ovelha ii (cap1)

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A OVELHA E O DRAGÃO A RESTAURAÇÃO

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Editora Danprewan

Editora fi liada a

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDITORES CRISTÃOS

SINDICATO NACIONALDOS EDITORES DE LIVROS

CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO

COORDENAÇÃO EDITORIALRaquel Soares Fleischner

PRODUÇÃO GRÁFICAGláucio Coelho

PROJETO GRÁFICO DE CAPAJonas Lemos

EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃOJonas Lemos

REVISÃOMichele Paiva

IMAGEM DA CAPAShutterstock – LuxorphotoShutterstock – Iko

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renata Martins

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

M345o

Martins, Renata A ovelha e o dragão : a restauração / Renata Martins. - 1.ed. - Rio de JaneiroDanprewan, 2012. (Semear ; 2)

ISBN 978-85-7767-044-4 1. Ficção cristã. 2. Romance brasileiro. I. Título. II. Série.12-3509 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-328.05.12 04.06.12 035837

Copyright© 2011 Renata Martins.

Todos os direitos reservados para Danprewan Editora e Comunicações Ltda. É expressamente proibida a reprodução deste livro, no seu todo ou em parte, por quaisquer meios, sem o consentimento por escrito dos editores.

Danprewan Editora e Comunicações Ltda.R. Duquesa de Bragança, 45 - Grajaú - 20540-300TeleFax: (21) [email protected]

Texto integralmente revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico.

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Andarão os dois juntos, se não estiverem de acordo?Amós 3.3

Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus.

João 3.3

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DeDicatória

Sempre será para ti, Senhor, “porque dele por ele e para ele são todas as coisas.” (Rm 11.36); inclusive esse novo livro!

Ao meu pai que, se pudesse, teria dado a cada habitante deste país um exemplar da primeira edição.

A todos os leitores que fizeram questão de expressar por meio de car-tas, e-mails e pessoalmente quanto A ovelha e o dragão tocou suas vidas. Minha maneira sincera de homenagear alguns foi colocá-los na história. Suas palavras e o desejo pelo novo exemplar me fortaleceram em meio à fraqueza; a Restauração é dedicado especialmente a vocês!

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Sumário

Dedicatória, 7Prólogo, 11

Capítulo 1 – A Ameaça, 13Capítulo 2 – Os Próximos Capítulos, 59Capítulo 3 – O Novo Ano, 87Capítulo 4 – Passos Antecedentes, 109Capítulo 5 – O Grande Dia, 155Capítulo 6 – Pós-Tsunami, 205Capítulo 7 – Reconstruindo, 243Capítulo 8 – Consertando as Coisas, 269Capítulo 9 – O Reencontro, 311Capítulo 10 – Tudo ou Nada, 353Capítulo 11 – De Volta à Realidade, 379

Epílogo, 395Agradecimentos, 399

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Prólogo

conta o Dragão

Um tsunami em minha vida. Era isso que eu achava que havia acontecido comigo ao conhecer Raquel. Coitado! Não fazia ideia do que estava por vir. No máximo, o que me acontecera fora um redemoinho, um pequeno tufão. Na realidade, o tsunami estava chegando agora e com força des-trutiva total. E justo agora, quando tudo caminhava bem, quando meu sonho de ficar para sempre junto dela estava prestes a se realizar. Eu não poderia viver sem a minha deusa; definitivamente, não! Depois de provar o céu, nenhum satanista iria querer o inferno. Raquel e o gosto do céu eram bons demais para se pensar em perder. Essa onda não poderia tirá--la de mim, e eu me recusava a voltar a viver em meio a esse tormento! Não conseguiria sobreviver em meio à dor de sua ausência. As primeiras ondas desse iminente desastre já tocavam meus pés e, emocionalmente, já podia senti-las; só me restava, agora, esperar e lutar.

narra a ovelha

Perdida. Totalmente abandonada e sem chão! Nunca imaginei que diria isso algum dia em minha vida, principalmente após tê-lo conhecido. Apesar de conturbado e inapropriado, no princípio, Cristiano tinha o gosto do bom, do perfeito e do agradável. Era o sabor da maravilhosa vontade de Deus! Entretanto, contrastando com isso, ele também havia se transformado no motivo do meu tormento, das minhas dores, dia após dia. Cristiano era meu céu e meu inferno ao mesmo tempo; e, no meio disso, eu não poderia ficar. Teria de fazer uma escolha e pelo inferno eu

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jamais optaria; mesmo que isso me trouxesse sua garantia. A sensação que eu tinha era de que uma grande onda estava nos atingido, e ela estava prestes a levá-lo de mim. Contudo, se isso me garantisse o céu, por mim estaria tudo bem. Doeria, seria um novo inferno para mim em termos de sofrimento, mas passaria. Já podia até sentir essa onda tocar meus pés e, interiormente, já estava preparada para recebê-la a qualquer momento. Só não sabia se, sozinha e naquele estado, conseguiria lutar e sobreviver.

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CAPÍTULO 1

a ameaça

conta o Dragão

A MAIS DOLOROSA DAS AMEAÇAS

Eram 20h10 do dia 31 de dezembro. Eu deveria estar, no mínimo, animado pela virada de ano.

Seria um réveillon totalmente inusitado, pelo qual jamais imaginara passar em toda a minha vida. Em outras épocas, eu não concordaria com aquilo; ficaria até enjoado e enraivecido com tal possibilidade; mas ela, minha deusa, minha razão de viver, minha Raquel estaria ali comigo; e isso era tudo o que eu precisava para que a virada de ano, em meio a uma igreja lotada de crentes, já não fosse tão aterrorizante assim. Estando ao seu lado, valeria a pena passar por aquilo!

Desde que firmamos oficialmente nosso compromisso de corte, ainda não havia conseguido ficar a sós com ela por um minuto sequer. Até mesmo no dia em que me declarei em definitivo, muitas pessoas acom-panhavam da praia toda a ação. Se eu achava que ser crente era dif ícil, o que poderia dizer de cortejar a “santinha” filha do pastor? Missão impos-sível era pouco! Tom Cruise perderia o papel, rapidinho, para mim (se é que entenderam a brincadeira). Mas, mesmo com a total falta de priva-cidade enfrentada até o momento, tentaria ao máximo fazer com que essa virada de ano fosse diferente e ficasse marcada para nós. Essa noite teria de ser especial, e eu já havia pensado em todos os detalhes.

O pormenor imponente dessa noite de réveillon fora pensado estra-tegicamente para compensar minha frustração anterior – Raquel não me permitiu presenteá-la no Natal. Um absurdo total ao qual fui imposto: minha deusa não suportava a ideia de troca de presentes nesse período

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do ano; para falar a verdade, nem roupa ela gostava de comprar para usar no mês de dezembro. Ficava revoltada com o consumismo das pessoas e comentava que elas esqueciam o real sentido do Natal. Alucinações que o meu amor tinha em determinadas situações...

– Isso não tem cabimento, princesa! Eu jamais me perdoaria se passasse o primeiro Natal ao teu lado e não te presenteasse. – Tentei, a todo o custo, tirar essa ideia ridícula de sua cabecinha linda. Infelizmente, não obtive sucesso.

Entretanto, sua proibição no Natal apenas serviu para despertar minha criatividade para a noite de réveillon; a compra de um lindo anel de com-promisso, incrustado com vários brilhantes, seria o detalhe da noite e amenizaria a minha frustração natalina (além de combinar, perfeitamente, com o pingente de coração dado por mim anteriormente).

Mesmo ele tendo custado muito caro, não pensei duas vezes ao adquiri--lo; Raquel valia cada brilhante daquela aliança. Sei que minha realidade financeira atual era um pouco diferente da de alguns meses atrás; e, mesmo já trabalhando, meu novo salário não comportava certos exageros. Contudo, aquele anel não poderia continuar ausente do dedo de minha Raquel. A beleza dela era realçada com a presença dele. Além disso, esse meu sacrif ício financeiro deixaria claro para todos os que ainda duvidavam que aquele nosso compromisso era para valer. Só me restava, agora, encontrar o momento certo para surpreendê-la.

Apesar de tão empolgado com a noite e ansiando, desesperadamente, encontrá-la, de repente, outro pensamento surgiu em minha mente. Como um feitiço ou magia que acontece no instante em que menos se espera, uma angústia e um terror interior começaram a me invadir; e pior, eu sabia exa-tamente o motivo pelo qual passei a me sentir assim: o envelope branco e ameaçador que eu recebera à tarde ainda permeava meus pensamentos.

Inferno! Mais uma vez ele me rondava! Já não bastava eu estar garantido a ele quando morresse? Esse maldito me perseguiria até em vida? Coulobre e o bando dele deixaram claro, por meio daquele bilhete, que haviam me

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encontrado e que minha dívida junto aos Escolhidos crescia dia após dia. Eu continuava muito encrencado.

Certamente, havia rasgado aquela porcaria assim que acabara de ler; mas cada letra dele havia ficado gravada em minha memória e, infelizmente, essa noite não seria plena como eu gostaria. Fazer o quê? Nem tudo é perfeito. E para complicar mais (assim como meu pai esteve um dia), eu ainda estava descoberto espiritualmente.

É certo que eu estava rompido com os Escolhidos e com o Reino das Trevas; não por opção, mas por uma pressão insuportável da parte deles. Estar com os Escolhidos era, de longe, a maneira mais fácil e prática de viver a vida: não me preocupar com dinheiro e ter todos os meus desejos aten-didos pelo meu guia espiritual. Era a opção mais fácil, sim! Entretanto, menos correta. Eu não conseguiria ser parte dos sacrif ícios a que eles me obrigavam, e estar com eles não nos dava direito a escolhas. Ou eu seguia à risca a orientação deles ou adeus. Eu peguei o caminho do adeus. Para piorar a situação, eu também não estava do lado de Deus e dos crentes. Nós só estávamos em uma trégua (por causa do livramento dado à Raquel), mas eu ainda não confiava em um Deus de caráter tão duvidoso. Ele jamais me perdoaria pelo fato de um dia eu ter estado do lado de lá. Na verdade, eu não estava de lado nenhum, e aquela opção era mesmo muito ruim.

Como se minha vida já não estivesse complicada o suficiente, ainda precisava resolver o problema que havia criado com meus pais. Não tinha jeito, na última noite do ano, seria praticamente impossível não me lembrar da família.

Mamãe, pobrezinha, por causa de minha crise com papai, só tinha notícias minhas quando eu ligava. Não sabia onde eu estava morando, nem de que maneira estava vivendo. Com papai eu não falava, nem mandava notícia. Apenas o Moacir me deixava por dentro do que acontecia lá em casa. Depois da minha traição para com todos eles, as coisas estavam bem feias para o doutor Alberto Cavalcanti, meu pai, em todos os sentidos: contas bloqueadas, obra do resort interditada, processos na Justiça e ameaça

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de morte, por parte dos Escolhidos. Olhando por esse lado, realmente papai tinha todos os motivos para me odiar; e romper comigo era o mínimo que eu poderia esperar de sua parte.

Complementando minha vida atormentada, durante o Natal, pude apenas ouvir o pranto de mamãe, do outro lado da linha do telefone. Doeu até a alma. Se eu não houvesse comemorado junto à família de Raquel, não sei como teria suportado. E, como se isso fosse pouco, do outro lado da história, ainda existia a pressão do pastor Carlos para conhecer meus pais.

Pois é, ultimamente, minha vida não estava nada fácil.Nós ainda não havíamos completado um mês de corte, mas para os

pais de Raquel conhecer meus pais e ter a bênção deles junto a esse com-promisso era de total importância. A cada dia, eu me afundava em entre-linhas de suspeitas, ameaças e mentiras. Sempre precisava contar uma história para encobrir outra. Até eu já começava a acreditar nas mentiras que inventava. E o pior de tudo é que sentia que, a qualquer momento, minha real identidade seria descoberta, e tudo o que havia criado ruiria bem diante dos meus olhos. Iria terminar maluco, com toda essa pressão e, definitivamente, esse não era o momento certo.

Resolvi pôr um ponto final naquela tortura psicológica e decidi ir logo me arrumar. Quanto mais cedo chegasse à casa de Raquel, mais cedo poderia desfrutar da companhia do meu amor e, certamente, essa alter-nativa era bem mais agradável do que ficar naquela filosofia sem fim em que havia entrado.

– Não vai adiantar nada sofrer por antecedência – pensei. – Vou tentar aproveitar a noite, da melhor maneira que puder.

Então, entrei no banho. Demorei aproximadamente 15 minutos, e a água quente me fez relaxar um pouco. Eu não poderia demonstrar nenhum tipo de tensão hoje. Se aparentasse preocupação ou nervosismo, Raquel iria perceber; se ela percebesse, tentaria saber, a todo o custo, o que estava acontecendo (ela era linda, mas também era extremamente curiosa e iria conseguir arrancar a verdade de mim; e isso eu não poderia deixar

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acontecer , de jeito nenhum). E enquanto analisava, senti que o banho estava me fazendo muito bem. Estava ficando mais calmo e confiante. Poderia dizer que estava de alma lavada!

Assim que saí, corri para buscar a roupa branca que havia comprado especialmente para hoje. Eu iria precisar de toda a sorte do mundo para enfrentar esse novo ano e nada melhor que uma roupa branca para causar esse efeito. “Puxa, estou me sentindo muito esquisito nessa roupa. Calça, camisa branca e sapato branco”, pensei, enquanto olhava para o espelho. “Estou parecendo um pai de santo com esse traje. Mas branco traz sorte na virada de ano, e prefiro ir assim mesmo.”

Eram 20h53 quando peguei a caixinha em cima do criado mudo. Olhei para o anel mais uma vez, coloquei-o no bolso e saí de casa. Decidido, agoniado e necessitando de toda a sorte do mundo, por fim entrei em meu carro e parti para encontrar meu lindo destino, assim eu esperava.

Havíamos combinado que passaria em sua casa, e iríamos, junto com seus pais, até a igreja. E enquanto dirigia, comecei a lembrar que, há seis meses, era solteiro, farrista e satanista. E hoje? Altamente comprometido com a (santinha) mulher da minha vida e quase um crente (essa parte é uma mentira deslavada, mas...). Era uma mudança muito radical para ser real, mas o melhor é que quase tudo era realmente verdade; com exceção de algumas mentiras sobre ser crente; o restante era pura verdade. E ela ficava mais legítima a cada instante em que me aproximava do apartamento dela.

Nós tínhamos pouco tempo de relacionamento e, para falar a verdade, eu só havia estado no apartamento de Raquel por duas vezes. A primeira, no dia oficial da corte, muito tarde da noite e apenas para sermos aben-çoados pelo pastor Carlos. A segunda aconteceu durante a comemoração de Natal, há uma semana. Ficamos todos juntos entre a sala e a varanda e tinha muita gente na casa: primos, avós, periquito e papagaio. Impossível desfrutar de algum tipo de intimidade com Raquel ou com seus pais. Eu ainda não ficava muito à vontade com os pastores e com o ambiente, e isso colaborava para o meu nervosismo.

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“E se eu disser alguma bobagem, e eles desconfiarem de mim?” O temor invadia minha mente. “Acalme-se Cristiano! Você já passou por poucas e boas e escapou”, falava, sozinho e baixinho, tentando reafirmar minha segurança e meu controle enquanto estacionava o carro em frente ao seu edif ício.

Desci e olhei para cima, procurando o décimo andar. A luz da varanda estava acesa, e pude perceber certa movimentação. A impressão que tive é de que havia muita gente por lá.

“Mais uma vez, nada de intimidades”, lamentei enquanto me confor-mava de vez com a situação que sempre nos perseguia: gente. Muita gente ao redor. O curioso é que Raquel não havia me falado nada sobre uma comemoração antes do romper do ano. Pelo que sabia, o jantar seria após o culto, na casa da sua tia Semária, que ficava à beira-mar do Cabo Branco, de onde assistiríamos ao restante da queima de fogos. Muitas pessoas após o romper do ano já era esperado, mas antes? Estranhei, mas, tendo a consciência de que seu pai pastoreava uma igreja com aproximadamente mil pessoas, decidi me conformar com aquilo; e após falar com a Rosa, a secretária da família, pedindo autorização para subir, decidi relaxar e não me aborrecer com nada.

“Deve ser alguém da família que veio fazer uma visita”, imaginei, enquanto acompanhava a subida de cada andar pelo monitor do elevador.

Passei a me concentrar para quando finalmente chegasse à porta e Raquel a abrisse, eu estivesse calmo e satisfeito, tendo a visão mais bela que desejava. Por causa de um problema com meu celular, não havíamos conseguido nos falar durante todo o dia. Apenas trocamos mensagens, combinando o horário de nos encontrarmos para ir à igreja. Quase 24 horas sem ouvir o som de sua voz era tempo demais para mim. Um tormento!

Sorri sozinho só de imaginar quanto ela estaria perfeita ao me receber. Imaginei que, como eu, Raquel também deveria estar toda de branco.

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Sorte, muita sorte para nós. Nada mais deveria nem poderia me aborrecer . Eu estaria com Raquel e nada, nem ninguém, atrapalharia meu momento. Nada mais de inquietações, nem preocupações. Agora, só alegria.

A porta do elevador abriu e eu desci. Toquei a campainha e, enquanto aguardava, pude ouvir várias vozes e muitas risadas. “A conversa aí dentro deve estar bem animada”, imaginei, enquanto esperava, impacientemente. Ouvi passos se aproximando e a fechadura girando. Enfim, a visão pela qual esperei o dia inteiro.

Fiquei paralisado de susto. “Alguém, por favor, me segura, porque acho que vou cair”, foi tudo o que consegui pensar, naquele instante.

– Olá, Cristiano. Quanto tempo!

Quando o bilhete ameaçador chegou às minhas mãos, hoje à tarde, achei que aquela era a pior notícia que poderia ter naquele dia. O que poderia ser pior do que ser encontrado e ameaçado por uma seita satanista cujos líderes me odiavam? Até aquele momento, nada poderia se equiparar àquilo. O pior é que eu achei errado.

– E aí, Cristiano, você não vai me estender a mão, não?Nesse instante, sugado de volta à realidade, deparei-me com um cínico e

sorridente Felipe à minha frente, estendendo a mão para mim. “O apocalipse já começou, e Lúcifer mandou uma última tortura para mim”, pensei.

Olhei para o ex-pretendente da minha namorada e tentei recobrar o equilíbrio perdido. Instintivamente, mas sem pronunciar nenhuma palavra, apertei a sua mão, que estava estendida diante de mim. Ainda não acreditava no que acontecia. Eu só podia ter descido no andar errado.

– Ei, rapaz; você está com uma aparência esquisita – comentou aquele infeliz – Você deve estar imaginando que desceu no andar errado. Mas já

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quero esclarecer que você está no andar certo, sim. Esse aqui é o apartamento da Raquel e creio que você deva querer entrar, afinal, não vai passar o restante da noite estático e mudo no corredor, não é verdade?

E escancarou a porta, como se fosse o próprio dono da casa, convidando--me a entrar.

De estático e mudo, passei para o estado da cegueira absoluta. Eu estava cego, mas era de ódio. Achei que iria enfartar e entrar em coma, a qualquer instante.

“O que esse amaldiçoado está fazendo aqui?”. Foi a primeira pergunta coerente que me veio à mente. “E essa intimidade toda, com direito a abrir a porta, convidando-me a entrar?”. Continuei a pensar, imaginando que se algo não acontecesse nos próximos cinco segundos, com certeza eu iria surtar ali mesmo e, consequentemente, esganaria aquele otário. Eu até já podia sentir meus dedos pressionando sua traqueia.

– Cristiano!E, nesse instante, para minha salvação, meus pensamentos tortuosos

cessaram imediatamente ao ouvir sua voz.Agora, sim, a melodia pela qual eu esperara ouvir o dia inteiro adentrava

meus ouvidos. Calmaria, mansidão. Senti o alívio imediato e pude desviar meu foco daquele imbecil e me virar para contemplá-la. Instantaneamente, percebi que todos os desejos obscuros pareciam ter ido embora. Só em ouvir sua voz e ver sua figura angelical, comecei a recobrar minha sanidade. E lá estava ela, perfeita, tal qual eu imaginara o dia inteiro: o cabelo solto e bem arrumado; uma maquiagem leve; uma blusa prata, de gola alta, com uma calça preta. Linda demais! No entanto, apesar de estar perfeita como só ela, percebi que havia algo de estranho no ar.

“Essa não! Calça preta em pleno réveillon não dá azar?”. Analisava, enquanto minha mente perturbava-se novamente. Raquel não podia estar usando aquela cor, em plena virada de ano. Aquilo certamente traria muito azar para nós e eu não precisava de mais uma dose disso de jeito nenhum. Ela precisava tirar aquela roupa e rápido. Provavelmente, a presença daquele

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enviado do Diabo (Felipe), parado ali na entrada, já era fruto daquela roupa preta.

– Entra, Cristiano! Você chegou na hora certa! – falou novamente Raquel. Contudo, sua aparência preocupada, denunciava que havia algo de muito errado comigo. Também, após dois minutos parado em frente à porta e totalmente mudo, o que mais se poderia pensar?

Ela titubeou ao explicar: – como você pode ver, olha só que surpresa, o Lipe e seus pais passaram por aqui para nos desejar um feliz ano novo e para informar que estão retornando à nossa igreja. Que notícia maravilhosa, não é? – Comentou sem graça, enquanto se dirigia a mim e àquele sujeito parados junto à porta.

O fim do mundo tinha começado, e o anticristo em pessoa tinha designado o Felipe para vir hoje à noite aqui me perturbar. “Isso é uma...”. Pensei em um palavrão terrível enquanto aquele idiota estirava um largo sorriso, olhando para mim e para a Raquel.

Falando sério, eu preferiria receber trezentos bilhetes ameaçadores daquele bando de satanistas a saber que o Felipe e a família dele retornariam à nossa igreja. Imaginá-lo convivendo novamente com Raquel, com o pastor Carlos e me atormentando quase que diariamente, era pior que pisar no próprio inferno. Era muito azar para um único dia.

Eu até tentava abrir a boca para falar alguma coisa sensata, mas ainda não havia conseguido. Permanecia estático como se estivesse enfeitiçado.

– Pois é, Raquel, eu tomei a liberdade de abrir a porta, já que você estava no quarto. – comentou o infeliz.

Além de receber a notícia de que esse idiota vai retornar à igreja, eu ainda tenho de ouvir os dois se tratando por apelidos carinhosos e com toda a intimidade do mundo? “Maldição!” Gritei em minha mente. Aquilo já era demais para mim; eu teria de tomar uma atitude e teria de ser rápido.

– Oi, Felipe – consegui cumprimentá-lo, sem esganá-lo (ponto para mim!). – Oi, meu amor! – falei, referindo-me a ela, de maneira bem melosa.

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Passei asperamente pelo idiota, indo ao encontro da minha deusa. Cheguei perto e a abracei, dando um beijo bem carinhoso em seu rosto; uma forma clara de provocá-lo (se bem que nem precisava. Com ou sem Felipe, eu faria até o impossível para beijá-la no rosto daquele modo). Diante dessa minha atitude, senti suas mãos gelarem. Raquel não esperava por aquilo, bem na frente do Felipe e de todos os que estavam na sala. Percebi que os presentes naquele ambiente, seus pais e os pais do canalha, viraram em nossa direção. Eu realmente havia criado o maior climão , e o Lipe não esperava por aquilo. De branquinho, ele mudou a expressão e passou a ficar vermelho de ódio. Essa era a minha vingança pelo atre-vimento inicial. Não parei aí.

– Boa noite a todos! – caminhei em direção aos pastores, enquanto agarrei a mão de Raquel. Eu iria arrastá-la, de mãos dadas comigo, aonde quer que fosse.

Cumprimentei-os com “a paz do Senhor!” (incrível como a gente se acostuma a dizer isso) e, educadamente, estendi as mãos para os pais do Felipe e desejei um bom ano-novo para eles, além de dizer – Sejam bem--vindos de volta! (Que ódio ao dizer aquilo!) Precisava demonstrar o mínimo de educação possível e isso eu faria, certamente. Após cumprimentá-los, tentei uma saída estratégica do ambiente.

– Amor, eu estou com uma sede enorme; poderíamos ir até a cozinha para eu beber água?

– Claro! – respondeu ela receosa, já imaginando que, pelo meu modo de agir, as coisas não estavam muito boas.

Enquanto saíamos, Felipe ainda fez um último comentário para mim.– Nossa, Cristiano, não sabia que você era supersticioso. Todo de branco

assim você está parecendo um pai de santo! – E começou a rir. – Cara, está muito engraçado mesmo!

Se eu tinha alguma dúvida sobre voar na garganta dele, a dúvida havia se dissipado agora. Eu ia acabar com aquele maldito agora mesmo! Virei-me, novamente, em sua direção.

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– Cristiano! – ouvi a voz de Raquel e senti que ela me puxava com toda a força que tinha. Mais uma vez o meu amor me impedia de assas-sinar aquele idiota em meio a várias testemunhas. – A água. Vamos para a cozinha – fazia ela força, praticamente me obrigando a ir para o outro ambiente.

Antes de sair, olhei para ele e apenas sorri. Não me dei ao trabalho de responder; afinal, o que mais eu poderia dizer? “Você tem razão, Felipe, realmente estou parecendo um pai de santo, com essa roupa ridícula.”

Desesperado em busca de sorte, havia errado feio vestindo aquela porcaria e tive de aturar a gozação daquele trouxa. Até perdi a linha de raciocínio lembrando-me do comentário. E o pior é que, dessa vez, o Felipe tinha razão, eu realmente estava ridículo.

Ao chegar à cozinha, senti-me à vontade para tomar as devidas satisfações às quais eu tinha direito. E como tinha!

– Posso saber o que está acontecendo aqui, Raquel? – eu precisava desesperadamente entender o que era tudo aquilo. Realmente, não acreditava naquela festinha particular; na volta do Felipe e da família dele. No fundo estava me sentindo um intruso ali. Era como se aquele não fosse o meu lugar, mas sim o dele. E eu precisava de uma explicação imediata. – Por que esse infeliz está voltando? Por acaso vocês foram atrás deles?

– Cristiano, calma! – disse ela, praticamente sussurrando, tentando evitar uma cena constrangedora com os crentes presentes na sala. Entretanto, as palavras que ela utilizou ao tentar me acalmar me enrai-veceram ainda mais.

– Por que você só se refere a mim como Cristiano? Por que você não me chama de Cris ou de amor? Além do mais, Raquel, você ainda se refere a ele como Lipe! Eu ouvi muito bem! Não imaginei que ainda existisse essa intimidade entre vocês – disse, louco de ira e ciúme, ao lembrar o modo como eles se falaram. Esse dia estava realmente péssimo.

Concentrei-me em sua figura, esperando uma boa explicação, junta-mente com um pedido de perdão, desesperado, de sua parte. Mas, por

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incrível que pudesse parecer para mim, o pedido de perdão desesperado não aconteceu. Em vez disso, Raquel me olhou calmamente, deu um leve sorriso e começou a contornar minhas sobrancelhas com a ponta dos dedos. Eu não estava entendendo, mas bem que comecei a gostar.

– Você não precisa ficar dessa maneira, sabia? – comentou, com toda a mansidão do mundo. Sentir seus dedos em meu rosto quase me fez esquecer a raiva momentânea. Voltei a me concentrar, para não me desestabilizar com aquele carinho. Ela não iria escapar de me dar uma excelente explicação.

– Ah, quer dizer que eu chego à sua casa, dou de cara com o seu ex--namorado me recepcionando; sou informado de que ele está voltando para a igreja e consequentemente para sua vida e não preciso ficar dessa maneira? – falei, cinicamente, tentando manter a pose de mal. E não deu certo.

– Claro que não precisa ficar assim – falou, melosamente, olhando bem dentro dos meus olhos. – Não precisa porque hoje, ao me deparar com Lipe aqui na porta de casa, tive a certeza absoluta de que era você que eu queria ver, não ele. Esclarecendo: é você que eu amo; é você que eu quero! O Felipe estar de volta à igreja não muda o fato de eu amar você com todo o meu coração. Deu para entender agora, Cristiano? Deixei isso bem claro na mensagem que enviei para você!

Era tudo o que eu precisava ouvir! Desde o dia em que a conheci, desejei, diariamente, ouvir essas palavras de sua boca, ouvir que ela me amava! Cada vocábulo dito por ela, naquele instante, valia toda a agonia até o momento. Dizer que eu estava no céu era muito pouco. Certamente já estava em outra galáxia. Mas voltei ao planeta Terra e comecei a analisar as outras palavras dela: mensagem? Que mensagem era essa a que ela se referia?

– Eu gostei muito de ouvir esse “eu te amo” que você falou – tentei não demonstrar toda a minha satisfação (o que era quase impossível), afinal eu ainda tinha motivos para estar aborrecido. – Mas que mensagem é essa a que você se refere? Não recebi mensagem nenhuma.

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– Ué? Recebi uma mensagem sua pela manhã, e no mesmo instante, respondi, pedindo que você chegasse bem antes do horário, para passarmos mais tempo juntos – falou, enquanto afagava minha mão, da maneira mais prazerosa que alguém poderia fazer.

– Que droga! – comentei irado – essa droga de celular também não está recebendo mensagens. – Perdida uma oportunidade de ouro de ficar mais tempo ao lado da minha deusa.

Ela continuou: – E antes que você delire por causa dos apelidos, chamo você de Cristiano porque acho lindo o significado dele: seguidor de Cristo! Para mim, é o nome mais lindo do mundo. Mas se você preferir posso chamá-lo de Cris, sem nenhum problema. Além do mais, me refiro a ele como Lipe, porque foram mais de dez anos de convivência tratando-o dessa maneira. Não é intimidade, é costume, somos amigos. Só isso. Nada vai mudar entre nós, está me ouvindo? Aliás, mudar, vai mudar, sim – eu vou amar você mais e mais. Isso é fato!

Continuou a acariciar meu rosto e a olhar dentro dos meus olhos. Se eu soubesse que todas as vezes que me chateasse com ela, Raquel me trataria daquela maneira, daria um jeito para me aborrecer diariamente. Bom demais aquilo!

Não tinha como eu não me derreter todo ouvindo suas palavras. Era a primeira vez, desde que oficializamos compromisso, que ela falava que me amava. No dia em que me declarei pela primeira vez, Raquel apenas havia dito que também sonhou com aquele momento, mas não falou, em momento algum, as palavrinhas mágicas: eu te amo. Mas hoje eu ouvi dos seus lábios o que mais precisava. Tudo bem que eu não havia planejado aquele momento maravilhoso dentro da cozinha, mas ganhei o dia com aquela declaração.

– Não, Raquel, depois da declaração de que você me ama e que queria passar mais tempo comigo hoje, acho que não tenho mais motivo para continuar aborrecido, não!

Começamos a rir, quando beijei sua testa. Agora sim as coisas pareciam melhorar para o meu lado.

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– Mas, Cris – percebi que ela se acautelou para falar.– O que foi, meu amor? Pode falar – disse sem entender seu receio.– Não, é uma bobagem. Mas depois que o Felipe comentou é que eu

percebi. Por que você está todo de branco? É costume, tradição? Não pode ser superstição, porque, como cristão, isso não tem sentido algum, afinal, o nosso Deus Todo-poderoso é quem permite todas as coisas em nossa vida. Você sabe que essa história de azar para crente não existe, não sabe?

Essa não! Eu realmente havia dado a mancada do ano vestindo aquela droga de roupa. Eu só tinha noção de como as pessoas mundanas e os sata-nistas tratavam essas coisas – para o mundo, sorte e azar existiam, sim. Era muito normal eles terem amuletos e usarem branco na virada do ano. E, para o satanismo, os rituais, dias e cores eram de extrema importância para o sucesso em determinadas situações. Mas, como sempre, os crentes tinham de ser diferentes em tudo: não escutavam músicas normais; não iam para farra e também não acreditavam em azar. Eles nem namoravam normal-mente; nada de dar uns beijinhos por aí ou uns amassos em um canto de parede. Ou um envolvimento sexual adequado (e eu era um testemunho vivo dessa atrocidade).

“Que ideia de roupa branca, Cristiano”, pensei, indignado comigo mesmo, mais uma vez. “E agora, o que é que eu vou inventar? Não posso contar a verdade. Falar que coloquei uma roupa branca porque estava precisando de sorte seria perder milhares de pontos com a Raquel. E com o Felipe por aqui, tudo o que não pode me acontecer é uma perda de pontos.”

Dei-me conta (da maneira mais constrangedora possível) que crente de verdade não acredita nessas superstições bobas. Para eles, só existe a bênção de Deus, ou maldição por parte da ação do Diabo; definitivamente, ter azar devido a um objeto ou uma cor não tinha nada a ver com eles. Eu tinha de inventar uma história rapidinho.

– Claro que sei, amor. Não tenho superstição, não! Estou pagando esse mico para agradar a mamãe. É que você sabe que ela não é convertida e,

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como o clima lá na família não vai muito bem, pediu que todos nós usásse-mos branco nessa virada de ano, que era para dar sorte. De verdade, fiz só para agradá-la. Mas, como já passei por lá e ela já me viu vestido assim, devo ir a casa e trocar essa roupa ridícula – comentei, tentando esconder meu constrangimento e torcendo para que ela acreditasse na história. Como Raquel era inocente, acabou acreditando mesmo.

– Ai, Cris, me perdoe pelo comentário. Se foi um pedido da sua mãe, é claro que você tinha de fazer. Já que é por causa do problema com o seu pai, nem em casa você está morando, o mínimo que você pode fazer é agradá-la. Mas, não precisa se preocupar que não está tão feio. Só monocromático demais, engraçado. Não precisa ficar constrangido por isso.

Eu, que não estava disposto a aguentar mais nenhuma piada por hoje, iria trocar aquela roupa, sim. E rápido. – Não, amor, não se preocupe porque minha intenção já era a de trocar de roupa, assim que saísse da casa da mamãe. Como ficou tarde, vim direto para cá; mas eu passo rápido em casa.

– Então é bom se apressar, porque já são 21h30, e o culto começará às 22h. Daqui a, no máximo, 15 minutos, nós deveremos sair daqui.

Olhei para o relógio, perdido com a hora, e tentei apressá-la, a fim de que me acompanhasse.

– Se você pegar sua bolsa e formos agora, com certeza chegaremos na hora do culto iniciar e não perderemos nada.

– Não, Cristiano, eu não posso ir com você. O papai jamais permitiria eu ir sozinha até sua casa; ainda mais sabendo que você mora só. Desista!

– Mas, Raquel, que bobagem. Eu vou apenas trocar de roupa.– Por isso mesmo! Você vai, troca de roupa rápido, e nos encontramos

na igreja.O quê? Deixá-la sozinha na companhia do Felipe? Era muito dif ícil eu

deixar isso acontecer! Jamais deixaria aquele idiota a sós com ela nova-mente. Isso eu não permitiria, de jeito nenhum; nem que para isso tivesse de continuar com aquela roupa ridícula. Faria papel de pai de santo a noite inteira se preciso fosse; mas dali, só sairia com ela.

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– Não, Raquel. Deixa para lá. Acho melhor ficar e não perder mais tempo. Não tem problema, não, eu fico com essa roupa mesmo – comentei, desa-nimado, tentando não demonstrar mais ciúme do que já havia tido até aquele momento. Mais uma vez, não consegui.

Ela olhou para o otário, que acompanhava da sala nossa movimentação, e olhou de volta para mim. Percebeu, de cara, o meu incômodo por ter de deixá-los a sós novamente.

– Cris, vou repetir: eu amo você e não quero que você tenha nenhuma dúvida sobre isso, está me ouvindo? Mas, para você ficar mais tranquilo, eu entendo; não quero ver você triste assim, em um dia tão especial para nós. Vou falar com o papai e pegar uma camisa dele emprestado para você vestir.

E saiu, em direção à sala. Fiquei só, na cozinha, lastimando mais uma vez minha péssima escolha.

“Que droga! Esse constrangimento todo por causa de uma superstição idiota. Benfeito , Cristiano, vê se aprende desta vez. Olhe só a sorte mara-vilhosa que você conseguiu com essa roupinha branca”, pensava, enquanto ela demorava no quarto do pai pegando a camisa. No instante em que eu aguardava na cozinha, permaneci encostado no balcão, ainda lamentando a mancada e, apesar de parecer uma bobagem, não estava curtindo muito fazer papel de idiota bem diante dos olhos do Felipe. Para piorar meu humor, percebi-o entrando na cozinha e encostando-se no balcão, ao meu lado.

“Era o que me faltava: Felipe, novamente, para me atormentar!”Percebi, claramente, que havia uma atmosfera preparada para que eu

perdesse minha paciência, me descontrolasse, ficasse mal perante Raquel e seus pais e, consequentemente, tivesse um péssimo romper de ano. “Isso deve ser algum feitiço daqueles malditos!”. Comecei a analisar, enquanto ele parava bem ao meu lado. Independentemente do que Felipe dissesse ou acontecesse ali, eu não poderia cair naquela armadilha.

– Sabe, Cristiano – ele começou –, de alguma forma enquanto estava com a Raquel, sabia que você era o Prazer em conhecer. Apesar de ela

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nunca ter dito nada a respeito, nem os pastores; mas sabia que era você! Só vou te dizer uma coisa: – E, aí, falou de modo discreto, mas bastante ameaçador. – Eu sei que existe algo de muito errado em sua vida e vou descobrir o que é. Ah, pode apostar que vou! E quando descobrir, tenha a certeza de que eu terei Raquel de volta.

“Essa não!”, pensei. A história de me controlar está indo por água abaixo. Esse cretino está tocando no meu ponto fraco: querer Raquel de volta e falar isso bem na minha cara é muito atrevimento para o meu gosto! Vou ter de partir para cima dele de qualquer jeito. – Era só nisso que eu pensava, enquanto tentava procurar, dentro de mim, o último fio de domínio próprio.

Ele prosseguiu: – Pois é, como você pode perceber, se tem algo que fiz de errado nessa história toda foi ter desistido dela, mas estou pronto para reparar meu erro. Por isso, vim aqui esta noite. Aos poucos, terei tudo o que era meu de volta. Hoje, começo voltando para a igreja e, daqui a pouco, termino voltando para a Raquel. Enquanto você voltará para o buraco de onde nunca deveria ter saído! E por falar em Raquel, olha ela aí (falou, des-viando o assunto).

– Estão falando sobre mim, meninos? – Entrou Raquel, livrando-me, mais uma vez, de cometer um escândalo diante de todos.

Enquanto eu respirava fundo (para não pensar novamente na ideia do assassinato) e permanecia calado, ele foi em direção a ela, deu um abraço e um beijo em sua testa e avisou que eles ainda iriam passar na casa de mais alguém antes de ir para a igreja. – Mas, daqui a pouquinho, nos encontramos por lá, hein!? – Foi o que aquele infeliz falou, apontando para mim.

Foi uma dor latejante ver aquilo, e eu não poderia contar a Raquel que ele a queria de volta. Do modo como eu me comportava, no mínimo, ela iria achar que eu estava tendo uma crise de ciúmes, ou que estava inven-tando algo para prejudicar o retorno do Felipe. O Felipe podia ter agido mal (anteriormente), mas ainda era o pastor substituto, amigo de todos ali; eu não poderia tentar manchar a imagem do cara: aquilo pegaria muito mal para mim!

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O trágico era saber que ele me dava um claro aviso de que haveria troco e de que ele faria tudo para tê-la de volta. Foi tanta dor vê-lo abraçando-a que não consegui nem me mover. Era como se eu estivesse contemplando o futuro. No fundo, percebi que seria em vão tentar lutar contra Felipe e contra aquela situação. Eu era o filho do demônio (e, no momento, órfão de pai, para piorar), o condenado ao inferno; e ele, o filhinho perfeito de Deus. Era uma visão antecipada do que estava prestes a acontecer. No fim, por mais que eu odiasse aquela ideia, sabia que Deus venceria essa batalha e, consequentemente, o Felipe também. Seria meu fim. Que lástima!

– Você nos acompanha até a porta, Raquel? – disse aquele amaldiçoado, ainda na intenção de me provocar.

– Claro que sim, Felipe! Cris, acho que essa camisa vai dar certinho em você. Pode se trocar ali no quarto de visitas, é aquele primeiro ali, à direita. – E foi saindo para acompanhá-los, sequer me dando atenção! (E isso era drama, sim, mas hoje bem que eu tinha direito.)

Enquanto ele e seus pais saíam, pude ouvir que a sessão risos e abraços continuava (que ódio!). Cheguei à conclusão de que o melhor a fazer seria realmente trocar a maldita camisa e me conformar com a provocação. “Preciso aprender novos insultos e palavrões”, pensei, enquanto caminhava até o quarto. Os que eu conhecia eram poucos diante de tanta raiva em situações como aquela.

À medida que entrei no quarto (simples, porém agradável) e tirei a camisa, senti quando a embalagem do anel caiu no chão. Apanhei a caixa, abri e olhei, uma última vez, para a aliança. Nesse momento, passei a meditar em cada palavra de Felipe. Sua ameaça em descobrir a verdade sobre mim era apenas mais uma desgraça que estava prestes a me acontecer. No final, tudo era resultado da minha traição e da minha dívida junto à igreja dos Escolhidos. Aquele caos, desde o início da tarde, era só o princípio, e comecei a me deprimir imaginando os aconteci-mentos que me aguardavam. Roupa branca nenhuma poderia mudar meu futuro, e agora eu tinha certeza disso!

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Vesti a camisa que Raquel havia me arranjado e tratei de guardar a caixa no bolso da calça. Como se já estivesse muito cansado do peso dos pensa-mentos, sentei-me na cama e deixei-me abater ainda mais, pensando no futuro tão próximo e tenebroso. Diante de tanta melancolia, nem percebi quando Raquel bateu à porta do quarto. Quando dei por mim, ela já estava sentada, ao meu lado, na cama.

Pegou em minha mão e segurou de maneira firme, porém carinhosa. Certamente sentiu o peso pairando no ar.

– Então, posso saber o que aconteceu para você ficar tão distraído assim? – falou de maneira tão angustiada que quase sussurrava. – Eu bati à porta, chamei seu nome três vezes, e você não falou nada. Fiquei pre-ocupada. Não me diga que ainda é por causa do Felipe? – perguntou e passou a afagar meus cabelos, como se sentisse minha dor e desejasse amenizá-la.

Infelizmente, nem aquela atitude poderia fazer isso no momento. A impressão que eu tinha é de que aquele sentimento de dor e perda imi-nente não sairiam jamais do meu interior. Se a situação de me fazer imaginar sua perda antes mesmo que acontecesse era obra de Alice e Waldeck para me torturar, estavam conseguindo!

E, voltando à realidade, o que eu poderia responder para Raquel nesse instante?

“Eu estou arrasado assim, amor, porque sou ex-satanista e, mais cedo ou mais tarde, todo mundo vai ficar sabendo disso. Irão me odiar e, ainda por cima, você, me odiando também, terminará voltando para o Felipe”, pensei. Falar a verdade naquele momento era impraticável. Realmente, não dava! Para mim, mentir ainda era o melhor caminho.

– Não foi nada não, amor, é que vendo você ali com seus pais e o Felipe com os dele, senti falta dos meus. – E, no fundo, bem no fundo, aquilo não era uma mentira. Eu também estava triste por não poder mais ter um relacionamento com meus pais. Mas, como o maior motivo não poderia ser revelado, aproveitei para fazer um drama com esse mesmo.

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Eu já estava abatido, então aumentar o drama para ganhar um afago da Raquel não poderia ser tão ruim assim.

– Oh, Cris. Não fique assim. Você vai ver que, no final, tudo vai ficar bem! Nenhuma tribulação dura para sempre. Vamos orar, clamar a Deus e as coisas vão se resolver, isso eu garanto – falou ela, em uma tentativa sincera de me reanimar. – Agora, mocinho, coloca um sorriso nesse rosto, porque você terá o melhor réveillon da sua vida! – E me forçou a me levantar.

Ainda sem expressar nenhum comentário, levantei-me. Percebi que ela me inspecionava, de cima a baixo.

– Nossa, essa camisa azul ficou linda em você! Combinou bem com a calça branca. Eu realmente acertei na escolha – comentou, deixando-me envaidecido e feliz. Olhando para ela, toda animada, ali, diante de mim, meu estado de espírito até que melhorou. Era praticamente impossível ficar deprimido ao seu lado. Sorri agradecendo.

– Obrigado pelo elogio, mas será que o seu pai não vai ficar chateado de eu estar usando uma camisa dele?

– Claro que não, Cris! Expliquei para ele sobre a situação com a sua mãe, e ele mandou você escolher a camisa que você quisesse; então, preferi esco-lher eu mesma. Agora, vamos nos apressar porque eles já estão à espera do elevador. Falta pouco tempo para as dez horas.

Levantamos e corremos em direção à porta. Não queria ser o motivo de o pastor Carlos chegar atrasado à igreja; já tinha tido minha cota de cons-trangimento por hoje.

No momento em que descíamos, nós quatro e a Rosa (que era minha fã), pude conversar um pouco mais com eles. Perguntaram como estava o pro-blema com meus pais (eles acreditavam que todo o caso estava ligado ao fato de eu ter me convertido. Coitados!), e eu pude fazer um pouco mais de drama para eles; ainda consegui, de quebra, levar Raquel em meu carro para a igreja. – Oba! – Seriam 15 minutos a sós com ela. As coisas realmente pareciam estar melhorando. Passei a recuperar minhas forças devido àquele momento sublime.

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Enquanto dirigia, eu, já sabendo que o meu amor não ouvia músicas mundanas, tratei de abastecer meu carro com todo o tipo de cantores gospel. Alguns tinham até uma batida legal, já outros com certeza, colocariam o Diabo para correr! Também, com uma música horrorosa daquelas, ninguém ficaria por perto. Até o Diabo tinha um gosto melhor para música que certos irmãozinhos cantores!

– Irmão Joãozinho, direto do arraiá santo? – perguntou-me, Raquel, incrédula, segurando aquela aberração nas mãos. – Não acredito que você gosta desse tipo de música, Cris? – ela indagou sorrindo.

“Ótimo! Segundo enorme mico do dia”, pensei enquanto ria, também, sem ter a menor ideia do que iria dizer. Dessa vez, arrisquei falar a verdade, só para ver a reação dela para comigo.

– Na realidade, amor, comprei vários CDs evangélicos que vi em minha frente. Como não sabia seu tipo de música predileta, resolvi adquirir prati-camente todas as opções disponíveis na loja. Tudo que se encontra aí em sua frente foi só para lhe agradar! – e aproveitei o momento para acariciar sua mão, enquanto dirigia.

– Puxa, Cris – comentou emocionada com minha confissão. – Não precisava nada disso. Mas fico extremamente feliz em saber que você se importa com esses mínimos detalhes! – disse, enquanto retribuía, em minhas mãos, a carícia. – E, para facilitar sua vida, uma das minhas bandas prediletas é essa aqui: Quatro por um. Vou colocar uma música em nossa homenagem. Essa será a nossa música, e prometo fazer o possível para que ela se cumpra em nossas vidas.

Eu, que já havia perdido as esperanças com relação a essa noite e ao nosso futuro, senti a chama se acender, com a letra da música. Eu estava tão encan-tado com sua atitude em me dedicar uma música que nem percebi bem o princípio, mas o refrão guardei em minha memória.

“Eu vou até o fim por causa desse amor; você me fez entender que não há medo para nós dois. Enfrento o que vier, qualquer situação; com você não há limites.”

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E, dessa maneira, ouvindo aquele som dos céus , tive o percurso de carro mais emocionante da minha vida. Entretanto, algo me dizia que meu prazer não findaria por ali. O melhor, eu podia sentir, ainda estava por vir. E eu aguardava, ansioso, os próximos capítulos da nossa surpre-endente noite.

narra a ovelha

SENTINDO A AMEAÇA NO AR

Acordei na manhã do último dia do ano com um sentimento estranho. Quando abri os olhos, senti uma atmosfera pesada no ar e uma sensação de incômodo. Contudo, não havia motivo para me sentir assim: passaria o primeiro réveillon da minha vida comprometida e, ainda por cima, com o homem que eu amava de todo o meu coração. Era bom demais para ser verdade!

Entretanto, por que essa sensação de algo ruim rondando o ambiente? Qual o motivo de eu estar sentindo esse peso todo? Até minha cabeça começou a doer assim que levantei. Uma enxaqueca sem motivo aparente. – Está amarrado, em nome de Jesus! – Foi a primeira coisa que proferi quando me levantei. “Vou orar, antes mesmo de tomar café. É o último dia do ano e tenho tantos planos para o próximo que não vou permitir que logo cedo o maligno tente roubar a minha paz”, pensei.

Dobrei os joelhos e coloquei meu coração na presença de Deus.– Bom dia, Deus Todo-poderoso! Quero agradecer pela minha noite de

sono, pela oportunidade de poder acordar e iniciar um novo dia; pelo café que me espera.

Fui colocando, diante dele, toda a minha vida. Clamei para que o Espírito Santo me enchesse de graça e de sabedoria para enfrentar mais esse dia. Repreendi toda seta maligna contra a minha vida, contra a vida dos meus pais e contra a vida do meu amor, claro! Eu sabia que, quando levantávamos pela manhã, o Diabo levantava junto, para tentar nos matar,

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roubar e destruir ; mas, no que dependesse de mim e do meu Deus, ele jamais conseguiria!

Dessa maneira, a oração e o revestimento com a armadura de Deus eram imprescindíveis para mim. Os versículos de Efésios, capítulo seis, estavam muito bem gravados em minha mente e diariamente (como se eu estivesse indo para uma guerra), eu os recitava, revestindo-me com toda a armadura do Senhor. Vivíamos, todos os dias, em luta contra as hostes malignas (nossa luta não é contra carne ou sangue, mas, sim, contra principados e potestades) e eu não poderia vacilar, jamais!

– Senhor, coloca em mim, agora, o capacete da salvação, a couraça da justiça, o cinto da verdade.

E, assim, preparando-me para o último e especial dia do ano, eu acabava de tomar posse daquela armadura espiritual.

Encerrado o período de oração e leitura da palavra (li 1 Pedro 1. 13-25: “Ser santo como Cristo é santo, pois fomos comprados pelo seu precioso sangue”), senti-me revestida e totalmente fortalecida. Aproveitando a dis-posição pós-oração, resolvi tomar banho e café.

Durante o banho, imaginei como seria a noite e me lembrei de Cristiano, o nome mais lindo do mundo! “Deixa de ser boba, Raquel. Logo cedo, ainda nem tomou café, e esse garoto já invadiu seus pensamentos”, repreendi-me na tentativa de não pensar nele, por 28 horas do meu dia (depois que eu o havia conhecido, meu dia certamente havia adquirido mais horas, pelo fato de praticamente só pensar nele!).

“Puxa vida. Nunca imaginei que estar apaixonada por alguém poderia ocupar tanto a mente desse jeito!”. Pensei nisso e forcei-me a desviar a atenção para qualquer outra coisa. Não era saudável para ninguém pensar tanto em outra pessoa desse modo. E, no fundo, bem no fundo, apesar de já amá-lo demais, eu sabia que mais cedo ou mais tarde os piores defeitos do Cristiano apareceriam. Permitir que ele fosse o centro da minha vida, além de não ser certo, só aumentaria minha decepção e frustração no momento em que esses pontos negativos aflorassem. No entanto, por que eu não conseguia

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fazer o exercício, tirando-o apenas um pouquinho da minha mente? A tarefa de pensar em outra coisa não estava adiantando muito. Eu me esforçava para pensar nos familiares que encontraria hoje à noite (tios, primos), mas terminava por imaginar como o Cristiano estaria vestido. “Vai ficar lindo de qualquer modo!” Eu suspirava enquanto tentava desviar o foco dele novamente. “Ai, Raquel! Faça um esforço, volte a ser a garota santa e com-penetrada que você sempre foi. Pare de pensar em Cristiano só um pouco. Logo vai terminar pensando em bobagem, e a santidade vai para o espaço.”

Apenas Deus poderia e deveria ser o centro de nossa vida. Os seres humanos, por melhores que fossem, jamais teriam a perfeição e o amor que Deus tem por nós. Nem pai, nem mãe, em seus maiores esforços ou atitudes, poderiam se equipar ao Todo-poderoso Jeová; o que diria de um namorado ou noivo. Em algum momento, nos decepcionaríamos um com o outro e, diante dos momentos de crise, ter Deus como nosso centro nos ajudaria a superar as frustrações vindouras. Sabendo que só ele é perfeito, fica mais fácil perdoar e aceitar os nossos defeitos e os dos outros. Meu problema era tirar o Cristiano do centro e mantê-lo apenas ao lado. E estava dif ícil fazer isso!

Obriguei-me a encerrar o assunto “homem mais lindo do universo” e mudei o rumo dos pensamentos para um assunto igualmente importante: “Que roupa irei vestir hoje à noite?”

Cristiano até podia não ser o centro da minha vida, mas minha função de namorada era fazer o possível para impressioná-lo sempre. Enquanto para as mulheres o que mais conta é a conversa (as mulheres são con-quistadas pela audição), para os homens o visual vem sempre em primeiro lugar (o homem se atém, totalmente, ao que seus olhos captam. Palermas!). E eu não poderia marcar bobeira nesse aspecto. Também, ser cortejada por um dos homens mais lindos e gentis do universo, só poderia resultar em uma preocupação daquelas!

Contudo, essa minha vontade em agradar Cristiano fisicamente des-toava um pouco do meu pensamento sobre as roupas novas para as festas

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de fim de ano. Confraternizações em dezembro para mim eram sinônimos de outras coisas; não exatamente de presentes e roupas novas. Eu era avessa a esse consumismo durante essa época do ano. Até Cristiano achou estranha essa minha aversão a presentes no Natal.

– Está louca, amor? Você acha sinceramente que eu vou obedecer à sua proibição de comprar um presente para você no Natal? É o primeiro Natal que eu passo ao lado da mulher da minha vida e eu não tenho direito de comprar um presente decente? – indagou, contrariado, aquele filhinho de papai capitalista, consumista, lindo e maravilhoso. Eu perdia, totalmente, minha linha de raciocínio ao me lembrar dele.

Contudo, não adiantou a carinha de chantagista lindo que ele tinha. Aniversário, tudo bem; mas presente no Natal, nem pensar! Eu já ficava contrariada pelo fato de comemorarmos o aniversário de Cristo em dezembro, quando, na realidade, a data estava toda errada. Pelos relatos históricos de tempo, a data mais provável seria setembro. Além disso, se a comemoração era o aniversário de Jesus, por que eu que deveria ganhar presentes?

– Em vez de me dar um presente, Cristiano, o senhor vai ofertar à igreja. E a melhor que você puder; afinal, se a comemoração é para Jesus, o presente também tem de ser para ele! E dos melhores, hein? Ah, e destina uma parte da oferta para a ação social; desse modo, nós podemos usar o dinheiro para distribuir cestas básicas a pessoas mais necessitadas.

Foi dessa maneira que escapei de todo o tradicionalismo de fim de ano. Na verdade, eu era um pouco avessa a tradições. Terminava, sem querer, fazendo uma ligação tola entre tradição e superstição. No fundo, sabia que uma coisa não tinha nada a ver com a outra, mas se existia uma pessoa avessa a superstições era eu.

Se ninguém passava embaixo de escadas, eu fazia questão de atravessá--las. Se não saíam de casa na sexta-feira 13, eu fazia questão de ir a qualquer lugar, só para contrariar. Contudo, a pior superstição de todas dizia respeito, justamente, a essa época de mudança de ano. Passar o ano de roupa branca,

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para mim, era o fim da picada! Eu detestava aquilo. Até respeitava quem quisesse fazer, mas, para mim, de modo nenhum!

“Quando terminar o café, caso não encontre nada diferente no guarda--roupa, ligo para a Ana Luisa e vamos ao shopping”, pensei.

Sair para comprar uma roupa no dia 31 seria mais uma desculpa para dar uma volta com Ana Luisa do que ter uma roupa nova para iniciar o ano.

Enquanto confabulava comigo mesma, vestia-me e me dirigia ao café, que já estava deliciosamente preparado pelo meu anjo particular, Rosa.

– Bom dia, Rosinha. Esse café está com um aroma maravilhoso!– Que bom humor! Desde que começou a ser cortejada pelo Cristiano,

você vive com essa cara de feliz e apaixonada. Elogiando tudo que eu faço. – disse e começou a rir.

Enquanto me deliciava e concordava com o fato de a minha vida ter mudado totalmente desde a chegada dele, papai e mamãe entraram no apartamento.

– Bom dia, amor!– Oi, filha!Cumprimentaram-me com a delicadeza de sempre.Tentei falar, apesar da boca cheia. – Bom dia! Tão cedo assim e já

na rua?– Fomos fazer uma caminhada pela praia.E enquanto os dois lavavam as mãos na cozinha e sentavam à mesa para

tomar café comigo, passamos a combinar como seria o último dia do ano. Papai havia esquematizado tudo e, metódico como sempre, não queria atrasos, tratando de deixar-me ciente de toda a nossa programação.

– Raquel, como ninguém irá trabalhar hoje, não há motivos para atrasos. Iremos almoçar na casa da sua avó e, após o romper do ano, estaremos comemorando com o restante da família, na casa da sua tia Semária. Seria bom você combinar com o Cristiano para ele estar aqui por volta de 21h30 no máximo. Desse modo, chegaremos em um horário excelente e dará tempo para falar, pessoalmente, com alguns membros

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antes de iniciarmos o culto. Por falar em Cristiano, eu estava justamente pensando na situação dele, hoje cedo. Ser excluído da família pelo fato de ter se convertido e justamente nesse período de final de ano... É muito triste realmente!

– Pois é, pai, também estou muito preocupada com a família dele. Apesar de mal tocar no assunto, sei que ele tem sofrido bastante.

Enquanto conversávamos, fomos interrompidos pelo toque insistente do interfone. Rosa apressou-se em atender e comunicou que havia uma correspondência, na portaria, para nós.

Meu coração pulsou de imediato. Passei a me lembrar de quando o meu príncipe era apenas o sr. Prazer em conhecer. Lembrei-me da emoção que sentia com a chegada de cada presente.

– Ah, Rosa. Desce lá e pega logo a tal encomenda! Pode ser alguma surpresa do Cristiano para mim.

Todos me olharam com aquele olhar de sessão romantismo e apenas ri, enquanto Rosa descia para buscar a correspondência.

Em menos de cinco minutos, ela entrava, pela sala, com um envelope branco e grosso nas mãos que parecia um convite de casamento.

– Ih, Raquel. Acho que não é do Cristiano, não! Tem escrito Família Oliveira atrás. Deve ser algum convite para vocês.

– Deixe-me ver, Rosa – pediu papai, enquanto dava um último gole na xícara de café. – Não me lembro de ninguém que esteja para casar por esses dias. – Vamos ver do que se trata – disse, enquanto eu e mamãe nos espichávamos curiosas, para saber o conteúdo do envelope branco.

No momento em que ele abriu a correspondência, nós três nos entre-olhamos, sem entender nada.

Waldeck, Alice e os Escolhidos agradecem a abertura dada. Vocês são muito importantes para nós! Aguardem os próximos acontecimentos.

– Deixe-me ver melhor esse papel, pai. Vocês conhecem esse Waldeck e essa Alice?

Resposta negativa de ambas as partes.

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– E quem são esses Escolhidos? Será que não foi engano? – tentou entender mamãe. – Não me lembro de ninguém que tenha esse nome esquisito: Waldeck.

– Mas, como pode ser engano, se nosso sobrenome está atrás? – comen-tou papai, tirando o envelope das minhas mãos e analisando-o mais uma vez. – E tem um cheiro esquisito de incenso.

– Incenso? É verdade, pai! Que coisa mais estranha. Será que Waldeck e Alice são donos de alguma loja indiana? Escolhidos pode ser o nome dela. Vai ver que eles inauguraram a loja e, através da lista telefônica, enviaram para alguns endereços, e o nosso estava no meio. Só pode ser isso!

– Mas com essa história de abertura dada. Isso não está me cheirando nada bem; e olha que não me refiro só ao incenso! Tem algo muito estranho acontecendo. É como se fosse um aviso sobre esse ano que chegará – papai comentou e nos deixou incomodadas. – De qualquer modo, não devemos nos assustar com algo tão bobo; mas, para prevenir, é bom jogar isso fora e orarmos, repreendendo toda e qualquer ação do maligno com essa men-sagem. Tive um mau pressentimento ao abrir essa correspondência.

– Eu também. Muito estranho isso. E esse cheiro, então. Não gostei nada! Pode deixar que jogo fora, agora mesmo – mamãe levantou, decidida a livrar-se do envelope, enquanto eu e papai orávamos, repreendendo toda e qualquer seta ou investida do maligno durante essa passagem de ano. Nunca se sabe que tipo de loucura o Diabo pode armar contra as nossas vidas; e gente para ser usada para isso é o que não falta.

– Obrigado pela abertura dada. Aguardem as novidades. Está amar-rado! – comentei, sozinha, enquanto lembrava as palavras contidas no envelope. De repente, a péssima sensação de logo cedo voltou a me incomodar. Entrei no quarto e passei a orar novamente; poderia até ser bobagem, mas a sensação de que algo ruim poderia acontecer nesse novo ano passou a ser muito forte e eu orava, com toda a intensidade do meu ser, pedindo ao Senhor toda a proteção necessária para nós. E, por mais

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que o envelope fosse apenas um engano, oração de revestimento nunca era demais.

Após ter orado novamente, iniciei a busca do algo decente para vestir à noite. Após uns 15 minutos de busca incessante, encontrei uma blusa prata, muito bonita, mas que não costumava usar; tinha uma gola alta e que se destacava muito bem. Perfeita, para ser usada em dias especiais!

– É com essa mesma que eu vou! – falei, enquanto separava minha calça preta social favorita. – Vai ficar ótima, além de não precisar me cansar com uma desgastante visita ao shopping hoje. Último dia do ano, aquele lugar deve estar uma loucura! – imaginei, enquanto terminava de guardar o res-tante das minhas coisas.

Terminando a rápida arrumação, fiquei sem ter o que fazer; na TV, só aquelas retrospectivas chatas abasteciam todos os tipos de programa; e, naquele momento, tudo o que eu queria era poder ligar para o Cristiano e ouvir sua voz. Entretanto, ele trabalharia até o meio-dia, e como era recém--contratado na empresa, eu não queria ficar ligando em pleno horário de expediente. Ele estava muito comprometido com esse trabalho, precisava daquele dinheiro e eu não iria incomodá-lo, por mais que estivesse louca para ouvir sua voz. Ligar, só se fosse por um motivo urgente, o que não era o caso.

Já que não devia atrapalhá-lo com bobagens, decidi ligar para a casa da Ana Luisa para desejar um feliz ano-novo. Foi desse modo que soube que minha melhor amiga não poderia me dar assistência nesse último e tedioso dia do ano.

– Os pais do Rick nos convidaram para romper o ano na casa deles, em Praia Bela. Muito lindo o lugar, meus pais também vão. Só não convido você, porque a casa não é minha.

– Ah, que legal. E não se preocupa, não, vai tranquila, afinal você sabe que o nosso romper de ano é sempre na igreja. Hoje tem culto, esqueceu? Só liguei mesmo para desejar um bom novo ano para vocês e espero que tudo corra bem na viagem.

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Após mais uns minutinhos de desejos de felicidades e tudo mais, desligamos.

Novamente me vi só e sem nada especial para fazer até a noite. Até do trabalho no jornal eu sentiria falta hoje; nunca achei que uma folga dessas poderia me incomodar tanto. Porém, para minha sorte, papai me fez um convite que, enfim, salvou-me do tédio total.

– Sua mãe, o ministério dos mensageiros e eu vamos distribuir umas cestas básicas agora. Você sabe que no último dia do ano famílias inteiras estão passando necessidade. Desse modo, combinamos de ir a algumas casas, orarmos com essas pessoas e levar uns alimentos arrecadados. Depois, vamos para o almoço na casa da vovó; o que você acha?

Não preciso nem comentar que foi certamente uma alegria para o meu dia. Poder dar um final de ano decente a essas pessoas, falar do amor de Deus para elas e poder expressá-lo através dessa visita certamente foi mais gratificante do que qualquer outra atividade que eu pudesse fazer. O pro-blema é que um detalhe, no mínimo macabro, aconteceu durante a visita.

No momento em que saíamos da última casa visitada (em um local periférico da cidade e extremamente carente) percebi, antes de entrarmos no carro, que um homem que cambaleava embriagado, aproximava-se cada vez mais de mim e dos meus pais. Eu sempre tive receio de pessoas nesse estado, pois não tinham controle de seus atos. Contudo, havia algo de mais tenebroso nesse homem, além da bebida.

– Hei! É com o senhor que eu quero falar!O bêbado foi para cima de papai. Teria sido cômico se não fosse trágico.

Enquanto ele tentava agarrar meu pai e os obreiros do ministério tentavam acalmar o abençoado, eu e mamãe nos afastamos ao máximo.

– Eu o conheço, pastor. Conheço o senhor e sua família – falava e tro-peçava. – E vim lhe dar um recado. Me solta, me solta que eu tenho um recado para ele! – E a criatura começou a gritar, chamando a atenção de toda a rua. Temendo uma situação constrangedora ainda maior, o jeito foi pedir que os obreiros não tocassem mais nele.

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– Eu estou bem! Não vou fazer nada com ele, não. Para falar a verdade, eu nem posso tocar nele nem nelas.

Nesse instante, ele olhou para o lado em que eu e mamãe estávamos. Senti, de imediato, um peso espiritual enorme e, interiormente, comecei a amarrar e a repreender, em nome de Jesus, qualquer palavra lançada contra nós.

– Meu chefe mandou dizer, pastor, que o filho dele, o dragão, falhou na missão que ele tinha. Mas os outros estão vindo com tudo! Da outra vez, deu tudo errado, mas agora o chefe tem certeza de que vai dar tudo certo! Aguarde as novidades, viu?

E sem dizer mais nada, saiu em outra direção, cambaleando e cantando, como se nada tivesse acontecido.

Apesar de a maioria não ter dado bola ao acontecimento e de acharem que se tratava apenas das tolas palavras de um coitado embriagado, papai, mamãe e eu nos entreolhamos e sabíamos muito bem o que aquelas palavras significavam. O Diabo, usando a vida daquele coitado, mandava-nos um recado naquela tarde e agora sabíamos que, a qualquer instante, uma nova batalha espiritual estava prestes a se formar em nossas vidas.

– Quer dizer que um demônio destruidor, chamado dragão, havia sido enviado para nos destruir, de verdade? – comentou papai, enquanto voltá-vamos para casa.

– Eu não acredito nisso, Carlos! Não creio que tenha sido recado nenhum de Satanás. – Mamãe tentou desviar o foco pesado da conversa e do ambiente.

Eu não falava nada. O peso espiritual que eu havia sentido, em meio àquela confusão, havia sido tão intenso quanto o que senti mais cedo e não tive coragem para emitir opiniões. Apenas fiquei quieta, ouvindo e captando as informações que circulavam dentro do carro.

– Meu bem, não se engane com a astúcia do maligno. Um dia desses, eu estava fazendo um estudo na internet sobre satanismo e terminei por visitar um site que denominava vários tipos de hostes malignas. E, coincidência ou

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não, existe um espírito imundo, em forma de dragão, que é responsável pela destruição das vidas, dos casamentos. Não me lembro do nome desse espírito, mas que isso tem tudo a ver com o que aquele bêbado falou, isso tem!

Não entendi o motivo, mas, no meio de toda aquela nossa conversa, passei a me sentir mal. O ar começou a faltar, fui ficando tonta e, em silêncio, repreendi novamente aquela sensação terrível. Para meu alívio, papai per-cebeu que algo não estava bem e iniciou uma oração dentro do carro para que toda seta maligna não nos alcançasse, que todo laço do inimigo para nos destruir fosse desfeito. Orei em especial, pelo papai, que era o líder da igreja e alvo principal do ataque do maligno. Enquanto orava, impossível não lembrar dele. O motivo da minha insônia por noites a fio: meu Cristiano. Pedi que o sangue de Jesus nos cobrisse e confirmasse nossa união, a cada dia. Só com muita oração para aguentar toda a pressão do dia de hoje. Até parece que o inferno trabalhava de modo diferente nessa passagem de ano.

Enquanto eu finalizava minha oração, ouvi o som de mensagem de texto chegando ao meu celular. – Bem na hora! – pensei, e corri para confirmar de quem era.

“Meu amor, problemas no celular. Mas não podia deixar de lembrar: TE AMO! Até a noite.”

Suspirei, ao ler. – Justo hoje esse celular com defeito... E eu que tanto precisava ouvir sua

voz – falei ainda agarrada ao aparelho. Já que não poderia falar com ele, resolvi enviar, também, uma mensagem:

“Ansiosa por ouvi-lo e vê-lo. Agora eu sei: também te amo! Por favor, chegue às 20h30.”

Eu precisava passar um pouco mais de tempo com ele e esperava que ele visse a mensagem logo. Enquanto eu lia o torpedo repetidamente, me afundei em meu macio edredom floral, após ter colocado um CD de João Alexandre (um clássico gospel). Impossível ele não permanecer em minha mente; Cristiano continuava em cena, enquanto João Alexandre entoava 1 Coríntios 13.

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Desse modo fiquei, até cair em um sono profundo, que só foi inter-rompido por Rosa, às 19 horas.

– Se eu não te acordasse, você não ia ver nem o romper do ano, não é, dona Raquel?

Levantei-me atordoada pela hora adiantada. Após ter dormido tanto, a fome logicamente atacou e tratei de provar um salpicão maravilhoso, feito pela Rosa e pela mamãe, que serviria de acompanhamento no jantar após a meia-noite.

Tentei falar de boca cheia. – Esse salpicão é o melhor da história deste país! Vocês capricharam. – Enquanto beliscava uma delícia e outra (e engordava todos os quilos do universo), percebi que o tempo corria e que já eram quase 20h.

Caso tudo houvesse corrido como planejei, por volta de 20h30, Cristiano deveria estar chegando por aqui. Como eu queria fazer uma produção caprichada para a noite, que deveria ser muito especial, não poderia perder nem mais um minuto naquela cozinha.

Voltei correndo para o quarto e passei direto para o banho. Assim que saí, maquiagem, brincos, perfume. Uma fragrância doce e extre-mamente marcante cairia perfeitamente com a produção da calça preta e a blusa prata, já separadas e bem passadas, em cima da cama. Para finalizar, a sandália e a carteira preta.

Já eram 20h22 quando, finalmente, fiquei pronta, à espera do meu príncipe. Enquanto tentava organizar a bagunça espalhada por todos os cantos do quarto, escutei quando, na cozinha, o interfone tocou. Meu coração saltou instintivamente; Cristiano havia sido mais que pontual. Cogitei largar tudo na cama, novamente, e correr para aten-dê-lo. Contudo, dentro desses cinco segundos de análise, preferi permanecer no quarto e deixar que Rosa o atendesse. Não queria parecer desesperada demais pela sua presença, estando colada ao lado do interfone só para atendê-lo. Ela autorizaria sua subida e eu, cal-mamente, iria abrir a porta.

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– Raquel, tem visita subindo! – Ouvi, sem a menor dificuldade, o grito estridente de Rosa.

– Pode deixar que irei abrir! – retribuí, no mesmo tom.Aparentemente, papai e mamãe também haviam ido se trocar. A sala,

silenciosa, indicava que eles estavam trancados no quarto, arrumando-se para o romper de mais um ano.

Ao passar pelo quarto deles, dei uma leve batida, informando que está-vamos recebendo alguém. Sempre fazíamos isso. E bem na hora em que eu chegava à sala, a campainha tocou.

Pela segunda vez durante essa noite, meu coração saltou. Aproveitei e passei a mão pelo cabelo, mais uma vez, impedindo que qualquer fio desa-visado permanecesse fora do lugar. Abri, ao mesmo tempo, o sorriso e a porta.

– Meu Deus, que surpresa é essa? – pensei atordoada.– Oi, Raquel! – Foi tudo o que Felipe conseguiu dizer para mim, parado

em frente à porta.O meu coração quase saiu pela boca naquele instante. – Senhor, o que

é que esse abençoado está fazendo aqui? Daqui a pouco Cristiano vai aparecer.

– Boa noite, querida! – Seu Júlio e dona Maristela, que também esta-vam ali presentes, saudaram-me, enquanto eu permanecia naquele estágio de surpresa absoluta diante deles. Eu precisava falar algo, tomar uma atitude urgente, antes que eles achassem que não eram bem-vindos.

– Boa noite, gente! Lipe, dona Maristela, seu Júlio. Que coisa boa vê--los aqui! – E aquilo, apesar de inusitado, era a pura verdade. Eu podia estar atordoada com a surpresa; mas vê-los aqui, naquela noite, era muito bom para mim. Tudo bem que eu desejava dar de cara com o Cristiano e aquietar o meu coração, mas recebê-los em casa hoje era, sem dúvidas, uma surpresa muito boa.

Desde o meu rompimento com Felipe as coisas haviam ficado muito estranhas entre as nossas famílias. Papai havia deixado claro que o nosso

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compromisso se encerrava, mas o amor que sentia por eles continuava e que as portas da nossa casa estariam sempre abertas para recebê-los. Entretanto, devido à chateação e intransigência do Felipe, não nos falá-vamos desde então. Ele preferiu sair da congregação e seus pais o acom-panharam. Por isso eu não entendia o motivo da visita tão repentina.

– Por favor, vamos entrando! Não sabia o que falar para eles. No fundo, permanecia constrangida

por toda a situação passada. – E a que se deve essa visita tão honrosa hoje? – perguntei, enquanto

eles entravam e se sentavam no sofá. Eu tentava descontrair e quebrar o clima constrangedor da surpresa.

– Raquel, a ideia de aparecer sem ligar foi minha. – O Lipe tomou a frente das explicações. – Nós queríamos fazer uma surpresa.

– E conseguiram! – disse eu rindo.Meus pais apareceram. – Que surpresa maravilhosa é essa, pessoal? – Papai, tão surpreso

quanto eu, não conteve, ao entrar na sala, a alegria ao vê-los ali. Abraçou, com carinho, os três. Mamãe fez o mesmo.

– Bem, já que todos estão presentes, vou adiantar o motivo de nossa visita – disse Felipe, enquanto fazia suspense para nós.

– Na realidade, vim pedir perdão pelo modo infantil como me com-portei, indo para outra congregação. A aliança que tenho com vocês e com a igreja é bem maior do que o relacionamento que eu tinha com a Raquel. Foi imaturidade minha, reconheço, afinal era apenas um período de corte.

“Puxa; precisava lembrar esse período?”. Voltei a me sentir culpada.– Mas, ontem, eu estava analisando a minha convivência com vocês

e, para falar a verdade, senti uma saudade imensa. Depois de orar e con-sultar a Deus, decidi que nosso lugar é ao lado de vocês, pastor. Estamos retornando à nossa igreja, lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Claro, se vocês nos aceitarem de volta.

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A festa entre eles estava feita! Meus pais comemoraram muito, e, apesar de estar muito feliz com aquela reconciliação, não posso negar que levei um grande choque: “Cristiano e Felipe convivendo juntos na igreja. Essa não! Agora, sim, eu tenho problemas para resolver”, pensei enquanto tentava disfarçar o nervosismo ante a situação.

Rosa tratou de servir algo para as ilustres visitas, e, enquanto meus pais e os do Lipe conversavam na sala, nós dois ficamos na varanda.

– E aí, Raquel, estando de volta como pastor substituto, posso saber o que tem acontecido de interessante na sua vida?

Eu sabia que essa pergunta estava cheia de segundas intenções. Certamente Felipe sabia que eu estava comprometida com o Cristiano. E quem não sabia?! A notícia era a bomba do ano em nossa igreja, e, apesar de todos gostarem do Cristiano, até os crentes mais firmes ado-ravam uma fofoca santa.

– Está tudo bem, Lipe. Tudo ótimo, as coisas estão tranquilas, você vai poder conferir.

– E o coração? Pergunto como pastor, viu? – disse, como se aquilo fosse algo natural; coisa de pastor e ovelha mesmo. Resolvi embarcar na dele e tratar o assunto de forma natural.

– Você já deve saber que eu estou sendo cortejada pelo Cristiano Cavalcanti – falei da forma mais normal possível. – E, por enquanto, tudo vai bem. Estamos nos conhecendo melhor. E é isso! – tentei encerrar o assunto por ali. Tratar disso com um ex-namorado não era fácil e, para ser sincera, a visita deles estava me fazendo tão bem que eu não quis que nenhum assunto desagradável estragasse aquele momento.

– Não precisa ficar constrangida, Raquel. Quero que você saiba que continuo amando você, só que de maneira diferente, como uma amiga, irmã em Cristo. Quero que você se sinta à vontade para me procurar e conversar sobre qualquer assunto. Sair para dar uma volta. Coisas de amigo, você sabe.

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– Que bom, Lipe, que você pensa assim – falei feliz pela postura por ele adotada, mas ainda um pouco desconfiada. Colérico como o Felipe era, eu duvidava muito que ele realmente entendesse a situação.

– Aquele não era o nosso momento e quanto ao futuro só Deus sabe, não é verdade? – comentou ele sorrindo despretensiosamente.

Não entendi bem o que ele quis dizer com aquelas palavras, mas também não iria questionar.

– A propósito, lembrei que você tem um CD antigo do Catedral. Acho que o nome é O sentido. Não estão mais produzindo e eu queria muito uma cópia dele. Você pode me emprestar?

– Claro, tenho sim. Vou pegar agora mesmo para você.E saí em direção ao quarto, imaginando onde é que eu tinha colocado

aquele bendito CD. O quarto, que já estava uma bagunça só, tendia a piorar enquanto eu revirava tudo em busca “do sentido”. Percebi que a conversa estava mais que animada na sala. Acho que eles contavam alguma piada, pois os risos eram intensos e altos. Só conseguia ouvir som deles e mais nada.

Enquanto me concentrava na procura, “Cadê a droga do CD?”, percebi um som de campainha tocar, bem ao longe. “Acho que nem é aqui.”. E con-tinuava a revirar tudo.

Uma sensação de estar esquecendo algo, além do CD, começou a me perseguir. O que estou esquecendo, meu Deus? Até parei de procurar o CD para tentar lembrar. Era uma coisa importante que eu tinha de fazer, mas o que seria?

Olhei para o relógio que marcava 21h10, a campainha tocando. “Ai, meu Deus! Cristiano!”

Soltei tudo da mão e corri, desesperada, até a sala. “Que não seja ele, meu Deus; ele vai entender tudo errado; que não seja ele” clamei, enquanto che-gava diante da porta. Infelizmente, meu clamor estava um pouco atrasado. A imagem que eu tinha diante de mim era do Lipe conversando com o Cristiano, que estava totalmente estático parado na porta.

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“Essa não, essa não, essa não!” Foi tudo o que pensei.– Cristiano! – falei alto na tentativa de desviar a atenção dele da garganta

do Felipe (e ele estava bem concentrado naquela garganta); contudo, eu precisava fazer bem mais que aquilo. – Entra, Cristiano. Você chegou na hora certa!

Apesar de estar aflita com a reação dele ao encontrar Felipe, não teve como meu coração não tremer ao fitá-lo, ali, bem diante dos meus olhos. Cristiano estava um encanto, como sempre. O problema é que o meu prín-cipe encantado realmente parecia enfeitiçado. Continuava mudo, estático e com cara de poucos amigos.

Tentei amenizar a situação constrangedora, explicando que Felipe e seus pais haviam passado apenas para desejar um Feliz Ano-novo. Entretanto, pela inércia absoluta em que Cristiano se encontrava, percebi que minhas explicações não foram convincentes.

– Pois é, Quel, tomei a liberdade de abrir a porta, já que você estava no quarto. – Felipe tentou justificar sua presença junto a Cristiano. Ele realmente só queria fazer um favor.

Graças a Deus, o transe de Cristiano passou, e ele veio saudar-me. O estranho, é que o Oi, meu amor, que ele usou veio bem mais carregado que o de costume e, como se isso não bastasse, o beijo meloso em minha testa, bem diante do Felipe, deixava claro que as coisas não estavam nada bem.

– E justo hoje? – pensei, enquanto ele entrava e cumprimentava meus pais e os pais do Felipe. – Era para ser tudo tão diferente. Esse cons tran gimento no ar estava estragando a nossa noite que prometia ser maravilhosa.

Quando ele terminou a sessão cumprimentos, pediu, como se eu já esperasse, para que fôssemos até à cozinha, precisava beber água. Imaginei que a água se transformaria em uma tempestade sobre mim. E, como se a situação não fosse complicada o suficiente, o abençoado Felipe ainda inventou de fazer uma piada.

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– Nossa Cristiano, eu não sabia que você era supersticioso. Todo de branco assim, você está parecendo um pai de santo, cara! – E começou a rir.

Ainda bem que estávamos de mãos dadas naquele instante e, graças ao meu bom Senhor, tive forças suficientes para segurá-lo. Com a gracinha feita pelo Felipe, eu não tinha nenhuma dúvida de que o Cristiano iria partir para cima dele.

– Cristiano, a água. Vamos para a cozinha!Enquanto eu o puxava, discretamente dei uma olhada para o que ele

vestia. Quando o vi parado junto à porta não me detive no restante do corpo, apenas em sua face hipnótica. Entretanto, diante do comentário, não pude me conter em dar uma conferida: Cristiano vestia branco, dos pés à cabeça. Parecia um boneco de neve, e em João Pessoa nunca nevou!

“O que é isso, meu Deus?” Apenas pensei. Qual o motivo do Cristiano estar todo de branco desse jeito? Será que ele é supersticioso? Logo vi que ele tinha de ter um defeito gravíssimo. Homem supersticioso é para testar a minha paciência!

Só tive tempo de chegar até a cozinha para que o bombardeio iniciasse.

– Posso saber o que está acontecendo aqui, Raquel?A noite seria longa. Mas, nesse caso, bem que ele tinha razão: chegar

aqui e dar de cara com o meu ex-namorado (e sem um aviso antecedente), além de ser informado de que o Felipe retornaria à igreja, era para deixar qualquer um furioso.

Tentei acalmá-lo, mas só o fato de ter me referido a ele como Cristiano foi um fator determinante para que sua indignação aumentasse ainda mais. Reclamou de que eu não o tratava de forma carinhosa e acusou--me de ainda ter intimidade com o Lipe (pelo fato de chamá-lo pelo apelido).

“Ai, meu Pai” pensei. Será que ele ainda não percebeu que estou totalmente apaixonada por ele e que não existe o menor motivo para esse ciúme todo? Apaixonada, não; amando-o de todo o coração! Pensava

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isso, quando percebi que teria de expressar, de maneira mais clara, meus sentimentos.

Olhei calmamente para o seu rosto e percebi como as suas sobrance-lhas, perfeitamente desenhadas, estavam franzidas, de irritação. Não me contive ao ver aquela expressão: algo tão bonito e delicado expressando tanta raiva. Eu tinha de reverter aquele estado.

No momento em que ele se encostava ao balcão da cozinha e me encarava raivoso, levantei minhas mãos delicadamente e passei a desfazer da sua testa e da sua sobrancelha aquelas marcas raivosas. Imediatamente, ele reagiu ao meu toque e mudou totalmente sua expressão. Percebi que estava no caminho certo e iria aproveitar para deixar mais claro ainda meus sentimentos por ele.

– Você não precisa ficar dessa maneira, sabia? – falei, bem melosa, com a real intenção de amolecer aquele coração endurecido.

– Ah, quer dizer que eu chego à sua casa, dou de cara com seu ex--namorado me recepcionando na porta, fico sabendo que ele está de volta à sua vida e não preciso ficar dessa maneira? – Ele ainda tentou se fazer de ofendido.

– Claro que não precisa ficar assim. Não precisa, porque hoje, ao me deparar o com Lipe aqui, tive a certeza absoluta de que era você quem eu queria ver em minha frente, não ele! É você que eu amo; é você que eu quero. – Pronto, agora eu já havia falado tudo.

Vinte e três anos esperando para demonstrar o meu amor por alguém e fiz isso dentro da cozinha! Mas se a intenção era alegrar seu coração e dissipar todas as dúvidas, aquilo não importava. Mesmo dentro de um ambiente tão inusitado o clima era especial e eu iria dar a ele cada palavra que ele merecia ouvir. Eu amava Cristiano, e aquela cozinha era agora o lugar mais romântico da Terra.

Percebi a satisfação brotando em seu interior. Cristiano ainda ques-tionou a forma carinhosa de chamar Felipe pelo apelido e deixei claro que aquilo era apenas costume e que o fato de ele e de seus pais voltarem

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para a igreja não mudaria o fato de que eu o amava. Raquel ama e quer Cristiano, ponto final!

Após tantas explicações, inclusive sobre os apelidos e mimos de minha parte, finalmente aquele sorriso arrasador, que tanto esperei ver, brotou dos seus lábios. De forma respeitosa, porém apaixonada, um beijo dele em minha testa completou a ocasião. “Até que enfim a paz!” Suspirei aliviada.

– Mas, Cris... – Dessa vez, um incômodo passou a me perturbar. Depois que o Felipe comentou é que percebi. – Por que você está todo de branco desse jeito? É costume, uma tradição?

Aquele fato eu não podia negar; Cristiano sempre se vestia muito bem e tudo nele ficava perfeito. Até uma camisa totalmente surrada ganhava um novo ar, emoldurando seu corpo. Sempre que eu o admirava aboba-lhada daquele modo, me lembrava automaticamente de uma música chamada “Estética”, cujo refrão dizia exatamente assim: se você pudesse se enxergar com meu olhar, você não diria que é exagero meu. E era assim que eu via o homem que eu amava – com a perfeição que meus olhos e minha alma captavam.

Contudo, não podia negar que essa noite ele estava muito esquisito. Ainda lindo, mas esquisito. E eu precisava tirar minhas dúvidas sobre aquele traje. – Você sabe que essa história de azar em crente não existe, não sabe?

A princípio, ele pareceu surpreso e incomodado com o questionamento, mas, aos poucos, foi contando que havia sido um pedido da mãe. Que pelo fato de a família estar em desarmonia, ela gostaria que todos usassem branco. Fiquei mal por achar que ele era supersticioso.

Tentei reparar o constrangimento criado e deixá-lo mais à vontade com a situação, o que não deu muito certo. Ele já estava mal pela roupa e, instantaneamente, Cristiano cogitou a possibilidade de ir a casa trocá--la, mas queria que eu o acompanhasse. A sós com ele, em seu aparta-mento, e esperando que aquele Adônis trocasse de roupa. Seria muito

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dif ícil o papai permitir uma coisa daquelas. E eu, que sempre fui muito ajuizada também, não iria cair naquela armadilha que minha mente já arquitetava. Definitivamente eu estava fora daquela aventura.

Expliquei, da melhor maneira possível, que aquilo não era adequado e, novamente demonstrando todo o ciúme do mundo (para não me deixar sozinha no mesmo lugar que Felipe), ele desistiu de efetuar a troca. E, mais uma vez, nessa noite tive de fazer o sacrif ício de expor meus senti-mentos. Comecei a achar que Cristiano estava fazendo cena só para me ouvir falar que o amava.

Após dizer novamente que o amava, tratei de resolver seu problema ali mesmo e pedi autorização ao papai para emprestar uma camisa colo-rida ao Cristiano. Fiz questão de pegar uma linda camisa azul de manga longa que combinaria perfeitamente com ele. “Essa aqui mesmo. Vai ficar mais lindo do que já é!” E desse modo, eu certamente evitaria mais abor-recimentos para ele (que não merecia mais por hoje!), impedindo que ele precisasse se ausentar dali, me deixando a sós com Felipe. Certamente ele não precisava se preocupar nem um pouco com isso, mas...

E, enquanto eu pegava a camisa, aproveitei para voltar ao meu quarto e ver se finalmente achava o bendito CD que o Felipe havia me pedido.

– Só podia estar aqui; o penúltimo de toda a pilha! – reclamei tentando não derrubar todos os outros CDs que estavam por cima dele.

No momento em que chegava à cozinha, percebi que Lipe e Cris esta-vam juntos e tratei de camuflar a presença do CD, colocando uma das mãos para trás. – Nossa, que coisa boa ver esse papo animado de vocês! Estavam falando de mim? – aproveitei o comentário do Felipe para falar bastante e prender a atenção dos dois apenas para as minhas palavras. Quanto mais falasse, menos eles prestariam a atenção em outras partes do corpo. E claro que não me orgulhava de estar escondendo aquilo do Cris; aquela atitude era horrível, sim; mas ele já havia se aborrecido tanto com a volta do Felipe e já estava tão inseguro... Que mal faria emprestar um CD escondido?

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– Ainda temos de passar em outro lugar antes de ir à igreja; vim só te cumprimentar antes de sair. Mas, logo mais nos vemos no culto, hein?! Você pode me levar até a porta, Quel? – Felipe dirigiu-se a mim enquanto eu acabava de adentrar na copa. Eu só não contava que, bem diante dos olhos do Cris, o Felipe beijaria minha testa. E, apesar de sermos amigos e de ele ter sido muito respeitoso, ele poderia ter pulado essa etapa!

Sem dúvida alguma, esse beijo na testa me custaria muitas novas explicações.

– Cris, acho que essa camisa vai dar certinho em você. Pode se trocar ali, no quarto de visitas; é aquele primeiro à direita. – Mostrei o caminho e fui saindo com o Felipe enquanto o Cristiano não perdia o restante da paciên cia. E eu também precisava me livrar logo da droga do CD; e sair voando da cozinha era o melhor meio de fazê-lo. Lógico que depois eu avisaria ao Cristiano sobre esse empréstimo, só não seria hoje; certamente em outro dia em que ele estive de bom humor, bem despreocupado. Há tempo certo para todas as coisas, não é verdade?

Estando no hall, do lado de fora do apartamento, e já tendo cumpri-mentado seu Júlio e dona Maristela, tratei de entregar “O sentido” ao Felipe.

– Tá aqui, Lipe! É esse mesmo o CD que você quer?– O sentido. Esse mesmo. Muito obrigado, Quel! E não esquece.

Qualquer coisa que você precisar, me liga!Assim que terminaram as despedidas, o papai já tratou de nos apressar.

– A visita deles foi maravilhosa, mas já estamos com a hora estourada. Se não corrermos, vamos atrasar todo o andamento do culto. Onde está o Cristiano?

Fiquei encarregada de buscá-lo enquanto meus pais pegavam todo o material necessário para a noite. O problema é que bati três vezes na porta do quarto, e o Cristiano não abriu. – Já receosa com a demora, decidi não esperar e abri a porta eu mesma.

A imagem que vi cortou meu coração. No quarto, sentado na cama, de cabeça baixa e aparentando muita tristeza, Cristiano se encontrava. Pudera

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ele não ter respondido, provavelmente, nem me ouviu chamar. Sentei ao seu lado e peguei sua mão, de maneira bem firme; queria descobrir o que se passava naquela cabecinha tão desolada. – Imagine se ele soubesse sobre o CD? – pensei tentando amenizar sua tristeza com meu toque.

– Hei, posso saber o que aconteceu para você ficar tão distraído assim? Bati na porta, chamei seu nome três vezes e você não falou nada. Fiquei preocupada. Não me diz que ainda é por causa do Felipe? – Passei a afagar seus cabelos, como uma mãe que quer, a todo o custo, consolar o filho por algo que o frustrou.

– Não foi nada não, amor. É que. – E ele passou a falar da falta que sentia dos pais. O coitado realmente estava sofrendo muito com aquela situação: em plena virada do ano e não poder comemorar de forma adequada. Tentei colocá-lo “para cima” e despertar seu ânimo. E enquanto o mimava, infe-lizmente lembrei-me do nosso atraso para o culto e tratei de apressá-lo.

Entretanto, nem todo o nosso atraso me impediu de fazer uma pro-messa a ele: fazer da nossa noite a mais especial que pudesse. E isso pareceu melhorar seu ânimo.

Enquanto descíamos pelo elevador, junto com meus pais e a Rosa, ele, de quebra, ainda pediu autorização para me levar em seu carro.

– Claro, Cristiano; não tem problema algum a Raquel ir no carro com você, já que estamos indo para o mesmo local. Podem ficar à von-tade. Mas juízo, hein? – Papai deixava clara a mensagem do “confiar desconfiando”.

– Mais alguns minutos a sós com ele. Seu cheiro, sua voz. – Aquilo era realmente muito bom! – E enquanto me acomodava no banco, percebi muitas sacolas com CDs de todos os tipos, espalhados pelo banco de trás. Eu, além de fanática por música e muito curiosa, já pedi autorização para olhá-los. Cristiano deixou evidente que não só os CDs, mas também o carro eram nossos e que eu poderia ficar à vontade para fazer o que desejasse. Nesse instante, ouvindo a declaração de que aquelas coisas eram “nossas”, senti uma pontada na barriga. Lembrei-me da sensação

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ao vê-lo pela primeira vez: o “frio”, as borboletas voando no estômago que imaginei não existirem, voltavam a tomar conta do meu corpo. Senti definitivamente que aquele homem a cada dia tornava-se meu. E quanto a mim? Eu já pertencia a ele desde o dia em que firmamos a corte; não carnalmente falando, mas emocionalmente. Sim, já pertencíamos um ao outro. Os CDs e o carro “dados” por ele, só comprovavam que os senti-mentos de ambos eram idênticos e tomavam forma.

Espantei os pensamentos antes que pudesse pensar em mais bobagens e passei os CDs que encontravam-se por ali.

– Irmão Joãozinho, Direto do arraiá santo? – Eu não acreditava no que estava vendo. Só o Cristiano para me surpreender daquela maneira! E o pior é que não consegui segurar o riso.

O meu príncipe justificou-se alegando que, por não conhecer meu gosto musical, arriscou-se a comprar tudo o que viu em sua frente com a única intenção de agradar-me. Eu realmente era a mulher mais sortuda da face da Terra; além de lindo, educado e encantador, ainda fazia de tudo para me mimar. Deus realmente era muito bom comigo!

– Para facilitar sua vida, uma das minhas bandas prediletas é essa aqui. Vou colocar uma música em nossa homenagem. – E retribuindo tanta atenção, prometi fazer com que a nossa música viesse a se tornar real em nossas vidas.

Eu vou até o fim, por causa desse amor; você me fez entender que não há medo para nós dois. Enfrento o que vier, qualquer situação; com você, não há limites.

E era exatamente aquilo que eu queria expressar – diante da vontade de Deus, eu iria até o fim para que o nosso relacionamento desse certo. Nem Felipe, nem superstições, tampouco ciúmes poderiam interferir em nosso meio. Apenas Deus, em sua infinita sabedoria é que poderia dar um rumo diferente à nossa história.

E enquanto a melodia dos céus embalava o nosso percurso, eu já pas-sava a planejar, ansiosa, o desenrolar dos nossos próximos capítulos.

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