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MARIA LUCIA FRIZON RIZZOTTO A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO ÂMBITO DO PROJETO REVOLUCIONÁRIO BOLIVARIANO NA VENEZUELA Relatório de Estágio Pós-doutoral realizado na UFSC Universidade Federal de Santa Catarina e CENDES Centro de Estudios del Desarrollo, no período de setembro de 2006 a julho de 2007 Brasil Julho - 2007

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MARIA LUCIA FRIZON RIZZOTTO

A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO ÂMBITO DO PROJETO

REVOLUCIONÁRIO BOLIVARIANO NA VENEZUELA

Relatório de Estágio Pós-doutoral realizado

na UFSC – Universidade Federal de Santa

Catarina e CENDES – Centro de Estudios

del Desarrollo, no período de setembro de

2006 a julho de 2007

Brasil

Julho - 2007

RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO

O pós-doutorado se constitui em uma oportunidade ímpar na vida de qualquer pesquisador,

particularmente quando se atua em universidades sem muita tradição em pesquisa e

distantes geograficamente dos centros já reconhecidos como produtores e difusores de

conhecimento. Este é o meu caso e o da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

(Unioeste), onde atuo há 20 anos como professora do Curso de Enfermagem e, a partir

desse ano, compondo o corpo docente permanente do Programa de Mestrado em Educação,

recentemente aprovado pela CAPES.

A possibilidade de interlocução com pesquisadores de áreas afins, como é o caso da

educação, tem contribuído sobremaneira para a minha prática profissional de pesquisadora

e professora da área da saúde. Essa experiência se iniciou quando cursei o mestrado em

educação, mas permaneceu na medida em que passei a fazer parte de um grupo de pesquisa

(GPPS – Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais), na minha universidade, em que atuam

pesquisadores das áreas de saúde e educação. Dessa forma, a opção por um pós-doutorado

na área da educação não se constitui em novidade, mas atende a necessidades pessoais, do

grupo e do próprio mestrado onde estou atuando

As atividades realizadas durante o Estágio de Pós-doutorado, sem dúvida enriqueceram a

minha trajetória acadêmica, além de possibilitar desdobramentos no campo institucional,

na medida em que as articulações realizadas durante a minha permanência no CENDES –

Centro de Estudos del Desarrollo – UCV - Venezuela (outubro a dezembro de 2006) e na

UFSC (setembro de 2006 e março a julho de 2007), poderão viabilizar intercâmbios

futuros entre pesquisadores dessas instituições com a Unioeste e vice-versa.

Durante o mês de setembro de 2006 retomei o projeto de pesquisa protocolado na Pós-

graduação em Educação (PGE), embora seja importante destacar que o mesmo sofreu

alterações na sua execução em face da realidade encontrada na Venezuela. Ainda durante

este mês de permanência na UFSC participei das reuniões do GEPETO, revi um texto para

publicação sobre Educação Permanente no Setor de Saúde no Brasil, que foi publicado na

coletânea: Abordagens, Práticas e Reflexões em Saúde Coletiva (Apêndice F). Além disso,

nesse período, elaborei dois verbetes (Focalização em Saúde e Neoliberalismo em Saúde)

publicados no Dicionário da Educação Profissional em Saúde da EPSJV/MS - Fiocruz.

(Apêndices D e E).

No período de outubro a dezembro de 2006, permanecei na Venezuela, vinculada ao

CENDES – Centro de Estudios del Desarrollo – Universidade Central da Venezuela,

realizando levantamento de material bibliográfico e documental, entrevistas com

coordenadores de cursos da área da saúde e acompanhando o processo de formação nos

cursos de Medicina Integral Comunitária e Gestão em Saúde Pública da Universidade

Bolivariana da Venezuela (UBV), que acabou se tornando o objeto central da pesquisa.

Embora o tempo de permanência tenha sido relativamente curto, foi possível elaborar

algumas análises iniciais do material empírico, as quais foram apresentadas em seminário

interno organizado pela direção do CENDES.

Durante os meses de março a julho de 2007, permaneci na UFSC e dediquei a maior parte

do tempo na elaboração do relatório de pesquisa, que teve como tema “A formação de

profissionais de saúde no âmbito do Projeto Revolucionário Bolivariano na Venezuela”.

Como produção paralela ao relatório e a partir dos dados da pesquisa elaborei dois textos

que foram encaminhados para eventos científicos de caráter nacional, um para a ANPED e

outro para o V Colóquio Marx e Engels. O texto encaminhado para a ANPED foi

produzido em parceria com a Dra Francis M. G. Nogueira e tem como título: “A

reconfiguração do Estado venezuelano inscrito na Constituição de 1999 e o processo de

universalização da educação escolar: as missões Robinson, Ribas e Sucre”. O Texto

produzido e encaminhado para apresentação no V Colóquio Marx e Engels, promovido

pelo Centro de Estudos Marxistas (CEMARX) da Unicamp, é intitulado “O Projeto

Revolucionário Bolivariano e a criação da Universidade Bolivariana da Venezuela”

Também nesse período cursei a disciplina: Tópicos Especiais, ministrada pelo professor

Mario Duayer e Maria Célia Albuquerque, em que se discutiu a natureza e o estatuto da

ciência e da explicação científica. No primeiro momento, para apreender os problemas

relacionados à ontologia, foram utilizados textos de George Lukács que tratam dessa

questão. No segundo momento, Roy Bhaskar foi o autor escolhido para a discussão sobre o

realismo crítico. O texto elaborado para avaliação final da disciplina foi encaminhado para

ser avaliado pelo professor responsável.

Também durante o Estágio de Pós-doutorado co-orientei a Aluna Carla Straub – do

Mestrado em Educação da UFSC que tinha como orientadora a Dra. Eneida Oto Shiroma.

O título da dissertação de Carla era: “Formação dos trabalhadores da saúde sob a égide da

produtividade”. A defesa foi realizada no dia 09/04/2007.

Antes de encerrar a minha permanência na UFSC apresentei, em seção pública, os

resultados da pesquisa realizada durante o estágio pós-doutoral para alunos e professores

da UFSC, de diversos cursos e áreas de conhecimento.

Gostaria de salientar a participação nas reuniões do Grupo de Pesquisa Educação e

Trabalho (GEPETO) ao qual fiquei vinculada neste período de Estágio Pós-doutoral. As

reuniões do grupo se constituíram em importante espaço de interlocução acadêmica e de

aprofundamento teórico de temas relacionados com questões conceituais, metodológicas e

de conjuntura nacional e da América Latina.

Por fim gostaria de deixar registrado que a realização deste Estágio Pós-doutoral no

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina foi

extremamente profícuo do ponto de vista acadêmico, profissional e pessoal. Isso foi

possível em face da acolhida que tive por parte dos colegas do grupo, pela contribuição da

professora Eneida Oto Shiroma, como professora responsável; pela infra-estrutura

oferecida pelo programa como biblioteca, sala de estudo, acesso a internet, secretaria, etc;

e pela oportunidade de vivenciar uma realidade em que se observa uma preocupação não

só com a produção de novos conhecimentos, mas com a preservação da universidade

pública como espaço privilegiado para essa produção.

Meus agradecimentos à Universidade Federal de Santa Catarina ( UFSC) , ao Centro de

Estudios del Desarrollo (CENDES) – Universidade Central da Venezuela, a Universidade

Bolivariana de Venezuela (UBV) , a Unioeste e ao Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais

(GPPS).

Nada neste mundo é tão poderoso

como uma idéia cuja oportunidade chegou.

Victor Hugo

Que as classes dominantes tremam à idéia

de uma revolução comunista.

Os proletários nada tem a perder nela

a não ser as correntes que o aprisionam.

Tem um mundo a ganhar

Karl Marx

6

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

7

INTRODUÇÃO 8

1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONJUNTURAIS DO ATUAL PROCESSO

POLÍTICO VENEZUELANO

1.1 O início da história recente da Venezuela

1.2 Particularidades das Forças Armadas na Venezuela

12

18

28

2. O GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ FRIAS

33

2.1 O início do governo Chávez 34

2.2 O Estado bolivariano em construção 35

2.3 Desenvolvimento endógeno 36

2.4 Democracia participativa e protagônica 38

2.5 A continuidade do governo Chávez 39

2.6 A concepção de política social do governo Chávez 45

3. A FORMAÇÃO DE TRABALHADORES DA SAÚDE NA UBV

50

3.1 A UBV e o Projeto Revolucionário Bolivariano 51

3.2 Pressupostos teórico-metodológicos que dão sustentação à formação

acadêmica na UBV

52

3.3 A concepção de educação no projeto educacional bolivariano e na

formação dos profissionais de saúde

60

3.4 Graduação em Gestão em Saúde Pública – UBV 64

3.5 Graduação em Medicina Integral Comunitária – UBV 68

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

74

REFERÊNCIAS

80

ANEXO A – Plano de estudos do Curso de Gestão em Saúde Pública

ANEXO B – Plano de estudos do Curso de Medicina Integral Comunitária

82

89

7

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AD - Acción Democrática

ALBA - Alternativa Bolivariana para as Américas

ANC - Assembléia Nacional Constituinte

ApP - Aprendizagem por Projetos

APS – Atenção Primária em Saúde

BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina

COPEI - Partido Democrático Cristão

CTV - Confederación de Trabajadores de Venezuela

FFAA – Forças Armadas

FMI - Fundo Monetário Internacional

GSP - Gestão em Saúde Pública

LCR - La Causa Radical

MBR – 200 - Movimento Bolivariano Revolucionário-200

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MIC - Medicina Integral Comunitária

MVR - Movimento Quinta República

ONU – Organização das Nações Unidas

OPS - Organização Panamericana de Saúde

PCV - Partido Comunista de Venezuela

PDVSA - Petróleos da Venezuela

PES - Plano de Eqüidade Social

PFG - Programas de Formación de Grado

PIB - Produto Interno Bruto

PVR - Partido de la Revolución Venezolana

UBV - Universidade Bolivariana de Venezuela

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

URD - Unión Republicana Democrática

8

INTRODUÇÃO

A Venezuela vive atualmente um momento de sua história em que se processam profundas

mudanças no âmbito político e social, que podem ter repercussões a médio e a longo prazo

em outros países da América Latina ou mesmo na região como um todo. Obviamente que

as repercussões, se de fato vierem a ocorrer, se darão de formas distintas em face da

heterogeneidade cultural, social, econômica e política dos diferentes países que compõe

esta região do continente.

Pelos próprios aspectos inovadores que apresenta, o processo venezuelano merece ser

estudado, mais ainda se levada em consideração a atual conjuntura política da América

Latina, que coloca mais da metade da população sob governos vinculados a uma orientação

de esquerda ou de centro esquerda. Tais governos, teoricamente, estariam mais propensos à

realização de mudanças que favorecessem a classe trabalhadora.

Essa configuração política não se deu por acaso, mas em grande medida como resultado da

implementação das reformas neoliberais, bancadas por organismos internacionais como o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e colocadas em prática,

indistintamente, nos vários países latinoamericanos, a partir da década de 1980. Essas

reformas, cuja ênfase se deu no campo econômico e das políticas sociais, trouxeram como

conseqüência imediata o empobrecimento substancial da população e o aumento das

desigualdades sociais intra e entre países.

Se de início tais reformas alcançaram seus objetivos em manter o processo de transferência

de riqueza dos países dependentes para os países de capitalismo avançado,

contraditoriamente, fizeram emergir movimentos contestatórios que buscam evidenciar as

mazelas que essa transferência provoca, até porque são as maiores vítimas dela. Ao mesmo

tempo, esses movimentos tentam colocar em cheque a exploração imperialista e em

conseqüência, a própria dinâmica de acumulação capitalista que historicamente expropriou

os povos dessa região.

Talvez o movimento mais visível desse processo seja o surgimento de um nacionalismo de

base popular, cujos representantes, consciente da impossibilidade de realizar de forma

9

isolada qualquer ação mais conseqüente na direção de romper com a atual forma

dependente de inserção na dinâmica capitalista mundial, buscam promover a articulação e

a integração dos países latinoamericanos, visando formar um bloco mais consistente para

realizar esse enfrentamento.

Neste trabalho não se pretende discutir a conjuntura da América Latina, nem analisar os

processos políticos dos diversos países da região, os quais estão promovendo mudanças

importantes nos rumos do que estava instituído como padrão de política econômica, social

e de relações internacionais. Apenas a título de contextualização do objeto de pesquisa será

relatado, ainda que de forma sucinta, os principais acontecimentos históricos e conjunturais

que levaram à Venezuela a promover uma série de mudanças no campo das políticas

econômicas e sociais, as quais apontam para transformações na dinâmica e na estrutura da

sociedade daquele país. O processo político venezuelano tem chamando a atenção tanto

dos que o apóiam como dos que buscam interrompe-lo a qualquer custo.

Nesse sentido, o relato deste processo, localiza aquilo que se constitui a temática deste

estudo, ou seja, a vinculação entre o Projeto Revolucionário Bolivariano1 e a formação de

profissionais da área da saúde (médicos integrais comunitários e gestores em saúde

pública), nos cursos de graduação em Medicina Integral Comunitária (MIC) e Gestão em

Saúde Pública (GSP), ofertados pela Universidade Bolivariana de Venezuela (UBV)2. A

análise será centrada nos aspectos políticos, conceituais e pedagógicos do processo de

formação dos referidos cursos, tendo como objetivos: (1) apreender o significado da oferta

desses cursos no processo revolucionário em curso naquele país; (2) identificar as

concepções de educação e de saúde presentes nos dois Programas de Formación de Grado

1 O Projeto Revolucionário Bolivariano tem inúmeros objetivos, entre eles, destacamos o de criar um

modelo próprio de desenvolvimento e conseguir que uma elevada consciência social, o domínio do

conhecimento e de valores patrióticos e morais, constituam a base do processo bolivariano.

2 A UBV foi criada por meio do Decreto Presidencial n.

o 2.517, de 18 de julho de 2003, como

alternativa ao sistema educacional superior da Venezuela, que não estaria dando respostas às demandas da

sociedade e do processo de transformação em curso naquele país. Ao contrário, a formação ministrada nas

tradicionais universidades do país e a produção de conhecimento em seu interior, na grande maioria das

vezes, tem se colocado contra o projeto revolucionário popular.

10

(PFG)3; (3) destacar as diretrizes conceituais que dão sustentação às estratégias

pedagógicas predominantes no processo ensino-aprendizagem e as possíveis origens

institucionais dessas diretrizes.

A escolha desse objeto não se deu por acaso, mas pelo entendimento da não neutralidade

do conhecimento científico e do seu papel como elemento fundamental para a apreensão da

realidade social e de sua transformação. Mais ainda, a opção foi se confirmando à medida

em que a observação empírica evidenciou, no âmbito do projeto da “Venezuela

Bolivariana” (porque sustentado na figura e na recuperação dos ideais de Simón Bolívar),

um centralismo na educação e na formação de novos sujeitos, os quais deverão contribuir

para a construção de uma realidade distinta, não circunscrita à sociedade venezuelana.

Para dar conta dos objetivos elencados anteriormente utilizou-se da pesquisa documental,

de entrevistas e observação in loco, além de revisão de literatura em autores que analisam o

atual processo político venezuelano. As fontes primárias consistem de documentos da

UBV, que apresentam as propostas pedagógicas dos dois cursos estudados e outros que

falam da criação e objetivos da instituição; documentos do Ministério da Educação; do

Ministério de Ensino Superior; relatórios de organismos internacionais e entrevistas

realizadas com os coordenadores dos cursos em questão e coordenadores nacionais das

áreas de educação e de saúde daquele país.

Um projeto de sociedade que pretende estabelecer novas relações sociais requer novas

instituições, novo Estado, novo homem e novos profissionais. Parece serem estes os

determinantes que orientaram a criação da UBV, com a função de formar, numa

perspectiva distinta da que vinha ocorrendo nas universidades consolidadas do país; um

contingente de profissionais para ajudar a levar adiante o Projeto Revolucionário

Bolivariano.

Ainda como aspecto introdutório, quero advertir que este trabalho, ao abordar um período

recente e um objeto não totalmente amadurecido, adiciona dificuldades àquelas próprias

das pesquisas de natureza históricas. Tanto não favorece o distanciamento do objeto,

3 Os Programas de Formación de Grado corresponde ao Projeto Político Pedagógico dos cursos de

graduação no Brasil, onde se define os pressupostos teóricos, a grade curricular, o perfil do egresso, tempo de

duração, funcionamento, etc.

11

recomendado pelos historiadores, como os fenômenos podem não estarem plenamente

desenvolvidos no mundo real. Mas, se por um lado existem esses inconvenientes reais, por

outro, o recorte de um tempo imediato, possibilita o acompanhamento dos processos e a

identificação de acontecimentos e de atores que muitas vezes ficam excluídos dos registros

históricos. Espera-se que tais problemas metodológicos tenham sido minimizados na

exposição do trabalho e os desejos e as paixões que podem produzir o auto-engano não

tenham substituído a análise objetiva que uma pesquisa requer, nem a crítica inerente ao

ponto de vista assumido. Portanto, como se trata de uma primeira aproximação ao objeto

deve-se destacar a provisoriedade dos resultados dessa investigação e a necessidade de sua

continuidade em estudos futuros.

12

1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONJUNTURAIS DO ATUAL PROCESSO

POLÍTICO VENEZUELANO

De início um fato que merece destaque na história da Venezuela, diferente da experiência

brasileira, diz respeito ao seu processo de emancipação política. Lá a independência não

resultou de um acordo de cavalheiros entre os colonizadores e a elite local, em que

praticamente nenhuma mudança substantiva ocorreria em relação a quem iria governar o

país na próxima fase. Ao contrário, a independência venezuelana foi conseqüência de

intensas lutas e de uma guerra civil que durou dez anos (1811 – 1821), cujos objetivos dos

libertadores, tendo a frente Simón Bolívar, não se limitavam as atuais fronteiras da

Venezuela, mas expandia-se para outras colônias espanholas com o intuito de construir

uma grande pátria livre, a Gran Colômbia, hoje constituída pelos limites geográficos da

Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá.4 Simón Bolívar entendia que a liberdade de seu

país, a Venezuela, só se consolidaria se todos os países do continente fossem livres e

houvesse uma integração entre eles, constituindo uma grande nação, soberana, capaz de

enfrentar de forma conjunta as ameaças externas e inventar alternativas para resolver os

problemas internos. Uma frase atribuída a Simón Bolívar, muito repetida na Venezuela na

atualidade é “ou inventamos ou erramos”.

Esses fatos parecem estar presentes na memória coletiva do povo venezuelano, com

destaque para o papel, os ensinamentos e os ideais de Simón Bolívar e de seu mestre

Simón Rodríguez, que embora nunca esquecidos, nos últimos anos foram sistematicamente

recolocados na cena política daquele país. Recuperam-se princípios, visões de mundo, de

homem e de sociedade presentes em seus escritos, revelando um particular projeto de

república e de liberdade que, também agora, não se restringe ao povo venezuelano, mas

pretende envolver outros povos da América Latina. Tais elementos, identificados na defesa

da soberania nacional e na integração latinoamericana, ajudam a dar conformação ao atual

4 Simon Bolívar, conhecido como O Libertador, dirigia um exército integrado por militares de

diversas origens dispostos a libertar os países do jugo espanhol. Dentre os oficiais estrangeiros estava o

brasileiro José Ignácio de Abreu e Lima (general de brigada). Cronologicamente o exército de Bolívar

libertou do jugo da coroa espanhola a Venezuela em 1811, a Colômbia em 1819, o Panamá em 1821, o Peru

em 1821, o Equador em 1822 e a Bolívia em 1824. A Venezuela se separou da “Gran Colombia” em 1830.

13

projeto político venezuelano, denominado de “Revolução Bolivariana”, o qual de certa

forma está traduzido na Constituição da República Bolivariana de Venezuela, de 1999.

As mudanças políticas e estruturais que estão ocorrendo na Venezuela e a política exterior

do governo Chávez, particularmente no que se refere aos países da América Latina e aos

Estados Unidos, podem ter implicações de longo alcance para esta região, daí a

importância em conhecer um pouco mais esse processo.

Em relação às questões econômicas, desde o século XVIII a economia venezuelana se

caracterizou pelo extrativismo e pela exportação de produtos primários. Primeiro,

produzindo e exportando cacau; no século XIX, expandiu para a produção de café e, a

partir do início do século XX até os dias atuais o petróleo se tornou o principal artigo de

exportação. Isso, segundo Lombardi (2003), além de provocar crises cíclicas que abalaram

os regimes políticos, independente de qual conceito ideológico, técnico ou político fosse

hegemônico, ajudou a compor uma série de restrições de caráter econômico, que limitaram

as possibilidades de mudanças mais profundas e de progresso do país. A economia de

extração se constitui, ainda hoje, na principal fonte de recursos fiscais, a “Venezuela pecha

sus exportaciones para poder hacer funcionar el aparato gobernamental”. (LOMBARDI,

2003, p. 12). Assim, nos momentos em que ocorre queda dos preços do petróleo, reduzindo

a entrada de recursos fiscais, o governo precisou reduzir seus gastos e, “a menudo solicita

préstamos para prolongar o acelerar el progreso y, al hacerlo, se hace incluso más

dependiente de la economía de extracción para generar fondos”. (LOMBARDI, 2003, p.

12).

Contudo, “desde 1925, cuando el petróleo se convirtió en el primer producto de

exportación del país, hasta derrumbarse los precios en 1986 (…), el crecimiento

económico fue casi constante”5 (BERGQUIST apud ELLNER, 2003a, p. 20),

particularmente a partir da década de 1960, com a instauração de regimes democráticos.

5 As grandes flutuações nos preços do petróleo, em nível internacional, observadas nas décadas de

1980 e 1990, divergiram da tendência histórica de estabilidade dos preços desse produto desde as primeiras

décadas do século XX, quando se tornou uma das principais fontes de energia do mundo.

14

A Venezuela, em comparação com os demais países da América Latina, viveu

distintamente os períodos de regimes ditatoriais e democráticos. De 1945 a 1948 teve uma

breve experiência democrática, com Rómulo Betancourt do partido Acción Democrática

(AD) no poder, quando se tentou implementar um programa de modernização na

Venezuela a partir de um golpe cívico-militar, mas, em 1948, um golpe militar liderado

pelo General Marcos Pérez Jiménez derrubou o governo e instaurou uma ditadura militar

que durou dez anos de 1948 a 1958. Na época,

los grupos elitistas se sintieron amenazados por las reformas

sociales y las pretensiones hegemónicas del gobierno liderado por

AD durante el trienio 1945 – 1948, y respondieron organizando el

conservador partido demócrata cristiano COPEI, y apoyando el

golpe militar que derrocó el naciente régimen democrático.

(ROBERTS, 2003, p. 77).

Em 1958, com a restauração da democracia, “comenzó un proyecto de 40 años diseñado

para construir una série de instituciones y establecer prácticas para cambiar la economía

de extracción de origen hispánico y reemplazar la débil infraestructura institucional

heredada del pasado”. (LOMBARDI, 2003, p. 14).

Este projeto de cunho nacionalista se fundamentou no denominado Pacto del Punto Fijo,

realizado entre os partidos AD, COPEI e Unión Republicana Democrática (URD).6

O

Pacto del Punto Fijo, “estableció los términos para la democracia, incluyendo algunos

substantivos en el campo económico, así como otros de procedimientos para respetar los

resultados de las elecciones, consultar a los líderes de los partidos de oposición y

compartir responsabilidades”. (NORDEN, 2003, p. 128). O projeto puntofijista se

apoiava, materialmente, na “distribución de las rentas petroleras internacionales a través

6 O partido URD teve uma vida relativamente curta, logo após a instituição do pacto se dissolveu.

15

de un sistema de clientelismo”, sintetizado por Rey (1972) na expressão “el sistema

populista de reconciliación”.7 (HELLINGER, 2003, p. 43).

Para Hellinger (2003, p. 43), o moderno sistema democrático venezuelano foi criado por

uma geração de líderes políticos, “que desde 1936 habían defendido la democracia

electoral como la clave para lograr el control soberano sobre el petróleo (el subsuelo) y el

desarrollo de una economía no sustentada en ese producto”. Para esse autor, no primeiro

momento da democracia, respaldada pelo Pacto del Punto Fijo, a disputa eleitoral estava

marcada por distinções de classe. De um lado, os setores populares votando em AD, que

dominava as confederações de trabalhadores e campesinos, e de outro, os setores

conservadores se vinculavam ao partido COPEI. Com o tempo, foi se dissipando a

estrutura classista das duas principais agremiações partidárias (AD e COPEI), os

programas partidários foram convergindo e o partido AD, para facilitar a sua aceitação por

parte da elite que estava envolvida no processo de transição,

moderó su posición y negoció una serie de pactos sociales,

económicos y políticos con COPEI y otros actores políticos del

país, excluyendo el Partido Comunista de Venezuela (PCV), un

aliado estratégico en la lucha contra Marcos Pérez Jiménez. A

mismo tempo, aceptó compartir el poder, regular su capacidad

para movilizaciones sociales, y limitar el alcance de las reformas

políticas. (KARL, 1987 apud ROBERTS, 2003, p. 77).

Desde então, até a crise econômica da década de 1990, AD e COPEI controlaram a cena

política, conseguindo, sistematicamente, a maioria dos representantes na câmara e no

senado. Entre 1974 e 1993, tinham, juntos, “no menos de 81% de los escaños en la cámara

baja e 88% en el senado (…), en 1993 el total había reducido a 53% y 60%”.

(HELLINGER, 2003, p. 51).

7 Em 1961, os mesmos integrantes do pacto redigiram a nova Constituição, que vigorou até 1999,

quando uma Assembléia Nacional Constituinte elaborou a atual Carta Constitucional, que inclusive alterou o

nome da Venezuela, passando a ser denominada República Bolivariana de Venezuela.

16

Esse modelo de democracia, a exemplo do americano, em que dois partidos políticos sem

grandes diferenças ideológicas se alternam no poder, era visto por muitos intelectuais e

analistas políticos como modelo para a América Latina e a melhor opção para se construir

uma estabilidade política nos países democráticos. O período de culminância do projeto

puntofijista, que associava democracia, nacionalismo petroleiro8 e desenvolvimento se deu

entre 1973 a 1983, quando se efetivou a melhor distribuição de renda do país. Contudo, a

estabilidade política se revelou frágil diante da determinação econômica. Poucos anos de

crise econômica fizeram mudar radicalmente os indicadores sociais do país, levando ao fim

do Pacto del Punto Fijo e colocando em cheque o próprio modelo de democracia instituído

na Venezuela.

…las bases materiales del consenso, que constituían el soporte

tanto de los acuerdos políticos de la elite como del compromiso de

clases, comenzaron a erosionarse a principio de los años 80

cuando la crisis de la deuda de AL alcanzó tierras venezolanas y

las fuerzas del mercado global hicieron que la renta petrolera se

desplomase. (ROBERTS, 2003, p. 78-9).

Segundo Lombardi (2003), o sonho de progresso9 que compôs o imaginário coletivo dos

venezuelanos, em face às melhorias nas condições de vida e ampliação do consumo que

ocorreu na década de 1970, se apoiou em hipóteses que não se confirmaram. Primeiro, na

idéia de que a prosperidade que acompanhou a expansão dos gastos do Estado naquele

período refletia uma riqueza econômica real e não apenas gastos da renda de exportação de

petróleo; e, segundo, na crença de que os recursos e a riqueza produzida pelo petróleo

iriam, naturalmente, desenvolver uma economia moderna e diversificada.

Com o passar do tempo, ambas as suposições se mostraram não ter correspondência no

mundo real. Com a crise dos anos de 1980, nem o Estado pode manter o volume de gastos

8 Nesse período, mais especificamente em 1976, no primeiro mandato de Carlos Andrés Pérez, foi

nacionalizado o petróleo do país.

9 Para Márquez (2003), a noção de progresso

incluía a possibilidade de realizar compras periodicamente em Miami e associava progresso com um rápido

fluxo de bens e tecnologias importadas, além do incremento da mobilidade social.

17

com as políticas públicas, nem a economia viu nascer atividades alternativas à extração do

petróleo, apesar das estratégias seguidas pelos diferentes governos, iniciadas pelo partido

AD, em 1958, de intervenção na economia e de proteção da indústria nacional. Não

obstante,

la bonanza petrolera de esa década (70) generó una riqueza

repentina, que llegó en una pequeña medida a las clases bajas

como resultado de los beneficios populistas decretados durante el

primer gobierno de Pérez (1974 – 1979). Los años 70

demostraron así el potencial enorme del país. La prosperidad de

ese decenio se convertiría en un punto de referencia constante

para los venezolanos y formaría parte de su memoria colectiva,

haciéndoles difícil ajustarse a los tiempos duros que les tocaron

después. (ELLNER, 2003, p. 34).

Nos anos 70 do século XX, os recursos do petróleo financiaram benefícios para todas as

classes sociais, por meio de subsídios, baixos impostos, controle de preços, serviços

públicos como educação e saúde e um generoso sistema de seguridade social. Foi o

momento em que “la OPEP y los sucesos en el Medio Oriente se combinaron para

multiplicar por 10 los precios del petróleo”, o que possibilitou “un aumento del gasto

público de 96,9% entre 1973 y 1978, [y] permitió lograr excelentes servicios públicos y

grandes oportunidades de empleo” (BUXTON, 2003, p. 147), levando a uma redução

substantiva dos níveis de pobreza do país. Também o setor privado se beneficiou desse

momento, desfrutando “de protecciones arancelarias, acceso a créditos blandos y otras

oportunidades resultado de políticas de sustitución de importaciones”. (BUXTON, 2003,

p. 148). Desta forma, o Estado resolvia a necessidade de acumulação do capital, mantendo

tasas impositivas locales extremadamente bajas, y con el

otorgamiento de créditos públicos extraordinarios para la empresa

privada, mientras las demandas de consumo de las clases

trabajadoras se resolvieron otorgándoles los sueldos más altos de

Latinoamérica. (ROBERTS, 2003, p. 78).

18

Contudo, essa economia petroleira, “debilitó a la oligarquía, al campesinado y a la clase

obrera, y les impidió construir sus propias organizaciones políticas...”. (ELLNER, 2003a,

p. 21). Além disso, “los ingresos derivados del crudo incidieron en el surgimiento de una

burocracia altamente improductiva, que solicitaba préstamos extranjeros para financiar

megaproyectos irrealizables y hasta quijotescos”. (ELLNER, 2003a, p. 26).

Tal burocracia, que também se beneficiou largamente dos recursos petroleiros nos

momentos de expansão econômica, ajudou a construir uma visão paternalista, clientelista e

centralista do Estado, que ainda hegemoniza as relações nas instituições públicas daquele

país. Em grande medida essa mesma burocracia é quem gerencia o Estado venezuelano na

atualidade, perpetuando os vícios e as práticas de corrupção, o que evidencia que a

estrutura do velho Estado burguês, permanece quase intacta. Isso coloca para o governo

Chávez mais um problema a ser solucionado, talvez o mais difícil, que é “destruir” o

Estado burguês, principal agente de sustentação jurídico-política das relações capitalistas.

Isto se de fato estiver disposto a construir o “Socialismo do Século XXI”, como tem

afirmado nos últimos tempos, independente das características que este vier a assumir.

1.1 O início da história recente da Venezuela

Vários autores que estudaram e estudam o atual processo político venezuelano, entre eles

Maya (2005), Ellner (2003a) e Márquez (2003), indicam o denominado viernes negro

como marco de desarticulação do pacto democrático puntofijista, instituído em 1958, e da

própria estrutura societária instaurada a partir dele. Em 21 de fevereiro de 1983, uma sexta-

feira, depois de mais de 25 anos de estabilidade econômica e política, o então presidente da

Venezuela Luis Herrera Campíns, desvalorizou o Bolívar, a moeda nacional, como

estratégia para enfrentar a crise econômica que assolava o país. De uma relação de 4,30

Bs/U$ passou para 9,90 Bs/U$. Na época, segundo Maya (2005, p. 23) um jornalista

expressou o estado de ânimo da população na seguinte frase: “la fiesta se acabó”. A crise

econômica decorria de uma combinação de fatores externos e internos, entre eles o declínio

do modelo de desenvolvimento sustentado na renda petroleira e a crise de acumulação do

19

capitalismo em escala mundial. Como expressões da crise que atingiu a Venezuela,

naquele momento, destacam-se o crescimento negativo do PIB, que em 1983 foi da ordem

de -7,01, e o atraso no pagamento da dívida externa.

Para Hellinger (2003), a desvalorização do Bolívar iniciou uma crise não só material, mas

também ideológica da qual o país nunca se recobrou. A capacidade distributiva do Estado

venezuelano começou a diminuir, bem como a confiança do povo de que a democracia

burguesa seria capaz de estimular o desenvolvimento e de oferecer oportunidades para

todos.

Se na década de 1970, houve uma melhora substantiva nas condições de vida da

população, pois em 1978 apenas 10% da população era considerada pobre, e pouco mais de

2% vivia em extrema pobreza, a partir da década de 1980, os cortes nos gastos sociais e

nos salários, decorrentes da crise que se abateu sobre o país, levaram a um aumento

absurdo da pobreza. “Entre 1984 a 1995, el porcentaje de la población pobre aumentó de

36% a 66%, mientras el sector en pobreza extrema aumentó más del triple, de 11% a

36%...”. (EVANS apud ROBERTS, 2003, p. 80).

Embora o empobrecimento da população venezuelana tenha se iniciado com a crise da

dívida externa, no início dos anos de 1980, esse processo se acelerou na década seguinte

com as políticas de ajuste estrutural, impostas pelos acordos firmados com o Banco

Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os acordos, como se sabe, tinham

como referência o Consenso de Washington, que entre outras coisas pregava o ajuste fiscal

por meio da redução de gastos sociais, da abertura comercial e financeira, do controle dos

salários e da privatização de empresas públicas.

Os cortes promovidos pelas reformas neoliberais foram drásticos, atingindo todos os

setores públicos. De um investimento de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) em gastos

sociais, em 1987, reduziu-se para 4,3% em 1994, sem contar a queda nominal do próprio

PIB. Os programas educativos sofreram redução superior a 40%; o setor de saúde, 37%; o

setor de desenvolvimento social e participação, 56%; e o desenvolvimento habitacional e

urbano teve 70% de cortes nos seus investimentos. Em relação aos salários, no final da

década de 1990, estavam 40% menores do que nos anos de 1980. Em 1997, 67% dos

20

venezuelanos ganhavam menos de dois dólares por dia. “Los efectos políticos del declive

económico se hicieron más agudos por el hecho de que los sacrificios no eran compartidos

por todos. Al contrario, su distribución se hacía más desigual a medida que la torta

económica se reducía”. (BUXTON, 2003; ROBERTS, 2003, p. 80-1).

O progressivo empobrecimento econômico e o aumento das desigualdades sociais levaram

a uma crescente polarização da sociedade venezuelana, fazendo reaparecer de forma muito

intensa a divisão e a luta de classes, que estava entorpecida pela distribuição de renda mais

ou menos eqüitativa dos anos de 1970.

Este resurgimiento de la diferencia social como eje de una política

distinta es doblemente interesante, por cuanto no solo rompe con

la reciente historia política de Venezuela, sino también con las

tendencias dominantes en las políticas latinoamericanas

contemporáneas. Aunque las desigualdades sociales se han

profundizado en la mayor parte de America Latina durante los

últimos 20 años de crisis económicas y reformas de libre mercado,

las divisiones de clases generalmente se han diluido en la arena

política, víctimas de mercados laborales fragmentados,

decrecientes acciones colectivas de grupos sociales, y estrategias

partidistas que debilitan la identidad de clase. (ROBERTS, 2003,

p. 75-6).

De fato, embora em todos os países latinoamericanos que aplicaram as reformas

neoliberais nas décadas de 1980 e 1990, tenha ocorrido o mesmo fenômeno, ou seja, um

aumento da pobreza, acompanhado de uma ampliação das desigualdades sociais entre os

poucos que se apropriam de grande parte da riqueza produzida e a maioria que nada possui,

não se observou, na maior parte dos países, mobilizações populares que efetivamente

colocassem em cheque tais reformas. Ao contrário, o que se evidenciou foi um

arrefecimento do movimento sindical e social, talvez, efeito ainda das ditaduras militares

que governaram esses países nas décadas de 1960 e 1970, da onda de desemprego

estrutural, mas também de uma postura de consenso e sem a perspectiva de classe

assumida por muitos sindicatos e partidos políticos, como o caso do Partido dos

21

Trabalhadores, no Brasil, a partir do processo de redemocratização do país na década de

1980.

Além disso, em grande parte desses países o setor popular, que historicamente constituiu a

maioria da sociedade, nunca experimentou um padrão de consumo e um nível de vida além

do mínimo permitido por salários insuficientes à própria subsistência e por políticas sociais

segmentadas e residuais, próprias do processo de acumulação capitalista. Daí, talvez, se

explique a passividade do conjunto da população diante do absurdo processo de exclusão,

do aprofundamento da pobreza e do aumento da desigualdade social, observados neste

final e início de século nos países latinoamericanos. Nesse sentido, conforme veremos a

seguir, o povo venezuelano teve uma reação distinta diante das conseqüências das reformas

neoliberais, como o desemprego, a redução dos salários, os cortes nas políticas sociais e a

deterioração dos serviços públicos, fatores que contribuem para manter um nível de vida

mínima para o conjunto da população.

Na década de 1980, a crise econômica se acentuou e o nível de vida se deteriorou

rapidamente, em 1989, 66,5% da população era considerada pobre e 29,6% vivia em

pobreza extrema. Com esses dados sociais, indicativos do grau de deterioração das

condições de existência do povo venezuelano, em dois de fevereiro de 1989, seis anos

depois do viernes negro, assumiu pela segunda vez a presidência da República, Carlos

Andrés Pérez, do partido AD, para o mandato de 1989 a 1993. Pérez havia governado o

país no período da bonança petroleira (1974 – 1979) e implementado políticas populistas,

por isso, na época, teve-se a crença de que ele poderia trazer de volta os bons tempos

vividos na década de 1970. Contudo, em 16 de fevereiro, 14 dias depois de sua posse,

anunciou a negociação de um acordo de ajuste estrutural com o FMI. (HELLINGER,

2003). O acordo firmado com o FMI, não se diferenciou dos planos de ajuste impostos

para os demais países da América Latina neste mesmo período, com ele se

eliminó los subsidios y los controles de precio de una gran

cantidad de servicios públicos y bienes de consumo; liberó la

paridad monetaria y las tasas de interés; recortó las restricciones

de intercambio comercial; flexibilizó los controles sobre inversión

22

extranjera y lanzo un ambicioso programa de privatización.10

(ROBERTS, 2003, p. 85).

Para esse autor, com essas medidas o presidente Pérez rompeu tanto com o consenso

programático construído ao longo do tempo, como com os acordos políticos que haviam

levado distintas classes sociais a aderirem aos dois grandes partidos tradicionais, AD e

COPEI. Isso teria marcado o colapso do sistema populista de reconciliação, até então

vigente na Venezuela.

Em reação às medidas de ajuste neoliberais, acordadas com o FMI e o Banco Mundial, e

como sintoma da degradação nas condições de vida, sobretudo da população trabalhadora,

em 27 de fevereiro de 1989 teve início um levante popular, que começou em Caracas, mas

se estendeu para 19 cidades de médio e grande porte do país, conhecido como caracazo.11

As manifestações, na forma de saques em estabelecimentos comerciais e quebra-quebra,

foram desencadeadas pelo reajuste ilegal das tarifas do transporte coletivo, decorrente do

aumento de 100% nos combustíveis e da negação das empresas em darem descontos nas

passagens dos estudantes. O levante, que revelou a agudização das tensões sociais, teve

um saldo de mais de 1.000 mortos, durou até 19 de março, quando o exército foi chamado

para controlar a revolta, uma vez que as polícias não haviam conseguido.

Segundo Chávez, em entrevista dada para a rede Venezolana de Televisión, dia

01/12/2006, isso ficou como um peso sobre os ombros dos militares, que em sua grande

maioria tinham a mesma origem popular das pessoas que haviam reprimido. Portanto,

sabiam dos problemas e dificuldades econômicas e sociais que o povo estava vivendo. Para

Norden (2003, p. 125), “La experiencia de actuar en forma represiva enojó a muchos

militares, incluyendo a Chávez y a Francisco Arias Cárdenas (…), muchos de ellos se

identificaron más con el pueblo a quien se les pedía reprimenda, que con sus superiores

militares y civiles”.

10

Nesse processo privatizou o sistema de portos, a empresa aérea VIASA e abriu a indústria petroleira

e outros setores estratégicos ao capital privado. (ELLNER, 2003).

11 O caracazo se converteu em símbolo de resistência às políticas neoliberais na Venezuela.

23

Para Ellner (2003a, p. 22), o caracazo e os distúrbios que se seguiram, “debido a la

aparente solidez del sistema político venezolano, (...) sorprendieron a los analistas y a los

mismos venezolanos”, colocando por terra a tese da excepcionalidade venezuelana, que via

esse país como diferente de seus vizinhos latinoamericanos, quer pela maturidade política,

quer pelo fato de ser grande produtor de petróleo e ter conseguido, em certo período,

instituir uma melhor repartição de renda em nível nacional. .

Se em 1958 a oposição à ditadura militar tinha conseguido unir pessoas de distintas classes

sociais para derrotar a ditadura e instituir a democracia, o caracazo, em 1989, “fue la

primera acción masiva de las clases populares desde 1935, cuando la muerte de Juan

Vicente Gómez provocó la intranquilidad rural y urbana de fuerte connotación clasista”.

(HELLINGER, 2003, p. 48). O caracazo revelou uma tendência dos anos seguintes de

manifestações de rua com forte caráter classista.

A evidente polarização da sociedade venezuelana aumentou a distância e a tensão entre

setores não organizados da população, os mais pobres, e os setores mais organizados e

privilegiados. Segundo Ellner (2003b) essa polarização se expressou em pelo menos cinco

frentes, entre elas destacam-se o crescimento da economia informal, o ressentimento

mútuo entre as classes baixas e os setores mais privilegiados da sociedade, e a emergência

de partidos políticos defensores das classes baixas, rompendo com a tradição dos partidos

multiclassistas.12

No que diz respeito ao crescimento da economia informal, de fato o modelo econômico

centrado na exploração e exportação do petróleo não favoreceu o desenvolvimento de

outros setores produtivos, ao contrário, estimulou o deslocamento de grandes contingentes

populacionais do campo para a cidade, conseqüentemente, a concentração da posse da

terra.13

Como o setor industrial tinha pouca capacidade de absorção de mão-de-obra, a

12

Embora os partidos políticos possam se proclamar como policlassistas, no limite defendem apenas

uma classe social. Independente da modalidade que adquirem, os partidos expressam sempre um interesse de

classe e se constituem no instrumento que a classe se utiliza para a sua atuação política.

13 Entre 1989 e 1992, nos primeiros anos de reformas neoliberais, aproximadamente 600.000 pessoas

abandonaram o campo, reduzindo a atividade agrícola de 16,1% para 10% da economia. (BOLIVAR, PÉREZ

CAMPOS apud ROBERTS, 2003). A Venezuela é o país, da América Latina, que tem uma das maiores

concentrações de terras do continente.

24

força de trabalho que veio do campo e a que foi dispensada do setor formal, pela recessão

econômica que se seguiu às reformas neoliberais, se concentrou no setor informal da

economia, que ainda hoje absorve cerca de 50% da força de trabalho. Como se sabe, o

trabalho informal agrava as condições de vida, tanto pelas próprias condições em que se

realiza, como pelos benefícios previdenciários que o trabalhador informal não consegue

usufruir.

Já o crescimento da desigualdade social deixou evidenciado quem efetivamente havia se

beneficiado dos recursos do petróleo nas décadas anteriores. Embora toda a sociedade

sofresse com a crise econômica que se abateu sobre o país, os efeitos mais devastadores

ocorreram nas classes média baixa e baixa. Isso foi gerando um ressentimento mútuo, a

ponto de “Después de los disturbios de 27 de febrero, los pobres llegaron a considerar

cualquier urbanización de clase media o alta como territorio enemigo (…), y la clase

media teme que los pobres estén a punto de invadir sus comunidades”. (ELLNER, 2003a,

p. 35).

De fato o caracazo ou sacudón como também ficou conhecida essa revolta popular na

Venezuela, parece ter se convertido em um ponto de ruptura no processo político e

societário venezuelano, vigente até então.

La debilidad y falta de representatividad evidenciadas por las

instituciones oficiales y de mediación tornaban urgente el inicio de

reformas, rectificaciones y ajustes en las relaciones políticas, como

medio para recuperar algún nivel de control sobre la vida social y

alguna legitimidad ante la ciudadanía. Sin embargo, esto no

ocurrió, y por consiguiente el gobierno, los partidos y los

sindicatos entraron en un proceso sostenido de rechazo por parte

de la populación. (ROBERTS, 2003, p. 102).

O rechaço às instituições políticas e de representação resultou da postura tímida e mesmo

conservadora dos maiores sindicatos e partidos políticos, particularmente o partido AD que

originalmente tinha uma vinculação com os setores populares, diante das reformas

neoliberais e da própria ação popular. Essa postura deu espaço para a emergência de outras

25

organizações políticas e da sociedade civil, que mesmo sem muita estrutura combatiam

duramente as políticas liberais do então governo.

Dessa forma, os pequenos partidos e associações foram se constituindo em alternativa para

a classe trabalhadora, pois enquanto o povo reagia com indignação e violência às medidas

de restrição, a Confederación de Trabajadores de Venezuela (CTV) e o partido AD, que

dominava essa central sindical, vacilavam nas suas reações às reformas. Assim, foram se

distanciando “... cada vez más del movimiento de protesta popular abriendo un nuevo

espacio político para el partido LCR y sus afiliados, los sindicatos más combativos y los

grupos vecinales independientes que carecían de uma organización estricta”. (ROBERTS,

2003, p. 87).

De acordo com Hellinger (2003), nas inúmeras manifestações de protesto e reivindicação

que ocorreram no período que se seguiu ao caracazo, foi se evidenciando a incapacidade

dos sindicatos de defenderem os interesses dos trabalhadores informais, e os partidos

políticos de representarem as camadas populares. Nesse vazio de representação, deixado

pelo fim do Pacto del Punto Fijo, emergiram novas forças sociais, como o movimento de

trabalhadores La Causa Radical (LCR), logo convertido em Partido/LCR; grupos de

executivos da companhia Petróleos da Venezuela (PDVSA); outros grupos vinculados à

classe média e profissionais liberais; e um grupo de militares denominado Movimento

Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200)14

ao qual se vinculava Hugo Chávez Frias.

Para disputar as eleições de 1998, esse Movimento criou o Partido/MVR (Movimento

Quinta República).15

El ascenso del LCR e del MVR rompió el modelo histórico

venezolano de partidos “multiclassistas” que habían apaciguado

los conflictos sociales durante mucho tiempo. (…) Estos dos

14

O número 200 corresponde ao aniversário de 200 anos do nascimento de Simón Bolívar, que

ocorreu em 1983, ano de criação do referido movimento.

15 Foi necessária a criação de um partido com outro nome, pois na Venezuela é proibida, por lei, a

referência a Bolívar na sigla de qualquer organização política. Contudo, percebe-se uma preocupação do

movimento em criar uma sigla cuja fonética seja próxima (MBR – MVR), facilitando a associação do

movimento com o novo partido criado.

26

partidos solo contaron con el apoyo de las clases menos

favorecidas, y eran impopulares entre los sectores más

privilegiados, y hasta entre los intelectuales tradicionalmente

identificados con los movimientos y las causas izquierdistas.

(ELLNER, 2003, p. 35).

A emergência de novos líderes e partidos políticos identificados com as classes populares e

a preferência dessas por candidatos independentes, não vinculados aos partidos

tradicionais, revelaram não só a derrota do sistema partidário vigente desde 1958, mas

também a insuficiência do modelo econômico e da própria democracia representativa

vigente de viabilizar uma melhor distribuição da riqueza produzida.

Contudo, não foi somente Carlos Andrés Pérez, destituído do cargo por corrupção em maio

de 1993, que adotou políticas neoliberais; o próprio Rafael Caldera, que se elegeu

presidente da república para o período de 1994 - 199916

com um discurso francamente

antineoliberal, no meio de seu mandato sucumbiu a ola neoliberal. Em abril de 1996,

colocou em prática a “Agenda Venezuela”, se contradizendo em relação às duras críticas

que havia feito às políticas de Pérez.17

Seria o terceiro programa de ajuste que o país iria

viver, os outros ocorreram em 1984 e 1989. Por meio da Agenda Venezuela,

se eliminaron los controles de precios y cambios impuestos en

1994. El Bolívar flotó libremente antes de que se introdujera un

sistema de tasas de cambios de bandas. Su valor cayó a 290 por

dólar, al tiempo que la liberalización de precios condujo a un

aumento aún mayor de la inflación, la cual alcanzó una cifra de

103,2% en 1996. El consumo colapsó y los niveles de pobreza

mantuvieron su tendencia alcista. A finales de 1996, la pobreza

generalizad alcanzaba a 86% del país. De este total, 65% vivía en

pobreza crítica. (BUXTON, 2003, p. 154-5).

16

Caldera foi fundador do partido COPEI e seu primeiro mandato ocorreu no período de 1969 a 1974.

17 O governo de Caldera privatizou, entre outras coisas, a Companhia Nacional de Telefones

(CANTV), a indústria de ferro e carbono, ativos de empresas financeiras e quando deixou o governo

preparava a legislação para privatizar as empresas de eletricidade, alumínio e petroquímicas.

27

Quando da eleição de Rafael Caldera, em 1993, o povo já indicava claramente que queria

mudanças profundas e não apenas reformas parciais nas políticas nacionais, pois elegeu

Caldera em face de seu discurso radical, antineoliberal, acreditando que ele poderia realizar

as mudanças almejadas pela sociedade. Um fato relevante para a sua eleição se deu por

ocasião da tentativa de golpe militar, liderado por Chávez, em quatro de fevereiro de 1992,

quando, no Congresso, em discurso proclamado como deputado rechaçou o entendimento

repetido por outros parlamentares e pela própria esquerda, de que, os cabeças do

movimento rebelde “eran unos oficiales hambrientos de poder y empeñados en destruir la

democracia.” Ao contrário, “atribuyó el golpe en gran parte al aumento del costo de vida

y a la devastación social ocasionada por las reformas neoliberales”. (ELLNER, 2003a, p.

35). Dessa forma, Rafael Caldera, um dos homens que havia criado e dado sustentação ao

sistema democrático baseado no Pacto del Punto Fijo, “se negó a solidarizarse con AD,

COPEI y el MAS, o a colocar la salvaguardia de las instituciones por encima de los

intereses de los pobres”. (ELLNER, 2003a, p. 36).

Ainda como demonstração desse entendimento acerca da ação do grupo liderado por

Chávez, Caldera libertou Chávez e seus companheiros, em 26 de março de 1994, e anistiou

os oficiais que estavam presos em face de uma segunda tentativa de golpe, colocada em

prática em 27 de novembro de 1992, a qual, diferente da liderada por Chávez (tenente

coronel), envolveu altos cargos do exército, da marinha e da aeronáutica. Além de

conservar os direitos políticos dos insurgentes, dos dois intentos de golpe, Caldera

convidou alguns militares para fazerem parte de seu governo, como foi o caso de Árias

Cárdenas, antigo companheiro de Chávez no MBR-200.

As duas tentativas de golpe, em fevereiro e novembro de 1992, a própria destituição de

Pérez do cargo de presidente da república, pela Corte Suprema, em maio de 1993 e as

infindáveis mobilizações e manifestações populares que ocorreram após 1989, revelavam a

situação insustentável que o país vivia e o grau de insatisfação do povo. Cabe destacar que

mesmo encarcerado por dois anos, Chávez passou a simbolizar a possibilidade de mudança

para o povo venezuelano.

No início de seu governo, em 1994, o então presidente Rafael Caldera, enfrentou uma

grave crise financeira que envolveu 60% do sistema bancário e provocando perdas em

28

torno de 20% do PIB. Nos dois primeiros anos de governo teve péssimos resultados na

economia, quando decidiu então, em abril de 1996, implementar a já citada Agenda

Venezuela. Concluiu seu mandato, em 1998, deixando a Venezuela “golpeada por altos

índices de pobreza” e com “un sentimiento muy generalizado en la población de que los

partidos políticos tradicionales, así como sus representantes, habían sido responsables de

la terrible crisis política, económica y social del país”. (MÁRQUEZ, 2003, p. 259).

Caldera entregou o cargo para Hugo Chávez Frias em 02 de fevereiro de 1999.

Antes de abordar o período do governo Chávez, que efetivamente nos interessa analisar de

forma mais detida, uma vez que é nele e dele que emerge nosso objeto de estudo, farei um

parênteses para abordar um tema, que se não diretamente, de forma indireta ajuda a

entender o processo que culminou com a eleição de Chávez para a presidência da

Venezuela, em dezembro de 1998. Trata-se da relação das forças armadas com a sociedade

civil e do seu papel na política e no projeto de desenvolvimento daquele país.

1.2 Particularidades das Forças Armadas na Venezuela

O exército venezuelano, de onde se originou o tenente coronel Hugo Chávez Frias, desde a

independência, em 1811, até a Constituição de 1961, teve uma presença política constante

na história nacional, quando, então, os civis garantiram seu poder sobre os militares,

tornando as forças armadas um ator obediente, não deliberativo e sem participação política,

sequer podiam votar nos processos eleitorais. Após esse interregno (1961 – 1999) de

subordinação absoluta ao poder civil, a Constituição de 1999, restitui o direito de voto aos

militares, eliminou a proibição de não deliberação do exército, reduziu o controle civil

sobre os militares e atribuiu novas funções para as forças armadas com papel ativo no

processo de desenvolvimento nacional, formando uma união cívico-militar sem

precedentes na história daquele país.

Ajuda a compreender essa relação, a origem popular dos membros das forças armadas e o

próprio processo de formação de seus membros. A partir de 1971, quando se introduziu o

Plano de Estudos Andrés Bello, voltado para os militares, estes puderam freqüentar cursos

29

de graduação e pós-graduação, sobretudo na área das ciências sociais, nas universidades

públicas do país, obtendo, assim, uma formação mais completa e permeada por uma visão

acadêmica mais do que militar. “Esto los dota de una mentalidad poco común si se les

compara con la formación militar de muchos de sus colegas latinoamericanos”. (MAYA,

2003, p. 101). Além disso,

los sectores militares venezolanos no quedaron al margen de la

dinámica en desarrollo. En esos años varios grupos dentro de las

Fuerzas Armadas nacionales venían reuniéndose para hablar de

política y criticar el orden existente (…). Entre ellos estaba, en el

Ejército, el joven Chávez y algunos de sus amigos, especialmente

Jesús Urdaneta Hernández y Felipe Acosta Carles, quienes desde

antes de 1982 habían tomado la iniciativa de constituirse en una

organización clandestina denominada Movimiento Bolivariano

Revolucionario 200 (MBR-200). (MAYA, 2003, p. 99).

Os membros dessa organização clandestina, que tinha como objetivo inicial resgatar os

valores da pátria, dignificar a carreira militar e lutar contra a corrupção, se reuniam “para

estudiar la historia militar y nacional, y discutían los problemas políticos de actualidad,

pero sin duda también tenían el propósito de incidir el los procesos políticos que se

estaban sucediendo”. (GOTT; ZAGO apud MAYA, 2003, p. 99).

O MBR-200 construiu sua ideologia tendo como base o pensamento de três figuras

históricas: Simón Bolívar, Simón Rodríguez18

e Ezequiel Zamora.19

Durante os anos de

1980, os membros desse movimento mantiveram contato com ex-guerrilheiros, dirigentes

de partidos de esquerda, que tinham sido derrotados na luta armada dos anos de 1960. “El

más importante de esos contactos, por su influencia en el pensamiento posterior de la

organización, fue con el Partido de la Revolución Venezolana (PVR),20

liderado por

18

Simón Rodrigues era mestre de Simón Bolívar e acompanhou todo o seu processo de formação

desde a infância até a idade adulta, inclusive na luta pela libertação dos países da América Latina, então

colônias das Espanha.

19 Caudilho da Guerra Federal

20 Um dos irmãos de Chávez, Adán, era membro desse partido.

30

Douglas Bravo, quien fuera el principal comandante guerrillero del occidente del país”.

(MAYA, 2003, p. 100).

De acordo com Maya (2003), esses contatos iniciais se transformaram em articulação

política, não sem conflito entre os civis e os militares que participavam do movimento

político para a tomada do poder. Um exemplo dessa divergência se deu por ocasião do

golpe de 1992, em que os ex-guerrilheiros queriam ter responsabilidades compartilhadas,

inclusive defendendo que a ação civil deveria anteceder a ação militar. Por sua vez, os

militares demonstraram não acreditar na capacidade dos civis de acompanhá-los na ação

para a tomada do poder, deixando-os de fora quando da tentativa de golpe em fevereiro de

1992.

Como se sabe, “el golpe de 4 de febrero fracasó militarmente al no lograr la captura del

presidente, ni someter posiciones militares estratégicas de Caracas”. Contudo, no

momento da rendição, Chávez falou pela televisão, pouco mais de um minuto, mas o

suficiente para dar “rostro a la insurrección, capturando el imaginario colectivo de

amplios sectores de la población”. A tentativa de golpe evidenciou como as políticas

neoliberais “estaban propiciando una fractura en el bloque hegemónico, pues las FFAA

mostraban, por primera vez en muchos años, estar divididas en su lealtad al sistema

político de 1958”. (MAYA, 2003, p. 105).

Las rebeliones militares de 1992 demostraran que algunos

oficiales, particularmente los fundadores del MBR, no habían

asimilado las doctrinas geopolíticas norteamericanas, ni habían

integrado por completo las estructuras del puntofijismo. Chávez y

sus colaboradores fueron la primera cohorte de oficiales que

asistieron a universidades civiles y no fueron a entrenarse contra la

insurgencia en escuelas norteamericanas. (HELLINGER, 2003, p.

60).

Durante sua permanência no cárcere (1992 – 1994), Chávez e seus companheiros de

movimento, tiveram tempo para estudar e planejar suas próximas ações, além de

estabelecer relações com personalidades importantes do país. “...recibieron continuamente

31

la visita de diferentes personajes de la vida social y política, quienes les transmitían su

solidariedad y apoyo. El MBR-200 se fue engrosando con civiles procedentes de todos los

caminos ideológicos”. (MAYA, 2003, p. 106).

Quando Rafael Caldera libertou os militares da prisão, impôs a condição de que saíssem

das forças armadas, mas manteve os direitos políticos. Dessa forma, assim que saiu da

prisão, Chávez anunciou que converteria o MBR-200,

…en una organización política a cuya cabeza aspiraría a la

Presidencia de la Republica. Es a partir de esta fecha cuando se

abre el desafío de convertir un movimiento que hasta ese momento

había sido predominantemente militar y por mucho tiempo

clandestino, en una organización política capaz de acceder al

poder por los canales institucionales. (MAYA, 2005, p. 166).

Com este objetivo, assim que saiu da prisão, começou a viajar pelo país, organizando o

movimento político fortemente comprometido com os ideais de Simón Bolívar e com uma

perspectiva essencialmente nacionalista. A base desse movimento era os “círculos

bolivarianos”, pequenos grupos que se reuniam para estudar, discutir política e pensar

estratégias de intervenção na sociedade. Conforme afirmado anteriormente, para concorrer

à presidência da República, em 1998, foi necessário criar um partido com outra

denominação e estrutura, o MVR, que acabou se sobrepondo e fazendo subsumir o

movimento original – MBR-200.

Desde 1992, o MBR defendia a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte,

“como instrumento para producir el cambio político profundo que demandaba la sociedad

dentro de una atmósfera sin violencia e en paz”.(MAYA, 2003, p. 108). E foi exatamente

nesta bandeira que Chávez apoio sua campanha eleitoral para a presidência da república,

em 1998, quando venceu seu principal opositor Henrique Salas Römer, por 56,2% a

39,97%. Para vencer as eleições, o MVR compôs uma ampla aliança alternativa, conhecida

como Pólo Patriótico, mas sem dúvida, o fato mais significativo “… fue la incorporación

32

del pueblo en el discurso político como sujeto popular, y como sujeto político que se

interpelaba”. (MAYA, 2003, p. 111).

De fato, o grande apoio que o presidente Chávez tem até os dias atuais está entre os setores

populares da sociedade, ou seja, a parcela da população que sofre de forma imediata e em

maior grau as conseqüências do processo de exploração e acumulação capitalista. Mas

também dentro do exército grande parte do contingente das Forças Armadas, apoiam o

presidente e defendem a participação do exército na execução de políticas públicas.

33

2. O GOVERNO DE HUGO CHÁVEZ FRIAS

2.1 O início do governo Chávez

Para se diferenciar dos seus antecessores, que não haviam cumprido com as promessas de

campanha, Chávez, no mesmo dia da posse, em 2 de fevereiro de 1999, assinou decreto

convocando um referendo popular para consultar sobre a eleição da Assembléia Nacional

Constituinte (ANC), que deveria elaborar a nova Constituição do país e redesenhar o então

sistema político venezuelano. A Assembléia Constituinte21

se instalou em nove de agosto e

a Constituição foi aprovada, três meses depois, por meio de plebiscito, em 15 de dezembro

de 1999. Com a nova Constituição, foram convocadas eleições para o ano seguinte de

todos os cargos eletivos, incluindo o do Presidente da República, o que ocorreu em julho

de 2000, quando Chávez venceu seu oponente, Árias Cárdenas, ex-membro do MBR-200,

por 57% a 36%.

Embora elaborada em um tempo relativamente curto, o processo constituinte permitiu a

participação e a colaboração da sociedade, por meio de organizações civis, que

promoveram seminários, debates e elaboraram propostas a serem incorporadas na nova

Carta Constitucional.

…en 1999 las organizaciones sociales lograron persuadir a la

ANC de la inclusión de un elevado porcentaje de sus proposiciones

en el texto constitucional. De las 624 propuestas formuladas a

través de las mesas de la Asociación de Organizaciones de la

Sociedad Civil, Sinergia, más de 50% fueron incorporadas en el

texto constitucional, de forma textual o con algunas modificaciones

de estilo. (GARCÍA-GUADILLA, 2003, p. 240).

21

Os partidários de Chávez conseguiram eleger 121 das 131 vagas da ANC. Da mesma forma, quando

das eleições de deputados para o parlamento unicameral, das 165 vagas, 105 pertenciam a organizações

favoráveis a Chávez. (MAYA, 2005).

34

A nova Constituição, como era de se esperar, incorporou as principais bandeiras do projeto

revolucionário do MBR, como a inclusão do voto dos militares, a ampliação dos

mecanismos de participação direta, os próprios poderes públicos, além de ampliar os

direitos sociais para os trabalhadores informais, índios e mães de família.

A seguir faremos uma rápida apreciação de alguns dispositivos constitucionais que

evidenciam mudanças significativas na configuração do Estado, na Venezuela, e indicam

que este passa de uma condição de Estado democrático representativo para um Estado

democrático participativo. Esta condição tem desdobramentos no campo das políticas

sociais, incluindo o processo de formação de trabalhadores em saúde, objeto deste estudo.

2.2 O Estado bolivariano em construção

Inicialmente, parece-nos fundamental destacar as principais mudanças que foram operadas

na letra da Constituição da República Bolivariana de Venezuela, de 1999, sem aprofundar

a comparação com a Carta anterior, de 1961. Nos Princípios Fundamentais da Constituição

Bolivariana, de 1999, em seu artigo 2° aparece a definição de Estado: “A Venezuela se

constituye em un um Estado democrático y social de Derecho y de Justicia”.

(VENEZUELA, 2000, p.3).

Esta concepção de Estado tem implicações e desdobramentos jurídicos e políticos para a

sociedade. A começar pela farta utilização do conceito de participação, que aparece em 56

artigos da referida Constituição. Assim, a participação associada ao conceito de

democracia participativa esclarece a concepção de protagonismo indicada no artigo 62 da

Constituição. “La participación del pueblo em la formación, ejecución y control de la

gestión pública es el medio necesario para lograr el protagonismo que garantice su

completo desarrollo, tanto individual como coletivo”. (VENEZUELA, 2000, p. 22).

Por este caminho, o protagonismo do povo se realiza como um processo de participação e

desenvolvimento individual e coletivo, particularmente dos que foram historicamente

excluídos de qualquer condição de cidadania. A Constituição estabelece ainda, as garantia

de participação por meio de mecanismos que expressam ações de democracia direta, tais

35

como, o referendo popular, que pode ser de caráter consultivo, revogatório e aprobatório,

as consultas populares e outras formas de auto-gestão, co-gestão e cooperativas em todas

as suas formas, incluindo as de caráter financeiro, as caixas de poupança, a empresa

comunitária e demais formas associativas, guiadas “por valores de la mutua cooperación y

la solidariedad.” (VENEZUELA, 2000, p. 24).

Perspectivas semelhantes constituíram as bases que fundamentaram a República, no início

do século XIX, quando a Venezuela se tornou independente, em 1811, mas que só se

efetivou em 1821, depois de uma duradoura guerra civil. No marco da nova Carta

Constitucional, as mesmas bases estariam permitindo a refundação da República, agora

como República Bolivariana de Venezuela.

A configuração do atual Estado venezuelano, ainda em transição, vai se consubstanciando

para além dos consagrados e reconhecidos poderes até hoje vigentes do liberalismo

clássico, na maioria das Nações, como o legislativo, o executivo e o judiciário. Compõem

também os poderes do Estado, o poder cidadão22

e o poder eleitoral. Em face da

incorporação destes dois novos poderes, no artigo 5º da Constituição há um

redirecionamento da forma como se constitui o poder de Estado democrático e

participativo, afirmando que “Los órganos del Estado emanam da la soberanía popular y a

ella están sometidos.” Complementa afirmando que “La soberania reside

intransferiblemente em el pueblo”, que a exerce diretamente por meio das diferentes

formas de participação direta, ou de forma indireta pelo voto. (VENEZUELA, 2000, p.

04).

A Constituição estabelece um modelo de democracia participativa e co-responsável, como

mecanismo para garantir a redistribuição do poder, a justiça social e a consecução de uma

sociedade de iguais em direitos e deveres. Por outro lado, propõe um regime econômico

solidário e sustentável, centrado na função social da economia e no papel do Estado como

regulador das relações econômicas.

22

O poder cidadão é exercido pelo Conselho Moral Republicano, integrado pelo Defensor do Povo,

Fiscal Geral e Controlador Geral da República.

36

Cabe ao Estado e à sociedade gerar as condições para o desenvolvimento, pois o povo deve

ser protagonista em seu desenvolvimento e no desenvolvimento da Nação. Nesse sentido, é

relevante destacar a novidade conceitual no cenário latinoamericano e mesmo mundial, em

que o paradigma de desenvolvimento inscrito na Constituição venezuelana não se

identifica com o concebido em outros momentos históricos como na década de 1940 e

1950, que em linhas gerais definia que os países menos desenvolvidos ou “em

desenvolvimento” não teriam condições de se desenvolver sem ajudas externas, fossem

elas de caráter administrativo, técnico-científico ou produtivo.

A partir desse entendimento de desenvolvimento, o que se observou do final dos anos de

1940 ao final dos anos de 1970, foi a concessão de empréstimos e eventuais doações para

os diversos setores da economia dos países da América Latina, mediante acordos bilaterais

com os Estados Unidos. Destacam-se os acordos da Aliança para o Progresso e, também,

os acordos multilaterais envolvendo o BIRD e a ONU/UNESCO, visando o

desenvolvimento desses países.

2.3 Desenvolvimento endógeno

A noção de desenvolvimento endógeno, expressa em documentos oficiais da Venezuela,

contraria as noções acima citadas, e reafirma um conceito de desenvolvimento que inclui o

desenvolvimento individual e coletivo do cidadão e não apenas crescimento econômico.

Entendem desenvolvimento endógeno como um enfoque e um modo para conseguir o

desenvolvimento próprio a partir de, para e por dentro. Neste sentido, toda proposta de

desenvolvimento, quer tenha um caráter regional ou nacional, deve se enraizar e se realizar

a partir de projetos de desenvolvimento local, chamados de “núcleos de desarrollo”.

Portanto, a partir de “razões e potencialidades internas” espera-se desenvolver um projeto

nacional que dê origem a uma nova sociedade. Esses elementos ajudam a entender

determinadas características presentes no projeto educacional para o país e na proposta de

formação dos profissionais de saúde, como a pertinência social, o enfoque local, o ensino

por meio do desenvolvimento de projetos, entre outros.

37

Ainda sobre a noção de desenvolvimento endógeno, afirma-se que este se baseia na

planificación y puesta en práctica de un desarrollo que fluya desde

dentro e hacia dentro. Busca crear y consolidar una estructura

productiva diversificada, eficiente y progresivamente

autosuficiente, que permita atender las necesidades de desarrollo

social y humano de las comunidades, en intercambio solidario con

otras comunidades y con la nación em su conjunto.

(VENEZUELA, 2006a, p. 20).

O que parece é que, diferentemente de toda a sua história republicana, este país está dando

os primeiros passos na tentativa de construir a integração física e econômica interna e

externa que ajude a promover o denominado desenvolvimento endógeno, apontando como

mecanismos de integração o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Alternativa

Bolivariana para as Américas (Alba).

Além dessas relações econômicas, a Venezuela tem buscado estabelecer outras relações

com países como a China, o Irã e a Rússia, políticamente aliados, mediante a troca de

petróleo por tecnologia, visando produzir, a partir de dentro, condições que dê sustentação

ao projeto de desenvolvimento endógeno.

Tal definição política demonstra que este país pretende se impor de forma soberana, em

relação ao mercado mundial globalizado e monopolizado pelas corporações internacionais

produtivas e financeiras. Para operacionalizar o denominado desenvolvimento endógeno, o

governo Chávez, iniciou um processo de criação de condições infra-estruturais em todos os

setores da economia e sociais.

A noção de desenvolvimento endógeno está presente em documentos oficiais que orientam

a política de diferentes áreas e setores sociais. No entanto, a incorporação deste conceito à

área da educação, pode indicar a assimilação de uma perspectiva relativista do

conhecimento, que secundariza o conhecimento produzido e acumulado pela humanidade.

Esta discussão será retomada mais adiante nesse texto.

38

2. 4 Democracia participativa e protagônica

No que tange à ampliação da participação do povo nas decisões políticas e quiçá

econômicas do país, a nova Carta estabeleceu a democracia participativa e protagônica

como pilar da nova Constituição, incorporando mecanismos “más directos de intervención

popular, a fin de garantizar la coexistencia de ambas as formas de democracia,

representativa y participativa, y de estimular el ejercicio de esta última por parte de las

organizaciones sociales más que por los partidos políticos tradicionales”. (GARCÍA-

GUADILLA, 2003, p. 232).

Em relação à democracia participativa, na Venezuela, a mesma tem sido interpretada como

“o perfeccionamiento de la democracia representativa mediante mecanismos de

participación tales como el referendo, las asambleas de participación o la rendición de

cuentas. Ello significa que una democracia participativa será también representativa”.

(GARCÍA-GADILLA, 2003, p. 232). Já o protagonismo do povo, segundo a nova Carta, se

dará na formação, execução e controle da gestão pública.

Conforme expresso no Artigo 70o da Constituição da República Bolivariana de Venezuela,

tanto a participação como o protagonismo podem se dar no campo político, por meio da

eleição de cargos públicos, referendo, consulta popular, revogação de mandato23

,

iniciativas legislativas, constitucional e constituinte e assembléia de cidadãos e cidadãs24

;

e, no campo social e econômico, por meio das instâncias de atenção ao cidadão,

autogestão, co-gestão, cooperativas, caixas de poupança, empresas comunitárias, ou outras

formas associativas. (VENEZUELA, 2000).

Para Álvarez (2003, p. 197), essas inovações, introduzidas na Constituição, não se

configuram como uma mera modernização da democracia representativa, “… el poder

constituyente persiguió la trasformación revolucionaria de la democracia formal en una

23

Todos os cargos eletivos podem ser revogados, uma vez transcorrido metade do mandato. Para

ocorrer o referendo é necessário ter a assinatura de pelo menos 20% dos eleitores, não pode ser feita mais de

uma vez para o mesmo ocupante do cargo e será revogado o mandato se igual ou maior número de votantes

que elegeu o funcionário votar pela revogação do mandato e pelo menos 25% dos inscritos para votar

exercerem o direito de voto.

24 As “asambleas de ciudadanos y ciudadanas cuyas decisiones serán de carácter vinculante, confiere

al pueblo la potestad de imponer su mandato al gobernante”. (ÁLVAREZ, 2003, p. 198).

39

forma original de gobiernos que ha otorgado al pueblo un papel `protagónico’”. Para esse

autor,

El “protagonismo” es esencialmente la participación política

dirigida a los siguientes dos fines: 1) someter a los gobernantes al

mandato popular revocatorio y 2) propiciar el autogobierno del

pueblo mediante la participación directa en el proceso de

formación de las leyes, en los referendos consultivos, derogatorios

y aprobatorios, en las consultas, la iniciativa constitucional y

constituyente, y en la asamblea de ciudadanos y ciudadanas.

(ÁLVAREZ, 2003, p. 197).

Ainda no âmbito da Constituição, para grandes males, grandes remédios. Como havia certo

consenso na sociedade venezuelana de que o então sistema político e a democracia

representativa eram os grandes responsáveis pela crise que tinha se abatido sobre o país, de

um regime “partidocrático de la Constitución de 1961 se ha pasado ahora a un régimen

formalmente sin partidos”. (ÁLVAREZ, 2003, p. 194). Na atual Constituição, os partidos

políticos deixaram de existir juridicamente, o termo partidos foi substituído pela expressão

“associação com fins políticos”. Expressão “carente de tradición en la práctica política

venezolana, y sin soporte teórico alguno en la ciencia política y en el derecho público,

pero reveladora de la pretensión de suprimir la hegemonía política de los partidos”.

(ÁLVAREZ, 2003, p. 194).

2.5 A continuidade do governo Chávez

Poderia se supor que a grande batalha de Chávez, no governo, seria a elaboração da nova

Constituição, incorporando as mudanças que julgava necessárias para implementar o

Projeto Bolivariano, que de início, segundo o próprio Chávez (entrevista dada à Rede

Venezolana de Televison, em 01/12/2006) se assemelhava a uma terceira via, estilo Tony

Blair. Contudo, apesar da debilidade e desarticulação inicial da oposição, a trégua foi

relativamente curta. Desde o início do governo, Chávez não teve sossego, mas também não

40

o deu aos seus adversários; protagonizou inúmeras e diferenciadas formas de

enfrentamento com a oposição, desde manifestações de rua, golpe de Estado, referendo

revocatório, até greve, com paralisação completa da produção de petróleo, sem contar o

confronto cotidiano com a mídia.

A luta pela construção de uma nova hegemonia, na Venezuela, não se iniciou nem se limita

ao governo de Chávez, mas, sem dúvida, ganhou contornos nítidos e maior visibilidade a

partir de sua posse e, particularmente, após as primeiras ações pautadas na nova

Constituição. “Casi todas las propuestas del gobierno generaron un debate y una

oposición intensos, desde la redacción de la nueva Constitución hasta la política

educativa”. (ELLNER; HELLINGER, 2003, p. 273).

Os protestos massivos da oposição e a resposta, no mesmo tom, dos defensores do Projeto

Revolucionário Bolivariano, se iniciaram no final de 2001, quando a oposição, liderado

pela Fedecamara25

, conseguiu organizar com êxito, um “paro cívico” no dia 10 de

dezembro desse ano, congregando os descontentes com o conteúdo nacionalista da

Constituição, com a ampliação dos direitos sociais e com as novas leis que ampliavam o

papel do Estado como regulador da vida econômica e social. “A partir de entonces

comenzaría una espiral de confrontaciones entre éstas [fuerzas sociales] y el gobierno

que desembocaría en varios episodios violentos”. (MAYA, 2005, p. 263).

Os primeiros meses de 2002 foram de intensas manifestações de rua de ambos os lados, até

que em 11 de abril, a oposição, liderada pela Fedecamara com apoio da Central de

Trabalhadores da Venezuela (CTV) e de alguns setores militares, levou a cabo um golpe de

Estado, cujo catalisador imediato da rebelião foi a tentativa de Chávez de mudar os

diretores da PDVSA e assumir, de fato, o controle da política petroleiro do país.

(HELLINGER, 2003). Contudo,

a pesar de un silencio de los medios, la noticia de un golpe y una

resistencia inicial al mismo corrió por los barrios más pobres,

especialmente en el oeste de la ciudad, y la gente se concentró

25

Principal organização de associações empresariais da Venezuela.

41

alrededor del palacio presidencial para demandar el regreso de

Chávez. Pese el apoyo de EEUU al golpe, los diplomáticos se

rehusaron a reconocer el nuevo gobierno. Parte de la oposición le

retiró su apoyo activo después del anuncio de la Junta Interina de

la suspensión de partes de la Constitución. Menos de 48 horas

después de comenzado el golpe, Chávez regresó como presidente.

(HELLINGER, 2003, p 72).

Uma série de outros enfrentamentos ocorreram ao longo do ano de 2002, até que em 2 de

dezembro desse mesmo ano, iniciou-se a quarta e mais duradoura greve, conhecida como

paro-sabotaje petrolero, que em última instância pretendia derrubar o presidente. Com a

ajuda de parte dos trabalhadores da indústria petroleira, que não tinham aderido à greve, de

petroleiros aposentados, das forças armadas e do apoio de setores populares, que se

manifestaram realizando uma marcha “multitudinária”, em 23 de janeiro de 2003 (dois

meses depois de iniciada a greve), o governo conseguiu o controle da indústria e a

retomada da produção do petróleo. Em conseqüência, foram demitidos, por abandono de

emprego, 18.000 dos 40.000 petroleiros contratados, contando entre trabalhadores e toda a

diretoria da PDVSA. Para Maya (2005, p. 274).

Diferente del golpe de Estado, el paro petrolero produjo un

resultado político más claro en la lucha hegemónica a favor de las

fuerzas del gobierno (…) Al rescatar el Estado su capacidad de

control sobre la industria, pudo convertirla en instrumento central

de políticas económicas y sociales orientadas por el proyecto del

gobierno.

A partir de 2003, após o fim do paro petrolero e com o controle efetivo sobre os recursos

do petróleo, o governo Chávez mudou de rumo e deu início a uma série de políticas sociais

de caráter massivo, denominadas de missões26

, que foram e continuam a ser

26

São exemplos de missões: as Missões Educativas, Misión Cultura, Misión Ciencia, Misión Barrio

Adentro e Misión Milagro (saúde), Misión Negra Hipólita (desasistidos), Misión Habitat, Misión Mercal

(alimentação subsidiada), Misión Vuelvan Caras (inclusão no processo produtivo), Misión Guaicaipuro

(indígena), Misión Miranda (defesa da soberania nacional numa aliança cívico-militar), Misión Arbol

(produção e conservação na área rural), Misión Identidad (estrangeiros), etc.

42

implementadas com recursos advindos diretamente da PDVSA. Em grande medida esses

recursos não se submetem aos instrumentos tradicionais do Estado, como o orçamento

geral da união e os conseqüentes mecanismos de controle da utilização de recursos

públicos.

Dentre essas políticas sociais, orientadas para a implementação do Projeto Revolucionário

Bolivariano, está a criação da UBV, que simbolicamente ocupa o que foi uma das

principais sedes da antiga direção da PDVSA, em Caracas. Os argumentos que sustentaram

a criação dessa universidade eram de que:

la Educación Superior en Venezuela se había convertido en el

privilegio al que accedían minorías de la población del país y de la

que se excluía a una gran cantidad de bachilleres con el potencial

suficiente para desarrollar un sin número de actividades

profesionales. Consecuencia de un sistema injusto, clasista, que ha

brindado el conocimiento a pequeños grupos, haciendo de éste,

una pertenencia utilizada en muchos casos para el provecho

personal, privado, la exclusión se transforma a su vez en

dominación y reproducción de los sistemas políticos que así la

conciben y financian, profundizando así las brechas y enormes

diferencias sociales. (UBV, 2007, p. 01).

Com a criação da UBV e da Missão Sucre27

, o governo pretendeu dar uma nova direção ao

ensino de terceiro grau, no sentido de formar profissionais vinculados com as

comunidades, comprometidos com o projeto de “refundação do Estado venezuelano” e

com a reconstrução da “Venezuela Bolivariana”. Para isso, seria preciso formar “al nuevo

hombre com rasgos humanísticos, comprometidos e solidários”. Essa formação, conforme

documento que define as bases, critérios e pauta para a estrutura curricular dos programas

de formação da UBV, deve se pautar em um “nuevo modelo educativo capaz de generar

conocimiento pertinente, relevante y creativo para realizar aportes significativos a la vida

nacional”. (UBV, 2003, p. 15).

27

A Missão Sucre é uma das três missões educativas, que se constituem em políticas sociais massivas

voltadas para os excluídos dos três níveis de ensino. Missão Robinson - alfabetização; Missão Ribas -

continuidade da escolaridade e ensino profissional e Missão Sucre - formação em nível superior.

43

Estes pressupostos orientaram e orientam a criação de cursos de formação em nível de

graduação na UBV, que inicialmente se constituíram de dez: comunicação social, estudos

jurídicos, gestão ambiental, gestão social do desenvolvimento local, agroecologia,

arquitetura, estudos políticos, informação para a gestão social e gestão em saúde pública.

O curso de Medicina Integral Comunitária (MIC) faz parte da oferta de cursos

municipalizados da Missão Sucre, e é coordenado por médicos cubanos, que também são

os responsáveis pelo ensino ministrado e pelo acompanhamento no campo prático.

Observe-se que todos os cursos propostos buscam formar profissionais que possam

contribuir para a implementação do Projeto Revolucionário Bolivariano, quer seja para

responder a problemas críticos como o de habitação (arquitetura) e saúde (gestão em saúde

pública e medicina integral comunitária); quer para dar conta de necessidades específicas

do Estado em transição (estudos jurídicos e estudos políticos), do projeto de

desenvolvimento endógeno (agroecologia, gestão ambiental, gestão social de

desenvolvimento local) ou da nova dinâmica de participação protagônica que se pretende

instituir (informática para a gestão social e comunicação social).

O conjunto de cursos, presentes na sede da UBV, localizada em Caracas, não se reproduz

igualmente em todas as regiões do país. Pelo próprio entendimento de desenvolvimento

endógeno, que prioriza as potencialidades e necessidades das comunidades locais, a

definição de quais cursos devem ser ofertados depende do planejamento e das demandas

locais, daí a existência de uma política de municipalização da educação, em todos os

níveis, que não significa a transferência da responsabilidade de financiamento nem a

ausência de uma articulação nacional, mas a predominância de critérios locais na definição

da política.

O entendimento do papel do ensino superior no processo de transformação da sociedade

venezuelana é expresso por um dirigente da UBV nos seguintes termos:

Construir el Poder Popular en nuestra naciente República

Bolivariana, pasa por la refundación de todas las políticas

públicas sobre otro propósito; en particular la Educación

44

Superior, la cual constituye un instrumento que posibilita el cambio

de mentalidad necesario para rescatar el valor intrínseco y social

de todos y cada uno de los venezolanos. (EGLEE, 2006, p. 01).

De acordo com o expresso acima, a refundação da república requer uma nova concepção

de política social, que rompa com o instituído até então e ajude a edificar as bases de um

novo Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça, conforme expresso na

Constituição de 1999. Se há elementos claros, no plano do Estado, que indicam a sua

situação de transição, as políticas sociais dele emanadas também refletem esse mesmo

processo. Chama a atenção as missões das áreas de educação e saúde, como a Misión

Robinson I e II, Misión Ribas e Misión Sucre, e a Misión Barrio Adentro, que se iniciaram

em meados de 2003. A Misión Robinson I em um ano e meio de atuação alfabetizou um

milhão e meio de pessoas, tornando a Venezuela livre de analfabetismo nos parâmetros da

UNESCO. A Misión Ribas, voltada para os excluídos do nível médio de ensino, já formou

perto de 200 mil e contava, em fins de 2006, com mais de 700 mil alunos vinculados. A

Misión Sucre, destinada àqueles que não conseguiram entrar nas universidades tradicionais

do país, possuía, em 2006, cerca de 500 mil integrantes. Já a Misión Barrio Adentro, com a

colaboração de mais de 20 mil profissionais cubanos da área da saúde, conseguiu

universalizar o acesso à atenção básica à saúde em todas as regiões do país.28

Dado as características do objeto do presente estudo, ou seja, de se inscrever no âmbito das

políticas sociais, portanto, uma estratégia de governo, uma atribuição do Estado que

responde a demandas de segmentos da população afetados por uma expressão da

denominada “questão social”, faz-se necessário compreender a concepção de política

social do governo Chávez, para melhor entender em que perspectiva se insere a política de

formação de profissionais de saúde naquele país.

28

Talvez esses números façam mais sentido se considerado que a Venezuela tem uma população que

não ultrapassa os 27 milhões de habitantes.

45

2.6 A concepção de política social do governo Chávez

O fracasso econômico e social das políticas neoliberais, implementadas em toda a América

Latina na última década do século passado e início deste, recolocou no debate teórico e

político o tema do social, que estava subsumido na discussão em torno do desenvolvimento

econômico, em sua versão mais simplificada. O retorno à velha “questão social” e a

necessidade de se ocupar dela, tanto é retomada por organismos internacionais, que pouco

tempo atrás impuseram severos planos de ajuste estrutural para que se mantivesse o

pagamento da dívida externa, como por governos de esquerda que assumiram o poder

sustentados em propostas que prometem a resolução dos graves problemas sociais

exacerbados com as reformas neoliberais. Contudo, não basta advogar em prol do social, é

necessário identificar o papel dado às políticas sociais e o lugar que elas ocupam no projeto

de sociedade que cada um defende. Por isso, conhecer a concepção de política social que

orienta as propostas de intervenção na realidade, parece ser um procedimento importante a

ser feito. Com esse intuito é que faremos uma breve incursão sobre esse tema, tentando

apreender o entendimento de política social presente em documentos do governo Chávez, o

que deve contribuir para o entendimento do nosso objeto de estudo.

Existe uma diversidade de definição do que seja política social, a nosso ver o conceito que

melhor elucida é o de Vieira (1992), que entende as políticas sociais como constructos

históricos que resultam de contradições no interior da sociedade, assumindo características

próprias em cada contexto em que se efetivam. Assim, o trato de qualquer política social

deve partir de análises que contemplem as dimensões do econômico, do político e do

social, em sua especificidade histórica. As políticas sociais são também entendidas, por

este autor, como estratégias de governo que normalmente se exibem na forma de planos,

projetos e programas, por meio dos quais é possível identificar as diretrizes relativas à

determinada área ou setor social.

Assim, buscou-se identificar a concepção de política social do governo Chávez, no

documento denominado Líneas Generales del Plan de Desarrollo Económico y Social de

la Nación 2001 -2007, primeiro plano da era constitucional bolivariana, em que se

consolidam as bases para o novo projeto de país. Trata-se de um plano para uma década

46

(2001 – 2010), denominada de Década de Prata, que seria uma fase prévia, de transição

para a Década de Ouro (2011 – 2020), que “será la realización de la Revolución

Bolivariana como manifesta expresión del porvir de prosperidad y redención para el

pueblo venezolano”. (VENEZUELA, 2001, p. 09). Este plano assume as diretrizes e os

princípios já presentes no Programa de Gobierno revolucionario, divulgado por ocasião do

golpe encabeçado por Chávez em 1992, na Agenda Alternativa Bolivariana, de 1996, e na

Propuesta de Hugo Chávez para Transformar a Venezuela, de 1998.

No documento que apresenta as linhas gerais do Plano de Desenvolvimento Econômico e

Social da Nação, partindo do reconhecimento da divida social que o Estado tinha com a

população, o governo apresenta um novo paradigma de desenvolvimento, visando alcançar

o “equilíbrio social”. Entendendo equilíbrio como o balanço adequado entre o interesse

individual e o interesse social a partir de uma lógica racional e justa de distribuição da

riqueza. Portanto, um modelo de desenvolvimento, denominado de “Economia Social”, o

qual inclui a satisfação das necessidades da população, busca garantir a distribuição

eqüitativa dos benefícios econômicos para todos e pretende ampliar a democracia para a

esfera do mercado e da economia. O novo modelo econômico, que se pretende

diversificado e sustentável, fundamenta-se no equilíbrio das forças e fatores que participam

do desenvolvimento nacional, traduzindo “un modelo de política social diametralmente

opuesto al enfoque neoliberal”. (VENEZUELA, 2001, p. 14).

O desenvolvimento, nesta perspectiva, exige uma participação corresponsável e

democrática de todos os setores sociais, na produção e nas decisões políticas, de forma

“soberana e autônoma”. Para o primeiro momento da revolução (2001 - 2007), a noção de

equilíbrio, segundo o documento, se expressa em cinco dimensões: o equilíbrio econômico,

o equilíbrio social, o equilíbrio político, o equilíbrio territorial e o equilíbrio internacional,

que se articulam para alcançar o equilíbrio múltiplo. É no âmbito da proposta de equilíbrio

social que vamos encontrar as noções que fundamentam as diretrizes das políticas sociais

do governo Chávez.

A partir da crítica às políticas focalizadas e de corte compensatório, características do

projeto neoliberal, propõe, por meio do Plano de Eqüidade Social (PES), a defesa da

eqüidade a partir de uma visão universalista, “universalização com eqüidade”, que se

47

transforma na “expresión superior de justicia que garantiza a todos y todas el ejercicio de

derechos, dando a cada cual según su necessidade y pidiendo de cada cual según su

capacidad”. Isso para fortalecer o público como espaço de “apropiación por, del y para el

interés colectivo” e como instrumento de poder cidadão, que se constitui em um novo

poder capaz de fazer valer a participação de todos na formulação, execução e avaliação das

decisões públicas. (VENEZUELA, 2001, p. 92).

Em síntese, o alcance da eqüidade social se daria por meio de três objetivos básicos: (1)

universalização dos direitos com garantia de eqüidade; (2) redução das brechas em relação

à riqueza, renda e qualidade de vida; e (3) apropriação do público como espaço de interesse

coletivo e construção de cidadania, que deve se traduzir em estratégias para superar as

iniqüidades, priorizando as necessidades sociais, reduzindo as diferenças e aprofundando a

descentralização para novos atores sociais. (VENEZUELA, 2001).

Embora a busca da justiça social seja orientada pelos princípios da universalidade, da

eqüidade, da participação e da corresponsabilidade, a categoria central presente no trato

das políticas sociais do governo Chávez é a eqüidade, transformada em nova ordem de

justiça social e base material da sociedade. Parece ser essa a categoria que articula e deve

possibilitar a unidade entre o social e o econômico.

De acordo com Maingon (2004, p. 64),

en el PES hay uma concepción de política social novedosa para

Venezuela que rompe com el viejo paradigma que se venia

arrastando desde décadas anteriores. Los ejes conceptuales en los

que se apoya la estrategia planteada podrían convertirse em las

directrices a seguir para iniciar un proceso que tenga como

objetivo el levantar las bases del cambio y la conformación de un

pensamiento social que se aboque a la construcción de uma

cidadania fundamentada em la garantía de derechos sociales, la

mejora de la calidad de vida y el reconocimiento expreso de los

sujetos de estos derechos.

48

A autora conclui afirmando que “tragicamente”, essas discussões desapareceram da agenda

do governo. Diferente disso, penso que as políticas sociais de caráter massivo, colocadas

em prática pelo governo a partir de 2003, as missões traduzem a lógica contida na

categoria eqüidade29

associada à de justiça social, ou seja, a idéia de que deve-se superar as

iniqüidades por meio de políticas públicas que levem em consideração as necessidades de

cada um. Como as necessidades sociais são maiores entre os mais necessitados, nessa

lógica as políticas sociais devem contemplar prioritariamente os excluídos.

Tendo como pressuposto a universalização com eqüidade, as missões seriam uma novidade

na definição das políticas sociais do país e se

han convertido en el núcleo de la ofensiva estratégica del proyecto

político bolivariano. Se trata de superar las iniquidades sociales y

en forma simultánea ir creando las condiciones para las grandes

transformaciones sociales y así, avanzar en la construcción de una

nueva sociedad que consolide los ideales de emancipación de

Simón Bolívar y promueva la consolidación de un modelo

desarrollo endógeno que supera las limitaciones y perversiones del

modelo neoliberal. (VENEZUELA, 2005b, p. 02).

Em princípio a eqüidade parece conter uma lógica adequada, contudo, como as categorias

não são puras abstrações, têm correspondência no mundo real, algumas questões podem ser

levantadas a partir do que efetivamente tem se observado, em países da América Latina,

como resultado da adoção do conceito de eqüidade nas políticas sociais, a partir das

orientações de organismos internacionais como o Banco Mundial, a Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Organização

Panamericana de Saúde (OPS), a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal),

entre outros.

29

Para maiores aprofundamentos sobre a categoria equidade consultar a tese de doutorado de Silvia

Marta Porto: Eqüidade na Distribuição Geográfica dos Recursos em Saúde: Uma contribuição para o caso

brasileiro. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP, 1997.

49

A eqüidade tem sido entendida como a forma de acesso a bens e serviços públicos e, em

face de sua associação com a justiça social e o combate à pobreza, acaba compondo um

tipo de política social fragmentada, caracterizada pela racionalização de recursos,

focalização (nos pobres) e pela seletividade (para determinados grupos). Além disso, nos

marcos de uma sociedade dividida em classes sociais, onde os meios de produção não

foram apropriados coletivamente, ou seja, permanecem nas mãos de uns poucos que

exploram os demais em proveito próprio, penso que é impossível colocar em prática a

utopia de Marx - a cada um segundo a sua necessidade e de cada um de acordo com sua

capacidade. Por isso, não basta a inclusão do termo universalização à categoria eqüidade –

universalização com eqüidade – para modificar a racionalidade instituída em torno dela, ou

os problemas que sua aplicação derivam, como por exemplo, o próprio entendimento de

necessidade, ou quem deve definir o que e quais são as necessidades sociais a serem

atendidas.

Assim, a questão que se coloca sobre a eqüidade é se o conceito em si é problemático, ou o

problema estaria na forma com que foi apropriado e traduzido no âmbito das políticas

sociais na última década? E se a eqüidade, mesmo nos marcos de uma sociedade de classes

fosse utilizada como princípio não só na hora de oferecer serviços públicos, mas,

sobretudo, no momento da arrecadação de fundos por parte do Estado, cobrando mais de

quem tem mais?

De posse do que se constitui o entendimento de política social do governo Chávez e do

papel que essas políticas devem desempenhar no projeto de transformação da sociedade,

passaremos a análise de aspectos da formação na UBV, em particular o processo de

formação de profissionais de saúde.

50

3. A FORMAÇÃO DE TRABALHADORES EM SAÚDE NA UBV

O que vamos expor nesta parte do texto estará centrado na identificação de relações

existentes entre a formação de profissionais da área da saúde, no âmbito da Universidade

Bolivariana de Venezuela e a implementação do Projeto Revolucionário Bolivariano, e no

interior da proposta de formação os aspectos políticos, conceituais e pedagógicos, que

decorrem de um dado entendimento de educação e do papel da formação escolar e não

escolar no processo revolucionário. Embora este trabalho esteja restrito à análise da

formação de profissionais da área da saúde, há o entendimento de que os fundamentos

teóricos e a concepção de educação, presentes nestas propostas, não se diferenciam dos que

sustentam o projeto educacional bolivariano como um todo.

3.1 A UBV e o Projeto Revolucionário Bolivariano

Para proceder a análise dos pressupostos teórico-metodológicos foram utilizados

documentos oficiais do governo, da UBV e o Programa de Formación de Grado – Gestión

em Salud Pública, por se entender que este traduz o pensamento que perpassa todos os

programas de formação daquela universidade.

No Programa de Formación de Grado – Gestión em Salud Pública está expresso que a

proposta de formação, na UBV, se pauta em um “nuevo modelo educativo capaz de

generar conocimiento pertinente, relevante y creativo para realizar aportes significativos

a la vida nacional”. (VENEZUELA, 2005b, p. 02).A orientação geral para os desenhos

curriculares é no sentido de “vincular el programa con el desarrollo integral del país y por

tanto a desarrollar la identidad del egresado como profesional altamente cualificado,

éticamente responsable y ciudadano comprometido con la consolidación de nuestra

democracia”. (VENEZUELA, 2005b, p. 03). Tal entendimento compõe as “Bases,

Criterios y Pautas para el diseño curricular de los Programas de Formación de la UBV”

(2003), portanto, são princípios que orientam a estruturação de todos os cursos da

instituição.

51

A justificativa para essa orientação na formação acadêmica, é dada a partir do

entendimento de que o projeto de país que se pretende construir “requiere una apuesta a

un proyecto educativo pensado para el mediano y largo plazo. Hay que pensar que los

republicanos del mañana, serán los que deben estar armados ética, técnica y

humanísticamente para transformar su destino y el de la república”. (VENEZUELA,

2005b, p. 07).

Nesse sentido, a formação a ser realizada não se pretende neutra, ao contrário, a vinculação

do processo formativo a um determinado projeto de sociedade é justificado como elemento

fundamental para operar as transformações no campo social e econômico, tendo a eqüidade

e a democratização da educação superior como “los hilos conductores del proyecto

educativo de la revolución”. (VENEZUELA, 2005b, p. 04). Neste aspecto, entendemos

que não cabe nenhuma consideração valorativa até porque não acreditamos que a educação

seja neutra, em qualquer circunstância ou realidade histórica.

A vinculação entre a formação no âmbito da UBV e o projeto revolucionário, está expressa

na compreensão de que “era imposible pensar en iniciar un nuevo proyecto de país con el

modelo educativo de nuestras universidades tradicionales” (VENEZUELA, 2005b, p. 04),

portanto, neste momento histórico a UBV “tienen la gran misión de preparar a la

generación de nuevos ciudadanos y nuevas ciudadanas, que encarnen el espíritu

republicano, contenido en el proyecto de país, con alto contenido ético y de compromiso

social”. (VENEZUELA, 2005b, p. 04).

Com este entendimento do papel da formação educacional no processo de transformação

da realidade social, a vinculação deve se dar em todos os aspectos acadêmicos. “Se

pretende el desarrollo y la aplicación del proyecto bolivariano en los contenidos y formas

en consonancia con las transformaciones sociales y económicas que se producen en la

vida de nuestra sociedad”. (VENEZUELA, 2005b, p. 04).

52

3.2 Pressupostos teórico-metodológicos que dão sustentação à formação acadêmica

na UBV

Como resultado da crítica ao modelo de formação anterior, que teria elitizado o ensino em

todos os níveis de formação, provocando a exclusão de um grande contingente de jovens

(apenas quatro entre 100 jovens das classes populares conseguia entrar na universidade

pública), o projeto educacional bolivariano propõe mudanças na forma e no conteúdo do

processo de formação. “el modelo educativo que se pretende impulsar se plantea el

desarrollo de estrategias que privilegien los cuatro pilares de un nuevo tipo de educación:

aprender a conocer, aprender a hacer, aprender a vivir juntos y aprender a ser”.

(VENEZUELA, 2005b, p. 04).

Este mesmo entendimento está presente em outros documentos do governo que tratam da

educação em geral ou da formação em específico, como o Programa Nacional de

Formación de Educadores y educadoras:

La integralidad y la progresividad articulan de manera coherente y

continua los ejes del aprender a convivir, saber y hacer que se dan

a través de los niveles educativos correspondientes a cada período

de vida, para formar como síntesis al ser social como el(la)

nuevo(a) republicano(a) bolivariano(a). (VENEZUELA, 2004, p.

13).

As orientações pedagógicas explicitadas acima, assumidas como elementos centrais da

formação na UBV e no atual modelo educacional venezuelano, têm origem em organismos

internacionais como a UNESCO, e foram apresentadas de forma mais acabada no

Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, denominado

“Educação um Tesouro a Descobrir”, coordenado por Jacques Delors e lançado

publicamente pela UNESCO, em 1996. Neste relatório, que pretende “traçar orientações

válidas, tanto em nível nacional como mundial” a educação aparece com uma perspectiva

redentora e salvacionista, responsável pelo desenvolvimento pessoal e social e mediadora

das relações entre indivíduos, grupos e nações, visando à “construção dos ideais da paz, da

53

liberdade e da justiça social” (DELORS et al, 2000, p.11). Note-se que a atribuição dada

para a educação aponta, de um lado, para a resolução de problemas insolúveis, decorrentes

da própria lógica de acumulação capitalista, e de outro, o mais fundamental, melhorar as

relações intra e entre países com o propósito de manter a atual dinâmica de produção e

reprodução da vida material e espiritual dos homens.

Não cabe aqui uma análise do conteúdo do relatório da UNESCO, o que já foi feito por

muitos estudiosos da educação no Brasil, apenas destacar algumas “orientações” que

também são encontrados nos programas de formação de profissionais da área da saúde, na

Venezuela, visando identificar de que maneira estas “orientações” foram traduzidas nestes

documentos e conseqüentemente no Projeto Bolivariano de educação, tentando evidenciar

nexos e contradições presentes neste complexo histórico. A partir disso poderemos levantar

algumas questões sobre possíveis desdobramentos da incorporação/tradução das

“orientações” da UNESCO, na educação, para o projeto mais geral de transformação da

sociedade que o governo de Hugo Chávez e grande parte da sociedade venezuelana estão

decididos a operar.

Considerando que na Venezuela a opção pela democracia, como via de transformação da

sociedade, é quase consenso nacional, uma vez que ela fundamenta o processo

revolucionário em curso, cabe uma análise da forma como se apresenta, no âmbito do

relatório da UNESCO, a relação entre educação e democracia, e se a noção de democracia,

contida no referido relatório, se assemelha àquela presente na Constituição e em

documentos do Projeto Bolivariano e da UBV.

A partir de uma análise da complexidade do mundo moderno, dos inúmeros problemas

enfrentados pela humanidade que vão desde as guerras, até questões ecológicas, culturais,

étnicas, etc., Delors, na apresentação do relatório, estabelece uma relação direta entre

democracia, entendida como “participação da vida em comunidade” e o “aprender a viver

juntos”, um dos pilares da UNESCO. O relator parte da pergunta: como viver juntos nesta

aldeia global, se não somos capazes de viver em comunidades “naturais” como a

vizinhança, a aldeia, a cidade, a região ou a nação?

54

Com esta preocupação, no relatório é dedicado um capítulo para discutir a relação entre

coesão social e democracia, onde se afirma que a democracia corresponde a um “sistema

político que procura assegurar, através do contrato social, a compatibilidade entre

liberdades individuais e uma organização comum da sociedade”, que neste momento

estaria sendo ameaçada pela desorganização das sociedades e pela ruptura dos laços

sociais. Portanto, caberia à educação, que deve ocorrer ao “longo de toda a vida do

cidadão”, não só preparar cada indivíduo para o convívio e exercício dos seus direitos e

deveres, mas “construir uma sociedade civil ativa que, (...) permita cada um assumir sua

parte de responsabilidade como cidadão a serviço de um destino autenticamente solidário”.

(DELORS, 2000 p. 53). Conclui afirmando que a educação “confunde-se, até, com

democracia, quando todos participam na construção de uma sociedade responsável e

solidária, respeitosa dos direitos fundamentais de cada um”. (DELORS, 2000 p. 63).

Por tudo isso, no relatório afirma-se que “aprender a viver juntos” deve ser um processo

que se inicia no nível local, e está intimamente relacionado com a decisão de cada um, ou

seja, trata-se de uma decisão de caráter subjetivo. Esses pressupostos justificam a visão

localista da educação que o relatório apresenta. Parece que o local, no relatório, se

apresenta com uma perspectiva distinta daquela assumida no Projeto Bolivariano, quer seja

no denominado desenvolvimento endógeno, conforme vimos anteriormente neste texto, ou

na municipalização da educação como veremos a seguir. Da mesma forma, o entendimento

de democracia e os mecanismos de participação, presentes na Constituição da Venezuela,

superam em muito o entendimento de democracia da UNESCO.

Em relação à essa perspectiva localista, na apresentação do relatório da UNESCO, Delors

salienta que para “aprender a viver juntos” a humanidade teria que superar algumas tensões

existentes. Entre elas estaria a tensão entre o nível global e o local, ou seja, como tornar-se

cidadão do mundo sem perder as raízes, sem abandonar a cultura própria. Outra tensão

estaria entre o universal e o singular, ou como compatibilizar a cultura mundializada,

preservando a cultura local e as tradições.

Sobre a questão local, em documento da UBV está expresso que a universidade e os

programas de formação deverão assumir:

55

la estrategia de la municipalización de la educación superior,

enfatizando en su desarrollo la redimensión de lo regional, lo local

teniendo como referencia las necesidades educativas y

potencialidades reales de la población, sin desvincularla de su

contexto asegurando la pertinencia social y la preservación del

arraigo cultural. (VENEZUELA, 2005b, p.04).

Note-se que no documento não apenas se assume o nível local como lócus privilegiado

para a definição do processo de formação, na medida em que este precisa considerar as

necessidades e potencialidades da comunidade e ter “pertinência social”, ou seja, ser

relevante socialmente, contribuir para o desenvolvimento individual e da comunidade, para

o “fortalecimiento del poder local” e incorporação “de los estudiantes a los procesos

socio-productivo del país”, mas entende que é a partir deste espaço que se deve buscar a

formação geral, a soberania nacional e a integração latinoamericana, tendo como horizonte

a construção de uma nova realidade nacional e internacional.

La Municipalización valora la búsqueda de la totalidad abierta del

ser humano, a través de la formación integral de estudiantes y

docentes; la generación de conocimientos y saberes, sus

significados y potencialidades, desde diferentes niveles de la

realidad, promoviendo el espíritu científico; la proyección del

proyecto de país y su desarrollo, afianzando su soberanía y

propiciando el ejercicio de ciudadanía en el ámbito comunitario,

gubernamental y no gubernamental, tanto en el ámbito nacional

como internacional; y revitalizando la integración desde una

perspectiva histórica, rescatando nuestras raíces latinoamericanas

y promoviendo estrategias de cooperación que potencie el

intercambio y articulación de saberes, la práctica de formación, la

investigación formativa y la inserción social. (VENEZUELA,

2005b, p. 04-5).

A educação ao longo da vida é outro tema presente tanto no relatório da UNESCO como

nos programas de formação da UBV. Sobre isso, nos documentos da UBV há o

entendimento de que a educação superior precisa dar conta, não só da formação individual

56

dos alunos, mas também do desenvolvimento das comunidades nas quais estiver inserida.

Para isso seria necessário a oferta de “oportunidades formativas a lo largo de la vida, con

autonomía responsable e independiente de intereses ajenos a la cultura académica

integral, flexible y abierta en su organización académica y programas” que respeitassem

as necessidades e potencialidades da comunidade. (VENEZUELA, 2005b, p. 05).

Aqui, a educação ao longo da vida, não aparece na perspectiva de ocupar o tempo ocioso

ou como exigência democrática de ter que aprender a viver juntos por toda a vida, ou ainda

como “condição para um domínio mais perfeito dos ritmos e dos tempos da pessoa

humana”. (DELORS et al, 2000, p. 104). Muito menos como estratégia para superar “a

tensão entre a competição e o cuidado com a igualdade de oportunidades” e “a tensão entre

o extraordinário desenvolvimento dos conhecimentos e a capacidade de assimilação do

homem”, em que a educação ao longo da vida deveria “dar a cada ser humano os meios de

poder realizar todas as suas oportunidades” e ao mesmo tempo “conciliar a competição que

estimula, a cooperação que reforça e a solidariedade que une”. (DELORS et al, 2000, p.

15). Simplesmente, a educação ao longo da vida, no projeto educacional bolivariano,

parece ser mais uma oportunidade de formação e responsabilização da universidade em

relação ao desenvolvimento das comunidades onde se insere e o elemento de uma

formação integral.

La presente propuesta curricular está basada en los principios de

formación integral que conjuga lo humanístico y lo ético con lo

científico-tecnológico. Caracterizado por: la responsabilidad con

lo público, el ejercicio del pensamiento crítico, la flexibilidad e

integración y el diálogo de saberes, la calidad con equidad, así

como el principio de educación a lo largo de toda la vida

(educación permanente). (VENEZUELA, 2005a, p. 03).

Assim, a comunidade acadêmica, comprometida com o novo projeto de país, deve se

reconhecer como “parte de la Universidad y de su comunidad, y en ella y desde ella

contribuyan a su transformación y potencien su función pública”. (VENEZUELA, 2005b,

p. 04). Para cumprir com essas atribuições e estabelecer estes vínculos, é fundamental que

57

a formação acadêmica não “desvinculese de lo vivencial como experiencia de aprendizaje

y como espacio para la producción de conocimiento y saberes y de inserción social, desde

donde se reproduzca la solidaridad y se construya ciudadanía”. (VENEZUELA, 2005b, p.

04).

Esta vinculação entre educação e trabalho é princípio fundante do projeto educacional

bolivariano, aparecendo no artigo 3o da Constituição, onde se afirma que “La educación y

el trabajo son los procesos fundamentales para alcanzar os fins do Estado” que são “la

defensa y el desarrollo de la persona y el respecto a su dignidad, el ejecicio democrático

de la voluntad popular, la construcción de uma sociedad justa e amante de la paz, la

promoción de la prosperidad y bienestar del pueblo...”, (VENEZUELA, 2000, p. 3). E

também no art. 102 que afirma ser a educação um serviço público com a finalidade de

desarrollar el potencial creativo de cada ser humano y el pleno

ejercicio de su personalidad em uma sociedad democrática basada

em la valoración ética del trabajo y em la participación activa,

consciente y solidaria em los procesos de transformación social

consustanciados com los valores de la identidad nacional, y com

uma visión latinoamericana y universal. (VENEZUELA, 2000, p.

36).

Contudo, identifica-se, no projeto educacional bolivariano, e como veremos adiante nos

programas de formação dos profissionais de saúde, tanto o tema da educação ao longo da

vida como o foco na experiência pessoal, na vivência, na aprendizagem centrada no aluno,

bem como a discussão do desenvolvimento de competências e da flexibilização curricular,

conforme pode ser observado na citação que segue.

La municipalización debe ser percibida y sentida como la

estrategia pedagógica necesaria para el proyecto de país, y

además, debe dar cuenta de las tendencias actuales de la

educación: privilegio a la Educación como continuum, a lo largo

de la vida, el eje del proceso es el aprendizaje, la Educación de

adultos es una prioridad, el aprendizaje está centrado en el

58

estudiante, en la práctica, lo vivencial, lo problematizador y

promueve el desarrollo de competencias, permitiendo que se

propicien espacios de participación para la toma de decisiones y se

posibilite la construcción de un currículo que responda a la

sociedad. (VENEZUELA, 2005b, p. 06-7).

Acredito não haver nenhum problema em construir um currículo que busque dar respostas

à necessidades da sociedade, desde que isso não signifique uma adequação da formação

acadêmica às demandas sociais no sentido de perpetuar a exploração e a exclusão, nem que

para atender as exigências da realidade local se abra mão da apropriação do saber

produzido e sistematizado pela humanidade e universalmente válido.

No que tange ainda aos pressupostos gerais da UBV, esta assume o compromisso de

realizar uma educação que:

conceda la posibilidad de construir una sociedad justa, equitativa,

solidaria, libre, y democrática, tanto como constituirnos a nosotros

mismos como sujetos éticos por sus características de reflexiva,

critica, analítica, que permita aprender a aprender y desaprender,

que estimule la imaginación y la creatividad, que genere gran

capacidad de posicionamiento ante situaciones caracterizadas por

la incertidumbre, que estimule el trabajo en grupo, que

desmitifique la investigación, que fomente la lectura y la escritura,

que promueva el ejercicio de relaciones democráticas, que genere

un horizonte de valores asociados a las virtudes colectivas de las

que fluyan virtudes morales individuales, que nos permita

reconocer las diferencias y reconocernos en ellas, que forje la

valoración y defensa de lo mas preciado que tiene el ser humano:

su derecho a vivir una vida digna y que nos permita tener un alto

sentido ético y estético. (VENEZUELA, 2005b, p.29) (Grifos

nossos).

Newton Duarte (2001), ao discutir as “pedagogias do aprender a aprender” afirma que se

trata de idéias pedagógicas, cujas origens estão no movimento escolanovista e se associam

a posicionamentos valorativos como: o que o indivíduo aprende por si mesmo é superior

àquilo que ele aprende através da transmissão por outras pessoas; o método de construção

59

do conhecimento é mais importante do que o conhecimento já produzido socialmente; a

atividade educativa do aluno deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses e

necessidades do próprio aluno; e a educação deve preparar os indivíduos para

acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança, portanto, o indivíduo que

não aprender a se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo. Aprender a aprender,

tratar-se-ia de um lema que sintetiza uma concepção educacional voltada para a formação

da capacidade adaptativa dos indivíduos, que relativiza o conhecimento sistematizado pela

humanidade e desqualifica o papel do professor.

Como pode ser observado nas diferentes citações extraídas do documento da UBV, o que

em grande medida se repete em outros documentos da área educacional do governo da

Venezuela, determinadas orientações contidas no relatório da UNESCO foram

incorporadas e apresentadas como diretrizes educacionais e estratégias pedagógicas na

proposta de formação da UBV e no projeto educacional bolivariano. A assimilação das

propostas da UNESCO, nesse projeto e nas propostas de formação da UBV, não deve

surpreender, pois na própria Constituição (artigo 103), depois de definir os direitos dos

cidadãos e as atribuições do Estado em relação à educação em todos os níveis está explícito

que “... A tal fin, el Estado realizará uma inversión prioritaria, de conformidad com las

recomendaciones de la Organización de las Naciones Unidas...”. (VENEZUELA, 2000,

p.37) (grifos nossos). Como se sabe, a UNESCO é o órgão da ONU responsável pelos

assuntos da educação.

O que, então, fica como questão em aberto é em que medida a incorporação/tradução de

pressupostos que carregam em si elementos de uma racionalidade que por princípio diverge

do que se pretende instituir enquanto fundamento de uma nova socialidade, contribuem

para a consecução do projeto de transformação social?

Contudo, como a realidade é intrinsecamente contraditória, eivada de tensões, em que o

todo e as partes se relacionam de forma singular e com uma dinâmica própria em cada

complexo histórico, não se pode homogeneizar as interpretações dos fenômenos a partir de

60

leis férreas pretensamente válidas para todas as realidades.30

Embora se reconheça a

existência de determinados padrões, de determinadas tendências e legalidades no decurso

da história, cada realidade específica, cada universo particular apresenta especificidades

que devem ser apreendidas pela observação e análise dos seus traços, estrutura, nexos,

conexões e contradições internas. Por isso, o resultado dessa forma particular de

apropriação de determinados pressupostos precisa ser acompanhado, bem como os

desdobramentos nas diferentes dimensões da vida social, pois entende-se que apesar de

certa coercitividade e determinação social, sempre há alternativas para o agir humano

singular ou coletivo.

3.3 A Concepção de educação presente no projeto educacional bolivariano e na

proposta de formação dos profissionais de saúde

Com base nos elementos apresentados acima e em outros enunciados presentes em

documentos da área da educação do governo Chávez, bem como em literatura que dá

sustentação teórica ao projeto educacional bolivariano,31

é possível apreender os elementos

centrais que ajudam a compor a concepção de educação desse projeto e justificam as

práticas pedagógicas assumidas como estratégia para a emancipação cultural, política e

econômica do país.

Em linha geral a educação é vista como uma variável libertadora, tanto em nível individual,

na medida em que tem como finalidade “desarrollar el potencial creativo de cada ser

humano y el pleno ejercicio de su personalidad en una sociedad democrática...”

30

Sobre este tipo de interpretação do seu método, Marx protestou em vida, em carta em fins de 1877 à

redação de uma revista russa, se pronunciando sobre a generalização indevida, em termos de filosofia da

história, de sua teoria de acumulação primitiva. (LUKÁCS, 1979).

31 Em documentos oficiais do governo e em discursos do Presidente Chávez e de Ministros de Estado,

cotidianamente faz-se referência a autores que escreveram sobre educação, como Simón Rodríguez, José

Marti, Luis Beltrán Prieto Figueroa e José Del Grosso. Além disso, o Ministério de Educação e Desporte tem

reproduzido e distribuiu gratuitamente para todos os professores da rede pública uma série de livros desses

autores, indicando a adoção de seus pressupostos na política e na prática educacional do projeto educacional

bolivariano.

61

(VENEZUELA, 2000, p. 36), como em nível coletivo, sendo “un medio para lograr la

justicia, la igualdad y la integración social” (VENEZUELA, 2006b, p. 07).

Portanto, a escola passa a ter a responsabilidade de formar um novo homem que deve estar

“a serviço da refundação da república”, ocupando-se de conhecimentos que tenham sentido

para a vida, partam das experiências e visem formar um republicano, patriótico, solidário e

com profundo sentido humanitário, preparado para compartilhar a vida social e construir a

integração latinoamericana. Por isso a educação deve se ocupar de conhecimentos próprios

e demandaria novas estratégias pedagógicas que libertem e não domestiquem, que

descolonizem o pensamento, favorecendo, assim, a emancipação do pensamento, a

independência e a soberania.

Toda educación es reflejo de la interioridad y de la clase de

relaciones que sus miembros han desarrollado en el tiempo. Gran

parte de las relaciones sociales están vinculadas directa o

indirectamente con el proceso educativo formal e informal y

contribuye a mantener y reproducir la organización y condiciones

del sistema. (DEL GROSSO, 1951 apud EGLEE, 2006, p. 14).

Depreende-se da leitura dos autores de referência no campo educacional, a defesa do

caráter popular e de massa para a educação, bem como a responsabilidade do Estado em

garanti-la, sem abandonar a defesa de princípios liberais na educação.

La educación de masas, sin hacer distinción, de acuerdo con la

posición social del individuo, de la fortuna o de la raza, tiende a

capacitar al pueblo todo para intervenir en la dirección de sus

destinos y para servir mejor, por la adquisición de habilidades y

conocimientos que le coloca en pie de igualdad con los otros

miembros de la comunidad. La educación democrática o educación

de masas aspira a dar igualdad de oportunidades para todos; por

ello es gratuita y obligatoria y debe crear instituciones que

favorezcan a los menos posibilitados económicamente para

ascender en la escala de la cultura. (FIGUEROA, 1951, p. 27).

62

Considerando as “tendências atuais” da educação e a complexidade e imprevisibilidade da

realidade social, a educação teria a responsabilidade de desenvolver competências,

capacidades de trabalho, de adaptação, compreensão e solução de situações complexas,

privilegiando “a educación como continuum, a lo largo de la vida”, em que o eixo do

processo é a “aprendizaje centrado el el estudiante, en la práctica, lo vivencial, lo

problematizador”. (VENEZUELA, 2005b, p. 06). Portanto, deve-se “organizar procesos

orientados al fortalecimiento del saber, saber hacer y saber ser”. (VENEZUELA, 2005b,

p. 17).

Para romper com o modelo de formação instituído nas universidades do país, que

favorecem “el desarrollo de creencias e ideologías que configuran, desde la visión

exclusiva de lo individual, modelos culturales de dominación...” é preciso “la

reconciliación entre las ideas y la realidad” o que implica “desarrollar la aptitud para

relacionar el pensamiento y la acción, permitiendo a la sociedad venezolana intervenir en

su propia historia y, así, transfomarla”. (VENEZUELA, 2005b, p. 25).

A relação entre sociedade e educação constitui um dos principais fundamentos do enfoque

educativo do projeto educacional bolivariano,

que se enriquece con los postulados de aprender a aprender y

desaprender que implica pensar los contenidos y practicas

formativas desde la perspectiva del estudiante y del profesor como

sujetos que aprenden ambos en la practica misma de la enseñanza

aprendizaje; la educación basada en el privilegio de lo colectivo;

la creatividad como meta educativa con valor propio y no como

recurso instrumental para lograr objetivos curriculares; la

interacción e interdependencia inherente al enfoque ecológico, la

contextualización como fundamento para forjar el reconocimiento

de la diversidad cultural constitutiva de la condición humana; la

interdisciplinariedad y transdisciplinariedad que redimensionan a

las disciplinas abriendo redes de relaciones para hacer posible la

emergencia de nuevos campos de saber y la comprensión de la

complejidad de los procesos en estudio, en este caso la salud; la

calidad como equidad, la educación sin muros; el sentido

transformador de la vinculación entre universidad y sociedad para

63

fortalecer la conexión entre teoría y práctica. (VENEZUELA,

2005b, p. 26).

Embora não se pretenda aqui “enquadrar” a proposta do Projeto Bolivariano de educação

numa dada concepção, é possível identificar traços que compõe um entendimento de

educação, que de acordo com Saviani (1987, p. 25), tratar-se-ia da “concepção humanista

moderna”, que abrange correntes filosóficas como o pragmatismo, o vitalismo, o

historicismo, o existencialismo e a fenomenologia. A concepção humanista moderna

“esboça-se numa visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade”, em que “a

existência precede a essencia”, ou seja, “a natureza humana é mutável e determinada pela

existência”. Esta concepção ao considerar o homem “completo desde o nascimento e

inacabado até morrer”, centra sua ação na criança, no educando, na vida e na atividade.

Para Saviani (1984) esta forma de entender a educação, desloca o eixo da questão

pedagógica do intelecto para o sentimento, do lógico para o psicológico, dos conteúdos

para os métodos, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a

expontaneidade, do diretivismo para o não-diretivismo, da quantidade para a qualidade, da

ciência lógica para a experimentação e do aprender para o aprender a aprender.

Contudo, como se trata de esquema teórico esse nem sempre tem correspondência no

mundo real, ou seja, muitos de seus elementos podem não estar presentes e outros tantos

apresentarem-se modificados na realidade concreta, além da possibilidade de incorporação

de aspectos alheios ou mesmo pertencentes a outra concepção, o que não invalida a sua

utilização como elemento de análise de uma dada realidade.

Com esse entendimento e buscando captar a complexidade e dinamicidade que caracteriza

a realidade social é que pretendemos analisar determinados aspectos do processo de

formação de trabalhadores em saúde da UBV. Antes, porém, cabe destacar que não temos a

intenção de realizar, neste trabalho, uma análise pormenorizada da proposta curricular em

termos de disciplinas e conteúdos ministrados nos cursos de formação de gestores em

saúde pública e médicos integrais comunitários. Estes elementos, embora sejam relevantes

na análise de um processo formativo, demandariam observações mais sistemáticas do que

foi possível nessa pesquisa. O que pretendemos é tão somente identificar alguns elementos

64

políticos, conceituais e metodológicos das propostas de formação dos trabalhadores em

saúde dos cursos de Gestão em Saúde Pública32

e Medicina Integral Comunitária33

da UBV.

3.4 Graduação em Gestão em Saúde Pública – UBV

Para a análise da formação em Gestão em Saúde Pública, utilizamos como documento base

o Programa de Formación de Grado – Gestión em Salud Pública (PFG-GSP), de 2005,

portanto uma versão atualizada do primeiro programa do curso. O curso de Graduação em

Gestão em Saúde Pública foi criado junto com a UBV, em julho de 2003, e prevê dois

momentos de saída, um no terceiro ano, com o título de Técnico Superior en Gestión en

Salud Pública e o outro ao final do quarto ano como Licenciado en Gestión en Salud

Pública.

No rol das justificativas para a criação desse curso estariam razões sociais, econômicas,

científico-tecnológicas, políticas, culturais e educacionais, em acordo com o modelo

humanista, autogestionário, endógeno, produtivo e diversificado que se pretende

implementar no país, ou seja, o “modelo social de incluídos”. Mais que isso, o Programa de

Formação em Gestão em Saúde Pública,

constituye una estrategia de intervención de la política de salud y

desarrollo social, dirigida a edificar una nueva institucionalidad

pública con liderazgo y capacidad de rectoría, de una gestión

universitaria comprometida con el imperativo de dar respuestas a

las necesidades sociales en el marco de la construcción y el

ejercicio de la ciudadanía. Es por tanto un proceso conducido y

32

Cabe lembrar que, no Brasil, a proposta de criação de cursos de graduação em saúde pública, não

passou de discussões acaloradas e iniciativas isoladas que ainda não saíram do papel. O entendimento que

predominou, nos espaços coletivos de discussão, foi de que existem 14 profissões na área da saúde e todos os

egressos desses cursos deveriam ser preparados para a gestão de algum nível do sistema de saúde. Além

disso, a pós-graduação em saúde coletiva estaria bem estruturada no Brasil e em condições de complementar

o processo de formação dos profissionais para gerirem o sistema.

33 Neste caso, no Brasil, apesar de certo consenso sobre a necessidade de formar médicos generalistas

e das Diretrizes Curriculares Nacionais apontarem nessa direção, a grande maioria dos cursos existentes no

país, continuam formando profissionais médicos na mesma lógica da especialização precoce e desvinculados

das necessidades de saúde e da demanda do próprio Sistema Único de Saúde (SUS).

65

planificado estratégicamente para crear viabilidad, a las

directrices estratégicas de la política de salud y desarrollo social y

que por lo tanto, debe ser entendido en todas las dimensiones

técnico-políticas de un proyecto de cambio socio-político.

(VENEZUELA, 2005b, p. 16-7)

A Constituição de 1999 teria incorporado mudanças na orientação das políticas de saúde,

na medida em que essa passa a ser vista “como bien público, derecho humano

fundamental, vinculado a la vida, obligación del Estado y responsabilidad social”.

(VENEZUELA, 2005b, p. 08). Contudo, para efetivar esses princípios seria necessário

adotar uma nova concepção para o processo saúde-doença, entendido como um “proceso

complejo y expresión de las condiciones materiales y sociales de vida de las ciudadanos y

ciudadanas de un país” (VENEZUELA, 2005b, p. 02), e instituir uma nova formação que

se diferencie daquela centrada na perspectiva médica, aparentemente neutra, mas que na

verdade “han tenido su impacto en los modos de gestión, organización y atención a las

necesidades sociales de salud”. (VENEZUELA, 2005b, p.13).

Advoga-se que o direito à saúde será garantido à medida em que se apoiar na Atenção

Primária à Saúde (APS) como estratégia fundamental para a ação no campo da saúde. “o

programa plantea desarrollar profesionales que comprendan y asuman el reto de la

garantía del derecho a la salud apoyados en la APS como estratégia fundamental para su

realización”. (VENEZUELA, 2005b, p. 11).

Como se sabe a estratégia da APS é defendida pela Organização Panamericana de Saúde

(OPS), mas questionada por muitos estudiosos da área da saúde coletiva, que vêm nela

uma atualização da Medicina Comunitária da década de 1950. A atenção primária não dá

conta da integralidade da assistência na medida em que seu principal objetivo está centrado

na ampliação da cobertura do primeiro nível de assistência.

A defesa do uso dessa estratégia, como fundamento da ação no campo da saúde, na

Venezuela, vem acompanhada de justificativa que sinaliza a superação da “confusión

surgida por años en el ámbito sanitario, de APS con la atención primitiva, de primer nivel

y escasa resolutividad”. Argumenta-se que:

66

la APS es una estrategia que busca la ampliación de las

coberturas, elevar la resolutividad y la calidad de la oferta de

servicios, facilitar el acceso y la integralidad de la atención y

estimular la participación ciudadana, movilizar e integrar

esfuerzos intersectoriales y transdisciplinarios, reconociendo y

actuando de manera transversal en los diferentes niveles de

atención tradicionalmente utilizados, estableciendo, pues, la

distinción con primer nivel de atención definido por el centro de

atención ambulatoria. (VENEZUELA, 2005b, p. 11)

A formação de novos profissionais “altamente cualificado, éticamente responsable y

ciudadano comprometido con la consolidación de nuestra democracia”, (VENEZUELA,

2005b, p. 3), deve ocorrer a partir do desenvolvimento de competências para “actuar en

interacción con la comunidad, identificando las relaciones y los conflictos sociales; capaz

de aportar respuestas a las preguntas que formulan los nuevos retos que tiene la sociedad

venezolana en su propia realidad y en el contexto mundial”. (VENEZUELA, 2005b, p.

16). Essa interação seria favorecida pela metodologia de Aprendizagem por Projetos (ApP)

“como uma forma de hacer más cercanos los conocimientos que se adquieren a las

prácticas cotidianas del futuro profesional”. (VENEZUELA, 2005b, p. 45).

O desenho curricular e os critérios pedagógicos e curriculares do curso de Gestão em

Saúde Pública se baseiam em princípios de formação integral, equilíbrio entre os eixos de

formação, flexibilidade e integração de saberes e inserção social, por isso e para isso o

currículo deve assumir:

modalidades flexibles, grupos de aprendizaje más pequeños y

autónomos, cambio en el papel de docentes como facilitadores,

privilegia la formación de docentes, estimula al aprendizaje

autónomo y la investigación de problemas, como elemento

recursivo, que se cristaliza con la identificación y despliegue de

situaciones de aprendizajes y escenarios de formación

contextualizada cerca de la gente y promoviendo aprendizajes

significativos a partir de un proceso formativo que implica la

vinculación con las comunidades descubriendo la realidad

67

concreta y dimensionando sus necesidades. (VENEZUELA, 2005b,

p. 05).

O município é assumido como espaço natural para a gestão em saúde pública e para a

circulação e distribuição do poder. Por isso, o Programa de Formação de Graduação em

Gestão em Saúde Pública, prevê uma articulação entre o desenvolvimento teórico e prático

ao longo de todo o processo de formação. “Desde que los estudiantes se inician en el

programa de formación deben estar incorporados a sus sectores, barrios, comunidades,

etc., apropiándose de su realidad y a partir de allí deben recrearla y transformarla a lo

largo de su proceso formativo”. (VENEZUELA, 2005b, p. 06). A partir desse

entendimento, os conteúdos e as práticas pedagógicas, que compõe as unidades

curriculares, estariam estruturados de tal forma que atendam tanto as exigências

acadêmicas, como tenham pertinência social.

Duas questões saltam aos olhos na análise do Programa de Formación de Grado – Gestión

em Salud Pública, a perspectiva empirista que direciona o ensino-aprendizagem e a visão

relativista do conhecimento. Em relação a primeira questão, a citação de Mao Tse-Tung,

extraída desse documento ilustra bem esse entendimento da relação teoria/prática.

Quien quiera conocer una cosa, no podrá conseguirlo sin entrar en

contacto con ella, es decir, sin vivir (practicar) en el mismo medio

de esa cosa. (...) Si quieres conocer el sabor de una pera, tienes tú

mismo que transformarla comiéndola. (...) Si quieres conocer la

teoría y los métodos de la revolución, tienes que participar en la

revolución. Todo conocimiento auténtico nace de la experiencia

directa. (VENEZUELA, 2005b, p. 45).

No que diz respeito à segunda questão, em vários momentos identifica-se um apreço pelo

local enquanto definidor do que se deve ensinar e do que se deve aprender, ao mesmo

tempo em que é secundarizado a transmissão/apropriação do conhecimento universal.

“Esta perspectiva permite que la realidad y el entorno determinen las necesidades

formativas siempre en el marco de la participación, la solidaridad, la ética y el

68

compromiso con el avance de nuevas formas de vida social...” (VENEZUELA, 2005b, p.

27).

Por fim, acredita-se que a metodologia de desenvolvimento de projetos, além de realizar a

unidade teoria/prática, definir as necessidades teóricas, ajudaria a mudar as realidades nas

quais os alunos se vinculam,desde o início da formação acadêmica.

El plan de estudios se centra en el Proyecto como el eje integrador

del Programa. Es decir, todas las unidades curriculares que el

alumno recibe son o serán herramientas que le ayudarán a

resolver problemas en la realidad. Como Proyecto pretende ser la

forma de hacer coincidir la realidad con la teoría, las unidades

han sido ubicadas de forma que el estudiante pueda sacar el mayor

provecho de cada una, y a su vez poner en práctica los

conocimientos que adquiere. (VENEZUELA, 2005b, p. 46).

3.5 Graduação em Medicina Integral Comunitária - UBV

O curso de Graduação em Medicina Integral Comunitária (MIC) tem antecedente e origem

distinta do curso em Gestão em Saúde Pública, mas busca atender a objetivos semelhantes

de “formar los nuevos profesionales del equipo de salud que se constituyan en auténticos

ciudadanos, copartícipes en los procesos de construcción de la nueva sociedad que se está

gestando” ao mesmo tempo em que responda a “demanda del imperativo constitucional de

la creación y consolidación del sistema público nacional de salud, a través del cual se

aspira que la salud deje de ser un privilegio de pocos para transformarse, en un

patrimonio de todos”. (VENEZUELA, 2005a, p. 03).

A criação do curso de MIC, em outubro de 2005, “constituye un objetivo estratégico

nacional” e resultou de acordo firmado entre Cuba e Venezuela por meio do qual troca-se

petróleo por medicamentos, equipamentos, vagas em universidades cubanas e trabalho

médico. Atualmente existem cerca de 20.000 profissionais de saúde cubanos na Venezuela,

destes 15.000 são médicos, sendo que os primeiros chegaram em dezembro de 1999 para

ajudar no atendimento aos feridos e doentes, vítimas de desastre natural que envolveu 10

69

estados, sendo o mais atingido o Estado de Vargas. O trabalho desses profissionais,

organizados em brigadas (clínicos, cirurgiões, epidemiólogos, traumatólogos,

anestesiólogos, pediatras e enfermeiras) não se limitou ao período do desastre, mas se

estendeu no ano seguinte realizando atendimento domiciliar, prevenção e promoção à

saúde, sobretudo nos locais e regiões de difícil acesso. Apesar dos protestos das

associações médicas da Venezuela e de setores da oposição pela permanência e exercício

da profissão por profissionais “não credenciados”, o governo venezuelano realizou, em 30

de outubro de 2000, o primeiro convênio de cooperação médica com Cuba em troca de

petróleo. O convênio prevê a ida de profissionais de saúde para a Venezuela, formação de

profissionais médicos e de enfermagem em Cuba, tratamento de pacientes venezuelanos

em Cuba e compra de produtos e equipamentos médicos. Posteriormente um acordo

específico entre o prefeito do município Libertador (Caracas) e o governo de Cuba

permitiu, em março de 2003, o início de um programa de Atenção Primária em Saúde,

denominado Plan Barrio Adentro, que a partir de outubro daquele mesmo ano foi

instituído como mais uma política massiva do governo Chávez, a Misión Barrio Adentro.

Ao final de 2003 já eram 10.000 o número de médicos atuando na Venezuela.

(POLANCO, 2006).

A manutenção do atendimento nas novas estruturas e serviços de saúde criados pelo

governo Chávez, que buscam reorganizar o sistema nacional de saúde, como a Missão

Bairro Adentro I (Atenção Primária à Saúde) iniciada em 2003; Bairro Adentro II (Centros

Médicos de Diagnóstico Integral, Salas de Reabilitação Integral e Clínicas Populares)

2005; Bairro Adentro III (Hospital del Pueblo e Centros de Alta Tecnologia) 2005; e

Bairro Adentro IV (Institutos) 2006, demandaria novos e mais profissionais de saúde. A

formação de Médicos Integrais Comunitários, que já ocorre em 332 dos 333 municípios do

país,34

e de outros profissionais, como enfermagem, fariam parte da estratégia de

ampliação da quantidade de trabalhadores em saúde, tanto para a atuação nos serviços do

34

Na maioria desses municípios os cursos de MIC se desenvolvem por meio de “Aldeias

Universitárias”, que se constituem de turmas isoladas, com poucos alunos, que se formam articuladas com

um módulo da Missão Bairro Adentro, cujo instrutor e professor é o próprio médico que atua nesse

programa.

70

país como, a exemplo de Cuba, para no futuro realizarem ajudas humanitárias em outros

países.35

Contudo, a formação desses profissionais não deve se dar no mesmo marco do que vinha

ocorrendo nas instituições formadoras tradicionais, centrada no modelo individual-

curativo-assistencial, biologicista, medicalizado, de alto consumo técno-médico, elitizado,

cujas práticas pedagógicas desvinculam a teoria da prática e centram a formação nos

hospitais, retirando os estudantes da realidade das comunidades. Os profissionais formados

nessa perspectiva seriam da universidade com “escasa sensibilidad social, poca capacidad

resolutiva y mayor propensión a la mercantilización, y la deshumanización de la atención

médica”, além de essa formação estar desarticulada das necessidades de saúde da

população. (VENEZUELA, 2005a, p. 05).

Diante disso, seria necessário outro processo de formação, que parta de uma concepção de

saúde entendida como “calidad de vida, de bienestar, de bien hacer, de promover las

condiciones para que la vida exista. Es la salud como un derecho humano, como un

derecho social, y como una responsabilidad del Estado. La salud como riqueza social

producida y compartida por todos” (VENEZUELA, 2005a, p. 04). Ou ainda, a saúde

“como situación de equilibrio armónico y dinámico entre el individuo, la colectividad y el

medio ambiente” e a enfermidade como “la expresión general de alteración de la integridad

del ser humano (individuo y colectividad) que se manifiesta como alteración predominante de

uno de ellos en su interacción con los restantes”. (VENEZUELA, 2005a, p. 11).

Portanto, a formação do médico integral comunitário deve se basear em princípios de

formação integral que conjuga o humanístico e o ético com o científico-tecnológico,

caracterizado por: “la responsabilidad con lo público, el ejercicio del pensamiento crítico,

la flexibilidad e integración y el diálogo de saberes, la calidad con equidad, así como el

principio de educación a lo largo de toda la vida (educación permanente)”.

(VENEZUELA, 2005a, p.5).

35

Segundo o coordenador nacional da Missão Bairro Adentro, em 2007 iniciaria a formação de

Enfermeiros Integrais Comunitários e, conforme o Acordo da Alternativa Bolivariana (Alba), em dez anos

devem ser formados 200.000 médicos. (Entrevista realizada em 09/09/2006).

71

Para romper com as práticas pedagógicas tradicionais, propõe-se que o processo ensino-

aprendizagem, seja mediado por “métodos abiertos y participativos, que tengan como eje

la educación en el trabajo, en forma semipresencial con monitoreo permanente que

induzcan a la indagación, organización, análisis y producción de nuevos conocimientos y

resolución de problemas”. (VENEZUELA, 2005a, p. 06).

Nessa mesma direção, advoga-se que o ensino-aprendizagem deve estar sustentado:

en el aprender a aprender, la creatividad, innovación y solidaridad

como ejes de los cambios y transformaciones que articulan la

docencia, la investigación formativa y la inserción social, la

interdisciplinaridad, transdisciplinaridad, interrelación e

interdependencia, y en todo momento la formación ciudadana

como norte de la transformación del país para impulsar y dar

celeridad a la nueva República, ya que sin ella no se podrá

consolidar el sistema público nacional de salud. (VENEZUELA,

2005a, p. 06)

O programa de formação de Medicina Integral Comunitária prevê a formação do aluno

inserido em sua própria comunidade, a partir de problemas concretos de saúde, organizando

assim “el proceso formativo de forma tal que cada componente tribute a dar solución a este

problema. La premisa fundamental es aprender interactuando con la comunidad con

creatividad, sentido de pertinencia, y de dar solución a los problemas de salud, con

independencia”. Os componentes do processo serão “en primer lugar el estudiante de MIC y

el profesor que en este caso es el medico de Barrio Adentro que desde su consultorio y con el

análisis de la situación de salud contribuirá a la ejecución del Plan de Estudio” de acordo

com a complexidade de cada ano acadêmico. A dinâmica inclui “orientación del nuevo

contenido, consolidación, evaluación y educación en el trabajo. Impartiéndose cada una de

ellas mediante métodos activos de aprendizajes y medios de enseñanza tales como

computadora, modelos anatómicos y videos conferencias”. (VENEZUELA, 2005a, p. 23).

Com isto pretende-se formar um profissional com competência diagnóstica e terapêutica,

capaz de prestar assistência médica integral com “un profundo enfoque social, portador de

72

valores éticos, humanísticos, solidarios y de actitud ciudadana; llamados a transformar la

situación de salud, en correspondencia con las exigencias de la sociedad actual”.

(VENEZUELA, 2005a, p. 07). Este profissional deverá atuar fundamentalmente no

primeiro nível de atenção, em qualquer parte do país onde for requerido. “supeditando sus

intereses personales a los de la comunidad, de acuerdo a las necesidades sociales y las

orientaciones del Gobierno Bolivariano”. (VENEZUELA, 2005a, p. 12).

Em termos de conteúdo e carga horária a formação não diverge muito do que

tradicinalmente ocorre em cursos de medicina (ver Anexo b), o que difere é a forma

utilizada para o processo de formação, onde se reduz o ensino em laboratorios, se acentua

o ensino por meio de tecnologias de informação (video conferência, modelos anatômicos,

computador) e se enfatiza a aprendizagem empírica - aprender fazendo. Dos seis dias da

semana em que se desenvolve o curso (segunda a sábado) três dias (24 horas) são

realizadas no consultório popular e nos cenários da Misión Barrio Adentro, que se constitui

no “núcleo essencial” ddaa ffoorrmmaaççããoo.. OO pprriinncciippaall pprrooffeessssoorr ee ttaammbbéémm rreessppoonnssáávveell ppeellaa

ffoorrmmaaççããoo ddoo mmééddiiccoo iinntteeggrraall ccoommuunniittáárriioo éé oo eessppeecciiaalliissttaa eemm MMeeddiicciinnaa GGeerraall CCoommuunniittáárriiaa

qquuee ttrraabbaallhhaa nnoo CCoonnssuullttóórriioo PPooppuullaarr..

O curso de MIC diverge também da grande maioria dos programas de medicina altamente

elitizados, na forma de acesso que é inteiramente aberta e não seletiva a priori. Qualquer

pessoa com menos de 35 anos pode iniciar o curso pelo “premédico”,36

que se trata de um

programa de nivelamento de conhecimentos de disciplinas básicas com seis meses de

duração, que visa a atualização dos estudantes, mas cuja aprovação é requisito para

continuar os estudos de medicina. Em 2004 se inscreveram no premédico 20.000 jovens,

destes cerca de 15.000 iniciaram, 13.000 realizaram e 11.160 foram aprovados no

premédico para iniciar o curso de MIC em 2005.37

Essa forma de acesso fez com que em

dois anos de funcionamento o curso de MIC este já conte com 19.069 alunos matriculados,

36

As disciplinas ministradas no curso Premédico são: Organización docente e introducción al curso

(24 horas), Técnicas de estudio (42 horas), Universidad y Sociedad (33 horas), Introducción a la Salud

Pública de Venezuela (123 horas), Biología (222 horas), Química (213 horas), Lengua Española (128 horas),

Evaluación final (6 horas) o que totaliza 791 horas. 37

Dados coletados em entrevista com o coordenador nacional do curso em 09 de novembro de 2006 e

disponibilizados da Base de Dados do Programa de MIC.

73

sendo 7.909 na primeira série e 11.160 na segunda série.

Embora os dois cursos analisados MIC e GSP, tenham objetivos semelhantes, convirjam

no entendimento de educação, no seu papel no processo de transformação social e

assumam os mesmos pressupostos e diretrizes educacionais, apresentam diferenças quanto

as estratégias pedagógicas adotadas no processo ensino-aprendizagem. Enquanto o curso

de Gestão em Saúde Pública se estrutura em eixos de formação e na metodologia de

Aprendizagem por Projetos (Anexo a), o curso de Medicina Integral Comunitária adota um

desenho curricular baseado em disciplinas, no ensino integrado das ciências básicas

(Anexo b) e no uso sistemático de estratégias do ensino a distância.

O ensino das ciências básicas, por meio das disciplinas integradas de Morfofisiologia e

Morfofisiopatologia busca romper com a hipertrofia de programas, a fragmentação do

conhecimento instituído com as várias disciplinas das ciências morfológicas (anatomia,

embriologia, histologia) e fisiológicas (fisiologia, biologia celular e molecular) ao mesmo

tempo em que “incluye la práctica médica comunitaria como parte del proceso

transformador que se lleva a cabo em la República Bolivariana de Venezuela para la

formación de un médico de nuevo tipo a través de la concepción de la Universidad Barrio

Adentro”. (LUNA, MUÑOZ, SALVAT, 2006, p. 01).

O enfoque integrado de conteúdos não se constitui em novidade, contudo ainda é uma

prática pouco adotada nos cursos da área da saúde de outros países como o Brasil, não

tanto pelos resultados que parecem superar o ensino por disciplinas, mas, sobretudo pela

dificuldade de articulação das disciplinas que historicamente foram se constituindo como

ciências particulares.

74

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A observação in loco do processo político venezuelano e as análises realizadas a partir da

leitura de documentos do governo e dos programas de graduação em Gestão em Saúde

Pública e Medicina Integral Comunitária, da Universidade Bolivariana de Venezuela,

permitem identificar uma forte articulação entre o Projeto Revolucionário Bolivariano e a

formação ministrada em todos os níveis de ensino. Mas também, possibilita apreender

nexos existentes entre elementos centrais da formação com determinadas concepções

filosóficas-político-ideológicas que historicamente tem contribuído para manter o atual

modo de produção e reprodução da vida material e espiritual.

A educação ocupa um lugar preponderante como ferramenta para a transformação da

sociedade e para a consecução do Projeto Revolucionário Bolivariano, que almeja ser um

processo revolucionário sócio, cultural e político de base essencialmente educativo, que

pretende provocar mudanças na base econômica. Para isso, é fundamental a

conscientização do povo, a construção de um ser social humanizado e solidário, que se

daria por meio da formação/educação no ensino formal e não formal. Portanto, esse

processo educacional que privilegia uma classe social – a dos excluídos - está impregnado

de elementos ideológicos que favorecem esta classe social, historicamente alienada do

acesso à riqueza e aos bens produzidos pela sociedade.

O projeto educacional bolivariano pretende superar a escola tradicional capitalista, a partir

da recuperação do ideário educacional escolanovista e de valores humanistas, patrióticos e

de solidariedade. Na área da educação, mediatizado pelas políticas massivas de inclusão

em todos os níveis de ensino, parece emergir um novo contrato educacional igualitarista

em oposição ao projeto neoliberal das décadas anteriores. Essas formulações seria, no

entendimento de Casanova (2006), uma volta aos ideais do republicanismo e do

racionalismo laico.

O ideário igualitarista-democrático, que acompanha o imaginário dos povos do ocidente

desde o século XVIII, aponta que essa promessa não cumprida, pode se realizar em um

projeto onde o Estado se oriente pelo tripé do direito, da democracia e da justiça social.

Parece ser este também o pressuposto que baliza conceitualmente o atual nacionalismo

75

bolivariano, que vale destacar, não prescinde de temas religiosos, nem de conceitos ou de

categorias marxistas.

Empiricamente o que foi possível observar do atual processo venezuelano, na área da

educação como um todo e em particular no ensino superior, como resultado não só da

política educacional, mas da associação de várias políticas sociais do governo Chávez, foi o

acesso ao conhecimento de um enorme contingente de crianças, jovens e adultos, que

historicamente estiveram excluídos do sistema de ensino. Segundo o governo cerca de 50%

da população, em torno de 13 milhões de pessoas, está de alguma forma estudando

atualmente. Este acesso se deu tanto por meio do sistema público nacional, que se ampliou

quantitativamente, como pelas missões educativas, política que deve se manter enquanto

não “forem incluídos todos os excluídos” em todos os níveis de ensino. Em outubro de

2005, a Venezuela foi considerada, pelos critérios da UNESCO, “território livre de

analfabetismo”.

Quanto à formação universitária, esta se processa a partir do projeto nacional e de

demandas locais, inserida e articulada com as comunidades, cujo vínculo deve ocorrer

desde que o aluno entre na universidade, daí o ensino por projetos e a valorização da

prática, do saber-fazer (trabalho). Isso parece decorrer de certa urgência na resolução de

problemas da sociedade, que não teriam como aguardar o tempo da universidade, que se

encontra em descompasso com o tempo político da revolução social. As diferentes

modalidades de ensino, como o ensino a distância, o uso de tecnologias de informação e a

presença de monitores ou facilitadores, indicam uma opção pela massificação (quantidade)

mesmo que num primeiro momento penalize aspectos considerados de qualidade.

Um desses aspectos, levantados pela crítica interna, refere-se ao esvaziamento de

conteúdos, o que é respondido, pelo governo, com a apresentação de dados de exclusão

decorrentes do tradicional ensino baseado na transmissão/apropriação de conteúdos e com

a pergunta de que qualidade se estaria falando quando esta sempre foi para poucos. A

forma de organização do ensino, fundada em conteúdos, seria uma estratégia que não só

mantém, mas impede o acesso à escola e ao conhecimento de grande parte da população.

76

Outra crítica feita pelos intelectuais daquele país, diz respeito à “pedagogia localista”, que

isolaria o aluno em relação ao resto do mundo, na medida em que o conhecimento que

deve ser apropriado/construído durante o processo de formação, incorpora a noção de

desenvolvimento endógeno. Da mesma forma, a defesa dessa perspectiva, pelo governo, é

no sentido de que se deve partir do conhecimento individual, ou seja, “quem somos” para

posteriormente apreender o conhecimento universal. Nas palavras do então ministro da

educação e desportes Aristóbulo Istúriz “ir à globalização sabendo quem somos e

orgulhosos do que somos”.

Acredito ser perfeitamente válida a intenção de descolonizar o pensamento,

particularmente em países periféricos que historicamente estiveram subordinados

econômica, política e culturalmente aos grandes centros do planeta, contudo, há que se ter

cuidado para não cair no relativismo que desconsidera o conhecimento construído e

acumulado pela humanidade ao longo da história.

No que se refere especificamente à formação de profissionais de saúde, muitas das críticas

que o governo realiza ao ensino ministrado nos cursos tradicionais da área e

particularmente ao perfil dos egressos, que não atenderiam as demandas da realidade do

setor de saúde nacional e que levou à formulação de uma nova proposta de formação, já

vêm sendo feitas há algumas décadas por estudiosos da área em vários países da América

Latina e também por organismos como a Organização Panamericana de Saúde e a

Organização Mundial da Saúde, sem que a maioria dos países tenha logrado alterar o seu

quadro sanitário e a lógica mercantilista presente nos sistemas de saúde. Apesar da crítica

que possa ser feita às estratégias adotadas no processo de formação de profissionais de

saúde, na Venezuela, vale lembrar que este modelo já foi experimentado em Cuba, país que

apesar de sofrer décadas de bloqueio econômico, por parte da maior potência mundial,

apresenta indicadores de saúde comparáveis aos dos países desenvolvidos.

Diante da complexa e dinâmica realidade que se constitui a Venezuela na atualidade, e dos

elementos apreendidos no âmbito da formação é possível formular algumas questões, que

só a história poderá responder, mas que é importante colocá-las, pois a leitura da realidade

precisa ser permanentemente renovada em face de sua dinamicidade e da impossibilidade

da previsão e controle absoluto dos resultados, quer seja dos atos individuais, ou das ações

77

coletivas. Trata-se das questões, já explicitadas no decorrer do texto, que dizem respeito à

incorporação do conjunto de orientações e princípios da UNESCO, que se vinculam ao

pensamento liberal e ao projeto de conservação da sociedade burguesa, em uma proposta

educacional alternativa, vinculada a um projeto que tem como meta transformar essa

mesma sociedade.

A forma com que foram traduzidas as orientações do relatório de Jacques Delors, no

Projeto Bolivariano e na prática pedagógica dos processos de formação em curso na

Venezuela, seria suficiente para impedir a “contaminação” do projeto e anular o caráter

conservador desses princípios? É possível destacar de um conjunto de propostas que

carregam uma particular visão de mundo (centrada no indivíduo, que naturaliza as

desigualdades sociais, que defende a continuidade do atual sistema), determinadas

estratégias e utiliza-las para a implementação de um projeto que aponta em outra direção,

de transformação das estruturas da sociedade, sem que isso em algum momento se coloque

contra o próprio projeto? Sem que isso “atrapalhe” o projeto?

Se as respostas a estas questões se revelarem positivas na historicidade do contexto

venezuelano, então estaria se confirmando a hipótese de que quando se tem um projeto

coletivo de transformação social, este é preponderante em relação a projetos setoriais, ou

seja, não importa muito os meios, métodos ou estratégias utilizadas no processo de

formação quando este se articula a um projeto de transformação social.

Considerando que as estruturas e as relações sociais são contraditórias na sociedade

moderna e a dinâmica histórica de uma formação social, em face do movimento dialético,

aponta sempre para um “poder ser” mais além dela mesma, a crítica a ser feita a

apropriação das orientações da UNESCO e de outros pressupostos, no atual processo

político venezuelano, deve deixar em aberto para avaliações futuras em face de que os

resultados ainda não são completamente visíveis. Contudo, isso não pode impedir a

explicitação de análises que questionem determinados aspectos do processo em curso.

Com este entendimento e com a certeza de que a contradição, intrínseca a toda realidade

social caracteriza o universo social, rompendo com a idéia do desenvolvimento da história

como um todo, e obrigando a uma apreensão do objeto em toda a sua historicidade, é que

78

buscamos, nesse trabalho, identificar e explicitar algumas contradições do próprio projeto

educacional bolivariano e os nexos existentes entre este projeto e a complexa realidade que

a Venezuela está vivenciando. Com certeza, as limitações teóricas da autora e de tempo,

só permitiram uma parcial apreensão dessa rica totalidade.

79

REFERÊNCIAS

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VIEIRA, E. Democracia e Política Social. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.

82

ANEXO A

Plano de Estudos do Curso de Gestão em Saúde Pública

83

AÑO

AÑO

Semestre

UC

Duración en

Semanas

Horas por

Semana

Pre. HS

Ind.

Créd/Año TSxHS

entre 24

Créditos x Semestre

PRIMER AÑO

1er 1er

Proyecto I: Análisis de

Situación de Salud. 18 9 7 2 7 3,4

1er 1\er Ciencia y conocimiento 18 6 3 3 5 2,3

1er 1er

Estado venezolano y el Derecho a

la Salud 18 6 3 3 5 2,3

1er 1er Epidemiología y Demografía 18 8 4 4 6 3,0

1er 1er Proyecto

Bolivariano 18 6 3 3 5 2,3

1er 1er

Información Social y Estad.

en Salud 18 8 4 4 6 3,0

43 24 19 32 16,1

1er 2do

Proyecto I: Análisis de

Situación de Salud. 18 9 7 2 7 3,4

1er 2do Ciencia y conocimiento 18 6 3 3 5 2,3

1er 2do

Estado venezolano y el Derecho a

la Salud 18 6 3 3 5 2,3

1er 2do Cultura e Identidad 18 6 3 3 5 2,3

1er 2do Epidemiología y Demografía 18 8 4 4 6 3,0

1er 2do

Información Social y

Estadística en Salud 18 8 4 4 6 3,0

43 24 19 32 16,1

84

AÑO

Semestre

UC

Duración

Total en Semanas (TS)

Horas por

Semana (HS)

Pre. HS

Ind.

Créd/Año TSxHS

entre 24

Créditos x Semestre

SEGUNDO

AÑO

2do 1er

Proyecto II. Promoción de la Salud 18 10 8 2 8 3,8

2do 1er Salud Integral

I 18 8 4 4 6 3,0

2do 1er Morfofisiología 18 8 4 4 6 3,0

2do 1er

Educación y Comunicación

en Salud 18 6 3 3 5 2,3

2do 1er

Ecología, salud y

calidad de vida 18 8 4 4 6 3,0

2do 1er

Pensamiento Político

Latinoameri-cano y

Venezolano 18 6 3 3 5 2,3

46 26 20 35 17,3

2do 2do

Proyecto II. Promoción de la Salud 18 10 8 2 8 3,8

2do 2do Salud Integral

II 18 8 4 4 6 3,0

2do 2do

Nutrición e Higiene de

los alimentos 18 8 4 4 6 3,0

2do 2do Morfofisiolo-

gía 18 8 4 4 6 3,0

2do 2do Salud Sexual

Integral 18 6 3 3 5 2,3

34 23 17 26 12,8

85

AÑO

Semestre

UC

Duración

Total en Semanas (TS)

Horas por

Semana (HS))

Pre. HS

Ind.

Créd/Año TSxHS

entre 24

Créditos x Semestre

TERCER AÑO

3er 1er

Proyecto III: Redes de

Salud 18 11 9 2 8 4,1

3er 1er Salud Integral

III 18 8 4 4 6 3,0

3er 1er Salud

Ocupacional 18 8 4 4 6 3,0

3er 1er

Gestión y administració

n de Redes de Atención a

la Salud 18 8 4 4 6 3,0

3er 1er

Salud Reproductiva

Humana 18 6 3 3 5 2,3

41 24 17 31 15,4

3er 2do

Proyecto III: Redes de

Salud 18 11 9 2 8 4,1

3er 2do Salud Integral

III 18 8 4 4 6 3,0

3er 2do

Gestión y administració

n de Redes de Atención a

la Salud 18 8 4 4 6 3,0

3er 2do Rehabilitación 18 4 2 2 3 1,5

3er 2do Soberanía y Seguridad 18 4 2 2 3 1,5

3er 2do Alimentación Comunitaria 18 8 4 4 6 3,0

43 25 18 32 16,1

86

AÑO

Semestre

UC

Duración

Total en Semanas (TS)

Horas por

Semana (HS)

Pre. HS

Ind.

Créd/Año TSxHS

entre 24

Créditos x Semestre

4TO. AÑO

4to 1er

Proyecto IV: Diseño y

evaluación de Políticas 18 12 10 2 9 4,5

4to 1er

Diseño y gestión de políticas

públicas en Salud 18 8 4 4 6 3,0

4to 1er

Gestión de Riesgo y

Administración de

desastres 18 8 4 4 6 3,0

4to 1er Electiva 18 6 3 3 5 2,3

4to 1er Electiva 18 6 3 3 5 2,3

40 24 16 30 15,0

4to 2do

Proyecto IV: Diseño y

evaluación de Políticas 18 12 10 2 9 4,5

4to 2do

Diseño y gestión de políticas

públicas en Salud 18 8 4 4 6 3,0

4to 2do

Gestión de Riesgo y

Administración de

desastres 18 8 4 4 6 3,0

4to 2do Electiva 18 6 3 3 5 2,3

4to 2do Electiva 18 6 3 3 5 2,3

40 24 16 30 15,0

87

DISTRIBUCIÓN DE LAS UNIDADES CRÉDITO POR SEMESTRE Y AÑO.

AÑO / TRIMESTRE

PRIMER

SEGUNDO

Total Total Acumu

lado

PRIMERO

16 16 32 32

SEGUNDO

17 13 30 62

TERCERO

15 16 32 94

CUARTO

15 15 30 124

TOTAL 64 60 124

DISTRIBUCIÓN DE HORAS DE DEDICACIÓN POR SEMESTRE Y AÑO.

AÑO / TRIMESTRE

PRIMER

SEGUNDO

Total

PRIMERO

432,0 432,0 864,0

SEGUNDO

468,0 414,0 882,0

TERCERO

432,0 450,0 882,0

CUARTO

432,0 432,0 864,0

TOTAL 1764,0

1728,0 3492,0

88

HORAS DE DEDICACIÓN TOMANDO EL PRIMER SEMESTRE DEL SEGUNDO AÑO COMO BASE POR SER EL MÁS EXIGENTE EN TÉRMINOS DE DEDICACIÓN.

Horas

presenciales x semana

Horas no presenciales x

semana Total dedicación

Máxima exigencia 26,0 20,0 46,0

Reales Presenciales

19,5 15,0 34,5

89

ANEXO B

Plano de Estudos do Curso de Medicina Integral Comunitária

90

PRIMEIRO ANO: Unidades curriculares:

Morfofisiología I

Morfofisiología II

Morfofisiología III

Deporte recreación y salud

Educando en ciudadanía

Proyecto comunitario I

Introducción a las ciencias sociales

Introducción a la Atención Primaria de Salud

Comunicación

SEGUNDO ANO Unidades curriculares:

Morfofisiología IV

Morfofisiopatología I

Morfofisiopatología II

Deporte recreación y salud

Pensamiento político latinoamericano.

Informática médica

Proyecto comunitario II

Atención Primaria de Salud

Ciencias Sociales y Sociomédicas

Psicología Social y de la Salud

Salud Pública

Epidemiología e Higiene

Historia Natural de la Salud

Bioestadística e Investigación

Intervención Comunitaria

Análisis de la Situación de Salud

91

TERCEIRO ANO - Unidades curriculares:

Propedéutica clínica y semiología médica

Medicina interna

Imagenología

Laboratorio clínico

Agentes Biológicos

Farmacología

Psicología Médica

Proyecto comunitario III

Atención Primaria de Salud

Ciencias Sociales y Sociomédicas

Psicología Social y de la Salud

Salud Pública

Epidemiología e Higiene

Historia Natural de la Salud

Intervención Comunitaria

Ética Médica

Análisis de la Situación de Salud

QUARTO ANO - Unidades curriculares:

Pediatría

Ginecología y obstetricia

Cirugía general

Proyecto comunitario IV

Medicina General Integral I

92

QUINTO ANO - Unidades curriculares:

Psiquiatría

Ortopedia y Traumatología

Urología

Dermatología

Otorrinolaringología

Oftalmología

Proyecto comunitario V

Medicina General Integral II

Salud Pública

Gestión de Salud

Medicina Legal

Investigación en Salud

Medicina Natural y Tradicional

SEXTO ANO - Unidades curriculares

Medicina General Integral

Área de atención al adulto

Área de atención al niño

Área de atención a la mujer y a la embarazada

Área de atención quirúrgica

93

CARGA HORÁRIA DO CURSO

Año Total Horas Presenciales Créditos h/s

Primero 2264 1410 50 56/39

Segundo 2352 1520 54 56/42

Tercero 2352 2016 72 56/42

Cuarto 2352 2016 72 56/42

Quinto 2264 2016 72 56/42

Sexto 2500 2500 89 50/50

Total 14 084 11 478 409 -

SEMANA TIPICA

LUNES MARTES MIERCOLES JUEVES VIERNES SABADO

MAÑANA 4 Horas

Encuen-tro en el núcleo docente Momento Evaluativo Frecuente

Consul-torio Popular

Consul-torio Popular

Encuentro en el núcleo docente

Consoli-dación de contenidos

Consul-torio Popular

Encuen-tro en el núcleo docente Consul-ta obligatoria dirigida Preparación de Profesores

TARDE 4 Horas

Encuen-tro en el núcleo docente Orienta-ción de Contenido

Consul-torio Popular

Consul-torio Popular

Forma-ción general

(Ciudada-nía, E. Física Idiomas)

Consul-torio Popular

Consul-ta obliga-toria dirigida Prepara-ción de Profe-sores

NOCHE

Estudio Indepen-diente

Estudio Indepen-diente

Estudio Indepen-diente

Estudio Indepen-diente

Estudio Indepen-diente

Consul- torio popular

24 h Encuen- tro Núcleo Docente

12 h Actividad Docente de Fomación General

4h Estudio Colecti- vo dirigido

94