toxicologia aplicada

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1/15 ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mX.quelantes.htm Módulos Introdutórios Módulos Básicos Módulos Específicos Avaliação MÓDULO X Envenenamento por Metais Introdução As medidas terapêuticas em Toxicologia clínica estão divididas em etapas ou fases, não necessariamente isoladas ou seqüenciais, podendo ser indicadas simultaneamente conforme cada caso. Dependendo da via de absorção principal, as medidas de desintoxicação variam. A ingestão de sais de metais que podem ser cáusticos ou lesivos à mucosa gastrintestinal contra- indica o vômito provocado, como no caso de soluções concentradas de sais inorgânicos de mercúrio. O carvão ativado tem a propriedade de adsorver diversas substâncias químicas, retirando-as do contato com a mucosa gastrintestinal e impedindo assim sua absorção. Porém, não existem trabalhos mostrando eficácia em casos de ingestão de metais. A lavagem gástrica que se usa no caso de substâncias ingeridas há menos de 1 hora ou há mais tempo no caso do estômago estar com alimentos no momento da ingestão, tem o inconveniente de facilitar a aspiração pulmonar do conteúdo da lavagem, além de causar lesões mecânicas da faringe e esôfago pela passagem da sonda. Com relação à ingestão de sais de metais, há que se levar em consideração o efeito do sal específico na mucosa do tubo digestivo, analisando-se o risco de sangramento durante o procedimento, como no caso de ingestão de sais de arsênio ou de mercúrio nas tentativas de suicídio. A irrigação intestinal total (whole bowel irrigation) pode ser uma medida terapêutica associada ao uso de quelantes em casos de ingestões de grandes quantidades de metais, como o chumbo, na forma de óxidos. No caso específico de ingestão de metais ou metalóides como o arsênio, é de importância o conhecimento da forma química do contaminante, pois existem diferenças marcantes quanto às taxas de absorção pela mucosa digestiva segundo que se trate de metais na forma metálica com valência zero, sais inorgânicos (com diferenças entre si, conforme a valência), ou compostos orgânicos alquilados. Outras medidas terapêuticas após ingestão, inalação ou absorção dérmica de metais ou de metalóides incluem o aumento da excreção renal e/ou o impedimento ou diminuição da distribuição a partir da corrente sangüínea, utilizando-se técnicas de hemodiálise e hemoperfusão. Estas últimas têm pouca indicação no caso dos metais. O aumento da excreção urinária é procedimento pouco eficaz, mas que deve ser sempre lembrado no sentido de ao menos não se negligenciar e garantir a diurese adequada em pacientes que possam ter quadro de redução do conteúdo intravascular por efeito da intoxicação, como no caso da intoxicação por arsênio. Nesse mesmo sentido, a diurese adequada e a correção de eventual desidratação devem preceder qualquer medida terapêutica específica, como o uso de drogas quelantes. Tratamento quelante O método mais eficaz de tratamento de intoxicações por metais de que se dispõe é a quelação. O termo “quelação” provém do inglês “chelation”, que por sua vez vem do grego, a partir de khélê, que significa pinça ou mandíbula. O latim também fornece “chêle”, derivado do grego, significando “os braços da constelação de escorpião”. Assim, o sentido do termo usado em química está ligado à ação de pinçar, agarrar, e é utilizado como o processo de transformação de uma substância (o quelante) e um metal qualquer num quelato, que é um complexo químico no qual o metal é «pinçado» ou «agarrado» quimicamente, numa ligação covalente com o agente quelante. A valiação do Módulo I Avaliação do Módulo II Avaliação do Módulo III Avaliação do Módulo IV A valiação do Módulo V Avaliação do Módulo VI Avaliação do Módulo VII Avaliação do Módulo VIII Avaliação do Módulo IX A valiação do Módulo X Avaliação do Módulo XI Avaliação do Módulo XII

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Módulos Introdutórios Módulos Básicos Módulos Específicos Avaliação

MÓDULO X

Envenenamento por Metais

Introdução

As medidas terapêuticas em Toxicologia clínica estão divididas em etapas ou fases, nãonecessariamente isoladas ou seqüenciais, podendo ser indicadas simultaneamente conforme cadacaso.

Dependendo da via de absorção principal, as medidas de desintoxicação variam.

A ingestão de sais de metais que podem ser cáusticos ou lesivos à mucosa gastrintestinal contra-indica o vômito provocado, como no caso de soluções concentradas de sais inorgânicos demercúrio. O carvão ativado tem a propriedade de adsorver diversas substâncias químicas,retirando-as do contato com a mucosa gastrintestinal e impedindo assim sua absorção. Porém,não existem trabalhos mostrando eficácia em casos de ingestão de metais.

A lavagem gástrica que se usa no caso de substâncias ingeridas há menos de 1 hora ou há maistempo no caso do estômago estar com alimentos no momento da ingestão, tem o inconvenientede facilitar a aspiração pulmonar do conteúdo da lavagem, além de causar lesões mecânicas dafaringe e esôfago pela passagem da sonda. Com relação à ingestão de sais de metais, há que selevar em consideração o efeito do sal específico na mucosa do tubo digestivo, analisando-se orisco de sangramento durante o procedimento, como no caso de ingestão de sais de arsênio ou demercúrio nas tentativas de suicídio.

A irrigação intestinal total (whole bowel irrigation) pode ser uma medida terapêutica associada aouso de quelantes em casos de ingestões de grandes quantidades de metais, como o chumbo, naforma de óxidos.

No caso específico de ingestão de metais ou metalóides como o arsênio, é de importância oconhecimento da forma química do contaminante, pois existem diferenças marcantes quanto àstaxas de absorção pela mucosa digestiva segundo que se trate de metais na forma metálica comvalência zero, sais inorgânicos (com diferenças entre si, conforme a valência), ou compostosorgânicos alquilados.

Outras medidas terapêuticas após ingestão, inalação ou absorção dérmica de metais ou demetalóides incluem o aumento da excreção renal e/ou o impedimento ou diminuição da distribuiçãoa partir da corrente sangüínea, utilizando-se técnicas de hemodiálise e hemoperfusão. Estasúltimas têm pouca indicação no caso dos metais. O aumento da excreção urinária é procedimentopouco eficaz, mas que deve ser sempre lembrado no sentido de ao menos não se negligenciar egarantir a diurese adequada em pacientes que possam ter quadro de redução do conteúdointravascular por efeito da intoxicação, como no caso da intoxicação por arsênio. Nesse mesmosentido, a diurese adequada e a correção de eventual desidratação devem preceder qualquermedida terapêutica específica, como o uso de drogas quelantes.

Tratamento quelante

O método mais eficaz de tratamento de intoxicações por metais de que se dispõe é a quelação. Otermo “quelação” provém do inglês “chelation”, que por sua vez vem do grego, a partir de khélê,que significa pinça ou mandíbula. O latim também fornece “chêle”, derivado do grego, significando“os braços da constelação de escorpião”. Assim, o sentido do termo usado em química está ligadoà ação de pinçar, agarrar, e é utilizado como o processo de transformação de uma substância (oquelante) e um metal qualquer num quelato, que é um complexo químico no qual o metal é«pinçado» ou «agarrado» quimicamente, numa ligação covalente com o agente quelante.

Avaliação do Módulo I

Avaliação do Módulo II

Avaliação do Módulo III

Avaliação do Módulo IV

Avaliação do Módulo V

Avaliação do Módulo VI

Avaliação do Módulo VII

Avaliação do Módulo VIII

Avaliação do Módulo IX

Avaliação do Módulo X

Avaliação do Módulo XI

Avaliação do Módulo XII

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«pinçado» ou «agarrado» quimicamente, numa ligação covalente com o agente quelante.Quimicamente, o quelato é um sal ou íon complexo, no qual os ligantes se coordenam com o íonou átomo do metal através de duas ou mais ligações covalentes, na forma de anel.

O uso de agentes quelantes na terapêutica de intoxicações por metais desenvolveu-se a partir dosanos 40. O método de administrar-se agentes quelantes rapidamente excretáveis pelos rins,visando aumento na eliminação de metais, foi explicitado pela primeira vez em 1942, a propósitodo uso de citrato iônico no tratamento de intoxicação por chumbo. Nessa mesma década, em1946, foram publicados os primeiros resultados do uso de um agente quelante, o 2,3-dimercaptopropanol (BAL), no tratamento de intoxicação por arsênio. Desde então, vários outrosagentes têm sido sintetizados e colocados em teste clínico após estudos experimentais de eficáciae efeitos colaterais.

Os metais parecem exercer seus efeitos tóxicos através da ligação com um ou mais grupamentosreativos de enzimas e proteínas constituintes da estrutura ou do metabolismo normais. Osagentes quelantes, também chamados de antídotos, são compostos que competemespecificamente com esses grupamentos promovendo a ligação química do metal consigo e nãocom as enzimas ou proteínas normais. Os metais podem reagir com os seguintes grupamentos

contidos em enzimas: -OH, -COO-, -OPO3H, >C=O, -SH; -S-S-, -NH2 e >NH. Um agente quelante

possui dois ou mais desses grupamentos em sua estrutura química, permitindo a ligação covalentedo cátion metálico, formando um anel heterocíclico bastante estável, que será então eliminado,sem sofrer biotransformação significativa, através da urina.

Essa estabilidade química vai variar de acordo com o metal e com o agente quelante. O chumbo e omercúrio, por exemplo, têm maior afinidade pelos grupamentos contendo enxofre do que pelosgrupamentos contendo oxigênio.

Os agentes quelantes são relativamente inespecíficos, mas dependendo da afinidade químicaexistem diferenças de eficácia que podem ser significativas clinicamente.

A eficácia de um agente quelante vai depender de pelo menos três fatores:

a) a afinidade química pelo metal causador da intoxicação; b) as características toxicocinéticas (coeficiente de partição; passagem por membranas;passagem por barreiras hematoencefálica e placentária, por exemplo);c) a capacidade de excreção do complexo quelado (quelato).

O quelante ideal deve preencher alguns pré-requisitos importantes:

- ter alta hidrossolubilidade (para garantir máxima excreção urinária do quelato);- não sofrer biotransformação significativa;- ter boa distribuição através dos tecidos orgânicos, onde o metal tóxico possa estardepositado ou agindo;- ter especificidade de ligação com o metal em questão e pouca ou nenhuma afinidadecom metais essenciais como zinco, ferro, cobre, magnésio, manganes;- ter pouca afinidade com o cálcio, por risco de produzir hipocalcemia clínica;- ter capacidade química de formar um quelato estável no pH dos diversoscompartimentos corpóreos;- ter boa taxa de excreção renal (ou eventualmente, hepatobiliar);- ter baixo índice de efeitos colaterais nas doses terapêuticas.

Metais endógenos são componentes integrais de muitos dos sistemas enzimáticos. Estima-se quecerca de um terço das enzimas participantes de nosso metabolismo contêm um íon metálicoenvolvido em processos catalíticos ou funcionando como co-fator durante a atividade enzimática.Da mesma forma, tem-se demonstrado com freqüência e boa reprodutibilidade, que deficiências dedeterminados metais resultam em condições patológicas que são revertidas com o suprimentoterapêutico ou dietético dos mesmos. Os quelantes hoje disponíveis para uso terapêutico sãoinespecíficos, quelam metais essenciais com maior ou menor afinidade e devem ser analisadosquanto ao desempenho em eficácia e tempo de uso, frente a esse aspecto de depleção de metaisessenciais, como veremos adiante com cada um deles.

Atualmente, dispõe-se de cerca de 10 quelantes em uso terapêutico e um em situaçõesexperimentais de investigação. O Quadro 1 traz a lista deles com suas respectivas aplicações adeterminados metais e outras situações clínicas, conforme eficácia clínica estabelecida.

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Quadro 1 – Principais quelantes em uso clínico terapêutico e suas respectivas indicações

Agente quelante(nome científico) e [nome comercial]

Metais quelados e outros usosterapêuticos

1. Dimercaprol (BAL) ou (2,3-dimercaptopropanol) As, Hg, Pb, Au

2. DMPS (ácido dimercapto propanil-1- sulfônico) [Dimaval®; Unithiol®] As, Hg, Pb

3. DMSA (ácido dimercaptosuccínico) [Chemet®; Succimer®] Pb, As, Hg, Al

4. (D-penicilamina) [Cuprimine®; Depen®] Cu, Pb, As, Hg, AuDoença de Wilson, cirrose biliar

5. EDTACaNa2 (ácido etilenodiamino- tetracético cálcico dissódico)

[Versenato de Ca]Pb

6. Desferoxamina (mesilato de desferoxamina) [Desferal®; DFO] Fe

7. (N-acetilcisteina) [Acetilcisteina; N-acetil; Mucomyst®] Hg, Co, Acetoaminofen

8. (N-acetil-D,L-penicilamina) Hg

9. Azul da Prússia (Fe4[Fe(CN)6]3) [Ferrocianeto férrico; Ferrocianeto

de K] 137Cs, Ta

10. (Dihidrocloreto de trientina) [Trientina®; Trien®] Cu, Doença de Wilson

11. DTPACaNa3 (ácido dietilenoamino- pentacético cálcico trissódico) 239Pu

FONTE: Modificado de ANGLE, 1995.

1. Dimercaprol (BAL) ou 2,3-dimercaptopropanol

Trata-se do primeiro agente quelante utilizado no arsenal terapêutico das intoxicações por metaisou metalóides. Foi desenvolvido e sintetizado na década de 40, por encomenda do governobritânico, como antídoto para os gases de guerra arsenicais utilizados na primeira grande guerra,especificamente o lewisite (um líquido vesicante derivado da arsina, o diclorovinil arsina), assimnomeado em honra a W. L. Lewis, famoso químico norte-americano. Essa substância é um potenteprodutor de dermatite com vesículas (vesicante), além de produzir efeitos sistêmicos tóxicos.

Tentando identificar o mecanismo de ação desse agente, determinou-se que aligação química base da ação tóxica era do arsênio com grupamentos -SH deenzimas e proteínas, causando a lesão dermatológica vesicante e os efeitossistêmicos. Assim, a síntese de possíveis antídotos à base de enxofre levou àdescoberta do ditiol 2,3-dimercaptopropanol, que foi apelidado então de Britishanti-lewisite (BAL) pelos norte-americanos, em honra à nacionalidade de seusdescobridores.

Figura 1: Estrutura química do 2,3-dimercaptopropanol (BAL), ou

dimercaprol e configuração do complexo (quelato) com

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dimercaprol e configuração do complexo (quelato) como arsênio se ligando aos dois grupamentos sulfidrilada molécula formando um anel estável.

Essa molécula combina-se com o arsênioformando um quelato estável em forma de anel,excretável pelos rins. Trabalhos têm mostradoque o BAL forma quelatos com vários metais:mercúrio inorgânico, arsênio, antimônio, níquel,bismuto, cádmio, cromo, cobalto e ouro. Formarquelatos quimicamente estáveis não quer dizerquer o quelante seja uma boa opção terapêuticapara aquele metal específico. Exemplo desse princípio é o caso do cádmio, que apresenta grandeafinidade química com o BAL, mas estudos experimentais mostraram aumento da toxicidade renalpelo próprio cádmio, quando do uso do agente quelante.

O dimercaprol é altamente lipossolúvel, é incolor e tem forte cheiro de enxofre. Deve seradministrado apenas por via intramuscular, alcança níveis plasmáticos máximos em cerca de 30minutos e tem tempo estimado de meia-vida de excreção renal de cerca de 4 h. Apresenta tambémexcreção considerável pelo sistema hepatobiliar, podendo ser recuperado nas fezes. A formulaçãode BAL disponível no comércio é da substância associada a 5% de óleo de amendoim e benzoatode benzila (este, na proporção de 2:1), acrescidos de antioxidantes, em ampolas de 3mL,contendo 300mg de dimercaprol, 600mg de benzoato de benzila e 2,1g de óleo de amendoim.

A injeção intramuscular pode provocar dor local. Tendo em vista sua boa lipossolubilidade, aabsorção por essa via é rápida e sua distribuição pelos tecidos também é rápida e eficiente,passando as barreiras hematoencefálica e placentária sem problemas, garantindo o efeito dofármaco nos sítios celulares de ação do metal tóxico. Assim, os pacientes referem melhora desintomas logo após a primeira injeção, e níveis elevados de arsênio na urina são logo identificados.

Estudos experimentais mostraram que o uso tópico de BAL é eficaz no controle dos efeitosdérmicos tópicos de agentes arsenicais, tanto na sua prevenção quanto no seu tratamento,

quando aplicados dentro da 1ª. hora após contato com o metal. Entretanto, durante o uso emseres humanos, o BAL tópico mostrou efeitos colaterais como prurido, eritema e disestesias,desencorajando sua aplicação por essa via. Verificou-se mais tarde que os mesmos efeitosdérmicos, sejam eles causados por ação tópica ou por ação sistêmica do arsênio, eramneutralizados de forma eficaz por injeções intramusculares de BAL.

Uma revisão sobre esse quelante, citando estudo realizado na década de quarenta, descreve aanálise de uma série de mais de duas centenas de casos de intoxicação por arsênio tratados,quando se conseguiu estabelecer um protocolo mínimo de tratamento seguro com BAL, que éutilizado praticamente até hoje. Nesse trabalho, os autores propõem a dose de 3mg/kg de peso, acada 4 h, durante as primeiras 48 h, seguindo-se administrações a intervalos de 12 em 12 h pormais 7 a 10 dias, baseadas em critérios de máxima eficácia com o mínimo de efeitos adversos.Conseguiram também mostrar que o início precoce da terapêutica é fator crítico e determinante daeficácia. A taxa de mortalidade foi bem menor quando os pacientes eram tratados dentro dasprimeiras 6 h (cerca de 25%), com relação a pacientes tratados depois de 72 h do aparecimentoda intoxicação (55% de mortalidade).

Vários estudos clínicos não randomizados foram realizados na década de 40, usando BAL empacientes com intoxicação por arsênio, mas se restrigiram ao âmbito militar dos ministérios ligadosà área, nos EUA e na Grã Bretanha, tendo sido publicados apenas em relatórios internos dosórgãos públicos, por razões alegadas de segurança. Alguns autores relatam a história dessesrelatórios após o final da segunda grande guerra, citando alguns dados de importância clínica. Porexemplo, num desses relatórios, inacessíveis ainda hoje, de experiências clínicas nos EUA, compacientes intoxicados por arsenicais, os autores se referem à dose estabelecida como segura,como de 4mg/kg, dividida de 6 frações diárias.

Em 1948, foi publicado o primeiro relato de uma série de casos clínicos de crianças tratadas comBAL para combate à intoxicação por arsênio por ingestão. Comparando os achados com dadosretrospectivos de crianças que não foram tratadas, pela ausência de quelante na época, os autoresconcluem que nos 42 casos tratados não houve mortes, contra 3 mortes nos 111 controleshistóricos.

Da mesma forma, os dias de permanência no hospital devido ao quadro clínico foram de 4,2, emmédia, nos não tratados, contra 1,6 dia, em média, nos tratados. Apesar de trabalhar comcontroles históricos que apresentam um viés básico relativo ao tipo de assistência médica geral esuporte de vida que é diferente conforme as épocas, esse trabalho tem subsidiado o uso de BALnesse tipo de intoxicação até o momento. Nenhum ensaio clínico controlado foi realizado até o

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nesse tipo de intoxicação até o momento. Nenhum ensaio clínico controlado foi realizado até omomento para verificação da real eficácia do BAL nesse tipo de intoxicação.

Além da intoxicação pelo arsênio, o dimercaprol é também utilizado em casos de intoxicação porsais inorgânicos de mercúrio, como na ingestão suicida ou acidental de bicloreto de mercúrio. Nadécada de 40, nos EUA, era comum poder comprar tabletes de bicloreto de mercúrio comodesinfetante de uso doméstico. Vários autores compararam a mortalidade entre pacientes queingeriram esses tabletes como tentativa de suicídio em doses maiores que 1g, tratados com BAL,com controles históricos da década anterior que não receberam tratamento quelante. Em 86pacientes não tratados a mortalidade foi de 31,4%, contra nenhuma morte entre os tratados.Entretanto, seu uso em intoxicações por vapores de mercúrio metálico elementar inalados édesapontador, provavelmente pela característica crônica desse tipo de intoxicação, onde os efeitosclínicos mostram grande dissociação dos níveis de mercúrio sangüíneos ou urinários. Nos casos deinjeção parenteral de mercúrio metálico por via sub-cutânea, intramuscular ou endovenosa, alémdo procedimento cirúrgico de retirada do conteúdo das lesões locais acessíveis, o uso de BAL temse mostrado útil no aumento de excreção de mercúrio pela urina, melhorando temporariamente asintomatologia do paciente até solução cirúrgica mais definitiva. Baseado em estudosexperimentais, o BAL levaria ao aumento de neurotoxicidade em casos de quelação de moléculasorgânicas curtas de mercuriais alquilados, provavelmente por mecanismo de aumento da passagemdesses compostos pela barreira hematoencefálica.

No entanto, o BAL tem sido utilizado com sucesso no tratamento de intoxicações por chumbo em

crianças, quando existe a necessidade de “proteção” do sistema nervoso central, já que o quelantede escolha para chumbo, EDTACaNa2, não ultrapassa a barreira hematoencefálica. Também tem

sido eficaz em casos de adultos com sinais e sintomas de encefalopatia. No entanto, nesses casosé sempre associado ao EDTACaNa2, pois seu uso isolado parece produzir pouca melhora clínica e

os estudos experimentais utilizando acetado de chumbo mostraram declínio do índice desobrevivência dos animais que utilizaram apenas o BAL, contra os que o utilizaram em associaçãocom o EDTACaNa2.

Também pode ser útil no tratamento de intoxicações medicamentosas por sais de ouro.

A toxicidade do BAL parece ser dependente e bastante afetada pelo pH urinário. Um trabalhoclínico realizado em 1946, mostrou que menos de 1% de cerca de 700 injeções intramusculares deBAL, na dose de 2,5mg/kg, de 4 em 4 h, em 227 pacientes tratados, produziram algum efeitocolateral, resumidos à dor no local da injeção. A dose-dependência ficou evidenciada pelopercentual crescente de reações adversas como náuseas, vômitos, cefaléia, sensação dequeimação dos lábios, boca, garganta e olhos, lacrimejamento, rinorréia, ptialismo (salivaçãoexcessiva), sudorese, broncoespamos, mialgias, parestesias de extremidades, dores nos dentes,dor torácica, ansiedade e agitação, que ocorreram em 14% dos casos com doses de 4mg/kg e em65% dos casos com doses de 5mg/kg, nos mesmos intervalos. Apesar de incômodos, essesefeitos tendem a ceder em 30 a 50 minutos.

Outros efeitos adversos não parecem ser dose-dependentes, como a elevação da pressão arterial,taquicardia, febre (principalmente em crianças) e leucopenia transitória. Apesar de não existiremevidências de que o BAL seja biotransformado em taxa significativa, ou mesmo interaja comenzimas metabolismo hepático, sua toxicidade é sempre maior em pacientes com algum grau deinsuficiência hepática aguda ou com hepatopatia secundária à intoxicação por arsênio. Como apreparação disponível de BAL contém 5% de óleo de amendoim, reações alérgicas podem serdesencadeadas em pessoas suscetíveis.

O pH da urina é fator determinante no processo de excreção eficaz do quelato BAL-metal (seja ometal que for), havendo dissociação desse complexo, com liberação do metal da ligação, em pHácido. Dessa forma, a manutenção da urina mais alcalina durante o tratamento, provavelmenteprotegerá o tecido renal dos efeitos tóxicos do metal e aumentará a taxa de excreção docomplexo.

Pacientes com conhecida deficiência de G6PD devem ser monitorizados quanto à possívelocorrência de hemólise, podendo-se, em alguns casos, contra-indicar o uso do quelante.

A inespecificidade do dimercaprol pode promover a excreção excessiva de cobre, em cerca de 3vezes o valor da excreção normal desse metal. Outros metais essenciais como zinco, ferro,magnésio e manganes não mostraram excreção aumentada em estudo experimental.

Nos casos em que toxicidade significativa for evidenciada durante o uso do BAL, a hemodiálisepode ser necessária para remoção do complexo (quelato) e evitar maiores danos renais. Sais deferro, como sulfato ferroso em apresentações terapêuticas, devem ser evitados quando do uso deBAL.

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2. EDTACaNa2 (ácido etilenotetracético cálcico dissódico)

Também chamado de versenato decálcio, o EDTACaNa2é um ácido da

família dos ácidospoliaminocarboxílicos comafinidade química por diversosmetais. Tem sido usado há váriasdécadas como reagente industriale em processos de químicaanalítica por sua capacidade dequelar cátions divalentes etrivalentes.

Foi introduzido na farmacopéiacomo quelante em casos deintoxicação por chumbo na décadade 50 e é usado para esse fimdesde então. A molécula original,sódica, sem cálcio em suaestrutura, tem afinidade por váriosmetais, incluindo o cálcio, e seuuso terapêutico podeeventualmente causar hipocalcemialevando à tetania. Assim, amolécula do versenato de cálcionão apresenta esse problemapotencial, pois a ligação do metal aser quelado é feita pelodeslocamento do calcio, que,liberado, não chega a causar

efeitos.

A Figura 2 mostra a estrutura química do versenato de cálcio e o sítio de ligação do metal a partirda troca pelo cálcio.

O versenato quela íons metálicos divalentes presentes no plasma ou no líquido intersticial, comochumbo, zinco, manganês e ferro. Vários estudos experimentais e alguns relatos clínicos têmdemonstrado que o versenato causa depleção significativa de zinco, principalmente quando usadoem altas doses e por tempo prolongado.

Nessa eventualidade, a reposição de zinco deve ser considerada, visando a prevenir efeitosadversos dessa deficiência, como eventuais lesões de pele.

Trata-se de molécula altamente hidrossolúvel, com um volume de distribuição praticamente igualao volume do compartimento extracelular. Devido à sua pouca ou nenhuma lipossolubilidade (éaltamente polar, apresentando-se sempre na forma iônica), o versenato de cálcio atravessa mal asbarreiras hematoencefálica e placentária.

Estima-se que menos de 5% da dose administrada endovenosamente chegue ao líquor. Apósadministração endovenosa, o versenato desaparece da corrente sangüínea, com meia-vida de 20 a60 min, sendo distribuído pelo plasma sem penetrar nos eritrócitos ou em outros elementosfigurados do sangue e sem ligar-se às proteínas plasmáticas de forma estável. Não sofrebiotransformação e é excretado em sua totalidade pelos rins, com taxa de 50% na primeira hora,90% nas primeiras 8 h e 95% em 24h.

A taxa de eliminação renal é aproximadamente a mesma da filtração glomerular, correlacionando-sebem com o clearance (depuração) de creatinina. Não há excreção fecal quando administrado por

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bem com o clearance (depuração) de creatinina. Não há excreção fecal quando administrado porvia parenteral.

Por suas características de hidrossolubilidade e polaridade, menos de 5% da dose administrada porvia oral são absorvidos, não sendo recomendada essa via para uso terapêutico. Existem evidênciasde que o chumbo tenha sua absorção aumentada no trato gastrintestinal pela complexação com oEDTA, provavelmente pela perda da polaridade iônica da molécula, facilitando a passagem pormembranas.

Pode ser administrado pela via intramuscular, com boa absorção e boa eficácia, mas a dor locallimita o número de injeções possíveis e constitui seu único inconveniente.

A administração parenteral, tanto endovenosa quanto intramuscular, promove a melhoria clínica daintoxicação por chumbo, em poucas horas. Há redução dos níveis plasmáticos de chumbo emalguns dias e reversão dos efeitos hematológicos, como restabelecimento dos níveis normais deALA-D, ALA-U e protoporfirina eritrocitária (esta se normaliza com mais vagar, pois sendoeritrocitária depende da meia-vida da hemácia, que é de 120 dias), e aumento da excreção urináriade chumbo em dezenas a centenas de vezes o valor pré-quelação.

Os efeitos colaterais do versenato dividem-se em dois grupos:

- efeitos relacionados à toxicidade própria do quelante;- efeito relacionado ao manejo de sua administração.

Estes efeitos têm relação com a toxicocinética do agente e a distribuição assimétrica do chumbopelos compartimentos corpóreos.

Com relação à toxicidade do próprio agente, o clínico deve estar preparado para uma possívelhipocalcemia quando o versenato utilizado é o dissódico, sem cálcio na molécula. Esse efeito, noentanto, é esperado apenas quando a administração por via endovenosa for rápida. Infusões maislentas, com menos de 15mg/min, em gotejamento contínuo, não causam esse tipo de ação, poishá tempo para que os depósitos extracelulares forneçam o cálcio necessário para a retomada doequilíbrio. O versenato de cálcio pode, por outro lado, ser administrado em velocidades maiores eem doses maiores sem causar esse efeito, ou mesmo sem causar efeito contrário pela liberação decálcio da molécula em troca do metal, pois essa quantidade liberada é negligenciável frente àconcentração fisiológica de cálcio.

O efeito tóxico mais temido do versenato (tanto o sódico quanto o cálcico), mas pouco freqüente,está relacionado a um possível dano renal. Doses altas repetidas (mais de 75mg/kg/dia, por maisde 10 dias) podem causar vacuolização hidrópica das células tubulares proximais, com perda daborda em escova e degeneração celular. Alterações nos túbulos distais são mais raras. Apesar dedramático, esse efeito é, em geral, dose-dependente e reversível com a interrupção do tratamento.Utilizando-se doses habituais entre 15 e 25mg/kg/dia não há relatos de danos renais significativos.

Pacientes intoxicados e com dano renal por outra causa ou pela própria exposição crônica aochumbo, por exemplo, podem utilizar o versenato como quelante com doses corrigidas conforme oclearance de creatinina.

Pela dificuldade que o versenato tem de ultrapassar barreiras e membranas, nenhum outro órgãoparece sofrer seus efeitos tóxicos em potencial além dos rins, por onde é excretado. A toxicidaderenal da droga parece estar ligada a grandes quantidades de quelato (complexo EDTA+chumbo)que passam pelos túbulos renais em curto espaço de tempo, apesar de não se conhecer bem porqual mecanismo ela ocorreria.

O outro grupo de efeitos colaterais do uso do versenato está relacionado ao fato dele quelarsomente o chumbo contido no compartimento extracelular (plasma e líquido intersticial), criandoassim um gradiente de concentração entre esse compartimento e outros diversos compartimentoscinéticos por onde o chumbo se distribui desigualmente. Isso pode provocar uma mobilização(redistribuição) muito rápida do chumbo desses compartimentos em direção ao plasma, causandoelevação abrupta de plumbemia que será redistribuída, podendo causar sintomas encefálicos, piorados sintomas já existentes, como cólica abdominal, e aumentar o risco de lesão renal.

Esse tipo de efeito colateral do tratamento pode ser eficientemente prevenido com a administraçãolenta da droga por via endovenosa, fazendo com que esse gradiente de concentração se formelentamente e em magnitude menor, havendo tempo para o re-equilíbrio entre os compartimentos.Assim, doses menores e intervalos maiores entre as doses podem aumentar a eficácia dotratamento e reduzir risco de toxicidade. A via intramuscular é boa opção no sentido de evitar esseefeito colateral devido à redistribuição rápida de chumbo.

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efeito colateral devido à redistribuição rápida de chumbo.

Outros efeitos adversos são representados por sintomas inespecíficos que podem estarrelacionados a eventuais depleções de metais essenciais como zinco, cobre, magnésio, manganês,ferro e cálcio, ou ser causados por respostas idiossincráticas ao agente. Tais sintomas incluem malestar, astenia, sede excessiva, calafrios e febre, mialgia, cefaléia frontal, anorexia, náusea,vômitos, urgência urinária, espirros em salva, congestão nasal, lacrimejamento, queda transitóriada pressão arterial e inversão de onda T no eletrocardiograma.

Efeitos dermatológicos, como lesões semelhantes às encontradas na deficiência de piridoxina,podem ocorrer em tratamentos prolongados e parecem estar relacionadas à depleção de zinco.Com relação à depleção de elementos essenciais ao metabolismo, além daquela do zinco, que é amais significativa laboratorialmente e clinicamente, a ponto de ser recomendada suplementaçãodurante tratamentos mais prolongados (de preferência suplementar durante os intervalos entre osciclos e não durante o tratamento), deve-se estar atento à redução dos níveis de ferro, cobre emanganês. O extravasamento da droga durante a infusão endovenosa pode vir a produzircalcinose dolorosa no local.

Não existem estudos consistentes garantindo a inocuidade ou o grau de segurança do uso doversenato durante a gravidez. Estudos experimentais têm mostrado risco aumentado deteratogênese com uso de versenato nas doses normalmente empregadas em humanos, e têmindicado que o uso concomitante de zincosuplementar reduziria esse risco.

Indicações de uso e dose

A intoxicação por chumbo inorgânico continua sendo a principal indicação de uso de versenato.Critérios de indicação de tratamento são discutidos em outra seção, a seguir.

A dose para uso endovenoso varia de 15 a 25mg/kg/dia, podendo alcançar 50 a 75mg/kg/dia,dependendo dos níveis de plumbemia e gravidade da sintomatologia e dos sinais clínicos. A dosedeve ser administrada em soro fisiológico a 0,9% ou soro glicosado a 5%, em volume que nãoultrapasse 500mL, em infusão gotejante com duração mínima de 1 h 30 min a 2 h. Durações deinfusão maiores (até cerca de 3h) são mais seguras e garantem eficácia semelhante de tratamento.Hidratação adequada que garanta boa diurese é medida essencial e precede qualquer outroprocedimento terapêutico. A administração é feita em ciclos de 3 a 5 dias, com intervalos entreciclos de no mínimo 2 dias, visando dar tempo para re-equilíbrio entre os compartimentos.

A eficácia do tratamento é avaliada pela remissão dos sintomas e pela dosagem de chumboexcretado na forma quelada durante cada 24 h de tratamento. A repetição dos ciclos de 3 a 5 diasdependerá dos resultados dessas dosagens urinárias (plumbúria de 24 h) durante cada ciclo, edos níveis de plumbemia verificados nos intervalos dos ciclos. A medida de plumbemia durante osdias de tratamento não é merecedora de crédito, pois vai refletir o processo de mobilização dechumbo dos diversos compartimentos em direção ao plasma e não refletirá o estado de equilíbrioentre eles.

A Figura 3 mostra os resultados deplumbúria de 24 h de um paciente tratadopor intoxicação por chumbo porexposição ocupacional, medicado com 1gde EDTACaNa2 por via endovenosa por

dia, por 4 dias. Este é, em geral, ocomportamento da plumbúria durante umciclo de tratamento. Os níveis mais baixosno 4o dia indicam que os níveis dechumbo no plasma estão se esgotando,sendo necessário parar o tratamentonesse ponto para se dar tempo doscompartimentos teciduais mobilizaremchumbo em direção ao plasma,permitindo novo ciclo de quelação.

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permitindo novo ciclo de quelação.

Figura 3 – Comportamento da plumbúria em ciclode tratamento de paciente intoxicado por chumboem ambiente ocupacional

Tendo em vista a toxicidade renal potencial do tratamento, medidas de função renal devem serrealizadas regularmente. Em tratamentos prolongados, a dosagem de zincourinário, além da dechumbo urinário, deve ser realizada visando avaliar a necessidade de suplementação. Esses ciclospodem ser realizados em ambiente hospitalar de internação (crianças principalmente), ou emesquema de hospital dia, garantindo que a urina de 24 h seja coletada corretamente.

A Figura 4 apresenta ocomportamento dasplumbúrias de 24 h deoutro paciente com quadrode intoxicação crônica porchumbo por exposiçãoocupacional que realizou 4ciclos subseqüentes.

Figura 4 – Comportamento dasplumbúrias em 4 ciclos detratamento de paciente intoxicadopor chumbo em ambienteocupacional, mostrando valoresiniciais de plumbemias pré-tratamento antes de cada ciclo.

Nos casos clínicos comsinais e sintomas deencefalopatia (ver quadro

clínico em seção adiante), ou em casos de tratamento de crianças (mesmo sem sinais deencefalopatia), além do EDTACaNa2 deve-se associar BAL intramuscular em intervalos de 4 h,

objetivando o acesso de quelante ao sistema nervoso central e, no caso das crianças, proteger oencéfalo de possível redistribuição de chumbo durante a quelação com versenato.

A via intramuscular pode ser usada com doses menores, não ultrapassando 300 a 600mg por dia.O limite de dose tem a ver com o volume da preparação. A principal vantagem dessa via é aabsorção mais lenta impedindo a formação de gradiente de concentração muito rápido entre oplasma e os outros compartimentos. A eficácia é bastante boa, comparável à via endovenosa. Amagnitude da plumbúria, ou seja, a quantidade total de chumbo que é quelado, no entanto, émenor que na via endovenosa, em função da dose ser menor.

3. DMSA (Ácido 2, 3-Dimercaptosuccínico )

O DMSA é um derivado hidrossolúvel, análogo do dimercaprol (BAL). Foi sintetizado em 1940, masfoi utilizado como quelante de chumbo e mercúrio em casos de intoxicação apenas em 1965, naChina. Durante as décadas de 70 e 80 foi utilizado com certa freqüência na Ásia e Europa, até seraprovado pela Food and Drug Admnistration (FDA, EUA), em 1991, para tratamento de criançassintomáticas por exposição a chumbo, com níveis de plumbemia acima de 45µg/dL.

Apesar de ser quimicamente similar ao dimercaprol, a molécula do DMSA contém dois ácidoscarboxílicos, além dos dois grupamentos sulfidrila (–SH), que modificam a cinética de distribuição eseu espectro de afinidade pelos metais. Sua estrutura química e o sítio de ligação com algunsmetais (chumbo, cádmio e mercúrio) são mostrados na Figura 5.

Figura 5: Estrutura química do DMSA econfiguração dos complexos quelado comchumbo e Cd, que se ligam a um S e um O enão aos dois grupamentos SH como no BAL, ecom mercúrio que se coordena com osgrupamentos tióis.

O complexo ativo que se liga ao chumboe ao cádmio é o DMSA-cisteína dissulfeto,com os metais se unindo ao um grupotiol (–SH) e a uma carboxila (–COOH). Aquelação do mercúrio é feita, no entanto,como no BAL, através dos dois grupos –SH.

Por ser altamente hidrossolúvel, o DMSA é absorvido pelo trato gastrintestinal de forma

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Por ser altamente hidrossolúvel, o DMSA é absorvido pelo trato gastrintestinal de formaincompleta, mas rápida. Estima-se que a taxa de absorção seja no máximo de 20. Pico plasmáticoocorre em cerca de 1 a duas horas após administração oral e o quelante tem volume dedistribuição pequeno, permanecendo a maior parte da dose no compartimento plasmático. Noplasma, 95% encontram-se ligados à albumina. O DMSA sofre biotransformação, provavelmentehepática, sendo excretado na forma de dissulfetos mistos DMSA-cisteína em 90% da doseadministrada, e os restantes 10% inalterados. Foi demonstrado haver ciclo enterohepático doagente. A meia-vida de eliminação urinária do DMSA é de aproximadamente 48 h. O pico deexcreção do produto de biotransformação em DMSA-cisteína ocorre em 4 h após ingestão. A DL50

é de cerca de 5g/kg, contra 1010mg/kg para o BAL e 1g/kg para o versenato de cálcio.

O DMSA, ao contrário do EDTACaNa2 por via oral e da D-penicilamina, não aumenta a absorção de

chumbo presente do trato gastrintestinal. O DMSA reduz a absorção do chumbo a partir dessavia, corroborando a idéia do uso dessa droga em crianças com níveis sangüíneos elevados, mesmoque ainda estejam expostas em situação ambiental.

O uso de DMSA em crianças intoxicadas por chumbo tem mostrado que existe decréscimo nosníveis de plumbemia durante os dias de tratamento, com retorno gradual logo em seguida a níveismédios num patamar inferior ao pré-tratamento. Um estudo que analisou dados de 39 criançastratadas, mostrou esse padrão de resposta da plumbemia, com manutenção de níveis baixos até

cerca de 4 semanas durante o tratamento e re-elevação dos mesmos na 5a ou 6a semanas, com asuspensão do tratamento, mas em níveis médios 10µg/dL abaixo dos níveis pré-tratamento.

Em 1978, outros autores publicaram resultados de dois ensaios clínicos em 18 e 11 adultosrespectivamente, expostos a chumbo ocupacionalmente, usando 3 doses diferenciadas de DMSApor via oral, por 5 dias, comparando com tratamento padrão com versenato de cálcio(EDTACaNa2), mostrando eficácia significativa da droga em reduzir níveis de PbS durante o

tratamento e mantê-los em patamar médio mais baixo após suspensão do tratamento. Houveaumento significativo da excreção de chumbo na urina.

Outros dois trabalhos, relatando resultados de séries de casos de adultos tratados, mostraramboas eficácia e segurança no uso do DMSA em adultos.

Em ensaio clínico com 21 crianças com plumbemias variando entre 31 e 49µg/dL (todas com teste

de mobilização de chumbo com dose padrão de EDTACaNa2 positivo), e usando 3 subgrupos de

doses diferentes contra grupo controle com tratamento tradicional com versenato de cálcio,mostrou uma redução significativa de chumbo no sangue durante o ciclo de tratamento, bem comoo aumento da excreção urinária de chumbo e retorno dos níveis de ALA-U e ALA-D. O grupoutilizando DMSA não mostrou depleção de metais essenciais como zinco, magnésio, cobre, ferro ecálcio, ao contrário do grupo tratado com versenato.

O estudo não referiunenhum efeito adversosignificativo, acrescentandoque em outra série de 50pacientes de idade entre 1e 58, com níveis deplumbemia variando de 31a 96µg/dL, todos tratadoscom ciclos de 5 dias deDMSA, não houve nenhumefeito colateral quejustificasse suspender oagente quelante.Resultados semelhantesquanto à queda deplumbemia foramobservados em outroestudo com 18 criançastratadas.

Figura 6 – Comportamento da média das plumbemias em 3 esquemas de dose de DMSA em crianças durante tratamentopor 5 dias, contra tratamento tradicional com versenato de cálcio (adaptado de Graziano et al, 1988)

Um novo estudo clínico foi realizado em 2000, visando definir a segurança e eficácia do DMSA emcrianças com níveis médios de plumbemia entre 25 e 66µg/dL; incluiu 59 crianças de idade entre 12e 65 meses. A média de PbS pós-tratamento caiu para 23µg/dL, contra 40µg/dL pré-DMSA. Nãose observaram efeitos adversos significativos com o uso do agente por 5 dias. As alterações

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se observaram efeitos adversos significativos com o uso do agente por 5 dias. As alteraçõeslaboratoriais dignas de nota foram a elevação da fosfatase alcalina em 2 crianças, com reversão aonormal após o término do tratamento e, em um paciente, o aumento de eosinófilos circulantes de1% para 25%, com queda para 4% após suspensão do tratamento. O aumento discreto detransaminases já havia sido observado em testes anteriores.

Figura 7 – Comportamentodas médias das plumbúriasdas mesmas crianças daFigura 13.8, durante ciclode DMSA por 5 dias em trêsesquemas de dosediferenciados, contratratamento tradicional comversenato de calcio(adaptado de Graziano etal, 1988).

Diferentemente doversenato de cálcio, oDMSA parece mobilizarchumbo de diversoscompartimentosteciduais, como cérebro,rins, fígado e ossotrabecular, sem causarredistribuirão que

provoque piora nos sintomas ou coloque em risco órgãos nobres como o cérebro e os rins. Algunsestudos mostram que já no primeiro dia de tratamento há excreção de chumbo em quantidademaior que o chumbo contido no compartimento extracelular.

Dos estudos clínicos até agora realizados, todos com ciclos de 5 dias, comprovou-se que a dosede 30mg/kg/dia é uma dose segura e eficaz, promovendo decréscimo de plumbemia e aumento naplumbúria. Alguns desses estudos mostraram também que um prolongamento do ciclo por mais14 dias, na dose de 20mg/kg/dia, mostrou-se eficaz na manutenção de níveis de PbS baixos apóso final do tratamento, principalmente em pacientes com grande carga corpórea, como ocorre emexposições crônicas tanto ambientais como ocupacionais. O uso contínuo de DMSA nesses casos,ou seja, em períodos maiores de 19 ou 20 dias, ainda não foi estudo quanto à segurança eeficácia.

O DMSA parece ter mais vantagens que o EDTACaNa2 e o BAL no tratamento de crianças

intoxicadas por chumbo:

i) é droga menos tóxica, apresentando mínimos efeitos colaterais; ii) é altamente eficaz por via oral, apesar da baixa absorção (máximo de 20% da dose),ao contrário do versenato de cálcio, que não ultrapassa 5% de absorção; iii) é mais especifica que o versenato, não causando depleção de metais essenciaiscomo zinco e ferro; iv) não causa hemólise em deficientes de G6PD; v) parece não haver contra-indicação ao uso concomitante de ferro suplementar, o queé um dado importante no tratamento de crianças que, em geral, apresentam deficiênciade ferro, necessitando reposição.

4. D-penicilamina

Também conhecida quimicamente como β,β-dimetilcisteína, foi descoberta em 1953, de formaserendipitosa, como um metabólito da penicilina B, quando se analisava urina de pacientes comhepatopatia. Pode ser obtida a partir da hidrólise da penicilina. Tem sido utilizada como quelante decobre em pacientes com Doença de Wilson (erro inato do metabolismo do cobre, levando a danoshepáticos e neurológicos, entre outros), desde 1956.

Tem sido usada também no tratamento dequadros de intoxicação crônica por chumbo,principalmente em crianças sintomáticas comníveis de PbS entre 25 e 40µg/dL, desde 1956.

Figura 8 – Estrutura da penicilamina

O isômero D é normalmente usado, mas oisômero L também forma quelatos. É bem

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isômero L também forma quelatos. É bemabsorvida por via oral, com taxas variando de 40a 70%, dependendo do conteúdo gástrico.Antiácidos e alimentos contendo ferro tendem adiminuir a taxa de absorção. Concentração depico plasmático é obtida entre 1 e 3h daingestão. A meia-vida plasmática é de cerca de3h. É bastante estável in vivo devido à suaresistência à ação da cisteína dissulfidrase,diferentemente da cisteína, seu precursor

químico não metilado. É excretada na urina praticamente toda biotransformada, encontrando-semetabólitos também nas fezes.

Os mecanismos de formação do quelato com diversos metais, entre eles o cobre, chumbo,mercúrio e ferro, seriam os seguintes:

a) formação de uma ligação simples entre o metal e o grupamento sulfidrila; b) incorporação do metal em uma estrutura em anel entre o grupo –SH e o átomo denitrogênio, ou c) ligação do metal entre duas moléculas de penicilamina.

A D-penicilamina pode causar diversos efeitos colaterais que, em geral, não são incomuns.Náuseas e vômitos são freqüentes. A eosinofilia ocorre em cerca de 20% dos casos e a leucopeniae a trombocitopenia leves, transitórias, em cerca de 10% das crianças tratadas. O aparecimento deum edema angioneurótico, de urticária e de erupções maculopapulares pode necessitar ainterrupção do tratamento.

A redução de dose, mas não interrupção do tratamento, pode ser necessária em caso deproteinúria, hematúria microscópica e incontinência urinária. Um quadro de nefrotoxicidade comsíndrome nefrótica representa uma possível evolução da proteinúria. Por sua falta deespecificidade, a D-penicilamina pode causar depleção de elementos essenciais como ferro e zinco,bem como de piridoxina.

Outra preocupação é a possibilidade de ocorrência de efeitos alérgicos graves em pacientessensíveis à penicilina. As preparações atuais de D-penicilamina, no entanto, parecem garantirpureza suficiente para que esse risco seja extremamente baixo, ainda que a sensibilização cruzadacom a penicilina possa explicar os episódios de anafilaxia, com urticária e edema angioneurótico.Miastenia gravis e quadro pulmonar de alveolite por hipersensibilidade são referidos na literatura,embora raros. São também relatados efeitos menores, como diarréia, anorexia e perda transitóriado paladar para o doce e o salgado, que regride com suplementação em cobre.

Indicações de uso e doses

A D-penicilamina está indicada no tratamento da Doença de Wilson, como quelante do excesso decobre na circulação. Além disso, é também utilizada, com eficácia clínica variável, na artritereumatóide, na cistinúria (erro inato de metabolismo resultando na excreção excessiva de cisteínana urina por deficiência de reabsorção desse aminoácido nos túbulos proximais) eexperimentalmente na esclerodermia e na cirrose biliar.

Na Toxicologia clínica, essa droga tem sido utilizada desde 1956 como quelante de chumbo emercúrio. Apesar de não ser aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) norte-americanopara uso em intoxicação por chumbo (apenas para tratamento da doença de Wilson), a D-penicilamina tem sido usada há várias décadas como complementação por via oral em esquemas dequelação que utilizam agentes quelantes parenterais como o versenato de cálcio e o BAL .

Como quelante de chumbo ela promove aumento na excreção urinária do metal, redução dos níveisde PbS e reversão dos efeitos hematológicos secundários às inibições enzimáticas promovidas pelochumbo na cadeia de formação da hemoglobina. No entanto, a magnitude desses resultados não écomparável com aqueles obtidos com o uso de versenato ou de DMSA. Por essa razão, a D-penicilamina deve ser considerada terceira opção na escolha do tratamento quelante de intoxicaçãopor chumbo, considerando-se também seu potencial de efeitos colaterais.

Na intoxicação pelo mercúrio, alguns poucos trabalhos mostram relativa eficácia da penicilamina.Entretanto, um análogo dessa droga, a N-acetil-DL-penicilamina (NAP), tem sido investigadaexperimentalmente, e usada em poucos casos clínicos, como quelante de mercúrio com melhoresresultados que a D-penicilamina.

Os ciclos de tratamento com D-penicilamina duram, em média, de 4 a 12 semanas, dependendodas dosagens de chumbo na urina e PbS ao longo do tratamento. A dose para crianças varia de 10

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das dosagens de chumbo na urina e PbS ao longo do tratamento. A dose para crianças varia de 10a 15mg/kg/dia, de 6 em 6h. A dose para adultos varia de 1 a 1,4g/dia, de 6 em 6h. Tratamentosprolongados devem seguir o princípio de intervalos entre ciclos, sem administração da droga,visando ao re-equilíbrio do chumbo entre os compartimentos cinéticos, e diminuição de risco deefeitos colaterais hematológicos e renais.

O uso de D-penicilamina está contra-indicado em casos de comprovada sensibilização à penicilina e

casos de insuficiência renal.

5. DMPS, ácido 2,3-dimercapto-1-propanilsulfônico

Assim como o DMSA, trata-se de um quelante análogo e derivado do dimercaprol (BAL), com altahidrossolubilidade, administrado por via oral ou parenteral, baixo volume de distribuição, excretávelpelos rins e com menos efeitos colaterais que seu precursor, o BAL. Foi sintetizado na antigaUnião Soviética e lá tem sido usado, assim como em vários países europeus, como agentequelante de diversos metais, incluindo mercúrio, arsênio, cádmio, cobre, ouro, níquel e chumbo.

O DMPS reduz a carga corpórea de mercúrio inorgânico em ratos, camundongos, coelhos e cães,bem como diminui a absorção de bicloreto de mercúrio ainda na luz gastrintestinal. Tanto o DMPSquanto o DMSA parecem proteger o tecido cerebral contra a ação do HgCl2, impedindo a

passagem pela barreira hematoencefálica. Outros estudos mostraram experimentalmente que oDMPS e o DMSA reduzem a carga de mercúrio nos rins, fígado e na fração celular do sangue,provando existir mecanismo de penetração do agente nos eritrócitos, apesar da sua altahidrossolubilidade.

Apresenta boa absorção gastrintestinal, com índices de biodisponibilidade após dose por via oralde cerca de 39%, quase o dobro da disponibilidade do DMSA que está por volta de 20%. Abiotransformação se dá no fígado, de modo rápido através de reações de fase I, por oxidação àforma dissulfeto, sendo que após 15 h da ingestão apenas 9% da dose total encontram-seinalterados na urina. A meia-vida de eliminação renal do DMPS é de cerca de 20 h.

Tendo em vista os bons resultados obtidos nos estudos experimentais quanto à eficácia esegurança de seu uso, bem como a elucidação de boa parte de sua farmacocinética, alguns ensaiosclínicos foram desenvolvidos em voluntários sadios, trabalhadores expostos e casos clínicosisolados e séries de casos. Estudos com voluntários mostraram ótima correlação (r = 0,92) entredosagem de mercúrio urinário e níveis de DMPS excretados, corroborando outras publicações quemostraram aumento significativo de excreção de mercúrio na urina, em cerca de 10 vezes entreexpostos industriais e cerca de 5,9 vezes entre dentistas. Outros autores, também obtiveramresultados semelhantes com trabalhadores expostos, mostrando aumento de cerca de 7,6 vezesna excreção de mercúrio após dose oral de DMPS, sendo que 62% desse mercúrio eramexcretados nas primeiras 6 h.

A maioria dos ensaios clínicos mostrou ausência de efeitos colaterais de importância que limitariamo uso do agente nas doses prescritas em adultos. Em crianças, usando-se doses de 200 a400mg/m2, por dia, por via oral, por 5 dias consecutivos, outros pesquisadores não observaramefeitos colaterais significativos ou qualquer alteração das funções renal e hepática. Contudo, foirelatado que em outro grupo de crianças intoxicadas por chumbo, o uso de DMPS na dose de200mg/m2, por 10 dias, desencadeou, em uma criança, no oitavo dia de tratamento, quadroclínico da síndrome de Steven-Johnson. Esse trabalho está relatada a comunicação verbal de umpesquisador inglês que, na mesma época, teria tido outros dois casos da mesma síndrome emcrianças usando DMPS para intoxicação por chumbo e conclui, com alto grau de bom senso clínico,que, tendo em vista a disposição de outros quelantes mais seguros, como o EDTACaNa2 e oDMSA, o DMPS não deve ser primeira escolha no tratamento de intoxicações por chumbo emcrianças.

Indicações de uso e doses

O DMPS não está disponível no Brasil, sendo fabricado na Europa com o nome comercial de

Dimaval®. A indicação de seu uso restringe-se basicamente às intoxicações por mercúrio, de formaisolada ou como complemento ao uso parenteral do BAL em casos mais graves. Pode ser utilizadoeventualmente como quelante por via oral na intoxicação por chumbo, como o DMSA, e naintoxicação por arsênio, também como complemento do BAL em fase clínica menos crítica.

A administração para adultos é de 300mg/dose, 4 vezes ao dia, por ciclos de 5 a 10 dias. Para

crianças, as doses variam de 200 a 400mg/m2, divididas em 4 doses diárias, por 5 a 10 dias.

6. Desferoxamina (mesilato de desferrioxamina)

A história da síntese da desferoxamina

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A história da síntese da desferoxaminacomo antídoto/quelante na intoxicaçãopelo ferro, passa pela descoberta porKerberle, em 1964, da ferrioxamina Bcomo participante do metabolismo doactinomiceto Streptomyces pilosus. Aferrioxamina é um pigmento marromcontendo ferro trivalente. A remoçãoquímica desse ferro da molécula produz

um composto incolor, a desferoxamina, que passa a ter grande afinidade química pelo ferro. Essaafinidade é extremamente alta, com uma constante de estabilidade do composto quelado

(ferrioxamina) de Ka = 1031, contra Ka = 102 para o quelato com cálcio e uma Ka = 1029 da

trasnferrina ligada ao ferro. Essa diferença de constantes faz com que, teoricamente, adesferoxamina desloque ferro da trasnferrina, o que na prática não ocorre. Alguns estudos in vitromostram que a desferoxamina remove ferro da hemossiderina e da ferritina, mas muito pouco datrasnferrina. Pode, no entanto, quelar ferro em trânsito entre a trasnferrina e a ferritina, noplasma. O ferro da hemoglobina e dos citocromos não é mobilizado pela desferoxamina.

Logo após sua descoberta e síntese, a desferoxamina passou a ser usada como quelante emcasos de intoxicação por ferro, exibindo na prática mais afinidade por esse metal do que poroutros metais essenciais como zinco, cobre, magnésio e cálcio, e em pH fisiológico quelandoexclusivamente o ferro. A ligação do ferro com a molécula da desferoxamina se dá em trêsgrupamentos N–OH, formando um anel octaédrico que permite a estabilidade química com a

constante 1031 da ferrioxamina.

A droga é hidrossolúvel e muito pouco absorvida por via oral, sendo a via endovenosa preferencialem casos graves, e a intramuscular em casos leves e moderados. A administração por via oral estásempre indicada em casos de ingestão recente, sempre associada à parenteral, em casos ondeainda existe possibilidade de presença de ferro na luz do trato gastrintestinal.

Após dose endovenosa de desferoxamina, 70% dela aparecem na urina em 72 h. Já a ferrioxamina(quelato) é eliminada pelos rins na sua totalidade em cerca de 5 h.

O volume de distribuição da ferrioxamina foi calculado em 19% do peso corporal, contra 50% paraa desferoxamina, mostrando que o quelante tem acesso a sítios teciduais e que o quelato estárestrito praticamente ao espaço extracelular, de onde é excretado pelos rins. A ferrioxamina éexcretada por filtração glomerular e parcialmente reabsorvida a nível tubular. A desferoxamina étambém filtrada pelo glomérulo e pode ser secretada pelas células tubulares. A meia-vida deeliminação da desferoxamina é de cerca de 6 h.

Um mol de desferoxamina liga-se a 1 mol de ferro trivalente, fazendo com que 100mg do agentequelem 9,35mg de ferro férrico. Essa informação é básica para o cálculo de dose em casos deintoxicação. Na prática, a dose por via oral deve ser de 10 a 15 vezes a dose ingerida, dadasimultaneamente com dose parenteral, na proporção de 2 vezes a dose ingerida de ferro.

Como efeitos colaterais, a desferoxamina pode produzir hipotensão e taquicardia em infusõesmuito rápidas. Efeitos adversos no trato respiratório foram observados em 4 pacientes adultosque haviam ingerido grandes quantidades de ferro horas antes (tempo variável entre 65 e 92 h)até o aparecimento de sinais de insuficiência respiratória. Os quatro pacientes apresentaramcritérios clínicos e anatomopatológicos para diagnóstico de síndrome de angústia respiratória doadulto (SARA), sem sinais de infecção. O mecanismo de toxicidade pulmonar estaria relacionado àquelação excessiva de ferro intracelular, com conseqüente depleção de catalase, levando a danooxidativo por radicais livres e superóxidos. Relatou-se que quatro pacientes com talassemia majordesenvolveram quadro de taquipnéia, hipoxemia e padrão radiológico de acometimento intersticialdifuso, com estudos histopatológicos sugerindo reação por hipersensibilidade.

O uso de desferoxamina pode produzir aumento de virulência por Yersinia enterocolítica levando aquadros de septicemia. O mecanismo de aumento da virulência desse germe em especial estariarelacionado ao fato da desferoxamina funcionar como fator de crescimento da bactéria, carreandoferro que é integrado em seu metabolismo, favorecendo a reprodução. Murcomicose foidiagnosticada em paciente tratado com desferoxamina por excesso de alumínio secundário ahemodiálises repetidas.

O agente pode causar reações alérgicas, incluindo rash cutâneo, prurido, e eventualmenteanafilaxia. Disúria, diarréia e câimbras em membros inferiores podem acontecer. Neurotoxicidadepode ocorrer em tratamentos de longa duração com altas doses, no controle de excesso de ferropor transfusões repetidas em talassemia major. Nesses casos pode ocorrer ainda neurotoxicidadevisual e auditiva.

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visual e auditiva.

Indicações de uso e doses

A desferoxamina está indicada no tratamento de intoxicações agudas por ingestão de compostosde ferro, e em casos de intoxicação crônica por excesso de ferro por transfusões repetidas emcasos de talassemia major. Já foi também utilizada em casos de excesso de alumínio porhemodiálises repetidas.

Para casos de intoxicação grave por ferro, com níveis séricos de ferro > 500µg/dL, recomenda-se10 a 15mg/kg por hora em infusão endovenosa contínua, em velocidade não ultrapassando45mg/kg/h. Casos moderados podem ser tratados por via intramuscular em doses de 50mg/kg,com dose total máxima diária de 1g em crianças e 2g em adultos, como nos casos de talassemia.A via intramuscular tem como limite o volume elevado quando em altas doses. A via subcutâneatambém pode ser usada na dose de 1 a 2g por dia.

Nos casos de excesso de alumínio em situações de hemodiálise, a remoção desse metal só éconseguida após administração de desferoxamina, que é então adsorvida pela maior parte dasmembranas utilizadas nesse procedimento. Apesar da evidência de que filtros de hemoperfusão emembranas de hemodiálise são eficazes na remoção do quelato ferrioxamina e do quelato comalumínio, não existe definição sobre o uso desses métodos de filtragem na rotina de tratamentode casos de intoxicação por ferro.

A dose total diária de desferoxamina não deve ultrapassar 8g, apesar de que a dose de 16g játenha sido usada sem efeitos colaterais de importância. A duração dos tratamentos é variável enão existem parâmetros completamente confiáveis que balizem a continuidade ou a suspensão dotratamento. Um parâmetro utilizado é a cor da urina durante a quelação. Coloração de vinho roséna urina é sinal de excreção de cerca de 10 a 30mg de ferro em 24 h. Assim, enquanto o pacienteapresentar essa coloração de urina é sinal de que existe ferro em excesso que deve ser quelado, eo uso da desferoxamina deve ser prolongado até cerca de 24 h após a urina estar de cor normal.

O uso oral de desferoxamina continua controverso em função de sua pequena absorção. Noentanto, sabe-se que a ferrioxamina é menos tóxica que o ferro, fundamentando seu uso por viaoral, com o propósito de complexar o ferro ainda na luz intestinal e evitando que ele sejaabsorvido na forma livre.

A dose tradicional para esse fim tem sido de 5 a 10g, quando do atendimento inicial do pacienteintoxicado, associado sempre aos esquemas parenterais. Não há trabalhos clínicos mostrandoeficácia da via oral no controle dos efeitos corrosivos do ferro no trato gastrintestinal.