revista principia n 16

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Revista do IFPB - produção de professores, técnicos e alunos, não apenas do IFPB.

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  • Princpiargo Oficial de Divulgao Cintfica e Tecnolgica do CEFET-PB

    Diretor-GeralJoo Batista de Oliverira Silva

    Diretora da Unidade SedeMaria Vernica Lacerda Arnaud

    Diretor da Uned CajazeirasRoscellino de Mello Jnior

    Diretor Uned Campina GrandeCcero Niccio do Nascimento Lopes

    Diretor de EnsinoRaimundo Nonato Oliveira Furtado

    Diretor de AdministraoCarlos Roberto de Almeida

    Diretora de Pesquisa e Ps-graduaoNelma Mirian Chagas de Arajo Meira

    Diretor de Relaes Empresariais e ComunitriasJos Avenzoar de Arruda Neves

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalPaulo de Tarso Costa Herriques

    CONSELHO EDITORIALMaria Cristina Madeira da Silva Presidente

    Francilda Arajo Incio Vice-PresidenteMarileuza Fernandes Correia Secretria

    Mnica Maria Souto Maior Secretria-AdjuntaMembros

    Alessandra Marcone Tavares Alves de FigueiredoAlex Sandro da Cunha Rego

    Ana Lcia Ferreira de Queiroga Augusto Francisco da Silva Neto

    Claudiana Maria da Silva LealIana Daya Cavalcante Facundo Passos

    Kennedy Flvio Meira de LucenaLafayette Batista Melo

    Maria Vernica Andrade da S. EdmundsonNeilor Csar dos Santos

    Nelma Mrian Chagas de Arajo MeiraPaulo Henrique da Fonseca Silva

    Severino Cesarino da Nbrega NetoTibrio Andrade dos Passos

    COMISSES DE APOIO

    Comisso de Comunicao e DivulgaoFilipe Francelino de Sousa

    Ana Karolina de Arajo Abiahy

    Comisso de Reviso de LinguagemBenedita Vieira de Andrade (lngua portuguesa)

    Joseli Maria da Silva (lngua portuguesa)Jackelinne Maria de Albuquerque Arago Cordeiro (lngua estrangeira)

    Myrta Leite Simes (lngua estrangeira)

    Comisso de Digitao, Diagramao, Design Grfico e ReproduoPablo Frana de FreitasZaqueu Alves de Souza

    Francisco Antonio Borges de Moura

    Comisso de Documentao e NormalizaoBeatriz Alves de SousaIvanise Andrade Melo

    Thefilo Moreira Barreto de Oliveira.

    Correspondncia PrincpiaCentro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba

    Conselho Editorial - Diretoria de Pesquisa e Ps-GraduaoAvenida 1 de Maio,720 - Jaguaribe - 58.015-430 - Joo Pessoa - PB

    Fone: (83) 3208-3032 - Fax: (83) 3208-3088Site: www.cefetpb.edu.br/pesquisa/principia

    E-mail: [email protected]

  • SUMRIO

    A atividade de caixas bancrios: sofrimento psquico e prazer no trabalhoLuciane Albuquerque S de Souza, Mary Yale Rodrigues Neves ................................................. 9

    A linguagem artstica e o teatro na educao: movimento de ordem e desordemPalmira Rodrigues Palhano ........................................................................................................... 17

    A produo de texto como prtica centrada no aluno: sujeito da aprendizagemBenedita Vieira de Andrade ........................................................................................................... 24

    Reforma da educao profissional do Governo FHC no CEFET-PB: a representao social como mediao

    Evaldo Roberto de Souza .............................................................................................................. 30

    Aplicao de uma topologia de conversor monofsico-trifsico de baixo custo como filtro ativo paralelo em sistemas monofsicos

    Jos Artur Alves Dias, Euseli Cipriano dos Santos Jr., Nady Rocha ............................................ 39

    Diagnstico da manuteno preventiva das instalaes prediais de gua fria do CEFET-PB, Unidade Joo Pessoa

    Claudiana Maria da Silva Leal, Ana Paula da Silva Batista, Dayelly Gonalves Fuzari, Wilton Wilney Nascimento Padilha .......................................................................................................... 47

    Desenvolvimento e difuso da tecnologia de fabricao de estruturas em guias de ondas de alumnio

    Alfredo Gomes Neto ..................................................................................................................... 57

    Mtodo alternativo de produo de vinagre com reaproveitamento de cascas de frutasGilson Camilo dos Santos, Umberto Gomes da Silva Jnior, Jos Augusto da Fonseca Neto, Edvaldo Vasconcelos de Carvalho Filho ....................................................................................... 62

    O Design de Interiores como objeto de consumo na sociedade ps-modernaMnica Maria Souto Maior, Maria Otlia Telles Storni ................................................................ 68

    O dilogo em sala de aula: um fator de incluso socialMyrta Leite Simes, Mara Leite Simes, Jackelinne Maria de A. Arago, Ivana Alencar Peixoto L. da Franca ..................................................................................................................... 72

    Oferta de imveis residenciais verticais: uma anlise sobre suas caractersticas na regio metropolitana de Joo Pessoa

    Carlos Lima de Santana, Danielle do Nascimento S. Oliveira, Alexsandra Rocha Meira .................................................................................................................................................................... 78

    Produo de barras magnticas em tubos de vidroCarlos Alberto Fernandes de Oliveira, Evandro Ferreira da Silva, Joo Batista M. de Resende Filho, Joo Jarllys Nbrega de Souza, Kyara Andressa Cavalcanti Limeira, Liliane Rodrigues de Andrade, Umberto Gomes da Silva Jnior ............................................................................... 86

    Projeto e anlise de antenas Patch compactadas com contornos fractais de KochPaulo Henrique da Fonseca Silva, Elder Eldervitch C. de Oliveira, Sandro Gonalves da Silva ......................................................................................................................................................... 91

    Trajetrias do olhar: imagens e histria na arte Naf paraibanaRobson Xavier da Costa................................................................................................................. 100

  • Relao dos Pareceristas (Referees)Revista Principia 16

    Adriano de Len UFPBAlexsandra Rocha Meira CEFET-PB

    Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueiredo - CEFET-PBAlexsandro da Cunha Rego CEFET-PB

    Alfredo Gomes Neto CEFET-PBAndrea Dialectaquiz UFPB

    Antnio Carlos Gomes Varela CEFET-PBAntonio Ccero de Sousa CEFET-PB

    Antnio Soares de Oliveira Junior CEFET-PBCelena Soares Rocha CEFET-PBEdgard Macedo Silva CEFET-PB

    Edilson Ramos Machado CEFET-PBEugnio Pacelli Fernandes Leite CEFET-PB

    Fausto Veras Maranho Ayres CEFET-PBFrancisco Emanuel Ferreira de Almeida CEFET-PB

    Francisco Thadeu Carvalho Matos CEFET-PBGesivaldo Jesus Alves de Figueredo CEFET-PB

    Gibson Rocha Meira CEFET-PBGilcean Silva Alves CEFET-PB

    Homero Jorge Matos de Carvalho CEFET-PBHyggo O. de Almeida UFCG

    Jackelinne Maria de Albuquerque Arago CEFET-PBJefferson Costa e Silva CEFET-PB

    Joabson Nogueira de Carvalho CEFET-PBJorge Gonalo Fernandez Lorenzo CEFET-PB

    Joseli Maria da Silva CEFET-PBLuciano Candeia CEFET-PB

    Maria Analice Pereira da Silva CEFET-PBMaria Luiza da Costa Santos CEFET-PB

    Nelma Mirian Chagas de Arajo - CEFET-PBPalmira Rodrigues Palhano CEFET-PB

    Raimundo Nonato Oliveira Furtado CEFET-PBRicardo Lima e Silva CEFET-PB

    Ridelson Farias de Sousa CEFET-PBSrgio Ricardo Bezerra dos Santos CEFET-PBSeverino Cesarino da Nbrega Neto - CEFET-PB

    Severino Jos de Lima UFCGSuzete lida Nbrega Correia CEFET-PB

    Walmeran Jos Trindade Junior CEFET-PB

  • EDITORIAL

    O papel da educao profissional e tecnolgica no mundo essencial, assim como foi no passado e continuar sendo nas sociedades futuras. Uma vez que essa premissa foi aceita e compartilhada, a questo relevante ser qual educao e com qual objetivo. Nessa rea, o debate completamente novo, mas no absolutamente bvio. A qualidade e o financiamento so duas questes chave para a educao profissional e tecnolgica, cuja definio pode ser guiada por claras e diferentes premissas polticas. Tais polticas partem, de forma explcita ou no, da concepo do papel que a educao profissional e tecnolgica desempenha ou deveria desempenhar na sociedade. Conseqentemente, uma reconsiderao aberta e pr-ativa do papel da educao profissional e tecnolgica uma obrigao de compromisso pblico e responsabilidade social. Definir o papel da educao profissional e tecnolgica na sociedade um dos exerccios essenciais no atual perodo histrico. Devido sofisticao cada vez maior da economia, as instituies de ensino tm sido obrigadas a ofertar comunidade um nmero cada vez maior de cursos, preferencialmente em sintonia com os arranjos produtivos locais, gerando, inclusive, novas profisses. Como conseqncia, veio tambm a necessidade de expandir a Rede Federal de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica. Hoje, o MEC/SETEC, planeja em breve apresentar oficialmente sociedade uma nova estrutura educacional em Rede, que ser composta pelos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia, os Centros Federais de Educao Tecnolgica, a Universidade Federal Tecnolgica do Paran e, algumas das Escolas Tcnicas vinculadas s Universidades Federais. Neste contexto, o nosso projeto de Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia da Paraba (IFPB) oferecer comunidade paraibana cursos tcnicos (integrados e subseqentes), superiores (bacharelado, licenciatura e tecnolgicos) e de ps-graduao lato e stricto sensu, se fazendo presente em nove municpios (Joo Pessoa, Cabedelo, Campina Grande, Picu, Patos, Monteiro, Sousa, Cajazeiras e Princesa Isabel), alm de diversos cursos de Qualificao Profissional, e atuar solidamente na Educao a Distncia, via programas da UAB/E-TEC. Convm salientar que nesta nova concepo, haveremos de ampliar nossas aes no campo da pesquisa e da extenso, buscando de sobremaneira atuarmos de forma mais comunitria e solidria aos anseios da sociedade, ou seja, vencermos os paradigmas de uma Instituio menos endgena. Buscando contribuir com a divulgao dos resultados de pesquisas realizadas por seus servidores e discentes, o CEFET-PB apresenta mais um nmero de sua Revista PRINCIPIA, a qual, neste nmero, apresenta uma diversidade de temas pertinentes s reas de conhecimento presentes na Instituio.

    Joo Batista de Oliveira SilvaDiretor-Geral do CEFET-PB

  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    PRINCIPIA. Ano12 n. 16, 2008 Joo Pessoa: rgo de divulgao cientfica e tecnolgica do CEFET-PB, 2008.

    107p. il quadrimestral

    ISSN 1517-0306

    Educao Tecnolgica Peridico Paraba1.

    CDU 375.3(05)(813.3)

    Catalogao da Fonte - Conselho Editorial

    Os trabalhos Publicados nesta revista so de inteira responsabilidade de seus autores.As opinies neles emitidas no representam necessariamente, o ponto de vista do

    Conselho Editorial e/ou da Instituio.

    permitida a reproduo parcial dos artigos desta revista desde que citada a fonte.

  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    A Atividade de Caixas Bancrios: sofrimento psquico e prazer no trabalhoLuciane Albuquerque S de Souza1

    CEFET-PB Rua Sidney Clemente Dore, 179/302 Tamba Joo Pessoa PB

    [email protected]

    Mary Yale Rodrigues Neves

    UFPB Rua Clarice ndio do Brasil, 30/803 Flamengo Rio de Janeiro RJ

    [email protected]

    Resumo: Neste artigo apresentamos uma anlise sobre a relao trabalho e sade mental dos caixas bancrios de agncias da Caixa Econmica Federal na cidade de Joo Pessoa - PB. Procuramos apreender as estratgias de regulao da sua atividade de trabalho, suas vivncias de sofrimento psquico e prazer relacionadas atividade executada e as estratgias de defesa elaboradas para enfrentar o sofrimento e/ou processos de adoecimento. Optamos pelo uso de instrumentos como entrevistas individuais semi-estruturadas e observao da atividade inspirada luz da Anlise Ergonmica da Atividade, buscando uma leitura detalhada da atividade de trabalho realizada pelos participantes da investigao. Os dados produzidos foram interpretados atravs da tcnica de anlise de contedo temtica, onde identificamos alguns aspectos acerca de como os caixas tm vivenciado suas experincias laborais frente a condies e organizao do trabalho to deletrias. Verificamos os movimentos realizados pelos mesmos ao criarem estratgias defensivas que os auxiliam no enfrentamento do sofrimento e na busca pela transformao deste em prazer. Neste sentido, constatamos que, apesar dos caixas bancrios vivenciarem uma relao nem sempre salutar com seus clientes, paradoxalmente, este convvio que se traduz como sua principal fonte de prazer e que d sentido ao trabalho efetivamente realizado.

    Palavras-chaves: Sade, Atividade de Trabalho, Caixas Bancrios

    Abstract: In this article we present an analysis on the work relation and mental health of the banking cashiers of the Caixa Econmica Federal bank agencies in the city of Joo Pessoa PB. We intend to grasp the regulation strategies of their work activity, their psychic suffering experiences and pleasure related to the practiced activity and the defense strategies made up in order to face suffering and/or sickness processes. We chose the use of instruments such as semi-structured individual interviews and activity observation based on the Ergonomic Analysis of the Activity, searching for a detailed reading of the work activity carried out by the participants of the inquiry. The produced data were interpreted through the analysis technique of thematic content, in which we identify some aspects concerning as the cashiers have experienced their labor activities concerning such deleterious conditions and work organization. We verify the movements carried out by them when creating defensive strategies which aid them in the suffering confrontation as well as in the search for transforming this situation into pleasure. In this sense, we realize that, although the banking cashiers have lived a not always healthy relation with their customers, contradictorily, it is this conviviality that presents itself as main source of pleasure and this offers meaning to the work effectively accomplished.

    Key-words: Health, Work Activity, Banking Cashiers

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  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008 PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    estratgias defensivas; sinalizamos situaes em que identificamos o uso da inteligncia prtica dos bancrios e como se d a dinmica do reconhecimento, fator primordial para a obteno do prazer no trabalho.

    No desenvolvimento da pesquisa de campo, fizemos uso de instrumentos como as entrevistas individuais semi-estruturadas e a observao da atividade, inspirada luz da Anlise Ergonmica da Atividade AET (VIDAL, 2002), buscando uma leitura detalhada da atividade de trabalho realizada pelos quatorze caixas bancrios que participaram voluntariamente deste estudo. Os dados produzidos durante a investigao foram interpretados atravs da tcnica de anlise de contedo temtico, cujo objetivo pautou-se na apreenso dos sentidos pertinentes ao objeto de estudo (MINAYO, 2004; LAVILLE & DIONNE, 1999).

    2. Insero e formao profissional

    Todos os caixas que participaram da pesquisa foram contratados via concurso pblico, corroborando os estudos de Segnini (1998), que apontam que desde o final dos anos 60 os bancos estatais convencionaram-se a realizar assim o seu processo de seleo de funcionrios, numa tentativa de impedir as prticas discriminatrias no trabalho, passando ento a ser uma determinao legal. Para Jinkings (2004), esta modalidade de contratao possibilitou uma condio (de certa forma implcita) de estabilidade do emprego dentro das instituies estatais, dentre elas, os bancos.

    Tomando por base os depoimentos dos participantes e os seus diferentes histricos pessoais e familiares, verificamos que os motivos que os levaram a optar pela profisso de bancrio, e mais especificamente de caixa, foram dos mais diversos.

    Identificamos como um dos principais motivos de insero profissional no setor bancrio, para maioria, a busca por um emprego estvel, alm de esse oferecer um salrio considerado razovel para a referncia de mercado vigente na poca, principalmente para aqueles que vinham de famlias socialmente menos privilegiadas e que se preocupavam em contribuir com os gastos familiares. Se considerarmos que o contexto daquele momento histrico (dcada de 80) sinalizava para a deflagrao do processo de reestruturao produtiva e de uma crescente crise de desemprego e desvalorizao dos salrios (MERLO & BARBARINI, 2002), o emprego pblico (no banco) ainda se apresentava como uma garantia segura, tornando-se o sonho de uma parcela considervel de pessoas. Todavia, por motivos administrativos pertinentes ao banco, ao ingressarem atravs de concurso pblico, nenhum dos participantes assume de imediato a funo de caixa bancrio, precisando atuar antes em outros setores. necessrio que eles se inscrevam e prestem um concurso interno para o cargo, que exige conhecimentos em torno de noes de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-

    1. IntroduoInicialmente pontuamos que a vida cotidiana da

    maioria das pessoas est, de certa maneira, entrelaada realidade de se ter uma conta bancria, seja ela de movimentao constante ou espordica, como o caso das contas relativas ao depsito do fundo de garantia do trabalhador.

    Ao longo dos anos de crescimento e expanso da rede de agncias, o mercado financeiro imps aos bancos um desenvolvimento voltado essencialmente padronizao de rotinas e procedimentos, fato que acarretou um processo de seqenciao das tarefas e gerou um rgido controle administrativo, principalmente sobre os caixas bancrios (ZAMBERLAN & SALERNO, 1987; MERLO & BARBARINI, 2002; MALAGUTI, 1996).

    A fim de compreender como este processo foi vivenciado por estes trabalhadores, o presente estudo apresenta uma anlise sobre a relao trabalho e sade mental dos caixas bancrios de agncias da Caixa Econmica Federal na cidade de Joo Pessoa - PB. Para dar conta deste objetivo, buscamos a apreenso das estratgias de regulao da atividade de trabalho do caixa bancrio, das vivncias de sofrimento psquico e prazer relacionadas ao tipo de atividade executada, assim como das estratgias de defesa elaboradas por estes trabalhadores para enfrentar o sofrimento e/ou processos de adoecimento.

    O estudo est pautado no conceito de sade apresentado por Canguilhem (2001), cuja compreenso remete capacidade que o indivduo tem de interagir com os eventos da vida e de enfrentar as infidelidades do meio, sendo-lhe possvel, ao cair doente, se restabelecer. Corroborando o autor, Dejours (1992) sinaliza que a sade das pessoas est ligada a elas prprias, pois algo que pode ser conquistado e do qual dependem, ou seja, cada indivduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhes solicita.

    Com a perspectiva de investigar a situao de trabalho dos caixas bancrios, inspiramo-nos inicialmente na abordagem da Ergonomia da Atividade (DANIELLOU, LAVILLE & TEIGER, 1989; WISNER, 1994; GURIN, LAVILLE, DANIELLOU, DURANFFOURG, & KERGUELEN, 2001), caracterizada por ser a anlise da atividade em situaes reais de trabalho, visando a um conhecimento detalhado desta e de como os trabalhadores realizam suas regulaes frente s variabilidades do meio. Para tanto, focamos nosso estudo primordialmente nas diferenas existentes entre o trabalho prescrito e o trabalho real, bem como na identificao das cargas de trabalho.

    Simultaneamente, nos preocupamos em apreender como os processos intersubjetivos se desenvolvem nos ambientes laborais e, para tal, recorremos s contribuies da Psicodinmica do Trabalho (CRU, 1988; DEJOURS, DESSORS & DESRIAUX 1993; DEJOURS, ABDOUCHELI & JAYET, 1994; DEJOURS, 2004), nos apropriando especificamente de aspectos relativos s possveis vivncias de sofrimento e elaborao de

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  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008 PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    para toda e qualquer situao.

    3. A precariedade das condies de trabalho

    Os estudos de Gurin et al. (2001) apresentam a definio de atividade de trabalho como sendo o elemento central, organizador e estruturante dos componentes de uma dada situao de trabalho. Em outras palavras, a atividade de trabalho depende de dois tipos de condies: as externas (tarefa: tcnicas, organizacionais, etc.) e outras ligadas s caractersticas do grupo (e de seus membros e das metas fixadas). No entanto, o que determina efetivamente a atividade baseia-se nas relaes que se estabelecem entre estes dois tipos de condies e sua adequao.

    Em se tratando de caixas bancrios, os estudos de Zamberlan e Salerno (1987) apontam que, organizacionalmente, esses trabalhadores posicionam-se na chamada ponta da linha das agncias, dado que prestam servios diretamente ligados ao pblico (clientes), tais como os atendimentos que envolvem numerrios (recebimentos e pagamentos). Atravs dos achados da nossa investigao, possvel afirmarmos, complementando o exposto anterior, que os caixas realizam ainda outras operaes como a venda de produtos bancrios (aplices de seguridade de vida ou de automveis), visando atingir metas impostas pelo banco. PAREI AQUI

    Em se tratando do ambiente laboral, aps analisar os relatos dos caixas que participaram desta investigao, verificamos que, estruturalmente, apesar de as agncias da Caixa Econmica Federal terem passado por diversas alteraes fsicas nos ltimos dez anos, os trabalhadores consideram que a antiga estrutura fsica das agncias era muito precria e que, no geral, as condies de trabalho s quais eles esto expostos hoje so menos insatisfatrias. Todavia, eles ainda se queixam com veemncia em relao ao espao fsico atual (muito pequeno), sinalizando para um desconforto constante.

    Outra queixa dos caixas, tambm relacionada s condies de trabalho, diz respeito ao sistema de refrigerao existente em algumas agncias (temperatura considerada muito fria), alm desse ser identificado tambm como estressante, devido ao seu barulho. J em outras agncias esse sistema no adequado para o ambiente devido sua localizao ou mesmo sua insuficiente capacidade de refrigerao, principalmente em certos perodos do ms, quando aumenta o nmero de clientes. Observamos que em alguns guichs os trabalhadores costumam colocar ventiladores de ar para amenizar a alta temperatura.

    Vimos que o caixa bancrio realiza fundamentalmente sua atividade sentado numa cadeira dentro do guich, j que poucas vezes precisa se levantar para buscar algum documento ou dinheiro na tesouraria. Eles comentam que o mobilirio utilizado ainda no totalmente ergonmico e seu uso constante, juntamente com

    corrente e de poupana, alm da prpria rotina do setor. Aps a aprovao no concurso interno, os caixas

    que contactamos passaram por um intenso perodo de treinamento, que antigamente era dividido em duas etapas: a primeira terica e tcnica, e a outra prtica (supervisionada). Mediante os relatos, pensamos que a modalidade de treinamento, que era aplicada na primeira fase do curso, se enquadra no que Zarifian (1996) chama de formao pautada no modelo escolar, cujo princpio baseia-se na transferncia de informaes e de condutas a serem adotadas no cotidiano de trabalho, as quais devem ser assimiladas pelos treinandos e, em seguida, reproduzidas e aplicadas na situao de trabalho.

    Naquela poca, aps o treinamento em sala de aula, os candidatos ao cargo de caixa eram submetidos a uma prova escrita e outra oral, eram averiguados os seus graus de aprendizagem. A exigncia e o rigor impostos aos treinamentos (tericos e prticos) limitavam o acesso dos bancrios ao cargo, pois eram aprovados apenas aqueles que, segundo o banco, preenchiam realmente as habilidades requeridas para tal cargo.

    Aps a convocao, os funcionrios que passavam pelas duas etapas de treinamento e eram aprovados nas provas, seguiam para os guichs (ou bateria de caixas), onde recebiam um treinamento prtico por um tempo determinado (em alguns casos, de at trinta dias). A incumbncia do treinamento prtico supervisionado era dada, geralmente, ao caixa mais antigo e experiente da agncia, cuja atribuio era a de prestar assistncia tcnica ao iniciante. Este funcionrio, ao acompanhar os novatos e, apesar de no ser um instrutor em tempo integral, recorria sua experincia profissional e colaborava com o programa de formao do banco.

    Segundo Zarifian (1996, p.21), essa perspectiva, que tambm pode contar com a ajuda de transferncias de experincia dos mais velhos para os mais jovens, simboliza o modelo de formao baseado na experincia, cuja base est no princpio da aquisio do conhecimento medida que o treinando exerce o seu prprio trabalho, em seu ambiente habitual (on the job). Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167), a formao profissional deve ser fortemente contextualizada, tendo a prpria situao de trabalho como local privilegiado para a produo de conhecimentos, j que atravs da experincia prtica que os saberes ganham sentido.

    Ao contrrio do passado, atualmente os caixas recm-ingressos recebem o treinamento distncia e em menor tempo (em mdia uma semana). As provas tambm so feitas on-line e aps a concluso desta etapa, os caixas aprovados so encaminhados diretamente para os guichs, sem nenhum acompanhamento supervisionado. De acordo com Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167-168), a modalidade de formao distncia considerada como algo preocupante, posto que tal medida pode limitar-se falcia da simples prescrio de normas, traduzida por saberes supostamente transversais, gerais, tericos, estveis, estandardizados e tidos como vlidos

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  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008 PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    (prescries) para que uma determinada atividade possa fluir normalmente, sem impedimentos, nem paralisia.

    Na realidade, pensamos que o que os trabalhadores buscam adaptar o normativo s necessidades da realizao da atividade, ou seja, eles fazem uma re-interpretao do normativo, de forma a reconfigurar o meio de trabalho com o seu prprio meio (BORGES, 2006; SCHWARTZ & DURRIVE, 2007).

    O trabalho real, tambm conhecido por atividade, o modo como o homem se relaciona com os objetivos que foram propostos pela organizao do trabalho e os meios fornecidos para a realizao do mesmo, numa determinada situao (GURIN et al., 2001). No entanto, para Clot (2006), o real do trabalho envolve tambm aquilo que no se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que pode ser feito, o que h para se refazer e at o que se faz sem querer.

    5. Jornada antecipada e rotina de trabalho

    Constatamos que a atividade dos caixas bancrios tem incio antes mesmo de eles chegarem ao banco, pois durante o trajeto casa-agncia, muitos fazem uma espcie de antecipao do seu expediente, imaginando os procedimentos a serem realizados, programando o seu dia.

    A rotina de trabalho (assim chamada pelos caixas) se inicia logo que a agncia libera a entrada das pessoas, ou seja, feita a recepo dos clientes e se realiza a autenticao dos documentos recebidos.

    Aps a sada do ltimo cliente, a prxima etapa o fechamento do caixa, procedimento que consiste na conferncia de todas as autenticaes de documentos que foram realizadas durante a jornada de trabalho. O valor final, que consta na fita da impressora, deve conferir com a movimentao (entrada e sada) de dinheiro e, quando isso acontece, os funcionrios costumam utilizar a expresso bateu o caixa.

    Infelizmente, devido ao intenso trabalho com numerrios e s diversas variabilidades existentes durante a jornada de trabalho dirio, freqentemente, ocorrem sobras ou faltas de dinheiro no caixa.

    Durante nossas investigaes, observamos que o dia-a-dia de um caixa de banco realizado em um ritmo bastante frentico. Em dias de muito movimento, devido ao rgido controle de tempo e ao aumento da produtividade, acarretando uma excessiva carga de trabalho durante a jornada, torna-se praticamente impossvel para os caixas se ausentarem dos seus guichs durante o momento do atendimento, j que um cliente atrs do outro, inclusive sentindo-se impedidos de sarem para atender s suas necessidades fisiolgicas bsicas.

    Vimos que, de acordo com a quantidade de pessoas

    os equipamentos eletrnicos, extremamente inadequado, ocasionando problemas de postura e dores no corpo.

    Recorrendo pesquisa realizada por Malaguti (1996), segundo a viso empresarial, encontramos que os equipamentos tecnolgicos facilitam o trabalho dos caixas quanto s autenticaes dos documentos. No entanto, para os nossos participantes eles geram alguns malefcios, tais como a sobrecarga de trabalho, favorecendo o mais freqente dos problemas de sade em bancrios, a LER/DORT (Leso por Esforo Repetitivo / Doenas Ortomusculares Relacionadas ao Trabalho). Por definio, esta uma sndrome clnica caracterizada por dor crnica, acompanhada ou no por alteraes objetivas, e que se manifesta principalmente no pescoo, cintura escapular e/ou membros superiores, decorrente do trabalho (COSTA, 2003, p. 25) .

    No caso especfico dos caixas envolvidos nesta investigao, a origem deste tipo de comprometimento pode ser provocada pelo uso constante de dois equipamentos de informtica durante o expediente, pela repetio excessiva de movimentos durante a jornada e, principalmente, pelas pequenas ou inexistentes pausas para descanso, em conseqncia do acmulo de pessoas nas filas.

    4. (Re)interpretaes dos normativos

    Conforme sinalizamos anteriormente, a Ergonomia da Atividade chama ateno para a diferena que h entre o trabalho prescrito (maneira segundo a qual o trabalho deve ser executado) e o trabalho real (aquilo que realmente feito) (GURIN et al., 2001). Essa diferena decorrente de uma constante variabilidade presentes nos locais de trabalho, visto que a prescrio sempre limitada e incompleta e que o saber prtico tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber terico, submetendo os trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinveno desses limites (GURIN et al., 2001; DANIELLOU et al., 1989).

    Embora a organizao prescrita do trabalho nunca seja considerada intil para os trabalhadores (DEJOURS, 1992), em certas situaes onde haja transparncia entre os nveis hierrquicos pode acontecer a necessidade de se fraudar o prescrito a fim de se executar uma determinada atividade, j que muitas vezes os prprios regulamentos internos da empresa so contraditrios e podem gerar uma certa paralisia no trabalho.

    Alguns dos participantes admitem que, comumente, em determinadas situaes, mesmo que contrariando as normas estabelecidas pelo banco, realizam procedimentos que somente poderiam ser feitos pelo superior hierrquico. Eles transgridem ou burlam certos normativos

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  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008 PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    voltando a realizar as mesmas atividades exigidas pelo cargo.

    7. Processo sade-doena no/do trabalho

    Durante nossos estudos, constatamos que os caixas exprimem sua inadequao s condies ambientais do trabalho atravs da fadiga, caracterizando o resultado da represso da atividade espontnea de rgos motores e sensoriais e de um esforo para tolerar uma situao que no se consegue modificar (CAMPELLO & SILVA NETO, 1996, p. 199-120). Verificamos, que eles esto diante de situaes to deletrias que, possivelmente, favorecem o desenvolvimento de um padro determinado de desgaste e de morbidade (LAURELL & NORIEGA, 1989).

    A atividade dos caixas somente se tornou possvel devido presena constante dos clientes nas agncias. No entanto, as filas, entendidas como objetos cotidianos de presso (JINKINGS, 2004), so alvos de queixas para muitos dos participantes da pesquisa que comentam acerca do excesso de pessoas e do barulho feito por elas, principalmente nos dias de grande movimento. A dinmica da agncia conduzida diretamente pelos clientes, pois sua presena provoca alteraes significativas no ritmo de trabalho dos funcionrios (ZAMBERLAN & SALERNO, 1987).

    Uma das maiores fontes de sofrimento para os caixas, a presso das filas dos clientes, tanto pela grande quantidade de pessoas quanto pelo barulho excessivo que elas fazem ao reclamarem, provocarem e, at mesmo, ofenderem os funcionrios com comentrios maldosos.

    Muitas vezes esses trabalhadores no tm como reagir s provocaes. Eles se sentem com as mos atadas, j que devem atender a fila por ordem de chegada e no de acordo com a disponibilidade ou urgncia que o cliente diz ter.

    Nesses dias de maior movimento dentro das agncias, os caixas afirmam que se sentem sufocados com a presso exercida pelas pessoas, gerando uma sensao de estarem em plena guerra contra os clientes, mesmo reconhecendo que do pblico que depende o seu emprego.

    Segundo relatos, a viso que alguns bancrios tm do cliente de que ele um adversrio que vai tentar explorar o caixa, ao mesmo tempo em que ser explorado por este (devido s exigncias impostas pelo banco para vender produtos e atingir metas).

    Os caixas vem a sua profisso como algo que suga suas energias vitais, tornando-os estressados e conduzindo-os a um processo de enlouquecimento devido ao excesso de carga de trabalho.

    Para eles, a rotina de atendimento dos clientes e

    que os caixas atendem, a idia que eles transmitem de que a sua atividade torna-se praticamente uma bola de neve que se desenvolve de forma crescente, at o ponto de engolir o funcionrio.

    Diante do exposto, podemos dizer que, em algumas situaes, o problema da falta de dinheiro no momento do fechamento do caixa decorrente do intenso fluxo de pessoas nas filas durante a jornada e da grande presso exercida por elas (MALAGUTI, 1996 e ZAMBERLAN & SALERNO, 1987) ao apresentarem suas demandas pessoais aos caixas, provocam nestes um processo de acelerao do seu ritmo de trabalho (CAMPELLO & SILVA NETO, 1996).

    Para Dejours (2004), a auto-acelerao compulsiva pode decorrer caso ocorram aborrecimentos no ambiente de trabalho, em decorrncia das suas prticas laborais, e, portanto, os funcionrios podero desenvolver estratgias contra o sofrimento, conduzindo-os, em certos casos, as aceleraes frenticas das cadncias de trabalho (DEJOURS & ABDOUCHELI, 1990, p. 132).

    6. Readaptao: uma estratgia paliativa

    Segundo relatos, existem funcionrios que, por motivos de adoecimento (principalmente relativos LER/DORT), so deslocados de suas atividades nos guichs para outro setor da agncia. Nestes casos, a empresa utiliza-se do recurso administrativo da readaptao profissional, que teoricamente aplicada quando se admite que o trabalhador no tem condies de continuar realizando as atividades requeridas pela funo, considerando-se o sofrimento e o adoecimento do mesmo (BRITO, NEVES & ATHAYDE, 2003).

    Para os participantes da nossa pesquisa, existem alguns bancrios que, em condies de readaptados, no trabalham diretamente com autenticaes de documentos, mas continuam desempenhando uma funo muito parecida com a de caixa. Apesar da diminuio da carga de trabalho, eles continuam utilizando o computador e realizam atividades que exigem movimentos constantes e intensos, podendo provocar um agravamento de um quadro de enfermidade j existente.

    O banco, ao utilizar o recurso da readaptao, alm de colocar os funcionrios em situao de trabalho semelhante anterior, priva-os de gozarem dos benefcios das comisses de vendas sobre os produtos bancrios. Assim, verificamos que alguns caixas, aps serem afastados temporariamente dos seus postos originais e de experimentarem o processo de readaptao em outro setor do banco, solicitam gerncia o seu retorno ao guich,

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    grande maioria dos trabalhadores, mesmo quando exposta a perigos constantes decorrentes da organizao do trabalho, consegue livrar-se da descompensao psquica, utilizando-se de artifcios de defesa, buscando algo que a proteja contra as diferentes formas de sofrimento e, sobretudo, contra o medo que resulta do trabalho.

    Em nossas anlises identificamos alguns tipos de estratgias de defesa utilizadas pelos bancrios, tais como: (1) adaptao s presses da organizao do trabalho, pois os caixas acreditam que no existem expectativas de melhoria e, portanto, no conseguem visualizar mudanas significativas no seu modo de trabalhar. Este fato leva alguns caixas a usar a expresso ossos do ofcio, admitindo que as nocividades do trabalho so fatos normais e acreditando que a nica sada que lhes resta adaptar-se situao de sofrimento imposta pelo trabalho.

    (2) Outra estratgia de defesa identificada foi o enfrentamento em silncio ou represso de sentimentos, o fato de no poder adoecer, ou seja, de acordo com Canguilhem (2001), aquilo que o indivduo mais teme ao cair enfermo o fato de estar debilitado e exposto a enfermidades futuras que possam diminuir a sua margem de segurana.

    (3) Verificamos ainda a questo da banalizao da doena por parte dos bancrios e, portanto, corroborando os estudos realizados por Brito, Neves e Athayde (2003), ao identificarem que os trabalhadores, ao banalizarem os seus prprios problemas de sade e chegando at mesmo a negarem o que lhes acometem, procuram esconder de si mesmos o seu prprio sofrimento.

    (4) Por fim, observamos o processo de acelerao do ritmo de trabalho, que, como vimos, corrobora o exposto por Dejours (2004) ao citar que a auto-acelerao compulsiva pode decorrer da presso sentida pelos trabalhadores, advinda das atividades s quais eles esto submetidos a executar.

    9. Convivendo com o cliente: paradoxo entre o

    ofrimento e o prazer

    Os processos psquicos mobilizados nas transformaes e ajustamentos criativos so denominados de inteligncia prtica, um tipo de inteligncia de carter intuitivo ou astucioso, cujo objetivo tentar minimizar a distncia existente entre a organizao do trabalho prescrito e a organizao do trabalho real. Segundo Dejours (1993), o indivduo levado a esboar rapidamente uma interpretao, um diagnstico ou uma medida corretiva, e s interroga-se se a deciso foi acertada (ou no) depois de execut-la, verificando assim a operacionalizao da tentativa sugerida intuitivamente pelas suas percepes.

    Contudo, para Dejours (2004), mesmo escapando conscincia, o uso da inteligncia prtica se caracteriza por

    autenticao de documentos quebrada a partir do momento que precisam atingir metas de vendas de produtos que foram estipulados pela gerncia. Isso tambm os incomoda, pois, pelo que nos foi informado, os ndices bancrios so crescentes e precisam ser atingidos individualmente a fim de se conseguir um valor geral relativo agncia. O que acontece, na prtica, uma troca de interesses, onde o caixa encontra-se localizado no eixo de atrito entre as duas partes, ou seja, o banco quer explorar o mximo do potencial do cliente e o cliente quer explorar o mximo do potencial do banco. Por conta do contato rpido com o pblico, os participantes acreditam que as metas so difceis de serem conseguidas, mas, mesmo assim, eles no deixam de sofrerem diariamente presso por parte dos seus superiores hierrquicos.

    Alm da presso sofrida por conta das filas e das cobranas feitas pela gerncia, um outro fator mencionado pelos participantes da pesquisa foi o momento do fechamento do caixa (o clmax do sofrimento dirio), que, como vimos, acontece no final da jornada de trabalho. Segundo os bancrios, este o perodo que mais provoca sensaes angustiantes, mesmo diante de tantas tenses e sofrimentos vivenciados ao longo do dia.

    A preocupao e ansiedade pela chegada da hora de bater o caixa, provoca neles um sentimento de tristeza e medo, j que, devido s freqentes variabilidades dirias, acontecem sobras ou faltas de dinheiro durante a conferncia dos documentos no final do expediente. Ocorrendo a primeira hiptese, a quantia enviada para o fundo de reserva do banco e, no segundo caso, o valor descontado do funcionrio responsvel pelo guich, num prazo de 48 horas.

    Portanto, durante todo o dia, os caixas costumam executar a sua atividade com o pensamento voltado para o momento do fechamento de caixa, j que, se na hora da conferncia no acontecer de eles baterem o caixa, eles tero que repor o dinheiro ao banco, muitas vezes precisando recorrer venda de seus prprios bens pessoais ou, at mesmo, efetuando emprstimos que sero pagos em vrias parcelas como forma de minimizar o peso mensalmente. Assim, antes mesmo de ser consumado e mesmo que no venha a acontecer, o momento de fechar o caixa gera muita tenso aos caixas, sensao que ainda se prolonga durante algum tempo, caso ocorra.

    Diante dessas situaes de trabalho desgastantes entendemos que os caixas remanescentes podem ser vistos como sobreviventes, ou melhor, como verdadeiros heris, pois ainda permanecem trabalhando na mesma empresa em meio a condies potencialmente nocivas.

    8. Driblando as variabilidades: estratgias de defesa

    Os estudos de Dejours (1992) apontam que a

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    caixas, se paradoxalmente o convvio com os clientes gera neles um tipo de fonte de sofrimento dirio, esse mesmo contato com o pblico que lhes confere prazer. Para eles, o pblico um problema, mas ao mesmo tempo a soluo pra o caixa. O caixa vicia em ter esse contato com o pblico.

    Em muitos depoimentos, identificamos elementos de vivncias de prazer quando os caixas relatam a sensao que tm ao ajudar pessoas a resolverem seus problemas pessoais, como por exemplo aquelas com pouco grau de instruo ou idosos. Pudemos verificar que, na medida do possvel e do permitido pelo banco, os caixas bancrios esto conseguindo vivenciar a dinmica do reconhecimento e encontrando sentido para o seu trabalho. Em outras palavras, constatamos uma transformao do sofrimento em prazer atravs, principalmente, da relao dos caixas com os seus clientes.

    10. Por fim

    Procuramos identificar neste estudo alguns aspectos acerca como os caixas bancrios tm vivenciado suas experincias laborais frente a condies e organizao do trabalho to deletrias. Verificamos os movimentos realizados pelos mesmos ao criarem estratgias defensivas que os auxiliam no enfrentamento do sofrimento e na busca pela transformao deste em prazer.

    Apreendemos ainda que, apesar dos caixas bancrios vivenciarem uma relao nem sempre salutar com os seus clientes, mesmo que paradoxalmente, exatamente este convvio dirio que pode ser traduzido como a sua principal fonte de prazer e que d sentido ao trabalho realizado.

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    um estilo de resolver os problemas com astcia e esperteza, estando presente em qualquer tipo de trabalho. Sua no utilizao pode gerar fontes de sofrimento psquico e at de doena.

    Enfatizando esta idia, o autor citado argumenta que o reconhecimento somente se d a partir da reconstruo rigorosa dos julgamentos do trabalho realizado, que podem ser de dois tipos: de utilidade, oriundo da hierarquia superior ou dos subordinados (linha vertical) e que faz meno conduta e eficcia do trabalhador, podendo, eventualmente, ser proferida pelos clientes; e de esttica (de beleza ou de originalidade), relativo ao julgamento feito pelos pares, considerado por Dejours como sendo o mais importante, j que, por serem conhecedores do ofcio, estes conseguem valorizar muito mais a beleza de um trabalho bem realizado.

    No entanto, em nossa investigao observamos que, ao questionarmo-los acerca do julgamento mais importante, eles afirmaram ser o dos clientes. Segundo relatos, um blsamo, ou seja, algo que lhes transmite consolo e alivia a carga to pesada de trabalho. Embora a abordagem da Psicodinmica do Trabalho considere que o reconhecimento por parte dos pares o mais relevante para os trabalhadores, em nossa pesquisa encontramos resultados divergentes desses, porm semelhantes aos achados por Neves (1999) em sua investigao com professoras do ensino pblico fundamental. A autora problematiza a proposio de Dejours (2004) sinalizando que, em determinadas situaes de trabalho, em que ocorrem prestaes de servio, o julgamento mais importante para os trabalhadores pode vir da parte do cliente, j que provavelmente essa situao favorece uma inter-relao mais prxima entre os clientes e os prestadores de servio. E o que parece acontecer entre os caixas bancrios e os freqentadores das agncias.

    Dejours (2004) salienta que a luta contra o sofrimento representa um alicerce para a sua sade mental e somtica, percorrendo um caminho que produz um benefcio para a identidade dos trabalhadores. Para que essa luta acontea preciso que a organizao do trabalho possibilite a existncia da dinmica do reconhecimento que, ao estar relacionada questo do sentido no trabalho, favorece a transformao do sofrimento em prazer.

    A Psicodinmica do Trabalho aponta para a necessidade de ir alm da descrio da atividade efetiva, com o objetivo de viabilizar a apreenso do sentido e dos afetos mobilizados pelo trabalho, no caso em questo, das vivncias de sofrimento psquico e de prazer (DEJOURS et al., 1994).

    Assim, mesmo diante de algumas situaes nocivas sade, vimos que a atividade dos caixas bancrios favorece tambm a produo de sentido no trabalho, fazendo com que esses trabalhadores ainda permaneam trabalhando.

    No entendimento de Dejours et al. (1994), o sujeito no vivencia apenas dor e sofrimento no trabalho, mas tambm pode vivenciar prazer. Logo, na opinio dos

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  • PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008 PRINCIPIA n 16, Joo Pessoa Setembro de 2008

    A linguagem artstica e o teatro na educao:movimento de ordem e desordem

    Palmira Rodrigues Palhano CEFET - PB Av. 1 de Maio, 720 - Jaguaribe CEP: 58.015-430 - Joo Pessoa/PB

    [email protected]

    Resumo: O presente trabalho defende a aprendizagem do conhecimento como sendo um processo mltiplo e diverso, no qual se inserem a emoo, a ludicidade, o corpo e as relaes pessoais. Nosso referencial terico encontra suporte nas teorias da desordem de Balandier (1997) que pem em pauta a discusso sobre a presena da desordem e da ordem de forma indissociveis na constituio da sociedade. Destacamos essa desordem no fenmeno natural das cheias e nas linguagens artsticas de Jos Lins do Rego, Z da Luz e Caetano Veloso. Particularizamos a discusso sobre o movimento de desordem no teatro. Comentamos a construo do trabalho cnico na escola e a presena do corpo no processo de aprendizagem do conhecimento, fundamentados em Assman (1998) e Gonalves (2004). Apresento, a partir dessas discusses, o grupo de teatro do Centro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba CEFET/PB destacando experincias em sala de aula e uma relao de montagens cnicas realizadas pelo citado grupo no perodo de 1998 2002.

    Palavras Chave: Desordem, Ordem, Teatro, Educao, Multiplicidade.

    Abstract: The current work defends knowledge learning as being a multiple and wide process in which emotion, playfulness, body and personal relations are involved. Our theoretical reference finds support on Balandiers disorder theories (1997) which point out the discussion about the disorder and order presence in an inseparable way concerning society formation. We focus on this disorder from the natural phenomenon of floods and in the artistic languages of Jos Lins do Rego, Z da Luz, and Caetano Veloso. We define the discussion about the disorder movement at the theatre. We comment on the scenic work at school and the presence of the body in the knowledge learning process, based on Assman (1998) and Gonalves (2004). Starting off with these discussions, we present the theatre group of Centro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba - CEFET-PB pointing out the classroom experiences and a list of scenic settings performed by the mentioned group in the period between 1998 and 2002.

    Key-words: Disorder, Order, Theatre, Education, Multiplicity

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    o corpo, o olhar, o escutar. A construo do conhecimento tambm auto-referncia e auto conhecimento.

    A subjetividade faz parte da histria dos indivduos e estas histrias se formam a partir de seus encontros, desencontros, de paixes, dios, alegrias e tristezas e esta subjetividade no compreendida a partir da perspectiva de classes sociais. Marcuse comunica em sua fala:

    [...] Sem dvida, as manifestaes concretas da sua histria so determinadas pela sua situao de classe, mas esta situao no a causa do seu destino do que lhes acontece na vida. Especialmente nos seus aspectos no materiais, o contexto de classe ultrapassado. muito difcil relegar o amor e o dio, a alegria e a tristeza, a esperana e o desespero para o domnio da psicologia, removendo assim estes sentimentos da preocupao da prxis radical. Na realidade, em termos de economia poltica, eles talvez no sejam efectivamente >, mas so decisivos e constituem a realidade de cada ser humano. (MARCUSE, 1977, p. 19).

    Na constituio decisiva da minha realidade, experincia e construo da aprendizagem me encontro de forma subjetiva com a desordem das cheias do rio Paraba, gostava de contemplar essas imagens. Era diferente, era um discurso distinto no qual o homem ocupava seu lugar relacionando-se com a natureza, era uma desordem que para os meus olhos de menina vinha preenchida de magia e alegria:

    O lugar, a regra, a ferramenta fundam uma ordem dos homens, mas dentro desta a desordem progride, e dela procede inicialmente atravs de peripcias que relatam a conduta dos ancestrais mticos e dos ancestrais sociolgicos. Sempre se descobre em ao uma figura da desordem, csmica, mtica ou humana. (BALANDIER, 1997, p.21).

    Meus olhos de menina observavam, enxergavam atravs das cheias, uma desordem mtica. Os olhos so grandes espies, so dois e funcionam como um s: Os olhos percebem mais do que as palavras jamais conseguiro dizer. Percebem e estabelecem (ou propem) muito mais relaes pessoais ou com objetos do que elas. (GAIARSA, 2000, p. 25).

    3. O movimento de desordem na linguagem artstica

    A desordem se faz presente na histria dos elementos naturais e os escritores/poetas conseguem capta-la na sua face mais sensvel. A vida fora captada na sua face mais sensvel pelos grandes mestres. Jos Lins do Rego menciona a desordem dessas cheias em seus livros Fogo Morto: O rio rolava nas pedras com barulho abafado. O volume das guas cobria as ilhas de verdura. O junco se

    1. Introduo

    Uma discusso que se encontra em pauta na atualidade refere-se ao respeito multiplicidade e a pluralidade de idias, de culturas, de grupos, etc. Nesse sentido, esse artigo encontra-se conectado com a discusso atual, que defende a aprendizagem do conhecimento como sendo um processo mltiplo e diverso, no qual se inserem a emoo, a ludicidade, o corpo e as relaes pessoais. Tambm busco responder questionamentos cotidianos ao fazer teatral no tocante prtica educativa: como o fazer teatral contribui no processo de aprendizagem escolar?

    Amparada por alguns tericos denominados ps-modernos ouso me pr, me colocar enquanto sujeito aprendente (ASSMAN, 1998) nesse artigo, contemplando a informao plural, acompanhada da subjetividade, das impresses e sentimentos. Consigo tornar minha prtica reflexiva.

    Acreditando que a funo social da escola possui relevncia no campo cultural, relatamos a importncia da democratizao do saber artstico e destacamos a escola pblica como cenrio propcio para esta familiarizao. Contudo, a partir da anlise dos trabalhos cnicos montados, observo o teatro como um processo de aprendizagem ldico e um condutor democrtico do conhecimento, contribuinte para a construo dos saberes atravs do movimento da desordem e da ordem.

    Fao essa anlise fundamentada a partir dos seguintes tericos: Hugo Assmann, Georges Balandier, Louis Porcher e Michel Maffesoli. Compreendendo que o perodo de multiplicidade, utilizo citaes diversas, entre elas: poesias, msicas, romances e registros pessoais para ilustrar meus referenciais tericos.

    2. A construo do conhecimento

    O divergente, o diferente e a multiplicidade de histrias e vivncias so contributos para a construo do saber. O processo de conhecimento forma-se tambm utilizando os sentimentos, as emoes, os desejos, e os sonhos, e estes no devem ser reprimidos em detrimento de uma ditadura racionalista. Todos os sentidos agem completando-se, combinando e reforando significados. Lembrando Gonsalves: (2002, p. 70) Refletir sobre processo de conhecimento e, por conseguinte, de aprendizagem antes de tudo, falar da construo de significados. Uma pessoa aprende um contedo quando capaz de imprimir-lhe um significado. [...] A aprendizagem um processo social e biolgico e, portanto, no pode ser explicada unicamente por perspectivas sociolgicas. (GONSALVES, 2002, p. 70/1).

    A aprendizagem resulta de uma ao coordenada de todos os sentidos que combinam o tato, a pele, o movimento,

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    E o Paraba qui banha A minha terra quirda, Esse rio qui acumpanha A histria da minha vida Quantas vez mi alevantei, Noite arta, noite meia Cum o Bso de Manue Pdo, E a gritaria do povo: - L vem a cheia! ia a cheia! Era o veio Paraba Qui trago em minha lembrana, Qui h oito mz no deca, Mas nessas cheia, trazia Do inverno uma isperana! Se a cheia vinha de dia, Decendo, piquinininha, Se arrastando... se arrastando Plas areia macia, (Eu nem gosto de alembr.) O povo vinha gritando, Numa aligra inucente E o meu pai vinha na frente Sortando fogo-do-! E dispois do rio cheio, De minha me os concio: - Meu fio, tome coidado. O rio ta quge de nado. (Luz, 19--, p. 101/02)

    Rio, gua, ordem/desordem nas palavras dos sensveis escritores e poetas. Aps a cheia, o rio Paraba deixava a terra rica para plantaes em suas margens e uma areia branca, na qual brincvamos, formando um novo momento de ordem. Outra situao, da cultura local, que fez parte do meu aprendizado, da minha alegria, era a feira livre que ocorria nos dias de teras-feiras. As barracas tomavam conta de toda a rua grande, ou principal. Comeava com os materiais de couro, de barro, pau, utenslios para casa e decorao; logo aps, em frente ao cinema da cidade, havia as confeces, os tecidos, as redes, as roupas, seguidas de bijuterias e discos; depois era o momento das frutas, verduras, legumes, razes; tambm tinha o local de carnes, comidas e passarinhos. Observava com grande satisfao e curiosidade aqueles gritos, aquelas informaes, aquela desordem que Sivuca consegue retratar:

    Fumo de rolo arreio de cangalha Eu tenho pra vender, quem quer comprar? Bolo de milho, broa e cocada, Eu tenho pra vender, quem quer comprar? P-de-moleque, alecrim, canela, Moleque sa daqui me deixa trabalhar, E Z saiu correndo pra feira de pssaros

    dobrava s frias da cheia (REGO, 1968, p. 234), e de Menino de Engenho retiramos essa passagem:

    O povo gostava de ver o rio cheio, correndo gua de barreira a barreira [...] E anunciavam a chegada como se se tratasse de visita de gente viva:

    - A cheia j passou na Guarita, vem em Itabaiana.

    [...] E uma tarde um moleque chegou s carreiras gritando:

    - A cheia vem no Engenho de seu Lula! Todos correram para a beira do rio os moleques,

    os meninos, os trabalhadores do engenho, o meu

    av. E comeava-se a ouvir a gritaria da gente que ficava pelas margens: - Olha a cheia! Olha a cheia! - Ainda vem longe, diziam uns. - Qual nada! Olha os urubus voando por ali! De fato, com pouco mais, um fio dgua apontava, numa ligeireza coleante e espantosa de cobra. Era a cabea da cheia correndo. E quando passava por perto da gente, arrastando basculhos e garranchos, j a vista alcanava o leito do rio todo tomado dgua. - gua muita! O rio vai s vargens. Vem com fora de aude arrombado. [...] Num instante no se via mais nem um banco de areia descoberto. Tudo estava inundado. E as guas subiam pelas barreiras. Comeavam a descer grandes tbuas de espumas, rvores inteiras arrancadas pela raiz. - L vem um boi morto! Olha uma cangalha! ... Longe ouvia-se um gemido como um urro de boi. Estavam

    botando o bzio para os que ficavam mais distantes. As ribanceiras que a correnteza rua por baixo arriavam com estrondo abafado de terra cada.

    (RGO, 1970, p. 24 - 6)

    A desordem se apresenta na sociedade, na economia, nas relaes sociais, na natureza. preciso aprender a perceber seus indcios, a olhar para ela. Gonsalves (1998), discutindo sobre o fazer da educao popular, comenta que:

    [...] as possibilidades de estabelecer conexes sempre estiveram postas no fazer da EP, no entanto, no conseguamos enxerg-la. A lgica dominante e que ainda orienta o pensamento, operando pela simplificao, no permite sequer o acolhimento de determinados aspectos do real. (GONSALVES, 1998, p. 234).

    Z da Luz, poeta popular, consegue detectar essa

    desordem e nos conta com propriedade, em suas poesias, as sensaes de fazer parte deste momento de desordem.

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    adio, mas por substituio em um nvel mais elevado. De um lado, a realidade amputada de formas de ordem que desaparecem sem compensao; de outro, enriquecida por novas formas de ordem. (BALANDIER, 1997, p. 48).

    4. A desordem no teatro

    No processo da construo da linguagem artstica a desordem se torna um campo fecundo para a criao trazendo uma infinidade de possibilidades. A construo de uma pea teatral, por exemplo, nos remete ao movimento de desordem lembrando as cheias ou uma feira livre. Os atores se movimentam bastante, gesticulam, atendem ao diretor, param, comeam, recomeam s vezes com raiva e cara fechada, e gracejam, brincam de seus erros, dos erros dos companheiros de cena, riem de si, do que fazem e da situao. Neste misto de reaes, as cenas acontecem. H barulhos, todos conversam ao mesmo tempo utilizando movimentos. Contudo se entendem, ajudam-se, informam-se e se tocam.

    O ato de fazer teatro j revolucionrio, uma transgresso, independentemente do contedo: infantil, adulto, ecolgico, escolar, de bairro. O ato de pessoas se juntarem, sem ganhar dinheiro, muitas vezes gastando do seu bolso, em um pas essencialmente capitalista, no qual a cultura e a arte no so valorizadas adequadamente, se lanando na aprendizagem, na busca do conhecimento teatral, j um indicador de revoluo, pelo menos pessoal.

    Ao participar de um grupo de teatro, as pessoas esto buscando algo novo, esto saindo de casa e se aventurando em aprender de forma coletiva. O fazer teatral no um ato individual e sim uma linguagem coletiva, comum, de grupo.

    No obstante a desordem teatral, vrias vezes se converte em ordem, nos processos dos ensaios, objetivando finalizar um espetculo de nvel esttico. Balandier sempre se refere ordem e desordem como sendo indissociveis. O que diferencia, deveras, so as leituras de mundo e as posturas, aes diante do ato de viver. O que para uns motivo de espanto, para outros motivo de risos. Lembro o poeta Caetano Veloso, e sua msica Merda:

    Nem a loucura do amor, Da maconha, do p, do tabaco e do lcool, Vale a loucura do ator Quando abre-se em flor Sobre as luzes do palco. Bastidores, camarins, coxias e cortinas So outras tantas pupilas, plpebras e retinas. Nem uma doce orao, nem sermo, nem comcio direita ou esquerda Fala mais ao corao Do que a voz de um colega Que sussurra merda.

    Foi passo voando pra todo lugar Tinha uma vendinha no canto da rua Onde o mangaieiro ia se animar, Tomar uma bicada com lambu assado E olhar pra Maria do Ju Cabresto de cavalo e rabichola Eu tenho pra vender, quem quer comprar? Farinha, rapadura e graviola Eu tenho pra vender, quem quer comprar? Pavio de candeeiro, panela de barro Menino vou me embora, Tenho que voltar, Xaxar o meu roado Que nem boi de carro Alpargata de arrasto no quer me levar. Porque tem um sanfoneiro no canto da rua Fazendo floreio pra gente danar Tem Zefa de Purcina fazendo renda E o ronco do fole sem parar. (OLIVEIRA & GADELHA, 1994)

    A desordem est sempre presente na sociedade, causando insegurana, porm sempre traz consigo uma infinidade de possibilidades, de idias/imagens fecundas. De uma certa forma, atravs do acidente e do acontecimento gera a ordem, as duas encontram-se juntas em um impreciso enfrentamento de objetivos. A desordem se inscreve naquilo que se define como ordem. Recordo as palavras de Balandier:

    Se a ordem no passa de uma viso particular da desordem, ento a filosofia atual deve progredir a partir do real: a desordem ou parece ser hoje um dado imediato da experincia. [...] Ela pode ser levada a descobrir terras desoladas onde o saber daquilo que a vida se perdeu, onde o real sem diversidade nem cor se torna algo numrico (cdigo, nmero, equao), onde os sujeitos humanos esto apagados; em um mundo que se destri com a perda de suas qualidades sensveis, [...]. (BALANDIER, 1997, p. 252).

    A desordem pode ser criativa, o caos pode ser fecundo, devemos enfrent-lo e interrog-lo enquanto tal, em busca das ordens parciais que a desordem encerra, pois ordem e desordem se entrecruzam, so indissociveis, esto completamente misturadas de forma indecifrvel, coexistem em constante confrontao, ligam-se, aliam-se, criam-se mutuamente, gerando novas maneiras de ser:

    A desordem se torna destruidora, quando existe perda de ordem, quando os elementos se dissociam e tendem a no mais constituir uma estrutura, uma organizao, mas uma adio, uma simples soma (uma ordem de soma). A desordem se torna criadora, quando acarreta uma perda de ordem, acompanhada de um ganho de ordem, quando geradora de uma ordem nova que substitui a antiga desta podendo ser superior. O processo de complexo opera segundo esta lgica, no por

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    artstico do aluno. Se a produo artstica construda socialmente

    e organizada de forma significativa em diferentes pocas histricas, geograficamente determinadas por cada povo ou grupo social, a arte pode ser codificada. O seu conhecimento requer o domnio de cdigos e este depende das possibilidades de contato com as obras artsticas e da familiarizao que ocorre de forma gradativa. Nesse sentido, o legado cultural da humanidade no deveria se restringir a um pequeno crculo da sociedade.

    As produes artsticas fazem parte do acervo cultural. O contato com o conhecimento artstico, assim como a oportunidade ao fazer artstico deve ser um direito de todo cidado.

    A escola um espao legtimo para contribuir nesse processo, pois sabemos que as oportunidades de familiarizao com a arte esto subordinadas s oportunidades sociais e, como estas so desiguais, cabe escola e ao ensino de arte democratizar, dar acesso, oportunizar esta familiarizao, este contato com a produo artstica. Louis Porcher (1982) nos sugere que:

    O imediato , na verdade, mediado, a sensibilidade construda, o talento pode ser formado, a inspirao adquirida, a emoo preparada [...]. No existe espontaneidade natural nem liberdade imediatamente criativa. preciso dar criana os instrumentos necessrios para sua auto-expresso. (PORCHER, 1982, p. 1)

    6. O teatro na educao

    Contribuindo para a democratizao do conhecimento de forma prazerosa temos o teatro na educao que dentre suas diversas abordagens permite ao aluno que d sua viso de mundo, das coisas, que invente, que se divirta. Contraponto do utilitarismo, o ludismo o mais claro ndice do querer viver e da perdurao da socialidade. (MAFFESOLI, 1985, p. 35). Tal socialidade favorece aos jovens e adultos possibilidades de compartilhar descobertas, idias, sentimentos, atitudes, ao permitir a observao de diversos pontos de vista, estabelecendo a relao do indivduo com o coletivo e desenvolvendo a socializao ao buscar solues criativas e imaginativas na construo de cenas. Nesse processo, os alunos observam, percebem e discutem sobre situaes do cotidiano, utilizando os jogos dramticos, nos quais vivenciam experincias imaginrias de faz de conta ou uma atitude espontnea. A origem do jogo dramtico espontneo se perde no tempo e se confunde com o prprio surgimento da linguagem e da cultura. Contudo, o jogo dramtico pode assumir caractersticas direcionadas visando atingir um objetivo especfico, como o educacional ou se constituir em teatro, atravs da elaborao.

    O teatro na educao trabalha o momento atual

    Noite de estria, tenso, medo, deslumbramento, feitio e magia Tudo sempre uma exploso, mas parece que no Quando o segundo dia. J se disse no, foi uma vez, nem trs, nem quatro. No h gente como a gente de teatro Gente que sabe fazer a beleza vencer para alm de toda perda Gente que pode inverter para sempre o sentido da palavra merda. Merda para voc, desejo merda Merda para voc tambm, diga merda e tudo bem. Merda toda noite, sempre, amm. (VELOSO et alii, 1986).

    5. O ensino de artes

    A lgica ainda predominante na orientao do pensamento demarca a ordem da instituio escolar. O ensino de artes, provavelmente como outras disciplinas, contraria os termos convencionais do conhecimento intelectual e se ope cultura hegemnica que concebe a escola como um lugar de ordem onde basicamente se desenvolvem potenciais intelectuais e a subjetividade, a expresso, o sentimento desenvolvidos atravs da linguagem artstica no so reconhecidos como sendo vlidos educacionalmente, lembrando Louis Porcher:

    A educao artstica divide com a educao fsica o privilgio de serem ambas rejeitadas, explicitamente ou no, ao se ingressar no territrio da escola. Na hierarquia das disciplinas a serem ensinadas, as nossas situam-se nos degraus mais baixos da escada. O aluno pode dedicar-se s atividades artsticas, dentro da escola, se tiver tempo, ou seja, se tiver terminado todas as outras tarefas as tarefas importantes. (PORCHER, 1982, p. 13).

    Essa cultura hegemnica geralmente nega a pluralidade de conhecimentos que se traduz em modos diferentes de aprender e expressar o conhecimento. Nega a dinmica da escola marcada pelas diferenas. Nega o caos e a diferena que destri a ordem e traz desordem e incomunicabilidade, mas tambm permite outras ordenaes e traz a cooperao, a realimentao e a complexidade. (ESTEBAN In GONSALVES, 2002). O ensino de arte pode contribuir para o processo de resgate da valorizao sensorial, como tambm auxiliar a interpretar, a ler as imagens que circulam na sociedade.

    Se h desejos e discusses sobre a democratizao do ensino pblico, esta tambm perpassa pelo acesso ao conhecimento, democratizao da informao e ao acervo artstico da humanidade. O ensino de arte possui um papel importante de efetivamente ampliar o universo

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    trabalhos cnicos, dentre eles: Em 1998, Sonhos de uma noite de vero, adaptao do texto de William Shakespeare atravs de um projeto interdisciplinar com a professora de literatura Francilda Incio; Em 1999, Coletnea de textos poticos nacionais e universais. O professor de literatura Ageirton dos Santos Silva realizou a semana de literatura e solicitou que montssemos cenas a partir de poemas brasileiros, dentre os quais encenamos seis: Soneto de Fidelidade, de Vincius de Moraes, Versos ntimos, de Augusto dos Anjos, Jos e Procura da Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, Desencanto e O Bicho, de Manuel Bandeira;Em 1999, Poemas para a abertura do evento I Varal de Poesia, realizado pelos professores Antnio Rodrigues de literatura e Antnio Barbosa Sobrinho de msica. O evento constitua em exposies de poesias de alunos do Ensino Mdio e shows de msicos paraibanos que aps a apresentao artstica realizava um debate com a platia presente. O grupo encenou: Autopsicografia, de Fernando Pessoa e O Martrio do Artista, de Augusto dos Anjos; Ainda em 1999, atravs de um projeto interdisciplinar com o professor Ageirton, montamos poesias do perodo simbolista para ser apresentado, em sala de aula. A partir da trabalhamos a integrao dos trs trabalhos anteriores resultando na encenao: A Condio Humana: Do Bicho ao Poeta uma coletnea de textos poticos nacionais e universais;Em 2000, montamos Dom Casmurro Adaptao do romance de Machado de Assis atravs de um projeto interdisciplinar com a professora de literatura Francilda Incio;Em 2000, tambm montamos um museu vivo Brasil 500 anos de excluso social em comemorao aos 500 anos do descobrimento do Brasil, juntamente com a professora de Histria Maria de Belm, no qual mostramos atravs de imagens, vrias passagens que compuseram a histria do Brasil. Dentre eles, o descobrimento, a escravatura e as torturas do regime militar;Em 2001, de forma interdisciplinar, juntamente com a professora de literatura Francilda Incio, montamos A Arte de ser feliz baseado no texto em prosa potica de Ceclia Meireles;No ano de 2002, ABC de Z da Luz um projeto que resgata a cultura popular paraibana, objetivando divulgar a riqueza das poesias matutas e o cotidiano popular. O trabalho integra poesias do paraibano Z da Luz, nascido na cidade de Itabaiana.

    Neste percurso de trabalho, observo os alunos e enxergo o encantamento que o conhecer e o fazer teatrais desenvolvem em alguns deles, fascinando-os diante das possibilidades de conhecimento cultural. uma descoberta intelectual atravs da ludicidade do fazer artstico. Eu poderia dizer que dirijo as montagens teatrais

    e sistematiza emoes, ampliando o conhecimento que o indivduo tem de si prprio, para ampliar seu conhecimento do mundo. Torna consciente uma atividade espontnea de todo grupamento social, desenvolve potencialmente o que todas as pessoas possuem e utilizam eventualmente, transformando um recurso natural em um processo consciente de comunicao.

    O teatro na escola desenvolve a capacidade de fazer perguntas, de encontrar respostas, de descobrir novas solues, questionar situaes, encontrar e reestruturar novas relaes. Os educandos se relacionam e recolhem informaes que aumentam e integram ao seu universo. Observar atentamente o que acontece no seu entorno, ver, sentir e perceber constri um repertrio exclusivo de conhecimento, como tambm informa o intercmbio pessoal com o mundo e com os outros seres.

    O percurso de erros e acertos na busca da construo de um personagem, as leituras, reflexes, experimentos, trazem em si uma construo de saberes relevantes que contm alcance pedaggico.

    Apesar do teatro na escola geralmente possuir relaes conflituosas com a burocracia escolar, este se faz e se impe enquanto matria viva para construo de saberes.

    O aluno, ao escolher as palavras, o gesto, o espao que ocupar, selecionando contedos, posicionando-se diante do observado anteriormente, escolhe e expressa suas posies, questiona e opta entre todas as informaes recebidas.

    O teatro na educao desenvolve a linguagem gestual por intermdio da observao do cotidiano, de exerccios de alongamento, aquecimento, concentrao, percepo do espao e do corpo, laboratrios de interpretao e no confronto entre o texto e os gestos nascem as cenas. O gesto tem um incio, um meio e um fim, passveis de serem determinados tendo como base a observao, a pesquisa e o entendimento de que os textos dramticos, as formas de representao e as formas cnicas tm tradies em diversas pocas e culturas.

    Nesse contexto, a atividade em grupo deveria ser incentivada pela escola, pois a prpria atividade grupal tem um aspecto integrador, visto que cada membro apresenta uma faceta da realidade. Os alunos, para improvisarem e interpretarem um tema, conversam, buscam solues, dividem os supostos personagens, relacionando-se nos exerccios, na encenao, e na troca de idias.

    7. Experincias teatrais no CEFET/PB de 1998 a 2002

    A partir dessa explanao sobre o fazer teatral na educao demonstro minha experincia em uma instituio de ensino tecnolgico de carter federal, na qual formamos um grupo de teatro que funciona como atividade extracurricular. A desordem teatral com suas especificidades no cabe no currculo, e realizamos vrios

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    nica forma de aprendizagem, sem entender o movimento de desordem ordem desordem que ocorre no processo de formao, sem verificar/observar que aprendemos de diversas formas: brincando, jogando, sentindo, desejando, sonhando, fantasiando, narrando, utilizando metforas, reconhecendo mitos, atravs do processo rizomtico, estar fadada a ser sempre um espao de excluso. Talvez uma das alternativas, dentre as vrias apontadas por inmeros tericos, seja a de estarmos atentos s experincias desenvolvidas nas escolas. Talvez o ensino de arte, atravs do teatro na educao, nos indique uma direo, seja um exemplo a ser observado.

    Referncias bibliogrficas

    ASSMAN, Hugo. Reencantar a educao: rumo sociedade aprendente. Petrpoles, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

    BALANDIER, Georges. A desordem: elogio do movimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

    ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliao e heterogeneidade: um dilogo possvel?. In: GONSALVES, Elisa Pereira (org.). Educao e grupos populares: temas (re)correntes. Campinas, So Paulo: Editora Alnea, 2002.

    GAIARSA, Jos ngelo. O olhar. So Paulo: Editora Gente, 2000.

    GONALVES, Luiz Gonzaga. Currculo, corpo e processos cognitivos: impresses humanas nas coisas do mundo. In: Elisa Pereira Gonsalves et alii Currculo e contemporaneidade: questes emergentes. Campinas: Alnea, 2004.

    GONSALVES, Elisa Pereira. Educao Popular: entre a modernidade e a ps-modernidade. In: M. Vorraber Costa (org) Educao popular hoje: variaes sobre o tema. So Paulo: Loyola, 1998.

    ____________________ Educao e grupos populares: temas (re) correntes. Campinas, So Paulo: Editora Alnea, 2002.

    LUZ, Z da. Brasil Caboclo O serto em carne e osso. Joo Pessoa, Paraba: Editora Acau Ltda, 19--.

    MAFFESOLI, Michel. A Sombra de Dionsio contribuio a uma sociologia da orgia. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1985.

    MARCUSE, Herbert. A dimenso esttica. Coleo: Arte e Comunicao. So Paulo: Martins Fontes, 1977.

    que conseguimos fazer, porm esse fato revela-se como uma inverdade, pois eu detenho um conhecimento em relao teoria e prtica do fazer teatral, mas os alunos so mais criativos, ldicos e alegres em relao montagem. Eu, de fato, coordeno, conduzo e me encanto com suas alegrias e entusiasmos. Fazer teatro para eles uma brincadeira, no existe pesar, tudo possvel, eu me embriago com esse frescor, com a desordem das paixes, e envelheo mais lentamente.

    Aps o relatrio de montagens parece simples e fcil a convivncia de um grupo de teatro com a instituio escolar, mas o processo no se configura desta forma, geralmente a relao com os setores burocrticos, os cursos tcnicos, e algumas coordenaes, de completa desconfiana.

    A maioria acredita ser extremamente desnecessrio um grupo de teatro em um centro de ensino tcnico. Alguns pensam ser um mal necessrio, parecido com o relato de Esteban (2002, p. 9-11) quando analisam a hora da baguna em sala de aula.

    Outros acreditam que o grupo de teatro, como tambm os outros grupos artsticos, possa e deva ser um canal de divulgao da escola, tanto a nvel interno, entre os setores, quanto a nvel externo, com a comunidade, contanto que no sejam necessrios recursos financeiros para as montagens teatrais.

    Alguns crem ser um excelente recurso metodolgico, servindo assim aos contedos das vrias disciplinas. Ainda h os que pensam que produzir arte, em qualquer linguagem, uma brincadeira ou uma mgica que se resolve facilmente, excluindo assim todo tipo de trabalho tcnico.

    E, em exceo, h os simpatizantes, na sua grande maioria da rea de humanas ou poucos professores da rea tcnica, geralmente jovens, que acreditam, apiam, e buscam propostas conjuntas, interdisciplinares, onde o respeito e a aprendizagem ocorrem de forma recproca.

    8. Concluso ou consideraes finais

    Apresento estas consideraes finais com uma cara humana, palpitante e expressiva sem endurecer na autoridade e solidificao da verdade. Busco a pluralidade da verdade, a verdade enquanto problema e aproximao do real, contrapondo-me verdade absoluta e calcificada.

    Contudo, os resultados indicaram que o ldico, o jogo, a desordem, a linguagem teatral e corporal trazem em si uma construo de saberes relevantes que contm alcance pedaggico, so elementos contributivos para o desenvolvimento do alunado. A escola, nos dias atuais, encontra-se diante de um desafio. Se permanecer autoritria, restringida a uma

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    A produo de texto como prtica centrada no aluno: sujeito da aprendizagem

    Benedita Vieira de AndradeCentro Federal de Educao Tecnolgica da Paraba

    E-mail: [email protected]

    Resumo: Neste trabalho, apresenta-se uma abordagem da escrita numa viso interacionista, que concebe a linguagem como uma forma de interao entre os interlocutores nas situaes comunicativas de que participam. Nessa perspectiva, a escrita concebida como prtica discursiva que se materializa em situaes sociais de interao. Assim, so contemplados alguns princpios que fazem da escrita uma atividade interlocutiva, como o que dizer, a quem dizer, por que dizer e como dizer. Esses princpios orientam uma prtica de escrita centrada no aluno como sujeito da aprendizagem, instaurador da atividade de interlocuo. So apresentados tambm alguns fatores que podem auxiliar na manuteno da linha argumentativa do texto, progresso temtica, articulao e coerncia de seus argumentos.

    Palavras-chaves: Escrita, Interlocuo, Gneros Textuais.

    Resumen: En este trabajo, se presenta un abordaje de la escrita en una visin interactiva, que concebe el lenguaje como una forma de interaccin entre los interlocutores en las situaciones comunicativas de que participan. En ese punto de vista, la escrita es concebida como prctica discursiva discursiva que se materializa en situaciones sociales de interaccin. De esta manera, son contemplados algunos pricipios que hacen de la escrita una actividad interlocutiva, como lo que decir, a quien decir, por que decir y cmo decir. Esos principios conducen una prctica de escrita centrada en el alumno como sujeto del aprendizaje, establecedor de la actividad de interlocucin. Son presentados tambin algunos factores que pueden auxiliar en la manutencin de la linea argumentativa del texto, progresin temtica, articulacin y coherencia de sus argumentos.

    Palabras-clave: Escrita, Interlocucin, Gneros T extuales

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    a quem dizer, por que dizer e como dizer.

    2. Princpios responsveis pela construo de uma escrita interlocutiva

    2.1 O que dizer

    Pensamos que o maior problema que o aluno enfrenta nas atividades de escrita o no ter o que dizer. Este problema gera, como em uma cadeia, uma srie de outros, como no saber como dizer o que pretende dizer, falta de motivao para dizer, indefinio de um interlocutor. Essas deficincias so as causas principais da falta de xito na produo de texto dos alunos. No h conhecimento lingstico que supra a deficincia do no ter o que dizer. No ter idias, informaes, algo a dizer prejudica qualquer tentativa de uma atividade de escrita bem sucedida. Ter o que dizer, a quem dizer e um objetivo para essa troca so elementos primordiais em qualquer atividade bem sucedida com a escrita. Nesse sentido, a escrita se constitui como uma atividade interativa, de troca entre sujeitos, pois atravs dela que se partilham idias, informaes, conhecimento. A escrita torna possvel a manifestao verbal das idias, intenes, crenas ou sentimentos que queremos partilhar com algum para interagir com ele. E a capacidade para verbalizar esse conhecimento s pode advir de uma prtica discursiva privilegiada na escola em que se valorize no apenas o saber, mas o saber dizer.

    Assim, ter o que dizer, a quem dizer e, em conseqncia, saber expressar isso, com base na escolha adequada de estratgias do dizer, condio primordial para o sucesso na atividade de escrita. Quando h idias, informaes e um objetivo para transmiti-las, elas fluiro nas circunstncias concretas de cada situao de interao. Escrever nada mais do que interagir com outros e por eles ser compreendido. Para o aluno tornar-se autor de seus prprios textos, no h regra nica, isso depende das relaes de interlocuo que se estabelecem nos diferentes momentos de produo de textos que, enquanto tais, cumprem seu propsito comunicativo. Aprender a escrever , to somente, aprender a pensar, a desenvolver sensaes e percepes das coisas, a encontrar informaes e idias e concaten-las. Isso requer exerccio: leitura, escrita e reescrita dos prprios textos.

    2.2 A quem dizer o que se tem a dizer

    Alm do encontro entre sujeitos, da troca de idias, uma viso interacionista da produo de textos tambm pressupe o outro com quem dividimos o momento da escrita. Um texto sempre se dirige para outra pessoa. Quem escreve prev um outro com quem deseja ter uma interao. O outro a medida, o parmetro do que dizer e do como dizer; , conforme Geraldi (1997), a condio necessria para que o texto exista. H sempre uma interao entre um eu e um tu quando escrevemos; mesmo sendo uma interao a distncia, esse sujeito com

    1. Consideraes preliminares

    A produo de textos, seja em eventos de vestibular, seja em qualquer outro exame de seleo que exija a expresso por meio da linguagem escrita, tem sido apontada como uma das provas que oferece o maior grau de dificuldade aos candidatos que se submetem a esses concursos. A simples idia de produzir um texto em lngua escrita j deixa muitos candidatos apavorados, j que elaborar um texto escrito no simplesmente codificar informaes por meio de sinais grficos; a atividade de escrever um processo complexo, mas que pode tornar-se acessvel a todos os que se empenharem a conquistar essa habilidade.

    Nos exames vestibulares, ainda existem milhares de candidatos que so eliminados do concurso por no conseguirem produzir um texto em sua lngua materna. Os problemas apresentados pelos que produzem o texto so evidentes: falta clareza na linguagem, organizao nas idias, coeso nas partes, uma argumentao consistente, enfim, patente o baixo nvel de desempenho lingstico dos alunos na utilizao da lngua na modalidade escrita. O que se observa so textos fragmentados, sem coeso entre suas partes e numa linguagem padronizada, muitas vezes vulgar, cheia de clichs e com muitas marcas de oralidade. Esto ausentes, em muitos dos textos construdos em eventos que requerem a expresso escrita, caractersticas fundamentais que, conforme Costa Val (1999), constituem a textualidade, como a coerncia e a coeso, ou seja, faltam algumas das caractersticas que fazem com que um texto seja texto.

    Esse fato provoca desconforto em professores e profissionais da educao que se preocupam com esses jovens, futuros acadmicos, que, em breve, ingressaro no mercado de trabalho. Como podero se expressar por meio de uma linguagem que nem mesmo manejam com habilidade? Geraldi (1997) considera a produo de textos (orais e escritos) como ponto de partida de todo o processo de ensino-aprendizagem da lngua. Mas, diante das dificuldades que se evidenciam, como estimular essa prtica nas escolas?

    Pensando nas dificuldades enfrentadas pelos alunos na hora de produzir um texto, no s em provas de concursos, mas tambm, e principalmente, nas atividades escolares que fazem parte do cotidiano de sala de aula, empreendemos uma pesquisa de alguns aspectos que podem contribuir para uma escrita mais adequada. Assim, esperamos poder contribuir com algumas sugestes para alunos e professores que desejam obter resultados mais satisfatrios nessas atividades.

    Referimos a seguir alguns elementos implicados na situao de produo escrita que podem respaldar uma prtica dessa atividade centrada no aluno como sujeito da aprendizagem, como o instaurador da atividade de interlocuo. Com base nos estudos de Antunes (2003) e Geraldi (1997), estabelecemos alguns princpios que vo nortear nossa discusso, proporcionando uma melhor compreenso desses elementos, quais sejam: o que dize