a transiÇÃo para o ensino fundamental de nove...
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A TRANSIÇÃO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO
OESTE DO PARANÁ: QUESTÔES, ALFABETIZAÇÂO, IDADES, INFÂNCIAS
AUSÊNCIAS E SILÊNCIOS1
PAULA, Flávia Anastácio de2
DAROS, Thuinie Medeiros Vilela
DEMENECH, Flaviana
DUARTE, Luzia
Olhar para a implantação do Ensino Fundamental (EF) de nove anos implica
olhar para as políticas educacionais. Neste artigo focalizaremos a transição da Educação
Infantil para o Fundamental com as crianças pequenas em especial em municípios que
fizeram a implantação tardia, no limite de 2010. A temática da ampliação da
obrigatoriedade e da antecipação da idade tem sido estudada por diversos pesquisadores
(Gorni, 2007; Barbosa, 2009).
O Ensino Fundamental de nove anos vem sendo discutido desde 2005 e tem sua
adoção apenas em seis de fevereiro de 2006, descrita na Lei n°. 11.274/2006 que vem
consolidar a proposição de expansão, contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº. 9.394/1996, e no Plano Nacional de Educação, Lei nº. 10.172/2001
que previa o Ensino Fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na
escola pública, sendo um direito constitucional e fundamental com liberdade de ensino e
de estudo. Embora alguns estados o implantaram desde 2004 outros municípios apenas
o conseguiram em 2010.
A decisão e implementação de um Ensino Fundamental de nove anos
nacionalmente pelo governo segundo Santos e Vieira (2006) tem razões demográficas,
financeiras, políticas, educacionais ou pedagógicas. Demográficas devido a diminuição
das taxas de fecundidade, resultando em menos alunos e mais na rede física e
professores excedentes. Financeiras porque acrescentar as crianças de 6 anos foi mais
compatível com os recursos disponíveis do que estender um ano no final do ensino
fundamental, pois os professores do início oneraria menos os municípios. Razões
políticas porque havia uma percepção de uma recepção positiva, sobretudo por parte das
famílias mais pobres, devido à demanda pela educação para a criança pequena, assim
1 Trabalho resultado do projeto de pesquisa do Grupo MEDIAR/Unioeste
2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná - [email protected]
como pela possibilidade de realização imediata da medida, pela disponibilidade
financeira, da rede física, apelo de caráter eleitoral. Razões pedagógicas ou
educacionais, sobretudo pelos argumentos que tendo mais um ano, a escola
disponibilizaria de um prazo maior para socializar a criança e promover sua inserção
num universo cultural novo, criando mais oportunidades de aprendizado; e uma parcela
maior da população escolar pode se beneficiar das políticas públicas voltadas para a
melhoria de ensino fundamental, a entrada mais precoce na escola tem repercussões
positivas na continuidade da escolarização; criam-se melhores condições para a
alfabetização das crianças.
Quase todas as razões educacionais ou pedagógicas podem ser questionadas,
afinal sem uma alteração no modo de ver a criança e no modo de viver o início da
escolarização podemos apenas correr o risco de repetir equívocos históricos e assim
colocar as crianças das camadas populares no ensino fundamental aos 6 anos (Brasil) ou
aos 5 anos (Paraná) sem uma proposta pedagógica adequada significa apenas antecipar
o fracasso para elas.
Uma outra razão que preocupa é que historicamente a educação infantil é sentida
pela sua ausência, provavelmente nenhum município do Brasil consiga atender a toda a
sua demanda por vagas, assim, corremos o risco de convivermos com diferentes
critérios etários tanto para ingresso no ensino fundamental ou para a educação infantil
tanto para o fluxo das séries.anos e sua relação com as idades.
Outra tendência é de a faixa etária da educação infantil de 0 a 5 anos (Brasil) ou
0 a 4 anos (Paraná) ser “engolida” pelo ensino fundamental, perdendo a sua
especificidade, tanto pela diminuição das matrículas, devida à queda das taxas de
fecundidade, inserção da pré-escola na rede física do ensino fundamental quanto pela
indefinição de fontes de financiamento para a educação infantil.
Outra questão pedagógica é que ao observarmos a implantação precisamos
pensá-la como uma longa transição, pois não afetará apenas as turmas iniciais do ensino
fundamental, mas também as turmas finais.
Observemos a evolução da implantação do Ensino Fundamental de nove anos no
Brasil, 2005-2009, ocorreu em velocidades diferentes nos estados, conforme bela do
MEC:
:
Notamos que o Estado de Minas Gerais é um dos mais precoce e o estado do
Paraná, embora inicie apenas em 2007, é um dos mais rápidos: quando a implantação no
final de 2007 equivaleria a 60, 90% e em 2008 com 89,22%, já em 2009 com 94% de
matrícula das crianças de seis anos, sendo que em 2009 apenas 25 municípios dos 399
ainda não tinham implantado.
O Paraná e o Oeste do Paraná na Implantação: questões sobre a faixa etária
Uma das polêmicas em torno da implantação é a idade mais adequada para as
crianças iniciar o Ensino Fundamental. A Lei 11.274/2006 determinou que a entrada
deveria ocorrer aos seis anos, mas não indicou naquele momento se as crianças
deveriam completar essa idade antes ou durante o ano letivo, objeto posterior de vários
pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE). Tal fato permitiu diferentes
interpretações, entre elas aquela que está ocorrendo no estado do Paraná, onde a
discussão foi parar no Ministério Público em disputa sobre as crianças de 5 anos. A
Deliberação nº. 03/06 do Conselho Estadual de Educação e determina:
“Art.12º Para a matrícula de ingresso no 1º ano do Ensino
Fundamental de 9 anos de duração, o educando deverá ter 6 (seis)
anos completos ou a completar no início do ano letivo.
Parágrafo único - Atendida a matrícula dos alunos com 6 (seis) anos
completos ou a completar no início do ano letivo, admite-se, em
caráter excepcional, o acesso ao ensino fundamental de crianças que
completem seis anos no decorrer do ano letivo, desde que atendidos os
seguintes requisitos:
a) termo de responsabilidade pela antecipação da matrícula da criança,
assinado pelos pais ou responsáveis;
b) explicitação no Regimento Escolar;
c) proposta pedagógica adequada ao desenvolvimento dos alunos;
d) comprovação da existência da vagas no estabelecimento de ensino.
(PARANÁ, 2007, p. 01).”
Assim, como pode ser na citação, o Conselho Estadual de Educação do Paraná
deixou de utilizar a data 1º de março como corte etário e passou a empregar a expressão
início do ano letivo. No entanto, o parágrafo único explicita que após o atendimento
obrigatório de todas as crianças de seis anos, poderiam ser matriculadas as crianças de
cinco anos, desde que atendidos os requisitos elencados. Dessa forma, a decisão sobre a
idade de ingresso ficou a cargo em 2007 e 2008 das redes públicas e privadas de ensino
e dos responsáveis pelas crianças.
Embora a implantação no Paraná, começaria em 2007. Já no final de 2006,
algumas instituições privadas entraram com uma ação na justiça reivindicando que as
crianças de 5 anos ou 6 anos incompletos pudessem ser matriculadas no primeiro ano.
Em março de 2007, o Ministério Público (MP) estendeu essa reivindicação para todas as
crianças do Estado. Assim, sobre a idade das crianças temos um pêndulo nas
orientações que resultam de uma disputa pelo público infantil.
Outra característica do estado do Paraná é a não universalização da educação
infantil (EI), sendo que muitas famílias mantinham suas crianças na rede privada
migravam para a rede pública no início do ensino fundamental. Ao ser implantado o EF
de nove anos muitas famílias e suas crianças migraram um ano mais cedo para a rede
pública, precisava-se de um ação para preservar o mercado.
Devido à disputa pela matrícula das crianças de cinco anos no Estado do Paraná,
em carta à assessora técnica da Secretaria de educação à distância (SEED) a respeito de
um questionamento da idade das crianças, o presidente do Conselho Estadual de
Educação, Romeu Gomes Miranda orienta:
Informamos que, com fundamentos da Lei Federal 11.274/2006 e a
LDB nº 9394/1996 essa deverá ser feita aos seis anos de idade como já
expresso pelo Conselho Nacional de vários de seus Pareceres, aferido
no início do ano letivo. Entretanto, enquanto vigorar a Lei Estadual nº
16.049/2009, fica assegurado, no Estado do Paraná, o direito à
matrícula no primeiro ano dos alunos que completarem seis anos até o
final do ano em curso, ao pai ou responsável que invocar sua
aplicação. Assim, sugerimos atenção a legislação acima mencionada e
as normas do CNE, e que seja feita a matrícula, no primeiro ano do
Ensino Fundamental com nove anos de duração, das crianças que
completarem seis anos no início do ano letivo em curso, ressalvando
o dispositivo do parágrafo anterior (MIRANDA, 2009).
Pode-se observar neste ofício, embora dirigido à Secretaria de Estado de
Educação do Paraná é divulgado no site da União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (UNDIME-PR), orientando para que a matrícula no ensino fundamental de
2010 fosse feita com crianças que completaram 6 anos no início do ano letivo. Embora,
os pais que evocarem neste nível de ensino fundamental possam matricular as crianças
de 5 anos, por preservação de direito segundo o Ministério Público. Mas, é isso que vem
acontecendo no Oeste do Paraná? Uma das pesquisas que um de nós realizou foi sobre
o número de alunos por sala de aula, em vinte municípios do Oeste do Paraná.
Média de alunos por turma do 1º ano nas escolas
0
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1a 1b 1c 1d 1e 1f 1g 1h 1i 1j 2a 3a 3b 3c 3d 3e 3f 3g 3h 3i 3j 3k 3l 3m 3n 4a 4b 5a 5b 5c 5d 5e 6a 6b 6c 6d 7a 8a 10a
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Fonte: DADOS (2010)
Média de alunos por turma do 2º ano nas escolas
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Escolas
Nº d
e al
unos
Fonte: DADOS (2010)
Observando as figuras acima, evidenciamos algumas generalidades: A primeira
delas é que o número de crianças matriculadas no segundo ano do EF é maior que o
número de crianças matriculadas no primeiro ano. Para vinte municípios enquanto no
segundo ano há 2.916 crianças, no primeiro tem-se 2.381 crianças matriculadas. O
segundo ano tem 10% mais alunos do que o primeiro ano do EF de nove anos. Uma das
justificativas prováveis é que nesta transição o ano letivo de 2010 recebeu alunos que
se matriculavam pela primeira vez na escola tanto no primeiro ano, quanto no segundo
ano. Isto se deve ao fato de que a matricula no primeiro ano das crianças de cinco anos
em 2009, não estava obrigatória nem era universalizada. Assim, confirmamos pelos
depoimentos que em 2010 ao matricular pela primeira vez uma criança de 6 anos os
municípios o fizeram tanto no primeiro ano quanto no segundo ano.
Percebe-se que maior porcentagem de alunos por turma no primeiro ano do
Ensino Fundamental de nove anos está 16 à 25 alunos por turma. Observamos que para
o segundo ano, o número de alunos por turma, acima de 20 alunos é o padrão de mais
da metade dos questionários respondidos. Em média parece que está havendo uma
menor quantidade de crianças por turma e isto pode denotar uma adaptação da escola
para melhor trabalhar o desenvolvimento do aprendizado de cada criança. No entanto,
esse número de alunos por turma se revela muito alto se compararmos com a Educação
Infantil e principalmente com a idade das crianças. Daí a importância de sabermos a
idade das crianças matriculadas. A seguir o gráfico mostra a idade das crianças de
matriculas em vinte municípios no primeiro ano letivo de 2010. Mostramos abaixo
apenas as crianças com cinco anos por escola.
Fonte: Dados (2010) 3
A antecipação da idade de 5 anos é a forma material da implantação do Ensino
Fundamental de 9 anos nos municípios do oeste do Paraná. Temos até dificuldade em
ler e compreender o gráfico acima. Mas, o dado nos revela que apenas um pequeno
grupo inicia o mês de março com 6 anos, cerca de 20%. Temos uma parte significativa
de alunos que fazem aniversário até 30 de novembro e outra parte ausente deste gráfico,
pois eram as crianças que faziam aniversário em dezembro após o término do ano letivo
e assim, por um vício no instrumento do questionário não foi quantificada. Inferimos,
pelos dados e pelos depoimentos, que uma porcentagem entre 5% a 30% das matrículas,
dependendo do município, era composta por crianças que estavam em 30 de novembro
de 2010 ainda com 5 anos, ora elas não deveriam ter sido matriculada na Educação
Infantil? Isto revela que a antecipação como materialidade da implantação, trouxe
consigo a diversidade dos critérios etários e o “engolir” das turmas de pré-escola
quando existiam ou a perpetuação da sua ausência nos municípios onde nunca
existiram.
Em alguns municípios, ou espaços de município onde não havia oferta da pré-
escola a matrícula da criança de 5 anos no ensino fundamental foi considerado um
ganho para os profissionais da escola, um ganho no lugar de uma ausência. Em parte
dos municípios os pais preferiam que seus filhos ficassem na pré-escola (seja por
motivos, afetivos, emocionais, ou de maior tempo de atendimento) mas, não tiveram
opção que fosse diferente daquele de se responsabilizarem pela escolha de outrem; em
outros municípios os pais declararam estarem satisfeitos com a antecipação da
escolarização e da alfabetização e desejam que seus filhos não ficassem atrasados.
A centralidade da alfabetização para crianças de cinco anos no ensino
fundamental: reflexões necessárias
A partir da lei 11.274/2006 (BRASIL, 2006), a data de corte estabelecida para o
ingresso obrigatório é de seis anos completos se dá até o dia 31 de março do ano em
vigor, no entanto, no estado do Paraná, decorrente de disputas judiciais das escolas
3 Dados produzidos por uma de nós durante pesquisa em 2010
particulares que no ano de 2008 e 2009 buscaram o consentimento legal para antecipar
as crianças, com cinco anos que ocasionou a publicação da lei estadual 16049/99 . Tal
lei dispõe que podem usufruir no direito à matrícula no primeiro ano a criança que
completar seis anos até o dia 31 de dezembro do ano em curso. (PARANÁ, 2009).
Na retórica, a publicação deste decreto permite a opção dos pais ou responsáveis
de todas as crianças com cinco anos completos ou a completar durante o ano letivo a
opção da matrícula ora na Educação Infantil ora no Ensino Fundamental, no entanto, a
rede municipal de educação de Foz do Iguaçu no ano de 2009 e 2010 passou a ofertar
suas vagas para crianças de cinco anos exclusivamente no Ensino Fundamental não
dando a opção de escolha aos pais ou responsáveis pela efetivação da matrícula ora na
Educação Infantil ora no Ensino Fundamental.
Parte-se do princípio que não é o aumento do tempo de permanência na escola,
mas a qualidade do trabalho que é desenvolvido, que garantirão de fato a
democratização do acesso aos bens culturais produzidos historicamente, sendo assim,
para além das questões legais e burocráticas de implantação e implementação, também
considera relevante eleger como objeto de estudo o que vem sendo praticado nas salas
de aula dos primeiros anos principalmente no que concerne ao processo de
alfabetização.
Pensar em “Quais práticas vem sido desenvolvidas nas salas de aula do primeiro
anos? Qual a concepção de linguagem escrita contida no trabalho pedagógico? È aquela
das orientações oficiais? A idade das crianças interfere no trabalho organizado e
ocasiona quais resultados? Refletir isto levou a necessidade de verificar como os
professores destas crianças tem organizado o processo de ensino diante destas “novas
idades” presentes no Ensino Fundamental.
Numa investigação realizada, por uma de nós, no primeiro semestre de 2010 em
oito escolas públicas do município de Foz do Iguaçu-Pr pode perceber através dos
diálogos estabelecidos com os professores - e também na observação das atividades
pedagógicas materializadas nos cadernos escolares, quadro-negro, cartazes expostos nas
paredes da sala de aula - que estes professores consideram o primeiro ano uma
antecipação da antiga primeira série, ou seja, o que era objetivo e metodologia do
trabalho da primeira série passou a ser do primeiro ano. Mesmo considerando que o
sistema municipal já atendia crianças nesta faixa etária em nível pré-escolar e ao que
parece, realizavam um trabalho voltado para as necessidades da infância.
Considerando que nas turmas do primeiro ano existem crianças que acabaram de
completar cinco anos, crianças de seis anos completos, com trabalho pedagógico de
crianças de sete anos, as professoras acabam caracterizando-as como “imaturas”,
“distraídas”, “pequenas”, ou seja, as crianças não atendem as expectativas da idade que
os professores estabeleceram para esta nova etapa.
Além disso, verificou-se que a opção metodológica para este novo ano estavam
subsidiadas por orientações municipais e concepções de alfabetização reducionistas ao
código e equivocadas a respeito da linguagem. Interpretando-a como mera
representação da linguagem oral e apresentada aos alunos como um processo
sistematizado e mecânico de codificação e decodificação dos signos lingüísticos através
dos usos reincidentes do bá, bé bi, bó, bú e das frases cartilhescas tipo “mula mói
limão”.
O que se pretende discutir, contudo, não é a idade cronológica em si ou o
“cinco” ou “seis” anos presentes, visto que historicamente a realidade das salas de aula
públicas brasileiras ainda perpetuam a presença de crianças com as mais diversas idades
e infâncias diferenciadas evidenciando um caráter denunciatório, mas discutir enfim, a
relação com o ensino para este momento da infância e a possibilidade de proporcionar a
vivência de produtos sociais para além do “código’ da escrita via processo de
escolarização formal, pois apenas inseri-las em práticas voltadas para a apropriação do
sistema de notação alfabético, privando-as do que essencialmente as motivam – o lúdico
e a brincadeira no momento do aprender para Bissoli é:
Retirar da criança o direito a brincadeira, limitando-se sua vida
escolar a sala de aula é relegar, a segundo plano, o que é
imprescindível: a integração entre inteligência e envolvimento afetivo
(...) ignorar a importância de a criança participar como sujeito de suas
aprendizagens e desenvolvimento, o que só é possível se o que se
propõe a ela está adequado a suas possibilidades e por isso faz
sentido. É reproduzir desde o principio da educação
institucionalizada, a lógica do capital: enquanto alguns detêm o poder
de mando; outros limitam-se a obedecer, realizando ações cujo
objetivo é apenas preparo para a vida e não a vida aqui e agora. É
fazer do futuro um escravizador do presente e não o seu fruto...
(2005, p. 202).
Esta concepção que defende a antecipação precoce da escolarização é constituída
pelo ideário que quanto mais cedo à criança é introduzida de modo sistemático no ensino
da leitura e da escrita, melhor é a qualidade desta escola e maiores são as possibilidades
destas crianças obterem sucesso em suas carreiras profissionais e na vida. No entanto, no
momento em que o trabalho pedagógico dos professores que atuam com o primeiro ano
centraliza-se exclusivamente na antecipação da alfabetização submetendo as crianças ao
aprendizado da leitura e da escrita via treino de letras, sílabas ocupa o tempo da criança
na escola e toma o lugar da brincadeira e do faz de conta e conseqüentemente estão
causando prejuízos para o desenvolvimento satisfatório das crianças. Segundo Miller e
Mello (2008 p.02):
Esse treino de escrita, num momento em que a criança não está ainda
preparada para essa aprendizagem, torna-se lento e demorado, exige um
esforço enorme da criança e, por isto, acaba por tomar a maior parte do
seu tempo na escola. Além disto, na maior parte das vezes, acaba sendo
uma experiência de fracasso para a criança, pois em geral ela não
cumpre a expectativa da professora que é inadequada para a idade (...).
Com isso, paradoxalmente, as crianças deixam de formar as bases
necessárias para aprendizagem da escrita a função simbólica que se
forma no desenho, na pintura e na modelagem; o controle da vontade e
da conduta favorecido pelo jogo do faz-de-conta; a necessidade de
expressão que se forma com a vivência em atividades que tenham
sentido e significado para as crianças, como o canto a dança etc.
Considerar que o aprendizado da linguagem escrita apenas se desenvolverá na
medida e que a criança ingressa na escola, com a ideia de que somente na escola ela – e
inserida num trabalho metodológico voltada para aquisição desta habilidade é uma idéia
parcial que desconsidera o papel principal da linguagem na cultura escrita. Para Vigotski
(2002), o aprendizado da escrita é um processo complexo que é iniciado para criança
“muito antes da primeira vez que o professor coloca um lápis em sua mão e mostra como
formar letras”. (Vygotsky, 2002 p.143). Ainda segundo Vigotski, cada criança tem uma
história de origens fora da escola, esta história de cada indivíduo consolida o processo do
desenvolvimento da apropriação do sistema da escrita, e também, da formação psíquica
do ser humano em sua totalidade. Mello (2009) afirma que para Vigotski:
A aquisição da escrita resulta de um longo processo de
desenvolvimento das funções psíquicas superiores do comportamento
infantil que o autor chama de pré-história da linguagem escrita. Essa
história que é, na verdade uma história das formas de expressão da
criança – é constituída por ligações em geral não perceptíveis á
simples observação e começa com a escrita no ar, com gesto da
criança ao qual nós adultos atribuímos um significado. (Mello, 2009,
p. 24)
Neste sentido, as práticas pedagógicas devem ser organizadas de modo que o
processo de aquisição da linguagem escrita permita que as crianças se devolvam por
meio de gestos, dos signos visuais, do brinquedo, do desenho e do faz de conta como
experiências de cultura. O desenho, por exemplo, que é uma continuidade do gesto,
inicialmente é uma representação gráfica, mas aos poucos, se torna uma representação
simbólica e gráfica do objeto a ser representado. A criança que registra por meio de
imagens e precisa registrar algo mais complexo, pode se recusar a fazer ou buscar outra
forma para tal e então, ela começa a desenhar objetos que se relacionem, ou faz uma
marca arbitrária no lugar do objeto e estes caminhos levam a escrita simbólica, ou seja,
a criança cria sua forma própria de contornar o problema por meio de uma situação
colocada a ela. A partir do momento que a escrita começa a ter um significado
simbólico, então passa a ter um significado funcional, assim à criança começa a refletir
sobre o que deve registrar, pois compreende que pode usar signos para escrever
qualquer coisa, mas não entende como fazê-lo, então ela se se torna confiante em sua
escrita, mas ainda não sabe usá-la.
O processo de desenvolvimento deve ser compreendido numa perspectiva social
e, portanto pressupõe a interação com os outros nos processos de aprendizagem
individual. São através das interações cotidianas que a criança vai ampliando a sua
comunicação avançando da gestualidade para a oralidade e o brincar, o faz de conta
começa a se tornar uma atividade mais presente em suas ações. Segundo Vigotski
(2002, p.136) “É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao
invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas,
e não dos incentivos pelos objetos externos”, sendo assim, é através da situação
imaginária que a criança atribui novos significados aos objetos e norteia a sua ação não
somente pelo percebido, mas principalmente pelo imaginado.
Neste sentido ensinar a língua não é ensinar uma série listas ou tarefas de
repetição que exigem do aprendiz que apenas siga o modelo para memorizar estas
regras. Considera-se a língua um objeto histórico, construído e constantemente
modificado pelos sujeitos que a utilizam em suas interações sociais e, portanto o seu
ensino deve contemplar atividades que permitam a crianças a elaboração de
significados, dos usos e os sentidos da linguagem reconhecendo como principais
mediadores nas relações sociais.
O ingresso das crianças de seis anos no Ensino Fundamental deve estar
vinculada a construção de uma nova concepção de anos iniciais, que respeitem o
desenvolvimento infantil a partir do aprendizado não somente da escrita, que é uma das
muitas linguagens da nossa cultura linguajeira, mas, sobretudo a opção por práticas que
atendam as necessidades infantis como: dramatizar, cantar, pular, brincar, modelar,
correr, pintar entre outras atividades que permitem que as crianças adquiram autonomia
para se desenvolver integralmente. Para Arroyo:
Só tem sentido incorporar uma criança no ensino fundamental se você
estiver preocupado com a totalidade de seu desenvolvimento. Não é
para diminuir a repetência e aumentar a escolarização pura e
simplesmente. É por respeito ao tempo da infância Está faltando a
pedagogia dar importância aos tempos de vida e não se preocupar
apenas com os conteúdos. (ARROYO, 2005, p. 36)
A decisão municipal (2009 e 2010) de cumprimento da liminar pela antecipação
universal da escolarização das crianças de cinco anos somada a realidade previamente
relatada a respeito do trabalho pedagógico realizado nas turmas do primeiro ano,
constituem um cenário em que as necessidades infantis são deixadas de lado em todos
os seus apectos. Compartilha-se o mesmo sentimento manifestado por Barbosa (2009)
que afirma:
Chamo de perverso os processos que estão se multiplicado no país,
por meio de ações movidas pelo Ministério Público, reivindicando o
ingresso no primeiro ano das crianças com cinco anos, que estão a
completar seis ao longo do ano civil (...) penso que, nestes casos, em
nome da defesa de um direito - de frequência à escola - se violenta
outros tantos, como o direito a brincadeira, ao desenvolvimento
motor,ao convivio em grupo,isto é antecipa também, sem a menor
necessidade ou urgência na longeva sociedade contemporânea, um
processo de aprendizagem que pressupõe uma gama bastante ampla de
experiências educacionais das crianças. (BARBOSA, 2009, p.
06)
Partindo do pressuposto do discurso vigente que repetidamente afirma que lugar
de criança é na escola, acredita-se que a escola também deva ser o lugar destas crianças e
ser o melhor lugar para se estar - próprio, específico, atraente, bonito e essencialmente
produtivo intelectualmente, permitindo aos alunos o exercício do pensar, elaborar,
levantar e testar suas hipóteses - pois é realidade que muitas dessas crianças que estão
entrando pela primeira vez na escola estão automaticamente sendo tomadas pelos
ambientes enfadonhos cuja centralidade do trabalho pedagógico se dá apenas no processo
de aquisição da escrita e antecipando os conteúdos, antecipam também o processo de
exclusão. A busca por um ensino de qualidade somente se efetivará através de uma
proposta pedagógica consistente que atendam as necessidades infantis que durante o seu
processo possam contribuir efetivamente para a formação de crianças que se desenvolvam
como pessoas plenas, através do exercício, não somente de uma linguagem – a linguagem
escrita, mas das múltiplas linguagens existentes.
Um passo atrás: as crianças de 5 anos voltam para a Educação Infantil na rede
pública de Foz do Iguaçu
Em 2011 por uma resolução municipal, a prefeitura de Foz do Iguaçu, resolve
retornar o corte etário e matricular no primeiro ano de 2011 apenas as crianças com 6
anos completos e recriar a antiga turma de pré-escola de 5 para 6 anos na rede pública.
Embora a expectativa dos pais e das crianças fosse de continuidade, desta vez as
alterações foram explicada ao público, apresentadas publicamente e assim
encaminhadas. Os pais que invocaram a Lei Estadual nº 16.049/2009 no direito de seus
filhos de 5 anos fossem matriculados no fundamental, organizou-se um dispositivo de avaliação
da criança. Segundo as falas públicas esta avaliação buscou reunir dados sobre os aprendizados
das crianças. Um dos motivos que orientou a decisão, segundo os depoimentos, foi a
diversidade etária presente nos terceiros e quartos anos e a própria dificuldade
institucional de organizar a rede física para adequar a crianças de 5 anos no ensino
fundamental. No presente momento ainda não temos dados sobre quantas crianças
pleitearam o direito de matricular no ensino fundamental com cinco anos, nem quantas
conseguiram.
Uma de nós está realizando trabalho de campo com uma turma de crianças de 5
para 6 anos que continuaram matriculadas na educação infantil, nível pré-escola 3,
embora seja no prédio físico da escola. O nível pré-escola 2 neste e em muitos outros
município também compartilha o prédio da escola em período não integral.
Assim, esta proposta de investigação justifica-se no sentido de compreender as
especificidades do trabalho pedagógico com crianças de 5 anos no período de transição
entre a pré-escola, e o Ensino Fundamental (1º ano). Por isso acompanhamos uma turma
20 alunos regularmente matriculados em observações semanais no período vespertino.
Questões Finais
Inicialmente, é preciso deixar claro que não pretendemos fazer uma crítica à
extensão do ensino fundamental para nove anos, com a inclusão das crianças de 6 anos.
Buscou-se problematizar esta política por diferentes razões. Em primeiro lugar, a
antecipação da entrada das crianças de 5 anos. Em segundo lugar problematizar a
necessidade de se analisar as políticas públicas, considerando seus possíveis efeitos a
curto, médio e longo prazos. Em terceiro lugar que estas políticas devem incluir os
contextos de efeitos, o conjunto de interações de outras políticas e as repercussões
cotidianas. Neste caso por exemplo a alfabetização e a formação destes professores para
um novo perfil etário e a interação com as repercursões na educação infantil e as
questões sobre a infancia. Em quarto lugar torna-se necessário que os silêncios e as
ausências sejam explicitados. Que esta reforma deve ser acompanhada de maiores
investimentos para adequação da rede física, da formação, dos materiais de apoio e a
médio prazo da transição das séries anos finais do ensino fundamental. Lembramos que
mudanças só se consolidam quando passam a fazer parte da cultura escola.
Referências
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