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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS EDSON PEREIRA DE SOUZA TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS CORUMBÁ/MS 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL

MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

EDSON PEREIRA DE SOUZA

TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS

ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS

CORUMBÁ/MS

2012

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EDSON PEREIRA DE SOUZA

TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS

ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para obtenção do título de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio Ricardo Oliveira Martins.

CORUMBÁ/MS

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

Souza, Edson Pereira de.

Territorialidades e conflitos entre o Distrito de Taunay e Aldeias

Indígenas Circunvizinhas: Fronteiras Etnoculturais / Edson Pereira

de Souza; orientador: Sérgio Ricardo Oliveira Martins –

Corumbá/MS, 2012, 90 p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul, Campus do Pantanal, Programa de Pós-graduação

Strictu Senso em Estudos Fronteiriços.

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Este documento corresponde à versão final da dissertação de mestrado intitulada

TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS

INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS, à Banca

Examinadora do Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso

do Sul, Campus do Pantanal, tendo sido APROVADO. em 28/09/2012.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Sérgio Ricardo Oliveira Martins

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

___________________________________________

Membro externo ao Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços

Prof.ª Dr.ª Icléia Albuquerque de Vargas

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

___________________________________________

Membro

Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

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A Srª Maria Aparecida de Souza (in

memorian), minha mãe, que não mediu esforços em me apoiar e educar. Aos queridos vizinhos, o casal Sr. Alfredo Fraulob e Maria Mardine Fraulob pelos ensinamentos, diálogos, 'puxões de orelha' e apoio e incentivo incondicional. A Srtª Ariane Nantes Braz, pessoa a quem tenho imenso e intenso apreço, por ser a inspiração da minha busca incessante pela qualificação educacional.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, externo meus agradecimentos a Deus por ter me concedido vida, e

em seguida, a oportunidade de aprender e me qualificar, para em seguida tentar contribuir

com a sociedade, principalmente os povos indígenas.

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços, Campus do Pantanal da

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - PPGEF/CPAN/UFMS, por ter acreditado no

meu projeto e me aceitado neste programa.

Neste terceiro momento, ao meu amigo e orientador Prof. Dr. Sérgio Ricardo

Oliveira Martins, por me EDUCAR cientificamente, com sugestões, duras, chamadas de

atenção, correções, sugestões, discussões técnicas, esclarecimentos, apoios, articulações, idas

a campo nas aldeias do Distrito de Taunay, tudo isso, em prol do meu crescimento científico;

obrigado pelo crédito depositado.

À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul - PROPP/UFMS, especialmente em duas situações: a primeira na concessão da

”bolsa REUNI de mestrado”, e a segunda, durante entraves que enfrentei no transcorrer da

pesquisa, em decorrência de tramitações no Comitê de Ética e Pesquisa - CEP, juntamente

com o CONEP, por se tratar de pesquisa em terras indígenas, e no momento de descrédito,

tive o apoio salutar e magnífico do Chefe da Coordenadoria de Pós-Graduação da UFMS,

Prof.ª Dr.ª Maria Rita Marques.

Acrescento também o imenso apoio dado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI,

através do seu Coordenador Regional, o Sr. Edson Fagundes, bem como o servidor desta casa,

o antropólogo, Sr. Alexandre Silva Rampazzo. Externam-se agradecimentos a Fundação

Nacional de Saúde - FUNASA, especialmente ao departamento de mapeamento, por conceder

dados atualizados inerentes ao contingente populacional da referida área de pesquisa.

À Escola Evangélica Lourenço Buckman - EELB, localizada no Distrito de Taunay,

especialmente nas pessoas de Srª Delair de Oliveira Wargas (Diretora), e também Indíria

Carvalho de Oliveira (coordenadora), estendendo-se também os agradecimentos aos demais

professores, secretariado e alunos, pelo imenso apoio no desenvolver desta pesquisa; bem

como pela aceitação imediata deste pós-graduando ao corpo docente da escola.

De maneira enfática, agradeço a oportunidade de contato, troca de ideias e

informações, a todos os colegas de mestrado, da turma de 2010. Desejando assim, sucesso nos

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resultados das pesquisas dos colegas, e que os mesmos não parem, e deem continuidade nesse

crescimento intelectual, e deem um retorno à sociedade.

À minha família, iniciando-se pela minha mãe Sr.ª Maria Aparecida de Souza (in

memorian), que pôde ver o meu ingresso a este programa, mas por percalços da vida, não

poderá ver o seu final; externa-se também ao meu irmão Alexsandro Pereira Gomes pelo

apoio e pelas ”correrias”, idas e buscas na rodoviária e pontos estratégicos de minha ida ao

Distrito de Taunay e Corumbá, como também de chegada à Campo Grande.

À minha amiga Senhora Queli Waldow Gonçalves, pelo imenso apoio, correção

gramatical, na construção de artigos e textos, bem como pelas críticas construtivas e apoio nos

meus momentos de desabafo.

Ao amigo David Rees Dias, pela ajuda e apoio quanto à forma motivacional, para

que eu nunca desistisse, e pudesse ser alguém, por meio de objetivos a serem traçados, assim

como nos ensinamentos de caráter e objetividade profissional e relacional.

Faz-se imprescindível mencionar as seguintes pessoas que de forma direta e/ou

indireta propiciaram apoio e ensinamentos, quais sejam: Prof.ª NOSIMAR Ferreira dos

Santos Rosa; Perito ALBERTONI Martins da Silva Junior; Bibliotecária TÂNIA Regina de

Brito; Procurador do Trabalho CÍCERO Rufino Pereira; Oficial de Justiça LAURA Regina

Echeverria da Silva; Prof. ODAILSON Figueiredo; Prof.ª MARCILENE Ramos; Prof.

ANTONIO Firmino de Oliveira Neto; Prof.ª ICLÉIA Albuquerque de Vargas; Prof.ª ANA

Paula Correia de Araujo; Técnico Administrativo JOÃO Batista; Prof. MILTON Augusto

Pasquotto Mariani; Turismóloga LÍGIA Magalhães Braga; Prof.ª ROSANGELA Vargas; PRF

VALTER Lopes Rodrigues; Administrador NATANAEL Junior Cardoso de Miranda; Prof.ª

LUCIANI Coelho Guindo; Pastor MARCOS Batista Ferreira; Capelão EDILSON dos Reis.

Diante do exposto, PEÇO DESCULPAS se porventura esqueci de mencionar alguém

que, de maneira direta e/ou indireta, contribuiu para que eu pudesse chegar até o ponto

conclusivo desta pesquisa.

Por fim, prezados e eternos COLEGAS e AMIGOS, quero lhes agradecer os

momentos de grande valia, que nos piores momentos e/ou de entraves vocês me estenderam a

mão, me orientaram, me ensinaram que na vida há sempre um melhor caminho a seguir, que a

melhor vitória de um ser humano é extrair a felicidade com pequenos e talvez desconhecidos

gestos.

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O poder está dentro da comunidade e ela o

exercita controlando o resultado social dos

seus atos (KEPPI, J., 2001).

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RESUMO

Quando os portugueses e espanhóis chegaram aqui (no Brasil) a terra já estava ocupada pelas populações indígenas. Com isso, o Estado de Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, ficando atrás apenas do Amazonas. Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de forma mais explícita, por meio do contato entre indígenas e não indígenas (purútuye). Nessa relação étnica de contato, é que, objetivou-se compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas. Para tanto, definiu-se procedimentos técnico-metodológicos para se trabalhar com pesquisa em terras indígenas, quais sejam: fez-se a delimitação, a qual abrange a área do Distrito de Taunay e as aldeias indígenas circunvizinhas, em seguida, partiu-se para a revisão teórica sobre alguns elementos: cultura, comunidade, território, territorialidade, conflitos, fronteira e etnicidade, em sequência, um trabalho de escritório para orientar (e complementar) o trabalho de campo. Posteriormente, aplicou-se a técnica de observação, em conjunto do orientador, sendo indispensável ao melhor proveito possível do trabalho de campo. Utilizaram-se recursos como: caderneta de campo e da máquina fotográfica enquanto instrumento de registro. Depois, elaborou-se um planejamento do trabalho de campo, que consistiu da observação sistemática da realidade com registros diretos em caderneta de campo, pesquisa documental, produção de imagens fotográficas digitais e coleta de depoimentos por meio de relatos orais e entrevistas. Após esta sistemática metodologia aplicada, a fim de equacionar o objetivo estabelecido, percebeu-se que as relações étnicas entre indígenas e não indígenas podem ser denominadas de fronteiras etnoculturais, não somente pelo quesito geográfico, mas também pelas relações de contato e inter-relações existentes. Palavras-chave: Territorialidades, Populações Indígenas, Fronteira Etnocultural.

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ABSTRACT When Portuguese and Spanish arrived here (in Brazil) the land was already occupied by indigenous peoples. Therefore, the Brazilian state of Mato Grosso do Sul has the second biggest indigenous people of the country, the first is the state of Amazonas. Terena, which has a large population and maintains intense contact with other people in region, are the indigenous people whose presence in Mato Grosso do Sul is more visible by contact between indigenous and non indigenous (purútuye). In this ethnic relation, this research aimed to understand the dynamics of conflict and territorialities that characterize the ethno-cultural frontier in District of Taunay and indigenous villages surrounding. Technical and methodological procedures were needed to research in abovementioned indigenous lands: a) it was demarcated the geographic area of research, which covers the District of Taunay and indigenous villages surrounding; b) a bibliographic review was done about following elements: culture, community, territory, territoriality, conflicts, frontier and ethnicity; c) the office work was done to guide (and complement) the field work. Subsequently, it’s applied the observation technique in field work, where the accompaniment of the advisor was very important to make better use of data collection. In field work, the field notebook was used to record details and a photographic camera to capture images. The field work was conducted and a systematic observation was done. Documentary research, production of digital photography and collecting of oral narratives have been made at field work too. The field surveys were performed in order to reach the objectives of this research. The results has shown that the ethnic relations between indigenous and non indigenous may be called ethno-cultural frontier, not only by its geographic characteristics but also by the inter-relationships. Keywords: Territorialities, Indigenous peoples, Ethno-cultural frontier.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Representação da localização do Distrito de Taunay................................................46

Figura 2: Placa indicativa de entrada ao Distrito de Taunay e Aldeias. ...................................48

Figura 3: Placa que delimita a entrada nas Terras Indígenas. ..................................................48

Figura 4: Associação de Moradores do Distrito de Taunay. ....................................................49

Figura 5: Posto dos correios no Distrito de Taunay. ................................................................49

Figura 6: Escola Evangélica Lourenço Buckman (Indígena) no Distrito de Taunay. ..............51

Figura 7: Escola General Rondon (Indígena) na Aldeia Bananal. ...........................................51

Figura 8: Escola Indígena, de 1° e 2° Grau, na Aldeia Bananal...............................................52

Figura 9: Igreja na Terra Indígena da Aldeia Lagoinha. ..........................................................52

Figura 10: Indígenas e não-indígenas preparadas para a dança Terena – putu-putu. ...............53

Figura 11: Apresentação cultural de indígenas Xavantes do Norte de Mato Grosso. ..............53

Figura 12: Apresentação cultural de crianças indígenas e não-indígenas. ...............................53

Figura 13: Professor de História, não indígena com seu aluno, indígena, Xavante. ................53

Figura 14: Pesquisador aplicando temática transversal aos indígenas. ....................................54

Figura 15: Capacitação pedagógica entre professores indígenas e não-indígenas. ..................54

Gráfico 1: Mostra a distribuição por faixa etária dos entrevistados. ........................................66

Gráfico 2: Informa a distribuição pelo gênero dos entrevistados. ............................................66

Gráfico 3: Apresenta a maneira como os entrevistados se identificaram.................................67

Gráfico 4: Distingue a localização de residência dos entrevistados. ........................................67

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Caracterização Demográfica, Étnico-Cultural dos Povos Indígenas do DSEI-MS..46

Tabela 2: Correlação dos atores sociais com o objeto..............................................................47

Tabela 3: Caracterização demográfica pelo número de residências dos Povos Indígenas que

circundam o Distrito de Taunay, município de Aquidauana-MS.............................................65

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13

1 O CONCEITO DE FRONTEIRA ETNOCULTURAL...................................................19

1.1 Etnicidade e Fronteira .....................................................................................................20

1.2 Território e Territorialidade, como elementos do conceito de fronteira Etnocultural

............................................................................................................................................34

2 A FRONTEIRA ETNOCULTURAL NO DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS

CIRCUNVIZINHAS ..............................................................................................................43

2.1 Processo Histórico e Caracterização do Distrito de Taunay e das Aldeias

Circunvizinhas ..................................................................................................................44

2.2 Caracterização dos Atores, dos Locais de Interação e da Natureza da Pesquisa.......47

2.3 Caracterização da Fronteira Etnocultural do Distrito de Taunay e das Aldeias

Circunvizinhas ..................................................................................................................55

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................78

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................81

APÊNDICE A .........................................................................................................................85

APÊNDICE B..........................................................................................................................87

APÊNDICE C .........................................................................................................................88

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INTRODUÇÃO

No Brasil, presenciam-se até os dias atuais, principalmente, nos veículos de

comunicação, as relações estabelecidas/existentes entre indígenas e não indígenas,

desdobrando-se em relações harmônicas e desarmônicas. Isto não é diferente em Mato Grosso

do Sul, que possui a segunda maior população indígena do país. Sendo assim, especificam-se

estas relações étnicas na área de estudo que foi o Distrito de Taunay e as Aldeias

Circunvizinhas.

Com isso, a presente pesquisa, primeiramente, pretende verificar a necessidade de

compreender os conflitos etnoculturais no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas do

município de Aquidauana. Tal compreensão se faz necessária ao equacionamento dos

problemas ali encontrados. Pouco se sabe sobre a natureza e os motivos que desencadeiam os

conflitos em Taunay, tampouco sobre as relações de interdependência que afetam e redefinem

a fronteira etnocultural. Tal conceito, em proposta de construção, refere-se à complexidade

das relações socioculturais em territórios questionados e mesmo indefinidos.

Geograficamente, a fronteira etnocultural emerge nos contatos, nas relações e

embates entre grupos culturalmente distintos, transcendendo os limites territoriais das reservas

indígenas ali demarcadas. Imersa nesta realidade, esta proposta de investigação se objetiva em

estudar como a fronteira etnocultural se expressa nas relações e territorialidades

socioespaciais, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas.

No entanto, sabe-se que a problemática indígena é expressiva em Mato Grosso do

Sul, desdobrando-se em pesquisas de outras áreas de conhecimento. Exemplificam-se

algumas das problemáticas recentes com os povos indígenas de Mato Grosso do Sul no ano de

2011, que fora o ateamento de fogo, por meio do 'coquetel molotov1' a um ônibus, no para-

brisa dianteiro, do lado direito do motorista, da frota do Transporte Escolar de Miranda, que

fazia o trajeto entre a área urbana e a Aldeia Cachoeirinha.

O atentado aconteceu na primeira entrada que leva à Aldeia Babaçu (que faz parte do

complexo Cachoeirinha). Com o impacto, o para-brisa quebrou e a gasolina se espalhou pela

1 Trata-se de uma bomba incendiária de fabricação caseira: uma garrafa cheia de combustível com um pavio no gargalo. Esse tipo de arma existe desde que se descobriram os poderes inflamáveis da gasolina, mas o nome surgiu na Segunda Guerra Mundial. Os guerrilheiros soviéticos utilizavam armas domésticas como essa para atacar o exército alemão e resolveram prestar uma homenagem ao chanceler (ministro das Relações Exteriores) e então presidente do Conselho de Ministros da antiga União Soviética: Vyacheslav Mikhailovich Molotov (1890-1986). O próprio chanceler chegou, inclusive, a encomendar uma grande quantidade de garrafas para atacar os invasores. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-funciona-e-onde-surgiu-o-coquetelmolotov>, acesso em 18 de maio de 2012).

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parte dianteira do ônibus. Ao mesmo tempo, diversas pedras foram atiradas nas janelas do

lado direito, quebrando diversos vidros, inclusive os da porta2. Diante desse fato lamentável,

diversos indígenas ficaram feridos, alguns de forma mais grave, e foram transportados a 220

km, no caso, transferidos para a Santa Casa de Campo Grande-MS.

Ainda segundo o Jornal Gazeta do Pantanal (2011), o ataque teria sido feito por

pessoas a mando de fazendeiros – que disputam terras com os índios, pois, no mês de março

de 2011, os Terena ocuparam duas fazendas no município de Miranda-MS, uma delas

denominada fazenda Petrópolis, do ex-governador de Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian,

tendo a Justiça, no entanto, ordenado a retirada dos indígenas da referida área.

Outra evidência desta problemática indígena são os dados apontados pelo CIMI -

Conselho Indigenista Missionário de 2011 - que mostra Mato Grosso do Sul como o estado

brasileiro com mais registros de casos de violência contra os povos indígenas, concentrando

um percentual de 57% de todos os assassinatos de índios no país. O CIMI (2011) apresenta

que no ano de 2010 foram registrados 60 assassinatos de índios em todo o Brasil. Desse total,

34 deles aconteceram no Mato Grosso do Sul, sendo 29 mortos da etnia Guarani-Kaiowá, 01

da etnia Guarani Nhandeva, 01 Terena, 01 Ofaye-Xavante e 02 Kadiweu.

De acordo com informações apresentadas pelo CIMI (2011), acrescenta-se que mais

de 50 mil índios do Mato Grosso do Sul estão confinados em pequenas reservas, insuficientes

para o contingente populacional atual, principalmente os da etnia Guarani-Kaiowá que são

obrigados a viver em pequenos espaços de terra.

Nos últimos anos, esse confinamento está crescendo por causa da expansão das

plantações de soja e cana, acirrando o conflito por terras. As manifestações por demarcações

de novas áreas estariam sendo reprimidas com violência. O maior número de assassinatos no

estado aconteceu em cidades como Dourados, Amambaí e Caarapó, cidades onde estão

concentradas as maiores aldeias indígenas da etnia Guarani-Kaiowá (CIMI, 2011).

O conflito com fazendeiros, principalmente os mono-agroindustriais, tem gerado um

confronto ofensivo e violento contra os índios, não sendo reprimido pelo poder público.

Sendo assim, a pressão dos povos não-indígenas pela não regularização destas terras, nesse

processo demarcatório, inviabiliza assim a efetividade do cumprimento das legislações para

com os povos indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul.

O relatório do CIMI (2011) aponta ainda, que além da falta de emprego para as

populações indígenas no Mato Grosso do Sul, agravada pela mecanização das lavouras de

2 Fonte: Informação extraída do Jornal Gazeta do Pantanal, de 6 de junho de 2011.

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soja e cana, há problemas em relação ao atendimento à Saúde, Educação e Assistência Social.

No relatório, constata-se que os índios de Mato Grosso do Sul enfrentam situações como:

pobreza, fome e falta de perspectiva. Uma das consequências é o alcoolismo e o alto número

de suicídios, além da violência generalizada.

Diante do exposto, os povos indígenas de Mato Grosso do Sul, presentes no III

Congresso da CPT, realizado em Montes Claros (MG), em maio de 2011, produziram uma

carta que diz:

A realidade das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul é das mais cruéis e violentas de nosso país, e merece a mais forte repulsa. Foram espoliadas de suas terras e hoje vivem espremidas em minúsculas aldeias que não lhes possibilita as mais elementares condições de sobrevivência, quando não são empurradas para acampamentos às beiras das estradas, sempre perto de uma terra tradicional, sujeitas às intempéries, à fome, à sede… Um povo autossuficiente, de uma riqueza cultural ímpar, é tratado como marginal, como escória da sociedade, mal visto pelo conjunto da sociedade sul-mato-grossense. Uma realidade que clama aos céus.

Segundo CIMI (2012), precisamente no dia 18 de agosto de 2012, fazendeiros

anunciaram “guerra” contra indígenas que têm direito à posse de terras no extremo sul do

Estado. Em virtude disso, destaca-se que os povos indígenas anunciaram novas ocupações e

lutaram com mulheres e crianças sem armas, já os fazendeiros com os recursos disponíveis.

Ambos culparam o Governo pelo conflito que existiu.

Por estes e outros motivos, além da significativa população indígena presente em

MS, a importância do presente tema está relacionado, sobretudo, com a situação

historicamente conflitante que tem sido a demarcação das terras indígenas. Na base dos

conflitos está a ocupação e uso pelos povos não indígenas de “terras tradicionais” indígenas, e

a tentativa destes (indígenas) de recuperá-las.

Informa-se outro ponto muito importante que desencadeou esta pesquisa: o fato de

ter sido convidado, por um indígena, nos corredores da UFMS, Campus de Aquidauana, no

final de 2007, para ministrar aulas de Geografia, numa escola indígena. Diante do convite

feito, no início de 2008, fui à Escola, denominada ”Escola Evangélica Lourenço Buckman”

(EELB), sito à Rua Americana s/n, no Distrito de Taunay/Aquidauana – MS, tendo como

Diretora a Senhora Delair de Oliveira Wargas (Índia Terena). Cheguei à EELB e observei

uma realidade, uma relação temporal, (por exemplo: a dinâmica das atividades

desempenhadas, serem num ritmo menos intenso que na cidade), totalmente contrária ao meu

cotidiano citadino.

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Na EELB, a diretora relatou o processo histórico de surgimento da escola, conotando

que as atividades educacionais remontam cinco décadas, nascendo do desejo de dois

moradores (indígenas da etnia Terena) deste Distrito de Taunay, que almejavam implantar

uma escola evangélica nesta localidade para atender as crianças desde o 1º ao 4º ano primário.

Resumidamente, ela contou que, em 1979, foi a única Escola da região a atender

plenamente o 1º Grau (1ª a 8ª Séries) e oferecendo ainda uma classe de alfabetização com

”ensino transcultural” (bilíngue), para melhor adaptação das crianças Terenas oriundas das

aldeias desta região, utilizando método próprio de alfabetização.

Acrescenta-se que, em 1998, implantaram gradativamente o funcionamento do

Ensino Médio (Lei nº 7044/82), pois “entendiam que é preciso avançar para fornecer, aos

nossos alunos, condições de prosseguirem na senda do conhecimento e tenham mais chances

de lutar por uma melhor qualidade de vida” (palavras da Diretora da EELB).

Por isso, ao vivenciar aquele mundo e realidade de relações interculturais, chamou-

me a atenção, para que de forma científica, pudesse tentar entender, e/ou identificar elementos

que ora caracterizam a união nas relações, bem como, evidenciar situações advindas de

conflitos decorrentes do processo histórico, a fim de atender o objetivo desta pesquisa que foi

de, especificamente estudar como a fronteira etnocultural se expressa nas relações e

territorialidades socioespaciais, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas. Com isso, no

decorrer do texto, tentar-se-á responder ao seguinte questionamento direcionador: "Como ou

quais elementos substanciam o conceito de fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e nas

Aldeias Circunvizinhas?"

É nesse viés que essa pesquisa encontra-se enquadrada na área de concentração

“Estudos Fronteiriços”, inserido na linha de pesquisa: Desenvolvimento, Ordenamento

Territorial e Meio Ambiente, em que aborda o processo de ordenamento territorial na

promoção do desenvolvimento de área fronteiriça, e assim, analisando os arranjos territoriais

como expressões dos processos de organização do espaço rural produzidos no território.

Considerando o prisma de abordagem deste problema de investigação, esta pesquisa

é tratada de maneira qualitativa, haja vista a percepção de premissas quanto à relação

dinâmica entre a realidade e o sujeito, ou seja, uma indissociabilidade entre a forma de vida

objetiva e a subjetividade dos atores sociais, que às vezes, não se traduz numericamente.

No transcorrer da pesquisa, e conforme os procedimentos metodológicos

(apresentados a seguir), não foram necessários o uso de métodos e técnicas de cunho

estatístico. Acrescenta-se que o Distrito de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas foram fontes

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diretas para a coleta de dados (principalmente, os relatos orais), e este pesquisador, também

foi instrumento para esta pesquisa, por ter sido professor numa escola indígena e vivenciar,

através de um olhar externo, as dinâmicas ali existentes. Porém, até o presente, tudo está em

conformidade com as exigências do CEP/UFMS e FUNAI, e ainda no aguardo do parecer

final da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP (de Brasília), após em maio de

2012, ter atendido todos os condicionantes exigidos.

Diante do exposto, na tentativa de melhor esclarecer o objetivo desta pesquisa,

pensou-se e pesquisou-se sobre procedimentos técnico-metodológicos para se trabalhar em

terras indígenas, as quais se descrevem: primeiramente, fez-se a delimitação da pesquisa à

área do Distrito de Taunay e às aldeias indígenas circunvizinhas; posteriormente, partiu-se

para a pesquisa e revisão bibliográfica sobre as seguintes categorias: cultura, comunidade,

território, territorialidade, conflitos, fronteira e etnicidade, em seguida, um trabalho de

laboratório para orientar (e complementar) o trabalho de campo.

Em seguida, fez-se treinamento para a técnica de observação, acompanhado pelo

orientador, sendo indispensável ao melhor proveito possível do trabalho de campo. Teve-se

como instrumentos de registro o uso da caderneta de campo e da máquina fotográfica. Depois,

elaborou-se um planejamento do trabalho de campo, que consistiu da observação sistemática

da realidade com registros diretos em caderneta de campo; pesquisa documental e produção

de imagens fotográficas digitais. Foram dois os seguimentos de coleta de dados: a) Coleta de

dados secundários e b) Coleta de relatos orais.

Ressalta-se que por essa pesquisa ser desenvolvida em terras indígenas, garantiu-se a

confidencialidade na identificação dos sujeitos da pesquisa, sendo eles representantes

legalmente instituídos ou indicados das seguintes instituições: Associação de Moradores

Indígenas, Associação de Moradores Não Indígenas, escolas indígenas, escolas não-indígenas,

igrejas, estabelecimentos comerciais e as lideranças indígenas (apêndice B).

E também, quanto ao critério de inclusão e exclusão de sujeito de pesquisa, pois a

opção por sujeitos com representatividade institucional é a mais adequada aos propósitos da

pesquisa, ao tratar de conflitos territoriais e etnoculturais. Neste sentido, foi fundamental

recorrer a visões mais abrangentes e representativas, a fim de obter relatos com maior grau de

impessoalidade.

Sendo assim, o objetivo principal e toda a estruturação teórico-metodológica

apresentada foram a fim de elucidar e evidenciar o porquê dos resultados, considerações finais

e/ou proposituras feitas; tudo na tentativa de esclarecer a problematização inicial da pesquisa.

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Por se tratar de pesquisa em áreas indígenas, fez-se necessário que o pesquisador se

submetesse a exigências importantes, das quais, informa-se que: a) submissão do projeto ao

CEP/MS; b) submissão do projeto à FUNAI (de Campo Grande-MS, e também de Brasília);

c) tomar vacinas, como requisito obrigatório da FUNAI, para adentrar às ‘terras indígenas’; d)

submissão do projeto ao CONEP, via CEP/UFMS (onde, após ter atendido todos os

condicionantes no mês de maio de 2012, aguarda-se parecer final).

Com isso, espera-se contribuir para uma compreensão das relações e dinâmicas

socioespaciais entre indígenas e não-indígenas, propiciando subsídios relevantes à gestão dos

conflitos etnoculturais na área. Pretende-se, ainda, que esta pesquisa seja ponto de partida

para outros trabalhos sobre a realidade socioespacial e etnocultural do Distrito de Taunay e

das Aldeias Circunvizinhas.

Assim, este trabalho segue estruturado em três partes. Na primeira, encontra-se a

fundamentação teórica, na tentativa de se fazer uma abordagem sobre o conceito de “Fronteira

Etnocultural”, a partir de alguns elementos, tais como: i) etnicidade e fronteira; ii) território e

territorialidade, a serem identificados na área de estudo. Já na segunda parte, apresentar-se-á a

aplicabilidade dos materiais e métodos utilizados na área de estudo, ou seja, a caracterização

dos atores, nos seus locais de interação e da natureza desta pesquisa, a fim de, através das

premissas socioespaciais identificadas, subsidiar o conceito de fronteira etnocultural, com a

narrativa da experiência empírica realizada.

Por último, na terceira parte, a consolidação dos fatos identificados. Na parte das

considerações finais, além do embasamento encontrado a fim de fundamentar e fortalecer esta

fronteira etnocultural, ser aporte teórico-científico à comunidade pesquisada e suas esferas

governamentais, conforme compromisso firmado (como exemplo: a FUNAI, que solicitou

uma cópia da dissertação após finalizada).

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1 O CONCEITO DE FRONTEIRA ETNOCULTURAL

O Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços (PPGEF), no Câmpus do

Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, constituiu-se como um local

estratégico e privilegiado de intercâmbio entre pesquisadores e alunos que estejam em

formação, e que buscam estudar e compreender o tema cerne do PPGEF, qual seja a temática

fronteira.

Percebe-se que além do intercâmbio e participação de pesquisadores, também tem

sido um “espaço geográfico” de participação de lideranças; segmentos políticos; estrangeiros

e, até o presente momento, voltado para os indígenas do nosso Estado, especificamente, mas

não apenas, para os índios do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, pertencentes ao

município de Aquidauana, na busca de se investigar como se estabelecem as relações

etnoculturais nestas localidades.

Nesse sentido, merecem destaque as experiências adquiridas nas ”terras indígenas”,

bem como a constituição e compreensão das relações étnicas e interétnicas entre indígenas e

não-indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul. Sendo assim, partindo das premissas

teórico-bibliográficas, tentar-se-á expor elementos que possam subsidiar, e também

evidenciar, a proposta de fundamentação do conceito de Fronteira Etnocultural.

Por isso, essa pesquisa direcionou-se à linha 2, que trata sobre “Desenvolvimento,

Ordenamento Territorial e Meio Ambiente”, cuja linha de pesquisa abarca a distribuição

espacial e setorial de atividades socioeconômicas e de gestão, e, principalmente, abordando o

processo de ordenamento territorial na promoção do desenvolvimento de uma região

fronteiriça, analisando os arranjos territoriais como expressões dos processos de organização

do espaço rural, sendo este local do objeto de estudo, além da ação diferenciada dos mesmos e

dos impactos produzidos no território.

O fato desencadeador, que norteou esta pesquisa, e também esta proposta conceitual

de Fronteira Etnocultural, se dá pelo fato dos povos indígenas, no Brasil, e especificamente no

Estado de Mato Grosso do Sul, serem vistos pelos não-indígenas ora de forma preconceituosa

ora de forma idealizada. Tal situação se dá, por apontamentos vistos por teóricos, tais como

Azanha (2005, p. 87), que os povos indígenas estavam sujeitos aos "preconceitos vigentes nas

escolas dos purutuyé", onde esse purutuyé significa não-indígenas, ou seja, indígenas

passando por dificuldades no processo ensino-aprendizagem, em decorrência de preconceitos.

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Já a forma idealizada, como aponta Azanha (2005, p. 88), é sobre as amplas áreas de

vegetação ainda preservadas nas áreas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas que:

[...] apesar da pressão interna por novas áreas de cultivo - refletem a necessidade de manterem-se as fontes básicas do trabalho interno das mulheres Terena - qual seja: a cerâmica, a cozinha e o extrativismo vegetal - e sua fonte de medicamentos. Mas aqui aparece outra limitação: o mercado para o artesanato, também não incentivado por quaisquer governos. O resultado desta limitação é o crescente número de jovens mulheres Terena empregadas no serviço doméstico em centros urbanos regionais - de onde é comum voltarem grávidas dos filhos (ou mesmo dos maridos) de suas "patroas".

Sendo assim, Oliveira (1976) chama a atenção para a designação pejorativa do termo

bugre que era imposta aos Terena pelos regionais como uma forma de identificá-los como

bêbados e preguiçosos entre outros rótulos negativos. No contexto acima, observa-se, por

exemplo, o princípio das relações etnoculturais, ou seja, estabelecidas por meio do contato, e

também por situações territoriais, e assim percebe-se, ainda que focalizando um só lado, a

existência de preconceitos, bem como idealizações (e/ou perspectivas), que se desdobram em

possíveis conflitos.

Por isso, observa-se que ”na” e “a” terra é fundamental para os índios Terena, pois é

o local de produção e reprodução cultural e econômica. Sendo assim, mediante estas relações

etnoculturais é possível se desvelar uma compreensão sobre alguns dos aspectos culturais, na

compreensão dos mesmos, tornando-se peça fundamental e necessária, para, por exemplo, a

gestão pública, e também para a FUNAI entender a manutenção das aldeias.

É com o foco nesse processo de compreensão que apresentamos a importância desta

pesquisa, que está em refletir e compartilhar, a partir dos subcapítulos a seguir, informações

sobre esses possíveis elementos, tais como: i) etnicidade e fronteira e; ii) território e

territorialidade, que podem caracterizar e fundamentar esta Fronteira Etnocultural existente.

1.1 Etnicidade e Fronteira

Tentar-se-á, através de referenciais teóricos, apontar, por meio dos elementos aqui

propostos, que esses (etnicidade e fronteira), podem, agregados, conjecturar e embasar o

conceito já existente de fronteira etnocultural. O processo histórico entre indígenas e não-

indígenas, bem como pelas relações étnicas (pré)estabelecidas, bem como as relações

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socioespaciais em ambos os territórios, respectivamente, o Distrito de Taunay e as Aldeias

Circunvizinhas.

Pretende-se com esta pesquisa entender o conceito de Fronteira Etnocultural, por

meio do referencial teórico sobre os elementos “etnicidade” e “fronteira” que pairam e são

encontrados e identificados nas relações sociais existentes entre indígenas e não-indígenas ao

longo do processo histórico do território brasileiro, e que permeiam, as aldeias do nosso

Estado, principalmente, à do Distrito de Taunay e Aldeias Adjacentes.

Percebe-se a existência dessa fronteira etnocultural, entre indígenas e não-indígenas,

no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, pela relação de contato entre estes grupos

étnicos. Contudo, procurar-se-á analisar, de maneira sistemática, as relações socioespaciais

destes grupos étnicos e a natureza de suas fronteiras. Conforme Poutignat e Streiff-Fernart,

(1998, p. 188), “[...] a interação em um sistema social como este, [...] as diferenças culturais

podem permanecer apesar do contato interétnico e da interdependência dos grupos”.

A criação do Distrito de Taunay foi um processo essencialmente conflituoso, já que

os objetivos e limitações implicados pelas Terras Indígenas contrapõem a outros interesses e

usos (por fazendeiros) da área e seu entorno. Assim, faz-se necessário entender o conceito de

conflito, que é basicamente choque de interesses pessoais (ou coletivos) que se expressam em

processos litigiosos caracterizados pelo confronto ou sobreposição de usos e interesses

aparentemente ou realmente inconciliáveis (ZBOROWSKI; LOUREIRO, 2006).

Diante dessa situação de conflito entre os grupos étnicos, de indígenas e não-

indígenas, principalmente, mas não apenas pelo viés territorial, Baines (2009, p. 29) explica

que:

As Terras Indígenas fragmentadas sofrem de problemas graves de falta de espaço para aumentar as roças, destruição irreversível de áreas de caça e pesca e não tem condições para abrigar suas populações em processo de crescimento rápido, além dos conflitos interétnicos constantes entre os povos indígenas e fazendeiros e moradores das vilas implantadas que ocorrem dentro de suas terras.

Isso explica o porquê de fato os Terena do Distrito de Taunay estão insatisfeitos com

a presença dos não-índios. Estes ocupam “terras indígenas” que lhes foram expropriadas, e

que são consideradas imprescindíveis à existência da organização cultural Terena. De fato, o

confinamento territorial resultou em alteração do modo de produção e vida tradicionais, como

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publicado no Diário Oficial da União de 14/11/20003. É precisamente no processo de

confinamento espacial indígena que os conflitos e as alterações socioculturais e sociopolíticas

dos Terena no Distrito de Taunay configuram o que aqui se entende por fronteira etnocultural,

que delimita grupos étnicos por sua territorialidade e etnicidade4.

Há inúmeros tipos de fronteira, os quais têm em comum a ideia de interface

territorial. Como esclarece Machado (1998), a fronteira indica uma dinâmica de integração e o

limite de separação. Contudo, os diferentes modos de vida, ou seja, as culturas e

territorialidades, conflitivas e não conflitivas, construídas entre indígenas e não indígenas são

fundamentais, pois nos permite observar, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, a

existência dessa fronteira etnocultural.

Sendo assim, diante do processo histórico-cultural em que os indígenas permanecem,

de forma direta e indireta em situação conflitante com os não indígenas, em busca pelo

”poder” da terra, entende-se, de acordo com Raffestin (1993, p. 50) que “o poder é imanente a

toda relação que é o teatro e o lugar do confronto”, ou seja, do conflito, que no latim significa

conflictus5, ou seja, entendido como: alteração, desordem, pendência, choque, embate, luta,

oposição e até disputa.

Lapierre diz que (1968 apud RAFFESTIN, 1993, p. 56) o ‘poder’ resulta num

elemento desencadeador do conflito, pois, parte da “necessidade natural, mas a capacidade

que os homens têm de transformar, por seu trabalho e ao mesmo tempo, a natureza que os

circunda e suas próprias relações sociais”, ou seja, cada ator social, indígena e não indígena

tenta, de maneira aceitável, por e impor sua resistência, em que muitas das vezes, não é aceita,

por uma das partes, sendo determinante para o surgimento de novos entraves interétnicos.

Nesse prisma, tem-se, de forma sinônima, o elemento conflito, que ao ser

desencadeado é denominado, segundo Oliveira (1964), por “friccional”, cuja situação é

desencadeada entre indígenas e não indígenas no território brasileiro. Muitas vezes, tais

situações são geradas pela mantença da própria cultura, como pela ampliação de extensões

3Processo FUNAI/BSB nº 0289/85. Terra Indígena: Taunay-Ypegue. Superfície: 33.900 ha. Perímetro: 78.500m. Município: Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul. Sociedade Indígena: Terena. População: 3.880 hab. Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 1.155/PRES de 13/11/00 (DOU de 14/11/00). 4 Por etnicidade se entende o conjunto temporal e dinâmico de “traços culturais, transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do grupo” (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998, p. 250; PEREIRA, 2003). Entendida também como “uma categoria objetiva de autorreconhecimento de diferenças, a demarcação de territórios simbólicos” (SILVA, 2005, p. 259-260). 5Extraído do site: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=conflitos em 08-03-2012.

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territoriais, para o desenvolvimento de atividades macroeconômicas, tais como pecuária e

(mono) agricultura.

Esse conflito, originado de forma direta e indireta pelo contato entre grupos étnicos

distintos, é explicado por Martins (2009a, p. 24) como:

No entanto, a situação de contato, a sociabilidade que demarca a convivência, dominada pela diferença e pelo desencontro étnicos no espaço ainda indefinido da frente de expansão, constitui uma realidade sociológica sui generis. Embora marcada por uma transitoriedade notória e menor do que a das durações históricas das sociedades e grupos que ali se encontram e se confrontam, o calendário dessa convivência complicada é mais extenso do que parece (grifo nosso).

Para tanto, Baines (2009, p. 27-28) esclarece também que os conflitos oriundos da

fronteira, muitas das vezes têm sua origem desencadeada pelo Estado/Nação, como por

exemplo, sobre as prioridades das políticas indigenistas (pré) estabelecidas:

Nesta fronteira, tornam-se muito evidentes as contradições entre políticas indigenistas dos Estados nacionais, que visam a respeitar os direitos indígenas, e os interesses políticos e econômicos das elites locais dos Estados e regiões fronteiriças dos dois países que visam ao desenvolvimento econômico regional e veem as reivindicações indígenas como empecilho para este desenvolvimento.

Com isso, observa-se que, no decorrer do seu processo histórico de uso e ocupação,

os povos indígenas “(...) tem mais do que resistido à invasão e a espoliação” dos não

indígenas e do sistema vigente em seus territórios (MARTINS, 2009a, p. 25). Sendo assim, os

povos indígenas tentam enfrentar a situação violenta que lhes tornam atores nesse cenário. A

partir de então, passa-se a perceber que esse contato, em detrimento às ações socioespaciais

podem se configurar na fronteira etnocultural.

Martins (2009a, p. 25) nos mostra que a realidade do conflito cria uma situação de

fronteira etnocultural, sofridos pelos ataques ao diferentes grupos indígenas, conforme segue:

Assim como a violência do branco se manifesta na tentativa de desfigura-las culturalmente, elas também têm indicado, em suas lutas, o que lhes é insuportável e indecifrável no que para muitas delas é uma nova situação, que é a situação de fronteira, criada pela expansão territorial do grande capital e da sociedade civilizada (grifo nosso).

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Com isto, percebe-se que os indígenas, ao passarem por entraves sociais, de acordo

com Martins (2009a), se organizam, de forma inteligente, para sobreviver e atender aos

anseios de sua comunidade e das aldeias do entorno, respeitando-se os valores e concepções,

que “dão sentido à sua vida e aos diferentes modos como os diferentes grupos se organizam”

(2009a, p. 25-6).

Para comprovar essa forma inteligente dos indígenas se organizarem numa situação

de conflito, observa-se nas palavras de Reis (2005, p. 06) que diz:

Assim, não é raro, nessas situações, presenciar-se a determinação da liderança que, para conseguir conquistar seus objetivos, usa de toda a sua tenacidade e capacidade de persuasão, a fim de convencer aliados, possíveis parceiros, interlocutores e todos os agentes que, de alguma forma, devam participar do empreendimento.

Ou seja, a autora nos mostra que “tirar a terra e a liberdade do índio de ir e vir é um

ato desumano”, principalmente quando se analisa o seu processo histórico de povoamento.

Segundo Reis (2005, p. 12):

A casa do índio é o chão batido quase sempre porque, para ele, é necessário e vital ter contato com a mãe-terra. Os seus antepassados ao cortarem uma árvore para canoa ou para outra necessidade, conversavam com e pediam desculpas por terem que derrubá-la.

Sendo assim, como se vê, a originalidade dos conflitos interétnicos, muitas das

vezes, são provocados por não indígenas (fazendeiros) que querem, como diz Raffestin (1993,

p. 58), “construir um poder pela apropriação”, em detrimento dos seus próprios anseios e não

se importando com a localidade presente, além da fauna e flora local. Na contramão dos não-

índios, conforme Reis (2005, p. 14), “o índio sabe, por intuição que a natureza cobrará em

dobro a agressão sofrida”. Sendo assim, a ótica do não indígena, em dar dinâmica ao sistema,

não engloba, muitas das vezes, a racionalidade dos povos indígenas, desencadeando uma série

de conflitos.

No entendimento de Andrade e Santos (2009), percebe-se, por meio dos processos

históricos, que palavras de maiores frequências entre indígenas e não indígenas, que

desencadeiam uma situação conflituosa, ora pela manifestação, ora pela militância são:

preconceito, respeito e igualdade. Essas palavras indicam um posicionamento crítico dos

atores sociais sobre essa realidade preconceituosa presente no imaginário social, ao mesmo

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tempo em que demonstra a importância da sensibilização como possibilidade de mudança

social e construção de relações de respeito e convivência com o outro na sua diferença.

Tudo isso, para Praxedes (2008), é que a maior dificuldade para se solucionar os

problemas provocados pelo preconceito contra os índios é porque continuamos a acreditar na

supremacia das culturas, formas de conhecimento, comportamentos e aparência apresentados

pelos membros das civilizações europeias.

Sendo assim, Baines (2009, p. 28) aponta a realidade dos povos indígenas com

relação ao Estado/Nação:

[...] apresentam-se como populações discriminadas e esquecidas pelos Estados nacionais, com constantes reivindicações junto aos governos centrais para que seus direitos sejam reconhecidos e respeitados (grifo nosso).

Diante disso, Nogueira (2006, p. 292) traz uma definição para o termo preconceito:

[...] uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece.

Observa-se nos referenciais teóricos que essa relação da diferença, exclusão e/ou

preconceito propriamente dito, podem desencadear situações conflitivas entre os grupos

étnicos. Sendo assim, acrescenta-se que o preconceito é um dos grandes obstáculos que deve

ser superado para que seja assegurado o acesso e a permanência dos diversos grupos étnicos

nas diversas modalidades6 do sistema (escolar, político, cultural, outros). Contudo, tais

modalidades, no meio indígena, ainda permanecem na condição de ”marginais”

(PRAXEDES, 2008).

Nesse sentido, verifica-se que se é necessário que se entenda o preconceito da

população marginal como a “[...] criação de um contexto favorável aos marginalizados e

oprimidos, para a recuperação da sua história, da sua voz, e para a abertura das discussões

acadêmicas para todos” (BONNICI, 2000, p. 10).

O preconceito, para Praxedes (2008, p. 4), é resultante da violência simbólica, pois

“[...] só se completa quando os próprios dominados se consideram inferiores e aceitam a sua

6 Explica-se este termo modalidades como as maneiras existentes.

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submissão aos poderes dominantes”. É assim que se constrói a hegemonia das culturas e

relações sociais capitalistas sobre os grupos subalternos, em relação aos indígenas.

Tal relação cultural é explicada por Bonnemaison (2002, p. 92): “o papel central da

cultura fica então afirmado; o espaço é subjetivo, ligado à etnia, à cultura e à civilização

regional”. Diante disso, Giroux (1999, p. 47) destaca que respeitar as diferenças é “expandir o

potencial da vida humana e as possibilidades democráticas”, e só assim, ter-se-á a

possibilidade de minimizar as situações preconceituosas indígenas do cotidiano.

Para os autores Andrade e Santos (2009), a palavra preconceito indica um

posicionamento crítico dos sujeitos/participantes sobre essa realidade preconceituosa presente

no imaginário social, ao mesmo tempo em que demonstra a importância da sensibilização,

como possibilidade de mudança social e construção de relações de respeito e convivência com

o outro na sua diferença.

O preconceito é denotado, principalmente, pelas populações rurais que convivem

diretamente com os índios. Além disso, em decorrência de interesses das elites municipais,

dos fazendeiros nas terras indígenas e pelos recursos ambientais existentes, não são raras as

vezes que as populações indígenas necessitam disputar as escassas oportunidades de

sobrevivência nas aldeias e adjacências com os não-indígenas que ali vivem (SOUZA et. al.,

2010).

Corroborando com esta linha do saber, Guareschi (1992, p. 246) explica como se dá

a origem dos conflitos etnoculturais:

O conflito, como se constata empiricamente, surge da presença que causa assimetrias, discriminações, desequilíbrios, injustiças. O simples fato de existir diferenças nada significa. O problema surge no momento em que se estabelece uma relação entre pessoas ou grupos, que não seja aceita por alguma das partes. Inicia-se, nesse momento, o conflito (grifo nosso).

Em Frederic (2000), as relações interétnicas, abordam ações, práticas e

representações de vários setores da sociedade não-indígena em relação aos índios, em que é

observada uma “expropriação” do discurso indígena como uma forma tática de submeter os

índios ao controle de diferentes instâncias de poder. A autora descreve e analisa o sistema de

pacificação que, através da estratégia do contato interétnico, por meio da interação e

integração, reforça a relação de dependência econômica dos índios em relação à sociedade

nacional.

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No desenvolvimento dessas estratégias, para se gerenciar a situação de conflito

iminente entre indígenas e não-indígenas, observa-se, conforme Raffestin (1993, p. 58), a

tentativa de supremacia das ”relações de poder”, em que “o conflito [...] pela posse de uma

região não é apenas um conflito pela aquisição de um pedaço de território, mas também pelo

que ele contém de população e/ou de recursos”.

Com isso, as relações conflitantes, entre os atores sociais, indígenas e não indígenas,

acabam provocando “um entrave no jogo relacional” (RAFFESTIN, 1993, p. 67), fazendo

com que este entrave, proporcionado por uma situação de conflito entre os grupos étnicos,

seja entendida, sob a ótica da Fronteira Etnocultural, como mais um conflito de interesses. É a

partir dela, da ótica da Fronteira Etnocultural, pelo contato que estas relações ocorrem,

principalmente no cenário conflitivo, partindo da premissa da busca da terra como subsídio, e

das relações sociais, entre a heterogeneidade dos diferentes atores sociais que permeiam as

terras indígenas, que esta pesquisa se apoia.

Por isso, tais exposições, por meio dos teóricos, que divergem e/ou convergem, sobre

a etnicidade, em relação a este contato, dá o entendimento dessa Fronteira Etnocultural. Na

base filosófica, Comte (s.d.) informa “que a sociedade gradualmente, desde suas origens [...]

conduziriam o grupo social ao desmantelamento [...] a intolerância religiosa e étnica” (grifo

nosso)

Paralelamente, percebe-se em Santos (2008, p. 45) que “as formas espaciais também

obrigam as outras estruturas sociais a modificar-se, procurando uma adaptação, sempre que

não possam criar novas formas”. Nesse processo de ”modificar-se”, os atores sociais (objetos

deste estudo), indígenas e não-indígenas, muitas das vezes são submetidos a processos de

adaptações impostas, em que é visto um limite dado, para não ultrapassar, e outro limite dado,

que permite a passagem, permite a interação (MACHADO, 1998).

Com isso, reporta-se a Santos (2008, p. 45) para explicar esse limite e essa interação,

no que se vislumbra o conceito de Fronteira Etnocultural, entre indígenas e não-indígenas, o

“impacto das forças externas (os fazendeiros) é preponderante em todos os processos”, por

exemplo: na destinação orçamentária para se atender as propriedades rurais particulares.

Diante disso, os indígenas, com seu território expropriado pelo processo histórico pelos não-

indígenas, sempre perpassaram pela dinâmica das ”relações de poder” (RAFFESTIN, 1993),

que ora se fazem vigentes pelo sistema.

Tal comprovação (das terras indígenas ocupadas por não-indígenas) é um dado fato

presente hoje nos meios de comunicação, principalmente em níveis locais e nacionais

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(acrescenta-se mundiais), que são as relações existentes entre indígenas e não-indígenas no

Brasil. Segundo Guareschi (1992, p. 247), “existem interesses materiais concretos presentes

nessas relações (étnicas)” como fator dominante do problema que é a questão da terra, mas

também, têm-se premissas preponderantes quanto às interações e interrelações existentes entre

essa diversidade étnica, sejam no meio do ensino, nas relações conjugais, relações políticas,

dentre outras.

Sendo assim, essas relações étnicas, entre indígenas e não-indígenas, no

entendimento da temática “fronteira” são apresentadas por Albuquerque (2010, p. 48) como:

As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relações sociais entrelaçadas com os atuais processos de globalização e de redefinição do papel dos limites entre os Estados nacionais. A fronteira é geralmente percebida [...] como um lugar de passagem, de contato e tradução cultural. A fronteira deixa de ser linha, limite, finitude, o lugar da diferença (...). Torna-se aberta, porosa, exemplo de integração e de aproximação.

Essas relações etnoculturais, por meio do contato, por exemplo, como o já citado

incidente ocorrido com os povos indígenas, Terena, do município de Miranda-MS, onde foi

ateado fogo ao ônibus que ali estavam, bem como os altos índices de violência, em meio as

questões de demarcação territorial entre fazendeiros e povos indígenas do município de

Dourados-MS, tudo isso mostra que a fronteira esta além do limite, transpassando-o, em

virtude das próprias evidências documentais apontadas pelo Estado/Nação, bem como na

busca de mão-de-obra indígena, no caso, para trabalharem nas grandes plantações de cana e

soja. Outro ponto, importante, é essa questão da busca dos povos indígenas pela qualificação

educacional, em escolas, muitas das vezes, dirigidas pelo sistema de povos não-indígenas.

Sabe-se que antigamente o povo indígena não tinha essa oportunidade de interação,

mas quando isso acontecia, era no sentido de expropria-los de suas terras. Hoje isso ainda

acontece, de maneira veemente, no Brasil e, principalmente, no 2° maior Estado com reservas

indígenas – Mato Grosso do Sul. Contudo, em contra partida, a relação Estado-Nação, auxilia-

os no processo de interação, ou seja, transpor os limites impostos, na abertura do contato com

o diferente, no atendimento das necessidades básicas de saúde, educação, habitação, emprego

e renda, dentre outros.

Sem dúvida, o que se apresenta em tela permite-nos refletir sobre as relações (pré)

existentes destes grupos étnicos. Sendo assim, uma leitura de Barth (1969 apud SILVA,

2005a, p. 115), revela-nos o elemento que substancia o termo ”grupo étnico”, que diz: “a

característica definidora dos grupos étnicos é a de serem tipos organizacionais definidos por

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categorias de adscrição do tipo ‘nós’ e ‘outros’”. Ora, isto permite identificar que o contato

entre estes distintos grupos étnicos é produto das relações sociais entre indígenas e não-

indígenas.

Torna-se evidente, na ótica de Barth (1969 apud SILVA, 2005a, p. 115) que “os

grupos étnicos não surgiram do isolamento geográfico, mas de processos sociais produtores

da diferença cultural”. Esses processos se davam através do contato, ou seja, da interação, na

premissa de atender um interesse existente.

Nessa relação de contato interétnico Silva (2005a, p. 119) diz que:

[...] “índios” e “brancos” ou “não-índios”, devem ser pensados enquanto construções sociais oriundas de contextos ideológicos específicos em que estas categorias referem-se mais a representações políticas de grupos de interesse locais e agências de contato do que a descrições literais de atores sociais concretos e heterogêneos.

Esse ponto é bastante significativo porque nos permite entender que esse contato

entre diferentes, indígenas e não-indígenas, acarreta singularidades na construção de relações

interétnicas entre estes atores sociais, que antes, era posta, ou entendida de forma limitada,

como se tivesse uma barreira que impedisse o estabelecimento de relações, e quando isso

acontecia, era de forma totalmente negativa e avassaladora aos povos indígenas.

Mas, não somente, precisa-se tomar partido pela evidência negativa, quando se

estabelece o contato entre indígenas e não-indígenas, percebe-se e constata-se, por exemplo, a

importância desse contato nas relações educacionais. Um exemplo disso ocorre no Distrito de

Taunay e Aldeias Circunvizinhas, na etnia Terena, que se tem o primeiro indígena com

titulação de doutor pela PUC-RS. Isso mostra que o contato possibilita as ”construções

sociais” propostas por Silva (2005).

Segundo Silva (2005a, p. 125), a relação entre os grupos étnicos – indígenas e não-

indígenas - é entendida que “não denota uma homogeneidade cultural entre os índios, mas

efeitos semelhantes ‘misturas’ advindos de uma certa estrutura colonial de subordinação dos

índios e seus territórios a regimes administrativos estatizados”.

Contudo, essa visão étnica se torna pertinente para os atores. A etnicidade se

transforma em um princípio de divisão, não necessariamente conflitivo, da vida social

(POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998), permitindo a interação, por meio das relações

sociais entre indígenas e não-indígenas, que de maneira direta e/ou indireta comungam por

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um interesse qualquer, fazendo com que essa fronteira, no principio entendida como limite,

seja elo entre estes atores.

Nesse sentido, Silva (2005a, p. 128) assevera que:

É evidente que, nas áreas de fronteira nacional e expansão econômica, as diferenças físicas e culturais entre índios e brancos se fazem marcadamente presentes, uma vez que a situação de convivência interétnica, com a interação social continuada entre os membros das respectivas sociedades, começa, pela primeira vez, a se configurar de modo irreversível. Enquanto isso, nas áreas de mais antiga convivência interétnica, o que se faz presente é a resistência identitária por parte dos índios e suas comunidades às tentativas de eliminação das fronteiras étnicas. Porém, deve ficar ainda mais evidente que as fronteiras nacionais são antes de tudo variações de fronteiras étnicas e, sob esses termos, ambos os casos representam ‘culturas constrativas’ que emergem na forma de sistemas interétnicos nos quais pessoas, grupos, comunidades e agências (estatais e/ou não) se encontram ligados de maneira interdependente em um processo de fricção interétnica.

Percebe-se na fala de Silva (2005a) a importância da fronteira nacional como ponto

de limite, mas esta não evita o contato entre os diferentes, e assim surgindo os contatos

interétnicos, rompendo as barreiras dos estados nacionais, estabelecendo assim as fronteiras

etnoculturais por meio dos contatos, trocas, interações, interrelações, e também, conflitos.

Nessa mesma linha de raciocínio Silva (2005a, p. 129) diz que:

As áreas de fronteira poderiam então ser consideradas variações concomitantes de processos de manutenção de fronteiras étnicas e, nesse sentido, seriam passíveis de ser contrastadas por meio da noção de territorialização enquanto áreas de fricção interétnica geradoras de novas identidades.

Encarada nessa perspectiva, o que importa nessa relação entre os grupos étnicos é

que no contato entre “nós” e “outros”, a diversificação das características entre os atores

sociais, indígenas e não-indígenas, podem mais a frente adquirir as mesmas e novas

conjecturas num mesmo território (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998).

Ora, o indígena, com o convívio no mesmo território que o não indígena, por

exemplo, os indígenas das aldeias circunvizinhas do Distrito de Taunay, ao se deslocarem até

a cidade de Aquidauana, para usufruir dos serviços de saúde e educação, estabelecem o

contato com os não-indígenas, e mesmo assim, não deixam de ser indígenas. O que acontece,

na maioria das vezes, é que se confunde tal situação com o indígena que ao retornar para sua

aldeia, traz consigo inovações. Mas isso não o descaracteriza como índio, pois, no exemplo de

se utilizar os serviços de saúde, o indígena, sendo atendido por um médico não indígena, não

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faria com que o indígena perdesse sua identidade, e sim acrescentasse inovações, desde que

convenientes e aceitas pelos povos indígenas.

Por isso, Poutignat e Streiff-Fernart, (1998, p. 11) evidenciam características que

comprovam a etnicidade onde:

[...] a etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de ‘traços culturais’ [...], transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do grupo; ela provoca ações e reações entre este grupo e os outros em uma organização social que não cessa de evoluir.

Do mesmo modo, entende-se pelos autores acima que a etnicidade se dá também

pelos ”símbolos identitários” de cada grupo étnico, proporcionando assim, a transposição

desse – limite – cultural, e promovendo a interação por meio de uma origem comum, por

exemplo: conflitos por interesses, a crença, dentre outros.

Concomitantemente, observou-se em Silva (2005a, p. 129) que a transposição desses

limites culturais, na forma de interação, e também inter-relação podem gerar novas

identidades, conforme segue:

A ‘fronteira’ aparece aqui como uma categoria analítica de comparação de variações concomitantes de um processo histórico (a territorialização) ao mesmo tempo em que aparece como situação real de interação social e conflito de onde emergem experiências históricas únicas, geradoras de novas identidades.

É diante dessa evidência que se pode compreender que os indígenas de hoje, em

decorrência do seu processo histórico, de contato e relações sociais, carregam características

oriundas dessa relação sociedade-natureza, onde se constata as inúmeras

alterações/transformações nos diversos graus de sua existência sociocultural.

Paralelamente, inicia-se um processo de entendimento, pautado nos autores,

Poutignat e Streiff-Fernart, (1998) que no decorrer desse processo histórico, nas relações entre

os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, que essa conceituação de fronteira etnocultural,

é significativamente vista neste segundo elemento – etnicidade – nas situações de: a)

estigmatização; b) grupos com projetos coletivos ameaçadores; c) problemas de coabitação; d)

gestão das relações de vizinhança; e) segregação étnica, isso no aspecto negativo de limite, e

transposição do mesmo, desencadeando a ‘“imposta” interação, mas também, visualiza-se os

aspectos positivos desse limite, tais como: i) a quebra de (pré) conceitos; ii) processo de

organização interétnico; iii) estabelecimento de relações sociais em prol de um interesse

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comum; iv) a troca, na forma de - o aprender e o ensinar com o ”outro”; v) possibilidades de

aproximação.

Porém, Geertz (1989) orienta-nos na compreensão da relação da etnocultural como a

concepção de que a cultura não é o resultado de apenas um ser humano, mas de todo um

grupo, e que este, seja possuidor de características e/ou interesses, divergentes e/ou

convergentes, mas que não apenas limite, mas permite a inter-relação de um grupo com o

outro.

Por isso, em Poutignat e Streiff-Fernart, (1998, p. 28) enxerga-se dados que

substanciam a formação de um grupo étnico, além do entendimento da palavra etnicidade, que

é a “estratégia de reivindicação [...], ou como uma forma de resistência organizada ao

processo de modernização [...], ou ainda como um produto histórico da economia-mundo

capitalista”, vista como um fenômeno contemporâneo.

Em função desse contato entre grupos étnicos, podem-se visualizar as características

dessa fronteira etnocultural, em que ultrapassa as regras do limite, e assim desencadeando

interações e inter-relações, principalmente com os grupos étnicos antigos, quebrando assim os

paradigmas (pré)existentes conforme se verifica em Poutignat e Streiff-Fernart (1998, p. 30):

Simultaneamente à descoberta de que os sentimentos e as formas de organização comunitárias podem manifestar-se em meios supostamente organizados pelos liames impessoais e contratuais, recoloca-se fortemente em discussão o caráter pretensamente estável e homogêneo das pertenças e das solidariedades de grupo nas sociedades tradicionais.

Por isso, nota-se que os grupos étnicos ”formavam-se e transformavam-se”, pois

eram grupos isolados e experimentavam esse contato, onde só assim foi possível visualizar as

”similaridades e diferenças”. Isso nos remete à compreensão, ainda prévia, de que a

etnicidade desencadeia um possível segundo elemento que subsidia a proposta de fronteira

etnocultural (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998).

Desse modo, a diversificação dos grupos étnicos, principalmente, mas não apenas,

com os povos indígenas proporciona a reprodução ampliada e territorial, conforme nos ensina

Martins (2009a, p. 26) em que:

[...] os povos indígenas estão definindo lentamente, por implicação, em seus confrontos com os brancos é uma situação de convivência marcada pela pluralidade cultural e social e pelo estabelecimento de um espaço inteiramente novo na relação com o outro, que seja um espaço de afirmação e reconhecimento da diferença que dá sentido à existência dos diferentes

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povos. Nesse outro lado também estão determinações que dão sentido à dialética da fronteira.

Nesse sentido, Poutignat e Streiff-Fernart (1998, p. 36) informa que “uma nação não

pode mais valer-se de fronteiras geográficas naturais, mas reivindicar populações que lhe

pertenceriam pela comunidade linguística ou parentesco racial”. Isso faz valer a importância

do contato e das relações interétnicas, respeitando-se os limites, mas também que haja a

possibilidade de continuarem a ser transpassados, e assim proporcionando um dinamismo

nessa chamada fronteira etnocultural.

Dando sustentação à interpretação apresentada, Weber (1971 apud POUTIGNAT;

STREIFF-FERNART, 1998, p. 37), no que tange aos contatos interétnicos, entre indígenas e

não-indígenas, observa que os grupos étnicos são:

[...] esses grupos que alimentam uma crença subjetiva em uma comunidade de origem fundada nas semelhanças de aparência externa ou dos costumes, ou dos dois, ou nas lembranças da colonização ou da migração, de modo que esta crença torna-se importante para a propagação da comunalização, pouco importando que uma comunidade de sangue exista ou não objetivamente.

Com isso, percebe-se em Raffestin (1993, p. 130) que “as diferenças interétnicas

constituem um fator político, ora virtual, ora concreto”, isso se configurando também como o

estabelecimento de limites, em meio aos interesses de outrem. Daí, ao ser imposto o limite, os

grupos étnicos ora convergem ora divergem, em prol de seus interesses. Quando isso

acontece, sendo numa perspectiva positiva e/ou negativa, inicia-se a interação interétnica no

território, para analisarem como resolver determinados entraves. Sendo assim, conforme

Raffestin (1993, p. 139), “a eliminação da diferença está relacionada à destruição da

informação”, por isso esse limite e a transposição do mesmo ser importante, caracterizando a

fronteira etnocultural.

Portanto, após exposição teórica, partir-se-á para outros dois elementos: “território” e

“territorialidade”, que são condicionantes para subsidiar o objetivo desta pesquisa. Para

Raffestin (1993, p. 144), “[...] o território, [...] é um espaço onde se projetou um trabalho, seja

energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder”, em que

os grupos étnicos se constroem e (re) constroem no território, e nessa construção e

reconstrução, (reporta-se a Sack, 1986), em que o território é marcado pelas territorialidades

exercidas, que será observado no próximo subcapítulo.

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1.2 Território e Territorialidade, como elementos do conceito de fronteira Etnocultural

A seguir, discutir-se-ão Território e Territorialidade, espacialmente como elementos

do conceito de Fronteira Etnocultural. Chega-se finalmente nos elementos inerentes à

perspectiva geográfica – o território e a territorialidade, em que estes estão inseridos no

”espaço geográfico”, em que ocorre a prática de ações, diante ou em prol de um objeto,

contribuindo assim para a construção de apropriações e de relações entre os atores sociais,

leia-se os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas.

Nesse sentido, considera-se, dentro do espaço geográfico, o território, em que os

atores sociais, indígenas e não-indígenas, constroem durante seu cotidiano, estratégias

significativas de apropriação, como elementos de sobrevivência no mundo vivido,

constituindo tramitações na ambivalência temporal do indígena com o ”outro”, na maioria das

vezes em suas terras, constatando-se uma complexidade vivida entre estes grupos étnicos no

espaço geográfico, por eles definidos.

Sendo assim, é impossível acompanhar e entender as transformações e as premissas

ou fenômenos que ocorrem no mundo sem o aporte geográfico. Por isso, é no espaço

geográfico que se realizam as manifestações da natureza e as atividades humanas. No entanto,

faz-se necessário compreender a organização e as transformações sofridas por esse espaço,

tornando-se essencial para a compreensão dessa dinâmica territorial.

É nesse sentido que o pesquisador visualiza o ”território” como um elemento que

poderá fortalecer o conceito de fronteira etnocultural existente, ou seja, deve-se levar em

consideração o território atual, sobretudo as mudanças que vem ocorrendo no modo de viver

entre indígenas e não-indígenas, no Brasil e, principalmente, no Estado de Mato Grosso do

Sul, especificamente, os atores sociais do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas.

Diante disso, Anjos (2007, p. 115) afirma que:

A geografia é a ciência do território, e esse componente geográfico básico continua sendo o melhor instrumento de observação do que aconteceu, porque apresenta as marcas da historicidade espacial, do que está acontecendo; isto é, tem registrado os agentes que atuam na configuração geográfica atual e o que pode acontecer, ou seja, é possível capturar as linhas de forças da dinâmica territorial e apontar as possibilidades da estrutura do espaço no futuro próximo.

Isso mostra que o território é uma importante vertente para se compreender o “espaço

geográfico” que ora adquire o compromisso de expor a sociedade, de modo compreensível,

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como se dá as dinâmicas e transformações territoriais, desencadeada pela sociedade,

permitindo a possibilidade de uma melhor organização do espaço geográfico.

O sentido mais utilizado para a palavra espaço é oferecido por Santos (1997), como

sendo um sistema de objetos e um sistema de ações que não devem ser considerados

isoladamente, mas fundidos em um só quadro. Território possui outra conotação. Derivado do

latim territorium, significa terra pertencente a alguém. Pertencente, entretanto, não se vincula

necessariamente à propriedade da terra, mas a sua apropriação (CORRÊA, 1994). Com a

expansão urbana do Distrito de Taunay ficaram evidenciados os territórios, ou seja, as

circunstâncias de apropriação e/ou relações de poder.

O conceito território surge na Geografia Política como o espaço concreto em si, com

seus atributos naturais e socialmente construídos, o qual é apropriado, ocupado por um grupo

social (SOUZA, 1995). Ele é, então, o espaço apropriado; é lugar de relações sociedade-

natureza e dos seres humanos entre si; é espaço de ação e de poder (RAFFESTIN, 1993).

É nesse contexto que o processo de apropriação do espaço em terras indígenas por

diferentes grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, supõe considerar o conceito de lugar.

Para isso, Araújo (2006) demonstra que o lugar vincula-se ao espaço vivido, dotado de

símbolos, significados, lembranças e sentimentos. Representa um espaço em movimento e um

espaço-tempo vivido que se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário. “Falar do lugar é se

referir à escala das inter-relações pessoais, da vida cotidiana, da identidade cultural que se

constrói em um território” (MARTINS, 2002).

Contudo, Corrêa (1995) expressa que o lugar é marcado por maior afetividade que

nas sociedades mais desenvolvidas. A afetividade manifesta-se tanto no que diz respeito ao

gostar dos lugares como à movimentação espacial. Lugares e áreas longínquas tornam-se

próximas em função da afetividade espacial. Já, Santos (1997), acrescenta que o lugar possui

um valor sentimental que se vincula à vida, às relações afetivas entre pessoas e ao espaço

construído. Nesse sentido, as relações socioespaciais adquirem no lugar um valor que pode

levar à ações mais planejadas em prol do bem comum. A vida cotidiana, as relações de

amizade, de pertença e de afeto se manifestam no lugar.

Na geografia humanística, Tuan (1983) enfatiza que são ponderados os sentimentos

espaciais, os ideais de um povo ou grupo sobre o espaço, e este passa a ser analisado por meio

das experiências. O espaço vivido é considerado dividido em função do pertencimento ao

mesmo povoado, tribo, grupos etnolinguísticos, castas ou área cultural, que fornecem

referenciais básicos para o cotidiano em sua dimensão espacial (CORREA, 1995, p. 32).

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Dessa maneira, precisamos entender como se propagam as relações sociais entre

estes grupos étnicos. Para isso, Anjos (2007, p. 115-6) retrata o território da seguinte maneira:

O território é um fato físico, político, categorizável, possível de dimensionamento, onde geralmente o Estado está presente e estão gravadas as referências culturais e simbólicas da população. Dessa forma o território étnico seria o espaço construído, materializado a partir das referências de identidade e pertencimento territorial, e, geralmente, a sua população tem um traço de origem comum (grifo nosso).

Com isso, na tentativa de se pensar com o autor, visualiza-se o território como

elemento que subsidia o conceito de fronteira etnocultural, pois “[...] tratar da diversidade

cultural brasileira num contexto geográfico [...] é ter uma atuação sobre um dos mecanismos

estruturais da exclusão social” (ANJOS, 2007, p. 116), como também, dos mecanismos de

interação e integração social. Na exclusão social, em determinado território, coloca-se o

limite, para não rompê-lo; já a transposição desse limite, delimitado, muitas das vezes,

proporciona a interação e integração social no território.

A inferência no território dos grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, é visto como

limite e fronteira, em que Hissa (2002, p.34) explica da seguinte maneira:

O limite, visto do território, está voltado para dentro, enquanto a fronteira, imaginada do mesmo lugar, está voltada para fora como se pretendesse a expansão daquilo que lhe deu origem. O limite estimula a ideia sobre a distância e a separação, enquanto a fronteira movimenta a reflexão sobre o contato e a integração.

Ora, percebe-se na fala desse autor a importância das relações sociais numa

dimensão espacial, em que o território torna-se o lugar dos estímulos e/ou ”repulsa ao

contato” entre os diferentes grupos étnicos (HISSA, 2002), precisamente os indígenas e não-

indígenas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas.

Dessa maneira é que se começa a fortalecer a proposta de ”fronteira etnocultural”,

pois no território configura-se a possibilidade de “[...] recuperação e resgate dos fragmentos

de informações geográficas [...]” daquilo que foi apropriado e construído no espaço

geográfico, e assim permitindo “[...] a compreensão do que está acontecendo no processo

[...]” de distribuição socioespacial (ANJOS, 2007, p. 117).

A fim de fortalecer ainda mais este elemento – território – reporta-se a Raffestin

(1993, p. 143-144) que nos ensina que:

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O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator ‘territorializa’ o espaço. [...] Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações.

Diante dessa conceituação de Raffestin (1993) sobre território, reporta-se a Poutignat

e Streiff-Fenart (1998, p. 152) para caracterizar a fronteira etnocultural, compreendida pelo

elemento território, mediante a relação de pertença entre os grupos étnicos, conforme segue:

[...] a pertença étnica não pode ser determinada senão em relação a uma linha de demarcação entre os membros e os não-membros. [...] é preciso que os atores possam se dar conta das fronteiras que marcam o sistema social ao qual acham que pertencem e para além dos quais eles identificam outros atores implicados em um outro sistema social.

Com isso, verifica-se que, por meio do território, a fronteira etnocultural existe não

somente pelo “[...] conteúdo cultural interno que definem o grupo étnico e permitem que se dê

conta de sua persistência”, mas também pelo seu modo de organização, apropriação, traços

culturais oriundos da relação com o ”outro”, nesse caso, específico, o não indígena

(POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 153).

Nessa mesma linha de raciocínio, aos indígenas foram reconhecidos seus costumes,

línguas, crenças e tradições, bens a que compete ao Estado-Nação proteger e fazer respeitar,

(BRASIL, 2009, CF, 1988, ART. 231). Por isso, a reprodução cultural das sociedades

indígenas deve ser considerada na identificação das terras por eles ocupadas (BRASIL, 2009,

CF, 1988, ART 231, § 1°).

Para o cumprimento desta Carta Magna, em detrimento da preservação e

manifestação dos grupos étnicos, faz-se necessário um território, este apropriado, para o

estabelecimento de relações etnoculturais, pois, como se sabe, hoje no Brasil, as áreas

territoriais, denominadas ‘terras indígenas’, estão, muitas das vezes, dentro e/ou próximas de

áreas rurais de pequenos ou de grandes fazendeiros. Sendo assim, verifica-se que a

compreensão constitucional sobre as culturas indígenas modificou-se radicalmente, em função

desse contato interétnico entre indígenas e não-indígenas, se as compararmos com as

abordagens antes vigentes.

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Mediante esse contato interétnico entre indígenas e não-indígenas, ora na maior parte

se dá em suas terras, na área rural, ora de forma menos intensa se dá na área urbana, ou seja,

em territórios distintos. Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) ensinam-nos que:

[...] a fronteira que os separa dos outros é determinada por forças agindo do interior e do exterior e ela é constantemente redefinida pela interação desses mecanismos internos e externos. [...] Essa interação entre as pressões externas e internas exercidas na fronteira é particularmente sensível [...].

Nesse sentido, observa-se em Saquet (2007, p. 09) que “o território é mediador das

relações sociais de produção”, ou seja, é no território que possibilita o contato com o ”outro”,

seja para impor um limite, como para interagir. Por isso, pensar o território como elemento

conceitual de fronteira etnocultural é demonstrar a importância que o contato entre estes

atores sociais, indígenas e não-indígenas, ora de modo conflitante, ora de modo agregador,

podem ensinar e contribuir para melhorar a vida em sociedade.

Ainda em Saquet (2007, p. 17-18), visualiza-se o território como:

[...] suporte ou conjunto de recursos naturais, para abordagens relacionais-processuais, reconhecendo-se outros níveis de relações de poder, os conflitos, a apropriação e dominação do espaço, enfim, o movimento histórico e multiescalar. [...] como produto de relações sociais efetivadas no âmbito da família, da comunidade rural e desses indivíduos com agentes da cidade, historicamente condicionados e caracterizados, tanto econômica como politica e culturalmente, em tramas socioespaciais (destaque do autor).

Essa abordagem territorial permite-nos tentar compreender o processo da relação

sociedade-natureza entre indígenas e não-indígenas: como se constituem? Como se

organizam? Como se apropriam? Como interação em prol de um interesse distinto, ou muitas

vezes, em prol de um interesse comum? Este último, quando acontece, transpassa o limite,

gerando a interação etnocultural.

Novamente em Saquet (2007, p. 27) fundamenta-se essa relação entre os grupos

étnicos no território da seguinte maneira:

[...] se o território é um compartimento do espaço como fruto de sua diversificação e organização, ele tem duas funções principais: a) servir de abrigo, como forma de segurança e, b) servir como um trampolim para oportunidades. Segurança e oportunidade requerem uma organização interna do território bem como relações externas, de poder e dominação. Assim, o território assume significados para diferentes sociedades e/ou grupos sociais dominantes (destaque do autor).

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Nesse processo relacional entre os atores sociais, indígenas e não-indígenas, no

território, observe o que diz Saquet (2007, p. 51-52): "O território é entendido para além da

área, superfície e palco de ações: significa um lugar de relações, internas e externas (em

pequenas e grandes escalas), como espaço aberto em constante transformação".

Sendo assim, com a perspectiva e a análise aqui apresentadas são importantes para se

compreender como o elemento território pode dar subsídios ao conceito de fronteira

etnocultural, revelando-nos que a apropriação do território se torna resultante de mudanças

nas diferenças étnicas definidoras e/ou a definir na fronteira, imposta e/ou transposta.

Portanto, percebe-se também que o elo da geografia, no conceito de fronteira

etnocultural, entre o elemento ”território”, anda concomitantemente com outro elemento

identificado como ”territorialidade”, conforme aponta Bonnemaison (1981, p. 253-254):

[...] um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários. No interior deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o enraizamento e as viagens. [...] A territorialidade se situa na junção destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares.

Pelo exposto, a seguir apresentar-se-á o outro elemento condicionante para se

entender essa fronteira etnocultural, que é a ”territorialidade”. Tal elemento é abordado,

principalmente, numa perspectiva de Sack (1986), ou seja, analisar a estratégia utilizada entre

estes grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, para se apropriar e organizar seus territórios.

Por isso, o território não pode ser entendido sem a identificação e análise das

territorialidades existentes e/ou em construção, pois ela (a territorialidade), nessa pesquisa, é

vista como possibilidade de se compreender a existência dessa fronteira etnocultural. Nesse

sentido, Santos (2007, p. 127) assevera que: “[...] o mundo atual é movido pelo discurso;

nosso trabalho é oferecer o contra-discurso”. É mediante essa frase que se tentará abordar e

apresentar particularidades e peculiaridades, partindo de teóricos conceituados, sobre o

elemento territorialidade. Dessa maneira, serão abordadas as estratégias que os grupos étnicos

praticam em suas ”ações” sobre o ”objeto” (SANTOS, 2008, p. 166).

De qualquer forma, inicia-se a discussão sobre elemento territorialidade em Raffestin

(1993, p. 158-159) que diz:

Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas

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são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais.

Diante dessa ótica, observa-se o procedimento estratégico, isto é, na forma e/ou

modo de ocupar e organizar o território, seja em terras indígenas ou não, por parte dos grupos

étnicos, indígenas e não-indígenas, em conjunto ou não, evidencia o que Raffestin (1993)

define como territorialidade. Os seres humanos vivem ao mesmo tempo, os processos

territoriais e o produto territorial por relações existenciais e ou produtivas, todas são relação

de poder, onde os atores se modificam.

Segundo Holzer (1997, p. 83-84), “[...] a territorialidade é melhor compreendida

através das relações sociais e culturais que o grupo mantém com essa trama de lugares e

itinerários que constituem o seu território [...]”, ou seja, a dinâmica estabelecida nas relações

socioculturais enquanto produtos e estímulos respectivamente.

Contudo, denota-se que a territorialidade não pode ser entendida sem a análise do

território, haja vista que é nos territórios que a(s) territorialidade(s) se desenvolvem, isto é, no

processo de apropriação e organização, tida como a estratégia utilizada para fazer o uso e

ocupação deste território (MARTINS, 2007). Indígenas e não-indígenas para se manterem no

mesmo território recorrem a interesses individuais e/ou coletivos, tentando a mantença7 da sua

dinâmica cultural numa relação socioespacial.

Assim, a territorialidade pode ser como uma estratégia espacial para afetar,

influenciar, ou controlar recursos e pessoas por controle de área. Essa estratégia está ligada ao

uso da terra (entendida como área geográfica) pelas pessoas, com a sua organização espacial,

e com o significado que o lugar tem para elas.

Percebe-se que as territorialidades indígenas e não-indígenas no território do Distrito

de Taunay e aldeias circunvizinhas, no que tange ao seu processo de organização, utilizam-se

de estratégias para se manterem e se organizarem. Sendo assim, as territorialidades se dão por

meio das “estratégias para manter certa ordem social” (SACK, 1986). Deve-se destacar que as

territorialidades existentes no processo histórico-relacional diagnosticada, significam

estratégias dos indígenas para com os não-indígenas para controlar recursos (proteger suas

terras), assim como estabelecer relações entre as pessoas, numa perspectiva de se manter e

divulgar as peculiaridades da cultura local.

7 De acordo com o Dicionário on-line Priberam da Língua Portuguesa significa manutenção.

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Essa ”estratégia” colocada por Sack (1986) para se entender a concepção de

territorialidade, oriunda das relações entre os atores sociais, é acrescida por Raffestin (1993,

p. 160-161) que disse que “[...] essa territorialidade é dinâmica, pois os elementos que a

constituem, são suscetíveis de variação no tempo”. A territorialidade “é sempre uma relação,

mesmo que diferenciada, com os outros atores”, permitindo assim o contato e a inter-relação

entre os grupos étnicos objeto deste estudo.

Em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143), percebem-se evidências de

territorialidade quando diz que “[...] a existência e a realidade de um grupo étnico não podem

ser atestadas por outra coisa senão pelo fato de que ele próprio se designa e é designado por

seus vizinhos por intermédio de um nome específico”, ou seja, reportando-se a

exemplificação de Raffestin (1993, p.162), quando trata do ”siciliano” constituição de

territorialidades pela diferença, vista e identificada pelo outro.

Nesse sentido, esclarece-se que os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, ao

reconhecerem a diferença um do outro irão, cada um com sua comunidade, por exemplo,

numa situação territorial (conflito de luta pela terra), pensar, desenvolver mecanismos,

estratégias (territorialidades), a fim de atender seus interesses, ou seja, esse processo de

articulação caracteriza a territorialidade (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998;

RAFFESTIN, 1993; SACK, 1986).

Sendo assim, Sack (1986 apud SAQUET, 2007, p. 86) ratifica “a territorialidade

como controle de área e estratégia para manter certa ordem social”. Por isso, ao pensar nos

povos indígenas, deve-se ter em mente seu órgão de representação, a Fundação Nacional do

Índio (FUNAI), órgão criado a fim de atender e mediar os interesses do povo indígena,

principalmente conotado pelo uso da terra.

Por isso, reforça-se essa definição de territorialidade em Sack (1986), por estar

intimamente relacionada a três situações: a) como as pessoas usam a terra; b) como organizam

o espaço e; c) como dão significados ao lugar. Isso nos mostra uma interconexão no que se

está apropriado, pois, para que esteja apropriado é preciso pensar, se articular em apropriar-se.

Nessa linha de raciocínio, esse processo, podendo ser chamado de estratégia, é compreendido

como territorialidade.

Diante dessa abordagem conceitual do quarto elemento – territorialidade – para se

entender a fronteira etnocultural existente entre os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas,

precisa-se analisar e observar como cada ator social se organiza no território, ou seja,

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identifica-se um limite, por não deixar o ”outro” participar, como também, visualiza-se a

interação, quando há a permissibilidade do “outro” no processo de organização.

Isso se fundamenta em Saquet (2007, p. 86), em que nos revela que “cada sociedade

usa e organiza o território a sua maneira, com uma tendência areal, conforme suas formas de

vida e de poder”. Entretanto, “a territorialidade é uma forma de união, a partir do uso comum

dos recursos, facilitando a reciprocidade nas tarefas para indivíduos e famílias” (SAQUET,

2007, p. 84-85), fazendo com que se entenda a territorialidade como a estratégia no processo

das relações sociais entre os grupos étnicos.

Sendo assim, considera-se que a territorialidade permite aos grupos étnicos,

indígenas e não-indígenas, reconstituir seus horizontes e anseios em novos espaços, ao se

apropriarem de novos territórios. Portanto, a territorialidade parece ser um elemento útil à

coesão dos grupos sociais. Por outro lado, ela é uma fonte ou um apoio a hostilidades,

exclusões, ódios.

Diante dos elementos apresentados, por meio de referenciais teóricos, para se

entender a proposta desta pesquisa, que é a fronteira etnocultural, no capítulo dois, a seguir,

responder-se-á o questionamento objeto desta pesquisa que foi "Como ou quais elementos

substanciam o conceito de fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e nas Aldeias

Circunvizinhas?", através da apresentação dos resultados obtidos em campo e do cruzamentos

entre os depoimentos (parte prática e empírica) corroborado em teóricos.

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2 A FRONTEIRA ETNOCULTURAL NO DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS

CIRCUNVIZINHAS

Um dos grandes problemas que marcam essa situação conflitante, sem dúvida,

manifesta-se pelo predomínio das questões territoriais, especificamente, nas aldeias que

circundam o Distrito de Taunay, pertencente ao município de Aquidauana-MS. Esse traço

negativo colocado pela situação territorial se dá pelo “passar do outro lado” e/ou não respeitar

o ”limite” estabelecido pelo Estado/Nação por parte dos não-indígenas, principalmente, mas

não apenas os fazendeiros.

Sendo assim, os meios para atingir o objetivo dessa pesquisa, que se trata de

compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a fronteira

etnocultural no Distrito de Taunay, município de Aquidauana, desdobra-se em identificar e

analisar as territorialidades locais, identificar e mapear os conflitos considerando seus

protagonistas, naturezas e objetos, e também analisar os conflitos territoriais entre os limites

existentes.

Neste contexto, colocar-se-á a aplicabilidade da metodologia proposta, a fim de

apresentar os atores sociais, que se propuseram a relatar sobre essa dinâmica etnocultural

(pré)existente entre indígenas e não-indígenas, assim como o objeto, no caso as questões

socioespaciais, e a natureza desses conflitos, em síntese, para nos defrontarmos com os

obstáculos, e também alternativas que indígenas e não-indígenas desenvolvem para, no

mínimo, mitigar seus problemas e viver de forma interrelacionada no Distrito de Taunay e nas

aldeias circunvizinhas.

Diante disso, reporta-se a Reis (2005, p. 11) que acrescenta sobre a questão territorial

indígena, onde:

Suas terras férteis e dadivosas, suas florestas, seus rios, a caça e a pesca, tudo lhes foi tomado. Alguns possuem terras que não lhes pertencem porque foram arrendadas e a força política muitas vezes, com sustentação de órgãos do governo, não rescinde o contrato e o mesmo se perpetua, sendo a família índia obrigada a ser empregada do arrendatário.

Portanto, neste capítulo, contar-se-á o processo histórico de criação, delimitação e

demarcação do Distrito de Taunay e aldeias circunvizinhas, a fim de clarear essa dinâmica

conflituosa, e também, apresentar-se-á elementos secundários e registros fotográficos

aplicados pela técnica de observação, proposto metodologicamente, para se compreender os

mecanismos/estratégias que indígenas e não-indígenas desenvolvem para viverem

conjuntamente.

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2.1 Processo Histórico e Caracterização do Distrito de Taunay e das Aldeias

Circunvizinhas

Neste item, por meio de fontes secundárias8, (BRASIL, 2004) de forma sintetizada,

apresentar-se-á um relato quanto ao processo de ocupação e uso das terras indígenas no Sul do

Estado de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), e posteriormente chegando à criação do

Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas, além de relatar, como se deu a gênese dos

conflitos nestas terras.

Os povos indígenas, especificamente os Terena, são descendentes dos antigos

Guaná-Txané, os Terena contemporâneos falam uma língua da família linguística Aruak. Os

Guaná, até pouco tempo depois da Guerra do Paraguai, estavam separados em quatro

subgrupos (Terena/Etelenoé, Echoaladi, Kinikinawa e Laiana), contudo, atualmente se

reconhecem como “Terena”.

A eclosão do conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e

Uruguai), no final de 1864, viria afetar a vida em todas as aldeias Guaná-Txané. Um dos

palcos do conflito foi justamente o território destes povos e, como eram aliados dos

brasileiros, sofreram ataques por parte das tropas paraguaias invasoras. Muitas aldeias foram

incendiadas pelos invasores e todas as aldeias então existentes na região dos rios Miranda e

Aquidauana se dispersaram, com seus habitantes buscando refúgio em serras e terrenos

incultos inacessíveis na região ou nas serras de Maracaju (BRASIL, 2004).

Findo o conflito com o Paraguai, as terras das aldeias Terena passaram a ser

“apossadas” por brasileiros, em geral oficiais e soldados desmobilizados do exército brasileiro

e comerciantes que lucraram com a guerra – e que permaneceram na região. Aqueles novos

colonizadores – a maioria chegada de regiões do Brasil onde a relação com as populações

indígenas era fundada na prepotência e no desprezo ao “bugre” – desconheciam qual havia

sido o papel fundamental dos Terena para a conquista e manutenção daquela região em mãos

brasileiras e os motivos que os levaram a abandonar temporariamente seus territórios

tradicionais.

Os índios se surpreenderam com o caráter eminentemente predador destes novos

purutuyé (não-indígenas) e recorreram como puderam às autoridades de Cuiabá – que antes os

tratavam com o respeito devido aos aliados – para defenderem suas terras; agora, sem

8 Referência: Processo FUNAI/BSB nº 0289/85. Terra Indígena: Taunay-Ypegue. Superfície: 33.900 ha. Perímetro: 78.500 m. Município: Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul. Sociedade Indígena: Terena. População: 3.880 hab. Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 1.155/PRES de 13/11/00 (DOU de 14/11/00).

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sucesso. Este tempo do pós-guerra é conhecido pela maioria dos Terena contemporâneos

como “o tempo da servidão” (MIRANDA, 2006).

É a época, em fins do século XIX, em que se intensifica a abertura dos

estabelecimentos pecuários na região, com apoio das autoridades do Império. Todos aqueles

empreendimentos só foram possíveis graças a “liberação” forçada das terras indígenas e pelo

uso intensivo da mão-de-obra indígena, então disponível, pela circunstância.

É este o território que os velhos habitantes das aldeias da Terra Indígena Taunay-

Ypegue reconhecem, ainda hoje, quando definem os limites daquela terra indígena. Contudo,

a partir de 1892, o governo do Estado do Mato Grosso passaria a expedir títulos provisórios

de aquisição e/ou legitimação de posse para terceiros dentro dos limites reconhecidos pelos

Terena do Ypegue, transformando de direito, mas não de fato, parcelas de terras daquela

ocupação indígena tradicional em “terras devolutas sujeitas a legitimação”.

A continuidade histórica da ocupação Terena no interflúvio Miranda-Aquidauana

remonta às primeiras décadas do século XIX, quando Miranda era apenas um Presídio

abastecido por estes mesmos índios. Os depoimentos de anciãos Terena nascidos nas décadas

de 1910 e 1920, seja na “Reserva” do Ypegue, demarcada por Rondon em 1905, ou em

“fazendas” da região que fazem parte do território tradicional Terena dali, demonstram que a

influência indígena na região nunca arrefeceu, e que a criação de um espaço arbitrário (a

Reserva) jamais constituiu em obstáculo para a continuidade do uso e ocupação indígena nas

áreas que os Terena do Ypegue tinham (e têm) como de ocupação tradicional.

A atual aldeia Bananal tem sua origem registrada desde o final do século XIX

(1894). Foi nessa aldeia, em 27.08.1905, o local onde Rondon realizou audiências antes de

iniciar a demarcação da “Reserva” do Ypegue naquele ano. Mesmo quando grande parte dos

territórios tradicionais desses Terena do Ypegue lhes foram expropriados indevidamente.

As alterações nos padrões históricos da ocupação territorial Terena em Taunay-

Ypegue ao longo dos anos, assim como as alterações no modo de produção tradicional estão

atualmente determinados pela redução territorial explicitada pelo confinamento, cujo espaço

atual é insuficiente para possibilitar àqueles Terena um futuro com um mínimo de dignidade

(BRASIL, 2004).

Sendo assim, informa-se que o Distrito de Taunay situa-se no início da planície

pantaneira, divisa no planalto brasileiro com as escarpas da Serra de Maracaju. Pelo decreto-

lei federal nº 6.550, de 31/05/1944, o Distrito de Taunay pertence ao município de

Aquidauana, localizando-se no km 530, da BR 262 entre os municípios de Aquidauana e

Miranda, no sentido Campo Grande-Corumbá-MS, conforme figura 1.

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Figura 1: Representação da localização do Distrito de Taunay.

Para avançar nessa pesquisa, e mostrar numericamente, e como os números tornam-

se, em épocas distintas, importantes e não importantes, respectivamente, no período eleitoral e

pós-eleições, apresenta-se o contingente populacional das aldeias indígenas que circundam o

Distrito de Taunay, dados estes cedidos pela Fundação Nacional de Saúde, em 2011,

conforme o tabela 1.

Tabela 1: Caracterização Demográfica, Étnico-Cultural dos Povos Indígenas do DSEI -

Distrito Sanitário Especial Indígena MS

Cinta Larga Guarani Kadiweu Kaiowa Kinikinawa Terena Total

Água Branca 2 - - - - 701 703

Bananal - 1 - - - 1.169 1.170

Colônia Nova - - - - - 189 189

Imbirussú - 2 1 1 - 184 188

Lagoinha - 1 - 1 2 612 616

Morrinho - - - - - 280 280

Ypegue - - - 2 - 942 944

Total 2 4 1 4 2 4077 4090

Fonte: FUNASA, 2011 – adaptado pelo Autor, 2012 (Trabalho de Campo).

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Ao se analisar o tabela 1, constata-se que esse contingente populacional corresponde

a aproximadamente 10% da população do município de Aquidauana-MS.

2.2 Caracterização dos Atores, dos Locais de Interação e da Natureza da Pesquisa

Para a realização dessa pesquisa, entrevistaram-se vinte e cinco pessoas, que foram

escolhidas segundo a representatividade que as mesmas possuem no Distrito e nas Aldeias

circunvizinhas, a fim de, conforme proposto na metodologia, obter o máximo de informações

precisas e de maneira imparcial, a fim de não tornar prejudicial à análise e os resultados desta

pesquisa.

No entanto, quando se vai analisar o território, parte-se da caracterização dos atores,

dos locais de interação e da natureza, configurando o que Santos (2004, p. 128) diz que os

“[...] componentes não estão isolados. Apresentam padrões de distribuição no território e

estão relacionados em uma intricada rede de interações que determinam funções e

comportamentos”.

Por isso, na tentativa de apresentar e correlacionar essa interação, direta e/ou indireta,

respectivamente, em que a primeira é para se entender a natureza do contato interétnico no

processo de integração, enquanto que na segunda forma, como a presença, mais acentuada de

um limite estabelecido e/ou imposto, observa-se a tabela 2:

Tabela 2: Correlação dos atores sociais com o objeto

Escolas AMDT AMIDT Igrejas Correios ESF Comércio P.PM. Indígenas D D/I D D D/I D D/I I/D Não-indígenas D D I D D D D D

Legenda: D – Relação Direta; I – Relação Indireta; AMDT – Associação de Moradores do Distrito de Taunay; AMIDT – Associação de Moradores Indígenas do Distrito de Taunay; ESF – Estratégia de Saúde Familiar; P.PM – Posto da Policia Militar Fonte: Trabalho de Campo, 2012.

Diante dos dados apresentados na tabela 2, que foram os atores sociais, indígenas e

não-indígenas, bem como os objetos (escolas; AMDT; AMIDT; Igrejas; Correios; ESF;

Comércio; Posto Policial), tentar-se-á apresentar a natureza dessa relação, bem como

caracterizar a relação atribuída a cada objeto participado pelos atores sociais. Destaca-se que

essa análise engloba o Distrito de Taunay e ”todas” as sete (7) aldeias circunvizinhas, a fim de

maneira empírica apresentar a existência desta fronteira etnocultural.

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Para isso, conforme figura 2 e 3, apresentam-se as indicações de acesso ao Distrito

de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas na sua esfera municipal, proporcionando de forma

direta uma relação interétnica, mas também, observa-se na esfera federal, o estabelecimento

do limite por meio da sinalização indicativa nesta conjuntura socioespacial.

Figura 2: Placa indicativa de entrada ao Distrito de Taunay e Aldeias.

(Autor, 2011)

Figura 3: Placa que delimita a entrada nas Terras Indígenas.

(Autor, 2011)

Sendo assim, reporta-se a Bourdieu (2010, p. 133-134) que explica essa forma de

ocupar e utilizar o território na ótica das relações sociais e de poder em que para:

[...] assim representar o mundo social em forma de um espaço (a várias dimensões) construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor delas, força ou poder neste universo.

Ora, diante disso, percebe-se uma contradição de acesso às aldeias, em que o não

cumprimento da placa indicativa, determinada pelo governo federal que diz: “[...] Terra

Indígena com acesso interditado a pessoas estranhas [...]”, por parte dos não-indígenas,

segundo Bourdieu (2010, p. 134), desencadeia um “campo de forças”, e que este pode dar a

eclosão de uma situação de conflito, bem como proporcionar as interações.

Diante dessa questão de identificação e demarcação do território, recorre-se a

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 112-113) onde informam que:

Tais processos são organizacionais precisamente na medida em que não derivam da psicologia dos indivíduos, mas da constituição de espaços

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cênicos e das operações externas que os atores aí realizam uns com os outros. É nesses espaços que os atributos culturais adquirem um valor expressivo (e podem então ser altamente seletivos), não como revelador de uma realidade subjetiva, até mesmo inefável, mas como reivindicação a ser julgada como ’um certo tipo de pessoa’, reivindicação pública que necessita ser publicamente validada e ratificada e que supõe um idioma convencional comum.

Ora, isso remete-nos a analisar a grande preocupação que os índios Terena têm dessa

presença significativa de não-indígenas em suas terras, em decorrência da situação territorial

(demarcação de terras), e acrescenta-se a esta preocupação com a perda de um “atributo

cultural”, decorrente da comunicação, que é a língua falada pelo povo Terena, no contato com

os não indígenas em suas terras.

Em seguida, têm-se as figuras 4 e 5, que mostram como esses povos indígenas e não-

indígenas se organizam no território em meio a relações diretas e indiretas uns com os outros,

em prol das territorialidades do poder no território, ou seja, a estratégia que cada indivíduo

usa para se manter no espaço territorial.

Isso, conforme Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 196), caracteriza que “[...] a

fronteira étnica canaliza a vida social – ela acarreta de um modo frequente uma organização

muito complexa nas relações sociais e comportamentais”, isso se torna evidente quando,

conforme figura 4, encontra-se construída uma ”Associação de Moradores do Distrito de

Taunay – AMDT”.

Figura 4: Associação de Moradores do Distrito de Taunay.

(Autor, 2011)

Figura 5: Posto dos correios no Distrito de Taunay.

(Autor, 2011)

A AMDT foi criada pelos povos indígenas que residiam e residem no Distrito de

Taunay, em busca de reivindicar melhorias e estabelecer contato organizado com a esfera

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pública municipal. Essa AMDT não fazia objeção quanto à participação dos povos não-

indígenas que residiam no Distrito de Taunay, sendo assim, começaram a atuar conjuntamente

em prol de interesses comuns. Tal prova de que essa relação direta, ou seja, o contato

interétnico deu êxito foi, por exemplo, com a implantação de um correspondente postal dos

correios e um posto telefônico (vide figura 5), que até hoje é cuidado pela AMDT.

Observa-se que nas figuras 4 e 5, respectivamente, a infraestrutura de uma

associação de moradores, bem como de um correspondente postal dos correios e um posto

telefônico, mostra que nas terras indígenas são encontrados equipamentos urbanos, em que

estes são utilizados pelos não-indígenas. Tais equipamentos presentes em terras indígenas não

os descaracterizam, mas sim, proporcionam agilidade e acompanhamento as dinâmicas

oriundas do sistema, não os apontando como ”atrasados”.

Diante do exposto, acrescentam-se duas situações importantes dessa relação direta e

indireta entre os povos indígenas e não-indígenas, dentro dos ensinamentos de Raffestin

(1993, p. 58), que mostra que “o poder visa o controle e a dominação sobre os homens e sobre

as coisas”, contudo na perspectiva de esclarecer essa dinâmica etnocultural: a) Segundo os

indígenas do Distrito de Taunay, a AMDT começou a agir por interesses próprios, ou seja,

com a vertente em prol dos não-indígenas, por isso, os indígenas criaram a Associação de

Moradores Indígenas do Distrito de Taunay – AMIDT, presidida hoje por um indígena, em

que este foi o fundador da AMDT, que atualmente, encontra-se presidida por um não

indígena; b) As instalações do correspondente postal dos correios são cuidadas pela AMDT,

conforme informação acima, acrescenta-se que os correios (segundo a regional de

Aquidauana) por não ter uma demanda acentuada, não disponibilizam carteiros, por isso, as

entregas das correspondências aos indígenas e não-indígenas são feitas pelo filho do

presidente da AMDT, que por mais que haja divergência no poder de quem responde por tal

benefício a comunidade local, há a interação, muitas das vezes pela necessidade do sistema.

A fim de substanciar as informações ditas no parágrafo anterior, com essas relações

etnoculturais existentes, em iminência do poder, no processo organizacional do território,

reporta-se a Raffestin (1993, p. 59) onde retrata que:

Cada organização procura reforçar sua posição obtendo trunfos suplementares, de tal modo que possa pesar mais que outras na competição: “o poder (político) aparece, em consequência, como um produto da competição e como um meio de contê-la”. Obter trunfos suplementares não significa, de modo algum, “possuí-los” ou “dominá-los”. Simplesmente pode se tratar de exercer um controle [...].

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Ora, isso explica o porquê da criação exclusiva de uma Associação de Moradores

Indígenas do Distrito de Taunay. Observou-se que para os indígenas, eles estavam perdendo o

poder de representação e de atendimento às suas demandas e/ou reivindicações. A AMIDT os

traria de volta às esferas do poder perante a sua comunidade.

Dando continuidade a essa relação direta e indireta dos atores sociais em meio aos

objetos identificados, observaram-se dois tipos de objetos, conforme figuras 6; 7; 8 e 9,

entendidos como relevantes para tal análise, que são: as escolas indígenas e as instituições

religiosas (igrejas), tanto no Distrito de Taunay como nas Aldeias Circunvizinhas, ou seja,

mostrando que esses locais (objetos) não impedem o contato etnocultural. Explica-se a

presença desse pesquisador, em algumas das figuras, para enfatizar a importância do contato

interétnico, mostrando que para o ocorrido, primeiro houve, principalmente, a aceitação da

comunidade indígena local, bem como da FUNAI.

Figura 6: Escola Evangélica Lourenço Buckman (Indígena) no Distrito de Taunay.

(Diretora, 2011)

Figura 7: Escola General Rondon (Indígena) na Aldeia Bananal.

(Autor, 2011)

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Figura 8: Escola Indígena, de 1° e 2° Grau, na Aldeia Bananal.

(Autor, 2011)

Figura 9: Igreja na Terra Indígena da Aldeia Lagoinha.

(Autor, 2011) Diante do apresentado, corroboram-se as palavras de Poutignat e Streiff-Fenart

(1998, p. 155) em que “[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira nunca

chegam a impedir que um determinado número de indivíduos a transponha [...]”, ora, percebe-

se que há permeabilidade e/ou transposição dessa fronteira etnocultural, evidente nas questões

educacionais, em decorrência da distância, onde as escolas da área urbana de Aquidauana

mais próximas encontram-se a aproximadamente 52 km. Portanto, se faz necessário o

cumprimento do direito à criança que é a educação, e para isso, adaptar-se aos mecanismos já

estabelecidos pelas escolas nas terras indígenas. Outro ponto importante é sobre a questão

religiosa, em que nos templos existentes no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas

não há acepção de pessoas quanto a sua representatividade/distinção étnica, sendo assim,

constituindo-se numa relação direta de contato interétnico em prol de uma fé.

Portanto, nessa questão religiosa, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 156),

“um grupo pode adotar os traços culturais de um outro, como a língua e a religião, e contudo

continuar a ser percebido e a perceber-se como distintivo”, ou seja, a aceitação pela mesma ou

“[...] a mudança de religião é justamente um meio de reforçar a solidariedade interna do grupo

e a diferenciação externa com outros grupos” (p. 157).

No sentido de se tentar compreender essa relação dinâmica nessa fronteira

etnocultural, ora conflituosa, ora em virtude das territorialidades, relata-se, por meio das

observações realizadas, como se desencadeia, tanto no Distrito de Taunay, como nas aldeias

circunvizinhas, a transposição desse limite, em decorrência do contato interétnico,

principalmente, e muito bem caracterizado, nas escolas presentes, conforme figuras 10; 11;

12; e 13, que serão caracterizadas a seguir.

Nas figuras 10 e 11, distintamente, existem 03 (três) grupos étnicos, que são: a)

índias Terena; b) não-indígenas (quinta menina da esquerda para direita, de cabelos loiros) e;

c) índios Xavantes. Diante da observação desse contato interétnico, reporta-se a Poutignat e

Streiff-Fenart (1998, p. 157) em que: “a cooperação dos membros para a manutenção das

fronteiras é uma condição necessária [...]”. Essa condição só é necessária porque as escolas

identificadas permitem que tal realidade aconteça sem distinção e/ou evidencias de

preconceitos.

É também, nas escolas, conforme figuras 12 e 13, que acontecem a oportunidade das

trocas culturais, bem como a gênese do despertar de um sentimento de pertença ao lugar,

fazendo assim, com que as práticas culturais exercidas por um grupo étnico diferente, possam

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ser aprendidas, praticadas, e no decorrer da situação temporal, a pessoa, por exemplo, a não

indígena, pode se identificar como indígena.

Para isso, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143), em que “o fato de

nomear tem o poder de fazer existir na realidade uma coletividade de indivíduos a despeito do

que os indivíduos assim nomeados pensam de sua pertença a uma determinada coletividade”,

ora pelo convívio estabelecido, o não indígena, por meio de práticas culturais aprendidas e

praticadas, pode ser identificado como indígena por outrem, como também pode não ser.

Figura 10: Indígenas e não-indígenas preparadas para a dança Terena – putu-putu.

(Autor, 2011)

Figura 11: Apresentação cultural de indígenas Xavantes do Norte de Mato Grosso.

(Autor, 2011)

Figura 12: Apresentação cultural de crianças indígenas e não-indígenas.

(Autor, 2011)

Figura 13: Professor de História, não indígena com seu aluno, indígena, Xavante.

(Autor, 2011)

Ratificando as informações diagnosticadas pela prática da técnica de observação, este

pesquisador-participante percebeu, após sua aceitação de permanência nas terras indígenas

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por parte das lideranças, e em conformidade com as exigências da FUNAI e do CEP-UFMS, a

importância do contato interétnico e das relações interpessoais de troca, conforme se observa

nas figuras 14 e 15.

Figura 14: Pesquisador aplicando temática transversal aos indígenas.

(Diretora, 2010)

Figura 15: Capacitação pedagógica entre professores indígenas e não-indígenas.

(Diretora, 2010)

As figuras 14 e 15 apresentam, como apontam Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.

143), que: “um grupo não pode ignorar o modo pelo qual os não-membros o categorizam”,

ou a participação destes (não-indígenas) no território ou grupo dos indígenas. Acrescenta-se

nas palavras dos autores Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 139) que:

[...] os agrupamentos se autodefinem como unidades independentes ou interdependentes, dentro da comunidade humana, formulam identidades coletivas em contraste umas com as outras e descrevem os outros e a si mesmos em termos simbólicos como semelhantes, se bem que diferentes.

Portanto, após as observações, num primeiro momento, realizadas, tem-se ainda de

forma preliminar de apontar que as fronteiras etnoculturais existentes no território indígena,

Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, se dão pelas relações de limite, bem como e,

principalmente, pelas territorialidades. Na perspectiva de Sack (1986), tais realizações são ”as

estratégias” para a transposição desses limites, proporcionando a interação interétnica, ora

conflituosa, ora para interesses comuns.

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2.3 Caracterização da Fronteira Etnocultural do Distrito de Taunay e das Aldeias

Circunvizinhas

Neste item, serão caracterizados o Distrito de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas

por meio do apontamento de sua formação político-administrativa. Além disso, será relatado o

processo histórico de uso e ocupação dos povos indígenas no Brasil e no Estado de Mato

Grosso do Sul, com ênfase na etnia Terena, mas não deixando de citar outras etnias quando se

julgar necessário.

Segundo o IBGE9, Aquidauana foi elevada à categoria de município e distrito, pela

Lei Estadual nº 467, de 18-12-1906, desmembrando-se do município de Miranda, com sede

na Freguesia Alto Aquidauana e constituída do distrito sede. Foi instalada em 03-05-1907 e

elevada à categoria de comarca, pela lei nº 549, de 20-07-1910.

Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, a vila, constituída pelo distrito

sede, é elevada à condição de cidade, com a denominação de Aquidauana, pela lei estadual nº

772, de 16-07-1918. Então, em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é

constituído do distrito sede.

Em divisões territoriais datadas de 31-XII-1936 e 31-XII-1937, o município aparece

constituído de 5 distritos: Aquidauana, Corguinho, Correntes, Igrapiuna e Taunay. Pelo

Decreto-Lei Estadual nº 145, de 29-03-1938, o distrito de Igrapiuna tomou o nome de Santa

Fé. Pelo Decreto-Lei Estadual nº 208, de 26-12-1938, o distrito de Santa Fé (ex-Igrapiuna),

foi extinto, sendo seu território anexado ao distrito sede do município de Aquidauana. Pelo

mesmo decreto-lei, o distrito de Corrente tomou o nome de Palmeiras.

No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município é constituído

de 4 distritos: Aquidauana, Corguinho, Palmeiras (ex-Correntes) e Taunay. Pelo Decreto-Lei

Estadual nº 545, de 31-12-1943, o distrito de Palmeiras tomou o nome de Jango e, pelo

mesmo decreto, o distrito de Taunay foi transferido de Aquidauana para o município de

Miranda.

Pelo Decreto-Lei Federal nº 6550, de 31-05-1944, o distrito de Taunay volta a

pertencer ao município de Aquidauana. Por outro lado, no quadro fixado para vigorar no

período de 1944-1948, o município é constituído de 4 distritos: Aquidauana, Corguinho,

Jango e Taunay. Pela Lei nº 204, de 23-11-1948, o distrito de Corguinho, foi transferido de

9 Disponível em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=500110#>. Acesso em 30 de agosto de 2012.

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Aquidauana para Rochedo. Em divisão administrativa referente ao ano de 1-VII-1950, o

município é constituído de 3 distritos: Aquidauana, Jango e Taunay, assim permanecendo em

divisão territorial datada de 1-VII-1955.

Pela Lei Estadual nº 1164, de 20-11-1958, os municípios de Anastácio, Cipolândia,

Camisão e Piraputanga foram criados e anexados a Aquidauana. Em divisão territorial datada

de 1-VII-1960, o município é constituído de 7 distritos: Aquidauana, Anastácio, Camisão,

Cipolândia, Jango, Piraputanga e Taunay, de modo a permanecer em divisão territorial datada

de 31-XII-1963.

Pela Lei Estadual nº 2143, de 18-03-1964, desmembram do município de

Aquidauana os distritos de Anastácio e Palmeiras (ex-Jango), alterados pela mesma Lei

Estadual citada anteriormente, para constituir o novo município de Anastácio. Em divisão

territorial datada de 31-XII-1968, o município é constituído de 5 distritos: Aquidauana,

Camisão, Cipolândia, Piraputanga e Taunay e assim permanece em atual divisão territorial.

A partir do século XIX, a etnografia sul-americana registrou a existência dos Terena

no Brasil, especificamente na região pantaneira, após a travessia do “Huveona Kaxeonó” (rio

Paraguai), caminhando na direção das terras do atual Estado de Mato Grosso do Sul. Foi nas

proximidades de Miranda que os Terena instalaram um dos primeiros aldeamentos, como

monumento marcante da chegada do “Exiva10”.

Quando pareciam estar em paz, os Terena tiveram que participar da Guerra do

Paraguai, combatendo os invasores em defesa do território brasileiro. Em troca, negociaram

com os “purútuye11” a demarcação de terras indígenas para garantir a sobrevivência do grupo

étnico. Após a Guerra do Paraguai, os Terena foram reconstituindo os seus aldeamentos em

diversos lugares. Muitos estavam dispersos em fazendas, buscando abrigo e trabalho no

campo. Criaram novos aldeamentos, local de abrigo e refúgio em consequência da invasão

“Kaxeonó” (paraguaia).

Os aldeamentos estabelecidos no município de Aquidauana, resultaram do

reagrupamento dos Terena após a Guerra do Paraguai, em particular as aldeias Bananal e

Ypegue, que são aldeamentos mais antigos. Outros foram destruídos e os atuais receberam

nova formatação espacial imposta, sobretudo pelos coordenadores do antigo SPI (Serviço de

Proteção aos Índios, hoje FUNAI).

10 Exiva na lingua Terena refere-se ao “chaco” Paraguaio. 11 Purútuye na língua Terena refere-se aos não indígenas, preferencialmente os “brancos”.

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O novo modelo espacial-geográfico, impresso em terras indígenas (especialmente as

Aldeias Bananal e Ypegue) foi copiado da planta das cidades dos brancos, com ruas paralelas

e transversais, formando quadras. Mais tarde, com a implantação das redes de água encanada

e de energia elétrica, a iluminação das “ruas”, além do transporte coletivo da aldeia para a

cidade — típicas de uma organização espacial urbana não indígena —, a etnia Terena

deparou-se com a interferência avassaladora do modelo espacial-geografico imposto pelos

não indígenas, hoje tem o desafio de reconstruir a sua identidade territorial e cultural.

A infraestrutura “civilizada” implantada na aldeia foi iniciativa dos órgãos públicos,

visando à emancipação do índio, política adotada pelos agentes do SPI e FUNAI, que afetou

diretamente a vida e os valores culturais dos Terena. Outra política implantada, com uma

visão colonialista e expansionista na região do Pantanal Sul-Matogrossense, foi a construção

da estrada de ferro Noroeste do Brasil e da rede telegráfica, iniciada no século XX e

comandada por Marechal Cândido Mariano Rondon que contou com a mão-de-obra indígena.

Essas iniciativas impactaram profundamente a vida social e cultural dos povos

indígenas, em especial aqueles localizados nos arredores do Distrito de Taunay, Município de

Aquidauana, Mato Grosso do Sul. No final do século XX, as aldeias do Distrito de Taunay

receberam diversos projetos dos poderes públicos, que tratavam de facilitar a relação do

Terena com o mundo dos brancos. Incentivaram-se a implantação profissional de padarias e

bicicletarias, o uso de tratores com implementos agrícolas e a agroindústria com implementos

para a fabricação de rapadura de cana-de-açúcar e farinha de mandioca.

Observou-se no contexto histórico que a Aldeia Bananal, por ser a mais antiga,

devido sua maior densidade populacional e que está centralizada e é centralizadora das

decisões, sendo assim, influencia as outras aldeias. Já a aldeia conhecida como Lagoinha

pelos purútuye, e cujo nome tradicional é “Kali Lâvona12”, sempre foi fornecedora de índios

na formação de novas aldeias no seu entorno. Localizada a um quilômetro da Aldeia Bananal,

a Aldeia Lagoinha nasceu em decorrência do cultivo de roças dos índios vindos de Bananal,

local escolhido por ficar longe dos animais de pequeno porte.

Chama-se a atenção para a necessidade de se compreender e valorizar o processo

decisório indígena. O respeito aos valores culturais evidenciados nessa negociação, bem como

o processo decisório em si, tem o potencial de minimizar os equívocos verificados ao longo

da história do contato entre esses povos e maximizar os seus benefícios, desde que observados

a partir da ótica indígena. As políticas públicas precisam levar em consideração as

12 Kali Lâvona, na língua Terena, significa “pequeno lago”.

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características culturais de cada povo, a forma tradicional de sua organização, economia,

território, não generalizando aspectos localizados, autoridades e organizações que pretendem

implementar projetos de desenvolvimento comunitário.

A guerra exigiu o sacrifício de muitos e o derramamento de sangue de povos

indígenas. Logo, iniciou-se a fase da “servidão”, quando se viram forçados a trabalhar nas

fazendas de gado, o que exigiu energia e resistência dos índios na exploração de mão-de-obra

pelos latifúndios. Com isso, Baltazar (2010) afirma que 80% da peonada eram de índios,

sendo que o serviço doméstico nas casas dos patrões sempre foi exercido pelas mulheres

indígenas.

Rondon, quando esteve à frente da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas no

(então) Estado de Mato Grosso (1901), relatou os conflitos acirrados entre índios e

fazendeiros que chegaram ao seu conhecimento, a ponto de fazê-lo escrever cartas aos

fazendeiros, pedindo-lhes que evitassem a carnificina que ameaçava a população indígena.

As lideranças indígenas puseram em cheque os valores dos promotores do projeto,

contrapondo a eles os valores culturais indígenas, que priorizam o consenso, a igualdade de

benefícios, e a união das populações autóctones. A comissão executora do projeto rendeu-se à

sabedoria Terena e repensou a forma de compensação a partir das contrapropostas feitas pelos

representantes indígenas.

No final do século XVIII, os Terena foram afetados pela disputa do território entre

portugueses e espanhóis. Os portugueses logo se preocuparam em defender a fronteira contra

os invasores construindo o Forte Militar de Dourados, o Forte de Coimbra e o Presídio de

Miranda. Já os espanhóis estavam preocupados com a instalação de fazendas e com a

produção agropecuária para garantir o povoamento da terra e, ao mesmo tempo, com a

expulsão de diversos povos instalados no Pantanal Sul-mato-grossense. Esse fato levou os

Guaicuru e os Terena a fazerem alianças para combater os invasores.

Terminada a Guerra do Paraguai, em 1870, a ocupação de terras pelos fazendeiros e

colonizadores no Centro-Oeste brasileiro começou a se multiplicar. O incentivo do governo

republicano para povoar e, ao mesmo tempo, cuidar a fronteira do Brasil, encontrou resposta

rápida desses grupos de colonos.

Essa fase de reorganização socioespacial serviu para a consolidação das fronteiras

das áreas indígenas e foi importante para assegurar um lugar de reagrupamento de grupos

familiares. Os remanescentes Terena que trabalhavam nas fazendas da região iniciaram um

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processo de reagrupamento, visando a sobrevivência como etnia e à reprodução cultural e

populacional do grupo.

Segundo Baltazar (2010), nesta nova etapa de vida, os Terena passaram a conviver

com outros grupos originários de diferentes regiões, que se revelavam heterogêneos e

desconhecidos, como os purútuye, na sua maioria, originários de outras regiões do Brasil, cuja

relação com os índios era fundada na prepotência e no desprezo ao bugre. Esse era um

indicativo de que o caminho à sua frente seria de sofrimento e violência.

O reconhecimento de Rondon pelos serviços prestados pelos grupos indígenas e o

respeito pelas suas decisões, sabendo que estava diante de uma fronteira natural bem

demarcada pelos índios, foi patente nos aspectos administrativos do seu trabalho como

“pacificador” dos índios. O conhecimento e o domínio do seu espaço ecológico permitiram-

lhe delimitar as áreas territoriais indígenas entre os vários grupos, de modo que cada um

respeitasse as suas áreas de perambulação13 natural

Tradicionalmente, os Terena apresentam relativa mobilidade espacial e geográfica,

que se justifica pela busca de suprimento alimentar e pela prática de uma agricultura de

subsistência, levando-os à procura de novas terras férteis para o plantio. A partir do contato

com o mundo dos brancos, os Terena posteriormente trabalharam em fazendas nos arredores

das aldeias. Nos dias atuais, a dinâmica da sua subsistência é mais intensa, com sua dispersão

por diversas cidades e estados do Brasil, à procura de melhores condições de vida.

As experiências advindas dos envolvimentos, de forma intensa, com a sociedade

nacional capitalista, aconteceram de duas maneiras. Primeiramente, alguns índios trabalhavam

fora da Aldeia, como empregados nas fazendas regionais, passando a relacionar-se com

populações não-indígenas, geralmente opressoras e exploradoras da mão-de-obra Terena.

Posteriormente, dentro das aldeias, conviveram com a presença de missionários

protestantes e católicos (além de representantes do governo), que dividiam as famílias no jogo

de interesses na evangelização e catequização. Desse modo, as opções de sobrevivência

tornaram-se mais complexas. Por outro lado, o trabalho missionário por meio da Escola

trouxe a preparação mínima para disputar o mercado de trabalho fora da aldeia, incentivando

a saída em busca de melhores condições de vida para a família.

A presença dos Terena em Aquidauana justifica-se pela busca de melhores condições

de vida e melhor educação para os seus filhos. Na base desse deslocamento está o desejo de

trabalhar na sociedade urbana como assalariado, muitas vezes sem nenhuma qualificação

13 Passeio natural, vagueamento natural.

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profissional. Geralmente desempenham trabalho braçal, como “changueiros”, guardas

noturnos e ajudantes de pedreiro. Quando são contratados pelo poder público municipal,

trabalham como garis, cortadores de árvores ou em serviços gerais.

Esse fenômeno sociocultural de subordinação dos Terena ao Estado possibilitou a

inter-relação com o mundo não indígena, que o levou a incorporar novos hábitos e costumes

desconhecidos até então. Neste processo, que aconteceu ao longo dos anos, vários foram os

empreendimentos governamentais que favoreceram a ocupação e a integração nacional da

região pantaneira.

A presença da relação Estado/Nação se estabeleceu nas proximidades das aldeias

com a construção das ferrovias e rodovias, onde os Terena foram, cada vez mais, atraídos às

cidades, especialmente Aquidauana, Anastácio e Campo Grande, no Estado do Mato Grosso

do Sul, e mesmo além, como, por exemplo, a aldeia Araribá, próxima a Bauru/SP, Mogi das

Cruzes/SP, Peixoto de Azevedo/MT (BALTAZAR, 2010), para a comercialização dos seus

produtos e a compra de gêneros alimentícios.

Outro fator de mobilidade são os casamentos entre índios e purútuye. O número de

mulheres Terena que se casam com brancos supera em muito o de homens Terena que buscam

esposas não-indígenas. A proibição de morar com marido não indígena dentro da aldeia é

submetida aos costumes tradicionais, que foram estabelecidas pelos Terena como uma

maneira de protegê-los de eventual interferência em setores críticos da vida social e cultural

dos moradores. Os velhos, pela sua experiência de vida, parecem acertar nessa política de

segregação, pois fatos dessa natureza já haviam acontecido com eles.

A exploração de mão-de-obra indígena continuava por meio de baixos salários,

obrigando o indígena a trabalhar horas extras para conseguir recursos para o sustento familiar.

Hoje, é raro ver a presença do “patrão” na aldeia, como eram conhecidos os recrutadores de

índios Terena para o corte de cana-de-açúcar nas destilarias de álcool do Estado.

Hoje, há duas empresas de ônibus que levam pessoas das aldeias para Aquidauana e

região, intensificando o contato com a população urbana. As idas constantes às cidades são

motivadas pela necessidade de receberem sua aposentadoria, comprar gêneros alimentícios,

escoar suas especiarias para comercialização, principalmente no Mercado Municipal de

Campo Grande – conhecido como “Mercadão” e, sobretudo, para reivindicar seus direitos

junto ao poder público, especialmente a FUNAI.

Mesmo com a intensa relação com os purútuye, inclusive na interação com

representantes políticos na qualidade de eleitores indígenas, os Terena exibem poucas

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conquistas públicas diante de suas necessidades. Após anos de conflitos, as políticas públicas

não encontraram uma fórmula para minimizar os impactos do contato com os brancos na vida

dos indígenas na aldeia. As iniciativas governamentais não passam de paliativos, sem

continuidade e desprovidos do respeito ao processo decisório dos Terena.

As primeiras terras indígenas criadas pelo SPI foram delimitadas com base no

conceito de gleba, usado para delimitar a área de uma propriedade rural. Dessa forma,

nenhum desses pequenos vilarejos destinados aos índios levava em conta a vida tradicional e

a relação cultural com o território. Isso restringiu muito a vivência dos índios em

determinadas regiões, especialmente no Sul, no Sudeste e em parte do Centro-Oeste

(PROGRAMA, 2009/2010). "A ideia era de que os índios tinham que ter terra como os

brancos, ou seja, lotes, glebas. Foi um erro terrível, que prejudicou tremendamente os Guarani

e os Terena, no Mato Grosso do Sul" (PROGRAMA, 2009/2010, p. 37).

O Estado de Mato Grosso do Sul abriga uma das maiores populações indígenas do

país. Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato

intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de

forma mais explícita, seja através das mulheres vendedoras nas ruas de Campo Grande, ou das

legiões de cortadores de cana-de-açúcar que periodicamente se deslocam às destilarias para

changa, o trabalho temporário nas fazendas e usinas de açúcar e álcool.

Essa intensa participação no cotidiano sul-mato-grossense favorece a atribuição aos

Terena de estereótipos tais como “aculturados” e “índios urbanos”. Tais declarações servem

para mascarar a resistência de um povo que, através dos séculos, luta para manter viva sua

cultura, sabendo positivar situações adversas ligadas ao antigo contato, além de mudanças

bruscas na paisagem, ecológica e social, que o poder colonial e, em seguida, o Estado

brasileiro os reservou.

A taxa de suicídio entre as populações indígenas do Brasil é quatro vezes maior do

que no resto do país, segundo o UNICEF. Um dos grupos analisados para a pesquisa foi

justamente o Guarani-Kaiowá, alvo de chacinas nos últimos anos. Mato Grosso do Sul e

Amazonas concentram cerca de 81% dos casos de suicídio do país. No primeiro, as taxas são

34 vezes maiores do que a média nacional. O valor sobe ainda mais entre os jovens. O Brasil

tem cinco casos de suicídio a cada cem mil habitantes; entre os jovens indígenas de MS, esse

número chega a 446 casos para cada cem mil.

Assim, enquanto o Brasil tem taxas baixas de suicídio na América Latina, essa

relação se inverte quando se trata das populações indígenas. O estudo aponta para a

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discriminação sofrida pelos indígenas, as mudanças substanciais em seu entorno, a expansão

das cidades e a especulação fundiária como situações que levam a esses altos índices.

Além disso, os jovens sentem-se impotentes para mudar a situação de suas

comunidades. Apenas em 2008, houve 17 suicídios no município de Amambai, onde vivem os

Guarani Kaiowá. Destes, nove eram adolescentes. Na cidade de Dourados, também no Mato

Grosso do Sul, foram 25 no mesmo período. Oito eram adolescentes. Mantinham a

propriedade coletiva da terra com divisão do trabalho por sexo, praticando uma agricultura

itinerante de subsistência e cultivando produtos cuja utilização depois se tornou universal,

como a mandioca, o milho, o algodão, o tabaco, o inhame e a pimenta chili. Eram governados

por líderes conhecidos como “caciques” (termo que deriva, aliás, das línguas aruak),

assessorados nas maiores comunidades, por conselhos comunitários. Alianças entre tribos

aruak foram eventualmente estabelecidas como estratégia de autodefesa contra grupos que

lhes eram hostis (como os seus belicosos vizinhos karib ou os próprios colonizadores

europeus). Valorizavam festivais mítico-religiosos e a convivência social.

No Estado de Mato Grosso do Sul, mediante os elevados índices do número de

suicídios, criou-se e lançou-se em 2011 o CONDEPI – Comitê Nacional de Defesa dos Povos

Indígenas, que tem por primazia:

Art. 1º – Fica criado o Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul com sede na cidade de Campo Grande-MS, com objetivo de defender a população indígena contra todas as formas de violência, seja por ação ou omissão, seja por parte de particulares ou do poder público.

Art. 2º – Constituem os compromissos das entidades e órgãos que integram o Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul:

I – a defesa dos direitos à vida, da integridade física e mental, da liberdade e da segurança pessoal dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.

II – a defesa dos povos e das pessoas indígenas na sua integridade como povos distintos, na preservação e divulgação de seus valores culturais e de sua identidade étnica dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.

III – a defesa da posse e das demarcações de terras indígenas e do amplo acesso aos recursos nelas existentes.

Art. 3° – A forma de atuação, de coordenação e os demais regramentos internos serão deliberados na primeira reunião presencial, no dia 24-11-2011, na sede da OAB-MS, e submetidos para consulta de todas as entidades ausentes e sediadas fora de Campo Grande, via internet, com prazo não inferior a três dias. A resposta à consulta que vise alteração da proposta inicial será submetida na segunda reunião e votada, já considerado o voto a favor do proponente e daqueles que se manifestarem via e-mail até uma hora antes da reunião.

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Com a criação do CONDEPI, os povos indígenas têm conseguido adeptos purútuye,

na esfera governamental e não governamental para auxiliá-los em virtudes destes índices

elevados de suicídios, ajudando-os na organização de reuniões e palestras, com folders

informativos dentro das aldeias indígenas.

Para efeitos de execução desta pesquisa, respeitaram-se e cumpriram-se efetivamente

as determinações da Instrução Normativa n° 01/PRESI, de 29 de novembro de 1995, que trata

das normas que disciplinam o ingresso em Terras Indígenas com finalidade de desenvolver

Pesquisa Científica. Acrescentam-se também outras legislações que tiveram de ser atendidas,

por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, principalmente, povos indígenas, de

acordo com a Resolução n° 304 de 09 de agosto de 2000 e a Portaria n° 177/PRES, de 16 de

fevereiro de 2006, que visa ao respeito aos povos indígenas, a proteção de seu patrimônio

material e imaterial relacionados à imagem, criações artísticas e culturais.

Sendo assim, faz-se uma caracterização das temáticas fronteira e etnicidade, para

evidenciar que, de maneira conjuntural, ambas subsidiam o conceito de fronteira etnocultural

que vem sendo discutido, haja vista que a fronteira envolve os limites, por meio da

demarcação do(s) espaço(s), bem como os processos territoriais. Ela (a fronteira) proporciona

as relações sociais que se estabelecem num determinado espaço, por exemplo: de vizinhança,

de solidariedade, de tensões e de conflitos. E é nestas relações sociais, que se observam as

apropriações, configurando-se num processo político inerente às relações de poder.

Já na etnicidade, percebem-se as relações de organização social que se desdobram

em demarcação de espaço, e também "[...] baseadas na atribuição categorial que classifica as

pessoas em função de sua suposta origem, validadas na interação social pela ativação de

signos culturais [...]" (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 141). É nessa maneira de

classificar que se percebem as relações de vizinhança e de conflitos, em que os grupos étnicos

distintos usam sua atribuição categorial para “ter” e “ser” o poder sobre outros, de grupos

diferentes e até do mesmo grupo étnico.

Diante das especificações acima sobre fronteira e etnicidade, acrescenta-se o Art. 231

da CF (1988) que diz:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as

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imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

É nesse sentido que estão sendo observados, por meio desta pesquisa, os elementos

comuns entre fronteira e etnicidade, como perenidade; relação social; relações de poder;

organização social; apropriações; limites; contingente e o desencadear de ações e reações. O

que foi observado nesta pesquisa contribui para o conceito de fronteira etnocultural, ou seja,

para a exposição da compreensão das dinâmicas através das territorialidades e conflitos

(pré)existentes no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas.

Com isso, de forma empírica, durante o transcorrer da pesquisa, por meio da

entrevista com os representantes das associações de moradores, os respectivos senhores,

Waldomiro Wargas, que representa a AMIDT - Associação de Moradores Indígenas do

Distrito de Taunay, e Antônio José dos Santos, que representa a AMDT - Associação de

Moradores do Distrito de Taunay, informaram das conquistas que conseguiram, por meio das

respectivas associações. Pela AMIDT, conseguiram cestas básicas, através do Programa de

Segurança Alimentar Indígena, para 62 famílias cadastradas e ainda existem cerca de 40

famílias aguardando serem cadastradas, além da construção na sede do Distrito do PSF -

Posto de Saúde Familiar.

Pela AMDT, conquistaram os seguintes benefícios para indígenas e não-indígenas: a)

caixa d'água para o Distrito; b) construção da sede da associação; c) construção do

Destacamento da Polícia Militar; d) aquisição de uma viatura da PM; e) restauração da Escola

Municipal Visconde de Taunay; f) manutenção do campo de futebol; g) convênio com

correios; h) aquisição de uma ambulância para a sede do Distrito.

Portanto, observaram-se nas relações entre as associações - A.M.D.T. e A.M.I.D.T. -

as relações etnoculturais inerentes aos interesses distintos e em comum, por meio das relações

de poder, que uma pode e/ou tenta exercer sobre a outra, no que tange a conquistas para a

comunidade de indígenas e não-indígenas.

Em seguida, de maneira geral, percebe-se que os aruak abrangem povos indígenas

ainda demograficamente vigorosos como os Terena no MS. Sendo assim, reportou-se à

Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, para visualizarmos os dados do contingente

populacional pelo número de residências nas aldeias que circundam o Distrito de Taunay.

Assim, nessas aldeias, perfaz-se uma relação étnica com os Cinta-Larga; Terena; Guarani;

Kadiwéu; Kaiowá; Kinikinawa e Xavante, conforme quadro abaixo:

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Tabela 3: Caracterização demográfica pelo número de residências dos Povos Indígenas que circundam o Distrito de Taunay, município de Aquidauana-MS.

Aldeia Caciques Residências Total 01 Água Branca Isaias Francisco 174 02 Bananal Carlos Hortêncio 301 03 Colônia Nova Oto Milton Lara 66 04 Imbirussú Jurandir Lemes 57 05 Lagoinha Alcery Marques 134 06 Morrinho Agustinho Francisco 58 07 Ypegue Alvisure Gonçalves 241

1031

Fonte: Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, 2011. Adaptado pelo autor (2012)

Diante da Tabela 3, principalmente na coluna que trata de apresentar os "Caciques",

procurou-se saber como funciona a hierarquia indígena dentro de cada aldeia. Sendo assim,

descobriu-se que a liderança indígena das aldeias circunvizinhas ao Distrito de Taunay são

compostas por 12 integrantes, distribuídos da seguinte maneira: a) 1 Cacique; b) 1 Vice-

Cacique; c) 1 Presidente do Conselho; d) 5 Diretorias (Esporte, Cultura, Educação, Saúde e

Eventos); e) 4 membros. Acrescenta-se também que as aldeias Ypegue, Colônia Nova,

Morrinho, Imbirussú e Água Branca, além de Bananal e Lagoinha, estão numa área

demarcada de 6.334 hectares de terras indígenas (BALTAZAR, 2010).

A seguir, serão expostos os resultados das entrevistas, a fim de elucidar e

exemplificar o entendimento sobre o conceito de fronteira etnocultural, em que este é oriundo

da manifestação do contato entre indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das

Aldeias circunvizinhas, e para evitar posterior desdobramento e/ou contratempo, ao nominar a

fala do entrevistado, utilizar-se-á o pseudônimo de ”Depoente”, seguido de uma sequência

numérica. Informa-se que foram entrevistados 25 representantes, tanto do Distrito de Taunay

como das aldeias indígenas circunvizinhas, e mediante análise prévia das respostas, percebeu-

se que muitas eram repetidas, por isso, resolveu-se elencar e analisar as 5 entrevistas distintas.

Os gráficos 1 a 4 retratam em distribuição percentual o total de 25 (vinte e cinco)

entrevistados, distribuídos por faixa etária, gênero, identificação étnica e onde residem.

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Gráfico 1: Mostra a distribuição por faixa etária dos entrevistados. Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Gráfico 2: Informa a distribuição pelo gênero dos entrevistados. Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

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Gráfico 3: Apresenta a maneira como os entrevistados se identificaram. Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Gráfico 4: Distingue a localização de residência dos entrevistados. Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Em seguida, de maneira empírica, apresentam-se os resultados das entrevistas (coleta

de relatos orais), destacando que não serão nominados de maneira original os entrevistados,

mas sim, utilizando pseudônimo de ”Depoente”, com respectivo sequencial numérico a frente,

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bem como ver a teoria sobre a proposta de fronteira etnocultural sendo corroborada pelas

evidências apontadas.

Ao tratarmos sobre qual a visão que os moradores “Não-indígenas” das Aldeias

Indígenas têm sobre os moradores “Indígenas” que residem nas Aldeias, percebeu-se na

resposta de um dos depoentes, que disse: "A visão que eles tem é que todos deveriam ser

igual, deveriam ter direitos iguais sendo ele índio ou não-índio" (DEPOENTE 5, 2011).

Diante dessa resposta, observa-se que o pronome eles refere-se aos ”não-indígenas”

que residem nas aldeias e que querem fazer uso e gozar dos direitos (benefícios,

principalmente os sociais e territoriais) dos povos indígenas. Nessa ótica, observa-se em

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 80) que a etnicidade designa "[...] uma forma de

organização social própria às sociedades modernas". Ora, o não indígena, no seu tempo

”acelerado”, muitas vezes conotando o tempo do indígena, como se fosse arcaico, o que se

sabe que não é fato.

Nesse mesmo prisma, fez arguições de qual a visão que os moradores “Indígenas”

das Aldeias Indígenas têm sobre os moradores “Não-indígenas” que residem nas Aldeias,

constataram-se nas respostas dos depoentes o seguinte: "Na Água Branca não tem esse

estranho", não é contra, mas não aceita (DEPOENTE 1, 2011). Diante dessa resposta, as

definições implicam a ideia de não se ter a presença do não indígena, com isso, de acordo com

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 80) "[...] um grupo que tem uma tradição cultural e um

sentido da identidade, [...] um grupo social que, no interior de um sistema sociocultural mais

amplo reivindica ou possui um estatuto [...]". No entanto, se tem uma liderança indígena que

tenta ainda preservar o mínimo de traços étnicos existentes, manifesta-se o bloqueio e/ou

situações subentendidas como preconceituosas, como por exemplo, na resposta, a frase "esse

estranho", que remete ao não indígena.

Em seguida, têm-se as palavras do próximo depoente, que disse: "Por causa de não

índios de outros estados que casaram com índias que trabalhavam nas fazendas, e também

encontrou a índia trabalhando de doméstica, e quando vem trabalhar de pedreiro"; "O índio

tem todos os direitos independente do casamento ser com a não-índia"; "A índia existe um

preconceito da liderança e dos moradores"; "O marido (não indígena) vai pode ter escritura de

bens e direito, sua presença é permissível, desde que ele se autossustente, não tem direito a

benefícios sociais"; "Tem direito a voz e não a voto"; "O não-índio passa por rejeição e

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preconceito quando se está dentro da aldeia, fica sempre em segundo plano" (DEPOENTE 2,

2011).

Nessa fala, baseou-se novamente em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 103) que

teoriza sobre a etnicidade como uma relação social lógica de poder, onde "a etnicidade como

uma forma de solidariedade que emerge em resposta à discriminação e à desigualdade e

manifesta uma grande consciência política por parte dos grupos que buscam reverter uma

lógica dominação". Isso acrescenta na relação de interação entre os distintos grupos étnicos,

indígenas e não-indígenas, mas em detrimento das questões territoriais manifesta-se as

relações de poder, daquele que já se apropriou do espaço, no caso, os indígenas.

Acrescentando resposta ainda a esta pergunta, observa-se na fala do depoente a

seguir um fato importante, a presença de imigrantes, na parte oeste do Pantanal sul-mato-

grossense, em terras indígenas, vejam: "Tem boliviano, paraguaio, purútuye (branco)"

(DEPOENTE 3, 2011). Nessa resposta, percebeu-se que o Depoente 3 tem a visão de

reciprocidade da aceitação do outro, e com isso gera muita polêmica em sua aldeia.

Para se entender melhor essa resposta do Depoente 3 reportou-se a Poutignat e

Streiff-Fenart (1998, p. 105) que diz:

[...] através da agregação de interesses individuais, mas como estratégia própria a um grupo particular que manipula, em proveito próprio, o apelo à lealdade étnica [...] onde a formação de comunidades étnicas nas sociedades em vias de modernização à capacidade das elites em mobilizar os camponeses para apoiar suas próprias pretensões de prestígio e às vantagens econômicas.

Para esta aldeia, mediante a resposta do Depoente 3, corroborada pela teoria abaixo,

entende-se e percebeu-se no diálogo com o referido depoente que a presença de imigrantes,

sendo estes indígenas e não-indígenas, podem contribuir para melhorias e benefícios na

aldeia, haja vista a dificuldade de acesso e chegada das informações em seu território. Tudo

isso é autorizado, desde que não seja ultrapassada a hierarquia (pré) concebida.

Finaliza-se essa questão com a resposta do próximo depoente que disse "A presença

do não indígena na aldeia só é permitida de acordo com a gestão do cacique"; "O caso que

tem, não atrapalha a comunidade, não-índio de Coxim (Eduardo)"; "Tem variação/aceitação

de aldeia para aldeia, exemplo no Ypegue tem mais não-indígenas" (DEPOENTE 4, 2011).

Nesse sentido, reporta-se a Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 109) onde mostra que

"[...] a etnicidade como um sistema cultural que permite aos indivíduos situar seu espaço em

uma ordem social mais ampla", em que "[...] o processo pelo qual as pessoas, por meio das

diferenças culturais, comunicam ideias sobre a distintividade humana e tentam resolver

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problemas de significação". Esse contato entre moradores indígenas e não-indígenas rompe os

paradigmas da fronteira estabelecida como limite, colocando-a com ponto de interação e

integração, proporcionando aos distintos grupos étnicos as relações sociais.

Continuando, perguntou-se aos entrevistados sobre a relação dos moradores

Indígenas e Não-indígenas das Aldeias e Distrito de Taunay com os fazendeiros, e recebeu-se

as seguintes explicações: Para o Depoente 1, "briga não tem", mas preocupa-se com a questão

territorial. Até o presente momento, os fazendeiros vizinhos ajudam (auxiliam) a todos.

Mediante essa resposta com vertente na questão territorial, reportou-se a Raffestin, (1993, p.

153) que disse: "Falar do território é fazer uma referência implícita à noção de limite que,

mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém

com uma porção do espaço. A ação desse grupo gera de imediato, a delimitação".

No segundo momento dessa resposta, percebeu-se as relações de interação social

entre estes grupos étnicos distintos, que se justifica em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.

153), pautados na concepção barthiana que dizem: "[...] a manutenção das fronteiras étnicas

necessita da organização das trocas entre os grupos e da ativação de uma série de proscrições

e de prescrições regendo suas interações". Ora, permite-se e “aceita-se” o purútuye por meio

das relações de contato e troca, desde que este (purútuye) não interfira e/ou venha a

comprometer as questões territoriais do povo Terena, principalmente desta região pesquisada.

Posteriormente, ainda dentro desta mesma questão, observam-se em conjunto, a fala

de mais quatro Depoentes, que dizem: "Existem um respeito dos fazendeiros para com os

indígenas, geram emprego e arrumam maquinários" (DEPOENTE 2, 2011). O representante

desta aldeia disse que a mesma faz divisa com 4 fazendas, e com isso tem "boa relação com as

fazendas", e também "fazem os artesanatos e vendem para as fazendas" (DEPOENTE 3,

2011). "Hoje é pacífico, e os fazendeiros tem atendido as necessidades, por meio do diálogo

prévio". "O não indígena trouxe o problema da bebida", percebe-se que os não-indígenas

(purutuye) estão preocupados com o processo demarcatório. "É só a aldeia que se mobiliza

diante das necessidades"; "O povo da aldeia tem suas necessidades atendidas somente pelos

fazendeiros, Taunay não se manifesta" (DEPOENTE 4, 2011). "Eles tem a relação de briga,

de ódio, por causa da demarcação das terras" (DEPOENTE 5, 2011).

Diante desses depoimentos, buscou-se em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 155)

que disseram: "[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira nunca chegam a

impedir que um determinado número de indivíduos a transponha, [...] a fronteira étnica

superpõe-se à fronteira social, uma reforçando a outra". Entende-se que por mais que haja um

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limite (pré) estabelecido, o contato se faz necessário e complementador, inclusive para se

fazer a distinção de tal grupo, pois "[...] os membros dos grupos minoritários que são bem-

sucedidos são percebidos como indivíduos fora da categoria" (p. 156), como por exemplo os

fazendeiros, e também aqueles que saíram das aldeias e foram estabelecer suas relações no

Distrito de Taunay.

Observou-se também, principalmente na fala do Depoente 4, justificado em

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 157) que "[...] a cooperação dos membros para a

manutenção das fronteiras é uma condição necessária da etnicidade [...]", e também, "[...] os

homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio

de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas" (RAFFESTIN, 1993, p. 158).

De acordo com o exposto, percebeu-se que essas relações de um indígena com um

não indígena estão diretamente ligadas às relações de poder (RAFFESTIN, 1993) que um

pode e quer ter sobre o outro grupo étnico, mas, visualiza-se também a cautela de alguns

depoentes quando citam o purútuye (fazendeiro), pois os veem como mecanismos e

alternativas de subsídios em meio a necessidades iminentes, e este purútuye, conforme Sack

(1986), estrategicamente atende-os, com a perspectiva de conquistar a confiança e de se

estabelecer ainda mais no território indígena.

Ainda dentro de uma vertente a essa pergunta feita, acrescentou-se outras duas, que

trataram, especificamente, sobre o quê discordam (brigam), e também sobre o que concordam.

Respectivamente tiveram-se as seguintes respostas: "Discordam porque não querem sair da

terra e brigam por causa dela" (DEPOENTE 5, 2011), e "Concordam que deveriam fazer mais

obras no Distrito" (DEPOENTE 5, 2011).

Bom, na primeira resposta, Raffestin (1993, p. 161-162) disse:

Cada sistema territorial segrega sua própria territorialidade, que os indivíduos e as sociedades vivem. A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a ’face vivida’ da ’face agida’ do poder.

Por isso, é tomando como referência esta trajetória que se observa uma interface

conflituosa, a meu ver, central no campo das políticas pelo poder do território. Em que pesem

tais divergências, surge o que Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) esclarece sobre as

fronteiras étnicas, que através da interação perspectivada, "a fronteira que os separa dos

outros é determinada por forças agindo do interior e do exterior e ela é constantemente

redefinida pela interação desses mecanismos internos e externos".

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Já na segunda resposta, observou-se que em meios às relações de convívio por

grupos etnicamente distintos, mas se unem em prol de algum benefício maior a todos, e isto é

consubstanciado nas palavras de Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 163) que diz:

Nem o fato de falarem a uma mesma língua, nem a contiguidade territorial, nem a semelhança dos costumes representam por si próprios atributos étnicos. Apenas se tornam isso quando utilizados como marcadores de pertença por aquele que reivindicam uma origem [algo] comum.

Ora, independentemente das relações (pré)existentes e demandadas por situações

conflitantes, quando algo atinge e/ou afeta o interesse comum a todos os moradores, ambos se

unem, tanto é fato, que se presenciam a formação e consolidação de associações de

moradores, indígenas e para não-indígenas no Distrito de Taunay.

Outra pergunta realizada, a fim de se tentar compreender a fronteira etnocultural

existente, refere-se sobre o que se tem a dizer sobre a união matrimonial/conjugal entre

indígenas e não-indígenas. Com essa pergunta percebe-se preocupações inerentes por parte

dos depoentes quanto ao uso (e a perda) de território; identidade e cultural, conforme segue:

"Preocupado com a língua materna"; "Preocupado com o estudo"; "O indígena não pode ficar parado"; "Porque os índios não estão morando aqui na aldeia, até porque aqui tem um 'espacinho'" (DEPOENTE 1, 2011). "Não é taxativa (segue a rigor), mas vai se perder a cultura (essa é a preocupação - aqui não se fala a língua materna), perda de costumes e tradições" (DEPOENTE 2, 2011). Concorda, "pois sentimento é sentimento". Na aldeia que ele representa, "o não-índio fica no máximo 3 dias para visitar um amigo/família". Ele acrescenta que "o raciocínio do não-índio é o problema da sua não aceitação", por isso não é aceito de forma fixa e efetiva nas aldeias (DEPOENTE 3, 2011). "Os filhos devem acompanhar o costume/cultura dos pais". "A diferença pode ou não interferir". "Não aceitam o homem (não-índio) na aldeia, por causa do pensamento rápido". "A mulher índia, casada com o purútuye (não-indígena) perde seus direitos: a) perde o direito de construir; b) benefícios sociais; c) não opinar nas reuniões (DEPOENTE 4, 2011).

Para subsidiar esta análise, Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) nos ensinam

que:

Essa interação entre as pressões externas e internas exercidas na fronteira é particularmente sensível nas restrições ao casamento misto: estas podem ser impostas do exterior e definir um limite exclusivo (endogamia de exclusão), mas é frequente que a maior tolerância dos membros do out-group ao casamento misto acompanha-se por uma restrição maior do interior. [...] a crença na origem constitui o traço característico da etnicidade. É a crença na origem comum, que justifica e corrobora as outras dimensões ou signos da identidade e assim o próprio sentido da unicidade do grupo (p. 162).

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Com isso, percebe-se que as diferenças entre os grupos, indígenas e não-indígenas,

por meio do casamento, só servem para a diferenciação étnica quando representam

marcadores de uma filiação compartilhada, ou melhor dizendo, é a crença na origem comum

que substancializa e naturaliza os atributos, tais como a cor, a língua, a religião, a ocupação

territorial e fazem-nas percebidas como traços essenciais e imutáveis de um grupo

(POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).

Todas as dimensões apontadas para se definir um grupo étnico tornam-se importantes

e ao mesmo tempo preocupantes, pois a presença do purútuye na forma conjugal é tida como

preocupante no viés do raciocínio “rápido”, e este tipo de raciocínio pode acarretar conflitos

em decorrência das questões territoriais, bem como da questão do tempo do indígena, em que

este é totalmente diferente do tempo (relógio), do não indígena.

Com isso, a fim de dar mais subsídios ao termo fronteira etnocultural, perceberam-se

as relações de importância das representações sociais, através das associações de moradores

existentes no Distrito de Taunay, onde se fez a arguição sobre qual a importância da

A.M.D.T. (Associação de Moradores do Distrito de Taunay) para os moradores “Indígenas” e

"Não-indígenas" do Distrito de Taunay. Entretanto, constatou-se que: "Vê a AMDT como

mais atuante" (DEPOENTE 2), e "É importante para manter a ordem no Distrito e evitar

brigas entre fazendeiros e índios" (DEPOENTE 5).

Em seguida, percebeu-se uma vertente quanto ao olhar da outra associação que foi

sobre qual a importância da A.M.I.D.T. (Associação de Moradores Indígenas do Distrito de

Taunay) para os moradores “Indígenas” e "Não-indígenas" do Distrito de Taunay, constatou-

se que: Vê a "AMDT como mais atuante" (DEPOENTE 2, 2011), e também "Está

conseguindo identificar os indígenas das aldeias. Origem. Saber as famílias"; "Os benefícios

do governo estão chegando no Distrito por causa das duas associações" (DEPOENTE, 2011).

Com isso, percebeu-se que as duas associações, apesar de serem distintas, possuem

um objetivo em comum, que é a interação e fortalecimento dos grupos, de indígenas e não-

indígenas. Essa interação é consubstanciada em Santos (2008, p. 18) onde "[...] a interação

supõe interdependência funcional entre os elementos", sendo assim, a interação, através das

duas associações, se torna elo entre os diferentes em prol de um objetivo maior, ou por um

número de necessidades de comum acordo, em que Santos (2008, p. 18) diz que "[...] essas

necessidades são todas satisfeitas pelo ato de produzir".

É dessa maneira que as ações exógenas e endógenas entre os grupos étnicos distintos

não podem ser analisadas separadamente, pois, nessas interações (pré) estabelecidas exercem

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o ato de produzir no espaço, onde essa produção interativa vai atestar e/ou definir o sentido

produtivo dessa interação no meio pelos diferentes.

Com isso, através das questões inerentes a presença das duas associações em um

único local, perguntou-se por que há duas associações de moradores no Distrito de Taunay.

Observou-se como reposta pelos depoentes que: "Cada um quer se promover" (DEPOENTE

1, 2011); "A associação deveria ser integrada. Há preconceitos da AMIDT com as outras"

(DEPOENTE 2, 2011); “Vê como a distinção de objetivo de uma entre outra” (DEPOENTE

4, 2011) e "Porque defendem os dois lados" (DEPOENTE 5, 2011).

Diante disso, percebeu-se o "poder de nomear" que é a rotulação que um grupo

exerce sobre o outro, quando, por exemplo, identifica que ”seus” interesses não estão sendo

atendidos, bem como, quando se observa na resposta do Depoente 2 (2011), observa-se em

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143-144) que: "[...] o fato de nomear tem o poder de fazer

existir na realidade uma coletividade de indivíduos a despeito do que os indivíduos assim

nomeados pensam de sua pertença a uma determinada coletividade".

Nessa questão de “nomear” se visualizam os preconceitos (pré) estabelecidos e

manifestados quando interesses são atendidos apenas a um determinado grupo, mas o que se

observou nessas situações é o fato de serem nomeados, tanto exógena quanto endogenamente,

visualizando-se assim, a fronteira etnocultural, ultrapassando os limites (pré) estabelecidos

através da integração perspectivada.

É nesse contexto que se baseou em Vargas et, al. (2009, p. 7) que acrescenta que "as

relações sociais produzem o território como espaço específico e, ao transformarem o espaço

em território, criam limites e fronteiras num espaço de conflitualidades". Esse espaço muitas

vezes é marcado pelas relações de poder (RAFFESTIN, 1993) e proporciona as interações

entre os distintos grupos étnicos no seu processo de construção e/ou planejamento de

militância por algo, e este, quando se concretiza, desdobra-se em produto para um dos lados,

origina-se o conflito. Por isso, que é fato marcante, as situações conflituosas existentes entre

indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, em decorrência da

questão territorial, onde limites são estabelecidos e transpassados.

Num prisma educacional, procurou-se saber o quê os entrevistados pensam sobre o

contato entre alunos “Indígenas” e “Não-indígenas” nas Escolas. Visualizaram-se os seguintes

depoimentos: Na aldeia Água Branca "não tem alunos não-indígenas, somente os

professores", com isso, preocupa-se por causa da "timidez da criança e do aprendizado", pois

esse problema da linguagem/comunicação gera muita nota baixa (DEPOENTE 1, 2011); "O

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professor não indígena dá muito mais atenção aos alunos indígenas"; "Os alunos indígenas

tem um carinho e atenção com os professores não-indígenas"; "As professoras (es) índias (os)

chegam estressados nas escolas";; "É bom. Em termos de aprendizagem, o índio tem que

acompanhar a evolução do não-índio" (DEPOENTE 3, 2011). "Quando estuda na cidade,

sente-se sozinho"; "Quando estuda na comunidade, sente-se integrado"; "A escola incentiva a

valorização da cultura" (DEPOENTE 4, 2011) e "Acho que deveriam vir mais indígenas de

fora (das aldeias) para estudarem aqui (no Distrito)" (DEPOENTE 5, 2011).

Percebeu-se uma especificidade existente nas aldeias, principalmente na resposta do

Depoente 1 (2011), que é a não aceitação de alunos não-indígenas. Com isso, justifica-se em

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 148) que diz: "a relação de força que atua em torno das

definições da pertença nem sempre opõe os dominantes aos dominados, mas pode algumas

vezes opor frações dos dominados na luta pela hegemonia [...]", é nesse viés de luta, de

mantença cultural, que esta aldeia não permite a relação educacional de alunos não-indígenas,

e tão somente dos professores, haja vista demandar dos serviços educacionais estabelecidos

pela relação de imposição do município.

Dessa maneira, salutar se faz apontar a dialética estabelecida entre os professores

indígenas com os não-indígenas, principalmente pelas relações de afetividade que são

percebidas e manifestadas pelos alunos indígenas, e também, pela grande preocupação dos

professores não-indígenas em quererem manter a sua presença nas escolas indígenas,

tornando-os estimuladores das praticas culturais de cada grupo indígena. Portanto, Poutignat e

Streiff-Fenart (1998, p. 153) aponta que as "[...] fronteiras étnicas e não o conteúdo interno

que definem o grupo étnico e permitem que se dê conta de sua persistência", com isso,

entende-se que a fronteira etnocultural aqui identificada é definida por princípios de se manter

e estabelecer a fronteira entre os indígenas e não-indígenas pelo contato, não se limitando

apenas aos traços culturais.

Outro elemento que estabelece relações sociais são as instituições religiosas (igrejas),

como qual a importância das igrejas para o Distrito de Taunay, e obteve-se a seguinte

resposta: "Elas são importantes para evangelizar os índios e os não-índios" (DEPOENTE 5,

2011). Essa pergunta foi complementada por “como é a relação entre indígenas e não-

indígenas nas igrejas do Distrito de Taunay”? Viu-se que "Nas igrejas não há discriminação"

(DEPOENTE 5, 2011).

Arguiu-se também, sobre qual a importância das igrejas para as aldeias. Percebeu-se

nos depoimentos: "Ajuda na redução de álcool (pinga) drogas e bagunça e prega a palavra de

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Deus, existe a transformação dos 'patrícios' e ajuda a se desenvolver mais" (DEPOENTE 1,

2011); "A igreja católica tem ajudado em palestras educativas e eventos". "A igreja

evangélica tem atraído os jovens, tirando do alcoolismo". "A teologia está em contra censo

nas aldeias, tornando a mente dos índios em conflito" (DEPOENTE 2, 2011); "Contribui

muito para a aldeia, em termos de bebida, violência, brigas, droga, pessoal prega paz"

(DEPOENTE 3, 2011); "A igreja é muito importante para a dinâmica da comunidade, e tem

mais igrejas evangélicas do que católicas". "A igreja impõe restrições nas práticas culturais"

(DEPOENTE 4, 2011).

Complementou-se a esta pergunta sobre como é a relação entre indígenas e não-

indígenas nas igrejas das aldeias. Diagnosticaram-se as seguintes respostas: que na aldeia

Água Branca "tem que ter a permissão, independente de ser pastor" (DEPOENTE 1, 2011);

"Existe a quebra do preconceito" (DEPOENTE 2, 2011) e "Há troca de informações: como é

aqui dentro (aldeia) e como é lá fora (cidade)" (DEPOENTE 3, 2011).

Diante das respostas inerentes ao quesito eclesiástico, pautou-se nas falas de

Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 153) onde diz que "[...] a manutenção das fronteiras

étnicas necessita da organização das trocas entre os grupos e da ativação de uma série de

proscrições e de prescrições regendo suas interações". Ora, pelos depoentes, por mais que em

todo o contexto histórico a catequização é visualizada numa ótica impositiva, tornando-se

negativa, nesta localidade, objeto dessa pesquisa, a evangelização, através das igrejas,

católicas e evangélicas contribuíram e contribuem para o processo de interação e integração

entre os povos indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas,

bem como o desenvolvimento de práticas de cidadania e de preservação da saúde. Mas,

deixou-se claro, na fala do depoente 1 (2011), que todo e qualquer tipo de atividade deve ser

submetido pela relação de poder existente, seja no caso Estado/Nação, como por exemplo: a

FUNAI, bem como pela aceitação e permissão da liderança da localidade.

A fim de conclusão do roteiro de entrevistas aplicadas, fez-se uma última pergunta,

que foi como os indígenas das aldeias e Distrito de Taunay mantêm sua cultura. Percebeu-se

as seguintes respostas: Na aldeia Água Branca é "pela escola", mas "os pais não devem deixar

de falar na língua materna (idioma)", pois "os antigos tem a dificuldade de entender o

português" (DEPOENTE 1, 2011); "Através do artesanato". "Não tem planejamento familiar

para manter a cultura"; "Casou, tem que morar todo mundo junto, tem que trabalhar com os

pais"; "Tentam sobreviver da própria lavoura"; "A família se reporta ao cacique para as

decisões/problemas" (DEPOENTE 2, 2011). "Passado de pai para filho. Quando o casal é

diferente (indígena com não indígena) aprende com os avós, parentes" (DEPOENTE 3, 2011)

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e "Através do ensino, eventos, não é só no dia 19 de abril". "Para se sentir homem e

independente, é quando entra no qual e quando vai cortar cana" (DEPOENTE 4, 2011).

Analisando os depoimentos, percebeu-se, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.

154), que "as fronteiras étnicas entre os grupos étnicos são mais ou menos estáveis". Assim,

identificou-se nessa relação histórico-temporal que para a consolidação da fronteira

etnocultural discutida nessa pesquisa, as fronteiras devem: "[...] manter-se, reforçar-se,

apagar-se ou desaparecer", nesse viés, elas (as fronteiras étnicas) podem ser mais flexíveis ou

mais rígidas; a primeira propiciando a interação e integração entre os grupos étnicos distintos

e, a segunda se impõe o limite, mas "[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira

nunca chegam a impedir que um determinado número de indivíduos a transponha (p. 155)".

Nisso se percebe que a herança cultural vista na resposta do depoente serve para compartilhar

a experiência do grupo para a sua manutenção. Essa instabilidade, vista nos grupos étnicos

distintos, se faz evidente para constatar a existência da fronteira etnocultural.

De acordo com os resultados dos depoimentos, cada grupo étnico identificado como

indígenas e não-indígenas, durante o transcorrer desta pesquisa, pode modificar e substituir

sua cultura, sem perder seus traços originais. Isso é corroborado na fala de Poutignat e Streiff-

Fenart (1998, p. 156) onde "[...] um grupo pode adotar os traços culturais de outro, como a

língua e a religião, e contudo continuar a ser percebido e a perceber-se como distintivo".

Considera-se, então, a necessidade da cooperação entre indígenas e não-indígenas para a

manutenção dessa fronteira etnocultural, não importando que essa cooperação possa se

desdobrar numa situação conflitiva ou não.

Entretanto, essa fronteira etnocultural é consubstanciada em Poutignat e Streiff-Fenart

(1998, p. 158) onde afirmam que "a manutenção das fronteiras baseia-se no reconhecimento e

na validação das distinções étnicas no decurso das interações sociais". Sendo assim, essa

existência da fronteira etnocultural, remete-nos a perceber que essa relação de contato, limite

(determinada por forças endógenas e exógenas), interação, conflito que se dá (muitas das

vezes) no território, e que este (o território) bem como as estratégias (territorialidades) de se

instalarem, usarem e se manterem no espaço (pré) definido são importantes para a

compreensão dessa fronteira etnocultural identificada no Distrito de Taunay e nas Aldeias

Circunvizinhas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expressivas personalidades indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das

Aldeias Circunvizinhas, já mencionadas, puderam fazer parte e contribuir significativamente

para os resultados desta pesquisa, que buscou equacionar a caracterização do termo fronteira

etnocultural, por meio da compreensão e contextualização da dinâmica socioespacial inerentes

aos conflitos e territorialidades que foram identificados através de processos históricos, bem

como pelas situações visualizadas no transcorrer da pesquisa.

Para tanto, ao executar esta pesquisa referente aos procedimentos técnico-

metodológicos estabelecidos para se trabalhar em terras indígenas, a fim de elucidar o

objetivo proposto, percebeu-se que os elementos apontados no capítulo 1 fizeram-se

primordiais e substanciais para a compreensão desse termo fronteira etnocultural.

Os elementos apontados foram: a) Etnicidade e Fronteira e; b) Território e

Territorialidade, respectivamente estes elementos possuem características em comum, quais

sejam: 1) relações sociais e de poder; 2) limites; 3) interações; 4) estratégias e 5) conflitos. Tal

conjuntura de apontamentos foi identificada no capítulo 2, que na sua construção, norteou as

ideias para fortalecer o entendimento do termo fronteira etnocultural.

Vale aqui destacar que esse entendimento do conceito fronteira etnocultural não

significa algo definido (impositivo), mas sim uma construção conceitual, consubstanciado por

elementos com base geográfica, pois tanto o Distrito de Taunay como as Aldeias

Circunvizinhas ocupam um espaço geográfico, em que este espaço passou a ser território por

meio das apropriações estabelecidas e também pelo processo das territorialidades

identificadas, ora a estratégia e/ou maneira pensada para ocupar e gerir o território.

Acrescenta-se outro elemento de característica geográfica que foi a fronteira, sendo

esta entendida como "[...] criações humanas, delimitadas e demarcadas [...]

(ALBUQUERQUE, 2010, p. 37)", ou seja, vista como limite, mas acrescenta-se essa mesma

fronteira, que foi vista como ponto de elo, de interação entre os distintos atores sociais

pesquisados, indígenas e não-indígenas. E por fim, a etnicidade, este como último elemento,

num viés socioantropológico, mas sempre trazendo ao contexto geográfico, na tentativa de

espacializar as relações sociais e de poder identificadas.

Nesse sentido, o elemento etnicidade ficou pautado, principalmente, mas não apenas,

em Barth (1984 apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 183) assevera que:

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[...] às definições da etnicidade, o da posição de uma fronteira, que esta seja pensada como objetiva e real, isto é, independente das perspectivas dos atores, ou que ela seja pensada como subjetiva, ligada às propriedades simbólicas de um modo de vida e de valores compartilhados.

Com isso, a visão sociohistórica de que o isolamento geográfico e social tenham sido

os fatores críticos para a sustentação da diversidade cultural não se equivalem para os

resultados desta pesquisa, pois, foi a partir do contato com o outro, do indígena com o não

indígena que as trocas, relações, necessidades, disputas (inclusive pela terra) e aprendizado se

fizeram identificadas nesta pesquisa, e assim consubstanciando o termo fronteira etnocultural.

Essa fronteira etnocultural, entendida no prisma geográfico, estabelecida entre os

povos indígenas com os não-indígenas do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas,

mostraram que as relações socioespaciais são estáveis e instáveis, persistentes e muitas vezes

de uma importância social vital. A manutenção dessas fronteiras é frequentemente baseada

precisamente nos quesitos territoriais, quando este é objeto, ora na situação de disputa entre os

grupos distintos, ora na situação de união, contra um terceiro ator social, bem como nas

relações de interação.

Observou-se que a fronteira etnocultural é decorrente do processo de interação, onde

esta, em um sistema social como este, indígenas e não-indígenas, não leva a seu

desaparecimento por mudança e aculturação; as diferenças culturais podem permanecer

apesar do contato interétnico e da interdependência dos grupos. Os grupos étnicos são

categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores sociais e, assim, têm a

característica de organizar a interação entre estas pessoas.

Contudo, faz-se relevante apontar que além dos depoimentos citados, os depoentes se

expressaram no quesito de se pedir melhorias para a localidade, haja vista que ao se colher as

entrevistas deixou-se claro que esta pesquisa se tornaria um documento público, e este

pesquisador aponta as situações demandadas pelos depoentes indígenas e não-indígenas, pois,

como estamos num ano de período eleitoral, que muitos possam tomar nota destas

informações e pensar em melhorias e/ou políticas públicas para esta localidade.

Sendo assim, percebe-se a necessidade da efetivação das políticas públicas da relação

Estado/Nação com as populações do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas, a fim

dos entraves identificados, quais sejam: a) Projeto de capacitação para trabalhos manuais e de

maquinários (roça e costura) para as mulheres; b) A renda da família não é suficiente para

investir na lavoura; c) As mercadorias na aldeia são muito caras; d) Um engenho comunitário,

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para se vender por um preço mais em conta; e) Faltam moradias - poucas casas de material

(alvenaria); f) É a única aldeia que não foi contemplada pelo governo foi a Água Branca com

habitações de alvenaria; g) Falta d'água (reservatórios).

A Fronteira Etnocultural, partindo dessas necessidades apontadas, pode ser entendida

como ponto de interação, a partir do momento que esses entraves são expressos aos

segmentos governamentais, mesmo que não atendidos, mas oportunizam ao indígena a se

expressar, de tal modo a buscar necessidades da realidade, e/ou contexto da cidade, que

possam dinamizar o convívio nas terras indígenas, como também serve para dar gênese a

situações conflitivas, quando esses segmentos não atendem as situações inerentes a

demarcações territoriais.

Por conseguinte, com os resultados apontados no transcorrer dessa pesquisa, espera-

se que possam ser minimamente utilizados para um planejamento estratégico ao se pensar em

adentrar e/ou desenvolver e/ou implantar qualquer atividade em terras indígenas, haja vista,

que esta fronteira etnocultural mostrou que as populações indígenas e não-indígenas precisam

ser ouvidas. No entanto, para serem ouvidos, os não-indígenas precisam ser autorizados a

entrar e se manifestar nas terras indígenas. É a partir dessa autorização que a aceitação se

estabelece ou não, evidenciando as relações socioespaciais na fronteira etnocultural

identificada.

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ZBOROWSKI, M. B. e LOUREIRO, C. F. B. Analisando conflitos: percepção ambiental de comunidades na área de proteção ambiental da Bacia do Rio Macacu. In: Seminário sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social, 2. 2006, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro, 2006.

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APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTAS DA PESQUISA DE MESTRADO INTITULADA - “TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS” Pesquisador: Edson Pereira de Souza; RGA: 2010.1.55200001.005; MEF/CPAN/UFMS.

Orientador: Sérgio Ricardo Oliveira Martins; SIAPE: 01543978-1; DGC/CPAQ/UFMS.

1) Idade: ______ anos;

2) Gênero: a) ( ) Feminino; b) ( ) Masculino;

3) Considera-se:

a) ( ) Indígena; b) ( ) Não-Indígena;

3.1) Caso a resposta anterior foi a opção “a” – Indígena, diga qual a sua etnia:

a) ( ) Terena; b) ( ) Kadiwéu; c) ( ) Xavante; d) _________________;

3.2) Caso a resposta anterior foi a opção “b” – Não-Indígena, diga qual a sua etnia:

a) ( ) Branca; b) ( ) Parda;c) ( ) Negra; d) Outra:_________________;

4) Reside no:

a) ( ) Distrito de Taunay; b) ( ) Aldeia Indígena;

4.1) Caso a resposta anterior foi a opção “b” – Aldeia Indígena, especifique-a:

a) ( ) Água Branca; b) ( ) Bananal; c) ( ) Colônia Nova; d) ( ) Imbirussu;

e) ( ) Lagoinha; f) ( ) Morrinho; g) ( ) Ypegue;

5) Representa alguma instituição, qual?

a) No Distrito de Taunay: ____________________________________________, ou

b) Na aldeia indígena: _________________________________________________.

6) Tempo de residência do entrevistado no:

a) Distrito de Taunay:ou;______.

b) Aldeia Indígena ______.

7) Caso o representante entrevistado, seja não-indígena residente no Distrito de Taunay, responder as questões a seguir:

a) Qual a visão que os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay têm sobre os moradores “Indígenas” que residem no Distrito de Taunay?

b) Qual a visão que os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay têm sobre os moradores “Não-Indígenas” que residem no Distrito de Taunay?

8) Caso o representante entrevistado seja indígena residente em uma das aldeias locais, responder as questões a seguir:

a) Qual a visão que os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas têm sobre os moradores “Indígenas” que residem nas Aldeias?

b) Qual a visão que os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas têm sobre os moradores “Não-Indígenas” que residem nas Aldeias?

9) Qual a relação dos moradores Indígenas e Não-Indígenas das Aldeias e Distrito de Taunay com os fazendeiros?

9.1 Sobre o quê discordam (brigam)?

9.2 Sobre o quê concordam?

10) O que tem a dizer sobre a união matrimonial/conjugal entre indígenas e não-indígenas?

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11) Qual a importância da A.M.D.T. (Associação de Moradores do Distrito de Taunay) para:

a) Os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay?

b) Os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay?

c) Os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas?

d) Os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas?

12) Qual a importância da A.M.I.D.T. (Associação de Moradores Indígenas do Distrito de Taunay) para:

a) Os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay?

b) Os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay?

c) Os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas?

d) Os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas?

13) Por que há duas associações de moradores no Distrito de Taunay?

14) O que você pensa sobre o contato entre alunos “Indígenas” e “Não-Indígenas” nas Escolas?

15) Qual a importância das igrejas para o Distrito de Taunay?

15.1) Como é a relação entre indígenas e não-indígenas nas igrejas do Distrito de Taunay?

16) Qual a importância das igrejas para as aldeias?

16.1) Como é a relação entre indígenas e não-indígenas nas igrejas das aldeias?

17) Como os indígenas das aldeias e Distrito de Taunay mantêm sua cultura?

Entrevistado em Data: ____ / ____ / 2011

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APÊNDICE B

TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Termo de comprometimento do pesquisador, e garantia de confidencialidade, no uso

de dados e documentos (relatos orais e/ou transcritos) coletados ou produzidos, com informações sobre os sujeitos da pesquisa. Título do projeto: Pesquisador responsável: Demais pesquisadores: Instituição de origem do pesquisador: Área de Conhecimento: Curso: Telefone para contato: Local da Coleta de dados: Protocolo no CEP/UFMS:

O(s) pesquisador(es) do projeto acima identificado(s) assume(m) o compromisso de:

I. Preservar o sigilo e a privacidade dos sujeitos cujos dados (relatos orais e transcritos) serão estudados;

II. Assegurar que os dados, documentos e informações serão utilizados, única e exclusivamente, para a execução do projeto em questão;

III. Assegurar que os resultados da pesquisa somente serão divulgados de forma anônima, não sendo usadas iniciais ou quaisquer outras indicações que possam identificar o sujeito da pesquisa.

O(s) pesquisador(es) declara(m) ter conhecimento de que as informações pertinentes

às técnicas do projeto de pesquisa somente podem ser acessados por aqueles que assinaram o

Termo de Confidencialidade, excetuando-se os casos em que a quebra de confidencialidade é

inerente à atividade ou que a informação e/ou documentação já for de domínio público.

Local, ____ de _______ de _____.

Nome do pesquisador RG

Nome do pesquisador RG

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APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você esta sendo convidado a participar em uma pesquisa. Você precisa decidir se

quer participar ou não. Por favor, não se apresse em tomar a decisão. Leia cuidadosamente o

que se segue e pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você tiver. Este

estudo está sendo conduzido por Edson Pereira de Souza do Programa de Pós-Graduação em

Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Porque o estudo esta sendo feito? O motivo pelo qual se pretende realizar este estudo

é, primeiramente, a escassez de estudos sobre os conflitos etnoculturais e territoriais no

Distrito de Taunay do município de Aquidauana. Há na referida localidade muitas questões à

espera de equacionamento. Pouco se sabe sobre a situação conflituosa entre as

territorialidades (e comunidades) existentes na referida localidade, bem como sobre as

relações de interdependência que afetam e definem a fronteira etnocultural, a qual transcende

os limites territoriais indígenas.

A finalidade deste estudo é estudar a fronteira etnocultural em Taunay, ou seja,

compreender como as relações entre indígenas e não-indígenas se expressam como

territorialidades e afetam as comunidades constituídas ou em formação. outro propósito é de

compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a fronteira

etnocultural no Distrito de Taunay, município de Aquidauana.

Quem participará deste estudo? Quais são os meus requisitos? Poderão participar

deste estudo apenas as lideranças indígenas e não-indígenas, portanto, pessoa maior de 18

anos, livre e voluntariamente.

Quem não pode ou não deve participar deste estudo? Não participará deste estudo

qualquer liderança indígena e não-indígena que, por qualquer motivo, se recuse a conceder a

entrevista, além de menores de 18 anos.

O que serei solicitado a fazer?

Você será entrevistado sobre as relações sociais, políticas e econômicas entre

indígenas e não-indígenas. A entrevista será gravada e o que você disser será registrado para

posterior estudo.

O que se sabe sobre este assunto (este procedimento )? Sabe-se que, a fim de melhor

compreender e contextualizar as relações (interesses, associações e conflitos) entre indígenas

e não-indígenas, serão colhidos relatos pessoais com o uso de gravador de audio apropriado.

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Por outro lado, o procedimento visa também à obtenção de informações sobre as práticas

sociais e espaciais cotidianas, especialmente as relações entre as pessoas (ou grupos) e destas

com o lugar em que vive. A quantidade de relatos orais a serem colhidos será definida em

correspondência com o número de lideranças indígenas e não-indígenas existentes na

localidade (Distrito e Aldeias). Portanto, esta é uma pesquisa qualitativa que conforme

Chizzotti (2008, p. 28) visa "extrair do convívio os significados visíveis e latentes que

somente são perceptíveis a uma atenção sensível". A aplicação da referida técnica será

baseada nas orientações metodológicas de Queiroz (1991).

Quanto tempo estarei no estudo? A partir de maio de 2011 até fevereiro de 2012,

período em que você participará deste estudo, correspondendo ao início das entrevistas até

apresentação final da dissertação no Câmpus Pantanal da UFMS, em Corumbá.

Que prejuízos (ou eventos adversos ) podem acontecer comigo se eu participar deste

estudo? Não há previsão de qualquer prejuízo ou evento adverso.

Que benefício eu posso esperar? Em relação aos sujeitos da pesquisa (pessoa que

concederá entrevista) não há benefícios diretos decorrentes deste estudo. Todavia, seus

resultados poderão subsidiar as políticas públicas e gestão social e territorial voltadas para a

localidade (Distrito de Taunay e as 7 aldeias adjacentes).

Quem poderá ver os meus registros / respostas e saber que eu estou participando do

estudo? Se você concordar em participar deste estudo, seu nome e identidade serão mantidos

em sigilo. A menos que requerido por lei, somente o pesquisador e seu orientador (equipe de

estudo) e Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul terão acesso a suas informações para verificar as informações do estudo.

Eu serei informado do surgimento de informações significativas sobre o assunto da

pesquisa? Sim, você será informado periodicamente de qualquer nova informação que possa

modificar a sua vontade em continuar participando do estudo.

Quem devo chamar se tiver qualquer dúvida ou algum problema? Para perguntas ou

problemas referente ao estudo ligue para (67) 9268-0202 ou 3362-8043 [Edson Pereira de

Souza e/ou Sérgio Ricardo Oliveira Martins]. Para perguntas sobre seus direitos como

participante no estudo chame o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS,

no telefone 3387-3093 - Ramal 2299.

Eu posso recusar à participar ou pedir para sair do estudo? Sua participação no

estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte do estudo, ou pode desistir a

qualquer momento. Você não perderá qualquer benefício ao qual você tem direito. Você não

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será proibido de participar de novos estudos. Você poderá ser solicitado a sair do estudo se

não cumprir os procedimentos previstos ou atender as exigências estipuladas. Você receberá

uma via assinada deste termo de consentimento.

Declaro que li e entendi este formulário de consentimento e todas as minhas dúvidas

foram esclarecidas. e que sou voluntário a tomar parte neste estudo.

Assinatura do Voluntário__________________________________data__________

(se possível obter uma forma para que o sujeito da pesquisa possa ser contactado

Assinatura do pesquisador __________________________________data_________