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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT MÓDULO IV Atendimento Inicial ao Paciente Intoxicado Autores Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Tutor Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Adriana Safioti de Toledo (CCI - Campinas) Introdução A exposição a um agente tóxico ou veneno, nem sempre causa efeitos adversos. Conforme foi abordado no Módulo anterior, a toxicidade é a propriedade potencial que as substâncias químicas possuem, em maior ou menor grau, de determinar um estado patológico em conseqüência de sua introdução e interação com o organismo. Portanto, o aparecimento da manifestação clínica ou laboratorial do efeito nocivo (intoxicação), assim como a maior ou menor gravidade da ação produzida, dependerá de diversos fatores relacionados com a substância química (agente), com o organismo (hospedeiro) e com as condições que determinam a exposição (ambiente). O diagnóstico das intoxicações, seu tratamento e prevenção fundamentam-se, portanto, no conhecimento da interação do sistema hospedeiro-agente-ambiente. As características deste complexo podem variar em função do tempo e das condições regionais da população e, na maioria das ocasiões, as intoxicações agudas resultantes constituem emergências médicas que requerem atendimento de urgência. Para cada tipo de intoxicação existem normas e protocolos específicos de tratamento, mas em Toxicologia Clínica a premissa é “tratar o paciente, não o agente tóxico”. Para isso, existem normas gerais de atenção pré-hospitalar e de admissão hospitalar que incluem todos os cuidados básicos que um paciente intoxicado deve receber. A precocidade na aplicação deste tratamento está diretamente relacionada à sua eficácia. Este módulo tem como objetivo apresentar, de forma prática e clara, essas condutas básicas da abordagem do paciente agudamente intoxicado, as quais são agrupadas em quatro etapas: a) Abordagem emergencial ao paciente intoxicado (avaliação clínica e tratamento inicial) – fase em que situações de risco são identificadas e corrigidas; b) Diagnóstico (identificação da causa) – reconhecimento de síndromes tóxicas e identificação do agente causal através da anamnese, da análise de sinais e sintomas (exame físico) e de exames complementares; c) Tratamento da intoxicação – mediante a utilização dos métodos disponíveis para descontaminação, administração de antídotos e antagonistas e aumento da eliminação do tóxico absorvido, e de tratamento sintomático e de suporte; d) Considerações especiais – relacionadas ao encaminhamento do paciente (assintomático, suicida, usuário de drogas, etc); para o estabelecimento de exposições não tóxicas, e para o atendimento do paciente pediátrico, idoso e gestante.

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT MÓDULO IV

Atendimento Inicial ao Paciente Intoxicado Autores Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Tutor Conceição Aparecida Turini (CCI - Londrina) Adriana Safioti de Toledo (CCI - Campinas)

Introdução

A exposição a um agente tóxico ou veneno, nem sempre causa efeitos adversos. Conforme foi abordado no Módulo anterior, a toxicidade é a propriedade potencial queas substâncias químicas possuem, em maior ou menor grau, de determinar um estado patológico em conseqüência de sua introdução e interação com o organismo. Portanto, o aparecimento da manifestação clínica ou laboratorial do efeito nocivo (intoxicação), assim como a maior ou menor gravidade da ação produzida, dependerá de diversos fatores relacionados com a substância química (agente), com o organismo (hospedeiro) e com as condições que determinam a exposição (ambiente).

O diagnóstico das intoxicações, seu tratamento e prevenção fundamentam-se, portanto,no conhecimento da interação do sistema hospedeiro-agente-ambiente. As características deste complexo podem variar em função do tempo e das condições regionais da população e, na maioria das ocasiões, as intoxicações agudas resultantes constituem emergências médicas que requerem atendimento de urgência. Para cada tipo de intoxicação existem normas e protocolos específicos de tratamento, mas em Toxicologia Clínica a premissa é “tratar o paciente, não o agente tóxico”. Para isso, existem normas gerais de atenção pré-hospitalar e de admissão hospitalar que incluem todos os cuidados básicos que um paciente intoxicado deve receber. A precocidade na aplicação deste tratamento está diretamente relacionada à sua eficácia.

Este módulo tem como objetivo apresentar, de forma prática e clara, essas condutas básicas da abordagem do paciente agudamente intoxicado, as quais são agrupadas em quatro etapas:

a) Abordagem emergencial ao paciente intoxicado (avaliação clínica e tratamento inicial) – fase em que situações de risco são identificadas e corrigidas; b) Diagnóstico (identificação da causa) – reconhecimento de síndromes tóxicas e identificação do agente causal através da anamnese, da análise de sinais e sintomas (exame físico) e de exames complementares; c) Tratamento da intoxicação – mediante a utilização dos métodos disponíveis para descontaminação, administração de antídotos e antagonistas e aumento da eliminação do tóxico absorvido, e de tratamento sintomático e de suporte; d) Considerações especiais – relacionadas ao encaminhamento do paciente (assintomático, suicida, usuário de drogas, etc); para o estabelecimento de exposições não tóxicas, e para o atendimento do paciente pediátrico, idoso e gestante.

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Avaliação clínica e tratamento inicial

A conduta terapêutica, diante de qualquer intoxicação aguda, como em qualquer outra emergência médica, requer uma avaliação inicial rápida das condições clínicas do paciente para identificar e corrigir situações de risco iminente: obstrução de vias aéreas, parada respiratória e/ou cardiorrespiratória e hemorragias externas. As condições que oferecem risco imediato são identificadas e tratadas concomitantemente, obedecendo uma seqüência de prioridades representadas pelas 5 letras iniciais do alfabeto:

A – Airway – vias aéreas B – Breathing – respiração C – Circulation – circulação D – Disability – déficit neurológico E – Exposure - exposição

Avalie bem o caso, pois alguns agentes tóxicos apresentam efeitos tardios (Tabela 1) ou podem continuar sendo absorvidos e, apesar do paciente estar estável e/ou assintomático, no momento da avaliação clínica inicial, ele poderá evoluir rapidamente para várias complicações como convulsões, hipoglicemia, instabilidade hemodinâmica e respiratória e necessitar de medidas reanimadoras. Portanto, não esqueça de reavaliar periodicamente o paciente. Muitos pacientes intoxicados necessitam de observação rigorosa e até de tratamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dependendo do potencial da intoxicação evoluir para complicações cardiorrespiratórias.

Tabela 1 - Substâncias que apresentam efeitos tóxicos tardios

álcoois (etilenoglicol, isopropanol, metanol)

inibidores da MAO

aspirina ( preparações com cobertura entérica)

ingestão de papelotes contendo drogas (cocaína, heroína)

cogumelos tóxicos inseticidas lipossolúveis (organofosforados)

derivados cumarínicos metais pesados (chumbo, mercúrio, tálio)

fluoretos paraquate e diquate

glicosídios cianogenados preparações de liberação lenta (bloqueadores de canal de cálcio, betabloqueadores, lítio, teofilina)

hipoglicemiantes orais

Assim, todo paciente admitido por exposição a substâncias químicas ou picada/contato com animais peçonhentos deve ser observado, por no mínimo 6 horas. Nas situações em que o serviço não dispõe de condições necessárias para o tratamento deve-se transferir o paciente.

As fases de avaliação inicial e ressuscitação, abordadas a seguir, são realizadas ao mesmo tempo. As avaliações e condutas foram subdivididas para facilitar a compreensão. Os diagnósticos de obstrução de vias aéreas, insuficiência respiratória, alterações hemodinâmicas, déficit neurológico e exposição implicam

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no emprego imediato de procedimentos terapêuticos, uma vez que pode haver comprometimento de funções vitais. Trate o problema assim que o encontrar. Não siga adiante sem resolvê-lo.

A – Airway – Vias aéreas

A primeira prioridade é assegurar a permeabilidade das vias aéreas. Se o paciente estiver consciente e falando, mantenha-o em repouso e sob observação. Se ele estiver inconsciente, prossiga a abertura das vias aéreas. Explore a orofaringe em busca de corpos estranhos (restos alimentares, comprimidos, conteúdo gástrico regurgitado e secreções) fazendo a remoção manualmente e aspirando as secreções. Lembre-se que no paciente com rebaixamento do nível de consciência, aprincipal causa de obstrução de vias aéreas é a queda da base da língua e de tecidos moles. Realize manobras para promover o deslocamento anterior da mandíbula. Com isso, a língua e tecidos moles são tracionados anteriormente e aliviam a obstrução. A tração da mandíbula pode ser realizada por duas técnicas:

- jaw-thrust: posicione-se atrás da cabeça do paciente, espalme as mãos ao redor das orelhas e utilize os polegares como apoio sobre a região maxilar e, com os dedos indicador e médio de ambas as mãos, empurre o ângulo da mandíbula para a frente. Não eleve a cabeça e nem faça a extensão do pescoço. O objetivo desta manobra é abrir as vias aéreas sem movimentar o pescoço, para não provocar ou piorar uma possível lesão cervical;

- chin-lift (elevação do mento): posicione-se ao lado do paciente e com os dedos indicador e médio de uma das mãos, eleve o mento e, com a outra espalmada sobre a testa, incline a cabeça para trás. Esta manobra não deve ser realizada em pacientes com possível lesão de coluna cervical.

Essas manobras são temporárias e a manutenção da perviedade das vias aéreas pode ser obtida através do emprego da cânula de Guedel (orofaríngea). Este procedimento somente deverá ser utilizado em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, caso contrário poderá precipitar reflexo de vômito ou tosse.

B – Breathing – Verificar respiração/ventilação

Juntamente com os problemas das vias aéreas, as dificuldades respiratórias são as maiores causas de morbidade e mortalidade em pacientes intoxicados que podem apresentar uma ou mais das seguintes complicações: falência respiratória, hipóxia ou broncoespasmo. Todos os pacientes críticos devem ser considerados hipoxêmicos e, sempre que possível, devem estar conectados a um oxímetro de pulso para monitorização contínua da oximetria.

Uma via aérea pérvia não significa uma ventilação e oxigenação tecidual adequadas, sendo necessária uma avaliação da respiração. O suporte ventilatório é realizado conforme a necessidade. No atendimento pré-hospitalar, ventilação com bolsa-valva-máscara (AMBU) pode ser adequada para ofertar oxigênio, particularmente quando o transporte é rápido.

Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência (pontuação na escala de coma de Glasgow menor ou igual a 8), ou com esforço respiratório intenso (taquidispnéia), com freqüência respiratória superior a 35 incursões por minuto,

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indica-se intubação endotraqueal, independentemente da pO2 ou dos dados obtidos com o oxímetro de pulso. Porém, se o paciente apresentar pO2 inferior a 60mmHg ou com saturação de hemoglobina menor que 90% também deverá ser intubado e mantido sob ventilação assistida.

A intubação da traquéia assegura a perviedade e proteção das vias aéreas, prevenindo a aspiração e a obstrução e possibilita ventilação mecânica. Nas intoxicações, se o paciente tiver indicação para intubação, esta deve ser realizada precocemente, pois a aspiração de conteúdo gástrico é uma das complicações mais temidas. Entretanto, esse não é um procedimento simples ou sem riscos para o paciente e, por isso, deve ser realizado somente por profissionais capacitados.

Existem dois tipos de intubação endotraqueal não cirúrgica de uso habitual:

-intubação nasotraqueal: o paciente deve estar respirando e não é necessário curarização (em geral o paciente tolera melhor o tubo);

-intubação orotraqueal: esta é a técnica mais utilizada e, se o paciente não estiver totalmente relaxado, deve-se induzir a sedação (com midazolam, etomidato ou fentanil) e a paralisia neuromuscular com succinilcolina, vecurônio ou pancurônio. Em crianças a succinilcolina pode induzir reflexo vagal intenso resultando em bradicardia ou assistolia. Em pacientes intoxicados por digitálicos pode-se observar resposta similar com o uso de succinilcolina. Nessas situações, deve-se administrar atropina ou optar-se pelo uso de vecurônio ou pancurônio. Nas intoxicações por anticolinesterásicos (por ex. inseticidas organofosforados e carbamatos), a meia-vida da succinilcolina estará aumentada, pois esta droga é hidrolisada pela pseudocolinesterase que também estará inibida nesses casos.

Em ingestões de produtos cáusticos há uma maior dificuldade para a manutenção das vias aéreas pérvias devido ao edema dos tecidos. Nesses casos, deve-se empregar um tubo de menor calibre e, se ainda assim, não for possível realizar a intubação endotraqueal não cirúrgica, pode-se recorrer à traqueostomia. Em situações emergenciais opta-se pela técnica da cricotireoidostomia por punção ou cirúrgica, temporariamente.

Verifique, após a intubação, se o paciente está sendo ventilado adequadamente através da inspeção do tórax e ausculta da região epigástrica e torácica (verifique os sons respiratórios para a certificação de que não houve intubação do esôfago ou intubação seletiva do brônquio principal direito).

Se o paciente respira espontaneamente, mantenha-o em posição de recuperação (decúbito lateral esquerdo) para facilitar o retorno venoso, a drenagem de fluidos pela boca e prevenir a queda da língua.

Se a respiração está ausente, inicie ventilação manual com AMBU até que o ventilador mecânico esteja pronto para uso. Mantendo a manobra de abertura das vias aéreas, realize duas ventilações iniciais e observe se ocorre expansão do tórax durante este procedimento. Se as ventilações não estão sendo eficazes, certifique-sede que a manobra de abertura de vias aéreas ou o selo ao redor da boca do paciente estão corretos. Se mesmo assim não se conseguir ventilar o paciente, significa que as vias aéreas estão obstruídas.

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Em casos de intoxicações deve-se lembrar que é importante detectar ruídos adventícios causados pelo acúmulo de secreções (por ex. anticolinesterásicos) e manter o fornecimento de oxigênio em níveis mínimos aos intoxicados por paraquate, visando reduzir o grau de fibrose pulmonar.

C – Circulation – Circulação – tem como objetivo avaliar o comprometimento hemodinâmico e infundir fluidos quando necessários. Para isso recomenda-se:

a- Verificar a pressão sangüínea e a freqüência e o ritmo de pulso – na ausência de pulso ou em vigência de arritmias ou choque devem realizar-se as condutas preconizadas pelo Suporte Avançado de Vida em Cardiologia (SAVC). Deve-se, entretanto, observar que algumas drogas recomendadas pelo SAVC, podem ser ineficazes ou contra-indicadas em pacientes intoxicados por substâncias que provocam distúrbios cardíacos. Por exemplo, procainamida é contra-indicada em intoxicações por antidepressivos tricíclicos e, atropina e isoproterenol são ineficazes em pacientes intoxicados por betabloqueadores.

b- Iniciar monitorização eletrocardiográfica (ECG) contínua – arritmias são complicações freqüentes nas intoxicações, e todos os pacientes intoxicados por substâncias potencialmente cardiotóxicas devem ser monitorados na sala de emergência ou em unidades de cuidados intensivos por pelo menos 6 horas após aingestão.

c- Acesso venoso seguro – veias do antebraço são fáceis de puncionar. Locais alternativos incluem as veias safena, jugular externa ou veias centrais. Acessos venosos centrais são mais difíceis tecnicamente, porém permitem a medida de pressão venosa central (PVC) e a colocação de marcapasso e/ou cateter de Swan-ganz. Esses acessos apresentam maiores índices de complicações e dependem da capacidade técnica da equipe. Se o objetivo principal da cateterização for a reposição rápida de fluidos, preconiza-se a obtenção de pelo menos dois acessos em veias periféricas com jelco de grosso calibre (14 ou 16).

d- Colher amostras de sangue – para a realização de exames laboratoriais de rotina (tipagem sangüínea, provas cruzadas, gasometria arterial e outras provas) determinados pela história clínica.

e- Iniciar infusão intravenosa – de soro fisiológico ou ringer lactato. Em pacientes hipotensos, prefere-se soro fisiológico ou outra solução cristalóide isotônica. Em adultos, geralmente são infundidos de 2 a 4 litros, mas são necessárias reavaliações contínuas buscando sinais de melhora do choque e/ou edema pulmonar. Em crianças, preconiza-se a utilização de 10 a 20mL/Kg. Em geral, o choque deve ser considerado hipovolêmico, pois na maioria das vezes os pacientes intoxicados apresentam vômitos, diarréia ou sudorese profusa, com redução do volume intravascular. Avaliações subseqüentes determinarão se haverá a necessidade de novas infusões.

f- Cateter vesical – nos pacientes em estado grave (hipotensos, obnubilados, em coma ou convulsionando) deve-se inserir um cateter vesical de demora, com rigorosa técnica asséptica, com o objetivo de obter amostra de urina para exames de rotina e/ou análises toxicológicas, além do controle do volume urinário/hora que reflete o estado de volemia sangüíneo e perfusão renal.

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As principais alterações hemodinâmicas observadas em pacientes intoxicados incluem hipo e hipertensão, taquicardia, bradicardia e bloqueio atrioventricular (BAV), arritmias ventriculares e bloqueios de condução. Exemplos de substâncias que determinam essas complicações são referidos no item 2.2 (diagnóstico da intoxicação) deste módulo como parte dos achados específicos do exame físico. O tratamento dessas manifestações clínicas será apresentado no item 2.4 deste módulo (tratamento sintomático e de suporte), mas também deverá ser abordado nos módulos específicos referentes aos diferentes grupos de agentes tóxicos.

D - Disability – Déficit neurológico

A avaliação da função neurológica deve ser feita rapidamente observando-se as pupilas (se estão isocóricas e fotorreagentes) e verificando o nível de consciência através da escala de coma de Glasgow (Tabela 2). Trata-se de um sistema de escore simples que permite quantificar a evolução (varia de 3 a 15) através da avaliação da abertura ocular, verbalização e movimentação em resposta à estimulação. A avaliação seriada com a escala de Glasgow permite a rápida identificação de qualquer deterioração no padrão neurológico do paciente. A diminuição do nível de consciência é uma complicação grave e comum nas intoxicações e varia desde a sonolência até o coma.

Tabela 2 - Escala de Coma de Glasgow

< de 24 meses > de 24 meses

Movimentos espontâneos (6) Responde prontamente a ordem verbal (6)

Retira o segmento ao estímulo tátil doloroso (5) Localiza o estímulo táctil ou doloroso (5)

Defende o segmento do estímulo doloroso nele provocado (4)

Movimentos desordenados, sem relação com o estímulo doloroso (3)

Extensão das 4 extremidades a um estímulo doloroso (descerebração) (2)

Resposta Motora

Ausente (paralisia flácida) (1)

< de 24 meses > de 24 meses

Balbucia, fixa o olhar, acompanha com o olhar, reconhece e sorri (5)

Compreensível, boa orientação (5)

Choro irritado, olhar fixo, acompanha inconstantemente (4)

Confusa, desorientada (4)

Reconhecimento incerto, não sorri, choro à dor, acorda momentaneamente, recusa alimentação (3)

Inadequada (salada de palavras) (3)

Gemido a dor, agitação motora, inconsciente (2) Incompreensível (2)

Resposta verbal

Coma profundo, sem contato com o ambiente (1) Ausente (1)

Espontânea (4)

Após ordem verbal (3)

Após estímulo doloroso (2)

Abertura ocular

Ausente (1)

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mediante a realização de hemoteste para glicose capilar no leito.

Tiamina também deve ser administrada em todo paciente com rebaixamento importante do nível de consciência, previamente à administração de glicose, para prevenir a precipitação da encefalopatia de Wernicke, resultado de uma deficiência de tiamina em pacientes alcoólatras e desnutridos. Não deve ser utilizada rotineiramente em crianças.

Pode-se considerar a administração de flumazenil se a suspeita for de coma induzido por benzodiazepínicos. Em intoxicações puras por benzodiazepínicos, ele não é usado rotineiramente devido à sua relação custo-benefício (trata-se de uma intoxicação relativamente benigna e, o flumazenil, além de custo significativo, tem meia-vida curta tornando necessária a sua administração contínua para manter o paciente acordado). O flumazenil também pode precipitar convulsões em pacientes epiléticos e/ou que fizeram uso de superdosagem de antidepressivos tricíclicos. Entretanto, pode ser utilizado para a superficialização do coma induzido por benzodiazepínicos, considerando-se as contra-indicações.

Se houver história fortemente sugestiva de intoxicação por opióide e o paciente apresentar evidência clínica deve-se administrar naloxona.

Se houver suspeita de meningite ou encefalite, deve-se realizar punção lombar e tratar o paciente com antibióticos, o mais precocemente possível.

Outras alterações do estado mental incluem convulsões, hipertermia e agitação psicomotora (em geral secundária à hipóxia ou à hipoglicemia). Deve-se evitar o uso de sedação, mas se necessária, recomenda-se o emprego de fármacos de ação curta e que possuam antagonista específico.

E – Exposure – Exposição

Nesta etapa da avaliação primária o paciente deve ser despido de todas as suas vestimentas para permitir e facilitar a observação de possíveis sinais externos, comopor exemplo: marcas de picada, perfurações, edema, eritema, equimoses, escoriações, bolhas, sangramentos, queimaduras, fraturas e luxações, entre outros. Também envolve a manutenção de um ambiente termicamente neutro para evitar hipotermia.

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Avaliação clínica secundária

Esta fase só deve começar quando a avaliação inicial estiver completa e as medidas de reanimação estiverem implementadas. A avaliação secundária envolve um exame mais detalhado de todos os segmentos do corpo visando à identificação dos parâmetros clínicos, diagnóstico sindrômico inicial e obtenção de história clínica detalhada para a instituição de medidas terapêuticas gerais e específicas. Recomenda-se, nesta fase, a consulta a um Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIAT) para a obtenção de orientações adequadas.

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Anamnese

O diagnóstico de uma intoxicação aguda, como em outras patologias, baseia-se nas informações colhidas cuidadosamente sobre a história, no exame da sintomatologia clínica e em exames laboratoriais de rotina e, eventualmente, em análises toxicológicas. Esta etapa deve ser realizada após a avaliação clínica do paciente e adotadas as medidas terapêuticas necessárias.

I - Anamnese

É a base do diagnóstico toxicológico. As informações colhidas diretamente com o paciente e/ou seus acompanhantes, e com investigação das circunstâncias envolvidas, orientam o diagnóstico na maioria dos casos (entre 80-90% das ocasiões). Entretanto, a história nem sempre é obtida facilmente, em especial quando se trata de crianças ou pacientes que tentam suicídio. Nessas situações, as informações devem ser confirmadas, se possível, com as manifestações clínicas e laboratoriais esperadas na intoxicação com o agente tóxico implicado na história. Quando o paciente estiver incapacitado (no caso de crianças ou pacientes com rebaixamento do nível de consciência) ou relutante (suicidas e usuários de drogas ilícitas) para prestar esclarecimentos relacionados à exposição, as informações deverão ser colhidas com familiares, amigos, equipes de resgate (médicos e socorristas, bombeiros, policiais), empregadores, entre outros.

No levantamento deve-se dar atenção especial para alguns detalhes. São os chamados (em inglês) 5 Ws:

• WHO – QUEM? Primeiramente, deve-se identificar o paciente, incluindo sexo, idade, peso, patologias de base (cardíaca, pulmonar, hepática, renal, neurológica, psiquiátrica ou hematológica), passado de atopia, história de casos anteriores ou história familiar de tentativa de suicídio, onde esteve e com quem, medicação habitual (de uso do paciente, parentes e amigos), uso de medicamentos sem receituário, uso de suplementos herbáceos/dietéticos ou remédios caseiros. Devem ser incluídos questionamentos a respeito das atividades ocupacionais atuais e passadas (focalizando-se em substâncias químicas como metais e gases) e hobby. No caso de pacientes do sexo feminino, em idade fértil, recomenda-se realizar sempre o diagnóstico de gravidez, pois uma gravidez indesejável é causa freqüente de tentativas de suicídio em adolescentes.

• WHAT – O QUÊ? Estabelecer qual foi o produto envolvido (medicamento; droga de abuso; agrotóxico de uso agrícola, doméstico ou veterinário; raticida; produto domissanitário, entre outros) bem como a sua apresentação (sólido, líquido, gás ou vapor) e pH. Se for um produto formulado, é de suma importância analisar a sua composição, pois nesses produtos além do ingrediente ativo (substância principal) são adicionadas outras substâncias que, algumas vezes, são mais tóxicas. Deve-se estimar a quantidade (dose tóxica ou não tóxica) ingerida ou com a qual o paciente entrou em contato e que, geralmente, são maiores nas exposições intencionais. Na maioria das vezes ocorre ingestão ou exposição a um único produto, porém, deve-se estar atento para a possibilidade de intoxicações múltiplas, nas quais existem possibilidades de interação de efeitos, para então instituir adequadamente as medidas terapêuticas.

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT • WHEN – QUANDO? Avaliar o tempo decorrido desde a exposição (mais ou menos de uma hora) e, no caso de exposições repetidas, durante quanto tempo o paciente esteve exposto. Este parâmetro é importante para a indicação ou não de medidas de descontaminação. Também é importante estabelecer o que aconteceu no período decorrido (ocorrência de vômito espontâneo ou induzido e seu aspecto; muitas vezes é feita desnecessariamente a lavagem gástrica e, somente depois ou durante a sua realização consulta-se um Centro de Informação e Assistência Toxicológica).

• WHERE – ONDE? A investigação do ambiente (domicílio, local de trabalho, casa de amigos, festas raves, terreno baldio, escola, ou outro local) onde o paciente foi encontrado pode conter dados que contribuirão para o esclarecimento da intoxicação. Deve-se procurar restos de alimentos ou do agente tóxico, cartelas ou frascos de medicamentos vazios, garrafas de bebidas alcoólicas, embalagens de agrotóxicos ou frascos /caixas de raticidas, seringas ou outros artifícios para uso de drogas, notas de despedidas e presença de odores.

• WHY – POR QUÊ OU COMO? A determinação da circunstância na qual aconteceu a exposição, assim como a via de contato, pode fornecer dados importantes para predizer a intensidade e a gravidade da intoxicação. A exposição pode se dar de forma:

a) Acidentais – (investigar se o acidente foi individual). Podem ser:

- profissionais: podem resultar de exposição aguda, sobreaguda ou crônica; - medicamentosas: por erro de administração (produto, frasco ou dose errados), por interação ou intolerância; - alimentares - pela presença natural de substâncias tóxicas, migração de substâncias tóxicas das embalagens, por contaminação biológica (intoxicação alimentar: botulismo, aflatoxinas e toxiinfecção alimentar: estafilococos, salmonela, E. coli, etc), contaminação química (agrotóxicos, hormônios) e aditivos e conservantes (autorizados e fraudulentos); - domésticas ou infantis: por descuido dos pais e cuidadores (colocação de substâncias perigosas ao alcance das crianças e troca de recipientes). Deve-se avaliar a possibilidade de abuso ou maus tratos; b) Intencionais - em geral são as mais graves e incluem as tentativas de suicídio, tentativas de homicídio, aborto, abuso sexual, assaltos, abuso infantil e farmacodependência;

c) Iatrogênicas - por prescrição médica ou por automedicação.

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Exame Físico

As manifestações clínicas podem auxiliar a ratificação do diagnóstico, mas, sobretudo é útil no estabelecimento da gravidade.

A – Reconhecimento de síndromes tóxicas

Em diversas situações, o agente tóxico implicado na intoxicação não é identificado à admissão no serviço de saúde. No paciente sintomático, o exame físico pode fornecer indícios inestimáveis para a identificação do agente envolvido. Portanto, após a estabilização do paciente, deve ser feito um exame físico mais minucioso e completo procurando-se identificar a substância envolvida, com foco nos sinais vitais (pressão arterial, freqüência respiratória e cardíaca), pupilas (tamanho e resposta à luz), temperatura, estado de hidratação da pele e mucosas, peristaltismo e estado mental.

Através das alterações encontradas na avaliação dos parâmetros citado acima, pode-se caracterizar uma determinada síndrome tóxica ou toxíndrome, que é definida como um conjunto complexo de sinais e sintomas produzidos por doses tóxicas de substâncias químicas que, apesar de diferentes, têm efeitos semelhantes. As principais síndromes tóxicas e os agentes envolvidos são descritas a seguir.

1. Síndrome anticolinérgica

Os pacientes apresentam agitação psicomotora e/ou sonolência, confusão mental, alucinações visuais, mucosas secas, rubor cutâneo, hipertermia, retenção urinária, diminuição dos ruídos intestinais, midríase e cicloplegia (incapacidade de acomodação visual para perto). A maioria desses sintomas é descrita na regra mnemônica:

Blind as a bat: completamente cego Hot as hare: quente como o inferno Red as a beet: vermelho como pimentão Dry as a bone: seco como osso Mad as a hatter: louco varrido

Os agentes que comumente causam essas manifestações são: antagonistas H1 da histamina, atropina, escopolamina (hioscina), antidepressivos tricíclicos, vegetais beladonados (ex. saia branca e estramônio, também denominada figueira-do-inferno ou figueira-brava), fenotiazínicos, medicamentos antiparkinsonianos, etc. Essas substâncias exercem seus efeitos por bloqueio dos receptores muscarínicos da acetilcolina.

2. Síndrome de depressão neurológica

As manifestações clínicas incluem de sonolência ao coma, hiporreflexia, miose, hipotensão, bradicardia, hipotermia e edema pulmonar. Agentes envolvidos: pode ser determinada por benzodiazepínicos, carbamazepina, barbitúricos, carisoprodol, zolpidem, derivados da imidazolina (descongestionantes tópicos), antidepressivos tricíclicos, inibidores da acetilcolinesterase (principalmente

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT organofosforados), salicilatos, álcoois (etanol, metanol, etilenoglicol, isopropanol), monóxido de carbono, opióides naturais (heroína, morfina) e seus análogos sintéticos (meperidina).

3. Síndrome colinérgica

Esta síndrome é determinada pela diminuição da atividade da enzima acetilcolinesterase e caracteriza-se por: sialorréia, lacrimejamento, diurese, diaforese, diarréia e vômitos. Outros sintomas clínicos mais importantes como broncorréia (edema pulmonar), bradicardia, broncoespasmo, fraqueza e fasciculações musculares e convulsões também fazem parte desta síndrome. Os sintomas colinérgicos são causados pela atividade excessiva da acetilcolina, porém, variam de acordo com o receptor estimulado: receptor muscarínico, receptor nicotínico ou receptor colinérgico central, conforme descrito quadro abaixo:

Sinais e sintomas colinérgicos

Muscarínicos Nicotínicos Centrais

Miose bradicardia broncorréia, broncoespasmo vômitos, diarréia sialorréia, lacrimejamento incontinência urinária

midríase taquicardia broncodilatação hipertensão diaforese fraqueza e fasciculação muscular

Agitação confusão mental letargia convulsões coma óbito

Agentes envolvidos: os agrotóxicos organofosforados e carbamatos e certos cogumelos podem produzir qualquer um dos sintomas listados na tabela acima. O risco de exposição é maior entre trabalhadores rurais, mas, qualquer pessoa pode estar exposta a esses produtos, em casa ou no trabalho. Militares e antiterroristas devem se preocupar com os gases neurotóxicos (como o sarin). Inseticidas à base de nicotina e a nicotina do tabaco apresentam atividade colinérgica nicotínica. Os medicamentos fisostigmina, neostigmina e edrofônio, são usados em distúrbios neuromusculares, mas seus efeitos colinérgicos geralmente não são evidenciados.

4. Síndrome simpatomimética

Essa síndrome é caracterizada por agitação psicomotora, alucinações, paranóia, sudorese, taquicardia, hipertensão arterial (ou hipotensão nos casos graves), midríase, tremores, convulsões e arritmias nos casos graves. É determinada por agentes que promovem estimulação da atividade simpática através de:

- aumento de liberação de catecolaminas (anfetaminas) - bloqueio da recaptação (cocaína) - interferência no metabolismo (inibidores da Monoaminooxigenase - IMAO) - estimulação direta de receptor (adrenalina)

Os principais agentes simpatomiméticos são: anfetaminas, ecstasy, cocaína, teofilina, fenilpropanolamina, efedrina, pseudoefedrina e cafeína.

5. Síndrome serotoninérgica

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Esta síndrome usual é causada por estimulação excessiva de receptores serotoninérgicos centrais e periféricos. O aumento da estimulação provocada pelo neurotransmissor 5-hidroxitriptamina (serotonina) pode ser devido:

- ao aumento da produção de serotonina: triptofano; - ao aumento da liberação da serotonina estocada: anfetamínicos (incluindo ecstasy), bromocriptina, cocaína, L-dopa; - à diminuição da recaptação da serotonina pelo neurônio pré-sináptico: dextrometorfano, nefazadona, petidina (meperidina), inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS (fluoxetina, paroxetina, sertralina, etc.), venlafaxina e antidepressivos tricíclicos; - à inibição da monoaminooxidase (MAO) responsável pelo metabolismo da serotonina: moclobemida (inibidor seletivo da MAO-A) e inibidores não-seletivos da MAO (isocarboxazida, iproniazida, etc.); - à estimulação do receptor pós-sináptico da serotonina: dietilamida do ácido lisérgico (LSD); - ao aumento da resposta pós-sináptica à estimulação causada pela serotonina: lítio.

Clinicamente a síndrome serotoninérgica apresenta-se como uma tríade de sintomas envolvendo disfunção autonômica, alterações neurológica e mentais. O diagnóstico é sugestivo quando há manifestação de quatro ou mais sintomas em cada grupo descritos no quadro abaixo.

Diagnóstico clínico da síndrome serotoninérgica

Disfunção autonômica Alterações neurológicas Alterações mentais

diaforese tremores alteração da consciência

diarréia vertigem agitação

febre hiperrreflexia hipomania

taquicardia sinusal mioclonia letargia

hiper ou hipotensão convulsões insônia

taquipnéia rigidez muscular alucinações

midríase reflexo de Babinski hiperatividade

rubor opistótono

cãibras abdominais ataxia

sialorréia coma

calafrios

Contudo, deve-se realizar diagnóstico diferencial com outras situações que possam apresentar manifestações clínicas em comum. O diagnóstico diferencial mais importante e provável refere-se à síndrome neuroléptica maligna (SNM), caso o paciente iniciou o uso de agentes neurolépticos ou teve a dose aumentada antes do aparecimento dos sinais e sintomas. Deve-se ainda fazer exclusão entre síndrome anticolinérgica; intoxicação por carbamazepina; infecções do sistema nervoso central; insolação; abstinência de etanol, opióides ou hipnótico-sedativos; overdose de simpatomiméticos e intoxicação por lítio.

6. Síndrome de liberação extrapiramidal (distonia aguda)

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Ocorre quando há bloqueio de receptores dopaminérgicos. O paciente apresenta-se com quadro de hipertonia, espasmos musculares, sinal da roda denteada, catatonia, acatisia, crises oculógiras, opistótono, mímica facial pobre, choro monótono. Pode estar presente nas intoxicações por bloqueadores dopaminérgicos D2 (domperidona), metoclopramida, butirofenonas (haloperidol), fenotiazínicos.

7. Síndrome metemoglobinêmica

Origina-se pela conversão excessiva da hemoglobina em metemoglobina que é incapaz de se ligar e transportar oxigênio. Dentre as manifestações clínicas destacam-se: cianose, taquicardia, astenia, irritabilidade, dificuldade respiratória, depressão neurológica e convulsões. Entre os agentes oxidantes dstacam-se as sulfonas (dapsona), anilina e derivados, sulfonamidas, quinonas, cloratos, metoclopramida, anestésicos locais, nitrobenzeno, azul de metileno, entre outros.

O reconhecimento dessas síndromes permite a identificação mais rápida do agente causal e, conseqüentemente, a realização do tratamento adequado. Entretanto, é importante salientar que muitas vezes pode-se ter um quadro clínico misto. Por exemplo, um paciente intoxicado por um antidepressivo tricíclico pode apresentar manifestações anticolinérgicas, depressão neurológica e convulsões.

B – Alterações oculares

O tamanho da pupila é afetado por inúmeras drogas (Tabela 3) que atuam no sistema nervoso autônomo, observando-se miose ou midríase. Nistagmo horizontal também é uma manifestação comum em uma variedade de drogas como os barbitúricos, etanol, carbamazepina, fenitoína e toxina escorpiônica. A fenciclidina pode causar nistagmo horizontal, vertical e até mesmo rotatório.

Tabela 3 - Substâncias que podem causar alterações oculares

Miose Midríase Nistagmo

Opiódes Simpatomiméticos barbitúricos

heroína cocaína carbamazepina

morfina cafeína fenciclidina

hidromorfona efedrina fenitoína

oxicodona anfetaminas lítio

hidrocodona metilfenidato etanol

codeína anticolinérgicos organofosforados

propoxifeno atropina estricnina

Sedativo-hipnóticos escopolamina inibidores da MAO

barbitúricos antidepressivos tricíclicos ketamina

benzodiazepínicos antihsitamínicos serotoninérgicos

álcoois (c/ coma profundo) antiparkinsonianos

zolpidem relaxantes musculares

Colinérgicos antiespasmódicos

gases neurotóxicos fenotiazínicos (alguns)

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT organofosforados vegetais beladonados

carbamatos Alucinógenos

pilocarpina LSD

edrofônio mescalina

fisostigmina psilocibina

Simpatolíticos anfetaminas

clonidina miscelânia

oximetazolina glutetimida

tetrahidrazolina álcoois

antipsicóticos inibidores da MAO

Miscelânea nicotina

fenciclidina síndromes serotoninérgicas

síndrome de abstinência

Perturbações visuais incluindo cegueira parcial ou total como resultado de toxicidade sistêmica foram descritas para agentes anticolinérgicos, monóxido de carbono, digitálicos, metanol, brometo de metila, quinino, antimicrobianos (ampicilina, metronidazol, ácido nalidíxico, nitrofurantoína, sulfas e tetraciclina), glicocorticóides, chumbo, lítio, anticoncepcionais orais, fenotiazinas, fenitoína e vitamina A.

C - Alterações auditivas e nasais

Perda auditiva aguda pode ocorrer como efeito tóxico de aminoglicosídios, cloroquina, diuréticos de alça em altas doses, quinino e salicilatos. Erosões e perfurações de septo nasal podem ser devidas à exposição crônica a cocaína ou inalação de vapores de cromo e níquel.

D - Odores característicos e alterações na pele

Alguns agentes tóxicos possuem odores característicos, tais como organofosforados, cianeto, etanol, éter, etc. (Tabela 4) e, quando ingeridos, modificam o odor do hálito. Contudo, esse odor pode estar fraco ou ser mascarado por outros odores mais fortes como o cheiro de vômito ou por odores ambientes. Além disso, a capacidade de percepção de odores apresenta grande variabilidade individual. Por exemplo, apenas cerca de 50% da população geral podem identificar o cheiro de “amêndoa amarga” para o cianeto. Assim, a ausência do odor não garante a ausência de um toxicante.

Tabela 4 - Substâncias que podem modificar o odor do hálito

Odor Substância

cetônico (cheiro de fruta) etanol, metanol, álcool isopropílico, clorofórmio, salicilatos, acidose metabólica

álcool etanol

amêndoas amargas cianeto

mofo BHC

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT alho arsênico, organofosforados, fósforo, tálio, selênio

feno recentemente cortado

fosfogênio

ovos podres sulfeto de hidrogênio, dissulfiram

Sudorese ou ausência de sudorese pode ser um sinal indicativo para uma das síndromes autonômicas (anticolinérgica, colinérgica-muscarínica, simpatomimética, etc.). Hiperemia pode ser observada nas intoxicações causadas por agentes anticolinérgicos, monóxido de carbono, ácido bórico, nas queimaduras por produtos cáusticos ou hidrocarbonetos e, também, pode ser o resultado de uma vasodilatação periférica pela interação de etanol com dissulfiram, fenotiazinas, metronidazol e herbicidas contendo tiuram. Palidez acompanhada de sudorese é freqüentemente causada por agentes simpatomiméticos. Cianose pode indicar hipóxia ou metemoglobinemia. Exemplos de substâncias que podem causar alterações na pele são descritas na Tabela 5.

Tabela 5 - Substâncias que determinam alterações na pele

Quente, vermelha e seca Pálida e sudoréica Cianótica Descamativa

Simpatomiméticos cianeto reações alérgicas

metemoglobinemia síndrome de Stevens-Johnson

sulfemoglobinemia ácido bórico

hipóxia

Anticolinérgicos antihistamínicos antidepressivos tricíclicos atropina escopolamina vegetais beladonados fenotiazinas

cocaína anfetamina teofilina cafeína efedrina fenilpropanolamina

metais pesados arsênio mercúrio tálio

doença de Kawasaki

síndrome do choque tóxico

Agentes colinérgicos

organofosforados carbamatos gases neurotóxicos

Interação com etanol dissulfiram cefalosporinas solventes herbicidas como tiuram certos cogumelos

ácido bórico

glutamato monossódico

certas espécies de peixes

rifampicina

Alucinógenos centrais

LSD fenciclidina mescalina psilocibina anfetaminas (MDMA)

monóxido de carbono arsênico

síndrome do choque tóxico

salicilatos

E – Complicações

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT O paciente intoxicado pode apresentar várias complicações. As mais importantes são descritas a seguir. Mesmo que na avaliação inicial o paciente elas não estejam presentes, ele pode manifestá-las durante a evolução da intoxicação.

1. Alterações da pressão arterial – muitos agentes tóxicos causam alterações na pressãoarterial.

• Hipotensão – os distúrbios fisiológicos que resultam em hipotensão incluem:

a – perda de volume por vômitos, diarréia ou sangramento; perda de volume aparente causada por venodilatação; dilatação arteriolar; depressão da contratilidade cardíaca; arritmias que interferem na pós carga; e hipotermia;

b – perda de volume, venodilatação, dilatação arteriolar, comumente resultam em hipotensão com taquicardia reflexa. Em contraste, a hipotensão acompanhada de bradicardia sugere intoxicação por agentes simpaticolíticos, drogas depressoras de membrana, bloqueadores de canais de cálcio, glicosídios cardíacos ou a presença de hipotermia.

Exemplos de drogas e toxinas que podem causar hipotensão e seus mecanismos estão listados na Tabela 6.

Tabela 6 - Substâncias que podem causar hipotensão

Com taquicardia Com bradicardia

Por perda de líquido ou terceiro espaço

arsênico e ferro cogumelos contendo amatoxina colchicina sulfato de cobre veneno botrópico sedativo-hipnóticos

Por vasodilatação periférica

Agentes simpatolíticos betabloqueadores clonidina metildopa hipotermia opiáceos reserpina oximetazolina

Agentes depressores de membranas betabloqueadores (propranolol) quinidina, procainamida propoxifeno antidepressivos tricíclicos

agonistas beta-adrenérgicos teofilina albuterol isoproterenol terbutalina cafeína

antagonistas do cálcio (nifedipina, nicardipina, amiodipina)

fenotiazinas

Sedativo-hipnóticos barbitúricos benzodiazepínicos

antidepressivos tricíclicos

hidralazina

nitritos

Agentes colinérgicos organofosforados carbamatos

minoxidil

antagonistas alfa-adrenérgicos (doxazosina, prazosina, terazosina)

Outros antagonistas do cálcio (verapamil, diltiazem) glicosídios cardíacos cianeto monóxido de carbono

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antiarrítmicos fluoretos

Uma hipotensão grave e prolongada pode causar necrose tubular renal aguda, lesão cerebral ou isquemia miocárdica. Acidose metabólica é um achado comum nesses casos.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipotermia causando uma queda do metabolismo e diminuição da demanda de fluxo e pressão sangüínea; hipertermia que causa dilatação arteriolar e venodilatação com depressão miocárdica direta; perda de fluidos por gastroenterites; perda de sangue (trauma ou sangramento gastrointestinal); infarto agudo do miocárdio; sepse; lesão medular.

• Hipertensão - é freqüentemente ignorada em pacientes intoxicados e quase sempre não é tratada. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar hipertensão estão listados na Tabela 7.

Tabela 7 - Substâncias que podem causar hipertensão

Hipertensão com taquicardia

Agentes anticolinérgicos

antihistamínicos antidepressivos tricíclicos fenotiazinas (algumas) agentes antiparkinsonianos relaxantes musculares

Agentes simpatomiméticos

anfetaminas e derivados cocaína efedrina e pseudoefedrina levodopa teofilina cafeína

Agentes colinérgicos (alguns)

organofosforados

carbamatos

Agentes alucinógenos anfetaminas (MDMA) LSD fenciclidina

nicotina

Outros: hipertemia, hormônios tireoidianos, inibidores da MAO, etanol, maconha

Hipertensão com bradicardia e bloqueio atrioventricular

Agonistas alfa-adrenérgicos norepinefrina fenilpropanolamina fenilefrina fentermina

Hormônios esteróides glicocorticóides mineralocorticóides estrogênicos progesterona androgênicos

Agentes colinérgicos organofosforados carbamatos

Imidazolinas tetrahidrozolina oximetazolina

Outros inibidores da MAO metais pesados (chumbo) alcalóides do ergot ioimbina clonidina interações com etanol (tipo dissulfiram)

Hipertensão pode ser causada por vários mecanismos, entre eles:

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT a – anfetaminas e derivados causam hipertensão e taquicardia através de um intensa estimulação simpática; b – agentes alfa-adrenérgicos seletivos causam hipertensão com bradicardia reflexa (mediada por baroreceptores) ou até mesmo bloqueio atrioventricular; c – agentes anticolinérgicos causam hipertensão leve com taquicardia; d – substâncias que estimulam os receptores nicotínicos (organofosforados) podem inicialmente causar taquicardia e hipertensão, seguido mais tardiamente, por bradicardia e hipotensão.

Hipertensão grave pode evoluir com hemorragia intracraniana, dissecção de aorta, infarto agudo do miocárdio e congestão cardíaca.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipertensão idiopática (a mais comum na população). Contudo se o paciente não tiver uma história pregressa de hipertensão, esta não deve ser considerada como primeira hipótese; pressão intracraniana elevada causada por hemorragia espontânea, trauma ou outras causas. Isto pode resultar em hipertensão com bradicardia (reflexo de Cushing).

2. Alterações na freqüência e ritmo cardíacos – são efeitos comuns em várias intoxicações, nas quais os protocolos padrões de tratamento de emergência cardiovascular devem ser modificados.

• Bradicardia e bloqueio atrioventricular - são comumente observados nas intoxicações por antagonistas de canal de cálcio e drogas que deprimem o tônus simpático ou aumentam o tônus parassimpático. Essas condições podem ser resultantes de intoxicações graves com drogas depressoras de membrana (antidepressivos tricíclicos, quinidina e outros agentes antiarrítmicos). Bradicardia ou bloqueio atrioventricular também podem ser conseqüentes de uma resposta reflexa (reflexo barorreceptor) para hipertensão induzida por agentes alfa-adrenérgicos como a fenilpropanolamina e fenilefrina. Em crianças, a bradicardia é comumente causada por comprometimento respiratório e usualmente responde à ventilação e à oxigenação. Essas alterações freqüentemente causam hipotensão que pode progredir para assistolia. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar bradicardia e bloqueio atrioventricular são listados na Tabela 8.

Tabela 8 - Substâncias que podem causar bradicardia ou bloqueio atrioventricular

Agentes colinégicos ou vagotônicos

Drogas depressoras de membrana

Agentes simpaticolíticos

Outros

organofosforados carbamatos glicosídios digitálicos fisostigmina neostigmina

propranolol e outros betabloqueadores antidepressivos tricíclicos quinidina procainamida

betabloqueadores clonidina opiáceos

antagonistas de canal de cálcio sedativo-hipnóticos carbamazepina fenilpropanolamina e outros agonistas alfa-adrenérgicos lítio, magnésio propoxifeno

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipotermia; isquemia miocárdica e infarto agudo do miocárdio; distúrbios eletrolíticos (hipercalemia); distúrbios metabólicos (hipotiroidismo); origens fisiológicas, devido a uma freqüência cardíaca intrinsecamente baixa (comum em atletas) ou a uma reação aguda vaso-vagal; reflexo de Cushing (causada por severa hipertensão intracraniana).

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT • Prolongamento do Intervalo QRS Prolongamento do intervalo QRS maior do que 0,12 segundos sugere fortemente grave intoxicação por antidepressivo tricíclico ou outra droga depressora de membrana (quinidina, cloroquina e propanolonol). O prolongamento do intervalo QRS pode ser resultado de um ritmo de escape ventricular, em pacientes com bloqueio cardíaco completo, o qual pode ser devido a uma intoxicação por digitálicos, por antagonistas do canal de cálcio ou doença cardíaca intrínseca. Prolongamento do intervalo QRS em pacientes com intoxicação por antidepressivos tricíclicos ou drogas similares são freqüentemente acompanhados por hipotensão, bloqueio atrioventricular e convulsões. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar prolongamento do intervalo QRS estão listados na Tabela 9.

Tabela 9 - Substâncias que podem causar prolongamento do intervalo QRS

betabloqueadores (propranolol) hipercalemia

cloroquinas e agentes similares fenotiazinas

glicosídios digitálicos (completo bloqueio cardíaco)

propoxifeno

anti-histamínicos (difenidramina, astemizol, terfenadina)

antiarrítmicos (quinidina, procainamida e disopiramida, amiodarona, bloqueadores de canal de cálcio)

antidepressivos tricíclicos antimicrobianos (cloroquina, eritromicina, quinino)

antipsicóticos (fenotiazinas) arsênico, tálio, lítio, fluoretos, citratos

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): doença do sistema de condução (bloqueio de ramo ou bloqueio cardíaco total) causado por doença da artéria coronária. Se possível e disponível, analise um eletrocardiograma prévio; hipercalemia com crítica toxicidade cardíaca pode ser evidenciada em um padrão de "ondas senoidais" com complexo QRS alargado.

• Taquicardia

Taquicardias supraventriculares são alterações freqüentemente causadas por excessiva estimulação do sistema simpático ou inibição do tônus parassimpático. Taquicardia sinusal pode ser uma resposta reflexa à hipotensão ou hipóxia. Taquicardia supraventricular acompanhada por um intervalo QRS prolongado (intoxicação por antidepressivos tricíclicos) pode ter a aparência de uma taquicardia ventricular. Taquicardia sinusal simples (freqüência cardíaca menor que 140 batimentos/minuto), raramente tem repercussão hemodinâmica. Crianças e adultos saudáveis podem tolerar facilmente uma freqüência de 160 a 180 batimentos/minuto. Contudo, uma freqüência alta sustentada por longo período pode resultar em hipotensão, dor no peito ou síncope. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar taquicardia e seus mecanismos são mostrados na Tabela 10.

Tabela 10 - Substâncias que podem causar taquicardia

Agentes simpatomiméticos

Agentes que causam hipóxia celular

Agentes anticolinérgicos

Outros

anfetaminas e derivados

agentes metemoglobinizantes

anti-histamínicos síndrome de abstinência ao etanol ou sedativo-hipnóticos

cafeína cianeto cogumelos amanita muscaria

hidralazina e outros vasodilatadores

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT

cocaína monóxido de carbono atropina e escopolamina

hormônios tireoidianos

epinefrina e pseudoepinefrina

disulfeto de hidrogênio fenotiazinas

fenciclidina vegetais beladonados

teofilina antidepressivos tricíclicos

albuterol

dobutamina, dopamina

metilfenidato

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): perda oculta de sangue (sangramento gastrointestinal ou trauma); perda de fluidos (gastrite ou gastroenterites); hipóxia; febre e infecção; infarto agudo do miocárdio; distúrbios da ansiedade.

• Arritmias ventriculares Irritabilidade ventricular está comumente associada com intensa estimulação simpática (cocaína ou anfetaminas). Pacientes intoxicados por hidrocarbonetos clorados, fluorados ou aromáticos, podem ter sensibilidade miocárdica aumentada devido aos efeitos arritmogênicos das catecolaminas. Taquicardia ventricular também pode ser uma manifestação de intoxicação por antidepressivos tricíclicos ou outra droga bloqueadora de canal de sódio, embora com essas drogas a verdadeira taquicardia ventricular seja difícil de distinguir da taquicardia sinusal ou da taquicardia supraventricular com intervalo QRS prolongado. Agentes que causam prolongamento do intervalo QT (QTc > 0,42 segundos) podem produzir taquicardia ventricular atípica (Torsades de pointes) caracterizada por taquicardia ventricular polimórfica que roda em seu eixo continuamente. Também pode ser causada por hipocalemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia. Taquicardia ventricular em pacientes com pulso pode estar associada com hipotensão ou pode se deteriorar em taquicardia ventricular sem pulso ou fibrilação ventricular. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar arritmias ventriculares estão listadas na Tabela 11.

Tabela 11 - Substâncias que podem causar arritmias ventriculares

Taquicardia ventricular ou fibrilação

agentes simpatomiméticos (cocaína, anfetaminas, teofilina)

solventes hidrocarbonetos aromáticos, clorados ou fluorados

antipsicóticos (fenotiazinas)

solventes hidrocarbonetos clorados ou fluorados

antidepressivos tricíclicos

glicosídios digitálicos

potássio

fluoretos

Prolongamento QT ou Torsades de pointes

amiodarona inseticidas organofosforados

antidepressivos tricíclicos levofloxacino

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT arsênico moxifloxacino

astemizol e terfenadina nicardipina

cisapride paroxetina

citrato quinidina, procainamida e disopiramida

cloroquina, quinina e agentes correlatos risperidona

eritromicina sertalina

fluoretos sotalol

fluoxetina tálio

haloperidol trioridazina

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipoxemia; hipocalemia; acidose metabólica; isquemia de miocárdio ou infarto agudo do miocárdio; distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia ou hipomagnesemia) ou desordens congênitas que podem causar prolongamento do intervalo QT.

3. Alterações do estado mental

• Coma e estupor Uma queda no nível de consciência (avaliado pela escala de Glasgow – Tabela 2) é uma complicação grave e a mais comum em intoxicações e envenenamentos. O coma é resultante da depressão global do sistema de ativação reticular do cérebro, podendo ser causado por agentes anticolinérgicos, drogas simpatolíticas, depressores centrais substâncias que provocam hipóxia celular. Algumas vezes representa um fenômeno posterior (pós-ictal) a uma convulsão induzida por droga ou toxina. Também pode ser causado por lesão cerebral associados com infarto ou sangramento intracraniano. A presença de déficit neurológico focal sugere sofrimento cerebral que deve ser confirmado por uma tomografia computadorizada. Exemplos de agentes tóxicos que podem causar coma estão listados na Tabela 12.

Tabela 12 - Substâncias que podem causar coma

Depressores do SNC Simpatolíticos Outros mecanismos ou desconhecido

Anticolinérgicos brometo

diquate

dissulfiram anti-histamínicos vegetais beladonados fenotiazinas

clonidina, tetrahidrozolina, oximetazolina betabloqueadores bloqueadores de canal de cálcio metildopa opiáceos hipoglicemiantes

Sedativo-hipnóticos Asfixiantes simples lítio

metais pesados barbitúricos benzodiazepínicos

dióxido de carbono (CO2) gases inertes fenciclidina

Antidepressivos Asfixiantes celulares (hipóxia) salicilatos

cogumelos

tricíclios inibidores da MAO inibidores seletivos da recaptação da serotonina

Colinérgicos

monóxido de carbono sulfeto de hidrogênio cianeto metemoglobinizantes

organofosforados

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT carbamatos

Anticonvulsivantes

carbamazepina ácido valpróico

Outros

etanol e outros álcoois GHB (gama-hidroxibutirato) antipsicóticos relaxantes musculares

O coma freqüentemente é acompanhado de depressão respiratória, que é a principal causa de óbito em pacientes intoxicados. Outras condições que podem acompanhar ou complicar o coma incluem hipotensão, hipotermia, hipertermia e rabdomiólise.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): hipóxia; hipoglicemia; níveis sangüíneos anormais de sódio e outros eletrólitos; trauma crânio-encefálico ou outra causa de sangramento intracraniano; hipotireoidismo; falência renal ou hepática; hipo ou hipertermia ambiental; infecções graves como encefalites e meningites.

• Hipotermia

A hipotermia pode mimetizar, ou até mesmo, complicar uma intoxicação e sempre deve ser considerada em pacientes comatosos. Em geral, é causada por exposição a ambientes frios em pacientes que apresentam os mecanismos de resposta termo-reguladores comprometidos. Várias substâncias podem induzir a hipotermia por causar vasodilatação, inibição a resposta de calafrios, abaixando a atividade metabólica ou causando perda de consciência em ambiente frio. Um paciente com temperatura abaixo de 32ºC pode parecer estar morto, com um pulso ou pressão quase indetectáveis e sem reflexos. O eletrocardiograma pode mostrar uma deflexão terminal anormal. Exemplos de drogas que podem causar hipotermia estão listados na Tabela 13.

Tabela 13 - Substâncias que podem causar hipotermia

agentes sedativo- hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos)

antidepressivos tricíclicos

simpatolíticos (beta-bloqueadores, clonidina, bloqueadores de canal de cálcio, antagonistas alfa-adrenérgicos)

agentes colinérgicos

antipsicóticos

anestésicos gerais

etanol e outros álcoois

agentes hipoglicemiantes

opiáceos

fenotiazinas

vasodilatadores

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT monóxido de carbono

Devido à diminuição generalizada do metabolismo e da menor demanda de oxigênio e fluxo sangüíneo, a hipotermia geralmente é acompanhada de hipotensão e de bradicardia. Hipotensão leve (pressão sistólica de 70 a 90 mmHg), em um paciente com hipotermia, não deve ser tratada agressivamente. Fluidos infundidos excessivamente podem causar sobrecarga hídrica e causar uma queda ainda maior na temperatura. Hipotermia muito acentuada (temperaturas <28-30ºC) podem causar fibrilação ventricular, assistolia e AESP (atividade elétrica sem pulso). Isto pode ocorrer repentinamente, quando o paciente for manipulado, reaquecido muito rapidamente ou quando estiver recebendo as manobras de ressuscitação cardiopulmonar.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): sepse; hipoglicemia; hipotiroidismo; hipotermia ambiental, causada por exposição a ambiente muito frio.

• Hipertermia

A hipertermia (temperatura > 40ºC) pode ser uma complicação grave observada nas intoxicações por várias substâncias (Tabela 14). Pode ser causada por uma geração excessiva de calor decorrente de convulsões, rigidez ou hiperatividade muscular continuadas; aumento do metabolismo; distúrbios no mecanismo de dissipação do calor por alteração da sudorese (agentes anticolinérgicos); ou por desordens hipotalâmicas. Os distúrbios hipertérmicos mais importantes são:

1 – Síndrome Neuroléptica Maligna (SNM) - observada em alguns pacientes que fazem uso de agentes antipsicóticos e é caracterizada por rigidez muscular (muito intensa), hipertermia, acidose metabólica e confusão mental.

2 – Hipertermia maligna – trata-se de um distúrbio hereditário que causa hipertermia grave, acidose metabólica e rigidez depois do uso de certos anestésicos (halotano e succinilcolina).

3 – Síndrome serotoninérgica - ocorre primariamente em pacientes que utilizam inibidores da MAO, os quais também fazem uso de drogas que aumentam a concentração de serotonina, tais como: meperidina, fluoxetina ou outros inibidores da recaptação de serotonina, e é caracterizada por irritabilidade, rigidez, mioclonias, sudorese, instabilidade autonômica e hipertermia. Também pode ocorrer em pessoas que ingeriram dose elevada de inibidores da recaptação de serotonina, mesmo sem o uso concomitante de um IMAO. Hipertermia grave, quando não tratada, pode evoluir para um quadro de hipotensão, rabdomiólise, coagulopatia, falência cardíaca e renal, lesão cerebral e morte. Os sobreviventes freqüentemente apresentam seqüelas neurológicas permanentes.

Tabela 14 - Substâncias que podem causar hipertermia

Por hiperatividade muscular, rigidez ou convulsões

Simpatomiméticos: anfetaminas e derivados, cocaína; fenilpropanolamina; efedrina

alucinógenos: LSD, fenciclidina, anfetaminas (MDMA e MDEA)

drogas que causam convulsões recorrentes: isoniazida, teofilina

anticolinérgicos: atropina, antihistamínicos, antidepressivos tricíclicos, vegetais beladonados

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT outros agentes: lítio, inibidores da MAO, estricnina,

estado de abstinência a drogas

síndrome neuroléptiva maligna (SNM)

hipertermia maligna

síndrome serotoninérgica

Por aumento do metabolismo

desacopladores da fosforilação oxidativa: dinitrofenóis, pentaclorofenol

salicilatos, hormônios tireoidianos

Por distúrbio nos mecanismos de dissipação de calor ou de termorregulação

anticolinérgicos: anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos

fenotiazinas e outros agentes antipsicóticos

Por outros mecanismos

calor externo

reações de hipersensibilidade: antimicrobianos, drogas antineoplásicas, febre da fumaça do metal

hipertermia maligna

síndrome neuroléptica maligna

abstinência alcoólica ou a drogas sedativo-hipnóticas

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): abstinência alcoólica (Delirium tremens) e de drogas sedativo-hipnóticas; esforço ou calor externo; tireotoxicose; meningite e encefalite; outras infecções graves.

• Convulsões

As convulsões são causas freqüentes de morbidade e mortalidade devido à ingestão de doses elevadas de várias substâncias (Tabela 15). As crises podem ser únicas e rápidas ou múltiplas e prolongadas, podendo ser desencadeadas por vários mecanismos. Convulsões generalizadas, geralmente, resultam em perda da consciência e, com freqüência, acompanhada de mordedura da língua e incontinências fecal e urinária. Outras causas de hiperatividade muscular ou rigidez podem ser confundidas com convulsões, especialmente em pacientes inconscientes.

Tabela 15 - Substâncias que podem causar convulsões

Agentes simpaticomiméticos

Antidepressivos e antipsicóticos

Outros

anfetaminas e derivados (incluindo MDMA)

antidepressivos triciclícos

anti-histamínicos izoniazida

cafeína haloperidol e outras butirofenonas

betabloqueadores (primariamente, o propranolol)

chumbo e outros metais pesados

cocaína loxapina, clozapina e olanzapina

ácido bórico lidocaína e outros anestésicos locais

fenilciclidina fenotiazianas cânfora lítio

fenilpropanolamina amoxapina carbamazepina ácido mefenâmico

efedrina inibidores seletivos da hipóxia celular (monóxido de meperidina

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recaptação de serotonina

carbono, cianeto e sulfeto de hidrogênio)

(metabólito normeperidina)

teofilina hidrocarbonetos clorados metaldeído

agentes colinérgicos (nicotina, carbamatos, organofosforados)

brometo de metila

plantas tóxicas fenóis

citrato fenilbutazona

dietiltoluamida (DEET) piroxicam

estricnina (opistótono e rigidez) GHB (gama-hidroxibutirato)

síndrome de abstinência de etanol ou drogas sedativo-hipnóticas

Qualquer convulsão pode comprometer as vias aéreas, resultando em apnéia e aspiração pulmonar. Lembre-se que nestes pacientes a queda da língua é causa importante de obstrução das vias aéreas. Convulsões múltiplas e prolongadas podem causar acidose metabólica grave, hipertermia, rabdomiólise e lesão cerebral.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): distúrbio metabólico grave (hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia ou hipóxia); trauma de crânio com lesão intracraniana; epilepsia idiopática; abstinência alcoólica ou de drogas sedativo-hipnóticas; hipertermia por esforço ou ambiental; infecção de SNC como meningite ou encefalite; convulsões febris em crianças.

• Agitação, delírio ou psicose Agitação, delírio e psicose podem ser causados por uma variedade de drogas e toxinas (Tabela 16). A agitação, especialmente se estiver acompanhada de comportamento hipercinético (paciente debatendo-se ou contorcendo-se), pode resultar em hipertermia e rabdomiólise.

Tabela 16 - Substâncias que podem causar agitação, delírio ou psicose

Predomínio de confusão ou delírio Predomínio de agitação ou psicose

Anticolinérgicos Simpatomiméticos

anti-histamínicos anfetaminas e derivados

atropina cafeína

escopolamina cocaína

antiparkinsonianos teofilina

antiespasmódicos fenilpropanolamina

relaxantes musculares Alucinógenos

vegetais beladonados LSD

antidepressivos tricíclicos fenciclidina

fenotiazinas mescalina

amantadina psilocibina

Outros ketamina

brometo anfetaminas (MDMA)

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT monóxido de carbono Outros

cimetidina e outros bloqueadores H2 maconha

dissulfiram mercúrio

chumbo e outros metais pesados procaína

levodopa inibidores deletivos da recaptação de serotonina

lidocaína e outros anestésicos locais corticóides (prednisona)

lítio

salicilatos

abstinência alcoólica e de drogas sedativo-hipnóticas

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): distúrbios metabólicos graves (hipóxia, hipoglicemia e hiponatremia); abstinência alcoólica e de drogas sedativo-hipnóticas; tireotoxicose; infecção do SNC como meningite e encefalite; hipertermia induzida por esforço ou ambiental.

4. Alterações respiratórias - os pacientes podem apresentar uma ou mais das seguintes complicações:

• Falência respiratória

A falência ventilatória pode ter múltiplas causas, incluindo falência dos músculos respiratórios, depressão do centro respiratório, pneumonia ou edema pulmonar graves. É a causa mais comum de óbitos de pacientes intoxicados. Exemplos de drogas e toxinas que podem causar falência respiratória estão listadas na Tabela 17.

Tabela 17 - Substâncias que podem causar falência respiratória

Paralisia de músculos respiratórios Depressão do centro respiratório

toxina botulínica anti-histamínicos

bloqueadores neuromusculares barbitúricos

saxitoxina; tetrodotoxina clonidina e outros agentes simpaticolíticos

nicotina etanol e outros álcoois

organosfosforados e carbamatos opiáceos

acidentes ofídicos (crotálico e elapídico) sedativo-hipnóticos

estricnina antidepressivos tricíclicos

tétano GHB

relaxantes musculares fenotiazinas e antipsicóticos

anticonvulsivantes

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): pneumonia bacteriana ou viral; encefefalite ou mielite viral (pólio); trauma ou isquemia medular, ou lesão do SNC; tétano, causando rigidez da musculatura da parede torácica; pneumotórax.

• Hipóxia

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Muitas intoxicações podem cursar com hipóxia (Tabela 18) e, como conseqüência, é possível ocorrer lesão cerebral irreversível e arritmias cardíacas potencialmente fatais.

Tabela 18 - Causas de hipóxia

Associadas com pneumonia ou edema pulmonar não cardiogênico

Gases irritantes Opiáceos

amônia heroína

cloro metadona

sulfeto de hidrogênio Asfixiantes celulares

óxido de nitrogênio monóxido de carbono

fumaça de cigarro cianeto

fosfogênio metemoglobinizantes

fumos metálicos Outros

gases ácidos ou alcalinos aspiração de conteúdo gástrico

aldeídos cocaína

isocianatos etilenoglicol

Gases inertes fenciclidina

dióxido de carbono organofosforados e carbamatos

Metano, propano e nitrogênio metais pesados

Inalantes voláteis (hidrocarbonetos) paraquate

gasolina salicilatos

querosene sedativos-hipnóticos

butano simpatomiméticos

Associadas com edema pulmonar cardiogênico

antidepressivos tricíclicos Quinidina e procainamida

betabloqueadores verapamil

Nas intoxicações, esta complicação pode ser ocasionada por:

1- deficiência ambiental de oxigênio (diluição do O2 por gases inertes);

2- dificuldade de realização de trocas gasosas pulmonares em conseqüência de:

• pneumonia – nos pacientes intoxicados é provocada mais freqüentemente por aspiração de conteúdo gástrico. Também pode ser causada por aspiração de compostos voláteis (derivados de petróleo) e pela inalação de gases irritantes;

• edema pulmonar – todos os agentes que determinam pneumonia química, como os gases irritantes e os hidrocarbonetos, também podem provocar edema pulmonar por alteração na permeabilidade das membranas dos capilares pulmonares.

3- hipóxia celular – pode estar presente mesmo quando a gasometria arterial indica valores normais de referência, como por exemplo:

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• presença de carboxiemoglobina e metemoglobina – dificultam a ligação do O2 com a hemoglobina e, conseqüentemente, seu transporte para os diferentes tecidos do organismo, sem que se observe alteração da pO2. Isto acontece porque na rotina, mede-se a quantidade de O2 dissolvido no plasma (cálculo indireto, a partir da pO2) e não sua concentração real. Somente a determinação direta da saturação do O2 revelará a queda de saturação da oxiemoglobina. Nesses casos, o oxímetro de pulso indicará resultados normais ou próximos da normalidade e não está indicado nas intoxicações por monóxido de carbono (CO) e por agentes metemoglobinizantes.

• cianeto e sulfeto de hidrogênio – interferem na utilização do O2 em nível celular o que resulta em queda de sua utilização pelos tecidos, causando elevação de sua saturação no sangue venoso.

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): coleta errada de amostra (punção venosa ao invés de arterial); pneumonia viral ou bacteriana; contusão pulmonar por trauma; infarto agudo do miocárdio.

• Broncoespasmo

É uma complicação que pode ter como conseqüências a hipóxia e a falência respiratória aguda. Vários agentes tóxicos (Tabela 19) podem causar broncoespasmo mediante:

a- lesão por irritação direta – provocada pela inalação de gases irritantes, por aspiração de derivados de petróleo ou de conteúdo estomacal; b- ação tóxica da substância – como os inseticidas anticolinesterásicos (organofosforados e carbamatos) e os agentes bloqueadores adrenérgicos; c- reações de hipersensibilidade ou alérgicas.

Tabela 19 - Substâncias que podem causar broncoespasmo

betabloqueadores organofosforados e outros anticolinesterásicos

cloro e outros gases irritantes inalação de fumaça

aspiração de hidrocarbonetos sulfitos (em alimentos)

isocianatos inalação de material particulado

substâncias que causam reações alérgicas

Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): asma ou outro distúrbio broncoespástico pré-existente; estridor causado por lesão das vias aéreas superiores e edema (edema progressivo de vias aéreas pode resultar em obstrução aguda dessas vias). Se houver qualquer sinal de agravamento e/ou instabilidade no quadro do paciente, é necessário uma reavalição da permeabilidade das vias aéreas; obstrução por corpo estranho.

5. Outras complicações

• distonia, discinesia e rigidez – exemplos de substâncias que podem causar anormalidades de movimentos ou rigidez estão listadas na Tabela 20. Rigidez ou hiperatividade muscular mantida por muito tempo pode causar rabdomiólise, hipertermia, falência ventilatória ou até mesmo acidose metabólica

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Tabela 20 - Substâncias que induzem anormalidades de movimentos

Tremores/mioclonia Rigidez/parkinsonismo Coreoatetose Fraqueza/paralisia

lítio antipscóticos (neuroléticos) bário (hipocalemia)

neurolépticos metoclopramida magnésio

amoxapina

Anticolinérgicos

antidepressivos trcicíclicos anti-histamínicos

metanol

Abuso de solventes

tolueno gasolina

etilenoglicol

fenciclidina

Antiepilépticos

fenitoína carbamazepina

inibidores da MAO

Metais pesados

mercúrio tálio

síndrome serotoninérgica

Simpaticomiméticos

cocaína teofilina anfetaminas cafeína albuterol metilfenidato

meperidina

Inseticidas

organofosforados carbamatos

Simpaticomiméticos

cocaína anfetaminas nicotina

acidente com Latrodectus botulismo

Anticolinérgicos

anti-histamínicos antidepressivos tricíclicos

lítio acidente elapídico

abstinência de drogas metaqualona

metais pesados manganês

estricnina

intoxicação alimentar

peixe (fogu)

dissulfeto de carbono

cianeto

lesão pós anóxia por qualquer agente

1 – Reações distônicas - são comuns com o uso de doses tóxicas ou mesmo em doses terapêuticas de antipsicóticos e também de alguns antieméticos. O mecanismo de desencadeamento dessas reações parece estar relacionado com o bloqueio central da dopamina. As distonias consistem em movimentos dolorosos, forçados e involuntários do pescoço (opistótono), protrusão de língua e extensão da mandíbula ou trismo. Outras desordens de movimentos (extrapiramidais ou parkinsonismo) também podem ocorrer com esses agentes.

2 – Discinesias, por sua vez, são movimentos rápidos, repetitivos que envolvem um pequeno grupo muscular (mioclonia focal) ou podem manifestar-se por hipercinesia generalizada. A causa não é o bloqueio da dopamina, mas sim, o aumento do seu efeito ou o bloqueio dos efeitos colinérgicos centrais.

3 – Rigidez também pode ocorrer com um grande número de substâncias tóxicas e pode ser causada por estimulação da medula e efeitos no SNC. A Síndrome Neuroléptica Maligna e a Síndrome Serotoninérgica são caracterizadas por rigidez, hipertermia, acidose metabólica, e alteração do estado mental. A rigidez observada na hipertermia maligna é causada por um defeito na célula muscular e pode não se reverter com um bloqueio neuromuscular.

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT Causas não tóxicas (diagnóstico diferencial): rigidez catatônica causada por distúrbio do pensamento; tétano; acidente vascular cerebral; parkinsonismo idiopático; encefalopatia pós-anóxia.

• Rabdomiólise

Necrose da célula muscular é uma complicação comum das intoxicações. As causas de rabdomiólise incluem imobilização prolongada, convulsões repetidas, hiperatividade muscular, hipertermia ou efeitos citotóxicos diretos de vários agentes tóxicos. O diagnóstico é feito pelo exame de urina de rotina (fitas reativas) ou por uma elevação do nível sérico de creatinoquinase (CK).

A mioglobina liberada pelas células musculares lesadas pode precipitar nos rins, causando necrose tubular e falência renal. Isto é mais comum quando os níveis plasmáticos de CK encontram-se muito elevados e se o paciente estiver desidratado. Devido à rabdomiólise podem ocorrer também hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia e hipocalcemia.

Hemólise com hemoglobinúria também pode produzir um hemoteste positivo na urina.

Causas de rabdomiólise estão listadas na Tabela 21.

Tabela 21 – Causas de rabdomiólise

Hiperatividade muscular, rigidez ou convulsões

Toxicidade celular direta Outros mecanismos ou desconhecidos

anfetaminas e derivados cogumelos que contêm amatoxina

barbitúricos

clozapina e olanzapina monóxido de carbono herbicidas clorofenoxiácidos

cocaína colchicina etanol

lítio etilenoglicol hipertermia

inibidores da MAO alguns venenos animais (cascavel, abelhas)

agentes sedativo-hipnóticos

fenciclidina trauma

convulsões

estricnina

tétano

antidepressivos tricíclicos

• Reações anafiláticas e anafilactóides

Essas reações são caracterizadas por broncospasmo e aumento da permeabilidade vascular que podem levar a um edema de laringe, rash cutâneo e hipotensão. Exemplos de drogas que causam reações anafiláticas e anafilactóides podem ser encontrados na (Tabela 22). Reações anafiláticas e anafilactóides graves podem evoluir para obstrução de laringe, parada respiratória, hipotensão e morte.

1 – Anafilaxia ocorre quando um paciente que possui imunoglobulina E (IgE) contra um determinado antígeno ligado na superfície dos seus mastócitos e basófilos é exposto ao antígeno que a ativa, desencadeando a liberação de histamina e vários outros

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Curso de Toxicologia ANVISA - RENACIAT - OPAS – NUTES/UFRJ - ABRACIT mediadores vasoativos. 2 – Reação anafilactóide também é causada pela liberação de componentes dos mastócitos, mas não envolve sensibilização prévia ou mediação por IgE.

Tabela 22 - Substâncias que podem causar reações anafiláticas e anafilactóides

Reações Anafiláticas (mediadas por IgE) Reações Anafilactóides (não mediada por IgE)

Outros não classificados

soros antipeçonhentos) acetilcisteína exercício físico

alimentos (nozes, peixes, ostras) hemoderivados sulfetos

picadas de himenópteros ou outros insetos contrastes iodados

imunoterapia alérgica opióides

penicilinas e outros antibióticos tubocurarina

vacinas certas espécies de peixes

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Exames complementares

Como em qualquer atendimento médico, os exames complementares constituem componente essencial para a avaliação clínica do paciente intoxicado e podem fornecer informações importantes para o diagnóstico e evolução do envenenamento/intoxicação e guiar a investigação para uma análise toxicológica específica.

Quando a história é clara e os sintomas são leves não é necessária a realização de exames adicionais. Porém, se há evidências de toxicidade moderada ou grave, podem ser necessários exames laboratoriais de rotina ou exames específicos da(s) substância(s) tóxica(s) envolvida(s), qualitativos ou quantitativos, principalmente em pacientes sintomáticos, nas intoxicações que apresentam potencial significativo de toxicidade sistêmica, em exposições a substâncias ou agentes desconhecidos, nas ingestões intencionais e nos casos de comorbidades significativas.

A - Exames laboratoriais de rotina

Não existem regras definidas sobre a adequação ou não de uma análise laboratorial devido à enorme variedade de condições clínicas que podem surgir emdecorrência de uma intoxicação ou envenenamento. Deve-se sempre ter em mente que a solicitação de um exame implica em uma pergunta ao laboratório e, se essa não for adequada, tanto o médico quanto o laboratório estarão realizando um trabalho desnecessário, com pouco ou nenhum benefício para o paciente, além de expô-lo ao de risco em procedimentos invasivos e aumentar os custos do tratamento.

Por isso, não se deve estabelecer um protocolo rígido. As solicitações de exames laboratoriais devem atender a uma das razões abaixo:

1ª)- diagnosticar ou confirmar uma suspeita clínica; 2ª)- excluir outra patologia ou diagnóstico; 3ª)- fornecer uma informação prognóstica, ou seja, avaliar a gravidade da intoxicação; 4ª)- indicar orientação terapêutica; 5ª)- rastrear comorbidades

Entre os exames laboratoriais mais utilizados para o acompanhamento do paciente agudamente intoxicado destacam-se:

-Hemograma completo – deve ser sempre solicitado, pois é um exame útil na avaliação do bem-estar geral do paciente e da presença de quadro infeccioso. Embora não reflita alterações imediatas, pode fornecer indicações de anemia hemolítica aguda causadas por acidentes com múltiplas picadas de abelhas, aranhas do gênero Loxosceles e outros agentes com atividade hemolítica (ex. dapsona) e de perdas sangüíneas como nos casos em que há sangramento importante (ex. acidente botrópico, derivados cumarínicos, etc.). Leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda, nos casos graves é comumente observada em muitas intoxicações e envenenamentos, principalmente, em acidentes com animais peçonhentos. Entretanto, trata-se, em geral, de uma resposta do organismo à

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presença do agente tóxico, que se normaliza após o tratamento adequado.

- Provas de coagulação – as alterações da coagulação sangüínea, na prática clínica, podem ser evidenciadas através do tempo de coagulação (TC), tempo da protrombina (TP), tempo da tromboplastina parcial ativada (TTPA), contagem de plaquetas e dosagem de fibrinogênio no plasma. Estes exames são extremamente úteis no diagnóstico e tratamento dos distúrbios causados por várias substâncias ou toxinas. Podem estar alterados, por exemplo, em casos de hepatopatia alcoólica, hepatotoxicidade causada por paracetamol, ferro e paraquate, ingestão de raticidas cumarínicos (anticoagulantes), acidentes ofídicos (botrópico, crotálico e laquético) e acidentes por Lonomia, etc.

- Glicemia – o nível sérico de glicose do paciente pode estar alterado em decorrência do estado nutricional, dos níveis endógenos de insulina, da função endócrina e hepática e também pela presença de várias substâncias ou toxinas (Tabela 23). Nas intoxicações e envenenamentos a hiperglicemia geralmente é leve e transitória. Nos casos de hiperglicemia grave ou sustentada (>500 mg/dL) pode ocorrer desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos pelo efeito osmótico do excesso de glicose na urina, com passagem de água do cérebro para o plasma, o que pode resultar em coma hiperosmolar. Quando não há resolução espontânea ou se o paciente estiver sintomático, deve ser tratada. A hipoglicemia grave (<40 mg/dL) ou sustentada pode causar rapidamente lesão cerebral permanente.

Tabela 23 - Causas de alterações da glicemia

Hiperglicemia Hipoglicemia

administração de glicose AIDS, anorexia nervosa, desnutrição grave e jejum prolongado, neoplasias

fármacos beta-2 adrenérgicos

atividade física excessiva

corticosteróides distúrbios endócrinos (hipopituitarismo, doença de Addison) e doenças auto-imunes

diabetes mellitus esteróides anabolizantes

diuréticos tiazídicos gravidez, diarréia (crianças)

glucagon hipoglicemiantes orais (sulfoniluréia)

epinefrina insulina

intoxicação por cafeína e teofilina

intoxicação por etanol (especialmente em crianças)

intoxicação por propranolol, salicilatos e ácido valpróico

intoxicação por haloperidol, ferro, betabloqueadores

insuficiência renal e hepática

- Provas de função renal – os exames de auxílio para o diagnóstico e controle da insuficiência renal aguda (IRA) são os rotineiramente utilizados: aumento de uréia e creatinina séricas, hiperpotassemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia, etc. A alteraçãoda função renal pode ser causada por ação nefrotóxica direta do agente tóxico, pela precipitação maciça de mioglobina (devido à rabdomiólise), hemoglobina

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colapso cardiovascular. A IRA tem como primeira complicação a hipercalemia (acentuada nos casos em que há rabdomiólise ou hemólise devido à liberação de potássio celular). As complicações tardias incluem acidose metabólica, delírio e coma. Pode-se prevenir a IRA se o tratamento específico para cada toxina ou agente tóxico for realizado em tempo hábil, além da infusão de fluidos EV nos casos de rabdomiólise (para prevenir precipitação tubular) ou choque. Deve-se monitorar o nível sérico de potássio e tratar hipercalemia, se houver. Evitar administração suplementar de potássio e o uso de catárticos contendo magnésio, fosfato e sódio. Realizar hemodiálise, se necessário. Exemplos de substâncias e toxinas que podem causar IRA estão listadas na Tabela 24.

Tabela 24 - Causas de insuficiência renal aguda

Efeito nefrotóxico direto Hemólise

paracetamol arsina

cogumelos tóxicos naftalina

analgésicos (ibuprofeno, fenacetina) agentes oxidantes (especialmente em deficiência de G6PD)

antibióticos (aminoglicosídios) acidentes com abelhas e aranhas do gênero Loxosceles

brometos rabdomiólise (ver também Tabela 21)

ciclosporina

etilenoglicol (glicolato, oxalato) compostos anfetamínicos e cocaína

hidrocarbonetos clorados estricnina

metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio)

coma com imobilização prolongada (barbitúricos)

hipertermia

A função renal também deve ser especialmente monitorada nos casos de terapia com agentes quelantes, como a deferoxamina nas intoxicações por ferro e o Na2EDTA (edetato dissódico de cálcio) nas intoxicações por chumbo, pelo risco de desenvolvimento de IRA. Para minimizar a toxicidade desses agentes é importante assegurar o volume urinário adequado antes e durante o tratamento.

- Provas de função hepática – a hepatotoxicidade pode ser determinada por lesão hepatocelular direta (ex. cogumelos tóxicos), produção de metabólitos hepatotóxicos (ex. paracetamol e tetracloreto de carbono) ou trombose hepática (ex. plantas que contêm o alcalóide pirrozilidina). Recomenda-se dosar bilirrubinas, a atividade de protrombina e as aminotransferases (ALT ou TGP – alanina aminotransferase e AST ou TGO – aspartato aminotransferase). As evidências clínicas e laboratoriais de hepatite não aparecem antes de 24-36 horas após a exposição. Nesse período, os níveis séricos de transaminases elevam-se rapidamente e diminuem em 3-5 dias. Se a lesão hepática for grave, as provas de função hepática (como bilirrubina e tempo de protrombina) continuam a se deteriorar, mesmo com os níveis de transaminases dentro dos valores referenciais de normalidade. Acidose metabólica e hipoglicemia indicam prognóstico ruim. O comprometimento da função hepática pode resultar em hemorragias devido à produção insuficiente dos fatores de coagulação vitamina K dependentes. Nos casos graves, encefalopatia hepática pode levar ao coma e óbito em 5-7 dias. Entre os agentes hepatotóxicos destacam-se: paracetamol, alguns cogumelos, metais (ferro, arsênico, cromo), tetracloreto de carbono e outros hidrocarbonetos

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clorados, etanol, halotano, nitrosamina, fenol, fósforo, tálio, ácido valpróico, paraquate, bifenilas policloradas, entre outros. Na exposição a essas substâncias recomenda-se a determinação diária dos níveis séricos de bilirrubina, transaminases e do tempo de protrombina (TP) e prevenir, se possível, a lesão hepática mediante o uso de tratamento específico. - Enzimas musculares – pode-se detectar níveis séricos elevados de creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e aldolase como resultado de lesão muscular maciça (rabdomiólise). As causas de rabdomiólise incluem convulsões repetidas, hiperatividade muscular, hipertermia e toxicidade celular direta. Exemplos de drogas e toxinas que causam rabdomiólise são listadas na Tabela 21.

- Urinálise – por ser uma amostra facilmente obtida, a análise da urina através da observação do seu aspecto geral, do emprego de tiras reagentes e da avaliação microscópica, pode fornecer informações valiosas em muitas situações clínicas. É um exame útil, por exemplo, para o controle do pH urinário nos casos em que há indicação de alcalinização para aumentar a excreção de fenobarbital e salicilatos. A destruição de células musculares e de hemácias levam, respectivamente, à excreção dos pigmentos mio e hemoglobina na urina que conferem coloração escura à mesma. A mioglobinúria também pode ser evidenciada pelas tiras reagentes para urinálise que dão reação igualmente positiva para a hemoglobina (detectam a presença de grupo heme). É necessário cuidado especial na coleta da mesma, evitando-se sondagem vesical pelo risco de ocorrer traumatismos, com liberação de hemácias que pode ocasionar um resultado falso-positivo para hemoglobina. A diferenciação entre os dois pigmentos pode ser feita por métodos específicos (imunoeletroforese, imunodifusão e teste de aglutinação em látex). O exame sumário de urina também pode revelar hematúria (macro e/ou microscópica) em intoxicações ou envenenamentos nos quais os pacientes estejam apresentando sangramentos, assim como cristalúria nas intoxicações por etilenoglicol devido à formação de oxalato de cálcio.

- Gasometria arterial – avaliação da função respiratória, detecção de distúrbios ácido-base e cálculo do hiato aniônico (anion gap). Deve sempre ser solicitada para o monitoramento do pH sangüíneo quando a administração de bicarbonato for necessária para aumentar a excreção de certos toxicantes e proteger os rins da deposição de mioglobina.

- Eletrólitos – para determinação de sódio, potássio, hiato osmolar (osmolar gap) e hiato aniônico (anion gap). Os vômitos, a diarréia e a acidose metabólica podem determinar alterações hidroeletrolíticas.

• Alterações do nível plasmático de sódio (hiper e hiponatremia) - não são freqüentes em intoxicações (Tabela 25). Os distúrbios nas concentrações plasmáticas de sódio estão mais comumente associados com doenças de base. O hormônio antidiurético (ADH) é responsável pela concentração da urina e pelo controle da perda excessiva de água.

Tabela 25 - Substâncias e condições que podem alterar as concentrações plasmáticas de sódio

Hipernatremia Hiponatremia

ácido valpróico diuréticos

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gastroenterites graves iatrogênico (administração de fluidos por via endovenosa)

ingestão excessiva de sódio polidipsia psicogênica

manitol

terapia com lactulose

uso excessivo de catárticos

uso prolongado de lítio

síndrome da secreção inadequada de ADH (hormônio antidiurético): amitriptilina clorpropamida ecstasy (MDMA) fenotiazinas ocitocinas

1- Hipernatremia (sódio plasmático > 145 mEq/L) pode ser causada por ingestão excessiva de sódio, grande perda de líquidos ou capacidade de concentração renal alterada. O tratamento depende da causa, mas, na maioria dos casos o paciente está hipovolêmico e precisa de reposição de líquidos.

2- Hiponatremia (sódio plasmático <130mEq/L) – é um distúrbio hidroeletrolítico comum que pode ser causado por vários mecanismos. Hiponatremia grave (sódio <110 – 120mEq/L) pode causar convulsões e alterações do estado de consciência. O tratamento depende da causa, da volemia e, principalmente, das condições clínicas do paciente. Evite corrigir os níveis de sódio muito rapidamente porque isso pode causar lesões no sistema nervoso central.

• Alterações do nível plasmático de potássio (hiper e hipocalemia) – várias drogas e toxinas podem alterar as concentrações plasmáticas de potássio (Tabela 26). Os níveis plasmáticos de potássio dependem da ingestão e liberação de potássio pelos músculos, do uso de diuréticos, da função apropriada da bomba de ATPase, do pH plasmático e da atividade beta-adrenérgica.

Tabela 26 - Substâncias e condições que podem alterar as concentrações plasmáticas de potássio

Hipercalemia Hipocalemia

acidose alcalose

agentes alfa-adrenérgicos agentes beta-adrenérgicos

betabloqueadores bário

fluoreto cafeína

inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) diuréticos (uso prolongado)

insuficiência renal epinefrina

lítio teofilina

rabdomiólise tolueno (uso crônico)

Uma queda nas concentrações plasmáticas de potássio podem não refletir a perda ou excesso de potássio no organismo, porque existem fatores que alteram a concentração intracelular e a plasmática (acidose aumenta a concentração plasmática retirando o íon da célula).

1- Hipercalemia – quando o potássio sérico encontra-se acima de 5mEq/L pode ocorrer fraqueza muscular que interfere com a condução normal de impulsos pelo coração. Onda T apiculada e prolongamento do intervalo PR são sinais precoces de cardiotoxicidade. Quando o nível sérico de potássio está muito alto pode ocorrer aumento do intervalo QRS, bloqueio atrioventricular, fibrilação ventricular e

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parada cardíaca.

2- Hipocalemia – (potássio <3,5mEq/L) pode ocorrer fraqueza muscular, hiporreflexia, íleo e, menos freqüentemente, rabdomiólise. O ECG mostra um achatamento das ondas T e ondas U proeminentes. Na hipocalemia grave pode ocorrer bloqueio atrioventricular, arritmias ventriculares e parada cardíaca.

a – nas intoxicações por teofilina, cafeína e beta-2 agonistas, as concentrações de potássio no corpo estão normais, apesar da concentração plasmática estar diminuída devido ao seu transporte para dentro da célula. Nesses casos, o pacientenão apresenta muitos sintomas, não tem alterações no ECG e, portanto, não necessita de reposição imediata de potássio.

b – em intoxicações por bário uma profunda hipocalemia pode levar a fraqueza dos músculos respiratórios e até parada cardiorrespiratória, necessitando, portanto,de precoce reposição de potássio.

c – hipocalemia resultante de terapia com diuréticos pode contribuir para arritmias ventriculares, principalmente, aquelas causadas por intoxicação digitálica.

• Uso da osmolalidade sérica e do hiato osmolar (osmolal gap) – a concentração de soluto no plasma e no soro determina a osmolalidade (OM) e interfere com o movimento dos fluidos através das membranas corporais. Em condições normais, a OM de todos os fluidos corporais, exceto a urina, é de cerca de 290 a 310 mOsm/Kg da água plasmática.

A OM de uma amostra de soro ou plasma pode ser medida diretamente no laboratório, através da depressão do ponto de congelamento induzida na água porpartículas do soluto osmoticamente ativas, ou calculada (OC) se as concentrações dos principais solutos (sódio, glicose e uréia) já forem conhecidas. Existem várias fórmulas para calcular a OM do soro. A mais simples é:

OM sérica (mmol/Kg) = 2x [sódio] soro (mmol/L)

Essa fórmula simples vale somente se as concentrações de glicose e uréia estão dentro das faixas de normalidade. Se qualquer uma das duas ou ambas estiverem anormalmente altas, a concentração de uma ou de ambas (em mmol/L) deve ser somada para produzir a osmolalidade correta. Uma fórmula simples, mas razoavelmente precisa para o cálculo da osmolalidade do soro (baseada nos pesos moleculares da glicose e da uréia) mais o peso da contribuição do sódio e seus ânions circulantes é:

Osmolalidade calculada (OC) = 2 x [Na] + glicose / 18 + uréia / 2,8 Alterações nas concentrações de glicose e uréia interferem com a OM e são facilmente detectadas. Quando a OM é significativamente diferente do valor calculado por essa fórmula, o problema reside, geralmente, no acúmulo de substâncias anormais como drogas, álcoois, entre outras. Essa diferença entre a osmolalidade medida (OM) e a osmolalidade calculada (OC) é conhecida como hiato osmolal (osmolal gap) – HO, mais comumente referido como hiato osmolar (osmolar gap).

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HO = OM – OC -> Normal: 0 ± 5 ( muitos autores consideram normal até 10)

1 – Causas de elevação do gap osmolar (Tabela 27)

Tabela 27 - Causas de elevação do gap osmolar

acetona manitol

álcool isopropílico metanol

etanol propilenoglicol

etilenoglicol e outros glicóis de baixo peso molecular

insuficiência renal sem diálise

éter etílico cetoacidose alcoólica grave, cetoacidose diabética e cetocidose lática

a- o gap osmolar pode estar aumentado na presença de substâncias de baixo peso molecular tais como etanol, outros álcoois e glicóis, entre outras e cada uma delas pode contribuir para a osmolalidade medida mas não para a calculada.

b- gap osmolar elevado acompanhado de acidose metabólica com hiato aniônico éaltamente sugestivo de intoxicação por metanol ou etilenoglicol. Entretanto, o gap osmolar pode estar normal, apesar da presença desses álcoois, se a osmolalidade for medida pelo método de pressão de vapor (este método não detecta álcoois voláteis) e não pela depressão do ponto de congelamento.

2- Diagnóstico diferencial

a- a elevação combinada de gap osmolar e hiato aniônico pode ser observada em cetoacidose alcoólica e cetoacidose diabética devido ao acúmulo de ânions não medidos e de substância osmoticamente ativas (acetona, glicerol e aminoácidos).

b- pacientes com insuficiência renal crônica não submetidos a hemodiálise podem apresentar gap osmolar elevado devido ao acúmulo de solutos de baixo peso molecular.

c- a elevação do gap osmolar (falso) pode ser causada por coleta inadequada (utilização de tubos contendo EDTA, fluoreto-oxalato e citrato como anticoagulantes).

d- gap osmolar falsamente elevado pode ocorrer em pacientes com hiperlipidemia severa.

• Uso do hiato aniônico (anion gap) – o hiato ou gap aniônico é a diferença entre a somatória dos cátions Na+ e K+ e a somatória dos ânions Cl- e HCO3-. Os valores de K+ contribuem proporcionalmente muito pouco e, assim, o hiato aniônico freqüentemente é calculado com o Na+ como único cátion e a somatória das concentrações de Cl- e HCO3- é subtraída da concentração de Na+.

Hiato aniônico = [Na+] – ( [Cl-] + [HCO3- ] )

O conceito de gap aniônico permite considerar as perturbações metabólicas sem a necessidade de quantificar diretamente os metabólitos específicos. Assim, a

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presença desses metabólitos é eficientemente inferida pela aplicação do hiato aniônico calculado.

O gap aniônico normal é de 12 – 18 mEq/L. Acidose metabólica geralmente está associada com um gap aniônico elevado.

1 – Causas de acidose com elevação do anion gap (Tabela 28)

Tabela 28 – Causas de acidose com elevação do gap aniônico

Acidose lática Outras

agentes antiretrovirais ácido valpróico

cafeína ácidos minerais e orgânicos exógenos

drogas beta-adrenérgicas cetoacidose alcoólica

cianeto cetoacidose diabética

convulsões, choque ou hipóxia etilenoglicol

ferro formaldeído

isoniazida ibuprofeno

monóxido de carbono metaldeído

salicilatos metanol

sulfeto de hidrogênio salicilatos

teofilina

a - acidose com gap aniônico elevado geralmente é conseqüente a um acúmulo de ácido lático, mas também, pode ser causada por outros ácidos não mensuráveis, como o fórmico (intoxicação por metanol) ou oxálico (intoxicação por etilenoglicol).

b – em qualquer paciente com um gap aniônico elevado recomenda-se verificar o gap osmolar, porque quando ambos estão aumentados, sugere intoxicação por metanol ou etilenoglicol. O aumento dos dois também pode ser observado na cetoacidose diabética ou alcoólica.

c – um hiato aniônico estreito pode ocorrer com overdose de brometo ou nitrato, porque ambos elevam o nível sérico de cloreto. Altas concentrações de lítio, cálcio e magnésio também estreitam o hiato aniônico devido à diminuição da concentração sérica de sódio.

2 – Diagnóstico Diferencial: causas comuns de acidose lática como hipóxia e isquemia; falsas determinações de bicarbonato e PCO2.

- Teste de gravidez – deve sempre ser realizado em mulheres em idade fértil. As intoxicações intencionais durante a gravidez são muito freqüentes, provavelmente, em virtude de fatores estressantes associados e também pela maior disponibilidade de certos fármacos neste período (por ex. tentativas de suicídio por sais de ferro).

B - Exames de imagem

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substâncias radiopacas como sais de ferro, bismuto, chumbo, compostos iodados, entre outras, e sua localização no trato digestivo (estômago, intestino delgado e intestino grosso). A ausência de imagem não descarta a ingestão. No caso de ingestão proposital de “saquinhos” contendo droga de abuso, artifícios usados por traficantes, podem ser vistos na radiografia simples ou contrastada.

Radiografia de tórax – pode revelar alterações prévias à intoxicação e também permite o acompanhamento de complicações como pneumonia por aspiração e edema agudo de pulmão e fibrose pulmonar (nas intoxicações por paraquate). Portanto, deve ser feita em pacientes com diminuição do nível de consciência (com risco de aspiração do conteúdo gástrico), nos pacientes com comprometimento, ou suspeita, de doença cardíaca prévia, e também no acompanhamento de pacientes em ventilação mecânica.

Radiografia de coluna cervical – deve ser feita sempre que houver suspeita de trauma. Eletrocardiograma (ECG) – pode detectar arritmias provocadas por um agente tóxico e deve ser realizado em todo paciente que ingeriu droga potencialmente cardiotóxica ou que estejam apresentando sinais ou sintomas sugestivos de isquemia miocárdica. O ECG deve ser feito no momento da admissão, em todos ospacientes intoxicados por antidepressivos tricíclicos, bloqueadores beta-adrenérgicos, neurolépticos, em pacientes com múltiplas picadas de abelhas e em casos de escorpionismo, para o diagnóstico de alterações prévias (se o tempo de evolução é pequeno) ou como parâmetro nos casos de evolução desfavorável.

Eletroencefalograma (EEG) - faz parte dos exames utilizados para o diagnóstico de morte encefálica e pode ser útil na diferenciação de coma orgânico e psicogênico eidentificar status epilepticus. Tem pouco valor na intoxicação por depressores do SNC, como por exemplo, o fenobarbital (linha isoelétrica).

Endoscopia digestiva alta (EDA) – importante no diagnóstico de acidentes com produtos cáusticos, pois além de revelar se realmente ocorreu, mostra a gravidade o que possibilita a orientação do tratamento e definindo o prognóstico. Esse exame tem também função terapêutica, quando usado para remoção de “saquinhos” contendo drogas e de corpo estranho, como baterias tipo “botão”, encarceradas no esôfago.

C - Análises toxicológicas

As análises toxicológicas são requeridas sempre que se torna necessário esclarecer, confirmar ou prevenir uma intoxicação. Também são realizadas para auxiliar no tratamento do paciente intoxicado fornecendo ao clínico:

• o diagnóstico preciso de uma intoxicação ou sua exclusão e possibilitando uma reavaliação do paciente; • a identificação do toxicante que proporcionará a indicação de intervenções mais específicas e adequadas (por ex. o uso de antídotos, antagonistas, hemodiálise, etc.); • o acompanhamento mais adequado do paciente mediante a repetição de análises para avaliar o progresso de intoxicações graves com as causadas por ferro, metanol, fenobarbital e dapsona. Em intoxicações por dapsona, além da dosagem sérica do fármaco, deve-se realizar também a determinação de

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metemoglobinemia formada pela ação de metabólitos tóxicos da dapsona e que constitui o parâmetro mais importante a ser avaliado até que haja a estabilização dos níveis sangüíneos dentro dos valores de referência de normalidade; • o estabelecimento de um prognóstico mais previsível (por ex. nas intoxicações porparaquate e paracetamol).

De acordo com Moraes, Sznelwar e Fernicola (1991), quatro perguntas devem ser feitas, obrigatoriamente, antes da realização de uma análise toxicológica:

Para quê? Finalidade

O quê? Agente

Onde? Amostra

Como? Método

A finalidade orienta o planejamento analítico e deve, portanto, ser a primeira questão respondida. Segundo a finalidade, as análises podem ser classificadas em:

- Análises toxicológicas de urgência – para esclarecer, confirmar ou excluir uma intoxicação;

- Análises toxicológicas de controle – quando a finalidade é prevenir a intoxicação. Relacionam-se às áreas de aplicação da toxicologia e são executadas para avaliar o grau de exposição ambiental ou ocupacional a xenobióticos, para a monitorização do uso terapêutico ou do abuso de medicamentos, para a pesquisa de constituintes tóxicos naturais ou contaminantes de alimentos e, na área social, para o monitoramento de farmacodependência.

Quanto ao toxicante, é necessário saber se a análise deve ser direcionada ao agente precursor (substância química inalterada) e/ou a um de seus produtos de biotransformação (metabólito), ou ainda, avaliar algum indicador que aponte o efeito do toxicante no organismo (parâmetros bioquímicos ou hematológicos). Para isso, é imprescindível os conhecimentos da toxicocinética e da toxicodinâmica da substância.

Uma vez definida a finalidade da análise e a natureza da substância ou indicador que se pretende reconhecer ou quantificar, deve-se selecionar a amostra que melhor represente a biodisponibilidade, a eliminação ou o efeito do agente tóxico no organismo. Nas intoxicações agudas, o sangue (soro e plasma) e/ou urina são as amostras mais usadas. O conteúdo gástrico (aspirado ou vômito), assim como restos de alimentos, medicamentos (comprimidos, xaropes) e resíduos de substâncias presentes em copos, colheres, seringas, etc., encontrados junto ao paciente, também podem ser analisados.

Para o controle da exposição ambiental e ocupacional a xenobióticos emprega-se sangue e urina, para o controle terapêutico, o soro ou plasma e, para o controle da dopagem e da dependência de drogas, a amostra de escolha é a urina. Deve-se dar atenção especial à amostra quanto ao horário e recipiente da coleta, uso de conservantes, tempo e temperatura de armazenamento, e também ao tipo de anticoagulante adequado, no caso de amostras de sangue. A quantidade e o volume da amostra são determinados pela concentração do toxicante nela presente

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(deve ser representativa) e do método analítico disponível.

Da seqüência das respostas anteriores depende a escolha do método mais adequado e disponível para cada tipo de análise. Existem análises extremamente simples, que podem ser executadas em qualquer laboratório, sem necessidade de equipamentos sofisticados e, geralmente, utilizadas para triagem toxicológica. Em função do quadro clínico do paciente, a maioria das solicitações de urgência inclui pesquisa qualitativa (screening) de vários grupos de medicamentos (depressores e estimulantes do sistema nervoso central, analgésicos, antidepressivos), praguicidas, drogas de abuso, etc. Essa triagem pode ser realizada por meio de testes imediatos e, principalmente, por CCD (cromatografia em camada delgada), quando necessário, é complementada com por dosagens espectrofotométricas ou por fluorescência polarizada, dependendo do resultado obtido na triagem por CCD. Metodologias mais sofisticadas (cromatografia líquida de alta performance (HPLC), cromatografia gasosa, espectrometria de massa, espectrofotometria de absorção atômica, etc), se disponíveis, podem ser utilizadas em análises quantitativas e de triagem, desde que se observe a finalidade analítica. Estas análises não devem ser realizadas indiscriminadamente, pois apresentam custo elevado.

Quando se tratar de métodos quantitativos, a avaliação do indicador analisado, ou seja, o toxicante e/ou seu metabólito ou o parâmetro biológico, é feita por comparação com valores considerados normais (valores de referência), os quais devem ser conhecidos. É importante ressaltar que existem fatores que podem comprometer a análise e determinar resultados falso-negativos ou falso-positivos e, assim, a intoxicação poderá ser sub ou superestimada.

O screening qualitativo tem maior utilidade quando a substância tóxica é desconhecida, em casos de exposição a múltiplas substâncias e quando os achados clínicos não são compatíveis com a história. Lembrar que, na maioria dos casos, o tratamento é de suporte e, geralmente não é afetado pela identificação do agente causador da intoxicação, não havendo necessidade de sua solicitação rotineira.

A dosagem sérica quantitativa será útil em situações onde exista uma relação entre o nível sérico e a toxicidade ou para indicação de intervenções terapêuticas específicas (por exemplo, nas intoxicações por antiarritmicos, barbitúricos, digoxina, etilenoglicol, metanol, paraquate, anticonvulsivantes, lítio, teofilina, paracetamol, salicilatos, carboxiemoglobina e metemoglobina).

Fatores que podem comprometer o resultado analítico ou interferir na sua correlação com a suspeita ou gravidade da intoxicação:

• anamnese incompleta – muitas vezes por omissão do paciente ou informante; • o nível sérico da substância não tem correlação fiel com o quadro clínico (overdose por antidepressivo tricíclico); • o paciente é usuário crônico do medicamento suspeito de causar a intoxicação e por isso tolera níveis mais elevados (overdose por fenobarbital); • o paciente ingeriu outra droga com reação cruzada (ex. anfetamina e dopamina);

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• coleta de material biológico inadequado (por ex. coleta de sangue para dosagemde cocaína cuja análise deve ser feita na urina); • coleta da amostra antes do pico sérico da droga; • coleta da amostra muito tempo após o pico seríco da droga que pode ter sido metabolizada em um intermediário tóxico (metabólito ativo) o qual não é detectado pela técnica utilizada (ex. paracetamol); • armazenamento inadequado da amostra biológica (por ex., falta de refrigeração e vedação de amostra destinada a dosagem alcoólica). Recomenda-se sempre solicitar ao laboratório as orientações sobre como as amostras devem ser colhidas, transportadas e armazenadas; • envolvimento de vários agentes tóxicos (comum em tentativas de suicídio e abuso de drogas) – podem determinar interação de efeitos tóxicos; • presença de outras patologias – o paciente tem uma doença que impede a eliminação do agente tóxico e aumenta sua meia-vida (por ex. intoxicação por lítio em paciente com insuficiência renal) ou ele tem uma doença de base que agrava o quadro clínico da intoxicação (paciente cardiopata com intoxicação por digoxina); • possibilidade de erro laboratorial – por troca de amostra, erro de leitura, falha de equipamentos, presença de contaminantes na vidraria utilizada; uso de reagentes ou Kit adulterados ou com vencimento do prazo de validade.

O diagnóstico e o tratamento das intoxicações devem ser realizados o mais rapidamente possível e, muitas vezes, sem resultados de análises toxicológicas. Embora apresente pouca utilidade no atendimento inicial do paciente intoxicado a identificação (triagem toxicológica) e/ou quantificação de certos agentes tóxicos pode ser extremamente útil para a manutenção do tratamento, a avaliação da gravidade ou a instituição de terapia específica.

Antes da solicitação de qualquer análise toxicológica recomenda-se responder essas duas perguntas:

1ª) - o resultado analítico poderá alterar a abordagem e o tratamento do paciente?

2ª) - este resultado estará nas mãos do clínico em tempo hábil de tomar providências e, assim, alterar positivamente a evolução da intoxicação?

Quando então se deve solicitar um exame toxicológico?

• para diagnosticar ou confirmar uma suspeita clínica – poucos entre os sinais e sintomas apresentados pelo paciente intoxicado são específicos para um determinado agente tóxico; • em atendimentos de emergência de pacientes com trauma, em coma ou portadores de problemas neurológicos, com o intuito de confirmar ou afastar uma possível intoxicação;

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• para fornecer uma informação prognóstica, ou seja, avaliar a gravidade da intoxicação; • para orientar o uso de uma terapia específica; • no monitoramento de abuso de drogas e em pacientes em crises de abstinência; • na investigação de suspeita de intoxicações não acidentais como por exemplo, abuso infantil, homicídios e na identificação de drogas facilitadoras de assaltos e estupro, etc.

Dificuldades ou limitações – os principais fatores que limitam ou dificultam a realização de análises toxicológicas são:

• longo tempo necessário para a obtenção dos resultados; • disponibilidade de métodos confiáveis – para muitos agentes tóxicos (ou seus metabólitos), freqüentemente responsáveis por casos de intoxicação, não existem técnicas analíticas estabelecidas ou disponíveis em laboratórios de rotina. Por isso, uma triagem toxicológica negativa não é suficiente para descartar a possibilidade de intoxicação, pois a substância pode não ter sido identificada porque a sua concentração no material analisado encontra-se abaixo do limite de detecção do método empregado, por não fazer parte da triagem proposta ou por impossibilidade técnica de identificação;

Observações úteis para a solicitação de análises toxicológicas:

• entrosamento entre o clínico e o analista – o médico deve comunicar ao laboratório as suspeitas clínicas (qual o possível ou possíveis agentes), via de exposição (para priorizar a escolha do material a ser analisado), data e hora da exposição (para a coleta do material mais adequado a ser analisado em função das alterações decorrentes de sua toxicocinética), data e hora da coleta da amostra (pode ocorrer alterações ou transformações do agente tóxico no material colhido ou perda de atividade enzimática do componente a ser analisado), assim como os medicamentos que o paciente faz uso terapêutico e os que foram administrados antes da coleta da amostra;

• obtenção de amostras de sangue e urina e lavado gástrico (se indicado) na admissão do paciente e armazená-las em local apropriado. Se o paciente recuperar-se rapidamente, essas amostras podem ser descartadas; • a escolha do material biológico a ser analisado (sangue, urina ou conteúdo gástrico) varia segundo a substância envolvida e seu comportamento toxicocinético, com o tempo entre a exposição e a coleta da amostra e também de acordo com o método e a técnica analítica. Não existe um espécime biológico que sirva para todas as análises. Em caso de dúvida, recomenda-se contatar o analista; • uma triagem toxicológica qualitativa positiva significa apenas que houve exposição ao agente tóxico sem dar indicações sobre a gravidade do excesso da droga. Entretanto, freqüentemente, não há necessidade de se determinar a concentração do agente tóxico, uma vez que essa informação não vai alterar o tratamento do paciente e, para a maioria dos toxicantes, não existe correlação

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entre a concentração sangüínea e a intensidade dos sinais e sintomas clínicos; • a urina é, em geral, a amostra de eleição para a triagem toxicológica (análise qualitativa) de uma ampla variedade de substâncias. Para essa finalidade também pode ser utilizado o conteúdo gástrico (aspirado ou vômito) para detecção mais precoce. O sangue não é considerado bom material para esses testes. Amostras de soro ou plasma devem ser colhidas quando há indicação de testes quantitativos; • as determinações quantitativas são úteis apenas quando existe correlação entre as concentrações sangüíneas e os efeitos tóxicos. Dessa forma, é importante decidir se uma análise quantitativa específica poderá predizer a evolução da intoxicação (prováveis efeitos tóxicos esperados e sua prevenção) ou auxiliar na tomada de decisões sobre o procedimento de intervenção mais adequado no tratamento do paciente, como por exemplo, o uso de antídoto ou a indicação de medidas dialíticas, entre outros (Tabela 29).

Tabela 29 - Exames quantitativos específicos e possíveis intervenções

Nível sangüíneo Intervenção

ácido valpróico múltiplas doses de carvão ativado (MDCA); hemodiálise

carbamazepina múltiplas doses de carvão ativado (MDCA); hemoperfusão

carboxiemoglobina oxigênio 100%

digoxina anticorpos específicos antidigoxina

etilenoglicol uso de etanol ou fomepizol; hemodiálise

fenobarbital alcalinização; hemodiálise

ferro quelação com deferoxamina

lítio hemodiálise

metanol uso de etanol ou fomepizol

metemoglobina uso de azul de metileno

paracetamol uso de N-acetilcisteína

paraquate hemodiálise

salicilato alcalinização; hemodiálise

teofilina múltiplas doses de carvão ativado (MDCA); hemoperfusão

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Após a avaliação inicial do paciente intoxicado e realizadas as medidas de manutenção de vida (se forem necessárias), deve-se passar para a segunda prioridade que consiste em estabelecer, em todos os casos (com ou sem reanimação prévia), a necessidade de aplicação de condutas direcionadas para a diminuição da absorção, à utilização de antídotos ou antagonistas e ao aumento da excreção do agente tóxico absorvido.

Diminuição ou interrupção da absorção do agente tóxico

É a etapa em que se procura diminuir a exposição do organismo ao agente tóxico, seja reduzindo o tempo e/ou a superfície de contato ou a quantidade do agente em contato com o organismo. Compreende um conjunto de medidas de grande importância, na tentativa de impedir o desenvolvimento da intoxicação, mas na prática, tem sua eficácia limitada por uma série de fatores, principalmente, o tempo.

A - Descontaminação de superfície

As medidas de descontaminação são distintas de acordo com o tipo de contato do agente tóxico com o organismo, ou seja, depende da via de introdução.

• Cutânea

Existem substâncias que, por suas características físico-químicas, são absorvidas pela pele íntegra (como por exemplo, agrotóxicos e solventes orgânicos). Em caso de contato orienta-se:

1- se o paciente apresenta-se consciente e clinicamente estável, ele deve ser levado a uma sala de higienização. Caso contrário, a descontaminação deve ser feita no próprio leito; 2- retire toda a roupa do paciente, o mais precoce possível, mas evite hipotermia; 3- proceda à lavagem corporal ou da área afetada, exaustivamente, durante 15-20 minutos, com água corrente limpa e morna e com especial atenção para os cabelos, região retro-auricular, axilas, umbigo, região genital e subungueal; 4- procure identificar o agente e conhecer seus efeitos tóxicos para melhor lidar com ele. Por exemplo, se a substância for oleosa, deve-se usar sabão ou xampu. Seo produto não é absorvível através da pele, mas é cáustico, deve-se proceder da mesma forma, pois muitas substâncias corrosivas, além do efeito nocivo local são potencialmente tóxicas se absorvidas (Tabela 30). Entretanto deve-se tomar cuidado na descontaminação para não aumentar a superfície da lesão; 5- resíduos sólidos devem ser retirados através de escovação e lavagem com água corrente, exceto se a substância reagir com água; 6- é contra-indicado tentar neutralizar o agente tóxico porque o calor produzido pela reação exotérmica de neutralização pode ser mais perigoso e ocasionar lesõesmais graves do que o próprio agente.

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Observação importante:

A equipe assistencial deve proteger-se para evitar exposição a substâncias potencialmente contaminantes. Para isso, recomenda-se o uso de luvas, jaleco e

óculos protetores. Em caso de exposição, lavar a área atingida rapidamente.

Tabela 30 - Exemplos de manifestações sistêmicas causadas por agentes corrosivos

Agente corrosivo Manifestações sistêmicas

ácido fluorídrico hipocalcemia; hipercalemia

ácido oxálico hipocalcemia; insuficiência renal

ácido pícrico lesão renal

ácido tânico lesão hepática

cloreto de metileno depressão do SNC; arritmias cardíacas

fenol convulsões; coma; lesão hepática e renal

formaldeído acidose metabólica

fósforo lesão hepática e renal

nitrato de prata metemoglobinemia

paraquate fibrose pulmonar

permanganato metemoglobinemia

• Ocular

O contato ocular com substâncias químicas pode provocar lesões graves nos olhos. A córnea é muito sensível a agentes corrosivos e hidrocarbonetos. Estas substâncias podem danificar rapidamente a superfície córnea que evolui para uma cicatriz permanente. Como nas exposições dérmicas, deve-se agir rapidamente para prevenir uma lesão mais grave e permanente e a absorção do agente tóxico, observando-se as seguintes recomendações:

1- retirar lentes de contato, se presentes; 2- pode-se utilizar colírio anestésico para facilitar a irrigação. entretanto o colírio pode causar desepitelização de córnea. Deve-se preferir analgésicos sistêmicos; 3- posicionar o paciente com a cabeça elevada para que a irrigação penetre no canal lacrimal para limpá-lo também; 4- iniciar a lavagem do olho acometido, com eversão das pálpebras mantendo-as abertas. Irrigar com soro fisiológico ou água limpa e corrente, por pelo menos 30 minutos (não lave com menos de 1 litro de solução); 5- a lavagem deve ser feita sempre no sentido médio-lateral e com a cabeça lateralizada, para evitar o comprometimento do outro olho; 6- em casos de exposições a substâncias ácidas ou alcalinas, a irrigação deve ser realizada até que o pH do fluido ocular esteja entre 6 e 8;

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7- é contra-indicado o uso de solução neutralizante pois a liberação de calor, durante a reação, pode agravar a lesão; 8- após a descontaminação, o paciente deve ser examinado por um médico oftalmologista para verificar se houve lesão e tratá-la especificamente.

• Respiratória

Além de ser uma via de intoxicação comum e muito eficiente para a absorção de gases, vapores e aerodispersóides, muitas substâncias químicas podem lesar a árvore brônquica. A absorção pode ocorrer tanto nas vias aéreas superiores, quanto nos alvéolos. Para a descontaminação deve-se:

1- remover o paciente da fonte de exposição e fornecer oxigênio úmido suplementar (se disponível) e suporte ventilatório, se necessário; 2- retirar as roupas do paciente e realizar lavagem corporal pois a contaminação cutânea é freqüente nesses casos; 3- examinar cuidadosamente o paciente para verificar a existência de edema de vias aéreas superiores, mediante presença de roncos e sibilos e de estridor laríngeo, pois este pode evoluir rapidamente com obstrução completa das vias aéreas. Os pacientes que apresentam evidências de comprometimento progressivo de vias aéreas devem se intubados; 4- observar também os sinais tardios de edema pulmonar causado por exposição asubstâncias como dispnéia, hipoxemia e taquipnéia, que podem surgir até várias horas após a exposição.

Observação importante:

Antes de entrar no ambiente contaminado, a equipe assistencial deve proteger-se com equipamentos apropriados.

B - Descontaminação gastrintestinal

O trato gastrintestinal constitui a principal via de introdução do agente tóxico na maioria das intoxicações. As medidas que promovem a evacuação gástrica (indução de vômito e lavagem gástrica) ou que diminuem a absorção intestinal (uso de adsorventes, catárticos e irrigação intestinal) têm sido utilizadas há muitos anos. Entretanto, existem muitas controvérsias com várias restrições sobre os usos, indicações e, principalmente, quanto à real eficácia desses procedimentos, tanto no atendimento pré-hospitalar quanto no hospitalar. Muitas vezes, esses procedimentos são desnecessários e aplicados de forma iatrogênica.

Embora existam poucos estudos sobre os procedimentos de esvaziamento gástrico na literatura médica, está bem estabelecido que depois de 60 minutos, muito pouco ou quase nada da dose ingerida é removida por êmese ou lavagem

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gástrica. Estudos mais recentes demonstram que uma dose única de carvão ativado, mesmo sem a realização prévia de esvaziamento do estômago, é tão eficiente quanto a seqüência tradicional de lavagem gástrica seguida do uso de carvão ativado.

Através de um trabalho conjunto baseado em estudos clínicos, a Academia Americana de Toxicologia Clínica e a Associação Européia dos Centros de Intoxicação e dos Toxicologistas Clínicos, têm se posicionado regularmente sobre esses procedimentos, desde 1997, com propostas de protocolos de tratamento nos quais apresentam fortes restrições à indicação generalizada das medidas de descontaminação gastrintestinal. Existem várias opções para a descontaminação do trato gastrintestinal. São procedimentos simples que não exigem equipamentos sofisticados. O tempo para sua realização varia conforme o agente tóxico, devendo-se observar a toxicidade da substância, a dose ingerida, a forma farmacêutica (quando se tratar de um medicamento) e a apresentação (produtos líquidos são quase completamente absorvidos em cerca de 30 minutos após a ingestão; apresentações sólidas são absorvidas, em geral, no intervalo de 1-2 horas).

Portanto, existem circunstâncias nas quais a descontaminação gástrica pode diminuir o potencial tóxico da substância ingerida, mesmo quando realizada até 2 horas após a ingestão. Como exemplos incluem-se:

- ingestão de substâncias altamente tóxicas (paraquate, fluoracetato de sódio, bloqueadores de canais de cálcio, colchicina, etc.); - ingestão de doses potencialmente tóxicas ou letais da substância; - ingestão de medicamentos de liberação controlada ou com cobertura entérica; - ingestão de substâncias que não são adsorvidas pelo carvão ativado (lítio, ferro e outros metais);

Após este período, a descontaminação gástrica só tem valor no caso de substâncias que retardam o esvaziamento gástrico como os barbitúricos, anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos.

1 - Indução de vômito (êmese)

As medidas provocadoras de vômitos têm indicação discutível pois sua eficácia depende da rapidez de execução. Estudos realizados com voluntários mostraram uma recuperação de 21% a 38% do agente tóxico ingerido, para sua execução até uma hora após a ingestão, o que não acontece na quase totalidade dos casos. Poucos pacientes intoxicados chegam aos serviços de saúde com este tempo de evolução e por isso, seu uso rotineiro deve ser abandonado.

a - Indicações

• no tratamento pré-hospitalar, particularmente em casa, em casos de ingestão de substâncias potencialmente tóxicas, desde que o paciente esteja consciente e sem sinais de depressão neurológica (ver contra-indicações); • deve ser realizada imediatamente após a ingestão, quando outras medidas (como o uso de carvão ativado) não são disponíveis ou quando o tempo de transporte do paciente para um serviço de emergência for superior a 1 hora;

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• remove partículas relativamente grandes (como fragmentos de plantas e drágeas)que dificilmente passariam pelo orifício da sonda de lavagem; • remoção de agentes não adsorvidos pelo carvão ativado (ferro, lítio, potássio, etc.), .embora nesses casos seja preferida a realização de irrigação intestinal.

b- Contra-indicações

• em crianças com idade inferior a 6 meses (o reflexo nauseoso pode não estar plenamente desenvolvido); • em pacientes idosos ou debilitados; • em gestantes e pacientes portadores de cardiopatias ou hipertensão; • em pacientes obnubilados, inconscientes, comatosos, muito agitados ou que apresentam convulsões ou em choque (pelo risco de aspiração pulmonar); • em casos de ingestão de substâncias que poderão produzir intensa depressão do SNC ou convulsões antes dos efeitos da medida emetizante (por exemplo: opióides,sedativo-hipnóticos, antidepressivos tricíclicos, cocaína, anfetamínicos, isoniazida e estricnina); • em casos de ingestão de substâncias corrosivas (ácidos, álcalis e agentes fortemente oxidantes), pelo risco de re-exposição da mucosa digestiva; • na ingestão de produtos que contêm substâncias voláteis (derivados de petróleo, hidrocarbonetos, entre outros). Esses compostos podem causar pneumonites químicas se aspirados e, quando ingeridos, em geral, não causam intoxicação sistêmica. Para os hidrocarbonetos que apresentam toxicidade sistêmica, deve-se preferir o uso de carvão ativado com ou sem lavagem gástrica prévia; • em pacientes que apresentam sangramento digestivo.

c- Efeitos adversos

• vômitos incoercíveis que podem retardar a administração de carvão ativado ou de antídotos orais; • vômitos incoercíveis que podem causar hemorragias gástricas e síndrome de Mallory-Weiss; • o vômito pode promover a passagem do agente tóxico para o intestino delgado eacelerar a absorção;

d- Medidas provocadoras de vômitos

Existem vários métodos que podem ser usados para provocar vômitos:

• estímulo físico – por excitação da parede posterior da faringe (com o dedo ou objetos (espátula, colher, etc.). Apesar de apresentar dois inconvenientes (nem sempre provoca o vômito e o retorno de conteúdo gástrico ser pouco produtivo), a estimulação mecânica da faringe é uma das maneiras mais fáceis para a determinação de vômitos e pode ser utilizada em situações em que não existem outros métodos alternativos. A ingestão prévia de líquidos, de preferência com efeitos nauseantes (como água morna com pequena quantidade de sal), favorece seus efeitos.

• estímulo químico – consiste na utilização de substâncias emetizantes.

- xarope de ipeca – extraída de plantas do gênero Cephaelis (C. ipecacuanha e C. acuminata), a ipeca apresenta dois alcalóides farmacologicamente ativos, a

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emetina e a cefalina, que provocam êmese por estimulação de receptores da mucosa gástrica e por ação central. Ainda é bastante utilizado em muitos países, em especial, nos Estados Unidos, onde havia recomendação para seu armazenamento nas residências com seu uso amplamente difundido como método pré-hospitalar de descontaminação do paciente, podendo ser realizado por qualquer leigo, mediante consulta médica ou a um Centro de Controle de Intoxicações. De acordo com estudos experimentais e com voluntários, apesar de ser altamente eficaz (80-85% dos indivíduos vomitam), este emetizante apresenta um tempo de latência de 20-30 minutos após uma única dose. Além disso, a quantidade de substâncias removidas é altamente variável e diminui com o tempo e também não se observou melhora na evolução clínica dos pacientes intoxicados. O uso repetido (por exemplo, por indivíduos bulímicos) pode resultar em arritmias cardíacas e cardiomiopatias devido ao acúmulo de alcalóides. Segundo a Academia Americana de Toxicologia e a Associação Européia dos Centros de Intoxicação e dos Toxicologistas Clínicos, o xarope de ipeca não deve ser empregado rotineiramente em unidades de emergência. Recentemente, a Academia Americana de Pediatria também passou a contra-indicar o uso domiciliar do xarope de ipeca. No Brasil, este emetizante raramente é indicado, uma vez que o mesmo não é disponível comercialmente.

- solução emetizante aniônica – os detergentes de cozinha com pH neutro, diluídos em água ou soro fisiológico na proporção de 1:5, têm sido usados com relativo sucesso, em alguns serviços, devido à sua ação irritativa sobre a mucosa gástrica e baixo período de latência (cerca de 5 minutos). Entretanto, este não é um procedimento comum e recomendado. Deve-se observar atentamente no rótulo a composição do produto para evitar a utilização de detergentes com pH ácido ou alcalino ou que possuem aditivos de maior toxicidade como aqueles usados em máquinas de lavar louças.

2 - Lavagem gástrica

É um método de descontaminação gástrica mais invasivo do que a êmese induzida e que é amplamente usado em hospitais e em unidades de emergência e é bastante seguro se bem realizado. Embora não existam muitos estudos que comprovem sua eficácia, ela é provavelmente um pouco mais eficiente que a êmese induzida, se realizada pouco tempo após a ingestão do tóxico. Entretanto, não remove com eficácia, plantas tóxicas, pílulas e cápsulas não dissolvidas (especialmente fármacos de liberação lenta ou controlada ou com cobertura entérica). Além disso, pode retardar o uso do carvão ativado e pode ainda, acelerar a passagem do agente tóxico para o intestino, principalmente se o paciente não estiver posicionado adequadamente. Não há necessidade de realizar lavagem gástrica em casos de ingestão de doses pequenas e moderadas, se o carvão ativado puder ser administrado prontamente.

a- Indicações

Entretanto existem algumas situações em que a lavagem gástrica poderá ser feita:

• para remover agentes sólidos ou líquidos, quando o paciente ingeriu quantidade maciça (overdose) ou uma substância muito tóxica. É mais eficiente se realizada nos primeiros 30 a 60 minutos da ingestão para a maioria das drogas, embora para alguns agentes que retardam o esvaziamento gástrico (salicilatos, drogas

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anticolinérgicas, antidepressivos triciclícos) ela é efetiva por um período de tempo maior; • em pacientes que receberão carvão ativado e estão impossibilitados de o tomarem por via oral e que receberão uma sonda nasogástrica para isso; • quando houver ingestão de substâncias cáusticas que possuem efeito sistêmico mais importante que sua ação no trato digestivo, como paraquate, fluoracetato de sódio e creolina; • quando houver intoxicação mista com cáusticos e outras drogas, estas podendo ser de grande risco para a vida do paciente, a lavagem pode ser feita desde que a sonda seja passada por via endoscópica para que não haja risco de perfuração de esôfago, aproveitando para se fazer o exame endoscópico; • para remover conteúdo gástrico para realização de endoscopia digestiva.

b- Contra-indicações

• em pacientes comatosos, obnubilados ou convulsionando, deve ser realizada com muita cautela, e o risco benefício bem avaliado, porque nesses pacientes os reflexos de proteção das vias aéreas estão ausentes ou muito alterados ou diminuídos, podendo assim, predispor ou causar a aspiração do conteúdo gástrico.Nesses casos recomenda-se realizar a intubação orotraqueal para a proteção das vias aéreas e prevenir a aspiração de conteúdo gástrico; • quando o agente apresenta-se na forma de drágeas ou comprimidos entéricos, ou quando tratar-se de ingestão de plantas, que não serão removidos devido ao limite do calibre da sonda. Nesses casos, recomenda-se a irrigação intestinal; • a realização de lavagem gástrica na ingestão de substâncias corrosivas é controversa. Devido à fragilidade do esôfago, a passagem da sonda pode causar perfuração do esôfago, possibilidade de refluxo e conseqüente aumento da superfície de contato com a substância cáustica e de reação exotérmica provocada pela reação do cáustico com a água. Entretanto, muitos gastroenterologistas recomendam que a lavagem deve ser feita o mais precoce possível após a ingestão de líquidos cáusticos com a finalidade de remover o material corrosivo do estômago e preparar para a endoscopia que deve ser realizada 12-24 horas após o acidente; • em pacientes submetidos recentemente a cirurgia de esôfago; • em pacientes com suspeita de fratura de base de crânio não deve ser passada a sonda nasogástrica. Neste caso deve-se utilizar sonda orogástrica.

c- Efeitos Adversos

• perfuração do esôfago ou do estômago; • sangramento nasal devido à passagem traumática do tubo; • intubação traqueal inadvertida; • vômito causando aspiração pulmonar de conteúdo gástrico em pacientes obnubilados, sem proteção de vias aéreas; • laringoespasmo, principalmente, em pacientes semiconscientes que não colaboram com a passagem do tubo;

d- Técnica

• este procedimento exige pessoal capacitado e ambiente hospitalar, pois embora seja uma técnica simples, podem ocorrer complicações como posicionamento indevido na traquéia, traumatismo (epistaxe) e aspiração pulmonar;

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• se o paciente estiver comatoso (Escala Coma de Glasgow menor ou igual a 8), realize uma intubação traqueal para a proteção das vias aéreas, antes de iniciar o procedimento; • passe uma sonda gástrica de grosso calibre (nº 18-22, em adultos e nº 8-12, em crianças) pela boca ou pelo nariz (utiliza-se mais comumente sonda nasogástrica) até o estômago. A instalação da sonda deve ser feita com o paciente em decúbito dorsal e com leve flexão do pescoço (se não houver suspeita de trauma raquimedular). Antes de iniciar a colocação da sonda deve ser feita uma estimativa do comprimento a ser usado (medindo-se da ponta do nariz ao lóbulo da orelha e, então, até o apêndice xifóide); • posicione o paciente em decúbito lateral esquerdo, pois essa posição facilita o procedimento e evita o retorno de material do duodeno para o estômago; • conferir a posição correta da sonda: insuflar ar através de uma seringa com o estetoscópio sobre a região epigástrica para assegurar que esteja bem posicionada; • retire primeiramente o máximo de conteúdo gástrico que conseguir, sem diluir (reservar amostra para análise toxicológica, se esta estiver disponível ou indicada). Se o tóxico retirado do estômago ainda for contaminante tome providências para a retirada e isolamento adequado da substância removida; • administre soro fisiológico, aquecido a 38ºC, para evitar hipotermia, na dose de 10mL/Kg (em adolescentes e adultos podem ser usados até 250mL por instilação). Remova por gravidade ou por sucção até se obter um retorno claro. O volume de retorno deve ser o mesmo do instilado. O uso de grande quantidade de líquidos em crianças pode causar hipotermia ou distúrbios hidroeletrolíticos.

3 - Administração de adsorventes

Os adsorventes são substâncias que têm a propriedade de se ligarem ao agente tóxico formando um composto estável que não é absorvido pelo trato gastrintestinal, sendo eliminado nas fezes. Os adsorventes mais empregados normalmente na prática clínica correspondem ao carvão ativado e à Terra de Füller.

• Carvão ativado em dose única

O carvão ativado é empregado como medida de descontaminação gastrintestinal na maioria dos casos de intoxicação há muitos anos. Atua através da adsorção de substâncias tóxicas, diminuindo assim, a disponibilidade para absorção pelo sistema digestivo. O carvão ativado consiste em carvão vegetal, obtido através da pirólise de material orgânico a partir da polpa da madeira, sofrendo um processo de ativação posterior pela passagem de gás oxidante em altas temperaturas que remove substâncias previamente adsorvidas e produz uma fina rede de poros, com uma área de superfície de 950-2.000 m2/g e, portanto, altamente adsorvente, capaz de se ligar a uma grande quantidade de produtos tóxicos, incluindo substâncias orgânicas. Apenas poucas substâncias não são adsorvidas pelo carvão ativado (Tabela 31).

Tabela 31 - Exemplos de substâncias não adsorvidas pelo carvão ativado

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álcalis e ácidos sais inorgânicos

cianeto ferro

etanol e outros álcoois lítio

etilenoglicol ácidos minerais

fluoreto potássio

Alguns alimentos parecem diminuir a capacidade adsorvente do carvão e também pode ocorrer dessorção quando o complexo tóxico-carvão passa através dos intestinos. Entretanto, com as doses preconizadas isto não parece ser clinicamente significativo.

Estudos realizados com voluntários humanos demonstram que a sua eficácia é inversamente proporcional ao tempo (sendo mais eficaz se usado até 1 hora depois da ingestão), e diretamente proporcional à quantidade e freqüência das doses administradas. Embora existam orientações para o uso de carvão ativado, mesmo se foram decorridas várias horas após a ingestão de substâncias com atividade anticolinérgica (e que retardam o esvaziamento gástrico), não existem estudos controlados que validam essas recomendações.

O carvão ativado pode ser usado após o vômito induzido pela solução emetizante, após a lavagem gástrica ou, isoladamente, nos pacientes onde a descontaminação gástrica esteja contra-indicada, ou seja, ineficaz devido ao tempo decorrido após a ingestão.

Alguns estudos sugerem que a administração de carvão ativado sozinho, é tão ou mais efetivo que os procedimentos de esvaziamento gástrico (êmese e lavagem gástrica) seguidos pela administração de carvão ativado.

a- Indicações

A administração de carvão ativado em dose única pode ser considerada quando:

• suspeita-se da ingestão de doses potencialmente tóxicas e de substâncias que comprovadamente são adsorvidas pelo carvão ativado; • mesmo sem saber se a substância ingerida é adsorvida pelo carvão, devido à possibilidade de outras substâncias terem sido ingeridas concomitantemente; • a administração de várias doses de carvão pode aumentar a eliminação de certas drogas da corrente sangüínea.

b- Contra-indicações

• íleo sem distensão não é contra-indicação para o uso de uma única dose de carvão ativado, porém doses repetidas devem ser evitadas; • após a ingestão de ácidos ou álcalis, pois além de ser ineficaz para adsorver tais substâncias, compromete o exame endoscópico e dificulta a cicatrização;

c- Efeitos adversos

• a administração muito rápida pode causar vômitos; • constipação intestinal ou a formação de fecalomas (em pacientes com propensão

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a constipação intestinal) podem ocorrer inicialmente, principalmente após a administração de várias doses de carvão ativado, seguida de diarréia (mecanismo osmótico); • distensão gástrica com risco potencial de aspiração pulmonar. Existem relatos de pneumonia aspirativa, bem como de obstrução traqueal, injúria pulmonar grave e efusão pleural por administração direta de carvão na árvore respiratória; • são disponíveis comercialmente em vários países (não no Brasil), misturas de carvão ativado e sorbitol. Mesmo administrado em dose única, o sorbitol pode causar vômitos e cólicas. A administração de doses repetidas pode cursar com perda de fluidos e risco de desidratação; • pode diminuir o efeito de alguns antídotos que são administrados por via oral.

d- Técnica e dose

• se houver depressão neurológica ou respiratória, as vias aéreas devem ser protegidas antes da administração do carvão; • as doses tradicionalmente recomendadas, de acordo com a idade são: 1g/Kg emcrianças menores de 12 anos e de 25-100g (em média utiliza-se 50g) em adolescentes e adultos, não sendo indicada a associação com catárticos; • administre por via oral ou pela sonda naso ou orogástrica. Em crianças, a aceitação por via oral nem sempre é eficaz. Como no Brasil existe apenas a apresentação em pó, recomenda-se a diluição em água ou em soro fisiológico na concentração de 10-20%. Apresentações em comprimidos possuem menor eficácia e não devem ser usadas; • uma ou duas doses adicionais podem ser administradas no intervalo de 1-2 horas, para assegurar descontaminação adequada, particularmente, nos casos de grandes ingestões. Em algumas situações, pode ser necessária a administração de várias doses de carvão para alcançar a proporção de 10:1 (carvão: agente tóxico). Nesses casos, as doses são administradas por um período de várias horas; • para algumas substâncias que apresentam circulação entero-hepática pode ser administrada a metade dose inicial de carvão ativado, de 6 em 6 horas para impedir que isso aconteça.

e- Associação com catárticos

Após administração de carvão, as fezes tornam-se escuras, sendo este parâmetro clínico utilizado para a avaliação da motilidade intestinal. Embora a maioria das preparações provoque constipação, algumas formulações podem provocar diarréia.

Apesar de ter sido preconizado durante muito tempo, o uso concomitante de catárticos, para reduzir o risco de constipação e aumentar o trânsito intestinal, estesagentes parecem diminuir a eficácia do carvão in vivo (existem controvérsias sobre este assunto). Além disso, os catárticos aumentam o volume de fluidos intestinais e retardam o esvaziamento gástrico, reduzindo, dessa forma, a quantidade de carvão disponível no intestino delgado para a adsorção do agente tóxico.

• Terra de Füller

A Terra de Fuller é uma argila de cálcio monte-morilonita de ocorrência natural e alta pureza utilizada como agente adsorvente no tratamento de intoxicação pelo herbicida paraquate em virtude da alta capacidade de ligação do composto

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bipiridílico aos minerais presentes na argila, assim como observado em seu comportamento no solo. Quando armazenada, parece ser química e biologicamente estável durante anos. Permanecendo intacto o frasco, mantém-se a esterilidade por tempo indefinido. A dose de ataque (inicial) recomendada para a Terra de Füller é de 60 gramas diluídas em 200mL de manitol (VO ou por SNG) de 2-2 horas, nas primeiras 6 horas e após, de 4-4 horas, durante 3 ou 4 dias.

O critério de interrupção do uso dos adsorventes é o aparecimento nas fezes ou atécompletar um período máximo de 48 horas.

4 - Administração de catárticos

Existem controvérsias em relação do uso de catárticos tendo em vista a inexistência de estudos consistentes que certifiquem que a sua administração, isolada ou em múltiplas doses, associados ou não ao carvão ativado, possa diminuir a biodisponibilidade dos agentes tóxicos ou melhorar a evolução clínica dos pacientes intoxicados. Portanto, seu uso não é endossado pela Academia Americana de Toxicologia Clínica e a Associação Européia dos Centros de Intoxicação e dos Toxicologistas Clínicos. Apesar disso, muitos toxicologistas utilizam catárticos rotineiramente.

Os principais catárticos empregados são os salinos (citrato ou sulfato de sódio ou magnésio) e aqueles à base de sorbitol. Em alguns países, existem apresentações nas quais o sorbitol é adicionado ao carvão ativado, podendo melhorar o paladar.

a- Indicações

Argumenta-se que o emprego dessas substâncias promove aumento de conteúdo intraluminal por retenção osmótica de líquidos, o que acelera o trânsito intestinal e assim:

• aumenta o trânsito gastrintestinal do complexo tóxico-carvão, diminuindo a possibilidade de dessorção e reabsorção da substância e do desenvolvimento de fecaloma; • elimina mais rapidamente as substâncias que não são adsorvidas pelo carvão ativado.

b- Contra-indicações

• obstrução intestinal ou íleo paralítico; • após a ingestão de substâncias cáusticas; • catárticos que contenham sódio ou magnésio não devem ser usados em pacientes com hipervolemia e insuficiência renal, respectivamente.

c- Efeitos adversos

• perda de grandes quantidades de fluidos, hipernatremia e hiperosmolaridade podem acontecer com o uso de várias doses de catárticos; • pode ocorrer hipermagnesemia em pacientes com insuficiência renal, se forem usados sais contendo magnésio; • podem ocorrer cólicas abdominais e vômitos, especialmente com o uso de sorbitol.

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d- Técnica

Ao se optar pelo uso de catárticos, especialmente nas administrações seriadas de carvão ativado, recomenda-se restringir a uma única dose para minimizar os efeitos adversos dessas substâncias.

• administre o catártico de escolha, ou disponível, junto com o carvão ativado ou até misturados na mesma solução; • as doses isoladas recomendadas são:

- sorbitol: Crianças: 0,5-2 g/Kg ou 4,3 mL (solução a 35%)/dose Adultos: 1-2 g/Kg (máximo 50g) ou 1-2 mL/Kg (solução a 70%)/dose

- citrato de sódio ou magnésio: Crianças: 250 mg/Kg/dose Adultos: 15-30 g/dose Solução a 10%: 3-4 mL/Kg (máximo de 250mL, em adultos)

- sulfato de sódio ou magnésio: Crianças: 250 mg/Kg/dose Adultos: 15-30 g/dose Solução a 10%: 3-4 mL/Kg (máximo de 250mL, em adultos)

• repita com a metade da dose original se não houver saída de fezes com carvão após 6-8 horas.

5 - Irrigação intestinal

A irrigação intestinal é um procedimento que consiste em diminuir a exposição a absorção de alguns agentes tóxicos através da administração enteral, por tubagem nasogástrica, de uma grande quantidade e em curto período de tempo, de uma solução osmoticamente balanceada de eletrólitos contendo polietilenoglicol, que por sua vez induz o esvaziamento intestinal por meio de fezes líquidas. Esta soluçãonão é absorvida e tem sido utilizada amplamente em várias situações, como por exemplo, na preparação de cólon para cirurgia e colonoscopia, tanto em adultos quanto em crianças, sendo o seu uso seguro. Por ser osmoticamente balanceada, minimiza perdas eletrolíticas e desidratação. As indicações ainda não estão bem determinadas porque, apesar de estudos com voluntários demonstrarem que a irrigação de todo o intestino promove uma diminuição significativa na biodisponibilidade de algumas substâncias, não existem ensaios clínicos ou evidências de melhora na evolução clínica do paciente intoxicado. Tem sido usada para intoxicações graves na qual o paciente não recebeu lavagem gástrica em tempo hábil (principalmente, se admitidos mais de 2 horas após a ingestão).

a- Indicações

Este procedimento deve ser considerado nos casos de ingestão de doses potencialmente tóxicas de:

• grande quantidade de sais ferro, lítio e outras substâncias que não são, ou que

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são fracamente adsorvidas pelo carvão ativado; • grandes doses de fármacos de liberação lenta, controlada ou com cobertura entérica contendo, por exemplo, ácido valpróico, teofilina, verapamil, diltiazem, e outras substâncias de elevada toxicidade;

b- Contra-indicações

• íleo paralítico; • pacientes com obstrução e/ou perfuração intestinal; • pacientes obnubilados, comatosos ou que apresentam convulsões, exceto se estiverem com proteção de vias aéreas; • pacientes com hemorragia gastrointestinal ou vômitos incoercíveis; • pacientes com instabilidade hemodinâmica; • ingestão de cáusticos.

c- Efeitos Adversos

• náuseas e vômitos; • cólicas intestinais e diarréia; • aspiração pulmonar em pacientes sem proteção de vias aéreas; • a capacidade de adsorção do carvão ativado pode ser alterada, se este for administração simultaneamente à irrigação intestinal.

d- Técnica

• a irrigação deve ser realizada somente com as vias aéreas intactas. Se o paciente apresentar depressão neurológica ou respiratória, as vias aéreas devem ser protegidas antes de iniciar o procedimento; • a solução de polietilenoglicol deve ser administrada por uma sonda nasoenteral, tendo em vista a necessidade de sua utilização em grandes volumes; • embora não existam avaliações de dose-resposta, as dosagens recomendadas variam de acordo com a idade do paciente: - crianças de 9 meses a 6 anos devem receber 500 mL/hora - crianças de 6 a 12 anos devem receber 1.000 mL/hora - adolescentes e adultos devem receber de 1.500 a 2.000 mL/hora

6 - Remoção cirúrgica

Ocasionalmente, a ingestão de camisinhas ou outros artifícios contendo drogas, comprimidos, drágeas, ou a formação de concreções e até corpos estranhos permanecem no trato gastrointestinal, mesmo tendo sido feita a lavagem gástrica ou a irrigação de todo o intestino o que torna necessária a remoção cirúrgica.

Administração de antídotos e antagonistas específicos

Os antídotos e antagonistas específicos são substâncias químicas que, por diferentes formas e por mecanismos antagônicos, reduzem ou revertem os efeitos nocivos dos agentes tóxicos.

Quanto ao tipo de ação que desempenham, podem ser classificados em antídotos

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e antagonistas que:

a- impedem a formação de metabólitos tóxicos – ex.: N-Acetilcisteína nas intoxicações por paracetamol e etanol ou fomepizol nas intoxicações por metanol e etilenoglicol;

b- ligam-se ao agente tóxico formando complexos menos tóxicos e de fácil excreção renal (quelação) – ex.: deferoxamina para ferro; D-Penicilamina para o cobre e EDTA cálcico para o chumbo;

c- adsorvem o agente tóxico impedindo sua absorção – ex.: carvão ativado para a drogas adsorvíveis; terra de Füller para o herbicida paraquate; amido para o iodo;

d- exercem ação competitiva sobre o sítio alvo – ex.: naloxona nas intoxicações por opióides; flumazenil nas intoxicações por benzodiazepínicos; atropina e acetilcolina nas intoxicações por anticolinesterásicos; propranolol nas intoxicações por beta-adrenérgicos (salbutamol, terbutalina); oxigênio nas intoxicações por monóxido de carbono;

e- atuam corrigindo distúrbios funcionais ou dano celular produzido pelo agente tóxico – ex.: pralidoxima na recuperação da inibição da enzima acetilcolinesterase inibida por organofosforados; biperideno para a correção dos distúrbios extrapiramidais induzidos por drogas como metoclopramida e fenotiazínicos; gluconato de cálcio para correção da hipocalcemia produzida por fluoretos; dantrolene no controle da hipertermia maligna;

f- atuam por mecanismos imunológicos – ex.: soros antipeçonhentos usados nos acidentes ofídicos, aracnídicos, escorpiônicos e por Lonomia; fragmentos Fab antidigoxina.

Essas substâncias têm importante função no tratamento das intoxicações. Possuem a ação mais específica, mais eficaz e, muitas vezes, mais rápida dentre todas as substâncias ou métodos com utilidade terapêutica em Toxicologia Clínica. Podem reduzir significativamente a morbidade e a mortalidade em certas intoxicações, mas, não são disponíveis para a maioria dos agentes tóxicos e, segundo estimativas, são utilizados em apenas 1% dos casos.

O consumo e a experiência clínica na utilização desses medicamentos apresentam grandes variações regionais. Por exemplo, a N-Acetilcisteína é freqüentemente empregada nos Estados Unidos e Inglaterra, tendo vista o grande número de intoxicações por paracetamol nesses países. No Brasil, casos graves deste tipo de intoxicação ainda são raros, porém existe uma grande possibilidade para o aumento dessas exposições, considerando-se a elevação do consumo de paracetamol em razão da epidemia nacional de dengue.

As indicações para o uso de antídotos e antagonistas devem seguir os seguintes critérios:

1. especificidade de ação frente ao agente tóxico; 2. condições clínicas que justifiquem o seu uso (intoxicações graves ou com prognóstico de severidade); 3. concentrações sangüíneas do toxicante em níveis potencialmente tóxicos ou letais

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(por determinação analítica ou por estimativa através da dose ingerida); 4. os benefícios terapêuticos superem os riscos, uma vez que os antídotos também possuem toxicidade intrínseca; 5. ausência de contra-indicações.

Os antídotos e antagonistas podem ser agrupados em duas categorias:

Grupo I - Antídotos e antagonistas indicados precocemente

Algumas intoxicações exigem o emprego imediato de determinados agentes específicos e, alguns deles, possuem papel preponderante na fase de reanimação do paciente, sendo denominados de antídotos ou antagonistas reanimadores. Essas substâncias, juntamente com outros medicamentos habituais (adrenalina, bicarbonato, lidocaína, glicose, etc), devem compor as caixas de primeiros socorrosutilizadas em emergências médicas. A seguir são descritos alguns exemplos:

• Atropina – inibe a ação da acetilcolina por competição nos receptores muscarínicos. Sua administração está indicada nas intoxicações por anticolinesterásicos (agrotóxicos organofosforados e carbamatos) e diante de manifestações muscarínicas: miose, turvação visual, sudorese, hipersecreção brônquica, bradicardia (ou taquicardia), hiperperistaltismo e, eventualmente, diarréia. Esta sintomatologia, em geral, precede os sinais de comprometimento muscular (paresias, paralisias, fasciculações) e, nos casos graves, estupor e coma. As doses recomendadas são 1-4 mg/dose, EV, em adultos e, 0,01-0,05 mg/Kg/dose, EV, em crianças. Pode-se repetir a cada 15-30 minutos até que o paciente apresente sinais de atropinização: ressecamento de secreções e de mucosas e aumento da freqüência cardíaca (superior a 120 bpm). Alcançados esses parâmetros, deve-se ajustar a dose para manutenção desses efeitos. Seu uso deve ser suspenso gradualmente, sendo restituído se reaparecerem os sinais colinérgicos muscarínicos.

A atropina também está indicada em casos de bloqueio de condução nas intoxicações por digitálicos, betabloqueadores e antagonistas de cálcio. O parâmetro clínico para sua indicação é freqüência cardíaca inferior a 40 bpm. devendo ser administrada com cautela em pacientes idosos ou portadores de cardiopatia isquêmica e arritmias prévias.

• Flumazenil – trata-se de um inibidor competitivo altamente específico dos receptores dos benzodiazepínicos no SNC e, portanto, capaz de reverter o coma induzido por esses compostos. Como já mencionado, é útil não apenas na etapa de diagnóstico (por sua especificidade de ação), mas também como substância reanimadora. A administração rotineira a pacientes comatosos, com suspeita de intoxicação benzodiazepínica, pode precipitar convulsões e piorar a evolução clínica de pacientes intoxicados. Seu emprego é formalmente contra-indicado em pacientes em uso crônico de benzodiazepínicos ou que apresentam convulsões (mesmo febris) ou mioclonias e naqueles em que há confirmação ou suspeita de coingestão de outras drogas que possuem baixo limiar para convulsão (antidepressivos tricíclicos, lítio, cocaína, isoniazida, inibidores da MAO, etc.). Nesses casos, recomenda-se a realização de eletrocardiograma antes da administração de flumazenil para verificar possíveis anormalidades usualmente encontradas nas intoxicações por antidepressivos tricíclicos, como taquicardia sinusal e prolongamento do intervalo QRS. A dose para adultos, por via EV, é de

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0,2-0,3mg, durante 30 segundos e, repetindo-se a cada minuto, até se obter o nível de consciência desejado, até um total de 3 mg. Em crianças, recomenda-se o uso de 0,01mg/Kg, repetindo-se minuto a minuto, até dose máxima de 1mg. O flumazenil tem curta duração de ação, variando de 20 a 40 minutos.

• Naloxona – é um antagonista de ação competitiva nos receptores opiódes (mu, kappa e delta) no SNC e, portanto, reverte a parada respiratória e o coma induzido por heroína, codeína, morfina e outros opiáceos sintéticos (meperidina, metadona, paregórico, difenoxilato, fentanil, propoxifeno, etc.). Este antagonista não previne o desenvolvimento de edema pulmonar não cardiogênico que pode ocorrer nessas intoxicações. Assim como o flumazenil, tem dupla utilidade: diagnóstica e terapia reanimadora. Sua ação é rápida e pode ser fundamental no diagnóstico diferencial do coma, evitando exames desnecessários (punção lombar, tomografia de crânio) ou mesmo procedimentos invasivos (intubação endotraqueal). Apesar de seu efeito específico e altamente eficaz, nem sempre deverá substituir as medidas de reanimação (intubação, ventilação, oxigênio) em casos de parada respiratória. Para crianças, a dose inicial recomendada, por via EV, é de 0,01mg/Kg e, crianças maiores, utiliza-se uma dose mínima de 2 mg, podendo ser repetida após 3 minutos, até o máximo de 10mg. Em adultos, emprega-se 0,4 a 2mg e, se necessário, repete-se em intervalos de 2-3 minutos, até a dose total de 10mg. Se após o uso dessa dosagem, não houver resposta, o diagnóstico de intoxicações por opióide deve ser revisto. No Brasil, não se justifica a administração rotineira de naloxone a todo paciente comatoso, a menos que exista história ou evidência clínica de intoxicação opiácea.

• Oxigênio – a oxigenioterapia é de uso habitual e inespecífico nas intoxicações que cursam com hipoxemia devido à hipoventilação (agentes depressores do SNC) ou por outras causas (broncoaspiração, edema pulmonar, etc.). Além dessa ação inespecífica, o oxigênio age como um antagonista na intoxicação por monóxido de carbono (CO). A ligação do CO à hemoglobina forma carboxihemoglobina e diminui a proporção de oxihemoglobina originando hipóxia celular (sem hipoxemia) por déficit de transporte de oxigênio às células. Nesses casos, o oxigênio competirá com o CO pela ligação à hemoglobina e deve ser administradona máxima concentração possível. A precocidade na aplicação da oxigenioterapia (removendo o paciente da fonte de exposição) é de extrema importância para se evitar lesões por anóxia. O oxigênio também é empregado em outras intoxicações que provocam hipóxia tecidual (metemoglobinemias, cianeto e gás sulfídrico).

• Nitrito de amila, nitrito de sódio 3% e tiossulfato de sódio 25% - essas três substâncias são utilizadas nas intoxicações por cianeto e compõem o “Kit cianeto”. Assim que for confirmada a intoxicação por cianeto e tomadas as medidas iniciais e de descontaminação, inicia-se imediatamente a administração dos antídotos específicos, na seguinte ordem: 1º nitrito de amila (por inalação), 2º nitrito de sódio (por via EV) e 3º tiossulfato de sódio (EV). Os nitritos oxidam a hemoglobina formando metemoglobina que se liga ao cianeto livre. Essas substâncias também aumentam a destoxificação endotelial do cianeto por produção de vasodilatação. As doses recomendadas são:

1º- Nitrito de amila: é uma substância muito volátil e deve ter suas ampolas quebradas de forma a possibilitar a inalação pelo paciente enquanto o acesso venoso e as outras drogas são providenciadas. Produz um nível de metemoglobina

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de 5%.

2º- Nitrito de Sódio 3%: em adultos devem ser administrados 300 mg (10mL da solução) EV em 3-5 minutos. Em crianças, a dose deve ser adaptada segundo a concentração de hemoglobina. A administração EV de uma única dose produz um nível de metemoglobina de 20-30%. A oxidação da hemoglobina para metemoglobina ocorre em 30 minutos. Se não houver resposta, pode ser administrada metade da dose inicial.

3º- Tiosulfato de Sódio 25%: é um doador de enxofre que promove a conversão do cianeto em tiocianato (menos tóxico) pela ação da enzima sulfurtransferase (rodanase). Pode ser administrado sozinho ou em combinação com nitritos. Em adultos são administrados 50ml da solução EV também de forma lenta; para crianças a dose é de 1,65ml/kg da mesma solução, também EV e de forma lenta.

A administração de vasopressores pode ser necessária uma vez que os nitritos podem causar hipotensão por vasodilatação.

• Fomepizol (4-metilpirazol)- é um potente inibidor da desidrogenase alcoólica, a primeira enzima responsável pela biotransformação do etanol e de outros álcoois. Este medicamento previne a formação de metabólitos altamente tóxicos, formaldeído e ácido fórmico nas intoxicações por metanol, e glicoaldeído e os ácidos glicólico e oxálico, nas intoxicações por etilenoglicol. Este procedimento prolonga os tempos de meia vida desses álcoois, sendo indicada hemodiálise. O tratamento tradicional dessas intoxicações consistia na administração de altas doses de etanol para se obter concentração sérica em torno de 100mg/dL (níveis de embriaguez). Como o etanol também é dialisável, há necessidade de aumentar a dose para manter os níveis de inibição emzimática. Embora mais dispendioso, o uso de fomepizol deve substituir o uso do etanol, particularmente, nos casos que envolvem crianças pequenas, em pacientes que ingeriram dissulfiram ou portadores de pancreatite e, também, quando não se dispõe de suporte laboratorial para uma rápida determinação dos níveis sangüíneos do etanol (para monitoramento do tratamento). Além disso, o etanol possui maior risco de efeitos adversos, como hipoglicemia. Para o fomepizol, a dose de ataque é de 15 mg/Kg, seguida de 4 doses de 10 mg/Kg a cada 12 horas e, depois, 15 mg/Kg a cada 12 horas , sempre por via EV, em infusão de 30 minutos, até que os níveis séricos de metanol e etilinoglicol estejam abaixo de 20mg/dL.

Grupo II - Antídotos e antagonistas indicados após avaliação

Embora a precocidade no uso seja fator condicionante de eficácia, a utilização de antídotos e antagonistas específicos não deve ser a primeira medida adotada diante de um paciente intoxicado. Muitas vezes, os possíveis benefícios podem ser menores que o risco da intoxicação. Portanto, a necessidade do seu emprego deve ser considerada através da avaliação adequada da ingestão de doses tóxicas ou através da interpretação do nível sérico do toxicante. A seguir são detalhados alguns exemplos:

• N-Acetilcisteína (NAC) - é um agente mucolítico que tem sido usado com sucesso para prevenir hepatotoxicidade nas intoxicações por paracetamol. Este composto pode substituir o glutation hepático (como doador de grupos sulfidrilas -SH),

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ligando-se rapidamente ao metabólito intermediário e altamente eletrofílico, a N-Acetil-p-Benzoquinona-Imina, ou aumentado sua redução a paracetamol. Apresenta maior eficácia quando administrado dentro de 8-10 horas após a ingestão. Entretanto, são propostos outros mecanismos para diminuir a extensão do dano hepático como, por exemplo, modificação na produção de citocinas, seqüestro de radicais livres ou de oxigênio, mesmo quando administrado após 24 horas. Assim, o papel da NAC como um precursor de glutation e antioxidante tem sido a base de investigação para seu uso nas intoxicações causadas por agentes que se ligam a grupos sulfidrilas ou que apresentam mecanismo de toxicidade associado à produção de radicais livres ou estresse oxidativo. A necessidade do emprego deste antídoto deve ser considerada nos casos de ingestão de 140-150mg/Kg de paracetamol ou, se a concentração sérica, obtida após 4-24 horas após a ingestão, estiver em níveis que apresentem risco de lesão hepática, de acordo com o nomograma de Rumack-Matthew. Pode ser usado empiricamente, se a quantidade ingerida for desconhecida ou se a concentração sérica não for disponível.

• Azul de metileno – é indicado no tratamento das metemoglobinemias tóxicas, principalmente, nas intoxicações por nitritos, anilinas e derivados, compostos fenólicos (naftalina) e sulfonas (dapsona), entre outros. O azul de metileno é reduzido, pela enzima metemoglobina redutase e NADPH, a azul de leucometileno e este, por sua vez, reduz a metemoglobina a hemoglobina. A enzima G6PD (glicose -6-fosfato desidrogenase) é essencial para a geração de NADPH e, portanto, essencial para o funcionamento do azul de metileno como antídoto. Seu uso está indicado em pacientes com sintomas de hipóxia celular (dispnéia, confusão mental ou dor torácica) ou quando os níveis de metemoglobinemia excedem 30%. O efeito deste antídoto é relativamente breve e, em casos de intoxicação por substâncias que possuem meias-vida de eliminação prolongadas (ex.: a meia-vida da dapsona em dose terapêutica é de 30 horas e, em overdose chega a 77 horas), é freqüente a recorrência de metemoglobinemia, sendo eventualmente necessária a aplicação de doses adicionais do antídoto.

• Deferoxamina – é um agente quelante específico para o ferro. Liga-se ao ferro livre e compete pelo ferro da ferritina e hemossiderina. Não afeta o ferro localizado na transferrina, hemoglobina e citocromos, O complexo ferro-deferoxamina formado é hidrossolúvel e excretado pelos rins tornando a urina de cor vinho rosé. Reações in vitro demonstraram que 100mg de deferoxamina é capaz de quelar 8,5mg de ferro elementar. Seu uso é indicado para níveis séricos de ferro superiores a 450mcg/dL ou na presença de sinais clínicos de importantes (acidose metabólica, choque, gastroenterite grave ou evidências de drágeas radiopacas no trato gastrintestinal).

• Pralidoxima (Contrathion®) – trata-se de um antídoto que reverte a inibição da enzima acetilcolinesterase reativando a enzima fosforilada e protegendo-a de inibição posterior. Sua ação é mais evidente sobre os efeitos nicotínicos revertendo as fasciculações e fraqueza de músculos esqueléticos. Sobre os efeitos muscarínicos tem menor eficácia do que os agentes antimuscarínicos (atropina e glicopirrolato) com os quais este antídoto é invariavelmente administrado. Está indicado apenas nas intoxicações por organofosforados (embora existam resultados clínicos positivospara inseticidas carbamatos que possuem atividade nicotínica). Deve ser empregado nos casos classificados como moderados ou graves que já apresentam

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sinais nicotínicos ou depressão do SNC.

• Octreotida – é um polipeptídio sintético análogo à somatostatina que suprime a liberação pancreática de insulina através de ligação ao receptor de somatostatina, com bloqueio do canal de cálcio. É, portanto, uma substância útil no manejo de intoxicações causadas por fármacos que induzem a secreção endógena de insulina como as sulfoniluréias (as mais utilizadas são gliburida, glipizida e clorpropamida) e outros hipoglicemiantes orais e também na intoxicação hipoglicêmica causada por quinino. A indicação de octeotrida deve ser considerada quando não há resposta ao uso de glicose (após a infusão de 1g/Kg) ou à ingestão de alimentos calóricos. Por ser um polipeptídio, é disponível apenas para administração parenteral (subcutânea ou intravenosa).

• Vitamina K (fitomenadiona) – é um co-fator essencial para a síntese hepática dos fatores de coagulação II, VII, IX e X. Em doses adequadas, a vitamina K reverte os efeitos inibitórios dos derivados cumarínicos e indandiônicos na síntese desses fatores. Somente a síntese de novos fatores é afetada e, assim, os efeitos anticoagulantes são retardados até que os fatores circulantes sejam degradados. Em geral, não se observam efeitos até 2-3 dias devido à meia-vida prolongada dosfatores IX e X (24-60 horas). Sua administração só é indicada quando houver prolongamento do tempo de protrombina (TP) e/ou sangramento ativo. Não é indicada para tratamento empírico nas ingestões de anticoagulantes, pois a maioria dos casos não requer tratamento.

Observações importantes:

1- a farmacocinética do agente tóxico e do antídoto ou antagonista deve ser considerada porque pode haver recorrência da síndrome tóxica se o antídoto for eliminado mais rapidamente que o toxicante, particularmente, nos casos em que o mecanismo de interação ocorre por competição no sítio-alvo ou por inibição da conversão em metabólitos tóxicos. Portanto, em certas situações pode ser necessária a aplicação de várias doses do antídoto ou antagonista ou administrá-lopor infusão contínua.

2- apesar de serem essenciais no tratamento de certos agentes tóxicos, o seu uso não exclui a necessidade de terapia de suporte continuada e, em alguns casos, eliminação extracorpórea.

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Aumento da eliminação do agente tóxico absorvido

De maneira fisiológica, o organismo dispõe de três vias principais para eliminar qualquer agente tóxico: a via respiratória, a hepática e a renal. Na terapêutica, só é possível intervir sobre a função renal aumentando a diurese (diurese forçada) ou por manipulação do pH urinário (alcalinização). Alternativamente, pode-se usar também a administração de múltiplas doses de carvão ativado (MDCA) e métodos de depuração extracorpórea.

As medidas destinadas para aumentar a eliminação dos agentes tóxicos foram muito valorizadas no passado. Apesar de desejável, a eliminação rápida da maioria das substâncias tóxicas normalmente é difícil e perigosa. Para o uso apropriado dos procedimentos que aumentam a remoção do agente tóxico do organismo, é essencial o conhecimento de seus aspectos toxicocinéticos.

Embora algumas técnicas possam acelerar a remoção do toxicante, não existem estudos clínicos controlados para avaliar se realmente a realização do procedimento diminui a duração da toxicidade clínica e/ou melhore as condições clínicas do paciente.

A - Avaliação da necessidade

Três questões devem ser respondidas antes de se iniciar medidas para aumentar a eliminação de uma droga.

1 – O paciente necessita deste aumento de eliminação?

Qual é o estado clínico do paciente? Esta conduta poderá recuperar totalmente o paciente? Existe um antagonista ou antídoto específico que possa ser usado?

São indicações importantes para o aumento da eliminação da droga e que contribuem para a melhora das condições clínicas do paciente:

a – intoxicação muito grave com deterioração das condições clínicas apesar da terapia de suporte (Ex.: intoxicação por fenobarbital com hipotensão intratável); b – a via normal de eliminação da substância não está disponível ou não está funcionando adequadamente (Ex.: intoxicação por lítio em paciente com insuficiência renal); c – o paciente ingeriu uma dose que é sabidamente letal ou apresenta níveis sangüíneos considerados letais (Ex.: intoxicações por teofilina ou metanol); d – o paciente é portador de outras patologias que podem aumentar o risco de coma prolongado ou outras complicações (DPOC- doença pulmonar obstrutiva crônica e ICC-insuficiência cardíaca congestiva).

2 – O agente tóxico é acessível para o processo de remoção?

Para uma substância estar disponível para a remoção por métodos extracorpóreos o agente tem que estar presente na corrente sangüínea ou no líquido extracelular. Se estiver extensamente distribuído nos tecidos não será possível a sua remoção. Para isso recomenda-se observar os seguintes parâmetros:

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a – volume de distribuição da substância

É um conceito numérico que nos fornece uma indicação da acessibilidade da droga: Vd = volume aparente de distribuição = quantidade de droga no corpo / concentração plasmática droga = (mg/Kg)/(mg/mL) = L/Kg

Uma substância com um Vd grande tem pouca concentração plasmática. Mas, quando o Vd é pequeno, sua concentração no plasma é alta sendo, portanto, possível sua remoção por métodos dialíticos.

b – ligação com proteínas

A ligação do toxicante às proteínas afeta a acessibilidade, pois drogas que apresentam alta afinidade de ligação às proteínas têm menor concentração plasmática e, portanto, não são dializáveis.

3 – O método funciona?

É possível remover eficientemente o agente tóxico do organismo?

a – O clearance (CL) é a taxa que representa uma quantidade de líquido com determinada substância pode ser depurada. O clearence é calculado através da taxa de extração por meio de uma máquina de diálise ou coluna de hemoperfusão,multiplicada pelo fluxo sangüíneo que atravessa o sistema.

Cl = Taxa de extração x fluxo sangüíneo

A determinação do clearence renal pode ser útil para estimar a eficiência da terapia de hidratação para aumentar a eliminação de substâncias não secretadas ou absorvidas pelos túbulos renais.

CL renal = nível urinário x fluxo urinário / nível sérico

Observação: as unidades de clearence são expressas em mL/minuto. Clearence tem o mesmo significado de taxa de eliminação (mg/minuto). Se a concentração sangüínea é baixa, a quantidade real de substância removida também será baixa.

b – clearence total é soma de todas as formas de depuração (excreção renal mais ometabolismo hepático mais a excreção pela pele e pelos pulmões mais a diálise). Se a contribuição do método dialítico é pequena comparada à taxa de depuração total, então o procedimento contribuirá muito pouco para aumentar a taxa de eliminação da substância.

c – o tempo de meia vida (T½) depende do volume de distribuição e do clearence

T½ = 0,693 x Vd/Cl

A unidade de medida do Vd é expressa em litros (L) e do CL em litros por hora (L/h).

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B - Métodos disponíveis para aumentar a eliminação do agente tóxico

Três métodos são empregados para acelerar a eliminação de agentes tóxicos do organismo: A- manipulação urinária; B- múltiplas doses de carvão ativado e C-remoção extracorpórea.

1 – Manipulação urinária – os métodos usados exigem que a via renal apresente contribuição significativa no clearence total da substância e esteja em bom funcionamento. As principais medidas para essa finalidade incluem:

a - Diurese forçada – poderá aumentará a taxa de filtração glomerular de substâncias que têm excreção renal, baixo volume de distribuição e baixa taxa de ligação com proteínas (Tabela 32). Em urina diluída, a reabsorção passiva dessas susbtâncias pelos túbulos distais estará diminuída, e, portanto, contribuirá para aumentar a sua remoção.

Tabela 32 - Métodos para aumentar a eliminação

Diurese forçada Alcalinização urinária

bário fluoretos barbitúricos (fenobarbital, barbital, primidona)

herbicidas 2,4 D (ácido clorofenoxi-acético)

brometos iodetos clorpropamida salicilatos

cálcio isoniazida fluoretos sulfonamidas

ciclofosfamida lítio metotrexato

cromo tálio

- As medidas empregadas para promover poliúria intensa são:

• infusão de soro fisiológico – para ser eficaz, o débito urinário deve ser mantido em 5-8mL/Kg/hora; • diurese medicamentosa – em pacientes que apresentam volume urinário pequeno, descartando-se a possibilidade de hipovolemia, pode-se estimular a diurese com o uso de medicamentos. Os fármacos mais utilizados para obtenção de uma diurese forçada são o manitol e a furosemida. O manitol a 20% que é, geralmente, empregado na dose de 10-12mL/Kg, por via EV, podendo ser repetidovárias vezes, porém com controle rigoroso de possíveis distúrbios hidroeletrolíticos. A furosemida deve ser usada em baixas doses: 1-3mg/Kg via oral e 0,5-1,5mg/Kg via parenteral.

- Contra-indicações: pelo risco de sobrecarga de volume (a produção urinária pode chegar a 1 L/h), a diurese forçada não deve ser realizada em pacientes com insuficiência renal ou cardíaca. Também está contra-indicada em pacientes que apresentam distúrbios hidroeletrolíticos graves. b- Alcalinização da urina – consiste na administração de bicarbonato de sódio com o objetivo de obter um pH urinário = 7,5 (7,5-8,0). Na urina alcalina, ácidos fracos ionizam-se o que diminui sua reabsorção tubular e aumenta sua exceção renal. Além disso, os ácidos não ionizados presentes no líquido peritubular buscam o equilíbrio difundindo-se para dentro do túbulo. Com o fluxo urinário constante

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através do túbulo, não ocorrerá equilíbrio, promovendo uma maior difusão da substância para a luz tubular, aumentando sua eliminação.

- indicações e eficácia: este método poderá ser útil na remoção de substâncias que preenchem os 4 critérios abaixo (Tabela 32):

• ser predominantemente excretada de forma inalterada pelos rins; • distribuir-se primariamente nos líquidos extracelulares; • ter taxa ligação protéica baixa; • ser um ácido fraco com pKa entre 3,0 a 7,5.

- Como alcalinizar a urina: existem vários esquemas para se obter uma alcalinização adequada. Em geral recomenda-se:

• antes de iniciar o procedimento deve-se realizar as determinações de eletrólitos, uréia e creatinina séricas, glicose, pH sangüíneo e urinário e, se disponível, a determinação da concentração sérica do agente tóxico; • infundir, por via EV, 1 a 2mEq/Kg de bicarbonato de sódio em bolus, em 30 minutos; • manter bicarbonato de sódio a 0,4% contínuo (em bomba de infusão) a 20ml/hora (pode ser maior ou menor de acordo com o resultado do pH urinário/sangüíneo); • manter diurese em torno de 200ml/hora; • o pH urinário deve ser monitorado a cada 2 horas e a infusão ajustada para manter um pH entre 7,5 e 8,0; • atenção especial deve ser dada à monitorização do pH sangüíneo. Este não deve ultrapassar o valor de 7,55 para evitar alcalose; • gasometria arterial e ionograma devem ser feitos pelo menos a cada 6 horas. Tomar cuidado para que pCO2 não fique menor que 26mmHg, pois pode levar a vasoconstrição cerebral; • potássio deve ser administrado simultaneamente para evitar hipocalemia, o que resultaria em acidificação urinária uma vez que os túbulos distais excretam íons hidrogênio em troca de potássio.

- Contra-indicações: a alcalinização urinária não deve ser realizada em pacientes com insuficiência renal, edema pulmonar e edema cerebral. Além disso, a sobrecarga de volume pode piorar as condições de pacientes portadores de doenças cardíacas pré-existentes.

- Efeitos adversos: incluem hipocalemia e diminuição de cálcio iônico que resulta do aumento de ligação do cálcio com proteínas. Pode ser necessário a administração de 20 a 40 mEq/L de cloreto de potássio se a sua concentração sérica diminuir durante a alcalinização urinária. Recomenda-se monitorar e repor cálcio para evitar deterioração da função cardíaca. Se o pH sangüíneo ultrapassar 7,6 podem ocorrer convulsões e alterações cardíacas.

2 - Múltiplas doses de carvão ativado (MDCA)

Embora não existam estudos clínicos controlados que demonstrem a eficácia deste procedimento na morbidade e mortalidade e que definam as melhores doses e intervalos de administração, as razões para a administração de MDCA incluem:

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• adsorção de qualquer agente tóxico remanescente no trato gastrintestinal (por ex.: nos casos de ingestão de grandes quantidades de drogas de liberação controlada ou com cobertura entérica, drogas que diminuem a motilidade intestinale de drogas que formam concreções); • adsorção de moléculas livres do toxicante ou de seus metabólitos ativos que retornam ao intestino delgado através de secreção biliar (ciclo entero-hepático); • a presença de grandes quantidades de carvão ativado no trato digestivo promove a difusão passiva do agente tóxico dos capilares da mucosa intestinal para o espaço intraluminal. A mucosa intestinal funciona como uma membrana dialítica semipermeável e, a ligação da substância ao carvão ativado, favorece a difusão da droga para o lúmen. Esse processo é denominado diálise gastrintestinal.

- Eficácia do método no aumento da eliminação: depende fundamentalmente das características da substância ingerida. A utilização de MDCA terá maior eficiência na remoção de drogas que possuem alta afinidade de ligação com o carvão ativado, baixo clearance (isto é, meia vida de eliminação prolongada), pequeno volume de distribuição (<1L/Kg), baixa ligação protéica, circulação entero-hepáticaou enteroentérica, e estejam na forma não ionizada em pH fisiológico (ou seja possuam pKa baixo).

- Indicações: estudos clínicos e experimentais sugerem que MDCA são benéficas para um número relativamente pequeno de substâncias (Tabela 33). Existem evidências mostrando eliminação aumentada para fenobarbital, carbamazepina, teofilina, dapsona e, portanto, seu uso deve ser considerado nas ingestões de grandes quantidades dessas substâncias, pois podem implicar em risco de vida. Para esses agentes, MDCA promovem uma taxa de depuração que se aproxima àquela observada na hemodiálise e hemoperfusão. Estudos com voluntários também mostram que doses repetidas de carvão ativado também podem ser efetivas para amitriptilina, dextropropoxifeno, fenitoína, digoxina, digitoxina, piroxicam, nadolol, sotalol e fenilbutazona. Seu uso nas intoxicações por salicilatos é controverso, questionando-se sua recomendação.

Tabela 33 - Exemplos de substâncias com recomendação para o uso de múltiplas doses de carvão ativado (MDCA)

ácido valpróico fenobarbital

aminofilina glutetimida

antidepressivos tricíclicos hormônios tireoidianos

carbamazepina neurolépticos

ciclosporina organoclorados

dapsona organofosforados

diazepam piroxicam

digoxina propoxifeno

digitoxina salicilatos

fenitoína substâncias de liberação lenta

fenciclidina teofilina

fenilbutazona

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quando se empregam MDCA, as recomendações usuais indicam a administração de uma dose inicial de 1g/Kg de carvão ativado (com ou sem sorbitol ou outro catártico salino) seguido pela administração de 0,5 a 1 g/Kg em suspensão aquosa, a cada 2 a 4 horas. Lembre-se que somente na primeira dose de carvão ativado deve ser utilizado o sorbitol. Múltiplas doses de catárticos podem causar desidratação e hipernatremia graves que ameaçam a vida. A utilização de MDCA deve ser continuada até melhora clínica do paciente ou até que a concentração sérica do toxicante diminua para níveis não tóxicos. Recomenda-se seu uso por, no máximo, 48 horas, mas, em geral, MDCA não são necessárias por mais de 24 horas.

- Contra-indicações: são as mesmas descritas para a utilização de dose única de carvão ativado, ou seja, não deve ser empregada em pacientes com íleo paralítico, semi-oclusão ou obstrução intestinal, ou com depressão neurológica ou respiratória, sem proteção de vias aéreas.

- Efeitos adversos: em geral, MDCA é um método considerado seguro se realizado adequadamente em situações controladas. As principais complicações ocorrem, muitas vezes, em pacientes para os quais não havia indicação do procedimento. Existem relatos de aspiração pulmonar (mesmo nas doses iniciais), hipernatremia e hipermagnesemia (pelo uso inadequado de doses repetidas de catárticos), abrasão de córnea por contato e obstrução intestinal.

Doses de carvão ativado por via oral ou sonda nasogástrica são administradas na terapêutica seriada na metade da dose de ataque, a cada 4, 6 ou 8 horas. A suspensão do uso seriado dependerá da evolução clínica e da avaliação laboratorial sendo que, após melhora significativa do quadro clínico, poderá ser tentada uma interrupção mínima de 8 horas. Se durante este período não se observar piora clínica atribuível à recirculação da droga, o carvão poderá ser suspenso.

A presença do carvão ativado no lúmen intestinal reduz a concentração sangüínea da droga ou toxina interrompendo a recirculação entero-hepática (após a absorção, a droga pode reentrar no intestino por secreção ativa através da bile e/ou por secreção ativa através dos fluidos gastrintestinais), um modo de ação bastante distinto da simples adsorção de substâncias ingeridas e não absorvidas.

Doses repetidas de carvão ativado agem da seguinte forma:

-interrompendo a circulação entero-hepática, através da combinação com a droga e seus metabólitos que são secretados na bile;

-promovendo uma diálise gastrintestinal, através de absorção da medicação secretada pelas membranas gástricas na luz intestinal;

-promovendo a adsorção contínua da substância administrada por via oral.

Essa técnica é fácil e não invasiva e tem se mostrado eficiente em reduzir a meia vida do fenobarbital, teofilina e muitas outras drogas e aumentar a eliminação de vários medicamentos, principalmente antidepressivos tricíclicos, carbamazepina, benzodiazepínicos, digoxina, digitoxina, dapsona, fenobarbital, fenilbutazona, methotrexate, nadolol, salicilatos e teofilina de absorção lenta.

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A taxa de difusão passiva depende do gradiente de concentração e da área de superfície intestinal, permeabilidade e do fluxo sangüíneo.

Entretanto, não existem resultados de estudos clínicos comprovando tal prática. Doses seriadas de carvão ativado podem causar sérios distúrbios hidroeletrolíticos secundários a grande volume de diarréia, especialmente se forem utilizadas suspensões pré-misturadas de carvão-sorbitol. Ele não deve ser usado em pacientes com íleo paralítico ou com obstrução intestinal.

Modo de usar:

A dose calculada deverá ser diluída em soro fisiológico (100ml de SF para cada 25 gramas de carvão) e administrada por via oral ou através de sonda naso ou orogástrica.

As diluições utilizadas para crianças deverão ser calculadas observando-se a capacidade gástrica e risco de hiperhidratação. Cuidados para a administração (posição do paciente, verificar estase gástrica, verificar posicionamento da sonda).

3 - Métodos de remoção extracorpórea

As técnicas extracorpóreas para aumentar a eliminação do agente tóxico são procedimentos invasivos e que fazem uso concomitante de anticoagulante. Esses métodos não estão disponíveis na maioria dos hospitais, pois necessitam de câmara extracorporal onde o sangue circule. São eventualmente empregados em algumas intoxicações graves com eficácia questionável. Diz-se que a eliminação extracorpórea é eficiente quando promove um aumento de 30% ou mais no clearance corporal total. Os métodos mais comumente usados são:

a- Hemodiálise

Método no qual o sangue removido de um vaso de grande calibre (usualmente veia femural) por um catéter de duplo lumen é bombeado através do sistema de hemodiálise. O paciente deve ser anticoagulado para evitar que o sangue coagule dentro do dialisador. Drogas e toxinas presentes no sangue atravessam passivamente por uma membrana semipermeável, a favor de um gradiente de concentração, para dentro da solução dialisadora (eletrólitos e tampão). Além disso, distúrbios hidroeletrolíticos podem ser corrigidos por este método. Para garantir a eficiência da hemodiálise devem ser observadas as características da substância: ter baixo peso molécular (<500 daltons), pequeno volume de distribuição, baixa ligação protéica e ser hidrossolúvel. Exemplos de substâncias removíveis por hemodiálise na Tabela 34.

Tabela 34 - Exemplos de substâncias removíveis por hemodiálise

álcoois (etanol, isopropanol, metanol, etilenoglicol) metronidazol

acetona metoprolol

aciclovir paracetamol

amicacina paraquate

amoxicilina pentobarbital

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anilina procainamida

atenolol propranolol

captopril salicilatos

ciclofosfamida sulfonamida

fenobarbital teofilina

lítio tiocianato

metais pesados (possível) tolueno

b- Hemoperfusão Utiliza equipamento e acesso venoso similar à hemodiálise. Nesse sistema o sangue passa diretamente por uma coluna contendo material adsorvente (carvão ativado ou resina Amberlite). Como a substância estará em contato direto com o adsorvente, o tamanho molecular, o volume de distribuição, a ligação com proteínas e a solubilidade são fatores limitantes de menor importância. Anticoagulação também é necessária e, nesse método, devem ser usadas doses maiores do que as utilizadas na hemodiálise porque a trombocitopenia é uma complicação comum. Exemplos de substâncias removíveis por hemoperfusão na Tabela 35.

Tabela 35 - Exemplos de substâncias removíveis por hemoperfusão

ácido valpróico fenol

barbitúricos fenilbutazona

ampicilina gentamicina

cafeína isoniazida

carbamazepina metil paration

cimetidina metoprolol

clindamicina paracetamol

cloranfenicol paraquate

clorpromazina procainamida

dapsona quinidina

difenidramina salicilato

digoxina tetracloreto de carbono

fenitoína xileno

c-Diálise peritoneal

É um método mais fácil e de menor custo do que a hemodiálise, mas menos eficiente. Ela consiste na colocação de solução dialítica na cavidade peritoneal e deixar que o peritônio funcione como uma membrana semipermeável. Não requer anticoagulação, mas é apenas 10 a 15 % efetiva se comparada com a hemodiálise. Mesmo podendo ser realizada 24 horas por dia, uma diálise peritoneal com troca da solução de diálise cada 1-2 horas equivale a aproximadamente 4 horas de hemodiálise.

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d- Hemofiltração

Hemofiltração artério-venosa ou veno-venosa contínua foi sugerida como uma alternativa para a hemodiálise convencional quando a remoção do agente tóxico não é de caráter urgente. Como a diálise peritoneal, esse procedimento está associado com uma depuração menor, mas requer procedimentos minimamente invasivos e não causa alterações hemodinâmicas significativas.

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Tratamento sintomático e de suporte

A - Tratamento sintomático

Além das condutas específicas e de suporte, deve-se considerar a necessidade do emprego de medidas adjuvantes para corrigir os sintomas inespecíficos que podem acompanhar as intoxicações. Essas medidas terapêuticas, em geral, não diferem das utilizadas em outras emergências clínicas, porém, existem alguns aspectos peculiares no tratamento sintomático do paciente intoxicado que devem ser considerados:

dor – esta é uma manifestação freqüente e para seu tratamento existe um grande número de fármacos. Os analgésicos devem ser selecionados de acordo com a intensidade da dor e das possíveis interações com o agente tóxico e, portanto, usados com cautela;

vômitos – antieméticos devem ser usados com ponderação. Se o vômito ocorre precocemente após a ingestão, não se deve administrar antieméticos, pois nesse caso, o vômito constitui um mecanismo útil para evitar a absorção do toxicante. Porém, se os vômitos são intensos e repetidos e aparecem 4 a 6 horas após a ingestão, pode-se administrar metoclopramida. Também indica-se o uso de antieméticos nos casos em que os vômitos apresentados pelo paciente representar grave risco de broncoaspiração (por exemplo em pacientes obnubilados com diminuição do nível de consciência) ou contribuir para o estabelecimento de distúrbios hidroeletrolíticos, assim como nos casos de ingestão de substâncias cáusticas que não possuem absorção sistêmica e na presença de hematêmese. Ainda podem ser tratados sintomaticamente vômitos repetidos que aparecem em casos de intoxicações cuja via de introdução não é a digestiva;

diarréia – não deve ser tratada, mas sim, suas conseqüências mediante reposição de volemia e de eletrólitos;

hipo e hipertermia – podem ser tratadas com medidas físicas externas de aquecimento (por exemplo cobertor térmico) ou resfriamento (compressas frias, banhos, gelo, ventiladores), respectivamente. Em emergências hipertérmicas (como por ex., overdose de cocaína, anfetaminas) os antitérmicos usuais, em geral, são ineficazes. Recomenda-se o emprego de medidas agressivas de resfriamento.

B – Tratamento de suporte

A terapia de suporte compreende um conjunto de medidas empregadas no tratamento de complicações clínicas. É a etapa mais importante do tratamento do paciente agudamente intoxicado e, associada à descontaminação, freqüentemente, é suficiente para a recuperação completa do paciente. As medidas de suporte basicamente não diferem daquelas que se aplicam aos pacientes com outras afecções e, necessariamente incluem:

1 - Aporte calórico e de nutrientes

A desnutrição, freqüente em pacientes hospitalizados, deve ser prevenida e tratada,

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pois o estado nutricional prejudicado aumenta o risco de complicações e piora a evolução clínica do paciente. Vários estudos demonstraram que o baixo aporte calórico e de nutrientes estão, independentemente, associados com um maior risco de infecção nosocomial e com um aumento de mortalidade, particularmente por sepse, choque e falência múltipla de órgãos. Portanto, a Terapia Nutricional (TN) constitui parte integral dos cuidados ao paciente intoxicado e é definida como o conjunto de procedimentos terapêuticos para manutenção ou recuperação do seu estado nutricional e, embora não seja uma prioridade durante a fase inicial do atendimento, deve ser iniciada, tão logo quanto possível, após a estabilização do paciente. Compete à equipe de enfermagem não apenas a administração da TN e sua monitorização, mas também a identificação de pacientes que apresentam risco nutricional.

2 - Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos

Muitos agentes tóxicos provocam vômitos e diarréia com perdas importantes de água e eletrólitos que podem representar risco de vida ou de seqüelas para o paciente. O tratamento é orientado no sentido de se caracterizar corretamente a gravidade (pela intensidade das perdas líquidas) e o tipo da desidratação (pela proporção de perdas salinas) e seguir os princípios gerais de reidratação, ou seja, administrar soluções hidratantes para reparação (ou expansão), manutenção e reposição. A hidratação adequada também contribui para a manutenção de boa diurese que constitui uma etapa importante no tratamento da intoxicação causada por agentes que possuem excreção renal.

Os níveis sangüíneos de diversos eletrólitos podem sofrer alterações por ação direta ou indireta do toxicante e, em alguns casos, os distúrbios eletrolíticos podem intensificar os seus efeitos tóxicos. Os distúrbios de sódio caracterizam-se, principalmente, pelo risco de comprometimento do SNC e os distúrbios de potássio pelo risco de arritmias cardíacas, merecendo sempre atenção especial e tratamento cuidadoso. Os distúrbios de íons cálcio, fósforo e magnésio relacionam-se ao comprometimento da função neuromuscular e, embora representem risco de menor gravidade, precisam ser adequadamente avaliados e tratados.

3 - Correção dos distúrbios do equilíbrio ácido-base

Muitos agentes tóxicos podem provocar desvios no equilíbrio de ácidos e bases noorganismo e estes também devem ser identificados e tratados. A alteração mais freqüente é a acidose metabólica que pode ser conseqüente à perda de bases ocasionadas por vômitos e diarréia induzidos pelo toxicante, ou então, pelo aumento de radicais ácidos produzidos durante a sua biotransformação. Deve ser observado ainda que, qualquer toxicante pode produzir acidose metabólica, se a toxicidade for complicada com hipóxia, hipotensão ou falência renal.

Tratar a acidose por si só não é necessário, a menos que o pH seja inferior a 7,1. O tratamento deve ser direcionado para a causa de base da acidose metabólica e segue os critérios usuais de clínica, por exemplo, tratar as convulsões com anticonvulsivantes ou bloqueadores neuromusculares, a hipóxia e a hip o tensão , se estiverem presentes.

Na maioria dos casos de acidose metabólica associada com intoxicações, a resolução será decorrente de um tratamento de suporte apropriado, incluindo

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reanimação e infusão de fluídos, controle de convulsões e correção da hipóxia. Certas intoxicações podem requerer terapia com antídotos específicos (ex. piridoxina para isoniazida, etanol ou fomepizol para metanol ou etilenoglicol) ou hemodiálise (ex. etilenoglicol, metanol, salicilato). Nas intoxicações que requerem antídotos específicos ou métodos para aumentar a eliminação, a acidose poderá seagravar, a menos que as terapias apropriadas sejam instituídas

Na verdade, a acidose leve pode ser benéfica para os tecidos porque estimula a liberação de oxigênio pela hemoglobina. Contudo, a acidose pode ser maléfica nas intoxicações por salicilato ou agentes antidepressivos tricíclicos.

- nas intoxicações por salicilato, a acidose aumenta a penetração do fármaco no cérebro e deve ser prevenida mediante administração de bicarbonato. Além disso, a alcalinização também aumenta a eliminação urinária do fármaco.

- nas intoxicações por antidepressivos tricíclicos a acidose aumenta a cardiotoxicidade. Deve-se manter um pH plasmático de 7,45 a 7,5 com administração de bicarbonato.

As indicações para a administração de bicarbonato de sódio são controversas, exceto na intoxicação por metanol, quando deve ser administrado em doses elevadas e suficientes para normalizar o pH sanguíneo. O bicarbonato de sódio pode ser útil em outros casos de acidose metabólica grave, para manter o pH arterial em 7,2 e evitar efeitos hemodinâmicos adversos. Complicações potenciais da administração de bicarbonato de sódio incluem sobrecarga de volume (especialmente em pacientes com alterações das funções renal ou cardíaca), hipernatremia, hipocalemia, hipocalcemia e alcalose. A rápida elevação do sódio sangüíneo, mesmo que seja para o nível normal, pode induzir a desmielinização de estruturas subcorticais do cérebro.

Quando a acidose metabólica é uma complicação decorrente de insuficiência renalcausada pela intoxicação, pode ser indicada a hemodiálise.

Na evolução clínica do paciente devem ser monitorados o estado mental, a pressão arterial, o ritmo cardíaco, o débito urinário, a gasometria e os eletrólitos.

Distúrbios de bases, como alcalose metabólica e respiratória, são menos comuns nas intoxicações. A primeira é, em geral, determinada por perda excessiva de conteúdo gástrico, administração de altas doses de diurético de alça ou sobrecarga de álcalis em pacientes com falência renal. Quando possível, a causa básica deve ser corrigida. Geralmente, reposição oral ou EV do volume extracelular é suficiente. Em muitos casos, particularmente com hipocalemia importante e anormalidades de ECG podem ser necessários cuidados intensivos. Quando há deficiência importantede potássio, a alcalose não pode ser corrigida antes de sua reposição.

A alcalose respiratória não representa risco de vida, tem como principal característica clínica a hiperventilação e aparece no estágio inicial da intoxicação por salicilatos e, nesse caso, trata-se a condição primária (ou seja, a toxicidade do fármaco).

4 – Tratamento das alterações respiratórias

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Os pacientes intoxicados apresentam, com freqüência, distúrbios respiratórios e podem evoluir com complicações graves como dano cerebral irreversível, arritmias e parada cardíaca. Estes problemas devem ser evitados e, quando presentes, tratados rapidamente, uma vez que a falência respiratória é a causa mais comum de óbitos de pacientes intoxicados. Esta condição pode resultar de falência de músculos respiratórios, depressão do centro respiratório, pneumonia ou edema pulmonar.

É necessário investigar outras causas possíveis de hipóxia como: pneumonia viral ou bacteriana, contusão pulmonar por trauma, infarto agudo do miocárdio e coleta errada de material (sangue venoso em vez de arterial).

O tratamento é de suporte, com cateter de oxigênio, máscara ou mesmo suporte ventilatório. Geralmente observa-se uma melhora clínica importante quando são asseguradas ventilação e oxigenação adequadas. A duração e o grau do suporte ventilatório necessário depende do agente e do mecanismo responsável pelo desenvolvimento da insuficiência respiratória, mais freqüentemente determinada por edema pulmonar não cardiogênico (intoxicações por opióides, organofosforados, cianeto, monóxido de carbono, salicilatos e sedativos-hipnóticos) e a intubação traqueal não deve ser postergada, quando necessária.

Em casos de edema pulmonar, deve-se evitar a administração excessiva de fluidos e deve ser considerada também a necessidade do uso de diuréticos (manitol é o mais indicado).

Monitorização cuidadosa de sinais vitais, oxigenação (oximetria de pulso), gasometria arterial e balanço hidroeletrolítrico são necessários até a recuperação da função respiratória. Isto usualmente requer admissão em uma unidade de cuidados intensivos. Também deve se iniciar terapia antimicrobiana adequada se houver evidências de infecção. Nas intoxicações por monóxido de carbono (CO), a oximetria de pulso pode mostrar uma saturação de oxigênio normal e o paciente,na verdade, pode estar com grave hipoxemia. Nesses casos, recomenda-se administrar O2 a 100% para facilitar a dissociação da ligação estabelecida entre o CO e a hemoglobina.

Hipóxia e falência respiratória aguda podem ter como causa o broncoespasmo provocado pela inalação de gases irritantes, por aspiração de derivados de petróleo ou de conteúdo estomacal, assim como pela ação tóxica direta de certos toxicantes como o inseticidas anticolinesterásicos (organofosforados e carbamatos) e os agentes bloqueadores adrenérgicos, ou ainda por reações de hipersensibilidade ou alérgicas. Nesses casos, deve-se afastar o paciente da fonte de exposição a gases ou agentes irritantes; interromper imediatamente qualquer tratamento com betabloqueadores, se for o caso; administrar broncodilatadores e, se necessário, aminofilina, mas sob monitoramento de sua toxicidade. Os pacientes com broncoespasmo e brocorréia causados por intoxicação por organofosforados ou outros agentes anticolinesterásicos devem receber atropina.

5 – tratamento das alterações cardiovasculares

a - Hipotensão O tratamento da hipotensão varia de acordo com o toxicante, sua etiopatogenia, com as características do paciente e de acordo com a capacidade de atendimento do serviço de saúde. Em geral, as medidas recomendadas

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incluem:

1. manter as vias aéreas pérvias; realizar assistência ventilatória, se necessário, e administrar oxigênio suplementar;

2. tratar as arritmias cardíacas que podem contribuir para a hipotensão (freqüência cardíaca menor que 40 a 50 batimentos/min. ou maior que 180 a 200 batimentos/min.);

3. infundir cristalóide através de dois acessos venosos calibrosos; 4. se o paciente apresentar hipotermia associada, não haverá melhora com a

simples administração de fluidos, mas, normaliza-se rapidamente com o reaquecimento do paciente;

5. se a hipotensão persistir, deve-se administrar drogas vasoativas como a dopamina. Entretanto, a dopamina pode ser ineficaz em pacientes com reserva neuronal de catecolaminas insuficiente como nas intoxicações por dissulfiram, reserpina e antidepressivos tricíclicos. Nesses casos, os vasopressores de ação direta (como a norepinefrina) são mais eficazes;

6. deve-se também proceder o tratamento da causa de base; 7. se a causa for bradicardia refratária, considerar a implantação de

marcapasso e, se houver taquiarritmia, considerar cardioversão elétrica. 8. se existir antídoto ou antagonista específico, este deve ser rapidamente

prescrito, por exemplo: bicarbonato de sódio nas intoxicações por antidepressivos ou outros bloqueadores de canais de cálcio; glucagon para intoxicação por betabloqueadores; cálcio nas intoxicações por antagonistas de cálcio e propranolol ou esmolol para intoxicações por teofilina, cafeína, ou outro beta-agonista.

b - Hipertensão

A hipertensão arterial pode ser resultante da ação de várias drogas e toxinas e envolve diferentes mecanismos, ou pode surgir como conseqüência de complicações clínicas da intoxicação.

Na maioria das intoxicações, a hipertensão é transitória e, freqüentemente, ignorada e não tratada. Porém, em algumas ocorrências, os valores atingidos são significativamente elevados e indicam tratamento de urgência, para evitar complicações graves como hemorragia intracraniana, dissecção de aorta, infarto agudo de miocárdio e congestão cardíaca.

As medidas terapêuticas comumente empregadas são:

1- nos pacientes hipertensos com freqüência cardíaca normal ou discreta taquicardia – empregar nitroprussiato de sódio, por via EV, na dose de 2 a 10 mg/Kg/min. Nas intoxicações por agentes catecolaminérgicos (como anfetamínicos, cocaína, entre outros), a pressão arterial tende a se normalizar com o controle da agitação do paciente com benzodiazepínicos. Como segunda escolha, usa-se o nitroprussiato;

2 - nos pacientes com hipertensão e taquicardia importante – deve-se adicionar à conduta anterior, o uso de um betabloqueador como o propranolol ( 0,02 a 0,1 mg/Kg, EV). Não se deve utilizar betabloqueadores isoladamente para o tratamento de crises hipertensivas, pois estes fármacos podem agravar a

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hipertensão, se esta for causada por estimulação adrenérgica;

3 - em pacientes com hipertensão acompanhada de exame neurológico alterado – recomenda-se a realização de tomografia computadorizada, pois em acidentes cerebrovasculares a hipertensão mantém a perfusão do tecido cerebral e não deve ser tratada, exceto quando estão presentes complicações específicas como falência ou isquemia cardíacas. Nesses casos, deve-se solicitar o auxílio de um neurologista.

c - Bradicardia e bloqueio atrioventricular

Não se deve tratar bradicardia ou bloqueio atrioventricular, exceto se o paciente estiver sintomático (apresentando hipotensão ou sinais de síncope). A bradicardia e até mesmo o bloqueio atrioventricular podem ser reflexos protetores para diminuir a pressão sangüínea em casos de hipertensão maligna.

Em pacientes sem evidências clínicas de hipoperfusão de órgãos vitais, a simples observação clínica, o estabelecimento de acesso intravenoso, a administração de oxigênio suplementar e a monitorização do ritmo cardíaco podem ser suficientes.

Em pacientes com evidente hipoperfusão de órgãos vitais, as medidas adicionais abaixo devem ser tomadas:

1 - reaquecer pacientes hipotérmicos. Bradicardia sinusal de 40 a 50 batimentos por minuto é normal quando a temperatura corporal está entre 32 e 35 ºC;

2– administrar atropina, 0,01 a 0,03 mg/Kg, por via EV. Se não houver sucesso, usar isoproterenol na dose de 1 a 10 mcg/mim, por via EV, titulado até a dose adequada ou usar na emergência um marcapasso transcutâneo ou transvenoso. Em situações de bradicardia não responsiva ao marcapasso, podem se usar doses altas de drogas com atividade beta-adrenérgica (dopamina). NÃO administrar atropina para pacientes com hipertensão e bradicardia reflexa, porque pode agravar a hipertensão. Nas intoxicações por inibidores de colinesterases podem ser necessárias doses muito maiores de atropina para tratar efetivamente a síndrome colinérgica;

3– administrar antídotos ou antagonistas específicos quando indicados:

a – para intoxicação por betabloqueadores - usar glucagon

b – para intoxicação digitálica - usar fragmentos Fab

c – para intoxicações por antidepressivos tricíclicos ou depressores de membrana - administrar bicarbonato de sódio

d – nas intoxicações por antagonista de canal de cálcio - usar gluconato de cálcio.

d-Taquicardia

A taquicardia é uma manifestação que geralmente reflete mecanismos

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compensatórios simpáticos, secundários ao baixo débito cardíaco ou à hipoxemia. O tratamento deve, portanto, ser direcionado à identificação e correção da causa específica.

Se a taquicardia não estiver associada com hipotensão ou outras alterações hemodinâmicas, recomenda-se apenas observação e sedação. Os benzodiazepínicos (lorazepam ou diazepam) são eficazes no controle da taquicardia causada por drogas estimulantes (anfetaminas, cocaína, etc.), devendo-se utilizar doses sucessivas até o paciente permanecer calmo, mas evitar depressão respiratória.

Embora a redução da freqüência cardíaca possa ser obtida com o uso de fármacos, esta opção deve ser avaliada adequadamente, uma vez que as intoxicações causadas por anfetaminas, cocaína, atropina, plantas beladonadas, teofilina, antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas e agentes causadores de hipóxia que se manifestam inicialmente com taquicardia podem evoluir com bradicardia.

Deve-se evitar o uso de betabloqueadores puros (ex. propranolol), pois podem aumentar paradoxalmente a pressão arterial.

e-Prolongamento do intervalo QRS

Pode ocorrer com agentes que atuam inibindo os canais de sódio (ex. antidepressivos tricíclicos e antiarrítmicos classe 1A). O tratamento consiste em carga de sódio e alcalinização da urina: administrar 150 mEq de bicarbonato de sódio 8,4% em 850 mL de soro glicosado 5%, no total de 3 a 4 litros por dia.

f- Arritmias ventriculares

Realize manobras de ressuscitação cardiopulmonar, se necessário, e siga as instruções do SAVC para tratar as arritmias que o paciente apresentar, com exceção ao uso de procainamida nas suspeitas de intoxicação por antidepressivos tricíclicos e bloqueadores de canal de sódio.

6 – Alterações do estado mental

A -Coma e estupor Administrar glicose 50% nos pacientes com glicemia capilar menor que 70 mg/dL com prescrição de tiamina concomitante naqueles pacientes desnutridos ou alcoólatras. Manter a saturação de oxigênio acima de 92% através do aumento da oferta de oxigênio inalatório. Considere a administração de antídotos como naloxona e flumazenil. Se o paciente não conseguir proteger as vias aéreas ou apresentar escala de coma de Glasgow menor ou igual a 8, deve-seproceder a intubação orotraqueal. B -Convulsões As convulsões são manifestações muito freqüentes nas intoxicações ese caracterizam por contrações generalizadas, tônico-clônicas de músculos esqueléticos. Podem ser únicas e rápidas ou múltiplas e prolongadas, desencadeadas por ação direta do toxicante sobre o SNC (ex. inseticidas organoclorados, estricnina, etc.) ou em conseqüência de efeitos inespecíficos como hipocalcemia, hipoglicemia, hipoxia, edema cerebral e distúrbios hidroeletrolíticos,

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entre outros.

As convulsões generalizadas geralmente resultam em perda da consciência e, freqüentemente, são acompanhadas de injúria física (ex., mordedura da língua) e/ou incontinência fecal e urinária. Como complicações, as convulsões múltiplas ouprolongadas podem causar aspiração pulmonar do conteúdo gástrico, hipoventilação, hipóxia, acidose metabólica, hipertermia, arritmias cardíacas, rabdomiólise e morte súbita. Convulsões prolongadas ou insuficiência respiratória aguda e hipóxia podem resultar em déficit neurológico permanente.

Portanto, se as crises convulsivas forem prolongadas ou repetidas, é necessária intervenção medicamentosa urgente que segue os mesmos protocolos utilizados no tratamento das convulsões não tóxicas. Mas, deve-se evitar o uso de medicamentos que potencializam os efeitos depressores do toxicante para evitar problemas mais graves que a intoxicação. Os benzodiazepínicos, particularmente o diazepam, são os medicamentos de escolha no tratamento de urgência das crises convulsivas. Nas intoxicações em que as convulsões são intensas e freqüentes (por ex. nas intoxicações por organoclorados), podem ser necessárias doses relativamente elevadas de barbitúricos, o que representa risco para o paciente. Nesses casos, os benzodiazepínicos devem ser usados em doses maiores e repetidas com maior freqüência, pois mesmo assim, são bem mais inócuos que o barbitúricos

O protocolo de tratamento sugerido para adultos e crianças é o seguinte:

1 – proteger o paciente de auto-injúrias; remover próteses dentárias, se presentes; estabelecer vias aéreas livres e dar fluxo alto de oxigênio através de máscara; manter o equilíbrio hidroeletrolítico e o ambiente tranqüilo;

2 – colocar o paciente em posição lateral semi-inclinado e estabelecer acesso intravenoso;

3 – avaliar glicemia e administrar glicose EV;

4 – verificar e controlar a temperatura do paciente (se estiver acima de 40ºC).

5 – se houver suspeitas que as convulsões foram geradas por hipóxia devido à depressão respiratória causada por drogas narcóticas, deve-se administrar naloxano;

6 - Medicamentos recomendados:

a - durante o episódio convulsivo administrar diazepam ( 5 a 10mg de por via EV) podendo se repetir várias vezes, se necessário.

b - se as convulsões forem difíceis de serem controladas com grandes doses de benzodiazepínicos, os seguintes medicamentos devem ser considerados: Fenobarbital - 10 a 20mg/Kg EV lentamente (ex. 2mg/Kg/min.) e manter 100 mg ao dia com monitorização do nível sérico. Monitorar a pressão sangüínea e a freqüência cardíaca durante a infusão porque pode ocorrer hipotensão. É obrigatória a observação das condições respiratórias e pode ser necessária assistência ventilatória; Fenitoína - c omo alternativa ao fenobarbital, administrar 15 a 20mg/Kg em infusão lenta e manter 100mg de 8/8h com controle do nível

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sérico. Monitorar o ritmo cardíaco e a pressão sangüínea. Uma infusão rápida de fenitoína pode causar hipotensão aguda, bloqueio atrioventricular ou assistolia. (Observação: a fenitoína não é eficaz em pacientes com convulsões causadas por teofilina e pode ser perigosa em pacientes intoxicados por antidepressivos tricíclicos);

c - nas convulsões persistentes (status epilepticus): tentar benzodiazepínicos + fenobarbital + fenitóina. Se as convulsões persistirem, realizar intubação orotraqueal, deixar o paciente sob sedação contínua com midazolam EV e administrar um bloqueador neuromuscular não despolarizante (pancurônio, atracúrio, vecurônio).

7 – avaliar se há antídoto e, se houver, administrá-lo rapidamente;

8- avaliar se o toxicante é removível por diálise e indicá-la, se possível;

9- fazer o diagnóstico diferencial com causas não tóxicas: distúrbios metabólicos graves (hipoglicemia, hiponatremia, hipoclacemia, hipóxia); trauma craniano e lesão intracraniana; epilepsia idipopática; síndromes de abstinência; hipertemia de causa externa; infecções do SNC (meningite ou encefalite); pessoas que simulam doenças, histeria (pseudoconvulsões); movimentos anormais (discinesias, movimentos mioclônicos, reações distônicas); hiperatividade muscular e/ou rigidez; tetania ou tétano; fasciculações nas intoxicações por organofosforados e carbamatos.

10 - Observações importantes :

a - os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados durante a administração de medicamentos anticonvulsivantes para evidenciar a ocorrência de depressão respiratória e hipotensão;

b - se forem utilizados relaxantes neuromusculares para controlar a hiperatividade muscular, deve-se monitorar constantemente a atividade cerebral com EEG, porqueas convulsões podem continuar no SNC sem, no entanto, apresentarem manifestações externas;

c- os sinais vitais devem ser monitorados até o paciente estar completamente consciente e livre de convulsões;

d - durante as crises convulsivas são contra-indicadas as medidas provocadoras de vômitos e a lavagem gástrica.

C - Agitação, delírio ou psicose

Pode ser induzida pelo próprio agente tóxico (como o álcool e outras drogas de abuso, simpatomiméticos, entre outros), por patologias psiquiátricas pré-existentes ou por síndrome de abstinência. Esta condição pode ser tratada com:

• supressão de estímulos externos;

• contenção mecânica – para evitar auto-injúrias ou agressão a terceiros;

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• medir a temperatura corporal e resfriar o paciente, se necessário. Se a hipertermia ocorrer como resultado de uma atividade muscular intensa, indica-se a paralisia da musculatura esquelética;

• sedação farmacológica – para o tratamento de agitação induzida por agentes tóxicos, recomenda-se a administração de benzodiazepínicos (midazolam, lorazepam ou diazepam) associados, quando necessário, com neurolépticos (exemplo: haloperidol, mas com cuidado, pois aumenta o risco de distonia). Entretanto, sedativos e tranqüilizantes devem ser usados com cautela (deve-se optarpor drogas de ação curta e preferencialmente que tenha antagonista específico), pois podem potencializar ou mascarar a ação do agente tóxico. Se esta conduta forrealizada em ambiente pré-hospitalar, os efeitos da sedação devem ser avaliados antes da transferência do paciente. Nos casos de agitação associada com certas toxíndromes deve-se empregar agentes específicos como, por exemplo, fisostigmina para tratamento de síndromes anticolinérgicas.

7 - Outras complicações

a-Distonia, discinesia e rigidez

Inicialmente, recomenda-se medir a temperatura do paciente e tratar rapidamente a hipertermia se ela estiver presente.

O tratamento da distonia aguda é feito com a administração de biperideno 0,04mg/Kg por via EV, repetida até 4 vezes em 24 horas. Depois prossiga com este tratamento por via oral por 2 a 3 dias. Na falta de biperideno, pode-se empregar um agente anticolinérgico como a difenidramina na dose de 0,5 a 1mg/Kg (máximo de 50 mg pode dose) por via EV ou IM. Se não houver melhora satisfatória da contratura muscular e da ansiedade, pode-se administrar diazepam 0,1mg/Kg de peso por EV, lentamente e sob observação rigorosa para se evitar depressão respiratória.

Discinesia não deve ser tratada com agentes anticolinérgicos. Recomenda-se a administração um agente sedativo como o diazepam ( 0,1 a 0,2 mg/Kg por via EV) ou midazolam ( 0,05 a 0,1 mg/Kg EV).

Rigidez muscular também não deve ser tratada com agentes anticolinérgicos. Administre um sedativo como na discinesia ou uma droga específica como, por exemplo: cálcio, por via EV, nos acidentes por aranha do gênero Latrodectus ; dantrolene para hipertermia maligna; bromocriptina para Síndrome Neuroléptica Maligna (SNM).

b-Rabdomiólise

Hidratar o paciente (se ele encontrar-se desidratado) e estabelecer um volume urinário ( 3 a 5 mL/Kg/hora) com a administração de fluidos por via endovenosa. A diurese forçada é de fundamental importância para a prevenção de IRA causada pela mioglobinúria. Em casos rabdomiólise maciça acompanhada de oligúria deve-se considerar a administração de manitol (0,5 g/Kg) em bolus por via EV.

Alcalinize a urina adicionando 100 mEq de bicarbonato de sódio em cada litro de

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soro glicosado 5% (urina ácida promove a deposição de mioglobina nos túbulos).

Forneça cuidados intensivos, incluindo hemodiálise, se necessário, para falência renal aguda. A função renal regenera-se em 2 a 3 semanas.

c-Reações anafiláticas e anafilactóides

Trata-se de uma condição de absoluta emergência para internação e observação do paciente. O tratamento é direcionado para a manutenção da oxigenação e perfusão dos órgãos vitais mediante o bloqueio dos mediadores já liberados e da continuidade do processo. Adrenalina deve ser usada imediatamente e concomitante às medidas de emergenciais, ou seja, o ABC primário (vias aéreas, respiração e circulação). Anti-histamínicos (inibidores H1 e H2 ) também podem ser usados como coadjuvantes no tratamento de emergência. Corticosteróides devem ser administrados para reduzir a duração e a intensidade das reações e não com o objetivo de tratar a emergência.

Encaminhamento do paciente: dar alta ou internar o paciente?

Todos os pacientes admitidos em um serviço de saúde com história de exposições a substâncias tóxicas, devem ser observados no mínimo por 6-8 horas antes de receber alta ou serem transferidos para outros serviços (ex. apoio psicológico, hospital psiquiátrico, etc.). Avalie bem o caso, pois algumas substâncias possuem efeitos tardios ou podem continuar a ser absorvidas (especialmente nas preparações com coberturas entéricas ou de liberação lenta) e nesses casos, pode ser necessário um período maior de observação. Portanto, apesar do paciente estarassintomático no momento da admissão, ele poderá evoluir com complicações e necessitar de nova internação. Se houver disponibilidade para a determinação dos níveis séricos do agente tóxico, dosagens repetidas devem ser realizadas para certificar-se da diminuição esperada das concentrações sangüíneas antes de liberaro paciente.

Muitos pacientes intoxicados necessitam de observação rigorosa e até de tratamento intensivo em UTI, dependendo do potencial da intoxicação evoluir com complicações cardiorrespiratórias. A transferência para um serviço de maior complexidade deve ser feita com atenção especial, em ambulância equipada e com o acompanhamento de um profissional capacitado para atender eventuais intercorrências. Mesmo que o paciente se apresente estável, ele pode evoluir com insuficiência respiratória, arritmias cardíacas, convulsões, aspiração pulmonar e atémesmo óbito durante o transporte.

As tentativas de suicídio juntamente com as ingestões de álcool e abuso de outras drogas constituem as principais ocorrências toxicológicas intencionais. Ingestões repetidas em adultos requerem acompanhamento para avaliar a intencionalidade.

Todos os pacientes admitidos com histórias de tentativas de suicídio, abuso de drogas ou portadores de distúrbios psiquiátricos devem receber, precocemente, suporte social e psiquiátrico. Não é apropriado dar alta a um paciente com ideação suicida sem uma cuidadosa avaliação psiquiátrica para evitar óbitos e para o reconhecimento dos riscos de novas tentativas. Esses pacientes devem ser

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rigorosamente observados (no mínimo, por 72 horas) e, posteriormente devem ser encaminhados para serviços de tratamento e recuperação especializados. Pacientes que telefonam de casa após ingestões intencionais devem sempre ser encaminhados a um serviço de emergência para avaliação clínica e psiquiátrica.

Acompanhe o paciente até a resolução completa do caso para preenchimento e encerramento da ficha de notificação.

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Exposições não tóxicas

Embora no Brasil não existam dados publicados oficialmente, uma grande parcela dos atendimentos realizados pelos CIAT’s são classificados como exposições não tóxicas. Dessa forma, uma das habilidades mais importantes para os profissionais de saúde (médicos emergencistas, profissionais da equipe do programa de saúde da família, especialistas em informações toxicológicas e toxicologistas) é a capacidade de reconhecer e triar adequadamente uma exposição que não resultará em intoxicação.

Este conhecimento, certamente, permitirá que a avaliação, observação e acompanhamento do paciente sejam feitos fora de um ambiente hospitalar, o que resultará em redução de custos e de riscos para o paciente (especialmente na realização de procedimentos invasivos como colheita de exames laboratoriais e lavagem gástrica).

As exposições não tóxicas podem ser classificadas em duas categorias:

1ª – a substância não é absorvida (em qualquer dose) pela via em que ocorreu a exposição: nessa situação, requer-se que a identificação absoluta da substância ou produto e a via de exposição sejam estabelecidas pela história clínica do paciente. Esta última informação é de extrema importância porque uma substância inofensiva, em qualquer quantidade, por uma via de exposição (dérmica, oral, inalatória, etc), pode ser tóxica se introduzida por outra via.

O exemplo clássico é o uso do talco que não apresenta problemas nas aplicações dérmicas ou ingestões não intencionais. Entretanto, se durante a aplicação ou ingestão o paciente aspirar o pó, complicações pulmonares graves poderão se desenvolver.

2ª – exposição a doses não tóxicas: nesse caso, deve-se estabelecer com certeza se a exposição ocorreu em quantidades não tóxicas de uma substância ou produto potencialmente tóxico.

Quando uma exposição pode ser considerada não tóxica?

Para definir se uma exposição não determinará um quadro de intoxicação, é necessário obter-se uma boa história clínica do paciente sobre a exposição, com informações completas e confiáveis e que a quantidade estimada seja significativamente menor que a dose tóxica.

Para que a exposição seja considerada não tóxica devem ser observados os seguintes critérios resumidos no quadro apresentado a seguir.

Critérios gerais para classificar uma exposição como não tóxica

1. identificação absoluta da substância ou produto

2. exposição a um único produto

3. a circunstância é acidental, o paciente não é suicida ou não sofreu abuso ou negligência

4. a história é confiável e permite identificar a quantidade

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5. a história permite a determinação da via de exposição

6. o paciente está assintomático

7. o rótulo ou embalagem não contém palavras ou sinais indicativos de perigo ou de potencial toxicidade

8. possibilidade de acompanhamento do paciente

1- Identificação do produto

Todos os ingredientes do produto devem ser conhecidos e avaliados quanto à toxicidade. Nos atendimentos telefônicos, o nome do produto e de seus componentes deve ser soletrado corretamente, pois embora as embalagens sejam similares, elas podem conter combinações diferentes de substâncias que, por sua vez apresentarão toxicidade diversa.

O ano de fabricação é outro dado importante, pois muitas formulações sofrem modificações sem a alteração do nome comercial do produto. A forma de apresentação também pode fornecer informações sobre a concentração do produto (as substâncias sólidas ou cristalizadas são, em geral, mais concentradas que as apresentações líquidas).

Outra preocupação envolve os produtos comercializados ilegalmente sob a forma de medicamentos, produtos fitossanitários, produtos de higiene e limpeza domésticos, cosméticos, entre outros. Nesses produtos, a rotulagem, geralmente não discrimina a composição e concentração do produto, ou ainda, contém informações falsas. Além disso, muitos produtos são envasados em recipientes inadequados ou em vasilhames reaproveitados (como os de agrotóxicos ou garrafas tipo “PET”) e que podem contribuir para um maior risco de intoxicações.

A transferência de produtos da embalagem original para outra pode dificultar a coleta de informações adequadas para a identificação do produto.

Na presença de sinais e sintomas não esperados ou incompatíveis com a história ou o produto pode-se considerar erros de produção, de rotulagem ou mesmo de adulteração do produto.

Se as informações colhidas na história não são consistentes e confiáveis, a exposição não deve ser considerada como não tóxica.

2- Exposição a um único produto

Para uma exposição ser considerada não tóxica deve-se ter segurança absoluta de que somente um produto está envolvido. A exposição a misturas de substâncias possibilita a ocorrência de interações de efeitos, sendo que muitas combinações não são ainda reconhecidas.

Na ocorrência de exposição a múltiplos produtos a conduta recomendada é para que a avaliação clínica do paciente seja feita em um serviço de saúde.

3- Circunstância acidental

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Em adultos, os acidentes ocorrem por erro terapêutico, interações medicamentosas,exposição ocupacional, ambiental e alimentar. A maioria das ingestões de substâncias químicas por adultos é resultante de uso indevido, abuso ou tentativa de suicídio e, nessas circunstâncias, a exposição não deve ser classificada como não tóxica e o paciente deve ser avaliado clinicamente em serviço de saúde.

4- Quantidade do produto

É necessário estabelecer com boa aproximação a relação entre a quantidade da substância ingerida/exposta e o conteúdo da embalagem, pois a dose relaciona-se diretamente à toxicidade do produto. Através da obtenção confiável da quantidade do produto é possível estabelecer se a exposição não é tóxica.

Quanto maior for a toxicidade do produto, mais precisa deverá ser a determinação da dose (menor deve ser a margem de erro).

5- Via de exposição

A via de exposição deve ser estabelecida adequadamente através da história. O grau de toxicidade é altamente dependente da via pela qual o paciente teve contato ao produto. Por exemplo, produtos de uso doméstico como os alvejantes, os detergentes ou as colas plásticas não produzem quadros de intoxicação nas exposições dérmicas e determinam quadros clínicos discretos nos casos de exposição oral. Entretanto, podem causar problemas graves por inalação e no contato ocular. Assim, no estabelecimento de uma exposição não tóxica, deve ser feito um questionamento cuidadoso para excluir a possibilidade de múltiplas vias de absorção.

6- Ausência de sintomas

A presença de sintomas atribuídos à exposição sugere a possibilidade de efeitos tóxicos e indicam a necessidade de avaliação clínica. Nesses casos, a exposição não deve ser classificada como não tóxica, mas não significa que o paciente deve ser automaticamente encaminhado para um serviço de saúde. Quando os sintomas são mínimos (sem gravidade) e é possível estabelecer que o paciente não terá complicações, a avaliação clínica posterior será desnecessária. Porém, se os sintomas representam ou indicam possibilidade de evolução para quadros de maior gravidade ou complicações, é necessário o encaminhamento imediato do paciente para um serviço de emergência.

Quando não houver possibilidade de determinar, de forma confiável, o quadro clínico do paciente, recomenda-se que o mesmo seja encaminhado para um serviço de emergência.

7- Rótulo sem indicação de periculosidade

O rótulo do produto não deve conter palavras ou sinais que indicam perigo potencial de toxicidade. Os pacientes expostos a produtos contendo esses indicativos na rotulagem requerem encaminhamento para serviços de emergência capacitados para fornecer suporte básico e avançado.

Uma exposição a um produto que não apresenta indicação de periculosidade no

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rótulo não deve ser classificada automaticamente como não tóxica.

8- Acompanhamento do paciente

Apesar da observação cuidadosa dos critérios necessários para classificar uma exposição como não tóxica, sempre há a possibilidade de erros de julgamento. Por isso, a opção de avaliar o paciente fora de um serviço de saúde somente deverá ser feita se houver a possibilidade de acompanhamento do paciente e, assim, assegurar que ele continua assintomático ou que os sintomas mínimos desapareceram. Nesses casos, um adulto (que não seja o próprio paciente) deverá se responsabilizar para contatar o médico ou o serviço que presta a assistência e fornecer informações adicionais sobre a história e as condições clínicas do paciente. É extremamente importante que essa pessoa seja confiável (principalmente nas intoxicações em crianças) e tenha capacidade para compreender e concordar com os procedimentos necessários para monitorar o paciente. Se houver falhas nessa comunicação, o paciente deverá ser encaminhado para um serviço de saúde.

A Tabela 36 apresenta uma relação de produtos de baixa toxicidade, exceto se ingeridas em grande quantidade.

Tabela 36 - Produtos de baixa toxicidade, exceto em grandes ingestões

Medicamentos

antiácidos contraceptivos orais

antibióticos de uso tópico glicerina

calamina loção laxantes

corticosteróides óleo mineral

Produtos cosméticos ou de higiene pessoal

água de banho esmalte para unhas

água perfumada lápis para supercílios

base para rosto laquê

batom loções e colônias (depende do conteúdo de álcool)

brilhantina para cabelos óleo de banho

condicionador para cabelos pintura para maquiagem

creme anti-sarda pomadas em geral

creme de barbear produtos para bebês (óleo, sabonetes, lenços umedecidos, xampu, loções sem álcool)

creme dental sabões e sabonetes

cremes para mãos e corpo talco

desodorantes (depende da concentração de álcool)

xampu (sem parasiticidas ou medicamnetos)

Produtos de uso doméstico

adoçante artificial lápis (de cera, de cor, crayon)

borracha massa de modelagem (massinha)

carvão papel crepon

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colas (branca, goma arábica, super bonder)

termômetro (o mercúrio elementar não é tóxico por via oral)

esparadrapo tinta de caneta esferográfica e tinta à base água

giz vaselina

grafite vela

Produtos de uso industrial

cola de papel de parede massa de vidraceiro

cola plástica (pvc) tinta latex

Miscelânia

adesivos plásticos graxa para sapatos

aditivos de aquário incenso

água colorida de brinquedos jornal

cera dentária líquido para bolsa de gelo

cinza de madeira lixa para unhas

cigarro/xaruto odorizantes de ambiente

desumidificadores (sílica gel) papel alumínio

detritos de animais (risco de infecção bacteriana ou parasitária)

ração para animais (gatos, cães e peixes)

fermento químico (para bolo/pão) saches

fósforos (até 20 palitos) superfície para riscar fósforo

goma de mascar verniz

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Intoxicações na infância

A maioria das intoxicações não intencionais envolve crianças menores de 5 anos. Crianças pequenas, por natureza são mais curiosas e, por estarem na fase oral do desenvolvimento têm a tendência de colocar substâncias e objetos na boca. Além disso, não sabem ler se o produto é perigoso, imitam os adultos e o fator mais importante é que os produtos são deixados em local ao seu alcance. Felizmente, muitas dessas ocorrências resultam da ingestão de substâncias de baixa toxicidade ou da exposição a um agente potencialmente tóxico, porém em baixas doses.

As ingestões em crianças com menos de 6 meses ou naquelas com mais de 5 anos devem ser vistas com suspeitas. Muitas vezes, os pais ou outros adultos administram intencionalmente drogas sedativas ou tranqüilizantes para controlar o comportamento da criança.

Superdosagens ou intoxicações intencionais podem acontecer em crianças e adolescentes com problemas psíquicos ou que sofreram abuso físico ou sexual. Portanto, nas intoxicações infantis é importante considerar também a possibilidade de ocorrência não acidental.

Considere a possibilidade de abuso ou negligência nas seguintes situações:

- história sem sentido, muda toda hora ou pessoas diversas contam versões diferentes; - intoxicações em crianças com menos de 6 meses de idade. Investigar cuidadosamente como a criança teve acesso à substância; - crianças com mais de 4 ou 5 anos. A partir dessa faixa etária, não são comuns ingestões acidentais; - quando a substância ingerida for um tranqüilizante (ex. haloperidol ou clorpromazina), uma droga de abuso (cocaína ou heroína), um sedativo (diazepam) ou etanol; - longo intervalo de tempo entre a ingestão e a chegada ao hospital para avaliação clínica; - existência de sinais de abuso físico ou sexual ou negligência: múltiplas escoriações, queimaduras, traumatismos, falta de cuidados higiênicos, comportamento inadequado ou indiferente; - história de intoxicações repetidas ou de abuso prévio; - síndrome de Munchausen por procuração: drogas ou toxinas são administradas às crianças para simular uma doença. São atos cometidos, em geral por mães que possuem certos conhecimentos.

Notifique as suspeitas de possíveis envenenamentos, abusos ou negligência dos pais ou guardiões legais às autoridades competentes (trata-se de uma obrigação legal). Nesses casos, a situação social deve ser investigada.

As crianças são mais vulneráveis que os adultos às intoxicações em função dos aspectos toxicocinéticos, toxicodinâmicos e das condições de exposição. Os fatores cinéticos são particularmente importantes no período pós-natal devido à imaturidade do sistema excretor e da redução de enzimas metabolizadoras. Portanto, em neonatos a absorção, a distribuição, a biotransformação e a excreção de drogas ocorrem de modo diferente dos adultos e crianças mais velhas. Essa

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suscetibilidade pode prevalecer por longo tempo, acompanhando o desenvolvimento e maturação orgânica. Assim, dosagem incorreta, passagem pelo leite materno durante a amamentação, absorção pela pele são circunstâncias que favorecem intoxicações nessa fase.

Ainda com relação aos neonatos é importante destacar a abstinência de drogas emcrianças que foram cronicamente expostas a drogas ilícitas no período pré-natal. Ocomeço dos sintomas costuma aparecer nas primeiras 72 horas, mas existem relatos de casos de crianças que apresentaram sintomas até 14 dias depois do nascimento. Os sinais surgem no berçário e as crianças não devem ser liberadas até estarem estáveis. Os sintomas podem ser leves como cólicas, ou graves como diarréia profusa e convulsões.

Embora as condutas (avaliação física e laboratorial) na abordagem da criança intoxicada sejam as mesmas realizadas no adulto, o atendimento deve ser feito por um pediatra porque alguns dados e sinais vitais variam de acordo com a faixa etária. Nas intoxicações acidentais é importante que o pediatra ou a equipe de saúde oriente a família quanto às noções básicas de prevenção, ressaltando para não realizar nenhum procedimento em casa e buscar sempre informações, a qualquer hora, nos CIAT’s, e que essas informações sejam repassadas também às pessoas que cuidam da criança.

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Intoxicações em gestantes

É prudente avaliar a possibilidade de gravidez em todas as mulheres em idade fértil, principalmente nas intoxicações intencionais em adolescentes, visto que uma gravidez indesejada pode a causa da tentativa de suicídio.

O tratamento das intoxicações em gestantes merece cuidados especiais, pois os agentes químicos que apresentam características necessárias para transpor as membranas celulares também atravessam a barreira placentária. Dentre os agentes que apresentam grande periculosidade para o concepto, devido às múltiplas formas com que entram em contato com a gestante e à facilidade de introdução no organismo materno, encontram-se os fármacos, os agrotóxicos, os contaminantes ambientais, os produtos de usos industrial e doméstico e os aditivos alimentares. Entretanto, dentre essa imensa gama de substâncias conhecidas, apenas poucas dezenas delas são comprovadamente teratogênicas (Tabela 37).

Tabela 37 - Substâncias reconhecidamente teratogênicas para o homem

ácido valpróico lítio

agentes alquilantes (bissulfano, ciclofosfamida) mercúrio orgânico

anticoagulantes cumarínicos misoprosol

antitireoidianos monóxido de carbono

Dietiestilbestrol (DES) sulfeto mercúrico

difenilpoliclorados talidomida

dissulfiram tetraciclinas

fenitoína tretinoina (ácido retinóico)

heparina trimetadiona

hormônios androgênicos

Quando uma gestante se expõe a um agente químico, o organismo embriofetal não é o alvo primário e sim o secundário da substância em questão, e seu efeito sobre esse organismo dependerá da fase do ciclo reprodutivo em que ocorrer a exposição.

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Intoxicações em idosos

Assim como as crianças, pacientes idosos são biologicamente mais suscetíveis às intoxicações. Mudanças na composição corporal (aumento do tecido adiposo, aumento do pH gástrico e diminuição dos níveis de proteínas plasmáticas) e a função reduzida de vários sistemas fisiológicos (diminuição da síntese de enzimas metabolizadoras e decréscimo na capacidade de filtração glomerular), próprias do envelhecimento, aumentam essa vulnerabilidade, por alterar o comportamento cinético da maioria das substâncias químicas no organismo.

Pacientes idosos geralmente recorrem a um grande número de médicos especialistas, o que favorece o uso excessivo de medicamentos, com resultados quase sempre desastrosos. Dessa forma, muitas vezes, medicamentos são prescritos sem que haja uma clara correlação entre a doença e a ação farmacológica, fato preocupante principalmente do ponto de vista toxicológico, uma vez que pacientes com mais de 60 anos são juntamente com as crianças, os mais propícios às intoxicações medicamentosas.

Analgésicos, medicamentos cardiovasculares, hipoglicemiantes orais, antidepressivos e outros fármacos psicoativos (barbitúricos, antipsicóticos), relaxantes musculares, antiarritmicos e antibióticos são os fármacos mais freqüentemente envolvidos nas intoxicações em idosos.

Entre os principais motivos de intoxicação não intencional em pacientes geriátricos destacam-se a ingestão de altas doses por descuido (negligência, esquecimento), a identificação confusa do medicamento (por dificuldades visuais e auditivas), a via incorreta de administração e o armazenamento impróprio.

As tentativas de suicídio também são importantes nesse grupo etário assim como a ocorrência de interações medicamentosas. Esse é, na verdade, um dos problemas mais graves relacionados ao uso de medicamentos por pacientes idosos cujos efeitos indesejados são cada vez, mais freqüentes pelo número cada vez maior de fármacos aos quais esses pacientes estão expostos e também pelo fato de que outros medicamentos que já estão sendo utilizados nem sempre são mencionados ao médico. Pacientes idosos também apresentam reações adversas muito mais freqüentemente que os jovens.

Ao prescrever medicamentos a um paciente idoso o clínico deve estar atento e:

- indicar somente os fármacos necessários e que apresentem menor incidência de efeitos colaterais; - avaliar a adequação da dose em função de possíveis alterações do estado fisiológico do paciente, com avaliação das funções renal e hepática no momento; - verificar a forma farmacêutica mais apropriada; - observar se a embalagem é a mais indicada para o idoso, levando em conta suasdificuldades; - evitar, sempre que possível, o uso de medicamentos para o tratamento de efeitos colaterais de outros fármacos; - considerar sempre a possibilidade de interação com substâncias que o paciente possa estar utilizando (por exemplo fitoterápicos, fármacos de venda não controlada, sobras de medicamentos guardados em casa ou obtidos com amigos);

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-indicar associações de medicamentos somente quando forem lógicas e bem estudads; - tentar verificar se o paciente aceita e segue corretamente o tratamento.

Portanto, as medidas de prevenção dessas ocorrências devem ser orientadas no sentido de controle da prescrição de medicações para pacientes idosos e também da dispensação (momento em que devem ser reforçadas e complementadas as instruções fornecidas pelo médico).

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Consulta a um Centro de Informação e Assistência Toxicológica: 0800 722 6001

Sempre que necessário, os CIAT’s deverão ser acionados pelos profissionais de saúde visando melhor orientação para determinar a necessidade de observação ou internação do paciente, administração de antídotos ou terapia medicamentosa, indicação de exames laboratoriais adequados ou de métodos que possibilitam o aumento da eliminação do agente tóxico. A disponibilização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), de um 0800 único para todos os Centros, facilita o acesso regional a esses serviços. A ligação é gratuita. O usuário será atendido por uma das 36 unidades da Rede Nacional de Centros de Informação e assistência Toxicológica (RENACIAT). Entretanto, a consulta deverá ser feita após a avaliação inicial do paciente e instituição das medidas emergenciais.