formaÇÃo da fronteira brasil-bolÍvia e o tratado de...

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL MOYSES DOS REIS AMARAL FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA E O TRATADO DE ROBORÉ CORUMBÁ - MS 2013

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL

MOYSES DOS REIS AMARAL

FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA E O

TRATADO DE ROBORÉ

CORUMBÁ - MS

2013

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MOYSES DOS REIS AMARAL

FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA E O

TRATADO DE ROBORÉ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços

da Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul, Campus do Pantanal, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre.

Linha de Pesquisa: Desenvolvimento,

Ordenamento Territorial e Meio Ambiente

Orientador: Prof. Dr. Tito Carlos

Machado de Oliveira

CORUMBÁ - MS

2013

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a:

Meus pais Eduardo e Maria Amélia que

tudo fizeram para me capacitar para trilhar

os caminhos da vida.

Minha esposa Mary Isabel, que é a minha

razão de tudo, pelo incentivo e ajuda que

me dispensa com dedicação e amor.

Nádia, Luciana, Danielli, minhas filhas

queridas, pelo carinho que me ofertam.

Meus netos Abílio Neto, João Frederico e

Maria Cecília, pelos jovens que são.

Meus irmãos Luiz e Salomão pela amizade

que me dispensam.

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AGRADECIMENTOS

O ato de agradecer responde ao reconhecimento do bem recebido. Todo bem tem seu valor,

porém o bem do conhecimento, do saber, da aculturação científica é, dentre todos os bens, o mais

valioso, porque é imaterial, perene, gratificante e útil para a vida.

Por ter recebido este tesouro de tão alto valor no Mestrado de Estudos Fronteiriços, registro

meus agradecimentos aos professores que se empenharam em trazer e ministrar este curso, de pós-

graduação, para Corumbá, beneficiando sua população e conscientizando-a de sua condição de cidade

de fronteira.

Principio meu agradecimento pelo meu orientador Professor Doutor Tito Carlos Machado de

Oliveira, que aceitou a minha idéia de trabalhar sobre a formação da fronteira do Brasil com Bolívia e

completar com o Tratado de Roboré. É sabido que um trabalho científico não se produz sem

interlocução. E o andamento do trabalho de pesquisa só se deu pela orientação, precisa e segura do

meu orientador. Durante todo o período da montagem à revisão do texto foi o esclarecedor das

dúvidas e o grande incentivador quando das minhas injúrias de saúde, que quase me levaram à

desistência do mestrado. Graças a sua paciência e ao rigor intelectual concluímos a dissertação.

Ao professor doutor Marco Aurélio Machado de Oliveira, a gratidão é dupla, primeiro pela

firme coordenação do Mestrado de Estudos Fronteiriços, segundo pela dedicação e técnica magistral

no desempenho das suas aulas, que tanto contribuíram para desvendar os segredos das fronteiras.

O professor Doutor Edgar Aparecido da Costa é o próprio compromisso com o saber, busca

no professorado a sua própria alegria, a sua razão de ser. A avidez para transmitir o conhecimento

sobre fronteira e a dedicação para dissipar as duvidas, emergentes em cada aula, proporcionou a

segurança no aprendizado. Registro aqui os mais sinceros agradecimentos.

Muito oportuno é o ensejo para agradecer a professora mestre Ramona Trindade Ramos Dias

pela organização da secretaria do mestrado e pela lhaneza de trato que oferece aos mestrandos.

Quero de igual modo, agradecer a todos os professores que prestaram seu concurso precioso

para alargar os conhecimentos e os meios de novas descobertas, na complexidade das fronteiras.

Um agradecimento especial quero externar ao professor doutor Mario Dantas, amigo maior,

com quem desfruto uma longa amizade de real valor. Versado na área científica, sabe aliar sua vasta

cultura a uma simplicidade cativante. Durante o desempenho desta dissertação, ele esteve presente,

convivendo o tema, e me passando enriquecedora orientação, além do incentivo encorajador para

ousar e vencer.

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RESUMO

AMARAL, Moyses dos Reis. Formação da Fronteira Brasil-Bolívia e o Tratado de

Roboré. 157 p., 2013. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação, strictu senso,

Estudos Fronteiriços da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do

Pantanal. Corumbá, MS.

O Brasil e a Bolívia compartilham uma linha de fronteira de 3.125 km de comprimento, que

para ser definitivamente estabelecida custou anos de negociações, estabelecimento de

mecanismos legais e de tratados. O objetivo geral deste trabalho é analisar as implicações do

Tratado de Roboré na formação da fronteira Brasil–Bolívia. Os objetivos específicos são

avaliar as relações Brasil-Bolívia após a assinatura do Tratado de Roboré, no tocante à

praticidade, aos benefícios alcançados e às formas de gerenciamento, e estudar os efeitos

econômicos e sócio-culturais na vida das cidades fronteiriças, em especial, Corumbá e Puerto

Suarez. A metodologia do estudo consistiu de pesquisas bibliográficas extensas, consultas à

documentação oficial disponível, à literatura sobre fronteira, aos tratados existentes e a obras

técnicas sobre história; reuniu e discutiu dados históricos que contribuíram para formação da

fronteira Brasil/Bolívia, desde o tratado de Tordesilhas ao de Roboré. Os resultados referem-

se à conceituação de fronteira, aos tratados de Tordesilhas, de Madrid, aos tratados do período

colonial, aos movimentos de independência, aos tratados de 1867, 1903, 1928 e 1938,

específicos sobre a formação da fronteira e, finalmente, ao tratado de Roboré e suas

conseqüências. Pode-se observar que vários desses documentos não foram totalmente postos

em prática pelos dois países, chegando mesmo a serem esquecidos e ignorados por quem de

direito, principalmente o de Roboré. Por outro lado, as ações decorrentes dos mesmos também

não foram colocadas em prática, até hoje. Ressalta-se o papel do Brasil em facilitar a vida dos

bolivianos e destes em buscar o apoio e confiar no Brasil, enquanto que com os outros

vizinhos, muitas vezes, dominou um clima de beligerância. Hoje suas fronteiras estão

definidas e demarcadas, não havendo litígio, graças ao papel desempenhado pelos diplomatas

brasileiros e bolivianos.

Palavras-chave: Fronteira, formação, Tratado de Roboré, relações Brasil-Bolivia, definição e

demarcação de fronteira.

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ABSTRACT

AMARAL, Moyses dos Reis. Brazil-Bolivia Boundary Formation and Robore Treat.

157 p., 2013. Dissertation for the Master of Science Program of Mato Grosso do Sul Federal

University Foundation, Pantanal Campus. Corumba, MS, Brazil.

Brazil and Bolivia share a border line with 3,125 km length, which took years of negotiations,

the use of legal mechanisms and treats to be definitively established. The general objective of

this paper is analyzing the implications of Robore Treat to the formation of the border

between Brazil and Bolivia. The specific objectives are evaluating the Brazil-Bolivia

relationships after the signature of Robore Treat, concerning the practice, reached benefits and

management ways, and studying socio-cultural and economic effects on the life of frontier

towns and villages, specially, Corumba and Puerto Suarez. The study methodology consisted

of deep bibliographic surveys, consultancy to available official documents, frontier literature,

accessible papers on history; has put together and discussed historical data that have

contributed to Brazil-Bolivia border line definition, since Tordesilhas to Robore Treats. The

results present frontier concepts, Tordesilhas and Madrid Treats, colonial period Treats,

independence movements, 1867, 1903, 1928 and 1938 Treats that deal specifically with

border line definition, and, finally, Robore Treat and its consequences. It is possible to

observe that many of those documents have not been practiced in totum by both countries and

even have been forgotten and ignored by interested people, mainly Robore Treat. On the other

hand the resulting actions from those documents also have not been practiced, so far. It is

important to mention the Brazilian role in order to make ease the life of Bolivian people

which look for Brazilian support and trust Brazil, while Bolivian relationship with other

neighbors many times is dominated by a belligerence atmosphere. At the present time Brazil

and Bolivia have their border lines defined and demarcated and there is no litigation thanks to

the role undertaken by Brazilian and Bolivian diplomacy.

Key-words: Border line, formation, Robore Treat, Brazil-Bolivia relationships, border line

definition and demarcation.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Mapa apresentando o meridiano de Tordesilhas. ............................................... 24

FIGURA 2 Expansão territorial do Brasil ....................................................................................... 57

TABELA 1 Documentos que constituem o Tratado de Roboré, firmados

em 29 de março de 1958, em La Paz .............................................................. 137

FIGURA 3 Mapa apresentando os estados brasileiros e os departamentos bolivianos

situados na área referente ao Tratado de Roboré (Elaborado por Padovani s d p). ....... 148

FIGURA 4 Mapa apresentando a área dos estados brasileiros e departamentos

bolivianos que compõe o tratado de Roboré ............................................................... 149

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

1.1 – Justificativa ................................................................................................................. 9

1.2 – Objetivos ................................................................................................................... 10

1.3 – Material e Método ................................................................................................... 10

1.4 – Estrutura do Trabalho ............................................................................................ 10

2 FRONTEIRA ............................................................................................................... 11

2.1 – Conceituação............................................................................................................ 11

2.2 – Fronteiras e Limites ................................................................................................. 16

3 TRATADO DE TORDESILHAS ................................................................................ 24

3.1 – Antecedentes ............................................................................................................ 25

3.2 – Os Termos do Tratado ............................................................................................ 29

3.3 – Conseqüências do Tratado ...................................................................................... 33

4 TRATADO DE MADRID ............................................................................................ 38

4.1 – Antecedentes ............................................................................................................ 38

4.2 – América meridional e o Império Tiahuanaco ......................................................... 40

4.3 – O Império Inca ........................................................................................................ 44

4.4 – Expansão Territorial do Brasil ............................................................................... 48

4.5 – A dissertação de Delisle ........................................................................................... 50

4.6 – Reorganização da Ciência Geográfica em Portugal ............................................... 51

4.7 – Os Padres Matemáticos e os Limites de Tordesilhas ............................................. 51

4.8 – Termos do Tratado .................................................................................................. 52

4.9 – Conseqüências do Tratado ...................................................................................... 56

5 PERÍODO COLONIAL (1761 – 1808) ........................................................................ 58

5.1 – Tratado de El Pardo ................................................................................................ 58

5.2 – Tratado de Santo Ildefonso ..................................................................................... 60

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5.3 – Tratado de Badajóz e translado da família real portuguesa .................................. 61

6 MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA ................................................................... 66

6.1 – Revoluções de emancipação das colônias da América ........................................... 66

6.2 – Independência das colônias da América do Norte ................................................. 72

6.3 – Emancipação das colônias espanholas e portuguesas ............................................ 74

7 FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASIL BOLIVIA ............................................ 78

7.1 – Antecedentes ........................................................................................................... 78

7.2 – Tratado Brasil-Bolívia de 1867 .............................................................................. 83

7.3 – A questão do Acre, O Tratado de Petrópolis 1903 ................................................ 89

7.4 – O Tratado de Natal de 1928 ................................................................................. 111

7.4.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 111

7.4.2 – O tratado ............................................................................................................... 114

7.5 – Tratados de vinculação ferroviária e de saída e aproveitamento

do petróleo boliviano de 1938 ......................................................................................... 116

7.5.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 116

7.5.1.1 – Cenário Paraguaio ............................................................................................. 117

7.5.1.2 – Cenário Boliviano .............................................................................................. 120

7.5.2 – A Reconstrução Nacional da Bolívia .................................................................... 123

7.5.3 – Tratado de Vinculação Ferroviária .................................................................... 124

7.5.4 – Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano ............................... 127

8 O TRATADO DE ROBORÉ ...................................................................................... 133

8.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 133

8.2 – O Tratado ............................................................................................................. 134

8.3 – Consequências do Tratado .................................................................................. 139

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 150

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INTRODUÇÃO

Os documentos que pautaram a formação da fronteira Brasil-Bolívia apresentam-se

dispersos sob diferentes formatos e formas de publicação, o que torna difícil ao pesquisador e

aos profissionais que se dedicam ao assunto o completo entendimento da relação internacional

deles decorrentes. Verifica-se, ademais, a carência de análise histórica e de avaliação mais

aprofundada dos reais benefícios alcançados.

Face à extensão e à complexidade do material abrangido, surge ainda a possibilidade

de inobservância de alguns dos dispositivos ali contidos por total falta de conhecimento de

quem de direito, o que demanda a implementação prática das normas de conduta ali descritas.

Exemplos de infração aos termos contidos nos documentos diplomáticos são facilmente

constatados ao longo das fronteiras, e têm como autores não apenas a população civil, mas

também as autoridades administrativas de ambas as partes.

1.1 – Justificativa

A construção das fronteiras ao longo da história, em geral, responde aos interesses das

sociedades fundadas nos territórios, ou seja, responde aos objetivos dos Estados-nações,

sejam eles, econômicos, políticos, sociais e geográficos, entre outros. Dessa forma fica

evidente a função maior das fronteiras e, entre suas funções adjacentes, estão a proteção e a

delimitação do território, iniciando assim o processo de construção da identidade territorial.

Este trabalho pretende resgatar a história da formação da fronteira Brasil-Bolívia e das

várias etapas galgadas pelos dois países na busca da demarcação definitiva de suas lindes e

alcance de uma convivência pacífica, a partir desses limites, com especial ênfase ao

denominado “Tratado de Roboré”.

Este tratado encerra ponto de negociação global, que consolidou a instituição de uma

política protecionista e estabeleceu, em definitivo, os marcos de fronteira, liquidando as

questões pendentes entre Brasil e Bolívia. Criou condições especiais para o estabelecimento

de uma fronteira viva, através da instauração de programas de desenvolvimento econômico,

social e cultural que atendessem, principalmente, a população fronteiriça que vivia em

absoluto isolamento demográfico e distante dos centros administrativos nacionais.

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1.2 – Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é analisar as implicações do Tratado de Roboré na

formação da fronteira Brasil–Bolívia, através da reunião de dados históricos. E seus objetivos

específicos são avaliar as relações Brasil-Bolívia após a assinatura do Tratado de Roboré, no

tocante à praticidade, aos benefícios alcançados e às formas de gerenciamento, e estudar os

efeitos econômicos e sócio-culturais na vida das cidades fronteiriças, em especial, Corumbá e

Puerto Suarez.

1.3 – Material e Método

O presente trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica: documentação,

literatura sobre fronteira, tratados e leituras técnicas.

1.4 – Estrutura do Trabalho

Este trabalho compreende nove capítulos. No primeiro capítulo apresenta-se a

introdução, onde se encontram a justificativa, os objetivos e a metodologia do trabalho. O

segundo capítulo trata da conceituação de fronteira. O terceiro analisa o Tratado de

Tordesilhas e suas implicações na expansão territorial do Brasil. No quarto capítulo estuda-se

o Tratado de Madrid e suas conseqüências na definição dos limites fronteiriços entre o Brasil

e a Bolívia. O quinto capítulo aborda os tratados do Período colonial. O sexto capítulo aborda

os movimentos de independência das Américas. O sétimo capítulo apresenta a formação das

fronteiras Brasil Bolívia. O oitavo capítulo trata do Tratado de Roboré e as políticas

fronteiriças, os benefícios advindos dessas políticas e as perspectivas de desenvolvimento

para a região transfronteiriça Brasil-Bolívia. O nono capítulo apresenta as considerações

finais.

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2 – FRONTEIRA

2.1 – Conceituação

O termo fronteira é de singular evidência contemporânea no âmbito das ciências

sociais, pois, ele está mediando contexturas políticas e sociais da história dos povos, desde os

mais remotos rastros vincados pelo homem na sua peregrinação pelas entranhas do

desconhecido mundo de seu habitat.

A tendência de delimitação do espaço físico (limite), entre os animais, é uma condição

instintiva, como elemento substantivo de sobrevivência, consoante Moura (2010, p. 1):

Nas florestas habitadas por lobos, havia centenas de matilhas. Porém cada uma tinha seus próprios territórios, que devia ser respeitado pelos membros

das demais matilhas. A forma que as matilhas tinham para delimitar seu

próprio território era através de uma secreção eliminada pelo macho alfa (o

líder). [...] Ao espalhar esta secreção ao redor de seu território, o macho construía uma espécie de cerca invisível, definida pelo cheiro. Todo lobo que

invadisse esta ‘fronteira’ seria considerado intruso e seria atacado pela

matilha.

Esta característica tem sido observada, desde os trabalhos de Darwin e Spencer (apud

BRANCO, 2002, p. 226-228) e tantos outros diferençados desbravadores dos segredos da

natureza. Ela é demonstrativa da necessidade de criar limites para definir áreas, entre animais

de uma mesma espécie e de espécies diferentes, que ofereçam os elementos naturais

suficientes para prover as exigências biológicas dos grupos.

Neste cenário de acomodação biológica no espaço, sobrevivem não somente os mais

fortes, mas, e principalmente, os destacados em postura, inteligência e comunicação, cujo

representante primeiro é o Homo sapiens, o homem em si. Este, então, começa a mentalizar

princípios racionais e inteligentes para superar os óbices que a natureza lhe impõe. E

consoante ao seu andamento da caverna à tribo e desta à sociedade assim se expressa

Bornheim (2002, p. 147):

[...] a sociedade humana, desde os seus primórdios, soube desenvolver as dimensões essenciais de sua atividade prática – e já por isso o homem pôde

ser definido como tendo sido, desde a sua origem, um animal técnico, ou

seja, uma criatura afeita às fainas da transformação da natureza.

Ainda sobre o homem como dominante da natureza se expressa Gourou (apud

SANTOS, 2008a, p. 33) “[...] o homem esse fazedor de paisagem, somente existe porque é

membro de um grupo que em si mesmo é um tecido de técnicas”.

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A superfície terrestre, como biosfera, constitui o habitat de todas as espécies animais e

vegetais povoantes do planeta terra; registra as variações das características de suas formas

naturais, impressas pelas sociedades humanas, através do emprego de técnicas, para suprir

necessidades de sobrevivência e exercitar valores culturais nas comunidades de escalas

diferenciadas.

É nela que a ocupação de áreas vai delineando espaços num seqüente andamento de

expansão para o desconhecido, com registro de posses e autonomias do conhecido, para

garantia da sobrevivência de grupos, criando relações de poder pela determinação de

fronteiras e limites.

Para muitos autores cabe à geografia, como disciplina, fazer a descrição da terra bem

como de seus habitantes, a interação destes entre si, enfim, suas ações sobre o planeta. Mas,

Santos (2008a, p. 18) em seus estudos sobre a Natureza interroga:

O que é geografia? [...] Discorrer sobre uma disciplina, ainda que

exaustivamente, não substitui o essencial, que é a discussão sobre seu objeto.

O objeto da geografia é o espaço. [...] Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não sobre a geografia.

O autor continua propondo uma definição para a geografia que “considera que a essa

disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações

que formam o espaço” (SANTOS, 2008a, p. 62).

Complementa ainda que “o espaço é formado por um conjunto indissociável, e

também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações não considerados

isoladamente, mas como quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2008a, p. 63).

Sempre que se propõe buscar um entendimento mais coerente de temas, especialmente

no campo das ciências sociais, sobretudo em disciplinas como História e Geografia, verifica-

se a necessidade de formar um conjunto de palavras para compor a linguagem necessária

capaz de expressar as suas realidades na condução de estudos; este conjunto de palavras-

chave recebe a denominação de Conceito.

Em sua obra, Teoria Del Concepto, Chávez (1988 p. 60) afirma: “La idea ya formada

y apta para formar pensamientos se llama concepto. El concepto es un elemento lógico que da

significación a los signos y palabras, captando su objeto formal.”

E prossegue:

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13

Concepto. – Es el elemento lógico que capta el objeto formal. Esto quiere

decir que no se refiere al objeto total con todas sus propriedades, sino que

solamente aprehende las esenciales en virtud de las cuales se diferencia de otros objetos; asi, por ejemplo, el concepto ‘hombre’, se refiere unicamente

a las propiedades esenciales y comunes a todos los hombres: ‘animalidad’ y

‘racionalidad’ [...] (CHÁVEZ, 1988, p. 61)

E Santos (2008b, p. 19) abona:

A expressão conceito é geralmente traduzida como significando uma

abstração extraída da observação de fatos particulares. Mas, pela razão de que cada fato particular ou cada coisa particular só tem significado a partir

do conjunto em que estão incluídos, essa coisa ou esse fato é que terminam

sendo o abstrato, enquanto o real passa a ser conceito. Mas o conceito só é real na medida em que é atual.

O homem, como ser dinâmico, exerce sua ação de sobrevivência, alterando,

transformando e modelando a superfície da terra, dotando a geografia de um conjunto de

categorias que expressam sua identidade.

O Espaço, a paisagem, o território, a territorialidade, o lugar, constituem-se num

resultado particularizado da atuação humana sobre o planeta e isto evidencia a carência de

criar “conceitos-chave” para facilitar a analise detalhada dos elementos da totalidade do

espaço geográfico.

Para a geografia o mais importante da relação homem terra é o espaço geográfico. Por

ser este um conceito muito amplo, foi evidenciada a necessidade de criar métodos para dividi-

lo em conceitos menores, categorias geográficas, com o propósito de facilitar seu estudo.

O espaço geográfico está dividido em diversas categorias:

- Espaço: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também

contraditório, de sistemas de objetos e de sistemas de ações, não considerados isoladamente,

mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2008a, p. 63).

- Paisagem: “A paisagem é o reflexo da produção do espaço num determinado tempo,

sendo estática, mas possui elementos que só podem ser compreendidos numa perspectiva

transtemporal, unindo o velho e o novo, já que o espaço é dinâmico. Portanto ela é única”

(COSTA, 2009. p. 64).

Território: “O território é um produto ‘produzido’ pela prática social, e também um

produto ‘consumido’, vivido e utilizado como meio, sustentando, portanto, a prática social”

(BECKER, 1983 apud RÜCKERT, 2005, p. 83).

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14

Territorialidade, de acordo com Machado et al. (2005, p. 91), ao contrário do

território, que de alguma forma define ‘nós’ e os ‘outros’, ‘próprio’ e o ‘não próprio’, ou seja,

carrega um sentido de exclusividade, a territorialidade é um processo de caráter ‘inclusivo’,

incorporando velhos e novos espaços de forma oportunista e/ou seletiva, não separando quem

está ‘dentro’ de quem está de ‘fora’.

Para Raffestin, 1993 (apud GALVÃO et al., 2009, p. 43):

[...] a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se

origina num sistema sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema [...] tudo reside

na relação concebida como processo de troca e/ou de comunicação. Processo

que precisa da energia e da informação [...]

Lugar: “lugar significa uma área específica, singular, identificada como tal pelo seu

nome, [...] habitualmente com seu endereço expresso em graus de latitude e longitude”

(BROEK, 1972, p. 16).

O homem na sua condição de ser superior dotado de inteligência, comunicação e

sociabilidade, é o criador, no espaço, de áreas limitadas para abrigar seus semelhantes,

vivendo e utilizando o meio, numa prática social, capaz de produzir o produto suficiente à

subsistência e bem estar do grupo, tornando real a configuração territorial. Forma o território

como produto de seu trabalho e nele pratica a sociabilidade espaço-temporal que lhe vai

sedimentando hábitos, costumes, regras e normas, beneficiado, principalmente, pela

linguagem. E tal é a importância da linguagem nesse processo que Santos (2008a, p. 67)

afirma: “A linguagem tem um papel fundamental na vida do homem por ser a forma pela qual

se identifica e reconhece a objetividade em seu derredor, através dos nomes já dados.”

Em tal seqüência de trabalho o homem cria o espaço e consolida o território, como

objetivo colimado, pela ação constante de territorialização, transformando a natureza e

adaptando-a a suas necessidades pelo emprego da técnica. Sobre o uso da técnica pelo homem

se expressa Santos (2008a, p. 29):

É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a

natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As

técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria o espaço.

Quando o grupo social está formado com os atributos terra, povo e língua,

complementado no seu processo histórico por hábitos, costumes e normas, encontra-se na

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condição organizacional de nação, conforme conceitua Nunes (A Nação e o Estado, baixado

do Blog Batalha Final em 13/04/10, www.causanacional.net/index.php?itenid=323):

Acontece que Estado e nação não só não são coincidentes como são muitas

vezes conceitos antagônicos. O conceito de nação assenta numa base étnica comum, uma nação é uma comunidade que partilha uma língua, uma cultura,

uma identidade material (a etnia), uma história comum de luta pela

sobrevivência e perpetuação ao longo dos tempos, é uma comunidade que partilha um conjunto de valores que são intuitivos, normas não verbais que

resultaram de séculos de identificação e comunhão na luta pela preservação e

continuidade da comunidade. [...] Não fazem parte da nação aqueles que apenas falam a mesma língua, ou que apenas professam a mesma religião

(muito menos num mundo globalizado), mas aqueles que partilham um

processo evolutivo histórico comum e que por isso partilham uma identidade

étnica que daí resultou. [...] Essa identidade foi construída ao longo da evolução de um povo pela partilha da mesma luta de sobrevivência e

perpetuação, aqueles que se deslocaram para o mesmo espaço e aí

construíram a sua civilização, aqueles que passaram pelas mesmas lutas, que estiveram sujeitos às mesmas dificuldades, que construíram um código de

comportamento similar, foi todo o trajecto [sic] histórico comum da

comunidade que se materializou nas características de cada grupo étnico, e a

etnia é por isso o espelho da história comum de cada comunidade. Esta é, na realidade, a verdadeira definição de nação e é anterior à existência de Estado,

não precisa, aliás, de Estado pois não está dependente de qualquer instituição

jurídica, é um sentimento de pertença natural, de identificação histórica.

Um resumo histórico pode nos dar a saber que a noção de Estado hoje tornada unívoca

– a de Estado democrático constitucional - que se tem hoje, tem sua origem no mundo feudal

a começar no século XV. A Europa sofreu severas dificuldades com a fragmentação territorial

dos feudos, durante toda a Idade Média, concomitante ao enfraquecimento dos reinos

decorrente do esfacelamento do Império Romano do Ocidente. Os reis tinham poder aparente,

sendo o comando efetivo da administração e autoridade de fato dos senhores feudais. O

aumento do fluxo comercial na Europa Ocidental, o aquecimento da economia monetária e

creditícia, bem como, a atuação de uma burguesia fortificada formam o conjunto necessário

para enfraquecer os feudos e fortificar as monarquias feudais. O poder centralizado na

monarquia impõe as condições possíveis para formar estruturas administrativas e de finanças

públicas, com ativação e capacitação de recursos humanos, estimulado pelo incipiente

sentimento nacional, solidariedade de identificação dos homens pelo idioma, hábitos e

passado histórico comum. É nesta linha de revisão histórica que França Filho (2006,

p. 1446-1447) releva e completa a razão do surgimento do estado nacional afirmando que:

A burguesia teve um papel preponderante na edificação desse Estado nacional. [...] A idéia de soberania apareceu quase que simultaneamente ao

robustecimento desse Estado nacional, através da luta da monarquia para

impor sua autoridade aos senhores feudais (soberania interna) e emancipar-

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se da tutela do papado e do Imperador do Sacro Império Romano–

Germânico (soberania externa). Como conseqüência passa-se a cultivar

rígidas e precisas fronteiras interestatais, que demarcariam os limites geográficos do poder político.

A convivência do povo, imbuído do objetivo de solidariedade, gera a vontade coletiva

de se organizar política e juridicamente, para garantir, cada vez mais, as condições de defesa

do seu território e do seu corpo social no intento de consolidar a soberania da nação, pois

conforme afirma Azambuja (1998, p. 106): “A nação juridicamente e politicamente

organizada é o Estado.” E é o Estado soberano, dotado de lei constitucional, de mandatário, de

estrutura administrativa, quem dispõe das condições de poder para delimitar e demarcar seus

limites geográficos, como contorno do polígono de seu território, cultivar as fronteiras

interestatais e ter o reconhecimento político da comunidade internacional (FRANÇA FILHO,

2006, p. 1447).

Apesar da noção de limites e fronteiras ser remota e ocupar grande espaço da reflexão

geográfica acadêmica internacional, buscando suas origens, etimologias, conceitos,

classificação e evolução, conforme esclarecem Steiman e Machado (2002, p. 1-2),

verdadeiramente, os limites e fronteiras tiveram seu batismo como elementos geográficos,

para consolidação dos territórios nacionais, após a criação do Estado-nação, isto é, depois do

esfacelamento do sistema feudal e o fortalecimento do capitalismo decorrente da nomeada

‘paz de Vestefalia’1

2.2 – Fronteiras e Limites

Fundamentados em tais razões, a fronteira e o limite passaram a exercer funções

singulares na vida das nações, como elementos definidores dos territórios dos Estados

nacionais, além de suas essenciais funções de diplomaciar a boa vizinhança entre países.

A imaginação criadora do estudo de fronteira, pelas diferentes correntes do

pensamento geográfico, tem ensejado dificuldades robustas, para percorrer a distância

conceito-real, na intenção de conhecer e entender, para analisar, o alcance de sua

complexidade estrutural como elemento no espaço territorial. A sucessão incontável de

proposições conceituais para a palavra fronteira, na arena acadêmica, tem levado o debate

1 Paz de Vestfália é freqüentemente apontada como o marco da diplomacia moderna, pois deu início ao sistema

moderno do Estado nação - a primeira vez em que se reconheceu a soberania de cada um dos Estados

envolvidos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Paz_de_Vestf%C3%A1lia)

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teórico à multiplicidade de idéias e conseqüente diversidade de entendimento. O próprio

termo fronteira tem adquirido variações de forma que transtornam sua natural aplicação

conforme Machado (1998, p. 42): “Mais recentemente, vemos o uso metafórico da palavra em

textos que tratam da revolução tecnológica”. E complementa Costa (2009, p. 66): “Faz-se uso

desse termo para descrever e representar vários elementos geográficos, ou não, já que o

mesmo faz alusão ao distante, ao desconhecido”.

Vinda do latim frons, e com indicativo inicial de território situado em frente, às

margens, a palavra fronteira, como limite político entre os estados nacionais, efetivou-se com

Friedrich Ratzel fundador da geografia política. “Para Ratzel, a concepção de fronteira é

orgânica. É a periferia do Estado-organismo vivo, o invólucro ‘plástico’ que o Estado ocupa e

nele se desenvolve. É o mesmo Ratzel quem diz que as fronteiras são zonas, expressões dos

movimentos dos povos” (MATTOS, 1975, p. 28). E aduz Raffestin (2005, p.12), referindo-se

à fronteira: “e a história não pode ser interpretada sem ela, pois as sociedades foram sempre

definidas pelas fronteiras que elas traçaram. Elas acompanham os movimentos dos povos e

marcam as grandes viradas das transformações das civilizações”.

Partindo de uma concepção epistemológica conceitua Nogueira (2007, p. 29):

A origem da palavra fronteira é ‘derivada do antigo latim ‘fronteria’ ou

‘frontaria’, e indicava inicialmente a parte do território situado ‘in fronte,’ ou

seja, nas margens, consignando portanto uma qualidade e não uma entidade. Michel Foucher, mais recentemente, vai dizer que a origem do nome

fronteira deriva de front, la ligne de front, ou seja, da guerra.

À luz desse entendimento é concebível compreender a relação que se estabelece entre

fronteira e território. A fronteira quando considerada é diretamente referida ao território, seu

ordenamento, suas relações de poder. Quanto às relações de poder, Souza (2009, p. 66)

argumenta ser o território uma dimensão do espaço social, dependente da dimensão material

do espaço e conclui: “O poder é uma relação social (ou, antes, uma dimensão das relações

sociais), e o território é a expressão espacial disso”.

Fica claro ser o território uma projeção espacial do poder; apesar de não ser concebível

a existência de território sem estrutura material, espaço, eles não se separam e não são

sinônimos conforme expõe Raffestin (2009, p. 26) “Espaço e território não são termos

equivalentes nem sinônimos [...] território [...] é gerado a partir do espaço”.

A fronteira constitui a área estremenha a um centro, como envoltório de espaço-

território e, como tal, confrontante com estruturas semelhantes em opostas condições

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espaciais. Disso decorre ser a fronteira fator de fertilizadas discussões; e por ser o território a

expressão espacial do poder, é nele onde a diferença da ‘dimensão das relações sociais’, isto

é, dos poderes, se processa, com maior intensidade, num contínuo espaço-temporal, ensejando

o choque entre contrários à fecundação de novas realidades. O território é uma categoria

geográfica da mais ampla importância e sobre ele Costa (2009, p. 62) destaca:

O território é entendido [...] como um espaço delimitado por e a partir de relações de poder, cujas materialidades são reflexos das imaterialidades e das

ações territoriais dos agentes e atores do espaço. Pressupõe um espaço físico

dotado de recursos naturais e materiais delimitados política ou culturalmente.

Desse entendimento é possível concluir que a fronteira pode existir como fato material

ou imaterial, como linha ou zona e como fator de informação. A fronteira material decorre da

razão de a natureza ter sido o provedor do homem, desde sua condição primária, não social,

até seu estágio de homem social para, em cooperação com outros homens, retirar da natureza

os elementos necessários à sua sobrevivência e reprodução pela ação do trabalho. Este

processo de trabalho, relação homem/meio, ensejou ao homem aprender e apreender a

natureza pela ação continuada sobre ela, e entende-la para produzir espaço. E Santos (2008c,

p. 96) ensina:

O homem é ativo. A ação que realiza sobre o meio que o rodeia, para suprir

as condições necessárias à manutenção da espécie, chama-se ação humana. Toda ação humana é trabalho e todo trabalho é trabalho geográfico. [...]

viver, para o homem é produzir espaço. Como o homem não vive sem

trabalho, o processo de vida é um processo de criação do espaço geográfico.

Disso é possível evidenciar que, nascido do espaço geográfico, o território é produto

da sociedade que o forma através da prática social. Esta sociedade detentora de poder

hegemônico estabelece a fronteira material de seu domínio, determina limites, cria normas e

leis e linhas divisórias de seu espaço confrontante, em cartografia, para separar os seus dos

outros.

A fronteira não material é a outra face da fronteira material. É a banda intangível,

subjacente da estrutura limitante. A fronteira imaterial emana das mais recônditas raízes do

processo histórico social, do conjunto, língua, costumes, ritos, mitos, crenças e etnia,

formador substantivo da cultura das sociedades fronteiriças. A fronteira imaterial é abstração,

é cultura. A cultura é a força etérea que primazia o andamento sustentado das características

específicas dos povos.

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A fronteira imaterial é conteúdo de magias, zona nodal de mistérios que promove a

dinâmica de aproximar ou afastar os de cá dos de lá pela força expressiva das diferenças

culturais, condicionadas às variáveis econômicas e tecnológicas da região. “A fronteira é, a

um só tempo, área de separação e aproximação, linha de barreira e espaço polarizador. É,

sobretudo, um espaço de tensões, de coexistência das diferenças e do estabelecimento de

novas realidades socioculturais [...]” (CASTELLO, 1995, apud RADDATZ, 2004, p. 4).

Proceder a uma análise da existência de fronteira como linha ou zona exige um

deslocamento de abordagem de uma concepção linear para uma concepção de área.

A idéia de linha reporta à noção de separação, divisória, limite. A linha que faz a

separação entre os territórios dos estados soberanos recebe a denominação de limite conforme

Machado (internet- 25/04/10) “O limite jurídico do território é uma abstração gerada e

sustentada pela ação institucional no sentido de controle efetivo do Estado territorial”.

Quando a abordagem é sobre zona, a concepção de fronteira fica referida à área, o

espaço, com denominação própria e condições plenas de interação (MACHADO et al., 2005,

p. 95).

O conceito de zona de fronteira aponta para um espaço de interação, uma

paisagem específica, um espaço social transitivo, composto por diferenças oriundas da presença do limite internacional, e por fluxos e interações

transfronteiriças, cuja territorialidade mais evoluída é a das cidades-gêmeas.

Produto de processos e interações econômicas, culturais e políticas, tanto

espontâneas como promovidas, a zona de fronteira é o espaço-teste de políticas públicas de integração e cooperação, espaço-exemplo das

diferenças de expectativas e transações do local e do internacional, e espaço-

limite do desejo de homogeneizar a geografia dos Estados nacionais.

A fronteira pode ser compreendida como informação quando tomar o sentido de criar

e organizar elementos espaciais. Na formação do espaço geográfico participam múltiplos

elementos, materiais e imateriais, que numa evolução diacrônica atingem um estágio de

organização social, capaz de criar soberania e definir fronteiras políticas que determinam os

limites de seus territórios. A fronteira então formada, espacialmente organizada, abriga a

sociedade criada e a estrutura como fator importante de informação.

Cataia (2007, p. 12) referindo-se à informação explica:

A etimologia do vocábulo informação deriva da palavra informar, que

significa colocar em forma, dar uma forma ou um aspecto, formar, criar. A informação pode ser compreendida como algo que pode ser colocado em

forma, colocado em ordem. [...] a informação implica no ordenamento de

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elementos ou partes de um sistema mais amplo. A informação expressa a

organização das partes de um sistema.

Para Santos (apud CATAIA (2007, p. 12) “Dizer que a fronteira é informação

significa dizer que ela porta uma ação social e que justamente por isso ela condiciona a

sociedade que a criou.”

O termo fronteira tem aportado confusão conceitual em decorrência da multiplicidade

de seu uso em campos disciplinares diversos. Isto tem ensejado o aparecimento de

significações múltiplas para o verbete, traduzindo dificuldades à compreensão das idéias nela

contidas, principalmente, quando se trata da necessidade de entendimento claro em

determinados temas como o de fronteiras internacionais.

Muitos autores consideram e usam os termos fronteira e limite como sinônimos. Tal

procedimento acarreta um conjunto de incertezas, quando se necessita trabalhar estes temas

no intento de saber a abrangência real de seus significados e funções. Góes Filho (2001, p. 7)

nos acode com a explicação: “Fronteira, limites, raias, lindes, divisas são aqui consideradas

sinônimos; em trabalhos técnicos, fronteira é a faixa de terra – zona pioneira em vários casos

– e os outros vocábulos, linha divisória.” Portanto, os vocábulos limites, raias, lindes, divisas

se referem à linha divisória dos territórios dos Estados nacionais. Em seu trabalho o autor usa

os termos como sinônimos, mas aclara para seu uso em trabalhos técnicos. Raffestin, de igual

modo, também o faz conforme afirmação de Steiman e Machado (2002, p. 6).

Contrariamente, autores existem que demonstram diferenças argumentadas para os dois

termos, destacando-se entre eles Machado (1998, p. 1-2).

As diferenças são essenciais. A fronteira está orientada ‘para fora’ (forças

centrifugas), enquanto os limites estão orientados ‘para dentro’ (forças

centrípetas). Enquanto a fronteira è considerada uma fonte de perigo ou

ameaça porque pode desenvolver interesses distintos ao do governo central, o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo central, não

tendo vida própria e nem mesmo existência material, é um polígono. O

chamado ‘marco de fronteira’ é na verdade um símbolo visível do limite. Visto desta forma, o limite não está ligado a presença de gente, sendo uma

abstração, generalizada na lei nacional, sujeita às leis internacionais, mas

distantes, freqüentemente, dos desejos e aspirações dos habitantes da fronteira. Por isso mesmo, a fronteira é objeto permanente da preocupação

dos estados no sentido de controle e vinculação. Por outro lado, enquanto a

fronteira pode ser um fator de integração, na medida em que for uma zona

de interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa

unidades políticas soberanas e permanece como um obstáculo fixo, não

importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais. (grifo do autor)

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E com semelhante propriedade esclarece Krukoski (internet – 04/07/10)

Uma fronteira não é um parágrafo de um Tratado, nem uma linha num mapa,

mas uma estrutura complexa e funcional na face da terra. Devemos desde logo distinguir dois termos, muitas vezes impropriamente usados como

sinônimos: Fronteira e Limite. O termo ‘Fronteira’ é mais abrangente e se

refere a uma região ou faixa, enquanto que o termo Limite está ligado a uma concepção precisa, linear e perfeitamente definida no terreno. (grifo do

autor).

Neste andamento, tudo parece ter sido iniciado com a preocupação de exaltar uma

classificação das fronteiras. Na literatura sobre limites e fronteiras internacionais são

encontradas copiosas classificações para diferenciar as fronteiras-limites, através de suas

peculiaridades. A privilegiada pela geografia clássica é “a classificação das fronteiras em

naturais e artificiais,” fruto dos trabalhos de Lord Cuzon of Kedleton, em 1907 (STEIMAN,

MACHADO, 2002, p. 1).

Curzon destacou a importância das fronteiras em “um dos mais amplos e metódicos

estudos dos princípios que regulam a formação das lindes entre os Estados” (MATTOS,

1975, p. 23).

A classificação das fronteiras tem motivado discussões constantes e continuadas entre

pesquisadores, em decorrência de confrontos de opiniões sobre os tipos de fronteiras-limites.

Steiman e Machado (2002, p. 1) externam uma opinião esclarecedora para o problema:

O que parece ser um traço comum a todas as classificações (naturais e artificiais, boas e más, lineares e zonais, etc) é o intuito de determinar a

superioridade de um determinado conceito de fronteira sobre outros, uma

superioridade claramente relacionada à função que o autor atribui à fronteira.

E ilustram com Holdich (1916) e Lyde (1915) sobre a escolha de montanhas e rios

como limites políticos para a paz entre as nações da Europa. O confronto prolongou-se por

mais de cem anos; as montanhas ficaram conceituadas como elementos separadores e os rios

como fatores de integração pacífica internacional, além das primeiras terem perdido sua

importância, após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência do avanço tecnológico da

aviação.

Mas, o entendimento de fronteira ainda se apresenta com tipologias diversas como

além das referidas: vivas/mortas, políticas/econômicas, percebidas/vividas, externas/internas.

De toda essa busca de conceitos sobre fronteiras duas concepções se tornam relevantes: a

política e a econômica.

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A fronteira política nasce com a necessidade dos povos de definir seus espaços,

através da colocação de linhas divisórias, entre seus territórios e os de seus vizinhos de

margens, conforme sua condição de soberania e poder, consolidada após o advento do Estado-

nação.

Sobre ela declina Cataia (2007, p. 7): “As fronteiras políticas são formas assumidas

pelos limites que, cristalizadas no território, são a expressão da relação que o homem mantém

com os outros homens por meio do território. A fronteira política é um dos tipos de limites

impostos às atividades humanas”.

Em decorrência do avanço científico e tecnológico as tendências políticas e

econômicas do mundo estão provocando mudanças na geografia política, com notórias

possibilidades de provocar alterações no conceito do Estado nacional, pela força da

globalização. A ação global do mercado mundial alimentado pela proliferação de

organizações internacionais e transnacionais, mercados comuns e outros, tem forçado a

integridade das fronteiras políticas nacionais com o objetivo de criar facilidades de fluxos de

mercado, capaz de gerar informalidade no controle mercantil internacional, transformando a

fronteira política em livre fronteira econômica, e Nogueira (2007, p. 30) ratifica:

Desse modo, percebe-se que o conceito de fronteira política nos últimos anos

vem sendo posto em questão justamente pela pressão exercida pela

economia, que força a liberdade de movimento de determinados fatores, principalmente mercadorias e capitais. Isto seria o resultado das mudanças

inerentes ao próprio estado-nacional para ajustar-se ao mundo globalizado.

Além de forçar a criação de condições especiais, internas, para fomentar o lucro

desmedido do mercado capitalista, a globalização aventura-se à pregação da eliminação das

fronteiras do Estado-nacional, numa aventura sem precedentes na história econômica do

mundo. A referência midiática sobre a fronteira é de um nível cultural tão ínfimo e excurso

que causa espanto até para os ausentes do conhecimento geográfico. Os alardes, que fazem das

qualidades negativas da fronteira, são infundados, inconseqüentes e se dissolvem nas razões

conceituais expressas por Oliveira (2007, p. 1): “A fronteira sintetiza matizes, emoções, e

cristaliza todo um conjunto de fatores: culturais, sociais, econômicos, políticos, físicos, etc.,

situando possibilidades de múltiplas leituras na sua funcionalização”.

A fronteira é decorrente de uma ordem emanada de um poder soberano e sua exclusão

pode representar a ausência da paz entre os povos, por tentar contra a integridade do Estado

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Nacional. E sobre o assunto disse Lord Curzon em conferência sobre Fronteiras, Oxford, 1907

(apud MATTOS, 1975, p. 23):

Embora as fronteiras sejam a principal preocupação de quase todas as

chancelarias e o tema principal de quatro em cinco tratados políticos, e tenha, o mais profundo efeito sobre a paz e a guerra entre as nações que

qualquer outro fator, político ou econômico, não há uma só obra, em

qualquer idioma, que se destine a tratar do tema em conjunto.

Finalmente Raffestin (2005, p. 9) nomeia o assunto como o “O mito da eliminação

das fronteiras nacionais” e em corolário geográfico comprova que,

[...] mais do que um fato geográfico e um fato social, a fronteira é um fato biológico incrustado no hipotálamo. Espaço-temporal, a fronteira é também

bio-social: ela delimita um ‘para cá’ e outro ‘para lá’, um ‘antes’ e um

depois, com um limite marcado e uma área de segurança [...]. Ela é a expressão de um equilíbrio dinâmico que não se encontra somente no

sistema territorial, mais em todos os sistemas biossociais. (RAFFESTIN,

2005, p.11-13).

A Fronteira é moradia de diferenças, é arcabouço de complexidade, abrigo de limite,

delineadora de espaço-poder entre os Estados territoriais. Ela abriga o limite, mas dele se

diferencia pela expansividade sócio-econômico-cultural.

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3 – TRATADO DE TORDESILHAS

O Tratado de Tordesilhas, assim denominado por ter sido assinado no burgo espanhol

homônimo, foi um acordo firmado entre os soberanos de Portugal e Espanha, em 7 de junho

de 1494, para definir a partilha do chamado Novo Mundo, descoberto por Cristovão

Colombo, em 1492, entre as respectivas coroas, por uma raia distante trezentas e setenta

léguas a oeste de uma ilha do arquipélago de Cabo Verde (FIGURA 1).

FIGURA 1 - Mapa apresentando o meridiano de Tordesilhas.

Fonte: www.historiabrasileira.com/brasil-pre-colonial/tratado-de-tordesilhas

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3.1 – Antecedentes

Nenhum ato se torna possível de entendimento sem a busca dos elementos formadores

do seu processo histórico. O caso em questão, o Tratado de Tordesilhas, exige uma análise do

processo histórico de Portugal e Espanha para identificar o causante da necessidade da

produção de ato político-diplomático tão complexo como o de dividir o mundo em dois

hemisférios por hipóteses geográficas sem precedentes.

A posição geográfica de Portugal demonstra com certa clareza o seu isolamento do

Mar Mediterrâneo e a tendência natural para buscar se expandir pelo Atlântico. Tendo solo e

clima desfavoráveis para a prática agrícola, mas compensado por extensos rios navegáveis

com portos de bons calados dirigidos para o Atlântico.

Os rios, com fluxo para o mar, ensejaram o surgimento de importantes cidades às suas

margens, o que obrigou o povo português a voltar-se para o oeste e para o sul; para oeste o

mar tenebroso e ameaçador, para o sul o continente africano impenetrável, na concepção

européia.

Para ambos os lados a opção era enfrentar os perigos do mar ameaçador. Era descobrir

os segredos de navegar para buscar, em páramos distantes, produtos de subsistência, fazer

comércio e conhecer a fronteira do desconhecido, alimentados pela coragem de navegar,

concernente o entendimento de Boorstin (1989, p. 151): “Entre os mais encorajados foram os

navegadores de Portugal, a quem a geografia determinará o seu papel na história. Na orla mais

ocidental da Península Ibérica, a nação estabeleceu as suas fronteiras modernas muito cedo,

em meados do século XIII”.

Empurrados para o mar, fizeram dele o campo fértil para colher alimentos e iniciaram

sua primeira atividade econômica pela pesca marítima. Começaram por exercitar o trabalho

na orla costeira, mas conforme foram adquirindo intimidade com o mar, conhecendo suas

surpresas e melhorando as formas e estruturas de suas embarcações, o conhecimento dos

ventos e correntes marítimas, puderam buscar pontos mais distantes da costa e lançarem-se

cada vez mais ao distante, ao desconhecido com melhores resultados da pesca. Esta atividade

pesqueira foi duradoura e de grande valia para a economia da Coroa e assegurou o

povoamento da costa marítima portuguesa. “Assim, conforme registrou Oliveira Martins,

desde o Século XII ao XVI as pescarias crescem, e nas costas portuguesas formigam as

colônias de pescadores” (VIANNA, 1961, p. 23).

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O crescimento da pesca foi exigindo, cada vez mais, a necessidade de produzir e

aperfeiçoar barcos e instrumentos para navegação, o que ensejou um projeto com apoio oficial

para desenvolver a marinha mercante: “ao tempo de D. Fernando I, conforme documentou a

Crônica de Fernão Lopes, incentivou-se a construção naval, mediante a isenção de impostos e

concessão de vantagens e garantias aos armadores” (VIANNA, 1961, p. 24). Estas medidas

favoreceram o comércio de Portugal com exportação de produtos agrícolas e importação de

tecidos e manufaturados. O crescimento mercantil, pela navegação, ensejou o aumento das

rendas alfandegárias e fortificou o erário português, proporcionando-lhe condições para idear

projetos náuticos mais avançados, modernos, com vistas a uma política de poder marítimo.

A navegação do mundo europeu se concentrava no Mar Mediterrâneo desde a época

dos fenícios, atendendo ao comércio das repúblicas italianas de Genova e Veneza (GOES

FILHO, 2001, p. 13) com os portos do Levante, receptor das especiarias das índias, pela rota

da seda (BOORSTIN, 1989, p. 124). “Fenicios y griegos caem como un enjambre sobre las

costas del Mediterráneo [...] los fenícios llevan sus factorías a la costa del Marruecos” [...]

(DECHAMPS, 1971, p. 7). Pouco se sabia e pouco se interessava pelos desafios do Mar

Oceana (Oceano Atlântico), buscando somente aperfeiçoar e intensificar a talassocracia

mediterrânea com os mapas portolanos. “[...] os mapas que indicavam as rotas entre os portos

do Mediterrâneo, na verdade os primeiros mapas náuticos da história,” conforme (GOES

FILHO, 2001, p. 35).

Quando D. João I de Portugal resolveu fazer uma cruzada contra Ceuta, em 1415, teve

que diligenciar a construção de uma frota para tal intento. Seu filho D. Henrique foi

incumbido de estruturar a indústria naval portuguesa para projetar e executar a construção de

barcos encouraçados e artilhados, projetados para invadir o Marrocos. Apesar de ter apenas 19

anos, D. Henrique, depois cognominado o Navegador, sediado ao norte, na cidade do Porto,

durante dois anos de trabalho, concluiu o projeto e comandou a frota para, com eficácia,

executar o ataque planejado. Ceuta foi avassalada e saqueada pelas tropas portuguesas e

Boorstin (1989, p. 155.) notifica: “Esta ocasião deu ao Infante D. Henrique o primeiro

vislumbre ofuscante da riqueza que havia escondida na África”. Os marroquinos

concentravam em Ceuta, fortificação mulçumana do lado africano oposto a Gibraltar, um

grande núcleo comercial, receptáculo dos produtos trazidos do sul da África e das Índias, no

Oriente, e distribuídos para a Europa. Os europeus desconheciam os caminhos e métodos

usados por eles para conseguirem o abastecimento de metais, tapetes persas e especiarias.

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De volta a Ceuta para acompanhamento e controle das terras conquistadas D.

Henrique verificou o arrefecimento do comércio local, causado pelo cristianismo implantado

pela cruzada. O fato afastou as caravanas de mercadores e Ceuta, esvaziada, sem fluxo

comercial, representava perda econômica para o erário português. Buscador de desafios, o

Príncipe Navegador garimpou histórias, lendas, realidades para inferir a origem e os caminhos

dos tesouros que enriqueciam Ceuta. Estas informações alaram suas idéias e esperanças, para

buscar caminhos novos para as Índias.

Depois de sua atuação na África preparou uma esquadra para conquistar Gibraltar;

neutralizado pelo rei D. João I, seu pai, aborrecido, afastou-se da corte, isolando-se no Cabo

de São Vicente, ponto mais extremo do sudoeste da Europa. Fora das azáfamas do governo,

D. Henrique intensificou suas reflexões sobre a necessidade de estruturar um núcleo de

estudos para desenvolver a indústria naval e a ciência de marinhar, com métodos modernos e

eficientes, congregando, em Sagres, os valores materiais, técnicos e humanos, necessários ao

cimento da idéia de buscar, conhecer, entender e desmitizar, na vastidão do Mar Oceano, os

segredos do além conhecido.

Tarefa árdua para um país de sofrível estrutura econômica. Estava diante de uma só

decisão: fazer o impossível com o possível; gerenciar o pouco para produzir o muito. O muito,

o desafio de enfrentar o mar, conhecer seus segredos, aperfeiçoar os meios de marinhar para

descobrir caminhos e explorar riquezas adormecidas na África e existente em horizontes

alhures. A condição primeira para caminhar objetivo tão avultado era estar Portugal unido, em

plena tranqüilidade civil; e a segunda condição era que: “[...] Portugal precisava de um

dirigente – alguém que unisse as pessoas, que organizasse os recursos, que apontasse o

caminho” (BOORSTIN, 1989, p. 153).

D. Henrique o Navegador, dedicado à matemática e à astronomia, praticante da ciência

do mar, sensível às grandes idéias, fascinado pelo desconhecido, e ainda, “[...] por ser Grão-

Mestre da Ordem de Cristo, que tinha então o monopólio dos descobrimentos e seus

benefícios” (GÓES FILHO, 2001, p. 72), conjugava as qualidades suficientes para organizar e

dirigir os interesses marítimos e comerciais da Coroa portuguesa.

E assim correspondeu. Transformou Sagres no maior centro de pesquisa náutica do

atlântico, através da contratação dos mais renomados geógrafos, cartógrafos, pilotos de

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experiências portolanas, matemáticos e mestres de ofícios capazes de aprimorar a construção

naval com a produção de barcos, como a caravela,2 equipadas com apropriados equipamentos

de navegação, para realizar viagens de ida e volta, em longas distâncias, para conquistar novas

terras, num trabalho de acumulação progressiva de conhecimentos capaz de estruturar uma

empresa moderna de descobrimentos marítimos. E abona Calógeras (1972, p. 5):

[...] o infante D. Henrique começou a dirigir soberanamente toda a expansão marítima da marcha do comércio do reino, de seu ninho feudal de Sagres,

escola naval de aprendizado, centro de instrução náutica e de ciência

geográfica, promontório onde assentou o facho de energia e de luz que aclarou o Atlântico inteiro.

Portugal, sem co-participação na navegação e no comércio do mar Mediterrâneo, a ele

ligado apenas pelo estreito de Gibraltar, tinha sua fronteira definida pela geografia que lhe

dava apenas o mar por possibilidades; restava-lhe a mente por norte, o desconhecido por

patrimônio e por objetivo, a intrepidez para descobrir e explora o desconhecido. O desafio

exigia método, recursos, tempo e uma vontade nacional e, isto foi feito sem perda de tempo.

Os navegadores, a serviço de D. Henrique, procederam ao reconhecimento da costa e

conseguiram descobrir e vencer os mitos dos cabos Borjador, 1434, o cabo Branco e o cabo

Verde; conheceram o golfo da Guiné e se assenhorearam dos arquipélagos da Madeira, dos

Açores e Cabo Verde. D. Henrique “dominou o processo de descobrimento até sua morte, em

1460” (GOES FILHO, 2001, p. 71).

D. João II deu prosseguimento ao desenvolvimento do poder marítimo português,

coadunando seu governo às diretrizes estabelecidas pelo seu precursor de Sagres. Havia um

projeto de pesquisa e realizações fundado num objetivo de construção nacional, detidamente

estudado e metodizado, para expandir as fronteiras lusitanas através de um projeto naval sem

precedente na Europa, como testemunha Calógeras (1972. p. 5) “De 1415 a 1495, durante

oitenta anos, portanto não variaram alvos e métodos.” O alvo era explorar o desconhecido

para descobrir riquezas, fortalecer o comércio e aumentar o poder da Coroa.

Conhecido desde a antiguidade, o Arquipélago das Canárias ensejou arengas severas

entre os reis de Castela e Portugal. A posse das ilhas Canárias ficou com Espanha, pelo

Tratado de Alcáçova, 1479, e por ele Portugal passou a ter direito a todas as terras descobertas

ao sul desse arquipélago e por toda costa da África e às Índias.

2 “Os empreendimentos marítimos africanos do Infante D. Henrique demonstrariam que a caravela tinha uma capacidade crucial, e sem precedentes para regressar ao lugar de partida.” Boorstin (1989. p.158).

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Enquanto os portugueses prosseguiam na tentativa de contornar o continente africano,

o navegador Cristovão Colombo procurava, junto ao rei de Portugal, apoio para desenvolver

um projeto que buscava um caminho para as Índias navegando para ocidente. Justamente,

quando buscou D. João II, pela segunda tentativa, o momento não lhe foi dos melhores porque

coincidiu com a chegada, a Portugal, de Bartolomeu Dias, 1488, com a comunicação de haver

contornado o cabo da Boa Esperança e encontrado uma passagem livre para as Índias,

consoante Boorstin (1989, p. 215).

Obstinado no seu plano, não desanimou com a recusa portuguesa e continuou

ensejando oportunidades para ganhar crédito e patrocínio suficientes à realização do projeto.

Quando quase exausto de tentativas frustradas, raia-lhe a esperança com a decisão dos reis de

Espanha de patrocinarem a sua busca das Índias pelo ocidente. Parte Colombo com a sua frota

e descobre o Novo Mundo, em 1492. Ciente da boa nova a Coroa espanhola apressou-se em

diligenciar as medidas cabíveis para assegurar-lhe o direito sobre as terras descobertas. A

autoridade decisória à distribuição de bens temporais entre os povos cristãos era a Santa Sé.

Vianna (1961, p. 29) esclarece:

Acima das nações cristãs colocava-se, na Idade Média, e mesmo no início da

Idade Moderna, a Santa Sé. Constituindo verdadeira autoridade supernacional, sua ascendência moral era reconhecida e proclamada, [...].

Admitia-se, então, que somente à Cúria Romana competia distribuir, entre os

príncipes católicos, a missão cristianizadora [...] em ilhas e terras dos infiéis.

Essa atribuição acarretava, portanto, o reconhecimento da respectiva soberania, sobre as zonas que conquistassem.

Os reis Católicos Fernando e Isabel, de imediato, recorreram ao Papa Alexandre VI,

espanhol de Aragão, que através de quatro bulas concedeu à Espanha todas as terras das

Índias recém descobertas por Colombo. As bulas estabeleciam uma linha vertical, de pólo a

pólo, que passasse a 100 léguas a oeste e sul das ilhas de Açores e Cabo Verde. D. João II, rei

de Portugal, discordando da decisão papal, por entendê-la prejudicial aos domínios de sua

Coroa, mandou missão diplomática à Espanha com proposta de acordar um meridiano de 370

léguas na direção ocidente e sul das referidas ilhas como pertencente à Espanha.

3.2 – Os termos do tratado

Entendida a proposta como pertinente aos interesses da Espanha e de Portugal, e “para

evitar as conseqüências das declarações pontificiais”, a guerra, D. João II de Portugal e

Fernando e Isabel da Espanha assinaram em 7 de junho de 1494, o Tratado de Tordesilhas.

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De acordo com a sua parte essencial, convinham aos reis de Portugal e Espanha em

[...] se fazer e assinalar no dito mar Oceano uma raia ou linha direita de pólo a pólo, a saber, do pólo ártico ao pólo antártico, que é, de norte a sul, a qual raia ou linha se

tenha de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das Ilhas de Cabo

Verde, para a parte do poente, por graus ou por outra maneira, como melhor e mais depressa se possa dar, de modo que não sejam mais, e que tudo o que até aqui se tem

achado e descoberto, e daqui por diante se achar e descobrir pelo dito senhor Rei de

Portugal e por seus navios, assim ilhas como terra firme, desde a dita raia ou linha,

dada na forma acima dita, indo pela parte do levante, dentro da dita raia pela parte do levante, ou ao norte, ou ao sul dela, tanto que não seja atravessando a dita raia, que

isto seja e fique e pertença ao dito senhor Rei de Portugal e aos seus sucessores para

sempre (VIANNA, 1961, p.34) .

Pela primeira vez, soberanos de Estados nacionais secundaram a autoridade papal e

decidiram a posse de descobrimentos pelas próprias soberanias, inaugurando no alvorecer de

um Novo Mundo o nascimento de uma conduta diplomática moderna e independente. O

Tratado de Tordesilhas “será a peça mais importante de nossa história diplomática” no

entendimento de Vianna (1961, p. 35) e Góes Filho (2006 p. 48) abona: “[...] na expressão de

Capistrano de Abreu, “o primeiro ato relevante da diplomacia moderna, porque negociado

entre Estados e não, como era normal na idade média, decidido pelo Papa”, [...] A

determinação do Papa, dividindo o mundo em dois hemisférios, pela linha, distante 100

léguas, a oeste de Cabo Verde, através de bulas absurdas, sem amparo geográfico e científico

contemporâneo, criou para Portugal um problema geopolítico, difícil, que somente ganharia

solução pacífica pelo caminho diplomático das negociações soberanas.

Tratar com a Santa Sé, sempre foi senda pedrenta e insidiosa para os reis, pois os

Papas nem sempre eram corretos e justos, mas políticos e cambiantes, em decisões sérias. E o

exemplo mais robusto de tal desdoiro aportou-se no árbitro de Tordesilhas, sobre quem

registra Boorstin (1989, p. 167-232) “De todos os pontífices que jamais reinaram, Maquiavel

confirmara este Alexandre VI como o que melhor mostrou como um papa podia impor-se

tanto pelo dinheiro como pela força”. As circunstâncias levaram os soberanos, ao descartarem

a submissão à Igreja Católica, à decisão de legarem para a história o exemplo mais sublime de

solução pacífica entre os povos da Europa: o Tratado de Tordesilhas, de 1494; “Nenhum outro

tratado bilateral teve tanta influência na História Universal como este. Concebido para valer

para todos os povos (erga omnes) aspirava a dividir o mundo” (GÓES FILHO, 2001, p. 73).

Ele nasce como limitante de espaço ausente; como meridiano ausente de longitudes;

como limite sem território; como poder no abstrato geográfico. Mas, no tudo do abstrato

espacial-geográfico do acordo, a pertença de Portugal na América de Colombo era concreta,

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advinha do conhecimento da existência de terras a oeste e sul de Cabo Verde, comprovadas

pela proposição, segura, da vertical de Tordesilhas passar a 370 léguas das ilhas do

arquipélago e não a 100 léguas, como infligia a Bula papal. O Tratado de Tordesilhas é o

primeiro símbolo-marco da terra Brasil na América portuguesa.

O contornar do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, em 1488, representa a

descoberta do caminho marítimo para a Índia, pela costa africana, navegando para oriente e

para sul. Este evento histórico, anterior ao feito de Colombo e ao litígio de Tordesilhas,

ensejou o grande feito da viagem de Vasco da Gama, 1497-1499, que chega a Calicute, com

certeza e segurança, inaugurando o grande momento do poder marítimo português. O espaço

de tempo entre os dois eventos, aproximadamente nove anos, pareceu indicativo de certa

calmaria no progresso dos descobrimentos lusitanos, mas, na verdade, o que ocorreu foi, no

dizer de Calógeras (1972, p. 4), “O segredo oficial”. Cônscios de não estarem preparados para

resistirem a golpes de potencias maiores, os reis de Portugal adotaram como estratégia de

defesa o silêncio, o segredo. Esta política deu ensejo a debates históricos de relevância como

o “[...] Duarte Pacheco Pereira, em seu célebre De sito orbis, adianta o surpreendente asserto

de que estivera no Brasil, em 1488, por ordem de D. Manoel” (CALÓGERAS, 1972, p. 6),

portanto antes de Cabral. Vale lembrar que este navegador foi testemunha de Portugal na

assinatura do Tratado de Tordesilhas. Ao contrário de calmarias, o que registra a história é a

ação portuguesa, cada vez mais efetiva, no desejo vivo e ardente de explorar, conhecer e

dominar os segredos dos mundos desconhecidos.

D. Manoel ordena a segunda viagem para as Índias, com rota determinada, e Pedro

Álvares Cabral aporta terras do continente americano e descobre o Brasil, em 1500. Portugal

se concentra na navegação para dominar a rota da Índia, com o objetivo de intensificar o

comércio entre a Europa e o Oriente, então dificultado por múltiplas razões, sendo a mais

robusta delas a invasão turca do oriente próximo, com a queda de Constantinopla, 1453, e

transformando Lisboa no mais movimentado centro comercial da Europa, em detrimento do

monopólio italiano, no Mediterrâneo, liderados por Gênova e Veneza. A afirmação encontra-

se em Góes Filho (2001, p. 73): “Com D. Manoel I vêm as Índias, vêm as grandes naus

carregadas de especiarias e de drogas, vem Lisboa como novo centro do comércio oriental”.

Foi ele, cognominado o Venturoso, o predestinado a colher os resultados da faina heróica,

quase centenária, dos seus antecessores de Aviz.

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As terras descobertas no novo mundo, depois identificado como continente por

Vespúcio, não despertaram interesse, pela Coroa, de investimentos imediatos, porque o

comércio com o oriente estava estruturado em sólidas empresas de navegação e gerando

lucros compensadores para o erário real.

A Espanha dedicou mais atenção às terras descobertas, explorando,

progressivamente, as ilhas já conhecidas e abeirando a área continental, do setentrião para o

sul. Em 1513, Vasco Nunes Balboa, partindo da ilha de São Domingos, chega às colônias

espanholas da costa oriental do Golfo de Darrien, onde o istmo do Panamá faz a soldadura do

continente sul-americano. Recebendo informação dos nativos que, para além das montanhas

do sul, existiam muitas riquezas e um outro mar. Sem mais delonga, preparou uma robusta

caravana e lançou-se a uma longa e perigosa empresa, por caminhos ínvios e perigos de toda

ordem, em busca das riquezas e do mar desconhecido. Depois de 25 dias de viagem sobe a

um cume e vislumbra à distância um oceano. “Balboa chamou-lhe «mar meridional» por uma

razão óbvia. O istmo de Darrien, que acabara de atravessar, corre de leste para oeste. Partindo

do Caribe, Balboa viaja para sul e nesta direção avista pela primeira vez o Pacífico.”

(BOORSTIN, 1989, p. 242). Estava descoberto, o “mar del Sur”, o Grande Oceano, o Oceano

Pacifico.

O período colombiano chega ao fim. Depois de fazer quatro viagens ao “mar do

Caribe ou mar das Caraíbas” e viver a glória de pensar de haver descoberto o caminho das

Índias pelo ocidente, Cristovão Colombo sofreu duros reveses como os de ser preso por

Francisco Bobadilha, acorrentado, embarcado de regresso à Espanha e esquecido pela Corte.

Veio a falecer, em 1506, sem saber que havia descoberto um continente e aberto o caminho da

humanidade para novos horizontes: conforme infere Góes Filho (2001, p. 34): “Não sabia que

descobrira um continente, que iniciara uma nova era” [...].

Os espanhóis intensificaram seus esforços, inicialmente, na posse e exploração das

ilhas caribenhas e foram ocupando a área continental pelas descobertas dos grandes impérios

dos povos pré-espânicos. Posteriormente chegaram ao continente e descobriram o grande e

rico Império Asteca, no hemisfério norte, dominaram o Panamá, módulo central, e em fase

posterior chegaram ao hemisfério sul, onde encontraram o importante Império dos Incas.

O aparente descontentamento da Espanha, após Tordesilhas, com a chegada de Vasco

da Gama a Calicute, em 1498, e o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em

1500, teve duração efêmera conforme relata Góes Filho (2001, p. 47): “Verificado que havia

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um continente no meio do Atlântico, viu-se logo a imensidão das terras que pertenciam à

Espanha e a riqueza dos impérios asteca (1514) e inca (1528) nelas contidas sem falar na

montanha de prata de Potossi (1545), cedo descoberta”.

A Espanha foi recebendo da América, a partir de 1514, um volume de ouro, prata,

pedras preciosas e grande variedade de produtos absorvido pelo mercado europeu. Esta fonte

de riqueza fortificou robustamente, o erário espanhol e transformou a Coroa de Castela na

mais rica da Europa; sobre isto esclarece Mesa et al. (2007, p. 85-86) : “En algo más de médio

siglo el império español dominó un territorio casi veinte veces más grande que el de la

península ibérica, que se prolongaba de norte a sur por más de 10.000 km”.

Para Portugal, como já acima referido, o comércio marítimo com o oriente era de

rentabilidade vantajosa e, por tal motivo, a Coroa portuguesa só se interessou pelas terras do

Brasil na terceira década, depois do descobrimento. Neste período, 1530, o comércio com as

Índias entrava em declínio e, conseqüentemente, os baixos lucros forçam a busca de novas

alternativas.

3.3 – Conseqüências do Tratado

A arrancada de Portugal no objetivo de criar um avançado Poder Marítimo (marinha

de guerra e marinha mercante) ensejou transformações diversificadas e estruturais na política

e economia do mundo europeu do século XV, pelo aperfeiçoamento da construção naval e da

arte de marinhar.

Sem janelas para o mar mediterrâneo, aperfeiçoou caravelas e velas para singrar o mar

tenebroso, oceano Atlântico, desvendar seus segredos, descobrir terras desconhecidas e

vincular à Europa, lendárias culturas e especiarias de alhures, pelos caminhos dos mares.

O mundo conheceu a era dos descobrimentos. E com eles as disputas das terras e das

riquezas pelos Estados nacionais envolvidos. Os caminhos para a solução dos problemas

ensejados eram as guerras ou as negociações diplomáticas através dos tratados. O tratado mais

importante que a Europa e o mundo conheceram foi o Tratado de Tordesilhas que separou a

terra em dois hemisférios e dividiu um continente. Por tais razões, foi, também, o que gerou

importantes conseqüências para a política e a história dos povos.

A decisão das Coroas da Espanha e de Portugal de dividirem as terras descobertas por

Cristovão Colombo, através de tratados diplomáticos, com medições diferentes das exaradas

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na Bula papal, descaracterizou a autoridade da Santa Sé de decidir sobre a partilha de terras

entre Estados soberanos, rompendo com a tradição até então vigente.

A continuidade da política de exploração da costa africana, por Portugal, decorreu da

descoberta do Novo Mundo patrocinada pelos reis de Espanha, porque os soberanos

portugueses não acreditavam nas teorias de Colombo de chegar às Índias pelo ocidente.

“Jayme Cortesão (apud GÓES FILHO, 2001, p. 47) lembra, com razão, que os negociadores

portugueses já em 1494 não acreditavam no que Colombo e os espanhóis então criam

piamente, isto é, que tinham encontrado um caminho mais curto para o Oriente. Se o

fizessem, não teriam assinado o Tratado [...]”.

A descoberta do Oceano Pacífico por Balboa, ao cruzar, por terra, o istmo do Panamá,

em 1513, já referida, anteriormente, por Boorstin (1989, p. 242), ansiou as Coroas luso-

castelhanas a se arrojarem, na imensidão dos mares, para descobrir o estreito da passagem

para oriente, navegando pelo ocidente, conseqüente às idéias de Colombo.

A confirmação, de que as terras do Novo Mundo eram um continente e não somente

algumas ilhas, feita, em 1501, pelo navegante “Américo Vespúcio (apud BOORSTIN, 1989,

p. 234): “Chegamos a uma terra nova que por muitas razões que são enumeradas no que se

segue, verificamos ser um continente.”; e ainda alicerçada por “Souza (apud GÓES FILHO,

2001, p. 63): “Convencido ficou Vespúcio que entre a costa ocidental da Europa e a oriental

da Ásia devia impor-se uma enorme massa de terra, um continente, e que esse devia ser

dobrado na parte sul.”

Este fato foi esclarecedor para os soberanos ibéricos no sentido de que, a solução

diplomática por eles exercida na partilha das terras definidas por Tordesilhas, foi conseqüente,

vantajosa, Real e pacífica. E que o desbravar dos mares ainda era faina para todos e muito

ainda restava para marinhar e descobrir.

A senha de Vespúcio de que o continente «devia ser dobrado na parte sul», detinha

certo fundamento por ter ele navegado toda costa sul-americana, pertencente a Portugal, até as

proximidades da Patagônia e da Terra do Fogo, sem encontrar nenhuma abertura marítima, o

que o levou a concluir: “[...] que se existisse por ali alguma passagem para a Índia teria de ser

mais para ocidente, do lado espanhol da acordada linha de demarcação” (BOORSTIN, 1989,

p. 235). O tempo ratificou sua predição.

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Dois grandes navegadores Cristovão Colombo e Américo Vespúcio com distinguidos

conhecimentos da arte de marinhar, capacitações semelhantes, objetivos iguais, conclusão,

destinos, e glorias diferente.

Colombo, italiano de Gênova, perscrutou a evolução marítima de Portugal, nela

completou o aprendizado portulano do Mediterraneo, aptou-se ao comando das Caravelas e

familiarizou-se com o instrumental de navegação necessário às longas viagens; é possível,

também, que tenha viajado por lugares ainda mais distantes conforme notifica Góes Filho

(2001, p. 24-52) “Na época de Colombo, somente os portugueses sabiam navegar no “mar

oceano,” como era também conhecido o Atlântico.” [...] “Como vimos, Colombo

possivelmente esteve na Islândia e na Guiné, isto é, nos extremos norte e Sul do mundo

conhecido.”

Vespúcio, de destacada família fiorentina, teve caminhos mais fácies para se

enriquecer no adestramento da navegação e dos mares. Ultimou sua capacitação com os

portugueses e navegou por mares distantes. Preparou-se na cartografia e o aprendizado da

astronomia facilitou o processo de determinação das distâncias pela observação dos astros.

Ultimou sua capacitação com os portugueses navegando por mares diferentes o que o tornou

um tripulante disputado “[...] como indica convite de D. Manuel, para que viajasse com os

portugueses” (GOES FILHO, 2001, p. 57).

Ambos objetivaram encontrar um caminho para as Índias, navegando para o ocidente,

isto é, o inverso do projeto português, que era de fazê-lo pelo oriente, contornando o

continente africano. Não conseguiram.

Colombo, à frente (1492), chegou às ilhas do Mar do Caribe e imaginou ter atingido a

massa continental das Índias pelo ocidente. Não chegou a Cataio (a China) ou Cipango (o

Japão) por não ter encontrado a passagem entre mares. Mas descobriu novas terras, outras

culturas, “novo mundo” exuberante de segredos e riquezas.

Vespúcio navegou pela costa das terras descobertas e concluiu que, separando a

Europa da Ásia, existia uma grande massa continental, um novo continente.

Colombo descobriu um novo mundo, conheceu a fama, sofreu a desdita e nunca soube

a importância e o valor dos seus feitos para o mundo. Vespúcio, reconhecido como grande

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navegador viveu a notoriedade e o continente recebeu o nome de América, em sua

homenagem.

Nas opiniões de Adam Smith e Boorstin ambos foram dignos de grandes méritos, pelo

que proporcionaram para a Espanha e Portugal consubstanciado por Vitorino Magalhães

Godinho apud Góes Filho (2001, p. 66) “os pioneiros da grande aventura da descoberta do

globo e criação do mercado em escala mundial.”

Fernando de Magalhães, navegador intrépido e experiente, que teve oportunidade de

explorar as ilhas das especiarias, as Molucas, e aprofundar seus conhecimentos e avaliação

sobre a Ásia, quando navegou na frota de Francisco de Almeida, primeiro vice-rei de Portugal

na Índia (1505-1509).

Malquistado com os portugueses, procurou aproximação com o imperador Carlos V.

da Espanha com o fito de conseguir apoio para novos desafios marítimos.

Tinha conhecimento de que a corte espanhola alimentava grandes esperanças nas

idéias de Colombo de chegar às especiarias navegando para ocidente.

E sabia que, neste tempo, a Coroa espanhola se posicionava com mais empenho na

idéia, alimentada pelas descobertas de Balboa e Vespúcio, pois sabia que a passagem devia

ser buscada pelo extremo meridional da América do Sul.

Consumadas as negociações e aprestada à frota, Fernando de Magalhães comandando

a armada espanhola, singra o Atlântico até o extremo oriental do Brasil. Ruma para sudoeste e

prossegue até alcançar o mar do Sul, onde certamente estaria o estreito da passagem para o

grande Oceano.

Acumulados de conhecimentos geográficos e experiência de marear assentados à

firmeza de caráter, resignação e coragem, exerceu domínio sobre óbices de toda natureza com

astúcia e severidade, e, ainda, facultado pela sorte, fez a travessia do estreito de Magalhães,

1520, e adentrou a vastidão do mar do Sul. Após navegar por mais dois meses em águas

serenas e tranqüilas deu ao mar o nome de oceano Pacífico.

Chegou às Filipinas onde morreu em combate na ilha de Mactan, em 1521. A viagem

teve continuidade “comandada por Juan Sebastián del Cano [...]” que “Em 8 de Setembro de

1522, chegou a Sevilha” (BOORSTIN, 1989, p. 349). Estava completada a primeira viagem

de «circunavegação da terra», feita em uma única jornada.

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O alcance do estreito de Magalhães e do oceano Pacífico representou um dos mais

importantes descobrimentos geográficos, consoante à esfericidade da terra. Até então

ninguém detinha um conhecimentos completo dos mares e dos continentes bem como os

caminhos de suas ligações.

Tudo se manifestava pelo imaginário do meridiano divisor da terra e pouco se detinha

da realidade do continente descoberto em relação às outras três partes do mundo conhecido.

Boorstin (1989, p. 242-43) procura elucidar a importância do projeto naval desempenhado por

Magalhães:

O Tratado de Tordesilhas, como vimos, traça uma linha de demarcação 370

léguas a oeste das ilhas dos Açores e de Cabo Verde, e situa a fronteira do

Novo Mundo a 46º de latitude oeste, passando através da proeminência da América do Sul. [...], a linha mediana atravessava ambos os pólos e percorria

todo o caminho à volta do planeta, do outro lado. Esta mesma linha também

servia, portanto, para separar os domínios de Espanha dos de Portugal na

metade asiática do planeta. [...] Ninguém sabia ainda o que se intrometia entre esta nova quarta parte do Mundo e a Ásia.

Estava deslindado o mistério dos mares. A comunicação das quatro partes do mundo

pelos mares era agora realidade científica a serviço dos povos. A revolução tecnológica iniciada

por Sagres, no século XV, pelos descobrimentos marítimos, muda o comportamento político e

social dos povos pela criação e evolução da economia-mundial capitalista.

Para Alcoforado (2006, p. 20):

A primeira fase da mundialização do capital, decorrente da procura de uma

rota marítima para as Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras

feitorias comerciais européias na Índia, na China e no Japão, e, principalmente, abriu aos conquistadores europeus as terras do Novo Mundo.

Para Adam Smith, esse foi o maior feito da história da humanidade.

A fronteira estabelecida pelo Tratado Tordesilhas, dividiu um continente entre Portugal

e Espanha e unificou os povos pelos caminhos dos mares.

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4 – TRATADO DE MADRID

A diplomacia européia costumava nomear Tratados entre Coroas com títulos alusivos

aos assuntos acordados e firmados. Esta prática, entretanto, não se apresentava, de comum,

nos registros históricos de negociações entre Estados Soberanos.

A tradição era nomear os Acordos com o nome do lugar sediante do ato solene de

ratificação. No caso em pauta, o assunto considerado foi «Tratado de Limites entre Portugal e

Espanha na América do Sul», com o titulo de “TRATADO DE LIMITES DAS

CONQUISTAS ENTRE D. JOÃO V, REY DE PORTUGAL E D. FERNANDO VI, REI DE

ESPANHA [...]” (CORTESÃO, 2006, v.2, p. 361).

Este Tratado consagrou-se como «O TRATADO DE MADRID» por ter sido

ratificado na capital espanhola, Madrid, no dia 13 de janeiro de 1750.

Por ele, as Coroas abdicaram os direitos estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas.

Estabeleceram e ratificaram as condições necessárias para definir os limites territoriais, entre

Espanha e Portugal, na América Meridional.

4.1 – Antecedentes

O desempenho dos portugueses na construção de um projeto naval abrangente, capaz

de ofertar a segurança de navegar no oceano Atlântico, resultou na ligação entre o oriente e o

ocidente e na descoberta de um novo continente, a América, permeante entre a costa ocidental

da Europa e a costa oriental da Ásia.

A descoberta do Novo Mundo por Cristovão Colombo sob os auspícios dos reis da

Espanha, anuída à parcialidade do Papa Alexandre VI, provocou a reação do rei de Portugal

que reivindicou o domínio das terras descobertas.

Por esta época, 1494, a Espanha não desfrutava de condições políticas positivas no

cenário europeu. Administrava problemas diplomáticos com países visinhos e “apenas

recentemente unificada, não queria correr o risco de uma nova guerra com Portugal. Resolveu

transigir com o adversário tradicional e chegou a um acordo [...]” (GÓES FILHO, 2001,

p. 44), que, apesar do nome «Capitulação da Partição do Mar Oceano», consagrou-se na

história com a denominação de Tratado de Tordesilhas.

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Linha imaginária, nunca demarcada, mas que deu a Portugal a garantia de pertença em

terras do Novo Mundo. A descoberta do Brasil, por Pedro Álvares Cabral em 1500, concretiza

a divisão do continente americano entre as Coroas de Espanha e Portugal, vazadas no

meridiano do Acordo.

O vagaroso avanço científico e tecnológico da geografia e da cartografia pela

inexistência de técnicas seguras para determinação das latitudes e, especialmente, das

longitudes, dificultou e atrasou a demarcação dos territórios a leste e a oeste da linha estrema

de Tordesilhas.

A progressiva e lenta ocupação das terras, por espanhóis e portugueses, sem divisa

estabelecida, constituiu-se em fator gerador de conflitos, por além de um quarto de milênio, e

que exigiu das diplomacias ibéricas estudos, trabalhos e talentos capazes de atingir um

patamar de negociação e partilha compensador para as duas Coroas.

Colombo quando recebeu o apoio dos reis de Espanha para proceder sua viagem

descobridora foi-lhe prometido, entre outras coisas, ser o governador das terras e ilhas que

descobrisse.

Assim procedeu e procurou tomar posse e administrar as ilhas descobertas nas duas

primeiras viagens. Góes Filho (2001, p. 31) nomeia as ilhas encontradas por Colombo na

ordem seguinte: “Na primeira, [...] já havia conhecido várias ilhas das Bahamas [...] e duas

Grandes Antilhas, Cuba (Joana) e Haiti (Ispaniola). Na segunda, [...] identificou Dominica,

Guadalupe e outras Pequenas Antilhas, Porto Rico, e Jamaica e fundou, ademais, Isabela o

primeiro núcleo urbano das Américas.”; para continuar as viagens, deixou seus irmãos

governando as ilhas que já contavam com pessoas atuando na agricultura.

Destas, sobressai um personagem, Vasco Nunes Balboa, 1513, que vai se destacar na

história por dois grandes feitos: a descoberta do oceano Pacífico, já referida, e de ouro e

pérolas no istmo do Panamá, conforme Boorstin (1989, p. 242) “[...] no caminho de regresso

através do istmo, tribos índias amigas ou assustadas presenteiam-no com 240 pérolas

escolhidas e quatro arráteis de outras de menor qualidade, juntamente com 614 pesos de

ouro.”

Este acontecimento inicia uma fase muito importante para a Coroa da Espanha que é a

revelação da existência de grandes jazidas de metais preciosos em suas terras da América.

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A expansão da América espanhola chega ao império asteca, ao norte, pela ação

guerreira de Hernán Cortés, em 1519, e ao império incaico, ao sul, pela ação destruidora de

Francisco Pizarro, em 1532.

A conquista e domínio desses impérios de ricas e desenvolvidas civilizações pré-

colombianas, renderam à Espanha um enriquecimento rápido e progressivo pela exploração

das inesgotáveis jazidas de minerais preciosos, especialmente ouro e prata, retirados de suas

minas.

A Espanha ao clarear o século XVI não estava em alta atividade no comércio marítimo

com as Índias. Sabia que era uma nação poderosa pelas vastas extensões de terra que possuía

no além mar, e que a melhor política para a Coroa seria administrar bem suas colônias, colher

frutos valiosos das riquezas nelas existentes, para fortificar e consolidar suas finanças. O fato

de haver iniciado a gestão exploratória da sua faixa tordesilhana do continente, tão de

imediato ao descobrimento, é asseverante deste propósito.

Com razão nestas considerações e buscando o rumo norte do objetivo do trabalho

vamos focar, com maior realce, o estudo da América espanhola austral, palco do desenrolar

histórico da formação dos territórios ibéricos da América meridional.

4.2 – América Meridional e o Império Tiahuanaco

É do devassamento e povoamento do triângulo geográfico Andes, Amazônia e Prata

que surgirão, arrastando-se por mais de dois séculos, os mais acirrados conflitos diplomáticos,

entre portugueses e espanhóis, na busca dos fatores geopolíticos suficientes para acordar os

limites definitivos de suas possessões.

A cordilheira dos Andes é o conjunto de montanhas, centrado na América do Sul,

paralelo à costa do Oceano Pacífico, com caracteres geográficos diversos em seu relevo.

Abriga picos culminantes, isolados ou em cordões, com suas neves eternas, altiplanuras, lago,

rios, vales, mesetas, e subsolo abundante em minerais preciosos.

Esta região foi berço das mais avançadas culturas pré-espanholas do continente

americano. Muitos povos se assentaram no altiplano da bacia lacustre do Titicaca e aí

começam a fazer uso da terra pelo desenvolvimento da agricultura, da cerâmica, dos tecidos,

do uso da força animal no trabalho e criação das primeiras aldeias, conforme abona Camargo

(2006, p. 31):

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Tal padrão de ocupação territorial empresta o nome ao período seguinte

intitulado de Aldeão ou Formativo, no qual se encontram as raízes das

chamadas altas culturas andinas, a Civilização de Tiahuanaco e o Império Inca. Estendendo-se de 1.500 A.C. a 200 D.C., aproximadamente, o período

Aldeão distingue-se pelo domínio de técnicas de metalurgia e pela utilização

progressiva de artefatos de cobre por parte de suas principais culturas,

Chiripa, Pucara e Wankarani. [...] A essas três culturas correspondem as primeiras aglomerações estáveis documentadas nos Andes, [...] reflexo da

realidade agrária e pastoril que passa a prevalecer no mundo andino e

arautos da dimensão urbana que caracterizará Tiahuanaco e, posteriormente,

o Império Inca.

O conhecimento sobre as primeiras civilizações que viveram na Meseta Andina e na

bacia lacustre do Titicaca provieram dos estudos e pesquisas arqueológicas, lingüísticas e

antropológicas. E Zeballa (1954, p. 23-24) ao prestar essas informações assevera que as

civilizações mais antigas foram as Collas e Aymaras y Tiahuanaco:

Los collas [...] una gran raza que habitó el Altiplano [...] tuvieron su origen

en una de las islas del Gran Lago. [...] Los collas fisonomizan una

civilización [...]. Primitivamente habitaron solo los aledanos del Gran Lago, alcanzaron a extenderse a la cuenca amazónica y platense [...] por el norte a

Venezuela y por el Sur a la Rep. Argentina. [...] Sucedieron a los collas los

aymaras [...] Heredaron las instituiciones collas [...] tanto e el religioso,

como en lo agrário, social y político. [...] sudividiron la tierra [...] en comunidades agrárias. Después de un gran esplendor, con idioma el más

rico, con una organización admirable, y el gran apogeo de Tiahuanaco [...].

Todas elas assentadas em territórios diversos, com formações aldeãs e autônomas, não

lograram nível de desenvolvimento amplo por ausência da noção de interação entre os grupos.

Com economias isoladas, divisão dispersa de trabalho, ausência de comercialização regional,

permanecera sem condições de melhoria dos recursos humanos e materiais, favoráveis a

produção agrícola, suficiente para proporcionar melhores condições de vida.

Por volta do século II a.C. surge, na parte sul do Lago Titicaca, uma concentração

humana, inicialmente de caráter religioso, mas que, num contínuo, evolui para uma

estruturação urbana organizada que enseja o aparecimento da cidade de Tiahuanaco. Como

organização urbana, ofertante de melhores condições de vida, atrai as populações adjacentes

para um processo de interação social e ordenamento de recursos, com vistas a atingir

patamares indicativos de desenvolvimento tecnológico, condizente a responder às exigências

sócio-econômicas de uma sociedade estratificada em classes sociais, bem como gerenciar

variáveis religiosas e políticas de um avanço sócio-espacial dinâmico. Começa a se definir o

aparecimento de um Estado com possibilidades de ultrapassar os limites da cidade.

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Os avanços tecnológicos que mais possibilitaram o desenvolvimento de Tiahuanaco

foram à agricultura irrigada, e a metalurgia.

Somente poderiam sobreviver e crescer no altiplano andino os povos que

desenvolvessem processos tecnológicos de agricultura irrigada, possíveis de fazer face às

adversidades climáticas e propiciar uma agricultura crescente, sustentada, com colheitas

abundantes, superiores à demanda urbana, com mão de obra reduzida e produção excedente

para comercialização. “[...] a genialidade da civilização de Tiahuanaco reside na sofisticação

de seus sistemas de agricultura irrigada os quais [...] permitem resolver o problema [...] das

colheitas no clima adverso dos Andes” (CAMARGO, 2006, p. 38).

Avance de igual monta ocorreu na metalurgia, iniciada pelo fomento da mineração

com a extração de diferentes metais para exportação e como matéria prima para a produção de

ligas metálicas, com realce para o bronze, conforme abona Mesa (2007, p. 17): ”Finalmente

los Tiahuanacotas explotan diferentes metales y mediante una amalgamación del cobre con el

estaño obtienen el bronze logrando así superioridad técnica sobre los otros pueblos que aun no

lo conocian.”

O processo de capacitação do pessoal, saído da agricultura e de outras áreas aldeãs,

origina e amplia o efetivo de «artesãos especializados tanto em cerâmica como em

metalurgia».

Outras conquistas importantes emergentes na produção foram na tecnologia de

desidratação da batata, como meio de conservação por períodos longos e a «domesticação das

llamas» que permitiu a formação de tropas para transportar os diferentes produtos pela

vastidão de sua abrangência territorial. “En las tierras alta, al igual que en culturas anteriores

se cultivaba la papa que para su almacenamiento era desidratada en la forma de chuño [...].

Con la llama domesticada formaban rebaños para el transporte de los productos [...] (MESA et

al., 2006, p. 60).

O desenvolvimento urbano se prolonga até o século VII d.C. A partir de então tem

inicio a expansão do estado «tiahuanacota» que avança pela Serra Central e Costa do Peru,

adquirindo características próprias decorrentes da miscigenação com as culturas locais

preexistentes.

Os povos andinos não desenvolveram a comunicação escrita. Daí resultar grande

dificuldade para o conhecimento de suas culturas. O acervo de informação histórica,

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disponível procede da Arqueologia, da Etnologia e especialmente da Lingüística. Somente no

período pós-conquista, iniciaram-se as informações escritas através das crônicas feitas por

espanhóis.

A desenvolvida arquitetura e escultura da cidade de Tiahuanaco, hoje conhecida, é

produto da descoberta e exploração dos sítios arqueológicos existentes no sul do lago

Titicaca, nas proximidades da cidade de La Paz.

A lingüista continua sendo fonte preciosa de informação cultural pela permanência das

línguas Aymara e Quéchua, usadas pelos povos que habitam áreas andinas «tiahuanacotas»

hoje pertencentes à Bolívia, Peru, Chile e Argentina.

A grande expressão cultural de Tiahuanaco como formador do grande Estado andino é

refletida pelo processo liberal e cordato de convivência pacifica com as populações regionais

alcançadas. Camargo (2006, p. 39) expressa o clímax desse processo como se segue:

Entre os anos 700 D.C. e 900 D.C., Tiahuanaco estabelece-se como vasta

entidade pan-andina, reorientando hegemonicamente padrões locais ou

regionais de desenvolvimento e criando, ao longo de suas grandes linhas expansionistas, homogeneidade cultural, religiosa e econômica que o mundo

andino somente iria viver durante o Império Inca. È a era da Pax

Tiahuanaco, que, porém não tardaria a findar.

Realmente, esta denominada era da Pax Tiahuanaco ou do progresso alcançado

dependia, como dependeu de fatores diversos oriundos da geografia e de suas componentes

climáticas próprias do território ocupado.

Tendo sua base econômica estabelecida na agricultura, dependia diretamente dos

fatores naturais, principalmente pluviais, para garantir sua estabilidade econômica e social.

A tecnologia compensou as adversidades naturais e assegurou o progresso

conquistado, mas a natureza nem sempre é domável pela inteligência e pela ação do homem

em suas múltiplas manifestações.

Diversas crônicas mencionam que por volta do ano 950 d.C. teve início um período

de rigorosa instabilidade climática, com grandes baixas pluviométricas, que resultou numa

seca expressiva, verdadeiro desastre ecológico, que avançou por mais de meio século, 1250 a

1310 d.C., causando o colapso de Tiahuanaco. Esta catástrofe não provocou redução na

população andina, mas sim a sua dispersão e desorganização econômica e social de caráter

urbano, conforme esclarece Camargo (2006, p. 45) “O desaparecimento da vida urbana nos

Andes revelou-se conseqüência duradoura do colapso de Tiahuanaco, pois, pelos quatro

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séculos subseqüentes, os registros arqueológicos não permitem discernir nenhuma cidade na

verdadeira acepção do termo; [...].”

4.3 – O Império Inca

A vastidão andina, habitada por povos de raízes milenares, como collas, aymaras e

quéchuas, executores dos arranjos culturais que embasaram a formação do Estado

Tiahuanaco, vai abrigar, por tempo de meio milênio, a civilização incásica ou Império Inca.

O Império Inca emerge no século XII da era cristã, nas cumeadas andinas, nas

cercanias de Cuzco. Manco Capac surge como seu primeiro Imperador com a denominação de

Inca, reverenciado pelo povo como filho do Sol, exercia o poder supremo e era o chefe do

poder temporal e religioso. Os povos que habitavam a região de Cuzco eram, em sua maioria

quéchua, cuja língua se tornou a oficial do Império.

Manco Capac instituiu as formas essenciais da organização do Império, criando

estruturas normativas, códigos, religião oficial e governança centralizada de caráter

Teocrático. Adotou sistemas de autonomia regional vinculado e dependente do poder de

Cuzco capital do Estado-nação. Teve preocupação insipiente com o sistema de defesa e

expansão do território através de esmerada organização política e exercitado poderio militar.

As origens do Império Inca não são de fácil sustentação histórica por não terem tido a

comunicação escrita e não registrarem os fatos históricos. Seu passado foi reconstruído por

meio das lendas veiculadas pela tradição oral. A maioria dos cronistas e historiadores sustenta

que os Incas aparecem na história em forma lendária e mítica conforme registra Mesa (2007,

p. 50): “Los primeros señores Incas son legendarios, sobre todo Manco Capac cuya figura está

imersa en un amplio ciclo mítico”.

O Império Inca formou uma linha dinástica de 13 Incas, com significado de “chefe,”

“príncipe,” que, a partir de seu fundador Manco Capac até Huayna Capac, se sucederam

cronologicamente por quinhentos anos, sem perder o cunho de unidade, comando e

superioridade sobre o vasto território dominado.

O crescimento do império se deu vagarosamente ao longo do tempo conseqüente a

atuação e desempenho de cada Inca que sucedia ao trono. A escolha de Cuzco para sede do

governo foi demonstrativo de ação inteligente da dinastia incásica. “Para Bauer, o nascimento

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do Império prende-se à centralização da autoridade e à formação de hierarquia social

estratificada na região de Cuzco [...]” (CAMARGO, 2006, p. 54).

A expansão dos domínios incaicos pela ação militar e subordinação dos povos

dominados, inicia-se com Viracocha Inca o oitavo chefe na sucessão dinástica. Ele

reorganizou o império e como destacado guerreiro dominou os povos visinhos a Cuzco.

Sabedor da discórdia existente entre os chefes dos collas arquitetou um plano para atacar a

região e incorporar o famoso Collao ao seu império, gloria que coube a seu filho o Inca

Yupanqui.

O nono monarca dos Incas é considerado o mais expressivo governante do Império. O

Inca Yupanqui, já admirado pelos seus feitos militares na defesa de Cuzco contra os exércitos

charcas, assumiu o trono e recebeu o nome de Pachacuti.

Pelas suas qualidades guerreiras iniciou a fortificação do Império pela consolidação

das conquistas de seus antecessores. Diligenciou importantes reformas religiosas e

administrativas, ampliou a urbanização de Cuzco e introduziu avançada tecnologia na

agricultura andina. Alargou os limites do império abriu estrada e chegou até Quito onde

instalou o governo do norte. Camargo (2006, p. 54) relata que: “Essa história oficial [...]

associava a grandeza do Império e sua célere expansão territorial ao seu nono Imperador

Pachacuti Inca Yupanqui [...] 1438 a 1471, [...].” Para Mesa (2007, p. 50) [...]; esta expanción

se efectiviza con Pachacuti [...] hasta que el Império de los Incas se afianza con una extensión

que va desde Quito hasta el norte de Argentina y Chile. [...] en el siglo XV. A este monarca le

sieguen Tupac Inca Yupanqui e Huayna Capac, quien lleva al Tahuantisuyo a su máxima

expansión.”

O décimo primeiro monarca a assumir o Império foi Huyana Capac, que completou a

conquista territorial dos domínios incaicos, neutralizando as rebeliões e construindo as

estradas que ligavam as quatro regiões norte, sul, leste e oeste, Tahuantisuyo, a Cuzco centro

político administrativo do Império.

Com a morte de Huyana Capac o Império ficou dividido entre dois de seus filhos

Atahuallpa e Huásca. A guerra pela disputa do poder entre os dois enfraqueceu o Império e

propiciou a Conquista espanhola.

A civilização Inca é referenciada pelos cronistas e historiadores como um dos

grupamentos humanos mais avançados, encontrado pelos espanhóis nas terras do Novo

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Mundo. Herdeiros acumulados das sucessivas culturas desenvolvidas no hemisfério austral do

continente, durantes séculos, lograram conhecimentos suficientes para organizar uma

sociedade com postulados religiosos, políticos, econômicos e sociais distanciados dos

extremos do individualismo, mas centrados numa integração coletiva de um Estado

multiétnico e flexível.

Para Zeballa (1954, p. 27) “El Tahuyantinsuyo cobijava una población de 12.000.000

de indivíduos, sabiamente governados por un régimen paternalista y socialista, el régimen de

la monarquia teocrática de los Incas, pero cuyos fundamentos económicos reposaban en el

règime colectivista de la tierra.”

Desenvolveram uma filosofia moral e política das mais elevadas na formulação de

critérios fundamentais para a relação de direitos e deveres entre o indivíduo e a sociedade,

conforme abona Camargo (2006, p. 61):

Outros pontos de etos andino igualmente reforçados no contexto inca foram

as noções de auto-suficiência e de reciprocidade, esta última entendida como

equilíbrio entre os deveres do indivíduo para com a comunidade e com o Império e os direitos individuais e comunitários aos alimentos e aos bens

produzidos em contexto coletivo. Não havia familiaridade com os conceitos

de lucro e de mercado, [...].

Afeitos à metalurgia exploraram seus minerais preciosos e acumularam significativos

cabedais, de ouro e prata, até então desconhecidos dos europeus, e que, provavelmente, foi o

germe de sua destruição.

Finalmente, é oportuno enfatizar: “Entre todos os povos e culturas da América pré-

colombiana, a região Andina, área de ocupação do Império Incaico, se destacou pelo alto

nível de organização social e política.” (Inca - O Império de Ouro.

pt.scrib.com/doc/7006228/A, acessado em 07/11/ 2010).

A Conquista do império incaico foi realizada pelo aventureiro espanhol Francisco

Pizarro que procedente do Panamá chegou a Tumbez, em 1528, onde fez contato com os

Incas. Dali levou animais, vestuários e súditos do Inca. De volta à Espanha com estes

elementos comprobatórios obteve da Coroa a condição de governador e capitão geral das

terras e riquezas que descobrisse no reino do Perú.

As conquistas eram de caráter individual; todas as despesas e riscos corriam por conta

do conquistador, enquanto a coroa cedia apenas os direitos potenciais sobre as terras

conquistadas e, em contrapartida, fazia jus a um quinto das riquezas conseguidas.

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Os conquistadores eram guerreiros hábeis e destemidos treinados em múltiplas guerras

a serviço dos reinóis por terras diversas. Conheciam as tecnologias, técnicas, táticas e

estratégias empregadas nas guerras. Eram profissionais da arte militar. Buscavam a riqueza e

a fama nas aventuras mais adversas e destruidoras.

Pizarro planejou o ataque aos Incas de modo sutil e tenebroso, produzindo abatimento

físico e moral às tropas de Atahuallpa. As armas de fogo e a cavalaria, desconhecidas dos

andinos, foram os fatores destruidores do mais poderoso exercito da América do Sul, em

1532, na batalha de Cajamarca. A prisão do monarca, que se prolongou por oito meses, abalou

o mito do poder divino na crença do povo. A morte de Atahuallpa, 1533, selou a conquista do

império incaico para Pizarro e a coroa espanhola. Conseguiram dominar e usurpar o mais rico

império mundo pré-colombiano.

A cobiça dos conquistadores era desprovida de limites; arriscavam tudo em busca da

possibilidade de ficarem ricos e famosos. Perseguiam por quaisquer meios a busca das

riquezas, praticavam atrocidades de todos os calibres, mesmo emblemados como arautos do

cristianismo. O Individualismo superava a razão, para o rei um quinto, para eles o restante da

conquista.

O resultado do resgate pago por Atahuallpa para Pizarro é demonstrativo da estúpida

política expansionista adotada pelos reis de Espanha. Mesa et al. (2007, p. 90), referindo-se

ao fato, relatam que: “[...] el increible tesouro de los incas fue fundido para repartirse entre los

espanhóles y enviar el quinto real. El resultado fueron 6.087 kilos de oro fino y 11.793 de

plata. [...]. Uno de los botines más fabulosos de la história universal.”

Pizarro continuou a conquista e depois de um ano toma Cuzco; avança para a costa do

pacífico e funda Lima em 1535. Consumada a conquista determina a fundação de Chuquisaca,

em 1538, “para servir de cabeza de pueblo a una extensa región del Collasuyo.”, consoante

Zeballa (1954, p. 38). Continuou à frente do governou do império incaico até sua morte em

1541.

Para consolidar o domínio da coroa sobre as terras dos Incas foi necessária tomar

providências administrativas, determinadas pelo próprio monarca, para restabelecer a ordem e

implantar o ordenamento territorial da colônia. Foram criados os vices reinados do Peru, em

1543, como autoridade regional administrativa, com sede na cidade de Lima e a Real

Audiência de Charcas, em La Plata ou Chuquisaca (Sucre), como a mais alta corte de justiça

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da Espanha na América espanhola. Fez parte do Vice-Reino do Peru e depois do Vice-Reino

do Rio da Prata.

A descoberta das minas de Potosi provocou uma verdadeira revolução migratória para o

chamado Alto Peru. Além do aumento da população andina, ocorreu a formação de núcleos

urbanos importantes como Potosi: “Foi fundada, em 1546. Em 1611, já era a maior produtora

de prata do mundo e tinha à volta de 150.000 habitantes. Alcançou seu apogeu durante o

século XVII tornando-se a cidade mais rica do mundo, devido a exploração de prata enviada

à Espanha” (POTOSI INTERNET ).

As sucessivas descobertas de novas minas de ouro e prata no território dos Incas

originaram o aparecimento de novos núcleos urbanos que consolidou a colônia espanhola,

com melhoria do nível de vida das populações e, na área cultural, a «fundação universidade de

Chuquisaca» ou Charcas.

É importante acentuar que a partir de Pizarro, 1533, incluindo os três séculos dos vice-

reinados, até o movimento de independência (1809-1825) dos países andinos e platinos, todas

as cidades da colônia espanhola da América meridional, já estavam fundadas.

4.4 – Expansão Territorial do Brasil

A expansão territorial do Brasil iniciou-se com Martim Afonso de Souza pela costa

brasileira, que a percorreu de note a sul, chegando ao rio da Prata e de volta deste estacionou,

em São Vicente, por volta de 1532.

Fundou duas vilas a de São Vicente na ilha homônima e a outra no planalto às margens

do rio Piratininga. Distribuiu terras, fundou vilas e iniciou a agricultura com o plantio da cana

de açúcar. “Iniciou, enfim, a administração, dando efetivo começo ás atividades sociais dos

primeiros núcleos de população fixa do país.”, consoante Vianna (1961, p. 60),

complementado por Calógeras (1972, p. 8): “Com este fidalgo notável, soldado valente e

brioso tanto quanto estadista de valor, começa pròpriamente a história do Brasil”.

Em 1554 os padres jesuítas fundaram a vila de São Paulo, no planalto de Piratininga.

Os campos férteis do planalto despertaram a atenção dos colonos de outras áreas, resultando

num aumento rápido de população e desenvolvimento agrícola. A partir, de então, tornou-se o

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centro irradiador das expedições e incursões que adentraram o interior dos sertões em busca

de índios, minas de ouro e de prata, em marchas terrestres e expedições fluviais, com

denominações diferentes como entradas, bandeiras e monções ainda indefinidas, como precisa

Washinton Luis, 1956 (apud GÓES FILHO, 2001, p. 89) [...] “apesar das honestas e

exaustivas investigações sobre as ‘entradas ao sertão, até agora feitas, ainda não se escreveu

sobre elas a palavra definitiva”.

Os autores mais credenciados no estudo desses movimentos não têm externado

maiores preocupações em definir as diferentes formas assumidas pelas expedições paulistas,

mas considerá-las a todas como “bandeiras ou bandeirismo”, como o fizeram Capistrano e

Taunay na afirmação de Goes Filho (2001, p. 91). O que procuraram adentrar e detalhar

foram os resultados das expedições paulistas na ação indômita de prear índio, descobrir minas

e de curvar as fronteiras terrestres do Brasil para além no domínio espanhol de Tordesilhas.

No inicio da colonização em São Paulo, praticaram as primeiras investidas contra

índios agressivos das bandas do Tiete e do Paraíba. O avanço e utilização dos campos nas

fainas agrícolas cedo levaram os mamelucos de Piratininga a apresar índios para trabalho

escravo. As bandeiras se alastraram pelo litoral e se embrenharam pelos sertões ínvios para o

nordeste, leste, sul e depois para o centro oeste e norte.

No final do século XVI os espanhóis do Paraguai iniciaram a catequese jesuítica com

êxito em Guaíra que compreendia os territórios limitados pelos rios Paranapanema, Paraná e

Uruguai, e “Treze colônias fundaram os jesuítas no Guairá, [...].”, afirma Mello (1958, v. 2,

p. 133); o autor continua nomeando a todas; e levaram o trabalho de amansamento dos

silvícolas até o rio Paraguai e o Itatin. Juntaram uma grande população indígena e atingiram

grande progresso na educação e nas artes.

Raiavam as primeiras décadas do século XVII e o temível bandeirante Miguel Preto

buscava índios às centenas pelas bandas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Não demorou muito e entra em ação o descabido plano de Antonio Raposo Tavares,

Mello (1958, v.1, p. 113) “urdiu plano de investir contra as reduções de Guaíra. [...],

associado a Miguel Preto, de atacar as reduções do Guaíra onde podia acometer aldeias

cristianizadas, apresar índios mansos em quantidades e condições lucrativas. Em ação violenta

e inclemente destruíram tudo. Prosseguindo a execução do plano para o Paraná -Tape e

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Paraguai – Itatin. “De 1628 a 1638, Raposo destruiu o Guaíra e o Tape” (MELLO, 1958, v.1,

p. 142).

A destruição foi de tal monta que, amedrontados os nativos, a região permaneceu vazia

por mais de duas centúrias, vindo não por ação política dos bandeirantes, mas por puro

abandono a fazer parte das terras e das fronteiras do Brasil.

Os bandeirantes nunca estiveram presos ás terras devassadas; nelas buscavam

exclusivamente a colheita do índio. O período dos seiscentos foi dominado pelas bandeiras

que por caminhos incertos perlustraram diversas regiões do Brasil num expansionismo

nômade.

As monções foram a continuação das bandeiras; de caráter puramente fluvial ligaram o

planalto de Priratininga às terras do oeste. Tiveram seu começo com a descoberta do ouro de

Cuiabá consoante afirmam Góes Filho (2001, p. 146) e Mello (1958. p. 152). A fundação da

vila de Cuiabá proporcionou a descoberta do ouro do Guaporé, de Goiás que com o das

“minas gerais” formaram o eldorado do Brasil.

Os dois primeiros sítios já se implantaram a mais de mil quilômetros a oeste do

meridiano de Tordesilhas, o rio Guaporé com o rio Madeira e o Amazonas formam a monção

do norte, Vila Bela Belém; a junção Jaurú com o Paraguai descia para o Prata. A expansão

territorial do Brasil, na primeira metade dos oitocentos, já estava aumentada de dois terços do

relativo ao Tordesilhas.

4.5 – A Dissertação de Delisle

Os trabalhos diplomáticos para definir os limites entre as Coroas de Portugal e Espanha,

concernente ao tratado de Tordesilhas, estavam em andamento e com certo progresso entre as

partes quando, em 27 de novembro1720, os portugueses foram surpreendidos por Mr. Deslile

l’Ainé, geógrafo do rei da França, pela a apresentação de sua dissertação na Academia das

Ciências de Paris, na qual verificou que os cálculos de longitudes dos portugueses não

condiziam á sua soberania na margem esquerda do Rio da Prata e nos territórios do Cabo

Norte, linde com Guiana Francesa, demonstrando avanço português nas terras espanholas na

America do Sul:

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On verra bientôt que les Moluques tomboient dans le partage des Portugais,

contre la situation que les Cartes ordinaires donnent à ces Isles. Mais il n’en

est pas de même de la Colonie que les Portugais ont établie à l’embouchure de la Rivière de la Plate. [...]. C’est encore plus mal-à-propos que les

Portugais nous ont cite la même Bulle d’Alexandre VI, dans le temps des

differents que nous avons eus avec eux pour possession du Cap du Nord à

l’entrée de la Rivière dês Amazones. Car nôtre Colonie de Cayenne, ètant à 324 degrés Є demi de longitude par les Observations de l’Academie, les

distances particuléres marquées dans nos Portulans, jointes aux rumbs de

vent depuis cette Isle jusu’au Cap du Nord, ne donnent que 2 degrès 20

minutes entre ces deuqx places. Ce qui est encore 3 degrés 20 minutes em

deçá de cette Ligne. (l’AINÉ, 1720. IN: CORTESÃO, SD, p. 206 ).

4.6 – Reorganização da Ciência Geográfica em Portugal

O assunto teve grande repercussão e D. João V tomou providências imediatas para

reativar o estudo da geografia em Portugal e, para tanto, ordenou a contratação de

geógrafos, astrônomos, matemáticos e cartógrafos. Especialistas de várias nações européias

vieram a Lisboa, sendo dois deles os padres jesuítas Diogo Soares e Domingos Capassi,

enviados ao Rio de Janeiro em 1729 para o que Cortesão (2006, t.2, p. 7-26) intitulou:

4.7 – Os Padres Matemáticos e os Limites de Tordesilhas

Nela o autor explica os principais objetivos dos Padres Cartógrafos. Em primeiro plano

estava a determinação de fazerem mapas do Brasil; estudar os limites de soberania das duas

Coroas em relação a Tordesilhas na America do sul por meio de longitudes observadas; o Pe.

Capassi instalou um observatório no morro do Castelo e determinou o meridiano do Rio de

Janeiro em relação ao meridiano de Paris. A partir daí “traçou o «Novo Atlas do Brasil» com

as longitudes referidas ao meridiano do Rio de Janeiro, com o objetivo de “esconder o

conhecimento das longitudes a partir dos meridianos, habitualmente empregados”

(CORTESÃO, t.2, p. 14),.

O uso do meridiano do Rio de Janeiro prendeu-se a artifício matemático concebido na

cartografia para desviar os limites da expansão portuguesa para leste em relação ao meridiano

de Tordesilhas, com conseqüente aumento da soberania lusa. Foi de grande importância para

compor o “Mapa das Cortes”, peça valiosa para a negociação do Tratado de Madri.

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4.8 – Termos do Tratado

“TRATADO DE LIMITES DAS CONQUISTAS ENTRE

Os muito Altos e Poderosos Senhores D. JOÃO V, REY DE PORTUGAL E D.

FERNANDO VI, REY DE ESPANHA

Pelo qual Abolida a demarcação da Linha Meridiano, ajustada no Tratado de

Tordesilhas de 7 de junho de 1494, se determina individualmente a Raya dos domínios de

huma e outra Coroa na América Meridional.

A DE PORTUGAL

Renuncia ao direito, que alegava ter as ilhas de Filipinas, pelo dito Tratado de

Tordesilhas, e pela Escritura de Saragoça de 22 de Abril de 1529; e sede a Espanha a Colônia

do Sacramento, e o Território da margem Setentrional do Rio da Prata, que lhe pertenencia

pelo Tratado de Utrecht de 6 de Fevereiro de 1715, como também a Aldeia de S. Chistovão, e

terras adjacentes, que tinhão ocupado os Portuguezes entre os rios Japurá e Isa, que desaguão

no das Amazonas.

A DE ESPANHA

Renuncia todo direito, que pelo dito Tratado de Tordesillas alegava ter as terras

possuídas pelos Portugueses na América Meridional ao Ocidente da Linha Meridiana,

ajustada naquelle Tratado; e cede a Portugal todas as terras, e povoações da margem Oriental

do Rio Uruguay, desde o Rio Ibicui para o Norte, e a Aldeia de Santa Rosa, e outra qualquer

estabelecida pelos Espanhões na margem Oriental do Rio Guaporé.

COM OS PLENOS-POBRES, E RATIFICAÇÕES DOS DOUS MONARCAS.

Assignado em Madrid a 13 de Janeiro de 1750.

Impresso em Lisboa. Anno de M.DCC.L.

Na officina de Joseph da Costa Coimbra [...] ”

(CORTESÃO 2006, t.2, p. 361-375).

Composta a folha de rosto o Tratado é iniciado por um longo exórdio, «EM NOME

DA SANTÍSSIMA TRINDADE», onde os reis de Portugal e Espanha manifestam o desejo de

determinar os limites territoriais «das duas coroas na América», estabelecidos pelo meridiano

de Tordesilhas, e que o avanço das conquistas de ambas as partes tem ocorrido com incerteza

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e dúvidas por não haverem, até agora, buscado os verdadeiros limites de seus domínios “E

considerando as dificuldades invencíveis [...] de assinalar-se esta Linha com o conhecimento

prático, que requer; resolveram examinar as razões e dúvidas, que se oferecem por ambas as

partes, e à vista delas concluir o ajuste com recíproca satisfação e conveniência”

(CORTESÃO, 2006, t.2, p. 362).

Consideradas as alegações de ambas as coroas, concernente aos avanços, para oeste e

para leste do meridiano de Tordesilhas, praticado por Portugal na América Meridional e por

Espanha na Ásia, determinam as condições básicas para acordar os termos do Tratado:

Os Sereníssimos Monarcas [...] resolveram pôr têrmo às disputas passadas e

futuras [...] que possam influir na divisão dos seus Domínios por Linha

Meridiana; e querem que ao diante não se trate mais dela, reduzindo os Limites das duas Monarquias aos que se assinalaram no presente Tratado;

sendo o seu ânimo que nêle se atenda com cuidado a dois fins: O primeiro e

mais principal é, que se assinalem os Limites dos dois Domínios, tomando

por balisas as paragens mais conhecidas, para que em nenhum tempo se confundam, nem dêem ocasião a disputas, como são a origem, e curso dos

rios, e os montes mais notáveis: O segundo que cada parte há de ficar com o

que atualmente possui, à exceção das mútuas cessões, que em seu lugar se dirão; as quais se farão por conveniência comum, e para os Confins fiquem,

quanto for possível, menos sujeitos a controvérsias (CORTESÃO, 2006, t.2,

p. 365).

O primeiro princípio referia-se às fronteiras naturais pela segurança advindas de suas

condições de acidentes geográficos e, portanto, incólume às disputas futuras; o segundo

princípio, oriundo do Direito romano, com a denominação de uti possidetis, que assegurava o

direito de propriedade pelo uso da terra, ou seja, «atribuir à ocupação de fato o valor de

direito»; e ainda abrindo a possibilidade da trocas por partes equivalentes. É oportuno

registrar que estas proposições básicas facilitaram as negociações dos limites dos domínios

ibéricos, na América do Sul, decididos de forma plana e serena pelo “Tratado de Madri o

segundo grande marco da História da Formação das Fronteiras do Brasil” (GÓES FILHO,

2001, p. 49).

O Tratado de Madri, discriminado no texto definitivo, é formado por XXVI artigos

que, em seu conjunto, delineia a estrutura geográfico-jurídica que define os direitos de

Portugal e Espanha, na porção austral do território americano, desde os domínios do rio da

Prata aos do rio Amazonas.

O Artigo I estabelece que o Tratado passa a ser o único fundamento e regra para o

tratamento de divisas e limites entre os dois Domínios.

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O Artigo II assegura à Espanha a posse das Filipinas.

O Artigo III passa à pertença da Coroa Portuguesa as áreas ocupadas pelo rio

Amazonas e o distrito de Mato Grosso.

O Artigo IV e V passam para Portugal as fronteiras do Sul nos limites do rio Uruguai,

Lagoa Mirim e Rio Grande de São Pedro. E até o rio Paraná.

O Artigo VI continua os limites até atingir os rios Paraguai e Jaurú.

O Artigos VII, VIII e IX continuam os limites pelo Jaurú, Guaporé, Mamoré, Madeira,

Amazonas, Javari, Japurá e Orenoco.

Os Artigos X, XI e XII definem as regras para limites nas ilhas fluviais.

Artigos XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XXIII tratam da cessão de Portugal para Espanha

da Colônia do Sacramento, marcará a data da entrega e fazem permutas referentes a limites

definidos Sul e Norte.

Artigo XVIII trata da navegação nos rios de Fronteira.

Artigo XIX trata da criação pelas duas Nações de normas e leis para o comércio.

Artigo XX proíbe fortificações nos cumes dos morros fronteiriços.

O Artigo XXI trata do interesse das Coroas de, no caso de guerra entre elas,

permanecerem em paz os súditos da América do Sul.

O Artigo XXII determina a criação de comissões para corrigir dúvidas de por onde

passa a raia, não nomeados nos artigos anteriores.

O Artigo XXIV declara que as cessões contidas nos artigos do Tratado devem ser

respeitadas em sua totalidade.

O Artigo XXV assegura aos Contratantes a obrigação recíproca da defesa de toda a

Fronteira em seus domínios na América do Sul.

O Artigo XXVI assegura a perpetuidade do acordo, mesmo em caso de Guerra entre

elas.

As linhas de delimitação estabelecidas pelo Tratado de Madrid mostram, nos mapas,

o perfil geográfico do Brasil atual, com um território dois terços a maior do que o estabelecido

pelo Tratado de Tordesilhas, como abona Goes Filho (2001, p. 166): “Na realidade, ao se

olhar um mapa do Brasil com a linha reta de Tordesilhas e a foice do Tratado de Madrid, tem-

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se a impressão de que a Espanha cedeu muito: afinal, cerca de dois terços do território

nacional são constituídos por terras extras Tordesilhas”.

Como vimos, a expansão territorial do Brasil decorreu de muitos fatores, que se

arrastaram na linha do tempo, vagarosamente, por mais de dois séculos, demonstrando um

certo desinteresse da metrópole pela a colônia. O processo se inicia no século XVI com as

«Entradas pioneiras» de ocupação no litoral leste; no século XVII, as «bandeiras paulistas»

avançando para o Sul e Centro-Oeste; no Norte a fundação de Belém, a presença das missões

religiosas no Amazonas e a fundação da colônia do Sacramento nas margens do rio da Prata;

inicia o século XVII com as descoberta do ouro das minas gerais, de Goiás e de Mato Grosso,

ensejando a comunicação entre São Paulo e Cuiabá, pela monções cuiabanas. Relevante

destaque deve ser dado para as Entradas, Bandeiras e Monções, como movimentos da

ocupação e expansão do território brasileiro na fase colonial. Estes movimentos foram os

responsáveis pelas descobertas dos novos espaços e dos caminhos fluviais, que ligava os

extremos da colônia entre rio Amazonas ao Norte e o rio da Prata no sul.

Estes movimentos foram os responsáveis pelas descobertas dos novos espaços e dos

caminhos fluviais, que ligavam os extremos da colônia entre rio Amazonas no longínquo

Norte e o rio da Prata no extremo Sul.

Durante esses dois séculos e meio ocorreu uma expansão territorial desordenada, sem

noção de lugar e distância, gerando um imenso território totalmente amorfo, produtor de

conflitos entre os domínios, pelas obrigações geopolíticas de Tordesilhas e a ausência

completa de recursos humanos versados na diplomacia, com condições científicas nos campos

da geografia, astronomia, e cartográficas, imprescindíveis à construção de um projeto de

limites, com elaboração técnica e científica, para atender as exigências políticas, geográficas,

econômicas e sociais dos Estados- nacionais confrontantes.

Portugal, muito mais do que Espanha, na primeira metade dos anos setecentos,

desfrutava de excelente desenvolvimento científico nas áreas da geografia, da matemática e da

astronomia, para realizar trabalhos de mapeamento, com longitudes observadas, capazes de

oferecer posições exatas de acidentes geográficos através da cartografia.

Para realizar os levantamentos geográficos do território brasileiro na América do Sul

foi, além das condições técnicas mencionadas, a vontade desmedida de D. João V Rei de

Portugal e a presença de um brasileiro na alta função de Secretário do rei e encarregado dos

assuntos do Brasil na Corte e no Conselho Ultramarinho, Alexandre de Gusmão.

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Desde cedo iniciado nos negócios de Estados como auxiliar de embaixadores de

Portugal em diferentes países da Europa, ávido de saber, buscou à área do direito em Coimbra

e na Sorbone, adentrou-se na intimidade das ciências exatas e sociais e preparou-se para

entender os homens e o mundo, nos labirintos das Cortes. Ficou durante longo tempo como

gestor dos problemas do Brasil na Coroa portuguesa, ressaltando-se o Tratado de Madrid,

produto puro de seu engenho e arte.

Cortesão (2006, t.1, p. 9) mostra que foi “Alexandre de Gusmão [...] o estadista, que

primeiro traçou as fronteiras do Brasil com a parte restante do continente. O ciclope que

ergueu e sopesou este mundo. O homem de ciência, que, durante quinze anos, estudou o

problema sob todos os aspectos: geográfico e geopolítico, econômico, etnográfico, jurídico e

diplomático.” E conclui o Barão do Rio Branco (1946, p. 24) “1750 – Tratado de Madri,

fixando os limites entre os domínios de Portugal e Espanha na América. [...] O verdadeiro

negociador do tratado foi o ilustre paulista Alexandre de Gusmão, embora o seu nome não

figure neste documento.”

4.9 – Consequências do Tratado

As principais conseqüências do Tratado de Madrid foram: Anulação do Tratado

de Tordesilhas; Ampliação do território do Brasil em dois terços em relação à Tordesilhas;

Fixação dos limites do território e criação dos lindes terrestres com os dez vizinhos; Divisão

do continente e surgimento da liberdade e da independência, na América do Sul (FIGURA 2).

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FIGURA 2 - Expansão territorial do Brasil. Fonte: Editora Lago baixado da Internet em 12/12/2013

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5 – PERÍODO COLONIAL (1761 – 1808)

A dominação Ibérica na América do Sul foi eivada de diferenças políticas e ações

comuns nos processos de domínio e posse, que se fez presente, nas disputas de territórios,

entre Impérios e Coroas.

Espanha e Portugal se posicionaram num expansionismo formidável, buscando

ocupação e domínio das regiões mais promissoras de riquezas naturais e posições estratégicas,

no desenrolar dos duzentos e cinqüenta anos que decorreram entre o Acordo de Tordesilhas e

o «ato jurídico-internacional» denominado Tratado de Madrid, firmados entre eles.

Período difícil e rusguento, de avanços e recuos, que buscou, pelos esforços

diplomáticos das duas Cortes, um acerto de limites dos territórios ocupados e definidores dos

seus domínios sul americanos.

O Tratado de Madrid, de 1750, foi trabalhado por dois insignes negociadores,

Alexandre de Gusmão, pela Coroa Portuguesa, e Carvajal y Lancaste, pelos interesses de

Espanha, que lograram por concluir um trabalho de exemplar profundidade tanto relativo às

Coroas quanto às Colônias sul-americanas.

Foi sancionado pelas consciências amistosas e sensatas dos Soberanos D. João V, de

Portugal, e Fernando VI, de Espanha e recebeu, dentre outros respeitados historiadores, os

aplausos de Southey (1965, v.6, p. 11-12):

A linguagem e o teor deste memorável tratado estão dando testemunho da sinceridade e boas intenções das duas cortes. Parecem na verdade os dois

soberanos contratantes ter-se adiantado a seu século. Procederam com uma

lealdade, que quase pode considerar-se coisa nova na diplomacia, e tentando

estabelecer perpétua paz nas suas colônias, fossem quais fossem as disputas que entre eles se suscitassem na Europa, puseram um exemplo digno de

recordar-se como meio praticável de minorar os males da guerra.

5.1 – Tratado de El Pardo

O Tratado de El Pardo, 1761, apesar de expressar o efetivo desejo de paz duradoura

entre as colônias, a realidade política das cortes ibéricas foi de tal modo instável, que

provocou sucessivos desacertos na manutenção do próprio Acordo.

Mal se iniciava o árduo trabalho de demarcação das fronteiras estabelecidas e a

situação política das Coroas ibéricas sofre um golpe abrupto e contraditório, com o

falecimento dos reis D. Fernando VI da Espanha e D. João V de Portugal.

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Falecidos os Monarcas contratantes, assumem a Coroa da Espanha o rei Carlos III e a

de Portugal o rei D. José I. Estes mandatários não alimentavam simpatia pelo Tratado de

Madrid e buscaram, sem perda de tempo, a sua anulação por ato de 12 de fevereiro de 1761,

denominado Tratado de El Pardo.

Contendo apenas três artigos, inicia-se nos seguintes termos: Art. I – “Declara

cancelado, cassado e anulado para todos os efeitos o Tratado de 1750, de sorte que todas as

coisas pertinentes a limites, na Ásia e América, se restituam aos termos dos antigos tratados,

pactos e convenções que vigoraram antes de 1750”.

Tudo retornava às raias do meridiano de Tordesilhas de 1494. Sobre os transtornos

do advento do Tratado, explicita Mello (1959, v.2, p. 31):

A esse recuo no papel devia corresponder, para cada uma das metrópoles,

largo recuo em suas linhas de ocupação para trás do meridiano, isto é, os portugueses, na América, deixariam para os espanhóis a Amazônia, o Prata,

a bacia do Paraná-Paraguai etc. e os espanhóis restituiriam, na Ásia, as

Filipinas e Molucas. [...] nem Portugal e resignaria à perda da Amazônia e das mais terras palmilhadas e conquistadas pelos bandeirantes em quase duas

centúrias de arremetidas para Oeste. É de pasmar como Portugal, maior

beneficiário daquele convênio, tenha admitido sua ab-rogação.

Felizmente esse desmantelo reinol não se consolidou, apesar das artimanhas do

Marques de Pombal contra Alexandre de Gusmão e os jesuítas. O ato tomado pelas cortes foi

de uma ausência de bom senso e desconhecimentos das realidades políticas e geográficas de

seus domínios coloniais, na América do Sul e na Ásia, que provocou desajuste para elas na

Europa e para seus súditos de ultramar, em especial para os portugueses do Brasil.

A Europa sempre viveu em disputas dinásticas, principalmente entre Habsburgos e

Bourbons, provocando guerras de domínios entre países coligados a cada dinastia.

Este processo político avançou no tempo e desajustou a política européia com o

chamado Pacto de Família, conforme Mello (1959, v.2, p. 34): “assinado em Paris, em 15 de

setembro de 1761, entre os ramos da casa de Bourbon, contra a Inglaterra.”

Sendo Portugal aliado desta, entra em guerra com a Espanha e a França, pouco

depois da ab-rogação do Tratado de Madrid. Essas guerras da Europa tiveram repercussões

inusitadas entre luso-brasileiros e hispano-americanos, com violentos avanços e recuos sobre

os limites já demarcados em 1750.

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Apesar do restabelecimento diplomático, pelo tratado de paz, de Madrid, 1763, entre

as nações ibéricas, a paz nas suas colônias sul americanas não se fez presente. Pelo contrário,

a discrepância, a animosidade e a discórdia cresceram com a incerteza das raias possessórias

decorrentes da ab-rogação do Tratado de Madrid.

O Tratado de El Pardo era inconcebível para as colônias americanas, pois, implicava

em perdas e devoluções territoriais.

A volta ao meridiano de Tordesilhas era de realização extremamente difícil

conforme explica Mello (1959, v.2, p. 197) “Portugal se havia estendido até o rio da Prata, até

o rio Paraguai, ao Guaporé, ao Solimões, ao Negro. Sobre ser impraticável, era desumano e

injusto.”, qualquer ação retroativa nos limites acordados em 1750.

E ainda sobre o fato se expressa Guilherme (1959, p. 20):

[...] a convenção de Pardo determinou [...] o restabelecimento do estado de

coisas antes existentes, origem das graves vicissitudes por que passou toda a região fronteiriça do Prata e do Norte até a ascensão ao trono português da

Rainha D. Maria I, hábil negociadora junto à Corte de Madri, onde seu

irmão, Carlos III, teve que ceder a uma acomodação amigável das

divergências pendentes.

5.2 – Tratado de Santo Ildefonso

Decorrente dessa rara harmonia dinástica entre as coroas ibéricas nasce o Tratado de

Santo Ildefonso assinado, em 1º de outubro de 1777. Não foi de todo favorável a Portugal,

que teve de ceder à Espanha a Colônia do Sacramento, grande parte do Rio Grande e as

possessões da Ásia, porém restabeleceu os princípios básicos acordados em Madri e aplacou

as desavenças e agressividades reinantes entre as colônias, pelo menos numa paz aparente.

As fronteiras que não foram estremadas por acidentes naturais, sofreram

retardamento indefinido de execução, por motivos vários, e permaneceram como raias

flutuantes na cambiagem sucessiva dos tratados ibéricos.

O tratado de Santo Ildefonso, apesar de ter nascido e existido em período de

governança familiar nos dois reinos, não produziu os resultados esperados atinentes a

transmutação, para a Espanha, das fronteiras já ratificadas para Portugal, pelo acordo

diplomático de 1750.

Foi apenas um Pergaminho Diplomático de curta duração e de estrutura jurídica

insegura, por ser indeterminada, conforme reza já em seu preâmbulo: «Tratado Preliminar,

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que servirá de base e fundamento ao Definitivo de Limites, que se há de entender a seu tempo

com a individuação, exação e notícias necessárias...»

Adormecido no berço da intenção preliminar, desnutrido de recursos humanos e

técnicos, não vislumbrou o «fundamento ao Definitivo de Limites» nos domínios da América

austral e, por tal razão, perdeu a sua validade jurídica, como abona Varnhagen (1975, t.4,

p. 269):

As duas nações não conseguiram os fins a que se haviam proposto e o tratado não

passou nunca de preliminar, levando-se de seus artigos à execução

unicamente aqueles que diziam respeito à entrega da artilharia e prisioneiros.

O negociador lesado pôs-se à mira da primeira aberta, e logo que ela lhe apareceu, ao cabo de tão poucos anos e tão razoável, deu tudo por nulo. E os

fatos depois proclamados, de novas nacionalidades, vieram sancionar essa

nulidade, reduzindo as questões aos Uti-possidetis, [...].

5.3 – Tratado de Badajóz e Translado da Família Real Portuguesa

Portugal e Espanha desfrutavam convivência pacifica entre o final dos séculos

XVIII e inicio do XIX, quando foram alcançados pela turbulência política, reinante em quase

toda a Europa, imposta por Napoleão Bonaparte, herdeiro da revolução francesa e imperador

da França.

Portugal, reconhecendo sua condição de nação pequena diante das grandes potências

européias, tentava firmar-se, no xadrez continental, numa condição de neutralidade política

frente às disputas reinantes entre, principalmente, a França e a Inglaterra, pela hegemonia

marítima e comercial do globo, envolvendo as colônias ibéricas da América.

A Rainha D. Maria I, dotada de singular sensibilidade religiosa e política, teve sua

saúde abalada e chegou a afastar-se da razão e do cargo por reveses diversos como aclara

Varnhagen (1975, t.5, p. 9-10): “A rainha debilitada em suas faculdades mentais, em virtude

dos embates [...] e finalmente pelas angústias sofridas com as ameaças da revolução francesa

contra o seu reino e família real, teve que resignar o governo no seu segundo-gênito, já

príncipe do Brasil, que com o nome de D. João VI, veio depois de sua morte a suceder-lhe no

trono.”

D.João VI, príncipe regente, conduzia Portugal em estratégia de dupla mão, mantendo

neutralidade política com a Espanha, aliada da França, e amplas relações comerciais com a

Grã-Bretanha, fato que não agradava Napoleão.

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Para completar mais ainda o desagrado de Bonaparte com Portugal, foi ele constatar a

presença de navios portugueses na esquadra inglesa, sua inimiga, quando de sua expedição

para o Egito, cuja estratégia era bloquear a passagem da Inglaterra para a Índia e o Oriente.

E jurou, abona Varnhagen (1975, t.5, p. 27): “[...] que tempo viria em que a nação

portuguesa pagaria com lágrimas de sangue a afronta que fazia a República Francesa.” Ao ser

proclamado primeiro cônsul da França, em 1799, sentiu chegar o tempo oportuno para

cumprir a jura de antanho.

Napoleão barganhou com Carlos IV pressionar Portugal a cumprir um conjunto de

despropositadas concessões, pacificamente, ou fazê-lo pela capitulação numa guerra contra

Espanha e França. Pela recusa de D. João VI a guerra foi declarada, em fins de fevereiro de

1801, pela aliança franco-espanhola, entretanto, teve suas operações postergadas para meados

de maio por entender o rei da Espanha a necessidade de tentar um entendimento “com os

portugueses para se deixarem invadir e pedirem a paz, antes que as tropas francesas pudessem

chegar, e entrassem em ação. A campanha durou duas semanas”, explica Varnhagen (1975,

v. 5, p. 28- 29).

Analisado o poderio bélico da Espanha e de Bonaparte, Portugal preferiu ceder às

exigências dos franceses, aceitando um tratado de paz, em 6 de junho de 1801, O Tratado de

Badajóz, firmado pelo Príncipe Regente de Portugal D. João VI , Carlos IV rei da Espanha e o

embaixador francês, Luciano Bonaparte..

Não satisfeito com o Acordo, Napoleão empenhara-se pela sua não ratificação,

entretanto, esta já se efetuara, desde o dia 11 por Espanha e desde 14 por Portugal.

Diante das circunstâncias, vencidas suas pretensões de um contrato mais severo contra

a Inglaterra e com maiores vantagens fronteiriças, obrigando Portugal a conceder-lhe parte do

território do Amapá, no Brasil, para criação da Guiana Francesa, Napoleão teve que se

acomodar no horizonte da vontade.

Inconformado, pressionou um novo Tratado de Portugal com a França. O Príncipe

Regente, solertemente, aceitou as exigências e assinou em Madri, em 29 de setembro de 1801,

novo contrato e se apressou para que esse fosse ratificado, continua Varnhagen (1975, t.5,

p. 28- 29):

Antes que esse tratado fosse ratificado, assinalava-se em Londres, logo

depois de sua data, no 1º de Outubro, uns preliminares de paz, em que se

incluía a cláusula (Art.. VI) de que “os territórios e possessões de S. M. F.

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seriam mantidos em sua integridade.” Em virtude dessa cláusula, foi

declarada sem efeito outra concessão do segundo tratado de 29 de Setembro,

alargando a fronteira da Guiana ao Carapanatuba, vindo em Amiens (29 de março de 1802) a declarar-se validas as estipulações anteriores .

A notícia da guerra entre Portugal e Espanha chegou atrasada nas colônias. Na

Província de São Pedro do Rio Grande chegou depois da trégua com a derrota de Portugal.

Desconhecendo o ocorrido os luso-brasileiros declararam guerra aos espanhóis e nas

afirmações de Caldeira (2006, p.36) e Gomes (2007, p. 114) “as tropas portuguesas tomaram

uma vasta área, desde o território das Missões, no oeste do Rio Grade do Sul, até o rio

Jaguarão no sul.”

No Paraguai a notícia chegou antes e os hispano-americanos se propuseram a invadir

Mato Grosso para recuperar as fortificações luso-brasileiras, sobretudo, o Forte de Coimbra,

na margem direita do rio Paraguai. Para tal, com certa antecedência, Lázaro de Ribeira,

Governador do Paraguai, preparou o plano para atacar o Forte de Coimbra, «guerra de 1801»,

com flotilha de guerra e tropas terrestres.

Rechaçado, heroicamente, por Ricardo Franco de Almeida Serra e sua guarnição,

outra opção não lhe restou do que retornar a Assunção, amargando a derrota padecida. Para

Pereira (2007, p. 157): “Conseqüências da vitória luso-brasileira, em 1801. A resistência do

Forte de Coimbra proporcionou a consolidação da posse portuguesa da área litigiosa, na

margem direita do Rio Paraguai, pela figura jurídica do jus belli, ou seja, o direito da posse

consagrado pela vitória em ato de guerra.” O restante dos limites, para Oeste, continuou como

estabelecidos pelas demarcações de 1750, completando o contorno geográfico preliminar do

Brasil.

As dificuldades de comunicação ensejaram a Portugal ganhar no Brasil muito mais do

que perdera na Europa, Olivença, quando da capitulação de Badajóz, em 1801.

As nações ibéricas sempre estiveram em convivência política desajustada, por motivos

vários, e, principalmente, a partir da descoberta da América. De então, iniciaram uma

cambiagem de tratados, com avanços e desavanços, que dificultou os trabalhos de demarcação

dos limites, como explica Ricardo (1954, v.1, p. 63-64):

Depois do de 1750 vem o de 1761 que o revogou, restabelecendo o de 1494

– o tordesilhano. Vem o de 1777, o de Santo Ildefonso, que revogou o de

1761 e restabeleceu o de 1750, em assuntos de limites e a respeito de posse. Vem o de 1801, o de Badajóz, que anulou o de 1777, mas reforçou o que

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havia de mais importante no de 1750; ou como diria Rio Branco,

restabeleceu o nosso direito primitivo sobre a região do Alto Purus e do Alto

Juruá. [...] (¹) Em maio de 1801 reacendem-se as hostilidades entre os dois

países: e – o que foi pior – a guerra se estendeu à América. Com a vitória das armas luso-brasileiras, é assinado, a 6 de junho do mesmo ano o tratado de

paz de Badajóz, que determinou conservasse Portugal em seu domínio o

território ocupado até essa data. Mas uma vez se firma, então uti possidetis,

obtido agora pelas armas.

A Guerra de1801 entre Portugal e Espanha, também referida, de modo ledo, como

“Guerra das Laranjas,” e tida como prelúdio da Guerra Peninsular, terminou com o Tratado de

Badajóz.

Dele emergiu melhores condições de equilíbrio para os dois reinos, mesmo pelas

armas, especialmente na América, por, pelo menos, duas razões importantes: a primeira –

deixou de restabelecer o status quo ante bellum o que proporcionou manter Olivença para a

Espanha e o sudoeste do Rio Grande do Sul para o Brasil, mantendo como definitivos os

limites territoriais já definidos e ratificados pelo Tratado de Madri de 1750; a segunda – foi

ter ensejado a transferência da sede da monarquia portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro,

1808; o término dos litígios territoriais entre as colônias ibero-americanas do período

colonial; e marcado a configuração geográfico do Brasil, muito próximo do Mapa atual.

O Brasil foi o maior favorecido na sua expansão territorial, resultante das desavenças

luso-espanholas, do que da pressão política de Napoleão Bonaparte imposta pelo tratado de

Madri, 1801. As desavenças evoluíram para as guerras napoleônicas da península ibérica,

envolvendo Portugal e Espanha, além de suas colônias de ultramar; foi o primeiro país, do

continente americano, a ter seu território com perfil geográfico cartografado em mapa, antes

de sua independência.

E para encerrar a apreciação da importância do Tratado Badajóz no contexto franco,

ibérico, americano, é muito oportuno recordar o assunto abonado por Southey (1965, v.6,

p. 215-216):

Napoleão Bonaparte,então imperador da França, aliado com a Russia e exercendo

illimitada auctoridade sobre o resto do continente, resolveu addicionar ao seu

imperio a peninsula iberica. N’este tyrano a perfídia podia egualar a ambição: enquanto procurava iludir a côrte de Portugal, negociando com ella, fazia entrar

com a maior celeridade no paiz um exercito que devia apoderar-se da família real.

Mais do que uma vez porem encarara a casa de Bragança a possibilidade de ser

expulsa do seu reino por um inmigo superior em forças. Embarcou o principe regente ainda em tempo, segurou-lhe os mares a poderosa proteção da Inglaterra,

antiga e constante alliada de Portugal, e de Lisboa passou para o Rio de Janeiro a

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séde da monarchia portuguesa. Fecha este sucesso os annaes coloniaes do Brasil, e

um rápdo volver d’olhos sobre o estado geral d’este grande paiz ao tempo de

assumir assim novo caracter a sua história, cocluirá este longo e árduo trabalho.

Disso se depreende que Bonaparte agia pelas forças das armas e D. João VI pelo

«realismo maquiavélico» do jogo diplomático.

E para reiterar o procedimento político-estratégico do rei português é oportuno

lembrar Varnhagen (1975, t.1, p. 269): “Quando os negócios entre as nações se tratam desse

modo, muito pouco há de confiar em sua estabilidade e duração. O fraco se sujeita para

recalcitrar no dia em que veja o leão prostrado, como nos diz a fábula.”

No momento oportuno, o Príncipe Regente, 1808, teve a coragem de transferir uma

corte inteira de Portugal para o Brasil, de Lisboa para o Rio de Janeiro, deixando para

Napoleão, a decepção de encontrar uma Lisboa pacífica, a casa de Bragança vazia e sem a

Família Real portuguesa, que jurara varrer do monarquismo europeu.

Transformou uma colônia em Império, ao assumir o poder administrativo do Brasil,

tornando o reino de Portugal geograficamente maior e politicamente mais forte, como rei de

Portugal e do Brasil.

E de tal monta foi a argúcia política de D. João VI, frente ao poderio militar da

coalizão França-Espanha, que Napoleão nunca dele se esqueceu, como em oportuna

lembrança registra Gomes (2007, p. 29):

“Foi o único que me enganou.”

“Napoleão Bonaparte, nas suas memórias

Escritas pouco antes de morrer no exílio

da Ilha de Santa Helena, referindo-se a D. João VI, rei do Brasil e de Portugal.”

Com a vinda para o Brasil, D. João VI não ratificou o Tratado de Madri de 1801,

firmado com a França, enganando Napoleão mais uma vez.

O Tratado de Badajóz, assinado em 6 de junho de 1801, encerrou as quizílias de

limites do período colonial, quando as fronteiras luso-espanholas da America austral, entre

tratos e destratos, pergaminhos e armas, voltaram a viger pelas demarcações estabelecidas

pelo Tratado de Madri, de 13 de janeiro de 1750, fruto magnífico do brasileiro Alexandre de

Gusmão.

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6 – MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA

6.1 – Revoluções de Emancipação das Colônias da América

A conquista do território americano foi realizada por espanhóis, portugueses, ingleses

e franceses através dos dois tipos de colonização existente: colônias de povoamento e colônias

de exploração.

Estes modelos apresentam características e objetivos diferentes: o povoamento

objetiva - terras, pequenas propriedades, trabalho livre, salário, comércio interno, pacto

colonial fraco, distância do mercantilismo, pátria livre; o de exploração – interesses

econômicos, riquezas minerais, grandes propriedades, trabalho escravo, pacto colonial forte,

submissão, mercantilismo.

O primeiro modelo, de povoamento, foi utilizado pelos colonos ingleses que

ocuparam o norte e o segundo modelo, de exploração, foi aplicado por espanhóis e

portugueses no centro e sul do continente. A diferença de características e objetivos desses

modelos ensejou processos distintos de emancipação política das futuras nações americanas,

estribados em tais fatos muitos historiadores consideram os processos de independência em

dois vértices: A Independência dos Estados Unidos e a Independência da America Latina.

As colônias da America setentrional tiveram origem e formação bastante diversa das

implantadas nas regiões central e meridional do continente americano.

Os Egressos da Inglaterra, por perseguições religiosas, políticas e econômicas, que

vieram habitar o solo americano do norte não eram aventureiros comuns, meros súditos de

monarquias absolutistas, ávidos de fama e riqueza, mas homens com vínculos ancestrais nas

lutas contra os despropósitos, monárquicos e religiosos, impostos pelos Reis e pelo Clero no

continente europeu.

A primeira crise do Absolutismo teve início na Inglaterra com a chamada Revolução

Puritana de 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de1688; as duas fazem parte de um

mesmo processo que resultou na criação do Parlamento Inglês e na instauração do regime

parlamentarista, vigente até os dias atuais. Este regime provocou insatisfações severas às

monarquias da Europa.

A Inglaterra ficou dividida por dois partidos políticos, o Tory e o Whig. O primeiro

defendia o rei e a aristocracia, enquanto o Whig era democrático e defendia a burguesia

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fazendo oposição ao Tory. As disputas eleitorais eram agitadas e provocavam debates

acalorados entre as classes, para fazerem maioria parlamentar.

O Parlamento, formado por duas Câmaras a dos Lordes e a dos Comuns, tinha

participação direta nas ações do governo e o Rei ficou limitado a executar os atos decididos e

aprovados pelos membros do Parlamento.

O regime político da Inglaterra, cifrado no racionalismo de Descartes e no empirismo

de Locke, estabelecia o «regimen da opinião pública, e o princípio da soberania popular»,

colocando o essencial da política no poder legislativo e no poder executivo, o Rei, apenas

como delegado do real soberano – o povo.

Era o sistema parlamentar que através dos partidos políticos ensejava as liberdades

individuais; a convivência pacifica de crenças diversas; o livre pensar democrático e liberal;

cimentado na experiência e na razão, e que constituiu uma revolução no sistema político

europeu, então estribado no direito divino das monarquias, onde a vontade única do Rei

decidia.

Em sua maioria os governantes de grande parte da Europa seguiam esta última forma

de governo, distante da opinião pública, enquanto a Grã Bretanha e as Províncias-Unidas,

portadoras de culturas e costumes semelhantes, adotavam condutas populares na

administração, como afirma Cortesão (2006, v.1, p. 27):

Mas, enquanto, nestes dois últimos países, cada cidadão de Londres ou

Amsterdam encarnava uma parcela de Estado e podia influir nas suas diretrizes, na França, Luis XIV proclamava na plena consciência de seu

poder: «L’ Etat c´est moi». E todos os demais monarcas do continente

repetiam em côro, com mais ou menos razão, a mesma frase. Enquanto na

Grã Bretanha, a opinião pública, por meio de seus partidos e do Parlamento, pode sempre ditar a palavra final, à qual os gabinetes procuram estar atentos,

[...].

A questão da Sucessão Espanhola, que tanta dissensão provocou entre os países

propriamente continentais da Europa e na América, teve sua paz restabelecida pelos tratados

de Utrecht.

A partir destes acordos, externa-se a dupla face do admirado regime inglês: para sua

política interna – renovador, tolerante, democrático, liberal; mas com propósitos externos

adversos do insular: conservador, coercivo, formador de monopólios, violador de Estados e

colônias, expansionista.

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Tais acordos selados em Rastatt e Baden, no início dos anos setecentos, oportunizaram

a Grã Bretanha, já Reino Unido, a ficar «com a parte do leão», alargando sua soberania

continental em detrimento, principalmente, da Espanha e da França.

Senhora de um poder marítimo inconteste, após Cromwell promulgar o «Ato de

Navegação», 1651, em detrimento dos proveitos de outros países, notadamente a Holanda, a

Inglaterra expandiu seu domínio de transporte e comércio por todos os Mares; e por tal

circunstância seus negócios dominaram o mundo. Disto decorreu a necessidade de

reorganização da estrutura social e econômica para melhorar o desempenho comercial.

O desafio da demanda concentrou comerciantes, industriais, capitalistas, navegantes e

formou uma classe média de burguesia enriquecida que, atuando arduamente na política, em

defesa de seus interesses, buscou normas e leis, no Parlamento, que garantissem suas

liberdades de trabalho.

Com a burguesia financeira e comercial organizada, a Grã Bretanha se transformou no

centro capitalista do comércio mundial, com domínio sobre a Europa e as Américas do Norte,

Central e Sul.

Mas, sua política externa, pelas imposições colocadas contra os interesses dos demais

povos, na ânsia incontida de dominar o mundo, não acenava resultados alvissareiros e

duradouros para os ingleses por prejudicar as estruturas basilares da política mundial, o

comércio e as finanças, como abona Cortesão (2006, v.1, p. 20):

Mas a condição interna de todo um sistema que assentava na liberdade interna e pretendia exercer uma tutela, clara ou disfarçada, sobre os outros

povos e as colônias próprias, impondo-lhes, sem concorrência, o seu

comércio, iria minar o nascente império britânico, levantando contra a Gran Bretanha as reações dos nacionalismos ou nativismos ofendidos, e de outros

imperialismos, defraudados. E, tanto quanto as liberdades de princípios, as

violências de fato concorreram para os movimentos de emancipação da

América e da Europa.

A presença européia no continente americano apresenta-se com variações expressivas

nos sistema de colonização nas regiões centro, sul e norte.

Descoberto e conhecido o Novo Mundo a exploração das riquezas e dos nativos se

inicia, com o próprio Colombo, nas Caraíbas, avança pelo Mediano e domina o Austral sob a

égide das monarquias ibéricas, absolutistas, de clero católico com ação catequista.

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O absolutismo monárquico-católico impunha severa obediência ao catolicismo e

submissão, irrestrita, dos homens ao rei. Era a política da ímpia inquisição conforme

Castanheirense, Internet:

Assim o mecanismo inquisitorial foi acionado [...] e usado durante vários

séculos para esmagar qualquer pessoa que falasse ou se quer pensasse de

modo diferente da igreja Católica, [...]. De Espanha e Portugal, a Inquisição espalhou-se para as colônias destas duas monarquias católicas,

nomeadamente na América Central, América do Sul e outras partes do

Mundo, [...].

Sem liberdade de culto e pensamento, os colonos das Américas Central e do Sul

desconheciam a evolução do pensamento humano nos campos do conhecimento científico,

filosófico, social, econômico e político, desenvolvidos em países da Europa, continental e

insular a partir do século XVI.

Ignoravam as lutas seculares pelos direitos do homem livre na sociedade, em plena

efervescência na Europa e, principalmente, na Inglaterra que criou a Carta Magna e

posteriormente o Parlamento, órgão de ordenamento político para o rei e para os súditos.

Nele, eram procedidos os arranjos das soluções administrativas do reino, centrados numa

política de opinião pública, através da representação das classes sociais.

Por tal imperativo de ausência de liberdade estes colonos e os indígenas dos ricos

impérios dos Maias, Astecas e Incas, pagaram árduos tributos de crueldade e atraso cultural,

na servidão escravista do regime despótico dos reis ibéricos.

A abordagem de colonização do norte do continente americano fez-se, com retarde de

mais de um século da dominação e colonização ibérica, do centro e do sul, porém, com

colonos livres do jugo das dinastias dirigidas pelos ditames das monarquias absolutistas e do

clero católico, Autoritário e Impostor.

Durante a idade média a Igreja, grande proprietária de terras, exercia severa influência

nas questões de ordem política, econômica e social dos Estados nacionais e de seus Monarcas,

restringindo, com todo o imperativo de seus princípios dogmáticos e acientíficos, os

horizontes da liberdade dos homens para pensar e agir.

Concentrada em acelerada busca de bens materiais enfraqueceu as exigências de seus

valores e princípios espirituais, dando asas a atitudes de vendas de títulos eclesiásticos,

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relíquias sagradas e principalmente o perdão dos pecados por meios pecuniários através das

chamadas Indulgências, como assevera Churchill (1960, v.2, p. 3):

Entrementes, os Papas adquiriram poder temporal, cercando-se da cobiça e

das pompas dos demais potentados, embora alegando conservar também o poder espiritual. As rendas da Igreja foram aumentadas pela venda de

indulgências destinadas a livrar do purgatório tanto os vivos, como os

mortos. Os cargos de bispos e cardeal eram comprados e vendidos e o povo explorado ao máximo em sua crença. Esses e outros abusos na organização

da Igreja eram largamente reconhecidos e criticados, mas, não obstante,

continuavam ocorrendo.

Por linha de conduta tão despropositada, a alta cúpula eclesiástica católica padeceu

criticas acerbas de John Wyclif, João Huss e provocou, na Alemanha, o desagrado do monge

agostiniano Martinho Lutero que, contestando o comportamento papal, originou a quebra do

«monopólio ideológico da igreja católica» e ensejou a Reforma Protestante, com acesso direto

à Bíblia e nova visão da fé.

A Reforma ensejou novas igrejas Protestantes como a Luterana, a Calvinista, a

Anglicana; e com elas a luta pelas liberdades religiosa e de pensamento, ganhou espaços nas

asas das transformações que o mundo experimentou no transcurso do medievo ao renascente e

ao moderno; ensejadas pelos Descobrimentos marítimos, pela expansão do Mercantilismo,

pela emergência política da Burguesia, pela consolidação do Capitalismo, pelo

Parlamentarismo inglês; pelo Empirismo de Locke e principalmente pelo Racionalismo de

Descartes, como bem refere Cortesão (2006, t.1. p. 30):

Com Descartes a inteligência lógica passa a exercer um primado sem limites.

Tudo vai subordinar-se às forças razonadoras do entendimento. Do barro

cartesiano se forma o Adão dos Tempos Modernos, o «homo liber», o novo

tipo de humanidade, que reduz a vida e o mundo à soberania da razão.

Períodos extensos de imposições políticas, perseguições religiosas, dificuldades

econômicas foi desafio que obrigou o povo inglês a lutar pelo direito de pensar e agir, como

homens livres e iguais, nas comunidades em que viviam.

A resposta para o desafio implicava: a rejeição ao poder absoluto do rei, o repúdio às

benesses da nobreza, a desobrigação ao clero católico e a exigência da participação da

burguesia e do povo na administração do reino. Este conjunto de razões humanísticas fez

berço na Grã Bretanha, em tempos distantes, onde, concorde Churchill (1960, v.1, p. 11):

“[...] um conjunto de costumes que, tenham sido quais forem suas fontes básicas [...] – está

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sendo fundido numa Lei Comum. Esta é a Inglaterra do século XIII, o século da Magna Carta

e do primeiro Parlamento.”

Destas sementes germinaram as grandes transformações que geraram novas práticas de

relações do homem com o Estado, dando à Grã Bretanha o modelo político de

parlamentarismo partidário, diferenciado dos demais países da Europa de regime monárquico

absolutista. O esforço conjunto da burguesia, dos puritanos e das diferentes seitas religiosas,

promoveu a consciência de direitos e responsabilidades do individuo com o Estado, criando,

«um novo tipo de humanidade, que reduz o homem e o mundo à soberania da razão», o

liberalismo Inglês. Este, o regime do homem livre e o outro, o do escravo. Em ambos os

regimes os homens se diferenciam de modo considerável como aduz Cortesão (2006, t.1, p.

28):

O cidadão, o homem livre, na plenitude do direito e da dignidade, capaz de

partilhar dia a dia as responsabilidades do governo, vale mais como ser

moral, capacidade de ação e consciência cívica, que o mero súdito, sempre forçado a abdicar na mente alheia o juízo próprio, reduzido a obedecer em

tudo e por tudo, escravo, cuja condição humana, acaba por degradar-se às

vilezas da submissão incondicional e às reações extremas da fome, do ódio ou do terror.

Estas variações produzidas sobre os homens pelos regimes políticos, liberalismo e

absolutismo, são evidenciadas nos processos adotados na colonização, anteriormente

referidos, e nas revoluções de emancipação das colônias da América do Norte e Ibéricas.

Oriundos de uma Europa que desenvolvia o conceito do direito natural do homem,

embasada na razão e no experimento, que evoluía no método da investigação e avançava no

ordenamento da ciência moderna, os colonos ingleses da America do Norte vinham de uma

burguesia emancipada, consciente do direito de ser livre. De ser capaz de, pelo trabalho livre,

transformar a natureza numa ação conjunta de interesses individuais e coletivos, formador de

uma consciência nacional.

A Coroa inglesa iniciou a colonização da América do Norte, implantando colônias no

sul e no norte do litoral atlântico. As do sul adotaram o modelo de exploração, latifundiário-

escravista - monocultura e lograram pouco sucesso. As colônias nucleadas na região Norte,

Massachusetts, pelas últimas levas de puritanos, optaram pelo modelo de povoamento com

colonização diversificada e progrediram positivamente. Receberam a denominação de Nova

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Inglaterra e se tornaram o centro econômico e político da colonização inglesa na América do

Norte.

6.2 – A Independência das Colônias da América do Norte

As treze colônias alcançaram desenvolvimento rápido, auferiram resultados

econômicos substantivos, como estados autônomos e auto-suficientes, porém, leais à Coroa,

reputavam-se cidadãos britânicos com os mesmos direitos dos que viviam na metrópole.

A Inglaterra, entretanto, com dificuldades econômicas decorrente das guerras, aplicou-

lhes “as normas de sua política externa,” já aludida, com cobrança de impostos e taxas

consideradas absurdas e restritivas às suas liberdades de cidadãos ingleses. Estes atos

provocaram uma animosidade geral e conflitante entre colonos e governo como resume Silva

(1958, p. 125):

Os colonos da América inglesa viviam em estados autônomos, fiéis às suas

tradições de amor à liberdade pela qual seus pais haviam emigrados da

Inglaterra. O governo inglês, porém, entendeu restringir-lhes os direitos de que gozavam como cidadãos do reino. Veio então a revolta, logo

transformada na guerra pela independência; conquistaram-na conduzidos por

Washington, após seis anos de luta.

Detentores de um caráter forte, nascido da amalgama das ambições econômicas da

burguesia; da constante tensão moral do puritanismo; da confissão religiosa protestante;

reagiam a todo e qualquer tipo de rompimento dos princípios da liberdade inglesa, como o de

“pagar impostos sem a prévia aprovação” da sua representação parlamentar. Este

comportamento de reagir a atitudes infringentes aos contratos e regras políticas estabelecidas,

decorria de ancestral aprendizado dos direitos naturais e fundamentais do homem, inspirados

em John Locke, Thomas Paine e na revolução cultural, européia, do iluminismo, como afirma

Cortesão (2006, t.1, p. 32):

Do direito natural os homens elevavam-se ao estado civil pelo contrato,

conservando daquele os direitos fundamentais a liberdade, a igualdade e a

propriedade. E, se os monarcas, delegados do povo soberano, violam estes direitos, traindo os seus deveres e compromissos, a resistência à opressão

torna-se o primeiro direito dos súditos, como garantia dos demais.

Recusaram as determinações da monarquia inglesa e iniciaram a campanha de

resistência contra a violação dos direitos vigentes. As treze colônias, confederadas,

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promoveram um congresso em Filadélfia e fizeram a “Primeira Declaração de Direitos”

proclamando sua autonomia administrativa.

Partiram para a luta renhida e a 4 de julho de 1776 aprovaram a Declaração de

Independência, preparada por Thomas Jefferson, «transformando as 13 colônias nos Estados

Unidos da América.» Terminada a Guerra, em 1781, a Inglaterra, derrotada, reconhece a

independência dos Estados Unidos da América, confirmada pelo Tratado de Versalhes, em

1784.

Declarada a independência, os “Artigos da Confederação” foram usados como uma

constituição provisória. Em 1787, foi realizada nova convenção, em Filadélfia, para preparar a

nova carta magna da novel república. O trabalho exigiu dos legisladores empenho desmedido,

paciência ilimitada e patriotismo arraigado para acomodar, de modo harmônico e justo, as

diferença de interesses dos grandes e pequenos estados da «grande comunidade dos Treze».

De Filadélfia saiu, para os Estados Unidos da América do Norte, uma Constituição de

regime político republicano federalista, constituído de três poderes, executivo, legislativo e

judiciário, harmônicos e independentes entre si; com igualdade de direito civil e liberdade

religiosa.

Documento sucinto, definindo as competências do novo governo central. Um

Executivo com um único presidente; o legislativo com uma Câmara Baixa, também chamada

Câmara dos Representantes, e um Senado, e o judiciário formado «no ápice do edifício

constitucional por uma Suprema Corte». Era o produto da grande revolução da independência

e da emancipação do povo americano, como declara Churchill (1960, v.3, p. 232):

A nova nação, que lutara com dificuldades para nascer, seria daí por diante

fortalecida por algo de que ainda não se ouvira falar no mundo existente:

uma Constituição escrita. À primeira vista, esse autorizado documento apresenta chocante contraste com o conjunto de tradições e precedentes que

formam a Constituição não escrita da Grã-Bretanha. Todavia, não existe em

seu fundo nenhuma teoria revolucionária. Foi Baseada, [...] na velha doutrina inglesa, formulada de novo para atender a uma urgente necessidade

americana. A Constituição foi uma reafirmação de fé nos princípios

penosamente desenvolvidos através dos séculos pelos povos de língua inglesa. Incorporou velhas idéias inglesas de justiça e liberdade, que daí por

diante seriam consideradas do outro lado do Atlântico como basicamente

americanas.

As treze colônias inglesas da América do Norte criaram condições econômicas,

políticas e culturais próprias, diferenciadas dos padrões da metrópole e, a estes rejeitando,

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geraram, pela revolução, a semente-modelo da democracia, sentenciando o fim do

absolutismo, no Velho e no Novo Mundo. Ato inédito na forma de governo dos povos, com

sucesso suficiente para influenciar as ulteriores revoluções da Europa e da América luso-

espanhola.

A busca dos antecedentes históricos das sociedades humanas em suas formações de

governos e consecução dos sistemas políticos adotados, chega ao século XVIII com a

emancipação dos Estados Unidos da América do Norte. A França foi o cadinho do

pensamento político moderno que através do iluminismo conscientizou os povos oprimidos da

necessidade de serem livres e a Revolução francesa, como acontecimento marcante na

revolução cultural da sociedade capitalista do mundo moderno.

A historiografia registra este fato como o primeiro procedimento revolucionário

colonial, contra as atitudes descabidas e perversas impostas pelas monarquias. Era o exemplo

oportuno para os povos escravizados pelos regimes coloniais, buscarem seus direitos de

liberdade para dirigirem seus próprios destinos. Os europeus, que vieram para o Norte da

America, conheciam «os direitos fundamentais, a liberdade, a igualdade, a propriedade» e

procuraram na colônia a oportunidade de colocá-los em prática, para serem dirigentes de seus

próprios destinos. E por coincidência histórica, no itinerário da teoria à prática, o primeiro

país, da Europa, a receber a influência da Independência norte-americana, foi a França com a

sua revolução de 1789, efeméride marcante da derrocada do absolutismo francês. Silva (1958,

p. 169), sobre o assunto assevera: “A emancipação dos Estados Unidos da América, que se

haviam antecipado aos franceses na afirmação dos direitos do homem, foi um forte estimulo

para as colônias se libertarem do absolutismo espanhol ou português”.

6.3 – Emancipação das Colônias Espanholas e Portuguesas

Os movimentos de emancipação da América Espanhola emergiram com lentidão de

três séculos, como fruto do próprio modelo econômico mercantilista decorrente da

implantação do modelo de colônia de exploração. A economia voltada exclusivamente para o

mercado metropolitano ensejava a interferência direta da metrópole na gestão econômica da

colônia.

A Espanha transferiu para a América o sistema institucional administrativo vigente

nos séculos XV e XVI formado por vice-reinados, audiências, adelantados, cabildos. E para

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melhor condição administrativa a Coroa determinou a divisão do território em quatro vice-

reinados: Nova Espanha, Peru, Buenos Aires e, por último, Nova Granada, conforme Mesa et

al. (2006, p. 163) “Al estabelecerse los españoles en América trajeron a las nuevas tierras

todas las isntituciones políticas, legislativas y juridicas que existian en España a fines del siglo

XV y comienzos del XVI”. A seguir o autor detalha as funções destas e de outras estruturas

administrativas

O compartilhamento do território em vices-reinados obedeceu à experiência

administrativa espanhola concernente a resultados econômicos. As regiões eram

administradas por um vice-rei, escolhido entre os nobres, com mandato de três anos e

governava com poder absoluto. Eram auxiliados pelas Audiências que tinham atribuições de

corte de justiça. Os Cabildos eram assembléias locais pela qual o povo elegia suas

autoridades judiciais e administrativas, como os Alcaldes; representava certa expressão de

liberdade e democracia dos cidadãos perante o poder real. Para Mesa et al. (2006, p. 165):

“Los cabildos fueron, en la mayoría de los casos, los lugares donde se gestó la

independencia”. Esta afirmação é pertinente pelo fato de serem os cargos dos cabildos

ocupados pelos criollos. (que eram filhos de espanhóis nascidos na América).

A Espanha implantou seu sistema administrativo na América, sem analisar ou

considerar o grau de cultura e desenvolvimento econômico político e social existente nos

núcleos dos impérios autóctones da Mesoamérica, Astecas e Mayas e os Incas do Meridional.

Não avaliou as vindouras conseqüências do choque cultural entre conquistadores e vencidos.

Enfocou-se na busca das riquezas minerais como o ouro, a prata, abundantes no

México, Peru e Bolívia; nos produtos agrícolas tropicais; para suprir a carência européia

resultante do bloqueio às Índias Orientais. A exploração das minas necessitava de mão de

obra farta e barata e a solução mais imediata era escravizar o elemento indígena, oriundo de

formação sócio-cultural muito acima dos rústicos conquistadores espanhóis, arrojados

aventureiros, ávidos de fama e riqueza.

Buscando o entendimento da sociedade espanhola na América, Zeballa (1954, p. 38)

procurou estudar a sociedade colonial do Alto Peru num período de três séculos e concluiu:

“Cinco eran los elementos componentes de esta sociedad de los siglos XVI, XVII y XVIII, en

el Alto Perú: a) los índios originários del suelo; b) los españoles puros, nascidos en la

península; c) los criollos o hijos de españoles nacidos bajo el cielo de América; d) los cholos

o hijos de españoles y índios; y) en mínima parte, los negros, traídos del África por los

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portugueses y holandeses.”, o que é demonstrativo de um processo substantivo de

miscigenação, diferente da colonização americana, responsável pelo gérmen do nativismo

formador de uma vontade de ser livre.

Os Espanhóis puros eram a classe dominante. Ocupavam os altos cargos e exerciam o

poder em nome do rei. Assenhoriavam as terras, rural e urbana, em absoluta feudalidade, na

escravatura das “Encomiendas” ou nas “Mitas” das minas mantendo adstritos à terra índios,

cholos e negros, sem remuneração, direito ou liberdade.

Os reis da Espanha totalmente afastados dos avanços do iluminismo na Europa, não se

preocuparam com a instrução nas colônias por considerar a educação e o conhecimento do

povo um elemento perigoso para eles. Mantinham os colonos isolados do conhecimento da

evolução de outros povos, com severa censura e proibição da entrada de livros panfletos

americanos ou franceses.

Entretanto, o regime de propriedade adotado na colônia ensejou à formação de uma

elite criolla de latifundiários ruralista, descendentes de espanhóis. Muitos jovens dessa elite

foram estudar na Europa. Lá se familiarizaram com as idéias e princípios políticos do

iluminismo, ensinadas na França. De regresso propalavam as novas idéias e agitavam os

oprimidos contra o absolutismo. Silva (1958, p. 168) assim argumenta o tema: “[...] e os

moços que iam educar-se na Europa eram, em geral, ao seu regresso, propagandistas das

novas idéias e agitavam os espíritos contra o absolutismo opressor”.

A pressão exercida sobre os colonos pelos desmandos administrativos era fator de

descontentamento geral e já sinalizava certa insegurança à soberania espanhola. Os cholos

eram a maioria, o povo, e agora unidos aos índios, negros e mestiços formavam um conjunto

forte e amplo para lutar pelo direito de conduzir seus próprios destinos. A pregação das novas

idéias democráticas constituiu elemento aglutinador, para gerar o processo insurrecional de

emancipação das colônias espanholas da América pela ação patriótica dos Libertadores, tão

bem representados por San Martin e Simon Bolívar.

Os Libertadores eram Criollos, senhores de terras, instruídos, conscientes da

necessidade de tirar as colônias das amarras da Espanha, numa luta árdua, sem trégua,

alimentada pela força de um patriotismo desmedido, inspirados no exemplo dos Estados

Unidos da América do Norte que foi a primeira colônia a se desligar de uma metrópole

européia.

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A luta pela emancipação das colônias espanholas da América Meridional, Paraguai,

Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Uruguai, terminou com a vitória de

Ayacucho, de onde, explica Silva (1958, p. 173) “[...] Sucre, enviado por Bolívar para ocupar

o Alto Peru, convocou uma assembléia que, em Chuquisaca, proclamou (1825) a

independência da República de Bolívar (Bolívia).”

Portugal já havia definido os limites de sua colônia com a Espanha, pelos tratados já

referidos, e com o translado da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, D. João VI

transformou o Brasil em Império e orientou o eixo político de sua independência, ensejada a

sete de setembro de 1822 pelo príncipe regente D. Pedro I.

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7 FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASIL BOLÍVIA

7.1 – Antecedentes

Durante três séculos, após o descobrimento do Novo Mundo, os países ibéricos

mantiveram uma vigilância constante na posse das terras estabelecidas para Portugal e

Espanha pelo meridiano de Tordesilhas. Foram três centúrias de trabalhos exaustivos de

devassamento e povoamento do território da América austral, pontuando os acidentes

geográficos capazes de possibilitar o perfil cartográfico das possessões à formação das

fronteiras das colônias ibero-americanas fundamentadas no Tratado de Madri de 1750.

No processo de formação dessa fronteira, com apenas dois litigantes, o andamento se

arrastou, demoradamente, na noite do tempo, com os sonhos e pesadelos que compõem o

cimento das ambições inconseqüentes, naturalizadas na ação política dos povos, quando da

formação territorial dos Estados nacionais.

Declarada a independência das colônias espanholas no continente sul americano,

surgiram nove novos países; juntando-se a eles o Brasil, a Guiana, Suriname e Guiana

Francesa, passaram a existir treze Estados nacionais, com um somatório respeitável de

formação de novas fronteiras, fulcro de acordos e litígios internacionais que se arrastam na

linha tempo, indefinidamente.

Já dissemos anteriormente: «onde existem fronteiras existem problemas». E muito

maior do que a complexidade das fronteiras assentadas são as de lindes ainda por serem

estatuídas. Estas implicam em exigências complementares, de múltiplas variáveis, extremadas

nos paralelos que medeiam do rústico ao jurídico, da altercação à diplomacia, dos horrores

das guerras às curvas suaves da arquitetura civilizatória da paz.

Para melhor compreensão da compartimentação geopolítica da possessão espanhola

meridional, no processo de independência, é necessário buscar conhecimento na geografia do

maciço andino para entender as nucleações administrativas pontuadas pela Coroa de Espanha

como: «Virreynado, Audiências, Intendências, Territórios o Gobernaciones».

Estas estruturas constituíram os núcleos angulares à aplicação do uti possidetis

juris, como princípio de ordenamento territorial, aprovado em 1810, formulador do acordo

internacional pelo qual foram criados os atuais Estados nacionais, elucidados, inicialmente,

por Bolívar ao referir-se a pertença do Alto Peru ao vice reinado de Buenos Aires, até o

ensejo da revolução: “No cabe en justícia el fundar nacionalidad alguna americana a fuera de

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los términos y jurisdicción de los antiguos virreinatos y capitanias generales” (GUTIERREZ,

1946, p. 348) e por Zeballa (1954, p. 51-52):

Así tenemos que lo que es hoy Bolívia se constituyó sobre la base de lo que

fue la Real Audiencia de Charcas en la Colonia. Lo que es actualmente la Rep. Argentina se constituyó sobre la base de lo que fue: el Virreynato de

Buenos Aires. Lo que es actualmente el Perú, se constituyó sobre la base de

lo que fue: el Virreynato de Lima. [...]. La Audiencia de Charcas, creada por R. C. (Real Cédula) de 1559, dependió simultáneamente primero, del

Virreynato de Lima y luego del Vireynato de Buenos Aires.

Para Simon Bolívar, o grande idealizador da revolução de libertação da America

espanhola, o êxito do movimento estava ligado à idéia de manter «a organização unitária do

continente», com base em fatores geográficos.

Porém, sua doutrina se enfraqueceu quando o Congresso da Argentina entendeu que a

integridade política do Alto Peru devia ser mantida, por ser nodo das demais províncias do

seu conjunto andino, como aduz Gutierrez (1946, p. 349) “[...] “«que aunque las cuatro

províncias del Alto Peru han pertenecido siempre a este Estado, es la voluntad del Congreso

General Constituyente que ellas queden en plena libertad para disponer de su suerte, según

crean convenir a su interés y felicidad».”

Diante de tal decisão do colegiado argentino coube a Bolívar aceitar e apoiar a

independência do Alto Peru que em sua homenagem e gratidão denominou-se República da

Bolívia.

O período de lutas pela libertação do Alto Peru ou Collasuyo durou quinze anos

(1809-1825), sendo finalizadas pelas batalhas de Ayacucho e Tumusla quando Bolívar e

Sucre consumaram seus objetos de autonomia libertadora.

Assim nasce a República da Bolívia em 6 de agosto de 1825. Sua geografia é das mais

diversificadas. Centrada no maciço andino, comporta uma orografia de altitudes superiores

aos 5000m acima do nível mar. Extensa região plana, alta e fria, em nível de 3500m,

localizada entre as cordilheiras dos Andes Ocidentais (baixo Peru – Pacífico) e dos Andes

Orientais (Alto Peru - Bolívia), forma a Meseta Andina ou altiplano boliviano; descendo a

cadeia Oriental chega aos Vales Centrais com níveis de 2500m. À continuidade do declive

alcança altitudes inferiores a 1000m até chegar às planícies das bacias Amazônica e Platina,

antes da vertente Atlântica.

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Sua jurisdição geográfica é a mais singular do hemisfério sul. De forma compacta,

encerra cumes nevados, mesetas temperadas, salares (desertos de sal), lagos elevados, vales,

planícies, florestas tropicais, região de chaco, alagados; medeia os antagonismos dos mares e

dos rios e gera diversificadas condições climáticas. E Soares (1975, p. 128) assim se expressa:

“O extraordinário meio físico da Bolívia é diversificação telúrica; e já o velho D’Orbigny

dizia que a Bolívia era a súmula física de todo o Continente americano [...].”

Zeballa (1954, p. 52) considera a extensão territorial da Bolívia como uma das maiores

que resultou da compartimentalização política da possessão espanhola:

Abarcaba cuatro intendencias y 2 territorios o Gobernaciones. Las

Intendencias fueron: la de Potosí, que comprendía el mar, esto es, una

extensa costa, la Intendencia de La Paz, con Lampa, Carabaya y Azángaro, la Intendencia de Cochabamba y la Intendencia de La Plata o Charcas. Las

Gobernaciones eran dos: la Gobernación de Apolobamba o Mojos, y la

Gobernación de Chiquitos. Aquélla comprendía el Acre, actual Pando y

Beni. Esta última, Santa Cruz, el Chaco Boreal y Central, o Gualamba.

Além da grandeza territorial a região do Gran Peru guarda a maior reserva mineral da

América do Sul. Esta foi o fator principal da sua conquista e do seu povoamento, pelo

surgimento de núcleos urbanos nas proximidades das minas como Potosí, La Paz e demais

núcleos mineiros da vastidão andina.

Centralizada nas elevações andinas, confrontando limites com cinco países, Brasil,

Peru, Chile, Argentina e Paraguai, através de dilatadas e acidentadas fronteiras forma-se a

unidade política do estado boliviano.

Assim, “Bolívia inicia su vida independiente con una extensión de 3.000.000 de

kilómetros cuadrados que, tras largos pleitos de fronteras o como resultado de sangrientas

guerras com sus vecinos, acaba por reducirse a 1.100.000 kilómetros cuadrados. El actual

territtorio de Bolívia se encuentra situado entre los 59° 40´ y 73º 20´ del meridiano de París y

los paralelos 9º 35´ y 23º 5´ de latitude sur” (GUTIERREZ, 1946, p. 350). Autores como

Zeballa apresentam números diferentes para a extensão geográfica da Bolívia atual.

O Império do Brasil já havia demarcado seus limites com a Coroa da Espanha. Depois

de dilatadas e árduas refregas, Portugal conseguira triplicar o território de sua colônia e com

tal feito ganhou também a maior extensão de fronteira terrestre, seca e fluvial da América do

Sul, superior a 17.000 km.

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Começa no século XIX a etapa de definições de soberanias entre os Estados sul-

americanos que se tornaram independentes do domínio espanhol.

É oportuno assinalar que os Estados somente se tornam soberanos quando definem

seus territórios através da demarcação de limites com seus vizinhos confrontantes.

Confinando seu território com dez outros vizinhos, o Brasil teve uma faina de grande

vulto diplomático na formação definitiva de suas fronteiras.

A revolução de independência das colônias espanholas no austral americano decorreu

de múltiplos fatores que se acumularam por mais de três séculos.

Sendo a Colônia detentora de abundantes riquezas minerais, sua economia consistia na

exportação de matérias-primas para o mercado externo, então monopolizado por Madri que

exercia o sistema comercial mercantilista, com base no pacto colonial. A tramitação comercial

obrigatória para exportação de matérias-primas era: Colônia – Espanha – Europa e para

importação de manufaturados, o sentido inverso: Europa – Espanha – Colônia. O monopólio

comercial era de dupla vantagem para a metrópole.

Usante de mão de obra nativa, escrava, de baixo custo de produção, Espanha auferia

altos lucros no comércio de exportação de matérias primas, principalmente a prata, ouro,

produtos da agricultura e da pecuária e de igual modo pela importação de manufaturas

inglesas, revendidas aos colonos com preços majorados e de forma compulsória, gerando a

acumulação de capital.

Tudo girava em favor do enriquecimento da Metrópole com desvantagens e prejuízos

para as pontas do sistema, a elite colonial e a burguesia inglesa.

O monopólio comercial do reino se prolongou até o conhecimento de novas idéias de

liberdade assimiladas pela elite Criolla que fora estudar na Europa.

Inicia-se pela penetração na razão Iluminista como princípio embasador do

pensamento de liberdade, do «homo liber», que semeia a idéia do nacional, do próprio, do

capaz, do ser participe e diretor do seu Estado nacional.

O pensamento iluminista propiciou as grandes transformações ideológicas,

econômicas e políticas dos povos oprimidos, como o liberalismo na Inglaterra, a revolução da

independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa, a libertação técnica-científica do

jugo Católico e a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. O processo de realimentação

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destes acontecimentos foi preponderante para encorajar as elites coloniais da América Latina

a consumarem sua revolução de independência, da Coroa espanhola.

A Revolução Industrial da Inglaterra promoveu um avanço tecnológico sem

precedente na história econômica, social, política e cultural do mundo. Portadora de minas de

ferro e carvão, grandes rebanhos ovinos, uma plêiade de inventores, acumulo de capital

oriundo da Revolução Comercial, a Inglaterra inicia no século XVIII a Revolução Industrial.

O artesanato deu lugar à indústria fabril e a maquina a vapor à produção mecanizada. O navio

a vapor consolidou o domínio dos mares; as vias férreas, com a locomotiva, aceleraram os

transportes; o telegrafo e o telefone facilitaram as comunicações e o comércio mundial se

consolidou.

A produção industrial ampliou a busca incessante de novos mercados consumidores

dos produtos industrializados, bem como dos fornecedores de matéria primas, para manter

aquecida a produção mecanizada. América, África e Ásia foram as regiões propícias para os

objetivos da Inglaterra. Antes, como colônia de Espanha, a América já era explorada pelo

capital inglês, (Vilarino 2006, p 22) como fornecedora de matéria prima, e então, o processo

continuava pelo comércio liberal do chamado neo-colonialismo com o “Capitalismo

industrial” que sucedera ao “Capitalismo comercial financeiro” (CORTESÃO, 2006, v.1,

p. 25).

Durante o período colonial a divisão geográfica obedecia, rigidamente, as normas

estabelecidas pela estrutura administrativa da Metrópole, conforme vimos anteriormente.

Consumada a independência ocorreu a fragmentação do território e a formação de novéis

repúblicas com espaço geográfico condizente, inicialmente, às raízes primárias aduzidas.

Emerge a necessidade imediata da formação das fronteiras geográficas para definir os limites

dos territórios de cada soberania. A independência de cada Estado nacional envolve um

processo político-diplomático de alta complexidade “[...] que exige cultura cosmopolita,

realismo maquiavélico, intuição e manejo dos homens, [...].”, como expressa Cortesão (2006,

v.1, p. 23), para chegar a acordos sadios de convivência próspera e pacifica com os vizinhos

confrontantes.

A educação e formação cultural negada aos colonos pela Coroa Espanhola, resultaram

na formação de uma população de totalidade analfabeta, sem cultura, sem formação de

lideranças para gerir um processo de capacitação e auto-suficiência com liberdade de trabalho

e cidadania. Bastante diferente da colonização e independência da América do Norte

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fundamentada na educação, no trabalho, na capacitação de produzir bens para criar a pátria

livre.

Sem formação cultural propícia a sedimentar uma ideologia com base na filosofia da

razão e do empirismo, para entender o valor da opinião pública na participação administrativa

do Estado nacional, a população das surgidas repúblicas, recém libertas do mando espanhol,

mergulha na mais drástica dependência do caudilhismo militar, bronco, inconseqüente,

incapaz de gerir uma política de convivência pacífica com os países vizinhos.

Por tais circunstâncias, a repartição da América do sul, na primeira metade do século

XIX, resultou num conjunto de fatos indesejáveis, como bem espelha Nunes em (Internet,

28/10/2011) certificando que ao “[...], fragmentar-se em um grande número de jovens

repúblicas oprimidas por caudilhos militares, exploradas por oligarquias rurais e acorrentadas

a uma nova dependência econômica imposta pelo capitalismo industrial inglês.”, contrários

aos objetivos de independência, de liberdade e de cidadania almejados por todos numa luta

sem trégua.

E este resultado de opressão de caudilhos, exploração de oligarquias rurais,

dependência econômica de capitalismo inglês, configurou os ingredientes básicos para gerar a

esquisita e conflituosa história política da formação dos Estados nacionais da América austral.

Detalhá-la seria cair no indesejável do repetitivo. Sendo a historiografia da formação

dos Estados nacionais da América do Sul de substancial amplitude, e para não nos afastarmos

do eixo principal do tema, optamos por fazer cortes cronológicos e temáticos a partir de

referencial, como a Guerra da Tríplice Aliança, que uniu o Brasil, a Argentina e o Uruguai

contra a república do Paraguai no inicio da década de 1860. Foi a mais prolongada (1864-

1870) e mortífera guerra já registrada no continente americano e é conhecida como Guerra do

Paraguai.

7.2 – Tratado Brasil Bolívia de 1867

O século XIX, quase todo, se completa na América luso espanhola, por episódios de

litígios, inicialmente, entre Colônias e Metrópoles, com as lutas de independências e,

seqüente, às complicadas e intermináveis questões de limites entre os Estados adventícios.

A formação de território nacional, declarante de um poder soberano, com contorno

espacial balizado, indicador de limite e fronteira, constitui tema da mais alta importância

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política na vida das nações, com densos efeitos na consecução entre a paz e a guerra no

mundo. É a formação da fronteira que vai identificar os confins do poder jurídico do Estado

nacional; sem ela, limitada e demarcada, a soberania se torna dúbia e abre vala para os

conflitos de pertença dos espaços geográficos dos povos defrontantes.

O surgimento das novas Repúblicas na América meridional ensejou a necessidade da

definição dos territórios das unidades políticas, exigindo a conjugação dos pontos certos para

marcar as linhas de limites das fronteiras políticas dos Estados nacionais. E Mattos (1975,

p. 29) considera que

No mundo contemporâneo predomina o conceito de fronteira jurídica, aceita

de comum acordo pelos Estados lindeiros, cujo traçado consta de Tratados e

Convênios e cuja violação representa grave infração ao princípio de soberania e de respeito mútuo que deve presidir as relações internacionais.

Esta fase constitui o ponto mais crítico da formação dos países. Condiciona um

conjunto de fatores de variadas ordens que se estruturam no sistema político adotado. A

composição positiva ou negativa dos fatores depende da estabilidade do comando político

vigente que, bem conduzido, resultará numa política positiva de formação de fronteiras e

numa convivência pacífica de boa vizinhança inter-Estados. Se, ao contrário, mal conduzido,

isto é, conduzido com incultura, usura, despotismo, corrupção e rudeza, aportará nas

conseqüências danosas dos conflitos, dos expansionismos e das guerras destruidoras. Esta é a

exata paisagem política das repúblicas da América do Sul, a partir do começo da segunda

metade do século XIX.

Transcorre dezembro de 1864 quando o governo Paraguai infringe os princípios de

soberania contra o Império do Brasil. Estremecidas e, esgotadas as relações diplomáticas,

deflagra-se a guerra entre os dois países platinos Brasil e Paraguai. Conhecedores do poderio

econômico e bélico da Republica do Paraguai; da disciplina e patriotismo de seu povo, os dois

países platinos, Argentina e Uruguai, receosos de sofrerem, igualmente, violação de suas

soberanias, resolveram se unir ao Brasil e celebrarem um tratado de aliança defensiva e

ofensiva contra o Paraguai, assinado na cidade de Buenos Aires, em 1º de maio de 1865 e que

ficou conhecido como Tratado da Tríplice Aliança.

Ao longo do tempo, os estudos acadêmicos têm ofertado provas convincentes de ter, a

guerra do Paraguai contra o Brasil, eclodido por razões de desacordos de limites territoriais na

formação de suas fronteiras. Também são de boa origem histórica as afirmações de que este

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confronto, de conseqüências desastrosas e perversas, poderia ter sido evitado, se a arte

diplomática tivesse suplantado a subjacente inconseqüência dos caudilhos, a desmedida usura

dos capitalistas e a estupidez do expansionismo territorial.

Portugal sempre dispensou especial atenção ao saber geográfico do território

brasileiro, firmando como eixo articular de sua política externa um conhecimento dos rios da

bacia amazônica, desde o período colonial. Esta preocupação vinha da experiência auferida

pela diplomacia brasileira no tratamento dos assuntos de limites com os países vizinhos da

região Amazônica

Desde 1834 as Diplomacias do Brasil e da Bolívia tentam fazer negociações para

acertarem acordos de limites. Ocorrências as mais diversas são freqüentes e tem criado

problemas para os governos na extensa e pouco povoada fronteira. O deslocamento de bandos

de um para outro lado da raia, como os de 1853, tem movimentado os trabalhos diplomáticos

das partes, sem resultados positivos.

A instabilidade econômica e política da Bolívia, bem como sua maior atenção voltada

para os Andes, não favoreciam uma continuidade de ação nos trabalhos de negociação dos

limites. Ambos os países demonstravam interesse no assunto, sabiam das vantagens da

solução do problema, mas não conseguiam concluir as negociações desejadas.

O exemplo maior deste fato se externa na missão Rego Monteiro com o Ministro das

Relações Exteriores da Bolívia, Rafael Bustillo, 1863, cuja dificuldade de dialogo

impossibilitou a boa vontade do Império para concluir as negociações de fronteira com a

Bolívia. E assim Soares (1975, p. 132) lamenta e vaticina a oportunidade perdida: “Se em

1863 a fronteira brasileiro-boliviana houvesse sido definida e depois demarcada

definitivamente, quantos problemas não teriam sidos evitados, tanto para a Bolívia como para

o Brasil, no rolar do tempo!”.

Dissolvidas no tempo as oportunidades para efetivar a formação de suas fronteiras em

condições calmas e equitativas o Brasil e a Bolívia iniciam seu processo de negociações

Diplomáticas em período difícil, quando o sul do continente, a bacia do Prata, era teatro de

operação da guerra do Paraguai. Como já vimos, em plena vigência do Tratado da Tríplice

Aliança, ou seja, Brasil, Argentina e Uruguai «aliados para derrubar o governo do Paraguai».

A situação interna da Bolívia era convulsa e difícil. O Brasil como Império era visto pelos

bolivianos como fator de ameaça à sua soberania. Tudo levava a compor óbices à diplomacia

brasileira para negociar seus limites com a Bolívia. Se antes era assim, agora com a guerra do

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Paraguai muito mais difícil seria encontrar brechas para negociar limites. Os insucessos das

tentativas anteriores como as de Ponte Ribeiro e Rego Monteiro, homens de elevada cultura e

reconhecido saber diplomático, aumentava a preocupação da Chancelaria do Brasil, com a ida

da missão Lopes Neto a La Paz, em momento tão difícil, para conduzir negociações positivas

das fronteiras do Brasil com a Bolívia, nas regiões Platinas e Amazônicas.

Os revezes da guerra castigava as tropas aliadas e dificuldades de toda ordem se

multiplicavam dentro e fora do teatro de operações. As preocupações eram de altas

densidades e amplitudes. Para complicar ainda mais a situação revela Soares (1975, p. 33):

“Durante a Guerra da Tríplice Aliança capta a diplomacia imperial a informação perigosa: o

ditador Melgarejo pretende entrar no conflito armado, parcializando-se com Francisco Solano

Lopes.” A informação era pertinente.

E o fundamento da suspeita estava no próprio Tratado da Tríplice Aliança: 1º ponto:

é a Bolívia ficar de fora; 2º ponto: nos Arts. 8º e 9º “se obrigam a respeitar a independência,

soberania e integridade territorial da República do Paraguai;” 3º ponto: “Art, 16º [...] os

aliados exigirão do governo do Paraguai que celebre com respectivos governos tratados

definitivos de limites sob as seguintes bases: O Império do Brasil se dividirá da República do

Paraguai: do lado do Paraná, [...]; do lado da margem esquerda do Paraguai, [...]; No interior

[...]”. “A República da Argentina será dividida do Paraguai pelos rios Paraná e Paraguai, a

encontrar os limites do Império do Brasil, sendo estes do lado da margem direita do rio

Paraguai e Baia Negra.” (território da Bolívia). Último ponto: "Art. 18º Esse tratado se

conservará secreto até que se consiga o fim principal da aliança.” Para Bandeira, (1998,

p. 5-20) “ [...] e a questão somente se reacendeu, em 1866, com a publicação do Tratado da

Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai).

Na ocasião o governo da Bolívia manifestou estranheza ante o fato de que as Potências

Aliadas, ao decidirem sobre a expropriação do território do Estado Paraguai, incluísse na

retalhadura “gran porcion del território boliviano,” à Argentina destinando extensa região

ocidental do rio Paraguai ( Gran Chaco) e ao Brasil, na sua margem direita, o trecho

compreendido entre a Bahia Negra e o Jaurú. [...]. O General Mariano Melgarejo, que

governava, naquela época, o país, inclinou-se, a princípio, a atender ao apelo e ofereceu ao

Marechal Francisco Solano López uma “coluna de 12.000 bolivianos.”

Se a situação das relações diplomáticas entre o Brasil e a Bolívia não se ajustavam nos

assuntos de limites por seguirem caminhos diferentes, esta negociava pelo tratado de Santo

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Ildefonso, já anulado pelo de Badajoz, e aquele pelo uti possidetis, agora com o Brasil aliado

a outras nações não para negociar, mas para conquistar, por ação bélica, terras bolivianas,

tudo indicava que a Bolívia saia do campo diplomático e entrava no campo de batalha contra

o Brasil.

Abria-se a possibilidade da Bolívia atacar o Brasil pelos flancos através da província

de Mato Grosso, agravando ainda mais a crítica situação no Império na guerra do Paraguai.

Era preciso e urgente desviar os rumos dos acontecimentos. Não podia deixar

acontecer aliança da Bolívia com o Paraguai. Era preciso evitar tamanho desastre. A

diplomacia Imperial tinha que desfazer esta situação crucial pela capacidade de negociar; de

apresentar argumentos lógicos para convencer o General Melgarejo de que a melhor aliança

para a Bolívia era com o Brasil; de demonstrar que o Brasil tinha condições para abrir-lhe

caminhos pacíficos para o oriente, para o Atlântico, para o mundo, pelos rios da Amazônia e

pelo rio Paraguai; e de provar que o Tratado de Limites era a grande solução para assegurar,

de modo definitivo, a integridade territorial entre os dois países e os países vizinhos.

O Tratado de Limites, em tal contingência, era a única arma capaz de reverter a crítica

situação entre os dois países como aprecia Ricardo (1954, v 1, p. 70):

Um acordo com a Bolívia, sempre inquieta, seria um motivo a menos de

preocupação, para nós, então séria emergência. Não é caso de recordar a

luta, nem os esforços que o Brasil foi obrigado a fazer, nessa conjuntura histórica. O que não se pode negar é que a guerra com o Paraguai terá

influido no ânimo Imperial, ao lado da nossa tendência para a dádiva, para a

magnanimidade.

A grande responsabilidade das negociações pesou sobre Felipe Lopes Neto, ministro

plenipotenciário, em Missão Especial, na cidade de La Paz, representando o Brasil e pela Bolívia D.

Mariano Donato Muñoz seu ministro das Relações Exteriores.

O passo inicial para desenvolverem o trabalho era adotarem um sistema básico para definirem

suas fronteiras. Optaram pelo uti possidetis conceito já exercitado em 1750 no tratado de Madri e

consolidado em Badajoz em 1801.

A concordância do Imperador do Brasil e da República da Bolívia de adotarem o conceito

básico do uti possidetis para definirem as fronteiras de seus territórios, ensejou o inicio da formação

da fronteira Brasil-Bolívia com o: “Tratado de Amizade, Limite, Navegação, Comércio e Extradição

Entre o Império do Brasil e a República da Bolívia”, assinado em La Paz em 17 de março de 1867.

Conhecido também como “Tratado de Ayacucho” e “Muñoz-Neto.”

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A diplomacia Imperial foi vitoriosa e mais uma vez comprovou sua tradição e alto

grau de competência ao conseguir conjugar esforço, com seus pares bolivianos, para lograrem

resultados positivos em duas circunstâncias importantes para as nações sul-americanas, em

meados do século XIX: conseguiu o Tratado de Limites entre o Brasil e a Bolívia; evitou que

a Bolívia sacrificasse seu povo na guerra do Paraguai.

O Tratado de 1867 consta de trinta artigos, porém, o artigo segundo é o que determina

a fronteira conforme segue:

“Sua Majestade o Imperador do Brasil e a República da Bolívia concordam em

reconhecer, como base para a determinação da fronteira entre seus respectivos territórios, o

uti possidetis, e de conformidade com este princípio, declaram e definem a mesma fronteira

do seguinte modo:

A fronteira entre o Império do Brasil e a República da Bolívia partirá do rio Paraguai

na latitude de 20º10´, onde deságua na baía Negra; seguira pelo meio desta até ao seu fundo e

daí, em linha reta à lagoa de Cáceres, cortando-a pelo seu meio; irá daqui à lagoa Mandioré e

a cortará pelo seu meio, bem como as lagoas Gaíba e Uberaba, em tantas retas quantas forem

necessárias, de modo que figurem do lado do Brasil as terras altas das pedras de Amolar e da

Ínsua”.

“Do extremo norte da lagoa Uberaba irá, em linha reta, ao extremo sul da Corixa

Grande, salvando as populações brasileiras e bolivianas que ficarão respectivamente do lado

do Brasil ou da Bolívia; do extremo sul da Corixa Grande irá em linhas retas ao morro da Boa

Vista e aos Quatro Irmãos; deste também em linha reta até as nascentes do rio Verde; baixará

por este rio até a sua confluência com o Guaporé e pelo meio deste e do Mamoré até ao Beni

onde principia o rio Madeira”.

“Deste rio para oeste seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem

esquerda na latitude sul 10º20’ até encontrar o rio Javarí”.

“Se o Javarí tiver as suas nascentes ao norte daquela linha leste oeste, seguirá a

fronteira desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem principal do dito Javari”

(RICARDO, 1954, v.1, p. 70-71; GUILHERME, 1959, p. 23).

Os negociadores, conhecendo as experiências de 1750, procuraram evitar as

complicações das linhas imaginárias, estabelecendo três pontos básicos para assegurar a

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execução efetiva e legal do tratado de Ayacucho: a) o uti possidetis ; b) demarcação por

procedimento em comum; c) limites naturais com conveniência de troca (art. 5°).

A Bolívia, com o limite a partir da latitude sul 20º10’, ficou com acesso ao rio

Paraguai, margem direita, na Baía Negra e, também, ao norte desta, na Baía da Gaíba com

possibilidades de instalações portuárias e de saída para o rio Prata. Na bacia Amazônica a

navegação boliviana conta com maiores facilidades.

Tanto na Bolívia como no Brasil, o Tratado de Ayacucho foi alvo de acirrados

debates, prós e contra, tanto em setores dos próprios governos como nos âmbitos dos

congressos e nas concentrações de intelectuais. Mas ao final, foi ratificado e concluído a

extensa fronteira de 3125 km (SOARES, 1975, p. 157), acabando com antigas fontes de

insatisfação e quizilas entre o Império do Brasil e a República da Bolívia e gerando uma

amizade duradoura, plena de colaboração mútua.

7.3 – A Questão do Acre: o Tratado de Petrópolis 1903

A formação das fronteiras do Brasil envolve um acompanhamento do movimento,

superior a dois séculos, de devassamento e povoamento, do diverso território, decorrente da

marcha para oeste, norte-sul, Amazonas-Tietê, de sua expressão continental e dos acordos

conjuntivos de seus confins com as partes confrontantes.

Tudo amanhece em 1750 quando, em Madri, Portugal e Espanha resolvem traçar a

linha limite de suas possessões na América do Sul e raia o primeiro perfil geográfico do

Brasil. Ainda por merecer balanços políticos provisórios, como 1761, 1777, alçam seu

contorno cartográfico definitivo na decisão de Badajoz de 1801.

É o Tratado de Madri de 1750. É o Brasil estudado, definido e,

diplomaticamente, patrocinado pelo “brasílico” santista, Alexandre de Gusmão. Nele o

território brasileiro é determinado muito antes do surgimento das republicas hispano-

americanas. E é nele que nasce o Acre, patenteia Ricardo (1954, v1, p. 27): “[...] a questão do

Acre nasceu em Madri, com o tratado de 1750, ao tempo em que a Espanha e Portugal

quiseram estabelecer suas fronteiras na América do Sul. O Brasil de um lado, as futuras

repúblicas hispano-americanas do outro, e o tão sonhado Acre de permeio”.

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O Tratado de Madri adotou o sistema do uti possidetis e por ele as terras ocupadas por

nacionais de cada parte teriam a pertença respeitada. Este princípio facilitou o deslocamento

definitivo da vertical de Tordesilhas para oeste, pelos bandeirantes do norte e do sul.

Os heróis da conquista acreana, Cametá, em 1847, e Manuel Urbano da Conceição, em

1860, avançaram para o extremo oeste e sulcando de arrepio, o deserto extremo do Alto Purus

e do Alto Juruá, interpostos entre os rios Madeira e o Javari, já inseridos, nos artigos, VII e

VIII do Diploma ibérico como pertencentes a Portugal.

Mesmo antes de existir a república da Bolívia e o nome Acre, a região do «último

oeste» já nos pertencia como afirma o Barão do Rio Branco (1947, v.5, p. 10):

Quando em 1867 negociamos com a Bolívia o primeiro tratado de limites, não estavam ainda povoadas as bacias do Alto Purus e do Alto Juruá, mas

tínhamos incontestável direito a elas e em toda a sua extensão. O Tratado

Preliminar de 1777 entre as Coroas de Portugal e Espanha ficara roto desde a guerra de 1801, pois não fora restabelecido por ocasião da paz de Badajoz.

Com a independência das colônias espanholas, a região do Alto Purus se liberta, em

1825, como República da Bolívia e passa a formar extensa vinculação territorial com o

Império do Brasil. Esta condição de confinante com extensas raias, em regiões de baixa

população, sem comunicação, isoladas dos centros do poder, tornaram-se manadeiros de

conflitos entre as duas nações, alimentadas, principalmente, pelo desconhecimento geográfico

das posses acordadas.

Apesar de tais circunstâncias de proximidade geográfica, a desconfiança contra o

Império do Brasil afastava, em contínuo, as possibilidades de relacionamento amistoso,

suficiente para acordar negociações de limites.

Assim, somente em 1867, o Império do Brasil e a República da Bolívia firmaram o

primeiro Tratado de Limites com base no princípio do uti possidetis e, no artigo 2º,

estabeleceram para divisas, na bacia Amazônica, os rios Guaporé, Mamoré, Beni, Madeira,

Javari, Amazonas, sendo a geodésica Madeira-Javari a limitante da futura região do Acre,

com base no tratado de Madri como afirma Ricardo (1954, v.1, p. 71): “[...] “Madeira. “Deste

rio para oeste seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem esquerda na latitude

sul 10º20’ até encontrar o rio Javari”. “Se o javari tiver as suas nascentes ao norte daquela

linha leste oeste, seguirá a fronteira desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem

principal do dito Javari”.

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E Ricardo (1954, v.1, p. 71) explica pontos importantes dos dois tratados que deram

margem a interpretações polêmicas quando da demarcação da fronteira:

Comparando com o de 1750, no tocante a fronteira, o que aí se verifica é que

a linha leste oeste, a começar da distância média, entre as confluências do Madeira e Mamoré é substituída por uma linha paralela da foz do Beni na

latitude sul 10º20’ até encontrar o Javari. A novidade estava, também, que

essa paralela da primeira hipótese poderia ser substituída por uma oblíqua na segunda, em razão da ressalva relativa à nascente do Javari mais ao norte.

Os negociadores atinaram na penumbra à localização da nascente do Javari. Jogaram

na probabilidade de estar na linha leste oeste, a partir da latitude sul 10º20’ a junção Madeira

– Javari, como determinante da fronteira do Brasil com a Bolívia. E para maior clareza do

acordo aventaram a hipótese de a nascente do Javari estar ao norte da paralela inicial e, neste

caso, a paralela podia ser substituída por uma oblíqua.

Entretanto, é de bom alvitre analisar que a jogada dos negociadores se fazia

duplamente necessária, pela incerteza geográfica de estar a nascente do rio Javari para sul ou

norte do ponto inicial acordado no rio Madeira. Mesmo jogando no escuro, abriam opções

para negociar como bem concluiu Ricardo (1954, v.1, p. 7): “Quero supor que a linha reta do

Madeira ao Javari, variando entre paralela ou oblíqua, é que possibilitou o acordo – cada um

com esperança na sua hipótese. Se só fosse a paralela, a Bolívia não aceitaria; se só fosse a

oblíqua, o Brasil é que não poderia concordar.”, e o acordo, tão necessário, nas circunstâncias

vigentes, não teria vingado.

Para o minguado arsenal tecnológico da geografia da época, em termos instrumentais

para observação científica de latitudes e longitudes, básicos à produção cartográfica, e ainda

complementada pela vastidão da floresta impenetrável, e pelo labirinto potamográfico da

Hiléia de Humboldt, os diplomatas Lopes Neto e Donato Muñoz foram cautelosos no trabalho

de formação da fronteira Brasil-Bolívia. Esmeraram-se no zelo para não deixar duvidas aos

demarcadores, porém, a dupla opção de paralela e oblíquas (três) para encontrar a nascente

do Javari, a partir do Madeira, ensejou duvidas e criou a complicada questão do Acre.

Concluído o tratado entre as partes, iniciou-se a batalha da demarcação. Porém, depois

de sucessivas tentativas com divergentes resultados – a demarcação de 1874 encontrou a

nascente do Javari na latitude sul de 7º1’17’’5 – conforme Guilherme (1959, p. 26) e Góes

Filho (2001, p. 286). Estes extremos podiam ser ligados por uma linha obliqua. Uma vez

ligadas a cabeceira do Madeira, aos 10º20’ latitude sul, à nascente do Javari, encontrada a

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7º1’17’’5, ficava estabelecida a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Com relação à fronteira

definida pelas paralelas ou pelas oblíquas, Ricardo (1954, p. 130) explica: “Tome-se nota,

pois: linha paralela, Acre brasileiro. Linha obliqua, Acre boliviano.”

Para muitos, este resultado não expressava a intenção do Tratado. Era muito

prejudicial ao Brasil que perderia grandes e importantes áreas da Amazônia, como bem

esclareceu Taumaturgo de Azevedo em Guilherme (1959, p. 28) e Ricardo (1954, v.1, p. 108).

O acontecimento alceou notoriedade, na opinião pública, como geratriz de

controvérsia, alimentando os grupos políticos na agitada indagação de saber se o Brasil, em

conseqüência do Tratado de 1867, doara à Bolívia territórios de sua propriedade, certificada

pelo direito de posse decorrente do uti possidetis de 1750.

Por essas veias as opiniões ganharam manifestações várias, externadas pelos mais

aquilatados vultos da cultura e da política nacional: Serzedelo Correia, Pandiá Calogeras,

Alcindo Guanabara, Clóvis Beviláqua, Ruy Barbosa, Rio Branco e tantos outros, sobre se

houve ou não cessão de território. Para uns houve, para outros não.

Os discursos prós e contra continuaram. Mas, sobre a região, objeto do Acordo pouca

referência se fazia em termos de geografia física e humana. A Amazônia estava sendo

descoberta. Suas estradas eram os rios. E estes estavam sendo singrados e registrados pelos

bandeirantes do norte.

Tudo era deserto. Como mostra, referindo-se a região «Entre o Madeira e o Javari»,

Cunha (1975, p. 102): “[...] do Padre João Daniel no seu Tesouro Descoberto: “Entre o

Madeira e o Javari, em distância de mais de 200 léguas, não há povoação alguma nem de

brancos nem de tapuias mansos ou missões.” O dizer é do século XVIII e podia repetir-se em

1866 na frase de Teixeira Bastos: “O Amazonas é uma esperança; deixando-se as vizinhanças

do Pará penetra-se no deserto.”

O Alto Purus e o Alto Juruá começavam a ser visitados e conhecidos pelas investidas,

para o oeste, realizadas pelos exploradores João Cometá, em 1847, e Manoel Urbano da

Conceição, em 1860.

Manoel Urbano saindo de Manaus e ganhando o Purus, descobriu e explorou o Aquiri

ou Acre. Os registros históricos mostram ter Urbano explorado o rio Acre, minuciosamente, o

que foi de grande proveito para a região pela descoberta de sua grande concentração de

riquezas.

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A fase de exploração dos rios da Amazônia e em particular do Acre foram

desempenhadas no período que antecedeu o povoamento, mas, já nos pertencia como explica

o barão do Rio Branco (1947, t.5, p. 10): “Quando em 1867 negociamos com a Bolívia o

primeiro tratado de limites, não estavam ainda povoadas as bacias do Alto Purus e do Alto

Juruá, mas tínhamos incontestáveis direitos sobre elas em toda a sua extensão.”

Porém a exploração se exacerba com a presença do pesquisador inglês Chandeless que

chega ao Purus, em 1864, para tentar encontrar uma comunicação entre o rio Purus e o rio

Madre de Dios, acima das cachoeiras, na idéia de descobrir a real existência de comunicação

entre as bacias do Amazonas e do Paraguai.

Para seu guia buscou Manoel Urbano, o mais lépido bandeirante do norte, que havia

feito o reconhecimento do percurso do rio, conhecia as tribos ribeirinhas e dominava suas

línguas.

Os trabalhos do sábio inglês foram publicados no “Journal of the Geografical Society,

de Londres (vol. XXVI)” com grande repercussão internacional. Outros pesquisadores, como

Labre, exploraram o Juruá.

O leite da seringueira, o “Látex”, já era conhecido dos índios americanos. Coube a

Charles de La Condomine desenvolver sua pesquisa durante sua estada na Amazônia,

identificá-la como Hevea brasiliensis, difundi-la como produto natural com a denominação

de Goma Elástica, “a borracha.” A partir daí Goodyear desenvolveu a vulcanização, Hancock

tenta a indústria manufaturada da borracha e Thompsom inventa o pneumático. E com

aproveitamento em milhares de aplicações o leite da seringueira transformou-se no ouro negro

do Acre e do mundo.

Conhecidos já em caráter científico os percursos dos rios, «quanto às condições de

navegabilidade», a navegação a vapor possibilitou maior abordagem entre Manaus e a região.

Como afirma Ricardo (1954, v.1, p. 83): “Em 1869, começa o Purus a ser navegado, em

conseqüência do tratado de 1867, que declarara livre a navegação pelo Amazonas e seus

afluentes.”

Como vimos antes, ocorre uma continuidade da fase de exploração com a de

povoamento dos rios amazônicos. Dois fatores principais se apresentam como nexos causais

do rápido movimento migratório para povoar o Acre.

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As populações do nordeste sempre estiveram subjugadas à inconstância dos

fenômenos climáticos, tendo sua economia acossada pelos rigores das secas, impostora de

sacrifícios e sofrimentos. Às vezes por curtos períodos, outras por longos estivais capazes de

arrasar tudo e provocar a transmigração das populações.

O Ceará tem sido o estado mais acossado pelas alternâncias de estiagens prolongadas

e invernos curtos, com efeitos severos sobre a sobrevivência e a fuga da população. Assim foi

o período dramático dos anos de 1877/1879 quando ocorreu o primeiro aporte de cearenses ao

Acre.

E a onda povoadora se intensificou no período 1877/1889 e, determinada por fatores

vários: econômico, geográfico, climático e o mítico chamamento dos seringais, tomou

caminho para as bacias do Purus e do Juruá, rios com maior fluxo de navegação a vapor e

com perspectiva de comércio promissivo resultante do avanço industrial da borracha.

E assim continuou o cearense a buscar o «eldorado» na formação da geografia dos

seringais, no deserto silente e vivo da floresta. Desafio, somente possível, para afoitos, fortes

e perseverantes; para nordestinos, na linguagem de Euclides da Cunha. E Ricardo (1954, v.1,

p. 85) aduz: “Assim, em 1877 são 14.000 cearenses que emigram para a Amazônia. No ano

seguinte, nada menos de 54.000 – “não mais parou a onda povoadora.” Em 1900, ainda são

47.935, segundo os dados coligidos por Oliveira Costa”.

Ao passar do tempo a Amazônia se abria para abrigar levas sucessivas de nordestinos

que buscavam novos desafios no segredo desconhecido da grande floresta. Arriscavam tudo

por uma vida nova, com possibilidades de sucesso ou mesmo uma morte sem fome. Era o

ombrear do desafio entre a seca e a água pós-diluviana. Era a decisão entre o morrer

entrevendo a morte ou o viver vislumbrando o perigo, no abraço estranho da selva, no reino

das Naiades.

Partiram para a decisão segunda: viver no perigo da selva. Sobreviver na esperança de

ser feliz. Seguindo, ao revés das águas, a calha do grande rio, os nordestinos subiram os

afluentes da margem direita e, no ocaso do século XIX, alcançaram as grandes concentrações

de seringueiras do Alto Purus e do Alto Juruá.

Em cada riba implantavam núcleos e a partir destes abriam caminhos pela floresta no

árduo trabalho de identificar seringueiras e demarcar seringais. Avançavam e «que de boa fé

ali se fixara», ocupando a terra desocupada. Não sabiam por onde andavam. O intrincado da

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floresta verde desnaturava a raia verde do acordo (1867); os seringueiros não sabiam que

estavam em território da Bolívia.

Mas as terras por eles visitadas eram «incontestavelmente» bolivianas. Como toda a

vasta região ao sul da linha geodésica Madeira Javari, considerada pelo Governo Imperial,

Ministro Carlos de Carvalho, como a fronteira entra o Brasil e a Bolívia, após a última

demarcação executada por Cunha Gomes, e quase coincidente com a de Tefé, confirmava a

nascente do Javari a noroeste da paralela leste-oeste do Madeira. Ambas as demarcações com

resultados diferentes entre si diferenciavam-se da executada por Luis Curls o que para

Ricardo (1954, v.1, p. 151): “Queria isto dizer que a obliqua variou três vezes de posição, com

todas as conseqüências territoriais que tais mudanças impunham”.

E o Barão do Rio Branco (1947, v.5, p. 15-16) confirma esta evidência: “Toda a vasta

região acima mencionada, ao sul de uma linha geodésica traçada da nascente principal do

Javari à confluência do Beni com o Mamoré, estava reconhecida como boliviana por

numerosos atos e declarações dos governos que entre nós se sucederam desde 1867, isto é,

durante o regime imperial e após a proclamação da República.” E sem conhecer avançaram,

em busca das terras desocupadas, pelos caminhos líquidos da margem direita, da grande rede

tributária, do rio mar.

E no arrepio do Purus encontraram o rio Acre. Nas suas margens assentaram

acampamentos como Porto Acre que, a partir de «Seringais Empresas», deram origem a

povoados como Rio Branco, Xapuri e de modo semelhante, no Juruá, concentrou-se em áreas

como a da atual Cruzeiro do Sul. E assim prosseguiram no anseio da fortuna fácil e rápida.

O povoamento do Acre teve crescimento acelerado a partir do final de 1880,

proporcionado pelo aumento de produção da Borracha exigido pelo mercado internacional. A

demanda decorria de a borracha ter recebido múltiplas aplicações no mercado mundial como

ressalta Ricardo (1954,v.2, p. 116): “A revelação acreana iria revolucionar a civilização do

século XX, com 40.000 utilidades a que se prestaria a goma elástica.” A corrida para os

seringais foi muito semelhante às das minas de ouro do Centro Oeste, deixaram os núcleos

vazios.

Pelos rios Purus e Juruá, tributários do Amazonas, os navios procedentes de Belém e

Manaus acessavam a região com milhares de nordestinos e regressavam carregados com

toneladas de borracha. Era o capital estrangeiro acelerando o desenvolvimento da região e

plantando luxo e riqueza em Manaus e Belém. Tocantins (1972, p. 234-35) aduz:

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Nas duas capitais amazônicas a fortuna deu origem a monumentos,

palacetes, a grandes obras públicas, atraiu companhias líricas italianas,

apresentadas no Teatro da Paz, em Belém, ou no Teatro Amazonas, em Manaus, proporcionou viagens contínuas à Europa aos patrões, seringueiros,

e a educação da juventude nos grandes centros europeus, e outros valimentos

da civilização. Graça ao ouro negro das selvas. Em Belém, as modas, o luxo,

o bom-gôsto, eram de mais requintes do que na própria capital da República. [...] Belém e Manaus eram as capitais da borracha.

De tal monta era o fluxo comercial que o rio Acre foi cognominado, ao iniciar-se o

1900, «a Meca da Borracha ».

Durante quinze anos tudo correu bem com a Bolívia, até ser verificada a posse efetiva

da terra pelos seringueiros brasileiros e, concomitante, a revolução no mercado internacional,

aumentando a demanda da borracha.

Por volta de 1895, em decorrência das vantagens comerciais que o látex oferecia, a

população boliviana, acostumada em clima de altitudes, despreparada para enfrentar a

severidade climática e ambiental da floresta, se precipitou em avalanches para o Acre, como

enfatiza Guilherme (1959, p. 29-30): “A esta altura a penetração de bolivianos no Acre

intensificou-se de maneira assustadora. Não se tratava de uma colonização; tratava-se de um

autêntico rush, o “rubber rush,”[...].” A região foi então povoada também por bolivianos e a

questão de fronteira se acendeu com graves conflitos entre os nacionais brasileiros e

bolivianos.

Para facilitar ainda mais a ação boliviana o Brasil autorizou o estabelecimento de uma

alfândega no rio Acre, onde o Governo boliviano tinha fundado Porto Alonso, em 3 de janeiro

de 1899.

Ao mesmo tempo o Ministro da Bolívia no Rio de Janeiro, José Paravicini, se

deslocava para Manaus com a finalidade de estudar com o governador da Amazônia um

projeto para implantar um sistema de alfândegas mistas na região do rio Acre. De imediato o

sistema alfandegário boliviano foi implantado.

Paravicini, como comissionado, expediu um decreto pelo qual os rios bolivianos

Acre, Purus e Yacú ficavam abertos para livre navegação. Este ato prejudicava o comércio

brasileiro de cabotagem. O ato, considerado humilhante, provocou imediata reação e protestos

dos brasileiros que moravam em terras acreanas. Para eles não era possível aceitar que as

terras do Alto Purus, do Alto Juruá e do rio Acre, por eles conquistadas, exploradas, povoadas

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com bravura, lealdade, espírito de sacrifício, perseverança e convicção brasileira, fossem

transferidas à autoridade boliviana, estrangeiros, que nunca nelas labutaram.

Eram brasileiros e não iam se subordinar as normas desastrosas e leis de marcante

draconiano editadas por governos alienígenas. A população estava obrigada a cumprir leis

absurdas de arrecadação de impostos; o fisco determinava tudo; a autoridade boliviana

intervinha diretamente na jurisdição nacional, como bem explicita Ricardo (1954, v.1, p. 112):

“O Sr. Paravicini era o executor dessas leis – senhor de baraço e cutelo, como um barão

feudal”.

A chegada dos bolivianos causou insatisfação à população acreana. Dois de janeiro

de 1899, data que os acreanos iam guardar para sempre como alimentador de sua indignação e

revolta pela perda suas propriedades. O Acre era então colônia boliviana. Inconformados,

acharam que tinham que se organizar para reagir, expulsar os intrusos forasteiros e reaver suas

propriedades. E assim fizeram: a Insurreição Acreana.

No calor da selva, no âmago dos seringais, a indignação aquece os injustiçados para

alimentar ódio aos invasores e somarem forças para reverter o mando estranho e reassumir

suas propriedades.

Guardavam ressentimento do governo brasileiro, que ajudara os intrusos indesejáveis.

A revolta incontida alimenta e acelera o escopo e a estratégia do plano. Antes de completar

um semestre da ocupação boliviana, concluem pela reação imediata. O primeiro grupo de

acreanos sublevados parte do seringal Bom Destino para Porto Acre, sob comando de José de

Carvalho. Intimam o delegado boliviano a retirar-se imediatamente do território; explicam

que a não obediência resultaria em ação bélica com resultados indesejados para as partes.

O delegado boliviano Moises Santiváñez ao analisar a intimação, que explicava tratar-

se de uma ação de razão nacional, não pessoal, aquiesceu retirar-se. Era 1º de maio de 1899,

os insurretos retomam Porto Acre e criam uma Junta Central Revolucionária para coordenar o

movimento.

Por esse tempo, o espanhol Luis Galvez Rodrigues Arias trabalhava para o consulado

da Bolívia, conforme agrega Albuquerque (Internet, p.2), e recebeu para traduzir para o inglês

um documento que era um acordo secreto preparado por diplomatas da Bolívia e dos Estados

Unidos da América, estabelecendo uma aliança entre os dois países com o compromisso dos

Estados Unidos de dar apoio militar à Bolívia em caso de guerra com o Brasil pelo domínio

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do Acre. Como jornalista Galvez publicou a matéria na imprensa do Pará e da Amazônia. A

notícia do acordo chocou a opinião pública brasileira, apesar da negação dos dois países.

Galvez leva o assunto ao governador do Amazonas Ramalho Junior. Analisaram o

assunto devidamente e depois de farta negociação Galvez parte para o Acre, com os recursos

suficientes para a missão de expulsar os bolivianos de Porto Alonso, patrocinado pelo

Governo do Amazonas, sub-repticiamente.

Já com as conclusões de Manaus, Galvez chega ao Acre e se reúne com as lideranças

da Junta Central Revolucionaria para um estudo detido do assunto. Sabendo que o governo

brasileiro reconhecia os direitos da Bolívia sobre a região, tinham que buscar uma solução

diferenciada para o problema e desta reflexão surge à idéia da criação do Estado Independente

do Acre. Sem delongas, partiram da idéia para a ação e no lugar, denominado «Empresa», foi

criado, no dia 14 de julho de 1899, data referencial a queda da Bastilha, o Estado

Independente do Acre, organizado em modelo de republica, com capital na cidade de Porto

Acre.

Galvez formado em ciências jurídicas e sociais era orador virtuoso, sempre firmado

em orações lógicas e precisão verbal, detinha facilidade de persuasão e com tais atributos

acercou-se de “algumas figuras acreanas de relevo que o auxiliaram”, daí ter sido aclamado

por unanimidade como presidente do novel Estado.

Sem perda de tempo criou uma legislação avançada e organizou um país moderno em

todos os detalhes; edificou uma capital “garrida” que alheava os aspectos de insalubridade da

região. Mas, quando o rigor da lei incomodou o lucro de sindicalistas e, especialmente, dos

«aviadores e exportadores de Manaus e Belém», Galvez foi substituído pelo seringalista

Antonio de Souza Braga que assumiu a presidência em 28/12/1899. Sem experiência

administrativa, Braga retorna o cargo a Galvez em 30 de janeiro de 1900. Este deu

continuidade aos trabalhos executivos e nele permaneceu até 15 de março do mesmo ano

quando o governo federal o destituiu do cargo de presidente do Estado Independente do Acre,

sem qualquer resistência, e devolveu o Acre à Bolívia.

Luis Galvez aparece na história como figura estranha, enigmática, misto de intelectual

e aventureiro, quixotesco, que se apresenta como lídimo defensor do Acre. E assim ficou

registrado na crônica como simples aventureiro. Mas a realidade de seus feitos em uma causa

nobre e difícil, em favor de um povo e de uma pátria, com desprendimento e coragem, merece

receber a opinião abalizada de Ricardo (1954, v.1, p. 114-115):

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Até hoje sua figura é discutida. [...]; mas a verdade é que ele, como também

hoje se reconhece, foi quem realizou três coisas realmente interessantes;

criou a bandeira do Acre, [...]; proclamou o Estado Independente do Acre e não sem conseqüências, (pois dava ao caso acreano um novo aspecto, de que

aproveitaria Rio Branco), edificou barracas elegantes na capital do novo

Estado (14) chamando a atenção nacional para o longínquo torrão brasileiro,

então considerado inquestionavelmente boliviano. Outra verdade é que, aventureiro ou não, se pôs ele a serviço de uma causa que se formara na

consciência não só dos acreanos como dos amazonenses. Nem lhe faltou a

ajuda do governador Ramalho Junior, o auxilio de seringueiros e de proprietários “de avantajados cabedais e real prestígio no seio da população

– o que deu a essa intervenção um certo caráter de legitimidade”. O que

havia nele de verdadeiro, diga-se de passagem – era a causa de que se

arvorou defensor. A necessidade de alguém que assumisse a chefia da insurreição era tal que o primeiro disposto a aceitá-la servia: Galvez, ou

qualquer outro – que polarizasse as aspirações e interesses locais, em pleno

furor de ser.

O Brasil deve a Luis Galvez Rodrigues Arias a primeira Insurreição, isto é, a primeira

arrancada, a primeira revolução para o Acre ser brasileiro.

O não reconhecimento do Estado Independente do Acre pelo governo brasileiro por

considerar o Acre como território boliviano oportunizou à Bolívia a se preparar para assumir

com bases seguras a posse de seus domínios nas terras acreanas cinco meses depois da saída

de Galvez, outubro de 1900.

Agora sob o comando do Ministério da Guerra é enviado extraordinário ao território

das Colônias, Lúcio Velasco, Vice-Presidente da Bolívia que, resguardado por poderoso

aparato militar, junta-se, em Porto Alonso, ao delegado boliviano do Acre, André Munhoz, e

tentam um movimento apaziguador com os habitantes do Acre, sem sucesso.

Entre os brasileiros persistia a revolta e os protestos de profissionais liberais e

intelectuais de Manaus e Belém, contra a posição do governo federal. Conspiravam para

formar uma legião para se juntar aos seringueiros e atacar as fortificações bolivianas.

No Porto de Manaus dois insurretos José Maria dos Santos e Efigênio de Sales

prenderam um barco de guerra boliviano, substituíram a tripulação pelos seus que formavam a

expedição Floriano Peixoto, cujo objetivo era fazerem a Segunda Insurreição acreana. Os

sublevados recebem o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri. Formam uma flotilha

com dois navios, o Solimões e o Mucuripe, e a lancha tomada aos bolivianos.

Mais de uma centena de sublevados, exuberantes de patriotismo e escassos de preparo

bélico e estratégico, rumaram para Caquetá, divisa do Estado do Amazonas com o território

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dominado, para se juntarem ao grupo de seringueiros armados, remanescente dos embates

anteriores e que ainda enfrentavam os bolivianos em escaramuças eventuais. O grupo da

expedição Floriano Peixoto, pelo aparente despreparo para o objetivo colimado, passou a ser

referido como a “expedição dos poetas”.

No dia 29 de dezembro, de modo precipitado, iniciou o ataque a fortificação de Puerto

Alonso e o resultado foi uma rápida e fragorosa derrota, que redundou no desbarato da

expedição “Floriano Peixoto.”

Por sorte, conseguiram voltar para Manaus. Os planos se diluíram na derrota. Mas, o

malogro do movimento revolucionário do “Grupo dos Poetas” teve seu lado positivo.

Despertou a atenção nacional para a grave situação de vida ou morte dos brasileiros que

viviam e trabalhavam no Acre, explorando as riquezas da floresta amazônica, na disputa das

terras acreanas, com a Bolívia, sem o amparo devido do governo brasileiro.

A Bolívia enfrentava a questão do Acre com ásperas dificuldades internas de natureza

política e econômica, decorrentes da instabilidade governamental provocada pelas sucessivas

quarteladas e pela perda do litoral do Pacifico para o Chile na guerra de 1879. Sentindo que

não represava forças para continuar enfrentando os embates com os brasileiros

revolucionários ocupantes das terras acreanas e prevendo a possibilidade de perder o território

litigioso, procurou encontrar novos caminhos para se respaldar.

A partir de meados de 1901, o governo boliviano resolveu adotar uma proposta de

Felix Avelino Aramayo – seu ministro em Londres – que consistia em interessar capitalistas

ingleses e americanos para formar uma sociedade, anglo norte-americana, companhia de carta

colonial, nos moldes das implantadas na África e na Ásia, para arrendar da Bolívia o território

das colônias, incluindo a região do Acre com raias ainda não definidas. Consoante aduz

Aramayo (1903, p. 113):

Las bases de ese contrato fueron formuladas por mi, en consulta con

hombres experimentados en esa clase de empresas y en vista de las cartas

constitutivas de sociedades análogas, como la compañia de Indias, la compañia de sud Africa y outras.

Depois de diligenciar por países da Europa e pelos Estados Unidos da América do

Norte em busca de argentários com forte influência junto aos governos de seus países, a

Bolívia e os Estados Unidos, firmaram a 11de junho de 1901 o contrato de arrendamento. O

diplomata e historiador boliviano Jorge Escobari Cusicanqui (1986, p. 24) explica: “[...] el

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Gobierno de Bolívia, en el deseo de consolidar de alguna manera su presncia en ese territorio,

celebró um contrato de administración fiscal con “The Bolivian Sindicate” de Nueva York.”

Constituiu-se então o Bolívian Syndicate. O Sindicato que aparentava ser apenas

um contrato de arrendamento para produção industrial «da arvores da goma», com um capital

de £5.000.000, apoio da United States Rubber Company, trazia, subjacente, objetivos muito

mais amplos e perversos, como o apoio dos governos americano ou inglês, para a Bolívia, em

casos de confronto com o Brasil, referente ao Acre, como agrega Ricardo (1954, v.1, p. 156):

A Bolívia transferia ao Sindicato tal soma de poderes que a operação, sob o

pretexto de industrial, em relação a arvores da goma, o que estabelecia era um órgão soberano, com capacidade de praticar atos que só os Estados

praticam: administrar territórios, arrecadar impostos, organizar polícia,

armar e manter exército e uma esquadra! [...] Mas havia um outro aspecto,

este ofensivo aos ideais do continente, no incrível contrato. Seria a implantação, na América, de um regime asiático e africano (4) o das

Chartered companies.

A concretização do Bolivian Sindicate vem confirmar a denuncia de Galvez publicada

em 03/06/1899, Untitled Document (Internet, 10/01/12, p. 2) e sempre negada pelas partes

contratantes como expõem Ricardo (1954, v.1, p. 155): “Há uma indagação do governo

brasileiro sobre o assunto, dada a sua gravidade, e o ministro boliviano, em resposta, garante a

inexistência do sindicato... coisa que fazia aumentar o caráter político da transação levada a

efeito, ou os seus perigosos intuitos.”

Neste ato a Bolívia atestou sua incapacidade para administrar o Acre e impor a sua

soberania sobre uma região habitada por brasileiros, e que não a pertencia por direito. Esta

atitude das autoridades de La Paz veio arrefecer o relacionamento diplomático com o Brasil e

dificultar as negociações da questão do Acre.

Da «monstruosidade jurídica» desfechada pela Bolívia contra o continente, ao firmar

com americanos e ingleses a introdução do regime afro asiático da Chatered Companies, no

território do Acre, proveio à terceira insurreição acreana; a revolta dos brasileiros contra a

ameaça à Amazônia e, ainda, ao «maior complexo fluvial do mundo» pelo poderio norte

americano, como, já e antes do Sindicato, asseverava Ruy Barbosa (apud RICARDO, 1954,

v.1, p. 157) “São conhecidas as aspirações da nossa estimável irmã da América do Norte, a

respeito da borracha; é notório o seu apreço pelo torrão maravilhoso, possuído pelo Brasil, nas

margens amazônicas”.

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O fato provocou a manifestação da imprensa, sociedades científicas e culturais, do

Congresso nacional, exigindo do governo brasileiro providências severas e imediatas contra o

descalabro jurídico em andamento, provocado pela vizinha República.

A revolta acreana era de âmago patriótico como vemos na declaração escrita de José

Plácido de Castro, tomado pela indignação ao ter conhecimento do Contrato e analisar suas

conseqüências como relatam Tocantins (1972, p. 206) e Ricardo (1954, v.1, p. 165):

Veio-me à mente [...] a idéia de que a pátria brasileira ia se desmembrar,

pois, a meu ver, aquilo não era mais do que um caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando desde então a lhes franquear a

navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte

do Brasil ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça, em breve estaria consumada. Guardei apressadamente a

bússola de Casela de que estava me servindo, abandonei as balizas e demais

utensílios e saí no mesmo dia para a margem do Acre.” “Estava-se em 23 de junho de 1902. O Acre nessa data encontrou o seu libertador.

No emanar da República, considerando-se o período compreendido entre 1894 e

dezembro de 1902, não são de promissores resultados para o Brasil a condução dos negócios

estrangeiros pelos Ministros de Relações Exteriores, sendo ministros: Carlos de Carvalho,

Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães, principalmente no desempenho da questão do

Acre.

Por esta época o Ministério das Relações Exteriores era conduzido por figuras da área

política ou militar, geralmente de pouco preparo para o trato internacional e, principalmente,

no atinente a geografia e historiografia do perfil territorial do Brasil. Sobre tal realidade bem

se manifesta Pereira (2007, p. 240) ao se referir a transição Império - República:

A elite nobre do Império, educada na Europa, foi intempestivamente

substituída no poder por militares e civis, que não possuíam tradição cultural e experiência no trato da coisa pública. Essa substituição foi, em parte,

forçada pela maioria dos nobres, que se negaram a colaborar com a

República, na qual pontificavam chefes que haviam participado da

campanha do Prata, honrados e com atestado de bravura e amor à Pátria, porém poucos afeitos à política e à administração.

Quando do advento do tratado de 1867, firmados pelo Império do Brasil e a República

da Bolívia, pensou-se na definição e demarcação dos limites entre os Estados contraentes para

estimar a precisão geográfica do Acre.

O que parecia uma questão de fácil solução ganhou asas na vasteza das complicações,

oriundas das críticas dos falsos sapientes da matéria, figurões políticos, ministros de Estado,

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senadores verbosos, com consequências transtornantes aos convizinhos, como agrega Ricardo

(1954, v.1, p. 28):

Agora a solução viria com a conseqüência de que o Acre teria a sua

definição geográfica. Pois, deu-se o inverso. Houve erros, uns de interpretação do novo pacto, outros de história e geografia e – resultado – o

Acre que o Rio Branco teve que definir e incluir no mapa brasileiro; isto é,

um Acre objeto de três revoluções e vítima de três “protocolos espúrios”.

Passando a conclusão para a ordem direta da história, ficamos com: – um Acre objeto

de três “protocolos espúrios” e três revoluções consequentes. Os protocolos de 1895, 1898 e

1899 dos citados chanceleres, foram pedras angulares da transferência do Acre brasileiro para

a Bolívia e, pelos mesmos feitos, das três insurreições acreanas. E Ricardo (1954, v.1, p. 14)

infere: “O Acre era nosso, [...], deixou de ser nosso. A nossa diplomacia fez presente dele à

Bolívia. De 1895 a 1899 e de 1899 a 1902 a nossa diplomacia sustentou que o Acre era da

Bolívia e o fez com “mas ardimiento” do que os próprios bolivianos.” E ainda Ricardo (1954,

v.2, p. 57) se interroga: “Pois não foram esses erros, justamente, que haviam colocado nas

mãos da Bolívia a arma com que ela, depois, lutou contra nós?”

Dúvidas não pairam sobre a matéria. Múltiplas são as fontes que de igual modo a

conclui. E autores emergem com rigor de analise como o faz Silva (Internet, 21/01/2012):

Os tempos de dirigentes alienados como Carlos de Carvalho, Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães passaram a ser coisa do passado. O primeiro nome citado, convém recordar, foi o responsável pelo protocolo

Carvalho-Medina que aceitou uma posição geográfica para a nascente do rio

Javari, sem que tivesse sido ela devidamente reconhecida no terreno,[...]. O

segundo, Dionísio Cerqueira, teve a infelicidade de autorizar a Bolívia a instalar um posto alfandegário no rio Acre, em zona totalmente ocupada por

brasileiros. O terceiro, continuador, da política infeliz dos dois antecessores

imediatos, ainda teve a petulância de menosprezar os habitantes do Acre, quando afirmou publicamente: "O seu território é habitado, não por

bolivianos, por brasileiros, que nem um interesse real têm na sua

independência, porque não lhes muda a sorte. Eles são, como antes, simples

instrumentos na exploração dos seringais, mais sujeitos à fatal conseqüência

da insalubridade do clima que enriquecidos pelo seu trabalho.

Desse período de penumbra diplomática do Império e da Republica só se salva

discreta claridade nas determinações de Campos Sales, 1901, quando do desmando de

Paravicini, de mandar suspender a tramitação no Congresso do Tratado de Comércio e

Navegação com a Bolívia, bem como cancelar, em nossos rios, a liberdade de navegação para

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exportação de produtos bolivianos. Fora esta decisão nada, além do que se mostrou, foi

positivo à política externa dos ministros mencionados, em favor dos brasileiros do Acre.

Mas, viria alguém para defender os acreanos. Alguém capaz de entender os erros de

interpretação e do próprio mapa do tratado de Ayacucho. Alguém com sensibilidade para

buscar a realidade geo-social, humana, histórica da Questão do Acre e se decidir a defendê-los

com razão, decisão e justiça. Seria Rio Branco.

A situação da política externa do Brasil apresentou significativas modificações,

positivas para o Acre, com a presença de Francisco de Paula Rodrigues Alves na presidência

do Brasil (1902-1906). Homem de formação cultural abrangente, robusto e fúlgido currículo

no decurso da vida pública, experiência política e por isso referido como «aquele que sabe

escolher seus auxiliares» – indicativo preciso de governante sensível.

E essa qualidade se concretiza quando faz retornar da Alemanha o Barão do Rio

Branco para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Detinha o presidente conhecimento

sedimentado dos problemas de nossas fronteiras, especialmente do noroeste da Amazônia, e

buscava atrair pessoas, de notório saber e comprovado desempenho no trato da negociação

diplomática.

O Barão do Rio Branco já se consagrara como seguro conhecedor dos problemas das

fronteiras brasileiras e tenaz estrategista do direito internacional, quando da defesa do Brasil

nas questões de Palma e do Amapá.

Apesar da demorada permanência na Europa, Paranhos do Rio Branco, mantinha-se

informado sobre a inteligência (GÓES FILHO, 2001, p. 288) do governo brasileiro à

interpretação do tratado de Ayacucho quando, então, ministro em Berlim.

Ainda na Alemanha, acompanhava o desenrolar da questão do Acre, preocupado com

a presença do sindicato; fez correspondência com seu amigo Assis Brasil, embaixador em

Washingtom, com o objetivo de saber como se posicionava o governo norte-americano sobre

o assunto.

Em 03 de dezembro de 1902, José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco toma posse

como Ministro das Relações Exteriores do Brasil.

Assume a direção dos assuntos estrangeiros num período em que a questão do Acre se

complicava em seus múltiplos aspectos, na sua infinidade de questões, de caráter político,

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jurídico, geográfico, econômico, social e humano, a ponto de não ser fácil divisar o caminho

certo à sua solução.

A questão ascendeu do âmbito local para o sul-americano e deste para o continental e

para o universal, agravada pelo contrato entre a Bolívia e o Syndicate anglo-americano, por,

pelo menos, duas razões pertinente: a Hevea brasiliensis e a navegação dos rios amazônicos.

Rio Branco encontrou estremecidas as relações de amizade com a Bolívia e, em suas

próprias palavras, “sumamente grave e complicada as questões relativas ao território do

Acre”, além da opinião pública extremada pela paixão patriótica a exigir ação destemida e

imediata do governo. Conforme já referidas, encontrou: 1 – a região sublevada por Plácido de

Castro; 2 – contrato da Bolívia com o Sindicato anglo-americano; 3 – expedições militares da

Bolívia contra o Acre; 4 – navegação amazônica fechada para o exterior e para a Bolívia.

Procedeu a detido balanço da situação. Analisou cada caso e optou pela necessidade

urgente de mudar a linguagem tradicional da Chancelaria brasileira atinente ao tratado de

1867, relativo à questão do Acre. Jogo delicado para a diplomacia, conduzir um problema de

dupla face, isto é, combinar o dever em prol dos compatrícios do acre, sem hostilizar os

amigos bolivianos que os perseguia; situação que exigia não só o saber e a astúcia do

diplomata, mas o decidir e o agir do estadista. E Goes Filho (2001, p. 290), ao se referir a

estatura cultural de Rio Branco, como emérito na história e na geografia pátrias, advogado e

diplomata de real valor, alude: “Agora, só agora, emergia o estadista, o homem de ação que

procurava conduzir os acontecimentos para os objetivos escolhidos.”

Entendeu finalmente o Chanceler a necessidade de uma solução radical capaz de evitar

definitivamente situações como esta entre o Brasil e a Bolívia. Compreendeu que tal fim só

seria alcançado tornando brasileiro todo o território do Acre habitado por brasileiros tanto

para o Norte como para o Sul do paralelo 10º20’, incluindo o Xapuri, e com abrangência para

o Oeste. Este raciocínio implicava na mudança da inteligência brasileira emprestada ao

tratado de 1867, desconsiderando a linha obliqua e estabelecendo a fronteira pela paralela.

Este fato de tal radicalidade se reveste que o território acreano considerado boliviano pela

Chancelaria brasileira, passava a ser litigioso (GOES FILHO, 2001, p. 292).

Concluída a analise, Rio Branco age com presteza. De imediato manda para todas as

Chancelarias uma nota esclarecendo que a presença do Bolivian Syndicate com poderes

soberanos, concedidos pela Bolívia, punha em risco a segurança continental ao fazer a

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“primeira tentativa de introdução no nosso continente do sistema africano e asiático da

Chartered Campanies” (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 16).

Em telegrama mandou a nossa representação, em La Paz, comunicar ao governo

boliviano: “Com respeito à questão do Acre, demos a entender à Bolívia que o contrato de

arrendamento do território ao “Bolivian Syndicate” foi uma monstruosidade legal, porquanto

importa numa alienação parcial de soberania em favor de uma companhia estrangeira sem

personalidade internacional” (RICARDO, 1954, v.1, p. 180).

Esta afirmação de “alienação parcial de soberania” feita por Rio Branco, em 24 de

janeiro de 1903, abalou a idoneidade da Bolívia no contexto internacional conforme se

manifesta o diplomata e historiador boliviano Cusicanqui (1986, p. 24) “El Canciller del

Brasil, Baron de Rio Branco, dirigió una circular a las cancillerias americanas calificando ese

contrato de “mostruoso” y similar a las concesiones realizadas em África... [...]. Inutiles

resultaron las protestas del governo boliviano,[...]”.

Neste mesmo documento o Chanceler comentou a ampla interpretação dada ao

Tratado de 1867, com facilidades de comunicação que o Brasil tem permitido à Bolívia pelo

Amazonas e pelo Paraguai, mas acrescentou: “[...] o Brasil acreditou do seu dever sustentar a

verdadeira interpretação do tratado e defender, em conseqüência, como fronteira o paralelo

10º20’, afim de chegar a uma solução com o Bolívian Syndicate; [...]” (RICARDO, 1954,

p. 180-81).

E para completar a severidade da posição do Brasil referente à Questão do Acre,

completa Rio Branco (1947, p. 18), na exposição de motivos, ao considerar litigioso o Acre

setentrional ao paralelo 10º20, entre a paralela e obliqua: “Declaramos litigiosa parte do

território do Acre, do Alto Purus e do Alto Juruá adotando a inteligência mais conforme com

a letra e o espírito do Tratado de 1867 e o critério mais seguido entre nós, embora não tivesse

sido até então o deste Ministério.” Esta decisão conduziria o problema para solução

diplomática por acordo direto ou por arbitramento.

O Presidente Campos Sales, no final de seu governo, foi o primeiro a tentar um acordo

de negociação direta para anexar o Acre ao território brasileiro, com a proposta de

indenização pecuniária, compensações territoriais, vantagens outras de ordem política e

econômica, porém não logrou sucesso pela não aceitação pela Bolívia.

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Rio Branco continuou a tentativa de negociação direta propondo a compra do território

do Acre; a Bolívia considerou inaceitável a proposta. Continuou a tentativa de uma

negociação com base na permuta desigual de território a que outras compensações serviriam

de complemento. Esse andamento foi sustado pela noticia da rendição de Porto Acre às forças

de Plácido de Castro e a publicação do telegrama do Chanceler brasileiro, declarando litigiosa

parte do Acre, pela imprensa de La Paz no mesmo dia 24 de janeiro de 1903.

A nação boliviana eclodiu em protestos contra o Brasil. O Presidente Pando resolveu

descer com expedições militares contra o Acre; comunicou à representação diplomática

brasileira, em La Paz, a suspensão das negociações, conforme Jorge (1945, p. 137): “[...] o

Governo da Bolívia não pretendia continuar as negociações antes de haver dominado a

insurreição acreana e pacificado a região conflagrada”.

Diante de tais contingências, o Governo do Brasil determinou o envio de tropas para

os Estados de Mato Grosso e Amazonas, com ocupação militar do território do Acre, ao norte

do paralelo 10º20’ oficialmente declarado litigioso e comunicou ao Governo boliviano que a

ocupação militar do território do Acre, demoraria até a solução definitiva do litígio.

Pando conduzindo tropas para o norte e Rio Branco para o sul quase que anulavam os

intentos de negociação pacífica do Acre e prenunciavam as possibilidades de uma guerra

inglória com a possível investida de Pando contra as forças de Castro.

A técnica de Rio Branco surpreende pela rapidez com que se mobiliza para buscar

soluções diplomáticas. Libera a navegação fluvial do Amazonas para o transito comercial

entre a Bolívia e o estrangeiro; comunica ao governo boliviano que suas tropas não podiam

ultrapassar o paralelo demarcatório da área litigiosa.

Propõe um acordo temporário de modus vivendi, vantajoso para os dois países.

Argumenta que dos três litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, o que possui as melhores condições

de ocupação administrativa, transitória, do território questionado, visto a nacionalidade de sua

população, é o Brasil que, com a ocupação militar, podia se responsabilizar pela pacificação

do território.

Consegue eliminar o maior dos obstáculos, para iniciar qualquer acordo, a desistência

do Sindicato anglo-americano com uma declaração licita de total renuncia de seus direitos,

acordado pela indenização no valor de 110.000 libras esterlinas.

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De imediato o governo boliviano aceitou a proposta e o processo andou, conforme Rio

Branco (1947, v.5, p. 4):

[...], teve começo a negociação do acordo preliminar relativo ao modus

vivendi do Acre. Essa negociação terminou em 21 de março. Em virtude do acordo então assinado em La Paz, [...] as tropas brasileiras ficaram ocupando

o território em litígio e foi autorizado o governador militar brasileiro a

mandar destacamentos ao sul do citado paralelo, em território reconhecidamente boliviano, e dentro de limites convencionados, para o fim

especial de evitar conflitos entre os acreanos armados e as tropas bolivianas

durante o prazo de suspensão de hostilidades implicitamente ajustada, devendo continuar a exercer a sua autoridade ao sul do dito paralelo o

governador aclamado pelos acreanos. A nossa intervenção não visava

reprimir a insurreição, mas sim proteger os nossos compatriotas e manter o

statu quo enquanto se tratava da discussão do assunto principal, que era um acordo capaz de remover para sempre as dificuldades com que os dois países

lutavam desde 1899.

A Bolívia designou seus representantes, em 1º de julho de 1903, os diplomatas Dr. D.

Fernando Guachalla, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Bolívia em

missão especial e o Sr. D. Claudio Pinilla Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário

acreditado aqui em missão permanente, encarregados de negociarem a questão do Acre com o

Brasil.

Em 17 de julho, Rio Branco convida para plenipotenciários o Senador Ruy Barbosa e

o Embaixador Assis Brasil, formando os três a delegação brasileira.

Constituídas as delegações negociadoras inicia-se a fase dos trabalhos alternativos de

propostas e contrapropostas, com o viso a um acordo definitivo laborado em amplas

condições de amizade e lealdade capaz de formalizar resultados compensadores para ambas as

partes, conforme externou Rio Branco (1947, v.5, p. 21) em sua Exposição de Motivos.

Várias reuniões foram realizadas em Petrópolis e no Rio de Janeiro; delas duas

questões surgiram “a do acordo direto preferido ao arbitramento, e a da troca de território”

(RICARDO, 1954, v.1, p. 199).

O Chanceler alertou seus pares brasileiros da necessidade de, para se chegar a um

acordo direto, fazer algumas concessões à Bolívia, na parte brasileira do baixo rio Paraguai,

com o propósito de oportunizar-lhe, por este lado, portos para facilitar seu comércio para o

exterior. Assunto já manifestado pelo Império quando do tratado de 1867. As negociações

tomaram rumos que não agradavam ao Senador Ruy Barbosa. Quando foi proposta a

concessão de terras na fronteira de Mato Grosso, entre Bahia Negra e Arroyo Conceição, e a

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elevação da compensação pecuniária para dois milhões de libras, o ilustre Senador e

respeitado jurista, defensor da solução pelo arbitramento, solicita sua demissão de

Plenipotenciário e abandona os negociadores brasileiros (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 6 - 8).

Mesmo com a perda de tão ilustre componente os trabalhos não sofreram solução de

continuidade. Prosseguiram, sobre a responsabilidade de Rio Branco e Assis Brasil, como

afirma o próprio Chanceler, por quatro longos meses de severa avaliação do caso, tendo

chegado, com a destacada atuação dos diplomatas bolivianos, ao “Tratado de permuta de

território e outras compensações, firmado em Petrópolis, a 17 de novembro último (1903)

pelos plenipotenciários do Brasil e da Bolívia” (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 3), e que se

consagrou com a denominação de Tratado de Petrópolis.

A questão do Acre foi então deslindada através de rigorosa análise dos impedimentos

preliminares, como os já referidos: a supressão da navegação fluvial para a Bolívia, objeto de

reclamação pela França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos da América e Suíça – o

Sindicato internacional – os brasileiros do Acre – a soberania do território, ocupado por eles, e

exigida pela opinião nacional – levaram Rio Branco e Assis Brasil a concluírem ser o recurso

mais abrangente para o caso, a negociação através de um Acordo Direto.

Diferente do arbitramento, dispendioso, demorado e de final incerto, o Acordo Direto

era o caminho seguro para a solução imediata do problema acreano, do retorno à convivência

amistosa e pacífica entre as duas nações, através da permuta de territórios desiguais e

indenização complementar, propulsoras de uma negociação vantajosa para os dois lados,

como bem salientou Rio Branco (1947, v.5, p. 21) “As combinações em que nenhuma das

partes perde, e, mais ainda, aquelas em que todas ganham, serão sempre as melhores”.

O Tratado de Petrópolis, contendo dez artigos, estipulou que o Brasil, para conseguir

da Bolívia a desistência do alegado direito sobre a área considerada litigiosa ao norte do

paralelo 10º20’, avaliada em 148.900 quilômetros quadrados, bem como a cessão de parte de

seu território ao sul desta latitude, com área aproximada de 42.108 quilômetros quadrados,

totalizando 191.000 quilômetros quadrados, se obriga a permutar territórios, em vários trechos

da fronteira mato-grossense, e retribuições compensatórias à Bolívia conforme descreve Rio

Branco (1947, v.5, p. 21-22) na Exposição de Motivos:

Do tratado resultaram as seguintes concessões à Bolívia, além da que acima

ficou referida: (área de 2.292 quilômetros quadrados entre os rios Madeira e

Abunã – habitada por bolivianos); 723 quilômetros quadrados sobre a

margem direita do rio Paraguai dentro dos terrenos alagados conhecidos por

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Baia Negra; 116 quilômetros quadrados sobre a lagoa de Cáceres,

compreendendo uma nesga de terra firme (49,6 quilômetros quadrados) que

permite o estabelecimento de um ancoradouro mais favorável ao comércio que o que fora cedido à Bolívia em 1867; 20,3 quilômetros quadrados, nas

mesmas condições sobre a lagoa Mandioré; 8,2 quilômetros quadrados sobre

a margem meridional da lagoa Gaíva; A construção de uma estrada de ferro,

em território brasileiro, ligando Santo Antônio, no Madeira, a Vila Bela. Na confluência do Beni e Mamoré; Liberdade de transito por essa estrada e

pelos rios até o Oceano, com as correspondentes facilidades aduaneiras, o

que já lhe era facilitado por anteriores tratados; Finalmente, o pagamento de dois milhões de libras esterlinas em duas prestações.

As negociações estabelecidas no presente tratado ocorreram sem necessidade de

inovação dos direitos existentes entre os dois países, visto estarem os atos praticados de

conformidade com os Art. 2º e 5º do acordo de 1867, respectivamente, base de determinação

das fronteiras pelo uti possidetis; e a conveniência da troca ou permuta de territórios

habitados por nacionais do outro país. O Ato de Petrópolis, desempenhado sob singular

espírito de justiça e boa vizinhança, foi satisfatório e gratificante para os dois países por

eliminar o conjunto de desinteligências existentes, desde 1899; determinar a fronteira

definitiva e selar de modo efetivo as nossas relações com a Bolívia.

Ao iniciar a Exposição de motivos, já referida, Rio Branco acha conveniente uma

explicação que considera importante, relativos a territórios permutados e linhas de fronteira:

“No tratado não foram expressamente declarados quais os territórios permutados, mas

simplesmente descritos com a possível minuciosidade e clareza as novas linhas de fronteiras.

Procedendo assim, conformamo-nos com a prática geralmente seguida na redação de acordo

dessa natureza.” As novas linhas de fronteira estão esclarecidas no Art.1º do tratado e seus

respectivos parágrafos.

Como sabemos das raízes da lógica, todo segmento fim gera um segmento início. O

Tratado de Petrópolis, conduzido e firmado, em acordo direto, pelos plenipotenciários, Barão

do Rio Branco e Assis Brasil (Brasil) e Fernando Guachalla e Claudio Pinilla (Bolívia),

findou com as incertezas e controvérsias dos limites territoriais e iniciou a Formação da

Fronteira Brasil-Bolívia em ato definitivo.

.

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7.4 – O Tratado de Natal de 1928: Tratado de Limites e Comunicação Ferroviária entre

o Brasil e a Bolívia

7.4.1 – Antecedentes

O grande feito diplomático da conclusão da Questão do Acre ensejou o inicio de

desafios ainda mais ásperos e severos: a execução das obrigações estabelecidas no Tratado de

Petrópolis. Compromissos exigentes de decisões precisas e ações seguras para vencer os

óbices da selva impenetrável, inóspita, do silvícola ameaçador, das endemias grassantes, do

isolamento incomum.

A obrigação constante do Artigo VII, “construir uma ferrovia que ligasse Santo

Antonio, no rio Madeira, até Guajaramirim, no Mamoré, acrescida do ramal de Villa Bela”,

constituiu-se na mais desafiadora, por implicar na construção da Estrada de Ferro Madeira

Mamoré. Apesar de almejada desde os idos de 1882 pelo Estado boliviano, (GUTIERREZ,

1946, p. 79), como a mais importante via fluvial para atingir o oceano Atlântico, vencidos os

abrolhos do rio Madeira. Navegou desrumada na linha do tempo até encontrar o ancoradouro

seguro e definitivo na ação determinante do Barão do Rio Branco ao firmar com a Bolívia o

Tratado de Petrópolis em 17/11/1903, também por ele denominado “tratado de permuta e

outras compensações”.

Somente com o contato das cartas topográficas da região, os engenheiros brasileiros

puderam ter idéia da magnitude da empresa que o governo brasileiro tinha para resolver.

Sabiam que este desafio já havia deitado por terra o empenho e a coragem dos mais

destacados construtores da engenharia mundial como Church, Colins, Morsing, Pinkas e

outros concessionários de transcurso profissional ilibado, conforme Guilherme (1959, p. 40).

Sabiam das dificuldades, conheciam o desistir dos outros, mas sabiam que a estrada de ferro

tinha que ser construída. As dificuldades seriam debeladas, uma a uma, pelo avanço

tecnológico e pela força indômita do nordestino, destemido e forte.

A construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, foi iniciada, em 1907, pelo

engenheiro Joaquim Catramby, vencedor da licitação e que depois negociou com o

empreendedor estadounidense Percival Farkuhar para vencer a distância de 366 km, na selva

amazônica, ligando Porto Velho no Madeira a Guajará-Mirim no Mamoré; foi concluída em

30 de abril de 1912; abriu para a Bolívia, pela ligação fluvial-ferroviária, a saída para o

Oceano Atlântico. “[...] o Brasil pagou à Bolívia uma indenização de £ 2.000.000-ouro,

fazendo-o com absoluta pontualidade; e construiu com heroísmo e capacidade técnica a

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Madeira Mamoré [...] que dera o extraordinário resultado da incorporação do Acre à soberania

do Brasil.”, como fruto da política pragmática do diplomata e estadista Barão do Rio Branco,

como aludi Soares (1975, p. 147).

Como vimos o Brasil cumpriu os compromissos estabelecidos no Tratado de 1903,

tanto nos pagamentos como na construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Tudo estaria

finalizado, não fosse constar do mesmo Art. VII “[...] com um ramal que, ligando Vila

Murtinho ou outro ponto (Estado de Mato Grosso), chegue a Villa-Bella (Bolívia), na

confluência do Beni e do Mamoré [...].” Este ramal transformou-se num fator complicador, de

difícil solução, por haver entrado no tratado com base crítica de conhecimento regional, como

bem o esclarece Gutierrez (1946, p. 80-81):

El Brasil cumplió también su compromiso de construir el ferrocarril Madera

- Mamoré, en território brasileño; pero quedo pendiente su obligación de construir el ramal Villa Murtinho – Villa Bella, en território brasileño

igualmiente. En esa situación, se comprobó que la acordada construción del

ramal incurría en un absurdo geográfico, consecuencia del desconocimiento de la región, porque Villa Bella quedaba separada de la línea principal

apenas por el ancho del río Mamoré. El único ramal que podia construirse

era, pues, el de un puente de un kilómetro de largo, sin verdadera utilidad, en caso de que técnicamente resultara posible hacerlo en tal sitio.

As chancelarias, à procura de solução definitiva para a construção do ramal,

desfilaram um rosário de protocolos diplomáticos que se sucederam por décadas ao longo da

linha do tempo.

Por iniciativa do governo boliviano, surge o primeiro protocolo, 1910, firmado pelos

chanceleres Barão do Rio Branco e Claudio Pinilla, para substituir o traçado por outro mais

apropriado e que terminasse em território boliviano à margem direita do rio Beni. Passados

dois anos, 1912, os chanceleres Lauro Muller, do Brasil, e Victor Sanjinés, da Bolívia,

firmaram o segundo protocolo, anulando o anterior, e projetando novo traçado que atravesse o

rio por uma ponte e se ligasse à rede ferroviária boliviana de Riberalta.

As chancelarias, então, sobrecarregadas pelo peso morto das indefinições, das

indecisões e das inações dos governos, assistiram, agravadas pela crise da borracha,

decorrente da produção asiática, resultante do surrupio e da transmutação da seringueira

amazônica para a Malásia, pelos ingleses, as coisas se arrastaram assim até 1916, como acode

Gutierrez acima citado:

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[...] se havia convenido primeramente un ramal, en território brasileño (Villa

Murtinho-Villa Bella); luego su sustitución por un ferrocarril cuyo costo en

su território debia pagar Bolívia, quedando entre tanto de propiedad del gobierno del Brasil; finalmente, la construcción de un puente sobre el río

Mamoré, que quedaría en poder del Brasil, debiendo además Bolívia

construir el ferrocarril hasta Riberalta.

Ainda neste ano de 1916 assume a representação diplomática da Bolívia, no Rio de

Janeiro, o vice-presidente José Carrasco. Jornalista e político, adepto das comunicações

ferroviárias, procurou introduzir novas idéias às configurações do Tratado de Petrópolis.

Entendeu da necessidade de conduzir o enfoque das negociações da bacia amazônica para a

platina. Entendia que o potencial do oriente boliviano não podia permanecer esquecido, era

necessário abrir vias de comunicação para explorar suas riquezas; percebia que não tinha mais

razão de ser a construção da ponte sobre Mamoré; a oportunidade passou e a crise da borracha

deixou a Bolívia sem recursos para se comprometer a construir a ferrovia até Riberalta.

Com base nesse entendimento, procurou ele conduzir sua ação diplomática no objetivo

de convencer o Brasil a transformar o compromisso da ponte do rio Mamoré, calculada em

um milhão de libras esterlinas, em ajuda econômica para construir uma ferrovia que ligasse o

rio Paraguai a Santa Cruz de La Sierra, usando o concurso de empresas particulares como o

fizeram os presidentes Arce, Pando e Montes na construção da rede ferroviária do altiplano

boliviano.

Seguindo este método de se associar a empresa particular, Carrasco aguardou o

resultado que só chegou em 1919. Neste ano a Companhia de Minas e Comunicação de Mato

Grosso, associada ao projeto, comunicava que o governo brasileiro concordava em negociar a

aplicação do valor de um milhão de libras esterlinas, destinado à construção da ponte sobre o

rio Mamoré, pelo Tratado de Petrópolis, para implantar uma rede ferroviária ligando Corumbá

a Santa Cruz de La Sierra, como ainda mostra Gutierrez (1946, p. 83) ao referir possíveis

exigências da Empresa: “2º – Cambio de la aplicación de la suma destinada por el Tratado de

Petrópolis a la construcción de una puente entre Brasil y Bolívia, sin grande interés para los

dos países, pasando a servir como auxilio para la construcción de la línea férrea de Santa Cruz

a Corumbá.”

Mas todo esse conjunto de idéias não ascendeu do plano de lucubrações diplomáticas.

O Protocolo de 3 de setembro de 1925 buscou a solução do impasse pela modificação do Art.

VII do Tratado de 1903. Não chegou a resultado positivo por haver sido retirado da Câmara

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114

Federal, pelo Chanceler Otávio Mangabeira, antes da ratificação, “ficando apenas como

antecedente nominal.”

7.4.2 – O Tratado

O arquivamento do Protocolo de 1925 não ensejou o esquecimento dos projetos

anteriores. Ao contrário, com bastante entusiasmo, foi desenvolvida uma retrospectiva dos

assuntos considerados e que evoluíram para o “Tratado de Limites e Vinculação Ferroviária

entre o Brasil e a Bolívia”, também chamado Tratado de Natal, firmado em 25 de dezembro

de 1928, no Palácio Itamaraty, Rio de Janeiro.

O Tratado de Natal, composto de seis artigos, enfocava dois aspectos da mais alta

importância para os dois países: o territorial, que envolve limites, e o ferroviário. Na questão

dos limites tinha por encargo esclarecer e completar a definição da fronteira comum, nos

vários trechos que, apesar de estabelecidos nos tratados anteriores de 1867 e 1903, ainda

estavam por concluir. No aspecto ferroviário tencionava obter uma saída para o oriente

boliviano, a partir do rio Paraguai, em conexão com a rede ferroviária brasileira.

Sucinto no formal diplomático, o tratado de Natal continha um conjunto de variáveis,

de complexidade vária, que, tanto no tocante a definição de limites como no referente à

comunicação ferroviária, demonstrava uma carência histórica, geográfica, geopolítica, e

jurídico-diplomática dos seus condutores, que dificilmente chegaria a êxito à eliminação dos

óbices aflorantes.

Já, no seu Art. III, trazia a herança do marco fincado no rio Turvo, afluente do

Paragaú, por Lopes Araújo (1877), que o tomou, por engano, como se fosse o rio Verde.

Este fato haveria de originar sérias divergências de limites por prejudicar a Bolívia.

O Tratado de Petrópolis não completou o trabalho de demarcação da fronteira comum

entre o Brasil e a Bolívia. O primeiro motivo foi constar no § 4º do seu art. I o que se segue:

“Da entrada do canal Pedro Segundo ou rio Pando até a confluência do Béni e Mamoré, os

limites serão os mesmos determinados no Art. 2º do Tratado de 27 de março de 1867.” Por ele

a Comissão Mista demarcadora de limites ao trabalhar a região compreendida entre o marco

dos Quatro Irmãos e a nascente do rio Verde, fez um deslocamento para oeste e colocou o

marco no rio Turvo favorecendo o Brasil. Esse erro não teve a correção no tempo devido.

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Quando da demarcação do Tratado de Petrópolis, o governo da Bolívia insistiu, junto

ao governo brasileiro, para corrigir a divisa, que favorecia o Brasil, pela verificação da

posição do marco referido. As negociações, no Rio de Janeiro, resultaram na instrução de

1907, do Barão do Rio Branco e de Claudio Pinilla, incumbindo a Comissão Mista brasileira

boliviana de verificar se o marco estava à cabeceira do rio Verde ou do rio Turvo. Ainda pela

mesma instrução, obtido os resultados, caberia aos dois Governos decidir se o marco seria

mudado ou se ficava onde estava. O reconhecimento foi terminado em 1909. O marco não se

encontrava no rio Verde, mesmo assim, os governos não decidiram pela mudança.

O Art. V deste Tratado estabeleceu a substituição das obrigações pendentes de 1903,

por um auxilio de £ 1.000.000 que o Brasil daria à Bolívia para vinculações ferroviárias e que

ficaria à disposição do Governo boliviano, decorridos seis meses após a troca de notas entre

os dois governos. Tudo ficou no vazio, sem especificação. Sem os elementos jurídicos de

estrutura de um tratado. E sobre isso Gutierrez (1946, p. 88) comenta:

“[...] ese tratado era tan impreciso como el Protocolo de 3 de setiembre de 1925, porque se referia a un vago plan de construcciones ferroviarias, que

Bolívia no estaba tampoco en la posibilidad de realizar, pues requeria el

empleo de varios millones de libras esterlinas, a parte de que dejaba el señalamiento de importantes detalles, como la forma de pago del auxilio, el

orden de los trabajos y aun la determnación de las obras en que habria de

invertirse el millón de libras esterlinas , a un futuro cambio de notas entre los dos gobiernos.[...] A este respecto el ex presidente Ismael Montes al

firmar el Tratado de 1928 nada se habia hablado del modo de realizar el

auxilio y cada parte lo entendió a su manera” .

O Tratado de Natal foi de duração efêmera e resultados inexpressivos. Firmado em

1928 teve a seguir uma sequência de acontecimento políticos internacionais de severas

consequências para a América do Sul. No Brasil irrompe a revolução de 1930; na Bolívia cai

o governo da República; em1932 tem início a Guerra do Chaco envolvendo o Paraguai e a

Bolívia, em confronto sangrento, que se prolongou até 1938, quando foi assinada a Paz do

Chaco. Somente em 1941 os Governos do Brasil e da Bolívia, por reversais, voltaram a

intentar um ajuste de fronteiras, na região de Quatro Irmãos e do rio Turvo. Tinham o objetivo

de salvar propriedades privadas dos dois países. Estas reversais nunca foram cumpridas.

Resumindo-se a apreciação sobre o Tratado de Limites e Vinculação Ferroviária entre

o Brasil e a Bolívia, 1928, ou Tratado de Natal, para se ter um conhecimento mais seguro e

conclusivo desse acordo internacional, nada melhor do que buscar o esclarecimento singular

de Soares (1975, p. 149): [...] O Tratado de Natal consagrou, solenizou o marco do Turvo.

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Assunto resolvido, por conseguinte, entre ambos os Governos. Mas o Tratado de Natal

tornou-se, exceção feita da consagração do marco do Turvo, inoperante quanto aos demais

assuntos – demarcação, programa ferroviário, entrega de £ 1.000.000 à Bolívia.

Após a morte do Barão do Rio do rio Branco, em fevereiro de 1912, o Itamaraty

defletiu a pujança da ação diplomática brasileira. Retornaram à chancelaria homens,

geralmente políticos ou militares, desprovidos de méritos culturais condizentes às exigências

da função, bem diferente da equipe do Barão do Rio Branco constituída por uma plêiade de

intelectuais e homens de letras como Graça Aranha, Euclides da Cunha, Domício da Gama,

Clovis Bevilaqua, Gastão da Cunha e Heráclito Graça.

7.5 – Tratado de Vinculação Ferroviária e de Saída e Aproveitamento do Petróleo

Boliviano de 1938

7.5.1 – Antecedentes

Após a retumbante ação diplomática de Petrópolis sob a égide de Paranhos do Rio

Branco Junior, que surpreendia pela mobilidade, rapidez e tenacidade na solução dos desafios

da política exterior do Brasil, o Itamaraty passa a surpreender com a lentidão e as indefinições

na condução das negociações pendentes com a Bolívia.

Do Tratado de 1903 ao de Natal, em 1928, decorreram 25 anos e o resultado do

Tratado de Natal foi mofino e indefinido conforme já relatado por Soares (1975). As

Chancelarias de La Paz e do Rio de Janeiro continuaram os trabalhos pela troca de protocolos

e reversais na tentativa de chegarem a termos de Acordos.

Nesse ambiente de tentativas sem resultados, chegou-se aos anos trinta do século XX,

período de conturbação na política internacional advinda da Grande Depressão dos Estados

Unidos da América, agravada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, que gerou uma

crise, sem precedentes, na economia mundial.

Na América meridional, o Brasil despontou com o enfraquecimento da demanda do

café no mercado exterior, seu principal produto de exportação, causando o desmantelo da

economia interna. Da crise econômica resultaram conseqüentes desconjunções políticas, com

desmonte de governantes em alguns países da região. No Brasil deu-se a revolução de 1930,

com a deposição de Washington Luis e ascensão de Getúlio Vargas; e na Bolívia, no mesmo

ano, ruiu Siles Reyes, substituído por junta militar.

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O governo brasileiro entendeu a necessidade de atuar com franca cautela para

negociar com o instável governo boliviano. Recusou-se a cumprir o art. 5º do Tratado de

Natal, pagamento de um milhão de libras esterlinas à Bolívia, com a conseqüente paralisação

das negociações diplomáticas. Apesar da continuada insistência da chancelaria boliviana não

houve progresso nos negócios, conforme esclarece Gutierrez (1946, p. 91):

Constituída una junta militar de gobierno, después del derocamiento del presidente Siles, intentó reanudar las negociaciones paralizadas y a ese fin la

cancillería envió un Memorándum al ministro del Brasil; pero éste respondió

en forma airada, expresando que nada podía adelantar mientras no se organizara un gobierno constitucional en Bolívia.

E para completar o desastre sul-americano emanaram situações de beligerâncias entre

nações, como o confronto entre a Bolívia e o Paraguai, quando as duas nações resolveram

decidir, numa guerra desatinada, cruel, e sangrenta, a pendência do território do Chaco

Boreal. Esta contenda não resultou somente do diferendo territorial chaquenho, existente entre

as duas nações, mas decorreu da pressão direta dos consórcios internacionais do petróleo,

como aduz Almaraz (sd, p. 124-125):

El litígio sobre fronteras con el Paraguay por si solo no justificaba una

guerra. En efecto, “el diferendo paraguayo-boliviano – dice el escritor y

político paraguayo J. Natalício Gonzáles – nunca provoco la pasion de los pueblos, y seguramente no hubiera epilogado em uma guerra si hacia 1910

no llegara a comprobar la existência de yacimientos petrolíferos en el

chaco”. (52) La presencia del petróleo como la base econômica del litígio y la confluencia de intereses petroleros internacionales , tornaran el conflito

inevitable.

7.5.1.1 – Cenário Paraguaio

A historiografia registra que o Paraguay teve a sua população inicialmente orientada

pelos padres Jesuítas, em concentrações nominadas como Reduções, (1610/1768). Nelas foi

implantado um método educacional que orientava os silvícolas para a integração social e

profissionalização, num sistema de economia cooperativa. O modelo desenvolvido pelos

religiosos alcançou resultados econômico-sociais positivos, considerado como uma

modalidade econômica nova.

O Paraguay se desenvolveu de tal modo que a população indígena atingiu um nível de

vida diferente dos demais povos da América meridional. Chegou a ser auto-suficiente,

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próspero, e a tal ponto organizado, que passou a ser nomeado pelos pesquisadores, como

“República dos Jusuitas”.

Lugon (1977, p. 16-17), em a República “comunista” cristã dos Guaranis, procura

comprovar a realidade da civilização implantada aos índios Guaranis com a manifestação do

filósofo Thomas Raynal que buscou realçar a realidade da civilização implantada nas

Reduções Guaranis, em sua “História política e filosófica das Índias,” ao expressar seu

sentimento de admiração escrevendo:

Quando em 1768 as Missões do Paraguai saíram das mãos dos jesuítas,

tinham atingido um ponto de civilização, o mais elevado, talvez, a que se poderiam conduzir as nações novas e, certamente, muito superior a tudo o

que existia no nôvo hemisfério. Aí se observavam as leis, reinava uma

civilidade exata, os costumes eram puros, uma fraternidade feliz unia os

corações, todas as artes de necessidade estavam aperfeiçoadas e conheciam-se algumas agradáveis. A abundância era aí universal.

Quando em 1811 ocorreu a independência do Paraguay, o ditador Francia, ao assumir

o governo, encontrou as bases sócio-econômicas do país, advindas dos Jesuítas, os meios que

lhe possibilitaram organizar uma política administrativa, absolutista, sem caudilhos e sem

burguesia privilegiada. Com base na ordem e na lei, conseguiu implantar um sistema de

governo centrado no povo e tendo o Estado como gestor da produção coletiva. O Estado

paraguaio atingiu um nível de progresso e bem estar social diferente das demais nações da

América meridional. Para Chiavenatto (1979, p. 31) o Estado gerenciava todas as riquezas

que eram: “[...] obtidas em regime de produção comunitária, numa espécie de cooperativismo

socializado [...]”.

José Gaspar Rodrigues de Francia comandou o país por quase três décadas, até sua

morte em 1862. Deixou o Estado paraguaio em desfrute de uma base agrícola sólida, com

colheitas suficientes para suprir as demandas internas, e ainda, excedentes para exportação;

ajustado nos trilhos da lei, da ordem, da segurança, do progresso, da educação, sem

interferência oligárquica, sem parasitismo burguês, sem ladrões, sem corrupção burocrática.

Um Estado como aduz Chiavenato (1979, p. 21): “Na verdade, Francia tem uma visão

cultural mais ampla que os governantes do Plata e do Império do Brasil: ao seu tempo o

ensino adquire uma força extraordinária. [...] já não há analfabetos no país. [...]. [...] deixa um

país florescente, com uma consciência nacional formada no povo e que Carlos Antonio Lopes

vai aperfeiçoar”.

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Carlos Lopes assume o comando político do Paraguai, em 1840, e se torna o primeiro

presidente constitucional do país. Absorve a herança governativa de Francia. Busca abrir

novas sendas nos campos político, econômico e diplomático para o conjunto administrativo

herdado. Procurou moderniza-lo com medidas inteligentes. Ativa o comércio, abre a

imigração, elimina a escravidão dos negros nos grandes latifúndios e ordena a produção. A

área da educação recebe tratamento especial com ensino gratuito e obrigatório, capaz de

manter eliminado o analfabetismo e ampliada a escolaridade, para níveis mais avançados.

O Estado Paraguai como gestor da economia nacional acumulou capital e se tornou

um país rico, independendo de recursos externos para se desenvolver. Isto não agradava aos

ingleses nem à burguesia de Buenos Aires, que se sentiam privados de usufruir lucros do

mercado guarani. Como país mediterrâneo dependia dos rios para chegar ao mar. Os

argentinos, em contrapartida, criavam múltiplos arranjos para dificultar o transito paraguaio

pelo rio da Prata.

Para atender o incremento da produção e do comércio, desenvolveu a ação

diplomática e firmou contratos comerciais com a França, Estados Unidos, Reino Unido e

outros. Sua marinha mercante teve acesso aos portos dos países conveniados e o intercambio

exterior se firmou em termos diretos com os consumidores de seus produtos industrializados e

primários.

O Paraguai se tornou o primeiro país industrializado e rico da América do Sul. O fator

mais importante para seu desenvolvimento foi a organização política adotada. Durante quase

sessenta anos teve apenas três mandatários, sendo o último Francisco Solano Lopes, 1862-

1870, todos imbuídos de um espírito nacionalista, firmado na ordem e no progresso nacional.

A condução administrativa do país com participação comunitária na economia resultou

num Estado nacional autônomo, independente, modernizado e progressista. Transformou-se

num modelo econômico diferenciado dos demais vizinhos e contrariante das normas

estabelecidas pelo capital inglês nos países da América do Sul.

A conduta política de Solano Lopes e o progresso alcançado pela República Guarani

terminaram por despertar a cobiça e posterior animosidade do Império do Brasil e da

República Argentina que, envolvendo o Uruguai, evoluiu para a Guerra da Tríplice Aliança

ou Guerra do Paraguai que resultou num pais arruinado como afirma Chiavenatto (1979, p.

164): “Resta um país mutilado, castrado, que nunca mais pode erguer-se: mataram o Paraguai

literalmente – exterminaram 96,50% da sua população masculina!”

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7.5.1.2 – Cenário Boliviano

A Bolívia nasce num território privilegiado de extraordinárias riquezas naturais. Dentre estas

se destacam os recursos minerais como a prata, o estanho, o nitrato, o wolfrâmio, o petróleo, o

gás natural mais recentemente, importantes minerais estratégicos. No vegetal se destaca a

borracha, na Amazônia. A presença dessas dádivas não vingou em benefícios para o povo

boliviano. Ao contrário, suscitou a cobiça externa dos confinantes, incentivados pelo capital

estrangeiro, mediante um processo de rapinagem das riquezas naturais por invasão e indébita

apropriação territorial, levando a Bolívia a desiguais confrontos bélicos com países vizinhos.

No período colonial a busca pela prata demonstrou o caráter expansionista-

escravagista da coroa espanhola sobre a população nativa do Alto Peru, que veio adquirir sua

independência, em 1825, com o nome de Bolívia. A agressividade dos vizinhos teve

continuidade desastrosa para a nação boliviana.

Do ultimo quartel do século XIX a primeira metade do XX a Bolívia teve a sua

historia vincada por três fatos marcantes: a agressão chilena pela exploração do nitrato

(Guano e Salitre) que provocou a chamada Guerra do Pacífico, 1879-1884, seguida da

Questão do Acre, 1899 -1903, – litígio territorial com o Brasil, provocada pela exploração da

Borracha – a Guerra do Chaco com o Paraguai, decorrente da descoberta do petróleo no

Chaco Boreal, incitada pela Satandard Oil Co. americana e a Shell inglesa, conforme relata

Gutierrez (1946, p. 65). Apesar de tais conflitos serem de motivo defensivo, a nação

boliviana arcou com um sacrifício desmedido e penoso segundo Carvalho (Internet.

09/10/2010).

O saldo final dessas guerras e conflitos foi a perda pela Bolívia, além de uma saída para o

oceano, de mais da metade de seu território original desde a época da independência, com

todas as riquezas neles existentes, provocando trágicas conseqüências futuras para a economia

e a política do país, mas sobretudo para o já sofrido e explorado povo boliviano.

Com a Guerra do Chaco o Paraguai e a Bolívia passaram a amargar uma situação

econômico–social atroz, abrigando as populações mais oprimidas e miseráveis do mundo.

Fatos conseqüentes de guerras desastrosas decorrentes de sistemas políticos

extraconstitucionais, conduzidos por oligarquias de mandões broncos e corruptos que, pela

força e pela insolência, arrastaram os Estados à anarquia, à servidão, provocando em escala

ascendente a pobreza, a ignorância e a miséria das populações subjugadas.

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Suas elites viviam em constante intranquilidade, decorrente do caudilhismo e das

quarteladas, sem condições de conseguir, como outras repúblicas americanas, organizar uma

sociedade economicamente ativa, politicamente livre num Estado nacional soberano, abrigado

na ordem e na lei. A pátria era esquecida e secundada ao individualismo estúpido dos

mandões ignorantes, das oligarquias ordenadas por Londres e Nova York, que se alternavam

no poder.

Alguns autores comprovam os acontecimentos anárquicos da Bolívia no decorrer de sua

independência como afirmam Gutierrez (1946, p. 8): “o harán apenas de Bolívia zona de

ajenas influencias y aun campo de sumisión, si continúan los cuartelazos – ¡ 191 en 118 años

de vida independiente, cuenta Alcides Arguedas! – y si “broncos mandones” siguen

hundiendo a la Nación en el oprobio y en la servidumbre.” e Chiavenato (1979, p. 24) :

“Dessa forma, entende-se porque, em apenas 50 anos – de 1825 a 1870 – a Bolívia conheceu

150 (cento e cinqüenta) revoluções, três por ano. Não foram quarteladas nem luta pelo poder

de grotescos ditadores – foi a impotente rebelião de um povo que não soube, e não pôde,

enfrentar a pressão do imperialismo internacional.”

Corria o ano de 1935, a Bolívia e o Paraguai se consumiam na desgraça da guerra

sangrenta sem vislumbrarem, por seus próprios meios, caminhos para por um basta nas

hostilidades destruidoras. A situação do fratricídio que consumia as populações jovens dos

envolvidos (GUTIERREZ, 1946, p. 11), já preocupava as nações vizinhas e do continente no

sentido de atuarem em ação conjunta de suas chancelarias com o propósito de consultados os

litigantes e conhecidas suas razões, encontrar caminhos para selar um armistício entre as

partes e oportunizar negociações seguras para um tratado definitivo de paz.

As duas mais importantes nações do continente Brasil e Estados Unidos da América do

Norte não puderam iniciar os trabalhos de mediação por não pertencerem à Sociedade das

Nações (CARVALHO, 1958, p. 193). Coube ao Chile e a Argentina, membros do órgão

internacional, dar andamento as negociações, ouvindo as partes conflitantes e atraindo o apoio

dos países vizinhos para definirem os trabalhos de mediação. Somaram-se a eles o Brasil,

Estados Unidos, Peru e Uruguai com o mesmo propósito de acabar com a guerra e

restabelecer a paz do continente.

O jogo das negociações iniciadas pelo Chile e Argentina continuou com intenso

entusiasmo pelo grupo mediador então formado para buscar o êxito desejado. Por este tempo

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os representantes diplomáticos da Bolívia e do Paraguai, no Rio de Janeiro, buscaram o

Itamaraty com o propósito de o Brasil convocar e sediar uma reunião para por fim ao conflito.

Após consultar Clovis Beviláqua e Hildebrando Accioly do corpo jurídico do Itamaraty, o

Chanceler José Carlos de Macedo Soares comunicou aos dois governos (CARVALHO, 1958,

p. 216-217) “que o Brasil só tomaria a iniciativa de promover entre eles o acordo, quando

aceitas duas condições: 1.º reunir-se a comissão mediadora em Buenos Aires, 2.º,

comparecerem a ela os Ministros das Ralações Exteriores dos dois países beligerantes, com

plenos poderes, do executivo e do legislativo, para resolver, no próprio ato, todas as questões

surgidas, sem necessidade de consulta aos governos.”

Bolívia e Paraguai aceitaram a proposta do chanceler brasileiro. Comunicada a grande

notícia à Argentina e, por seu chanceler Saavedra Lamas, aos demais países mediadores,

renascendo as esperanças para convocar a reunião, depois do malogro das dezoito anteriores,

incluindo-se nelas as duas da Sociedade das Nações.

A Chancelaria brasileira, em Buenos Aires, assumiu uma postura de entusiasmo positivo

para solução da guerra, contando com a importante presença do presidente Getulio Vargas

que visitava a Argentina. Estes acontecimentos criaram um estado de alegria e de esperança

na população argentina e do continente que ansiavam pelo término das hostilidades no Chaco.

O chanceler argentino, ao presidir a primeira reunião dos representantes dos países

mediadores, solicitou ao Chanceler Luis Carlos de Macedo Soares, do Brasil, a feitura de um

projeto de protocolo para servir de base à conversação entre os mediadores e os beligerantes;

o ministro brasileiro explicou não haver feito um projeto de Acordo porque ele devia decorrer

dos entendimentos das reuniões. Vencido pela insistência de Lamas redigiu o documento,

consoante informa Carvalho (1958, p. 219): “Macedo Soares, que conhecia perfeitamente o

terreno em que pisava, tomou um bloco de papel e, ali mesmo, redigiu a súmula das clausulas

que deviam levar as partes a uma decisão comum, convindo desde já salientar que os

princípios gerais em que assentou esse projeto inicial foram os mesmos que presidiram a

lavratura do acordo final, [...] da qual saiu, afinal a paz.” O protocolo de paz que encerrou as

hostilidades nos campos de batalha do Chaco foi assinado no dia 12 de junho de 1935.

O acordo veio em momento oportuno para os dois países. A Bolívia e o Paraguai

respiravam o esgotamento financeiro-social e almejavam a paz.

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Terminada a guerra do Chaco, vivia a Bolívia a mais angustiante situação de sua história.

A miséria abatia o moral do povo; a nação estava mergulhada na inação, sem propósito e sem

fé. A perda de cem mil quilômetros quadrados do Chaco Boreal encerrou para a Bolívia seu

período geográfico. Estavam concluídas suas fronteiras com os vizinhos. Tendo seu território

amputado pelos quatro flancos; selada sua mediterraneidade; alquebrada suas economias; a

nação agonizava. Mas, da cruel desdita emanou a consciência de pátria e desta renasceu a

vontade pétrea de ressurgir para uma nova era de progresso interno e convivência

internacional.

7.5.2 - A Reconstrução Nacional da Bolívia

Iniciou-se a nova etapa de reconstrução nacional. Para sobreviver, a nação precisava

proceder à rigorosa analise das causas que levaram o país ao insulamento geográfico, político,

econômico, social, na centralidade andina, para buscar uma conduta administrativa capaz de

resituar a Bolívia em sua natural importância geopolítica na América do Sul. A análise

sintetizou pontos básicos: isolamento, riquezas, segurança territorial e sequentes, para

programar uma diplomacia política abrangente capaz de arejar as relações exteriores,

principalmente com os países vizinhos, conforme relata Gutierrez (1946, p. 20-21).

A tendência de marchar para o oriente, abrindo caminho para o rio da Prata e para o

Atlântico, vinha de outrora; muitos próceres já a haviam defendido, desde o século XIX, sem

o êxito desejado. A solução estava agora dificultada pela guerra do Chaco ao privar a Bolívia

da comunicação pelo rio Paraguai.

Com a nova conduta de diplomacia política a ação se fez de imediato. Em 22 de

outubro de 1936, o presidente David Toro, instruiu seu ministro no Rio de Janeiro para

“buscar una amplia colaboración diplomática con Itamaraty y una positiva cooperación

económica con el Brasil, de manera de traducir en hechos prácticos la indudable gravitación

económica del oriente boliviano sobre esa grande y próspera república limítrofe”. Com

respeito ao petróleo boliviano, referente a sua exportação para o Brasil, acrescentou que isto

representava para a Bolívia “ uno de los problemas de mayor transcendencia para el país”., e

com igual empenho frisou a necessidade da vinculação ferroviária: “[...] é preciso buscar por

todos los médios posibles la construción de un ferrocarril”,[...]., que vincule Brasil e a Bolívia

(GUTIERREZ, 1946, p. 94-95).

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O novo ministro da Bolívia Alberto Ostria Gutierrez, em seu primeiro encontro com o

presidente Getúlio Vargas, do Brasil, argumentou a necessidade de acabar com a “diplomacia

de papel” existente entre os dois países há 33 anos (1903 a 1936), no caso da vinculação

ferroviária; o mandatário brasileiro satisfeito com a franqueza do encontro atalhou que para

realizar uma “diplomacia prática”, fosse constituída uma comissão mista de técnicos para

estudar os dois aspectos do assunto – ferroviário e petroleiro – e de suas conclusões pudessem

os governos definir as conveniências de seus mútuos interesses.

A “diplomacia pratica” vigorou de imediato. O chanceler Macedo Soares assinou com

Ostria Gutierrez, em 24 de novembro de 1936, dois Protocolos criando às comissões mistas de

técnicos visando uma a vinculação rodoviária e ferroviária Brasil-Bolívia e a outra o

aproveitamento e exportação do petróleo boliviano para o Brasil. Um ano depois, 25 de

novembro de 1937, Gastão Paranhos do Rio Branco, ministro em La Paz, e Henrique

Baldivieso, Chanceler da Bolívia, assinaram um Protocolo aprobatório das Conclusões e

Recomendações das Comissões Técnicas. Com estes feitos, novas bases de negociações se

abrem para os dois Estados com vistas a novos tratados.

German Bush, herói da guerra do Chaco, governa a Bolívia e é grande entusiasta de

libertar seu país das amarras econômicas decorrentes do isolamento geográfico. Para tanto,

busca apoio direto do Brasil através de sua chancelaria e consegue êxito para suas pretensões,

consoante Soares (1957, p. 151):

Assim, dois Presidentes, Vargas e Bush, do Brasil e da Bolívia, e dois

negociadores, Pimentel Brandão e Ostria Gutiérrez, acordaram a seguinte negociação: dois grandes tratados, o de Vinculação Ferroviária e o de Saída

e Aproveitamento do petróleo boliviano, assinado no Itamaraty, em 25 de

fevereiro de 1938; ademais da nota reversal nº. NP/11577 (31), pela qual o

Governo brasileiro considerou definitivo, e, portanto não susceptível de quaisquer modificações, o estatuto territorial boliviano. Se esses tratados e

essa reversal houvessem sido assinadas antes de 1932, a guerra do Chaco

não se teria materializado.

Com este ato estão subscritos os dois Tratados de 1938: o primeiro sobre Vinculação

Ferroviária e o segundo sobre Aproveitamento e Saída do Petróleo Boliviano.

7.5.3 - Tratado de Vinculação Ferroviária

O Tratado de Vinculação Ferroviária se compõe de XIII artigos e Notas reversais. Os

pontos de destaque que nele se estabelecem são aclarados nos Artigos II e IV como se segue:

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125

no II fica estabelecido o auxilio, pelo Brasil, de um milhão de libras esterlinas ouro,

decorrente de compromissos firmados pelos Acordos de Petrópolis e de Natal, destinados à

construção de uma ferrovia que “partindo de um ponto convenientemente escolhido entre

Porto Esperança e Corumbá vai terminar na cidade de Santa Cruz de La Sierra”; no IV é

verificada a insuficiência do recurso, referido no Art. II, para a realização completa da obra;

em decorrência, o Brasil assume a obrigação de contrair empréstimos, com seu próprio aval,

para adiantar à Bolívia que não dispunha de recursos para honrar o compromisso firmado,

consoante Gutierrez (1946, p. 139): “¿ Bolívia podía o no podía construir el ferrocarril de

Santa Cruz al río Paraguay? La respuesta es terminante: Bolívia no podía construirlo, por falta

de dinero, [...].”

Ademais, a continuação da estrada de ferro Noroeste do Brasil de Porto Esperança

para Corumbá seria construída com recursos do Governo brasileiro. Isto porque, sem este

segmento ferroviário, não se podia vincular o oriente boliviano ao sistema ferroviário

brasileiro, nem alimentar expectativa à construção da transcontinental Santos - Arica.

O rio Paraguai margeia o território boliviano a seiscentos quilômetros a leste de Santa

Cruz de La Sierra, cidade “cabeça-de-comarca do oriente boliviano.” A cidade e o rio são

separados pela zona oriental, dantes desértica, de difícil acesso, formada de serras, pântanos,

florestas, eivada de feras, tribos hostis e completamente desabitada. Região de terras férteis,

rios caudalosos, reservas minerais e florestais diversificadas, guardando formidável potencial

de riquezas, então adormecidas pela inexistência de caminhos para ligar Santa Cruz de la

Sierra ao rio Paraguai e por ele ao Prata e ao mar

Sem acesso viário Santa Cruz continuará isolada, pequena e pobre; a faixa oriental

despovoada; o rio Paraguai sem significado. Disso se conclui a insistência da Bolívia para

conseguir o apoio do Brasil para tirar a cinta oriental do isolamento pela construção de uma

via férrea que, cursando seu meio, ligasse Santa Cruz de La Sierra a Corumbá no rio Paraguai.

A ação diplomática das chancelarias e a vontade dos dois presidentes conseguiram

finalmente firmar o Tratado de Vinculação Ferroviária de tão grande significado para os dois

países.

O negociador do Tratado comenta as dificuldades de comércio entre o Brasil e a

Bolívia, via Atlântico e Pacífico e expõe a importância da vinculação ferroviária Santa Cruz –

Corumbá (GUTIERREZ, 1946, p. 138):

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Ante todo, con el Tratado sobre vinculación ferroviária Bolívia asegura la

realización de un ideal: dar salida al oriente boliviano, o sea, abrir al país la

ruta atlântica. [...] A su vez el llano oriental sin comunicación com el rio Paraguay nada vale. Despoblado, en lugar de progesar ha ido retrocediendo

cada día más. [...] El ferrocarril Corumbá – Sana Cruz constituye, por tanto,

la articulación del rio con el llano oriental, [...]. Pero esse ferrocarril no sólo

contribuirá a salvar el oriente boliviano sino también a Bolívia toda. El desarrollo de las riquezas de esa zona envuelve na transformación nacioanal,

[...].

Nos anos trinta o Brasil desenvolvia uma política progressista para o interior do país e

que resultou na chamada “Marcha para o Oeste.” O pedido de apoio do governo boliviano

para fazer a vinculação ferroviária com o Brasil e por seu território ligar as vertentes do

Atlântico com a do Pacifico por uma via férrea transcontinental Santos – Arica coincidiu com

o projeto político do Presidente Getúlio Vargas que deu andamento contínuo aos estudos de

viabilidade dos projetos viários e de aproveitamento do petróleo boliviano, bem como a

execução dos respectivos Tratados de 1938.

A Diplomacia prática chegou. A Comissão Mixta Ferroviária Brasileira Bolíviana,

criada no Rio de Janeiro, em 24/05/1938, instalou-se em Corumbá, em 9 de setembro do

mesmo ano, sendo seu chefe o engenheiro brasileiro Luis Alberto Watheley. A chefia

administrativa era exercida por dois superintendentes um brasileiro e outro boliviano. O

Trabalho teve início imediato; escolhido para ponto inicial das ferrovias, na área urbana de

Corumbá, onde seria construída uma estação binacional como ponto zero da vinculação

ferroviária Brasil Bolívia.

Os trabalhos tomaram aceleração nos sentidos leste, de Corumbá a Porto Esperança e

oeste, de Corumbá a Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, com 641 quilômetros de extensão.

Apesar das dificuldades adversas do território boliviano e dos percalços da Segunda Guerra

Mundial, 1939/45, os trilhos avançaram bem e em 29 de julho de 1941 teve lugar a

inauguração dos primeiros 85 quilômetros com a presença do Presidente Getúlio Vargas do

Brasil e de autoridades bolivianas, conforme Vargas (1995, p. 410) e Gutierrez (1946, p.

198-199).

Em 1948, a estrada de ferro já alcançava o quilômetro 385, trecho Porton- São José,

inaugurado pelos Presidentes Eurico Gaspar Dutra e Henrico Hertzog. Os Presidentes Café

Filho e Paz Estensoro se encontraram em Santa Cruz de La Sierra para solenizar a chegada

dos trilhos da ferrovia Corumbá – Santa Cruz ao seu ponto final, como testemunha Soares,

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(1975, p. 155): “A 5 de julho de 1955 foi oficialmente inaugurada e considerada

perfeitamente acabada a Estrada de Ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra que chegou afinal

à cabeça-de-comarca do Oriene bolviano.”

O resultado da estrada foi como o planejado, devassou e povoou o desértico oriente

boliviano, ensejando o aparecimento de cidades como: El Carmen, Roboré, Santiago, em

1947, San José e tantas outras ao longo da ferrovia. Estes núcleos foram fundamentais para o

desenvolvimento agrícola e pecuário não só do departamento de Santa Cruz, mas para toda

Bolívia que saía da desconfortável condição de importador de alimentos, já mencionada por

Gutierrez, para iniciar um forte fluxo comercial com o Brasil e com outros países pela saída

ao Atlântico através do rio da Prata e do porto de Santos.

O compromisso do Brasil com a Bolívia de construir a ferrovia Corumbá – Santa Cruz

de La Sierra estava materialmente concluído, ficando o pagamento da divida boliviana

vinculado ao Tratado de Saída e Aproveitamento do petróleo boliviano, de 1938, e sua

compra pelo Brasil.

7.5.4 - Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano

A historiografia do petróleo é das mais abundantes e de fácil acesso e por tal motivo e

por não ser de básica importância para o tema deste trabalho serão feitas poucas e resumidas

referências sobre ela.

O Truste do petróleo nasceu nos estados Unidos com a Empresa Standard Oil Co. New

Jersey, de John D. Rockfeller. Astucioso e perspicaz, Rockfeller percebeu que o grande

negócio do Petróleo estava no refino, transporte e distribuição dos derivados; arquitetou um

plano para eliminação dos concorrentes usando artifícios impróprios e violentos para

conseguir impor seu comando nos negócios do petróleo nos Estados Unidos e no mundo.

A Europa formou um Truste Anglo-Holandês com a Shell para bloquear a ação de

Rockfeller. Americanos e ingleses entraram em confronto gangsterianos sobre petróleo no

mundo. Às razões do enfrentamento são apresentadas por Galaza (1970, p. 35 apud

VILARINO, 2006, p. 55): “Los motivos de los choques han sido principalmente dos: la

posesión de los recursos petrolíferos y la captura de los mercados internacionales.”[...] .

Os objetivos dos trustes internacionais tornaram clara a regra do jogo: primeiro -

tomar as reservas petrolíferas dos Estados nacionais, segundo – a tomada dos mercados

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internacionais para o jugo das regras de seus interesses. Os trustes levaram conflitos e guerras

aos cinco continentes, conforme Galaza (1970, p. 30-31, apud VILLARINO, 2006, p. 51): “A

posse do petróleo pode tanto escravizar como libertar um povo, e que a luta para possuí-los

teria provocado guerras mundiais, coloniais, revoluções, golpe de estados etc.”

O mesmo Vilarino já citado, na página 55 acrescenta: “Ainda que se algum governante

fizesse restrições a um ou outro truste, [...]. Quando não havia apoio explicito, ocorria a

influência de trustes diretamente sobre funcionários e agencias governamentais da defesa de

seus interesses mais imediatos. A Standard Oil Co. tornou-se exemplar nesta prática.”

O Tratado de aproveitamento do petróleo, de 1938, entre o Brasil e a Bolívia, feria os

interesses do cartel internacional do petróleo e receberia da Standard Oil todos os meios de

oposição contra os Estados contratantes para impedir a conclusão do Acordo.

Vendo seus planos prejudicados pela perda de áreas sedimentares e os lucros já

auferidos pelas distribuidoras instaladas no Brasil, principalmente, Esso, Atlantic e Texaco, a

Standard Oil viu detonado seu conhecido plano estratégico, qual seja de aliciar a grande

imprensa, funcionários e agências públicas, parlamentos, políticos, empresários, para agilizar

polêmicas contra os interesses dos Estados nacionais e favoráveis aos seus objetivos,

provocando perturbação da ordem política, econômica e social dos dois países.

Se a “Diplomacia Pratica” funcionou na construção da ferrovia Corumbá-Santa Cruz

de La Sierra, o mesmo não aconteceu no caso do petróleo. O truste americano, conforme sua

modalidade de jogo perverso, iniciou manobras de pressão de toda ordem contra os governos

nacionais do Brasil e da Bolívia.

Na Bolívia, o jornal Ultima Hora, de La Paz, ativou uma campanha sem trégua contra

o Tratado, com o objetivo de convencer o povo boliviano que o Brasil era um país

imperialista, que guardava pretensões expansionistas e que não desejava explorar o petróleo

boliviano, mas ter a sua posse, como reserva para uso futuro conforme Soares (1975, p. 154).

A Bolívia, em 1936, inspirada no Movimento Nacionalista Radical de Bush

nacionalizou seu petróleo com a Criação do Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos

(YPFB), responsável pela política do petróleo do país. Passados dois anos, o mesmo Bush

cassa a concessão da Standard Oil Co. de exploração das reservas petrolíferas da faixa sub-

andina da Bolívia, como mostra Almaraz, (1958, p. 122) e afirma Guilherme (1959, p. 58): “

O “azeite de pedra,” [...] passava a ser boliviano. Era o desmoronamento do império que a

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Standard detivera inativo em suas mãos durante três lustros, porque não lhe interessava

explorar o subsolo da Bolívia [...]”

A nota Reversal de 1952 define a área destinada à exploração de petróleo pelo Brasil,

estabelecida no Art. 1º do Tratado sobre petróleo de 1938, em 32.000 km² (VILARINO, 2006,

p. 68). No mesmo ano o Movimento Nacionalista Radical - MNR assume o poder com Paz

Estenssoro na Presidência da Bolívia (SOARES, 1975, p. 154). Com ele a campanha dos

trustes contra o Brasil se avoluma progressivamente e as relações entre os dois países se

tornam cada vez mais difíceis, alimentadas pela imprensa subornada.

No Brasil, o movimento formado pelos grupos nacionalistas e pelas forças armadas

para lutar pela estatização do petróleo, teve o antagonismo frontal dos grupos chamados de

“entreguistas”: imprensa, partidos políticos, clubes, associações, elementos de governos

defensores da presença do capital estrangeiro na exploração do petróleo nacional, aliciados

pelo truste internacional. A luta flutuou no tempo até que, em 1938, foi criado o Conselho

Nacional do Petróleo para gerir a política nacional do petróleo.

Em 1953, Getúlio Vargas estatui o monopólio estatal do petróleo com a criação da

Petrobrás. A empresa estatal pelo seu próprio regime jurídico “podia associar-se, fora do

território nacional, a entidades destinadas à exploração de Petróleo” o que muito facilitaria a

exploração do petróleo no território boliviano. Na Bolívia a Petrobrás sofreu interpretações

absurdas pelos meios políticos ligados aos trustes.

A criação da Petrobrás provocou a mais absurda onda de protestos dos “entreguistas”

para desmoralizar e depor o Presidente. Getúlio resistiu a tudo e a todos, cansado das calunias,

das mentiras, praticou o suicídio (24/08/1954) e em sua carta testamento registrou as razões e

os cúmplices do seu ato: “[...] A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à

dos grupos nacionais revoltados contra o regime de trabalho. A lei de lucros extraordinários

foi detida no Congresso. Quiz criar a liberdade nacional na potencialização das nossas

riquezas através da Petrobrás; mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma” e

a Standard estava com grandes domínios no Governo após a morte de Getúlio Vargas

(FONSECA,1955, p. 26-27).

Estas afirmações são confirmadas por Soares (1975, p. 155-156) quando relata o

encontro dos presidentes Paz Estenssoro e Café Filho no ato da inauguração da ferrovia

Corumbá–Santa Cruz de La Sierra. Desacompanhado de assessoria, Café Filho se reuniu a

portas fechadas com Paz Estenssoro, o Vice-Presidente e três diplomatas bolivianos; o

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Itamaraty só conheceu o que ficara assentado entre os dois mandatários quando recebeu o

Memorândum de Paz Estenssoro da Embaixada da Bolívia no Rio de Janeiro, em fevereiro de

1955.

O andamento dos Tratados de 1938, relativos ao petróleo, mantinha-se sem avanços

pelas partes contratantes decorrentes de injunções políticas internas e pressões externas. A

delimitação da área de exploração destinada ao Brasil, decorrente da Nota Reversal de 1952,

só se concretizou catorze anos depois; nada acontecia em termos práticos, pelas partes, para

concluir o projeto do petróleo.

Quando Café Filho assumiu o poder, em 1954, formou seu ministério com figuras do

conservadorismo (GUILHERME, 1959, p. 89), destacando-se Raul Fernandes nas Relações

Exteriores e Eugênio Gudin na Fazenda, ambos do agrado dos Estados Unidos (VILARINO,

2006, p. 116), e contrários à consumação do tratado de 1938 sobre importação do petróleo

boliviano. A posição boliviana era desfavorável ao Brasil devido à presença de Paz

Estenssoro no Poder. Ele era radicalmente contrário à política do petróleo boliviano com o

Brasil e pretendia anular o Tratado. Guilherme (1959, p. 80) afirma que Paz Estenssoro era

inimigo acérrimo do Tratado de 38, desde o dia de sua assinatura.

Para tanto o Presidente boliviano preparou os meios necessários para conseguir seus

intentos. Iniciou pela divisão da zona de estudos, determinada pelas reversais de 1952, em

duas áreas A e B; a área A com 60% ficava para o YPFB e a área B com 40% para as

empresas brasileiras. Seguiu-se o novo Código de Petróleo da Bolívia aprovado em

29/01/1956, ao qual deviam as empresas brasileiras obediência e ainda sem direito de

reclamação diplomática (VILARINO, 2006, p. 69). Estava completado o ato de misericórdia

contra a Petrobrás e a reversão da nacionalização do petróleo favorável ao truste americano.

Neste período, a pressão política contra o Brasil, promovida pelo MNR (Movimento

Nacionalista Revolucionário) (GUILHERME, 1959, p. 124) e pela Standard Oil Co. , que se

centrava em La Paz, alcançava limites que impossibilitavam toda e qualquer contingência de

negociações.

O Presidente Paz Estenssoro, de conivência com o Presidente Café Filho, alegando

que os estudos e pesquisas comprometidos entre os dois países ainda estavam nas

preliminares, depois de tanto anos de promessas não cumpridas, “[...] cobrou uma posição do

país, pedindo que o governo brasileiro abrisse mão da área delimitada para que a Bolívia a

explorasse (ou entregasse a quem quisesse)” (VILARINO, 2006, p. 68-69).

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Em 1956, assumiu o governo do Brasil Juscelino Kubistchek e no mesmo ano recebeu

a visita do Vice-Presidente de Paz Estenssoro e Presidente eleito da Bolívia Hernan Siles

Zuazo. José Carlos Macedo Soares, de livre transito no país vizinho pela sua atuação na paz

do Chaco, ocupou a Pasta das Relações Exteriores. Logo “viu a nota de Café Filho, sobre a

desistência do Brasil no Tratado”. Aproveitou-se da visita do presidente eleito da Bolívia e

diligenciou novos entendimentos para reatar o acordo de 1938.

Da prolongada reunião entre o Chanceler e o Presidente Siles Suazo resultou

conhecerem que o Brasil buscava entendimentos para reatar o acordo e a Bolívia pela

atualização do mesmo. Em face da divergência aquilatada no encontro resolveram constituir

uma Comissão Especial, formada por representantes do Brasil e da Bolívia, para se reunir em

La Paz, para desenvolver estudos sobre as duas opiniões: execução do Tratado de 1938

(Brasil) ou a sua atualização (Bolívia). A proposta da Comissão foi aprovada e teve sua

publicação em 31/07/1956, consoante Cusicanqui (1986, p. 100).

Com relação ao aproveitamento do petróleo referido no Tratado vigente de 1938, tudo

se firmou no conteúdo vazio da “Diplomacia de Papel,” ondeando no tempo por duas décadas,

sem “Diplomacia Prática” como a da ferrovia, em decorrência dos governos do Brasil e da

Bolívia conduzirem suas políticas externas sob a canga do truste internacional e em

detrimento dos interesses dos Estados nacionais.

A comissão brasileira chegou à capital boliviana em junho de 1957 e pode avaliar a

atmosfera do ambiente contrário ao Brasil.

A primeira manifestação da delegação boliviana foi pedir a eliminação da Zona de

Estudos prevista no Tratado além de outras solicitações complementares. A Missão brasileira

rejeitou, de imediato, a absurda pretensão boliviana com argumentos seguros do alcance

político e econômico dos Tratados de 1938. Os dois Tratados, aparentemente independentes,

guardavam estreita vinculação porque o ferroviário era garantido pelo aproveitamento do

petróleo. Separa-los era desfazer o conjunto dos Acordos firmados entre o Brasil e a Bolívia,

em 1938, sem medir as conseqüências dos prejuízos econômicos e políticos para os dois

países.

A aparente singeleza da proposta da missão boliviana torna patente a existência da

ação das empresas petrolíferas internacionais, com destaque para a Standard Oil Co. , contra a

consecução do aproveitamento do petróleo boliviano pelo Brasil. A evidência desta hipótese

se esclarece com a observação feita por Guilherme (1959, p. 127):

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“[...] é que, enquanto o Brasil, arcando com sacrifícios muitos superiores às

suas possibilidades financeiras, cumpriu religiosamente sua palavra e, por

fim, conseguiu estender os trilhos que ligariam Corumbá a Santa Cruz, a Bolívia manteve uma posição de paciente expectativa, sem nada reclamar

contra o Tratado sôbre petróleo, então praticamente esquecido. Tão cedo,

entretanto, a conclusão da estrada atingia o seu término, começaram as

primeiras reclamações contra a inação brasileira para o cumprimento do Tratado, reclamações que foram assumindo as proporções de verdadeira

campanha para a sua rescisão, tal como, afinal, se propôs através do

Memorando Estensoro antes mesmo que o novo Código do Petróleo restituísse a política da “porta aberta”...”

O Tratado sobre o petróleo prosseguiu conduzido por uma “Diplomacia de Papel” sem

resultados positivos consoante aos objetivos subscritos. A Bolívia recebeu a ferrovia; o Brasil

pagou a construção da estrada; os trustes ficaram com a reserva subandina da Bolívia. E

Vilarino (2006, p. 270) explica: “Os desdobramentos em torno dos Acordos de Roboré

favoreceram os interesses dos trustes, uma vez que o Brasil, no plano externo, não extraiu

uma gota de petróleo se quer, [...]”.

E complementa Soares (1975, p. 153) “A pesquisa e lavra do petróleo boliviano foram

retardadas por vicissitudes de vária índole, [...]”. Mais uma vez os trustes do petróleo

conseguiram impedir o grande projeto de desenvolvimento pretendido pelo Brasil e pela

Bolívia com o aproveitamento de suas riquezas.

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8 – O TRATADO DE ROBORÉ

8.1 – Antecedentes

Onde existem fronteiras, existem problemas. E problemas exigem soluções. Cruzando cem

anos de litígios demarcatórios e intensa atividade de negociações diplomáticas o Brasil

resolveu propor, de acordo com Soares (1975, p. 155), a “idéia de uma negociação global de

molde a resolver todos os assuntos entre o Brasil e a Bolívia e apagar ressentimentos e

suspeitas”, com especial atenção à dinamização da fronteira.

Vários documentos foram produzidos como resultado das negociações bilaterais

Bolívia-Brasil, ao longo de noventa e um anos, nos quais diversas questões relacionadas às

suas fronteiras são equacionadas, conforme se tratou nos capítulos anteriores, culminando

com o Tratado de Roboré.

O primeiro Instrumento Diplomático firmado entre Brasil e Bolívia, tratando da

fronteira, foi o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição assinado na

cidade de La Paz de Ayacucho no dia 27 de março de 1867; nele o Brasil fez importantes

concessões (Art. 7º. e 9º.) à Bolívia, com respeito a comércio e navegação.

O Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, encerrou a questão de

limites do território do Acre entre o Brasil e a Bolívia.

O Tratado de Natal, assinado no Rio de Janeiro, em 25 de dezembro de 1928, ficou

nomeado como o “Tratado de limites e comunicação ferroviária entre o Brasil e Bolívia”.

O Brasil e a Bolívia assinaram, em 25 de fevereiro de 1938, no Itamaraty, dois

Tratados, um sobre vinculação ferroviária e, outro, sobre saída e aproveitamento do petróleo

boliviano.

Porém, além dos dois Tratados acima referidos, ferrovia e petróleo, muitos outros

assuntos de diferentes aspectos, remanescentes dos Acordos anteriores, como os limites,

acumularam matérias de natureza complexa que giraram na roda do tempo e criaram

dificuldades às negociações diplomáticas.

Os entendimentos procedidos entre o Brasil e a Bolívia revelam uma seqüência de

Atos internacionais que não se completavam e, ainda mais, se complementavam de novos

compromissos, de difíceis finalizações.

As negociações entre Estados nacionais constituem, pela própria natureza relacional

dos assuntos, matéria de alta complexidade que exige, além da alta competência, habilidade

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de negociação e boa vontade dos negociadores, o cumprimento efetivo e preciso dos acordos

estabelecidos.

A inobservância dos compromissos, entre as partes contratantes, fragiliza os

entendimentos recíprocos. E, no mais das vezes, evoluem para estágios políticos negativos,

causantes de descrenças, ressentimentos, suspeitas e confrontos indesejáveis.

O acumulado de ajustes vazios, no andamento temporal, caminhou para complicadas

negociações diplomáticas, alicerçadas por avanços, recuos, opiniões divergentes, que

complicaram os entendimentos da matéria, quando da sua apreciação.

O não cumprimento do Tratado de 1938, despautado por vinte anos, pesou nas

relações diplomáticas entre os dois países, fermentando situação de ressentimento e

desconfiança que o tempo se incumbiu de elevá-la a limites críticos de reações de forças

sociais, não apreciáveis para uma política diplomática de boa vizinhança entre os dois Estados

nacionais.

Formou-se um somatório de acordos vinculados, sem condições de separá-los do

conjunto para proceder a analise individual de cada episódio da cadeia dos acontecimentos,

sem o conhecimento historiográfico pertinente.

8.2 – O Tratado

A ausência de familiaridade com o território palco e com a paisagem temporal do

conjunto dos episódios tornou custoso chegar-se ao completo entendimento do assunto no

expor de Guilherme (1959, p. 9):

Daí, também, a razão por que, para se apreender o sentido histórico e os

aspectos econômicos, financeiros, políticos e estratégicos das Notas

Reversais de 1958, há que se recuar no tempo e procurar nas velhas questões

de limites brasileiro-boliviano a explicação de mais de um século de relações diplomáticas entremeadas de quizílias e divergências nem sempre

solucionadas com perfeita compensação de interesses, ou num ambiente de

confiança incondicional.

Destaca-se como objeto deste estudo a formação da fronteira e o “Tratado de Roboré”,

que segundo Soares (1975, p. 155) foi originário quando:

A negociação Corumbá-Roboré-La Paz – A 26 de janeiro de 1956 propus ao

Chanceler Macedo Soares a idéia de uma ‘negociação global’ de molde a

resolver todos os assuntos entre o Brasil e a Bolívia e apagar ressentimento e

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suspeitas. [...] Macedo Soares concordou com a idéia [...] entendeu que todos

esses assuntos deveriam ter solução adequada em benefício da melhoria das

relações brasileiro-bolivianas. E isto porque importava muito ao Brasil contar com a amizade da Bolívia, bem como transformar a fronteira de 3.125

km de extensão numa fronteira viva e numa área de crescente comércio

trans-fronteiriço.

[...]

Com fundamento em tais razões e conscientes da impossibilidade de chegarem a um

resultado compensador, optaram os Governos e os Negociadores do Brasil e da Bolívia pela

busca de uma “Negociação Global” para todos os assuntos pendentes entre os dois Estados.

Com essa decisão inicia-se então uma nova era para os países limítrofes, pautada nas

deliberações do Tratado de Roboré de 1958, responsável em regular a vida das regiões

fronteiriças, oportunizando-lhes melhores condições de desenvolvimento econômico, político

e social.

Assim é que se reuniram nas cidades de Corumbá (Brasil) e Roboré (Bolívia), no

período de 24 a 27 de Janeiro de 1958, em entrevista especial, os Chanceleres, brasileiro, José

Carlos Macedo Soares e boliviano, Manoel Barrau Pelaez, com o objetivo de «atualizar o

Tratado de 1938», firmado entre o Brasil e a Bolívia, sobre Vinculação Ferroviária e

Aproveitamento do Petróleo boliviano, através de Protocolo, Convênios e Notas Reversais,

conforme ata a seguir:

ATA DA ENTREVISTA EM CORUMBÁ E ROBORÉ DOS

MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTRIORES DO BRASIL E

DA BOLÍVIA

Os Ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Bolívia, Senhores José Carlos de Macedo Soares e Manuel Barrau Pelaez, nas convenções que

mantiveram em sua Entrevista Especial nas cidades de Corumbá e Roboré,

nos dias 24, 25, 26 e 27 de janeiro de 1958, consideraram diversos assuntos pendentes de solução entre ambos os países e relativos a: (I) Exploração do

petróleo boliviano e o fornecimento de hidrocarbonetos ao Brasil, (II)

Estrada de Ferro Corumbá -Santa Cruz de La Sierra, (III) limites,(IV)

relações econômicas e comerciais e (V) intercâmbio cultural; resolveram subscrever a presente Ata, que consigna os acordos adotados a respeito dos

referidos assuntos, acordos estes que deverão ser postos em práticas pelos

dois países. [...]. Roboré, 28 de janeiro de 1958. (MRE. GOV. BR INTERNET)

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Dos diferentes assuntos pendentes de solução pelos negociadores dos dois países,

Teixeira Soares destaca como pontos de maior relevância os seguintes:

[...]. Os três pontos principais, pontos verdadeiramente culminantes, da

negociação Corumbá-Roboré-La Paz foram: 1º) a liquidação de todos os detalhes de demarcação na extensa fronteira; 2º) a concessão da chamada

Área B, na Faixa subandina, na região de Santa Cruz de la Sierra, de 13.000

km², a empresas privadas brasileiras para exploração do petróleo; 3º)

vivificação de uma política de cooperação financeira e técnica, fundada no Tratado de Vinculação ferroviária de 1938, [...] (SOARES ,1975, p. 157).

Os resultados dos entendimentos desenvolvidos, nas nomeadas cidades fronteiriças,

ensejaram: “uma série de atos internacionais, em numero de 31, que deram idéia cabal da

magnitude das negociações”.

Todos os atos acordados na negociação foram firmados pelos respectivos Chanceleres

Macedo Soares e Manoel Barrau Pelaez, em 29 de março de 1958, na cidade de La Paz,

coroando as negociações bilaterais desenvolvidas nas cidades de Corumbá-Brasil e Roboré-

Bolívia, e constituindo o Tratado ou Ata de Roboré, que compreende 31 documentos,

compostos por 10 convênios, 1 protocolo e 20 notas reversais, fundamentados numa filosofia

de destacada preocupação com as condições ermas de suas fronteiras. Além de outras

variáveis importantes, tal documento procurou idealizar estratégias para facilitar a vida das

populações fronteiriças, isoladas dos centros dos governos nacionais, conveniando facilidades

de fluxos e redes comercial, social, cultural para dar suporte de desenvolvimento ao s núcleos

binacionais da fronteira (TABELA 1).

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TABELA 1 – Documentos que constituem o Tratado de Roboré, firmados em 29 de março de

1958, em La Paz

Nome de documento Publicação

Convênio comercial 20.10.1969

Convênio de Comércio Inter-Regional 20.10.1969

Convênio de Tráfico Fronteiriço 20.10.1969

Convênio de Cooperação econômica e Técnica 20.10.1969

Convênio de Trânsito Livre 20.10.1969

Convênio para o Estabelecimento, em Belém, de Entreposto de Depósito Franco 10.12.1969

Convênio para o Estabelecimento, em Porto Velho, de Entreposto de Depósito

Franco

10.12.1969

Convênio para o Estabelecimento, em Corumbá, de Entreposto de Depósito

Franco

10.12.1969

Convênio para o Estabelecimento, em Santos, de Entreposto de Depósito Franco 10.12.1969

Convênio de Intercâmbio Cultural 20.10.1969

Protocolo Preliminar sobre Navegação Permanente dos Rios Brasileiros e

Bolivianos

do Sistema Fluvial do Amazonas

20.10.1969

Nota Reversal n. 1, sobre Demarcação de Limites entres os dois Países. 20.06.1958

Nota Reversal n. 2, modificando o tratado ferroviário firmado em 25 de fevereiro

de 1938 entre os dois países, sobre a ligação entre Corumbá e Santa Cruz de La

Sierra.

Sem data

Nota Reversal n. 3, destinada a dar solução a questões relacionadas com a Estrada

e Ferro Corumbá-Santa Cruz de La Sierra.

23.06.1958

Nota Reversal n. 4, sobre comércio de tráfego mútuo e de intercâmbio de material

rodante e de tração entre a Dirección General de Ferrocarriles de Bolívia e a

Contadoria Geral de Transportes do Brasil.

Sem data

Nota Reversal n. 5, criando uma Comissão Mista Especial destinada a apurar o

montante dos adiantamentos feitos pelo Brasil para a construção e manutenção da

Ferrovia Santa Cruz de La Sierra-Corumbá.

23.06.1958

Nota Reversal n. 6, destinada a atualizar o Tratado sobre a saída e o aproveitamento

do petróleo boliviano, firmado em 25 de fevereiro de 1938, e seus instrumentos

complementares.

Sem data

Nota Reversal n. 7, destinada a permitir que as companhias brasileiras que

produzem petróleo na Bolívia possam vende-lo e a outros países que não o Brasil,

em caráter transitório.

Sem data

Nota Reversal n. 8, sobre bolsas de estudos. Sem data

Nota Reversal n. 9, sobre o Convênio Comercial assinado na mesma data. 14 julho1958

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138

Nota Reversal n. 10, sobre execução do mesmo Convênio Comercial. 14.07.1958

Nota Reversal n. 11, sobre as relações comerciais e financeiras entre os dois países. 14.07.1958

Nota Reversal n. 12, sobre execução do Convênio Inter-regional, criando para o

Banco de Crédito da Amazônia a obrigação de estender à borracha boliviana o

amparo destinado à borracha brasileira.

14.07.1958

Nota Reversal n. 13, tornando sem efeito as disposições do Convênio de

Intercâmbio de Gado Brasileiro-boliviano assinado em 1953.

14.07.1958

Nota Reversal n. 14, tornando sem efeito o Convênio sobre regime cambial para o

comércio fronteiriço assinado em 28-7-1943.

14.07.1958

Nota Reversal n. 15, dispondo sobre a cessão, venda ou arrendamento de terrenos

para construção de depósito franco boliviano em Santos, Corumbá, Porto Velho,

Belém e Manaus.

14.07.1958

Nota Reversal n. 16, colocando à disposição da Bolívia todos os privilégios de

regulamento da zona franca de Manaus, inclusive instalação de agências

aduaneiras, construção de armazém, operações comercial, transbordo, depósito e

beneficiamento de produtos e outras operações conexas.

14.07.1958

Nota Reversal n. 17, dispondo sobre as duas Comissões de Convênio de

Cooperação Econômica e técnica firmado na mesma data.

14.07.1958

Nota Reversal n. 18, criando para o Brasil a obrigação de, desde logo reservar a

importância de oitocentos milhões de cruzeiros destinada a criar condições que

facilitem a realização dos projetos a serem executados em conseqüência do

Convênio de Cooperação Econômica e Técnica, firmado na mesma data.

14.07.1958

Nota Reversal n. 19, sobre a criação, em La Paz, de uma agência do Banco do

Brasil S. A.

14.07.1958

Nota Reversal n. 20, sobre entendimento entre os Ministérios da Viação dos dois

países para um convênio sobre comunicações telegráficas.

14.07.1958

Fonte: Adaptado pelo autor de Passos (1959) e de documentos oficiais do DAI/Itamarati

O Tratado de Roboré é um diploma legal da mais alta importância para o tratamento

das fronteiras Brasil-Bolívia, necessitando apenas da efetiva compreensão e participação das

populações fronteiriças para atingir a realidade prática de seu extraordinário objetivo. O

propósito desse entendimento fundamentou-se no acerto definitivo dos limites territoriais e no

estabelecimento de condições especiais para os povos da fronteira.

A diplomacia, segundo modos tradicionais de negociações entre Estados Soberanos,

costumava nomear os tratados pelos assuntos ou pelos sítios da firmação dos contratos. No

caso de Roboré tudo foi diferente.

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139

O Tratado no desenrolar da formação das fronteiras, apresenta-se então como uma

ferramenta indispensável, pois é o fruto de negociações, acordos e resoluções estabelecidas

entre os países limítrofes, fortalecendo as relações diplomáticas internacionais, visando a

implantação e implementação de uma política externa capaz de promover a melhoria da

qualidade de vida e a convivência das populações que habitam as regiões fronteiriças.

Historicamente, sabe-se que os documentos firmados foram de grande importância, na

época em que foram criados, perpetuando-se ao longo dos anos, certamente que muitos já

caíram em desuso, ou foram aprimorados, sofrendo alterações, capazes de responder às novas

necessidades do cenário político e econômico.

8.3 – Consequências do Tratado

O Tratado de Roboré que condicionou uma negociação global de diversificados

assuntos consumou importantes resultados relativo aos pontos de atritos existentes.

Concluíram os trabalhos demarcatórios dos limites do início do século XX,

executando retificações dos pontos dúbios, principalmente, nos seguimentos relativos aos

marcos Quatro Irmãos – Turvo – Rio Verde, com resultado favorável à Bolívia.

Acertou a complementação da ferrovia Corumbá-Santa Cruz de la Sierra pretendida

pela comissão boliviana.

No tocante ao petróleo encerrou pela concessão da área B, na faixa subandina, para

exploração de petróleo por empresas brasileiras, agora reduzidas para 13.000 km².

Estes itens decorrentes de outros Tratados eram considerados como assuntos velhos e,

portanto, apesar de acordado pelas comissões, não representavam o suficientes para

restabelecer as relações de amizade e confiança desejadas pelas duas nações.

A magnitude da negociação era de tal abrangência que, para alcançar uma solução

ampla e duradoura, se fazia necessário ampliar a análise com novos assuntos tanto de

abrangência geral quanto regional, através de acordo geral de comércio, cooperação

econômica e técnica, livre transito, no propósito de conjugar os elementos práticos existentes,

num jogo seguro, com o espírito de contribuir cada vez mais para o progresso do bom

entendimento entre os dois povos.

E as Comissões verificando, então, que para alcançar este objetivo teriam que ativar

relações econômicas para o desenvolvimento de suas populações; criar normas de cooperação

mútua extensivas a todas as comunidades nacionais, como estimulantes de novas fontes de

intercâmbio, para melhorar a balança comercial; estreitar as relações de amizade e boa

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140

vizinhança pela simplificação dos procedimentos comerciais e de transporte nas regiões

fronteiriças, para incremento do livre trânsito; amenizar, para a Bolívia, o caráter

mediterrâneo de sua posição geográfica, facilitando a criação de interpostos comerciais e

zonas francas, no território brasileiro, para sua saída ao mar pelo oceano Atlântico.

Terminada a análise, as Comissões concluíram que, “somente pela colaboração mais

íntima e pela simplificação dos trâmites administrativos entre suas organizações nacionais”

seria possível concretizar os desejos dos dois governos na busca de uma solução pacífica e

duradoura para suas fronteiras. E, para tanto, tiveram que concluir pelos dez convênios e

reversais do acordo de Roboré já referidos.

As conseqüências do Tratado foram diversificadas em termos favoráveis e

desfavoráveis ao Brasil quando considerados pela ótica dos limites e dos tratados de 1938.

Para a diplomacia o feito diplomático das duas Chancelarias de estabelecer e aprovar

os pontos acima referidos foi de grande importância para restabelecer as relações de amizade

e confiança cultivadas pelos dois países durante muitas décadas. Assim a correção dos pontos

dúbios dos limites, resultantes das demarcações efetuadas desde o inicio do século XX,

resultaram em cessão de territórios para a Bolívia, bem como favorável a ela foi a

complementação da ferrovia que já havia sido concluída, e, como tal, entregue e recebida pelo

governo boliviano, em 1955, e por último a concessão da chamada Área B, na Faixa

subandina, na região de Santa Cruz de La Sierra, de 13.000 km², às empresas privadas

brasileiras para exploração do petróleo;

Para o entendimento jurídico o Tratado não ensejou resultados vantajosos e seguros

para o Brasil, porque no acerto demarcatório da fronteira, o Brasil cedeu território para a

Bolívia, através de nota reversal, instrumento adjetivo de tratado, quando limites e cessão de

território são matérias de tratamento exclusivo do Congresso Nacional.

Na mesma linha de raciocínio referente à redução da área, também por reversal,

anulou o objeto originário do Tratado de 1938, sobre a exploração de petróleo, na Bolívia, isto

porque o tratado é um instrumento jurídico substantivo do direito público internacional,

enquanto a reversal é adjetiva, ela auxilia o desempenho do ato substantivo, sem alterar sua

essência, quando a alteração se evidencia temos então um novo tratado disfarçado para fugir

da ratificação. Tratado só pode ser substituído por outro Tratado.

Daí a afirmação jurídica de que o Tratado de Roboré, no tocante a 1938, foi um

“Triste Tratado” para o Brasil. A construção da ferrovia teve seu pagamento prejudicado pela

anulação do Art. IV da vinculação ferroviária. A área destinada a exploração do petróleo foi

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141

reduzida e o Acordo mal versado em favor dos trustes. Somente pelo encontro dos Presidentes

Médici e Banzer, em 4 de abril de 1972, na cidade de Corumbá MS, foi reaberta a intenção de

negociação dos hidrocarbonetos, entre o Brasil e a Bolívia.

As conseqüências positivas para os dois países, 1938, em nossa ótica, foram a

construção da ferrovia Corumbá-Santa Cruz de La Sierra e a remarcação dos seus limites

territoriais.

A ferrovia Corumbá-Santa Cruz de la Sierra vem se constituindo no principal fator de

transformação do oriente boliviano. Sua presença tem sido responsável pelo povoamento com

16 novas cidades; pelo fomento e aproveitamento de suas riquezas; pela intensificação do

comércio inter-regional com os núcleos da fronteira do Brasil, sendo, então, um indicador da

grande possibilidade de êxito na aplicação de uma política fronteiriça voltada para facilitar o

desenvolvimento dos estados confinantes.

O concerto das divergências dos marcos demarcatório dos limites a partir da

eliminação do marco do Jacadigo, intermédio entre o inicial de Bahia Negra e o do Taquaral,

bem como os já apontados, foram conseqüências positivas porque desacordos em limites

territoriais são agentes de desarmonia na convivência pacífica de dois países. Um dos

objetivos dos Acordos de Roboré era reativar a amizade e confiança entre os dois povos

vizinhos.

Dos dois Tratados de 1938: vinculação ferroviária e aproveitamento do petróleo

boliviano restaram de positivo para o Brasil a ferrovia como elemento de comunicação e

transporte. Não selaram, entretanto, o acordo global desejado, conforme vimos.

Assim concluirmos que a conseqüência fundamental de Roboré foi a resultante da

criação do projeto voltada para facilitar a vida das populações das fronteiras, com políticas

públicas de ajuda mútua, suficientes para transformar a fronteira erma, numa fronteira viva. A

aprovação dos dez convênios com as reversais respectivas foi o que restou e é o real, o

verdadeiro e atual Tratado de Roboré.

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142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No emaranhado confuso do uso do termo fronteira foi necessário buscar um conceito

para entender sua origem, abrangência, complexidade, função e diferença com outros signos

demarcatórios de territórios confrontantes entre dois Estados nacionais.

O estudo da formação de fronteiras no continente americano requer uma abordagem

desde o período dos grandes descobrimentos, pois, sem dúvida, o avanço da ciência náutica,

alentada em Sagres sob a égide do Príncipe D. Henrique, aqueceu a avidez dos navegantes

para os mistérios do grande oceano e ensejou essa era dos descobrimentos de novas terras,

consequentemente resultando em disputas e necessidade de delimitação de territórios.

A contenda entre Portugal e Espanha pelas terras descobertas e por descobrir no Novo

Mundo foi resolvida com uma solução pacífica pelo Tratado de Tordesilhas, 1494, mediante

uma linha divisória estabelecida pelo meridiano de 370 léguas e as terras a oeste do

arquipélago de Cabo Verde pertenceriam a Espanha e aquelas a leste a Portugal, resultando na

primeira linha de limite, a primeira fronteira no continente americano, indicando os territórios

pertencentes às Coroas ibéricas.

No período colonial, por dois séculos e meio, a questão das fronteiras no Novo

Mundo se prende às negociações dos limites das terras pertencentes às duas Coroas. No

decorrer desse tempo o território português do Brasil se expande pela ação das Bandeiras e

Monções, na caça ao ouro, provocando o deslocamento da linha de Tordesilhas para Oeste,

com ganho de dois terços a mais em relação ao meridiano de 1494.

Os embates entre portugueses e espanhóis na América meridional eram cada vez mais

acirrados, estendendo-se do rio da Prata ao Amazonas e gerando severos desconfortos nas

relações de amizade entre Espanha e Portugal. O assunto conjugava implicações de várias

ordens nos campos da geografia, da história, dos interesses econômicos e do direito público

internacional, com sinais de difícil solução pacífica para a questão. Era necessário acionar

uma política externa eficiente capaz de evitar o desfecho bélico.

Inicia-se o confronto diplomático com duas grandes expressões do direito público

internacional. Por Portugal Alexandre de Gusmão, Secretário da Corte de D. João V,

conducente, entre outros, dos assuntos relativos ao Brasil. Pela Espanha D. José de Carvajal y

Lancaser ministro da Corte de D. Fernando VI, gestor da política externa da Coroa.

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143

Se Portugal tinha à frente das negociações dos ajustes das fronteiras ibéricas

Alexandre de Gusmão, experiente conhecedor da política européia, versado nos assuntos

jurídicos e diplomáticos da Corte, dedicado conhecedor da cartografia desenvolvida no

território da América portuguesa, a Espanha tinha como negociador o distinguido e respeitado

D. José de Carvajal, de larga experiência na condução do Conselho de Índia além de

sedimentada experiência jurídica e diplomática.

Diante da alta distinção dos negociadores e da vontade decidida dos dois monarcas,

certo era esperar, confiante, um ajuste de limites definitivo e vantajoso para os dois reinos.

Alexandre de Gusmão estudou detalhadamente a ocupação portuguesa extra

Tordesilhas no sul, centro oeste e norte, respectivamente, o rio da Prata, o maciço aurífero do

Extremo Centro Oeste e a Amazônia. Numa estratégia que hoje se chamaria geopolitica,

estudou os territórios que a Espanha pontuava como de maior importância para ela e os que

igualmente eram fundamentais para consolidar o perfil geográfico do Brasil Colônia e com

base nestes conhecimentos pontuar as negociações por trocas de territórios equivalentes.

A sua tática de negociação estimava-se em duas proposições: acertar os confins pelas

vantagens auferidas pelos espanhóis no Oriente e pelos portugueses no Ocidente. Recusada

esta pelos espanhóis, teria de fundamentar um Tratado de Limites com base na ocupação real

da terra com um justo valor da propriedade, o que implicaria em fundar uma soberania com

norma jurídica, advinda do direito romano, a do uti possidetis, associada aos limites naturais.

Por mais de dois anos o Embaixador de Portugal, na Espanha, Thomas da Silva Teles

e D. José de Carvajal e Lancaster, Ministro espanhol, se debruçaram sobre a farta

documentação cartográfica e diplomática fornecida pelas Coroas e, num contínuo e paciente

trabalho de análise documental, confrontaram, ponto a ponto, os interesses em pauta e

lograram um ajuste de limites satisfatório e compensador para os dois Reinos pondo fim a um

prolongado litígio de fronteiras entre as nações Ibéricas da América austral.

E com os Pleno-Poderes, e Ratificação dos Dois Monarcas é assinado na capital

espanhola em 13 de Janeiro de 1750 o Tratado de Madri. Por ele fica abolido o Tratado de

Tordesilhas, cria-se a fronteira pondo fim às quizilas de limites do período colonial, entre

Espanha e Portugal no continente americano. Esta divisa é validada em definitivo pelo

Tratado de Badajóz, assinado em 6 de junho de 1801.

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144

Em 1808, o Príncipe Regente D. João VI ao transferir a corte de Portugal para o

Brasil, de Lisboa para o Rio de Janeiro, assumiu o poder administrativo do Brasil e com tal

ato, além de tornar o reino de Portugal geograficamente maior e politicamente mais forte,

como rei de Portugal e do Brasil, transformou uma colônia em Império, o Império do Brasil.

Primeira área do continente americano a ter seu território com perfil geográfico cartografado

em mapa, antes de sua independência. E esta somente veio a ocorrer em 7 de setembro de

1822.

O inicio do século XIX foi de grande inquietação política na América espanhola,

provocada pelos movimentos de independência de seus vice-reinados, especialmente do Peru

e do Rio da Prata. A Bolívia cujo território se estendia pelos dois vice-reinados conseguiu sua

independência em 6 de agosto de 1825.

A formação da fronteira da Bolívia com o Brasil inicia-se quando, em 1867, os dois

países firmaram o primeiro Tratado de Limites, seguido pelos Atos diplomáticos: Questão do

Acre – Tratado de Petrópolis, 1903; Limites e Vinculação Ferroviária – Tratado de Natal

1928; Tratados de Vinculação Ferroviária e Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo

Boliviano de 1938 e por último os Acordos (Tratado) de Roboré, 1958. Nesta seqüência e

durante quase um século de negociações os dois Estados nacionais consolidaram a mais longa

fronteira fluvial e seca, com 3.125 km de extensão.

Pelo Tratado de Petrópolis, 1903, o Barão do rio Branco com seu extraordinário senso

de americanismo e de política de boa vizinhança, negociou a questão do Acre por via direta,

nos conformes do primeiro Tratado, 1867, substituindo a cessão pela permuta de territórios,

com justa compensação pecuniária, além de proporcionar o acesso ao mar para a Bolívia pelos

rios da Amazônia. E, ainda, com os recursos auferidos da compensação do Acordo, o governo

boliviano construiu importantes ferrovias na região andina, com resultados positivos para sua

economia.

Depois da gestão do Barão do Rio Barão ainda restaram acertos do Tratado de

Petrópolis sobre limites e obras, que geraram mais recursos para a Bolívia, definidos pelo

Tratado de 1928, em um milhão de libras esterlinas, e deste recurso derivaram, vinte anos

depois, os tratados de 1938.

O Tratado de Vinculação Ferroviária, 1938, foi acordado para a construção da ferrovia

Corumbá-Santa Cruz de La Sierra pelo Brasil, entrando a Bolívia com os recursos da divida

brasileira, um milhão de libras esterlinas, insuficientes à conclusão do projeto,

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145

complementado com financiamento brasileiro, cujo ressarcimento a Bolívia faria com

petróleo resultante do “Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano”, firmado

na mesma data. Como resultado a Bolívia ficaria vinculada ao sistema ferroviário brasileiro,

com acesso ao oceano Atlântico pelo porto de Santos e o Brasil teria o abastecimento

mediterrâneo de petróleo, livrando-se das conseqüências danosas dos bloqueios marítimos.

O fechamento destes dois acordos representava o objetivo de suprir necessidades

mútuas, a recuperação da economia boliviana no pós Guerra do Chaco e o suprimento de

combustível para o desenvolvimento brasileiro, além da tentativa de alargar, dentro dos

limites de ação do próprio capitalismo, seu campo de atuação com base nas suas condições de

soberania e independência.

O Brasil e a Bolívia conjugaram uma ação geopolítica com uma estratégia segura para

atingir o objetivo de sanar suas economias, pela exploração e comercialização de suas

próprias riquezas, com base numa infra-estrutura resultante de seus próprios esforços. Os dois

Estados nacionais intentaram uma forma de desenvolvimento autônomo, forçando as suas

próprias realidades, contra um sistema capitalista que os inseriam na dependência dos

interesses dos Estados Unidos, nação hegemônica do continente americano. Em termos de

política externa era uma ação ousada, porém, de conseqüências perversas imputadas pelos

trustes do petróleo, para manter o Brasil e a Bolívia na condição de países subjugados aos

caprichos das empresas petrolíferas internacionais, interessadas nas reservas de

hidrocarbonetos da Bolívia, anteriormente exploradas pela Standard Oil Co. , americana.

A saída da Standard Oil Co. da Bolívia agravou a pressão do governo dos Estados

Unidos sobre os dois países. Ameaças de toda ordem, bloqueio de empréstimos, ingerência

direta nas esferas governamentais, golpes de estado, implantação de ditaduras na América do

Sul, todo um programa de agitação política pertinente à defesa de seus trustes do petróleo.

Todo este conjunto de manobras deletérias aos interesses dos Estados nacionais era para

obrigar o Brasil e a Bolívia a desfazer o Tratado do petróleo de 1938. E tal foi a ingerência

sobre eles que resolveram marcar o encontro diplomático nas cidades fronteiriças de Corumbá

e Roboré, para detalharem as negociações.

Passados vinte anos, o Brasil já havia cumprido o primeiro Acordo, o ferroviário, e a

nação boliviana já povoava e explorava as riquezas de sua região oriental. O projeto oferecia

lógica de sucesso. A ferrovia foi construída e concluída sem ruídos de insatisfação pela parte

boliviana. Mas nele estava vinculado o pomo da discórdia, a variável petróleo.

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146

E em decorrência dela a ingerência externa se intensificou de tal maneira que, nos

acertos de La Paz, a diplomacia boliviana se comportou como porta voz da Standard Oil. As

propostas por ela apresentadas, convergiam mais para os interesses dos trustes do que para a

própria Bolívia. Também sobre o governo brasileiro a pressão externa não foi menor. A

comissão diplomática brasileira, nas negociações, teve uma atuação puramente de concórdia,

satisfazendo as pretensões da Bolívia com a aprovação de suas propostas. E assim os Acordos

de Roboré descaracterizaram o Tratado de 1938, deixando as reservas do petróleo boliviano,

destinadas ao Brasil, livres para os trustes.

Os Acordos de Roboré tinham como objetivo principal atualizar o tratado de petróleo

de 1938, vinculado ao tratado ferroviário do mesmo ano. Mas além destes restavam outras

áreas de conflitos decorrentes de pendências de acertos restantes do Tratado de Petrópolis,

1903, que clamavam por soluções imediatas.

Assim os Chanceleres Macedo Soares e Barrau Peláez concordaram por uma solução

global de todos os assuntos para eliminar as dúvidas e desconfianças existentes entre os dois

povos, com o propósito de restabelecer a amizade e a paz, por tantas décadas cultivadas entre

eles.

Mas, desde a primeira sentada de negociações as partes observaram que a solução dos

problemas não se atinha apenas aos assuntos de petróleo, ferrovias e limites. Era necessário

inserir uma extensão de cooperação a outros setores para poderem alcançar um resultado

satisfatório para ambas as partes. Para tanto, era preciso ativar as infra-estruturas de

transportes ferroviários e hidroviários para dinamizar o comércio entre os estados de Pando,

Beni e Santa Cruz de La Sierra, do lado boliviano, e Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul, do lado brasileiro, através de medidas diplomáticas específicas suficientes para

proporcionar um processo de desenvolvimento regional para beneficiar as populações de

fronteiras.

Aprovada a idéia de ampliar a cooperação pelos setores de transporte, comércio, e

cultura, os negociadores trabalharam na criação das normas jurídicas objetivas para

regulamentar o processo e concluíram pela criação dos convênios e notas reversais,

necessárias para ativar o desenvolvimento regional fronteiriço e facilitar a saída marítima da

Bolívia pelas vertentes do Atlântico. E dados por satisfeitos os Chanceleres concluíram as

negociações.

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147

Então, em 29 de março de 1958, é assinado o Tratado de Roboré na cidade de La Paz.

O Tratado totalizou 31 documentos: 10 convênios, 1 protocolo e 20 notas reversais, como já

referidos. O destaque de apreciação nele abordada foi questão do petróleo e gás natural, que

as empresas brasileiras explorariam em território boliviano. Se esta não foi a questão mais

importante foi a mais polêmica por abrigar os interesses das multinacionais petrolíferas.

Os Acordos de Roboré eram pouco conhecidos, só chegaram a ocupar as principais

manchetes da grande mídia e as polêmicas acirradas nas áreas políticas e econômicas dos dois

Estados nacionais, pela presença do item referente à exploração do petróleo boliviano pelo

Brasil. A sua histografia é diminuta e mesmo a área acadêmica nada tem produzido sobre o

tema. Os livros publicados sobre Roboré só tratam do tema petróleo, não fazem uma

apreciação analítica do desdobramento dos tratados de 1938, que resultaram no projeto final

de desenvolvimento dos estados confinantes entre o Brasil e a Bolívia.

O Tratado de Roboré é o mais importante trabalho diplomático do continente sul

americano. Foi a primeira ação entre dois Estados nacionais da América austral a se preocupar

com as regiões isoladas de seus estados limítrofes. Planejaram condições especiais para que

eles conseguissem ativar suas economias com o objetivo de vivificar a fronteira. E

simultaneamente criaram um conjunto de facilidades para que pudessem desenvolver um

comércio inter-regional e binacional nos territórios interiores de seus limites.

Os sete estados, três bolivianos e quatro brasileiros, respectivamente, Pando, Beni e

Santa Cruz e Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, abrangem uma área de

mais dois milhões de quilômetros quadrados, localizada no planalto central sul-americano, a

cavaleiro das bacias amazônica e platina, tem sido referida como a região que detém as

melhores condições geográficas para produzir alimentos para o mundo. É a primeira idéia de

um mercado comum binacional no interior do continente e que podia receber o nome de

Merco Oeste Brasil-Bolívia (FIGURAS 3 e 4).

Depois da assinatura, 1958, Roboré foi se enfraquecendo e com pouca presença na

imprensa e nas apreciações políticas e econômicas, permaneceu como ato passado. A atenção

do país, no inicio de 1960, foi centrada na área política, pela sucessão de desmando que foram

da renuncia de presidente, a mudança de regime e que terminaram com o golpe de Estado dos

militares em 1964 e em decorrência dos fatos o Brasil se esqueceu de Roboré.

Apesar de passados 50 anos o Tratado de Roboré está em plena vigência apesar de

esquecido pelo governo do Brasil. Desrespeitado e desconhecido pelas autoridades nacionais

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148

dos dois lados da fronteira, ele está aí, e ele pode ser reativado tão logo as populações dos

seus territórios tomem consciência de sua importância econômica, política e social.

FIGURA 3 - Mapa apresentando os estados brasileiros e os departamentos bolivianos situados na área referente ao Tratado de Roboré (Elaborado por Padovani s d p).

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FIGURA 4 - Mapa apresentando a área dos estados brasileiros e departamentos bolivianos

que compõe o tratado de Roboré.

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