monografia - cdc ao estado

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  ASSOCIAÇÃO UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO INSTITUTO CEARÁ DE ENSINO E CULTURA  ICEC CURSO DE DIREITO ARTHUR MOURA COSTA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES ESTATAIS FORTALEZA - CEARÁ 2014

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Monografia Fafor

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  • ASSOCIAO UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO

    INSTITUTO CEAR DE ENSINO E CULTURA ICEC

    CURSO DE DIREITO

    ARTHUR MOURA COSTA

    POSSIBILIDADE DE APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO

    CONSUMIDOR S RELAES ESTATAIS

    FORTALEZA - CEAR

    2014

  • ARTHUR MOURA COSTA

    POSSIBILIDADE DE APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO

    CONSUMIDOR S RELAES ESTATAIS

    Monografia Jurdica apresentada Coordenao do

    Curso de Direito, da Faculdade de Fortaleza FAFOR,

    para a obteno do grau de Bacharel em Direito.

    Orientador: Professor Ms. Mrcio Rodrigues Melo.

    FORTALEZA - CEAR

    2014

  • TERMO DE APROVAO

    ARTHUR MOURA COSTA

    POSSIBILIDADE DE APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO

    CONSUMIDOR S RELAES ESTATAIS

    INSTITUTO CEAR DE ENSINO E CULTURA ICEC

    Habilitao: Direito

    Aprovado em: ____de ________ de 2014.

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________

    Prof. Ms. Mrcio Rodrigues Melo

    Orientador

    ____________________________________________

    Examinador

    ____________________________________________

    Examinador

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais, Vnia e Cristiniano, que desde cedo incentivaram e

    despertaram meu interesse pelo estudo.

    Aos meus pais, que choraram comigo a reprovao no vestibular de Direito

    da UFC, na segunda fase, em 2009, e, mesmo com minha inteno de voltar aos

    cursinhos, matricularam-me no curso de direito da FAFOR.

    Aos meus pais, que no me deixaram desanimar quando no consegui

    estgios no frum de Pindoretama e num famoso escritrio de advocacia em

    Fortaleza (apesar de ter feito uma excelente prova escrita, tendo sido reprovado na

    entrevista).

    Aos meus pais, que me incentivaram a seguir a diante, mesmo diante de

    sucessivas reprovaes nos concursos para agente de trnsito de Pindoretama,

    tcnico do TRE-CE e policial legislativo do Senado Federal, ocasies em que cogitei

    colocar a faculdade num segundo plano, para buscar um trabalho na iniciativa

    privada.

    Aos meus pais, pela confiana e pelo incentivo, sem as quais jamais teria

    conseguido as aprovaes no estgio da Procuradoria Geral do Estado do Cear, no

    Estgio da Procuradoria Federal da UFC, no Estgio da Defensoria Pblica do

    Estado do Cear, no Exame da OAB, no Ministrio Pblico do Estado do Cear

    (como tcnico ministerial) e no Tribunal de Justia do Estado do Cear (como

    analista de execuo de mandatos).

    A vocs, meus pais, com amor e agradecimento, essa justa dedicatria!

  • AGRADECIMENTOS

    Se apenas o existir j seria motivo bastante para agradecer, impossvel

    retribuir aos meus pais por todo o amor, a renncia, a confiana e o incentivo.

    A minha pequena irm, Amandinha, pela alegria contagiante, que s as

    crianas sabem transmitir.

    Aos meus avs, Antnio Olmpio e Antnio de Moura, pelo apoio, mesmo

    quando os outros viraram as costas.

    s minhas avs, Dona Rosa e Maria do Lauro, pelo carinho, pelo cuidado e

    por todas as horas de dedicao.

    A minha namorada, Jordnia, porque se agradece pelo que j foi feito, e no

    por a certeza de um futuro, a voc, meus sinceros agradecimentos pelo carinho,

    pela pacincia, pela cumplicidade, pelas horas furtadas e pelo apoio incondicional.

    Ao Dr. Paulo de Tarso, Procurado do Estado do Cear, pelo exemplo, pelos

    ensinamentos, pela pacincia, pela confiana e pela humanidade, pessoa em quem

    muito me espelho, uma prova viva de que sucesso profissional e humildade so

    qualidades plenamente conciliveis.

    Ao pessoal do apoio administrativo e aos estagirios da primeira seleo da

    Procuradoria Federal da UFC, sinceros amigos, que levarei para o resto da vida.

    Ao Professor Mrcio Melo, a quem muito admiro, no s pelo domnio e

    didtica nos diversos ramos jurdico - do Direito Agrrio ao Direito Empresarial - mas

    pelo exemplo de superao, pela preocupao com outro e pela alegria de suas

    aulas, que leva ao riso o mais sisudo dos alunos.

    Aos meus amigos Elvis e Andr, em nome de toda a turma de direito 2010.1

    da FAFOR, pessoas com histrias de vida incrveis, com quem tive a honra de

    conviver ao longo desses cinco anos.

    A todos os meus familiares e amigos que de uma forma ou de outra

    contriburam para a concluso deste curso.

  • Uma jornada de mil lguas comea com um simples passo.

    Provrbio Chins

  • RESUMO

    A incidncia da legislao consumerista a prestao de servios pblicos tem sido

    alvo de bastante controvrsia na doutrina, apesar da existncia de expressa

    determinao legal nesse sentido. Partindo de tal constatao, este trabalho tem por

    escopo apresentar as nuances do problema, investigando a viabilidade da aplicao

    do Cdigo de Defesa do Consumidor aos usurios de bens e servios

    disponibilizados pelo Estado. De igual maneira, ser analisada a possibilidade do

    Poder Pblico atuar como consumidor, beneficiando-se das normas consumerista.

    PALAVRAS-CHAVE: Incidncia da legislao consumerista. Relaes estatais.

    Viabilidade.

  • ABSTRACT

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 10 1. DA POSSIBILIDADE DE APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO ESTADO ................................................................................... 12 1.1 Do Estado enquanto consumidor ....................................................................... 12 1.2 Do Estado enquanto fornecedor .......................................................................... 20 2. ATIVIDADES ESTATAIS SUBMETIDAS AO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.. ....................................................................................................... 23 3. SERVIO PBLICO ............................................................................................ 30 4. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO FORNECEDOR .................................. 32 5. CONCLUSO ...................................................................................................... 36 6. REFERNCIAS ................................................................................................... 37

  • INTRODUO

    Com a crise do Estado Liberal, a atuao da Administrao Pblica, no

    transcorrer do Sculo XX, foi estendida a diversos setores, de modo a abarcar

    desde servios como segurana pblica at a explorao de atividades

    econmicas.

    Em virtude dessa realidade, tornou-se impossvel submeter o Estado a

    um nico regime jurdico, passou a ser necessria a combinao de normas de

    direito pblico e de direito privado, surgiu um regime hbrido, ora com

    prevalncia das regras dispositivas, ora com precedncia das regras cogentes.

    Nesse sentido, quando o Cdigo de Defesa do Consumidor foi

    institudo, no incio da dcada de 90 (noventa), prevendo de forma expressa a

    sua aplicabilidade aos servios pblicos, no houve nada de extraordinrio,

    apenas se consolidou um tendncia que j vinha sendo observada nos

    ordenamentos jurdicos, tanto que a doutrina especializada j diferenciava os

    contratos administrativos (submetidos ao regime pblico) dos contratos da

    administrao pblica (submetidos preponderantemente ao regime privado).

    Ocorre que o Cdigo Consumerista no distinguiu as diversas

    modalidades de servios pblicos, determinando sua aplicao de forma

    irrestrita a todas as prestaes estatais, o que no parece ser a interpretao

    mais adequada.

    De fato, no se pode conferir um sentido abrangente ao referido

    comando legal, basta imaginar o absurdo que decorreria da aplicao da

    legislao consumerista a prestao de servios pblicos exclusivos e

    indelegveis, a exemplo da prestao jurisdicional, nesse caso, admitida a

    aplicao da legislao protecionista, os magistrados responderiam de forma

    objetiva pelos seus erros, pois, segundo tal sistema, todos que concorrem para

    o evento respondem independente da demonstrao da culpa.

    Ante esse panorama, o presente estudo almeja investigar a que

    espcies de atividades estatais realmente mostra-se vivel a aplicao do

    Cdigo de Defesa do Consumidor.

    Para tanto, ser feito o uso basicamente do mtodo dedutivo, atravs

    da analise da legislao, jurisprudncia, obras que versam sobre o contedo

  • abordado, assim como pesquisa em meio eletrnicos. O estudo ser dividido

    em trs captulos.

    No primeiro, sero estudados os fundamentos para a incidncia do

    Cdigo de Defesa do Consumidor Administrao Pblica, analisar-se- a

    possibilidade do Estado atuar como fornecedor e tambm como destinatrio

    final de bens e servios.

    O segundo captulo abordar a temtica do servio pblico, atividade

    estatal que mais correntemente sofre a incidncia do Cdigo de Defesa do

    Consumidor. Na ocasio, ser investigado o conceito e as caractersticas que

    permitem diferenciar o servio pblico das demais atividades desempenhadas

    pelo Estado.

    No terceiro captulo, sero analisadas as consequncias oriundas da

    incidncia das normas consumeristas ao Poder Pblico, com nfase na

    responsabilidade civil do Estado, enquanto fornecedor.

    Objetiva-se, dessa forma, uma compreenso lgica e ordenada das

    normas jurdicas atinentes incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor ao

    Estado, seja como fornecedor, seja como consumidor.

    Ressalta-se, por fim, que o presente trabalho no almeja exaurir o

    assunto, o que praticamente impossvel em se tratando de Direito, apenas

    intenta ressaltar a importncia do tema em virtude do alargamento dos servios

    prestados direta ou indiretamente pelo Estado.

  • 1. DA POSSIBILIDADE DE APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO

    CONSUMIDOR AO ESTADO

    1.1. Do Estado enquanto consumidor

    Conforme se extrai da leitura do artigo 2, do Cdigo Consumerista,

    consumidor toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou

    servio como destinatrio final.

    Assim, o enquadramento do Estado como consumidor encontra-se

    vinculado ao entendimento conjugado desse dispositivo com as normas que

    regem os contratos administrativos.

    Nesse sentido, uma corrente mais tradicional de doutrinadores entende

    que o Estado no teria aptido para figurar como consumidor, em virtude da

    impossibilidade de conciliar o regime de contratao pblico com as exigncias

    de vulnerabilidade feitas pela legislao consumerista.

    Segundo esse entendimento, o Poder Pblico, gozando de ampla

    supremacia quando da celebrao de suas obrigaes, inclusive, por meio de

    clusulas exorbitantes, no poderia ser tratado como pessoa vulnervel frente

    ao fornecedor, inclusive, porque decide o servio a ser realizado e as regras

    que regero a obrigao, circunstncias que obstariam a incidncia das

    normas protetivas do Cdigo Consumerista.

    Um dos doutrinadores filiados a essa corrente mais conservadora

    Maral Justen Filho, conforme denotam suas lies:

    Algum poderia defender a aplicao subsidiria do regime da Lei n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor), no tocante responsabilidade por vcios do produto ou do servio. Isso invivel, porquanto a Administrao quem define a prestao a ser executada pelo particular, assim como as condies contratuais que disciplinaro a relao jurdica. Ainda que pudesse caracterizar a Administrao como consumidor, no haveria espao para incidncia s regras do CDC, estando toda a matria subordinada s regras da Lei de Licitaes, do ato convocatrio e do contrato. Quando muito, poderia cogitar-

  • se da situao quando a Administrao Pblica adquirisse produto no mercado, em situao equivalente de um consumidor (JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios Lei de Licitaes e Contratos Administrativos. 9 edio. So Paulo: Dialtica, 2002, p. 520).

    A viso dessa linha terica bem sintetizada nas palavras de Rafael

    Carvalho Rezende Oliveira, que embora no concorde com ela, explica seus

    fundamentos:

    O Estado no pode ser considerado consumidor, pois essa qualificao depende, necessariamente, da vulnerabilidade da pessoa em relao ao fornecedor dos produtos e dos servios (art. 4, I da Lei n 8.078/90). O Estado no pode ser considerado vulnervel nos contratos que celebra com terceiros, pois goza de supremacia contratual, especialmente em razo da presena das clusulas exorbitantes (art. 58 da Lei n 8.078/90). Em outras palavras: nos contratos administrativos, o desequilbrio contratual decorre justamente da supremacia do Poder Pblico em detrimento das sujeies do particular. Outro argumento, normalmente utilizado por essa primeira corrente doutrinria, refere-se ao fato de que as clusulas contratuais, em quase sua totalidade, so unilateralmente estabelecidas pelo prprio Poder Pblico. As clusulas regulamentares ou de servio so elaboradas pelo Estado e constam da minuta do contrato anexado ao edital de licitao, restando ao particular participar da formao das clusulas econmicas, financeiras ou monetrias. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Os servios pblicos e o Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC): limites e possibilidades, p. 21. Revista Eletrnica de Direito Administrativo Econmico, Nmero 25 fevereiro/maro/abril 2011 Salvador).

    O Tribunal da Cidadania j chegou a adotar esse corrente em um de

    seus julgados:

    ADMINISTRATIVO. LICITAO. CONTRATO DE OBRA PBLICA. CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELGRAFOS. 1. Por fora do inciso XXI do art. 37 da Constituio, o poder pblico no se submete s condies do Cdigo de Defesa do Consumidor para contratar suas obras e sim ao regime prprio previsto na lei de licitaes, no caso o Decreto-Lei 2.300/86, vigente na poca da contratao sub judice, e atualmente a Lei

  • n 8.666/93, de 21.06.1993, mesmo em se tratando de empresa pblica que explora atividade econmica, como o caso dos Correios. (STJ. REsp. n 527.137-PR, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 11.05.2004).

    De forma diversa, os autores mais modernos defendem a incidncia da

    legislao consumerista em favor do Estado, sob a argumentao de que a lei

    no realizou qualquer diferenciao quanto aos sujeitos de direito que podem

    ser qualificados como consumidor, circunstncia que obstaria qualquer

    discriminao em relao aos entes pblicos.

    Esse corrente mais liberal lembra que a Lei de Licitaes, no seu art.

    54, preceitua que os contratos celebrados sob o regime de direito pblico so

    disciplinados subsidiariamente pela legislao privada, regra que permitiria a

    incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor s obrigaes em que a

    Administrao Pblica atuasse como destinatria final de bens e servios.

    Alm disso, os doutrinadores mais modernos no aceitam o argumento

    de que faltaria s pessoas jurdicas de direito pblico a vulnerabilidade exigida

    pelo diploma consumerista. Eles ressaltam que o conhecimento tcnico dos

    agentes pblicos genrico em virtude da diversidade de objetos contratados

    pelo Estado - o que no faria frente ao conhecimento especializado dos

    prestadores de bens e servios.

    Favorvel a essa posio, Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

    Realmente, ainda que a situao seja rara, parece possvel em determinadas situaes considerar o Estado como consumidor, desde que haja vulnerabilidade tcnica em relao ao fornecedor. Por melhor preparo tcnico dos agentes pblicos, no possvel exigir que eles conheam todos os bens e servios oferecidos no mercado, sendo possvel que determinados particulares tenham uma relevante supremacia tcnica em casos pontuais. verdade que a Lei n 8.666/93, em regra, protege, suficientemente, o Estado em situaes de inadimplemento contratual ou de necessidade de mudanas contratuais para o melhor atendimento do interesse pblico. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Os servios pblicos e o Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC): limites e possibilidades, p. 22. Revista Eletrnica de Direito Administrativo Econmico, Nmero 25 fevereiro/maro/abril 2011 Salvador).

  • Cludia Lima Marques resume a controvrsia, com as seguintes

    palavras:

    Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definio de consumidor o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela s existe porque o consumidor a parte vulnervel nas relaes contratuais no mercado, como afirma o prprio CDC no art. 4, inciso I, Logo, convm delimitar claramente quem merece esta tutela e quem no a necessita, quem consumidor e que no . Propem, ento que se interprete a expresso destinatrio final do art. 2 de maneira restrita, como requerem os princpios bsicos do CDC, expostos nos arts. 4 e 6. (...) J os maximalistas vem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e no normas orientadas para proteger somente o consumidor no-profissional. O CDC seria um Cdigo geral sobre o consumo, um Cdigo para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princpios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definio do art. 2 deve ser interpretada o mais extensamente possvel, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um nmero cada vez maior de relaes no mercado. (...) Destinatrio final seria o destinatrio ftico do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fbrica de toalhas que compra o algodo para transformar, a fbrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma mquina de escrever para o seu escritrio, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para o uso nas reparties (...) (MARQUES, Cludia Lima. Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. 4 edio. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 253/255).

    Conforme se observa, o tema permeado a controvrsias,

    especialmente, porque as duas correntes antagnicas possuem fortes

    fundamentos jurdicos.

    Inobstante, a tendncia contempornea parece ser a prevalncia da

    corrente ampliativa, pois a jurisprudncia tem se inclinado pela interpretao

    menos rgida do termo destinatrio final, valendo-se, para tanto, da teoria

    finalista mitigada, segundo a qual a vulnerabilidade tem que ser analisada a luz

    do caso concreto, de forma que at mesmo um intermedirio da cadeia

    produtiva pode ser considerado consumidor.

  • Embora consagre o critrio finalista para interpretao do conceito de consumidor, a jurisprudncia do STJ tambm reconhece a necessidade de, em situaes especficas, abrandar o rigor desse critrio para admitir a aplicabilidade do CDC nas relaes entre os adquirentes e os fornecedores em que, mesmo o adquirente utilizando os bens e servios para suas atividades econmicas, fique evidenciado que ele apresenta vulnerabilidade frente ao fornecedor. Diz-se que isso a teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada. (CAVALCANTE, Mrcio Andr Lopes. Principais julgados do STF e do STJ comentados 2013, p. 333. Manaus: Dizer o direito, 2014.)

    preciso esclarecer que apesar da existncia de zonas de indefinio

    quanto qualificao do Poder Pblico como consumidor, existem situaes

    que no h como negar a aplicao da legislao consumeristas em favor do

    Estado.

    Como se sabe, alguns contratos so celebrados pelo Poder Pblico

    sem que ele goze das prerrogativas inerentes ao regime administrativo, so os

    denominados contratos da administrao.

    Neles, o Estado atua no mesmo plano do particular, pode-se citar a

    ttulo representativo, o aluguel de um imvel pela Administrao Pblica, ou a

    contratao de um seguro ou de um arrendamento mercantil, em todos esses

    casos no se vislumbra qualquer impedimento aplicao do Cdigo de

    Defesa do Consumidor, em benefcio do Poder Pblico.

    Ao contrrio do que ocorre nos contratos administrativos, em que existe um natural desequilbrio contratual em favor do Poder Pblico (relao de verticalidade), tendo em vista a incidncia legal das clusulas exorbitantes, independentemente de previso contratual expressa, nos contratos privados da Administrao as partes se encontram em posio de igualdade (relao de horizontalidade) e o ajuste se submete, predominantemente, s regras de direito privado (art. 62, 3, I da Lei n 8.666/93). Nesse caso, tais contratos privados da Administrao podem ser regidos pelo CDC e, eventualmente, o Estado qualificado como consumidor. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Os servios pblicos e o Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC): limites e possibilidades, p. 22/23. Revista Eletrnica de Direito Administrativo Econmico, Nmero 25 fevereiro/maro/abril 2011 Salvador).

  • Alm disso, preciso considerar que a Administrao Pblica tambm

    integrada por pessoas jurdicas privadas, as empresas estatais (sociedades

    de economia mista e empresas pblicas), que se submetem

    predominantemente ao regramento imposto aos particulares.

    Se a entidade for exploradora de atividade econmica, suas relaes negociais com terceiros, salvo alguma exceo (...) sero sempre regidas integralmente pelo direito privado. Assim, seus contratos no sero contratos administrativos. Sua responsabilidade contratual ou extracontratual, estar sob a mesma disciplina aplicvel s empresas privadas e o Estado no responde subsidiariamente por seus atos (MELO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 18 edio, p. 194. So Paulo: Malheiros, 2005).

    Em decorrncia desse regime a que esto sujeitas as empresas

    estatais, no se identifica qualquer bice aplicao das normas do Cdigo de

    Defesa do Consumidor a suas contrataes.

    Entretanto, ainda que se esteja diante de obrigaes contradas pelo

    Estado, nos termos da Lei de Licitaes, com a utilizao de clusulas

    extravagantes, no se deve concluir, de forma abstrata, pela desconsiderao

    da legislao consumerista.

    Se a vulnerabilidade do consumidor fosse analisada apenas sob o

    prisma jurdico e econmico, fatalmente, os entes pblicos no poderiam ser

    considerados consumidores, em virtude da existncia de prerrogativas

    processuais, de seus rgos de assessoramento judicial e da sua supremacia

    financeira.

    Inobstante, o desequilbrio contratual pode restringir-se a seara tcnica.

    Alm disso, a vulnerabilidade pode ser ftica, quando o consumidor se ver

    compelido a contratar, como pode ocorrer na aquisio de bens ou servios

    pela Administrao Pblica para fazer frente a uma calamidade pblica.

    A anlise do caso concreto pode evidenciar que a Administrao

    Pblica, apesar de ter definido o objeto no edital da licitao, no dispe de

    conhecimentos especficos acerca do bem ou servio a ser contratado.

    Isso ocorre porque a revoluo tecnolgica ampliou em quantidade e

    em qualidade os objetos necessrios ao bem administrar, no sendo prudente

  • exigir que os agentes pblicos disponham de amplos conhecimentos em todas

    as reas sujeitas licitao.

    De fato, o Estado adquire uma grande diversidade de produtos, desde

    clipes at aeronaves, bem como contrata uma gama diversificada de servios:

    segurana, limpeza, elaborao de programas de computadores, etc, de forma

    que nem mesmo o mais qualificado dos rgos dispe de tal amplitude de

    informaes.

    exatamente essa difuso de objetos com que a Administrao

    Pblica trabalha em seu cotidiano, que favorece o fornecedor, levando-o a uma

    posio mais favorecida, j que dispe de informaes especficas sobre o

    bem ou servio contratado.

    Uma situao representativa da possibilidade aplicao do Cdigo de

    Defesa do Consumidor em favor das pessoas jurdicas de direito pblico diz

    respeito aquisio de bens, com transferncia de tecnologia da iniciativa

    privada para setor pblico, nesses casos, evidente a vulnerabilidade tcnica da

    Administrao Pblica.

    Outro exemplo pode ser extrado da aquisio de algumas unidades de

    veculos por pequenos municpios do interior do Brasil. Nesses casos,

    logicamente, no existe qualquer supremacia desses entes sobre as

    montadoras dos veculos: nem econmica, nem, muito menos, tcnica.

    Ressalte-se, contudo, que, nesses casos, o nus da prova quanto

    vulnerabilidade incumbe Administrao Pblica, conforme explica a doutrina:

    A vulnerabilidade cientfica se configura quando se verifica por parte do contraente a ausncia de conhecimentos jurdicos especficos ao objeto do contrato, assim como a ausncia de conhecimentos de economia, ou correlatos. Da mesma forma que a anterior, esta vulnerabilidade entendida, no mbito do CDC, como presumida quando o contraente no profissional e quando for pessoa fsica. Os demais contraentes, como as pessoas jurdicas e os profissionais, devem comprovar a sua vulnerabilidade, uma vez que se presume, em princpio que em face de sua situao peculiar haveriam de deter conhecimentos, ou pelo menos ter acesso a quem detenha conhecimentos especficos. A ltima forma de vulnerabilidade a ser considerada ser denominada vulnerabilidade ftica. Esta vulnerabilidade se verifica levando-se e, conta um dos plos da relao contratual, qual seja, o fornecedor ou prestador de servios, que pela sua peculiar situao no mercado, quer derivada de seu poder econmico, quer em decorrncia da

  • necessidade dos servios ou produtos que disponibiliza, estar-se-ia situando numa posio sobranceira em face daqueles que necessitam dos produtos ou servios por ele ofertados. Esta vulnerabilidade presumida, nos termos do CDC, para o contratante no-profissional e pessoa fsica. Portanto, os profissionais e pessoas jurdicas haveriam de demonstrar sua vulnerabilidade, naquela situao especfica, a fim de se beneficiar da tutela prevista no CDC. (CUNHA, Eunice Leonel da, in Aplicabilidade das Disposies Constantes do Cdigo de Defesa do Consumidor Administrao Pblica. Boletim de Direito Administrativo, So Paulo: Nova Dimenso Jurdica, ano 2000, p. 660/665).

    Apesar da controvrsia doutrinria, o que se tem verificado no dia-a-dia

    da Administrao Pblica, a pouca utilizao da legislao consumerista, pois

    a Lei de Licitaes tem atendido de maneira suficiente as pretenses estatais.

    Nesse sentido, se o contraente fornece o produto licitado em

    desatendimento ao contrato administrativo, a Lei n 8.666/1993 faculta

    Administrao Pblica a prerrogativa de rescindir o contrato e de aplicar multa

    ao contraente, no havendo interesse em se invocar o Cdigo de Defesa do

    Consumidor.

    Inobstante, se os mecanismos da Lei de Licitaes mostrarem-se

    insuficientes diante das particularidades de algum caso, nada obsta que os

    entes de direito pblico faam uso da legislao consumerista.

    Flvia Amaral Garcia expe um caso concreto em que o Estado do Rio

    de Janeiro pleiteou a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor a um de

    seus contratos:

    Um caso concreto que ocorreu no Estado do Rio de Janeiro envolveu a Fundao Leo XIII e uma determinada empresa que se obrigara a fornecer gneros alimentcios. Sucede que numa das sacas de arroz foi constatada a presena de um corpo estranho, com as caractersticas de um rato mumificado. No contencioso administrativo instaurado, discutiu-se a responsabilidade das empresas distribuidora e fabricante, respectivamente, como fornecedora direta e indireta, luz do art. 18 do Cdigo de Defesa do Consumidor. Isto porque, a contratada alegou em sua defesa que a responsabilidade era da empresa fabricante do produto e no dela que figurava como mera distribuidora. Assentou a ilustre Assessoria Jurdica da FYUNDAO LEO XIII que cabe aos fornecedores na cadeia de produo evitar a incidncia de tal vcio de qualidade, consubstanciando-se num dever legal de todos os responsveis pela introduo do

  • produto no mercado de consumo. Prosseguindo firmou o entendimento de que apresenta-se clara e indubitvel responsabilidade do distribuidor/comerciante pelo manifesto vcio de inadequao do produto identificado nos autos. Do referido vcio, decorrem a responsabilidade da empresa tanto contratual como extracontratualmente, na forma do preceituado no referido art. 18, caput, c/c 6, inciso II, do Cdigo de Defesa do Consumidor. (GARCIA, Flvia Amaral. O Estado como Consumidor, p.57/58. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (60), 2006).

    Em virtude da duplicidade de entendimentos acerca da aplicabilidade

    do Cdigo de Defesa do Consumidor aos contratos pactuados pelo Estado, por

    imperativo de segurana jurdica, de bom alvitre fazer constar, de forma

    expressa, no instrumento convocatrio e no documento que materializa a

    obrigao, a incidncia da legislao consumerista a contratao a ser

    realizada.

    1.2. Do Estado enquanto fornecedor

    Preocupado com a vulnerabilidade do destinatrio final de bens e

    servios no mercado de consumo, a Constituio Federal consagrou a

    proteo do consumidor como direito fundamental, e, tambm, como princpio

    balizador da ordem econmica, alm disso, no Ato de Disposies

    Constitucionais Transitrias, convocou o legislador ordinrio a regulamentar a

    matria, tudo nos seguintes termos:

    Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor (...) Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social (...)

  • V - defesa do consumidor (...) Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgao da Constituio, elaborar cdigo de defesa do consumidor.

    Dispondo sobre a proteo do consumidor, adveio, ento, a Lei n.

    8.078, de 11-9-1990, que buscando o mximo grau de efetividade a suas

    normas fixou, de forma abrangente, o conceito de fornecedor, nos seguintes

    termos:

    Art. 3. Fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios. (grifo nosso).

    Percebe-se, pela literalidade da lei, que nem mesmo as pessoas

    jurdicas de direito pblico restaram afastadas do campo de incidncia do

    Cdigo de Defesa do Consumidor, havendo, inclusive, dispositivo especfico

    destinado a regulamentao da matria:

    Art. 22. Os rgos pblicos, por si ou suas empresas, concessionrias, permissionrias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, so obrigados a fornecer servios adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contnuos. Pargrafo nico. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigaes referidas neste artigo, sero as pessoas jurdicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Cdigo.

    Realmente, considerando que o objetivo final da legislao

    consumerista a superao da vulnerabilidade do consumidor, no se

    vislumbra qualquer razo de repulsa aplicao do Cdigo de Defesa do

    Consumidor ao Poder Pblico.

    Pode-se afirmar, inclusive, que existem mais motivos para aplic-lo ao

  • Estado fornecedor do que ao particular.

    Em primeiro lugar, h de se considerar que muito dos bens e servios

    disponibilizados pela Administrao Pblica integram o prprio contedo do

    que se entende por mnimo existencial, de modo que o indivduo no pode

    furtar-se a celebrao do contrato, sob pena de prejudicar sua prpria

    dignidade.

    Basta pensar nos servios pblicos de energia eltrica ou de

    tratamento de gua e esgoto, nesses casos, no existe alternativa ao usurio,

    seno aderir ao contrato, o que torna evidente a vulnerabilidade ftica dos

    destinatrios desses servios.

    O que caracteriza o contrato de adeso propriamente dito a circunstncia de que aquela a quem proposto no pode deixar de contratar, porque tem necessidade de satisfazer um interesse que, por outro modo, no pode ser atendido. (GOMES, Orlando. Contratos de adeso: condies gerais dos contratos, So Paulo: RT, 1972, p. 120).

    Cumpre ainda enfatizar que algumas atividades so prestadas pelo

    Estado em regime de exclusividade, a exemplo do servio postal, casos em

    que resta tolhida a vontade de escolha do usurio. Nessas hipteses, o

    consumidor restringe-se a aderir ao que j disponibilizado pelo Poder Pblico,

    a oferta definida de forma unilateral pelo Estado. Por tais motivos, o Superior

    Tribunal de Justia vem admitindo a aplicao do Cdigo de Defesa do

    Consumidor aos Correios, conforme veiculado no seu informativo de nmero

    524:

    O extravio de correspondncia registrada acarreta dano moral in re ipsa (sem necessidade de comprovao do prejuzo), devendo os Correios indenizar o consumidor. (STJ. 4 Turma, REsp, 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomo, Rel. para acrdo, Min. Raul Arajo, julgado em 02 de maio de 2013 Informativo 524)

    Alm disso, o Estado goza de notria preponderncia jurdica sobre os

  • consumidores, no s porque dispe de excelentes assessorias jurdicas,

    compostas por profissionais aprovados em concursos concorridssimos, mas

    porque possui diversas prerrogativas processuais no gozadas pelos demais

    fornecedores, a exemplo, do reexame necessrio, da execuo sob a

    sistemtica dos precatrios judiciais, dos prazos dilatados para responder e

    recorrer, entre outros.

    Tambm no h como desconsiderar a superioridade econmica do

    Estado e das delegatrias dos servios pblicos frente aos destinatrios finais

    de seus bens e servios.

    Cumpre ressaltar, ainda, que no Estado Democrtico de Direito,

    prevalece a concepo segundo a qual o indivduo que precisa ser protegido

    pelo direito, e no o Estado, afinal, a Administrao Pblica j goza de uma

    srie de prerrogativas inerentes ao regime de direito pblico.

    Apesar de todos esses argumentos, no toda e qualquer atividade

    disponibilizada pelo Poder Pblico que se sujeita s normas do Cdigo de

    Defesa do Consumidor, conforme se evidenciar no tpico a seguir.

    2. ATIVIDADES ESTATAIS SUBMETIDAS AO CDIGO DE DEFESA DO

    CONSUMIDOR

    J verificada, genericamente, a possibilidade de o Estado atuar como

    fornecedor, cumpre verificar a que espcies atividades desempenhadas pelo

    Estado, de fato, h aplicao da legislao consumerista.

    Conforme bem ensina a doutrina, o Poder Pblico concentra sua

    atuao em, pelo menos, quatro frentes: realizao de obras, exerccio do

    poder de polcia, prestao de servios e interveno direta e indireta no

    domnio econmico.

    Nesse sentido, ressalte-se, de incio, que no h dvida de que o

    fornecimento de servios pblicos encontra-se submetido ao Cdigo de Defesa

    do Consumidor, nos termos dos seus artigos 4, VII, 6, X e 22.

  • Art. 4. A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidos os seguintes princpios: (...) VII - racionalizao e melhoria dos servios pblicos; (...) Art. 6. So direitos bsicos do consumidor: (...) X - a adequada e eficaz prestao dos servios pblicos em geral. (...) Art. 22. Os rgos pblicos, por si ou suas empresas, concessionrias, permissionrias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, so obrigados a fornecer servios adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contnuos. Pargrafo nico. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigaes referidas neste artigo, sero as pessoas jurdicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Cdigo.

    Mas, apesar da simplicidade dos dispositivos em epgrafe, a incidncia

    da legislao consumerista aos servios pblicos carece de maiores reflexes.

    De incio, indispensvel lembrar a clssica diviso doutrinria que

    separa as modalidades de servios disponibilizados pelo Estado, levando em

    conta a possibilidade de determinao dos destinatrios.

    Dessa forma, por um lado, podem ser destacados os servios

    universais, aqueles fornecidos a destinatrios indefinidos, cuja mensurao da

    utilizao por cada beneficirio no se pode precisar, caso em que os servios

    so custeados por impostos, a exemplo, da segurana pblica.

    Em contrapartida, existem os servios pblicos singulares, aqueles

    fornecidos a destinatrios definidos, com viabilidade de quantificao da fruio

    individual, sendo custeados por preos pblicos ou taxas, a exemplo da

    disponibilizao de gua encanada.

    Diante dessa classificao, uma corrente de viso mais abrangente

    defende a incidncia da legislao consumerista a qualquer modalidade de

    prestao disponibilizada pelo Estado, seja ela singular ou universal, sob a

    argumentao de que se o Cdigo de Defesa do Consumidor no fez nenhuma

    distino, no poderia o intrprete faz-lo.

  • Segundo esse entendimento ampliativo: a legislao protetiva de

    observncia obrigatria a todo servio pblico, sendo irrelevante a fonte de

    custeio, se genrica ou individualizada.

    Outra linha terica perfilha um entendimento mais restritivo, pelo qual o

    Cdigo de Defesa do Consumidor seria aplicvel unicamente s prestaes

    estatais singulares, afinal, ao conceituar servio, a lei protetiva requer a

    existncia de contraprestao:

    Art. 3. (...) 2. Servio qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes das relaes de carter trabalhista. (grifo nosso).

    Ao exigir o custeio do servio, como condio para incidncia de suas

    normas, a legislao consumerista acabaria por excluir de sua abrangncia os

    servios universais no custeados diretamente pelo destinatrio.

    Embora, no fundo, as prestaes estatais universais sejam bancadas

    por tributos no vinculados, ao fazer uso da frmula mediante remunerao, o

    legislador ordinrio almejou alcanar apenas aquelas prestaes custeadas de

    maneira especfica pelo destinatrio.

    Caso contrrio, o termo remunerao, existente no texto da lei, seria

    desprovido de qualquer finalidade, j que todo servio, de uma forma ou de

    outra, sempre suportado financeiramente por algum.

    Do mesmo modo que os servios pblicos universais, as prestaes

    estatais singulares desprovidas de contraprestao imediata, a exemplo, do

    ensino e da sade, tambm merecem ser afastadas do raio de aplicao do

    Cdigo de Defesa do Consumidor, justamente, pela inexistncia de pagamento

    direto.

    Essas espcies de utilidades individuais (educao e sade), s

    impropriamente so denominadas de servio pblico, tratam-se, em verdade,

    de servios de utilidade pblica, de livre exerccio aos particulares. Quando

    fornecidas pelo Estado so financiadas por tributos no vinculados, inexistindo,

    assim, um custeio particular do beneficirio pelo servio frudo, motivo pelo

  • qual tambm no se pode admitir a incidncia do Cdigo de Defesa do

    Consumidor nesse caso. Nesse sentido, o magistrio de Roberto Senise:

    No todo servio pblico, porm, que se submete s regras do Cdigo de Defesa do Consumidor. Apenas o servio pblico realizado mediante o pagamento efetuado pelo consumidor em favor do fornecedor, a ttulo de remunerao. O servio pblico custeado pelo pagamento de tributos no deve ser considerado como objeto de uma relao de consumo, j que o contribuinte no obtm o servio pblico de segurana, de educao, de sade, da prestao jurisdicional, por exemplo, mediante o pagamento direto a esses rgos. H o encaminhamento do tributo que pago aos cofres pblicos e, de acordo com a previso oramentria, um percentual do valor total arrecadado ser revertido para essas atividades. Logo, no h o que cogitar de remunerao diretamente paga pelo destinatrio final de produtos e servios. Somente se pode admitir a incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor nas hipteses de remunerao diretamente paga pelo exerccio da atividade, sob pena de amesquinhar a legislao protetiva do consumidor, aplicando-a para qualquer situao referente relao administrativa e tributria. E o que dizer da contribuio de melhoria, que, embora seja tributo, destinada para um fim especfico, que a construo de uma obra, no benefcio direto dos respectivos contribuintes? Por outro lado, o servio pblico diretamente custeado pelo consumidor, atravs do pagamento de preo pblico ou tarifa, sofre a incidncia da legislao consumerista. (LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relaes de consumo. 3. ed. So Paulo : Saraiva, 2012, p. 206/207)

    A par dessas controvrsias, o Superior Tribunal de Justia tem se

    posicionado de forma favorvel a aplicao da legislao consumerista s

    prestaes estatais individuais, desde que custeadas por preos pblicos,

    conforme denotam os seguintes julgados:

    CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIO DE GUA E ESGOTO. AUMENTO ABUSIVO DO VALOR COBRADO. NATUREZA JURDICA DA CONTRAPRESTAO. PREO PBLICO (OU TARIFA). INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGNEO CONSUMERISTA. RELEVNCIA SOCIAL PRESUMIDA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MP. ARTS. 81, P. N., INC. III, E 82, INC. I, DO CDC. 1. Aps intenso debate no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justia, esta Corte est se adequando jurisprudncia daquele Tribunal, passando a tratar a quantia recolhida a ttulo de prestao do servio de esgoto como preo pblico (ou tarifa), e no como taxa. Precedentes.

  • 2. Tratando-se de tarifa, plenamente aplicvel a disciplina do Cdigo de Defesa do Consumidor - CDC em casos de aumento abusivo. Note-se que os interesses defendidos pelo recorrente, na hiptese, tem carter divisvel, derivando de origem comum, motivo pelo qual so enquadrados pela legislao consumerista como individuais homogneos (CDC, art. 81, p. n., inc. III), mas tm relevante espectro social, o que autoriza a legitimidade ativa do Parquet (art. 82 do CDC). 3. Mesmo que no se admitisse comprovado, na hiptese, o relevante interesse social, doutrina e jurisprudncia so unnimes em admitir que o Ministrio Pblico tem legitimidade ativa de interesses individuais homogneos na seara do direito do consumidor, pois presume-se a importncia da discusso para a coletividade. 4. Agravo regimental no-provido. (STJ, AgRg no REsp n 856.378/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/04/09).

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE GUA. OFENSA AOS ARTS. 130 E 335 DO CPC. AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RELAO ENTRECONCESSIONRIA E USURIO. APLICAO DO CDC. ENTENDIMENTO PACFICODESTA CORTE. INVERSO DO NUS DA PROVA. REVISO DAS CONCLUSES DOTRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. SMULA 7/STJ. 1. Da leitura atenta do acrdo combatido depreende-se que os artigos 130 e 335 do Cdigo de Processo Civil, bem como as teses a eles vinculadas, no foram objeto de debate pela instncia ordinria, o que inviabiliza o conhecimento do especial no ponto por ausncia de prequestionamento. 2. No caso, se entendesse a agravante que o acrdo fora omisso em qualquer dos pontos suscitados na ocasio da apelao, deveria ter apresentado embargos de declarao para que o Tribunal a quo pudesse sanar possvel omisso e, se essa persistisse, imprescindvel que fosse o recurso fundamentado em violao ao artigo 535 do Cdigo de Processo Civil, razo pela qual subsiste patente a ausncia de prequestionamento acerca da matria. 3. pacfico o entendimento do Superior Tribunal de Justia no sentido de que os servios pblicos prestados por concessionrias, como no caso dos autos, so regidos pelo Cdigo de Defesa do Consumidor. 4. A inverso do nus da prova em processo, no caso de relao consumerista, circunstncia a ser verificada caso a caso, em atendimento verossimilhana das alegaes e hipossuficincia do consumidor, razo pela qual seu reexame encontra o bice na Smula7/STJ. 5. Agravo regimental no provido. (STJ - AgRg no AREsp: 183812 SP 2012/0107644-9, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 06/11/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicao: DJe 12/11/2012, grifo nosso).

    PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 535 DO CPC.APLICAO DO CDC. POSSIBILIDADE. ACRDO RECORRIDO. FALHA NAPRESTAO DO SERVIO DE GUA. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATRIO.SMULA 7/STJ. 1. Inexiste omisso, nos termos do art. 535 do CPC, por ofensa aos arts. 165, 458, 535, I e II, CPC, quando o acrdo recorrido se pronuncia de forma clara e suficiente sobre a questo posta nos autos, tendo o

  • decisum se revelado devidamente fundamentado, apenas no adotando a tese da recorrente. 2. O Cdigo de Defesa do Consumidor aplica-se na hiptese de servio pblico prestado por concessionria, tendo em vista que a relao jurdica tem natureza de Direito Privado e o pagamento contraprestao feita sob a modalidade de tarifa, que no se classifica como taxa. 3. O Tribunal a quo, com base na anlise dos fatos e provas, concluiu que ficou configurado dano moral, em razo da falha na prestao do servio oferecido pela concessionria, fixando o quantum reparatrio em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que no se mostra exorbitante. 4. Somente possvel a modificao da indenizao por danos morais se o valor arbitrado for manifestamente irrisrio ou exorbitante, de modo a causar enriquecimento sem causa e vulnerar os princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que no ocorre no presente caso. 5. A alterao do entendimento adotado pela instncia ordinria, em relao moldura indenizatria desenhada, tarefa inadmissvel no recurso especial, por fora do bice da Smula 07/STJ: "A pretenso de simples reexame de prova no enseja recurso especial". 6. Agravo regimental no provido. (STJ - AgRg no AREsp: 84014 RJ 2011/0273884-6, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 20/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicao: DJe 28/03/2012, grifo nosso).

    Ocorre que, para esse entendimento mais restritivo, no todo e

    qualquer servio singular que se submete a legislao consumerista, mas

    apenas aqueles custeados por preos pblicos, de modo que entender o

    contrrio seria desvirtuar a finalidade do Cdigo de Defesa do Consumidor,

    pela banalizao de sua utilizao.

    O carter tributrio dos servios pblicos custeados por taxas o

    motivo pelo qual a disponibilizao dessas utilidades no abarcada pela

    legislao consumerista.

    O vnculo jurdico entre o Fisco e o sujeito passivo da exao deve ser

    regido pelo Cdigo Tributrio Nacional e diplomas correlatos, no havendo que

    se cogitar da aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor.

    (...) os tributos, em geral, ou taxas e contribuies de melhoria, especificamente, que se inserem no mbito das relaes de natureza tributria. No se h confundir, por outro lado, referidos tributos com as tarifas, estas sim, inseridas no contexto dos servios ou, mais particularmente, preo pblico, como remunerao paga pelo consumidor dos servios pblicos prestados diretamente pelo Poder Pblico, ou ento mediante concesso ou permisso da iniciativa privada: por

  • exemplo, os servios de transportes coletivos, de telefonia, energia eltrica, gs, etc. O que se pretende deixar claro que o contribuinte no se confunde como o consumidor, j que no primeiro caso o que subsiste uma relao de direito tributrio, inserida a prestao de servios em geral e universalmente considerada, dentro do desempenho de atividades precpuas do Estado, ou seja, tendente busca do bem- comum. (FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 8 ed. So Paulo: Atlas, 2005).

    Isso ocorre porque os servios pblicos remunerados mediante taxa

    no esto inseridos no comrcio, motivo pelo qual no geram estados de

    vulnerabilidade em seus destinatrios finais. Desse modo, no h qualquer

    motivo que justifique a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor a esses

    casos.

    Face o exposto, peremptrio concluir que, diante da disponibilizao

    de servios pblicos singulares remunerados por tarifas, incide a legislao

    consumerista.

    Por outro lado, tratando-se de prestaes singulares ou universais no

    onerosas, ou de servios singulares custeados por taxas, repele-se a

    aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor, casos em que incidiro apenas

    as normas inerentes ao regime jurdico pblico.

    Quanto incidncia da legislao consumerista s atividades

    econmicas desenvolvidas pelo Estado, atravs das empresas pblicas e das

    sociedades de economia mista, a questo menos tormentosa, pois, nesse

    caso, a prpria Constituio Federal determina aplicabilidade do regime de

    direito privado:

    Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituio, a explorao direta de atividade econmica pelo Estado s ser permitida quando necessria aos imperativos da segurana nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 1. A lei estabelecer o estatuto jurdico da empresa pblica, da sociedade de economia mista e de suas subsidirias que explorem atividade econmica de produo ou comercializao de bens ou de prestao de servios, dispondo sobre: (...) II - a sujeio ao regime jurdico prprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigaes civis, comerciais, trabalhistas e tributrios.

  • Assim, pode-se concluir que a incidncia do Cdigo de Defesa do

    Consumidor se restringe aos casos de explorao de atividades econmicas

    pelo Estado, bem como a algumas modalidades de servios pblicos.

    3. SERVIO PBLICO

    Conforme j se pde perceber, a prestao de servios pblicos o

    caso que mais evidencia a possibilidade de aplicao do Cdigo de Defesa do

    Consumidor ao Estado, da por que necessrio investig-lo mais a fundo.

    Antes disso, preciso abrir um parntese para ressaltar que o estudo

    do servio pblico permeado a inmeras controvrsias doutrinrias, o que,

    mesmo assim, no impede a identificao de alguns elementos

    caracterizadores dessa atividade estatal, reconhecidos por a maioria dos

    doutrinadores.

    De incio, cumpre esclarecer que os franceses, primeiros que se

    propuseram ao estudo sistemtico do servio pblico, conceituaram-no de

    forma generalssima, como sendo toda atuao estatal que objetivasse a

    satisfao do interesse coletivo.

    Apesar da importncia histrica, esse no parece ser o melhor

    entendimento, at porque a atuao do Poder Pblico compreende outras

    atividades voltadas concretizao dos anseios da coletividade, a exemplo, do

    exerccio do poder de polcia, da realizao de obras, do fomento a

    determinados setores da economia.

    Dessa forma, a doutrina contempornea tem buscado valer-se de trs

    elementos para identificar uma atuao estatal como servio pblico, quais

    sejam: o substrato material, o elemento formal e o requisito subjetivo.

    O substrato material exige que a atuao do Poder Pblico, direta ou

    indiretamente, importe em alguma comodidade disponibilizada de modo

    permanente aos cidados.

    O elemento formal impe que o fornecimento do servio seja regido,

  • integral ou parcialmente, pelo regime de direito pblico, a exigir, sobretudo, a

    observncia dos princpios da Administrao Pblica.

    Por ltimo, o requisito subjetivo requer que servio seja desempenhado

    pelo Estado, mesmo que indiretamente, por contratos de concesso ou

    permisso, de modo que inexistindo participao do Poder Pblico no h que

    se falar em servio pblico.

    Assim, pode-se concluir que toda atuao da Administrao Pblica

    que, de forma direta ou indireta, e sob o regime de direito pblico, resulte numa

    comodidade gozada de forma ininterrupta pela coletividade considerada

    servio pblico. Nesse sentido, a lio da doutrina:

    (...) conceituamos servio pblico como toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito pblico, com vistas satisfao de necessidades essenciais e secundrias da coletividade (CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Lumen Juris, 24 ed., 2012, p. 317). Servio pblico todo aquele prestado pela Administrao ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundrias da coletividade, ou simples convenincias do Estado. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 289). toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exera diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente s necessidades coletivas, sob regime jurdico total ou parcialmente de direito pblico (PIETRO, Maria Sylvia Di. Direito Administrativo, p. 80) Servio pblico toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada satisfao da coletividade em geral, mas fruvel singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente e seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faa as vezes, sob o regime do Direito Pblico portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restries especiais -, institudo em favor dos interesses definidos como pblicos no sistema normativo (MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros, 27 Ed., 2010, p. 671)

    Atravs dessa conceituao, possvel distinguir servio pblico das

    demais espcies de atividades desempenhadas pelo Estado.

  • Nesses termos, no se pode confundir servio pblico com obra

    pblica, pois falta a esta o requisito da permanncia. Com a ressalva de que a

    construo ou a reforma de um equipamento pode ser condio indispensvel

    disponibilizao de uma comodidade sociedade, a exemplo, da edificao

    de uma escola para prestao de servios educacionais.

    Tal conceito tambm permite diferenciar a prestao de servios

    pblicos do exerccio do poder de polcia, porque este no importa em

    comodidades, mas sim em restries liberdade e propriedade dos

    administrados. Apesar disso, ambos so exercidos no viso de atender aos

    interesses da coletividade.

    Ademais, cumpre ressaltar que o conceito acima referendado tambm

    permite distinguir as atividades econmicas dos servios pblicos, porque

    aquelas so desenvolvidas sob a gide do regime privado, enquanto estas

    observam o regime jurdico de direito pblico.

    Destaque-se que o exerccio do poder de polcia e a explorao de

    atividades econmicas no admitem delegao aos particulares, enquanto os

    servios pblicos podem ser transferidos a terceiros, nos termos do artigo 175,

    da Constituio Federal, por meio da concesso e da permisso.

    4. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO FORNECEDOR Desde a queda do absolutismo, as pessoas jurdicas direito pblico

    podem ser responsabilizadas por atos comissivos ou omissivos que importem

    leso a esfera jurdica de terceiro.

    Aps um longo amadurecimento dos estudos acerca da

    responsabilidade civil do Estado, foi possvel delimitar um regime segundo o

    qual o Poder Pblico, em regra, responde, de forma objetiva, por suas aes, e

    de modo subjetivo, por suas omisses.

    Dessa forma, uma vez admitida a aplicao do Cdigo de Defesa do

    Consumidor ao Estado, conforme vem entendendo a comunidade jurdica

    contempornea, no se vislumbra qualquer bice a responsabilidade das

    pessoas jurdicas de direito pblico por leses aos direitos dos consumidores

  • de seus bens e servios.

    O problema reside em saber a que espcie de responsabilidade o

    Estado encontra-se submetido, enquanto fornecedor, se subjetiva ou objetiva.

    A questo no relevante no caso de comportamentos comissivos do

    Poder Pblico, pois nesses casos, tanto a legislao consumerista, como o

    regime jurdico administrativo impem o devem de indenizar independente da

    demonstrao de culpa.

    Merecem maior ateno as hipteses em que os interesses dos

    consumidores so violados pela falta de disponibilizao do servio pblico, ou

    pelo seu fornecimento defeituoso ou atrasado.

    Nesses casos, os direitos dos consumidores so lesionados por uma

    conduta omissiva da Administrao Pblica, havendo um conflito entre o

    Cdigo de Defesa do Consumidor, que determina a responsabilidade do

    fornecedor sob a modalidade objetiva, e o regime de direito pblico, que tende

    a condicionar o dever de indenizar a demonstrao de culpa.

    Para solucionar esse conflito aparente de normas ou mesmo de regimes

    jurdicos, sugere-se a utilizao de uma das premissas bsicas da

    hermenutica jurdica, segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.

    Assim, observa-se, que a regra inserida no artigo 37, pargrafo 6, da

    Constituio Federal de 1988, que consagra a responsabilidade objetiva do

    Estado, genrica, pois pretende regular uma diversidade de situaes em

    que h atuao do Poder Pblico.

    Enquanto isso, as normas institudas pelo Cdigo de Defesa do

    Consumidor so especficas, porque destinadas a regular apenas as relaes

    consumeristas.

    Diante desse quadro, fcil concluir pela prevalncia do Cdigo de

    Defesa do Consumidor, o que importa na admisso da responsabilidade

    objetiva do Estado pelas suas condutas omissivas prejudiciais aos interesses

    dos destinatrios finais de seus bens e servios, conforme anlise conjunta do

    artigo 14 e 22 da Lei:

    Art. 14. O fornecedor de servios responde, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos

  • danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao dos servios, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua fruio e riscos. 1 O servio defeituoso quando no fornece a segurana que o consumidor dele pode esperar, levando-se em considerao as circunstncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a poca em que foi fornecido. (...) Art. 22. Os rgos pblicos, por si ou suas empresas, concessionrias, permissionrias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, so obrigados a fornecer servios adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contnuos. Pargrafo nico. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigaes referidas neste artigo, sero as pessoas jurdicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste cdigo.

    Nesse sentido, tambm o entendimento da jurisprudncia:

    AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AO DE REPARAO DE DANOS CAUSADOS A VIATURA POLICIAL QUE TRAFEGAVA EM RODOVIA MANTIDA POR CONCESSIONRIA DE SERVIO PBLICO. ACIDENTE DE TRNSITO. ATROPELAMENTO DE ANIMAL NA PISTA. RELAO CONSUMERISTA. FALHA NA PRESTAO DO SERVIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONRIA. INCIDNCIA DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. INEXISTNCIA DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIZAO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (STJ - AgRg no Ag: 1067391 SP 2008/0122874-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMO, Data de Julgamento: 25/05/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicao: DJe 17/06/2010)

    A toda evidncia a falta de disponibilizao de servio pblico tambm

    est abarcada pela legislao consumerista, conforme denota a interpretao a

    contrrio senso do artigo 22, pelo qual os rgos pblicos, suas empresas,

    concessionrias, permissionrias so obrigados a fornecer servios.

    Ademais, segundo o mesmo dispositivo, no suficiente a

    disponibilizao do servio, imprescindvel que o fornecimento seja

    adequado, eficiente, imune a riscos e, quando essenciais, ininterruptos, ou

  • seja, no permitido o fornecimento de servio defeituoso ou atrasado.

    Por outro lado, h de se enfatizar que, embora a responsabilidade do

    Estado fornecedor seja objetiva, ela no o sob a modalidade risco integral,

    vez que a legislao consumerista admite a existncia de excludentes de

    responsabilidade, conforme pargrafo 3, do artigo 14, do Cdigo de Defesa do

    Consumidor:

    3 O fornecedor de servios s no ser responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o servio, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

    Para alm da responsabilidade objetiva, o destinatrio final dos

    servios disponibilizados direta ou indiretamente pelo Estado, dispe em seu

    benefcio de uma srie de medidas estatudas pelo Cdigo de Defesa do

    Consumidor, no intento de diminuir sua vulnerabilidade frente ao Estado

    fornecedor.

    Nesse sentido, cumpre ressaltar, a ttulo de exemplo, que o consumidor

    de servios pblicos possui em seu favor a prerrogativa de obrigar a

    Administrao disponibilizao de servios essenciais, bem como a se

    desincumbir do nus da prova.

  • 5. CONCLUSO

    Face o exposto, restou evidenciado que os servios disponibilizados,

    direta ou indiretamente, pelo Estado sujeitam-se ao regramento da legislao

    consumerista, com algumas ressalvas.

    Nesse sentido, ante a imprescindibilidade do custeio imediato pelo

    usurio, como requisito caracterizao do servio, conforme impe o

    pargrafo 2, artigo 3, do Cdigo de Defesa do Consumidor, e ainda a

    inexistncia de obrigao fiscal entre o consumidor dos servios pblicos e o

    Estado ou suas delegatrias, concluiu-se que a aplicabilidade da legislao

    consumerista deve ficar adstrita s prestaes estatais singulares custeadas

    por preos pblicos.

    De fato, no parece legtimo aceitar a incidncia indiscriminada do

    Cdigo de Defesa do Consumidor aos servios fornecidos pelo Poder Pblico,

    notadamente em decorrncia das peculiaridades e da diversidade de regimes a

    que podem se submeter essas prestaes.

    Enfatizou-se que a incidncia da legislao consumerista, quando do

    exerccio de atividades econmicas pelo Estado, no suscita maiores dvidas,

    pois, nesses casos, o Poder Pblico equipara-se ao particular.

    Alm disso, foi explanada a questo da responsabilidade civil do

    Estado enquanto fornecedor de bens e servios, ao que se evidenciou que o

    dever de indenizar independe da demonstrao de culpa, seja no caso de ao

    ou, mesmo na hiptese de omisso.

    Por fim, asseverou-se que o Poder Pblico pode, mesmo que

    eventualmente, figurar como consumidor em uma dada relao comercial,

    especialmente, em virtude da revoluo tecnolgica, que pode torn-lo

    vulnervel, sob o ponto de vista tcnico, em determinadas relaes.

  • 6. REFERNCIAS

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    de 1988. Braslia, DF: Senado Federal.

    BRASIL. Cdigo de Defesa do Consumidor.

    CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Lumen

    Juris, 24 ed.

    CAVALCANTE, Mrcio Andr Lopes. Principais julgados do STF e do STJ

    comentados 2013. Manaus: Dizer o direito, 2014.

    CUNHA, Eunice Leonel da, in Aplicabilidade das Disposies Constantes do

    Cdigo de Defesa do Consumidor Administrao Pblica. Boletim de Direito

    Administrativo, So Paulo: Nova Dimenso Jurdica, ano 2000.

    FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 8 ed. So

    Paulo: Atlas, 2005.

    GARCIA, Flvia Amaral. O Estado como Consumidor. Revista de Direito

    Processual Geral, Rio de Janeiro, (60), 2006.

    GOMES, Orlando. Contratos de adeso: condies gerais dos contratos, So

    Paulo: RT, 1972.

    JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios Lei de Licitaes e Contratos

    Administrativos. 9 edio. So Paulo: Dialtica, 2002.

    LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relaes de consumo. 3

    edio. So Paulo: Saraiva, 2012.

    PIETRO, Maria Sylvia Di. Direito Administrativo.

    MARQUES, Cludia Lima. Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. 4

    edio. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.

    MELO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 18 edio.

    So Paulo: Malheiros, 2005.

    OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Os servios pblicos e o Cdigo de

    Defesa do Consumidor (CDC): limites e possibilidades. Revista Eletrnica de

    Direito Administrativo Econmico, Nmero 25 fevereiro/maro/abril 2011

    Salvador.

  • STJ. 4 Turma, REsp, 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomo, Rel. para

    acrdo, Min. Raul Arajo, julgado em 02 de maio de 2013.

    STJ. REsp, 527.137-PR, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 11.05.2004.

    STJ - AgRg no Ag: 1067391 SP 2008/0122874-3, Relator: Ministro LUIS

    FELIPE SALOMO, Data de Julgamento: 25/05/2010, T4 - QUARTA TURMA,

    Data de Publicao: DJe 17/06/2010.

    STJ - AgRg no AREsp: 183812 SP 2012/0107644-9, Relator: Ministro MAURO

    CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 06/11/2012, T2 - SEGUNDA

    TURMA, Data de Publicao: DJe 12/11/2012.

    STJ - AgRg no AREsp: 84014 RJ 2011/0273884-6, Relator: Ministro CASTRO

    MEIRA, Data de Julgamento: 20/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de

    Publicao: DJe 28/03/2012.

    STJ, AgRg no REsp n 856.378/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,

    Segunda Turma, DJe 16/04/2009.