o direito à educação sob a perspectiva da pedagogia social

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 O DIREITO À EDUCAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA SOCIAL 1  Sheila Agda Ribeiro da Silva 2  Roberto da Silva 3  Roseli Esquerdo Lopes 4  RESUMO O texto discorre sobre parte das anotações realizadas em sala de aula no decorrer da disciplina Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social, ministrada pelo Prof. Dr. Roberto da Silva na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo   FEUSP e tem por objetivo explicitar os limites e possibilidades do Direito à Educação, problematizando a matriz familiar como fundamento da sociedade brasileira e defendendo o campo de atuação da Pedagogia Social a partir de seus fundamentos teóricos e metodológicos. Palavras-Chave: Pedagogia Social, Educação, Direitos da Criança e do  Adolescente, Direitos Humanos . ABSTRACT The text discusses some of the notes taken in class during the course right to education from the perspective of Social Pedagogy, taught by Professor. Dr. Roberto da Silva at the Faculty of Education, University of Sao Paulo - FEUSP and aims to clarify the limits and possibilities of the Right to Education, emphasizing the core family as the foundation of Brazilian society and defending the playing field of Social Pedagogy from their theoretical and methodological foundations. Keywords: Social Pedagogy, Education, Child and Adolescent, Human Rights.  1  Texto elaborado em forma de relatório para a Disciplina Direito à Educação sob a Perspectiva da Pedagogia Social, ministrada pelo Prof. Dr. Roberto da Silva no 1º semestre de 2011 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP. 2  Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected] 3  Professor Livre Docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). E-mail: [email protected] 4  Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]/[email protected]

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Artigo científico em que analisa o direito á educação.

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7/18/2019 O direito à educação sob a perspectiva da pedagogia social

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O DIREITO À EDUCAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA SOCIAL1 

Sheila Agda Ribeiro da Silva2 Roberto da Silva3 

Roseli Esquerdo Lopes4

 

RESUMOO texto discorre sobre parte das anotações realizadas em sala de aula no decorrerda disciplina Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social, ministradapelo Prof. Dr. Roberto da Silva na Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo – FEUSP e tem por objetivo explicitar os limites e possibilidades do Direito àEducação, problematizando a matriz familiar como fundamento da sociedadebrasileira e defendendo o campo de atuação da Pedagogia Social a partir de seusfundamentos teóricos e metodológicos.

Palavras-Chave: Pedagogia Social, Educação, Direitos da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos.

ABSTRACTThe text discusses some of the notes taken in class during the course right toeducation from the perspective of Social Pedagogy, taught by Professor. Dr. Robertoda Silva at the Faculty of Education, University of Sao Paulo - FEUSP and aims toclarify the limits and possibilities of the Right to Education, emphasizing the corefamily as the foundation of Brazilian society and defending the playing field of SocialPedagogy from their theoretical and methodological foundations.

Keywords: Social Pedagogy, Education, Child and Adolescent, Human Rights. 

1 Texto elaborado em forma de relatório para a Disciplina Direito à Educação sob a Perspectiva daPedagogia Social, ministrada pelo Prof. Dr. Roberto da Silva no 1º semestre de 2011 na Faculdadede Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP.2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de SãoCarlos (UFSCar). E-mail: [email protected]  Professor Livre Docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação,

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). E-mail: [email protected] Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federalde São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]/[email protected]

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LIMITES E POSSIBILIDADES DO DIREITO À EDUCAÇÃO

 A Educação como Direito Humano Fundamental é um discurso relativamente

recente na medida em que foi resultado de um processo histórico que teve que

superar, dentre outros eventos, as ideologias que negavam humanidade a gentios,

índios e negros. Cristianização, ocidentalização e globalização são as três matrizes

culturais que dominam a vida contemporânea, portanto, este é um viéz de análise

bastante privilegiado para entendermos os limites e possibilidades do Direito à

Educação.

 A cristianização se refere à tentativa de estabelecer uma base de valores

comuns para toda uma civilização e esses valores, com pretensão de hegemonia,

são os valores da cultura cristã, católica e ocidental. Quando pensada dentro destamatriz cristã e ocidental, se observa claramente que a Educação estava voltada,

preponderantemente, para fazer a transição entre a barbárie e a civilização, o que

levou alguns teóricos a denominar esta fase como domesticação (NIETZSCHE,

2004, p. 104), ou seja, eliminar na espécie os seus instintos animais e acrescentar-

lhe os vernizes da civilidade. Os instintos que presidem a busca por alimento e

proteção, a fuga e a reprodução foram, de alguma forma, colocadas sob controle,

seja por instrumentos elaborados pela Religião, seja pela consolidação dasconvenções sociais ou ainda recorrendo-se aos poderes do Estado. Esta é uma

hipótese que subsidia o entendimento de Educação como direito fundamental da

pessoa humana.

 A ocidentalização é uma decorrência da cristianização, ou seja, a tentativa de

se estabelecer como hegemônica a cultura branca cristã, tida como superior e em

detrimento de culturas locais, dizimadas em sua maioria (LE GOFF, 1984). A

globalização, por sua vez, do ponto de vista da Educação tem a ver com a pretensãodo estabelecimento de uma Cultura Educacional Mundial Comum  (CEMC). No

essencial, os proponentes desta perspectiva defendem que o desenvolvimento dos

sistemas educativos nacionais e as categorias curriculares se explicam através de

modelos universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de

fatores nacionais distintivos (DALE, 2004, p. 425).

 A convergência destes três pilares de sustentação do discurso sobre

Educação como Direito Humano Fundamental nos autoriza a redefinir o próprio

conceito Direito à Educação dentro de estreitos limites: 1. É escolarização e não

Educação; 2. Está adstrita à capacidade de financiamento dos estados nacionais e

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não às necessidades humanas e; 3. É rigidamente conformado pela Pedagogia

Escolar e pela Educação Escolar, desconsiderando todos os demais processos de

ensinagem e de aprendizagem.

Os estudos que chamo de tradicionais sobre Direito à Educação recorrem a

fontes forjadas no âmbito da cultura hegemônica acima delineada, ou seja, a

História, as Reformas Educacionais e a legislação. Ora, a História é, segundo Walter

Benjamin (1994, p. 223), sempre o ponto de vista dos vencedores, portanto, uma

visão elitista, unilateral e que interessa ao dominador. As Reformas Educacionais no

Brasil sempre foram no sentido de alinhar a Educação aos objetivos político-

ideológicos dos grupos que se alternam no poder e atender às demandas do capital

(MÉSZÁROS, 2005, p. 26-27). Da mesma forma, a lei é a expressão da correlaçãode forças em determinado momento histórico, geralmente com a supremacia dos

grupos dominantes.

Logo, estudar o Direito à Educação sob esta matriz eurocêntrica pressupõe

admitir tanto a subjacência de uma ideologia dominante quanto limitações no

exercício do direito, que nada tem a ver com Justiça (BOBBIO, 1997, p.158.).

Estudar o Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social significa

estudá-lo para além dos estreitos limites da Educação Escolar, analisando aspotencialidades que oferecem a Educação que “abrange os processos formativos

que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais” (LDB, Art. 1º). 

O limite legal e formal estabelecido pelo Estado brasileiro no exercício do

Direito à Educação está estatuído no parágrafo primeiro da mesma lei acima citada:

“Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, pormeio do ensino, em instituições próprias”. 

Criada então a dicotomia Educação Formal x Educação não Formal é de se

perguntar: qual o lugar que ocupa a Educação dita não formal no Direito à

Educação? Simplesmente nenhum! As práticas de educação popular, social e

comunitária carecem de políticas públicas, de financiamento, de avaliação, de

política de formação de professores e são pejorativamente cognominadas não

formais, sendo ofertadas em espaços precários, na maioria das vezes por ONGs e

organizações populares, sociais e/ou comunitárias como se fosse uma educação

 pobre para uma população pobre.

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 A esta concepção hegemônica de Educação, que Roger Dale (2004, p.425 )

denominou Cultura Educacional Mundial Comum  (CEMC) emerge uma concepção

com pretensões contra-hegemônica por ele mesmo denominada  Agenda Global

Estruturada para a Educação, (AGEE), fortemente ancorada nos movimentos

populares, sociais e comunitários, com maior visibilidade no Fórum Social Mundial e

no Fórum Mundial de Educação. E é no âmbito deste movimento de resistência que

situa-se a Pedagogia Social referenciada em Paulo Freire enquanto possibilidade de

proposta contra-hegemônica para a efetivação da Educação como política pública.

Objetivamente como nos posicionamos frente aos limites desse conceito

clássico de Educação? Para nós é evidente que os limites estão expressos na

própria lei e são resultados da correlação de forças, de um embate político que seestabelece na discussão da lei. Podemos dizer que a Constituição Federal (CF 88),

a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

são mais apropriadamente colchas de retalhos  nas quais predominam a visão de

mundo de um determinado grupo. As liberalidades inscritas nas leis são meras

concessões aos grupos sociais minoritários que participam do debate político, sem

que sejam assegurados os meios para sua efetivação.

É isso que vai fazer com que por vezes o texto da lei pareça ambíguo. Dianteda impossibilidade de ignorar as bandeiras de lutas de certos setores da sociedade

suas reivindicações são contempladas no texto da lei, o que não significa que o

Estado brasileiro irá disponibilizar os meios necessários para efetivação dessas

reivindicações. São as chamadas leis que foram feitas para não pegar . A vantagem

é que estas concessões acabam por institucionalizar uma ordem de direitos

fomentando uma arena política para o debate entre a sociedade civil, os partidos

políticos e os governos.Este espaço não geográfico, mas político, de embates entre sociedade civil,

Estado e governo, é o espaço da negociação, das reivindicações e da politização

das discussões no sentido de aprimorar o conceito Direito à Educação.

Qual é o potencial de inclusão da Educação Social em uma perspectiva de

ampliação do Direito à Educação? Quantas são as ONGs que atuam na Educação

dita não formal? Quantos educadores atuam na Educação popular, social e

comunitária? Quem são esses educadores, que nível de formação possuem, quais

as condições de trabalho? Quantos alunos  são atendidos? Qual o montante do

investimento?

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Com esta dicotomia Educação Formal versus Educação não Formal o Brasil

escamoteia a função social que a escola pública cumpre e relega a oportunidade de

fazer uma Educação integral, integrada e integradora.

 A marginalização da Educação não Escolar e a ignorância quanto à função

social da escola pública provoca uma grave distorção na avaliação da Educação

brasileira. Cada nível e modalidade de ensino possui um sistema próprio e/ou

integrado de avaliação com quesitos específicos tanto para a Pedagogia Escolar

quanto para a Educação Escolar, referenciadas nas competências lógico filosóficas

(Português e Redação) e lógico matemáticas (Matemática e Ciências). Estes

indicadores colocam a Educação brasileira atrás até mesmo de países em

desenvolvimento suscitando críticas e desesperança em todo o sistema de ensino.Defendemos a tese de que a função social da escola precisa de indicadores

próprios de avaliação e que sua ampla divulgação certamente melhoraria

significativamente a percepção que o Estado, governos, gestores, professores, pais,

alunos e a sociedade em geral tem da Educação.

Omite-se o fato de que importantes ganhos sociais conquistados no Brasil e

alardeado mundo afora tem sido obtido não pelo mérito de políticas setoriais  – que

quase não existem ou são incipientes -, mas tem sim via escola pública. A reduçãode mortalidade infantil, por exemplo, é resultado de política de saneamento básico,

de melhoria das condições de alimentação e de habitação ou foram conquistadas

com as creches e com a merenda escolar? Onde é que se combate efetivamente a

prostituição infantil, o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças e

adolescentes? Onde é que o Brasil consegue uma taxa superior a 90% de vacinação

em massa da população? Onde é que se ensina cidadania, respeito à diversidade,

ética, Educação Ambiental, Educação Sexual e cuidados básicos de higiene esaúde? Todo o processo eleitoral brasileiro é o que é devido à capilaridade e

exposição quem tem a escola pública e não por méritos de partidos políticos ou pela

eficiência da Justiça Eleitoral.

Esse é o trabalho invisível da escola, mas pelo fato de não serem atribuições

da carreira do magistério ele não é contabilizado na conta da escola e é apresentado

à sociedade como realizações políticas de governos e partidos.

Há um vasto e inexplorado campo teórico e conceitual que permite a

expansão do Direito à Educação para além dessa configuração clássica que hoje

temos: é a nova fronteira do Direito à Educação, cuja transposição requer a

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superação da dicotomia Educação Formal e Não Formal, a conciliação entre

Pedagogia Escolar e Pedagogia Social e a integração entre Educação Escolar e

Educação Social.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PEDAGOGIA SOCIAL

Pedagogia Social é a teoria que fundamenta a prática da Educação Social. No

Brasil a Educação Social abrange as práticas indevidamente rotuladas como não

formal .

Pedagogia Social é análoga à Pedagogia Escolar, assim como Educação

Social é análoga à Educação Escolar. Não existem entre elas contradições nem

disputas, pois são complementares quando se pensa em uma educação integral quenão separe o mundo da vida e o mundo da escola.

ajuda a humanizar os ambientes não escolares. As categorias também

precisam ser relativizadas em relação ao lócus que temos e as pessoas que

trabalhamos. Não se trabalha com o conceito inclusão/exclusão, ninguém está

excluído de nada, pode estar no momento em condição de marginalização.

Para ser ciência a Pedagogia Social precisa:

•  Ter área própria de conhecimento – a Educação Social;•  Ter estatuto epistemológico – é uma das Ciências da Educação;

•  Ser uma Teoria Geral da Educação;

•  Ter campo distinto de atuação – a Educação Social;

•  Utilizar-se de espaços não-escolares - Educação Social;

•  Ter objeto de estudo próprio – a educabilidade social do sujeito;

•  Utilizar os métodos universais de pesquisa  –  observação, descrição,

comparação, análise e síntese;•  Ter métodos e técnicas próprias de trabalho – a ação sociopedagógica.

•  Poder fazer a síntese de todos os métodos;

Nessa perspectiva, os objetivos da Pedagogia Social são:

•  Ser um projeto de sociedade em que todos os espaços e todas as relações

sejam essencialmente pedagógicas;

•  Constituir-se como parte entre a Educação Escolar formal e a Educação não

formal;

•  Elevar-se ao status de política pública;

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•  Constituir-se em componente formativo para as demais profissões.

 As áreas de domínio da Pedagogia Social são:

Domínio sociocultural

O domínio sociocultural tem como áreas de conhecimento as manifestações

do espírito humano expressas por meio dos sentidos, tais como a Arte, a Cultura, a

Religião, a música, a dança e o Esporte em suas múltiplas manifestações e

modalidades. Inclui a Culinária e a Saúde. Pelas características destas

manifestações por suas características, locus privilegiados para a intervenção sócio

cultural todos os espaços públicos e privados onde elas possam acontecer.

 A intervenção neste domínio tem por objetivo a recuperação de suasdimensões históricas, culturais e políticas, com vistas a dotá-las de sentido para o

público alvo desta modalidade de ação.

Domínio sociopedagógico

O domínio sociopedagógico tem como áreas de conhecimento a Infância,

 Adolescência, Juventude e Terceira Idade. A intervenção sociopedagógica neste

domínio tem como objetivo principal o desenvolvimento de habilidades e

competências sociais que permitam às pessoas a ruptura e superação dascondições de marginalidade, violência e pobreza que caracterizam sua exclusão

social.

Por suas características, são locus privilegiado para a ação sociopedagógica

os abrigos, as unidades de internação de adolescentes autores de ato infracional,

asilos para idosos, instituições psiquiátricas e unidades prisionais, mas também

considera a Rua, a família e a empresa.

Domínio sociopolíticoO domínio sociopolítico tem como áreas de conhecimento os processos

sociais e políticos, expressos, por exemplo, na forma de participação, protagonismo,

associativismo, cooperativismo, empreendedorismo, geração de renda e gestão

social. A ação sociopolítica tem como objetivo o desenvolvimento de habilidades e

competências para qualificar a participação na vida social, política e econômica da

comunidade onde o sujeito está inserido ou dos espaços onde a pessoa queira estar

como sujeito.

Por suas características, a ação sociopolítica tem como locus privilegiado os

grêmios estudantis, associações de pais e mestres (APM), conselhos de escola,

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associações de moradores, conselhos de direitos, movimentos sociais, organizações

não-governamentais, sindicados, partidos políticos e as políticas públicas e sociais.

Os princípios da Pedagogia Social são:

•  Ter a Educação como a própria essência das relações do ser humano,

consigo mesmo, com o outro, com a vida e com o meio ambiente;

•  Educação como processo de formação integral do ser humano e que ocorre

em todos os espaços e em todas as relações;

•  a Pedagogia Social não admite a fragmentação epistemológica que também

fragmenta o ser humano e as ações dele e para ele (as políticas);

•   A Pedagogia Social não se subordina a determinações político-ideológicas,doutrinárias ou dogmáticas;

•  História, Cultura, Direito e contexto social são categorias orientadoras das

ações pedagógico sociais.

PEDAGOGIA SOCIAL COMO A TEORIA GERAL DA EDUCAÇÃO SOCIAL

 A concepção de uma Pedagogia Social genuinamente brasileira

fundamentada no pensamento pedagógico de Paulo Freire representa umaimportante contribuição para a pesquisa, análise e reflexão das ricas e diversificadas

práticas de educação popular, comunitária e social oriundas dos movimentos sociais

e populares, por vezes fragilizadas por falta de fundamentação teórica,

marginalizada pela academia, desprovida de instâncias de formação e com

produção completamente fragmentada sem nenhuma organicidade teórica ou

conceitual.

Dizendo de outra forma, Pedagogia Social é o referencial teórico quefundamenta, dá organicidade e cientificidade às práticas de Educação Popular,

social e comunitária forjadas nos movimentos populares, sociais e comunitários no

Brasil. Adotada como Teoria Geral da Educação Social (que serve também à

Educação Popular e à Educação Comunitária), sua vocação primordial é tirar estas

práticas educativas da posição marginal a que foram relegadas, tanto pela academia

quanto pela legislação e pelas sucessivas políticas educacionais.

O estatuto epistemológico da Pedagogia Social como área de conhecimentos

das Ciências da Educação foi consolidado pelas práticas socioeducativas

constituídas em países como Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal, Finlândia,

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Suíça, Suécia, Áustria, Argentina, Chile e Uruguai e em todos estes países se

reconhece a centralidade do pensamento de Paulo Freire como aporte teórico e

metodológico para o trabalho do educador que atua na intersecção entre Educação

e Sociedade.

 A Pedagogia Social ora em construção no Brasil tem, portanto, a cara do

brasileiro Paulo Freire. Embora ele mesmo - reconhecemos - não tenha utilizado

essa nomenclatura, toda sua obra é orientada para um único propósito: desenvolver

no ser humano a vocação de ser mais, tendo como pressupostos teóricos e práticos

para a transformação social a liberdade, a autonomia, a emancipação, a consciência

de si, do outro e do seu lugar no mundo.

No Brasil, as resistências à teoria do conhecimento formulada por PauloFreire não se deve à complexidade do seu pensamento, mas sim às estratégias de

luta social nele enunciadas e às possibilidades - assustadoras - de que o ser

humano - inclusive o opressor - compreendendo as causas de seus infortúnios, da

violência e da miséria, se liberte das estruturas econômicas, políticas, sociais e

culturais que o oprimem (FREIRE, 1977, p. 16.).

Qualquer elite ciosa dos seus instrumentos de dominação, sejam eles de

natureza cultural, política, econômica, militar, religiosa, social ou acadêmica, lutou,luta e lutará para manter tais instrumentos de dominação ainda que seja por meio da

alienação, da passividade, da negligência ou da omissão.

No livro A ordem do discurso Michel Foucault assevera com propriedade que

em toda sociedade a produção do discurso é controlada selecionada,organizada e redistribuída por certo número de procedimento que tempor função conjurar seus poderes e perigos, dominar seusacontecimentos aleatórios, esquivar sua pesada e temível

materialidade e isso acontece porque (...) o discurso não ésimplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas dedominação, mas aquilo por que e pelo que se luta, o poder do qualqueremos nos apodera (1996, p. 8-10).

 A Pedagogia Social ora em construção no Brasil se serve do vasto vernáculo

constituído no âmbito da Educação Popular, social e comunitária visando, sobretudo,

à recuperação do significado histórico, político, social e cultural dos quais foram

destituídas estas práticas educativas quando obnubladas pelo conceito amorfo de

Educação não-formal5.

5 Vide as Notas Introdutórias do livro Pedagogia Social, Expressão e Arte Editora, 2009.

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Enquanto Teoria Geral da Educação Social a Pedagogia Social não pode se

furtar ao desafio de recontextualizar as doutrinas, teorias, constructos e conceitos

que fundamentam as práticas de Educação Escolar no Brasil, especialmente

aquelas que se prestam à perpetuação das relações de dominação e de opressão.

 Além disso, deve-se considerar que a Pedagogia Social possui elevada vocação

para promover a liberdade, a emancipação e a autonomia do sujeito, rompendo

ciclos de marginalização e rupturas na relação opressor/oprimido, logo, sua práxis

precisa desmistificar a palavra do opressor, pois ensinar a ler as palavras ditas e

ditadas é uma forma de mistifìcar as consciências, despersonalizando-as na

repetição – é a técnica da propaganda massificadora. Aprender a dizer a sua palavra

é toda a Pedagogia, e também toda a Antropologia (FREIRE, 1970, p. 10). A libertação do oprimido, segundo Paulo Freire (idem) não pode ser unilateral,

pois este processo implica na libertação do opressor também (FREIRE, 1987),

portanto, a Pedagogia Social tem em vista a libertação, a emancipação e a

capacidade de autodeterminação do sujeito para participação na vida coletiva.

Preferimos a categoria oprimido/opressor e não explorado/explorador ou

capital/trabalho , pois ela é suficientemente dialética e relativa: ninguém é oprimido o

tempo todo e nem é opressor o tempo todo, depende do plano relacional em que aspessoas se colocam, portanto não é uma relação estática e sim dinâmica.

 As categorias próprias da Pedagogia Social incluem o universo da

marginalidade social, mas não se limitam a ele. Entender a Pedagogia Social como

um projeto da sociedade significa que defendemos a ideia de que Educação se faz

ao longo da vida, em todos os espaços e que todos são potencialmente educadores.

Não obstante sua vocação emancipatória a Pedagogia Social não se inscreve

dentro das práticas ideologicamente rotuladas como revolucionárias. A natureza datransformação que se quer não é a substituição de uma classe opressora por outra,

mas transformação na qualidade das relações que são estabelecidas. A própria

tomada de consciência em relação aos papéis de oprimido/opressor já é parte do

processo de libertação, sobretudo para que os mesmos sejam exercidos de forma

consciente.

 A ampliação do Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social,

leva em consideração, dentre outras coisas:

•   A inclusão na política educacional dos novos sujeitos de direitos, emergidos

pela Constituição Federal de 1988;

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•   A concepção de que Educação se faz ao longo de toda a vida e não em faixas

etárias pré-determinadas;

•   A concepção de que todos os espaços, públicos e privados, são

potencialmente educativos, inclusive a escola e a sala de aulas;

•   A aceitação de que a legislação social brasileira (Estatuto da Criança e do

 Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do Idoso, Estatuto da

Igualdade Racial, Lei de Execução Penal, Lei Maria da Penha, etc.) é instrumento de

Educação Social;

•   A compreensão de que a Educação de Infância se faz, preferencialmente, em

espaços públicos e não no ambiente privado e doméstico;

•   A educabilidade social do sujeito nos novos espaços de socialização;•  Implantação da Escola de Tempo Integral, mas que seja integrada e

integradora;

•  Reconhecimento da função social da escola pública;

•  Legitimar a função educativa das ONGs, dos movimentos sociais e das

comunidades organizadas;

•  Tornar educativos os programas e projetos sociais de transferência de renda;

•  Eliminar a precariedade do trabalho social;•  Dar identidade ao educador social por meio da regulamentação da profissão;

•  Dotar os órgãos e serviços públicos dos profissionais capazes de exercer as

atribuições previstas em lei;

•  Dar formação pedagógica aos agentes da lei e administradores públicos;

•  Realizar a mediação pedagógica dos conflitos sociais.

MATRIZ FAMILIAR COMO FUNDAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRAOs estudos de demografia histórica (BACELLAR, SCOTT, BASSANEZI, 2005)

demonstram que a estrutura social brasileira foi concebida a partir de uma matriz

que tem a família nuclear como célula básica de organização da sociedade.

Também de origem ocidental e cristã, adotou como paradigma o estereótipo do

homem branco, cristão, proprietário e, letrado, estando a mulher e os filhos

subordinados a este paradigma para o processo de legitimação social. Os arranjos

sociofamiliares e as pessoas que não se enquadravam nesse padrão foram

relegados à marginalização social, marcadas por rótulos, estigmas e preconceitos

que afetaram e ainda afetam famílias, mulheres e filhos (SILVA, 2004).

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No trato social houve duas maneiras de se olhar essa população e também

de lidar com ela: a medicalização  e a criminalização  dos comportamentos. A

medicalização dos comportamentos consistia em dar explicações médicas para os

distúrbios comportamentais quando estes ocorriam em família cuja forma de

organização era aceita socialmente, tinha as bênçãos da Igreja e a proteção jurídica

do Estado: hiperatividade, déficit de atenção, stress, responsabilidade moral eram

alegadas como justificativas para malvadezas, violências e crimes, nada que não se

resolvesse com a intervenção do padre, do médico, do psicólogo ou do terapeuta. O

que não se queria era a intervenção do Estado e de seus agentes em um arranjo

familiar que se supunha coeso, firmado sobre um princípio de fé e com os meios

para resolução interna de seus próprios conflitos.Já na perspectiva da criminalização dos comportamentos, os integrantes de

famílias rotuladas como desestruturadas, mães solteiras  e filhos gerados fora da

relação de casamento não contavam nem com a aceitação social, nem com a

simpatia da Igreja e muito menos com a proteção jurídica do Estado, justificando-se

para a elas a intervenção, especialmente por meio da polícia e da justiça.

 A mudança desse quadro só foi possível a partir da Constituição Federal de

1988 e mais especificamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990,mas o estigma, o preconceito e a discriminação gerados ainda afetam milhares de

família, de homens, mulheres e crianças no Brasil, constituindo-se este um dos

grandes desafios a ser superado por uma educação que respeite as diferenças.

Em um país onde o poder institucionalizado não faz concessões, onde o

direito só é conquistado mediante a organização da sociedade civil e onde ocorre a

apropriação da riqueza nacional por uma minoria, a Educação cumpre um papel

estratégico, seja para a dominação seja para a libertação.Vivemos em uma democracia tutelada, onde os direitos são entendidos como

favores e a cidadania um processo de estratificação social que acentua a

desigualdade social. Segundo T. H. Marshall (1967), cidadania é um status atribuído

pela sociedade ao indivíduo e comporta três tipos de direitos: civis, sociais e

políticos. Na idéia contratualista de Marshall a concepção de cidadania significa o

retorno da lógica do bem estar social  –  Wefare State  –  e neste sentido o bom

cidadão – aquele a quem a sociedade reconhece direitos e com os quais o Estado

tem obrigações – é o contribuinte, aquele que contribui para a formação da riqueza

coletiva.

7/18/2019 O direito à educação sob a perspectiva da pedagogia social

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Castel (2008, p. 303) também chamou atenção para o fato de que “O governo

não deve nada a quem não o serve. O pobre não tem direito senão à comiseração

geral”. 

Uma das expressões utilizadas para reforçar esse pensamento era: “Governa-

se mal, quando se governa demais” e que a “beneficência também é uma espécie

de tutela”, para o autor tutela, proteção, capacidades ou  autoridade social, são

noções fundadoras de um plano de governabilidade referente às classes inferiores,

direcionado principalmente aos intitulados vagabundos, definidos por um jurista

Lionês como:

[...] pessoas ociosas, preguiçosas, pessoas que não pertencem a umsenhor, pessoas abandonadas, pessoas sem domicílio, ofício eocupação, [...] pessoas que só são úteis como números, sunt pondusinutilae terrae “ são o peso inútil da terra” (idem, pp. 120-121).

 A educabilidade das instituições, dos governos e do Estado também é parte

integrante da Educação Social e por esta razão é importante compreender o

processo de transformação dos padrões de famílias, a evolução das instituições e os

paradigmas que presidem a relação do Estado com o indivíduo e com a sociedade

civil.

Como um modelo pedagógico que prioriza trabalhar a natureza e a qualidade

das relações humanas e sociais, inclusive com a terra, o meio ambiente e os bens

intangíveis, a Pedagogia Social não se ocupa diretamente da transformação das

condições materiais de existência porque entende que estas devam ser pautadas

pela qualidade das relações entre cidadãos livres e cidadania é incompatível com

qualquer presunção de renúncia da liberdade.

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