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509 O PLANO DE TRABALHO DOCENTE E AS DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ: CONSIDERAÇÕES EM ARTES VISUAIS Flávia Gurniski Beltrami (UEM) [email protected] Tania Regina Rossetto(UEM) [email protected] RESUMO Destacando a importância da Arte na formação humana, buscamos discutir de forma aprofundada sobre a constituição do Plano de Trabalho Docente (PTD) segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Estado do Paraná (DCE). Dessa forma, destacamos como problemática da pesquisa: Como o PTD na área de Artes Visuais pode contribuir com o processo de humanização? Para tanto, propomos uma pesquisa teórica a partir das DCE (2008) e demais autores que contribuem com a discussão, objetivando: Destacar concepções teórico-metodológicas em relação ao ensino de Arte; Especificar a concepção de Arte expressa nas DCE (2008); Caracterizar o PTD em Artes Visuais; Explicitar o potencial humanizador contido nas DCE (2008) em relação ao ensino de Arte. Por meio deste estudo foi possível visualizar percepções de mundo, a interação com os outros, não limitando o processo de ensino e aprendizagem ao mero fazer, conforme pode ser observado em concepções mecanicistas do ensino da Arte. Nesse sentido, podemos concluir que é indispensável projetar o PTD por meio de práticas significativas, pautadas em conhecimento e ação, levando a uma nova ação que supere a anterior. Palavras-chave: Ensino de Arte, Diretrizes Curriculares da Educação Básica, Plano de Trabalho Docente. INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade o ser humano modificou o mundo, construiu sua história, a sociedade, o processo do trabalho, como também, transformou a natureza em objetos e ferramentas, acelerando assim o processo de transformação do seu cotidiano. Diante disso, tornou-se capaz de abstrair, simbolizar, criar um mundo humano e humanizar-se. Neste sentido, apresentamos como tema

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509

O PLANO DE TRABALHO DOCENTE E AS DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO

PARANÁ: CONSIDERAÇÕES EM ARTES VISUAIS

Flávia Gurniski Beltrami (UEM)

[email protected]

Tania Regina Rossetto(UEM)

[email protected]

RESUMO Destacando a importância da Arte na formação humana, buscamos discutir de forma aprofundada sobre a constituição do Plano de Trabalho Docente (PTD) segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Estado do Paraná (DCE). Dessa forma, destacamos como problemática da pesquisa: Como o PTD na área de Artes Visuais pode contribuir com o processo de humanização? Para tanto, propomos uma pesquisa teórica a partir das DCE (2008) e demais autores que contribuem com a discussão, objetivando: Destacar concepções teórico-metodológicas em relação ao ensino de Arte; Especificar a concepção de Arte expressa nas DCE (2008); Caracterizar o PTD em Artes Visuais; Explicitar o potencial humanizador contido nas DCE (2008) em relação ao ensino de Arte. Por meio deste estudo foi possível visualizar percepções de mundo, a interação com os outros, não limitando o processo de ensino e aprendizagem ao mero fazer, conforme pode ser observado em concepções mecanicistas do ensino da Arte. Nesse sentido, podemos concluir que é indispensável projetar o PTD por meio de práticas significativas, pautadas em conhecimento e ação, levando a uma nova ação que supere a anterior. Palavras-chave: Ensino de Arte, Diretrizes Curriculares da Educação Básica, Plano de Trabalho Docente.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade o ser humano modificou o mundo,

construiu sua história, a sociedade, o processo do trabalho, como também,

transformou a natureza em objetos e ferramentas, acelerando assim o processo de

transformação do seu cotidiano. Diante disso, tornou-se capaz de abstrair, simbolizar,

criar um mundo humano e humanizar-se. Neste sentido, apresentamos como tema

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deste trabalho o ensino de Arte1 configurado no Plano de Trabalho Docente (PTD),

especificamente na área de Artes Visuais, como fonte de humanização. Diante disso,

propomos uma pesquisa teórica segundo aspectos das Diretrizes Curriculares

Estaduais para Educação Básica do Estado do Paraná (DCE) da disciplina de Arte.

Considerando o ensino de Artes Visuais sistematizados nas DCE (2008),

destacamos a seguinte problemática: Como o Plano de Trabalho Docente (PTD) na

área de Artes Visuais pode contribuir com o processo de humanização? Para tanto,

propomos uma pesquisa teórica a partir das DCE (2008) e demais autores que

contribuem com a discussão, objetivando: Destacar concepções teórico-

metodológicas em relação ao ensino de Arte; Especificar a concepção de Arte

expressa nas DCE (2008); Caracterizar o PTD em Artes Visuais; Explicitar o potencial

humanizador contido nas DCE (2008) em relação ao ensino de Arte.

Destacamos, de início, que por meio da Arte podemos criar uma nova

realidade, o conhecimento artístico é fruto do fazer e do refletir sobre a mesma. Pela

criação artística a realidade humana é ampliada e enriquecida. Diante dessas

observações pontuamos a importância deste estudo, já que ao colocarmos em

questão o ensino de Arte pela construção do PTD, envolvemos a percepção de

mundo, a interação com os outros, não limitando o conhecimento ao mero fazer,

conforme é observado em concepções engessadas, mecanicistas e espontaneístas.

Justificamos o estudo pelo vínculo estabelecido no decorrer da graduação

com o ensino de Arte em seus aspectos humanizantes, observando as lacunas

existentes em nosso entendimento sobre o tema, buscando, neste texto, questões

aprofundadas. No campo profissional e social observamos que tal aprofundamento

pode fazer a diferença nas ações pedagógicas. No campo acadêmico-científico,

pontuamos a necessidade de trabalhos que estruturem o conhecimento em Arte

como fonte de humanização.

1 Em seu livro História da Arte, Gombrich (2009, p. 15) afirma que: “nada existe realmente a que se

possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas”, nesse sentido, não existe Arte sem a ação humana, a humanidade é que plasma, em seu processo de desenvolvimento vários significados à Arte, ou seja, a Arte não existe por ela mesma. Destarte, pode-se dar o nome de Arte a várias atividades humanas, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe, pois segundo Gombrich (2009) o que existe é a ação humana sobre o objeto, a isto chama-se Arte. Nesse sentido, justificamos a utilização, no decorrer do texto, de Arte com “A” maiúsculo sempre que esta remeter ao ensino de Arte ou à disciplina de Arte, como forma de configurar a Arte enquanto área de conhecimento, ação humana e fonte de humanização.

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Observamos que, a ação por meio da Arte no currículo escolar, geralmente é

voltada a ludicidade, a motricidade, a espontaneidade ou a expressividade,

conceitos que remetem ao ensino vinculado à Escola Tradicional, à Escola Nova e a

Escola Tecnicista.

Exemplificamos um PTD desdobrando-se a partir de uma experiência da

Disciplina de Estágio, realizado em um colégio da rede pública do Município de

Maringá, Paraná. O conteúdo engloba o Abstracionismo em três momentos distintos:

conhecer, apreciar e fazer artístico. Além disso, o processo de trabalho discente a

partir do desenvolvimento prático do PTD exposto.

Por fim, podemos concluir que é indispensável projetar o PTD por meio de

práticas significativas, pautadas em conhecimento e ação, levando a uma nova ação

que supere a anterior.

CONSIDERAÇÕES EM ARTES VISUAIS

A partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 e de acordo com as DCE

(2008), a disciplina de Arte é composta por quatro áreas: Música, Teatro, Dança e

Artes Visuais. Neste estudo abordamos especificamente a área de Artes Visuais em

articulação com aspectos gerais do conhecimento em Arte. As Artes Visuais, assim

como as demais áreas, contribuem com a formação do educando, visto que, pode

ampliar os sentidos, fomentando a capacidade de criação, percepção e apreciação,

desenvolvendo o pensamento crítico na interpretação de fatos cotidianos, superando-

os. Segundo Peixoto citada pelas DCE (2008, p. 37) “por meio da arte, o homem

pode aprender a realidade, não só para suportá-la, mas principalmente para

transformá-la, ou seja, para humanizá-la e dialeticamente humanizar-se”.

A Arte é considerada uma representação do pensamento humano nos

diferentes períodos históricos até a contemporaneidade. Nesse sentido, Arte é

linguagem, partindo do estudo das relações sociais que permearam as relações

humanas em diferentes momentos históricos, uma vez que, essas necessidades

incorporam e superam a natureza com formas naturais. Diante disso, por meio da

Arte, criamos novas formas de ser, produzindo-as (DCE, 2008).

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Como produção humana, a Arte permite experimentar situações inusitadas ao

“recriar para a experiência da cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto

é, a experiência da humanidade em geral. [...] nesse processo da recriação, ela

mostra a realidade como passível de ser transformada, dominada” (FISCHER, 1983,

p. 252).

Conforme as DCE (2008), ao transformar o mundo pelo trabalho, as pessoas

são capazes de abstrair, simbolizar e criar, neste caso, pela Arte. Assim, há funções

diferentes de Arte em uma determinada cultura, seja por objetos utilitários ou

ritualísticos designados nos dias de hoje como objetos artísticos. Nesse sentido, é

preciso articular arte, sociedade e cultura, observando

a complexidade do conceito de cultura. Um dos primeiros sentidos dados ao termo foi o de cultivo, de crescimento, de cuidado com colheitas e animais e, por extensão, de cuidado com o crescimento das faculdades humanas. [...] nos períodos do Iluminismo e do Romantismo, relacionou-se cultura com o processo de desenvolvimento íntimo, de vida intelectual, o que associava cultura à arte, à família, à vida pessoal, à religião, às instituições e práticas de significados e valores (DCE, 2008, p. 55).

Por meio desta citação podemos destacar as influências sociais, políticas e

econômicas sobre as relações entre os homens e deles com os objetos, para

compreender no valor estético as diversas funções que a Arte tem cumprido ao

longo da história.

Considerando os conceitos de trabalho e cultura, as DCE (2008) tomam a

Arte como fonte de humanização que envolve o conhecimento constituído

historicamente, uma construção social que remete ao coletivo e que, portanto, é de

direito de todos não apenas de alguns poucos privilegiados.

Sobre o potencial humanizador em Artes Visuais podemos destacar Peixoto

(2003) ao defender que, o indivíduo ao criar algo novo precisa plasmar o objeto de

forma que se revele a realidade social. A Arte enquanto linguagem contém em sua

criação, interpretações e expressões humanas. Dessa forma, consideramos suas

determinações sociais, históricas e culturais como algo que a constitui enquanto

linguagem, um movimento que envolve “não apenas um momento presente ou

passado: também pode expressar projeções do futuro, com base nas percepções e

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interpretações possibilitadas pelo movimento da história humana”. (PEIXOTO, 2003,

p. 52).

Por meio da Arte criamos novas realidades, o conhecimento artístico é fruto

desse fazer. Assim, a Arte só é conhecimento na medida em que é criação; apenas

assim pode servir à verdade e descobrir aspectos essenciais da realidade humana

(VÁZQUEZ, 1978).

Segundo Fischer (1983), a Arte é um dos meios indispensáveis para a união

do indivíduo como todo, refletindo a capacidade humana para associação e

circulação de experiências e ideias. Desta maneira, a Arte precisa derivar de uma

intensa experiência do cotidiano do aluno articulada à sua construção, precisa tomar

forma através da objetividade. O ato criador necessita da presença e da objetivação

da própria vida, porém o ensino de Arte nem sempre é tido como uma área de

conhecimento vinculado ao desenvolvimento cognitivo do aluno.

De acordo com as DCE (2008), diversas teorias estabelecem referências

sobre a função social da Arte que pode servir à política, a religião, a ideologia, a

ética, pode ser utilitária transformando em mercadoria ou simplesmente proporcionar

a experiência estética.

Para a prática pedagógica é sugerido nas DCE (2008) à abordagem da

produção pictórica de conhecimento universal e artistas, como também, formas e

imagens diferentes presentes nas sociedades contemporâneas. Para isso, os

conteúdos devem estar relacionados com a realidade do aluno, sob uma perspectiva

histórica e crítica que permite um olhar sobre a realidade humano-social, e

possibilidades de transformação desta realidade.

Martins (2002) destaca que, como professores da disciplina de Arte, temos

que conhecer conceitos fundamentais da linguagem da Arte, ou seja, devemos

saber como é a sua produção, seus elementos, seus códigos, como também não

devemos deixar de lado como foi e é sua presença na cultura humana.

Outro aspecto relevante remete a imaginação e a criação do aluno, pois é

preciso considerar que é no âmbito social que se pode criar e produzir o novo, uma

vez que, não se cria sem referências com a realidade, conforme afirma Vigotski

(2009). Dessa forma, o desenvolvimento do educando no contexto escolar não é

decorrente de um processo espontâneo, mas sim, um trabalho de construção de um

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conhecimento tomando como base outro conhecimento já existente em um

constante diálogo com a realidade.

Vázquez (1978) pontua que a Arte é reivindicada como objetivação humana, a

humanidade para manter o nível humano necessita criar objetos para que neles se

reconheça, tornando-se concreta, tornando-se real.

Ao produzirmos um mundo de objetos humanos transformamos nossa própria

natureza em natureza humana. A relação estética com a natureza, segundo

Vázquez (1978), começa a se manifestar desde os registros rupestres pré-históricos,

assim, ao se apropriar da natureza o homem se apropria de si mesmo, e diante

disso, a Arte é tida como trabalho humano, pois na criação de objetos artísticos o

homem pode expressar sua essência. Vázquez nos permite refletir sobre a Arte

como o subjetivo objetivado, uma vez que, a riqueza do homem, como ser social, é

medida conforme sua necessidade de explicar a sua própria essência por meio dos

objetos objetivados. Ao se apropriar da natureza o homem se apropria de si mesmo.

Para Corrêa (2007), o indivíduo como artista busca captar e configurar a

realidade que o cerca ao tentar compreender a sua vida e o mundo, ou seja, é por

meio da sensibilidade, do consciente e da cultura, nas relações sociais e

experiências do cotidiano que o artista busca o seu processo criativo. Dessa forma,

o artista ao criar, deixa transparecer a seus sentimentos e valores que são

relacionados ao tempo histórico e social em que vive, pois não devemos

desconsiderar a busca pela realidade para expressar sua visão de mundo.

Lembramos que a Arte é meio de conhecimento quando “o artista aproxima-

se dela a fim de captar suas características essenciais, a fim de refleti-la, mas sem

dissociar o reflexo artístico de sua posição diante do real, isto é, de seu conteúdo

ideológico” (VÁZQUEZ, 1978, p.32).

Vázquez (1978) defende ainda que, um objeto da natureza só se torna belo

quando é humanizado, pois a beleza é um produto da objetividade humana. Em vista

disso, a natureza, só, nem sempre é bela, visto que o valor estético só passa a existir

na natureza quando esta é transformada pela ação humana, passando assim, a ter

um significado humano, estético.

O PLANO DE TRABALHO DOCENTE SEGUNDO AS DCE

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De acordo com as DCE (2008), que concebe a Arte como fonte de

humanização, gerando conhecimentos que permeiam o currículo da Educação

Básica, é importante que o PTD seja construído de forma que ocorra, por meio de

contextualizações e abordagens distintas em relação ao conteúdo, a apropriação do

conhecimento. Dessa forma, a educação por meio da disciplina de Arte, pode tornar

possível um novo olhar, um ouvir mais crítico, um interpretar da realidade, como

também um novo fazer por meio de experiências teóricas e práticas no decorrer do

processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a humanização por meio da Arte ocorre

pela apropriação do conhecimento historicamente sistematizado pela humanidade.

Assim concebida a Arte, o modo de se pensar o seu ensino são construídos

nas relações econômicas, socioculturais e políticas do momento histórico em que se

desenvolvem. De acordo com as DCE (2008), diversas teorias estabelecem

referências sobre a função social da Arte que pode servir à política, a religião, a

ideologia, a ética, pode ser utilitária, transformada em mercadoria ou simplesmente

proporcionar a experiência estética.

Neste panorama, o ensino da Arte passa pela elaboração do PTD, no qual é

projetado abordagens diversas em relação aos conteúdos, firmando o conhecimento

em Arte. Segundo as DCE (2008, p. 87):

O plano é o lugar da criação pedagógica do professor, onde os conteúdos receberão abordagens contextualizadas histórica, social e politicamente, de modo que façam sentido para os alunos nas diversas realidades regionais, culturais e econômicas, contribuindo com sua formação cidadã. O plano de trabalho docente é, portanto, o currículo em ação. Nele estará a expressão singular e de autoria de cada professor, da concepção curricular construída nas discussões coletivas.

Nesse sentido, a elaboração de um PTD estruturado e cuidadoso, torna-se um

dos fatores essenciais para que o estudante tenha, não apenas acesso ao conteúdo,

mas possa apropriar-se do mesmo de forma a elaborar novos conhecimentos agindo

sobre a realidade presente.

Indicamos como ponto de partida na elaboração de um PTD, a necessidade de

distinção entre as linhas teórico-metodológicas que orientam as ações curriculares,

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indicando os autores e o diálogo entre os mesmos de forma coerente, desvelando as

intenções de cada abordagem no sentido de direcionamento das práticas de ensino.

As DCE (2008) especificam, em relação ao direcionamento do currículo, três

abordagens teóricas: academicismo/cientificismo; subjetivismo e experiências vividas

pelo aluno; configurador da prática, vinculado às teorias críticas.

As práticas educativas a partir do academicismo e do cientificismo consideram

a aplicabilidade do método científico como método de ensino, o que pode ocasionar a

fragmentação das disciplinas, que fechadas cada uma em seus conhecimentos

específicos, não oportunizam a abordagem dos conteúdos na totalidade. Outra

questão a ser considerada é a constituição de saberes dominantes, uma vez que tal

concepção de ensino considera os conteúdos como um resumo do saber elaborado a

partir do foco de cada disciplina, não oportunizando a inserção de uma concepção

crítica da educação (DCE, 2008, p. 17).

As práticas educativas pautadas no subjetivismo e nas experiências dos

alunos estão fundamentadas em concepções psicológicas, humanistas e sociais,

propondo uma educação a partir dos interesses do aluno, focando o desenvolvimento

pessoal em detrimento do conhecimento elaborado historicamente pela humanidade

(DCE, 2008, p. 18).

As práticas educativas voltadas à configuração da prática, voltadas às teorias

críticas é o que propõe a DCE de Arte e demais disciplinas, para a rede estadual de

ensino do Estado do Paraná. Tal proposição oportuniza “o vínculo com o campo das

teorias críticas da educação e com metodologias que priorizem diferentes formas de

ensinar, de aprender e avaliar”, considerando a dimensão “científica, filosófica e

artística, enfatizando-se a importância de todas as disciplinas” (DCE, 2008, p. 19).

Nesse sentido, propõe-se a valorização do aspecto interdisciplinar que ocorre por

meio do diálogo entre as áreas de conhecimento, constituído pelas especificidades de

cada disciplina no decorrer da sistematização de cada uma delas.

Sobre as questões teóricas que envolvem a elaboração do PTD, Gasparin

(2012) destaca que a teoria é uma síntese e a função da escola é trabalhar esse

conhecimento sistematizado, científico, cultural em todas as áreas. Neste sentido, a

fundamentação teórica pode permitir que a ação do professor extrapole o senso

comum em direção ao esclarecimento da realidade, apropriando-se de conceitos

científicos para o entendimento dessa realidade. Dessa forma, teorizar consiste em

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um percurso fundamental para se apropriar da realidade, visto que permite

ultrapassar o conhecimento imediato em direção ao entendimento social.

Para tanto observamos que, “ao colocar em prática os conhecimentos

adquiridos, o sujeito modifica sua realidade imediata” (GASPARIN, 2012, p. 7), e com

isso, o professor pode modificar sua ação ao buscar fundamentos para a elaboração

do PTD.

Nesse sentido, na construção do PTD segundo as DCE (2008), a partir da

elaboração de uma fundamentação teórica que oportunize a apropriação do

conhecimento epistemológico, destacamos, à título de organização e critério didático:

a composição dos conteúdos, a elaboração dos objetivos de ensino, a indicação da

metodologia e a avaliação, abordando, na sequência, cada um desses componentes.

DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA

A primeira etapa do processo de criação artística envolveu uma reunião para

decidir coletivamente a organização da proposta de intervenção a ser realizada,

expondo os encaminhamentos gerais: a construção de painéis alusivos aos 40 anos

do colégio, para tanto, utilizamos como referência a Arte de Vanguarda, com o

abstracionismo do artista Wassily Kandinsky.

Discorremos sobre a vida e a obra do artista Kandinsky, apresentando

algumas reproduções de suas obras. Além disso, explicamos sobre o processo de

releitura. Os alunos envolvidos decidiram fazer a releitura2 a partir de três obras de

Wassily Kandinsky: Amarelo-Vermelho-Azul (1925).Óleo sobre tela, 127 x 200 cm

Paris, Musée Natinal d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou; Alguns Círculos

(1926). Óleo sobre tela, 140 x 140 cm. Nova Iorque, The Solomon R. Guggenheim

Museum. Composição IX (1936). Óleo sobre tela, 113,5 x 195 cm. Paris, Musée

National d’Art Moderne. Centre Georges Pompidou.

2 Releitura como um ato de reler, ler novamente, dar significado novo ou reinterpretar ocorre o tempo

todo, em um constante diálogo entre a realidade e a Arte: “Isso tudo é releitura. É olhar o mundo a nosso redor e criar a partir de tantas coisas que vemos no mundo, na Arte, na TV... enfim tudo aquilo que nossa retina registra pode ser usado” (BARBOSA, 2008, p.145).

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Após escolherem as imagens de referência, os alunos realizaram o projeto de

trabalho: estudos, esboços e composição de formas, cores e ideias, que foram se

modificando no processo.

Buscamos uma frase com referência à Educação, a frase escolhida foi do

educador Paulo Freire: “Onde há vida, há inacabamento” (FREIRE, 1996, p.50).

Na Figura 1, podemos observar a preparação das cores para início do

trabalho de pintura:

Figura 1. Preparando cores.

Arquivo da autora, 2014.

Na Figura 2, constatamos o início da composição pictórica, sob um fundo

branco e preto projeta-se a figura de um círculo na cor azul:

Figura 2.Início da composição pictórica.

Arquivo da autora, 2014.

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Na Figura 3, prossegue a composição com figuras de círculos coloridos,

acrescentando a cor violeta claro e laranja:

Figura 3. Início da composição pictórica.

Arquivo da autora, 2014.

Na Figura 4, a composição de cores, formas e significações pessoais

compondo ideias construídas coletivamente:

Figura 4. Cores, formas e significações.

Arquivo da autora, 2014.

Na Figura 5, o trabalho é finalizado, uma frase do educador Paulo Freire é

destacada na composição, remetendo ao conceito do trabalho “Onde há vida há

inacabamento”, conforme podemos visualizar:

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Figura 5. Trabalho finalizado. Arquivo da autora, 2014.

O trabalho finalizado traz a inserção de novos elementos a algo que já existe,

neste caso, a obra de Kandinsky, uma produção significativa que serviu para ampliar

o repertório imagético por meio de experiências dos próprios alunos. Por exemplo:

os números, letras e a frase incorporada à composição não estão presentes na obra

original que serviu de referência para a composição. As cores, as formas também

foram modificadas, lembram o trabalho original, mas pela ação de pessoas

diferentes, em espaço e tempo diferentes e com outra intenção, torna-se algo novo,

podendo modificar a visão dos que a desenvolveram o trabalho e dos que terão

contato com o trabalho exposto. Após a realização do painel, realizamos a

exposição do mesmo no pátio do colégio para apreciação dos demais alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao produzirmos um mundo de objetos humanos, transformamos nossa

própria natureza em natureza humana, uma vez que, a riqueza, como ser social, é

medida conforme a necessidade de explicar nossa própria essência por meio dos

objetos objetivados, conforme afirma Vázquez (1978). Ao se apropriar da natureza o

homem se apropria de si mesmo, pois, segundo as DCE (2008, p. 52) “A arte é uma

práxis criadora; é um fazer pensado e um pensamento feito, concretizado, isto é, um

produto resultante do movimento dialético ação/pensamento/ação que se concretiza

em objetos artísticos”.

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Destarte, é por meio da Arte que podemos criar uma nova realidade, o

conhecimento artístico é fruto do fazer e do refletir sobre a Arte, visto que, o ato do

fazer é essencial ao homem. Pela criação artística a realidade humana, humanizada

pelo trabalho é ampliada e enriquecida.

Nesse sentido, destacamos os objetivos iniciais; realizando alguns

apontamentos a partir do que foi pesquisado:

a) Destacar concepções teórico-metodológicas em relação ao ensino de Arte:

a Arte enquanto forma de conhecimento, pode estar direcionada a um ou mais

sentidos humanos, já a Arte como ideologia, pode estar presente em todas as

relações do homem entre si e com a natureza, uma vez que a Arte é um produto de

situação histórica e de um tipo de sociedade, conforme consta nas DCE (2008, p. 58).

E por fim, a Arte como trabalho criador, visto que faz surgir à ação histórica e social

desenvolvida pelo sujeito produzindo sua existência e se construindo como ser

histórico e social.

b) Especificar a concepção de Arte expressa nas DCE (2008): observamos que

há certa dificuldade na conceituação de Arte no espaço escolar. Tal dificuldade pode

ser expressa, nas distintas abordagens teórico-metodológicas que se apresentam de

forma difusa na prática docente. Tais práticas correspondem às propostas

relacionadas a Escola Tradicional, a Escola Nova e a Escola Tecnicista, que

permeiam o processo educativo por meio de encaminhamentos distintos, identificar

tais encaminhamentos pode fundamentar novas ações. Nesse sentido, destacamos a

concepção de Arte expressa nas DCE (2008) como fonte de humanização constituída

pelas pessoas nos diversos períodos históricos.

c) Caracterizar o PTD em Artes Visuais segundo as DCE (2008): é importante

que o PTD seja construído de forma que ocorra, por meio de contextualizações e

abordagens distintas em relação ao conteúdo, a apropriação do conhecimento. Dito

isto, é necessário que o PTD seja elaborado por meio de contextualizações e

abordagens distintas para que, dessa forma, o aluno se aproprie do conhecimento.

d) Explicitar o potencial humanizador contido nas DCE (2008) em relação ao

ensino de Arte: observamos que, conforme as DCE (2008), a Arte como fonte de

humanização, gera conhecimentos que permeiam o currículo da Educação Básica.

Dessa forma, a educação por meio da disciplina de Arte, pode tornar possível um

novo olhar, um ouvir mais crítico, um interpretar da realidade, como também um novo

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fazer por meio de experiências teóricas e práticas no decorrer do processo de ensino

e aprendizagem, ou seja, a humanização por meio da Arte ocorre pela apropriação do

conhecimento historicamente sistematizado pela humanidade.

Após termos abordado os objetivos proposto no percurso desta pesquisa,

voltamos à problemática inicial: Como e em que medida o Plano de Trabalho Docente

na área de Artes Visuais pode contribuir com o processo de humanização?

Como resposta provisória a esta problemática, observamos que o PTD pode

ser construído nas relações socioculturais, econômicas e políticas do momento

histórico em que se desenvolveram. Assim a função social da Arte, especificamente

no planejamento do PTD, pode servir à política, a religião, a ideologia, a ética ou

proporcionar a experiência estética, contribuindo assim com o processo de

humanização dos educandos. Em vista disso, o ensino de Arte deve estar relacionado

com a realidade do aluno, sob uma perspectiva histórica e crítica que permite um

olhar sobre a realidade humano-social, e possibilidades de transformação desta

realidade.

Por meio deste estudo foi possível explicitar percepções de mundo, a interação

com os outros, não limitando o processo de ensino e aprendizagem ao mero fazer,

conforme pode ser observado em concepções mecanicistas do ensino da Arte. Nesse

sentido, podemos concluir que é indispensável projetar o Plano de Trabalho Docente

(PTD) por meio de práticas significativas, pautadas em conhecimento e ação, levando

a uma nova ação que supere a anterior.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Amália T. Bastos. Releitura, citação, apropriação ou o quê? IN: BARBOSA: Ana Mae (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias Internacionais. 2ªed. São Paulo: Cortez, 2008. CORRÊA, Ayrton Dutra. Entrelaçamento entre trajetórias pessoais e profissionais. In: OLIVEIRA. Marilda Oliveira de. Arte, Educação e Cultura. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2007. DUCHTING, Hajo. Kandinsky. Paisagem, 2007.

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