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1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO A MARINHA DO BRASIL E A PRESENÇA DE SEUS MILITARES NA FRONTEIRA OESTE DO BRASIL: O CASO DE LADÁRIO, MS. CORUMBÁ MS 2014

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL

MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO

A MARINHA DO BRASIL E A PRESENÇA DE SEUS MILITARES NA FRONTEIRA

OESTE DO BRASIL: O CASO DE LADÁRIO, MS.

CORUMBÁ – MS

2014

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MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO

A MARINHA DO BRASIL E A PRESENÇA DE SEUS MILITARES NA FRONTEIRA

OESTE DO BRASIL: O CASO DE LADÁRIO, MS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação - Mestrado em Estudos Fronteiriços do

Campus do Pantanal, da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, para exame de qualificação,

como parte das exigências para obtenção do

Título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de

Oliveira

CORUMBÁ – MS

2014

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MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO

A MARINHA DO BRASIL E A PRESENÇA DE SEUS MILITARES NA

FRONTEIRA OESTE DO BRASIL: O CASO DE LADÁRIO, MS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em

Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do

Pantanal, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Aprovado em

___/___/___, com conceito _______.

BANCA EXAMINADORA

______________________________

Orientador:

Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

________________________________

1º avaliador:

Prof. Dra. Lisandra Lamoso Pereira

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

________________________________

2º avaliador:

Prof. Dra Nathalia Monseff Junqueira

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

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Dedico este trabalho a todos aqueles que prestaram

o juramento de dedicar-se inteiramente ao serviço

da Pátria, cuja Honra, Integridade e Instituições,

defenderão com o sacrifício da própria vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por sua presença constante, sempre iluminando meus caminhos e

abrindo oportunidades de crescimento durante minha caminhada.

Aos meus pais, por terem me proporcionado uma educação básica de

qualidade, sem nunca medir esforços nem recursos, sem a qual eu não poderia hoje

estar apresentando este trabalho.

Ao meu marido, pelo apoio incondicional e suporte em todos os meus

projetos. Sempre o primeiro a me incentivar a seguir adiante em busca dos meus

objetivos.

Aos meus filhos, pela compreensão dos momentos de ausência familiar. A

eles espero estar dando o exemplo de sempre buscar o aprimoramento pessoal e

profissional e o de nunca desistir diante das adversidades.

Ao professor Marco Aurélio Machado de Oliveira, meu orientador, que com

seus conhecimentos seguros direcionou este trabalho e possibilitou a realização de

mais uma meta em minha vida. A ele, minha gratidão, consideração e amizade.

A professora Vanessa Bivar, que me orientou nos primeiros passos no

caminhar deste mestrado, por ter sido a primeira a acreditar nas minhas

possibilidades acadêmicas. A ela, meu carinho e amizade.

Ao professor Edgar Aparecido da Costa, pelas dicas, pelas observações

oportunas, pelos aconselhamentos e pelos textos cedidos.

Ao Comando do Sexto Distrito Naval, representado pelos Contra-Almirantes:

Domingos Sávio Almeida Nogueira, Márcio Ferreira de Mello, Rodolfo Frederico

Dibo, durante os anos em que desenvolvi este trabalho, pelo total apoio à realização

do mesmo, franqueando de forma incondicional as pesquisas no interior das

Organizações Militares.

Ao Comandante da Base Fluvial de Ladário (antigo Arsenal de Marinha de

Ladário), CMG Rubem Ribeiro Veloso, por disponibilizar as instalações da mesma

para meu trabalho de campo, na certeza de inserir uma parcela da história do

Arsenal nos meios Acadêmicos, agradeço pela imensurável ajuda.

A secretária do curso de Mestrado em Estudos Fronteiriços Ramona

Trindade, por sua dedicação profissional e pela imensa paciência com os alunos,

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nos ajudando sempre de forma generosa e abnegada: minha amizade, respeito e

gratidão.

Aos meus colegas de curso de Mestrado, em especial às queridas Cléia

Rodrigues e Maria Cristina Maia, anjos que o Senhor enviou para alegrar essa

caminhada, agradeço por terem feito parte dessa trilha, dividindo dificuldades,

alegrias, sempre oferecendo um ombro amigo, companhia, compartilhando textos e

dicas: vocês sempre estarão presentes em minhas melhores lembranças.

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RESUMO

A presente pesquisa está vinculada à Linha de Pesquisa Ocupação e Identidades de Fronteira, do Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A área geográfica analisada está atualmente localizada nas cidades de Ladário e Corumbá, próximas à fronteira Brasil-Bolívia, cujas pesquisas de levantamento foram realizadas no interior do Comando do Sexto Distrito Naval, em Ladário. Tem como objetivo geral compreender a geopolítica, por meio da ótica institucional da Marinha brasileira na fronteira e a forma como os militares que servem nesta região representam e se apropriam desta fronteira. Possui como objetivos específicos descrever a importância geoestratégica da fronteira Brasil-Bolívia para a Marinha do Brasil e caracterizar as formas como os militares que servem nesta região de fronteira representam e se apropriam dela. A metodologia empregada nesta pesquisa foi a aplicada, a qualitativa e a descritiva, envolvendo procedimentos como pesquisa bibliográfica e documental, no intuito de descrever a participação da Marinha Brasileira na consolidação do atual traçado fronteiriço, a Oeste do Brasil, mediante uma estratégia de ocupação territorial. Também se configurou numa pesquisa de levantamento, por meio da aplicação da técnica de Grupo Focal, junto aos militares que atualmente servem na Marinha do Brasil em Ladário, que participaram de forma voluntária. Os dados colhidos foram analisados na perspectiva qualitativa. As observações de campo foram gravadas e transcritas de modo a permitir um maior entendimento das aspirações e motivações dos militares que vieram servir nesta área de fronteira. Os resultados transcritos destacaram os pensamentos mais relevantes e recorrentes, não recebendo nenhuma análise quantitativa.

Palavras-chave: Fronteira; Marinha do Brasil; Militares.

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ABSTRACT

This research is linked to the Line of Occupation Research and Border Identities of the Master's Program in Border Studies, Federal University of Mato Grosso do Sul. Geographical area analyzed is currently located in the cities of Ladário and Corumba, Brazil-the next frontier Bolivia, and the survey research were conducted inside the Sixth Naval District Command in Ladário. General Objective is to understand the geopolitical, through the institutional lens on the border of the Brazilian Navy and the form of the military as they serve this region represent and own this border. Has as Specific Objectives describe the geostrategic importance of the Brazil-Bolivia border to the Navy of Brazil and characterize the ways in which those serving at the border represent and own it. The methodology used in this research was applied, qualitative and descriptive, involving procedures such as bibliographic and documentary research, in order to describe the participation of the Brazilian Navy in the consolidation of the current border route, west of Brazil, through a strategy of territorial occupation. It was also seen in survey research, by applying the technique of Focus Group, with the military currently serving in the Navy in Brazil Ladário, who participated voluntarily. The data collected was analyzed in qualitative terms. Field observations were recorded and transcribed to enable a greater understanding of the aspirations and motivations of the soldiers who came to serve in this border area. Transcripts results highlighted the most relevant and recurrent thoughts, not getting any quantitative analysis.

Key words: Frontier, Brasilian Navy, Military.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Bacia do Prata ........................................................................................... 19

Figura 2: Rio Paraguai entre países ......................................................................... 20

Figura 3: Mapa Político da América do Sul .............................................................. 21

Figura 4: Mapa do Brasil com destaque às fortificações militares ............................ 42

Figura 5: Interior de uma oficina do Arsenal de Ladário ........................................... 51

Figura 6: Arsenal de Marinha de Ladário. Gabinete do Inspetor.. ............................ 53

Figura 7: Flotilha do Mato Grosso.. .......................................................................... 54

Figura 8: Busto do Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha, em frente ao Pórtico

de entrada do Comando do Sexto Distrito Naval. ..................................................... 60

Figura 9: Residência do Inspetor do Arsenal de Marinha de Ladário. ...................... 62

Figura 10: Saleta de espera do gabinete do Inspetor.. ............................................. 63

Figura 11: Sala de Conselhos.. ................................................................................ 63

Figura 12: Loja Maçônica Pharol do Norte, na Avenida 14 de Março, em Ladário.. . 64

Figura 13: Centro Espírita Vicente de Paula, na Avenida 14 de Março. ................... 65

Figura 14: Acervo do Comando do Sexto Distrito Naval.. ........................................ 66

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Principais Teorias Geopolíticas a respeito da Bolívia no período de

contenção e integração sul-americana. Fonte- Organizado ...................................... 25

Tabela 2: População de Corumbá ............................... Erro! Indicador não definido.

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LISTA DE SIGLAS

ACiSo Ações Cívico-Sociais

ANEMAR Anuário Estatístico da Marinha

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAF Corporação Andina de Fomento

CHM Centro de Hidrografia da Marinha

DHN Diretoria de Hidrografia e Navegação

Dr. Doutor

Ed. Editora

EPM Ensino Profissional Marítimo

ESG Escola Superior de Guerra

EVAM Evacuações Aeromédicas

GptFMla Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário

HNLa Hospital Naval de Ladário

HU-4 Quarto Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IIRSA Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana / Iniciativa

para la Integración de la Infraestructura Regional Suramericana

Km Quilômetros

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MS Mato Grosso do Sul

MT Mato Grosso

ON Objetivos Nacionais

PCN Projeto Calha Norte

PNR Próprio Nacional Residencial

SAR Tarefas de Busca e Salvamento

SSN-6 Serviço de Sinalização Náutica do Oeste

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 12

1. A VISÃO INSTITUCIONAL DA FRONTEIRA ....................................................... 17

1.1 Geopolítica, instrumento de consolidação do Estado e fronteira como resultante

final ............................................................................................................................ 17

1.2 A Importância geopolítica da Região Oeste brasileira ......................................... 18

1.3 Um olhar geopolítico para a fronteira: o caso das Forças Armadas .................... 31

2. FRONTEIRA OESTE E HISTÓRIA ....................................................................... 38

2. 1 Breve histórico da formação da fronteira oeste brasileira e da presença da

Marinha na região de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul........................................ 38

2.2 A guerra da Tríplice Aliança e suas implicações na fronteira oeste brasileira ..... 46

2.3 O Arsenal de Marinha de Ladário ........................................................................ 49

2.4 O último quartel do século XIX e o cenário sobre o qual se anunciaram as

transformações sobre Corumbá e Ladário ................................................................ 60

3. A FRONTEIRA VIVIDA PELO MILITAR DA MARINHA: UMA PERSPECTIVA

DIFERENTE .............................................................................................................. 72

3.1 Contexto .............................................................................................................. 72

3.2 Grupo focal 1 – Praças ........................................................................................ 73

3.2 Grupo focal 2 – Oficiais ....................................................................................... 79

3.3 Diferença entre praças e oficiais ......................................................................... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 89

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 94

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho pretende servir de instrumento para a compreensão da

geopolítica, por meio da ótica institucional da Marinha do Brasil na fronteira

brasileira, mais especificamente na fronteira Brasil-Bolívia, bem como observar a

forma como os militares que servem nesta região se apropriam desta fronteira.

Para tanto, buscaremos descrever a importância geoestratégica da fronteira

Brasil-Bolívia para a Marinha do Brasil, mediante uma análise bibliográfica. Além

disso, por meio de um trabalho de campo envolvendo a aplicação de grupo focal,

vamos caracterizar as formas pelas quais os militares que servem nesta região de

fronteira a representam.

Para o suporte bibliográfico foram empreendidas visitas ao Instituto Histórico

e Geográfico de Mato Grosso e ao Arquivo Público do Estado de Mato Grosso,

sediados no município de Cuiabá (MT). Outras leituras também se fizeram

necessárias, destacamos entre elas o Manual Básico da ESG e Manual de Doutrina

da ESG.

Durante os trabalhos de levantamento bibliográfico, deparamo-nos com a

dificuldade em obter fontes que tratassem da Marinha Brasileira, em contraponto à

fartura de obras que citam a participação do Exército.

Mais do que contribuir para redimir um silêncio historiográfico, este trabalho

pretende abrir um novo ângulo de visão, voltado para o interior do país, na fronteira

com a Bolívia, uma vez que, ao considerar as estratégias de defesa territorial

brasileira, a costa marítima é objeto de diversas abordagens, em detrimento dos

inúmeros rios brasileiros presentes na área eleita para esta pesquisa.

A implantação de um Estado Nacional em nosso país não se deu de forma

pacífica. Inicialmente, as disputas territoriais envolvendo Portugal e Espanha vieram

a refletir-se em inúmeras contendas envolvendo o Brasil Colônia.

As delimitações dos atuais contornos do território nacional não se

constituíram em meros acertos diplomáticos. Muito antes das batalhas internas,

separatistas, ocorridas durante o período regencial e que necessitaram da

intervenção das Forças Armadas para a manutenção da integridade política de uma

nação recém-criada, as áreas de fronteira já se encontravam imiscuídas em um

contexto de violentas disputas territoriais (ARIAS NETO, 2006).

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A porção territorial discutida neste trabalho é a correspondente à fronteira

Oeste brasileira, que a historiografia julgava abandonada e distante do olhar

cuidadoso do reino de Portugal, por ocupar uma região de difícil acesso e repleta de

dificuldades a serem transpostas (TAUNAY, 1981).

No entanto, uma leitura mais cuidadosa a respeito deste assunto nos vai

revelar que Portugal empreendeu uma série de medidas no intuito de ampliar e

consolidar a ocupação dessas terras. Fomentando incursões terrestres e fluviais

pelo interior do Brasil e, finalmente, defendendo o território conquistado da cobiça de

invasores estrangeiros.

Entre as muitas abordagens possíveis para este estudo, nossa escolha recaiu

sobre a fronteira política, cuja função é a de limitar e demarcar as linhas divisórias,

com o intuito de resguardar a soberania nacional. Tal escolha justifica-se por julgar

ser a mais adequada ao papel a ser desempenhado pelas Forças Armadas na área

de Fronteira.

Para aprofundar algumas reflexões a respeito de nossa geopolítica,

buscaremos uma retrospectiva histórica da região, demonstrando que desde antes

dos primeiros tratados, a ocupação territorial e estabelecimento de guarnições,

militares fronteiriças nortearam o pensamento das coroas lusa e espanhola que

disputaram, palmo a palmo, o território da área eleita para esta pesquisa. Além

disso, acreditamos na importância de revelar o pano de fundo, o cenário histórico

local, em que se descortinaram as diversas transformações pelas quais passaram as

cidades de Corumbá e Ladário, em cuja região a Marinha brasileira veio sediar-se.

Num primeiro momento, durante o século XVIII, as denominadas “canoas

artilhadas” auxiliaram a povoação do Oeste, provendo segurança às embarcações

monçoeiras que partiam desde São Paulo, buscando as minas de Cuiabá.

Em 5 de outubro de 1747, D. Luís de Mascarenhas ordenou ao ouvidor de Cuiabá que organizasse uma flotilha permanente de seis canoões amados em guerra para servirem de escolta as monções que transportavam os quintos reais. (MOURA, 1986).

Em seguida, no raiar do século XIX, mediante a fundação do Arsenal de

Marinha de Cuiabá, como parte das instruções régias para a segurança da colônia,

resguardando áreas críticas dos rios, em especial o rio Guaporé, considerado

estratégico por permitir o acesso às minas de ouro de Cuiabá.

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Finalmente, durante a guerra do Paraguai, em que a Marinha contribuiu para

a vitória dos aliados, culminando com a abertura dos rios brasileiros à navegação

estrangeira, fato intimamente relacionado ao rápido progresso que experimentou o

município de Corumbá, na fronteira com a Bolívia e o Paraguai.

O espaço temporal abrange desde os primórdios do Tratado de Tordesilhas,

passando pela pouco conhecida Flotilha de Canoas Artilhadas, cujas técnicas de

construção e táticas de guerra a Marinha deve aos indígenas da região. Passando

pelo ano de 1825, quando o Império do Brasil adotou a política de construção naval

na província e substituiu as canoas ameríndias pelas barcas de caverna, encerrando

com a criação de um Arsenal de Marinha em Ladário, quase 50 anos depois.

Para a confecção e a manutenção das barcas, a princípio foi criado o Arsenal

de Marinha de Mato Grosso. Tal organização militar funcionou, inicialmente, no porto

de Cuiabá (1825); posteriormente, foi transferido para Ladário (1873), juntamente

com a Escola de Imperiais Marinheiros. As barcas canhoneiras e as oficinas, juntas,

eram denominadas “Trem Naval de Mato Grosso” (MELLO, 2009).

A transferência deveu-se às inúmeras dificuldades encontradas em Cuiabá:

falta de pessoal especializado, carência de recursos financeiros e materiais de toda

ordem, escassez de madeira para as construções navais – agravadas pela grande

enchente do rio Cuiabá no ano de 1865, a qual acabou por destruir o frágil Arsenal.

A facilidade com que o Arsenal foi tomado pelos inimigos durante a Guerra da

Tríplice Aliança fez com que as autoridades locais considerassem a sua

transferência para um local mais estratégico (MELLO, 2009).

Com o fim da guerra, que garantiu a vitória dos aliados, já tendo bem

delimitadas as fronteiras a Oeste do Brasil, foi possível a internacionalização das

águas do rio Paraguai, atraindo para o porto de Corumbá a prosperidade econômica.

Esse fator contribuiu para a eleição da localidade para receber a transferência do

antigo Arsenal de Mato Grosso (MELLO, 2009).

Longe de ter sido uma unanimidade, após diversas disputas políticas,

finalmente a freguesia de Ladário foi eleita como o melhor local para a construção do

novo Arsenal, tendo sua pedra fundamental cimentada no ano de 1873 (MELLO,

2009).

Com esse feito, a Marinha consolidou a sua presença na fronteira Oeste e

inseriu-se na história da cidade de Ladário, a qual experimentou um surto

populacional com a chegada dos trabalhadores do Arsenal.

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Mais de um século passado desde a chegada dos primeiros marinheiros a

Ladário, percebe-se que a instituição transcendeu sua missão de defesa fronteiriça e

exerceu nos primórdios um papel civilizatório, mediante a rígida educação dada aos

órfãos e desvalidos na Escola de Aprendizes de Marinheiros. Bem como por meio do

aumento da renda per capita com a oferta de empregos para as obras de construção

do Arsenal e suas posteriores transformações, até chegar ao conjunto de

organizações militares – hoje denominadas de Complexo do Comando do Sexto

Distrito Naval. Desta forma, acreditamos estar aproximando e inserindo a instituição

nos meios acadêmicos.

O último capítulo buscou desviar o foco do da instituição para o militar

servidor nesta área de fronteira, oferecendo um espaço para que os mesmos

explicitassem a visão particular que é servir nesta localidade fronteiriça, as

dificuldades, os ganhos, o modo como enxergam a população local, entre outros.

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1. A VISÃO INSTITUCIONAL DA FRONTEIRA

Enquanto houver Estado-Nação, haverá fronteiras. A nova ortodoxia somente conseguiu acabar com as fronteiras nas soltas palavras, sequer no papel. As fronteiras não apenas existem, como foram reforçadas e recriadas nos últimos anos. (OLIVEIRA)

1.1 Geopolítica, instrumento de consolidação do Estado e fronteira como

resultante final

Por causa da Geopolítica, a Geografia passou a ser estudada como

organismo vivo e o mapa, noutros tempos fixo, irremovível e condensador gelado de

informações, se transformou numa projeção constantemente mutável, porque a

Geopolítica outra coisa não faz que lidar com a Política e a Diplomacia, tentando

extrair dos ensinamentos de uma e de outra um dinamismo eficiente de superação

de crises. Como todo o organismo vivo, o Estado também padece de enfermidades,

que são as grandes crises internacionais (SOARES, 1972).

O estudo da Geopolítica surgiu em 1916, na Universidade de Upsala, quando

o professor e parlamentar sueco Rudolf Kjéllen, baseado nas ideias do geógrafo

alemão Freidrich Ratzel, buscou um instrumento vivo capaz de explicar e doutrinar a

respeito da expansão do Estado tanto no sentido histórico, quanto no econômico e

étnico (SOARES, 1972).

Tal filosofia política exerceu de imediato um fascínio sobre alguns países que

enxergaram a oportunidade de utilizá-la como instrumento para fomentar o

imperialismo e o expansionismo territorial, por meio de uma leitura que justificava a

supremacia de poder do Estado, como ocorreu no Japão e na Alemanha nazista.

Adolf Hitler confessou-se apologista de Escola de Munique.

A Escola de Munique, de Karl Haushofer (1869-1946), como a Geopolítica de

Kjéllen, foram injustamente acusadas de exercer uma “geopolítica fascista”. Tanto

isso não é verdade, que seus elementos primordiais foram inicialmente aproveitados

pela Escola Francesa, que fazia uma Geopolítica pautada em princípios humanistas.

Não há dúvida, no entanto, de que na Alemanha, a Geopolítica forjou-se

como “instrumento político” do Estado. Tanto é verdade, que pouco antes do início

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da Segunda Guerra Mundial, a Geografia e o generalato estreitaram seus laços de

tal forma que todo general deveria forçosamente ser geógrafo e vice-versa

(SOARES, 1972).

Já nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, as ideias de Kjéllen e da

Escola de Munique tiveram outras interpretações e serviram de apoio logístico ao

desenvolvimento de uma política interna pautada em uma nova ciência que buscava

desvendar o comportamento das potências.

Foi bebendo na fonte de Kjéllen que, na Inglaterra, Sir Halford Mackinder

elaborou a teoria de heartland, em que conceitos geográficos pautavam as

“tendências permanentes” que uma potência internacional deveria observar

(SOARES, 1972).

A Geopolítica abriu novos ângulos de visão e serviu de apoio logístico para o

desenvolvimento de uma nova dinâmica internacional. Ao explicar o comportamento

das potências, por exemplo, permitiu uma formulação constante de metas a atingir,

norteando propósitos de estabilização de forças tanto nos locais denominados “terra-

coração”, que veremos mais adiante, quanto nas áreas de fronteira. Transformou-se,

portanto, em uma ciência que caminha ao lado da Diplomacia (SOARES, 1972).

Neste aspecto, a Geografia tornou-se viva e não mais estática, assim como

seus mapas, que passaram a ser construídos de forma dinâmica, como projeções

das relações diplomáticas e bélicas, que foram sendo desenvolvidas no interior dos

Estados e com base no contato com os Estados vizinhos. Da mesma forma, as

fronteiras, antes consideradas imóveis, passaram a ter certa elasticidade.

1.2 A Importância Geopolítica da região Oeste brasileira

Como o objetivo deste trabalho é discutir a fronteira Oeste, nosso recorte

espacial vai recair sobre a fronteira Brasil-Bolívia e a representação geoestratégica

desta última para a América do Sul, retomando o discurso a respeito da importância

estratégica do território mesopotâmico presente em Mato Grosso do Sul, observando

que este estado, considerado o “mais platino do Brasil”, está “integralmente inserido

entre as duas maiores e mais importantes bacias hidrográficas da grande Bacia do

Rio da Prata” (PERALTA; LE BORLEGAT, 2011).

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Nesse contexto, é necessário destacar o rio Paraguai, de posição estratégica

ímpar. Parte integrante da imensa bacia platina que está entre as maiores do

mundo, com cerca de três milhões de quilômetros quadrados de superfície,

envolvendo quase a metade do território brasileiro.

Figura 1: Bacia do Prata

Fonte: ANA (Agência Nacional de Águas). Bacia do Prata. Brasília: SGI [2008]. Arquivo Digital: 20080704115736_BACIADOPRATA.pdf

Situada na região mais habitada do país e responsável pela geração de maior

parte da energia elétrica consumida no país, a Bacia Platina é formada também por

duas outras: as bacias do Uruguai e do Paraná.

Se observarmos, ainda, a importância desta bacia como importante meio de

transporte e comunicação entre os diversos países do Mercosul que dividem suas

águas, temos a compreensão imediata de sua importância estratégica.

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Figura 2: Rio Paraguai entre países

Fonte: ECOA (Ecologia e Ação), 2003. Disponível em: <http://www.riosvivos.org.br/ Canal/Rio+Paraguai/540>

A Bacia Platina, juntamente com a Bacia Amazônica e os Países do

Espinhaço andino, integram uma região de alto valor geoestratégico para a América

do Sul, conhecido como “Heartland Sul-americano” – segundo Travassos, que

transpôs na década de 1930 os conceitos de heartland de Mackinder (1904) para

nosso subcontinente (TRAVASSOS, 1935, e MACKINDER, 1904).

Para o geopolítico inglês, o heartland era uma área de imensa importância

estratégica que possuía características especiais, tais como ocupar regiões

interiores do continente, serem compactas e isoladas, ocupar importantes espaços

centrais que tenham uma posição estratégica, conter recursos para indústrias e

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poder conformar populações numerosas, competindo com áreas costeiras

(STASIUK, 1991).

Voltando nossos olhos para a América do Sul, observamos que entre todos os

países sul-americanos, a Bolívia é a que se interconecta com as três regiões

anteriormente mencionadas.

Figura 3: Mapa Político da América do Sul

Fonte: Plátano Editora. Disponível em: <http://www.platanoeditora.pt/files/698/7428.png>

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Mario Travassos, militar do Exército Brasileiro, creditou à Bolívia o título de

“coração terrestre” da América Latina pela posição que ocupa no continente. Esta

localidade está especificamente localizada no que ele batizou de “Triângulo de

Charcas”, integrado pelas populações de Sucre, Cochabamba e Santa Cruz de la

Sierra. De acordo com o estudioso, o “Triângulo de Charcas” se caracteriza por ser

uma área de grandes recursos naturais, possuir um clima temperado, estar imune ao

ataque marítimo, possuir um grande desenvolvimento de comunicações aéreas e

terrestres, bem como possuir um grande desenvolvimento populacional, sobretudo

em Santa Cruz de la Sierra.

A importância de Santa Cruz de la Sierra é tal, neste contexto, que leva o

professor Lewis Tambs (1965), a dizer que: “1) Quem rege Santa Cruz domina

Charcas! 2) Quem rege Charcas domina o heartland! 3) Quem rege o heartland

domina a América do Sul!”

No entanto, diversos estudiosos apontam que as dificuldades internas da

Bolívia impedem o domínio dos bolivianos ao seu próprio espaço territorial, deixando

o Triângulo de Charcas ser alvo da cobiça de vários países sul americanos em

especial a Argentina e o Brasil.

Pfrimer (2011) coloca em cheque o conceito de heartland, afirmando que se

faz necessário retomar uma análise critica do pensamento geopolítico sul-

americano. Cita geógrafos sul-americanos, como Becker (1980,1988), bem como

autores anglo-saxões tais como Hepple (1986, 2004), Dodds (2000), Kelly (1997),

entre outros, para fundamentar a importância de revisar os postulados do

pensamento geopolítico na América do Sul.

Tais autores corroboram com a ideia de que nossa geopolítica equivocou-se

em transpor para a América Latina um conceito válido para os anglo-saxões. Eles

avaliam que a Geopolítica exerceu imensa influência sobre as decisões políticas sul-

americanas, tanto que “uma boa parte dos renomados geopolitólogos sul

americanos foi ou ainda são influentes na política de seus países” (KELLY, 1997,

p.13-4).

Para melhor compreendermos o cenário no meio do qual tais discursos se

desenrolaram, é necessário transpor-nos para o momento em que os conceitos da

geopolítica clássica europeia foram incorporados à nossa, por meio de inúmeros

núcleos de doutrinamento criados nas escolas militares sul-americanas.

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Boa parte destes discursos buscava justificar ambiciosos projetos de cunho

expansionista em território boliviano.

PFRIMER (2011) faz uma análise detalhada, buscando resolver a equação de

saber se os discursos geopolíticos sobre a Bolívia seriam “apenas estratégias

discursivas do poder, ou as diretrizes conceituais desses discursos realmente se

materializaram em território boliviano por meio de práticas geopolíticas”.

De acordo com este mesmo autor, os manuais geopolíticos apontam para três

posições em relação à Bolívia. A primeira, defendida por autores como Badia

Malagrida (1919), Bowman (1928) e Whitlesey (1944), trata o país como um absurdo

geográfico, mero tampão entre as pretensões da Argentina, Brasil e Chile. As

disparidades de suas características fisiográficas teriam impedido a integração de

diversas regiões de seu território, “inviabilizando a sua própria existência como país”

(PFRIMER, 2011).

Tais discursos exógenos ao contexto sul-americano, evidentemente,

encobriam um propósito: legitimavam posições de poder. Minimizando a posição

geoestratégica boliviana, buscavam dissuadir ideologicamente os projetos de

integração territorial na América do Sul, em detrimento de alternativas mais

favoráveis a seus interesses, tais como a Área de Livre Comércio das Américas

(ALCA).

A partir da década de 1930, um novo grupo de pensadores começou a liderar

o pensamento geopolítico brasileiro. Foi justamente quando Brasil e Argentina

começaram a mobilizar-se pela liderança continental. O território boliviano passou a

ser considerado como área de importância estratégica para a contenção sul

americana, por tornar-se o “eixo de vertebração” do poder no continente. Mais

adiante, temia-se ainda que o comunismo ascendesse na região, principalmente

após a guerrilha de Che Guevarra no Chaco Boliviano (STASIUK, 1991).

Nesse segundo grupo, inseriu-se o pensamento do general Mário Travassos,

anteriormente citado neste trabalho, que convergia para o território boliviano os

antagonismos existentes entre as influências platinas, brasileiras e bolivianas, que

defendiam seus respectivos interesses. A obra de Travassos influenciou grande

parte do pensamento geopolítico sul-americano, contando com adeptos na

Argentina, onde foi acolhida pela Escuela Superior de Guerra (STASIUK, 1991).

No Chile, os meios militares também absorveram a obra de Mario Travassos

por meio do general Augusto Ugarte Pinochet (1977) e Cañas Montalva (1959),

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entre outros, que consideravam a Bolívia área de importância estratégica para a

preservação dos interesses chilenos em relação à Argentina e ao Peru (PITMANN,

1988).

De certa forma, a Bolívia deixava de ser um “acidente geográfico” para tornar-

se objeto de atenção dos projetos expansionistas das semipotências deste

continente.

Contrapondo-se a esta visão, um terceiro grupo, preponderantemente

formado por autores bolivianos, buscaram caracterizar a Bolívia como uma área

estratégica, rica em recursos, divisora de águas do continente sul-americano. A esta

ideia, autores bolivianos acrescentaram que a integração nacional da Bolívia era

fundamental para dotar o território sul americano de equilíbrio, pois seu território era

um ponto de integração das diversas regiões do continente.

Ainda que pese sobre tais ideias uma expressão de cunho nacionalista, elas

foram posteriormente utilizadas por autores paraguaios e uruguaios, que defendiam

que a Bolívia deveria aliar-se a eles para fazer frente aos avanços das

semipotências continentais, bem entendido: Argentina e Brasil (PFRIMER, 2011).

No entanto, foi a partir da formulação do Fundo Financeiro para o

Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA), que se deu o ponto de passagem

da segunda (contenção) para a terceira fase (integração), abrindo caminho para

outras iniciativas de integração, que culminaram no Mercado Comum do Sul

(MERCOSUL).

Da mesma forma, os pensamentos geopolíticos argentinos e brasileiros

refletiram esta nova realidade. O primeiro defendendo a necessidade de integração

entre o Brasil e a Argentina para enfrentar o perigo da presença americana na

região. O segundo, apresentando a Bolívia como uma das regiões fundamentais

para a integração do continente, sob uma ótica geoeconômica meridionalista. Ambos

apontando a Bolívia como área de integração entre a Bacia do Prata e a Bacia

Amazônica (PFRIMER, 2011).

O quadro abaixo apresenta uma revisão didática dos discursos geopolíticos a

respeito da Bolívia e os principais autores e períodos:

Tabela 1: Principais teorias geopolíticas a respeito da Bolívia no período de contenção e integração sul-americana.

Visão dos discursos Período de contenção Período de integração

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geopolíticos a

respeito da Bolívia

(até o final da década de 70) (início da década de 80

em diante)

Bolívia como absurdo

geopolítico ou com

nenhuma importância

geopolítica

Badia Malagrida (1919),

Bowman (1928),

Whitlesey (1944).

Glassner (1988),

Lavaud (2000), Hepple

(2004).

Bolívia como área

estratégica para

integração sul-

americana

Mendoza (1935),

Zavaleta Mercado (1967),

Valencia Veja (1968).

Marini (1980), Valencia

Vega (1982), Velilla de

Arréllaga (1982),

Quagliotti de Bellis (1990),

Costa (1999), Egler

(2006), Martin (2007).

Bolívia como área

estratégica para a

contenção sul-

americana

Travassos (1935), Rodrigues

(1947), Carlés (1950), Cañas,

Couto e Silva (1955), Montalva

(1959), Tambs (1965),

Guglialmelli (1975), Pinochet

(1977), Videla (1980).

Meneses Ciuffardi (1981).

Fonte: Pfrimer (2010)

O quadro demonstra, antes de qualquer coisa, que o assunto muito interessou

(e ainda interessa) a diversos estudiosos em Geopolítica, de diversas

nacionalidades, reiterando a importância estratégica da Bolívia para os diversos

países sul-americanos, bem como extracontinentais, cujos discursos, como vimos,

estavam em concordância com os interesses defendidos pelos mesmos.

Resta-nos discutir de que forma tais discursos acabaram por materializar-se

em território boliviano e as implicações destas materializações sobre a área de

fronteira com o Brasil.

Até 1950, grande parte da população boliviana concentrava-se no planalto

(Altiplano), com o eixo de concentração Norte-Sul claramente delineado. Já a

planície (Llanos), terras orientais, correspondentes a mais da metade do território

boliviano, apresentavam vazios populacionais por serem consideradas terras inúteis,

devido à quase inexistência de jazidas minerais.

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Foi a partir da década de 1940 que o Estado boliviano pareceu despertar para

a questão do desequilíbrio territorial, que impedia a integração nacional e também

para a questão do monopólio da mineração sobre a economia do país. Um novo

planejamento territorial foi pensado e implementado, por meio das orientações do

economista americano Marvin Bohan.

A implantação de um novo eixo de ocupação no sentido Leste-Oeste,

baseada na teoria dos corredores econômicos apontavam para La Paz,

Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra como novos polos de desenvolvimento

econômico. A posição geográfica de cada uma destas cidades, localizadas

respectivamente no Altiplano, Vale e Llanos, seria a responsável por alavancar a

integração nacional.

De fato, a abertura de estradas promoveu fluxos migratórios e tornou Santa

Cruz de la Sierra o principal centro econômico do país, responsável por 30% do PIB

boliviano (INE, 2001), no final dos anos 1990 (PFRIMER, 2011).

Santa Cruz de la Sierra recebeu recursos oriundos da tributação da atividade

mineradora do Altiplano, bem como de empréstimos do governo norte-americano, a

quem interessava que o Brasil, como aliado regional, mantivesse ali sua esfera de

influência.

Com relação às práticas oriundas dos postulados geopolíticos brasileiros na

Bolívia, o Brasil empenhou-se em buscar uma ligação viária bioceânica, cuja

finalidade era unir o porto de Santos ao Oceano Pacífico e satelitizou a Bolívia e o

Paraguai, considerados “prisioneiros geopolíticos”.

Vejamos o que Pfrimer (2011) aponta como atuação brasileira em território

boliviano, mais especificamente para a área estratégica delimitada neste estudo:

A atuação brasileira em território boliviano foi ferrenha. O governo brasileiro construiu a ligação rodoviária conectando a Plataforma Central de Reserva brasileira a Corumbá no Mato Grosso do Sul, permitindo assim a ligação até Santa Cruz de la Sierra. Posteriormente o governo revolucionário boliviano construiu a autoestrada ligando Santa Cruz à Cochabamba, o que dava acesso do Porto de Santos até os portos chilenos do Pacífico. Em relação à conexão rodoviária, o governo brasileiro em 1957 terminou a obra da Ferrovia Noroeste ligando Bauru a Corumbá na divisa da Bolívia. Além disso, com os recursos previstos no Tratado de Petrópolis, os governos brasileiro e boliviano decidiram investir na construção da ferrovia ligando Corumbá a Santa Cruz de la Sierra. (PFRIMER, 2011)

De acordo com este autor, também a Argentina disputava a hegemonia

regional, e pressionou de forma a conter os avanços brasileiros. Assim, um ramal

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ligando Santa Cruz de la Sierra a Yacuiba (Departamento de Tarija) e de lá ao Norte

argentino foi construído, impedindo a ligação ferroviária Santos-Arica, e fazendo com

que a malha ferroviária oriental e ocidental boliviana se integrem, ainda hoje, em

território portenho. Tal fato reforça a tese de que os bolivianos temiam o avanço do

imperialismo brasileiro sobre o subcontinente e se utilizaram da Argentina para

buscar um sistema de equilíbrio (PFRIMER, 2011).

Desta forma, os argentinos desenvolveram uma política de construção de

ferrovias, no intuito de impedir o acesso brasileiro ao Pacífico. Buscando minimizar a

influência do Brasil em Santa Cruz de la Sierra, construíram um ramal ferroviário

ligando esta ao Norte da Argentina e outra ligando as capitais de ambos os países.

Além disso, os argentinos pretendiam ter acesso ao minério de ferro de

Mutún, mas não lograram êxito, pois o Brasil garantiu a exploração deste mediante

os “Acordos de Cochabamba”, em que:

[...] O país andino se comprometia a fornecer ao “país hermano” 240 milhões de pés cúbicos diários de gás natural, por um prazo de 20 anos, totalizado 1,7 trilhões de metros cúbicos. Em contrapartida, o Brasil de comprometia a construir o futuro gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL), uma usina petroquímica, uma usina siderúrgica para a jazida de Mutum, e a conexão ferroviária entre Santa Cruz e Cochabamba. Por último, concedia quatro zonas francas à Bolívia. (SCHILLING apud MELLO, 1997)

A partir dos anos 1980, com o arrefecimento da contenção entre Brasil e

Argentina, uma série de medidas de integração começou a tomar forma no território

boliviano, a despeito da desintegração proposital das malhas ferroviárias e da

escassez da infraestrutura viária entre as porções oriental e ocidental da Bolívia,

reflexo do confronto geopolítico de dois países em disputa pela hegemonia

subcontinental.

Entre elas podemos destacar a construção do gasoduto Bolívia-Brasil

(GASBOL), que, como vimos, já estava acertado desde os Acordos de

Cochabamba, além da dragagem do canal de Tamengo, que permitiu a

navegabilidade e o acesso fluvial da Bolívia ao Brasil e à Bacia do Prata, mediante a

hidrovia Paraguai-Paraná-Prata. O canal de Tamengo, a partir da década de 1990,

portanto, passou a conectar diretamente a Lagoa de Cáceres, próximo a Puerto

Suarez, na Bolívia, com o Rio Paraguai, que corta a cidade de Corumbá, no Brasil.

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Além disso, o Projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana

(IIRSA) foi implementado em agosto de 2000, tornando o território boliviano um

ponto de interconexão entre diferentes corredores.

Tal projeto objetiva a integração politica, social e econômica sul-americana,

incluindo a modernização da infraestrutura regional e ações específicas para

estimular a integração e desenvolvimento de sub-regiões isoladas, por meio do

desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e comunicações na

América Latina (IIRSA – Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional

Suramericana).

Um dos projetos da IIRSA, o tratado de cooperação para o Corredor

Bioceânico, foi firmado pelo Chile, Brasil e Bolívia. Projetado na década de 1970, o

corredor contará com quatro mil quilômetros de estradas, unindo o Porto de Santos

(Brasil) ao Porto de Arica (Chile) nos oceanos Atlântico e Pacífico respectivamente,

atravessando o continente sul-americano no sentido Leste-Oeste e abrindo um

importante canal de comércio para os países envolvidos e oxigenando o

desenvolvimento boliviano, que não contava com uma saída para o mar.

A Bolívia terá o maior aporte de recursos, provenientes da Corporação Andina

de Fomento (CAF), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela União

Europeia, para os três terminais de seu território: Santa Cruz de la Sierra,

Cochabamba e Puerto Suarez.

O trecho abaixo, retirado de uma reportagem em jornal local (DiariOnline),

datada de 9 de novembro de 2012, relata que apesar do atraso nas obras de

conclusão do Corredor Bioceânico, os trechos que interconectam a Bolívia e o Brasil

já foram inaugurados, envolvendo Puerto Quijarro, que faz fronteira com a cidade

brasileira de Corumbá:

[...] O corredor Bioceânico, fará a conexão rodoviária entre Brasil, Bolívia e Chile, compreendendo um trajeto que parte do Porto de Santos aos portos de Iquique e Arica, ao Norte do Chile, fronteira com o Peru. Lula, Morales e Bachelet firmaram um memorando de entendimento e emitiram a “Declaração de La Paz” na qual fixam os propósitos da consolidação da imensa estrada bioceânica que deveria estar pronta até 2009. Neste mesmo ano, Lula e Evo Morales vieram ate a cidade de Puerto Quijarro, na fronteira com o Brasil, onde inauguraram os trechos 4 e 5. O trecho 4 com uma extensão de 139,2 km liga os municípios de Roboré e El Carmen; e o trecho 5, com 102 km, os municípios de El Carmen e Arroyo Concepcion, na fronteira com o Brasil. (DIARIONLINE, 2012, disponível em <http://www.

diarionline.com.br/?s=noticia&id=51339>)

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O trecho brasileiro, portanto, passará por Corumbá, Mato Grosso do Sul, que

terá sua importância estratégica alavancada. Com a finalização das obras deste

corredor, a integração entre os três países trará muitos de benefícios. O Brasil terá,

a exemplo da Bolívia, uma saída para o Oceano Pacífico, favorecendo o comércio

com a Ásia.

O Chile, que não faz fronteiras com o Brasil, passaria a estar conectado a

este, por meio da interligação das malhas ferroviárias e rodoviárias, entre todos os

portos brasileiros e todos os portos chilenos, tornando-os sob a ótica econômica,

“fronteiriços”.

O discurso proferido pela presidente Dilma Rousseff em janeiro de 2013, em

Santiago do Chile, corrobora com a intenção de integrar os portos e ferrovias de

ambos os países:

[...] E eu queria aqui me referir a dois temas que eu e o presidente (Sebastian) Piñera tratamos, de forma intensa. Inclusive o presidente Piñera providenciou um mapa, e nós discutimos longamente, numa reunião de trabalho, eu diria, e discutimos essa interligação que torna a nossa fronteira, os portos, todos os portos do Brasil - Santos, Paranaguá, enfim, todos os portos do Brasil - e todos os portos chilenos, fronteiriços. É isso que discutimos. (ROUSSEFF apud NOTÍCIAS G1, publicada em 26/01/2013, disponível em <http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/dilma-defende-interligacao-entre-portos-e-ferrovias-de-brasil-e-chile.html>)

Como podemos observar, novas vias de desenvolvimento estão sendo

abertas por meio das fronteiras, reafirmando a importância estratégica das mesmas

e corroborando com a ideia de que as mesmas nunca estiveram tão em voga, tão

fortificadas, tão defendidas, uma vez que resguardam possibilidades de

desenvolvimento.

Segundo Fourcher (2009), “nunca se negociou, delimitou, demarcou,

caracterizou, equipou, vigiou e se patrulhou tanto”, nos informando ainda que “desde

1991, mais de 26 mil quilômetros de novas fronteiras internacionais foram

instituídos, outros 24 mil foram objetos de acordos de delimitação e de demarcação”

(FOURCHER, 2009).

Ao mesmo tempo, os discursos de fronteiras resguardadas apresentam

dificuldades, justamente porque encerram promessas de integração, de caminhos

comuns para a circulação de bens, serviços e, consequentemente, informações.

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Raffestin (1993), ao tratar das redes de integração, esclarece que a

mobilidade propicia tanto a circulação de bens quanto o favorece o acesso às

informações:

A circulação e a comunicação são as duas faces da mobilidade. Por serem complementares, estão presentes em todas as estratégias que os atores desencadeiam para dominar as superfícies e os pontos por meio da gestão e do controle das distâncias. Fala-se de circulação cada vez que se trate de transferência de seres e de bens lato sensu, enquanto reservaremos o termo “comunicação” à transferência da informação. (RAFFESTIN, 1993)

Muito embora circulação e comunicação estejam intimamente relacionadas,

não se confundem, portanto. O autor pondera que a função circulação-comunicação

imprime uma imagem de poder visível, mediante o fluxo de homens, bens e

infraestruturas, que acabam por enfraquecer o poder, que muitas vezes, não quer se

mostrar: “o ideal do poder é ver sem ser visto” (FOURCHER, 2009).

A comunicação, ao contrário da circulação, pode ser dissimulada, motivo pelo

qual a informação adquire grande importância na sociedade contemporânea.

Um dos trunfos do poder é hoje informacional, e a informática é um dos meios. O verdadeiro poder se desloca para aquilo que é invisível em grande parte, quer se trate de informação politica, econômica, social ou cultural. A comunicação ocupa mais e mais o centro de um espaço abstrato, enquanto a circulação não é mais do que a periferia. Isso não significa de forma alguma que a circulação é menos importante, pois, ao contrario, é ela quem testemunha a eficácia da comunicação, mas isso significa que o movimento da informação comanda a mobilidade dos seres e das coisas. (RAFFESTIN, 1993)

Ao considerarmos a posição estratégica das áreas de fronteira, devemos

considerar, portanto, a relevância das informações que por ela circulam, tanto para o

desenvolvimento como para o resguardo da segurança nacional.

Mais que isso, assumindo que a globalização das informações, via Internet e

satelitização do planeta, diminuiu o poder de controle daquilo que se pretendia

resguardar. Resta às instituições de segurança nacional se colocar diretamente no

cenário onde as informações são recebidas com maior impacto. E este local situa-

se, precisamente, nas regiões fronteiriças.

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1.3 Um olhar geopolítico para a fronteira: o caso das Forças Armadas

[...] Se há um conceito sobre o qual os geógrafos concordam é com certeza o da definição de Estado: “o Estado existe quando uma população instalada num território exerce a própria soberania”. Portanto, três sinais são mobilizados para caracterizar o Estado; a população, o território e a autoridade. Toda a geografia do Estado deriva dessa tríade. (RAFFESTIN, 1993)

As Forças Armadas olham para a fronteira como uma área a ser protegida,

defendida e vigiada, de acordo com a Estratégia Nacional de Defesa (Brasil, 2008).

Seu papel está claramente expresso na Constituição Federal (BRASIL, 1988, p.98):

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988)

A Lei Complementar 97/1999, trata das atribuições das Forças Armadas e em

seu Artigo 16, especificando o papel da mesma em áreas de fronteira:

Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de patrulhamento, revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves, prisões em flagrante delito. (BRASIL, 1999)

A Lei Complementar 136/2010 fez algumas modificações na lei anteriormente

mencionada, dotando de poder de polícia ao militar federal nas operações

subsidiárias de prevenção e repressão aos crimes transfronteiriços. Além disso,

introduz algumas novidades no que diz respeito à delegação às Forças Armadas na

faixa de fronteira, como, por exemplo, de elaborar leis específicas que estabeleçam

normas de condutas. Tal delegação veio a suprir a deficiência do poder público,

devido à precariedade ou inexistência de órgãos de segurança pública

suficientemente atuantes em áreas de fronteira.

A Constituição Federal de 1988, Parágrafo 2º do Artigo 20, regula o território

sobre o qual a nação brasileira deve exercer jurisdição, por meio da imposição de

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limites à sua faixa de fronteira e estabelece sua importância, in verbis: “A faixa de

fronteira de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras,

designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do

território nacional, e sua ocupação e utilização serão regulados em lei.” (BRASIL,

1988).

Desta forma, a presença do poder militar em áreas de fronteira, caracteriza

justamente a determinação do Estado de garantir esta soberania, vinculando

território e soberania nacional. Neste ponto, creio ser necessário fundamentar alguns

conceitos tais como Estado, poder nacional, segurança externa, integridade do

patrimônio nacional – integridade territorial e soberania, apoiados em bibliografia

pertinente à ótica das Forças Armadas, basicamente a da Escola Superior de Guerra

(ESG).

Para as Forças Armadas, o conceito de Estado é claro: “Estado é a Nação

Politicamente organizada.” (ESG, 1981).

A finalidade do Estado democrático, essencialmente, seria o bem comum e o

poder nacional o instrumento de ação politica para propiciá-lo. Para os Estados

autocráticos, no entanto, o poder seria um fim em si mesmo, empregando o poder

nacional em seu próprio benefício, sobrepondo-se à nação e dela se servindo.

O poder nacional é “a expressão integrada dos meios de toda ordem de que

dispõe a Nação, acionados pela vontade nacional, para alcançar e manter, interna e

externamente, os Objetivos Nacionais.” (ESG, 1981). Refere-se, portanto, à

capacidade de uma nação de conquistar e manter os objetivos nacionais.

Observando a definição de objetivos nacionais da ESG (1981), percebemos

que os mesmos são mutáveis e derivam de aspirações e interesses da própria

sociedade: “Objetivos Nacionais (ON) são a cristalização de interesses e aspirações

que, em determinada fase de sua evolução cultural, a Nação busca satisfazer.”

(ESG, 1981).

A ESG considera as aspirações e os interesses da sociedade como fatores

preponderantes, de caráter vital para o Estado:

Ao lado dos interesses nacionais, e em nível mais profundo, como uma verdadeira dimensão integradora que emana da consciência nacional, estão as aspirações nacionais. Estas e aqueles podem estar revestidos de um significado tal que acabam por se confundir com o próprio destino da nacionalidade. Nesta condição, tornam-se vitais, já que se ligam á sobrevivência, identidade e evolução da nação enquanto tal. (ESG, 1981)

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Os interesses e aspirações nacionais, que condicionam, portanto, a existência

do Estado, são permanentes na medida em que estão cristalizados na consciência

nacional, derivadas do processo histórico-cultural desta nação. Deles emanam os

objetivos fundamentais da nação, que são as aspirações nacionais permanentes.

Para a nação brasileira, os objetivos fundamentais da nação são: a

integridade do patrimônio nacional, a soberania, a integração nacional, a

democracia, a paz social e o progresso (ESG, 1981). Sem mais delongas nas

conceituações que seriam de uma relevância menor neste trabalho, pois muitos

destes objetivos são autoexplicativos, resta-nos dizer que, de uma forma geral, o

poder nacional destina-se a atender tanto às necessidades de segurança quanto às

de desenvolvimento.

Para fins de análise e planejamento das atividades do Estado, contemplando

genericamente interesses políticos, econômicos, psicossociais e militares, o poder

nacional pode ser didaticamente dividido em quatro expressões: política, econômica,

psicossocial e militar.

A expressão militar, que interessa a este trabalho, apresenta-se, portanto,

como um componente do poder nacional, melhor caracterizado pelo emprego (ou

possibilidade do emprego) da força e onde podemos identificar estruturalmente, no

campo militar, o poder naval, o poder terrestre e o poder aeroespacial.

Expressão Militar do Poder Nacional é o conjunto de meios predominantemente militares de que dispõe a Nação para, sob a direção do Estado, assegurar, pela dissuasão ou pela coação, a conquista e a manutenção dos Objetivos Nacionais. (ESG, 1981)

A expressão política do poder nacional, pela diplomacia, que busca

estabelecer, nortear e formalizar o relacionamento entre os Estados mediante

tratados e alianças, bem como mobilizando a opinião pública, também tem se

comportado como importante e imprescindível inibidor de ações que poderiam

desequilibrar a boa vontade e cooperação entre as nações.

Ainda assim, a História comprova que tais instrumentos internacionais muitas

vezes são descumpridos, principalmente quando envolvem interesses econômicos

distintos. Neste ponto, a expressão militar do poder nacional torna-se o índice mais

confiável de segurança externa, por sua capacidade dissuatória.

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A clássica expressão latina, do quarto ou quinto século de nossa era, poderia

estar bem empregada neste caso: “Si vis pacem para bellum” (“Se queres paz,

prepara-te para a guerra”), atribuída a Publio Flavius Vegetius Renatus, corrobora

com a ideia de que a mera existência da expressão militar facilitaria o princípio da

boa vontade de negociar-se diplomaticamente, ou seja, colaboraria para o êxito da

expressão política.

Qualquer pensamento diferente deste, para a Escola Superior de Guerra, é

visto como uma utopia:

Não existem nações desarmadas, porque nenhuma delas seria capaz de desfazer-se de sua Expressão Militar para merecer, por esse ato ingênuo, o respeito e a simpatia de todos os povos. Não há fórmula miraculosa capaz de manter a paz, sem ameaças de conflitos internos ou de guerra entre os povos. A ser realidade essa utopia, compreenderíamos total despreocupação com a Expressão Militar do Poder Nacional. (ESG, 1981)

Neste ponto, creio que valha a pena elucidar o conceito de segurança externa

da Escola Superior de Guerra, uma vez que esta integra a segurança nacional e é

da competência das Forças Armadas:

Segurança Externa é a garantia proporcionada à Nação para a conquista e a manutenção dos Objetivos Nacionais, a despeito de antagonismos e pressões de qualquer forma ou natureza, que se manifestem ou possam manifestar-se no domínio das relações internacionais. (ESG, 1981)

A segurança externa está presente “desde o estudo dos antagonismos e

pressões que se manifestam no domínio das relações internacionais”, bem como

“nas ações estratégicas concernentes ao fortalecimento do Poder Nacional, já que o

aumento da capacidade deste significa, normalmente, aumento das possibilidades

de negociação, dissuasão e coação” e ainda fazendo face a pressões e

antagonismos, quer seja mediante o preparo do poder nacional (voltado para a

segurança), quer seja por sua aplicação gradativa ou mesmo violenta, na ocorrência

da necessidade em empregar-se preponderantemente a expressão militar do poder

nacional (ESG, 1981).

Retomando a questão dos objetivos fundamentais da nação, voltamos o foco

deste trabalho para a análise dos conceitos de integridade do patrimônio nacional e

soberania por acreditar que estejam mais propriamente vinculados às questões de

fronteira.

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Para a ESG, patrimônio nacional engloba não apenas o território nacional, aí

incluído o espaço aéreo e o mar territorial, mas também os recursos naturais neles

contidos, além do patrimônio histórico-cultural, representados por tudo aquilo que se

refiram à identidade nacional, tais como a língua, os costumes e as tradições.

A soberania diz respeito à “manutenção da intangibilidade da Nação,

assegurada à faculdade de autodeterminar-se e de conviver com as demais nações

em termos de igualdade de direitos” (ESG, 1981).

Fica, portanto, evidente a percepção de que as áreas de fronteira

representam um espaço territorial muito bem definido e, com isso, de demarcação

clara, em que as Forças Armadas se posicionarão para cumprir aquilo que dela se

espera: assegurar em primeiro lugar sua inviolabilidade, ao mesmo tempo em que

com sua presença, garante a convivência pacifica com as nações vizinhas.

Para o cumprimento da missão a que se destina, as Forças Armadas

representadas pela Marinha e pelo Exército na região de fronteira sul-mato-

grossense, possui Organizações Militares tais como a 18ª Brigada de Infantaria de

Fronteira, a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, forças terrestres localizadas

respectivamente nas cidades de Corumbá e Dourados, além do Comando do 6º

Distrito Naval da Marinha, em Ladário.

Para analisarmos mais detalhadamente os discursos produzidos pela

geopolítica oficial brasileira, é necessário perceber que foram oriundos de uma elite

intelectualizada, provenientes ou articuladas com o setor militar. Não por acaso, a

Escola Superior de Guerra norteia o pensamento geopolítico brasileiro, ao

estabelecer quais são os objetivos nacionais, conforme já relatado anteriormente.

Albuquerque (2010) faz uma releitura histórica da geopolítica oficial brasileira,

apontando três grupos temáticos que historicamente permearam o pensamento

geopolítico brasileiro: a questão da unidade/integração nacional, a importância

econômica e das comunicações do Atlântico Sul e a defesa das fronteiras contra

eventuais ameaças de agressão dos países vizinhos (ALBUQUERQUE, 2010).

De acordo com este autor, no período imperial, “a política externa brasileira

apresentava uma face nitidamente agressiva, visando à defesa dos interesses

econômicos e políticos nacionais nas disputas de fronteiras” (ALBUQUERQUE,

2010). Relata ainda que as contendas cessaram, já no período republicano, com a

anexação do estado do Acre (1903), que pertencia à Bolívia.

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Tal consolidação dos limites terrestres nas fronteiras da América do Sul, bem

como a “universalização da republicanização no subcontinente” (ALBUQUERQUE,

2010), muito embora tenha modificado a política externa brasileira, que se tornou

menos belicista, abrindo espaço para a cooperação econômica entre os países

vizinhos, nunca abandonou a dimensão politico-militar das fronteiras.

Pondera ainda, que, de fato, até os dias de hoje, as políticas de

desenvolvimento regional, que privilegiam o Centro-Oeste, Norte e Nordeste, são

reflexos do pensamento de geopolíticos brasileiros da República, que preconizavam

o fortalecimento das linhas/regiões de fronteiras e a projeção do poder no

subcontinente, como observamos na obra já citada de Travassos (1938), “Projeção

Continental do Brasil” (ALBUQUERQUE, 2010).

Além deste, outros autores, tais como Everardo Backheuser e Golbery do

Couto e Silva (1967), também foram profícuos ao publicar nos anos que

antecederam à década de 1960. Este último, general do Exército, colocava-se contra

o avanço comunista, em pleno período da Guerra Fria, traduzindo o pensamento da

geopolítica oficial brasileira, aliada dos Estados Unidos.

Corroborando com a ideia de que as elites pensantes foram cunhadas no

interior das Forças Armadas, norteando a geopolítica oficial brasileira, o general

Carlos de Meira Mattos (1977), discípulo das ideias de Travassos, transpõe para a

Amazônia brasileira o conceito de heartland, ignorando solenemente os preceitos do

Triângulo Estratégico Boliviano.

Além disso, Meira Mattos substitui o discurso de eterna rivalidade entre o

Brasil e a Argentina, o Peru e a Venezuela, pelo da necessidade de uma cooperação

harmoniosa em prol do desenvolvimento regional. Foca na necessidade de

desenvolver estratégias para a Bacia Amazônica, alvo-mor de suas preocupações,

ao lado do Atlântico Sul e Médio, Oeste da África e Antártica, assuntos recorrentes

de seus trabalhos.

No entanto, debruçando-nos sobre o Projeto Calha Norte (1985) e em seguida

sobre o Projeto SIVAM (2002), conseguimos compreender como a geopolítica atual

ainda está sendo regida mediante a ótica de ocupação e militarização das fronteiras.

No intuito de ampliar a visão de ocupação da fronteira Oeste brasileira, vamos

nos permitir desviar, por um momento, o foco deste estudo para a região amazônica,

onde a presença estatal nos revela a importância da defesa das fronteiras para a

soberania nacional.

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O Projeto Calha Norte (PCN), por exemplo, foi criado pelo Governo Federal

em 1985, para “promover a ocupação e do desenvolvimento ordenado e sustentável

da região” mediante ações tais como obras para a construção de rodovias, portos,

hospitais, escolas e redes de energia elétrica, além de instalações militares que

reforcem a segurança nas fronteiras.

Subordinado ao Ministério da Defesa desde 1999, o PCN possui como

vertentes principais “a manutenção da soberania nacional e da integridade territorial

da região do Calha Norte, e a promoção do desenvolvimento regional” (BRASIL,

2013).

Muito embora esteja alinhado ao documento “Estratégia Nacional de Defesa”

e preveja a ampliação de unidades da Marinha, Exército e Aeronáutica na região, o

PCN objetiva ir além do aspecto puramente militar. Busca representar o aumento do

Poder Público na sua área de atuação, contribuindo com a defesa nacional em uma

esfera mais abrangente.

Por meio do programa de assistência às populações locais, incentiva a

fixação do homem na terra, diminuindo os vazios demográficos da região amazônica

e assegurando a jurisdição brasileira sobre a região.

Quanto ao Projeto SIVAM, elaborado pelos órgãos de defesa brasileiros,

monitora o espaço aéreo da Amazônia Legal (compreendida entre a Região Norte

do Brasil, o estado do Mato Grosso e parte do estado do Maranhão) por meio de

satélites, radares e sistemas integrados de comunicação.

Neste ponto, podemos verificar a similaridade entre as estratégias de legitimar

a presença do Estado mediante a ocupação territorial, defendida pelo Tratado de

Madri (1750) e a empreendida pela atual geopolítica brasileira e perceber que

Estado e território estão intimamente relacionados, como, aliás, sempre estiveram.

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2. FRONTEIRA OESTE E HISTÓRIA

Somos aquilo que recordamos... e também somos o que resolvemos esquecer. O passado, nossas memórias, nossos esquecimentos voluntários nos dizem quem nós somos, mas também nos permitem projetar rumo ao futuro, isto é, nos dizem quem poderemos ser. (IZQUIERDO, 1989)

2. 1 Breve histórico da formação da fronteira Oeste brasileira e da presença da

Marinha na região de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul

Por meio da intermediação da Igreja Católica, a América esteve dividida entre

os impérios peninsulares português e espanhol. De acordo com o Tratado de

Tordesilhas (1494), os atuais territórios de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul eram

castelhanos.

Na prática, a validade do tratado foi diversas vezes posta em xeque. Tanto

que Portugal se viu obrigado a fortificar toda a linha costeira atlântica, a fim de

defender suas posses das demais nações europeias, que não reconheciam a

validade do tratado e buscavam saquear as costas brasileiras.

Enquanto isso, as fronteiras brasileiras, entre elas a meridional, permaneciam

desguarnecidas. Durante todo o século XVI, inúmeros viajantes e aventureiros

europeus percorreram também os atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do

Sul, explorando a foz do rio da Prata e as redes fluviais que os levariam às regiões

andinas, onde a busca pelo Eldorado dominava a imaginação dos povos, tal como

relataram Aleixo Garcia (1523), Álvar Núnez Cabeza de Vaca (1542), entre outros,

sobre o modo de vida em uma região completamente isolada, distante dos olhos de

ambas as coroas.

É importante ressaltar que não havia, na época, um conceito de fronteira

estabelecido como na atualidade e os limites das possessões eram imprecisos. Tal

conceito só passou a existir a partir do século XVIII, quando surgiu na Europa a

noção de muro-fronteira (MACHADO, 2000).

Em um segundo momento, movidos pela premente necessidade de proteção

às minas de prata peruanas, acessíveis àqueles que dominassem a navegação dos

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rios da região, os castelhanos disputaram com os portugueses as posses das terras

onde hoje se localiza o estado de Mato Grosso (ESSELIN, 2003).

Pelo lado português não foi diferente, mediante os constantes avanços dos

bandeirantes pelo interior do sertão, criando vilas e povoamentos além da linha

demarcatória a Oeste, buscando mão de obra escrava indígena, ouro e pedras

preciosas.

Tais incursões, bem mais tarde, mostraram-se de grande valia para a coroa

lusitana, garantindo a posse dos territórios invadidos. Foi justamente o Tratado de

Madri (1750), que validou, para os portugueses, a posse das terras ocupadas por

meio do uti et possidetis – termo retirado do Direito Romano, pelo qual se confere a

posse territorial àquele que no momento a ocupa.

Da mesma forma, serviram como estratégia de ocupação para as terras de

Mato Grosso as Monções realizadas no ano de 1722, que partiram de São Paulo em

direção ao Oeste do País, eis que Mato Grosso era uma região subordinada à

Capitania de São Paulo. Suas finalidades eram explicitamente comerciais, pois

objetivavam trocar bens de consumo pelo ouro recém-descoberto pelos

bandeirantes em Cuiabá, em 1719, nas margens do rio Coxipó-mirim (COELHO,

1972).

As dificuldades enfrentadas pelos monçoeiros foram muitas. Desde as longas

distâncias que demandavam até sete meses para chegar ao lugar de destino, com a

presença de trechos perigosos ou impossíveis à navegação, pragas de insetos,

fome, frio e até ataques de indígenas, que não raro matavam e aprisionavam os

integrantes para roubar seus carregamentos. Em sua obra Relatos monçoeiros,

Taunay descreve um desses momentos:

No outro dia, que foi uma terça-feira e 6 de Junho, seguimos viagem pelo Paraguai abaixo, e pelas onze oras do dia ouvimos um grande urro pela parte direita, e dela vimos sair de dentro de um sangradouro, em que escondido com ramos, o Paiaguá: acometeo-nos logo com cinquenta (sic) canoas, que trazia, e todas bem armadas: em cada uma tão espessa nuvem de flechas, que escureceu o sol. (TAUNAY, 1981)

Durante os séculos XVI e XVII, os limites fronteiriços entre os reinos de

Portugal e Espanha foram, ainda, abertamente transpostos devido à União Ibérica

(1580-1640), que legitimou títulos de propriedades em terras estrangeiras

ampliando, em parte, a expansão das futuras fronteiras terrestres do Brasil.

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Em 1640, chegou ao fim a União Ibérica e Portugal foi restaurado como reino

independente. Porém, algumas pendências permaneceram com o reino da Espanha,

tal como o domínio da foz do Rio da Prata, que motivou a fundação da Colônia de

Sacramento pelo reino português na fronteira sul do nosso país. Observamos,

portanto, que houve, a partir do século XVII, uma “política de fronteiras” que se

pretendia vigilante, buscando em um segundo momento a ampliação territorial

conseguida à custa de incursões aos territórios castelhanos, manter sua posição de

ocupação territorial e defesa tática.

Foi neste momento que a fronteira Oeste brasileira tornou-se uma fronteira

viva, de acordo com Teixeira Soares (1972):

Serão as fronteiras vivas, zonas de alta sensibilidade política. O contrário delas serão as fronteiras mortas, ermas, desprotegidas, esquecidas. As fronteiras vivas serão sempre afirmações de um espírito forte de nacionalidade. Fronteiras mortas darão imagem pouco favorável de um país que não cuida das suas lindes como deveria cuidar, porque fronteiras protegidas e povoadas enaltecem o espírito de previdência e de organização de um povo. (SOARES, 1972)

A questão do Prata só foi superada mediante o Tratado de Utrecht (1715), em

que a Espanha concedeu o domínio da margem setentrional do rio da Prata a

Portugal, delimitando, assim, a fronteira Sul do Brasil.

Os demais limites seriam definidos apenas no ano de 1750, com a assinatura

do Tratado de Madri, que assentava os limites territoriais nas posses já existentes,

além de considerar os acidentes geográficos, tais como cursos de rios e relevos

notáveis, revogando definitivamente o Tratado de Tordesilhas. O reconhecimento da

soberania de Portugal sobre os territórios conquistados pelos bandeirantes foi,

portanto, homologado por meio do novo tratado.

Da mesma forma que concedeu o domínio sobre a foz do rio da Prata,

Portugal (que já descobrira ouro no Brasil) cedeu à Espanha a colônia de

Sacramento, abrindo mão de suas pretensões no Estuário do Prata. Em troca,

recebeu os atuais estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do

Sul e uma imensa área na região Norte do País, até então desabitada pelos

colonizadores, compreendida entre o Alto Paraguai, Guaporé e Madeira, de um lado,

e Tapajós e Tocantins do outro, com a posse da Amazônia. Além disso, recebeu os

campos do lado Oeste do atual estado do Rio Grande do Sul, onde estavam

localizados os Sete Povos das Missões.

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Com a morte do rei de Portugal, Dom João V, o novo rei, D. José I, traçou

novos rumos para a defesa e o povoamento das áreas meridionais das terras sob

sua possessão. O período compreendido entre os anos de 1750 a 1777 ficou

conhecido como ‘período pombalino’, devido às ações de seu primeiro-ministro, o

Marquês de Pombal, que determinou a expulsão dos jesuítas das terras brasileiras

em 1759.

Uma destas ações foi justamente a criação da Capitania de Mato Grosso e

Cuiabá, recém-desmembrada da Capitania de São Paulo, no ano de 1748, quando

os governantes locais ganharam o poder de decisão sobre os assuntos regionais.

Um novo projeto de governo buscou concretizar a presença lusitana de forma

irrevogável no extremo Oeste brasileiro, mediante uma política de militarização das

linhas demarcatórias fronteiriças.

A tática de defesa dos limites fronteiriços pela coroa lusitana estava

diretamente ligada à ocupação e povoamento das áreas estratégicas, principalmente

o vale dos rios, onde a margem oriental do Guaporé e o paso do Paraguai

pudessem ser defendidos, tanto das investidas castelhanas quanto dos ataques

indígenas, especialmente os Paiaguá. O guarnecimento militar das fronteiras a

Oeste cumpriu, portanto, tal finalidade.

Instalar-se à beira dos rios significava impedir o acesso ao interior de nosso

território; significava ocupar, de fato, as fronteiras, legitimando as posses

portuguesas mediante o uti possidetis, tão em voga naquele momento histórico.

Assim, foram estabelecidas novas guarnições militares nesses limites

coloniais, margeando os rios, originando, nos primórdios da história de Mato Grosso,

inúmeros e importantes núcleos populacionais, diretamente ligados aos rios da

região. Vila Bela (1752), próxima à atual cidade de Cuiabá, foi fundada às margens

do rio Guaporé, tornando-se sede da nova capitania.

Com a construção do Forte de Coimbra (1775) e do Forte Príncipe da Beira

(1776), ambos também às margens do rio Guaporé, foram fundados os povoados de

Albuquerque e Vila Maria, que originaram as atuais cidades de Corumbá e Cáceres

(1778). Às margens do rio Mondego, foram erguidos o presídio de Miranda (1792) e

o povoado de mesmo nome (BRAZIL, 2000).

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Figura 4: Mapa do Brasil com destaque às fortificações militares

Fonte: Escola Superior de Guerra, 2007, Coleção General Meira Mattos.

O século XVIII foi, portanto, um período de lutas e conquistas, por meio das

quais se buscou a consolidação das fronteiras coloniais do Brasil e, em especial, um

período de importância ímpar para a constituição dos atuais estados de Mato Grosso

e Mato Grosso do Sul.

Com a delimitação das fronteiras pelo Tratado de Madri (1750), houve uma

maior preocupação da coroa portuguesa de resguardar suas fronteiras,

especialmente a que hoje representa os contornos dos estados de Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul, impedindo a ocupação territorial pelos países vizinhos, que

pudessem lhes valer futuramente dos mesmos termos contidos no uti possidetis.

Ao mesmo tempo, como parte do projeto pombalino (1750-1777), havia por

parte de Portugal, a intenção expressa de avançar sobre as terras castelhanas, no

intuito de aumentar a porção territorial de sua colônia.

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No ano de 1748, foi criada a Capitania de Mato Grosso, cujo primeiro

governador foi D. Antônio Rolim de Moura, que se utilizou da mão de obra e do

cabedal do conhecimento dos nativos para construir a primeira flotilha que funcionou

em Mato Grosso, denominada de Flotilha de Canoas Artilhadas:

A organização da Flotilha deveu-se ao emprego e a adequação da arte militar, trazida da Europa para ser adaptada em ambientes naturais brasileiros, aliada a apropriação das técnicas e táticas de guerra dos nativos. Importa destacar que no caso mato-grossense, o cenário do ajuste militar à província teve os pantanais como cenário e os nativos paiaguás como atores. O amálgama de arte, técnicas e táticas gerado da experiência europeia e ameríndia ensejaram a expansão territorial, ratificada pelos tratados de limites de 1750 e 1777. (MELLO, 2000)

A organização de um poder naval deveria garantir o domínio português sobre

as raias do rio Guaporé, bem como proporcionar escolta aos viajantes monçoeiros.

A criação da Flotilha de Canoas Artilhadas foi, portanto, parte do cumprimento das

ações de segurança previstas para a colônia nas Instruções Régias (MOURA, 1982).

A primeira Flotilha de Mato Grosso foi composta de canoas de troncos inteiros

esculpidos à maneira indígena, que eram conhecidas como ‘canoas de um pau só’,

ou canoas monóxilas. A tripulação da Flotilha de Canoas Artilhadas era constituída

pela mão de obra tanto de trabalhadores livres quanto de escravizados, a exemplo

daquela utilizada na construção dos fortes, submetida a cargas horárias extenuantes

e constantes maus tratos, que não raro incorriam em deserções.

O sargento-mor Teotônio José Juzarte, no diário de viagem que fez ao

Iguatemi em 1769, descreveu a forma com que navegavam: “um piloto que peloteia

no bico da popa em pé continuamente, um proeiro na mesma forma no bico da proa,

cinco ou seis remeiros também em pé” (JUZARTE apud MOURA, 1986).

Tais canoas ameríndias foram de importância cabal para frustrar as

expectativas espanholas na região de Mato Grosso e permitiram que a lógica de

consolidação da soberania lusitana fosse bem sucedida, como explicita Saulo Mello:

A ação das Canoas Artilhadas permitiu a fundação da Capital Vila Bela, do Forte Nossa Senhora da Conceição, e a destruição das missões jesuíticas as margens do Rio Guaporé, cumprindo alguns dos principais objetivos do colonialismo português. (MELLO, 2009)

A Flotilha de Canoas Artilhadas teve suas embarcações utilizadas até 1825,

quando o governo imperial adotou a política de construção naval na província de

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Mato Grosso, autorizando a construção de seis barcas canhoneiras, que deveriam

substituir as antigas canoas, consideradas ultrapassadas.

Não podemos deixar de citar a conjuntura política do Brasil, uma vez que, em

1822, os laços que uniam a antiga colônia ao reino de Portugal foram rompidos

definitivamente com a declaração da independência. Nesse momento, viu-se a

necessidade de se constituir um poder naval, com o intuito de combater as forças

lusitanas, entrincheiradas na Bahia, dispostas a resistir à proclamação da

Independência.

O ano de 1825 foi de grande instabilidade política, devido à eclosão da guerra

entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Prata, obrigando a mobilização

de 200 homens para reforçar os efetivos nas fronteiras. Não por acaso, nesse

mesmo ano, um arsenal de Marinha foi construído em Cuiabá, capital da província,

para dar cabo à missão imperial de guarnecer e proteger a livre navegação dos rios

de Mato Grosso.

O Arsenal de Marinha de Mato Grosso tinha a missão também de substituir as

antigas canoas de um pau só, consideradas obsoletas, por outras mais adequadas à

defesa do território, denominadas barcas canhoneiras. Porém, as construções

navais foram atrasadas por falta de recursos de toda ordem: materiais, financeiros e

de mão de obra especializada.

Para concluir os projetos, a Marinha de Mato Grosso preocupou-se em gestar

a mão de obra especializada, voltada aos trabalhos que se fariam necessários ao

funcionamento das oficinas de seu Arsenal, criando a Companhia de Aprendizes

Menores em 1843. De acordo com Volpato (1993), a guarnição desta Companhia

era formada pelas crianças órfãs ou pobres da cidade de Cuiabá, entregues ao

Arsenal de Guerra da Marinha para prover sua educação e profissionalização.

Este fato é confirmado por Mello (2009), que aponta que, muito embora não

se possa precisar o número de crianças inscritas para servir no Arsenal, tal

quantitativo aumentou durante a epidemia de bexiga que assolou Mato Grosso, bem

como no pós-guerra da Tríplice Aliança, revelando a quantidade de desvalidos

resultantes de tais flagelos. Muitos desses meninos chegavam doentes e

subnutridos e acabavam desligados da instituição por serem considerados sem cura

para os males de que sofriam.

O autor relata que eram enviados ao Arsenal filhos de escravizados e

menores infratores, dentro de uma política de disciplinarização da sociedade local,

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que também cabia às instituições militares, mediante seus rígidos regulamentos. O

historiador descreve, ainda, como era a carreira desses menores e sugere utilização

de mão de obra escrava:

Ao completarem 16 anos os meninos subiam para a escala de mancebos, sendo que aos 18 tomavam lugar na companhia dos Artífices. Nesta patente permaneciam por oito anos consecutivos, a fim de ressarcir as despesas que o governo empreendeu por eles. Havia a possibilidade de o jovem requerer o seu desligamento da Marinha, entretanto, era preciso que quitasse por inteiro suas despesas junto ao Arsenal. Sendo assim, aconteceram casos de irregularidades e inadimplências de menores que não conseguiam ressarcir suas despesas. (MELLO, 2009)

Muito embora Cuiabá representasse um local de importância estratégica, por

estar assentada em uma região de planalto, servindo como divisor de águas de

diversos rios da bacia do Paraguai e da bacia Amazônica, a localização mostrou-se

inadequada para sediar o Arsenal de Marinha de Mato Grosso. Tanto isso é

verdade, que durante a Guerra da Tríplice Aliança, o Arsenal de Cuiabá foi invadido

pelos paraguaios.

Contribuindo para o histórico de calamidades que assolou o Arsenal de Mato

Grosso, houve no ano de 1865 o transbordamento do rio Cuiabá, causando graves

danos à localidade e inundando as instalações do mesmo:

O transbordamento do rio Cuiabá, ocorrido em 1865, inundou as instalações navais do Arsenal, comprometendo seu funcionamento. O Presidente da Província, Augusto Leverger, no Relatório de 17 de Outubro de 1865, além de informar os infortúnios da Guerra do Paraguai, declarando-a com manifesta violação do direito das gentes, dá conta da também trágica enchente do citado rio. Destruição de bairros, plantações, prédios públicos, carência e alta de preços dos gêneros de primeiras necessidades. (MELLO, 2009)

Finalmente, no Relatório do Ministério da Marinha de 1871, o Ministro Duarte

de Azevedo avalia a necessidade de se transferir o Arsenal de Mato Grosso,

parcialmente destruído, para outra localidade. Reconhecia também que sua

localização jamais servira aos propósitos para que fora designado:

Era fato geralmente reconhecido que o arsenal de Cuiabá, aliás, quase inteiramente desprovido de tudo quanto pode constituir um estabelecimento desta ordem, não podia ser conservado ali [Cuiabá], já porque não era acessível ainda aos menores navios senão em parte do ano, por ocasião das enchentes, já porque nunca serviu nem poderia servir aos interesses da navegação e comércio que fazemos pelo Rio Paraguai. (AZEVEDO apud MELLO, 2009)

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A preocupação com a defesa e a ocupação estratégica da fronteira meridional

brasileira, conforme buscamos demonstrar, esteve presente na pauta da coroa

portuguesa, principalmente a partir do século 18, deitando por terra as alegações de

que esta porção territorial foi relegada e esquecida por nossos colonizadores. Ao

contrário, ainda que movido por interesses econômicos, observamos que Portugal

vislumbrou a importância estratégica do rio Paraguai para o desenvolvimento e

defesa de suas possessões.

Observamos ainda, que a colonização portuguesa não promoveu meramente

uma colônia de exploração. A fronteira Oeste brasileira é a prova cabal de que

Portugal buscou ocupar estas terras. Em princípio, oferecendo proteção militar aos

caminhos fluviais que partiam de São Paulo até às minas de Cuiabá. Em seguida,

provendo a construção de fortificações militares e das vilas que foram surgindo em

torno de tais fortificações.

Nestes primeiros momentos em que os contornos da fronteira meridional se

faziam desenhar, também eram lançados os esboços do que viria a ser a Marinha

do Brasil, ao lado do Exército, que, como vimos, contribuíram sobremaneira para a

constituição territorial da nação.

2.2 A guerra da Tríplice Aliança e as implicações na fronteira Oeste brasileira

A rivalidade entre Portugal e Espanha durante o período colonial reproduziu-

se na região platina, estendendo-se no espaço temporal que vai do Período Imperial

ao Brasil República, quando as Províncias Unidas do Reino do Prata estiveram

envolvidas em três distintas guerras contra o Brasil em menos de 50 anos.

A primeira, iniciada em 1825, teve duração de três anos; a segunda, contra a

Província de Buenos Aires, em 1851, tendo como aliados o Uruguai e as Províncias

Argentinas de Entre Rios e Corrientes, e finalmente, a mais sangrenta de todas, que

passou à história como a Guerra do Paraguai ou a Guerra da Tríplice Aliança, por ter

envolvido o Brasil, a Argentina e o Uruguai contra o Paraguai, entre o período de

1864 a 1870 (CARVALHO, 2012).

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O estabelecimento de um poder naval, portanto, fazia-se necessário nas raias

fronteiriças, motivo pelo qual a Secretaria de Guerra deu a ordem para a construção

das barcas canhoneiras, no ano de 1825 (Aviso do Ministério da Marinha, 1825).

A conjunção de forças terrestres e navais culminou com a derrota e expulsão

dos paraguaios, cujas tropas invadiram Mato Grosso em 1865. Diversos feitos

militares foram glorificados, servindo de instrumento para forjar um sentimento de

brasilidade conveniente a uma pátria que se encontrava no início de sua formação.

Por outro lado, Galeano (2010) menciona as consequências dessa guerra

para a nação paraguaia e a vitória dos interesses britânicos na contenda:

Do Paraguai derrotado não desapareceu só a população: também as tarifas aduaneiras, os fornos de fundição, os rios fechados ao comércio, à independência econômica e vastas zonas de seu território. Dentro das fronteiras reduzidas pelo espólio, os vencedores implantaram o livre-câmbio e o latifúndio. Tudo o mais foi saqueado e vendido: as terras e os matos, as minas, os ervais, os prédios das escolas [...] Tão logo terminou a guerra, sobre as ruínas ainda fumegantes do Paraguai caiu o primeiro empréstimo estrangeiro de sua história. Era britânico, claro. (GALEANO, 2010)

O envolvimento do Brasil na guerra trouxe inúmeras consequências regionais,

como a imensa devastação, o vazio populacional e a desarticulação econômica que

assolou, num primeiro momento, a região Sul de Mato Grosso, aumentando a

distância política entre esta e a região Norte, já que a capital da província, apesar de

sofrer as dificuldades inerentes à guerra, não teve paralisadas as suas atividades

econômicas ou administrativas, por não ter sido palco direto do conflito (CORRÊA,

1985).

Já no Sul de Mato Grosso diversas localidades sofreram com as barbaridades

da guerra, que não poupou sequer as igrejas, onde costumava refugiar-se parte da

população local.

Um manuscrito, datado de 1874 e assinado por Frei Mariano de Bagnaia, nos

dá conta dos danos materiais causados pela invasão paraguaia nas igrejas da

Comarca Eclesiástica de Mato Grosso, que subordinava as paróquias de Nioaque,

Miranda, Albuquerque, Missão do Bom Conselho e Vila de Corumbá, que teve sua

Igreja de pau-a-pique completamente destruída e saqueada, de acordo com o

documento:

A Igreja parochial, constituída de paua pique foi destruída, calculando-se o prejuízo em 4.000#000 3 Sinos com mais ou menos 359kg de bronze a 120 reis 380#000

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1 jogo de armamentos novos com os pertences 400#000 1 (?)ito uzado na importância de 250#000 1 Banqueta de castiçais, cruz etc 100#000 Vários objetos de alfaiex pertencentes ao culto 100#000. (Instituto Histórico e Geográfico de Cuiabá, 1874)

A reconstrução de Corumbá no pós-guerra do Paraguai foi capitaneada pelas

atividades comerciais, inicialmente em pequenas proporções, que começaram a se

fazer presentes na zona urbana, ao passo que na zona rural, as fazendas buscaram

reconstruir-se, ou novas fazendas foram criadas, na medida em que extensões de

terra eram concedidas a ex-soldados que participaram da guerra.

Pouco a pouco, o poderio político e econômico dos grandes produtores rurais

deslocou-se para os comerciantes urbanos, criando novas lideranças e rompendo

com resquícios de herança colonial. Os proprietários rurais sofreram um

confinamento involuntário, buscando ocupar/reocupar as vastas extensões das

terras do Pantanal, mediante a criação de gado bovino. As distâncias entre as

fazendas e a cidade eram imensas, a falta de segurança também fazia com que a

presença do fazendeiro se fizesse necessária em suas terras para defendê-las

contra possíveis invasões, aumentando ainda mais o distanciamento entre o campo

e a cidade (CORRÊA, 1985).

Um conjunto de medidas e de incentivos fiscais do governo provincial e da

própria corte estimulou a reocupação regional e o comércio urbano local. A

internacionalização das águas do rio Paraguai até Corumbá e a isenção de impostos

pelo prazo de dois anos para as atividades de importação/exportação trouxeram

para a região inúmeros comerciantes estrangeiros que alavancaram a economia e

abriram novas perspectivas para Corumbá, que, por sua vez, passou a sediar um

entreposto de comércio internacional (ALVES, 1985).

Pelo Rio Paraguai, navios estrangeiros subiam com mercadorias diversas,

tais como tecidos, sal, ferragens, enquanto desciam com produtos regionais, couro,

carne seca entre outros, intermediados pelas casas comerciais portuárias. Além

disso, pelo mesmo rio chegaram os maquinários necessários para o funcionamento

das usinas de açúcar de Cuiabá (MELLO, 2009).

A industrialização floresceu na região do Mato Grosso, principalmente às

margens dos rios navegáveis, tais como as usinas açucareiras que foram instaladas

nas regiões de Santo Antônio de Leverger e Cáceres. A indústria de transformação

da carne bovina voltada para o mercado externo também teve início no Matadouro

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de Descalvados, utilizando máquinas a vapor que subiam pelo rio Paraguai.

Também a indústria extrativa desenvolveu-se, em especial a da erva-mate e a da

borracha (ALVES, 1985).

Ainda que a abertura do Rio Paraguai tenha criado uma nova órbita

econômica em torno de Corumbá, e esta tenha, sem sucesso, reivindicado sediar a

capital do estado, a cidade de Cuiabá deteve, desde sempre, a hegemonia política

local, bem como o grau de influência econômica que sempre exerceu em Mato

Grosso. Permanecendo como centro político e administrativo, Cuiabá pôde

beneficiar-se da renda proveniente dos impostos oriundos das transações

comerciais corumbaenses (CORRÊA, 1985).

Mesmo assim, a pujança econômica que Corumbá passou a desfrutar, frente

às dificuldades encontradas na capital da província de Mato Grosso, foi um dos

motivos que levou as autoridades da pasta da Marinha a considerar a localidade

como sendo a de melhor possibilidade para sediar a transferência de seu arsenal

(MELLO, 2009).

2.3 O Arsenal de Marinha de Ladário

Albuquerque, Vila Bela, Cuiabá, Diamantino e Miranda foram cidades

coloniais que nasceram ao redor das fortificações militares, em atendimento ao

plano geoestratégico português de defesa de suas fronteiras políticas.

Albuquerque (Corumbá) foi escolhida para abrigar as guarnições do Exército,

cumprindo as instruções do capitão-general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e

Cáceres, apesar do solo calcário impróprio para o plantio, fato que obrigou seus

fundadores a se instalarem seis quilômetros adiante, na localidade que já havia sido

batizada com o nome de Ladário.

Ladário ficou à margem da maioria dos relatos históricos. Foi fundada por um

dos emissários da Capitania de Mato Grosso, João Leme do Prado, no mesmo ano

da povoação de Albuquerque (Corumbá), em 1778, mas padeceu de um

emudecimento histórico que só veio a ser rompido no pós-guerra da Tríplice Aliança.

De fato, Ladário foi fundada como uma colônia agrícola para abastecer a

Praça Militar de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque (Corumbá). Alguns

autores citam a Vila de Corumbá querendo referir-se também a Ladário. Tal

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confusão deve-se ao fato de que, até 1945, quando desfrutou de emancipação

administrativa, o povoado pertencia àquela vila (MELLO, 2007).

O general Raul Silveira de Mello comenta a respeito do silêncio historiográfico

que recaiu sobre a povoação:

O abandono do sítio de Ladário pode ser comprovado pela ausência do povoado nos registros Oitocentistas sobre a região. A povoação sequer ganhou lugar de destaque nas páginas das crônicas e narrativas, conforme destaque do General Raul Silveira de Mello: Seja dito de passagem que, nem Luís D’Alincourt, Beaurepaire Rohan, Francis Castelnau, Joaquim Ferreira Moutinho e Bartolomeu Bossi que excursionaram pelo sul de Mato Grosso, de 1822 a 1862, nenhum deles fez a mínima alusão a Ladário. (MELLO, 2009)

E continua a sua narrativa, anotando o momento em que esse silêncio foi

rompido, com a invasão paraguaia inserindo Ladário na historiografia nacional:

Segundo o General Raul Silveira de Mello, a esquadra lopesina, após sua passagem pelo Forte de Coimbra a 28 de dezembro de 1865, aportou em Ladário, conforme registro do comandante paraguaio Pedro Inácio Meza [...] que a frota de seu comando fundeou em Ladário às 14 horas e ¾ do dia 3 de janeiro de 1865 e ali fez porto. Ao chegar a Ladário, nas proximidades do Porto do Barote, os paraguaios encontraram-no abandonado. Em seguida se dirigiram a Corumbá, pela Estrada do Barão. (MELLO, 2009)

A facilidade com que os paraguaios tomaram o Sul de Mato Grosso deixou

clara a extrema fragilidade da capacidade de defesa imperial nesta região e

impulsionou a transferência do Arsenal de Mato Grosso para a localidade. Foi

justamente a preocupação do governo imperial de reforçar a segurança da fronteira

que motivou a construção de um novo arsenal em Ladário, distante seis quilômetros

de Corumbá (SOUZA, 2008).

Longe de ser uma unanimidade, a indicação do local apareceu pela primeira

vez em um relatório enviado pelo ministro da Marinha, Dr. Manuel Antônio Duarte de

Azevedo, em 1872, que justifica a escolha desta localização:

A Vila de Corumbá foi o ponto que se julgou mais conveniente para o assento no novo arsenal. Divergiam, porém as opiniões acerca do local, pretendendo uns que o arsenal fosse construído mesmo na povoação e outros a uma légua abaixo, no lugar denominado – Ladário. Depois de vários exames e informações, adotei o segundo, alvitre, não só porque obras dispendiosas de aterros se teriam de fazer para base das construções e cais de desembarque, senão também porque me pareceu mais conforme a disciplina e moralidade do estabelecimento arreda-lo da povoação. Com

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este propósito aprovei as plantas levantadas pelo inteligente Capitão de Fragata Manoel Ricardo da Cunha Couto. (AZEVEDO apud MELLO, 2009)

A preocupação do governo imperial com o guarnecimento da fronteira no

período pós-guerra do Paraguai e o estabelecimento do arsenal “foi um dos

primeiros impulsos à construção civil, requerendo mão de obra que veio impulsionar

os primeiros anos de reerguimento da vila de Corumbá” (SOUZA, 2008).

Assim, a construção do Arsenal de Marinha foi importante não somente para

iniciar um projeto de urbanização para Ladário, mas também para trazer à região a

mão de obra empregada no processo de reconstrução de Corumbá, devastada pela

invasão paraguaia.

Figura 5: Interior de uma oficina do Arsenal de Ladário. 1928.

Fonte: Acervo Comando do Sexto Distrito Naval.

No ano de 1888, os efetivos militares na região Mato Grosso sofreram um

significativo incremento. Só o Exército Brasileiro reunia na região cerca de 10,8% de

seus efetivos, sem considerar os militares da Marinha, que se instalaram a partir do

ano de início da construção do Arsenal (1873). Grande parcela da população de

Corumbá e Ladário, portanto, era formada de militares cuja renda movimentava a

economia local (SOUZA, 2008).

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No que diz respeito ao crescimento populacional, Sodré (1941) cita que

inúmeros soldados, muitos deles ex-escravos, resolveram se fixar na região,

contribuindo para o incremento populacional desejado no pós-guerra.

Não podemos ainda nos furtar de esclarecer que com o final da guerra, mais

intensamente entre os anos de 1872 e 1875, inúmeros paraguaios, sobretudo

mulheres, migraram para Corumbá buscando fugir da miséria que se instalou em

seu país. Este fluxo de paraguaios foi estimulado pela política do governo imperial e

provincial, que concediam licenças de navegação pelo rio Paraguai para algumas

companhias, mediante a reserva de uma cota de vagas gratuitas para passageiros

imigrantes (SOUZA, 2008).

Também é importante ressaltar que muitos dos paraguaios que vinham em

busca de trabalho não obtiveram o sucesso esperado e precisaram retornar a seu

país, uma vez que não lhes eram concedidas passagens para outros estados

brasileiros (SOUZA, 2008).

Ainda que pesem as dificuldades encontradas de mesurar o quantitativo

populacional, em razão do trânsito constante nessa região de fronteira, bem como a

inexistência de um levantamento confiável, alguns dados aproximados foram obtidos

por meio de relatórios da Câmara ou de dados paroquiais.

A tabela abaixo demonstra o aumento da população urbana de Corumbá, logo

depois da Guerra do Paraguai (1864-1870) e faz pontual referência ao crescimento

da localidade no ano que antecedeu à chegada do Arsenal de Marinha (1873),

quando foi elevada à categoria de Vila.

Tabela 2: População de Corumbá

ANO POPULAÇÃO OBS

1861 1.315 Corrêa

1864 1.500 Idem

1872 3.086 Idem

1881 4.000 Rel.

1884 5.000 Rel.

1920 8.796 Censo Fonte: SOUZA, 2008, p.142 (elaboração do autor). No campo OBS, as fontes citadas pelo autor são os relatórios da Câmara, o Censo de 1920 e os dados contidos em obras historiográficas, no caso, de Valmir Batista Corrêa.

A economia de Ladário girava, já no último quartel do século XIX, em torno do

setor público, mais especificamente dos militares da Marinha do Brasil:

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A Freguesia de Ladário, após receber as instalações navais, a partir de 1873, passou a sobreviver quase que exclusivamente em função do Arsenal. Ao aproveitar centenas de trabalhadores civis e militares, o Arsenal se tornou o mais empregador da região. Famílias ladarenses, formadas em sua maioria por operários do arsenal, passaram a vê-lo como uma das poucas alternativas de emprego e renda. (MELLO, 2009)

Com relação aos pormenores institucionais, o autor ressalta que o inspetor do

arsenal acumulava ainda os cargos de capitão-dos-portos e de comandante do

Corpo de Imperiais Marinheiros, ali também sediados.

Figura 6: Arsenal de Marinha de Ladário. Gabinete do inspetor. 1928.

Fonte: Acervo Comando do sexto Distrito Naval.

Até o ano de 1933, o arsenal gozou de liberdade administrativa, quando foi

criado o Comando Naval de Mato Grosso, ao qual o arsenal passou a ficar

subordinado. O cargo de inspetor deixou de existir, tendo sido substituído pelo de

Comandante Naval, que passou a representar um escalão de comando superior

àquele.

O relatório do ministro João Maurício Wanderlei (1955) identifica o momento

em que o arsenal deixou de existir:

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O Arsenal de Marinha do Ladário, ainda não consta qualquer ato oficial a respeito, foi extinto pelo decreto n 18.660 de 18 de Maio de 1945, decreto que criou a Base Fluvial de Ladário. Assim é que o citado decreto diz no seu art. 1- A Base Fluvial de Ladário é um estabelecimento destinado a servir de apoio aos navios de guerra em serviço no rio Paraguai, ficando subordinada ao comando Naval de Mato Grosso, do qual fará parte integrante. (WANDERLEI apud MELLO, 2009)

No ano de 1945, o arsenal passou a denominar-se Base Fluvial de Ladário.

Sua atribuição, na atualidade, é o aprestamento das Forças Navais, aeronavais e de

fuzileiros navais sediadas na área do comando do Sexto Distrito Naval.

A antiga frota de canoas artilhadas foi substituída pelos navios que, na

atualidade, compõem a Flotilha de Mato Grosso. Apoiada pela Base Fluvial de

Ladário, a flotilha realiza diversas operações, muitas delas em conjunto com o

Exército Brasileiro, além de ações ribeirinhas nos rios da região do Pantanal.

Figura 7: Flotilha de Mato Grosso. s/d.

Fonte: Acervo Comando do Sexto Distrito Naval

O Comando Naval de Mato Grosso passou a ser denominado Comando do

Sexto Distrito Naval, exercendo jurisdição sobre os estados de Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e subordinando outras Organizações Militares em seu complexo, tais

como a Base Fluvial de Ladário, o Comando da Flotilha de Mato Grosso, o Quarto

Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral, o Grupamento de Fuzileiros Navais

de Ladário, o Serviço de Sinalização Náutica do Oeste, a Capitania Fluvial do

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Pantanal, o Hospital Naval de Ladário e o Centro de Intendência da Marinha em

Ladário.

Em razão de sua localização na Região Centro-Oeste do País, que engloba

uma faixa de fronteira com países vizinhos, tais como Bolívia e Paraguai,

possibilitando o acesso tanto ao Estuário do Prata quanto à Região Amazônica, a

presença da Marinha na região tem importância considerada estratégica para a

segurança nacional.

Para um melhor entendimento acerca das atribuições das Organizações

Militares que desempenham este papel, buscaremos um melhor detalhamento a

seguir:

a) Base Fluvial de Ladário

Conforme portal oficial da Marinha do Brasil, a missão da Base Fluvial de

Ladário, na atualidade, é “prover o apoio logístico, tanto às organizações terrestres,

como aos navios, sediados ou em transito, no âmbito do Sexto Distrito Naval, a fim

de contribuir para o aprestamento dos meios navais da Marinha do Brasil” (BRASIL,

2014).

Nesse sentido, suas atividades principais são prover atracação, docagem e

encalhe aos navios da Marinha sediados ou em trânsito, bem como fazer a

manutenção e reparo em níveis de segundo e terceiro escalões para tais navios.

Como atividades secundárias, a Base Fluvial tem a responsabilidade da

conservação dos bens imóveis, conservação urbana e paisagismo, fornecimento de

aguada e de rancho (refeições), transporte de pessoal e apoio com viaturas, além de

gestão ambiental, mediante a proteção do meio ambiente, prevenção contra

poluição e coleta de resíduos sólidos e águas servidas.

b) Comando da Flotilha de Mato Grosso

A Flotilha de Mato Grosso foi criada, em 20 de outubro de 1876, com a

intenção de defender os interesses nacionais em uma área de fronteira, dentro de

um contexto de pós-guerra da Tríplice Aliança.

Compõem a flotilha nove navios, quatro deles navios-patrulha, um monitor,

um aviso de transporte fluvial, um navio de transporte fluvial, um navio de apoio

logístico fluvial e um navio de assistência hospitalar. Um décimo navio foi adquirido

pela Marinha no ano de 2012 e está em fase de adequações para ser incorporado à

flotilha. Além disso, a flotilha dispõe ainda de um grupo de embarcações de patrulha

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e desembarque, utilizadas tanto em patrulhas fluviais quanto no apoio de operações

ribeirinhas. Conta ainda com um grupo de mergulho para atuação em casos de

necessidade de busca e salvamento.

Por meio do navio NASH Tenente Maximiano, a Marinha do Brasil pode

prestar assistência médica e odontológica à população ribeirinha, com o auxilio da

tripulação do Hospital Naval de Ladário, que oferece a mão de obra qualificada

(profissionais médicos, dentistas, enfermeiros e farmacêuticos), indispensável ao

cumprimento da missão.

c) Hospital Naval de Ladário

O Hospital Naval de Ladário é, juntamente com a Base Fluvial de Ladário e a

Flotilha do Mato Grosso, uma das mais antigas Instituições de Ladário. Tendo

funcionado inicialmente em um barracão de zinco construído para prestar

atendimento emergencial aos funcionários que vieram trabalhar no antigo Arsenal de

Ladário, foi elevado à categoria de Hospital Distrital no ano de 1951, passando a

funcionar no prédio que outrora sediara a Escola de Imperiais Marinheiros.

O propósito do Hospital Naval de Ladário, na atualidade, é contribuir para a

eficácia do Serviço de Saúde da Marinha no tocante à execução das atividades

técnicas de medicina assistencial, de medicina operativa e parcela da medicina

pericial, na área de jurisdição do Comando do Sexto Distrito Naval. Para a

consecução do seu propósito, cabem ao HNLa algumas tarefas, dentre as quais se

destacam:

- prestar assistência de saúde aos usuários do Sistema de Saúde da Marinha,

em regime ambulatorial e hospitalar, planejando e supervisionando tecnicamente os

atendimentos de saúde prestados a estes usuários;

- implantar e executar atividades de medicina operativa;

- promover o desenvolvimento de pesquisas epidemiológicas de interesse da

Marinha do Brasil, e

- estabelecer e manter intercâmbio com universidades e outras instituições

civis e militares na área de saúde, com vistas a otimizar seu desempenho técnico.

Em situação de mobilização, conflito, estado de defesa, estado de sítio,

intervenção federal e em regimes especiais, cabe ao HNLa às tarefas que lhe forem

atribuídas pelas normas e diretrizes referentes à mobilização marítima e emanadas

pelo comandante do Sexto do Distrito Naval.

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O Hospital Naval de Ladário auxilia, ainda, no estreitamento de laços entre a

instituição e a sociedade civil, mediante atividades que desenvolve nas Ações Cívico

Sociais (ACiSo), tanto embarcadas nos navios da flotilha, quanto em terra, em

atendimento às solicitações emanadas de entidades públicas para a prestação de

atendimentos médicos e odontológicos.

A título de ilustração, de acordo com o Anuário Estatístico da Marinha

(ANEMAR), para o ano de 2012, a bordo dos navios da Flotilha, foram prestados

1.722 atendimentos médicos, 719 odontológicos, além da realização de 1.518

exames e aplicação de 537 vacinas, nas 59 localidades ribeirinhas atendidas,

durante as ACiSo desenvolvidas ao longo do rio Paraguai.

d) Serviço de Sinalização Náutica do Oeste

O Serviço de Sinalização Náutica do Oeste (SSN-6) foi criado no ano de

1967, vindo a substituir a denominação do Serviço de Sinalização Náutica de Mato

Grosso, cuja sede em Ladário foi instalada no ano de 1955.

O SSN-6 tem como propósito contribuir para a segurança da navegação

mediante instalação/desinstalação/manutenção dos sinais de auxilio à navegação,

além de propor modificações em função de alterações de batimetria ou

características do trafego marítimo, visando ao seu aperfeiçoamento. Além disso, é

seu papel fiscalizar e controlar o estabelecimento e funcionamento dos sistemas e

sinais de auxílio à navegação, mantidos e operados por outros órgãos públicos ou

entidades privadas, autorizados pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN).

Ao longo de cada ano, o SSN-6 realiza levantamentos hidrográficos para a

coleta de dados brutos que serão enviados ao Centro de Hidrografia da Marinha

(CHM) para a produção de cartas náuticas. Além disso, por meio de sua página na

internet (https://www.mar.mil.br/ssn-6/), disponibiliza aos interessados informações

úteis, tais como os gráficos de altura dos rios e séries históricas com as alturas

anteriores dos rios, de relevante interesse para a comunidade como para

pesquisadores de diferentes instituições públicas e privadas.

e) Capitania Fluvial do Pantanal

A Capitania dos Portos do Estado do Mato Grosso foi criada pelo Decreto

Imperial n. 2.762, datada de 16 de março de 1861. Seis anos depois foi extinta

devido aos conflitos regionais causados pela Guerra do Paraguai. No ano de 1873

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foi reestabelecida e funcionou anexa à inspetoria do Arsenal de Marinha de Ladário.

A partir de 1907, a capitania passou a ser sediada em Corumbá, cujo atual endereço

permanece desde o ano de 1945.

Subordinadas à Capitania Fluvial do Pantanal estão às agências de Cuiabá,

Cáceres e Porto Murtinho, criadas no ano de 1919. No ano de 1997, houve a troca

de denominação para Capitania Fluvial do Pantanal.

De acordo com o portal oficial da Marinha, o propósito desta organização

militar é “contribuir para a orientação, coordenação e controle das atividades

relativas à Marinha Mercante e organizações correlatas, no que se refere à

segurança de navegação, defesa nacional, salvaguarda da vida humana e

prevenção de poluição hídrica” (BRASIL, 2014).

Para tanto, é de sua incumbência a realização de inspeções e vistorias, para

fazer cumprir as legislações pertinentes, bem como os atos e normas nacionais e

internacionais, que regulam os tráfegos marítimos, fluviais e lacustres. Não menos

importante, é responsável por auxiliar o serviço de salvamento marítimo, auxiliar a

manutenção do serviço de sinalização náutica além de coordenar, controlar e

ministrar cursos do Ensino Profissional Marítimo (EPM).

Em situações de conflito, estado de sítio, estado de defesa, crise interna ou

em regimes especiais, caberá à Capitania Fluvial do Pantanal as tarefas

concernentes à mobilização e desmobilização que lhes forem atribuídas pelo

Comando do Sexto Distrito Naval.

f) O Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário (GptFNLa)

A Primeira Companhia Regional de Fuzileiros Navais, oriunda do Rio de

Janeiro, chegou a Ladário no ano de 1933, embarcada no vapor Almirante Jaceguay

via Montevidéu.

Alojada inicialmente em um barracão de madeira do Arsenal de Marinha de

Ladário, reformou o antigo prédio da Escola de Imperiais Marinheiros, onde hoje

funciona o Hospital Naval de Ladário. Alojou-se ali até o ano de 1942, quando foi

transferido para outro local, onde funcionavam as instalações da Aviação Naval, que

se tornou sua sede definitiva.

No ano de 1963, teve sua denominação alterada pelo decreto nº 51.811 A

para Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário e sofreu uma reforma

organizacional, em que seus efetivos foram ampliados e desmembrados em uma

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Companhia de Fuzileiros e uma Companhia de Comandos e Serviços. Atualmente, o

GptFNLa está estruturado como unidade de combate, participando de diversos

exercícios em conjunto com o Exército Brasileiro, a Força Aérea Brasileira, além de

dispor dos meios operativos da Flotilha de Mato Grosso e do 4º Esquadrão de

Helicópteros.

Buscando proporcionar o adestramento contínuo de seus combatentes,

principalmente no que diz respeito às peculiaridades do ambiente pantaneiro, o

GptFNLa desenvolveu o Curso Expedito de Operações no Pantanal, cujas vagas

têm sido solicitadas também pelas Marinhas das nações amigas, com quem também

participa de exercícios conjuntos tais como as operações Aderirex, ribeirex,

Pantanal, Conjunta, Ninfa e Acrux, a título de exemplos.

g) Quarto Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral

Com a inauguração da Base de Aviação Naval de Ladário, no ano de 1932,

teve início a história da Aviação Naval no Pantanal, contando até o ano de 1936,

com cinco hidroaviões “Farey-Gordon” que formavam a Primeira Divisão de

Esclarecimento e Bombardeio e ocupavam as instalações do atual Grupamento de

Fuzileiros Navais de Ladário, onde até hoje permanece a antiga torre de controle,

como um marco histórico local.

No ano de 1984, o Destacamento Aéreo ganhou um hangar próprio, operando

com dois helicópteros UH-12 Esquilos, até o ano de 1995, quando foi criado o

Quarto Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral (HU-4), mais uma Unidade

Operativa da Marinha do Brasil, subordinada ao Comando do Sexto Distrito Naval.

Finalmente, os helicópteros Esquilos foram substituídos, no ano de 2004, por

três helicópteros IH-6B Bell Jet Ranger III. Estes meios aéreos possibilitam ações de

esclarecimento, transporte de tropa, ligação e observação, apoio logístico móvel,

apoio aéreo aproximado, cobertura aérea, escolta, ataque aéreo além de

Evacuações Aeromédicas (EVAM) e Tarefas de Busca e Salvamento (SAR).

Visitando a Sala de Memórias Tenente Maximiano, que fica no interior do

Comando do Sexto Distrito Naval, vislumbramos um pouco da história local. Entre

antigos documentos, vidros de farmácia, cadernetas manuscritas e outros objetos,

podemos observar também alguns resquícios dos móveis do antigo Arsenal, tais

como estantes e antigas portas. Mas mais do que isto, alguns elementos aqui e ali

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nos sugerem a importância do arsenal também na construção do mito identitário.

Criado pela Marinha do Brasil na região, representados pelo pórtico, encimado pela

Bandeira Nacional, pelo busto de Tamandaré posto bem na entrada, à frente do

pórtico, pelo Brasão de Armas.

Figura 8: Busto do Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha, em frente ao Pórtico de entrada do Comando do Sexto Distrito Naval. Fonte: Acervo pessoal (2013).

2.4 O último quartel do século XIX e o cenário sobre o qual se anunciaram as

transformações sobre Corumbá e Ladário

No último quartel do século XIX, o Brasil, assim como o resto do mundo,

entrou em um profundo processo de transformação, desde o fim da Guerra do

Paraguai, que impôs ao país a urgência em ocupar de forma mais efetiva as áreas

de fronteira, aliado a outros fatores tais como o término da escravidão e a

proclamação da República.

O modo como ocorreu à ocupação do Oeste brasileiro refletiu o pensamento

corrente da época, forjado a expensas do modo capitalista de produção, onde as

cidades desempenharam um papel fundamental para opor-se ao isolamento do

campo, considerado locus do atraso e do subdesenvolvimento.

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A velocidade com que os meios de transporte e comunicação foram

alavancados pela exigência do capital, paradoxalmente aumentou o abismo

existente entre os lugares acessíveis às novas tecnologias e informações,

representados respectivamente pelas estradas de ferro e telégrafo e o restante do

mundo. O “mundo atrasado”, ao contrário, ainda vivia às expensas do cavalo, do boi,

da mula, do barco (HOBSBAWN, 2011).

Para Marx e Engels (1986), “a oposição entre a cidade e o campo começa

com a transição da barbárie à civilização”. Criar cidades significava expandir o

progresso. Nas cidades, o consumo de mercadorias era incentivado, trazendo, como

consequência, um incremento dos mercados nacionais e internacionais.

A população das pequenas cidades brasileiras, entre as quais Corumbá e

Ladário, buscavam integrar-se à modernidade por meio da incorporação de hábitos

considerados “civilizados” nas grandes cidades, tais como Rio de Janeiro, que por

sua vez, copiavam os modos de vida urbanos europeus. “Civilizar”, aos modos

europeus, significava inserir-se em um novo patamar de desenvolvimento tanto local

quanto pessoal.

Quando tratamos de “progresso” e a forma como tal era percebido na cidade

de Corumbá, precisamos levar em conta que o mesmo, no pensamento e

representações do imaginário corumbaense, estava sempre “por chegar ou

incompleto”, uma vez que estava diretamente relacionado às mercadorias que

vinham de fora em detrimento do desenvolvimento da produção e da cultura locais

(SOUZA, 2008).

De fato, com a abertura do porto de Corumbá, inúmeras mercadorias

provenientes do “primeiro mundo”, sobretudo da Inglaterra, foram despejadas nas

pequenas cidades do Centro-Oeste brasileiro. Objetos considerados de luxo, tais

como aparelhos de jantar em porcelana, cristais, tecidos e móveis podiam ser

adquiridos nas casas comerciais por uma elite local, buscando aproximar-se do

estilo de vida europeu, considerado “civilizado” e, portanto, mais apropriado para

uma localidade que aos poucos, tornava-se “próspera”.

O próprio Arsenal de Marinha de Ladário, a julgar por antigas fotografias,

datadas de 1928, dispunha de um mobiliário sofisticado, tais como escrivaninhas em

estilo inglês, cadeiras de palha austríacas, modelo Thonet, lustres de opalina,

biombos, entre outros.

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Observamos, ainda, paredes em estuque, capitaneadas por pinturas artísticas

tais como tromp loeil, imitando mármores, ou pequenos desenhos florais, adornando

as partes superiores das paredes, além de pisos em madeira corrida ou azulejos,

conforme ditava a moda na Europa de então.

Figura 9: Residência do Inspetor do Arsenal de Marinha de Ladário. 1928 Fonte: Acervo Comando do Sexto Distrito Naval.

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Figura 10: Saleta de espera do gabinete do Inspetor. 1928. Fonte: Acervo Comando do Sexto Distrito Naval.

Figura 11: Sala de Conselhos. 1928. Fonte: Acervo Comando do Sexto Distrito Naval.

Se compararmos o interior destas organizações militares com a pobreza das

habitações dos primeiros residentes das cidades de Ladário e mesmo de Corumbá,

podemos concluir que os militares gozavam da mesma reputação conferida às elites

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burguesas locais e sem sombra de dúvidas desempenhavam um papel de caráter

“civilizatório” na região.

Tanto isto é verdade que os mesmos militares que migraram para a cidade de

Ladário na intenção de aqui construir um Arsenal de Marinha, serviram de mão de

obra na construção de algumas outras edificações civis, tais como a Loja Maçônica

Pharol do Norte, fundada em 1874, ou seja, um ano após o início da construção do

Arsenal de Marinha de Ladário. Tal fato, sem sombra de dúvida, também comprova

que a Marinha do Brasil esteve desde os primeiros momentos imiscuídos na

sociedade local.

Figura 12: Loja Maçônica Pharol do Norte, na Avenida 14 de Março, em Ladário. 2013. Fonte: Acervo pessoal.

Em 1914 foi erigida a sede do Grupo Espírita Vicente de Paula (elevado à

condição de Centro Espírita em 1921), ambos sediados na Avenida 14 de Março, a

principal avenida que liga as cidades de Corumbá e Ladário (MARQUES, 2007).

Caso tenhamos a curiosidade de observar de perto a arquitetura de

inspiração eclética da casa que abriga o Centro Espírita, nos depararemos com um

frontão central, redondo, cujo ornato esférico ostenta a epígrafe “Brazil”, encimado

por correntes que fazem alusão àquelas utilizadas para suportar as espias das

embarcações marinheiras de então.

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Figura 13: Centro Espírita Vicente de Paula, na Avenida 14 de Março. 2013. Fonte: Acervo pessoal.

A própria Avenida 14 de março, antiga Rua do Portão, é posterior à

construção do Pórtico do Arsenal da Marinha, cuja fachada ornamentada com

âncoras e encimada com a bandeira brasileira, de longe faz alusão ao Arco do

Triunfo parisiense.

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Figura 14: Pórtico do Comando do Sexto Distrito Naval de Ladário. Sem data. Fonte: Acervo do Comando do Sexto Distrito Naval

Paralela à Avenida 14 de Março encontra-se a Rua Tamandaré, que

homenageia o Patrono da Marinha. Nela há diversas casas antigas, em diversos

graus de conservação, onde funcionam estabelecimentos comerciais e residenciais.

Muitas destas casas revelam que houve uma preocupação com as fachadas, muitas

delas trabalhadas com frontões, frisos, cornijas e muros ornamentados.

Não se pode apontar com precisão quantas destas casas ladarenses serviram

de residência aos militares da Marinha e quantas pertenceram aos comerciantes

locais. No entanto, a forma com que foram construídas e os propósitos a que

serviram, nos fornecem alguns indícios reveladores a respeito da forma como os

militares se integravam às comunidades locais. Considerando, por exemplo, que as

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lojas maçônicas eram lugares onde se reuniam as “cabeças pensantes” e as elites

locais, não há como dissociarmos a presença de seus militares destes meios.

Como não poderia deixar de ser, à política local convergiam interesses com

os militares sediados na região, uma vez que historicamente vieram a desempenhar

desde os primeiros momentos da ocupação territorial de Mato Grosso, um relevante

papel na segurança e administração regional e da área de fronteira (CORRÊA,

1985).

De um modo geral, a cidade de Corumbá (e em menor grau, Ladário) buscava

inserir-se neste século de progresso e modernidades, chegando a ser considerada

uma cidade cosmopolita em fins do século XIX, em razão do grande trânsito de

imigrantes estrangeiros.

As casas comerciais dispostas ao longo da zona portuária são testemunhas

deste período de opulência pelo qual passou a cidade de Corumbá, e em menor

grau a cidade de Ladário. A expansão deste comércio portuário, interligando o rio da

Prata com as cidades de Mato Grosso, permitiu que o capital regional acumulado

conferisse prestígio à localidade e aos comerciantes locais, muitos deles figurando

entre a classe política de sua época (CORRÊA, 1985)

O rápido desenvolvimento experimentado por Corumbá, ao menos no que diz

respeito às zonas mais abastadas da cidade, também pode ser medido pelo número

de agências bancárias que foram abertas: mais de vinte bancos estrangeiros

estiveram sediados na localidade. Em 1914, a primeira agência do Banco do Brasil

foi inaugurada (SILVA, 2006), antes mesmo da cidade de São Paulo, atualmente o

centro financeiro do País.

Em que pese à beleza arquitetônica do casario portuário, a cidade de

Corumbá permaneceu até meados do século XX com as precariedades oriundas da

ausência de infraestrutura sanitária, tais como irregularidades no abastecimento de

água potável e falta de saneamento básico. Não por acaso, a cidade sofreu por

diversos anos epidemias de peste bubônica, tifo, varíola e cólera, que atingiam mais

duramente as camadas mais pobres da população (CORRÊA, 1985).

Uma mensagem do presidente do estado de Mato Grosso à Assembleia

Legislativa de Cuiabá, datada de 1901, nos revela que, já em meados do século XIX,

nem mesmo na capital (Cuiabá), as condições sanitárias eram satisfatórias e quais

eram exatamente as epidemias que assolavam a população:

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Não foi dos mais satisfatórios o estado sanitário d’esta capital e de outras localidades mais populosas do interior no ano que acabou. Aqui e em outros logares grassou com alguma intensidade a influenza, o sarampão e a coqueluche, fazendo muitas vítimas. Em Corumbá e S. Luís de Cáceres tem flagelado a população a varíola. (BARROS, 1901.)

Relatórios apresentados pelo intendente-geral do município à Câmara

Municipal, capitão de fragata Francisco Mariani Wanderley, em 1912, revelam a

estreita ligação entre os membros das Forças Armadas, neste caso, da Marinha do

Brasil com a política local. Muitos deles servem de subsídios para levantar a

problemática da cidade de Corumbá também no que diz respeito, por exemplo, ao

abastecimento de água, que adentrou o século XX ineficiente:

O serviço de fornecimento de agua continua muito deficiente, não correspondendo, de maneira alguma, às justas necessidades do povo, neste ponto lamentavelmente servido, como reconheceu meu antecessor. (WANDERLEY, 1912.)

Tal dificuldade ia de encontro a algumas ideias de caráter higienista, em voga

no Rio de Janeiro e vistas com bons olhos pela elite política mato-grossense, que

buscava importar os modos de vida e os avanços das grandes cidades brasileiras

para a capital do Estado:

A criação de um Instituto vaccinico n’esta capital impõe-se, por isso que a lympha que mensalmente nos é remetida pelo Instituto vaccinico do Rio de Janeiro chega a esta cidade quase sempre deteriorado. (BARROS, 1901.)

Dentro deste mesmo espírito modernizador, a primeira rede de telefonia

ligando Corumbá a Ladário foi inaugurada em 1912, contando com o que havia de

melhor em termos de aparelhagem da época, conforme trecho de documento

abaixo:

Dando cuprimento à Resolução n.3 de 26 de Março do corrente anno, o cessionário da Empreza Telephonica desta cidade iniciou já os trabalhos de installação definitiva da rêde telephonica Corumbá-Ladario, tendo apresentado a esta municipalidade o respectivo projecto que encontrareis em anexo sob n.4. Desse projecto, que approvei de acordo com o parece do Snr. Engenheiro Municipal, vereis que a estação central será na praça Independencia; a meza commutadora será das mais modernas, a torre terá a altura de 20 metros, providas de caixas de segurança e para-raios; os aparelhos serão dos mais aperfeiçoados; e o material, emfim, deverá ser de primeira qualidade. (BARROS, 1901.)

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Outras providências foram tomadas, também no sentido de regulamentar a

vida na cidade. Códigos de conduta foram publicados no intuito de civilizar a

população local. Da mesma forma, a regulamentação chegou ao traçado das ruas.

Em Corumbá, diversas desapropriações foram feitas para que novas ruas fossem

ampliadas e criadas, de acordo com os propósitos já mencionados.

Nessa direção, veja-se a Resolução nº 103, de 4 de Janeiro de 1911:

Art. 1- Ficam desapropriados por utilidade pública os terrenos comprehendidos na quadra entre as ruas Colombo, Cabral, 15 de Novembro e Frei Mariano, e os lotes 7, 8 e 9 da rua do Commercio além da Alfandega, por serem necessários para a localisação do reservatorio e filtros e da Usina Central para os serviços de abastecimento d’agua e luz electrica desta cidade. (Intendencia Municipal de Corumbá. Leis em Vigor até 20 de Abril de 1911)

Como vimos, a povoação de Ladário foi parte do município de Corumbá,

sendo elevada no ano de 1896 à categoria de freguesia, com os mesmos limites do

respectivo distrito policial, mas permanecendo ainda na qualidade de distrito até o

ano de 1933 quando passa a ser considerado município, mas por pouco tempo. Três

anos depois, retrocede à condição de vila no distrito de Corumbá e assim

permanece até o ano de 1953 (MARQUES, 2007).

Ladário conquistou sua autonomia politica, portanto, apenas no ano de 1953,

quando passou à condição de vila a cidade e, um ano mais tarde, torna-se

novamente município. Tal fato explica, em parte, o silêncio historiográfico que recaiu

sobre Ladário.

Assim como a cidade de Corumbá surgiu, inicialmente, como um vilarejo às

margens das atividades do de Forte de Coimbra, sua irmã consanguínea, que é

Ladário, surge tal como a conhecemos, com base na vinda da Marinha para a

região.

Buscando resguardar a fronteira Oeste, que se mostrava extremamente

vulnerável com a Guerra do Paraguai, a Marinha terminou por desempenhar um

papel preponderante na formação da cidade, que foi redesenhada tomando grande

parte das características arquitetônicas que ainda hoje apresenta.

O golpe final para os grandes comerciantes do porto de Corumbá ocorreu

quando foi concluído o trecho rodoviário que ligava as cidades de Campo Grande a

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Cuiabá. O impacto da perda econômica para as cidades de Corumbá e Ladário, com

a transferência do polo econômico da primeira para Campo Grande, logo se fez

sentir por causa do fechamento das casas comerciais e bancárias que por mais de

setenta anos ajudaram a construir o sonho de uma burguesia cosmopolita.

De qualquer modo, com a redução do comércio fluvial, a cidade de Corumbá

procurou subsistir, num primeiro momento, quase exclusivamente à custa da

pecuária bovina. Mais tarde, iniciaram também as atividades relacionadas ao

extrativismo mineral. Na década de 1950, as reservas de calcário das encostas e

morros fizeram com que o grupo de Cimento Itaú se instalasse no local e duas

décadas depois, as empresas Urucum Mineração S.A. e Companhia Vale do Rio

Doce (SOUZA, 1973).

Enquanto isso, em Ladário, cidade-gêmea de Corumbá, a economia

continuou a girar quase exclusivamente a expensas dos soldos dos militares da

Marinha na região. Tão amalgamados, hoje se encontram os laços criados entre os

militares que servem ou serviram à Marinha do Brasil e a cidade de Ladário, que fica

difícil mesurar o grau de relacionamento que os homens e mulheres desta instituição

têm com a cidade.

Independentemente dos laços institucionais que se apresentam sem

dificuldades aos olhos de qualquer observador que chegue a Ladário e contemple o

enorme pórtico, localizado em posição de destaque ao final da Avenida 14 de Março,

é necessário analisarmos também o ponto de vista dos militares servidores desta

localidade. Deslocando o foco da Instituição para o do cidadão, militar, servidor e

migrante, é que conseguimos com maior profundidade levantar o que significa, ainda

hoje, servir e residir nesta região de fronteira. É o que faremos no terceiro capítulo

deste trabalho.

A história do Arsenal de Marinha de Ladário merece, ainda, muitas outras

abordagens, pois fomentou não apenas o desenvolvimento da atual cidade de

Ladário, mas principalmente contribuiu para dirimir o erro histórico comum em

apontar um descaso da Coroa Lusitana com o povoamento das terras coloniais.

Como vimos, foram justamente o povoamento e a ocupação territorial estratégica os

pilares que serviram de instrumentos à diplomacia brasileira para garantir o atual

contorno da franja fronteiriça nacional.

Becker (1980), no entanto, aponta a inoperância do conceito tradicional de

fronteira:

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A fronteira não pode mais ser pensada exclusivamente como franjas do mapa em cuja imagem se traduzem os limites espaciais, demográficos e econômicos de uma determinada formação social. Uma nova definição de fronteira mais abrangente torna-se necessária, capaz de captar sua especificidade-como espaço excepcionalmente dinâmico e contraditório- e a relação desta com a totalidade de que é parte.

A despeito destes discursos, podemos verificar a similaridade entre as

estratégias de legitimar a presença do Estado por meio da ocupação territorial,

defendida pelo Tratado de Madri (1750) e a empreendida pela atual geopolítica

brasileira, observada no primeiro capítulo e perceber que Estado e território

continuam intimamente relacionados. Não por acaso, a Escola Superior de Guerra

segue norteando os postulados que regem a geopolítica brasileira.

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3. A FRONTEIRA VIVIDA PELO MILITAR DA MARINHA: UMA PERSPECTIVA

DIFERENTE

Neste capítulo estaremos abordando o olhar dos militares que servem na área

de fronteira, mais especificamente na Base Fluvial de Ladário, que é subordinada ao

Comando do Sexto Distrito Naval. Nossa intenção é ajudar a desvendar as

motivações dos militares e as dificuldades e facilidades que encontram ao servir

nesta região, o imaginário daquilo que pretendiam encontrar e o quanto deste

imaginário tornou-se realidade. Isso sem impedir que outras questões advindas dos

entrevistados pudessem aflorar em suas falas.

A primeira etapa consistiu em que fosse concedida a permissão formal,

mediante oficio encaminhado ao Comando do Sexto Distrito Naval, o que ocorreu

sem problemas. Desta forma, partimos para a realização do trabalho de campo,

mediante realização de duas entrevistas nos moldes de Grupo Focal, que ocorreram

no interior da Base Fluvial de Ladário. O motivo de eleição desta organização militar,

em detrimento das demais que compõem o Comando do Sexto Distrito Naval,

decorreu do simples fato de que a mesma corresponde ao antigo Arsenal de

Marinha de Ladário.

O Grupo 1, composto por praças, contou com oito voluntários, enquanto o

Grupo 2 teve a participação de cinco oficiais, igualmente voluntários. As perguntas

foram lançadas ao grupo, sem que houvesse a obrigatoriedade de respostas e todos

os entrevistados tiveram seu anonimato preservado.

Depois da transcrição das entrevistas, extraíram-se as principais ideias dos

grupos em uma análise descritiva, transcrita no decorrer do capítulo.

3.1 Contexto

Ladário é uma cidade ao Oeste de Mato Grosso do Sul, a 6 km de Corumbá e

a 12 km da fronteira com a Bolívia. Segundo a estimativa populacional do IBGE, com

base no Censo de 2010, a cidade tem aproximadamente 21.448 habitantes e tem

suas atividades econômicas voltadas para a pecuária (BRASIL, 2014).

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A Marinha do Brasil está presente na região desde o ano de 1875, quando, ao

final da Guerra do Paraguai, houve a transferência do antigo Arsenal de Marinha de

Cuiabá para a cidade de Ladário. O Inicialmente denominado Arsenal de Marinha de

Ladário, hoje é a Base Fluvial de Ladário, que em conjunto a outras organizações

militares integram o Comando do Sexto Distrito Naval.

Já Corumbá, cidade ao lado de Ladário, também no estado de Mato Grosso

do Sul, contempla a Capitania Fluvial do Pantanal. A Marinha se instalou nesta

cidade na mesma época que em Ladário e teve como intuito coordenar e controlar

as atividades da Marinha na região, desempenhando tais atividades até os dias de

hoje. A cidade possui uma população estimada para 2014 de 108.010 habitantes,

segundo o IBGE, com base em dados do Censo Demográfico de 2010 (BRASIL,

2014).

Parte expressiva da população que mora nas cidades de Corumbá e Ladário

é formada por militares da Marinha, praças e oficiais vindos de outras cidades,

especialmente do Rio de Janeiro, onde a Marinha tem sua sede. Tais presenças não

passam despercebidas pela população local. Da mesma forma, são observados

entre os militares o modo de viver, se relacionar e encarar as perspectivas típicas

daquelas sociedades. E isto, também, foi abordado quando da realização dos

grupos focais.

As entrevistas realizadas tiveram como objetivo buscar a relação que os

militares de outras regiões que vêm a trabalho para Ladário e Corumbá têm com

estas cidades. Salientamos que o fio condutor da experiência de ambos os grupos

focais foi à percepção sobre a trajetória pessoal, a realidade local e as perspectivas

profissionais.

3.2 Grupo Focal 1 (praças)

O Grupo Focal 1, realizado no mês de julho de 2013, nas dependências da

Base Fluvial de Ladário, foi composto pelos chamados praças, formados por cabos e

sargentos, que contribuíram com seus relatos, de forma voluntária. Os oito

entrevistados, sendo sete homens e uma mulher, responderam a uma série de

perguntas relacionadas à sua vida pessoal e profissional.

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O primeiro quesito perguntado foi a respeito do porquê de escolher a cidade

de Ladário para servir. A maioria dos entrevistados disse ter sido designado de

modo obrigatório, e não voluntário. Para estes militares, Ladário estaria entre suas

últimas opções. Houve apenas dois que responderam terem vindo voluntariamente.

Os entrevistados vieram de cidades grandes, como Rio de Janeiro, Vitória e

Natal, lá deixando suas respectivas famílias. Apenas um dos entrevistados

respondeu ter sido foi voluntário para servir na localidade.

Um dos candidatos que escolheu Ladário tinha ainda as opções de São

Paulo, Rio de Janeiro, Manaus ou Belém do Pará. A escolha foi motivada pelo fato

de a cidade possuir uma Universidade Federal que lhe permitisse um melhor

preparo educacional e por ser uma cidade menor, deduzindo ter um menor custo de

vida.

O outro voluntário para servir em Ladário, na verdade, foi a militar de sexo

feminino, motivada por acompanhar o marido, sargento do Exército e sabedora do

fato que o Exército movimenta seus militares a cada dois anos, ou seja, estaria com

seu “passaporte carimbado para a volta”. Isso porque nas Forças Armadas, os

militares podem fazer um requerimento para acompanhamento dos cônjuges,

quando estes são transferidos para locais considerados “fora de sede” e que tais

pedidos, normalmente, são concedidos.

Gestante, considerou ainda que a localidade lhe agregaria qualidade de vida

e ponderou que tanto ela quanto o marido estariam por cumprir logo seu período de

“fora de sede”, uma exigência da vida militar.

Os pontos positivos apontados pelos candidatos foram, principalmente,

referentes à tranquilidade das cidades de Ladário e sua vizinha Corumbá. Por

possuir poucos habitantes, acreditam ser um bom ambiente para constituir família e

criar os filhos.

No entanto, os mesmos pontos positivos também são apontados como

negativos, pois criar os filhos em uma cidade pequena, por exemplo, apresenta

algumas limitações. Não ter opções de bons colégios e não possuir um hospital de

grande porte são fatores importantes no dia a dia e que fazem a cidade deixar de ser

uma boa opção para fixar residência definitiva.

Para aqueles que são solteiros, Ladário e Corumbá pareciam ser cidades que

proporcionavam economia de gastos. Guardar dinheiro, num primeiro momento,

pareceu tarefa fácil, por não haver muitas opções de lazer. Porém, um tópico

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levantado e bastante discutido foi o do custo de vida alto. Esses militares relataram

que a conta de energia é cara, os aluguéis são caros, não existe transporte público

de qualidade, obrigando-os a maiores gastos com tais quesitos, como podemos

perceber na fala de um dos integrantes do Grupo:

Aqui a conta de luz é cara, a alimentação é cara e o transporte é precário. Na primeira semana que estava aqui precisei comprar uma moto, pois ônibus atrasa ou adianta e você perde muito tempo pra andar um curto espaço. (2013)

As mercadorias possuem preço elevado e os poucos supermercados de

ambas as cidades têm uma média alta de preços, além de pouca variedade de

produtos. Os entrevistados acreditam que isso é culpa da falta de concorrência na

cidade. Uma das falas sintetizou esse pensamento recorrente entre os

entrevistados, quando afirmou:

Aqui a cidade é pequena e não tem muita opção, mas o custo de vida é alto. As compras no mercado saem muito caras e se você é solteiro você sai, gasta para entrar na boate, para comprar a carne no churrasco e também gasta para se locomover. Eu achei que ao chegar aqui eu economizaria bastante, mas dá um pelo outro, mas lá no Rio de Janeiro eu ainda tinha minha família. (2013)

Um item relevante levantado por um dos entrevistados é referente à falta de

campo de trabalho. A esposa do mesmo é formada em serviço social, mas não

consegue arranjar emprego. Além da falta de perspectiva profissional para os

cônjuges, os militares observam que há nas pessoas “da cidade” certo receio de

empregar “pessoas de fora” pelo fato de que dentro em breve as mesmas estariam

deixando a cidade, acompanhando seus maridos e esposas. Esta situação, peculiar

à condição da profissão que exercem, traz suas consequências.

Os militares entrevistados nunca haviam morado em uma cidade que fizesse

fronteira com outro país. Alguns citaram que gostaram da ideia, pois poderiam

conhecer outros lugares e também comprar algumas mercadorias mais baratas.

Ao mesmo tempo, outros ficaram preocupados, pois ouviram, ainda no Rio de

Janeiro, diversos relatos de violência que acontece na Bolívia, principalmente com a

questão de drogas. Um dos entrevistados comentou sobre uma experiência que

passou e a proximidade com as drogas:

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Eu estava vindo da Bolívia, tinha um cara no ônibus transportando cocaína dentro de uma bolsa plástica, como se fosse normal. Teve um assalto no ônibus, levaram um celular e quando a polícia chegou, este cara saiu correndo e todos acharam que era ele quem havia roubado. Mas quando o alcançaram viram que a bolsa dele estava cheia de drogas. / Sobre a questão da fronteira, você pode transportar um carro cheio de drogas tranquilamente, ninguém para. Não sei qual é o critério usado para abordagem, apenas uma vez me pararam e pediram minha identidade, não fizeram procedimento de revista, nem nada. (2013)

A percepção dos entrevistados sobre drogas não diferencia das falas comuns

sobre este assunto. Ou seja, em relação ao uso das drogas, nenhum dos

entrevistados disse ter conhecimento de militares usuários. Para eles, grande parte

daqueles que vão morar em Ladário, mesmo com a facilidade de acesso às drogas,

não se deixam influenciar. Porém, acreditam que para os usuários de drogas, deve

ter muita facilidade para conseguir o produto, pois fiscalização também não

acontece, nem mesmo ao atravessar o posto de fronteira. São parados apenas

determinados carros, normalmente denunciados.

A visão estereotipada da fronteira permeia a percepção sobre a população e

as autoridades policiais. Acreditam que comprar drogas na cidade de Ladário é

muito fácil, uma vez que alguns bairros possuem casas com ponto fixo de venda de

drogas, recebidos diretamente da Bolívia. Afirmam ainda que “todos os moradores

da cidade sabem onde ficam tais lugares e a polícia parece não se importar”.

A visão que os entrevistados possuem em relação ao povo natural de Ladário

e Corumbá, reafirma o senso comum. Segundo os entrevistados, os viventes

possuem uma postura muito “acomodada”, que na realidade “transcende” as cidades

e tem um caráter regional, provavelmente ligado à cultura local. Observam a falta de

vontade para trabalhar, estudar e crescer na vida, tanto que são poucos os

trabalhadores da Marinha que são naturais da cidade. Um dos voluntários relata:

[...] Na questão dos hábitos, parece que eles não têm muita “querência” em fazer as coisas, em estudar em trabalhar... Eu posso estar sendo preconceituosa, mas essa é a primeira imagem que a gente tem do povo daqui, porque é muito devagar, não sei... Pode ser a questão da região, mas eu tenho certeza que todo mundo que chega aqui vê isso de cara. Por exemplo: na faculdade. Lá de onde eu vim, para você conseguir uma vaga na faculdade, você tem que estudar muito, muito mesmo, e não é garantia que você vai conseguir (a vaga), aqui as vagas sobram, as pessoas não querem. Eu fiz vestibular aqui e passei com uma nota que lá fora (em outras cidades) eu tenho certeza que não conseguiria. As pessoas não querem, não querem correr atrás. (2013)

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Na percepção deste grupo de militares, todos parecem estar satisfeitos com o

pouco que possuem, ainda que não tenham perspectivas de melhoria de vida.

Preferem ficar como estão. Um entrevistado fez o seguinte comentário sobre este

assunto:

Eu moro aqui em Ladário, ontem estava muito frio, saí para comprar um lanche em um barzinho e havia um pessoal na rua tomando cerveja. Se você olhar, sempre tem gente bebendo. Depois uns três rapazes bateram na minha porta para pedir comida e eu disse: “Pô, comida eu não tenho, mas tenho aquele quintal ali atrás para carpir e eu pago para capinar”. / Ele disse para deixar para lá. Se o cara está precisando de comida, ele vai capinar para receber o dinheiro, o pessoal aqui é muito acomodado, você não vai casar com ninguém sabendo que o povo é assim. (2013)

Tais opiniões formadas sobre a sociedade local traz reflexos nas perspectivas

de permanência ou não na cidade, atingindo diretamente os níveis de sociabilidade

desses militares. Os entrevistados afirmaram que, no intuito de constituir família,

dificilmente se relacionariam com alguém da região.

Embora sem mencionar detalhes, relatam assédio constante das mulheres

locais, que encaram os militares como um “passaporte” para outro lugar. Na visão

dos entrevistados, para a mulher que ali vive, casar com alguém da Marinha,

significaria “conseguir sair da cidade” e também ficar com alguém que tem “uma

carreira promissora”. Uma espécie de “porto seguro”, usando uma expressão

comum. Por essa razão, não se sabe se a aproximação acontece ”por interesse” ou

se a mesma é “genuína”.

[...] Eu não sei se (o assédio) é porque [o sujeito] é militar ou se pesa muito [ser] militar. Eles aqui [é que] sabem. Mulher aqui dá em cima e parece que é o “passaporte” e a chance dela sair daqui. Igual à gente [que] não quer criar vinculo aqui, muita mulher que sair daqui, pois é a sorte grande [delas]. (2013)

Com este conjunto de percepções, seria esperado que a grande maioria dos

entrevistados concordasse que não seria interessante criar vínculos, nem “raízes” na

localidade. Seguindo essa expectativa, um dos entrevistados afirma:

É engraçado falar, mas eu não casaria, não. Sempre falo aos meus amigos que não quero criar nenhum tipo de vínculo, nem raízes. Eu quero ir embora, quero esquecer e não quero voltar. / Eu sou de São Luís do Maranhão, sempre vivi na capital e saí de um lugar que tem tudo, estudo, faculdade que eu gostava, fui para o Rio de Janeiro e por força maior vim parar aqui, onde não tem nada. Você passa o dia inteiro em casa, se quer

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viajar tem que se deslocar seis horas e planejar com muita antecedência. Essas coisas desanimam, a cultura deles é muito diferente aqui, eu respeito, mas é diferente do que estou acostumado. (2013)

A distância de outros lugares também é mencionada no sentido negativo.

Segundo os entrevistados, para “sair de Ladário” e pegar um avião para qualquer

lugar, é preciso se deslocar até Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul,

cerca de seis horas de viagem de carro. Ou então, ir de avião, o que lhes parece

impraticável, pois seria necessário viajar no único voo diário que sai de Corumbá até

a cidade de Campo Grande e dali continuarem viagem. Neste caso, ainda há os

custos envolvidos nos deslocamentos, que são grandes, por isso, optam por fazer

isso nas férias, ou seja, acabam vendo a família apenas uma vez por ano. Os

entrevistados apontaram este como um motivo a mais para não estabelecerem laços

com a localidade.

Perguntados a respeito dos aspectos positivos de se viver nas cidades de

Ladário e Corumbá, a lista foi muito pequena. Todos concordaram que até uma

determinada idade, é o local ideal para se criar os filhos. Devido às distâncias entre

a residência e o trabalho serem encurtadas, pode-se trabalhar e dar uma atenção

maior às crianças do que lhes seria permitido em uma cidade grande, como o Rio de

Janeiro. Importante à fala abaixo transcrita, pois dá uma ideia mais clara do que os

participantes falam para as colegas militares do sexo feminino, que tenham alguma

intenção de se transferir para Ladário. Por um lado, para as mães, apontam

vantagens na criação dos filhos, por outro, para as solteiras, mencionam os riscos

de viver nessa cidade:

Eu costumo falar pras minhas amigas virem pra cá, as que são casadas e têm filhos. Falei que iria ser bom para cuidar deles e que poderia acompanhar a vida deles de perto. Outra amiga solteira com o namorado está pensando em vir para cá, eu falei dos pontos positivos e negativos da cidade.

Ladário e Corumbá foram apontadas como cidades extremas. De

combinações complexas, lugar onde a população convive entre a absoluta pobreza

e o desinteresse de melhoria por parte de seus moradores. De visões generalizantes

sobre a população, esses militares não diferenciam do senso comum sobre estas

cidades, carregada de estigmas, em especial, a fronteiriça.

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Mencionam essas cidades como “de extremo calor e extremo frio”. Cidades

de insetos pequenos, de mosquitos que incomodam e de baratas voadoras

gigantescas, além de mulheres oportunistas e gente acomodada.

Observando que a maioria dos militares entrevistados não escolheu a

localidade para servir, não tendo encontrado aqui as facilidades financeiras que

almejavam, considerando ainda a distância das cidades de Ladário e Corumbá dos

grandes centros urbanos, o que lhes dificulta o lazer e aumenta o custo com os

deslocamentos para visitar suas famílias, percebe-se um descontentamento

generalizado.

Tal situação, agravada pelo estranhamento da cultura local, que lhes parece

mais lenta e acomodada em comparação com a rotina de trabalho e estudos à qual

estão acostumados, acaba por leva-los a um distanciamento, há uma sensação de

“não pertencimento”, dificultando os relacionamentos fora de seus círculos militares.

Ainda assim, do grupo de oito militares, apenas dois deles disseram que não

voltariam a viver em Ladário. Outros dois voltariam se fosse apenas por um período

de tempo. Enquanto que os demais relataram que se não tivessem oportunidade de

ficar/servir em lugar próximo de suas famílias, em suas cidades natais, morariam em

Ladário ou Corumbá “para sempre”.

Esta situação, a princípio contraditória, demonstra que, apesar da localidade

não ser o primeiro local de escolha por parte destes militares para servir, ainda que

não atendam à totalidade de seus anseios e aspirações, apresenta um grande

atrativo que é a contagem de tempo de serviço diferenciada, bem como um aumento

percentual no soldo, que muito embora seja consumido pelos valores praticados

pelo comércio e serviços básicos oferecidos, ainda assim, provavelmente possibilita

uma qualidade de vida superior àquela encontrada em suas cidades natais.

3.2 Grupo Focal 2 (oficiais)

O Grupo Focal 2 foi composto por oficiais, formado basicamente por tenentes.

Foram entrevistadas cinco pessoas, quatro homens – três casados e um solteiro – e

uma mulher, casada. Como exemplo do que foi feito no Grupo Focal 1, todos eles

foram voluntários em participar desta entrevista e também tiveram suas identidades

preservadas pelo anonimato.

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O primeiro tema abordado neste grupo foi a respeito da escolha das cidades

de Ladário e Corumbá para servir. Dos cinco entrevistados, quatro deles relataram

que tinham Ladário como segunda opção, pois eram naturais do Rio de Janeiro e

Rio Grande do Sul. Apesar disso, não estavam descontentes com a vinda,

considerando-se ainda como voluntários para servir nesta localidade. Já o quinto

entrevistado, paraibano, já trabalhava em Ladário, na iniciativa privada, quando

prestou o concurso para oficial temporário da Marinha, por isso tinha a cidade como

primeira opção.

Nenhum dos entrevistados possui parentes na região, mas ao questionar

sobre a possibilidade de se casar com alguém da região, caso todos fossem

solteiros, os cinco responderam de forma positiva.

Neste grupo, a maior dificuldade relatada foi a localização das cidades de

Corumbá e Ladário, longe dos centros urbanos. Corumbá e Ladário têm 6 km de

distância entre si, porém, a cidade de Campo Grande, que é maior e é a mais

próxima com aeroporto, está a 450 km de distância, ou seja, cerca de seis horas de

viagem.

Os entrevistados relatam as viagens constantes para a Bolívia, mas alegam

que “ninguém vai sozinho”, pois é considerado perigoso. As compras lá valem a

pena pela variedade, mas os preços são parecidos com os praticados nas grandes

cidades, desde que o dólar esteja em um valor mediano.

Um dos entrevistados relata que são comuns abordagens policiais irregulares

a brasileiros, buscando propinas e descreve um fato pelo qual passou na Bolívia:

Uma vez eu fui para lá e criaram uma multa fantasma pra mim, dizendo que eu tinha parado em um lugar que era proibido. Eles insistiram que eu parei, mas eu disse que não, mesmo assim me levaram para a delegacia e quase fiquei preso. Foi uma situação constrangedora, hoje eu evito ir à Bolívia quase toda semana, de 15 em 15 dias. O bom de lá é que é um lugar diferente tem opção de coisas diferentes que Corumbá e Ladário não têm, mesmo lá sendo o mesmo valor, tem opção. Porém, hoje eu evito por causa dessa situação, tenho dois amigos que passaram pela mesma situação, eles não são de Marinha. (2013)

Tal desonestidade, porém não se aplica aos comerciantes locais, apesar da

pobreza aparente da cidade fronteiriça boliviana de Puerto Quijarro. Há, segundo o

militar, uma vontade de trabalho, de crescimento, que se realiza mediante o

comércio, principalmente de roupas.

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Ainda assim, o militar observa que os moradores das cidades de Corumbá e

Ladário têm com os bolivianos um preconceito declarado. É comum ouvirem dizer

que são “sujos” ou “ignorantes”. Acreditam que isso ocorre devido ao fato de que,

fugindo da pobreza de seu país, vêm oferecer no Brasil uma mão de obra

baratíssima e muitas vezes mais qualificada do que aquela praticada pelos

regionais.

Como o real é mais valorizado, é vantagem para eles receber nesta moeda,

ainda que trabalhem por valores inferiores aos praticados no mercado local,

principalmente na construção civil e em serviços braçais.

Além disso, permanece a percepção, dentro deste grupo de entrevistados, de

que a cultura de Ladário e Corumbá é um pouco devagar. Os moradores da região,

para eles, parecem ter um ritmo diferente daqueles que são de grandes centros

urbanos. A perspectiva de vida é outra, por isso os mesmos não correm tanto atrás

de melhorar suas situações de vida. “Muitos não estudam e nem trabalham, por pura

falta de interesse, pois não há vontade de crescer”.

No relato desse grupo de militares, todos concordam com a percepção de que

os jovens locais têm a mentalidade de terminar o ensino médio, começar a trabalhar,

achar uma namorada, casar e ter filhos. A faculdade e as especializações não fazem

parte do plano de vida. É difícil alguém ter esse tipo de visão na cidade.

Aos finais de semana, o comércio fecha cedo e as pessoas se contentam em

reunir-se para tomar o tereré, uma espécie de erva-mate local, em infusão em água

gelada. Observam que tal ritmo de vida parece ser contagioso, pois dependendo do

tempo que você vier a passar nesta região, periga também acabar por adaptar-se a

estas práticas:

Eu acho que se pra você está bom, se você está conseguindo comer, tem seu trabalhinho, toma seu tererê final de semana, sabe, é essa rotina e parece com o passar do tempo à população daqui se acostumou. A gente veio de fora com aquela movimentação, sábado está tudo funcionando, domingo está tudo funcionando, mora numa cidade um pouco maior você vê. Quando você vê, já se passaram 5, 10 anos e você está vivendo aquela rotina. Até eu que não tomava tererê já me vi no porto domingo, ou seja, já estou conseguindo ser influenciado por isso daqui e você começa talvez a entrar nessa zona de conforto. (2013)

Outro ponto levantado foi que aqueles que possuem um maior poder

aquisitivo na cidade dificilmente retornam os investimentos para a mesma. Os filhos

das classes mais abastadas vão para fora, estudar e se especializar em áreas que

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estão em falta em Ladário e Corumbá e voltam para a região para ganhar dinheiro,

já que não terão concorrência.

O dinheiro produzido em Ladário não fica na cidade, os empresários

expandem seus negócios para fora da cidade e concentram suas riquezas em outros

lugares. Não há um retorno para a região, já que os grandes detentores de capital

local investem em outros centros, com raras exceções.

A região é pobre em empresas de grande porte, seu dinheiro vem mesmo da

pecuária. Porém não é suficiente para o crescimento das cidades de Ladário ou

Corumbá. Aqueles que saem das cidades e voltam anos mais tarde, percebem que

a mesma continua igual, elas ficaram estagnadas. Um dos entrevistados comentou

sobre o próprio povo da cidade estar começando a perceber isso e não apenas

aqueles que vêm de outras regiões:

E o mais interessante que eu vejo, assim, a gente que veio de fora consegue perceber isso, a coisa que me chamou a atenção correlacionada a esse assunto é que pessoas daqui já estão conseguindo perceber isso, outro dia eu conversando eu mostrei. / Aquele prédio abandonado na Rua Frei Mariano na Delamare, me disseram: Não, ali está abandonado. / O motivo real ninguém falava (estrutural que ia cair, sei lá o que era) e tinha até um cinema lá, perguntei se depois ninguém fez mais nada. / Responderam: Ah não, a gente aqui é muito acomodado, sim, parece que criou uma zona de conforto. Teve uma época que construíram aqueles prédios de 15 andares, como aquele que eu já morei, deu uma movimentação, conseguiu e agora não está conseguindo manter aquilo. (2013)

Levantada a questão de observarem alguns privilégios no tratamento

dispensado a eles pelos locais, por serem da Marinha, disseram que isso não

costuma acontecer ou ao menos não percebem assim. O comércio é indiferente a

isso, pois tratam a todos mal, igualmente.

Os entrevistados falaram também da sua visão geral em relação à cidade. Os

pontos positivos sobressaem, mesmo com a maioria não tendo escolhido a cidade

como primeira opção. Observaram que muitas vezes o imaginário por eles

levantado, antes de chegarem para servir no local, era um e que a realidade acabou

por mostrar-se distinta dos relatos.

A maioria, como vimos, ouviu sobre a violência na fronteira, sobre o uso de

drogas nas cidades de Corumbá e Ladário, bem como a respeito da facilidade de

acesso a ela. Ouviu ainda sobre o calor excessivo e os demasiados bichos (insetos).

Porém, ao chegar à cidade, a totalidade deste grupo percebeu que as vantagens se

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sobrepõem às desvantagens e que uma grande parcela daquilo que ouviram falar

era exagero.

A reclamação dos bichos (insetos) e do excessivo calor acabaram por se

confirmar. Com relação ao calor, no entanto, observaram que a própria cidade já é

preparada, com ar condicionado em todos os lugares. O susto geral, maior, foi com

relação aos preços praticados. Todos esperavam economizar um pouco, mas se

depararam com um custo de vida muito alto.

Uma das grandes vantagens apontadas pelos oficiais é que tanto Ladário

quanto Corumbá não têm trânsito, pode-se chegar em casa do trabalho em cinco

minutos. Quando serviram no Rio de Janeiro, destacaram que passavam mais de

quatro horas diárias no trânsito e hoje em dia podem usar esse tempo para fazer

academia ou uma especialização pela internet.

O horário de almoço também era comprometido em cidades maiores,

enquanto para os moradores de Ladário e Corumbá é possível ir para casa comer e

ainda descansar, devido à proximidade com o local de trabalho. A qualidade de vida

nesse sentido é algo que conta muito para quem já conhece outros tipos de rotina.

Um destaque foi dado também à satisfação encontrada no trabalho realizado,

pois devido à sede da Marinha ser menor em Ladário, há mais possibilidade de

crescimento profissional, pela oportunidade de exercer outras funções diferentes

daquelas que estavam habituados e até mesmo fora de sua formação original. Além

disso, os oficiais são mais reconhecidos em seus setores. Se alguém dá uma ideia,

por exemplo, ela é ouvida e implantada, até mesmo se é algo simples e acontece o

reconhecimento profissional. Isso faz com que a gratificação de trabalhar na região

seja grande.

A equipe de oficiais (assim como os praças) recebe uma gratificação de 20%

a mais em seus soldos por servir em região considerada de fronteira, porém, foi dito

que este valor é diluído nos preços elevados praticados nas cidades de Corumbá e

Ladário. A conta de luz é alta, o aluguel também, além dos gastos com a

alimentação.

Ao movimentarem-se para a região, os militares têm seus nomes inscritos em

uma fila de PNR (Próprio Nacional Residencial), ou seja, casas e apartamentos

funcionais, cujos descontos em bilhetes de pagamentos têm valores bem menores

se comparados aos alugueis, considerados por eles extorsivos, praticados em

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ambas as cidades. Ao conseguirem tomar posse de um PNR, o militar consegue,

então, economizar algum dinheiro.

Além disso, para os militares que servem na chamada “área alfa”, existe a

contagem diferenciada no tempo de serviço, possibilitando um ganho na contagem

de tempo para a aposentadoria. Os militares reconhecem estas vantagens:

Eu acho que, assim, a maior vantagem de servir aqui é a questão da proximidade do serviço, do trabalho. Eu, por exemplo, moro em PNR, em cinco minutos a pé eu tô no serviço, no trabalho. Eu, no Rio de Janeiro, não sei como, são duas horas, tem gente que mora muito mais longe. A principal vantagem que eu vejo é essa, que é a tranquilidade e a distância do serviço, é muito rápido, assim posso almoçar em casa e voltar, no Rio de Janeiro fica complicado isso aí. E as outras duas vantagens que eu vejo é o tempo de serviço, eu ganho um terço de tempo de serviço, isso eu acho muito importante, no final da carreira a gente deve sentir uma diferença desse tempo. E os 20%, eles não influenciam tanto porque o aluguel acaba consumindo isso aí, a energia elétrica é muito cara, passagem aérea, viagem pro Rio, pra Campo Grande, mercado... Só que depois existem dois momentos aqui, quando chega e está alugando um lugar e quando entra no PNR, aí muda, eu acho que a pessoa consegue ter uma economia bem melhor, significativa. (2013)

Ao serem questionados sobre as drogas, todos os entrevistados tiveram um

posicionamento bem claro: a maioria já havia visto uso da maconha e demais drogas

no centro da cidade, com venda e uso da droga em bocas de fumo, com droga

trazida da Bolívia mesmo.

Porém, o que foi dito é que na região há a venda e o consumo junto, o

traficante não só vende como em grandes metrópoles, eles também são usuários.

Todos na cidade parecem saber onde estão as bocas de fumo e também, diferente

da cidade do Rio de Janeiro, o usuário não precisa correr perigos para adquirir a

droga, pois a mesma muitas vezes é vendida em casas de família, por senhoras de

idade, cercada de netos, como se tratasse de um comércio qualquer.

Observam que a Policia, ainda que realize seu trabalho, não dispõe de meios

suficientes para impedir a entrada ou a distribuição de drogas para o resto do país,

assim como também faltam recursos para o combate dessa venda ilegal e informal.

Quem deveria fazer o combate é a Polícia Federal, e ela também não tem esses meios pra combater a entrada de drogas, tanto pelas hidrovias quanto pelas rodovias. Então essa atividade cada vez cresce mais, a Polícia Federal faz um esforço enorme com os meios que tem e aprendem muita coisa, imagina se tivessem os meios apropriados. A Polícia local é infinitamente inferior ao número de pessoas querendo fazer o que é errado, então, mesmo que eles quisessem, eles não têm meios pra combater isso e cada vez mais eu percebo atividades ilícitas relacionadas a tráfego de

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drogas. Não só drogas, descaminho, ou seja, contrabando, mas cigarro e produtos que vem da Bolívia que não pagam imposto, que às vezes nem vêm da Bolívia, vêm do Paraguai e passam na Bolívia, vêm da Polônia e de vários lugares, porque sabe que não tem como combater. (2013)

No final da entrevista foi questionado se os mesmos voltariam a servir na

região. Dos cinco entrevistados, quatro deles voltariam a morar em Ladário. O único

que não voltaria, justifica dizendo que gosta de conhecer outros lugares e que, por

isso, preferiria morar em outra região. Um deles completa:

E eu tenho um fator a mais, diferente dos outros entrevistados, é que fiz amizades aqui, eu herdei amizades aqui. Eu percebo que as amizades aqui têm semelhança com Brasília, eu fui criado em Brasília, as pessoas são resistentes a fazer amizades e quando fazem são muito próximas. Então eu tenho certeza que vou sentir muitas falta das amizades aqui e isso vai influir de eu ser voluntario pra eu voltar à cidade. Em termos de infraestrutura não tenho interesse, a cidade não fornece nada a mais do que os grandes centros, mas as amizades e o estilo de vida são atraentes. (2013)

Dessa forma encerrou-se a entrevista com o Grupo Focal 2, com oficiais da

Marinha que residem nas cidades de Ladário e Corumbá, e servem na Base Fluvial

de Ladário.

3.3 Diferenças entre praças e oficiais

Por meio das entrevistas realizadas com os dois grupos focais, foi possível

estabelecer a diferença de visão entre ambos os grupos. Por mais que os

entrevistados trabalhem para o mesmo órgão, há uma distinção entre suas funções

e objetivos.

Os praças, em sua maioria, ainda estão galgando degraus em sua formação

profissional. Muitos tentarão passar no curso para sargento, o qual necessita de

estudo e preparação. Os companheiros que ficaram nos grandes centros urbanos

têm a oportunidade de fazer cursos preparatórios – algo mais difícil de se encontrar

nas cidades de Ladário e Corumbá.

Por outro lado, os oficiais que servem na localidade, já possuem curso

superior completo e desenvolvem sua própria profissão dentro da Marinha,

buscando, entretanto, oportunidades para se aprimorar e, em uma cidade menor,

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isso fica mais fácil, devido ao tempo economizado nos deslocamentos, devido ao

trânsito, praticamente inexistente.

Por contarem com menor aporte de recursos financeiros, quando comparados

ao grupo dos oficiais, sentem mais o fato de estar longe de suas famílias, sendo por

elas amparados ou mesmo, no caso dos arrimos de família, não necessitando de

dispender maiores gastos com uma segunda moradia, além daquelas que deixaram

em suas cidades natais.

Além disso, devido à segregação hierárquica e às condições financeiras,

acabam por frequentar, na maioria das vezes, locais diferentes dos oficiais, que, por

dever de ofício ou em momentos de lazer, muitas vezes acabam por imiscuir-se na

sociedade local, encontrando, em contrapartida, junto a ela, novas amizades, novas

oportunidades de trabalho e troca de conhecimentos, que não são oferecidas ao

grupo de praças. Um dos oficiais fala:

Eu tenho uma opinião formada sobre isso (a forma sobre como os militares, a seu ver, relacionam-se com os locais)... Eu tenho contato (com as pessoas da cidade). Eu, quando cheguei aqui em Corumbá mais Ladário, eu herdei amizades do outros colegas que vieram antes de mim. E as minhas amizades são com pessoas que nasceram aqui em Corumbá ou em cidades próximas, né? E também tenho amizades com o pessoal que veio de fora e vive aqui hoje em dia. E esse pessoal que eu tenho amizade é um pessoal com profissão mais privilegiada: médicos, dentistas, engenheiros. Então são pessoas que são orientadoras na cidade. (2013)

Não por acaso, a visão de ambos os grupos apresentem divergências com

relação à população local. Os praças que participaram deste grupo de trabalho

demonstraram um maior receio com relação ao povo da região. Os mesmos não

criaram vínculos de amizade na cidade e suas falas deixaram transparecer uma

espécie de preconceito com os moradores das cidades de Corumbá e Ladário.

Perguntados, por exemplo, se casariam com pessoas da região, as respostas foram

negativas, pelo desejo de não criar tais vínculos ou se ligarem às mulheres que os

enxerguem como um mero passaporte para saírem da situação a qual se

encontram.

Já os oficiais foram mais positivos neste quesito, todos disseram que não

veriam problemas em casar-se com pessoas da região e demonstraram em suas

falas ter mais apreço pela cidade, apesar do custo alto de vida, distância de um

grande centro urbano e baixa oferta de lazer.

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Observaram, ainda, que parece existir uma falta de vontade política para

estabelecer melhorias, fazendo com que as classes mais abastadas (com as quais

convivem), perpetuem a situação de desigualdade social existente, ao enviar seus

filhos para estudar em cidades maiores e explorando, no regresso, as vantagens

inerentes à falta de competidores locais no quesito mão de obra qualificada.

[...] Quem tem recurso são famílias que já estavam estabelecidas aqui [...]. Aí, depois de um tempo, uma parte desse pessoal que vai pra fora [estudar], volta já formado com uma profissão e devido à região ser carente de profissionais de qualidade, esses profissionais se dão muito bem ganhando muito dinheiro aqui na região. Principalmente aqui, Corumbá e Ladário. Aí, o que acontece com o tempo, é que eles vão ganhando cada vez mais dinheiro e eles passam a investir fora da região. Eu percebo que o comércio e as indústrias locais, elas não crescem, ficam estagnados. O pessoal que investe, investe só o suficiente para se manter e não pensa coisas á frente. Quando alguém da região pensa maior, pensa [em investir] fora daqui. Pensa em Campo Grande ou mesmo Rio de Janeiro, São Paulo, Nordeste. Isso é uma coisa que vai se autoalimentado e a região fica estagnada. O próprio pessoal daqui vai estudar (fora), passa 10, 15 anos, volta e tá a mesma coisa e eu acho que isso é um problema. O que acontece é que o pessoal que fica não tem a ferramenta ou o poder aquisitivo para investir na cidade. Quem poderia investir não investe. (2013)

No entanto, em ambos os grupos, permanece a percepção de que o modo de

vida dos locais seja mais “acomodada”, em que a maioria da população lhes pareça

carecer de objetivos maiores na vida, buscando melhores trabalhos ou um anseio

por uma melhoria educacional ou profissional.

Vale ressaltar que esta visão reflete justamente os valores de aprimoramento

profissional e pessoal difundidos nos meios militares, em que cursos são

necessários para galgar promoções na carreira, além de avaliações que abrangem

conceitos de postura, liderança, cumprimento do dever, entre outros quesitos de

ordem pessoal e moral, regularmente feitas pelos superiores diretos de todos os

militares a respeito dos mesmos. Logo, não é de se espantar que ambos os grupos

tenham uma postura de estranhamento com relação ao modo de viver dos locais,

pois não lhes parece que cultivem tais valores, nem deles sintam falta para continuar

vivendo.

Ambos os grupos também percebem que servir na área de fronteira tem

outras vantagens, além das já mencionadas, tais como a contagem diferenciada

para a aposentadoria, bem como um percentual maior de remuneração em seus

soldos. Talvez essas vantagens venham a explicar o porquê do interesse de alguns

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militares de voltar a servir nessa região, ainda que não desejem residir no local “para

sempre”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A porção territorial discutida neste trabalho foi correspondente à fronteira

Oeste brasileira, que a historiografia brasileira julgava abandonada e distante do

olhar cuidadoso do reino de Portugal, por ocupar uma região de difícil acesso e

repleta de dificuldades a serem transpostas (TAUNAY, 1981).

No entanto, uma leitura mais cuidadosa a respeito deste assunto nos vai

revelar que Portugal empreendeu uma série de medidas no intuito de ampliar e

consolidar a ocupação dessas terras. Fomentou incursões terrestres e fluviais pelo

interior do Brasil e, finalmente, defendendo o território conquistado da cobiça de

invasores estrangeiros.

Num primeiro momento, durante o século XVIII, as denominadas “canoas

artilhadas” auxiliaram a povoação do oeste, a mando da coroa portuguesa, provendo

segurança às embarcações monçoeiras que partiam desde São Paulo, buscando as

minas de Cuiabá.

Tais canoas podem ser, talvez, consideradas os primórdios de uma “Marinha”,

ainda que rudimentar, que buscava cumprir uma importante missão de defesa

territorial, resguardando os lucros portugueses na Colônia, como podemos perceber

no trecho abaixo:

Em 5 de outubro de 1747, D. Luís de Mascarenhas ordenou ao ouvidor de Cuiabá que organizasse uma flotilha permanente de seis canoões armados em guerra para servirem de escolta as monções que transportavam os quintos reais. (MOURA, 1986)

Em seguida, no raiar do século XIX, por meio da fundação do Arsenal de

Marinha de Cuiabá, como parte das instruções régias para a segurança da colônia,

resguardando áreas críticas dos rios, em especial o rio Guaporé, considerado

estratégico por permitir o acesso às minas de ouro de Cuiabá.

Finalmente, durante a Guerra do Paraguai, em que a Marinha contribuiu para

a vitória dos aliados, culminando com a abertura dos rios brasileiros à navegação

estrangeira, fato intimamente relacionado ao rápido progresso que experimentou a

cidade de Corumbá, na fronteira com a Bolívia e o Paraguai.

O espaço temporal deste trabalho abrangeu desde os primórdios do Tratado

de Tordesilhas, passando pela pouco conhecida Flotilha de Canoas Artilhadas, cujas

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técnicas de construção e táticas de guerra a Marinha brasileira deve aos indígenas

da região. Em seguida, pelo ano de 1825, quando o Império do Brasil adotou a

política de construção naval na província e substituiu as canoas ameríndias pelas

barcas de caverna, encerrando com a criação de um Arsenal de Marinha em

Ladário, quase meio século depois.

Para a confecção e a manutenção das barcas, a princípio foi criado o Arsenal

de Marinha de Mato Grosso. Tal organização militar funcionou, inicialmente, no porto

de Cuiabá (1825); posteriormente, foi transferido para a cidade de Ladário (1873),

juntamente com a Escola de Imperiais Marinheiros. As barcas canhoneiras e as

oficinas, juntas, eram denominadas “Trem Naval de Mato Grosso” (MELLO, 2009).

O motivo da transferência deveu-se às inúmeras dificuldades encontradas em

Cuiabá: falta de pessoal especializado, carências de recursos financeiros e materiais

de toda ordem, escassez de madeira para as construções navais – agravadas pela

grande enchente do rio Cuiabá no ano de 1865, a qual acabou por destruir o frágil

Arsenal. A facilidade com que o Arsenal foi tomado pelos inimigos durante a Guerra

da Tríplice Aliança fez com que as autoridades locais considerassem a sua

transferência para um local mais estratégico (MELLO, 2009).

Com o fim da guerra, que garantiu a vitória dos aliados, já tendo bem

delimitadas as fronteiras a Oeste do Brasil, foi possível a internacionalização das

águas do rio Paraguai, atraindo para o porto de Corumbá a prosperidade econômica.

Fator este que contribuiu para a eleição da localidade para receber a transferência

do antigo Arsenal do Mato Grosso (MELLO, 2009).

Longe de ter sido uma unanimidade, após diversas disputas políticas,

finalmente a freguesia de Ladário foi eleita como o melhor local para a construção do

novo arsenal, tendo sua pedra fundamental cimentada no ano de 1873 (MELLO,

2009).

Com esse feito, a Marinha consolidou a sua presença na fronteira Oeste e

inseriu-se na história da cidade de Ladário, a qual experimentou um surto

populacional com a chegada dos trabalhadores do Arsenal.

Mais de um século passado desde a chegada dos primeiros marinheiros à

cidade de Ladário, percebe-se que a instituição transcendeu sua missão de defesa

fronteiriça e exerceu nos primórdios um papel civilizatório, por meio da rígida

educação dada aos órfãos e desvalidos na Escola de Aprendizes de Marinheiros.

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Além disso, promoveu o aumento da renda per capita com a oferta de

empregos para as obras de construção do arsenal e suas posteriores

transformações, até chegar ao conjunto de organizações militares, hoje denominado

de Complexo do Comando do Sexto Distrito Naval.

A presença da Marinha do Brasil na região cumpre, na parte que lhe cabe, as

diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (2008), ao tomar parte no trinômio

monitoramento/controle, mobilidade e presença, proposto pelo Ministério da Defesa

para as Forças Armadas, conforme a Estratégia Nacional de Defesa, de 2008:

A Marinha adensará sua presença nas vias navegáveis das duas grandes bacias fluviais, a do Amazonas e a do Paraguai-Paraná, empregando tanto navios-patrulha como navios-transporte, ambos guarnecidos por helicópteros, adaptados ao regime das águas. (BRASIL, 2008)

Muito diferente da Instituição, que busca mediante o treinamento contínuo o

preparo dos combatentes e dos meios operativos para o desempenho de suas

funções, os militares que vêm servir nesta região aqui chegam, na grande maioria

das vezes, despreparados para enfrentar a realidade local.

Grande parte destes militares é oriunda do Rio de Janeiro, onde a Marinha

tem a sua sede, ou pertencem a outros centros urbanos. Quase nenhum deles vem

servir de forma voluntária. Mesmo aqueles que se declaram voluntários não tiveram

a localidade como sua primeira opção, exceção feita a quem tem familiares na

cidade de Ladário ou de Corumbá, o que é raro.

Tal fato se dá pelo imaginário coletivo, formado mediante informações

passadas “boca a boca” entre os militares da Marinha que já serviram na localidade

para aqueles que pretendem vir para cá.

Dentro deste imaginário povoam imagens de “baratas gigantescas e

voadoras”, “aranhas imensas”, “cidade perdida no meio do nada”, condições

climáticas adversas tais como calor insuportável o ano inteiro, exceto pela única e

gélida semana de inverno.

Muitas dessas expectativas acabam por não se confirmar, no entanto, outras

dificuldades se apresentam, como por exemplo, o alto custo de vida para quem mora

de aluguel, da energia elétrica e também dos alimentos. A falta da variedade de

produtos a que estavam habituados. A falta de concorrência entre algumas

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modalidades de comércio na cidade, fazendo com que o atendimento ao cliente seja

precário.

Também a distância dos grandes centros urbanos, que dificulta o acesso ao

lazer, pois a cidade não dispõe de cinemas ou teatros. A opção de restaurantes

também é limitada. Um único voo diário liga o aeroporto de Corumbá à cidade de

Campo Grande, de onde partem voos diários para outras localidades. A passagem

do trecho Corumbá – Campo Grande é cara, inviabilizando deslocamentos

constantes e visitas aos parentes deixados em outras cidades, exceto no período

das férias do militar.

Além disso, talvez devido à própria formação do militar, que valoriza o

crescimento profissional por meio da busca de aprimoramento constante nos cursos

de carreira, crie uma situação de estranhamento quanto o modo de vida local, que

lhes parece mais “acomodado” e sem objetivos definidos.

Esta avaliação do outro com base em sua própria cultura, gera afastamento e

sentido de não pertencimento à localidade por parte de alguns militares, cujo círculo

de amizades acaba por se restringir aos próprios colegas de trabalho.

Outros, por ocuparem uma posição mais privilegiada na escala hierárquica,

acabam por frequentar locais e conviver com a ”elite” da sociedade local, que é

formada por profissionais liberais, políticos e comerciantes, alguns de alto poder

aquisitivo, com quem acabam por formar laços de amizade e afetividade.

Mas não são apenas dificuldades os relatos dos militares. A qualidade de vida

em uma cidade interiorana continua a valer a pena para criar os filhos pequenos. A

presença de um campus de Universidade Federal oportuniza aos militares

interessados incrementar sua formação acadêmica, pois o ingresso é menos

concorrido. A ausência de trânsito diminui o tempo do deslocamento entre o trabalho

e a residência do militar, fazendo com que o mesmo tenha mais tempo para conviver

com os filhos e o conjugue, estreitando laços familiares.

Além disso, pelo simples fato de servir na localidade, os militares fazem jus a

um aumento percentual nos soldos, além de contar um tempo diferenciado para a

aposentadoria. Não por acaso, a esmagadora maioria dos militares não se

incomodaria em voltar a servir na região, apesar de todas as dificuldades relatadas.

Espero que todos os aspectos aqui relatados abram novos leques de

discussões a respeito da presença da Marinha brasileira na região Oeste do Brasil,

suas contribuições para esta zona de fronteira com a Bolívia, uma vez que a grande

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dificuldade deste trabalho foi justamente encontrar fontes bibliográficas que

tratassem do assunto.

Sugiro que os acadêmicos do curso de mestrado em Estudos Fronteiriços,

principalmente aqueles oriundos das áreas de formação de História e Geografia,

busquem uma aproximação com a Marinha do Brasil, no intuito de contribuir ainda

mais com a inserção da mesma nos meios acadêmicos, buscando novos pontos de

vista na construção desta história.

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