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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO A PARTIR DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO LOCUS ESCOLAR Jutta Cornelia Reuwsaat Justo Margarete Fatima Borga Universidade Luterana do Brasil RESUMO A construção de conhecimentos matemáticos a partir da resolução de problemas tem sido pesquisada por educadores matemáticos há algumas décadas. No entanto, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, principalmente nas duas primeiras séries deste nível de ensino, as crianças não são desafiadas pelos seus professores a resolverem problemas, justificando para isto que a maioria delas não possui o domínio necessário da escrita, leitura e conhecimento sistematizado das operações matemáticas. O estudo de caso em questão buscou investigar a possibilidade de propor situações-problemas a alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, a partir da formação do professor no lócus escolar. O estudo foi desenvolvido, durante seis aulas com duas horas de duração cada, em uma escola pública, com duas turmas do 2° ano e suas professoras. As atividades com problemas aditivos de transformação foram elaboradas pelas pesquisadoras sob os pressupostos da Teoria dos Campos Conceituais. Os alunos foram estimulados a resolver os problemas através de representações gráficas espontâneas. Os dados que fundamentaram a pesquisa baseiam-se na análise das resoluções das crianças e das reflexões produzidas pelos professores durante e após as aulas. Identificou-se a capacidade das crianças de solucionar problemas matemáticos, expressando seus pensamentos e seus raciocínios oralmente e através de desenhos. Verificou-se que as professoras perceberam a capacidade de seus alunos em resolverem problemas e, principalmente, sentiram-se desafiadas a trabalhar com eles conceitos matemáticos a partir da resolução de problemas. Palavras chaves: Formação continuada de professores. Resolução de problemas. Campo Aditivo. INTRODUÇÃO Conforme recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (BRASIL, 1997), o ponto de partida das atividades matemáticas deve ser a resolução de problemas. Conceitos matemáticos devem ser abordados por meio de problemas que exijam o uso de estratégias para resolvê-las. Smole e Muniz (2013) ressaltam que: Desta forma, em meio a muitas possibilidades de trabalho nos anos iniciais, a resolução de problemas tem despertado interesse de pesquisadores como uma proposta que visa à aproximação da matemática com a realidade (SMOLE; MUNIZ, 2013, p.50). As crianças, desde cedo, através de suas experiências, desenvolvem a ideia de números, de espaço e tempo, recorrem a noções matemáticas associadas a contar, Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 04228

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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL:

UM ESTUDO A PARTIR DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO LOCUS

ESCOLAR

Jutta Cornelia Reuwsaat Justo

Margarete Fatima Borga

Universidade Luterana do Brasil

RESUMO

A construção de conhecimentos matemáticos a partir da resolução de problemas tem

sido pesquisada por educadores matemáticos há algumas décadas. No entanto, nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, principalmente nas duas primeiras séries deste nível de

ensino, as crianças não são desafiadas pelos seus professores a resolverem problemas,

justificando para isto que a maioria delas não possui o domínio necessário da escrita,

leitura e conhecimento sistematizado das operações matemáticas. O estudo de caso em

questão buscou investigar a possibilidade de propor situações-problemas a alunos do 2º

ano do Ensino Fundamental, a partir da formação do professor no lócus escolar. O

estudo foi desenvolvido, durante seis aulas com duas horas de duração cada, em uma

escola pública, com duas turmas do 2° ano e suas professoras. As atividades com

problemas aditivos de transformação foram elaboradas pelas pesquisadoras sob os

pressupostos da Teoria dos Campos Conceituais. Os alunos foram estimulados a

resolver os problemas através de representações gráficas espontâneas. Os dados que

fundamentaram a pesquisa baseiam-se na análise das resoluções das crianças e das

reflexões produzidas pelos professores durante e após as aulas. Identificou-se a

capacidade das crianças de solucionar problemas matemáticos, expressando seus

pensamentos e seus raciocínios oralmente e através de desenhos. Verificou-se que as

professoras perceberam a capacidade de seus alunos em resolverem problemas e,

principalmente, sentiram-se desafiadas a trabalhar com eles conceitos matemáticos a

partir da resolução de problemas.

Palavras chaves: Formação continuada de professores. Resolução de problemas.

Campo Aditivo.

INTRODUÇÃO

Conforme recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN

(BRASIL, 1997), o ponto de partida das atividades matemáticas deve ser a resolução de

problemas. Conceitos matemáticos devem ser abordados por meio de problemas que

exijam o uso de estratégias para resolvê-las. Smole e Muniz (2013) ressaltam que:

Desta forma, em meio a muitas possibilidades de trabalho nos anos iniciais, a

resolução de problemas tem despertado interesse de pesquisadores como uma

proposta que visa à aproximação da matemática com a realidade (SMOLE;

MUNIZ, 2013, p.50).

As crianças, desde cedo, através de suas experiências, desenvolvem a ideia de

números, de espaço e tempo, recorrem a noções matemáticas associadas a contar,

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

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manipular e operar pequenas quantias de dinheiro, pontos de jogos, mostrar idade

utilizando dedos, enfim, a resolver problemas próprios para sua idade e vivências.

Nunes e Bryant (1997) afirmam que “é difícil saber quando as crianças começam a

apender matemática” (p.34) e que “crianças de 4 ou 5 anos já podem resolver problemas

de matemática [...] mas, é certo que sua carreira formal começa na escola” (p. 118). O

conhecimento matemático surge das necessidades das próprias crianças na interação

com o meio, essa vivência inicial favorece a elaboração de conhecimentos matemáticos

na escola.

Não obstante, existem crenças que podem ser percebidas no que se refere à

resolução de problemas nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Smole et al (2000a,

p. 95), quando trata dessa questão, afirmam que “sabemos que não é comum o trabalho

com resolução de problemas com crianças que não leem, uma vez que se considera o

aluno apto a resolver problemas apenas quando tem algum controle sobre sua leitura,

identifica algumas operações e sinais matemáticos”, confirmando um pensamento

comum entre professores dos anos iniciais.

Consideramos que, para ampliar as capacidades em resolução de problemas, é

imprescindível que desde o princípio da escolaridade as crianças sejam desafiadas a

procurar respostas próprias para solucioná-los.

O objetivo desta pesquisa é investigar a possibilidade de propor situações-

problemas a alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, a partir da formação do professor

no lócus escolar, buscando quebrar o mito de que os alunos precisam ter domínio do

esquema de cálculo e proficiência leitora convencional para resolver problemas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Entende-se que a formação continuada dos professores no lócus escolar favorece

a aprendizagem de conhecimentos necessários ao professor já apontados por Shulman

(1986): conhecimento sobre o conteúdo específico (saberes acadêmicos), conhecimento

pedagógico geral, conhecimento do currículo, conhecimento pedagógico do conteúdo,

conhecimento dos alunos e de suas características, conhecimentos dos contextos

educacionais, conhecimento dos fins, de propósitos e valores educacionais. Acredita-se que

o conhecimento didático dos professores sobre o objeto de ensino não é o único

conhecimento necessário aos professores, assim como são vários os saberes docentes que se

concretizam em seu fazer pedagógico (FIORENTINI; SOUZA Jr.; MELO, 2003; LEAL,

2006; TARDIF, 2004). Este modelo de formação segundo Marcelo (1992, p.54) favorece

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“uma formação contínua centrada na atividade cotidiana da sala de aula, próxima dos

problemas reais dos professores, tendo como referência central o trabalho das equipes

docentes, assumindo, portanto uma dimensão participativa, flexível e ativa”.

Compactuando com esta posição, reconhece-se que, no desenvolvimento da

experiência de ensino de matemática aqui relatada, os saberes acadêmicos e os saberes da

experiência dos professores precisam estar aliados “ao seu conhecimento pedagógico (geral

e específico do conteúdo) e ao seu conhecimento das crianças como aprendizes de

matemática” (BRANSFORD; BROWN; COCKING, 2007, p.214). Desta forma, propôs-se

a formação no lócus escolar, articulando saberes acadêmicos e saberes da prática, através do

ensino e da aprendizagem de problemas matemáticos na perspectiva da Teoria dos Campos

Conceituais (VERGNAUD, 1990).

O campo conceitual das estruturas aditivas se ajusta ao conjunto de situações

que pedem uma adição, uma subtração ou uma combinação das duas operações para

serem resolvidas (VERGNAUD, 1990). Conforme a semântica, os problemas

matemáticos aditivos são classificados em quatro categorias de situações:

transformação, combinação, comparação e igualação (JUSTO, 2009).

Delimitamos o estudo aos problemas de transformação que Magina et al (2008,

p.26) apontam como aqueles que tratam “de situações em que a ideia temporal está

sempre envolvida, no estado inicial tem-se uma quantidade que se transforma, chegando

ao estado final com outra quantidade”. Justo (2009) explica que dependendo de qual

valor é desconhecido, os problemas de transformação possuem diferentes níveis de

dificuldade. A quantidade desconhecida pode ser a situação final, a transformação ou a

situação inicial, o que gera, para cada uma das condições, de acrescentar ou diminuir,

três tipos de problemas, totalizando seis problemas de transformação. Quando a

operação que resolve o problema é a mesma da situação apresentada, o problema tem

menor grau de dificuldade do que quando ocorre o inverso.

Para resolver os problemas solicitamos, como forma de registro e comunicação

do raciocínio elaborado, as representações gráficas espontâneas. Smole e Muniz (2013)

conferem destaque às representações espontâneas afirmando que estas são importantes

ao estudarmos para a construção do conhecimento e que “em essência, as

representações de fato ocorrem na mente do sujeito que aprende” (p.51). Representação

espontânea é “aquela em que o resolvedor é encorajado a registrar o processo ou

estratégia que utilizou como solução” (SMOLE; MUNIZ, 2013, p.51). Para os autores, a

elaboração dos conceitos relaciona-se à atividade mental e, assim, compreender as

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representações gráficas permite ao professor perceber os significados que o aluno

atribui à tarefa e como pensou sua execução.

Smole et al (2000b, p.18) colocam que “nesse jogo de desenhar, a criança

encontra um recurso poderoso de comunicação, é sua primeira escrita”, mediante esta

afirmação podemos considerar que as representações gráficas também se constituem em

uma linguagem. Para as autoras, quando a criança externa seu pensamento através de

imagens, palavras ou sinais nos permite perceber quais significados atribui aos

conceitos aprendidos. O fato de não estar alfabetizada não impede que a criança utilize

outras estratégias como desenhos ou expressão pictórica para resolver os problemas que

lhe são propostos. Para Ferreira (1998), evoluindo a fala e o pensamento, a criança

evolui sua atividade de desenhar, considerando que as figurações das representações

gráficas espontâneas são indicadores de seus conhecimentos internalizados.

O CAMINHO PERCORRIDO

As aulas de resolução de problemas aditivos ocorreram durante seis semanas, no

tempo de duas horas semanais em abril e maio de 2013. Foram desenvolvidas atividades

em duas turmas do 2° Ano do Ensino Fundamental de uma escola pública, totalizando

39 crianças na faixa etária entre sete e oito anos de idade. A aplicação da pesquisa

ocorreu com duas professoras polivalentes- P1 e P2, dos segundo ano.

Os professores da escola onde foi desenvolvido o estudo participam de um

Programa de Formação Continuada no campo de resolução de problemas matemáticos

sob a orientação de três professoras pesquisadoras do programa Observatório da

Educação - OBEDUC desenvolvido pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA,

Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECIM. Mesmo

sendo o terceiro ano do programa de formação na escola, há professores que ainda

resistem a mudanças. Ainda desenvolvem atividades de ensino de matemática de forma

descontextualizada, priorizando a utilização de algoritmos, de memorizações e

exercícios repetitivos, embora a formação desenvolvida enfatize a importância de

ensinar por meio de resolução de problemas.

Ao acompanhar as classes dos do 2° ano observou-se que estes alunos possuíam

conhecimentos prévios que não estavam sendo aproveitados pelos professores. Assim

sendo, as professoras do 2° ano foram desafiadas com as seguintes questões:

- Como trabalhar com a metodologia de resolução de problemas para que os alunos dos 2° anos

avancem na aprendizagem dos conceitos matemáticos?

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- Qual o papel do professor neste processo?

- Como utilizar estas atividades para avaliar os conhecimentos dos alunos?

Estas foram algumas falas iniciais proferidas pelos professores

P1-Mas como trabalhar com resolução de, se a maioria dos alunos não são leitores?

P2-Ainda estamos trabalhando os números!

P2-Nem comecei a ensinar as dezenas.

P1- Será que os alunos vão saber fazer?

Portanto, a partir das concepções das professoras, foram organizados estudos

teóricos, discussões e reflexões a fim de organizar o aporte teórico para investigar a

possibilidade de propor atividades matemáticas através de resolução problemas aos alunos

do 2º ano do Ensino Fundamental.

Kamii e DeClark (1986, p.139), referindo-se aos programas de 1ª série, atual 2º

ano do Ensino Fundamental, afirmam que “a grande falha do ensino tradicional é a

ênfase dada às técnicas e sinais convencionais, em vez de desenvolver a própria

capacidade de raciocínio da criança”. Logo, através da metodologia mediada pelas

representações espontâneas, procuramos estabelecer relações para o estudo, acreditando

neste modelo para o desenvolvimento de habilidades de interpretação e compreensão e a

construção de estratégias mentais para a resolução de problemas.

Assim sendo, a partir dos estudos desenvolvidos, de forma cooperativa, tomando

como referência Justo (2009), elaborou-se doze problemas do campo aditivo com

significado de transformação, sendo dois de cada tipo de transformação. Para a

aplicação da atividade acordou-se que inicialmente o professor apenas faria leitura do

problema, os alunos então, seriam estimulados a resolver de sua maneira. Durante o

processo de resolução os professores acompanhariam os alunos e fariam intervenções

sempre que necessário, de forma individual. Ao final de cada problema os alunos

mostrariam suas soluções, explicando aos demais colegas a estratégia utilizada.

As aulas iniciaram com os problemas de menor dificuldade, segundo os estudos

de Magina et al (2008) e Justo (2009). Em ambas as turmas, a primeira intervenção foi

realizada pela professora pesquisadora. As professoras regentes se ocuparam em mediar

e acompanhar às tarefas dos alunos. As atividades subsequentes foram mediadas pelas

professoras regentes e acompanhadas pela professora pesquisadora A participação e

acompanhamento da professora pesquisadora para a aplicação da tarefa em horários

específicos foram determinantes as professoras. O partilhar ideias e conhecimentos

serviu como impulso inicial para a aplicação da metodologia planejada.

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Após cada aula, foram organizados espações para discussões e avaliação da

atividade aplicada. Em todos os trabalhos foram priorizados os registros dos alunos

como material de análise por parte das professoras.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados foram discutidos a partir de análise de estratégias apresentadas

pelas crianças seja através dos registros ou das explicações dadas pelos alunos. Os

professores perceberam que a maioria dos alunos já possui conhecimentos para resolver

os problemas apresentados mesmo estes não tendo sido “ensinados” na escola. Usam

estratégias próprias onde percebe-se os princípios da contagem, da complementaridade

e da modelagem. Fazem uso dos dedos e do cálculo mental e sabem explicar como

pensaram. Deste modo, a metodologia aplicada provocou a reflexão das professoras

com relação à sua própria prática. Destacam-se algumas falas relevantes expressas pelos

professores do 2ºano.

P1-Fiquei surpresa, como eles sabem explicar direitinho, através desta atividade dá para

ensinar matemática e ver como os alunos pensam. Dá para ajudar os alunos a aprender mais. E

viu como eles gostaram desta atividade? Gostam (os alunos) de ser desafiados. Muitos já sabem

fazer as continhas eles aprenderam em casa e a gente fica se preocupando em fazer entender

quanto é 7, 9, por exemplo. Isso eles já sabem, claro tem os que têm dificuldade, mas estes

podem aprender com os colegas. Começando agora, vai ter reflexo lá na frente. Acredito que

eles vão ter mais facilidade para aprender matemática. Cada vez mais percebo que a gente

precisa ajudar eles a pensar e aceitar como cada um faz a tarefa de matemática. Antigamente se

ensinava, hoje precisa ajudar a pensar.

P2- Eu sei, a gente sabe que o certo é ensinar com resolução de problemas, é para isso que a

gente ensina matemática na escola, temos discutido na formação. Já trabalho como

alfabetizadora há muito tempo e faço atividades com problemas mais adiante, quando eles já

sabem ler. É que também a gente se preocupa muito com a leitura e a escrita. Também se

aprendeu que primeiro se ensina as contas e depois os problemas. Através do desenho eles vão

construindo o raciocínio. Precisam elaborar o pensamento, elaborar um plano, pensar em como

executar, e ainda explicam para os colegas. Ajuda também na expressão oral. Viu como todos

querem ir lá à frente explicar? E cada um tem o seu jeito próprio de fazer. Dá para ensinar,

muita coisa, fica fácil para passar para as operações. São varias aprendizagens.

Os professores manifestaram percepções sobre a importância de atividades de

resolução de matemático para a ação mental da criança. Através análise qualitativa dos

registros produzidos pelos alunos foi possível perceber que estes, mesmo em processo

de construção da leitura e escrita têm competências para resolver problemas

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matemáticos e o fazem de acordo com os conhecimentos já elaborados, alguns através

de representações pictóricas outros, usando símbolos numéricos.

Destaca-se então, o valor da prática reflexiva, com compartilhamento de saberes

para que o professor reformule seus conhecimentos e conceitos, e sinta-se seguro para

experimentar novas metodologias. Portanto, defende-se o trabalho educativo dentro da

própria realidade escolar onde ocorra o confronto da teoria com os problemas, saberes e

aspirações do professor e entre professores

Através do trabalho produzido os professores perceberam que o emprego de

metodologias adequadas favorece o desenvolvimento da criança. Dessa forma,

considera-se que um dos desafios do professor é de estar aberto e motivado para

aprender e vivenciar as aprendizagens no cotidiano da sala de aula, reconstruindo

desta forma sua própria prática pedagógica.

REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ADITIVOS DE

TRANSFORMAÇÃO

As representações gráficas das crianças foram analisadas sob o enfoque

qualitativo, considerando as estratégias utilizadas e através da socialização das

estratégias utilizadas.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE ACRÉSCIMO COM FINAL

DESCONHECIDO (T1)

Gab (figura 1) empregou o algoritmo de adição para resolver o problema.

Considerou fácil a tarefa, disse que a fez de cabeça e que aprendeu a fazer isso sozinha.

Fer (figura 2) através de sua representação evidencia a relação parte-todo da

adição. Fer disse que aprendeu o algoritmo com o irmão, confirmando que as crianças já

possuem experiências relacionadas aos procedimentos matemáticos antes de ingressar

na etapa escolar.

O protocolo de resolução confirma as considerações de Magina et al. (2008,

p.31) de que “crianças de 7 anos não devem ter dificuldade neste tipo de resolução”,

pois estes são considerados problemas protótipos de adição em que o elemento a

descobrir é o estado final.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE DECRÉSCIMO COM

FINAL DESCONHECIDO (T2)

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Lu (figura 3) disse que contou nos dedos para resolver o problema e que achou

fácil.

Pe (figura 4) desenhou cada etapa enunciada no problema, disse que era muito

fácil resolver este problema, que pensou nas maçãs que foram comidas e nas que

ficaram.

Estes problemas de transformação também são apontados por Magina et al.

(2008) como de fácil resolução para crianças nesta etapa de escolaridade, pois são

considerados problemas protótipos de subtração.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE ACRÉSCIMO COM

MUDANÇA DESCONHECIDA (T3)

Gus (figura 5) afirmou que para resolver o problema teve que descobrir quantos

gatos nasceram para ficar 9, que foi difícil, e quando já sabia como pensar ficou fácil.

Elen (figura 6) considerou fácil a resolução do problema, usou o algoritmo da

adição, também utilizou o cálculo mental como organizador da solução.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE DECRÉSCIMO COM

MUDANÇA DESCONHECIDA (T4)

Josi (figura 7) usou a estratégia de contar nos dedos até chegar ao estado inicial,

ela usou o esquema da complementaridade (JUSTO, 2004).

Ali (figura 8) disse que contou o dinheiro que tinha e o que gastou, achando o

que sobrou.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE ACRÉSCIMO COM INÍCIO

DESCONHECIDO (T5)

Nic contou 4 dedos, e guardou o número na cabeça 4, e foi contando de novo até

chegar no 11, ai achou o resultado 7, sua mãe que lhe ensinou contar assim.

Mat (figura 10) disse que pensou com os dedos. Em sua explicação, mostrou ter

compreendido o problema e que usou o esquema da complementaridade (JUSTO, 2004)

para resolvê-lo.

PROBLEMA DE TRANSFORMAÇÃO: SITUAÇÃO DE DECRÉSCIMO COM

INÍCIO DESCONHECIDO (T6)

An modelou a situação através do desenho da cédula e moedas (figura 11). Ela

usou a contagem para juntar as partes (adição) e chegar à situação inicial que responde o

problema.

Jú (figura 12) disse que sabe 5 dedos e 4 dedos dá 9 dedos.

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De modo geral, os esquemas mais usados pelas crianças do 2º ano foram os da

contagem, da complementaridade e da modelagem. As representações gráficas

espontâneas mostraram favorecer a resolução dos problemas, mesmo que, algumas

vezes, tenham sido usadas para ilustrá-los, pois, em suas explicações, algumas crianças

evidenciaram já terem solucionado o problema através do uso dos dedos e de cálculo

mental. Entendemos que o uso das representações gráficas espontâneas pode servir

como uma estratégia de sistematização de um raciocínio ou ação mental das crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo ficou evidente que os alunos do contexto pesquisado

possuem esquemas que permitem desenvolver atividades de resolução de problemas,

ainda que os mesmos não possuam domínio completo da escrita, leitura e das operações

matemáticas. A maioria dos alunos conseguiu elaborar estratégias próprias e

explicando-as de forma coerente, evidenciando a compreensão e o raciocínio adequado

a resolução do problema proposto.

Consideramos que as representações gráficas espontâneas possibilitam a

expressão do pensamento e favorecem o desenvolvimento da estrutura cognitiva dos

estudantes. A pesquisa mostrou que é possível propor problemas às crianças antes que

elas tenham formalizado as operações matemáticas, pois demonstraram ter capacidades

e conhecimentos suficientes para encontrar soluções adequadas aos problemas

propostos.

Os resultados evidenciados na resolução de problemas pelas crianças e a

formação das professoras no lócus escolar levam a perceber que os professores, de um

modo geral, precisam aprender a aprender para aprender a ensinar. Para isso, é

necessário propor situações de aprendizagem que os desafiem ao seu crescimento

profissional.

Espera-se que os resultados desta pesquisa motivem os professores que atuam

nesta etapa escolar a proporcionar aos alunos a possibilidade de resolverem problemas

desde muito cedo, explorando diferentes formas de solução e de representação, para que

as crianças avancem em suas aprendizagens.

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104237

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Anexos

Figura 1- Problema de Transformação tipo 1 Figura 2 – Problema de Transformação tipo 1

Figura 3- Problema de Transformação tipo 2 Figura 4- Problema de Transformação tipo 2

Figura 5- Problema de Transformação tipo 3 Figura 6- Problema de Transformação tipo 3

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104238

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Figura 9- Problema de Transformação tipo 5 Figura 10- Problema de Transformação tipo 5

Figura 7- Problema de Transformação tipo 4 Figura 8- Problema de Transformação tipo 4

Figura 11- Problema de Transformação tipo 6 Figura 12 Problema de Transformação tipo 6

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104239