o desenvolvimento do processo cognitivo na

13
'. ' o DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO COGNITIVO NA CRIANÇA SEGUNDO J. PIAGET Sônia Ribeiro MORAES* Resumo: Estudando o desenvolvimento do conhecimento na criança, Jean Piaget analisou o processo cognitivo de forma abrangente e concluiu que sua construção envolve atividades sensório-motoras como também operações de natureza lógico matemática. A sistematização do conhecimento ocorre na interação entre esses dois níveis do processo. Palavras-chave: atividade cognitiva; inteligência sensório-motora; percepção: atividade perceptiva; causalidade perceptiva; operações lógico-matemáticas; causalidade Introdução Em busca de uma explicação para o processo cognitivo humano, Piaget, juntamente com diversos colaboradores, realizou novas pesquisas, nas décadas de 60 e 70. De acordo com sua visão, ao entendermos a forma como a criança conhece, nos abrimos a possibilidade de compreendeml0s como todos os outros conhecimentos são adquiridos. Nas pesquisas, ele aprofunda a investigação da atívidade cognitiva no campo da causalidade por ser este mais controlável que o da cultura, o da moral e o da afetividade. O homem é um ser localizado no tempo e no espaço e sua existência exige que tenha uma participação ativa no melO em que vive. Na medida que interage com seu mundo, transformando-o, ele próprio sofre transfomlações segundo as leis da natureza e as soeiais. Sendo assim, podemos afirmar que ao organizar o mundo, o indivíduo também se auto-organiza e constrói seu conhe- cimento. Piaget procura demonstrar que na construção do conhecimento infantil a experiência através da ação é fundamental; porém, esta experiência não dispen- sa relações de natureza lógico-matemática, ou seja, relações em que há coerên- cia lógica e quantificação. O desenvolvimento cognitivo do sujeito está dividido em dois planos. O t'mC!(!n(lJ. Cognimac FIlosofia da McntL\ L'NESP. Cjmptts Jc Mdnlld Oocentcdll fCf:A-('':P·lóOI5·)RO-t\ra.;.ttuba ISPl. 98 Econ, pesquí .. Araçatuba. v.l, n.l, p.98-11 0, mar. 1999.

Upload: lubuttenbender

Post on 13-Sep-2015

218 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

o Desenvolvimento Do Processo Cognitivo

TRANSCRIPT

  • '. '

    o DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO COGNITIVO NA CRIANA SEGUNDO J. PIAGET

    Snia Ribeiro MORAES*

    Resumo: Estudando o desenvolvimento do conhecimento na criana, Jean Piaget analisou o processo cognitivo de forma abrangente e concluiu que sua construo envolve atividades sensrio-motoras como tambm operaes de natureza lgico matemtica. A sistematizao do conhecimento ocorre na interao entre esses dois nveis do processo.

    Palavras-chave: atividade cognitiva; inteligncia sensrio-motora; percepo: atividade perceptiva; causalidade perceptiva; operaes lgico-matemticas; causalidade f'\nl~r",tf'\rl

    Introduo

    Em busca de uma explicao para o processo cognitivo humano, Piaget, juntamente com diversos colaboradores, realizou novas pesquisas, nas dcadas de 60 e 70. De acordo com sua viso, ao entendermos a forma como a criana conhece, nos abrimos a possibilidade de compreendeml0s como todos os outros conhecimentos so adquiridos. Nas pesquisas, ele aprofunda a investigao da atvidade cognitiva no campo da causalidade por ser este mais controlvel que o da cultura, o da moral e o da afetividade.

    O homem um ser localizado no tempo e no espao e sua existncia exige que tenha uma participao ativa no melO em que vive. Na medida que interage com seu mundo, transformando-o, ele prprio sofre transfomlaes segundo as leis da natureza e as soeiais. Sendo assim, podemos afirmar que ao organizar o mundo, o indivduo tambm se auto-organiza e constri seu conhecimento.

    Piaget procura demonstrar que na construo do conhecimento infantil a experincia atravs da ao fundamental; porm, esta experincia no dispensa relaes de natureza lgico-matemtica, ou seja, relaes em que h coerncia lgica e quantificao.

    O desenvolvimento cognitivo do sujeito est dividido em dois planos. O

    '1c~trml.t t'mC!(!n(lJ. Cognimac FIlosofia da McntL\ L'NESP. Cjmptts Jc Mdnlld Oocentcdll fCf:A-('':PlOI5)RO-t\ra.;.ttuba ISPl.

    98 Econ, pesqu .. Araatuba. v.l, n.l, p.98-11 0, mar. 1999.

  • " .

    primeiro, sensrio-motor, forma-se nos primeiros anos da criana e ocorre durante toda sua vida. E o segundo, representativo, inicia-se a partir do primeiro e se desenvolve paralelo a ele desde os sete anos. a interao entre estes dois planos que possibilitar a sistematizao do conhecimento.

    Esse trabalho tem como objetivo acompanhar, embora de forma muito principiante e sucinta, o desenvolvimento do conhecimento fsico na criana desde seus primeiros meses at a fase operatria prpria do pr-adolescente.

    O corpo desse tr"balho est dividido em duas partes. A primeira relativa ao plano sensrio-motor que, por sua vez, se subdivide em atividade sensrio-motora, predominante nas crianas at dezoito meses, e atividade perceptiva, constante na vida do indivduo de forma mais ou menos intensa. A segunda parte analisa o sistema operatrio, prprio do plano representativo, que detem1ina a possibilidade do ser humano, ao compreender o mundo em que vive, comunicar-se e interagir com ele.

    1. Conhecimento sensrio motor

    (Plano sensrio-motor) A - Inteligncia sensrio-motora

    Este perodo anterior linguagem e assim denominado devido ausncia da funo simblica que, conseqentemente, impossibilita a criana elaborar pensamentos ou mesmo vincular afetvidade s representaes que lembrem pessoas ou objetos ausentes.

    O desenvolvimento mental neste perodo muito rpido e importante, porque nele que se forma um conjunto de subestruturas cognitivas que ser o ponto de partida das futuras construes perceptivas e intelectuais, como tambm de todo o campo da afetividade.

    O processo mental desta fase, denominado de inteligncia sensriomotora, basicamente prtico; busca solues para alguns problemas da ao. Apoia-se exclusivamente em percepes e movimentos atravs de uma coordenao sensrio-motora, j que no h, ainda, uma elaborao simblica.

    medida que a inteligncia sensrio-motora vai ultrapassando seus limites, tambm vai construindo um sistema complexo de esquemas de assimilao e de organizao do real de acordo com um conjunto de estruturas espaotemporais e causais.

    O mecanismo responsvel, segundo Piaget, por essa progresso contnua dos movimentos espontneos (reflexos), que vo desenvolver os hbitos adquiridos e depois a inteligncia, consiste de uma assimilao: (comparvel aSSimilao biolgica em sentido lato), ... a atividade organizadora do sujeito

    l:con pesqui., Araaluba, v, 1, n.l, p.98-ll 0, mar. 1999. 99

  • deve ser, ento, considerada to importante quanto as ligaes inerentes aos estmulos exteriores, pois o sujeito s se toma sensvel a estes ltimos na medida em que so assimilveis s estruturas j construdas que eles modificaro e enriquecero em funo das novas assimilaes. (PIAGET & INHELDER, 1994)

    A inteligncia sensrio-motora, atravs de seu prprio funcionamento, propcia a organizao do real ao construir as grandes categorias da ao: os esquemas do objeto permanente, do espao e do tempo, e da causalidade. Estas categorias so as subestruturas das futuras noes correspondentes. Elas no so princpios universais independentes do homem. Ao contrrio, elas esto totalmente centradas na ao e no corpado sujeito, num egocentrismo inconsciente.

    Por objeto permanente, Piaget quer dizer que o objeto permanece existindo desde que sua localizao seja percebida pelo sujeito. Ou seja, a construo do esquema do objeto pennanente est interligada a organizao espaciotemporal do universo prtico como tambm com a estruturao causal.

    Quanto ao espao e o tempo, no incio da existncia do indivduo, o primeiro percebido como uma ao do prprio corpo de forma heterognea (espao bucal, ttil, visual, auditivo, de postura); assim como o tempo est ligado a impresses tambm sentidas pelo corpo (expectao, etc.). Portanto, no h coordenao objetiva at este ponto. Progressivamente os espaos vo se organizando (ex. bucal e ttil-cinestsico), de forma parcial e durante longo tempo enquanto a construo do esquema do objeto permanente no propiciar a distino fundamental entre mudanas de estado (ou modificaes fsicas) e mudanas de posio (ou deslocamentos constitutivos do espao).

    O esquema do objeto permanente tambm est interligado a uma estrutura causal j que o objeto , ou origem,! ou sede, ou resultado de aes cujas relaes formam a categoria da causalidade.

    A causalidade, na fase inicial, caracterizada como mgico-fenomenista: "fenomenista, porque qualquer coisa pode produzir qualquer coisa segundo as ligaes anteriormente observadas. E 'mgica', porque est centrada na ao do sujeito sem considerar os contatos espaciais." (PIAGET & INHELDER, 1994).

    Contudo, no decorrer do desenvolvimento da inteligncia sensriomotora, as grandes categorias da causalidade, espao e tempo, vo incorporando: ( ... ) medida que o universo estruturado pela inteligncia sensrio-motora, segundo uma organizao espcio-temporal e pela constituio de objetos permanentes, a causalidade se objetiva e espacializa, o que quer dizer que as causas reconhecidas pelo sujeito j no esto situadas unicamente na ao prpria, seno em objetos quaisquer e as relaes de causa e efeito entre dois objetos ou suas aes supem um contato tisico e espacial. ( PIAGET & INHELDER, 1994)

    Ecol1. pCSqUI, Araatuba, \'.1. 11.1, p.9!-11 O. mar. 1999. 100

  • o esquema sensrio-motor est presente nas trs fases de desenvolvimento das formas de evoluo cognitiva:

    - nas formas iniciais que so constitudas por estruturas de ritmos; - nas formas posteriores que so constitudas por regulaes diversas

    que dependem de esquemas mltiplos; - e por fim, nas formas mais desenvolvidas que abarcam um princ

    pio de reversibilidade, origem das futuras 'operaes' do pensamento, mas j presentes no nvel sensrio-motor.

    B - Percepo e atividade perceptiva

    Como foi visto acima, as estruturas sensrio-motoras constituem a origem das operaes posteriores do pensamento. "( ... ) a inteligncia tem origem na ao na medida em que transfom1a os objetos e o real, e que o conhecimento, cuja formao pode seguir-se na criana, essencialmente assimilao ativa e operatria" (PIAGET & INHELDER, 1994)

    A atividade perceptiva um caso particular das atividades sensriomotoras e sua particularidade est no fato dela (percepo) depender do aspecto figurativo do conhecimento do real, enquanto que a ao (sensrio-motora) fundamentalmente operatria e transformadora do real.

    Embora a dificuldade de se estudar a percepo nos primeiros meses de vida de uma criana seja real, duas questes prprias da percepo j podem ser relacionadas com as reaes sensrio-motoras do primeiro ano:

    1".) a das constncias: da forma e da grandeza e, 2.) a da causalidade perceptiva.

    A constncia da forma a percepo que se tem da fonna habitual de um objeto independente de seu prprio aspecto. Durante a fase dc formao desta constante, entretanto, o esquema sensrio-motor est interligado, pois a criana procura pela forma conhecida do objeto manuseando-o. E a constncia da grandeza trata-se da percepo da grandeza real de um objeto independente da distncia que possa tom-lo menor ou maior. Essa constnCia que se desenvolve a partir do quinto ms, deve-se a uma percepo visual, mas tambm ttilcinestsica decorrente do toque constante que pemlite a coordenao entre viso e preenso.

    Michotte buscou explicaes para a interpretao da causalidade sensrio-motora na causalidade perceptiva, que para ele anterior sensrio-motora. Porm, segundo Piaget, a causalidade sensrio-motora, no nvel inicial, mgico-fenomenista, e portanto no sujeita a uma perspectiva espacial necessria a uma explicao de causalidade baseada na percepo.

    Piaget, em sua obra La transmissioll des II/ou\'iments: tudes d 'epistmologie gntique XXVII, afimla que a causalidade perceptiva visual

    L'''L pesquL, Araatuba. v.l. 11.1, p98-11 O.mar. 1999. 101

  • " .

    precedida geneticamente por uma causalidade perceptiva de natureza ttilcinestsica (movimento de mo ou p ao deslocar algo) que corresponde a uma experincia muito precoce.

    A composio perceptiva pode se exprimir por um jogo de compensaes semelhante quelas que garantem uma estimativa de grandeza real e constante de um objeto por uma composio de sua grandeza aparente com a distncia. Trata-se de uma compensao aproximada, mas relevante, de regulaes perceptivas e no de operaes intelectuais.

    preciso lembrar que as regulaes em Jogo podem resultar de atividades perceptivas ligadas aos movimentos oculares: a) a percepo de um movimento supe um transporte visual do mvel de uma determinada posio para a seguinte; e, b) a frenagem do movimento ocular que d idia de resistncia.

    Quatro so as variveis da causalidade perceptiva de natureza ttilcinestsica: 1- movimento de parte do prprio corpo; 2- presso que exerce o corpo sobre o objeto; 3- movimento adquirido pelo objeto 4- a resistncia dretamente sentida em oposio ao impulso

    a compensao entre os dois primeiros fatores e os dois ltimos que d a impresso de uma transmisso de movimentos com a equivalncia entre o que feito e despendido pelo sujeito e o que feito e ganho pelo objeto. Com a causalidade perceptiva visual ocorre o mesmo: as propriedades ttil-cinestsica so traduzidas em seus correspondentes visuais c atribudas aos objetos de forma visual.

    O transporte ocular representa um papel significativo na causalidade perceptiva visual paralelamente dinmica da ao e da motricidade do sujeito na causalidade ttil-cinestsica. O transporte ocular parece indispensvel para explicar aquilo que o sujeito "v" ou percebe visualmente nos objetos, e fornece essa sntese da conservao e da produo na qual consiste toda causalidade tanto representativa como perceptiva.

    Ento, duas hipteses so possveis a respeito da assimilao dos dados visuais: 1a.) O dado visual percebido por assimilao com as atividades perceptivas do sujeito, ou melhor, h uma identificao do mvel com o prprio movimento da ateno, o que permite reparar no movimento do mvel em relao ao fundo. 2a.) Os dados visuais, que esto reunidos em uma interao indissocivel entre as atividades do sujeito e as caractersticas dos objetos, so assimilados sem cessar aos esquemas inter-sensoriais (plurisensoriais) pois as figuras percebidas no so planas, mas objetos slidos e substanciais (como o so quase todos os objetos de nossa percepo), que podem corresponder s impresses ttl

    102 Econ. pesqui., Araatuba, v.l, n.l, p.98-110, mar. 1999.

  • cinestsicas to bem quanto s visuais.

    Duas espcies de fenmenos perceptivos visuais podem ser diferenciados a partir dos 4-5 at 12-15 anos (crianas que j podem ser submetidas a

    I experincias de laboratrio). A primeira espcie refere-se aos efeitos de campo ou de centrao que no supem nenhum movimento do olhar e so visveis num nico foco da viso. A segunda espcie trata "das atividades perceptivas que supem deslocamento do olhar no espao ou comparaes no tempo, orientadas (ambas) por uma busca ativa do sujeito: explorao, transporte (do que visto em X para o que visto em Y) no espao ou no tempo, transposio de um. conjunto de relaes, antecipaes, estabelecimento de referncias das direes, etc." (PIAGET & INHELDER, 1994)

    Segundo Piaget, enquanto as atividades perceptivas desenvolvem com a idade, tanto com relao capacidade de perceber mais como de perceber melhor, os efeitos de campo tendem a permanecer qualitativamente os mesmos em todas as idades, apesar de novos efeitos poderem formar-se atravs das atividades perceptivas. A percepo no pode ser considerada precisa porque, sendo fruto de uma ao imediata, sua caracterstica a de probabilidade. Alm do mais, quando algum campo fixado, uma idia geral formada, mas os detalhes no so vistos com a mesma preciso e nem ao mesmo tempo. Isto porque os rgos receptores da imagem agem aleatoriamente no primeiro momento, criando provveis deformaes sistemticas que permanecero durante a vida do indivduo, embora possam ser diminudas de intensidade ou nmero de erros com o desenvolvimento das atividades perceptivas nas quais exista um certo grau de controle.

    Portanto, ao contrrio dos efeitos de campo que pennanecem quase que constantes durante toda uma vida, as atividades perceptivas vo se desenvolvendo progressivamente at que os processq$ operatrios se constituam com suas funes orientadoras. Este o caso da explorao das configuraes por deslocamento mais ou menos sistemtico do olhar e de seus pontos de fixao (centraes). De modo geral, as crianas se comportam como se a viso fosse diferente (sincretismo), apesar de partirem de centraes bem evidentes. J os adultos, atravs de estratgias de explorao ou "um jogo de decises tal que os pontos de centrao apresentam o mximo de informao e o mnimo de perdas"(PIAGET & INHELDER, 1994), apresentam uma atividade perceptiva mais elaborada e, muitas vezes, mais precisa. Podemos ilustrar esta diferena citando a experincia de G. Meili-Dworetski, que utilizou uma figura em que se podia visualizar ora um rosto, ora uma tesoura. Para os adultos tal distino ficou clara e evidente; j para algumas crianas era uma tesoura atirada no rosto de um homem.

    Econ, pcsqui., Araatuba. v, 1, n, 1, p,98-II 0, mar. 1999, 103

    ..~-- ..._----------------------

  • ' ..

    Porm, existem casos que o erro acentuado com a idade. o caso das verticais que so consideradas mais longas que as horizontais do mesmo comprimento, porque as centraes so fixadas no meio das horizontais e na extremidade superior das verticais, graas aos movimentos oculares.

    A explorao atravs de exerccios da atividade perceptiva ajuda em muito reduzir o erro, principalmente a partir dos sete anos, quando o "sincretismo", as crenas fantasiosas, so substitudas lentamente por movimentos oculares melhor direcionados e "sobretudo, em que se constituem as primeiras operaes lgico-matemticas, isto , em que a atividade perceptiva pode ser dirigida por uma inteligncia ... " (PIAGET & INHELDER, 1994). claro que esta operao no vem substituir a percepo, mas vem auxiliar na seleo das informaes perceptivas que mais nfase devem receber.

    Segundo Piaget, apenas o desenvolvimento da percepo no suficiente para explicar a inteligncia nem mesmo as noes decorrentes da compreenso. necessrio tambm uma estruturao que proceda da ao e das prprias operaes mentais e que fornea contedo s noes. H(... ) a percepo s fornece, com efeito, instantneos correspondentes a este ou quele ponto de vista, que o do sujeito no momento considerado, ao passo que a noo supe a coordenao de todos os pontos de vista e a compreenso das transformaes que conduzem de um ponto de vista a outro." (PIAGET & INHELDER, 1994).

    As estruturas perceptivas so basicamente no adi~ivas e irreversveis devido a sua composio probabilstica, embora as atividades perceptivas intervenham com algumas regulaes. J as operaes, graas a suas estruturas de conjunto, so aditivas e essencialmente reversveis. Portanto, o sistema operatrio imprescindvel, pois esta U(...) dualidade fundamental de orientao, [ importante] tanto do ponto de vista gentico quanto do ponto de vista dos seus destinos na histria do pensamento cientfico" (PIAGET & INHELDER, 1994)

    2. As operaes e a causalidade

    (Plano representativo)

    no plano representativo que as transformaes do real ocorrem atravs de aes interiorizadas e agrupadas em sistemas coerentes e reversveis.

    O surgimento deste segundo plano exige a superao de dois obstculos cuja soluo depender de um aparato cognitivo adquirido a partir dos 7 anos. O primeiro trata-se da capacidade de representar simbolicamente, atravs de mapa, maquete, planos, etc., uma ao normalmente desempenhada no dia-a-dia . E o segundo o estado de descentrao da ao do prprio corpo que posteriormen

    104 Econ. pesqui .. Araatuba, v.l , n.l, p.98-11 0, mar. 1999.

  • te permitir a descentrao da representao do indivduo, colocando-o diante de um universo muito mais extenso e complexo.

    As operaes so aes interiorizveis, reversveis e coordenadas em sistemas, prprias de todos os indivduos com o mesmo nvel mental e adequadas a toda funo cognitiva. Por reversibilidade das operaes, Piaget quer dizer que elas processam transformaes reversveis, seja por inverses (A - A =O) ou reciprocidade (A corresponde a B e B corresponde a A). A transformao operatria sempre relativa a uma invariante, caso contrriQ ela no seria reversvel (no teria como retomar). Esta invariante de um sistema de transformaes denomina-se "noo" ou "esquema de conservao".

    O fator indicador de um nvel pr-operatrio, em crianas abaixo de 7 anos, a ausncia de noes de conservao. Ex. da dissoluo do acar na gua. Elas, primeiro, se prendem aos estados e configuraes aparentes da mudana, mas no levam em conta como as transformaes ocorreram; as explicaes so mgico-fenomnicas. Segundo, as crianas no concebem as transformaes como tal, ou melhor, como uma passagem reversvel de um estado para outro que modifica as formas mas no a quantidade. As transformaes so tidas como uma ao prpria no semelhante a qualquer outra dedutvel de aplicao exterior.

    No entanto, a partir dos 7 anos, quando a criana comea a operar concretamente, sua compreenso abarca identificao, adio, reversibilidade e compensao. "( ... )os estados, daqui por diante, subordinam-se s transformaes e estas, descentradas da ao prpria para se tomarem reversveis, explicam, ao mesmo tempo, as modificaes em suas variaes compensadas e a invariante implicada pela reversibilidade" (PIAGET & INHELDER, 1994)

    Seja qual for a experincia com crianas (dissoluo do acar em gua, deformaes de bolinhas de argila, conservao das substncias, do peso ou do volume, etc.), no nvel pr-operatrio as reaes esto eentradas, ao mesmo tempo, em configuraes perceptivas ou acompanhadas de imagens. Enquanto que no nvel operatrio, as reaes esto fundamentadas sobre a identidade e a reversibilidade por inverso ou reciprocidade.

    As operaes concretas so assim definidas porque se baseiam nos objetos diretamente. Elas estabelecem a transio entre a ao e as estruturas lgicomatemticas que, por sua vez, implica uma combinatria; e formam uma estrutura de grupo que coordena as fonuas possveis de reversibilidade (inverso ou reciprocidade).

    As operaes tambm coordenam estruturas de conjuntos (agrupamentos) como classificaes, seriaes, etc., que tm como caracterstica peculiar a constituio de encadeamentos progressivos que comportam composies de operaes diretas, inversas, idnticas, tautolgicas e parcialmente associativas.

    [con, pesgui,. Araatuba, v, 1. n, 1, p,98-11O, mar. 1999, 105

    ---'- --

  • " .

    A causalidade uma das atvidades estruturadas do sistema operatrio na busca de assimilao do real. As crianas esto sempre perguntando o por qu das coisas. Inicialmente, at 7 anos, como ainda no possuem um processo operatrio propriamente dito (e sim pr-operatrio), suas explicaes causais so, na verdade, pr-causais. Manifestam-se como "realismo", na medida que no distinguem o psquico do fsico; e como "animismo", ou seja, tudo que est em movimento vivo e consciente.

    A pr-causalidade no plano sensrio-motor "mgico-fenomenista"; mas assim que os processos operatrios, enquanto coordenaes gerais das aes, vo se consolidando, a pr-causalidade vai dando lugar a uma causalidade racional e objetiva.

    Bom exemplo dessa causalidade operatria o do atomismo infantil como derivante das operaes aditivas e da conservao que delas decorre. A propsito de experinias de conservao, interrogamos, outrora, crianas de 5-12 anos sobre o que se Pilssa aps a dissoluo de pedaos de acar num copo d'gua (J. Piaget e B. Inhelder, Le dveloppement des quantits physiques chez I 'enfant, 1962). At 7 anos, mais ou menos, o acar dissolvido se destri e o seu gosto se dissipa como simples cheiro; a partir dos 7-8 anos a sua substncia se conserva, mas no se lhes conservam o peso nem o volume; a partir dos 9-10 anos, acrescenta-selhe a conservao do peso e, a partir dos 11-12 anos, a do volume (que se reconhece pelo fato de que o nvel da gua, um pouco aumentado quando se opera a imerso dos torres de acar, no volta ao nvel inicial aps a dissoluco)." (PIAGET & INHELDER, 1994)

    Concluso: todo progresso na constituio das invariantes ou do atomismo, segundo Piaget, resultante, primeiro, de uma experincia ou, segundo, de uma deduo a priori ou, terceiro, da construo que une esses termos.

    Ento, para compreender o conjunto dos mecanismos da conservao preciso separar o sentido das relaes estabelecidas pela criana entre a experincia e o raciocnio. Na verdade, a construo das invariantes no se deve apenas experincia, nem ao raciocnio puro, mas aos dois ao mesmo tempo e de forma complexa.

    A experincia proveniente dos sentidos evidente na fOffi1ao dos princpios de conservao e do atomismo: o sabor do acar ou observao do nvel d'gua com a imerso do acar. Porm, a experincia no suficiente para conduzir a uma conservao rigorosa, a uma transitividade operatria, ou ao atomismo de composio. So necessrios fatores dedutivos para estruturar e completar os dados perceptveis.

    106 Econ. pesqui., Araatuba, v.l, n.l, p.98-1 Jo, mar. J999.

  • " .

    Ento, em primeiro lugar, possvel dizer que um sentimento de necessidade a priori aparece para contrastar em tudo com o fenomenismo da noconservao e com as hesitaes das fases intermedirias. Em segundo lugar, a prpria quantificao produto de uma deduo segura de si mesma. A quantificao no uma caracterstica que se acrescente a princpios de permanncia j estabelecidos antes dela; a quantificao a prpria expresso dos mtodos de composio que conduzem a essa conservao. E, em terceiro lugar, acreditar que as noes da invarincia da substncia, do peso e do volume (como qualquer outro fenmeno fisico) so resultantes dos dados da experincia, afimlar simplesmente que esses fatos podem servir de material para uma elaborao esquemtica. Mas isto s possvel atravs de uma construo dedutiva que modele os dados e os complete, assimilando-os a um sistema de operaes coerentes.

    Para a conservao, tal como para o atomismo, supe-se uma colaborao ntima entre a experincia e a deduo. Na medida que a deduo toma-se possvel sobre um ponto (a invariante substancial), a induo experimental aparece nos outros, como no caso do peso e do volume, at o momento em que o sistema inteiro se toma dedutivo e se fecha sobre si mesmo.

    O raciocnio repousa sobre a construo de um sistema de relaes comuns induo e deduo. Enquanto a composio indutiva constri aos poucos, as operaes dedutivas renem as relaes num todo.

    medida que se diferenciam os procedimentos operatrios do pensamento e os dados no deformados pelo eu da prpria experincia, segue-se, ao mesmo tempo, uma deduo necessria e uma induo exata. Contudo, preciso compreender que a histria das trocas entre a deduo e a experincia supe um direcionamento que vai do fenomenismo inconscientemente centrado no eu construo de um "grupo" de operaes fisicas exteriores ao eu egocntrico. No incio deste processo no h qualquer coordenao objetiva possvel, pois o sistema de referncia neste caso constitudo pelo egocentrismo das relaes percebidas. Porm, o estado final caracteriza-se por uma coordenao, ao mesmo tempo, lgico-matemtica e experimental; ou seja, o sistema no estgio final est descentralizado em proveito de uma composio geral que integra a atividade prpria deste sistema ao universo de transfomaes reversveis.

    No h nada no contedo dos agrupamentos que tenha sua origem na prpria experincia: as relaes de volume, peso e de quantidade de substncia, as imagens do tomo-gro, as transformaes por seccionamento, deslocamento, compresses, so todas impostas pelos fatos a priori como tais.

    ECOH pesqu .. Araatuba. v.l. 11.1, p.98-11 O, mar. 1999. 107

  • Concluso

    A passagem do egocentrismo fenomenista ao agrupamento operatrio no significa eliminar a ao; esta, porm, acha-se descentralizada do eu e aberta a composies com todas as outras aes possveis, na medida em que se toma reversvel. As experincias podem ser to indutivas quanto for preciso e a prpria composio dos dados experimentais to empirista quanto se quiser. Contudo, a atividade do sujeito ser definida pelo rigor lgico, pela necessidade que sozinho fornea a deduo, e que esta se expresse na composio das operaes, entre si e com seus inversos, em sistema ao mesmo tempo fechado sobre si mesmo e aberto a todas as combinaes.

    Portanto, a unio da ao e do objeto to prxima no final quanto no comeo; porm, em vez de trazer o universo para si e deixar-se dominar, o sujeito se situa no universo, coordena-o, graas a insero das transformaes exteriores no sistema das operaes tomadas reversveis.

    o esquema proposto por Piaget consiste no seguinte:

    esquemas de ao ~ esquemas representativos ~ operaes resquemas operatrios de ao pr-operatrios Le do pensamento

    causal idade perceptiva causalidade perceptiva raspecto figurativo ou ttil-cinestsica visual Lperceptivos de causalidade

    Este esquema prope o seguinte:

    1.) Uma srie evolutiva relativamente autnoma quanto aos aspectos operatrios da ao e do pensamento causal (ao operatria)

    2_) Um desenvolvimento dos aspectos figurativos ou perceptivos da causalidade que conduz da causalidade perceptiva ttil-cinestsica causalidade perceptiva visual (vice-versa)

    3".) Uma seqncia ininterrupta de interaes entre os aspectos operatrios e os aspectos figurativos do conhecimento causal. Os aspectos operatrios dirigem as atividades perceptivas prprias dos aspectos figurativos, e os aspectos

    Econ. pesqui., Araatuba, v.l, n.l, p.98-11 O, mar. 1999. 108

  • figurativos fornecem as informaes necessrias sobre os estados que os aspectos operatrios relacionam numa seqncia inteligvel graas s transformaes que eles criam.

    Em cada um desses patamares relacionados com as aes, regulaes perceptivas ou representativas, ou ainda operaes propriamente ditas, a causalidade aparece como uma sntese de produes e de conservaes graas s compensaes que garantem as equivalncias do processo temporal-assimtrico.

    Finalizando esse trabalho, possvel afirmar que o indivduo epistmico de Piaget no um sujeito acabado como o de Kant. Ele um sujeito que est constantemente desenvolvendo suas possibilidades de conhecer atravs da interao com o mundo.

    RIBEIRO, Sonia Ribeiro. The development ofthe cognitive process in children accoraing to l Piaget. Economia & Pesquisa, Araatuba. v.l, n.l, p.981'10, mar. 1999.

    Abstract: Studying the development of knowledge in children, Jean Piaget analysed the general cognitive process and inferred that its construction involves both sensory-motor activities and operations oflogical-mathematical nature. The systematization ofknowledge occurs in the interaction between these two leveis ofthe processo Keywords: Cognitive activity; sensorimotor intelligence; perception; perceptive activity; perceptive causality; logical-mathematical operations; operative causality.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOUVET, M. Forces de pousse et rsistances dans la transmission immdiate du mouvemente. ln: PIAGET, l La transmission des movementes tudes d 'pistmologie gnetique XXVII. Paris: Universitaires de France, 1972. p.7-45.

    PIAGET, l, INHELDER, B. Da conservao ao atomismo. ln: O desenvolvimento das quantidades fisicas na criana. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 109-166.

    SZEMINSKA, A. FERREIRO, E. La transmission mdiate du mouvement. ln:

    Econ. pesqui., Araatuba, v.l, n.l, p.98-11 0, mar. 1999. 109

  • PIAGET, J. La transmission des mouvements tudes d'pistma logie gnetique XXVII. Paris: Universitares de France, 1972. p.47-97.

    Econ. pesqui., Araatuba, v.l, n.l, p.99-11O, mar. 1999. 110