quem nao rema, remou, se nao¡oi pai¡oi av6. - uam.es com... · constatou-se urna maior incidencia...

11
UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDIEVAIS/MODERNOS EXUMADOS DA VILA DE CONSTANCIA (PORTUGAL) Sandra Sofia DOMINGOS ASSIS 1. Introdw;ao O esqueleto, enquanto registo inequívoco de uma morte física, permite estabelecer urna liga<;ao com vidas passadas, na medida em que nele se inscrevem importantes episódios do percurso ontogenético dos indivíduos, bem como indícios da tipologia alimentar, dos estilos de vida, dos padroes ocupacionais, da saúde, etc. Parafraseando Larsen (2000: 2), o esqueleto é uma voz dos antepassados. Na compreensao do modus vivendi das popula<;oes ancestrais, os testemunhos paleopatológicos sao de uma importancia inquestionável, neste ambito, as evidencias de trauma, designadamente as fracturas, tem providenciado um contributo decisivo. As fracturas, definidas enquanto resultado de uma quebra total ou parcial na continuidade do osso (Zimmerman e Kelley, 1982; Roberts e Manchester, 1995; Ortner, 2003), constituem um argumento válido para a asser<;ao ao universo biocultural dos grupos humanos extintos, já que reflectem urna panóplia de factores ambientais, culturais e sociais eventualmente subjacentes a sua expressao (Larsen, 1997). 1.1. Objectivos O presente trabalho objectiva o estudo de fracturas numa abordagem biocultural, tendo subjacente uma amostra de esqueletos exumados da antiga necrópole da vila de Constancia. A partir da série em que sta o pretende-se averiguar a frequencia de fracturas a nível do esqueleto craniano e pós- craniano, avaliar a sua distribui<;ao por sexo, grupo etário e tipo de osso. Os dados aferidos serao ulteriormente comparados com estudos populacionais de cronologia semelhante, de modo a clarificar os eventuais agentes traumáticos, estabelecendo, sempre que possível, alguma correla<;ao com a economia e ocupa<;ao. 2. Material e métodos 2.1. A amostra de Constancia Os esqueletos que integram a presente análise proveem da antiga necrópole da vila de Constancia. Constancia é uma pequena vila do Distrito de Santarém (Portugal) situada na confluencia entre os rios Tejo e Zezere. Esta proximidade com os rios moldou até finais do século XIX, muitas das actividades que ocupavam os indivíduos, como a pesca artesanal em embarca<;oes a remos, o transporte de mercadorias e pessoas e a constru<;ao naval. Esta memória dos rios ainda hoje perdura na etnografia e na oralidade da regiao em provérbios como: "quem nao rema, remou, se nao ¡oi o pai ¡oi o av6". Durante os trabalhos de requalifica<;ao ambiental e urbana da referida localidade, foram expostos na Pra<;a Alexandre Herculano e ruas limítrofes, vestígios osteológicos humanos. Esta descoberta nao foi inusitada, na medida em que o espa<;o parece coincidir com a área de edifica<;ao da antiga igreja matriz de Sao Juliao e necrópole anexa. Trata-se de urna necrópole com uma ocupa<;ao estimada entre os séculos XIV - XIX (Garcia, 2004), da qual foram exumados 151 esqueletos, 107 pertencentes a indivíduos adultos e 44 a indivíduos nao adultos. 327

Upload: duongngoc

Post on 21-Oct-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DEESQUELETOS MEDIEVAIS/MODERNOS EXUMADOS DA VILA DE CONSTANCIA

(PORTUGAL)

Sandra Sofia DOMINGOS ASSIS1. Introdw;ao

O esqueleto, enquanto registo inequívoco de uma morte física, permite estabelecer urna liga<;aocom vidas passadas, na medida em que nele se inscrevem importantes episódios do percursoontogenético dos indivíduos, bem como indícios da tipologia alimentar, dos estilos de vida, dos padroesocupacionais, da saúde, etc. Parafraseando Larsen (2000: 2), o esqueleto é uma voz dos antepassados.

Na compreensao do modus vivendi das popula<;oes ancestrais, os testemunhos paleopatológicossao de uma importancia inquestionável, neste ambito, as evidencias de trauma, designadamente asfracturas, tem providenciado um contributo decisivo.

As fracturas, definidas enquanto resultado de uma quebra total ou parcial na continuidade doosso (Zimmerman e Kelley, 1982; Roberts e Manchester, 1995; Ortner, 2003), constituem um argumentoválido para a asser<;ao ao universo biocultural dos grupos humanos extintos, já que reflectem urnapanóplia de factores ambientais, culturais e sociais eventualmente subjacentes a sua expressao (Larsen,1997).

1.1. Objectivos

O presente trabalho objectiva o estudo de fracturas numa abordagem biocultural, tendosubjacente uma amostra de esqueletos exumados da antiga necrópole da vila de Constancia. A partir dasérie em questao pretende-se averiguar a frequencia de fracturas a nível do esqueleto craniano e pós­craniano, avaliar a sua distribui<;ao por sexo, grupo etário e tipo de osso. Os dados aferidos seraoulteriormente comparados com estudos populacionais de cronologia semelhante, de modo a clarificar oseventuais agentes traumáticos, estabelecendo, sempre que possível, alguma correla<;ao com a economia eocupa<;ao.

2. Material e métodos

2.1. A amostra de Constancia

Os esqueletos que integram a presente análise proveem da antiga necrópole da vila deConstancia. Constancia é uma pequena vila do Distrito de Santarém (Portugal) situada na confluenciaentre os rios Tejo e Zezere. Esta proximidade com os rios moldou até finais do século XIX, muitas dasactividades que ocupavam os indivíduos, como a pesca artesanal em embarca<;oes a remos, o transportede mercadorias e pessoas e a constru<;ao naval. Esta memória dos rios ainda hoje perdura na etnografia ena oralidade da regiao em provérbios como: "quem nao rema, já remou, se nao¡oi o pai ¡oi o av6".

Durante os trabalhos de requalifica<;ao ambiental e urbana da referida localidade, foram expostosna Pra<;a Alexandre Herculano e ruas limítrofes, vestígios osteológicos humanos. Esta descoberta nao foiinusitada, na medida em que o espa<;o parece coincidir com a área de edifica<;ao da antiga igreja matrizde Sao Juliao e necrópole anexa. Trata-se de urna necrópole com uma ocupa<;ao estimada entre osséculos XIV - XIX (Garcia, 2004), da qual foram exumados 151 esqueletos, 107 pertencentes a indivíduosadultos e 44 a indivíduos nao adultos.

327

LAS SOCIEDADES !-IlSTÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA

A análise paleopatológica irá incidir sobre urna amostra de 71 esqueletos adultos (43 homens e 28mulheres) para os quais foi possível diagnosticar o sexo e estimar a idade él morte (Tabela 1).

2.2. Background metodológico

Os indicadores paleodemográficos, sexo e idade él morte, foram auferidos recorrendo a váriasmetodologias. A diagnose sexual foi determinada seguindo a metodologia proposta por Ferembach et al.(1980) para a morfologia do cranio, e de Ferembach et al. (1980) e Bruzek (2002) para a pélvis. O estudométrico dos ossos longos obedeceu ao método proposto por Wasterlain (2000). A estimativa da idade élmorte baseou-se na observa¡;ao do grau de oblitera¡;ao das suturas cranianas (Masset, 1982) e nasaltera¡;6es morfológicas da superfície auricular do ílio (Meindl e Lovejoy, 1985) e da sínfise púbica(Suchey-Brooks, 1990). O método de MacLaughli (1990), relativo él fusao da extremidade estemal daclavícula, também foi considerado.

O estudo das fracturas recorreu él análise macroscópica, pesquisando eventuais indícios de caloósseo e / ou angula¡;ao óssea, e él análise descritiva com respectivo diagnóstico diferencial. A análiseradiológica encontra-se em prepara¡;ao, em conformidade os dados apresentados adquirem um carácterpreliminar.

Para confrontar os padroes de fractura do acervo de Constancia, proceder-se-á él compara¡;ao comtres estudos populacionais de cronologia semelhante. Neste sentido foi requerida a investiga¡;ao de Judde Roberts (1999), baseada numa amostra de 170 indivíduos adultos de ambos os sexos provenientes danecrópole de Raunds Furnells, urna pequena comunidade agrícola medieval (séc. VI - XV) situada noVale Nene (Inglaterra); o estudo de Judd e Roberts (1998), fundamentado numa amostra de 212indivíduos adultos, de ambos os sexos, exumados da necrópole urbana dos hospitais medievais de St.James e St. Mary Magdalene (séc. XII - XVII) em Chichester (Inglaterra), e o estudo de Robledo eTrancho (2001), relativo él popula¡;ao mu¡;ulmana de Xarea (Almeria, Espanha) (séc. IX - XV).

3. Resultados

3.1. Padréio de fracturas na amostra de Constancia

O padrao de fracturas e respectivo perfil demográfico da série de Constancia encontra-se descritona tabela 2.

Na amostra de Constancia foram detectados 13 indivíduos adultos com fracturas, num total de 71esqueletos, o que perfaz urna frequencia de 18,3%, sendo 10 indivíduos do sexo masculino e 3 do sexofemínino. Para os 13 indivíduos traumatizados foram observadas 34 fracturas distribuídas de mododiferencial pelos sexos, apresentando o sexo masculino valores mais expressivos, 91 %, com urnapropor¡;ao de 31/34, quando comparado com o sexo feminino que somou apenas tres fracturas (9%) (Fig.1). Já o grupo etário mais lesado compreende o subconjunto com idade él morte superior a 50 anos (Fig.2), auferindo o sexo masculino, mais urna vez, os valores mais significativos.

Quando considerada a distribui¡;ao de fracturas pelos vários elementos do esqueleto (Tabela 3),constatou-se urna maior incidencia de traumatismos no esqueleto axial e membros superiores,salientando-se as costelas com um valor numérico de 5,6%, seguido da clavícula (2,7%) e vértebras(1,5%). O úmero e o rádio registaram a menor frequencia, 1,3% respectivamente. O lado esquerdo foi oque registou um maior número de fracturas.

A análise particularizada das les6es por sexo (Tabelas 4 e 5) revelou, para os homens, urna maiorpercentagem de fracturas nas costelas, 7,3%, valor secundado pela clavícula, 3,8% e omoplata, 2,1 %. Oúmero, rádio e vértebras foram os ossos menos lesados. Para os restantes elementos do esqueleto nao se

328

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDIEVAIS / MODERNOS

registaram fracturas. No que concerne aos indivíduos do sexo feminino apenas há a salientar urnafractura remodelada no fémur esquerdo do esqueleto 29 (2,8 %), urna fractura no Pars interarticularis da 5a

vértebra lombar do esqueleto 4 (0,57%) e urna fractura com calo ósseo remodelado numa costela direitado esqueleto 7 (1,5%).

A posi<;ao das fracturas variou consideravelmente. Nas clavículas os sinais de trauma foramidentificados próximo da extremidade acromial (Fig. 3). No rádio direito do esqueleto 21 foi detectadaurna fractura na extremidade proximal com calo ósseo remodelado e no úmero direito do esqueleto 5,urna fractura severa remodelada a meio da diMise, com encurtamento diafisiário (figura 4). Nas costelasas fracturas lesaram maioritariamente a regiao média do corpo. Saliente-se o esqueleto 4, com urnafractura na zona de inser<;ao do músculo serratus anterior ainda em processo de remodela<;ao, e urnadupla fractura numa costela do esqueleto 3, urna remodelada, outra em processo de remodela<;ao.

3.2. Constancia versus Raunds Furnells, Chichester e Xarea

A compara<;ao efectuada entre a amostra de Constancia e as tres popula<;6es seleccionadasrevelou urna frequencia muito semelhante de indivíduos com fracturas. Em consonancia, saliente-se aamostra de Rawlds Furnells com 19,4% (10/170), o subconjwlto de Constancia com 18,3% (13/71), valorpercentual este nao muito equidistante do obtido para Xarea, 18% (34/193). A amostra que revelou urnamenor frequencia foi a de Chichester, 15,5% (32/212). A distribui<;ao diferencial das fracturas por sexorevelou valores concordantes para as quatro popula<;6es, apresentando o sexo masculino, de um modogeral, os índices de trauma mais expressivos.

A análise comparativa relativa a incidencia de fracturas no esqueleto craniano e axial apenas foiexequível para as popula<;6es de Constancia e Xarea, apresentando esta última, os valores maisexpressivos. Na amostra de Constancia nao foram observadas les6es traumáticas no cranio,contrariamente ao notado para Xarea. Para ambas as popula<;6es o elemento ósseo mais afectado foi ascostelas (Tabela 6).

No que concerne ao esqueleto apendicular constatou-se, para a amostra de Constancia,frequencias menores no rádio e valores aproximados na clavícula, úmero e fémur (Tabela 7)1.

4. Discussao

Aceder as causas eventualmente subjacentes as fracturas observadas na amostra de Constancia émuito difícil, senao mesmo impossível. Constancia apresentou urna reduzida frequencia de fracturas(excepto para as costelas), mas expressiva no sexo feminino. Sao vários os elementos que poderaojustificar esta constata<;ao, nomeadamente o tamanho reduzido da amostra,2e alguns constrangimentosmetodológicos, já que se procedeu unicamente a observa<;ao macroscópica, registando apenas os casosevidentes de fractura.

Os ossos longos foram os elementos que registaram valores mais inexpressivos tendo-seobservado ocorrencias isoladas no rádio, úmero e fémur. A presen<;a de fracturas nos membrossuperiores e inferiores é tida, em algumas popula<;6es, como o resultado de acidentes inerentes aoquotidiano dos indivíduos, designadamente a queda a partir de animais de transporte ou veículos detrac<;ao animal (Bjbrnstig et al., 1991 in Judd e Roberts, 1999).

lOS dados comparativos expressos na tabela 7 apenas referem os ossos preferencialmente contemplados nos quatro estudos.2 Os trabalhos realizados em Constancia tiveram um carácter preventivo, tendo-se realizado apenas algumas sondagens

pontuais na área a ser intervencionada durante as obras de requalifica¡;ao ambiental e urbana da localidade, o quecondicionou a recupera¡;ao integral de alguns enterramentos.

329

LAS SOCIEDADES HISTÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA

Das quatro les6es traumáticas observadas nas vértebras duas afectaram os processos espinhososde urna vértebra cervical e torácica, as duas restantes a 5a vértebra lombar. Os indícios de trauma na 5a

vértebra lombar manifestaram-se sob a forma de espondilólise. A espondilólise corresponde a urnasepara<;ao do semi-arco vertebral. A manifesta<;ao clássica refere a completa separa<;ao do parsinterarticularis, constituindo a 5a vértebra lombar o osso mais afectado (Merbs, 2002). A etiologia daespondilólise é controversa. Para alguns investigadores a sua prevalencia revela alguma predisposi<;aogenética, sendo considerada urna altera<;ao congénita, outros pesquisadores atribuem a sua manifesta<;aoa situa<;6es de trauma por stress postural (Merbs, 1989). Segundo Capasso et al. (1999) citando Thieme(1950) e Stewart (1956), dois factores de stress distintos, mas nao mutuamente exclusivos, podempotenciar o desenvolvimento de espondilólise, por urn lado a própria curvatura da coluna lombar queaumenta a compressao entre vértebras, e por outro lado posturas corporais sentadas que requeiram adistensao das pernas, como ocorre entre os kayakers.

Os ossos que revelaram a maior frequencia de fracturas, principalmente no sexo masculino,foram a clavícula e as costelas. Igual frequencia para a clavícula foi obtida em Raunds Furnells. SegundoJudd e Roberts (1999), no período medieval, medieval/moderno, a vida nas comunidades rurais eramuito difícil e arriscada, estando os homens encarregues das actividades mais pesadas, designadamentea condu<;ap de animais e veículos concomitantes, dedicando-se casualmente as mulheres a ocupa<;6esmais ligeiras. Esta realidade -parece esclarecer a frequencia de fracturas na clavícula para a amostra deRaunds Furnells (sexo masculino), já que os comportamentos referidos aumentam a propensao paraacidentes de grande violencia. Nao obstante, Capasso e Di Tota (1996 in Capasso, 1999) referem que otransporte de objectos pesados sobre o ombro também poderá funcionar como agente traumático.

Durante muitos séculos o transporte naval de mercadorias constituiu urna actividade sólida emConstancia, já que a localidade dispunha de urn porto fluvial onde se procedia a carga e descargamanual de matérias-primas. Este trabalho pesado, a par com quedas acidentais, poderá estar relacionadacom o padrao de fracturas observado nas clavículas dos indivíduos de Constancia.

Indiscutivelmente as costelas foram o elemento ósseo mais afectado no acervo estudado.É vasta a etiologia associada ao trauma em costelas, no entanto Warden et al. (2002) referem os impactosviolentos sobre o tórax por acidente ou conflito interpessoal como principais causas.

Esta asser<;ao pode explanar eventualmente algumas les6es nas costelas registadas na amostra deConstancia, mas afigura-se insuficiente na clarifica<;ao das frequencias observadas.

Segundo Warden et al. (2002), o stresse ocupacional constitui outro factor corroborante aconsiderar. Tarefas que solicitam movimentos mecanicos repetitivos por parte dos membros superiorestendem a incrementar a tensao muscular sobre as costelas propiciando fracturas.

Actualmente, e no ambito da medicina ocupacional e desportiva tem sido realizados váriosestudos sobre fracturas de stress e mecanismos associados. Iwamoto e Takeda (2003), recorrendo a urnaamostra de 196 indivíduos (125 homens e 71 mulheres), propuseram averiguar a distribui<;ao dasfracturas de stress em fun<;ao da actividade desportiva, tendo obtido, e em particular para as costelas,urna maior incidencia em praticantes de remo, com valores na ordem dos 88%.

A frequencia de fracturas nas costelas observadas para a amostra de Constancia pode encontraralgum eco neste estudo, na medida em que a popula<;ao local dependeu, até ao século XIX dos rios,figurando a pesca em embarca<;ao a remos, como urna das actividades principais a par com a constru<;aonaval e transporte de matérias primas:

E das janelas da vila se goza da vista de muitos barcos de pescaria, ocupados neste tráfico, comotambém a pesca do chinchorro, cordéis, cóvaos e cana, que diverte e interessa sobremodo a quem pesca.E algumas vezes se veem dúzias de embarca<;6es de diferentes lotes e constru<;ao, urnas pescando,navegando, outras com famílias numerosas para baixo e para cima, o que dá um entretenimento singularaos espectadores (.. .]. Veríssimo de Oliveira (1830 in Godinho 1947: 11)

330

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDIEVAIS / MODERNOS

A postura corporal e o esfor<;o adoptado na performance desta actividade também poderaoentronizar os casos de espondilólise.

As considerac;:5es avanc;:adas para os traumas observados sao meramente hipotéticas, já que asverdadeiras causas permanecerao para sempre ocultas. Urna análise radiológica ulterior él amostra deConstancia decerto permitirá esclarecer positiva ou negativamente muitas outras suspeitas engrossandoeventualmente as frequencias, requerendo o conhecimento sobre os antigos habitantes de Constancia eseus hábitos de vida, um aprofundamento analítico mais exaustivo.

5. Conclusao

Segundo Lessa e Mendonc;:a de Souza (2001), um dos desafios que se coloca actualmente aospaleopatologistas consiste em descodificar os comportamentos humanos eventualmente registados noesqueleto. A concretizac;:ao efectiva deste anseio, nao obstante outras variáveis, depende do estudo dasfracturas, quer em contexto intrapopulacional (analisando a distribuic;:ao diferencial por sexo, idade),quer em termos interpopulacionais. A asserc;:ao aos padr5es de fractura poderá emiquecer oconhecimento que ternos sobre os grupos humanos que nos antecederam, já que espelham hábitos ecomportamentos de vida, como demonstram os estudos consultados.

No entanto, e para nao empreender julgamentos apressados sobre as potenciais causasassociadas, é preciso fazer urna abordagem biocultural, confrontando os dados da biologia da lesao comos conhecimento culturais do grupo em que se expressou, reclamando para o efeito a presenc;:a decoadjuvantes e promovendo a interdisciplinaridade.

Como considerac;:ao final, deve-se salientar que o estudo apresentado constitui apenas urna facetade abordagem da amostra de Constancia, cuja conjugac;:ao com outros estudos paleopatológicospermitirá trac;:ar, futuramente, um retrato mais fiel dos seus antigos habitantes.

BIBLIOGRAFIA

BRUZEK, J. (2002): A method for visual determination of sex, using the human hip bone. AmericanJournal ofPhysical Anthropology 117: 157-168.

CAPASSO, L., KENNEDY, K. e WILCZAK, e (1999): Atlas of occupational markers on human remains.Teramo.

FEREMBACH, D., SCHWIDETZKY, 1. e STLOUKAL, M. (1980): Recommendations for age and sexdiagnosis of skeletons. Journal ofHuman Evolution 9: 517-549.

CARCIA, J. (2004): Requalificat;iio urbana e ambiental da vila de Constancia: Sondagens arqueológicas. (Informeinédito, Camara Municipal de Constancia).

CODINHO, J. (1947): Descript;iio da Villa de Punhete actualmente designada Constancia por Veríssimo José deOliveira -1830. Torres Novas.

IWAMOTO, J. e TAKEDA, T. (2003): Stress fractures in athletes. Journal ofOrthopaedic Science 8: 273-278.JUDD, M. e ROBERTS, e (1998): Fracture patterns at the Medieval Leper Hospital in Chichester.

American Journal ofPhysical Anthropology 105(1): 43-55.- (1999): Fracture Trauma in a Medieval British Farming Village. American Journal of Physical

Anthropology 109(2): 229-243.LARSEN, es. (1997): Bioarchaeology: interpreting behaviour from the human skeleton. Cambridge.- (2000): Skeleton in our closet: revealing our past though Bioarchaeology. Princeton.LESSA, A. e MENDON<:::A DE SOUZA, S. (2001): Convívio & Conflito: história cotidiana da vida

Paleolítica. InsightjInteligéncia III, 12: 18-31.

331

LAS SOCIEDADES HISTÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA

MacLAUGHLIN, S. y OLDALE, N. (1990): Epiphyseal fusion at the sternal end of the c1avic1e in amodern portuguese skeletal sample. Antropologia Portuguesa 8: 59-68.

MASSET, C. (1982) : Estimation de l'éige au déces par les sutures créiniennes. (Tese de Doutoramento inédita)Universidade de Paris-VII.

MEINDL, R, LOVEJOY, C. e MENSFORTH, R (1985): A revised method of age determination using theOs pubis, with a rewiew and tests of accuracy of other current methods of pubic symphyseal aging.American Journal ojPhysical Anthropology 68: 79-85.

MERBS, C. (1989): Trauma. Em M. Iscan e K. Kennedy (eds.): Reconstruction oj lije from the skeleton. NovaYork: 161-189.

- (2002): Spondylolysis in Inuit Skeletons from Arctic Canada. International Journal oj Osteoarchaeology12: 279-290.

ORTNER, D. (2003): Identification ojpathological conditions in Human Skeletal Remains. Amsterdam.ROBERTS, C. e MANCHESTER, K. (1995): The archaeology ojdisease. Gloucestershire.ROBLEDO, B. e TRANCHO, G. (2001): Fracturas craneales y postcraneales en la población

hispanomusulmana de Xarea. Sistematización metodológica en Paleopatología: 182-189.SUCHEY, J. e BROOKS, S. (1990): Skeletal Age Determination based on the Os Pubis: a comparison of

the Acs,'sdi-Nemeskéri ahd Suchey-Brooks Methods. Human Evolution 5: 227-238.WARDEN, S., GUTSCHLAG, F., WAJSWELNER, H. e CROSSLEY, K. (2002): Aetiology of rib stress

fractures in rowers. Sports Medicine 32 (13): 819-836.WASTERLAIN, RS. (2000): Morphé. Análise das propor{:oes entre os membros, dimorfismo sexual e estatura de

uma amostra da Colec{:éio de Esqueletos Identificados do Museu Antropológico da Universidade de Coimbra(Disserta<;ao de Mestrado inédita). Universidade de Coimbra.

ZIMMERMAN, M. e KELLEY, M. (1982): Atlas ojHuman Paleopathology. Nova York.

332

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDIEVAIS / MODERNOS

Enquadramento etárioSexo Adulto Jovem Adulto Meia-Idade Adulto Idoso Total

(18 - 35 anos) (35 -50 anos) (> 50 anos)Masculino 10 19 14 43Feminino 2 17 9 28

Total 12 36 23 71

Tabela 1. Composi¡;ao demográfica da amostra de ConstfulCia.

Fracturas Fracturas Total de fracturasIdade El marte sexo masculino sexo feminino

N n % N n % N n %18 - 35 anos 10 1 10 2 O O 12 1 8,335 - 50 anos 19 3 15,8 17 1 5,9 36 4 11,1

+ 50 anos 14 6 42,9 9 2 22,2 23 8 34,8Total 43 10 23,3 28 3 10,7 71 13 18,3

I N, número total de indivíduos; n, número de indivíduos com fractmas;% valor percentual.

Tabela 2. Distribui¡;ao das fracturas por idade El morte e sexo, na amostra de Constfu1cia1.

Lado Lado TotalElemento ósseo di.reito esquerdo

N n % N n % N n %Cranio O O O O O O

Mandíbula O O O O O OEsterno O O O O O O

cervicais 160 1 0,6 160 1 0,6Vértebras torácicas 299 1 0,3 299 1 0,3

lombares 151 2 1,3 151 2 1,3Costelas 225 8 3,6 207 16 7,7 432 24 5,6Clavícula 32 2 6,3 43 O O 75 2 2,7Omoplata 33 O O 37 1 2,7 70 1 1,4

Úmero 31 O O 44 1 2,3 75 1 1,3Rádio 34 1 2,9 43 O O 77 1 1,3Cúbito 34 O O 43 O O 77 O O

carpo 101 O O 86 O O 187 O OMao metacarpo 129 O O 114 O O 243 O O

falanges 132 O O 120 O O 252 O OCoxal 35 O O 47 O O 82 O OFémur 42 O O 46 1 2,2 88 1 1,1

Tíbia 41 O O 44 O O 85 O OPerónio 35 O O 39 O O 74 O ORótula 31 O O 26 O O 57 O O

tarso 168 O O 138 O O 306 O OPé metatarso 129 O O 112 O O 241 O O

falanges 45 O O 31 O O 76 O OTotal 1887 15 0,8 1220 19 1,6 3107 34 1,1

1 N, número total de ossos; n, número de ossos com fracturas;% valor percentual.

Tabela 3. Frequencia de fracturas pelos vários elementos do esqueleto·l .

333

LAS SOCIEDADES H1STÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA

Elemento ósseo Sexo masculino Sexo feminino Total

N n % N n % N n %Cránio 27 O O 11 O O 38 O O

Mandíbula 27 O O 11 O O 38 O OEsterno 12 O O 4 O O 16 O O

cervicais 122 1 0,8 38 O O 160 1 0,6Vértebras torácicas 214 1 0,5 85 O O 299 1 0,3

lombares 99 1 1 52 1 2 151 2 2Costelas 302 22 7,3 130 2 1,5 432 24 5,6

t N, número total de OSSOS; n, número de ossos com fracturas;% valor percentual.

Tabela 4. Distribuic;:ao das fracturas cranianas, torácicas e vertebrais, por sexo',

Elemento ósseo Sexo masculino Sexo feminino Total

N n % N n % N n %Clavícula 52 2 3,8 11 O O 75 2 2,7Omoplata 48 1 2,1 22 O O 70 1 1,4

Úmero 53 1 1,9 22 O O 75 1 1,3Rádio 53 1 1,9 24 O O 77 1 1,3Cúbito 48 O O 29 O O 77 O O

carpo 150 O O 37 O O 187 O OMilos metacarpo 174 O O 69 O O 243 O O

falanges 186 O O 66 O O 252 O OPélvis 56 O O 26 O O 82 O O

Fémur 52 O O 36 1 5,3 88 1 1,1Tíbia 51 O O 34 O O 85 O O

Péronio 44 O O 30 O O 74 O ORótula 33 O O 24 O O 57 O O

tarso 161 O O 148 O O 309 O OPé metatarso 132 O O 109 O O 241 O O

falan es 31 O O 26 O O 57 O O

11 N, número total de ossos; n, número de ossos com fracturas; %valor percentual.

Tabela 5. Distribuic;:ao das fracturas do esqueleto apendicular, por sexol .

Tipo de ossoPopula~ao Cránio Vértebras Costelas

Constancia 0/27 4/610 24/432(Portugal) 0% 0,7% 5,6%

Xarea - Almeria (Espanha) 2/136 4/154 15/142(Robledo e Trancho, 2001) 1,5% 2,3% 10,5%

Tabela 6. Distribuic;:ao das fracturas pelo esqueleto craniano e axial, nas populac;:6es de Constancia e Xarea.

334

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDJEVAIS / MODERNOS

Tipo de ossoPopula~ao Clavícula Úmero Rádio Cúbito Fémur Tíbia Perónio

Constancia (Portugal)2/75 1/75 1/77 0/77 1/88 0/85 0/742,7% 1,3% 1,3% 0% 1,1 % 0% 0%

Xarea - Almeria(Espanha) 3/231 3/262 6/273 4/270 2/294 1/279

(Robledo e Trancho, 2001 1,3% 1,1% 2,3% 1,5% 0,7% 0,4%)

Raunds Furnells (U. K.)(Judd e Roberts, 1999) 12/171 2/178 8/167 6/164 2/186 3/163 6/86

7% 1,1% 4,8% 3,7% 1,1% 1,8% 7%

Chichester (U. K.)(Judd e Roberts,1998) 11/261 2/243 7/218 6/217 1/228 6/276 8/111

4,2% 0,8% 3,2% 2,8% 0,4% 2,3% 7,2%

Tabela 7. Distribui<;ao das fracturas pelos membros superiores e inferiores, para Constancia, Xarea, Raunds Furnells eChichester.

o Sexo Masculino o Sexo Feminino ]

Figura 1. Distribui<;ao do número de fracturas, por sexo.

335

LAS SOCIEDADES HISTÓRICAS PENINSULARES: EDAD MEDIA Y MODERNA

25

20

15

10

5

o

./- -

- /I

1/ I

.~I

/71

/!/

OI/ ?I ./;?77 ./

18 - 35 anos 35·50 anos >50 anos

lO Sexo masculino O Sexo feminino

Figura 2. Dish'ibui<;ao dos indivíduos traumatizados, por sexo e idade amorte.

Figura 3. Fractura remodelada junto aextremidades acromial da clavícula esquerda do Esqueleto 3 (a esquerda). Pormenor docalo ósseo (a direita).

336

UMA JANELA PARA O PASSADO: ESTUDO DE FRACTURAS NUMA AMOSTRA DE ESQUELETOS MEDIEVAIS / MODERNOS

Figura 4. Fractura a meio da diáfise do úmero esquerdo do Esqueleto 5,com encurtamento diafisiário. Note-se a severidade da lesao.

Figura 5. FractuTa oblíqua numa costela esquerda do Esqueleto 4, coincidente com a zona de insen;ao do músculoserrntusanterior. Fractura em processo de remodela<;ao.

337