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241 PARA ALÉM DAS GAME JAMS: UM ESTUDO DE CASO DA LOCJAM Cristiane Denise Vidal 1 Fernando da Silva 2 Viviane Maria Heberle 3 RESUMO: Este trabalho tem por objetivo apresentar diferentes modalidades de game jams. Inicialmente, faremos uma breve discussão acerca dos principais aparatos teóricos e metodológicos relacionados a estes eventos. Em seguida, faremos um relato sobre a experiência adquirida durante as oficinas ofertadas em três edições da maratona mundial de localização de games (LOCJAM), evento promovido pela associação internacional de desenvolvedores de game (IGDA). Por fim, o trabalho dará atenção à importância de a localização estar integrada ao desenvolvimento de games como um processo continuado, de forma a não a relegar a um segundo plano, seja na indústria de games ou na esfera acadêmica – tanto em Estudos da tradução quanto em áreas afins. PALAVRAS-CHAVE: Games. Localização. Tradução. 1. Introdução Game Jams são competições onde equipes de desenvolvimento se reúnem para criar games 4 , baseados num tema único, em um período curto de tempo – normalmente, entre 24 e 72 horas. Segundo o dicionário Merrian webster 5 o termo jam vem do meio musical: numa jam session músicas são produzidas de forma improvisada ou com pouca ou nenhuma preparação prévia. Comumente, nas game jams, os participantes se organizam em equipes nas quais seus integrantes desempenham diferentes papéis – por exemplo, programadores, game designers, desenhistas, roteiristas, entre outros; ou, em alguns casos, uma única pessoa pode desempenhar todos esses papéis. Diversos eventos semelhantes ocorrem anualmente, tais como o Global Jam 6 , Ludum Dare 7 , Indie Game Jam 8 e Hackathon 9 . De modo geral, o foco de tais eventos é a criação de games digitais, todavia, algumas iniciativas se caracterizam pela criação de jogos analógicos 10 . Ainda que os jogos criados nesses eventos integrem várias competências necessárias ao seu desenvolvimento e que as jams tenham por objetivo principal simular suas principais etapas de desenvolvimento, nem todos os aspectos da criação e da posterior comercialização de um game são contempladas – seja pelo foco desses eventos, seja pelo desconhecimento ou falta de prestígio dessas áreas dentro de um campo teórico e prático. No entanto, ao longo dos últimos anos, jams com diferentes focos começaram a ser organizadas a fim de dar maior atenção a determinados campos de atuação na indústria de games. Em 2014 foi criada a primeira LocJAM 11 , uma maratona 1 Cristiane Denise Vidal é doutora em Estudos da Tradução (PGET/UFSC) e realizou dois estágios pós-doutorais sobre localização de games (PGET/UFSC e PGTIC/UFSC). Atualmente é docente no Instituto Federal Catarinense (IFC- Brusque). Contato: [email protected] 2 Fernando da Silva é doutorando em Estudos da Tradução (PGET/UFSC) e o foco de sua tese é a localização de games comerciais. Atua como docente na Unoesc-Chapecó. Contato: [email protected] 3 Viviane Maria Heberle é doutora em inglês (PGI/UFSC), com estágio pós-doutoral na Universidade de Sidney, Austrália. Sua principal área de pesquisa é Análise do Discurso e Multimodalidade, tanto em games como em outras mídias. Atualmente é docente no departamento de Inglês da UFSC. Contato: [email protected] 4 No âmbito desse artigo utilizaremos os termos games e jogos de forma intercambiável. 5 http://www.merriam-webster.com/dictionary/jam%20session 6 http://globalgamejam.org 7 http://en.wikipedia.org/wiki/Ludum_Dare 8 http://en.wikipedia.org/wiki/Indie_Game_Jam 9 http://en.wikipedia.org/wiki/Hackathon 10 http://www.boardgamejam.com/ 11 http://locjam.org/

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PARA ALÉM DAS GAME JAMS: UM ESTUDO DE CASO DA LOCJAM

Cristiane Denise Vidal1

Fernando da Silva2 Viviane Maria Heberle3

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo apresentar diferentes modalidades de game jams. Inicialmente, faremos uma breve discussão acerca dos principais aparatos teóricos e metodológicos relacionados a estes eventos. Em seguida, faremos um relato sobre a experiência adquirida durante as oficinas ofertadas em três edições da maratona mundial de localização de games (LOCJAM), evento promovido pela associação internacional de desenvolvedores de game (IGDA). Por fim, o trabalho dará atenção à importância de a localização estar integrada ao desenvolvimento de games como um processo continuado, de forma a não a relegar a um segundo plano, seja na indústria de games ou na esfera acadêmica – tanto em Estudos da tradução quanto em áreas afins. PALAVRAS-CHAVE: Games. Localização. Tradução.

1. Introdução

Game Jams são competições onde equipes de desenvolvimento se reúnem para criar games4, baseados num tema único, em um período curto de tempo – normalmente, entre 24 e 72 horas. Segundo o dicionário Merrian webster5 o termo jam vem do meio musical: numa jam session músicas são produzidas de forma improvisada ou com pouca ou nenhuma preparação prévia. Comumente, nas game jams, os participantes se organizam em equipes nas quais seus integrantes desempenham diferentes papéis – por exemplo, programadores, game designers, desenhistas, roteiristas, entre outros; ou, em alguns casos, uma única pessoa pode desempenhar todos esses papéis. Diversos eventos semelhantes ocorrem anualmente, tais como o Global Jam6, Ludum Dare7, Indie Game Jam8 e Hackathon9. De modo geral, o foco de tais eventos é a criação de games digitais, todavia, algumas iniciativas se caracterizam pela criação de jogos analógicos10.

Ainda que os jogos criados nesses eventos integrem várias competências necessárias ao seu desenvolvimento e que as jams tenham por objetivo principal simular suas principais etapas de desenvolvimento, nem todos os aspectos da criação e da posterior comercialização de um game são contempladas – seja pelo foco desses eventos, seja pelo desconhecimento ou falta de prestígio dessas áreas dentro de um campo teórico e prático. No entanto, ao longo dos últimos anos, jams com diferentes focos começaram a ser organizadas a fim de dar maior atenção a determinados campos de atuação na indústria de games. Em 2014 foi criada a primeira LocJAM11, uma maratona

1 Cristiane Denise Vidal é doutora em Estudos da Tradução (PGET/UFSC) e realizou dois estágios pós-doutorais sobre localização de games (PGET/UFSC e PGTIC/UFSC). Atualmente é docente no Instituto Federal Catarinense (IFC-Brusque). Contato: [email protected] 2 Fernando da Silva é doutorando em Estudos da Tradução (PGET/UFSC) e o foco de sua tese é a localização de games comerciais. Atua como docente na Unoesc-Chapecó. Contato: [email protected] 3 Viviane Maria Heberle é doutora em inglês (PGI/UFSC), com estágio pós-doutoral na Universidade de Sidney, Austrália. Sua principal área de pesquisa é Análise do Discurso e Multimodalidade, tanto em games como em outras mídias. Atualmente é docente no departamento de Inglês da UFSC. Contato: [email protected] 4 No âmbito desse artigo utilizaremos os termos games e jogos de forma intercambiável. 5 http://www.merriam-webster.com/dictionary/jam%20session 6 http://globalgamejam.org 7 http://en.wikipedia.org/wiki/Ludum_Dare 8 http://en.wikipedia.org/wiki/Indie_Game_Jam 9 http://en.wikipedia.org/wiki/Hackathon 10 http://www.boardgamejam.com/ 11 http://locjam.org/

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voltada à localização de games, e em 2015 a Write a Game Challenge12, a primeira jam voltada à criação de jogos com um foco principal em sua história (JUUL, 2001; SIMONS, 2007).

Sendo a localização de games o foco de pesquisa dos autores desse artigo, nas próximas sessões apresentaremos alguns apontamentos acerca da localização de games e, em seguida, um estudo de caso da LocJAM.

2. Localização de Games

De acordo com Pym (2001)13, o conceito de localização, em um sentido mais amplo, pode ser percebido como o processo de adaptação cultural referente às áreas de desenvolvimento de software, documentação de produtos, tecnologias baseadas em internet e provedores de notícias internacionais. Para Edwards (2012), a localização em games tem o objetivo de fazer que o jogador tenha a mesma experiência como se estivesse jogando o jogo original; via de regra a partir da tradução de conteúdos textuais em um jogo, ou em um sentido mais amplo, a partir da adaptação de aspectos culturalmente marcados para um mercado de chegada. Em outras palavras, a localização de jogos pode operar em níveis linguísticos, a partir da tradução de falas de personagens e interfaces dos games para outros idiomas, ou em níveis de adaptação cultural, a partir da modificação de conteúdos de arte, narrativa, para que um jogo se alinhe às convenções culturais ou de classificação etária de um determinado país.

É importante salientar que a tarefa de localização de um jogo deve estar alinhada com diversas demandas estabelecidas por convenções: de público-alvo, gênero do jogo localizado, de terminologia, de plataforma e publicadora, entre outros elementos representativos de uma experiência de gameplay e do conteúdo do jogo em sua língua original. Mangiron (2007) sugere um conjunto de características relevantes para a tarefa de localização de games e redimensiona o papel da tradução para além uma simples transposição de códigos linguísticos de uma língua para outra. Dentre as orientações de cunho linguístico e extralinguístico sugeridas pela autora citamos as seguintes:

● Familiaridade com terminologia de software e terminologias de plataforma: cada

publicadora possui um conjunto de terminologias específicas para seus produtos; ● Familiaridade com tradução audiovisual: conhecimento sobre dublagem e legendagem,

segmentação de texto, sincronia labial, condensação de texto; ● Competência na tradução de linguagem idiomática: a linguagem em jogos deve ser fluída, o

tradutor deve estar ciente do tipo de linguagem que cada jogo possui, também ter em mente que o game possui uma audiência específica;

● Criatividade: ainda que o tradutor tenha que estar ciente das orientações dadas por uma publicadora e uma desenvolvedora, é crucial que o tradutor seja capaz de traduzir humor e referências culturais específicas mantendo o apelo do jogo original;

● Percepção de diferentes culturas: o tradutor deve perceber a sua cultura e a cultura do jogo original e detectar quais aspectos da cultura-fonte podem representar problemas de compreensão e serem ofensivas em um mercado de chegada;

● Familiaridade com a cultura do jogo: o tradutor deve ter conhecimento sobre a cultura apresentada no jogo, conhecimento sobre sua história a fim de poder criar a melhor experiência para o público-alvo. Ele também deve saber identificar as referências a outras franquias de jogos;

● Familiaridade com referências à cultura popular global: isso é importante uma vez que muitos jogos se valem dessas alusões como forma de fazer humor dentro de um jogo.

12 http://itch.io/jam/wag-challenge 13

http://usuaris.tinet.cat/apym/on-line/translation/loclinguistics.pdf

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É importante destacar que o trabalho de localização deve ser realizado por uma equipe de profissionais com diferentes funções, tais como engenheiro de software, tradutor, editor, produtor, revisor linguístico (tester). Além disso, a localização deve ser encaminhada durante todo o processo de desenvolvimento de um título. Conteúdos referentes à arte, música e mesmo à abordagem de marketing também devem constar como elementos passíveis de serem percebidos através de um prisma de avaliação cultural e, portanto, passíveis de serem localizados. Tais conteúdos, se não adaptados culturalmente com o devido cuidado para diferentes mercados de chegada, podem, potencialmente, gerar prejuízos para uma publicadora ou para ou desenvolvedora, uma vez que a não consonância de um jogo com padrões culturais e de censura vigentes podem acarretar na proibição de um título para um nicho de jogadores em potencial.

Dimensionar a localização de games dentro de uma perspectiva de adaptação cultural não apenas sugere uma esfera de desenvolvimento de games a qual a tradução faz parte, mas também representa um mecanismo de adaptação aos diferentes tipos de mercados que criam demandas de customização de produtos para seus consumidores, seja esta customização em níveis linguísticos, a partir da adição de dublagens de falas de personagens, legendas de diálogos, adaptação de interface de usuário para diferentes línguas, ou uma adaptação mais aprofundada de conteúdos como o design de personagens, narrativa, abordagens a determinadas temáticas entre outros elementos passíveis de serem avaliados a partir de um filtro cultural e de censura. Torna-se relevante salientar que o conjunto de decisões que tangem o desenvolvimento e adaptação desses produtos para diferentes mercados ou nichos de jogadores não apenas se delimitam a regiões específicas ou a línguas de partida ou de chegada, uma vez que o termo francês locale, do qual se origina o termo localização, não se sustenta apenas nos conceitos de língua e local.

Há que se discutir também que o conceito de localização a partir de uma perspectiva de adaptação linguística e para mercados se torna deficiente e de certa forma desnecessária uma vez que a maneira como a tradução vem sendo encaminhada ao longo de sua existência como uma atividade comercial e de transposição linguística se pauta nestes exatos mesmos princípios. A localização, dessa forma, não deve ser considerada a partir de seu fim, mas através de uma perspectiva processual, a partir dos instrumentos que utiliza, e a partir do objeto com o qual trabalha. Isto significa dizer que o escopo da localização, ainda que em sua natureza seja considerada como um desdobramento da prática tradutória, se sustenta a partir do aparato de recursos utilizado por seus profissionais, pelo produto sobre o qual seu trabalho se dá, e ainda que de forma não excludente à reflexão levantada acima, a partir da intervenção linguística de um tradutor tendo como base o texto de partida.

3. LocJAM

Em maio de 2013, a equipe GLOC, uma agência de localização italiana, disponibilizou em seu site um tutorial14 demonstrando o passo a passo de um trabalho de localização de games. Esse tutorial explicava: a criação de um guia de estilo, a importação de dados para a ferramenta MemoQ, a criação de terminologia, a divisão de tarefas entre os membros da equipe, a tradução em si, a revisão, e o controle de qualidade. Para a surpresa do estúdio de localização, o site teve mais de mil visitantes, o vídeo foi compartilhado centenas vezes no Facebook, e mais de 50 retweets - um nível de divulgação relevante para uma área que, como já apontado, é relegada a segundo plano na indústria de desenvolvimento de jogos. Após isso, pedidos para a disponibilização das ferramentas utilizadas no tutorial começaram a ser feitos. Todavia, estes recursos eram relativamente complexos para que iniciantes pudessem utilizá-los e a equipe GLOC

14 http://www.localization.it/video-tutorial-game-translation/

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buscou alternativas para atender a essa demanda. Essa busca culminou em diversas ações que levaram à organização da maratona mundial de localização de games, a LocJAM15.

Em parceria com a Localization Special Interest Group (LocSig) parte da International Game Developers Association (IGDA) e a IGDA do Japão, a LocJAM foi concebida como um evento gratuito e sem fins lucrativos. O principal propósito dessa competição é a divulgação da área de localização de games, tornando possível que qualquer pessoa, seja iniciante ou veterano na área de localização, possa participar. O único requisito é que tenha conhecimento de inglês, que é a língua-fonte dos games, e conhecimento de outra língua, que será a língua-alvo do game a ser localizado ( DELLEPIANE, 2014).

A primeira edição da LocJAM16 foi realizada entre os dias 05 e 13 de março de 2014. Havia duas categorias de inscrição: profissional e amadora. O game traduzido foi o The Republia Times (Fig. 01), de Lucas Pope, o mesmo criador do aclamado game Papers, Please17. The Republia Times é um game com conotações políticas, baseado em texto, em Flash, criado no ano anterior durante uma Ludum Dare, escrito em inglês e contendo aproximadamente 1800 palavras.

Figura 1: Tela inicial do Game The Republia Times

A primeira edição da LocJAM permitia a tradução do game em inglês para as seguintes línguas: francês, alemão, italiano, japonês, e espanhol (tanto o europeu quanto o latino-americano). Para cada uma dessas línguas havia dois ou três jurados, que eram em sua maioria proprietários de agências de localização, totalizando 16 jurados voluntários, que ao final da competição escolhiam uma tradução favorita na categoria amador e outra na categoria profissional. A organização do evento não determinou critérios para a escolha da tradução, assim cada jurado escolhia suas traduções favoritas e descrevia o porquê das escolhas. A premiação do evento incluía licenças de softwares de localização, tours nas agências de localização do júri de cada língua e, possivelmente, futuras colaborações com essas agências.

Em game jams tradicionais, os participantes se reúnem fisicamente em um local específico e apenas o deixam após finalizarem o game. Na LocJAM não era necessário estar presente em um local para a realização da atividade de tradução, uma vez que bastava ter apenas um computador com acesso à internet para baixar o kit de tradução (Fig.02) que continha um arquivo de excel (Fig.03) com o texto para ser traduzido, o jogo em si, e um servidor web local para rodar o game.

15 http://us3.campaign-archive2.com/?u=f5f1dfbc2311c346640678633&id=ee8076f21e 16 http://us3.campaign-archive2.com/?u=f5f1dfbc2311c346640678633&id=d998052c8a 17 http://papersplea.se/

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Esse kit permitia testar e revisar a tradução e, em seguida, visualizá-la funcionando no próprio game. Outra diferença quando comparada com jams tradicionais é a duração mais longa da LocJAM: por volta de uma semana (contra 24 ou 72 horas de outras jams) a fim de permitir familiarização com o game, localização adequada, revisão e tempo para jogar com o game com o conteúdo localizado.

Figura 2: Kit de localização usado na primeira edição da LocJAM

Figura 3: Planilha Excel com o texto original e uma coluna editável para a tradução

Com a finalidade de divulgar do evento, discutir sobre o processo de localização e criar grupos de trabalho (antes e durante a competição), pesquisadores e localizadores veteranos ministraram sete workshops18 gratuitos em várias cidades do mundo. Os workshops eram abertos a todos os interessados em localização de games, pois sua participação não se limitava à submissão da tradução para o evento. É relevante destacar que participantes de diversas áreas da indústria de games, não apenas a localização, participaram desses workshops, fato que contribuiu para

18 http://www.localization.it/locjam-2014-slides-videos-photos-articles/

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divulgar a área de localização de games. Além dos workshops, a organização do evento criou fóruns online para que os participantes pudessem esclarecer dúvidas, discutir problemas e soluções relacionadas à tradução do game The Republia Times.

Ao final da maratona, foram submetidas 511 traduções sendo 60 de francês, 42 de alemão, 134 de italiano, 20 de japonês, 186 de espanhol europeu, 42 de espanhol latino-americano, além de 28 duplicadas e, portanto, desqualificadas pela comissão julgadora, pois cada candidato poderia submeter uma única tradução. Das submissões 42% foram de candidatos na categoria profissional e 58% na de amadores (DELLEPIANE, 2014). O resultado foi divulgado no dia 06 de junho de 2014 com a lista completa19 que incluía as traduções vencedoras e as traduções com menção honrosa (num total de 34), todas acompanhadas dos arquivos jogáveis para que o público pudesse testar as traduções.

3.1 LocJAM2

Devido ao sucesso da primeira edição da LocJAM, os organizadores decidiram organizar uma segunda edição do evento, intitulado LocJAM2, entre os dias 22 de fevereiro e 01 de março de 2015 . Inicialmente, eles tinham como objetivo organizar a LocJAM2 juntamente com a Global Game Jam, que ocorreu no final do mês de janeiro, a fim de divulgar a área de localização dentro da indústria de games. Porém, devido ao fato de que muitas universidades estariam em período de recesso acadêmico e a adesão ao evento estaria comprometida, a organização decidiu postergar o evento para mais tarde.

Logo após a divulgação da primeira edição da LocJAM, a comunidade brasileira de localizadores de games solicitou a participação, mas devido ao curto prazo para a busca de jurados e também adaptações no kit de localização para incluir caracteres do português do Brasil, não foi possível incluir nossa língua naquela data. Todavia, na segunda edição, além da inclusão do português brasileiro também foi incluído o russo, e o número de jurados foi ampliado de 16 para 20 a fim de atender essas línguas adicionais. Dessa forma, as línguas contempladas na segunda edição da LocJAM foram: francês, alemão, italiano, japonês e espanhol (tanto europeu quanto latino-americano), português brasileiro e russo.

O game escolhido para ser traduzido nessa maratona foi o jogo baseado em texto Grandpa20 (Fig. 04), de Abdullah Hamed, desenvolvido numa Global Jam da Arábia Saudita, criado na Twine21 uma ferramenta para desenvolvimento de games baseados em textos. Ao invés de um kit de tradução, dessa vez os organizadores disponibilizaram uma plataforma de localização (Fig. 05) que permite traduzir qualquer outro game criado com a ferramenta Twine, tornando-a assim acessível globalmente após o fim da competição, tanto para diferentes sistemas operacionais e quanto outras línguas.

19 https://sites.google.com/site/igdalocsig/-2014-06-june 20 http://www.localization.it/locjam2-interview-with-abdullah-ahmed-grandpas-co-creator/ 21 http://twinery.org/

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Figura 4: Tela inicial do Game Grandpa

Figura 5: Visão geral da plataforma de Localização usada na LocJAM2

O game Grandpa possuía 5000 mil palavras (porém nem todas necessitavam tradução, pois misturavam-se com os códigos do game) e o arquivo disponibilizado pelos organizadores, no formato TXT (Fig. 6), possuía, além do texto a ser traduzido, os códigos e comandos do game, que não poderiam ser alterados pelos tradutores. Assim, a tarefa se tornou mais desafiadora do que a maratona do ano anterior, que apenas disponibilizou um arquivo Excel com a indicação de uma única coluna onde seria inserida a tradução.

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Figura 6: Excerto do arquivo a ser traduzido do game Grandpa

Nessa edição foram submetidas 620 traduções, sendo 56 em francês, 70 em alemão, 105 em italiano, 38 em japonês, 194 em espanhol europeu, 34 em espanhol latino-americano, 70 em português brasileiro e 70 em russo (IGDA-LOCSIG, 2014). O resultado final foi divulgado no final de maio de 2015 com 54 traduções vencedoras e 33 traduções com menção honrosa. Todos os comentários referentes às traduções vencedoras estão no site oficinal do evento – www.locjam.org -, juntamente com os links dos games com as versões localizadas.

Assim como na primeira edição, na LocJAM2 também foram organizados workshops sobre localização de games, pois eles desempenham um papel importante na divulgação do evento. Em 2015, dezessete workshops foram realizados em diferentes cidades do mundo, incluindo o Brasil - com um workshop em Curitiba, Paraná, e outro em Florianópolis, Santa Catarina -, e contando um total de mais de 500 participantes. Na subseção abaixo descreveremos o workshop realizado na cidade de Florianópolis.

3.1.1 Workshop LOCJAM2 Uma das regras do LocJAM2 era que para cada uma das línguas cobertas pelo evento ao menos um workshop deveria ser realizado, seja online ou presencialmente, por pesquisadores da área e, de preferência, ligados a uma universidade local. O workshop de Florianópolis ocorreu em fevereiro no campus da UFSC em Florianópolis, 23 participantes se inscreveram, porém apenas cinco participantes compareceram no dia – possivelmente, as ausências ocorreram devido ao período de recesso acadêmico no Brasil, que é diferente do recesso acadêmico na Europa, onde vivem os organizadores da LocJAM. Dos participantes desse workshop, apenas um tinha conhecimento acadêmico sobre a área de localização de games, porém os demais já tinham experiência em outras áreas de tradução.

O conteúdo programático contemplou aspectos introdutórios fundamentais à localização de jogos como área relacionada aos Estudos da Tradução e o campo independente de desenvolvimento de software. Dentre os principais assuntos abordados por meio do material apresentado aos participantes citamos: i) a relevância do processo de localização como um

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processo contínuo no desenvolvimento de games, ii) contribuição de elementos de ordem cultural para um melhor encaminhamento de ações no seu ciclo de desenvolvimento, iii) abordagens de aproximação de potenciais mercados consumidores e iv) orientações práticas acerca da localização de games, tais como adesão à normas tradutórias, de gênero de jogo, familiaridade com terminologias de plataformas e universo ficcional bem como conteúdos culturalmente marcados, dentre outros.

A apresentação do conceito de localização se deu a partir de uma perspectiva de adaptação cultural de conteúdos e as implicações relacionadas à aderência a convenções desses aspectos em diferentes mercados consumidores. Ainda que aspectos inerentes ao processo da internacionalização de games sejam relevantes dentro de toda uma cadeia de desenvolvimento de software e de um produto para que se torne global, é fundamental, dentro da indústria de games, atentar às formas que diferentes sistemas de representação cultural operam dentro de um mercado consumidor e dentro dessa mídia de conteúdo de entretenimento.

Em seguida, apresentamos aos participantes alguns detalhes da maratona LocJAM2, esclarecemos as dúvidas e, então, eles baixaram os arquivos do site oficial e iniciaram a localização de um trecho do game Grandpa. No final da oficina, trocamos impressões sobre o trecho localizado e, brevemente, abrimos um debate sobre os problemas surgidos e as soluções encontradas. Os cinco participantes deste workshop submeteram suas traduções para a LocJAM2, sendo que uma delas foi a vencedora na categoria amadora, com o participante Jack Lake22.

3.1.2 Feedback dos participantes da LocJAM2

Ao final da competição de 2015, os organizadores da LocjAM coletaram alguns dados com o objetivo de avaliar a percepção geral do evento pelos participantes, a opinião deles acerca das ações implementadas desde a primeira edição, e também como forma de delimitar futuros planejamentos acerca de edições futuras (DELLEPIANE, 2015). Um ponto relevante apontado pelos dados disponibilizados é a aceitação maior do jogo utilizado neste ano, o Grandpa, pois ele possui uma jogabilidade orientada a uma narrativa emergente quando comparado ao jogo The Republia Times, que tinha foco nas ações do jogador por meio das estratégias utilizadas por ele. Outra revelação nos dados coletados é a sugestão de localização de jogos para dispositivos móveis ou jogos de tabuleiro, com a finalidade de incluir diferentes nichos de mercado.

Por fim, ainda que criticada por vários participantes, a decisão de ter os donos de agências de tradução como os avaliadores das localizações realizadas, 71% dos participantes do evento demonstrou aceitação à ideia de serem avaliados por empresas da área e de serem sondados como potenciais contratados delas, enquanto uma pequena parcela de apenas 4% admitiu a importância de serem avaliados por linguistas - neste caso, pesquisadores da área de localização ou tradução. Os dados completos podem ser conferidos no site do evento23.

3.2 LocJAM 3 Como apontado pela pesquisa do ano anterior, a terceira edição da LocJAM, chamada de LocJAM3, realizada de 14 a 27 de março de 2016, optou por utilizar um game analógico: The Hotel of Madness, um jogo de tabuleiro inspirado em histórias de terror dos anos 80, criado por Alain Dellepiane e Matthew Nedelhalf. A escolha de um game analógico foi

“because it’s a great way to explore games as a set of rules” (...) No matter how narrative and immersive and realistic a videogame is, it is still driven by rules exactly like a

22 https://www.youtube.com/watch?v=BXV-zI7HldQ#t=41 23 http://www.localization.it/did-you-like-locjam2-survey-results/

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boardgame. To the point that with enough time, patience and counting skill, you could recreate how a videogame works with just pen and paper” (DELLAINE, 2016).

Essa edição, portanto, permitiu que os localizadores entrassem em contato com as regras do jogo, possibilitando, dessa forma, um melhor entendimento do processo de criação de um game e dos recursos necessários para cativar e manter o jogador estimulado. Além disso, por ser diferente dos games das edições anteriores, essa edição permitiria revelar talentos nesse nicho específico e também proporcionar o encontro – tanto online quanto presencial - entre amadores e profissionais da área e também uma interação mais profunda entre os participantes dos workshops.

Para o trabalho de localização, os participantes deveriam fazer o download de dois arquivos: um Excel com diferentes abas com diferentes dados, tais como as peças e mapas [Fig. 7] e um arquivo Word com o manual, que continha as instruções de como jogar o game. O manual tinha aproximadamente 3000 palavras e o tabuleiro e demais itens continham aproximadamente 100 palavras. Essa edição apresentou desafios que não estavam presentes nas edições anteriores, como a tradução das instruções do jogo, que deveria ser escrita de forma simples e clara, sem espaço para ambiguidade a fim de evitar problemas de compreensão para os jogadores; a possibilidade de alterar as imagens, a capa do manual, a fonte, os marcadores e demais itens do game; além do fato de os participantes imprimirem o game tanto para a etapa de familiarização como para a revisão da tradução.

A LocJAM3 recebeu 391 submissões, o número reduzido em comparação às edições anteriores pode ser devido ao maior número de palavras a serem traduzidas e também a necessidade de um tempo maior para a familiarização e revisão – em média 12 horas.

Figura 7: Excel do game The Hotel of the Madness – abas com mapas e peças

Novamente ministramos um workshop na UFSC no dia 04 de março, dos 15 inscritos apenas quatro compareceram – outra vez, possivelmente, devido ao período de recesso na universidade. O conteúdo do workshop foi o mesmo do ano anterior, porém levamos jogos de

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cartas e de tabuleiros com manuais e traduzimos trechos com os participantes a fim de familiarizá-los com esse gênero.

O resultado final da LocJAM3, com a lista dos vencedores, foi divulgado no final de julho. Porém, até a submissão da versão final desse artigo, os dados estatísticos dessa edição não haviam sido divulgados pelos organizadores e, portanto, não serão apresentados nem analisados aqui.

4. Considerações Finais

A jam descrita nesse artigo objetiva simular um aspecto diferente da criação ou da posterior comercialização de um game, que não era contemplado em game jams tradicionais. É importante notar que existem algumas modalidades de jams que não alteram a proposta geral de uma jam, apenas usam temas diversos ou mesmo polêmicos, porém mantém a finalidade geral, apresentada na introdução desse artigo. Dentre elas, citamos, a Equal Pay Jam, uma jam para games analógicos, organizada pelo Departamento de Trabalho Americano, que procurava reivindicar o pagamento de salários igualitários para mulheres; e a GAMBIT Gayme Jam, uma jam para games digitais, organizada pelo MIT, cuja temática se voltava ao universo queer. Assim, o estudo de caso apresentado aqui evidencia uma proposta inovadora dentro do segmento de jams. Além disso, os detalhes e as estatísticas de cada edição mostram dados concretos quanto à visibilidade alcançada por essa jam, tanto no aumento do alcance da maratona devido ao uso de diferentes tipos de games quanto na inserção de diferentes línguas em suas edições.

Por fim, a LocJAM mostra a importância da organização de jams que dêem maior atenção a diferentes campos de atuação na indústria de games para que essas áreas se desenvolvam ainda mais e, por sua vez, contribuam para a criação de games que inovem ou quebrem os paradigmas vigentes.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e os departamentos de Pós-Graduação em Inglês (PGI) e Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) por auxiliarem na divulgação do evento e também por ofertarem espaço e estrutura para a realização dos workshops. Referências DELLEPIANE, A. Did you like LocJAM2 (survey Results). Entrada de blog, 2015. <Dísponível em: http://www.localization.it/did-you-like-locjam2-survey-results/> DELLEPIANE, A. LocJAM 2014 – a perspective. In: GDC summit, março 2014. Apresentação disponível em: <http://www.slideshare.net/gloc247/locjam-2014-a-perspective#> DELLEPIANE, A. LocJAM3 – FAQ and work in Progress, 2016. Disponível em: <http://www.localization.it/locjam-3-faq-work-in-progress/> EDWARDS, Kate. Culturalization and game content. In: CHANDLER, Heather Maxwell; DEMING, Stephaniie O'malley. The Game Localization Handbook. 2. ed. Sudbury, Massachusetts: Jones & Bartlett Learning, 2012. JUUL, Jesper. Games Telling stories? A brief note on games and narratives. Game Studies: the international journal of computer game research, [s.i], v. 1, n. 1, p.1-4, jul. 2001. Disponível em: <http://www.gamestudies.org/0101/juul-gts/>.

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