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1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL Danielle Urt Mansur Bumlai AÇÕES INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA: INTEGRAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE CORUMBÁ MS 2014

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL

Danielle Urt Mansur Bumlai

AÇÕES INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA:

INTEGRAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE

CORUMBÁ – MS

2014

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Danielle Urt Mansur Bumlai

AÇÕES INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA:

INTEGRAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para a obtenção do título de Mestre.

Linha de Pesquisa: Ocupação e Identidade Fronteiriças

Orientador: Prof. Dr. Antônio Firmino de

Oliveira Neto

Coorientadora: Profa. Dra. Elizabeth M. A.

Bilange

CORUMBÁ – MS 2014

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Este documento corresponde à versão final da dissertação de mestrado intitulada AÇÕES

INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA: INTEGRAÇÃO E

PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE, apresentado à Banca Examinadora do Curso de

Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,

Campus do Pantanal.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

_________________________________________________ Membro da Banca

Profa.Dra. Elizabeth M. A. Bilange (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)

__________________________________________________ Membro da Banca

Prof. Dr. Roberto Ortiz Paixão (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)

__________________________________________________ Membro Suplente da Banca

Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado saúde, força e coragem

nesta caminhada para superar todas as dificuldades e entraves no caminho, pois

sem Ele nada seria possível.

Aos meus pais Mansur e Suely que me incentivaram e sempre

acreditaram em mim.

Ao meu filho Luan pelo carinho e apoio sempre demonstrados.

A minha tia Sônia a quem tenho admiração e respeito e é uma das

incentivadoras para que este mestrado se tornasse realidade.

A toda Equipe da Escola “Eutrópia Gomes Pedroso” e da Unidade

Educativa “La Frontera”, diretoras, coordenadores, professores e alunos que

participaram e contribuíram para a realização desta pesquisa.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto, por ter me

aceito como sua orientanda e por suas interferências pontuais e certeiras no

decorrer do caminho.

A minha Coorientadora, Profa. Dra. Elizabeth Bilange, por todos os

momentos de apoio incondicional, amizade, dedicação, incentivo, ensinamentos e

candura ao longo desta trajetória.

A todos os envolvidos no Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços:

professores e secretaria, pela paciência e contribuição no desenvolvimento desta

pesquisa.

E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte desta trajetória, e que

compreenderam os momentos de ausência durante minha formação, o meu muito

obrigado.

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Para llegar al punto que no conoces,

Debes tomar un camino que tampoco conoces.

San Juan de La Cruz

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URT, Danielle Mansur Bumlai. Ações interculturais nas Escolas de Fronteira:

Integração e Preservação da Identidade. Dissertação de Mestrado do Programa

de Pós-Graduação Strictu Senso. Estudos Fronteiriços, da Fundação Universidade

de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá/MS. 118f. 2014.

Resumo

O objetivo deste trabalho foi o de verificar o papel das escolas e da educação na

integração, diminuição das diferenças e preservação das identidades e como ações

interculturais podem aproximar integrar e preservar aspectos culturais de alunos

brasileiros que moram na Bolívia, mas estudam no Brasil e que diariamente realizam

esse trajeto Brasil – Bolívia. A pesquisa ocorreu em duas escolas, uma escola

localizada no lado brasileiro situada no Assentamento Tamarineiro I, a Escola

Municipal Rural “Eutrópia Gomes Pedroso” e a Unidade Educativa “La Fronteira”,

situada no lado boliviano em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Procurou-se

neste trabalho compreender as trocas culturais existentes nas escolas de fronteira e

como se dá a integração desses alunos, em perspectiva de dentro dessas escolas.

Sabe-se que esses alunos que vem para essas escolas vivenciam diversos

referenciais de identidade e que a escola deve ser um lugar de aproximação e

diminuição de possíveis diferenças. Este trabalho apresentou resultados que

levaram a proposições de ações efetivas para as demandas encontradas.

Palavras-Chave: Fronteira – Escolas – Identidade - Interculturalidade

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URT, Danielle Mansur Bumlai. Acciones Interculturales en las Escuelas de

Frontera: Integración y Preservación de la Identidad. Dissertação de Mestrado do

Programa de Pós-Graduação Strictu Senso. Estudos Fronteiriços, da Fundação

Universidade de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá/MS. 118f.

2014.

RESUMEM

El objetivo de este estudio fue investigar el papel de las escuelas y de la educación

en la integración, disminución de las diferencias y preservación de las identidades y

como acciones interculturales pueden acercar, integrar y preservar aspectos

culturales de los estudiantes brasileños que viven en Bolivia, pero estudian en Brasil

y que a diario realizan ese trayecto Brasil - Bolivia. La investigación se llevó a cabo

en dos escuelas, una escuela localizada en el lado brasileño situada en el

Asentamiento Tamarinero I, la Escuela Municipal Rural “Eutrópia Gomes Pedroso” y

la Unidade Educativa “La Frontera”, localizada en el lado boliviano en Arroyo

Concepcion / Puerto Quijarro. Este estudio trata de comprender los intercambios

culturales existentes en las escuelas de frontera y cómo es la integración de esos

estudiantes en una perspectiva desde dentro de esas escuelas. Se sabe que esos

alumnos que vienen a estas escuelas experimentan diversos referenciales de

identidad y que la escuela debe ser un lugar de aproximación y disminución de

posibles diferencias. Este trabajo presentó los resultados que llevaron a las

proposiciones de acciones efectivas para las demandas encontradas.

Palabras clave: Frontera - Escuelas - Identidad - Interculturalidad

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Lista de Figuras

Figura 1 - Posto de Informações Turísticas e Polícia Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 2 - Posto Alfandegário da Receita Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 3 - Posto de Controle Fronteiriço Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 4 - Escola “Eutrópia” foi à Unidade Educativa “La Frontera” alunos e professores participantes do PEIF. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

Figura 5 - Exposição das comidas, artesanato, trabalhos realizados pelos alunos em língua espanhola. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

Figura 6 - Apresentação de dança das alunas da Escola “Eutrópia”. Quadra da

Unidade Educativa “La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

Figura 7 - Integração dos alunos por meio de brincadeiras e jogos. Quadra da Unidade Educativa “La Frontera”. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 4 - Apresentação do Professor da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 5 - Professores da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 6 - Apresentação de dança da Unidade Educativa "La Frontera". Quadra da Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 7 - Frente da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 8 – Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro, Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 9 - Aplicação dos questionários alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 10 - Alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Autor. Grupo Escola "Eutrópia". 2014.

Figura 11 - Aplicação dos questionários alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

Figura 12 - Alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

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Lista de Quadros

Quadro 1 - Número de alunos brasileiros que vivem no Brasil e brasileiros que vivem na Bolívia em cada turma do Ensino Fundamental II

Quadro 2 - Número de alunos participantes da pesquisa com relação aos números de brasileiros que vivem na Bolívia e no Brasil

Quadro 3 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento de pai e mãe

Quadro 4 - Número de alunos com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa - perspectiva do aluno

Quadro 5 - Línguas faladas pelos alunos da Escola “Eutrópia”.

Quadro 6 - Preferência segunda língua: inglês ou espanhol.

Quadro 7 - Língua falada pelos alunos da Escola “Eutrópia” em família.

Quadro 8 - Você se identifica como brasileiro ou boliviano?

Quadro 9 - Vocês se consideram fronteiriços?

Quadro 10 - Dificuldades encontradas na escola pelos alunos

Quadro 11 - Cidade da Bolívia onde nasceram

Quadro 12 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe.

Quadro 13 - Número de alunos da Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa.

Quadro 14 - Línguas que os alunos falam – além da língua portuguesa e da língua espanhola.

Quadro 15 - Língua falada pelos alunos em família.

Quadro 16 - Vocês se consideram fronteiriços?

Quadro 17 - Número de professores Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa.

Quadro 18 – Línguas faladas pelos professores da Unidade Educativa “La Frontera”.

Quadro 19 - Cidade de nascimento dos professores Unidade Educativa “La Frontera”.

Quadro 20 - Número de alunos brasileiros e bolivianos – moradores do Brasil e Bolívia

Quadro 21 – Entendimento da língua portuguesa e espanhola dos alunos das duas

escolas em estudo

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Lista de Siglas

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

INE – INSTITUTO NCIONAL DE ESTATÍSTICA

MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

MIN – MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

PDFF – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA

PEIF – PROGRAMA ESCOLAS INTERCULTURAIS DE FRONTEIRA

SEM – SETOR EDUCACIONAL DO MERCOSUL

PDDE – PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA

PPP – PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

LDB – LEI DE DIRETRIZES E BASES

IDEB – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

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Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13

CAPITULO 1 ....................................................................................................................................... 18

O PARADOXAL ESPAÇO DE FRONTEIRA .................................................................................. 18

1.1. Esta fronteira mas allá ....................................................................................................... 20

1.2. Vizinhos, pero mui lejos......................................................................................................... 23

1.3. Corumbá e Puerto Quijarro: Cidades-gêmeas ................................................................... 24

1.4. Fronteira: diferentes conceitos, diferentes olhares ........................................................... 26

1.4.1. Força centrifuga x Força centrípeta: fronteira x limite .......................................... 27

1.4.2. Faixa de fronteira: Concepções e conceitos ........................................................ 30

1.4.3. As mil faces da fronteira ...................................................................................... 31

CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................................... 34

INTERCULTURALIDADE E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS

DE FRONTEIRA ................................................................................................................................. 34

2.1. A Cultura do “inter-lugar”: processo em ebulição .............................................................. 35

2.1.1. “Terceira Língua” no “terceiro lugar”................................................................................. 37

2.2. A Interculturalidade no Programa para Escolas de Fronteira - PEIF ............................. 39

2.3. A experiência de formadora: parâmetro de escolha do objeto e do campo de pesquisa

........................................................................................................................................................... 42

2.4. Primeiras experiências: projetos interculturais ................................................................. 50

CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................................... 53

DO CAMPO E DO OBJETO DE PESQUISA ................................................................................. 53

3.1. Tabulação dos dados obtidos na Escola “Eutrópia” ............................................... 57

3.1.1. O que pensam e sentem os alunos da Escola “Eutrópia” .................................... 59

3.1.2. O olhar dos docentes da Escola “Eutrópia” ......................................................... 74

3.2. Unidade Educativa “La Frontera” - gêmeas pero no mucho ................................... 79

3.2.1. Tabulação dos dados obtidos na Unidade Educativa “La Frontera” .................... 82

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3.2.2. Docentes da Unidade Educativa “La Frontera” ................................................... 90

3.3. “Eutrópia” e “La Fronteira”: diferenças e similaridades .......................................... 97

CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................................... 101

DA APLICABILIDADE DAS AÇÕES ............................................................................................. 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 104

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 108

ANEXOS ............................................................................................................................................ 113

Anexo 01 ........................................................................................................................................ 114

Questionários ................................................................................................................................ 118

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INTRODUÇÃO

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Em Corumbá, cerca de 700 alunos bolivianos atravessam a fronteira

diariamente para estudar na rede municipal de ensino e brasileiros atravessam a

fronteira para buscar educação na Bolívia. Tecnicamente, politicamente e

culturalmente as escolas estão preparadas para atender essa demanda? Qual o

papel das escolas e da educação na integração, diminuição das diferenças e

preservação das identidades? Como este espaço pode apontar ações que realmente

possam integrar e preservar aspectos culturais? A ação intercultural constante em

ações nas escolas de fronteira provoca aproximação e diminuição de possíveis

diferenças que existem nesse espaço? São questionamentos que conduziram esta

pesquisa e que se tentou responder no decorrer desta dissertação, cujos resultados

levaram a uma proposição de ações efetivas para as demandas encontradas. O foco

da pesquisa recaiu na observação das trocas culturais e a integração, em

perspectiva, cujo olhar foi lançado de dentro dessas próprias escolas, muito embora

a investigação primeira estar centrada na língua.

Sabe-se que os estudantes que vêm para as escolas brasileiras

vivenciam diversos referenciais de identidade: em família falam o idioma materno, no

caso o espanhol, e na escola falam português, que é a língua utilizada no ambiente

escolar. A cultura de fronteira e a língua são características de lugares e a educação

por meio das escolas deve ser um lugar de aproximação e de diminuição das

diferenças.

Para entender e sugerir ações que possam minimizar estas diferenças,

esta pesquisa lançou mão do Método Etnográfico, ou seja, a etnografia. Muito usado

na antropologia, este método consiste na observação do comportamento e atitude

das pessoas de etnias diferentes por um determinado tempo, o que pode ser

aplicado a um grupo, como no caso das Escolas de Fronteira, pois que este grupo

constitui-se de mescla de etnias diferentes. Observar o grupo para entender como é

feita a interação no espaço em que se convive. Todo o estudo foi complementado

com entrevistas e questionários, que foram aplicados nos grupos observados, das

duas escolas, nos quais se incluíam professores, alunos, coordenadores e diretores,

tal como concebe o método.

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Para embasamento teórico de aplicação prática desta pesquisa, foram

utilizadas teorias de Clifford Geertz que tratam do princípio da etnografia: desvendar

algo inusitado, ler nas entrelinhas de um texto e encontrar explicações. A etnografia

conduz o olhar através do visível para encontrar o que os olhos não conseguem

enxergar. Assim, este modo de olhar para o objeto da pesquisa, além de

fundamentá-la, facilitou a interpretação e análise do objeto. Segundo Geertz, a

cultura vai ao encontro do objetivo da antropologia que “é o alargamento do universo

do discurso humano”. Quanto mais compreendemos a cultura de um povo, mais

claro e sui generis elas pareceram. Para este teórico, para expor a normalidade de

um povo sem reduzir sua particularidade é preciso, antes de tudo, compreender a

cultura deste povo em toda sua extensão.

Para entender o espaço geográfico em que se encontram os alunos em

trânsito nesta fronteira, no capítulo 1, O paradoxal espaço de fronteira, tratou do

espaço em si, fronteira, limite, conceitos, dificuldades e o contato com o “outro” que

faz com que vejamos ou não além de qualquer linha.

Já no capítulo 2, para entender interculturalidade, iniciou-se o capítulo

discorrendo sobre cultura para compreender melhor as questões de como a

interculturalidade se processa no espaço de fronteira.

O capítulo 3 abordou a pesquisa em si, justificada por uma experiência

pessoal e efetiva a tabulação de dados, cujos questionários encontram-se anexos,

também aponta as dificuldades e os campos em que ações podem ser aplicadas.

No capítulo 4, Da Aplicabilidade das ações, buscou-se as experiências

bem sucedidas, em análises de observações existentes, em teorias possíveis, tudo o

que é factível para minimizar as demandas observadas nas escolas.

Foram objetivos desta pesquisa, verificar se tecnicamente, politicamente e

culturalmente as escolas de Corumbá estão preparadas para atender a demanda de

alunos bolivianos; compreender qual o papel das escolas e da educação na

integração; diminuição das diferenças e preservação das identidades; como este

espaço pode apontar ações que realmente possam integrar e preservar aspectos

culturais, verificou-se se a ação intercultural constante em ações nas escolas de

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fronteira provoca aproximação e diminuição de possíveis diferenças que existem

nesse espaço.

Esta pesquisa insere-se em contexto interdisciplinar, com foco nas

Ciências Humanas e Sociais, área de concentração nos Estudos Fronteiriços do

Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços da UFMS/Campus do

Pantanal, e faz parte da linha de pesquisa “Ocupação e Identidade fronteiriça”.

Da área geográfica, fronteira Brasil-Bolívia, onde ocorreu a pesquisa,

foram escolhidas como local específico, uma escola situada no espaço considerado

limítrofe de Corumbá e uma escola de Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Mais

especificamente, a pesquisa teve como campo de atuação a Unidade Educativa

“Eutrópia Gomes Pedroso”, situada em Corumbá e a Unidade Educativa “La

Frontera”, situada em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro.

Para a efetivação do projeto, nesta proposta de trabalho não coube

apenas uma única modalidade de pesquisa, pois, mesmo privilegiando a modalidade

descritiva, para que se encontrasse resultado efetivo e aplicação prática foi

necessário o imbricamento, tal como em qualquer pesquisa na área das Ciências

Humanas, dos aspectos documentais, bibliográficos e qualitativos. Para tanto, foi

elaborado um questionário para os alunos e outro especifico para os professores,

coordenadores e diretores, e partir das observações ocorridas nas escolas, foram

feitos ajustes necessários nos questionários (ANEXOS).

Neste trabalho, a pesquisa bibliográfica foi utilizada como ferramenta

metodológica para compreensão da fronteira enquanto objeto da pesquisa. Outros

instrumentos metodológicos utilizados foram questionários, entrevistas formais e não

formais e observação não participante. Quanto à natureza, é uma pesquisa básica.

Do ponto de vista dos objetivos, trata-se de pesquisa explicativa, pois procura

identificar resultados que levem a ações efetivas para as demandas encontradas.

A coleta de dados foi realizada por meio de questionários, entrevistas e

observação, com o intuito de entender como é o dia a dia destas escolas. Os

questionários foram aplicados, nas duas escolas, para os alunos, professores,

coordenadores e diretores. As entrevistas foram realizadas no ambiente escolar, e

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17

buscou-se entender como funcionam as escolas na fronteira, o relacionamento entre

culturas diferentes e quais ações são utilizadas para diminuir o impacto do encontro

com o “outro”, os projetos realizados pelas escolas, a evasão escolar, dentre outros

questionamentos apresentados na dissertação. O diário de campo, o gravador, a

máquina fotográfica e a de filmar auxiliaram na construção da pesquisa. Com a

observação não participativa, procura-se entender como os alunos bolivianos e

brasileiros convivem entre si.

A população alvo da pesquisa foram os alunos e professores que atuam

nas duas escolas estudadas, Escolas “Eutrópia” e “La Frontera”. A amostra foi

composta pelos alunos, professores, coordenadores e diretores que atuam nestas

instituições na região da fronteira entre Brasil e Bolívia.

Foram questionamentos que conduziram esta pesquisa e tentaram ser

respondidos no decorrer desta dissertação, apresentando-se resultados que levem a

uma proposição de ações efetivas para as demandas encontradas e, dentro do

possível, relacioná-las às trocas culturais e à integração, em uma perspectiva de

dentro dessas próprias escolas.

Sabe-se que, apesar do esforço, qualquer pesquisa é sempre um começo

de caminho, os primeiros passos que conduzem a outros que, um dia, poderão

desvendar o mundo. A certeza desta pesquisa é que se sabe apenas os primeiros

passos. Portanto, quanto melhor for interpretada a realidade observada, mais

profunda de significados esta se mostrará.

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18

CAPITULO 1

O PARADOXAL ESPAÇO DE FRONTEIRA

Que divide um país de outro? Uma bandeira? Uma língua, Uma constituição? Uma intenção demarcadora Um preceito ou um preconceito? Uma cerca, um muro circunstante? Ideologias? Etnias? Religiões Ou interesses tribais? Que mais? Sentimentos telúricos, ancestrais? Valores transnacionais Em que pátria residem? Antonio Miranda

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19

Para entender o elevado número de alunos bolivianos que frequentam as

escolas brasileiras e dos poucos brasileiros que frequentam as escolas da Bolívia,

as chamadas escolas de fronteira, objeto desta pesquisa, é preciso entender o

espaço em que se inserem estas escolas, a fronteira, Brasil - Corumbá / Bolívia –

Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Este espaço possibilita livre acesso, já que as

duas barreiras alfandegárias e a ponte permitem o ir e vir sem restrições para os

alunos dos dois países que atravessam a fronteira, impregnados com sua identidade

e sua cultura. É neste espaço, intercultural por sua natureza, que as relações

acontecem: casamentos, laços de amizade, trocas gastronômicas e musicais,

atividades de comércio, televisão, encontro das diferentes línguas, e, principalmente,

trocas culturais nas relações estabelecidas nas escolas.

Embora o foco desta dissertação esteja centrado nas Escolas de

Fronteira, é preciso entender que neste espaço existem múltiplas práticas sociais,

culturais, econômicas. Tanto que José Lindomar Coelho Albuquerque destaca que

as fronteiras são fluxos, misturas e separações, obstáculos, integrações e conflitos,

domínios e subordinações por que “representam espaços de poder, de conflitos

variados e de distintas formas de integração cultural.” (2006, p.5). É nesse lugar que

se estabelece integração ou não dos indivíduos dos dois países. Embora os

indivíduos, neste espaço, possam sofrer a inclusão ou exclusão, a cultura do outro

contamina sem pedir licença ou se preocupar com os aspectos legais.

É pela relação intercultural neste espaço de fronteira que o “outro” e o

“eu” se contaminam, e principalmente no lado boliviano, essa contaminação também

passa pela língua. Tanto é assim que o mesmo José Lindomar Albuquerque afirma

que os moradores que vivem na fronteira fazem uma troca diária, tanto na língua

falada quanto na escrita, criando um hibridismo linguístico, como nas músicas

escutadas, nas trocas sensoriais, nas comidas experimentadas, enfim, trata-se de

uma zona de complementaridades. O que se torna mais interessante no trabalho de

José Lindomar é a percepção dos estereótipos criados para a identificação de suas

respectivas línguas e afirma ainda, apontando para a criação inerente de um

território de ninguém “O alarme imediato é feito a partir da associação entre língua e

identidade nacional, ou seja, os espaços culturais em que as línguas nacionais

perdem espaços para línguas estrangeiras são logo vistos como lugares

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desnacionalizados” (2006, p.15). O alarme soa para o perigo do indivíduo fronteiriço

entrar em choque com sua própria identidade e o que é sua pátria. Afinal como disse

o escritor Fernando Pessoa, relendo Camões, musicado por Caetano Veloso: “Minha

pátria é minha língua”.

Será possível identificar esta desnacionalização pela língua no espaço de

fronteira? Como atribuir à língua esse papel de vilã, se a zona fronteiriça possui

necessidade constante de complementaridades? Qual o papel das escolas e da

educação na integração, na diminuição das diferenças e na preservação das

identidades? Como este espaço pode apontar ações que possam integrar e

preservar aspectos linguísticos e sociais por isso mesmo culturais?

Esta dissertação tenta apresentar respostas para essas perguntas. Como

se trata de campo muito amplo focalizou-se as trocas linguísticas e culturais dentro

do espaço privilegiado de grande importância em qualquer sociedade: as escolas

responsáveis pela educação nesta área de fronteira.

1.1. Esta fronteira mas allá

Nesta distante fronteira seca, Corumbá e Bolívia comunicam-se por uma

rodovia, a Ramón Gomez, por um canal de rio, o Canal Tamengo, por uma ferrovia,

a Noroeste do Brasil e Ferrocarril, e por uma aerovia. Isso mostra quanto os limites

físicos são tênues com barreiras frágeis passíveis de transposição rápida apesar dos

símbolos que demarcam e apontam essa soberania dos dois lados: do lado

brasileiro um Posto Alfandegário da Receita Federal, Polícia Federal e de

Informações turísticas (Figuras 1 e 2); e do lado boliviano um Posto de Controle

Fronteiriço (Figura 3).

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Figura 13 - Posto de Informações Turísticas e Polícia Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha

autoria, 2014.

Figura 14 - Posto Alfandegário da Receita Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria,

2014.

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Figura 15 - Posto de Controle Fronteiriço Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

Mas, como já descrito na introdução, esta pesquisa não pretendeu pensar

esta fronteira Brasil – Corumbá e Bolívia – Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro

somente como um território marcado por seus limites e pela segurança que isto

implica. Pretendeu ir muito além deste limite. Até os anos 90, o assunto fronteira era

praticamente assunto militar, segundo afirma Tito Oliveira “Do ponto de vista

estratégico, as fronteiras possuíam a função de barrar, restringir, evitar, fechar e

impedir maiores aproximações e intercâmbio” (2011, p.193). Com a

internacionalização da economia abriu-se caminhos para transformar as formas de

controle nesses locais fronteiriços, e, em consequência, tem início todo tipo de troca:

cultural, sociológica, linguística. Essas trocas só acontecem porque a fronteira foi

ocupada do lado boliviano: somente após essa ocupação é que as relações

passaram a acontecer, considerando que a fronteira existe somente porque existem

pessoas dos dois lados. Como haver troca sem ocupação? Essas relações deveriam

conduzir à necessidade de percepção do “outro” como um ser impregnado com a

sua identidade e cultura. Será visto adiante a necessidade que paira sobre as

relações dentro das escolas observadas.

Com as transformações apontadas por Tito Oliveira, as fronteiras passam a

ser assunto civil além de militar e a serem tratadas de forma importante e

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significativa. Para Tito Oliveira “O fato é que essa postura (apenas militar) passou ou

está passando. O distanciamento foi cedendo lugar a novas e vibrantes formas de

integração, interação, aproximação e intercâmbio” (2011, p.193). Tito expõe assim

que a visão anterior à internacionalização, nos anos 90, era barrar, fechar, isolar,

restringir e agora, com a chegada do século XXI, a palavra de ordem é interagir e

encontrar melhor forma de se relacionar com o outro, de romper pré-conceitos. Será

que isso se manifesta nesta fronteira tão “más allá”?

1.2. Vizinhos, pero mui lejos...

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta Corumbá

com uma população de 103.703 habitantes e Ladário, com 19.617, e que,

geograficamente, Corumbá é um município com cerca de 65 mil km2. Localizada a

450 km de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, a 600 km de

Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, Corumbá situa-se na região Centro-Oeste do

Brasil, no Estado de Mato Grosso do Sul, à margem direita do Rio Paraguai, no

berço do Pantanal Sul-Mato-Grossense. É a última cidade brasileira desta região,

antes do território boliviano, do qual se separa por fronteira seca, como visto

anteriormente.

Trata-se de uma região conhecida pelas atividades de extração de minério,

com grandes extensões de terras cuja atividade econômica mais importante é a

pecuária e tem a pesca como atividade de sobrevivência, geradora de renda para as

famílias de pescadores que vivem na região portuária de Corumbá. As belezas

naturais, as construções remanescentes do século XIX e a pesca servem como

atração turística para os visitantes que também utilizam a cidade como porta de

passagem para outros países da América do Sul.

A cerca de 5 km de Corumbá, no território boliviano que pertence ao

Departamento de Santa Cruz de La Sierra, estão situados Puerto Quijarro, um

pequeno município da Província de Germán Bush, formado por dois distritos –

Puerto Quijarro e Arroyo Concepción que, de acordo com o Instituto Nacional de

Estatística da Bolívia (INE), possuem aproximadamente 16.000 habitantes. Mais à

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frente, a cidade de Puerto Suarez, com 15.885 habitantes, localiza-se a cerca de 15

km do centro de Corumbá. Somando, a população urbana da região de fronteira dos

municípios de Corumbá, Ladário, Arroyo Concepcion, Puerto Quijarro e Puerto

Suarez, é de, aproximadamente, 160 mil habitantes. Apesar das pequenas

distâncias, o tratamento, a influência e a aceitação de costumes pelos vizinhos

“están mui lejos” do que popularmente se chama “política da boa vizinhança”.

Diminuir as distâncias na aceitação do outro é papel da educação nas escolas de

fronteira.

1.3. Corumbá e Puerto Quijarro: Cidades-gêmeas

Segundo o Ministério da Educação, o elemento geográfico que melhor

diferencia a fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas, pois oferecem

enorme potencial de integração na economia e na cultura.

Por esse aspecto, a cidade de Corumbá e Puerto Quijarro são

consideradas cidades gêmeas. De acordo com o Ministério da Integração Nacional

serão considerados cidades gêmeas os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, integrada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do país vizinho. (Portaria nº123, 21/03/3014 – Ministério da Integração Nacional)

De acordo com o Ministério da Integração, a necessidade de definição de

cidades gêmeas surgiu das demandas de ações de políticas públicas especificas

como uma busca de melhor integração e desenvolvimento nessas e para essas

fronteiras.

Segundo a portaria nº 125, do Governo Federal, Corumbá foi incluída

neste ano de 2014 na lista de cidades gêmeas. Todas as 30 cidades que compõe a

lista de cidades gêmeas são ligadas administrativamente e passam a contar com

investimentos do Governo Federal e com uma maior integração na economia e na

cultura. O objetivo principal é identificar problemas característicos, elementos típicos

dessa região.

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Em o Correio do Estado, o atual Prefeito Paulo Duarte, eleito em 2012,

declarou que a inserção de Corumbá na lista de cidades gêmeas foi uma imensa

conquista e no que tange a educação ele comentou: “(...) em Corumbá há mais de

700 alunos bolivianos, que atravessam a fronteira diariamente para estudar na

nossa rede municipal de ensino. Tecnicamente e politicamente estamos preparados

para atender a portaria” (Fonte: Correio do Estado. Publicado em: 22/04/2014). Será

mesmo que estamos preparados?

Sabe-se que é preciso mais do que uma política educacional para a

região de fronteira, é necessário que haja uma verdadeira integração regional, assim

como é tratado no documento do Plano de Ação do Setor Educacional do

MERCOSUL na pág. 4 quando desenvolve os Objetivos Estratégicos do Plano, e

cita:

1. Contribuir para a integração regional acordando e executando políticas educacionais que promovam uma cidadania regional, uma cultura de paz e o respeito à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente;

2. Promover educação de qualidade a todos como fator de inclusão social, de desenvolvimento humano e produtivo;

3. Promover a cooperação solidária e o intercâmbio, para a melhoria dos sistemas educacionais;

4. Promover e fortalecer os programas de mobilidade de estudantes, estagiários, docentes, pesquisadores, gestores, diretores e profissionais;

5. Acordar políticas que articulem a educação como um processo de integração do MERCOSUL. (Plano de Ação do Setor Educacional do MERCOSUL 2011-2015, MERCOSUL/CMC/DEC N 20/11).

Além do que é tratado no documento do Plano de Ação do Setor

Educacional, adveio a adesão formal da Bolívia como sexto país membro do

MERCOSUL, conforme cita a Presidente do Brasil no encontro com os membros dos

países, como consta no site http://onial.wordpress.com/2014/06/12/o-processo-de-

adesao-da-entrada-da-bolivia-no-mercosul/ “e saudamos com grande entusiasmo a

decisão da Bolívia de dar início a um diálogo com o MERCOSUL. Saudamos sua

adesão ao MERCOSUL como estado-parte. A Bolívia torna o MERCOSUL muito

mais forte.” (DILMA ROUSSEFF, 2012).

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1.4. Fronteira: diferentes conceitos, diferentes olhares

Esse imenso território no “coração” do Pantanal recebeu, ao longo do

tempo, imigrantes portugueses, paraguaios, árabes, dentre inúmeras outras

nacionalidades, cada qual com sua própria cultura e impregnados das culturas dos

povos que dominaram seus países. Segundo afirma Sturza (1994, p.2) “As fronteiras

geográficas são preenchidas de conteúdo social”, pois verifica ampla diversidade

linguística na fronteira Brasil – Bolívia.

Ao imbricamento inerente à convivência desses imigrantes na região

somam-se os costumes e a cultura autóctone dos dois países que formam esta

fronteira, obrigando a apuração do olhar sobre este local e a análise de conceitos

que tentam definir fronteira, pois nas fronteiras surgem formas singulares e especiais

de organização econômica, social e cultural, produto das diferenças, das trocas

existentes. É preciso entender que esse espaço único é gerador do sentimento de

alteridade, que acaba por reforçar a identidade do “eu” e do “nós” em relação ao

“diferente”, do outro. Isso motiva a segregação do “outro”, do “diferente”, dentro das

escolas. Sobre esse olhar discriminatório recaem as ações de projetos interculturais

nas Escolas de Fronteira.

Para Ernest Guhl (1991) a fronteira recebe diferentes olhares, formas e

maneiras, de acordo com a atitude e instância em que se lança o olhar e por quem é

lançado. Cada ator vive e sente de modo diferente, a depender de suas

experiências, sempre únicas. Assim, para entender uma fronteira é preciso entendê-

la não só como um lugar, mas quanto espaço de vivência.

es obvio que la frontera es vista de modo diferente por el colono, el

capitalista extranjero, el geógrafo o el político; y el experto militar lo

evalúa diferente que el contrabandista o el patriota de buena fé; pero

todos estos puntos de vista son fuerzas activas - de diferente

intensidad - que influyen sobre el espacio y sus fronteras políticas de

acuerdo con el tiempo (1991, p.153)1

1 é óbvio que a frontera é vista de modo diferente pelo colono, pelo capitalista estrangeiro, geógrafo ou

político ; e os militares a avaliam diferente dos contrabandistas ou patriotas de boa-fé; porém todos esses

pontos de vista são forças ativas – de diferentes intensidades – que influenciam sobre o espaço e limites

políticos de acordo com o tempo. (1991,p.153)

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Guhl alerta que é preciso entender que o olhar varia de acordo com quem o

desenvolve, o utiliza e necessita dos conceitos sobre fronteira. Exemplo: para um

militar das forças armadas, o limite traçado no mapa é a fronteira, onde acaba o

nacional e começa o estrangeiro; para os policiais, de modo geral, a fronteira pode

ser entendida como o lugar do ilícito, das possibilidades criminosas, das mil

passagens desconhecidas; para um comerciante, pode ser uma barreira ou um

concorrente arriscado; para os curiosos, é o lugar onde acaba o conhecido e

começa o novo, o estranho, o perigoso, que oferece risco e instabilidade. Para os

pesquisadores, no entanto, trata-se de um manancial de casos, formações e

estruturas a serem investigadas para que sejam desvendadas. Assim, pela

complexidade de relações que se estabelecem na região é impossível lançar um

único olhar, ou poucos conceitos, sobre os eventos que crescem como musgo pela

região fronteiriça.

1.4.1. Força centrifuga x Força centrípeta: fronteira x limite

Originalmente a palavra limite referia-se à ligação interna de um Estado.

O fim (ou o começo) do limite é precipuamente a separação, a distinção. Os limites

foram inicialmente demarcados em função de paisagens naturais e, mais tarde,

passaram a ser estipulados em critérios políticos e bélicos (LIA OSÓRIO

MACHADO, 1998).

Para compreender melhor a distinção entre fronteira e limite, devemos

observar a diferença entre ambos:

A fronteira está orientada “para fora” (forças centrifugas), enquanto

os limites estão orientados “para dentro” (forcas centrípetas).

Enquanto a fronteira é considerada uma fonte de perigo ou ameaça

porque pode desenvolver interesses distintos aos do governo central,

o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo central,

não tendo vida própria e nem mesmo existência material, é um

polígono. O chamado “marco de fronteira” é na verdade um símbolo

visível do limite. Visto dessa forma, o limite não está ligado à

presença de gente, sendo uma abstração, generalizada na lei

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nacional, sujeita às leis internacionais, mas distante, frequentemente,

dos desejos e aspirações dos habitantes de fronteira. Por isso

mesmo, a fronteira é objeto permanente da preocupação dos estados

no sentido de controle e vinculação. Por outro lado, enquanto a

fronteira pode ser um fator de integração, na medida em que for uma

zona de interpenetração mútua e de constante manipulação de

estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de

separação, pois separa unidades políticas soberanas e permanece

como um obstáculo fixo, não importando fatores comuns, físico-

geográficos ou culturais. (MACHADO, 1998, p.42)

Assim como outros autores o autor citado evidencia fronteira como fator

de integração, por se constituir zona de interpenetração mútua e de constante

manipulação de estruturas sociais, isso significa por si só vivencias interculturais.

Assim, as trocas não acontecem naquilo que Lia Osório Machado chama de limite,

porque limite está desassociado da presença de atores, por se tratar de traço

imaginário por onde circulam pessoas de diversas origens, de diversos locais. Essas

pessoas podem tornar a fronteira local hibrido, com diferentes sistemas políticos,

econômicos e culturais. E como microcosmo da sociedade, a escola fronteiriça

reflete este hibridismo.

É importante observar que a fronteira nunca é feita de um só território.

São sempre duas ou mais áreas que se configuraram segundo uma lógica de

mobilidade espacial, sejam de agentes sociais, econômicos ou políticos. O que se

materializa no território fronteiriço é a condensação dessa relação, e suas

características expressam ao mesmo tempo a densidade e o contexto histórico

dessas ações desenvolvidas no território fronteiriço.

Tão importante quanto trabalhar o conceito de limite, de fronteira, é

conceituar o território. Inicialmente trabalhado segundo a concepção de Ratzel de

“espaço vital” que, uma vez apropriado por um povo, seria determinante para sua

sobrevivência e sua importância no mundo.

De caráter sempre transitório, os territórios são permanentemente

modificados, alterados em sua aparência e remodelados. Esse processo obedece à

lógica do poder e da representatividade dos atores locais que comandam o território.

É preciso ver o território como um referencial, uma delimitação, uma apropriação de

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parte do espaço geográfico, onde se materializam intenções, ideias e ideais, sempre

considerando a relação de poder delimitada espacialmente.

O território produz territorialidades. Simultaneamente também é produzido

por elas. A territorialidade tem a ver com as identidades territoriais configuradas em

novos espaços. Também pode ser definida segundo um conjunto de mecanismos ou

estratégias desenvolvidas com o objetivo de controlar o processo de produção do

território. De acordo com Robert David Sack (1986) a territorialidade pode ser

definida como experiência realizada por um sujeito ou grupo, de alcançar, persuadir

ou dominar pessoas, acontecimentos e relacionamentos por meio da demarcação e

afirmação do controle sobre um limite geográfico.

É a territorialidade fronteiriça que garante a esse espaço único a sua

configuração espacial que é ao mesmo tempo singular e heterogênea, que se dá

pelo encontro de povos, pelo contexto espacial típico da fronteira. A territorialidade

acaba por expressar as características, o resultado prático das relações de poder

que foram desenvolvidas no território que a abriga. É, portanto produto e produtora

dos territórios.

Nessa concepção Edgar Costa (2009, p. 62) afirma:

O território é entendido nessa reflexão como um espaço delimitado

por e a partir de relações de poder, cujas materialidades são reflexos

das imaterialidades e das ações territoriais dos agentes e atores do

espaço. [...] O território é resultado das relações humanas - sociais,

culturais, mas fundamentalmente políticas – sobre um receptáculo

físico que se modifica e é modificado pela sociedade. [...] O uso do

território é uma forma que se pode denominar territorialidade.

Portanto, o território fronteiriço atual, moderno, é permeado pela

diversidade e seus elementos fundamentais, a flexibilidade, a simultaneidade, se

desdobram em territorialidades múltiplas que acabam por agir nos dois lados da

linha de fronteira, transformando o espaço fronteiriço dos dois lados. Essas

características de mobilidade fronteiriça, de maleabilidade, de múltiplas

territorialidades produzem ações e reações no campo cultural do ser fronteiriço, são

essas ações e reações que conduzem as adaptações próprias da interculturalidade.

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Segundo Antônio Firmino Oliveira Neto, vários grupos se misturam

constantemente em uma fronteira. Vivendo no e o mesmo espaço, em “troca” diária

de bens e cultura, cada qual faz uso do território de forma única, “transformam a

natureza do território usado e geram, assim, novos territórios interculturais.” (2009, p.

52).

Isso não poderia ser diferente em Corumbá e Puerto Quijarro, pois estão

localizados na faixa de fronteira, assim o Ministério da Integração Nacional, no

Programa de Promoção da Faixa de Fronteira (PDFF) conceitua faixa de fronteira2

com até 150 km largura.

1.4.2. Faixa de fronteira: Concepções e conceitos

A abrangência da faixa de fronteira foi sendo alterada com o passar do

tempo, iniciando com 66 km, passando para os 100 km e chegando hoje aos 150 km

de extensão. Regulada na lei nº 6.634 de 2 de maio de 1979 disposta no Decreto nº

85.064/80, Art. 1º, “É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa

interna de 150 km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha

divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de

Fronteira.” A observação histórica permite vislumbrar presença constante de

militares nesse espaço apenas voltado para a segurança e defesa da nação.

Essa abrangência foi sendo alterada com o passar do tempo: iniciou com

66 km, passou para os 100 km e chegou aos 150 km de extensão. Em todo o

período convém destacar a presença constante de militares nesse espaço de

fronteira, antes apenas voltado para a segurança e defesa da nação. Existem

símbolos que demarcam e apontam essa soberania, como visto anteriormente.

2 A região da Faixa de Fronteira caracteriza-se geograficamente por ser uma faixa de até 150 km de

largura¹ ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira, que abrange 588 municípios de 11 Unidades da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes. O Brasil faz fronteira com dez países da América do Sul e busca a ocupação e a utilização da Faixa de Fronteira de forma compatível com sua importância territorial estratégica. (Publicado em: fev./2009, pag.11)

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É preciso ressaltar que o Brasil faz fronteira com outros dez países da

América do Sul. Nessa faixa de fronteira extensa e expressiva, é necessário se ter

um olhar para todos os setores que fazem parte desse espaço, principalmente no

educacional, berço de qualquer princípio civilizatório. Para falar de fronteira,

portanto, é preciso pensar em ações educacionais especificas para a área de

fronteira.

De antemão, já sabemos que são fundamentais os acordos bilaterais

entre Brasil e Bolívia para concretizar ações na educação e através dessas ações

educativas estreitarem-se a relação de amizade, valorizar o encontro de saberes e

reconhecer que cada indivíduo neste contexto pertence a um lugar especial

independentemente se está do lado de lá ou de cá da fronteira.

1.4.3. As mil faces da fronteira

Pode-se versar de diversas maneiras sobre identidade. Ser de algum

lugar significa pertencer a ou se identificar com esse lugar. Quando esse lugar é

uma fronteira considerada cidades gêmeas, convém refletir, porém, sobre em que e

como as relações nas escolas de fronteira de Corumbá e Arroyo Concepcion /

Puerto Quijarro podem atuar na construção de novas faces para a identidade própria

do indivíduo que vive em cada uma dessas cidades gêmeas. De acordo com o

Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - PDFF, o

Ministério da Integração resolve que ocorreu uma necessidade de definição de

cidades gêmeas, pois teve aumento nas demandas de ações de políticas públicas

especificas como uma busca de melhor integração e desenvolvimento nessas e para

essas fronteiras. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, cidades

gêmeas são os municípios cortados pela linha de fronteira, seca ou fluvial, integrada

ou não por obra de infraestrutura, com grande potencial de integração econômica e

cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do

país vizinho.

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Segundo o Ministério da Educação, o elemento geográfico que melhor

diferencia a fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas, pois oferecem

enorme potencial de integração na economia e na cultura. Assim, relações

estabelecidas nesses encontros, trocas, intercâmbio de línguas, de diversas

culturas, pensamentos, contribuem para a formação de uma identidade diferenciada.

Tudo isso é necessário para que, segundo Rogério Haesbaert (1999), a identidade

provoque uma procura de reconhecimento que se faz frente à alteridade, frente à

relação de interação com o outro para se entender que o “eu” existe pelo fato do

“outro” existir por assimilação e trocas de traços da “face” do outro. Isso pode ser

confirmado em Marcos Aurelio Saquet & Michele Briskievicz (2009, p.3), “há um

processo de relações de alteridade e exterioridade, que diferenciam e identificam as

pessoas e os lugares” nas regiões de fronteira.

De acordo com Tomaz Silva (2000) a identidade passa por processos de

transformação, de edificação, não é fixa, mas mutável, e assim se transforma em

dificuldade social, pois o encontro com o “outro” é imprescindível nesse mundo de

diversidades em que se vive hoje. Silva afirma que de todos esses pontos

relacionados à identidade emerge um problema social que está relacionado à

construção do currículo escolar e, consequentemente, nas ações pedagógicas

desenvolvidas no ambiente escolar. Para que esse encontro com o “outro” não

constitua um problema, uma subversão que pode chegar até mesmo à violência e

agressão são necessárias ações direcionadas nessas e para essas escolas que se

situam nesse espaço fronteiriço.

Segundo Torres Santomé (2011, p. 213), os estabelecimentos de ensino “são

um elemento a mais na produção e reprodução de discursos discriminatórios”, por

isso, é cada vez mais pertinente lançar olhar diferenciado e atento sobre esse

ambiente, para entendamos a direção do ensino-aprendizado dessas escolas, e de

como precisam ser pensadas as disciplinas da base comum - português, espanhol,

ciências, artes. Entre outras, e também sobre as que fazem parte da base

diversificada dessas escolas, quase sempre fragmentadas e soltas no âmbito da

formação do aluno, o que as torna sem significação, portanto, descartadas quase

imediatamente do conhecimento do aluno.

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É preciso ressaltar que as identidades culturais são mais amplas que as

ações das escolas, elas fazem parte da identidade de um povo, de uma sociedade já

que a formação da identidade inclui cultura, economia, território, entre outras fontes.

Assim, devem ser desenvolvidas e direcionadas ações para melhor entendimento

entre os indivíduos que fazem parte desse ambiente escolar de fronteira, partindo-se

do princípio que cada povo se educa com base em uma cultura construída, que se

transforma e acrescenta conhecimento e saberes a partir de conhecimentos

universais. O docente tem papel importante nesse processo de troca intercultural. É

nas Escolas de Fronteira que se encontra espaço primordial para uma proposta de

currículo diferenciada e consequentemente um processo de aprendizagem

diferenciado e único.

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CAPÍTULO 2

INTERCULTURALIDADE E O PROCESSO DE ENSINO-

APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA

La interculturalidad, además de ser una forma de vida en permanente conflito, debe ser un proceso que ayude a descolonizar y deconstruir esquemas, conceptos, creencias, prácticas de vida, concepciones y prácticas pedagógicas.

Valentín Arispe

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Para entender interculturalidade, iniciamos esse capítulo discorrendo

sobre cultura. De acordo com Ruth Benedict (2008, p.45) “a cultura é como uma

lente através da qual o homem vê o mundo.” Ver o mundo pela lente é perceber o

que se passa ao redor, os diversos tipos de comportamentos sociais, as diferentes

maneiras de se viver em sociedade, os variados modos de falar e das línguas

faladas, ou seja, cada indivíduo irá enxergar o mundo a sua maneira, a seu modo,

dependendo de como essas lentes são usadas e de como se lança o olhar sobre o

mundo e passa a compreendê-lo melhor. No ser humano, a cultura é impressa a

partir do nascimento e acompanha o indivíduo por toda a vida, passando por vários

processos de transformação que variam de acordo com o lugar que cada um vive e

vivencia. A esse procedimento de aprendizagem permanece se dá o nome

endoculturação, porém a transformação cultural pode ser tanto interna, como

externa.

De acordo com Irene Machado existem construções culturais que vão

além da sociedade, a cultura por meio da linguagem, dos signos:

“A cultura pressupõe sistemas de signos cuja organização

reproduz comportamentos distintos daqueles considerados

naturais que são assim, culturalizados por algum tipo de

codificação.” Os códigos como sistemas modelizantes e

modeladores, têm a função de culturalizar o mundo, isto é, de

conferir-lhe uma estrutura da cultura. O resultado final é a

transformação de um não texto em texto. Esse é o

mecanismo elementar da cultura que não se limita à

sociedade” (2003, p.38-39).

2.1. A Cultura do “inter-lugar”: processo em ebulição

Os diferentes modos culturais são predominantes no ambiente escolar, por

isso, é necessário que os alunos encontrem outro modo de entender e compreender

o mundo no qual fazem parte. Para isso, é fundamental ampliar a visão de mundo

por meio da integração intercultural que deve estar presente na construção curricular

das Escolas de Fronteira. Isso fará com que os alunos reflitam sobre os valores de

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sua cultura, pois no momento em que se conhece ou reconhece a cultura do “outro”,

reconhece-se mais a si próprio, fortalecendo a própria identidade, mas respeitando,

assimilando e conhecendo a do “outro”. Todo princípio cultural está em um

sucessivo processo de transformação.

Esse conhecimento do “outro” é de extrema importância para o aprendizado

do aluno fronteiriço. A partir do momento em que o aluno passa a vivenciar a cultura

do “outro”, ou seja, a nova cultura apresentada de maneira diferenciada, além do

que se aprende pela leitura de livros, haverá mais aprendizado na escola. O

processo de interculturalidade também é fundamental para a vivência e para alargar

o conhecimento da língua e para desenvolver um ambiente com mais tolerância,

compreensão, colaborando para a diminuição das questões relacionadas ao

preconceito.

Conceituar cultura significa estabelecer as diferenças entre multiculturalismo

e interculturalismo, pois apesar do consenso, não são sinônimas. Margarita

Bartolomé Pina (2007) expõe que o multiculturalismo busca identificar as múltiplas

culturas existentes, passando a ideia da formação de grupos culturais em um

mesmo contexto social, favorecendo a independência e preservação de todas as

culturas, cada qual com sua idiossincrasia, com sua originalidade. Já no

interculturalismo, o que acontece são ações de intervenções sociais, que focam nas

trocas culturais existentes nos locais, edificando identidades de diferentes povos,

focando na comunicação, por meio dos diálogos e estruturação das múltiplas

culturas.

Nesta pesquisa, essa comunicação foi observada nas Escolas de Fronteira

da região de Corumbá, para engendrar as ações, com base no que Miriam Martins

(2010, p. 75) afirma sobre a interculturalidade, que “implica em gerar diálogos,

trocas, modos de perceber diferenciados, ampliação de repertórios pessoais e

culturais, ciente de que há múltiplos aspectos a serem levados em conta”, deste

modo a interculturalidade tenta transformar em ponte o que antes era barreira,

formando uma junção entre língua e cultura. Já para Edleise Mendes (2004), o

trabalho de integração estabelece o diálogo entre as diversas culturas para que seja

difundido o respeito mútuo e se obter melhor desenvolvimento na aprendizagem,

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portanto, por esse motivo, todos os indivíduos na construção de ensino-

aprendizagem são mediadores culturais entre a própria maneira de ser e de atuar.

Mendes (2004) aponta a construção da "terceira cultura", conceituado em

Kramschi, que trata o “papel da cultura” (sic) e das trocas culturais existentes como

“processos de ensino/aprendizagem” de um novo idioma. Kramsch nomeia, de

acordo com Mendes, o único modo de se construir uma aproximação: entrosamento

com o “outro” em circunstância de relação de interculturalidade, criar um “terceiro

lugar” ou um “entre-lugar”, uma maneira de ver o “outro” a partir de si mesmo e a

partir da visão que se tem da cultura do “outro”. Criar esse “entre-lugar” significa

respeitar a própria cultura e a cultura do “outro”, não se esquecendo de quem somos

e reforçando, construindo uma nova identidade, somada aquelas já existentes, um

espaço onde o “ser diferente” não significa esquecer o que se é, mas sim somar

experiências “eu deixo o meu espaço privilegiado e construo esse outro lugar, esse

espaço de interlocução formado por parte do que eu sou e por parte do que eu

quero conhecer” (MENDES, 2004, p.169).

No que diz respeito às Escolas de Fronteira, Jacinto Ordóñez Peñalonzo

(2003) afirma que nesse momento os contextos culturais fazem parte das

expressões atreladas à globalização e que alguns indivíduos têm chamado de

“culturas de fronteira” e declara que a presença de diferentes culturas na fronteira

aponta para diferentes caminhos com características culturais que estão a demandar

não somente uma revisão curricular dos espaços educativos, mas também,

caminhos de lutas e de ações culturais.

2.1.1. “Terceira Língua” no “terceiro lugar”

Eliana Sturza (2005) comenta sobre a presença da “terceira língua”, o

encontro da língua portuguesa com a língua espanhola, na fronteira com o Uruguai,

recebe duas denominações: o “fronteirizo” “portunhol”, designações que absorvem e

sentido geográfico. Esse fenômeno de “terceira língua” nesta realidade fronteiriça

Corumbá/Puerto Quijarro é denominado “portunhol”, única denominação constatada

nesta pesquisa. A pesquisa revelou o adjetivo “fronteriço”, quase sempre escrito com

ausência da semivogal “i” para qualificar o estado e o sentimento de “ser fronteiriço”.

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Cláudia Reis (2009) afirma que o “portunhol” acontece do contato da

escrita com a fala, pois é na escrita, segundo ela, que se aplica a mistura que

observa na fala “não se trata simplesmente de uma sobreposição do sistema

linguístico das línguas portuguesa e espanhola, mas de uma escrita que imita a

mistura que se dá na oralidade”. Independe qual grupo fala mais, o que acontece na

realidade é que a mistura existe dos dois lados, tanto no Brasil, como na Bolívia.

E de acordo com Eliana Sturza (2005) as línguas não se limitam apenas a

duas – língua portuguesa e língua espanhola, mas sim a uma imensidão delas que

se encontra em um lugar peculiar com é uma fronteira, onde existe uma diversidade

linguística imensa. Aplicando nesta fronteira Brasil/Bolívia constatou-se que o

português e o espanhol são as línguas mais faladas, e a partir desse encontro com o

“outro” surge o “portunhol”, e as mais variadas línguas como: Quéchua, Aymara,

Chiquitano ou Bésiro (introduzida esse ano na Bolívia como segunda língua no

currículo), inglês e assim segue, pois somente na Bolívia existem 36 línguas

registradas3.

Se Sturza comenta que o “portunhol” no Uruguai é uma “interlíngua”, a

nossa pesquisa, aqui na fronteira segue o mesmo caminho, pois os brasileiros

misturam mais os dois idiomas por não ter conhecimento nem do seu próprio idioma

e tão pouco do idioma do outro. A observação constatou que os bolivianos utilizam

menos a “interlíngua”, pois falam mais o português, e muitos são bilíngues em nível

mais elevado de entendimento e de fala. Isso se constatou nos questionários.

Convém, portanto, entrar nesse mundo de outros mundos, com a mente

aberta para poder assim perceber que a língua de um povo, vai além de falar a

língua desse povo, que a língua pela língua, isoladamente, não tem sentido, que é

preciso contextualiza-la para poder sentir a cultura presente nos diferentes modos

3 Línguas originárias da Bolívia – Ministério da Educação de Bolívia, artigo 5 inciso 1 da Norma

Constitucional Boliviana estabelece que são idiomas oficiais do Estado o castellano e todos os

idiomas das nações e povos indígenas originários campesinos, que são o aymara, araona, baure,

bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu,

itonama, leco, machajuyai-kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré,

mosetén, movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya,

weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré y zamuco”.

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de interagir e se comunicar de um povo, o fator cultural e intercultural cria novas

identidades, integrando a todos que fazem parte desse espaço escolar na fronteira.

2.2. A Interculturalidade no Programa para Escolas de Fronteira - PEIF

Interculturalidade e o processo de ensino-aprendizagem nas Escolas de

Fronteira passam a ser uma preocupação do Ministério da Educação (MEC) que em

2004 começa a pensar uma nova abordagem para essas escolas do “entre lugar”

em um projeto denominado – Programa de Escolas Bilíngues de Fronteira (PEBF),

que se inicia formalmente entre Brasil e Argentina, por meio de um termo de

cooperação assinado entre os dois países, a partir da experiência de três cidades e

foi se alastrando pela região Sul. Na época, pela proximidade com autoridades

políticas de países vizinhos, como Uruguai e Argentina, o programa foi se

consolidando formalmente por essa região. Em 2010, o Programa, por encontrar

dificuldade em fronteiras em que se falavam mais de uma língua, transmuta para

PEIF- Programa Escolas Interculturais de Fronteira4.

O Programa nasceu da necessidade de estreitar laços de interculturalidade,

apenas pelo viés da língua, entre cidades vizinhas de países que fazem fronteira

com o Brasil, mas não incorporava a fronteira com a Bolívia como local de atuação.

A incorporação da Bolívia somente ocorre em 2012, quando o Programa se insere

neste local e passa a existir a possibilidade da Bolívia se inserir no grupo do

MERCOSUL5.

Ao Ministério da Educação, agregam-se as seguintes instituições no

programa para melhoria das relações das escolas de fronteira: Secretaria de

Educação Básica e da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro da

Educação; Representantes dos Ministérios da Educação dos Estados parte e

4 O Ministério da Educação institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que visa promover

a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue (documento Anexo 1)

5 Como é considerado no documento do Plano de Ação do Setor Educacional do MERCOSUL 2011-

2015.

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associados do MERCOSUL que possuem áreas fronteiriças com o Brasil;

Secretarias Estaduais e Municipais de Educação envolvidas das regiões de fronteira;

Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais e Municipais de

Educação das áreas de fronteira; Instituições de Ensino Superior participantes da

Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da

Educação Básica Pública; Escolas gêmeas.

No Plano de Ações do Setor Educacional do MERCOSUL (2011-2015) no

que diz respeito aos objetivos e metas relacionadas ao PEIF, uma vez por semestre

todos os países do MERCOSUL e seus grupos de trabalho, comitês e

coordenações, se reúnem para fazer um balanço para avaliar as ações e fazer um

plano posterior. Cada país leva suas peculiaridades, suas condições para manter

essas ações vivas. É necessário salientar que a inclusão de Corumbá e Puerto

Quijarro na lista de cidades gêmeas vem ao encontro do Programa de Escolas

Interculturais de Fronteira (PEIF) que busca observar além de um limite de fronteira,

que pretende olhar e integrar atores que vivenciam essa região tão peculiar, assim

como observar e capacitar professores, comunidade, família e perceber a escola

como espaço de integração, não somente como transmissora de conhecimentos

básicos.

O PEIF é um programa permanente, continuo e complexo, porque tudo

deve ser decidido e planejado com o país irmão para que as decisões não sejam

tomadas unilateralmente. Há uma preocupação em discutir as ações com o país

vizinho, um compromisso com a qualidade social. Mas, essa ação ainda não

aconteceu efetivamente nesta fronteira, já que até agora, nesses 3 anos de projeto,

as ações são pensadas apenas pelo lado brasileiro. Já que o processo da

interculturalidade passa primeiramente pelos professores, com quem o contato

intercultural acontece para que se possam atingir os alunos e todo ambiente escolar,

são esses professores que devem participar do planejamento das ações,

principalmente em momentos integradores, com professores dos dois países.

O programa passou nove anos com 17 escolas brasileiras e 15 escolas

de países vizinhos. E a partir de 2014, 167 escolas aderiram oficialmente ao PEIF. O

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PEIF passou a participar do Programa Mais Educação6 e essas escolas aderiram ao

programa através do PDDE interativo, havendo, portanto a expansão do programa.

Essas escolas que aderiram ao programa recebem verba do Governo Federal direto

na escola para que apliquem a metodologia do programa, recebendo assim até 25

mil reais, de acordo com o número de alunos de cada escola participante, assim de

11 cidades participantes passaram para 32 cidades integrantes do programa.

É por meio do conceito de cidades gêmeas que o PEIF busca a prioridade

para expansão do programa, que em 2014 totalizam 30 cidades gêmeas (conforme

conceito citado anteriormente), Corumbá e Puerto Quijarro foram incluídas neste ano

de 2014. As Línguas oficiais do PEIF são: português, espanhol, guarani, além das

línguas maternas de cada comunidade fronteiriça, e incluíram-se a partir de 2014 as

línguas inglesa e francesa.

O PEIF é desenvolvido do lado brasileiro com uma política de educação

integral em tempo integral, por entender que trata de um mesmo elemento: o ser

humano em sua formação plena, integral e integrada. Trata-se olhar para um todo,

direcionado para todos os indivíduos que vivenciam no mesmo espaço, ou seja,

alunos, professores, família. Um modo de descobrir a escola interculturalmente e

não apenas uma escola como transmissora de conhecimento.

Para dar cabo dessa demanda, o programa tem como base a

metodologia de Projetos e Aprendizagem, oportunizando aos envolvidos

conhecimentos de novas metodologias de aprendizagem. Para que isso ocorra,

todos os que fazem parte desse processo experimentem a cultura do “outro”, indo

além de atividades e momentos.

O PEIF através da ação direta com o Programa Mais Educação, como

programas integrados, atua nas escolas beneficiadas, conforme documento que

Institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, visando promover a

integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue. O documento foi

expedido pelo Ministério da Educação, na portaria nº 798, de 19 de junho de 2012

6 Programa Mais Educação - Manual Operacional de Educação Integral – Brasília/DF 2013nas págs.

42-43. Ministério da Educação / Secretaria da Educação Básica/ Diretoria de Currículos e Educação

Integral.

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(documento anexo um). De acordo com a portaria, as escolas interculturais de

fronteira devem promover os princípios da interculturalidade, reconhecendo as

fronteiras como local de diversidade cultural e promoção da cultura da paz, o

conhecimento recíproco e a convivência dos cidadãos dos países fronteiriços.

Verifica-se, portanto que deve ser um programa de gestão compartilhada,

com decisões tomadas pelos dois países envolvidos. Uma escola que faz adesão ao

PEIF tem o espaço aberto para que outras pessoas possam contribuir. Dessa

parceria com as escolas, é realizado um diagnóstico sociolinguístico,

acompanhamento pedagógico, formação continuada, intercâmbio docente e discente

– várias modalidades de intercâmbio, não somente o cruze7 que é a forma de

intercâmbio original do programa.

Como toda escola, as Escolas de Fronteira carregam inúmeras tarefas

sociais entre essas a mais importante, a preocupação com a preservação da

identidade cultural, com a língua dos estudantes sempre em confronto pela

proximidade com o outro país. Para resolver as semelhanças e diferenças

identitárias do estudante e minimizar as dificuldades de aprendizado, o professor

deverá contemplar a pluralidade e integração. São as lacunas pedagógicas

peculiares nesta região de fronteira, como em qualquer outra, que o PEIF atua

pretendendo modificar sempre para melhor.

2.3. A experiência de formadora: parâmetro de escolha do objeto e do campo

de pesquisa

Antes de analisar os questionários, foi preciso mencionar o motivador

desta pesquisa. Em 2013, participei como professora formadora do Programa de

Escolas Interculturais de Fronteira, cujo objetivo principal era formação de

7 Cruze – será utilizado na dissertação o termo cruze que é o termo citado no documento que institui

o Programa de Escolas Interculturais de Fronteira, como referência ao intercâmbio que acontece entre professores e todo grupo escolar pertencente ao programa, expandindo com isso o ambiente cultural.

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professores, coordenadores e diretores das escolas de formação básica, da rede

pública, na fronteira Brasil – Bolívia, tendo como escolas participantes a escola

“Eutrópia” de Corumbá e “La Frontera” em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro,

entre outras escolas escolhidas. Foram realizados encontros semanais com a

participação dos educadores de ambos os países, iniciando a partir daí o

entrosamento intercultural, por meio da sensibilização dos participantes quanto à

importância da utilização de processos interculturais na educação de fronteira. As

sequências do programa foram organizadas para que culminasse nos cruzes,

experiência efetiva realizada nas escolas dos dois países.

O contato linguístico, muitas vezes, causou entraves, pois professores

bolivianos tiveram dificuldade com a língua falada no curso, já que somente a língua

portuguesa foi utilizada nas aulas, mesmo com grupos formados por brasileiros e

bolivianos, para que se ajudassem elaborar as propostas para realização da

integração cultural entre as duas escolas, ou seja, o cruze. Nestes encontros, os

alunos tiveram oportunidades de descobrirem a origem comum da língua portuguesa

e espanhola, as variedades de comidas típicas dos dois países, as danças regionais,

as brincadeiras em comum, ou seja, aproximaram-se pelo contato cultural, por meio

da cultura do “outro”. Esses encontros foram fotografados, conforme figuras

dispostas no texto.

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Figura 16 - Escola “Eutrópia” foi à Unidade Educativa “La Frontera” alunos e professores

participantes do PEIF. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

No momento da integração, não houve separações e nem olhares de

estranheza entre os alunos de ambas as escolas. Todos interagiram, falando cada

qual em seu idioma e, às vezes, no que já foi definido anteriormente, como

“portunhol”. Os alunos bolivianos e brasileiros foram educados e receptivos com

relação às atividades propostas no que tange o desenvolvimento do grupo. Foi

observado que a troca cultural que se deu a partir desse encontro de dois povos fez

com que cada aluno, independente do lado que mora, se integrasse e respeitasse à

cultura do “outro”, como hermanos, mas também suscitou muitas dúvidas nas quais

se embasou os problemas apontados.

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Figura 17 – Exposição das comidas, artesanato, trabalhos realizados pelos alunos em língua

espanhola. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

Figura 18 - Apresentação de dança das alunas da Escola “Eutrópia”. Quadra da Unidade Educativa

“La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013

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Figura 19 - Integração dos alunos por meio de brincadeiras e jogos. Quadra da Unidade Educativa

“La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 20 - Apresentação do Professor da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à

Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

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47

Figura 21 - Professores da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia".

Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Figura 22 - Apresentação de dança da Unidade Educativa "La Frontera". Quadra da Escola

"Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.

Convém dizer que os alunos estabeleciam boa comunicação do mesmo

modo. Nessa troca foram se identificando e aprendendo sobre as culturas de cada

país, as religiões, a visão de cada um relacionado à educação, ao país do “outro”, as

muitas formas de viver de cada grupo, construindo um elo por meio do respeito e

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valorização da cultura de cada indivíduo, isso foi somando a identidade de cada um

e transformando-os, pois agregou valores antes jamais proporcionados.

Verificou-se por meio do intercâmbio que, nesses projetos, o contato com

o “outro” ocorre de maneira natural e que é nesse encontro de múltiplas culturas,

cada qual com sua história, costumes, crenças, religiões, faz com que a identidade

de cada aluno se transforme, agregando valor cultural a sua formação, fazendo com

que se valorizem e se respeitem mutuamente, criando uma nova identidade. De

acordo com a Professora Beatriz Xavier, no curso que faz parte do programa do

PEIF palestrado por ela sobre “Cultura e formação de Identidade” que aconteceu dia

27 de agosto de 2014 no Campus III da UFMS, a Identidade é influenciada pela

cultura e pelas pessoas com as quais se convive constituindo na relação com o

“outro”, assim o indivíduo se constrói socialmente, à medida que vai crescendo vai

moldando sua identidade e a cultura vai moldar o modo de ser do indivíduo.

A escola é sim o lugar de se olhar essas múltiplas identidades por meio

dos valores que orientam a vida. É necessário que o indivíduo conheça primeiro a si

mesmo para que assim respeite a alteridade, como diferenças que se enriquecem

quando juntas. É preciso ensinar os alunos valores como respeito e aceitação do

que é ser diferente, para que assim se integrem com o país vizinho.

Alguns professores bolivianos e brasileiros, antes das ações implantadas

pelo PEIF, nunca tiveram oportunidade de discutir questões relacionadas à fronteira,

às práticas pedagógicas interculturais por meio de interação e diálogo, as atividades

teórico- práticas desenvolvidas nos cursos oferecidos e implementadas nas escolas.

Percebe-se, portanto o quanto é importante que essas experiências sejam

ampliadas, consolidadas e tratadas com um olhar diferenciado nessas questões que

tangem a educação intercultural nas fronteiras. Assim, é importante lembrar que se

faz necessário pensar em um mecanismo para o professor que ao ir para o

momento do intercâmbio, o outro professor esteja na sala de aula, para que haja um

vínculo de comunicação e melhor interação professor- aluno.

O que deve ser sempre colocado em questão é a interculturalidade, mesmo

a que passa pelo uso da língua, não apenas a língua pela língua, mas sim a vivência

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da língua em sua plenitude cultural. Perguntamos, então: porque toda a vida escolar

desta fronteira tem a disciplina de língua inglesa no fundamental I e II? Algumas

escolas já possuem o espanhol no ensino fundamental I, como é o caso da Escola

“Eutrópia”, e mesmo com excessiva carga horária da disciplina Língua Inglesa, os

alunos não se comunicam em inglês. Para que o estudo da língua pela língua? As

aulas de inglês têm relação com interculturalidade? Têm relação com o cotidiano do

aluno? Se Brasil possui dimensão intercultural com países da língua espanhola, é

preciso que o currículo seja adaptado, que se pense o ensino da língua de maneira

diferenciada, por meio das culturas presentes nas escolas. Isso também deve se

refletir no ensino Médio e nas próprias universidades situadas nessas regiões.

Porque as licenciaturas em regiões de fronteira não ensinam o Espanhol? Porque o

Brasil é oficialmente um dos poucos países monolíngues do mundo? Toda essa

reflexão não descarta a importância da língua inglesa, mas que esta seja também

ensinada interculturalmente.

São pelas razões descritas anteriormente que o foco do programa PEIF

vai além do aprendizado da língua pela língua e recai sobre a troca cultural existente

nos ambientes das escolas de fronteira, com cursos de capacitação cuja proposta é

a sensibilização da comunidade escolar com relação à atuação social de cada um.

Notou-se que, com o seguir do projeto, os professores das escolas da

Bolívia estão mais participativos e atuantes nas aulas. Segundo observações e

conversas informais, mesmo com a dificuldade que alguns sentem no momento da

comunicação eles não possuem mais “medo” na hora de participarem das aulas dos

cursos de capacitação, Outra observação feita por eles foi que os professores

ministrantes do curso estão palestrando nas duas línguas – portuguesa e espanhola

- fazendo com que eles se sintam valorizados e estimulados a falarem de si e a

quererem aprender mais sobre a cultura do “outro”. Também as aulas acrescentam o

desenvolvendo em cada cursista, com um novo olhar para metodologia de

aprendizado intercultural e interdisciplinar a ser trabalhado e multiplicado por cada

um no ambiente vivenciado. Foi observado inclusive, pelos professores das escolas

envolvidas, que desde a implantação do PEIF em nossa fronteira em 2012, houve

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uma ampliação dos laços culturais relacionados da permanente tentativa do

programa na edificação da educação relacionada às escolas de fronteira.

2.4. Primeiras experiências: projetos interculturais

Segundo entrevista com o coordenador pedagógico, quase factótum na

Escola “Eutrópia”, antes havia preconceito muito mais forte, apesar da influência

cultural que a língua espanhola falada pelos bolivianos tem sobre Corumbá. Essa

influência aparece em palavras usadas em Corumbá e que não se ouve em outras

partes do Brasil como: canastra, para engradado de cerveja e comidas como a

saltenha8. Mas, apesar dessa influência, percebe-se um preconceito muito forte

ainda em frase como: “Você é colla”,9 “Boliviano é sujo”, entre outras situações que

ocorriam na escola. Segundo o entrevistado, quando se deu a integração de

bolivianos e brasileiros na escola, o preconceito era notado principalmente pela

formação de grupos - o boliviano falando palavrão em espanhol, os brasileiros

devolvendo em português - quando jogavam bola. Raramente se misturavam

efetivamente. Assim, percebeu-se a necessidade de trabalhar essa questão do

8 Saltenha, segundo história encontrada nas obras de Antônio Paredes Candia (historiador e escritor),

é possível ler que, no início do século XX, a senhora Juana Manuela Gorriti, que mais tarde se

tornaria esposa do presidente Manuel Isidoro Belzu, nascida na cidade argentina de Salta, teve de

fugir para o exílio com a sua família, durante a ditadura de Juan Manuel de Rosas. Deixou todos os

seus bens para trás e instalou-se em Tarija, na Bolívia. Durante muitos anos, a família Gorriti foi

marcada por uma pobreza extrema. O desespero levou a família a começar a preparar uns pastéis

que designava como "empanadas caldosas", que eram típicas de algumas cidades europeias, na

época. A venda destes pastéis tornou-os muito popular, ao mesmo tempo em que Manuela foi

apelidada de "a saltenha", devido à sua cidade de origem. Os pastéis foram lentamente ganhando

popularidade em Tarija, tendo acabado por se converter numa tradição. Paredes Candia menciona

que era comum dizerem às crianças: "vai buscar uma empanada da saltenha". Com o passar do

tempo, o nome de Manuela Gorriti foi esquecido, mas não a alcunha, razão pela qual a iguaria

continua a ter o nome de saltenha. Hoje em dia, é possível encontrar este produto num grande

número de locais de venda em toda a Bolívia. A sua aceitação tem sido tão boa que chegou mesmo

ao mercado internacional. É um tipo de pastel assado originário da Bolívia, onde se consome

principalmente pela manhã, sendo vendida e consumida em praças e ruas.

9 A palavra colla designa os que são ou vêm do altiplano, isto é, os aymaras e quéchuas Por

contraste e na origem, os cambas são os membros das comunidades nativas das regiões baixas,

principalmente guaranis e chiquitanos (BLANCHARD, 2005).

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preconceito dentro da escola. Deu-se, portanto o início ao Projeto de Fanfarra10,

quebrando um pouco a questão relacionada ao distanciamento do “outro”. O projeto

envolvia tanto os brasileiros como os bolivianos, “(...) Parecia que não existiam dois

países, duas línguas, porque tanto os bolivianos como os brasileiros entraram na

fanfarra.” (Fala na íntegra do entrevistado). Assim a escola passou a fazer

apresentações na Bolívia e no Brasil, participando de concursos de fanfarra,

ganhando troféus e principalmente integrando os alunos. Segundo o entrevistado,

esse projeto integrou tanto que foi criado o Dia da Integração, para realmente

integrar os dois países e interagir com os dois lados, afinal, trata-se uma escola na

fronteira que trabalha com alunos dos dois países – bolivianos e brasileiros. No dia

da integração, são hasteadas as duas bandeiras - Brasil e da Bolívia – toca-se o

Hino Nacional da Bolívia e do Brasil e autoridades políticas e culturais se fazem

presentes, são realizadas apresentações de danças, músicas, comidas típicas de

ambos os países, tendo como parceiros: Exército, Marinha, Policia Ambiental, Policia

Civil. Ocorrem palestras sobre os perigos de armamento, tráfico, drogas, embora

estes temas não sejam bem aceitos pelas crianças que moram na Bolívia, pois

carregam o estigma imposto pela mídia e pelo preconceito das atitudes ilegais.

Outro Projeto de Integração entre os dois lados, de grande valia para a

escola, foi o Projeto de Correspondência do 5º ano. Teve início por meio da escrita

de cartas em português para os alunos da escola boliviana “La Frontera” – e esses

alunos respondiam a carta em espanhol para os alunos da “Eutrópia” e somente os

alunos podiam abrir e ler as cartas. Na Unidade Educativa “La Frontera” a

professora trabalhava a tradução do português para o espanhol e na “Eutrópia” a

tradução do espanhol para o português. Na culminância do Projeto, os alunos que

moravam na Bolívia vinham até a ponte da fronteira e pegavam o ônibus escolar

para a escola (ônibus é transporte oficial que não entra em outro país) e aqui esses

alunos conheciam pessoalmente para quem escreveram a carta, com quem se

corresponderam, o mesmo foi feito pelos alunos da “Eutrópia”, que foram para a

Unidade Educativa “La Frontera” para fazer essa troca, esse intercâmbio cultural.

10

Projeto Fanfarra – Alunos brasileiros e bolivianos participam juntos do projeto que foi elaborado por

uma professora da Escola “Eutrópia”. Eram realizadas apresentações da fanfarra tanto na Bolívia

como no Brasil, levando a uma integração e diminuição do possível distanciamento que existia entre

bolivianos e brasileiros.

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Essas experiências mostram que Projetos como esses possuem um peso muito

grande, pois realmente aproximam os dois lados de uma fronteira. Verifica-se que,

apesar de não ter um currículo direcionado para as atividades de Escola de

Fronteira, nessas escolas, os professores, coordenadores e direção, sentem a

necessidade de implantar projetos que atentem para essa realidade fronteiriça.

Através de projetos interculturais, com um olhar aberto e amplo

direcionado a cultura dos dois países, a Escola “Eutrópia” deu um salto grande rumo

à integração da nossa fronteira e diminuição de grandes dificuldades enfrentadas

pelos alunos, Observou-se o quanto esse encontro de povos é transformador e fator

de construção de novas identidades que se produzem por meio dessa integração

nas Escolas de Fronteira.

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CAPÍTULO 3

DO CAMPO E DO OBJETO DE PESQUISA

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3. Contextualizando o objeto

Das duas escolas do campo da pesquisa, a Escola Municipal Rural

Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” (Figura 11), que se torna escola de tempo

integral a partir deste ano de 2014, está localizada no Assentamento Tamarineiro I, a

5 km da linha de fronteira e recebe alunos para as turmas de Pré ao Ensino

Fundamental II oriundos de Corumbá, tanto da zona rural, dos assentamentos do

Brasil quanto procedente da Bolívia. A Unidade Educativa “La Fronteira” (Figura 12),

escola municipal, localizada em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro

aproximadamente a 500 m da linha de fronteira, atende em dois períodos, matutino

e vespertino, da Educação Primária a Secundária. Essas duas escolas foram

escolhidas por se situarem muito próximas do que denomina limite geográfico ou

linha de fronteira, microrregião da grande área de fronteira mais suscetível às trocas

culturais e também por fazerem parte do PEIF, programa que desde 2012 tenta

minimizar diferenças culturais geradoras de segregação e preconceito aqui nesta

região fronteiriça.

Figura 23 - Frente da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.

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55

Figura 24 – Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro, Bolívia. Autor.

Foto de minha autoria, 2014.

Para entender os resultados provocados pelo encontro das múltiplas

culturas que fazem parte do ambiente em uma Escola de Fronteira, foram aplicados

questionários nas duas escolas (“Eutrópia” e “La Frontera”) que conduziram para

algumas respostas as perguntas. A tabulação dos questionários e a transcrição de

entrevistas gravadas formalmente e informalmente com alunos, professores,

coordenadores, diretores, secretários, são apresentados neste capítulo para tentar

iluminar o entendimento do processo de integração cultural ou linguística que

acontece nas Escolas de Fronteira. Como será visto a seguir, as repostas tornam

possível uma melhor visualização das possibilidades de novos caminhos que

possam minimizar as questões que afetam negativamente a educação na fronteira.

Aos questionários apresentados na primeira pesquisa realizada durante o

ano de 2013 na Escola “Eutrópia” foram acrescidas ou suprimidas algumas

questões. Isso se fez necessário para que os questionários ficassem compatíveis

com a realidade observada na escola já que esta passou por transformações,

tornando-se escola de ensino integral, reduzindo quase pela metade o número

alunos. A primeira visita à Escola, setembro de 2013, teve como intuito familiarizar e

observar as características peculiares de uma escola efetivamente de fronteira para

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entender o funcionamento, as línguas em contato, a história, a inserção social, o

contexto, a integração entre os alunos, que, entre os 184 matriculados,

aproximadamente 120 alunos moram na Bolívia, embora possuam registro legal no

Brasil, como será visto a seguir.

Segundo dados obtidos na Secretaria da Escola, o corpo docente é

formado por dezenove professores, entre os quais tem um professor com mestrado

obtido na UFMS em Estudos Fronteiriços, outros seis com mestrado no Paraguai,

portanto pelo menos 90% são pós-graduados. Todos os professores nasceram no

Brasil. Observou-se, neste período, que os professores, em sua maioria, entendem a

língua espanhola, e expressam-se em uma mescla das duas línguas, o que resulta

uma terceira língua, o que já caracteriza um importante imbricamento cultural. Só

esse fato já produz efeito de minimização de diferença linguística e influencia o falar

dos alunos por colocar as línguas em contato. No entanto, já nesse primeiro

momento da observação, apontou-se que só isso não é suficiente para efetivar a

integração, e como foi constatado pelos questionários, para minimizar diferenças e

reafirmar identidade entre os discentes da escola.

Esses dados revelaram que permeia nessas escolas alto grau de

mobilidade provocado pela troca constante do encontro de dois povos em um só

espaço: o ambiente educacional. É preciso lembrar que a Bolívia é um país

pluricultural, que possui 36 línguas oficiais. Isso potencializa a troca cultural na

escola. Há alunos, como revela o questionário, que falam quéchua ou guarani em

casa.

Os sujeitos da pesquisa são todos alunos do Ensino Fundamental II –

sexto ao nono ano, professores, coordenadores, secretários e toda equipe presente

que participam dessa troca diária, pois, como será verificado adiante, a pesquisa

revelou que a língua do “outro”, falada nesse ambiente não é fator de isolamento,

mas sim de aproximação. Se o objetivo primeiro de uma língua é a comunicação,

esta comunicação existe de qualquer maneira e cria laços entre alunos oriundos dos

diversos meios e jeitos de viver.

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3.1. Tabulação dos dados obtidos na Escola “Eutrópia”

Se, a princípio, o projeto objetivava averiguar apenas questões

identitárias que permeiam o uso da língua, o resultado final tabulado no questionário

apontou a visão dos alunos sobre a fronteira e o “ser fronteiriço” e como se

relacionam com o outro no âmbito escolar da Escola “Eutrópia”. Ou seja, as

respostas subjetivas conduziram ao enfoque intercultural da pesquisa. O

questionário foi aplicado de forma simples, em língua portuguesa, não foi

apresentada nenhuma contribuição para o preenchimento do mesmo, para assim

poder captar o que os alunos realmente pensam e sentem e o que poderia ser

transformado a partir daí.

O questionário foi aplicado em 30 alunos, que estavam presentes na

escola, na sala de aula e fazem parte do Fundamental II. Mais da metade desses

alunos vivem na Bolívia, uma parte no assentamento nos arredores da escola e uma

pequena parte em Corumbá. Também os professores e coordenadores

responderam aos questionários. O nome dos participantes não será mencionado

para não comprometer os participantes. Agrupados em dois blocos, alunos serão

identificados pela letra A e os outros colaboradores pela letra C.

Os questionários foram apresentados aos alunos com idade entre 11 a 17

anos, o que contribui para um maior entendimento das relações que ocorrem na

escola.

O quadro 1 que segue aponta o número de alunos brasileiros que vivem na

Bolívia e brasileiros que vivem no Brasil e frequentam o Ensino Fundamental II da

Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso”.

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Quadro 1 - Número de alunos brasileiros que vivem no Brasil e brasileiros que vivem na Bolívia em

cada turma do Ensino Fundamental II

Ensino Fundamental II

Total de alunos

Brasileiros

(que vivem no Brasil)

Brasileiros

(que vivem na Bolívia)

6º ano

35

16

19

7º ano

26 13 13

8º ano

13

6

7

9º ano

11 7 4

Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso”, Agosto/ 2014.

Pelo simples olhar para os números, verifica-se pelo quadro anterior que

o número de alunos que vivem na Bolívia e estudam no Brasil é muito grande. Isso

aponta para a necessidade da importância de um Projeto Político Pedagógico (PPP)

direcionado para as Escolas de Fronteira, diferenciado do resto do país. Até a data

final da coleta de dados, agosto/2014, o Projeto Político Pedagógico, era o mesmo

oferecido ainda em disquete pela Secretaria Municipal de Educação para todas as

escolas da região brasileira de fronteira, não havia sido reformulado para incorporar

as especificidades da escola integral, rural e que recebe grande número de

bolivianos. Isso já evidencia a necessidade para a construção de um novo PPP, que

deve ser feito de forma a se olhar para os outros campos dos saberes que precisam

ser colocados e apontados para a realidade intercultural das Escolas na Fronteira.

As dez salas do “Eutrópia” comportam dez turmas concomitantes em

períodos consecutivos de oito horas. Isso transforma todo o ambiente, inclusive a

relação professor e aluno. A primeira e importante observação é relacionada ao

trabalho em conjunto para a construção de um novo PPP, com reunião por

segmentos internos e externos, administrativos, pedagógicos – professores, alunos,

pais e a comunidade em geral para que se insira, por meio do Projeto Político

Pedagógico, a escola no contexto de fronteira. Gadotti (2006, p. 139) afirma que “O

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nosso aluno real, o aluno concreto, é único. Cada um deles é diferente e precisa ser

tratado em sua individualidade, em sua subjetividade”. Assim, como o aluno, cada

escola também é única e merece um olhar diferente para que as ações sejam

direcionadas para a realidade de cada uma.

A Lei 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) aponta

que, para o caso do “Eutrópia”, por ser rural, existe a possibilidade de mudar o

calendário e de mudar inclusive a grade se for necessário, pois não existe um

direcionamento para essa região fronteiriça. Esse calendário rural alternativo

possibilita maior flexibilidade à escola, pois podem aproximar-se um pouco mais do

calendário boliviano. O ideal é a constituição de uma Lei específica para Escolas de

Fronteira, tanto no Brasil quanto na Bolívia. Esta é a nossa segunda observação

importante.

3.1.1. O que pensam e sentem os alunos da Escola “Eutrópia”

Todos os alunos do 8º e 9º ano responderam ao questionário, o que não

aconteceu com os alunos do 6º e 7º (Figura 13). Dos 30 alunos que participaram da

pesquisa, 18 alunos moram na Bolívia e 12 alunos moram em Corumbá e arredores-

assentamento, como pode ser confirmado no quadro 2 a seguir das fotos abaixo.

Figura 25 - Aplicação dos questionários alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Foto de

minha autoria, 2014.

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Figura 26 - Alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Autor. Grupo Escola "Eutrópia".

2014.

Quadro 2 - Número de alunos participantes da pesquisa com relação aos números de brasileiros que

vivem na Bolívia e no Brasil

Número de alunos participantes na

pesquisa

Alunos brasileiros que vivem na

Bolívia

Alunos brasileiros que vivem no Brasil

Alunos que possuem registro no Brasil

30

17

13

30

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

Todos os 17 alunos brasileiros que moram na Bolívia responderam que

possuem registro no Brasil, o que mostra “certa” facilidade em adquirir documentos,

na zona de fronteira, que caracterizem nacionalidade brasileira. Este fato se dá pela

proximidade entre as cidades, por familiares morarem em Corumbá, e também pela

maioria ter nascido na maternidade de Corumbá, mesmo de pais bolivianos. As

respostas dos alunos vão ao encontro de uma passagem da entrevista feita com o

coordenador pedagógico da Escola, que afirma que não existem alunos bolivianos

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que estudam na escola. Oficialmente não há nenhum aluno boliviano estudando na

Escola “Eutrópia”, pois se houvesse teria que ter uma autorização especial, um

documento de identidade que é baseado na Lei nº 6815/80 sendo expedido pela

Policia Federal, por meio de uma legislação especifica de fronteira, conforme

determina a Constituição Federal Brasileira em 19 de agosto de 1980 (BRASIL,

1998) que no artigo 21 determina:

Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade.

§ 1º Ao estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso.

§ 2º Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.

No entanto, existe para complementar a Lei acima citada, o Decreto nº

6.737, de 12 de janeiro de 2009, que estabelece o Acordo entre o Governo do Brasil

e da Bolívia, que reconhece as fronteiras como elementos de integração e permite

pelo seu artigo I a “frequência a estabelecimentos de ensino públicos ou privados”.

Neste acordo, Corumbá e Puerto Suarez aparecem no anexo de localidades

vinculadas, permitindo a residência desses indivíduos nas cidades que abrangem o

Decreto. A diferença do Decreto nº 6.737 para a Lei nº 6815/80 é a permissão de

residência para esses indivíduos que residem nessa região de fronteira para

trabalhar e ou estudar. O processo, no entanto, para efetivação deste acordo é muito

caro e difícil de conseguir, pois o custo é alto e os trâmites no Brasil e Bolívia são

dificultosos.

Na escola ao ser questionada quantos alunos são brasileiros e quantos são

bolivianos, verificou-se a resposta veio por meio do conhecimento que a Escola tem

em relação a cada aluno além do nome e sobrenome. Primeiro, verificou-se o diário

com os nomes e assim foi sendo feito o diagnóstico relacionado a quantidades de

alunos oriundos do Brasil e Bolívia, porém todos com os devidos documentos.

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Para a pergunta sobre qual a cidade de nascimento do pai e da mãe, dos

30 alunos, 24 responderam que a mãe é brasileira e 06 alunos que a mãe é

boliviana, 26 que possuem pai brasileiro e 4 alunos com pai boliviano

Quadro 3 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento de pai e mãe

Local de nascimento dos pais Número de alunos

Mãe brasileira 24

Mãe boliviana 06

Pai brasileiro 26

Pai boliviano 4

Fonte: Pesquisa de campo, agosto/ 2014.

Na questão que se refere ao grau de entendimento da língua portuguesa

na Escola, 2 alunos responderam que possuem pouco grau de entendimento, ou

seja, entendem, falam, porém misturam o português e o espanhol ao falar e

escrevem com muita dificuldade; 9 alunos possuem o grau de entendimento médio –

entendem, falam, entretanto possuem “certa” dificuldade ao escrever e 19 alunos

possuem ótimo grau de entendimento, fala e escrita.

Quadro 4 - Número de alunos com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa –

perspectiva do aluno

Grau de entendimento da língua portuguesa Número de alunos

Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com

muita dificuldade. 02

Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 09

Fluente – entende, fala, escreve 19

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

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Assim percebeu-se o multilinguismo presente na Escola, com cada aluno

em seu próprio determinado grau, o que não impede a comunicação durante a fala,

como foi constatado na observação. O fato, entretanto, de escreverem mal, dificulta

o aprendizado, pois reflete na escrita das avaliações entre outros resultados. Este é

o terceiro ponto que deve ser apontado: o que fazer para minimizar essas

dificuldades?

Percebido o encontro de dois ou mais idiomas, questionou-se qual outro

idioma era falado pelos alunos e qual era o mais usado. Dos 30 alunos que

responderam ao questionário os 30 falam português, desses 30 alunos 14 falam o

espanhol e 03 alunos colocaram que falam “boliviano”. Percebe-se, portanto que a

língua portuguesa é utilizada por todos, sendo que mais da metade dos alunos falam

espanhol e uma parte deles que também fala o espanhol, denominou o idioma como

boliviano, o que já atribui características de uma língua marcada por uma cultura

específica, já que espanhol e castelhano são denominações genéricas para a língua

não para a fala. Isso pode ser constatado pelas respostas dos alunos, também

marcado pelo preconceito linguístico. Esses alunos ao serem questionados de onde

aprenderam que o idioma falado na Bolívia é o boliviano, eles responderam que é

porque quem vive na Bolívia fala boliviano e que não gostam de falar muito, porque

algumas pessoas ficam dizendo que é “feio” falar esse idioma, assim sentem

vergonha e tentam falar somente o português. Quarto ponto apontado: a

necessidade de trabalhos interculturais para aumentar a autoestima, principalmente

dos alunos bolivianos, com possível acompanhamento psicológico, o que poderia

ser oferecido em conjunto com o curso de psicologia da Universidade – UFMS –

CPAN.

Quadro 5 - Línguas faladas pelos alunos da Escola “Eutrópia”.

Línguas faladas pelos alunos (citadas pelos mesmos) Número de alunos

Português 30

Espanhol 14

Boliviano 03

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

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Outro preconceito cultural e linguístico é sobre qual idioma preferem

aprender na escola, 21 alunos responderam que preferem aprender a língua inglesa

e apenas 9 optaram pela a língua espanhola. Desses alunos que disseram que

preferem o espanhol, todos responderam que é por ser mais fácil e por ser a língua

mais falada na escola. Dos vinte e um alunos que escolhem o inglês como língua a

ser aprendida no Fundamental II, dizem que o espanhol não é “legal”, que o “povo

que fala é pobre e vive na fronteira em uma situação de miséria, já os que falam a

língua inglesa são mais bonitos e prestigiados”.

Quadro 6 - Preferência segunda língua: inglês ou espanhol.

Preferência segunda língua no Ensino Fundamental II Número de alunos

Espanhol 09

Inglês 21

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

De acordo com Rivas (2011, p.58) ocorre nas escolas que se situam na

parte central de Corumbá um interesse maior por aprender inglês ao espanhol. Essa

assertiva foi contatada também Escola “Eutrópia”, apesar da localização na região

de fronteira, os alunos preferem aprender inglês a espanhol.

É evidente o preconceito contra língua Espanhola. Isso demonstra a falta

do entendimento da cultura presente em nossa região e da aceitação intercultural.

Quinto ponto observado: a falta de conhecimento e aceitação da língua do “outro”

pode ser melhorado por meio de um currículo diferenciado, que por meio da

observação, pode-se comprovar o quanto é importante e de grande relevância

projetos que envolvam os dois lados – Brasil e Bolívia.

Quanto à questão de que idiomas são utilizados por esses alunos em

família, 17 disseram que falam português com os pais, 12 falam somente o espanhol

e 1apenas fala guarani. A maioria dos alunos foi alfabetizada na escola, ou seja,

todos falam a língua portuguesa, pois cresceram e se desenvolveram no convívio

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com a língua. No quadro 5, que relaciona a língua falada pelos alunos em família,

não foi apontado o Guarani, porém no quadro 7, destaca-se o Guarani como língua

falada em família, ou seja, em casa com os pais, irmãos e outros que fazem parte do

convívio familiar. Isso prova que não se trata de uma região bilíngue, é amplo o

espectro das línguas faladas nesta região de fronteira, que passa pelo quéchua,

aymara, entre outras dez línguas diagnosticadas. Só isso daria um estudo pleno.

Quadro 7 - Língua falada pelos alunos da Escola “Eutrópia” em família.

Línguas faladas pelos alunos em família Número de alunos

Português 17

Espanhol 12

Guarani 01

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

Uma questão que salta pela leitura das questões dissertativas é que os

alunos possuem grande dificuldade na escrita. O questionário foi aplicado em língua

portuguesa, pois é a primeira língua falada na escola. Ao falar eles não apresentam

tanta dificuldade como apresentam na escrita. Foi perceptível a troca de palavras e a

mistura de idiomas nas respostas que exigiam a construção de uma frase. Exemplo:

quando questionados sobre a língua que preferiam, uma parte dos que responderam

espanhol, escreveram “espanhou” ou “spanhou” e (nesta escrita talvez subjaza o

guarani). Os que responderam que preferiam aprender o inglês colocaram a

resposta como “ingrês” ou “engles”. É perceptível que a dificuldade não se aplica

somente a língua espanhola ou à língua portuguesa. As respostas vão ao encontro

do pensamento de Sturza (2005, p.50) que diz que “a Língua Portuguesa além das

fronteiras brasileiras é outra língua.” Digo mais, a Língua Portuguesa nas fronteiras

brasileiras é outra língua.

Por essas razões, este contexto desafiador presente nas escolas de

fronteira, não são encontrados apenas nas aulas de língua portuguesa, mas sim por

todo o corpo docente, aponta para a questão do quanto é importante o planejamento

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66

diferenciado dos professores que acompanham todos os dias essa realidade

fronteiriça. Esse apontamento, nossa sexta observação, também fará parte das

propostas de ações efetivas.

Quanto ao fato de possuírem registro no Brasil, a resposta foi afirmativa

por todos os alunos, conforme quadro 2. Desses totais 17 colocaram que moram na

Bolívia e 13 no Brasil. Esses alunos entram em contradição quanto à questão se são

bolivianos ou brasileiros, já que a resposta foi que 25 alunos se consideram

brasileiros e 5 apenas se identificam como bolivianos. Entende-se, portanto, que o

conflito sobre sua identidade entra em questão todo tempo dentro e fora do contexto

escolar. Essa identidade é construída, desconstruída e reconstruída por esses

alunos todos os dias que vivenciam esse ambiente. Segundo Stuart Hall (1997, p.8)

“Nossas identidades, são em resumo, formadas culturalmente”, ou seja, são

construídas por meio da cultura, e é desse encontro cultural que nascem novas

identidades, que se reconhece no “outro”. Isso mostra o quanto é preciso à mudança

no contexto intercultural desta região fronteiriça, e aponta para a sétima observação:

é preciso elaborar, planejar e aplicar ações que integrem a múltiplas identidades

nessas escolas de fronteira, que mostrem que num mesmo lugar cabem os dois

lados ao mesmo tempo. Essas atividades devem apontar para brincadeiras,

conversas, trocas constantes e diárias.

Quadro 8 - Você se identifica como brasileiro ou boliviano?

Identificação dos alunos: brasileiro ou boliviano Número de alunos

Brasileiro 25

Boliviano 05

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

Para entender melhor o que os alunos da Escola “Eutrópia” entendem

sobre o que é fronteira, destacou-se todas as respostas dadas por eles. Esses

alunos serão identificados pela letra A (alunos) conforme descrito anteriormente.

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67

O que você entende por fronteira?

A1 – “Um lugar onde ligam dois países por fronteira, como Brasil e Bolívia,

ou seja, é o limite do outro”.

A2 – “Eu entendo que fronteira são a maioria boliviano e mestiço.”

A3 – “(porque) eu entro e saio da Bolívia a hora que eu quero.”

A4 – “Várias coisas, muito legal falar com outras línguas.”

A5 – “Troca de idiomas”.

A6 – “Divisão de dois países”.

A7 – “Não entendo nada”.

A8 – “É diferente como convive na fronteira e no Brasil”.

A9 – “Não sei o que dize uma mistura”.

A10 – “Viver em países diferentes com tradições totalmente diferentes.”

A11 –“Fronteira pra mim é importante, pois liga uma cidade a outra.”

A12 – “Um muro divisório entre dois países”.

A13 – “um país vizinho”.

A14 –“Um país que é vizinho do nosso”.

A15 – “Não gosto de falar frontera”.

A16 – “Morar em região de fronteira é legal”.

A17 – “Divisa do Brasil e Bolívia”.

A18 – “O país bom de fronteira Quijarro e porto”.

A19 – “Divisão de dos países”.

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A20 –“Um lugar bom de viver, tem muitas coisa pra comprar e vende um

lugar calmo”.

A21 – “São dos países”.

A22 – “Na fronteira tem muitas regra e muitas pergunta. Não gosto.”

A23 – “Uma linha que separa o Brasil e a frontera”.

A24 – “Uma linha que separa os dos países”.

A25 – “não sei nada de frontera”.

A26 – “é crusar de um país para o outro”.

A27 – “Uma fronteira é a união de dos países de duas tradições e muita

cultura juntamente”.

A28 – “E que um pais faz fronteira com o outro pais como a Bolívia e o

Brasil que fazem fronteiras.”

A29 – “frontera eu não entendo nada porque na verdade eu não moro

nela eu moro em outro lugar mais na Bolívia”.

A30 – “é um limite de um país para o otro”.

Os grifos apontam as dificuldades com a língua e a alternância entre

espanhol e português e evidenciam o desconhecimento da condição de fronteira.

Isso induz várias observações: o que realmente é feito pelo o no ensino das línguas?

Como minimizar este “desastre” ortográfico que reflete o pensamento.

Outra questão relacionada à esta pesquisa foi: Você se considera

fronteiriço? Dos 30 alunos, 20 alunos disseram que não são fronteiriços, 8 alunos se

identificaram como sendo fronteiriços, 1 aluno como sendo da Bolívia e 1 como

sendo do Brasil. Foi feita a descrição da resposta desses 8 alunos que se

identificaram como sendo da região de fronteira e 1 identificado como boliviano, e 1

identificado como brasileiro, enquanto o restante escreveu somente a palavra “NÃO”

bem grande. Primeiro descreveu-se os que se consideram fronteiriços.

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Quadro 9 - Vocês se consideram fronteiriços?

Vocês se consideram fronteiriços? Número de alunos

Não 20

Sim 08

Sou da Bolívia 01

Sou do Brasil 01

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

A2 – “Eu me considero fronteirisa. Ser fronterizo é poder ter identificação

das duas línguas”.

A3 – “Sim me considero fronteiriço é tudo que está relacionado a

fronteira.”

A5 – “Sim é entender dos idioma”.

A6 – “Sim ter acesso a dos países”.

A9 – “Eu sou FRONTEIRIÇO”.

A10 – “Sim sou de frontera sou fronteiriço”.

A18 – “Sim sou da frontera”.

A28 – “Sim, pois sei a cultura de outros pais e suas comida típicas”.

Além desses 8 alunos, apresenta-se, a seguir, a resposta do que se

considera boliviano e outro que se considera brasileiro.

A22 – “Me considero de Bolívia”.

A12 - “Ser vizinhos de outros povos. Sou um pouco fronteiriça, mas na

verdade sou mesmo BRASILERA”.

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Na realidade, nota-se que poucos conseguem se entender fronteiriços.

Talvez porque não saibam o que é ser fronteiriço. Verifica-se nessa questão o

quanto é importante direcionar o conteúdo para escolas que estão nesse ambiente

de fronteira, para que fiquem explícitas questões que abrangem o termo fronteira e

ser de fronteira. E se isso acontecer, o direcionamento de conteúdo possibilitará

maior integração dos dois povos.

É preciso também, minimizar a lacuna no que diz respeito às questões

linguísticas nas escolas. Os alunos não possuem conhecimento necessário para

entender o próprio idioma não desenvolvem a escrita corretamente na língua na qual

foram alfabetizados

É importante falar aqui da questão relacionada ao preconceito: Em algum

momento você já sentiu dificuldade ou algum preconceito por ser da Bolívia e morar

na fronteira com o Brasil? Se existe como é sentido por esses alunos e qual a

melhor forma para que esses alunos se interajam com respeito e solidariedade, e

assim integrá-los por meio da educação, utilizando o fator da interculturalidade que é

presença constante em Escolas de Fronteira.

Nessa questão, foram separados somente os questionários dos alunos

que moram na Bolívia, que são 17 alunos (conforme o quadro 2), no entanto quando

questionados sobre se eram bolivianos ou brasileiros, 25 alunos responderam que

moram no Brasil e apenas 5 que moram na Bolívia (conforme quadro 8), contudo

serão computados os questionários dos alunos que moram na Bolívia, por sofrerem

possível preconceito.

A1- “Não nunca senti”.

A2- “Um dia um brasileiro me disse “bolivianinha”, mas eu não achei nada

errado”.

A3 – “Não nunca me fizeram nada”.

A4 – Mora em Puerto Quijarro – “Não nunca aconteceu de alguém me

xingar”.

A5 – “Não nunca tive dificuldade com nada desse tipo, nunca”.

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A6 – “Eu nunca sofri nada assim”.

A7 – “Eu nunca passei por isso, só quando eu era pequena, mas às vezes

vejo meus colega sendo xingado de colla”.

A20 - “Uma vez só, depois nunca mais, aqui somo unido”.

A21 - “As vezes quando estou com outros bolivianos”.

A22 - “Não lembro porque uma vez um menino do Brasil me chamou de

sujo e feio”.

A23 - “Eu me sinto brasileira também. Eu não ligo porque não sou só

boliviana”.

A24 -“Quando falo diferente e sabem que sou boliviana, mas nunca, é

tudo igual, tenho amigos no Brasil”.

A25 – “Não, nunca”.

A27 – “Não sei, mas acho que nunca”.

A28 – “Não nunca senti”.

A29 – “Não nunca sempre tive amigos no Brasil”.

A30 – “Não mesmo porque eu acho bom morar na Bolívia”.

Para ir ao encontro com as respostas dos questionários, relatou-se uma

entrevista com uma aluna de 14 anos da Escola Municipal Integral “L. F. R.” - que

não faz parte das escolas pesquisadas, porém na época – junho 2014 – eu

lecionava na escola a disciplina de língua portuguesa e pedi uma entrevista com a

aluna cujo nome não será citado e será chamada de “J”. Filha de bolivianos e estuda

no Brasil desde a alfabetização na referida escola acima. Essa escola recebe outros

alunos bolivianos, uns que moram em Corumbá, outros que como vão e vêm todos

os dias, uns dias de ônibus, outros de bicicleta. Observados nas salas, alunos

bolivianos que estudam desde a alfabetização até o nono ano. Lembrando que

Corumbá é cidade gêmea com Puerto Quijarro, consequentemente todas as escolas

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localizadas na cidade e arredores fazem parte dessa fronteira e, portanto recebem

alunos bolivianos de várias idades.

A aluna “J” foi questionada sobre fronteira, língua, preconceito. J. chegou

à escola não falava a língua portuguesa, após 4 meses começou a entender mais ou

menos e após 1 ano, já estava falando bem melhor, mas ainda empregava a língua

espanhola nas conversas e como ela mesma utilizou “eu falava portunhol, Os

professores, a maioria entendia o que eu falava, mas tinha uma que não entendia

nada que eu falava daí eu tinha que escrever para ela no papel ou fazer gestos.”

Quando J. iniciou os estudos em Corumbá, não se sentia bem e sempre estava

sozinha, ninguém queria brincar com ela e diziam que era boliviana piolhenta e suja,

mas sua mãe sempre dizia que tinha que estudar desse lado da fronteira, pois é o

lugar das oportunidades e que aqui ela seria alguém. Todos os dias ela chorava até

que se acostumou com o ambiente escolar e passou a falar melhor o português. Foi

perguntado a ela se hoje como ela é fluente na língua portuguesa, se ainda sente o

preconceito? E se ela se sentia brasileira ou boliviana? A resposta foi rápida “Sinto-

me os dois porque eu realmente tenho sangue boliviano, mas me considero

brasileira também, pois eu convivo muito com os brasileiros, passo o dia na escola

com os brasileiros, tenho professores brasileiros, falo português, tenho mais amigos

brasileiros que bolivianos. O meu avô casou com uma brasileira, então meu pai tem

os dois sangues. Quase toda minha família é colla, mas eu não sou colla, eu sou

camba nascida em Quijarro.” Ao manifestar-se com relação à fronteira disse em

suas palavras “Eu não vejo a fronteira como um lado e outro, eu vejo como tudo uma

coisa só. A fronteira é só uma linha que separa os países, porque é tudo junto,

porque você pega um ônibus e em dez, vinte minutos está aqui ou lá, é muito fácil

né. Corumbá é como se fosse um bairro de onde eu moro”.

Com relação à língua, “J” revela que os bolivianos aprendem a língua

portuguesa porque eles ou vem estudar aqui em Corumbá ou porque eles convivem

na feirinha com os brasileiros. Ela se refere à língua espanhola como língua

boliviana – se atentando para a referência que fazem a língua espanhola - e diz que

ia à feirinha com a mãe dela e não entendia nada que os brasileiros falavam, mas

com o tempo, começou a aprender algumas palavras, mas que aprendeu a falar

mesmo quando entrou na escola aqui no Brasil. E ainda sugere que ensinem o

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português nas escolas da Bolívia e que aqui no Brasil ensinasse história da Bolívia e

todas as culturas que existem lá e finaliza dizendo que acredita que melhoraria muito

e aproximaria mais os brasileiros dos bolivianos. A entrevistada “J”, como os outros

alunos que participaram da pesquisa relatou que não sente preconceito por ser

boliviana. A maioria dos alunos respondeu que não sentem também, que convivem e

que não tem dificuldade nenhuma, as afirmações não estão de acordo com as

respostas dadas. O que impressiona, também, é a negação do preconceito.

Quando ao serem questionados sobre a dificuldade que eles têm com

relação a disciplina de língua portuguesa - todas as respostas foram consideradas,

pois observou-se dificuldade não só dos brasileiros que vivem na Bolívia, mas dos

que vivem no Brasil também – apenas 4 alunos disseram que tem dificuldade e 26

alunos disseram que não tem dificuldade. Esses 4 alunos que sentem dificuldade

responderam que é com pronomes, substantivos e que os conteúdos tinham que

mudar. O que se percebeu foi uma dificuldade de todos que participaram da

pesquisa, pois ao responderem tiveram erros gravíssimos de ortografia,

concordância, coesão, coerência. Constata-se, portanto uma dificuldade geral com

relação à gramática. Nenhum aluno respondeu da dificuldade com a língua do

“outro”, em conversas informais disseram que se comunicam muito bem e que

somente no começo sentem dificuldade, mas que na escola em que eles estudam

tem tantas atividades o dia todo que eles estão sempre “misturados” e que muitas

vezes nem sabem quem é brasileiro e quem é boliviano e por isso acabam se

entendendo e aprendendo a língua do “outro”.

Quando questionados sobre as dificuldades encontradas na escola, 14

alunos responderam que falta integração na sala de aula – que gostariam de saber

mais da cultura do “outro” para quem sabe assim diminuir as dificuldades

encontradas em sala, 7 alunos disseram que falta integração na hora do intervalo e

que apesar de se “misturarem” tem alguns alunos que fazem bullyng com os alunos

bolivianos, 02 alunos expuseram que falta integração com os professores, e que

seria melhor se tivesse espanhol o tempo todo na escola, e 7 alunos colocaram

outros e responderam que sentem dificuldade com a escola integral, por ficarem o

dia todo e não estarem acostumados com o ritmo.

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Quadro 10- Dificuldades encontradas na escola

Dificuldades encontradas na escola Número de alunos

Integração na sala de aula 14

Integração no intervalo 07

Integração com os professores 02

Outros 07

Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.

Vamos agora, para o ponto de vista dos professores.

3.1.2. O olhar dos docentes da Escola “Eutrópia”

Os questionários, com 8 questões, analisados a seguir foram aplicados

para os professores, coordenação e direção da Escola “Eutrópia”. No total dos

questionários aplicados apenas 9 foram devolvidos, estes serão analisados a seguir.

Os nomes não serão mencionados, sendo identificados somente pela letra C

(colaborador).

Para a primeira pergunta: Qual o grau de entendimento da língua

espanhola? Todos responderam que falam “portunhol” para se comunicarem e se

expressarem no dia a dia, e salientaram que o “portunhol” é o que encontro das

línguas portuguesa e espanhola, e com isso acabaram por desenvolver uma terceira

língua, o que é comum em nossa região.

Segunda pergunta: O que você entende por Fronteira?

C1 – “É a divisão entre os países da Bolívia e do Brasil.”

C2 – “Limite físico e geográfico dos países”.

C3 – “Limite físico geográfico entre países”.

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C4 – “Local de interação entre dois países”.

C5 – “Lugar de encontro entre duas nações, culturas, línguas e

possibilidades de desenvolvimento integrado”.

C6 – “Um povo separado geograficamente, mas unido pela cultura,

particularidades e sentimento de pertencer ao lugar”.

C7 – “Sinônimo de limite, mas em nenhum momento com caráter de

divisão e sim de interação”.

C8 – “É a linha que divide dois países, suas culturas, sua politica,

costumes, etc.”

C9 – “Demarcação de divisa”.

Como pode ser conferido nas respostas, 5 docentes relacionaram a

fronteira com uma linha que divide geograficamente dois países, não mencionaram a

palavra integração em nenhuma fala descrita. Apesar de o maior número pensar a

fronteira apenas com esse olhar geográfico, 4 docentes a descreveram e utilizaram

palavras como: interação, lugar de encontro e de possibilidades, união cultural,

integração.

Percebe-se, portanto, a necessidade de encontros com o grupo escolar

para discutir temas relacionados à fronteira, não no sentido geográfico somente,

mas no amplo sentido da palavra, como um lugar de forte troca cultural e integração.

A mudança inicia a partir do grupo docente, para que assim diminua esse choque

cultural. O docente precisa ter um olhar diferenciado para poder transmitir ao aluno,

para que este também “veja” além de qualquer linha que divide dois lados e com

isso conseguir diminuir as dificuldades e diferenças enfrentadas nesse ambiente.

As dificuldades encontradas por estes professores em relação aos seus

alunos são muitas, porém verificamos que cem por cento das respostas estão

atreladas a dificuldade de leitura e escrita pelo discente. Sabe-se que para ser um

bom escritor precisa ser também um bom leitor. Para tanto, é preciso desenvolver

projetos que conduzam e estejam relacionadas à leitura, a contação de histórias, a

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aproximação com o mundo mágico da literatura pode ser uma solução para uma

melhora significativa. Essa é nossa oitava observação.

Porém, na Escola “Eutrópia” não há um espaço especifico para tais

atividades, pois não possui biblioteca, possui um pequeno laboratório de ciências,

um espaço de artes, quadra esportiva e laboratório de informática que segundo

informações obtidas na Escola, não tem acesso à internet, ficando assim limitados

aos livros que cada aluno possui. Para isso deve ser pensado em como implementar

ações que melhorem o espaço das escolas, principalmente no que diz respeito à

criação de bibliotecas.

Assim os professores responderam à pergunta sobre as suas maiores

dificuldades.

C1 – “Integração na sala de aula e dificuldade de leitura e escrita”.

C2 – “Dificuldade de realização de tarefa no lar e de leitura e escrita”.

C3 – “Dificuldade de leitura e escrita”.

C4 – “Dificuldade de leitura e escrita”.

C5 – “Dificuldade de leitura e escrita”.

C6 - “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.

C7 – “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.

C8 - “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.

C9- “Dificuldade de leitura e escrita, de entendimento de conteúdo e em

realizar algum tipo de manifestação oral”.

Partindo das dificuldades descritas acima, todos apontaram um entrave

relacionado ao encontro de línguas, tanto dos alunos brasileiros que moram no

Brasil quanto dos alunos brasileiros que moram na Bolívia. No contato com a língua

do “outro” misturam o idioma e a partir daí começam as dificuldades no momento da

escrita, confundindo e misturando letras e palavras.

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Os docentes acreditam que é porque na escola o idioma mais utilizado é

o português, porém vivenciam em uma sociedade cujo idioma é o espanhol,

causando assim conflitos no vocabulário desses alunos. Os professores não

entendem e não conhecem o sistema linguístico que impera neste “entre lugar” que

gera uma terceira língua.

No fundamental I os alunos têm no currículo, como segunda língua, o

espanhol, assim são alfabetizados na língua portuguesa e com conhecimentos na

língua espanhola – lembrando que mais da metade dos discentes são brasileiros

que vivem na Bolívia. Porém quando entram para o fundamental II sai de cena o

espanhol e entra a língua inglesa, apesar da escola estar localizada na região de

fronteira, pois o ensino médio tem como segunda língua o inglês, somente algumas

escolas possuem na sua grade o espanhol como opção.

De acordo com a escola, a grade foi modificada por um tempo, todavia

não obtiveram sucesso, pois o aluno encerrava o fundamental II iniciava os estudos

em uma escola estadual, seja da cidade de Corumbá ou qualquer região do Brasil e

apresentava muita dificuldade no aprendizado, pois encontravam com a língua

inglesa com a qual nunca tiveram contato antes. Nas palavras do coordenador

pedagógico “Essas são algumas barreiras que existem, queremos fazer, mas não é

bem assim não, tem que ser um conjunto. Não é a escola que vai mudar a

sociedade, é todo o contexto que tem que mudar junto. Eu acho que nossa principal

vantagem é Corumbá ser mais Bolívia do que Brasil”. Será mesmo?

Os docentes apontaram a disciplina de língua portuguesa como a de

maior dificuldade enfrentada pelos alunos, porém na entrevista realizada na

secretaria da escola a disciplina de ciências foi a mais assinalada como a de maior

dificuldade. Verifica-se de tal modo que não é a questão da língua portuguesa

somente, que ela sozinha não é uma barreira nesse processo comunicativo. É

necessário que haja interdisciplinaridade, um encontro de todos os conteúdos, onde

a língua portuguesa é utilizada e desenvolvida em seu processo natural. Tudo

precisa ser contextualizado para ser melhor compreendido.

Nas possíveis soluções para as dificuldades encontradas no ambiente

escolar, os docentes destacaram que precisam ser capacitados no idioma dos

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alunos, mas que essa capacitação seja feita na própria escola e não fora dela, para

que possam “trocar” experiências com os alunos na língua “deles” no momento da

capacitação e mais projetos específicos de integração cultural – que segundo eles é

o caminho para o desenvolvimento total do grupo escolar.

Na questão relacionada ao índice de evasão pelo aluno que mora do

outro lado da fronteira um dos motivos principais é a falta de documentação, pois

apesar da facilidade aparente de tirar os documentos, a família encontra grande

dificuldade para que isso ocorra. Mas esse não é o único motivo da evasão ocorrida

na Escola “Eutrópia”, ocorre também quando esses alunos chegam a certa idade

eles precisam trabalhar e assim “abandonam” mesmo, começam a faltar às aulas até

não frequentarem mais a escola.

Quando algum aluno brasileiro que mora no Brasil, falta mais de um dia,

ou quando se nota que está agressivo ou passando por alguma situação de risco o

procedimento da coordenação pedagógica da escola primeiramente é ir à casa do

aluno para verificar o que está acontecendo. Após verificação e conversa com a

família se esse aluno continuar faltando às aulas o procedimento seguinte é acionar

o Conselho Tutelar, pois a lei obriga esse aluno a frequentar a escola, e esse

argumento funciona no caso do Brasil, mas, no caso dos alunos da Bolívia não

funciona.

Segundo entrevista com a escola essa situação passa a ser um problema,

pois quando se trata de alunos brasileiros que vivem na Bolívia, a primeira solução é

ir a casa desse aluno – lembrando que aproximadamente 65% dos alunos da escola

vivem na Bolívia em condições extremamente precárias – e tentar conversar e

solucionar essa questão para resgatar esse aluno, pois o Conselho Tutelar só pode

realizar seu trabalho na fronteira no lado que pertence ao Brasil, pois não possui

nenhuma autonomia fora do território brasileiro. Então para que a escola não tenha

problemas com esses alunos, o que se tem feito é tentar trazer a comunidade para a

escola, integrando a família nesse contexto escolar.

Como a Escola “Eutrópia” é integrante do PEIF, um dos objetivos dessa

pesquisa foi diagnosticar se todos na escola tiveram contato com o Programa, de

que maneira e o que poderia ser melhorado. Dos 9 questionários, 8 colaboradores

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responderam que participam do programa desde 2012, e 1 somente, conhece o

PEIF por meio de leituras relacionadas à implantação do Programa. Como o ano de

2014 é o último ano experimental do PEIF, todos unanimamente disseram que seria

ótima a implantação de maneira efetiva na escola, pois o fator cultural trabalhado na

escola é um dos objetivos do programa. Contudo, responderam que poderia ser

melhorado se abrangesse todos que fazem parte do dia a dia da escola, desde o

porteiro até o diretor, não dando oportunidades somente aos professores,

coordenadores e direção. Em exatas palavras retiradas dos questionários “mesmo

porque é por meio desses encontros realizados pelo programa, que se pode

realmente trabalhar com questões interculturais e encontrar soluções para um

aprendizado mais efetivo”.

A visão do PEIF relacionada à questão da interculturalidade vai além de

um aspecto social, pois a dimensão humana, parte do conceito que a

interculturalidade se dá pelo simples fato de sermos humanos, pois convivemos com

diferentes formas de pensamentos a vida inteira, em uma troca constante de

experiências vividas por cada um, portanto a escola que participa desse programa

passa a ter uma educação diferenciada – ponto a ser atingido por estarmos na

fronteira e educarmos na fronteira.

3.2. Unidade Educativa “La Frontera” - gêmeas pero no mucho

A Escola “La Fronteira”, na Bolívia, é parte do processo investigativo

desta pesquisa, por ser também uma escola limítrofe na linha de fronteira e

integrante do PEIF.

Conforme informações obtidas na secretaria da Unidade Educativa “La

Frontera”, o corpo docente é formado por vinte e nove professores, sendo todos

bolivianos. Foi observado neste período de contato com a escola, que os

professores, em sua maioria, entendem a língua portuguesa, e falam uma mescla

das duas línguas – como é o caso da Escola “Eutrópia” – resultando em uma

terceira língua, o que já caracteriza também um imbricamento cultural. Porém nesta

escola apesar dos seus 650 alunos, somente 1 aluno é brasileiro.

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A pesquisa englobou o total de 30 alunos, que estavam presentes na

escola e na sala de aula, e frequentam o equivalente no Brasil, ao ensino

fundamental II. Os professores participantes da pesquisa somam o total de 11

questionários preenchidos. O nome dos participantes não será colocado para que

não haja um comprometimento por parte dos mesmos. A identificação dos alunos

será feita pela letra A e dos professores pela letra M, de maestro. Além dos

questionários aplicados, foi realizada uma entrevista com a diretora da escola para

entender um pouco mais da escola e do ambiente educacional.

De acordo com a diretora da escola, desses 649 alunos bolivianos, alguns

vivem em Corumbá e estudam na Bolívia. Três estão prestes a serem transferidos

das escolas de Corumbá para a unidade educativa “La fronteira”, são alunos

bolivianos que estavam estudando no Brasil e agora estão retornando para a escola,

devido ao problema econômico relacionado ao fechamento da feira boliviana em

Corumbá.

A Escola possui até o momento apenas um aluno considerado brasileiro

matriculado, apesar de filho de pais bolivianos. No ano passado havia dois alunos

brasileiros, mas somente vieram no início das aulas e depois abandonaram os

estudos, e não se sabe por qual motivo. Sabe-se apenas que eram alunos com

problemas de aprendizagem no Brasil.

Conforme a diretora todos os alunos entendem a língua:

“aproximadamente 40% de alunos falam o português, porque seus pais são

comerciantes e estão todo o tempo em Corumbá.” Conforme observado, há uma

grande diversidade cultural no ambiente escolar, pois alguns alunos além do

espanhol e do português, tem contato com outras línguas como o Quechua e

Aymara - que são algumas das 36 línguas originárias da Bolívia. E esse ano estão

implementando o Chiquitano nas escolas como idioma oficial do distrito de Puerto

Quijarro. A nova Lei implementa (conforme descrita na p.37) essas línguas no novo

currículo da educação boliviana, para que não fiquem esquecidas pelo tempo. Ao

mesmo tempo professores e alunos aprendem, pois todos participam desse

processo de resgate das línguas originárias do lugar, como parte da preservação

das culturas antigas.

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Quando questionada sobre o porquê da língua Portuguesa não ser

estudada nas escolas, respondeu por que é uma língua que não corre o risco de se

perder, pois os alunos na maior parte do tempo assistem a canais brasileiros e que

na escola são feitos trabalhos práticos com textos em português e os alunos

conseguem interpretar sem muita dificuldade. Ela refere-se à língua como “língua de

lugar”, pois quando alguém não entende o que é falado utiliza-se o “portunhol”. Nas

conversas informais com os alunos, constatou-se que realmente assistem aos

canais de televisão do Brasil, que é natural para eles estarem em contato com a

língua portuguesa cotidianamente, inclusive quando estão na feira na Bolívia, pois ali

é o lugar que os brasileiros frequentem constantemente.

Os professores da escola possuem um interesse pela língua portuguesa e

estudam a gramática brasileira para assim desenvolverem o idioma do “outro” e

melhorarem na questão relacionada ao envolvimento com programas interculturais,

como é o caso do PEIF.

Quando na entrevista conversou-se sobre a questão das dificuldades

relacionadas ao contato com os brasileiros, a língua não foi constatada como

entrave, já que é comum falar em língua portuguesa, ou mesmo mesclar as duas

línguas, para que o “outro” entenda, sendo uma comunicação sem alteração, pois

para ela a fronteira não existe como separação, mas sim como continuação, como

se fosse um país somente.

Segundo a escola nem todos os alunos possuem dupla cidadania, porque

dentro da Constituição Política do Estado isso é crime, não se pode ter duas

nacionalidades. Porém, como a escola se refere, os filhos de “brasibolivianos” tem

dupla nacionalidade, quando estão no Brasil ocupam documento brasileiro e quando

chegam à Bolívia guardam esses documentos e entram no país normalmente.

Com relação aos alunos observados, possuem pequena dificuldade na

língua portuguesa na fala, e foi apresentado nível médio de dificuldade na escrita,

por isso os questionários foram aplicados na língua espanhola, para que assim

pudessem desenvolver respostas claras e coesas.

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82

3.2.1. Tabulação dos dados obtidos na Unidade Educativa “La Frontera”

O questionário aplicado (Figura 15) foi reorganizado de acordo com a

observação feita no local, e mesclou-se de questões objetivas e dissertativas, as

quais serão descritas abaixo.

Figura 27 - Aplicação dos questionários alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo

Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.

Dos 30 alunos que participaram da pesquisa, quase todos nasceram e

estudaram na Bolívia. Percebe-se desse modo que o encontro de culturas que

acontece na escola, é exclusivamente da cultura boliviana, por isso a grande

necessidade, até mesmo nas cidades de fronteira, de resgatar as culturas internas

do país.

Quadro 11 - Cidade da Bolívia onde nasceram

Puerto Quijarro / Puerto Suarez

10

Santa Cruz

16

Cochabamba

2

La Paz

1

Chile

1

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

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Com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe, 29 alunos são

filhos de pai e mãe nascidos na Bolívia e apenas 1 aluno de pai brasileiro e mãe

boliviana.

Quadro 12 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe.

Mãe brasileira 0

Mãe boliviana 30

Pai brasileiro 01

Pai boliviano 29

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

Quando questionados com relação a possuírem documentação brasileira

todos responderam que não possuem, pois é muito difícil conseguir e também por

desconhecerem as leis brasileiras, ao mesmo tempo entraram em contradição e

disserem que não podiam conversar sobre esse assunto, pois era muito perigoso e

tinham medo da polícia do lado brasileiro. Isso comprova mais uma vez, a

necessidade de leis específicas para as escolas de fronteiras.

Na questão ao que se refere ao grau de entendimento da língua

portuguesa na escola, 3 alunos possuem pequeno grau de entendimento, ou seja,

entendem, falam, porém misturam o português e o espanhol ao falar e escrevem

com muita dificuldade; 21 alunos possuem o grau de entendimento médio –

entendem, falam, entretanto possuem “certa” dificuldade ao escrever e 06 alunos

possuem ótimo grau de entendimento, fala e escrita.

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Quadro 13 - Número de alunos da Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de

entendimento da língua portuguesa.

Grau de entendimento da língua portuguesa Número de alunos

Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com

muita dificuldade. 3

Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 21

Fluente – entende, fala, escreve 6

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

Os alunos que participaram da pesquisa na Unidade Educativa “La

Frontera” nunca tiveram aula de língua portuguesa e o contato que tiveram, segundo

eles, com esta língua, foi por meio da televisão, através do comércio, pois muitos

deles trabalham com seus pais na feira da Bolívia, onde ali entram em contato com

os brasileiros, por terem amigos que moram no Brasil ou algum parente que casou

com brasileiro.

Em uma escola de fronteira, onde é comum o encontro com a língua do

“outro” que mora no país vizinho, constatou-se que os alunos da Unidade Educativa

“La Frontera” não utilizam a língua portuguesa para se comunicar na escola, pois há

somente um aluno brasileiro que estuda na escola, o restante são todos bolivianos,

assim falam o idioma deles que é o espanhol e outros idiomas como quéchua,

aymara e inglês. A língua portuguesa é um idioma comum presente na comunicação

diária desses alunos, pois apesar de não se comunicarem em português no

ambiente escolar, utilizam a língua em outros momentos, portanto a língua

portuguesa faz parte do dia a dia desses alunos.

Quadro 14 - Línguas que os alunos falam – além da língua portuguesa e da língua espanhola.

Inglês 03

Quéchua 01

Aymara 02

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

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Dos idiomas falados pelos alunos com a família, todos disseram que

falam o espanhol como primeira língua, e além do espanhol outras línguas são

utilizadas quando estão com os pais, sendo assim 3 alunos falam a língua

portuguesa, 2 falam o aymara e 01 aluno quéchua.

Quadro 15 - Língua falada pelos alunos em família.

Línguas faladas pelos alunos em família Número de alunos

Espanhol 30

Português 03

Aymara 02

Quéchua 01

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

Observou-se, que a troca cultural presente na escola é bem mais forte de

dentro para fora, do que de fora para dentro, ou seja, as línguas faladas na escola

pelos alunos são originárias da Bolívia e não oriundas de outros lugares.

Para compreender o que os alunos (Figura 16) da Unidade Educativa “La

Frontera” entendem sobre o que é fronteira, 24 alunos responderam que a fronteira

é uma linha que divide dois países, 2 alunos disseram que a fronteira é o lugar do

contrabando e apenas 4 alunos referiam-se à fronteira com as palavras: integração,

união de dois lados e crescimento integrado.

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Figura 16- Alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia.

Foto de minha autoria, 2014.

Em conversas informais esses alunos manifestam a visão da fronteira

relacionada ao tráfico de drogas, contrabando e violência, muitos têm medo de

ultrapassar a linha que divide os dois países, pois disseram que Corumbá é uma

cidade com muitos perigos, apesar de ter uma gente hospitaleira. O interessante é

que esta mesma visão é criada no imaginário dos Corumbaenses em relação à

Bolívia.

Os alunos foram questionados se eles se consideravam fronteiriços. Dos

30 alunos, apenas 7 não se consideram fronteiriços, conforme mostra tabela 16.

Abaixo foi transcrito todas as respostas dos alunos que se consideram fronteiriços

ou não.

Quadro 16 - Vocês se consideram fronteiriços?

Vocês se consideram fronteiriços? Número de alunos

Sim 23

Não 7

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

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A1 – “Me considero fronteiriço porque vivo há mais de 10 anos aqui na

fronteira”.

A2 – “Me considero, pois vivo na fronteira”.

A3 – “Me considero porque sou filha de bolivianos.”

A4 – “Sim, porque me comunico com os brasileiros”.

A5- “Sim, porque vivo entre dois países”.

A6 – “Não me considero, porque nunca vou para o outro lado”.

A7 – “Eu me sinto fronteiriço porque sempre vou pra Corumbá e também

porque gosto do futebol do Brasil.”

A8 – “Sim, porque estamos perto do Brasil”.

A9 – “Não porque se eu fosse fronteiriço ficaria com medo por causa do

tráfico”.

A10 – “Sim, porque nasci aqui na fronteira e vivo aqui até hoje”.

A11 – “Não porque tem uma linha que separa a Bolívia do Brasil.”

A12 – “Me considero fronteiriça porque me sinto bem em Corumbá”.

A13 – “Sim, porque somos vizinhos do Brasil”.

A14 – “Sim, porque fui criada na fronteira”.

A15 – “Não, porque vim de Cochabamba e não fui criado aqui”.

A16 – “Me considero, pois vivo na fronteira há anos”.

A17 – “Não porque não nasci aqui, daqui a pouco vou embora desse

lugar”.

A18 – “Não, nunca, aqui é perigoso, muito contrabando”.

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A19 – “Me considero porque somos unidos com o Brasil por uma

fronteira”.

A20 – “Sim, porque sempre entro e saio do Brasil quando eu quero.”

A21 – “Sim, porque vivo aqui desde que nasci. Tenho orgulho de ser

daqui da fronteira”.

A22 – “Sim, porque vivo na fronteira”.

A23 – “Não, não gosto que relacionem a fronteira com o lugar que vivo,

porque tem muito tráfico”.

A24 – “Sim, me considero porque vivo entre Corumbá e Puerto”.

A25 – “Sim, porque temos um vínculo com o país vizinho”.

A26 – “Sim, porque vivo todo o tempo em uma fronteira”.

A27 – “Sim, porque vivo na fronteira”.

A28 – “Sou fronteiriço e tenho orgulho da nossa fronteira”.

A29 – “Não, porque não vou ao país vizinho nunca”.

A30 – “Sim, porque vivo na fronteira”.

Constata-se que os alunos que não se consideram fronteiriços, associam

a fronteira com o tráfico de drogas, ao contrabando e a violência e por isso não

gostam de se identificar com o lugar, havendo um preconceito com relação à

fronteira e ao ser de fronteira. Comprovando que o estigma imposto pela mídia

mundial também afeta questões de identidade dos fronteiriços.

Sobre a questão relacionada às dificuldades enfrentadas pelos alunos da

Unidade Educativa “La Frontera” por serem bolivianos e estarem em contato direto

com os brasileiros. Abaixo será descrito somente as respostas dos alunos que

sentem ou já sentiram alguma dificuldade ao relacionar-se com brasileiros.

A5 – “Sinto que sou discriminado por ser boliviano, principalmente quando

algum brasileiro me chama de colla”.

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A7 – “Sim, quando eu falo e eles não me entendem e começam a rir”.

A9 – “Sim, quando vou ao Brasil e as pessoas me chamam de colla e

também sinto dificuldade e muito medo de andar nas ruas, pois tem muito assalto e

venda de drogas”.

A14 – “Às vezes quando vou à feira e os adolescentes ficam dizendo que

somos sujos, e isso é uma discriminação muito grande. Também tem os

delinquentes que querem roubar nosso dinheiro”.

A20 – “Muita discriminação, pois os brasileiros pensam que são os reis e

gostam de diminuir a gente, eles precisam aprender a ser humildes”.

Observou-se que 25 alunos nunca se sentiram discriminados e disseram

que nunca tiveram dificuldades porque sabem falar a língua dos brasileiros e

também porque os brasileiros têm um ótimo humor e são muito felizes e 5 alunos

descreveram que possuem pouca dificuldade. É assombroso o resultado desta

questão.

Segundo os alunos, uma das formas de diminuir essas dificuldades seria

aprender a falar a língua portuguesa, para que assim os brasileiros não os

confundissem mais, porque de acordo com os alunos, os brasileiros pensam que

todo boliviano é colla e também disseram que se falassem a língua portuguesa eles

se defenderiam e teriam argumentos para responder e se socializarem melhor. Os

alunos disseram que acreditam que por meio de cursos nas escolas –português e

espanhol – seria uma forma de estarem juntos e assim trocariam algumas

experiências relacionadas à cultura do “outro”.

Em conversas informais com os alunos, estes apontaram que a Unidade

Educativa “La Frontera” se integrasse com alguma escola em Corumbá e alguma

escola de Corumbá se integrasse com a escola deles, pois disseram que quando

não falam a língua eles têm muita dificuldade de interação com o grupo e se sentem

excluídos e essa seria uma forma de baixar as dificuldades encontradas por alguns

alunos.

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3.2.2. Docentes da Unidade Educativa “La Frontera”

Na pesquisa aplicada nos professores, na questão relacionada ao país de

nascimento do pai e da mãe, dos 12 questionários recebidos, verificou-se que 3

professores são filhos de mãe brasileira, e 09 de mãe boliviana, com 02 pais

brasileiros e 10 bolivianos. Essa relação de parentesco resulta em uma grande

miscigenação entre brasileiros e bolivianos. No ambiente escolar esse encontro se

deu em sua maior parte pelos pais dos professores, os pais dos alunos somente um

pai é brasileiro, os outros todos são bolivianos.

Dois professores, dos doze pesquisados, moram em Corumbá. Em um ir

e vir constante, disseram que nem percebem quando estão do outro lado, para eles

é um lugar só, não existe o outro lado, existe sim a integração de dois países que se

complementam em suas trocas diárias, como nas relações de casamento, laços de

amizades, e na educação, pois é a escola que eles trabalham que o fazem ir todos

os dias a fronteira e terem essa relação conjunta com Brasil e Bolívia, principalmente

agora que o PEIF está com aulas que estão sendo de muitas trocas culturais e

informações que antes eles nunca tinham escutado falar e que hoje podem

compartilhar com os colegas professores brasileiros. Nessa conversa informal um

deles disse que antes no inicio do PEIF, ou mesmo antes dele, os brasileiros eram

arrogantes e os desprezavam muito, que “se achavam” por serem brasileiros, como

se isso fosse um título a mais. E com a vinda do PEIF perceberam que os “outros”

(como ele cita) ficaram mais integrados e interessados, e isso segundo eles, se deu

a partir dos encontros no curso do PEIF, que os palestrantes deram voz aos

professores bolivianos e puderam assim mostrar um pouco de um país pluricultural e

com o sistema educacional em profundo desenvolvimento. E completam dizendo

que a Bolívia no que tange a educação, tem o olhar voltado para as culturas internas

e isso faz com que seja um país unido e de muita força.

Hoje está sendo implantada pelo Programa de Formação Complementar

para Professores (PROFOCONM) a língua Bésiro da região dos Chiquitos11, e de

11 Los Chiquitanos viven en Bolivia en la región llamada «Tierras Bajas», en oposición al Altiplano.

Políticamente, se encuentran en el departamento de Santa Cruz, al Este de Bolivia. Los Chiquitanos

viven en las provincias de José Miguel de Velasco (140 comunidades), Ñuflo de Chávez (78

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acordo com eles, é similar ao Guarani. Cada província da Bolívia escolheu uma

língua para ser estudada nas escolas, e a província de Puerto Quijarro propôs o

Chiquitano (Bésiro), pois ali segundo o livro relacionado aos Elementos da

Gramática do Bésiro, em Germán Busch possui 22 comunidades de Chiquitanos e

por isso implantaram como língua a ser aprendida, ou seja, isso significa que a

cultura boliviana está sempre sendo resgatada para que não caia no esquecimento.

A diferença, de acordo com eles, do porque a necessidade de aprenderem o

português tanto quanto as línguas internas da Bolívia, é porque eles convivem e

necessitam do idioma para sobreviveram, por ser aqui região de fronteira.

Observa-se que os professores da Unidade Educativa “La Frontera” não

possuem domínio da língua portuguesa e que misturam os dois idiomas ao falarem,

e isso para eles os torna “diferentes” mesmo não o sendo, pois a língua passa a ser

um entrave no desenvolvimento de uma boa comunicação e autoestima. Dos 12

professores, um índice elevado na pesquisa de 5 professores que possuem pouco

grau de entendimento da língua, 4 com médio grau e 3 se consideram fluentes.

comunidades), Chiquitos (47 comunidades), Ángel Sandóval (36 comunidades) y Germán Busch (22

comunidades).

“Os Chiquitanos vivem na Bolívia na região chamada de Terras Baixas, em oposição ao Altiplano.

Politicamente, se encontram no Departamento de Santa Cruz, ao Este da Bolívia.Os povos

Chiquitanos vivem nas províncias de José Miguel de Velasco (140 comunidades), Ñuflo de Chávez

(78 comunidades), Chiquitos (47 comunidades), Ángel Sandóval(36 comunidades) y Germán Busch

(22 comunidades).”

In:<http://www.academia.edu/4534429/Elementos_de_la_gram%C3%A1tica_del_B%C3%A9s%C9%A8ro._Socioling%C3%BC%C3%ADstica_-_Fonolog%C3%ADa_-_Morfolog%C3%ADa_-_Textos>

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Quadro 17 - Número de professores Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de

entendimento da língua portuguesa.

Grau de entendimento da língua portuguesa Número de professores

Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com

muita dificuldade.

5

Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 4

Fluente – entende, fala, escreve 3

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

Mesmo com o baixo grau de entendimento da língua, ocorre uma mistura

de idiomas, em uma tentativa de falar o idioma do “outro” misturam os dois,

desenvolvendo uma terceira língua, o “portunhol”. Esse fato determina que o

multilinguismo esteja presente na fronteira, tanto do lado brasileiro quanto no lado

boliviano, e isso acaba por ser uma das características de um lugar de fronteira.

Dentre as línguas faladas pelos professores foram destacadas: português,

espanhol, inglês, aymara, quéchua e guarani. Somando seis línguas em um só

ambiente que é o espaço educacional.

Quadro 18 – Línguas faladas pelos professores da Unidade Educativa “La Frontera”.

Línguas faladas pelos professores Número de professores

Espanhol 12

Português 3

Inglês 1

Aymara 3

Quéchua 4

Guarani 01

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

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Dos 12 professores, todos falam espanhol, sendo que além do espanhol,

3 falam português, 1 inglês, 3 Aymara, 4 quéchua e 1 fala guarani. Um professor

somente foi diagnosticado por falar 04 línguas: espanhol, português, quéchua e

Aymara, o restante fala além do espanhol uma língua a mais. Mais uma vez,

constata-se o uso das línguas internas do país.

Na pesquisa constatou-se que a maioria dos professores pesquisados

nasceu nos Andes e de lá vieram com a família para conseguirem melhores

condições de vida e na palavra deles “a fronteira nos oferece chances, pois vivemos

ao lado do Brasil, um país em desenvolvimento e de diversas oportunidades,

principalmente nos estudos, e agora com o PEIF a oportunidade triplicou, até

mestrado teremos a chance de fazer (...)”.

Dos 12 professores, 8 nasceram na região andina – La Paz,

Cochabamba, Oruro e Potosí -, 2 nasceram em Santa Cruz de la Sierra e 2

nasceram na região de fronteira – Arroyo Concepción e Puerto Suarez. De acordo

com Mabel Prudente (2011, p.182):

O deslocamento de indivíduos ou de grupos de indivíduos de uma região para outra é fenômeno que tem sido responsável por colocar em contato indivíduos de diferentes grupos linguísticos, pois o cruzamento de fronteiras geográficas pode, também, implicar no cruzamento de fronteiras linguísticas e um dos possíveis desdobramentos deste contato e a formação de contextos bilíngues.

Quadro 19 - Cidade de nascimento dos professores Unidade Educativa “La Frontera”.

Cidade de nascimento Números

Cochabamba 05

Santa Cruz de La Sierra 02

La Paz 01

Oruro 01

Potosí 01

Puerto Suarez 01

Arroyo Concepción 01

Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.

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Apesar dos professores, em sua maioria, terem nascidos na região andina

(quadro 19), e falarem múltiplas línguas ( quadro 18), foi constatado que quando

estão em família, a língua que prevalece é somente a língua espanhola, um

professor além do espanhol, em casa fala quéchua e o outro fala português. No

contato com eles observou-se que segundo eles é por isso que o governo faz com

que estudem outras línguas, pois o afastamento do local de origem faz que

esqueçam parte de sua cultura e com o programa do governo isso não acontece,

pois além de aprender outros idiomas, ensinam para seus alunos que assim

contaminam sua família e amigos.

Na questão relacionada ao termo fronteira, buscou-se entender o que

cada um entende no significado da palavra. Serão descritos todos os questionários

que serão identificados pela letra M de maestro, como foi citado acima.

M1 – “Final de um território e inicio de outra nação”.

M2 – “Linha que define o território e suas leis”.

M3 – “Limite que existe entre dois países diferentes. Um limite de

extensão territorial”.

M4 – “Limite geográfico. Intercâmbio de culturas”.

M5 – “Uma zona de distintas classes sociais, econômicas e culturais, que

se inter-relacionam entre si”.

M6 – “Limite territorial entre países”.

M7 – “Linha divisória entre dois países, porém apesar da linha existe uma

integração cultural”.

M8 – “Linha onde começa e termina o território”.

M9 – “Divisão e união de dois países ou nação onde podem fazer uma

troca constante de culturas”.

M10 –“Setor regional onde existe um intercambio de culturas”.

M11 – “É um lugar que une duas culturas, dois idiomas, duas nações”.

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M12 – “Fim de um lugar”.

Dos 12 questionários devolvidos, seis deles responderam que a fronteira

é um limite, uma linha e a outra metade relacionou a fronteira com as palavras:

integração cultural; união de culturas, idiomas; trocas culturais, econômicas, sociais.

Quando questionados da razão sobre essa diferença no olhar a fronteira

responderam que o modo de ver a fronteira depende de como ela foi apresentada

para eles e que o olhar deles está mudando com a vinda do PEIF para a escola, pois

conseguem hoje ver além de um conceito geográfico aprendido e passaram a

entender a fronteira de outra maneira, vendo-a não somente como fim, mas como

início de mudanças e projeções futuras. De acordo com um professor “hoje eu me

sinto melhor com relação à fronteira, pois estamos sentindo que a mudança está

chegando e que temos o Brasil ao nosso lado, com o PEIF a interculturalidade está

presente entre nós”.

Na questão relacionada ao ser fronteiriço, todos responderam que são

fronteiriços, pois vivem em um local de fronteira, independente se vieram de longe

ou não. Expuseram que seria de grande valia para o desenvolvimento de questões

relacionadas à fronteira, ao ser fronteiriço, as peculiaridades de um local de

fronteira, a vinda de professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul na

escola “La Fronteira” para ministrar cursos relacionados ao tema, assim

conseguiriam ensinar aos alunos os múltiplos sentidos da palavra fronteira.

Indo ao encontro da fala da Diretora da escola “La fronteira” ela diz que

não sente dificuldade e preconceito algum em ser boliviana, dos 12 professores que

responderam a questão relacionada a dificuldade e preconceito, apenas 1 professor

relatou que já sentiu dificuldade em relacionar-se com brasileiros, pois “há sempre

um brasileiro querendo ser mais que um boliviano, eles são racistas com sua própria

gente, imagina o que fazem com nós bolivianos”.

Quando 11 professores disseram não ter nenhuma dificuldade e sentido

preconceito algum, entram em acordo com os alunos, pois apenas 5 dos 30 alunos

pesquisados relataram que já sentiram dificuldade ao relacionar-se com brasileiros.

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Percebe-se, portanto que há um baixo índice de sentimento relacionado à

dificuldade e preconceito que os bolivianos enfrentam com relação aos brasileiros,

pois se constatou que os bolivianos acham em sua maioria que os brasileiros são

amáveis e gentis.

A Unidade Educativa “La Frontera” é integrante do PEIF, assim os

professores foram questionados sobre o conhecimento que possuem do PEIF. Dos

12 professores que responderam a pesquisa, 7 responderam que conhecem o

programa e já participaram em anos anteriores, 5 disseram não conhecer a fundo o

programa, pois nunca foram aos encontros que acontecem, só ouviram falar que

existe.

Lembrando que a data da pesquisa foi junho e julho de 2014, tendo o

PEIF iniciado seus trabalhos no dia 04 de agosto de 2014. Hoje os professores

estão mais integrados e com grande participação nos encontros. Observou-se uma

mudança completa na postura e envolvimento do grupo, por meio do número de

alunos e total participação em sala, com traduções simultâneas, interpretações e

complementação da fala de outro professor.

Após primeiro questionamento relacionado ao PEIF, dos 7 professores

que disseram conhecer o programa responderam que tiveram algumas dificuldades

encontradas no PEIF 2013, tais como: escrita e fala no desenvolvimento da

comunicação nos encontros; horário das aulas e os poucos encontros dificulta assim

o envolvimento com o restante do grupo e consequentemente uma maior troca

cultural que envolve a língua do “outro” e intercâmbio de alunos e professores em

aulas de português.

Para entender se a língua, ao modo de ver dos professores, une ou

separa as pessoas, além de responderem contribuíram para elucidar a questão

dando sugestões de como melhorar a aproximação com os brasileiros que vivem na

fronteira do Brasil na cidade de Corumbá e Ladário.

Todos responderam que a língua tem o poder de unir e de separar

pessoas, depende apenas do modo de agir diante do “outro” e que na concepção

deles a língua pode sim unir a todos que vivem aqui na fronteira Brasil - Bolívia é

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apenas uma questão de posicionamento a ser aplicado, como: ter a língua

portuguesa na escola de Puerto Quijarro e região, assim como algumas escolas na

cidade de Corumbá12 já possuem a língua espanhola em sua grade curricular no

Ensino Básico como é o caso das Escolas Municipais CAIC, Cyriaco Félix de Toledo,

Delcídio do Amaral, Izabel Correa de Oliveira, José de Souza Damy, Djalma de

Sampaio Brasil, Rachid Bardauil, Eutrópia Gomes Pedroso e Paiolzinho; realizar

intercâmbio cultural por meio da educação nas escolas de fronteira; encontros

semanais para melhor entendimento do “outro” com atividades de integração e

frisaram que não entendem como os brasileiros falam menos espanhol que eles

falam o português, se os brasileiros tem a língua espanhola no currículo.

3.3. “Eutrópia” e “La Fronteira”: diferenças e similaridades

Alunos

Para que se compreenda melhor e possa identificar diferenças e

similaridades entre as duas escolas estudadas, foram elaborados a seguir quadros

comparativos relacionados aos aspectos mais relevantes desta pesquisa.

Quadro 20 - Número de alunos brasileiros e bolivianos – moradores do Brasil e Bolívia

Número de alunos brasileiros que estudam na Unidade

Educativa “La Frontera” e moram no Brasil

01

Número de alunos brasileiros que moram na Bolívia e estudam na Escola “Eutrópia”

120

Fonte: Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” e Unidade Educativa “La Frontera”, Agosto/ 2014.

12

LEI Nº 2.282, 20 DE DEZEMBRO DE 2012 que Institui o Plano Municipal de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial, o qual consta no Art. 2º inciso III – EDUCAÇÃO - número 20 -

Efetivar a adoção do espanhol como segundo idioma nesta fronteira com a Bolívia e o Paraguai.

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Os números evidenciam que os brasileiros que estudam no Brasil e vivem

na Bolívia são maior número que os brasileiros que estudam na Bolívia. Os

brasileiros que moram na Bolívia e estudam no Brasil referem-se que estudar no

Brasil é uma grande oportunidade de vida.

Com relação ao grau de entendimento da língua espanhola, 19 alunos da

Escola “Eutrópia” responderam que falam fluentemente o espanhol e 6 alunos da

Unidade Educativa “La Frontera” possuem fluência na língua portuguesa, fato que

aponta para a concomitância das línguas espanhola e portuguesa na comunicação

informal entre os alunos.

Quadro 21 – entendimento da língua portuguesa e espanhola dos alunos das duas escolas em

estudo

Escola “Eutrópia” – língua espanhola fluência

19

Unidade Educativa “La Frontera” – língua portuguesa fluência

6

Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” e Unidade Educativa

“La Frontera”, Agosto/ 2014.

As línguas portuguesa e espanhola são línguas comuns nas duas escolas

em estudo, apesar de cada aluno falante de cada escola possuir um grau de

entendimento diferente. Os alunos da Escola “Eutrópia”, ao serem questionados,

responderam que falam português, espanhol e boliviano que neste caso, representa

o falar espanhol e os alunos da Unidade Educativa “La Frontera” falam, além do

espanhol, o português, inglês, quéchua e aymara, o que aponta para um

plurilinguísmo efetivo já que alunos da Unidade Educativa “La Frontera” falam

línguas originárias da Bolívia, enquanto os alunos da Escola “Eutrópia” utilizam os

idiomas presentes na comunicação diária presente na escola.

A visão dos alunos com relação à questão relacionada a como definir

fronteira 4 alunos da Unidade Educativa “La Frontera” e da Escola “Eutrópia”

relacionaram a palavra com integração, união de dois lados, cultura e crescimento

integrado, verificou-se um latente desconhecimento por parte da maioria dos alunos

de ambas as escolas.

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Para a questão referente ao “ser fronteiriço”, 8 alunos da Escola

“Eutrópia” responderam que se consideram fronteiriços para 23 alunos da Unidade

Educativa “La Frontera”, o restante dos alunos de ambas as escolas não se

considera fronteiriços ou desconhecem o termo.

Com relação ao preconceito sentido pelos alunos de ambas as escolas

em sua maioria disseram não sentir nenhum tipo de preconceito e que convivem

bem, possuem laços de amizade, e descreveram que possuem pouca dificuldade de

se relacionar com o “outro”, o que não corresponde à realidade observada e

constatada nos depoimentos dos coordenadores e secretário. Existe uma negação

constante quanto ao tratamento sentido. Tanto que, os projetos de integração foram

inseridos para diminuir a animosidade constante que havia entre os alunos.

Professores

Dos professores da Escola “Eutrópia” que participaram da pesquisa, todos

moram em Corumbá, já os professores da Unidade Educativa “La Frontera”, dois

residem em Corumbá e o restante tem domicilio na Bolívia, seu local de trabalho, o

que aponta para a permeabilidade e possível trânsito cultural entre os professores.

Com relação ao grau de entendimento da língua espanhola na Escola

“Eutrópia” e na Unidade Educativa “La Frontera”, todos responderam que falam

“portunhol”, pois misturam os dois idiomas ao se comunicarem. Quando

questionados sobre a definição da palavra FRONTEIRA, 4 professores da Escola

“Eutrópia” e 6 professores da Unidade Educativa “La Frontera” relacionaram a

palavra com união, trocas culturais, econômicas e sociais e integração, enquanto o

restante relaciona a fronteira apenas como limite, como uma linha divisória, diferente

dos alunos que relacionam fronteira aos aspectos negativos do contrabando e

droga. O que sugere que o assunto não é discutido em sala, pois as visões são

muito diversas entre alunos e professores.

A maioria das dificuldades apontadas pelos professores com relação aos

alunos está um entrave relacionado ao encontro de línguas, tanto dos alunos

brasileiros que moram no Brasil quanto dos alunos brasileiros que moram na Bolívia.

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No contato com a língua do “outro”, misturam o idioma e a partir daí começam as

dificuldades no momento da escrita, confundindo e misturando letras e palavras,

porém este fato ocorre mais na Escola “Eutrópia”, pois nesta escola há maior

encontro entre brasileiros que moram no Brasil e brasileiros que moram na Bolívia.

Na questão que tange a cidade de nascimento dos professores da Escola

“Eutrópia” todos são brasileiros, residentes no Brasil e os professores da Unidade

Educativa “La Frontera” todos são Bolivianos vindos de várias partes da Bolívia e em

sua maioria da região Andina, o que justifica as várias línguas faladas por eles como

quéchua, aymara, guarani.

As respostas evidenciam que há muitas diferenças entre as duas escolas

e que é necessário lançar um olhar diferenciado para ambas na tentativa de

encontrar maneiras de construir uma comunicação integral e integrada em ambas as

escolas, para que assim se tornem efetivamente escolas espelho, como apregoa o

MEC.

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CAPÍTULO 4

DA APLICABILIDADE DAS AÇÕES

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O Mestrado Profissionalizante exige propostas ou ações que possam

contribuir para melhorar a realidade, a sociedade e o contexto a que esta está

inserida. Assim, a primeira ação proposta por esta pesquisa foi a contribuição para

um diagnóstico sociolinguístico, que se relaciona com o capítulo anterior, para

entender o painel que se apresenta nas duas escolas estudadas. Este diagnóstico

faz parte das necessidades levantadas pelo Programa de Escolas Interculturais de

Fronteira 2014, coordenado pelo Curso de Letras/ espanhol da UFMS - CPAN, pela

Professora Lucilene Machado. Mas, a pesquisa foi além dessa contribuição, e a

observação encontrou necessidades que clamam por outras ações, que estão

elencadas a seguir:

1. Primeira e importante ação está relacionada ao trabalho em conjunto e

aponta para a ação que é construir de um novo Projeto Político

Pedagógico, com agrupamento de segmentos internos e externos,

administrativos, pedagógicos – professores, alunos, pais e a comunidade

em geral para que se insira, por meio do PPP a escola no contexto

intercultural de fronteira.

2. A segunda ação é a elaboração de leis que resguardem as

singularidades destas escolas, como a permissão do acesso livre de

alunos dos dois países. Para tanto, é necessária uma Lei específica para

Escolas de Fronteira, tanto no Brasil quanto na Bolívia.

3. A terceira ação conduz às ações que devem ser voltadas para

minimizar as dificuldades relacionadas ao aprendizado dos alunos com

relação à escrita e à fala, para que haja real comunicação entre alunos

dos dois países, professores e funcionários nas escolas de fronteira.

Essas ações devem também ser coletivas e integradas nessas escolas e

com foco na interculturalidade.

4. Quarta ação: trabalhos interculturais para aumentar a autoestima,

principalmente dos alunos bolivianos, com possível acompanhamento

psicológico, o que poderia ser oferecido em conjunto com o curso de

psicologia da Universidade- UFMS – CPAN.

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5. Quinta ação a ser considerada: a falta de conhecimento e aceitação da

língua do “outro” pode ser melhorado por meio de um currículo

diferenciado e projetos que envolvam os dois lados – Brasil e Bolívia.

6. Sexta ação: um planejamento diferenciado por parte dos professores

que acompanham todos os dias essa realidade fronteiriça. Este contexto

desafiador presente nas escolas de fronteira, não são encontrados

apenas nas aulas de língua portuguesa, mas sim por todo o corpo

docente.

7. Sétima ação: é preciso elaborar, planejar e aplicar ações que integrem

a múltiplas identidades nessas escolas de fronteira, que mostrem que

num mesmo lugar cabem os dois lados ao mesmo tempo. Essas

atividades devem a princípio, abarcar brincadeiras, conversas, trocas

constantes e diárias.

8. Esta última ação apontada por esta pesquisa- ação está relacionada à

necessidade de desenvolver projetos que conduzam e estejam

relacionados à leitura, a conotação de histórias, ao resgate de lendas, a

busca da história. A aproximação com o mundo mágico da literatura pode

ser uma solução para uma melhora significativa no contexto escolar que

os alunos destas escolas se encontram. Esta é uma ação que começa a

ser desenvolvida este ano de 2014 pelo PEIF e que necessita de muitos

anos para gerar frutos.

Enfatizamos que muitas outras ações podem advir de novas pesquisas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Com o desenvolvimento desta pesquisa, constatou-se o quanto é

imprescindível uma educação intercultural nas escolas de fronteira e principalmente,

desta peculiar fronteira Brasil-Bolívia. Para que as ações voltadas para essa

educação se efetivem é preciso que todos os sujeitos presentes no ambiente

educacional sejam envolvidos para estudar, engendrar e aplicar este novo modelo

de educação. Reafirma-se, assim, que é preciso estar preparado tecnicamente para

receber esses alunos, porém é necessário mais do que uma política educacional

para região de fronteira: é imperativo que haja uma verdadeira integração regional.

Convém destacar que os acordos bilaterais entre Brasil e Bolívia são

extremamente importantes para concretizar ações na educação e através dessas

ações educativas reconhecerem que cada indivíduo presente neste contexto

pertence a um lugar diferente e é um indivíduo carregado de culturas variadas. Mas,

até o momento esses acordos não foram efetivados, embora existam tentativas de

aproximação por parte do MEC. O que acontece hoje é um programa unilateral, com

viabilização de recursos do governo Brasileiro, sem o apoio do governo boliviano,

embora este esteja sendo favorecido com essas ações do governo brasileiro. Há

hoje, um movimento para implantação de programas de fronteira pelo lado boliviano,

mas o MEC e o PEIF não foram contatados para a criação do acordo, que deveria

ser, sempre, bilateral.

Ressalta-se que o PEIF aqui implantado nasceu para estruturar laços de

interculturalidade nas cidades gêmeas de Corumbá e Puerto Quijarro, cidades

incluídas este ano de 2014 na lista de cidades gêmeas, tendo como base a

metodologia de projetos e atividades atuando nas escolas, por meio de ações

diretas do Programa Mais Educação, observando que as escolas de fronteira

carregam inúmeras tarefas sociais como a preservação da identidade e das

múltiplas culturas.

Desse modo as Escolas “Eutrópia” e “La Frontera” iniciaram as práticas

interculturais antes mesmo da chegada do PEIF e, ao perceberam que estas ações

apresentavam resultado, inseriram datas de eventos interculturais no cronograma

escolar, como é o caso do “Dia da Integração” (falado anteriormente) que ocorre na

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Escola “Eutrópia”, dia direcionado para integração e interação com os dois lados –

Brasil e Bolívia. Foi por meio desses projetos que a Escola “Eutrópia” rumou para a

integração e consequentemente a diminuição das diferentes dificuldades

encontradas no ambiente escolar, que ainda carecem de muito trabalho para a

integração efetiva, considerando que os alunos que se encontram diariamente e em

cada encontro se transformam ao agregarem conhecimento diversificado. De acordo

com Bartolomé Pina (2007) quando relaciona às trocas culturais, o resultado é a

consolidação das identidades, objetivando a comunicação e foco no diálogo, o que

vai ao encontro do pensamento de Peñalonzo (2001) referente à revisão curricular

que envolve ações culturais.

Para compreender o espaço fronteiriço destas escolas, foi realizado um

diagnóstico sociolinguístico que envolveu os atores das duas escolas em foco, a

partir do qual encontrou-se possíveis soluções a serem desenvolvidas nestas

escolas, como foi apontado no capítulo anterior. Os dados revelaram alto grau de

mobilidade dos estudantes potencializando a troca cultural na escola e, mais uma

vez, apontando para a necessidade de projetos interculturais. Os questionários

aplicados nas escolas, foram diferenciados, pois foi necessário a adaptação de

acordo com a realidade vivenciada em cada ambiente escolar. Convém destacar

que as questões foram adaptadas, não modificadas, tendo o mesmo sentida na sua

adaptação e leitura.

Quando se trata de questões relacionadas à língua, observou-se a falta

de aceitação da língua do “outro”, neste caso a língua espanhola, pois muitos destes

alunos responderam que preferem a língua inglesa, por ser na concepção deles,

língua de maior privilégio, o que evidenciou a força da imposição norte americana

em uma região que deveria voltar o olhar para a América Latina, portanto, para a

língua espanhola.

Pelas razões apresentadas a partir da pesquisa, constou-se a urgência

na reformulação curricular, com currículos flexíveis, com ações interculturais que

abranjam o entender e o sentir a fronteira, além da visão centrada na geografia, um

currículo que abra a visão dos educadores e introduza as mil faces culturais desses

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dois povos. Só a partir destas ações é que se conseguirá minimizar preconceitos,

agressões, adversidades.

Constatou-se no decorrer desta pesquisa que é necessário para que

todas as ações se concretizem preparar e formar professores para atuar na região

de fronteira, direcionar a grade curricular de cada escola com Projetos Políticos

Pedagógicos embasados na realidade dessas escolas, integrar e interagir todos que

fazem parte do sistema educacional, enfim, desenvolver um método que realmente

beneficie tanto os professores como os alunos.

Com o levantamento para o diagnóstico sociolinguístico encaminhado ao

PEIF, será possível visualizar o cenário de outras escolas desta região fronteiriça,

que não foram objeto desta pesquisa. Espera-se que esta pesquisa, ainda incipiente

possa trazer soluções para um melhor desenvolvimento desta região.

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SACK, Robert David. Human territoriality: its theory and history. Cambridge University, 256 p., 1986. SANS, Pierric. Elementos de La gramática Del Bésiro. Sociolinguística – Fonología – Morfología– Textos. San Antonio de Lomerío, Bolívia, 2013. SAQUET, Marcos Aurelio; BRISKIEVICZ, Michele. Territorialidade e identidade (...)Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente: AGB, n. 31, v.1, p. 3-16, 2009. SEBRAE/MS. MS Sem Fronteiras. Disponível em: <http://semfronteiras.ms.sebrae.com.br/portal/?page=channel&id=33> Fonte: IBGE, SEMAC, PNDU. Acesso 10 de agosto de 2014. SEM. Plano de ação do Setor Educacional do MERCOSUL. 2011-2015. 80pgs. PDF. SILVA, Tomaz T. A Produção Social da Identidade e da Diferença. In: SILVA, Tomaz T. (Org.) Identidade e Diferença: A Perspectiva dos Estudos Culturais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p73 -102. STURZA, Eliana Rosa. Línguas de Fronteira: O desconhecido território das práticas linguísticas nas fronteiras brasileiras. Ciência e Cultura (SBPC), São Paulo, 2005, p. 47 – 50. ______. O espanhol do cotidiano e o espanhol da escola: um estudo de caso na fronteira Brasil–Argentina. 1994. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, 1994. TORRES SANTOMÉ, J. La Justicia curricular: el caballo de Troya de la cultura escolar. Madrid: Ediciones Morata, 2011. 311 p.

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ANEXOS

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Anexo 01

Anexo 01 referente à portaria das Escolas Interculturais de Fronteira. O

documento foi expedido pelo Ministério da Educação, na portaria nº 798, de 19 de

junho de 2012.

Disponível em: http://www.abmes.org.br/public/arquivos/legislacoes/Port-798-2012-06-19.pdf

GABINETE DO MINISTRO PORTARIA Nº 798, DE 19 DE JUNHO DE 2012.

Institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que visa a promover a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue.

CONSIDERANDO que em 13 de dezembro de 1991, os Ministros da

Educação dos países integrantes do MERCOSUL à época firmaram protocolo de

intenções por meio do qual manifestaram interesse em contribuir na área

educacional para os objetivos políticos de integração do MERCOSUL;

CONSIDERANDO que em novembro de 2003, foi firmada a "Declaração

Conjunta de Brasília para o Fortalecimento da Integração Regional" entre Brasil e

Argentina, em que a educação foi afirmada como espaço cultural para o

fortalecimento de uma consciência favorável à integração regional, tendo início o

Programa Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL como

Programa de Cooperação;

CONSIDERANDO que na XXXI REUNIÃO DOS MINISTROS DA

EDUCAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL, na cidade do Belo Horizonte, Estado

de Minas Gerais, República Federativa do Brasil, no dia 24 de novembro de 2006,

na qual foi avaliada positivamente a realização do I Seminário de Escolas de

Fronteira do MERCOSUL, na cidade de Foz de Iguaçu - Brasil e solicitado ao Comitê

Coordenador Regional que encomendasse à Comissão Regional Coordenadora de

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Educação Básica a elaboração de projeto para o ano de 2007 com o apoio da

Corporação Andina de Fomento - CAF;

CONSIDERANDO que o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina a

progressiva ampliação do período de permanência na escola;

CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°

8.069, de 13 de julho de 1990, garante às crianças e aos adolescentes a proteção

integral e todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-

lhes oportunidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,

espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade;

CONSIDERANDO que a educação abrange os processos formativos que

se desenvolvem na vida familiar, na convivência comunitária, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais, de acordo com o art. 1° da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional;

CONSIDERANDO o caráter intersetorial das políticas de inclusão social e

formação para a cidadania, bem como a corresponsabilidade de todos os entes

federados em sua implementação e a necessidade de planejamento territorial das

ações intersetoriais, de modo a promover sua articulação no âmbito local; resolve:

Art. 1º Fica instituído o Programa Escolas Interculturais de Fronteira

(PEIF), com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças,

adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações que visem à integração

regional por meio da educação intercultural das escolas públicas de fronteira,

alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos

e conteúdos educativos.

§ 1º As Escolas Interculturais de Fronteira são as escolas públicas

Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruídas pelo "Modelo de

ensino comum de zona de fronteira, a partir do desenvolvimento de um Programa

para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol",

da Declaração Conjunta de Brasília, firmada em 23 de novembro de 2003 pela

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Argentina e pelo Brasil, e do Plano de Ação do Setor Educativo do MERCOSUL

2006-2010.

§ 2º As escolas participantes do Programa Escolas Interculturais de

Fronteira também participarão do Programa Mais Educação.

Art. 2º As Escolas Interculturais de Fronteira seguem os seguintes

princípios:

I - Interculturalidade, que reconhece fronteiras como loci de diversidade e

que valora positivamente as diversas culturas formadoras do MERCOSUL,

promovendo a cultura da paz, o conhecimento mútuo e a convivencialidade dos

cidadãos dos diversos países-membros. Esta convivencialidade se realiza com a

atuação conjunta de docentes dos dois países em cada uma das Escolas

Interculturais (princípio do cruze), gêmeas ou próximas;

II - Bilinguismo, que prevê que o ensino seja realizado em duas línguas, o

espanhol e o português, com carga horária paritária ou tendendo ao paritário, com

uma distribuição equilibrada dos conhecimentos ou disciplinas ministradas em cada

uma das línguas. Prevê, ainda, pelo respeito ao sujeito do aprendizado, a presença

na escola de outras línguas regionais, conforme a demanda;

III - Construção comum e coletiva do Plano Político-Pedagógico das

Escolas-Gêmeas, respeitando as tradições escolares dos países envolvidos e

incluindo as demandas culturais específicas da fronteira no currículo.

Art. 3º Integram o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) as

ações das seguintes instituições:

I - Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica e

da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro da Educação;

II - Representantes dos Ministérios da Educação dos Estados parte e

associados do MERCOSUL que possuem áreas fronteiriças com o Brasil;

III - Secretarias Estaduais e Municipais de Educação envolvidas das

regiões de fronteira;

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IV - Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais e

Municipais de Educação das áreas de fronteira;

V - Instituições de Ensino Superior participantes da Rede Nacional de

Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública;

VI - Escolas gêmeas.

Art. 4º Compete ao Ministério da Educação do Brasil, por meio da

Secretaria de Educação Básica e da Assessoria Internacional promover a

articulação institucional e a cooperação técnica entre os Ministérios da Educação

dos países membros, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, as

Universidades e Conselho Nacional de Educação e dos Conselhos Estaduais e

Municipais de Educação, bem como garantir recursos financeiros às instituições

formadoras e às escolas, visando ao alcance dos objetivos do Programa.

Art. 5º Compete aos Estados parte e associados do Mercosul prestar

assistência técnica e conceitual na gestão e implementação dos projetos.

Art. 6º Compete às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação

acompanhar o desenvolvimento do programa.

Art. 7º Compete aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação,

detalhar, conforme o caso, as Diretrizes para o funcionamento das suas escolas

valendo-se das prerrogativas legais enquanto órgãos normativos do Sistema, tendo

em vista a diversidade educacional, cultural e linguística de cada fronteira específica.

(LDB, art 11, incisos I, II e III).

Art. 8º Compete às Universidades a formação dos docentes que atuam no

Programa.

Art. 9º Compete às escolas fronteiriças a execução e desenvolvimento do

Programa.

Art. 10. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALOIZIO MERCADANTE OLIVA

(DOU nº 118, quarta-feira 20 de junho de 2012, Seção 1 página 30)

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Questionários

Questionários aplicados nos alunos da Escola “Eutrópia”

1. Possui registro no Brasil?

2. Cidade de nascimento do pai e da mãe?

3. Grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente.

4. Qual outro idioma você fala?

5. Qual idioma você prefere aprender na escola: inglês ou espanhol?

6. Qual idioma você fala quando está em família?

7. Você possui registro no Brasil?

8. Você se identifica como brasileiro ou boliviano?

9. O que você entende por fronteira?

10. Você se considera fronteiriço?

11. Em algum momento você já sentiu dificuldade ou algum preconceito por ser da Bolívia e ou morar na fronteira com o Brasil?

12. Você possui dificuldade com relação à disciplina de língua portuguesa?

13. Quais dificuldades você encontra na escola? Questionários aplicados na equipe (professores, coordenadores, diretora) da

Escola “Eutrópia”.

1. Qual o grau de entendimento da língua espanhola?

2. O que você entende por Fronteira?

3. Quais as maiores dificuldades encontradas pelos alunos em sala?

4. Quais as principais dificuldades no ensino aprendizagem de línguas para os alunos?

5. Qual a disciplina que os alunos encontram maior dificuldade?

6. Que projetos ajudariam a diminuir as dificuldades na escola?

7. Qual o índice de evasão pelo aluno que mora do outro lado da fronteira com a Bolívia?

8. Você já teve contato com o PEIF?

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Questionários aplicados nos alunos da Unidade Educativa “La Frontera”

1. Cidade da Bolívia onde nasceu?

2. Cidade de nascimento do pai e da mãe?

3. Possui registro no Brasil?

4. Qual o grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente?

5. Qual outra língua você fala além da língua portuguesa e da língua espanhola?

6. Qual outra língua você fala em família?

7. O que você entende por fronteira?

8. Você se considera fronteiriço?

9. Em algum momento você teve dificuldades ou sentiu alguma forma de preconceito por ser boliviano e estar em contato direto com os brasileiros?

10. O que poderia ser feito para diminuir as dificuldades encontradas por você? Questionários aplicados nos professores da Unidade Educativa “La Frontera”

1. Qual o país de nascimento do pai e da mãe?

2. Qual a cidade onde você mora?

3. Qual o grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente?

4. Qual outra língua você fala?

5. Qual cidade onde você nasceu?

6. Qual outra língua você fala em família? 7. O que você entende por fronteira?

8. Você se considera fronteiriço?

9. Em algum momento você teve dificuldades ou sentiu alguma forma de preconceito por ser boliviano e estar em contato direto com os brasileiros?

10. A Unidade Educativa “La Frontera” participa do PEIF. Você conhece o programa?

11. Você teve dificuldade relacionada às aulas do curso?

12. A língua ao mesmo tempo une e separa. O que poderia ser feito para diminuir as dificuldades encontradas por você?

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Notas de fim

i KRAMSCH, Claire. Context and culture in language teaching. Oxford: Oxford University Press, 1993.

293 p. apud MENDES, Edleise Oliveira Santos. Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN): uma

proposta para ensinar e aprender língua no diálogo de culturas - Campinas, SP: [s.n.], 2004.