parte iii - universidade de coimbra

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Parte III MECANISMOS DE RESPOSTA DO HOSPEDEIRO À AGRESSÃO Dentro de alguns limites, as células podem adaptar-se a agressões e a circunstân- cias patológicas exógenas e endógenas que tendem a alterar a sua estrutura e fun- ção, ou a estrutura e função do tecido ou do órgão em que se inserem. No entanto, quando se excede a capacidade de resposta adaptativa celular, quer por se tratar de uma agressão aguda intensa, quer por se tratar de um estimulo persistente, surge uma resposta de intensidade variável, com eventual disfunção tecidular, e que va- ria consoante o agente etiológico. As respostas do organismo humano perante a agressão, resultam habitualmente de mecanismos complexos pré-determinados, e os seus efeitos a nível individual vão dar origem a sinais, presentes e objectiváveis no exame físico do doente ou detectáveis nos exames complementares de diagnóstico, e a sintomas que reflectem a experiência subjectiva do individuo perante a doença, como é o caso da dor. A resposta do organismo por inflamação, febre, dor, edema e stresse, varia conso- ante a agressão e, ao possibilitar o retorno à homeostasia, é habitualmente benéfi- ca para o hospedeiro. No entanto, a resposta inflamatória pode atingir tecidos adja- centes sãos, deixar sequelas e, se houver persistência do estímulo, adquirir um carácter de cronicidade. A dor em excesso pode levar ao suicídio e a febre elevada conduz à morte. O edema é um sinal de várias doenças, com etiologia, consequências clínicas e opções terapêuticas diversas. A resposta ao stresse põe em marcha sis- temas que regem de uma forma global muitas das funções fisiológicas do organis- mo humano: o sistema endócrino, o sistema nervoso e o sistema imunitário e, tal como acontece na inflamação, também aqui acontece o paradoxo de que uma res- posta à agressão tanto pode ter um sentido protector e restaurador, como pode produzir dano, quando o seu desenvolvimento é inadequado ou ineficaz. A compreensão dos mecanismos pelos quais se adoece permite interpretar a sinto- matologia do doente, monitorizar a sua progressão, avaliar a eficácia da terapêuti- ca instituída, e possibilita-nos a possibilidade de prevenir a doença.

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Parte IIIMECANISMOS DE RESPOSTA DO

HOSPEDEIRO À AGRESSÃODentro de alguns limites, as células podem adaptar-se a agressões e a circunstân-cias patológicas exógenas e endógenas que tendem a alterar a sua estrutura e fun-ção, ou a estrutura e função do tecido ou do órgão em que se inserem. No entanto,quando se excede a capacidade de resposta adaptativa celular, quer por se tratarde uma agressão aguda intensa, quer por se tratar de um estimulo persistente, surgeuma resposta de intensidade variável, com eventual disfunção tecidular, e que va-ria consoante o agente etiológico.As respostas do organismo humano perante a agressão, resultam habitualmentede mecanismos complexos pré-determinados, e os seus efeitos a nível individualvão dar origem a sinais, presentes e objectiváveis no exame físico do doente oudetectáveis nos exames complementares de diagnóstico, e a sintomas que reflectema experiência subjectiva do individuo perante a doença, como é o caso da dor.A resposta do organismo por inflamação, febre, dor, edema e stresse, varia conso-ante a agressão e, ao possibilitar o retorno à homeostasia, é habitualmente benéfi-ca para o hospedeiro. No entanto, a resposta inflamatória pode atingir tecidos adja-centes sãos, deixar sequelas e, se houver persistência do estímulo, adquirir umcarácter de cronicidade. A dor em excesso pode levar ao suicídio e a febre elevadaconduz à morte. O edema é um sinal de várias doenças, com etiologia, consequênciasclínicas e opções terapêuticas diversas. A resposta ao stresse põe em marcha sis-temas que regem de uma forma global muitas das funções fisiológicas do organis-mo humano: o sistema endócrino, o sistema nervoso e o sistema imunitário e, talcomo acontece na inflamação, também aqui acontece o paradoxo de que uma res-posta à agressão tanto pode ter um sentido protector e restaurador, como podeproduzir dano, quando o seu desenvolvimento é inadequado ou ineficaz.A compreensão dos mecanismos pelos quais se adoece permite interpretar a sinto-matologia do doente, monitorizar a sua progressão, avaliar a eficácia da terapêuti-ca instituída, e possibilita-nos a possibilidade de prevenir a doença.

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Resposta Inflamatória

Cap. 12Anabela Mota Pinto, Manuel Santos Rosa

12.1 Introdução

12.2 Início da Resposta Inflamatória

12.2.1 Extravasamento de Leucócitos

12.2.2 Quimiotaxia

12.2.3 Fagocitose

12.3 Indução e Mecanismos da Resposta Infla-

matória

12.3.1 Antigénio Específica

12.3.2 Não-antigénio Específica

12.3.3 Mediadores Celulares

12.3.4 Mediadores Moleculares

12.4 Evolução, Regulação e Consequências da

Resposta Inflamatória

12.4.1 Biodiversidade Genética

12.4.2 Boa e Má Inflamação

12.4.3 Inflamação que Termina e Inflamação que

Persiste

12.4.4 Inflamação Crónica

12.4.5 Resposta Inflamatória em Patologia

12.1 INTRODUÇÃO

Inflamação, ou resposta inflamatória, é umaresposta biológica e fisiológica dos tecidosvivos à agressão, fundamentada na vas-cularização, e que conduz à orientação dosmeios de resposta (particularmente os ce-lulares) para o local onde se processoua agressão (Figura 12.1). É considerada oparadigma da resposta imunitária inespe-cífica, caracterizando-se fundamentalmen-te por diversos fenómenos locais (quedecorrem na zona da lesão) associados aalterações sistémicas e que no seu conjun-to configuram a chamada reacção de faseaguda.

No léxico médico para denominarmos o pro-cesso inflamatório associado a um órgãousamos o sufixo –ite precedido do nome dotecido atingido (por exemplo, hepatite).

A resposta inflamatória é uma resposta ina-ta, estereotipada, independente da nature-za do estímulo (agressor) e da existência ounão de contactos prévios com o mesmo.

Ainda que o objectivo principal da respos-ta inflamatória seja deter a agressão, a in-flamação é uma resposta paradoxal e jáque ao ser inespecífica acaba por atingiro tecido adjacente à lesão. Este facto dáorigem a sinais e sintomas que podem so-brepor-se aos sinais clássicos, ou sinaismajor da inflamação, descritos por Celsus,escritor romano do século I a.C.: calor,rubor, tumor, dor. Um quinto sinal, impotên-cia funcional foi acrescentado por Virchowno século XIX.

12.2 INÍCIO DA RESPOSTA INFLA-MATÓRIA

O tecido agredido induz na microcirculaçãouma vasodilatação que propicia o afluxo desangue ao tecido e optimiza o transportede mediadores celulares e moleculares.Estas modificações traduzem fenómenosvasculares e uma activação das célulasendoteliais que justificam os sinais carde-ais de Celsus (Figura 12.2):

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

• Alterações no calibre dos vasos – depen-dentes da intensidade do estímulo, istoé, quanto mais intenso mais rapidamen-te se verificam as alterações, e que con-duzem a um aumento do fluxo sanguí-neo:

Vasoconstrição transitória – dura ape-nas alguns segundos.Vasodilatação – acontece a seguir àvasoconstrição e justifica o rubor eo calor característicos da inflamação.

• Aumento da permeabilidade vascular –alterações estruturais na microcircu-lação que permitem que as proteínas

FIGURA 12.1 Resposta inflamatória: mediadores celulares e moleculares.

plasmáticas e os leucócitos saiam dosvasos para os tecidos. Este movimentode proteínas e plasma para fora dosvasos reduz a pressão osmótica intra-vascular e a acumulação de água e pro-teínas no espaço extravascular resultaem edema (tumor). O fluxo circulatóriodiminui – surge estase que resulta daperda de fluidos e do aumento da con-centração de glóbulos vermelhos.Numa situação fisiológica estas trocasestão criticamente dependentes de umendotélio “intacto”. Mas, durante a res-posta inflamatória, vários mecanismossão activados:

LFA-1

ICAM-1

VLA-4

VCAM-1PSGL-1

P-selectina

Linfócito

NeutrófiloMonócito

HistaminaProstaglandinasLeucotrienos

C3a

Quimiocina

Activação do complemento

Lesão nos tecidosLesão endotelial

Bradicinina

FibrinaFibrinopeptídeos

C3a, C5a, C5b67

Plasmina

C5a

BactériasMacrófago

activado

Mastócito

IL-1, IL-6, TNF-α

ProstaglandinasLeucotrienos

Quimiotaxia

Tecidos

Sangue

aa

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Contracção das células endoteliais –conduz ao aparecimento de interva-los intercelulares, e é conseguidapor mediadores moleculares como ahistamina, a bradicinina, os leuco-trienos e a substância P. É uma res-posta transitória imediata, reversível,e de curta duração (15 a 30 mn). Esteprocesso ocorre apenas nas vénulaspós-capilares (20 a 60 mm de diâme-tro) da microcirculação; não se veri-ficam alterações a nível dos capila-res e arteríolas.Retracção juncional – permite que apermeabilidade vascular aumente.Trata-se de um processo reversível emediado particularmente por citocinas(IL-1 e TNF-α) que induzem uma reor-ganização do citoesqueleto das célu-las endoteliais (ver mais abaixo). Emcontraste com a resposta transitóriaimediata, a retracção juncional podeocorrer 4 a 6 horas após o estímuloinicial e persistir por 24 horas ou mais.

12.2.1 Extravasamento de Leucócitos

O processo de extravasamento de leucó-citos divide-se em passos sequenciados:

• Marginação dos leucócitos.• Rolar dos leucócitos sobre o endotélio.

• Activação celular.• Adesão celular.• Diapedese ou transmigração endotelial.• Migração através da lâmina basal.

No fluxo sanguíneo normal, os leucócitos eos glóbulos vermelhos “viajam” ao longo doeixo central, deixando um filme plasmáticopobre em células em contacto com oendotélio. Porque a permeabilidade vascularse inicia cedo na inflamação, há saída de flui-do do lúmen vascular e o fluxo sanguíneodiminui. O resultado destas modificaçõeshemodinâmicas, durante a resposta inflama-tória, é que mais leucócitos vão assumir aposição periférica ao longo da superfícieendotelial, isto é começam um processo demarginação. Sequencialmente, os leucócitosrolam sobre as células endoteliais e transi-toriamente aderem a eles de forma a sofre-rem uma activação (Figura 12.3).

O rolar dos leucócitos é um processo quese desencadeia pela expressão nas célu-las endoteliais, de P-selectina em respos-ta a mediadores como a histamina, trom-bina e factor de activação plaquetar (PAF);na adesão dos leucócitos alguns mediado-res inflamatórios, como as citocinas, estãomais envolvidos (IL-1 e TNF), por media-rem a expressão de moléculas como aE-selectina, normalmente não presente no

FIGURA 12.2 Aterações da vascularização associadas ao início da respostainflamatória e sua relação com os sinais cardeais de celsus.

•Rubor

Edema

Saída de células

Calor

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endotélio, a molécula de adesão interce-lular (ICAM-1, do inglês intercellular adhesionmolecule 1) e a molécula de adesão celularvascular (VCAM-1, do inglês vascular celladhesion molecule 1). As selectinas P e E li-gam-se a oligossacarídios sialidados (SialisLewis X) e as integrinas ICAM-1 e VCAM--1 encontram o seu receptor nas molécu-las de antigénio associado à função dosleucócitos – LFA-1 (CD11/CD18) e α4 β 1 eα4 β 7, respectivamente, de alguns leucócitos.A seu tempo, o endotélio fica pavimentadode leucócitos e a transmigração endotelial(diapedese) inicia-se (Figura 12.4).

A diapedese é um processo rápido em que osleucócitos se estendem através da emissãode pseudópodes entre duas células endo-teliais. Isto requer uma desagregação docitoesqueleto na superfície apical e uma jun-ção do endotélio na superfície luminal. Amigração leucocitária faz-se apenas por me-canismos moleculares. A expressão de mo-léculas de adesão pelo endotélio e leucócitosorquestram o tráfico (ou a movimentação) decélulas sanguíneas circulantes.

Enquanto a marginação celular, o rolar, aadesão e o movimento na superfície apicalenvolvem interacções heterofílicas entre

FIGURA 12.3 Extravasamento dos leucócitos. A marginação dos PMN coloca estas células em contactocom as CE. A adesão plaquetar liberta mediadores da inflamação e coagulação. GV - glóbulos verme-lhos; PNE - polimorfonucleares.

FIGURA 12.4 Migração transendotelial de leucócitos. CXCR - receptor paraas quimiocinas tipo CXC. ICAM - molécula de adesão intercelular. MCAM -mucim cell adhesion molecule.

Endotélio

ARolling

BActivação

CAdesão

DMigração

transendotelial

NeutrófilosA - E-selectina MCAMB - IL-8 CXCR1/CXCR2C - ICAM Integrina

Fluxo sanguíneonormal

Agregados GV MarginaçãoPMN

Adesão plaquetar

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uma classe de moléculas nos leucócitos eoutras classes de moléculas nas célulasendoteliais, pelo menos duas interacçõesmoleculares de grande importância nadiapedese envolvem ligações homofílicasentre a mesma molécula do leucócito e oendotélio. A molécula platelet-endothelial-celladhesion molecule-1 (PECAM-1) e o CD99actuam em passos sequenciais consoanteos leucócitos atravessam a barreira en-dotelial. As moléculas JAM-A (junctionaladhesion molecule) e JAM-B, expressas porleucócitos e endotélio, são também capa-zes de interacções homofílicas, embora oseu papel na migração leucocitária possaprecisar de ligações heterofílicas.

A junção entre as células endoteliais é que-brada durante a transmigração dos leucó-citos. No entanto a integridade vasculardeve ser mantida. Moléculas de adesãolocalizadas perto das junções de aderên-cia e das tight junctions, como as vascularendothelial cadherin (VE-caderina, caderina5, CD144), aproximam células endoteliaisopostas e as suas inserções citoplas-máticas organizam e suportam a actina docitoesqueleto.

Seis moléculas, concentradas nos bordoslaterais das células endoteliais, foramimplicadas no processo de transmigração,PECAM, CD99, VE-caderina e JAM-A, -Be -C. As moléculas PECAM e JAM perten-cem à superfamília das imunoglobulinas,a VE-caderina pertence à família dascaderinas e a molécula CD99 é uma mo-lécula única e, com excepção da JAM-B,expressam-se também nos leucócitos(Quadro 12.1)

A transmigração requer um aumento docálcio livre intracelular nas células endo-teliais, adjacentes à transmigração leuco-citária. Este aumento activa a cadeia leveda miosina cinase (MLCK) que ao modifi-car a conformação da miosina II facilita acontracção dos filamentos actina-miosina eaumenta a tensão das células endoteliais.

A importância destas moléculas varia con-soante o estímulo inflamatório e os leucó-citos envolvidos. Por exemplo, a respostainflamatória a algumas bactérias no pulmãoé independente do CD18 nos leucócitos.

QUADRO 12.1 MOLÉCULAS DE ADESÃO EN-VOLVIDAS NA TRANSMIGRAÇÃO

(DIAPEDESE)

PECAM-1 (CD31)CD99LFA-1 (CD11a ou CD18)JAM-AMac 1 (CD11b ou CD18)JAM-CVLA-4 (CD49d ou CD29)VE-caderinaPECAM-1CD99JAM-AJAM-CJAM-B

LEUCÓCITOS

MOLÉCULA DE ADESÃO

CÉLULA ENDOTELIAL

CONTRA-RECEPTOR

PECAM-1CD99JAM-AJAM-AJAM-CJAM-CJAM-BVE-caderinaPECAM-1CD99JAM-AJAM-C, JAM-BJAM-B, JAM-C

A diapedese pode ser dividida em dois pas-sos (provavelmente mais, mas ainda nãoestudados), sequencialmente a cargo doPECAM-1 e CD99.

12.2.2 Quimiotaxia

Após o processo de extravasamento, osleucócitos migram nos tecidos em direcçãoao local da lesão por um processo desi-gnado quimiotaxia, definido de uma formasimples como uma chamada unidireccionaldestas células ou, como uma movimenta-ção orientada por um gradiente químico.Granulócitos, monócitos e até mesmo oslinfócitos respondem a estímulos quimiotác-ticos com diferentes velocidades.

Os factores quimiotácticos são vários.Factores exógenos como os produtos bacte-rianos (de natureza lipídica, ou peptídeosque contenham peptídeo hiperalgésico for-mil met-leuc-fenilalanina (fMLP), ou facto-

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

res endógenos de natureza molecular (abor-dados detalhadamente mais adiante) comoos factores do complemento (em particularo C5a), produtos da via da lipooxigenase(leucotrieno B4 – LTB4) e quimiocinas (cito-cinas quimiotácticas) em particular a IL-8.

Desde que os leucócitos “sentem” os agen-tes quimiotácticos até que se começam amovimentar, vários agentes estão envolvidosneste processo: a ligação dos factores qui-miotácticos a receptores específicos da mem-brana dos leucócitos resulta na activação davia da fosfolipase C (através das proteínasG) que por hidrólise do fosfatidilinositol-4,5--bifosfato (PIP2) em inositol-1,4,5-trifosfato(IP3) e diacilglicerol (DAG) e aumento do cál-cio a nível do citosol (influxo extracelular e porlibertação intracitoplasmática) despoleta a li-gação dos filamentos intracelulares (actina emiosina) permitindo a mobilidade celular(quimiotaxia).

O leucócito movimenta-se estendendo umpseudópode (do grego: falsos pés - pseudo +podes), ou seja, uma evaginação da membra-na plasmática que arrasta a restante célulana direcção da extensão. A locomoção celu-lar surge porque o citoplasma se desloca(sistema actina-miosina) por uma complexi-dade de acontecimentos controlados pelosiões de cálcio e por proteínas que regulama actina (filamina, profilina e calmodulina).

Também o factor de transcrição (NF- κ B)activado por factores quimiotácticos induza translocação nuclear, e a ligação do ADNao NF- κ B é fundamental na quimiotaxia, emparticular dos neutrófilos.

São os diferentes padrões de receptoresexpressos pelos leucócitos que respondemaos vários gradientes de sinais quimio-tácticos que estas células vão encontran-do e, que vão determinando e orientandoas células para o alvo.

Paralelamente à sua locomoção, o leucócitoresponde aos sinais quimiotáticos pela sín-tese de metabolitos do ácido araquidónico,

pela desgranulação e secreção de enzimaslisossomais, por reacções de stresse oxida-tivo e modulação das moléculas de adesãoe que, genericamente se designa por acti-vação leucocitária.

Preparam-se para no local da resposta in-flamatória exercerem duas das suas fun-ções efectoras: fagocitose e libertação deenzimas.

12.2.3 Fagocitose

A fagocitose está a cargo dos fagócitos, istoé, células do sistema mononuclear fago-cítico e de leucócitos polinucleares, espe-cialmente dos neutrófilos. Envolve trêspassos sucessivos e interligados entre si:

• Reconhecimento e ligação do agente aser eliminado.

• Invaginação.• Morte ou degradação.

O reconhecimento da maioria dos micror-ganismos dá-se apenas após o seu reves-timento por factores designados opsoninas,que se ligam a receptores específicos pre-sentes nos leucócitos, e aumentam a efici-ência da fagocitose. As opsoninas major sãoo fragmento Fc da imunoglobulina G (IgG),a fracção C3b do complemento (descritosmais adiante) e proteínas de ligação ahidratos de carbono (lectinas) que se ligamà parede da membrana dos microrganis-mos (por exemplo proteína de ligação àmanose – MBP). Os leucócitos, por suavez, apresentam receptores corresponden-tes FcR γ , receptores do complemento CR1,2, 3 que se ligam ao C3b, e receptores C1qque se ligam às lectinas.

O CR3 é um receptor particularmente impor-tante por ser idêntico ao CD11b envolvido naadesão às células endoteliais e, por poder li-gar-se directamente a lipopolissacarídios(LPS) da parede bacteriana, independente-mente da presença de uma opsonina. OCR3/CD11b também se liga a componen-tes da matriz extracelular como a fibro-

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nectina e a laminina. Aliás, este últimopasso será imprescindível, na ausência daopsonina, para que se dê a invaginaçãopelo fagócito.

Os microrganismos apresentam pequenassequências moleculares designadas pormotivos moleculares associados a pato-génios (PAMP). São reconhecidas pelosreceptores toll-like (TLR) e por outros re-ceptores de reconhecimento de motivosestruturais conservados (PRR). O LPSbacteriano é considerado o protótipo dosPAMP. Outros PAMP incluem a flagelinabacteriana, o ácido lipoteicoico das bacté-ria gram positivas, o peptideoglicano evariantes do ácido nucleico normalmenteassociadas a viroses como a double-strandedARN (dsARN) ou por exemplo os unme-thylated CpG-motifs. Durante a invaginação,pseudópodes rodeiam o agente a ser inva-ginado, resultando num enclausuramentocompleto dentro de um fagossoma. Os fa-gossomas unem-se a lisossomas constitu-indo os fagolisossomas, onde actuarão osmecanismos indutores da morte do agen-te incorporado (por exemplo, bactéria). Amorte ou degradação pode ser por doismecanismos:

• Dependentes do oxigénio em que ofagócito estimula um burst oxidativopor acção da nicotinamida adeninadinucleótido fosfato, oxidase (NADPH--oxidase) e da mieloperoxidase.

• Independentes do oxigénio que inclu-em a acidificação do fagolisossoma poracção de enzimas hidrolíticas lisossó-micas (proteína bactericida e indutorade permeabilidade – BPI, lisozima elactoferrina).

Porém a libertação destes metabolitos du-rante o processo da fagocitose, não acon-tece apenas no interior do fagolisossoma,mas potencialmente também no espaçoextracelular. As enzimas lisossomais, os ra-dicais de oxigénio e os metabolitos do áci-do araquidónico são potentes mediadores

lesivos do endotélio e do tecido adjacenteao local da resposta inflamatória, amplian-do o estímulo inflamatório inicial. Se esteestímulo persiste ou não é eliminado, oinfiltrado de leucócitos torna-se lesivo epode originar doença.

12.3 INDUÇÃO E MECANISMOS DA

RESPOSTA INFLAMATÓRIA

Os mediadores da inflamação constituemuma rede organizada de comunicação e deampliação de respostas biológicas (celula-res e moleculares), que têm como base ofenómeno inflamatório. Para a indução des-te fenómeno podem contribuir inúmerosmecanismos, que no entanto se podem sis-tematizar em dois grandes grupos: os as-sociados à resposta inata e os associadosà resposta adquirida (Figura 12.5).

As principais diferenças residem na rapidezdo mecanismo e na especificidade e com-plexidade. No primeiro caso (resposta ina-ta) há muita rapidez, mas não há espe-cificidade (não-antigénio específica), nosegundo caso (resposta específica) há len-tidão e complexidade, mas é antigénio es-pecífica, exigindo a resposta por anticorpos,ou por linfócitos.

12.3.1 Antigénio Específica

Embora a inflamação se mostre como ummecanismo inespecífico e, por isso, seme-lhante, qualquer que seja o agente indutor,é possível ser desencadeada por respos-tas biológicas específicas (reacções anti-génio-anticorpo), especialmente através daactivação do sistema do complemento edos linfócitos.

Esta possibilidade de indução da inflama-ção assume um interesse particularaquando dos processos inflamatórios ori-ginados por agressão autoimune, habitu-almente de início circunscritos ao local, ou

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

compartimento orgânico, sede da respos-ta autoimune (por exemplo, uma articula-ção), mas facilmente generalizáveis, ultra-passando a inflamação largamente asfronteiras da agressão inicial. Esta abran-gência do processo inflamatório e a suafalta final de especificidade têm conse-quências clínicas muito importantes, tradu-zidas em sinais e sintomas que extravasame mascaram o processo original (muitasvezes bem localizado e específico) queinduziu a inflamação.

12.3.2 Não-antigénio Específica

Embora, sempre que se verifique uma res-posta imunitária, possa ser induzida a res-

posta inflamatória (resposta inata pós-res-posta adquirida), não faria muito sentidoque uma resposta rápida e “descomplexa-da” como a inflamatória ficasse dependen-te de mecanismos complexos e demorados,pelo que a indução não-antigénio específi-ca representa a principal forma de activa-ção da resposta inflamatória.

Basicamente conta com três possibilida-des distintas, a partir de estímulos queactuem sobre os TLR, o complemento eos receptores neurogénicos, envolvendoas células inflamatórias. Pode ainda acres-centar-se uma outra possibilidade, poragressão inicial a células pró-inflamatóri-as, com reserva intracitoplasmática demediadores inflamatórios, como é o caso

FIGURA 12.5 Indução dos mecanismos da resposta inflamatória.

Resposta adquirida

MacrófagosCélulas NKNeutrófilos

Células endoteliais

Activação docomplemento

Fagocitose, produção de

ROS, apresentação de

antigénios

Produção de citocinas,

eicosanóides, quimiocinas,

factor tecidular

Recrutamento de leucócitos.

Citólise

Linfócitos T Linfócitos-B

CD8+ CD4+

Secreção de citocinas.

Lise celular

Th1

Th2

IgG2

IgEIgG1

Opsonização. Activação do complemento

Destruição de parasitas.

Asma, alergias

Resposta inata

Infecção, lesão tecidular, exposição a antigénios

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dos ceratinócitos da pele, que por simplescontacto (basta uma pequena lesão trau-mática) podem desencadear a respostainflamatória.

O estímulo dos TLR assume um papel pri-mordial de activação da resposta inata,sendo o mais comum aquando de um pro-cesso infeccioso, ou de destruição celular/tecidular, paralelamente à activação dosistema do complemento (neste caso porvia alternativa), com especial importânciapara a acção da MBL (lectina de ligaçãoà manose). Assim, perante um estímuloinespecífico, temos duas vias de activa-ção, a do complemento, vocacionada parao posterior recrutamento de células infla-matórias e destruição de patogénios porcitólise, e a dos TLR, dedicada à activaçãode mediadores intracelulares, com a con-sequente produção de proteínas pró-infla-

matórias, pós-activação do NF- κ B (Figu-ra 12.6).

A diversidade dos TLR (TLR-1 a TLR-11),que corresponde em cada um deles auma diferente capacidade de reconheci-mento de padrão molecular (classicamen-te o LPS, reconhecido pelo TLR-4 e aflagelina pelo TLR-5, etc.), permite que ascélulas inflamatórias possam ter umagrande margem de manobra em relaçãoao tipo e intensidade de resposta, face aoagressor (Figura 12.7).

Os desencadeadores neurogénicos são deinteresse especial em estruturas orgânicasricas nos respectivos receptores, como sãoexemplo os brônquios e a consequente in-flamação associada a fenómenos de con-tractilidade, característicos da asma.

FIGURA 12.6 Principais vias de activação da imunidade inata.

Bactéria

C4

C4b

C4bC2a

C4a

C3 C3b

C3a

C2

C2b

MASP1

MASP2

MBL

C1q

C1r C1s

Y

Y

YY

Y

YComplexo antigénio-anticorpo

Membranaplasmática

Núcleo

Citoplasma

Indução de genesda resposta inflamatória

e imunitária

CD14

Via das lectinasdo sistema

do complemento

Via de

sinalização dosTLR

LPS do microrganismo

MD-2

IRA

K

IRA

K

TRAF6

MyD88

MAP3K

IKK1IKK2

IkB

Degradação

NF-κB

TRL4

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

FIGURA 12.7 Diversidade dos TLR e seus ligandos envolvidos na resposta inflamatória.

12.3.3 Mediadores Celulares

Neutrófilos

O neutrófilo (ou, polimorfonuclear neutrófilo– PMN) é um leucócito polimorfonucleadoque tem origem na medula óssea. É umacélula que permanece no sangue duranteum curto espaço de tempo 12 a 20 horas,passando para os tecidos onde permanececerca de um a dois dias, perfaz 50 a 70% donúmero total de leucócitos. São células quenão se conseguem multiplicar (Figura 12.8).

A sua função efectora é a fagocitose no lo-cal de inflamação. O “material bélico” en-volvido neste processo está na sua maio-ria armazenado nos cerca de dois mil grâ-

nulos de pelo menos três tipos: grânulosprimários (ou azurófilos), grânulos secun-dários (ou específicos) e os designados “ou-tros” grânulos (Tabela 12.1).

Os neutrófilos são as células que se encon-tram programadas para sair dos vasos san-guíneos para os tecidos no combate aosmicrorganismos, matando-os e morrendode seguida. Por este motivo, são muitasvezes comparados a células do tipo Kami-kaze.

É a fagocitose que induz rapidamente aapoptose dos neutrófilos, e a clearance des-tes restos celulares é importante na resolu-ção da inflamação. Curiosamente, a apo-ptose induzida pela fagocitose não parece

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9

10

11

NF-kBCasp1

MAPK

NF-kB

???

NF-kB

NOD1

NOD2

Cardif

Cardif

RIG-1

CD36

Dectina MRDC-SIGN

ARN viral

Produtos uropatogénicos

bacterianos

?

CpG ADN

ssARN

ssARN 7

5Flagelina

LPS

LIPOPEPTÍDEOSDi-acil Tri-acil

3

dsARNReceptores toll-like

VIHMannansβ-glucanosDiacilglicerídios microbianos

Dipeptídeos Muramil

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AS

MOLÉCULAS SECRETADAS PELOS GRÂNULOS DOS NEUTRÓFILOSTABELA 12.1

Grânulos azurófilos

Grânulos específicos

“Outros” grânulos

FIGURA 12.8 Origem e distribuição de leucócitos. Mø - Macrófago; PMN - polimorfonuclear nucleófilo.

PeroxidaseFosfatase ácidaβ glicosamidaseArilsulfataseEsteraseCatepsinasElastaseLisozimaFosfolipase AProteínas catiónicasDefensinasGlicosaminoglicanosHistaminaseCitocinasColagenaseLisozimaProteína de ligação à vitamina B12LactoferrinaFlavoproteínasCitocromo b245Fosfatase ácidaβ glicosaminidaseα manosidaseGelatinaseGlicosaminoglicanos

Medula óssea(Citocinas

Factores de Crescimento)

Circulação

Tecidos

Tecidos

Tecidos

Circulação

Circulação

Váriosdias

Vida média6 a 12 horas

Circulam cerca de 10 horas

100 biliões/dia numa pessoa com 70 kg

(10 X na inflamação aguda)

Vida média de 22 h

Vida médiadias a anos

Eosinófilos

Monócitos

PMN

Circulam cerca 2-3 dias

E

GRÂNULOS MEDIADORES MOLECULARES

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

requerer os receptores tradicionais, Fas eTNF. São as espécies reactivas de oxigénioque aumentam durante a fagocitose e as β 2integrinas (receptores membranares espe-cíficos dos leucócitos) que promovem aclivagem/activação das caspase 8 e 3, pe-ças chave na mediação extrínseca daapoptose dos neutrófilos.

Durante a resposta inflamatória o neutró-filo inicia um burst oxidativo e começa asecretar o seu conteúdo enzimático a par-tir do momento a que responde a sinaisquimioctáticos. O seu potencial de lesão ede eliminar o material estranho ao organis-mo estende-se às células sãs que rodeiamo local da inflamação.

Sistema Fagocítico Mononucleado

O termo sistema fagocítico mononucleadofoi sugerido para substituir a designação sis-tema retículo-endotelial (SRE), uma vez queos monócitos circulantes e os macrófagos(Møs) tecidulares são as células que desem-penham o papel mais importante na fago-citose. Este sistema envolve todas as célu-las que partilham a capacidade de fagocitar,ou seja, monócitos/Møs, neutrófilos e, em-bora de uma forma mais ténue, os eosi-nófilos.

Os monócitos e os Møs devem ser tratadosem comum por representarem duas fasesda mesma célula – a fase circulante e a fasetecidular respectivamente. Os monócitosderivam de células da medula-óssea, circu-lam no sangue periférico cerca de dois atrês dias, passando aos tecidos onde já sobo nome de macrófagos têm uma vida mé-dia de dias a anos (Figura 12.8). Esta semi--vida curta dos monócitos alicerça o concei-to de que estas células, para manter ahomeostase e durante uma resposta infla-matória “repovoam” continuamente a po-pulação de macrófagos e de células den-dríticas (DC). A heterogeneidade dos monó-citos é reconhecida pela diferença naexpressão de CD14 (parte do receptor delipopolissacarídios) e de CD16 (também co-

nhecido por Fc γ RIIII): a população “clássi-ca” de monócitos CD14+CD16-, representa95% destas células nos indivíduos sau-dáveis, e a “não-clássica” CD14lowCD16+perfaz o restante número. Estas subpopu-lações diferem na expressão de moléculasde adesão e nos receptores de quimiocinas,mas principalmente no facto de que são osmonócitos CD16+ que aumentam em núme-ro na resposta inflamatória.

Sob influência de factores quimioctáteis ede moléculas de adesão, os monócitos mi-gram para o local de agressão nas 24 a 48horas que se seguem ao início da inflama-ção e diferenciam-se em Møs, encontram-se distribuídos no tecido conjuntivo ou agru-pados noutros tecidos onde na maioria dasvezes são designados por outros nomes:células de Kupffer (no fígado), histiócitos(no baço e nódulos linfáticos), células damicróglia (no sistema nervoso central) eMøs alveolares (nos pulmões).

No espaço extravascular os Møs podemser activados por endotoxinas bacterianas,citocinas segregadas por linfócitos-T acti-vados, em particular o interferão γ (INF- γ ),mediadores de inflamação aguda e proteí-nas da matriz extracelular como a fibro-nectina.

A sinalização interveniente na indução degenes pró-inflamatórios (proteína induzida(IP-10), proteína quimiotáctica de monócitose macrófagos (MCP-5), IL-12p40) no ma-crófago envolve em particular o receptortoll-like (TLR) 4 que requer a proteína deadaptação toll-IL-1R (TIRAP)/proteína dediferenciação mielóide 88 (MyD88) adapter--like (MAL) que induz a expressão do IFN- βe a fosforilação do factor de transcriçãosTAT1. Esta via é essencial no reconheci-mento de microrganismos e sinalizaçãopelo lipopolissacarídio (LPS), nos Møs.

Quando activados, o metabolismo dos Møsaumenta assim como a capacidade fagocí-tica, e segregam vários metabolitos: pro-teases neutras, fracções do complementoe factores de coagulação, espécies reacti-

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vas de oxigénio e óxido nítrico, eucosa-nóides, citocinas e factores de crescimen-to, envolvidos na destruição de tecidos, naangiogénese e na fibrose que caracterizama resposta inflamatória de maior duração(Figura 12.9).

A activação macrofágica pode dar-se de duasformas distintas, uma activação rápida emque os Møs respondem em segundos ou mi-nutos (habitualmente a um estímulo defagocitose), e uma activação lenta semelhan-te a um processo de hipertrofia (em respos-ta à IL-4 e IL-13) em que os Møs sofremmodificação nos marcadores de superfície eno conteúdo enzimático, a sua capacidadebactericida e tumoricida aumenta e apresen-tam uma capacidade imunorreguladora.

Para além da activação, estas células podemresponder a estímulos externos com dois ti-pos de adaptações: ingerindo e interiorizandolípidos, tornando-se “células espumosas” comuma intervenção importante em processosde aterosclerose, ou fundindo vários Møs(por acção de IL-4 e INF- γ ) tornando-se célu-las gigantes multinucleadas, que são a “mar-ca” da resposta inflamatória crónica.

Mastócitos

Os mastócitos (MC) são células tecidularescom origem na medula óssea (desenvolvem-

se de uma célula pluripotente indiferenciadaCD34+), e respondem a sinais inflamatórioscom a libertação imediata e tardia de media-dores. Desde há muito que se sabe que es-tas células estão implicadas na patologia emortalidade da resposta anafiláctica e outrasalterações alérgicas, pela sua capacidade deactivação através da ligação dos receptoresFc a IgE específicas e pela sua concentraçãoem locais de interface com o meio externo.

São células cuja característica principal é apresença de grânulos densos citoplasmá-ticos que contêm no seu interior uma es-trutura em rede. Os MC são relativamenteabundantes na pele, timo, tecido linfóide,pulmão, mucosa nasal, conjuntiva, útero,bexiga, língua, sinovial e mesentério; emtorno dos grandes e pequenos vasos e ain-da nas camadas subserosas e submucosasdo aparelho intestinal. Estão presentes prin-cipalmente no tecido conjuntivo laxo, à voltados vasos, nervos, canais glandulares e sobas membranas epiteliais, serosas e sinoviais.

Os MC estão divididos em dois subtipos, deacordo com a seu conteúdo de proteases –com triptase (MCT) e com triptase e quimase(MCTQ). O subtipo MCT tem apenas triptasee predomina nas vias aéreas e mucosa intes-tinal, o subtipo MCTC tem triptase, quimase,carboxipeptidase e catepsina G e predominana pele e submucosa intestinal.

FIGURA 12.9 Macrófagos – intervenção na resposta inflamatória crónica.

Macrófago activado

Lesão tecidular

Metabolitos de oxigénioProteases

Factores quimiotácticos MøsFactores de coagulaçãoMetabolitos do ácido

AraquidónicoÓxido nítrico

Angiogénese

Factores de crescimentoFactores de angiogénese

Fibrose

ColagenasesCitocinas fibrogénicas

a

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

A maturação e a expressão dos mastócitos éinfluenciada por citocinas como a IL-4, IL-5 eIFN- γ . O número de MC aumenta considera-velmente nas reacções de hipersensibilidadeimediata mediadas pela IgE, incluído rinite,urticária e asma, apresentam um aumentomais discreto em associação com patologiaautoimune, infecciosa, neoplasias, osteopo-rose e patologia hepática e renal crónica.Mas, o grande aumento está associado àmastocitose.

Expressam uma variedade de receptoresde membrana dependendo da fonte teci-dular e do estado de diferenciação. No es-tado quiescente expressam o receptor dealta afinidade para a IgE (Fc ε RI) e o recep-tor para a IgG Fc γ RIIb (CD32). Podem ain-da expressar receptores C3a e C5a para ocomplemento, receptores IL-3R, IL-4R,IL-5R, IL-9R, IFN- γ R e IL-10R para citocinas,o receptor para o factor estimulador docrescimento de colónias de granulócitos emonócitos CSF-GM, receptores para qui-miocinas (CCR3, CCR5, CXCR2, CXCR4),receptores para o nerve growth factor (NGF)

e o CD48, uma glicoproteína manosilada, en-tre outros. A agregação da IgE ao receptorFc ε RI conduz à activação dos MC, à exo-citose dos grânulos e à libertação dos medi-adores. Os MC também podem ser activadospelas fracções do complemento C3a e C5aatravés dos C3aR e C5aR (CD88), pelo nervegrowth factor (NGF) através do seu receptorTRKA, e pela IgG pelo Fc γ RI. Em qualquerdestes casos a activação dos MC conduz àlibertação de histamina, síntese de eucosa-nóides e expressão de genes para citocinas.

Os mediadores dos mastócitos podemdividir-se em três categorias: mediadorespré-formados, mediadores lipídicos sinteti-zados de novo, citocinas (Figura 12.10).

Qualquer que seja o sinal de activação, osmediadores libertados e sintetizados pelosMC conduzem a uma resposta inflamatória,pelo papel que desempenham na quimiotaxiae recrutamento selectivo de células efectorase modificação da permeabilidade vascular.Na defesa do hospedeiro, a sua interacção abactérias opsonisadas e não-opsonizadas(pela ligação ao receptor CD48) coloca estas

FIGURA 12.10 Mastócitos – activadores e mediadores inflamatórios.LTC4 - leucotrieno C4; NGF - nerve growth factor; PgD2 - Prostaglandina D2

IgEComplementoNGFIgGMicrorganismos

Activação

HistaminaSerina proteasesProteoglicanosTriptase, Quimase, CarboxipeptidaseCatepsina G

LT C4PgD2

TNF-αIL-4IL-3CSF-GMIL-5IL-6IL-8IL-16

Rinite, urticária, asma, infecção, neoplasias, patologia

hepática e renal crónica

Mastócitose

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células muito além da sua intervenção clás-sica na resposta inflamatória alérgica.

Eosinófilos

Os eosinófilos são granulócitos que corampela eosina. Embora estas células sejamraras no sangue periférico dos indivíduossaudáveis, a eosinofilia no sangue e tecidosé uma característica presente em proces-sos inflamatórios como infecções por para-sitas (helmintas) ou reacções inflamatóriasalérgicas mediadas pela IgE.

Os eosinófilos têm tipicamente um núcleobilobar, uma cromatina e citoplasma con-densado, e contêm dois tipos de grânulos –específicos e primários. Os grânulos especí-ficos são constituídos por proteínas catiónicasque dão aos eosinófilos as suas propriedadespróprias de coloração. Os grânulos primári-os são semelhantes aos grânulos dos outrosgranulócitos e aparecem cedo no desenvol-vimento dos eosinófilos.

Não há nenhum marcador de superfícieespecífico destas células e a sua coloraçãocaracterística continua a ser o método deidentificação mais comum. Expressam, no

entanto uma ampla variedade de recepto-res, incluindo receptores para citocinas(IL-3R, IL-5R e CSF-GM), receptores paraquimiocinas (CCR1 e CCR3), paraimunoglobulinas Fc γ RII (CD32), FcαRI (IgAsecretora), receptores para complemento(C3aR, C5aR, CD88, e CD35) e moléculas deadesão (antigénio muito tardio VLA-4 eα4 β 7 integrina), CD9 e CD69. O CD69 é ummarcador de activação, tipicamente pre-sente nos locais de inflamação alérgica. Aexpressão de FC ε RI é mínima e o seu sig-nificado funcional não está clarificado.

Os eosinófilos desenvolvem-se e amadure-cem na medula óssea, de células CD34+, ea IL-5 tem um papel importante na diferen-ciação e proliferação dos precursores doseosinófilos na medula óssea. É também aIL-5 periférica sintetizada nos locais de in-flamação alérgica, ou na infecção porhelmintas que actua na medula óssea deforma a libertar eosinófilos maduros, assimcomo percursores de eosinófilos. Estas cé-lulas circulam 6 a 12 horas no sangue peri-férico e a grande maioria encontra-se nostecidos, onde estão vários dias, particular-mente no intestino e pulmão (Figura 12.8).

TABELA 12.2

Mediadores pré-formados

Mediadores lipídicos sintetizadosde novo

Citocinas

Histamina (2 a 5 pg histamina porcélula)Serina proteasesProteoglicanos (heparina e sulfatode condroitina E)Proteínas (principalmente proteasesneutras) - triptase, quimase, car-boxipeptidase e catepsina G

Prostaglandina (Pg) D2: MC da peleleucotrieno (LT) C4: MC do pulmão

TNF-αIL-4IL-3CSF-GMIL-5IL-6IL-8IL-16

GRUPO DE MEDIADORES MEDIADORES

MEDIADORES DOS MOSTÓCITOS

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

A saída da circulação para os tecidos temsido muito estudada pela possibilidade deutilizar estes mecanismos no tratamento daasma. A adesão às células endoteliais émediada pela interacção de VLA-4 com aexpressão endotelial de molécula de ade-são celular vascular (VCAM-1). A avidezdesta ligação depende em particular daeotaxina e de outras quimiocinas CC quetambém medeiam a quimiotaxia doseosinófilos. A IL-4, IL-13 e o TNF-α actuamsinergicamente na expressão de VCAM-1pelas células epiteliais dos brônquios efibroblastos. Adicionalmente à eotaxina, oPAF e LTB4 são potentes factores quimio-tácticos para os eosinófilos. Depois de es-tarem nos tecidos, o factor de activaçãoque conduz à sua função efectora aindanão está perfeitamente definido. A sua lo-calização no intestino e pulmões sugereque estas células tenham um papel impor-tante na defesa das mucosas.

Libertam mediadores pró-inflamatórios in-cluindo proteínas catiónicas armazenadasnos grânulos, eucosanóides sintetizados denovo e citocinas. Os seus grânulos contêmproteínas básicas (pH entre 9 a 11) que pa-recem ter um papel importante na defesado hospedeiro e na patogenia das patolo-

gias mediadas por eosinófilos. A proteínabásica major (MBP) é assim designada porperfazer mais de 50% das proteínas dosgrânulos. Purificada tem uma potente toxici-dade contra parasitas (helmintas e schisto-soma) e células epiteliais do tracto respirató-rio, causando hiper-reactividade brônquica ebroncoconstrição, o que sugere a sua inter-venção na patogenia da asma. A sua capaci-dade de produzir citocinas (IL-1, transforminggrowth factor β , IL-3, IL-4, IL-5, IL-8, e TNF-α)é baixa comparativamente às outras célu-las inflamatórias.

Plaquetas

As plaquetas são células sanguíneas anu-cleadas por se tratarem de fragmentos demegacariócitos (células da medula óssea).Medem de 1,5 a 3,0 micrómetros de diâ-metro e circulam no sangue com o forma-to de um disco achatado. São células queembora não saindo da circulação sanguíneaactuam rapidamente libertando os seusmediadores por estarem presentes sempreque há lesão vascular.

Possuem vários tipos de grânulos:• Lisossomais que contêm ácido hidrólico.• Densos contendo ADP, ATP, serotonina

e cálcio.

MEDIADORES INFLAMATÓRIOS DAS PLAQUETASTABELA 12.3

Permeabilidade vascular

Vasoconstrição

Factores de crescimento (acçãonos fibroblastos e angiogénese)

Coagulação e fibrinólise

PAFSerotoninaSerotoninaTromboxano A2Factor de crescimento derivado dasplaquetas (PDGF)Factor de crescimento derivado dasplaquetas (PDGF)Factor transformador do crescimen-to (TGF α e β )FibrinogénioFactores VI,VIII, XIIPlasminogénioTrombospondina

ACÇÃO MEDIADOR

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• Grânulos α que contêm fibrinogénio,factor V, vitronectina, trombospondinae factor de von Willebrand.

Estas moléculas pré-formadas e armazena-das nos grânulos e outras sintetizadas denovo permitem que estas células tenhamum papel activo na integridade do endotélio,na coagulação sanguínea e fibrinólise e naresposta inflamatória (permeabilidade vas-cular e vasoconstrição).

Células Endoteliais

O endotélio vascular há muito que deixoude ser visto como uma “membrana” inerteque reveste o sistema circulatório e quetem como função principal manter a per-meabilidade da parede vascular. A superfí-cie de células endoteliais (CE) num adultoé composta por aproximadamente 1 a6 × 1013 células, com um peso de cerca de1 kg cobrindo uma área de aproximadamen-te 1 a 7 m2.

As CE revestem a superfície vascular eregulam o fluxo de nutrientes, a actividadebiológica de várias moléculas e as própri-as células sanguíneas. Este papel do endo-télio é gerido pela presença de receptorespara numerosas moléculas, incluindo pro-teínas (factores de crescimento, de coagu-lação e proteínas anticoagulantes), proteí-nas de transporte lipídico (lipoproteínas debaixa densidade), metabolitos (óxido-nítricoe serotonina) e hormonas (endotelina-1),assim como proteínas juncionais e recep-tores que mantêm as interacções célula-cé-lula e célula-matriz.

Sob condições normais o endotélio vascularregula o tónus vasomotor, tem capacidadesantitrombóticas e anti-inflamatórias; gere ocrescimento do músculo liso vascular e aresposta inflamatória local por produzir umvasto número de factores que actuam deuma forma parácrina em resposta a deter-minados estímulos.

O endotélio produz vasodilatadores, comoa prostaciclina, o factor hiperpolarizadorderivado do endotélio e óxido nítrico. Osvasoconstritores produzidos pelo endotélioincluem endotelina, angiotensina II eProstaglandinas vasoconstritoras. Contro-la a fibrinólise por produzir o activadortecidular do plasminógenio e é uma fontede factores de coagulação tais como ofactor de von Willebrand e trombomodu-lina (Figura 12.11).

As CE tem também um papel pivô na re-gulação do fluxo sanguíneo. Em parte, estaacção resulta da capacidade quiescentedas CE criarem uma superfície activa anti-trombótica que facilita o trânsito do plas-ma e dos constituintes celulares através davasculatura.

A heterogeneidade das células endoteliaispode contribuir para a manutenção de pro-cessos adaptativos e justificar o desenvol-vimento de algumas patologias que são res-tritas a determinados leitos vasculares. Asalterações que ocorrem no local da inflama-ção modificam estas propriedades das cé-lulas endoteliais e induzem o endotélio acriar um microambiente anti-fibrinolítico epró-trombótico.

12.3.4 Mediadores Moleculares

Os mediadores moleculares derivam doplasma, mediadores extracelulares, ou daprodução local de células, mediadores intra-celulares. Os mediadores extracelulares,como o complemento, as cininas e os fac-tores de coagulação, existem na circulaçãocomo percursores, que têm de ser activados,geralmente por clivagem proteolítica paraadquirirem propriedades biológicas. Osmediadores intracelulares encontram-se ge-ralmente nos grânulos celulares, (como acon-tece com a histamina nos MC) sendo secre-tados por activação celular ou sintetizados denovo em resposta a estímulos (como asprostaglandinas).

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

A resposta inflamatória desenvolve-se pela“linguagem” estabelecida através dos media-dores, que estabelecem uma comunicaçãoentre as células. No entanto é necessário terem conta princípios gerais nesta comunica-ção:

• Os mediadores exercem as suas activi-dades por ligação a um receptorespecífico presente na célula alvo.Contudo alguns contêm actividadeenzimática ou citotóxica directa, comosão exemplo as proteases lisossómi-cas e as espécies reactivas de oxi-génio.

• Alguns mediadores estimulam a célulaalvo a libertar moléculas efectoras se-cundárias. Estes mediadores secundá-rios podem ter actividade similar àmolécula efectora inicial, contribuindonestes casos para ampliar uma respos-ta particular, ou podem ter actividadeoposta funcionando como contra-regu-ladores ao estímulo inicial.

• Os mediadores podem actuar apenasnum alvo ou num número restrito dealvos, ou podem ainda ter uma activi-dade mais alargada com acções diferen-tes.

• Os efeitos dos mediadores pode vari-ar de tecido para tecido.

• A função dos mediadores é estreita-mente regulada. Uma vez libertadosda célula e activados, a maioria dosmediadores rapidamente decaem, istoé, têm uma vida curta, são inactivadospor enzimas ou são eliminados.

• A maioria dos mediadores tem um con-trolo molecular por serem potencial-mente lesivos e perigosos.

Vamos de seguida apresentar alguns dosmediadores mais importantes na inflama-ção.

Aminas Vasoactivas

A histamina no sentido evolucionário é ummediador ancestral. É considerada a princi-pal amina vasoactiva e tem sido amplamen-te estudada. Deriva da descarboxilação doaminoácido histidina, uma reacção cata-lisada pela enzima L-histidina descarboxi-lase. Há três fontes bem descritas dehistamina: MC e basófilos, células gástricasenterocromafins like, e terminações nervo-sas histaminérgicas no cérebro. Outras cé-lulas, como linfócitos, monócitos e plaquetastêm quantidades baixas de histamina.

FIGURA 12.11 Células endoteliais – papel na resposta inflamatória.

Superfície vascularnão aderente

•• Previne a coagulação• Impede a aderência celular• Bloqueia a saída de líquidos

Regulação da tonicidade vasculare da perfusão dos tecidos

Componentesvasodilatadores

Componentesvasoconstritores

•• Prostaciclina (PGI2)• Adenosina• Oxido nítrico

•• Endotelina

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O significado da histamina como mediadorpode inferir-se das células que expressamreceptores para este mediador – com excep-ção dos MC (que no ser humano não pa-recem expressar receptores para a hista-mina) todas as células expressam um tipode receptores. Os receptores para a hista-mina estão entre os milhares de membros(incluindo os receptores olfactivos) da famí-lia 7-transmembrane-spanning (7TM) que atra-vés da interacção com a família de proteí-nas guanosina trifosfato (GTP) activareacções intracelulares. Os receptores H1(H1R) modificam os níveis de cálcio livre nocitosol, enquanto os receptores H2 (H2R)medeiam a resposta intracelular caracteri-zada por aumentos da adenosina mono-fosfato cíclica (AMPc). Os receptores H3(H3R) e H4 (H4R) podem actuar destas duasformas, mas têm ainda o mecanismo adici-onal de diminuir o AMPc (Tabela 12.4)

A histamina é libertada em resposta a umagrande variedade de estímulos:

• Agressão física – traumatismo, calor efrio.

• Reacções imunológicas envolvendo aligação de IgE aos receptores dos mas-tócitos.

• Fracções do complemento – C3a e C5a(anafilatoxinas).

• Neuropeptídeos como a substância P.• Citocinas – IL-1, IL-8.

Na resposta inflamatória contribui para ador e fundamentalmente para efeitos va-soactivos:

RECEPTORES DA HISTAMINATABELA 12.4

Amplamente distribuída

Amplamente distribuída

Cérebro

Células hematopoiéticas,

Intestinos

H1R (1966)

H2R (1972)

H3R (1983)

H4R (1994)

TIPO DE RECEPTOR LOCALIZAÇÃO SEGUNDO MENSAGEIRO

Ca2+

AMPc

AMPc/Ca2+

AMPc/Ca2+

• Contracção do músculo liso.• Dilatação arteriolar.• Aumento da permeabilidade venular

por contracção das CE.

Consoante o receptor a que se liga a suaacção é diferente, actuando através do re-ceptor H1R medeia a resposta imediata nopulmão ao aumentar a permeabilidade dascélulas epiteliais dos brônquios, induz vaso-dilatação das vénulas pós-capilares e bron-coconstrição. Na resposta tardia, o H1Rmedeia a resposta inflamatória crónica,consegue suprimir a libertação de IL-12 eestimular a IL-10, conduzindo a uma respos-ta Th2. Ainda através do H1R contribui paraa inflamação alérgica ao libertar o CSF-GM,IL-1, IL-6, IL-8, IL-10, IL-11, eotaxina e TNFαdas células endoteliais (DC), Møs e célulasmononucleadas. De notar que tambématravés do H1R a histamina aumenta a ex-pressão de moléculas de adesão como oICAM-1, E-selectina e LFA-1. A regulaçãoda acumulação de leucócitos nos tecidos éregulada pela ligação da histamina aoH1R, como acontece por exemplo em re-lação aos eosinófilos na alergia, mas estaacção é dose-dependente. Enquanto altasdoses de histamina inibem a quimiotaxiados eosinófilos através do H2R, o H1R au-menta a quimiotaxia destas células embaixas doses. O H4R pode também ter umpapel major na quimiotaxia dos eosinófilos.

Pouco depois de libertada a histamina éinactivada pelas histaminases.

A serotonina (5-hidroxitriptamina – 5HT) é ummediador vasoactivo pré-formado com efei-

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204

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

tos semelhantes aos da histamina, mas par-ticularmente importante na modulação dador. É sintetizada e armazenada nos grânu-los densos das plaquetas e num grupo decélulas presentes no epitélio do lúmen gas-trintestinal que coram com sais de crómio eprata, designadas por células enterocro-mafins (células Kulchitsky), e que são locaisde síntese e armazenamento de serotonina.

A libertação de serotonina (e também dehistamina) por parte das plaquetas dá-se aquando da agregação destas células, apóscontacto com colagénio, trombina, adeno-sina difosfato e complexos antigénio-anti-corpo. A agregação das plaquetas e liber-tação da serotonina também são estimuladaspelo PAF derivado de MC quando presen-tes reacções mediadas por IgE.

A sua acção na dor (hiperalgesia ou anal-gesia) depende do tipo de célula ou do re-ceptor em que actua. A nível periférico naresposta inflamatória a 5-HT sensibiliza asfibras nervosas aferentes, contribuindopara a hiperalgesia, no entanto, a nível cen-tral a estimulação de receptores 5-HT1B/Dreduz a libertação de neurotransmissores.

Sistema do Complemento

O complemento tal como Paul Ehrlich odefiniu é “a actividade do soro sanguíneoque completa a acção dos anticorpos”. Asproteínas e glicoproteínas que o compõemsão sintetizadas na sua grande maioriapelos hepatócitos, mas também por célulassanguíneas, Møs e células do aparelhogastrintestinal e urinário.

O sistema do complemento (Figura 12.12) écomposto por nove fracções proteicasplasmáticas principais – C1 a C9 presentesno plasma de forma inactiva. As suasfracções podem ser designadas por núme-ros (C1-C9), por letras (factor D) ou pornomes (factor homólogo de restrição). Asequência de activação inicia-se com umacascata enzimática em que o fragmento

inactivo é removido e se expõe o local deactivação. Com a clivagem proteolítica for-mam-se dois peptídeos que são identifica-dos por letras. A letra “a” na maioria doscasos designa o fragmento mais pequenoe a letra “b” o maior (o C2 é uma excepçãoa esta regra). O fragmento maior liga-se aoalvo, junto ao local de activação e o maispequeno difunde-se e inicia uma respostainflamatória se se ligar a receptores espe-cíficos. Os fragmentos do complementointeragem uns com os outros formandocomplexos funcionais como C 4 b 2 a eC 3 b B b.

A activação do complemento pode fazer-sepor tês vias diferentes: via clássica, via al-ternativa e via das lectinas.

A via clássica inicia-se em C1 e envolve C2,C3 e C4. A fracção C1 é uma macromo-lécula (C1qr2s2) complexa, que se activapor ligação a dois fragmentos Fc deimunoglobulinas. C1 tem dois substratos eactiva C4 e C2. O complexo resultante,C 4 b 2 a, designa-se C3 convertase, porconverter a pró-enzima C3 numa formaactiva. C3b liga-se ao complexo C 4 b 2 ae cliva C5 ou se circular no plasma actuacomo uma opsonina.

A via alternativa é independente de anti-corpos e inicia-se com a hidrólise de C3 einterage com o factor B, o factor D e o factorP (properdina). O resultado é a activaçãoda cascata final, mas amputada dos elemen-tos iniciais C1, C4 e C2.

A via das lectinas também não depende daactivação por anticorpos. A ligação da MBL,uma proteína de fase aguda, à manoseactiva C4 e C2 (Tabela 12.5).

Em qualquer das vias de activação, o C3convertase cliva o C3 em C3a e C3b. O C3bdepois liga-se ao complexo do C3 conver-tase para formar C5 convertase. Este com-plexo cliva o C5 em C5a e C5b e inicia asfases finais de activação de C5 a C9 atéformar a estrutura macromolecular desig-

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FIGURA 12.12 Vias de activação do complemento. MASP - mannose associated serine protease. MBL -lectina de ligação à manose.

nada complexo de ataque à membrana(Mac do inglês membrane a Hack complex. OMac tem uma forma tubular e forma umporo funcional de 70 a 100 Å, é compostopor C5b678 rodeado por 10 a 17 moléculasde C9. Este complexo é capaz de lisar umlargo espectro de microrganismos, eritró-citos e células nucleadas. Como a via al-ternativa e a via das lectinas prescindemda activação por complexos Ag-Ac, sãotidas como importantes na defesa inata doorganismo.

Até à formação do Mac, outros factores docomplemento interferem no fenómeno deinflamação aguda.

A nível vascular é de salientar a acção dasC3a, C4a e C5a (identificadas por anafi-latoxinas), que induzem a libertação dehistamina pelos MC, aumentam a permea-bilidade vascular e provocam vasodilataçãoe a contracção do músculo liso. A suaactividade é regulada pela protease do sorocarboxipetidase N.

Via clássica

Via da lectina

C3b

Antigénio-anticorpo

C1qr2s2(C1)

C1qr2s2activado

C2 C2b

C4

C4a

C4bC4b2a

(C3 convertase)C4b2a3b

(C5 convertase)

MBLMASP

Parede celularmicrobiana

Complexo tipoC1 activado C3

C3a

C3b

C3a

C5

C5a

C5b

C6

C7

C8

C9

C5b6789-Mac

C3bBb(C3 convertase)

C3bBb3b(C5 convertase)C3

C3a B Ba

Superfície microbiana Factor D

Via alternativa

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

Quando fixados à superfície de agentesbacterianos, o C3b e o C3b1 e o C4b funci-onam como opsoninas, aumentando afagocitose das células que expressam oreceptor C3b (Tabela 12.6).

Sistema das Cininas

As cininas (de que o protótipo é a bradicinina)são peptídeos vasoactivos extraordinaria-mente potentes, presentes no sangue numaforma inactiva como parte das moléculas

COMPLEMENTO E RESPOSTA INFLAMATÓRIATABELA 12.6

Lise celular

Resposta inflamatória• Desgranulação de MC e basófilos• Desgranulação

de eosinófilos• Extravasação e quimiotaxia de leucócitos• Agregação de plaquetas

• Libertação de neutrófilos da medula

óssea• Libertação de enzimas

hidrolíticas dos neutrófilos• Aumento da expressão

de receptores de com-plemento

Opsonização

Clearence de imunocom-plexos

EFEITO BIOLÓGICO FACTOR DO COMPLEMENTO

C5b-C9, Mac

C3a, C4a e C5a (anafilatoxinas)

C3a,C5a

C3a, C5a, C5b67

C3a,C5a

C3c

C5a

C5a

C3b, C3b1, C4b

C3b

VIAS DE ACTIVAÇÃO DO SISTEMA DO COMPLEMENTOTABELA 12.5

Clássica

Alternativa

Lectinas

VIA DE ACTIVAÇÃO INICIADORES DE ACTIVAÇÃO COMPLEMENTO

Imuno-complexos (Ag-Ac)Várias estirpes de gram-negativasLipopolissacarídios de bactérias gram-negativasÁcido teicóico de bactérias gram-positivasMembranas celulares de fungos, vírusParasitasComplexos IgG, IgA e IgEFactor veneno de cobraEritrócitos heterólogosPolímeros aniónicosHidratos de carbonoUnião da lectina de ligação à manose (MBL) ahidratos de carbono de microrganismos (manose)

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plasmáticas designadas por cininogénios. Sãoproteases específicas as calicreínas, tambémelas presentes no plasma sob uma formainactiva (pré-calicreína) que clivam oscininogénios e dão origem às cininas. A pré--calicreína activa-se quando o factor deHageman(1) inicia a cascata da coagulação.O factor major da família das cininas (a bra-dicinina) tem uma acção muito semelhante àhistamina: provoca aumento da permea-bilidade vascular, dilatação arteriolar econtractura do músculo liso não vascular(como o músculo liso brônquico) e dor. Comoindutor de dor, a bradicinina é ainda maispotente do que a histamina e a serotonina.Os efeitos das cininas são intensos e imedia-tos, mas o seu tempo de acção é curto já querapidamente são inactivadas pela acção decinases presentes no plasma e nos tecidos.

Sistema de Coagulação-Fibrinólise

O sistema de coagulação-fibrinólise é umacascata de proteases plasmáticas que po-dem ser desencadeadas pela acção pro-teolítica do factor de Hageman activado.

O sistema do complemento e a cascata dacoagulação têm relações muito próximas,influenciam-se mutuamente e servem-se demecanismos biológicos parecidos (cascatasde activação proteolítica).

No contexto da inflamação, a fibrina, parteintegrante no sistema fibrinolítico, aumen-ta a permeabilidade vascular enquanto aplasmina cliva o factor do complemento C3em C3a, resultando em vasodilatação e emaumento da permeabilidade vascular.

Genericamente pode afirmar-se que tantoo sistema do complemento, como o da coa-gulação contribuem para o processo infla-matório. Também é verdade que a forma-ção de trombos e a actividade reguladora

da coagulação (anticoagulação) estão mui-to relacionadas e dependentes de mediado-res inflamatórios.

As principais interfaces entre os dois siste-mas (inflamatório e da coagulação) têmcomo protagonistas, do lado da coagulaçãoe fibrinolise, o factor tecidular, a trombina,a proteína C (não confundir com CRP), o sis-tema plasminogénio-plasmina e as plaque-tas e, do lado da inflamação, as citocinas, asquimiocinas, o sistema do complemento e ascélulas inflamatórias (Figura 12.13).

Radicais Livres Derivados do Oxigénio

Um dos sinais major de activação celular naresposta inflamatória é a formação de radi-cais livres de oxigénio (superóxido O2–, pe-róxido de hidrogénio H2O2, radical hidroxilo,derivados do óxido nítrico). Os neutrófilossão as células que precocemente os formame libertam em resposta a agentes quimio-tácteis, complexos imunes e actividade fago-cítica, mas uma estimulação mais duradourapermite a detecção destas moléculas na vi-zinhança das células endoteliais (como sepode detectar no espaço intersticial adjacen-te a capilares e arteríolas, onde poucos leu-cócitos estão presentes). Estes mediadoresde acção curta estão implicados em diversaslesões dos tecidos incluindo lesão endotelialcom trombose e aumento da permeabilidade,activação de proteases e inactivação de anti-proteases, lesão celular directa. Vários me-canismos antioxidantes protectores como acatalase, a superóxido-dismutase e o gluta-tião presentes nos tecidos e no soro mini-mizam os efeitos dos metabolitos de oxigénio.

Um dos radicais livres mais tóxicos, formadoin vivo é o radical hidroxilo que requer umareacção catalisada pelo ferro para a sua for-mação (reacção Haber-Weiss). Podemos as-

(1) O factor de Hageman, factor XII da cascata de coagulação intrínseca, é um factor pivô que seactiva por contacto com superfícies carregadas negativamente: colagénio, membrana basal, plaquetas.Tem capacidade de activar três sistemas envolvidos na resposta inflamatória: sistema do complemen-to, sistema de coagulação-fibrinólise e sistema das cininas.

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

FIGURA 12.13 Relação de inflamação com coagulação e anticoagulação/fibrinólise.

Coagulação

Deposição de fibrina

Activação plaquetar

Trombina

Vias anticoagulantes e fibrinolíticas

Proteína C activada

Inflamação

Receptor da proteína C

Trombomodulina

Activadores e inibidores

fibrinolíticos

TAF1

Citocinas pró-inflamatórias:

- TNF-α- IL-1β- IL-6 - etc.

Proteases da coagulação activadas

Expressão de factor tecidular

Trombose

Receptores activados por

proteases+

+

++

+

+

+

+

+

+

+

+ +

++

+/-

++/-

+/-

-

-

-

-

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-

+

Consumo de proteínas anticoagulantes

Células inflamatórias

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sim perceber, sendo a maior fonte de ferro ahemoglobina, o porquê de uma hemorragiarecente poder ser protectora em relação aosefeitos nefastos da libertação de radicais deoxigénio – devido à presença de moléculascomo a superóxido-dismutase e a catalase –e de glóbulos vermelhos não recentes setornarem altamente citotóxicos por seremuma fonte de ferro que catalisa a reacção deHaber-Weiss.

Óxido Nítrico

O óxido nítrico (NO – do inglês, nitric oxide) éum radical solúvel gasoso de curta acção,produzido particularmente pelas célulasendoteliais, por Møs e algumas células damicróglia. O aminoácido L-arginina é respon-sável pela síntese de NO e L-citrulina, neces-sitando para isso da acção de uma enzima, aóxido nítrico sintetase (NOS).

Tem uma semi-vida de apenas alguns se-gundos, tendo acção somente nas célulaspróximas do seu local de origem e os seusefeitos regulados em larga medida pelo rit-mo de síntese. Existem três isoformas re-conhecidas de NOS, duas constitutivas edependentes do cálcio (cNOS) a endoteliale a neuronal, que sintetizam NO em condi-ções fisiológicas, e a independente do cál-cio (iNOS), que se expressa no endotélio eMøs, mediante estimulação por citocinas(IL-1, TNF-α, interferão γ ) e lipopolissaca-rídios (LPS).

A sua intervenção na inflamação é ampla,quando sintetizado por células endoteliais(originalmente o NO designava-se factor derelaxamento endotelial) activa a guanil-ciclase resultando num aumento do mono-fosfato de guanosina cíclica (GMPc) querelaxa o músculo liso provocando vaso-dilatação. A nível endotelial tem capacida-de de inibir a actividade plaquetar e a ade-são de leucócitos à superfície endotelial,regulando desta forma o recrutamento deleucócitos. Na resposta do hospedeiro àinfecção os Møs utilizam o NO como um

metabolito antimicrobiano, uma vez queocorrem interacções entre o NO e as espé-cies reactivas de oxigénio, conduzindo àformação de metabolitos como o dióxido denitrogénio e o peróxido de nitrito, que par-tilham a capacidade de lesar o ADN dasproteínas e lípidos dos microrganismos. Nosistema nervoso central é considerado umneurotransmissor.

Metabolitos do Ácido Araquidónico(Eucosanóides)

O ácido araquidónico, um ácido gordo polin-saturado, deriva primariamente da presençana dieta de ácido linoleico, aparecendo noorganismo apenas na forma esterificadacomo um componente dos fosfolípidos demembrana. É libertado por acção da fosfo-lipase que pode ser activada por estímulosfísicos, químicos ou mecânicos ou por medi-adores inflamatórios como o C5a.

Os metabolitos do ácido araquidónico,prostaglandinas, leucotrienos, e tromboxa-no, interferem em diversos processosbiológicos incluindo a inflamação e ahemostase. Estes metabolitos têm umaacção predominantemente parácrina, sãosintetizados de novo e rápida e espontane-amente desaparecem sendo destruídospor acção enzimática.

A conversão do ácido araquidónico emeucosanóides resulta principalmente deduas vias: a via da ciclooxigenase e a viada lipooxigenase. Cada uma destas viassurge em resposta à acção de uma enzimaespecífica. A via da ciclooxigenase leva àsíntese de prostanglandina (Pg) E2, PgD2,PgF2a, PGI2 e tromboxano (TxA2). Algumasdestas enzimas têm uma distribuiçãotecidular restrita. As plaquetas, por exem-plo, contêm sintetase da enzima trom-boxano, pelo que o TxA2, um potenteagregante plaquetar e vasoconstritor, é omaior produto derivado das prostaglan-dinas destas células. Pelo contrário, noendotélio existe sintetase da prostaciclina,

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

com formação de PGI2, um vasodilatadore potente inibidor da agregação plaque-tária. A PgD2 é o maior metabolito davia da ciclooxigenase do mastócito. Esteem associação com a PgE2 e a PgF2a, comdistribuição muito alargada, provoca vaso-dilatação e potencia a formação de ede-ma.

A aspirina e outros anti-inflamatórios nãoesteróides (AINE) inibem a actividade daciclooxigenase e a formação de todas asprostaglandinas. Existem duas formas deciclooxigenase (COX) conhecidas, chama-das COX1 e COX2, tendo apenas a COX1expressão na mucosa gástrica. As prosta-glandinas destas células são protectorasimpedindo a lesão induzida por ácidos lo-cais. Deste modo os AINE reduzem a infla-mação pela redução da síntese de prosta-glandinas, predispondo simultaneamentepara a ocorrência de ulceração gástrica. Osinibidores selectivos de COX2 não têm porisso uma acção tão agressiva a nível damucosa gástrica.

Na via da lipooxigenase a 5-lipooxigenase éa principal enzima metabolizante do ácidoaraquidónico nos leucócitos, dando origemaos leucotrienos. Outros factores são pro-duzidos pela via da lipooxigenase como oácido hidro-peroxi-eucosa (HPETE) e o áci-do hidroxi-eucosa-tetraenóico (HETE) po-tentes factores quimiotácticos para os neu-trófilos. No que diz respeito à inflamação,o leucotrieno (LT) B4 é um potente quimio-táctico e agente de agregação dos neutró-filos. O LTC4 e os seus metabolitos subse-quentes, LTD4 e LTE4 são vasoconstritores,provocam broncospasmo e aumento dapermeabilidade vascular.

Os eucosanóides ainda intervêm na respos-ta inflamatória aguda pela indução de dore febre. O facto de desempenharem umpapel central na inflamação resulta na uti-lidade clínica dos anti-inflamatórios quesuprimem a actividade da ciclooxigenase,mas não da lipooxigenase.

A acção dos corticosteróides exerce-se porinibição da actividade da fosfolipase A2,essencial para a formação de ácido ara-quidónico a partir dos fosfolípidos demembrana.

Factor Activador das Plaquetas (PAF)

O PAF, assim chamado pela sua capacida-de de agregar plaquetas e de provocardesgranulação, é também um mediadorderivado dos fosfolípidos com um largo es-pectro de efeitos inflamatórios. O PAF éum derivado de membrana de neutrófilos,monócitos, basófilos, células endoteliais eplaquetas (pela acção da fosfolipase A2),tem uma capacidade cem a dez mil vezessuperior à da histamina de provocar vaso-constrição e broncoconstrição, mas a suaacção na resposta inflamatória não termi-na aqui: o aumento da permeabilidadevascular promove a adesão dos leucócitos(através de modificações conformacionaisda integrina), tem efeitos de quimiotaxia edesgranulação de leucócitos. O PAF actuanas células alvo através de receptores es-pecíficos e estimula a síntese de outros me-diadores, particularmente eucosanóides.

Citocinas

As citocinas são pequenos peptídeos usadospelas células na comunicação intercelular eno controlo do ambiente interno celular, po-dem actuar na célula que as produz (efeitoautócrino), ou em células vizinhas (efeitoparácrino), ou sistemicamente (efeito endó-crino). Historicamente associadas à defesacontra vírus (interferões – IFN) e à respostaimunitária, várias citocinas têm efeitos adici-onais importantes na resposta inflamatória.Estas citocinas podem exercer efeitos locaisno endotélio, nos leucócitos e nos fibroblastos,bem como induzir reacções sistémicas defase aguda.

Estas moléculas agrupam-se por várias fa-mílias, como a das interleucinas (IL-1, IL-2,etc.), dos factores de crescimento celular

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(GF e CSF), das quimiocinas (com trêssubfamílias C, CC e CXC a destacar, depen-dentes de uma estrutura molecular comrepetição de resíduos cisteínicos), dosfactores de necrose tumoral (TNF) e dosinterferões.

No processo inflamatório devem destacar--se algumas delas, especialmente as IL-1,6, 8, 12, 17, 23 e 32, os TNF e as quimiocinas.A complexidade da actuação destas molé-culas no processo inflamatório liga-se coma sua enorme diversidade, com a redun-dância de funções, com a origem e acçãoem diferentes tipos celulares e com temposde actuação extremamente curtos. Aindade referir que nenhuma destas moléculasassegura uma função específica, antescomplementa, de forma sinérgica, ou anta-gónica, as acções de outras. Assim, tudo oque se possa referir no contexto da infla-mação são meros exemplos de acções pon-tuais que possam conduzir a processos re-levantes nesta resposta biológica.

Com efeito, tanto a IL-1 como o TNF-α sãoproduzidos por macrófagos activados en-quanto o TNF- β , o IFN- γ , e a IL-6 são segre-gados por linfócitos-T, sendo a IL-1 tam-bém por outros tipos celulares. A secreçãoé estimulada por endotoxinas, complexosimunes, toxinas, agressão física e aindamediadores inflamatórios. A IL-1 e o TNFprovocam activação do endotélio, com ex-pressão de moléculas de adesão, secreçãode mais citocinas e de factores de cresci-mento, produção de eucosanóides e de óxi-do nítrico e aumento da trombogenecidadeendotelial. O TNF provoca agregação e acti-vação de neutrófilos e libertação de en-zimas proteolíticas das células do mesen-quima, contribuindo para a lesão tecidular.A IL-1, o TNF e a IL-6 induzem a respostaaguda sistémica tipicamente associada a in-fecção, ou traumatismo. Esta resposta in-clui febre, letargia, síntese hepática de di-versas proteínas, consumo metabólico, li-bertação de neutrófilos na circulação san-

guínea e libertação de hormonas adre-nocorticotróficas, indutoras da síntese e li-bertação de corticosteróides. O TNF induztambém a síntese de NO, que pode ter umpapel central na mediação dos efeitoshipotensores do choque séptico, a diminui-ção da contractilidade do miocárdio e rela-xamento do músculo liso vascular. O IFN- γé um potente activador dos Møs e dosneutrófilos, regulando positivamente asenzimas responsáveis pela explosão oxida-tiva, capacitando estas células para des-truir os microrganismos fagocitados. Cons-titui também um estímulo importante paraa síntese da sintetase de NO. A IL-6 actuadirectamente no hepatócito induzindo a sín-tese de pro-teínas de fase aguda (CRP, com-plemento e outras).

Ainda como exemplo pontual, as quimio-cinas estão muito relacionadas com acapacidade de atrair e orientar células in-flamatórias. A IL-8, um dos primeiros mem-bros desta família a ser descrito (inicialmenteconhecida como IL-8, actualmente membroda subfamília CXC e referida como CXCL-8),é um agente quimiotáctico potente e umactivador dos neutrófilos, produzido porMøs activados, endotélio e fibroblastos,principalmente em resposta a IL-1 e a TNF.Outras quimiocinas, incluindo a proteínaquimiotáctica para monócitos (MCP-1) (qui-miotaxia para monócitos), o RANTES(quimiotaxia para linfócitos CD4+ de memó-ria e monócitos) e a eotaxina (quimiotaxiapara eosinófilos) mostram a diversidadede actuação na orientação e activação ce-lulares.

Proteínas de Resposta Inflamatória

A um conjunto de proteínas, cuja concentra-ção sérica reage rapidamente a um fenó-meno inflamatório, foi dado o nome de acute-phase reactants, habitualmente designadotambém por proteínas da resposta inflama-tória (PRI). Trata-se de um conjunto hete-rogéneo de proteínas, mas com um número

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

significativo de elementos que pertencem,dada a sua estrutura molecular, às SERPIN(SERine protease inhibitors). Destas, a proteínaC-reactiva (CRP C – do inglês, reactive protein)e a α-1-antitripsina (AAT) são exemplos im-portantes. Mas outras proteínas, como atransferrina e a albumina fazem tambémparte das PRI, embora tenham estruturasdiferentes e não reajam de forma semelhan-te na resposta inflamatória. Na verdade, es-tas últimas tendem a mostrar valores séricosdiminuídos na resposta inflamatória, ao con-trário do que acontece com as duas primei-ras que aumentam significativamente a suaconcentração.

Esta resposta na inflamação (aumento sig-nificativo) levou à sua utilização comomarcadores do processo inflamatório, sen-do actualmente uma prática comum a utili-zação dos níveis de CRP como marcadorda intensidade deste processo. Daí que seassocie o nível elevado de CRP ao concei-to de “perigo inflamatório”, por exemploem situações de susceptibilidade para umacidente isquémico do miocárdio, ou nodecorrer de uma infecção.

A hiper-produção destas proteínas a quan-do do processo inflamatório justifica-se pelaestimulação do hepatócito (sede fundamen-tal de síntese das PRI) e também dosmonócitos e Møs (ainda que apenas pe-quenos produtores de algumas PRI) porcitocinas, especialmente as IL-1 e 6. O sig-nificado biológico desta hiper-produçãopode ser muito diverso, consoante as pro-teína(s) envolvidas e o processo inflamató-rio subjacente (infeccioso, traumático, de-generativo, etc.). Por exemplo, a AAT duran-te um processo infeccioso terá um papelfundamental na neutralização de proteases,altamente destrutivas, produzidas pelosmicrorganismos e pelos leucócitos; já a CRPna infecção terá um papel de sinalização eeliminação de estruturas nucleares liber-tadas pelas células necróticas e apoptó-ticas.

Mas uma das funções mais importantes daCRP é a de activar o sistema do complemen-to, estimulando um processo inflamatórioamplificativo, com a posterior chamada decélulas na tentativa de eliminação do agentepatogénico e dos eventuais tecidos já des-truídos no hospedeiro. Dados recentes de-monstram que a presença de diferentes rece-ptores para a CRP nos leucócitos permite queesta PRI possa ter um papel regulador naactividade destas células, uma vez que osreceptores RI e RIIa são estimuladores e oRIIb é inibitório da activação leucocitária.

12.4 EVOLUÇÃO, REGULAÇÃO E

CONSEQUÊNCIAS DA RESPOSTA IN-FLAMATÓRIA

A resposta inflamatória, conforme foi inici-almente definida, é uma resposta fisiológi-ca dos tecidos vivos à agressão, fundamen-tada na vascularização, e que conduz àorientação dos meios de resposta (particu-larmente os celulares) para o local onde seprocessou a agressão. Esta definição nãodeixa antever a imensa biodiversidade ca-racterística da inflamação, nem permiteperceber que uma resposta fisiológica pos-sa conduzir a processos patogénicos, nãodependentes do agressor inicial, mas dopróprio evoluir da inflamação.

12.4.1 Biodiversidade Genética

A biodiversidade genética da resposta in-flamatória está evidentemente dependen-te das características genéticas dos medi-adores da inflamação, o que facilmente nosdeixa perceber que se possa traduzir eminúmeras possibilidades, atendendo ao nú-mero elevado de moléculas envolvidas. Nãose pode esquecer que devem estar incluí-das as moléculas de sinalização intra-celular, particularmente as envolvidas nasinalização do NF- κ B, a partir de estímulosoriginados em receptores membranares.

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Por exemplo, a diversidade genética doTNF pode traduzir-se em respostas infla-matórias muito diferentes, especialmentequanto à intensidade e extensão, que nal-guns fenótipos conduz a uma respostaprotectora anti-infecciosa e noutros a umahiper-resposta associada a síndromes gra-ves, eventualmente letais, como a SIRS(síndroma de resposta inflamatória sisté-mica) e a sepsis. Em ambos os casos o pro-cesso infeccioso pode ser o mesmo, mas odesfecho da resposta inflamatória total-mente diferente, no primeiro caso protectore no segundo altamente agressor.

Mas também se deve incluir na biodiver-sidade genética as deficiências genéticasassociadas a algumas proteínas envolvidasna resposta inflamatória, muito em especiala AAT. Neste caso temos que esta proteína,fundamental no bloqueio de proteases, no-meadamente da elastase, pode, quandonum fenótipo deficitário, permitir uma des-truição de estruturas fundamentais, como ados septos interalveolares do pulmão, coma consequente formação de enfisema. Nes-te caso a resposta inflamatória continua aprocessar-se sem grande alteração, mas afalta da funcionalidade antiproteásica impli-ca a falta de protecção contra a agressão deenzimas proteolíticas produzidas por agen-tes patogénicos e por leucócitos activados.Daí que o processo inflamatório, em vez deproteger, permita a agressão e destruiçãoproteolítica dos tecidos do hospedeiro.

12.4.2 Boa e Má Inflamação

O conceito de biodiversidade genética an-tes referido já demonstrou que nem sem-pre a resposta inflamatória é benéfica parao hospedeiro, embora tendencialmentetenha uma intervenção orientada para aeliminação e neutralização dos agentes pato-génicos e, ainda, para a reparação das le-sões eventualmente surgidas.

Torna-se evidente o papel fundamental ebenéfico da inflamação numa infecção, pelanecessidade de activação do sistema do

complemento, da cascata da coagulação, dachamada de células fagocíticas e imunitárias.Mas se a intensidade e a extensão destefenómeno inflamatório reactivo à infecçãoforem demasiados, ou inapropriados, podemlevar a agressão generalizada dos tecidos eórgãos do hospedeiro, criando lesões porcitotoxicidade, directa e indirecta, das célu-las inflamatórias e, consequentemente, le-vando a situações muito graves, inclusivefatais, como a sépsis a as SIRS.

Isto leva-nos de uma forma simplicista atentar classificar a inflamação em boa emá, embora se perceba que estamos a fa-lar da mesma inflamação, possivelmentedos mesmos mediadores, tão somente or-questrados de uma forma diferente, ouactuando em “terreno” diferente, o que vaiimplicar uma condição favorável, ou desfa-vorável, para o nosso organismo.

Contudo, cada vez mais se afirma que in-flamação a mais, ou a menos é prejudicial,tentando definir-se uma baliza fisiológicapara a boa inflamação. É, por exemplo,muito evidente que a exacerbação dos pro-cessos inflamatórios nos idosos conduz alimitações funcionais (como na inflamaçãoarticular) e a risco biológico, inclusive demorte, especialmente centrado no sistemacardiovascular. Da mesma forma, a defi-ciência inflamatória propicia a incapacida-de de defesa contra a infecção (sepsis) e ocancro. Curiosamente, neste último casotambém a inflamação a mais está conotadacom a facilitação do crescimento tumoral ecom a metastização.

12.4.3 Inflamação que Termina eInflamação que PersisteUm outro aspecto que pode distinguir a boada má inflamação relaciona-se com a evo-lução do processo inflamatório, que se de-sejaria terminado tão logo o agente pato-génico fosse neutralizado ou eliminado.A boa inflamação é a que termina. O pro-cesso inflamatório é fisiológico se não per-sistir. Uma imagem simples pode deixar

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

bem claro este conceito: a febre é muito útildurante um processo infeccioso, mas seriaterrível (se não impossível) vivermos sem-pre com febre. Ora, muitos indivíduosvivem sempre com inflamação. Isto é ex-tremamente frequente nos idosos, muitasvezes com processos inflamatórios, espe-cialmente os articulares, que persistem du-rante muitos anos. Mas devemos perceberque para além destes fenómenos inflama-tórios bem evidenciáveis, muitos outros,possivelmente associados a aterosclerose,a demências, etc., também persistem e têmlongos anos de existência, embora aparen-temente pouco evidentes.

O conceito de boa e má inflamação (quetambém pode ser referida por terapêuticae patológica, respectivamente) pode estarassociado à diversidade dos fenómenosque a resposta inflamatória ocasiona: porexemplo, em tumores, a angiogénese é te-rapêutica aquando da reparação de tecidos

FIGURA 12.14 Diferentes fases da inflamação e o seu papel na génese tumoral.

lesados e patológica quando permite o de-senvolvimento tumoral (Figura 12.14). Porisso é fácil esquematizar-se a acção tera-pêutica ou patológica da inflamação, ligan-do a aguda à terapêutica e a crónica àpatológica. Habitualmente a inflamaçãoaguda é terapêutica (é a boa inflamação)e a crónica, pelo arrastar no tempo, e poracções mais dispersas, tende a ser a pato-génica (a má inflamação). Mas devemosser muito prudentes na classificação dainflamação em aguda e crónica, particular-mente, como referiremos de seguida, nadiferença que pode existir entre inflama-ção crónica e inflamação que persiste.

12.4.4 Inflamação Crónica

É habitual a inflamação ser referida comoaguda e crónica: a aguda com um cursobreve e de resposta rápida à agressão e acrónica de curso arrastado e menos exube-rante na tradução clínica e laboratorial.

Vírus(HTLV-1, HPV, HCV, HBV, EBV)

Poluentes ambientais(fumo do tabaco, diesel)

Stresse(químico, físico e psicológico)

Alimentação (grelhados, fritos, carne vermelha)

Bactérias (ex: Helicobacter pylori)

Espécies reactivas de oxigénio

TNF-αIL – 1

IL – 6

IL – 8

IL – 18

NF – κB

Factor induzido por hipóxia

Ciclooxigenase – 2

5 – Lipooxigenase

Sintetase do óxido nítrico

Metaloproteinase – 9 da matriz

Quimocinas

Inflamação crónica

Inflamação aguda

Imunidade inata

Imunidade humoral

Vigilância imunitária

Sobrevivência de células tumorais

Proliferação de células tumorais

Invasão de células tumorais

Angiogénese tumoral

Metástases tumorais

Quimiorresistência tumoral

Radiorresistência tumoral

Inflamação patológicaInflamação terapêutica

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Resposta Inflamatória©

LID

EL–

EDIÇ

ÕES

TÉC

NIC

AS

Poderia parecer que a designação clássicade inflamação crónica corresponderia à in-flamação que persiste, mas não é esse onosso entender. A inflamação crónica limi-ta-se à inflamação que persiste enquantose mantiver o mecanismo de agressão, ter-minando logo que ele cesse. Por exemplo,a inflamação granulomatosa que é um pa-drão especial de inflamação crónica, carac-terizado pela acumulação de macrófagosactivados e que pode ocorrer na tuberculo-se, ou em resposta a exposição a partículasinertes, formando neste caso o granulomade corpo estranho, é crónica enquanto semantiver a tuberculose, ou a agressão porpartículas. Tudo o que continue a ocorrerapós o termo da agressão já é inflamaçãoque persiste. A diferença está no facto de apartir do momento em que termine a agres-são, a inflamação passa a ser autónoma,auto-entretida, independente de fenómenosexternos ao hospedeiro e ditada pelas carac-terísticas de regulação biológica do próprioorganismo onde ela se instaurou.

Em nosso entender é pouco importante adistinção entre inflamação aguda e crónica,porque apenas traduz o menor ou maiorespaço temporal de actuação do mecanis-

mo agressor, ou a intensidade de agressãoe de resposta.

Porém, é muito importante conhecer-se ecaracterizar-se o processo inflamatório per-sistente, que não se resolve, já autono-mizado da agressão. Neste sentido tem vin-do a tornar-se mais clara a intervenção dealguns mediadores da resposta inflamató-ria, que parecem ser elementos decisoresna evolução desta resposta e a importân-cia das células do tecido (células doestroma) onde decorre a inflamação.

Na verdade, conforme esquematizado na Fi-gura 12.15, a resolução, ou persistência, dainflamação passa por várias fases, com pelomenos dois pontos de comutação muito im-portantes: no primeiro, opera-se a mudançade um infiltrado celular neutrofílico paramonocítico (através da comutação de quimio-cinas CXC para CC, regulada pela IL-6 eoutras citocinas); no segundo, permite-se queas células infiltrantes sejam destruídas, resol-vendo o processo inflamatório, ou que au-mente a infiltração celular, com activação decélulas do estroma (Møs e fibroblastos) econsequente auto-entretenimento do proces-so inflamatório persistente; para esta comu-tação de sentido persistente é importante a

FIGURA 12.15 Evolução do processo inflamatório para resolução ou persistência.

Neutrófilos

Linfócitos

Monócitos

Resoluçãoda inflamação

Persistênciada inflamação

Fisiológica

Patológica

Comutação 1 Comutação 2

Influxo inicial de neutrófilos

Influxo de células mononucleares

C XC > C C(IL-6) C XC L12 (S DF-1)

IFN-β

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

acção do IFN- β e de quimiocinas CXC,como a CXCL12 (anteriormente designadapor SDF-1).

12.5 RESPOSTA INFLAMATÓRIA EM

PATOLOGIA

A resposta inflamatória envolve-se em pra-ticamente todos os processos fisiopatoló-gicos do ser humano, apesar de ter umavisibilidade mais acentuada naqueles emque os sinais cardeais, ou alguns deles,estejam presentes. Não passa despercebi-da a inflamação quando acompanhada porrubor, tumor, calor, dor ou impotência fun-cional. Mesmo um processo localizado esem representar ameaça para a vida dohospedeiro (a clássica unha encravada)pode ter uma expressão inflamatória maisexuberante que uma SIRS, embora estapossa comprometer a vida. Esta reflexãoserve para chamar a atenção de que a in-flamação pode existir de forma quase silen-ciosa (quando da avaliação clínica), capazde comprometer a saúde do hospedeiro.

Poderia esperar-se que a avaliação labora-torial da resposta inflamatória pudesse re-solver este problema, mas não é habitualque ela seja tida em conta quando não hásintomatologia evidente. No entanto, a apre-ciação analítica da resposta inflamatóriatem uma enorme importância para o diag-nóstico, monitorização e prognóstico de inú-meras patologias. É, por isso, objecto de umcapítulo específico neste manual, não sepretendendo neste momento senão apreciaralguns aspectos da abordagem da avaliaçãoanalítica, no que diz respeito a escolha demarcadores biológicos.

Na verdade, consoante a proteína escolhi-da para a monitorização do processo infla-matório, assim poderemos ter uma “janelatemporal” diferente, mais ou menos preco-ce, mais ampla ou mais estreita (Figura12.16). Por exemplo, a escolha da IL-6 ape-nas se aplica a processos inflamatóriosmuito recentes, ou de estímulo continuado,

e tem uma amplitude temporal de respos-ta muito curta (apenas de horas). Já a subs-tância amilóide A (SAA) mostra uma respos-ta intensa durante muito mais tempo (dias),embora com uma expressão máxima porvolta do segundo a terceiro dia. A CRP temum perfil de resposta semelhante, mas me-nos intenso, por isso menos sensível, masmais isento de interferências de outros estí-mulos biológicos, que não o inflamatório. Fi-nalmente, a velocidade de sedimentação(VS) tem uma resposta arrastada no tempoe de máximo mais tardio (cerca do quartodia).

Assim sendo, a apreciação do perfil da res-posta inflamatória pode beneficiar da utili-

FIGURA 12.16 Análise da resposta inflamatória.

zação de muitos outros marcadores analí-ticos, desde diversas citocinas (IL-17, IL-18),fracções do sistema do complemento (C3,C4, FB, C1In) a outras proteínas da respos-ta inflamatória (AGP – α 1 glicoproteína áci-da), até marcadores celulares (CD26, mo-léculas de adesividade, etc.), no intuito deaproveitar as diferentes característicasbiológicas destes marcadores para se es-clarecer o perfil da resposta inflamatória(Figura 12.17).

Mas a diversidade de perfil inflamatório in-dividual, mesmo só quando apreciado pela

700

600

500

400

300

200

100

0,25 0,5 1 2 3 4 8

SAA

CRP

IL-6

VS

Dias de evolução após o iníciodo processo inflamatório

Intensidade da resposta

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duração, da resposta inflamatória e que asconsequentes terapêuticas apenas sejambaseadas neste princípio. O resultado é, porcerto, a generalização da terapêutica anti--inflamatória a todas as situações em quese perceba a existência de inflamação, sema desejável tipificação do perfil inflamató-rio e da eventual associação a um proces-so protector, ou agressor.

Uma área da patologia humana em que ainflamação muitas vezes surge durante lon-go tempo de forma sub-clínica (silenciosa,embora com tradução laboratorial) é a dasdoenças mentais. Na verdade, cada vezmais há evidência de que os mecanismosinflamatórios têm um papel relevante nafisiopatologia da depressão e de outraspatologias ligadas ao sistema nervosocentral. A relação da inflamação, comoagressor endógeno, com o stresse, comoagressor exógeno (Figura 12.18), permiteactualmente compreender porque é que a

FIGURA 12.18 Relação da inflamação com o stresse.

FIGURA 12.17 Perfil inflamatório em patologiahumana.

intensidade e duração da resposta (Figura12.17), apresenta uma heterogeneidade di-fícil de tipificar (perfis agudos, intensosou não, perfis arrastados, também de inten-sidade variável, alternância de perfis, etc).

Por isso é habitual (ainda que não ideal) quesomente se valorize a intensidade, ou a

Tempo

IL-6TNFIL-17IL-18

CRPSAAC1lnFB

AATAGPC3C4

CD26 / DPP IVCD30 / CD30sM. adesividade

CD23

Inte

nsid

ade

dare

spos

ta in

flam

atór

ia

InflamaçãoSt

ress

e

Depressão major

Desemprego

Perdas (falecimento)

Conflitos interpessoais

Pobreza

Desastres naturais

Divórcio Infecções

Doenças autoimunes

Cancro

Cirurgia

Quimioterapia

Traumatismo tecidular

Genética

Experiência passada

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FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

depressão major é quase sempre acompa-nhada por um perfil analítico inflamatórioe porque é que a depressão apresentamelhoria clínica aquando da aplicação deanti-inflamatórios potentes e específicos,como o anti-TNF.

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