resistÊncia econÔmica somali no processo de partilha … · contudo, estudos trazendo a outra...
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RESISTÊNCIA ECONÔMICA SOMALI NO PROCESSO DE
PARTILHA DA ÁFRICA
Lúcia de Toledo França Bueno1
RESUMO
O processo de Partilha da África é, recorrentemente, reduzido às decisões tomadas
durante a Conferência de Berlim (1884-1885). Contudo, tais eventos políticos não são
congruentes, embora o encontro diplomático seja um episódio pontual contido no curso de
alterações sistemáticas na organização socio-econômica dos povos africanos. O caso somali
merece destaque na compreensão desse argumento pois, juntamente com Etiópia e Libéria,
consiste – em certa medida - em uma exceção quanto às heranças coloniais. Este artigo busca
explorar como as motivações econômico-financeiras bem como a resistência dos somalis
constituem-se como elementos basilares da atual configuração da Somália.
Palavras-chave: Mitos sobre Partilha da África; Geografia Econômica; Resistência Somali.
1 INTRODUÇÃO
Analisar a história e as relações econômicas estabelecidas na atual região reconhecida
como Somália nos exige uma percepção dinâmica e voltada para o diálogo existente entre o
Chifre (ou Corno) da África, economias árabes e as europeias. O estudo sobre essa área do
globo permite-nos vislumbrar a conexão entre o que consideramos ser o Ocidente e o Oriente
por meio de mais um histórico entreposto comercial e sociocultural.
Considerando que diversos mecanismos utilizados pelas potências europeias com o
objetivo último de subjugar governos e povos africanos antecedem, percorrem e ultrapassam o
período da Conferência de Berlim, marco histórico erroneamente confundido como equivalente
1 Graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia (IERI-UFU). Pesquisadora bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (FAPEMIG) sob orientação do Profº Drº Pedro Henrique de Moraes Cícero, integrando Grupo de Pesquisa
“Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes”.
ao processo de Partilha, não se busca dar luz às resoluções nem aos assuntos tratados
estritamente nesse evento, ainda que seja abordado durante o trabalho por sua indubitável
importância no transcorrer das decisões políticas e de suas consequências no cotidiano dos
povos aqui abordados.
O discurso mainstream relativo ao caráter e à construção política das fronteiras
africanas durante o período neocolonial (e modernas) carrega consigo diversos mitos, conforme
explicitado por Wolfgang Döpcke2. Estando alguns conceitos já consolidados tanto na visão da
opinião pública quanto da acadêmica, o estudo citado motiva e embasa este artigo quanto ao
entendimento dado às fronteiras, em especial, no caso do nordeste africano. Conforme o autor,
a criação das fronteiras modernas é composta por três fases: alocação, delimitação e
demarcação. Tais etapas figuram como um percurso evolutivo, iniciando em uma simples
segmentação imprecisa do território até a efetiva marcação física no mesmo. (DÖPCKE, 1999,
p. 77)
No que se refere à participação, no sistema econômico mundial, das nações africanas
durante o período neocolonial e dos Estados-nação contemporâneos, também há afirmações
equivocadas ou meio explicadas, cuja omissão promove estereótipos – por (muitas) vezes não
condizentes com a realidade. É comum apenas haver considerações sobre os acontecimentos
históricos a partir do ponto de vista das economias centrais. É também função da comunidade
acadêmica não negligenciar os interesses dos africanos no estabelecimento de tratados e demais
tipos de acordos com os interventores europeus. Parece ser perfeitamente cabível o
questionamento “O que as potências italiana e britânica buscavam na Europa com suas
incursões no continente africano?”.
Contudo, estudos trazendo a outra perspectiva – com um olhar que parte das economias
periféricas - vêm ganhando evidência. Portanto, a fim de corroborar com esta visão e integrar a
área de estudos voltada para a descolonização do saber, este artigo está alicerçado em dois
volumes da Coleção História Geral da África3: “África do século XIX à década de 1880” (editor
J. F. Ade Ajayi) e “África sob dominação colonial, 1880-1935” (editor Albert Adu Boahen),
2 Para uma compreensão aprofundada das desconstruções do saber colocadas pelo autor, conferir WOLFGANG,
D. A vida longa das linhas retas: cinco mitos sobre as fronteiras na África Negra. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73291999000100004> 3 Os oito volumes dessa enorme produção foram organizados pela representação da UNESCO (em português, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil, pelo Ministério da Educação do
Brasil e pela Universidade Federal de São Carlos.
projeto de produção científica com protagonismo de especialistas africanos (isto é, dois terços
dos mais de 350 colaboradores são do continente estudado). (UNESCO, 2010).
2 ASPECTOS SOCIO-POLÍTICOS E TERRITORIAIS DA DOMINAÇÃO SOBRE A
SOMALIA
Ao tratarmos da ótica econômica dos arranjos ocorridos em função da Partilha da África,
é essencial explicitarmos a região geográfica em questão e conceituarmos suas especificidades
sócio-políticas, que compõem o complexo quadro sobre o qual foram desenhadas as
intervenções europeias.
De acordo com Cardoso (2012), embora em termos étnicos, culturais, linguísticos e
religiosos o povo somali apresente considerável homogeneidade, o mesmo não se dá quanto a
fatores econômicos. O “complexo sistema genealógico” de clãs baseia-se na concepção de que
os seis diferentes clãs existentes na região que atualmente figura como Somalia partiram de um
só tronco personificado no patriarca Hill. Essa divisão é determinante na organização política
do extremo nordeste africano. O conceito da estrutura de clãs aproxima-se da ideia de uma
enorme comunidade familiar que, mediante sua sistematização e coordenação de atividades,
busca sua própria sustentação. A população, dividida entre as duas famílias clãs “Somale” e
“Sab”, subdivididas entre os clãs nômades do norte (Darod, Dir, Isaq e Hawie) e os clãs do sul,
agricultores sedentários (Digil e Rahawayn) respectivamente. (CARDOSO, 2012)
Como já explanado neste artigo, a dominação não se dava simplesmente pela via bélica.
Tampouco, foi iniciada em sequência às decisões tomadas em Berlim (1884-1885). Além de a
introdução das potências raramente seria dada apenas por um marco histórico, mas na maioria
dos casos apareceria como um intervalo de tempo. Via de regra, a ocupação por uma potência
europeia ocorria após reconhecimento e aceite de outra presente no mesmo território. Assim,
os tratados eram somente o preâmbulo da efetiva definição das esferas de influência.
Paulatinamente, o país recém-chegado poderia, então, formalizariam suas antigas instalações
comerciais, seus estabelecimentos missionários. (UZOIGWE, 2010)
Muito antes da Conferência, portanto, já havia um mecanismo extremamente
controverso e que veio a resultar em efeitos maliciosos às custas da soberania do povo somali.
Recorrer aos tratados foi um recurso extensamente utilizado, podendo tais documentos serem
classificados como “afro-europeus” ou “bilaterais”. Estes captavam os interesses de duas
potências europeias e definiam suas futuras ações no continente africano. Já os afro-europeus,
poderiam ser novamente ramificados em aqueles tratados relativos a tráfico de escravos e
comércio que incitavam intervenção europeia em função dos conflitos decorrentes do mesmo e
aqueles que induziam governantes africanos a se subjugarem à “proteção” de uma nação
europeia ou a não oficializar nenhum tratado com outras potências.
3 OS INTERESSES GEOPOLÍTICOS DAS POTÊNCIAS NO GOLFO DO ADEN
Esta seção dedica-se a explorar determinantes geopolíticos da resistência econômica
somali às intervenções estrangeiras bem como algumas das motivações europeias para suas
incursões no continente africano. Há séculos, a região (Mapa 1: Aspectos Físicos e Políticos da
Somália) consiste em um importante entreposto e, consequentemente, fonte de diversas disputas
que tinham como finalidade última não somente o domínio militar, como (e talvez
principalmente) a supremacia econômica.
O local estabelecia (assim como permanece estabelecendo) conexões comerciais muito
menos custosas e arriscadas do que a rota comercial traçada pelo Cabo da Boa Esperança (ou,
o Cabo das Tormentas, ambos títulos indicando a grave ameaça enfrentada pelos
expedicionários nessa região). Destarte, potências europeias como Itália, Grã-Bretanha e França
buscaram posicionarem-se na área de modo sistematicamente arbitrário, almejando controle da
segunda maior costa marítima do continente africano (unicamente atrás da atual África do Sul).
MAPA 1: ASPECTOS FÍSICOS E POLÍTICOS DA SOMÁLIA
Fonte: University of Texas Libraries4
Geoestrategicamente posicionada, a atual região que compreende a Somália sustenta
um elo entre o Oceano Índico, o Golfo do Aden (bem como o estreito Gate of Tears ou Bab el
Mandeb), o Mar Vermelho e o Canal de Suez. As características geográficas do território nos
ajudam a explicar suas relações comerciais. Particularmente, o porto de Berbera era um centro
fascinante e sob disputa das diferentes sociedades somalis, dentre outros motivos, por possuir
intensas trocas comerciais entre negociantes da Arábia, do Golfo Pérsico e da Índia.
De acordo com Pankhurst e Cassanelli (2010), os somalis muçulmanos – intensamente
influenciados pelos árabes – habitavam as terras litorâneas do golfo do Aden enquanto o
4 Originalmente publicado com o título “Shaded Relief Map of Somalia”, foi produzido pela U.S. Central
Intelligence Agency e encontra-se na plataforma Perry-Castañeda Library Collection, disponível em:
<http://www.lib.utexas.edu/maps/africa/somalia_rel_1992.jpg>. Acesso em: 05. Dez. 2017.
restante da porção litorânea pleiteava controle da cidade. Em “A Etiópia e a Somália”, os
autores reavivam o ditado popular que afirmava: “aquele que comanda Berbera tem a barba de
Harar em suas mãos” (p. 446) A extensão da costa norte das futuras “Somalilândias” também
apresentava forte presença dos egípcios, principalmente antes das intervenções europeias. Na
ponta do Chifre, os portos eram majoritariamente coordenados por Omã (na Península Arábica)
e Zanzibar (ilha presente na altura da atual Tanzânia).
Já na região do Vale do Shebele – onde se encontra a capital Mogadíscio – a
preponderância de atividades agrícolas inclusive no interior. O interesse principal das potências
europeias concentrava-se nas regiões norte e nordeste, concomitantemente em contato com o
Golfo do Aden e Oceano Índico, em detrimento das áreas à sudeste. Ademais, as intervenções
dedicavam-se de forma restrita ao litoral. Ainda consoante Pankhurst e Cassanelli, “a maioria
dos somalis, que vivam nas terras do interior, era (...) livre de todo domínio externo e vivia sob
o controle de seus clãs locais.” (2010, p. 476)
4 INTENSIFICAÇÃO DA PARTILHA PRÉ-CONFERÊNCIA DE BERLIM
Retomando Döpcke (1999), o segundo mito tratado pelo autor aborda, dentre outras
questões, a ideia de que a Partilha poderia ser resumida na Conferência de Berlim (ocorrida de
15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885). Além disso, de acordo com a visão
tradicional, a Conferência seria a origem de toda a concreta partição do continente, sendo o
momento em que todas as potências deliberaram de modo definitivo e consensual as regras que
regeriam a divisão do continente. O estudioso trabalha sobre as hipóteses relativas ao fato de
que as sociedades africanas tinham pleno conhecimento do conceito de fronteira, não sendo
uma novidade com a chegada dos colonizadores europeus; explicita a limitação da Conferência
na prática da delimitação de fronteiras; também ressalta a não-passividade dos povos africanos
fronteiriços na busca por seus interesses mediante manipulação das fronteiras.
Conforme Uzoigwe (2010, p. 32), Portugal e França lançaram-se à frente do processo
de Partilha ao buscarem um controle formal de certas regiões da África, o que despertou em
potências como Reino Unido e Alemanha a necessidade de ações que visavam a manutenção
de seu poder relativo no quadro internacional. No caso, estes Estados utilizaram-se da anexação
de territórios desde 1883, acelerando e adiantando o decurso da partilha.
Não obstante, a dominação não se dava estritamente em termos militares. A atuação
europeia no que tange ao seu controle e subjugação de governantes e negociantes norte-
africanos correspondia, especialmente, ao poderio financeiro que constrangeu tais economias,
então colocadas em estado de dependência colonial em um movimento de progressiva sujeição
dos regimes locais por meio da usurpação da soberania africana pelas potências europeias.
(RODNEY, 2010, p. 380)
Com a supremacia britânica e, ulteriormente, italiana, houve corrosão da independência
econômica africana. Inicialmente, as relações econômicas existentes entre as potências e as
nações somalis subalternizadas eram de menor medida. No entanto, a corrida por novos
mercados abertos impeliu a tomada de medidas brutais com o objetivo de expansão imperialista
neocolonialista. Em termos gerais, a descoberta de recursos minerais vendidas a altas quantias
convocaram a entrada do grande capital das nações hegemônicas em questão devido ao
inevitável uso de tecnologias modernas e concentrações de capital para a realização de tais
atividades. No que tange ao caso somali, no entanto, os interesses giravam em torno de
benefícios fiscais e mercantis relativos à proveitosa logística prevalecente no Chifre da África
em função de sua confluência de relevantes mercados de dimensão global.
De forma igualmente hostil, a tributação configurou-se como um dever expressivo na
submissão dos somalis, sobrecarregando-os. Dadas as diferenças nas relações de produção do
nordeste africano em comparação às europeias, os impostos tinham como função destituir
daqueles suas culturas próprias de comércio e relações de trabalho, moldando-as às condições
das economias centrais em um círculo vicioso. Estando em constante comunicação com outras
economias dentro e fora do continente africano, camponeses eram avessos ao sistema imposto
pelos europeus e a dominação ocorreu com brutalidade imensurável, embora em um percurso
de vitórias e perdas para as potências. (RODNEY, 2010)
5 RESISTÊNCIA ECONÔMICA SOMALI NO ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO XIX
Ainda que sejam tratadas de forma homogênea, as relações econômicas (sejam estas
comerciais, financeiras, monetárias ou fiscais) entre africanos e europeus possuem diversas
camadas a depender da organização socio-econômica das nações africanas, de sua abertura às
relações comerciais com os estrangeiros europeus, à presença de relações econômicas
internacionais já desenvolvidas com outros povos (como árabes e outros asiáticos), dos
interesses das diferentes potências, dentre outros aspectos. Ao tratarmos de Partilha da África,
o foco recai sobre a porção ocidental do continente, a qual já dispunha de vínculos robustos
com algumas empresas europeias, fornecendo mão de obra escravizada bem como recursos
naturais como ouro e cobre.
É justamente devido à vigorosa estrutura do comércio entre a costa oriental africana e
empresas do Oceano Índico que a penetração de europeus na economia desta porção de África
ocorreu com maiores obstáculos (RODNEY, 2010). Novas articulações afro-europeias apenas
ganhariam posto fundamental na economia do nordeste africano quando governantes e
negociantes da localidade enxergassem em tais relações vantagens em relação a seus vizinhos
ou aos comerciantes orientais.
Entre 1887 e 1889, houve movimentos de contundentes atividades de ocupação por
parte europeia. Segundo Hernandez (2005), a pouca aderência entre os clãs regionais
possibilitou sucesso evidente na infiltração de europeus, embora com muitos avanços e recuos.
Partindo da porção que, hodiernamente, encerra-se no Djibuti, a dominação veio por parte da
França; já mais abaixo, nas regiões norte e nordeste, Inglaterra tomou a soberania
(Somalilândia); enfim, a seção meridional veio a ser incorporada como território italiano.
A partir dessa divisão, percebe-se hierarquização entre as potências europeias no
controle dos diferentes territórios africanos. Absorver o status econômico dos governos e
mercados europeus como que de caráter homogêneo consiste em um equívoco. Conforme
Kennedy (1989), a condição de potência era determinada pelo grau de avanço da
industrialização nos referidos Estados.
Retornando um pouco no quesito temporalidade, é possível dizer que um dos eventos
históricos que merece destaque neste debate foi a construção do Canal de Suez, em 1869. Em
conformidade com Passetti (2016), as zonas norte e nordeste do continente africano recebiam
especial atenção da potência britânica. A primeira e melhor consolidada potência mundial (no
território somali) a estabelecer um protetorado na região foi a Inglaterra, acontecimento datado
de 1887. Em seguida, em 1889, os italianos tomaram posse da área centro-sul do que
conhecemos como Somália nos dias de hoje. É interessante captar a distinção brutal entre o
posicionamento do domínio de cada uma das potências e seu poder relativo no cenário
internacional à época.
Por um lado, o Estado-nação italiano era um elemento “recém-chegado em
desvantagem”, segundo Kennedy, tendo em vista que seu nascimento havia ocorrido há menos
de três décadas com uma unificação tardia. O autor ainda considera que a Itália aparentava ser
grande potência, contudo, seu atraso econômico (sobretudo no sul rural, sobre o qual
investimentos em infraestrutura eram precários) era evidente e parâmetros como o produto
bruto eram próximos aos de países europeus periféricos, caracterizando-a como uma potência
de segunda ordem. Ainda que - a partir de 1869 - tenha sido iniciado o “grande impulso” na
economia italiana (como constatado na figura 1: Expansão da malha ferroviária italiana no
século XIX), o ponto de partida demonstrava tamanha desvantagem no quadro europeu que os
indicativos de crescimento e desenvolvimento estavam muito atrás de pioneiros como a Grã-
Bretanha. Além disso, a carência de coesão nacional, má imagem diplomática e a falha
infraestrutura (ferrovias e marinha) propiciam um melhor entendimento das poucas conquistas
dessa nova potência, que outrossim, tiveram relevância estratégica de menor significância em
relação aos domínios de potências consolidadas, como França e Inglaterra.
FIGURA 1: EXPANSÃO DA MALHA FERROVIÁRIA ITALIANA (1868 – 1914)5
Fonte: Zanichelli Dizionari Più
5 A figura referenciada consiste na concatenação, por parte da autora, de mapas da plataforma mencionada. O mapa
à esquerda encontra-se em: <http://dizionaripiu.zanichelli.it/storiadigitale/p/mappastorica/174/l-estensione-della-
rete-ferroviaria-italiana-nel-1868>, enquanto o mapa à direita foi disponibilizado em: < http://dizionaripiu.zanichelli.it/storiadigitale/p/mappastorica/193/le-ferrovie-in-italia-nel-1914>.
Por outro lado, a industrialização difundida pela Grã-Bretanha veio a erodir sua primazia
industrial e comercial, levando-a a iniciar uma corrida por novos mercados. Sua estrutura já
substancial em termos financeiros (investimentos, comércio internacional de mercadorias) e
marítimos (bases navais, maior marinha mercante do mundo) possibilitava a essa potência
global articulações de maior sucesso em suas empreitadas militares.
O choque entre as diferentes macroorganizações econômicas tratadas neste trabalho -
somali e europeia de forma geral - pode ser abordado sob a perspectiva de Moore (1975): o
processo de construção do sistema comercial britânico da época iniciou-se com os enclosures
ou cercamentos nas últimas décadas do século XVI, que também seria o período correspondente
aos princípios da industrialização desse povo.
Ao invés do que a literatura mainstream traz, atendo-se ao entendimento de que apenas
no século XVIII poderíamos enxergar uma Revolução Industrial, o autor coloca em seus
escritos a ideia de que a formulação de concepções como o individualismo, a liberdade
econômica como respaldo da sociedade, a crescente importância do comércio (tanto no meio
rural quanto no urbano) e a finalidade última das atividades econômicas configurando-se no
lucro geraram uma visão de mundo progressivamente mais liberal, permitindo o
desenvolvimento eficaz das transformações tecnológicas. Assim, desde o início da aplicação de
métodos legais e semilegais objetivando desgastar a camada camponesa e seus respectivos
direitos de uso da terra, houve um movimento em massa de deslocamento forçado para o
trabalho operário. Seu ofício transfigurou-se em mercadoria.
Já no tocante aos arranjos econômicos em África, não houve nenhum mecanismo dessa
natureza. Segundo Rodney (2010), a visão econômica da dominação nos permite identificar a
necessidade - aos olhos europeus - em arquitetar um vínculo entre o capital europeu e a mão de
obra africana. Atrativos, como salários altos, que funcionariam para os operários europeus não
se aplicariam em solo africano pois a estrutura basilar era outra em sua essência.
Portanto, diferentemente de como ocorreu no Estado britânico - onde a violência deu-
se dentro das estruturas da legalidade (MOORE, 1975, p. 28) -, os hegemônicos conceberam
que o único recurso capaz de “converter” a população local seria a força, fosse abertamente ou
protegidos pelas leis dos regimes coloniais afins. Particularmente para regiões de baixa
densidade demográfica como a Somália, a brutalidade negligenciava limites pois era
considerada apenas um meio para atingir a finalidade de recrutar mão de obra escravizada,
mesmo que fosse indicado utilizar o máximo de coerção para não somente recrutar como manter
os cativos nas zonas de produção. (RODNEY, 2010, p. 383).
No período de trinta anos entre 1880 e 1910, houve uma importante resistência que
permitiu que o avanço do processo colonizador fosse retardado. No caso da ocupação e
instalação da administração italiana, houve empecilhos em diversas ocasiões. A Itália foi a
potência que sofreu as piores derrotas “ignominiosas” nas palavras de Godfrey N. Uzoigwe.
Todavia, ainda que os aspectos mais explorados pela literatura tradicional estejam relacionados
a questões militares, Terence O. Ranger em “Iniciativas e resistência africanas em face da
partilha e da conquista” (2010) coloca que a resistência africana relevante foi direcionada à
manipulação econômica exercida pelas potências europeias.
De maneira geral, o tráfico de pessoas escravizadas não forneceu sustentação para a
existência de novas forças produtivas em território africano, o que poderia gerar um círculo
virtuoso relativo ao efeito multiplicador de tais medidas. Os impactos foram muito incisivos na
desintegração social. (RANGER, 2010) Na prática, correntemente a resposta africana consistia
em ações violentas: a oposição era dada pela recusa aos investimentos em infraestrutura de
transporte e comunicações, com participação popular na sabotagem de construções por
exemplo. (RODNEY, 2010, p. 378) Segundo Ranger, os governantes somalis possuíam
conhecimento das disputas inter-potências e articularam, por meio de tratados com as mesmas,
medidas institucionais intentando manter sua independência.
É importante ressaltar o fato de que, embora em muitos momentos a segmentação em
clãs aparente ser causadora da penetração europeia, em certas oportunidades os sentimentos
religiosos que uniam os diferentes clãs foram decisivos na mobilização da oposição à
administração colonial. (RANGER, 2010, p. 96) Novamente, fatores demográficos fazem-se
imprescindíveis para a compreensão da singular entrada de estrangeiros no território somali.
Havia uma distinção fundamental entre as economias litorâneas, estreitamente adaptadas ao
sistema comercial europeu, e a organização das populações interiorianas, que mantiveram suas
atividades autônomas durante um período de tempo mais extenso, particularmente, custando a
fornecer trabalho assalariado e plantações dirigidas ao exterior.
CONCLUSÃO
Além das questões econômicas intercontinentais, observar que o estágio analisado
consiste em um momento precisamente favorável a muitos Estados europeus (por presenciarem
o Concerto Europeu) pode nos remeter a um entendimento melhor apurado de seus sucessos,
apesar de toda a resistência. Paralelamente, o último quartel do século XIX constituiu uma
conjuntura instável para as nações somalis. Muitos dos acordos estabelecidos por governantes
somalis com potências europeias tinham como principal finalidade a superação de disputas
interestatais e intraestatais, sobressaindo-se em relação a seus vizinhos. Seguindo esse
raciocínio, verifica-se que as intervenções militares figuravam como medidas apartadas umas
das outras, desassociadas entre si dentro de um sistema econômico constrangedor aos povos,
governantes e negociantes somalis.
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