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Marco Antônio Guimarães As Imunidades Tributárias enquanto Direitos Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido da Constituição Federal e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social DISSERTAÇÃO DE MESTRADO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS Mestrado em Direito Econômico e Social Curitiba Julho de 2006

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Marco Antônio Guimarães

As Imunidades Tributárias enquanto Direitos Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido

da Constituição Federal e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

Mestrado em Direito Econômico e Social

Curitiba

Julho de 2006

Marco Antônio Guimarães

As Imunidades Tributárias enquanto Direitos

Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido da

Constituição Federal e o Princípio da Proibição do

Retrocesso Social

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Econômico e Social.

Orientador: Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem

Curitiba

Julho de 2006

Marco Antônio Guimarães

As Imunidades Tributárias enquanto Direitos

Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido da

Constituição Federal e o Princípio da Proibição do

Retrocesso Social

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Econômico e Social. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem Orientador

Prof. Dr. Roberto Ferraz Membro – PUC/PR

Prof. Dr. José Roberto Vieira Convidado - UFPR

Curitiba, 31 de julho de 2006.

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização do autor, do orientador e da universidade.

Marco Antônio Guimarães

Graduou-se em Direito na Faculdade de Direito de Curitiba em 1993. Especializou-se em Direito Comunitário do Mercosul no Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ) em 1999. Especializou-se em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (ISAE/FGV) em 2001. É advogado em Curitiba.

Guimarães, Marco Antônio G963i As imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do 2006 núcleo rígido da Constituição Federal e o princípio da proibição do retrocesso social / Marco Antônio Guimarães ; orientador, Dalton Luiz Dallazem. – 2006. 128 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006 Inclui bibliografia 1. Imunidade tributária. 2. Direitos civis. 3. Direitos humanos. 4. Brasil. Constituição (1988). I. Dallazem, Dalton Luiz. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título Dóris 4. ed. – 341.39452 342.1152 341.12191

À Estefânia e Rafaela, razões de todo o meu esforço.

Agradecimentos

São muitas as pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho.

Passarei o resto dos meus dias ocupado em agradecer a minha esposa, amiga

e companheira, Estefânia; não será suficiente, mas será um prazer. Isto porque

sem o seu apoio, carinho e compreensão, a elaboração desta dissertação teria sido

mais difícil. Tê-la ao meu lado torna a minha vida mais fácil e feliz.

Gostaria de agradecer à minha filha, Rafaela, pela alegria constante, com

que, muitas vezes, interrompia-me no estudo, deixando estes momentos mais

leves e felizes.

A meus pais, Odilon e Cerli, que sempre me proporcionaram todos os

estudos necessários para que eu pudesse chegar até aqui.

Meu especial agradecimento ao meu orientador, Dalton Luiz Dallazem, por

todas as ponderações e sugestões oferecidas, com absoluta clareza e precisão, na

fase da redação da dissertação.

À Ângela Gomes de Sá, Denise de Paola Magalhães, Marco Aurélio

Guimarães e Priscila Dias Dalcanalle, por estarem sempre ao meu lado.

Aos meus colegas e amigos da Procuradoria Jurídica do Sistema Federação

das Indústrias do Estado do Paraná pelo apoio concedido, especialmente a Célio

Roberto de Morais, Zulcimar dos Santos Brassalotti Halabura e Tiago Ruppel. Os

dois primeiros por terem participado do aparato logístico necessário à conclusão

deste trabalho e o terceiro por ter buscado diligentemente nas bibliotecas locais as

publicações com venda esgotada.

Ao Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná, pela bolsa

parcial concedida.

Resumo Guimarães, Marco Antônio; Dallazem, Dalton Luiz. As imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do núcleo rígido da Constituição Federal e o princípio da proibição do retrocesso social. Curitiba, 2006, 128 p. Dissertação de Mestrado – Mestrado em Direito Econômico e Social, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

A dissertação “As imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais

integrantes do núcleo rígido da Constituição e o princípio da proibição do

retrocesso social” busca fundamentar e legitimar as imunidades previstas no texto

constitucional como direitos fundamentais, abandonando as teorias positivistas

sobre as imunidades que, em sua grande maioria, desvinculam-nas dos direitos

humanos. Demonstra-se, destarte, a necessária relação entre o instituto da

imunidade e os direitos fundamentais no contexto do Estado Democrático de

Direito instaurado pela Constituição Federal de 1988 que, por exprimir e garantir

valores supremos escolhidos pela sociedade, acaba por permitir considerar as

citadas imunidades, autênticos direitos fundamentais e, por tal razão, normas

constitucionais que habitam o núcleo irreformável da Constituição Federal, de

modo que não podem ser objeto de proposta de emenda constitucional que

tencione aboli-las do texto maior. Do mesmo modo que estão resguardadas contra

medidas retrocessivas, é vedado ao Poder Constituinte derivado, suprimi-las ou

alterar-lhes o texto ao ponto de reduzir a sua eficácia, o que ocorre também no

plano infranconstitucional. Conclui-se, por fim, que por se tratarem as imunidades

tributárias como autênticos direitos fundamentais, estas não poderão ser abolidas

ou restringidas, devendo, ainda, ser interpretadas de modo a dar maior efetividade

possível aos valores e princípios fundamentais do Estado brasileiro.

Palavras-chave

Imunidade Tributária – Constituição – Estado Democrático de Direito - Direitos

Fundamentais – Dignidade da Pessoa Humana – Cláusulas Pétreas – Princípio da

Proibição do Retrocesso

Abstract Guimarães, Marco Antonio; Dallazem, Dalton Luiz. Tax immunities as fundamental rights enshrined in the entrenched nucleus of the Constitution and the principle of the prohibition of social retrocession. Curitiba, 2006, 128 p. A thesis submitted in conformity with the requirements for the degree of Master of Law, Department of Law, Pontific Catholic University of Paraná.

The dissertation "Tax immunities as fundamental rights enshrined in the

entrenched nucleus of the Constitution and the principle of prohibition of

social retrocession " searches to base and to legitimize the immunities

foreseen in the constitutional text as fundamental rights, abandoning the

positivists’ theories on the immunities that, in their great majority, dissociate

them from the human rights. It is demonstrated, thus, the necessary relation

between the institute of immunity and the fundamental rights in the context

of the Democratic State of Right restored by the Federal Constitution of

1988, that, by stating and guaranteeing supreme values chosen by society,

ends up on allowing to consider them authentic fundamental rights, and, for

this reason, constitutional rules that inhabit the unalterable nucleus of the

Federal Constitution, in a way that they cannot be object of constitutional

amendment proposal which intends to abolish them from the highest text, in

the same manner that they are protected against retroactive measures, being

the Derivative Constituent Power forbidden to suppress or modify the text to

the point of reducing their effectiveness, what also occurs in the

infranconstitutional plan. It is concluded, finally, that because tax

immunities are authentic fundamental rights, they cannot be abolished or be

restricted, and, yet, ought to be interpreted in order to give the values and

basic principles of the Brazilian State the more effectiveness as possible.

Keywords

Tax Immunities – Constitution – Democratic State of Right - Fundamental Rights

– Dignity of the Human Person – Entrenchment Clauses – Principle of Social

Retrocession Prohibition

Sumário

1 Introdução 11

2 Imunidades Tributárias: Origens e Evolução Histórica 14

2.1 Origem das Imunidades Tributárias 14

2.2 Origem e Perspectiva Histórica das Imunidades Tributárias no Brasil 27

2.2.1 A Imunidade Tributária na Constituição Política do Império do Brasil 29

2.2.2 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil de 1891 30

2.2.3 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil de 1934 32

2.2.4 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil de 1937 34

2.2.5 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil de 1946 35

2.2.6 A Imunidade Tributária na Constituição do Brasil de 1967 36

2.2.7 A Imunidade Tributária na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1969 37

2.2.8 A imunidade tributária na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 39

3 Imunidades Tributárias e Direitos Fundamentais 45

3.1 Algumas teorias acerca da imunidade tributária 45

3.2 Os Objetivos das Imunidades Tributárias Pensados pelo Poder

Constituinte Originário 52

3.3 As imunidades tributárias enquanto meios para realização dos direitos

fundamentais 62

3.4 As imunidades tributárias enquanto autênticos direitos fundamentais 79

4 Imunidades Tributárias: Cláusulas Pétreas e Princípio da Proibição do

Retrocesso Social 93

4.1 As Imunidades Tributárias enquanto Integrantes do Núcleo Rígido da

Constituição 93

4.2 O princípio da proibição do retrocesso social como limitação ao poder

constituinte derivado e do legislador 104

5 Conclusão 115

6 Referências Bibliográficas 120

1 Introdução

A presente Dissertação de Mestrado, à qual se atribui o título de “As

imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do núcleo

rígido da Constituição e o princípio da proibição do retrocesso social” pretende,

sobretudo, fundamentar e legitimar as imunidades previstas no texto

constitucional como direitos fundamentais.

Para tanto, abandonam-se as teorias positivistas sobre as imunidades que,

em sua grande maioria, desvinculam-nas dos direitos humanos. Busca-se, assim

demonstrar a necessária relação entre o instituto da imunidade e os direitos

fundamentais, no contexto do Estado Democrático de Direito instaurado pela

Constituição Federal de 1988.

A estreita ligação entre as imunidades tributárias e os direitos fundamentais,

estabelecida na presente Dissertação, acaba por permitir considerá-las autênticos

direitos fundamentais, e, por tal razão, normas constitucionais que habitam o

núcleo irreformável da Constituição Federal, de modo que não podem ser objeto

de proposta de emenda constitucional que tencione aboli-las do texto maior.

Também, pretende-se sustentar que em tendo as imunidades tributárias a

finalidade de excluir da tributação pessoas, objetos ou fatos, em razão de

protegerem valores que a sociedade, no momento da atuação do Poder

Constituinte originário, elegeu como supremos, assim o fez com o intuito de

efetivar e salvaguardar os direitos fundamentais, de modo que estão resguardadas

contra medidas retrocessivas, sendo vedado ao Poder Constituinte derivado,

suprimi-las ou alterar-lhes o texto ao ponto de reduzir a sua eficácia, o que ocorre

também no plano infranconstitucional.

Para alcançar este objetivo, abordar-se-ão, no primeiro capítulo intitulado

“Imunidades tributárias: origens e evolução histórica”, o surgimento e a evolução

histórica das imunidades tributárias a fim de possibilitar a sua compreensão desde

a origem, que remonta a da própria tributação, até o advento da Constituição

Federal de 1988.

Através do delineamento histórico das imunidades tributárias no Estado

brasileiro, pretende-se evidenciar a razoável diversidade de pessoas, bens ou

situações escolhidos pelos legisladores constitucionais para serem imunizados,

desde o Império até o Estado Democrático de Direito instaurado em 1988, assim

como a progressividade com que as normas imunizantes foram sendo inseridas

nos textos constitucionais pátrios.

Num segundo momento, abordar-se-ão, de forma breve, algumas teorias

acerca do instituto da imunidade tributária a fim de delineá-lo e de traçar

premissas ao desenvolvimento do presente estudo, evidenciando que a doutrina

nacional não demonstrou grande interesse em analisá-lo pela perspectiva dos

direitos fundamentais.

No segundo capítulo buscar-se-á demonstrar a estreita relação existente

entre as imunidades tributárias e os direitos fundamentais.

Para tanto, analisar-se-ão os objetivos das imunidades tributárias pensados

pelo Poder Constituinte originário. Desenvolver-se-á a idéia de que a inserção das

imunidades tributárias no texto constitucional justifica-se pela necessidade de se

resguardarem valores supremos escolhidos pela sociedade no momento

constituinte, valores estes concernentes aos princípios fundamentais e aos

objetivos da República Federativa do Brasil, concluindo que têm estes como

objetivo primordial assegurar a plena efetividade dos comandos constitucionais

que garantam os direitos fundamentais.

Também, estudar-se-ão as características do Estado Democrático de Direito

instaurado pela Carta Magna de 1988, com enfoque no princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais, estabelecendo-se uma

relação entre estes e as imunidades tributárias, à medida que tanto o princípio da

dignidade humana como as imunidades tributárias, se analisados por seu viés

instrumental, são importantes meios para realização dos direitos fundamentais.

Para além disto, concluir-se-á que em sendo as imunidades tributárias

limitações constitucionais à atividade tributária do Estado, do qual se exige uma

atuação negativa, diretamente relacionada à efetivação dos direitos fundamentais,

são direitos de defesa dos contribuintes e, portanto, autênticos direitos

fundamentais.

No terceiro e último capítulo deste trabalho, partir-se-á da premissa de que

as imunidades tributárias são direitos fundamentais, e então se abordará a sua

inserção no núcleo rígido da Constituição Federal de 1988, de modo que não são

passíveis de supressão nem alteração que venha a alterar o seu núcleo essencial, a

ponto de reduzir a sua efetividade e a sua abragência, por parte do Poder

Constituinte derivado.

Ainda, enfrentar-se-á como o princípio da proibição do retrocesso social

pode impedir que as normas imunizantes e as leis integradoras das imunidades

sejam suprimidas ou restringidas.

Ao final do presente trabalho, concluir-se-á que as imunidades tributárias,

se entendidas e interpretadas como direitos fundamentais, possibilitam ao Estado

de Direito instaurado com a Constituição Federal de 1988 atingir as suas

finalidades, em consonância com os seus objetivos e os princípios que lhe

fundamentam.

2 Imunidades Tributárias: Origens e Evolução Históric a

2.1 Origem das Imunidades Tributárias

É sabida a necessidade de se recorrer à análise histórica dos institutos

jurídicos para melhor compreendê-los.1 Assim, não se pode entender o instituto

da imunidade tributária sem a análise de suas origens.

Por certo a origem das desonerações fiscais confunde-se com a da própria

tributação, porquanto sempre que houve tributo, houve a desoneração deste para

alguns, seja por razões de ordem religiosa, administrativa, política, econômica, ou

simplesmente como verdadeiros privilégios, arbitrariamente concedidos pelo

poder tributante.2

Na Índia, o Código de Manu, datado do século 13 a.C., em seu artigo 386,

fixava isenções tributárias com fundamento nas condições físicas das pessoas.

Deste modo, eram isentos da tributação os cegos, os idiotas, os paralíticos, os

septuagenários.3

A civilização romana, por sua experiência multissecular, experimentou um

sistema tributário avançado e complexo, que agasalhou numerosos tributos,

inclusive diretos e indiretos.4 Tributou a propriedade imobiliária, através do

11 Veja-se: “Nenhum jurista pode dispensar o contingente do passado a fim de bem

compreender as instituições jurídicas dos dias atuais. Ninguém é capaz de dar passo à vanguarda, adiantando um sem deixar o outro pé na retaguarda. Diferentemente não se realizam caminhadas. De cada instituto se ministram, nas cátedras universitárias, retrospecto sucinto. Matéria inexiste que se possa explicar clara e seguramente sem a antecedência de notícia abreviada ao menos de seu desenvolvimento doutrinário e legislativo até adquirir seus aspectos contemporâneos.” (FERREIRA, Waldemar Martins. História do direito brasileiro, p. 11).

2 A propósito: “A exigência de tributos é um dos mais antigos expedientes utilizados para distinguir pessoas e atividades. Sílvio Meira, em sua obra, já clássica, Direito Tributário Romano, bem demonstra que desde a existência do tributo houve a exoneração dessa prestação para alguns.” (COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. p. 27).

3 Cf. SIDOU, José Maria Othon. A natureza social do tributo, p.18-19. 4 Cf. SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 24, a concepção da época tinha como indigna a

tributação direta para pessoas livres. Daí porque o legislador romano utilizou-se dos tributos indiretos como forma de harmonizar a liberdade civil com a prática fiscal. Exemplos destes

vectigal, exigível em razão do desfrute dos terrenos localizados na península

itálica, assim como através do stipendium, modalidade do vectigal cobrado

pelo desfrute de terrenos localizados nos territórios conquistados.5 Havia

tributação sobre a renda, que se denominava de lustralis collatio também

designada de tributum ex censum, paga a cada qüinqüênio, determinada pelo

Senado e incidente sobre todo o povo segundo os haveres registrados pelo censo.6

O sistema tributário romano não restou alheio às desonerações fiscais. “Já

ao tempo do Império havia a immunitas - vocábulo que, etimologicamente,

significa negação do múnus ou encargo -, expediente pelo qual se libertavam

certas pessoas e situações do pagamento dos tributos exigidos na sustentação do

Estado. Exonerações tributárias tradicionais entre nós, como a dos templos

religiosos e dos bens públicos, remontam àquela época.”7, o que demonstra que

sempre houve uma preocupação em salvaguardar valores de uma determinada

sociedade por meio da não tributação.

Ao tratar do tributo capitatio humana ou simplum, que recaía diretamente

sobre as pessoas, Silvio Meira faz as seguintes considerações:

Numerosos casos houve de isenções desses tributos; aos soldados em campanha e especialmente aos veteranos de guerra, extensiva aos seus pais e mulheres (Cód. Theod. 1, 6 e 7, de Tironib., e 4 Veteran.); aos anonários (cobradores de impostos in natura, recolhidos na forma em bens) e atuários (Cód. Theod., 1, 3 de funeriis), às religiosas, ao tempo do Império (D. 1, 6); aos habitantes da Ilírua e da Trácia (cód. De Col. Illyrie e de Col Thrae.); aos pintores, quando livres, extensivo o favor legal aos seus filhos, às suas mulheres e escravos (Cód, Theod, 1,4, de excusat. artif.). 9. Variados motivos justificavam as isenções; a natureza de serviços realizados por certas categorias de funcionários, como os annonarii e os actuarii, dedicados à cobrança de tributos; aos religiosos, máxime ao tempo em que o Cristianismo, a partir de Constantino, passou a merecer a acolhida dos poderes públicos (com intervalos de imperadores anticristãos), às populações de determinadas regiões, como os trácios e ilírios, a fim de fortalecê-los perante o inimigo comum, os bárbaros, que tanto ameaçavam o Império; aos artistas, especialmente aos pintores, quando livres, pois se fossem escravos, se incluiriam nas declarações censórias

tributos eram o Portorium, que gravava genericamente os produtos que trafegavam nos pontos aduaneiros das fronteiras e dentro do próprio Império , o centésima rerum venalium, incidente sobre a circulação de mercadoria, a quinta et vicesima venalium mancipiorum, incidente sobre a venda de escravos.

5 SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 23. 6 Ibid, p. 24. 7 COSTA, R.H., op. cit., p. 27-28.

de seus senhores. A liberdade do pintor e a parca remuneração de seus serviços justificavam a isenção. Havia, assim, razões de ordem administrativa, religiosa, política e fiscal, que concorriam para liberdade do poder tributante. (...) Isentavam-se do tributo alfandegário os bens adquiridos para o fisco, os objetos de uso pessoal, os dedicados à agricultura e aprovisionamento do Exército e animais destinados às lutas no anfiteatro. Normalmente, também isentava-se um escravo que acompanhava o senhor, a serviço.8

Os pequenos produtores, os operários, os coveiros, os clérigos, os veteranos

e os membros das corporações, e os marinheiros dedicados ao abastecimento,

ainda que excepcionalmente, também gozavam de isenção tributária.9

Pablo Lucas Verdú e Pablo Lucas Murillo de la Cueva citam a imunidade

do proletariado, no período romano, ao estabelecer que: “En la Roma antigua los

proletarios eran ciudadanos libres, por lo general, con muchos hijos que poseían

menos de 1.500 ases de fortuna imponible de modo que quedaban libres de

impuestos, aunque contribuían, con su hijos, a engrosar las filas de ejército.”10

Isto posto, já na época romana verifica-se a imunidade tributária com o objetivo

de assegurar o direito de liberdade dos cidadãos livres.

Não obstante houvesse em Roma hipóteses de desoneração tributária que se

justificassem teleologicamente, inclusive sob o aspecto da capacidade

contributiva, caso dos pintores livres, que tinham baixa remuneração, que

transcendem aos dias atuais11, é certo que, por outro lado, a desoneração

8 MEIRA, Silvio. Direito tributário romano, p. 12-13. 9 Ibid., p. 14. 10 VERDÚ, Pablo Lucas; CUEVA, Pablo Lucas Murilo de la. Manual de derecho político,

introducion y teoria de estado, p. 69. Apud NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação, p. 224.

11 Neste sentido: “En relación con los principios de justicia tributaria, la doctrina moderna destaca la transcendencia de exenciones, (presentes ya en nuestro relato supra). La jurisprudencia romana – cuyo pensamiento en este punto nos ha llegado a través del Digesto a propósito de impuestos municipales (munera civilia) – las denomina excusationes, vacationes o inmunitates (este último término por contraposición a munus o carga tributaria) y concibe, incluso, un ius inmunitates. Pero previamente a las exenciones – como afirma Clamageran -, no cabe ni tan siquiera hablar de nacimiento de la relación tributaria. Esto es lo que manifesta Ulpiano con estas palabras: ‘Los indigentes no soportan las cargas patrimoniales por la propria razón imperiosa de que nada tienen, aunque sí cumplen los servicios corporales que se les impongan.’” NOUGUÊS, Juan Manuel Blanch. Principios básicos de justicia tributaria en la fiscalidad romana. Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Pública. Editoriales de Derecho Reunidas. v. XLVIII, n. 247, p. 73.

tributária era permeada de forte presença do privilégio de classes, sem ainda

qualquer preocupação com a idéia de igualdade.12

Lúcio Bittencourt afirma, por sua vez, que: "...com freqüência, as isenções

eram concedidas, mais ou menos caprichosamente, como graça ou favor, aos

seguidores ou amigos dos senhores e soberanos."13

Deste modo, a tributação atingia especialmente os economicamente menos

favorecidos, por certo em razão da pouca resistência política que ofereciam, o que

levou a sociedade romana a experimentar, ao longo de sua história, numerosos

conflitos sociais. Neste sentido esclarece Sílvio Meira:

Numerosas categorias econômicas se viram atingidas pela legislação tributária romana. Criaram-se tributos e taxas numerosos e variados até sobre colunas, portas, telhas, e janelas das casas, sobre as urinas e matérias fecais, sobre bens e serviços, uma variação e riqueza que nos faz render homenagens à imaginação bem fecunda dos legisladores, que conceberam tantos modos de arrancar dinheiro do povo. (...) Era grande a sobrecarga que o patrício lançava sobre a classe menos venturosa, e que deu motivo a tantas convulsões sociais durante a República. Sustentavam, assim, os plebeus, com seus recursos, muitos exageros e caprichos da política avassaladora dos romanos. E, sendo a sociedade dividida em várias categorias, serviram de limite à incidência tributária os decuriões. (Os decuriões integravam a Cúria Municipal, cabendo-lhes várias funções públicas, entre as quais se destacava a responsabilidade direta pela cobrança e arrecadação dos impostos devidos a Roma). Acima destes, todos eram isentos. Abaixo dos decuriões se estendia a grande massa sujeita ao tributo: a plebe.14

Diocleciano (284 a 305 d.C), em razão do quase colapso econômico

conhecido por Roma, decorrente do advento dos latifúndios, do êxodo rural e do

abandono dos campos aos escravos, operou uma profunda reforma fiscal,

tributando toda a população agrária do Império através do captatio, jugatio.

Todavia este imposto, por sua extrema complexidade de cálculo e custo de

arrecadação, acabou acelerando o processo de migração da população rural às

cidades, assim como deu azo a que parte dela, não podendo pagar o tributo, fosse

12 JANCZESCKI, Célio Armando. A imunidade dos livros, periódicos e o papel destinado

à sua impressão. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano (coord.). Imunidade tributária, p. 55.

13 BITTENCOURT, Lúcio. Imunidade tributária – isenção gratuita, Revista de Direito Administrativo. v. 1., p. 661-662.

14 Ibid., ibidem.

submetida aos proprietários que podiam pagá-lo, surgindo, desta forma a figura do

grande proprietário rural, precedente do suserano da Idade Média.15

Finalmente, as invasões bárbaras conduzem a queda de Roma em 476 d.

C., e a instauração do sistema feudal ocidental, cuja base encontra-se alicerçada

no poder político e administrativo descentralizado, economia agrícola de

subsistência e mão-de-obra servil, com variantes de acordo com a região.

Instaurado o longo período histórico da Idade Média, o desenvolvimento da

técnica tributária restou entorpecido, mercê mesmo da peculiaridade econômica

do regime feudal16, tornando a tributação extremamente abusiva à plebe,

porquanto era o grande proprietário rural o senhor absoluto dos direitos

individuais, de modo que detinha o poder quase absoluto sobre os seus

jurisdicionados. Daí com razão Othon Sidou quando afirma que a “tributação

passou a ser, assim, além de extremamente onerosa, arbitrária e exigida dos

vassalos no exclusivo interesse do suserano.”17

É certo que a necessidade de proteção da terra, principal fonte de riqueza da

época, e a busca pela ampliação de domínios, assim como a clausura imposta pelo

regime feudal, que reduziu a possibilidade de intercâmbio cultural e comercial

entre a população, contribuíram para a ocorrência de abusos.

Durante o período medieval, amplos privilégios fiscais foram concedidos ao

clero e às classes nobres (imunitas)18, sendo que as concessões a esses estava em

harmonia com a estrutura social e econômica vigente.19

José Souto Maior Borges explica que os privilégios tributários estavam de

acordo com os princípios de justiça vigorantes naquela época. Confira-se:

(...) a existência dos privilégios tributários não contrastava com princípios de justiça vigorantes à época e consagrados nas Constituições medievais e em todas as Constituições cunhadas no ordenamento feudal. A organização social era então

15 A respeito SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 28. 16 SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 28. Também confira-se DUVERGER, Maurice, apud

NOGUEIRA, A., op.cit., p. 227. 17 SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 29 18 SCAFF, Fernando Facury, Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista, p. 8. 19 Ricardo Lobo Torres afirma que: “Antes, na Idade Média e na sociedade feudal, não há

propriamente imunidade, eis que tanto a Igreja como o senhorio constituem fontes autônomas de fiscalidade, sem subordinação ao poder real.”(TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. os direitos humanos e a tributação: imunidade e isonomia. v. III, p. 40.)

condicionada à distinção entre classes e comprometer a existência e a hegemonia dessas classes seria comprometer a existência do próprio Estado. Tais privilégios, portanto, eram tidos como condicionantes para assegurar a manutenção da ordem social e consecução dos fins do Estado. Os privilégios tributários integravam todo um variado sistema de privilégios que o direito reconhecia às classes nobres. A nobreza e o clero, por mera tradição histórica, gozaram de privilégios até a Revolução Francesa.20

Benvenuto Grizioti explica a passagem das isenções legítimas ao momento

em que elas passam a ser privilégios:

Pero estos privilegios eran la transformación de antiguas y legítimas exenciones cuando en el Estado feudal nació el impuesto como tributo extraordinario de guerra que los nobles no pagaban por participar ellos mismos en la guerra con elementos armados por su cuenta, ni el clero, que por la naturaleza de su misión, no tenía que participar de la guerra. Más tarde el impuesto se convertió de extraordinario en ordinario y continuo, y en vez de prover a los gastos de la guerra, tenía por misión cubrir las necesidades comunes de la Administración pública. En esta nueva situación, sólo por una abusiva tradición histórica, se conservó la regla de que los nobles y el clero no debían pagar impuesto, mientras que habiendo cambiado la situación ofrecían plena capacidad contributiva; de aquí que las exenciones se transformaran en privilegios, que fueron una de las causas de la Revolución francesa.21

Todavia, no avançar da Idade Média, os privilégios não se restringiram à

nobreza e ao clero, nas palavras de Jacques Ellul:

(...) a talha remanesce como imposto de base, com suas características antigas, imposto de repartição, solidário, bastante flexível, suscetível de servir de base para outros impostos. Mas ninguém no século XVII questiona mais a igualdade diante do imposto. Há enormes privilégios: não somente os clérigos e os nobres, mas os marítimos inscritos, os oficiais militares plebeus, os estudantes da Universidade, os oficiais civis, etc. De fato, a talha acaba por recair sobre os mais pobres e sobre os camponeses.22

Paralelamente à formação dos feudos, no decorrer da Idade Média,

pequenos núcleos populacionais desenvolveram-se, os chamados burgos. Porém,

mesmo neles ainda imperou o caos financeiro, em razão das numerosas despesas

necessárias à defesa e fortificação. Contudo, passado o período mais obscuro do

período medieval, alguns burgos puderam conhecer modelos mais aperfeiçoados

20 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária, p. 67. 21 Grizioti, Benvenuto. Principios de política, derecho y ciencia de la hacienda, p.180.

Apud BORGES, J.S.M, op.cit., p. 67. 22 ELLUL, Jacques. Histoire des institutions, p. 51. Apud. Nogueira, A. op.cit., p. 228.

de tributação, decorrente da emersão da classe burguesa, sobre a qual a carga

tributária era mais incisiva.

Florença e a República de Veneza integraram as exceções, já que a

burguesia nelas estabelecida, então detentora de influência sobretudo econômica,

pode exigir o aprimoramento das técnicas impositivas. Assim, é que Florença

experimentou o imposto progressivo, enquanto a República de Veneza conheceu o

imposto predial e o imposto sobre consumo.23

A Magna Carta, de 1215, na Inglaterra, instituiu, ainda que de forma

embrionária, algumas das garantias fundamentais da tributação, dentre as quais o

princípio da legalidade.24 Contudo não protegiam a sociedade civil como um todo,

porquanto direcionados exclusivamente aos nobres e à Igreja.

É com o advento do aludido texto que surge o Estado Patrimonial25, “que se

23 SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 30-31. 24 SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e imunidade tributária. Disponível em:

<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=208>. Acesso em: 3 jun. 2006. Neste sentido, confira-se a lição de Lúcia Valle Figueiredo: “5. Devemos inicialmente recordar a extensão da cláusula do ‘devido processo legal’. Lembremo-nos que o devido processo legal aparece com acepção meramente formal, em 1215, na Magna Carta, escrita em latim exatamente para que poucos tivessem acesso a seu conteúdo), época em que o Estado era a lei. Na verdade, fazia a lei, cumpria a lei - ele mesmo - mas, a lei era a que o soberano ditava. Dessarte, aparece nessa época, o devido processo legal, exatamente para que o baronato tivesse a proteção da ‘law of the land’, a lei da terra, ou, como também conhecida mais tarde, a ‘rule of the law’. Os senhores feudais deveriam conhecer qual era a lei a seguir, a se submeter. Mas, verifica-se que, ainda, o devido processo legal tinha conteúdo meramente formal. Formal e sem expressão com que, depois, passaria do Direito Inglês para as colônias americanas e, mais tarde, para a Federação Americana.” FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estado de direito e devido processo legal. Revista Diálogo Jurídico, n. 11. Disponível em: <http:// www.direitopublico.com.br/pdf_11/DIALOGO-JURIDICO-11-FEVEREIRO-2002-LUCIA-VALLE-FIGUEIREDO.pdf.>. Acesso em: 2 jun. 2006.

25 Sobre o Estado Patrimonial, confira-se os ensinamentos de Ricardo Lobo Torres: “As relações entre liberdade e o tributo podem ser captadas, inicialmente, no Estado Patrimonial, que se desenvolve desde o colapso do feudalismo até o advento do absolutismo esclarecido e da política de bem-estar, coincidindo, em larga escala, com o Estado Corporativo, de ordens ou estamental (Ständstaat). O Estado Patrimonial aparece, na Europa, em duas vertentes distintas: a inglesa e holandesa, em que já desde o século XVI emergem os interesses da burguesia e na qual não se formam os monopólios estatais; e a que predominou na França, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal, com os monopólios e os rígidos privilégios corporativos, que Max Weber chama de ‘Estados puramente patrimoniais ou feudal-estamentais’. O Estado Patrimonial, que surge com a necessidade de uma organização estatal para fazer a guerra, agasalha diferentes realidades sociais - políticas, econômicas, religiosas, etc. Mas a sua dimensão principal – que lhe marca o próprio nome – consiste em basear no patrimonialismo financeiro, ou seja, em viver fundamentalmente de rendas patrimoniais ou dominiais do príncipe, só secundariamente se apoiando na receita extrapatrimonial de tributos; mas a característica patrimonialista não decorre apenas dos aspectos quantitativos, posto que o fundamental é que o tributo ainda não ingressava plenamente na esfera da publicidade, sendo apropriado de forma privada, isto é, como resultado do exercício da jurisdictio e de modo transitório, sujeito à renovação anual. No Estado Patrimonial se confundem o público e o privado, o imperium e o dominium, a fazenda do príncipe e a fazenda pública. Por outro lado, nele ainda há resíduos do feudalismo, inclusive em Portugal,

estende aproximadamente do século XIII ao século XIX, desde o colapso do

feudalismo até o advento do Estado de Direito.”26 Assim, a partir da Magna Carta

e da instauração do Estado Patrimonial é que as imunidades fiscais passam a

atuar como forma de limitação do poder da realeza inglesa, “e consistiam na

impossibilidade absoluta de incidência tributária sobre o senhorio e a Igreja, em

homenagem aos direitos imemoriais preexistentes à organização estatal e à

transferência do poder fiscal daqueles estamentos para o Rei.”27

Afirma Ricardo Lobo Torres que no Estado Patrimonial a imunidade

“significa limitação do poder do Príncipe pela preexistente liberdade

estamental.”28, liberdade esta conquistada pelo clero e pela nobreza, que

inclusive os permitia atuar como fontes periféricas de fiscalidade.29

A imunidade, segundo Torres, difere-se do privilégio, na medida em que

aquela é uma impossibilidade absoluta de imposição fiscal enquanto que os

privilégios ganham o status de vontade do soberano, de renúncia ao direito de

impor tributos (privilégio negativo), ou de conceder auxílios e pensões

(privilégio positivo), em homenagem também a direitos e liberdades estamentais.30

Vale destacar que a imunidade do clero e da nobreza era restrita aos

impostos diretos, de modo que estes eram regulares contribuintes dos impostos

indiretos, sobre o consumo, por exemplo, o que deu ensejo à sólida doutrina nos

com a persistência de certas formas de fiscalidade em mãos do senhorio e da Igreja, eis que apenas na fase final do absolutismo ocorre a centralização dos tributos na pessoa do rei, com a diluição dos poderes periféricos. A legalidade vai aparecer como limitação do poder do rei e garantia da fiscalidade periférica e a justiça, como bem-comum, no sentido escolástico, definindo-se o tributo justo como o exigido para atender às necessidades públicas.”(TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal, p. 13-14).

26 TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p. 40.

27 Ibid., ibidem. 28 Ibid., ibidem. 29 Conforme seu entendimento: “A liberdade, na fase inicial do patrimonialismo se

caracteriza como liberdade estamental ou corporativa. Os estamentos mantêm ou conquistam a liberdade diante do poder fiscal do rei. A liberdade aparece fracionada ou dividida entre a realeza, o senhorio e a Igreja e vai se consubstanciar no exercício da fiscalidade, na reserva da imunidade aos tributos, na obtenção de privilégio e no consentimento para a cobrança extraordinária de impostos. Em outras palavras, a nobreza e o clero são livres porque, além de não se subordinarem, senão excepcionalmente, à fiscalidade do príncipe (imunidade e privilégios), constituem fontes periféricas de normatividade. Não se pode, conseguintemente, concluir que o Estado Patrimonial não conheceu a liberdade; só que a vivenciou em sua forma estamental ou corporativa, isto é, como liberdade privada, inconfundível com as liberdades públicas do liberalismo.” (TORRES, R. L., A idéia de liberdade no estado patrimonial..., op.cit., p. 20.

30 TORRES, R.L., op.cit., p. 35.

Estados Patrimoniais, defendendo a sua superioridade pela aptidão de promoção

da igualdade, porquanto deles ninguém estaria isento. Sob a perspectiva da

capacidade contributiva, argumentava-se que os impostos indiretos apesar de

recaírem sobre os menos favorecidos, eram as classes abastadas, por consumirem

mais, e bens mais preciosos, seus maiores contribuintes.31

O Estado Patrimonial perdurou durante toda a Idade Moderna32, na qual

floresceram movimentos filosóficos e sociais que proporcionaram a reorganização

política da Europa ocidental33, alterando-se os paradigmas estabelecidos na Idade

Média.

Assim foi, por exemplo, com o Renascimento, no século XIV, um

movimento cultural e científico de resgate da cultura clássica, sobretudo helênica,

associada ao Humanismo, de perspectiva antropocêntrica, que permitiu a

celebração do ser humano, normalmente em sua dimensão secular e racional, em

flagrante contradição ao que ocorria no período medieval.

Todavia, como dito, no que respeita às desonerações fiscais, ainda deste

modo estas ficaram restritas aos nobres e à Igreja, a católica, em virtude dos

direitos e liberdades estamentais preexistentes.

Destarte, no decorrer da Idade Moderna, onde se inclui o Estado

Patrimonial, as desonerações fiscais apresentaram-se como verdadeiros

privilégios, ora reconhecidos pelo monarca aos seus protegidos e aliados políticos,

ora reconhecidos pela tradição aos estamentos. Portanto, muitas foram as formas

de desonerações concedidas à nobreza e ao clero, cabendo à burguesia, então

detentora de expressiva capacidade contributiva, ao lado do restante da população,

sustentar financeiramente as despesas públicas.

31 A respeito ver TORRES, R.L, op.cit., p. 34-35. 32 Iniciada com a tomada de Constantinopla pelos Turcos e encerrada com a queda da

Bastilha em 1789. 33 Unificação dos Estados, sob sistema de governo no qual o poder é

centralizado/concentrado na figura do rei – Absolutismo.

Deixa-se de fazer comentários a respeito do Estado de Polícia34, em razão de

adotar-se para o presente estudo a divisão proposta pelo professor Ricardo Lobo

Torres35, mesmo porque se entende que este se insere no período final do Estado

Patrimonial, e dele é diferido em razão do surgimento de críticas contundentes à

fiscalidade periférica do clero e da nobreza, o que conduziu a uma política de

controle centralizadora por parte do poder central36 que, todavia, não alterou sua

imunidade e privilégios de forma substancial.37

A consolidação do liberalismo e o fortalecimento econômico da burguesia,

levaram esta há não se contentar na participação subalterna da estrutura estatal,

sobretudo no que respeita a sua absoluta incapacidade de influenciar nas decisões

políticas, daí porque passou a investir contra o poder ilimitado do Estado

Absolutista, defendendo ideais de liberdade no campo individual, político e

econômico.38

A respeito, ensina Paulo Bonavides:

A fim de alforriar-se politicamente, isto é, a fim de resolver a contradição entre o poder econômico auferido e a sujeição política a que ficara reduzida é que a burguesia conspirou, se fez revolucionária, empunhou armas e se volveu contra a realeza absoluta, até promover-lhe a queda fragorosa, mediante atos de violência, quais foram os episódios trágicos marcados no calendário de sangue de 1789.39

Deste modo, o contexto sócio-político-econômico pré-revolução constituía

um entrave às aspirações da classe burguesa, pois, ainda que detentora de parcela

34 Sobre o Estado de Polícia, informa Ricardo Lobo Torres: “O Estado de Polícia sucede o

Estado Corporativo, de Ordens ou Estamental, especialmente no século XVIII, e antecede o Estado de Direito, de cujos adeptos recebe o apelido pejorativo. Alguns o submetem no conceito de Estado Patrimonial, em seu momento modernizador. ... O Estado de Polícia é modernizador, intervencionista, centralizador e paternalista. Baseia-se na atividade de ‘polícia’, que corresponde ao conceito alemão do Polizei, e não ao de política no sentido grego ou latino, eis que visa sobretudo à garantia da ordem e da segurança e à administração do bem-estar e da felicidade do súditos e do Estado.” TORRES, R.L., A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal, op.cit., p. 51-52.

35 TORRES, R.L., op.cit. 36 A respeito ver: GAMA, Guilherme Calmon da. Os Privilégios Fiscais: Isenções e

Incentivos Fiscais. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/ diversos/gcalmon.html>. Acesso em: 20 fev. 2006.

37 A respeito ver SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 32-35. 38 Para saber mais a respeito do Estado Liberal ler FARIA, José Eduardo. O modelo liberal

de direito e Estado. In: FARIA, José Eduardo (org.) Direito e Justiça: A função social do judiciário, p. 24.

39 BONAVIDES. Paulo. Teoria do Estado, p. 87.

expressiva do poder econômico estava alijada do poder político. Era necessário

resolver a situação, o que foi feito por meio da Revolução Francesa40.

Nesta perspectiva, a Revolução Francesa, iniciada com a tomada da

Bastilha, em 14 de julho de 1789, não pretendia apenas derrubar a ordem

governamental então existente, mas romper com a ordem estamental em vigência

e implementar uma nova ordem social e política mais uniforme e simples,

baseada nos princípios revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade;

isto somente seria realizado mediante o ataque simultâneo de “(...) todos os

poderes estabelecidos, arruinar todas as influências reconhecidas, apagar as

tradições, renovar os costumes e os hábitos e esvaziar, de certa maneira, o espírito

humano de todas as idéias sobre as quais se assentavam até então o respeito e a

obediência.”41

Este marco da história universal teve o condão de lançar a pedra

fundamental do Estado de Direito, cuja vontade deveria se expressar não mais de

forma arbitrária e unipessoal, como outrora, mas por meio do órgão representativo

da vontade popular: o Poder Legislativo.42

Neste diapasão, mediante a instituição de uma nova ordem legal,

possibilitou-se o rompimento total com a ordem jurídica estabelecida, que

sufocava a atividade econômica de tal forma que inibia, quando não impedia, as

iniciativas individuais; esta, proveniente de um poder legiferante imbuído de

legitimidade, enfatizou e garantiu valores como a liberdade de ação, a igualdade

formal e a propriedade privada, valores estes próprios do Estado Liberal instalado,

conectados aos novos interesses sobrevindos, o qual foi viabilizado através da

40 WECK, Antônio Claudemir. A imunidade constitucional tributária como instrumento de

efetivação do Estado Democrático de Direito no Brasil: perspectivas para além da positivação. Dissertação de Mestrado, Unisinos, 2001, p. 24.

41 GESTA LEAL, Rogério. Hermenêutica e Direito: considerações sobre a Teoria do Direito e os operadores jurídicos, p. 91.

42 A respeito confira-se o que ensina Zagrebelski: “En el espíritu de la Revolución francesa, la proclamación de los derechos servía para fundamentar una nueva concepción del poder estatal, determinando sus condiciones de legitimidad sobre la base de una orientación liberal. La Déclaration no era propiamente derecho positivo, sino un “reconocimiento” de las “verdades” de una filosofía política, presentada como el espíritu común de toda una época que pedía ser llevada del campo da la teoría al de la práctica.” (ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia, p. 52). E mais adiante, o autor distingue o sistema americano do sistema francês, ressaltando a força originária do Poder Legislativo no sistema francês enquanto no sistema americano o Poder Legislativo era derivado e limitado pelos direitos fundamentais constitucionais (Ibid., p. 55).

segurança jurídica43, frente a existência de um único sistema legal, que se aplicava

a todos.

É como bem coloca Maurizio Fioravanti:

Si antes teníamos un Estado jurisdiccional, ahora tenemos un Estado legislativo y administrativo. Sin embargo, esto no es suficiente para concluir la definición de la nueva forma de Estado. Falta todavía un elemento. Aludíamos antes al aspecto del límite. En afecto, la soberanía que emerge con la revolución no puede describirse sólo como una fuerza imparable, destructora de todo particularismo existente en el territorio y por tanto única dueña de las relaciones sociales y políticas. Bien mirado, si el Estado posrevolucionario tiene tal fuerza es porque debe sustituir la antigua sociedad de los privilegios y de los derechos estamentales – de los nobles, de los ciudadanos burgueses, de los campesinos – por la sociedad de los derechos individuales, fundada sobre el principio de igualdad, es decir, sobre la unidad del sujeto de derecho: una sociedad en la que ya no existen derechos diferentes, en la que todos utilizan, en su vida jurídica, los mismos instrumentos, previstos de manera codificada, sólida y duradera por la ley del Estado, que es igual para todos. La soberanía no es una fuerza dotada en sí de valor y de legitimidad para dirigir la sociedad hacia los más dispares resultados. Al contrario, la soberanía es una fuerza que nace limitada en sí, pues existe una finalidad principal o exclusiva: la de generar una ley positiva estatal que garantice los derechos de los individuos en cuanto tales, en condición de igualdad.44

Assim, suprimida a fiscalidade periférica que prevaleceu durante o medievo,

com a conseqüente centralização do poder fiscal no Estado, jungida ao princípio

da legalidade, as desonerações fiscais deixam de caracterizar meros privilégios

arbitrariamente concedidos à determinadas classes sociais, porquanto, se assim

fosse, estar-se-ia indo de encontro ao princípio da igualdade. 45

43 Confiram-se as palavras de Arakén Assis: “Por essa razão, todo o efervescer

enciclopedista que antecedeu a Revolução, procurou monopolizar, ideologicamente, a burguesia em torno do valor segurança, consubstanciado, no caso e de acordo com os princípios predominantes do pensamento racionalista, na estruturação de conceitos gerais e inflexíveis...” ASSIS, Arakén. Em torno da segurança jurídica, p. 10. Apud WECK, A. C., op.cit., p. 25.

44 FIORAVANTI, Maurizio. El Estado moderno en Europa, p. 26. 45 A respeito ver TORRES, R.L., A idéia de Liberdade no Estado Patrimonial ..., op.cit.

Confira-se, ainda, Maurizio Fioravanti: “Poco importa desde nuestro punto de vista que el arranque de la revolución, a este propósito, esté en los derechos naturales individuales anteriores a la misma norma del Estado: lo que cuenta y constituye el hilo conductor que se extenderá por todo el siglo XIX es el fuerte ligamen existente entre soberanía, derechos individuales y principio de igualdad, que pronto encontrará un enclave seguro en la ley del Estado, cuya capacidad de adaptación será al mismo tiempo expresión de soberanía y garantía de igualdad en la atribución y en el ejercicio de los derechos. Por lo demás, quien en origen había liberado al mismo tiempo los dos lados de la nueva forma política: la ley soberana, por una parte, no limitada ya por los poderes particulares, y los derechos individuales por otra, afirmados finalmente contra los privilegios que esos poderes contenían históricamente. Es Estado posrevolucionario es así soberano y limitado al mismo tiempo, y su ley es a la vez expresión de soberanía y garantía de los derechos, frente a la antigua pluralidad que había impedido la primera pero también los segundos en su forma, ahora posible, de derechos individuales, iguales para todos al desligarse de la

Ricardo Lobo Torres afirma que com o advento das revoluções do século

XVIII, consolida-se o Estado Fiscal, no qual o poder fiscal, apesar de exclusivo do

Estado, não é absoluto ou insuscetível de limitação, porquanto a liberdade

preexistente limita a soberania fiscal através das imunidades e pelas proibições de

privilégio e confisco. Deste modo, houve uma orientação no sentido de

substituírem-se as imunidades e privilégios estamentais pelas imunidades e

privilégios dos cidadãos, da mesma forma que se cambiou a garantia de liberdade

estamental pela garantia da liberdade individual e da igualdade, própria do Estado

de Direito instaurado no período pós-revolucionário. Em suas palavras:

Com as grandes revoluções do século XVIII consolida-se o Estado Fiscal, configuração específica do Estado de Direito, e se transforma radicalmente o conceito de imunidade tributária. Deixa de ser forma de limitação do poder do Rei pela Igreja e pela nobreza para se transformar em limitação do poder tributário do Estado pelos direitos preexistentes do indivíduo. O Estado Moderno é um expropriador, que aboliu as imunidades do antigo regime e as substituiu pelas imunidades dos cidadãos. O mesmo significante – imunidade – passou a agasalhar um outro significado. Com efeito, vitorioso o liberalismo, as imunidades ganharam coloração democrática, especialmente por construção do constitucionalismo americano, no qual aparecem amalgamadas aos privilégios da cidadania, passando ambos a ser instrumento de proteção da liberdade e da igualdade.46

Deste modo, a partir de então, os casos de desoneração fiscal deveriam

atender a um postulado teleológico, que justificasse a dispensa do pagamento do

tributo, porque é desta época que remonta o princípio da generalidade da

tributação.

Neste sentido o escólio de Souto Maior Borges:

A Revolução Francesa aboliu as isenções que constituíam privilégios da nobreza e do clero, até então as classes dirigentes, detentoras do poder político. Desaparecidos os antigos privilégios, nenhuma classe social pode, invocando essa condição, eximir-se do pagamento de tributos: só no interesse público devem ser outorgadas isenções. Segundo VITI DE MARCO, o princípio jurídico e político da igualdade de todos os cidadãos perante a lei tributária, que informa as constituições políticas dos Estados modernos, não tem conteúdo concreto e positivo, mas o valor de uma tendência crítica e negativa contra determinados tipos históricos de isenções, e plasmou a luta política contra as isenções fiscais das classes nobres no velho

pertenencia estamental, de la condición de noble, de ciudadano burgués, de campesino.” (FIORAVANTI, M., op.cit., p. 26).

46 TORRES, R.L., op.cit., p. 41.

regime. Abolidos pela Revolução Francesa, os antigos privilégios tributários continuaram, posteriormente, a luta contra o ressurgir de novos privilégios. Quando a evolução político-social tornou absolutamente supérflua ou não necessária a divisão da sociedade em classes e tanto mais se assegurou o progresso, quanto menos se distinguiu entre elas, os privilégios tributários perderam sua significação e se mostraram em contraste com os interesses da sociedade.47

Destarte, foi com a Revolução Francesa que se passou a exigir uma certa

correspondência entre a desoneração da tributação para alguns em detrimento

dos interesses maiores dos contribuintes, ou seja, exigência de que essa tivesse

como fundamento o bem comum, sob pena de se estar infringindo os princípios da

eqüidade, proporcionalidade e generalidade da tributação, como assevera Souto

Maior Borges:

A disciplina das isenções tributárias está indissoluvelmente vinculada com a exigência de proporcionalidade e eqüidade da tributação. Se o pagamento de tributos é obrigação de caráter geral, princípio dito de generalidade da tributação; se todos são iguais perante o fisco, mostram-se inadmissíveis as isenções que importem em meros favores, porque violatórias das regras constitucionais da generalidade e igualdade da tributação.48

Os postulados estabelecidos aplicam-se às imunidades tributárias, que não

podem ser concebidas ao interesse exclusivo de um particular. Deste modo, estas

devem estar conectadas a razões de ordem política, social ou econômica, situação

que mais adiante será objeto de análise no presente estudo.

Ultrapassada a abordagem histórica das imunidades tributárias num

contexto mundial, passa-se agora a enfrentar o panorama histórico pelo qual as

imunidades tributárias se desenvolveram no contexto brasileiro.

2.2 Origem e Perspectiva Histórica das Imunidades Tribu tárias no Brasil

A tributação no Brasil Colônia, (1500 – 1822), ainda que tenha abrigado o

período em que a Corte Portuguesa instalou-se no Brasil (1808 - 1815), era

extremamente confusa, com a instituição de tributos de várias ordens, alguns

47 BORGES, J.S.M., op. cit. p. 66. 48 Ibid, p. 75.

de competência alfandegária outros de competência das Províncias, quando

extinto o regime de capitanias hereditárias.49

Não obstante, segundo Aliomar Baleeiro, a instituição de tributos era

jungida à reserva da lei, quando afirma que “as tributações geralmente eram

aprovadas, para período definidos, pelos Senados das Câmaras, isto é, pelos

representantes dos contribuintes eleitos para a vereança municipal. As atas dos

vereadores da Bahia, conservadas a partir de 1624, são instrutivas a respeito.”50

O regime de então, previu algumas desonerações fiscais à Colônia, que se

aproximam das atuais imunidades.

É o que se verifica, por exemplo, do Regimento que Tomé de Souza51

trouxe ao Brasil em 1549, onde havia previsão de desoneração fiscal e incentivo

fiscal ao produtor de navios, quando estabelecia que:

“Hei por bem que por daqui em diante pessoa jurídica alguma não faça nas ditas terras do Brasil navio nem caravelão algum sem licença” – claro, começamos já tendo que requerer tudo – “a qual vós dareis nos lugares onde fordes presente, conforme ao regimento dos provedores das ditas terras capitanias, porque lhes mando que dêem a dita licença onde vós não estiverdes.” E acrescenta: “E, sendo de quinze bancos ou daí para cima os navios e que tenham de banco a três palmos de goa, hei por bem que não paguem direitos nas minhas alfândegas do Reino de todas as munições e aparelhos que para os ditos navios forem necessários e, fazendo-se de dezoito bancos e daí para cima, haja mais quarenta cruzados de mercê à custa da minha fazenda e para a ajuda de o fazerem.”52

Os livros também gozaram de imunidade no Brasil Colônia, desconsiderada

posteriormente:

Há outras provisões do Conselho da Fazenda sobre o despacho livre de direitos de entrada de mercadorias importadas de outros portos do reino, mas saliento o seguinte: em 26 de janeiro de 1819, uma instrução do Rei mandou entregar ao Desembargador do Paço, João Severiano Maciel da Costa, “os seus livros livres de direitos, pois não é da real intenção do mesmo senhor que os livros paguem direitos de alfândega, o que participo para que assim se execute.” E logo depois, em 18 de outubro, houve uma determinação anterior que mencionei. Diz: “Levei à Augusta presença del Rei, nosso Senhor, o ofício de Vossa Excelência nº 57, de 03 de setembro próximo passado, em que Vossa Excelência, à vista da guia da alfândega desta Corte se passou para se despacharem livres de direitos os anais de

49 A respeito ver: COSTA, Alcides Jorge. História da Tributação no Brasil. In: FERRAZ,

Roberto (coord.) Princípios e Limites da Tributação. BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. História do Tributo no Brasil.

50 Baleeiro, A., Limitações constitucionais..., op.cit., p. 52. 51 Primeiro governador-geral do Brasil. 52 COSTA, A.J., op.cit., p. 44.

ciência, das artes e das letras, requer que se conceda um semelhante indulto para na alfândega desta cidade se despachar livre de direitos a porção da mesma obra que nela entrou, ao que Vossa Excelência não anuiu, sem embargo do exemplo que se mostrou, por entender que não se achava para isso autorizado, e ao mesmo Senhor houve por bem nada declarar Vossa Excelência que não só mencionada obra, mas as outras quaisquer permitidas, se dê despacho livre na alfândega desta cidade, como se pratica nesta Corte, pois não é de sua real intenção que os livros paguem direitos.”53

Outro exemplo de imunidade era o da décima urbana, imposto equivalente

ao atual IPTU, aos imóveis pertencentes à Santa Casa de Misericórdia, instituído

através do Alvará de 27 de junho de 1808.54

Ainda, no primeiro orçamento de receita e despesa que no Brasil foi

elaborado, imunizava-se de impostos o comércio das Províncias de umas para

outras. O Decreto de 13 de maio de 1821 revogou o Alvará de 25 de abril de

1818, que estabelecera o imposto de 2% sobre os objetos industriais e agrícolas

que transitassem de uma Província para a outra.55

2.2.1 A Imunidade Tributária na Constituição Política do Império do Brasil

Já a Constituição Política do Império do Brasil não fazia nenhuma

referência expressa à imunidade tributária.56

A Carta Magna do Império, apesar de pouco cuidar de matéria tributária,

nos moldes da Constituição Norte Americana57, delegava ao Legislativo o poder

53 Ibid., p. 57. 54 “Que, havendo eu, determinado”, - isto é o Príncipe Regente – “pelo Alvará de 27 de

junho de ano próximo passado, que pagasse, dez por cento do seu rendimento líqüido para a minha real fazenda todos os prédios urbanos que estiverem em estado de serem habitados desta Corte e todas as demais vilas e lugares notáveis situados à beira-mar e de todos os seus domínios, em atenção à decadência em que se acham, à exceção daqueles pertencentes à Santa Casa que, pela piedade do seu instituto, ficaram isentos desta imposição.” Ibid., p. 58.

55 MIRANDA, Pontes. Comentários à constituição de 1967, com a emenda nº 1., de 1969, p. 398.

56 Pontes de Miranda, fazendo uso da expressão vedações quanto à tributação na Constituição de 1967, fazia a seguinte colocação: “omissa”. MIRANDA, P., op.cit., p. 396.

57 A cláusula 1 da seção 8 do artigo I da Constituição dos EUA dispõe que: “Será da competência do Congresso: Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos”. Disponível em : <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110>. Acesso em: 3 jun. 2006.

de aprovar e impor tributos, quando no art. 36, I, estabelece: “É privativa da

Câmara dos Deputados a iniciativa: I – sobre impostos.”

Com efeito, a Constituição Política do Império de 1824, ao não atribuir as

competências para instituir tributos de forma exaustiva, conferia ao legislador

ampla liberdade à criação de obrigações tributárias, que equivale a assertiva:

os impostos serão instituídos por lei.58

Regina Helena Costa aponta na Constituição Política do Império o embrião

das imunidades tributárias no Direito Constitucional pátrio, mais especificamente

em seu artigo 179, inciso 16, ao estatuir que “ficam abolidos todos os

privilégios, que não forem essenciais, e inteiramente ligados aos cargos, por

utilidade pública”. Segundo a autora, quando o dispositivo salienta a manutenção

de “privilégios essenciais”, abriu-se espaço às imunidades, porquanto vale

dizer, “benefícios que não poderiam ser suprimidos”.59

Ainda assinala que os incisos 31 e 3260 do mesmo dispositivo constitucional

propiciavam a exoneração tributária de algumas taxas, inerentes a socorros

públicos e garantiam a instrução primária gratuita aos cidadãos.61

Aliomar Baleeiro não reconhece a existência da imunidade recíproca na

Constituição Política do Império, por estar-se diante de um Estado unitário.62

2.2.2 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891

Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República

dos Estados Unidos do Brasil, inspirada na Constituição dos Estados Unidos da

América, redigida, em sua maior parte, por Rui Barbosa. A Carta Magna de

58 ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades tributárias, p. 129. 59 COSTA, R.H., op. cit., p. 30. 60 “Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que

tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: 31. A Constituição também garante os socorros públicos; 32. a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.”

61 COSTA, R.H., op. cit., p. 30 62 Baleeiro, A. Imunidades e Isenções Tributárias. Revista de Direito Tributário, Ano I, n.

1, jul./set. 1977, p. 71.

então consagrou o federalismo, com autonomia política, administrativa e

financeira dos Estados-membros.63

Da análise do texto constitucional, vislumbra-se a presença da imunidade

recíproca, no seu art. 10 quando estabelecia que era “proibido aos Estados tributar

bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente.”64

A toda evidência à imunidade recíproca aventada não possuía o contorno e

a abrangência atuais, mas deixava clara a proibição de que os Estados e a União

reciprocamente se tributassem, inclusive no que respeitava aos seus bens, rendas e

serviços. Não abrangia os Municípios já que o sistema federativo adotado neste

texto não os considerava.

O artigo 11 da Constituição de 1891 estabelecia que era “vedado aos

Estados, como à União: 1º) criar impostos de trânsito pelo território de um Estado,

ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República

ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os

transportarem; 2º) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos

religiosos; (...)”65

Ao que se verifica, havia uma proibição de cobrança de impostos de trânsito

ou de passagem de produtos de outros Estados ou do estrangeiro, assim como

sobre veículos, de terra ou água, que os transportassem.

No que respeita ao item 2º, tem-se que o dispositivo asseverava o

compromisso da República em firmar-se como Estado laico, garantindo a

liberdade religiosa, que se podia transportar à seara tributária, como norma

proibitiva à cobrança de impostos, visto que a imposição tributária poderia

embaraçar o exercício da religião, ou até extingui-la, de tal sorte que se está

diante de norma embrionária da imunidade do artigo 150, VI, “b” da CF/88.

Yoshiaki Ichihara prevê outras duas hipóteses de imunidades no texto

constitucional, mais especificamente em seu artigo 9º66. A primeira, prevista em

63 Cf. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 80-82. 64 BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,

de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/ Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm.>. Acesso em 15 mar.2006.

65 Ibid. 66 “Art. 9º. É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 1º Sobre a

exportação de mercadorias de sua própria produção; 2º Sobre imóveis ruraes e urbanos; 3º Sobre transmissão de propriedade; 4º Sobre industrias e profissões; § 1º Também compete

seu parágrafo segundo, que “isentava”, quando na verdade imunizava da

incidência de impostos estaduais, a produção de determinado Estado, a ser

exportada através de outro Estado; a segunda estaria albergada no parágrafo

terceiro, dar-se-ia por exclusão, porquanto poderiam ser tributadas as mercadorias

importadas para consumo no território do ente tributante; nos demais casos

haveria imunidade.67

2.2.3 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada

em 16 de julho de 1934 e, se não foi o texto que sistematizou o sistema tributário,

firmou princípios antes ausentes nos textos anteriores, ou presentes ainda de

forma implícita ou limitada.68

Além de definir a competência privativa da União em seu artigo 6º, dos

Estados em seu artigo 8º e dos Municípios em seu artigo 13, o texto estabelecia

algumas hipóteses de imunidade tributária69, que se repetem nas redações

constitucionais seguintes.

São as imunidade previstas no texto constitucional de 1934: i. em relação

ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza sobre renda cedular de

imóveis (art. 6º, I, alínea “c”); ii. das taxas de entrada e saída e à estadia de

navios e aeronaves de mercadorias nacionais e estrangeiras que já tivessem pago

o imposto de importação (artigo 6º, II); iii. do imposto de vendas e consignações

na primeira operação efetuada pelo pequeno produtor (art. 8º, I, aliena “e”); iv.

dos impostos de exportação de mercadorias de sua produção ao exterior, até o

máximo de dez por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais (art. 8º, I,

exclusivamente aos Estados decretar: 1º Taxa de sello quanto aos actos emanados de seus respectivos governos e negociação de sua economia; 2º Contribuições concernentes aos seus telegraphos e correios. § 2º É isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção de outros Estados. § 3º Só é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo, porém, o produto do imposto ao Thesouro Nacional.” 66 BRASIL. Constituição (1891), op.cit.

67 ICHIHARA, Y., op.cit., p. 130. 68 BALTHAZAR, Ubaldo César. História do Tributo no Brasil. p. 118. 69 A respeito ver o exaustivo trabalho de ICHIHARA, Y., op.cit.,p. 131-136.

alínea “f”); v. dos combustíveis produzidos no país para motores a explosão (art.

17, VIII); vi. em relação aos impostos interestaduais que gravem ou perturbem a

livre circulação de pessoas e bens, assim como de veículos que os transportarem

(art. 17, IX); vii. a imunidade recíproca70 (art. 17, X); viii. dos emolumentos,

custas, taxas e selos aos necessitados assistidos por assistência judiciária (art. 113,

item 32); ix. dos impostos diretos à profissão de escritor, jornalista e professor

(art. 113, item 36); x. das taxas à realização do casamento civil (art. 146); xi. dos

selos ou emolumentos ao reconhecimento de filhos naturais (art. 147); xii. dos

estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional,

oficialmente considerados idôneos, ao pagamento de qualquer tributo (art. 154).

É importante destacar que pela primeira vez o texto fundamental estendeu

a imunidade recíproca aos Municípios, que ainda passaram a ser titulares de

tributos, em razão do desdobramento do imposto sobre imóveis rurais e urbanos

- de competência dos Estados. Foram atribuídos aos Municípios o imposto

predial e territorial urbano e ainda, o imposto sobre licenças; o imposto sobre

diversões públicas; o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais e taxas

sobre serviços municipais.

Ao que se verifica, se confrontada à Constituição que lhe precedeu, a Carta

Magna de 1934 conferiu substancial importância aos Municípios, pelas razões

70 Neste sentido interessante o comparativo com a Constituição de 1891: “Trata-se de

princípio agora com maior amplitude que o firmado na Carta de 1891, a qual, em seu art.10, dispunha simplesmente ser proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, ‘e reciprocamente’. Se, por um lado, cuida-se aqui de princípio que diz respeito à proteção da organização federativa, sendo esta uma das mais notáveis influências de Rui Barbosa na conformação do Estado brasileiro, por outro, em 1934, percebemos um alargamento de referido princípio, sendo estendido aos municípios, agora autônomos, e ao Distrito Federal. Este, como vimos, não possuía autonomia financeira, mas, dentro dos poderes delegados que possuía, ficava igualmente impedido de exigir impostos sobre a renda, bens ou serviços dos demais entes políticos. Um aspecto que merece uma reflexão diz respeito ao alcance da imunidade recíproca, no que se refere aos tributos aos quais se dirigia o texto constitucional. A Constituição de 1891 utiliza o verbo “tributar”, sem especificar os tributos alcançados pelo benefício. É possível argumentar que a inexistência de um Direito Tributário em fins do século XIX, a ausência de obras e estudos sobre o fenômeno tributário no Brasil, a falta de uma sistematização fiscal naquele momento, foram responsáveis pelo uso aparentemente vago da expressão” tributar rendas e bens”, alcançando o benefício quaisquer tributos ( na realidade, impostos e taxas, as duas únicas espécies de que tratava a Constituição). De qualquer forma, no momento em que a carta de 1934 refere-se apenas aos impostos, podemos ver aí uma restrição do privilégio, o qual não poderia ser aplicado às taxas e contribuições de melhoria, novel tributo desta, como vimos antes. Tudo indica que o Constituinte de 1934 realmente pretendeu restringir o princípio apenas à uma espécie tributária, tal como acabaram por confirmar as Constituições posteriores.” (BALTHAZAR, U.C., op.cit., p. 119-120).

esposadas, e às imunidades tributárias, visto que houve considerável alargamento

nas hipóteses previstas, inclusive muitas delas persistem no texto atual.

2.2.4 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937

Sob a influência das ideologias políticas surgidas após a primeira guerra

mundial (1914-1918), e no embate político travado no âmbito nacional entre a

Ação Integralista Nacional, com ideais fascistas, e o Partido Comunista, Getúlio

Vargas, eleito pela Assembléia Constituinte, para quadriênio constitucional,

dissolveu o Congresso Nacional, revogou a Constituição de 1934, e decretou a

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 10 de novembro de

1937.71

Essa Constituição, não obstante tenha legitimado o Presidente da República

a governar por decretos-leis nos períodos de recesso do Parlamento ou de

dissolução da Câmara dos Deputados, vedou a instituição de impostos de forma

unilateral72, apesar de o seu artigo 180, inserido no âmbito das disposições

constitucionais transitórias, conferir competência plena ao Presidente da

República para editar decreto-lei sobre qualquer matéria de competência da

União, até que se reunisse o Parlamento.

No que respeita às imunidades tributárias, o então novel texto

constitucional, simplesmente, repetiu as imunidades da Constituição anterior, de

modo que se alterou apenas a topografia constitucional: renumeraram-se artigos e

incisos, assim como, promoveram-se insignificantes alterações na redação dos

dispositivos.

Exceção, segundo Yoshiaki Ichihara, deu-se em razão do disposto em seu

art. 20, II73, que criou a imunidade para o comércio de cabotagem às mercadorias

71 SILVA, J.A, op.cit., p. 83-84. 72 “Art. 13. O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de

dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes: (...) d) impostos.”

73 “Art. 20. É da competência da União: ... II – cobrar taxas telegráficas, postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estada de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de

nacionais e às estrangeiras, que já tenham pago imposto de importação (art. 20,

II). 74

2.2.5 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 18 de

setembro de 1946, corolário do processo de redemocratização do País após o

período ditatorial do Estado Novo.

O referido texto constitucional elencava as seguintes hipóteses de imunidade

tributária: i. dos impostos de consumo que a lei classificar como o mínimo

indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas

com menor capacidade econômica (art. 15, § 1º); ii. do imposto de vendas e

consignações na primeira operação efetuada pelo pequeno produtor (art. 19, IV);

iii.dos impostos de exportação de mercadorias de sua produção ao exterior, até o

máximo de cinco por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais (art. 19,

V); iv. do sítio com até vinte hectares que o cultivem o produtor ou sua família,

desde que esse seja seu único imóvel (art. 19, § 1º); v. ao tráfego de pessoas ou

mercadorias em relação a tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvadas a

cobrança de taxas, inclusive pedágio (art. 27); vi. a recíproca, excetuados os

serviços públicos concedidos (art. 31, V, a); vii. aos templos de qualquer culto

(art. 31, V, b); viii. das instituições de educação e de assistência social, desde que

suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins (art. 31,

V, b); ix. dos bens e serviços dos partidos políticos (art. 31, V, b); x. do papel

destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros (art. 31, V,

c); xi. dos direitos do autor, da remuneração dos professores e jornalistas (art.

203).

A despeito a exoneração tributária prevista no artigo 15, § 1º referir-se à

isenção, tem-se como verdadeira imunidade, que protege de forma negativa o

cabotagem às mercadorias nacionais e às estrangeiras, que já tenham pago o imposto de importação.”

74 ICHIHARA, Y., op. cit., p. 137.

mínimo existencial75, muito embora Aliomar Baleeiro a considerasse “apenas

princípio programático, que, por não ser auto-executável, dependeria sempre de

lei do Estado.”76

Ao que se verifica, a Carta de 1946 ampliou o rol das imunidades

tributárias, ao estabelecer a imunidade dos templos de qualquer culto, dos bens e

serviços dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência

social, do mínimo existencial, da pequena gleba rural, dos direitos do autor,

que veio a ser acrescido com a imunidade dos proprietários, no caso de

reforma agrária, na transferência da propriedade desapropriada, em relação aos

impostos federais, estaduais e municipais (art. 147, § 6º), através de EC nº

10/64, e da extensão da imunidade recíproca às autarquias no tocante ao

patrimônio, à renda ou aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou

dele decorrentes pela EC 18/65, que por sua vez aboliu as imunidades em

benefício de autores, professores e jornalistas, assim como do mínimo vital

previstas, respectivamente nos artigos 203 e 15, § 1º do texto constitucional.

2.2.6 A Imunidade Tributária na Constituição do Brasil de 1967

A Constituição do Brasil foi promulgada em 24 de janeiro de 1967.

“Reformulou, em termos mais nítidos e rigorosos o sistema tributário nacional e a

discriminação de rendas, ampliando a técnica do federalismo cooperativo,

consistente na participação de uma entidade na receita de outra, com acentuada

centralização. Atualizou o sistema orçamentário, propiciando a técnica do

orçamento-programa e os programas plurianuais de investimentos.”77

É a primeira Constituição brasileira que dedicou Capítulo específico ao

Sistema Tributário.

O texto magno previa as seguintes imunidades tributárias: i. ao tráfego de

pessoas ou mercadorias em relação a tributos interestaduais ou intermunicipais,

75 TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.

166. 76 BALLEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, p. 585. 77 SILVA, J.A., op.cit., p. 87-88.

excetuado o pedágio (art. 20, II); ii. a recíproca, inclusive às autarquias no

moldes da CF/46, excetuando-se os serviços públicos concedidos (art. 20, III, “a”,

§ 1º); iii. dos templos de qualquer culto (art. 20, III, “b”); iv. do patrimônio, renda,

bens e serviços dos partidos políticos (art. 20, III, “c”); v. das instituições de

educação e de assistência social, observados os requisitos previstos em lei (art.

20, III, “c”); vi. do livro, dos jornais e dos periódicos, assim como do papel

destinado à sua impressão (art. 20, III, “c”); vii. do imposto de renda e proventos

de qualquer natureza a incidir sobre a ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres

públicos (art. 22, IV); viii. da pequena gleba rural, não superior a vinte hectares,

que a cultive o produtor ou sua família, que não possua outro imóvel (art. 22, §

1º); ix. do imposto de transmissão de bens imóveis sobre direitos reais de garantia

(art. 24, I); x. do imposto de transmissão de bens incorporados ao patrimônio de

pessoa jurídica, inclusive sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do seu

capital, a não ser que tenha, por atividade preponderante, o comércio desses bens

ou a locação de imóveis (art. 24, § 3º); do ICM sobre produtos industrializados,

destinados à exportação (art. 24, § 5º); dos impostos municipais, estaduais e

federais incidentes sobre a transferência da propriedade desapropriada para fins

de reforma agrária (art. 157, § 6º); das taxas à realização do casamento civil (art.

167, § 2º).

Ao que se depreende, a Constituição de 1967 alargou as hipóteses de

imunidades tributárias, sendo relevante que a imunidade até então prevista

exclusivamente ao papel destinado à impressão de jornais, livros e periódicos

estendeu-se a estes bens, assim como estendeu a imunidade dos partidos

políticos que, além dos bens e serviços, passou a abarcar também a renda e o seu

patrimônio.

2.2.7 A Imunidade Tributária na Constituição da República Federativa do Brasil de 1969

Promulgada em 17 de outubro de 1969, para entrar em vigor em 30 de

outubro, como EC nº 01 à Constituição do Brasil, teórica e tecnicamente não se

tratou de emenda, mas de novel texto constitucional. A emenda apenas serviu

como mecanismo de outorga, pois, na verdade, promulgou-se texto integralmente

reformulado, inclusive, conferindo-lhe nova denominação.”78

Relevante mudança ocorrida com a Carta de 1969 diz respeito ao fim do

princípio da anualidade tributária, que obrigava a conter em lei orçamentária a

previsão da cobrança do tributo, para fins de fixação do princípio da anterioridade.

Do texto constitucional depreendiam-se as seguintes hipóteses de

imunidade: i. ao tráfego de pessoas ou mercadorias em relação a tributos

interestaduais ou intermunicipais, não excetuando o pedágio (art. 19, II); ii. a

recíproca, inclusive às autarquias no moldes da CF/46, com a ressalva de que não

exonera o compromitente comprador, da obrigação de pagar imposto que incidir

sobre imóvel objeto de promessa de compra e venda. Excetuam-se os serviços

públicos concedidos (art. 19, III, “a”, § 1º); iii. dos templos de qualquer culto (art.

19, III, “b”); iv. do patrimônio, renda, bens e serviços dos partidos políticos (art.

19, III, “c”), v. das instituições de educação e de assistência social, observados os

requisitos previstos em lei (art. 19, III, “c”); vi. do livro, do jornal e dos

periódicos, assim como do papel destinado à sua impressão (art. 19, III, “d”); vii.

do imposto de renda e proventos de qualquer natureza a incidir sobre a ajuda de

custo e diárias pagas pelos cofres públicos, na forma da lei (art. 21, IV); viii. da

pequena gleba rural, até vinte hectares, que a cultive o produtor ou sua família,

desde que seja o seu único imóvel (art. 21, § 6º); ix. do imposto de transmissão de

bens imóveis sobre direitos reais de garantia (art. 23, I); x. do imposto de

transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, inclusive

sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do seu capital, a não ser que

tenham por atividade preponderante, o comércio desses bens ou a locação de

imóveis (art. 23, § 3º); do ICM sobre produtos industrializados, destinados à

exportação (art. 23, § 7º); xi. dos impostos municipais, estaduais e federais

incidentes sobre a transferência da propriedade desapropriada para fins de

reforma agrária (art. 161, § 5º); das taxas à realização do casamento civil (art.

175, § 2º).

78 SILVA, J.A., op.cit., p. 88.

2.2.8 A imunidade tributária na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Após anos de luta pela redemocratização do País79, foi promulgada a

Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, que

institui no plano nacional o Estado Democrático de Direito.

É nesse contexto de proteção dos direitos fundamentais de um lado e da

democracia de outro, inclusive de proteção das minorias, que a Carta Magna

tratou das imunidades tributárias.

Em que pese ser nota comum na doutrina a assertiva de que o instituto da

imunidade é considerado criação nacional, destaca-se que a Seção I da Emenda

XIV da Constituição Norte Americana prescreve cláusula dos privilégios e

imunidades dos cidadãos80, que embora vaga e imprecisa, vincula as limitações

constitucionais ao poder de tributar, lastreada nos direitos fundamentais.81

Também a doutrina germânica, em que pese a Constituição de Bonn ser silente a

respeito, edificou sólida fundamentação em torno da limitação do poder tributário

pelos direitos da liberdade preexistentes.82

Não obstante a inserção do instituto no texto constitucional, é fato que o

legislador constituinte em momento algum utilizou-se do termo “imunidade” na

redação da Constituição, como observa Regina Helena Costa:

(...) em nenhuma passagem a Lei Maior contempla o termo ‘imunidade’, utilizando-se da expressão ‘é vedado (...) instituir impostos sobre’ quando elenca

79 A respeito da conjuntura dos fatos políticos que nortearam a promulgação da

Constituição de 1988 e do processo constituinte ver: SILVA, J.A., op.cit., p. 88-91. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea, p. 32-43.

80 A respeito conferir: SILVA, Enio Moraes da. Limites constitucionais tributários no direito norte-americano, p. 71-74.

81 TORRES, Ricardo Lobo. As imunidades tributárias e os direitos humanos: problemas de legitimação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Tratado de direito constitucional tributário. Estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. p. 326.

82 Ibid., p. 326-327. Ainda, Regina Helena Costa esclarece que “... nas Constituições do Uruguai (1966, art. 5º) e do Chile (1981, art. 19, § 6º) consta a exoneração tributária dos templos dedicados aos cultos religiosos. Na Alemanha, por sua vez, o texto constitucional (1949), ao recepcionar expressamente, em seu art. 140, o art. 137, § 5º, da Constituição de Weimar (1919), faz com que a mesma garantia decorra diretamente da Constituição, pois reconhece as sociedades religiosas como corporações de Direito Público.” COSTA, R.H., op.cit., p. 24.

as imunidades genéricas (art. 150, VI), reiterando, insistentemente, a expressão ‘o imposto (...) não incidirá’ em várias hipóteses de imunidades específicas e também fazendo referências, impropriamente, à isenção no que tange a impostos e contribuições. No que tange às taxas, a Lei Maior prefere referir-se à gratuidade do serviço.83

Todavia, por certo, a incúria do legislador constituinte não desprestigia o

instituto, porquanto é sabido que a Assembléia Constituinte, como representante

do povo, é formada por mandatários de diversos segmentos da sociedade, de

modo que sua linguagem reflete a diversidade de seus componentes, situação

imprescindível para a efetivação da democracia84. Logo, a Constituição Federal

não é obra de juristas, de tal sorte que as palavras nela utilizadas, podem não

atender ao rigor científico e, como conseqüência, sua interpretação não seria

obtida pela simples literalidade.85

Exemplo deste tipo de impropriedade encontra-se registrada no artigo 197,

III, § 7º da Constituição, que emprega a palavra isenção para estatuir o que, em

verdade, é imunidade. Como afirma Paulo de Barros Carvalho: “Conquanto o

legislador constitucional mencione a palavra ‘isentas’, há imunidade à

contribuição para a seguridade social por parte das entidade beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei, consoante

dispõe o art. 195, III, § 7º.”86

No que respeita ao alcance das imunidades inseridas na Constituição,

entende-se que essas se circunscrevem a todas as espécies de tributos, havendo

situações em que abrangem todo e qualquer imposto incidente sobre o patrimônio,

renda ou serviços (imunidade genérica) e outras em que a limitação restringe-

se a apenas um único ou alguns tributos (imunidade específica).

Neste sentido, o escólio de Hugo de Brito Machado:

Em edições anteriores afirmamos que a imunidade refere-se apenas aos impostos. Não aos demais tributos. Hoje, porém, não pensamos assim. A imunidade, para ser efetiva, para cumprir as finalidades, deve ser abrangente. Nenhum tributo pode ficar fora de seu alcance (...). Não obstante esteja expressa no art. 150, inciso VI,

83 COSTA, R.H., op.cit., p. 42. 84 Veja-se que a Constituição de 1988 adota não apenas a idéia de democracia majoritária,

mas também de democracia substantiva, na qual as minorias têm seus direitos protegidos. 85 A respeito ver BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias:

limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 105. 86 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 196.

da vigente Constituição Federal, apenas em relação aos impostos, em razão do princípio federativo a imunidade recíproca abrange, seguramente, também os demais tributos.87

Da mesma opinião partilha Paulo de Barros Carvalho quando assevera que:

A proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impostos carece de consistência veritativa. Traduz exacerbada extensão de uma particularidade constitucional que pode ser facilmente enunciada mediante a ponderação de outros fatores, também extraídos do Texto Superior. Não sobeja repetir que, mesmo em termos literais, a Constituição brasileira abriga regras de competência da natureza daquelas que se conhecem pelo nome de imunidade tributárias, e que trazem alusão explícita às taxas e à contribuição de melhoria, o que basta para exibir a falsidade da proposição descritiva.88

Entende-se que tal postulado ganha reforço pela simples análise do texto

constitucional, porque nele há várias hipóteses de imunidades de taxas e de

contribuições.89

Feitos tais esclarecimentos, passa-se a enumerar as hipóteses de imunidade

tributária que o Poder Constituinte - tanto no exercício de seu poder originário,

quanto no exercício de seu poder derivado - fez constar da Constituição Federal

de 1988: i. das taxas para o exercício do direito de petição (em defesa de direitos

ou contra ilegalidade ou abuso de poder) e obtenção de certidões (defesa de

direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal) (art. 5º, XXXIV, “a” e

“b”); ii. das taxas para proposição de ação popular (art. 5º, LXXIII); iii. taxas na

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos (art. 5º, LXXIV); iv. das taxas, aos reconhecidamente pobres, de registro

de nascimento e óbito (art. 5º, LXXVI, “a” e “b”); v. das taxas nas ações de

habeas corpus e habeas data (art. 5º, LXXVII); vi. recíproca, extensivas às

autarquias e fundações mantidas pelo poder público, nos termos estabelecidos (art.

150, VI, “a”, §§ 1º, 2º e 3º); vii. dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, “b”);

viii. dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,

87 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 196. 88 CARVALHO, P.B., op.cit., p. 182. 89 Em sentido contrário, Ives Gandra da Silva Martins, afirma que a imunidade restringe-se

exclusivamente aos impostos. “Não se aplica às outras espécies tributárias. Há uma razão para que assim seja, posto que as demais espécies são vinculadas a determinadas atividades.” Quanto à justificativa, reforça seu argumento, afirmando que “as demais espécies tributárias não podem ser objeto de imunidade constitucional porque estão vinculadas as suas finalidades específicas.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. 6, t. I, p. 172.)

inclusive suas fundações (art. 150, VI, “c”); ix. dos impostos sobre o

patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais dos trabalhadores (art. 150,

VI, “c”); x. dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições

de educação, sem fins lucrativos (art. 150, VI, “c”); xi. dos impostos sobre o

patrimônio, renda ou serviços das instituições de assistência social, sem fins

lucrativos (art. 150, VI, “c”); xii. dos impostos sobre livros, jornais, periódicos e

o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, “d”); xiii. dos impostos sobre

produtos industrializados destinados ao exterior (art. 150, § 3º, III); xiv. do

imposto sobre propriedade territorial rural das pequenas glebas rurais, assim

definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não

tenha outro imóvel (art. 153, § 4º); xv. do ICMS sobre o ouro definido como ativo

financeiro ou instrumento cambial (art. 153, § 5º e 155, X, “c”)90; xvi. do ICMS

sobre produtos industrializados ao exterior, excluídos os semi-elaborados

definidos em lei complementar (art. 155, X, “a”); xvii. o ICMS sobre operações

que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis

líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica (art. 155, X, “b”); xviii. do

ICMS sobre o valor do IPI, quando a operação configurar fato gerador de dois

impostos (art. 155, XI); xix. na exportação de mercadorias e de serviços por lei

complementar (art. 155, XI e 156, § 3º); xx. dos impostos, além daqueles

expressamente previstos, sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de

telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais no país (art.

155, § 3º); xxi. do ITBI com relação aos direitos de garantia (art. 156, II); xxii. do

ITBI na realização de capital das empresas, na transmissão de bens e direitos na

fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (art. 156, § 2º, I); xxiii.

dos impostos federais, estaduais e municipais nas operações de transferência de

imóveis desapropriados para fins de reforma agrária (art. 184, § 5º); xxiv. das

contribuições sociais das entidades beneficentes de assistência social (art. 195, §

7º); xxv. das taxas à celebração do casamento civil (art. 226, § 1º); xxvi. das

taxas de transportes coletivos urbanos, aos maiores de sessenta e cinco anos (art.

230, § 2º); xxvii. da contribuição social, se após completar a exigências à

aposentadoria, continuar o servidor público em atividade (art. 40, § 19); xxviii.

90 Como se verá no decorrer desta Dissertação, entende-se que estes dispositivos não são

imunidades, mas regras de repartição de competência tributária entre a União e os Estados.

das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as

receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, I)91; xxix) imunidade sobre o

mínimo existencial92.

Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto entendem que a exclusão da

incidência de determinado tributo, sobre pessoas, fatos, bens ou situações, quando

aí incidem outros tributos, cuja competência seja ou não da mesma pessoa

política tributante, não configura hipótese de imunidade, mas de pseudo-

imunidade, haja vista que a ausência de tributação decorre da simples outorga de

competência. Melhor, dizendo a tributação não se efetivou por determinando ente

tributante em razão deste não ser detentor de competência impositiva para assim

proceder. Os doutrinadores são didáticos, ao exemplificarem a situação:

Existem situações em que incorreto falar em imunidade. Há exagero e emprego forçado do termo imunidade naqueles em que não pode haver exigência do tributo ‘a’, pelo ente político-constitucional ‘x’, pela singela circunstância de que esse tributo foi conferido à competência do ente ‘y’. Em outros, não pode haver a incidência do tributo ‘a’, porque, por sua própria descrição, só cabe o tributo ‘b’, embora ambos sejam da competência da mesma pessoa constitucional. Exemplo da primeira hipótese: há preciosismo na afirmação de, que incidindo IPTU sobre imóvel urbano, há imunidade do ITR (que não pode incidir sobre imóvel urbano). Igualmente há erro no dizer-se que as operações mercantis (sujeitas que estão ao ICMS) são imunes ao ISS. Exemplo dessa segunda hipótese: quem importa produto estrangeiro (sujeitando-se, portanto, ao imposto de importação) é imune ao imposto de exportação. Em todos esses casos, deveria dizer-se apenas que se a competência foi conferida a ‘a’, foi, via de conseqüência, subtraída a ‘b’, ou que, sendo conferida a ‘a’, com o conteúdo ‘x’, não cabe exigência de outro tributo, de conteúdo ‘y’. Como é cediço, toda a tributação, toda outorga de competência envolve uma limitação. Chamar essa limitação de imunidade é que se constitui em exagero.93

91 ICHIHARA, Y., op.cit., p. 194-195. 92 Regina Helena Costa explica que as imunidades implícitas “são aquelas que, mesmo

diante da ausência de norma expressa que as abrigue, são extraíveis de princípios contemplados no ordenamento jurídico.” (COSTA, R.H., op.cit., p. 132). Neste sentido, ainda confira-se a posição de Ricardo Lobo Torres a respeito: “As condições da liberdade, que se não confundem com a justiça social, vão fundamentar a imunidade tributária do mínimo existencial, a abranger a não-incidência de tributos sobre a renda mínima, os bens de consumo popular, as prestações estatais de educação, saúde, justiça etc... que aparece explicitamente em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988.”92 TORRES, Ricardo Lobo. As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 317.

93 BARRETO, A.F.; BARRETO, P.A., op.cit., p. 55.

Assim, segundo os autores, só há imunidade quando houver hipótese de

incidência que o Constituinte optou por coibir; de resto, trata-se de limitação de

competência impositiva.

Ainda, observa-se que as imunidades não estão previstas unicamente no

Título VI, Capítulo I, Seção II da Carta Magna - Das Limitações ao Poder de

Tributar -, mas espalhadas por todo o texto constitucional, assim como que o seu

rol foi ampliado se comparado aos textos que lhe antecederam e, ainda, contempla

hipóteses de imunidades genéricas (concernentes a impostos) e hipóteses de

imunidade específicas (concernentes a impostos, taxas e contribuições sociais). 94

Neste ponto encerra-se o conteúdo histórico das imunidades tributárias e

passa-se a enfrentar as teorias acerca de seu conceito e natureza jurídica.

94 Regina Helena Costa, sem a pretensão de exaurir as classificações possíveis das normas

imunizantes, indica seis classificações: i. imunidades genéricas e específicas; ii. excludentes e específicas; iii. subjetivas, objetivas e mistas; iv. ontológicas e políticas; v. explícitas e implícitas; vi. incondicionadas e condicionadas. (COSTA, R.H., op.cit., p. 126-134). A respeito ver também CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro: desonerações nacionais e imunidades condicionadas, p. 136-142.

3 Imunidades Tributárias e Direitos Fundamentais

3.1 Algumas teorias acerca da imunidade tributária

A fim de que se possa delinear o perfil do instituto da imunidade tributária

e de se alcançarem os objetivos traçados no presente estudo, sem qualquer

pretensão exaustiva, entende-se oportuno, neste momento, apresentar algumas

posições doutrinárias a seu respeito, ressaltando que a doutrina nacional não

demonstrou grande interesse em abordá-lo pelo viés dos direitos fundamentais.

Aliomar Baleeiro, define a imunidade como hipótese de limitação ao

poder de tributar. Neste sentido, afirma Misabel Derzi, atualizadora de sua

obra:

Aliomar Baleeiro, o autor clássico das imunidades, define-as, por seus efeitos, como limitações constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, são limitações constitucionais ao poder de tributar, ainda, o princípio da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da vedação do confisco, etc., enfim, o conteúdo desta obra (v. Cap. I). Também a Constituição intitula a Seção II do Capítulo VI de ‘As limitações ao Poder de Tributar’ e, dentro dela, inclui de modo não exaustivo, as imunidades propriamente ditas e os demais princípios e normas reguladoras dos direitos e garantias dos contribuintes, como legalidade, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco e outros.95

Ao que se verifica, no ponto de vista do autor, com razão, o enunciado

“limitação ao poder de tributar” não se circunscreve exclusivamente às

imunidades, pois abarca outras hipóteses de limitação à incidência tributária,

como os princípios constitucionais tributários e a repartição de competências, de

modo a poder afirmar-se que estes, assim como as hipóteses de imunidades, são

espécie do gênero limitações constitucionais ao poder de tributar.

De outra banda, retornando ao conceito de Baleeiro, de imunidade como

limitação do poder de tributar, entendem-se pertinentes as críticas que a doutrina

tece ao vocábulo “poder”, porquanto este não se coaduna com o Estado Direito,

95 BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar..., op.cit., p 226.

menos ainda com o Estado Democrático de Direito, onde as relações, sobretudo

as tributárias, operam-se através de relações de direito, não de relações de

poder. Neste sentido, Souto Maior Borges:

O poder tributário, aspecto particular do poder financeiro, este, por seu turno, exteriorização do poder geral do Estado, desse modo, está rigidamente alicerçado em normas constitucionais disciplinadoras de seu exercício. É assim, um poder jurídico, vale dizer, regulado e limitado pelo Direito.(...) No Estado constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de fato, mera relação tributária de força (Abgabegewaltverhältnis), para converter-se num poder jurídico que se exerce através de normas. Esgota-se a relação de poder a partir do momento em que o Estado exerce, no âmbito da Constituição, o seu poder tributário e o faz por meio do instrumento de lei formal e material, ato do poder legislativo. A produção de normas jurídicas é a eficácia, o modo de atuação do poder tributário. Uma vez emanadas as normas, entretanto, o poder tributário se exaure no sentido de que, a partir de então, o ente público deixa de exercer faculdades tributárias e limita-se a dar efetividade, pelos seus órgãos administrativos, a pretensões tributárias concretas juridicamente fundamentadas. Nessa fase, é plena a subsunção da atividade tributária ao ordenamento jurídico, dissipando-se, aí, a idéia de ‘poder’ para dar entrada aos conceitos de “direito” e “obrigação”.96

Com efeito, no Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição

de 1988 não há espaço para que se fale em poder tributário97, o que, aliás não

se coaduna com a idéia de democracia. Falar-se em poder – no sentido de força

moral e política - nesta concepção de Estado, é referir-se ao povo, este sim seu

único e exclusivo detentor. Assim, equivocado referir-se a poder de tributar,

porquanto os entes políticos, na verdade, exercem sua competência tributária nos

moldes constitucionalmente estabelecidos, exercitáveis através de leis

instituidoras de tributos.

Neste sentido leciona Geraldo Ataliba:

96 BORGES, J.S.M., Teoria Geral da Isenção Tributária, op. cit., p. 24-26. 97 A respeito da superação da expressão poder tributário afirma José Roberto Vieira: “Essa

heterogeneidade da expressão ‘poder’ tributário aponta para a atitude cientificamente condenável – pela inexatidão manifesta – de admitir a convivência de diferentes funções e competências dentro da mesma categoria conceptual; algo que, no caso, tem inegáveis vínculos históricos com certas construções doutrinárias, outra vez, Álvaro Rodriguez Bereijo: ‘Esta concepción, que considera de modo unitario funciones estatales distintas, constituye el residuo de viejas doctrinas anteriores a teoría de la división de los poderes y puede decirse hoy superada.’” VIEIRA, José Roberto. E, afinal, a Constituição cria tributos! In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord). Teoria Geral da Obrigação Tributária..., op.cit., p. 615.

Poder tributário só o poder constituinte tem. Só o Estado brasileiro, como um todo, tem. Mas nenhuma daquelas pessoas políticas, criadas pela Constituição, recebeu poder. Todas receberam meras competências, simples parcelas de poder; em matéria tributária, portanto, União, Estados e Municípios só têm competência tributária.98

Talvez, por tal razão, uma outra corrente buscou explicar a imunidade como

limitação da competência tributária, o que será analisado mais adiante. Todavia,

Ormezindo Ribeiro Paiva não vê diferença entre “poder de tributar” e

“competência tributária”.99

Destarte, a idéia de imunidade como “limitação constitucional ao poder de

tributar” não se mostra a mais adequada, assim como aquelas que venham

acrescentar ao vocábulo “poder de tributar” expressões como “limitação”,

“supressão” ou “exclusão”, haja vista que a idéia de competência já implica

uma drástica limitação à imposição tributária, mostrando-se desnecessário,

restringir algo, que já nasceu limitado.

José Souto Maior Borges, ao conceituar o instituto, o fá-lo como hipótese de

não-incidência constitucionalmente qualificada:100

A imunidade tributária é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária. A rigor portanto a imunidade não subtrai competência tributária, pois essa é a apenas a soma das atribuições fiscais que a Constituição Federal outorgou ao poder tributante e o campo material constitucionalmente imune nunca pertenceu à competência deste. A competência tributária já nasce limitada. Ao imunizar, a Constituição proíbe que se estenda o âmbito de validez da própria lei tributária sobre as pessoas ou bens imunes. Sob reserva de lei, o exercício do poder impositivo é vedado ao ente público nos casos de imunidade. Por isso, é inobjetável a lição de Ulhôa Canto no sentido de que, nas hipóteses de imunidade, a Constituição, ao ratear os campos impositivos, outorga ao ente público o seu campo impositivo previamente reduzido pela exclusão de pessoas ou fatos, postos fora da área tributária. A regra de imunidade configura, desta sorte, hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada.101

98 ATALIBA, Geraldo. Hermenêutica e sistema constitucional tributário. In: ATALIBA,

GERALDO (coord.). Interpretação no direito tributário, p. 16. No mesmo sentido ver CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 287.

99 PAIVA, Ormezindo Ribeiro de. Imunidade tributária, p. 8-10 100 No mesmo sentido ver: OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Direito tributário atual. v. 11-

12. p. 3.366-3370; FALCÃO, Amílcar. Fato gerador da obrigação tributária, p. 63-64. 101 BORGES, J.S.M., op.cit., p. 217-218.

Contudo, a expressão não incidência, parece inadequada, pois sugere uma

ilogicidade, como se fosse possível existir no ordenamento jurídico uma norma

cuja finalidade fosse não incidir. Trata-se, portanto, de expressão pouco

científica, à medida que não incidir é não existir juridicamente. Daí porque afirma

Paulo de Barros Carvalho que “realmente, asseverar que a regra não incide

equivale a negar-lhe o tom de juridicidade, marca universal das unidades jurídico-

normativas”102, entendendo que sem juridicidade a norma estaria à margem do

direito ou não teria sido produzida segundo os ditames do ordenamento em vigor.

Além disso, sendo as normas imunizantes regras de estrutura103, é de se

perquirir que a teoria da incidência jurídica refere-se exclusivamente às regras de

conduta, de modo que nem a idéia de incidência jurídica se amolda à

fenomenologia do instituto.

Isto porque a aplicação da norma jurídica ocorre quando esta recai sobre

determinado fato, conferindo-lhe qualificação jurídica e espraiando seus efeitos, o

que, a toda evidência, é válido apenas para as normas de conduta, detentoras de

suporte fático; tal não ocorre com as normas imunizantes, qualificadas como de

estrutura, que não possuem suporte fático, haja vista que dispõem acerca da

produção de outras normas, isto é, do válido exercício da competência tributária.

Para Hugo de Brito Machado, a norma imunizante é limitadora da

competência tributária quando afirma que a imunidade é o obstáculo decorrente

de regra da Constituição à incidência de regra jurídica da tributação, ou seja, para

ele “o que é imune não pode ser tributado”104. À medida que “a imunidade impede

que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune”105,

Machado a entende como “limitação da competência tributária.”106 Destarte,

entende a imunidade como supressão ou exclusão da competência impositiva.

Não obstante a permuta do termo “poder” por “limitação”, a idéia de

limitação ou supressão da competência tributária não escapa às críticas da

doutrina, em razão do critério cronológico, eis que a competência já nasce

102 A respeito ver CARVALHO, P.B., op.cit, p. 178-184. 103 Ibid., p. 176. 104 MACHADO, H.B., op.cit., p. 221 105 Ibid., ibidem. 106 Ibid., ibidem. Também neste sentido ver CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de direito

tributário, v. III, p. 136.

limitada, não havendo justificativa para que a posteriori sofra outra limitação.

Paulo de Barros Carvalho faz as seguintes considerações a respeito:

Inexiste cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador constitucional, para, em momento subseqüente, ser mutilada ou limitada pelo recurso da imunidade.107

A rigor, a imunidade não subtrai competência tributária, pois esta já se

encontra previamente delimitada na Constituição Federal, de modo que o

campo imune nunca pertenceu à competência do ente tributante. Não há,

destarte, possibilidade de qualquer limitação de competência tributária,

porquanto, como dito, esta já nasceu limitada pelo Poder Constituinte.

Logo, se a competência já nasce limitada, não há sequer cronologia que

justifique a posterior limitação.

Também neste sentido o escólio de José Wilson Ferreira Sobrinho:

O quadro de competência impositiva já nasce pronto e acabado, pelo que descabe falar de limitação ou de ampliação envolvendo uma realidade juridicizada. (...) Pode-se concluir, no campo tributário, pela incorreção da tese da limitação constitucional. O que existe é um desenho normativo perfeitamente carcterizado do possível campo impositivo, de tal modo que no mundo jurídico não existe a pretendida redução ou limitação. A limitação é produto de um juízo político no momento de individualização do campo susceptível de tributação. (...) Na verdade, depois que o poder tributário – ou competência tributária – é juridicizado pela Constituição, existe um direito outorgado pela norma jurídica ao Estado a fim de exigir tributos. É o que se pode denominar de direito formativo de instituir tributos, exercitável de acordo com regras próprias e com o objetivo de criar direitos de crédito contra futuros contribuintes. Preferível, assim, falar de um direito de tributar. Seja como for, não é possível limitar uma competência tributária pela singela razão de que ela já nasce delimitada e é recebida por seu titular como desenhada normativamente. (...) Conclusão: a imunidade tributária não é limitação constitucional de coisa nenhuma, uma vez que competência tributária é o que o legislador outorgou através de norma jurídica.108

Assim, não parece correta a conceituação de imunidade como “limitação”,

“exclusão” ou “supressão” da competência tributária, que confere a impressão

de que esta existia e foi, posteriormente, suprimida. Isto porque, a Constituição,

107 CARVALHO, P.B., op. cit., p. 172. 108 FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Imunidade tributária, p. 63.

ao estabelecer a competência tributária, delimita o campo imune. As normas

atributivas de competência e as normas imunizantes são contemporâneas, de modo

que inadequado falar-se na sucessão cronológica desta em relação às primeiras.109

Todavia, caso venha o Poder Constituinte Derivado a inserir no Texto

Magno novel hipótese de imunidade, esta se enquadra como “limitação”,

“exclusão” ou “supressão” da competência tributária; isto porque, neste momento,

esta se encontra plenamente definida e estabelecida por obra do Poder

Constituinte originário, de modo que se atende ao critério cronológico do pré-

existir da competência que em razão do advento da norma imunizante

superveniente deixará de ser exercida em situação constitucionalmente definida.

José Wilson Ferreira Sobrinho, por sua vez, desenvolve raciocínio que

conclui ser a imunidade tributária direito público subjetivo.110 Diz o autor:

A norma imunizante outorga ao destinatário um direito subjetivo que o impede de ser tributado. De fato, quando o legislador delimita o espaço da competência tributária, o faz com a ajuda da norma imunizante que, obviamente, passa a ser vista como elemento auxiliar na demarcação da competência tributária.(...) A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária, senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a competência tributária de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo, razão que permite a sua caracterização, no que diz respeito a outorga de um direito subjetivo, como norma jurídica atributiva por conferir ao imune o direito referido.(...) (...) Tem-se, como conseqüência, que a norma imunizante, primeiramente, dispõe sobre a produção de outras normas jurídicas bem como fixa a competência tributária. Tais são seus efeitos principais, considerando-se sua estrutura. Reflexamente ou secundariamente, confere ao imune o direito subjetivo público de não ter o seu patrimônio jurídico agredido fora dos parâmetros representados pelo campo tributável outorgado para o exercício da competência tributária. O direito público subjetivo de não ser tributado surge como efeito reflexo da norma imunizante.111

Com efeito, segundo Ferreira Sobrinho, os direitos fundamentais e as

imunidades são instrumentos complementares à determinação do raio jurídico da

competência tributária. Em suma, são instrumentos delimitadores da competência

109 COSTA, R.H., op.cit., p. 44. 110 Não obstante o direito subjetivo seja concebido pela doutrina como facultas agendi,

isto é, a faculdade de agir juridicamente, “não tem índole processual. É apenas o poder de agir conferido ao indivíduo por uma norma jurídica. Seu exercício carece de uma lesão reparável juridicamente. Tal lesão legitimará o exercício do poder jurídico que é feito através do direito de ação.” (FERREIRA SOBRINHO, J.W., op.cit., p. 93).

111 FERREIRA SOBRINHO, J.W., op.cit., p. 101-102.

tributária. Todavia, não é este o único papel do instituto da imunidade tributária,

que também outorga ao imune o direito subjetivo de não ser tributado.

Assim, sempre que o exercício da competência tributária avançar sobre os

limites fixados pela norma imunizante, estar-se-á ferindo o direito subjetivo

público do imune de não ser tributado, o que lhe permitirá ingressar em juízo para

ter seu direito resguardado, haja vista que a competência tributária não foi

exercida dentro dos limites fixados.

Em suma, a norma imunizante confere ao seu beneficiário, por efeito

reflexo, o direito público subjetivo de não ser tributado.112

Regina Helena Costa, do mesmo modo, afirma que a imunidade “pode ser

definida como a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma

expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível,

necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais”113, o que acaba por

conferir “direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela

delimitados, de não se sujeitarem à tributação.”114

Verifica-se, deste modo, que Regina Helena Costa diverge da posição de

José Wilson Ferreira Sobrinho, para quem este seria um efeito secundário da

norma imunizante, enquanto, entende a autora, é a exclusão da incidência da

norma impositiva das pessoas, bens ou situações pela imunidade que caracteriza

o direito subjetivo, no intuito de “ver alcançadas certas finalidades

constitucionalmente eleitas, mediante o incentivo de atividades consideradas de

interesse público.”115

Ou seja, é na finalidade do instituto da imunidade onde reside o direito

subjetivo público da pessoa, bens ou situações abarcadas pela norma imunizante

de não serem tributados.

Cabem aqui as seguintes considerações de Luís Roberto Barroso a respeito

do direito subjetivo público:

A idéia central em torno da qual gravita o tópico ora desenvolvido é a de direito subjetivo, entendido como o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado

112 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 9ª ed. São Paulo

: Malheiros Editores, 1997, p. 400 e 403 113 COSTA, R.H., op.cit., p. 54. 114 Ibid., ibidem. 115 Ibid., ibidem.

à satisfação de certo interesse. A norma jurídica de conduta caracteriza-se por sua bilateralidade, dirigindo-se a duas partes e atribuindo a uma delas a faculdade de exigir de outra determinado comportamento. Forma-se, desse modo, um vínculo, uma relação jurídica que estabelece um elo entre dois componentes: de um lado, o direito subjetivo, a possibilidade de exigir; de outro, o dever jurídico, a obrigação de cumprir. Quando a exigibilidade de uma conduta se verifica em favor do particular em face do Estado, diz-se existir um direito subjetivo público.116

Yoshiaki Ichihara, apesar de também reconhecer na norma imunitória um

direito subjetivo, entende ser este implícito, pois é a sua eficácia plena e

aplicabilidade imediata que retira do campo da incidência tributária pessoas,

objetos e situações, ou seja, a imunidade cria um direito subjetivo de não ser

tributado. Trata-se de uma conseqüência imediata, mas não explícita, daí porque

acrescentou o adjetivo implícito.117

Destarte, para fins do presente estudo, adotar-se-á a concepção doutrinária

que qualifica a imunidade tributária como direito subjetivo público, que outorga

ao imune o direito de não ser tributado.

3.2 Os Objetivos das Imunidades Tributárias Pensados pe lo Poder Constituinte Originário

Concluiu-se no item anterior que a conceituação da imunidade tributária tem

sido objeto de divergência doutrinária. Não obstante a polêmica acerca de ser ou

não limitação de competência ou poder de tributar, ou ainda, se é possível limitar

algo que já nasce limitado, é certo que grande parte da doutrina aceita que a

imunidade tributária acaba por criar um direito subjetivo público ao contribuinte,

à proporção que lhe garante o direito de não ser tributado por encontrar-se numa

situação que o Constituinte quis proteger.

Demonstrar-se-á, no presente item, que o instituto da imunidade tributária

tem como finalidade resguardar o feixe de valores, princípios, fundamentos,

direitos e garantias fundamentais constitucionalizados, balizadores do Estado

116 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas.

Limites e possibilidade da constituição brasileira, p. 103-104. 117 ICHIHARA, Y., op.cit., p. 186.

Democrático de Direito118, mediante a exclusão ao Estado, do direito de instituir

tributos sobre pessoas, bens ou situações119, cujo desfalque patrimonial importaria

em prejudicar, quando não em inviabilizar, a concretização das promessas de

avanço social pretendidos.120

Neste sentido Souto Maior Borges afirma:

Sob esse ponto de vista, a análise teleológica do grupo de preceitos imunitórios estabelecido na Constituição Federal demonstra que, através deles, se procura assegurar certos valores sociais; preceitos básicos do regime político. A regra de imunidade é estabelecida em função de considerações de ordem extrajurídica. Através da imunidade, nos termos em que está disciplinada na Constituição Federal, torna-se possível a preservação dos valores sociais das mais diversas natureza: políticos, religiosos, educacionais, sociais e culturais. Sistematicamente, através da imunidade, resguardam-se princípios, idéias-forças ou postulados essenciais ao regime político.121

Portanto, os valores que as imunidades tributárias buscam resguardar são

aqueles que a sociedade brasileira, no momento constituinte, elegeu como

fundamentais, de modo a protegê-los, em razão da sua supremacia, ao ponto de

desonerá-los da tributação. Neste contexto, revelam-se as imunidades como uma

opção axiológica do legislador constitucional.

118 Neste sentido ver: TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e

tributário..., op.cit., p. 51; AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 149; COSTA, R.H., op.cit.,, p. 72-73; MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 90; CARRAZZA, R.A., op.cit., p. 401.

119 Roque Antônio Carrazza afirma que as “imunidades tributárias beneficiam, sempre, pessoas.” porquanto “em termos rigorosamente técnicos, a imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinado fatos, bens ou situações. O que estamos querendo expressar é que mesmo a chamada imunidade objetiva alcança pessoas, só que não por suas qualidades, características ou tipo de atividade que desempenham, mas porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações (v.g, a imunidade do art. 150, VI, ‘d’, da CF).” (CARRAZZA, R.A., op.cit., p. 399).

120 Em sentido contrário, Fernando Lemme Weiss entende que as imunidades são meros privilégios ao afirmar: “A inclusão de uma lista de não-sujeições tributárias na Constituição coloca o Brasil em singular posição. Como ressalta Regina Helena Costa, a nossa Carta è a única a listar imunidades. Isso evidencia não ser tal postura uma técnica amadurecida de proteção de direitos, mas antes uma especificação de desmotivados privilégios, inseridos em meio a antigas exclusões, elevados ao patamar constitucional para que estas legitimem aqueles. (...) O critério de justiça subjacente à lista de imunidades não corresponde às prioridades do cidadão descritas na própria Constituição. Atende aos interesses dos que dominam a opinião pública(da), que buscaram legitimação social e divina para o privilégio através de simultânea previsão de imunidade para entidades assistenciais e templos. A inclusão dos partidos políticos, por exemplo, que resolveriam quaisquer eventuais problemas através de legislação ordinária, pois a produzem, além da aplicação do princípio da capacidade contributiva, amplia a lista e desvia a atenção sobre outros beneficiários. WEISS, Fernando Lemme. Justiça tributária. As renúncias, o código de defesa dos contribuintes e a reforma tributária, p. 70-74.

121 BORGES, J.S.M., op.cit., p. 221.

Note-se que pelo delineamento histórico do instituto da imunidade no

Estado brasileiro restou evidente a razoável diversidade de sujeitos, pessoas, bens

ou situações escolhidos pelo Poder Constituinte para serem imunizados, que

refletiam, à época da elaboração dos respectivos textos constitucionais, os valores

supremos ínsitos ao contexto social vigente, por isto juridicizados e protegidos na

Constituição.

Tais valores, como bem assevera Souto Maior Borges, possuem natureza

extrajurídica e, portanto, decorrem da opção política do Poder Constituinte,

especialmente do originário, que não se prende a limites formais, por ser

essencialmente político.122 O próprio instituto da imunidade tem natureza

política, que decorre de sua fonte, a Constituição, “um documento essencialmente

político, ao qual o direito dá forma e eficácia”.123

Todavia, ainda que o Poder Constituinte tenha ampla liberdade na escolha

dos valores a serem juridicizados na Constituição, não é desmedido de limites.

Isto porque não se pode conceber a sua atuação partindo do nada político, jurídico

e social, pois este nunca surge dentro de um vácuo histórico-cultural, além do

dever de considerar princípios basilares do direito internacional.

Neste sentido, bem elucida Gomes Canotilho:

Desde logo, se o poder constituinte se destina a criar uma constituição concebida como organização e limitação do poder, não se vê como esta ‘vontade constituição’ pode deixar de condicionar a vontade do criador. Por outro lado, este criador, este sujeito constituinte, este povo ou nação, é estruturado e obedece a padrões e modelos, condutas espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como ‘vontade do povo’. Além disto, as experiências humanas vão revelando a indispensabilidade de observância de certos princípios de justiça que, independentemente da sua configuração (como princípios suprapositivos ou como princípios supralegais mas intra-jurídicos) são compreendidos como princípios de liberdade e omnipotência do poder constituinte. Acresce que um sistema jurídico interno não pode estar out da comunidade internacional. Encontra-se vinculado a princípios de direito internacional (princípio da independência, princípio da autodeterminação, princípio da observância de direitos humanos).124

122 BORGES, J.S.M., op.cit.,p. 22. Também neste sentido BONAVIDES, Paulo. Curso de

direito constitucional, p. 146. 123 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte, p. 47. 124 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,

p. 77.

Assim, a opção do legislador constituinte por determinada imunidade

pressupõe a preexistência de um complexo juízo de valores, pois, ao afastar da

tributação determinadas hipóteses implica, por outro lado, reconhecer a existência

de outros valores ainda maiores a justificar tal procedimento. Até porque, como

observa José Augusto Delgado, o exercício da tributação não se rege apenas por

normas legais, mas também e sobretudo por suas finalidades, pelo respeito à

dignidade da pessoa humana e aos valores da cidadania:

A validação finalística do tributo é abrangente. Encontra-se obrigado ao cumprimento de todos os objetivos constitucionais, todos voltados mais para o bem-estar da sociedade do que o do próprio Estado como instituição. Essa concepção exige que se afaste o entendimento de que o Direito Tributário deve ser estudado de modo compartimentado e obedecendo, apenas, aos seus princípios específicos, quer de ordem constitucional, quer situados no campo da legislação ordinária. O direito tributário há de ser visto e compreendido como inserido no campo da responsabilidade a que todas as entidades jurídicas têm, que é a de cumprir as destinações contidas na Carta Magna e na vontade popular, especialmente as de respeitar a dignidade humana e os valores da cidadania. Estes valores, entre outros, são os objetivos fundamentais visados pela República Federativa do Brasil, constituída em um regime democrático.125

Sob os aspectos delineados não se pode invalidar ou afastar as imunidades

sob o argumento de que estas não atendem aos valores que justificam a sua

inserção no texto constitucional; considera-se que esta discussão tem relevância

tão-somente quando o Poder Constituinte é exercido126, em vista de ser ele o titular

da soberania popular, cabendo-lhe escolher o feixe de valores pré-existentes que

reputa como supremos para a sociedade, dentro dos limites impostos pelo

contexto social, de tal sorte que não compete ao Poder Judiciário e ao legislador

infraconstitucional esta prerrogativa127, mas apenas a de efetivá-los.

125 DELGADO, José Augusto. Tributos e direitos fundamentais. In: FISCHER, Octávio

Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais, p. 156. 126 ICHIHARA, Y., op.cit., p. 173. 127 No sentido de que o Poder Constituinte é contínuo e não se esgota no momento de

manifestação da Assembléia Constituinte, confira-se Philippe Blachèr: “Le « peuple constituant » a besoin d’un représentant pour exprimer sa volonté. Puisqu’il est censé être l’auteur des principes fondateurs dy système juridique et que sa volonté est présumée supérieure par rapport à celle des représentants. Il faut bien que sa volonté ne s’épuise pas dans le moment constituant. Le constitutionnalisme suppose que la volonté du souverain dur, qu’elle soit continuelle. » « O povo constituinte precisa de um representante para exprimir sua vontade. Uma vez que ele é coincidente o autor dos princípios fundadores do sistema jurídico e que sua vontade se presume superior em relação aquela de seus representantes. E preciso que sua vontade não se esgote no momento

Isto posto, considerando que o instituto da imunidade representa um

conjunto de valores que buscam resguardar, incentivar, ou pelo menos, não

impedir que aspirações sociais que ingressaram no texto constitucional se

efetivem, assume o caráter de direito constitucional. Desta forma, a imunidade

tributária constitui-se em verdadeira expressão do Constitucionalismo128; esta,

portanto, é a teoria que, baseada numa Constituição rígida, consagra os direitos e

garantias individuais do cidadão, ainda que venha a limitar os poderes do

Executivo e do Legislativo.

Explica-se: o constitucionalismo tem como finalidade a busca pelo

delineamento de princípios ideológicos de cada Estado, consideradas as suas

peculiaridades e tradições “pela normatização dos direitos naturais ou

fundamentais dos seres humanos, cada qual relativamente à sociedade, ou

melhor à realidade que lhes é imposta.”.129

Aprofundando-se o tema, afirma-se que a Constituição Federal é fruto do

denominado constitucionalismo comunitário, que se contrapõe à cultura jurídica

privatista, buscando, contra o positivismo, um fundamento ético para a ordem

jurídica, e contra o privatismo, a efetividade do amplo sistema de direitos

assegurados pela ordem constitucional.130

Ao citar um fundamento ético, Gisele Cittadino refere-se à estrutura

normativa do conjunto de fundamentos e valores representados pela Constituição,

compartilhados por determinada sociedade131, tal como observa José Afonso da

Silva:

constituinte. O constitucionalismo supõe que a vontade do soberano dure, que ela seja contínua. » BLACHÈR, Philippe, Contrôle de constituionnalité et volonté générale, p. 191.

128 Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho: Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará a técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como teoria da democracia ou teoria do liberalismo. CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 47.

129 SOUZA, Leandro Marins de. Direito internacional dos direitos humanos e tributação: breve abordagem teórica. In: PIOVESAN, Flávia (coord.). Direitos Humanos, v.1., p. 379.

130 CITTADINO, G., op.cit., p. 14-15. 131 Quando assevera: “No que respeita aos comunitários, esta confiança nas tradições,

enquanto base sobre a qual se assentam as suas formulações, se revela, como assinalamos, no compromisso com os valores que unem coletivamente os membros da comunidade política. Nas democracias contemporâneas, os direitos fundamentais, por exemplo, jamais poderiam ser justificados caso não se recorresse aos significados culturais, aos compromissos comunitários e às

O sentido jurídico de constituição não se obterá, se apreciarmos desgarrada a totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Pois bem, certos modos de agir em uma sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamentos do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a constituição. A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo.132

Aliomar Baleeiro, na égide da Carta Constitucional anterior, já ressaltava o

valor ético nela estampado:

Para entender uma democracia, é preciso aceitar a sua base ética. Essa base ética, que está em vários pensadores, como Kant, é a de que os homens não são meios, mas fins em si mesmos. É preciso aceitar o princípio da dignidade humana, o da expansão de todas as possibilidades de criatura, que são alvos supremos. O Estado, as leis, o mecanismo da Constituição são meios. Por outro lado, a nossa Constituição, como outras, diz em seu preâmbulo sob a proteção de Deus. Ela é, assim, espiritualista, embora vivamos em um regime em que a Igreja ficou separada do Estado. E, por isso mesmo que a Constituição repousa em uma base ética e ideológica que considera o homem um fim em si mesmo, é óbvio que ela assegura a todos os meios para que tais fins sejam atingidos. 133

É neste sentido que se enquadram as imunidades tributárias, enquanto

proteção fiscal dos valores humanos escolhidos pelo Poder Constituinte. Ou seja,

as imunidades acabam por assegurar o aprimoramento e a expansão do homem

enquanto valor mais elevado.134

Com efeito, a Constituição traduz a autocompreensão ético-normativa de

uma comunidade, que equipara princípios e normas constitucionais a valores

pré-existentes, que traduz uma identidade e história comuns, assim como

compromisso com certos ideais compartilhados. Neste sentido, Gisele Cittadino

entende que a Constituição de 1988 traduz uma ordem concreta de valores

histórias de vida que constituem as identidades dos seres humanos reais que instituem e exercitam estes direitos.” CITTADINO, G., op.cit., p. 220.

132 SILVA, J.A., op.cit., p. 43. 133 BALEEIRO, A., O Direito tributário da Constituição, p. 179. 134 OLIVEIRA, Yonne Dolácio. As imunidades Genéricas. In: Associação Brasileira das

Entidades Fechadas de Previdência Privada. A Imunidade Tributária das Entidades Fechadas de Previdência Privada, p. 196-197.

partilhada pela comunidade, aos quais se deve buscar a realização.135

Assim, resta claro o fato das imunidades tributárias buscarem resguardar da

tributação pessoas, bens ou fatos, no intuito de preservar os valores que a

sociedade, no momento constituinte, elegeu como supremos, razão por que, a toda

evidência, esta não pode ser vista apenas em sua perspectiva individual, mas

como uma garantia de cidadania para todos, considerados coletiva e difusamente,

de forma a permitir também o regular desenvolvimento das futuras gerações.

São objetivos das imunidades, na esteira dos valores constitucionalmente

juridicizados, a construção de uma sociedade livre justa e solidária; a garantia do

desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a

redução das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos, sem

discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor ou idade136, tendo por fundamentos

a soberania, a cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa e o pluralismo político do Estado.137 Em hipótese alguma se pode

enquadrá-las como privilégio, eis que, como visto, tal afirmativa é descabida

desde o advento do Estado de Direito.138

Neste sentido, Fernando Facury Scaff:

Portanto, e apenas a título de exemplo, ao ser reconhecida no Brasil uma imunidade educacional não se pretende privilegiar determinado estabelecimento. A fase do privilégio já passou, devendo ser apenas historicamente considerada. Se deve é garantir que a educação seja ministrada a todos, de forma livre e com o fito de desenvolver plenamente o indivíduo, prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho (CF/88, art. 205). Caso não sejam acatadas estas diretrizes constitucionais, a instituição em gozo da imunidade não estará atingindo seus objetivos e esta deverá ser desconsiderada. O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida para as atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela sociedade, e não o de enriquecimento das instituições mantenedoras de estabelecimento de educação. Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos políticos. As hipóteses não têm fim. Interpretar a norma jurídica da Imunidade Tributária de forma apartada de seu contexto social será esvaziá-la completamente. Não será implementar o Direito, mas apenas fazer um exercício de direito positivo - que poderá ser bem ou mal

135 A respeito ver CITTADINO, G., op.cit., p. 226-227. 136 Art. 3º da Constituição de 1988. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jul. 2006.

137 Art. 1º da Constituição de 1988. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.

138 No sentido de que as imunidades seriam ainda privilégios, confira-se nota de rodapé 121 acima.

feito. E aí nada será acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos contrafatores normativos. Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais Princípios limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade exercite a cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem eventuais empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos que se utilizem do aparato do Estado para implementar uma política diversa daquela estabelecida pela sociedade).139

De outra banda, não se pode descurar de observar a estreita relação entre as

imunidades e os direitos fundamentais, por serem aquelas verdadeiras

manifestações destes, situação que será abordada no Capítulo seguinte do presente

trabalho.

Assim, constituindo o tributo interferência constitucionalmente consentida

na liberdade individual, explicável que o Poder Constituinte tenha optado por

afastar a possibilidade do exercício da competência tributária em certas

circunstâncias, visando a garantir os valores e princípios que o próprio

Constituinte Originário escolheu para proteger. Entendeu-se, assim, que a

imposição tributária nessas situações poderia dar oportunidade ao embaraço do

exercício de determinados direitos ou, então, prejudicar o desempenho de

atividades consideradas socialmente relevantes.140

Por tal razão as imunidades têm como objetivo primordial assegurar a plena

efetividade141 dos comandos constitucionais que asseguram os direitos de

liberdade e cidadania previstos na Carta Magna, “hoje alçadas à categoria de

direitos fundamentais dos contribuintes.”142

Assim, a título meramente exemplificativo, estão resguardados pela

imunidade, o princípio do federalismo, expresso nos artigos 1º e 60, § 4º, I c/c

150, VI, “a”; o direito à liberdade religiosa: artigos 5º, VI e 19, I c/c 150, VI,

“b”; o princípio democrático: artigo 1º, c/c artigo 150, VI, “c”; o sindicalismo

representativo: artigo 8º, c/c artigo 150, VI, “c”; o direito à assistência e à

139 SCAFF, F. F., Cidadania e imunidade tributária, op.cit. 140 COSTA, R.H., op.cit., p. 73. 141 Segundo Luís Roberto Barroso: “A efetividade significa, portanto, a realização do

Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre dever-ser normativo e o ser da realidade social”. (BARROSO, L.R., op.cit., p. 85).

142 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tributos e direitos fundamentais. In FISCHER, O.C., op.cit., p. 13.

educação: artigos 203, 204, c/c artigo 150, VI “c” e artigo 197, § 7º; a cidadania:

artigo 1º c/c artigo 5º, LXXVI, “a” e “b” e artigo 226, § 1º; o direito de acesso à

justiça: artigo 5º, XXXV c/c artigo 5º, XXXIV “a” e “b”, LXXIII, LXXIV,

LXVII; o direito de acesso à informação e à liberdade de manifestação: artigo 5º,

XIV c/c artigo 150, VI, “d”.143

Considerados os valores esposados na opção política pela imunidade,

ressalta-se serem eles que justificam a desoneração tributária, de forma que não se

pode falar em ofensa ao princípio da isonomia, condicionador este da

solidariedade social que deve inspirar o custeio das despesas públicas por meio do

princípio da generalidade da tributação. Mesmo porque, a atual consciência

jurídica não mais permitiria excepcionar alguém ou alguma situação do alcance

fiscal por simples benesse ou puro privilégio. Ao contrário, quando o legislador

constituinte selecionou determinada situação econômica a fim de desonerá-la do

dever geral de contribuir, fê-lo visando a realizar valores outros superiores à

eventual receita tributária abdicada. Ou seja, as imunidades tributárias buscam,

por meio de uma discriminação ativa144, realizar os valores escolhidos pela própria

sociedade no momento constituinte.

Também não é relevante para o instituto da imunidade tributária o princípio

da capacidade contributiva, já que o seu objetivo é justamente resguardar pessoas,

objetos ou situações da incidência tributária, desde que estes consolidem valores

protegidos pela Carta de 1988.

Desta maneira, no exame das imunidades tributárias, especialmente das

genéricas previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d”145 da Constituição Federal,

143 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jul. 2006.

144 Regina Helena Costa explica que: “Destarte, o discrímen no qual repousa a exoneração fiscal consiste na importância do papel desempenhado pela entidade por ela contemplada no contexto social, consonante com as funções a cargo do próprio Estado, ou, ainda, no especial interesse do Poder Público em prestigiar determinadas situações, porque afinadas com objetivos constitucionalmente eleitos.” (COSTA, R.H., op.cit., p. 122).

145 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (...)”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.

não se deve levar em consideração a existência ou não de capacidade contributiva

do beneficiário, se se trata de entidade rica ou pobre, pois o verdadeiro objetivo

do legislador constitucional é de resguardar essa capacidade econômica de modo

que, se inexistente, passe a existir, se existente, aumente expressivamente. Quanto

maior a capacidade econômica da entidade imune, melhor para a população, uma

vez que ela atenderá de forma mais eficiente aos fins desejados pelo

Constituinte.146

Ainda, cabe trazer a lição de Regina Helena Costa a respeito dos valores

escolhidos pelo Constituinte, e que se buscam realizar por meio das imunidades

tributárias:

Isto porque, identificada a busca pela implementação dos valores ou fins apontados na própria Constituição, abrindo mão o Poder Constituinte Originário de outorgar a competência tributária às pessoas políticas para instituir tributos em determinadas situações, ou em relação a certas pessoas ou bens, está caracterizada a utilização de um mecanismo para obtenção de finalidades não-arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos. Todos os valores mais prestigiados pela Constituição – a segurança jurídica, a justiça e o bem comum, antes apontados – estão presentes na essência das imunidades tributárias. A segurança jurídica é um supraprincípio que se manifesta no campo tributário por intermédio dos princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei tributária e da isonomia. As idéias de legalidade e isonomia são fundamentais no trato das exonerações tributárias operadas no plano constitucional. A legalidade, porquanto a competência tributária somente pode ser exercida mediante a edição do necessário veículo legislativo, o qual não poderá alcançar as situações e pessoas declaradas imunes. A isonomia, por sua vez, porque as situações de intributabilidade postas na Constituição efetivam esse princípio, na medida em que cuidam de tratar desigualmente entes, atividades e bens que mereçam tratamento díspar, em razão do papel socialmente relevante que desempenham. No âmbito tributário cabe falar-se em justiça fiscal como meta a atingir-se por meio dos princípios da generalidade e da universalidade da tributação, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco – todos, desdobramentos da isonomia. Ricardo Lobo Torres sustenta que a liberdade individual é o valor mais relevante a fundamentar as imunidades tributárias, sendo que valores como o da justiça e o da segurança também podem complementarmente servir a esse fim. (...) Lembre-se, por derradeiro, que o bem-estar coletivo sintetiza a ratio das imunidades tributárias. É a finalidade pública, assim entendida como o objetivo a ser perseguido em toda a atuação do Estado que legitima o emprego de todos os

146 A respeito ver COSTA, R.H., Princípio da Capacidade Contributiva, p. 74-76.

instrumentos constitucionalmente autorizados para esse desiderato, dentre os quais se incluem as imunidades tributárias.147

Ora, são justamente estes valores substantivos escolhidos pela comunidade

que foram consagrados pelos direitos fundamentais, como limitação, inclusive, às

maiorias eventuais, o que acontece também com as imunidades tributárias,

conforme se verificará no próximo tópico.

3.3 As imunidades tributárias enquanto meios para reali zação dos direitos fundamentais

Foi abordado no Capítulo anterior que através da desoneração tributária de

pessoas, objetos e situações pretendeu o Poder Constituinte originário, por via das

imunidades inseridas no texto constitucional, garantir valores supremos

compartilhados pela sociedade no momento da realização da Constituição, pré-

existentes ao próprio documento.

Todavia, além desta garantia de valores, entende-se que as imunidades são

importantes meios à realização dos direitos fundamentais.148 É este o tema a ser

abordado no presente tópico.

O texto constitucional de 1988, que institui no plano nacional o Estado

Democrático de Direito, como reação ao período ditatorial, que precedeu à sua

promulgação, prevê um título próprio destinado aos seus princípios fundamentais,

situado, em manifesta homenagem, e em razão de sua significativa importância,

na parte inaugural da Carta Magna, logo após o seu preâmbulo e antes dos

direitos fundamentais.

Os princípios fundamentais, segundo Ingo Sarlet, têm “a qualidade de

normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e

especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais”149, as

147 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 74-76. 148 Adota-se para o presente estudo o entendimento de que a classificação dos direitos

fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira geração existe em razão da cronologia em que foram reconhecidos e incorporados aos ordenamentos jurídicos.

149 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 61.

quais para o autor, integram junto com os princípios fundamentais, aquilo que se

pode chamar “núcleo essencial da nossa Constituição formal e material”.150

Assim, a República Federativa do Brasil tem por fundamentos a soberania; a

cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa; o pluralismo político (art. 1º.), com os objetivos de construir uma

sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento, erradicar a pobreza,

a marginalização e reduzir as desigualdades sociais; promover o bem de todos,

sem qualquer discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor e idade (art. 3º.), para

os quais toda a estrutura estatal, suas atividades e funções estão voltadas, inclusive

o seu sistema tributário.

Dos dispositivos parcialmente transcritos denota-se que o Estado brasileiro

atribui ênfase aos princípios fundamentais, que exigem a prática de uma ética

concreta do ser humano e do Estado, como o da dignidade da pessoa humana151,

por ser a pessoa humana fundamento e fim da sociedade e do Estado.152 Isto

porque, em conformidade com a filosofia kantiana, o homem, como ser racional,

existe como fim em si, “pois um ser humano não pode ser usado meramente como

um meio por qualquer ser humano (quer por outros quer, inclusive, por si mesmo),

mas deve sempre ser usado ao mesmo tempo como um fim.”153

Com efeito, pode-se afirmar que o Estado Democrático de Direito se

constrói a partir da pessoa e para servi-la, de modo ser impossível pensar a sua

existência sem o respeito à dignidade da pessoa humana que, na lição de José

Afonso da Silva, não se configura tão-somente em princípio fundamental pois, “se

fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da

República, da Federação e do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é

apenas um princípio de ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social,

150 Ibid., ibidem. 151 A Constituição Federal de 1988 dedica o seu Título I, composto por 4 artigos aos

“Princípios Fundamentais”. Neste sentido Ingo Wolfgang Sarlet: “Inspirando-se – neste particular – especialmente no constitucionalismo lusitano e hispânico, o Constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guindando-a, pela primeira vez, - consoante já reiteradamente frisado – à condição de princípio (e valor) fundamental (artigo 1º, inciso III).” (Ibid., p. 67).

152 Ibid., p. 77. 153 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes, p. 306. No mesmo sentido PIOVESAN,

Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 55. Ver também: BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, p. 103 et. seq.

econômica e cultural. Daí a sua natureza de valor supremo, porque está na base

de toda a vida nacional.”.154

À luz dessa concepção, considerando que o texto constitucional há de ser

compreendido como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados

valores sociais, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 elege o valor da

dignidade da pessoa humana como um valor essencial que lhe dá unidade de

sentido.155

Veja-se que, além da previsão expressa da dignidade da pessoa humana,

enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, no artigo 1º, III, é certo

que o Constituinte trouxe expressa a dignidade da pessoa humana em outros

dispositivos constitucionais. O artigo 170 caput da Constituição de 1988

estabelece que a ordem econômica “tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social”. Também no Título “Da Ordem

Social” a dignidade da pessoa humana é ressaltada como valor fundante do

planejamento familiar e da paternidade responsável, conforme estabelecido no

artigo 226, § 7º da Constituição. Ainda, o artigo 227, caput assegura à criança e ao

adolescente o direito à dignidade humana, demonstrando, assim, que a dignidade

da pessoa humana irradia-se por toda a Carta constitucional.156

Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana nos seguintes

termos:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.157

Ao referir-se à “qualidade intrínseca e distintiva” por certo o conceito

relaciona-se à nota caracterizadora do princípio da dignidade humana que é de

154 SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da

democracia, Revista de Direito Administrativo. nº 212. p. 92.661-662. 155 PIOVESAN, F., Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op.cit., p. 56. 156 BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.

Ver também SARLET, I.W., op.cit., p. 60. 157 SARLET, I.W., op.cit., p. 60.

gerar ao indivíduo o direito de decidir de forma autônoma sobre o seu destino,

seus projetos existenciais e felicidade (autodeterminação); estes devem ser

respeitados pelo Estado e pela comunidade, limitados e assegurados por um

complexo de direitos e deveres fundamentais que lhe garanta ser tratado como

sujeito de direito, assim como lhe assegure condições existenciais mínimas158 que

lhe possibilite a evolução enquanto pessoa humana, inclusive no âmbito das

relações intersubjetivas, para o alcance de uma vida boa.

Denota-se, portanto, que além de sua característica intrínseca, a dignidade da

pessoa humana encerra um caráter instrumental, que não se restringe à idéia de

autonomia individual, porquanto encerra a necessidade de promoção das

condições de uma contribuição ativa para o reconhecimento e proteção do

conjunto de direitos e liberdades indispensáveis ao nosso tempo.159 Deste modo,

onde não houver respeito pela vida e a pela integridade física e moral do ser

humano, onde as condições mínimas para a existência de uma vida digna não

forem garantidas, onde não houver limitação de poder e garantia de liberdade,

autonomia e igualdade material, não haverá respeito à dignidade da pessoa

humana.160

Ana Paula de Barcellos afirma que “o conteúdo jurídico da dignidade se

relaciona com os chamados direitos fundamentais ou humanos”, ou seja, para ela

“terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem

observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles”.161

Do mesmo modo, Andrade Vieira:

158 Segundo Ricardo Lobo Torres: “Não tendo o mínimo existencial dicção constitucional

própria, deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.” TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e tributário..., op.cit., p. 144.

159 SARLET, I.W., op.cit., p. 53. 160 Neste sentido Ingo Wolfgang Sarlet: “Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a

dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (este seria, portanto, o elemento mutável da dignidade).” (SARLET, I.W., op.cit., p. 47).

161 BARCELLOS, A.P., op.cit., p. 110-111.

Neste contexto se deve entender o princípio da dignidade da pessoa humana – consagrado no artigo 1º como o primeiro princípio fundamental da constituição – como o princípio de valor que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos e confere unidade de sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos fundamentais. Estes preceitos não se justificam isoladamente pela protecção de bens jurídicos avulsos, só ganham sentido enquanto ordem que manifesta o respeito pela unidade existencial de sentido que cada homem é para além dos seus actos e atributos. E esse princípio da dignidade da pessoa humana há-de ser interpretado como referido a cada pessoa (individual), a todas as pessoas sem discriminações (universal) e a cada homem como ser autônomo, livre.162

Destarte, o respeito à dignidade da pessoa humana encontra-se diretamente

relacionado com a realização dos direitos fundamentais, onde se incluem os

direitos sociais, já que através deles propicia-se o pleno exercício dos direitos de

liberdade, que dependem da atuação positiva do Estado para serem efetivados.163

Confirma-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana é princípio de

valor que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos e confere unidade de

sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos fundamentais164, e ao

próprio Estado Democrático de Direito. Desta forma encontra-se na base de todos

os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, embora em graus

diferenciados, porque há direitos que constituem explicitações em primeiro grau

da idéia de dignidade, enquanto outros, desta são decorrentes.165

162 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976, p. 97. 163 A propósito, esclarece Flávia Piovesan: “Nesta ótica, a Carta de 1988 acolhe o princípio

da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo qual o valor da liberdade se conjuga ao valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade. Acrescente-se que a Constituição de 1988 prevê, além dos direitos individuais, os direitos coletivos e difusos – aqueles pertinentes a determinada classe ou categoria social e estes pertinentes a todos e a cada um. Neste sentido, a Carta de 1988, ao mesmo tempo em que consolida a extensão de titularidade dos direitos, acenando à existência de novos sujeitos de direitos, também consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, mediante a ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais.” PIOVESAN, F., Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 57-58.

164 Do mesmo modo, cabe conferir as palavras de Ingo Sarlet:: “Em suma, o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que ‘atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais’, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade, estar-se-á negando-lhe a própria dignidade”. (SARLET, I.W., op.cit., p. 84-85).

165 VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 97-98. A respeito confira-se SARLET, I.W., op.cit., p. 124-125.

Com efeito, confere a premissa de que os direitos fundamentais constituem,

embora com intensidade diferenciada, explicitações da dignidade da pessoa

humana. Por via de conseqüência, em cada direito fundamental se faz presente um

conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. Em suma a

dignidade da pessoa humana exige e pressupõe o reconhecimento dos direitos

fundamentais, pois em se negando o seu reconhecimento, estar-se-á negando-lhe

a própria dignidade.166

Destarte, ao valorizar, respeitar e promover a liberdade e os valores do

espírito, impedindo, concomitantemente, a intolerância, a exclusão social, a

violência, e ao garantir a subsistência física, a saúde, a participação política, a

cultura, a educação, o acesso à justiça e à informação, o desenvolvimento

nacional167, entre tantos outros valores paralelos, a Constituição Federal, através

dos direitos fundamentais nela inseridos, busca implementar a função instrumental

integradora e hermenêutica do princípio fundamental da dignidade humana que

permeia todo o ordenamento jurídico pátrio, pois que serve de parâmetro para

aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das

demais normas constitucionais, mas de todas aquelas que o habitam168, inclusive

das imunidades tributárias.

166 SARLET, I.W., op.cit., p. 84. 167 A respeito da expressão “desenvolvimento nacional” esclarece Eros Roberto Grau: “... a

idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a idéia de crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento. Garantir o desenvolvimento nacional é, tal qual construir uma sociedade livre, justa e solidária, realizar políticas públicas cuja reivindicação, pela sociedade, encontra fundamentação neste art. 3º, II. O papel que o Estado tem a desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela o setor privado, é, de resto, primordial.” GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 242-243.

168 A propósito o escólio de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk: “A tutela e a promoção da dignidade da pessoa humana são fundamentos de toda a ordem jurídica – não só do Direito Público – sendo, pois, deveres atribuídos a todos, e não só ao Estado. A noção de liberdade vinculada à propriedade, por exemplo, que, contemporaneamente, se manifesta como liberdade de iniciativa, é expressamente funcionalizada à dignidade da pessoa, conforme se depreende do artigo 170 da Constituição Federal. Opera-se a inversão de fundamento do Direito Civil, que se desloca do ter para o ser.” (FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 98-99).

Isto porque o direito à dignidade humana, que se encontra diretamente

relacionado à preservação e realização dos valores juridicizados no texto

constitucional, deve se constituir em atenção central do Estado Democrático de

Direito, levando em consideração que só assim se efetivará o projeto

constitucional, onde as promessas de avanço social são mais do que evidentes.

Assim, não obstante todo o ordenamento jurídico nacional deva ser

interpretado pelo viés da dignidade da pessoa humana, como dito, é através da

realização dos direitos fundamentais que os valores constitucionalmente

protegidos encontram sua maior efetividade.

Desta forma, ao Estado brasileiro não cabe apenas garantir os direitos do

homem livre e isolado, direito que possui em face do Estado, numa acepção estrita

aos direitos de liberdade, próprios do Liberalismo. Cumpre à nação brasileira a

proteção dos direitos fundamentais que possibilitem seja a dignidade da pessoa

humana respeitada, de modo absoluto, propiciando-lhe condições de

desenvolvimento pessoal169, devendo, inclusive, sistematizar políticas de

intervenção, proteção e normatização do interesse e espaço públicos, elementos

forjadores do Estado Democrático de Direito.

Neste sentido de maior participação pública no Estado, Lênio Luiz Streck

explica que:

O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como no Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também, sobre a ordem jurídica.170

Traz a Constituição Federal de 1988 este novo modelo de Estado que,

segundo José Afonso da Silva, não significa apenas a união dos conceitos de

Estado Democrático e Estado de Direito, apesar de considerar os elementos que

169 Neste sentido: “A afirmação da liberdade de desenvolvimento da personalidade humana

é imperativo de promoção das condições possibilitadoras desse livre desenvolvimento, constituem já corolários do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor no qual se baseia o Estado”. (PINTO, Paulo Mota. O Direito ao livre desenvolvimento da personalidade, p. 152).

170 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de Morais. Ciência política e teoria geral do Estado, p. 90.

lhes compõem, mas os supera na medida em que incorpora um elemento

revolucionário de transformação do status quo.171

Logo, cumpre ao Estado Democrático de Direito promover além dos direitos

ditos de liberdade, tais como os direitos civis, políticos, o direito à segurança e à

informação, também os direitos sociais como a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a assistência social, a proteção à maternidade e à infância, o

desenvolvimento nacional, pois sem a efetivação destes direitos não se construirá

a sociedade livre, justa, fraterna e solidária que objetiva a República, nem

tampouco se garantirá o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido leciona Paulo Bonavides:

A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura formal, premissa indeclinável de uma construção material sólida desses direitos, formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer a dignidade da pessoa humana nos quadros de uma organização democrática da Sociedade e do Poder. Em função disso, essa dignidade se faz artigo constitucional em nosso sistema jurídico, tendo sido erigida de um novo Estado de Direito, que é aquele do art. 1º da Carta da República. Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais ‘a Sociedade livre, justa e solidária’, contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º). O mesmo tem pertinência com respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmo passo, um princípio da ordem econômica e um dos objetivos fundamentais de nosso ordenamento republicano, qual consta respectivamente do artigo 170, VII e do sobredito art. 3º.172

Da mesma posição, partilha Lênio Streck, ao estabelecer que a democracia,

no Estado Democrático de Direito estabelecido com a Constituição de 1988, é

substantiva173, sendo que o texto constitucional tem como pedra angular, os

171 SILVA, J. A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 119. 172 BONAVIDES, P., op.cit., p. 642. 173 A respeito cita-se Lenio Luiz Streck: “Para Ferrajoli, a constitucionalização rígida dos

direitos fundamentais – impondo obrigações e proibições aos poderes públicos – tem produzido efetivamente na democracia uma dimensão ‘substancial’, que se acrescenta à tradicional dimensão ‘política’, meramente ´formal´ ou ´procedimental´. Com efeito, se as normas formais da Constituição – aquelas que disciplinam a organização dos Poderes públicos – garantem a dimensão formal da democracia política, que tem relação com o ‘quem’ e o ‘como’ das decisões, suas normas substantivas – as que estabelecem os princípios e os direitos fundamentais - garantem o que se pode chamar de dimensão material da ‘democracia substancial’, uma vez que se refere ao conteúdo que não pode ser decidido e ao que deve ser decidido por qualquer maioria, obrigando a legislação, sob pena de invalidade, a respeitar os direitos fundamentais e os demais princípios axiológicos por ela estabelecidos. Por último altera a relação entre política e Direito. Uma vez que o Direito já não está subordinado à política como se dela fosse instrumento, senão que é a política que se converte em instrumento de atuação do Direito, subordinada aos vínculos a

direitos fundamentais, pois sem a sua efetivação não haverá autonomia pessoal,

isto é, liberdade, no sentido de capacidade para a liberdade.174 Ou seja, somente

pela realização dos direitos fundamentais, aí incluídos tanto os direitos sociais

quanto os direitos fundamentais de liberdade, é que se vai garantir a autonomia

pessoal do indivíduo. Neste sentido, mais uma vez Paulo Bonavides:

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas, e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.175

Ou seja, o Estado Democrático de Direito não está a exigir tão-somente a

garantia dos direitos de liberdade, que normalmente encerram ações negativas

do Estado, tão-pouco qualifica os direitos econômicos e sociais como normas

diretivas ou programáticas, na verdade exige a sua efetivação. Isto porque são os

direitos sociais e econômicos meios para o exercício dos direitos políticos e

individuais.

Portanto, cumpre ao Estado brasileiro, na forma delineada pelo texto

constitucional, realizar os direitos econômicos e sociais, verdadeiros direitos

fundamentais176, pois, somente mediante o seu exercício é que se pode alcançar a

cidadania plena, ou melhor dizendo, a dignidade da pessoa humana.

ela impostos pelos princípios constitucionais: vínculos negativos, como os gerados pelos direitos às liberdades que não pode ser violado; vínculos positivos, como os gerados pelos direitos sociais, que devem ser satisfeitos”. (STRECK, L.L., Jurisdição constitucional e hermenêutica. Uma nova crítica ao direito, p. 181-182).

174 SARLET, I.W., Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., op.cit., p. 85. 175 BONAVIDES, P., op.cit., p. 346. 176 É de se conferir a posição contrária de Ricardo Lobo Torres, que entende que os direitos

econômicos e sociais não são direitos fundamentais, quando assevera que: “Colocam-se fora do âmbito dos direitos humanos os direitos econômicos e sociais, que pertencem a parcelas determinadas de homens, como sejam os burgueses e os trabalhadores. A mesma coisa acontece com chamados direitos fundamentais sociais, conceito utilizado principalmente pelos juristas alemães. Deles só cuidaremos incidentalmente, para estremá-los dos direitos fundamentais. É bem de ver que há alguns autores que incluem os direitos sociais entre os direitos humanos de 2ª geração, mas reconhecem que tais direitos, dependentes de prestações positivas do Estado, têm a

A efetivação dos direitos econômicos e sociais ganham evidência e reforço

pela instauração de um processo hermenêutico legitimado pelos princípios

fundamentais e pelos direitos fundamentais, voltado à sua própria concretização.

Com isto resguardam-se os valores juridicizados no texto constitucional, que

consubstanciam o aspecto teleológico do Estado Democrático de Direito, e que se

confundem com a realização da própria Constituição.

A respeito o ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Maria Helena

Gerogalikas e Ritinha Alzira Stevenson:

Esta interpretação de legitimação significaria que certas aspirações se tornariam metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade constitucional estritamente formal. Elas fariam parte, por assim dizer, da pretensão de realização inerente à própria Constituição.177

Destarte, não há dúvida de que esta interpretação constitui importante forma

de realização dos objetivos perseguidos pela Constituição Federal, que juntamente

com as normas, os princípios e a atuação interventiva do Estado têm o

compromisso de efetivação das promessas de modernidade nela contida. 178

É certo que esta interpretação espraia-se por toda a ordem jurídica, inclusive

quando da interpretação da norma tributária, como bem assevera José Augusto

Delgado:

sua eficácia subordinada à concessão do legislador, com o que desaparece o traço fundamental dos direitos humanos, que é o de valer independentemente da lei ordinária. Tendo em vista que a efetividade dos direitos sociais fica atrelada à riqueza dos países e às possibilidades orçamentárias, alguns teóricos também incluem entre os direitos humanos o direito ao desenvolvimento, que, se obtido, viabilizaria os direitos sociais. Esse tipo de raciocínio leva à banalização dos direitos humanos e à confusão com os princípios de justiça social. Conceito mais produtivo é o de desenvolvimento humano, que projeta conseqüências na temática do mínimo existencial.” (TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e tributário..., op.cit., p. 13). No sentido de que os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais e, portanto, auto-aplicáveis, confira-se: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz, A legitimidade democrática da jurisdição constitucional na realização dos direitos fundamentais sociais, Dissertação de Mestrado, PUC/PR, 2005.

177 FERRAZ JR., Tércio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGALIKAS, Ritinha Alzira Stevenson. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia supremacia, p. 11.

178 A respeito, confiram-se as palavras de Lenio Luiz Streck: “Sendo a Constituição brasileira uma Constituição social; dirigente e compromissária – conforme o conceito que a doutrina constitucional contemporânea cunhou e que já faz parte da tradição -, é absolutamente lógico afirmar que o seu conteúdo está voltado/dirigido para o resgate das promessas de modernidade. Daí que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos (formalmente) uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, etc.).” (STRECK, L.L., Jurisdição constitucional e hermenêutica..., op.cit., p. 15).

Temos afirmado que a doutrina e a jurisprudência têm aberto espaço para revelar as suas preocupações com o fenômeno da interpretação do Direito Tributário, em face da evolução das garantias dos direitos dos contribuintes assegurados pela Carta Magna e pela legislação ordinária. Essas garantias, direitos fundamentais que são, devem expressar, com o máximo de potencialidade, os efeitos decorrentes da dicção posta no art. 1º da carta Magna, especialmente a que está dirigida para a valorização da dignidade humana e da cidadania. Todos os pensamentos, todas as teorias, todas as manifestações devem, em todos os campos do Direito, buscar inspiração na redação do mencionado dispositivo da Lei Maior: (...) Há, portanto, de ser desenvolvido, no campo específico do Direito Tributário e em todos os outros ramos, o sentido de que suas regras devem ser compreendidas como contendo objetivos centrais para, em qualquer hipótese, fazer valer a força dos princípios que homenageiam os valores máximos presentes na vida do homem: a sua dignidade, a sua cidadania e a proteção social do trabalho e da livre iniciativa. O século XXI está exigindo, portanto, novas reflexões da parte do intérprete tributário. Este tem, portanto, a obrigação de aumentar o seu compromisso com os aspectos axiológicos assinalados, cumprindo-lhe, como primeira operação mental, examinar se a norma está em harmonia com as diretrizes nele traçados.179

É sob esta ótica de realização dos princípios e direitos fundamentais, e

conseqüente respeito à dignidade da pessoa humana, que as imunidades tributárias

devem ser analisadas e interpretadas. Isto porque, conforme delineado, Estado,

princípios, direitos e garantias fundamentais são elementos imprescindíveis à

caracterização do Estado Democrático de Direito, a quem compete, não apenas se

abster de praticar atos que violem direitos dos cidadãos, como também propiciar

condições que garantam o livre e igual desenvolvimento da sua personalidade,

como forma de realização da dignidade humana.

Portanto, é através da efetivação dos direitos fundamentais que o caráter

instrumental do princípio da dignidade humana se expressa, no sentido de

garantir a sua efetividade, pois, de certo modo, os primeiros constituem garantia

específica do segundo, da qual, pode-se dizer, são meros desdobramentos.180

Assim, ao considerar que a imunidade tributária objetiva resguardar o feixe

de princípios, direitos e garantias fundamentais balizadoras do Estado

Democrático de Direito, mediante a exclusão, ao Estado, do direito de instituir

179 DELGADO, J.A., op.cit., p. 153-154. 180 SARLET, I.W., Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., op.cit., p. 103

tributos sobre pessoas, bens ou situações, cujo desfalque patrimonial importaria

em prejudicar, quando não em inviabilizar a concretização das promessas de

avanço social da Constituição, ou até mesmo o exercício dos direitos de liberdade,

bem como dos direitos sociais, está-se diante de evidente instrumento de

realização destes direitos.

Nesta direção, afirma Ricardo Lobo Torres:

Imunidade tributária, do ponto de vista conceptual, é uma relação jurídica que instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe embasa o direito público subjetivo à não-incidência tributária ou uma exteriorização dos direitos de liberdade que provoca a incompetência tributária do ente público.181

Neste diapasão, vislumbra-se um ponto comum entre o princípio da

dignidade humana, os direitos fundamentais e o instituto da imunidade tributária,

porquanto os três resguardam valores fundamentais ao ser humano, cabendo

tanto ao princípio fundamental da dignidade humana, quando analisado por seu

viés instrumental, quanto as imunidades tributárias servirem como meio de

implemento e garantia dos direitos fundamentais, ainda que às imunidades se

operem pelo viés negativo, ou seja, pelo dever de abstenção do Estado Fiscal. São,

assim, meios que operam a realização dos direitos fundamentais.

Nesta quadra, as normas imunizantes vêm garantir que as situações, objetos

e pessoas por elas apontadas não sofram a incidência de tributos na forma

constitucionalmente delimitada, para que não se amesquinhe o exercício dos

direitos consagrados na Constituição, especialmente os direitos fundamentais, de

tal sorte que constituem, ao mesmo tempo, direitos e garantias de outros

direitos.182

Exemplifica-se o afirmado, inicialmente, com a imunidade dos impostos e

contribuições atribuída às instituições de educação sem fins lucrativos, quando

atendidos os requisitos da lei (art. 150, VI, “c” da CF), em decorrência de

desempenharem função típica do Estado, assumindo encargo que lhe cabe. Por

certo, o direito fundamental que se está a proteger através da imunidade em

181 TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 319. 182 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 85.

pauta é a educação (art. 6º da CF), “visando o pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”183

É de se perquirir que sem educação não se garante a autonomia pessoal do

indivíduo, de modo que sem ela fica prejudicado o exercício dos direitos

fundamentais de liberdade e igualdade (art. 5º, caput), e o próprio alcance dos

objetivos da República.

A propósito, Ricardo Lobo Torres:

A não-incidência constitucional sobre as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos configura vera imunidade tributária. Esse mínimo necessário à existência constitui um direito fundamental, posto que sem ele cessa a possibilidade de sobrevivência do homem por desaparecerem as condições iniciais da liberdade. As condições da liberdade, que se não confundem com a justiça social, vão fundamentar a imunidade tributária do mínimo existencial, a abranger a não-incidência de tributos sobre a renda mínima, os bens de consumo popular, as prestações estatais de educação, saúde, justiça etc... que aparece explicitamente em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988.184 O exemplo deixa perceber, com absoluta clareza, a ligação existente entre a

imunidade apontada e vários direitos fundamentais, assim como o relevante papel

que a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos desempenham

na realização destes, pois é através da desoneração tributária apontada que o

Estado busca incentivar o fomento e o desenvolvimento destas instituições,

desinteressadas por natureza, a com ele colaborar na consecução de atividade

que lhe é típica, mas não exclusiva.

A imunidade das taxas para o exercício do direito de petição e obtenção de

certidões (art. 5º, XXXIV, “a” e “b” da CF) tem como objetivo realizar o direito

fundamental do cidadão185 receber dos órgãos públicos informações de seu

interesse particular, ou coletivo em geral (art. 5º, XXXIII da CF); a imunidade

das taxas para proposição de ação popular (art. 5º, LXXIII da CF), das taxas na

assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem a insuficiência

de recursos (art. 5º, LXXIV da CF) tem como escopo a efetivação do direito

fundamental de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da CF); a imunidade

183 Artigo 205 da Constituição Federal de 1988. 184 TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 317. Então

ele mesmo aceita o direito social à educação como direto fundamental. 185 Entenda-se aqui os “brasileiros e estrangeiros residentes no País” conforme versa o

caput do artigo 5º da Constituição Federal.

das taxas à emissão do registro de nascimento e de óbito aos reconhecidamente

pobres (art. 5º, LXXVI, “a” e “b” da CF) tem como finalidade garantir o direito

fundamental de exercício da cidadania;186 a imunidade das taxas no ajuizamento

das ações de habeas corpus e habeas data (art. 5º, LVXXVII da CF) têm como

fim garantir o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV

da CF) e respectivamente os direitos fundamentais de livre locomoção no

território nacional em tempo de paz, inclusive dele ausentar-se (art. 5º, XV da CF)

e, ainda, de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ,

ou de interesse coletivo geral (art. 5º, XXXIII da CF).

Também, como exemplo, cita-se a imunidade do IPI e do ICMS sobre

produtos industrializados destinados à exportação (art. 153, § 3º, III e 155, X, a da

CF) cuja finalidade é otimizar o custo das exportações nacionais, preocupação

contumaz do Poder Constituinte originário187, de modo a estimular a venda de

produtos industrializados no mercado externo, de forma a incentivar o

desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF), garantir o direito fundamental social

ao trabalho (art. 6º, da CF), e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF).

Outro exemplo que se traz à colação é a imunidade do ICMS sobre

operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes,

combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica (art. 155, X,

“b”, da CF), cuja finalidade é reduzir o custo desses produtos, através da não

incidência do tributo, haja vista a sua essencialidade ao desenvolvimento do País,

186 STF – ADI 1.800-MC – Rel. Ministro Nelson Jobim – DJU 03.10.03. Disponível em:

<www.stf.gov.br>. Acesso em: 1 jun. 2006. Também confira-se: STF – ADC 5-MC – Rel. Ministro Nelson Jobim – DJU 19.09.03. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 1 jun. 2006.

187 Neste sentido José Antônio de Andrade Martins: “Deveras pode-se afirmar que, se não faltou aos legisladores a adequada consciência do entrave que a carga tributária interna, incorporada aos custos das mercadorias e serviços, pode representar a viabilização da exportação destes ao exterior, a única explicação para a timidez da política legislativa, por meio de isenções, e da política constitucional, por meio de imunidades, não é outra senão o conturbério, que sempre existiu, entre os criadores do direito positivo e a administração tributária interessada. Pois bem. Contém a Constituição, ainda que timidamente, o que se pode chamar de plexo de preceitos imunitórios básicos, voltado à otimização dos custos das nossas exportações. Estas se encontram protegidas em face de toda e qualquer incidência do imposto sobre produto industrializados, aliviadas substancialmente da carga do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e, consensualmente, postas a salvo no próprio imposto de importação, ao qual não se atribui senão pontuais funções extrafiscais no âmbito do comércio exterior.” MARTINS, José Antônio de Andrade. O artigo 149, § 2o da Constituição como efetiva definição de um perfil de competitividade brasileira para o comércio exterior. Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano 12, n. 55, março-abril de 2004, p. 291.

de modo que o viabiliza (art. 3º, II, da CF). Ademais, entende-se que a presente

imunidade intenciona não prejudicar aquelas unidades da Federação que não

detêm dentro do seu território produção ou refino de petróleo ou geração de

energia elétrica, de modo que busca efetivar a redução das desigualdades

regionais (arts. 3º, III e 170 da CF).

Por outro viés, no que respeita à imunidade da energia elétrica, é de se

perquirir que no estágio de desenvolvimento econômico e social do Estado

brasileiro o acesso a este serviço integra o mínimo vital para uma vida saudável, já

que impossível concebê-la sem a garantia deste serviço. Há aqui, mais uma vez,

nítida demonstração de que o fenômeno da repercussão econômica do tributo é

preocupação de nível constitucional.188

Sacha Calmon Navarro Coêlho, na mesma linha de entendimento, afirma

que a regra imunitória sob análise “é compreensível, à luz do interesse nacional

em favor do mercado comum brasileiro e do barateamento do custo desses

insumos, vitais não só à produção de mercadorias, como à vida do povo em

geral.”189

No que respeita a imunidade do ITBI na realização de capital das empresas,

na transmissão de bens e direitos de fusão, incorporação, cisão e extinção de

pessoas jurídicas (art. 156, § 2º, I, da CF), entende-se que esta pretende facilitar a

mobilização dos bens de raiz e sua desmobilização, de modo a não obstar a

formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e

comerciais, não embaraçando com o imposto em referência a movimentação dos

imóveis, quando comprometidos com tais situações190, de tal sorte que densifica o

princípio fundamental e econômico da livre iniciativa (arts. 1º e 170 da CF).

De forma propositada, deixa-se de demonstrar a correlação entre cada uma

das imunidades inseridas na Constituição Federal de 1988 e os direitos

fundamentais que estas buscam realizar, não sem antes afirmar que esta relação

ocasiona-se em todas elas.191 Também, intencionalmente, buscou-se inserir no

188 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 202. 189 COÊLHO, Sacha Calmo Navarro, Comentários à Constituição de 1988. Sistema

tributário, p. 588. 190 COÊLHO, S.C.N., op.cit., p. 408. 191 Sobre o tema ver: COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit. RODRIGUES.

Imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 46.

trabalho exemplos diversificados, sobretudo descartados aqueles mais corriqueiros

que normalmente fundamentam estudos como o presente, como o rol completo

das imunidades genéricas, justamente com o objetivo de comprovar que todas as

hipóteses de imunidade tributária previstas no texto constitucional são importantes

meios à realização dos direitos fundamentais.

Todavia, deve-se ressaltar que a assertiva supra parte do pressuposto de que

não se considera a desoneração do ouro, definido em lei enquanto ativo financeiro

ou instrumento cambial (arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da CF), como imunidade

tributária.

Isto porque, infere-se que o Poder Constituinte originário, ao fazer constar

tais dispositivos do texto constitucional, pretendeu tão-somente repartir a

competência tributária entre a União e os Estados, evitando-se conflitos, de modo

que o ouro ativo financeiro ou instrumento cambial sofre a incidência do imposto

sobre operações financeiras (IOF), enquanto que o ouro mercadoria, ou seja,

como matéria-prima destinado à fabricação de jóias, de produtos cirúrgicos, entre

outras destinações é tributado pelo imposto sobre circulação de mercadorias e

serviços (ICMS).192 Para além disto poderá sobre o ouro mercadoria, em havendo

processo de industrialização, sofrer a incidência do imposto sobre produtos

industrializados (IPI) e no caso de exportação do ouro in natura poderá haver

incidência do imposto de exportação, ambos de competência da União, apenas

para exemplificar.193

Destarte, em não sendo os arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da Constituição

Federal, normas imunizantes, não se obrigam a relacionar-se com os valores

escolhidos pelo Poder Constituinte originário para serem protegidos pela ordem

constitucional estabelecida, tão pouco a realizar os direitos fundamentais, situação

que neste caso, de fato, não ocorre.194

192 Entende-se que a imunidade prevista no art. 155, X, “c” da Constituição, a rigor, era

desnecessária, posto que reforça o que está dito no art. 153, V, § 5º da Carta Política, haja vista que se o ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial sujeita-se exclusivamente ao imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, não poderia incidir, se assim considerado outro imposto, inclusive o ICMS.

193 A respeito ver ICHIHARA, Y., op.cit., p. 320 a 324. 194 Regina Helena Costa afirma que as normas imunitórias inseridas no texto constitucional

mantêm estrita ligação com os direitos fundamentais, sem mencionar qualquer exceção. Ver: COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 84-85.

Isto posto, reitera-se que todas as hipóteses de imunidade tributária inseridas

no texto constitucional são meios à realização dos direitos fundamentais.

Regina Helena Costa, por sua vez, explica que numa esfera de

extrafiscalidade - que se traduz na utilização de instrumentos tributários para

incentivar comportamentos, buscando atingir finalidades não de cunho

arrecadatórias, mas sociais, políticas e econômicas - está abrigado, implicitamente

em nosso ordenamento, o princípio da não-obstância do exercício dos direitos

fundamentais por via da tributação, que garante a realização dos direitos

fundamentais não ser obstada pela imposição tributária.195

Ao que se verifica, a autora considera que, se a Constituição Federal

assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais,

não pode admitir que a atividade tributante, também constitucionalmente

disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos.

Em outras palavras, se a Carta Magna assegura a fruição dos direitos

fundamentais, não se pode permitir que a tributação seja desempenhada de forma

que venha a obstar a sua efetiva realização, ou mesmo a restringi-los. Tal situação

é garantida pelo princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais

por via da tributação, representado no texto constitucional pelos princípios

tributários e pelas imunidades.196

Neste sentido, assevera Regina Helena Costa:

O princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais por via da tributação projeta seus efeitos, inicialmente, no próprio Texto Fundamental. Todas as normas constitucionais vedatórias da tributação em determinadas situações em relação a determinadas pessoas, bem como aquelas garantidoras do exercício de direitos, representam sua aplicação tais como as imunidades e os princípios tributários. Desse modo, o princípio em foco tem sua eficácia manifestada não somente mediante a instituição de situações de intributabilidade, mas também mediante a observância de outros princípios constitucionais, tais como o da capacidade contributiva, o da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150,

195 Cf. COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 79-84; COSTA, R.H., Princípio

da capacidade contributiva..., op.cit., p. 104-106. 196 Esta interpretação também pode ser retirada do princípio da máxima eficiência das

normas constitucionais, ou seja, devem as normas constitucionais ser interpretadas de modo a possuírem a maior efetividade possível.

VI), o da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III) e o da liberdade de profissão (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único).197

Assim, as imunidades tributárias têm a função de proteger a liberdade e o

patrimônio de determinadas pessoas com o propósito de maximizar a densidade

normativa de certos valores que estão impregnados na ordem constitucional para

realização dos direitos fundamentais.198

De todo o exposto, apesar de seu status negativo, no sentido de que impõem

limites à atuação da competência tributária constitucionalmente definida, tema

que será abordado no próximo item, é inquestionável o relevante papel reservado

às imunidades tributárias previstas na Constituição Federal de 1988 no que

respeita a realização dos direitos fundamentais, pois, é através dessa reserva de

poder que se resguardam valores inerentes ao Estado Democrático de Direito e à

base ética da Constituição.

3.4 As imunidades tributárias enquanto autênticos direi tos fundamentais

Já se verificou no presente trabalho que a imposição tributária pode se

apresentar como limitadora do exercício dos direitos fundamentais, restringindo-

os ou mesmo eliminando-os199, e que as imunidades, enquanto limitações impostas

197 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 82; COSTA, R.H., Princípio da

capacidade contributiva..., op.cit., p. 105. 198 A respeito, assevera Regina Helena Costa: “Pode-se dizer, invocando os ensinamentos

de Canotilho, que as normas imunizantes densificam princípios estruturantes – assim entendidos os constitutivos e indicativos de idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional, iluminando o sentido jurídico-constitucional e político-constitucional.” (COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 73).

199 Neste sentido, confira-se: “Chief Justice Marshall suggested that one way to measure Maryland’s taxing power was to limit it in accordance with the “original right of taxation”: the right of the people within a state to authorize taxes upon themselves, their property, and objects brought within the state’s sovereign jurisdiction. One argument for this approach was that: If we measure the power of taxation residing in a state, by the extent of sovereignty which the people of a single state possess, and can confer on its government, we have an intelligible standard, applicable to every case to which the power may be applied… We are not driven to the perplexing inquiry, so unfit for the judicial department, what degree of taxation is the legitimate use, and what degree may amount to the abuse of the power.” (WOLFE, Christopher. How to read the constitution. Originalism, constitutional interpretation, and judicial power, p. 99). “O Chefe de Justiça Marshall sugeriu que um modo de medir o poder tributário de Maryland seria limitá-lo de acordo com ‘o direito original de tributar’: o direito que o povo dentro de um estado tem de autorizar impostos sobre eles mesmos, suas propriedades, e objetos trazidos para dentro da jurisdição do estado soberano. Um argumento para esta aproximação era de que: Se nós medirmos o poder de tributar existente em um estado, pela extensão da soberania que o povo de um único

à atividade tributária, são importantes instrumentos à realização destes direitos,

à medida que os protegem contra a atividade tributante, garantindo, desta maneira,

o livre exercício dos direitos fundamentais.

Entendem-se por direitos fundamentais200, numa concepção lata, aqueles que

buscam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida de liberdade e de

dignidade humana. Pode-se, ainda, numa concepção mais estrita, definir direitos

fundamentais como aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.201

Pela segunda qualificação, em um primeiro momento, têm-se como direitos

fundamentais aqueles assim nomeados e especificados no texto constitucional,

pois se assim não fosse, não constariam da Lei Fundamental de uma Nação.

Todavia, quando se pensa no Sistema de Direitos Fundamentais da Constituição

Federal de 1988 é necessário reconhecer que existem outros direitos

fundamentais, além daqueles previstos na própria Constituição, inclusive alheios

ao catálogo exemplificativo dos artigos 5º e 7º, já que o texto constitucional

abriga direitos fundamentais formalmente constitucionais mas fora do catálogo202,

quanto direitos materialmente constitucionais.

Não se pode descurar que os direitos fundamentais surgiram no transcorrer

do processo histórico, frente à evolução da sociedade e da luta do homem por sua

emancipação, e que a própria Carta Constitucional de 1988 especifica no § 2º do

seu artigo 5º que os direitos e garantias fundamentais nela previstos não excluem

estado possui, e pode conferir ao seu governo, nós temos um padrão claro, aplicável a cada caso ao qual o poder pode ser aplicado... Nós não somos levados ao confuso questionamento, tão inadequado ao departamento judicial, qual grau de uso da tributação é legítimo, e qual grau pode atingir o abuso do poder." Todas as traduções presentes neste trabalho são traduções livres, realizadas pelo autor, com fins acadêmicos.

200 Adota-se para o presente trabalho o pressuposto de que as expressões direitos fundamentais, direitos de liberdade, direitos humanos e direitos do homem são sinônimas. Neste sentido esclarece Paulo Bonavides: “A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto nesse tocante o uso de tais denominações na literatura jurídica , ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães”. (BONAVIDES, P., op.cit., p. 560). Ricardo Lobo Torres esclarece: Os direitos da liberdade correspondem igualmente aos direitos fundamentais, sendo utilizados principalmente pela doutrina germânica. TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p. 11. Ainda a respeito ver: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 31-33. Confira-se, também, o Capítulo I de SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade, p. 7-22.

201 BONAVIDES, P., op.cit., p. 560. 202 CANOTILHO, J.J.G., op.cit.,p. 380.

aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que o Estado brasileiro seja parte, ou seja, a própria Carta de

1988 admite a existência de outros direitos fundamentais que não aqueles

previstos no rol dos seus arts. 5º e 7º. Vale ressaltar que o § 3º do referido artigo

5º, inserido no texto pela Emenda Constitucional 45, estabelece: se o tratado ou

convenção tiver como escopo os direitos humanos e for aprovado, em cada Casa

do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, sua internalização se dará a nível constitucional, como Emenda à

Constituição.203

Daí que para caracterizar um direito fundamental não se pode olvidar o seu

âmbito material, de vez que poderá haver preceitos incluídos no texto

constitucional que não constituem direitos fundamentais e até, porventura,

direitos subjetivos só formalmente fundamentais.204

Vieira de Andrade, após estabelecer os critérios a serem considerados na

caracterização material dos direitos fundamentais205, ressalta a dificuldade do

intérprete em definir o que é ou não básico ao ser humano, e assevera serem

fundamentais os direitos elencados na Constituição, essenciais dentro de

determinado período histórico, desde que façam referência à dignidade da pessoa

203 Antes da Emenda Constitucional nº 45 Flávia Piovesan entendia que todo tratado

internacional de direitos humanos era recepcionado como norma constitucional. A respeito ver: PIOVESAN, F., Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op.cit., p. 81

204 VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 73. No mesmo sentido ver CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 379-380.

205 Segundo Vieira de Andrade, o âmbito material deve considerar: “Em primeiro lugar, pela importância do seu radical subjectivo. O núcleo estrutural da matéria dos direitos fundamentais é constituído por posições jurídicas subjectivas consideradas fundamentais e atribuídas a todos os indivíduos ou a categorias abertas de indivíduos. É certo que, como já se foi dizendo, esse elemento subjectivo não abrange a totalidade dos efeitos jurídicos das normas respectivas, que por vezes se limitam a estabelecer garantias para essas posições jurídicas. Mas o elemento subjectivo é nuclear na estrutura dos preceitos e mostra-se preponderante na sua aplicação prática. Em segundo lugar, a função de todos os preceitos relativos aos direitos fundamentais há-de ser a protecção e a garantia de determinados bens jurídicos das pessoas ou de certo conteúdo das suas posições ou relações na sociedade que sejam considerados essenciais ou primários. Os preceitos que não atribuam posições jurídicas subjectivas só pertencem à matéria dos direitos fundamentais se contiverem normas que se destinem directamente e por via principal a garantir essas posições jurídicas. Em terceiro lugar, a consagração de um conjunto de direitos fundamentais tem uma intenção específica, que justifica a sua primariedade: explicitar uma idéia do Homem, decantada pela consciência universal ao longo dos tempos, enraízada na cultura dos homens que formam cada sociedade e recebida, por essa via, na constituição de cada Estado concreto. Idéia de Homem que, no âmbito da nossa cultura, se manifesta juridicamente num princípio de valor, que é o primeiro da Constituição portuguesa: o princípio da dignidade da pessoa humana.” (VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 78-79).

humana, admitindo, ainda, a possibilidade de existirem direitos fundamentais

previstos na lei infraconstitucional, que lhes sejam análogos. Em suas palavras:

Direitos fundamentais têm de ser direitos básicos, essenciais, principais, que caracterizam a pessoa, mesmo que não estejam previstos no catálogo ou na Constituição, mas só esses. Desse modo, o elemento intencional do critério proposto, a referência ao princípio da dignidade humana, deve ser enriquecido com esta nota, para afastar os direitos individuais que não mereçam aquele qualificativo. Contudo, será mais difícil evitar o subjectivismo do intérprete sobre o que é ou não básico, razão porque se há-de presumir que os direitos atribuídos na Constituição aos indivíduos são considerados essenciais, no tempo histórico, à dignidade dos homens que formam a comunidade, ao passo que tem de ser justificadamente provada a analogia necessária à ‘constitucionalização’ dos direitos contidos nas leis.206

De toda sorte, a Constituição concretiza a concepção de que os direitos

fundamentais representam uma das decisões básicas do Poder Constituinte,

através da qual os principais valores éticos e políticos de uma comunidade

alcançam expressão jurídica. Estes direitos apontam para um horizonte de metas

sócio-políticas a alcançar, quando estabelecem a posição jurídica dos cidadãos

com o Estado, ou entre si.207

Ao que se verifica, não é fácil expressar sinteticamente o que são direitos

fundamentais, até porque são frutos da convivência humana em sociedade208, de

modo que podem ser definidos, justificados e fundamentados209 sob diversas

teorias, dimensões e fontes, inclusive históricas210, situações que não serão

abordadas nesta dissertação, porquanto, parafraseando Norberto Bobbio, o

problema mais grave dos dias atuais, com relação aos direitos fundamentais, não

é mais o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los.211

206 Ibid., p. 92-93. 207 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y

Constitución, p. 310. 208 A respeito, Dalton Luiz Dallazem: “Não é fácil expressar em poucas ou muitas

palavras, o que são direitos fundamentais. Isso porque cada um que se proponha a investigar essa dimensão da convivência humana em sociedade – ou talvez dimensão da própria existência humana – obterá por conclusões caminhos distintos de acordo com as premissas e critérios eleitos no início da investigação.” (DALLAZEM, Dalton Luiz. O princípio constitucional tributário do não-confisco e as multas tributárias. In: FISCHER, O.C. (org.), op.cit., p. 19).

209 A respeito ver GUIMARÃES, Marco Antônio. Fundamentação dos direitos humanos: relativismo ou universalismo? In: PIOVESAN, F. (org.). Direitos humanos..., op.cit., p. 55-66.

210 A respeito ver PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales, p. 29-42. BARBOZA, E.M.Q., op.cit.

211 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 25.

Todavia, é importante destacar serem os direitos fundamentais, como dito,

fruto da convivência humana e, por óbvio, da evolução histórica da sociedade, que

se compatibiliza com a própria história da limitação do poder.212

Isto porque os direitos fundamentais, pelo menos aqueles denominados pela

doutrina de primeira geração213 - surgidos no Estado Liberal, são direitos de defesa

do indivíduo contra a usurpação e os abusos do Poder, ou seja, garantias

negativas dos interesses individuais214 frente ao Estado. Confira-se a explicação de

José Carlos Vieira de Andrade a respeito:

Os direitos fundamentais triunfaram politicamente nos fins do século XVIII com as revoluções liberais. Aparecem, por isso, fundamentalmente, como liberdades, esferas de autonomia dos indivíduos em face do poder do Estado, a quem se exige se abstenha, quanto possível, de intrometer na vida econômica e social. São liberdades sem mais, puras autonomias sem condicionamentos de fim ou de função, responsabilidades privadas num espaço autodeterminado. ... Neste contexto, os direitos fundamentais eram vistos como liberdades, cujo conteúdo era determinado pela vontade do seu titular (e tendia a incluir a possibilidade de não exercício), ou como garantia, para assegurar em termos institucionais a não intervenção dos poderes públicos – em qualquer caso, enquanto direitos de defesa (Abwehrrechte) dos indivíduos perante o Estado.215

Não obstante os direitos fundamentais limitadores do Poder estatal haverem

surgido no século XVIII, a primeira limitação ao poder de imposição tributária,

ainda que direcionado à nobreza e à Igreja, deu-se na Inglaterra, com o advento

da Magna Carta de 1215. Segundo a sua cláusula 14, nenhum tributo seria

lançado sem o prévio consentimento do representantes dos barões, resumido na

forma inglesa “no taxation without representation”.216

212 SARLET, I.W., A eficácia dos direitos fundamentais..., op.cit., p. 38. 213 Lembre-se da posição adotada no presente estudo de que os direitos fundamentais são

universais e indivisíveis e de que as gerações demonstram apenas um panorama histórico do aparecimento da proteção desses direitos. Neste sentido, Flávia Piovesan esclarece: “Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são”.

PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In: PIOVESAN, Flávia (Org.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional, p. 41

214 PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales, op.cit., p. 21. 215 VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 49-51. 216 “Magna Carta de 1215: 14) Não se estabelecerá em nosso Reino auxílio nem

contribuição alguma, contra posseiros de terras enfeudadas, sem o consentimento do nosso

É certo que os direitos protegidos pela Magna Carta não se caracterizavam

como direitos fundamentais, frente à ausência de universalidade e igualdade.

Eram, na verdade, privilégios. Todavia, destaca-se a sua importância enquanto

ruptura de paradigma, pois se trata do primeiro instrumento legal que positivou a

delimitação do poder do Estado, então concentrado nas mãos do Rei.217

Ultrapassada esta breve explicação, retorna-se ao argumento de que os

direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos frente

ao Estado, segundo Canotilho, sob dupla perspectiva: i. no plano jurídico-

objetivo, são normas de competência negativa para os poderes públicos,

proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídica individual;

ii. no plano jurídico-subjetivo, conferem o poder de exercer positivamente os

direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes

públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte desses (liberdade

negativa).218

Assim, em sendo direitos de defesa do cidadão, os direitos fundamentais

impõem limites ao Poder Público, incluindo aí as limitações ao poder de tributar,

já que a competência tributária só pode ser validamente exercitada se e enquanto

respeitar tais direitos.219 Trata-se de verdadeiros direitos subjetivos públicos,

Comum Conselho do Reino, a não ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa, ou para armar cavalheiros a nosso filho primogênito, consignação para casar uma só vez a nossa filha primogênita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxílio terá de ser moderado (‘et ad hoc non fiet nisi rationabile auxilium’).” TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Direitos humanos e tributação. In: BRITO, Edvaldo; ROSAS, Roberto (coord.). Dimensão jurídica do tributo, p. 43.

217 A respeito, conferir Antonio Enrique Perez Lunõ: “De todos los documentos medievales, sin duda, el que alcanza mayor significación en la posteridad ha sido la Carta Magna, contrato suscrito entre el rey Juan Sin Tierra y los obispos y barones de Inglaterra en el año 1215. Se trata de un pacto entre el rey y los nobles, frecuente en el régimen feudal, que en cierto modo suponían en su momento una consagración de los privilegios feudales y, por tanto, una involución desde el punto de vista del progreso político, pero al que la posteridad le ha asignado, por su decisivo en el desarrollo de las libertades inglesas, el valor de un símbolo en el proceso de positivación de los derechos fundamentales.” PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales, p. 34.

218 CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 383. 219 Perez Luño afirma que os direitos fundamentais determinam a significação do Poder

Público quando estabelece: “De igual modo, la Constitución económica representa el suporte material de la actuación de los derechos fundamentales, pero esa Constitución económica se halla integrada, em gran medida, por aquellos derechos fundamentales que delimitan el régimen de la propriedad, la libertad de empresa, el sistema tributario o el marco de las relaciones laborales y la seguridad social. La concepción de los derechos fundamentales determina, de este modo, la propria significación de poder público, al existir una íntima relación entre el papel asignado a tales derechos y el modo de organizar y ejercer las funciones estatales.” (PEREZ LUÑO, Antonio Enrique, Los derechos fundamentales, p. 20).

oponíveis a qualquer instituição de tributos que não os leve em consideração, pois,

se a imposição fiscal ocorrer em contrariedade ao catálogo dos direitos

fundamentais, por certo se submeterá a uma eventual invalidação com base no

vício da inconstitucionalidade.220

Destarte, as limitações ao exercício da competência tributária, sob o ângulo

jurídico-subjetivo negativo proposto, traduzem-se por deveres negativos impostos

ao exercício da potestade tributária, e atribuídos, enquanto tais, como não poderia

deixar de ser, só aos seus próprios sujeitos ativos, ou seja, à União, aos Estados e

aos Municípios. Por outro lado, é evidente que ao estabelecer tais limites ou

deveres de abstenção, as limitações ao poder de tributar criam situações jurídicas

favoráveis, isto é, direitos, cujos destinatários imediatos só podem ser os sujeitos

passivos da obrigação tributária, sob a perspectiva do plano jurídico-objetivo, ao

qual se refere Canotilho.

Este direito de abstenção, na sua dupla perspectiva, tutela os interesses ou

situações subjetivas (constitucionais) que se identificam como direitos

fundamentais, essencialmente os direitos de liberdade, stricto sensu, à igualdade, à

segurança, à propriedade, em síntese, aqueles que constam do artigo 5º da

Constituição Federal, uma vez que esse direito de abstenção, por competir a toda

pessoa, protege valores inerentes à própria dignidade humana. 221

Logo, as limitações ao poder de tributar são direitos fundamentais de defesa

do contribuinte frente ao poder fiscal do Estado, que lhe exigem uma atuação

negativa; portanto, direitos fundamentais ditos de primeira geração, que garantem

que a tributação seja exercida dentro dos moldes delineados pela Constituição,

com base numa atividade negativa.

Neste sentido, o escólio de Octávio Campos Fischer:

Sob esta ótica, todas as ‘limitações constitucionais ao poder de tributar’, contidas na Constituição de 1988, podem ser consideradas como direitos fundamentais. Formam um bloco de proteção do cidadão para evitar tributação que não seja desejada pela Constituição. São direitos de defesa e, portanto, direitos fundamentais de primeira dimensão (geração), no sentido de que representam uma resistência e uma oposição em relação ao Estado. São direitos típicos do Estado

220 FERREIRA SOBRINHO, J.W., Imunidade tributária, p. 100. 221 NOVELLI, Flávio Bauer. Norma constitucional inconstitucional? A propósito do art. 2º,

§ 2º, da EC 3/93, Caderno de direito constitucional e ciência política, ano 3, n. 13, outubro-dezembro de 1995, p. 21.

Liberal de Direito, quando o constitucionalismo surgiu para abrir espaço para ‘mão livre do mercado’ e impedir intervenções sociais e econômicas do Estado. Por isto, fala-se normalmente que a Constituição de 1988 agasalha um verdadeiro ‘Estatuto do Contribuinte’: conjunto de normas projetoras da liberdade do contribuinte.222

Também, nesta linha de entendimento a posição de Dalton Luiz Dallazem:

E os direitos dos contribuintes seriam enquadráveis no ‘tipo’ direitos fundamentais? Não teríamos dúvidas em dizer que sim, pois a proteção dos contribuintes é construída a partir dos direitos fundamentais à liberdade e à propriedade. A tributação é o ingresso autorizado, ou seja, dentro de certos limites, nos direito de liberdade e propriedade dos cidadãos, respeitados o mínimo vital, as imunidades, a isonomia, a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade etc. Qualquer desvio de rota na atividade tributária constituirá um ingresso não autorizado no direito de propriedade e liberdade dos cidadãos. Além disso, o próprio Texto Supremo cuidou de garantir essa qualificação aos direitos dos contribuintes no caput do art. 150 do Texto Supremo: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios...”223

Neste diapasão, considerando que as imunidades limitam a competência

tributária do Estado, excluindo da tributação pessoas, objetos e situações, frente

aos valores constitucionalizados que buscam resguardar, são direitos

fundamentais, porquanto direitos previstos no texto constitucional correlativos a

prestações negativas (dever de abstenção) por parte do Estado, como são os

direitos de liberdade.224 Trata-se de verdadeiros direitos subjetivos públicos de não

222 FISCHER, O.C., Tributos e direitos fundamentais. In: FISCHER, O.C. (org.), op.cit., p.

281-282. 223 DALLAZEM, D.L., op.cit., p. 22. 224 Yoshiaki Ichihara adota a linha positivista e assinala que as normas imunizantes não são

direitos fundamentais ao argumento de que não se destinam a protegê-los ou à dignidade da pessoa humana. Entende tratar-se de mera opção política do Poder Constituinte. Veja-se: “As normas imunizantes que veiculam direitos fundamentais não se confundem nem se identificam com as normas constitucionais que veiculam imunidades tributárias. ... De outra parte, as normas que veiculam imunidades tributárias, apenas delimitam negativamente a competência e criam um campo de incompetência tributária, não são destinadas a proteger os direitos humanos ou direitos fundamentais da liberdade ou da dignidade humana. Ao contrário, a norma imunitória que atua dentro do campo da competência tributária decorre de uma opção política do legislador constituinte e não se confunde com as normas que veiculam direitos humanos.” (ICHIHARA, Y., op.cit., p. 174-175). Entende-se que a posição do autor de que as imunidades tributárias têm sua origem no próprio direito positivo, aparecendo como concessão do Estado ou obra do Poder Constituinte não é adequada, porquanto não haverá aí lugar para sua legitimação e fundamentação, uma vez que seriam excluídos o caráter teleológico e axiológico do instituto que lhes são fundamentais.

sujeição à imposição fiscal225, sem se descurar, como visto, que também revelam-

se como importantes meios à realização de outros direitos fundamentais.

Pontes de Miranda define a imunidade tributária como direito fundamental

ao asseverar:

O direito que corresponde à imunidade é direito do status negativus, como o são os direitos de liberdade (cf. Ernst Rudolf Huber, Wirtschaftsverwaltungsrecht, I, 2ª ed, 67 e 691). A pretensão é à imunidade, pretensão, portanto, à liberdade, à incolumidade, em frente à imposição fiscal.226

Da mesma linha de entendimento partilha Regina Helena Costa ao afirmar

que as imunidades são direitos fundamentais na medida que detêm previsão

constitucional, razão porque se revestem de aplicabilidade direta e imediata,

conforme previsão do artigo 5º, § 1º da Carta Constitucional. A autora também

qualifica as imunidades como direitos fundamentais de primeira geração, em

razão da cronologia de seu reconhecimento, assim como pelo aspecto vedatório

que encerram, impedindo ao Estado o exercício da tributação em relativamente a

pessoas, bens ou situações.227

Ricardo Lobo Torres, por sua vez, formula doutrina a respeito das

imunidades tributárias comprometido com os direitos fundamentais, que

comumente denomina de direitos de liberdade. É o seu conceito de imunidade:

A imunidade é, portanto, intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto

225 Como já em referência no presente estudo, para José Wilson Ferreira Sobrinho o direito

público subjetivo de não ser tributado surge como efeito reflexo da imunidade, sendo de sua lavra a seguinte nota: “Repare-se: a circunstância de o direito subjetivo de não ser tributado ter a qualificação de reflexo, não o torna menos digno que os direitos públicos subjetivos representados pelos direitos fundamentais. Na verdade, existe apenas variação na técnica de concessão desses direitos. A técnica de outorga dos direitos fundamentais pode ser entendida como principal: o objeto central da própria norma concessiva é representado pelos direitos. No campo do direito público subjetivo de não ser tributado, a técnica é reflexa ou secundária: o objeto principal da norma imunizante não é a concessão de um direito público subjetivo. Pode-se, portanto, conceber o direito público subjetivo de não ser tributado, relativamente ao imune, como um direito que tem a mesma estatura jurídica dos direitos fundamentais, o que não importa em confusão conceitual entre esses direitos.” (FERREIRA SOBRINHO, J.W, op.cit., p. 103). Também a respeito da imunidade como direito público subjetivo, ver TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., p. 313.

226 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, t. II, p. 397. 227 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit.,, p. 84

constitucional. A imunidade confunde-se com o direito público subjetivo pré-estatal à não-incidência tributária, com à pretensão à incolumidade fiscal, com os próprios direitos fundamentais absolutos, posto que é um dos aspectos desses direitos, ou uma sua qualidade, ou a sua exteriorização, ou o seu âmbito de validade. A imunidade, em outras palavras, exorna os direitos de liberdade e limita o poder tributário estatal, não sendo, de modo algum, uma das manifestações da soberania do Estado, nem uma outorga constitucional, nem uma autolimitação do poder fiscal, nem uma simples garantia principiológica como poderia dar a entender o caput do artigo 150 da CF. Os direitos humanos, em síntese, são inalienáveis, imprescritíveis e intributáveis. ... Nesse contexto é que deve ser vista a imunidade: preexiste ao Estado Fiscal como qualidade essencial da pessoa humana e corresponde ao direito público subjetivo que erige a pretensão à incolumidade diante da ordem jurídica tributária objetiva.228

Ao que verifica, segundo o autor, a imunidade é uma limitação ao poder de

tributar pela reserva dos direitos humanos, fundamentada nos princípios da

liberdade. Compreende o que denomina de status negativus, na medida em que

faz valer a liberdade individual contra o poder estatal de tributar, enquanto direito

subjetivo público.229

Destarte, ainda que Torres não defina com todas as letras ser a imunidade

tributária direito fundamental230, não há como do estudo de sua obra chegar-se a

228 TORRES. R.L.,Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.

51-61. 229 TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.

70-71. 230 Neste sentido faz a seguinte referência: “No Brasil, depois do hiato representado pelo

autoritarismo do período do Estado Novo, coincidente com o predomínio das idéias positivistas, retornou o nosso liberalismo às fontes americanas, especialmente pela obra de Aliomar Baleeiro, que conceituava as imunidades como ‘vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas), e, às vezes, uns e outros. Mas o esquema teórico positivista da autolimitação do poder tributário foi poucas vezes ultrapassado; a exceção veio surpreendentemente com Pontes de Miranda, que, qualificando a imunidade de ‘direito fundamental’, definiu-a como ‘limitação constitucional à competência para editar regras jurídicas de imposição’, posto que ‘há qualidade da pessoa, ou do bem, que se erige versus Estado’, no que foi secundado por Walter Barbosa Corrêa. Miguel Reale afirmou: ‘O Direito Tributário constitui, por certo, a disciplina de contrapartida econômica que o Estado exige dos membros da comunidade, mas representa muito mais a dimensão do indivíduo perante o Fisco, a salvaguarda dos valores individuais e dos direitos fundamentais do homem perante o poderio estatal’. Flavio Bauer Novelli profere assim a sua lição sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar: ‘Tais proibições consistem em proibições ou restrições – isto é, dever de se abster – que a Constituição Federal estabelece diretamente para salvaguardar certos direitos fundamentais (liberdade, igualdade, segurança, propriedade etc). E Alberto Nogueira procura reconstruir os ‘direitos humanos da tributação’, examinando não só as limitações constitucionais ao poder tributário fincadas nos direitos fundamentais mas também os aspectos do dever para com o Estado embutido na cidadania e a configuração do tributo como direito humano de terceira geração. Mas ainda é muito forte entre nós a posição positivista, que afasta o fundamento da imunidade como direitos fundamentais.” TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 327-328.

conclusão diversa. Isto porque nela encontram-se presentes todos os elementos

necessários à sua caracterização como tal, mais especificamente aqueles que a

doutrina denomina de direitos fundamentais de primeira geração, não obstante ele

próprio reconheça que essa classificação, de cunho temporal e histórico, serve tão-

somente para explicar o conhecimento e a realização destes direitos, mas não para

a sua existência.231

A assertiva supra resta corroborada quando o autor estabelece que as

imunidades tributárias habitam o núcleo rígido da Constituição Federal de 1988,

mais precisamente o seu § 4º, IV, assunto que será abordado no próximo Capítulo,

mas oportuno ser adiantado, como dito, para justificar que as imunidades

tributárias são direitos fundamentais. Em suas palavras:

As imunidades fiscais, porque ligadas indissoluvelmente aos direitos fundamentais e preexistentes ao pacto constitucional, são irrevogáveis. A revogação implicaria a própria dissolução do Estado Fiscal, que sem elas não poderia sobreviver. A irrevogabilidade dos direitos de liberdade e das suas imunidades está contida na impossibilidade de emenda constitucional proclamada no art. 60, § 4º, IV da CF, que antes examinamos.232

Todavia é imperioso ressaltar que, na concepção de Lobo Torres, várias das

hipóteses de intributabilidade proclamadas pela Constituição não são imunidades

tributárias, posto que algumas delas não se relacionam com os direitos

fundamentais, mas em critérios de justiça ou de utilidade. Para o autor, os

positivistas é que, definindo a imunidade como não-incidência

constitucionalmente qualificada, concluem que qualquer não-incidência

constitucional é imunidade, anulando, assim, as diferenças específicas ligadas ao

fundamento e à origem.233 Daí porque assevera:

Entendemos que o termo imunidade deverá se reservado à não-incidências vinculadas aos direitos humanos, o que exclui do seu catálogo a intributabilidade dos sindicatos e dos jornais e livros (art. 150, VI, c e d), dos produtos industrializados exportados (arts. 153, § 3º, III e 155, § 2º, X), da energia elétrica, combustíveis e minerais (art. 155, § 3º), da incorporação de bens ao patrimônio

231 TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.

9. 232 TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.

86-87. 233 Ibid., p. 75-76.

das empresas (art. 156, § 2º, I); pouco importa, por outro lado, que algumas imunidades recebam o apelido de isenção, posto que é evidente o seu relacionamento com os direitos humanos, como sucede no caso dos diplomatas e das legações estrangeiras e no das operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária (art. 184, § 5º). O autores que se afastam da teoria dos direitos fundamentais acabam por assimilar à noção de imunidade toda e qualquer hipótese de não-incidência constitucional.234

Não obstante o respeitável conteúdo de sua obra, discorda-se do autor nesta

afirmação, pois, como visto no item precedente deste Capítulo, todas as

imunidades tributárias relacionam-se com os direitos fundamentais, inclusive no

que respeita à não-obstância do seu exercício por via da tributação, de modo a

garantir que sua realização não seja prejudicada frente a imposição tributária,

excetuada a do ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial

(arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da CF), que não é imunidade, mas regra de repartição

de competência tributária entre a União e os Estados.

A título de exemplo, em contraponto ao entendimento de Torres, transcreve-

se a lição de Misabel Abreu Machado Derzi, a propósito das imunidades dos

livros e periódicos, como um valioso instrumento de realização dos direitos e

liberdades individuais:

A imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão, nada mais é que forma de viabilização de outros direitos e garantias fundamentais expressos em seu art. 5º, como a livre manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (incisos IV e IX), art. 206, II (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber), art. 220, §§ 1º e 6º (a proibição de embaraço, por lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação do veículo impresso de comunicação), dentre outros. Mais do que isso, deve ser enfocada como instrumento imprescindível à realização do Estado Democrático de Direito.235

Diga-se, ainda, que contrariando Lobo Torres, o Supremo Tribunal Federal,

no julgamento da ADIN 939-7 DF, reconheceu as imunidades tributárias previstas

no art. 150, “c” e “d” da Constituição Federal de 1988 como direitos

234 Ibid., p. 87-88. 235 Cf. BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar, op.cit., p. 343.

fundamentais. 236 É parte do voto do Ministro Celso Melo a respeito:

Essa norma constitucional, derivada do poder de reforma do Congresso Nacional, acarreta a grave possibilidade de se comprometer, pela ação tributante do Poder Público, o exercício desses direitos fundamentais, quaisquer que sejam as múltiplas dimensões em que se projeta e se desenvolve o regime das liberdades públicas. Devo observar que as disposições contidas na norma ora impugnada transgridem, em desfavor do contribuinte, o complexo dos direitos e garantias de ordem tributária. Isto porque a supressão, ainda que temporária, da garantia de imunidade estabelecida pela ordem constitucional brasileira em favor dos organismos sindicais, representativos das categorias profissionais, dos templos de qualquer culto, dos partidos políticos, das instituições educacionais ou assistenciais e dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI), compromete, em última análise, o próprio exercício da liberdade de consciência, da liberdade de manifestação de pensamento e da liberdade de associação, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole tributária foi conferida.

Outro ponto que se discorda da doutrina de Ricardo Lobo Torres é sobre sua

concepção de que os direitos sociais não são direitos fundamentais, e que não

estão protegidos pelas imunidades tributárias, embora sirvam de fundamento à

imunidade do mínimo existencial e por estarem “despojados do status negativus,

não geram por si sós a pretensão às prestações positivas do Estado, carecem de

eficácia erga omnes e se subordinarem à idéia de justiça social.”237

Entretanto, em outro momento de sua obra, Ricardo Lobo Torres afirma

que:

É um dos aspectos da proteção do mínimo existencial. O art. 150, VI, c protege a educação, a cultura, a saúde e a assistência social, que, em sua expressão mínima, constituem direitos humanos inalienáveis e imprescritíveis, ainda que implícitos ao elenco do art. 5º do texto básico. 238

236 Que declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional nº 03 de 1997 e

da Lei Complementar nº 77/93, que instituíam a cobrança do imposto provisório sobre a movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira – IPMF às pessoas, objetos e situações previstas no art. 150, VI da CF/88. (STF – ADIN 939-7 – Rel. Ministro Sydney Sanches – DJU 18.03.94. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2006).

237 TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p. 68.

238 Ibid., p. 253.

Verifica-se, assim, que o autor, apesar de negar os direitos sociais como

direitos fundamentais, acaba por aceitá-los como tais, quando afirma que o direito

à educação, à cultura à saúde e à assistência humana são direitos humanos

inalienáveis.

Concluindo, fica estabelecido que todo o rol das imunidades tributárias

inseridas pelo Poder Constituinte na Constituição Federal de 1988 são autênticos

direitos fundamentais, na proporção que funcionam como limitações ao Poder

fiscal do Estado para garantir valores que a sociedade, no momento constituinte,

elegeu como supremos e, portanto, não passíveis de limitações pelo Estado,

ressalvado o disposto nos artigos 153, § 5º, e 155, X “c” do texto constitucional,

que não são normas imunizantes.

4 Imunidades Tributárias: Cláusulas Pétreas e Princíp io da Proibição do Retrocesso Social

4.1 As Imunidades Tributárias enquanto Integrantes do N úcleo Rígido da Constituição

Verificou-se, nos itens antecedentes, que as imunidades tributárias traçadas

na Constituição Federal de 1988239 podem ser caracterizadas como autênticos

direitos fundamentais, tanto na medida de limitação do Poder Tributante, para

garantia dos direitos de liberdade, quanto no momento em que atuam de uma

forma a concretizá-los.

Adotando-se a posição de que as imunidades tributárias são direitos

fundamentais, pretende-se demonstrar neste item estarem estas incluídas no

núcleo rígido da Constituição Federal, ou seja, no artigo 60, mais especificamente

no § 4º, IV, de modo que as normas constitucionais que as prevêem não são

passíveis de serem abolidas ou sofrerem modificações que lhes alterem a essência,

de forma a restringir os seus efeitos, ainda que por Emenda Constitucional.

Todavia, antes de nos determos ao tema deste título é necessário tecer

algumas considerações a respeito da Constituição Federal e do Poder Constituinte.

Primeiramente, deve-se estabelecer que é uma das características da Carta

Magna de 1988 a sua rigidez240, o que significa dizer que suas normas não podem

239 Exceto aquela prevista no artigo 155, § 2º, X, “c” e 153, § 5º da Constituição de 1988,

que não é imunidade tributária. 240 Neste sentido, confira-se a lição de Christopher Wolfe, ao comentar a interpretação

constitucional de John Marshall: “The constitution is a particular kind of document and its nature or proper characteristics can be an aid to interpretation. In this case, Marshall argued that a constitution depends on a kind of popular action that is difficult to obtain and therefor necessarily infrequent, and that the intention of the makers of a constitution, given that difficulty and infrequency, must have been to establish fundamental principles that look to the distant future and not merely the moment. Thus, all those who have framed written constitutions contemplate them as forming the fundamental and paramount law of the nation, and, consequently the theory of every such government must be, that an act of the legislature, repugnant to the constitution is void. This theory is essentially attached to a written constitution, and, is consequently, to be considered,

ser alteradas pelo mesmo processo legislativo de modificação das leis ordinárias,

resultando, assim, em uma relativa imutabilidade do seu texto, uma certa

estabilidade ou permanência que traduz, até certo ponto, o grau de certeza e

solidez jurídica das instituições no ordenamento estatal.241 É o atributo da rigidez

que possibilita a manutenção da ordem constitucional instaurada pelo Poder

Constituinte originário, preservando a identidade e a relativa estabilidade da

Constituição.

Todavia a rigidez impingida à Carta Magna não impede sua alteração,

porque esta não deve permanecer alheia a mudanças, já que a evolução da

sociedade muitas vezes exige que tais modificações sejam efetuadas sempre que a

sua capacidade reflexiva para captar a realidade constitucional se mostre

insuficiente, mas ao mesmo tempo garante que estas não sejam constantes,

freqüentes e imprevistas em consonância com a vontade de maiorias legislativas

eventuais. Garantir a capacidade reflexiva da Constituição é dotá-la de capacidade

de prestação e utilidade em face da sociedade e dos cidadãos.242

Segundo Canotilho “a dicotomia entre rigidez/flexibilidade não postula

necessariamente uma alternativa radical; exige-se, sim, uma articulação ou

coordenação das duas dimensões”, na medida que, se por um lado, o texto

constitucional é flexível, isto é, passível de modificação, por outro lado há

elementos do direito constitucional (princípios estruturantes) que devem

permanecer imodificáveis, sob pena de descaracterizá-la como ordem jurídica

fundamental do Estado, para se dissolver na dinâmica das forças políticas. E é

neste sentido que Canotilho fala da “identidade da constituição caracterizada por

by this court, as one of the fundamental principles of our society. It is not therefore, to be lost sight of in the further consideration of this subject.” WOLFE, Christopher. The Rise of Modern Judicial Review: from constitutional interpretation to judge-made law, p. 45. “A constituição é um tipo de documento especial e sua natureza ou características próprias podem servir de ajuda para a interpretação. Neste caso, Marshall argumentou que a constituição depende de uma espécie de ação popular que é difícil de se obter e por isto necessariamente rara, e que a intenção dos elaboradores de uma constituição, levando-se em conta esta dificuldade e raridade, deve ter sido estabelecer princípios fundamentais que olhassem para o futuro distante e não meramente para o momento. Assim, todos aqueles que tenham concebido constituições escritas as contemplam como formadoras da lei suprema e fundamental da nação, e, conseqüentemente, a teoria de cada tal governo deve ser que um ato de legislação, repugnante à constituição, é nulo. Esta teoria é essencialmente vinculada a uma constituição escrita, e, é conseqüentemente, para ser considerada por esta Corte como um dos princípios fundamentais de nossa sociedade. Não é portanto, para ser perdida de vista nas futuras considerações acerca deste assunto."

241 BONAVIDES, P., op.cit., p. 196. 242 CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 211 e 1001.

certos princípios de conteúdo inalterável.”.243

Deste modo, a opção por um “texto rígido” no sentido assinalado é hoje

justificado pela necessidade de preservação da essência da Constituição, sem

impedir o desenvolvimento constitucional, que ocorre pela reforma e pela

mutação constitucional.244

Tal rigidez possibilita que a Carta Política cumpra os seus objetivos, o que

não é compatível com a possibilidade de todo o seu texto estar sujeito ao poder

de reforma, de tal sorte que impossível ocorrer um processo de reforma total ou

parcial que lhe venha a alterar a sua identidade, porquanto tais funções são tarefas

do Poder Constituinte originário.

A respeito, leia-se a assertiva de Canotilho:

Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos, e, conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa. Mas há também que assegurar a possibilidade de as constituições cumprirem a sua tarefa e esta não é compatível com a completa disponibilidade da constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário. Não deve banalizar-se a sujeição da lei fundamental à disposição de maiorias parlamentares de dois terços. Assegurar a continuidade da constituição num processo histórico de permanente fluxo implica, necessariamente, a proibição não só de uma revisão total (desde que isto seja admitido pela própria constituição), mas também de alterações constitucionais aniquiladoras da identidade de uma ordem constitucional histórico-concreta. Se isso acontecer é provável que se esteja perante uma nova afirmação do poder constituinte mas não perante o poder de revisão.245

Por ser a Constituição de 1988 rígida, a modificação do seu texto não pode

ocorrer da mesma maneira que as leis ordinárias, ou seja, qualquer alteração

demanda um processo de reforma mais complexo, e ainda dentro dos limites

243 CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 212. 244 José Afonso da Silva faz as seguintes considerações terminológicas a respeito de

reforma e mutação constitucional: “A questão terminológica nesta matéria começa pela necessidade de fazer distinção entre mutação constitucional e reforma constitucional. A primeira consiste num processo não formal de mudança das constituições rígidas, por via da tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento de estatutos que afetam a estrutura orgânica do Estado. A segunda é o processo formal de mudança das constituições rígidas, por meio de atuação de certos órgãos, mediante determinadas formalidades, estabelecidas nas próprias constituições para o exercício do poder reformador.” (SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional, op.cit., p. 64).

245 CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 995.

estabelecidos pelo Poder Constituinte originário.246 Significa dizer que o texto

constitucional só pode ser alterado através de um processo mais agravado que

aquele previsto às leis ordinárias, e previsto na própria Constituição.247

Estas normas de revisão, segundo Canotilho “não são o fundamento da

rigidez da Constituição mas os meios de revelação da escolha feita pelo poder

constituinte”. Ou seja, escolhe-se um processo de revisão agravado em relação ao

processo de modificação da lei ordinária, como uma forma de garantia da

Constituição e de sua supremacia. Assim, este processo de alteração de texto, mais

complexo, constitui-se num limite absoluto ao poder de revisão, que por sua vez

vai garantir uma “relativa estabilidade da Constituição.” 248

Portanto, não cabe alteração do texto constitucional por lei ordinária, porque

não possui capacidade derrogatória ou ab-rogatória no que respeita às normas

constitucionais, pois se assim não fosse, impossível falar-se em supremacia

constitucional.249

246 Segundo José Afonso da Silva: “Discute-se, em doutrina, sobre os limites do poder de

reforma constitucional. É inquestionavelmente um poder limitado, porque regrado por normas da própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar sob pena de sua obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle constitucionalidade. Esse tipo de regramento da atuação do poder de reforma configura limitações formais, que podem ser assim sinteticamente enunciadas: o órgão de reforma (ou seja, o Congresso Nacional) há de proceder nos estritos termos expressamente estatuídos na Constituição. A doutrina costuma distribuir as limitações do poder de reforma em três grupos: as temporais, as circunstanciais e as materiais (explícitas e implícitas)”. SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 68 et. seq. A respeito ver também: CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 990 a 998; BONAVIDES, P., op.cit., Curso de direito constitucional..., op.cit., p. 198-204.

247 A respeito ver: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 63-67; CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 990-993; SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 49 et.seq.; BONAVIDES, P., op.cit., p. 207-209.

248 CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 211 e 989. 249 Nas palavras de José Afonso da Silva: “Da rigidez emana, como primordial

conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político’. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.” (SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 49). Ver também Christopher Wolfe: “Finally, Marshall briefly noted the supremacy clause of article 6, which specifically cites the Constitution as the supreme law of the land and then indicates that not U.S. laws generally but only laws made ins pursuance of the Constitution are part of that supreme law.” WOLFE, C., op. cit., p. 83 “Por fim, Marshall sucintamente salientou a supremacia da cláusula do artigo 6, a qual cita especificamente a Constituição como lei suprema da terra e então indica que não leis americanas em geral, mas apenas leis feitas em cumprimento à Constituição são parte dessa lei suprema”.

Observe-se que diante de um sistema constitucional baseado em uma

Constituição flexível, onde ausente a supremacia constitucional, indiferente será

o fato da desoneração fiscal ocorrer no texto constitucional ou na lei ordinária,

haja vista que ambas são alteráveis por idêntico processo legislativo. Neste

contexto não faria sentido a distinção entre imunidade e isenção, bastaria prever as

desonerações fiscais na legislação infraconstitucional, ou seja, bastaria o instituto

da isenção.

A reforma da Constituição pode ocorrer através de emenda e da revisão

constitucional.250 A este poder reformador, não obstante as numerosas

denominações encontradas na doutrina (Poder Constituinte instituído ou

constituído, Poder Constituinte reformador, Poder Constituinte de revisão etc.),

confere-se chamar neste estudo de Poder Constituinte derivado, que no Brasil é

exercido pelo órgão legislativo ordinário, atual e exclusivamente pela via da

emenda constitucional, haja vista que o processo de revisão previsto no artigo 3º

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é passado, não sendo

possível outra revisão nos termos ali previstos, por tratar-se de norma de natureza

transitória, que se esgotou em definitivo.

Assim, nos dias de hoje, qualquer reforma na Constituição de 1988 deve ser

operada pelo procedimento de emenda constitucional, nos moldes do seu artigo

60.251

250 José Afonso da Silva faz a seguinte distinção entre emenda e revisão constitucional,

certamente que tendo em consideração a Constituição rígida: “A emenda é a modificação de certos pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para a alteração das leis ordinárias. Já a revisão seria uma alteração anexável, exigindo formalidades e processos mais lentos e dificultados que a emenda, a fim de garantir uma suprema estatalidade do texto constitucional.” FERREIRA, Pinto. Apud SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 64-65.

251 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

Destarte, é o Congresso Nacional quem poderá emendar a Constituição,

através de proposta de no mínimo um terço dos membros da Câmara ou do

Senado Federal, do Presidente da República ou de mais da metade das

Assembléias Legislativas dos Estados que compõem a Federação, manifestando-

se, cada uma delas pela maioria relativa de seus membros, discutida e aprovada

em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, aprovada pelo quorum

qualificado de três quintos de seus membros que detém a prerrogativa de alterar o

texto constitucional (limitação formal), ressalvada a impossibilidade desta vir a

ocorrer nos casos de vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de

estado de sítio (limitação circunstancial). Acrescenta-se que a matéria constante

da proposta de emenda uma vez rejeitada ou havida por prejudicada não poderá

ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (limitação formal).

Além das limitações formais, elencadas no parágrafo supra, o exercício do

Poder Constituinte derivado está sujeito à limitações materiais, tocante ao objeto

da reforma. Estas limitações materiais formam o núcleo imodificável da

Constituição Federal, também conhecido como cláusulas pétreas, que representam

os princípios, os fundamentos, os valores básicos e fundamentais da Carta

Política. Por certo, o Poder Constituinte originário, ao estabelecer o núcleo rígido

da Carta Magna de 1988, pretendeu obstar que as matérias que o compõem

possam ser objeto de supressão ou relativização por parte Poder Constituinte

derivado, sob pena de descaracterizar o Estado Democrático de Direito instituído.

As limitações materiais podem ser expressas (explícitas) ou tácitas

(implícitas).252 As limitações materiais expressas ou explícitas estão inseridas no §

252 Sobre as limitações materiais tácitas ou implícitas, leia-se: “Essas tácitas são

basicamente aquelas que se referem à extensão da reforma, à modificação do processo mesmo de revisão e a uma eventual substituição do poder constituinte derivado pelo poder originário. Quanto à extensão da reforma, considera-se, no silêncio do texto constitucional, excluída, a possibilidade de revisão total, porquanto admiti-la seria reconhecer ao poder revisor capacidade soberana para ab-rogar a Constituição que o criou, ou seja, para destruir o fundamento de sua competência ou autoridade mesma. Há também reformas parciais que, removendo um simples artigo da Constituição, podem revogar princípios básicos e abalar os alicerces de todo o sistema constitucional, provocando, na sua inocente aparência de simples modificação de fragmentos do texto, o quebrantamento de todo o espírito que anima a ordem constitucional. Trata-se em verdade de reformas totais, feitas por meio de reformas parciais. Urge precatar-se contra essa espécie de revisões que sendo formalmente parciais, examinadas, todavia, pelo critério material, ab-rogam a Constituição, de modo que se fazem equivalentes a uma reforma total, pela mudança de conteúdo, princípio, espírito e fundamento da lei constitucional.” BONAVIDES, P., op.cit., p. 202. Também a respeito confira-se SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 70-71.

4º, I, II, III e IV do artigo 60 da Constituição Federal, de modo que não podem

ser objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional propostas tendentes a

abolir a Federação, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação do

Poderes e os direitos e garantias individuais.

As matérias previstas nos incisos II e III do § 4º do artigo 60 da

Constituição Federal apesar de se relacionarem com o direito tributário, assim

com seu inciso I, no qual se encontra o princípio federativo, do qual decorre a

distribuição de competências e a preservação da autonomia financeira dos entes

que compõem a Federação253, não serão objeto de análise no presente estudo, que

tem como foco os direitos fundamentais.

Não obstante, o que interessa ao presente trabalho é a limitação material

prevista no inciso IV do artigo 60 da Constituição de 1988 que, por sua vez, veda

qualquer proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir os direitos e

garantias fundamentais. Marilene Talarico Martins Rodrigues entende que o

alcance da expressão “direitos e garantias individuais” para o direito tributário

corporifica “qualquer direito e garantia constitucional outorgada ao contribuinte”,

ou seja, os que integram o capítulo “Das Limitações Constitucionais ao Poder de

Tributar”, além do art. 5º e outros dispositivos que asseguram direitos e garantias,

dispersos por todo o texto constitucional.254

Esclareça-se, contudo, que não se está a defender a absoluta impossibilidade

de eventual Emenda Constitucional vir a introduzir modificações na Carta Política

no que respeita aos direitos fundamentais, porquanto esta será possível se o

objetivo for para desenvolvê-los, aperfeiçoá-los e ampliá-los, ou ainda para

adaptá-los a situações novas, neste caso desde que não lhes atinjam o conteúdo

essencial.255

253 A respeito ver: COÊLHO, S.C.N., op.cit., p. 27. Sobre o princípio federativo e a

tributação, confira-se também: CARRAZZA, R. A., op. cit., pp. 82-109. 254 RODRIGUES. Marilene Talarico Martins. Limitações ao poder impositivo e segurança

jurídica. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 220-221. Coord. Ives Gandra Martins da Silva.

255 A respeito do conteúdo essencial do direito fundamental transcreve-se: “Recolhendo esse abalizado ensinamento, cabe entender, portanto, como conteúdo essencial de um direito fundamental ou de um princípio de estrutural, em face dos limites materiais do poder de emenda, aquilo que neles constitui a própria substância, os fundamentos, os elementos ou componentes deles inseparáveis, a eles verdadeiramente inerentes, por isso que integrantes da sua estrutura e do seu tipo, conforme os define a Constituição. Isto posto, parece induvidoso, também em nosso

Feitas tais considerações, cumpre observar que já restou assente no presente

trabalho que as imunidades tributárias garantem ao contribuinte o direito

subjetivo público de não ser tributado, frente ao dever de abstenção do exercício

do poder tributário pelo Estado Fiscal, para preservar valores, princípios,

fundamentos, direitos e garantias fundamentais constitucionalizados, de modo

que se tratam de autênticos direitos fundamentais.

Assim, as imunidades, como direitos fundamentais, integram o núcleo

rígido da Constituição Federal de 1988, são cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV), o

que equivale a dizer que não são passíveis de serem objeto de proposta de Emenda

Constitucional tendente a suprimi-las, que as sujeitem à efetiva possibilidade de

destruição ou, ainda, de qualquer alteração que lhes toquem o núcleo fundamental

mitigando-lhes a sua eficácia, o que, convenhamos, seria o mesmo que extingui-

las.256

Sacha Calmon Navarro Coêlho entende serem as imunidades tributárias

cláusulas pétreas:

Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São, portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (art. 60, § 4º, da CF).257

Do mesmo modo, José Eduardo Soares de Melo quando afirma que as

imunidades tributárias “caracterizam-se como exclusão de competência,

constituindo direito e garantia individual”, de tal sorte que estão inseridas “no

núcleo irreformável da Constituição (art. 60, § 4º, IV), consoante diretriz do

STF”.258

Também neste sentido, o escólio de Regina Helena Costa:

direito constitucional, que somente este conteúdo essencial é que não poderia ser suprimido ou alterado por uma emenda aprovada nos termos do art. 60 da CF.” NOVELLI, F.B., op.cit., p. 42.

256 Em sentido contrário ver: Carvalho, Cristiano. São as imunidades “cláusulas pétreas”? In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano (coord.). Imunidade tributária, p. 77 –90.

257 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 219.

258 MELO, José Eduardo Soares de. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo..., op.cit., p. 187.

No caso da Constituição Brasileira, no que tange às imunidades tributárias, a rigidez constitucional atinge seu grau máximo. Isto porque as normas imunizantes são cláusulas pétreas, autênticas limitações materiais ao exercício do Poder Constituinte Derivado. ... Não pode, desse modo, emenda constitucional reduzir ou invalidar o âmbito eficacial das cláusulas pétreas. Estas somente podem ser modificadas ou suprimidas pelo Poder Constituinte Originário, que não conhece limitações de qualquer ordem. Conferindo a imunidade tributária, como já visto, direito público subjetivo, a determinada pessoa, de não ser tributada em dada situação, trata-se de direito individual, protegido, portanto, por cláusula pétrea. A imunidade fiscal é, assim, direito não suprimível por emenda constitucional.259

Desta forma, por serem autênticos direitos fundamentais, as imunidades

tributárias não podem ser objeto de disposição nem por parte do Constituinte

derivado, isso ocorre tendo em vista que estes valores supremos da sociedade

neles refletidos foram alçados a um nível tal de proteção, que nem mesmo as

maiorias eventuais representadas no Parlamento lhes podem alterar no sentido de

restringir-lhes o sentido260.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 939-7,

que declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional nº 03 de

1997 e da Lei Complementar nº 77/93, que dispuseram sobre o imposto

provisório sobre a movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e

direitos de natureza financeira - IPMF, reconheceu a existência de direitos

fundamentais nos princípios da anterioridade e da imunidade do art. 150 da

Constituição Federal, considerando-os cláusulas pétreas.261

Entendeu o Excelso Pretório que o princípio da anterioridade ligado ao

poder de tributar (art. 150, III, “b”), embora fora do catálogo dos direitos

fundamentais propriamente ditos, ou seja, do rol do art. 5º da Constituição,

consubstancia um direito fundamental do contribuinte. A seguir julgou pela

inconstitucionalidade da referida Emenda na parte em que violou o “princípio da

imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal

259 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 70. 260 Por se entender que é no momento constituinte que se forja a identidade da Nação e que,

portanto, esta identidade não pode ser modificada pelo Poder Constituinte derivado num momento menos democrático, com pouca ou nenhuma participação popular acerca de suas discussões.

261 STF – ADIN 939-7 – Rel. Ministro Sydney Sanches – DJU 18.03.94. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2006).

e aos Municípios a instituição de imposto sobre o patrimônio, rendas ou serviços

uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I e art. 150, VI,

a, da CF).”

No que respeita às imunidades do art. 150, VI, “b”, “c” e “d” da

Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou no

sentido de se enquadrarem como “direitos e garantias fundamentais”.

Dentre os votos proferidos na ADIN 939-7 DF, por sua pertinência com o

tema ora tratado, destaca-se o do Ministro Ilmar Galvão:

Acrescento, agora, o entendimento de que a emenda constitucional em foco afrontou, ainda, as cláusulas pétreas, asseguradoras do pacto federativo e dos direitos e garantias individuais, aos afastar, em relação ao imposto por ela instituído, a aplicação do art. 150, VI, instituidor de imunidade tributária em favor das pessoas elencadas em suas alíneas, entre as quais os entes que compõem a federação.262

A respeito da decisão referida é oportuno trazer à colação os comentários de

Ricardo Lobo Torres:

É de notar que bastou o Superior Tribunal recorrer, em sua argumentação, ao princípio da federação, que o art. 60, § 4º, I da CF tornara cláusula pétrea ou imutável, indene a emendas constitucionais, sem necessidade de se apoiar nos direitos fundamentais, que afinal de contas representam a razão de ser do próprio federalismo. Mas, no que concerne às demais imunidades, não havia nenhuma cláusula explícita no art. 60, § 4º, que as protegesse, de modo que o Pretório Excelso foi obrigado a recorrer aos ‘direitos e garantias fundamentais’, que pelo item IV daquela norma, também são cláusulas pétreas, insuscetíveis de violação por emenda constitucional ulterior.263

Como já se observou, todas as imunidades inseridas no texto constitucional

se relacionam com os direitos e garantias fundamentais ou com o princípio

federativo ao ponto de integrarem o núcleo rígido da Constituição Federal.

Lembre-se, contudo, que se apontou que ao contido no disposto nos artigos 153, §

262 STF – ADIN 939-7 – Rel. Ministro Sydney Sanches – DJU 18.03.94. Disponível em

<www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2006). p. 258. Também por sua clareza, leia-se o voto do Ministro Carlos Velloso: “No que tange ao princípio da anterioridade, deixei expresso o meu pensamento de que as garantias dos contribuintes, inscritas no art. 150 da Constituição, são intangíveis à mão do constituinte derivado, tendo em vista o disposto no art. 60, § 4º, IV, da Constituição. Coerentemente com tal afirmativa, reconheço que as imunidades inscritas no inciso VI do art. 150 são, também, garantias que o constituinte derivado não pode suprimir.” p. 278.

263 TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 329.

5º, e 155, X, “c” da Constituição como não sendo imunidades, mas regras de

repartição de competência tributária e, por tal razão, podem ser objeto de Emenda

Constitucional, inclusive que venha a extirpá-las do Texto Maior.

Logo, todas as imunidades caracterizadas como direitos fundamentais

integram o núcleo rígido da Constituição Federal de 1988, pois, além do aspecto

vedatório que encerram, impedindo o Estado de exercer a tributação sobre

pessoas, bens ou situações constitucionalmente definidas, caracterizando-se como

direitos de defesa do contribuinte, têm como finalidade preservar os princípios, os

valores e os ideais que consubstanciam o Estado Democrático de Direito.

Ricardo Lobo Torres, ao estabelecer que as limitações constitucionais ao

poder de tributar compreendem as imunidades tributárias, as proibições de

desigualdade e os princípios vinculados à idéia de segurança jurídica, afirma que:

Todas essas limitações constitucionais ao poder de tributar constituem cláusulas pétreas, na forma definida pelo art. 60 da CF, pois são uma qualidade, uma exteriorização ou um atributo dos direitos fundamentais (imunidades), ou representam a afirmação do direito fundamental à igualdade (proibições de privilégios ou discriminações odiosas), ou consubstanciam garantias principiológicas dos direitos fundamentais do contribuinte (princípio da segurança jurídica)264

Lembre-se, todavia, de que Lobo Torres entende que nem todas as

imunidades previstas na Constituição são verdadeiras imunidades265; isto posto

considera irrevogável a imunidade que for uma decorrência das liberdades e

direitos individuais, uma vez que seu fundamento é suprapositivo e preexistente

ao direito positivo, enquanto outras imunidades, que não sejam garantias de

direitos humanos, seriam passíveis de serem alteradas e até suprimidas por

Emenda Constitucional.

No mesmo sentido Clélio Chiesa estabelece que são “imunidades pétreas”,

que integram o núcleo rígido da Constituição Federal, e por isto não são passíveis

de proposta de Emenda Constitucional tendente a aboli-las, aquelas que sob uma

perspectiva finalística tratam “de preservar a separação dos poderes ou preservar

direitos individuais”, enquanto que “são consideradas hipóteses de imunidades

264 TORRES, R.L., Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 64. 265 Ver páginas 89-90 da presente Dissertação.

suprimíveis todas as demais previstas na Carta Magna, que não desfrutam da

impossibilidade de supressão, conferida pelo art. 60, § 4º, da Constituição

Federal.”266

Feitas tais observações, considerando que o presente estudo dispõe que

todas as imunidades elencadas na Constituição Federal de 1988 são direitos

fundamentais, tem-se que estas integram o seu núcleo rígido e, por tal motivo

não são passíveis de alteração que venha a reduzir os seus efeitos, tão pouco

suprimi-las do texto constitucional.

4.2 O princípio da proibição do retrocesso social como limitação ao poder constituinte derivado e do legislador

Verificou-se, no presente trabalho que as imunidades tributárias - quer se

entenda sejam autênticos direitos fundamentais ou, ainda, instrumentos

realizadores destes direitos – não podem ser abolidas nem modificadas ao ponto

de terem os seus efeitos reduzidos, pois eventual supressão ou redução do alcance

de uma norma imunizante afrontaria a proteção constitucional das cláusulas

pétreas ou núcleo rígido da Constituição, o que não é possível no Sistema

Constitucional brasileiro, que elevou os direitos fundamentais, enquanto valores

supremos escolhidos pela sociedade, a direitos imutáveis que não podem ser

suprimidos nem pelo Poder Constituinte derivado.

Outrossim, o que se verá no presente tópico é que além de não ser possível

alteração no texto constitucional, de forma a suprimir ou reduzir as imunidades

tributárias sob pena de ofensa ao artigo 60, § 4o da Constituição Federal de 1988,

também não pode a legislação infraconstitucional, que veio a dar maior

efetividade a este direito constitucional fundamental, vir a ser revogada, ou

mesmo, restringir uma imunidade tributária prevista constitucionalmente sob pena

de ofender o princípio da proibição do retrocesso social.

Ana Paula de Barcellos explica, com propriedade, a eficácia do princípio do

266 CHIESA. Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro. Desonerações

nacionais e imunidades condicionadas, p.138.

não retrocesso ou vedativa do retrocesso:

A vedação do retrocesso é também uma criação doutrinária que diz respeito aos princípios, particularmente aos princípios relacionados aos direitos fundamentais, podendo ser considerada uma derivação ou um aprofundamento do mesmo conceito que define a eficácia negativa (e, portanto, seu ofício desenvolve-se igualmente no plano da validade). Entretanto, ao contrário do que acontece com a eficácia negativa, descrita acima, ainda circula quanto à vedação do retrocesso alguma controvérsia, especialmente no que diz respeito à sua extensão. A modalidade de eficácia jurídica denominada de vedativa do retrocesso pressupõe logicamente que os princípios constitucionais que cuidam de direitos fundamentais são concretizados através de normas infraconstitucionais, isto é: os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária. Além disso, pressupõe também, com base no direito constitucional em vigor, que um dos efeitos gerais pretendidos por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos em questão. Partindo desses pressupostos, o que a eficácia vedativa do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação das normas que, regulamentando o princípio, concedem ou ampliam direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar. A idéia é que a revogação de um direito, já incorporado como efeito próprio do princípio constitucional, o esvazia e viola, tratando-se, portanto, de uma ação inconstitucional.267

Ou seja, o que se quer dizer é que as leis integradoras e concretizadoras das

imunidades tributárias, enquanto direitos fundamentais, depois de existirem não

podem ser revogadas, pois na medida em que vieram implementar ou ampliar a

efetivação dos direitos constitucionais, sua revogação implicaria uma

inconstitucionalidade, por caracterizar um retrocesso social.

Deste modo, revogar uma norma implementadora de imunidade tributária

seria o mesmo que esvaziar o comando constitucional, como se a lei revogadora

afrontasse contra este comando diretamente.268

Para além disso, é certo que as imunidades tributárias têm como finalidade a

busca de justiça social, assim como todos os direitos fundamentais, conforme

pautado pelo constituinte originário e eventual norma aniquiladora de justiça

social será inconstitucional.269

Neste sentido, cabe trazer à colação as palavras de José Joaquim Gomes

267 BARCELLOS, A.P., op.cit., p. 68-69. 268 Ibid., p.70 269 Cf. CANOTILHO, J. J. G., op. cit., p. 327

Canotilho:

(...) a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.270

Apesar do princípio da proibição do retrocesso social não estar previsto

expressamente no direito brasileiro, sem dúvida, o está implicitamente no sistema

constitucional e em seus princípios, tal como elucida Ingo Sarlet: i) o princípio do

Estado democrático e social do direito, na medida em que “impõe um patamar

mínimo de segurança jurídica”, o qual por sua vez, “abrange a proteção da

confiança e a manutenção de um nível mínimo de segurança contra medidas

retroativas”; ii) o princípio da dignidade da pessoa humana que tem como efeito

“a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste patamar”; iii) o princípio da

máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais,

que segundo o autor abrange a “otimização da eficácia e efetividade do direito à

segurança jurídica”, o que, portanto, “exige uma proteção também contra medidas

de caráter retrocessivo”; iv) manifestações específicas contra medidas de cunho

retroativo, tais como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; v) o

“princípio da proteção da confiança” enquanto “respeito pela confiança depositada

pelos indivíduos em relação a uma certa estabilidade e continuidade da ordem

jurídica como um todo”.271 Conclui Sarlet que entender pela não existência do

princípio do não retrocesso seria o mesmo que dar poderes ao legislador de

desrespeitar os direitos fundamentais e à própria Constituição, portanto, em

“flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte”.272

Para alguns autores, o princípio da proibição do retrocesso social se

270 Cf. CANOTILHO, J. J. G., op. cit., p. 449. Ver no mesmo sentido: BARCELLOS, A.P.,

A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais..., op.cit., p. 68-71. 271 SARLET, I.W. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da

Pessoa Humana, Direitos fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro. In: TORRES, Ricardo Lobo; MELLO, Celso D. Albuquerque (Diretores). Arquivos de Direitos Humanos, v.6, p. 130.

272 SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p. 130-131.

aplicaria apenas às normas implementadoras de direitos fundamentais sociais, e

assim estariam incluídas aquelas imunidades que buscam justamente assegurar a

realização dos direitos sociais, tais como a imunidade das instituições de

educação, a imunidade das instituições de assistência social ou a imunidade dos

livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão.

Não obstante, é inquestionável que o princípio da vedação do retrocesso ou

da proibição do retrocesso se aplica a todas as normas concretizadoras de direitos

fundamentais, ou mesmo de normas constitucionais273; deste modo, uma lei

posterior não poderia extinguir ou restringir a concretização de uma norma

constitucional, pois o que se veda, nas palavras de Luís Roberto Barroso é “o

ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir da sua

regulamentação”274, não sendo admitido o “retorno ao estado de omissão

legislativa anterior”.275

No mesmo sentido, vale conferir as palavras de Ingo Sarlet:

273 Até porque todas as normas de direitos fundamentais produzem eficácia positiva e

negativa. Veja-se , por exemplo, o direito de liberdade, dito negativo, além de garantir que não haja violação deste, exige que o Estado promova medidas para sua proteção, por meio de políticas de segurança pública, aparato policial, Poder Judiciário etc. Assim, também eventual revogação de lei que efetivava referido direito sem nenhuma previsão de outra medida protetiva viria a ferir o princípio da proibição do retrocesso social. Sobre o fato de que todos os direitos dependem de uma atuação positiva do Estado para serem efetivados, ainda que os ditos “negativos”, confiram-se as palavras de Sunstein a respeito: “Alguns direitos constitucionais dependem, para sua existência, de condutas estatais positivas. Portanto o Estado está sob um dever constitucional de agir, não de abster-se. Se deixar uma pessoa escravizar outra, nada fazendo para desfazer a situação que configura servidão involuntária, o Estado terá violado a Décima-terceira Emenda. Por força da proteção dada pela Primeira Emenda à liberdade de expressão, o Estado está obrigado a manter ruas e parques abertos para manifestações, muito embora isso seja caro e requeira uma conduta positiva. Por força da proteção constitucional contra a ‘privação’ da propriedade privada sem justa compensação, o Governo está provavelmente obrigado a criar leis contra os esbulhos e invasões, bem como tornar tais garantias acessíveis aos proprietários privados – uma falha em agir, uma falha em proteger a propriedade privada, pareceria inconstitucional. Se um juiz aceitar propina oferecida pelo réu e assim nada fizer para proteger os direitos do autor, tal juiz terá violado a garantia do devido processo. Se o Estado não tornar seus tribunais acessíveis para garantir a eficácia de garantias contratuais, ele terá provavelmente arruinado as obrigações contratuais, violando a garantia constitucional dos contratos. Em todos esses casos, o Governo está obrigado, pela Constituição, a proteger e a agir.Em termos práticos, o Governo ‘concede direitos civis’ aos cidadãos, provendo aparatos legais, como zonas eleitorais, sem os quais não seria possível exercer tais direitos. O direito de voto não tem sentido se mesários, presidente de mesa e escrutinadores não comparecessem. O direito a uma justa compensação pela propriedade confiscada é uma piada se o Tesouro não efetuar o pagamento. O direito de petição para ver reparado um dano, assegurado pela Primeira Emenda, é o direito de acesso a instituições governamentais e o direito, eventual, de ser indenizado.” (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 2000, p. 52-53).

274 BARROSO, L.R., O direito constitucional e a efetividade de suas normas..., op.cit., p. 158.

275 Ibid., p. 159.

Em linhas gerais, o que se percebe é que a noção de proibição de retrocesso tem sido por muitos reconduzida à noção que José Afonso da Silva apresenta como sendo de um direito subjetivo negativo, no sentido de que é possível impugnar judicialmente toda e qualquer medida que se encontre em conflito com o teor da Constituição (inclusive com os objetivos estabelecidos nas normas de cunho programático), bem como rechaçar medidas legislativas que venham, pura e simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.276

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 146, inciso II, que

“cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de

tributar”. É claro que a lei complementar que vier regular as imunidades

constitucionais acabará por lhe dar um conteúdo, que, por sua vez, poderá ser

mais ou menos realizador dos direitos fundamentais. Desta maneira, se a lei

integradora ou realizadora dá uma ampla eficácia à imunidade prevista

constitucionalmente, não poderá uma lei posterior, a despeito de “regulamentar”

uma imunidade, dar-lhe conteúdo que lhe restrinja os efeitos se comparado com a

lei anterior, até porque “as conquistas relativas aos direitos fundamentais não

podem ser destruídas, anuladas ou combalidas, por se cuidarem de avanços da

humanidade, e não de dádivas estatais que pudessem ser retiradas segundo

opiniões de momento ou eventuais maiorias parlamentares”.277

Assim, criada uma norma infraconstitucional para realizar um direito

fundamental, fica vedado ao legislador revogar esta lei, sob pena de abolir ou

restringir um direito fundamental consagrado constitucionalmente, sob pena de

“invadir o núcleo essencial do direito fundamental”278, o que não é admissível.

Ressalte-se, a despeito da maioria da doutrina nacional aceitar a existência

do princípio da proibição do retrocesso social, há aqueles, que, como Vieira de

Andrade, entendem não ser tal princípio absoluto, sob pena de limitar a função do

276 SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.

128-129. 277 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O principio da dignidade humana e a exclusão social.

Revista Interesse Público, n. 4, out./dez. 1999, p. 32 278 SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.

132. Confira-se a posição de Vieira de Andrade a respeito de eventual restrição de direitos fundamentais: “Não pode, desde logo, afectar o conteúdo essencial dos direitos nos termos atrás analisados. Deve, portanto, deixar intocado o limite absoluto constituído pela dignidade humana – não pode ser ilimitada no tempo e (ou, pelo menos) deve prever sempre a possibilidade de o indivíduo optar pelo direito fundamental, suspendendo ou dissolvendo a relação de poder (se esta for voluntária);...” (VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 306).

legislador a mero executor da Constituição.279 Entretanto, não se pode perder de

vista que pensar o contrário seria o mesmo que conferir ao legislador poderes para

“criar arbitrariamente ordenamentos especiais para se subtrair ao respeito pelos

direitos fundamentais”.280

Ainda assim, deve-se ter em vista que tal princípio não é absoluto, o que não

se quer dizer que será admitido o retrocesso social em alguns casos, pois isto iria

contra a lógica do sistema constitucional, mas que em alguns casos serão

permitidos ajustes, desde que justificados pelos próprios princípios

constitucionais, e desde que esse ajuste legislativo não intervenha ou suprima o

núcleo do direito fundamental já realizado. Não obstante, independentemente da

nomenclatura que se adote, é certo que não se pode olvidar o princípio da máxima

eficiência dos direitos fundamentais, o qual não admite restrição a sua eficácia, à

medida que este princípio não permite a supressão ou restrição de norma

efetivadora de direito fundamental, seja esta norma constitucional ou

infraconstitucional.

Sarlet coloca os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e

da proporcionalidade como parâmetros para eventual relativização do princípio da

proibição do retrocesso, além do próprio princípio da dignidade da pessoa

humana, ou seja, deve-se ter como parâmetro a confiança na manutenção das

condições impostas pelas imunidades num Estado Democrático de Direito,

“comprometido com a realização da justiça social”281 e dos direitos

fundamentais282, que se fazem não só pela proteção dos direitos adquiridos e atos

jurídicos perfeitos, mas também, garantindo-se certa proteção para as expectativas

de direito, ao garantir-lhes regras de transição razoáveis.283

279 Ibid., p. 305. 280 Ibid., ibidem. 281 SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.

140 282 Vide Preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo

brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.)

283 Veja-se, no caso brasileiro, a reforma da previdência levada a efeito pelas Emendas Constitucionais 20 de 1998, 41 de 2003 e 47 de 2005, que trouxeram várias regras de transição

Ainda, deve-se ter em vista, mesmo que não se entendam as imunidades

tributárias como autênticos direitos fundamentais, é certo que elas existem para

efetivar e realizar os demais direitos fundamentais e que, portanto, sua eventual

supressão do próprio texto constitucional, por via de emenda constitucional,

ofenderia o princípio do não retrocesso social. Ou seja, a limitação contida no

princípio da proibição do retrocesso social deve-se destinar não só ao legislador

quando imbuído dos poderes de legislador ordinário, mas também quando

imbuído de poderes de constituinte derivado. Em outros termos, na medida em

que se entenda que as imunidades tributárias visam a concretizar os direitos

fundamentais, é certo que sua eventual abolição, mesmo por Emenda

Constitucional, implicaria violação do princípio da vedação do retrocesso social.

Neste sentido, cabe aqui conferir as palavras de Roberto Ferraz que, apesar

de não considerar as imunidades tributárias como autênticos direitos

fundamentais, entende que só será possível alteração quanto às imunidades

tributárias se forem substituídas por outras regras que continuem a garantir os

objetivos para quais foram criadas, ou seja, realizar os direitos fundamentais:

As imunidades não são princípios em si, mas apenas regras que visam a concretização de princípios. A imunidade recíproca dá vazão à idéia de divisão de poderes sob a forma federativa, a imunidade dos templos está direcionada à proteção da liberdade religiosa, a dos jornais e livros à proteção da liberdade de expressão e, assim, cada imunidade tem seu objetivo consistente num princípio. Pode-se, portanto, cogitar da mutação das imunidades, pois não consistem elas em ‘cláusulas pétreas’. Entretanto, essas mutações não podem representar uma desfiguração das garantias a que estão voltadas a afirmar. Assim, dificilmente se poderá vislumbrar a hipótese de que sejam suprimidas sem atentar contra aqueles princípios, salvo no caso de sua substituição por outras regras que atendam igualmente, ou ainda vantagens, àqueles objetivos.284

Desta maneira, apesar de não entender que as imunidades tributárias estão

protegidas pelas cláusulas pétreas, é certo que o autor acaba por admitir – sem no

entanto expressar – o raciocínio do princípio da proibição do retrocesso social.

Ainda, é importante trazer ao cotejo a questão da imunidade dos servidores

inativos e pensionistas à contribuição previdenciária e as Emendas Constitucionais

para a Previdência dos Servidores Públicos, justamente para garantir o princípio da proteção da confiança.

284 FERRAZ. Roberto. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica – o princípio de transparência tributária. In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 407.

que implantaram a Reforma da Previdência no Brasil, para se verificar que neste

caso específico, apesar de alarmado pela doutrina, não houve violação às cláusulas

pétreas, nem tampouco ao princípio da proibição do retrocesso social.

Explica-se. A Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003,

alterou o caput do artigo 40285, prevendo que o regime de previdência dos

servidores teria caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do

respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas. A

previsão da contribuição dos inativos também veio expressa pelo novo § 18 do

artigo 40, que por sua vez, estabeleceu que a contribuição previdenciária iria

incidir sobre os proventos e pensões que ultrapassassem o teto do Regime Geral

da Previdência. Esta alteração inserida pela Emenda Constitucional 41

aparentemente extinguiu com suposta imunidade dos servidores inativos e

pensionistas à contribuição previdenciária, o que levaria a uma aparente violação,

não só do artigo 60, § 4º da Constituição, como também, do princípio da proibição

do retrocesso social.

Não obstante, é preciso analisar a Constituição Federal de 1988 e seu texto

original, antes das Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 para

confrontar a questão. Ou seja, verifica-se que no texto original da Constituição de

1988, não havia nenhuma referência sobre imunidade de contribuição

previdenciária para servidores inativos e pensionistas. Tanto é assim, que quando

da inserção do § 6º ao artigo 40 pela Emenda Constitucional, de 17 de março de

1993 já houve grande discussão a respeito. O § 6º, à época inserido, estabelecia

que “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeados

com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma

da lei”.

285 “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”. Redação de acordo com a EC 41/2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jun. 2006.

Assim, procurou-se na ADIN 1441-2 excluir os servidores inativos da

disposição expressa prevista no § 6º do artigo 40 da Constituição de 1988. O então

Ministro Octávio Gallotti enfrentou de forma esclarecedora esta questão, veja-se:

Chego, assim, ao âmago da proposição dos requerentes, que exclui os servidores, aposentados da permissão contida no § 6o, acrescentado ao art. 40 da CF, pela Emenda 3, de 17.03.1993: "§6o As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei". Ao contrário dos trabalhadores na iniciativa privada, que nenhum liame conservam com seus empregadores após a rescisão do contrato de trabalho pela aposentadoria, preservam os servidores aposentados um remarcado vínculo de índole financeira, com a pessoa jurídica de direito público para que hajam trabalhado. Não é por outro motivo que interdições, tais como a imposição do teto de remuneração e as proibições de vinculação ou equiparação de vencimentos, do cômputo de acréscimos pecuniários percebidos ao mesmo título, bem como a de acumulação remunerada (incs. XI, XII, XIV e XVI do art. 37 da CF), são por igual aplicáveis tanto a servidores ativos como a inativos, no silêncio da CF. Essa perfeita simetria, entre vencimentos e proventos, é realçada pela disposição do §4o do art. 40 da CF: "§ 4o Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei." Contraste-se essa norma, concernente aos servidores públicos, com a do art. 201, §2o, destinada aos segurados do regime geral da Previdência Social, e ver-se-á que , enquanto para estes últimos é somente estatuída a preservação do valor real do benefício original, àqueles são estendidos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos funcionários em atividade, até mesmo os decorrentes de transformação ou reclassificação do cargo ou função. Dita correlação, capaz de assegurar aos inativos aumentos reais, até os motivados pela alteração das atribuições do cargo em atividade, compromete o do argumento dos requerentes, no sentido de que não existiria causa eficiente para a cobrança de contribuições do aposentado, cujos proventos são suscetíveis, como se viu , de elevação do próprio valor intrínseco, não apenas da sua representação monetária, como sucede com os trabalhadores em geral.286

Verifica-se, assim, que nesse momento não havia qualquer previsão de

imunidade de contribuição previdenciária para servidores inativos e seus

pensionistas. Esta interpretação vai ser criada quando a Emenda Constitucional

20, de 15 de dezembro de 1998, vem a incluir o § 12 ao artigo 40 da Constituição

de 1988, estabelecendo que “além do disposto neste artigo, o regime de

286 STF – ADIN 1441-2 DF – Rel. Ministro Octávio Gallotti – DJU 18.10.1996. Disponível

em: – <http://www.stf.gov.br/>. Acesso em: 01 jun. 2006.

previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que

couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência

social”.287

Ampliou-se a interpretação, e procurou-se aplicar aos servidores inativos e

pensionistas a previsão também recém-estabelecida, do artigo 195, inciso II da

Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 20, que passou a

estabelecer que a Seguridade Social seria financiada também por contribuições

sociais do “trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não

incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral

de previdência social de que trata o artigo 201”.

Ora tal interpretação extensiva foi exagerada, pois se procurou aplicar ao

regime próprio de previdência dos servidores públicos, regras específicas do

Regime Geral de Previdência Social, ou seja, a regime totalmente distinto,

aplicando-se aos servidores públicos apenas o que lhes era vantajoso do Regime

Geral. Esta não foi a intenção do dispositivo, que procurava apenas sanar

omissões existentes num regime, principalmente no que diz respeito a benefícios,

até porque, conforme ficou claro no trecho do voto do Ministro Octávio Gallotti

transcrito acima, os regimes são totalmente diferentes.

Para sanar as dúvidas trazidas com a Emenda Constitucional 20, de 15 de

dezembro de 1998, é que o constituinte derivado houve por bem em, na edição da

nova reforma da Previdência, pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro

de 2003, deixar clara a participação dos inativos e pensionistas no custeio da

previdência dos servidores públicos. Ressalta-se, mais uma vez, que não se trata

de eliminação ou extinção de uma imunidade pré-existente, que pudesse acarretar

ofensa ao princípio do não retrocesso ou mesmo às cláusulas pétreas,

simplesmente porque nunca existiu imunidade de contribuição previdenciária para

servidores públicos inativos e pensionistas.

Para além disso, não se pode descurar que a Previdência Social atua numa

constante evolução, que acompanha a transformação sucessiva da sociedade, tais

como envelhecimento da população tendo em vista os avanços da medicina. Ora,

287 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jun. 2006.

quando se fala em aposentadoria, fala-se em incapacidade para o trabalho, e não

em direito a receber acréscimo de renda. Assim, se nos anos 40 a expectativa de

vida do cidadão brasileiro não chegava aos 55 anos, hoje ela chega a 71 (setenta e

um) anos288. Não se poderia pensar que, então, a idade e o tempo para se aposentar

seriam imutáveis; da mesma forma, a questão da contribuição não pode ser

imutável.

Isto posto, não há que se falar em ofensa ao princípio da proibição do

retrocesso social, até porque para garantir o direito fundamental à previdência

social, foi necessário deixar clara a participação de todos no seu custeio, sob pena

de não o fazendo, aniquilar-se, aí sim, com um direito fundamental universal.

Constata-se, pois, que qualquer alteração da legislação infraconstitucional

ou mesmo das normas constitucionais que estabelecem as imunidades tributárias–

ainda que não se as entendam como direitos fundamentais e portanto integrantes

do núcleo imutável da Constituição – à medida que integram ou ampliam outros

direitos fundamentais, e que, porventura lhes venham a restringir seu núcleo

essencial, será inconstitucional por incidir num retrocesso social, o que não é

admitido no Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição Federal

de 1988.

288 Confira-se: “Em 2004, a esperança de vida ao nascer 1 no Brasil alcançou os 71,7 anos

(71 anos, 8 meses e 12 dias). Em relação a 2003 houve um acréscimo de 0,4 ano (4 meses e 24 dias). Entre 1980 e 2004 a expectativa de vida do brasileiro experimentou um acréscimo de 9,1 anos, ao passar de 62,6 anos, para os atuais 71,7 anos. Assim, ao longo de 24 anos, a esperança de vida ao nascer no Brasil, incrementou-se anualmente, em média, em 5 meses.” Informação disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/ noticia_visualiza.php? id_noticia=494&id_pagina=1>. Acesso em: 3 jun. 2006.

5 Conclusão

Verificou-se no presente estudo que a origem das exonerações tributárias

coincidiu com a da própria tributação. As grandes civilizações da antiguidade

conheceram alguma forma de exoneração fiscal. O Código de Manu, por exemplo,

já no século 13 a.C, fixava isenções tributárias com fundamento nas condições

físicas das pessoas, de modo que eram excluídos da tributação os cegos, os

idiotas, os paralíticos e os septuagenários. Na civilização romana, ao tempo do

Império, havia a immunitas pela qual se libertavam pessoas e situações, do

pagamento dos tributos exigidos à sustentação do Estado, incluindo os templos e

os bens públicos, o que demonstra que, já naquela época, havia preocupação em

salvaguardar da tributação valores que a sociedade de então determinava como

relevantes.

Na Idade Média, as exonerações tributárias concedidas à nobreza e ao clero

avolumaram-se. Estes privilégios fiscais eram conferidos sem qualquer critério de

razoabilidade, ditados pelo exclusivo interesse e conveniência dos favorecidos,

configurando, dessa sorte, privilégios odiosos em detrimento da plebe, não

obstante, baseados nos direitos e liberdades estamentais. Neste período da história

a nobreza e o clero, além de não se subordinarem à fiscalidade do Estado

(príncipe), constituíam fontes periféricas de normatividade. Cabia, assim, à

burguesia e aos vassalos sustentarem financeiramente as despesas do Estado.

Com a consolidação do liberalismo e o fortalecimento econômico da

burguesia, esta reivindicou atuar politicamente no Estado. Tal reivindicação não

se deu de forma pacífica, mas por meio das revoltas que a História noticia.

Destaca-se, aqui, a Revolução Francesa, de 1789, que acabou por instaurar o

Estado Liberal, buscando eliminar todos os privilégios, inclusive tributários,

baseados nos princípios da legalidade e da igualdade (formal). É desta época que

remonta a necessária correlação entre a exoneração tributária para alguns em

busca do bem comum.

No Brasil, a imunidade tributária esteve presente em todas as Constituições

republicanas, ou seja, desde a Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil de 1891, até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Colhe-se da perspectiva histórica do direito constitucional brasileiro a constatação

do crescimento do número de preceitos imunizantes nos sucessivos textos. Nesta

medida se depreende a evolução da idéia segundo a qual determinadas pessoas,

bens ou situações merecem tratamento tributário diferenciado e, portanto, devem

ser mantidos afastados do exercício da atividade tributária, ao mesmo tempo que

demonstra a tendência do constitucionalismo nacional de utilizar a imunidade

tributária como instrumento destinado a atingir resultados de interesse de toda a

sociedade.

Para além disso, várias teorias se desenvolveram em torno da natureza

jurídica das imunidades tributárias, tendo o presente estudo se atido à análise das

posições doutrinárias de Aliomar Baleeiro, José Souto Maior Borges, Hugo de

Brito Machado, José Wilson Ferreira Sobrinho e Regina Helena Costa, tecendo-

se, inclusive, algumas críticas a respeito, quando cabíveis. Desta análise,

percebeu-se que o esquema teórico positivista da autolimitação do poder tributário

praticamente não foi ultrapassado, sendo que dentre os autores nacionais

consultados são poucos os que relacionam as imunidades tributárias aos direitos

fundamentais, seja de forma omissa ou expressa.

Dentre a doutrina estudada, objetivando dar embasamento a um dos

objetivos da presente Dissertação, que é o de caracterizar a imunidade tributária

como direito fundamental, concluiu-se ser a imunidade direito subjetivo público

de certas pessoas de não se sujeitarem à tributação, porque norma constitucional

excludente da incidência da norma tributária impositiva, protegendo pessoas, bens

ou situações, ou seja, verdadeiro direito individual, já que invariavelmente

beneficia pessoas.

Feitas tais considerações, afirma-se que o instituto da imunidade tributária

não se confunde com privilégios, não obstante excepcionar princípios tão caros à

ordem tributária nacional como o da generalidade da tributação e o da capacidade

contributiva. Isto porque a imunidade tributária encontra-se justificada e

respaldada na consciência geral da sociedade brasileira, pois objetiva preservar

valores constitucionalmente assegurados. Em outras palavras, por ser próprio do

instituto dispensar certas pessoas, ainda que detentoras de capacidade econômica,

do dever de contribuir para o custeio das despesas do Estado, referida exoneração

se justifica em face do atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira

que, no momento constituinte originário, quis manter determinadas pessoas

alheias à imposição tributária, com a finalidade de preservar valores supremos, ao

ponto de merecerem proteção constitucional.

Isto porque, constituindo o tributo interferência constitucionalmente

consentida na liberdade individual, entendeu-se que a imposição tributária nas

hipóteses albergadas pelas imunidades poderia dar oportunidade ao embaraço do

exercício de determinados direitos ou, então, prejudicar o desempenho de

atividades consideradas socialmente relevantes.

Daí a razão pela qual se afirma que o instituto da imunidade, tal como

positivado no ordenamento jurídico pátrio, principalmente a partir da Constituição

de 1934 – ao prever outras hipóteses de imunidades, além daquela pertinente à

intributabilidade das pessoas políticas da Federação que protegem o próprio

princípio federativo-, tendo por cume a diversidade de previsões imunitórias

contidas no Texto de 1988, pode ser concebido como um meio à realização dos

valores constitucionais, que se opera através da desoneração fiscal, ou seja,

limitando a atuação do Estado arrecadador.

Verificou-se, também que os valores supremos da sociedade brasileira já se

encontram no próprio texto constitucional, quer seja no seu preâmbulo, quer seja

quando estipula os fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direito

brasileiro, quer seja, ainda, ao estabelecer um vasto rol de direitos fundamentais

aos seus cidadãos. Assim, quando se estudam as imunidades tributárias, como

ademais, todas as normas constitucionais, deve-se ter em vista que elas não se

encontram no Texto Supremo por descuido do constituinte, mas ao contrário,

servem elas justamente para realizar e efetivar, na maior amplitude possível,

aqueles valores que retratam a própria Sociedade brasileira.

Ressalta-se que estes valores não são meras divagações ou ideologias que se

querem apresentar, mas são valores que já se encontram expressos na

Constituição, e por isso dotados de aplicabilidade e juridicidade, tais como: o

“exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,

o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”289, a soberania, a cidadania, a

dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o

pluralismo político290, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a

garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da

marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do

bem de todos sem preconceitos ou discriminação.291

Para além disso, constatou-se, no transcorrer do presente estudo, que estes

valores juridicizados no texto constitucional mantêm estreita ligação com o

Estado Democrático de Direito calcado no princípio fundamental da dignidade da

pessoa humana e na proteção dos direitos fundamentais, pois que representam a

base ética da Constituição, que acaba por irradiar efeitos por toda a ordem

jurídica, inclusive o sistema constitucional tributário.

É através da realização dos direitos fundamentais que o princípio da

dignidade da pessoa humana encontra sua maior expressão, e é justamente neste

ponto que se encontra o fundamento comum com a imunidade tributária. Ou seja,

todos buscam resguardar valores fundamentais ao ser humano, à medida que tanto

a dignidade da pessoa humana quanto as imunidades tributárias buscam a

realização dos direitos fundamentais, do mesmo modo que sem a garantia dos

direitos fundamentais não será possível garantir uma existência digna ao ser

humano.

Enfrentou-se, ainda, no presente estudo, o fundamento dos direitos

fundamentais para concluir-se que as imunidades tributárias, enquanto limitadoras

da ação fiscal do Estado com o fim de proteger valores escolhidos pela sociedade

quando da manifestação do Poder Constituinte, são também autênticos direitos

fundamentais, “pelo aspecto vedatório que encerram, impedindo ao Estado o

exercício da tributação em razão de pessoas, bens ou situações.”292

Além de possuírem status de autênticos direitos fundamentais, pode-se

afirmar que as imunidades tributárias servem para realização de outros direitos

fundamentais, desempenhando, assim, duplo papel. Ou seja, além de garantir ao

289 Cf. Preâmbulo da Constituição Federal de 1988. 290 Artigo 1º da Constituição Federal de 1988. 291 Artigo 3º da Constituição Federal de 1988. 292 COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 289.

contribuinte o direito subjetivo de não ser tributado e, portanto, caracterizando um

direito fundamental, também instrumentaliza a proteção de outros direitos, como

por exemplo, o direito à educação, à informação, à liberdade de expressão, à

assistência social etc.

Ao se afirmar que as imunidades tributárias são autênticos direitos

fundamentais, elevam-se estas à posição de supremacia e de rigidez dos direitos

fundamentais na Carta Magna. Desta maneira, as imunidades tributárias passam a

fazer parte do núcleo imodificável da Constituição, constituindo-se em cláusulas

pétreas, e portanto, protegidas de eventual disposição por parte do Poder

Constituinte derivado, que não poderá suprimi-las nem alterá-las de forma que

possa restringir seu conteúdo.

Do mesmo modo, o legislador infraconstitucional que vier a integrar a

norma estabelecedora de uma imunidade tributária, deverá ter em vista o princípio

da proibição do retrocesso social, não lhe sendo possível revogar ou alterar uma

lei que regulamentou a norma imunizante de forma a lhe reduzir a eficácia. Assim,

na medida em que a lei integradora realiza um direito fundamental (da imunidade

tributária), não tem mais o legislador liberdade para alterar-lhe o conteúdo, salvo

se for para lhe dar maior amplitude e efetividade.

Ao final, conclui-se que as imunidades tributárias, quando entendidas e

interpretadas como direitos fundamentais, são importantes instrumentos à

realização destes direitos, assim como dos objetivos e dos princípios fundamentais

do Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição Federal de 1988,

de modo que densificam o elemento revolucionário de transformação do status

quo que o caracteriza, daí porque se afirma a utilidade desse estudo.

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