revista democracia viva 46

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Revista Democracia Viva 46

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UMA REVISTA DO

Voc encontra a revista tambm na redewww brPUBLICADO SOB LICENA CREATIVE COMMONS - ALGUNS DIREITOS RESERVADOS ATRIBUIO. VOC DEVE DAR CRDITO AO AUTOR ORIGINAL, DA FORMA ESPECIFICADA PELO AUTOR OU LICENCIANTE. USO NO-COMERCIAL. VOC NO PODE UTILIZAR ESTA OBRA COM FINALIDADES COMERCIAIS. VEDADA A CRIAO DE OBRAS DERIVADAS. VOC NO PODE ALTERAR, TRANSFORMAR OU CRIAR OUTRA OBRA COM BASE NESTA.

ABRIL 2011

DESENVO LVIMENTO

DOCUMENTO

Passando a UPP em revistaLideranas comunitrias debatem o tema em seminrio ENTREVISTA

Francisco de OliveiraO meu acmulo terico na prtica

@ibasenet

DOSSI DISCUTE BNDES, INVESTIMENTOS BRASILEIROS NO EXTERIOR E APRESENTA NOVA TICA PARA AS RELAES SOCIOAMBIENTAIS

ibase na rede

pra qu?

PARA CADA NOVO USO OU DISTRIBUIO, VOC DEVE DEIXAR CLARO PARA OUTROS OS TERMOS DE LICENA DESTA OBRA. QUALQUER UMA DESTAS CONDIES PODEM SER RENUNCIADAS, DESDE QUE VOC OBTENHA PERMISSO DO AUTOR.

APOIO A ESTA EDIO:

editorial

DESENVOLVIMENTO,

RIO, UPP, PIRATAS

E MAIS

omo de costume, a revista Democracia Viva traz para o debate temas e questes pertinentes, instigantes e atuais. A preocupao maior com a democracia, com a participao e com a cidadania e a abrangncia vai do local ao mundial. Ao refletirmos sobre a cidade, o pas e o mundo que temos, pretendemos contribuir para a construo da cidade, do pas e do mundo que queremos. Nesta edio, a despeito da variedade dos problemas abordados, dois se destacam e formam sees. Uma reproduz falas de moradores e moradoras de favelas, gestores pblicos e pesquisadores que, em um evento histrico, organizado pela Fundao Heinrich Bll e pelo Ibase, discutiram a cidade, a segurana e o futuro das Unidades de Polcia Pacificadora, as UPPs. A outra gira em torno da problemtica do desenvolvimento e tem um foco especial no BNDES, objeto de uma iniciativa que o Ibase participa em articulao com uma srie de instituies.

C

Para alm dessas sees, os demais artigos aqui publicados debatem questes como a disputa entre a mercantilizao da cincia e a sua percepo como um patrimnio a ser compartilhado por todos; o processo de revitalizao da zona porturia do Rio de Janeiro, que est se dando em funo dos chamados megaeventos, mas que no tem ouvido a populao que ali mora; a expanso do Partido Pirata, criado em 2006 na Sucia, cujas bandeiras principais so a abolio da propriedade intelectual, a transparncia pblica e o acesso amplo informao; o papel das redes sociais nas eleies de 2010. Questiona-se o tipo de cooperao que os pases emergentes como Brasil, China e ndia tm com o continente africano e ainda os acordos estabelecidos entre Brasil e Peru para a construo de hidreltricas que atingem o meio ambiente e afetam drasticamente as populaes indgenas. Dois so os nossos entrevistados. Um Eduardo Gudynas, para quem o desenvolvimento um conceito ultrapassado e, por isso, considera fundamental se pensar alternativas de desenvolvimento O outro entrevistado . Chico de Oliveira. Com uma rica trajetria de vida, ao lado de Celso Furtado, foi um dos principais construtores da Sudene. Crtico feroz do nosso modelo de desenvolvimento, Chico tem feito do tema um dos objetos centrais de sua extensa e densa reflexo.

DULCE CHAVES PANDOLFIDIRETORA DO IBASE E TAMBM PESQUISADORA DO CPDOC/FGV

ABR 2011

3

ISSN 1415-1499

ndice

opinio ibaseOPINIO IBASE

UMA PUBLICAO DO

05 07 10 12

Cincia bem comumCNDIDO GRZYBOWSKI

CONSELHO CURADOR DO IBASESebastio Soares (presidente), Joo Guerra, Carlos Afonso, Ndia Rebouas, Sonia Carvalho, Claudius Ceccon (suplente), Cleonice Dias (suplente), Carla Rodrigues (suplente), Jean-Pierre Leroy (suplente) e Jorge Romano (suplente)

DEBATE

As redes sociais nas eleies de 2010TENDNCIAS

Vote piratasADRIANO BELISRIO

DIREO DO IBASECndido Grzybowski (diretor-geral), Dulce Pandolfi (diretora responsvel por Democracia Viva), Francisco Menezes, Moema Miranda

POLTICAS PBLICAS

Para no cair no simplismoBO MATHIASEN

CONSELHO EDITORIALAlcione Arajo, Cndido Grzybowski, Charles Pessanha, Cleonice Dias, Jane Souto de Oliveira, Joo Roberto Lopes Pinto, Mrcia Florncio, Mrio Osava, Moema Miranda, Regina Novaes, Rosana Heringer e Srgio Leite

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O BNDES e o debate necessrioADEMAR S. MINEIRO

dossi

18

Caixa-forteCARLOS TAUTZ FELIPE SISTON JOO ROBERTO LOPES PINTO LUCIANA BADIN

EQUIPE DE COMUNICAO DO IBASEAugusto Gazir (editor responsvel), Flvia Mattar, Geni Macedo, Jamile Chequer e Thiago Jansen

22 23 24 25 26 28

Por um BNDES cidado Controle pblico Memrias do DesenvolvimentoEDUARDO RAPOSO

cinciaCNDIDO GRZYBOWSKI

PAULICA SANTOS

bem comumA CINCIA PRECISA REDISCUTIR A SUA DIMENSO TICA E INCORPORAR A COOPERAO E A PARTICIPAO

EXECUO EDITORIAL

O vizinho em nossa casaANTONIO ZAMBRANO ALLENDE

O imperativo dos direitos humanosIVANILDA FIGUEIREDO

A dona do XinguFELIPE SISTON

CAPAAneurysm9 / Flickr / CC

30 33

A revoluo verde (e amarela)CARLOS AGUILAR

IMPRESSOJ. Sholna Reprodues Grficas 5 mil exemplares A verso on-line desta edio de Democracia Viva est em www.ibase.br Os artigos assinados nesta publicao no traduzem necessariamente as opinies do Ibase. O Ibase adota a linguagem de gnero em suas publicaes.

Entrevista com Eduardo Gudynas

A

36 41 46 51 53 54

DOCUMENTO

Do olho do furacoCIDADE

Maravilha para quem?LAURA BUROCCO E ROSSANA TAVARES

ENTREVISTA

Francisco de OliveiraCULTURA

INSTITUTO BRASILEIRO DE ANLISES SOCIAIS E ECONMICASAv. Rio Branco, 124 / 8 andar 20040-916 Rio de Janeiro RJ Tel: (21) 2178-9400 Fax: (21) 2178-9402

Escombros de arte e memriaCRNICA

Parasos artificiaisALCIONE ARAJO

www.ibase.br [email protected]

LTIMA PGINA

NanidemocraciavivaABR 2011

democratizao, em sua dimenso mais radical, a equalizao pela participao poltica e cidad das assimetrias e desigualdades sociais. Esse o seu potencial transformador. Democracia um processo, aberto, antes de ser um fim. Hoje so visveis os avanos, mas tambm os limites da onda democratizadora dos anos 1980 no Brasil. O paradigma de crescimento e desenvolvimento econmicos segue a gerar desigualdades e a destruir o meio ambiente. H diversidades e direitos a serem reconhecidos, uma institucionalidade para ser aperfeioada. Faz-se necessria uma nova onda para o aprofundamento da democratizao. Como h 30 anos, tal processo s de fato substantivo se empurrado e qualificado por uma participao cidad, uma cidadania ativa. A discusso sobre os rumos da cidadania e da democracia est longe de ser pertinente s no Brasil ou na nossa regio. As debilidades da institucionalidade poltica, os danos ao planeta e a pobreza causados por um modelo industrial inconsequente na busca de lucros e por um padro de vida consumista esto na pauta de pases diversos e tema global.

Neste artigo, fao a discusso de cincia, tecnologia e informao na perspectiva deste contexto nacional e internacional e como parte do imperativo por uma radicalizao democrtica e uma cidadania ativa. BEM COMUM Poderia iniciar a reflexo com algumas perguntas. Por exemplo, as desigualdades sociais so de algum modo determinadas pelos avanos tecnolgicos? Qual a relao da destruio do planeta com esses mesmos avanos? Se inverto o ponto de vista: como a pesquisa cientfica contribui e pode contribuir com a reduo da pobreza? Em resumo: quais os parmetros ticos que devem seguir os que produzem cincia, tecnologia e informao? A cincia, com suas contradies, deve ser vista como patrimnio cultural de uma coletividade. Ela no apenas fruto da genialidade individual. A sua produo se referencia no acumulado pela humanidade. So muitas cabeas e mos que, ao longo de geraes, observam, refletem, testam, sistematizam, materializam em bens e servios conhecimentos e

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opinio ibase

debate

prticas. Inventores e inventoras, por maior que seja a sua capacidade, sempre trabalharo num ambiente social e institucional que resultado da ao coletiva. A descoberta fruto e contribuio ao bem comum. Esse carter de bem comum deve ser afirmado como dimenso tica da cincia e da tecnologia. Contudo, com o advento da atual civilizao industrial, as pesquisas cientficas e tecnolgicas acabaram sendo determinadas pelas necessidades de acumulao das empresas capitalistas, que viraram as suas grandes incentivadoras. O que era coletivo foi apropriado pelo interesse de poucos e, mais ainda, passou a determinar o flagelo de muitos e do prprio planeta, nosso bem comum maior. A mercantilizao da cincia e da tecnologia vai de encontro sua marca, sua origem, de patrimnio compartilhado. Pior do que mercantilizado, esse saber via de regra monopolizado, em nome da propriedade intelectual. Ou seja, passa a ser objeto de gerao de renda, mesmo quando no h atividade industrial no meio. Hoje, para uma democratizao substantiva, crucial encarar a cincia, a tecnologia e a informao como bem comum, reinvent-las para romper com a tradio da aplicao mercantil delas, a qual naturalizamos durante o ltimo sculo. A transformao nas condies de vida e a sustentabilidade do planeta dependem de uma nova prtica cientfica. Essa uma arena de disputa tica e poltica. A questo est acima da suposta autonomia de deciso e de possveis individualismos dos cientistas. Tampouco pode depender dos interesses de financiadores. A incidncia deve ser muito mais plural, prpria de uma cidadania ativa, de uma radicalizao democrtica.

A CINCIA, COM SUAS CONTRADIES, DEVE SER VISTA COMO PATRIMNIO CULTURAL DE UMA COLETIVIDADE. ELA NO APENAS FRUTO DA GENIALIDADE INDIVIDUAL. A SUA PRODUO SE REFERENCIA NO ACUMULADO PELA HUMANIDADE

CONTROLE E PARTILHA Apresento duas linhas de pensamento e, ao mesmo tempo, de ao para devolvermos cincia o seu status de bem comum. A primeira implementar uma regulao e um acompanhamento pblicos, que no limitem a inventividade e nem burocratizem pesquisas, mas que estabeleam um dilogo entre a comunidade cientfica, o Estado e a sociedade civil organizada, um processo de consulta e de deciso coletiva, pautados por parmetros cidados. A segunda ao incentivar uma mentalidade solidria, de livre circulao de informaes, adotando iniciativas para o compartilhamento de conhecimentos e, assim, da prpria criao. Falemos inicialmente do acompanhamento pblico. O controle social da atividade de cincia e tecnologia implica em muitas mediaes. A sociedade civil quer opinar, participar do processo, uma premissa da cidadania ativa, mas no obviamente de forma direta, dada a liberdade que necessria para a produo de conhecimentos. As pontes entre a sociedade e a complexa cincia atual so de difcil concepo, mas devem ser construdas. Nesse sentido, a transparncia de todos os atores envolvidos fundamental. No Brasil, em algumas empresas, centros cientficos e rgos pblicos, ainda impera a cultura da confidencialidade. Esboos dessas pontes j existem no Brasil e algumas conquistaram importantes avanos sem, porm, terem recebido ainda o respaldo da comunidade cientfica e dos rgos de fomento. So redes de troca de saberes e experincias, que integram grupos locais, muitas vezes com poucos recursos. Por exemplo, a rede de Inovao Social, a de Resgate das Sementes Crioulas, a de Agroecologia, a de Segurana Alimentar,

a de Economia Solidria e a Articulao do Semirido. Essas iniciativas podem ser, elas mesmas, objetos de investigao cientfica. Tambm no custa lembrar campanhas em prol da cidadania que tiveram impacto direto na rea cientfica. A mais evidente foi a pela universalizao dos medicamentos para portadores e portadoras do HIV, alm da constante quebra de patentes. A experincia do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) afetou a indstria ao transformar a relao das pessoas com fabricantes de produtos e fornecedores de servio. Os movimentos do software livre e do copyleft geram impacto relevante na indstria criativa e de informtica. Alm da abertura de espao para a incidncia da sociedade civil, da viabilizao de um acompanhamento de fato pblico, modelos mais abertos de produo so estratgicos para dar de volta atividade cientfica o carter de bem comum. A circulao livre de informaes condio para uma democracia radical, e, no momento, presenciamos um movimento crescente contra o direito proprietrio A proposta aqui seria formu. lar uma agenda para fazermos esse debate no meio cientfico, discusso que ser tensa, mas incontornvel. A propriedade intelectual boa para os negcios privados, mas no para a sociedade e a sustentabilidade da vida. Ela obstrui a cooperao e a participao. O direito remunerao dos cientistas no aqui questionado, mas, sim, o monoplio do conhecimento, que a longo prazo empobrece o saber.

ntes da revoluo egpcia na praa e na rede, antes de Mark Zuckerberg virar personalidade do ano na Time, as redes sociais deixavam a sua marca nas eleies presidenciais brasileiras. Ainda no tnhamos o resultado do segundo turno quando Democracia Viva selecionou trs observadores da campanha poltica, de diferentes perfis e pontos de vista, e fez aos trs a mesma pergunta:

A

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CNDIDO GRZYBOWSKI SOCILOGO E DIRETOR-GERAL DO IBASE

AS REDES SOCIAIS FIZERAM DIFERENA NAS ELEIES DE 2010?Veja a seguir o resultado.

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democraciaviva

ABR 2011

7

debate

JOS EISENBERGCIENTISTA POLTICO E PROFESSOR DE FILOSOFIA DO DIREITO DA UFRJ . Inmeros crculos de relacionamento que costumeiramente discutem poltica em perodos eleitorais foram ampliados e entrelaados pela dinmica de conversao das redes sociais. Redes como o Facebook, uma das mais utilizadas pelos brasileiros, fizeram diferena no pela sua fora disseminadora de ideias ou fatos, mas porque foi nelas que uma parcela da sociedade civil que se autodenomina opinio pblica encontrou abrigo. Ao longo do pleito, ela foi frequentemente alijada do debate poltico, seja pela surdez dos meios de comunicao de massa, seja pela cegueira da comunicao das candidaturas competitivas. Reduzidas ao marketing estratgico, essas candidaturas ignoraram importantes crculos de debate, que poderiam ter tornado as campanhas eleitorais mais edificantes e legtimas, e no somente vencedoras ou perdedoras. O Facebook foi um dos lugares em que esses crculos puderam conversar. As pessoas que encontrei discutindo eleies no Facebook eram estudantes e profissionais variados, a maior parte das classes sociais A, B e C. Muitos tm os seus smartphones, trabalham ou estudam em frente ao computador. Trocavam

SIM

comentrios na rede minuto a pre minuto, discutindo fatos, sempre com s. mensagens breves e objetivas. Chamava s a ateno a contundncia dos textos, um es apelo irnico e afetivo. As redes soupos ciais esto fragmentadas em grupos dade d bastante estveis, e a intimidade uitas acompanhava uma civilidade muitas muitas am vezes rebaixada. Atritos no eram razavam. ros quando esses grupos se cruzavam. As redes sociais tambm se tornaram importantes instrumentos de comunicao durante as eleies, porque, para a maioria jovem, as possibilidades de participao tm se mostrado limitadas. O imperativo de se alinhar com o status quo tornou-se um fardo para os jovens: revoltar-se para depois ficar tudo como est. No Facebook, pelo menos, tinha um monte de briga para comprar, sem sair de casa. J os com mais idade, aprendizes tardios das novas tecnologias de informao e comunicao, passaram a utilizar as redes sociais como novo meio de fazer o seu proselitismo; um novo instrumento para ensinar aos mais jovens aquilo que o ambiente de trabalho cobe, que a turba nas ruas no escuta, que os jornais no querem publicar. At para quem no se interessa por eleies, jovens ou velhos, as redes sociais fizeram diferena. Presos em algo como uma festa chata s falam de eleio no Facebook, que saco! , eles postavam suas

FELIPE VAZCOORDENADOR DE MDIAS SOCIAIS DA CAMPANHA DE MARINA SILVA E COORDENADOR DO OVERMUNDO

CERTAMENTE. Ainda que no tenham tido o peso que tiveram na eleio de Barack Obama nos Estados Unidos, elas influenciaram uma fatia considervel da populao. Sou suspeito, mas acredito que Marina Silva tenha produzido o melhor exemplo disso: foi quem conseguiu engajamento e converso de eleitores e eleitoras. difcil mensurar, mas o fato de ela ter tido altos ndices de votao entre pessoas mais instrudas e em grandes centros urbanos os estratos da populao q que tm mais acesso e usam mais a internet coincidncia no foi coincidncia. Marina garantiu 19% dos votos mesmo com u minuto e meio na TV, um poucos recursos e em um cenrio que favorea cia a polarizao ent PT e PSDB. polarizao entre s campanh Se as campanhas de Serra e Dilma se a assemelharam mai eh assemelharam mais a torcidas de futebol, c com bordes repe o com bordes repetidos por eleitores que haviam i j haviam tomado p partido antes mesmo da camp h , mpanha campanha, no caso de Marina a campanha f foi muito ui foi muito mais pro propositiva. Isso permitiu que u que muita gente se engajasse ao longo da campanha, convertendo-se em militantes e amp campanha, convert alimentando ond li alimentando a onda verde que se formou vsperas s vsperas do pri primeiro turno. As outras campanhas on-line estiveram preocupadas m demonizar a e em demonizar o adversrio. Acredito que o isso torna difcil o engajamento de novos eleitores o r eleitores e apenas refora a polarizao.

msicas e vdeos, afirmando esttica e politicamente a sua suprema apatia. A poucos dias do segundo turno, a filsoofa Marilena Chau, da USP, clamou por atenno contra os boatos que poderiam aparecer er como forma de desestabilizar a candidatura ra de situao. Marilena Chau suplicou: No o vai dar tempo de explicar que no fomos ns. s. Por isso, espalhem pelas redes sociais . O escndalo prenunciado por Marilena na Chau nunca se consumou, mas notcias soobre a sua eventual ocorrncia teriam rapidaamente circulado nas redes sociais. Em outras as eleies, a intelectual da USP teria clamado do pela ateno da imprensa e seus jornalistas, s, no dos participantes de redes sociais. Nesta ta eleio, entretanto, a sociedade civil, parte te dela pelo menos, encontrou abrigo em outro ro stio, menos controlado, mais democrtico e horizontal: as redes sociais.

interessante notar o papel do Twitter nessas eleies. Ainda que alcance apenas 5% da populao brasileira, o microblog o queridinho das mdias clssicas, pautandoas em muitos momentos. O tempo todo vimos notcias como no Twitter, o candidato tal disse... O excelente desempenho da . Marina ali acabou transbordando e gerando muita mdia espontnea. tambm um canal personalista, que permite aproximar eleitor e candidato. A onda de declarao de voto em Marina no Twitter, ao final da campanha, acabou envolvendo um enorme nmero de indecisos. uma pena que em nosso modelo eleitoral a campanha dure menos de quatro meses at o primeiro turno. No caso de Obama, campanha e propostas comearam a ganhar corpo na internet dois anos antes das eleies, nas prvias. Com esse tempo, candidatos e candidatas poderiam amplificar suas campanhas na rede, gerando debates construtivos, fora do calor eleitoral. Espero que, em um futuro prximo, a incluso digital e uma maior penetrao das mdias sociais quebre de vez o crculo vicioso do oligoplio das mdias. Talvez tenham sido essas as ltimas eleies em que s campanhas ricas e com muito tempo na TV (gratuito ou pelo apoio tcito das emissoras) ganham visibilidade.

MARCELO SOARESJORNALISTA, REPRTER DE POLTICA DA MTV E TRADUTOR DE QUADRINHOS

NO DA MANEIRA ESPERADA. Virou moda dizer que as redes sociais elegeram Barack Obama nos Estados Unidos, mobilizando eleitores e eleitoras, fomentando a discusso sobre suas propostas e motivando os votantes o que no pouco em um pas de voto facultativo. No Brasil, o voto obrigatrio. A princpio, portanto, o problema no tirar gente de casa para ir votar. A absteno de 20% dos eleitores no segundo turno das ltimas eleies, mesmo com o feriado, no foi8

muito diferente da absteno registrada em pleitos anteriores. A discusso sobre o programa dos candidatos tambm no aconteceu muito nas redes sociais. At porque os nicos programas que havia eram os programas de TV. Embora a Justia Eleitoral tenha exigido de candidatos e candidatas o registro dos seus programas de governo, apenas os sem maiores chances levaram a srio. Foi o caso de Marina Silva (PV), que apresentou um documento em seu site semanas antes do registro, e de Plnio de Arruda Sampaio (PSOL), que no primeiro ms de campanha apresentou um calhamao de 77 pginas de texto corrido em trs colunas. Dilma Rousseff (PT) apresentou originalmente um documento aprovado ape-

DAVID AMEN

nas pelo seu partido, com o qual os membros da coligao no concordavam. Jos Serra (PSDB) grampeou dois discursos e registrou-os. Os dois que foram ao segundo turno esperaram a ltima semana da campanha para apresentar documentos mais sistematizados. Dilma apresentou suas 13 propostas a seis dias da eleio. A campanha de Serra chegou a preparar um documento de 240 pginas, que foi apresentado na vspera da votao. No precisando tirar o eleitor de casa para votar e sem programas para discutir, restava a mobilizao dos eleitores. Essa aconteceu, embora da maneira mais irritante possvel. Cada time tinha seus lderes de torcida para animar as respectivas claques. Quem mais citava Dilma eram serristas, quem mais citava Serra eram dilmistas.ABR 2011

Isso sugestivo sobre a qualidade do debate: mais se falava dos defeitos do outro do que das qualidades do seu. Guerras de hashtags foram travadas para ocupar espao nos trending topics do Twitter, inclusive com o uso de robs pelos dois lados para falsificar os volumes de menes. Vdeos e blogs apcrifos circularam pela rede. Sem falar nas mal-afamadas correntes difamatrias, para as quais as campanhas de Dilma e Serra fizeram websites para restabelecer a verdade. Redes sociais so antes de tudo feitas de pessoas de carne e osso, ainda que se comuniquem usando meios eletrnicos. So essas pessoas que votam. Em um pas profundamente desigual como o Brasil, a internet ainda no tem penetrao suficiente para ser influente sobre uma parcela decisiva dos eleitores. Mas a impresso que

fica que a linguagem das redes sociais, com sua ligeireza e seletividade, deu o tom das campanhas. No segundo turno, principalmente, a nfase em assuntos como religio e aborto foi feroz na internet e vazou para a propaganda eletrnica que chegava aos eleitores off-line. Pesquisas registraram perda de votos aps a insistncia no tema. No Rio Grande do Sul, existe um termo bastante descritivo para o tipo de mobilizao on-line que foi feita pelos dois principais times: briga de bugio. O bugio um macaco que, em suas guerras, defeca na mo e joga no adversrio, que responde na mesma moeda. No sei como decidem quem ganha. Na eleio, por maioria de votos. S que, com a briga de bugio digital, pareceu mais fcil perder votos do que ganh-los.

democraciaviva

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tendncias

VOTEADRIANO [email protected]

piratasrximo s guas dos mares blticos, escondem-se dois dos maiores viles da internet, alvos constantes de ataques de governantes ou CEOs da indstria do entretenimento: o Wikileaks e o Pirate Bay. Se os dois so hoje estrelas da rede mundial de computadores, eles devem agradecer ao partido poltico que lhes deu abrigo e hospeda seus polmicos contedos: o Partido Pirata. Alm de hospedar postulantes a sites malditos, os piratas contam hoje com duas cadeiras no Parlamento Europeu, registro oficial em quase vinte pases e articulaes em todos os continentes. O partido se adapta realidade de cada local, mas, invariavelmente, defende a abolio da propriedade intelectual, a transparncia pblica e o acesso amplo informao. A longo prazo, pregam a reinveno da prpria democracia. Nas palavras de uma eurodeputada pirata, uma democracia lquida . A democracia deveria ser participativa e provavelmente poderia ser, caso os cidados decidissem envolver-se nas suas localidades afirma a eurode, putada Amelia Andersdotter, de 23 anos, eleita pelo Partido Pirata sueco em 2009. A democracia lquida defendida por alguns piratas, seria um sistema , hbrido, que mesclaria representao e participao direta. Nela, os eleitores escolheriam representantes tambm de acordo com cada tipo de poltica pblica, como por exemplo segurana, educao e sade.

COM A BANDEIRA DO ACESSO AMPLO INFORMAO, O PARTIDO PIRATA J TEM DOIS EUROPARLAMENTARES, ALM DE REPRESENTANTES EM DEZENAS DE PASES

P

Mas a questo : como ter uma democracia lquida se apenas uma pequena parte da populao se envolve? , indaga a deputada. O Partido Pirata foi criado em 2006 pelo sueco Rickard Falkvinge, ex-funcionrio da Microsoft. A internet foi desde o incio uma aliada. Em menos de 24 horas, Falkvinge alcanou via rede o nmero de assinaturas exigidas por lei para criar a agremiao. Hoje, o partido a terceira fora poltica sueca. Em 2002, uma ao semelhante no pas j mostrara que a internet podia revolucionar a democracia. O Demoex (Democracia Experimental) elegeu um parlamentar para a cmara municipal de Vallentuna, grande Estocolmo. A atuao do vereador foi inteiramente guiada por discusses e votaes na rede mundial de computadores. A chegada ao Parlamento Europeu deu notoriedade aos piratas. A sua atuao e repercusso fora do Velho Continente cresce de forma vertiginosa. O primeiro encontro da rede mundial de Partidos Piratas contou com representantes de 44 pases e mostrou o quo heterogneo e no muito integrado ainda o movimento. A pesquisadora da USP Jhessica Reia foi ao encontro em Bruxelas. Ela levava a viso do grupo que pretende oficializar o Partido Pirata no Brasil, o PPBr. Dava para perceber alguns blocos. A Alemanha e a Holanda de um lado e os pases do Leste Europeu mais segregados. Eles so tambm bastante eurocndemocraciaviva

tricos. A presena de uma latino-americana foi motivo de frenesi. Muitos acharam interessante o que falei sobre a nossa situao, mas outra parte achava que no era possvel uma articulao verdadeira entre Norte e Sul conta Jhessica. , O Partido Pirata brasileiro no tem registro legal e nem mesmo os mais otimistas acreditam que seja possvel a sua formalizao em curto prazo. A lei exige 600 mil assinaturas, a adequao a regras de proporcionalidade nos Estados e a realizao de um encontro presencial com 101 membros. Colaborador do PPBr, o ciberativista Cinco avalia que a legislao no o nico problema. Segundo ele, o grupo ainda busca a melhor forma de se organizar, alm de j precisar superar as suas rixas. Um marco na breve histria do grupo foi a polmica envolvendo o Partido Verde nas ltimas eleies. O PV props ao PPBr o lanamento de um candidato pirata. A oferta acabou rejeitada, muito por conta da ligao dos verdes com o PSDB e com o DEM, mas foi suficiente para causar algumas divergncias. Os piratas, porm, tiveram os seus momentos felizes em guas tropicais. Junto com outros grupos de ciberativistas, o PPBr colaborou para a grande mobilizao contra o projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDBMG), o AI-5 Digital que tipificava como crime diversas condutas na inter, net e previa o registro das movimentaes na rede. Em novembro passado, em So Paulo, o partido realizou o seu segundo encontro nacional. Compareceram 15 representantes de cinco Estados (SP, RJ, MG, PR e DF) e uma carta de princpios foi aprovada.

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ADRIANO BELISRIO JORNALISTA, PESQUISADOR DE NOVAS TECNOLOGIAS E DIREITO AUTORAL

PAULICA SANTOS

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polticas pblicas

Para no

cair noPAULICA SANTOS

simplismoA DISCUSSO DE POLTICAS SOBRE DROGAS NO PODE SE LIMITAR POLARIZAO ENTRE LEGALIZAO E PROIBIOBO MATHIASEN

N

a Amrica Latina, a violncia e o crime organizado associados ao trfico de drogas constituem um dos problemas mais graves enfrentados pelos pases. Trata-se do lugar que mais produz e exporta cocana no mundo. A regio tambm figura como produtora de cnabis, pio e drogas sintticas. Os cartis de drogas representam uma ameaa sade pblica, segurana e, consequentemente, ao Estado de Direito e democracia. Hoje a discusso acerca das polticas pblicas sobre drogas assume maior importncia. Governos e sociedades enfrentam novos desafios. O crime organizado, que tem entre suas bases de sustentao o trfico de drogas, criou novas rotas, ameaa a segurana e continua provocando mortes e instabilidade nas regies onde atua. As substncias psicoativas so cada vez mais diversificadas e com efeitos mais potentes. Ao longo dos anos, a forma de consumo de drogas ilcitas tambm mudou, o que requer uma resposta diferenciada. As polticas de represso a usurios e usurias por meio do encarceramento, por sua vez, h muito se mostram ineficazes. Diante desse cenrio, recorrente o surgimento de propostas simplistas de legalizao das drogas como forma de acabar com o crime organizado associado ao trfico e suas consequncias. fato conhecido que parte considervel dos recursos do crime tem relao direta ou indireta com as drogas ilegais.

Afinal, para se sustentar, o crime organizado sempre ir procurar as oportunidades mais rentveis, independentemente de sua categoria no Cdigo Penal. Sequestros, trfico de armas e de pessoas, jogo ilcito, falsificao de medicamentos, contrabando, pedofilia, extorso, lavagem de dinheiro, todos esses delitos financiam o crime organizado, que tambm engloba o comrcio de drogas, mas que no pode ser colocado como consequncia deste. A discusso acerca das polticas pblicas sobre drogas to complexa que no pode se limitar polarizao entre legalizao ou proibio. Pases como Argentina, Brasil, Mxico e alguns estados dos Estados Unidos tm feito ajustes na legislao sobre drogas para evitar que usurios sejam encaminhados priso. No buscam a legalizao de substncias ilcitas. No cenrio internacional, as convenes das Naes Unidas sobre drogas so claras em listar as substncias consideradas ilegais pelos pases-membros, mas no definem de que forma os pases devem diferenciar os que usam dos traficantes. Isso porque as legislaes nacionais so assuntos de deciso soberana. Alm disso, a descriminalizao ou despenalizao do uso de drogas est em sintonia com recomendaes das Naes Unidas para que os Estados-membros desenvolvam cada vez mais polticas de sade voltadas para os usurios, tratando-os como pessoas que precisam de ateno, acesso ao atendimento e tratamento, no de punio criminal. Exemplo da importncia que a

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democraciaviva

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polticas pblicas

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ateno a usurios e usurias vem assumindo a adoo, em 2009, da Declarao Poltica e Plano de Ao sobre Cooperao Internacional para uma Estratgia Integrada e Equilibrada de Enfrentamento do Problema Mundial de Drogas Na ocasio, os pases reafirmaram . o compromisso de trabalhar para alcanar a meta do acesso universal a programas abrangentes de preveno e servios relacionados de tratamento, ateno e apoio. Mas preciso estar alerta, pois o investimento na ateno a quem usa no pode ser visto como um caminho rumo legalizao das drogas. As convenes internacionais continuam considerando crime plantar, extrair, manufaturar, armazenar, transportar, distribuir, comprar e vender drogas ilegais. E h consenso entre os Estados-membros das Naes Unidas sobre a posio de manter algumas drogas ilegais. Reduzir o debate a uma questo simplista entre legalizar ou proibir as drogas tende a tirar o foco do que realmente deve ser o principal eixo de interesse dos pases que a busca por uma abordagem equilibrada entre as aes de preveno, incluindo o amplo acesso de usurios aos servios de sade, e as aes de represso, focadas no combate ao crime organizado transnacional e aos grandes financiadores do trfico. preciso trabalhar de forma conjunta e simultnea no controle da demanda e da oferta de substncias ilcitas. REDUO DA DEMANDA Do lado da demanda, preciso focar na preveno e ateno a usurios e usurias problemticos de drogas. Os Estados devem investir mais em preveno por meio da conscientizao sobre as consequncias nocivas do uso de drogas sade. Os pases no podem continuar deixando que drogas como a cocana e seus derivados, cujos efeitos se mostram devastadores, entrem na vida de jovens que muitas vezes desconhecem os riscos que correm ao consumir

a droga ou de se envolver nos esquemas do trfico. A falta de informao qualificada tambm coloca usurios numa situao de maior vulnerabilidade em relao a infeces, como o HIV, hepatites e tuberculose, alm dos riscos associados a uma overdose. O debate sobre as formas e reas de preveno , de fato, urgente. A temtica deve ser abordada de forma abrangente nas escolas, junto s famlias e s comunidades por meio de campanhas educativas e informativas sobre o uso de drogas, sobre a responsabilidade que cada um tem diante do problema, sobre os perigos que o trfico representa, sobre a violncia associada ao trfico e sua associao ao crime organizado. A Holanda, por exemplo, onde o consumo de cnabis e haxixe permitido em determinados estabelecimentos privados, tambm o pas da Unio Europeia que mais investe na preveno integral junto a jovens h anos uma das principais preocupaes e destino de recursos por parte do governo holands. A preveno tambm deve ser abordada junto a usurios e usurias de drogas, sejam eventuais ou problemticos, como uma forma de reduzir os riscos que o uso de drogas acarreta. Os governos precisam investir na promoo do acesso universal s aes de preveno e ateno, sempre dentro de uma perspectiva de respeito aos direitos humanos e de cidadania. Deslocar o foco da justia criminal para a sade pblica requer o fortalecimento de aes integradas de informao e de redes de ateno. Antes de debater a legalizao do consumo de qualquer droga imprescindvel discutir polticas pblicas capazes de prevenir o uso de drogas e de atender a usurios problemticos. Existe uma demanda da sociedade por aes de preveno, ateno e tratamento que excede, em muito, a oferta de governos e a sociedade civil. A falta de polticas integradas de informao, preveno e ateno agrava os problemas de dependncia.

REDUO DA OFERTA Por outro lado, tambm preciso trabalhar o controle da oferta de drogas ilcitas. Nesse sentido, o trabalho deve ser conjunto. Para isso, os recursos do sistema de justia criminal e de segurana pblica devem ser direcionados aos traficantes, organizadores e financiadores do trfico de drogas e ao crime organizado. Os governos precisam investir numa represso qualificada, direcionada por aes de inteligncia policial, para efetivamente reduzir a oferta de drogas. Isso requer maior foco nos grupos transnacionais, sustentadores dos pequenos traficantes que vendem drogas no varejo. Tambm requer que o crime organizado e a corrupo associada a ele no sejam enfrentados de maneira isolada, mas por meio da cooperao internacional entre as autoridades competentes. A Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional assinada , por 157 pases, estabelece, por exemplo, as bases globais para a extradio e a assistncia legal mtua, mas para que os instrumentos da conveno sejam eficazes preciso que os pases se empenhem na sua aplicao. Para problemas comuns, a responsabilidade e as solues devem ser compartilhadas. Por fim, cabe ressaltar que a discusso sobre polticas de drogas ampla, complexa e deve incluir todos os agentes da sociedade. No pode apenas envolver os governos, mas deve mobilizar os mais diversos segmentos da sociedade civil. Somente com a compreenso de que a problemtica das drogas responsabilidade de toda a sociedade e de que no deve ficar limitada discusso superficial sobre a legalizao ou proibio das drogas, ser possvel estabelecer uma abordagem que inclua a preveno junto a usurios ocasionais e populao em geral, a ateno a usurios problemticos e o combate qualificado ao crime organizado. S assim, o debate acerca das polticas pblicas sobre drogas poder culminar num processo que efetivamente resulte em benefcios concretos coletivos.

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PRA QU?

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BO MATHIASEN REPRESENTANTE DO ESCRITRIO DAS NAES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME (UNODC) PARA O BRASIL E O CONE SUL

este dossi, Democracia Viva discute o atual padro de desenvolvimento e seus impactos para populaes e o meio ambiente. A busca prioritria pelo crescimento econmico tem resultado h dcadas em desigualdades e danos ao planeta, alguns deles descritos nas pginas a seguir. A revista tenta ir mais longe, procura dar pistas para um novo paradigma, mais igualitrio, de relaes sociais, econmicas e ambientais. A entrevista que fecha este dossi, com o pesquisador uruguaio Eduardo Gudynas, sobre isso leitura obrigatria. Esta seleo de artigos tambm debate o papel do BNDES e a importncia do controle pblico no banco, trata dos efeitos dos investimentos brasileiros na Amaznia peruana e na frica, resenha coleo do Centro Celso Furtado. Tudo isso e mais esto a. Basta virar a pgina.

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

O BNDES e o debate necessrioA ATUAL FALTA DE DISCUSSO SOBRE O BANCO COLOCA EM QUESTO A LEGITIMIDADE DAS SUAS OPERAES, ALM DE LIMITAR AS SUAS POSSIBILIDADESADHEMAR S. MINEIRO

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esde sua criao, sob o governo Vargas, em 1952, o BNDES tem sido um instrumento fundamental do Estado brasileiro na implementao de suas polticas de desenvolvimento. Seja inicialmente sob a gide do nacional-desenvolvimentismo; seja para efetivar o Plano de Metas do governo JK; os planos nacionais de desenvolvimento dos governos militares, que introduzem diferentes etapas de industrializao por substituio de importaes no pas; seja incorporando o S do social, mas operando para viabilizar o ajuste e como suporte para evitar um desaparecimento maior de empresas sob a gide dos programas de ajuste nos anos 1980; seja operacionalizando os processos de privatizao dos anos 1990 ou a retomada do financiamento ao desenvolvimento e s exportaes neste novo sculo, o BNDES sempre teve um papel ativo para instrumentalizar as polticas econmicas do governo federal. Tomando isso em considerao, h que se avaliar o papel do BNDES em relao ao novo ciclo de crescimento econmico iniciado em 2004. Mais do que incentivar os setores que podem competir internacionalmente, os setores de insumos bsicos e de infraestrutura, tal qual definidos em seus documentos, o banco apoiou fortemente a conglomerao dos diversos setores da produo nacional. O privilgio a uma poltica de concentrao de empresas no uma particularidade da rea dos setores que comerciam com o exterior. No perodo a partir de 2006, fica cada vez mais evidente um processo de reconcentrao empresarial no pas, com a

criao de enormes conglomerados setoriais e multissetoriais. Essa concentrao estimulada por uma viso que prevalece no BNDES, o principal financiador da economia brasileira, bastante otimista a respeito dos impactos positivos das grandes empresas, por seu potencial financeiro, tecnolgico, gerencial e de mercado, entre outros, e suas sinergias, no apenas internas, mas tambm na articulao com uma cadeia de fornecedores, distribuidores e prestadores de servios variados. O BNDES tem atuado no apenas ajudando a alavancar investimentos para essas empresas, como financiando a sua participao no comrcio exterior (o BNDES tem ampliado cada vez mais suas linhas de financiamento ao comrcio exterior brasileiro, dentro de uma estratgia de ampliao de mercados), mas tambm o seu processo de conglomerao interno.1 Derivam da duas importantes discusses sobre as relaes entre um banco pblico de desenvolvimento e a consolidao de uma estratgia de desenvolvimento em uma sociedade democrtica. A primeira diz respeito ao processo de conglomerao. Se, do ponto de vista do desempenho empresarial em si, a concentrao econmica pode apresentar vantagens e possibilidades, muito mais nfase deveria ser colocada nas possibilidades de controle e regulao dessas novas empresas turbinadas por fundos pblicos (e aqui nem estamos falando apenas de recursos do BNDES, mas tambm fiscais e de outros fundos pblicos em ltima instncia sob controle do Estadodemocraciaviva

ou pelo menos sob forte influncia deste, como os fundos de penso de empresas estatais, por exemplo). Empresas fortes apresentam maior capacidade de competio no cenrio nacional e internacional. Isto fato, mas a sua fora tambm se reflete na sua relao com os consumidores de seus produtos, com as comunidades que esto no entorno dos locais onde atuam, com seus trabalhadores e com o Estado nacional e os nveis administrativos subnacionais. Isso deveria chamar ateno para a construo de uma institucionalidade que permitisse que o interesse pblico subordinasse em ltima instncia a atuao dessas empresas. Mecanismos pblicos democrticos de defesa do consumidor, condicionantes sociais e ambientais, fortalecimento dos sindicatos que representam seus trabalhadores e das organizaes por local de trabalho, instrumentos que permitam equilibrar a relao dessas empresas com os diferentes nveis administrativos e esferas de poder so absolutamente imprescindveis. A outra questo importante a discusso num ambiente democrtico sobre o projeto nacional de desenvolvimento e um banco pblico de fomento para operacionalizar esse processo. O Brasil preservou do processo de privatizao dos anos 1990 no apenas um razovel sistema bancrio pblico, mas tambm um banco nacional de desenvolvimento. Isso no pouca coisa, comparado com o conjunto de pases em desenvolvimento atingidos pelos programas de privatizao e ajuste naquele perodo. No entanto, deveria haver um debate fundamental sobre como utilizar esse instrumento preservado, financiado pelos trabalhadores e a sociedade brasileira, utiliz-lo no apenas para viabilizar a retomada do crescimento econmico, mas fundamentalmente uma nova estratgia de desenvolvimento. Neste sentido, todos a sociedade e suas organizaes, o governo em seus diversos nveis e o prprio BNDES tm muito o que aprender e inovar. Aqui, a primeira questo obviamente uma questo de transparncia. O BNDES e as empresas que a ele recorrem tm se escorado no sigilo das estratgias de negcios para

OS RECURSOS DE UMA AGNCIA PBLICA DE DESENVOLVIMENTO NO DEVERIAM SE SUBORDINAR A UMA ESTRATGIA SOCIAL E AMBIENTAL DEMOCRATICAMENTE CONSTRUDA EM CONJUNTO ENTRE O ESTADO E AS ORGANIZAES SOCIAIS, AO INVS DE BUSCAREM APENAS CUMPRIR BUROCRATICAMENTE ALGUMAS REGRAS?

tornar bastante opacas as informaes sobre suas operaes. Mas no existe uma contradio em usar recursos pblicos em operaes que no se tornam pblicas? E que tm seus dados relevantes apenas muito parcialmente colocados disposio do pblico? Mais do que isso, os recursos de uma agncia pblica de desenvolvimento no deveriam se subordinar a uma estratgia social e ambiental democraticamente construda em conjunto entre o Estado e as organizaes sociais, ao invs de buscarem apenas cumprir burocraticamente algumas regras? Alis, e a discusso sobre o desenvolvimento em si? Ser que ele se refere pura e simplesmente a voltar a crescer privilegiando a competitividade e a insero externa? Ou uma estratgia de desenvolvimento que atenda a uma sociedade brasileira democrtica, j entrando na segunda dcada do novo sculo, exige muito mais de uma agncia pblica para que o pas possa superar seus passivos sociais e ambientais? Existem temas importantes no definidos e muito pouco discutidos que colocam em questo a legitimidade social das operaes do BNDES e limitam as possibilidades do que pode ser uma agncia fundamental para a estruturao de um novo padro de desenvolvimento no pas. Sempre h tempo para fazer o debate, mas a grande pergunta : h disposio poltica para faz-lo?

NOTAS1. MINEIRO, A., Desenvolvimento e Insero Externa: Algumas Consideraes sobre o Perodo 2003-2009 no Brasil, p. 157, em Os Anos Lula: contribuies para um balano crtico 2003-2010, Rio de Janeiro, Ed. Garamond, 2010.

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ADHEMAR S. MINEIRO ECONOMISTA E CONSULTOR DO IBASE

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

Caixa-fortePOUCO TRANSPARENTE E CRUCIAL NA FORMAO DE CONGLOMERADOS, O BNDES PROTAGONISTA DA REORGANIZAO DO CAPITALISMO BRASILEIROCARLOS TAUTZ FELIPE SISTON JOO ROBERTO LOPES PINTO LUCIANA BADIN

desenvolvia um amplo programa de privatizaes, articulado com um processo de liberalizao comercial. Sob Lula, a atuao do BNDES aprofundou um determinado padro de acumulao capitalista no Brasil, mas esse padro foi iniciado pelas privatizaes e a liberalizao da era FHC. A diferena principal entre os perodos Lula e FHC est no fortalecimento do papel do Estado nesse padro de acumulao. Com Lula, o Estado intervm em favor de grupos privados nacionais. Eles so privilegiados na concesso de financiamentos do BNDES, com o objetivo de se criar os chamados lderes globais nos setores em que o pas mais competitivo. Em boa medida, os setores de commodities. O banco se dedica a formar e dar fora a conglomerados privados nacionais. O Estado retoma sua capacidade de induo em um contexto de crescimento do comrcio mundial, principalmente a partir de 2002, com o aumento do preo e da demanda de commodities pela China. A maior presena do Estado na economia no perodo Lula se d sem que isso signifique maior capacidade de regulao. Para induzir o crescimento, o Estado se dedicou a mediar grupos privados via os aportes do BNDES. Desde 2003, o banco tem aumentado a sua capacidade de financiamento e ampliou as suas intervenes. O seu desembolso em 2009 foi R$ 137,4 bilhes, quatro vezes mais do que em 2003. A cifra supera os desembolsos combinados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Dessa maneira, o velho debate sobre o papel do Estado, sobre as suas polticas e instrumentos econmicos, vai alm do simples binmio presena x ausncia. Um Estado presente, como o caso dos ltimos oito anos, no significa automaticamente um Estado autnomo diante de outros atores, capaz de implementar controles pblicos sobre agentes econmicos. H um debate ainda a ser feito sobre os limites para induzir o desenvolvimento e importantssimo a qualidade do desenvolvimento a ser induzido. At que ponto e em que condies legtimo usar recursos pblicos com esse objetivo? 2. CONGLOMERAO A poltica do governo Lula de criao de empresas nacionais lderes globais intensificou um processo de conglomerao privada que teve incio nas privatizaes dos anos 1990. No h estudos mais aprofundados sobre o tema, mas, utilizando apenas as precrias informaes que o BNDES disponibiliza, j possvel dizer que grupos como Andrade Gutierrez, Camargo Corra, Odebrecht, Votorantim, Bradesco/Vale e Gerdau valeram-se do ambiente de liberalizao e privatizaes para diversificar negcios e firmar posies em distintos mercados. Com Lula, essas empresas receberam pesados financiamentos do BNDES e de fundos de penso de empresas estatais. Isso se deu em especial em projetos de infraestrutura e commodities e deu condies aosABR 2011

ENTRE 2003 E 2009,

A REGIO SUDESTERECEBEU MAIS DA METADE

(56,4%)

DOS DESEMBOLSOS,

UM TOTAL DE

R$ 261,7 BILHESA REGIO NORTE FOIA MENOS BENEFICIADA

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as ltimas dcadas, a visibilidade e a importncia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) cresceram na mesma proporo do seu oramento. Entre 2003 e 2009, ele foi multiplicado por quatro. Estatal, maior fonte de financiamento de longo prazo no Brasil, com tradio de definir as bases da economia brasileira, o BNDES planejou o programa de privatizaes do governo Fernando Henrique Cardoso e, posteriormente, liberou os recursos para financiar as vendas e apoiar as estatais alienadas. Nos dois mandatos do presidente Luiz Incio Lula da Silva, o banco ganhou uma centralidade ainda maior, devido sua enorme capacidade de desembolso e tambm passou a incentivar a expanso internacional de empresas brasileiras. O objetivo deste artigo refletir sobre a atuao do BNDES, principalmente durante os governos Lula e, assim, incentivar e influenciar um debate pblico e crtico sobre a capacidade do banco de modelar o padro de crescimento econmico brasileiro. Dividimos este texto em seis tpicos: 1) O papel do Estado na economia; 2) Conglomerao e internacionalizao; 3) O transbordamento do modelo brasileiro para outros pases; 4) A opo pelas commodities; 5) Justia socioambiental e 6) A falta de transparncia do BNDES. 1. O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA A anlise da ao atual do BNDES precisa se remeter aos anos 1990, quando o ento presidente Fernando Henrique Cardoso

(5,5%),O QUE EVIDENCIA A

DIFICULDADEDO BNDES EM ATINGIR

REGIES COM MENOR

DINAMISMOECONMICOlderesde expandir os seus negcios para a Amrica do Sul e a frica. Mesmo com a crise financeira de 2008 e 2009, o BNDES deu respaldo crucial a fuses e aquisies. O banco apoiou operaes como as dos grupos JBS/Bertim, Oi/ Brasil Telecom, Perdigo/Sadia, Votorantim/Aracruz, Ita/Unibanco. Mais ainda, o banco passou a dispensar de alguns procedimentos para a obteno de crdito clientes considerados preferenciais. Ex-estatal, a Vale foi beneficiada por essa regra. Ela tem o recorde de maior financiamento j recebido do BNDES: R$ 7 bilhes. A parceria da Eletrobras para construo da usina Belo Monte, no Par, s foi viabilizada aps o

banco ter concedido enormes facilidades de crdito ao consrcio liderado pela estatal, vencedor do leilo para a concesso. Do ponto de vista da distribuio regional dos seus recursos, o BNDES tem concentrado os financiamentos em regies onde a demanda por crdito j amplamente consolidada. Entre 2003 e 2009, a regio Sudeste recebeu mais da metade (56,4%) dos desembolsos, um total de R$ 261,7 bilhes. A regio Norte foi a menos beneficiada (5,5%), o que evidencia a dificuldade do BNDES em atingir regies com menor dinamismo econmico. Tambm mostra que localidades com mais tradio em financiamentos atraem maior ateno do banco. Esse um limite reconhecido pela prpria instituio. Mesmo os dados que indicam alta de investimentos em determinadas regies precisam ser olhados com cuidado. O investimento no setor hidreltrico na Amaznia eleva o ndice na regio Norte e d a impresso de que ela estaria ganhando relevncia nas estratgias do BNDES. Contudo, no apenas esses investimentos esto concentrados em poucos projetos, mas tambm h que se observar que grande parte da energia dessas represas beneficiar o sul. Alm disso, grandes projetos, como a usina Belo Monte, tendem a agravar desigualdades regionais. Eles ignoram especificidades socioeconmicas dos territrios e acarretam em expropriaes e deslocamento massivo de comunidades, inclusive indgenas.

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

DO MESMO MODO QUE BENEFICIA REGIES MAIS DESENVOLVIDAS, O BNDES TENDE A FAVORECER EMPRESAS DE MAIOR PORTE. ENTRE 2003 E 2009, ELAS RECEBERAM 76% DO TOTAL DOS RECURSOS, EM UMA DEMONSTRAO DA DIFICULDADE DO BANCO DE CHEGAR A MICRO E PEQUENOS EMPREENDIMENTOS

Do mesmo modo que beneficia regies mais desenvolvidas, o BNDES tende a favorecer empresas de maior porte. Entre 2003 e 2009, elas receberam 76% do total dos recursos, em uma demonstrao da dificuldade do banco de chegar a micro e pequenos empreendimentos. A lgica se repete para os setores j consolidados, que so mais favorecidos por conta do maior preparo para requerer financiamentos e aprovar projetos. Agropecuria, indstria extrativista, transporte terrestre, energia eltrica e gs esto entre as reas que mais receberam crditos, enquanto o volume de recursos para educao, cultura, saneamento e sade se mantm residual. Esses nmeros podem ser reflexo do citado alinhamento do BNDES a grandes grupos privados, em nome da competio global. O banco sequer avalia a possibilidade de conciliar essa prioridade com aes de desenvolvimento sustentvel, social e ambientalmente. Nem ao menos debate se essa poltica de incentivo a conglomerados a que propicia dividendos para a maior parte da sociedade. Assim, alternativas estratgia dominante no so sequer consideradas. 3. TRANSBORDAMENTO DO MODELO Ao promover a internacionalizao dos grupos nacionais, o prprio BNDES se globalizou. Em 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso relanou a Iniciativa de Integrao da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), projeto que segue o chamado regionalismo aberto preconizado pelo Banco , Mundial, que vem sendo mantido no governo Lula. Dois anos depois, o BNDES aprovou as diretrizes para o financiamento de empresas do Brasil no exterior. Uma empresa interessada em atuar no exterior, para receber o crdito, deveria favorecer as exportaes brasileiras de bens e servios. Os aportes do BNDES na Amrica do Sul passaram a superar at mesmo os do BID, tradicional na regio. Hidreltricas, rodovias e linhas de transmisso de energia seguem o planejamento da IIRSA, estruturam corredores de exportao e aumentam a capacidade brasileira de explorao de recursos naturais, tanto no Brasil quan-

to nos pases vizinhos. Em junho de 2010, por exemplo, o governo Lula firmou acordo com o Peru para a construo de seis hidreltricas na Amaznia peruana, onde atuam grupos brasileiros apoiados pelo BNDES (Eletrobras, Furnas, OAS, Odebrecht). No caso das usinas Inambari e Paquitzapango, no apenas a energia gerada ser em sua maior parte (75%) vendida ao Brasil, como a gua represada no Peru ser liberada no vero para manter em alta a produo de Jirau e Santo Antnio, localizadas em Rondnia, via o rio Madeira (ver o artigo O vizinho em nossa casa nesta edio). Essa lgica da multinacio, nalizao de empresas brasileiras tambm se verifica na frica lusfona. 4. A OPO PELAS COMMODITIES O esforo do governo brasileiro para incentivar a insero global de grupos nacionais tem resultado numa pauta de exportaes dominada por commodities. No momento, h grande demanda internacional por insumos, mas uma caracterstica e risco desse setor so justamente as variaes abruptas de demanda e de preo, ao contrrio dos produtos de maior valor agregado. Comparando-se o Brasil aos outros pases Brics, v-se que a China, grande compradora das commodities brasileiras, tem aumentado a sua participao no setor intensivo em tecnologia. A ndia, por sua vez, destaca-se em tecnologia da informao e nos mercados automotivo e farmacutico. Os dois pases asiticos, assim, mostram ao Brasil a necessidade de diversificar a produo e as exportaes, opo que deveria ter o papel indutor preponderante do BNDES. Porm, o Estado brasileiro no tem contrabalanceado o efeito demanda e indica preferir apostar em commodities como estratgia de insero internacional. Uma crtica baseada em sries histricas, que dariam maior clareza s tendncias, no possvel infelizmente, porque o BNDES no disponibiliza dados que permitam o clculo preciso do volume de recursos destinados ao setor intensivo em natureza. A partir de algumas informaes, entretanto, estimamos que esses recursos tenham alcanado mais da metade dos desembolsos do banco entre 2003 e 2009.democraciaviva

5. JUSTIA SOCIOAMBIENTAL Importantes aspectos sociais e ambientais envolvem os financiamentos para os setores intensivos em natureza, que tm tradio em gerar poucos e precrios empregos. A concentrao e a opo por grandes projetos tornam o fornecedor vulnervel e dependente de poucas cadeias produtivas, o que evidente no caso de agricultores e agricultoras familiares. Essa lgica provoca a expulso de famlias do campo e a apropriao de recursos naturais em larga escala, gerando danos ambientais significativos. No entanto, esses aspectos no tm sido adequadamente considerados pelo BNDES. Em 2008, o banco iniciou a reformulao da sua rea ambiental, por ocasio de um acordo de US$ 1,3 bilho que o governo brasileiro firmou com o Banco Mundial. O Emprstimo Programtico para o Desenvolvimento em Gesto Ambiental Sustentvel (SEM DPL, na sigla em ingls), alocado no BNDES, tem como objetivo melhorar a efetividade e a eficincia das polticas e diretrizes do sistema brasileiro de gesto ambiental Parte da misso elaborar uma nova . poltica ambiental e social para o banco. Segundo o SEM DPL, o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconheceu que a maioria dos projetos financiados no haviam passado por todo o processo de licenciamento ambiental e social. O Departamento est procurando, mas ainda no adquiriu um papel de autoridade para ter as consideraes ambientais e sociais como parte do processo de avaliao do projeto diz o documento. O , texto afirma que ainda no h uma exigncia oficial para preparar o anexo ambiental e social na documentao do projeto . Apesar da dimenso e do valor dos projetos financiados pelo BNDES, no h um debate pblico sobre a poltica ambiental em construo no banco. Isso grave. A parceria com o Banco Mundial traz incertezas, pois as intervenes do organismo internacional na rea de meio ambiente em outros pases no foi bem-sucedida. Tambm alvo de preocupao o Fundo Amaznia. Criado em 2008 com doaes da Noruega, o fundo tem o objetivo de apoiar projetos de preservao e uso sustentvel da natureza. O BNDES foi escolhido pelo governo para administr-lo, mas at agora no se mostrou capaz de formular e aplicar critrios ambientais para a concesso

dos crditos, nem de atender aos pequenos projetos tpicos das organizaes sociais clientes do fundo, majoritrias na regio. 6. A FALTA DE TRANSPARNCIA Apesar de ser um banco do Estado, o BNDES nunca teve uma poltica de informao pblica e um canal regular de interlocuo com a sociedade. De forma frequente, o banco usa o argumento do sigilo bancrio para no divulgar dados. J agiu assim at com a Controladoria Geral da Unio (CGU), um rgo de controle estatal com status de ministrio. Em 2008, o BNDES passou a disponibilizar informaes sobre a sua carteira de projetos e, inicialmente, divulgou dados sobre os 50 maiores projetos contratados nos doze meses anteriores para cada uma das suas reas de atuao (infraestrutura, indstria, insumos e incluso social). Depois de um ano, a lista foi ampliada para todas as operaes diretas e indiretas. Em 2010, o intervalo de doze meses caiu e hoje esto disponveis informaes sobre projetos contratados desde 2008. As informaes tornadas pblicas so apenas o nome e o CNPJ da empresa beneficiada, uma breve descrio sobre o projeto, o local, a data, e o valor do apoio. A falta de transparncia ainda maior nos financiamentos para fora do pas. O BNDES precisa colocar em debate a opo pelos grandes projetos, em especial nos setores de baixo valor agregado, intensivos em natureza. O tamanho dos desafios aqui elencados d a dimenso da oportunidade que o banco tem de assumir o seu papel em favor de um desenvolvimento que promova direitos no Brasil do sculo 21.

O texto Caixa-forte uma adaptao do artigo O BNDES e a reorganizao do capitalismo brasileiro: um debate necessrio publicado pelos autores no livro-coletnea Os Anos Lula. A obra foi editada pela Garamond no fim do ano passado.

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CARLOS TAUTZ JORNALISTA

FELIPE SISTON JORNALISTA E CONSULTOR DO IBASE

JOO ROBERTO LOPES PINTO CIENTISTA POLTICO

LUCIANA BADIN ECONOMISTA E PESQUISADORA DO IBASE

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

Por um BNDES cidadoCNDIDO GRZYBOWSKI, DIRETOR-GERAL DO IBASE: OS FINANCIAMENTOS DO BANCO SO CADA VEZ MAIORES. IMAGINE SE ESTIVESSEM SOB OUTRA LGICA DE DESENVOLVIMENTO

Controle

pblicoREUNIDAS NA PLATAFORMA BNDES, ORGANIZAES E MOVIMENTOS SOCIAIS COBRAM DO BANCO CRITRIOS SOCIAIS E AMBIENTAISPlataforma BNDES uma articulao entre organizaes e movimentos sociais (listados ao lado), entre eles o Ibase, formada em 2007. O objetivo do grupo contribuir para um controle pblico sobre as aes do BNDES e propor caminhos para o desenvolvimento brasileiro. A plataforma quer colocar em evidncia e discutir o papel do banco no modelo de acumulao de riquezas e gerao de desigualdades no Brasil. Representantes dessas ONGs e movimentos sociais entregaram em julho de 2007 ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o documento Plataforma BNDES Eles defen. diam no texto o carter pblico do banco e cobravam da instituio o compromisso com a justia socioambiental. No documento, propunha-se uma poltica de informao pblica, canais de participao e controle social, critrios sociais e ambientais para a aprovao de projetos, novas linhas de financiamento para a agricultura familiar. As ONGs e movimentos da plataforma defendem que o BNDES corresponsvel pelos impactos socioambientais provocados por seus financiados e buscam o dilogo sobre a poltica operacional do banco. O BNDES resiste em tratar do tema. A plataforma organizou em novembro de 2009, no Rio de Janeiro, o I Encontro Sulamericano das Populaes Impactadas pelos Projetos do BNDES. O evento contou com representantes de 50 organizaes brasileiras e reuniu 200 atingidos da Amrica do Sul. Alm dos participantes brasileiros, veio gente da Bolvia, do Equador e do Peru. Para os integrantes da Plataforma BNDES, o movimento faz parte de uma nova fase da luta por direitos no Brasil. Trata-se da luta por direitos econmicos e pela superao de fato das desigualdades.

INTEGRANTES DA PLATAFORMA BNDESAmigos da Terra Associao de Funcionrios do Banco do Nordeste ATTAC Brasil CUT CPT CONTAG Conselho Indigenista Missionrio Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira Coordenao das Organizaes Indgenas da Bacia Amaznica Sistema de Cooperativas de Crdito Rural com Integrao Solidria Esplar Centro de Pesquisa e Assessoria Fase Federao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo Frum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Frum Brasileiro de Economia Solidria Frum Brasileiro de Segurana Alimentar e Nutricional Frum Popular e Independente do Madeira Frente Nacional do Saneamento Ambiental Ibase Instituto Brasileiro de Inovaes PrSociedade Saudvel Inesc Instituto Polticas Alternativas para o Cone Sul ISA Justia Global MAB MST Movimento Nacional de Direitos Humanos Plataforma Dhesca Rede Alerta contra o Deserto Verde Rede Brasileira de Justia Ambiental Rede Brasil Rede Social de Justia e Direitos Humanos Rebrip Reprter Brasil

O

socilogo Cndido Grzybowski, diretor-geral do Ibase, instituio que edita Democracia Viva, fala em entrevista sobre as aes do Ibase relacionadas ao BNDES. uma instituio importante, mas precisa acompanhar a perspectiva democrtica. E o banco hoje? GRZYBOWSKI Com Lula, de certa maneira, se retomou a ideia do Estado como indutor do desenvolvimento capitalista, e o BNDES passou a apoiar grandes grupos. Num Brasil emergente, o banco parece ser a perna para o pas tomar o lugar de outros antes hegemnicos. o agora a nossa vez Democratizar . o BNDES significa reafirmar a importncia de um banco para financiar o desenvolvimento. A questo como transform-lo para que ele atue de forma radicalmente democrtica e atenta ao bem comum. Devemos nos colocar objetivos de longo prazo. Os presidentes do BNDES so a expresso do governo do momento. J houve presidente que queria acabar com banco. Agora, Luciano Coutinho da velha tradio cepalina. S que tem a estrutura do banco, montada ao longo do tempo, resistente s contradies.DV

democraciaviva Como avalia o papel do BNDES no Brasil? CNDIDO GRZYBOWSKI O BNDES uma das heranas do que o pensamento cepalino tinha de bom, que era o papel indutor do Estado na industrializao. dos anos 1950 esta viso da Cepal (Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe). Quando vem a ditadura, o pensamento cepalino no negado. A ditadura revela as contradies desse pensamento, pois, com o autoritarismo, ele se torna a abordagem mais eficiente para organizar a industrializao brasileira. O BNDES foi fortalecido nessa poca, assim como tambm foram as empresas estatais, ampliando o seu lugar no trip privado-multinacional-estatal. Com a redemocratizao, o BNDES foi uma das instituies que menos se democratizou. O BNDES carrega na sua cultura um autoritarismo mascarado pelo discurso da eficincia econmica. O banco se abriu pouco discusso, muito tecnocrtico e isso marca a sua prtica. O BNDES

DV Qual a atuao do Ibase em relao ao BNDES? GRZYBOWSKI O projeto que desenvolvemos justamente sobre como democratizar o BNDES. Por meio deste projeto, fazemos parte da Plataforma BNDES, um movimento da sociedade civil que defende o controle pblico do banco e uma interveno cidad dessa instituio (leia texto ao lado). A atuao do Ibase nasce do nosso trabalho sobre oramento pblico. A discusso nos levou a ver que havia uma sada de dinheiro pblico muito maior que outras e mais estratgica. Um outro aspecto que o desenvolvimentismo no mudou com a democratizao, e achamos que conquistar a democracia mudar esse desenvolvimento. Nosso trabalho at agora abriu portas. Houve alguns movimentos por parte do banco, e preciso ocupar esse espao. O BNDES da sociedade brasileira, as demandas da cidadania tm que se impor ao banco. Ter que chegar o momento em que se crie uma presso tal que o banco ter que mudar. Os financiamentos do BNDES so cada vez maiores. Imagine se esses recursos estivessem sob uma outra lgica de desenvolvimento.

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PARA SABER +Para assistir a um minidocumentrio sobre a histria da Plataforma BNDES, a um vdeo sobre o encontro das populaes impactadas e saber mais sobre a iniciativa, acesse www. plataformabndes.org.br

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

MEMRIAS DO

DesenvolvimentoCOLEO EDITADA PELO CENTRO CELSO FURTADO MATERIAL VALIOSO PARA A COMPREENSO DA HISTRIA DA POLTICA ECONMICA BRASILEIRAEDUARDO RAPOSO

MEMRIAS DO DESENVOLVIMENTON1 AO N4EDIO: Centro Internacional Celso Furtado de Polticas para o Desenvolvimento, Rio de Janeiro, de 2007 a 2010 Os quatro volumes esto disponveis para download no site do Centro Celso Furtado: www.centrocelsofurtado.org.br

O vizinho em nossa casaHIDRELTRICAS NA AMAZNIA PERUANA PARA GERAR ENERGIA PARA O BRASIL DESLOCAM POPULAES INDGENAS E AFETAM O MEIO AMBIENTE NO PAS VIZINHOANTONIO ZAMBRANO ALLENDEaquitza uma ave, uma guia gigante da mitologia Ashaninka, a quem se atribui o hbito de devorar os habitantes de uma determinada regio. Conta a lenda que certa vez Paquitza caiu em uma armadilha dos Ashaninka. Eles a mataram e espalharam suas penas nos rios onde depois nasceram as comunidades indgenas do Amazonas. A lenda inspirou o nome da hidreltrica Paquitzapango, cuja concesso para construo da empresa brasileira Odebrecht. A obra, em terra ndigena, deslocar o povo Ashaninka. Paquitzapango uma das hidreltricas que se converteu repentinamente numa das tantas construes, segundo o Estado peruano, de interesse pblico O termo utili. zado para minimizar e cancelar os direitos sociais e ambientais dos povos atingidos. Ele est no Acordo Energtico Peru-Brasil, recentemente assinado. Pelo acordo, mais de 6 mil megawatts de energia eltrica sero produzidas em territrio peruano para atender, nas prximas dcadas, as necessidades brasileiras. A capacidade energtica do Peru hoje de 5,85 mil megawatts. Sobre o pas, no h uma estimativa precisa das necessidades de energia, nem um plano para os prximos anos. Por intermdio de empresas como a Odebrecht, o Brasil estuda a construo de represas de grande impacto em toda a poro peruana da bacia amaznica e alimenta, dessa forma, fora das suas fronteiras, o seu Programa de Acelerao do Crescimento (PAC). No se sabe o total de hidreltricas previstas no acordo entre Brasil e Peru. No entanto, o futuro pode ser vislumbrado pela primeiraABR 2011

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ara os que se interessam em compreender a histria da poltica econmica brasileira, o Centro Internacional Celso Furtado de Polticas para o Desenvolvimento tem quatro volumes intitulados Memrias do Desenvolvimento O quarto livro foi lana. do em 2010 e resultado de pesquisa O papel do BNDE na industrializao do Brasil os anos dourados do desenvolvimentismo, 1952 1980, coordenada pela economista Maria da Conceio Tavares, entre 2007 e 2010. O primeiro volume do Memrias reedita o debate travado entre Celso Furtado e o economista estoniano Ragnar Nurkse, ocorrido em 1950, sobre a formao de capitais em pases subdesenvolvidos. O segundo traz uma srie de documentos sobre o Fundo de Reaparelhamento Econmico (FRE) e sobre a Comisso Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), criados em 1951, no segundo governo de Getlio Vargas, e peas fundamentais no processo de industrializao nacional. O terceiro livro contm entrevistas realizadas em 1982 pelo Projeto Memria do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico), antigo nome do atual BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social). O projeto colheu depoimentos de presidentes, diretores e funcionrios do BNDE e de lderes empresariais que mantiveram negcios com o banco. Entre outros falaram Lucas Lopes, Roberto Campos, Celso Furtado, Igncio Rangel, Rmulo de Almeida e Jos Mindlin. No quarto volume, na pesquisa comandada por Maria da Conceio Tavares, analisa-se a criao, a evoluo e as transformaes ocorridas no BNDE em trs dcadas. Os quatro Memrias apresentam um conjunto de documentos e anlises que testemunha a favor do desenvolvimentismo como um

projeto poltico bem-sucedido no Brasil, que, a partir dos anos de 1950, combateu o subdesenvolvimento por meio do planejamento estatal e de polticas pblicas orientadas para a industrializao nacional. Apesar da participao irregular, o BNDE destacou-se como uma das principais instituies de fomento da economia brasileira, lanando o pas em direo a um estgio mais avanado da industrializao. Mais ainda, o desenvolvimentismo adquiriu no debate nacional a dimenso de principal ideologia econmica, disputando com as aes monetaristas e estabilizadoras as preferncias polticas e por vezes eleitorais, num Estado e numa sociedade que se modernizavam a passos largos. Visto em perspectiva histrica, as polticas desenvolvimentistas e as polticas monetaristas alternaram-se, respondendo a necessidades distintas e oferecendo diagnsticos e prognsticos diferenciados para os problemas econmicos brasileiros. Nessa condio, fizeram e fazem parte do debate nacional at os dias de hoje. O perodo compreendido entre 1930 e 1980, apesar de basicamente desenvolvimentista e industrializante, caracterizou-se tambm por alguns momentos de menor interferncia estatal, como verificado na primeira fase dos governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 e 1947), na segunda fase do governo de Getlio Vargas (1953 e 1954) e durante os perodos de Caf Filho e de Castelo Branco. Neste ltimo, foi criado o Conselho Monetrio Nacional e um banco central dotado de autonomia, tendo sido atribudo ento ao mercado (capital privado nacional e internacional) lugar de destaque na estratgia destinada a

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combater o populismo econmico, o dficit pblico e a inflao. Os demais governos militares foram desenvolvimentistas. Sob Joo Baptista Figueiredo, foi elaborado o Plano de Desenvolvimento Nacional (III PND). A partir de ento os planos governamentais destinaram-se, sobretudo, a combater o processo inflacionrio que havia se instalado no pas, com a dvida externa, e o desequilbrio na balana de pagamentos corroendo dramaticamente a economia nacional. Os governos de Jos Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso se dedicaram prioritariamente ao combate da inflao. No segundo mandato de Luiz Incio Lula da Silva, com os ajustes realizados nas contas pblicas e com as condies econmicas internacionais favorveis, o crescimento da economia foi, de novo, fomentado, voltando o desenvolvimentismo a ser uma opo poltica vivel. Todo o rico material disponvel nesses quatro volumes publicados pelo Centro Internacional Celso Furtado ir ajudar, sem dvida, a compreender melhor o carter da poltica econmica brasileira com seus ciclos e suas crises.

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EDUARDO RAPOSO CIENTISTA POLTICO, COORDENADOR DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS DA PUC-RIO

e mais avanada de todas elas: a Inambari. Nos arredores de um dos parques nacionais de maior diversidade biolgica do mundo, o BahuajaSonene, o consrcio Egasur, integrado por Eletrobras, OAS e Furnas, planeja a maior hidreltrica do Peru. A Inambari produziria mais de 2.200 megawatts e inundaria uma rea de 4.000 quilmetros quadrados. Isso implicaria no deslocamento de dezenas de povos que vivem na regio. Segundo o governo peruano, o pas no teria como dar conta do consumo de toda essa energia. Cerca de 75% seria exportado para o Brasil. O volume de gua represado maior do que o necessrio para produzir toda a energia prevista em Inambari. Esse excedente servir para ser liberado durante o vero e assegurar gua para as hidreltricas de Jirau e Santo Antnio, que ficam em territrio brasileiro. Ou seja, destri-se o Peru para construir o Brasil. A integrao sul-americana se desenvolve sempre margem dos seus povos, beneficiando hidreltricas ou estradas interocenicas. Se o objetivo integrar, por que ligar oceanos, e no sociedades? Por que exportar commodities, em vez de alimentar as naes? Por que degradao em lugar de interculturalidade? Perguntas que devem ser feitas presidenta brasileira, Dilma Roussef, e ao prximo presidente peruano, a ser eleito neste ano.

DAVID AMEN

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ANTONIO ZAMBRANO ALLENDE CIENTISTA POLTICO E INTEGRANTE DO FRUM SOLIDARIEDAD PER

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DESENVOLVIMENTO PRA QU?

O imperativo dos direitos humanosAS CONQUISTAS SOCIAIS DEVEM SER O PRINCIPAL INDICADOR DO DESENVOLVIMENTOIVANILDA FIGUEIREDO

A DECLARAO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DA ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS (ONU), DE 1986, DEFINIU QUE TODOS OS POVOS E PESSOAS TINHAM QUE PARTICIPAR DO DESENVOLVIMENTO ECONMICO, SOCIAL, CULTURAL E POLTICO DA SOCIEDADE EM QUE VIVEMcompromissos, o trabalho com indicadores de direitos humanos. Esses ndices jamais podero representar toda a complexidade social do tema, porm se tornaram um dos modos mais eficazes de se mensurar violaes, analisar progressos e desafios e comparar realidades. Sob o risco de parecer ativista demais, ouso dizer que a incorporao aos direitos humanos da linguagem do desenvolvimento processo ainda mais complexo. A velha mxima, muito conhecida no nosso pas, de que necessrio esperar o bolo crescer para depois dividi-lo ainda no foi completamente superada. Ela est presente nas justificativas favorveis a remoes de populaes por causa de grandes projetos, no modo como o direito humano ao meio ambiente e os direitos dos indgenas so tratados como bices ao desenvolvimento. A Dcada das Conferncias das Naes Unidas culminou com a afirmao das Metas do Milnio, nas quais os pases se comprometiam a terminar com violaes graves de direitos humanos at 2015. O prprio Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial impuseram em seus acordos o cumprimento dessas metas e preocuparam-se com seu monitoramento. No entanto, as oito Metas do Milnio representam apenas uma parcela mnima de um nmero restrito de direitos humanos e, de acordo com as estimativas do PNUD e de redes independentes de monitoramento, as metas no sero atingidas no prazo por grande parte dos pases. Isso extremamente grave. Os direitos humanos so interconexos, interdependentes e inter-relacionados, assim estabelecem inmeros tratados dos quais o Brasil faz parte. Eles precisam se espraiar sobre as mais diversas aes governamentais. No h um s ministrio ou secretaria que no possa promover os direitos humanos pelas suas aes. Eles

alar de princpios fundamentais da Repblica brasileira pode aparentar ingenuidade (ou veleidade) em uma nao na qual h leis que pegam e outras que no pegam, em um pas que inverteu toda a lgica do processo legislativo e, agora, para ter certeza de que uma lei vale, espera no pela aprovao do Legislativo e sano do Executivo, mas pela deciso do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, me arrisco. Os princpios fundamentais da Constituio brasileira, por mais que sejam percebidos por muitos apenas como palavras vs, representam a base sobre a qual est edificada nossa sociedade. Dentre eles se encontram lado a lado o fomento ao desenvolvimento nacional e a prevalncia dos direitos humanos (art. 3 da Constituio), bem como o objetivo da construo de uma sociedade livre, justa e solidria, na qual se assegure o fim da pobreza e da marginalizao e a reduo das desigualdades sociais e regionais (art.4). Apesar disso, desenvolvimento e direitos humanos foram, durante longo perodo, no debate pblico, colocados em lados diferentes, muitas vezes, contrapostos. O desenvolvimento entendido como progresso seria o objetivo maior do Estado, o modo de tornar melhor a vida da populao e assegurar-lhe, ento, direitos. Os direitos humanos, por sua vez, eram vistos como bandeiras de movimentos sociais. A leitura que conectou ambos, aproximando defensores de um e do outro lado, ainda recente.

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A adoo pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) do ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) agregou o adjetivo humano ideia de desenvolvimento. Um dos artfices do IDH, Amartya Sen, tem defendido os direitos humanos no como parte do desenvolvimento, mas constitutivos dele. No livro Desenvolvimento como liberdade ele , afirma: Devemos considerar fundamentalmente mal orientada uma pergunta formulada com muita frequncia na literatura sobre desenvolvimento: a democracia e os direitos civis bsicos ajudam a promover o processo de desenvolvimento? Na verdade, podemos ver a emergncia e a consolidao desses direitos como constitutivas do processo de desenvolvimento . A Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento da Organizao das Naes Unidas (ONU), de 1986, definiu que todos os povos e pessoas tinham que participar do desenvolvimento econmico, social, cultural e poltico da sociedade em que vivem. A Declarao e Programa de Ao de Viena, considerada uma reafirmao da Declarao Universal de Direitos Humanos e assinada por 171 pases, anuncia que, embora o desenvolvimento facilite a realizao de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento no poder ser invocada como justificativa para se limitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos (art. 10). A aproximao entre desenvolvimento e direitos humanos tambm foi facilitada pela noo vinda da chamada Dcada de Conferncias da ONU (1990-2000) de que era necessrio agregar cada vez mais os direitos humanos linguagem de metas, prazos e progressividade. Trata-se do uso de instrumentos antes restritos s anlises econmicas e desenvolvimentistas. Importantes tratados sedimentaram a ideia de que era preciso o monitoramento dedemocraciavivaABR 2011

devem ser estabelecidos progressivamente do modo mais rpido possvel. No se trata de crescer para depois repartir, mas de ir conjuntamente crescendo e repartindo. Essa, inclusive, uma estratgia que se mostrou vitoriosa em termos econmicos. Um dos fatores apontados para a resistncia do Brasil contra a crise econmica global foi o crescimento do poder aquisitivo gerado pelo aumento do salrio mnimo e pela redistribuio de renda via o Benefcio de Prestao Continuada e o Bolsa-famlia (ver Relatrio Brasil do Social Watch em www.socialwatch.org.br). Um longo caminho j foi percorrido na busca de uma real e realizvel sinergia entre direitos humanos e desenvolvimento. Entretanto, a estrada ainda longa e tortuosa, mas se tornar mais curta e branda quanto mais o Estado e a sociedade conseguirem assumir que os direitos humanos constituem desenvolvimento. No h progresso social mensurado somente por ndices econmicos. O desenvolvimento s pode ser medido pela capacidade de uma sociedade em possibilitar o mximo desfrute dos direitos humanos por sua populao.

OBRA DE HELDER OLIVEIRA

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IVANILDA FIGUEIREDO DOUTORA EM DIREITO PELA PUCRIO, PESQUISADORA DO IBASE E REPRESENTA A INSTITUIO NAS REDES DE DIREITOS HUMANOS

PARA SABER +Desenvolvimento como liberdade, do Nobel em Economia, Amartya Sen, editado no Brasil em 2000, pela Companhia das Letras, o melhor modo de ter contato com a teoria do autor sem precisar se deter em intrincados debates acadmicos

www.direitoshumanos.usp.brMaior acervo virtual de tratados de direitos humanos em portugus

www.pnud.org.brO PNUD divulga anualmente o ranking do IDH, alm de um relatrio mundial e um nacional sobre os problemas e desafios do desenvolvimento humano

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FOTOS: VERENA GLASS

A DONA DO XINGUFELIPE SISTON Menina, voc trabalha num rgo do governo. No tem medo de perder o emprego, no? Fui escolhida pelo povo indgena para trabalhar aqui. No foi pela governadora. Mas tem que medir o que fala sobre essa barragem. Amiga, ou represento o meu povo, ou volto para o cabo da enxada. Sheyla Juruna, 36 anos, da aldeia Boa Vista, representa o seu povo na Unidade Regional de Educao em Altamira (PA), onde passa a semana com os seus dois filhos, um de 14 e o outro de quatro anos. A casa de Sheyla tem quatro cmodos e plantas amaznicas no quintal. A sua aldeia fica a 20 minutos de nibus dali, no km 17 da rodovia Ernesto Acioly, para onde a famlia vai nos finais de semana encontrar a paj Cndida Juruna, me de Sheyla. O nome Juruna ficou conhecido no Brasil graas projeo poltica do cacique Mrio Juruna, eleito deputado federal na dcada de 1980, mas que, apesar do nome, era xavante. Juruna e Sheyla tm em comum o nome e a luta pelo respeito aos indgenas. Liderana nacional, Sheyla representa a sua comunidade em temas que vo de educao at demarcao de terras. Para os amigos, o seu entusiasmo poltico nato. s vezes, a causa nos escolhe diz Sheyla Juruna, , nica mulher em um grupo de 14 lderes indgenas na regio do mdio Xingu, rio que nasce no Mato Grosso e percorre quase 2.000 quilmetros at desaguar prximo foz do Amazonas. O grupo contrrio construo da hidreltrica de Belo Monte, no Xingu, um projeto polmico que tem mais de 20 anos. A construo da segunda maior hidreltrica brasileira poderia remover mais terra do que a construo do Canal do Panam. O Xingu fonte de alimentos e referncia cultural para mais de oito mil indgenas s no Mdio Xingu. A regio constitui uma provncia multitnica, reunindo trs dos quatro macrotroncos lingusticos existentes no Brasil, o Tupi, o J e o Karib. A ameaa ainda mais grave porque a Fundao Nacional do ndio (Funai) ainda no reconheceu todas as terras indgenas nas reas impactadas, como o caso da aldeia de Sheyla Juruna. Somente a demarcao de terras, porm, no garante a preservao. O Parque Indgena do Xingu a maior rea demarcada no Brasil, onde vivem seis mil indgenas de 16 etnias. Estima-se que 33% do total das nascentes estejam sem a cobertura vegetal originria, retirada para ceder lugar pecuria e soja. Habitantes do parque relatam assoreamento de afluentes do rio e a reduo da quantidade de peixes. A demarcao de terras e o reconhecimento da identidade indgena, segundo Saulo Feitosa, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionrio (Cimi), continuam a ser as principais frentes do movimento. Ele conta que a luta pelos direitos difcil. Acompanho casos de indgenas presos por crimes que no cometeram, justiamentos, tentativas dedemocraciaviva

S VEZES, A CAUSA NOS ESCOLHE, DIZ SHEYLA JURUNA, NICA MULHER EM UM GRUPO DE 14 LDERES INDGENAS NA REGIO DO MDIO XINGUSACUDIDOS E JOGADOS PRA CIMA O antroplogo Antnio Carlos Magalhes acompanha h mais de dez anos a trajetria de Sheyla Juruna e de sua famlia. Ele explica que o termo Juruna faz referncia direta Xingu e que os membros da etnia se consideram donos do Xingu bero das , suas tradies e de onde foram progressivamente expulsos. Os jurunas esto dispersos pelas periferias das cidades s margens do rio, e a nica aldeia demarcada, Paquiamb, fica prxima regio da Volta Grande do Xingu. Com a hidreltrica, a Volta Grande ter a sua vazo reduzida. A impresso que se tem que foram reunidos, sacudidos e jogados para cima, de modo que quando caram em terra perderam-se uns dos outros afirma a , historiadora Marcia Pires Saraiva, em um de seus trabalhos dedicados etnia. Sheyla resiste contra o destino. Ela est para se tornar a quarta gerao de mulheres foradas a deslocar-se. A av Francisca foi quem lhe contou a saga da sua famlia. Era uma roda de netos em torno da fogueira ouvindo as histrias de fuga. Alguns dormiam, mas eu ouvia atenta diz Sheyla. ,

O cineasta James Cameron com Sheyla Juruna

assassinato e homicdios, violao ao patrimnio indgena, sem falar da violncia entre indgenas e os suicdios Feitosa estima que . haja pelo menos 500 focos de ameaas aos indgenas no pas, muitos deles por conta de empreendimentos como construo de hidreltricas, rodovias e o agronegcio. A polmica em torno da hidreltrica de Belo Monte atrai a ateno internacional. Em 2010, a causa ganhou o apoio do cineasta canadense James Cameron, diretor de Avatar que veio ao Brasil e se encontrou , com Sheyla Juruna na Amaznia. Avatar se passa em outro planeta, no ano de 2154, mas lembra a polmica da hidreltrica. Conta a histria de um conflito com extrativistas interessados em encontrar uma fonte barata de energia. No filme, a personagem Neytiri leva o heri ao cl ameaado e o ensina os seus costumes. Na vida real, no meio da floresta, Sheyla Juruna pintou o rosto de Cameron de vermelho e anunciou com um grito o novo guerreiro na luta contra Belo Monte. A manifestao no interrompeu a licitao, mas as frustraes no tiram a convico de Sheyla. Para mim nada impedimento. J sofri muitas presses e jamais deixarei de ser quem eu sou afirma. ,ABR 2011

A bisav Clotilde fugiu dos ataques de ndios Xikrin do Bacaj e seringueiros no incio do sculo 20. A saga foi revivida por Francisca, que teve os familiares mortos em conflitos com seringueiros e povos rivais. Ela se alimentou com flores de castanheiras at encontrar um barraco. L minha v aprendeu o portugus e casou-se com Plcido, seringueiro vindo do Maranho conta Sheyla. , O governo brasileiro tem se empenhado para atualizar essa tradio. O consrcio Norte Energia foi escolhido para a construo da Belo Monte. No vejo necessidade de tanta destruio em nome de um desenvolvimento mascarado por interesses de to poucos, mas com desgraa para muitos diz Sheyla Juruna. , No s Sheyla e a me Cndida sero despejados pela represa. A av Francisca e a bisav Clotilde tambm. Para os jurunas, os espritos ancestrais moram nas pedras visveis do rio, pedras prestes a serem alagadas.

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FELIPE SISTON JORNALISTA E CONSULTOR DO IBASE

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A revoluo

verde (e amarela)o vrios os organismos que apoiam uma revoluo verde no continente africano, com base nos problemas referentes segurana alimentar (a agricultura responde por 16% do PIB africano), no interesse pela atividade agrcola na regio (75% dos africanos e africanas se empregam na agricultura e, destes, 95% so pequenos produtores) e na incapacidade para cumprir as Metas do Milnio (400 milhes vivem com menos de US$ 1 por dia no continente). H tambm o interesse do agronegcio em grande escala, desde que a cooperao Sul-Sul descobriu a frica como a ltima fronteira de investimentos das economias emergentes, a saber a China, a ndia e o Brasil. A Aliana pela Revoluo Verde na frica (Agra), da qual participam fundaes privadas, como Rockfeller e Gates, e as Naes Unidas1, pretende dar ateno ao problema da fome generalizada no continente. Apesar de seus programas para a introduo de novas variedades de sementes e agrotxicos estarem mais de acordo com o atual clima de novos negcios, o aumento da demanda e dos preos nas exportaes (sobretudo de commodities) no deixou de favorecer, segundo informaes do Economic Report on Africa 2010 da Comisso Econmica para , a frica das Naes Unidas, um crescimento econmico maior no oeste (5,5%) e leste da frica (4,3%), em relao ao 1,1% na frica austral em 2009. No entanto, como destacou recentemente o secretrio-geral da Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (UNCTAD), Supachai Panitchpakdi, a capacidade geral do continente para produzir alimentos caiu em 1/5 nos ltimos 40 anos. A falta de investimento pblico e o escasso interesse do setor privado, entre outros motivos, acaba-

PAULICA SANTOS

GOVERNO E EMPRESAS BRASILEIRAS FORTALECEM AGRONEGCIO NA FRICA, ENQUANTO ORGANIZAES LOCAIS REIVINDICAM O DIREITO DE DECIDIR SOBRE O SEU SISTEMA ALIMENTARCARLOS AGUILAR

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ram por transformar pases exportadores de alimentos em pases importadores lquidos. Para enfrentar a situao foi aprovada a Declarao de Maputo sobre Agricultura e Segurana Alimentar na frica (2003), que indicou a necessidade de um investimento de 10% dos recursos nacionais na agricultura e na poltica de desenvolvimento rural at 2008, assim como o crescimento de 6% ao ano dos setores agrcolas domsticos at 2015. As estimativas atuais, contudo, apontam que tais objetivos foram alcanados parcialmente e apenas em poucos pases. A soluo proposta de aumentar a produtividade por meio da chamada revoluo verde pode ser fonte de novos desequilbrios, mais do que soluo real para os problemas agrcola e alimentar na regio. A melhor demonstrao disso so as denncias sobre as alianas da Fundao Gates com grandes empresas para a ampliao do uso de organismos geneticamente modificados na frica2. FAZENDO COMRCIO DA FOME As mais importantes economias emergentes vm aproveitando o enorme potencial que a agricultura africana oferece, e um dos casos mais notveis o do Brasil. O pas aumentou o valor de suas exportaes nos ltimos anos e oferece assistncia tcnica e assessoria agrcola em mais de 20 pases da frica por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), sobretudo para o caso de agrocombustveis. Inclusive Jacques Diouf, diretor geral da FAO, a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao, destacou neste ano, durante o Frum Brasil-frica, realizado em Braslia, a capacidemocraciaviva

dade da Embrapa de transferir para a frica recurso