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O ORÇAMENTO PÚBLICO EM DEBATE: a importância da participação e do controle social como estratégia para a garantia de investimentos nas políticas sociais
Valdir Anhucci1 Vera Lucia Tieko Suguihiro2
Eixo Temático II: Orçamento Público e Controle Social
RESUMO Discutir orçamento público requer compreender que o mesmo não pode mais ser assunto exclusivo de técnicos, sendo tratado como “caixa preta”. Estado e sociedade civil, podem e devem compartilhar a responsabilidade de formulação do orçamento público que define as políticas sociais. Isso exige que os atores sociais sejam protagonistas neste processo, estabelecendo uma nova relação com o poder público. Os representantes da sociedade civil têm um importante papel na construção do orçamento público, na medida em que podem contribuir para ampliar os recursos que são destinados ao financiamento das políticas sociais. Palavras-Chave: Orçamento Público; Políticas Socais; Participação; Controle Social;
1 Mestre em Serviço Social e Política Social. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual
do Paraná, campus Apucarana. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Serviço Social. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina. E-
mail: [email protected].
1) INTRODUÇÃO
Embora a legislação brasileira garanta a implementação de diferentes políticas
sociais, são grandes os desafios enfrentados para que tais políticas sejam
implementadas. Um dos entraves é a insuficiência de recursos públicos para se efetivar
as políticas sociais. Fundamentalmente, a ampliação do orçamento público priorizando
recursos financeiros que garantam a superação histórica de violações de direitos da
população, é que permitirá avanços no que diz respeito à implementação das políticas
sociais. O Estado brasileiro, representado em suas três esferas de poder – municipal,
estadual e federal, – precisa contemplar no processo de planejamento orçamentário, a
projeção das receitas e os limites dos gastos públicos em projetos e atividades
consideradas prioritárias, levando em consideração as necessidades e demandas da
população.
Isso significa que participar na discussão do processo orçamentário é uma
importante estratégia para que a população possa garantir o financiamento das políticas
sociais públicas. Para isso, a mobilização e participação dos diferentes atores sociais,
exigindo uma gestão pública democrática, é condição para se assegurar a ampliação dos
recursos públicos a serem investidos na manutenção das políticas sociais.
Nesta perspectiva, a garantia de investimentos públicos nas políticas sociais
passa pela apropriação de conhecimento e informação sobre o processo orçamentário por
parte dos diversos atores sociais e políticos envolvidos na gestão pública. A questão
sobre orçamento público precisa ir além da linguagem complexa, técnica e burocrática,
restrita aos especialistas das áreas econômica, contábil e administrativa. É preciso
transformar o seu conteúdo acessível à população para que todos possam compreender,
participar, fiscalizar, controlar e avaliar o processo orçamentário de forma transparente,
contemplando um dos princípios orçamentário, qual seja a publicidade.
Sendo assim, uma importante tarefa da sociedade civil é ocupar os diferentes
espaços públicos de discussão e de decisões a cerca dos recursos que financiam as
políticas públicas. Neste sentido, dentre os instrumentos importante que a população
pode utilizar para interferir no processo de decisão sobre orçamento público destaca-se
os conselhos gestores e de direitos. Tais espaços se caracterizam como arenas de
debate, possibilitando uma nova relação entre Estado e sociedade civil, na medida em
que exige a participação ativa dos diversos atores sociais, com vistas a exercer o controle
social sobre a condução e definição sobre o orçamento público.
2) A DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES NO ORÇAMENTO PÚBLICO A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO E DO CONTROLE SOCIAL
Ao compreender a participação como processo em que os diversos atores
sociais e políticos se inserem na tomada de decisões de interesse público verifica-se uma
nova relação entre Estado e sociedade civil. Trata-se de uma relação complexa e
contraditória que requer determinadas condições estruturais e uma cultura política que
favoreça a participação com poder de decisão.
Cumpre destacar que a participação adquire importância significativa no
processo democrático. Considerar o que é ou não democrático vai depender de quem
decide e de como essas decisões são tomadas. Isso pressupõe que tanto uma minoria
bem capacitada tecnicamente pode decidir, como as decisões também podem ser
tomadas diretamente pelos cidadãos, através de espaços efetivamente democráticos, de
modo a deliberar sobre aquilo que é público, com liberdade e a autonomia. Nesse
contexto a participação ganha primazia.
Em que pese a importância da consolidação de um amplo processo de debate
em torno da coisa pública, ainda prevalece o discurso elitista, cujo objetivo é desqualificar
o cidadão comum enquanto sujeito capaz de alterar sua história. Com freqüência a
participação tem sido entendida como um ato que se resume na escolha de líderes que
tenham exclusividade na condução da coisa pública, distanciando a população de
qualquer interferência sobre a gestão pública. Nesta perspectiva é negado “[...] aspectos
considerados centrais no conceito de democracia: autodeterminação, participação,
igualdade política, influência da opinião pública sobre a tomada de decisão” (TEIXEIRA,
2002, p.34).
No que diz respeito à gestão pública, com freqüência, o processo democrático é
reduzido à participação da população nas eleições dos governantes. Cumpre destacar
que é papel de todo cidadão, de acordo com Teixeira (2002, p.41), “[...] melhorar a
qualidade das decisões mediante o debate público e a construção de alternativas, e exigir
a accountability e a responsabilização dos gestores”.
São grandes os desafios para consolidar esferas públicas que permitam o
debate democrático e autônomo. Nesta perspectiva, para Demo (2001), a participação,
em seu caráter de processo, é considerada uma conquista, e não algo que pode ser dado
como pronto, mas, em um constante “vir-a-ser”. Assim, não se pode entendê-la como um
favor, uma generosidade, como algo concebido, mas sim, como o resultado de uma
conquista, de autopromoção de todo cidadão. Para Demo (2001, p.18), “[...] o espaço de
participação não cai do céu por descuido, nem é o passo primeiro”. Isso significa dizer
que
[...] por tendência histórica, primeiro encontramos dominação, e depois, se conquistada, a participação. Dizer que não participamos porque nos impedem, não seria propriamente o problema, mas precisamente o ponto de partida. Caso contrário, montaríamos a miragem assistencialista, segundo a qual somente participamos se nos concederem a possibilidade (DEMO, 2001, p.19).
Assim, a participação conquistada, implica na compreensão, segundo Demo
(2001, p.23), de que “[...] a liberdade só é verdadeira quando conquistada”. Nesta
perspectiva, a participação envolve disputa de poder, levando a acreditar que,
[...] para realizar a participação, é preciso encarar o poder de frente, partir dele, e, então, abrir os espaços de participação, numa construção arduamente levantada, centímetro por centímetro, para que também não se recue nenhum centímetro. Participação, por conseguinte, não é ausência, superação, eliminação do poder, mas outra forma de poder. (DEMO, 2001, p.20, grifo do autor).
A reflexão posta pelo autor aponta para a importância do posicionamento firme
contra toda postura que busca bloquear o acesso às decisões por parte dos diferentes
atores sociais. Neste sentido, no que diz respeito às decisões sobre o orçamento público,
a efetiva participação da sociedade civil torna-se fundamental para a boa gestão e a
ampliação dos recursos a serem destinados às políticas sociais. É a partir do exercício
cotidiano da partilha do poder que a sociedade poderá orientar o poder público nas
escolhas de prioridades, bem como, na utilização dos recursos públicos direcionados para
o interesse coletivo.
A partir da ampla participação que envolve os diferentes setores da sociedade
civil, a tomada de decisões sobre o orçamento público envolve outro aspecto importante:
o controle social. Sendo assim, a idéia de participação remete ao conceito de controle
social.
O controle social está vinculado ao processo de participação. Neste sentido,
discutir participação implica ampliar a compreensão sobre o controle social. Sendo assim,
para Souza (2004, p.168), “[...] ao longo dos tempos, a expressão ‘controle social’ foi
entendida como controle do Estado ou do empresariado sobre a população”. Foi no final
do século XX, que no Brasil começa a se desenhar outra ideia de controle social: trata-se
de uma visão em que prevalece controle do Estado pela sociedade.
Segundo Antônio Ivo de Carvalho (1995, apud CORREIA, 2002, p.122), “[...]
controle social é expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão
da relação Estado e Sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e
controle sobre aquele”. Para Elizabeth Barros apud Correia (2002, p.122), o controle
social significa a “[...] capacidade que a sociedade tem de influir sobre a gestão pública
com o objetivo de banir as práticas fisiológicas e clientelísticas que conduziram à
privatização da ação estatal no Brasil”, o que implica em inverter os papéis, ou seja, é
uma “outra forma de poder”, em que a população possa influenciar nas decisões políticas,
invertendo o papel da sociedade, na qual passa de controlada para controladora.
Nesta perspectiva, esta compreensão de controle social remete a um campo de
possibilidades para a viabilização de novo modelo de gestão pública, ou seja, uma gestão
capaz de estabelecer uma nova relação entre Estado e sociedade civil, o que significa
dizer que,
[...] a sociedade tem possibilidades de controlar as ações do Estado em favor dos interesses das classes subalternas. Por trás desta perspectiva está a concepção de ‘Estado ampliado’, em que este é considerado perpassado por interesses de classes, ou seja, como um espaço contraditório que, apesar de representar hegemonicamente os interesses da maioria da classe dominante, incorpora demandas das classes subalternas (CORREIA, 2002, p.121).
É evidente esta contradição no campo das políticas sociais, na medida em que
a sua implementação permite que o Estado controle a sociedade e, ao mesmo tempo,
contemple algumas das necessidades da população. É em meio a esta contradição que
surge o novo conceito de controle social, definido por Correia (2002, p.121), como a “[...]
atuação da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido de
controlá-las para que estas atendam, cada vez mais, às demandas sociais e aos
interesses das classes subalternas”.
Nesta linha de raciocínio, a participação efetiva e o exercício do controle social
estão vinculados à capacidade que a sociedade civil tem de intervir na gestão da coisa
pública, com o objetivo de subsidiar e orientar as ações governamentais. Isto implica em
garantir que o Estado preste contas à sociedade de tudo o que tem realizado. Significa
construir coletivamente, critérios que balizem as ações do Estado.
Assim sendo, o ato de participar de todo cidadão no processo decisório é
primordial, na medida em que a participação “[...] é um instrumento de controle do Estado
pela sociedade, portanto, de controle social e político: possibilidade de os cidadãos
definirem critérios e parâmetros para orientar a ação pública” (TEIXEIRA, 2002, p.38).
Essa idéia passa pela organização política da população em espaços públicos
autônomos em que todo o cidadão, de maneira livre, possa participar e controlar a coisa
pública. Isso possibilita a transparência na gestão pública, assegurando que as ações
venham atender as demandas coletivas e de interesse comum. Daí a importância da
efetiva participação do cidadão no processo de gestão política para que
[...] os interesses públicos ganhem amplitude de realização, tanto pela incorporação de maior quantidade de agentes sociais para a satisfação desses interesses, como pela criação de espaços de interlocução e negociação entre Estado e a sociedade civil, que assegurem estarem as decisões do primeiro balizadas pela ampliação dos direitos dos cidadãos e pelas garantias às consecuções desses direitos (GRAU, 1996, p.119).
É nessa relação entre Estado e sociedade civil que se pode consolidar uma
gestão democrática, gestão essa que permite as massas populares interferirem nos
rumos do orçamento público. No entanto, isso exige o exercício cotidiano de uma
participação que seja capaz de promover debate público plural e contraditório sobre a
coisa pública.
A nova relação entre Estado e sociedade civil na gestão pública atual, em
especial no trato dos recursos públicos, exige que a população se aproprie dos
instrumentos de participação e controle social. Em contrapartida, ao Estado cabe o papel
de prestar contas de tudo o que realiza, prezando pela efetivação dos seguintes princípios
da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência, com transparência na gestão e controle social.
Como se pode verificar, o atual modelo de gestão pública está pautado em um
novo desenho, haja vista que todo cidadão é chamado a assumir o seu papel de
protagonista, corresponsável pelo zelo daquilo que é público, como forma de garantir o
acesso universal às políticas sociais públicas. Isso significa dizer que a partir da
ocupação dos diferentes espaços públicos, entre eles os conselhos, e com o exercício da
participação e do controle social ampliam-se as possibilidades de assegurar e priorizar
recursos públicos para o financiamento de políticas que atendam a população de maneira
geral.
Assim, no processo de definição e controle do orçamento público, a mudança
de atitude torna-se condição entre os dois pólos de decisão: o Estado precisa tornar-se
transparente e democrático no trato do orçamento público, e a sociedade precisa se
capacitar para entender e participar do processo deliberativo, assumindo o orçamento
enquanto instrumento político na garantia dos seus direitos.
Dar visibilidade ao processo orçamentário implica valorizar o exercício da
participação e do controle social a partir dos diferentes espaços públicos, na medida em
que é através dos recursos garantidos na definição do orçamento público que se viabiliza
os investimentos necessários a implementação das políticas sociais. Nesta perspectiva, o
orçamento público possui importância não só econômica, mas principalmente em seu
caráter político e social.
A primazia do Estado na destinação de recursos às políticas sociais a partir da
fixação das despesas no orçamento público implica na garantia e no provimento de
políticas sociais. Mais do que isso, significa compreender o Estado como responsável
pela efetivação das políticas públicas. Cumpre destacar que sem o suporte orçamentário
os princípios e os direitos não passam de intenções. Nesta perspectiva, a sociedade civil
não pode jamais abrir mão do seu papel de exigir, a partir da participação e do controle
social, uma fatia maior do orçamento público para o financiamento das políticas sociais
públicas.
Assim, todo e qualquer espaço político de debate tem um papel determinante, na
medida em que pode redefinir a relação entre governo e governados, prezando pela
construção de uma agenda que aponte para priorizar as políticas. Isso demonstra a
urgência em mudar a compreensão sobre o processo de discussão do orçamento público.
Torna-se fundamental o trabalho de qualificação, instrumentalização e domínio de
conhecimento por parte dos diferentes atores sociais sobre a importância política de
influenciar a definição de prioridades em torno do orçamento público. Este deve ser
compreendido como instrumento primordial na viabilização das políticas sociais públicas.
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
A efetivação dos direitos está vinculada ao fato da sociedade brasileira se
movimentar cotidianamente de forma coletiva. No cenário atual, as relações sociais estão
inseridas em um vasto processo de vulnerabilidades socioeconômicas, civis e política que
conduzem ao que pode ser designado de processo de negação da cidadania plena.
A estratégia para a construção de uma cidadania ativa e participativa passa
pelo estimulo de espaços públicos que promovam as discussões coletivas, as
deliberações transparentes com visibilidade ética, social e política, ou seja, a valorização
e o compromisso com as expressões reais das demandas sociais. O resgate de
movimentos e diferentes formas de ações coletivas potencializam a organização, a
socialização de informações e o desenvolvimento de uma gestão democrática voltada
para o interesse comum.
É importante considerar que o desafio é maior diante de um contexto neoliberal,
na medida em que o Estado tem se furtado em cumprir com suas obrigações no que se
refere à ampliação de investimentos em políticas sociais públicas. O obstáculo está em
criar condições objetivas para acionar a capacidade da sociedade em exercer sua
responsabilidade na defesa incondicional pelo direito de ter direitos, diante do projeto
neoliberal que está em curso.
Isto significa que a sociedade civil não tem o papel de assumir para si
responsabilidades que são do Estado, mas deve ser capaz de monitorar o cumprimento
da determinação legal vigente no país, a fim de exigir do poder público o cumprimento do
sua obrigação com a população.
Sendo assim, o exercício da participação e do controle social aponta para
mudanças de paradigmas envolvendo tanto o Estado quanto a sociedade civil. Cabe ao
Estado tornar-se mais transparente e facilitar o acesso às informações sobre o orçamento
público. À sociedade, por meio do debate político, cabe o papel de exercer influência
sobre o processo da administração pública, de modo a compreender o orçamento público
enquanto um instrumento democrático de gestão coletiva.
Nesta perspectiva, é necessário e urgente romper com práticas fragmentadas e
pontuais na implementação das políticas sociais públicas, o que implica estabelecer uma
rede, envolvendo os diferentes atores sociais, capaz de monitorar e controlar o orçamento
público.
BIBLIOGRAFIA CORREIA, Maria Valéria Costa . Que controle social na política de assistência social? Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n.72, p.119-144, nov. 2002. DEMO, Pedro. Participação é conquista. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. GRAU, Nuria Cunill. A rearticulação das relações estado-sociedade: em busca de novos significados. Revista do Serviço Público, Brasília, v.47, v.120, n.1, p.113-140, jan./abr. 1996. SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação e controle social. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (Org). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004. p.167-187. TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002.