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A INDUSTRIALIZA<;;AO, A URBANIZA<;AO E SEUS REF LEX OS NO MUNDO DO LAZER o L A Z E R N O B R A S I L  Nesta segun<;la parte procuraremos apresentar, de forma re' mida, os inicios da indus trial iza<; ao no Brasil e seus efeit os sobre - 0 tempo de tra bal ho e  0 tempo livre. Ver emo s  0 sur gimen to de :uma dic oto mia mais nit ida ent re aqueles tempos , con fig ura ndo for mas rac ion ali zad as e bur ocr ati zad as propri as da soc ied ade ur-  bana. Destacaremos a cria<;ao de certas associa<;6es formadas  pelo proletariado urbano e que desempenharam uma fun<;ao 111- dic a, de apoio  a  doutr ina <;ao poli tic a que empre end iam. Con - comi tante mente , apres entaremos algun s aspectos de movimentos de nat ure za pol itico-social , com. as pri nci pai s rei vindka <;6 es de nat ure za tra bal hista e a resposta, tan to pat ron al quanta gover- nament al, ou para  0 atend imento daque las reivindica <;6es , ou  para  0 estabelecimento de diretr izes, tendo em vista uma politica gov ername nta l rel ati va ao binomio cap ita btr aba lho. Med ida s que reper cut ira m na cri a<; ao e amplia <;a o do tempo liv re do tra -  balhador, pais disciplinaram a sindicaliza<;ao,  0numero de horas de trabalho,  0desca nso seman al, as ferias e a aposentad oria. Tai s consid era <;6 es se rao lev adas em conta, tendo em vis ta o fato 6bvio de a exi ste nci a do tempo livre ser  0eleme nto essen - cia l par a que se possa fal ar em l aze r. Ver ifi car emos, ain da, as  principais reflexos da civilizagao urbano-industrial sobre as ativi- dad es tradi cionai s de laz er no Bras il. Exa minare mos as pr inc i-  pais "permanencias", entre as quais se destacam as manifesta<;6es • • , A  r.[{lH  IU1t'~,fr.  'l I n T " - ! ) " " 'l  F , ( '  A t... u ; ~ ' "L! '."J. '1d - JJ1),,,, Il.r  .~,,-,tj,

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A INDUSTRIALIZA<;;AO, A URBANIZA<;AO

E SEUS REFLEX OS NO MUNDO DO LAZER 

o

L A Z E RN O B R A S I L

 Nesta segun<;laparte procuraremos apresentar, de forma re'

mida, os inicios da industrializa<;ao no Brasil e seus efeitos sobre

-0 tempo de trabalho e   0 tempo livre. Veremos   0  surgimento de

:uma dicotomia mais nitida entre aqueles tempos, configurando

formas racionalizadas e burocratizadas proprias da sociedade ur-

 bana. Destacaremos a cria<;ao de certas associa<;6es formadas

 pelo proletariado urbano e que desempenharam uma fun<;ao 111-

dica, de apoio   a   doutrina<;ao politica que empreendiam. Con-

comitantemente, apresentaremos alguns aspectos de movimentos

de natureza politico-social, com. as principais reivindka<;6es de

natureza trabalhista e a resposta, tanto patronal quanta gover-

namental, ou para   0   atendimento daquelas reivindica<;6es, ou

 para   0 estabelecimento de diretrizes, tendo em vista uma politica

governamental relativa ao binomio capitabtrabalho. Medidas

que repercutiram na cria<;ao e amplia<;ao do tempo livre do tra-

 balhador, pais disciplinaram a sindicaliza<;ao,  0numero de horas

de trabalho,   0descanso semanal, as ferias e a aposentadoria.

Tais considera<;6es serao levadas em conta, tendo em vista

o fato 6bvio de a existencia do tempo livre ser   0 elemento essen-

cial para que se possa falar em lazer. Verificaremos, ainda, as

 principais reflexos da civilizagao urbano-industrial sobre as ativi-

dades tradicionais de lazer no Brasil. Examinaremos as princi-

 pais "permanencias", entre as quais se destacam as manifesta<;6es

• • , A   r.[{lH   IU1t'~,fr.   'l I n T " - ! ) " " 'l   F , ( '   At...u;~'"L!'."J.'1d - JJ1),,,,Il.r    .~,,-,tj,

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ludico-religiosas e as principais "transformagoes" ou, em alguns

casos mesmo,   0 "desaparecimento" de algumas formas tradicionais

de lazer popular, ·especialmente as manifestagoes folcl6ricas. E,

finalizamos apontando as novas form as de lazer que, muito embora

 pr6prias· da civiIizagao urbana, guardam relativa independencia

com relagao aos meios de comunicagao de massa, com eles nao se

confundindo.

Embora a primeira fabrica a instalar-se em Sao Paulo tenha

sido uma fiagao de algodao, em 1811, conforme Warren Dean,19

onde se empregavam "energia hidraulica e brago escravo", e apenas

em 1920 que 0 Estado de Sao Paulo assume a Iideranga da indus-

trializagao no pais. Nessa epoca, lembra 0 autor citad020 que

"0 industriario paulista medio percebia cerca de quatro mil-reis

(sessenta centavos de d6lar) por dia e, para ganha-Ios, trabalhava

dez haras ou mais, durante seis dias por semana. Os menores

representavam cerca de um tergo da forga de trabalho, e havia

muitas criangas; e possivel que a metade de todos os operarios

fosse menor de dezoito anos e quase 8%   eram menores de ca-torze."

Um relat6rio do I;>epartamento Estadual do Trabalho, de Sao

Paulo, apresenta as condigoes existentes, em 1912, na industria

textiI, e configura os inicios da industrializagao no pais que, de

certa forma, repetiu as condig6es que prevaleceram na Europa e

nos Estados Unidos, nos prim6rdios da Revolugao Industrial.(

Atraves do relat6rio citado, pode-se ter ideia da participagao

da mao-de-obra de eJ;Ilpregados menores de idade, na industria

textil. "Dentre as 6 801 operarias, 1 706 sao maiores de 22 anos,

2966 tem de 16 a 22 anos, 1 885 tem de 12 a 16 anos e 244 temidade inferior a 12 anos. Entre os operarios, 1 825 sac de

idade superior a 16 anos (sic), 696 tem idades compreendidas

entre 12 e 16 anos e 127 sac menores de 12 anos.   0numero

de menores de 12 anos no referido quadro acha-se diminuido de

19.   Warren Dean: "A industrializacao de Sao Paulo," SP, EQitorada Universidade de Sao Paulo, 1971, p6.g. 19.

20.   Warren Dean: op. cit., pag.   163.

uma pequena porcentagem, oculta entre as classificados como

tendo de   12  a 16 anos." Isto, quanta aos menores empregados

em fabrica.

Mas   0mesmo relat6rio faz referencia as condigoes desumanas

de trabalho, com acidentes frequentes; a jomada de trabalho atin-

gindo 12 e 13 horas e os salarios insuficientes. Tal situagao

 provocaria inumeras manifestagoes de protesto, atraves de reivin-

dicagoes e greves. Das greves, a mais ampla e de maiores reper-

cussoes foi a realizada em Sao Paulo, em 1917, presenciada pelo

 poet a Mario de Andrade 21 que, sensivel as condigoes precarias

em que viviam os operarios paulistas, no geral estrangeiros imi-

grantes, com predominio de italianos, espanh6is e portugueses,

fixa a situagao em tres versos dolorosos:

"la para as bandas

do Ipiranga as oficinas tossem ...

Todos os estiolados sao muito brancos."

 No final do seculo passado e nas duas primeiras decadas do

seculo  xx   existiram os chamados Clubes, Ligas, Centros ou Cir-

culos, que eram associagoes de carater politico, de tendencias

anarco-socialistas, congregando a proletariado urbano, mas que

 jamais chegaram a exercer atragao mais poderosa junto as mass as

que ideologicamente pretendiam atingir. Tais tendencias, que se

canalizavam em diregao da criagao dessas instituigoes, nelas pr6-

 prias se extinguiam, uma vez que nao chegaram "a ser.suficien-

temente poderosas para dar origem a formagao de partidos", con-

forme nos lembra Leoncio M. Rodrigues.22

o   mesmo autor 23 fala sobre as fungoes "manifestas" e asfungoes "latentes", das associag6es, destacando que "alem de sua

fungao poHtica 'manifesta', parece que desempenharam tambem as

fungoes 'latentes' de centros recreativos, atendendo as necessida-

21.   Mario de Andrade: "Pauliceia Desvairada," Paisagem n.o 2.

22.   Leoncio Martins Rodrigues, "Conflito Industrial ·e Sindicalismo

no Brasil," S. Paulo, Difusao Europeia do Livro, pag. 130, 1966.

23.   Ibidem, pag. 132.

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des de lazer, divertimento e sociabilidade dos trabalhadores imi-

grantes, que nao tinham acesso aos poucos locais e instrumentos

.deqiversao que a sociedade punha a disposi9ao apenas das cama-

das superiores".

 Neste caso,.   0 lazer esteve vinculado a urn movimento de

doutrina9ao poHtica das massas. Leoncio Martins Rodrigues 24

trans creve relata de Everardo Dias, que fala sobre a tendencia dos

militantes em organizarem "Centros de Cultura, que formariam

a base para promover a difusiio e   0  desenvolvimento de nucleos

da doutrina socialista ( ... ) Tambem se realizavam festivais no

centro da cidade ( ... ), iniciados por palestras doutrimirias e de

critica social, terminados por urn baile, que servia de chamariz a

 juventude, mas mesmo assim nao deixavam de ser cantados hinos

de caniter socialista, entoados por grupos corais ( ... ) Quando

havia companheiros que tocavam algum instrumento, improvi-

sava-se urn baile para a juventude, em que' alias todos tomavam

 parte." Tais exemplos ampliam as dimensoes do lazer e   0 colo-

cam em conexao com os movimentos sociais de natureza poHtica,no Brasil.

Vao, assim, tornando-se claros, no pais, os sintomas tipicos

de uma sociedade que deixa de ser tradicional e que vai adotando

novos padroes de conduta,. mais proprios de uma civiliza9iio indus-

trial, urbana e moderna. E realmente nas cidades, nas condi90es

tipicamente urbanas de civiliza9ao, que se apresentam de maneira

mais nitida, mais formal, mais obediente aos esquemas racionais,

oriundos da legisla9ao trabalhista, as rela90es entre   0  capital e   0

trabalho.

E tambem em fun9ao desse tipo de relacionamento, mais

formalizado do mundo urbano, que se apresenta com mais clareza

adicotomia entre   0 tempo de trabalho e   0 tempo ~e n~o-trabalho.

Sem entrarmos em considera96es relativas ao comprometimento

das horas livres diarias, principalmente nos grandes centros, cabe

apenas a observa9iio quanta aofato de que tal dicotomia, sendo

melhor caracteriz,ada no mundo urbano que no mundo rural, per-

mitiu que   0 trabalhador fosse dispondo, para si proprio, de urn

tempo verdadeiramente livre e com tendencia a aurnentar. Im-

 portante, pois   0 tempo livre e a condi9iio "sine qua non" para a

existencia do lazer.

Vejamos agora os aspectos relacionados com a resposta ins-

titucional brasileira, atraves de uma legisla9iio pertinente a questao

social que aflorava no pais, em fun9ao da propria industrializac;:aoe das novas formas de relacionamento entre empregadores e empre-

gados, que passavarn de mero paternalismo para formas outras

mais impessoalizadas e racionalizadas.

Conforme Edgard Carone,25 a atitude dos diversos governos

estaduais relativamente aos movimentos operarios e, no geral, de

 proibi9ao de manifesta90es ou de ac;:aoconc iliatoria. Ja a ac;:ao

governarnental federal, atraves do Ministerio do Trabalho, e "bem

mais continua e persistente". A ela acrescentando-se "a promul-

ga9iio de uma serie de leis sociais.que vinham sendo reivindicadas

 pelos openirios desde os fins do seculo XIX". Isto, entre os

anos de 1930 e 1935.

Realmente, quanta as leis sociais brasileiras, pode-se afirmar 

que foi apos a Revolugao de 1930, mais especificamente apos a

cria9ao do Ministerio do Trabalho, Industria e Comercio, que se

iniciou decisivamente a fase da legislac;:iiotrabalhista, embora leis

de natureza social estivessem em vigor desde   0   infcio da indus-

trializa9ao no pais.

a   Decreta 1.313, por exemplo, de 1891, ja regulamentava

o trabalha   das   menores nas fabricas da Capital Federal. De-

creto, alias, que "nunca foi aplicado", como lembra Cesarino

JUnior.26   a   decreto de 5/1/1907 criava os sindicatos profissio-naise as sociedades cooperativas. A Lei 3.274, de 15/1/1919,

tratou dos acidentes do trabalho. A Lei "Elay Chaves" instituiu

as Caixas de Aposentadorias e Pensoes em 1923. A Lei 4.982,

25.   Edgard Carone: "A Republica Nova (1930-1937)" S. PauloDifusao Europeia do Livro - 1974, pag. 131. ' ,

26.   A. F. Cesarino Junior: "Direito Social Brasileiro" S. PauloLivraria Freitas Bastos   SI  A.   -1963-   1.0   volume - capitulo IX. '

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de 24/12/1925, legislaria sobre ferias, mandando "conceder,

anualmente, 15 dias de f6rias aos empregados e openirios de

estabelecimentos comerciais, industriais e band.rios, sem prejulzo

de ordenado, vencimentos ou diarias". E   0  Decreto 17.934-A,

de 12/10/1927, tratava do trabalho dos menores.

Sao todas leis importantes no relacionamento entre 0 capital

e   0 trabalho, as quais se acrescentam as leis promulgadas de ~93~

a 1934 e as que se seguiram ate hoje, com men<;ao especlal a

reuniao de todos os dispositivos legais referentes ao trabalho, que

foi feita com a Consolida<;ao das Leis do Trabalho, Decreto-Lei

5.452, de 1.0 de maio de 1943. Alem disso, as Constitui<;6es

 brasileiras, a partir de 1934, passam a consagrar urn tItulo espe-

cial que se denominou "Da Ordem Economiea e Social," onde

o assunto e versado.

Mas sao tambem desse mesmo periodo diversas reivindica-

c6es dos trabalhadores urbanos, cujos motivos vamos encontrar,

~uitas vezes, na falta de cumprimento da legisla<;ao em vigor.

Edgard Carone   27   exemplificaria com os tecel6es paulistas que

 pedem ao Minist6rio do Trabalho, entre outras coisas, aumento

de salario e redu<;ao do numero de horas de trabalho. Com a

Uniao dos Trabalhadores Graficos e a Uniao dos Operarios em

Fabricas de Tecidos de Sao Paulo, "que fazem pressao para que

o govemo force os capitalistas a concederam ferias reais a seus

trabalhadores", 0 quesignifieao nao cumprimento da lei antes

citada. A situa<;aose confirma quando, em 1933, representantes

sindicais de diversos estados fazem "A Marcha Proletaria Sobre

o Catete", para que se cumprisse a lei de ferias, a lei de oito

horas etc. POl' outro lado, os empregadores manifestarani-se

atraves de suas associa<;6esde classe contra as leis sociais emana-das do poder publico, entendendo-as como indevidas para 0 livre

relacionamento entre   0 capital e   0 trabalho.

A lei de sindicaliza<;ao, decretada em 19/3/1931,   e   contes-

tada pOl' empregadores e pOl' empregados. Inspira-se na "Carta

Del Lavoro" fascista. Entre diversas providencias elimina a plura-

lidade sindical existente e toma   0 sindicato dependente do Estado.

A pluralidade e a autonomia sindicais voltam com a Constitui<;ao

Federal de 1934. Sofrem, posteriormente, altera<;6es; e hoje a

vida si'ndical brasileira esta regulada pela Constitui<;ao da Repu-

 blica Federativa do Brasil e pelos artigos 511 a 610 da Consolida-

9..aodas Leis de Trabalho, de 1.°   de maio de 1943 e leis poste•..nores.

A Consolidal<aoja tra<;ava algumas linhas para a atual<aodos

sindieatos na area social. E nesse sentido que   0 paragrafo unieo

do artigo 513 concede aos sindicatos de empregados a prerroga-

tiva de fundar e manter agencia de colocal<ao; e, 0 artigo 514 esti-

 pula, como dever dos sindicatbs de empregados, promover a fun-

da<;ao de cooperativas de consumo e de credito, aMm de fundal' e

manter escolas de alfabetiza<;ao e pre-vocacionais.

Embora a legislal<ao pertinente aos sindicatos nao fizesse

referencia as funl<oesdo sindieato na crial<ao de recursos para   0

lazer de seus afiliados, muitos sindicatos tambem dedicaram-se aeste campo de ativi~ades. Hoje e significativo 0 numero de sindi-

catos de empregados que mantem atividades recreativas e ate

mesmo colonias de ferias para seus associados e familiares. Tais

atividades ganharam refor<;o governamental, em 1970, atraves

de procedimentos legais, visando a valoriza<;ao sindical.

E, pois,   0 proprio processo de desenvolvimento que vai conti-

Iluadamente tomando mais racionalizado   e   menos pessoalizado 0

relacionamento capital-trabalho. Estabeleceram-se direitos e obri-

gal<oesde parte a parte. Asseguraram-se assistencia medico-hos-

 pitalar e previdencia social aos trabalhadores, atraves dos institu-

tos de aposentadoria e pensoes, hoje fundidos no Instituto Nacio-nal de Previdencia Social - INPS.

 N~ caso particular do lazer, saliente-se   a   cria<;ao, em 1946,

das entldades SESI (Servi<;oSocial da Industria) e SESC (Servi<;o

Social do Comercio), que. representam umas_QJw.ito_o-riginalbra-

sileira para a pr~sta<;aode servil<OSe a prom0l<ao de atividad;s -de

la~~r para a populal<ao formada pelos trabalhadores da industriae. do comercio e suas famHias.

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Um ano antes, a Conferencia Nacional das classes produto-

ras lanc;:avaas bases de uma ampla poHtica social em favor das

classes trabalhadoras brasileiras.   0 documento que se seguiu,

denominado Carta da Paz Social, consubstaciou as recomenda<;6es

da Conferencia e definiu uma orienta<;ao humanistica e de justic;:a

social, visando melhor relacionamento entre empregadores e em-

 pregados. Naquele momenta hist6rico a sociedade brasileira apresentava

 premincios de grandes transformac;:oes. Sua vida economica, social

e poHtica sofrera profundo impacto em decorrencia da guerra.

Os consideniveis deslocamentos de populac;:ao rural para as cida-

des, acompanhando a expansao industrial e comercial, iniciavam

o acelerado processo de urbanizac;:ao dos principais centros demo-

grMicos no pais.

Problemas decorrentes da falia de aparelhamento das cidades

 para acolher os novos contingentes humanos, imediatamente se

fizeram sentir em todos os setores: transporte, habitac;;a{),assis-

tencia, recreac;:ao e outros servic;:os. Ademais, os habitos, costu-mes e formas de vida, que se exprimematraves de maneiras de

 pensar, sentir e agir, diferindo no homem do campo e no· homem

da cidade, permitiam   0 surgimento de conflitos entre as novas

exigencias e os padroes tradicionais de comportamento.

Sensiveis   a   situa<;ao que se delineava, as classes empresariais

 propoem ao Governo Federal   0 custeio de institui<;6es que trou-

xessem ativa contribui<;ao para   0 equacionamento e solu<;ao dos

 problemas emergentes.   0Governo Federal aceita a proposi<;ao e,

em 1946, autoriza a ConfederaC;;aoNacional da Industria e a Con-

federac;:ao Nacional do Comercio a criarem, respectivamente,   0

SESI e   0   SESC, a serem mantidos, exclusivamente, atraves de .contribui<;ao compuls6ria do empresariado industrial e comercial

 brasileiro.

Criados ha trinta anos, iniciaram, entre outros, prowamas

 pr6prios de lazer para as classes trabalhadoras. Embora sem que

se designasse expressamente a palavra "lazer", as entidades pas-

saram a promove-lo, criando recurs os e equipando~os para tal pra-

tica.

Finalmente, cabe examinar alguns reflexos da urbanizac;;ao e

da industrializac;:aodiretamente sobre as princip~is formas de lazer 

 praticadas pela populac;:ao.

Distinguiriamos, alem das manifestac;:6es festivas populares

mais originarias da pr6pria vida urbana, duas outras formas gene-

ricas, principais, de manifestac;;6esltidicas populares: as manifes-

tac;:6eslUdico-folcl6ricas e as ludico-religiosas. Trata-se de dis-

tinc;:aomais esquematizada, pois ambas, no geral, se interpene-

tram e se confundem. De qualquer sorte, ambas foram afetadas

 pela urbanizac;;ao brasileira e pel0 estabelecimento de uma socie-

dade moderna, sobrepondo-se   a   sociedade tradicional que vai sen-

do paulatinamente substituida.

A medida, pois, que   0   pais se urbaniza e se industrializa,

que se desenvolvem os meios de comunicac;:ao de massa, que se

sobrepoe a sociedade moderna   a   tradicional, surge e se fortalece

o lazer de massa, embora ainda permane<;am as manifestac;;oe~

ludico-folcI6ricas, que vao perdendo boa parte de sua func;;aoso-

cial, e as manifestac;;6es ltidico-religiosas, que apresentam mais

resistencia.

Mas parece 6bvio que, no desempenho das func;:oesexclusi-

vamente ludicas, ambas as manifestac;:6esnao podem competir com

as praticas de lazer tipicas da sociedade moderna. Dependentes

de um calendario de festas populares e religiosas e que s6 se reali-

zam em determinados dias ou periodos do ano, perdem para os

equipamentos de lazer, como   0radio, ou a televisao, por exemplo,

que se disseminam rapidamente, e sao recursos continuos, nao

intermitentes, facilmente~.acionaveis, de rapida operacionalizac;:ao,

 para a ocupac;:aodo tempo livre.

Quanto as manifestac;;oesludico-folcl6ricas, M menos condi-

~ao de permanencia, sobretudo se levarmos em conta as func;;6es

que desempenhavam na sociedade tradicional. Nesse jogo de per-

manencias, transformac;:6es e desaparecimentos, san as func;;6es

essencialmente lUdicas das manifestac;;6esfolcl6ricas que, mais que

as outras func;:6es,apresentam melhores condic;:6esde subsisten-

cia.

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"0 bumba-meu-boi, por exemplo, sempre foi a dan«a drama-

tica mais intensamente apreciada pela popula«ao rUstica brasilei-

ra."   28   Trata-se de uma farsa, com estrutura dram:hica uniforme,

variando os fatos, os acontecimentos, as cenas secundarias. E

variam em fun«ao das crfticas aos usos e costumes conhecidos e

vividos circunstanciadamente pela popula«ao local. Essa peculia-

ridade, que dinamiza extraordinariamente   0   drama, permite-lhecriatividade popular e, sobretudo, intensa participa«ao do espec-

tador no desenrolar da a«ao dramatica. 0 bumba-meu-boi, ori-

ginalmente conheeido como reisado, nome ainda conservado em

Alagoas, por ser dan«ada na festa de Reis, e um exemplo de per-

manencia, ainda hoje, de expressao ludico-artfstico-folcl6rica, tf-

 pica da sociedade tradicional brasileira. As duas principais fun-

«6es sociais do bumba-meu-boi referem-se ao seu sentido ludico,

de um lado, e   a   crftica de costumes, subjacente na farsa, que e a

caracterfstica mais generica que a define. Nas sociedades moder-

nas, ou quando subsiste espontaneamente ou quando e provocado

deliberadamente por estudiosos,   0 bumba-meu-boi invariavelmente

 perde sua fun«ao de crftica social, que redundava numa forma

de claro controle social sobre todas as camadas sociais da popu-

la«ao, permanecendo sua fun«ao de espetaculo, de divertimento

 popular, de lazer, enfim.

Alem do reisado, existem mumeras outras dan«as e outros

cantos populares, como a chegan«a,   0 pastoril,   0 quilombo, que

e dan«a tfpica de Alagoas. Tambem populares sao as dan«as

gauchas e a ciranda de Pernambuco, dan«ada sobretudo nas praias.

Certas festas tfpicas de origem pastoril e ligadas   a   cria«ao

de gada ainda saD comuns, como a vaquejada, a cavalhada e   0

rodeio. A cavalhada vincula-se muitas vezes a uma festa religiosa.- os cavaleiros acompanham prociss6es e no final da festa apre-

sentam uma serie de evolu«6es, demonstrando suas habilidades.

o   rodeio e comum no Rio Grande do SuI. Os animais xucros

SaD   montados pelo peao, que assim demonstra sua valentia e habi-

28.   Maria Isaura Pereira de Queiroz: "0   Bumba-meu-boi,   manifes-ta«1iodo teatro popular no Brasil" - Sao Paulo - Revista do Institutode Estudos Brasileiros n.o 2 - Universidade de Sao Paulo -   1967,   pag.   98.

iidade. A vaquejada e mais realizada no nordeste. Vma res

 brava e solta numa arena e dois cavaleiros a perseguem. A urn

cleJescabe, numa habil e precisa manobra, derruba-Ia ao solo.

 Num recente documenta,rio de longa-metragem, intitulado

"Nordeste: Cordel, Repente e Can«ao," um cego, improvisador da

ciq~de de Juazeiro, queixa-se da chegada do radio no interior 

dQ'nordeste. Os program as radiofonicos prejudicaram   0 canta-

dor e\0violeiro profissionais, que deixaram de ter solicitado seu

offcio para a anima«ao das festas domesticas e populares - tra«o

cultural tradicional que desaparece.

 Numa cidade antiga do litoral do Estado do Parana, no suI

do pafs,   0 folclore e a cultura do cai«ara estao sendo destrufdos

 pela civiliza«ao que vai chegando. 0 fandango, dan«ado pelos

 pescadores, ap6s   0mutirao e nos fins de semana, vai perdendo

seu encanto. 0 tamanco, elemento indispensavel para bater   0

fandango, e substitufdo pelo sapato, que nao produz   0 mesmo

efeito. Os toea-discos e aparelhos de TV substituem os violeiros.

As antigas modinhas   SaD   substitufdas por musicas de cantores e

compositores de moda, dos grandes centros urbanos - matrizes

modernas dos temas culturais que se disseminam, provocando fatal

 processo de desagrega«ao das culturas tradicionais.

Mas, conforme assinalavamos antes, parecem ser as manifes-

ta«6es ludico-religiosas aquelas a guardarem mais possibilidades'

de permanencia, apesar da urbaniza«ao.

Em trabalho ja classico, terminado em 1954, Antonio Can-

dido   29   examina a vida do caipira paulista (do interior do Estado

de Sao Paulo), e ainda que se trate do Estado mais industriali-

zado do pafs, surge clara a influencia da religiao nas manifes-

ta«6es festivas populares. No estudo de diversos bairros de va-

rias cidades do interior de Sao Paulo,   0autor aponta a vida ludico-

-religiosa como importante elemento na defini«ao da sociabilidade

vicinal.

21l.   Antonio Candido: "Os parceiros do Rio Bonito," Sao Paulo,Livraria Duas Cidades, 2.a edi~o,   1971,   pag.   71.

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Em ensaio de 1972, os antrop610gos Napoleao Figueiredo e

Anaiza Vergolino e Silva 30   estudaram um munidpio do interior 

da Amazonia. Trata-se do municipio de Moju, com 11 602 km2,

e   18407   habitantes. Tem   4   estabelecimentos industriais, 55 co-

merciais-varejistas, 6 caminh6es,   3   bares, um salao de barbeiro e

uma farmacia. Tem 52 unidades escolares com 1 494 alunos.

Uma igreja matriz e oito capelas cat6licas.   0 eulto evangelicoapresenta 4 igrejas, 4 sal6es e 360 membros. "Nao existem esta-

 belecimentos bancarios, nem ha registro de medicos, dentistas, far-

maceuticos, advogados, engenheiros, agronomos, veterinarios, sin-

dicatos, hospitais e casas de sande. A nnica institui~ao governa-

mental atuante na area e a Campanha de Erradica~ao da Malaria."

Mas existe sobretudo a festa.   0nnmero de radios alimentados

a pilha e grande e existem ainda alguns aparelhos de TV.

Todas as festas populares ali realizadas saD de natureza reli-

giosa: Sao Benedito, Sao Jose, Nossa Senhora da Concei~ao;

as novenas, as ladainhas e as visita~6es.   "0 Dia de Finados e

urn acontecimento social. Marcam-se encontros no cemiterio,conversa-se. Os visitantes vestem suas melhores roupas ou as

vestem pela primeira vez. Ha venda de refrescos de jinjibirra e

tambem de cacha~a misturada com jinjibirra." Ha, pois, innme-

ros exemplos do carater sincretico recreativo e religioso em nossa

sociedade patriarcal, rural, tradicional, e que ainda persistem, em

cidades ou bairros de cidades, onde 0 ponderavel cultural rural

ainda e significativo.   :E   0exemplo do que podemos imaginal' na

multiplicidade de brasis.

Maria Isaura Pereira de Queiroz,31 estudando a dinamica das

rela~6es bairro-rural-cidade, em dois bairros da cidade de Tau-

 bate (munidpio urbanizado do Estado de Sao Paulo e em rapido processo de industrializa~ao), demonstra a importancia ainda visi-

vel da liga~ao IUdico-religiosa. "As festas religiosas nao saD enca-

l'adas apenas como atividades de culto, mas tambem como recrea-

30.   Napoleao Figueiredo .e Anaiza Vergolino e Silva: "Festas deSanto.s,e Encantados," Belem, Academia Paraense de Letras, 1972, pag. 11.

@ 1 .i   Maria Isaura Pereira de Queiroz: "Bairros Rurais Paulistas," SaoPaulo, Livraria Duas Cidades Ltda. - 1973, pag. 24.

~ao; alem delas nao M outras tlistra~6es nos bairros. De vez

em quando, mas muito raramente, os homens vao assistir a urn

 jogo de futebol realizado nas vizinhan~as. Os habitant~s dos dois

 bairros manifestam grande interesse pela realiza~ao das festas reli-

giosas, e afirmaram que concorrem tambem as de outros nn-

cleos... "

Examinando 0 bairro do Taquari, na cidade de Leme, a

mesma autora   32   assinala que as "festas religiosas constituem a

atividade recreativa pOl'excelencia e 0 pretexto para os moradores

do bairro se encontrarem regularmente, reunindo-se tambem com

os habitantes de bairros vizinhos ... " Ai a recrea9ao, as festas,

exercem impol'tante fun~ao social unificadora das famllias, dos

 bairros, e ~epresentam inegavel elemento de solidariedade huma-

na. A festa nao e apenas motivo de disputa, de desafio; ela con-

grega as pessoas, ajuda ate na assimila9ao de adve!1as. Como e

o caso, narrado pela autora, das tres fanu1ias protestantes que,

colaborando nas festas cat6licas, tomam-se bem vistas pela popu-

la~ao cat6lica e vao se integrando mais facilmente na comunidade.

Importa assinalar a vitalidade da fun~ao Indica da religiao,

ainda em nossos dias. Realmente e uma fun9ao que tem persis-

tido atraves dos seculos. Diversos exemplos pddem ilustrar essa

forma Indica de permanencia.

As festas populares religiosas no Brasil ainda contam com

intensa participa9ao popular e demonstram formas organizat6rias

comunitarias, nas quais, em muitas ocasi6es, nao estao ausentes

elementos de sincretismo religioso, como a festa do Bonfim, na

Bahia.Na festa do Divino, realizada em alguns estados do Bra-

sil, ocorre grandiosa procissao em homenagem ao Divino EspiritoSanto. Gran des prociss6es sao realizadas no dia de Corpus

Christi em inumeras cidades brasileiras, principalmente no interior 

do Estado de Sao Paulo, quando e tradicional 0 povo decorar   0

leito das ruas pOl'onde passa a procissao, com desenhos e figuras

de flores ou de areias, de coloridos diversos.

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Embora sendo muito mais presente na vida cultural das socie-

dades tradicionais rurais, as festas religiosas ainda tem vitalidade

nos centros urbanos modernos, para   0 que certamente contribui a

educa<;aoreligiosa cat6lica do povo brasileiro, aliada   a   capacidade

revelada pela igreja de passar a utilizar os meios de comunica<;ao

de massa, como   0 radio, para sua continuada prega<;ao.

 Na cidade de Belem, Para, no norte do Pais, anualmente se

realiza uma festa religiosa,   0 "Cirio de Nazare," que reune cerca

de 400 mil pessoas. A cidade, com aproximadamente urn milhao

de habitantes, comp5e urn dos nove centros metropolitanos brasi-

leiros.

Em Juazeiro do Norte, no Estado do Ceara, no nordeste

 brasileiro, ocorre anualmente a maior concentra<;ao religiosa do

nordeste.   :E   a festa do Padre Cicero, que reune mais de 300 mil

 pessoas, e transforma a cidade em grande feira.

A cidade de Salvador, na Bahia, bem como outras cidades

maritimas brasileiras que possuem porto sao palco da grande pro-cissao maritima do Born Jesus dos Navegantes, com embarca<;oes

tfpicas das regioes enfeitadas em louvor do Bom Jesus. As festas

religiosas denominadas juninas, Santo Antonio, Sao J oao e Sao

Pedro, parecem ser as que mais se estenderam no territ6rio brasi-

leiro. as aspectos ludicos concentram-se, nessas festas, em tomo

das fggueiras, nos fogos de artiffcio e nas comidas tfpicas.

as festejos em honra a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira

do Brasil, se revestem de muita solenidade. A ultima festa, rea"'

lizadaem 12 de outubro de 1975, teve a presen<;a de cerca de

300 mil peregrinos, que ali chegaram em 15 mil onibus e 25 mil

autom6veis. Tambem importante e a festa de Nossa Senhora da

Penha, de grande devo<;aono Brasil.

Estas festas religiosas ocorrem em to do   0 pais e vao consti-

tuindo' importantes permanencias ludicas, entre as quais estao as

quermesses, farmas comunitarias de estimulo   a   solidariedade e

que hoje, embora possam apresentar-se tambem secularizadas,

sempre foram mais ligadas  a   religiao cat6lica.

Mas, a16m dos aspectos puramente religiosos, tambem pode-

mos estabelecer rela<;ao entre   0 trabalho e   0 sentido ludico. Sao

as festas cujo referencial rural esta claro, pois acontecem em fun-

<;aoda semeadura ou da colheita, por exemplo. Todavia, as festas

foram, no passado, e continuaram a ser, um importante comple-

mento persistente do trabalho coletivo. Antonio Candido   33   carac-

teriza a forma mais import ante de trabalho coletivo de ajudamutua,   0  mutirao, como consistindo "essencialmente na reuniao

de vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajuda-Io a efetuar 

determinado trabalho: derrubada, roc;;ada,plantio, limpa, colheita,

malhaC;;ao,construc;;iiode casa, fill;.c;;aoetc. Geralmente os vizi-

nhos sao convocados e   0 beneficiario lhes oferece alimento e uma

festa, que encerra   0 trabalho. Mas nao ha remunera<;ao direta

de especie alguma, a nao ser a obriga<;ao moral com que fica   0

 benefichlrio de corresponder aos chamados eventuais dos que   0

auxiliaram, Este chamado nao falta, porque e praticamente im-

 possivel a urn lavrador, que s6 dispoe de mao-de-obra domestica,

dar conta do ano agricola sem cooperac;;ao vicinal". E lembra

que   0 "aspecto festive, de que se reveste,   (0  mutirao), constitui

urn dos pontos importantes da vida cultural do caipira".

Alias, em todos os estudiosos do fenomeno "mutirao" salien-

ta-se   0aspecto de festa, de folganc;;a,de satisfac;;ao,de alegria, pelo

trabalho realizado em conjunto e que, terminado, exige uma co-

memora<;ao festiva que, como em qualquer outra festa, ou ativi-

dade de trabalho, pode originarcomportamentos competitivos que

degeneram em contendas entre os participantes, como lembra M.

S. de Carvalho Franco:   34   "Essas reunioes, se de urn lado teal-

mente promovem   0  estreitamento dos lac;;osde solidariedade, de

outro ensejam   0   reavivamento das porfias, funcionando assim

tambem no sentido de atualizar e, liberar tensoes que, a cada

 passo, comprometem a estabilidade e continuidade das rela<;oes

entre membros dos grupos." E completa, falando especifica-

mente sobre   0  significado da festa "como contexto social que

S3.   Antonio Candido: op. cit., pag. 68.

34.   Maria Sylvia de Carvalho Franco: "Homens livres na OrdemEscravocrata," SP, Editora Atica, 1974, pags. 37 e 38.

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favorece as rela~oes antagonicas, torna-se mais nitido quando

se observa que ela e cemlrio conveniente as afirma~oes de supre-

macia e destemor: e oportunidade para a realiza~ao de fa~anhas

 perante audiencia nurnerosa e que tern em alta conta   0valor pes-

soal".

hoje urn grandioso espetaculo cenico, reunindo milhares de pes-

soas sob as mesmas cores, dan~ando   0 "samba-enredo" de cada

escola, que ressalta, no geral, urn acontecimento hist6rico nacio-

oal. Em, Salvador e no Recife o· carnaval esta-se apresentando

como festa de rua, mais participativa e menos espetacular que a

do Rio. Em Salvador   0  povo dan~a sob   0 ritmo dos "trios-eIe-

tricos" e, no Recife, as bandas e faIifarras sao acompanhadas nasruas pelos folioes, dan~ando   0 frevo.

Uma certa fun~ao de crftica social, identificada na dan~a dra-

matica do bumba-meu-boi e que desaparece quando a dan~a perde

sua espontaneidade e pureza organizat6rias, parece reviver no

mundo urbano durante a festa do carnaval. A critica revive

sobretudo nas letras dos sambas e das marchinhas, cuja aceita~ao

 pelo grande publico esta em rela~ao direta com sua sintonia com

o sentimento popular.

Em todas as festas intensifica-se   0 processo de comunica~ao

entre as pessoas, experiencias sao transmitidas e recebidas. As

atividades constitutivas da prepara~ao da festa e de sua pr6pria

realiza~ao, sendo levadas a efeito comunitariamente, refor~am os

sentimentos de solidariedade entre as pessoas e   0   sentido de Ii-

ga~ao e de responsabilidade para com a pr6pria comunidade.

Pessoas se encontram e se reencontram, renovando-se a vidasocial.

Sendo a concentra~ao demografica urbana urn dado essen-

cial na realidade brasileira, e 6bvio que a tendencia sera para uma

cultura urbana cada vez mais homogeneizada. Vimos que os

Centros e Ligas que desempenhavam papel ludico complementar 

as fun~oes politicas, entre   0   operariado, nao frutificaram, por 

diversos motivos, inclusive por seu carater artificial. Seu fra-

casso impediu a forma~ao de urn tipo de cultura especial, em

meio a um todo cultural maior.   0 proprio processo de urbani-

za~iio se encarregaria de destrui-Ias, caso as Ligas tivessem sobre-

vivido no tempo.

Assim, a tentativa da forma~ao de uma especie particular de

cultura, a cultura operaria, niio vingou no Brasil, como niio pode-

Outra permanencia e identificada no trabalh~ de Florestan

Fernandes,35 que, por sua vez veio trazer "confirma~ao - pelomenos quanta ao texto dos elementos do cancioneiro Iitenirio -

de uma velha hipotese formulada por Mario de Andrade a res-

 peito da origem portuguesa das composil.;oes do folclore infantil

 brasileiro". Sua pesquisa, levada a efeito em alguns bairros da

cidade de Siio Paulo, onde   0 percentual de pais estrangeiros era

alto - 71%, 64% e ate 90%, demonstrou "uma profunda e

intensa ligal.;ao entre nos e   0 nosso passado, vivo nas diversas

 pel.;as da tradil.;ao oral, pelo menos nos niveis do folclore infan-

tit". Trata-se de canl.;oesde origem iberica, datando dos seculos

XVI, XVII e XVIII, e que embora bastante modificadas "con-

servaram a mesma funl.;ao social, congregando os valores sociaise tradicionais padronizados e os transmitindo aos individuos, mem-

 bros da mesma sociedade, recreativamente".

Outras manifesta~oes festivas brasileiras niio apresentam Ii-

gal.;aotao intima nem· com a reIigiao, nem com as festas fo1c16ri-

cas, e parecem mais vinculadas ao proprio mundo urbano.   a,assim,   0 carnaval. Inegavelmente a maior festa popular brasi-

leira. Embora sendo mais conhecido e animado no Rio de Ja-

neiro, Recife e Bahia, e comemorado em todo   0 pais. Com musi-

ca, fantasias, serpentinas e confete,   0   carnaval e brincado em

todas as cidades brasileiras. Destaca-se   0 carnaval de rua com

cordoes, musica, coreografia e fantasia, que pode ser olhado comourn grandioso espetaculo de massa, uma "feerie" colossal, de que

 participam todas as classes sbciais.36   No Rio de Janeiro,   0 car-

naval de rua se apresenta com as escolas de samba, constituindo

35.   Florestan Fernandes: "As 'trocinhas' do Bom Retiro," Sao Paulo,Departamento de Cultura, Revista Arquivo, n.o CXTII, 1947, pags.   116, 117.

36.   Luiz Beltrao: "Comunica~lio e folc1ore," Sao Paulo, Edi~lioMelhoramentos, 1971,   pag.   126.

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ria vingar. A. Touraine   37   nos diz que "Ri'€n n'est plus clair 

que Ie declin de la traditionnelle culture ouvriere."   !,OS   meios

de comunicac;ao de. massa, a industrializac;ao e a urbaniza~ao uni-.

ior~nizam os comportamentos no lazer como elemento cultural

de uma sociedade de massa, que se estadardiza culturalmente.

Outra observac;:aodo mesmo autor   38   e de inegavel validade,

'especialmente para os grandes centros metropolitanos brasileiros.Falando da vida cultural na sociedade rural e nas sociedades

 pouco industrializadas, diz que "Ie contenu des activites bors

travail peut etre relie   a   la vie professionnelle et sociale", mas

quando se trata das sociedades industrializadas "une grande par-

tie des themes culturels valorises par notre civilisation n'ont plus

leur origine dans l'activite professionnelle des hommes, mais dans

les produits de cette activite". Aquele enraizamento dos lazeres

na experiencia vivida (profissional e social), realmente desapa-

rece na civilizac;:aomoderna em fun~ao "du cteveloppement des

techniques de communication et de la creation de villes ou de

zones urbanisees immenses, dans lesquelles l'individu se meleconstamment, et surtout dans ses loisirs,   a   d'autres qui n'appar-

tienent pas a la meme communaute concrete que lui: categories

 professionnelles ou unites residentielles".

o   resultado, evidentemente, e a bomogeneizac;:ao cultural

geral, dentro de cujo quadro se insere   0 proprio lazer. A homo-

geneizac;:ao acentua-se nos grandes centros urbanos, pela dimi-

nuil;ao percentual dos grupos informais, relativamente aos grupos

formais.

Enfraquecem e, em muitos casos, cbegam a fenecer aspectos

tradicionais da cultura brasileira,' entre os quais se inc1uem muitas

manifestac;:6esllidicas. Foi tendo em vista tal quadm que   0 pro- prio Governo Federal criou, recentemente (1975), um centro es-

 pecial, denominado Centro Nacional de Referencia Cultural, cujo

 principal objetivo e a preservac;:ao da identidade nadonal, em

face das situac;:6esde industrializac;:ao e de desenvolvimento.

37.   Alain Touraine: "La Societe post-industrielle," Paris, EditionsDenoel, 1969, pig. 265.

38,   Alain Touraine: op.· cit., pag. 263.

Assitn, num sentido bem generico e que pudemos apresen-

tar, num panorama amplo, os principais reflexos da industriali-

za~aoe da urbanizac;.ao na sociedade brasileira, especialmente

sobre as manifestac;:6es llidicas. Salientamos suas permanencias,

suas transformac;:6ese seus desaparecimentos.

Mas se   0 fenomeno da urbanizac;:ao provocou e provoca tais

conseqiiencias, relativamente aque1as formas espontaneas ou orga-

nizadas de ocupac;:aodo tempo livre, por outro lado a vida urbana

apresenta novos recursos para   0 lazer das massas, representados

sobretudo pelo radio, pelo cinema e pela televisao.

 Na terceira parte procuraremos examinar, de forma anaHtica,

as principais manifestac;:6es de lazer na sociedade .\lrbana mo-

derna brasileira.