dos diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, hoje ainda administrados como “verdadeiras ilhas”�

Por ocasião do julgamento da ADI 3�367/DF, o ministro Cezar Peluso, relator, registrou: “(���) somente um órgão de dimensão nacional e de competências centra‑lizadas pode, sob tais aspectos, responder aos desafios da modernidade e às defi‑ciências oriundas de visões e práticas fragmentárias da administração do Poder”�

Apesar de o princípio da subsidiariedade ser entendido prioritariamente como um mecanismo descentralizador de poder, seja em sua dimensão socio-política, seja em sua dimensão normativo-organizatória, isso nem sempre é verdadeiro.

Na dimensão sociopolítica, o princípio da subsidiariedade diz respeito às relações entre Estado e sociedade, entre as áreas pública e privada� Essa acep‑ção é a que teve origem com a doutrina social da Igreja Católica, especialmente a partir da formulação proposta na Encíclica Quadragesimo Anno. (Mohn e Souza, Paulo Fernando� A subsidiariedade como princípio de organização do Estado e sua aplicação no federalismo� Dissertação de Mestrado – UniCeub, também editada pelo Senado Federal)

Alguns autores (CHICHARRO LÁZARO, Alicia� El principio de subsidiariedad em la Unión Europea� Navarra: Aranzação direta de inconstitucionalidade, 2001) classifi‑cam essa acepção sociopolítica do princípio, que trata das relações entre o Estado e a sociedade, como subsidiariedade horizontal, pois visa a cuidar das inter‑relações entre a sociedade, de um lado, e o Estado, de outro, enquanto corpos distintos�

Pode‑se entender, de outra banda, o princípio da subsidiariedade por meio de sua acepção vertical� Esta seria aquela que cuida das relações existentes

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dentro de um corpo específico, isto é, quando se cuida de relações no seio do Estado, por exemplo, a subsidiariedade vertical dirige‑se ao estabelecimento de comportamentos a serem observados pelos órgãos ou entes que fazem parte do organismo estatal�

Pensando esse princípio dentro da organização do Estado, portanto, ou em sua aplicação ao direito público, tem‑se a subsidiariedade vertical, nos termos da classificação de Chicarro Lázaro� Por conta da aplicação dessa acepção do princípio na teoria do federalismo alemão, tendem a chamá‑la de componente federativa do princípio (GÖTZ, Volkmar; HECKER, Michael� Il principio di sus‑sidiarietà nel diritto constituzionale tedesco com particolare rifirimento allá sua dimensione federale� In: RINELLA, Angelo; COEN, Leopoldo; SCARCIGLIA, Roberto (org�)� Sussidiarietà e ordinamenti constituzionali: esperienze a con‑fronto� Padova: CEDAM, 1999� p� 45‑64)�

Todavia, em tempos atuais, a melhor expressão do princípio da subsidia‑riedade, nessa perspectiva, está no art� 5º, alínea 2, do Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia� Por esse dispositivo “a Comunidade somente pode agir quando determinados objetivos não possam ser satisfatoriamente realizados pelos Estados-membros, ou possam ser melhor realizados a nível comunitário” (Mohn e Souza, Paulo Fernando� A subsidiariedade como prin-cípio de organização do Estado e sua aplicação no federalismo� Dissertação de Mestrado – UniCeub, também editada pelo Senado Federal)�

A regulamentação das competências entre Estados‑membros e comunidade, realizada pelo Tratado de Maastricht, leva em consideração, além do princípio da subsidiariedade, outros considerados fundamentais, como o da atribuição expressa de competência, o da proporcionalidade (esses constantes do art� I‑11, do referido tratado), e, em especial, o da leal colaboração (esse constante do art� I‑5, do Tratado de Maastricht)�

O princípio da leal colaboração é especialmente significativo para a boa compreensão e aplicação do princípio da subsidiariedade, uma vez que o intuito essencial do princípio é encontrar a esfera de atuação, seja local, seja central, em melhores condições de atuar com efetividade e eficácia, em cada caso.

É importante enfatizar isso para que fique claro que a minha compreen-são do princípio da subsidiariedade, ao contrário do que entenderam alguns a partir de um pronunciamento que fiz perante o Senado Federal, não se restringe ao entendimento de que o órgão central apenas está autorizado a agir após o esgotamento da via local.

Ao contrário, a meu ver, a subsidiariedade, iluminada por esse subprin-cípio da leal colaboração, que lhe deve nortear a aplicação, implica uma

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via de mão dupla, significa dizer que deve agir o órgão que se encontrar em melhores condições de realizar o objetivo com eficiência.

7.2 A colaboração entre os tribunais e o CNJ para a edição de resoluçõesPor isso, é relevante que se esclareça que o processo administrativo que tra‑

mitou no CNJ, e que culminou na edição da resolução questionada, foi iniciado a partir da solicitação da Corregedoria‑Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará� Trago anexa a meu voto a referida solicitação, mas peço licença para transcrever os seus parágrafos iniciais:

Sob o impulso das inúmeras experiências que tenho vivenciado ao longo de mais de 10 (dez) meses a frente da honrosa função de que atualmente sou mandatário, dirijo‑me a Vossa Excelência para apresentar alguns arrazoados acerca da Reso‑lução 30/2007, do Conselho Nacional de Justiça que, como sabido, dispõe sobre a unificação das normas relativas ao procedimento administrativo infracional contra juízes e magistrados de 1ª e 2ª instâncias�

Antes de tudo, não posso deixar de reconhecer a importância e a contribuição de tal iniciativa para o atendimento dos objetivos propugnados em sua base prin‑cipiológica� De fato, a compilação procedimental ali consolidada não apenas sublinhou o caráter nacional do Poder Judiciário, como ofereceu grandes subsídios ao desempenho de uma fiscalização mais eficiente e operosa da atividade judicante, eliminando as dispersões e imprecisões regionais, e via-bilizando a concretização do projeto de centralização disciplinar instituído pela Emenda Constitucional n. 45/2004. [Grifei�]

Além de a resolução ter sido impulsionada pelo TJCE, durante o processo de sua elaboração o CNJ consultou todos os tribunais do Brasil, sendo que a grande maioria deles apresentou propostas de aperfeiçoamento da norma, muitas imple‑mentadas na versão final da resolução, conforme consta do voto do relator do processo administrativo no CNJ, o conselheiro Walter Nunes da Silva Júnior�

Nota‑se, portanto, que a Resolução 135 foi elaborada em processo de estreita colaboração entre o CNJ e os tribunais do Brasil, os quais aprovaram o texto, assim como o aprovou a própria AMB, sendo que a resolução obteve votação unânime no Conselho, em sessão presidida pelo ministro Cezar Peluso, presi‑dente do CNJ� Essa resolução, portanto, não é obra isolada do Conselho, mas uma construção coletiva da magistratura nacional.

Outras resoluções do CNJ, como a 125, por exemplo, interferiram no funciona‑mento e na organização dos tribunais� Esta, a 125, determinou que os tribunais criassem órgãos de conciliação, entre outras providências� Algo que deve ser tido por comum na atividade do Conselho�

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7.3 Refutação do argumento segundo o qual a atuação do CNJ ofenderia o princípio federativo

Também não me impressiona o argumento segundo o qual a atuação corre‑cional direta do CNJ ofenderia a própria cláusula pétrea da federação, uma vez que significaria uma afronta à autonomia dos tribunais dos Estados‑membros� Em primeiro lugar, porquanto essa seja uma questão ou um conflito constitucional apenas aparente� É sabido que a federação é um pluribus in unum, isto é, uma plu‑ralidade na unidade, mas a parte que sobressai dessa expressão e da própria his‑tória da federação mais tradicional ainda em vigor é a que diz respeito à unidade�

A história da Federação norte‑americana, considerada bastante mais des‑centralizada do que a nossa, revela que, no curso da marcha histórica, foram dados, com dificuldade, diversos passos no sentido do fortalecimento do poder central� O exercício do judicial review demonstrava, desde o início, a necessi‑dade de correção, sobretudo, do direito estadual frente à normatividade cons‑titucional naquele país; a decisão redigida por Marshall, no caso McCulloch v. Maryland (1819), também revelou a necessidade, sentida pelo sistema federativo norte‑americano, de se reconhecer os necessários poderes à União, para que pudesse uniformizar questões relativas à circulação da moeda nacional�

Ainda mais significativas foram as chamadas emendas constitucionais da Reconstrução, promulgadas a partir do fim da guerra de secessão e que pro‑moveram um reforço significativo dos poderes da União, em um movimento federativo tipicamente centrípeto, de modo que diversas questões comerciais, trabalhistas, ligadas às liberdades individuais, pudessem receber tratamento uniforme em todo o território norte‑americano�

Bruce Ackerman afirma categoricamente que a 14ª emenda constitucional (editada na chamada fase da Reconstrução), pela primeira vez, proclamou a preponderância da cidadania nacional e o caráter secundário da cidada-nia estadual na identidade política dos norte-americanos (no original: “The Republicans’ Fourteenth Amendment opens by proclaiming, for the first time in our history, that national citizenship is primary, state citizenship secondary in each American’s political identity”, in ACKERMAN, Bruce� We the People: Foundations� Cambridge, Massachusetts; London, England: The Belknap Press of Harvard University Press, 1993� p� 81)�

A mesma espécie de movimentação centrípeta – no sentido de uma migração de poderes rumo ao centro, à União – ocorreu após a grande depressão (1929), com a implementação do New Deal pelo presidente F� D� Roosevelt� Após os conhecidos embates travados entre o presidente da República e a Suprema Corte dos EUA, o New Deal obteve a adesão da Corte, o que certamente facilitou a compreensão

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dos cidadãos norte‑americanos quanto ao necessário fortalecimento do poder central, naquele momento, e ao destaque de suas identidades nacionais�

Por essa razão, Ackerman, na obra citada acima, inicia o capítulo que trata da Moderna República afirmando:

New Deal Democracy marked another great leap along the arc of nationalistic self-definition initiated by the American Revolution. Although the Founders broke with the state-centered Articles of Confederation, they did not clearly establish the priority of national over state citizenship; although the Reconstructers resolved this fundamental question in favor of the Union, they did not frontally challenge the Founding notion that the national government had limited powers over economic and social development; with the New Deal, this Founding principle was decisively repudiated. Henceforth, the federal government would operate as a truly national government, speaking for the People on all matters that suf-ficiently attracted the interest of lawmakers in Washington, D.C. [ACKERMAN, Bruce� We the People: Foundations� Cambridge, Massachusetts; London, England: The Belknap Press of Harvard University Press, 1993� p� 105 — Grifei�]

Resta claro, desse modo, que a evolução do federalismo norte‑americano representou uma marcha descontínua no sentido da cooperação entre União e Estados, com a acentuação do papel desempenhado pelo Centro�

Por essa razão, dizia Raul Machado Horta:

O nascimento do federalismo cooperativo, no caso norte‑americano (���), não se apresentou como o desenvolvimento planejado de um princípio, mas sob a versão de método pragmático, destinado a resolver casuisticamente problemas concretos� [HORTA, Raul Machado� Direito constitucional� 4� ed� rev� e ampl� Belo Horizonte: DelRey, 2003�]

Essa pequena narrativa demonstra que, diante de problemas federativos relevantes, em muitos casos a solução mais harmônica e isonômica, capaz de apaziguar uma nação, foi a de ampliar as competências do Centro, relativamente às das ordens parciais autônomas�

Sendo certo que a estrutura federativa brasileira, por razões históricas e normativas que não preciso declinar aqui, é bastante mais centralizada do que a norte‑americana, levando‑se tal fato em consideração é que se deve analisar essa matéria também no âmbito do Poder Judiciário�

É certo que o Judiciário, além de representar um dos três Poderes da Repú‑blica, também é um dos Poderes de cada Estado‑membro e do Distrito Federal, dada a nossa estrutura federativa� Evidentemente que a cláusula da indepen‑dência entre os Poderes, consoante bem salientado pelo ministro Ayres Britto,

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diz respeito à relação dos Poderes entre si� Dessa forma, a Constituição impõe relacionamento em nível isonômico entre Executivo, Legislativo e Judiciário, todavia o caso em exame não se refere a esse tipo de relações, mas à relação travada entre órgãos do próprio Poder Judiciário�

A Constituição inequivocamente inseriu o CNJ no âmbito do Poder Judiciário� Além disso, conferiu ao Conselho uma composição plural e majoritariamente oriunda da magistratura, em que estão presentes magistrados de várias ins‑tâncias e ramos do Judiciário� Confira‑se:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:I – o Supremo Tribunal Federal;I‑A – o Conselho Nacional de Justiça;II – o Superior Tribunal de Justiça;(���)

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe‑se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

I – o Presidente do Supremo Tribunal Federal;II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo

tribunal;III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo

tribunal;IV – um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribu‑

nal Federal;V – um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;VI – um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal

de Justiça;VII – um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;VIII – um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Supe‑

rior do Trabalho;IX – um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;X – um membro do Ministério Público da União, indicado pelo procurador‑

‑geral da República;XI – um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo procurador‑

‑geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;

XII – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advoga‑dos do Brasil;

XIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal�

Nota‑se, portanto, que não há controle externo do Judiciário, o que restou claro

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do julgamento da ADI 3�367, e que os diversos setores da magistratura, inclusive estadual, estão representados no Conselho Nacional de Justiça� A questão que requer esclarecimento, desse modo, é a que concerne ao relacionamento entre o CNJ e os tribunais dos Estados-membros, ante a alegação de que a atuação correcional do Conselho feriria a autonomia garantida pela Constituição aos tribunais de justiça dos Estados-membros (art. 96, I, CF/1988).

Nesse ponto é que surge, com extrema importância, a fixação do caráter nacional do Poder Judiciário no Brasil� Ou seja, não obstante as suas ramifi‑cações especializadas e sua estrutura federativa – representada pela divisão justiça federal e estadual –, o tratamento da magistratura, mormente no que diz respeito às suas garantias e impedimentos, é nacional�

Esse caráter nacional do Judiciário já foi assentado por esta Corte em inúme‑ros julgados, especialmente no acórdão da ADI 3�367, referida anteriormente� Tal como transcorreu com a Federação norte‑americana, houve no Brasil um movi‑mento, iniciado ainda na primeira República, de nacionalização do tratamento normativo‑constitucional da magistratura, estendendo‑se aos juízes estaduais garantias que se voltavam apenas aos juízes federais, em nossa Constituição de 1891, conforme bem expôs Antônio Marques dos Reis:

O art� 57 da antiga Constituição (de 1891) dizia: “Os juízes federaes são vitalícios e perderão o cargo unicamente por sentença judicial� § 1º Os seus vencimentos serão determinados por lei e não poderão ser diminuídos”�

(���) Approvadas essas alterações ao substitutivo iniludível ficou o proposito de extender a Constituinte a todos os magistrados, federaes e estaduais, da Justiça comum ou da Justiça Militar, as garantias, da vitaliciedade, aposentadoria volun‑tária aos 30 annos de serviço (desnecessária a prova de invalidez), aposentadoria compulsória aos 75 annos, inamovibilidade, irreductibilidade dos vencimentos�

Essas garantias só a reforma da Constituição de 1891, feita em 1926, expres-samente estendia aos magistrados estaduais, pelo art. 6, II, letra “i”. Até então não havia declaração expressa a favor da magistratura estadual”� [REIS, Antô‑nio Marques dos� Constituição Federal Brasileira de 1934� N� 12� Bibliotheca Jurídica Brasileira, 1934, p� 166 – Grifei�]

Também Rui Barbosa, defendendo a unidade da magistratura nacional, afir‑mava: “No Brasil, onde o direito substantivo é um só, força era ser um só o sys‑tema do processo, e ter o organismo judiciário um caracter uno” (BARBOSA, Rui� Commentarios à Constituição Federal Brasileira – IV Volume – arts� 55 a 62 – Do Poder Judiciário� São Paulo: Livraria Acadêmica, 1933� p� 50‑51)� A reforma constitucional de 1926 veio, portanto, iniciar a uniformização do tratamento constitucional da magistratura nacional.

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A partir de 1937, a magistratura seria tratada de modo uniforme nas Cons‑tituições brasileiras� A Constituição Federal de 1988 merece destaque sob esse aspecto, conforme ressaltado acima, pois, além de manter o tratamento uniforme da magistratura brasileira, requereu um Estatuto da Magistratura, que deverá ser encaminhado ao Congresso pelo Supremo Tribunal Federal, regulamentando de forma comum os deveres e obrigações dos juízes nacionais (art� 93, CF/1988)�

A unificação da magistratura brasileira, promovida por esse processo de alterações constitucionais iniciado em 1926, chega em 1988 permitindo o con‑vívio entre um Poder Judiciário nacional e tribunais estaduais autônomos, visto que essa autonomia volta‑se primordialmente à proteção de sua independência perante os demais Poderes estaduais� O advento da EC 45/2004 e a criação do CNJ, consoante mencionado acima, significaram um fortalecimento da concepção unificada da magistratura, porquanto inequivocamente seja o Conselho um órgão nacional de controle do Judiciário.

Desse modo, parece evidente que a alteração constitucional criadora do Conselho Nacional de Justiça representou, de fato, uma atenuação da auto-nomia dos tribunais locais perante o próprio Judiciário, visto que o CNJ é órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário, composto majoritaria-mente por membros da magistratura.

O Poder Judiciário é reconhecidamente nacional e, para que possa atuar dessa forma, guardadas as peculiaridades regionais, um mínimo de regramento uniforme e aplicável a todos os tribunais fazia‑se necessário� As resoluções abaixo, com suas respectivas ementas, dão a exata dimensão da necessidade de o CNJ promover alguma centralização e, por outro lado, indicam também o quanto seria prejudicial e representaria um enorme retrocesso institucio‑nal imaginar cada tribunal regulamentando internamente cada uma dessas matérias� Confira‑se:

• Resolução 4/2005, editada com fundamento no art� 103‑B, § 4º, VI, da Cons‑tituição, criou o Sistema de Estatística do Poder Judiciário e foi o primeiro ato normativo do Conselho a obrigar diretamente os tribunais, especificamente em relação ao envio de informações estatísticas sobre o funcionamento do Poder Judiciário;

• Resolução 6/2005, dispôs sobre a aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos tribunais de 2º grau;

• Resolução 7/2005, do nepotismo, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário;

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• Resolução 10/2005, que vedou o exercício pelos membros do Poder Judiciá‑rio de funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e Comissões Disciplinares� e dá outras providências;

• Resolução 11/2006, que regulamenta o critério da atividade jurídica� Regu‑lamenta o critério de atividade jurídica para a inscrição em concurso público de ingresso na carreira da magistratura nacional;

• Resolução 13/2005, que dispôs sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura;

• Resolução 29/2007, que dispôs sobre a regulamentação da expedição anual de atestado de pena a cumprir e dá outras providências;

• Resolução 34/2007, que dispôs sobre o exercício de atividades do magistério pelos integrantes da magistratura nacional;

• Resolução 37/2007, que dispõe sobre a obrigatoriedade de os tribunais regulamentarem os casos excepcionais de juízes residirem fora das respecti‑vas comarcas;

• Resolução 41/2007, que dispõe sobre a utilização do domínio primário “�jus�br” pelos órgãos do Poder Judiciário;

• Resolução 44/2007, que dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa no âmbito do Poder Judi‑ciário Nacional;

• Resolução 46/2007, que cria as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário, objetivando a padronização e uniformização taxonômica e termi‑nológica de classes, assuntos e movimentação processuais no âmbito da Justiça Estadual, Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar da União, Militar dos Estados e do Superior Tribunal de Justiça, a serem empregadas em sistemas processuais;

• Resolução 51/2008, que dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes;

• Resolução 63/2008, que institui o Sistema Nacional de Bens Apreendidos (SNBA) e dá outras providências;

• Resolução 65/2008, que dispõe sobre a uniformização do número dos pro‑cessos nos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências;

• Resolução 66/2009, que cria mecanismo de controle estatístico e disciplina o acompanhamento, pelos juízes e tribunais, dos procedimentos relacionados à decretação e ao controle dos casos de prisão provisória;

• A Resolução 70/2009, que dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estra‑tégica no âmbito do Poder Judiciário;

• Resolução 71/2009, que dispõe sobre regime de plantão judiciário em pri‑meiro e segundo graus de jurisdição;

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• Resolução 89/2009, que institucionaliza os mutirões carcerários como mecanismo de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas, das medi‑das de segurança e das internações de adolescentes;

• Resolução 93/2009, que acrescenta e altera dispositivos à Resolução 54, de 29 de abril de 2008, que dispõe sobre a implantação e o funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção e cria e dispõe sobre o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos;

• Resolução 96/2009, que dispõe sobre o Projeto Começar de Novo no âmbito do Poder Judiciário, institui o Portal de Oportunidades;

• Resolução 99/2009, que institui o Planejamento Estratégico de Tecnologia da Informação e Comunicação no âmbito do Poder Judiciário;

• Resolução 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tra‑tamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder;

• Resolução 128/2011, que determina a criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal;

• Resolução 137/2011, que regulamenta o banco de dados de mandados de prisão, nos termos do art� 289‑A do CPP, acrescentado pela Lei 12�403, de 4 de maio de 2011�

Apesar de serem perfeitamente possíveis alterações normativas da estrutura federativa, consoante foi verificado por meio dos exemplos relativos à evolu‑ção dos Estados Unidos da América, a criação do CNJ, no Brasil, teve impacto mínimo nessa seara, pois os tribunais de justiça continuam independentes dos demais Poderes – Executivo e Legislativo – estaduais, e a reforma constitucional nada alterou nesse aspecto�

A relativa diminuição da autonomia dos tribunais locais, se é que se pode dizer que isso ocorreu, deu‑se não em favor de outros Poderes, mas do próprio Judiciário, representado pelo CNJ, que, por sua vez, sendo órgão nacional de con‑trole, é composto por juízes de todas as instâncias, de vários ramos do Judiciário e regiões do País� Desse modo, as resoluções do Conselho (e a resolução em exame foi aprovada à unanimidade de votos) são, em regra, obras coletivas da magistratura nacional, não havendo razão para se cogitar de interferência indevida nas atribuições dos tribunais locais.

A reforma constitucional criadora de órgão de controle interno da magis-tratura, ainda que possa representar movimento fortalecedor de um aparato central de controle, não ofende a estrutura federativa de forma alguma, pois esses processos são naturais em federações. Essas são alianças, e como tais, exigem algum grau de cooperação entre as partes que as compõem. E a forma

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de estruturação e de composição do CNJ denota que o constituinte reforma-dor prestigiou a magistratura como um todo, levando em consideração as justiças estaduais.

7.4 A motivação dos atos do CNJPara não teorizar muito a respeito do tema, vou direto ao ponto� No caso

das relações entre o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais, em matéria correcional, o próprio constituinte derivado diagnosticou, de modo geral, a incapacidade de as corregedorias locais atuarem de forma satisfatória, espe‑cialmente quando os investigados não eram magistrados de primeira instância, mas pares, colegas, de seus julgadores�

Daí por que a EC 45/2004 atribuiu competência correcional primária ao CNJ (art� 103‑B, § 4º, III, CF)� Essa competência correcional, disciplinar, conferida ao Conselho Nacional de Justiça pelo próprio texto constitucional vigente (referendado por esta Corte no julgamento da ADI 3�367, várias vezes referida), faz com que não haja a necessidade, levantada por alguns dos senhores minis-tros, de que o CNJ motive a sua atuação frente às corregedorias dos tribunais.

Deve ficar claro que não estou a defender uma atuação imotivada do CNJ� É claro que o Conselho age movido por uma causa, ou motivo – para utilizar‑me da lin‑guagem administrativista –, que pode se tornar de seu conhecimento por meio do recebimento de representações, reclamações que lhe são dirigidas, ou por meio das inspeções eventuais que o próprio CNJ venha a promover, como sói acontecer�

Desse modo, o Conselho Nacional de Justiça, ao iniciar investigação preli‑minar ou pedir providências, em regra o faz em razão de uma causa que lhe chegou a conhecimento, e seus atos, nesse sentido, são motivados� Isto é, o CNJ deve ter a causa ou o motivo para agir e deve motivar as providências que venha a adotar, tal como qualquer outro órgão administrativo.

Isso não quer dizer, no entanto, que o CNJ deva motivar seus atos em rela-ção às corregedorias locais, isto é, o Conselho não está obrigado a demons-trar as razões pelas quais está exercendo sua competência correcional cons-titucionalmente estabelecida, preterindo, por assim dizer, a eventual atuação das corregedorias locais, que – segundo o pensamento de alguns – deveria anteceder necessariamente a atuação do CNJ.

A razão é bastante simples, a instituição do CNJ, por meio da EC 45/2004, levou a uma nova interpretação da Constituição� A competência correcional, e não apenas essa, passou a ser compartilhada entre as corregedorias dos tribunais e o Conselho Nacional de Justiça� De modo que o CNJ, uma vez reconhecida sua competência correcional primária (estabelecida, portanto, diretamente pela

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Constituição), não está obrigado a justificar ou motivar o simples exercício direto de sua competência constitucional, mas apenas os atos concretos que venha a praticar.

7.5 Conclusões parciaisNão obstante as colocações acima, verifica‑se, na prática, que a atuação do

Conselho tem sido marcada por um nítido caráter subsidiário.A resolução em exame, ao uniformizar procedimentos a serem aplicados

por todos os órgãos correcionais nacionais, denota a intenção do Conselho de conferir efetividade à atuação dos tribunais, a fim de que o CNJ possa, exercendo seu controle administrativo e gerencial, manter sua atuação sub-sidiária no aspecto correcional.

Os dados estatísticos juntados aos autos pelo CNJ comprovam essa afirmação� A Corregedoria Nacional encaminha às corregedorias locais a quase totalidade das reclamações e representações que recebe� No período entre 23-8-2009 e 23-8-2010, a Corregedoria nacional encaminhou às corregedorias regionais dos diversos tribunais do país 521 reclamações e representações, número que representa mais de 90% das reclamações apresentadas ao CNJ no período�

Esses dados revelam algo óbvio: o Conselho não é, não será e não pretende ser, capaz de processar a vasta gama de representações que recebe� Mas isso não pode nem deve implicar a renúncia do CNJ à competência que lhe foi atri‑buída pela Constituição�

O princípio da subsidiariedade, bem entendido, deve servir como orien-tador para que se encontre “o nível mais adequado para ação, de modo que pode haver uma subsidiariedade “em direção para baixo”, se o assunto puder ser resolvido por uma esfera menor, ou uma subsidiariedade “em direção ao alto”, se demandar uma solução de maior abrangência, a cargo do nível mais elevado” (ROBERT, Eric� La subsidiarité: príncipe juridique et concept politique� Revue Helenique de Droit International, Atenas, n� 48, p� 183‑208, 1995, apud, Mohn e Souza, Paulo Fernando. A subsidiariedade como princípio de organização do Estado e sua aplicação no federalismo. Dissertação de Mestrado – UniCeub, também editada pelo Senado Federal)�

E tal como se dá no caso do Tratado de Maastricht, o juízo acerca do nível adequado de ação fica, em regra, com o órgão de maior abrangência, incum‑bido da função de controle� Daí a competência do CNJ para, inclusive, avocar processos disciplinares em trâmite nas corregedorias locais (art� 103‑B, § 4º, III, parte final, CF)�

Frise‑se, mais uma vez, que a própria criação do Conselho Nacional de Justiça

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denota o diagnóstico realizado pela sociedade, pelos Poderes políticos e, em especial, pelo constituinte derivado, acerca da insatisfação com a atuação das corregedorias locais, sobretudo relativamente aos membros da magistratura de segunda instância�

Por essa razão, a minha leitura da subsidiariedade, ao que parece, diver-gente da conferida ao dispositivo pelo relator, não implica a eliminação da competência correcional primária atribuída pela Constituição ao CNJ, mas apenas que se deve fazer o necessário juízo de adequação para se chegar à conclusão de que órgão está em melhores condições de atuar em cada caso.

Ademais, o teor do caput do art. 12 da resolução ora em exame não difere em substância do que dispõe o art. 103-B, § 4º, III, da CF, de modo que, ao se emprestar ao texto da resolução interpretação conforme à Constituição, pode-se estar, em verdade, interpretando a própria Constituição da Repú-blica conforme critérios jurídicos e políticos não mais subsistentes após o advento da EC 45/2004.

Ante o exposto, quanto ao caput do art. 12 da Resolução 135/2011 do CNJ, assim como em relação ao seu parágrafo único, indefiro a medida cautelar.

8. Caput e § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14; caput e incisos IV e V do art. 17; e § 3º do art. 20Os dispositivos em exame estão assim redigidos:

Art� 14� Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respec‑tivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes�

(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto(���)§ 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o

Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor�§ 8º Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento prepara‑

tório, ainda que não seja mais o Corregedor�§ 9º O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para ser

concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial�

Art� 17� Após, o relator determinará a citação do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encaminhando‑‑lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando‑se que:

(���)

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IV – considerar‑se‑á revel o magistrado que, regularmente citado, não apresen‑tar defesa no prazo assinado;

V – declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao requerido, concedendo‑lhe igual prazo para a apresentação de defesa�

Art� 20� (���)(���)§ 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto�

Mais uma vez, farei uso da argumentação que lancei alguns tópicos acima para afirmar que, a partir do momento em que esta Corte bem interpretou a Constituição para assentar que o Judiciário é um Poder nacional e que o CNJ, evidentemente, é um órgão de controle, com poder regulamentar, de âmbito nacional, faz‑se imprescindível, para a viabilização do desempenho de suas funções constitucionais, a edição de normas que consigam uniformizar pro‑cedimentos abarcando toda a magistratura�

Portanto, se a competência do Conselho é nacional, seus atos regulamentares deverão surtir efeitos em todo o Poder Judiciário, mormente, ante a cláusula transitória do art� 5º, § 2º, da EC 45/2004, a qual lhe atribui poderes normativos amplos até que sobrevenha o Estatuto da Magistratura�

Desse modo, ao repetir o conteúdo do art� 27 da LOMAN, o art� 14, caput, da resolução em análise não ofende a Constituição� Ressalte‑se que divirjo do rela‑tor quando ele afirma que a coincidência entre os dispositivos da resolução e da LOMAN pode gerar confusão, caso venha ser alterada a LOMAN�

Entendo que, uma vez alterada supervenientemente a LOMAN, esta prevalece‑ria sobre o texto da resolução, interpretação que me parece estar em harmonia com o art� 93, caput, da CF/1988 e com o art� 5º, § 2º, da EC 45/2004�

Quanto ao § 3º do art� 14 e ao § 3º do art� 20, que preveem que o presidente e o corregedor terão direito a voto, não vislumbro qualquer ofensa à Constituição� Ressalte‑se que a LOMAN é omissa nesse ponto�

A redação original da EC 45/2004 conferiu o seguinte teor ao art� 103‑B, § 1º, da CF: “O Conselho será presidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos naquele tribunal�”

Em 2009, no entanto, a EC 61 alterou a redação do dispositivo mencio-nado, que passou a figurar assim: “O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimentos, pelo Vice‑‑Presidente do Supremo Tribunal Federal�”

Ao suprimir a menção à competência tão somente para proferir o voto de desempate do ministro do Supremo no CNJ, o constituinte derivado deixou

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o tema aberto à regulamentação infraconstitucional, de modo que, na qua-lidade de órgão nacional de controle da magistratura, o CNJ exerceu corre-tamente seu poder regulamentar, pelo menos até o advento do Estatuto da Magistratura.

Quanto ao art� 17, caput, e incisos IV e V, reitero a fundamentação utilizada pouco acima para firmar que, no silêncio da LOMAN, e enquanto não sobrevier o Estatuto da Magistratura, o CNJ detém competência para editar normas que visem a uniformizar os procedimentos nos órgãos correcionais do País�

Ante o exposto, indefiro o pedido de medida cautelar relativamente ao caput e § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14; ao caput e aos incisos IV e V do art. 17; e ao § 3º do art. 20.

9. Parágrafo 1º do art. 15O dispositivo impugnado traz nova hipótese de afastamento cautelar de

magistrados, não prevista na LOMAN� Confira‑se:

Art� 15 (���)§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente

decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo dis‑ciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar�

Nesse ponto, assiste razão à requerente� O afastamento de magistrado em comento contraria o art� 27, § 3º, da LOMAN, que apenas permite‑o após a ins‑tauração do processo disciplinar�

Ademais, restrições às garantias da inamovibilidade e da vitaliciedade devem constar da LOMAN, isto é, devem ser objeto de lei em sentido formal e material� Nesse ponto, o princípio da legalidade, em sua acepção de Reserva de Lei, não pode ser flexibilizado, sob pena de se relativizarem as garantias da magistratura�

Ante o exposto, acompanho o relator no ponto e defiro a cautelar para suspender o § 1º do art. 15 da Resolução 135/2011, do CNJ.

10. Parágrafo único do art. 21Segue a redação do preceito impugnado:

Art� 21� (���)Parágrafo único� Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que

se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar‑se‑á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos�

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ADI 4.638 MC-REF

A alegação é de que o dispositivo contraria a parte final do inciso X do art� 93 da Constituição Federal, uma vez que este exige o voto da maioria absoluta dos membros do tribunal para a tomada de decisões disciplinares�

Não vislumbro a inconstitucionalidade alegada� Na hipótese, o preceito con‑sidera, implícita e logicamente, que foi obtida a maioria absoluta no sentido da condenação do magistrado, atendendo, assim, ao ditame constitucional�

O dispositivo, de forma perspicaz, visa a impedir que a ausência de concor‑dância entre os membros do tribunal, relativa à sanção a ser aplicada, implique a absolvição do magistrado hipotético�

Para remediar a situação, o preceito impugnado impõe uma espécie de voto médio em sua parte final, e até mesmo opta pela condenação mais branda em sua parte inicial, de modo que não encontro óbice à declaração de sua constitucionalidade�

Ante o exposto, indefiro, no ponto, a cautelar pleiteada.

V – CONCLUSÃOAnte o exposto, concluo:a) relativamente ao art. 8º e aos § 2º e 3º do art. 9º da Resolução 135/2001

do CNJ, acato a sugestão que emergiu dos debates do Plenário, para conferir a interpretação conforme à Constituição, proposta no sentido de se atribuir às palavras “Corregedor” e “Presidente”, ou “corregedores” e “presidentes”, referidas aos cargos dos tribunais, constantes dos dispositivos em exame, o sentido de “órgão competente de cada tribunal”;

b) quanto ao art. 10 da Resolução 135/2011 do CNJ, acato a interpretação conforme à Constituição proposta, para fixar que “o interessado”, e não apenas o “autor da representação”, poderá interpor o recurso de que cuida o dispositivo;

c) defiro a medida cautelar para suspender a eficácia do § 1º do art. 3º, bem como do § 1º do art. 15, ambos da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça; e

d) indefiro o pedido de medida cautelar quanto a todos os demais dispo-sitivos atacados.

VOTO (Aditamento)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, só para deixar claro também que, em relação a essa temática, já externei a minha posição; trago voto escrito a

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propósito da matéria� E, na linha do que foi sustentado a partir do voto da minis‑tra Rosa Weber, eu entendo que se deve negar referendo à liminar�

Tal como eu pretendo ter demonstrado na participação do debate, não me parece que haja aqui, com essa referência à subsidiariedade, um tipo de pedra filosofal para resolver o problema hermenêutico� A rigor, penso ter demonstrado que a própria ideia, se quisermos adotar a ideia de subsidiariedade, não significa uma limitação ao poder originário do CNJ� Quer dizer, o CNJ – tem um artigo do ministro Jobim recente nesta revista Interesse Nacional, Vossa Excelência também escreve nessa mesma publicação – busca fazer um equilíbrio entre as ideias de independência e de responsabilidade dos membros do Poder Judi‑ciário� E Vossa Excelência, também, na própria ADI 3�367, quando enfrentou o tema à luz da arguição de inconstitucionalidade da própria emenda, dizia que:

é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético‑disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de [cola‑boradora, inclusive, do CNJ] MARIA TEREZA SADEK�

Portanto, parece‑me que, nessa linha, não é de se acolher a tese que levaria, em termos práticos – ainda que não haja aqui qualquer intencionalidade –, a condicionar a atuação do CNJ a uma formalização� E, na prática, sabemos que isso importaria na impugnação sistêmica à qualquer ato do CNJ, fosse no argumento da motivação, fosse naquele que exige o exaurimento da atividade da corregedo‑ria� Parece hoje um truísmo, um lugar comum, que a atividade correcional não é efetiva, especialmente quando se cuida de ação no âmbito do próprio tribunal�

Por outro lado, já foi aqui destacado, a atividade disciplinar é apenas uma das atividades exercidas pelo CNJ� Talvez, embora tenha tanto impacto em razão do atingimento de uma ou outra situação, até seja uma das menores atuações ou competências do CNJ, a despeito do impacto em situações individuais� Se formos olhar o conjunto da obra, veremos que tem muito mais significado a ação ins‑titucional do CNJ como um todo, um programa, um planejamento estratégico, um modelo de metas, em suma, uma gestão� O ministro Ayres Britto lembrava, por exemplo, que o CNJ constrói, a partir do próprio Texto Constitucional, e está obrigado a zelar pela autonomia do Poder Judiciário� E há várias resoluções do CNJ nesse sentido�

Lembrava‑me dessa construção, que foi muito bem elaborada a partir do tra‑balho do desembargador Rui Stoco, no sentido de construir um modelo de auto‑nomia financeira do Poder Judiciário a partir do próprio Texto Constitucional,

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a apreensão, a construção desse fundo; ou outro tema importante, Presidente, porque nós discutimos o modelo da chamada autonomia financeira e adminis‑trativa apenas no plano interno� Isso, Gilson Dipp, nas inspeções que realizou, mostrou que, por um vezo – talvez seja até compreensível, naquela linha de que “o meu pirão primeiro” –, os tribunais se privilegiam em relação à Justiça de primeiro grau� Qual foi a resposta institucional que deu o CNJ? Criou um modelo de orçamento participativo, obrigando, isso foi elaborado com a participação dos magistrados, que os juízes de primeiro grau participem da construção do orçamento� Vejam, isso é um modelo que diz respeito ao zelo a que está obrigado o órgão pela autonomia do Judiciário como um todo�

Por isso, Presidente, pedindo todas as vênias ao relator, nego referendo à liminar�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: Não tenho qualquer dúvida, Senhor Presidente, de que o Conselho Nacional de Justiça dispõe de competência, em sede disci-plinar, para fazer instaurar procedimentos destinados a investigar, a apurar e a punir magistrados que hajam incidido em desvios funcionais ou cometido atos de improbidade administrativa ou, ainda, praticado outras ilicitudes de caráter jurídico‑administrativo�

Não questiono, por isso mesmo, Senhor Presidente, a integridade dessa com‑petência em matéria disciplinar, que traduz, mais do que uma prerrogativa jurídica, verdadeiro dever-poder de adotar medidas que viabilizem a plena e efetiva responsabilização disciplinar de magistrados que hajam conspurcado o seu ofício e transgredido a autoridade da lei�

O estatuto jurídico que rege a atuação dos juízes não pode ser invocado para excluir a possibilidade de responsabilização penal ou disciplinar dos magistrados faltosos, que, ao procederem com dolo ou fraude, hajam cau-sado injusto gravame aos direitos de qualquer pessoa ou tenham revelado, em seu comportamento funcional, absoluta inadequação aos vetores axioló‑gicos e aos parâmetros ético‑jurídicos que regem a atuação dos membros do Poder Judiciário�

É sempre importante reafirmar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos, inclusive os magistrados, são res-ponsáveis em face da lei e perante a Constituição, devendo expor-se, por isso mesmo, de maneira plena, às consequências que derivam de eventuais com‑portamentos ilícitos�

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É por essa razão que tenho enfatizado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incor-ruptíveis, cujo desempenho funcional respeite, integralmente, os princípios éticos e os postulados jurídicos que condicionam e que conferem legitimidade ao exercício da atividade pública� O direito ao governo honesto traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania�

Vale rememorar, no ponto, que destaquei esse particular aspecto da ques‑tão em julgamento desta Suprema Corte, proferido em 1999, que reconhe-ceu a possibilidade constitucional de o Poder Legislativo instaurar, até mesmo, inquérito parlamentar (CPI) sobre irregularidades e ilicitudes administrativas perpetradas no âmbito do próprio Poder Judiciário (HC 79.441/DF, rel� min� OCTAVIO GALLOTTI, Pleno)�

Mostra-se indiscutível, portanto, Senhor Presidente, que a competência outorgada ao Conselho Nacional de Justiça, porque revestida de índole consti-tucional, não está sendo (nem poderia sê‑lo) contestada quanto à sua realidade mesma, eis que os poderes inerentes à sua jurisdição censória representam emanação do próprio texto da Constituição da República�

Sob tal perspectiva, inexiste qualquer controvérsia em torno da natureza de tais poderes e de sua vinculação à competência do CNJ�

Afinal, o sistema democrático e o modelo republicano não admitem nem podem tolerar a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade�

O Supremo Tribunal Federal, por meio de seus ministros, tem clara percep-ção de que a existência de situações de impunidade de juízes transgressores da lei, no âmbito do Poder Judiciário, constitui sinal visível de que o Estado não está sendo capaz de realizar, plenamente, as funções essenciais que lhe foram atribuídas�

A ausência de efetiva reação estatal ao desrespeito das leis por juízes faltosos e o descumprimento, por eles, de seus deveres funcionais traduzem omissão que frustra a autoridade do Direito, que desprestigia o interesse público, que gera o descrédito das instituições e que compromete o princípio da igualdade�

Por isso mesmo, e considerando-se o gravíssimo processo de degradação moral dos costumes administrativos que hoje afeta, perigosamente, alguns núcleos do aparelho estatal, inclusive do Poder Judiciário, torna-se impor-tante destacar que o Supremo Tribunal Federal – precisamente por ter cons‑ciência dessa realidade – entende necessário advertir que a impunidade, que jamais deverá ser tolerada, representa preocupante fator de estímulo à prática

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e à reiteração de atos ilícitos decorrentes de condutas desviantes de alguns magistrados, pois a ausência de repressão a juízes ímprobos gera, no espírito do cidadão honesto, o sentimento de justa indignação contra a indiferença ética do Estado, que se revela incapaz ou destituído de vontade política para punir aqueles, magistrados ou não, que transgridem as leis�

Vê-se, portanto, que não se registra controvérsia em torno da titularidade, pelo Conselho Nacional de Justiça, dos poderes censórios que lhe foram outor‑gados em sede constitucional�

Entendo que outro deve ser o foco da presente discussão, que não envolve – insista-se – qualquer pretensão que objetive reduzir ou frustrar o exercício de prerrogativas que foram constitucionalmente outorgadas, em âmbito dis-ciplinar, ao CNJ�

Tenho para mim que a análise da questão pertinente à competência do Con‑selho Nacional de Justiça, não obstante revestida de natureza constitucional, propõe, sugere e estimula algumas reflexões, notadamente se se considerar a existência, nesse contexto, de notória situação de tensão dialética que põe em confronto, de um lado, a autonomia institucional do Poder Judiciário e, de outro, o poder censório outorgado a órgão (o CNJ) posicionado na estrutura central do aparelho de Estado�

O alto relevo político‑jurídico desse tema é também magnificado pela deli‑cada questão que envolve a interferência, na esfera orgânica de intimidade da magistratura local, de instituição (o CNJ), que, embora incorporada ao aparato judiciário (CF, art� 92, I‑A), representa elemento estranho, no plano estadual, ao respectivo sistema de organização judiciária�

É certo que a EC 45/2004, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça, defi-niu-lhe um núcleo irredutível de atribuições, além daquelas que lhe venham a ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura, assistindo-lhe o dever-poder de efetuar, no plano da atividade estritamente administrativa, disciplinar e financeira do Poder Judiciário, o controle do “cumprimento dos deveres funcio-nais dos juízes” (CF, art� 103‑B, § 4º)�

Para tanto, a EC 45/2004 previu meios instrumentais destinados a viabili‑zar o pleno exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua jurisdição cen‑sória, cabendo destacar, dentre os diversos instrumentos de ativação de sua competência administrativa, aquele que lhe permite “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (...), sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos dis-ciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria

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com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa” (CF, art� 103‑B, § 4º, III)�

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.367/DF (RTJ 197/839‑840), bem explicitou referidas atribuições, indicando-lhes a sua própria razão de ser, como resulta claro de fragmento do voto então proferido pelo eminente minis‑tro CEZAR PELUSO, relator da causa:

A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle “ do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à imparcialidade jurisdicional.

Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obri-gações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. (...).

Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético--disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (...).

Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos a que se con-finava o controle dos deveres funcionais dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: “o privilégio da substancial irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes”. (...).

Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o ele-vado papel que se lhes predica. (...). [Grifei�]

Corretíssima a afirmação, constante desse douto pronunciamento do emi‑nente ministro CEZAR PELUSO, de que a “responsabilização dos juízes” traduz verdadeiro “imperativo do regime republicano”�

É de irrecusável procedência, pois, a asserção segundo a qual a responsa-bilidade dos agentes públicos, aqui incluídos os magistrados, tipifica-se, num sistema constitucional de poderes limitados, como uma das cláusulas essenciais à configuração mesma do primado da ideia republicana (RTJ 162/462‑464, rel� p/ o ac� min� CELSO DE MELLO), que se opõe – em função de seu próprio conteúdo – às formulações teóricas ou jurídico‑positivas que proclamam, nos regimes monárquicos, a absoluta irresponsabilidade pessoal do Rei ou do Imperador, tal como ressaltado por JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p� 203, item n� 267, 1958, Ministério da Justiça – DIN)�

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Embora inquestionável a posição de grande eminência dos magistrados no contexto político‑institucional emergente de nossa Carta Política, impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de responsabilizá-los pelos atos ilícitos ou transgressões fun‑cionais que eventualmente venham a praticar no desempenho de seu ofício�

Na realidade, a consagração do princípio da responsabilidade dos agen‑tes públicos em geral configura, na expressiva lição de PAULO M� DE LACERDA (“Princípios de Direito Constitucional Brasileiro”, vol� II/459, item n� 621, Livra‑ria Azevedo‑Editora), “uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é elemento essencial da forma republicana democrática que a Constituição bra-sileira adotou (...)”�

Desse modo, a sujeição dos magistrados às consequências jurídicas de seu próprio comportamento revela-se inerente e consubstancial ao regime repu-blicano, que constitui, no plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões políticas fundamentais adotadas pelo legislador consti‑tuinte brasileiro�

A forma republicana de Governo, analisada em seus aspectos conceituais, faz instaurar, portanto, como já o proclamou esta Suprema Corte (RTJ 170/40‑41, rel� p/ o ac� min� CELSO DE MELLO), um regime de responsabilidade a que se devem submeter, de modo pleno, dentre outras autoridades estatais, os magistrados em geral�

O princípio republicano, que outrora constituiu um dos núcleos imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir de 1891, não obstante sua plurissignifica‑ção conceitual, consagra, a partir da ideia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os magistrados, inclusive – são responsá-veis perante a lei (WILSON ACCIOLI, “Instituições de Direito Constitucional”, p� 408/428, itens ns� 166/170, 2� ed�, 1981, Forense; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p� 518/519, 10� ed�, 1995, Malheiros; MARCELO CAETANO, “Direito Constitucional”, vol� II/239, item n� 90, 1978, Forense, v.g.)�

Sabemos que nenhum dos Poderes situa-se acima da Constituição� E sabe-mos, ainda, que o justo equilíbrio político entre os Poderes do Estado decorre do convívio harmonioso que deve pautar as suas relações institucionais�

A importância desse postulado e a necessidade de preservação da integri‑dade das garantias dos Juízes – garantias que devem ser vistas muito mais como formas de proteção dos próprios cidadãos –, considerada a estrutura institucional em que se organiza o aparelho de Estado, assumem significa‑tivo relevo político, histórico e social, pois não há, na história das sociedades

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políticas, qualquer registro de um povo, que, despojado de um Judiciário inde‑pendente, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua pró‑pria liberdade�

Sob essa perspectiva, e no contexto histórico em que hoje vive o nosso país, situado entre o seu passado e o seu futuro, impulsionado pelos desafios da liberdade e confrontado pela necessidade de impedir que os postulados da República, da Federação e da divisão funcional do poder sejam afetados e com-prometidos em sua eficácia e em seu objetivo, torna-se imperioso reconhecer uma realidade política que se revela essencial à compreensão de nosso meca‑nismo de governo�

E essa realidade, analisada a partir da necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de controles institucionais recíprocos entre os poderes do Estado, fundados em um plano de estrita horizontalidade, concerne ao estabeleci‑mento de um modelo eficaz e transparente, viabilizador da supervisão das atividades financeiras e do controle da gestão orçamentária do Poder Judiciá‑rio, bem assim de fiscalização disciplinar dos magistrados que descumpram os seus deveres funcionais, tais como previstos pela EC 45/2004, ao definir o âmbito de competência institucional do Conselho Nacional de Justiça�

A questão da fiscalização dos atos dos magistrados, quando desvestidos de conteúdo jurisdicional, projeta-se como um dos tópicos mais relevantes, expressivos e sensíveis da agenda – só em parte agora concretizada – de refor-mulação institucional do Poder Judiciário�

Sempre entendi essencial e plenamente compatível com a ideia republi‑cana – que possui extração constitucional – a necessidade de instaurar-se, em nosso país, um sistema destinado a viabilizar a instituição de modelo voca‑cionado a conferir efetividade ao processo de fiscalização social dos atos não jurisdicionais emanados dos membros e órgãos do Poder Judiciário�

Cheguei a propor, por isso mesmo, em 22‑5‑1997, quando de minha posse na Presidência deste E� Supremo Tribunal Federal, a extensão do mecanismo do “impeachment”, hoje restrito aos membros da Suprema Corte brasileira (CF, art� 52, II), a todos os magistrados, assinalando, então, que os juízes do nosso mais alto Tribunal judiciário têm estado sujeitos, historicamente, a uma moda‑lidade de fiscalização político‑administrativa que representa a forma mais radical de controle externo, porque instaurável, perante órgão de outro Poder da República (o Senado Federal, no caso), por iniciativa de qualquer cidadão (Lei 1.079/50, art� 41)�

A circunstância de os ministros do Supremo Tribunal Federal, nas infra‑ções político‑administrativas (“crimes de responsabilidade”), haverem sido

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submetidos, desde a nossa primeira Constituição republicana (1891), à jurisdi-ção política do Senado Federal, órgão integrante do Poder Legislativo, jamais interferiu nem afetou a independência pessoal e a liberdade funcional dos magistrados que compõem a Corte Suprema brasileira�

Vê-se, desse modo, a partir de nossa própria experiência institucional, que a ideia de fiscalização social e externa revela-se imanente ao sistema da Cons‑tituição, por traduzir mecanismo compatível com o postulado republicano�

Cumpre destacar, nesse contexto, o magistério irrepreensível do saudoso GERALDO ATALIBA (“República e Constituição”, p� 38, item n� 9, 1985, RT), para quem a noção de responsabilidade traduz um consectário natural do dogma republicano:

A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, inti‑mamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar� Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essen-cial. [Grifei�]

Na realidade, o sistema democrático e o modelo republicano não admitem nem podem tolerar a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade�

Nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender‑se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade�

Tenho, por isso mesmo, por plenamente válida, quer no plano formal, quer no âmbito material, a previsão, pela EC 45/2004, do Conselho Nacional de Justiça, considerando não só as razões que venho de referir, mas apoiando-me, ainda, nas precisas observações feitas pelo eminente professor ALEXANDRE DE MORAES (“Direito Constitucional”, p� 471/475, 17� ed�, 2005, Atlas) a propósito do Conselho Nacional de Justiça, investido, legitimamente, de competência para efetivar o con‑trole da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e para promover a fiscalização do cumprimento, pelos magistrados, de seus deveres funcionais:

A EC 45/2004 estabeleceu, como órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, com sede na Capital Federal, porém sem funções jurisdicionais, pois, como lembram Garcia de Enterría e Fernandez Tomás-Ramón, “a relação entre o Direito e o Juiz é direta, sem que nenhum outro sujeito ou órgão possa intervir no momento de tomar suas decisões.

(���)Não se trata (...) de um verdadeiro controle externo ao Poder Judiciário, nem

tampouco de última instância controladora da magistratura nacional, uma vez

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que sempre haverá a possibilidade de impugnação das decisões tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça, cuja competência para o processo e julgamento de eventuais ações propostas será sempre do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, r, da Constituição Federal.

(���)Dessa forma, independentemente do posicionamento político sobre a conve-

niência ou não da criação e existência desse órgão de controle central do Poder Judiciário, três importantes pontos caracterizadores do Conselho Nacional de Justiça afastam a possibilidade de declaração de sua inconstitucionalidade, por interferência na Separação de Poderes (CF, art. 60; § 4º, III): ser órgão integrante do Poder Judiciário, sua composição apresentar maioria absoluta de membros do Poder Judiciário e possibilidade de controle de suas decisões pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário (STF).

Essas três marcantes características garantem a constitucionalidade do Conse-lho Nacional de Justiça, além de reforçarem e centralizarem na força do Supremo Tribunal Federal todo o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, tornando--o, não só a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, como tradicional-mente estabelecido, mas também, a partir da EC 45/2004, sua cúpula administra-tiva, financeira e disciplinar, pois todas as decisões do Conselho Nacional de Justiça sobre o controle da atuação administrativa e financeira dos diversos tribunais e sobre a atuação funcional dos magistrados serão passíveis de controle jurisdicional pelo STF (CF, art. 102, I, r), que fixará o último posicionamento. [Grifei�]

Não se questiona, por tal razão, até mesmo em respeito ao dogma republi-cano, a possibilidade constitucional de o Conselho Nacional de Justiça fazer instaurar, em sede originária, procedimentos disciplinares contra magistra‑dos locais nem se lhe nega a prerrogativa, igualmente constitucional, de avocar procedimentos de natureza administrativo‑disciplinar�

Impõe-se, contudo, ao Conselho Nacional de Justiça, para legitimamente desempenhar suas atribuições, que observe, notadamente quanto ao Poder Judiciário local, a autonomia político‑jurídica que a este é reconhecida e que representa verdadeira pedra angular (“cornerstone”) caracterizadora do modelo federal consagrado na Constituição da República�

É certo, no entanto, que tal afirmação – em tudo compatível com a organi‑zação federativa que rege, constitucionalmente, entre nós, a forma de Estado – não conflita com o perfil nacional que o Poder Judiciário ostenta no sistema institucional brasileiro, tal como o reconhecem eminentes doutrinadores (Cân‑dido Rangel Dinamarco, “Instituições de Direito Processual Civil”, vol� I/333‑334, item n� 128, 6� ed�, 2009, Malheiros; JOÃO MENDES DE ALMEIDA JR�, “Direito Judiciário Brasileiro”, p� 47, item n� V, 1960, Livraria Freitas Bastos S/A; CASTRO NUNES, “Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p� 77/78, item n� 7, 1943, Forense;

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JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”, p� 194/199, item n� 70, 2� ed�, 1998, Millennium; ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “Teoria Geral do Pro-cesso”, p� 195, item n� 97, 26� ed�, 2010, Malheiros, v.g.), cujas lições refletem-se na própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria (ADI 3.367/DF, rel� min� CEZAR PELUSO, v.g.)�

Não obstante a dimensão nacional em que se projeta o modelo judiciário vigente em nosso país, não se pode deixar de reconhecer que os corpos judi-ciários locais, por qualificarem-se como coletividades autônomas institucio‑nalizadas, possuem um núcleo de autogoverno que lhes é próprio e que, por isso mesmo, constitui expressão de legítima autonomia que deve ser ordina-riamente preservada, porque, ainda que admissível, é sempre extraordinária a possibilidade de interferência, neles, de organismos posicionados na estrutura central do Poder Judiciário nacional�

É por tal motivo que se pode afirmar que o postulado da subsidiariedade representa, nesse contexto, um fator de harmonização e de equilíbrio entre situações que, por exprimirem estados de polaridade conflitante (pretensão de autonomia em contraste com tendência centralizadora), poderão dar causa a grave tensão dialética, tão desgastante quão igualmente lesiva para os sujeitos e órgãos em relação de frontal antagonismo�

Em uma palavra: a subsidiariedade, enquanto síntese de um processo dialé-tico representado por diferenças e tensões existentes entre elementos contras‑tantes, constituiria, sob tal perspectiva, cláusula imanente ao próprio modelo constitucional positivado em nosso sistema normativo, apta a propiciar solução de harmonioso convívio entre o autogoverno da magistratura e o poder de con‑trole e fiscalização outorgado, no plano central, ao Conselho Nacional de Justiça�

Disso resulta que o exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, da com-petência disciplinar que lhe foi atribuída dependerá, ordinariamente, para legitimar‑se, da estrita observância do postulado da subsidiariedade, cabendo, ao Tribunal judiciário local, o desempenho da competência primária em tema de responsabilização disciplinar dos magistrados a ele vinculados�

Se, no entanto, o Tribunal local deixar de exercer a competência primária de que se acha investido ou, então, vier a manipulá‑la, ilicitamente, dando causa a situações anômalas, legitimar-se-á, em tal ocorrendo, a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça agir, desde logo, em sede originária, fazendo instaurar o pertinente procedimento disciplinar contra magistrados faltosos�

Destaco, para esse efeito, em rol meramente exemplificativo, algumas das situações anômalas cuja ocorrência justificará o exercício imediato, pelo

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Conselho Nacional de Justiça, de sua competência disciplinar originária: (a) a inércia dos tribunais na adoção de medidas de índole administrativo‑discipli‑nar, (b) a simulação investigatória, (c) a indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle ou (d) a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados�

Isso significará que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventual‑mente punitiva) do Conselho Nacional de Justiça deverá ocorrer nos casos em que os tribunais – havendo tido a possibilidade de exercer, eles próprios, a competência disciplinar e correcional primária de que se acham ordinariamente investidos – deixarem de fazê‑lo (inércia) ou pretextarem fazê‑lo (simulação) ou demonstrarem incapacidade de fazê‑lo ( falta de independência) ou, ainda, dentre outros comportamentos evasivos, protelarem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida)�

Dessa maneira, a incidência do postulado da subsidiariedade, como requi-sito legitimador da prática concreta, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua competência em matéria correcional, disciplinar e/ou administrativa, não só harmonizará o exercício dessa jurisdição censória com o princípio da autono‑mia institucional dos tribunais, como conferirá, também, maior coeficiente de legitimidade jurídica à atuação desse órgão estatal, propiciando-se, desse modo, nos termos da abordagem ora preconizada, a análise do tema sob a perspectiva dos múltiplos valores constitucionais envolvidos�

Vale rememorar, neste ponto, ante a relevância de suas observações, a adver-tência feita pelo eminente ministro GILMAR MENDES, quando inquirido, em audiência pública, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sobre a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça observar o prin-cípio da subsidiariedade (para, em assim procedendo, respeitar a prerrogativa constitucional da autonomia dos tribunais) antes de adotar, no desempenho da competência que lhe foi atribuída, qualquer medida de índole disciplinar ou de natureza administrativa contra magistrados e órgãos judiciários em geral:

E aqui eu tenho, então, Sr. Presidente, uma preocupação. Já foi objeto, inclusive, de consideração, quando presidi, eventualmente, o Conselho Nacional de Justiça numa ausência eventual da ministra Ellen. Eu advertia, os colegas do Conselho, que talvez um órgão como este, que tem que supervisionar, que tem que plane-jar a ação do judiciário em termos gerais, nacionais, universais, ele devesse se pautar pelo princípio da subsidiariedade (...), o Conselho não poderia receber toda e qualquer reclamação. Para isso, há os setores adequados dos juízes nos tri-bunais, os órgãos correcionais, inclusive. É preciso que se enfatize essa ideia. Que

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o Conselho cumpra sua função de zelar pela efetiva prestação jurisdicional, pela coordenação desta prestação jurisdicional, pelo planejamento dessas atividades, mas que ele não se embaralhe com a atividade dos casos repetidos, dos casuísmos que se repetem e que são desafiadores. E que o desafiam exatamente porque no grau de insatisfação revelado muitas vezes nós temos também as manifestações, as reproduções de demandas ele acaba se tornando este grande muro de lamentações. Eu me lembro que, na sessão que eu presidi no Conselho, se discutia, para que os senhores tenham um exemplo bem claro, se discutia se era correta a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de desativar o júri que atuava em Santo Amaro. Uma decisão comezinha afeita ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Diz com a sua autonomia. Pois a matéria chegou ao Conselho, e pasmem os senhores, depois da votação quase conclusa, havia empate. Metade dos conselheiros entendia que o Conselho deveria intervir em São Paulo e sustar aquela decisão tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. E a outra metade entendia que, nesse caso, a matéria era da competência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Coube-me, então, desempatar. E eu disse: Se nós continuarmos nesse ritmo, se nós continuar-mos a pautar o trabalho do Conselho por esta filosofia, nós vamos fazer inveja ao centralismo democrático da antiga União Soviética. Nós vamos assumir um papel para o qual nós não estamos preparados. Pensando neste universo que é o Brasil. Com tantas questões, com milhões de processos tramitando em todas as varas, imaginarmos que cada reclamação eventualmente feita contra os aspectos mais comezinhos relativos aos processos ou às decisões administrativas desses juízes elas venham a desaguar no Supremo, no Conselho. Nós vamos ter alguma insatisfa-ção agora não com a justiça, mas com o funcionamento do Conselho. A rigor, é a funcionabilidade do Conselho que pode estar em jogo neste modelo. Daí eu vinha preconizando, desde então, a necessidade de que nós trabalhemos esta ideia da subsidiariedade (...). Claro, os órgãos correcionais, os órgãos administrativos dos tribunais devem cumprir a sua missão. Se eles falharem, se eles não derem resposta, sim, cabe ao Conselho fazer a intervenção, cabe ao Conselho regular determinadas atividades, fazer o planejamento dessas atividades, acompanhar a efetividade da prestação jurisdicional. Mas não cabe ao Conselho dar resposta para cada angústia tópica que mora em cada processo. É preciso, portanto que nós estejamos atentos, de resto eu estou a falar de algo que não é nenhuma novi-dade, o princípio da subsidiariedade (...) já se fazia presente no pensamento de Aristóteles. Aparece em São Tomas de Aquino (...), é o princípio básico da comu-nidade européia hoje, é o princípio estruturante da comunidade européia. É um pensamento central da idéia federativa. Para nós respeitarmos, inclusive, a autonomia dos tribunais que a Constituição quer preservar, é preciso que nós tenhamos essa visão. Acredito, Sr. Presidente, que essa deve ser a tônica do Con-selho. E eu digo com esta ênfase porque nós todos estamos aprendendo. A própria feitura da Emenda Constitucional é uma obra de engenharia institucional. [Grifei�]

Cumpre referir, ainda, ante a pertinência de seu conteúdo, fragmento da

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decisão que o eminente ministro MARCO AURÉLIO proferiu no julgamento do MS 28.884 MC/DF, de que é relator:

Salta aos olhos a relevância do pedido formulado quanto à necessária deter-minação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido de julgar o processo administrativo, glosada a atividade monocrática, a atividade do corregedor. Inca-bível é cogitar-se, na situação concreta, de legitimação concorrente, sob pena de menosprezo à organicidade e à dinâmica do Direito, vindo-se a agasalhar avoca-ção que se distancia da previsão do inciso III do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal – a revelar competir ao Conselho Nacional de Justiça “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposen-tadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”. Relativamente aos processos disciplinares de juízes e membros de tribunais, a revisão, de ofício ou mediante provocação, pressupõe, a teor desse inciso e também do inciso V – “rever, de ofício, ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” –, o exaurimento da atuação na origem, mesmo porque, conforme o inciso VIII do art. 93 da Carta da República – e incumbe interpretá-la de forma sistemática –, cabe ao tribunal, de início, o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, observado o voto da maioria absoluta. [Grifei�]

Esse aspecto da questão, que põe em destaque as delicadas relações entre a autonomia constitucional dos tribunais em geral e a jurisdição censória come‑tida ao Conselho Nacional de Justiça, não passou despercebido à precisa aná‑lise que FLÁVIO DINO, HUGO MELO FILHO, LEONARDO BARBOSA e NICOLAO DINO fazem do tema (“Reforma do Judiciário: comentários à Emenda n. 45/2004”, p� 108/109, 2005, Impetus), em passagem na qual se enfatiza o papel relevante, porque harmonizador, desempenhado pela cláusula de subsidiariedade:

De outra face, é interessante realçar a largueza que foi conferida aos órgãos e agentes submetidos ao controle disciplinar do CNJ, abrangendo até os serviços notariais e de registro, o que é altamente positivo. A esse propósito, duas questões merecem destaque. Em primeiro lugar, sobre as sanções administrativas aplicáveis aos servidores da Justiça, há que se observar a legislação que rege seus respectivos regimes jurídicos, cabendo ao CNJ aplicá-la e impor as penas ali fixadas, observado o procedimento administrativo próprio. Como se cuida de órgão nacional, não há nenhum óbice a que leis estaduais sejam aplicadas pelo CNJ; pelo contrário, esta

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possibilidade é perfeitamente compatível com o federalismo cooperativo, em que não há divisões rígidas entre os entes que integram a federação. Em segundo lugar, pode-se indagar se a grande quantidade de órgãos e agentes submetidos à com-petência disciplinar do CNJ não irá inviabilizá-lo. Daí emerge a importância de duas previsões: a primeira, a de que o CNJ não elide a competência disciplinar e correicional dos Tribunais, de modo que estes poderão ser instados pelo próprio CNJ a apurar os fatos – reservando-se este para uma intervenção posterior, caso a seu juízo seja necessária. Para tanto, o CNJ utilizará os seus poderes de “avocar processos disciplinares em curso” e de rever “os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (a teor do inciso V do § 4º em análise). Ou seja, o CNJ não pode ter a pretensão de transformar-se em um ‘Big Brother’, dando conta do que se passa em milhares de unidades jurisdicionais em todo o território nacional, investigando juízes e serventuários. Deve, ao contrário, reservar-se um papel subsidiário e complementar em relação aos Tribunais, atuando sobretudo quando constatada a ineficácia dos mecanismos ordinários de administração e repressão. A outra previsão relevante para a viabilização das tarefas disciplinares do Conselho, diz respeito à possibilidade de o ministro-Corre-gedor “requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territó-rios”, a teor do art. 103-B, § 5º, III. [Grifei�]

Essa mesma percepção da matéria é revelada por ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, (“Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira”, p� 232/233, item n� 5�4, 2009, Juruá), que também acentua a relevância da aplicação do postulado da subsidiariedade:

(...) Nesse sentido, o ministro Gilmar Ferreira Mendes, por ocasião de sua saba-tina do Senado Federal para fim de assumir a presidência do CNJ e do Supremo Tribunal Federal no biênio 2008-2010, afirmou que o CNJ não deve atuar como única instância de punição a juízes responsáveis por irregularidades. Para o ministro, as corregedorias dos tribunais devem atuar antes que o Conselho seja acionado. “Os órgãos correcionais, administrativos dos tribunais, devem cumprir sua missão. Se eles falharem, se não derem resposta, cabe ao Conselho fazer a intervenção.”

De “ lege ferenda”, seria de bom alvitre que se disciplinasse a atuação do CNJ como órgão administrativo recursal, ressalvando-se seu poder avocatório em casos excepcionais – omissão ou irregularidade na apuração, v.g. – ou originário em caso de inércia das corregedorias dos tribunais. [Grifei�]

Estabelecidas as premissas que venho de expor – segundo as quais o prin‑cípio da subsidiariedade deve reger, em regra, o exercício, pelo Conselho Nacio‑nal de Justiça, de sua jurisdição censória –, há que se considerar, a título de reflexão, que a atuação originária do CNJ, em tema de fiscalização correcional, justificar‑se‑á quando verificada a ocorrência das hipóteses excepcionais por

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mim anteriormente referidas, valorizando-se, em consequência, até mesmo em respeito ao poder de autogoverno e de autoadministração dos tribunais em geral, as instâncias disciplinares neles existentes�

Isso porque a Constituição Federal, ao delimitar a competência disciplinar do Conselho Nacional de Justiça, o fez “sem prejuízo da competência discipli-nar e correicional dos tribunais”, a significar, portanto, na perspectiva ora em exame, que devem caber, em princípio, aos próprios tribunais, a apuração e o julgamento de processos disciplinares envolvendo seus membros e os magis‑trados a eles vinculados, instaurando-se a jurisdição censória do Conselho Nacional de Justiça nas situações anômalas a que aludi, em rol meramente exem-plificativo, no presente voto�

É o meu voto.

VOTO (Sobre o art. 12, caput e parágrafo único)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Diante de votos tão longos e profun‑dos, não vou alongar‑me, mas fazer algumas breves observações, com o devido respeito às opiniões divergentes�

Recordo que um dos fundamentos, mais precisamente um dos fatores que ditaram a edição da Emenda 45 e ao qual me referi especificamente no voto da ADI 3�367, quando aludi a uma relativa deficiência dos órgãos correicionais em relação, sobretudo, a tribunais, foi o seguinte: o constituinte derivado enten‑dia haver, na atuação desses órgãos correicionais, situação que não atendia plenamente às expectativas da população e às exigências mesmas do poder correicional� Isso ficou muito claro em relação a todos aqueles que comenta‑ram o assunto� O CNJ surgia justificado nesse aspecto, que, de certo modo, é secundário em relação a outros muito mais importantes que dizem respeito ao planejamento da magistratura, como, aliás, também acentuei no voto� O CNJ vinha então para remediar esse mal� Que mal era esse? Um mau funcionamento relativo, até porque seria despropósito dizer que todas as corregedorias funcio‑navam mal, e aqui quero abrir um exemplo, um parêntese, para fazer desmentido público – que seria até desnecessário, porque a história está registrada, inclusive em alguns periódicos que hoje tomaram posição oposta�

Quando fui juiz auxiliar da Corregedoria no Estado de São Paulo, durante dois anos, encarregado de preparar os procedimentos disciplinares contra magistrados, entre outras punições preparamos um dossiê que resultou em duas ações penais julgadas procedentes, e os magistrados, além de perderem

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os cargos, cumpriram pena� E a Corregedoria de São Paulo jamais fez praça de cumprir o seu dever� Simplesmente cumpriu o seu dever, e é isto que interessa à sociedade: que a corregedoria atue� Não precisa que vá aos jornais para anun‑ciar� Isso significava que as corregedorias não eram todas inoperantes� Muitas corregedorias funcionavam (e muito bem!) como a de São Paulo, durante várias gestões, mas em particular naquela em que servi – talvez com o mais rigoroso corregedor que o Tribunal de Justiça de São Paulo teve, o saudoso desembar‑gador Humberto de Andrade Junqueira�

Portanto, havia uma deficiência relativa, sobre a qual também havia relativo consenso quanto à necessidade da criação de um órgão que suprisse essa defi‑ciência� A pergunta que se propunha e que se propõe é a seguinte: o CNJ, nesse aspecto, veio para remediar esse mal ou veio para extinguir as corregedorias, tomadas como fator de perturbação do funcionamento do Poder Judiciário?

Acho que nenhum de nós jamais iria raciocinar ou imaginar que o CNJ foi criado para extinguir, como recordei no discurso de ontem, um órgão inven‑tado no tempo das Ordenações Afonsinas e que constitui um dos instrumentos inerentes à própria concepção da magistratura como tal�

As corregedorias têm função e têm importância� Logo, a resposta sábia, a meu ver, com o devido respeito, é dizer que a função do CNJ não é extinguir, anular, decapitar ou decotar as corregedorias e os tribunais com função de corregedoria, mas remediar a deficiência de sua atuação, isto é, daquelas que não funcionam� Logo, a mim me parece que, do ponto de vista do funcionamento do sistema, que a primeira grande preocupação é saber se o Conselho Nacional de Justiça voltou seus olhos preferenciais a essas deficiências dos corregedores que não cumprem os seus deveres� Não tenho conhecimento de nenhum processo sobre isso no âmbito do CNJ� Pode existir� Não quero publicamente dizer que não exista, mas não tomei conhecimento de nenhum procedimento contra algum corregedor acusado de não cumprir a sua função de fiscalizar, de corrigir e punir� É verdade que ainda hoje se fala, e tenho ouvido isso em programas de televisão a várias pessoas, mas nenhuma delas cita nenhum caso concreto, nenhuma delas faz referência a algum fato específico� Valem‑se também daquilo que eu podia chamar de um certo bordão, “Olha, isto é assim”, mas não se tem prova de que seja!

Supondo‑se que seja, o CNJ teria que voltar, primariamente, seus olhos para essas corregedorias, que, mantidas, têm de funcionar segundo os deveres que recaem sobre os ombros dos respectivos corregedores, sejam eles de juiz de pri‑meiro grau, sejam eles de tribunais que exercem essas mesmas funções� Então, há uma função importantíssima do CNJ sob esse ponto de vista, que corresponde às razões históricas da sua criação como órgão disciplinar�

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Qualquer interpretação, a meu sentir, que ponha em risco a sobrevivência prática das corregedorias envolve uma contradição no próprio modo de conce‑ber a Emenda 45 e a função do CNJ� Se dermos interpretação tal que privilegie outros aspectos relevantes, mas que descurem o olhar que o Conselho deva dirigir aos membros de tribunais e aos próprios tribunais com função de cor‑regedoria que não funcionam, lhe comprometeremos uma atividade primária�

Qualquer desvio nesse sentido significa, do ponto de vista prático, em primeiro lugar, a introdução de um princípio absolutamente incompatível com o sentido tuitivo da Emenda 45 e da própria existência do órgão, que é o quê? A introdu‑ção do princípio de que é legítima a indolência e a omissão das corregedorias�

Se as corregedorias não funcionam, e o CNJ não se volta às suas deficiências e às suas omissões, está instalado o princípio de que isso é normal� A partir daí, é possível, porque somos humanos, que alguns corregedores digam: “Olha, tomei conhecimento deste caso, não vou me mexer; isso fica a cargo do CNJ� Eu, não! Praticamente não tenho o que fazer, o CNJ que o faça!”

Alguém pode até tomar a atitude, que eu acharia absolutamente censurável, de, recebendo por escrito, formalizada uma reclamação contra um magistrado, dizer: “Olha, encaminhe‑se ao Conselho Nacional de Justiça, que é o encarregado de fazer isso� Ele é que que tem competência�” Isso significaria, por outro lado, o esvaziamento prático e, portanto, a extinção das próprias corregedorias; a inutilização prática das corregedorias�

Não é só do ponto de vista prático� É claro que essa interpretação, que alarga em termos quase absolutos o poder do CNJ – e tudo que é absoluto é perigoso! –, acaba levando, por uma tendência natural, a que todos os que tenham queixas contra o funcionamento do aparelho do Judiciário já não se dirijam às correge‑dorias, que seriam, no sistema, órgãos fracos� É claro, se eu posso reclamar com o supervisor, por que eu vou reclamar com funcionário subalterno? Eu vou direto ao supervisor� Se eu posso ir diretamente a este, eu não preciso correr o risco de perder tempo com um funcionário menor� Noutras palavras, ao invés de todas as reclamações serem dirigidas primariamente às corregedorias e aos tribunais locais e regionais, a tendência será que essas reclamações sejam dirigidas dire‑tamente ao Conselho Nacional de Justiça� Se o forem, o Conselho Nacional de Justiça vai ficar como ficamos hoje no Supremo Tribunal Federal: quase impos‑sibilitados de nos mover em virtude da avalanche de processos! Se levarmos em consideração só os processos pendentes hoje nas corregedorias locais, se fossem transferidos hoje, automaticamente, para o CNJ, o CNJ estaria paralisado�

Dir‑se‑á: “Bem, mas isso é uma consequência de ordem fática�” Sim, mas o Direito se dirige à vida; o Direito é o modo de governar a vida e tornar a vida,

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do ponto de vista prático, alguma coisa fluente e, portanto, não pode escapar a tais preocupações na interpretação do sistema jurídico, para que não se chegue a essas contradições de ordem prática�

Por outro lado, o art� 12, que está sob o nosso julgamento e cuja estima, de certo modo, já está selada, inverteu os termos da Constituição� Dir‑se‑á: “Foi uma forma de redigir�” A linguagem é coisa perigosa: um “não” com vírgula é uma coisa, e um “não” sem vírgula é outra coisa� Alterar os termos do discurso altera, eventualmente, o sentido do discurso�

Por que teria ocorrido ao Conselho inverter o que diz a Constituição? A Cons‑tituição diz que as competências dos conselhos são exercidas sem prejuízo das competências dos tribunais� “Sem prejuízo”, enquanto as palavras tiverem algum sentido, significa que não pode prejudicar a competência dos tribunais� Há, portanto, necessidade de compatibilizar o exercício da competência dos tribunais e o exercício da competência do CNJ, que nós não negamos seja a mais abrangente possível� Mas essa inversão da resolução, que assume os foros de um super legislador capaz de atropelar a Lei Orgânica da Magistratura, capaz de atropelar o artigo da emenda constitucional nas Disposições Transitórias que, quando fala no “seu funcionamento”, é agora entendida pela Resolução como funcionamento de qualquer órgão, não é mais o “seu” – o “seu” é uma inutilidade na norma constitucional; esse “seu”, aí, desapareceu�

Qual foi o propósito normativo dessa inversão? Alterar a jurisprudência – se é que podemos falar assim –, a orientação que, como já foi citado aqui em várias vezes, desde a criação, desde o início de funcionamento do Conselho, sempre tem sido adotada: a de, recebendo essas reclamações, encaminhá‑las às corre‑gedorias? A intenção foi essa? Se foi essa, evidentemente não é uma invenção de Lampedusa; terá sido uma invenção dos primeiros membros do Conselho Nacional de Justiça, e tomada por quê? Porque, textualmente, queriam evitar o desperdício de energia e, ao mesmo tempo, prestar uma homenagem e um respeito normativo à competência originária posta na Constituição em relação aos tribunais, como já foi abertamente sustentado e, a meu ver, com toda razão e com o devido respeito�

Há, portanto, necessidade de compatibilizar a concepção da competência do Conselho Nacional com a necessidade de não prejudicar, como determina a Constituição, a competência das corregedorias, se é que essas ainda têm alguma utilidade na nossa interpretação�

Ora, quando se diz, por outro lado, que a função – e diz‑se corretamente – de controle do CNJ é função importante, não se pode perder de vista que ela é de controle, o que significa que pressupõe verificar se os tribunais e os magistrados

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cumprem seus deveres legais e constitucionais� Isso é controlar� Controlar não significa criar deveres novos, não; significa verificar se os órgãos jurisdicionais de primeiro, segundo e terceiro graus cumprem seus deveres constitucionais� Isso é controlar�

Logo, a partir daí, me parece que é preciso haja uma razão afirmada ou declarada de que o tribunal ou órgão corregedor não cumpriu o seu dever, seja porque não instaurou o procedimento, seja porque, instaurando, não lhe deu o trâmite célere necessário, seja porque não guarde independência, seja porque há indícios de corporativismo; seja, enfim, por uma infinidade de fatos que não somos capazes de prever na totalidade, mas cuja existência justifique que o Conselho atue em substituição, sem descurar a necessidade de punir o des‑cumprimento, que justifica a sua intervenção� Por quê? Porque sempre que o Conselho Nacional tomar a iniciativa do procedimento – já não estou falando no caso de avocação –, está pressupondo, ainda quando não o diga, que o órgão local ou regional encarregado de fazê‑lo não o fez� Portanto, está implicitamente reconhecendo que houve desvio funcional dos órgãos de corregedoria� E isso é fato grave, que não pode ficar à margem das considerações do Conselho� Ele pode atuar em relação à apuração do fato que constitui o objeto do procedimento, mas não pode desconhecer o fato que constitui o objeto que determinou a inter‑venção como vício do órgão que deveria ter cumprido seu dever e não cumpriu�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência me permite uma rápida observação?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Pois não�O sr. ministro Gilmar Mendes: Apenas de memória, e sem me socorrer de

registros, o CNJ afastou pelo menos dois corregedores em razão, exatamente, do mau funcionamento de corregedorias, inclusive de corregedorias de tribunais de justiça importantes� Há processos abertos também em razão da omissão�

Agora, isso não dá, a meu ver, razão a Vossa Excelência quanto à premissa básica do seu voto, de que o órgão deveria fiscalizar fundamentalmente o fun‑cionamento das corregedorias� Acredito que isso que Vossa Excelência está preconizando já ocorre, a ideia de estimular o funcionamento das corregedorias, tanto é que há um colégio de corregedores� O próprio corregedor‑geral do CNJ atua dentro desse contexto�

O argumento de Vossa Excelência não afasta as premissas dos votos que nós aqui proferimos em divergência a esse posicionamento, por quê? Porque há fatos que se manifestam de maneira tão evidente e que reclamam uma orientação�

Por outro lado, tive oportunidade de ressaltar, e Vossa Excelência tem essa vivência no CNJ, que uma parte do trabalho, importante e significativa, se realiza

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no desenho de novos modelos institucionais� Vou dar um exemplo apenas de cabeça: a questão de horários dos tribunais� Vai‑se dizer: “Isso é matéria interna corporis�” O caso de Pernambuco – espero não errar em relação ao Estado –, cujo tribunal de justiça funciona pela manhã, Ministro Peluso, e, depois, a tarde é livre� Não há horário, portanto� E o plantão começa à noite� É possível um órgão judicial funcionar com essa dimensão?

Aí vem o Conselho Nacional de Justiça e estabelece regras normais� Aí vai‑se dizer: “Há uma intervenção�”

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É por isso que o Conselho tem de intervir� Exatamente�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Ou quando se cria uma regra, um problema elementar, que já é preocupação desde a Emenda 7: juiz residir na comarca� Um grande problema� Nós tivemos o caso de Abaetetuba, Vossa Excelência se lembra, em que, por falta de juiz na comarca, uma moça ficou presa junto com homens�

O sr. ministro Ayres Britto: Quinze anos de idade�O sr. ministro Gilmar Mendes: É, trinta dias, quarenta dias� Então, vem o

CNJ e estabelece um mecanismo de acompanhamento, uma questão elementar� Se nós dissermos em abstrato: “Ah, o horário de funcionamento, considerando o calor da Amazônia ou do Nordeste, deveríamos ter horário de madrugada�” Ninguém vai de madrugada para tribunal, mas inventa‑se esse tipo de coisa� Estou falando de caso concreto, em que se fixou o horário pela manhã; o juiz chega às dez horas; sai às doze horas; à noite, é plantão e à tarde não tem expe‑diente� E se o CNJ vem e estabelece uma regulamentação sobre isso, diz‑se: “Ah, está invadindo a competência dos tribunais�” Data maxima venia.

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, o que Vossa Excelência está dizendo não tem nada a ver com o meu raciocínio� Nada�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Tem, sim�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, o meu raciocínio é o de que,

se há o vício, o CNJ tem de intervir; ao mesmo tempo, tem de intervir também para apurar, porque quem deveria ter evitado o vício, em nível de corregedoria���

O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso tem ocorrido�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ótimo, mas é isso que nós não

queremos mudar�O sr. ministro Ayres Britto: Depois disso, Excelência, se me permite, a ativi‑

dade de controle atua em duas frentes: há o controle corretivo e o controle profilá‑tico, preventivo� Não vamos reduzir o conceito de controle� Depois disso, o CNJ vai muito além da atividade correicional, mas é muito além da atividade correicional�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Disse isso no início do meu voto, Ministro; disse que vai muito além e que essas outras atividades são mais relevan‑tes do ponto de vista social, embora a disciplinar seja importantíssima também�

O que estou querendo dizer, outra vez, é que, se há desvio funcional que precisa ser corrigido, mas não foi corrigido pelo órgão corregedor, o CNJ está autorizado a intervir em ambas as situações: em relação ao desvio – se o juiz não mora na comarca, se ele não cumpre horário etc� –, o CNJ pode intervir; ao mesmo tempo, tem de apurar a responsabilidade de quem tinha que ter evitado essas situações danosas ao interesse público�

Aí Vossa Excelência cita, nos quase sete anos do funcionamento do Conselho, dois casos� O que significa, a contrario sensu, que as corregedorias, excetuando‑‑se esses dois únicos casos, nesses sete anos, estão funcionando muito bem!

O que estou tentando dizer é que é preciso, nessa necessidade de compatibi‑lização das competências, que a do CNJ não se transforme em poder absoluto, sem negar aquilo com o que já concordei de início ao reconhecer a competência primária do CNJ� Não se trata de decotar nenhum dos poderes do CNJ, nenhuma das suas competências, nada� É preciso apenas que a intervenção do CNJ dire‑tamente, tendo por pressuposto necessário o reconhecimento de um vício do tribunal que deveria ter corrigido a situação e não a corrigiu, tem que estar justificada� Por quê? Porque, ainda que não o diga, estará reconhecendo que a situação objeto da justa preocupação do Conselho não foi remediada pelo órgão que tem o dever jurídico de fazê‑lo� Está implícito na própria iniciativa� Ora, se está implícito na própria iniciativa, é preciso que fique declarado�

Por que é preciso que fique declarado? Por alguns motivos� Primeiro: para verificar a possibilidade de controle dessa motivação – é preciso verificar� Por quê? Como todos os órgãos são falíveis, pode ser que o Conselho também erre numa intervenção, mediante motivação que não subsista diante do exame de legalidade� Como fazer esse controle? Recordo‑me do ministro Fux, que, em meio à discussão, suscitou exatamente a hipótese de impetrar‑se mandado de segu‑rança� Alegando‑se o quê? O que se vai alegar, se não está declarado o motivo pelo qual o CNJ toma a iniciativa? Então, mais do que isso, é preciso perceber também que, não obstante a Constituição o permita – e digo mais uma vez que reconheço essa competência primária do CNJ –, sem motivação, implica redução de um grau de jurisdição administrativa para os magistrados� Os magistrados não serão julgados primariamente pelo órgão local, com direito de recurso ao CNJ no âmbito administrativo� Perderão essa possibilidade porque passarão a ser julgados diretamente pelo CNJ� E isso significa a redução de uma garantia processual, que precisa estar justificada!

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ADI 4.638 MC-REF

A ministra Cármen disse que o poder do CNJ tem sua fonte na Constituição da República e, por isso, não precisa motivar� A jurisdição também tem fonte na Constituição da República, mas somos obrigados a fundamentar�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Determinação da Constituição� Então, quando a jurisdição é exercida, é exercida com base na Constituição e, em cada caso concreto, a decisão no processo vai precisar da motivação�

O sr. ministro Ayres Britto: Isso� A fundamentação como um elemento da decisão interna a ela, ao passo que o motivo é pressuposto do ato, é externo ao ato�

A sra. ministra Cármen Lúcia: É anterior até�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, essa distinção não afasta

o fato de que, quando o CNJ vá fazer a intervenção, ele decidiu intervir�O sr. ministro Ayres Britto: Bem, então são duas decisões� A Constituição

só se referiu a uma decisão�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Portanto, precisa haver motivação,

como qualquer outro ato administrativo�O sr. ministro Ayres Britto: Olha, Ministro, qual é o fim de todo processo,

seja administrativo, seja judicial? Uma decisão� O processo tempo‑fim; uma decisão� Essa decisão é fundamentada�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não consigo entender, Ministro, a resistência à necessidade de motivar� A minha postura, desde o início, eu já o antecipei, quando abri os debates sobre a constitucionalidade do art� 12, é a de que não tenho nada a opor à afirmação de todas as competências do CNJ, desde que, quando o CNJ aja, dê uma razão – pode ser uma dessas que foram exem‑plificativamente pensadas pelo ministro Celso de Mello, pelo ministro relator�

O sr. ministro Ayres Britto: Mas, Excelência, a competência do CNJ entra em ignição a partir de um fato, uma denúncia, uma representação� É o fato que deflagra a competência� A motivação é a final, é com a decisão�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas uma ação penal também é defla‑grada por um fato�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): A pergunta não é essa, Ministro� A pergunta é: por que é que, intervindo, vai prejudicar a competência do tribunal local? A Constituição diz “sem prejuízo da competência do Tribunal”�

O sr. ministro Ayres Britto: Como disse o ministro Gilmar Mendes, uma segunda condição de procedibilidade� Isso inibe o controle no ponto de par‑tida das coisas�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas a administração pública, Ministro, obrigada a motivar, está inibida?

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Ayres Britto: Não� Motivar é outra coisa, Excelência� Moti‑vação é uma coisa�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Obrigado a motivar, Ministro, é obrigado a dar as razões! A administração pública está obrigada a isso, porque não age para defender outros interesses� Ela tem que demonstrar que está agindo para cumprir a lei� Tem que motivar� E a motivação é esta: “dar razões”�

Por que essa resistência em dar razão? É isso que não consigo entender� Como “a resistência em dar razão”? Eu afirmo: o CNJ pode tomar a atitude que queira tomar em termos disciplinar� Pode tomar todas as atitudes que quiser�

O sr. ministro Ayres Britto: Razão é sinônimo de justificativa� Razão é justificação� Justificação é sinônimo de motivação�

O sr. ministro Luiz Fux: E a razão pública é uma integrante do Estado Demo‑crático de Direito�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Dê a razão e nós vamos lhe dar razão� Quando, por exemplo, em um caso, alegadamente – eu não quero comen‑tar aqui ainda, porque de certo modo está sob julgamento –, tenha acontecido a ou b, é uma boa razão para a intervenção� Se, amanhã ou depois, for verificado que o fato a ou b não aconteceu, é outra questão� Mas, enfim, dê uma razão� Pronto� Não há restrição nenhuma, não há limitação nenhuma, não há muti‑lação nenhuma de competência, não há nada� E isso completa o sistema nos termos da Constituição, sem prejudicar a competência dos tribunais�

Parece coisa inútil que a Constituição tenha previsto essa norma de que o exercício da competência do Conselho não pode prejudicar a competência dos tribunais� Se nós, assumindo o lugar do constituinte, dizemos que pode preju‑dicar, isso é outra coisa� Nós podemos escrever outra Constituição e dizer isto: “o CNJ pode atuar com prejuízo das competências dos tribunais�” Mas não é isso o que a Constituição diz� E o meu compromisso é com a Constituição� O meu compromisso é com a Constituição!

Por essas razões e algumas – algumas, não, muitas – que já foram juridica‑mente, com muito mais rigor e com muito mais competência avançadas por todos os votos que ora estou acompanhando, com o devido respeito à douta maioria já formada, é que eu vou acompanhar o eminente relator, para rea‑firmar aquilo que antecipei: o art� 12 permite que o CNJ inicie, instaure direta, originária e primariamente qualquer procedimento administrativo, bastando que motive o ato – apenas isso, não mais que isso�

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ADI 4.638 MC-REF

EXPLICAÇÃO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu passei o meu voto por escrito e gostaria que ficasse explicitado o meu ponto de vista�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vou proclamar�O sr. ministro Luiz Fux: Aliás, Senhor Presidente, Vossa Excelência acabou de

destacar isso, e o ministro Marco Aurélio destacou no voto, é importante real‑mente porque o Supremo Tribunal Federal, diferentemente dos outros órgãos, dos outros Poderes, não tem um porta‑voz� Muitas vezes, então, interpretam as nossas decisões de maneira absolutamente equivocadas� Ficou realmente patente que nós concordamos que o Conselho Nacional de Justiça tem a com‑petência originária, nos casos excepcionais, assim motivadamente declarados pelo órgão� É importante que isso fique claro�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu acabei de afirmar isso� Todos nós afirmamos que o CNJ tem competência primária e originária para instau‑rar processo diretamente� A única coisa que os vencidos, acho, reconheceram, é que há necessidade apenas de dar o motivo por que o faz�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: De qualquer maneira, Senhor Presi‑dente, eu gostaria que meu voto ficasse explicitado na publicação�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu vou ler� É que o ministro Luiz Fux me havia interrompido na hora em que eu ia começar, e interrompido com toda razão�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Pois não, eu peço escusas a Vossa Excelência�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, antes de encerrar a sessão, eu só gostaria de fazer um registro� Uma parte do debate que nós travamos aqui revela uma situação até constrangedora para o Tribunal, porque se refere sempre à falta do Estatuto da Magistratura� E nesse caso nós não temos como dizer que a culpa é do Congresso Nacional porque, obviamente, por razões que nós conhecemos ou que nós não conhecemos, o fato é que ou retiramos o projeto do Congresso ou não tomamos iniciativa�

Da Constituição de 1988 até esses dias, temos mais de 20 anos passados sem que haja a deliberação� E já da Emenda Constitucional 45, daqui a pouco estaremos comemorando dez anos sem que tenha havido a submissão dessa matéria ao Congresso Nacional para uma definição que hoje é relevante e que certamente vai nos poupar de outras discussões no plano normativo�

De modo que gostaria de fazer esse registro�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, com relação a

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ADI 4.638 MC-REF

esse aspecto, como fui relator do anteprojeto do Estatuto da Magistratura – e já o entreguei com bastante antecedência para que a Corte pudesse deliberar sobre ele –, eu queria apenas dizer que as alterações constitucionais se sucedem e que isso está impedindo que nós enviemos o projeto tal como gostaríamos de encaminhá‑lo para o Congresso Nacional� Uma das últimas alterações, um dos grandes problemas que o estatuto enfrenta e não foi ainda resolvido por nós adequadamente, penso eu, é a questão da previdência dos magistrados� E, agora mesmo, o eminente ministro Marco Aurélio, que está encarregado desse assunto, de definir���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Há uma comissão encarregada para estudar esse assunto�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Enquanto esta matéria não estiver definida, nós não podemos mandar o Estatuto para o Congresso Nacional� Por‑tanto, as alterações se sucedem a cada momento e nós ficamos surpreendidos por essas alterações e não podemos mandá‑lo�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E, se me perdoam, há uma outra

boa razão que esta sessão acaba de testemunhar� Esta matéria tem que constar do Estatuto� E não seria conveniente que o fizéssemos antes de resolver este assunto, pois ressuscitaríamos, em âmbito administrativo, a mesma discussão que estamos tendo agora � E também, aqui entre nós, não há muita falta, porque já se reconheceu agora que o Conselho Nacional de Justiça pode regulamentar tudo que seria objeto do Estatuto! Não há, portanto, nenhum problema�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, apenas para minha com‑preensão, porque terei que redigir o acórdão: quanto ao art� 12, o Tribunal nega referendo na totalidade, inclusive relativamente ao parágrafo, assentando que, havendo choque entre o Regimento Interno do Tribunal e o do Conselho Nacio‑nal de Justiça, prevalece este último?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Foi dito textualmente em vários votos; no último deles, o da nossa mais nova e ilustre ministra, eu ouvi isso muito bem�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Aqueles colegas que se pronun‑ciaram em sentido diverso do relator não o fizeram quanto ao parágrafo� Daí minha dúvida�

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ADI 4.638 MC-REF

EXTRATO DA ATA

ADI 4�638 MC‑REF/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio� Requerente: Associa‑ção dos Magistrados Brasileiros (Advogado: Alberto Pavie Ribeiro)� Interes‑sado: Presidente do Conselho Nacional de Justiça (Advogado: Advogado‑geral da União)� Amicus curiae: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior e outros)�

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal referendou o indeferimento da liminar em relação ao art� 4º da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça, contra os votos dos ministros Cezar Peluso (presidente) e Luiz Fux; por unanimidade, o Tribunal referendou a decisão liminar quanto ao art� 20, caput; em relação ao art� 8º e ao art� 9º, caput e § 2º e 3º, o Tribunal referendou a decisão liminar para dar interpretação conforme no sentido de, onde conste presidente ou corregedor, ler‑se órgão competente do Tribunal; quanto ao art� 10, o Tribunal deu interpretação conforme para, excluindo a expressão “por parte do autor da representação”, entender‑se que o sentido da norma é da possibili‑dade de recurso por parte do interessado, seja ele o magistrado contra o qual se instaura o procedimento, seja ele o autor da representação arquivada, contra os votos dos ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que mantinham a liminar nos termos do voto do relator, e, em parte, contra o voto da ministra Rosa Weber, que a indeferia; quanto ao art� 12, caput, e seu parágrafo único, o Tribunal negou referendo à liminar concedida, contra os votos dos ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux, Celso de Mello e presidente, e contra o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que deferia a liminar para conferir interpretação conforme ao dispositivo, de modo a assentar que a competência correicional do CNJ é de natureza material ou administra‑tiva comum, nos termos do art� 23, I, da Constituição Federal, tal como aquela desempenhada pelas corregedorias dos tribunais, cujo exercício depende de decisão motivada apta a afastar a competência disciplinar destes, nas situações anômalas caracterizadas no voto do ministro Celso de Mello no MS 28�799/DF� Em seguida, foi o julgamento suspenso�

Presidência do ministro Cezar Peluso� Presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber� Procurador‑‑geral da República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos�

Brasília, 2 de fevereiro de 2012 — Luiz Tomimatsu, secretário�

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 271

ADI 4.638 MC-REF

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, Senhores Ministros, na última sessão afirmei meu entendimento de que o redesenho do Poder Judiciário – promovido pela Emenda Constitucional 45, declarada constitucional por esta Corte no aspecto na ADI 3�367, da relatoria de Vossa Excelência, Senhor Presi‑dente – impõe necessariamente uma releitura sistemática das normas constitu‑cionais e infraconstitucionais envolvidas nesta ação, inclusive a LOMAN, à luz do novo paradigma instituído a partir da criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão administrativo, inserido na cúpula do Poder Judiciário, Poder Judiciário este que é uno e nacional, como também já assentado, e a quem o constituinte derivado, entre outras competências, cometeu o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados�

Reportei‑me à regra de transição do art� 5º, § 2º, da Resolução da Emenda Constitucional 45, em que expressamente se ancora a Resolução 135, e concluí no sentido de que, ainda não editado o Estatuto da Magistratura, e enquanto perdurar tal situação, a uniformização dos regramentos pertinentes aos pro‑cedimentos administrativo‑disciplinares aplicáveis aos magistrados se apre‑senta, a meu juízo, como conditio sine qua non à plena efetividade da missão institucional do CNJ�

Destaquei que a multiplicidade e a discrepância dos procedimentos a que submetidos os juízes no território nacional também, a meu sentir, atentam contra o princípio da isonomia�

Forte nessas balizas, em juízo de delibação, continuo entendendo, com toda vênia aos que pensam em contrário, subsistir, em favor do ato normativo impug‑nado, a presunção de constitucionalidade� Por isso, renovando o meu pedido de vênia ao eminente relator, não referendo a decisão de Sua Excelência no aspecto e indefiro a liminar�

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre Represen‑tante do Ministério Público, Senhores Advogados presentes�

Com relação ao que dispõe o voto do ministro relator quanto à sobreposição

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ADI 4.638 MC-REF

da resolução à LOMAN, estou inteiramente de acordo, como também entendo que não pode, no âmbito dos tribunais, o Conselho Nacional de Justiça estabelecer quem será o relator ou o revisor� Também estou de acordo com o ministro rela‑tor no sentido de não ser possível, a quaisquer olhos de ver, data maxima venia, que o Conselho Nacional de Justiça decida quem vai participar do julgamento no âmbito dos tribunais� Neste primeiro momento, isso parece muito claro�

Sucede, Senhor Presidente, que formulei um pedido de vista quando do man‑dado de segurança relatado pela ministra Ellen Gracie e, naquela oportunidade, fiz até distribuir de antemão a minha proposição de modulação dos poderes do CNJ� Entre outras questões, abordei que seria possível ao CNJ estabelecer um prazo para que as corregedorias locais apurassem, e, superado esse prazo, caberia a intervenção do Conselho Nacional de Justiça� Essa era um faceta do que eu entendi de denominar de “princípio da subsidiariedade mitigada”�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministro Luiz Fux, Vossa Excelência me permite?

Nessa sugestão que Vossa Excelência propôs, na verdade, o CNJ está colocando o prazo para si mesmo, não para os tribunais; ou seja, passado determinado prazo, na medida em que os tribunais adentrem numa irrazoabilidade no que diz respeito à tramitação dos processos disciplinares, o CNJ passa a agir� Não é que o CNJ, data venia, estaria fixando um prazo para os tribunais; ele estaria fixando um prazo para ele mesmo, no sentido de dizer que é um prazo razoável ou irrazoável�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, não� Para os tribunais�O sr. ministro Luiz Fux: Quanto a isso, talvez o resultado seja o mesmo� Se o

Conselho Nacional de Justiça estabelece um prazo de espera para ele, é o prazo que ele está concedendo aos tribunais para agirem enquanto ele não vai agir�

Naquela oportunidade – até para manter a minha coerência –, na modula‑ção que eu trouxe e que fiz distribuir (de sorte que esse é um fato conhecido), à luz daquela subsidiariedade mitigada, para que o processo não fique para as calendas na instância a quo, que também não é a do nosso interesse, eu formulei uma proposição baseada na Lei 8�112 e na jurisprudência dos tribunais, que, no fundo, resulta num prazo de 140 dias para concluir o procedimento� Matema‑ticamente, o que assentei naquela modulação – quer dizer, não há modulação porque estou conseguindo divulgar agora, uma vez que não foi votado o processo em que eu havia pedido vista – foi o seguinte:

O CNJ pode fixar prazo não inferior ao legalmente previsto, de 140 dias� Por quê? Sessenta dias previstos no art� 152 da Lei 8�112, mais sessenta dias, previs‑tos no mesmo artigo, que admite prorrogação de outro prazo idêntico para a

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ADI 4.638 MC-REF

conclusão, mais vinte dias, prazo para o administrador competente decidir o PAD, na forma do art� 167 da Lei 8�112� E esse prazo, na modulação que fizera, tinha exatamente como intuito o fato de o CNJ estabelecê‑lo para que as corre‑gedorias locais apurassem os fatos que chegassem ao conhecimento do órgão, avocando os feitos em caso de descumprimento imotivado do lapso temporal, sem prejuízo da apuração da responsabilidade da Corregedoria�

A ideia era estabelecer um prazo para a Corregedoria atuar� Então, está na linha do pensamento que exteriorizei em relação à competência do CNJ o aco‑lhimento da fixação de um prazo para que as corregedorias atuem – e era exa‑tamente essa a minha ideia original� Quer dizer, estabelecer um princípio de subsidiariedade mitigada: o Conselho dá um prazo, a Corregedoria não age, o Conselho atua� Isso não teria problema nenhum, e essa solução conciliaria o princípio da unidade da Constituição, em que se prevê autonomia dos tribunais locais mais os poderes do CNJ�

Então, mantenho essa solução alvitrada por ocasião daquele mandado de segurança do qual pedi vista para, nesse particular, admitir a constituciona‑lidade da resolução na fixação de um prazo e, nessa interpretação conforme, esse prazo seria o de 140 dias�

Eu ficaria nisso, pois a Corte já decidiu que o CNJ não tem necessidade de aguardar nada� Mas, se ad eventum, o CNJ vem a concluir que tem de aguardar alguma coisa, legalmente o prazo que tem de aguardar, no meu modo de ver, é de 140 dias� Ele pode fixar um prazo, e, no meu modo de ver, esse prazo tem de ser de 140 dias�

É apenas essa pequena divergência, Senhor Presidente�

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, já me manifestei no sentido do poder normativo do CNJ e, pelas razões que trago no meu voto escrito e que registrarei, acompanho a divergência aberta pela eminente ministra Rosa Weber nesse ponto, pedindo vênia ao eminente relator e àqueles que entendem de maneira contrária�

Nego o referendo à liminar�

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274 | Revista Trimestral de Jurisprudência

ADI 4.638 MC-REF

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também peço vênia ao emi‑nente ministro relator, mas acompanho a divergência iniciada pela ministra Rosa Weber, exatamente nos termos dos fundamentos já lançados anteriormente�

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peço vênia à diver‑gência� Acompanho integralmente o voto do eminente relator, referendando a liminar nos exatos termos em que propôs o ministro Marco Aurélio� Enfatizo mais uma vez que a Constituição é absolutamente expressa: os tribunais esta‑belecerão seus próprios regimentos e competências dos órgãos jurisdicionais e administrativos, respeitadas as garantias constitucionais�

Entendo que, neste caso, a Resolução 135 não apenas está usurpando, está contrariando essa competência expressamente outorgada pela Constituição aos tribunais, mas, pior ainda, está usurpando a própria competência do Supremo Tribunal Federal, que tem iniciativa privativa para encaminhar ao Congresso Nacional uma lei que disponha sobre o Estatuto da Magistratura� E, nesse esta‑tuto, compreendem‑se exatamente as normas que dizem respeito aos processos disciplinares e às sanções aplicáveis aos magistrados�

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, quando do julgamento da ADI 3�367, aqui no Plenário do Supremo Tribunal Federal, eu tive a oportunidade de dizer: “O Judiciário é singularmente de âmbito nacional�”

Tanto assim que, quando a Constituição Federal, no art� 44, fala do Poder Legislativo, o discurso é diferente� No art� 44, a Constituição diz que o Congresso Nacional se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e não falou de nenhum órgão estadual a compor o Congresso Nacional�

No art� 76, a Constituição, ao falar do Executivo, também disse que o

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ADI 4.638 MC-REF

Executivo seria exercido pelo presidente da República com o auxílio dos minis‑tros de Estado� Não falou a Constituição de nenhum órgão estadual a compor o Poder Executivo Federal�

No entanto, no art� 92, quando falou do Poder Judiciário, o que disse a Cons‑tituição? Que o Poder Judiciário nacional compreende o Supremo Tribunal Federal, o CNJ etc� e os juízes e os tribunais dos Estados e do Distrito Federal; ou seja, há um tônus federativo peculiar para o Poder Judiciário� É possível falar de um federalismo judiciário, por quê? Porque a feição distrital, aqui no Distrito Federal, e a feição estadual dos nossos tribunais de Justiça, nenhuma dessas feições é impeditiva da Constituição de um Poder Judiciário de âmbito nacio‑nal� Vale dizer, o Poder Judiciário é de âmbito nacional, a despeito da vertente estadualizada – digamos assim – dos nossos tribunais de Justiça�

Depois que proferi esse voto, já há algum tempo, eu fui ler a doutrina estran‑geira e a experiência de outros países com o Conselho Nacional de Justiça ou, como outros chamam, Conselho Superior de Justiça� Curioso, encontrei essa confirmação da peculiaridade da federação, tendo em vista o Poder Judiciário, de modo, portanto, diferente de como se estrutura o Poder Legislativo e como se estrutura o Poder Executivo federal�

Por isso que o professor Antonio Hernández, da Universidade Nacional de Córdoba, fala expressamente de “federalismo judicial”� Diz ele: “Um federalismo específico para o Poder Judiciário”�

Aqui, na Constituição brasileira, esse federalismo específico tem o nome de Poder Judiciário Nacional, e não Poder Judiciário da União� Não é Poder Judiciá‑rio da União, é Poder Judiciário nacional� E o Conselho Nacional de Justiça, como o próprio nome diz, é um conselho nacional, e não federal, de Justiça� O que quero dizer é que há formas de manifestação do federalismo, e a nossa do Poder Judiciário é peculiarmente de âmbito nacional�

Depois eu li, na última sessão, para os senhores um texto de Manuel Car‑rasco Durán, que é um grande jurista espanhol, dizendo ele que órgãos como o CNJ têm natureza governativa� Por isso que eu falei aqui, e o ministro Gilmar Mendes também falou, de órgão de alta administração judiciária ou de alto governo judiciário�

Mortati, lá na Itália, chega a dizer, interessantemente, sintomaticamente, que hoje o Poder Judiciário ganhou uma estrutura bicéfala, dotada de um vér‑tice organizativo – justamente o Conselho Superior da Magistratura lá – e de um funcional, a Corte de Cassação, que lá corresponde ao Supremo Tribunal Federal� Por isso que a ministra Rosa Weber tanto fala de um novo paradigma� Se lermos atentamente o art� 92, sobre a estrutura de todo o Poder Judiciário

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brasileiro, vamos encontrar efetivamente dois órgãos de cúpula: o Supremo Tribunal Federal e, logo abaixo, imediatamente, o Conselho Nacional de Justiça, como que confirmando essa bicefalia de que trata Mortati�

O Conselho Nacional de Justiça, portanto, é um aparato do Poder Judiciário situado na cúpula da organização judiciária do nosso país, a conferir peculia‑ridade federativa ao nosso Poder Judiciário�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Ayres, eu acompanhei o raciocínio de Vossa Excelência, e a única dúvida que subjaz é que esses exemplos citados são de Estados unitários�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ou, quando muito, regionais�O sr. ministro Ayres Britto: Não, mas tem a Argentina, tem o México, tem

os Estados Unidos, tem a Alemanha�O sr. ministro Luiz Fux: Províncias com menor autonomia�O sr. ministro Ayres Britto: Não, o fenômeno, data venia, com todo respeito,

não é só dos países unitários, não�Em suma, Senhor Presidente, para não me alongar, o que eu quero dizer é que,

se lermos – penso – o art� 96 da Constituição, referentemente aos tribunais, logo no inciso I encontraremos de fato o comando de que compete a eles, tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com obser‑vância das normas de processo e das garantias processuais das partes, (���)�

Aqui, a competência é para todo e qualquer processo; aqui é uma norma geral, ao passo que no art� 14, que estamos a julgar, é uma norma especial, de âmbito peculiarmente disciplinar� Aqui é uma norma especial, a do art� 14; lá, no art� 96, I, é uma norma geral para todo e qualquer processo�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Vossa Excelência me permite?O sr. ministro Ayres Britto: Pois não, Excelência�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): As envergaduras são diversas: uma

norma é constitucional, a outra é de resolução do Conselho Nacional de Justiça� Será que a norma do Conselho derrogou a constitucional?

O sr. ministro Ayres Britto: É por isso que a ministra Rosa Weber tanto fala – digo mais uma vez – de novo paradigma, de novo modelo institucional� Temos que conciliar as coisas� Se atentarmos para o art� 103‑B, introduzido na nossa Constituição pela Emenda 45, vamos encontrar, logo no inciso I, a seguinte determinação:

Art� 103‑B� (���)§ 4º Ao Plenário do CNJ compete o controle da atuação administrativa e

financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos

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magistrados, cabendo‑lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, o seguinte:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares [Regulamentares de quê? Eu acho que do Estatuto da Magistratura] no âmbito de sua competência, ou reco-mendar providências;

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas, Ministro, Vossa Excelência me permite? É sabido que um ato regulamentar não pode ultrapassar os lindes da lei� Claramente está essa resolução inovando no ordenamento jurídico, ultra‑passando de longe os limites do Estatuto da Magistratura, ou melhor, da Lei Orgânica da Magistratura, porque o Estatuto ainda está para ser aprovado pelo Congresso Nacional� Ou seja, está criando ex novo�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Provisoriamente, Ministro�O sr. ministro Ayres Britto: Nós dissemos, na decisão proferida na ADC 12,

que o Conselho Nacional da Magistratura dispõe de competência normativa primária para debulhar os conteúdos do art� 37 da Constituição�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: No âmbito interno�O sr. ministro Ayres Britto: Não é no âmbito interno� Como pode o Conselho

Nacional da Magistratura funcionar senão imbricadamente com os tribunais e com os juizados?

O sr. ministro Gilmar Mendes: São tantos os exemplos, Ministro, que nós poderíamos falar na numeração única, no processo eletrônico, na necessidade de integração�

Como imaginar que a normação ou a regulação do CNJ devesse ficar limitada tão somente a sua esfera� Quer dizer, seria negar a própria efetividade da norma constitucional� Pensemos em duas coisas: processo eletrônico, integração do sistema ou uma numeração única� São assuntos tão evidentes!

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas nós estamos lidando com direitos e garantias fundamentais, assegurados na Constituição�

O sr. ministro Luiz Fux: São regras processuais e federais�O sr. ministro Gilmar Mendes: Claro�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Não� Quando nós estabelecemos o

número único de processos ou automação de processos, é outra coisa� É uma matéria secundária, de natureza administrativa, para racionalização de serviço� Agora, quando nós entramos no âmago dos direitos e garantias fundamentais da Constituição e permitimos que um órgão administrativo assuma o lugar do legislador, do Congresso Nacional, realmente estamos quebrando paradigmas�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Na verdade, o que se admitiu, e este Tribunal

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já admitiu, é que esta regulação se possa fazer secundum a Lei Orgânica da Magistratura, ou praeter legem, como nós admitimos isso, de forma muita clara, quando discutimos a resolução do nepotismo, em que não havia a coincidência absoluta entre o que estava na regulação, naquela disciplina, e aquilo que estava na legislação em geral, até mesmo no que diz respeito à relação de parentesco� Os senhores hão de se lembrar� E se entendeu, tendo em vista a peculiaridade, que era legítima, fundada também no princípio da moralidade, a disciplina emprestada pelo CNJ à matéria�

E, aqui, o CNJ foi vanguardeiro, porque, depois disso é que vieram as várias decisões, inclusive a decisão de Vossa Excelência, Ministro Lewandowski, naquele recurso extraordinário que avançou para estabelecer a ideia da proibi‑ção do nepotismo no âmbito de outros Poderes� Aí, veio então aquela súmula que nós editamos� E saúde‑se! Eu, na época, registrei, ironicamente, como os tempos mudam as pessoas� A AMB tinha impugnado a própria instituição da ação decla‑ratória de constitucionalidade quando de sua criação, na Emenda 3/1993, e, agora, lançava mão de uma ação declaratória de constitucionalidade para ver confirmada a resolução do nepotismo� Se ficássemos brincando em termos de recorrer à memória, a AMB também tinha impugnado a própria emenda cons‑titucional que criara o CNJ�

O sr. ministro Ayres Britto: Ministro Gilmar Mendes, a Emenda 45 visou a desembaraçar tanto o funcionamento do CNJ, em homenagem àquilo que cabe ao CNJ, quanto esta quarta função estatal que se chama controle preventivo, pro‑filático, portanto, e controle corretivo, que se fez – ela, Emenda 45 – de fonte da competência normativa do CNJ em duas oportunidades: no § 2º do art� 5º, em disposição caracteristicamente transitória, para que, mediante atos normativos, o CNJ dispusesse sobre o seu funcionamento� E lá, no art� 103, § 4º, II, para que o CNJ, de modo permanente, passasse a usar sua competência normativa sobre a sua competência, sobre a competência do CNJ: funcionamento ali, competência aqui�

Como diz sempre o constitucionalista Michel Temer, atual vice‑presidente da República, a Constituição é, acima de tudo, uma pauta de valores� E a própria República, a própria Federação, essas estruturas de organização do Estado e da pólis como um todo devem ser interpretadas à luz da tábua de valores da Constituição� Sem dúvida que o controle, entregue pela Emenda 45 à cura, aos cuidados do CNJ, é que está a exigir de todos nós uma interpretação sistemá‑tica, para não opor propriamente o CNJ aos tribunais� Não, para que eles atuem harmoniosamente na perspectiva de uma função que é de interesse do Poder Judiciário como um todo�

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Por isso tenho dito, repetidamente, que na minha cabeça não há oposição, não há antinomia�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ministro, Vossa Excelência disse bem: pelo ato transitório, o Conselho Nacional de Justiça pode regulamentar os respectivos funcionamento e atuação – teria uma atribuição próxima da normativa –, como ressaltado por Vossa Excelência, quanto ao processo admi‑nistrativo que corra no respectivo âmbito�

Agora, estamos a cuidar da tramitação do processo administrativo nos tri‑bunais, chegando o Conselho Nacional de Justiça ao ponto, na resolução – que não é norma, não é lei, no sentido abstrato e autônomo –, de indicar quem vota, quem não vota, se vai ter, ou não, revisor�

O sr. ministro Ayres Britto: É uma visão�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Há uma distinção a ser feita porque,

se tirarmos dos tribunais a regência do processo administrativo, estaremos des‑conhecendo a cláusula constitucional que o autoriza a editar o regimento e a disciplinar esse mesmo processo, repito, não no âmbito do Conselho Nacional de Justiça – os tribunais não se atreveriam a tanto –, mas nos respectivos âmbitos�

O sr. ministro Ayres Britto: Cabral Moncada chama esse tipo de regula‑mento do CNJ de regulamento integrativo� Eu também penso assim� Por isso, vou pedir vênia ao eminente relator para negar o referendo nos termos dos votos iniciados pela ministra Rosa Weber�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu queria apenas fazer uma observação sobre o início da fala do ministro Britto, sobre a questão de ser ou não nacional o Judiciário� Acho que essa discussão está completamente caduca!

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Desapareceu o Poder Judiciário nos Estados, nas Unidades da Federação? Apenas temos agora o Executivo e o Legislativo, não mais o Poder Judiciário�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Não, não� Sempre houve entre nós, Ministro Marco Aurélio, esta discussão de saber se o Judiciário no Brasil era nacional ou se ele se dividia em federal e estadual� Eu acho que essa discussão não faz mais sentido, na medida em que a Emenda Constitucional 45 criou um órgão nacional, sem dúvida, com poderes disciplinares fortíssimos sobre o Judiciário dos Estados�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Mas de controle, de fiscalização, Ministro, e não de substituição dos tribunais�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Administrativa e disciplinar�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu estou apenas dizendo que, como bem

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disse a ministra Rosa, nós temos um novo paradigma, e, à luz desse novo para‑digma, é que devemos examinar todas essas normas�

O sr. ministro Ayres Britto: Ministro Joaquim Barbosa, se Vossa Excelên‑cia permite, na redação originária da Constituição, art� 92, o Judiciário já era nacional mesmo sem o CNJ, porque, na lista dos órgãos constitutivos do Poder Judiciário, já figurava a justiça estadual� Então, o caráter nacional do Poder Judiciário brasileiro é originário, decorre da redação originária da Constituição� Com a introdução do CNJ, houve a confirmação do caráter nacional�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: A mais não poder, como diria o ministro Marco Aurélio�

O sr. ministro Ayres Britto: A mais não poder�O sr. ministro Luiz Fux: Só uma observação do que assisti desse singular

debate: a realidade é que está ínsita na ideia de Federação, um dos itens que caracteriza a Federação é exatamente essa repartição de competências, essa existência do poder central e a autonomia dos Estados�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Mas há federações e federações�O sr. ministro Luiz Fux: Evidentemente que um raciocínio radicalizado

elimina a letra da Constituição�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A essência está na descentralização,

e toda centralização é perniciosa�O sr. ministro Luiz Fux: E mais, além de eliminar a letra da Constituição,

isso seria absolutamente impossível, porque a forma federativa, com todos os seus consectários, representa um limite material imanente que impede revisão e reforma� Então, a emenda nem poderia ter vindo com esse escopo� Nós já vimos aqui que as posições estão firmadas no sentido de que o Conselho Nacional de Justiça criou uma exceção inclusive aos limites materiais que impedem uma emenda constitucional pela própria Carta de 1988�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Eu lembro até que o art� 125 da Cons‑tituição diz o seguinte:

Art� 125� Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabele‑cidos nesta Constituição�

Faz parte do princípio federativo esse poder de auto‑organização, autogo‑verno do estado, que lhe permite, que lhe faculta organizar os seus próprios poderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso faz parte do modelo do tal paradigma�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente, porque o paradigma primordial está insculpido no art� 1º da Constituição�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Desaparece a razão de ser da divisão da Justiça em estadual e federal� Todas as normas constitucionais que pressupõem o judiciário estadual com competências fixadas na Constituição, nesse paradigma, foram engolidas!

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Pelo constituinte derivado�O sr. ministro Ayres Britto: Mas não é bem isso, data venia�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não há mais nada que fazer�O sr. ministro Luiz Fux: Repartição de competência, autonomia dos entes

federados – isso é básico no modelo federativo�O sr. ministro Ayres Britto: Ministro, é preciso entender o seguinte, data

venia, ainda uma vez – e tantas vezes quantas forem necessárias eu direi isso –, eu respeito a opinião em contrário, mas o Judiciário brasileiro está todo estruturado em torno da ideia de controle� Controle é princípio, tem caráter principiológico�

O sr. ministro Luiz Fux: Ninguém é contra controle, Ministro Ayres� Esse discurso não é nosso� Ninguém está aqui pleiteando ausência de controle�

O sr. ministro Ayres Britto: Como é princípio, se impõe ao poder norma‑tivo dos Estados�

O sr. ministro Luiz Fux: Nós estamos aqui discutindo se os Estados têm autonomia ainda, dentro da Federação, e a fortiori, seus poderes judiciários, ou se essa divisão acabou constitucionalmente, sendo absolutamente impossível isso porque a emenda não poderia ter poder de reformar esse artigo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É isso que nós estamos indagando� O que fica para os Judiciários estaduais disciplinar quanto à sua atuação? Nada�

O sr. ministro Ayres Britto: Não, fica muita coisa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se o Conselho pode ditar normas

de atuação do Judiciário estadual sem levar em conta as competências consti‑tucionais, não fica nada para os órgãos estaduais�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, fica muita coisa até que o Conselho Nacional de Justiça decida disciplinar a matéria� Aí se emudece o Judiciário estadual e se cria, como disse no voto, uma categoria de autômatos, inclusive gerando a irresponsabilidade quanto à atuação dos tribunais� Deve‑mos atribuir responsabilidade aos tribunais, e não afastá‑la�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Mas não o tipo de responsabilidade a que nós assistimos até hoje� Não é essa a responsabilidade�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se o CNJ veio para curar um mal,

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que era o funcionamento deficiente de órgãos estaduais, a primeira providência do CNJ é cuidar que esses órgãos cumpram seus deveres�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Sim, controlar e fiscalizar�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente�O sr. ministro Ayres Britto: É que Vossas Excelências opõem ao CNJ a noção

de autonomia dos tribunais� Quando a Constituição fala de autonomia dos Pode‑res, diz dos pPoderes entre si, art� 2º da Constituição� São Poderes independen‑tes e harmônicos entre si o Legislativo, o Executivo e o Judiciário� A autonomia do Judiciário se afirma perante o Poder Executivo do Estado e perante o Poder Legislativo do Estado�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas, Ministro, nós estamos falando da autonomia federativa dos entes federados�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Apenas os poderes estaduais não podem digladiar, é isso?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): A autonomia dos tribunais é só oponível ao Executivo?

O sr. ministro Dias Toffoli: Ministro Ayres Britto, a levar ao extremo, com a devida vênia dos que divergem e defendem uma autonomia e uma separação, nessa óptica, dos Poderes, essa tese, um juiz estadual não poderia afastar uma lei federal do universo jurídico�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, aí estamos em área jurisdicional, que é completamente diferente� Ministro, nós estamos aqui em área administrativa e disciplinar� Seu exemplo é matéria jurisdicional� Não tem nada a ver com o caso�

O sr. ministro Dias Toffoli: O nosso sistema judiciário é da Nação�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Dias Toffoli: Sim� E, com a criação do Supremo Tribunal

Federal para uniformizar a interpretação das leis federais e garantir a aplica‑ção da Constituição, em último grau� Foi só para reforçar a posição do ministro Ayres Britto no sentido de o Judiciário ser nacional�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Aliás, até reforça a nossa posição, porque significa que deu aos órgãos estaduais o máximo dos poderes na área jurisdicional, que é derrubar norma federal�

O sr. ministro Dias Toffoli: Senão o Judiciário local não poderia analisar normas federais, apenas normas estaduais e a Constituição do Estado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente, é reforço dos nossos argumentos�

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VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, se me permitir, eu vou votar con‑firmando a posição sustentada a partir do voto da ministra Rosa Weber, pon‑tuando, apenas, alguns aspectos� Primeiro, não é novo esse “desenho” – ele é gradativo, é verdade –, de federalismo cooperativo no âmbito do Judiciário� Se olharmos, por exemplo, as referências que faz o clássico Zaffaroni sobre os tipos de Judiciário, referindo‑se ao sistema brasileiro e ao sistema latino‑‑americano, ele diz o seguinte:

O caso do Brasil, adiantamos, segundo o nosso juízo, é o único na estrutura latino‑americana que escapa ao modelo empírico‑primitivo [que ele atribuía aos demais sistemas judiciais latino‑americanos], pois corresponde preferen‑cialmente ao modelo técnico‑burocrático� O modelo brasileiro apresenta uma longa tradição de ingresso e promoção por concurso [os argentinos não têm isso, não é?], estabelecida na época do Estado Novo [aqui o equívoco do eminente colega argentino], correspondendo à coerência política desta quanto à criação de uma burocracia judiciária de corte bonapardista, mas que, definitivamente tem tido como resultado um Judiciário semelhante aos modelos europeus da segunda metade do século passado e primeiras décadas do presente� O sistema de seleção “forte” [que eles chamam concurso, aqui o equívoco, porque foi ado‑tado pela Constituição de 1934 pela primeira vez] está constitucionalmente con‑sagrado, enquanto que a “carreirização” se encontra apenas atenuada mediante a incorporação lateral de um quinto dos juízes que devem provir, nos tribunais colegiados, do Ministério Público e dos advogados� A designação política é limi‑tada aos juízes do Supremo Tribunal, Federal, embora não faltem delimitações impostas pela tradição� Como se pode ver, trata‑se de um sistema em que a qualidade técnica de seus membros é assegurada por concurso, cujo governo é vertical, exercido por um corpo ao qual dois terços de seus integrantes chegam por promoção e cuja principal função técnica é a unificação jurisprudencial, com amplas garantias e inamovibilidade�

Não se trata [dizia ele] de um modelo democrático contemporâneo, pois carece de órgão de governo horizontal [o texto é obviamente antes da Emenda Consti‑tucional 45] e porque seu Tribunal Constitucional é de designação puramente política e não dispersa�

Eu até fiz duas notas a propósito desse comentário�

Dois aspectos devem ser ressalvados em relação a essa observação�Primeiro, cumpre referir que a exigência em concurso público para provimen‑

tos de cargos, tanto da magistratura quanto do Ministério Público, foi estatuída

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pela primeira vez na Constituição de 1934, época da fragmentação dos interesses políticos, distantes, portanto, da unidade ideológica pós‑1937�

Segundo, com a superveniência do Conselho Nacional de Justiça, institui‑se um órgão central de controle da atuação do Poder Judiciário pelo que as fronteiras de sua atuação constitucional restam garantidas institucionalmente�

O debate, às vezes, resvala para termos que, aparentemente, poderiam levar o indivíduo desatento a pensar que foi o texto constitucional de 1988, agora com a Emenda 45, que instituiu esse modelo de unidade sistêmica do Judiciário� Mas, se nós lermos o art� 93, conforme disse o ministro Britto, na sua redação originária, ele já traduzia a preocupação desse órgão de perfil nacional, com inú‑meros itens que são aplicáveis diretamente a todo o Judiciário, inclusive quanto às suas deliberações� Portanto, já era uma escolha; não é vício da Emenda 45� Está na Constituição de 1988, mas já estava, também, na Constituição anterior�

O sr. ministro Ayres Britto: Perfeito�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Daí, Ministro, a coerência do

sistema em atribuir essas competências de ordem legislativa ao Estatuto da Magistratura�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Que não é votado pelos Estados, mas, sim, pelo Congresso Nacional�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente, estava tudo isso lá� Tanto estava inútil lá que se justifica a expedição de uma Lei Orgânica e, agora, de um Estatuto da Magistratura� Isto é, a fonte originária do poder de legislar é o Congresso� Vossas Excelências estão propondo, sob pretexto de um novo paradigma, atribuir ao CNJ poder que nem o Congresso tem�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Exatamente, porque não tem inicia‑tiva que nós temos exclusivamente�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Revogar, por resolução, a Lei Orgâ‑nica da Magistratura, que é uma lei complementar�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não� Trata‑se apenas de fazer os ajustes necessários naquilo que a LOMAN, obviamente, não tratou, porque não poderia tratar� Mas a própria LOMAN já traduz este pensamento, digamos, de uma certa unidade sistêmica, tanto é que nós aqui já proferimos tantas decisões no sentido de que tudo aquilo que não está na LOMAN, no que diz respeito a vantagens, benefícios, e que é dado pelos Estados – todos nós certamente temos processos de nossa relatoria nesse sentido –, tudo isso é indevido� Não há qualquer dúvida em relação a isso�

A LOMAN, na verdade, é decorrência de uma reforma importante realizada com a Emenda 7/1977 e traduz esse novo momento em termos de reforma do

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Judiciário� Então, só para deixar assente que aqui a Emenda Constitucional 45 inovou, certamente, trouxe medidas importantes no que diz respeito a criar essa instituição que o ministro Britto chamou de uma instituição de “alto governo” do Judiciário� Mas não se trata de nenhuma mudança revolucionária, incom‑patível com o sistema, porque o modelo já caminhava no sentido de estabelecer regras básicas� Se alguém lesse tudo o que está no art� 93 (obrigatoriedade da promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento; promoção por merecimento pressupõe dois anos no exercício da respectiva entrância), com o espírito federativo americano, talvez diria: “Veja que intervenção brutal na esfera!” Mas é texto originário, portanto havia uma razão� E nunca ninguém disse que isso era uma intervenção� Por quê? Aqui uma outra observação de que me valho é do ministro Sepúlveda Pertence� O ministro Sepúlveda Pertence dizia assim: “Nos nossos romances, nas nossas tertúlias românticas, nós fantasiamos que o modelo federativo, o modelo da autonomia é sempre um modelo bom, positivo�” E aí ele dizia: “Não é assim, não�” Se o Direito eleitoral estivesse lá para ser legislado pelos estados, muito provavelmente nós teríamos alguns modelos aristocráticos ou monárquicos� Talvez não tivéssemos concursos públicos� Então, é preciso ver que alguma coisa de progresso tem ocorrido, e, aqui, no Judiciário, eu tenho absoluta certeza, graças a esse modelo de unidade�

Agora, voltando para a questão da Resolução 135� A impressão que fica, quando se descreve a impugnação, é que alguns iluminados se reuniram, se possível em Marte, e pariram uma resolução� Mas, quando reconstituimos esse processo normativo, o que ocorreu? Pedido de um tribunal dizendo que havia um quadro de anomia, de anarquia, de perplexidade, que levava à nulidade� Por isso, inclusive, eu estou muito confortável para subscrever a tese da subsidiarie‑dade no sentido da mão dupla, pois aqui era necessária essa intervenção, uma vez que o órgão é a cúpula de um sistema de correição� Daí a necessidade dessa intervenção� Parece claro, veja: participação de todas as entidades�

Tive a oportunidade, na sessão passada, de ler a manifestação da AMB dizendo que não tinha mais o que acrescentar� Veja que havia um consenso� Parece que estamos a falar de um decreto dos tempos da ditadura�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar Mendes, se Vossa Excelência me permite� Vossa Excelência tem razão� Essa lei foi forjada mediante um consenso dos tribunais, mas, à época, todos os pronunciamentos em relação à criação do CNJ pressupunham uma atuação subsidiária� Isso consta de decisões do próprio CNJ, nos albores da sua criação, e também de declarações públicas de

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diversos protagonistas judiciais que entenderam bem receber a nova instituição e afiançaram que ela faria muito bem uma atuação subsidiária�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Vossa Excelência me permite uma pequeníssima corrigenda? Acredito que até por força dos debates aqui, referiu‑se a uma lei, e essa lei foi fruto de um consenso� Não é uma lei – é preciso lembrar –, é uma resolução de um órgão administrativo que pretende ter força normativa, que só é dado ao Congresso Nacional�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu estou falando da resolução recém‑aprovada, essa resolução impugnada, Presidente, e que foi objeto de uma construção cole‑tiva� Se há uma obra inequivocamente coletiva é essa� É evidente, tanto é que eu li, a partir da provocação e, depois, da participação plural de todos os tribunais�

Agora, é claro que, a partir de incômodos residuais que se manifestam, co ‑meçam então as impugnações� Não vou entrar nessa discussão� Portanto, há uma diferença muito grande entre a caricatura e a fotografia� A fotografia é uma coisa; a caricatura é outra� Essa resolução não tem nada a ver com a carica‑tura� É uma construção coletiva, que se fez aqui� Estabeleceu regras, por quê? Porque o sistema correcional pedia uma integração, como já foi dito nos votos da ministra Rosa Weber e do ministro Ayres Britto� Quer dizer, é uma regulação de integração� Não se trata de usurpar competência�

Agora, vindo um novo Estatuto da Magistratura, disciplinando com clareza toda essa temática, certamente o Conselho vai se ajustar a essa disciplina� Agora nós temos um quadro realmente de vácuo� Citou‑se, por exemplo, o inciso I do art� 103: a questão de zelar pela autonomia do Poder Judiciário� Quantas são as normas baixadas pelo CNJ nesse sentido? Veja, por exemplo, a resolução que trata do sistema de autonomia financeira, que foi elaborada – já tive oportunidade de citar aqui – pelo notável desembargador paulista Rui Stoco, um dos melhores nomes da magistratura nacional, sem dúvida nenhuma, que fez uma pesquisa a partir de toda a experiência desenvolvida pelo Judiciário e fez uma lei modelo� É o Conselho estabelecendo um projeto de lei modelo para que cada Estado consiga, no seu âmbito, estabelecer esse sistema de autonomia financeira, com apropriação adequada das custas e emolumentos� Ou um outro problema que é muito sensível e do qual não se fala, porque a leitura que se faz da autonomia também tem os aspectos duros no âmbito de cada tribunal: o modelo do orça‑mento participativo� O que se sabe? E basta olhar essa enciclopédia, que hoje existe, de abusos encontrados pelas inspeções realizadas no CNJ em mais de vinte tribunais� Como se dá? O que ocorre? O juiz não tem um funcionário a sua disposição, mas o gabinete do desembargador tem 27� É o modelo da autonomia administrativa� Vem aí o Conselho, estabelece regras e permite que o juiz de

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primeiro grau participe da construção do orçamento� Zelar pela autonomia do Judiciário, efetivamente! Será que isso é extravagante? Será que alguém está se desmandando ao fazer isso ou está zelando pela autonomia? Será que o abuso está aqui ou está na outra perspectiva?

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas a democracia participativa foi inaugurada pela Constituição de 1988; há várias previsões de participação na elaboração legislativa�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E no âmbito do Judiciário foi inaugurado pelo CNJ, com a construção da AMB� Portanto, zelar pela autonomia significa isso, porque se os senhores forem nos relatórios, são mais de dezessete, que estão aí na página do CNJ, os senhores vão encontrar esse retrato� Não é falta de servi‑dores, em muitos casos, mas excesso de presença de servidores nos gabinetes dos desembargadores e falta nas instâncias primeiras� Por exemplo, modelo de autonomia financeira que privilegie os tribunais� E o que o CNJ tem feito? Como se cumpre a missão de zelar pela autonomia do Poder Judiciário sem colocar normas que afetem o funcionamento dessas instituições em construções cole‑tivas? Realmente, é preciso que nós fiquemos muito atentos�

Não tenho nenhuma dúvida, Presidente� Eu já subscrevi e realmente procuro primar pela coerência� E, quando mudo de posição, também digo isso expres‑samente� Digo: estou mudando de posição neste caso� Os senhores nunca me verão – espero e, neste momento, sugiram a minha aposentadoria – dizendo algo hoje e outra coisa amanhã, sem dizer por que estou fazendo isso� Neste caso, estou convencido, para mim continua sendo a LOMAN a norma que preside toda a organização do sistema abaixo da Constituição�

Tal como foi dito aqui, pela própria lógica do sistema, sob pena de nós desati‑varmos o CNJ, sob pena de nós emascularmos o CNJ, nós temos que entender essa cláusula do art� 5º, da Emenda 45, como permissiva� E toda lógica do sistema é nesse sentido� Também não corresponde à realidade o argumento de que o CNJ foi criado com características de mera subsidiariedade�

Esteve aqui, recentemente vi nos jornais, o professor e notável promotor, deputado Bicudo, autor da primeira versão da reforma do Judiciário� Ele dizia, isso em 1992, quando ele apresentou a emenda, que o problema básico da Corre‑gedoria está no segundo grau: as corregedorias não funcionam� Portanto, aqui, ele imaginava uma atuação direta� Os senhores veem que, realmente, não há aqui nenhum exagero nesse tipo de atuação� Agora, amanhã poderá ocorrer e, para isso, nós podemos fazer eventual controle de constitucionalidade�

No caso específico, não se aponta nenhuma contradição da resolução com a LOMAN� A norma está apenas sistematizando um modelo correcional que tem

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o CNJ como órgão de cúpula� E também não é estranha à nossa tradição essa regulação no texto constitucional do sistema judicial� Paulatinamente, foi‑se dando essa integração, até do ponto de vista de subsídios e vencimentos� Veja a preocupação, e é legítima, da magistratura estadual com a revisão dos ven‑cimentos da esfera federal por conta de dispositivos que estão no texto cons‑titucional e que têm permitido quase que uma revisão automática� E não faço censura em relação a isso, mas há ônus e bônus em todo o sistema�

Então, não me parece, Presidente, com todas as vênias, que haja comprome‑timento do sistema federativo, que haja comprometimento da autonomia do Judiciário, no caso� Se houver em determinados casos, este Tribunal saberá fazer o devido reparo� Isso decorre do sistema� A atividade que o CNJ está a desenvolver, neste caso específico, é uma atividade típica, nem é, talvez, a mais importante�

O sr. ministro Ayres Britto: Certamente que não, o espectro é bem maior, bem mais dilatado�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência me lembra, por exemplo, que nas funções do CNJ, talvez a mais importante seja a do planejamento das atividades judiciais� Como falar em planejamento se não há o mínimo de poder normativo para estruturar e, vinculativamente, estabelecer isso? Mas nem isso foi estabelecido assim� Nas várias gestões o que tem ocorrido é aprovação de metas, de estratégias comuns, por consenso, quase que por aclamação, trabalho conjunto� Por outro lado, não vamos esquecer, como já foi destacado na sessão passada, que o próprio órgão é de configuração plural, com participação de juízes e tribunais de variada índole – estadual, federal; portanto, houve essa preocupação de se ter um órgão com essa perspectiva plural e nacional� E com participação do Senado e da Câmara na escolha da composição� Há esse pen‑samento, realmente, de integração�

Presidente, pedindo todas as vênias para as posições externadas em sentido contrário, eu digo que o CNJ nem extravagante é em relação ao constituciona‑lismo brasileiro� Ressalto que ele tem dado ao Judiciário um instrumento que talvez nós não estejamos sabendo apreender em toda a sua plenitude� Ele fornece para o Judiciário uma situação privilegiada em relação aos demais Poderes� Se os senhores olharem as mazelas que ocorrem aqui ou acolá, e são reveladas no Legislativo e no Judiciário, elas são reveladas por quem? Por denúncias, às vezes, e as mais das vezes pela própria mídia� No caso do Judiciário essas maze‑las são reveladas a partir de simples correições�

Portanto, o CNJ fornece ao Judiciário um instrumento importante de autocor‑reção, sem necessidade de intervenção de terceiros� Nós vamos desperdiçar esse instrumento, perder essas virtudes e essa virtualidade para nos embrenharmos

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num debate quase que metafísico, que não corresponde à tradição do nosso constitucionalismo? Federalismos existem, os mais diversos, por isso que se disse que existem federalismos e federalismos, não é? Mas, no nosso modelo, o CNJ nada tem de extravagante�

Presidente, pedindo todas as vênias, entendo que aqui a normatividade expressa na resolução está coerente com a função exercida pelo CNJ no que concerne ao aspecto correcional�

Acompanho o voto da ministra Rosa Weber e daqueles que o seguiram, contra as manifestações em contrário�

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência me permite um ligeiríssimo

aparte?O sr. ministro Celso de Mello: Claro, com o máximo prazer�O sr. ministro Ayres Britto: Eu sempre evito fazer comparações entre o

nosso modelo federativo com o norte‑americano por uma razão que me parece clara: na América do Norte, antes da Federação, houve uma Confederação – nós sabemos�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E antes, Estados autônomos�O sr. ministro Ayres Britto: E os Estados confederados eram soberanos�O sr. ministro Celso de Mello: Sim, nos termos do primeiro estatuto cons‑

titucional que regeu a vida política da jovem República Americana, os “Articles of Confederation and Perpetual Union”, de 1777, promulgados pelo Segundo Con-gresso Continental. Somente em 1787, a Convenção da Filadélfia, convocada para reformar os “Artigos da Confederação”, optou por substituí‑los por uma nova Constituição, que adotou a Federação como forma de Estado, conferindo autonomia (e não mais soberania) aos Estados‑membros�

O sr. ministro Ayres Britto: Eles partiram, em 1787, da pluralidade confe‑derada para a unidade federativa� Claro que falar de unidade federativa parece paradoxal, mas quero dizer o seguinte: há uma pessoa jurídica central e as pes‑soas jurídicas estaduais tidas como periféricas, mas nenhuma dessas pessoas federadas dotadas de soberania, e, sim, de autonomia, que, do ponto de vista da intensidade do poder político, é menor� Sabemos que soberania é o poder de se autodeterminar juridicamente, seja no plano interno, seja no plano externo�

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Por isso, me parece sempre perigosa a comparação da nossa Federação com a norte‑americana�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto: A federação termina sendo uma definição de

Direito Positivo� Perfeito�O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Ayres Britto: (Cancelado)O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência me permite? É claro, nós

temos posições aqui bastante claras e dificilmente conciliáveis, tendo em vista a nossa weltanschauung, a nossa visão de mundo� Mas é importante ressaltar que se, de um lado, Vossa Excelência sustenta a necessidade de preservação dessa autonomia normativa do Estado e dos tribunais enquanto não sobrevém a lei orgânica, a própria lei orgânica, ou o Estatuto da Magistratura, já sinaliza algo de diferente, de que não se cuida de um modelo de autonomia federativa, do contrá‑rio não haveria um estatuto da magistratura aprovado pelo Congresso Nacional�

Então, esse me parece um argumento importante em desfavor da ideia fede‑rativa� Mas há um outro argumento nessa linha das escolhas constitucionais que me parece também muito importante: se nós pudéssemos subscrever essa tese da autonomia, estaríamos a nulificar, de fato, o Conselho Nacional de Jus‑tiça� Quer dizer, nós estaríamos a dizer que toda essa institucionalização e essa instituição teriam caráter fundamentalmente simbólico, porque elas não poderiam atuar em relação aos Estados�

Agora, mais uma vez reitero aquele argumento: primeiro, a composição é plural e nacional e tenta albergar também o elemento federativo� Podemos até discutir, certamente se nós fôssemos fazer um desenho do CNJ, tendo em vista o nosso paladar, cada um talvez tivesse uma composição ideal, mas a composição que se obteve foi aquela que logrou um consenso� E a dificuldade de aprovação de uma emenda como esta resulta da própria referência que nós fizemos há pouco ao Pro‑jeto da Emenda Bicudo, que começa em 1992, e a reforma do Judiciário só vai se concluir constitucionalmente em 2004� Portanto, veja quantos anos nós tivemos�

Essa me parece a questão básica� Na verdade, a partir do momento em que o Tribunal, naquela ação direta de inconstitucionalidade, afirmou a constitu‑cionalidade da emenda constitucional, nós estamos apenas ressaltando a força normativa dessa decisão legítima do Congresso Nacional� Por outro lado, a pró‑pria resolução agora objeto de impugnação, embora aprovada à unanimidade pelo Conselho Nacional de Justiça, não foi, obviamente, obra de uma geração espontânea� Poderia até ter sido, como muitas outras iniciativas, mas veio de

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provocação dos próprios tribunais, que percebiam o quê? A falta de uma norma‑ção uniforme num tema que é muito sensível� Outra consequência – eu chamei atenção para isso na nossa assentada passada – é que, na medida em que nós afirmemos a ilegitimidade da fórmula aprovada, vamos levar à nulidade de tantos procedimentos quantos foram instaurados pelo Conselho Nacional de Justiça�

Com todo o respeito e ressaltando mais uma vez o brilhantismo do voto de Vossa Excelência, eu gostaria de apontar essas singularidades� E a própria Fe deração Americana, se nós pudermos fazer uma linha do tempo – é claro que aqui também podemos ter divergências, mas vamos ter um aprendizado muito claro, talvez se consiga até, pelo menos, um consenso básico –, vai para um modelo muito mais centrípeto do que centrífugo, a partir de MacCulloch v. Maryland e tantos outros� À própria comunidade europeia, agora União Euro‑peia, que passa por percalços e vicissitudes muito sérios, muitos dos críticos dizem que faltou alguma institucionalidade ou alguma centralidade, especial‑mente em matéria financeira, e isso seria a causa da debacle que acometeu a Grécia e alguns outros países�

O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)

VOTO (Sobre os § 3º, 7º, 8º e 9º do art. 14;

caput e incisos IV e V do art. 17; § 3º do art. 20)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu não vou, a esta altura, reeditar, aqui, vários argumentos já esgrimidos pela minoria, com o devido respeito� Não vou sequer tentar entender como, fixando‑se entre dois órgãos que a priori teriam competências concorrentes, mas um deles tem supremacia hierárquica para prejudicar a competência do outro, se possa falar em competência concor‑rente! Não vou lembrar outras divagações tampouco�

Quero me fixar naquilo que, do meu ponto de vista, com o devido respeito, é o cerne de toda esta discussão e que é simplesmente a interpretação de uma norma constitucional, o art� 5º, § 2º, da Emenda 45, que é norma de caráter transitório� Mas de início eu gostaria de acentuar que esse caráter transitório é transitório no sentido operacional, isto é, para que o órgão pudesse entrar em funcionamento imediato, independentemente da superveniência de lei que regulasse os seus modos de atuação� Por isso o constituinte estabeleceu, de forma textual, que o CNJ teria – e tem – competência para regular o seu funcio‑namento, sem o que ele só poderia fazê‑lo na expectativa da promulgação de

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uma lei que o fizesse� Então, nós temos aí norma de evidente caráter transitório e que está voltada à operacionalidade do órgão em si�

Por isso ela usa palavras que, a meu ver, são inequívocas� Quando diz “seu funcionamento”, na minha cabeça, com o devido respeito, por mais brilhantes que sejam as lucubrações teóricas, de ordem sistemática, de comparações histó‑ricas dogmáticas, eu não consigo imaginar que essa norma soe “funcionamento seu e de todos os demais órgãos do Poder Judiciário”�

Eu recordo aqui um debate muito famoso, em universidade americana, de que participaram dois grandes expoentes do pensamento moderno: Rorty e Umberto Eco� Umberto Eco dizia que todo texto comporta várias leituras; mas nem todas as leituras são adaptáveis a qualquer texto�

Não estou conseguindo e não consigo apreender uma razão que me leve a ler “seu funcionamento” com significado de “seu funcionamento e funcionamento de outros órgãos”, como a resolução o faz�

E qual é a racionalidade dessa norma de caráter transitório que restringe o campo de atuação normativa do Conselho? É exatamente a necessidade de preservar as competências que a própria Constituição, pelo constituinte origi‑nal, gravou na Constituição� Não se pode imaginar que essa norma de caráter transitório tenha por propósito – não o propósito do legislador, mas o propósito do texto – modificar as competências expressamente atribuídas, a título de auto‑nomia, aos tribunais� Foi uma norma transitória� Não é norma para modificar a autonomia dos tribunais, pois aí seria uma norma de caráter permanente� A racionalidade desse texto está aí�

Quando se fala em modelos, eu também dificilmente consigo entender como é que possamos dizer que o modelo constitucional seja outro� O modelo cons‑titucional é a compatibilização das competências e dos poderes dos tribunais locais com a competência de um estatuto editado por lei complementar para atuar em relação a estas mesmas competências limitando‑as� Noutras palavras, pelo texto permanente, oriundo de deliberação do constituinte originário, o que se quis? Ao estabelecer as competências dos tribunais locais com autonomia, ao mesmo tempo, esse modelo já previu um instrumento capaz de limitar essas autonomias naquilo que diga respeito, por exemplo, ao procedimento de apu‑ração disciplinar� Quando o constituinte originário previu que o Estatuto da Magistratura estabelecerá, entre outros temas, por exemplo, o procedimento a ser adotado em apuração disciplinar, já modelou uma figura em que compati‑biliza, segundo a própria concepção do constituinte original, as competências da autonomia dos tribunais locais com uma norma de caráter nacional capaz de limitar essas competências�

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Noutras palavras, o modelo permanente é um modelo em que a limitação à autonomia dos tribunais não venha de qualquer órgão, mas venha de uma lei complementar votada pelo Congresso Nacional�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: De iniciativa do Supremo Tribunal Federal�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Independentemente disso, poderia ser iniciativa até do Congresso Nacional� O importante é que esse é o modelo permanente que está na Constituição� Opor a esse modelo, contra norma cons‑titucional expressa, de caráter transitório, um modelo supostamente definitivo, em que se atribui a um órgão, que recebeu poderes apenas para regular o seu funcionamento, competência normativa para interferir nas competências dos tribunais locais, sem a lei do Estatuto da Magistratura, a mim me parece um passo extremamente ousado�

Portanto, quero me restringir a este ponto, porque este me parece o ponto fundamental� É, para mim, com o devido respeito, uma questão de princípio e de respeito a uma norma constitucional, a meu entender, mais uma vez com o devido respeito, que não pode ter a amplidão que se lhe dá com base, vamos dizer, em motivos graves do ponto de vista teórico�

O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência me permite um brevíssimo aparte?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Pois não�O sr. ministro Ayres Britto: Sem embargo do brilho com que Vossa Exce‑

lência expõe reconhecidamente suas ideias�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Agradeço�O sr. ministro Ayres Britto: Se o § 2º do art� 5º quisesse limitar a atuação

do Conselho Nacional de Justiça ao âmbito interno desse Conselho, nem pre‑cisaria falar, porque o Regimento Interno do Conselho já cuidaria disso� Isso é para além do Regimento Interno� São competências externas, de necessário imbricamento com o funcionamento dos juizados e dos tribunais�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, com o devido respeito, ditar para os tribunais locais quem deva participar da votação não tem nada a ver com a atuação do Conselho, nada� O Conselho não passa nem de longe nisso, nem de longe�

O sr. ministro Ayres Britto: Aí já é outra coisa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É o que está dizendo a resolução,

é o que está na resolução�O sr. ministro Ayres Britto: Não, eu estou dizendo a interpretação que

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deu Vossa Excelência ao § 2º do art� 5º, não pode ser de âmbito interno, isso é resolvido pelo regimento interno�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, Vossa Excelência quer tentar convencer‑me a custo que onde está escrito “seu funcionamento” se deve ler “seu e dos outros”� Eu não consigo, Vossa Excelência consegue, mas eu não consigo, com o devido respeito�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Ministro Peluso, se nós pudéssemos com‑partilhar desse entendimento de Vossa Excelência, nós teríamos que admitir quase a inércia, a inação do Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu já respondi esse argumento antes, na sessão anterior, a Vossa Excelência: que eu admito que certas normas que o Conselho possa baixar para seu funcionamento, por decorrência neces‑sária da atuação do Conselho, essas normas podem atingir os tribunais locais� Agora, não é o caso aqui, onde não se trata, em absoluto, de verificar a repercus‑são de atos do Conselho sobre os tribunais locais� Prever quem pode participar, no tribunal local, do julgamento e do processo disciplinar, não tem nada a ver com o CNJ, tem a ver com o tribunal local, só�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Tem a ver com o sistema de correição�O sr. ministro Ayres Britto: E de controle�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E, portanto, o Conselho trabalhará

muito bem, se não existir essa norma, não atrapalhará em nada o Conselho� É verdade – Vossa Excelência disse e isso corresponde a uma verdade – que há lacunas no sistema, e há lacunas no sistema, não apenas aqui, mas em todo orde‑namento jurídico há lacunas, só que a existência dessas lacunas não autoriza o intérprete a solucioná‑la segundo seu voluntarismo� Se fosse isso, bastaria o Supremo Tribunal Federal ficar editando normas, resoluções que resolveriam um monte de problemas do país� Para isso não há Congresso Nacional? E, mais do que isto, especificamente no caso, para isto existe a previsão de que o Esta‑tuto da Magistratura supra estas omissões e eventuais incompatibilidades que podem existir na regulamentação disforme, por cada tribunal, sobre procedi‑mento disciplinar�

A solução, portanto, não é atribuir ao Conselho um poder normativo que ele não tem, é reconhecer o poder que tem o Congresso Nacional, com a iniciativa desta Corte, de editar um estatuto que cubra essas lacunas e regulamente a matéria�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Só para concluir, essa fórmula adotada pelo art� 5º, § 2º, não é incomum� Veja, Vossa Excelência, por exemplo, a Emenda 29, poderia citar outros casos, que tratou da saúde, previa uma lei complementar,

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mas, também sabedora de que havia – agora, recentemente veio uma lei regu‑lando a matéria, a questão da divisão e de participação dos entes no modelo de sustentação do SUS, do Sistema Único de Saúde –, então, ela já previa nessas chamadas fórmulas em quantum� E, aqui, o que fez o constituinte derivado foi nada mais nada menos do que, diante da possibilidade de que nós não tivésse‑mos uma disciplina temporalmente adequada dessa temática tão complexa, que o Conselho pudesse ocupar esse espaço praeter legem, observada a LOMAN� Parece‑me que a interpretação é absolutamente compatível com a ordem cons‑titucional, com as vênias de estilo, com respeito ao brilhante voto que Vossa Excelência está proferindo�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu gostaria até de tomar o exemplo de Vossa Excelência para mostrar como a minha visão, com o devido respeito, é completamente diferente� É como se uma norma atribuisse, por exemplo, ao presidente da República o poder normativo de disciplinar o funcionamento do Ministério da Saúde e, ao mesmo tempo, no exercício dessa competência, o Presidente da República baixasse um ato de teor seguinte: “Nos hospitais muni‑cipais, deve haver três enfermeiras durante a manhã, quatro médicos à tarde, e os procedimentos de trabalho médico devem ser assim, assim, assado”� Uma coisa é seu funcionamento, outra coisa é o funcionamento dos outros órgãos!

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não chega a isso� Mas o Conselho Nacional de Saúde estabelece normas���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Com o devido respeito, a sua ana‑logia reforça o meu raciocínio, eu saio mais convencido ainda�

E diria, por fim, que, na verdade, se há aqui uma obra coletiva, uma cons‑trução coletiva, então temos que lamentar, porque temos uma inconstitucio‑nalidade coletiva�

Direi por que não acompanho Vossa Excelência, Ministro LUIZ FUX: se o Conselho tivesse imposto a si mesmo o prazo de 140 dias para intervir nos procedimentos dos tribunais locais que não os terminassem nesse prazo, eu admitiria, porque estaria regulando o seu funcionamento�

Por isso vou pedir vênia a Vossa Excelência para não o acompanhar, mas vou acompanhar, com a devida vênia e com o maior respeito aos votos vencedores, dos quais eu peço, mais uma vez, licença para discordar, vou acompanhar o eminente relator�

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VOTO (Sobre o § 1º do art. 15)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu não posso nem imaginar que tipo de argumento se pode utilizar para esse dispositivo� Talvez esse dispositivo seja o espelho de toda a ratio essendi dessa resolução�

A Lei Orgânica da Magistratura foi expressamente recepcionada pelo Su ‑premo Tribunal Federal e estabelece no art� 27, § 3º, que o Tribunal, ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo – repito –, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar magistrado do exercício de suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens até decisão final�

Então, a Lei Orgânica da Magistratura é clara, pelo seguinte: se efetivamente há motivos de periculum in mora e acauteladores para se iniciar uma apura‑ção, evidentemente que esses motivos são suficientes para se instaurar o pro‑cesso� O que não é admissível é que a resolução aqui, numa manifestação de inconstitucionalidade evidente, voluntária, estabeleça uma regra diferente da vigente na Lei Orgânica da Magistratura, considerando‑se, sob o ângulo consti‑tucional, que há direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, mas, também, que há direitos e garantias fundamentais da magistratura, entre outras, as da inamovibilidade e da vitaliciedade, que exigem, para essa transposição, um poder reformador da Constituição por meio de uma revolução ou, então, de um poder constituinte originário “civilizadamente instaurado”� Agora, essa modificação nuclear de uma garantia fundamental da magistratura por meio de uma resolução, com a devida vênia dos argumentos que ainda virão, eu, efetivamente, não consigo superar�

Se há motivos para o periculum in mora, há motivos para instauração do processo sob o ângulo interdisciplinar� Sob o ângulo legal, a ilegalidade desse dispositivo – eu até poderia parafrasear o ministro Gilmar Mendes – “até as pedras sabem”�

VOTO (Sobre o § 1º do art. 15)

O sr. ministro Ayres Britto: Se Vossa Excelência me permite, eu também estou encontrando dificuldade em discordar do voto do ministro relator quanto ao § 1º� A cabeça do art� 15 não está em jogo, não é?

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O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Não está em jogo� Não está em julgamento�

A sra. ministra Cármen Lúcia: O caput não está em jogo, só o afastamento, que, neste caso���

O sr. ministro Gilmar Mendes: Só o § 1º�O sr. ministro Ayres Britto: A cabeça do artigo está rigorosamente de

acordo com a LOMAN�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): A cabeça não está em jogo, só o

parágrafo�O sr. ministro Ayres Britto: Quanto ao parágrafo, eu estou encontrando

muita dificuldade� Eu tenho a impressão de que Sua Excelência tem razão�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Quem sabe possa o Conselho Nacio‑

nal de Justiça aditar à LOMAN!

VOTO (Sobre o § 1º do art. 15)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Neste caso, com o devido respeito, sem querer antecipar o meu voto, peço vênia aos que votaram� Neste caso, nós temos duas coisas gravíssimas, a meu ver�

Primeiro, lendo bem a norma, verifica‑se o seguinte: qualquer tribunal local, já não estou falando mais do Conselho – concebido como o Espírito Santo em matéria da magistratura –, estou falando dos tribunais locais, que costumam errar todo dia� Que antes de instaurar o procedimento disciplinar���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Não pode�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): ���antes de colher provas, sob pre‑

texto de precisar colher provas, já afasta o magistrado!A sra. ministra Cármen Lúcia: Pela só notícia, aqui seria só a notícia�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso não é apenas ofensa ao magis‑

trado, é ofensa a uma garantia do jurisdicionado: afastar o juiz natural antes de colher qualquer elemento de culpa!

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Nem o Tribunal poderia fazê‑lo�A sra. ministra Cármen Lúcia: Aqui, Presidente, seria pela só notícia�O sr. ministro Luiz Fux: Porque a garantia da magistratura é cláusula pétrea�O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência me parece certo, mais

certo ainda porque aqui, como pressuposto do afastamento, há um juízo de conveniência�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E, mais, neste caso estou dizendo que nem o tribunal local pode�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Nem o tribunal, porque estaria a inobservar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Erram muito, como até sabem as pedras�

A sra. ministra Cármen Lúcia: É porque neste caso, Senhor Presidente, a só notícia iria gerar um transtorno impossível, a meu ver� Aqui, o periculum in mora, com a devida vênia da ministra Rosa Weber, é invertido� Aqui o jurisdicionado, a comunidade – quem conhece o interior sabe –, uma notícia que gerar uma coisa dessa matou profissionalmente aquele juiz, pelo menos naquela comarca, se é que não matou na jurisdição�

VOTO (Sobre o § 1º do art. 15)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, eu entendo até a ratio desse dispo‑sitivo, que nem desborda de normas semelhantes existentes nos estatutos de funcionários públicos, diante da premissa que nós assentamos em relação ao art� 3º da resolução, de que a não observância daquilo que estava estabelecido na LOMAN, de forma clara, importava violação da própria Constituição, conso‑nante com a jurisprudência que já é tradicional desta Corte�

Portanto, no voto que escrevi, também me manifesto nesse sentido� Entendo até a ratio, porque podem ocorrer casos – e essa é a premissa – que têm de terminado o afastamento de servidores com base na Lei de Improbidade Administrativa�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Porque ele poderia atrapalhar a prova, mas não é esse o caso� Aqui tem‑se uma notícia!

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas aí recorre‑se ao Judiciário, se for o caso, com a medida liminar�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Gilmar, numa ponderação entre o peri-culum in mora, de se demorar a apurar, e a garantia da magistratura, há de prevalecer���

O sr. ministro Gilmar Mendes: Parece que basta o argumento da legalidade� A LOMAN estabelece “com a instauração”� Não há nenhuma dificuldade em rela‑ção a isso, embora entenda a racio, que é a de, eventualmente, em casos deter‑minados, o agente – aí pode ser juiz, pode ser um servidor público, pode ser um agente político – continuar a perpetrar mazelas ou fazer com que desapareçam

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provas� A mim me parece que o argumento decisivo é o que nós assentamos também quando discutimos o art� 3º, § 1º�

Presidente, nessa linha e tão somente com esse argumento, estou de acordo, e, portanto, referendo a liminar concedida�

VOTO (Sobre item IX)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, eu gostaria de me manifestar em sentido contrário ao eminente relator, entendendo que aqui não há contrarie‑dade ao art� 93, X, uma vez que esse exige o voto da maioria absoluta dos mem‑bros do tribunal para a tomada de decisões disciplinares�

Não vislumbro, com as vênias de estilo, a inconstitucionalidade alegada� Na hipótese, o preceito considera, implícita e logicamente, que foi obtida a maioria absoluta no sentido da condenação do magistrado, atendendo, assim, ao ditame constitucional� O dispositivo, de forma perspicaz – e volto a dizer e relembrar que essa resolução é obra de uma construção coletiva das diversas corregedorias dos tribunais –, visa a impedir que a ausência de concordância entre os membros do tribunal relativa à sanção a ser aplicada implica a absol‑vição do magistrado, que, a rigor, já foi condenado pela maioria absoluta� Quer dizer, há um consenso no sentido da sua censura, da condenação de sua conduta�

O preceito impugnado impõe uma espécie de voto médio em sua parte final e até mesmo opta pela condenação mais branda em sua parte inicial, de modo que não encontro óbice à declaração de sua constitucionalidade�

Mais uma vez fica evidente, Presidente, a falta de um novo Estatuto da Magis‑tratura� Quer dizer, o tempo passou, e a LOMAN não foi devidamente atualizada� As razões são justificadas, todos nós conhecemos, mas, a toda hora, nós reco‑nhecemos que aqui há essa carência de normas, e o que o dispositivo pretende é apenas fazer esse ajuste�

Uma situação muito comum – ou não incomum – em se tratando dessa dis‑ciplina da LOMAN, quanto à maioria absoluta, é a situação de impedimentos ou suspeição, que leva exatamente à dificuldade de punição; isso é verificado a olho nu� Em vários tribunais há esse tipo de expediente, afirmação de suspeição, que leva, portanto, ao impedimento de decisão no âmbito do papel correicional que se lhe atribui�

Portanto, o que a norma busca é dar, mais uma vez, efetividade à decisão que foi tomada pelo tribunal�

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O sr. ministro Ayres Britto: Se Vossa Excelência permite, no fundo a norma é de atenuação da pena�

O sr. ministro Gilmar Mendes: De atenuação e de viabilização�O sr. ministro Ayres Britto: Viabilização operacional� Mas é de atenuação

da própria pena, porque manda aplicar a mais leve�

VOTO (Sobre item IX)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu gostaria de me manifestar em sentido contrário, com todo o respeito, abonar integralmente os argumentos do eminente ministro Marco Aurélio e dizer o seguinte: o que me espanta é o absoluto arbítrio do CNJ ao editar essa resolução, escolhendo uma pena mais leve� Existe um princípio universal de Direito segundo o qual nulla poena sine lege� Por que o CNJ optou por uma pena mais leve? Poderia ter optado por uma absolvição ou por uma pena alternativa�

O sr. ministro Gilmar Mendes: A pena já está estabelecida na lei, a pena já está estabelecida na LOMAN�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Não, e vai optar arbitrariamente?O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, é só questão de gradação, de aplicação

da pena; a pena já foi estabelecida�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Isso me parece que é um arbítrio

realmente que deve ser afastado, além de todos esses argumentos muito bem colocados, data venia, pelo eminente relator�

O sr. ministro Ayres Britto: Agora eu entendi o ponto de vista de Vossa Excelência�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vossa Excelência me permite?De fato, aqui há um problema de ordem prática que o CNJ tem tentado resol‑

ver mediante decisões� É por isso que aqui eu nem dou muita atenção ao fato de provir de uma resolução, porque, de certo modo, já faz parte – vamos dizer – da jurisprudência do CNJ� O que não está dito, e deveria ter sido dito, é que é o caso em que há a maioria absoluta quanto ao reconhecimento da falta e da culpa� E, aí, se estabelece uma divergência não em relação à necessidade da punição, mas em relação à pena por escolher� E, aí, como bem recordou o ministro relator, tem‑se de recorrer a votação de pena por pena, que é uma técnica, uma meto‑dologia tão velha quanto os tribunais� O presidente tem que pôr em votação e vai tomando os votos em relação a cada pena�

O sr. ministro Luiz Fux: Mas como é que se consegue essa cisão? Como é

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que se obtém essa cisão de julgamento: uma maioria absoluta julga que há res‑ponsabilidade, e falta gente para decidir a pena?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Aposentadoria compulsória, suspensão�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, mas não pode, porque não há

quórum de decisão� Ministro, nesse caso não haveria quórum de decisão� Aqui está‑se pressupondo haver quórum de decisão� Não há quórum para maioria abso‑luta quanto à escolha da pena, e, aí, para o magistrado não ficar prejudicado e não ficar sem punição reconhecida pela maioria absoluta, permite‑se que o resultado seja proclamado pela aplicação da pena mais leve, que está prevista na lei�

O sr. ministro Dias Toffoli: Até porque a mais leve está contida nas penas mais graves daqueles que, eventualmente, tenham votado por penas mais graves�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, veja a dispersão de votos� Quem vota pela pena mais grave, se tiver que optar, que evoluir, votará pela média, e não pela mais branda�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Por isso que eu digo que há um arbí‑trio na escolha desses extremos�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu sei, mas, em todo caso, segue a maioria absoluta quanto às penas�

O sr. ministro Ayres Britto: Acho que o ministro Cezar Peluso tem razão�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Eu sei, mas se coloca o voto médio�

Qual é o voto médio? Três penas de gradações diferentes� Há dispersão de votos� O voto médio, pela ordem natural das coisas���

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, in dubio pro reo�O sr. ministro Dias Toffoli: Haverá, no caso, a maioria absoluta para a

pena mais leve�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ah, mas, com esse argumento, cessa

tudo� Não tenho como me opor a esse argumento� Já colocamos os juízes como réus!

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nesse caso, vai a mais leve�O sr. ministro Ayres Britto: Como disse Vossa Excelência, a resolução já

fez uma opção clara: pela pena mais leve�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): De acordo com o bom princípio

penal�O sr. ministro Luiz Fux: Tanto quanto se pode compreender do voto do

ministro Marco Aurélio, o que ele apregoa é que se utilize o mesmo método utilizado nos tribunais para apurar o voto médio� Então, as teses têm de passar, de novo, pela maioria absoluta que está ali�

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Ministro, transponha isso para a área criminal� É a mesma coisa�

O sr. ministro Ayres Britto: É a mesma coisa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): De outro modo, os magistrados

acabam sendo prejudicados�O sr. ministro Luiz Fux: Bom, os critérios indicados quando não há concor‑

dância são a apuração do voto médio, passando as teses até se alcançar esse quórum�

O sr. ministro Gilmar Mendes: A norma impede o non liquet�O sr. ministro Ayres Britto: É para impedir o juízo de non liquet�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): E até para não aplicar a pena

média, a pena mais leve�A sra. ministra Cármen Lúcia: Nem a mais grave, o que seria pior�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): A mais grave, nem pensar, mas

nem a média�

VOTO (Sobre art. 21, parágrafo único)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, vou pedir vênia para acompanhar o ministro Marco Aurélio�

VOTO (Sobre art. 21, parágrafo único)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, gostaria de fazer um registro inicial apenas para reafirmar tudo o que eu tenho dito aqui� Examino a matéria em juízo de delibação, talvez por não estar tão acostumada à forma de agir da Corte� E, nessa cognição sumária, toda a minha posição parte do princípio da presunção de constitucionalidade, por se tratar de um ato normativo fruto – como disse o ministro Gilmar Mendes ainda há pouco – de uma obra coletiva que contou com a colaboração da unanimidade, imagino, da magistratura – embora, por óbvio, sempre com posições contrárias, como a matéria comporta –, e que foi aprovado pelo CNJ, que tem na sua constituição nove magistrados, entre os seus quinze integrantes�

Por essa razão, eu tenho sempre feito o registro de que, na verdade, em juízo de delibação, a mim pareceu sempre mais oportuno manter o que foi deliberado pelo CNJ, até porque na linha da maior parte dos preceitos da Resolução 30, que

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está regulando esses procedimentos administrativos no âmbito dos diversos tribunais desde 2009�

Por essa razão, feito esse registro aqui – inclusive adaptei o meu voto num ou noutro aspecto porque Vossas Excelências já estavam examinando em um nível maior de profundidade –, peço, mais uma vez, toda a vênia ao eminente relator para não referendar� Também compreendo que o dispositivo, art� 21, na verdade, está consagrando uma interpretação absolutamente razoável – continuo, a meu sentir, fazendo esse registro – do art� 93, X, da Constituição da República, enquanto consagra, inclusive, o princípio benéfico do in dubio pro reo, direito penal, ou seja, havendo maioria absoluta no sentido do caráter da infração cometida pelo magistrado, estipula esse critério, que é garantista, que é benéfico, na definição da pena mais branda�

Por isso, Senhor Presidente, não referendo, data venia.

VOTO (Confirmação – Sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peço vênia para acompanhar o relator, assentando que o dispositivo da Resolução 135 não apenas conflita com o art� 93, X, da Carta Magna, como também não encontra respaldo na metodologia usualmente adotada pelos tribunais – como ressaltou o emi‑nente ministro Luiz Fux – no que tange à apuração do voto médio: aí eu torço arbitrariamente por dois extremos� Quer dizer, é um puro arbítrio daquele órgão e daquele que elaborou essa resolução�

Então, data venia, acompanho o relator, integralmente�

VOTO (Sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, pedindo vênia, acompanho a divergência�

VOTO (Sobre o § 1º, art. 21)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também peço vênia para acompanhar a divergência�

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VOTO (Sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, essa norma – como eu já disse aqui na outra assentada – é decorrente de observação empírica sobre o que vem ocorrendo em outros tribunais� Ela visa precisamente a evitar o “faz de conta”: condena‑se, num primeiro momento, mas não se chega a nenhum consenso quanto à penalidade a ser aplicada� Então, essa norma veio impedir essas situações que configuram um contrassenso na forma de se apurar e de se penalizar os comportamentos administrativos desviantes�

Peço vênia ao eminente relator para acompanhar a divergência�

VOTO (Sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Ayres Britto: Senhor Presidente, também peço vênia para acom‑panhar a divergência�

Entendo que o comando constitutivo do núcleo duro do inciso X do art� 93 da Constituição foi respeitado, foi observado, no que toca ao caráter público da sessão e ao quórum qualificado da maioria absoluta� Mas como também disse Vossa Excelência, Ministro Cezar Peluso, na linha do voto do ministro Gilmar, a norma é eminentemente operacional e consagra até uma atenuação punitiva�

VOTO (Confirmação – sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, tal como já havia adian‑tado, entendo que a norma – conforme destacou agora o ministro Joaquim – é fruto de uma experiência colhida nesses anos pelo CNJ e pelas próprias cor‑regedorias� Certamente, tal como há um sentimento no CNJ à necessidade de dar força normativa ao texto constitucional, também muitos corregedores – já tive oportunidade de ouvi‑los – reclamam de fazerem um trabalho infrutífero� Quer dizer, realizam levantamentos, inventários e investigações que acabam resultando inócuos por conta da teoria dos jogos, dessa dificuldade de imple‑mentação� Falamos aqui – Vossa Excelência certamente já viu essa situação em outros casos – que, pela não formação da maioria absoluta, por exemplo, pela averbação de suspeição, não se logra cumprir aquilo�

O sr. ministro Ayres Britto: Não se chega a resultado nenhum�

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O sr. ministro Gilmar Mendes: Não se chega a nenhum resultado� Neste caso, ainda é pior, pois haveria um juízo claro no sentido da responsabilização do magistrado, mas o dissenso em relação à dosimetria da pena levaria também a esse impasse e, por isso também, à impunidade� Então, a norma, na verdade, dá a força normativa ao texto constitucional�

Em relação ao que falou a ministra Rosa Weber quanto ao juízo de delibação, já tive a oportunidade de dizer que alguns casos são tão relevantes que devería‑mos poder converter o julgamento; talvez seja até um raciocínio de lege ferenda, que devamos levar ao Congresso nacional� Para alguns casos sobre os quais já temos juízo quase soa à hipocrisia dizer que estamos no juízo de delibação� Nós já estamos tão convictos da situação que certamente não vamos mudar de entendimento entre o julgamento da liminar e o julgamento de mérito�

Eu ousaria até propor, a pensar alto, de lege ferenda, que nós, eventualmente, assim como temos hoje a possibilidade de não conceder a liminar, o art� 12, para julgar desde logo o mérito, que pudéssemos também fazer esse tipo de conversão� É claro que isso depende de lei, mas ao invés de julgarmos a cau‑telar, já julgarmos desde logo o mérito, até porque poucos de nós certamente poderiam imaginar que haveria a necessidade de um novo julgamento sobre o mérito� E veja que julgamento de delibação, que nós tomamos tantas sessões do Supremo Tribunal Federal! Veja, portanto, que acaba sendo um recurso de mera retórica� Talvez seja uma sessão histórica também nesse sentido, Presi‑dente, porque não tenho conhecimento de um julgamento – o ministro Celso de Mello, que é o nosso historiador, poderá talvez recordar – de liminar que tenha consumido tantas sessões do Supremo Tribunal Federal�

De novo, continuo – como já me manifestei e me manifesto – entendendo, diferentemente da forma como entendeu o relator, que também é de bom aviso respeitar o que está no art� 10 do Texto Constitucional� Quer dizer, salvo no período de recesso, a matéria tem que ser submetida ao Plenário, a não ser que não haja essa possibilidade ou haja situações muito especiais, como, por exemplo, quando o fato vai se realizar de imediato� Parece‑me que, aqui, faz sentido a reserva de Plenário� E valeria a pena talvez até que nós tivéssemos norma regimental sobre o tema� Não me parece que haja – aqui como há em outros processos – a autorização para que o relator aja monocraticamente, a não ser nas hipóteses em que a liminar é absolutamente indispensável� Não haverá sessão do Pleno naquele dia, por exemplo, e o ato será praticado em seguida, como ocorreu num caso de que me lembro, da ministra Cármen Lúcia: o caso dos vereadores, em que eles tomariam posse no fim de semana� Mas, salvo hipóteses dessa envergadura, entendo que impera aqui o princípio da

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reserva do Plenário� E faz todo sentido porque nós estamos a falar de suspensão de vigência de uma norma�

A Constituição prevê a maioria absoluta para declarar a inconstitucionali‑dade, mas a declaração, também cautelar, acaba tendo esse efeito� É quase que uma antecipação de tutela nesse âmbito�

VOTO (Sobre o § 1º, art. 21)

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Como sempre, Vossa Excelência toca em pontos que são sensíveis à substância das questões jurídicas submetidas ao Tribunal�

Eu, como disse, não teria nada a opor, em princípio, a essa norma, que tenta resolver um problema de ordem prática que se verifica na votação cotidiana dos tribunais e que gera uma certa perplexidade� Não é o caso, aqui, de dizer que é um “faz de conta”, porque isso acontece na Corte – já aconteceu várias vezes em matéria criminal, e não me consta que esta Corte brinque de faz de conta� O problema é sério, de saber qual é o resultado do julgamento� Então, sob esse aspecto, é importante�

PROPOSTA

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu gostaria de ponderar, àqueles cujos votos estão referendando, o seguinte: excluída a questão da aposentadoria compulsória, que obviamente é a mais grave delas, em relação às outras duas, é preciso observar que, para aplicar tanto a remoção como a disponibilidade, é necessário que a pena obtenha a maioria absoluta�

O sr. ministro Ayres Britto: Perfeito�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O que esse artigo disciplina é, por

exemplo, a concorrência da disponibilidade com pena de advertência� Então, a pena aplicável é de advertência� Mas, se concorrer, por exemplo, a pena de aposentadoria compulsória com pena de remoção���

O sr. ministro Celso de Mello: Ou de disponibilidade�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): ���ou de disponibilidade, se o tri‑

bunal não se decidir por uma ou outra, nós teremos caso de absolvição típico, porque não foi alcançado o quórum constitucional� Não há dúvida nenhuma� Não é possível punir o magistrado – nem que seja a título de in dubio pro reo, com pena menor, como a de remoção – sem a maioria absoluta, porque, ainda

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para a remoção como tal, conquanto ela seja mais leve, tem que haver maioria absoluta�

O sr. ministro Luiz Fux: Mas isso não pode ficar implícito, Presidente� Tem que haver uma interpretação conforme�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Isso tem que ficar declarado, tem que ficar claro, se não vamos dizer que essas três penas podem ser aplicadas independentemente da proposta, sem maioria absoluta� Não pode� A Constitui‑ção é expressa� Para aplicar uma pena de remoção, para aplicar uma pena de dis‑ponibilidade, tem que haver maioria absoluta para aplicação da pena também�

O sr. ministro Ayres Britto: Se Vossa Excelência me permite, em reforço ao seu judicioso voto, o inciso X do art� 93 da Constituição não se contentou em dizer que a decisão seria tomada, nesses casos de disponibilidade, de remoção compulsória e de aposentadoria por interesse público, pela maioria absoluta do tribunal, e, sim, dos membros� A maioria absoluta de seus membros� Então, não há como mitigar ou quebrantar a força protetiva da Constituição no ponto�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): O que eu estou propondo à douta maioria é que demos uma interpretação conforme para dizer que essas normas se aplicam em relação ao concurso das normas, não, porém, para aplicar nem a pena de remoção, nem a de disponibilidade, como mais leve, sem maioria absoluta, porque isso não é possível�

VOTO (Sobre proposta)

O sr. ministro Gilmar Mendes: A questão que o ministro Britto levanta é rele‑vante e tem dado ensejo a essa possibilidade de bloqueio no processo decisório� Basta um grupo razoável de juízes desembargadores afirmar a sua suspeição para que não haja como formar a maioria absoluta�

Portanto, Presidente, mantenho a norma tal como ela está� Aqui haverá pro‑cesso de deliberação� O próprio tribunal pode votar novamente a questão da aplicação da pena, tendo em vista eventuais impasses, e, obviamente, o assunto será resolvido�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas eu acho que tem de ficar declarado pelo tribunal que nenhuma das três penas pode ser aplicada sem a maioria absoluta: nem a remoção, nem a disponibilidade e, a fortiori, muito

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menos, a aposentadoria compulsória, que não é a pena mais leve em nenhuma circunstância!

O sr. ministro Dias Toffoli: Havendo conhecimento da ilicitude, pressupõe‑‑se para tal a maioria absoluta� O que a norma estabelece é a maneira de se aplicar quando, individualmente, cada pena não atingir a maioria absoluta� Eu mantenho, Senhor Presidente, o meu posicionamento de negar referendo sem interpretação conforme�

O sr. ministro Luiz Fux: Isso é uma severa subversão�O sr. ministro Ayres Britto: Vossa Excelência está certo, mas a parte final do

dispositivo me parece que tem esse objetivo de impedir que, no caso concreto, não se chegue à deliberação nenhuma�

O sr. ministro Gilmar Mendes: O absurdo daqui é ter um juízo quanto à responsabilização sem pena, quer dizer, o que vai levar à absolvição�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sim, mas, para isso, nós temos de mudar a norma constitucional, Ministro! Ela diz que, para aplicar qualquer das três penas, tem de haver maioria absoluta� Como é que vou aplicar uma pena dessas sem maioria absoluta?

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, o que eu acho que o Conselho deveria ter estipulado não está aqui, que é uma votação em separado sobre cada proposta de pena�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, mas isso está implícito, Minis‑tro� O problema é que, quando se faz votação em separado���

A sra. ministra Cármen Lúcia: O problema é quando se faz a votação e não se chega a um consenso�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não se chega, é esse o problema!O sr. ministro Gilmar Mendes: Porque pode se fazer: vota‑se sobre a res‑

ponsabilização e, depois, sobre a aplicação da pena� Mas isso não se exclui�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu acho que nós poderíamos, já que���O sr. ministro Luiz Fux: O que o ministro Joaquim está sugerindo é exata‑

mente o critério de desempate���O sr. ministro Joaquim Barbosa: Interpretação conforme para dizer isso�O sr. ministro Luiz Fux: ���quando o voto médio não é quantitativo, é quali‑

tativo: cada um tem uma tese jurídica, e essas teses têm de passar até alcançar o quórum�

O ministro Joaquim Barbosa está sugerindo, então, que as penas sejam vota‑das uma a uma, porque vai‑se chegar a uma maioria absoluta� Agora, realmente, seria uma violação muito flagrante às garantias fundamentais da magistratura�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: As penas, não; as propostas de pena, não é?

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O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu não tenho dúvida de acrescen‑tar isso à condição que imponho à interpretação; seria uma condição a mais� Estou de acordo que se faça a votação em separado e que se observe que não é possível aplicar nenhuma dessas três penas sem maioria absoluta�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Resolve o problema fazendo a votação em separado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Bem, mas eu tenho que ouvir o Tribunal�

VOTO (Sobre proposta)

A sra. ministra Rosa Weber: (Cancelado)O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Sem distinção nenhuma?A sra. ministra Rosa Weber: (Cancelado)

VOTO (Sobre proposta)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, mantenho a posição� Nego referendo à cautelar�

VOTO (Sobre proposta)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, eu vou continuar no meu voto� Vossa Excelência quer que deixe expresso?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Expresso�A sra. ministra Cármen Lúcia: Apenas isso, mas está entendendo que a única

interpretação possível é essa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Essa�A sra. ministra Cármen Lúcia: Portanto, é como se desse uma interpreta‑

ção conforme�Então, vou manter o meu voto tal como posto�

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ADI 4.638 MC-REF

VOTO (Sobre proposta)

O sr. ministro Luiz Fux: Eu também, Senhor Presidente, sob essa ótica, acho que tem de ficar expressa a interpretação nesse sentido�

VOTO (Sobre proposta)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Presidente, eu acompanho o eminente relator, mas sem prejuízo do ponto de vista de Vossa Excelência�

Também entendo que esta tese que Vossa Excelência aventou e que está concorde com a Constituição precisa ficar expressa de alguma forma, porque resulta do próprio entendimento, data venia, penso eu, do que a Corte debateu até este momento�

VOTO (Sobre proposta)

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Presidente, eu mantenho o voto, mas também continuo a fazer essa sugestão da segregação das votações�

DEBATE

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas isso é uma possibilidade que o Tribunal poderá adotar� Isso está implícito na própria Carta�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Sim, mas isso está em contradição com o que consta da resolução�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas a resolução é exatamente diante de uma impossibilidade verificada na votação�

O sr. ministro Gilmar Mendes: De não se conseguir a formação da maioria�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Declarada�O sr. ministro Luiz Fux: Mas como é que vai vencer esses dispositivos para���?A sra. ministra Cármen Lúcia: Como diz o presidente, é preciso que deixe

expresso�O sr. ministro Gilmar Mendes: É a ultima ratio.A sra. ministra Rosa Weber: Se me permite, Presidente, é só diante do

impasse que se estabelece esse critério�

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 311

ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Gilmar Mendes: Só quando isso acontecer�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu acho que o impasse nasce da forma

escolhida para se colher os votos� Cada um vota em penalidades diferentes� Aí se chega a dez votos por uma pena mais leve, dez votos por uma pena inter‑mediária e dez votos pela���

O sr. ministro Luiz Fux: É melhor uma a uma�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Por isso é que eu acho que, se houver���O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É o caso de dispersão�O sr. ministro Gilmar Mendes: Aqui é a hipótese�O sr. ministro Luiz Fux: Uma a uma evita até o critério do voto médio� Uma

a uma, uma delas vai ter a maioria absoluta�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Claro�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu acho que isso está implícito�

É preciso levar à votação cada pena de per si; têm que ser colhidos os votos em relação a cada pena� A pena que obtiver a maioria absoluta será aplicada�

O sr. ministro Dias Toffoli: Até porque, se um magistrado for penalizado sem maioria absoluta, irá ao Judiciário e ganhará�

O sr. ministro Luiz Fux: Vejam o seguinte, primeiro lugar, a sede própria:

Art� 93� Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

E aqui vêm as sanções com esse quórum para aplicação, ou seja, a sede pró‑pria seria a Lei Orgânica da Magistratura� A resolução do Conselho não pode fazer as vezes da Lei Orgânica da Magistratura, mas, ainda assim, está‑se inter‑pretando que é uma questão de funcionalidade� Mas o inciso VIII da Constitui‑ção Federal tem que pelo menos ter, ainda que seja a pior das interpretações, que é literal� Essa é a pior, mas vamos na pior:

VIII – o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar‑se‑á em decisão por voto da maioria absoluta do res‑pectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;

Como é que nós vamos conviver com isso, com essa decisão?O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Está expresso� Faz menção ao Con‑

selho Nacional, expressamente�O sr. ministro Luiz Fux: Faz menção ao Conselho Nacional de Justiça�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Eu estou tentando saber qual é o

pensamento da Corte a respeito� O problema é esse, para proclamar o resultado�O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, Vossa Excelência poderia

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ADI 4.638 MC-REF

promover uma nova votação à luz dessa perspectiva, dada a votação em caso a caso, separado�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vamos aplicar ao caso concreto a orientação�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Do ministro Joaquim Barbosa�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Um obter dictum, interpretação conforme�A sra. ministra Cármen Lúcia: Como obter dictum pode ficar, mas aí não

tem a decisão que o presidente busca�O sr. ministro Luiz Fux: Isso não pode faltar na decisão�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Porque na prática não é isso que vem sendo

feito�

PRELIMINAR

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Vossas Excelências me permitem uma questão de metodologia? Vou suscitar uma questão preliminar� O minis‑tro Marco Aurélio, como eminente relator, ficou vencido em alguns pontos da liminar� Eu queria saber se Vossa Excelência, Ministro Marco Aurélio, se sente confortável em continuar como relator�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Redator do acórdão? No tocante à liminar, tem sido praxe no Tribunal permanecer o relator como redator do acórdão, mesmo que vencido�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Bom, então o ministro Marco Aurélio vai ser o relator� Vamos ver agora o que devemos fixar para que o relator possa consignar no acórdão�

A pergunta prévia é: o art� 21 deve ser interpretado sem qualquer condição ou se lhe deve ser dada uma interpretação conforme?

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Marco Aurélio, essa observação vem de encontro��� Vossa Excelência enfrentou muito bem, à luz do inciso X�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): De encontro ou ao encontro? Só para perceber o sentido de suas palavras�

O sr. ministro Luiz Fux: Vai ao encontro, nesse caso� Vossa Excelência julgou de acordo com o inciso X, não é verdade? Aqui esse é o inciso VIII� Então, eu, urbanamente, queria pedir a Vossa Excelência que analisasse a possibilidade���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Quando prolatei a decisão, Excelência, atuei segundo ciência e consciência possuídas� Estou convencido do que lancei�

O sr. ministro Luiz Fux: Mas aqui surgiu um plus� Agora surgiu uma outra questão�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Penso que o critério estabelecido na Constituição relativamente à maioria absoluta é linear, pouco importando a pena� Não creio que possa o Conselho, como já ressaltado pelo ministro Ricardo Lewandowski, atuar de forma aleatória, à livre discrição – para mim, de forma arbitrária – e, ante uma dispersão de voto no Colegiado, ter‑se a solução mais benéfica para o envolvido no processo� A dispersão num colegiado não pode persistir; há de chegar‑se necessariamente – é o nosso sistema – a uma maioria�

O sr. ministro Luiz Fux: Então, realmente, foi de encontro à opinião de Vossa Excelência, porque, na verdade, o ministro Cezar Peluso propõe um aditamento a essa solução, porque isso não pode ficar implícito� Eventualmente, se Vossa Excelência interpretou à luz do inciso X, e eventualmente sugere‑se no Colegiado uma pena de remoção, disponibilidade ou aposentadoria���

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): A beleza do Colegiado está na diver‑gência� Vamos admitir que persista�

O sr. ministro Luiz Fux: Não, sem dúvida� Apenas suscitei se Vossa Excelên‑cia admitiria debater esse tema� Essa é a questão, Vossa Excelência não admite�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Ouvi e não fiquei convencido, Excelência�

VOTO (Sobre preliminar)

A sra. ministra Rosa Weber: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É dizer que não é possível aplicar

nenhuma das três penas previstas no inciso X, nem a remoção���O sr. ministro Celso de Mello: (Cancelado)O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): ���nem a disponibilidade, nem a

aposentadoria compulsória, sem que em relação a essas penas tenha sido obtida a maioria absoluta específica�

O sr. ministro Dias Toffoli: Específica?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Específica, na votação da pena�A sra. ministra Rosa Weber: (Cancelado)

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, com a devida vênia, mantenho o meu posicionamento� Nós teríamos a hipótese de um tribunal em que trinta

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ADI 4.638 MC-REF

desembargadores votem: dez em um sentido, dez em outro e outros dez em um terceiro sentido�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Mas é isso que se quer evitar com esta proposta�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas é o que o ministro Joaquim

está propondo, exatamente isso�A sra. ministra Cármen Lúcia: É o contrário�O sr. ministro Dias Toffoli: Eu não terminei a minha manifestação�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Quando acontecer isso, põe‑se a

primeira pena em votação e assim sucessivamente, se necessário�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Cada pena�O sr. ministro Joaquim Barbosa: O relator propõe uma pena�O sr. ministro Dias Toffoli: Se for exigir para cada uma das três sanções a

maioria absoluta específica, nós chegaremos a uma situação – como no exemplo que estou a desenvolver – em que a unanimidade pode verificar a ilicitude pra‑ticada, mas a responsabilização específica não ser aplicada por não se alcançar em cada caso específico o quórum necessário�

O sr. ministro Gilmar Mendes: A responsabilidade�O sr. ministro Dias Toffoli: Sem nenhuma sanção, porque nenhuma indi‑

vidualmente alcançou a maioria absoluta�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas, Ministro, veja bem, se a maio‑

ria absoluta do Tribunal diz que não pode aplicar nenhuma das três penas, nós vamos aplicar o quê?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Então, ele foi absolvido?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Claro�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Mas à revelia?O sr. ministro Dias Toffoli: Com a devida vênia, eu mantenho o meu apego

à lógica e à resolução no ponto específico�O sr. ministro Gilmar Mendes: É isto que a norma quer evitar: o juízo de

responsabilização, é claro!O sr. ministro Joaquim Barbosa: Há uma contradição em termos� Há uma

contradição em termos de o Colegiado chegar à conclusão de que ele é culpável; e não se aplica nenhuma pena?

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, isso acontece várias vezes� Eu posso reconhecer que aconteceu o fato, mas que a ele não se aplica nenhuma dessas três penas, que são extremamente graves� Eu não reconheço da respon‑sabilidade, não aplico a pena�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Nós não estamos permitindo nem o voto médio�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Dias Toffoli: É que a sanção menos grave está contida na sanção mais grave� É uma questão de lógica de conjuntos�

O sr. ministro Gilmar Mendes: É, é de conjuntos�O sr. ministro Dias Toffoli: Isso é uma questão matemática, de lógica, de

conjuntos�A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas a Constituição tem a sua própria lógica

e ela é expressa – o ministro presidente tem razão – ao afirmar que:

Art� 93�(���)VIII – O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria (���)�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas eu interpreto a Constituição no sentido de que a maioria absoluta é para a responsabilização�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Mas (inaudível) é expresso, Minis‑tro� Para aplicar a pena�

O sr. ministro Dias Toffoli: A aplicação da pena� E a pena mais leve – e é isso que eu quero dizer da resolução – está contida na pena mais grave!

A sra. ministra Cármen Lúcia: É contida pela mais grave�O sr. ministro Dias Toffoli: É evidente que ela está contida� Se ela está con‑

tida na pena mais grave, aqueles que votaram pela pena mais grave também votaram pela pena mais leve�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Claro�O sr. ministro Gilmar Mendes: É essa a presunção�O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Por que não pela intermediária?O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Sim, por que não pela intermediária?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É, não é matemática� Aqui não

é problema de número, não é questão de cinco anos, dez anos ou vinte anos, Ministro� Uma pena não inclui a outra, não compreende a outra�

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu mantenho�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Quando é pena criminal, dez anos

inclui cinco, cinco anos inclui dois� Mas, aqui não� Quem votou na aposentadoria compulsória votou pela remoção? É claro que não!

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: E são penas de natureza diversa�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Claro, qualidades diversas!O sr. ministro Dias Toffoli: Nós teremos a responsabilização sem sanção�O sr. ministro Gilmar Mendes: O interessante é que um juízo claro de con‑

denação se convola numa absolvição� Isso que é difícil de explicar para nós mesmos�

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Dias Toffoli: Não se sustenta do ponto de vista lógico�O sr. ministro Gilmar Mendes: É� Veja, se nós tivermos um Tribunal de

trinta, todos se manifestam no sentido da responsabilização e se diz: “Foi absor‑vido porque houve um non liquet”�

O sr. ministro Dias Toffoli: (Cancelado)O sr. ministro Gilmar Mendes: Veja, há alguma coisa de errado com essa for‑

mulação� Portanto, deixemos a norma em vigor� Presidente, eu confio o seguinte: que diante, hoje, da possibilidade que temos da própria intervenção – isso tudo foi feito como um jogo de antídotos para a prática, que era de arquivamento, de não prosseguimento nos processos –, da possibilidade de o Conselho funcionar, parece‑me que devemos homenagear um certo experimentalismo institucio‑nal e deixar a norma em vigor, tal como o ministro Joaquim Barbosa propôs, e certamente o próprio tribunal vai buscar um consenso�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Ainda que fique em obter dictum, mas que isso seja uma sinalização�

O sr. ministro Gilmar Mendes: É, mas se deixar isso� Veja o absurdo do resultado contrário: podemos ter unanimidade em relação à responsabilização do magistrado� E isso pode ocorrer também por articulação� Ele será, portanto, absolvido, porque não houve consenso quanto à pena�

O sr. ministro Ayres Britto: Eu estou achando, também, Ministro Gilmar, que, se tivermos de explicitar quanto à necessidade do quórum qualificado da maioria absoluta para cada uma dessas três penas paradigmáticas, também teremos de explicitar que isso se fará sem prejuízo que tem o Conselho para rever, desconstituir e avocar�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso está implícito�O sr. ministro Ayres Britto: Exato� Não precisa, porque o Conselho também

tem competência para rever a decisão, para desconstituir a decisão e avocar o processo�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Até mesmo para mudar essa norma e fazer conforme está propondo o ministro�

O sr. ministro Ayres Britto: Então, é melhor não implicitar�O sr. ministro Gilmar Mendes: Numa tentativa de resolver, parece‑me� Dei‑

xemos a norma em vigor�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Ministro, na tentativa de resolver,

induzir o Tribunal a votar num determinado sentido? O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Como é que ele vai decidir? Este é o

problema, nós temos de dar critérios para o Conselho decidir� Esse é o problema�O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas o resultado���

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ADI 4.638 MC-REF

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Nós vamos atropelar a Constituição?O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Nós temos de dar o critério para

o Conselho decidir� Esse é o problema� Não é um problema de deixar para o Conselho, Ministro� Nós temos de dar o critério para o Conselho decidir� Esse é que é o cerne da questão�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Esse parece ser um critério, Presidente�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Esse é o critério�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Eu concordo com Vossa Excelência, mas não

concordo com a segunda parte� Eu acho que deve haver, sim, votação específica sobre cada modalidade de pena�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Se estão de acordo�O sr. ministro Joaquim Barbosa: Aí é que está; o meu adendo seria: até que

se chegue a um consenso�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Não, até a maioria absoluta, até

que se chegue à maioria absoluta�O sr. ministro Joaquim Barbosa: “A maioria absoluta” é implícito�O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Está bem�O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso os tribunais poderão fazer�O sr. ministro Dias Toffoli: Isso a lógica responde�O sr. ministro Gilmar Mendes: Sim�A sra. ministra Cármen Lúcia: Não é a lógica, mas a prática� O que o presi‑

dente está procurando é uma solução�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): É isto o que estamos propondo:

interpretar essa norma com essa condição, entendendo‑se que a votação deve ser em separado para cada pena até que se chegue à maioria absoluta�

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Até que se chegue à maioria absoluta�O sr. ministro Ayres Britto: Se for assim: até que se chegue, está muito

bom, Excelência�A sra. ministra Cármen Lúcia: Até que se chegue�O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Estamos de acordo com essa

solução?O sr. ministro Dias Toffoli: Aí, sim�O sr. ministro Gilmar Mendes: Aí, sim, pode ser�A sra. ministra Cármen Lúcia: Aí eu adiro à solução de Vossa Excelência�O sr. ministro Dias Toffoli: Tem de haver uma sanção, aí estou de acordo�A sra. ministra Cármen Lúcia: Não se elimina sanção hora alguma� Chegou‑

‑se à sanção; vai‑se aplicar; como aplicar? Vai‑se votar até se chegar�O sr. ministro Gilmar Mendes: Na verdade, na prática, se olharmos a

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ADI 4.638 MC-REF

resolução, já houve casos em que houve proposta de censura, disponibilidade de aposentadoria compulsória e o sujeito acabou absolvido�

O sr. ministro Ayres Britto: Ministro Peluso, Vossa Excelência afasta o risco do juízo de non liquet, ou seja, de não resolução da causa�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Exatamente�O sr. ministro Ayres Britto: Perfeito�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, eu também peço vênia, embora compreenda perfeitamente� Penso que é até um aperfeiçoamento o que a Corte está sugerindo para os trabalhos dos tribunais�

Mantenho o meu voto, acompanhando integralmente o voto do ministro Marco Aurélio, pelas razões já expostas e, agora, complementadas superior‑mente pelo eminente ministro Celso de Mello�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, tendo em vista a discussão resolvida nesta importante ação direta, e como disse que não foi de cognição sumária, mas praticamente de cognição exauriente, talvez fosse conveniente que o Tribu‑nal, tal com já fez em outras oportunidades, delegasse aos relatores dos vários processos que têm liminares que decidissem em consonância com a decisão do Plenário ou que trouxessem para que o Plenário delibere, evitando que haja discussões e alongamentos, acusações de bloqueio da competência do CNJ, de modo que pudéssemos fazer o bom encaminhamento desse tema�

O sr. ministro Marco Aurélio (relator): Presidente, liberdade, liberdade em seu sentido maior! Que cada qual decida de acordo com a compreensão formada, cabendo, contra o ato formalizado, recurso�

O sr. ministro Cezar Peluso (presidente): Os ministros ficam autorizados� Cada um vai decidir segundo o seu autojuízo�

EXTRATO DA ATA

ADI 4�638 MC‑REF/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio� Requerente: Associa‑ção dos Magistrados Brasileiros (Advogado: Alberto Pavie Ribeiro)� Interes‑sado: Presidente do Conselho Nacional de Justiça (Advogado: Advogado‑geral

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ADI 4.638 MC-REF

da União)� Amicus curiae: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior e outros)�

Decisão: Em continuidade ao julgamento, o Tribunal, por maioria, quanto aos § 3º, § 7º, § 8º e § 9º do art� 14, cabeça; aos incisos IV e V do art� 17, cabeça, e ao § 3º do art� 20 da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça, negou refe‑rendo à liminar, contra os votos dos ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cezar Peluso (presidente), que a referendavam, e o voto do ministro Luiz Fux, que a referendava parcialmente� Quanto ao § 1º do art� 15, por maioria, o Tribunal referendou a cautelar concedida, contra o voto da ministra Rosa Weber� Quanto ao parágrafo único do art� 21, o Tribunal, por maioria, deu interpretação conforme a Constituição Federal para entender que deve haver votação específica de cada uma das penas disciplinares aplicá‑veis a magistrados até que se alcance a maioria absoluta dos votos, conforme o art� 93, VIII, da Constituição, contra os votos dos ministros relator, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello� Em seguida, o Tribunal deliberou autorizar os ministros a decidirem monocraticamente matéria em consonância com o entendimento firmado nesta ação direta de inconstitucionalidade, contra o voto do ministro Marco Aurélio�

Presidência do ministro Cezar Peluso� Presentes à sessão os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber� Procurador‑‑geral da República, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos�

Brasília, 8 de fevereiro de 2012 — Luiz Tomimatsu, secretário

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 599.176 — PR

Relator: O sr. ministro Joaquim BarbosaRecorrente: Município de CuritibaRecorrida: UniãoAmicus curiae: Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais

Brasileiras – ABRASF

CONSTITUCIONAL� TRIBUTÁRIO� IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA� INAPLICABILIDADE À RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUCESSÃO�

ART� 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO�A imunidade tributária recíproca não exonera o sucessor das obri‑

gações tributárias relativas aos fatos jurídicos tributários ocorridos antes da sucessão (aplicação “retroativa” da imunidade tributária)�

Recurso extraordinário ao qual se dá provimento�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Joaquim Barbosa, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do relator�

Brasília, 5 de junho de 2014 — Joaquim Barbosa, relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Joaquim Barbosa: Trata‑se de recurso extraordinário (art� 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional

RE 599�176

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RE 599.176

Federal da 4ª Região que considerou aplicável a imunidade recíproca a débitos tributários da extinta Rede Ferroviária Federal S�A�, sucedida pela União Federal�

Em suma, o acórdão‑recorrido aplicou a imunidade tributária recíproca (art� 150, VI, a, da Constituição) a responsável tributário por sucessão (art� 130 do Código Tributário Nacional – Fl� 179v�)�

Referido acórdão foi assim ementado:

TRIBUTÁRIO� EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL� IPTU� RFFSA� SUCESSÃO TRIBUTÁRIA DA UNIÃO� IMUNIDADE RECÍPROCA� CF, ARTIGO 150 , VI, A�

1� Com a transferência da propriedade do imóvel, o imposto sub‑roga‑se na pessoa do adquirente (art� 130 do CTN)�

2� Gozando a União de imunidade recíproca, prevista no art� 150, VI, a, da Cons‑tituição Federal, inexigível o IPTU sobre imóvel incorporado a seu patrimônio, ainda que os fatos geradores sejam anteriores à ocorrência de sucessão tribu‑tária� [Fl� 182�]

Após sustentar a presença do requisito da repercussão geral (Fls� 186‑188), o Município recorrente argumenta que o acórdão recorrido violou os arts� 150, VI, a (alcance da imunidade); 156 (competência para instituir o IPTU); e 151, III (proibição da concessão de isenções heterônomas), da Constituição�

Portanto, a questão de fundo posta neste recurso extraordinário, consistente em se saber se a imunidade tributária recíproca é aplicável ao responsável tri‑butário por sucessão, tem inequívoca densidade constitucional, na medida em que afeta o campo de competência tributária atribuído aos entes federados�

A repercussão geral da matéria foi reconhecida�O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso extraordinário,

em parecer elaborado pelo procurador‑geral da República, doutor Rodrigo Janot�É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Joaquim Barbosa (relator): Senhores Ministros, a questão de fundo enfrentada é bastante simples�

A imunidade tributária recíproca é uma norma constitucional de competên‑cia, que proíbe a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços dos entes federados (art� 150, VI, a, da Constituição)�

Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, a imunidade tributária recíproca é um instrumento de calibração do pacto federativo, destinado a proteger os entes federados de pressões econômicas projetadas para induzir escolhas políticas ou administrativas da preferência do ente tributante (remeto,

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RE 599.176

exemplificativamente, ao RE 253�472, rel� p/ ac� min� Joaquim Barbosa, Pleno, DJE de 1º‑2‑2011)�

Nesse contexto, a imunidade tributária recíproca é inaplicável se a atividade ou a entidade tributada demonstrarem capacidade contributiva, se houver risco à livre‑iniciativa e às condições de justa concorrência econômica ou se não estiver em jogo risco ao pleno exercício da autonomia política conferida aos entes federados pela Constituição�

De fato, a Constituição é expressa ao excluir da imunidade:

[o] patrimônio, [a] renda e [os] serviços, relacionados com exploração de ativida‑des econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativa‑mente ao bem imóvel� [Art� 150, VI, § 3º�]

Como sociedade de economia mista, constituída sob a forma de sociedade por ações, apta a cobrar pela prestação de seus serviços e a remunerar o capital investido, a RFFSA não fazia jus à imunidade tributária.

Com a liquidação da pessoa jurídica, iniciada em 17‑12‑1999 por deliberação da respectiva Assembleia‑Geral de Acionistas (MP 353/2007, Lei 11�483/2007 e Decretos 6�018/2007 e 6�769/2009), a União se tornou sucessora de alguns direi‑tos e de alguns deveres da empresa�

Como sucessora da sociedade de economia mista, a União se tornou respon‑sável tributária pelos créditos inadimplidos, nos termos do art� 130 e seguintes do Código Tributário Nacional�

A regra constitucional da imunidade, por se destinar à proteção específica do ente federado, é inaplicável aos créditos tributários constituídos legitimamente contra pessoas jurídicas dotadas de capacidade contributiva e cuja tributação em nada afetaria o equilíbrio do pacto federativo�

Pelo contrário: a aplicação da imunidade tributária prejudicaria a expecta-tiva do ente federado dito “periférico” à receita tributária, à guisa de garantia de uma inexistente vantagem pecuniária a outro ente federado� Peço especial atenção dos colegas neste ponto: qualquer imunidade tributária prejudica, em certa medida, a expectativa de arrecadação dos entes federados. Essa perda deve ser tolerada pelos entes, para satisfazer outros valores tão ou mais relevantes previstos na Constituição. Porém, deixar de tributar uma pessoa jurídica dotada de capacidade contributiva, que seja era mera instrumen-talidade estatal, desequilibra o pacto federativo, ao invés de preservá-lo.

Ademais, a própria interpretação das normas relativas à responsabilidade

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RE 599.176

tributária vem sendo bastante tumultuada nos órgãos fiscais e no próprio Judi‑ciário� Parte da dificuldade de interpretação decorre da forma como o CTN foi concebido e criado�

Originalmente, pretendia‑se que o CTN aplicasse a responsabilidade tributária de forma objetiva e com vasta envergadura, independentemente das razões que levassem ao inadimplemento do crédito tributário� Esse telos retratado no ante‑projeto não foi reproduzido na redação final do texto, que acabou incorporando fórmulas então utilizadas pela legislação comercial‑empresarial privada para proteger as pessoas jurídicas contra administradores faltosos ou insurgentes�

Nenhum desses extremos é compatível com a Constituição� De acordo com estudo feito por Thiago Sorrentino em dissertação de mestrado defendida na PUC/SP1, a compatibilidade da responsabilidade tributária perante a Constitui‑ção depende da adoção de critérios interpretativos e decisórios que reconheçam dois aspectos essenciais desse mecanismo: a responsabilidade tributária tem por função (1) garantir a máxima efetividade do crédito tributário contra inadim-plência confirmada ou potencial, porém, em circunstâncias bastante específicas.

Assim, as pessoas naturais ou jurídicas responsáveis não se exoneram da responsabilidade por mera atribuição de culpa ou de dolo a terceiros, tal qual o modelo de direito privado que foi parcialmente replicado no texto do CTN�

No caso em exame, a União não pode se livrar da responsabilidade tributária simplesmente indicando que o tributo era devido por sociedade de economia mista, ou sugerindo a aplicação de regra constitucional que protege a autono‑mia política de entes federados, e não de empresas públicas, nem de sociedades de economia mista�

De forma semelhante, a mera inadimplência ou seu risco, isoladamente con‑siderados, são insuficientes para deflagrar a responsabilidade tributária�

Nos termos de referida dissertação de mestrado, o risco de inadimplência de quaisquer obrigações é inerente ao empreendedorismo, pois não há regra nomológica, nem nomoempírica, que assegure ou obrigue ao sucesso econô‑mico� Se a responsabilidade dos empreendedores ou dos investidores for linear e absolutamente objetiva, poucos se aventurarão a empreender�

Aliás, ao contrário do que sugerem alguns civilistas, a pessoa jurídica e a dis‑tinção patrimonial entre empreendimento e empreendedores ou investidores não surge da fictícia e errônea diferenciação entre “a vontade do ser humano” e a “vontade do ser artificial – empresa”� A distinção patrimonial tem origem

1 Cf. <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp063155.pdf>.

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RE 599.176

na necessidade de fomentar práticas econômicas lícitas� Em tempos passados, poucos se aventuravam a empreender, dado que o insucesso seria punido com a destruição do estabelecimento (a bancarrota, origem da palavra bankcrupcy) ou a perda da liberdade individual nos oubliettes medievais ou nos ludii romanos� Ora, na conhecida obra de William Shakespeare, O Mercador de Veneza, uma das perso‑nagens se vê na contingência de entregar uma libra de seu próprio corpo ao credor, em razão do naufrágio acidental do navio fretado no exercício de sua atividade econômica, necessário à obtenção dos recursos para saldar o mútuo contraído�

A manutenção do incentivo ao empreendedorismo lícito, valor constitucional, impede, por exemplo, que a mera falência ou a dissolução de pessoa jurídica projete responsabilidade aos respectivos sócios e administradores� Somente se houver crime falimentar, ou se comprovada acima de dúvida razoável tentativa de ocultação patrimonial, é que se admite a responsabilização� A propósito, é praticamente impossível o registro do encerramento de pessoa jurídica que possua qualquer débito tributário� Uma pessoa jurídica malsucedida acaba funcionando como a figura poética do albatrós, na obra The Rime of the Ancient Mariner, de Samuel Taylor Coledrige: o insucesso arramado ao pescoço do empreendedor frustrado, incapaz de seguir em frente com sua vida, eternamente aferroado a seus credores estatais e privados�

Em nosso sistema, a responsabilidade tributária dos sucessores protege o erário de um tipo de inadimplência bastante específico: o desaparecimento jurídico do contribuinte, conjugado com a transferência integral ou parcial do patrimônio a outra pessoa de direitos� Ora, a desconstituição da pessoa jurídica faz com que o crédito tributário não possa mais ser exigido contra o contribuinte original (que deixou de existir juridicamente)� Ocorre que o patrimônio trans‑ferido, material ou imaterial, deveria garantir o crédito tributário� Portanto, a solução legal prevista no CTN, compatível com a Constituição, é fazer com que o sucessor, ainda que ente federado, arque com a dívida� Não se trata de punir o contribuinte, nem o sucessor, por um insucesso empresarial�

Nesses termos, entendo que a imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão, na hipótese em que o sujeito passivo era contribuinte regular do tributo devido�

Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário.É como voto�

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 325

RE 599.176

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, realmente são dois os pontos aqui a serem discutidos�

Em primeiro lugar, se essa imunidade superveniente atingiria créditos legi‑timamente constituídos no passado� Penso que não� Vossa Excelência tem toda razão quando vota nesse sentido� É que essa imunidade superveniente decorreu de uma lei ordinária federal e transferiu, ao patrimônio da União, o que per‑tencia à Rede Ferroviária�

Ora, a se admitir que o legislador federal ordinário pode, mediante esse tipo de subterfúgio, eliminar créditos tributários legitimamente constituídos no passado, nós estaríamos abrindo portas para uma grave ofensa ao princípio federativo� Essa é uma questão�

O outro aspecto, que foi salientado da tribuna, é saber se a Rede Ferroviária Federal, à época da constituição do crédito tributário, gozava ela própria de imu‑nidade tributária ou não� Penso que, nesse ponto, Vossa Excelência também tem razão� Em primeiro lugar porque, desde a Constituição de 1988, as Sociedades de Economia Mista estão, por expressa disposição normativa da Constituição Federal, em seu art� 173, § 1º, II, submetidas ao Regime Jurídico das Pessoas Jurídicas de Direito Privado, inclusive quanto ao regime tributário�

Restaria saber – e isso que foi salientado da tribuna – se a Rede Ferroviária exercia realmente um serviço típico de Estado� Eu penso que, também nesse ponto, a Constituição opera em sentido contrário� Segundo dispõe o art� 21, XII, d, da Constituição, a exploração de serviço de transporte ferroviário não pode ser considerada atividade de Estado� Tais serviços podem ser exercidos por particulares, inclusive, mediante autorização, concessão ou permissão�

E nós sabemos que, a partir do regime jurídico ultimamente estabelecido no País, uma das características dos serviços concedidos é justamente o da concor‑rência� Não se pode confundir exploração dos serviços de transporte ferroviário com o serviço de monopólio postal, objeto de precedente do Tribunal, porque esse é exercido de forma monopolizada�

De modo que, por essas breves razões, eu também acompanho Vossa Exce‑lência, pelos dois fundamentos�

O sr. ministro Roberto Barroso: Perdão, embora o segundo fundamento não fosse o objeto do recurso� Portanto, eu não estou me comprometendo com a tese�

O sr. ministro Teori Zavascki: Penso que foi objeto do recurso também�O sr. ministro Roberto Barroso: Penso que não porque o acórdão de origem,

ele não disse�

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326 | Revista Trimestral de Jurisprudência

RE 599.176

O sr. ministro Teori Zavascki: Não, invoca‑se isso no recurso�O sr. ministro Marco Aurélio: O Tribunal de origem não emitiu entendi‑

mento sobre estar, ou não, a rede obrigada a satisfazer o tributo� A única matéria decidida está ligada à sucessão� O recurso é do Município�

O sr. ministro Roberto Barroso: Isso, exato, porque essa questão que o ministro Teori suscitou, que é muito interessante e mais complexa, eu não a enfrentei e talvez preferisse enfrentá‑la com mais profundidade em outro contexto�

Portanto, eu estou acompanhando o presidente apenas por entender que não existe imunidade recíproca superveniente�

VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, nos embargos à execução – da Rede, sucedida pela União – acolhidos em primeiro grau, firmou‑se a tese que veio a ser confirmada pelo Regional�

Acompanho Vossa Excelência para dar provimento ao recurso extraordinário na linha dos fundamentos expendidos no voto�

VOTO

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, Vossa Excelência analisou este recurso; Vossa Excelência deu provimento, não é?

O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente e relator): Sim�O sr. ministro Luiz Fux: Vossa Excelência deu provimento, porque analisou

o recurso sob o ângulo da responsabilidade pela sucessão� Vossa Excelência não analisou, digamos assim, a natureza jurídica da Rede Ferroviária Federal, que levaria a Corte ao raciocínio no sentido de que, se ela já era imune – ninguém pode transferir mais do que tem nem menos do que tem –, então, ela transferiria também a imunidade dela�

Mas, não é isso que está em jogo� O que está em jogo é saber se o adquirente responde tributariamente pelas obrigações do predecessor� E é isso que está em jogo�

O sr. ministro Marco Aurélio: Até ficar em situação difícil, sempre pagou os tributos�

O sr. ministro Luiz Fux: É�E há um outro aspecto, quer dizer, as regras imunizantes, elas são efetiva‑

mente de interpretação restrita� Não está em jogo aqui a questão subjacente do

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RE 599.176

pacto federativo, e o ministro Teori Zavascki citou, com muita propriedade, que nós não analisamos esses antecedentes que a Suprema Corte chancelou quanto à possibilidade de conceder imunidade a empresas públicas e sociedades de economia mista� Não são esses precedentes que estão em jogo�

O sr. ministro Joaquim Barbosa (presidente e relator): Não�O sr. ministro Luiz Fux: De sorte que essa repercussão geral precisa ficar bem

adstrita a esse tema da sucessão, e, nesse sentido, acompanho Vossa Excelência�

VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, também acompanho Vossa Exce‑lência com a mesma delimitação, ou seja, não estamos a discutir a questão nem do serviço público, que era prestado, nem das condições� Então, voto restrita ao que definiu bem Vossa Excelência, que é a questão da sucessão� Até a suces‑são ela era obrigada a pagar, e, portanto, quem sucede, sucede com esses ônus�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu também, Presidente, tendo em vista as razões aqui expendidas por Vossa Excelência, acompanho seu voto no sentido do provimento�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, já adiantei o convencimento sobre a matéria�

O crédito tributário aperfeiçoou‑se em data anterior à sucessão� O fato gera‑dor é pretérito à sucessão� Por isso, não cabe cogitar da cobrança de imposto, tendo em conta bem da União�

A incidência ocorre quanto a bem alcançado a partir da sucessão� E não pode‑ria pretender, na sucessão, ter os bens e não os ônus existentes, que estavam alcançados, considerado o patrimônio da própria Rede Ferroviária�

Acompanho Vossa Excelência�

EXTRATO DA ATA

RE 599�176/PR — Relator: Ministro Joaquim Barbosa� Recorrente: Município de Curitiba (Advogados: Roberto de Souza Moscoso e outros)� Recorrida: União

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328 | Revista Trimestral de Jurisprudência

RE 599.176

(Advogado: Advogado‑geral da União)� Amicus curiae: Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF (Advogado: Ricardo Almeida Ribeiro da Silva)�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, minis‑tro Joaquim Barbosa (presidente), deu provimento ao recurso extraordinário� Ausentes, justificadamente, o ministro Celso de Mello, o ministro Dias Toffoli, representando o Tribunal na III Assembleia da Conferência das Jurisdições Cons‑titucionais dos Países de Língua Portuguesa, em Angola, e, neste julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski� Falaram, pela Advocacia‑Geral da União, a doutora Grace Maria Fernandes Mendonça, secretária‑geral de Contencioso, e, pelo amicus curiae Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras (ABRASF), a doutora Simone Andrea Barcelos Coutinho�

Presidência do ministro Joaquim Barbosa� Presentes à sessão os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso� Procurador‑geral da República, doutor Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 5 de junho de 2014 — Luiz Tomimatsu, assessor‑chefe do Plenário�

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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Açã-Aut

APrSTF Ação direta de inconstitucionalidade� (���) Medida cautelar.

ADI 4�638 MC‑REF33

PrCv Ação rescisória. Acórdão rescindendo: acórdão do STF� Última decisão de mérito proferida na causa� Substituição do acórdão do tribunal de origem� Desconstituição do acórdão substituído: impossibilidade jurídica do pedido� CPC/1973, art� 512� Súmula 249 do STF� AO 1�489 AgR

23

PrCv Acórdão rescindendo: acórdão do STF� (���) Ação rescisória. AO 1�489 AgR

23

Ct Afastamento cautelar de magistrado antes da instauração de processo administrativo disciplinar: impossibilidade� (���) Conse-lho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Aplicação de pena a magistrado� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Trbt Aplicação retroativa: impossibilidade� (���) Imunidade tributária recíproca. RE 599�176

320

Ct Aposentadoria compulsória: sanção disciplinar aplicável aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justi‑ça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distri‑to Federal e Territórios� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Autonomia político‑administrativa dos tribunais� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

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CF/-Con

CCt CF/1988, arts� 5º, XXXIV, a; e 103‑B, §§ 4º, III, e 7º� (���) Conselho

Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF33

Ct CF/1988, arts� 37, caput, e 93, IX e X� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct CF/1988, art� 93, VIII e X� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct CF/1988, arts� 96, I, a, e 99� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct CF/1988, art� 103‑B, § 4º, III� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Trbt CF/1988, art� 150, VI, a� (���) Imunidade tributária recíproca. RE 599�176

320

Ct Competência do CNJ até que sobrevenha o Estatuto da Magistra‑tura� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Competência originária e concorrente do CNJ� (���) Conselho Na-cional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Afastamento cautelar de magistrado antes da instauração de processo administrativo disciplinar: impossibilidade� Restrição às garantias da ina‑movibilidade e da vitaliciedade: exigência de lei em sentido formal� Princípio da legalidade e do devido processo legal: ofen‑sa� Resolução 135/2011‑CNJ, art� 15, § 1º: suspensão cautelar� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aplicação de pena a magis‑trado� Divergência do tribunal quanto à pena� Voto da maioria absoluta dos membros do tribunal: necessidade� CF/1988, art� 93, VIII e X� Resolução 135/2011‑CNJ, art� 21, parágrafo único: inter‑pretação conforme à Constituição� ADI 4�638 MC‑REF

33

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 333

Con-Con

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aposentadoria compulsó‑ria: sanção disciplinar aplicável aos magistrados da Justiça Fede‑ral, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios� Direito ao subsídio ou aos proventos proporcionais� CF/1988, art� 103‑B, § 4º, III� Resolução 135/2011‑CNJ, art� 3º, V� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Instauração de processo administrativo disciplinar e aplicação de penalidade contra magistrado� Competência originária e concorrente do CNJ� Re‑solução 135/2011‑CNJ, art� 12� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Investigação de irregula‑ridades cometidas por magistrados: apuração no âmbito dos tribunais� Designação do órgão competente pelo CNJ: impos‑sibilidade� Autonomia político‑administrativa dos tribunais� CF/1988, arts� 96, I, a, e 99� Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 8º e 9º, §§ 2º e 3º: interpretação conforme à Constituição� ADI 4�638 MC‑ REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Legitimação para a repre‑sentação contra magistrado: qualquer interessado� Direito de petição� CF/1988, arts� 5º, XXXIV, a; e 103‑B, §§ 4º, III, e 7º� Reso‑lução 135/2011‑CNJ, art� 9º, caput� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Publicidade das sanções disciplinares e da sessão de julgamento de processo adminis‑trativo contra magistrado� Princípio da publicidade� CF/1988, arts� 37, caput, e 93, IX e X� Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 4º e 20� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Recurso de decisão em pro‑cesso disciplinar contra magistrado: cabimento� Legitimidade recursal: autor da representação ou o magistrado acusado� Re‑solução 135/2011‑CNJ, art� 10: interpretação conforme à Consti‑tuição� ADI 4�638 MC‑REF

33

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334 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Con-Des

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução� Expressão “considera‑se tribunal” no art� 2º: significado em relação ao Con‑selho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho da Justiça Federal (CJF)� Submissão dos dois órgãos à Resolução do CNJ� Resolução 135/2011‑CNJ, art� 2º� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sanção administrativa civil� Sujeição dos magistrados às penas previstas na Lei 4�898/1965: incompatibilidade com a Loman/1979� Resolução 135/2011‑CNJ, art� 3º, § 1º: suspensão cautelar� ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uniformização das regras pertinentes aos procedimentos administrativos disciplinares aplicáveis aos magistrados� Competência do CNJ até que so‑brevenha o Estatuto da Magistratura� EC 45/2004, art� 5º, § 2º� Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 14, §§ 3º, 7º, 8º e 9º; 17, caput, IV e V; e 20, § 3º� ADI 4�638 MC‑REF

33

Pn CP/1940, art� 299, parágrafo único� (���) Falsidade ideológica qua-lificada. AP 633

9

Pn CP/1940, art� 330� (���) Crime de desobediência. AP 633 9

PrCv CPC/1973, art� 512� (���) Ação rescisória. AO 1�489 AgR 23

Pn CPP/1941, art� 386, III� (���) Crime de desobediência. AP 633 9

Pn CPP/1941, art� 386, III� (���) Falsidade ideológica qualificada. AP 633

9

Pn Crime de desobediência. Descumprimento de ordem emanada de autoridade pública� Endereçamento da ordem a quem tem o dever de cumpri‑la: necessidade� Demonstração do dolo especí‑fico de contrariar o comando: ausência� Provas: insuficiência� CP/1940, art� 330� CPP/1941, art� 386, III� AP 633

9

DPn Demonstração do dolo específico de contrariar o comando: au‑

sência� (���) Crime de desobediência. AP 6339

PrCv Desconstituição do acórdão substituído: impossibilidade jurídi‑ca do pedido� (���) Ação rescisória. AO 1�489 AgR

23

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 335

Des-Exp

Pn Descumprimento de ordem emanada de autoridade pública� (���) Crime de desobediência. AP 633

9

Ct Designação do órgão competente pelo CNJ: impossibilidade� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Direito ao subsídio ou aos proventos proporcionais� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Direito de petição� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Divergência do tribunal quanto à pena� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Pn Dolo: ausência� (���) Falsidade ideológica qualificada. AP 633 9

ECt EC 45/2004, art� 5º, § 2º� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

ADI 4�638 MC‑REF33

Pn Endereçamento da ordem a quem tem o dever de cumpri‑la: ne‑cessidade� (���) Crime de desobediência. AP 633

9

Trbt Equilíbrio do pacto federativo� (���) Imunidade tributária recí-proca. RE 599�176

320

Pn Erro em informação repassada por funcionário� (���) Falsidade ideológica qualificada. AP 633

9

PrSTF Exame monocrático pelo relator: situação de extrema urgência� (���) Medida cautelar. ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Expressão “considera‑se tribunal” no art� 2º: significado em relação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho da Justiça Federal (CJF)� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

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336 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Fal-Leg

FPn Falsidade ideológica qualificada. Informação falsa em documen‑

to a respeito do cumprimento de ordem judicial� Erro em informa‑ção repassada por funcionário� Dolo: ausência� CP/1940, art� 299, parágrafo único� CPP/1941, art� 386, III� AP 633

9

Trbt Fatos jurídicos tributários anteriores à sucessão de sociedade de economia mista pela União� (���) Imunidade tributária recíproca. RE 599�176

320

ITrbt Imunidade tributária recíproca. Aplicação retroativa: impossi‑

bilidade� Responsabilidade tributária por sucessão� Fatos jurídi‑cos tributários anteriores à sucessão de sociedade de economia mista pela União� Equilíbrio do pacto federativo� CF/1988, art� 150, VI, a� RE 599�176

320

Pn Informação falsa em documento a respeito do cumprimento de ordem judicial� (���) Falsidade ideológica qualificada. AP 633

9

Ct Instauração de processo administrativo disciplinar e aplicação de penalidade contra magistrado� (���) Conselho Nacional de Jus-tiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Investigação de irregularidades cometidas por magistrados: apuração no âmbito dos tribunais� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

LCt Legitimação para a representação contra magistrado: qual‑

quer interessado� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Legitimidade recursal: autor da representação ou o magistrado acusado� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑ REF

33

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 337

Med-Res

MPrSTF Medida cautelar. Ação direta de inconstitucionalidade� Exame

monocrático pelo relator: situação de extrema urgência� Refe‑rendo do Plenário� Resolução 135/2011‑CNJ� ADI 4�638 MC‑REF

33

PCt Princípio da legalidade e do devido processo legal: ofensa� (���)

Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF33

Ct Princípio da publicidade� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Pn Provas: insuficiência� (���) Crime de desobediência. AP 633 9

Ct Publicidade das sanções disciplinares e da sessão de julgamento de processo administrativo contra magistrado� (���) Conselho Na-cional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

RCt Recurso de decisão em processo disciplinar contra magis‑

trado: cabimento� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

PrSTF Referendo do Plenário� (���) Medida cautelar. ADI 4�638 MC‑REF 33

Ct Resolução� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑ REF

33

PrSTF Resolução 135/2011‑CNJ� (���) Medida cautelar. ADI  4�638  MC‑ REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 2º� (���) Conselho Nacional de Justi-ça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 3º, § 1º: suspensão cautelar� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 3º, V� (���) Conselho Nacional de Jus-tiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

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338 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Res-Sub

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 4º e 20� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 8º e 9º, §§ 2º e 3º: interpretação conforme à Constituição� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 9º, caput� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 10: interpretação conforme à Cons‑tituição� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑ REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 12� (���) Conselho Nacional de Justi-ça (CNJ). ADI 4�638 MC‑RE

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, arts� 14, §§ 3º, 7º, 8º e 9º; 17, caput, IV e V; e 20, § 3º� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 15, § 1º: suspensão cautelar� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Ct Resolução 135/2011‑CNJ, art� 21, parágrafo único: interpreta‑ção conforme à Constituição� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

Trbt Responsabilidade tributária por sucessão� (���) Imunidade tribu-tária recíproca. RE 599�176

320

Ct Restrição às garantias da inamovibilidade e da vitaliciedade: exigência de lei em sentido formal� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

SCt Sanção administrativa civil� (���) Conselho Nacional de Justiça

(CNJ). ADI 4�638 MC‑REF33

Ct Submissão dos dois órgãos à Resolução do CNJ� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

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Sub-Vot

PrCv Substituição do acórdão do tribunal de origem� (���) Ação rescisó-ria. AO 1�489 AgR

23

Ct Sujeição dos magistrados às penas previstas na Lei 4�898/1965: incompatibilidade com a Loman/1979� (���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

PrCv Súmula 249 do STF� (���) Ação rescisória. AO 1�489 AgR 23

UPrCv Última decisão de mérito proferida na causa� (���) Ação rescisó-

ria. AO 1�489 AgR23

Ct Uniformização das regras pertinentes aos procedimentos admi‑nistrativos disciplinares aplicáveis aos magistrados� (���) Conse-lho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF

33

VCt Voto da maioria absoluta dos membros do tribunal: necessidade�

(���) Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ADI 4�638 MC‑REF33

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ÍNDICE NUMÉRICO

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volume 231 | janeiro a março de 2015 | 343

ACÓRDÃOS

633 (AP) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Teori Zavascki � � � � � � � � 9 1�489 (AO AgR) � � � � � � � � � � � � � Rel� p/ o ac�: Min� Dias Toffoli � � � � 23 4�638 (ADI MC‑REF) � � � � � � � � � Rel�: Min� Marco Aurélio � � � � � � � 33 599�176 (RE) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Joaquim Barbosa � � � � � �320

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Este livro foi projetado por Eduardo Franco Dias e composto por Camila Penha Soares, Eduardo Franco Dias e Neir dos Reis Lima e Silva na Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal.

A fonte de texto é a Kepler Std, projetada por Robert Slimbach e editada pela Adobe Systems em 2003.

Os títulos e destaques foram compostos em Helvetica Neue LT Std. Ela é uma ampliação da família tipográfica de Max Miedinger e Eduard Hoffmann, criada em 1957 na Suíça e reeditada em 1983 pela Adobe Systems.

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ISSN 0035 - 0540