para além das múltiplas modernidades: eurocentrismo, modernidade e as sociedades periféricas

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Discussão sobre teorias das múltiplas modernidades e teorias pós-coloniais nas ciências humanas e sociais

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  • PLURAL, Revista do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da USP, So Paulo, v. 16, n. 1, pp. 53-80, 2009

    * Bacharel em Relaes Internacionais (IRI-USP), mestre em Histria Social (FFLCH-USP) e doutorando em So-ciologia (University of Michigan).

    Para alm das Mltiplas Modernidades: Eurocentrismo, Modernidade e as Sociedades Perifricas

    Jos Henrique Bortoluci*

    Resumo: Na literatura recente em Cincias Sociais, o paradigma eurocntrico da modernidade vem sofrendo ataques de diferentes naturezas. Buscando dialogar com parte dessa literatura crtica, este trabalho (parte de uma pesquisa de mestrado) tem por objetivos: revisar o ncleo articulador da concepo eurocntrica de modernidade e as consequncias dessa forma de teorizao para a reflexo sobre as sociedades perifricas; apresentar os avanos fornecidos pela perspectiva das mltiplas modernidades; e, por fim, apontar os limites dessa perspectiva, a partir de outros discursos tericos, sobretudo a partir de teorias Ps-Coloniais e da Teoria da Dependncia. Palavras-chave: eurocentrismo; sociedades perifricas; modernidade; mltiplas modernidades.

    Beyond Multiple Modernities: Eurocentrism, Modernity and Peripheral Societies

    Abstract: The Eurocentric paradigm of modernity has been suffering different kinds of attacks in the recent literature of Social Sciences. Trying to engage in a dialogue with such literature, this article (part of a M.A. research) has as its mains targets: to revise the fundamentals of the Eurocentric conception of modernity and the consequences of this form of theorizing for the reflection about peripheral societies; to expose the advances provided by the perspective of Multiple Modernities and, finally, to point the limits of that perspective and the necessity of engaging with other theoretical discourses, especially with Postcolonial and Dependency Theories.Keywords: eurocentrism; peripheral societies; modernity; multiple modernities.

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    ElEmEntos da razo Eurocntrica1

    O problema da adequao entre categorias ou teorias e a realidade no novo. Muito pelo contrrio, trata-se de uma questo filosfica fundamental na verdade, de uma srie delas: como atingir o verdadeiro? possvel nomear os universais? A realidade passvel de apreenso? Como dar conta da diversidade do dado? Como se relacionam o universal e o particular? Tais questes filosficas, que atravessam a histria do pensamento humano (no apenas o ocidental), ganham especial importncia no interior da discusso moderna sobre a compreenso das socie-dades europeias sociedades em que surge a moderna Sociologia, no interior de um processo de expanso capitalista e da simultnea compreenso de seus outros.

    A recente literatura ps-colonial, desde o clssico livro Orientalismo (Said, 2003 [1978]), de Edward Said, vem desenvolvendo uma severa crtica s maneiras pelas quais o discurso da modernidade traz em seu bojo a construo de um oriente que lhe serve como outro.

    Para Said, o orientalismo um estilo de pensamento fundamentado em uma distino epistemolgica e ontolgica entre o Ocidente e o Oriente. Essa distino fundamental seria o ponto de partida para a elaborao de teorias, romances, obras de arte e outras peas culturais sobre o Oriente, seus povos e costumes (Said, 2003 [1978], p. 2). Porm, o orientalismo no constituiria apenas uma forma de representao: essa duplicao do discurso (Oriente versus Ocidente), prpria ao Orientalismo, seria marcada por uma pretenso de estereotipar o outro e de reduzi-lo a determinada essncia.

    O orientalismo desenvolveu-se como um estilo ocidental de dominar, reestruturar e de exercer autoridade sobre o Oriente (Said, 2003 [1978], p. 3). Said tenta mostrar que o orienta-lismo no uma fantasia etrea da Europa sobre o Oriente, mas, sim, um grande corpo terico e prtico em que houve, por diversas geraes (sobretudo ao longo dos sculos XVIII e XIX, mas com repercusses que chegam at nossos dias), considervel investimento material. Tendo seus principais elementos desenvolvidos ao longo do enfrentamento europeu contra o Oriente, em sua expanso econmica e militar, o orientalismo seria uma dimenso considervel da cultura poltica e intelectual moderna (Said, 2003 [1978], p. 12).

    A literatura ps-colonial, esteira de Said, tenta mostrar que os discursos orientalistas ou eurocntricos no so dominantes apenas nos primeiros trabalhos da idade contempornea que trataram de caracterizar o Oriente. A Sociologia, como cincia, origina-se em um ambiente cultural embebido pelo caldo de cultura eurocntrica. Desde o incio, mesmo a proposio de suas questes fundamentais orientou-se pelo quadro categorial do eurocentrismo. Nesse sentido, os fundamentos da Sociologia moderna foram estabelecidos a partir de estruturas e valores presentes

    1 Este trabalho parte da pesquisa de mestrado intitulada Pensamento Eurocntrico, Modernidade e Periferia: Reflexes sobre o Brasil e o Mundo Muulmano, que vem sendo desenvolvida com financiamento da Fapesp, sob orientao do Professor Doutor Peter R. Demant. Uma verso preliminar deste artigo foi apresentada na mesa Modernidade, Representao e Nao, no V Simpsio dos Ps-Graduandos em Cincia Poltica da Universidade de So Paulo, em 11 de agosto de 2008.

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    em sociedades ocidentais, a partir das quais se estabeleceram parmetros de comparao para o que seriam sociedades modernas (Costa, 2006, p. 19; Hall, 1992, p. 314).

    O Ocidente passa a ser visto como a cultura padro, detentora de uma srie de caracte-rsticas essenciais, em termos das quais as outras sociedades seriam tratadas como deficientes. Dessa maneira, como mostra Turner, uma tabela de atributos positivos e negativos pode ser estabelecida, a partir da qual se podem avaliar os processos histricos de outras sociedades (Turner, 1994, p. 37).

    A modernizao, no discurso eurocntrico, que, em grande medida, informa as teorias sociais clssicas, pode ser confundida com a consumao natural do desdobramento de etapas evolutivas, em sociedades dotadas de certo nmero de variveis sociais, e no como um processo contingente, situado no tempo e no espao e derivado das disputas sociais especficas. A ausncia de uma dessas variveis constitui, dessa maneira, um obstculo ao desenvolvimento dessas sociedades.

    Esse discurso sociolgico funda-se em uma duplicao da narrativa, seja ela implcita, seja explcita, a partir da qual se compe o quadro da normalidade ou completude tidas como padro de evoluo social, base para a caracterizao da anormalidade ou incompletude das sociedades dotadas de entraves quele tipo de desenvolvimento.

    Como observa Turner com relao Sociologia orientalista do Isl (mas que certamente poderia ser estendida para o discurso sociolgico eurocntrico, em geral), ela teria se fundado em uma epistemologia particular, predominantemente idealista e essencialista, segundo a qual o fracasso dessas sociedades em se desenvolverem ao longo de trajetos histricos ocidentais at uma sociedade racional, democrtica e industrial se explica tendo por referncia uma essncia dessas prprias sociedades (Turner, 1989, p. 88).

    Trata-se, em resumo, de uma perspectiva sociolgica internalista, de cunho essencialista2. Nesse discurso, o no Ocidente pode ser definido como um sistema de ausncias, as quais constituiriam, em maior ou menor medida, obstculos ao acesso modernidade (Turner, 1994, p. 39).

    Dessa forma, possvel perceber que grande parte das teorias sociolgicas clssicas acabou por fornecer dinmica a uma forma de compreenso do real centrada naquela ciso fundamental entre moderno ocidental e atraso no ocidental; entre sociedades dinmicas e estticas; impessoais e personalistas; racionais e irracionais no limite, funcionando como uma atualizao, em um contexto moderno, da ciso grega entre civilizao e barbrie3. Em sua estrutura lgica, o pensamento orientalista tem carter fundamentalmente dicotmico.

    2 No se trata, portanto, de um tipo qualquer de internalismo como, por exemplo, de uma abordagem marxista tradicional, que restringiria sua anlise de uma dinmica de classes ao interior de um estado ou sociedade. O essen-cialismo fundamental para a caracterizao de determinado discurso sociolgico como orientalista.3 A referncia a uma proximidade com a dicotomia grega civilizao/barbrie no deve ser vista, aqui, como uma tentativa de atestar uma continuidade histrica entre gregos antigos e europeus do sculo XIX. Como mostram muito bem Dussel (2000) e Shohat e Stam (2006), a partir do argumento j clssico de Martin Bernal (1987), essa pretensa continuidade o mito da Grcia como lugar onde tudo comeou (Shohat & Stam, 2006, p. 89) parte indispen-svel ao prprio discurso eurocntrico, no encontrando uma verdadeira identidade com a realidade histrica. Porm,

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    Contudo, o eurocentrismo termo amplamente encontrado na literatura ps-colonial e em obras que dela se avizinham , como iremos descrever logo frente, estende-se bem alm do universo delimitado por Said, naquela obra seminal, quando da utilizao do termo orienta-lismo. A forma como Said constri a categoria orientalismo deve-se, em grande parte, ao uso particular que esse crtico faz dos trabalhos em que Foucault desenvolve, de forma mais acabada, suas anlises de discurso e sua abordagem da constituio da episteme ocidental em especial As Palavras e as Coisas (Foucault, 2007) e A Arqueologia do Saber (1969) , alm de livros em que Foucault descreve a constituio de dispositivos de controle ocidental e a forma como eles servem constituio da subjetividade moderna, como Vigiar e Punir (1975).

    Essa forma de descrever o orientalismo como fornecedor das condies de possibilidade do conhecimento e da ao sobre o Oriente parece amplamente fundamenta na ideia foucaultiana de episteme4. Nesse sentido, o orientalismo, apesar de restrito a um determinado setor da expe-rincia ocidental, forneceria, para Said, as condies de possibilidade de todo o conhecimento e de toda a prtica direcionada quela entidade qual o Ocidente se contrapunha. Ele poderia ser lido como o fundamento de racionalidade de qualquer elaborao intelectual, artstica ou poltica que tematizasse aqueles povos ou regies.

    De forma geral, essa ideia sobre a operao do orientalismo fundamenta-se amplamente em uma concepo igualmente foucaultiana sobre as formas de operao do poder: este, disseminado socialmente, constituiria os objetos do conhecimento. Em sntese, Said busca mostrar, em Orienta-lismo, a constituio de um Oriente discursivo como contraponto a um Ocidente em constituio ou seja, a constituio de um discurso que mediaria ou ordenaria logicamente a relao entre Ocidente e Oriente (Moore-Gilbert, 1997, p. 38).

    Independentemente se simpticos ou no com relao ao Oriente, os discursos ordenados a partir do discurso orientalista seriam dominados por uma vontade de potncia do Ocidente

    essa proximidade deve ser apontada exatamente por este motivo: o fato de os modernos se identificarem com gregos e romanos (ou com suas instituies como atestam, por exemplo, a autoidentificao dos revolucionrios franceses com os romanos ou a discusso dos ltimos dois sculos sobre a democracia) faz com que sejam mobilizadas formas de pensar e ideais de sociedade que pretensamente existiam na Antiguidade Ocidental, inclusive a dicotomia civilizao/barbrie, que lhe era prpria e to impactante na filosofia, nas artes e na poltica. A propsito, notvel como essa imagem da Grcia como bero da civilizao, em oposio a imprios brbaros, ainda mobilizada de forma eficaz e sem maiores rodeios pela indstria cultural: o filme 300 (2007, direo de Zack Snyder, adaptao para o cinema dos quadrinhos de Frank Miller) talvez seja a mais recente demonstrao em massa de como os discursos eurocntricos constituem-se como parte central da imaginao social do Ocidente e de como eles se prestam a reforar determinada narrativa geral sobre a histria da humanidade narrativa que vem de mos dadas com concepes polticas bastante inequvocas sobre como tratar esse outro, que h tantos sculos atormentaria nossa vivncia moderna, ocidental, aos moldes gregos, como se queira.4 Esse conceito, em Foucault, fundamental para suas reflexes sobre as possibilidades do conhecimento e sobre a constituio das disciplinas ocidentais. A episteme a concatenao de prticas discursivas de uma determinada poca, dotada de regras e condies a partir das quais o prprio conhecimento se torna possvel. Foucault descreve a episteme como o espao (...) onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critrio referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enrazam sua positividade e manifestam assim uma histria que no a de sua perfeio crescente, mas, antes, a de suas condies de possibilidade (Foucault, 2007 [1966], p. 18).

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    sobre o Oriente este seria descrito como essencialmente sem voz, sensual, feminino, desptico, irracional e atrasado, sendo o Ocidente seu negativo.

    No grande surpresa apontar que Orientalismo recebeu crticas muito prximas quelas feitas ao estruturalismo e ao ps-estruturalismo em geral. O alvo fundamental a prpria cate-goria de orientalismo, que, em muitos momentos, no deixa margem para a diferena em seu interior; essa categoria, em outros termos, traz dificuldades para a anlise de obras individuais e contextos especficos, assim como impe barreiras a uma considerao das disputas constantes (polticas e intelectuais) a respeito das possibilidades de representao do no ocidental. Em sntese, o maior risco das investidas de Said a descrio do orientalismo como um mal congnito do Ocidente: o orientalismo pode ser lido como uma espcie de ontologizao da incompreenso ocidental sobre o oriental.

    Essas crticas refletem-se em trabalhos ps-coloniais posteriores, inclusive em obras de autoria do prprio Said. Em Cultura e Imperialismo (Said, 1995), Said afasta-se da influncia determinante de Foucault apesar de no abandon-lo, por certo e aproxima-se de tericos marxistas (sobretudo Gramsci e Raymond Williams) e de vozes insurgentes antieurocntricas em particular, de pensadores descoloniais e perifricos, como C. L. R. James e Frantz Fanon.

    Esse desenvolvimento ulterior da crtica saidiana abre um caminho para uma leitura mais flexvel e, decerto, mais proveitosa dos problemas tratados em Orientalismo. Distanciado daquele primeiro estruturalismo dramtico, Said continua a fornecer importantes consideraes sobre as temticas e categorias que permearam as formas ocidentais de fazer sentido sobre as sociedades orientais. Para isso, sai de cena o orientalismo e passa-se a trabalhar a partir de uma ideia de estruturas de atitudes e referncias (com base no trabalho do crtico marxista Raymond Williams) nas formas de intercmbio cultural entre Ocidente e Oriente; uma estrutura apropriada de formas diversas por atores em contextos especficos5.

    Essa nova forma de avanar uma crtica ao pensamento eurocntrico aproxima o trabalho de Said daquele de diversos outros pensadores sociais, polticos e tericos ps-coloniais e subalternos contemporneos que vm se debruando sobre a construo de discursos tericos e polticos sobre as sociedades no ocidentais, trabalhos estes produzidos nessas sociedades, seja em um contexto imperial, seja em um contexto de grande assimetria de poder.

    Nesse sentido, sem que se lance mo de uma espcie de entelquia terica de validade universal, pode-se pensar nas formas como uma conscincia europeia da modernidade foi se constituindo ao longo dos ltimos sculos e, simultaneamente, produzindo uma imagem do no idntico (o no europeu, o colonial, o oriental...) que se manteve atrelada a uma imagem de si, funcionando como seu princpio de legitimidade e garantia de superioridade.

    5 Nos termos de Said: () quero mostrar que a estrutura de atitudes e referncias prevalece e exerce influncia de todas as maneiras, em todas as formas e lugares, mesmo bem antes da chamada era do Imprio; longe de ser autnoma ou transcendente, ela est prxima do mundo histrico; longe de ser fixa e pura, ela hbrida, partilhando da supe-rioridade racial bem como da genialidade artstica, da autoridade poltica bem como da tcnica, de procedimentos simplistas e redutores bem como de mtodos complexos (Said, 1995, pp. 155-156).

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    O eurocentrismo pode ser visto, dessa maneira, como o imaginrio dominante do sistema do mundo moderno (Mignolo, 2003, p. 49; Wallerstein, 2007) um conjunto de categorias e imagens de mundo adaptvel s alteraes na organizao do poder global, mas sempre emitido a partir de um ponto de vista do centro europeu/ocidental desse sistema.

    De forma esquemtica, Turner busca descrever os principais componentes do discurso orientalista (Turner, 1994, pp. 96-99). Creio que, a partir de nossas consideraes, possvel nos orientarmos por esse raciocnio de Turner e tentar expandi-lo, buscando descrever os prin-cipais elementos do quadro categorial de uma Sociologia eurocntrica ou, em outros termos, de um setor sociolgico de uma estrutura de atitudes e referncias eurocntricas.

    Primeiramente, o eurocentrismo pode ser visto como uma teoria do poder desptico. O segundo componente a incorporao, nesse discurso, de uma teoria sobre a transformao social (ou, na verdade, de uma teoria sobre a ausncia de transformao). Em terceiro lugar, o discurso orientalista apresenta uma teoria da sexualidade oriental ou no ocidental, em contraponto a um pretenso ascetismo ocidental. Por ltimo, esse discurso incorpora uma teoria da disciplina e da racionalidade, pretensos traos ocidentais ausentes em sociedades no ocidentais.

    A esses elementos deve-se adicionar um quinto: o internalismo essencialista a ideia de que h uma essncia cultural que determina o desenrolar da histria de certa coletividade humana, hiptese que afastaria a necessidade de se avaliar (ou de se dar centralidade analtica) s disputas internas entre grupos e indivduos pertencentes a essas coletividades ou s relaes entre eles e membros de outras coletividades.

    Relembro, por fim, que, em termos de estrutura lgica do discurso, o eurocentrismo pode lanar mo do dualismo e de alguma forma de evolucionismo histrico6. A articulao entre dualismo e evolucionismo a forma lgica de organizao de discursos histricos que lanando mo de anlises sobre estruturas de poder, racionalidades e formas de vida ou de padres de organizao social que perduram no tempo, em sociedades tipicamente no entendidas como ocidentais se organizam em torno de uma dicotomia bsica entre completude (a experincia social moderna/ocidental tida como tpica) e incompletude (sociedades atrasadas, que podero chegar l), em formas de narrativa em que a Histria pode ser descrita como uma espcie de sala de espera (Chakrabarty, 2000, p. 8).

    O problema fundamental desse setor sociolgico da estrutura de referncias eurocntricas refere-se, em sntese, s formas de pensar que orientam a narrativa da modernidade (e das possi-bilidades da transio a ela), a partir das quais cada uma das histrias nacionais investigada.

    O indiano Dipesh Chakrabarty aponta uma tendncia de que todas as histrias de naes perifricas particulares se tornam variaes de uma narrativa mestra a prpria narrativa da

    6 preciso advertir, porm, que os autores que trabalham a partir de uma perspectiva eurocntrica ou que so, de alguma forma, influenciados por ela no se utilizam de todos esses elementos, necessariamente. Em geral, esses cinco elementos so utilizados seletivamente, conforme a sociedade analisada, a postura intelectual ou poltica do autor ou a questo a que se quer dar destaque.

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    histria da Europa , que alocaria cada uma dessas histrias nacionais em uma posio de subal-ternidade (Chakrabarty, 2000, p. 27).

    Nesse sentido, apenas a histria da Europa, aquela narrativa mestra a que se refere Chakrabarty, seria passvel de formulao terica: only Europe, the argument would appear to be, is theoretically (that is, at the level of the fundamental categories that shape historical thinking) knowable; all other histories are matters of empirical research that fleshes out a theoretical skeleton that is substantially Europe (Chakrabarty, 2000, p. 29; destaque no original).

    Essa forma de fazer sentido da histria das sociedades no ocidentais penetrante at mesmo nos esforos mais recentes de compreenso cientfica da realidade dessas sociedades. No se trata apenas de artigos de um antiqurio cientfico obras fundadoras de nossas cincias sociais, resqucios de formulaes racistas do sculo XIX ou aplicaes imediatas da teoria da moder-nizao dinmica dessas sociedades. H vrios indcios de que as antinomias do pensamento eurocntrico organizam argumentos clssicos e algumas das mais importantes obras recentes que tratam, por exemplo, do Brasil e das sociedades rabes e muulmanas, alm de serem altamente impactantes para a dinmica poltica interna e para as relaes internacionais dessas sociedades.

    Essa hiptese nos leva a crer que a crtica ao eurocentrismo deve adquirir uma funo crtica permanente; ela deve passar a fazer parte de nossos aparatos tericos (e polticos, dada a impor-tncia dos temas tratados) cotidianos e assumir um papel de ponto de partida para uma anlise da dinmica entre pensamento e poltica e, fundamentalmente, para o estudo das sociedades perifricas. Estudo esse entendido como um verdadeiro esforo intelectual de compreenso imbudo de um momento tico de transformao do real. A formulao de uma teoria crtica da modernidade perifrica deve passar, portanto, por um momento de desconstruo das anti-nomias do pensamento eurocntrico.

    algumas considEraEs sobrE origEns E componEntEs do discurso Eurocntrico

    Como j expresso anteriormente, o eurocentrismo, em suas vrias dimenses, forma uma das bases da prpria experincia ocidental da modernidade. Segundo Lander, o eurocentrismo pode ser apresentado, sinteticamente, como a naturalizao da sociedade liberal europeia como a nica possvel ou desejvel (Lander, 2000, p. 12). Essa naturalizao seria, em seus aspectos epistemolgicos, uma das muitas consequncias de uma separao, fundadora do pensamento poltico ocidental moderno, entre homem (razo) e mundo. Uma das decorrncias dessa ciso uma pretensa busca por conhecimento descorporeizado e descontextualizado, objetivo e universal, busca essa atrelada a uma noo de progresso, desenvolvida em um contexto de assimetria de poder global.

    Para a conscincia europeia da modernidade, essas sucessivas cises da realidade articulam-se com aquelas que servem de fundamento ao contraste essencial que se estabelece a partir da conformao colonial e neocolonial do mundo, entre a Europa e os outros. Dessa articulao

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    surge um campo terico, imagtico e ideolgico que apregoa o suposto carter universal da experincia europeia e que possibilita uma leitura da totalidade da experincia humana a partir dessa particularidade (Lander, 2000, pp. 16-17).

    Como aponta Abdel-Malek (1975, p. 47), h um carter setorial no dado que informa a Sociologia. Essa setorialidade do dado, que naturaliza uma experincia histrica, a base para uma histria excludente ou uma histria das incompletudes e dos bloqueios.

    Tentando captar as mltiplas dimenses desse discurso eurocntrico, Coronil o define (muito peculiarmente denominando-o de ocidentalismo) da seguinte maneira:

    ...conjunto de prcticas representacionales que participan en la produccin de concepciones del mundo que 1) dividen los componentes del mundo en unidades aisladas; 2) desagregan sus historias de relaciones; 3) convierten la diferencia en jerarqua; 4) naturalizan esas repre-sentaciones; y 5) intervienen, aunque sea de forma inconsciente, en la reproduccin de las actuales relaciones asimtricas de poder (Coronil, 2000, pp. 89-90).

    A construo sociolgica interior ao discurso eurocntrico, a que vimos nos referindo, funciona como uma espcie de dispositivo de conhecimento universal (Lander, 2000, p. 23) que, ao hierarquizar as diversas experincias humanas e coloc-las ao longo de uma reta que as distancia ou aproxima da experincia da modernidade, permite a descrio das outras formas de vida, em sentido negativo, ou seja, como formas incompletas e no como outras formas particulares de completude.

    Em algumas variaes do discurso eurocntrico vigora uma forma de compreenso do progresso em nveis mundiais, que Blaut chama de difusionismo eurocntrico. Segundo essa viso, o progresso seria permanente e natural na Europa e no no resto (o que geral para todo o discurso eurocntrico), e o progresso nos outros locais seria principalmente resultado da difuso de ideias inovadoras e de produtos europeus (Blaut, 2000, p. 11).

    Blaut tenta esclarecer que esse modelo de evoluo histrica global ganhou realidade e poder com o colonialismo europeu.

    Esse entrelaamento entre discursos eurocntricos e a lgica assimtrica de poder global um dado que no se pode perder de vista. Essa observao especialmente importante e nos obriga a ler com ateno diversas crticas feitas a autores ps-coloniais e, sobretudo, a Edward Said, no que se refere s bases de seu aparato crtico ao discurso eurocntrico.

    Em diversos momentos da primeira crtica saidiana, o orientalismo parece ganhar ares de entidade autnoma de dominao, uma espcie de discurso que se autorreproduz, inventando outro para a autoinveno e a dominao europeias. O que parece escapar a diversos crticos ps-coloniais a centralidade da colonialidade do poder prpria modernidade (Quijano, 2000) ou ao capitalismo, instalando-se globalmente.

    Essa expanso do capitalismo carrega formas de conhecimento dominadoras, que se instalam na periferia e so a, em inmeros casos, reproduzidas e, como aponta Coronil na

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    citao anterior, intervm conscientemente ou inconscientemente na reproduo das relaes assimtricas de poder dadas.

    Ahmad nos ajuda a compreender esse processo:

    O que estou sugerindo que tem havido historicamente todos os tipos de processos ligados a gnero e classe, etnicidade e religio, xenofobia e intolerncia que infeliz-mente tm estado em ao em todas as sociedades humanas, tanto europeias quanto no europeias. O que deu especial fora s formas europeias desses preconceitos, na histria, com consequncias devastadoras para as vidas de incontveis milhes e expressos ideo-logicamente em racismos eurocntricos plenamente desenvolvidos, no foi um processo trans-histrico de obsesso e falsidades ontolgicas uma concentrao de singular fora nos domnios do discurso mas, muito especificamente, o poder do capitalismo colonial, que fez surgir outros tipos de poderes (Ahmad, 2002, p. 133).

    Assim, no nos deve escapar que o que faz do eurocentrismo algo diferente dos outros etnocentrismos exatamente o capitalismo e seu carter mundial e assimtrico (conforme Dirlik, 2003, p. 307). A ideia de um discurso eurocntrico (ou qualquer outra forma de descrever esse conjunto de dispositivos representacionais) s ganha sentido real quando se considera, nos termos de Quijano (Dirlik, 2003, p. 222), mais uma vez, a colonialidade do poder prpria do sistema-mundo capitalista moderno.

    apenas tendo essa caracterizao em mente que se pode avaliar o papel das cincias sociais em todo o mundo perifrico, no qual elas adquiriram, com enorme frequncia, o papel de formas privilegiadas7 do estabelecimento de afirmaes sobre a ausncia ou os bloqueios modernidade, em vez de se constiturem como geradoras de conhecimentos dessas sociedades a partir de suas especificidades histricas, sociais e culturais. Para o caso da Amrica Latina (mas apresentando um quadro de fcil generalizao), Lander afirma:

    En Amrica Latina, las ciencias sociales, en la medida en que han apelado a esta obje-tividad universal, han contribuido a la bsqueda, asumida por las elites latinoamericanas a lo largo de toda la historia de este continente, de la superacin de los rasgos tradicionales y premodernos que han obstaculizado el progreso, y la transformacin de estas sociedades a imagen y semejanza de las sociedades liberales-industriales [...] A partir de caracterizar las expresiones culturales tradicionales o no-modernas, como en processo de transicin hacia la modernidad, se les niega toda la posibilidad de lgicas culturales o cosmovisiones propias.

    7 Certamente, essa no uma descrio exaustiva sobre as cincias sociais nos pases que no fazem parte do centro, da mesma forma como nem todo o pensamento produzido deve ser descartado como eurocntrico, orientalista, ideolgico ou qualquer coisa do tipo. Pelo contrrio: uma vasta produo terica, em larga medida elaborada em con-textos perifricos e considerando suas particularidades, vem tentando superar as antinomias do discurso eurocntrico.

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    Al colocarlas como expresin del pasado se niega la posibilidad de su contemporaneidad (Lander, 2000, p. 26)8.

    *

    At agora, o que se tentou fazer foi identificar as maneiras de como o discurso eurocntrico impacta na compreenso sobre o desenvolvimento histrico e as dinmicas sociais em sociedades perifricas. O que se espera que reste de saldo dessa breve reflexo a inadequao dessas catego-rias e narrativas na compreenso daquilo a que ela se prope as sociedades analisadas, a partir desses discursos sociolgicos eurocntricos, no so entendidas em sua formao especfica, em um quadro que as situe em uma dinmica social que vai alm de suas fronteiras. O que resta uma descrio de incompletude frente a um modelo que lhes inatingvel.

    Mas, invertendo tal raciocnio, seria possvel pensar o Brasil, as sociedades rabes e muulmanas e outras sociedades perifricas a partir da ideia de completude? O que se haveria completado nessas sociedades, ou, dito de outra forma, como o presente delas pode ser enten-dido em sua dignidade histrica, sem que ele seja descrito como dado inacabado? Essas questes so uma verso especfica daquelas com que iniciamos esta segunda parte. Nosso problema : que aparatos categoriais e procedimentos metodolgicos nos permitem fazer afirmaes verdadeiras sobre essas sociedades perifricas e, ao mesmo tempo, procedermos a uma crtica da modernidade a partir dessa posio? O momento da crtica deve abrir espao a um esforo construtivo, que no que tentarei focar-me, por meio da busca e anlise de algumas referncias tericas que buscaram realizar projetos diversos de descolonizao terica.

    Portanto, sem buscar desenvolver qualquer abordagem nova (o que seria inapropriado e irrealizvel para uma pesquisa como esta), o objetivo das reflexes propostas apontar os caminhos j trilhados por diferentes literaturas e tentar articul-los luz de nossos problemas de pesquisa e de nossas hipteses. A questo fundamental que nos guia a maneira como os quadros categoriais consideram as especificidades do processo de modernizao na periferia e as especificidades da modernidade em sociedades perifricas, situando essas sociedades em uma dinmica de modernidade-capitalista global e atendo-se s dinmicas internas entre grupos sociais.

    Esse esforo exploratrio parte de uma dissociao entre a modernidade e o Ocidente. Em seguida, analiso a recente literatura sobre as mltiplas modernidades, buscando identificar seus avanos e apontar suas fragilidades. Por fim, tento esboar brevemente um programa de pesquisa voltado reflexo sobre um empreendimento terico que busque superar as fragilidades.

    8 Essa caracterizao de Lander sobre a busca da superao dos bloqueios ao progresso e da instaurao de uma ordem social liberal assemelha-se caracterizao que Werneck Vianna faz do americanismo na histria do pensamento social brasileiro (Werneck Vianna, 1997). Para o caso brasileiro (e, se seguimos as pistas de Lander, o latino-americano), o americanismo parece constituir a verso mais vigorosa e corriqueira de discurso eurocntrico.

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    modErnidadE E ocidEntE

    O discurso sociolgico eurocntrico, descrito at o momento, parte de uma premissa sobre as relaes entre a modernidade, com suas instituies e seus modos de vida caractersticos, e o Ocidente. Aquela teria sido gerada no interior deste; a modernidade seria um fenmeno ocidental, de forma que ambos, tomados como agregados culturais, poderiam ser vistos como sinnimos.

    O termo ocidental, nesse sentido, seria, no mais das vezes, equivalente a europeu, quando se refere a fenmenos at o sculo XIX; a partir de ento, a Amrica anglo-sax tambm passaria a ser entendida como parte desse conglomerado civilizacional. grande, por certo, a dificuldade e impreciso em se definir qualquer um desses termos, uma vez que eles parecem congenita-mente entrelaados e so utilizados, em geral, de maneira intercambivel, na mais vasta gama de discursos sociolgicos, polticos ou do senso comum.

    Grande parte do pensamento atual que trata de sociedades perifricas e que, de alguma forma, desenvolve algum tipo de discurso eurocntrico sofreu uma influncia indireta daquele corpo terico original, principalmente por meio do pensamento sociolgico moderno. Referimo-nos, sobretudo, s sociologias de Marx e Weber9. Os dois autores, centrados em questes sobre o desenvolvimento do capitalismo e a racionalizao, processados no Ocidente, utilizam, de formas distintas (e variveis, ao longo de suas obras), uma srie de categorias e abordagens originadas em uma distino fundamental entre Ocidente e no Ocidente.

    Apesar da complexidade de suas obras, inegvel que, em diversos momentos, os autores lanam mo de abordagens internalistas e fornecem contribuies para a reafirmao dos elementos marcantes da estrutura de atitudes e referncias eurocntricas (Hall, 1992; Turner, 1989; 1994).

    No interior de nossas preocupaes, preciso destacar, inicialmente, o uso da ideia de obst-culo por ambos os autores. Em Marx, essa ideia sintetizada no conceito de Modo Asitico de Produo, sendo este, como mostra Anderson, uma variao do conceito orientalista clssico de Despotismo Oriental (Anderson, 1985, pp. 461-494)10.

    9 No se trata aqui, evidentemente, de denunciar o uso desses clssicos para a reflexo sobre essas sociedades perifricas, o que seria uma proposta completamente descabida. Contudo, igualmente incorreto no nos atermos a como grande parte do pensamento social contemporneo dessas sociedades, que busca fazer sentido, reproduz aspectos problemticos da obra desses autores, em especial, suas abordagens sobre as sociedades no ocidentais. 10 Nimtz (2002) e Jani (2002) desenvolvem interessantes crticas ao tratamento de Marx, como um autor eurocn-trico, centrando-se, sobretudo, na dialtica entre teoria e prtica, na produo intelectual e na atuao poltica desse autor. Contudo, nenhum deles debrua-se sobre a construo do conceito de Modo Asitico de Produo na obra de Marx. De qualquer forma, algumas das observaes e citaes de Marx nos auxiliam a desenvolver leituras de sua obra que no sejam esquemticas e etapistas. A seguinte afirmao de Marx, em uma carta a um grupo de revolucio-nrios russos, de 1877, dever ser de grande valia para nossas anlises posteriores sobre os problemas de um discurso sociolgico eurocntrico; Marx adverte contra a transformao de seu historical sketch of the genesis of capitalism in Western Europe into a historical-philosophical theory of general development, imposed by fate on all peoples, whatever the historical circumstances in which they are placed (Marx, 2000 apud; Nimtz, 2002, p. 75). Jos Aric, marxista argentino, aponta que o pensamento de Marx sofre uma espcie de virada antieurocntrica na fase final de sua vida, a partir

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    Em Weber, como se apreende a partir da anlise de Schluchter (1996, p. 120), a ideia de obstculo encontra-se principalmente nos pontos que balizam sua anlise comparativa sobre as diferentes ticas econmicas: tipo de estado, leis, cincia e conduta de vida, podendo cada um desses elementos prover resistncias ou no ascenso do capitalismo racional caso sirvam ou no reafirmao da estereotipificao, essa inibidora do fluxo racional da vida cotidiana (Pierucci, 2003, p. 131). Alm disso, em ambos os clssicos h uma dicotomia de fundo entre o carter dinmico das sociedades ocidentais, em contraposio ao carter esttico das sociedades orientais (Turner, 1989, captulo 1).

    Esta famosa citao de Weber, de sua introduo aos Ensaios Reunidos de Sociologia da Religio, um caso clssico do mecanismo de identificao entre modernidade e Ocidente:

    [One who is] a product of modern European civilization, studying any problem of universal history, is bound to ask himself to what combination of circumstances the fact should be attributed that in Western civilization, and in Western civilization only, cultural phenome-na have appeared which (as we like to think) lie in a line of development having universal significance and value. Only in the West does science exist at a stage of development having universal significance and value. Only in the West does science exist at a stage of development which we recognize today as valid. [The full] development of a systematic theology must be credited to Christianity [] since there were only fragments and in a few Indian sects [] Indian geometry had no rational proof; that was another product of the Greek intellect, also the creator of mechanics and physics [] The highly developed historical scholarship of China did not have the method of Thucydides. [All] Indian political thought is lacking in [] rational concepts. [Rational] harmonious music, both counterpoint and harmony [] our orchestra [] our sonatas, symphonies, operas [] all these these things are known only in the Occident [] In architecture [] the rational use of the Ghotic vault [] does not occur elsewhere. [The] Orient lacked [] that type of classic rationalization of all art [] which the Renaissance created for us. There was printing in China. But a printed literature [] and, above all, the Press and periodicals, have appeared only in the Occident. [The] feudal state [] has only been known to our culture [] In fact the State itself [] is kno-wn [in the full sense] only in the Occident. And the same is true of the most fateful force in our modern life, capitalism. [The] concept of the citizen has not existed outside the Occident (Weber apud Blaut, 2000, p. 25).

    do estudo de sociedades perifricas (em especial a Rssia), quando passa a incorporar a ideia de que (...) o modo capitalista de produo est condicionado por modos de produo que no se encontram no mesmo estgio alcanado pelo desenvolvimento do primeiro (Aric, 1982, p. 58). A partir da, Marx passa a trabalhar com um conceito de capitalismo mundial cujos desdobramentos aproximam-se daquilo que Trotski teorizou, posteriormente, a partir da ideia de desenvolvimento desigual e combinado.

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    A extenso da citao se justifica dado o enorme nmero de exemplos de raciocnio euro-cntrico fornecidos por Weber. O que h de especial interesse a forma como o autor arrola, ao longo de sua argumentao, uma srie de instituies e formas de conduta prprios ideia de modernidade (inclusive a dele prprio), identificado-as como intrnsecas ao Ocidente. Cincia, Estado e racionalidade (com suas aplicaes nas artes, na arquitetura, na teologia) so instituies que definem tanto o Ocidente (ou a civilizao europeia moderna, como expressa Weber) quanto a prpria modernidade. Essa identidade dos termos faz com que Weber incorra em certo raciocnio circular, sobretudo porque seu critrio de racionalidade, espcie de fita mtrica por ele utilizada para avaliar condutas de vida e bens culturais com relao queles do Ocidente, ele prprio ocidental.

    Contudo, apontaria ainda outra questo fundamental, anterior a essas: a forma como Weber estabelece o enquadramento de questes que ele se prope a resolver que o encaminha por uma via eurocntrica. A questo sobre os motivos do surgimento da modernidade no Ocidente tpica de um raciocnio internalista, com maior ou menor proximidade do essencialismo. Esse tipo de colocao do problema colocao que uma parte fundamental do raciocnio cientfico e altamente dependente dos valores do prprio cientista, como, alis, o prprio Weber afirmaria (conforme Lwy, 2007) fundamenta-se em uma viso da histria mundial que dissocia cada uma das sociedades ou civilizaes, tratando-as como unidades ilhadas. Assim, antes de nos atermos s possveis respostas fornecidas por Weber, de fundamental importncia a observao da ideia de histria mundial que orienta sua colocao de perguntas.

    Como aponta Demant, o conceito de Europa, da forma como se desenvolveu ao longo da Idade Moderna, um produto da era do Renascimento e da Reforma. At ento, o continente teria passado por uma complexa histria de unificao e fragmentao que data da Antiguidade, sem que se gerasse uma base comum de identificao cultural. na poca moderna que a Europa evolui de conceito geogrfico para civilizacional. Ao longo do sculo XVI, esse conceito vai se constituindo em torno de trs critrios: 1) no isl (excluso da parte do continente dominado por povos muulmanos); 2) cristo ocidental (excluso da parte dominada pelos ortodoxos, na Europa Oriental); e 3) enraizamento na Antiguidade Clssica Pag (identificao com os padres polticos e estticos atribudos aos gregos e romanos pr-cristos) (Demant, 2007, p. 27).

    Demant partindo da anlise de Samuel Huntington, mas a expandindo procura articular quais seriam as caractersticas comuns da civilizao ocidental. A lista longa:

    (1) individualismo e seu corolrio [...]; (2) racionalismo [...]; (3) domnio da lei [...]; (4) cristandade; (5) partilha do poder atravs de instituies representativas [...]; (6) sepa-rao entre Estado e religio, que abriu o caminho para a tolerncia religiosa e eventu-almente o secularismo e a neutralidade religiosa do espao pblico; (7) pluralismo, a legtima coexistncia pacfica de grupos e projetos mutuamente incompatveis dentro de uma sociedade [...]; (8) feudalismo e capitalismo; (9) a crena no progresso e na perfec-tibilidade e emancipao [...]; (10) a cincia como mtodo universal para a aquisio de

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    conhecimento objetivo [...]; (11) direitos civis e humanos universais [...]; (12) a soberania do povo, encarnada na cidadania e democracia participativa [...]; (13) autodeterminao da nao e nacionalismo, encarnados no Estado-Nao independente [...]; e finalmente (14) a ideia da irmandade dos homens, da responsabilidade mtua, justia social e paz [...]; A fim de que a lista acima no soe demasiadamente idealista, adicionemos que (15) escravido, (16) racismo e (17) guerra, militarismo e expansionismo tm diversas vezes sido propostos como marcas do Ocidente! (Demant, 2007, pp. 41-42).

    E com relao ao conceito de modernidade? De forma resumida, possvel perceber, na maioria das teorias sociolgicas clssicas e contemporneas que lhes do continuidade, a identificao da modernidade com um princpio que se materializa em instituies e modos de vida. Habermas (2002, p. 28), ao analisar o ncleo fundamental dos discursos filosficos da modernidade, busca decantar o princpio da subjetividade como aquele que articularia suas vrias manifestaes. Esse princpio, em circulao ao menos desde Descartes, seria apreensvel por meio do individualismo, do direito crtica, da autonomia da ao e da filosofia idealista que iriam se constituir no Ocidente.

    Para Habermas, os acontecimentos-chave para a instaurao desse princpio e, portanto, da prpria modernidade teriam sido a Reforma Protestante, o Iluminismo e a Revoluo Francesa. A subjetividade, articuladora global de uma forma de ser moderna, determinaria as vrias manifestaes da cultura moderna, como a cincia, a moral, a arte (sobretudo o romantismo), a religio e o Estado11.

    Essa justaposio entre as definies de modernidade e civilizao ocidental (como entidade civilizacional, em suas caractersticas positivas), apreensvel a partir das definies tomadas de Habermas e Demant, esclarece as maneiras como os dois conceitos vo se definindo simultane-amente e mutuamente, ao longo da Idade Moderna, poca tanto de criao de um eu europeu quanto de sua expanso e de seu confronto com diversos outros, em suas empreitadas coloniais ou em suas disputas territoriais s margens do continente.

    Como mostra Demant, a ideia de Ocidente vai se constituindo a partir da expanso da ideia de Europa, como conceito civilizacional:

    11 Habermas est igualmente preocupado em levantar questionamentos sobre as origens ocidentais da modernidade; as experincias histricas que orientam seu diagnstico da modernidade so aquelas prprias s revolues polticas do sculo XVIII e suas consequentes manifestaes culturais, valorativas e filosficas. Dessa forma, para Habermas, a modernidade nasceria como um projeto no sculo XVIII, em solo europeu, com a instaurao do princpio articulador da subjetividade e seguindo diagnstico de Weber com a separao das esferas de valor: The Project of modernity formulated in the 18th century by the philosophers of the Enlightenment consisted in their efforts to develop objective science, universal morality and law, and autonomous art, according to their inner logic. At the same time, this project intended to release the cognitive potentials of each of these domains to set them free from their esoteric forms. The Enlightenment philosophers wanted to utilize this accumulation of specialized culture for the enrichment of everyday life, that is to say, for the rational organization of everyday social life (Habermas, 1981, p. 9).

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    A ideia era inicialmente menor do que o continente, mas gradativamente se expandiu para incluir todo o continente e incorporar vastas reas fora dele, criando no processo uma nova ideia: a do Ocidente... Essa guinada foi consequncia direta dos descobri-mentos e da colonizao que abriram novas reas para assentamento europeu no alm-mar (Demant, 2007, p. 28).

    Essa observao de Demant sobre a criao do conceito de Ocidente abre uma porta impor-tante para reflexes sobre o carter ocidental de uma srie de regies do globo. Essas reflexes nos so de enorme valia para a desconstruo da identificao entre modernidade e Ocidente. A colnia e no ocidental, simultaneamente. Esse trao colonial do poder europeu, que se impe paulatinamente por vastas reas e imensas pores da populao mundial, cria sociedades de dupla conscincia.

    Mignolo, remetendo s anlises de Du Bois, fala sobre a conscincia dupla do homem formado pela colonialidade dupla, exatamente porque subalterna (Mignolo, 2000, pp. 63-64). Esse princpio a caracterstica central do imaginrio do mundo moderno-colonial, a partir das margens dos imprios europeus. A colnia , ao mesmo tempo, mesmidade e diferena (Mignolo, 2000)12.

    Esses problemas, aqui apenas esboados, so caminhos a serem percorridos para a proble-matizao daquela identificao inicial entre modernidade e Ocidente, que orienta o discurso sociolgico eurocntrico. A identificao entre Ocidente e modernidade no fornece os recursos tericos a partir dos quais se pode realizar uma anlise da modernizao e da modernidade peri-fricas o fenmeno perifrico se esvai ou reservado a uma tematizao da incompletude e do atraso.

    Como afirma Abdel-Malek com relao s teorias sociais eurocntricas, o problema crtico fundamental a reestruturao do aparato conceitual: O que real racional. E este real racional o do centro hegemnico. , portanto, a partir de uma exigncia de racionalidade que est no centro de toda a preservao social e de todo o projeto social histrico que as sociedades no ocidentais so convidadas a se ajustar ao modelo ocidental (Abdel-Malek, 1975, p. 45). Modelo ocidental que, no discurso eurocntrico, pode ser substitudo por modernidade.

    Stuart Hall fornece uma importante contribuio para um esforo de dissociao entre as categorias de modernidade e Ocidente. Esse autor analisa as formas como essas duas entidades so constitudas como objetos discursivos. O conceito de Ocidente seria um significante ligado a uma grande e fluida cadeia de significados (Hall, 1992).

    12 Essa problemtica do pertencimento ao Ocidente um dos temas mais caros reflexo cultural e sociolgica no Brasil o carter bifronte das elites coloniais brasileiras (Cardoso, 1975), as obras de Machado de Assis e, novamen-te, as reflexes de Roberto Schwarz sobre elas a partir da considerao sobre as ideias fora do lugar so grandes testemunhos dessa forma de ser colonial e ps-colonial e do sentimento de dualidade prprio experincia perifrica (ver Arantes, 1992).

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    Hall lista quatro reas principais em que ele circula e opera. Primeiramente, ele funciona como uma categoria analtica que permite mapear o mundo em termos de Ocidente e no Ocidente. Alm disso, ele um critrio pelo qual se podem fazer julgamentos sobre o resto do mundo tanto espacialmente quanto temporalmente. Em terceiro lugar, ele marca uma fronteira em torno da qual uma grande variedade de qualidades positivas e negativas pode ser reunida. Por fim, Ocidente um termo que representa uma forma de vida particular: desenvolvida, industrializada, urbanizada, capitalista, secular e moderna (Hall, 1992, p. 277).

    A partir dessa conceituao de Ocidente e da anlise de sua operacionalizao, Hall identifica as bases discursivas da identificao, no discurso eurocntrico, entre as ideias de modernidade e Ocidente. Como aponta Sayyid, essa identificao indica que o termo Ocidente refere-se a um projeto o Ocidente uma formao ideolgica centrada no discurso da modernidade. Segundo esse aparato conceitual, a dade modernidade-no modernidade equivalente dade Ocidente-resto (Sayyid, 2003, pp. 101-102). E a decorrncia desse ponto de partida no pode ser outra: modernizao passa a ser sinnimo de ocidentalizao.

    Kaya expressa bem o resumo da pera:

    In short, modernity emerged as an outcome of a specific civilization, therefore, if the rest wanted to join modern life, they would have first to westernize. In other words, for the rest of societies to modernize, they would first need to de-easternize13. Therefore, the West was not only a particular way of life democratic, civilized and so on it also had the historical mission of universalizing human societies (Kaya, 2004, p. 50).

    Tudo leva a crer que esse conceito de modernidade que aqui se critica unidirecional, no comportando em si a possibilidade da diversidade. Essa viso eurocntrica da modernidade no comporta a contingncia histrica e a agncia humana, que condicionam as mltiplas formas de sua realizao tanto em contextos perifricos quanto ocidentais (uma vez que a uniformizao do Ocidente o negativo do discurso eurocntrico).

    Nesse sentido, esforos diversos para uma teoria crtica da modernidade perifrica no constituem apenas tentativas de pensar novas categorias a serem contrapostas quelas prprias ao pensamento eurocntrico. Antes, pensar criticamente a partir da periferia parece significar examinar as vrias formas desse pensar eurocntrico para descobrir que questes ele permite colocar e quais outras ficam excludas, esquecidas.

    O que se perde, ento, ao se eleger a estrutura de referncias eurocntricas como a narrativa mestra da modernidade? Por fim, como se vem tentando pensar para alm dessa estrutura e, evidentemente, quais os possveis ganhos crticos e analticos dessas tentativas de superao?

    Essas consideraes ainda a serem mais extensamente desenvolvidas, por certo conduzem-nos ao exame de uma literatura recente que busca solucionar os dilemas do discurso sociolgico

    13 De-easternize, como abandono da prpria identidade, ruptura dos bloqueios ocidentalizao sejam essas sociedades orientais ou de qualquer outro espao geogrfico perifrico.

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    eurocntrico. Sua anlise servir para o aprofundamento das reflexes tericas sobre a moder-nidade, em sociedades perifricas, e para o delineamento de um programa de pesquisa crtico aos discursos eurocntricos.

    insErindo a divErsidadE: avanos E limitEs da abordagEm das mltiplas modErnidadEs

    Desde meados da dcada de 1990, diversos cientistas sociais vm desenvolvendo uma pers-pectiva terica que busca romper o vis eurocntrico nos estudos tericos e empricos sobre a modernidade, em suas mltiplas manifestaes. No se trata, evidentemente, da primeira tentativa nesse sentido e, por certo, nem da mais bem acabada, inclusive pelo fato de os estudos infor-mados por essa perspectiva serem bastante recentes. Contudo, pela posio que vem adquirindo nas cincias sociais e pelo peso do desafio que lana ao discurso eurocntrico ao menos no nvel da nomenclatura, pela ousadia de tratar a modernidade no plural , adequado trat-la antes de qualquer outro discurso sociolgico que se esforce por colocar em questo a identificao entre Ocidente e modernidade, prpria estrutura de referncias eurocntricas hegemnica na histria do pensamento social moderno.

    A perspectiva das mltiplas modernidades (perspectiva, pois no seria pertinente trat-la como teoria) centra-se, sobretudo, em uma anlise cultural ou civilizacional. O principal terico da escola, Shmuel N. Eisenstadt, desenvolve um claro esforo de ampliao do diagnstico weberiano da modernidade para que possa adequar-se ao estudo dos modos como as outras civilizaes (estas, definidas sobretudo em termos religiosos, ao menos por Eisenstadt) realizam de formas diversas a modernidade (Eisenstadt, 2000).

    Outra contribuio terica relevante a de Charles Taylor, influente filsofo canadense. Esse autor e Benjamin Lee apontam que a maioria das teorias da modernizao acultural. Esse tipo de teoria postularia que qualquer sociedade pode passar por um processo de modernizao que as levaria a um resultado final bastante semelhante. As teorias aculturais tendem a descrever essa transio em termos da perda das crenas e solidariedades tradicionais, em decorrncia de mudanas institucionais, demogrficas ou da crescente operacionalizao da razo cientfica.

    Essa tese da convergncia o principal alvo de crtica da perspectiva das mltiplas modernidades (Taylor & Lee, 2008). Segundo aquela postura eurocntrica, a modernidade, para sociedades que no fazem parte de seu centro irradiador, apareceria como um ponto de chegada nesse processo, como no poderia deixar de ser, this means, of course, that we expect they will end up looking like us (Taylor & Lee, 2008).

    Como se pode apreender do que foi mencionado anteriormente, essa perspectiva descrita por Taylor no se resume teoria da modernizao, to em voga at a dcada de 60. Como aponta Smith, esse modelo eurocntrico, mais ou menos etapista, continua a exercer efeitos poderosos sobre as cincias sociais, por meio de um background residual de hipteses e modelos de pensamento, mesmo quando o acadmico no um modernization scholar (Smith, 2008, p. 1).

  • 70 plural 16.1

    Eisenstadt tenta desenvolver a ideia de que o processo de modernizao no equivale ao de ocidentalizao. Ele busca descrever as vrias formas pelas quais os processos de diferenciao estrutural desenvolveram-se nas diversas culturas do globo, gerando mltiplos padres institu-cionais e ideolgicos. Esses padres, contudo, no seriam meras continuaes das tradies de cada uma dessas sociedades: cada um deles distintivamente moderno, apesar de fortemente influenciados por suas premissas, tradies e experincias culturais.

    Eisenstadt resume da seguinte maneira o projeto (em construo) das mltiplas moder-nidades:

    The idea of multiple modernities presumes that the best way to understand the contem-porary world indeed to explain the history of modernity is to see it as a story of continual constitution and reconstitution of a multiplicity of cultural programs. These ongoing recons-tructions of multiple institutional and ideological patterns are carried forward by specific social actors in close connection with social, political and intellectual activists, and also by social movements pursuing different programs of modernity, holding very different views on what makes societies modern. Through the engagement of these actors with broader sectors of their respective societies, unique expressions of modernity are realized (Eisenstadt, 2000, p. 2).

    O raciocnio de Eisenstadt implica que, apesar de a modernidade ocidental gozar de precedncia histrica e de continuar sendo o ponto de referncia para as outras sociedades (ou civilizaes), ela no constituiria qualquer tipo de modelo autntico de modernidade ( Eisenstadt, 2000, p. 3). Alm disso, a prpria cristalizao da modernidade europeia no teria sido um processo unidirecional e pacfico, mas teria sido derivada de uma srie de lutas, internas e externas, assentadas nas contradies e tenses prprias do desenvolvimento do capitalismo, da constituio dos estados e das disputas pela democratizao.

    Com a expanso europeia, no incio da poca Moderna, sobretudo nas Amricas, teria havido a primeira transformao das premissas da ordem cultural e poltica daquela modernidade em gestao (Eisenstadt, 2000, p. 13). Essa considerao de Eisenstadt o leva a postular que a modernidade j nasceu mltipla, mas a partir de variaes do modelo europeu algo que parece se manter em todo o raciocnio de Eisenstadt: (...) practically from the beginning of modernitys expansion multiple modernities developed, all within what may be defined as the Western civilizational framework (Eisenstadt, 2000, p. 13).

    O raciocnio de Eisenstadt, apesar de avanar com relao conceituao de modernidade, ainda sofre de certo grau de difusionismo. Isso ocorre apesar da defesa de Eisenstad de que a civilizao europeia e seus produtos e manifestaes no so imediatamente transplantados em outros lugares do globo. Para o autor, a modernidade se moveu ao redor do globo, por meio do colonialismo e do imperialismo, dada a superioridade militar, econmica e tecnolgica europeia.

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    Como aponta Schmidt, os proponentes da abordagem das mltiplas modernidades (e isso verdadeiro, sobretudo com relao s contribuies de Eisenstadt) concordam com os tericos da modernizao de que o projeto da modernidade, a partir do momento em que ele firmemente deitou razes no Ocidente, comeou logo a ter uma relevncia global e a espalhar-se para o que s vezes depreciativamente chamado de o resto (Schmidt, 2007, p. 149).

    Esse parece ser um ponto de tenso no interior do projeto, uma vez que outros autores, como Gle (2000; 2002) e Kaya (2004), por exemplo, insistem muito menos na questo da expanso e da seguinte diferenciao de uma modernidade original apesar de no autntica, como a descreve Eisenstadt.

    De qualquer forma, um ponto importante em que insiste Eisenstadt e outros autores que compartilham dessa perspectiva a ideia de que a realizao da modernidade nas diversas sociedades e civilizaes deriva-se de uma permanente seleo, reinterpretao e reformulao das ideias importadas.

    O processo de modernizao seletiva14 permite estudar como as mltiplas manifestaes daquele projeto original de modernidade se realizariam em sociedades de modernizao posterior. Entretanto, preciso apontar que, at o momento, os principais trabalhos que se inserem nessa perspectiva no se centraram nas disputas internas, mas nas formas como as tradies culturais impactaram na constituio de cada uma das modernidades. O argumento de Eickelman exemplar desse ponto de vista:

    Traditions are clusters of cultural concepts, shared understandings, and practices that make political and social life possible. Such pervasive cultural understandings play a crucial element in constituting what we now recognize as multiple modernities. They coexist with and shape the experience of modernity. In this sense, ethnicity, caste, and clientelism can be as distinctively modern as the idea of individual choice (Eickelman, 2000, p. 122).

    Taylor e Lee, no mesmo sentido, afirmam que o principal motivo pelo qual se pode falar em mltiplas modernidades o fato de que o ponto de partida cultural deixa suas impresses no resultado final. Uma transio de sucesso para a modernidade exigiria que um povo encontrasse recursos em sua cultura tradicional, que, modificados, permitiriam que eles dispusessem das novas prticas. A esse processo os autores do o nome de adaptao criativa (Taylor & Lee, 2008).

    Dessa maneira, a modernidade, nessa perspectiva, cristaliza-se em torno das grandes civilizaes como a europeia, a islmica, a hindu, etc. , sendo que cada uma delas deixaria suas impresses nas instituies da sociedade, dando-lhes sua forma e cor, por assim dizer (Schmidt, 2007, p. 150), ou seja, constituindo modernidades particulares a partir da absoro

    14 Tomo emprestado aqui o ttulo do livro de Jess Souza (2000), que, apesar de no mobilizar a perspectiva das mltiplas modernidades, fornece um timo exemplo de um estudo que tenta entender a realizao especfica (no caso, no Brasil) da modernidade, a partir de um processo seletivo, resultado das disputas entre grupos internos.

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    de valores e instituies que se conformassem de formas especficas com os dados culturais formadores de cada uma dessas civilizaes.

    de se observar, inicialmente, que a perspectiva das mltiplas modernidades fornece uma sria resposta ao tratamento das sociedades no ocidentais como formas insuficientes de realizao da modernidade. Como argumenta Kaya, essa perspectiva oferece ferramentas para o tratamento da modernidade como um horizonte aberto, em que existe espao para mltiplas interpretaes. A modernidade no um projeto definido e civilizacional, mas um campo de tenses (Kaya, 2004, p. 38). Ao entend-la dessa maneira ao invs de v-la como uma linha de chegada, um desiderato de uniformizao , esses autores propem essa significativa ruptura epistemolgica, que possibilita a compreenso da modernidade como um programa que incluiria a multiplicidade, a contingncia:

    Thus, it may be said that since, contrary to postmodernism, modernity is an open, rather than a closed, way of life, it is not necessary to work outside modernity Because modernity is in the streets, rather than being a programme, plural and different life perspectives compete for the good life. What could be emphasized is that modernity is an endless trial, because no centre provides the content for social life (Kaya, 2004, pp. 47-48, destaque colocado).

    Uma modernidade que est nas ruas uma maneira astuta de definir um projeto terico que busque dar conta das formas concretas de realizao da modernidade e tente afastar-se de discursos eurocntricos ou da ideia da modernidade como um projeto fundamentalmente normativo.

    Apesar dos avanos da perspectiva das mltiplas modernidades que se tentou brevemente expor at o momento, preciso apontar que o projeto ainda demonstra uma srie de inconsis-tncias, alm de basear-se em pontos de partida tericos problemticos, que limitam a extenso possvel de seus desdobramentos. As crticas que a seguir sero arroladas so os motivos principais de nossa considerao da necessidade de se avaliarem outras tradies tericas antieurocntricas, que permitam uma considerao da modernidade perifrica para alm da diversidade oferecida por essa perspectiva.

    Inicialmente, necessrio apontar que os autores que vm trabalhando no interior dessa perspectiva sobretudo aqueles que seguem mais de perto as abordagens tericas de Eisenstadt centram-se demasiadamente na realizao civilizacional ou religiosa da modernidade. Esse ponto de partida terico reduz drasticamente as potencialidades do prprio projeto, alm de resvalar em um srio risco de essencializao no mais uma essencializao dicotmica, prpria ao discurso eurocntrico, mas uma essencializao de cada uma dessas civilizaes. Essas vias abertas no interior da perspectiva das mltiplas modernidades correm o risco de desembocar em armadilhas muito semelhantes s do discurso eurocntrico15.

    15 Spohn (Spohn, 2006, p. 5) aponta que, mesmo no interior desse paradigma civilizacional, essa perspectiva relega a um segundo plano uma anlise da interao entre as diferentes civilizaes crtica que complementar anterior, que aponta os riscos da essencializao.

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    Alm disso, a escolha dos padres culturais tradicionais como ponto de partida para a anlise da absoro do moderno incorre em um risco de no se levantarem questes relevantes acerca de diferenas sociais no interior de civilizaes ou de estados. Dito de outra maneira, os trabalhos informados por essa perspectiva no se atm estratificao social e s disputas que envolvem a escolha das formas de participao na modernidade (apesar de se referirem a clivagens internas, mas sem que isso seja incorporado de forma efetiva em seus aparatos tericos ou em suas anlises de sociedades especficas)16.

    No se trata, aqui, de uma sugesto para que se substitua uma perspectiva civilizacional ou nacional por uma de classe, mas da necessidade de se incorporar ambas17. Uma abordagem terica que pretenda explicar os processos de modernizao em sociedades perifricas deve ser capaz de explicar a dialtica entre o universal e o particular ou entre o externo e o interno, envolvida nesse processo.

    No me parece, por exemplo, que uma reflexo sobre a modernidade italiana informada por essa perspectiva teria relao com o problema crucial, classicamente colocado por Gramsci, acerca da Questo Meridional (conforme Gramsci, 1987), ou seja, o problema das relaes entre o norte e o sul da Itlia, em sua passagem para a modernidade capitalista, e as consequentes disparidades sociais entre as duas regies.

    Alm disso, o fato de centrar-se quase exclusivamente em variveis culturais afasta essa perspectiva de uma considerao mais atenta lgica do capitalismo mundializado e s dife-rentes inseres nele de estados e regies. Essa, provavelmente, a grande diferena entre essa perspectiva e os estudos sobre a dependncia que podem ser entendidos como uma extenso e uma atualizao das teorias do imperialismo, mas com a ateno voltada para as dinmicas internas aos pases perifricos.

    Ao no dar centralidade ao capitalismo, esses autores no conseguem realizar uma adequada anlise das disparidades de poder global que marcam o sistema internacional seja desde o sculo XVI, com a expanso martima europeia, seja desde o sculo XVIII, com a Revoluo Industrial (para essa discusso, consultar Demant, 2007, e Blaut, 2000).

    16 Knbl aponta que a Amrica Latina foi uma regio praticamente esquecida pelos estudos informados pela pers-pectiva das mltiplas modernidades. Ele observa que (...) uma das razes desse esquecimento est com certeza ligada ao fato de que os debates sobre a posio da Amrica Latina se deram no mbito da teoria dos sistemas mundiais ou da teoria da dependncia. Visto que ambas tendem a diminuir a importncia de momentos culturais to relevantes para a maioria dos autores que defendem o paradigma das mltiplas modernidades, perfeitamente compreensvel que poucos desses autores ousem penetrar no campo dos estudos latino-americanos (Knbl, 2006, p. 505). Essa observao de Knbl complementar ao que se afirmou at o momento e mostra a pertinncia de abordagens tericas que considerem tanto a economia poltica quanto as dinmicas culturais envolvidas nos processos de modernizao.17 Essa advertncia serve para que essa observao no se assemelhe ao tipo de crtica apresentada por Francisco Weffort s perspectivas da dependncia. Weffort aponta uma ambiguidade entre nao e classe, no interior dos estudos de dependn-cia, alm de afirmar que uma teoria de classes no precisaria de uma premissa nacional para explicar o desenvolvimento capitalista (Weffort, 1971). A resposta de Cardoso, que considero bastante consistente, aponta para a inexistncia de uma ciso metafsica entre interno e externo: a dinmica interna dos pases dependentes um aspecto mais particular da dinmica externa do mundo capitalista (Cardoso, 1979).

  • 74 plural 16.1

    A ideia de uma adaptao criativa ou de um carter seletivo da absoro da modernidade, se no se atm a essas disparidades materiais (que se convertem e enredam em vantagens simb-licas), parece sugerir que existe um mercado de prticas e padres de sociabilidade modernos disposio de cada uma das sociedades ou civilizaes, que devem prov-los para ver qual combina melhor com seu porte fsico tradicional18.

    A partir do que se tentou expor at aqui, parece bastante convincente a hiptese de que a perspectiva das mltiplas modernidades pode servir, no mximo, como um primeiro momento lgico de superao do discurso eurocntrico. Ao tratar as modernidades no plural, esses autores implodem inicialmente as dicotomias do pensamento eurocntrico, uma vez que apontam a no unicidade histrica da realizao da modernidade segundo um molde especfico.

    Dessa forma, essa perspectiva prope o desafio de lanar um olhar para a modernidade como algo diferente de um ponto de chegada ou de um padro de averiguao da completude de experincias histricas. Contudo, essa perspectiva deve ser complementada por outras abordagens que superem suas fragilidades, aproximando-nos de um programa terico aberto e ecltico que considere diferentes tentativas tericas de superao dos discursos sociolgicos eurocntricos e que nos aproxime de uma conceituao de modernidade que propicie uma justa anlise da modernidade em sociedades perifricas.

    A superao de suas fragilidades significa, sobretudo, que se deve pensar em maneiras de teorizar a histria da modernidade e de sua constituio como uma histria global ou como um conjunto de histrias entrelaadas, para alm do quadro de diversidade apresentado por essa perspectiva.

    O momento da diversidade deve dar lugar ao momento da dialtica entre a modernidade como processo universal e suas mltiplas realizaes particulares. Os caminhos que seguimos at o momento e as crticas apresentadas tanto s diversas formas de discurso eurocntrico quanto perspectiva das mltiplas modernidades apontam para a considerao da modernidade como um fenmeno global, como uma totalidade de totalidades, estas realizaes especficas daquela modernidade global.

    relevante apontar, mais uma vez, que essa reorientao terica no um projeto original, uma espcie de mata virgem antieurocntrica ainda a ser desbravada. Creio, pelo contrrio, que uma srie de formulaes tericas advindas de tradies diversas (e, sobretudo, da tradio marxista e dos estudos ps-coloniais), crticas ao paradigma eurocntrico da modernidade, permitem que se aponte para uma teoria crtica da modernidade global modernidade vista como

    18 Como afirma Dube: In speaking of modernities are we merely saying that Indian modernity is different from German modernity, which is then different from, say, Mexican or Venezuelan modernity? If this is the case, what modalities of power are occluded here, not only in relation to authoritative grids of empire and globalization, but also within non-Western formations of state and nation? Equally, by invoking a bloated and singular modernity centered on the West in order to interrogate the homogenizing impulses of projects of power, do we perhaps succumb to reified representations of an imaginary but tangible Europe that overlook the labor of difference within the work of domination? (Dube, 2002, p. 200).

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    uma totalidade, cuja autonomia se encontra nas inter-relaes de suas unidades; essas so, tambm, totalidades, ao mesmo tempo em que so parcialidades da totalidade maior19.

    Essa considerao da unidade dialtica entre a modernidade e suas mltiplas manifestaes abre caminhos para que estas sejam encaradas em sua dignidade histrica; ao mesmo tempo, ela convida a uma considerao da modernidade que possa incorporar sua prpria crtica, a partir da periferia ou seja, ela fornece o solo para uma teoria crtica da modernidade perifrica que seja, ao mesmo tempo, uma teoria crtica da modernidade. Um programa crtico desse tipo tentaria tirar as maiores consequncias de uma considerao como a de Marx, de que a colnia revela as entranhas da metrpole. Em uma proposta de pesquisa prxima que aqui se apresenta, Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 19), em dilogo com os estudos ps-coloniais, prope um posicionamento (...) nas margens ou periferias mais extremas da modernidade ocidental para da lanar um novo olhar crtico sobre ela.

    Portanto, no se trata exclusivamente de uma questo de acuidade cientfica, mas, igualmente, de uma tentativa de pensar criticamente a condio perifrica e, a partir dela, a modernidade. Seguindo as instigantes sugestes de Paulo Arantes, parece-me que o atraso (ou a condio perifrica) pode conduzir a novas formas de pensar e ser revelador de processos sociais que esto alm dele mesmo (Arantes, 1992; 1996; consultar tambm Mignolo, 2003; Santos, 2004).

    A periferia, dessa maneira, pode servir como lugar de onde parte a crtica de toda a moder-nidade, no mais como o outro dessa modernidade, mas como parte dela mesma20. Essa espcie de reorientao da perspectiva da histria mundial a partir da qual narrada a histria da moder-nidade, em suas vrias manifestaes, no deve servir, entretanto, a um projeto de justificao do pretenso atraso e de todas as formas de mazelas que acometem a periferia, mas, ao contrrio, como forma de entender esse projeto como parte do fenmeno da modernidade.

    19 Essa formulao inspirada, sobretudo, em duas fontes: a descrio de Paulo Freire sobre a constituio do sistema da Pedagogia do Oprimido (Freire, 2007 [1968], p. 135) e a definio do conceito de totalidade em Hegel, fornecido por Martin Jay. Cito este trecho, bastante elucidativo: (...) by employing the term totality to refer to all coherent entities within the cosmic whole, Hegel encouraged the vision that lesser or partial totalities existed on all levels of the meta-totality. This acceptance of what we have called latitudinal totalities meant that any part in a larger whole might itself be considered an organized whole from the perspective of its internal dynamics. Thus reality for Hegel was populated by multitudes of hierarchically linked or horizontally juxtaposed totalities, which defied comprehension through reduction to their component parts (Jay, 1984, p. 59).20 Crtica essa que no exclui outras formas de discursos crticos a essa mesma modernidade, mas que se articula a eles tendo em vista uma forma especfica de subalternizao, com base em um ponto de vista geo-historicamente marcado (consultar Mignolo, 2002). Abdel-Malek observou muito bem que a hegemonia das minorias possuidoras revelada por Marx e Engels e o antropocentrismo desmantelado por Freud seguem de mos dadas com o eurocentrismo nas Cincias Humanas e Sociais, principalmente naquelas que tm relao direta com os povos no europeus (citado em Wallerstein, 2007, p. 68). A crtica antieurocntrica ou descolonial , portanto, um momento especfico de uma teoria crtica da modernidade. Enfatizo aqui a ideia de que se trata de um momento, uma vez que essa perspectiva, como vem sendo avanada nos principais trabalhos recentes, no exclui ou abre mo de outras teorias crticas da mo-dernidade como, por exemplo, os trabalhos ps-estruturalistas ou frankfurtianos , mas os complementa, a partir da crtica colonialidade da modernidade.

  • 76 plural 16.1

    Na forma de uma mal acabada concluso, gostaria de apontar alguns caminhos que podem ser trilhados em busca de respostas a esses problemas tericos apontados. Acredito que esse movimento de constituio de uma teoria crtica da modernidade perifrica deve passar por uma articulao de perspectivas tericas diversas, as quais se propem a falar a partir da periferia. Como sugiro anteriormente, considero, sobretudo, a possibilidade de um dilogo entre as teorias ps-coloniais e as teorias elaboradas no interior da tradio marxista que tratam do carter assi-mtrico do capitalismo global em particular os estudos da dependncia.

    Tal dilogo deve servir para o encaminhamento de uma considerao sobre as formas de dominao materiais e simblicas mundiais, ou seja, sobre as dinmicas entrelaadas de um capitalismo e uma modernidade globais e de suas formas de realizao particulares21.

    Esse movimento de dilogo terico deve ocorrer de forma simultnea a uma reflexo sobre o pensamento social em naes perifricas em grande medida, desenvolvido para dar conta da compreenso dos destinos da modernidade nessas sociedades. Sociedades essas que no foram contempladas pelos clssicos, mas que por isso ou apesar disso esforaram-se em lanar um olhar sobre si prprias e sobre o mundo, a partir de suas experincias de modernidade.

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    21 Alguns outros trabalhos j sugeriram a necessidade da aproximao entre as teorias ps-coloniais e uma anlise do capitalismo global, sobretudo a partir da teoria dos Sistemas Mundo (consultar Mignolo, 2003; Amadeo & Rojas, 2007; Bartolovich & Lazarus, 2002). Trata-se, dessa forma, de um trabalho em andamento, que ainda est por gerar resultados tericos bem desenvolvidos e anlises empricas por eles embasadas.

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