revista democracia viva 38

Upload: ibase-na-rede

Post on 08-Apr-2018

247 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    1/62

    Juventude eintegrao

    sul-americanaem foco

    MARO 2008

    D E M O C R A C I A V I V A 38

    APOIO A estA edIO

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    2/62

    e d i t o r i a ldc Pf

    Diretra d Ibase e esquisadra d CpDoC/FGV

    Na luta incessante por um mundo mais justo e igualitrio, o Ibase,

    por reconhecer a importncia dos(as) jovens nas mudanas em curso no nosso planeta, tem reforado

    iniciativas e projetos voltados para esse segmento da populao. Em maro de 2006, a revista Demo-

    cracia Viva, na sua 30 edio, divulgou os resultados de uma ampla pesquisa sobre a participao da

    juventude brasileira na vida poltica e social do pas. Coordenada por Ibase e Instituto Plis Estudos

    e Assessoria em Polticas Sociais, e apoiada por uma entidade canadense, International Development

    Research Centre (IDRC), a pesquisa, desenvolvida em oito cidades, contou para sua realizao com

    a parceria de vrias instituies. Alm de dialogar com outras pesquisas, os seus resultados, ampla-

    mente divulgados, contriburam para subsidiar polticas pblicas voltadas para melhorar a qualidade

    de vida dos(as) jovens brasileiros(as).

    Agora, em maro de 2008, a revista Democracia Viva, na sua 38 edio, est divul-gando os resultados de uma outra pesquisa sobre demandas e formas de organizao da juventude,

    tambm coordenada por Ibase e Plis e apoiada pelo IDRC Juventude e Integrao Sul-americana:

    caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis.1 S que, desta vez, alm do Brasil, o pro-

    jeto se estendeu para cinco pases do continente sul-americano: Argentina, Bolvia, Chile, Paraguai

    e Uruguai. Como a experincia anterior de trabalhar em rede havia sido bastante exitosa, Ibase e

    Plis, para desenvolver essa nova iniciativa, articularam uma rede com instituies sul-americanas.

    1 Nota da edio: porse tratar de um nmerotemtico sobre apesquisa, algumasinformaes se repetemao longo da edio.Optamos por nocort-las para nocomprometer a leituraindividual de cada texto.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    3/62

    s u m r i oIbase Institut Brasileir de Anlises Sciaise EcnmicasAv. Rio Branco, 124 / 8 andar20040-916 Rio de Janeiro/RJTel.: (21) 2178-9400 Fax: (21) 2178-9402

    Cnselh CuradrSebastio SoaresJoo GuerraCarlos Alberto AfonsoNdia RebouasSoniaCarvalho

    Dire ExecutivaCndido GrzybowskiDulce PandolfiFrancisco MenezesJoo Sucupira

    Crdenadres(as)Athyade MottaCiro TorresFernanda CarvalhoItamar SilvaJoo Roberto Lopes PintoLuzmere Demoner

    Moema Miranda

    d e m o C r a C i a V i VaISSN: 1415-1499 publica trimestral

    Diretra ResnsvelDulce Pandolfi

    Cnselh EditrialAlcione ArajoCndido GrzybowskiCharles PessanhaCleonice DiasJane Souto de OliveiraJoo Roberto Lopes PintoMrcia FlorncioMoema MirandaRegina NovaesRosana Heringer

    Srgio LeiteEdiAnaCris Bittencourt

    SubediJamile Chequer

    TraduMargaret Cohen e Leslie Sasson Cohen

    RevisAnaCris Bittencourt, Jamile Chequere Maurcio Santoro

    Assistente EditrialFlvia Mattar

    DivulgaDiego Heredia

    prduGeni Macedo

    EstagirisCarlos Daniel da CostaDavid da Silva

    DistribuiElaine Amaral de Mello

    prjet Grfic e DiagramaMais Programao Visual

    CaaMais PV | Montagem com fotos de Samuel Tosta

    ImressMorada do Livro

    Tiragem7 mil exemplares

    [email protected]

    O Ibase adota a linguagem de gnero em suas publicaes por acreditar que essa uma estratgiapara dar visibilidade luta pela equidade entre mulheres e homens. Trata-se de uma polticaeditorial, fruto de um aprendizado e de um acordo entre os(as) funcionrios(as) do Ibase. No casode artigos redigidos voluntariamente por convidados(as), sugerimos a adoo da mesma poltica.

    Os artigos assinados nesta publicao no traduzem, necessariamente, a posio do Ibase.

    para aiar s rjetsdesenvlvids elIbase, escreva [email protected] telefne ara

    (21) 2178-9400.Daes de essasjurdicas dem serabatidas d Imstde Renda.

    artigo

    Jvens da Amrica d Sul

    entreVista

    Re.Fem

    3 artigoJvens da Amrica d Sul:situaes,demandas

    e snhs mbilizadsEliane Ribeiro e Regina Novaes

    pesquisa em redeAnna Luiza Salles Souto e Pedro Pontual

    10 naCionalJvens, direits e suerada desigualdadeHelena Wendel Abramo

    16 entreVistaRe.Fem

    28 internaCionalRetrat da juventude

    sul-americana30 argentina

    Risc d mnlg surd?Dana Borzese e Vanesa Luro

    35 BolViaLuta ds jvens aymarasna cidade de El AltMximo Quisbert Q.

    40 Chileoseqestr da demanda cativaJulieta Vivar Pays

    45 ParaguaiEntre mdels antigs,

    mercad e a buscade cidadaniaLuis Caputo

    51 uruguaios cabels brancs valemmais d que a acneLilian Celiberti

    56 resenhaMaurci Santr

    58 indiCadoresJuventude sul-americana emrede, um desafi metdlgicda esquisaPatrcia Lnes e Maurcio Santoro

    62 ltima PginaNani

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    4/62

    maro 2008 3

    a r t i g oe rb* r nv**

    A Amrica do Sul vive intensas transformaes sociais, culturais, polticas e

    econmicas. A despeito das diferenas que caracterizam a formao social

    de nossos pases, cada vez mais se evidenciam semelhanas marcadas pela

    combinao de histrias comuns de governos autoritrios, dificuldades

    de processar transies democrticas, perversos efeitos de polticas neo-

    liberais econmica e socialmente desagregadoras, um persistente quadro

    de precariedades e desigualdades sociais.Ao mesmo tempo, em vrios pases registram-se esforos significativos em

    Jovens da Amrica do

    Sul:

    situaes,

    demandase sonhos

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    5/62

    4 demoCraCia ViVa n 38

    a r t i g o

    direo da consolidao da democracia. Dife-rentes formas de participao, associativismo eredes sociais esto presentes no espao pblicoe impulsionam iniciativas governamentais emdireo ampliao de direitos sociais e ge-rao de oportunidades.

    Nesse contexto, em que se combinam

    velhas vulnerabilidades e novas possibilidadesde agregao social, observa-se a importnciade um particular segmento populacional: ajuventude. Vivemos o apogeu da quantidadede jovens com relao ao total da populaoda regio, entre 20% e 25%, quadro que devepermanecer pelo menos at 2015.

    Habitantes de um mundo em acelera-do processo de globalizao, esses(as) jovensvivenciam problemas e incertezas semelhantes.Costuma-se dizer que as novas geraes so asmaiores vtimas das excludentes injunes que

    caracterizam o continente sul-americano. Po-rm, se j no h como negar as possibilidadesconstrudas pelos prprios jovens, que direta ouindiretamente, funcionam como enfrentamentoe resposta s situaes de discriminaes e desi-gualdades, trata-se de melhor conhec-las. Este o objetivo da pesquisa Juventude e Integrao

    Sul-americana: caracterizao de situaes-tipoe organizaes juvenis.1

    Como ponto de partida, indagou-se:qual o papel da juventude nas mudanas emcurso em nosso continente? Que demandas,lutas polticas, formas de organizao e desolidariedade esses(as) jovens tm construdo

    no incio deste novo sculo? Seria possvel falarem identidade geracional e uma agenda comumpara ao entre jovens sul-americanos?

    Com essa perspectiva, o estudo foicentrado na anlise de 19 situaes-tipo, cadauma focalizando um segmento juvenil do qualnos aproximamos com um mesmo conjunto dequestes, enfatizando a aposta na juventude ea identificao de suas principais demandas.

    Aproximando juventudes

    Aps nove meses de trabalho, foi possvelconhecer um conjunto de processos em movi-mento, identificar demandas e estratgias foca-lizadas pelos(as) jovens no sentido da ampliaode conquistas polticas e sociais (Tabela 1).

    Reinvenes da participao

    Independentemente da demanda em questo,Tabela I

    Sistematizao das situaes-tipo estudadasPas/Instituio Segmento Organizao ou Demanda/parceira juvenil grupo pesquisado Consigna

    Argentina / Filhs de desaarecids H.I.J.o.S./ Buens Aires Direits humansFunda SES ltics da ditadura militar (Direit verdade, justia

    1976-1983 (setres mdis) e memria histrica)

    Jvens da cidade de Assemblia Juvenil prte a mei-ambienteGualeguaych Ambiental de(setres mdis) Gualeguaych

    Jvens desemregads Jvenes de pie, na Trabalh (rtunidade de(setres ulares) rvncia de emreg u inser rdutiva)

    Buens Aires e educa

    Jvens beneficiris Mviment Juvenil Trabalh (caacita arade rjets sciais Andresit (prvncia de inser rdutiva) e educa(setres ulares) Misines)

    Blvia / pIEB Jvens d mviment Grus de hi h Cultura (recnhecimenthi h (bairrs ulares) aymar em El Alt etncultural e cndies ara

    rdu artstica), educae trabalh

    Jvens estudantes Mviments estudantis em Educa (mviment elamradres de bairr ular El Alt (Antni paredes cria de uma Escla Nrmal(setres ulares) Canda, Insea, Insthea) em El Alt)

    Jvens emregadas Federa Nacinal das Trabalh (direits trabalhistas/dmsticas Trabalhadras d Lar eqidade de gner) e educa(setres ulares) em La paz

    Pas/Instituio Segmento Organizao ou Demanda/parceira juvenil grupo pesquisado Consigna

    1 Pesquisa realizada peloIbase em parceria como Instituto Plis Estudos,Formao e Assessoria emPolticas Sociais, com apoiodo International DevelopmentResearch Centre (IDRC) e maisum conjunto de entidades epesquisadores(as) dos pasesenvolvidos.

    (Continua na pgina seguinte)

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    6/62

    maro 2008 5

    JoVens da amriCa do sul: situaes, demandas e sonhos moBilizados

    Brasil / plis Jvens migrantes que Jvens d Nrdeste Trabalh decente (melhres(a artir de rede de trabalham n crte manual (Maranh e piau) que cndies) e educaesquisadres/ da cana-de-acar (famlias trabalham n interir (calendri esclar adequad)instituies n Brasil) de agricultres bres) de S paul

    Jvens estudantes urbans Mviment el asse livre Circula (lcm ara(mairia de classes ulares, Revlta d Buzu em a escla / transrte / direit alguns de classe mdia) Salvadr/Bahia cidade) e educa de qualidade

    Jvens trabalhadres d Sindicat ds Trabalhadres Trabalh decentesetr de telemarketing em Emresas de (melhres cndies)(sbretud, setres Telecmunicaes n Estadulares, minria de de S paul e Sindicatclasse mdia) ds Trabalhadres em

    Telemarketing e Emregadsem Emresas de Telemarketingna Grande S paul

    Jvens d mviment Gru Famlia MBJ, em Cultura (cndies arahi h (bairrs ulares) Caruaru / pernambuc rdu artstica e cultural,

    luta r recnhecimente cmbate a racism)

    Jvens de rjets sciais Frum de Juventudes plticas blicas de juventude

    e rganizaes vltadas d Ri de Janeir (articia na agenda,ara jvens (mairia de na elabra e nsetres ulares) acmanhament)

    Segments juvenis Acamament Sustentabilidade, ecnmiadiferenciads (mviments Intercntinental da slidria, direits humans,culturais, astrais, Juventude Frum Scial diversidade e igualdade: r umestudantis, jvens de oNGs, Mundial (edies realizadas utr mund ssvelde artids ltics etc) em prt Alegre) (influenciar na agenda e nas

    frmas de articia dFrum Scial Mundial e nasautas das juventudes)

    Chile / CIDpA Jvens estudantes Mviment de rtest ds Educa (demandas imediatassecundaristas (mairia secundaristas, Rebeli ds e de rjet educacinal)setres ulares, alguma pingins, em Valaras articia setres mdis) Crdenadra de Estudantes

    Secundaristas de Valaras

    Segments juvenis organizaes juvenis que plticas blicas ara ajuventude

    diferenciads que articiam n Deartament (articia ativa na definiarticiam de rjets de Jvens de Cncecin e gest dessas lticas)

    paraguai / BaseIS Jvens camneses em Asscia de Agricultres Agreclgia (terra,regi de cresciment da d Alt paran (Asagraa) educa, trabalh)mncultura da sja

    Jvens estudantes Mviment d asse livre Educa, circula /secundaristas (mairia Federa Nacinal de transrtesetres ulares e Estudantes Secundaristasarte setres mdis) (Fenaes) Assun

    Uruguai / Ctidian Juventudes artidrias Grus jvens d partid particia ltica (as nfasesMujer / Faculdade Clrad, partid Nacinal nas agendas crresndem ade Cincias Sciais da e da Frente Amla erfil ds diferentes artids)Universidade Reblica (Mntevidu)

    Mviment ela plant tu planta, prlegal, Legaliza da macnhaLegaliza da La placita (direit de esclher, cultura,Cannabis mei-ambiente)

    Fonte: Juventude e Integrao Sul-americana: caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis, 2008.

    (Continuao da Tabela 1)

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    7/62

    6 demoCraCia ViVa n 38

    O que reivindicam?

    Observando a Tabela 1, destacamos seispontos de intercesso que sem desco-nhecer as especificidades das diferentessituaes estudadas podem favorecera construo de uma agenda comum.

    Educao pblica de qualidade:uma escola que caiba na vidado(a) jovem

    A demanda mais presente nos segmen-tos juvenis estudados foi a educacional.Destaca-se o reclamo por educaopblica, gratuita e de qualidade. Nasentrevistas realizadas, est presente otom de denncia que enfatiza as pr-ticas discriminatrias, os processos deexcluso, os mecanismos de reproduode desigualdades que caracterizam o sis-tema educacional dos diferentes pases.Contudo, chamou a ateno o fato deque no se fala apenas em direito edu-cao ou ampliao do acesso escola.Para essa gerao, trata-se de buscar:maior qualidade (professores mais bem--preparados, currculos mais condizentescom a realidade atual);maisflexibilidade(necessidade de calendrios adaptadospara combinar trabalho e estudo nascidades e na rea rural); garantia decontinuidade educativa (secundria,tcnico-profissional, universitria).

    Trabalho decente e outrasoportunidades de

    insero produtivaA questo do trabalho est presentede forma contundente, evidenciandocentralidade na vida dos(as) diversos(as)jovens sul-americanos(as). Diante da pre-carizao das condies trabalhistas, dodesemprego, da concentrao fundiria,da mecanizao, das mudanas tecno-lgicas e das discriminaes ditadaspelo fato de serem jovens, as pessoasentrevistadas buscam oportunidadespara trabalhar e se emancipar. Como sepode deduzir pelo que mostra a Tabela1, as trajetrias dessas pessoas no mun-

    do do trabalho so diversas. No entanto,destacam-se duas quimeras recorrentes.Em primeiro lugar, no demandamsimplesmente trabalho, mas trabalhodecente que assegure remuneraocondizente e direitos trabalhistas. Emsegundo lugar, enfatizam novas ocupa-es na rea da cultura, da agroecologia,das ocupaes sociais que permitemaliar insero produtiva (individual ouem grupo) e valores.

    Cultura: valores e acessos fruio e produo cultura

    Com diferentes nfases e matizes, adimenso cultural est presente em

    todas as situaes-tipo estudadas. Con-siderando que em nossas sociedades ajuventude est sempre entre foras an-tagnicas que produzem tanto adesescomo crticas chamada sociedade deconsumo, em cada uma das situaesestudadas esto presentes disputas deimagens, valores, motivaes de sen-tido de vida. Nesses cenrios, por umlado, o acesso cultura comea a servisto como um direito dos(as) jovensos quais, geralmente, no tm recursospara escolher como usar o tempo livre,para desfrutar os momentos de lazer e

    para ter acesso ao patrimnio culturalmaterial e imaterial de seu pas. Poroutro lado, nessa gerao ampliou-sesignificativamente o nmero de jovensvoltados(as) para produes artsticasgeradoras de pertencimentos e iden-tidades. Dessa forma, convocam-se ospoderes pblicos tanto para garantirmeios para lazer e fruio cultural paradiferentes segmentos juvenis como parao reconhecimento e o apoio s diferentesmanifestaes artsticas produzidas eapreciadas pela juventude.

    Vida segura: valorizao dadiversidade e direitos humanos

    Essa gerao de jovens sul-ameri--canos(as) afetada por diferentesformas de violncia fsica e simblica.Uma das dimenses estudadas est re-lacionada ao direito memria negadapela violncia poltica do regime militar.Em outras distintas situaes estudadas,segmentos juvenis socialmente vulnera-bilizados dirigem-se ao poder pblicopara reverter preconceitos e discrimina-es (tnicas, de gnero, por local demoradia). Em parte delas, menciona-se

    a opresso advinda dos confrontos entreo trfico de drogas e as polcias que, emgeral, tratam os jovens como principaissuspeitos. Como ponto comum, amplia--se a referncia aos direitos humanos, re-forando a necessidade de que polticaspblicas de juventude que contemplem:a) a busca de justia e dos direitos de ci-dadania; b) o combate aos preconceitose a valorizao da diversidade culturaljuvenil; c) uma concepo de vida seguraque articule o combate violncia com

    os demais eixos da agenda pblica dejuventude (educao, trabalho e cultura).

    Ecologia: conexes juvenis

    com vistas sustentalibidadesocioambiental

    Pelo caminho da ecologia, jovens dacidade e do campo se conectam com asquestes de seu tempo, fazendo dialogarvelhos problemas com novas motivaes.Nas situaes-tipo estudadas, registram--se diferenciadas evocaes da questoambiental e ecolgica. Da resultam tiposdiversos de aes coletivas e inditas pos-sibilidades de articulao intergeracionale entre jovens de classes sociais diferen-tes, urbanos e rurais. Considerando quea pauta do meio-ambiente est bastante

    disseminada, recomenda-se a ampliaoda noo de educao ambiental formale no-formal, favorecendo a circulaode informaes e proporcionando ele-mentos para negociao, escolhas epactos societrios. Em momento em quese esgotam oportunidades nas carreirastradicionais e h tanta preocupao so-bre o futuro do planeta, tal perspectivatambm acena para o fortalecimentode novas reas de profissionalizaoambiental (agentes comunitrios am-bientais, turismo ecolgico etc.) e paraespaos de insero juvenil na Amricado Sul.

    Circulao: ampliao daspossibilidades de ir e virno campo e na cidade

    Uma das demandas que aparecem deforma incisiva na pesquisa o direito circulao e mobilidade, necessrio aoexerccio de outros direitos fundamentais como acesso educao, ao trabalho, cultura e ao lazer. O direito circulaodos(as) jovens tem sido mote de algu-mas das mais expressivas manifestaespblicas na regio, com embates entrejovens, poder pblico e empresrios dotransporte. Podemos dizer que o direitomais genrico circulao e cidade(no caso da juventude urbana) no estincorporado nem respondido. funda-mental desenvolver a conscincia de quea mobilidade juvenil deve ser iniciativa eresultado de poltica pblica.

    a r t i g o

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    8/62

    maro 2008 7

    movimentos juvenis necessitam de visibilidade,reconhecimento e participao. preciso quea sociedade, e em especial os governos, sejam

    capazes de reconhec-los e de estimular espaosonde possam dialogar e influenciar nas polticasque afetam suas vidas. Para tanto, fundamen-tal aprofundar conhecimento sobre jovens daregio, relativizar idias preconcebidas e ampliara capacidade de compreenso sociolgica.

    Os relatrios nacionais da pesquisa nospermitem questionar, por exemplo, observa-es recorrentes sobre a gerao juvenil atual.Costuma-se dizer que os expedientes virtuais,vinculados s novas tecnologias de informao,

    afastam os(as) jovens do mundo real. Relativi-zando tal generalizao, observamos que as no-vas tecnologias de informao e comunicao

    (tais como Internet blogs, fotologs, pginaspessoais, fruns de discusso, celular, entreoutras) surgem como importantes instrumentosde organizao, de registro de atividades, dedisseminao das demandas e mobilizao etc.entre jovens organizados(as).

    Por outro lado, elementos destacadospelos(as) jovens pesquisados(as) nos permitemquestionar veredictos que afirmam no existirutopias entre a juventude de hoje. Certamente,existem vrios usos da palavra em questo.Porm, por que no considerar utopias (sonhos

    JoVens da amriCa do sul: situaes, demandas e sonhos moBilizados

    MAISPV|MONTAGEMCOMFOTODESAMUELTOSTA

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    9/62

    8 demoCraCia ViVa n 38

    mobilizadores) essas inditas conjugaes entredemandas imediatas e questes mais gerais,expressas por meio das idias de direitos hu-manos e de ecologia?

    Tratar do tema da juventude na regiode forma mais qualificada fortalecer umanova perspectiva comum dos direitos humanos

    dos(as) jovens; potencializar solidariedadessociais e acesso s novas tecnologias; influen-ciar na construo das agendas de polticaspblicas voltadas para as juventudes regionaisque visem sustentabilidade socioambiental. Se verdade que nunca houve uma humanidadeto numerosa e to jovem, certamente caber juventude atentar para urgentes aes noaqui e agora e reinventar utopias, doadorasde sentido para a vida.

    Atualmente, no mbito do Mercosul, oespao reservado participao da juventude

    ainda pequeno. No tem sido fcil para os

    Polticas no Mercosul

    Iniciadas em momentos diferentes ecom institucionalidades diversas, nosseis pases estudados existem iniciativasde polticas pblicas para a juventude(PPJ). E como so avaliadas essas

    polticas? No conjunto, predominamobservaes crticas, tais como: planoseducativos que no levam em conta ainsero produtiva futura dos(as) jo-vens; pouca ateno cultura; ausnciade programas de acesso moradia parajovens; falta de ateno sade dajuventude. Evidenciam-se ainda proble-mas de desenho e de gesto das PPJs,a saber: falta de oramentos prpriosou oramentos limitados; ausncia deuma abordagem integral dos proble-mas que atingem os(as) jovens; falta

    de coordenao entre aes setoriaise/ou aes territoriais; ausncia de umplano pactuado com a sociedade; faltade participao juvenil em seu desenho,implementao e avaliao.

    Ao identificar tenses e dificulda-des das PPJs nestes pases, acreditamosestar contribuindo para que os pro-blemas possam ser equacionados. Aintegrao das polticas pblicas de ju-ventude com o Mercosul foi enfatizada

    por especialistas, entrevista-dos(as) napesquisa, como um passo importantenessa direo. No por acaso, h uma

    grande expectativa sobre o papel quepode ser desempenhado pela ReunioEspecializada da Juventude (REJ),que se soma a outros organismos doMercosul dedicados s polticas pbli-cas setoriais. A REJ surgiu na Cpulade Crdoba, em 2006, e marcou aintroduo do tema da juventude naagenda oficial do bloco.

    As preocupaes que predominamentre os gestores governamentais e osmovimentos sociais so: levantar infor-maes sobre as polticas dos pasesvizinhos; e homogeneizar estatsticas

    e marcos legais no Brasil, a catego-ria jovem vai de 15 a 29 anos. Emoutros pases, em geral, abarca de 15a 24 anos. Alm disso, h projetos dedesenvolver campanhas transnacionaiscontra a explorao sexual de jovens problema especialmente grave nasreas de fronteira.

    Nesse contexto, acredita-se que aquesto da juventude tanto possa serimpulsionada como impulsionar a inte-

    grao sul-americana. Sem dvida, o for-talecimento de lideranas juvenis locaise regionais; a maior vinculao entre os

    temas da incluso e da participao socialcom as polticas pblicas de juventude;assim como o maior compromisso dospoderes pblicos com a agenda dos(as)jovens contribuiro para a consolidaoda democracia regional.

    Por outro lado, e simultaneamente,a aposta e a consolidao de uma inte-grao solidria entre povos e naes daregio contribuir para que as demandasda juventude ganhem visibilidade naAmrica do Sul, pautem agendas pbli-cas e gerem novas iniciativas e mudanasem relao ao futuro das novas geraes.

    Os obstculos so bem conhecidos.Mas nesse indito e desafiante processode integrao, surpresas e esperanastm surgido entre os(as) jovens. Cabeaos governos e sociedade encontraros melhores meios para que a energiavital da juventude se espalhe por todotecido social.

    distintos participantes de movimentos juvenisconseguir se articular na esfera regional, poisa tendncia que as mobilizaes se dem,sobretudo, nos planos locais e nacionais. Noentanto, os processos em curso tm mostradoque a participao de jovens nos assuntos p-blicos fator determinante para a ampliao

    da democracia na regio.Nessa perspectiva, o Mercosul se torna,

    portanto, um novo marco para um dilogoem que haja explicitao de conflitos e trocasentre os atores sociais participantes. Demandase participao juvenis que, primeira vista,no estariam ligadas aos processos formais deintegrao regional, ganham relevncia hoje:podem (e devem) ser abordadas sob a ticaregional.

    a r t i g o

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    10/62

    maro 2008 9

    * e rb

    Cientista scial, dutra

    em Educa, integrante

    da Equie Tcnica Sul-

    americana da esquisa

    ** r nv

    Antrlga, cnsultra

    temtica

    da esquisa

    Trabalhar em rede , sem dvida, um

    grande desafio. Com base na experinciabem-sucedida da pesquisa Juventude Bra-sileira e Democracia: participao, esferase polticas pblicas (2004-2005), que en-volveu instituies de diversas regies doBrasil, Ibase e Plis avanaram na produode novos conhecimentos sobre o universojuvenil, agora com o olhar voltado parao continente sul-americano. Este novoestudo, realizado a partir de uma redede organizaes e de pesqui-sadores(as)de seis pases da regio, refora a nossaconvico sobre o acerto desse desenho

    organizacional.No Brasil, o Plis, coordenador dos

    estudos nacionais, organizou uma redeintegrada por alguns parceiros da pesquisaanterior tais como Universidade FederalFluminense, Universidade Federal do RioGrande do Sul e Ao Educativa, ONGsediada em So Paulo e por especialistasnas temticas abordadas. Com a supervi-so tcnica de Helena Abramo, somamosforas na articulao de parceiros localiza-dos em vrios estados e responsveis pelosestudos sobre distintas organizaes emovimentos juvenis, afinando os enfoquesanalticos com vistas elaborao de umrelatrio nacional.

    Essa articulao, por si s complexa,constituiu-se em um dos braos de umarede mais ampla, integrada por instituiesdesses seis pases do continente. O desafiode executar uma pesquisa em rede nocurto tempo disponvel exigiu habilidadee sintonia da coordenao e forte com-prometimento dos(as) pesqui-sadores(as).

    A aposta na construo coletiva denovos saberes, no compartilhamento dereflexes que transcendem as dinmicasespecficas de cada pas e, sobretudo, naarticulao de instituies sul-americanascomprometidas com o adensamento dademocracia e com a transformao socialda nossa regio gerou resultados positivose proporcionou um rico aprendizado entreas partes.

    Esse processo, no entanto, s foi pos-

    svel graas ao esforo coletivo em vencer

    as barreiras do idioma, existncia de umdilogo franco e aberto entre ns e aocompromisso mtuo com os pressupostostcnicos e polticos do projeto. Nesse per-curso, fomos capazes de flexibilizar semperder o foco, criar sinergias sem aplacar adiversidade, somar o acmulo das distintasinstituies e, com isso, alimentar novasreflexes e indagaes que ultrapassam oslimites dessa pesquisa. Conclumos essatrajetria com a certeza de que as relaesde confiana construdas no decorrerdesse perodo so valiosas e respondem

    pelo sucesso da empreitada.A parceria entre Ibase e Plis, inicia-

    da no projeto anterior, vai se firmandocomo exemplo de um feliz encontro entreinstituies que comungam ideais, maspossuem trajetrias distintas e algunscampos especficos de atuao. A somados acmulos institucionais e a concep-o e conduo compartilhada das duaspesquisas sobre juventude reverteram-sepositivamente para os referidos projetos.O rico intercmbio de experincias, oexerccio de construo coletiva e os laosde amizade que nos unem vm gerandoaprendizados pessoais e para ambas asorganizaes.

    *a l s s

    Crdenadra executiva d Institut

    plis, crdenadra geral da esquisa

    n Brasil e crdenadra adjunta da

    esquisa sul-americana

    ** P P

    pesquisadr d Institut plis, crdenadr

    geral da esquisa n Brasil

    e crdenadr adjunt da esquisa

    sul-americana

    Pesquisa em rede

    a l s s* P P **

    JoVens da amriCa do sul: situaes, demandas e sonhos moBilizados

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    11/62

    10 demoCraCia ViVa n 38

    n aC in a C i o n a lh W ab*

    A pesquisa Juventude e Integrao Sul-americana: caracterizao de situaes-tipo e

    organizaes juvenis, realizada por Ibase e Plis em 2007, pe ateno em um foco

    diferente do usual quando se busca investigar o sentido poltico da participao dos(as)

    jovens: nas demandas em torno das quais jovens tm se mobilizado, assim como seu

    modo de formulao e expresso pblica. A perspectiva a de buscar compreender se, e

    de que modo, essa atuao juvenil tem incidido (ou pode incidir) na construo de uma

    plataforma de direitos e na luta para a superao da desigualdade social, assim como

    perscrutar possibilidades de articulaes que aprofundem os sentidos da democracia em

    disputa no mbito dos pases que compem o Mercosul.

    No Brasil, essa questo tem um significado especfico, uma vez que o tema da

    juventude apareceu posteriormente ao momento de debate mais intenso sobre a con-

    solidao dos direitos de cidadania, corporificado no processo da Constituinte, no fim

    da dcada de 1980. E, pelo modo como se desenvolveu nos ltimos 15 anos, ficoumais centrado sobre os modos de resgatar os(as) jovens das situaes de risco e vulnerabilidade

    Jovens,

    direitose superao

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    12/62

    maro 2008 11

    n a l 1 Ver Evelina Dagnino, 2004.Sociedade civil, participaoe cidadania: de que estamosfalando? In Daniel Matos(coord) Polticas de ciudadaniay sociedad civil em tiemposde globalizacion. Caracas,FACES, Universidad Central deVenezuela.

    2 Cada uma dessas situaesfoi estudada por uma equipe

    diferente; a coordenaodos seis estudos ficou acargo do Plis, consolidadanum relatrio nacional, deminha autoria. Cada estudogerou um relatrio singular,disponvel em arquivoeletrnico : A Revolta do Buzu:manifestaes de estudantessecundaristas contra oaumento da tarifa do nibus(de Jlia Ribeiro de Oliveirae Ana Paula Carvalho);Demandas de jovens nomundo do trabalho urbano:jovens, sindicato e trabalhono setor de telemarketing(de Maria Carla Corrochanoe rica Nascimento); Jovensmigrantes canavieiros: entrea enxada e o faco (de JosRoberto Pereira Novaes);A Famlia do Morro do BomJesus (de Rosilene Alvime Adjair Alves); Frumde Juventudes do Rio deJaneiro (de Ana KarinaBrenner); AcampamentoIntercontinental da Juventude:experincia de uma novagerao poltica (de NiltonBueno Fischer, Ana Mariados Santos Corra e MrcioAmaral).

    em que se viram crescentemente envolvidos, esobre as possibilidades e entraves para a suaparticipao, por outro lado, do que sobre assuas necessidades e direitos.

    Que papel pode ter, portanto, a recentepostulao dos(as) jovens como sujeitos dedireitos, a execuo de polticas pblicas de

    juventude e a configurao de espaos de par-ticipao na definio e gesto dessas polticas,em uma conjuntura de disputa entre o projetopoltico democratizante e participativo forjadonaqueles anos e o projeto neoliberal, que seprocessa nas prprias arenas que resultaram doesforo pela reinveno democrtica?1

    Neste contexto em que difcil mantera garantia de direitos j conquistados, h umadificuldade adicional dos grupos juvenis e suasdemandas para se legitimarem, uma vez queapresentam questes que no fazem inteira-

    mente parte do repertrio dos movimentossociais, com smbolos e referncias muitas vezessuspeitas a esse imaginrio (uma vez que fazemreferncia a dimenses do consumo, da diver-so, a nfase na imagem), ou que desequilibramcertas noes estabelecidas a respeito do queparece essencial vida juvenil.

    Com questes como essas no horizontede nossas preocupaes, investigamos, no

    Brasil, seis situaes (leia na pg. 12) que nosparecem significativas para aprofundar o olharsobre as demandas juvenis e sobre as interro-gaes que elas tm lanado configurao daluta por eqidade e justia social no nosso pas:2

    Pistas para debate

    Evidentemente, no h espao neste breveartigo para o desenvolvimento dos instigantesachados que cada um dos estudos dessas situ-aes propiciou nem para as reflexes que elessuscitaram. possvel, apenas, esboar algumaslinhas de interpretao que podem fornecerpistas para o debate.

    Uma delas a de que faz sentido reco-nhecer, para alm das medies quantitativassobre o grau de participao da populaojuvenil, a existncia de atores juvenis nos es-

    paos pblicos e em arenas de luta poltica,expressando questes relativas a sua condiode jovens singulares desta conjuntura histrica.Embora cada um dos atores envolvidos nas si-tuaes estudadas carregue vrias identidades,acionadas diferentemente de acordo com asinterlocues em jogo, possvel dizer que aidentidade juvenil assume significao polticapara a maior parte deles, e a partir dessa

    FLVIOCO

    ND

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    13/62

    12 demoCraCia ViVa n 38

    n a C i o n a l

    Situaes-tipo brasileiras1. Revolta do Buzu

    Mobilizao de estudantes de Salvador,na Bahia, contra o aumento da tarifa donibus, em agosto de 2003. Protagoni-zada, principalmente, por estudantes se-cundaristas, surpreendeu pela amplitudee vigor com que foi sustentada, chegandoa manter cerca de 20 mil estudantesmobilizados, por cerca de 20 dias, emassemblias e manifestaes pblicas principalmente em concentraes epasseatas que paralisaram as vias prin-

    cipais de circulao da cidade. Vriosatores estudantis estiveram envolvidosna mobilizao: grmios das escolaslocais, grupos alternativos de inspiraoanarquista, entidades gerais de carterregional e nacional (UNE, UBES etc.),grupos ligados a juventudes partidrias.

    Essa manifestao se insere numconjunto de outras semelhantes, ocorri-das antes e depois desse acontecimento,em diversas cidades brasileiras, revelandouma forte disposio de mobilizaodos(as) jovens em torno da demanda dodireito circulao. Compreendida, em

    primeira instncia, como uma demandaassociada ao direito educao, revelatambm uma srie de dimenses de usoda cidade s quais os jovens reivindicamacesso: direito cultura, ao lazer, aotrabalho em ltima instncia, direito cidade. Em alguns lugares, assumema configurao de luta pelo passe livre.

    2. Migrao sazonal de jovenspara o corte manual da cana

    So jovens pertencentes a famlias deagricultores pobres do Nordeste, onde asoportunidades de trabalho so escassas, eque migram, a cada ano, para o interior deSo Paulo, regio de expanso da indstriasucroalcooleira, buscando uma oportunida-de concreta de obter renda para si e paraassegurar a sobrevivncia da sua famliana agricultura em seus locais de origem.

    O corte manual da cana um traba-lho duro e extremamente desgastante o

    padro atual de produtividade das usinasimpe a cada trabalhador o corte de,pelo menos, 10 toneladas de cana pordia. Para cumprir a meta, o corpo precisade resistncia fsica, da a necessidadede trabalhadores jovens nos canaviais. Oritmo de trabalho muito intenso, os(as)trabalha-dores(as) ficam no limite da suacapacidade fsica, os problemas da sade pelo excesso de trabalho se agravam,e no so raras as ocorrncias de acidentesfatais.

    As demandas principais dizem respeitos condies de trabalho e se configuram

    tambm no desejo de um trabalho melhor;mas tambm adicionadas por demandas deeducao e de recursos para a agriculturafamiliar. Embora a presena dos jovensnessa situao seja crescente, quaseausente sua visibilidade poltica. Os atoresque representam esses trabalha-dores(as),os Sindicatos de Empregados Rurais e aPastoral dos Migrantes, no desenvolvemnenhum tipo de trabalho diferenciado com

    esse segmento nem, por outro lado, suasdemandas tm sido arroladas junto a deoutros segmentos juvenis.

    3. Famlia MBJ (do Morro doBom Jesus)Surgiu no incio dos anos 2000 como umaespcie de comisso coordenadora decerca de uma dzia de grupos de hip hopde um bairro pobre da cidade de Caruaru,no interior de Pernambuco. Sua demanda

    principal, assim como a de centenas deoutros grupos de hip hop no Brasil, ade incluso e reconhecimento social, bus-cando, fundamentalmente, a superaoda discriminao e excluso por seremjovens pobres, negros(as), moradores(as)de regies perifricas. Essa demanda con-grega vrias outras, como uma educaomais inclusiva e de qualidade, acesso aum trabalho digno, condies para asua expresso cultural, a possibilidade deconstruo de uma perspectiva de vida queno seja minada pela violncia (criminal epolicial). Entre as atuaes desse grupo

    encontram-se a reivindicao e conquistade equipamentos em seu bairro, como arecuperao de uma escola abandonada,a destinao de um espao para suas ativi-dades culturais e cursos profissionalizantes.

    4. Setor de telemarketingEste tem representado um nicho de mer-cado de trabalho para os(as) jovens, prin-cipalmente para aqueles(as) oriundos(as)das famlias de baixa renda e que logramconcluir o ensino mdio. Para os empre-

    identidade que eles tm ocupado certos espaospblicos. Muitas vezes, suas demandas vmexpressas por meio da exposio pblica dessaidentidade, na luta por romper invisibilidadesa que parecem condenados ou por reverter anegatividade com a qual so vistos.

    Suas demandas esto vinculadas a dife-

    rentes dimenses de suas vidas e expectativas edizem respeito, em grande medida, a exignciasde incluso social e reverso de formas muitopungentes de discriminao e criminalizao.Trazem, assim, outros contedos, ou inflexes, pauta de demandas j constituintes da agendados movimentos sociais, uma vez que traduzemoutros modos pelos quais carncias so sentidas

    e desigualdades so vividas.Podemos ver, nas manifestaes dos

    grupos estudados, que so vrias as demandas,muitas vezes imbricadas umas nas outras, paraas quais se cobra resoluo, confirmando aexigncia que faz parte do debate corrente, de que no se pode reduzir a questo da

    juventude a um ngulo ou necessidade qualse subordinam as outras, de que no h apenasa postulao de um direito que possa condensara questo da juventude. Nesse sentido, ganharelevncia, por exemplo, a questo da cultura eda diverso, que emergem, para certos grupos,como direito essencial, raras vezes assinalado

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    14/62

    maro 2008 13

    JoVens, direitos e suPerao da desigualdade

    gadores, a preferncia por esses e essasjovens est vinculada facilidade deadequ-los s condies de trabalho(teriam maior capacidade de assimilar otreinamento bsico necessrio e de su-portar as presses para o cumprimento demetas de atendimento).

    Tal situao evidencia a demanda portrabalho, muito forte entre extensos seg-mentos da juventude brasileira. As durascondies de trabalho (ritmo intensivo,

    stress muito alto, assdio moral, baixossalrios), porm, engendram lutas sindi-cais especficas e abrem a discusso sobrea qualidade do trabalho e a demandapor um trabalho decente, ainda poucodesenvolvida no campo de debate sobrea juventude.

    H em So Paulo dois sindicatos quedisputam a representao da categoria,e um deles o Sintratel estrutura suaatuao em torno da identidade juvenilda categoria, e tem como principal eixoa luta contra aprecarizao do trabalhoem telemarketing. Sua pauta pblica

    inclui a demanda de gerao de primeiroemprego, a luta pela regulamentao doestgio, a proteo sade e contra o as-sdio moral e sexual; a reduo da jornadae a elevao do piso salarial. Contudo, necessrio registrar que a postulao dotrabalho como um direito dos(as) jovens,mesmo no meio sindical, ainda est aindaem um processo de disputa e formatao.

    5. Frum de Juventudes doRio de Janeiro

    Estruturou-se no incio do ano 2000 coma perspectiva de congregar ativistas ejovens atendidos(as) por organizaes dasociedade civil (principalmente ONGs, mastambm entidades ligadas a movimentossociais) para buscar interferir no debatesobre juventude e na formulao daspolticas voltadas para jovens.

    Tem como principal mote a discussosobre as polticas pblicas para a juven-tude (PPJ) e a part icipao dos(as) jovensem espaos de definio e elaboraodessas polticas, e representa um esforode buscar maiores convergncias entreas PPJ e as necessidades e demandasdos jovens em situao de excluso. Naformao atual, congrega cerca de 10entidades com presena mais permanen-te, alm de um nmero no preciso decolaboradores eventuais. Realiza peridicae itinerantemente pelos bairros Encontrosde Galeras, para discutir com jovens suasdemandas e certos temas em pauta, por

    exemplo, a situao da educao pblicae a violncia policial.

    6. Acampamento Intercontinentalda Juventude

    Foi um espao organizado por jovensdurante a realizao das edies doFrum Social Mundial em Porto Alegre.Em primeira instncia, proposto comoum modo de garantir e ampliar a parti-

    cipao dos(as) jovens, caracterizou-se,na sua realizao e posterior proposio,como um territrio de convergncia deprticas e experincias dos mais diversosgrupos e movimentos juvenis com mlti-plas bandeiras na direo de um outromundo possvel.

    Surpreendeu pela sua capacidade deconvocao (reunindo de 2 mil jovens naprimeira edio, em 2001, a 35 mil naquinta edio, em 2005) e seu vigor utpi-

    co, ensejando o desenvolvimento de umasrie de proposies, experimentadas naprtica, tais como a democracia direta, agesto ambiental sustentvel, a economiasolidria, a autogesto.

    O COA (Comit Organizador doAcampamento), formado por cerca deuma dezena de jovens, acabou por seconstituir como um grupo que buscavaaprofundar esses eixos na experinciado acampamento. Este acontecimentonos revela como, ao contrrio de certaspercepes correntes, os atores juvenis,ou pelo menos boa parte deles, formula

    vnculos profundos entre as bandeirasconcretas, de resoluo imediata, e abusca mais geral de transformao. Poroutro lado, revela tambm que esta bus-ca de transformao contm diferenasde sentido, que resultam, s vezes, emfortes disputas a respeito dos modos defazer poltica.

    por outros atores.

    Demanda por circulao

    O exame mais atento da expresso das ques-tes juvenis permite perceber a qualificaode certas demandas que, se apresentadas de

    modo genrico, podem dar a impresso de jatendidas ou de encontrar uma formulaoconsensualmente estabelecida. o caso daeducao que, importante para todos os atoresjuvenis, expressa-se com distintas configura-es, referindo-se principalmente ao aumentoda escolaridade, possibilidade de acesso e

    permanncia na escola, e sua qualidade;mas que, dependendo do segmento, assumeuma formulao especfica. Para muitos jovens,configura uma demanda pela criao de alter-nativas de conciliao entre trabalho e escola(muito fortemente percebida entre jovens dotelemarketing); formulao que, no caso dos

    jovens cortadores de cana, para se concretizar,exige uma resposta que combine a alternnciada safra alternncia da migrao sazonal.Este um dos temas em que a capacidade deconsiderao das diferenas e desigualdadespara a concretizao universal de um direitoessencial parece mais necessria.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    15/62

    14 demoCraCia ViVa n 38

    n a C i o n a l

    Por outro lado, os reclamos e as deman-das que os(as) jovens tm apresentado comrelao ao trabalho (e a sua falta) expressamexperincias de explorao e injustias que po-dem iluminar o alcance profundo das regressesdesencadeadas pelo avano do neoliberalismo:nos casos que estudamos, fica evidente que a

    possibilidade de absoro dos(as) jovens pelomercado se fundamenta na superexploraodo vigor de sua fora fsica e mental, na suacapacitao para suportar as novas normas detrabalho, revelando os sentidos que termoscomo produtividade e competitividade podemadquirir nesse contexto. Por isto mesmo, osreclamos expressos por esses e essas jovenspodem agregar contedos s lutas sociais,podem ajudar a dar contorno definio dedireitos e afirmar a justeza de sua afirmao.

    No entanto, preciso dizer que nem

    todas as demandas apresentadas pelos jovensencontram igual ressonncia. Apenas algumasdelas so legitimadas enquanto outras perma-necem inauditas ou desqualificadas, tanto porparte de gestores do Estado como por partede outros atores da sociedade civil. Significaque no encontram respostas em termos depolticas pblicas e nem mesmo logram serincorporadas a pautas de fruns mais amplos.Assim, por exemplo, se educao uma ban-deira universalmente reconhecida, aparecendomesmo como o direito mais legtimo referidoaos jovens, e ensejando um investimento sig-

    nificativo no s de polticas pblicas comode aes as mais variadas na sociedade civil, odireito ao trabalho, e ao trabalho decente, oque encontra maiores resistncias, silncios edivergncias. Se as demandas dos jovens fos-sem levadas seriamente em considerao, porexemplo, seria maior o peso dado s respostasrelativas s suas condies de trabalho e dosseus direitos trabalhistas.

    curioso perceber que, paradoxalmente,uma das demandas que parece ter sido maislegitimada aquela por participao, que tem

    centralizado a atuao de muitos atores juvenis.Tm sido abertos espaos de participao parajovens em uma srie de instncias gerais (ca-deiras ou sees em entidades e estruturas dasociedade civil, como centrais sindicais, ONGs,fruns de movimentos sociais etc., assim comometodologias especficas para impulsionar asua participao nestas instncias). Tm sidocriados rgos de gesto para dar respostasde polticas pblicas especficas para jovens(secretarias, assessorias, coordenadorias, nosmbitos municipal, estadual e federal), assim

    como canais institucionais para incorporar aparticipao juvenil nesta gesto (conselhos,fruns, conferncias).

    Essa abertura, porm, contm limitesque permitem questionar o alcance e o sen-tido da participao. Embora seja ainda cedopara fazer avaliaes conclusivas, pois todo o

    processo muito recente, pode-se dizer que huma tendncia, tanto no plano governamentalcomo no da sociedade civil, a incorporar maisa participao colaborativa (na execuo daspolticas governamentais, ou nos projetos dasONGs) do que a participao na definio dasdemandas que devem ser respondidas.

    Na verdade, de modo geral, possvelpensar que h mais facilidade para incorporara participao dos jovens do que as demandasque eles e elas apresentam. importante tam-bm notar que muitos atores juvenis acabam,

    de certo modo, por se bastar nessa chave daparticipao, esquecendo, uma vez conquistadoo espao, de dizer a que veio, de insistir naexplicitao e incorporao de sua demanda ena cobrana da formulao de respostas. Umapista nesse sentido a de que as principaisdisputas e clivagens que se observam entre osatores juvenis no interior dos espaos pblicosrecm-constitudos acontecem muito maisem torno dos estilos de participao e modosde fazer poltica, em torno de como se faz aocupao do poder e a disputa por espao, doque em relao ao contedo das demandas e

    propostas de polticas.

    Possibilidades e entraves

    Em resumo, para esboar uma resposta sperguntas apresentadas no incio do artigo,pode-se dizer que as questes levantadaspelos(as) jovens podem, sim, enriquecer a pau-ta de direitos, visto que tm aparecido comonovas alteridades polticas, apresentando novasproblematizaes de questes, agregandocontedos, revertendo outros, reinterpretando

    o sentido da incluso social, e lanando novasformulaes sobre as exigncias de eqidade.Mas essa potencialidade se anuncia

    apenas como possibilidade, ainda sob a for-ma de interrogao, uma vez que pudemosobservar que apenas parte de suas questesacaba sendo, efetivamente, incorporada pautapoltica mais geral e que existem ainda grandesentraves para o processamento de um dilogomais consistente em torno delas.

    Nesse sentido, possvel dizer que aconstituio de um campo de polticas pblicas

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    16/62

    maro 2008 15

    * h Wab

    Scilga, crdenadra

    da esquisa n Brasil

    JoVens, direitos e suPerao da desigualdade

    para a juventude (com a instituio de aes,programas, organismos gestores e canais deinterlocuo pblicos especificamente cons-trudos para a formulao e execuo destasaes) pode representar um fator positivo nesteprocesso: menos porque se esteja respondendode fato s demandas na forma de polticas quegarantam o cumprimento dos direitos (dimen-

    so em que ainda h muito por avanar), masporque ajudam a criar as possibilidades denomeao pblica das necessidades e a instituira cobrana dos direitos.

    Este debate pblico, por mais problemasque enfrente, representa a possibilidade de ul-trapassar o modo pelo qual o tema se constituiuno Brasil (a perspectiva do atendimento pontuale emergencial no atendimento das carnciasvinculadas ao risco, que caracterizou a aodas entidades da sociedade civil, na urgnciade produzir respostas possveis) para instalar

    o reconhecimento dos direitos como medidade negociao e deliberao das polticas queafetam a vida de todos.3 Possibilidade que noest assegurada. Depende de que, nos espaosem que se debatem e definem as polticas,possa-se configurar a noo dos direitos quedevem ser garantidos por meio de polticaspblicas universais; que o debate sobre as

    demandas se aprofunde; que os atores juvenisque participam desses espaos no esqueamos reclamos das mobilizaes que os institu-ram como sujeitos polticos; que os gestores eoutros atores da sociedade civil se abram parauma interlocuo que no desqualifique suasdemandas de antemo.

    3 Telles, Vera. 1999.Sociedade civil e espaospblicos: os caminhos(incertos) da cidadaniano Brasil atual. In Direitossociais: afinal do que setrata? Belo Horizonte, EditoraUFMG, p.163.

    SAMUELTOSTA

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    17/62

    e n t r eV i s t a

    16 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r eV i s t a

    e n t r e V i s t a

    Revolta Feminina, essas duas palavras podem traduzirum pouco do enigma por trs da jovem Janana Oliveira:

    feminista, rapper, cineasta, realizou a proeza de produzirum documentrio com apenas R$ 5 mil para darvisibilidade atuao das mulheres rappers. Rap de saiateve repercusso nacional e internacional. Universitria

    pelo ProUni (Programa Universidade para Todos), a favor das cotas, critica o ensino privado eseu prprio curso: Tenho questionamentos

    muito fortes com relao publicidade, ela estmassacrando o nosso povo.

    Nascida e criada na Baixada Fluminense regiopobre e violenta do estado do Rio de Janeiro ,Re.Fem utiliza a lngua afiada e o apurado sensocrtico para levar ao seu pblico, jovense mulheres negras de periferias, informaesqualificadas sobre direitos, deveres, poltica,famlia, sade, sexo, drogas.

    Uma das organizadoras do Enjune (EncontroNacional da Juventude Negra) e, agora,

    do Frum Nacional da Juventude Negra,avisa que pretendem lanar este ano umacampanha contra o genocdio dapopulao negra. Se a sociedade nonos protege, as polticas pblicas nonos protegem, vamos nos proteger unsaos outros porque estamos morrendo emmassa. A continuar assim, daqui a algunsanos, quais sero os adultos, homensnegros, que teremos? Essa galera estsumindo do mapa, isso grave e umproblema nosso, enfatiza.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    18/62

    setemBro 2007 17dezemBro 2007 17maro 2008 17

    Democracia Viva (DV) Quem Janana Oliveira, quando e ondevoc nasceu?Re.Fem No falo a data do meu nasci-

    mento h muito tempo. Parei de contar aos 15anos de idade. Minha famlia toda de Duquede Caxias, do 3 distrito, Imbari e Parada An-

    glica, eu tambm nasci ali. Sou a mais velhade quatro irmos. Meus pais so separados.Meu pai ex-metalrgico desempregado, comoa maioria dos metalrgicos no Rio de Janeiro.Minha famlia muito matriarcal, as mulheresso a espinha dorsal da famlia, educam osfilhos, trabalham, comandam tudo.

    Algo comum na Baixada, mas no s l, etambm entre as famlias negras, que os ho-mens saem de casa e deixam as mulheres comos filhos. Na minha famlia, no foi diferente.Minha me me criou para ser totalmente inde-

    pendente. Se um dia casar, tiver um marido efor feliz, timo. Seno, vou conseguir ter meusfilhos numa boa. Minha me construiu a casaonde a gente mora, tambm participei desseprocesso de construo, ela ensinou as filhasa fazerem de tudo.

    DV Ela trabalha fora?Re.Fem Minha me faxineira. Desde os

    15 anos de idade, trabalha em casa de famlia.Minhas duas avs e tias tambm. Da minhafamlia, tanto materna como paterna, sou aprimeira pessoa a ir para uma universidade,consegui uma bolsa pelo ProUni1 e estou estu-

    dando Publicidade e Propaganda. Depois, pre-tendo fazer Jornalismo e, quando estiver maisvelha, Filosofia, porque isso no d dinheiro,n? Preciso sustentar minha famlia.

    DV Por que voc no gostade revelar a idade?Re.Fem Hip hop uma cultura muito

    juvenil, apesar de j estarmos com uma geraodos 30. Temos muitas referncias nessa faixa.Mas tem tambm uma galera mais velha, dos40 ou mais, do Charm, que veio do movimentoBlack Power nos anos 70. Parei de falar a idade

    porque antes, quando falava, as pessoas diziam:Parece que voc tem 17 anos, Ah, voc noaparenta a idade que tem. A, resolvi: j queningum acredita, vou ficar nos 15 anos, pretono aparenta idade, timo, a gente fica velhae ningum percebe.

    DV Mora com sua me?Re.Fem Moro, queria muito morar so-

    zinha, ter minha casa, mas a nossa estruturaatual no me permite. Tenho planos de, no finalde 2008, ter a minha prpria casa, apesar deadorar minha me. Morei a vida toda nessa

    casa, nunca me mudei. Os filhos vo casandoe fazendo casa no quintal da minha av, ondevivemos todos juntos. Para fazer festa, noprecisa convidar ningum, s a famlia basta. um quintal grande, tem de tudo, se quiserbrigar, l mesmo; se quiser rir, tambm. Issopara mim foi muito importante.

    DV Estudou perto de casa?Re.Fem A escola que estudei a vida toda

    fica na esquina da minha casa. Sempre fuiinteligente, nunca precisei estudar para fazerprova, eu pegava a explicao de primeira e,depois, s ficava fazendo baguna, atrapalha-va toda a turma. At hoje, as professoras selembram de mim.

    A rua onde moro a mais movimentada dobairro, tem muita criana brincando de jogosde rua. Minha vida foi assim, muita pipa, bolade gude. Fui acostumada na rua porque minha

    me ia trabalhar e, como irm mais velha, tinhaque cuidar dos meus irmos. Ela deixava tudopronto: comida, mamadeira para os mais novos.Era s esquentar e sair para a rua. Essa criaode rua me ajudou, nunca tive medo de homem.Brigava por causa de pipa, de bola. At hoje,meus melhores amigos so homens.

    DV Essa vivncia foi importantepara seu ingresso no hip hop?Re.Fem Sim, na cultura hip hop a maioria

    homem e as mulheres tm dificuldade deentrar. As brincadeiras dos meninos so semprena rua. E as meninas, dentro de casa, protegi-

    das, ajudando a me. Quando essa menina sedepara com uma cultura de rua, uma culturamarginal, e no fcil lidar com os caras, muitasdesistem, tm dificuldades porque no tiveramessa vivncia.

    DV Quando comeou a tercontato com a cultura hip hop?Chegou a freqentar baile funk?Re.Fem Meu contato com a cultura hip

    hop comeou em 1998, foi bem tarde, j eraadolescente. Fui funkeira, sim. Todos os rappersno Rio de Janeiro passaram pelo baile funk. O

    funk dos anos 90 era maravilhoso, era como ohip hop hoje, as letras eram conscientizadas.Eu s quero ser feliz uma letra de protesto, um hip hop com jeito do Rio de Janeiro, aquias pessoas so mais livres e isso se reflete namsica funk.

    Estava com 14 anos quando minha me medeixou ir ao baile funk pela primeira vez, fuicom um primo. Era funkeira mesmo, de botarshortinho curto, puxava o bonde, freqentavatodos os bailes. Tinha que estar em casa atmeia-noite, se chegasse um minuto atrasada,

    1 Criado pelo governobrasileiro em 2005, o ProUniconcede bolsas de estudosem universidades, integraisou parciais, a estudantes debaixa renda.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    19/62

    18 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r e V i s t a

    ficava um ms sem sair. O funk para mim uma cultura muito importante que no deveriase perder. S lamento que o contedo do funkhoje esteja perdido.

    DV Perdido em qual sentido?Re.Fem No se trata dessa hipocrisia de

    dizer que funk s fala sobre sexo. Sexo bom,

    a galera tem que fazer sexo mesmo. S quenenhuma msica funk fala de preveno. Ficargrvida uma beno, quem dera que todosexo que se fizesse sem camisinha resultasses em gravidez. O negcio o suicdio, e agalera est se suicidando em massa fazendosexo dessa maneira. Alm de agredir o corpode muitas meninas novas.

    DV Acha que est havendo sexoprecoce?Re.Fem Sim, as pessoas so induzidas.

    Uma menina de 13 anos falar para as amigas

    que ainda virgem um escndalo, no socialmente aceito. Para o menino ento, pior. S que isso se torna uma agresso aocorpo. Meu primeiro beijo foi aos 15 anos, efoi forado. Todas as minhas amigas j tinhambeijado e eu falava que beijava muito. Um dia,as meninas falaram: voc no diz que pegatodo mundo? Agora vai ter que ficar. Tive queficar com o cara, foi uma experincia horrvel,no tinha nada a ver com o beijo da TV. Minhaexperincia sexual s aconteceu depois de 20anos de idade. Mas o prazer sexual mesmo sfui sentir mais recentemente. O que acontece

    com essas meninas que comeam a transarcom 10, 11 anos? Elas no sentem prazer. Jconversei com jovens que tiveram iniciaosexual cedo e elas disseram que no sentiamprazer sexual de verdade no incio. Isso umaagresso ao corpo dessas meninas, como falarisso para elas?

    DV Participa de algum projetonesse sentido?Re.Fem Atualmente, participo do Frum

    de Jovens Negras do Estado do Rio de Janeiro efalamos muito sobre sexualidade. A idia no

    impedir as meninas de fazer sexo, por isso digoa elas: sexo bom, se seu corpo est pedindo,se for o seu momento, tudo bem, mas aindano ser aquela parada. Voc s vai descobrira parada mesmo depois, quando seu corpoamadurecer.

    DV No seu caso, o que ajudou:orientao familiar, informao?Re.Fem Demorei para comear a namorar

    e para fazer sexo por conta da educao querecebi. Minha me sempre conversava comigodepois que fiquei menstruada e quando co-

    mecei a freqentar os bailes. Dizia que sexo bom, mas que se ficasse grvida ou doente,a responsabilidade seria minha, que ela nopoderia ajudar. Da mesma forma, falou sobreas drogas, os prazeres e as seqelas que tra-zem. Imagina se eu ia querer responsabilidadequela altura da vida? No bebo, no fumo,

    nunca usei drogas, nunca tive vontade nemde experimentar maconha. Quando fiz sexo jtinha terminado o segundo grau, estava numaidade em que poderia resolver meus problemas,estava preparada.

    DV Sua me falou sobre usoda camisinha?Re.Fem Quando comeamos a conversar,

    l pelos meus 13 anos, anos 90, ningum tinhamuita informao sobre uso da camisinha e decomo se contraa o vrus da Aids. At hoje, aAids um tabu na Baixada. Cheguei a transar

    sem camisinha, isso muito perigoso. Antes,tomava plula. A presso dos caras grande,a maioria no quer usar camisinha. Por isso,resolvi parar de tomar plula, assim no teriacomo fazer sem camisinha. Converso muitocom as meninas do projeto a esse respeito. Amaioria acha que porque virgem, no temcomo pegar nada, mas esquece que o carano mais virgem, j teve outras experincias.

    DV Pretende um dia ser me?Re. Fem Sim, quero ter seis filhos, parir

    trs e adotar trs. Quero chegar no orfanato eadotar os mais velhos, dar oportunidade, dar o

    que a minha me pde me dar. Minha me nome deu tnis ou roupas de marca, danoninho,sucrilhos. Ela me deu oportunidade de estudar.Sempre dizia: Voc s vai trabalhar depois queterminar o segundo grau. A gente pode atpassar fome, mas voc no vai parar de estudar.Depois, disso, pode ser o que quiser. Quero daressa mesma oportunidade para meus filhos.

    DV Quando surgiu seu gostopela msica?Re.Fem Minha famlia muito musical.

    Minha me era passista e meu pai era ritmista

    de escola de samba. A famlia inteira manguei-rense. Lembro que, ainda pequena, j danavagafieira. Jovelina Prola Negra algo de que melembro muito, de ter sempre os vinis tocando,samba, churrasco, aquela coisa de famlia. Temtambm o lado das msicas religiosas, de igrejae do candombl. Depois, veio o funk e penseiem ser cantora. Tinha uns concursos, mas emgeral eram de funkmelodye no gosto de ficarcantando msica de amor, no queria isso.

    Em toda a minha trajetria, sempre fuirebelde, crtica, questionadora, brigava. No

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    20/62

    setemBro 2007 19dezemBro 2007 19

    re.Fem

    maro 2008 19

    segundo grau, tive aula de Filosofia, foram sseis meses, mas a partir da, comecei a organizarmelhor meus pensamentos. Percebi que noprecisava ser revoltada e passei a ver maneirasde questionar sem agresso. Queria falar sobreo que estava acontecendo e no achava umaforma. A, resolvi cantar rock. Mas como montar

    uma banda com toda aquela infra-estrutura?Eu no conhecia ningum.

    DV Mas voc ouvia rock?Re.Fem Sim, adorava. Ouvia Raimundos,

    Planet Hemp, gostava de punk rock, semprenacional, no gosto de msica internacional.Comecei a ouvir os Racionais MCs, era umamsica pesada para quem estava acostumadacom o batido do funk e com o ritmo danantedo rock. Mas era legal, e pensei: isso queeu quero. Mas onde tem hip hop? Tenho umprimo muito louco, com uma boa situao

    financeira, ele foi o primeiro da famlia a tercomputador com internet em casa. Por isso,sempre teve bom acesso s informaes. Eleme levou primeiro para o baile charme emMadureira, depois comeou a curtir hip hop, eeu fui acompanhando.

    DV E voc se identificoude imediato?Re.Fem Eu achava chato porque no tinha

    mulheres, era um bando de homens com carafeia, ningum ria. As raras mulheres se vestiamigual homem. Era um clima pesado Mas amsica me atraiu e comecei a pensar que dava

    para fazer aquilo de outra forma.DV Foi a partir da que comeou afazer rap?Re.Fem Conheci os grupos aos poucos.

    Era a nica menina que andava no meio doscaras. Em fevereiro de 2000, eles fizeram umevento perto de casa e resolvi cantar porqueno havia mulher cantando. O nico show commulheres que tinha visto foi o da Anfetaminas.Achei legal, mas no era um hip hop como odo Racionais MCs e no atingia as meninas dasperiferias. Depois, conheci o Negativas, gostei

    muito, s que ainda no tinha visto mulhercantando na Baixada, e olha que a Baixada grande. Foi a que resolvi. Sempre achei que amulher tem que estar presente em tudo, serprotagonista. No admitia que no houvessemulher na cultura hip hop da Baixada. Assim,fiz uma msica que falava de poltica, foi aprimeira que fiz.

    DV Apresentou-se como Re.Fem?Pode falar sobre a escolhadesse nome?Re.Fem Sim, Re.Fem significa Revolta

    Feminina. Revolta veio dessa necessidade de

    precisar falar para as pessoas o que est acon-tecendo, o que me incomoda, que tinha quecausar revolta no povo. E Feminina porque,quando entrei, as mulheres pareciam meninos.Por isso, fiz questo de cantar de saia, brinco,maquiagem, igual a uma menina, feminina mes-mo. E fazer os caras me respeitarem por isso.

    A princpio, era para ser um grupo de meni-nas, eu, minha irm, minha prima e uma amiganossa, estilo charm. S que, uma semana antesdo show, elas mudaram de idia, ficaram comvergonha de cantar. Eu subi no palco sozinha,

    cantei essa msica e um amigo me deu outrae fiz uma adaptao. Foi muito legal, geralgostou. De l para c, passei a cantar emmuitos lugares.

    DV Voc escreve s as letras oufaz tambm os arranjos musicais?Re.Fem Eu crio as letras e ajudo a criar a

    base musical, por enquanto tudo eletrnico,com DJ, mas pretendo ainda cantar com per-cusso, eu adoro. Minha interferncia vai nosentido de dizer como eu quero essa base, tudo muito variado, s vezes utilizo um pouco

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    21/62

    20 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r e V i s t a

    de samba, mas o que predomina techno. Nas

    prximas produes, quero incluir bases maisbrasileiras, regionalizar, no s samba, masoutros ritmos.

    DV Tem inteno de lanar umCD?Re.Fem J gravei vrias coletneas, esto

    disponveis na internet, mas no tenho vontadede gravar um CD s meu, solo. O que querocom o hip hop que as pessoas escutem asminhas msicas, que elas tenham acesso livre,no quero comercializar essa informao, essanunca foi a minha inteno. Quero que as mi-nhas msicas cheguem at as pessoas, quem

    quiser, pode baixar na internet e gravar umCD copiando do computador, no quero viverdisso, quero viver de cinema. Hip hop para mim mais ativismo.

    DV Voc comentou que asmsicas religiosas tambm foramum estmulo para gostar demsica. Sua famlia religiosa?Re.Fem Atualmente, na minha famlia,

    todos tm uma religio s, evanglica. Masantes, era misturado. Tinha os sem religio,minha bisa era evanglica e, da famlia do meu

    pai, todos eram de religio de matriz afro. Tivemuito contato com esses meios. Quando estavacom 7 anos, minha av entrou para a igrejaevanglica e passou a me levar. Achava muitolegal, cantava no coro e fui ficando. At hoje,estou l. Minha igreja chama-se Remanescentesde Israel, tem poucas no Brasil, uma misturada religio judaica com a protestante. Toda aminha famlia materna pertence a essa religio,a famlia paterna pertence Assemblia deDeus.

    Ter uma religio muito importante, seja

    qual for, temos que ter um sagrado. Porque temalgumas coisas que no tm respostas, e legalque seja assim, mas a buscamos conforto nareligio, no que voc acredita acima de tudo.Tenho o maior prazer em estar na igreja. Odirigente sabe que canto hip hop, que se tiverque ir em um terreiro falar com a galera, irei.

    No pratico religio de matriz afro, mas estoucom eles, pois h um preconceito, um dio emtorno das religies de matriz africana, e eu asdefendo. Essas religies so superimportantespara contar a nossa histria. Por isso, se tiverque acampar em um terreiro para evitar umadesocupao, farei isso.

    DV J teve alguma experinciadesse tipo ou participou dealgum movimento contraremoo de favelas?Re.Fem Diretamente no, participei de

    movimentos de ocupao de prdios paramoradia na Central. A idia de remoo defavelas muito complicada. A galera nasceu efoi criada naquele bairro, muitos na zona sul,foi acostumada assim, e agora vai ser enviadapara onde? Para Sepetiba, Seropdica, paralugares sem a menor estrutura? desumanoe contra os direitos daquelas pessoas, elas jteriam o direito pelo tempo de uso da terra. Sea grande preocupao que as favelas estocontribuindo para o desmatamento, que ogoverno construa prdios populares, mas namesma rea. importante discutirmos isso, e

    mais ainda que as pessoas que moram nas fa-velas falem sobre isso, discutam com o governo.

    DV Seu rap a favor do aborto nocriou problemas na igreja?Re.Fem Na minha igreja, ningum vigia

    ningum, cada um tem seu livre-arbtrio. Noadianta julgar ningum, quem nos julga Deus.Se algum quiser fazer um aborto, ningum temdireito de mandar no seu corpo, o que falo namsica, preciso ter informao. Graas a Deus,nunca fiquei grvida, nunca precisei decidirse faria ou no um aborto, mas se precisasse

    fazer, no teria problema com minha religio,seria uma deciso minha, com Deus e com meucorpo. O legal respeitarmos nosso corpo, que um templo, o que fizermos de errado, paga-remos. Quando voc fuma, bebe, est matandoaquele templo. Mas nada precisa ser proibido,basta a reflexo pessoal de cada um.

    DV Nas suas msicas, nose percebe amargura, violncia,sofrimento, como freqente emmsicas desse gnero. Por qu?Re.Fem Qual famlia, qual lugar no

    H

    ip

    Hip Hop 2000Este an an de eleiE vai ter um ltic aertand a sua mTe dizend que iss tud vai mudarQue vai ajudar a Baixada a se levantar

    Mas n acredite, meu amigIss cnversaEsse cara t querend lhe regar uma eapis se ganhar as eleies, ele vai sumirE tud que ele disse n vai cumrir.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    22/62

    setemBro 2007 21dezemBro 2007 21

    re.Fem

    maro 2008 21

    um inferno? Onde moro, at hoje no umlugar fcil. Caxias j foi conhecida como terrade matador. At h pouco tempo, dizer queera morador de Caxias era para no arrumaremprego em lugar nenhum.

    DV Voc e sua famlia passarampor alguma experincia violenta?

    Re.Fem Tinha mais violncia familiar,domstica. Isso muito forte porque todosos homens eram alcolatras e agrediam asmulheres, no fisicamente, mas muito psi-cologicamente. Meu pai no chegou a baterna minha me. Mas sempre teve a agressopsicolgica, isso foi muito forte. Por ser maisvelha, vivenciei situaes desse tipo e tinha quefazer a mediao para no ter briga.

    Nossa vida no foi fcil. Tambm j passeifome. Lembro de, ainda pequena, chegar nacasa de vizinho com bilhete pedindo comida.

    Minha escola era fodida, quase no tinha pro-fessor. Enfim, a gente s tinha dinheiro, muitomal, para comer. No tivemos acesso a muitascoisas e na ida para a escola, muitas vezes,tive que atravessar corpos furados de balas.Mas minha me nos ensinou que todo mundopassa por coisas ruins, apenas as situaes sodiferentes. Ningum no mundo tem uma vida100%. Mas se tornarmos isso maior que ns,no andamos.

    No tenho porque jogar isso na cara dagalera que j tem essa vivncia. Quero mostrarpara as meninas e jovens das comunidades que

    h como sair, que h alternativa, que tem comofazer sua vida ficar melhor, tem uma maneirade revolucionar o seu meio, ento, coloco nasmsicas. O mundo somos ns que fazemos.

    DV Enfocar a questo da violnciana msica no seria uma formade acabar com a naturalizaoda violncia nas favelas, pressionara elite e o governo?Re.Fem A elite e o governo no escu-

    tam rap. No quero levar isso para o pblico,quero levar outro tipo de mensagem, passar

    uma viso que tambm no a da festinha,vamos rebolar a bunda e mostrar os peitos. Etambm no quero mostrar s sangue, sangue,sangue. Quero mostrar que a comunidadeno apenas sofre. Tem sofrimento sim, todomundo sofre, mas no s isso. A gente nopode desmerecer a alegria do nosso povo. Noestou dizendo que para vender aquela idiade po e circo, como a prefeitura do Rio faz,acontece um problema, j bota um show nacomunidade, no isso. Sofrimento o que agente tem, vamos buscar outra coisa, trata-se

    de reconstruo o tempo inteiro.DV Vrios rappers se apresentamcomo porta-vozes de suascomunidades. o seu caso?Re.Fem No, periferia periferia em

    qualquer lugar. Quero falar para todo mundo,no quero me guetizar, se fao isso, uma pessoa

    de outra comunidade, comandada pela milciaou por uma faco diferente, talvez no possatocar as minhas msicas. Sabemos que issopode acontecer, prefiro fazer algo universal.

    DV O rap no seria uma formade quebrar essas barreiras?Re.Fem Com certeza, acredito nisso, tanto

    que vou a todo lugar. Mas algumas bandeiras euno quero carregar, no acho que deva carregara bandeira de Parada Anglica.

    DV E a bandeira dos(as) jovens,voc quer carregar?

    Re.Fem Meu foco est muito voltado paraa mulher negra, para a juventude empobrecidae para questes raciais. Muitas vezes, sou con-vidada a fazer parte de organizaes nacionaisde hip hop e no aceito. Prefiro estar disponvelpara qualquer uma das organizaes que pre-cisar. Tenho uma relao muito prxima comas ONGs de mulheres negras, mas so vnculoslivres. Minha atuao vai mais no sentido daafirmao dessa mulher e de como ela est sevirando em meio a esta sociedade catica ecomo podemos conviver melhor com tudo isso,cobrando aes e polticas.

    DV E o que deve ser cobradoe de quem?Re.Fem Na msica que canto sobre reli-

    gio e informao, cobro o direito ao prpriocorpo da mulher, que ela tenha direito de deci-dir. possvel fazer cobranas pontuais, cobrarnossos direitos de forma mais geral, o direito cidade, o direito ao nosso corpo, o direito deir e vir com segurana, direitos que sabemosque esto violados. E, geralmente, quem sofremais com essas violaes so a juventude e apopulao negra que est nas periferias.

    Quanto a quem cobrar, em alguns casos,temos que cobrar de ns mesmos, alguns pro-blemas so conseqncias das nossas prpriasaes. Temos que fazer uma reflexo e cobrarde quem deve ser cobrado, seja do poder local,seja da comunidade, seja de quem for. Nasminhas msicas, estimulo o pblico a olharpara si mesmo, a se repensar, para depois olharpara fora.

    DV De onde vem a suaformao poltica?Re.Fem Nunca fui muito incentivada

    a ler, estou fazendo isso mais recentemente

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    23/62

    22 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r e V i s t a

    para buscar outros conhecimentos. Mas ohip hop me abriu uma srie de caminhos. Oacesso informao vem tambm do fato deque, em minha famlia, sempre conversamos.Por ser faxineira, minha me teve vrios tiposdiferentes de patres, juiz, diretor de cinema,roteirista. Ela conversava com essas pessoas edepois com a gente.

    Sempre fui uma pessoa mais de audiovisual,gostava de assistir a reportagens e a todos osshowmcios que aconteciam na comunidade.

    Justamente na hora do discurso, quando mui-tos saam fora, eu ficava l, prestando atenono que os polticos falavam. A cultura negra mais audiovisual, muito oral. Enquantotranava meu cabelo, minha av contava ashistrias da famlia, e eu questionava muito.Na escola, questionava o que estava nos livros,principalmente os de Histria, discutia com osprofessores.

    DV Considera-se uma artistaou uma ativista?Re.Fem Hip hop o ativismo artstico, as

    duas partes no se separam. Procuro sempreincluir isso no meu dia-a-dia. O hip hop ajudoumuito na minha identificao como negra ecomo feminista, de buscar conhecimento paralevar s pessoas, trabalhar com outros jovens.Passei a estudar e a ler mais. O hip hop me deuuma profisso, foi por causa disso que conseguimeu primeiro emprego.

    Ter a pele mais clara numa famlia de ne-gros, a gente se torna branca. At hoje, meupai me chama de branca. E tinha aquela coisade limpar a famlia, de casar com um branco

    para poder clarear mais a famlia. Agora, brigomais com a minha famlia em relao a isso.Explico a eles que, independente do tom depele, se minha me e meu pai so negros, sounegra tambm. Se minha av negra, sou ne-gra tambm. Na famlia do meu pai, todos sonegros, descendentes diretos de escravizados. E

    na famlia da minha me, meu av angolanoe minha av branca. Sou muito mais negrado que branca e passei a ter orgulho disso.

    DV Voc uma das organizadorasdo Encontro Nacional da JuventudeNegra, Enjune, certo?Re.Fem Sim, o ponto de partida dessa

    iniciativa foi a Marcha Zumbi+10, realizadaem Braslia, em novembro de 2005. Os jovensque saram dessa marcha resolveram organizaro Enjune porque, muitas vezes, so realizadasmobilizaes do movimento negro e a juventu-

    de participa de forma dispersa, a gente no searticula. Temos uma Secretaria da Juventude nogoverno, mas a juventude negra no est sendocontemplada por essas aes. Ainda estamosmorrendo, estamos fora das escolas, desem-pregados, no temos bom acesso sade. Porisso, resolvemos organizar esse encontro, paraconversar com jovens de todo o Brasil.

    DV E qual foi o resultadoda iniciativa?Re.Fem Primeiro, foram feitos encontros

    estaduais e regionais, onde tivemos oportuni-dade de discutir sobre tudo: sade, educao,

    cultura, violncia. Em cada estado, foi elabo-rado um documento, apresentado em julho de2007, em Salvador, em um encontro nacionalcom cerca de 700 jovens. Assim, decidimosmontar uma campanha,que esperamos lanareste ano, contra o genocdio da populaonegra. E, at maio, vamos lanar o FrumNacional da Juventude Negra, que vai discutirpolticas pblicas para essa juventude. Mastambm quer fortalecer as aes de empode-ramento da juventude negra que so realizadasdentro das suas comunidades. Se a sociedade

    no nos protege, as polticas pblicas no nosprotegem, vamos nos proteger uns aos outrosporque estamos morrendo em massa. A con-tinuar assim, daqui a alguns anos, quais seroos adultos, homens negros, que teremos? Essagalera est sumindo do mapa, isso grave e um problema nosso.

    DV O que pensa sobre aoafirmativa?Re.Fem Muitas pessoas falam que no

    certo, no acho que deveramos ter chegadoa isso, mas no tem jeito. So 120 anos de

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    24/62

    setemBro 2007 23dezemBro 2007 23

    re.Fem

    maro 2008 23

    esquecimento. Para os estrangeiros que vinhampara c, o governo dava terra, emprego, e paraa negrada que j estava aqui, com famlia, cul-tura, no dava nada. Minha av tem memriasde tios que trabalhavam em uma fazenda comoescravos, a me dela nasceu oito dias depoisda Lei do Ventre Livre.

    As aes afirmativas so um erro porquevieram muito tarde, a sociedade j estava es-truturada, o poder j estava nas mos de umaminoria tnica. Mas infelizmente, j que issono foi feito na poca da Abolio, precisoque seja feito em algum momento, e parabnspara o governo que o fez. Temos que abraaressa iniciativa. Se o poder no foi divididonaquela poca, ter que ser dividido agora, seno for de boa vontade, ter que ser por lei.No estamos pedindo nenhum favor, umaquesto de direito.

    DV O sistema de cotasnas universidades pblicas uma soluo?Re.Fem Sim, temos direito de estudar,

    ainda h um apartheideducacional. Na escolapblica, eu no tive aula de Qumica, Fsica,Biologia e aprendi pouco de Histria. O que seifoi por esforo pessoal e da minha me, quetrazia livros dos filhos da patroa dela para queeu estudasse com um material melhor. At hoje,as escolas pblicas funcionam de um jeito parano irmos a lugar nenhum.

    tambm muito, muito cruel a universidade

    pblica ser para quem pagou a vida inteira parater informao, e ns, que viemos da escolapblica, no temos acesso a uma parada que,por direito, nossa. Pode at no ser as cotas,mas que exista uma lei para que todas as pesso-as oriundas de escolas pblicas tenham acessodireto faculdade. E quem tem dinheiro, paguepara estudar. Sou bolsista do ProUni e tive queestudar muito para conseguir uma vaga em umauniversidade privada.

    Deveria haver tambm cotas nas empresasporque tem a galera que conseguiu se formar,

    mas e da ter o diploma na mo se o mercadode trabalho to fechado? Tem que meter op na porta, sim; temos que comear a refletire apoiar porque, infelizmente, quem veio antesno fez isso. Vai doer? Sim, mas temos quefazer essa diviso de poderes.

    DV O que voc mudaria noProUni?Re.Fem O ProUni iria melhorar se fun-

    cionasse para entrarmos nas universidadespblicas. Porque nas universidade privadas,a qualidade de ensino, a oportunidade que o

    aluno tem de pesquisa, de fazer uma boa mono-grafia, no boa. Percebo uma atitude largada,um desinteresse dos alunos, eles so alienados,no tm muita viso de mercado, no percebema importncia do que esto aprendendo. Quempaga a prpria faculdade, tem compromisso,mas quem pode contar com pai, av, famlia

    para pagar, tem outra postura. Os professoresatendem bem se o aluno buscar, correr atrs,seno... eu estou aprendendo porque queromuito aprender.

    DV E quando o governo paga,so mais responsveis?Re.Fem o meu caso. Tenho mais res-

    ponsabilidade porque sempre quis fazer facul-dade, sempre gostei de estudar e essa umaoportunidade nica. Tiro as melhores notas dasala, minha menor nota 8. No tenho muitocontato com outros alunos do ProUni da facul-

    dade onde estudo, mas no geral, percebo que uma galera muito esforada.DV Como conseguiu seu primeiroemprego?Re.Fem Foi quando comecei a cantar. Fui

    convidada por um amigo a participar de umseminrio sobre hip hop para conhecer a galera

    Pelo

    s

    meus

    Pelos meus filhospels meus filhs, fa guerra,

    desacat autridadesAmr de me a lei de verdade

    pels meus filhs, dizim cidades,invad rdis, desacat autridades,

    fa asseata n mei da cidadeSu caaz de qualquer ti de maldade

    And quilmetrs e milhas, submntanhas e trilhas, atravess cntinentesFa guerra cm seus descendentes

    Arrancaria tds s meus dentesN meu cabel, n assaria ente

    pels meus filhs, nad mares e ris,arrebent crrentes e trilhs

    Arrancaria minha eleara que eles n sintam fri

    pels meus filhs.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    25/62

    24 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r e V i s t a

    do Rio. At ento, s lidava com a galera daBaixada. Eles estavam formando a ONG CEACH2(Centro de Estudos e Apoio Cultura Hip Hop)e , no final, virei uma das coordenadoras, eraa nica mulher na coordenao. As reuniesaconteciam na Lapa, no Emprio 100. Essemesmo lugar era a sede da ACRAA (Associao

    de Comerciantes do Rio Antigo e Amigos), queorganizava a Feira do Rio Antigo, na Rua doLavradio. Eles estavam precisando de uma se-cretria e eu tenho essa formao, ser secretriaera um sonho de criana. Trabalhei l durante 1ano, foi meu primeiro emprego. Depois, entreipara a Cufa, quando ainda estava no incio.

    DV Voc no mora em favela,mas em uma periferia. Assimilabem o nome Cufa (Central nica deFavelas)?Re.Fem Vejo favela como todas as peri-

    ferias, o nome favela perifrico. A galera daBaixada, que est muito longe do centro doRio, mora muito mais na favela do que quemest nas favelas da zona sul.

    A experincia com a Cufa no incio foi muitoboa, entrei em 2002 e pude ter contato comum pessoal que se assumia como negro mesmo.Tive oportunidade de trabalhar em programade rdio. E quando apresentava o programa nardio Viva Rio, participei do curso de criaode documentrio para rdio em que os profes-sores eram figuras como Joo Moreira Salles eEduardo Coutinho. Foi assim que me apaixonei

    por cinema. Empolgada, fiz um documentriopara rdio que falava sobre o meu quintal.Nem tinha roteiro, peguei um gravador e fuicontando histrias que acontecem l, gravei ossons do galinheiro, do cachorro, da minha avcapinando, as crianas, brigas.

    DV E depois disso, foiestudar cinema?Re.Fem Sim, logo depois, veio o curso de

    audiovisual e cinema, com os professores Mi-guel Vassi, ex-coordenador do Ns do Cinema,e depois com Rodrigo Savastano e Bernardo

    Oliveira. Participei da primeira turma, antes daCufa comear a crescer. Quando a organizaocomeou a crescer, aconteciam coisas que melevaram a questionar, e quando me deparocom questionamentos sem respostas, prefe-rvel sair. Assim, sa da Cufa em 2003. E com aajuda dos professores, que tambm saram, ede alguns alunos, comecei a correr atrs pararodar o documentrio Rap de saia.

    DV Como foi essa experincia?Re.Fem A idia inicial era rodar o docu-

    mentrio dentro da Cufa. L, tinha toda a infra-

    -estrutura, ilha de edio, equipamento, umaequipe excelente. Mas queria saber se realmentetinha aprendido e conseguiria criar sem ter todaessa estrutura. E consegui. Escrevi um projeto,fiz o roteiro do filme e enviei para SAAP/Fase,solicitando uma verba s para produo, con-segui R$ 5 mil. Convidei a galera que estava

    fazendo o curso comigo para participar. Foiuma experincia incrvel, aprendemos juntos.

    DV Qual seu objetivo como documentrio?Re.Fem Fiz o filme para dar visibilidade

    s mulheres da cultura hip hop. Entrevistamostodas as rappers do estado do Rio de Janeiro,mas sei que existem vrias em outros estados.O mais difcil foi achar essas meninas. Quandocomecei a cantar, no tinha essas referncias. Apartir da pesquisa realizada no livro Acorda, hiphop, consegui os primeiros contatos. Algumas

    eu s conheci no dia da entrevista mesmo. Entregrupos e artistas-solo, foram 20 personagens,fora as mes. Fiz questo de incluir as mes nofilme porque elas tm um papel importante nanossa vida.

    DV O que h em comum nasmes que apiam as filhas a seremrappers? E o que leva a famlia ano apoiar?Re.Fem Entre as mes que apiam, per-

    cebi que todas so amigas das filhas, tm umdilogo bom e participam da vida delas, soativas. As mes que so contra tm medo que

    as filhas no tenham como se sustentar comesse trabalho, que parem de estudar, que notenham uma profisso certa. No meu caso,consegui provar para minha me que hip hoppoderia me abrir caminhos, e abriu.

    DV Imaginava que o filme teriatanta repercusso? Qual o prximopasso?Re.Fem O Rap de saia foi uma experincia

    muito forte, s recebi crtica positiva e umagrande demanda de trabalho tambm. O lan-amento foi em julho de 2006. Mas em 2004,

    antes de darmos o trabalho por terminado, oscopies do filme comearam a ser exibidos, apedido das pessoas. Foi exibido no Festival doRio, em um evento de aniversrio da FundaoPalmares, em festivais na Sua e na Alemanha,no daria para negar esses pedidos.

    Depois disso, fiz alguns videoclipes. Tem umque adoro, Rosas, do grupo Atitude Feminina.Fala sobre violncia domstica e est sendo umareferncia para palestras e debates sobre o temano Nordeste e no Norte do pas e tambm emescolas aqui no Rio.

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    26/62

    setemBro 2007 25dezemBro 2007 25

    re.Fem

    maro 2008 25

    Tenho planos de fazer um filme sobre o queas mes so capazes de fazer por seus filhos.A msica j est pronta, falo de uma me quematou o estuprador da sua filha e de umame que era mulher de traficante, ficou vivae assumiu seu lugar para sustentar os filhos.No eram coisas que elas quisessem fazer, mas

    tiveram que fazer. Um exemplo que tenho emcasa da minha prpria me, ela deixou defazer vrias coisas pela gente, essa msica eufiz tambm em homenagem a ela.

    DV Depois que saiu da Cufa,envolveu-se em algum outromovimento?Re.Fem Sim, alm do envolvimento com

    a produo do filme, ajudei a formar um grupode mulheres de hip hop chamado Quilombolas.Discutamos o que era ser feminista, o que eraser negra e fomos convidadas a participar de

    um frum sobre jovens negras. Nesse evento,conheci a ONG Coisa de Mulher, foi um amorto grande que, no ms seguinte, a Neusa,presidenta da ONG, j estava me enviandopara organizar uma oficina sobre Mulher eTabajismo, no Rio Grande do Sul. Nunca tinhafeito uma oficina nem apresentado palestra, foimais um desafio.

    Com o Cemina, outra ONG de mulheres,organizei uma coletnea de CDs sobre direitossexuais e reprodutivos e no-violncia contraa mulher. Depois, fiz trabalhos tambm com aONG Criola. Foi um projeto de capacitao de

    mulheres rappers. Aprendemos um pouco dediscotecagem, presena de palco, postura devoz, de corpo e lemos o livro da Carolina deJesus, O quarto de despejo, uma das melhoresliteraturas negras, tem uma fora, uma identifi-cao tanto com a minha vida como a de outrasmulheres negras. Depois, organizamos umshow, transformando aquele texto em msica,poesia, dana, foi uma experincia muito legal.

    DV Voc tambm participade uma rede com jovenssul-americanos?

    Re.Fem Sim, essa foi outra iniciativa ba-cana na qual me envolvi, feita em parceria coma Fase, com apoio da Unio Europia e vriasoutras organizaes que trabalham com jovensno Mercosul e no Chile. O projeto chama-seJuventude, Direitos e Derechos. Nesse projeto,identificamos que um dos direitos mais violadostem a ver com o acesso ao lazer. A partir da, ini-ciamos dilogos com as prefeituras, associaesde moradores e pessoas que poderiam ajudara mudar isso. Entramos em outras reas tam-bm, como o primeiro emprego, mdia, foram

    C

    rimi

    noso

    d

    eGu

    erra

    Criminoso de GuerraCrimins de guerraCrimins de guerra

    tri que maltrata a mulher um crimins de guerra

    Crimins de guerraCrimins de guerra

    pis n mund mrrem mais mulheres emcasa d que nas guerras.

    feitas vrias aes. Em novembro de 2007, foirealizada a Semana da Juventude e Direitos na

    Argentina. Participaram jovens de todos essespases para discutir sobre direitos humanos ebuscar aes em conjunto, trocar informaes.Foi uma troca importante.

    DV Voc rapper e cineasta.Por que escolheu fazer Publicidadee Propaganda?Re.Fem Escolhi porque um curso de

    poder, e esse poder no est nas mos dospretos. E tenho questionamentos muito fortescom relao publicidade, ela est massa-crando o nosso povo, a sociedade em geral. muito complicado chegar na favela um anncio

    de tnis de R$ 400 ou de uma bermuda demarca que custa R$ 50, que ou voc tem ouvoc no ningum. Os pais no tm essagrana. Quando arrumam trabalho, para ga-nhar salrio mnimo, tambm no vai dar paracomprar. O trabalho que rende o suficientepara o adolescente comprar produtos dessetipo est na porta da casa dele, o trfico; paraas meninas, o trfico ou a prostituio. E a?Que propaganda essa?

    No curso, tenho aula de Psicologia, que do mal mesmo, a pessoa no tem como se de-

    fender, eles criam necessidade onde no existe equem est fora da moda, est fora. Quem pre-cisa de um celular que tira foto, filma e rdioao mesmo tempo? O celular serve para falar,s. um apelo ao consumismo o tempo todo.

    DV E quanto imagem que amdia passa das pessoas negras?Re.Fem Nas propagandas, no se v preto

    e, quando se v, so imagens deturpadas. Oscomerciais de shampoo so horrveis! Teve umcomercial para cabelos de mulheres negras,em que a mulher aparecia danando funk, se

  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 38

    27/62

    26 demoCraCia ViVa n 38

    e n t r e V i s t a

    esfregando no cara. Por que aquela coisa sen-sual para