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A TRANSIÇÃO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO OESTE DO PARANÁ: QUESTÔES, ALFABETIZAÇÂO, IDADES, INFÂNCIAS AUSÊNCIAS E SILÊNCIOS 1 PAULA, Flávia Anastácio de 2 DAROS, Thuinie Medeiros Vilela DEMENECH, Flaviana DUARTE, Luzia Olhar para a implantação do Ensino Fundamental (EF) de nove anos implica olhar para as políticas educacionais. Neste artigo focalizaremos a transição da Educação Infantil para o Fundamental com as crianças pequenas em especial em municípios que fizeram a implantação tardia, no limite de 2010. A temática da ampliação da obrigatoriedade e da antecipação da idade tem sido estudada por diversos pesquisadores (Gorni, 2007; Barbosa, 2009). O Ensino Fundamental de nove anos vem sendo discutido desde 2005 e tem sua adoção apenas em seis de fevereiro de 2006, descrita na Lei n°. 11.274/2006 que vem consolidar a proposição de expansão, contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº. 9.394/1996, e no Plano Nacional de Educação, Lei nº. 10.172/2001 que previa o Ensino Fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola pública, sendo um direito constitucional e fundamental com liberdade de ensino e de estudo. Embora alguns estados o implantaram desde 2004 outros municípios apenas o conseguiram em 2010. A decisão e implementação de um Ensino Fundamental de nove anos nacionalmente pelo governo segundo Santos e Vieira (2006) tem razões demográficas, financeiras, políticas, educacionais ou pedagógicas. Demográficas devido a diminuição das taxas de fecundidade, resultando em menos alunos e mais na rede física e professores excedentes. Financeiras porque acrescentar as crianças de 6 anos foi mais compatível com os recursos disponíveis do que estender um ano no final do ensino fundamental, pois os professores do início oneraria menos os municípios. Razões políticas porque havia uma percepção de uma recepção positiva, sobretudo por parte das famílias mais pobres, devido à demanda pela educação para a criança pequena, assim 1 Trabalho resultado do projeto de pesquisa do Grupo MEDIAR/Unioeste 2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná - [email protected]

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A TRANSIÇÃO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO

OESTE DO PARANÁ: QUESTÔES, ALFABETIZAÇÂO, IDADES, INFÂNCIAS

AUSÊNCIAS E SILÊNCIOS1

PAULA, Flávia Anastácio de2

DAROS, Thuinie Medeiros Vilela

DEMENECH, Flaviana

DUARTE, Luzia

Olhar para a implantação do Ensino Fundamental (EF) de nove anos implica

olhar para as políticas educacionais. Neste artigo focalizaremos a transição da Educação

Infantil para o Fundamental com as crianças pequenas em especial em municípios que

fizeram a implantação tardia, no limite de 2010. A temática da ampliação da

obrigatoriedade e da antecipação da idade tem sido estudada por diversos pesquisadores

(Gorni, 2007; Barbosa, 2009).

O Ensino Fundamental de nove anos vem sendo discutido desde 2005 e tem sua

adoção apenas em seis de fevereiro de 2006, descrita na Lei n°. 11.274/2006 que vem

consolidar a proposição de expansão, contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei nº. 9.394/1996, e no Plano Nacional de Educação, Lei nº. 10.172/2001

que previa o Ensino Fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na

escola pública, sendo um direito constitucional e fundamental com liberdade de ensino e

de estudo. Embora alguns estados o implantaram desde 2004 outros municípios apenas

o conseguiram em 2010.

A decisão e implementação de um Ensino Fundamental de nove anos

nacionalmente pelo governo segundo Santos e Vieira (2006) tem razões demográficas,

financeiras, políticas, educacionais ou pedagógicas. Demográficas devido a diminuição

das taxas de fecundidade, resultando em menos alunos e mais na rede física e

professores excedentes. Financeiras porque acrescentar as crianças de 6 anos foi mais

compatível com os recursos disponíveis do que estender um ano no final do ensino

fundamental, pois os professores do início oneraria menos os municípios. Razões

políticas porque havia uma percepção de uma recepção positiva, sobretudo por parte das

famílias mais pobres, devido à demanda pela educação para a criança pequena, assim

1 Trabalho resultado do projeto de pesquisa do Grupo MEDIAR/Unioeste

2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná - [email protected]

como pela possibilidade de realização imediata da medida, pela disponibilidade

financeira, da rede física, apelo de caráter eleitoral. Razões pedagógicas ou

educacionais, sobretudo pelos argumentos que tendo mais um ano, a escola

disponibilizaria de um prazo maior para socializar a criança e promover sua inserção

num universo cultural novo, criando mais oportunidades de aprendizado; e uma parcela

maior da população escolar pode se beneficiar das políticas públicas voltadas para a

melhoria de ensino fundamental, a entrada mais precoce na escola tem repercussões

positivas na continuidade da escolarização; criam-se melhores condições para a

alfabetização das crianças.

Quase todas as razões educacionais ou pedagógicas podem ser questionadas,

afinal sem uma alteração no modo de ver a criança e no modo de viver o início da

escolarização podemos apenas correr o risco de repetir equívocos históricos e assim

colocar as crianças das camadas populares no ensino fundamental aos 6 anos (Brasil) ou

aos 5 anos (Paraná) sem uma proposta pedagógica adequada significa apenas antecipar

o fracasso para elas.

Uma outra razão que preocupa é que historicamente a educação infantil é sentida

pela sua ausência, provavelmente nenhum município do Brasil consiga atender a toda a

sua demanda por vagas, assim, corremos o risco de convivermos com diferentes

critérios etários tanto para ingresso no ensino fundamental ou para a educação infantil

tanto para o fluxo das séries.anos e sua relação com as idades.

Outra tendência é de a faixa etária da educação infantil de 0 a 5 anos (Brasil) ou

0 a 4 anos (Paraná) ser “engolida” pelo ensino fundamental, perdendo a sua

especificidade, tanto pela diminuição das matrículas, devida à queda das taxas de

fecundidade, inserção da pré-escola na rede física do ensino fundamental quanto pela

indefinição de fontes de financiamento para a educação infantil.

Outra questão pedagógica é que ao observarmos a implantação precisamos

pensá-la como uma longa transição, pois não afetará apenas as turmas iniciais do ensino

fundamental, mas também as turmas finais.

Observemos a evolução da implantação do Ensino Fundamental de nove anos no

Brasil, 2005-2009, ocorreu em velocidades diferentes nos estados, conforme bela do

MEC:

:

Notamos que o Estado de Minas Gerais é um dos mais precoce e o estado do

Paraná, embora inicie apenas em 2007, é um dos mais rápidos: quando a implantação no

final de 2007 equivaleria a 60, 90% e em 2008 com 89,22%, já em 2009 com 94% de

matrícula das crianças de seis anos, sendo que em 2009 apenas 25 municípios dos 399

ainda não tinham implantado.

O Paraná e o Oeste do Paraná na Implantação: questões sobre a faixa etária

Uma das polêmicas em torno da implantação é a idade mais adequada para as

crianças iniciar o Ensino Fundamental. A Lei 11.274/2006 determinou que a entrada

deveria ocorrer aos seis anos, mas não indicou naquele momento se as crianças

deveriam completar essa idade antes ou durante o ano letivo, objeto posterior de vários

pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE). Tal fato permitiu diferentes

interpretações, entre elas aquela que está ocorrendo no estado do Paraná, onde a

discussão foi parar no Ministério Público em disputa sobre as crianças de 5 anos. A

Deliberação nº. 03/06 do Conselho Estadual de Educação e determina:

“Art.12º Para a matrícula de ingresso no 1º ano do Ensino

Fundamental de 9 anos de duração, o educando deverá ter 6 (seis)

anos completos ou a completar no início do ano letivo.

Parágrafo único - Atendida a matrícula dos alunos com 6 (seis) anos

completos ou a completar no início do ano letivo, admite-se, em

caráter excepcional, o acesso ao ensino fundamental de crianças que

completem seis anos no decorrer do ano letivo, desde que atendidos os

seguintes requisitos:

a) termo de responsabilidade pela antecipação da matrícula da criança,

assinado pelos pais ou responsáveis;

b) explicitação no Regimento Escolar;

c) proposta pedagógica adequada ao desenvolvimento dos alunos;

d) comprovação da existência da vagas no estabelecimento de ensino.

(PARANÁ, 2007, p. 01).”

Assim, como pode ser na citação, o Conselho Estadual de Educação do Paraná

deixou de utilizar a data 1º de março como corte etário e passou a empregar a expressão

início do ano letivo. No entanto, o parágrafo único explicita que após o atendimento

obrigatório de todas as crianças de seis anos, poderiam ser matriculadas as crianças de

cinco anos, desde que atendidos os requisitos elencados. Dessa forma, a decisão sobre a

idade de ingresso ficou a cargo em 2007 e 2008 das redes públicas e privadas de ensino

e dos responsáveis pelas crianças.

Embora a implantação no Paraná, começaria em 2007. Já no final de 2006,

algumas instituições privadas entraram com uma ação na justiça reivindicando que as

crianças de 5 anos ou 6 anos incompletos pudessem ser matriculadas no primeiro ano.

Em março de 2007, o Ministério Público (MP) estendeu essa reivindicação para todas as

crianças do Estado. Assim, sobre a idade das crianças temos um pêndulo nas

orientações que resultam de uma disputa pelo público infantil.

Outra característica do estado do Paraná é a não universalização da educação

infantil (EI), sendo que muitas famílias mantinham suas crianças na rede privada

migravam para a rede pública no início do ensino fundamental. Ao ser implantado o EF

de nove anos muitas famílias e suas crianças migraram um ano mais cedo para a rede

pública, precisava-se de um ação para preservar o mercado.

Devido à disputa pela matrícula das crianças de cinco anos no Estado do Paraná,

em carta à assessora técnica da Secretaria de educação à distância (SEED) a respeito de

um questionamento da idade das crianças, o presidente do Conselho Estadual de

Educação, Romeu Gomes Miranda orienta:

Informamos que, com fundamentos da Lei Federal 11.274/2006 e a

LDB nº 9394/1996 essa deverá ser feita aos seis anos de idade como já

expresso pelo Conselho Nacional de vários de seus Pareceres, aferido

no início do ano letivo. Entretanto, enquanto vigorar a Lei Estadual nº

16.049/2009, fica assegurado, no Estado do Paraná, o direito à

matrícula no primeiro ano dos alunos que completarem seis anos até o

final do ano em curso, ao pai ou responsável que invocar sua

aplicação. Assim, sugerimos atenção a legislação acima mencionada e

as normas do CNE, e que seja feita a matrícula, no primeiro ano do

Ensino Fundamental com nove anos de duração, das crianças que

completarem seis anos no início do ano letivo em curso, ressalvando

o dispositivo do parágrafo anterior (MIRANDA, 2009).

Pode-se observar neste ofício, embora dirigido à Secretaria de Estado de

Educação do Paraná é divulgado no site da União Nacional dos Dirigentes Municipais

de Educação (UNDIME-PR), orientando para que a matrícula no ensino fundamental de

2010 fosse feita com crianças que completaram 6 anos no início do ano letivo. Embora,

os pais que evocarem neste nível de ensino fundamental possam matricular as crianças

de 5 anos, por preservação de direito segundo o Ministério Público. Mas, é isso que vem

acontecendo no Oeste do Paraná? Uma das pesquisas que um de nós realizou foi sobre

o número de alunos por sala de aula, em vinte municípios do Oeste do Paraná.

Média de alunos por turma do 1º ano nas escolas

0

5

10

15

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25

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1a 1b 1c 1d 1e 1f 1g 1h 1i 1j 2a 3a 3b 3c 3d 3e 3f 3g 3h 3i 3j 3k 3l 3m 3n 4a 4b 5a 5b 5c 5d 5e 6a 6b 6c 6d 7a 8a 10a

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Escolas

Nº de

alun

os

Fonte: DADOS (2010)

Média de alunos por turma do 2º ano nas escolas

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1a 1b 1c 1d 1e 1f 1g 1h 1i 1j 2a 3a 3b 3c 3d 3e 3f 3g 3h 3i 3j 3k 3l 3m 3n 4a 4b 5a 5b 5c 5d 5e 6a 6b 6c 6d 7a 8a 10a

11a

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12k 12l

12m 13a

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17b

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18b

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Escolas

Nº d

e al

unos

Fonte: DADOS (2010)

Observando as figuras acima, evidenciamos algumas generalidades: A primeira

delas é que o número de crianças matriculadas no segundo ano do EF é maior que o

número de crianças matriculadas no primeiro ano. Para vinte municípios enquanto no

segundo ano há 2.916 crianças, no primeiro tem-se 2.381 crianças matriculadas. O

segundo ano tem 10% mais alunos do que o primeiro ano do EF de nove anos. Uma das

justificativas prováveis é que nesta transição o ano letivo de 2010 recebeu alunos que

se matriculavam pela primeira vez na escola tanto no primeiro ano, quanto no segundo

ano. Isto se deve ao fato de que a matricula no primeiro ano das crianças de cinco anos

em 2009, não estava obrigatória nem era universalizada. Assim, confirmamos pelos

depoimentos que em 2010 ao matricular pela primeira vez uma criança de 6 anos os

municípios o fizeram tanto no primeiro ano quanto no segundo ano.

Percebe-se que maior porcentagem de alunos por turma no primeiro ano do

Ensino Fundamental de nove anos está 16 à 25 alunos por turma. Observamos que para

o segundo ano, o número de alunos por turma, acima de 20 alunos é o padrão de mais

da metade dos questionários respondidos. Em média parece que está havendo uma

menor quantidade de crianças por turma e isto pode denotar uma adaptação da escola

para melhor trabalhar o desenvolvimento do aprendizado de cada criança. No entanto,

esse número de alunos por turma se revela muito alto se compararmos com a Educação

Infantil e principalmente com a idade das crianças. Daí a importância de sabermos a

idade das crianças matriculadas. A seguir o gráfico mostra a idade das crianças de

matriculas em vinte municípios no primeiro ano letivo de 2010. Mostramos abaixo

apenas as crianças com cinco anos por escola.

Fonte: Dados (2010) 3

A antecipação da idade de 5 anos é a forma material da implantação do Ensino

Fundamental de 9 anos nos municípios do oeste do Paraná. Temos até dificuldade em

ler e compreender o gráfico acima. Mas, o dado nos revela que apenas um pequeno

grupo inicia o mês de março com 6 anos, cerca de 20%. Temos uma parte significativa

de alunos que fazem aniversário até 30 de novembro e outra parte ausente deste gráfico,

pois eram as crianças que faziam aniversário em dezembro após o término do ano letivo

e assim, por um vício no instrumento do questionário não foi quantificada. Inferimos,

pelos dados e pelos depoimentos, que uma porcentagem entre 5% a 30% das matrículas,

dependendo do município, era composta por crianças que estavam em 30 de novembro

de 2010 ainda com 5 anos, ora elas não deveriam ter sido matriculada na Educação

Infantil? Isto revela que a antecipação como materialidade da implantação, trouxe

consigo a diversidade dos critérios etários e o “engolir” das turmas de pré-escola

quando existiam ou a perpetuação da sua ausência nos municípios onde nunca

existiram.

Em alguns municípios, ou espaços de município onde não havia oferta da pré-

escola a matrícula da criança de 5 anos no ensino fundamental foi considerado um

ganho para os profissionais da escola, um ganho no lugar de uma ausência. Em parte

dos municípios os pais preferiam que seus filhos ficassem na pré-escola (seja por

motivos, afetivos, emocionais, ou de maior tempo de atendimento) mas, não tiveram

opção que fosse diferente daquele de se responsabilizarem pela escolha de outrem; em

outros municípios os pais declararam estarem satisfeitos com a antecipação da

escolarização e da alfabetização e desejam que seus filhos não ficassem atrasados.

A centralidade da alfabetização para crianças de cinco anos no ensino

fundamental: reflexões necessárias

A partir da lei 11.274/2006 (BRASIL, 2006), a data de corte estabelecida para o

ingresso obrigatório é de seis anos completos se dá até o dia 31 de março do ano em

vigor, no entanto, no estado do Paraná, decorrente de disputas judiciais das escolas

3 Dados produzidos por uma de nós durante pesquisa em 2010

particulares que no ano de 2008 e 2009 buscaram o consentimento legal para antecipar

as crianças, com cinco anos que ocasionou a publicação da lei estadual 16049/99 . Tal

lei dispõe que podem usufruir no direito à matrícula no primeiro ano a criança que

completar seis anos até o dia 31 de dezembro do ano em curso. (PARANÁ, 2009).

Na retórica, a publicação deste decreto permite a opção dos pais ou responsáveis

de todas as crianças com cinco anos completos ou a completar durante o ano letivo a

opção da matrícula ora na Educação Infantil ora no Ensino Fundamental, no entanto, a

rede municipal de educação de Foz do Iguaçu no ano de 2009 e 2010 passou a ofertar

suas vagas para crianças de cinco anos exclusivamente no Ensino Fundamental não

dando a opção de escolha aos pais ou responsáveis pela efetivação da matrícula ora na

Educação Infantil ora no Ensino Fundamental.

Parte-se do princípio que não é o aumento do tempo de permanência na escola,

mas a qualidade do trabalho que é desenvolvido, que garantirão de fato a

democratização do acesso aos bens culturais produzidos historicamente, sendo assim,

para além das questões legais e burocráticas de implantação e implementação, também

considera relevante eleger como objeto de estudo o que vem sendo praticado nas salas

de aula dos primeiros anos principalmente no que concerne ao processo de

alfabetização.

Pensar em “Quais práticas vem sido desenvolvidas nas salas de aula do primeiro

anos? Qual a concepção de linguagem escrita contida no trabalho pedagógico? È aquela

das orientações oficiais? A idade das crianças interfere no trabalho organizado e

ocasiona quais resultados? Refletir isto levou a necessidade de verificar como os

professores destas crianças tem organizado o processo de ensino diante destas “novas

idades” presentes no Ensino Fundamental.

Numa investigação realizada, por uma de nós, no primeiro semestre de 2010 em

oito escolas públicas do município de Foz do Iguaçu-Pr pode perceber através dos

diálogos estabelecidos com os professores - e também na observação das atividades

pedagógicas materializadas nos cadernos escolares, quadro-negro, cartazes expostos nas

paredes da sala de aula - que estes professores consideram o primeiro ano uma

antecipação da antiga primeira série, ou seja, o que era objetivo e metodologia do

trabalho da primeira série passou a ser do primeiro ano. Mesmo considerando que o

sistema municipal já atendia crianças nesta faixa etária em nível pré-escolar e ao que

parece, realizavam um trabalho voltado para as necessidades da infância.

Considerando que nas turmas do primeiro ano existem crianças que acabaram de

completar cinco anos, crianças de seis anos completos, com trabalho pedagógico de

crianças de sete anos, as professoras acabam caracterizando-as como “imaturas”,

“distraídas”, “pequenas”, ou seja, as crianças não atendem as expectativas da idade que

os professores estabeleceram para esta nova etapa.

Além disso, verificou-se que a opção metodológica para este novo ano estavam

subsidiadas por orientações municipais e concepções de alfabetização reducionistas ao

código e equivocadas a respeito da linguagem. Interpretando-a como mera

representação da linguagem oral e apresentada aos alunos como um processo

sistematizado e mecânico de codificação e decodificação dos signos lingüísticos através

dos usos reincidentes do bá, bé bi, bó, bú e das frases cartilhescas tipo “mula mói

limão”.

O que se pretende discutir, contudo, não é a idade cronológica em si ou o

“cinco” ou “seis” anos presentes, visto que historicamente a realidade das salas de aula

públicas brasileiras ainda perpetuam a presença de crianças com as mais diversas idades

e infâncias diferenciadas evidenciando um caráter denunciatório, mas discutir enfim, a

relação com o ensino para este momento da infância e a possibilidade de proporcionar a

vivência de produtos sociais para além do “código’ da escrita via processo de

escolarização formal, pois apenas inseri-las em práticas voltadas para a apropriação do

sistema de notação alfabético, privando-as do que essencialmente as motivam – o lúdico

e a brincadeira no momento do aprender para Bissoli é:

Retirar da criança o direito a brincadeira, limitando-se sua vida

escolar a sala de aula é relegar, a segundo plano, o que é

imprescindível: a integração entre inteligência e envolvimento afetivo

(...) ignorar a importância de a criança participar como sujeito de suas

aprendizagens e desenvolvimento, o que só é possível se o que se

propõe a ela está adequado a suas possibilidades e por isso faz

sentido. É reproduzir desde o principio da educação

institucionalizada, a lógica do capital: enquanto alguns detêm o poder

de mando; outros limitam-se a obedecer, realizando ações cujo

objetivo é apenas preparo para a vida e não a vida aqui e agora. É

fazer do futuro um escravizador do presente e não o seu fruto...

(2005, p. 202).

Esta concepção que defende a antecipação precoce da escolarização é constituída

pelo ideário que quanto mais cedo à criança é introduzida de modo sistemático no ensino

da leitura e da escrita, melhor é a qualidade desta escola e maiores são as possibilidades

destas crianças obterem sucesso em suas carreiras profissionais e na vida. No entanto, no

momento em que o trabalho pedagógico dos professores que atuam com o primeiro ano

centraliza-se exclusivamente na antecipação da alfabetização submetendo as crianças ao

aprendizado da leitura e da escrita via treino de letras, sílabas ocupa o tempo da criança

na escola e toma o lugar da brincadeira e do faz de conta e conseqüentemente estão

causando prejuízos para o desenvolvimento satisfatório das crianças. Segundo Miller e

Mello (2008 p.02):

Esse treino de escrita, num momento em que a criança não está ainda

preparada para essa aprendizagem, torna-se lento e demorado, exige um

esforço enorme da criança e, por isto, acaba por tomar a maior parte do

seu tempo na escola. Além disto, na maior parte das vezes, acaba sendo

uma experiência de fracasso para a criança, pois em geral ela não

cumpre a expectativa da professora que é inadequada para a idade (...).

Com isso, paradoxalmente, as crianças deixam de formar as bases

necessárias para aprendizagem da escrita a função simbólica que se

forma no desenho, na pintura e na modelagem; o controle da vontade e

da conduta favorecido pelo jogo do faz-de-conta; a necessidade de

expressão que se forma com a vivência em atividades que tenham

sentido e significado para as crianças, como o canto a dança etc.

Considerar que o aprendizado da linguagem escrita apenas se desenvolverá na

medida e que a criança ingressa na escola, com a ideia de que somente na escola ela – e

inserida num trabalho metodológico voltada para aquisição desta habilidade é uma idéia

parcial que desconsidera o papel principal da linguagem na cultura escrita. Para Vigotski

(2002), o aprendizado da escrita é um processo complexo que é iniciado para criança

“muito antes da primeira vez que o professor coloca um lápis em sua mão e mostra como

formar letras”. (Vygotsky, 2002 p.143). Ainda segundo Vigotski, cada criança tem uma

história de origens fora da escola, esta história de cada indivíduo consolida o processo do

desenvolvimento da apropriação do sistema da escrita, e também, da formação psíquica

do ser humano em sua totalidade. Mello (2009) afirma que para Vigotski:

A aquisição da escrita resulta de um longo processo de

desenvolvimento das funções psíquicas superiores do comportamento

infantil que o autor chama de pré-história da linguagem escrita. Essa

história que é, na verdade uma história das formas de expressão da

criança – é constituída por ligações em geral não perceptíveis á

simples observação e começa com a escrita no ar, com gesto da

criança ao qual nós adultos atribuímos um significado. (Mello, 2009,

p. 24)

Neste sentido, as práticas pedagógicas devem ser organizadas de modo que o

processo de aquisição da linguagem escrita permita que as crianças se devolvam por

meio de gestos, dos signos visuais, do brinquedo, do desenho e do faz de conta como

experiências de cultura. O desenho, por exemplo, que é uma continuidade do gesto,

inicialmente é uma representação gráfica, mas aos poucos, se torna uma representação

simbólica e gráfica do objeto a ser representado. A criança que registra por meio de

imagens e precisa registrar algo mais complexo, pode se recusar a fazer ou buscar outra

forma para tal e então, ela começa a desenhar objetos que se relacionem, ou faz uma

marca arbitrária no lugar do objeto e estes caminhos levam a escrita simbólica, ou seja,

a criança cria sua forma própria de contornar o problema por meio de uma situação

colocada a ela. A partir do momento que a escrita começa a ter um significado

simbólico, então passa a ter um significado funcional, assim à criança começa a refletir

sobre o que deve registrar, pois compreende que pode usar signos para escrever

qualquer coisa, mas não entende como fazê-lo, então ela se se torna confiante em sua

escrita, mas ainda não sabe usá-la.

O processo de desenvolvimento deve ser compreendido numa perspectiva social

e, portanto pressupõe a interação com os outros nos processos de aprendizagem

individual. São através das interações cotidianas que a criança vai ampliando a sua

comunicação avançando da gestualidade para a oralidade e o brincar, o faz de conta

começa a se tornar uma atividade mais presente em suas ações. Segundo Vigotski

(2002, p.136) “É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao

invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas,

e não dos incentivos pelos objetos externos”, sendo assim, é através da situação

imaginária que a criança atribui novos significados aos objetos e norteia a sua ação não

somente pelo percebido, mas principalmente pelo imaginado.

Neste sentido ensinar a língua não é ensinar uma série listas ou tarefas de

repetição que exigem do aprendiz que apenas siga o modelo para memorizar estas

regras. Considera-se a língua um objeto histórico, construído e constantemente

modificado pelos sujeitos que a utilizam em suas interações sociais e, portanto o seu

ensino deve contemplar atividades que permitam a crianças a elaboração de

significados, dos usos e os sentidos da linguagem reconhecendo como principais

mediadores nas relações sociais.

O ingresso das crianças de seis anos no Ensino Fundamental deve estar

vinculada a construção de uma nova concepção de anos iniciais, que respeitem o

desenvolvimento infantil a partir do aprendizado não somente da escrita, que é uma das

muitas linguagens da nossa cultura linguajeira, mas, sobretudo a opção por práticas que

atendam as necessidades infantis como: dramatizar, cantar, pular, brincar, modelar,

correr, pintar entre outras atividades que permitem que as crianças adquiram autonomia

para se desenvolver integralmente. Para Arroyo:

Só tem sentido incorporar uma criança no ensino fundamental se você

estiver preocupado com a totalidade de seu desenvolvimento. Não é

para diminuir a repetência e aumentar a escolarização pura e

simplesmente. É por respeito ao tempo da infância Está faltando a

pedagogia dar importância aos tempos de vida e não se preocupar

apenas com os conteúdos. (ARROYO, 2005, p. 36)

A decisão municipal (2009 e 2010) de cumprimento da liminar pela antecipação

universal da escolarização das crianças de cinco anos somada a realidade previamente

relatada a respeito do trabalho pedagógico realizado nas turmas do primeiro ano,

constituem um cenário em que as necessidades infantis são deixadas de lado em todos

os seus apectos. Compartilha-se o mesmo sentimento manifestado por Barbosa (2009)

que afirma:

Chamo de perverso os processos que estão se multiplicado no país,

por meio de ações movidas pelo Ministério Público, reivindicando o

ingresso no primeiro ano das crianças com cinco anos, que estão a

completar seis ao longo do ano civil (...) penso que, nestes casos, em

nome da defesa de um direito - de frequência à escola - se violenta

outros tantos, como o direito a brincadeira, ao desenvolvimento

motor,ao convivio em grupo,isto é antecipa também, sem a menor

necessidade ou urgência na longeva sociedade contemporânea, um

processo de aprendizagem que pressupõe uma gama bastante ampla de

experiências educacionais das crianças. (BARBOSA, 2009, p.

06)

Partindo do pressuposto do discurso vigente que repetidamente afirma que lugar

de criança é na escola, acredita-se que a escola também deva ser o lugar destas crianças e

ser o melhor lugar para se estar - próprio, específico, atraente, bonito e essencialmente

produtivo intelectualmente, permitindo aos alunos o exercício do pensar, elaborar,

levantar e testar suas hipóteses - pois é realidade que muitas dessas crianças que estão

entrando pela primeira vez na escola estão automaticamente sendo tomadas pelos

ambientes enfadonhos cuja centralidade do trabalho pedagógico se dá apenas no processo

de aquisição da escrita e antecipando os conteúdos, antecipam também o processo de

exclusão. A busca por um ensino de qualidade somente se efetivará através de uma

proposta pedagógica consistente que atendam as necessidades infantis que durante o seu

processo possam contribuir efetivamente para a formação de crianças que se desenvolvam

como pessoas plenas, através do exercício, não somente de uma linguagem – a linguagem

escrita, mas das múltiplas linguagens existentes.

Um passo atrás: as crianças de 5 anos voltam para a Educação Infantil na rede

pública de Foz do Iguaçu

Em 2011 por uma resolução municipal, a prefeitura de Foz do Iguaçu, resolve

retornar o corte etário e matricular no primeiro ano de 2011 apenas as crianças com 6

anos completos e recriar a antiga turma de pré-escola de 5 para 6 anos na rede pública.

Embora a expectativa dos pais e das crianças fosse de continuidade, desta vez as

alterações foram explicada ao público, apresentadas publicamente e assim

encaminhadas. Os pais que invocaram a Lei Estadual nº 16.049/2009 no direito de seus

filhos de 5 anos fossem matriculados no fundamental, organizou-se um dispositivo de avaliação

da criança. Segundo as falas públicas esta avaliação buscou reunir dados sobre os aprendizados

das crianças. Um dos motivos que orientou a decisão, segundo os depoimentos, foi a

diversidade etária presente nos terceiros e quartos anos e a própria dificuldade

institucional de organizar a rede física para adequar a crianças de 5 anos no ensino

fundamental. No presente momento ainda não temos dados sobre quantas crianças

pleitearam o direito de matricular no ensino fundamental com cinco anos, nem quantas

conseguiram.

Uma de nós está realizando trabalho de campo com uma turma de crianças de 5

para 6 anos que continuaram matriculadas na educação infantil, nível pré-escola 3,

embora seja no prédio físico da escola. O nível pré-escola 2 neste e em muitos outros

município também compartilha o prédio da escola em período não integral.

Assim, esta proposta de investigação justifica-se no sentido de compreender as

especificidades do trabalho pedagógico com crianças de 5 anos no período de transição

entre a pré-escola, e o Ensino Fundamental (1º ano). Por isso acompanhamos uma turma

20 alunos regularmente matriculados em observações semanais no período vespertino.

Questões Finais

Inicialmente, é preciso deixar claro que não pretendemos fazer uma crítica à

extensão do ensino fundamental para nove anos, com a inclusão das crianças de 6 anos.

Buscou-se problematizar esta política por diferentes razões. Em primeiro lugar, a

antecipação da entrada das crianças de 5 anos. Em segundo lugar problematizar a

necessidade de se analisar as políticas públicas, considerando seus possíveis efeitos a

curto, médio e longo prazos. Em terceiro lugar que estas políticas devem incluir os

contextos de efeitos, o conjunto de interações de outras políticas e as repercussões

cotidianas. Neste caso por exemplo a alfabetização e a formação destes professores para

um novo perfil etário e a interação com as repercursões na educação infantil e as

questões sobre a infancia. Em quarto lugar torna-se necessário que os silêncios e as

ausências sejam explicitados. Que esta reforma deve ser acompanhada de maiores

investimentos para adequação da rede física, da formação, dos materiais de apoio e a

médio prazo da transição das séries anos finais do ensino fundamental. Lembramos que

mudanças só se consolidam quando passam a fazer parte da cultura escola.

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