a imunidade tributÁria - os requisitos ......imunidades tributárias: limitações constitucionais...

16
1 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos infraconstitucionais para o seu reconhecimento nas Instituições de Educação e de Assistência Social José Hable _____________________________________________________________________________________ Capítulo de livro publicado: HABLE, J. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: os requisitos infraconstitucionais para o seu reconhecimento nas Instituições de Educação e de Assistência Social. In: José Eduardo Sabo Paes; Juliana Aparecida Magalhães. (Org.) Terceiro Setor e Tributação 8. 1ed. São Paulo: Elevação, v. 8, pp. 247/265, 2016. _____________________________________________________________________________________ Palavras-chave: Imunidade. Entidades Beneficentes de Educação e Assistência Social. Requisitos Infraconstitucionais. Reconhecimento Administrativo SUMÁRIO: Introdução 1. A imunidade tributária e suas peculiaridades - 2. Os requisitos infraconstitucionais e a imunidade - 3. O reconhecimento da imunidade tributária - 4. Os procedimentos administrativos para a concessão da imunidade Considerações finais - Referências. INTRODUÇÃO A superação da pobreza, da desigualdade e da exclusão social, no Brasil, são desafios que extrapolam a capacidade do ente estatal, porquanto mesmo com toda arrecadação tributária à sua disposição, o Estado sozinho tem muitas dificuldades para atender aos objetivos fundamentais discriminados na Constituição Federal de 1988 (CF/88), entre os quais, o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (Art. 3º, III). Por isso, torna-se imprescindível a atuação da iniciativa privada, que é atraída para assim agir, entre outros, por um comando constitucional denominado imunidade tributária, que tem o intuito de promover e incentivar atividades sociais, entre elas, a educação e a assistência social. Nesse estudo, pretende-se analisar as formas como os entes federativos tratam, em suas normas infraconstitucionais internas, esse instrumento imunizante de tributos, voltado principalmente ao atendimento dos requisitos constitucionais e infraconstitucionais necessários à sua concessão e os procedimentos utilizados pela Administração no reconhecimento da imunidade. O trabalho tem como ponto de referência a legislação tributária do Distrito Federal (DF), que após inúmeros debates e demandas administrativas e judiciais, sofreu alterações significativas e marcantes nos procedimentos de reconhecimento do beneplácito constitucional.

Upload: others

Post on 23-Sep-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

1

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos infraconstitucionais para o

seu reconhecimento nas Instituições de Educação e de Assistência Social

José Hable

_____________________________________________________________________________________

Capítulo de livro publicado: HABLE, J. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: os requisitos

infraconstitucionais para o seu reconhecimento nas Instituições de Educação e de Assistência Social. In:

José Eduardo Sabo Paes; Juliana Aparecida Magalhães. (Org.) Terceiro Setor e Tributação 8. 1ed. São

Paulo: Elevação, v. 8, pp. 247/265, 2016.

_____________________________________________________________________________________

Palavras-chave: Imunidade. Entidades Beneficentes de Educação e Assistência Social. Requisitos

Infraconstitucionais. Reconhecimento Administrativo

SUMÁRIO: Introdução – 1. A imunidade tributária e suas peculiaridades - 2. Os requisitos

infraconstitucionais e a imunidade - 3. O reconhecimento da imunidade tributária - 4. Os procedimentos

administrativos para a concessão da imunidade – Considerações finais - Referências.

INTRODUÇÃO

A superação da pobreza, da desigualdade e da exclusão social, no Brasil, são

desafios que extrapolam a capacidade do ente estatal, porquanto mesmo com toda

arrecadação tributária à sua disposição, o Estado sozinho tem muitas dificuldades para

atender aos objetivos fundamentais discriminados na Constituição Federal de 1988

(CF/88), entre os quais, o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais” (Art. 3º, III).

Por isso, torna-se imprescindível a atuação da iniciativa privada, que é

atraída para assim agir, entre outros, por um comando constitucional denominado

imunidade tributária, que tem o intuito de promover e incentivar atividades sociais,

entre elas, a educação e a assistência social.

Nesse estudo, pretende-se analisar as formas como os entes federativos

tratam, em suas normas infraconstitucionais internas, esse instrumento imunizante de

tributos, voltado principalmente ao atendimento dos requisitos constitucionais e

infraconstitucionais necessários à sua concessão e os procedimentos utilizados pela

Administração no reconhecimento da imunidade.

O trabalho tem como ponto de referência a legislação tributária do Distrito

Federal (DF), que após inúmeros debates e demandas administrativas e judiciais, sofreu

alterações significativas e marcantes nos procedimentos de reconhecimento do

beneplácito constitucional.

Page 2: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

2

1. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E SUAS PECULIARIDADES

Imunidade tributária é um tema previsto na Carta Magna de 1988, no Título

VI, que trata das limitações do poder de tributar. Sendo uma exclusão ao poder de

tributar, a imunidade tributária é um privilégio constitucional, com a impossibilidade da

incidência tributária, ou seja, a não-incidência, por não existir disposição legal que

preveja a ocorrência do fato gerador do tributo.

1.1 Como fenômeno de natureza constitucional,1 sempre que o texto

constitucional estiver exonerando ou impedindo a imposição tributária, está-se a tratar

de imunidade,2 independente do termo utilizado, segundo entendimento já pacificado

pelo Supremo Tribunal Federal (STF).3

Por outro lado, a CF/88, ao utilizar, no art. 150, VI, “c”,4 a expressão

atendidos os requisitos da lei, reclamou por uma lei de natureza complementar, nos

termos do seu art. 146, II.5 Este é o entendimento do STF,6 pois esse art. 146 “determina

competir à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”

1.2 Via de regra, a imunidade tributária está prescrita em norma de eficácia

plena e aplicabilidade imediata,7 não estando a depender de leis ou decretos que a

regulamentem, e nem prescinde de qualquer procedimento para reconhecê-la.

Entretanto, quando se está a tratar da imunidade tributária das instituições

de educação e de assistência social, disposta na alínea “c”, do inciso VI, do art. 150 da

1 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22 ed. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 682. 2 Na Carta Magna têm-se as expressões: “é vedado ...” (art. 150, VI); “são isentas ...” (art. 184, § 5º e art.

195, § 7º); “não incidirá ...” (art. 153, § 3º, III e § 4º, II, art. 155, § 2º, X), “Art. 195. (...) § 7º - São

isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que

atendam às exigências estabelecidas em lei.” 3 BRASIL. STF. ROMS n° 22.192-9, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, in DI de 19.12.96. Nesse

sentido, também o RE 168.110-DF, rel. Min. Moreira Alves, 04/04/2000, ao trata do art. 184, § 5º da

CF/88, que dispõe: “§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de

transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.” Disponível em:

http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2015. 4 BRASIL. CF/88. “Art. 150 (...) VI - instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos

partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” (grifos não do

original) 5 Há doutrinadores que entendem ser lei ordinária. Nesse sentido, Oswaldo Othon e Carlos Valder do

Nascimento. Imunidade tributária, Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 4. Coord. de Ives

Gandra, São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais, 1998, p. 348 e 736,

respectivamente. 6 BRASIL, STF, AI 740563 AgR / SP. Rel: Min. LUIZ FUX. Primeira Turma. Julgamento: 02/04/2013.

DJe-077 DIVULG 24-04-2013 PUBLIC 25-04-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em:

01 jun. 2015. 7 CARRAZZA, R. A. Obra citada, p. 687.

Page 3: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

3

CF/88, exige-se uma efetiva comprovação do atendimento às exigências

infraconstitucionais, e assim a norma deixa de ser de eficácia plena e aplicabilidade

imediata, transformando-se em regra de eficácia contida e aplicabilidade

condicionada,8 ao atendimento de requisitos infraconstitucionais.

1.3 Há de se observar também que a CF/88, no seu art. 150, VI,9

expressamente estabelece que a limitação constitucional ao poder de tributar refere-se

tão somente à espécie de tributo denominada imposto, isto é, trata-se de um tributo não-

vinculado a uma atuação estatal, que não está atrelado a uma contraprestação.10 E,

ainda, que essa vedação constitucional de instituir impostos limita-se apenas ao

conteúdo econômico relacionado ao patrimônio, renda ou serviços das instituições de

educação e de assistência social.11

2. OS REQUISITOS INFRACONSTITUCIONAIS E A IMUNIDADE

Quando a CF/88 limita o poder de tributar do Estado a determinadas

entidades, essa desoneração não é concedida de forma aleatória e gratuita, porquanto

exige-se das entidades, interessadas pela imunidade, o cumprimento de diversos

requisitos previstos, ou na própria Lei Maior, ou em leis infraconstitucionais de

natureza complementar.

2.1 Como se está a tratar de entidades específicas, no caso, de educação e

assistência social, naturalmente que o primeiro requisito a ser observado é se ela está

constituída e em funcionamento como instituição de educação ou de assistência social

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 192. 9 BRASIL. CF/88. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir IMPOSTOS sobre: (...) c)

patrimônio, renda ou serviços (...), das instituições de educação e de assistência social, sem fins

lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (grifos não do original) 10 BRASIL. CTN, “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação

independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” 11 São considerados impostos sobre o patrimônio, o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR

(CF/88, art. 153, VI), de competência da União; o Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de

quaisquer bens ou direitos – ITCD (CF/88, art. 155, I), e Imposto sobre propriedade de veículos

automotores - IPVA (CF/88, art. 155, III), ambos de competência dos Estados e Distrito Federal; e o

Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU (CF/88, art. 156, I) e Imposto sobre

transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão

física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua

aquisição - ITBI (CF/88, art. 156, II), de competência dos Municípios e Distrito Federal. O imposto sobre

a renda alcançado pela imunidade é o Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza – IR

(CF/88, art. 153, III), de competência da União. E por fim, sobre o serviço por elas prestado, a imunidade

refere-se ao Imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos

em lei complementar – ISS (CF/88, art. 156, III), de competência dos Municípios e Distrito Federal.

Page 4: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

4

perante os órgãos do Poder Público,12 e segundo as normas legais regentes,13 para que

seja assim considerada e possa como tal funcionar.14

2.2 Constituída e em funcionamento como instituição de educação ou de

assistência social, para almejar a imunidade é necessário também que a entidade seja

sem fins lucrativos, exigência essa estabelecida pela própria CF/88.15 Segundo a

doutrina, uma instituição é considerada sem lucrativos quando “não tenha por objetivo

distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a

instituíram,”16 ou seja, que não distribua lucros e não reverta seu patrimônio às pessoas

que a criou. Em verdade, todo e qualquer rendimento da entidade deve ser revertido

integralmente aos seus objetivos sociais, no fomento da própria atividade que

desempenha.17

2.3 Cumpridos esses dois requisitos, de ser reconhecida perante os órgãos

públicos como uma instituição de educação ou de assistência social, e classificada sem

fins lucrativos, é preciso ainda cumprir outro requisito disposto no próprio texto

constitucional, que é estar tanto o seu patrimônio, a renda e os serviços, relacionados

com suas finalidades essenciais, conforme estabelece o § 4º do art. 150, da CF/88.18

Em realidade, a entidade pode desenvolver diversas atividades, essenciais

ou não, porém somente serão agraciadas pela exclusão constitucional ao poder de

tributar quando vier a praticar aquelas atividades descritas como essenciais,

direcionadas ao interesse da sociedade.

12 BRASIL. CF/88. “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas

com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e

organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a

coordenação e as NORMAS GERAIS à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos

programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;”

(grifos não do original). E ainda: “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes

condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de

qualidade pelo Poder Público.” 13 Leis federais ordinárias nº 8.742/1993; nº 11/1995; nº 12.101/2009, nº 12.881/2013 e nº 13.019/14,

entre outras. 14 HABLE, José. A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a imunidade tributária.

Terceiro Setor e Tributação. vol. 4. PAES, José Eduardo Sabo (Org), Brasília: Editora Forense, 2011, p.

105. 15 BASIL. CF/88. “Art. 150, VI, “c”: “ (...) das instituições de educação e de assistência social, sem fins

lucrativos”. 16 BARRETO, Aires e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao

Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade Tributária das Entidades de Interesse Social – com ênfase na Remuneração

dos dirigentes. Terceiro Setor e Tributação. vol. 3. PAES, José Eduardo Sabo Paes (Coord.), HABLE,

Jose (Coord. Adj.). Brasília: Editora Fortium, 2009, p. 76. 18 BRASIL. CF/88. Art. 150. (...) § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c",

compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais

das entidades nelas mencionadas. (Grifos não do original).

Page 5: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

5

Contudo, nesse ponto a concessão ou não da imunidade à entidade está a

depender da interpretação a ser dada à expressão “relacionados com as finalidades

essenciais das entidades”, podendo seu alcance ser ampliado ou diminuído.

2.4 Embora haja diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais, com

interpretações restritivas,19 moderadas,20 ou ampliativas, o STF, com um

posicionamento mais flexível, entende que a expressão deve ter uma interpretação

finalística, pautada na destinação que é dada à renda ou rendimento auferido no

desempenho da atividade determinada pela Constituição, e não pela análise de sua

procedência.21 Assim, segundo o STF, desde que o respectivo rendimento se reverta às

suas finalidades essenciais,22 a entidade é imune aos impostos sobre o patrimônio, renda

e serviços, mesmo que decorram da exploração de atividades econômicas não

relacionadas com a finalidade essencial da entidade imune.

Observam-se, no entanto, julgados menos flexíveis do STF, ao se afirmar

que “Imóveis locados e lotes não edificados ficam sujeitos ao Imposto Predial e

Territorial Urbano – IPTU”,23 ou ainda, “A mera titularidade do bem imóvel não fixa

presunção absoluta e irretorquível de que terreno baldio ou vago está sendo utilizado

para atender as finalidades constitucionalmente salvaguardadas pela imunidade

tributária.”,24 bem como, “2. O benefício não será aplicável, dentre outros motivos, se

19 GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária. In: Imunidades Tributárias. MARTINS, Ives Gandra da

Silva (Coord). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 718. Doutrina: “Se uma renda veio de

uma atividade não relacionada com as finalidades essenciais da entidade, não haverá imunidade, ainda

que venha a ser aplicada segundo as exigências do CTN.” 20 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. Brasília: 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 832.

Afirma o autor: “Identifico a aplicação, nesse caso do princípio da razoabilidade; o que viria em boa hora

limitar este entendimento mais amplo.” 21 BRASIL. STF. RE nº 218.503-8/SP, publicado no DJ de 29/10/99 – ISS sobre o preço cobrado em

estacionamento de veículos. RE 243.807/SP, publicado no DJ 28/4/2000 - Imposto de Importação e IPI

na importação de “bolsas para coleta de sangue” a serem utilizadas na prestação de serviços específicos

da entidade, e RE nº 237.718, publicado no DJ de 6/9/2001 - IPTU no caso de aluguel de imóvel para

terceiros, entre outros. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 06 jul. 2015. 22 Esse entendimento está sagrado na SÚMULA VINCULANTE 52: “Ainda quando alugado a terceiros,

permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c",

da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais

entidades foram constituídas.” (grifos não do original) 23 BRASIL. STF. AI 661713 AgR / SP. Rel. Min. DIAS TOFFOLI. Relator p/ Acórdão: Min. MARCO

AURÉLIO. Julgamento: 19/03/2013. Órgão Julgador: Primeira Turma. DJe-099 DIVULG 24-05-2013

PUBLIC 27-05-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jul. 2015. 24 BRASIL. STF. AI 758316 AgR / PR. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 25/09/2012.

Segunda Turma. DJe-211 DIVULG 25-10-2012 PUBLIC 26-10-2012. Disponível em:

http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2015.

Page 6: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

6

ficar constatado (i) desvio de finalidade ou (ii) risco à concorrência e à livre

iniciativa.”25

3. O RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

A imunidade tributária das instituições de educação e de assistência social é

uma vedação constitucional subjetiva, isto é, “condicionada” ou “condicionável” ao

preenchimento de determinados requisitos infraconstitucionais. E dessa maneira, em

regra, ela não é reconhecida automaticamente pelos órgãos fazendários, exigindo-se o

cumprimento dos mencionados requisitos.

3.1 Conforme já colocado, a Lei Maior, no seu art. 146, II, confere

competência à lei complementar (LC) para regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar. E no ordenamento jurídico brasileiro, é a Lei nº 5.172, de 1966,26

denominada de Código Tributário Nacional (CTN), que faz essa regulamentação, ao

apresentar no seu art. 14, em numerus clausus, todos os requisitos a serem observados.

3.2 O inciso I, do art. 14 do CTN,27 proíbe a distribuição de parcela de seu

patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título. Esse dispositivo, em outras palavras,

está a determinar que os excedentes da entidade devem ser aplicados na própria

instituição, não podendo ser distribuídos, a qualquer título, nem como lucros, nem como

dividendos aos seus fundadores, administradores ou mantenedores, confirmando, com

isso, a exigênca constitucional de que a entidade não pode ter fins lucrativos.

Uma das grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais, quanto a esse

item, está na interpretação a ser dada à remuneração dos dirigentes das entidades

imunes, se é ou não uma forma de distribuição de renda, a qualquer título, e assim estar

contida no requisito do inciso I do art. 14 do CTN, mormente quando legislações de

entes federados, tanto federal, estadual quanto municipal, assim se expressam, a

exemplo do que dispunham as leis ordinárias federais: Lei nº 9.532, de 1997, em seu art.

25 BRASIL. STF. RE 259976 AgR-ED/RS. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 19/10/2010.

Segunda Turma. DJe-217 DIVULG 11-11-2010 PUBLIC 12-11-2010. Disponível em:

http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2015. 26 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25/10/1966. CTN. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui

normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Foi acolhida pela CF/88, em

seu art. 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como lei complementar em sentido

material. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2015. 27 BRASIL. CTN. “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância

dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu

patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (...) Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso

em: 22 jul. 2015.

Page 7: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

7

12, § 2º, “a”,28 Lei nº 91, de 1935, art. 1º, “c”,29 e Lei nº 12.101, de 2009, art. 29, I,30 e

dispõe o Código Tributário do Município de Goiânia,31 entre tantas outras.

Cabe ressaltar que a Lei nº 13.151, de 28/07/2015, trouxe significativas

alterações, nas citadas leis (Lei nº 9.532, de 1997, Lei nº 91, de 1935 e Lei nº 12.101, de

2009), ao dispor que a vedação de remuneração dos dirigentes não se aplica às

associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, nesses termos:

“(...) exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins

lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem

efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os

valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de

atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da

entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso

das fundações;” (grifos não do original)

Diversos estudos doutrinários,32 por sua vez, demonstram que remunerar

dirigente ou administrador da entidade é muito diferente de distribuir rendas ou lucros,

pois remuneração não é distribuição e muito menos de patrimônio ou renda, pois

ninguém distribui salários, fruto de um trabalho se assim comprovado, a não ser que

tenha o intuito de forjar uma distribuição disfarçada de renda, que cabe à Administração

demonstrar e comprovar.

A discussão também se estende quanto à validade e eficácia dessas leis de

rito ordinário, que tratam de matéria sob exigência complementar, por ordem

28 BRASIL. Lei nº 9.532, de 1997. “Art. 12. (...) § 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se

refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos: (...) a) não remunerar, por qualquer

forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; (grifos não do original). A mencionada Lei está sendo

questionada, quanto à sua constitucionalidade, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.802-3/DF,

sob a alegação, entre outras, de ofender à reserva de lei complementar. 29 BRASIL. Lei nº 91, de 1935. “Art 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituídas

no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de

utilidade publica, provados os seguintes requisitos:.(...) c) que os cargos de sua diretoria, conselhos

fiscais, deliberativos ou consultivos não são remunerados. (Redação dada pela Lei nº 6.639, de

8.5.1979)” (grifos não do original) 30 BRASIL. Lei nº 12.101, de 2009, “Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II

fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de

julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos: I - não percebam seus

diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta

ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que

lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;” (grifos não do original) 31 GOIANIA. Lei n°. 5.040, de 1975. Art. 8º. Para efeito do disposto no art. 150, VI, “c”, da Constituição

Federal e no art. 7º., III, desta Lei, considera-se imune a instituição de educação e de assistência social

(...) e que atendam aos seguintes requisitos: (Art. 8º., com redação da Lei Complementar n°. 128, de

01/12/2003) I. Não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; (Inciso I,

com redação da Lei Complementar n°. 128, de 01/12/2003) (grifos não do original) 32 CARRAZZA, R. A. Obra citada, p. 734.

Page 8: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

8

constitucional.33 Porquanto, qualquer requisito ou condição dispostos em norma legal

para a fruição da imunidade tributária somente podem ser exigidos do interessado se

estiverem em norma de cunho complementar, devendo ser rechaçadas pelo Poder

Judiciário por estarem eivadas de inconstitucionalidade formal (pela falta de lei

complementar competente) e material (por requisitos não contemplados na Constituição

Federal).34

3.3 Pelo inciso II, do art. 14, do CTN,35 para que a entidade possa ser imune

à tributação de impostos, sobre o seu patrimômio, renda ou serviços, deve ela aplicar

integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais.

O alcance desse inciso II também está na forma de sua interpretação, se

mais restritiva ou ampliativa. E nesse sentido, prevaleceu também a interpretação

finalística, mais flexível, em que se defende que desde que as aplicações, investimentos,

ou outros aplicativos realizados no exterior, retornem ao atendimento das finalidades

essenciais das pessoas jurídicas não está prejudicada a fruição da imunidade.36 E assim,

o STF37 pacificou a questão em debate, ao ementar, entre outros, que “1. A imunidade

tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades

assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional, além de suas

aplicações financeiras.” (grifos não do original).

3.4 E por fim, tem-se o inciso III, do art. 14, do CTN,38 que trata da

manutenção da escrituração das receitas e despesas em livros revestidos de formalidades

capazes de assegurar sua exatidão. Está-se assim a exigir da entidade que mantenha os

seus livros de escrituração contábil em perfeita ordem e clareza, pois é por meio deles

33 HABLE, Jose. A Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e a Imunidade

Tributária. Terceiro Setor e Tributação. vol. 4. PAES, José Eduardo Sabo (Coord.). Brasília: Editora

Forense, 2011, p. 113. 34 HABLE, Jose. Procedimentos Administrativos Para o Reconhecimento da Imunidade Tributária:

Necessidade de Requerimento prévio do Interessado e do Ato Declaratório do Poder Público. Terceiro

Setor e Tributação. vol. 5. PAES, José Eduardo Sabo (Coord.) Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p.

92. 35 BRASIL. CTN. “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância

dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: (...); II - aplicarem integralmente, no País, os seus

recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; 36 HABLE, José. A imunidade tributária das instituições de educação, a aplicação integral, no País, de

seus recursos na manutenção de suas finalidades essenciais. Terceiro Setor e Tributação. vol. 2. PAES,

José Eduardo Sabo (Org.), Brasília: Fortium, 2008, p. 95. 37 BRASIL. STF. AI 749009 AgR / SP. Rel. Min. LUIZ FUX. Julgamento: 13/03/2012. Primeira Turma.

DJe-064 Divulg. 28-03-2012 - Public 29-03-2012. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 22

maio 2014. 38 BRASIL. CTN. “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância

dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: (...) III - manterem escrituração de suas receitas e

despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”

Page 9: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

9

que são fornecidos os dados para gerar as demonstrações financeiras e os balanços

patrimoniais da pessoa jurídica, assim como informações à Administração tributária.39 É

desse modo que o Fisco terá condições de analisar o cumprimento dos requisitos

necessários à fruição do beneplácito constitucional, evitando com isso fraudes na

manipulação de informações contábeis, a fim de mascarar a distribuição de lucros ou do

patrimônio, entre outros.

4. OS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS PARA A CONCESSÃO DA

IMUNIDADE

Como já explicitado, em regra, a imunidade não é reconhecida

automaticamente pelos órgãos fazendários, e, no mais das vezes, além do cumprimento

dos requisitos dispostos no art. 14 do CTN, exigem-se mais alguns procedimentos

administrativos prescritos nas legislações regentes internas de cada ente da federação,

para só então, após uma análise da Administração, poder ser concedida ou não a

imunidade, por meio de um ato administrativo. Relevante enfatizar, nesse instante, que a

vigência da lei tributária no espaço, como regra, observa o princípio da territorialidade,

ou seja, a lei vige no território da pessoa jurídica de direito público que a editou. E

assim, em regra, se o ente da federação tiver legislação própria que trata

especificamente de imunidade, esta deve ser aplicada em seu território. A

extraterritorialidade é uma exceção.

4.1 É muito comum, nesse caminhar, estarem previstos nas legislações dos

entes federados40 a exigência do interessado pelo benefício de um prévio requerimento,

39 Sabe-se que os beneficiados pela imunidade são obrigados a cumprir as obrigações acessórias, que são

obrigações de fazer, no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, como a emissão de

notas fiscais, escrituração dos livros fiscais, etc., porquanto a imunidade alcança apenas a obrigação

principal, que tem por objeto o pagamento do tributo (CTN, art. 194, e parágrafo único). 40 Entre outros, dispõe a legislação do Município de Fortaleza, “Art. 334 - É vedado ao Município

instituir impostos sobre (Art. 150, Constituição Federal): (...) III - patrimônio e os serviços dos partidos

políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação

e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os seguintes requisitos (Art. 14 da Lei Federal nº

5.172, de 25.10.66 - Código Tributário Nacional): (...) Art. 337 - A isenção, quando não concedida em

caráter geral, ou a imunidade tributária constitucional, na hipótese do inciso III do Art. 334, será

efetivada, em cada caso, por despacho da Autoridade Administrativa, em requerimento no qual o

interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei

para sua concessão (Art. 35 da Lei nº 4.144/72). (grifamos). Disponível em:

http://www.sefin.fortaleza.ce.gov.br/legislacao/gerados/cons_procfiscal_benefiscais.asp. acesso em 13

jul. 2015. No mesmo sentido, a Lei n°. 5.040, de 1975, que dispõe sobre o Código Tributário do

Município de Goiânia, que estabelece: “Art. 7º. Por força de disposições constitucionais, são imunes aos

impostos municipais: (...) III. O patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas

fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social,

Page 10: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

10

além de seu reconhecimento dar-se por meio de ato declaratório, a exemplo do que

dispõe, a Lei do DF nº 4.567/2011:41

Art. 64. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral

dependerá de requerimento formulado pelo interessado ou por seu

representante, no qual se comprovem os requisitos legais exigidos.

§ 1º Os benefícios fiscais poderão ser reconhecidos a partir de dados

cadastrais fornecidos por órgãos da administração pública direta ou indireta.

(...)

Art. 67. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral se dará

por Ato Declaratório ou por Despacho de Reconhecimento, na forma da

legislação. (grifos não do original)

Por esses dispositivos, verifica-se que o reconhecimento de benefícios

fiscais de caráter não geral está a depender de requerimento formulado pelo

interessado, sem o qual não lhe será concedido, podendo, no entanto, haver a

possibilidade de ser reconhecido a partir de dados cadastrais fornecidos por órgão

público. E ainda que o seu reconhecimento dar-se-á por Ato Declaratório ou por

Despacho de Reconhecimento.

4.2 Tem-se por benefício de caráter não geral, a exemplo da isenção

especial, aquele que é concedido, em cada caso, por despacho da autoridade

administrativa, com base em requerimento no qual o interessado faz prova do

preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei.42 Em

realidade, esses procedimentos (requerimento, preenchimento e cumprimento de

requisitos) são necessários ao deferimento do benefício e não ao seu reconhecimento

que é dado pela lei.43

Em sendo assim, na concessão de benefício de caráter não geral, torna-se

necessário que o interessado apresente requerimento, por meio do qual vai demonstrar o

seu interesse e o preenchimento e cumprimento dos requisitos descritos em lei, para que

possa então desfrutar do benefício.

4.3 O questionamento que se faz, nesse momento, é se a imunidade

tributária das Instituições de Educação e de Assistência Social, estabelecida no art. 150,

sem fins lucrativos, atendidos os requisitos do art. 8º. (...) § 8º. As instituições previstas no inciso III,

deverão requerer na Secretaria Municipal de Finanças, a Declaração de Reconhecimento de Imunidade

Tributária. 41 DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.567, de 09 de maio de 2011. Dispõe sobre o processo administrativo

fiscal, contencioso e voluntário, no âmbito do Distrito Federal e dá outras providências. Disponível em:

http://www.fazenda.df.gov.br. Acesso em: 20 jul. 2015. 42 É o que dispõe o CTN, "Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em

cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça

prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para

sua concessão." 43 BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. São Paulo: Sugestões literárias, 1998, p. 156/157.

Page 11: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

11

VI, “c”, da CF/88, considerada como “condicionada”, é um benefício de caráter geral ou

não geral?

Já defendemos alhures que “a imunidade é um privilégio de caráter

genérico, por ser concedido a todos que se encontrem numa situação descrita na

CF/88.”44 E, “mesmo sendo necessário o cumprimento de requisitos legais, nos termos

do art. 150, VI, “c”, da CF/88, a imunidade tributária é um benefício fiscal de caráter

geral, o que dispensa, por si só, a exigência de requerimento prévio”.45

Contudo, nos termos da Lei distrital nº 4.567/11, por estar essa imunidade

tributária condicionada ao cumprimento de requisitos legais, foi ela considerada pela

norma legal como um benefício de caráter não geral, disciplina nos seus arts. 64 a 70,

quando trata no seu CAPÍTULO II DO PROCESSO DE RECONHECIMENTO DE

BENEFÍCIO FISCAL DE CARÁTER NÃO GERAL.

4.4 Defendemos também que a exigência de prévio requerimento e de ato

declaratório, por si só, não podem ser motivos para a suspensão do beneplácito da

imunidade tributária, mormente porque “não há contemplação desse requisito em norma

complementar, para que possa ser exigido para a sua concessão.”46 Pois, toda norma que

dispuser sobre requisitos para o gozo de imunidade tributária, e não tiver natureza

complementar, terá sua validade e eficácia duvidosas, por flagrante vício de

inconstitucionalidade, conforme já exposto no item 4.2.

4.5 Importante, no entanto, afirmar que, não obstante esse entendimento

sobre vícios de inconstitucionalidade, enquanto estiver a lei no mundo jurídico, é ela

válida e deve ser observada por todos a quem alcance, não podendo órgão da

administração tributária deixar de aplicá-la, sob a alegação desses defeitos.

Desse modo, se a legislação tributária vier a exigir prévio requerimento

formulado pelo interessado para o reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não

geral, torna-se imprescindível essa manifestação prévia do interessado, para requer o

benefício.

É o típico caso, por exemplo, de uma instituição de assistência social ter seu

benefício de imunidade suspenso ou cassado pelo descumprimento de um dos requisitos

44 HABLE, Jose. Procedimentos Administrativos Para o Reconhecimento da Imunidade Tributária:

Necessidade de Requerimento prévio do Interessado e do Ato Declaratório do Poder Público.

Terceiro Setor e Tributação. vol. 5. PAES, José Eduardo Sabo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p.

92. 45 HABLE. Jose. Instituições de Educação e de Assistência Social – Imunidade Tributária - aspectos

relevantes e polêmicos. Terceiro Setor e Tributação. vol. 6. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, p.

235. 46 Idem. p. 236.

Page 12: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

12

dispostos no art. 14 do CTN. E assim, enquanto a entidade não vier perante a

Administração tributária requer novamente a sua imunidade, demonstrando que saneou

a infração cometida, o benefício permanecerá suspenso, por que assim dispõe

expressamente a legislação.47

Muito comum é a entidade, que teve seu benefício cassado ou suspenso,

permanecer inerte, e em silêncio por anos, e quando autuada pelo Fisco, cobrando o

imposto devido, alegar que era obrigação do Fisco alertá-la e efetuar, em cada exercício,

novamente a cassação ou suspensão da imunidade.

Nesse caminhar, cassado o beneplácito fiscal, cabe tão somente ao

interessado requerê-lo novamente, demonstrando que corrigiu as falhas apontadas pelo

Fisco, quando da suspensão ou cassação, e que cumpre novamente os requisitos legais

para sua fruição.

Nos termos da legislação tributária do DF, por exemplo, permanece a

cassação do benefício até que o interessado manifeste interesse, por meio de

requerimento próprio, para a concessão do benefício,48 com o objetivo claro de que já

estaria apta a ter novamente o benefício, em que demonstra sua regularidade.

4.6 No DF, entretanto, no ano de 2014 houve alterações significativas na sua

legislação. O Decreto nº 36.000, de 12/11/2014, acrescentou ao Decreto nº 33.269, de

2011, novas regras, nesses termos:

“Art. 92. (...)

§ 2º A suspensão da imunidade aplicar-se-á em relação a todos os anos-

calendários em que for constatada a irregularidade que lhe deu causa,

sendo restabelecida no exercício seguinte, desde que preenchidas as

condições previstas no artigo 14 do Código Tributário Nacional.

§ 3º Constatado que a instituição beneficiária de imunidade de tributos não

está observando os requisitos legais para o seu gozo, a autoridade fiscal

competente expedirá notificação fiscal, na qual relatará os fatos que

autorizam a suspensão do benefício, indicando inclusive a data da ocorrência

da infração apurada.

§ 4º Não se considera descumprimento de condição para a fruição de

imunidade a ausência de requerimento prévio do interessado e de Ato

Declaratório.” (grifos não do original)

47 DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.567/11. “Art. 64. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter

não geral dependerá de requerimento formulado pelo interessado ou por seu representante, no qual se

comprovem os requisitos legais exigidos. (...) “Art. 67. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter

não geral se dará por Ato Declaratório ou por Despacho de Reconhecimento, na forma da legislação.”

(grifamos) 48 E o órgão julgador administrativo, quando da análise, deve-se restringir ao que dispõe a norma legal.

Lei distrital nº 4.567/11: “Art. 43. (...) § 2º A autoridade julgadora formulará o julgamento do processo

plenamente vinculado à legislação tributária, restringindo-se à matéria impugnada.” (...) “Art. 64. O

reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral dependerá de requerimento formulado pelo

interessado ou por seu representante, no qual se comprovem os requisitos legais exigidos.” (grifos não do

original)

Page 13: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

13

Por esses dispositivos normativos regulamentares tem-se:

a) deixou-se de utilizar o termo cassação e passou a ser usado suspensão da

imunidade (§ 2º), estando em conformidade com o que já dispunha o CTN, art. 14, §

1º;49

b) a suspensão aplica-se apenas aos anos-calendários em que for constatada

a irregularidade (§ 2º);

c) o benefício será restabelecido no exercício seguinte, porém desde que

preenchidas as condições estabelecidas no art. 14 do CTN. Ou seja, não é automático,

cabendo definir a quem caberá provocar o seu restabelecimento: ao Fisco ou ao

interessado. Mais coerente, ao Interessado pleitear e ao Fisco analisar o cumprimento

dos requisitos legais para o seu gozo, e se não cumpridos, notificá-lo do fato (§ 3º); e,

e) a ausência de requerimento prévio do interessado e de Ato Declaratório

não é descumprimento de condição para a fruição de imunidade (§ 4º), conforme já

defendemos, por não se tratar de requisito disposto no art. 14 do CTN. Ou seja, o fato,

por si só, de não ter requerido ou não possuir o ato declarado, não enseja a suspensão do

benefício, exigindo da Administração uma análise do cumprimento dos requisitos do

art. 14 do CTN.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imunidade tributária, como limitação ao poder de tributar, é um fenômeno

constitucional, e assim todos os casos de imunidade tributária estão expressamente

dispostos na CF/88. Nesse sentido, conclui-se:

1. A natureza jurídica da norma que trata sobre imunidade tributária, nos

termos do art. 146, II, da CF/88, reclama lei complementar, a exemplo do CTN, que

disciplina, nos termos do seu art. 14, todos os requisitos infraconstitucionais a serem

observados.

2. Qualquer condição ou exigência disposta em norma legal para a fruição

da imunidade tributária somente pode ser exigida se estiver em norma de cunho

complementar. E nesse entendimento, toda norma que contenha requisitos não previstos

49 A Lei distrital nº 4.567/11 permanece com a expressão cassação: “Art. 68. O benefício fiscal será

cassado sempre que se verificar o descumprimento das condições para a sua fruição.”

Page 14: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

14

em lei de natureza complementar tem sua validade e eficácia duvidosas, por ofensa a

dispositivo constitucional.

3. Quanto à eficácia da norma imunizante, das instituições de educação e de

assistência social, rege-se com eficácia contida e aplicabilidade condicionada,

porquanto exige-se uma efetiva comprovação do cumprimento a determinadas

condições infraconstitucionais, conforme reza a própria CF/88, no art. 150, VI, “c”.

4. Para que as entidades de educação e assistência social possam ser

beneficiárias da imunidade tributária, necessário que atendam diversas exigências

previstas na própria Carta Magna ou em lei infraconstitucional de natureza

complementar, entre elas: a) ser instituição de educação ou assistência social; b) ser

entidade sem fins lucrativos; c) a imunidade limita-se à espécie de tributo denominada

imposto e que recai sobre seu patrimônio, renda ou serviços que estejam relacionados

com as finalidades essenciais da entidade; e d) desde que atendidos os requisitos

infraconstitucionais dispostos no art. 14 do CTN.

5. A imunidade não é reconhecida automaticamente pelos órgãos

fazendários e, além do cumprimento dos requisitos dispostos no art. 14 do CTN,

exigem-se outros procedimentos administrativos prescritos nas legislações regentes

internas de cada ente da federação, como o prévio requerimento, além de seu

reconhecimento dar-se por meio de ato declaratório.

6. A exigência de prévio requerimento e de ato declaratório, por si só, não

podem ser motivos para a suspensão do beneplácito da imunidade tributária, mormente

porque não há contemplação desse requisito em norma complementar, para que possa

ser exigido para a sua concessão.

7. Embora a alegação de vícios de inconstitucionalidade, enquanto estiver a

lei no mundo jurídico, é ela válida e deve ser observada por todos a quem alcance, não

podendo órgão da administração tributária deixar de aplicá-la, sob a alegação desses

defeitos.

8. Se o ente da federação tiver legislação própria que trata especificamente

de a matéria imunidade, relacionada ao atendimento de requisitos, esta deve ser aplicada

em seu território.

9. No DF, no ano de 2014, houve alterações significativas na sua legislação

tributária, nesses termos: (a) alterou-se o termo cassação para suspensão da imunidade,

devendo ser aplicada apenas aos anos-calendários em que for constatada a

irregularidade; (b) o benefício será restabelecido no exercício seguinte, porém desde que

Page 15: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

15

preenchidas as condições estabelecidas no art. 14 do CTN; e, (c) a ausência de

requerimento prévio do interessado e de Ato Declaratório não é descumprimento de

condição para a fruição de imunidade, entres outras.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Aires e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações

Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999.

BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias, São Paulo: Sugestões literárias, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01 jul. 2015.

_______. Código Tributário Nacional. Disponível em:

http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/codigos-1#content. Acesso em: 01 jul.

2015.

_______. STF. RE nº 218.503-8/SP. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 06 jul.

2015.

________. STF. AI 661713 AgR / SP. Rel. Min. DIAS TOFFOLI. Relator p/ Acórdão: Min.

MARCO AURÉLIO. Julgamento: 19/03/2013. Órgão Julgador: Primeira Turma. DJe-099

DIVULG 24-05-2013 PUBLIC 27-05-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em:

01 jul. 2015.

________. STF. AI 758316 AgR / PR. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento:

25/09/2012. Segunda Turma. DJe-211 Divulg. 25-10-2012. Pub. 26-10-2012. Disponível em:

http://www.stf.jus.br. Acesso em: 02 jun. 2015

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22 ed., São Paulo:

Malheiros, 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª ed. Rev. São Paulo: Saraiva,

2005.

DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.567, de 09 de maio de 2011. Disponível em:

http://www.fazenda.df.gov.br . Acesso em: 20 jul. 2015.

GOIANIA. Lei n°. 5.040, de 20 de novembro de 1975. Disponível em:

http://www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados/legis/1975/lo_19751120_000005

040.html . Acesso em: 20 jul. 2015.

GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária. Coord. Ives Gandra da Silva Martins.

Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

HABLE. Jose. Instituições de Educação e de Assistência Social – Imunidade Tributária -

aspectos relevantes e polêmicos. Terceiro Setor e Tributação. vol. 6. PAES, Jose Eduardo

Sabo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. pp. 225/259.

Page 16: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - os requisitos ......Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 17 HABLE, Jose. Imunidade

16

_______. Procedimentos administrativos para o reconhecimento da imunidade tributária:

necessidade de requerimento prévio do interessado e do ato declaratório do Poder Público.

Terceiro Setor e Tributação. vol. 5 PAES, Jose Eduardo Sabo. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2012.

_______.A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a imunidade tributária.

Terceiro Setor e Tributação. vol. 4. PAES, José Eduardo Sabo (Coord.). Rio de Janeiro:

Editora Forense, ano 2011.

_______. Imunidade Tributária das Entidades de Interesse Social – com ênfase na Remuneração

dos dirigentes. Terceiro Setor e Tributação. vol. 3. PAES, José Eduardo Sabo (Coord.).

HABLE, José (Coord. Adj). Brasília: Editora Fortium, ano 2009.

_______. A imunidade tributária das instituições de educação, a aplicação integral, no país, de

seus recursos na manutenção de suas finalidades essenciais. Terceiro Setor e Tributação. vol.

2. PAES, José Eduardo Sabo (Org.). Brasília: Fortium, 2008.

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Imunidade tributária, Caderno de Pesquisas Tributárias –

nova série, n. 4. Coord. de Ives Gandra, São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista

dos Tribunais, 1998.

OTHON, Oswaldo. Imunidade tributária, Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 4.

Coord. de Ives Gandra, São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais,

1998.

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos

jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. Brasília: 8 ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013.

UNIÃO. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12101.htm . Acesso em: 01

jul. 2015.

_______. Lei nº 9.532, de 1997. Disponível em:

http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/legislacao-1/leis-

ordinarias/1997#content . Acesso em: 01 jul. 2015.

_______. Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0091.htm. Acesso em: 01 jul. 2015.