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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL CLÉIA RODRIGUES DE OLIVEIRA MIGRAÇÕES E PRÁTICAS COMERCIAIS NA FRONTEIRA LUSO- ESPANHOLA: O CASO DO POVO CHIQUITANO APÓS A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DA CHIQUITANIA (1767-1789) Orientador: Marco Aurélio Machado de Oliveira CORUMBÁ MS 2014

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL

CLÉIA RODRIGUES DE OLIVEIRA

MIGRAÇÕES E PRÁTICAS COMERCIAIS NA FRONTEIRA LUSO-

ESPANHOLA: O CASO DO POVO CHIQUITANO APÓS A EXPULSÃO DOS

JESUÍTAS DA CHIQUITANIA (1767-1789)

Orientador: Marco Aurélio Machado de Oliveira

CORUMBÁ – MS

2014

CLÉIA RODRIGUES DE OLIVEIRA

MIGRAÇÕES E PRÁTICAS COMERCIAIS NA FRONTEIRA LUSO-

ESPANHOLA: O CASO DO POVO CHIQUITANO APÓS A EXPULSÃO DOS

JESUÍTAS DA CHIQUITANIA (1767-1789)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação/Mestrado em

Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,

Campus do Pantanal – CPAN- UFMS, para exame de defesa, como

parte das exigências para obtenção do título de Mestre.

Linha de pesquisa: Ocupação e Identidade Fronteiriças

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira

CORUMBÁ – MS

2014

CLÉIA RODRIGUES DE OLIVEIRA

MIGRAÇÕES E PRÁTICAS COMERCIAIS NA FRONTEIRA LUSO-

ESPANHOLA: O CASO DO POVO CHIQUITANO APÓS A EXPULSÃO DOS

JESUÍTAS DA CHIQUITANIA (1767-1789)

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação Mestrado em Estudos

Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal,

como requisito final para a obtenção do título de Mestre. Aprovada em 29/08/2014, com

conceito_______.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Orientador:

Marco Aurélio Machado de Oliveira

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

____________________________________________________

Avaliador Externo

Prof. Dr. Luís Fernando Galvão

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul )

_____________________________________________________

Avaliador Interno

Prof. Dra. Nathalia Monseff Junqueira

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

CORUMBÁ – MS

2014

In memoriam dedico este trabalho aos meus tios Hélio

Modolon, Benedito Modolon e Álvaro Portela, que

partiram enquanto eu realizava este trabalho de mestrado,

símbolos de afeto e responsabilidade, obrigada por tudo.

AGRADECIMENTOS

Este é o momento mais fácil e especial no decorrer desta dissertação. A hora

do reconhecimento, pois, este trabalho não seria possível sem o apoio espiritual e

emocional de algumas pessoas. Registro aqui meu reconhecimento e infinita gratidão

aos que generosamente de modo direto e indireto, contribuíram e apoiaram a minha

trajetória durante a construção e realização deste trabalho. Toda minha gratidão.

O maior de todos os agradecimentos faço-o agora: obrigada Deus por

TUDO! Quantas vezes, sentindo-me desacreditada e perdida nos meus objetivos e

ideais, me fez vivenciar a delicia de recomeçar, perseverar e conseguir, obrigada!

Aos que mais estimo nesta vida, a minha família.

A minha Mãe, Mamãe. Querida, amada, inabalável matrona que me

ensinou a ser forte e buscar a realização dos meus sonhos.

Ao meu Pai, in memoriam, com ele aprendi a ser responsável em meus

atos e principalmente com as pessoas.

Aos dois, Pai e Mãe. Sou grata a Deus pela oportunidade de ter duas

pessoas tão amorosas em minha vida. A minha formação não poderia ter sido

concretizada sem a ajuda do meu silencioso pai Jamir e a minha determinada mãe

Izabel. Que no decorrer da minha vida, proporcionaram-me, além de extenso carinho e

amor, os conhecimentos da integridade, da perseverança e de procurar sempre em Deus

à força maior para o meu desenvolvimento como ser humano. Tudo que sou devo a

vocês. Por essa razão, gostaria de dedicar e reconhecer a vocês, minha imensa gratidão e

sempre amor. Obrigada!

Também devo aos meus adorados irmãos: Cleber Rodrigues, Marlene

Rodrigues, Mauro Rodrigues e Emília Rodrigues. Presentes em todos os momentos.

Obrigada pelo companheirismo, apoio incondicional e dedicação constante e segura.

Obrigada pelo carinho, incentivo, pela vibração com as vitórias conseguidas na luta

diária e pela sobrevivência e superação das dificuldades, exemplos de amor,

determinação, fibra e moral. Perdão pelas preocupações causadas, pelo sacrifício e

ausência que lhes proporcionei, obrigada sempre, principalmente pela presença firme

em todos os meus momentos.

Ao Waldir meu namorado, pelo apoio, amor, dedicação e paciência. Sem

os quais não teria sido possível a realização desta dissertação. Foi o verdadeiro

companheiro, caminhou ao meu lado durante todo o processo e conviveu com todos os

percalços e conquistas desse projeto. Se não fosse ele teria desistido, me obrigou a lutar

quando já havia desistido. A razão e meu consolo. Agradeço sua compreensão e

companheirismo. Meu amor, obrigada por não desistir de mim!

A Eliana Emídia, a irmã que escolhi. Companheira e amiga. Mesmo sem

entender muito as minhas pesquisas e os percalços, esta sempre presente, ouvindo e

dando pitaco.

Devo gratidão a algumas amigas que acompanharam de perto o

desenvolvimento da minha pesquisa: Márcia Maranho os cafés em sua casa

permanecerão comigo, a sua generosidade muito mais (generosidade, ponto em comum

dos sábios). Companheira de graduação e mestrado obrigada pela amizade e

principalmente por dividirmos angústias e esperanças; Divania Silva que esteve sempre

interessada nas pesquisas. Amiga de todas as horas e compreensiva quando eu estava

ocupada com as atividades do mestrado. Laura Helena, amiga querida, perseverante e

incentivadora desde o principio nessa caminhada. A vocês sou grata pela amizade e

colaboração.

Não poderia deixar de dizer que meu trabalho foi influenciado por colegas

e professores, os quais contribuíram de maneira significativa para que eu chegasse até

aqui.

À Minha Professora e orientadora Vanessa S. B. Bivar, pela confiança,

pelo carinho, apoio e discrição. Jamais poderei esquecê-la. Enxergou em mim uma

possibilidade. Ver possibilidades é grandeza. Ter sido escolhida, acolhida, representa

muito. Não há como retribuir, palavras soltas não vão conseguir. Um muito obrigada! A

sua confiança em meu trabalho é a marca indelével em minha vida. Foi uma honra tê-la

primeiro, como professora e depois como orientadora. Obrigada!

Foi no decorrer de um minicurso, o primeiro contato com a trajetória

Chiquitana, através do Professor Giovani José da Silva. Cujo papel foi determinante

nesse trabalho. Gentilmente apresentou a essa irrequieta estudante, os Chiquitanos e

apontou a relevância histórica deste povo. A ele toda gratidão! Agradeço de mãos juntas

sua disposição em ajudar e preciosas sugestões. A prestatividade nuance evidente neste

estudioso da América. Conhecer-te é uma experiência de aprendizado. Obrigada por

tantas outras coisas.

Ao professor Edgar da Costa, pela simplicidade do mesmo quilate de sua

grandeza, pelo compartilhamento de conhecimento durante a sua disciplina e, pelo afeto

distribuído sempre que precisei de conforto e orientação. Obrigada!

Aos professores Dr. Edgar da Costa e Dr. Giovani José da Silva, pela

importante avaliação preliminar do estudo que segue na apreciação critica de ambos,

por ocasião do Exame de Qualificação, indicando obras e documentos importantes para

a construção desta dissertação. Rigorosamente contribuindo para sua melhoria ao

iluminar vários pontos para nós obscuros na qualificação. Obrigada!

Ao professor Divino Marcos de Sena por estar sempre disposto a ouvir-me

todas as minhas duvidas e inseguranças e, apontar carinhosamente o caminho através da

paciência.

Aos professores do Curso de Mestrado em Estudos Fronteiriços,

sobretudo, aos que tive o prazer da companhia em sala de aula, Dr. Marco Aurélio

Machado de Oliveira, Dr. Gustavo Vilela, Dr. Carlos Martins, Vanessa dos S. B. Bivar,

Edgar Aparecido da Costa.

Ao meu orientador Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira, um

agradecimento especial. Primeiro por ter “apostado” em um projeto de pesquisa com

várias lacunas e segundo com quem aprendi o significado da palavra tolerância e

paciência. Com ele aprendi que das pessoas não devemos esperar, além do que estão

dispostas a dar. Suas agudas observações foram muito importantes para esta pesquisa.

Aos servidores da UFMS, Lucy, Laura, Yara, Sr. Calixto e Ramona

(Secretaria do Mestrado) sem sua ajuda não seria possível, obrigada a todos que sem

ajuda, conselhos e palavras de incentivo não teria conseguido.

A todos os meus colegas de mestrado pela convivência acadêmica,

contribuição, mas principalmente pelas conversas que aliviou muito as minhas

inquietações, próprias da pesquisa. Aos amigos do Curso de Mestrado, obrigada, pelos

momentos inesquecíveis, generosidade e solidariedade.

À Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sobretudo, a Coordenação

de Pós-Graduação de Mestrado em Estudo Fronteiriços, na pessoa do Professor,

coordenador, Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira, pela seriedade na condução da

pesquisa na UFMS-Campus Pantanal.

Esta pesquisa contou com o apoio da Capes, instituição à qual sou muito

grata!

Aos funcionários do Arquivo Público de Mato Grosso pela dedicação e

carinho com que tratam e acolhem pesquisadores, professores e comunidade.

Ao Núcleo de documentação da Universidade Federal de Mato Grosso,

pela delicadeza e gentileza em atender todos os pesquisadores que lá vão buscar

informações.

A todos, que juntamente comigo, construíram caminhos, superaram

desafios, realizando sonhos, sempre marcantes em meu coração. Obrigada, por

deixarem como legado a esperança e a inspiração. De todos os agradecimentos,

certamente a presença de Deus guiou as mãos que me ajudaram nesta caminhada. Enfim

dedico estas palavras para expressar a gratidão às pessoas e instituições que

colaboraram de uma ou de outra forma na elaboração desta dissertação de mestrado.

Muito obrigada!

Resumo

O tema fronteira, em seu sentido polissêmico e, por oferecer inúmeras oportunidades

interpretativas. Traz nesta dissertação, uma reflexão/um diálogo entre os conceitos

recentes sobre fronteira e Estado e a fronteira humana, bem como as estratégias

utilizadas pela coroa lusa em avançar territórios que não lhe pertencia. Particularmente,

analisa-se ainda em caráter preliminar a trajetória dos Chiquitanos ao final do século

XVIII, na fronteira oeste colonial.

Palavras-chaves: Fronteira, tratados do século XVIII, jesuítas e Chiquitanos.

Resumen

El tema frontera en su sentido polisémico, y ofrecen muchas oportunidades

interpretativas. Trae esta tesis, una reflexión / diálogo entre conceptos recientes de

Estado y humana frontera y la frontera, así como las estrategias utilizadas por la corona

portuguesa en territorios anticipadas que no le pertenecían a él. En particular, se

analizan más preliminarmente chiquitanos la trayectoria de finales del siglo XVIII en la

frontera occidental colonial.

Palabras clave: los tratados fronterizos del siglo XVIII, los jesuitas y los chiquitanos.

Lista de Abreviaturas

AHU - Arquivo Histórico Ultramarino

APMT – Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

BN – Biblioteca Nacional

IHGB – Instituto Histórico Geográfico Brasileiro

IHGMT – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de Mato Grosso

NDHIR – Núcleo de Documentação e Informação de História Regional

RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

RIHGMT – Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato

Grosso

Lista de Mapas

Mapa nº 1: Capitania de Mato Grosso e suas Repartições: do Cuiabá e do

Mato Grosso e as Aldeias das Missões Jesuíticas de Chiquitos 23

Mapa n° 2 : Tratados de Limites entre os tronos Ibéricos 25

SUMÁRIO

1.Introdução 14

2.Capitulo I Cartografando a Fronteira luso-castelhana na América do Sul 17

2.1. Fronteira em formação 23

2.2. Tratados de limites entre os tronos Ibéricos 28

3.Capitulo II Narrativa da Fundação da Companhia de Jesus até a Expulsão da

Ordem 46

3.1. A Companhia de Jesus 46

3.2. Implantação das Missões Jesuíticas de Chiquitos 49

3.3. A Expulsão dos Missionários 57

3.3. 1 A Expulsão dos Jesuítas de Portugal 58

3.3.2. A Expulsão dos Jesuítas na Espanha 64

4.Capitulo III Migrações e Práticas Comerciais na Fronteira luso-espanhola na

América do Sul 69

4.1. As Práticas Comerciais 69

4.2. O diretório dos Índios 77

4.3. Migrações Chiquitanas ainda no Governo Antonio Rolim de Moura 82

4.4. Migrações Chiquitanas Após a Expulsão dos Jesuítas em 1767 da

Chiquitania 85

5.Considerações Finais 96

6.Referencias Bibliográficas 99

Introdução

Com o passar dos séculos de colonização, a obra evangelizadora foi

tomando forma e se sedimentando, ao mesmo tempo em que uma nova forma de se

entender o universo vai tomando conta da Europa. A fronteira luso-castelhana começa

serem traçadas, principalmente a partir da descoberta do ouro nas minas do Cuiabá, em

momento de transformações econômicas, políticas, filosóficas e sociais na Europa.

Pregava-se a razão acompanhada do raciocínio lógico, era a forma de iluminar as ações

dos homens. Os ilustrados opunham-se as explicações divinas e religiosas as

superstições e aos mitos, defendiam a liberdade, igualdade e fraternidade. Inspirados em

bases cientificas como elemento fundamental para explicar o progresso humano.

Ao mesmo tempo em que se procurava aderir novas mentalidades e a um

novo modo de olhar o mundo e nele agir, a luz de se perceber a razão como forma mais

importante se desvinculando dos dogmas religiosos, torna dessa forma, discrepante os

interesses das coroas e dos jesuítas, desencadeando a expulsão dos mesmos na segunda

metade do século XVIII.

Conforme se observa foi nesse o cenário que espanhóis e portugueses na

América colonial, vão acelerar o processo de conquista incentivando o avanço sobre

territórios que não lhes pertenciam. A ocupação da fronteira oeste se deu de forma

lenta, mas persistente. Os lusos foram estabelecendo suas fronteiras em locais distantes,

iniciando no período dos Felipes (União Ibérica, entre 1580 e 1640). A penetração

portuguesa nos sertões da América colonial viria a justificar o alargamento do território

luso-colonial para muito além dos limites impostos por Tordesilhas. Assim, a primeira

metade do século XVIII apresentou dois pontos pertinentes para nossa discussão: o

primeiro foi os antecedentes de um tratado pela demarcação a contenda que determinou

os limites do território lusitano na América Colonial; o segundo foi o fortalecimento

bem como a consolidação do poder jesuítico. Temas esses discutido no primeiro e

segundo capítulo.

O Tratado de Madri (1750) fundamentado no principio do uti possidetis,

surge com uma nova forma de definir as fronteiras, vai além dos aspectos naturais e

geográficos, considera as manifestações humanas de posse da terra. Por outro lado, é,

também, um período de mudanças, a luz de se perceber a razão como forma mais

importante, se desvinculando dos dogmas religiosos e diante da força jesuítica torna

dessa forma distintos os interesses das coroas ibéricas e dos jesuítas, desencadeando, a

expulsão dos mesmos em 1759 em terras lusitanas, em 1767 das terras de Castela.

A conquista e ocupação da fronteira oeste luso-portuguesa foi compreendida

pela sua complexidade representada pela diferença de inúmeros atores sociais, políticos

e econômicos, com interesses próprios, conflitantes ou não, que interagiam nas

chamadas áreas de fronteira do Mato Grosso com o Departamento de Santa Cruz de la

Sierra. Localidade esta distante dos centros hegemônicos do Estado/Nação, em que

outros tipos de saberes dessa fronteira podem ter-se constituído.

A partir do exposto podemos presumir que a fronteira oeste no período

colonial era bem permeável, indivíduos transitavam entre as duas colônias Ibéricas, o

que nos leva a perceber a importância das questões referentes ao papel de Mato Grosso

como “defensor fronteiriço” e a participação dos Chiquitanos e as relações econômicas

na formação do citado espaço.

Assim, na realização desse trabalho estiveram sempre presente algumas

indagações inerentes ao historiador. O que possibilita uma construção de uma narrativa

histórica? Quais relatos do passado são possíveis? O que o fazer historiográfico permite

e não permite? Ao ler Certeau encontramos respostas que nos levam a refletir que o

historiador produzirá uma narrativa intimamente ligada ao seu tempo, suas

intencionalidades, suas necessidades. Assim, a (re)escrita da História torna-se algo

necessário e inevitável, devido a especificidades de cada momento e dos objetos de

estudo que os indivíduos selecionam no seu presente, relacionando este conhecimento

com seu passado.

Desdobramentos e sensibilidades de cada tempo faz com que novas

possibilidades de percepção do passado se construam. Neste sentido, teorias,

metodologias e experiências se acrescentam ao rol de conhecimentos, possibilitando

novas formas de produção do saber que poderão formular uma infinidade de

representações do seu objeto de estudo. Pode-se olhar sobre o mesmo tempo e

representá-lo diferentemente, mas coerente e corretamente.

Estas representações nos revelam as possibilidades de técnicas e fontes

diversas que o historiador pode optar sem que sua análise deixe de ter consistência,

como também, não anule as demais pesquisas. Cada produção nos revela o campo de

contingência de cada autor em seu tempo. Neste sentido, as leituras que se sucedem não

eliminam seus predecessores. “Os autores posteriores podem até ser melhores que os

anteriores do ponto de vista teórico –metodológico, na abrangência de profundidade de

sua análise, mas não o substituem nem os tornam descartáveis”(REIS, 2000: 26).

Nossa escrita se inicia na primeira metade éculo XVIII, já que foi neste

período que se inicia a discussão dos antecedentes do Tratado de Madri. Ainda que a

nossa temporalidade inicia-se em 1767 com a expulsão dos jesuítas do Território

castelhano e encerra-se com o afastamento de Luís de Albuquerque em 1789. Contudo,

no decorrer dos estudos percebemos ser pertinente fazer um retrocesso para o

entendimento do Tratado de Madri e seus desdobramentos. As linhas teóricas que

guiaram a construção desse trabalho serão apresentadas no percurso da dissertação, na

medida em que formos desenvolvendo os capítulos. Como o principal objetivo da

pesquisa é estudar as migrações e praticas comercias na chiquitania após a expulsão dos

jesuítas para o território luso-brasileiro, foi necessário estudar as políticas do governo da

época em incentivar e receber os Chiquitanos em terras luso-brasileiras. Com essa

finalidade, percebemos no decorrer da pesquisa ser importante abordarmos alguns

pontos pertinentes para esta pesquisa.

Assim, o tema mais geral desta, dissertação será as relações .entre o

principio do uti possidetis do Tratado de Madri, bem como a implantação e

consolidação e expulsão da Companhia de Jesus, e as politicas pombalinas implantadas,

desencadeando desta forma, o problema específico que é trajetória do povo Chiquitano

após a expulsão jesuítica que tem sua confluência a partir de 1767. Esta pesquisa

problematiza os impactos enfrentados pelos Chiquitanos após a expulsão dos

missionários, objetivo principal é analisar os dispositivos utilizados por ambos os

impérios em atrair essa população, bem como as estratégias dos Chiquitanos em lidar

com nova realidade apresentada “sem a proteção” dos jesuítas.

Dividida em três capítulos, a dissertação estuda a dinâmica fronteiriça, em

suas praticas de sobrevivência; os desdobramentos após a expulsão dos jesuítas; e as

mobilidades chiquitanas a partir da expulsão dos inacianos. A hipótese defendida é que

a expulsão dos missionários foi o dispositivo fundamental, para que ambas as coroas

ibéricas, de forma diferenciada, utilizassem os nativos Chiquitanos em seus projetos de

expansão sobre a região analisada.

Para tanto, no primeiro capítulo buscamos fazer uma análise dos

antecedentes do Tratado de Madri, bem como a política implantada pelo Marquês de

Pombal após o referido tratado e as consequências e estratégias utilizada a partir do uti

possidetis. O presente capítulo tem por interesse demonstrar a partir da bibliografia

disponível, caracterizar o cenário luso-castelhano da fronteira oeste e os interesses de

naturezas diversas por parte das duas coroas na construção do Tratado de Madri.

Neste momento, procuramos apenas ressaltar algumas abordagens de

autores que possibilitou investigar a realidade observada sob determinado prisma e

construir uma análise decorrente daí. Este capítulo é resultado das pesquisas

empreendidas nas bibliografias que nos deram um ponto de partida. Procuramos, no

entanto, dar continuidade a uma produção buscando inserir novos temas e, acima de

tudo, lançar novo olhar a algumas questões já abordadas. Para tanto, utilizamos para

esta discussão o documento de importância, o Tratado de Madrid de 13 de janeiro de

1750, que foi integralmente publicado pelo historiador Jaime Cortesão em seu clássico

estudo sobre Alexandre de Gusmão e as negociações que deram origem ao tratado de

fronteiras.

O Tratado de Madrid foi assinado levando se em conta o argumento, que

na prática tinha força de expressão jurídica, conhecido como uti possidetis. A luz de se

estender as fronteiras, o tratado tem como barreira na fronteira em discussão as Missões

Religiosas de Chiquitos sob a tutela da Companhia de Jesus. Os lusos, preocupados

também com a necessidade da mão-de-obra nestas paragens, percebem dentro do

contexto das demarcações, as vantagens do uti possidetis, procuram oportunamente

após a expulsão dos jesuítas, dar continuidade a politica de povoação das fronteiras para

assegurar a posse do território. Nesse contexto, os índios Chiquitano, ganharam

importância que sobrepujavam tradicionais preocupações humanitárias, das quais eram

comumente objeto. Doravante, a partir do Diretório dos Índios, esses passaram a ser

uteis, pois supriam os vácuos populacionais em territórios estrategicamente vulneráveis

e contribuíram para assegurar a posse da Coroa Portuguesa em seus domínios

americanos.

O segundo capítulo discutirá a formação da companhia de jesus, bem

como implantação das missões religiosas de chiquitos, e a formação da população que

hoje reconhecemos como Chiquitanos até a expulsão dos missionários jesuítas em 1767.

Para tal intento, utilizamos principalmente bibliografias produzidas no Brasil e na

Bolívia entre elas: Varela (2008), Gandia (1935), Meireles (1989), José da Silva (2009),

Lucídio (2003). Utilizamos principalmente a obra do historiador inglês Kenneth

Maxwel, autor de importante trabalho sobre Sebastião José de Carvalho e Mello:

Marquês de Pombal – paradoxo do iluminismo- uma biografia da trajetória política de

Pombal. A obra descreve rede de contatos formada nos anos que ele desempenhou

funções como diplomata, experiência fundamental à formação do ideário do futuro

ministro e à aplicação das medidas mais marcantes ao longo da sua gestão.

Maxwell acabou fazendo um balanço do legado pombalino. Dedicou

considerável atenção à questão jesuítica, centrado também em individualidades

históricas, e não apenas em ideias e instituições, esse autor aponta o papel que os padres

jesuítas desempenharam na crescente tensão entre a Companhia de Jesus e Pombal.

No terceiro capítulo foco principal de nossa pesquisa buscamos apresentar

dentro do possível os interesses dos lusos e castelhanos na dita área. Assim,

abordaremos as práticas comerciais, o Diretório dos Indios e os interesses dos diferentes

autores nos terras pertencentes até então aos jesuítas e as migrações dos Chiquitanos

envolvidos nesta trama.

A pesquisa documental, cujos dados obtidos permeiam a dissertação como

um todo, será apresentada principalmente no capítulo III. O trabalho compreendeu

visitas em bibliotecas e arquivos públicos.

Em março de 2012 realizei uma viagem à Bolívia, mais precisamente à

cidade de Santa Cruz de la Sierra, onde se encontra a organização não governamental

APCOB (Apoyo para el Campesino-Indígena Del Oriente Boliviano). Esta instituição

conta com uma biblioteca especializada em povos dessa região da Bolívia, além de ter

como diretor o antropólogo alemão Jurgen Riester, que há muitos anos trabalha na

região. Desse material obtido junto a APCOB, há trabalhos mais antigos elaborados por

historiadores no século XIX, porém grande parte compreende pesquisas recentes que

foram publicadas nesse país, sobretudo reflexões sobre o período das missões. Nessa

viagem também foi útil para adquirir bibliografias de autores bolivianos a respeito do

tema defendido.

Já em setembro de 2012, realizei outra viagem à Bolívia, com a intenção de

conhecer a Gran Chiquitania. Assim, pude conhecer as Missões Jesuíticas de San

Ignácio, San Rafael, San Miguel, Sant’ana e San José.

O levantamento na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, cujos arquivos

visitei em janeiro de 2013, centrou-se no acervo da Coleção De Angelis, que agrupa

documentos históricos obtidos por Pedro de Angelis, quando o historiador morou na

Argentina, no século XIX. O material compreende originais e cópias autênticas de

relatos, correspondências e processos de vários tipos que documentam a conturbada

história das áreas de fronteira entre a América Portuguesa e Espanhola (região em que

tradicionalmente estão os Chiquitano), da segunda metade do século XVI até o final do

período colonial. Desse material, destacam-se como de interesse ao meu objeto, as

referências e descrições dos grupos que utilizaram a fronteira em suas estratégias de

resistência e de dominação sobre outros povos da região.

Nas férias de janeiro de 2014, realizei outra viagem de pesquisa desta vez ao

Estado de Mato Grosso. Em Cuiabá, mais precisamente na Universidade Federal de

Mato Grosso (UFMT), fiz um levantamento documental no Núcleo e de Documentação

e Informação Histórica Regional (NDIHR). Neste Núcleo encontra-se o material

denominado Documentos Ibéricos, que se constitui de correspondências de

Governadores de Província com a metrópole sobre questões relativas à fronteira. No

conjunto desses documentos há referências importantes aos Chiquitanos como, por

exemplo, no documento de fundação de Vila Maria, hoje a cidade de Cáceres, em que

aparecem como primeiros moradores índios fugidos das Missões de Chiquito. Nesta

viagem também realizei um levantamento documental no Arquivo Público de Mato

Grosso (APMT) onde se encontra as Instruções Régias, documentos importantes para a

realização desse trabalho.

Se a documentação pesquisada no Rio de Janeiro compreende, sobretudo

material oriundo da Coroa Espanhola; nas bibliotecas de Cuiabá estão os documentos

do governo português.

2. Capítulo I - CARTOGRAFANDO A FRONTEIRA LUSO-CASTELHANA

NA AMÉRICA DO SUL

[...] a fronteira de modo algum se reduz e se resume à fronteira

geográfica. Ela é fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da

civilização, fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo,

fronteira de etnias, fronteira da história e da historicidade do homem.

E, sobretudo, fronteira do humano [...] É na fronteira que encontramos

o humano no seu limite histórico [...] (MARTINS, 2012: 11).

No decorrer do estudo consideramos a fronteira não “apenas como elemento

que demarca para separar, mas como espaço de convívio de identidades diversas, a

fronteira então, ao mesmo tempo em que é barreira, é também ponto de partida para

novas frentes.” (SILVA, 2007) Desperta o sentimento de liberdade e conquistas, da

mesma forma em que a “história não pode ser interpretada sem a fronteira, pois as

sociedades sempre foram definidas por elas e o que elas traçaram, elas acompanham os

movimentos dos povos e marcam as grandes viradas nas transformações das

civilizações”. (RAFFESTIN, 2005: 90).

Partimos das premissas encontradas nos estudos de Machado (2002: 01) que

analisa as práticas de Estado e da população nas fronteiras. Pensamos ser bastante

pertinente sua distinção entre limites e fronteiras, especialmente, quando afirma que:

se for certo que a determinação e defesa dos limites de uma possessão

ou de um Estado se encontram no domínio da alta política ou alta

diplomacia, as fronteiras pertencem ao domínio dos povos. Enquanto

o limite jurídico do território é uma abstração, gerada e sustentada

pela ação institucional no sentido de controle efetivo do Estado

territorial, portanto, um instrumento de separação entre unidades

políticas soberanas, a fronteira é lugar de comunicação e troca. Os

povos podem se expandir para além do limite jurídico do Estado,

desafiar a lei territorial de cada Estado limítrofe é às vezes criar uma

situação de facto, potencialmente, conflituosa, obrigando a revisão dos

acordos diplomáticos.

Além disso, cabe ressaltar que:

O limite imposto parece combinar com fronteira e com zona

fronteiriça, mas não significa dizer que são linhas nítidas, pois são

regiões nas quais uma coisa gradualmente se transforma em outra,

onde há indistinção, ambiguidade, incerteza (HANNERZ, 1997. 14).

Neste sentido, entendemos que a fronteira não é apenas fruto de interesses

entre Estados e Nações, mas, sim, também, como espaço de convívios e estratégia de

populações que as compõe.

Ao final do século XVIII, a fronteira luso-espanhola foi sendo estabelecida

através das lógicas dos Estados lusitano e castelhano, e, também através da lógica dos

Missionários e dos Chiquitanos que ali viviam e participavam do acontecer da fronteira

em estudo. Sobre o assunto Oliveira (2010) considera que:

A lógica fronteiriça está na sua própria existência, incluindo-se ai as

suas relações com os países que a compõe. Germe de sua

sobrevivência. Ou seja, diversos elementos constitutivos de

sociedades nacionais, como: parâmetros de nacionalidades, códigos

jurídicos, estruturas políticas e administrativas, quando se tratando de

fronteira, tornando-se apenas alguns dos elementos que a constitui.

(OLIVEIRA, 2010: 324)

Assim, tais noções e conceitos de fronteira que ao mesmo tempo é

considerado linha de delimitação é também zona de contato (MACHADO, 2002).

Proporcionando, assim, um intercâmbio que permite olhares renovados para os

processos históricos, em busca do esclarecimento e reinterpretando momentos, que

antes pareciam já suficientemente estudados. Por sua vez, a disputa entre portugueses e

espanhóis pelo domínio da fronteira oeste, no século XVIII, se deu em função de uma

série de fatos e tratados ocorridos nos séculos anteriores de colonização (MORAES,

2003).

Para Machado (2010:59), cada fronteira possui características e

peculiaridades “[...] únicas. Requerem estudos localizados que dêem conta da enorme

variedade de seus usos e significados simbólicos e da diversidade de características e

relações geográficas”. Isso porque são definidas e redefinidas de acordo com olhares e

fazeres próprios que inclui, exclui e define quem pertence e quem não pertence à

determinada coletividade fronteiriça. Com suas trocas e intercâmbios, serve como

expansão para determinadas populações que buscam novas oportunidades de trabalho e

até mesmo de proteção. Há na fronteira uma luta pela sobrevivência, principalmente

para aqueles migrantes que saem de suas origens em busca de melhores condições, mas

também uma zona cultural mais ou menos flexível, onde circulam pessoas de várias

partes do mundo, circulam culturas.

Desta forma, o que será tratado neste capítulo é a formação de fronteira que

antecede à estipulação de limites na região estudada. Ou seja, abordaremos a presença

de portugueses, espanhóis, jesuítas e povos nativos na construção de espaços

fronteiriços, com interesses distintos, compartilhados e negociados, de acordo com o

tempo e espaço analisado.

Ao analisarmos, historicamente, as fronteiras, devemos tomar muitos

cuidados. Um deles é com possíveis anacronismos verbais que possam vir a ocorrer.

Assim, importante considerar, por exemplo, que “durante a expansão colonial, a

fronteira era entendida de outra maneira, diferente da concepção atual, ou seja, um

território específico pode ser utilizado em momentos históricos distintos” (ARRUDA,

2011). Nesse caso vale destacar a analise de Santos:

As fronteiras podem ser entendidas enquanto disputas internas da

região como um todo. Disputas fundamentais num trânsito, uso,

controle e posse de territórios sob outros poderes, que não só o

político e administrativo como atualmente a entendemos. Controles e

disputa que marcam não somente divisões, mas territorialidades

diferentes. [...] A definição de territorialidade específica assinala que o

domínio se estabelece sobre uma área com o fim de controlar o acesso

aos recursos, e, como estratégia, estabelece diferentes vias de acesso

para dispor de gente, dos recursos e de suas inter-relações (2009, p.

298).

Ainda que o período analisado não tivesse uma definição ou conceito de

fronteira muito claro, busca-se primeiramente, considerar uma analogia entre os

conceitos produzidos na atualidade e as ações do momento em análise. Mesmo por que,

as terras distantes dos centros, eram consideradas até então, como confins, sertões, para

além do que eram conhecidos, lugares afastados e distantes: fronteira.

Por fim, os estudos sobre fronteiras têm muitas vezes transitado

indistintamente por categorias como povoamento, frentes pioneiras, assentamentos e

sertão – como se fossem processos de espacialização idênticos ao da produção de

fronteiras internacionais. Particularmente sertão. Como se sertão fosse à espacialização

do limite, o que não é. Não gratuitamente, no século XVIII a designação sertão vinha

sempre seguida de uma identidade, em geral um etnônimo (“sertão dos bororos”) ou, no

mínimo, de uma confissão de ignorância: “sertão do gentio”. Isso deixa claro que o

sertão era a espacialização que estava para além do limite de quem a definia. Era o que

estava externo, fora, era o outro especializado.

Sob esta ótica, ao longo do século XVIII, vai se configurando na América

do Sul o território luso-castelhano, como uma região colonial na sua condição específica

de fronteira (Mapa nº1). Pois até então, considerava-se a fronteira para além do

conhecido, em contraste com o familiar e o desconhecido, descortinavam-se terras

longínquas e incógnitas. Fronteiras que, entretanto, seriam gradativamente empurradas

para mais longe, à medida que aquela gente passava a frequentar lugares cada vez mais

longínquos, em busca de metais preciosos e nativos.

Grande parte do que viria ser conhecido como fronteira na atualidade

permanecia praticamente desconhecida naquele tempo. Porém, não totalmente ignorado

já que havia sido palco de movimentações de súditos dos dois Impérios Ibéricos, em

atividades comerciais, disputa pela ampliação ou defesa de seus territórios, perseguição

aos povos indígenas e na incansável procura de um caminho para as minas andinas.

Assim, a fronteira seria a fiel depositária de um recurso crucial para a sobrevivência

desses aventureiros: era o lugar onde se localizava o gentio, manancial de braços para as

atividades de sobrevivência desenvolvidas nas colônias Ibéricas, uma vez que eles

detinham conhecimentos da região, vitais para os aventureiros.

Assim, a região estudada encontrava-se entre soberanias distintas, era

constituída por uma fronteira além de seus limites geográficos, pois, ainda estava se

formando politicamente com seus tratados e imbróglios territoriais. A complexidade

estava nas diferentes formas de fronteira que existia. Por exemplo, a fronteira natural

estava presente nessas disputas entre as coroas, uma vez que as regiões eram compostas

por matas e rios, sendo estes utilizados como rotas comerciais, essenciais para a prática

comercial do período, já que a região era distante dos centros. Também uma fronteira

econômica por existir uma prática comercial lícita e contrabando, não no sentido de

hoje, um descaminho, que ocorria de acordo com as necessidades de sobrevivência.

Fronteira de ordem imperial por estar divida por dois Impérios (Espanha e Portugal).

Fronteira religiosa por se encontrar na divisa das missões religiosas de chiquitos. Mas,

acima de tudo, uma fronteira humana, composta pelos aventureiros lusos e castelhanos,

negros e principalmente e primordialmente pelos nativos, já que sem eles, não haveria

condições dos desbravadores chegarem aos confins ou sertões da América do Sul. Os

nativos foram fontes de trabalho, riqueza, mulheres e, ainda, informantes inestimáveis

das artes e artimanhas de percorrer os terrenos desconhecidos, evitar os perigos e tirar o

melhor proveito dos seus recursos naturais. Mas, há que se entender que “também

podiam representar uma constante e perigosa ameaça, pela tenaz resistência que

opunham aos intrusos” (HOLANDA, 1990: 16). Aos nativos coube o papel de levar os

ditos civilizados mata ou rios adentro, pois, estes considerados ‘sem lei, sem fé e sem

rei’ eram os que dominavam o conhecimento de como se locomover em terras e

caminhos tão distantes. Personagens de penetração audaciosas que iam muito além dos

limites, ainda imprecisos, entre os domínios das Coroas lusa e castelhana na América.

Deste modo, para discutir esta fronteira na segunda metade dos setecentos

em toda a sua complexidade, é preciso agregar ao conceito de fronteira toda a sua

possibilidade, o que implica desde já considerar não apenas a noção turneriana de

expansão da civilização sobre terras livres e populações selvagens, mas também, e

principalmente, reconhecendo a identificação de fronteira como um terreno

interpretativo diverso, ou seja, reconhecer seu caráter polissêmico.

No âmbito dessa questão, um dos autores que maior atenção deu à fronteira

oeste desta parte foi Virgílio Correa Filho, que no âmbito desta questão analisa que:

A problemática da fronteira vai muito além de seus aspectos naturais e

geográficos importando muito mais a complexidade dos fatores

históricos que explicam a ocupação econômica desse determinado

território que as implicações políticas daí decorrentes. É dessa forma

que devem ser tratadas as fronteiras do continente americano, que

apresentam contextos e problemáticas muito diversas das fronteiras

em outras partes do mundo pela especificidade de seus processos

históricos. (CORRÊA, 2012: 46)

Consideramos muito importante observar que nessas áreas limiares da

América do Sul interesses distintos ocorriam naquela época. Discutir o tema fronteira

em fins do século XVIII é muito importante, pois envolve e define os interesses dos

Impérios Ibéricos, por um lado, delineia as práticas econômicas e sociais dos povos que

ali viviam, por outro. Isto significa dizer que fronteira não é entendida aqui apenas na

perspectiva geopolítica. Essa multiplicidade de ações sobre o mesmo território

demonstra que havia uma sobreposição de fronteiras e de saberes que constantemente se

interpenetravam gerando situações que raras vezes permitiam estabelecer linhas precisas

(ARAUJO, 2000). Pois, ao mesmo tempo em que representava uma área de separação,

apresentava-se como perspectivas de interação entre diversos indivíduos ou grupos que

testemunharam e atuaram no processo de organização e constituição da fronteira ibérica

na América Latina.

Neste sentido, a América portuguesa como um todo pode ser vista como

fronteira ocidental do Império português. Fronteira do Império, sobreposta às fronteiras

de territorialidades ameríndias. Fronteira do Império que, alargada em sua

espacialização, foi se fazendo múltipla, de variado tipo. Mas, e principalmente, fronteira

do Império feita de sucessivas conquistas – das projeções de Tordesilhas, das

territorialidades ameríndias seculares, das espacializações hispânicas materializadas em

cidades, missões, estacadas. (VAINFAS, 2000: 254-255)

Mas chamamos atenção para o fato de que considera-se a fronteira enquanto

um espaço do outro, um espaço entre os diferentes sujeitos históricos, suas práticas

culturais e concepções ali estabelecidos. Formular o problema investindo em um único

ser humano dos muitos que brigavam pelos mesmos territórios decisivamente impede a

compreensão da analogia entre instituições de dois ou mais impérios em disputa, bem

como, as perspectivas dos Chiquitanos foco de nossa pesquisa, atingidos por essas

expansões.

2.1 Fronteiras em formação

Na América do Sul, até a ocupação europeia, não se conhecia fronteiras

num sentido moderno ou político atual. Os povos autóctones possuíam um território

tradicional, limitado, espalhado em aldeias divididas em grupos, com certa autonomia

social. Equivale dizer que, para Machado (2002, p.01), somente nos séculos XVIII e

XIX é que o conceito de soberania assumiu uma conotação territorial, quando:

Foi formalmente traduzido na concepção do território do estado como

espaço limitado, e policiado pela administração soberana. As

coletividades ou os ‘povos’ deveriam ser diferenciados em espaços

territoriais fixos e mutuamente excludentes de dominação legítima.

Oportunamente se mantinha o Tratado de Tordesilhas fig. 02 que surgiu a

fim de solucionar os litígios entre Portugal e Espanha, assinado em 1494. Alda Lúcia

Monteiro de Souza coloca em seu trabalho que:

O Tratado de Tordesilhas definiu a região do Pantanal como

pertencente à Coroa Espanhola, compondo, assim, o Vice-reino do

Peru até o ano de 1535. Após essa data passou a pertencer ao Vice-

reino da Prata, e de 1617 a 1750 ficou sob a administração do

Governo do Guaíra. Com a assinatura do Tratado de Madri, a área foi

oficialmente incorporada ao território brasileiro sob o domínio da

Coroa portuguesa (SOUZA, 2009: 63).

Essas estratégias representavam a partilha do mundo entre as Coroas

Ibéricas e uma tentativa delas dominarem o novo mundo separando-o, naquilo que eles

acreditavam ser equitativo (ESSELIN, 2000). Os povos não europeus deveriam ser

dominados, quando não exterminados em nome da superioridade civilizatória que eles

acreditavam possuir. Essas alterações, nas perspectivas de João Capistrano de Abreu

(1982), foi o primeiro procedimento proeminente referente às relações de Estado

moderno, por ter sido negociado entre Impérios e não por decisão exclusiva dos Papas,

como ocorria na Idade Média. Ainda, segundo Rezende (2006: 25), “esse tratado foi a

verdadeira base em que se fundamentariam mais tarde os tratados de fronteiras do

século XVIII, entre os quais o de Madri, em 1750; e o de Santo Ildefonso, em 1777”.

Esse Tratado vai ser mantido até a morte de Dom Sebastião em 1580, e a

consequente vacância do trono português, Filipe II da Espanha1, após feroz luta pelo

trono, unifica as coroas ibéricas, condenando aquele tratado à nulidade. Pois, a partir da

União Ibérica, o Tratado de Tordesilhas, na prática deixou de ter validade, o que

favoreceu a entrada de portugueses em territórios castelhanos. A este respeito, Ellis

demonstra que:

A união das duas coroas permitiu aproximação e maiores contatos

entre as colônias sul-americanas, as espanholas e a portuguesa,

separadas pelo meridiano demarcador. Consequentemente, com as

maiores facilidades, pôde a audácia dos paulistas incursionar em terras

da Coroa de Castela, onde as guarnições militares eram muitos

poucas, as distâncias imensas, a ousadia e a temeridade dos

bandeirantes, cada vez maiores. Ainda mais. A colonização espanhola

voltava de preferência as suas atenções para o Peru, atraída pela

mineração. (ELLIS, 2004: 286)

A fronteira em estudo teve sua ocupação, primeiramente, pelo lado

castelhano ainda nos seiscentos. Ali foram fundadas as Missões Jesuíticas de Chiquitos,

cujas instalações se iniciaram em 1691. As Missões não foram criadas à revelia do

Estado espanhol, já que as autoridades coloniais indicavam jesuítas "através de ordens

reais, a administração espanhola prestava toda a ajuda necessária para a criação das

reduções, situação que se manteve até meados do século XVIII” (ANZAI, 2008: 1-8).

Na América espanhola as missões apareceram como importantes instituições de

fronteira e com elas formar-se-ia uma fronteira viva, uma barreira às invasões

portuguesas. Tratava-se da atribuição aos nativos de um verdadeiro papel de ‘guardiões

de fronteira’2.

Segundo Meirelles (1989:85), “o principal propósito das missões jesuítas

era o de transformar comunidades “sem lei nem governo” em comunidades que

refletissem as concepções de uma sociedade ordenada no século XVIII”. Além de

exercerem funções catequéticas sobre os povos nativos, os missionários também

disciplinaram a utilização de mão-de-obra, necessária pela insaciável demanda dos

colonizadores. Pois, interessava à administração espanhola o estabelecimento dessas

missões em zonas estrategicamente importante à Espanha.

1 Sobre o assunto consultar: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e Colonização da América

Portuguesa: O Brasil Colônia – 1500/1750, In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do

Brasil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 67. 2 A esse respeito encontramos interessantes leituras em, MEIRELLES, Denise Maldi. Guardiães da

Fronteira: Rio Guaporé, século XVIII. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

(Mapa nº 2) Fonte: Suelme Evangelista Fernandes. O Forte Príncipe da

Beira e a Fronteira Noroeste da América Portuguesa. Dissertação de Mestrado,

PPGH/UFMT, 2003.

Como já foi dito no parágrafo anterior, a fronteira oriental castelhana passa

a ser vista e podemos dizer demarcada ainda no final do século XVII, com o

assentamento das missões religiosas de Chiquito, tendo como primeira data a fundação

de San Javier em 1691. Por outro lado, a fronteira oeste lusitana, começa a ser

delineadas a partir da descoberta do ouro nas minas do Cuiabá (1719). A descoberta do

ouro faz com que os olhos ibéricos se voltem para a região desencadeando interesses

por ambas as coroas. Ou seja, esta fronteira foi sendo composta a partir de interesses

que se referiam às riquezas minerais. Contudo, o avanço português foi contido do outro

lado da fronteira los jesuítas que defendiam seu território com a ajuda dos Chiquitanos.

A descoberta do ouro, entretanto, além de aprofundar a configuração dos

sertões do Oeste como área de contato e confronto entre indígenas e civilizados,

ajudaria a delinear uma outra ideia que também é elemento importante e inseparável do

conjunto de representações sobre o território mato-grossense como fronteira: a de um

espaço novo e promissor, onde os indivíduos poderiam concretizar os sonhos de uma

vida melhor, de promoção social, de enriquecimento fácil, ainda que para tanto fosse

necessário afrontar perigos e vicissitudes e, no limite, a própria morte.

Essa perspectiva sobre os sertões que iam sendo devassados e definidos

como território colonial integrava o imaginário mais amplo sobre as terras novas e

desconhecidas do continente americano. Na região mato-grossense, contudo, tal

perspectiva seria enriquecida com o significado especialmente geopolítico da noção de

fronteira: o de zona limite entre soberanias distintas, no caso, representadas pelos

impérios português e espanhol. Nessa condição, como anotou Denise Meireles em seu

estudo sobre a região do rio Guaporé, a fronteira representava para os colonos

“esperança e ilusão; terras para quem não tem, riqueza para o pobre, promoção social

para o humilde e para o servo, que se converte em homem livre”(MEIRELES, 1989:

150).

A Coroa lusitana soube aproveitar muito bem este imaginário como recurso

para estimular o avanço e a fixação de colonos, não apenas porque dele poderiam

resultar os lucros de novos descobertos auríferos, como também porque atendia aos

objetivos de sua política expansionista. Essa perspectiva fica evidente nas

determinações da política de povoamento postas em prática na região do Guaporé, onde

o adensamento demográfico era fundamental para garantir as terras ambicionadas por

Portugal.

Neste cenário, espanhóis e portugueses, na América colonial, vão acelerar o

processo de conquista, incentivando o avanço sobre os territórios que não lhe

pertenciam. Em meio às contentas pela demarcação das fronteiras coloniais, colocava-se

o problema de como incorporar as populações nativas que ali viviam e dispor de sua

mão-de-obra para as atividades econômicas em expansão. Embora os tratados fossem

entendidos, como acordos entre “nações soberanas”, espanhóis e portugueses nunca se

colocavam como iguais em relação aos nativos.

A dita fronteira vai sendo definida a partir de práticas de expansão e

conquistas, isso, com importantes rotas comerciais, por onde realizava-se o comércio

por três vias: um caminho terrestre desde o Rio de Janeiro ou da Bahia pela Capitania de

Goiás, e duas rotas fluviais, ou pelas monções de São Paulo, que navegavam as bacias

dos rios Paraná e Paraguai, ou pela rota do Grão-Pará através do curso dos rios Madeira,

Mamoré e Guaporé. Estas rotas ligavam a Capitania de Mato Grosso com as Capitanias

de Goiás, São Paulo e do Grão Para, através das redes fluviais. É fundamental esclarecer

que a:

“Capitania de Mato Grosso situava-se na região central do continente

sul-americano, era constituída por três ecossistemas (florestas, cerrado

e pantanal), habitada por uma diversidade de sociedades indígenas,

tinha a mineração como atividade produtiva decisiva e ainda estava

localizada em área de fronteira com os domínios hispânicos. Ela fazia

limites com as capitanias do Grão-Pará, de São Paulo e de Goiás e

com os governos de Chiquitos e Moxos, totalizando 48 mil léguas

quadradas de extensão. Possuía dois distritos: o do Cuiabá, cujo

principal núcleo urbano era Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá

(1727), e o do Mato Grosso, cujo principal núcleo era Vila Bela da

Santíssima Trindade (1752)” ( JESUS, 2011: 18).

Através desse vários elementos a fronteira vai se configurando, a

combinação desses, pode ser entendido como peculiaridades marcantes no processo de

formação de uma sociedade colonial nesta parte mais central da América do Sul.

“Em 1748, a capitania de Mato Grosso foi criada com o desmembramento

da capitania de São Paulo, cujo primeiro capitão-general foi D. Antônio Rolim de

Moura Tavares”. Em 1752, Vila Bela foi fundada às margens do rio Guaporé e tornou-

se a sede da Capitania, que segundo Corrêa:

(...) correspondeu a um fato incomum em áreas coloniais de

mineração, resultante de uma decisão da coroa portuguesa de planejar

e fixar colonos de forma permanente e relativamente segura na

fronteira com as posses espanholas (CORRÊA, 2012: 19).

Vale salientar a importância dos rios Beni, Guaporé, Madeira e Mamoré

com seus afluentes. O Guaporé ou Itenez como é conhecido na Bolívia, segundo

Alcides D’Orbigny, representa o símbolo do repouso, ostentando águas claras e

límpidas. No mais, a região banhada pelo rio Guaporé, segundo Jaime Cortesão (1951):

(...) era, não só a grande estrada de enlace fluvial que unia as regiões

do Alto Paraguai às do Amazonas, mas um fosso isolador que

separava duas regiões naturais, desnudas e alagadiças do Mamoré; e,

além disso, duas zonas de culturas aborígines diversas. O rio Guaporé

e o Madeira com sua escadaria monumental de cachoeira eram, para

empregar a própria frase de Alexandre de Gusmão, uma “baliza

natural” (Cortesão, 1951:172).

Estes rios seriam encarados, no início do século XVIII, como espaço

fronteiriço no momento em que ocorreriam os primeiros encontros entre o luso-

portugueses e os jesuítas das missões espanholas. Uma fronteira de várias etnias, ligada

por Portugal e Espanha que tem em sua trajetória os Chiquitanos, participantes e ativos

nessa constituição.

O fato é que durante a União Ibérica os lusos e castelhanos vão avançando

sobre terras que não lhe pertenciam. Isto, especialmente, pelos lusos, que no

entendimento de Esselin (2000: 121) empurraram os limites para outros marcos,

incorporando novas linhas de demarcação. Tal situação perdurou até a guerra da

restauração (1640), dividindo novamente as coroas, tornadas mais rígidas as fronteiras

entre a América espanhola e a portuguesa. A partir daí, o constante descumprimento do

Tratado de Tordesilhas por ambas as Coroas Ibéricas, levou-as a constituírem outros

tratados de limites (MORAES, 2003). No entanto, “o velho tratado quatrocentista

continuava em vigor. Nenhum outro convênio o anulara expressamente” (CORTESÃO,

2001: 08), até o Tratado de Madri.

Essa discussão nos leva a algumas reflexões. Por um lado, desde o Tratado

de Tordesilhas se percebe que os colonos lusos, em nome da Coroa ou não, avançaram,

conquistaram e assentaram silenciosamente em terras castelhanas no que se refere à

fronteira oeste. Por outro lado, os castelhanos também estiveram preocupados com

esses avanços não por acaso consentiram o assentamento das Missões Jesuíticas. Com o

incentivo do governo de Santa Cruz de la Sierra, a partir de 1691, os padres da

Companhia de Jesus fundaram várias missões religiosas na província de Chiquitos: San

Xavier, San Rafael, San José, San Juan Bautista, Concepción, San Miguel, San Ignácio

de Zamucos, San Inácio, Santiago, Santa Ana e Santo Corazón (Costa, 2006)

2.2. Tratados de Limites entre os tronos Ibéricos

No correr do século XVII uma nova forma de se perceber o mundo vai

tomando conta da Europa. Trata-se de um movimento de transformações econômicas,

políticas, filosóficas e sociais. Naquele continente vai surgindo um novo modo de

enxergar o mundo, onde pregava a razão, acompanhada do raciocínio lógico, como

sendo a forma de iluminar as ações dos homens. Os Iluministas opunham-se às

explicações divinas e religiosas, às superstições e aos mitos, defendiam a liberdade,

igualdade e fraternidade. Os pensamentos deveriam ser inspirados em bases cientificas

como elemento fundamental para explicar o progresso humano.

A luz de se perceber a razão como forma mais importante, se desvinculando

dos dogmas religiosos, torna dessa forma, discrepante os interesses das coroas e dos

jesuítas, desencadeando a expulsão dos mesmos, na segunda metade do século XVIII,

reafirmando dessa forma, a autoridade real civil e laica, sobre a religiosa, (JOSÉ DA

SILVA, 2009). Momento de litígio entre as coroas Ibéricas, principalmente com a

descoberta de ouro nas minas de Cuiabá, fronteira oeste luso portuguesa, com a

fronteira oriental das terras de Castela e suas missões jesuíticas de Chiquitos, que

receberam esta denominação pelos conquistadores que primeiro chegaram à região e

definiram os índios ali encontrados invariavelmente como Chiquitos, “os pequenos”.

Isto, numa alusão à sua altura, sugerido pelo pequeno tamanho das portas de suas casas,

e aglutinaram sob essa dominação, vários outros grupos pertencentes à família

linguísticas diferentes. Frente a isso Métraux (1942) chega a classificar como tarefa sem

esperança para a etnologia sul americana a tentativa de obter um quadro claro das

afiliações linguísticas e até mesmo da exata localização desses grupos da vasta região

conhecida como Chiquito (MÉTRAUX, 1942: 115. Apud SILVA, 2007: 15).

Com o intuito de solucionar as questões de limites dos seus territórios

coloniais as Coroas Ibéricas acordam, então, o Tratado de Madri a 13 de janeiro de

1750. No acordo firmado, foi proposto a pôr termo às disputas passadas e futuras,

comprometendo-se esquecerem de e, não usarem de todas as ações e direitos que

pudessem pertencer-lhes, em virtude dos outros tratados, ou de quaisquer outros

fundamentos que pudessem influir na divisão de seus domínios.

Pela primeira vez, desde o Tratado de Tordesilhas (1494), procurava-se

definir a totalidade dos limites entre as posses dos reis de Portugal e Espanha na

América do Sul. O estudo a respeito do Tratado de Madri acabou por nos dar a

possibilidade de dar os primeiros passos para um entendimento sobre o problema dos

limites na América e, os interesses Ibéricos envolvidos, no que antecede ao Tratado.

Se quisermos penetrar na lógica dos acontecimentos que vão desenrolar no

Tratado de Madri em sua completude, se faz necessário abordar a participação de

Alexandre de Gusmão ainda no governo do monarca Dom João V3, nas decisões deste

dito Tratado. De outro modo analisamos as decisões após o Tratado e a participação do

marques de Pombal, já no governo do monarca Dom José I. Tracemos quanto possível,

o retrato de cada um dos personagens nesse drama de bastidores, que temos de historiar.

No segmento, a ação acabará por retrata-los.

As negociações que antecederam a assinatura, em 1750, do Tratado de

Madrid iniciaram-se em 1746 e alongaram-se, portanto, por 4 anos. Decorreram

naturalmente da necessidade de estabelecer definitivamente as fronteiras entre as

Américas, portuguesa e espanhola, completamente obscurecida pela ação invasiva dos

colonos de Portugal.

Ao abordar a questão Alvim (2010: 32) considera que:

Já em fins do século XVII o espaço do Atlântico Sul, em especial o

Brasil, passou a ocupar um lugar central para o império português, um

processo que tornou definitivo no alvorecer do século XVIII. D. João

V procurou realizar variadas ações no sentido de proteger,

desenvolver e resguardar essa conquista que passou a ser a joia mais

preciosa da Coroa de Portugal. Antes do mais, era preciso estabelecer

a demarcação do território e disso se ocupou sua administração.

Desde 1729, uma ordem de D. João V dirigida a todas as autoridades do

Estado do Brasil, determinava “fazerem mapas das terras do dito Estado, não só pela

marinha, mas pelos sertões com toda a distinção para que melhor se asignalem, e

conheção os districtos de cada Bispado, Governo, Capitanias, commarca, e doações” 4.

A preocupação em conhecer em conhecer com minúcias as possibilidades territoriais da

Colônia está claramente expressa no documento.

Nesta perspectiva, na década de 1720, vieram para a América portuguesa,

mais dois jesuítas em importantíssima missão, desta vez a mando da própria Coroa

portuguesa. O Conselho Ultramarino aconselhou D. João V a mandar para o Brasil os

dois padres para que, “discorrendo pelos sertões daqueles Estados, fizessem mapas de

3 “O reinado de D. João V (1706-1750) foi o mais longo do século XVIII e talvez um dos mais extensos

da história de Portugal, ocupando praticamente a metade daquela centúria. Solenemente aclamado em 1º

de janeiro do ano de 1707, o Rei sol português viveu um período de consideráveis mudanças no quadro

geral da monarquia tanto no que toca às questões internas quanto às relações internacionais” (ALVIM,

2010: 20). 4 IHGB, seção documentos, lata 89, doc. 1, “ordens régias (1726/1760)”, ff.31v/33.

todas as terras dos referidos Estados, descrevendo o que devia ficar na jurisdição de

cada Estado e suas Capitanias” 5. Ambos peritos em matemática foram destacados para

a tarefa de mapeamento, um trabalho gigantesco que exigiu medições astronômicas de

Goiás a Sacramento e coordenação de inúmeros relatórios dos sertanistas do Sul e da

frente Oeste de colonização. Tais relatórios formaram as famosas notícias práticas do

padre Diogo Soares, coletadas durante quinze anos, ou seja, de 1730 até 1745.

A seleção dos jesuítas deveu-se ao fato de que eram os mais habilidosos

para produzir essa árdua e importante tarefa e isso graças à características da

Companhia de Jesus no que se refere à formação de seus estudiosos. A escolha de tais

padres também atestava a confiança do soberano luso em relação à Companhia de Jesus

naquele contexto, quadro que se alteraria radicalmente com o reinado de Dom José I.

D. João V, então, concede a estes dois Padres matemáticos - Diogo Soares e

Domingo Caspassi – a função de cartografarem as terras de Castela na América do Sul.

Interesse que ia além da preocupação com a invasão em terras luso-brasileira, mas, com

uma futura negociação com os vizinhos castelhanos, buscava estar inteirado da posição

portuguesa na Colônia Sul Americana. Portugal tinha pressa de informações sobre suas

posses na América, buscava minucias de detalhes até então inédita, e principalmente os

territórios do interior, onde se encontravam as recém-descobertas minas de ouro e

diamante, nas áreas correspondentes às capitanias de Minas Gerais, Mato Grosso e

Goiás. A consulta do Conselho Ultramarino não poderia ser mais clara quanto às

intenções da Coroa em possuir mapas detalhados de suas possessões na América:

também por este modo se poderá conhecer por onde nos convém fazer

a separação dos domínios de Castela pelo sertão, a qual questão é

grave e poderá envolver grandes dissensões se nos não prevenirmos

ante tempo para constituirmos limites certos entre os domínios desta

Coroa com a de Castela.6

O rompimento dos limites territoriais com as terras Castelhanas na América

era a preocupação principal da metrópole lusitana, o que exigia o conhecimento dos

“sertões”, e de suas riquezas. Era de grande valor estratégico os pareceres levantados

pelos padres da Companhia, essenciais, por ser um território pouco conhecido,

principalmente em se tratando do seu interior, cujas posses ainda não eram definitivas,

devido exatamente às incertezas quanto à soberania de uma ou outra potência ibérica.

5 AHU, carta de 15 de julho de 1728. Apud ALMEIDA. Os jesuítas matemáticos e os mapas da América

portuguesa (1720-1748), In: OCEANOS, Lisboa: (40): 79-92, 1999. 6 Consulta do Conselho Ultramarino, de 23 de agosto de 1720 (IHGB 1.1.25, pp. 278-278v) apud

ALMEIDA. Os jesuítas matemáticos e os mapas da América portuguesa (1720-1748), p. 81, 1999.

Neste sentido, nos estudos de (CORTESÃO, 2001: 08), verifica-se que:

há todas as razões para supor que um dos principais objetivos dos dois

Padres matemáticos seria o de estudar em certas linhas gerais o

problema da soberania das duas nações ibéricas na América do Sul,

em relação ao meridiano de Tordesilhas.

O fato é que durante o período da União Ibérica, houve uma dilatação

territorial em ambos os impérios. Entre eles, a região de nosso estudo, com a descoberta

de ouro nas minas de Cuiabá. Os estudos de Cortesão (2001: 14) demonstra que o

resultado dos trabalhos dos Padres matemáticos permaneceria em segredo:

a verdadeira posição das terras ocupadas pela Coroa portuguesa

Finalmente, damos também por averiguado que um dos objetivos da

missão dos Padres Matemáticos era fixar em relação ao meridiano de

Tordesilhas, conhecimento único, que, em última análise, importava

ocultar.

José Eduardo Moreira da Costa, pesquisador, há tempos sobre as questões

dos Chiquitanos, tem os seguintes dizeres a respeito do estudo de Cortesão, segundo o

autor os padres matemáticos:

Empreenderam, um levantamento geográfico sistemático do Brasil,

pelo litoral e interior, produzindo mapas considerados como segredos

de Estado, que viriam configurar em importantes estudos

preparatórios para delimitar os domínios entre Portugal e Espanha

(COSTA, 2006: 83).

Ou seja, praticavam uma política chamada por Cortesão (2001: 17) de

“segredo cartográfico”. Segredo esse, guardado a sete chaves que breve iria ser utilizado

nas negociações do Tratado de Madri. Explica (COSTA, 2006: 83) que “os padres

Soares e Capassi, por estratégicas, teriam de encontrar um meio de ocultar nas cartas os

registros das coordenadas científicas levantadas. Utilizaram-se, para isso, do artifício de

determinar as longitudes pelo meridiano do Rio de Janeiro, ao invés do meridiano de

Paris ou da Ilha de Ferro”. Assim, por exemplo:

Diogo Soares para conhecer a longitude do Presídio do Rio São Pedro,

observava um ou mais eclipses dos satélites de Júpiter e calculava a

diferença da hora, como lhe era forçoso, pelo meridiano de Paris,

servindo-se das efermérides de Cassini, que lhe davam a hora desses

mesmos eclipses na capital francesa. A seguir diminuía da longitude,

assim observada, a do Rio de Janeiro referida a Paris, e o que restava

era a longitude, assim observada, a do Rio de Janeiro referida a Paris,

e o que restava era a longitude do Presídio, medida a partir do

meridiano da primeira das duas cidades. (CORTESÃO, 2001: 12.

Apud, COSTA, 2006: 83).

Os padres realizaram um importante trabalho de mapeamento, executando

interessantes mapas com informações sobre as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e

Colônia de Sacramento, além das regiões interioranas. A cartografia produzida surgiu a

partir das observações coletadas pelos matemáticos jesuítas demostrando a importância

do trabalho dos mesmos pela região. Pois, tinha-se consciência da transgressão da linha

de Tordesilhas embora não se soubesse com precisão. O trabalho dos padres

matemáticos foi à condição primeira para a divisão extensa e precisa entre as Coroas na

América.

Munidos dos documentos oferecidos pelos padres a Coroa Portuguesa busca

um acordo para solucionar os litígios territoriais com a Coroa de Castela. E, segundo

Jaime Cortesão, o historiador que mais se dedicou ao assunto, a atuação de Alexandre

de Gusmão e a sua visão política no desenvolver do Tratado de Madri em suas palavras

“modelo de habilidade e tato”. Alexandre de Gusmão foi o principal artífice e

negociador do Tratado de Madri (1750), que legou ao Brasil o primeiro esboço das

fronteiras como hoje as conhecemos.

O desempenho de Gusmão se orientou pelos seguintes pontos: a) a

negociação deveria ter um caráter global, isto é, envolveria toda a fronteira americana

dos dois reinos; b) os negociadores deveriam fazer prevalecer o uti possidetis e as

balisas naturais; c) deveriam aproveitar a ocasião para resolver questões pendentes na

Ásia. Foi essa postura política que permitiu ao negociador português sempre argumentar

pela equivalência das transgressões, na Ásia e na América, pleiteando pela

superioridade mercantil das ilhas Molucas e Filipinas, possessões espanholas ilegítimas,

em relação aos territórios do Solimões, Cuiabá e Mato Grosso, possessões portuguesas

igualmente ilegítimas, porém efetivas, nessa época.

Assim, as negociações que antecedem ao Tratado de Madri. De um lado os

luso-portugueses, representados por Alexandre de Gusmão (munido dos mapas mais

precisos da América do Sul), que nos leva a crer serem os mapas produzidos pelos

padres matemáticos.

Alexandre de Gusmão recolheu informações da geografia, da

etnologia e da história de uma ampla zona fronteiriça encontrada na

cartografia de Diogo Soares, nos registro das expedições dos

Bandeirantes e das Missões Carmelitas do Vale Amazônico dentre

outras fontes, dados essenciais para a formulação da politica territorial

brasileira (COSTA, 2006: 83).

Buscavam a preservação das áreas ocupadas, baseando-se no princípio o

usucapião ou uti possidetis, (determinação da posse pela ocupação). Com isso, Portugal

garantia para si a posse dos territórios ocupados que por direito pertenciam à Espanha.

De outra maneira, os espanhóis serão defendidos por D. José de Carvajal,

que desejava um acordo provisório que se limitasse à questão do Prata e de territórios

contestados, tais como Cuiabá e Mato Grosso. Desejava, ainda, uma espécie de acordo

prévia para um tratado bilateral de comércio que implicaria a integração de Portugal à

economia ibérica e, consequentemente, o afastamento da Inglaterra. Nesse caso, a

Espanha também se afastaria da França. Era, portanto, a realização do velho sonho do

iberismo: a Península unida e forte no quadro das rivalidades europeias.

Homens de grandes talentos e habilidades políticas, as negociações,

execução e celebração não representou tarefa fácil. Assim, como para Alexandre de

Gusmão e D. José de Carvajal o entendimento das duas Coroas foi “um drama e uma

comédia. Ainda que um drama e uma comédia de palácio”. Além do mais, o

entendimento entre os castelhanos e portugueses possuíam dois agravantes: a Inglaterra

e França; ambas com interesses próprios nesse contexto. (CORTESÃO, 2001: 229-231):

Propunha-se a Côrte portuguêsa negociar uma aliança com a França,

que lhe permitisse resolver o problema dos limites entre as duas

Américas, portuguêsa e espanhola, a trôco dum tratado de comércio,

pelo qual essa potência pudesse partilhar com a Inglaterra os grandes

benefícios do comércio português, mas sem rutura da Aliança Inglêsa.

Negociação era esta extremamente difícil, já [...] que se opuseram a

pertinácia da Espanha em não ceder das suas pretensões à Colônia do

Sacramento.(CORTESÃO, 2001: 231)

Se por um lado a França tinha seu interesse comercial, por outro, a

Inglaterra por ter aliança comercial com a Coroa Portuguesa usava do rio da Prata e da

Colônia de Sacramento para promover seu comércio marítimo.

Esse assunto envolve várias considerações que serão retomadas logo

adiante, pois, antes de entrarmos no contexto da história do Tratado de Madri, convém

deslindar a formação da Colônia do Santíssimo Sacramento e sua importância no

desenrolar dos fatos do referido Tratado.

Em 1680, os colonos de Portugal, fundaram a Colônia do Sacramento, no

estuário do Prata, com a qual pensavam ter atingido o limite Sul do Estado do Brasil.

Porém a Espanha, com base no Tratado de Tordesilhas, reivindicava para si aquelas

terras. O forte, conhecido como Colônia do Santíssimo Sacramento, nasce a partir de

um projeto para a ocupação da margem sul da Prata já povoada pelos castelhanos. Os

lusitanos buscavam um estabelecimento fixo na orla do Rio da Prata um ponto

estratégico e econômico de uma base de operações no estuário platino.

Sacramento tinha principalmente e “a primeira razão, e provavelmente a

mais poderosa, devia prender-se à conveniência de recuperação do comércio de Buenos

Aires, tão rendoso em outros tempos e trancado logo em seguida à Restauração”

(HOLLANDA, 2004, 324-341). A esse respeito (ESSELIN, 2000: 122) traz a tona o

Tratado de Lisboa assinado em 16817 “pelo qual a Espanha reconhecia o direito da

presença portuguesa no rio da Prata – a colônia de Sacramento”. Segundo o autor, “esse

acordo trouxe riscos aos monopólios dos espanhóis dados à presença cada vez maior

dos interesses comerciais ingleses na política colonial lusa” (ESSELIN, 2000: 122).

Pois, a Colônia de Sacramento se encontrava do lado oposto aos espanhóis de Buenos

Aires, situada em ponto estratégico, por onde acontecia um ativo contrabando de ouro e

prata que vinham de Potosí, estava para o oeste e muito longe do meridiano de

Tordesilhas, muito além do território da Colônia portuguesa. A questão do prata tornava

extremamente difícil, pois os luso-portugueses e castelhanos não pretendiam ceder a

Colônia de Sacramento.

Em 1747 queixava-se D. José de Cavajal ao embaixador português em

Madri de que cada ano eram desviados das possessões de Castela pela

Colônia do Sacramento cinco ou seis milhões de patacas [...] no Peru

se tiravam todos os anos o melhor de seis milhões em prata, que

desses raríssimas vezes ia porção considerável nas frotas da Índia e

que feitas as averiguações concluíra-se que a diferença ia para o

comércio ilícito (HOLLANDA, 2004: 352)

Já em 1741, D. João V reconhecia a possibilidade de aceitar um equivalente

pela Colônia de Sacramento e seu território. Esse equivalente abrangia todo o Brasil

mineiro. Neste sentido, Gusmão advertia,

Devo, porém prevenir a Vossa Excelência que a dificuldade não

consiste só na escolha e convenção do equivalente, mas que devemos

preparar-nos a outra não menor a respeito do estabelecimento dos

confins, neste de cedermos o Território por um equivalente, porque, se

simplesmente fizermos essa troca pelo território contestado, sem mais

declarações, os espanhóis que de tudo se aproveitam, farão reviver

uma antiga opinião dalguns dos seus cosmógrafos, que faziam passar

a linha imaginária da Bula de Alexandre VI pela barra de São Vicente.

E, se houvermos de declarar com demarcações o que cedermos,

entramos em outro labirinto para o estabelecimento dessas

demarcações, pois não há naquelas vizinhanças outro rio da Prata, que

possa formar uma divisão de confins natural; e o rio de São Pedro,

além de correr de norte a sul, deixaria excluída da parte poente a

maior porção da capitania de São Paulo.” (CORTESÃO, 2001: 235)

7 Os portugueses possuíam a Colônia do Sacramento, que ficava dentro dos territórios espanhóis, a qual

era invadida frequentemente pelos platinos. Em 1680, a Colônia do Sacramento foi ocupada por

espanhóis, mas foi devolvida em 1681 no Tratado de Lisboa.

A capitania de São Paulo, neste momento abrangia as regiões ainda

indevidas, de Goiás, Cuiabá e Mato Grosso. Essa carta segundo Cortesão, “já

demonstrava como o problema dos limites começava a germinar, na sua plenitude, na

mente de Gusmão” (2001:236). Neste sentido a divisão da Capitania de São Paulo, se

deve primeiramente ao trabalho dos padres matemáticos, pois os lusos portugueses ao

dividir anteriormente a Capitania das Minas Gerais, 1720, encontraram dificuldades

pela falta de conhecimentos geográficos detalhados. “Assim, a 29 de janeiro de 1748, o

Conselho Ultramarino de Lisboa deu ao Rei seu histórico parecer, extinguindo a

Capitania de São Paulo e criando as capitanias Gerais de Goiás e Mato Grosso, peças da

mais alta importância no jogo diplomático das negociações que se processavam em

Madrid. Ainda assim, em algum ponto desta vasta extensão, sabiam os portugueses

situar-se a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas (1494), limite duvidoso entre os

domínios de Portugal e os de Espanha na América do Sul. Nesse espaço, cujo

povoamento se iniciara com o assentamento das missões jesuíticas e posteriormente

com a descoberta do ouro, em 1719, a Coroa Portuguesa iria delimitar, em 1748, o

território da Capitania de Mato Grosso, suscitando uma outra representação para as

terras desconhecidas e misteriosas, até então denominadas sertões: a fronteira.

A partir do que foi exposto podemos retornar ao assunto pendente a respeito

dos interesses da França e Inglaterra no comércio internacional através do rio da Prata.

Se por um lado a França demonstra seu interesse através de uma proposta de acordo.

Por outro a Inglaterra busca medidas para se apoderar de pontos estratégicos do rio da

Prata e do rio São Pedro de Rio Grande. Possibilidades consideradas pelos lusos e

castelhanos, com perspectivas comuns entre ambos os impérios. Para os portugueses

“vizinhos por vizinhos, os menos poderosos no mar são os menos maus” (CORTESÃO,

2001:236).

Urgia, pois, preparar uma fronteira estratégica que prevenisse aquele

perigo e desde já ocupar, quando possível, as terras fronteiriças. Não

se tratava apenas de alargar o Brasil e completar a sua economia com

o gado das campanhas sulinas. Importava ao máximo fechar e

defender aquela entrada com um baluarte humano (CORTESÃO,

2001: 248).

Sendo assim, a medida planejada pelos representantes do futuro Tratado é a

colonização do Sul por casais “metodicamente organizada e dirigida, é um dos atos

preparatórios do Tratado de Madri, mais sabiamente vistos e influídos por Alexandre de

Gusmão” (CORTESÃO, 2001: 248). Assim, em 1746, Gusmão começara a enviar

casais ao sul do Brasil para legitimar os direitos de posse da terra. Já uma política do

futuro Tratado, uma estratégia de povoamento como forma de se apoderar e limitar suas

fronteiras. Cortesão demonstra em seus estudos que:

Não se tratava apenas de fundar uma povoação [...], mas de espalhar

por um vasto território inocupado, [...] uma séries de núcleos de

colonos, fixando-os em lugares estratégicos, prendendo-os ao solo

pela propriedade, as facilidades do trabalho e os laços sociais duma

civilização própria e secular, e organizando-os, ao mesmo tempo, para

se adaptarem a nova pátria e a sua defesa. O conjunto de regimentos e

ordens, em que Alexandre de Gusmão traça esse plano de colonização,

novo na história, é uma obra prima de organização e previsão (2001:

252).

Sendo assim, os portugueses sabiam e já se posicionavam em ceder a

Colônia de Sacramento e os espanhóis que paga-la por um equivalente substancial, com

a cedência de uma porção da região do Prata e do Amazonas, e por conseguinte,

desistindo dos direitos de Tordesilhas. Para (CORTESÃO,2001:260-261),

a correspondência sobre as negociações do Tratado de Madri prova

que Alexandre de Gusmão fez todos os esforços, por fim coroados de

êxito, para garantir a Portugal a posse desse enlace fluvial,

preservando a comunicação entre os dois grandes Estados do Brasil e

do Maranhão-Pará e realizando a integração do Estado Brasileiro na

grande Ilha-Continente, que pouco a pouco se desvelara aos seus

olhos[...] Portugal cedia a Colônia do Sacramento e as suas pretensões

ao estuário do Prata, mas, ao sul, limitados pelas vertentes e o curso

do Uruguai, os atuais Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul,

então inocupados na sua quase totalidade, passavam a fazer parte do

Brasil. O mesmo sucedia com o sul de Mato Grosso. Mais ao norte, a

zona imensa compreendida entre o Alto-Paraguai, o Guaporé e o

Madeira, dum lado, e o Tapajós, para não dizer o Tocantins, do outro,

igualmente inocupada, ficava também pertencendo à soberania

portuguêsa. E a ponta de flexa que ia do Madeira ao Javari, já

pontuada pelas Missões dos Carmelitas portugueses, passaria a dilatar-

se em proporções muito maiores do que no continente de Santa

Catarina e do Rio Grande do Sul, abrangendo parte do Japurá e os

vales dos rios Negro e Branco.

Pelo Tratado, Portugal cedia Sacramento e adjacências, bem como o

arquipélago das Filipinas e ilhas adjacentes. A Espanha cedia o que Portugal já havia

ocupado na bacia do Amazonas e o termo do Cuiabá e o distrito do Mato Grosso.

Contudo, ao abrir mão de sua preciosa Colônia, que possibilitava contatos comerciais

envolvendo prata e gado, Portugal parecia estar ciente que por outro caminho, a oeste,

era possível alcançar as áreas comerciais espanholas na América. A concessão de

Sacramento já tinha sido recomendada pelo Conde de Galveias, desde 1737, e o Tratado

de Utrecht8, de 1715, continha uma disposição de que a Colônia fosse devolvida aos

espanhóis em troca de outro território a definir. Foi sobre esta norma que Alexandre de

Gusmão fundamentou a sua argumentação na época das negociações do Tratado de

Madri (GUERREIRO, 1999: 24 - 42).

Quando as minas cuiabanas foram descobertas, não se sabia precisar a

distância das terras espanholas, mas já se tinha uma ideia da vizinhança. Além disso,

coincidentemente no ano de 1736 um caminho de terra foi aberto ligando as Minas do

Cuiabá a Goiás, articulando-as, consequentemente, a outros lugares da América

portuguesa. Já em 1739 foi montada uma bandeira que partiu de Vila Real com o

financiamento de alguns comerciantes e com a permissão do ouvidor da época para

chegar até as missões castelhanas de Chiquitos. Esses indícios evidenciam a

importância da fronteira oeste nas negociações do Tratado de Madri, levando-nos a

suspeitar que a Coroa já tivesse conhecimento de que por essa via seria possível

adentrar no território espanhol e dar continuidade às relações comerciais realizadas por

meio de Sacramento, sendo a capital da capitania de Mato Grosso um dos pontos de

articulação.

Neste sentido, Portugal não sairia perdendo ao ceder a Colônia aos

espanhóis. Ainda de acordo com Cortesão (2001, 148-150), “Cuiabá e as minas de Mato

Grosso começavam a se configurar como centros formadores de fronteira”. Nas palavras

de Costa (2006, 83) “a metrópole necessitava assegurar definitivamente a comunicação

do rio Guaporé com o rio Jauru, este afluente ocidental do Alto Paraguai, considerado

como a região-chave para a geopolítica portuguesa”. O que estava em jogo, além da

posse no novo território era a navegabilidade dos rios que dariam acesso e

comunicabilidade com a Capitania do Grão Pará. A esse respeito à pesquisadora Nauk

Maria de Jesus (2006:) corrobora com as ideias de Costa, aborda o assunto da seguinte

forma: “Na época da demarcação do Tratado de Madri (1750), o distrito do Mato

Grosso foi identificado pela Coroa portuguesa como o fecho ou a chave do Brasil, o que

redimensiona a sua importância na América portuguesa”. Neste sentido, a importância

dessa fronteira para o governo metropolitano pode ser avaliado pela Instrução Real

enviada ao capitão general Rolin de Moura:

8 Foi firmado entre Portugal e Espanha. A Colônia do Sacramento era devolvida pela segunda vez a

Portugal, porque os espanhóis haviam atacado e retomado aquela Colônia. Os colonos espanhóis

protestaram contra a devolução e fundam Montevidéu, junto à Colônia do Sacramento, provocando novos choques na região.

Por se ter entendido que Mato Grosso é a chave e o propugnáculo do

sertão do Brasil pela parte do Peru, e quanto é importante por essa

causa que naquele distrito se faça população numerosa, e haja forças

bastantes a conservar os confinantes em respeito, ordenei se fundasse

naquela paragem uma vila, e concedi diversos privilégios e isenções

para convidar a gente que ali quisesse ir estabelecer-se, e que para

decência do governo e pronta execução das ordens se levantasse uma

companhia de dragões, e ultimamente determinei se erigisse juiz-de-

fora no mesmo distrito9.

A identificação como chave é significativa na medida em que esclarece

que se discutia no contexto do Tratado de Madri a concretude sobre vários aspectos da

noção de território que os portugueses reivindicavam para si na América. Pelo Tratado,

Portugal cedia Sacramento e adjacências, bem como o arquipélago das Filipinas e ilhas

adjacentes. A Espanha cedia o que Portugal já havia ocupado na bacia do Amazonas e o

termo do Cuiabá e o distrito do Mato Grosso. Contudo, ao abrir mão de sua preciosa

Colônia, que possibilitava contatos comerciais envolvendo prata e gado, Portugal

parecia estar ciente que por outro caminho, a oeste, era possível alcançar as áreas

comerciais espanholas na América. A concessão de Sacramento já tinha sido

recomendada pelo Conde de Galveias, desde 1737, e o Tratado de Utrecht, de 1715,

continha uma disposição de que a Colônia fosse devolvida aos espanhóis em troca de

outro território a definir. Foi sobre esta norma que Alexandre de Gusmão fundamentou

a sua argumentação na época das negociações do Tratado de Madri.

A fronteira oeste era o espaço simbólico da coesão do Brasil, na medida

em que representava a união entre o norte e o sul por meio das bacias platina e

amazônica; era o lugar por excelência da linha demarcatória, representando a conquista

do interior (ARAUJO, 2000). Do mesmo modo, representava uma forma de consolidar

os interesses econômicos, políticos e culturais lusitanos na fronteira. Essas

características possibilitam afirmar que neste espaço de fronteira-mineira havia uma

clivagem entre dois impérios ibéricos (Portugal e Espanha), entre dois estados (do

Brasil e do Grão Pará), entre dois distritos (o Cuiabá e o Mato Grosso), entre duas vilas

(Vila Real e Vila Bela), (ROSA, 2003) assim como entre as suas rotas de

abastecimento.

Logo, em janeiro de 1750, se firmou em Madri, o Tratado de Limites,

Portugal cedia a Colônia de Sacramento, por sua vez, a Espanha renunciava a territórios

9 Instrução da Rainha [D. Mariana de Áustria] para D. Antonio Rolim de Moura. Lisboa, 19 de

janeiro de 1749. In: INSTRUÇÕES aos Capitães-Generais. Publicações avulsas n° 27. Cuiabá:

IHGMG, 2001.p.12. (BLAU, 2006: 16)

em Buenos Aires e da Audiencia de Charcas que compreendia a banda oriental do rio

Uruguai onde estavam instaladas sete reduções que viviam aproximadamente 30.000

índios guaranis. Os jesuítas receberam ordem para evacuar as missões e argumentaram

que o ganho no acordo da Colônia de Sacramento não impediriam o contrabando e que

as novas fronteiras favoreciam o avanço português em território espanhol.

Desta forma no limiar do quarto século de colonização, recompensada em

sua busca de metais preciosos, com as descobertas auríferas na fronteira central, do

Oeste da Colônia, e vitoriosa em seus esforços de conquista territorial, a Coroa

portuguesa podia ostentar a posse de um imenso território colonial na América do Sul,

tendo praticamente assegurado, através do uti possidetis, significativo avanço de suas

posições em relação à linha de Tordesilhas.

Como pode a Espanha fazer um acordo tão leviano aos seus interesses?

Nesse sentido, entra um ponto importante a ser levantado. Ocorre que Fernando IV da

Espanha havia perdido o uso total da razão, vivia relegado a uma vila. Exercendo o

poder dona Bárbara de Bragança, sua esposa, nascida em Portugal que ordenou a seus

ministros que aceitassem sem titubear o projeto do hábil negociador diplomático

brasileiro Alexandre de Gusmão.

Para BOAVENTURA “após a assinatura do Tratado de Madri, as

demarcações exigiram um estado de prudência e alerta na fronteira” (Apud MEIRELES:

1989:166). Pois até a ocupação europeia, não se conhecia fronteiras nas Américas num

sentido moderno ou político (MACHADO, 2002), os Chiquitanos possuíam sem dúvida

um território tradicional limitado espalhado em aldeias divididas em grupos, com certa

autonomia social e só foi:

nos séculos XVIII e XIX que o conceito de soberania moderno foi

formalmente traduzido na concepção do território do estado como

espaço limitado, e policiado pela administração soberana. As

coletividades ou os ‘povos’ deveriam ser diferenciados em espaços

territoriais fixos e mutuamente excludentes de dominação legítima.

(MACHADO, 2002: 01).

Dessa forma, com o Tratado de Madri, surge uma nova maneira de se

enxergar a fronteira. Hollanda (2004: 341), ressalta que:

os velhos ajustes de Tordesilhas ainda não seriam substituídos por

alguma coisa que se assemelhasse àquela concepção teleológica onde

os obstáculos geográficos parecem erigidos adrede para apontar aos

monarcas as verdadeiras belezas que a Natureza impôs aos seus

Reinos, e sim por outra noção mais profana, a do uti possidetis, que

toma em consideração principalmente os fatores históricos e políticos.

Ou seja, a discussão sobre fronteira toma outro aspecto com o Tratado de

Madri. Foi além dos aspectos naturais e geográficos, tornou-se muito mais abrangente,

articulado com as manifestações humanas e com a política de povoamento que se

desencadeou após o referido Tratado. Com isso, a coroa lusitana traçou linhas mestras

de uma geopolítica de povoamento e ocupação territorial. A lógica lusitana de

povoamento seguiu a política em ocupar uma determinada linha de fronteira, e na

medida em que não encontrava resistência avançava. Para Coroa lusa, se tratava de uma

área a ser conquistada, protegida, defendida e vigiada. Portanto, se aproxima da

concepção geopolítica que vê no limite internacional o começo e o fim do território

sobre o qual exerce jurisdição.

O Tratado de Madri desempenhou papel de excepcional importância, que

deve ser evidenciado em quadro interpretativo diverso. O documento diplomático, ao

dissolver de uma vez por todas a fronteira imaginária de Tordesilhas, colocou as coroas

ibéricas diante da questão dos limites dos seus territórios coloniais sul-americanos,

assinalou o esgotamento do projeto geopolítico das missões espanholas e deflagrou o

conjunto de operações territoriais da administração pombalina.

Embora, a assinatura do Tratado de Madri, acabaria por referendar parte das

pretensões portuguesas, explicitadas nos limites propostos para a Capitania criada dois

anos antes, assegurando a Portugal o domínio da navegação interior entre a Bacia do

Amazonas e do Prata. Todavia, a construção da fronteira entre os territórios coloniais

das duas monarquias estava, então, apenas começando e se daria num clima de

incertezas, tensões, e descontentamentos de ambos os lados. Nos anos seguintes à

assinatura do Tratado, cada uma das Coroas envolvidas programaria estratégias

territoriais destinadas a resguardar suas posses e, se possível, modificar a seu favor as

cláusulas referentes aos limites ali acordados, uma vez que a efetiva definição do

traçado fronteiriço deveria ser in loco, por comissões demarcadoras conjuntas. Um dos

resultados dos trabalhos de demarcação do Tratado de Madri foi à fixação do Marco do

Jauru, 1754, mais um monumento-símbolo das conquistas territoriais portuguesas.

(SOUZA, 1954).

Entretanto, antes que tal demarcação fosse efetivada, o Tratado de El Pardo,

assinado em 1761, anularia o de Madri, devolvendo ao domínio lusitano a Colônia de

Sacramento e parte da margem Sul e Ocidental dos rios Guaporé e Jauru, o que incluía o

território onde fora fixado, em 1754, o Marco do Jauru, o que incluía o território onde

fora fixado, em 1754, o Marco do Jauru.

O tratado foi assinado no anoitecer do reinado de D. João V. No ano

seguinte, sob D. José I, o novo Secretário dos Negócios Estrangeiros, futuro Marquês de

Pombal, já o considerava prejudicial aos interesses da Coroa portuguesa. Em 1761, as

coroas ibéricas firmaram o Tratado de El Pardo, cancelando, cassando e anulando, como

se nunca houvesse existido o Tratado de Madri.

O monarca de Portugal D. José I reinou entre 1750 e 1777, nomearam como

primeiro ministro Sebastião de Carvalho e Mello, também chamado Marquês de Pombal

ou Conde de Oeiras, disposto a reformar Portugal. O Marquês de Pombal era um

homem pragmático que pretendia colocar Portugal no mesmo patamar que as outras

nações europeias. Desta forma, os conflitos entre a monarquia portuguesa, clero e

nobreza acirraram as visões de mundo.

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi um marco

para a história de Portugal e da sua ainda colônia portuguesa na América no século

XVIII. Praticamente reinou entre 1750 – 1777, recebendo de D. José todos os poderes

de governança e governabilidade, encarnava o ideal de poder, isto é, era pleno e

absoluto em suas atividades políticas. Considerado uma personalidade controvertida,

ora aclamado ora repudiado. Em sua administração limitou a atuação da nobreza frente

as finanças, colocou a Inquisição a serviço do Estado, impôs limites às Ordens

Religiosas, expulsou os jesuítas, reprimiu as manifestações populares, criando, assim,

um terreno fértil para o desempenho do poder absoluto.

A política de Pombal é paradoxal ao Iluminismo, que em Portugal,

apresentou-se numa versão estatizante, foi aplicada a educação, mas não eliminou a

Inquisição, a censura e obstáculo às praticas individuais, assim, o Iluminismo

Pombalino é absolutista, o que nos leva a concluir que a política do Marquês é o

paradoxo do paradoxo Maxwell (1996). Pois, a política e a religião interagiam e,

dependendo das circunstâncias, uma respaldava a outra. Os autos-de-fé foram bastante

eficientes para garantir a harmonia social. Não é sem propósito que “Portugal julgou e

condenou réus à fogueira em cerimônias públicas até 1761” (SCHWARCZ, 2002: 87).

Essa atitude permitia manter o crente sempre atrelado a ideia da necessidade de ser

correto diante de Deus e dos homens, pois o castigo divino era real.

Nesse imaginário que se imiscuía entre o sagrado e o profano, a visão de

mundo era complexa e envolvia a noção entre o bem e o mal. Esta noção passava pelo

crivo da religiosidade e vai justificar atitudes que aparentemente, podem ser

compreendidas como sinais de atraso e conservadorismo, mas na verdade são

estratégias, mecanismos de controle social. O apogeu de Pombal ocorre após o

terremoto de Lisboa, em 1755. D. José I não sendo capaz de enfrentar a situação

desastrosa, concede-lhe total autoridade, mas isso não significa dizer que esta tenha sido

a única fonte de seu poder político. Ao contrário, Carvalho, já bem antes, governava

com certa autoridade, contudo, foi nesse catastrófico episódio que ficou mais conhecido.

A formação do pensamento político de Pombal teve uma longa trajetória.

Exerceu cargo diplomático na Grã-Bretanha, representando o rei português nos anos de

1739-1743. A preocupação com os interesses comerciais britânicos na América do Sul e

principalmente na colônia portuguesa passa afazer parte do seu cotidiano, em ofícios

enviados a Londres a 8 de julho de 1741, faz a seguinte argumentação: “A inveja do

nosso Brasil, tão forte nos c orações britânicos, no final irá leva-los a atacar a América

portuguesa” (MAXWELL, 1996: 4).

Chegou a Viena em 1745, conseguindo ocupar altos postos no Estado

Austríaco. Em fins de julho de 1750, Pombal foi chamado a Lisboa para assumir o

controle dos negócios de Estado, a indicação do mesmo significava a modernidade,

representava a ebulição do Iluminismo europeu. Ele toma posse com muita experiência

diplomática, com mentalidade política bem definida. Pousa com salvador da pátria,

aquele que iria tirar Portugal do atraso e criar condições para o desenvolvimento e

consequentemente, para a modernização.

Para tal intento, planejou restabelecer o controle nacional sobre as riquezas

que fluíam para Lisboa. Riquezas oriundas da dominação ultramarina. Adaptou técnicas

inglesas à realidade portuguesa, fazendo jus a orientação iluminista. A Politicamente

enfrentou a implementação do Tradado de Madri, tentando resolver as questões de

fronteira no Brasil. No entanto, as operações para a demarcação das

fronteiras encontraram sérias resistências no sul. De um lado, jesuítas espanhóis se

negavam a transferir suas missões, incitando os índios à guerra: Guerra Guaranítica

(1754-1756). De outro, os comerciantes luso-espanhóis, que, sediados na Colônia do

Sacramento, operavam na base do contrabando, indignaram-se, pois se fechava a porta

de seus lucrativos negócios. Pombal, utilizando como pretexto a guerra dos jesuítas e

índios, negou-se a entregar a Colônia do Sacramento. Dessa forma, a execução do

tratado foi suspensa, firmou-se o Tratado de El Pardo (1761), anulando o de Madri. É

justamente neste momento em que os jesuítas aparecem como um obstáculo aos planos

de Pombal. Tema esse que será discutido e analisado no próximo capítulo. Novas

negociações foram encetadas em 1775, mas só se concretizaram com a assinatura

do Tratado de Santo Ildefonso (1777), após a morte de D. José e a queda de Pombal.

Esse tratado trouxe sérios prejuízos aos interesses portugueses no sul, pois Portugal

perdia tanto a Colônia do Sacramento como os Sete Povos, além de outras áreas

menores. Somente ao raiar o séc. XIX resolveu-se definitivamente o problema das

fronteiras meridionais. Com o Tratado de Badajós (1801), os portugueses ficavam na

região dos Sete Povos, o que determinou, em última instância, a prevalência dos

princípios consolidados no Tratado de Madri.

Nesse interim, por ocasião do clima de guerra entre Portugal e Espanha

houve ainda o Tratado de Paris que anulou os dos Tratados definindo que voltasse aos

termos do Tratado de Tordesilhas. No vácuo criado pelo Tratado de Paris, portugueses e

espanhóis trataram de implementar suas estratégias no sentido de expandir sua

respectivas fronteiras. Povoar, armar e fortificar a raia fronteiriça da Capitania de Mato

Grosso, com o objetivo de garantir-se por ocasião de novos tratados de limites, foi à

estratégia seguida pelos portugueses, assim, foi criado o Forte Príncipe da Beira (1776),

Forte de Coimbra (1775), o povoado de Concepción (1773) e o Forte Bourbon (1792).

O Tratado de Santo Ildefonso (1777), finalmente, encaminharia as questões

de limites a um novo patamar. No que respeita à fronteira Oeste, revalidou praticamente

os termos do Tratado de Madri. Tendo por base os rios Paraná, Paraguai e Guaporé, os

limites ali definidos atenderam aos anseios portugueses de manter sob a sua hegemonia

a Bacia Amazônica e as importantes vias de comunicação entre Mato Grosso e as

respeito aos litígios na região meridional do Brasil, o Tratado devolveu à Espanha a

Colônia do Sacramento e os Sete Povos das Missões.

Durante a vigência deste tratado, a Coroa portuguesa continuou sua política

de ocupação e fortificação da raia fronteiriça, fundando várias povoações, dentre as

quais se destacam Vila Maria (1778), Casalvasco (1783) e Albuquerque (1778), também

nas margens do rio Paraguai, e mais um forte, o de Miranda (1796), às margens do rio

Mondego.

Sendo neste cenário político racional europeu, disputa entre o despotismo e

o racionalismo, que aos fins do século XVIII espanhóis e portugueses vão acelerar o

processo de conquista, instalando fortes militares e incentivando o avanço sobre

territórios que não lhe pertenciam. Em meio às contendas pela demarcação das

fronteiras coloniais, colocava-se o problema de como incorporar as populações nativas

que ali viviam e dispor de mão-de-obra para as atividades econômicas em expansão.

Considerando-se o quadro acima traçado, região em estudo configurou-se

como espaço de luta, palco de conflitos e objeto de acirradas discussões diplomáticas

com o império espanhol. Área estratégica para a consolidação do domínio português na

América – antemural, chave e propugnáculo do sertão do Brasil – ali deveria edificar-se

uma sólida barreira, capaz de estancar as investidas expansionistas do Império vizinho.

As autoridades portuguesas lançaram mão de todos os instrumentos disponíveis a fim de

demarcar a defesa da fronteira.

Neste percurso, através do qual se configurou o território luso-castelhano, a

noção de fronteira, em seus múltiplos significados, ganha um destaque especial. É em

torno dela que se articularam as várias dimensões da história de povoamento e

colonização da qual fazem parte impulsionando-a as representações que sobre ela

elaboram os sujeitos sociais. Em primeiro lugar, o significado da fronteira como limite

entre o sertão e a região colonial – espaço já conhecido e dominado pelo colonizador -,

e zona de confronto e de contato entre culturas distintas que se defrontam no drama e

na tragédia da conquista. Em segundo lugar, o significado da fronteira como espaço

novo e promissor, funcionando como atrativo para correntes migratórias significativas

que ganham corpo com os mecanismos de povoamento posto em prática pela Coroa

portuguesa. E, por ultimo, mas de importância fundamental na configuração do

território lusitano, a fronteira no seu sentido de limite geopolítico entre duas Coroas,

separando as possessões territoriais de Espanha e Portugal, distinguindo soberanias,

despertando identidades territoriais.

3. Capítulo II - NARRATIVAS DA FUNDAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS

ATÉ A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DA AMÉRICA DO SUL

3.1 A Companhia de Jesus

Poucas associações humanas terão exercido sobre grande parte do

mundo uma influência comparável à da Companhia de Jesus, durante

mais de quatro séculos, não só na vida espiritual, mas também na vida

intelectual e até política. Essa influência fascina. Mas também não

deixou de inquietar. (MICHEL LEROY, 1999)

Um mundo jamais visto antes. Aos olhos da Europa, uma sociedade

inquietante se revela. Equivocadamente, os europeus acreditaram que

eram homens e mulheres, ‘sem lei, sem fé e sem rei’, que habitavam a

outra margem do Ocidente (NOVAES, 1999: 22).

Nascido no século XVI, a Companhia de Jesus pode ser considerada

retardatária em relação às demais com origens medievais. E contemporânea as grandes

navegações e conquistas. A proposta de Varela, revela que:

La fundación de los jesuitas estuvo marcada por muchos signos

contradictorios, pues se trataba de una orden que no siguió el curso

normal de las otras famílias religiosas. El mismo nombre, Compañía

de Jesús, suscitó más de una reacción em otras órdenes, que se

preguntaban si ellos no pertenecían también a esa compañía. Lo

mismo sucedió con el cuarto voto (por el que se vinculaban

particularmente al Papa), que fue considerado vanal por parte de

algunos, pues, además, reflejaba um espíritu de vanidad y ambición,

ya que los jesuitas eran trasladados por sus superiores inmediatos con

fundamento en el voto simple de obediência... Con todas estas

innovaciones, propias de una orden que nacía en el siglo XVI, los

jesuitas se fueron ganando la oposición de las demás, que tenían un

origen medieval, y, por lo tanto, un régimen de vida diferente. Los

dominicos, particulamente, criticaron la poca disponibilidad de los

jesuitas hacia el rezo vocal comunitario y la manera singular de

entender la penitencia. Los obispos se opusieron a la pretensión de los

jesuitas, de depender directamente del Papa, ya que tal medida

recortaba las atribuciones de aquéllos en sus propias sedes

episcopales. (VARELA, 2008: 624-625)

A Companhia de Jesus foi um dos mais importantes ícones da cristandade

no período moderno. Atuou ativamente na construção do arcabouço cultural e

intelectual da Europa católica. Não por acaso, desde seu nascimento, foi envolvida por

um carisma que contagiou os cristãos das mais diferentes origens sociais e em todos os

cantos, tudo em harmonia com o espírito contra-reformista. Desde os primeiros tempos

de sua existência, gozou de enorme prestígio entre as Coroas Ibéricas, condição que lhe

conferiu grande autonomia em matérias relacionadas não apenas à esfera espiritual, mas

também aos aspectos referentes ao mundo material.

O caráter missionário foi um de seus traços mais característicos, em um

contexto em que tal empreendimento era mister, uma vez que as fronteiras do mundo se

expandiam aos olhos do Ocidente cristão. Os jesuítas foram, sob determinado prisma,

agentes da civilização cristã nas imensas regiões de fronteira cultural e política,

subitamente alargadas naqueles tempos. Promotores da fé cristã nos “novos mundos”,

os jesuítas foram responsáveis por importantes mediações culturais com as mais

diversas culturas ao redor do mundo. A Companhia de Jesus se destacava pelo rigor da

formação teológica e extraordinária gama de conhecimentos de seus membros, oriunda

de uma sólida formação intelectual. A excepcional erudição dos jesuítas consistia em

valiosa ferramenta evangelizadora, razão pela qual eram tão enfatizados e incentivados

os estudos das mais variadas áreas do conhecimento no seio da ordem.

Os missionários desfrutavam uma vida material bastante razoável no

continente europeu, próspera e amena quase sempre. A maior parte dos padres que

compunham os quadros da Companhia de Jesus era oriunda de famílias abastadas. No

entanto, muitos jesuítas abriam mão do conforto e da segurança e deliberadamente

partiam em missões para as mais diferentes partes do mundo. A Companhia de Jesus,

ostentando um modus operandi original, colheu os frutos de sua ação missionária numa

velocidade espantosa, nunca antes alcançada por instituições religiosas que buscavam

objetivos similares.

O desejo de passar às:

Índias” tema bastante comum no seio da Companhia de Jesus, exercia

verdadeiro fascínio nos jovens padres. Em muitos casos, o desejo de

integrar alguma missão além-mar coincide com os motivos que

levavam os jovens a pedir a entrada na ordem, quase sempre

motivados pelas pregações e influências de outros jesuítas. Aliás, a

pregação era considerada por Inácio de Loyola um dos meios mais

eficazes para a conversão, princípio que seria plenamente difundido

no seio da Ordem e largamente empregado pelos inacianos em todas

as regiões em que se encontravam e para as mais distintas finalidades.

Alguns missionários “declaram ter tido a inclinação desde pequeno.

Em circunstâncias difíceis e em distintos momentos históricos o homem, sai

em buscas de novas formas de remediar seus infortúnios, não se diferindo Espanha e

Portugal em resposta a situação de crise que vivia a Europa do século XV. A Europa do

século XV começa a reagir em resposta à instabilidade vivida na Europa do século

XIV10

. A Península Ibérica agonizava por encontrar e conquistar novas terras além de

seus horizontes parte em busca de novas fronteiras no além-mar e por desfrutar de uma

importante posição geográfica, tiveram um papel relevante na expansão marítima.

Da mesma maneira em que as Coroas Ibéricas, saíram à busca de novas

aquisições, juntamente apresenta-se um novo exército representante da Igreja Católica,

que desempenharam um poderoso papel nas conquistas de novos fiéis, a Companhia de

Jesus unida aos aventureiros Ibéricos seguiram em busca de novas conquistas. Partiram

então, através dos oceanos Pacíficos, Índico e Atlântico - este, conhecido como Mar

Oceano - criando uma tradição marítima própria, com novas técnicas de navegação que

viriam a permitir as viagens transoceânicas, adotando a liderança de um movimento de

expansão para o oeste, atingindo ao Novo Mundo, que viria a ser batizado por América.

Ao passo que o colonizador Ibérico ia à procura de novas jurisdições,

buscando obter matérias-primas, metais preciosos e produtos não encontrados na

Europa. Os Jesuítas11

por sua vez, tratavam de doutrinar os nativos descobertos,

considerados indivíduos “sem fé, sem lei e sem rei” e converte-los em ministro de

Cristo e a serviço do rei. Igualmente nesse empreendimento portugueses e espanhóis

competiram nas conquistas, negociações ocorreram e entre avanços e recuos celebram o

Tratado de Tordesilhas12

ainda que impreciso, por não se conhecer com exatidão o

processo para se calcular longitudes. Apesar de sua imprecisão, surge pela primeira vez

a ideia de propriedade sobre territórios alheios, que viria, juntamente com outros

fatores, a justificar a colonização do que veio a se chamar América.

Ainda aos fins do século XV, um mundo novo se revela através das grandes

navegações, a busca por novos territórios, novas conquistas. Espanha e Portugal chegam

10

A crise que assolou a Europa Ocidental, nos séculos XIV e XV vem acompanhada do espírito da

modernidade que começou a rondar a cabeça do homem europeu, gerando fortes modificações políticas,

econômicas, sociais e religiosas no sistema vigente. O regime feudal passou a sofrer fortes pressões

internas e externas, que modificaram e, muito suas estruturas, entrando em colapso. 11

Congregação fundada pelo espanhol Inácio de Loyola aprovada pelo Papa Paulo III em 1540. Tinha

como regra a escolha do superior da Assembleia através de eleição, dependia diretamente da Santa Fé,

tornava a Companhia de Jesus como uma espécie de exército religioso ao Serviço do Papa. Detentores de

uma forte preparação intelectual, os jesuítas tiveram grande influência, quer junto dos reis, quer junto da

população em geral. Ao longo dos séculos XVI e XVIII, praticamente possuíram o monopólio do ensino

de nível secundário. Além do papel no ensino, os jesuítas também tiveram um importante papel na

evangelização das populações naturais das terras descobertas por espanhóis e portugueses. Também são

reconhecidos como inacianos. 12

O Tratado de Tordesilhas foi um acordo firmado em 4 de junho de 1493, através do Papa Alexandre III,

entre Espanha e Portugal. Ganhou este nome, pois foi assinado na cidade espanhola de Tordesilhas. O

acordo tinha como objetivo resolver os conflitos territoriais relacionados às terras descobertas no final do

século XV. Estabelecia uma linha imaginária a 370 léguas do Cabo Verde, serviria de referência para a

divisão das terras entre Portugal e Espanha. As terras a oeste desta linha ficariam para a Espanha,

enquanto as terras a leste eram de Portugal.

do outro lado do atlântico se deparando com sociedades nativas que aos seus olhos vão

ser consideradas indivíduos “sem lei, sem fé e sem rei”, Arruda (2011), Blau (2007),

Souza (2009) diferentes do referencial influente cristão católico europeu. Desta forma,

chegam os jesuítas para doutrinar esses nativos. Para (ARRUDA, 2011: 08) “os

missionários jesuítas aparecem como uma possibilidade de salvação dos indígenas e de

inserção em um novo contexto colonial por meio das reduções religiosas”. Por sua vez,

“o espanhol ‘conquistador’ era motivado pela magia de uma terra rica, coberta de

minérios e riquezas, assim como pelo desejo de buscar ‘novos’ horizontes até então

desconhecidos” (SOUZA, 2009: 40).

Os aventureiros viajantes conheceram práticas e estágios culturais diversos

uns dos outros, costumes até então impensados. A surpresa do primeiro contato, logo foi

substituída pela intolerância, principalmente a religiosa. Assim, os jesuítas chegaram

com a missão de doutrinar os nativos e transforma-los em civilizados de acordo com os

padrões etnocêntricos. Para Arruda (2011: 08) “os missionários jesuítas apareceram

como uma possibilidade de salvação dos indígenas e de inserção em um novo contexto

colonial por meios das reduções religiosas” fazendo referencia as Missões jesuíticas de

Chiquitos, no caso espanhol alvo de nosso trabalho e em vilas no caso Português.

Partindo deste entendimento as duas coroas implantaram o sistema jesuítico

de evangelização. Na América Portuguesa, “os jesuítas desenvolveram uma obra

baseada em aldeamentos de índios e aplicação de princípios norteadores da cultura

ocidental, aliada nessa proposta civilizadora, a Igreja Católica contribuiu no processo de

transformação dos nativos em trabalhadores produtivos, segundo os padrões europeus”

(BLAU, 2007:24).

Nesta grande área física está incluído o território em estudo na segunda

metade século XVIII, os espaços pelos quais foi definida a fronteira territorial oeste da

América Portuguesa. Este novo processo de territorialização, redefinindo espaço,

iniciou-se com a chegada do europeu, culminando com a instituição da fronteira

territorial que foi sendo estabelecida entre as possessões espanhola e portuguesa na

América do Sul.

3.2 Implantações das Missões Jesuíticas de Chiquitos

Segundo Lévi-Strauss (1963: 371 apud, SILVA 2007),

a área, localizada na porção oriental da Bolívia, compreendia uma

diversidade étnica bastante grande: era um limite de culturas, entre as

cordilheiras e as florestas, entre os grupos andinos e as sociedades de

planície, local também onde alguns grupos dominadores expandiam

suas fronteiras conquistando povos. (LÉVI-STRAUSS,1963: 371

apud, SILVA, 2007)

Constituindo-se assim, “uma verdadeira fronteira étnica” (SUSNIK, 1978:

86).

Os primeiros jesuítas que chegaram ao Paraguai vinham de Tucumán, onde

estiveram assentados desde 1515. Alguns desses religiosos trouxeram as experiências

efetuadas em Juli13

, onde haviam exercido o trabalho de missioneiros entre os índios

dos arredores do vale do Titicaca. Depois dos primeiros contatos com o meio e com as

populações nativas, surgiu à ideia de agregar os índios em povoados, da mesma forma

como vinha sendo feito em outras partes da América. Essa região compreendia os

territórios de Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia e do Brasil.

Os jesuítas desenvolveram na província paraguaia três zonas diferenciadas

tanto geograficamente como etnicamente, sendo os Guaranis, os Chiquitos e o Chaco. A

missão Guarani compreende os anos que foram desde a fundação em 1609 até a

expulsão dos jesuítas em 1767. Esse período se distingue em algumas etapas com base

nos acontecimentos ocorridos que marcaram pontos de inflexão e de desenvolvimento

das missões: período fundacional, momentos de crises e de traslado devido às invasões

paulistas, consolidação do sistema de reduções, nova crise devido ao Tratado de Madri

em 1750 entre as coroas ibéricas, guerra guaranítica e, por último a expulsão de 1767.

Em seu trabalho a respeitos dos condicionantes étnicos na criação das

missões de Chiquitos, a historiadora Ariane Aparecida Carvalho de Arruda localiza a

região em estudo da seguinte forma:

A região Chiquitana está localizada no atual Oriente boliviano, que

estende seus limites desde o Chaco, ao sul, até 15° de latitude sul, ao

norte; a região das grandes lagoas do Pantanal (Brasil), a leste do rio

Grande ou Guapay, abarcando a área das atuais províncias de

Chiquitos, Ángel Sandoval, Velasco, Nuflo de Chávez e Germán Bush

ao departamento de Santa Cruz de la Sierra/Bolívia (NAVARRO E

MALDONADO, 2006, p. 159 apud ARRUDA, 2011: 16).

Manifestando a respeito desse assunto (SOUZA, 2009: 62),

A atual região de fronteiras entre o Brasil e a Bolívia se consolidou,

historicamente, sobre o território dos Chiquitanos. Esta região, desde

os tempos pré-coloniais, foi cenário de disputas territoriais por parte

13

Os inacianos chegaram a Lima em 1569, três anos depois continuaram sob as ordens da Audiencia de

Charcas e quiseram fundar um colégio em La Paz para filhos de espanhóis, contudo foram encaminhados

a ensinar a doutrina aos aymara em Juli, pequena população próxima do lago Titicaca. Lá construíram

quatro belas igrejas. Ali se publicaram numerosos dicionários e textos em línguas nativas

dos diferentes grupos étnicos do Gran Chaco que percorriam

constantemente este território, estabelecendo inúmeras redes de

comunicação para além de suas fronteiras étnicas.

Entendemos que foi neste ambiente que o europeu deu andamento ao

processo de desorganização tribal, de estabelecer uma nova ordem social e de

subordinação da mão-de-obra indígena às regras do mercado colonial. Ou seja, um

encontro entre os nativos e as frentes de colonização luso-espanholas. Nas palavras de

Arno Kern, estes encontros formariam curiosas sínteses culturais entre o tradicional e o

moderno, uma vez que dariam “origem a um processo extremamente complexo de

relações, de impactos e contatos, entre as sociedades indígenas aqui existentes e os

grupos de portugueses e de espanhóis que chegavam como descobridores deste novo

mundo” (KERN, 2003:34)

Como resultado de tal encontro, um novo e imenso mundo,

Se abriria frente aos novos colonizadores europeus, povoado por

milhares de grupos indígenas, com costumes e padrões culturais

absolutamente novos para estes cristãos. Saídos há pouco da Idade

Média, alguns pensavam ter chegado no paraíso, enquanto que outros

se debatiam em dúvidas religiosas, questionando se este continente

inteiro, jamais citado na Bíblia, não seria a terra de Satã, e se seus

habitantes não estariam todos ainda marcados pelo pecado original.

Alguns padrões culturais foram descritos em relatos da época como

sendo aterrorizantes e bárbaros. Dentre eles se deu ênfase aos

sacrifícios humanos dos Astecas ou à antropofagia dos Tupiguarani,

fazendo tremer homens que, entretanto, achavam justos os atos de fé

da Inquisição, e não se perturbavam ao assistir à queima em praça

pública de "infiéis" judeus e muçulmanos (KERN, 2002: 4).

A conquista e a colonização luso-espanhola de tais territórios imprimiriam

um novo aspecto ao espaço delimitado pelo Tratado de Tordesilhas. As notícias de

descobrimentos de ouro e prata no Peru fariam despertar nos colonos portugueses e

espanhóis um crescente interesse por uma “montanha de prata”, por um reino fabuloso

onde haveria um cacique e uma lagoa cheia de ouro e pérola. Este reino seria

denominado de Paititi.

Impulsionados pela magia de uma terra rica, os novos conquistadores

tinham consigo objetivos muito diferentes, tais como a riqueza do Eldorado ou a

salvação das almas indígenas. Assim o espanhol não mediria limites entre o que era

realidade e imaginário, e avançaria sobre as planícies orientais da Bolívia atual. Em

contrapartida, a reação dos primeiros navegantes lusitanos seria de perplexidade e

admiração, pois, quando alcançaram o rio Guaporé em 1742, as missões de Mojo e

Chiquito encontravam-se bem sedimentadas e exerciam um indiscutível controle sobre

aquele espaço.

Enquanto “a margem oriental ostentava uma paisagem dominada pela

floresta e pelos campos vazios de homens, os tributários da margem ocidental exibiam

as missões, algumas com milhares de habitantes” (MEIRELES, 1989:10). A partir de

então, as missões de jesuíticas de Chiquitos dariam tônica à ocupação da fronteira oeste,

caracterizada por uma geopolítica centrada na defesa e na estratégia da Capitania de

Mato Grosso. Para os portugueses, as missões de Chiquitos seriam um obstáculo à sua

hegemonia, um local muito mais ameaçador e poderoso do que a realidade. Já para os

espanhóis, as missões em lugares estratégicos cumpriam a função de “estado-tampão”,

isto é, de barrar caminho às áreas de metais preciosos. Assim, a missão como

“instituição de fronteira” seria uma característica da colonização luso-espanhola em

muitas áreas, o que contribuiu para cristalizar ainda mais a imagem do índio como

“guardião” natural da fronteira Meireles (1997).

Pensamos ser importante dizer, que a região em estudo contou com a

presença da colonização espanhola já no século XVI, “quando descobriram ouro e prata

nas minas de Potosí” (SOUZA, 2009: 64) ao passo que a colonização portuguesa,

embora tivesse lançado assentamentos provisórios ali no século XVII, somente se

estabeleceu com a descoberta das minas de Cuiabá, em 1718. O capítulo que ora

propomos discutirá a implantação das missões, e a formação da população que hoje

reconhecemos como Chiquitanos até a expulsão dos missionários jesuítas em 1767.

A abordagem da implantação do projeto missionário religioso em

detrimento da ocupação do espaço fronteiriço, feito por Alda Lúcia Monteiro de Souza,

considerou várias motivos.

A criação das reduções jesuíticas entre os Chiquitos e vário outros

povos da região do Chaco, especificamente o oriente boliviano,

obedeceu a um planejamento maior do que a simples conversão dos

indígenas à religião católica. Era também fruto de um projeto que

visava reduzir os problemas gerados pela falta de comunicação entre

as cidades de Assunção e Santa Cruz de la Sierra, diminuir as

distâncias e criar, dessa forma, um caminho seguro através do qual se

poderia trafegar entre as duas cidades. [...] Esse projeto permitiria,

assim, maior controle sobre a tênue fronteira que separava os

domínios das coroas de Espanha e Portugal na América do Sul e

viabilizaria a exploração de novos recursos. A longo prazo, o novo

caminho também poderia ser útil como rota alternativa para o

escoamento da produção de metais das minas de Potosi, sem o

incômodo das taxas alfandegárias cobradas nos antigos caminhos ou

os constantes assaltos sofridos pelos comboios que trafegavam por

eles. (SOUZA, 2009: 69)

Relevante ainda é perceber na abordagem de Gandía que existia outro

projeto com a formação das missões, a proposta dele revela que:

Las missiones temían también como intento abrir nuevas rutas de

comunicación. Por ejemplo, las misiones de Chiquitos se iniciaron em

1668, com el fin de tener una escala en el caminho al rio Paraguay.

Las excursiones de los Mamelucos y bandeirantes brasileños que

asolaban al Guairá, parte del Paraguay y Chiquitos, para exclavisar

indígenas y venderlos em el Brasil, fueron siempre un terrible

obstáculo contra la paz y progresso de las misiones. No

obstante, los ataques de los paulistas pudieram ser rechazados y

los missioneiros continuaron el cultivo espiritual de sus

neófitos.14

(GANDÍA, 1935: 162-163)

A descrição do autor permite entender que as missões vinham também

desempenhar o papel de proteção frente ao avanço dos bandeirantes. E que o índio

Chiquitano servia também como “guardiões de fronteiras” (MEIRELES, 1989),

(FARAGE, 1991).

Para os colonizadores, a ação missionária da Companhia de Jesus foi

de fundamental importância por vários motivos. Primeiro, possibilitou

o desbravamento do interior e a pacificação dos indígenas hostis

encontrados no caminho; segundo, com a criação das reduções,

implementou uma economia capaz de suprir as necessidades da

população local e ainda gerar excedentes para comércio, construindo

estâncias de gado, cultivando alimentos, extraindo produtos nativos

como erva-mate, sal e cera, fiando algodão e tecendo as fibras em panos; terceiro, foi criado um corpo de “soldados indígenas”,

com baixíssimo custo de manutenção, para defender as

fronteiras dos territórios. (SOUZA, 2009: 70).

Em relação aos autores citados, é possível perceber que o objetivo principal

dos jesuítas não era com os históricos conflitos interétnicos da região, mas sim com a

consolidação e posse do território em análise. Na América espanhola (MEIRELES,

1989: 67) coloca que no se refere às relações com os espanhóis “a princípio não foram

muito amistosas”, “esse período inicial foi marcado pela conquista e pacificação das

populações que se opunham à intervenção colonial, como era o caso dos Chiquitos”

(SUSNIK, 1978: 66). Segundo algumas fontes, a aceitação dos missionários, por parte

dos Chiquitanos estava relacionada, á situação de penúria a qual eles encontravam-se.

Desta forma, os jesuítas vão promover o processo de dominação do povo conhecido

como Chiquitano, promovendo aldeamentos na planície boliviana entre 1691 e 1760,

instalando missões compostas por grupos étnicos com línguas e culturas distintas. “O

14

Para evitar qualquer outra interpretação, optamos por manter os termos citados ao longo desta

dissertação em seus respectivos idiomas de publicação, respeitando, assim, a literatura pesquisada.

Havendo oportunidade acrescentaremos as respectivas traduções.

que interessava, naquele momento, não eram as identificações territoriais nativas, mas

sim as do colono europeu. Isso levou a uma nova dinâmica territorial e à imposição de

novos limites e fronteiras” (SOUZA, 2009: 68).

Não se pode atribuir o sucesso que tiveram os missionários, somente a

obstinada fé que ardia em seus corações, usaram de muita astucia e se valeram de

ferramentas de ferro das quais os nativos careciam em absoluto. Introduziram o gado

vacuno que com o tempo permitiu abundante provisão de carne, repartida

equitativamente. Utilizaram da música como elemento de persuasão e aproximação com

os nativos. Porém, o fator mais importante em nosso ponto de vista a respeito da adesão

dos Chiquitanos a viverem em reduções foi que dentro de uma redução os indígenas se

libertariam do sistema de encomenda, pois os jesuítas conseguiram através de Felipe II a

proibição que outros colonos pisassem em terras pertencentes às missões com exceção

das autoridades locais.

Na região os jesuítas espanhóis avançaram a partir de Santa Cruz de la

Sierra e consolidaram as missões de Chiquitos, ao norte do Chaco (atual Bolívia). E a

partir de 1720, os castelhanos passaram a contar com a vizinhança lusitana desde as

lavras de mineração (SILVA, 2007).

Deste modo, pode-se dizer que uma nova realidade histórica colonial foi

criada diante dos intensos contatos interétnicos entre os indígenas e a sociedade

europeia. Pois de acordo com (SOUZA, 2009: 68) “a conquista de um povo também é a

conquista de espaços sociais e uma redefinição de territorialidades” os “aldeamentos e

as novas cidades passaram a representar os interesses da Espanha sobre um território

que, uma vez conquistado, precisava ser administrado.” Nessas perspectivas, os

Chiquitanos são frutos de uma longa e complexa história, que envolve o contato de mais

de vinte povos sob a égide do regime jesuíta. Assim,

Os chiquitanos são resultantes de uma amalgama de povos que

ocupavam desde as margens do rio Guaporé no Brasil, até as planícies

bolivianas, e que a partir, sobretudo do século do século XVIII, foi

tomado e fatiado por portugueses e espanhóis, e mais tarde por

bolivianos e brasileiros (SILVA, 2008:31).

De acordo com os escritos de Souza (2009), existe uma impossibilidade de

traçar um panorama etnográfico da área devido à diversidade de etnias. A região

conhecida como Gran Chiquitania, abrigava antes da chegada dos Europeus inúmeros

grupos étnicos que foram de forma geral denominados de Chiquitos. “A quantidade de

etnias denominadas genericamente como Chiquitos explica a dificuldade em se

determinar com precisão, até os dias de hoje, a família linguística deste povo” ainda em

suas palavras “em épocas pré-hispânicas, um verdadeiro mosaico étnico” (SOUZA,

2009: 44-60).

Em seu principio, as missões jesuítas chiquitana, segundo Meireles eram

mantidas:

com muita dificuldade. Somente a partir de 1723 as missões

começaram a prosperar. Foram abertos grandes plantações de milho e

algodão, e os índios treinados em ofícios diversos. As festas religiosas

foram multiplicadas e as cerimônias mobilizavam os índios. Em cada

aldeia foram fundadas escolas onde o espanhol era ensinado e havia

escolas de musica. Todos os instrumentos musicais conhecidos na

Europa foram fabricados pelos índios que aprenderam música sacra

dos grandes mestres italianos. A missa cantada em italiano seria

mantida por muitos anos após a saída dos jesuítas. MEIRELES

(1989, 94)

Como complementa JOSÉ DA SILVA:

Os missionários difundiam a fé e adicionalmente, designadamente,

exploravam as fronteiras, promoveram sua ocupação e a defenderam,

estabeleceram um novo sistema econômico baseado na agricultura e

na pecuária, ambas as formas de produção até então desconhecidas

pelos indígenas. Os indígenas eram responsáveis pela mão de obra,

tendo que produzir para sua subsistência e gerar excedentes de

produtos agrícolas. (2009:122. 128).

Tais produtos, que por sua vez eram comercializados pelos missionários

permitindo que fossem destinados envios de dinheiro a Europa. Os jesuítas passaram a

ter o controle militar de defesa de fronteiras e da exploração econômica, como também

da influência política e religiosa sobre as posseções.

“A organização territorial, o monopólio do comércio, a circulação de

bens e de pessoas era gerenciada, exclusivamente pela Companhia de

Jesus, uma empresa dinâmica e expansionista, centrada em seus

próprios interesses econômicos, políticos e religiosos” (COSTA,

2006: 66).

A partir da descoberta de ouro nas minas do Cuiabá15

, aumentaram as

expedições, também conhecidas por Monções, que saíam de São Paulo para abastecer e

povoar a região; todas com o intuito de enriquecimento fácil. Para o historiador João

Antônio Botelho Lucídio, quando os irmãos bandeirantes

15

Para maiores detalhes sobre a fundação e estruturação de Cuiabá, consultar a obra de CANAVARROS,

Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá (1727-1752). Cuiabá: EdUFMT, 2004. Ver igualmente SILVA,

Jovam Vilela da. Mistura de cores (Política de Povoamento e População na Capitania de Mato Grosso –

Século XVIII). Cuiabá: EdUFMT, 1995, e CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Rio de

Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

Paes de Barros subiram até as nascentes dos rios Paraguai, Jaurú e

Juruena e encontraram ouro na faixa de terras entre os rios Sararé e

Galera e em seus afluentes; ainda não conheciam o Guaporé (Lucídio,

2003:7).

E muito menos poderiam imaginar que estariam tão próximos das missões

de Castela, comandadas pelos padres jesuítas. Este novo espaço fronteiriço colocaria os

portugueses em contato quase direto com as missões jesuíticas espanholas de Mojo e

Chiquito.

O fato é que, Como intermediários desse entendimento, e para dar a este

uma forma compreensível e aceitável pelos nativos, de acordo com a sua própria

concepção de mundo, os jesuítas assumiriam, portanto, o papel, a eles destinado, de

líderes religiosos locais, usufruindo da autoridade própria dos xamãs e intermediando,

dessa maneira, os dois universos culturais. O exercício de tal papel teria gerado

responsabilidades e cumplicidades recíprocas. Justificando os seus atos tanto do ponto

de vista político quanto do ponto de vista teológico -através de uma teologia em teoria

tradicional e ortodoxa, na prática inovadora e heterodoxa-, os jesuítas tornar-se-iam os

fiadores da paz colonial, isto é, do sucesso do empreendimento colonizador, ou da

consolidação do poder metropolitano sobre os colonizados. Sua responsabilidade

estender-se-ia à própria manutenção da estabilidade produtiva da colônia, na medida em

que lhes cabia administrar a substituição da escravidão indígena, normalmente

generalizada e comum, mas foco de estranhamentos e conflitos entre nativos e colonos,

e consequentemente razão de prejuízos, pelo fornecimento regular de índios sob seu

controle político, às fazendas e outros empreendimentos produtivos, a fim de serem

utilizados como mão-de-obra livre. Os jesuítas, assim, teriam intermediado um acordo

que previa, neste caso, por parte dos índios, o seu compromisso em servir aos colonos

em troca da manutenção da sua relativa integridade étnica. Tal aliança teria dado,

portanto, aos jesuítas, um poder muito expressivo sobre a mão-de-obra na colônia, bem

como enorme poder econômico, já que disporiam prioritariamente de tantos braços

quanto fossem os índios que pudessem aldear. Sua ascendência sobre os europeus e

sobre os nativos teria sido dessa maneira consolidada.

3.3 - A Expulsão dos Missionários

Ao longo de toda a sua existência, mas principalmente a partir da segunda

metade do século XVIII, a Companhia de Jesus foi alvo de críticas, suspeitas,

desconfianças e controvérsias. Isso se explica, em parte, por sua feição, ostentando um

perfil absolutamente original, balizada por sua forma peculiar de organização e de

atuação apostólica. Introduziu uma nova maneira de atuar, pautada pelo valor da

eficácia a toda prova, contemplando métodos e estratégias de afirmações inusitadas e

estranhas à maioria das ordens religiosas tradicionais, sobretudo no que se refere a sua

vocação missionária, antagônica ao caráter monástico comum às ordens.

Nenhum outro acontecimento ocasionou maior controvérsia aos fins do

século XVIII, como a expulsão dos jesuítas de Portugal e Espanha na América colonial.

Em uma imensa região, os jesuítas criaram ao longo de quase dois séculos até a sua

expulsão em 1767, trinta e três povos. Os franciscanos, dominicanos, agostinhos e

mercedários, precederam por três décadas aos jesuítas na América. Porém nenhum deles

deixou tão grande herança como os discípulos de Inácio de Loyola.

Para se entender melhor a expulsão dos jesuítas na América, se faz

necessário entrarmos no contexto do século das luzes que vai da Revolução Inglesa

(1688) e Francesa (1789) e as transformações filosóficas e sociais que foram

desencadeadas a partir delas. O século XVIII, conhecido como século das luzes, traz o

ideal de que a ciência e a razão iluminam por fim o homem e suas ações. As ideias

iluministas chegam às cortes, inspiram e educam reis e governantes. As publicações de

livros com ideias ilustradas se difundem rapidamente, em traduções adequadas a cada

país.

Em relação à religião os ilustrados não eram anticristãos, porém,

antidogmáticos. Acreditavam que a religião se colocava contra a razão.

Consequentemente se opuseram ao sistema educativo dos jesuítas, já que os mesmos se

encontravam em todos os campos da vida social e política sua influencia era enorme,

pois dominavam a filosofia e teologia. O trabalho desenvolvido pelos jesuítas em mais

de duzentos colégios em toda a Europa, tinha ampla repercussão, pois através da

educação, o pensamento tradicional da Igreja penetrava na mente dos homens e na

sociedade dos séculos das luzes. Era, portanto, os jesuítas a maior força da Igreja no

momento e a maior ameaça frente aos pensamentos iluministas. Os jesuítas cujo poder

havia chegado tão alto, não podiam se colocar contra a conjuntura dos governos que

viam a ordem, como um rival perigoso.

3.3.1 A Expulsão dos Missionários Jesuítas em Portugal

Afinados à empreitada colonizadora e, ao mesmo tempo, evangelizadora

conduzida por Portugal nos seus recém-descobertos domínios ultramarino, os jesuítas se

mostraram parceiros da Monarquia desde as primeiras horas (FRANCO, 213). Eles

possuíam estabelecimentos das mais variadas naturezas, onde quer que pudesse existir

alguma possibilidade de ampliar ou difundir o nome da Deus segundo os preceitos da

Igreja romana, e naturalmente isso incluía as imensas possessões do reino português. O

empenho em garantir os meios para a sua subsistência proporcionou à Companhia de

Jesus um crescimento rápido e sólido.

A difusão dos jesuítas na América portuguesa teve início em meados do

século XVI, quando algumas dezenas de padres desembarcaram nessas terras imbuídos

no objetivo de catequizar o gentio nativo e de fornecer o pasto espiritual ao rebanho de

cristãos ali existentes, trabalhando numa difícil frente apostólica, apinhada de desafios

de toda ordem. Quando desembarcou pela primeira vez na América portuguesa, nos idos

de 1549, a Companhia contava com poucos membros e possuía poucos recursos e uma

proposta quase que exclusivamente, evangelizadoras características absolutamente

distintas daquelas que viria a ter quando foi banida do Império português, em 1759,

então “uma das mais ricas, complexas e influentes instituições do mundo cristão”

(ASSUNÇÃO, 10).

Nos primeiros tempos, as missões jesuíticas nas possessões lusas eram

sustentadas conjuntamente pela Coroa e pela província jesuítica de Portugal, com

recursos precários a princípio, o que dificultava a sua ação missionária. Essa fórmula de

financiamento desagradava ao padre Manuel da Nóbrega, porque, de um lado, tornava

as atividades da Companhia de Jesus demasiadamente dependentes da vontade e de

contingências alheias à mesma e, de por outro, não fornecia os recursos necessários a

uma rápida expansão da ação missionária perante os gentios, pois as missões eram

muito dispendiosas (COUTO, 320). A solução proposta por Nóbrega seria a de aceitar

terras cedidas pela Coroa, ou mesmo, por temporais admiradores da Ordem,

responsabilizando-se os padres da Companhia pelo seu monopólio e controle. Nas

palavras do padre Nóbrega:

me parece que a Companhia deve ter e adquirir justamente [...] quanto

puder para nossos Colégios [...] e não devemos de querer que sempre

El-Rei nos proveja, que não sabemos quanto isso durará, mas por

todas as vias se perpetue a Companhia nestas partes16

A Companhia de Jesus se tornou uma instituição que possuía ramificações

econômicas em todo o mundo católico. No Oriente, possuíam ativa participação no

comércio das tão cobiçadas especiarias. Também possuíam extensos negócios e

propriedades em praticamente todos os continentes. Na América portuguesa, estavam

presentes em quase todo o território, de norte a sul e de leste a oeste. Possuíam casas e

imensas propriedades de terra em praticamente todas as capitanias. Cada colégio ou

residência jesuítica possuía um universo de outras propriedades cuja finalidade principal

era prover financeiramente as obras da Companhia. Alguns colégios chegaram a possuir

várias dezenas de outras propriedades. (ASSUNÇÃO, 45-67).

No Brasil, os jesuítas possuíam propriedades para o cultivo da cana de

açúcar e produção da cana de açúcar o que causava um desconforto com outros colonos.

Já que de certa maneira os jesuítas eram concorrentes na produção, pois, se colocavam

contra as formas de reduções dos indígenas, por considerar que a utilidade dos nativos

servia somente na utilização da mão-de-obra nas plantações de cana...

O embate entre as missões e a política imperial foi acirrado e isto feria os

interesses políticos pombalinos. Em meio a estas querelas, acontece um terremoto em

Lisboa. Este fato como foi dito anteriormente fortaleceu o Marquês de Pombal, pois,

imediatamente ele se colocou na posição de reconstrutor da cidade. A política

autoritária imposta pelo Ministro desagrada a um bom contingente populacional,

inclusive alguns setores da aristocracia portuguesa, principalmente aos puritanos,

adeptos do pensamento calvinista, por se sentirem excluídos dos cargos públicos e pelos

favores concedidos a negociantes e mercadores. Além disso, os pequenos comerciantes

e taverneiros sentiam-se alijados dos novos monopólios comerciais e aliaram-se para

provocar distúrbios, a tudo isso se somava, ainda, o conflito com os jesuítas

(MAXWELL, 2001: 9).

A reação pombalina atingiu ferozmente as classes populares, a alta nobreza

e a ordem jesuítica. O conflito entre pombal e Companhia de Jesus chamou a atenção

dos europeus, pois foram os portugueses que deram início ao movimento que provocaria

a expulsão dos jesuítas de toda a Europa Católica, chegando à supressão da ordem pelo

Papa. Esses conflitos tinham como justificativa a reconstrução e a modernização da

16

CARTA do padre Nóbrega ao Geral da Companhia de Jesus escrita em 1561. apud TELLES. A conquista da

terra e a “conquista” das almas, p. 88.

economia portuguesa através da exploração racional das Colônias e o desafio ao poderio

econômico da Inglaterra.

O discurso modernizador de Sebastião de Carvalho e Melo sobre a

economia portuguesa não deixou de sofrer oposição. A prosperidade portuguesa

dependia diretamente da economia colonial. O ouro, o açúcar e o tabaco brasileiro

formavam a base comercial do Atlântico Sul. A Companhia de Jesus estava inserida nas

dificuldades econômicas que afetava os colonos no Brasil. Ao proteger os índios, a

ordem, privava os colonos daquela mão-de-obra escrava em decorrência de seu alto

preço. Naquele momento a política era conduzida pela metrópole portuguesa, mas havia

uma elite colonial que dependendo da situação agia paralelamente. Os religiosos faziam

parte desse grupo, principalmente os jesuítas, e por isso eram alvos da política

repressora do Marquês de Pombal.

Além destes problemas, é necessário salientar que o conflito entre Pombal e

a Companhia de Jesus já tinha outra razão, a preocupação com a fronteira sul da colônia

portuguesa, reduto de constantes litígios com espanhóis e jesuítas desde 1750 e até antes

disso. Pombal entendia que uma efetiva colonização e povoação de toda aquela região

eram essenciais ao melhor aproveitamento de todo o potencial econômico da colônia,

sobretudo em suas fronteiras com a colônia espanhola. Ele estava disposto a concretizar

tais planos, bem como a executar os termos do Tratado de Madrid, assinado no ano em

que alcançara o posto de ministro, mesmo considerando que alguns pontos do mesmo

eram desfavoráveis a Portugal.

Para o extremo sul da América portuguesa, a assinatura do Tratado de

Madrid, de um lado, punha termo a uma longa disputa entre as duas Coroas ibéricas,

existente desde os primeiros anos da colonização, mas, por outro, foi o estopim de um

novo confronto com a Companhia de Jesus. O Tratado estipulava que o domínio da foz

do rio da Prata seria da Espanha. Com isso, Portugal desocuparia definitivamente a

Colônia do Sacramento. Em troca, de extensos territórios em que se incluía uma área, a

leste do Uruguai. A Espanha concordava em reconhecer as fronteiras fluviais ocidentais

da América Portuguesa. A aceitação de tais fronteiras, contudo, incluía o rio Uruguai,

em cuja margem direita estavam situadas as majestosas Sete Missões jesuíticas, com

suas imensas pastagens, o seu grande número de cabeças de gado (aproximadamente um

milhão de cabeças), além de outro imenso número de indígenas (cerca de 30000)

convertidos ao cristianismo, que viviam sob o controle temporal e espiritual dos

jesuítas.

De acordo com o Tratado, aquele imenso território deveria ser evacuado, os

inacianos podiam se transferir com os nativos para as terras próximas que pertenciam a

Espanha o que os jesuítas não aceitaram, tal mudança ordenada não foi aceita. Os

termos do Tratado não era bem visto pelos jesuítas, pois:

No dudamos que en tiempos en que tan propicia se calla nuestra Corte

a los intereses de la de Lisboa, podra esta adelantar sus proyectos

hasta donde nunca jamás pudo esperar en otras circunstancias. Pero no

podemos crer (si no es subrepticiamente) si no pudo haber obtenido de

la piedad de nuestro rey católico la ruina en el todo o en gran parte de

nuestras misiones [...]. Una cosa puedo asegurar a Vuestra

Reverendísima, que su Majestad católica podra traspasar al dominio

portugués aquella parte de tierra que quisiere, de las que ocupan los

indios de nuestras misiones; pero sus ánimos en cuanto son libres, no

podra conseguir transferirlos a otro dominio.17

A resistência impetrada pela Companhia ascendeu em Pombal a

desconfiança de uma união entre jesuítas portugueses e espanhóis visando ao domínio

temporal daquela parte da América. Esse evento foi da maior importância no que se

refere ao futuro da Companhia de Jesus em Portugal. A suposta resistência jesuítica à

execução do Tratado de Madrid, engendrando as “guerras guaraníticas”, foi um tema

exaustivamente explorado por Pombal anos mais tarde com o intuito de construir uma

imagem negativa da Companhia de Jesus. Ao tratar desse problema, Maeder analisa

que:

El tratado fue anulado en 1761, de común acuerdo, y todo volvió al

mismo estado en que se hallaba antes de la rebelión guaraní. Pero las

consecuencias para las misiones fueron nefatas: el conflito, si bien

localizado en el Uruguay, había sembrado profundas desconfianzas

em las autoridades metropolitanas sobre la lealtad de los jesuítas y la

presunta autonomia de que, al parecer, gozaban las misiones.

(MAEDER, 2011: 128)

Outro motivo de conflito entre Pombal e a Companhia de Jesus, foi a

fundação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, à qual concediam regalias

perniciosas para o comércio livre, “colonos, jesuítas e mercadores ligaram-se todos em

clamor de protesto. Vedar o comércio às missões era cercear-lhes os meios de vida.

Todavia as reclamações tiveram como respostas o castigo daqueles que se atreveram a

formulá-los no reino ou na colônia. (OLIVEIRA, 1994 : 221-223).

17 CÓPIA da carta que da cidade de Buenos Aires escreveu o padre da Companhia de Jesus Pedro Lago

ao reverendo padre da Companhia de Jesus Antônio Galvão do Colégio da Colônia [do Sacramento].

1752. In: CÓDICE Costa Matoso. p. 854-855.

Estas observações desencadearam a fúria do Ministro sobre as ordens

religiosas jesuíticas atingindo, tanto a metrópole como a colônia. É possível que, num

primeiro momento, Portugal temesse que as Ordens com suas atividades comerciais, a

política com os índios e o uso do seu trabalho, pudessem criar um governo paralelo, o

que minaria a autoridade da Coroa na colônia. Esta preocupação, provavelmente, foi

produto da interação entre os representantes religiosos e as camadas mais simples da

sociedade. Pois, havia ainda na sociedade portuguesa um sentimento religioso que,

muitas vezes, apresentava um caráter místico. Parecia existir uma lei natural regente do

povo português, atrelado a ela estava à religião conduzindo suas ações, seus sentimentos

e interferindo no seu imaginário carola social.

Neste universo religioso faz-se necessário abrir um adendo para refletir

sobre o papel da Inquisição. Que a nosso entender atendeu também aos desígnios do

Estado. Na época, Voltaire, no Cândido ver revoltava-se contra a decisão dos sábios da

Universidade de Coimbra, que depois do terremoto de Lisboa, acharam por bem realizar

um auto-de-fé, visto que:

O espetáculo de algumas pessoas queimadas em fogo lento, em

grande cerimonial, era um meio infalível de impedir a terra do tremor”

mostrando-se indignado com a situação em seu “ Discurso

Filosófico”, faz o seguinte comentário sobre o Tribunal da Inquisição:

“ uma invenção, admirável e absolutamente cristã destinada a tornar o

Papa e Monges mais poderosos e a tornar todo o reino mais hipócrita”

(SCHWARCZ, 2002: 87)

A situação de Portugal frente aos demais países da Europa era ímpar, pois o

povo carola embriagado pelo sentimento de religiosidade assistia e respaldava os

espetáculos promovidos pela Inquisição e a indignação de alguns europeus passou a ser

comum, principalmente daqueles que percebiam a Inquisição como um elo entre a

Igreja e o Estado português.

A mentalidade carola portuguesa, em relação à Europa como um todo, é

bastante conformista, talvez pelas características religiosas de sua sociedade. O

conformismo português chocava-se com o ideal Iluminista à medida que a teologia

encontrava espaço em plena “luzes”, desenvolvendo-se sob a segunda Escolástica ou

Neo-Escolática18

, que tem suas concepções predominantes em meados do século XVII e

perpassa para o XVIII. A influencia de Tomás de Aquino levou ao repúdio de

18

Método de pensamento critico dominante no ensino nas universidades medievais europeias de cerca

de 1100 a 1500

Maquiavel as ideias reformistas da Igreja, a ideia do divino foi interligada ao Estado,

que por sua vez se submetia a Igreja como Instituição.

Essa relação entre o Estado e a Igreja uma constante durante o governo de

D. João V, situação que só foi alterada no reinado de D. José I, sob a administração de

Sebastião de Carvalho e Melo e Silva. Doravante, não é preciso pensar muito para

concluir que com a morte, em 1754, de D. Maria Ana, a viúva de D. João V e a

ascensão de D. José I, iniciaram os eventos que desembocaram nas perseguições contra

os religiosos. Pombal era defensor da teoria segundo a qual o rei era depositário direto

do poder absoluto advindo da divindade, sem qualquer tipo de mediação. Assim, coloca

em prática o seu plano contra as Ordens Religiosas.

Em 1755 ordenou exílio de três padres da Capitania do Grão Pará e

Maranhão, em 1758 extinguiu a catequese em grande parte do Brasil, por considerar que

a catequese indígena era a condição fundamental para que uma Ordem religiosa fosse

autorizada a se estabelecer no Brasil. Pombal utilizou todos mecanismos da prática

diplomática à violência. Os missionários eram presos, torturados, exilados e executados.

Os jesuítas incomodaram profundamente ao Marquês, que, procurava neutraliza-los,

afastando-os de cargos, em 1757, os jesuítas confessores da família real foram

afastados. Esse afastamento significava isolar a Companhia de Jesus para garantir que

Pombal conduzisse o domínio do poder tanto religioso como civil.

As acusações impostas aos padres foram as mais variadas. A política

antijesuíta objetivava denegrir a imagem da Companhia responsabilizando-a pelos

tumultos populares e, até mesmo, pelo terremoto que praticamente destruiu Lisboa. As

perseguições à companhia pelo Marquês de Pombal estavam diretamente ligadas aos

seus negócios econômicos e políticos. Para ele, a Ordem jesuítica representava um

estorvo aos seus planos de governo. Assim, em 1757, entravam em vigor as leis que

libertavam os índios e extinguiam as missões. Os religiosos podiam permanecer nos

povoados como párocos, mas o governo dos indígenas passava a funcionário do Estado.

O ideal iluminista em Portugal se vê favorecido. A debilidade do monarca

D. José, e a adesão incondicional do marques de Pombal (1699 – 1782), que por sua vez

era contra os privilégios da nobreza e do clero. Desta forma, em 1759, Pombal

aproveitando as circunstancia políticas de seu país expulsa os jesuítas. Fechando

conventos e limitando as doações as instituições religiosas. A expulsão dos jesuítas foi

um golpe fatal nas missões que nunca mais conseguiram se reerguer. A Companhia de

Jesus era a mais pujante das organizações missionárias.

As disputas e os interesses econômicos levaram o Marquês de Pombal a

fortalecer o poder real, reduzir os privilégios da nobreza e o poder do clero, chegando à

expulsão da Companhia de Jesus em Portugal e de suas colônias, reafirmando a

autoridade real civil e laica, sobre a religiosa. Confiscando todos os bens dos religiosos.

O decreto de expulsão, promulgado por Pombal, acusava os jesuítas de rebeldes,

perturbadores da paz assim como de instigar revoltas indígenas no Paraguai.

3.3.2 – A Expulsão dos Missionários Jesuítas da Espanha

Na Espanha, a população ainda era supersticiosa, agarravam-se aos dogmas da igreja

opondo-se ao "despotismo esclarecido" dos príncipes que frequentavam os filósofos da

enciclopédia. No auge do século das luzes, o culto da razão olhou para a igreja, como o

maior obstáculo ao progresso, e seu braço armado à ordem dos jesuítas, como a força

mais obstinada de oposição a todo progresso material e intelectual. Para os monarcas, os

jesuítas aparecem como opositores das novas ideias (GUMUCIO, 87: 2011) analise que:

Entre las razones que el monarca no se guardo en su real pecho

figuraban algunas mentiras, como la anterior, medias verdades y otros

pretextos que escondían el trasfondo económico y político de la

expulsión, tales como la población disminuía com el sistema político

de las misiones (exatamente lo contrario de lo sucedía), que los índios

“carecían de derechos de propiedad sobre aquello que era el própio

produto de sus sudores”, que la Real Hacienda sufría defraudación en

la percepción del tributo de los índios, que el tráfico de los produtos

de las misiones era lucrativo sólo para la Orden y no para el Estado

español, (ambas cosas ciertas), que la prohibición del idioma

castellano mantenía a los índios “fuera de la República”, y finalmente,

que los jesuítas hacían fabricar en sus misiones toda classe de armas

para insubordinarse contra el Estado (cuando em verdade las usaron

para que los índios se defendieran de los tratantes de esclavos

portugueses y españoles).

A ordem de expulsão dos inacianos foi decretada por Carlos III e tinha os

seguintes dizeres:

Habiéndome conformado con el parecer de los de mi Consejo Real,

em extraordinario que se celebra con motivo de las ocurrencias

pasadas, en consulta de veinte y nueve de enero próximo, y de lo que

sobre ella me han expuesto personas del más elevado caráter;

estimulado de gravíssimas causas, relativas a la obligación en que me

hallo de mantener en subordinación, tranquilidade y justicia mis

pueblos, y otras, urgentes, justas y necessárias que reservo em mi Real

ánimo; usando de la suprema autoridade económica que el

Todopoderoso há depositado em mis manos para la protección de mis

vassalos y respeto de mi Corona: He venido en mandar se extrañen de

todos mis domínios de España e Indias, Islas Filipinas y demás

adyacentes a los religiosos de la Compañia, así Sacerdotes, como

Coadhuntores o Legos que hayan hecho la primera profesión, y a los

novicios que quisieren seguirles, y que se ocupen todas las

temporalidades de la Compañia en mis domínios; y para su ejecución

uniforme em todos ellos os doy plena y privativa autoridade, y para

que forméis las instrucciones y órdenes necessárias, según lo tenéis

entendido y estimáreis para el más efectivo, pronto y tranquilo

cumplimiento. (HERNÁNDEZ, apud, VARELA, 2011: 632)

Todos os jesuítas deveriam ser presos em 24 horas y não poderiam carregar

nada mais que suas vestimentas e seus livros de orações. As autoridades que não

cumprissem com essa determinação corriam riscos de sofrer penas, inclusive pena de

morte. “Bajo pena de muerte, no se abra este paquete hasta el 2 de abril de 1667”

(GUMUCIO, 2011: 87). Um bom exemplo é a expulsão de Martín Schmid, missionário

viveu 37 anos na Chiquitania, considerado por muitos como um dos representantes mais

importantes do trabalho nas reduções de Chiquitos, sua dedicação com a música e

produção manual de instrumentos musicais. Gumucio (2011) relata sua expulsão:

A fines de 1767- relata - vinieron algunos capitanes com algunas

tropas de soldados a las misiones, para notificarnos el decreto del Rey

y ejecutar nuestra expulsión. Muchísimo nos costó convencer a los

índios, mantenerlos a raya, para que no se amotinaran ni se rebelaran,

matando a todos los capitanes y soldados. Asi pudimos dejarlos y

empreender um largo viaje, pero no son fáciles de describir la tristeza,

la pena, los lloros y suspiros de los índios em general...(SCHIMID,

apud GUMUCIO, 2011: 77)

A Coroa espanhola agiu com cautela ao aplicar o decreto de expulsão. O

governador de Buenos Aires recebeu a instrução de que todos os jesuítas pertencentes a

seu governo, que compreendia a província jesuítica do Paraguai incluindo a Chiquitania.

A principio deveria levar a todos os missionários expulsos até a Província de Buenos

Aires, para posterior deslocamento até a Europa. Contudo, devido a grande distância

entre Chiquitos e Buenos Aires, resolveram encaminhar os missionários juntamente

com os de Tarija, até Lima no Peru e de la envia-los a Europa.

Na Chiquitania, coube a Diego Antonio Martínez de la Torre a tarefa de

executar a prisão dos quarenta e sete sacerdotes distribuídos nas vinte e cinco reduções,

“Martínez contaba com ochenta soldados de caballería, pero no actuaría por sorpresa,

sino com el concurso de los propios jesuítas, ya que se temía un levantamento de los

índios” (VARELA, 2011: 632 - 633). Visto que:

Las tropas reales se acantonaron en la primera reducción chiquitana,

S. Javier. Se hizo jurar al Superior que acataria todo lo dispuesto para

la expulsión, y. así, los jesuítas de S. Javier cumplieron exatamente

todo lo que se les indicó. Además, se pensó que a las otras

reducciones no se enviasen soldados, pues no estaban los índios

acostumbrados a su presencia, por lo cual era mejor que un oficial

acompanhado de um misionero fuesen los encargados de visitarlas.

Hubo algunos intentos de levantamento por parte de los índios em

Santo Corazón, Santiago y San Juan que fueron apaciguados por los

mismos missioneiros (VARELA, 2011: 633)

René Moreno relata que não houve gestos de protestos dos missionários,

”Martínez intento guardar consideración con dos ancianos muy achacosos, disponiendo

hasta nueva orden que quedaran en sus Parroquias. Hasta se atrevuó a proponer que se

quedaran em Chiquitos” (RENÉ MORENO, apud, GUMUCIO, 2011: 87). Segundo ele,

podrían coadyuvar a la obra de tranquilizar a los índios, enseñarían las

lenguas a los curas reemplazantes. El Presidente despachó correo

expresso para rechazar de un modo categórico essas indicaciones.

Designio de Martínez era que los Padres que iban llengando a San

Javier aguardaran allí a sus demás compañeros. Alentaba la esperanza

de llevarlos a todos juntos él mismo a Santa Cruz. Ansiaba por salir

cuando antes de Chiquitos, y queria verificar sin dejar atrás ningún

jesuíta”

Martínez tinha uma dupla operação para cumprir: de um lado expulsar os

jesuítas e de outro substituir de imediato os inacianos com eclesiásticos enviados pelo

Bispo de Santa Cruz de la Sierra. Os substitutos eram considerados leigos por terem

sido ordenados rapidamente, os jovens sacerdotes chegaram aos pueblos com

características distintas dos missionários jesuítas. No geral a saída dos jesuítas de

Chiquitos se planejou de maneira que os Chiquitanos não se sentissem só. Assim,

permaneceu um jesuíta em cada redução enquanto, aguardava a chegada de seus

substitutos. Esse processo durou em torno de oito meses, até que cumprido esse tempo

os inacianos restante foram embora, sem protestos e sem resistências. Consideravam

esse desfecho como parte da vontade de Deus.

Os missionários expulsos são enviados a Europa através de Buenos Aires,

como se transporta gado. Entre os jesuítas que viviam em Chiquitos, havia vários de

idade avançada, mesmo assim, na hora da expulsão, de igual maneira tiveram que deixar

as reduções. Nem a enfermidade foi obstáculo para evitar a expulsão total. Houve

somente uma exceção de expulsão, foi o caso do Padre Segismundo Asperger, por estar

incapacitado de se mover da cama, encontrava-se moribundo.

Um dos motivos que impulsionaram os comissários foram os rumores de

que os jesuítas possuíam joias e metais preciosos de valor enterrados. Porém tiveram

uma grande surpresa, pois, tirando os ornamentos das igrejas, os sacerdotes não

contavam mais do que o indispensável e viviam simplesmente, sem luxo algum.

Durante o trajeto de volta a Europa, muitos morreram em alto mar. Após sua

chegada a Espanha, alguns foram enviados como exilados aos Estados Pontifico, outros

a seus países de origem.

No momento da expulsão dos jesuítas as missões de Moxos e Chiquitos

alcançavam uma população de 30.000 habitantes, divididos em 15 reduções.

A expulsão dos jesuítas teve para a Espanha algumas consequências, pois

todas as acusações, defeitos e soberba que pudesse atribuir à ordem, eram compensados

por todo labor, eficiência e cultura que davam mostra todos os membros da companhia.

Espanha e suas colônias perderam subitamente universidades e instituições educativas

de primeira qualidade e a utopia construída com tanto esforço no coração das planícies

da América do Sul se acabou, com o retorno dos nativos ao estado natural e ao ataque

lascivo do colonizador.

Tendo em vista o que foi exposto, considera-se que a Companhia de Jesus

nas colônias Ibéricas na América do Sul, valores diferentes da metrópole onde, além do

sacerdócio estavam presentes no cotidiano, colocando em prática a piedade jesuítica

para acalentar as dificuldades, quando lhes fossem convenientes.

A Companhia atuou politicamente na Colônia como uma força paralela à

metrópole. Ela representou na Colônia, praticamente, um “estado” dentro do Estado

metropolitano. Esse “estado religioso” na colônia desempenhava uma importante função

social. No caso indígena, ela atuou de forma antagônica, isto é, protegia fazendo jus à

piedade cristã explorava cumprindo com o compromisso com a metrópole.

Esse poder paralelo, em princípio, não foi percebido om clareza pelas

metrópoles, pois a Ordem Religiosa se valia de uma condição favorável junto à corte e

mantendo vínculos com as autoridades coloniais, tornaram-se detentores de grandes

propriedades entre essas as Missões.

O projeto colonial foi construído com base na posse da terra e na

escravidão, posse, perante a necessidade de expansão e defesa da fé católica. Os jesuítas

eram um servo que deveria servir a Deus e a Companhia de Jesus. O missionário preso

ao respeito à estrutura hierárquica deveria saber distinguir qual era o serviço desejado e

imprescindível para a preservação da Ordem, pois servir orando, pregando, trabalhando

e administrando seja, Missões, colégios, fazendas, constituíam meios diferentes de

encontrar o seu fim essencial de servir a Deus. Administrar bens era uma tarefa tão

importante quanto aplicar exercícios espirituais.

Todas as ações levavam a um mesmo fim, a maior glória de Deus. Os

jesuítas, enquanto guardiões da fé Cristã, perceberam que uma posição passiva de

somente obter vantagens e propriedades a partir de doações e isenções, não garantia o

crescimento e a estabilidade desejada, era necessário atuar de forma direta e intensa,

gerindo as Missões, controlando a produção e planejada a melhor estratégia que

garantisse o seu propósito Religiosa.

A grandeza patrimonial e a nítida influência política no reino e nas terras

ultramarinas, e os inúmeros privilégios da Companhia de Jesus despertaram a atenção

das Coroas que entenderam que a situação comprometia os interesses Ibéricos,

desencadeando um movimento de ação contra a ingerência e as inserções nos negócios

temporais praticadas pelos jesuítas.

O projeto religioso, politico, social da Ordem Inaciana preocupou os

metropolitanos que atribuíram, aos jesuítas, um caráter ameaçador, levando-os a

expulsão na segunda metade do século XVIII.

Finalmente, o que percebemos é que a expulsão e a supressão da Companhia

de Jesus não foram suficientes para apagar o papel desempenhado pelos jesuítas na

sociedade luso-castelhana.

4. Capítulo III – Migrações e Práticas Comerciais na Fronteira luso-espanhola

A etnia é uma das forças maiores da cultura humana. Resiste às

guerras se há sobreviventes; resiste á transformação ecológica de seu

habitat. Resiste até o assédio missionário que, mesmo exercido

secularmente, não converte ninguém, por maior que seja a pressão

exercida (Darcy Ribeiro, 1996:12).

As disputas entre as Coroas Ibéricas pela definição das regiões limítrofes

das colônias da América foram acompanhadas de políticas distintas relativas ao

comércio entre os subordinados dos dois Impérios. Pode-se dizer que as indefinições do

Tratado de Madri bem como as decisões tomadas pelo marques de Pombal no decorrer

de sua a administração, entre elas a criação do diretório dos índios e a expulsão dos

jesuítas em 1767, nos leva ao ponto de culminância de nosso trabalho que será discutido

agora no terceiro capítulo. Buscamos apresentar dentro do possível os interesses dos

lusos e castelhanos na dita área, bem como, abordaremos de que forma as praticas

comerciais incentivaram a emigração dos Chiquitano, principalmente após a expulsão

dos jesuítas do território castelhano em 1767. Não esquecendo ainda que o momento da

expulsão dos jesuítas do território castelhano coincide com a política expansionista do

lado português.

4.1 Práticas Comerciais

As práticas comerciais na região da chiquitania envolvem algumas

ponderações. Pois, logo na sua instalação havia uma ambição de ligar as Missões de

Chiquitos com as Missões Guaranis no Paraguai, o que demonstra uma compreensão

estratégica desse caminho para a defesa das possessões espanholas, como também para

a prosperidade de Assunção e Santa Cruz. Visto que em termos gerais, a região onde foi

estabelecida as Missões, segundo a autora Eulália Maria Lobo

...as regiões colonizadas pelos castelhanos compreendiam três zonas

definidas: A primeira ocidente o altiplano cercado pelas cordilheiras

andinas... Uma segunda região, formada por vales subtropicais,

composta por rios que descem da cordilheira em direção ao oriente... e

uma terceira zona de planícies tropicais, denominada de oriente,

cortada por rios do Amazonas ou para sudeste, em direção ao

Paraguai... A duas primeiras regiões se completavam entre si... pois

enquanto no altiplano concentravam-se, sobretudo, as riquezas

minerais... os vales sub andinos eram os centros abastecedores dos

centros de mineração, dadas as circunstâncias favoráveis à

agricultura... Já a região oriental, mais insalubre, desprovida de minas

comparáveis às do altiplano ficou relativamente isolada (LOBO, 1960:

353-354)

Assim, não é preciso pensar muito para concluir que os jesuítas sempre

estiveram interessados na possibilidade de instalação de um caminho entre as Missões

Jesuítas de Chiquitos com as Missões Guaranis em Assunção, logo que o comércio da

Gran Chiquitania ficara restrito somente com Santa Cruz de la Sierra. Este modo, a

expansão de um caminho até as Missões Guaranis, torna-se uma meta. No entanto,

como se verá encontraram impedimentos. Além do que, esse caminho seria mantido ou

melhor monopolizado pelos jesuítas. Nesse sentido Eulália Maria Lobo salienta que:

Os jesuítas, ao abrirem o caminho do rio Paraguai, de Chiquitos a

Assunção, visavam facilitar a intercomunicação das missões e o

acesso às tribos infiéis que a ordem pretendia converter. Naturalmente

também se utilizariam dêsse caminho para o transporte da herva mate,

pois uma rota mais curta entre a zona produtora, sudoeste de mato

Grosso, e o centro consumidor, Potosi, no Alto Perú, viria incrementar

o comércio daquela mercadoria. Não convinha, porém, aos jesuítas

permitir o comércio dos colonos por essa via fluvial, pois receavam

que abusassem dos índios das missões. O comércio com Santa Cruz se

fazia através de um comerciante escolhido pelos jesuítas, que não

entrava em transações diretas com os nativos. Um caminho dos

jesuítas, dificilmente seria uma rota comercial, faltando portanto

estímulo para que os colonos se interessassem por ele... O comércio

ilícito não seria admissível numa região povoada por tribos indígenas

sob a égide dos jesuítas (LOBO, 1960: 89-90).

Para a mesma autora os ideias jesuíticos de formar esse caminho não

encontrou apoio da parte do governo espanhol que ao final acabou trazendo prejuízo aos

castelhanos no momento das demarcações territoriais:

A atitude do governo espanhol denotou uma incompreensão da

importância do caminho dos jesuítas para a manutenção do domínio

espanhol na bacia do Paraguai, como também para favorecer a

unidade das suas colônias. A medida tomada pelo governo parece

demonstrar que prevaleceu a preocupação de evitar possível

contrabando português por essa região. A coroa assumindo, portanto,

uma atitude negativa, optou por um mal maior para corrigir outro

menor... Contrasta a visão dos jesuítas, quanto a importância

estratégica de Chiquitos para a defesa do império colonial espanhol,

com a inércia e o negativismo dos poderes constituído (LOBO, 1960:

90).

Esta falta de comunicação prejudicou e muito a Gran Chiquitania e de igual

forma o desenvolvimento colonial espanhol naquela região, visto que o impedimento da

expansão jesuítica até as margens do rio Paraguai, proporcionou a ocupação portuguesa

na região, estabelecendo posteriormente ali a cidade conhecida hoje como Corumbá. A

não realização dos objetivos jesuítas da formação do caminho que ligasse a Chiquitania

aos Guaranis criou a estranha situação de duas regiões servidas pela mesma bacia

hidrográfica, a de Chiquito e do Paraguai, ficando incomunicáveis. Ou seja, o

fechamento do caminho até Assunção, contribuiu para romper, a unidade de uma região

entre os Guaranis em Assunção e a Chiquitania no Oriente Castelhano na América do

Sul, além deste, favoreceu o isolamento da região da Gran Chiquitania. Contribuindo

assim, para um retardamento comercial na região, o impedimento do “caminho fluvial

através do rio Paraguai, correspondeu para a Assunção, a perda de um mercado nas

províncias de Chiquitos e Santa Cruz, de uma área de influência, e de possível expansão

territorial” (LOBO, 1960: 415).

E foi justamente a proibição do caminho fluvial pelo Paraguai, que tinha

como propósito da Monarquia Hispânica de impedir a penetração lusa em terras

consideradas como pertencentes à Espanha, dando-se exatamente o oposto, como

previra, na época, o Superior das Missões jesuíticas de Chiquitos:

Y deseamos saber, de qué modo los han de cerrar los que han

informado contra ellos (os caminhos); si há de ser com cal, canto ó

palizada: porque esta será obra como el muro de la China; pues em

distancia de mas de cien léguas, de norte a sur, que tiene esta costa de

los Chiquitos, por la parte del Rio Paraguay, no es uno sino vários los

caminhos que tienen los Portugueses para entrar em nuestras tierras; y,

aunque se los cierren, no sabrán ellos abrirlos?19

No documento do manuscritos de Pedro de Angelis ainda se encontra outro

comentário do mesmo superior que comenta que a vantagem principal do caminho seria

a de assegurar a defesa de Santa Cruz:

Todo lo cual cede em la seguridade de la província de Santa Cruz y de

este reino; guardando, como guarda, la nacion de Chiquitos estas

costas del Rio Paraguay, de las invasiones de los enemigos

mamelucos del Brasil y otros de la Corona... los índios de los pueblos

fronterizos al rio Paraguay que son San Rafael y S. Joseph salen todos

los años á la espia, para prevenir y avisar al gobernador de Santa Cruz,

de cualquiera invasion de los Mamalucos...20

O fato era que o atrativo da caça ao índio e o abandono das margens do rio

Paraguai pelos espanhóis favoreciam as incursões dos portugueses na região de

Chiquitos. O documento supracitado refere-se à presença dos portugueses na região de

Chiquitos, em 1712 e em 1717. Esses documentos em si retratam que os encontros entre

os lusos-portugueses e os índios Chiquitos eram constantes, pois o acesso a chiquitania

19

ANGELIS, Pedro de. Súplica do Padre Superior de Chiquitos ao Rei. Coleção de Manuscrito de Pedro

de Angelis, I, 29, 50, 104. Biblioteca Nacional, 1718. 20

Ibidem

era relativamente fácil para os sertanistas, prontos a lutar contra as maiores dificuldades

nas suas expedições para levar o gentio e comercializar na Capitania de São Paulo.

Tal processo de interesse no comércio do gentio permaneceu até a

descoberta do ouro nas minas cuiabanas, a descoberta do ouro desviou por um tempo o

interesse dos lusos da região de Chiquitos para o novo Eldorado. Desencadeando a

vinda de um grande número, sobretudo de paulistas. A chegada desses indivíduos gerou

uma grave crise de abastecimento, agravados na região, pelas distancias e dificuldades

de comunicação em São Paulo. “Os artigos chegavam a Cuiabá por preços absurdos

devido ao custo do transporte fluvial e terrestre, ao constante perigo de deterioração dos

gêneros alimentícios e destruição das frotas pelos Paiaguas” (LOBO, 1960: 419). Assim

era natural que os lusos portugueses buscassem se comunicar com outras regiões mais

próximas do que a Capitania de São Paulo, para poder se abastecer e romper o

isolamento em que se achava. Segundo Lobo,

A busca de uma comunicação seguiu três rumos: para leste, abrindo

uma estrada terrestre para Goias; para noroeste, procurando atingir o

Pará, pela bacia Amazônica; e para o oeste, abrindo caminho para

Chiquitos (LOBO, 1960: 423)

A autora enfatiza ainda que:

Esta província dispunha, em abundância, de gado vacum e cavalar,

tecidos, artigos esses escassos e, portanto, caros em Cuiabá e Mato

Grosso. Através de Chiquitos, os cuiabanos poderiam abastecer, em

Santa Cruz de la Sierra, de instrumentos de mineração de lavoura, de

sal, enfim de toda a sorte de gêneros alimentícios. Além do mais,

Chiquitos estava mais próximo do que São Paulo, Pará e Goias

(LOBO, 1960: 423)

Com o aumento demográfico a dificuldade por alimentos passou a serem

maiores, os moradores da região, ao longo do século XVIII, iriam sofrer com os altos

preços das mercadorias, com as irregularidades no abastecimento (devido ao ataque dos

índios Payaguá e Guaykurú aos comboios monçoeiro), secas e doenças21

. Ao que tudo

indica os mineiros não haviam feito qualquer provisão de mantimentos, e estes se

tornariam mais valiosos que ouro nestas minas.

Assim, o viver em regiões tão distantes e desconhecidas, segundo os

autores, requeria, por parte dos moradores, a plantação de roças, pesca e a criação de

gado vacum e cavalar, desenvolvidas antes ou paralelamente a mineração. Com isto, os

21

Para maiores detalhes sobre a questão de abastecimento e do primeiro contato com as missões de

Chiquito, consultar CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Instituto

Nacional do Livro, 1969.

mineradores permaneceriam nestas áreas já descobertas, garantindo a posse do novo

espaço e uma alimentação mais barata. Diante das dificuldades de comunicação com as

capitanias de São Paulo e de Goiás, e até mesmo entre as próprias áreas mineradoras de

Cuiabá e Mato Grosso, uma nova rota comercial se abriria, devido à proximidade com

as missões jesuíticas de Chiquito e Mojo. Conforme o historiador Otávio Canavarros, a

primeira aproximação com os espanhóis nas missões de Chiquito iria registrar

momentos especiais, pois,

nove meses após, ou seja, em 1740, os camaristas e negociantes de

Cuiabá, com a primeira aprovação do Ouvidor de Cuiabá, mandaram

uma embaixada a “San Rafael de lo Chiquitos” (fronteira da atual

Bolívia) para entabular negociações comerciais. Foi assim organizada

em Cuiabá, com objetivos comerciais e políticos, a chamada

“bandeirinha de 1740”, expressão pela qual ficou conhecida na época.

Era uma expedição exploratória, visando ao levantamento da região

para abrir opções nas rotas de troca e espionar as aldeias jesuítas.

Composta de quatro sertanistas, comandados por Antônio Pinheiro de

Faria, com o título de embaixador, levava consigo credenciais de

apresentação, cartas a comerciantes e fidalgos do Rio da Prata e

presentes aos anfitriões. Essa “bandeirinha”, que custou meia arroba

de ouro, foi bem recebida em São Rafael e retornou a Cuiabá em

novembro de 1740. Os padres espanhóis, porém, logo comunicaram a

inesperada visita às autoridades espanholas, tanto eclesiásticas como

civis. Os pontos obscuros desse episódio dizem respeito à autorização

e, mesmo, participação da maior autoridade local, o ouvidor

Gonçalves Pereira, no envio da embaixada, sem nenhum

consentimento oficial de autoridade superior, fosse de São Paulo,

Bahia ou Lisboa (CANAVARROS, 2004:216).

Segundo os autores, houve reações ao envio da “bandeirinha” por parte das

administrações europeias de ambas as cortes, principalmente por ter contado com o

apoio do Ouvidor de Cuiabá, João Gonçalves Pereira22

. Segundo Lucídio, o ouvidor

representava um grupo de comerciantes de Cuiabá, que, em carta enviada a Dom João

V, deixava claro que os motivos deste contato se davam em função da redução de

extração de ouro nas minas, argumentando que:

elles tem experimentado, e actualmente estão padecendo demenuição

muito grande nos seus cabedaes empregados em fazendas por não

poderem dar lhes saida nass dittas Minas, e da que tem dado a

algumas estão por embolçar da mayor parte do seu produto por o

estado da terra assim o permitir; o que procede do demenuto numero

22

Segundo padre Pablo Pastells, el año 1740 se presentaron em el pueblo de San Rafael de las mismas

Misiones, cinco fidalgos portugueses acompañados de un capellán, fraile carmelita descalzo, haciendo

muchos cumplimientos y con muestras de piedad cristiana, pidiendo les dejasen celebrar la pascua de

Navidad y les mostrasen el camino a Santa Cruz de la Sierra, pues querían establecer comercio con ella y

el Perú, aprovechando la paz que había entre las coronas (Pastells, 1949:XVIII, apud LUCIDIO, 2003:

21-22).

de moradores, e falta de ouro por não aver quem o procura, e tire

motivos ambos para total ruína do negocio (...) (Canavarros, 1998

citado por Lucídio, 2003:21).

Contudo, Barboza de Sá em seu trabalho demonstra que o interesse

comercial dos lusos nas Missões Jesuíticas de Chiquito, não foi bem recebida pois,

havia a preocupação de se defender a província. A Real Audiência de Charcas da qual

era submetida a Gran Chiquitania, envia ordens, mandando expulsar os lusos e proibir

qualquer comércio. Porém indícios levam a crer que a pratica comercial continuava,

mesmo com a proibição pois as Instruções Régias para o governador e capitão general

da Capitania de Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, de 13 de

agosto de 1771, demonstram o desejo da monarquia portuguesa em manter o comércio

com as antigas missões Jesuíticas.

Terá V. As. em todo o cuidado em assinar o dito comercio por todos

os meyos que lhe forem possíveis de tal sorte porem e com tal

desfarse que não lhe paressa que V. Sa. o promove e menos que tem

ordem para assim o fazer.

Nestas circunstancias bem verá V. Sa., que hum dos meios para

conseguir este fim hé o de agasalhar, de receber com agrado os

habitantes das aldeias castelhanas confinantes dessa Capitania

particularmente os passadores de fazenda, que sempre cresserão em

numero a proporção que o comercio aumentar. E destes poderá V. As.

também haver notivias de tudo quanto se passar nos Dominios de

Castela...Estabelecer entre os Portuguezes e os habitantes das

soberditas aldeias e Missioens huma amizade e confiança mutua, de

sorte que por mais que trabalhe o governo de Castella a vedar

acomunicação entre eles e nós, achem sempre aquelles povos mais

utilidade e mayor ventagem em nos comonicar do que em obedecer as

Leys que o Prohibem.23

Assim, logo após pedir informações suplementares ao ouvidor, o Conselho

Ultramarino determinou “que logo se pode mandar prohibir pelo Cuiabá toda a

comunicação com os vassalos da Coroa de Castella e esta notícia poderá diminuir o

cuidado que tiver causado aos castelhanos a entrada que fizeram os moradores de

Cuyabá naquellas Missões” (CANAVARROS, 2004:219). Neste sentido, segundo a

historiadora Maria Teresa Loureiro, os padres que acolheram os moradores de Cuiabá

foram severamente castigados e substituídos com intuito de cessar qualquer

comunicação comercial entre as coroas.

Ou seja, essa decisão faz surgir, por parte do governador outra possibilidade

econômica do comércio, a questão do contrabando ou descaminho, pois tem sido tratado

23

APMT, Intruções Régias para o governador e capitão general Luiz de Albuqueerque, Ano I, Vol. I, XI, pá

por alguns historiadores como alternativa de enriquecimento para homens livres pobres,

ímã que atraiu pessoas para a fronteira (LENHARO, 1982: 54). Contudo, conforme

legislação e orientação portuguesas, “em nenhuma circunstância, as pessoas pobres

podiam assim fazê-lo, pois esta prática se constituía em crime grave e poderia ser

interpretada até como crime de lesa-majestade” (PIJING, 2002: 399). Isso não quer

dizer que não tivesse sido executado por estes estratos da população, mas que se deve

ter cautela com a rigidez das generalizações e tentar compreender qual tipo de

contrabando se estão observando.

Se o contrabando era um fenômeno aceito e onipresente, como

explicar o fato de que algumas pessoas eram de fato processadas e

condenadas? Para responder a tal questão, é necessário distinguir entre

dois tipos de contrabando: o que era tolerado pelas autoridades e o que

estava sujeito a uma condenação universal. O comércio ilegal tolerado

era um comércio controlado, permitido pelas mesmas pessoas cujas

funções oficiais pressupunham exatamente combatê-lo. (PIJING,

2002: 399)

A proibição da prática de contrabando pelos vassalos do Rei, considerada

ilícita, já reduz sobremaneira as induções migratórias em direção ao Mato Grosso,

relativizando sua intensidade. Já o contrabando tornado lícito pelas Instruções Régias, o

contrabando oficial secreto, era restrito aos interesses da Coroa.

nos é muito conveniente o comércio com as aldeias castelhanas, pela

facilidade e bom mercado, com que lhes podemos introduzir os

gêneros de que necessitam; terá V. Senhoria todo o cuidado de animar

o dito comércio por todos os meios que lhe forem possíveis, de tal

sorte e com tal disfarce que não pareça que V. Senhoria o promove, e

menos ainda que tem ordem para assim o fazer. Nestas circunstâncias,

bem verá V. Senhoria, que um dos meios para conseguir tal fim, é o

de agasalhar e receber com agrado os habitantes das aldeias

castelhanas confinantes dessa Capitania, particularmente os

passadores de fazendas que sempre crescerão em número à proporção

que o comércio aumentar: e destes poderá V. Senhoria também haver

notícias de tudo quanto se passar nos domínios de Castela.24

Nas práticas de contrabando há, portanto, uma diferença a ser considerada,

que transita entre o público e o privado, este proibido e aquele permitido com

exclusividade do usufruto da Coroa, contradição compreensível no funcionamento do

sistema colonial.

O contrabando não se inseria numa única vertente que permita seu

estudo de forma uniforme e generalizada. Se diferencia, na verdade,

em duas práticas distintas: a esfera do público e a de âmbito privado,

averiguadas através de vasta documentação. Não creio ser necessário

24 Instrução de Martinho de Melo e Castro a Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. 13/08/1771.

AHU, Lisboa, Códice 514, Caixa 19; não catalogado. NDHIR/UFMT

alertar para a designação contrabando oficial, aqui empregado por não

se constituir em contraditoriedade, pois era a Coroa defendendo seus

interesses através de artifícios ilegais. As penas do ilícito variavam

entre a perda da carga, confisco de bens, prisão e até mesmo morte,

sendo proibido aos vassalos, mas paradoxalmente praticado por

representantes da Coroa portuguesa.(QUERENDO, 1999: 13)

A execução velada de contrabando como interesse econômico exclusivista

da Coroa portuguesa, de forma oficial secreta representou uma alternativa para manter

as posses territoriais e garantir o exclusivo metropolitano.

Em suma, licenças, concessões, contrabando parecem-nos fenômenos

que se situam na área da disputa entre as várias metrópoles européias

para se apropriarem das vantagens da exploração colonial – que

funciona no conjunto do sistema, isto é, nas relações da economia

central européia com as economias periféricas. Não atingem, portanto,

a essência do sistema de exploração colonial. São variações em torno

do elemento fundamental do sistema: em última instância, o regime do

comércio colonial – isto é, o exclusivismo metropolitano do comércio

colonial – constituiu-se ao longo do século XVI, XVII e XVIII, no

mecanismo através do qual se processava a apropriação, por parte dos

mercados das metrópoles, dos lucros excedentes gerados nas

economias coloniais; assim, pois, o sistema colonial em

funcionamento, configurava uma peça da acumulação primitiva de

capitais nos quadros do desenvolvimento do capitalismo.(NOVAES,

1985: 91-92)

Não é nossa intenção aprofundar a questão do contrabando, as observações

aludidas são para ter noção de que ela existia, de forma legal ou ilegal. E, servia a

interesses distintos de acordo com as necessidades do momento. Denota-se, porém, que

a pratica comercial do descaminho era exercida também pelos jesuítas, pois, eram os

que possuíam a autonomia de deliberar sem prestar conta a ninguém. Além disso, seja

pelo contrabando oficial secreto, seja pelas relações privadas entre colonos de ambos os

lados da fronteira, o forte especializou também significativo intercâmbio entre lusos

portugueses, castelhanos, e nativos. E, estas relações de fronteira entre os vizinhos

ibéricos estavam muito mais próximas da paz do que da guerra, o que certamente

facilitou as relações oficiais e ilícitas de contrabando por membros da governança local,

com destaque a Luiz de Albuquerque e alguns poucos contrabandistas particulares a ele

ligados.

Essas práticas do descaminho eram coordenadas pelos jesuítas sem qualquer

interferência do governo espanhol. A autonomia requerida para dirigir suas atividades

comerciais sem qualquer interferência do governo fora concedida em 1700 que

determinava que os religiosos pudessem entrar sair e despachar livremente seus pleitos

com qualquer pessoa, sem que o governador algum o impedisse. A autonomia dos

jesuítas permitia a trocarem as produções excedentes como lhe conviesse. A Oscilação,

portanto, entre a proibição e o estímulo de um comércio controlado com as missões

castelhano marcaram a política comercial portuguesa por aquela parte. Embora o poder

central espanhol continuasse a proibir o contrabando até o fim da época colonial, no

nível local, comerciantes, missionários, militares e governadores ficavam sem outra

opção, a não ser manter o comércio de acordo com suas necessidades.

4.2 O diretório dos índios

Ainda, em 1749, a preocupação com a proteção do território lusitano destas

paragens era uma determinação presente nas instruções de todo visto neste parágrafo da

Instrução da Rainha D. Mariana Vitória para o primeiro capitão-general da Capitania de

Mato Grosso, Antonio Rolim de Moura (1751-1765), redigida em Lisboa, em 19 de

janeira de 1749 visto anteriormente no primeiro capítulo que diz:

Por se ter entendido que Mato Grosso é a chave e o propugnáculo do

sertão do Brasil pela parte do Peru, e quanto é importante por esta

causa que naquele distrito se faça população numerosa, e haja bastante

a conservar os confinantes em respeito, ordenei se fundasse naquela

paragem uma vila e concedi diversos privilégios e isenções para

convidar a gente que ali quisesse ir estabelecer-se e que para decência

do Governo e pronta execução das ordens se levantasse uma

Companhia de Dragões.

Nesse mesmo sentido um Mapa Militar da Capitania de Mato Grosso

dirigido à Corte, pelo Governador Caetano Pinto Miranda Montenegro, de Vila Bela, a

29.12. 1798 apresentam dados pertinentes às Ordens Régias encaminhadas ao governo

de Rolim de Moura (1751- 1765), contendo as seguintes informações:

A Capitania de Mato Grosso confina com as três principais Províncias

Espanholas de Mojos, Chiquitos e Assunção, no Paraguai. A sua

importância é bem conhecida; não só por cobrir, e servir de barreira ao

interior do importantíssimo Estado do Brasil, como também pelas

ricas minas, que em si encerra, umas ainda não descobertas, mas que

seus montes e serranias estão prometendo ou trazem vistas pelos

antigos sertanistas, e hoje ignoradas; outras conhecidas bem como sua

riqueza, mas vedadas desde o princípio, e outras enfim em que

atualmente se trabalha com mais vantagens do que as das outras minas

do mesmo Estado.25

O documento apresenta dados que, analisados, dão visibilidade ao desenho

dos contornos da fronteira entre os territórios espanhol e português, justificando a

necessidade de construir uma barreira de proteção ao interior do Estado do Brasil: “Uma

25

Mapa Militar da Capitania de Mato Grosso. 1798. Doc. APMT/MT

fronteira tal, e tão rica, deve ser guardada cuidadosamente, e pela sua extensão e

importância houvesse de ser calculada a sua guarnição, dois ou três Regimentos ainda

em tempo de paz”.26

Desta forma é que foi estabelecendo-se um novo traçado

fronteiriço, que ao mesmo tempo proporcionava a expansão do território luso. Na

tentativa de justificar o domínio e defender o território, a Coroa portuguesa passou a

considerar importante a consolidação de sua presença nas zonas de fronteira, fossem

estas constituídas pela orla ou pelo sertão.

Com a assinatura do Tratado de Madri entre as duas metrópoles ibéricas, as

terras da América portuguesa diminuíram no Sul, porém, aumentaram no Norte, em

consequência dos acordos firmados entre Portugal e Espanha27

.

No planejamento da área de fronteira, que acontecia tanto no lado espanhol

quanto no português, “os índios tiveram uma importância estratégica enquanto meio de

implantação do direito de uti possidetis” (DOMINGUES, 2000: 85 ), parte do programa

geopolítico e civilizacional previsto pela própria Coroa no território, em diferentes

fases, durante o Setecentos (DOMINGUES, 2000: 85-213). Com o Tratado de Madri a

preocupação em fundar vilas, com o intuito de povoar, aumentou. Pois de acordo com o

Tratado de Madri, as fronteiras entre domínios ibéricos seriam definidas de acordo com

o princípio do uti possidetis, ou seja, do direito à posse pela comprovação da presença e

ocupação dos territórios. Além do mais, essa zona de fronteira, se encontrava próximo

às missões religiosas de Chiquitos, o que significava a possibilidade de conseguir mão-

de-obra habilitada ao trabalho sedentário, desejado pelo colonizador, que já havia criado

anteriormente o “Diretório dos Índios”, como estratégia de inserir o indígena no modelo

de exploração colonial.

O Diretório significou,

um documento jurídico que regulamentou as ações colonizadoras

dirigidas aos índios, entre os anos de 1757 e 1798(...) um instrumento

jurídico criado para viabilizar a implantação de um projeto de

civilização dos índios na Amazônia” (ALMEIDA, 1997: 14).

O Diretório foi criado a partir da necessidade de conceitualizar às

sociedades indígenas, defini-las em todos os seus pormenores, assim como propor a sua

exclusão ou inclusão do mundo civilizado. Pensava-se que uma vez que essas

sociedades fossem convertidas, poderiam ser “uteis” economicamente, fariam parte da

26

Mapa Militar da Capitania de Mato Grosso. Fundo: Governadoria, 1798. Doc. 125. APMT/MT. 27

Além da América, Espanha possuía territórios coloniais também na Ásia e na África, posses negociadas com Portugal durante a elaboração do Tratado de Madri (1750), e do Tratado de Santo Ildefonso (1777).

mão-de-obra regional. Nessa concepção, os índios representavam apenas números, era

uma quantia a ser levada em consideração, em termos estatísticos.

Tinha como proposta secularizar o serviço de administração dos índios que

estava, até então, nas mãos de missionários. O propósito era transformar e organizar as

aldeias indígenas em futuras vilas e cidades. Para a sua plena realização contou com

políticas favoráveis a seu desenvolvimento.

A presença do Diretório foi constante durante todo o período estudado. Ele

visava normatizar a relação do colonizador com as populações indígenas envolvidas na

definição de fronteiras. Os índios, considerados “livres”, “vassalos” da Coroa, deveriam

ficar concentrados em povoações sob o controle de um administrador, que deveria zelar

por seus interesses. Nessas aldeias havia imposição da língua portuguesa, e se

organizava o trabalho dos índios. Os administradores eram remunerados com a sexta

parte da produção indígena, o que levou a excessos na exploração da mão-de-obra,

provocando muitas fugas e levantes. Os índios também eram alugados a particulares,

mediante diárias, podiam trabalhar em expedições, como remeiros, trabalhar em obras

públicas.

Esses aldeamentos localizavam-se em lugares estratégicos, ao longo do

Madeira e do Guaporé, e serviam como ponto de apoio para os viajantes. O Diretório

incentivava a distribuição dos índios por lavouras familiares, nas quais deviam plantar

mandioca, feijão, milho, arroz, algodão e o tabaco, explorar os “negócios do sertão”,

que consistia na coleta raízes, folhagens, sementes, cascas etc. Além de retirar do

trabalho seu sustento e um excedente comerciável. Tudo deveria ser desenvolvido

próximo às “povoações”; cada uma delas contava com um diretor, um pároco e um

principal, e muitos deles utilizavam o trabalho dos índios em benefício próprio. Os

índios respondiam a essa exploração com fugas constantes, não estando satisfeitos com

as condições impostas pelos diretores dos índios, o que anunciava a futura falência da

lei. D. Francisco de Souza Coutinho denunciava as atitudes dos diretores e o

descumprimento do Diretório:

no pé atual a que os diretores reduziram os índios e as povoações

deles, isto é, no pé de considerarem os índios como servos ou

escravos, e a povoação como curral deles, no de nem respeitarem a

sua vontade, o seu interesse, a sua propriedade, a sua vida, pode ser

que os viajantes encontrassem sabendo cometer ao diretor bons

partidos. Mas, se esta povoação se reduzisse aos termos que

prescrevem as leis; se fosse possível haver um diretor que não

abusasse das suas disposições e da confiança que fazem dele,

reconhecer-se-á por mui incerta outra vantagem aos viajantes mais

que a de acharem descanso, víveres e reforço, e muito por acaso uma

vez ou outra alguns indivíduos, que por conveniência própria os

queiram servir largando o seu estabelecimento, grande ou pequeno, e a

sua família, para empreenderem uma viagem, que ainda daquela

situação para diante é dilatada, ou mesmo para somente se arriscarem

a violentíssimos trabalhos na passagem das cachoeiras, sendo de mais

a mais, tais trabalhos e tais viagens em climas tão funestos aos

mesmos índios. 28

As manifestações de insatisfação com a aplicação do Diretório eram cada

vez mais constantes, como no caso da Povoação de Casalvasco:

Os índios moradores desta povoação, depois de aqui estar bastante

tempo, os conheci mais hábeis e satisfeitos, e agora cada vez mais mal

satisfeitos, não obstante tratarem-se com menos sujeição. Sucede que

quando os mando avisar para a equipação desta igarité, que

precisamente anda na Câmara desta povoação, para se a fazer, olham

muito, dizendo que não são cativos, e que se lhes não pagam. O

mesmo sucede com os que estão empregados no serviço do gado, que

sempre mandam requerendo que os tire dele, porque [ilegível] lição

que tem o sábado e o domingo, e os dias de serviço que trabalham

como querem. É que o sábado são obrigados ir para onde o fazendeiro

os mandar, seja a hora que for sem ganhar nada.29

Esses documentos demonstram bem o descumprimento do Diretório, apesar

da “garantida” liberdade dos índios, os mesmos ainda continuavam sendo tratados como

cativos, e mais, a regularização do trabalho e pagamento dos índios foi algo que

praticamente não se cumpriu. Para Ângela Domingues, “o estatuto dos vassalos

ameríndios do monarca português era contrastante com a situação que, de fato,

ocupavam, sendo um procedimento corrente a infração dos direitos básicos estipulados

na lei da liberdade”. Além do mais, segundo Domingues, os diretores eram acusados de

explorar os índios em benefício próprio “ou em benefício dos seus amigos e

apaniguados, não lhes pagando os salários devidos e fazendo-os trabalhar nos serviços

de moradores mais tempo do que aquele prescrito por lei” (Domingues, 2000: 49-50).

O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira denunciou, em seus registros, o

descumprimento da legislação contida no “Diretório dos Índios”, não concordando com

o tratamento que lhes era prestado. O naturalista criticava em especial os diretores de

aldeia, “por considerar que não aplicavam as leis como deviam. Na realidade, Ferreira

não era contrário à utilização da mão-de-obra indígena, mas ao modo pela qual era

aplicada a lei” (ANZAI, 2005: 273). A lei previa que esse trabalho não poderia exceder

28

COUTINHO, RIHGB, nº. 7, outubro de 1840. P 281 -304. http.//documenta.incubadora.fapesp.br –

08/06/2013 às 19h. 29

APMT, Fundo: Defesa, Ano: 1795 Data: 12/01/1975, Doc.: 57, Lata: B.

a seis meses, já que os mesmos índios deveriam cuidar de suas roças e família. Mas isso

dificilmente era obedecido, o que levava a que os índios praticamente abandonassem

suas famílias, promovendo desequilíbrio na divisão das tarefas das aldeias.

O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira foi um dos que mais denunciou

a situação dos índios. Ferreira denunciou que os índios eram requisitados como

remeiros para expedições diversas, e que não havia para eles intervalo legal entre uma e

outra. Em geral as expedições duravam cerca de seis meses; no entanto, assim que

chegavam de uma viagem, os índios já eram requisitados para outra, à revelia das

portarias que definiam que deveria haver uma permanência de outros seis meses em

suas casas, trabalhando em suas roças (ANZAI, 2005). Alexandre Rodrigues

denunciava o excesso de trabalho exigido dos índios, que os deixava doentes. Explicitou

melhor o trabalho dos índios remeiros, que sofriam com as picadas de insetos que

infeccionavam, além de obstrução, apoplexia, hidropisia, a asma, as febres, e a

“corrupção”, sendo esta última a que mais os amedrontava, fazendo com que não

viajassem sem um estoque de pimenta, considerada um dos medicamentos preventivos

da doença. Para o naturalista, além do excesso de trabalho, contribuíam para deixá-los

doentes a falta de agasalhos e a alimentação deficiente.

Devemos observar que o Diretório foi uma lei que se baseou, em grande

medida, nas diretrizes básicas do Regimento das Missões, de 1686, corrigindo-as em

alguns pontos, inovando em outros, de modo que melhor se adaptasse as necessidades

daquele momento histórico em que foi implantado. Do mesmo modo o “Plano para a

Civilização dos Índios” utilizou-se de princípios previstos no Diretório, e que também

buscou corrigir as falhas, principalmente no que dizia respeito a questão da utilização da

mão-de-obra indígena, que, segundo Coutinho, não atendia as necessidades da época.

Dessa forma, entendemos que nem o Diretório nem o “Plano” foram leis totalmente

inovadoras, simplesmente buscavam corrigir as falhas observadas, permanecendo, tanto

em um quanto no outro, aqueles princípios que se julgavam ter sido exitosos. Um

exemplo disso é que apesar das críticas de Coutinho ao Diretório, alguns de seus

princípios permaneceram como os incentivos aos casamentos interétnicos.

Ressaltamos que a aplicação do Diretório em Mato Grosso levou a Coroa

lusa a conseguir seu intento – o aumento de uma população desejável para a repartição

do Mato Grosso – garantindo a posse efetiva das terras da fronteira com os espanhóis.

4.3. Migrações Chiquitanas ainda no Governo Antonio Rolim de Moura

Nesse estudo, a análise é também, do período do governo Antonio Rolim de

Moura á Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres governadores da Capitania de

Mato Grosso. A principio pretendia-se estudar as migrações dos índios Chiquito a partir

da data de expulsão dos jesuítas. Todavia, pensamos ser importante mostrar que já havia

uma mobilidade, ainda no período dos jesuítas.

Em diversas correspondências, conforme veremos no decorrer deste

capítulo, encontramos referências aos índios missioneiros da Província de Chiquitos30

e

Província de Moxos, assim como informações sobre as providências tomadas por

capitães generais portugueses para incentivar as fugas e mantê-los no lado português da

fronteira. Ricardo Franco de Almeida Serra informava, em uma “memória ou

informação” sobre a Província de Chiquitos e Moxos:

A Província e Governo de Chiquitos, povoada por vinte mil almas, é

como uma barreira, que cobre por Sul, e por não pequena extensão, os

estabelecimentos portugueses adjacentes a Vila Bela, como a

Província de Moxos é outro terreno, que semelhantemente cobre a

extrema do forte do Príncipe da Beira, e a navegação portuguesa do

Guaporé e rio Madeira, para a cidade do Pará. A Província de

Chiquitos é saudável, tem gado vacum e cavalar, belas terras para

cultura, sendo os índios que a povoam menos hábeis do que os de

Moxos31

.

O estabelecimento destas auxiliariam os portugueses na luta pela posse do

território para a Coroa lusa. Desse modo, Rolim marcava a presença do Estado luso.

Foram frequentes as trocas de correspondências entre Rolim de Moura e padres das

missões espanholas, evidenciando que os roubos de índios das missões era prática

comum, conforme podemos observar em carta que Rolim de Moura enviou ao padre

Ramon Laines, em 10 de janeiro de 1752, em resposta à carta que havia recebido do

padre, com data de 2 de julho de 1751:

30

Em setembro de 2012, viajamos até a Província de Velasco, cuja capital é San Ignácio, e nos

municípios de San Rafael, San Miguel, Santa Ana e San Jose, remanescentes das missões jesuíticas do

século XVIII. As belas igrejas foram restauradas, e evidenciam o alto grau artístico dos índios dessas. A

igreja de Santa Ana, a mais próxima da fronteira lusa e de Vila Bela, possui uma particularidade: teve sua

construção iniciada durante a presença jesuítica, e ainda não havia sido terminada quando chegou a

ordem de expulsão dos jesuítas, em 1767. Os índios Chiquito terminaram a construção, que ficou em

comparação as demais, bem singela, porém não menos bonita. Por outro lado, a igreja de San Jose é toda

construída em pedra, possui uma suntuosidade que enche os olhos. O povo boliviano hoje que vive nessas

regiões é, em sua maioria, muito religioso, herança clara da influencia jesuítica, e se orgulha de seu

patrimônio arquitetônico. 31

SERRA, RIHGB, nº 5, ano 1840. P. 19-48. http://documenta.incubadora.fapesp.br – 27/01/2014 ás 09h.

Chegando a este Distrito de Mato Grosso, a dezenove do mês passado,

me deram daí alguns dias a carta de vinte e dois de julho de mil

setecentos e cinquenta e um, em que se queixa de que alguns

sertanistas portugueses têm roubado vários índios dessas missões

trazendo algumas mulheres casadas, a quem ficaram nas mesmas

missões os maridos. E, asseguro, tenho sentido muito esses distúrbios,

tanto pelo dano, que diz recebem as mesmas missões, como também

pelas grandes recomendações que tenho de conservar boa harmonia

com vossos padres evitando o motivo de escândalo. (PAIVA, 1982:

62)

Alguns pontos desta carta se destacam um dos quais o fato dos sertanistas

terem roubado mulheres. Essa prática era, até de certa forma comum, já que nos

aldeamentos os padres procuraram seguir a divisão sexual do trabalho presente na

maioria das comunidades indígenas, o que significava que às mulheres e às crianças

cabiam o plantio e colheita das roças. Porém, no caso de regiões de minas havia outro

fator importante: a predominância da população masculina. Na Capitania de Mato

Grosso não era diferente, havia muito mais homens do que mulheres e, provavelmente,

os sertanistas roubavam mulheres índias para fazê-las trabalhar, nas roças ou em

atividades domésticas, possibilitando mesmo fazerem delas suas mulheres.

Essa concepção demonstra que a atividade da ilegalidade discutida

anteriormente, também se fazia, através de roubos das nativas da Chiquitania, bem

como também servia ao propósito de sanar uma necessidade do momento. Ou seja, as

nativas acostumadas aos modos civilizados implantados pelos jesuítas, prestavam

serviço na lavoura e nas atividades domésticas, bem como transformando-as em suas

mulheres. Essa prática vinha de encontra com a política de povoamento implantado pela

Coroa lusa, pois assim conseguia mão-de-obra para o trabalho e também a constituição

de famílias com o intento de aumentar a população.

De uma forma velada e em nome da manutenção da “boa harmonia” com

Espanha, a resposta de Rolim ia ao encontro das intenções portuguesas de investigar o

modo pelo qual funcionavam as missões jesuíticas e, desse modo utilizou o pretexto

diplomático de devolver as índias roubadas, que se encontravam sob domínio de

particulares, conforme se pode observar na carta enviada ao ministro Diogo de

Mendonça Corte Real (28 de maio de 1752):

Para o fim deste mês mando um dos padres da Companhia que trouxe

comigo à dita Aldeia de São Miguel, com o pretexto de os visitar e

levar-lhes as índias que se acharam pertencentes às missões

castelhanas, e juntamente para tomar conhecimento da economia e

governo delas, pois é certo excedem nisso muito as

nossas.(PAIVA.;SOUSA e GEREMIAS, 1983: 70)

O governador ainda esclareceu ao ministro: “Fico na averiguação do que me

representa para obrar nisto o que for justo, e quanto às mulheres casadas está já uma em

depósito, e outra, assegurou Antonio de Almeida, a ia entregar” (PAIVA; SOUSA

&GEREMIAS, 1983: 62).

Provavelmente não seriam somente duas mulheres, e quanto a ficar uma

“em depósito”, isso pode dever-se às negociações entre o governador e os padres, uma

garantia, talvez uma troca de favores. No outro caso, o da mulher que estava com

Antonio de Almeida, embora tenha havido promessa de entrega, não conseguimos

confirmação na documentação pesquisada.

E o roubo de mulheres das missões espanholas continuava. São A Aldeia de

São Miguel foi alvo de assédio às índias, conforme documento de 1765, no qual o

governador da Capitania de Mato Grosso, João Pedro da Câmara, informava:

A aldeia de São Miguel, composta dos índios que no tempo de guerra,

passaram para a nossa parte, das minas castelhanas que se queimou, e

de outros que fugiram e vinham fugindo das mais desordens, ficou

situada a pouca distância deste destacamento, porque naquele tempo

se não podia dar outra melhor providência. Quis meu antecessor

mudá-la, para evitar os distúrbios que cometiam os soldados desta

guarnição com as índias, e os contínuos furtos que faziam nas

plantações e criações dos mesmos índios. Porém, alguns obstáculos

dilataram tão justo e santo projeto. Eu tenho trabalhado em vencê-los

e, com efeito, consegui mudar a referida aldeia para outro sítio rio

acima, quatro léguas distante da primeira, de muito bons ares e

largueza bastante.32

Não é difícil inferir, baseando-nos nas palavras escritas pelo capitão general,

que índios e índias utilizados como mão-de-obra pelos colonos eram em geral tratados

com violência, nisso incluídos os frequentes abusos sexuais sofridos pelas índias. Os

criminosos, quando identificados, eram julgados em tribunal, e as penas impostas

consistiam no degredo para fora do termo da povoação ou no trabalho em obras de

fortificações que se iam construindo (DOMINGUES, 2000).

Havia motivos também para a fuga consentida. Como aos índios não faziam

sentido as fronteiras estabelecidas pelos europeus, poderiam passar para o lado

português por seus interesses familiares ou religiosos. Desse modo, podiam lançar mão

das estratégias lusas para facilitar sua passagem, em um processo no qual fica claro seu

poder de negociação e de decisão, mesmo em um contexto, no geral, desfavorável a ele.

32 1765, Dezembro, 16, Nossa Senhora da Conceição. OFÍCIO do [governador e capital general da

capitania de MT], João Pedro da Câmara Coutinho ao [secretario de estado da Marinha e Ultramar]

Francisco Xavier de Mendonça Furtado. CT: AHU-ACL-CU-010, Cx. 13, Doc. 768.

Ao adentrar territórios portugueses “acabavam sendo incorporados ao processo

colonizador lusitano” (ANZAI, 1999: 9). Aos portugueses, que necessitavam aumentar

a população, de preferência com mão de obra especializada das missões, essa era uma

prática desejável. Quanto maior fosse a ocupação da fronteira do lado luso, maior

também a possibilidade de rechaçar os avanços espanhóis para a parte oriental do

Guaporé. Esta estratégia fazia parte “da segunda face do plano de civilização dos índios

contidos no Diretório: a consideração política de seu lugar na colonização” (ALMEIDA,

1997, 249).

Para a maioria dos índios pouco importava as fronteiras políticas, preferiam

seus territórios tradicionais, e esse fato influía na política ibérica relacionada aos grupos

indígenas da área em litígio. Caso não houvesse tratamento adequado, muitos grupos

empreenderiam fuga e, de acordo com Ângela Domingues, a indefinição das fronteiras

estava relacionada às hesitações de cada Coroa em relação à política a ser adotada. As

definições estabelecidas pelas duas Coroas nada significavam aos índios, “que tinham

familiares, amigos e trocas comerciais em áreas pertencentes à potência rival e que

facilmente transitavam para cada lado da divisão convencionada” (DOMINGUES,

2000: 244).

Em seu governo Rolim de Moura esteve sempre preocupado em resguardar

as regiões de interesse lusitano, assim estabeleceu uma guarda na região para tentar

evitar a fundação de novas aldeias espanholas do lado português, e também para evitar a

captura de “índios portugueses” pelos espanhóis. Havia também a preocupação de

prevenir contra a fuga de escravos negros para o lado espanhol.

4.4 Migrações Chiquitanas Após a Expulsão dos Jesuítas em 1767 da Chiquitania

A derrota do projeto missionário e a expulsão dos jesuítas da Chiquitania

acabaram com o antigo sonho da Companhia de Jesus e da Coroa espanhola da

evangelização dos nativos. Durante todos os anos de atuação, as Missões de Chiquito

foi um ponto de apoio tanto para a conquista e pacificação das nações indígenas quanto

para o desbravamento e ocupação do território pelos colonos espanhóis.

Com a expulsão dos jesuítas novas medidas foram implantadas nas

reduções, após a expulsão dos jesuítas os grupos de reduções passaram a ser

administrados por curas, e conforme Mesa & Gisbert, não se pode negar “el desastroso

destino de los pueblos misionales cuando fueron abandonados por los jesuitas, forzados

por la expulsión del rey”(2003:248). O Estado controlaria as propriedades através dos

bispos, que supervisionaram clérigos seculares ou regulares. Passaram para a

responsabilidade dos padres seculares, que se encontravam totalmente despreparados

para darem continuidade ao trabalho dos missionários. Com a nova administração os

Chiquitanos acostumados aos mandos jesuíticos sentiram expressamente a falta dos

inacianos. Sendo assim, muito dos Chiquitanos não ficaram satisfeitos com a expulsão

dos jesuítas e foram em busca de terras coloniais portuguesas como abrigo. Que nestas

perspectivas já estavam preparados e interessados na mão de obra nativa, pois os

Chiquitanos estavam acostumados aos modos dos brancos.

Dessa maneira, a diminuição da população das missões está relacionada

principalmente, à expulsão dos inacianos. José da Silva, em seu estudo demonstra que

“as missões então foram transferidas, sobretudo a sacerdotes franciscanos e seculares e,

posteriormente, a funcionários públicos. Muitos dos Chiquitanos não aceitaram as novas

imposições, acreditando, inclusive, no retorno dos jesuítas” (2009:133). A partir daí, “a

movimentação migratória na fronteira desenvolveu-se da forma intensa” (VOLPATO-

1989:68). Esse fluxo migratório envolvia os chiquitanos que buscavam asilo no campo

oposto. Por outro lado, os portugueses praticavam a política de povoamento, baseado na

política do uti possidets acordado no Tratado de Madri, tinham como meta promover o

aumento da população e por consequência, a defesa da região. Atingindo

principalmente a população chiquitana, assentada nas reduções jesuítas, a qual ficara

sem a “proteção” dos missionários, tornando a situação mais tranquila para os interesses

portugueses, uma vez que:

“tinham muito interesse em chiquitos pelo que representavam em

termos políticos e econômicos, e frequentemente assaltavam seus

povos, interesse que ia além da preação de índios e por estarem em

locais estratégicos, às missões barrava as entradas de portugueses nas

áreas mineradoras” (ANZAI, 2008:148 a 159)

Aos portugueses interessava muito os nativos das missões, por estes

possuírem praticas na lida com a terra e acostumados ao “modo branco”, considerados

índios “mansos”. Segundo Meireles, “em 1778 ocorreu à maior emigração de índios da

Província de Chiquitos para Mato Grosso. Fato que levou o capitão-general Luiz de

Albuquerque a fundar a cidade de Vila Maria, hoje Cáceres” (1989:162).

Chegavam à canoas, fugidos dos novos donos que chegaram a

chiquitania que vieram de Santa Cruz de La Sierra, onde fundaram

estâncias com gados das reduções. Uma parte dos nativos se retiraram

buscando diferentes destinos, alguns permaneceram e trataram de

manter a ordem e os costumes que haviam adotado nas reduções. O

lado português via nesses foragidos uma boa chance para aumentar a

povoação.(MEIRELES, 1989:162)

Os estudos de Meireles apontam “que, não há duvida de que os portugueses

preferiam acolher os índios das missões, familiarizados com o trabalho, do que os índios

que vinham das aldeias” (1989:177). A expulsão dos jesuítas do território espanhol na

América exigiu novas formas de relação entre os índios das missões e os brancos, que

até então se relacionavam quase que exclusivamente somente com os inacianos. E não

há como compreender o processo de colonização nesse espaço fronteiriço sem avaliar o

papel representado pelas missões jesuíticas que, ao seu aspecto evangelizador, acabaram

assumindo também papel defensivo do território espanhol, porém, com a configuração

Chiquitana para o trabalho e o comércio, reforçou as estratégias e resistência frente aos

processos de territorialização na ocupação do oeste mato-grossense (SILVA, 2008: 12-

24).

Com a assinatura em 1777 de Santo Ildefonso, dez anos após a expulsão dos

jesuítas do território castelhano, a questão das fronteiras ainda não estava bem definida,

conforme fica explícito nas colocações do tenente-coronel Ricardo Franco:

A capital da Capitania de Mato Grosso ficaria do domínio espanhol, e

da mesma forma Cazal Vasco e outros antigos estabelecimentos,

mandados conservar pelo artigo 16°; sendo estes terrenos, com os

cultivados da margem do Guaporé, fronteira a Vila Bela, e os dos rios,

Alegre e Barbados, com as minas de Santa Bárbara ou Aguapeí; e

quanto ocupa a Coroa de Portugal no distrito de Mato Grosso, e dele

para Oriente, terrenos, que a Coroa de Espanha, pelo artigo 20° cede,

renuncia, e traspassa toda a posse e direito que possa ter ou alegar a

eles; e de outra sorte, admitindo-se esta implicatória linha, ficaria a

Coroa de Espanha de melhor partido no mesmo terreno que

expressamente cede, e os espanhóis nunca viram, nem povoaram. 33

Foi no governo de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1772 a

1789), o capitão general que mais tempo permaneceu na Capitania de Mato Grosso, que

houve maior incentivo no desenvolvimento de aldeias, lugares e vilas com a população

nativa, em período pós-jesuítico, dando continuidade à política iniciada no governo de

Antonio Rolim de Moura. Em relação aos índios das missões espanholas, já não mais

jesuíticas, segundo Meireles, seu governo “foi marcado por uma política que, seguindo

33 SERRA, In: RIHGB, n° 5, ano 1840. pp. 19-48. http://documenta.incubadora.fapesp.br – 27/01/2014 às

9h

instruções reais, difere fundamentalmente dos governos anteriores, sobretudo no que se

refere às relações com os espanhóis”(MEIRELES: 1989: 165). No período da

administração de Luiz Albuquerque muitos índios fugiram das missões de Moxos e

Chiquitos e se estabeleceram em terras da Capitania de Mato Grosso. Utilizando-se

desses índios, Luiz de Albuquerque fundou, por exemplo, Vila Maria do Paraguai34

,

sobre a qual os Anais de Vila Bela nos dão as seguintes informações:

Em 31 de agosto [de 1778] mandou Sua Excelência a esta Câmara o

termo de fundação de Vila Maria do Paraguai; e que, por ordem e

direção sua, havia feito, a 6 de agosto, o tenente-de-dragões Antônio

Pinto do Rego o caminho na margem esquerda e oriental do rio

Paraguai, onde há o registro do ouro. Foi posto o seu nome em

obséquio da nossa augusta soberana. Na dita povoação se acham 161

pessoas de ambos os sexos, em que entram [ilegível]... perto de cem

índios de ambos os sexos que haviam desertado este ano, por várias

vezes, da missão de São João, da província de Chiquitos, pela porta do

Jauru. Fica a povoação no meio do caminho desta Vila para a de

Cuiabá e [ilegível]... de muito cômodo para o comércio e

correspondência de ambas as vilas.35

O processo de construção da fronteira territorial oeste, considerando as

contendas entre Portugal e Espanha pelos territórios sul-americanos e identificando os

limites de Vila Maria do Paraguai, situada próximo à Província de Chiquitos, em

território espanhol.

A fundação de Vila Maria “junto ao lugar por onde de presente se dirige o

caminho desta capital para a Vila do Cuiabá, que distará 5 léguas do antigo Marco do

Jauru”, conforme palavras de Luiz de Albuquerque36

, facilitaria a comunicação entre os

dois maiores núcleos urbanos da região, ou seja, entre Vila Bela da Santíssima

Trindade, a Vila-Capital, e a Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá, além de favorecer as

relações comerciais entre ambas, servindo de apoio aos transeuntes do caminho de terra.

Estas circunstâncias, certamente, foram levadas em consideração no momento em que

se constituía a territorialidade lusitana no oeste da Colônia indicando a sua fundação.

E, embora historiadores mato-grossenses tenham se referido à fundação de

Vila Maria, relacionando-a com as outras povoações criadas no mesmo período, com o

objetivo de expandir e fortalecer a fronteira, não levaram em conta a sua ampla função

34 Para maiores informações sobre a fundação da Vila, consultar MORAES, 2003. Ver também Figura : “Casal de índios espanhóis desertados de Santa Ana”, p. 35

Anal do ano de 1778. In: AMADO & ANZAI, p. 216/217. 36 Carta do governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao Secretário de Estado Martinho de Melo e

Castro, Vila bela 20. 11. 1778. Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Caixa 18, No. 1162 NDIHR/FUFMT

estratégica. Rubens de Mendonça, por exemplo, analisou – sua localização tendo como

parâmetro sua localização junto ao rio Paraguai, observa:

Um ataque de surpresa por parte dos vizinhos espanhóis ensejaria a

Vila Bela receber recursos de Cuiabá por terra, através de São Pedro

de El-Rei e Vila Maria, e por via fluvial os recursos poderiam ser

levados à capital da Capitania, de Cuiabá, já então o maior centro

demográfico, através de Albuquerque e Vila Maria, navegando pelo

rio Cuiabá até alcançar o Paraguai.(MENDONÇA, 2002: 23)

Contudo, vale ressaltar, que Vila Maria, mesmo estando localizada à

margem esquerda do Paraguai, naquele momento não estava voltada para este rio, e aqui

lembramos Edil Pedroso da Silva, ao referir-se ao rio Paraguai: “apesar de não oferecer

acidentes significativos, não foi usado como rota no período colonial porque grande

parte do seu curso inferior pertencia à América Espanhola, portanto vedado aos seus

inimigos lusitanos” (SILVA, 2002: 4 e 5).

Neste sentido, é que não se deve perder de vista que Vila Maria funcionava

também, como o lugar de apoio logístico aos que transitavam nos caminhos de terra que

ligavam Vila Bela a Vila Real, mantendo o controle da comunicação no interior da

Capitania de Mato Grosso e criando, ainda, um núcleo de povoamento efetivo à margem

do rio Paraguai. A localização privilegiada de Vila Maria situada entre os dois

principais centros urbanos coloniais da Capitania de Mato Grosso, a capital, Vila Be la

da Santíssima Trindade fundada em 1752, e a Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá

(fundada em 1727), foi destacada pelo próprio governador Luiz de Albuquerque, em

uma correspondência ao secretário de estado Martinho de Melo: “a paragem da referida

Nova Povoação é conhecidamente própria e adequada a facilitar a indispensável

comunicação e comércio desta com a Vila do Cuiabá, porque fica no meio do

caminho”.37

Porém, a importância de Vila Maria não se restringe a estes dois aspectos.

Sua proximidade com as antigas missões jesuítas, na região conhecida como Chiquitos,

com as quais podia manter sempre uma comunicação por caminho de terra, é de

fundamental importância no momento das demarcações de fronteira, e este é um dos

fatores essenciais para se entender a sua fundação.

A criação de vilas coloniais foi tema de estudos de Maria Helena Ochi

Flexor. Esta historiadora faz alusão a uma correspondência entre o Conde de Oeiras,

futuro marquês de Pombal, que em 26 de janeiro de 1765, portanto, uma década antes

37 Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao secretário de

estado Martinho de Melo e Castro, Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18, No. 1162.NDIHR/FUFMT.

da criação de Vila Maria, encaminha à Colônia instruções sobre a real finalidade da

política urbanizadora lusa:

Por ela, a fundação de vilas, a liberdade dos índios e o

desenvolvimento do comércio entre eles, seria a melhor forma de

resistir aos jesuítas, cuja maior força e riqueza na América tinha sido o

domínio completo da civilização dos mesmos índios. Por isso, o rei de

Portugal D. José I ordenava que se estabelecesse povoações civis de

índios livres, segundo o exemplo do Pará.(FLEXOR, 1989: 85)

Em Vila Maria do Paraguai o cumprimento desta instrução real foi possível

a partir da acolhida dos índios Chiquitano. No "Termo de Fundação” de Vila Maria do

Paraguai ficou registrado como condição para a escolha do terreno de sua edificação

aquele “onde se congreguem todo o maior número de moradores possíveis,

compreendidos todos os casais de índios castelhanos proximamente desertados para

estes domínios portugueses da Província de Chiquitos”38

. A proximidade de Chiquitos

e o acesso por caminho de terra facilitavam a vinda dessas populações, sempre

consideradas bem-vindas ao território luso. Sobre o interesse de fixar os indígenas

castelhanos em Vila Maria, o Governador Luiz de Albuquerque, em correspondência

enviada ao Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, em 20 de novembro de

1778, informa que “tendo me valido assim de povoá-la, além de outros casais dispersos,

pude congregar mais de sessenta índios castelhanos de ambos os sexos, que havia três

meses que desertaram da missão de São João de Chiquitos” 39

.

Portanto, nos dá a entender que os limites da Vila pelo menos no início do

século XIX era coincidente com o da Freguesia. Nesse mesmo sentido, um relatório do

Presidente da Província de Mato Grosso, datado de 20 de setembro de 1869, registra:

Incertos ou contestados, há mais de um século, os limites ocidentais

das Freguesias de Albuquerque, Corumbá, Poconé, Vila Maria e Mato

Grosso, que são também limites do Império com a república da

Bolívia [...] foram definitivamente fixados pelo supro mencionado

Tratado de 1867, que define a fronteira do seguinte modo: Partirá do

rio Paraguai, na latitude de 20° 10' onde deságua a Bahia Negra;

seguirá pelo meio desta até seu fundo, e daí em linha reta, até a Lagoa

Mandioré, e acortará pelo seu meio, bem como as Lagoas Gahiba e

Uberaba, em tantas retas quantas forem necessárias, de modo que

fiquem do lado do Brasil as terras Altas da Pedra de Amolar e

deÍnsua. Do Extremo Norte, a Lagoa Uberaba irá em linha reta ao

extremo Sul da Corixa Grande, salvando as povoações brasileiras e

38 Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao Secretário de Estado.

Martinho de Melo e Castro,Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18, No. 1162.NDIHR/FUFMT 39 Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao Secretário de Estado

Martinho de Melo e Castro,Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18, No. 1162. NDIHR/FUFMT

bolivianas, que ficarão respectivamente do lado do Brasil ou de

Bolívia.40

Ao indicar que estes limites remontam há mais de um século (existe um

certo exagero no entorno). O Presidente da Província reafirmou que os limites de Vila

Maria são os limites da freguesia de São Luiz de Vila Maria do Paraguai. Estes dados

são confirmados nos Anais do Senado da Câmara de Cuiabá, onde está registrado o

processo de criação da Freguesia de São Luiz de Vila Maria do Paraguai (anexo 4),

informando-nos que o Edital de criação e confirmação foi feito em 4 de abril de 1780.

Sendo cumprido pelo Vigário da Vara de Mato Grosso em 08 de maio de 1781, e pelo

dito Vila do Cuiabá em 17 de abril do mesmo ano, e se acha registrado no Cartório

Eclesiástico desta Vila no livro de Registro n.º 2 Registros Pastorais e mais ordens de

sua Excelência às folhas 68 até 7041

.

Assim, definimos neste estudo o limite colonial de Vila Maria tendo como

referência o que foi estipulado em 1780, com alusão à Freguesia de São Luiz de Vila

Maria do Paraguai, uma vez que, a documentação consultada, demonstra que os

mesmos são concordantes. Estes documentos citam a questão dos limites em estudo,

permitindo perceber que Vila Maria estava situada nesta linha divisória, tendo sua

fronteira ocidental então definida, compondo com as localidades já aludidas, os limites

do Brasil Imperial com a república Bolívia.

Ao receber do capitão-general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, a incumbência de realizar oficialmente a fundação de Vila Maria do Paraguai,

em 06 de outubro de 1778, o tenente do dragões Antonio Pinto do Rego e Carvalho

tinha por ordem não apenas a celebração simbólica do ato, mas deveria: “fundar, erigir e

consolidar uma povoação civilizada.”42

No "Termo de Fundação", Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres registrou o significado de tais disposições,

inserindo os princípios do planejamento urbano de Vila Maria no próprio Termo,

incluindo nele também o modelo de sociedade que haveria de se instalar: “fundar, erigir

e consolidar uma povoação civilizada.”43

É admissível observar neste documento

recomendações que submetiam a Vila ora criada a padrões culturais europeus, como os

40

Relatório do Presidente de Província de Mato Grosso, 20 de setembro de 1869, APMT. 41

Anais do Senado da Câmara de Cuiabá, p 57v. a 59. APMT 42 Termo de Fundação do Novo Estabelecimento a que mandou proceder o Ilmo Exmo. Sr. Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador e capitão-general desta Capitania de Mato Grosso

denominada Vila Maria do Paraguai. Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa. Documentos avulsos

sobre Mato Grosso Nº 1162. NDIHR/FUFMT. 43

Idem.

únicos a serem adotados pelas diversas etnias que constituíam aquela população:

“compreendidos todos os casais de índios castelhanos proximamente desertados para

estes domínios portugueses da Província de Chiquitos [...] juntando-se todo o outro

número das mais pessoas congregadas para o dito fim.”44

Vila Maria seria um espaço social, segundo seus idealizadores/construtores,

em que deveriam incidir as concepções culturais das localidades européias de onde

provinham.

Sabemos que o interesse de povoar a Capitania Geral de Mato Grosso

antecede em muito a criação de Vila Maria do Paraguai. Porém, o corpo documental

trabalhado enfatizou a implementação das ações no sentido de atrair as populações

indígenas castelhanas e acomodá las confortavelmente em Vila Maria.

Quando o tenente de dragões Antônio Pinto do Rego e Carvalho, inicia a

construção de Vila Maria, prioriza as casas dos índios castelhanos vindos das missões

de Chiquitos, pois esta categoria de moradores teria privilégio sobre as demais, em face

do interesse de atraí-los como moradores estáveis de Vila Maria , assegurando ao

domínio luso a posse do território, como se lê: “acabadas as casas para os índios

castelhanos, hei de cuidar da feitura das outras para os aqui já moradores.”45

A vinda

destas populações indígenas castelhanas para o lado português era muito frequente,

sobretudo pela facilidade de acesso:

Veio notícias do Registro do Jauru de terem novamente chegado ali

algumas famílias de Índios em número de perto de quarenta, da

mesma sorte desertados das missões castelhanas do Coração de Jesus

e São João da Província de Chiquitos; cujas famílias vieram todas a

cavalos, em mulas e éguas, desde as referidas Missões, trazendo

notícias de que estas se achavam quase solitárias pelo crescido número

de seus habitantes desertados, os quais no destino de também

buscarem o verdadeiro caminho, ou rumo, se achavam dispersos e

como extraviados pelos bosques imediatos ao mesmo Jauru e

Paraguai46

Através destas informações é admissível visualizar os obstáculos

encontrados por estas famílias no percurso da viagem entre a Província de Chiquitos,

44

Idem. 45 Carta de Antônio Pinto do Rego Carvalho, escrita em Vila Maria, em 01.01.1779, para o Governador

da Capitania Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,Fundo: Governadoria. 1779, Doc. 01.

APMT/MT. 46

Carta do Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em Vila Bela datada de 29 de

novembro de 1778, para Martinho de Melo e Castro, Fund o: Arquivo Historio Ultramarino, Caixa 18,

doc. n.º 1165. NDIHR/UFMT.

em território espanhol, até alcançarem Vila Maria, e por não conhecerem o caminho se

dispersavam por lugares inabitados.

Pelo tratado neste capítulo, percebe-se que a fundação de Vila Maria do

Paraguai inserida na questão maior de definição de fronteira entre Portugal e Espanha

na América do Sul, e que sua localização abrange parte significativa do território em

litígio. Vemos, pois, que Vila Maria nasce com uma população que se agrega, fruto de

um projeto político de ocupação de fronteira. Vale observar, ainda, a ênfase da

população proveniente das missões castelhanas em detrimento ao grande contingente de

nações indígenas na região, notadamente Bororo. A documentação consultada, aqui e

ali, traz referências sobre a resistência dos aborígines e as posturas dos Bororo diante da

perda do seu território, revidando com ataques frequentes à Vila, incendiando casas,

roças e matando os animais com flechas. Tais fatores são constantes na correspondência

trocada por Luiz de Albuquerque com o Secretário de Estado Martinho de Melo e

Castro, por exemplo, em 20 de novembro de 1778, quando o governador escreveu que

os índios Bororo são:

ferozes e indomáveis ou de uma indolência e preguiça sem exemplo,

que vagam pelos matos por efeito da própria inclinação e natureza,

com total desprezo de honras e fazendas, ainda no difícil caso de se

atraírem e ajuntarem, não obstante a mais cuidadosa diligência, se

internavam novamente sempre que podiam consegui-lo por estes

imensos desertos que a tudo preferem, depois de executarem as suas

costumadas rapinas, mortes e outros danos47

.

Certamente, para o projeto de uma rápida colonização, os índios

castelhanos, já cativos e conhecedores de ofícios, eram muito mais bem-vindos que os

“ferozes” e “indomáveis” Bororo. Portanto, a exacerbada resistência das populações

Bororo facilitou o assentamento dos índios Chiquitano prófugos, em solo luso. Uacury

Ribeiro de Assis Bastos analisou o período em que se dá a saída massiva dos índios

Chiquitanos para Vila Maria, este pesquisador trata da convivência entre os povos

Chiquitano, Moxos e os padres jesuítas, mostrando como estes religiosos, ao

respeitarem os valores fundamentais da cultura indígena, como a língua e os “gêneros

de vida”, haviam estabelecido diretrizes, que qualifica como corretas para um

entendimento duradouro (BASTOS, 1974: 112- 117). Sob a orientação dos clérigos,

estes povos desenvolveram a produção de erva-mate, no Paraguai; de cacau, em Moxos;

de algodão, em Chiquitos; além de explorarem as riquezas extrativas existentes nestes

47 Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao Secretário de Estado

Martinho de Melo e Castro,Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18, No. 1162.NDIHR/FUFMT

espaços geográficos, modificando-se, assim, as formas de vida econômica dos

indígenas.

Por sua vez, Arno Alvarez Kern (1982), nos ajuda a pensar a obra realizada

pelas missões espanholas, arguindo algumas proposições sobre os “Trinta Povos”,

situação análoga à Chiquito. Este historiador mostra-nos a importância de um retorno a

documentação “para reconstruir os fatos, reavivá-los e reinterpretá-los” (KERN, 1982:

9-12), assim como a necessidade de considerarmos que a ação jesuítica, foi missionária,

a atuação dos líderes religiosos das Missões, na esfera econômica,

tinha como objetivo final criar condições de vida material para a

realização de fins meta- econômicos religiosos. [...]. Toda a atuação

dos padres neste seu papel de administradores econômicos só pode ser

compreendida se for levado em conta que eles souberam sustentar a

atividade missionária com uma boa direção da vida material indígena.

(KERN, 1982: 80)

Kern, com base em Robert Lacomb, apresenta uma sociedade Guarani num

momento de transição cultural, quando aos poucos vai se integrando à sociedade

espanhola, porém “não foi obrigada pela força à atividade econômica. A sustentação do

esforço foi dada pela própria fé difundida pelos jesuítas, pela mística e pelo solidarismo

da religião cristã” (KERN, 1982: 80). Por outro lado, após a expulsão dos jesuítas do

território espanhol, por decreto de Carlos III, em 27 de fevereiro de 1767, a máquina

burocrática de Castela na América necessitou criar novas formas de relações com os

índios missionados e com os brancos. Para isso, as autoridades castelhanas substituíram

os jesuítas por curas, que passaram a promover desmandos, arbitrariedades, o que levou

à quebra de padrões ético-religiosos, transformando, no curto período de vinte e dois

anos de governo, o projeto inicial missionário jesuítico em apenas um esqueleto do que

havia sido. Reduziu-se o número de aldeias “e o vício floresceu à sombra da

ociosidade” (KERN, 1982: 80). Estas populações indígenas, abandonadas e

despreparadas para retornarem ao convívio primitivo nas florestas, fugiram em busca de

abrigo no território luso.

Observando as implicações com a constituição da fronteira oeste da

América Portuguesa, no século XVIII, e como a mesma serviu de instrumento para a

política, utilizada pela Coroa lusitana. Neste sentido constatamos que a vila realmente

foi fundada e cumpriu seus objetivos políticos fronteiros. Assim, ultrapassando as

barreiras temporais, conseguimos ao final olhar Vila Maria do Paraguai como um

invento sagaz no processo de ocupação de fronteira. Vila Maria do Paraguai integrava

uma rede urbana idealizada pelo governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres que fazia reverberar a política posta em prática pela metrópole. Esta rede foi

organizada de maneira a pontilhar os espaços conquistados com a fundação de

povoações, vilas e fortificações, garantindo assim a consolidação da fronteira territorial

entre a Capitania de Mato Grosso e a América castelhana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se o quadro acima traçado, região em estudo configurou-se

como espaço de luta, palco de conflitos e objeto de acirradas discussões diplomáticas

com o império espanhol. Área estratégica para a consolidação do domínio português na

América – antemural, chave e propugnáculo do sertão do Brasil – ali deveria edificar-se

uma sólida barreira, capaz de estancar as investidas expansionistas do Império vizinho.

As autoridades portuguesas lançaram mão de todos os instrumentos disponíveis a fim de

demarcar a defesa da fronteira.

Nesse trabalho, intitulado “Migrações e Práticas Comerciais na Fronteira

luso-espanhola: o caso do povo Chiquitano após a expulsão dos jesuítas da chiquitania

(1767-1789)”. Traz como objetivo principal discutir a utilização dos Chiquitanos, na

dinâmica de povoamento colocada em movimento pela Coroa Portuguesa no período

em questão. Procuramos compreender as redes estabelecidas entre os interesses lusos a

partir dos acordos firmado entre as Coroas Ibéricas. na fronteira entre as duas nações

ibéricas na América do

As análises foram centradas na discussão dos Tratados, seguidos da

influencia jesuíticas até sua expulsão da chiquitania e por ultimo buscamos demonstrar

que as estratégias de demarcação territorial estiveram presentes tantos através das

práticas comerciais envolvidas bem como o emprego dos Chiquitanos na política de

povoamento como forma de demarcar efetivamente a fronteira luso-espanhola, tendo

como respaldo o uti possidets.

Ao organizar a narrativa em três capítulos, nosso objetivo foi apresentar os

resultados da pesquisa de modo dinâmico, de maneira que se pudesse vislumbrar a

necessidade de ocupar um território litigioso entre as nações ibéricas, na segunda

metade do século XVIII principalmente após a descoberta do ouro nas minas do Cuiabá.

Discutimos, no primeiro capítulo, os interesses e estratégias utilizadas na

formação do Tratado de Madri. Neste percurso, através do qual se configurou o

território luso-castelhano, a noção de fronteira, em seus múltiplos significados, ganha

um destaque especial. É em torno dela que se articularam as várias dimensões da

história de povoamento e colonização da qual fazem parte impulsionando-a as

representações que sobre ela elaboram os sujeitos sociais. Em primeiro lugar, o

significado da fronteira como limite entre o sertão e a região colonial – espaço já

conhecido e dominado pelo colonizador -, e zona de confronto e de contato entre

culturas distintas que se defrontam no drama e na tragédia da conquista. Em segundo

lugar, o significado da fronteira como espaço novo e promissor, funcionando como

atrativo para correntes migratórias significativas que ganham corpo com os mecanismos

de povoamento posto em prática pela Coroa portuguesa. E, por ultimo, mas de

importância fundamental na configuração do território lusitano, a fronteira no seu

sentido de limite geopolítico entre duas Coroas, separando as possessões territoriais de

Espanha e Portugal, distinguindo soberanias, despertando identidades territoriais.

No segundo capítulo, procuramos lançar luz sobre o papel que representou a

Companhia de Jesus nas colônias Ibéricas na América do Sul. A Companhia atuou

politicamente na Colônia como uma força paralela à metrópole. Ela representou na

Colônia, praticamente, um “estado” dentro do Estado metropolitano. Esse “estado

religioso” na colônia desempenhava uma importante função social. No caso indígena,

ela atuou de forma antagônica, isto é, protegia fazendo jus à piedade cristã explorava

cumprindo com o compromisso com a metrópole. Esse poder paralelo, em princípio,

não foi percebido om clareza pelas metrópoles, pois a Ordem Religiosa se valia de uma

condição favorável junto à corte e mantendo vínculos com as autoridades coloniais,

tornaram-se detentores de grandes propriedades entre essas as Missões.

Todas as ações levavam a um mesmo fim, a maior glória de Deus. Os

jesuítas, enquanto guardiões da fé Cristã, perceberam que uma posição passiva de

somente obter vantagens e propriedades a partir de doações e isenções, não garantia o

crescimento e a estabilidade desejada, era necessário atuar de forma direta e intensa,

gerindo as Missões, controlando a produção e planejada a melhor estratégia que

garantisse o seu propósito religioso. A grandeza patrimonial e a nítida influência

política no reino e nas terras ultramarinas, e os inúmeros privilégios da Companhia de

Jesus despertaram a atenção das Coroas que entenderam que a situação comprometia os

interesses Ibéricos, desencadeando um movimento de ação contra a ingerência e as

inserções nos negócios temporais praticadas pelos jesuítas. O projeto religioso, politico,

social da Ordem Inaciana preocupou os metropolitanos que atribuíram, aos jesuítas, um

caráter ameaçador, levando-os a expulsão na segunda metade do século XVIII.

Finalmente, o que percebemos é que a expulsão e a supressão da Companhia de Jesus

não foram suficientes para apagar o papel desempenhado pelos jesuítas na sociedade

luso-castelhana.

Dedicamos o terceiro capítulo ao acompanhamento das migrações e as

práticas comerciais. Destaca-se o papel preponderante dos governadores e Capitães-

Generais de Mato Grosso que administraram a capitania no século XVIII, sem os quais

se tornaria impossível a posse e ocupação desse território pela Coroa Lusitana.

Especialmente D. Antonio Rolim de Moura Tavares. Cumpriu a D. Rolim não só erigir

a Vila-Capital, como também dar a ela funcionalidade, com repartições públicas, corpo

de ordenanças, fomentando a agricultura e a comércio. Era preciso demonstrar aos

espanhóis que aquele núcleo populacional estava ativo, com pessoas comprando,

vendendo e negociando, em processo de colonização.

Procuramos demonstrar a dinâmica nessa fronteira, enfocando

especialmente os Chiquitanos, objeto dessa pesquisa. Desse modo, demos especial

atenção ao Diretório dos índios, aparato legal que norteava a relação entre colonos e

índios. A pesquisa foi pensada de modo a destacar a importância do trabalho indígena

para a manutenção das terras da fronteira oeste para o império português. A formação

da fronteira luso-espanhola não seria possível sem a mão-de-obra nativa. A exploração

da mão de obra indígena foi tão intensa, que o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira

advertia que se não diminuíssem os maus tratos a eles, a Coroa perderia uma mão de

obra fundamental.

Fontes e Referencias Bibliográficas

Fontes Manuscritas

- Anais do Senado da Câmara de Cuiabá. Pág. 57 v. a 59, no ano de 1779, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- ANGELIS, Pedro de. Súplica do Padre Superior de Chiquitos ao Rei. Coleção de

Manuscrito de Pedro de Angelis, I, 29, 50, 104. Biblioteca Nacional, 1718.

- APMT, Fundo: Defesa, Ano: 1795 Data: 12/01/1975, Doc.: 57, Lata: B.

- Carta de Antônio Pinto do Rego Carvalho, escrita em Vila Maria, em 01.01.1779,

para o Governador da Capitania Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,Fundo:

Governadoria. 1779, Doc. 01. APMT/MT.

- Carta do Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em Vila Bela

datada de 29 de novembro de 1778, para Martinho de Melo e Castro, Fund o: Arquivo

Historio Ultramarino, Caixa 18, doc. n.º 1165. NDIHR/UFMT.

- Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,

ao Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro,Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18,

No. 1162.NDIHR/FUFMT

- Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,

ao secretário de estado Martinho de Melo e Castro, Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18,

No. 1162.NDIHR/FUFMT.

- Carta do governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, ao Secretário

de Estado Martinho de Melo e Castro, Vila bela 20. 11. 1778. Arquivo Histórico

Ultramarino de Lisboa. Caixa 18, No. 1162 NDIHR/FUFMT

- Carta do governador de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,

ao Secretário de Estado. Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 20.11.1778. Caixa 18,

No. 1162.NDIHR/FUFMT

- Instruções Régias para o governador e capitão general Luiz de Albuquerque, Ano I,

Vol. I, XI, APMT.

- Instrução de Martinho de Melo e Castro a Luís de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres. 13/08/1771. AHU, Lisboa, Códice 514, Caixa 19; não catalogado.

NDHIR/UFMT

- Instrução da Rainha D. Mariana Vitória para o primeiro capitão-general da Capitania

de Mato Grosso, Antonio Rolim de Moura (1751-1765), redigida em Lisboa, em 19 de

janeira de 1749. Mapa Militar da Capitania de Mato Grosso. Fundo: Governadoria,

1798. Doc. 125. APMT/MT

- OFÍCIO do [governador e capital general da capitania de MT], João Pedro da Câmara

Coutinho ao [secretario de estado da Marinha e Ultramar] Francisco Xavier de

Mendonça Furtado. CT: AHU-ACL-CU-010, Cx. 13, Doc. 768.

- Relatório do Presidente de Província de Mato Grosso, 20 de setembro de 1869,

APMT

- Termo de Fundação do Novo Estabelecimento a que mandou proceder o Ilmo Exmo.

Sr. Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador e capitão-general desta

Capitania de Mato Grosso denominada Vila Maria do Paraguai. Arquivo Histórico

Ultramarino, de Lisboa. Documentos avulsos sobre Mato Grosso Nº 1162.

NDIHR/FUFMT

- Correspondência de José Pinto do Rego para o Governador Luiz de Albuquerque de

Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1778, fundo: Defesa, Documento n.º 0167, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de José Pinto do Rego para o Governador Luiz de Albuquerque de

Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1778, fundo: Defesa, Documento n.º 0176, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de (...) para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0018, Arquivo Público

do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Estevão Pereira para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo

Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0020, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Comando-, Manuel Rabelo Leite para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, Fundo: Documento Avulso ,

Documento n.º 0054, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do (...) para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0082, Arquivo Público

do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de Soldado Antonio José Pinto de Miranda para o Governador Luiz

de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0083, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do (...) para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0084, Arquivo Público

do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do (...) para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0085, Arquivo Público

do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência [...] para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 0087, Arquivo Público

do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de Francisco Xavier Leite de Araújo para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0139, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Capelão José Correia Leitão para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0145, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Capelão José Correia Leitão para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0146, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT. 120

- Correspondência do Capelão José Correia Leitão para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1779, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0148, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Ofício do Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar,

Martinho de Melo Castro, no ano de 1779, fundo: Governadoria, Documento n.º 1229,

Arquivo Públic o do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Ofício do Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar,

Martinho de Melo Castro, no ano de 1779,fundo: Governadoria, Documento n.º 1233,

Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de Manuel de Albuquerque Fragoso para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1781, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0105, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Pároco José Ponce Diniz para o Governador Luiz de Albuquerque

de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1782, fundo: Governadoria, Documento n.º 0059,

Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de José Feliz [...] para o Governador Luiz Albuquerque Melo de

Pereira e Cáceres, no ano de 1787, fundo: Governadoria, Documento n.º 0147, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de Manuel Gonçalves Neves para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1789, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0080, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência de Manuel Gonçalves Neves para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1789, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0081, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Relação da Povoação de Vila Maria e seus pertencentes, no ano de 1790, fundo:

Governadoria, Documento n.º 0003, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso –

APMT.

- Correspondência de Leonardo Soares e Souza para o Governador Luiz Albuquerque de

Melo de Pereira e Cáceres os no ano de 1790, fundo: Governadoria, Documento n.º

0032, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Relação da Povoação de Vila Maria do Paraguai e seus pertencentes, no ano de 1791,

fundo: Governadoria, Documento n.º 0003, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

– APMT.

- Correspondência do Ouvidor Interino Luiz Melo de Moura Cabral para o Governador

Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1791, fundo: Justiça,

Documento n.º 0012, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso– APMT.

- Relação da População de Índios e mais moradores de Vila Maria, no ano de 1795,

fundo: Governadoria, Documento n.º 0064, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

– APMT.

- Correspondência do Comando Manuel Rabelo Leite para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1797, fundo: Documento Avulso,

Documento n.º 0054, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do Comando Manuel Rabelo Leite para o Governador Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no ano de 1797, fundo: Documento Avulso,

Documento n.º 0055, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Mapa Militar da Capitania de Mato Grosso, no ano de 1798, fundo: Governadoria,

Documento n.º 0125, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Correspondência do José Feliz () para o Governador Luiz de Albuquerque de Melo

Pereira e Cáceres, no ano de 1798, fundo: Governadoria, Documento n.º 0147, Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso – APMT.

- Ocupação dos habitantes da paróquia de São Luiz de Vila Maria, no ano de 1800,

fundo: Governadoria, Documento n.º 0064, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

– APMT.

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