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POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO TERRITÓRIO DE

IDENTIDADE SERTÃO PRODUTIVO, BAHIA: A GESTÃO DOS TERRITÓRIOS E

A (INDI)GESTÃO DA MISÉRIA

Fernanda Oliveira Rodrigues 1

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

[email protected]

Suzane Tosta Souza2

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

[email protected]

Wesley Borges Costa3

Universidade do Estado da Bahia

[email protected]

GT 2: ESTADO, TERRITÓRIO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO

RESUMO

O conceito de desenvolvimento ganhou importantes dimensões após a Segunda Guerra

Mundial e se fortaleceu ligado à ideia de planejamento que passou por diversas modificações

na sua forma de implantação através das políticas e programas promovidos pelo Estado.

Recentemente, o local submetido à escala territorial tem sido o cenário de desenvolvimento.

Umas das faces desse novo modelo de planejamento é a implantação das políticas de

desenvolvimento territorial consumadas através dos Territórios de Identidade (TI), criadas

pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário no ano de 2003. Dessa forma, o presente artigo

traz uma reflexão sobre a territorialização dessas políticas, implementadas pelo Estado, em

parceria com o setor privado, que carregam consigo o discurso da gestão participativa dos

camponeses nos territórios locais, da sustentabilidade e da autonomia. Como o projeto dos

Territórios de Identidade se constitui face do planejamento da miséria para realização da

1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UESB. Bolsista CNPQ. Integrante do Grupo Estado Capital Trabalho (GPECT). 2 Professora Doutora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

Integrante do Grupo Estado Capital Trabalho (GPECT). 3 Professor Mestre no Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),

Campus VI . Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Presidente Prudente).

Integrante do Grupo Geografia e transformações Contemporâneas- CNPQ

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acumulação do capital? Como essas políticas se compõem simulacro da autonomia,

participação, ao tempo que retira do território, sua formação ontologicamente conflitiva? Para

se fazer essas reflexões, embasa-se nas discussões teóricas dentro do campo do materialismo

histórico e dialético, e do estudo sobre o Território de Identidade do Sertão Produtivo, Bahia,

e também foram realizados trabalhos de campo com camponeses em conflitos com grandes

projetos no referido Território. Pode-se considerar pelas reflexões desenvolvidas, que ao

contrário do fortalecimento dos camponeses e suas formas de vida, esse modelo tem pautado

principalmente a conversão do valor de uso em valor de troca da terra, da água e da vida dos

trabalhadores do campo, colocando em evidência a luta de classes.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento territorial. Territórios de Identidade. Planejamento.

Políticas públicas. Luta de classes.

1 INTRODUÇÃO

Desde o início dos anos 2000 as políticas de desenvolvimento territorial tem ganhado

força no âmbito da gestão pública, essas se realizam em parceria com o capital privado. No

que diz respeito ao campo brasileiro, as políticas de desenvolvimento territorial rural tem sido

anunciadas pelo Estado como ponto chave para alavancar o desenvolvimento, superar as

desigualdades sociais, além de promover o “empoderamento e a gestão participativa” dos

sujeitos locais nas decisões políticas e econômicas. E uma das formas de implantação e

afirmação dessas ações, como também do discurso que as acompanham, é a criação dos

Territórios de Identidade (TI), pensados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

A implantação dessas políticas se inserem na lógica do planejamento, tendo como

simulacro o desenvolvimento social e autonomia local, pautados centralmente para realização

da expansão da acumulação capitalista, através do (re)ordenamento territorial do trabalho.

Desse modo, procura-se nesse trabalho fazer uma reflexão a respeito dessa conexão

entre a acumulação capitalista através do discurso do planejamento e do desenvolvimento na

promoção das políticas de desenvolvimento territorial e a territorialização dessas ações e suas

contradições no Território de Identidade do Sertão Produtivo, Bahia.

Para tal objetivo, foram realizados estudo teórico no campo do materialismo histórico

e dialética. Levantamento de documentos como o plano de desenvolvimento territorial

sustentável do TI Sertão Produtivo e também realizou-se pesquisa de campo, na qual

moradores camponeses em conflitos com grandes empreendimentos nos municípios

pertencentes a esse TI puderam expressar suas revoltas e preocupações com as ações das

corporações e do Estado em suas terras.

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Pode-se considerar pelas reflexões desenvolvidas, que ao contrário do fortalecimento

dos camponeses e suas formas de vida, esse modelo tem pautado principalmente a conversão

do valor de uso em valor de troca da terra, da água e da vida dos trabalhadores do campo,

colocando em evidência a luta de classes.

2 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL E O PLANEJAMENTO DA MISÉRIA

O conceito de desenvolvimento ganhou importantes dimensões após a Segunda Guerra

Mundial, em um contexto de restruturação do capital em busca de novos espaços para a

acumulação, e se fortaleceu vinculada à ideia de planejamento. Os planejadores propagavam

que as desigualdades sociais e a pobreza deveriam ser estudadas e a „solução‟ para tais

mazelas residia na adoção de políticas de desenvolvimento, que poderiam ser destinadas de

acordo as especificidades de cada país, os quais entendiam, que passavam por etapas

diferentes de desenvolvimento.

As desigualdades sociais impostas pelo modo de produção capitalista se tornavam

cada vez mais latentes na sociedade, principalmente as precárias condições dos países

denominados subdesenvolvidos, e dessa forma, o desenvolvimento foi adotado como um

exercício de planejamento científico para a suposta superação das desigualdades, em que os

estados e municípios almejavam a adoção de políticas públicas e distribuição de renda. Santos

(2003) assevera

A serviço do planejamento, a economia perdeu seu status científico e se

tornou simples ideologia, cujo fito é persuadir Estados e povos das

vantagens daquilo que passou a ser chamado de desenvolvimento: a ver

da ideologia do crescimento aos Estados, a imposição de uma ideologia

de sociedade de consumo às populações. Ambas combinadas induzem ao

capital estrangeiro e à aceitação de um só parâmetro aplicável à

economia, à sociedade, à cultura, à ética; em suma à dependência e à

dominação; à dominação através da dependência. (SANTOS, 2003, p.15).

A exploração e atuação das grandes corporações transnacionais nos países da América

Latina, Ásia e África é condição imprescindível para garantia do pleno desenvolvimento

desigual e combinado capital e sua acumulação. A realização da segurança da dominação

econômica que o planejamento representa, fez se inventar o Terceiro mundo. Ainda segundo

Santos (2003, p. 15), “o subdesenvolvimento foi discutido, condenado [...], os homens do

mundo mais pobre esqueceram-se de que eram pobres e passaram a considerar-se

subdesenvolvidos”. O autor supracitado ainda contribui ao afirmar que

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A pobreza, um fenômeno qualitativo, foi transformada num problema

quantitativo e reduzida a dados numéricos. Forneceram-se numerosos

índices para provar a distância entre países ricos e pobres e para inferir que

esses últimos deveriam imitar os primeiros se quisessem superá-las.

(SANTOS, 2003, p.15).

No Brasil as políticas de desenvolvimento são fortemente incentivadas também no

contexto pós Segunda Guerra Mundial, tendo o Estado como indutor das políticas de

desenvolvimento, principalmente através da substituição de importações, fortalecimento da

indústria e fornecimento de crédito (LIMA, 2012).

Os planos de desenvolvimento desde que assumiram tal importância no cenário

brasileiro, passaram por modificações, condicionadas essencialmente pela conjuntura

econômica e política no país e ao processo de arranjo acumulativo do capital em escala

mundial. Destarte, foram planejados e implementados os modelos de desenvolvimento

regional entre os anos de 1960- 1980, em que se difundia o discurso da possibilidade de

superação dos desequilíbrios regionais pela via do planejamento e ações concretas realizadas

pelo Estado. Desconsiderava-se, portanto, a forma desigual e combinada na qual o modo de

produção capitalista se realiza, propagando, portanto, um caráter classista que só vai

beneficiar as classes dominantes. Com o fracasso das políticas Desenvolvimento Regional4, e

das impossibilidades dessas geraram aquilo que havia sido propagado pelo discurso estatal,

bem como dadas as necessidades acumulativas do capital, a escala do local adquire relevância

central, em detrimento da região como unidade de planejamento e intervenção. Assim, o local

passa a ser receptáculo das políticas de fomento ao desenvolvimento. Ideologicamente, o

capital, passa a se sustentar no discurso da participação dos sujeitos nos processos de

desenvolvimento e assim, a política pública adquire nova conotação – como expressão a

decisão concreta dos sujeitos. É nesse contexto que as instituições internacionais formulam e

difundem uma nova política de desenvolvimento baseada no desenvolvimento territorial rural,

orientado pela escala local de reprodução do capital:

[...] Como referencia fundamental se toma uma tendência que viene

considerando el territorio de vital importancia para el desarrollo. Una

tendencia inspirada, entre otros, en los estudios realizados a partir de los

años 1980 sobre el fenomeno de la Tercera Italia, en los trabajos de la

división territorial de la OCDE (1994 y 1996), em el programa EZ/EC

(Emowerment Zones and Enterprise Communities) del gobierno de los

EUA, también en la década de 1990. Se trata, por tanto, de una propuesta

4 Explicar a política de Desenvolvimento regional enquanto paradigma do modelo de desenvolvimento da época.

Cf. Perroux (1964); Lima (2012); Gomez (2006).

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reciente, que comienza a formularse sólo en los primeros años del siglo

21, pero que en América Latina rápidamente gana un espacio privilegiado

em las agendas de las organizaciones multilaterales y de los gobiernos

nacionales y locales (MONTENEGRO GOMEZ, 2008, p. 251).

Nesse cenário de modificações e adaptações, o território passa a ser adotado até então,

como paradigma para o novo modelo de desenvolvimento:

A retórica envelhecida do discurso do desenvolvimento se plasma na

dimensão política escalar na institucionalização do território enquanto

local de empreendimento, passando a disseminar institucionalmente o

planejamento estratégico territorial como perspectiva de

autodesenvolvimento territorial. O local compreendido como território

nada mais é, nessa lógica senão uma área com características produtivas

comuns, que potencialmente, dispõe de condições objetivas para alcançar

melhorias. (LIMA. 2012, p. 126).

Nessa perspectiva criticada por Lima (2012), o território é caracterizado pela

identidade que os indivíduos estabelecem com o lugar, o sentimento de pertença é o promotor

do processo de territorialização/desterritorialização. Ao tempo, em que lhe é retirado a

substancialidade marcada pelas relações de poder e apropriação desigual do espaço, essa

lógica de conceituação e a apropriação do território “é substrato ideológico necessário para a

consolidação da prática individualista, que pressupõe a participação empreendedora dos

agentes locais” (LIMA, 2011, p. 127).

A expansão do capital por todos os espaços do planeta é um determinante para sua

existência (HARVEY, 1994). Sua reprodução se dá de forma mundializada. Porém o

desenvolvimento em escala nacional se insere na sua esfera de reprodução. Nesse sentido, é

que a escala local é tratada também como receptáculo para as políticas públicas. E nesse

rearranjo espacial, é que o local é subordinado enquanto território, movimento necessário para

a apropriação do capital, como assevera Lima

Considerando que a expansão do capital sobre o espaço é um imperativo

indissolúvel e que esse intento é limitado pela finitude do planeta, o

capitalista através de instituições financeiras e em parceria com o Estado

afiança um rearranjo espacial que permita subordinação do local enquanto

território. O capital, então, sem perder de vista seu caráter global articulado

com a esfera nacional, como suporte de sua iniciativa, apropria-se da escala

territorial. (LIMA, 2012 p. 137).

As políticas de desenvolvimento territorial têm assim, caído como uma luva para a

resolução dos problemas da desigualdade e miséria geradas pela apropriação desigual da

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produção gestada na contradição capital versus trabalho. Emolduradas pelo discurso da gestão

democrática dos territórios, com a participação dos agentes locais, postula-se como a melhor

saída para a resolução dos conflitos o consenso e participação democrática, sem a

preocupação com a transformação do modelo social estabelecido.

En los tiempos que vivimos, el consenso goza de una legitimidad

incontestable. Contrariamente a una lectura del mundo como amenazado por

conflictos que lo arrastraríam al caos y la barbárie (el terrorismo promovido

por el Eje Del Mal, La violencia urbana, las disputas étnicas y religiosas

etc.), el consenso aparece como el bálsamo necesario para tranquilizar la

conciencia social: existe uma posibilidad de entendimiento, através del

diálogo, que nos permite evitar la destrucción.(MONTENEGRO GÓMEZ,

2008, p. 249).

Santos (2003) nos diz que a penetração infortuita – centrada apenas na acumulação do

capital e do capitalismo “nos países pobres” – se deu em três etapas: a primeira pelo uso da

força, a segunda pelo desenvolvimento de monopólios e aumento da concentração de capital e

a terceira fase, que consiste na gestão e planejamento da pobreza:

Chegamos agora à terceira fase, que ao contrário das outras duas, espalha-se

praticamente sem lapsos cronológicos através de todo o Terceiro Mundo. De

ora em diante, dever-se-á dar aos pobres a impressão, e não somente a

esperança, de que estão emergindo da pobreza. Eles passarão, portanto, a

testemunhar um aumento em termos absolutos de sua renda, isto é, de seu

consumo de bens e serviços. Mas como está fora de questão reduzir as taxas

de acumulação e desigualdade, o que significaria a morte do sistema, a

pobreza não será eliminada, apenas mascarada. Esta nova fase no

processo de modernização capitalista conduzirá a uma nova forma de

pobreza: a pobreza planejada. (SANTOS, 2003, p. 29).

Mészáros (2009) afirma que mesmo em condições ideais para a acumulação do capital

através do desenvolvimento monopolista, concentração e centralização de capital, a tão

proclamada ideia de planejamento, sob o signo desse modo de produção, é incapaz de

remediar os antagonismos estruturais subjacentes. Por isso, “a dissimulada solução

racionalizante deste defeito fundamental do sistema do capital pode apenas produzir um tipo

de planejamento post festum e em larga escala técnico/ideológico.” (MESZAROS, 2009,

p.18).

Por meio da análise crítica no campo do materialismo histórico e dialético, é possível

se compreender que os problemas da miséria não serão resolvidos no âmbito de uma escala de

localidade, tendo em vista que a miséria está inserida na totalidade sóciometabólica do capital

que de acordo Conceição (2005),

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A leitura da miséria a partir da categoria totalidade não pode ser

compreendida como uma demanda circunscrita em uma localidade, uma vez

que ela é criada pela própria lógica da produção da riqueza, portanto, só é

possível o fim da miséria com o fim da riqueza. Não é uma simples questão

de aparência, de relação causa e efeito, mas uma questão processual, que está

subsumida na perversidade do lucro. [...] se o objetivo for à

incomensurabilidade do lucro, haverá um montante diferenciado, logo um

dos lados será reduzido em função do acréscimo do outro. Distribuição

diferente de riquezas resulta em espaços desiguais. A leitura geográfica da

miséria exige o simples entendimento de que a apropriação do espaço é

perversamente desigual (CONCEIÇÃO, 2005, p.169).

Desse modo, as políticas de desenvolvimento territorial cunhadas no discurso da autonomia

das comunidades locais, dos agentes sociais e na geração de riqueza, soam como “vento

refrescante no deserto vazio da emancipação” (LIMA, 2011) no Território de Identidade do

Sertão Produtivo- Bahia, em que a “gestão social” dos territórios escamoteiam a (INDI)

gestão da miséria, da submissão dos camponeses e da terra ao Tacão de Ferro5 do capital.

Território este, marcado por conflitos e disputas, em que de um lado investimentos

estratosféricos do Estado em grandes projetos de mineração, ferrovia, parque eólico e

monoculturas e por outro, a luta dos trabalhadores camponeses pela terra, pela água e pela

vida, evidenciam cada vez mais a atual e gritante luta de classes.

3 O ESTADO E AS TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS NO TERRITÓRIO DE

IDENTIDADE SERTÃO PRODUTIVO, BAHIA

As ações das políticas de desenvolvimento territorial no campo brasileiro têm ganhado

força nas últimas décadas. Essas políticas, incentivadas pelo Estado através da parceria com o

setor privado, trazem o discurso de desenvolvimento local e sustentável das comunidades,

além da ideia da autonomia e gestão social dos territórios, como já discutido anteriormente.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) desenvolve, em 2003, o Programa

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais através da Secretaria de

Desenvolvimento Territorial (SDT), com objetivo de “promover o planejamento e autogestão

do projeto de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento e

dinamização de sua economia” (BARRETO, 2014, p. 12). Na Bahia, as políticas de

desenvolvimento territorial, pautadas de acordo os veículos do Governo, se iniciam no mesmo 5 Menção ao livro O tacão de ferro de Jack London, em que o autor faz um ensaio sobre um cenário de barbárie

promovido pelo Tacão de Ferro da burguesia que incentivou um massacre de trabalhadores contra trabalhadores,

esse episódio no livro, faz parte de mais uma das batalhas travadas na luta contra o capital, que foi superado há

sete séculos, e dele restaram apenas os relatos escritos de uma revolucionária companheira de um líder

comunista que participou das lutas na época, e conta nos escritos a forma de organização do capitalismo, e como

os trabalhadores travavam suas disputas práticas e ideológicas, ao mesmo tempo em que fala do romance e da

paixão dela e de seu companheiro naqueles tempos de barbárie.

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período apoiadas pelo MDA. Uma forma de implementação desses planos é a divisão dos

Territórios de Identidade da Bahia. Essa organização e divisão acompanham teoricamente o

conceito territorial estabelecido pelo MDA:

É um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,

caracterizados por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a

economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma

população com grupos sociais relativamente distintos, que se relaciona

interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode

distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social,

cultural e territorial. (BARRETO, 2014, p. 12).

Na Bahia, os Territórios de Identidade foram divididos em 26 unidades. Segundo o

Governo, o plano permite um controle regional, para desenvolver as áreas tão desiguais na

Bahia, principalmente do semiárido, que ocupa a maior parte do território, porém tem uma

participação muito pequena na economia do Estado (BARRETO, 2014).

O Território de Identidade do Sertão Produtivo, localizado na porção territorial do

semiárido baiano, é composto por 19 municípios, possui uma população de 445 mil

habitantes, sendo que a população urbana representa 80% do total (IBGE, 2013).

O Plano de Desenvolvimento Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável

(PDTRS), se coloca então como uma proposta de implementação de projetos sustentáveis para

a região do Território de Identidade, que leva em consideração a disposição do Governo em

democratizar e facilitar o acesso aos territórios rurais, às políticas públicas “numa

probabilidade de gestão social, participativa e compartilhada do incremento rural sustentável

da região” (PDTRS, 2010, p.8).

O discurso do Estado na apresentação do desenvolvimento territorial tem se colocado

como uma alternativa, que parece trazer a gestão das comunidades e a autonomia da

agricultura camponesa. Entretanto, essas políticas estão na verdade atreladas ao

desenvolvimento da realização do lucro capitalista. Como poderiam as comunidades

camponesas com seus modos de vida e trabalho voltados para o valor de uso serem

beneficiados por grandes projetos que dizem trazer a sustentabilidade e a participação social

das comunidades e populações locais? Sobre as políticas de desenvolvimento territoriais no

campo, Lima (2011) aborda

Todavia a legitimidade desse processo condiciona-se a sua capacidade de

envolver de modo tutelado àqueles que vivem, fundamentalmente, através da

produção de valores de uso, ou seja: de exercer rigorosamente o controle

sobre o trabalho concreto, a terra- e se possível, do esteio onde se realiza o

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trabalho concreto, a terra- sem que seja entendido como um controle.

Balizado pelo estandarte da sustentabilidade do desenvolvimento, o modelo

de desenvolvimento territorial, propositadamente articula um discurso que

escamoteia a busca do desvendamento da teia de relações engendrantes do

sistema exploratório do capital. Palavras como gestão social dos territórios,

empoderamento da sociedade civil e apoio à organização dos pequenos

produtores soam como um vento refrescante no deserto vazio da

emancipação. (LIMA. 2011, p.28).

Os projetos de desenvolvimento que o Estado tem promovido para o Sertão Produtivo

são baseados nos megaempreendimentos, na cultura do agronegócio, nas empresas

mineradoras, resumidamente na política agroexportadora. Os destaques das atividades

produtivas e que dinamizam a economia da região, de acordo os próprios colaboradores do

Plano de Desenvolvimento Territorial, denunciam a dominância da monocultura, e dos

grandes projetos. Segundo este plano,

Apesar de o comércio varejista ter o maior número de estabelecimentos no

TI, com aproximadamente 52%, é a administração pública que responde pela

maior geração de emprego formal. A mineração é uma das principais

atividades, com destaque para a produção de urânio em Caetité. Possui

grande potencial para a produção de energia eólica. No que tange ao setor

agropecuário, destacam-se a produção de manga e maracujá, sorgo e a

recuperação da lavoura do algodão. (BARRETO, 2014, p.23).

Apenas no setor da mineração, estima-se que o Estado baiano investirá ao menos 3,6

bilhões somente na instalação do projeto Pedra de Ferro da empresa Bahia Mineração, nos

municípios de Caetité e Pindaí. Além dos investimentos em logística com a Ferrovia de

Integração Oeste-leste e a implantação de parques eólicos. Esses projetos fazem parte das

estratégias de garantia da acumulação, e o papel do Estado é imprescindível. Para Dutra

Junior (2011),

Garantir a reprodução ampliada e a acumulação de capital pressupõe um

Estado cada vez mais atuante, tendo em vista que ao mundializar-se, a

evolução da contradição essencial da sociabilidade capitalista- produção

social x apropriação privada- torna mundial as repercussões das contradições

e conflitos inerentes à marcha de desenvolvimento das forças produtiva se

relações de produção consoantes à ampliação do valor de troca- a lógica

coerciva da imposição de “leis naturais”, típicas dos estágios de acumulação

primitiva, é retomada (DUTRA JUNIOR, 2011, p. 64).

Face a isso, temos o Estado como um dos principais atuantes no que diz respeito à

violência, expropriação de terras. Como no caso das comunidades tradicionais negras Antas e

Palmito, do município de Caetité, que com licença do INEMA, foram retiradas de suas terras,

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e realocadas para o distrito de Guirapá, município de Pindaí para atender as demandas do

projeto da empresa Bahia Mineração. O depoimento de uma camponesa a respeito desse

processo, mostra como se dá na prática a “participação” e “gestão” das comunidades:

A gente morava em Antas e Palmito. Lá tinha água à vontade, e bastante

terra. A gente criava o gado à solta, plantava nossos de comer, o que

sobrasse, ia vender na feira de Caetité ou de Pindaí. Depois, essa tal dessa

Bahia mineração chegou aqui dizendo que queria as terras, o governo e o

município disse que ia levar nós pra um lugar melhor que o que nós morava,

e que nós tinha direito de participar das decisões da empresa, uma maravilha

o que prometeu. Hoje, você tá vendo aqui, estamos nessas 4 ha de terra, que

não tem água, não tem nada, se a gente reclamar, eles mandam sair das

reunião. E é assim que tem sido nossa vida aqui em Guirapá... (Informação

verbal, maio de 2017).

Esses investimentos ao invés de proporcionar o desenvolvimento das comunidades,

tem provocado expropriações, conflitos territoriais pela terra e pela água e ameaças de morte

nas quais, fica-se cada vez em mais evidência que as necessidades de produção para a vida,

estão na contramão dos imperativos da ordem do capital. Para Martins (1991),

O próprio Estado, a quem supostamente incumbe zelar pelos direitos

fundamentais da pessoa, tem se envolvido, diretamente ou através de

empresas públicas, em conflitos pela terra. Desapropriações de lavradores

[...]. Raciocinando como capitalistas, no intuito de supostamente diminuir

custos, os representantes do Estado nesses empreendimentos esquecem

sempre que os lavradores dessas regiões não têm terra para negociar, mas

para trabalhar. (MARTINS, 1991, p. 480).

Eis a lógica explícita da gestão participativa territorial legitimada pelo Estado:

transformação dos valores de uso em valores de troca, em suma, transformação da “terra de

trabalho em terra de negócio”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das reflexões feitas neste estudo pode-se retirar algumas questões fundamentais. A

primeira, é que a política de desenvolvimento territorial no campo embora seja propagandeada

com palavras ideológicas de “desenvolvimento local”, “renda para os camponeses”, “gestão

participativa dos agentes sociais”, expressam na verdade, em sua prática, a realidade da

ditadura do capital, em que o Estado como seu principal comitê gerenciador, articula as ideias

dos colegiados territoriais, conselhos territoriais, promovem festas e cantos populares. Porém

tudo aquilo que os camponeses opinem que vão contra o interesse da acumulação capitalista, é

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vedado, tirado de discussão, principalmente no que diz respeito, a verdadeira “gestão” do

território camponês.

O planejamento através dos Territórios de Identidade na Bahia é assim, invólucro da

perversa apropriação e expansão das grandes corporações no campo. Ainda que algumas

políticas possam trazer benefícios pontuais aos trabalhadores do campo, como postos de

saúde, escolas, ou empregos, isso se dá sob a lógica de submissão do trabalho sobre o capital.

No que diz respeito ao território de Identidade do Sertão Produtivo, isso pode ser bem

avaliado na prática. Pauta-se como centro do desenvolvimento desse TI, a chegada e

instalação de grandes empreendimentos, que vão fazer a conexão desses municípios com o

capital mundializado, produzindo as grandes riquezas abstratas através da mineração, da

ferrovia, dos parques eólicos, e provendo a expropriação das terras e das águas, além da forma

predatória com a natureza, natureza ontológica, que fornece os meios de produção, e que é

pelo trabalho humano modificada, sendo assim, a forma bárbara da territorialização desses

projetos, revelam a subsunção territorial do trabalho ao capital.

REFERÊNCIAS

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