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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO 2011

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Page 1: As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência Lorena... · Econômico – Intervenção do Estado no domínio econômico – práticas fiscais exonerativas. 7

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito do Estado, área de concentração Direito Tributário, sob a orientação do Professor Emérito Paulo de Barros Carvalho.

SÃO PAULO

2011

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3  

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

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4  

Dedico este trabalho aos meus pais,

Holanda e Eliane, por tornarem este sonho possível,

e ao meu querido avô Zuzu (em memória) pelo incentivo e exemplo de amor à vida.

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Agradecimentos

À minha família: minha mãe, Eliane, meu pai, Holanda, minha irmã, Daniela, e

meu irmão, Neto, pela confiança e amor incondicional.

Ao meu marido e amigo, Maikel, pelo amor, compreensão e paciência.

Ao meu avô José Holanda da Silva (Zuzu) pelo exemplo de amor à vida e vontade

de ser “grande”.

Ao Professor Paulo de Barros Carvalho, mestre e orientador, pela confiança no

meu trabalho e pelo incentivo acadêmico renovado dia após dia. Atribuo ao meu mestre a

minha paixão pelo direito tributário, pelo rigor científico e pela leveza dos seus ensinamentos

que a mim são muito caros.

Ao Professor Rodrigo Dalla Pria, pela generosidade e apoio durante toda esta

caminhada acadêmica que se iniciou ainda no curso de especialização em direito tributário na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP/Cogeae.

Ao querido amigo, Mantovanni Colares, pela sinceridade, incentivo e pelo tempo

que dispôs para as correções e orientações.

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6  

As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

RESUMO: Trata-se de delimitar os campos jurídico-normativos próprios do sistema tributário

e do sistema econômico, com o objetivo principal de estudar a decisiva interdependência entre

os referidos sistemas a partir da identificação de alguns dos elementos que tornam possível este

entrelaçamento sistêmico. Delimitadas as premissas epistemologias que orientam este estudo,

define-se a abrangência semântica das imunidades tributárias, especialmente as imunidades

recíprocas e os efeitos da concessão desses incentivos perante a o princípio constitucional da

livre concorrência.

Palavras-chave: Imunidades tributárias – Livre concorrência – Sistema jurídico – Sistema

Econômico – Intervenção do Estado no domínio econômico – práticas fiscais exonerativas.

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Tax immunities and Free Trading

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

ABSTRACT: This paper aims to delimitate the legal-normative range fitting to the tax system

and the economic system in order to investigate the critical interdependence between these

systems by identifying some of the elements that make possible this systemic entanglement.

Delimited the epistemologies assumptions that guide this study, we define the semantic scope

of tax immunities, especially the reciprocal immunity, and the grant of such incentives before

the constitutional principle of free competition.

Key words: Tax immunities – Free trading – Legal system – Economic System – State

intervention in the economic domain - Tax practices exonerated.

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Sumário

Introdução .............................................................................................................................. 10

 

PRIMEIRA PARTE: UM CONCEITO DE SISTEMA E A INTERAÇÃO ENTRE O SISTEMA JURÍDICO E O SISTEMA ECONÔMICO

Capítulo I – Para um conceito de sistema: pressupostos teóricos ...................................... 22

1.1. Como pensar um sistema? ................................................................................................. 22

1.2. O sistema: delimitação do conceito ................................................................................... 29

Capítulo II – O Sistema Jurídico ......................................................................................... 34

2.1. Sistema Jurídico: o direito ................................................................................................. 34

2.2. O fechamento operativo do Sistema Jurídico .................................................................... 35

2.2.1. A linguagem jurídica ...................................................................................................... 36

2.2.2. Estrutura sintática das normas jurídicas ......................................................................... 39

2.3. A abertura semântico-pragmática do Sistema Jurídico ..................................................... 43

2.4. Sistema Jurídico Tributário: processo de diferenciação funcional .................................... 46

2.5. Sistema Jurídico Econômico: a ordem econômica constitucional ..................................... 49

2.6. Anotações sobre uma interação entre os subsistemas jurídicos: tributário e econômico .. 58

SEGUNDA PARTE: AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS E O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

Capítulo III – Competência Tributária: aptidão para instituir e exonerar tributos ....... 68

3.1. Sobre o conceito de competência ...................................................................................... 68

3.1.1. As normas indiretas da ação ........................................................................................... 76

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3.1.1.1. A ontologia das normas ............................................................................................... 76

3.1.1.2. As normas jurídicas ônticas ......................................................................................... 79

3.2. Competência Tributária e a Constituição Federal de 1988................................................ 84

Capítulo IV – As Imunidades Tributárias do Art. 150, VI, da Carta Magna de 1988 .... 94

4.1. A definição do conceito de imunidade tributária............................................................... 94

4.2. As Imunidades tributárias do Art. 150, VI da CF/88 ...................................................... 107

4.2.1. A Imunidade Recíproca ................................................................................................ 107

4.2.1.1. A Imunidade Recíproca e os casos de repercussão geral em Recurso Extraordinário no

Supremo Tribunal Federal ...................................................................................................... 113

4.2.1.1.1. Imunidade Recíproca – IPTU – imóvel de propriedade de ente público explorado

economicamente por concessionária – empresa privada ........................................................ 114

4.2.1.1.2. Imunidade Recíproca – Sociedade de Economia Mista – prestação de serviço de

saúde ....................................................................................................................................... 118

4.2.1.1.3. Imunidade Recíproca – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – serviços em

regime de concorrência ........................................................................................................... 125

4.2.2. Imunidade dos tempos de qualquer culto. .................................................................... 131

4.2.3. Imunidade dos partidos políticos e das instituições educacionais ou assistenciais ...... 133

4.2.2. Imunidade dos livros, periódicos e do papel destinado à sua impressão ...................... 136

Capítulo V – Análise do princípio da livre concorrência e da tributação ....................... 139

5.1. As normas jurídicas econômicas ..................................................................................... 139

5.2. O princípio da livre concorrência e a Lei nº 8.884/94 ..................................................... 144

5.2.1. CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica: algumas anotações ........... 147

5.3. O princípio da livre concorrência e o art. 146-A da Constituição Federal de 1988 ........ 149

TERCEIRA PARTE: CONCLUSÕES ............................................................................... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 175

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Introdução

Selecionar um tema desta magnitude como objeto de estudo requer um

esforço teórico preciso e imensamente cauteloso, uma vez que a ausência de rigor no trato de

cada termo da equação imunidades tributárias e livre concorrência pode gerar complicações

epistemológicas ainda maiores.

A preferência pela análise do direito e dos inúmeros vínculos existentes

entre suas estruturas sistêmicas, é uma tentativa de retorno a uma questão ontológica, que

posiciona o sistema jurídico tributário de um lado e o sistema jurídico econômico do outro.

Contexto que fomenta tensões tão antigas quanto contemporâneas, na medida em que os

efeitos jurídicos e econômicos se entrelaçam simultaneamente no compasso evolutivo1 do

sistema social, compondo, sob diversos aspectos, o cerne do sistema jurídico autopoiético,

cujo instrumento que se pretende estabilizador dessas relações é o direito positivo.

Neste ponto introdutório, destacarmos que a terminologia “sistema social

auto-reprodutivo ou autopoiético”, adotada por Niklas Luhmann, teve inspiração nas ciências

biológicas, especificamente no modelo biológico desenvolvido por Maturana e Varela. O

termo autopoiesis, por sua vez, obteve repercussão no campo da sociologia somente quando

                                                            1 “A evolução dos sistemas é o resultado de um processo de variação, seleção e estabilização. Evidentemente, esse não é um processo linear, nem uniformemente distribuído e ativado em todos os sistemas e nem causal e imanente aos sistemas. Evolução que não quer dizer progresso e também não está coligada a nenhuma conotação valorativa. Evolução é simplesmente acréscimo da complexidade, multiplicação do número de alternativas de escolha e possibilidades de ação.” Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 88. 

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Niklas Luhmann o inseriu como premissa epistemológica para o estudo da sociedade

enquanto um sistema comunicacional operativamente fechado.

Celso F. Campilongo Luhmann assevera que:

“O neologismo, tão esotérico quanto as ideias de Luhmann, transporta para os sistemas sociais o conceito de autopoiesis desenvolvido por Maturana e Varela para o exame dos sistemas biológicos. Esses sistemas seriam auto-referencias, isto é, organizados e reproduzidos por meio de circulação interna de elementos inerentes ao próprio sistema. Maturana e Varela, a partir de um livro publicado em 1973, no Chile (De maquinas y seres vivos), desenvolvem a tese de que os sistemas celulares possuem, internamente, todos os elementos necessários para o desempenho de suas funções fundamentais, inclusive auto-reprodução. Lidam, portanto, com um conceito de sistema fechado, auto-referencial, ou, conforme a terminologia depois consagrada, um sistema autopoiético.”2

Evidente que “a concepção luhmanniana de autopoiesis afasta-se do modelo

biológico de Maturana, na medida em que nela se distinguem os sistemas constituintes de

sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas não constituintes de sentido (orgânicos e

neurofisiológicos)” 3. Ou seja, há uma diferença de paradigmas entre as teorias de Maturana e

Varela e de Luhmann, isso por que as ciências biológicas lidam com objetos orgânicos,

neurológicos, fisiológicos, dentre outros, enquanto as ciências sociais estruturam seus estudos

a partir de objetos constituintes de sentido – psíquicos e sociais.

                                                            2 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2ª Ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.73 3 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 61.

 

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Obviamente que a sociologia, antes mesmo da adoção desta terminologia

tão consagrada, já tinha a consciência da auto-referencialidade e da auto-reprodução do

sistema social, entretanto, foi Niklas Luhmann que, em feliz e arrojada pesquisa, conseguiu

oferecer à sociologia um termo completo, capaz de registrar a identidade do sistema social a

partir da ideia de autopoiesis, ideia de auto-referência, fechamento e auto-reprodução. Pois foi

exatamente a noção de organização e reprodução através de meios de circulação interna de

elementos inerentes ao próprio sistema, que trouxe que despertou a conexão entre sistema

social e autopoiesis para a pesquisa luhmanniana.

Ainda que desprovidos, nesta fase preliminar, de uma delimitação específica

para o conceito de sistema social, antecipamos a contundente assertiva de que a sociedade é

um sistema comunicacional4 em constante evolução. Comunicação que toma a consistência

intersubjetiva de mecanismo de transmissão de mensagens, cujo conteúdo reflete, a cada

tempo, expectativas evolutivas que se renovam.

Ao tomarmos a sociedade como um sistema de comunicação inserido no

trânsito progressivo dos eventos sociais, teremos sempre à vista um conjunto de novos fatos

relevantes para os perfis parciais de cada subsistema, todos verificados a partir do elevado

número de relações consolidadas e do destaque para as inúmeras possibilidades de ação

viabilizadas pelo aumento das complexidades inerentes ao macrossistema social.

Neste contexto, o termo “complexidade” não deve ser entendido como

dificuldade, empecilho ou qualquer outro modo de manifestação que obstaculize o mecanismo                                                             4 Conceito que será definido no próximo ponto deste trabalho. 

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evolutivo, mas como o simples resultado do aumento de possibilidades, de expectativas, de

necessidades ocasionadas pelo crescimento do sistema social (fatos e relações).

Deste modo, a cada contexto histórico estaticamente demarcado, é possível

visualizarmos diversas situações novas inaugurando diferentes necessidades; circunstâncias

essas que exigem novos mecanismos de harmonização das relações intra-sistêmicas e

intersubsistêmicas5, assumindo a função de reduzir as complexidades e administrar a

contingência do mundo, tudo por intermédio do mais alto grau de diferenciação comunicativa.

A contingência assume um importante papel na teoria do conhecimento

científico de Luhmann. Trata-se de uma expressão da lógica formal utilizada para demonstrar

a existência de um universo fático de absoluta diversidade, onde o futuro é imprevisível e

incontrolável, e que a qualquer tempo as possibilidades poderão se tornar impossibilidades ou

vice-versa. Portanto, a contingência destaca um universo do possível, em que são admitidas e

variáveis as verdades e as falsidades, o “sim” e o “não”. 6

                                                            5 Leia-se: relações entre os diversos subsistemas sociais.  6 Cf. ECHAVE, Delia Tereza; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. Lógica proposición y norma, Buenos Aires, Astrea, 1991. “Hay uma infinidad de fórmulas que resultan verdaderas para algunas combinaciones, y falsas para otras: son las fórmulas contingentes. Para decirlo com mayor rigor, uma fórmula es contingente si sólo si resulta verdadera por lo menos em uno de sus casos posibles u falsa por lo menos em outro. (...) Toda fórmula que no sea tautológica (siempre verdadera) ni contraditória (siempre falsa) es contingente.” p. 71/73.

Cf. DE GIORGI, Raffaele. Ciencia del Derecho e la Legitimación.1ª Ed. México: Universidad Iberoamericana.1998. “No contigente es la norma que surge por necesidad interna de determinadas premisas, las cuales, provistas del carácter de verdad, no son falsificables: entonces la norma no es variable; queda fuera de los procesos de decisión y adquiere así una validez que surge de la identificación del proceso cognoscitivo com el proceso productivo de la norma misma”(grifos originais).[...] en el plano formal la contingencia se define através de la negación de imposibilidad y la negación de la necesidad. Contingente es por lo tanto todo lo que és posible, pero no necesário. Pero sólo a partir de Kant (y en um plano sociológico: sólo a partir de la transición a la sociedad burguesa) los conceptos modales se gereneralizan em modo relacional y, precisamente, em referencia al poder del conocimiento”. p. 11/12.  

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Sob esse ângulo, a comunicação segue o mesmo compasso evolutivo. Ou

seja, na medida em que a sociedade evolui, novos meios e técnicas de comunicação se fazem

imprescindíveis para viabilizar a continuidade do fenômeno de transmissão e recepção de

mensagens, ou mesmo, a interatividade entre dos partícipes-institucionais do sistema social.

Logo, é pela comunicação que se torna possível situar o processo histórico

no tempo, para que, de um ponto de vista estático, possamos apresentar as estruturas criadas e

transformadas para prestar serviços à humanidade e às necessidades de um ambiente

complexo em ininterrupta reprodução, a saber, elementos concretos de desenvolvimento do

entorno social, aparelhamento do ente estatal para sofisticação das funções públicas, a

intervenção no domínio econômico para o alcance do bem-estar da sociedade, etc.

Vale assinalar que a sociedade moderna é formada por um conjunto plural

de esquemas comunicativos autônomos. Sistema social complexo que consegue desenvolver

meios capazes de permitir vínculos de aprendizado e reciprocidade de influências entre as

inúmeras estruturas esquemáticas chamadas subsistemas.

Sobre o tema, Marcelo Neves inicia a descrição de seus pressupostos

teóricos afirmando que é imprescindível que haja vínculos estruturais que possibilitem a

interinfluência entre os diversos âmbitos autônomos da comunicação. Relações pontuais e

momentâneas no plano das operações do sistema que construam os mecanismos chamados de

acoplamentos operativos7.

                                                            7 Cf. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes. 2009. p. 34. 

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Para o presente estudo, conferimos relevância aos subsistemas jurídicos –

tributário e econômico – enquanto duas das esferas tidas como subsistemas parciais

autônomos; verdadeiras classes comunicativas, onde cada uma opera com um código binário8

específico, unidade formal seletora de influências para as transformações estruturais do

sistema. Ou seja, separadamente, os subsistemas realizam suas próprias aprendizagens e

constroem procedimentos com aptidão para instigar reciprocamente os demais sistemas, numa

espécie de numa independência e interdependência mútua.

Ora, independência e interdependência mútua? Como isso é possível? Os

“paradoxos” são uma prática usual da epistemologia luhmanniana. Acontece que colocamos o

termo entre aspas exatamente para destacar que, se observado do ponto de vista da teoria dos

sistemas, não há que se falar em paradoxo9.

A teoria dos sistemas trabalha com um conceito abstrato de sistema social,

sistema esse que se encontra repleto de subsistemas autônomos e diferentes entre si. Neste

formato, as diferenças são estabelecidas a partir da existência de um código binário único para

cada subsistema, ou seja, códigos com características específicas que garantem o fechamento

operativo pela diferença.

                                                            8 A binariedade é uma característica dos códigos que compõem os sistemas, que são as unidades elementares de cada esfera, uma vez que estabelecem um critério único para seleção e redução de complexidades, ou, analogamente, um critério de inclusão de classes ou de pertinencialidade a determinado subsistemas. O sistema jurídico tem como código binário direito/não – direito que garante o fechamento operativo por meio dessa diferença. Portanto, se a comunicação não se formalizar neste código, não pertencerá ao sistema jurídico. Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 77. 9 Paradoxo: palavra que vem do latim paradoxon; derivado do grego parádoxos, que significa “conceito que é ou parece contrário ao comum”. Cf. CUNHA, Antonio Geraldo Da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007. 

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No entanto, mesmo autônomo-independentes, os arquétipos comunicativos

do sistema social precisam realizar vínculos entre si (contatos), a fim de recepcionar

internamente as mudanças do entorno. Para isso precisam elaborar mecanismos internos que

garantam a efetiva continuidade da comunicação, e é nesse sentido que cogitamos a real

possibilidade de interdependência cognoscitiva e independência operativa dos sistemas

parciais.10

Por certo, partindo de um viés didático, o sistema jurídico, especialmente o

tributário, em que pese o seu fechamento sintático, apresenta uma abertura semântico-

pragmática que assimila as diversas determinações do ambiente e as insere no sistema sempre

que seus próprios critérios atribuem-lhes forma11.

Por essa razão é que o sistema jurídico tributário, conjunto normativo

instituído como principal forma de custeio da sociedade, exerce seu poder interventivo

perante o domínio econômico, uma vez que seus elementos são capazes de prescrever a

demarcação de limitações à atuação do Estado, tais como: a necessidade de atentar para o

princípio da livre concorrência, para a neutralidade concorrencial do Estado e para a própria

igualdade tributária.

Como insiste em afirmar Alfredo Augusto Becker:

                                                            10 A separação entre os subsistemas não pode ser parcial; com isso não queremos dizer que não haja relações inter-sistêmicas: essas são fundamentais para a autopoiese dos subsistemas, como já vimos. Entretanto, a autonomia dos subsistemas requer que a auto-reprodução de seus elementos siga os critérios ditados pelo próprio sistema e não por outros. Cf. CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin. 2005. p. 248. 11 Cf. TOMÉ. Fabiana Del Padre. Sistema autopoiético do direito e as implicações em relação à segurança jurídica. Revista de Direito Tributário nº 104. p. 86/94.

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“a principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento e intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado (...).” 12

Assim, dispondo de uma estrutura de valores jurídicos positivados, o

sistema jurídico tributário, ao regular as condutas intersubjetivas, consegue intervir na

espontaneidade dos fatos sociais, econômicos, políticos, e dos demais, constituindo realidade

juridicamente regulada.

As normas tributárias, unidades elementares do sistema jurídico tributário,

são instrumentos hipotético-condicionais de natureza prescritiva que atuam como arsenal

interventivo do Estado na economia, ajustando o funcionamento do sistema jurídico

econômico a partir do respeito às garantias fundamentais dos contribuintes e aos efetivos

limites da tributação nas linhas de atuação estatal.

Isso por que as normas jurídicas não são instituídas para confirmar

fenômenos sócio-econômicos, mas para modificar o curso natural dos fatos, impondo uma

imperatividade artificial às condutas intersubjetivas, prevendo a estrutura e a direção dos

                                                            12 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses. 2007. p. 623/624.  

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comportamentos, disciplinando-os para construção de uma ordem econômica e social

estabilizada que atenda ao bem comum13.

Neste curso, o Estado, no exercício de seus três poderes: executivo,

legislativo e judiciário e munido de competência para aplicar normas jurídicas indutoras de

comportamentos, pode atuar desestimulando ou incentivando a ocorrência de fatos sociais, a

partir da incidência de regras jurídicas que façam as vezes de comandos diretos ou indiretos

de determinadas condutas. Existe, portanto, a força estatal apta a proporcionar o ajuste das

relações sociais a partir da criação e condução de normas jurídicas disciplinadoras.

Com isso, de uma perspectiva funcional do direito, o que se observa é uma

acentuada e contínua intersecção entre os subsistemas sociais. No específico caso dos

subsistemas jurídicos: tributário e concorrencial/econômico, a situação não é diferente.

O direito tributário é o instrumento legitimador de políticas fiscais, é o

instrumento normativo à disposição do Estado para a intervenção no domínio econômico e

concretização de direitos sociais. Nessa esteira, é através das formas de tributação que é

possível evitar distorções econômicas (concorrenciais), tendo em vista que qualquer atividade

fiscal afeta direta ou indiretamente as relações econômicas, bem como todas as demais

relações sociais, tais como impactos financeiros em orçamentos de entes tributantes e na

própria coletividade de cidadãos que têm serviços públicos custeados pela tributação, etc.

                                                            13 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses. 2007. p. 626/627.  

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A interferência da tributação na economia é inevitável. Independente da

função extrafiscal, parafiscal ou predominantemente fiscal, a instituição de tributos mais

onerosos para um determinado setor da economia e menos onerosos para outro, consecução

de práticas de oneração e exoneração tributária pelo Estado, tanto pode conviver

tranquilamente no ordenamento jurídico posto, como pode acarretar desequilíbrios

concorrenciais gravosos ao mercado e ao sistema social como um todo.

Destarte, a política fiscal caminha na dinâmica dos acontecimentos sociais,

evoluindo e redefinindo complexidades para atender aos interesses dos indivíduos em

constante mudança. É a ação do Estado que impulsiona o aperfeiçoamento das regras jurídicas

e otimiza o ajuste de interesses públicos e privados.

Por essa configuração, utilizando-nos das palavras de Alfredo Augusto

Becker, o direito tributário tem natureza instrumental e seu “objetivo próprio” (razão de

existir) é ser instrumento a serviço de uma política. Esta (a política) é que tem os seus

próprios e específicos objetivos econômico-sociais14. Logo, o sistema jurídico constroi suas

próprias regras, que aplicadas, atingem os mais diversos subsistemas sociais, sensibilizando-

os.

Firmes nestas premissas, a proposta deste estudo é identificar os pontos de

contato entre os sistemas jurídicos: tributário e econômico-concorrencial, perquirindo a

interinfluência das normas constitucionais tributárias promocionais, chamadas de imunidades

                                                            14 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses.2007. p. 632. 

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tributárias, especialmente no que se refere à imunidade recíproca, e seus respectivos efeitos

sobre a livre-concorrência.

O sistema tributário15, pela evolução funcional de seus mecanismos, passou

a ser o mais importante meio de intervenção do Estado na economia e na sociedade, e não por

outro motivo, analisar o impacto da administração tributária sobre a prática da livre

concorrência contextualiza, em absoluto, é a finalidade deste estudo.

Para colocarmos em prática esses objetivos, dividiremos este trabalho em

duas partes. Inicialmente, adotando alguns dos elementos da teoria dos sistemas de Niklas

Luhmann, percorreremos as noções de sistema, oferecendo uma definição que servirá de

estalão para o estudo da sociedade como um sistema social. Em seguida, passaremos pelos

conceitos de sistema jurídico tributário e sistema jurídico econômico, bem como por todos os

elementos que entendemos imprescindíveis para a identificação dos acoplamentos estruturais

entre ambos os sistemas.

Diante desse corpo conceptual, trataremos de mergulhar no instituto

denominado imunidade tributária, especialmente a imunidade recíproca, a chamada prática

constitucional exonerativa fiscal que incentiva a economia através da não tributação de

determinados fatos. Nesse momento, dispostos os referidos meandros, cuidaremos de

estabelecer as influências das imunidades tributárias na manutenção da livre-concorrência.

                                                            15 Leia-se: o conjunto de instrumentos normativos em matéria de tributação. 

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Para encerrar, pretenderemos nos ocupar das estruturas que viabilizam os

vínculos entre o sistema jurídico tributário, neste caso representado pela figura das

imunidades tributárias do art. 150, VI, “a” da Constituição Federal de 1988, e em particular as

matérias que dizem respeito à tributação em relação aos aspectos disciplinados pelo direito

econômico quando posto à prova o princípio da livre concorrência.

Por fim, de posse desse conjunto de referências paradigmáticas, supomos

que será possível verificar os enlaces sistêmicos pretendidos, detalhando as principais

implicações e repercussões-problema inerentes ao enfoque relacional entre tributação e livre

concorrência.

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22  

PRIMEIRA PARTE: UM CONCEITO DE SISTEMA E A INTERAÇÃO ENTRE O

SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO E O SISTEMA ECONÔMICO

Capítulo I – Para um conceito de Sistema: pressupostos teóricos

1.1. Como pensar um sistema?16

Esta é a primeira e grande indagação que nos vem à mente no momento em

que optamos por iniciar os estudos a partir do conceito de sistema. Tendo em vista que o

termo é tão vago quanto ambíguo, seja do ponto de vista denotativo como conotativo,

respectivamente, consideramos prudente não correr o risco da omissão no que se refere ao

mecanismo intelectivo de enquadramento do conteúdo semântico à forma do sistema.

Dessarte, essa abordagem, que de certa maneira revelará o engatinhar inicial para se atingir

passos largos nas conceituações, parece-nos frutífera, na medida em que buscará apresentar

que tipo de abstração é possível realizar para se começar a compreender a ideia de sistema.

                                                            16  A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann exclui de sua abordagem a discussão acerca dos aspectos psicológicos e antropológicos, uma vez que opta em estabelecer como premissa epistemológica: a sociedade como um sistema que se apresenta de modo concreto enquanto um universo de comunicações habituais. Portanto, não se preocupa com a indagação que inaugura o primeiro capítulo do nosso trabalho - “como pensar um sistema?”.

“Se trata de ver qué problema de la sociedad se resuelve mediante el proceso de diferenciación de normas específicamente jurídicas y de un sistema jurídico determinado. Por eso quedan excluidas, por sobre todo, las preguntas psicológicas y antropológicas. Aunque eso no necesariamente significa que haya que rechazarlas por erróneas. El problema consiste en que los seres humanos se manifestan como individuos y que es difícil controlar afirmaciones acerca del hombre, de la conciencia, de la persona. (...) entendemos la sociedad como un sistema unitario que aunque se puede observar empíricamente, ya que se presenta de modo concreto en las comunicaciones habituales.” Cf. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. (Das Recht der Gesellschaft). Traducción Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana, 2002. p. 85 

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Bom, conforme suso antecipado, supomos que o tratamento do sistema deve

ficar atento à delimitação sintática, à especificação do contorno formal, ou seja, este estudo

deverá se preocupar em estabelecer dentro de qual moldura sistêmica será possível inserir

qualquer conteúdo semântico. Mas, para se aferir tais resultados, uma segunda indagação

insiste em nos instigar, a saber, como é possível alcançar a delimitação sintático-formal do

sistema? Numa palavra, a resposta seria: intuição.

A intuição que, para a fenomenologia de Edmund Husserl, é o princípio dos

princípios, uma vez que “toda intuição doadora originária é uma fonte de legitimação do

conhecimento, tudo que nos é oferecido originariamente na “intuição” deve ser simplesmente

tomado tal como se dá, mas também apenas nos limites dentro dos quais ele se dá “17. Nesse

sentido, o que caracteriza a intuição é a própria visão de essência, que costuma designar

aquilo que se encontra no “ser” do indivíduo, o que ele “é”, posto em ideia. Assim, a intuição

pode ser convertida em visão de essência (ideação).18

Ora, indo no encalço do raciocínio, o que é apreendido intuitivamente é a

essência de modo originário, a forma como o sujeito apreende a parcela da coisa com a qual

tem proximidade, pois esse contato pode repercutir vários dos lados de um específico

referente, sem jamais conseguir cogitar intuitivamente a sua totalidade 19.

                                                            17 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 69. (grifos originais) 18 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 35. (grifos originais) 19 Tema que será mais bem esclarecido no decorrer dos estudos.

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Lados que são as possibilidades ou as circunstâncias empíricas das mais

variáveis; essas que quando observadas representam somente uma das faces das inúmeras

faces cogitáveis. Cumpre salientar que cada ser intuitivo somente é capaz de absorver uma

parcela do ambiente que o envolve, uma vez que a inteireza das dimensões do universo jamais

poderão ser codificadas e catalogadas em todas as perspectivas possíveis, por quem quer que

seja, aonde quer que esteja, sob nenhuma hipótese.

E quando nos referimos à totalidade, mencionamos o aspecto da

impossibilidade do absoluto, uma vez que toda manifestação lingüístico-comunicacional é

produto de atos de valoração subjetivos e, portanto, resultado da atividade ininterrupta da

consciência

O mais instigante ao tratarmos do fenômeno individual e intuitivo é perceber

que a recepção natural de mensagens pela mente humana é uma verdadeira fonte de

legitimação do conhecimento20, i. e, trata-se de uma forma consciente de lidar com a

existência (fatos) ou com as essências (eidos).

Admitamos, portanto, que o relevante fica a cargo da consciência21, que por

seu próprio repertório poderá ou não construir um correspondente cognitivo para as

                                                            20 Conhecimento interpretado como todo material apreendido pela sensibilidade, emoção e intelecção com sentido. 21 A consciência e a comunicação são tratadas como sistemas distintos que se acoplam estruturalmente através da linguagem. Observemos que Luhmann destaca a importância do sistema psíquico sem se ater a ele, de modo a considerá-lo, tão somente, uma entidade capaz de irritar e estimular a comunicação. Esse tema, de absoluta relevância, será detalhado nas laudas que seguem. Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p.134. 

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manifestações que se materializam na mente, em parâmetros singulares de percepção

intuitiva.

Não por outro motivo, Edmund Hursserl afirma que:

“A essência pura pode exemplificar-se intuitivamente em dados de experiência, tais como percepção, recordação etc., mas igualmente também em meros dados da imaginação. Por conseguinte, para apreender intuitivamente uma essência ela mesma e de modo originário, podemos partir das intuições empíricas correspondentes, mas igualmente também de intuições não-empíricas, que não apreendem um existente ou, melhor ainda, de intuições meramente imaginárias.” 22

Bom, e onde entra o conceito de sistema em toda esta apreensão intuitiva?

O sistema é uma construção intelectiva, o mais alto grau de sofisticação do

pensamento humano. Sistema é um conceito que não se concretiza como um dado empírico,

pois o que há no universo da existência (fatos) é um conjunto desarticulado de

dados/mensagens que necessitam de organização23 para terem sentido. O que implica dizer

que para assimilar cognitivamente o mundo é preciso colocá-lo em ordem, essa que exclui a

possibilidade do caos – de um mundo incompreensível. Pois, se houvesse caos, ou se fosse

concebida a possibilidade de desordem e imprevisibilidade das relações do mundo, seria

impossível articular um plano racional da realidade, seja ela socioeconômica, sociopolítica,

                                                            22 HURSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 38. 23 Niklas Luhmann tomou muito cuidado ao usar o termo organização, pois considerava que, em sociologia, a expressão costuma ser utilizada para designar um fenômeno social muito específico, ou seja, distingue a organização do sistema autopoiético das estruturas dos sistemas. Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p.130. 

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sociojurídica. E é precisamente nesse contexto que Lourival Vilanova deposita nas relações de

causalidade a possibilidade de ordenação objetiva no curso dos fatos econômicos, políticos e

jurídicos.

É a construção de uma ordem, inicialmente intuitiva, capaz de articular a

ideia de um sistema, que viabiliza o mapeamento da realidade, o fornecimento de mecanismos

de intervenção nos planos racionalmente dispostos e a elaboração de uma arquitetura de

relações compatíveis com a concretização de um sistema sociocultural.24 Mas, realizar essa

estrutura requer um esforço intelectivo, ou seja, fugir do caos e planejar um universo em

ordem requer uma ação, ou em termos dinâmicos25, um procedimento intuitivo formador do

nosso conceito.

Destarte, para criar uma estrutura ordenada, Vilém Flusser26 sugere que

primeiramente sejam analisadas e catalogadas as aparências, numa espécie de esquema geral,

cuja finalidade precípua seria a criação de um sistema de referência universal. Complexo

sistêmico capaz de permitir a identificação – fixação – das aparências circundantes no

ambiente (estruturas estáticas) e articular as inevitáveis relações existentes entre elas

(estruturas dinâmicas).

Dessa maneira, o primeiro esforço seria fixar aparências, catalogando-as, e,

em seguida, realizar um segundo esforço: concatenar as relações em coordenação numa tarefa

típica de hierarquização do mundo. Somente assim, por um processo de pura disposição ou                                                             24 Cf. Causalidade e Relação no Direito. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 51. 25 ROBLES, Gregorio. Teoría del derecho. 2ª Edição. Madrid: Thomson Civitas 2008. p. 261e ss. 26 Cf. Língua e realidade. 3ª edição. São Paulo: 2007. 

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codificação, seria possível transformar o caos em cosmos. Cosmos, cuja estrutura é a língua;

essência que forma e governa o pensamento humano.

Deve-se observar, portanto, que é pelo mecanismo intuitivo (sensibilidade,

emoção e intelecção) que se realizará a fixação e catalogação das aparências parciais do

ambiente/mundo e que se construirá abstratamente uma categoria provida de altíssima

sofisticação – verdadeiras construções intelectivas elaboradas a partir da coleta de elementos

empíricos – e que chamaremos de sistema.

Assim, cogitado o sistema, seguiremos na consecução do processo de

concretização do pensamento até alcançar a elaboração e verbalização por intermédio de atos

de fala. Faz parte, certamente, deste procedimento de percepção, interpretação,

compreensão/construção e verbalização, a ideia de circularidade que supõe o mecanismo de

aferição da realidade (dado e texto), e na efetiva sistematização em categorias abstratas, ou

mesmo, da propriedade de as categorias abstratas garantirem, sempre que possível, uma

construção cognitiva sistêmica verbalizável.

Bom, é nesta faixa cognitiva de compreensão do conceito de sistema, a partir

da coleta empírica de dados e necessária ordenação em categorias, que poderemos vislumbrar

a sociedade como um sistema, e todas as demais categorias existentes insertas como

subsistemas sociais, separados estruturalmente em virtude de funções e linguagens distintas.

Muito embora as diferenças sejam inúmeras, é o dado da comunicação que confere a

aderência necessária às relações recíprocas entre os sistemas e a ordem interna.

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Argumentos esses que permitem a afirmação de que o sistema social

verbalizado em texto é resultado da interpretação, e é a partir da manifestação do sistema por

ato de fala que se torna possível identificar as diferenças linguísticas, instrumentais e

contextuais (códigos binários, formais, etc.) capazes de subdividir a sociedade em diversos

planos ordenados e autônomos.

Como sugere Vilém Flusser, “a ciência é a tentativa de catalogar e

classificar aparências, e a cada página do catálogo e a cada classe de aparências corresponde

uma ciência especializada” 27. Isso por que a visualização das diferenças e a subdivisão em

planos ordenados e autônomos ficam a cargo de uma atitude científica, que através de um

método coleta parcelas do universo contínuo a fim de, pela descontinuidade, catalogar as

aparências e compor relações de coordenação capazes de hierarquizar o mundo circundante.

A separação das ciências é o resultado inevitável da atitude científica de

identificação das diferenças e eleição dos objetos de estudo. Cada ciência se dedica a um

objeto, ou pelo menos a uma das perspectivas desse objeto, e sobre ele deposita todas as

expectativas cognoscitivas, com o propósito de atender à necessidade de desvendar as suas

complexidades e formar juízos de valor acerca do referido objeto.

Logo, o argumento de que a separação das ciências tem configuração

didática procede, uma vez que a palavra didática é substantivo feminino que significa a

própria ciência ou arte de ensinar28, ou mesmo um conjunto organizado de instruções. É a

                                                            27 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3ª edição. São Paulo: 2007. p. 35.  28 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007. p. 263.

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organização das ciências pela diferença que faz com que seja imprescindível uma autonomia

didática, cuja finalidade única é a viabilização das pesquisas. Somente dessa forma é possível

definir os elementos pertencentes à ciência social, à jurídica, à econômica, à biológica, às

ciências exatas, etc.

Salientamos, contudo, que a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann não se

detém à questão: “Como pensar o sistema?”. Não se preocupa com as entidades intuitivas de

elaboração dos atos de fala, ou ainda, com o procedimento de passagem do status de não-

comunicação para comunicação. Em verdade, pela corrente teórica luhmanniana, falar em

sistema é fazer referência à efetiva comunicação, sem a necessidade de atentar para os

mecanismos cognitivos de apreensão intelectiva do sistema. Ainda assim, em que pese o corte

metodológico da corrente alemã, entendemos por oportuna a demarcação simbólica do

sistema psíquico, uma vez que o consideramos um partícipe importante na estimulação e

concretização dos conceitos propostos.

1.2. O Sistema: delimitação do conceito

O sistema tal como ensaiamos anteriormente é uma estrutura de

elevadíssima abstração29. Trata-se de uma construção intelectiva que elege uma das

perspectivas do ambiente, cujo resultado seria a identificação e reunião de elementos que se                                                             29    “Abstração: do latim abstratio–onis, significa: considerar isoladamente, apartar, alhear.” Cf. CUNHA, Antonio Geraldo Da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007. p. 06. 

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encontram interligados por um código universal: a comunicação (operação genuinamente

social) 30. A sociologia de Niklas Luhmann chama este conjunto de elementos – em que o

critério de inclusão é o fato comunicacional – de sistema social. Sistema que em nada se

confunde com a inesgotável dimensão do ambiente, tendo em vista tratar-se, tão somente, de

uma das dimensões daquilo que tomamos como mundo/realidade.

No compasso destes nexos, Edmund Husserl enfatiza que:

“(...) a forma espacial de uma coisa física só pode ser dada, por princípio, em meros perfis unilaterais; de que toda qualidade física nos enreda nas infinidades da experiência, mesmo fazendo abstração dessa inadequação, que se mantém constante apesar de todo o ganho e qualquer que seja o avanço que se faça em intuições contínuas; e que de toda multiplicidade empírica, por mais abrangente que seja, ainda deixa em aberto determinações mais precisas e novas das coisas, e assim in infinitum.”31 (destacamos)

Do exposto, é possível verificar a existência de pelo menos dois pontos

decisivos capazes de oferecer a definição de sistema social pela negativa, melhor dizendo,

pontos que deverão ser excluídos quando da compreensão do modelo conceptual ao qual nos

filiamos, quais seriam: i) o sistema social não é o ambiente/meio e ii) O sistema social não é o

homem, nem com ele se confunde.

“Toda teoria está baseada, então, em um preceito sobre a diferença: o ponto de partida deve derivar da disparidade entre sistema e meio, caso se queira conservar a razão social da Teoria dos Sistemas.

                                                            30 “A comunicação é uma operação genuinamente social (e a única, enquanto tal), porque pressupõe o concurso de um grande número de sistemas de consciência, mas que, exatamente por isso, como unidade, não pode ser atribuída a nenhuma consciência isolada.”Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 91. 31 HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 36. 

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Quando se escolhe outra diferença inicial, obtém-se então como resultado outro corpo teórico. Assim, a Teoria dos Sistemas não começa sua fundamentação com uma unidade, ou com uma cosmologia que represente essa unidade, ou ainda com a categoria do ser, mas sim com a diferença.” 32

Ora, isso implica dizer que o ambiente é, indubitavelmente, mais complexo

que o sistema, com dimensões infinitamente mais amplas, e que o homem é um elemento

atuante no sistema33, não um dado comunicacional, mas deve ser tratado como um agente

viabilizador da comunicação. Por esta razão Tácio Lacerda Gama afirma que o sistema é um

conjunto formado por elementos que se relacionam segundo certos padrões de

racionalidade34, pois é o homem que viabiliza sua formação.

Trabalhar com este conceito de sistema exige uma intensa atividade

operativa de abstração, realizando um corte tipicamente metodológico no

entorno/ambiente/realidade a fim de realizar o enquadramento da porção de expectativas

comunicacionais em um sistema que chamamos de sociedade. Entretanto, para realizar esta

operação de enquadramento, o primeiro grande passo é identificar a diferença35, ou seja,

                                                            32 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 81. 33 “Luhmann coloca o homem como ambiente da sociedade.”Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 68.  34 Cf. Competência Tributária. São Paulo: Noeses. 2008. p. 120. 35 “Pode-se dizer que, do ponto de vista da análise da forma, o sistema é uma diferença que se produz constantemente, a partir de um único tipo de operação. A operação realiza o fato de reproduzir a diferença sistema/meio, na medida em que produz comunicação somente mediante comunicação.” Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 91. 

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perceber analiticamente quais os elementos linguísticos que seriam capazes de diferençar a

estrutura do sistema social do arquétipo do ambiente36.

“É evidente que não se pode iniciar um processo de linguagem sem ao menos ter em conta que existe algo exterior que deve ser designado como realidade; contudo, para o processo posterior da comunicação, a diferença contida na própria estrutura da linguagem é decisiva. Tal diferença está intimamente ligada ao problema da referência, ou seja, àquilo sobre o qual se pretende falar.”

Observando o ambiente como um continuum heterogêneo37 desordenado que

reúne uma infinidade de dados e fatos complexos, pensar em sistema é visualizar neste todo

estruturas que se entrelaçam por ao menos um aspecto comum, aspecto que Niklas Luhmann

identificou como a comunicação. Portanto, do ponto de vista sociológico, a sociedade seria

um macrossistema comunicacional. E sistema seria um conceito abstrato universal

caracterizado pela reunião de diversos elementos em torno de um critério comum capaz de

formar uma ordem compreensível e articulável.

                                                            36 “LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 82. (grifo nosso). 37 Termo trazido por Heinrich RICKERT em sua obra Ciencia cultural y ciencia natural, Madri, 1922. p. 32 e ss.

Seguindo na consecução do raciocínio, trago uma passagem da obra Fundamentos Jurídicos da Incidência de Paulo de Barros Carvalho que analogamente descreve com excelência o processo abstrato de construção de sistema, vejamos: “Para isolar o direito, farei um primeiro corte no continuum heterogêneo a que alude Rickert, como a realidade que recobre todo o espaço da vida social, provocando o aparecimento do descontinuum homogêneo, onde se demoram as entidades e as relações jurídicas, bem como o tecido do saber científico que as tem por objeto, admitindo-se, desde logo que a ciência integra a experiência dela participando com forte intensidade.” P. 04. 7ª edição, Editora Saraiva. Ou seja, quando analisando o ambiente como um continuum heterogêneo (uma realidade continuada com múltiplos e diversos aspectos) tomamos a iniciativa de construir um sistema, realizamos um corte, ato capaz de eleger um objeto de análise, uma vez que identificamos ao menos um critério suficiente para provocar um descontinuum homogêneo, ou seja, criar uma realidade parcial demarcada e isolada abstratamente (sociedade), com uma estrutura comum (comunicação).  

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Uma vez visualizado o conceito de sistema e observado do ponto de vista

externo, i. e, na direção: ambiente sistema, no item seguinte propomos a análise do

processo de diferenciação a partir de uma perspectiva interna, sugerindo a identificação da

dinâmica de construção dos subsistemas sociais, orientada pelo seguinte percurso: sistema

social (sociedade) subsistemas sociais (jurídico, econômico, etc.). Desta feita, passemos ao

estudo das estruturas internas do sistema.

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Capítulo II – O Sistema Jurídico38

2.1. Sistema Jurídico: o direito

O sistema jurídico é um subsistema social. E enquanto subsistema assume

todos os perfis conceptuais adrede descritos no que concerne à noção de sistema, inclusive, o

aspecto comunicacional, o fechamento operativo-sintático e o mecanismo autônomo e

ininterrupto de autopoiesis.

O subsistema jurídico é instrumento de equilíbrio do sistema social, pois

como assevera Lourival Vilanova, o direito é um dos sistemas, interiormente compondo-se de

relações, e exteriormente funcionando como sistemas relacionador do sistema social em seu

todo. Um dos subsistemas que interliga os demais subsistemas do sistema social global é o

subsistema do direito39.

Assim, os elementos cuidadosamente eleitos como caracterizadores da ideia

de sistema (aspecto comunicacional, o fechamento operativo-sintático e o mecanismo

autônomo e ininterrupto de autopoiesis) passam a ser critérios exigidos para inclusão dos

                                                            38 Tomamos a sociologia de Niklas Luhmann como paradigma-descritivo do conceito de sistema aplicado neste trabalho, entretanto, muito embora a teoria dos sistemas seja o alicerce preponderante de nossas considerações, ressaltamos que alguns dos pontos que serão apresentados não seguirão os padrões teóricos advogados pela linha sociológica luhmanniana. Mesmo assim, compreendemos que esta opção de análise interna do sistema jurídico não implica um discurso contraditório, mas absolutamente complementar. 39 Causalidade e relação no Direito. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 66. 

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subsistemas na classe40 (conjunto41) do macrossistema social, surgindo, portanto, uma relação

lógica de pertinência42.

2.2. O fechamento operativo do Sistema Jurídico

Admitir o fechamento operativo do sistema jurídico é aderir à noção

complexa de análise do sistema enquanto articulador e produtor de suas próprias

necessidades, ratificando o paradoxo da autonomia interna versus dependência inter-

sistêmica (caracterizada pela necessidade de contextualização frente às transformações do

próprio sistema social e do ambiente/meio).

Do ponto de vista interno43 ao sistema jurídico, algumas entidades hão de ser

consideradas a fim de destacar o grau de diferenciação do direito diante dos demais

                                                            40 “Classe é construção linguístico-intelectiva; é entidade lógica; é conjunto; é domínio. É conceito de extensão ou aplicabilidade que surge a partir do estudo dos predicados que compõem os enunciados lógico-proposicionais. Noutras palavras, classe é elaboração de pensamento que busca reunir um ou mais termos capazes de serem aplicados a um conceito, ou que tenham os atributos atinentes ao conceito determinado. Por esta forma, classe é conotação, é nome geral que coleciona um número indefinido de coisas, cujos elementos sejam susceptíveis à aplicação”. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008: item 2.6, Capítulo II, Primeira Parte. 41 “Os conjuntos são coleções de objetos. Os objetos que formam os conjuntos são chamados de elementos. Para indicar que um objeto é elemento de um conjunto será usado o símbolo ϵ, portanto se “F” representa o conjunto dos filósofos e “s” denota Sócrates, temos que s ϵ F. Desformalizando: Sócrates é filósofo. Como representar o conjunto dos estudantes de filosofia da UFSC? Descrição: {x | x é um estudante de filosofia da UFSC}. A descrição é usada para os casos em que há muitos elementos. Enumeração: {Paulo, Pedro, Maria, Antônio}. A enumeração é usada nos casos em que é possível listar os elementos ou prever a sua continuidade. Há uma relação muito estreita entre ter certa propriedade e pertencer a certo conjunto. Entretanto não se exige as propriedades sejam comuns, de modo que um conjunto pode ser composto por diversos objetos de naturezas diferentes, pois o que vai importar é o critério adotado para realizar a coleção e construir um conjunto dela”. Cf. MORTARI, Cezar. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP, 2001: Capítulo IV. 42 A pertinência informa relações entre elementos e classes. Nesta perspectiva, todo “y” que satisfizer as características sugeridas por uma classe será pertencente a ela, ou seja, sempre que os atributos de “y” forem aplicados ao conceito da classe, haverá uma relação de pertinência.  43 “O advogado, no exercício de sua função, coloca-se sempre no interior de um ordenamento dado, e os fatos e relações da vida ele os vê sub specie normae. (...) A funçao jurisdicional como funçao cognoscente da Ciência

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subsistemas, e ainda, os níveis operativos que garantem o fechamento sintático do sistema

jurídico. E é a delimitação conceptual de tais entidades que trataremos de demonstrar nos

pontos que seguem.

2.2.1. A linguagem jurídica

O termo linguagem, aqui disposto, deve ser entendido genericamente como

instrumento da comunicação, ou seja, como qualquer palavra que designa o conjunto de

línguas44 – idiomas – formas de manifestação: gestual, falada, escrita ou em quaisquer atos

que impliquem significação. Esta definição é inspirada nas teses nominalistas que se

utilizavam de termos genéricos somente para denominar e não para encontrar essências. A

linguagem, a que nos referimos, é o instrumento da comunicação; é toda manifestação capaz

de realizar acoplamentos entre as estruturas sistêmicas; é mensagem com sentido.

                                                                                                                                                                                          do Direito tomam do dado-de-fato (coisa do mundo, conduta, relação social) e regressam logo ao sistema para verificar se o dado-de-fato foi previsto normativamente. Se não o foi, nem por norma expressa, nem por norma que o próprio ordenamento contém implicitamente, ou diz quem deve preencher o vazio normativo, então o dado-de-fato não existe juridicamente. Será uma questão de Política do Direito a de fazer regra nova para contemplar o fato juridicamente inexistente, trazendo-o para dentro do ordenamento jurídico”. Cf. VILANOVA, Lourival. “Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento” in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. p. 463. (grifos originais). 44 Quando lidamos com o conceito de língua, trazemos à baila a ideia de idioma. A preocupação com a língua é cabível na medida em que lidamos com exigências formais que regulamentam uma determinada ordem, e para garantir o conhecimento, a comunicação e regulamentação de um ordenamento jurídico nacional, será preciso dispor de textos jurídicos também no idioma nacional, salvo disposições legais em contrário. Deste modo, em se tratando da realidade jurídica brasileira, os textos jurídicos deverão estar, necessariamente, no idioma pátrio: o português.  

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A semiótica é ciência que estuda os signos e os fenômenos da representação

- atos ou palavras45. Signo46 é entidade relacional que interliga um objeto ao seu significado,

e desse modo elabora significações. Analisada sob esta perspectiva, a linguagem é um

conjunto de signos, que verbalizados ou vertidos em palavras, implicam significação e

viabilizam a comunicação. Na medida em que se discorre sobre os conceitos de

comunicação, linguagem e interpretação; passa-se a questionar acerca da função pragmática

desempenhada por estas noções, ou seja, de que maneira elas interferem, descrevem,

constituem ou criam a realidade.

As discussões ao redor deste tema são intermináveis, todavia, a proposta é

apresentar um breve perfil pragmático da linguagem frente à realidade. Esta realidade que se

apresenta como dimensão linguística, aquela captada pelo homem através de seus

mecanismos redutores de complexidades. Tanto sim que a linguagem cria uma realidade;

realidade que é a perspectiva parcial de mundo apreendida por cada indivíduo. A ideia é

demonstrar que o real ingressa no sistema comunicacional enquanto um dado linguístico, já

que a transmissão de informações ou a emissão de relatos acerca de um evento somente pode

ser feita por linguagem e é por ela que se podem constituir as versões dos acontecimentos.

Partindo do princípio de que linguagem jurídica (texto) é a estrutura sintática

prevista pelo ordenamento - necessária moldura formal - que reúne critérios competentes para

                                                            45  ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. “Fato e evento tributário – uma análise semiótica”. Curso de especialização em direito tributário, coord. Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p. 335. 46 “Estudar signo, em suma, quer dizer procurar um nível extremamente simples, quase abstrato do sentido. Seja na situação de comunicação, seja na de significação, é fácil encontrar esta célula fundamental: um objeto de duas faces, ou antes, uma relação que liga um significante a um significado”. Cf. VOLLI, Ugo. Manual de semiótica. Tradução de Silvia Debetto C. Reis. Rio de Janeiro: Edições Loyola. 2007. p. 27. 

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construir um ordenamento jurídico válido; e que a realidade jurídica é o resultado da

articulação de tais enunciados, pode-se afirmar que a linguagem jurídica é forma de

constituição da realidade jurídica. Assim, a linguagem é o instrumento do direito, quiçá, o

próprio direito como um sistema de comunicação.

Na consecução do raciocínio, é possível afirmar que toda forma de

manifestação humana implica linguagem, que verbalizada em palavras, formam enunciados

com sentido. Portanto, os textos jurídicos (conjunto de palavras) devem se mostrar escritos,

uma vez que é requisito essencial à legitimidade das construções linguísticas, i. é, um dos

critérios de inclusão na classe do ordenamento jurídico. E a pergunta que nos vem à mente é:

e por que as palavras alcançam tamanha importância, por que direito como texto? Ora,

parafraseando Vilém Flusser, as palavras são apreendidas e compreendidas como símbolos,

isto é, como tendo significado; e como os dados “brutos” alcançam o intelecto

propriamente dito em forma de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de

palavras.47

Com estes prolegômenos linguísticos, pretendemos consolidar os aspectos

conceptuais que justificarão nossa posição quanto à relação direta entre o tipo de linguagem e

o fechamento operativo do sistema jurídico. O que ingressa no universo do direito tem

natureza jurídica porque assume a forma exigida pelo próprio universo jurídico; o direito

prescrevendo direito, do direito ditando as regras e os critérios de inclusão na grande classe

que tomamos a iniciativa de chamar de ordenamento jurídico. Neste contexto, a forma

                                                            47 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3ª edição. São Paulo: Annablume, 2007. p. 40. 

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39  

estabelecida é aquela que se mostra em linguagem competente, ingressando no sistema a

partir de um procedimento legítimo. Desta feita, o fechamento operativo do sistema jurídico,

nos termos linguísticos do plano sintático, se dá pelo fato de existir uma estrutura exclusiva

para o sistema jurídico. Então qual seria ela?

2.2.2. Estrutura sintática das normas jurídicas

Isolado o ordenamento jurídico – os textos jurídicos – percebemos que há

uma estrutura lógica que se formaliza a cada construção intelectiva, ou seja, sempre que

observados os enunciados jurídicos, cogitamos a existência de um esquema formal composto

por três elementos: 1) Hipótese fática, 2) implicação (modal deôntico: dever-ser) e, 3)

Consequência jurídica. Esquema sintático que denominamos de norma jurídica, em termos

kelsenianos.

Ilustração 01: Hipótese fática (H) Consequência jurídica (C)

Desse modo, se isolarmos as unidades elementares do ordenamento jurídico

teremos um conjunto de normas jurídicas, que estarão sempre dispostas em construções

lógico-formais predominantemente homogêneas, muito embora sejam absolutamente

heterogêneas em termos semânticos e pragmáticos.

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Quando lidamos com a sintaxe das normas, realizamos um estudo lógico,

ou seja, elaboramos fórmulas fixas e sintaticamente homogêneas, compostas por variáveis

(categoremas)48 e constantes (sincategoremas)49 capazes de representar o nosso objeto.

Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, afirma que a norma funciona

como um esquema de interpretação.50 Norma jurídica que deve ser entendida como uma

construção hermenêutica realizada pelos órgãos credenciados pelo sistema (direito posto),

para prescrever comandos, permissões e atribuições de poder ou competência. Por outro lado,

as proposições jurídicas seriam juízos descritivos hipotéticos que tratam de cogitar o sentido,

as condições e os pressupostos da ordem jurídica.

A Ciência do Direito, para Kelsen, constroi proposições jurídicas, cuja

função descritiva busca aferir valores de verdade ou falsidade. Enquanto que as normas

jurídicas seriam o resultado da atividade interpretativa dos sujeitos competentes e aptos para

aplicar o direito. E nesta perspectiva, os valores almejados pela prescritividade normativa

seriam de validade ou invalidade.

O direito, para Kelsen, é um sistema de normas que procura regular

condutas empregando o verbo “dever-ser”, no seu sentido amplo, para que possa alcançar

obrigações, permissões e proibições. Observou, portanto, a norma jurídica como o resultado

de atos de vontade dos órgãos competentes, e o direito como um conjunto de normas

jurídicas.

                                                            48 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas do sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses. 2007. p.286 49 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas do sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses. 2007. p.286 50 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 04. 

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A concepção homogênea, pelo exposto, compreende o ordenamento como

um sistema de normas jurídicas, cuja estrutura lógico-formal obedece ao perfil sintático de

uma hipótese implicando uma consequência (H C), cujo elemento de conexão é um modal

deôntico51 - um “dever-ser”. Desta feita, haveria homogeneidade sintática no plano da

estrutura formal da norma jurídica.

                                                            51 Entendemos que o dever-ser é entidade sintática, cuja expressão carece de significado per se. Tal como as unidades relacionais se apresentam, o dever-ser é unidade lógico-jurídica que pode ser vista sob a égide de duas perspectivas: neutra e deôntica. O dever-ser neutro é aquele que rege uma relação interproposicional, portanto, aquele que realiza o vínculo entre a proposição hipótese (antecedente) e a proposição-tese (consequente) da norma, enunciado por ato volitivo de autoridade competente. Neutralidade que se deve ao atributo de ser peça meramente relacional - necessária condição/conexão posta pelo fenômeno da implicação. É o fenômeno implicacional que provoca a causalidade jurídica, enquanto inequívoco elo concreto entre as causas fáticas e os efeitos jurídicos. Assim, é possível usar esta assertiva para corroborar com toda a tese de que a incidência51 se opera sobre os fatos da realidade (subsunção – inclusão de classes) e implica numa consequência jurídica, onde serão ponentes deveres e direitos aos sujeitos. Assim, a imputação se opera como etapa final do processo de incidência jurídica, sendo capaz de concretizar as relações jurídicas previstas nos consequentes abstratos das normas gerais e hipotéticas elaboradas a partir da leitura, interpretação e compreensão dos textos positivados. O dever-ser neutro vincula termos proposicionais sem jamais se mostrar modalizado. E esta negativa se consolida por conferir ao símbolo “modalizado” o caráter operacional, orientado pela Lógica deôntica, de impor os vetores proibido (V), permitido (P) e obrigatório (O) às condutas intersubjetivas. Assim, esta modalização não é cabível ao dever-ser de natureza neutra.

Na esteira classificatória, o dever-ser deôntico não segue a consecução do raciocínio adrede exposto em termos de fenômeno implicacional, pois não é o responsável pela implicação – competência exclusiva do dever-ser neutro, mas estabelece um vínculo que agora acontecerá entre pessoas e terá como efeito imediato a imposição de um dever jurídico para o sujeito S’ e de um direito subjetivo para o sujeito S’’. Por esta forma, tal relação jurídica somente será percebida na proposição-tese da norma (consequente) e, assim, será chamada de intraproposicional.

GEORGES KALINOWSKI traz, em sua obra Introduction a la logique juridique(1965), o termo “functor” para designar a entidade relacional lógico-jurídica chamada de dever-ser. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008: item 2.7., Capítulo II, Primeira parte). Mas, antes seguir com a designação proposta pelo autor supramencionado, interessante é realizar um breve estudo acerca das acepções originais do termo “functor”. Pelo exposto, o termo “Functor” se apresenta, originariamente, da seguinte forma: “In category theory, a branch of mathematics, a functor is a special type of mapping between categories. Functors can be thought of as homomorphisms between categories, or morphisms in the category of small categories. Functors were first considered in algebraic topology, where algebraic objects (like the fundamental group) are associated to topological spaces, and algebraic homomorphisms are associated to continuous maps. Nowadays, functors are used throughout modern mathematics to relate various categories. The word "functor" was borrowed by mathematicians from the philosopher Rudolf Carnap [Mac Lane, p. 30]. Carnap used the term "functor" to stand in relation to functions analogously as predicates stand in relation to properties. [See Carnap, The Logical Syntax of Language, p.13-14, 1937, Routledge & Kegan Paul.] For Carnap then, unlike modern category theory's use of the term, a functor is a linguistic item. For category theorists, a functor is a particular kind of function. Verbalizando as inferências construídas a partir da compreensão do texto citado, é possível discorrer acerca de alguns pontos inteiramente relevantes. JOHANN PETER G. L. DIRICHLET introduziu, no campo da matemática, a moderna definição “formal” do conceito de

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Convém registrar que a postura positivista pretendeu construir uma teoria

pura do direito, uma ciência jurídica autônoma capaz de se diferençar das demais ciências. E

Kelsen, para viabilizar esta pureza, realizou um corte metodológico que isolou o direito do

mundo externo, a partir da identificação de uma forma sintática propriamente jurídica.

Entretanto, o corte sintático de tal concepção não negou a existência do conteúdo semântico

dos enunciados prescritivos, apenas o desconsiderou no instante em que se propôs a construir

uma teoria pura.

Os valores atribuídos ao sistema normativo seriam o resultado do processo

interpretativo, e, portanto, uma perspectiva que não interessaria à parte da teoria que buscou

identificar a forma pura do direito. Vista por este enfoque, é possível se chegar à conclusão

de que a teoria do direito, para os positivistas, teria como objeto de preocupação a teoria da

norma jurídica, como unidade sintática elementar do ordenamento.

                                                                                                                                                                                          função. Função que passou a ser tratada pelo professor alemão como um caso especial de relação (relação aqui definida como o conjunto de pares ordenados, onde cada elemento pertence a um dos conjuntos relacionados). Assim, na álgebra, o conceito de functor assumiu a face de elemento relacional, i. é, de ponte formal que tem preservada sua estrutura (homomorfismo – homomorphisms - R. SCHREIBER, Logik des Rechts, chama de isomorfismo – estruturas formais de mesma composição) a fim de unir categorias. Transpondo o conceito matemático para a filosofia, RUDOLF CARNAP utilizou o termo functor para denominar o ente relacional que há entre predicados ou entre propriedades. Assim, functor foi adotado, pela seara filosófica, como um item linguístico, uma forma especial de função, cuja natureza é meramente estrutural.

Desta maneira, retornando às acepções de GEORGES KALINOWSKI, é absolutamente pertinente a analogia feita do termo functor à lógica jurídica. Pois, se o dever-ser é o ente que relaciona as proposições da forma normativa, ele poderá ser chamado, sem demasiada restrição, de functor. Nesta perspectiva, ao observar a forma normativa e a posição ocupada pelos functores – dever-ser, GEORGES KALINOWSKI identificou como functor deôntico aquele ente que integra a relação intraproposicional/ ( S’ R S’’). E, ainda seguindo o raciocínio adrede destacado, assumindo a postura propriamente matemática de iniciar a resolução das equações pelas operações internas às formulas e seguir pelos termos marginais até alcançar o resultado correto, inferiu-se que: se o dever-ser modalizado da proposição-tese é chamado de functor deôntico¸ então o dever-ser neutro, enquanto relação da relação, será chamado de functor-de-functor. Com toda esta exposição, concluímos que o dever-ser é qualificação jurídica para uma função relacional – functor. E, nesta medida, assume um papel estrutural inafastável para análise lógica da forma sintático-normativa. E, em sendo qualificação, é entidade que apresenta carga valorativa tanto enquanto functor-de-functor como enquanto functor deôntico.

 

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43  

2.3. Abertura semântico-pragmática do Sistema Jurídico

O sistema jurídico enquanto subsistema social está inserido num contexto

complexo e ininterrupto de fatos. Fatos sociais que exigem regulação e inclusão num

contexto capaz de orientar as condutas intersubjetivas. Dentro de uma sociedade em

desenvolvimento gradual, diversos valores devem ser mobilizados e contemplados por

previsões normativas, aptas a viabilizar a harmonização do convívio social e oferecer os

meios suficientemente válidos para solucionar os eventuais conflitos e sanar as expectativas

frustradas pelo litígio.

Sobre isso, convém ressaltar que quando o sistema jurídico assume para si a

função de elaborar um repertório geral e abstrato de hipóteses fáticas capazes de implicar

consequências jurídicas, está incluindo o quantum do ambiente/meio na sua forma própria e

exclusiva, i. e, conectando as referências externas a partir de operações internas52.

Significa dizer que o direito passa a regular, a partir de uma estrutura formal

homogênea, a heterogeneidade dos fatos sociais através de atos que seguem específicos

procedimentos e definidas competências.

Entretanto, ao disciplinar as condutas intersubjetivas, o sistema jurídico não

traz para dentro de si fatos econômicos, sociais, político, ou toda heterogeneidade do

                                                            52 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 78. 

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ambiente; dentro do sistema jurídico só há fatos jurídicos, e os fatos em jurídicos se

transformam quando relatados em linguagem jurídica competente, positivada.

Portanto, vislumbra-se uma abertura semântica e pragmática do sistema

jurídico à realidade, desde que encontre respaldo no padrão formal do ordenamento jurídico –

frame of reference – para o fechamento operativo do sistema.

Na linha de consecução desse raciocínio, Cristiano Carvalho assegura que o

quantum de abertura cognitiva do sistema normativo ao ambiente é que dará a medida de

sua capacidade homoestática, i. e, quanto mais o sistema normativo for capaz de perceber as

expectativas do meio social, melhor será capaz de adaptar-se a ele53. Dessa forma, teremos o

sistema social sensibilizando o sistema jurídico e este criando mecanismos internos capazes

de construir programas que atendam às necessidades do universo contínuo e cambiável - o

meio.

Como observa Lourival Vilanova, as novas situações (sociais) encontram

solução normativa dentro dos quadros gerais do ordenamento: regras legisladas, os

regulamentos editados, as decisões judiciais vão, cada uma em sua esfera própria, criando

um direito novo, sem quebra dos lineamentos e contornos do ordenamento jurídico total.54

O ordenamento jurídico e todas as entidades que o compõe – leis, decisões

judiciais, jurisprudências – se assenta num substrato social e se volta para ele a fim de dar

                                                            53 Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin. 2005. p. 245. 54  VILANOVA, Lourival. “Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento” in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. 

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forma às relações e oferecer segurança aos entes atuantes no quadro de possibilidades

crescentes vivenciadas na tábua das evoluções sociais.

É o direito atuando na mudança social, num método empírico-dialético de

influência recíproca entre a experiência e a normatização. As transformações dos estratos

sociais e a ruptura do equilíbrio transitório provocam sensibilizações no sistema jurídico,

repercutindo mediatamente no comportamento judicial. Dessa forma, é a interação

semântico-pragmática do sistema jurídico que instiga o desenvolvimento, concretizando o

processo universal de mobilização dos fatores econômicos, tecnológicos, dentre outros, a

partir de manifestações normativas de previsão, planejamento e regulamentação.

Sendo assim, o direito que se transforma repõe a quantia de normatividade

exigida pelo ambiente no processo de desenvolvimento. Estrutura reformativa, característica

do sistema jurídico, que também fica nas mãos dos órgãos com poderes para criar o direito

(órgãos competentes), desempenhando a função completante de decidir os casos conflitantes

que surgem com base no repertório que dispõe.

Nesta perspectiva, trazemos a posição de Haroldo Valladão55 que se mostra

coerente ao advogar que (...) a interposição dos juízes e tribunais para exercer aquela função

completante, de posição do direito novo e de ser órgão por meio do qual as modificações

sociais e econômicas encontram a forma jurídica adequada. É um aspecto em que se dá a

forma jurídica ao processo de desenvolvimento.

                                                            55 Novas dimensões do direito. Justiça social, desenvolvimento, integração. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1970. p. 286. 

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46  

A obrigação de o direito solver os litígios jurídicos através de seus órgãos

jurisdicionais é o que caracteriza o princípio do non liquet56 e promove a natureza fechada e

auto-reprodutiva do sistema jurídico.

2.4. Sistema Jurídico Tributário: processo de diferenciação funcional

Se o conceito de sistema social é construído a partir da ideia de diferença, ou

melhor, em razão da eleição de uma diferença (fato de ser comunicação) frente ao ambiente –

o entorno, a mesma inferência poderá ser feita quando de dentro do sistema social

observarmos os diversos subsistemas, dentre eles o jurídico. E aí a primeira pergunta que

surge é: quais diferenças se revelam suficientes para diferençar os subsistemas jurídicos?

Falar em processo de diferenciação é vislumbrar um modelo para a

construção dos subsistemas, é observar a arquitetura de interação intra-sistêmica ou de

interação mútua entre os subsistemas – relações intersubsistêmicas, ou seja, as estruturas, os

processos, a auto-regulação, a seletividade, as funções, etc.57

A grande marca da sociedade moderna é a inequívoca necessidade de

atribuir papeis especializados, é a identificação funcional caracterizando e diferençando

                                                            56 Tomamos a completeza do ordenamento como a expressão do universo normativo: dentro dele haverá sempre uma solução, dada por uma proposição normativa geral, ou por uma proposição normativa individual, que no caso litigioso, é a decisão judicial. (...) O ato de decisão corta as alternativas e faz opções. As decisões partem do poder, é função da política e a política, para se consolidar, logo engendra o direito. A decisão é axiológica, importa uma tomada de decisão. Cf. Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento. in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. P. 492 e 493. 57 LUHMANN, Niklas. The Economy as Social System. Columbia University Press. New York, 1982. 

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47  

sistemas, reduzindo complexidades. Circunstância histórica que supera os processos de

diferenciação vivenciados ao longo da sociedade tradicional (segmentário, geográfico e

estratificado).

Nesse contexto da modernidade, os mecanismos da sociedade diferenciada

elegem o aspecto funcional como efetivo meio capaz de propagar o desenvolvimento e

garantir as implicações recíprocas intra-sistêmicas. Função capaz de diferenciar os

subsistemas entre si, construindo universos operativamente fechados, auto-reprodutivos com

amarras reacionárias. Subsistemas com estruturas fechadas que estabelecem diferenças não só

através das funções e dos códigos binários, mas também dos meios, programas e operações

diferenciadas.

O viés funcional do sistema jurídico, por exemplo, reside na observância dos

limites das normas jurídicas estabelecidos pelo conjunto estrutural do ordenamento jurídico,

na dinâmica de aplicação normativa e consequente indução de políticas públicas de

intervenção Estatal no domínio econômico e social.

Os subsistemas jurídicos (tributário e econômico) atuam de forma autônoma,

porém interligados pela origem sistêmica unitária que o os perseguem, o fato de ser sistema

jurídico.

Nesta monta, o sistema tributário exerce suas funções com o fim de

promover a transformação e desenvolvimento através do exercício da fiscalidade e da

extrafiscalidade. A primeira, fiscalidade, está relacionada à função primária de tributo, qual

seja, instrumento de arrecadação de recursos financeiros para o Estado, que, por sua vez, é

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uma função que não deve ser considerada com exclusividade. Isso porque toda norma jurídica

tributária tem o condão de interferir no comportamento intersubjetivo de uma forma ampla,

logo a função fiscal do tributo opera como um objetivo preponderante na norma que institui o

tributo, não como um objetivo exclusivo.

O mesmo se diga em relação à função extrafiscal do tributo, que exerce a

finalidade de direcionar o comportamento humano, através de normas que atuam intervindo

no domínio econômico, em que o interesse arrecadatório (fiscal) exerce função secundária

perante os interesses de transformação.

Sendo assim, as funções são exercidas de modo preponderante, motivo pelo

qual um tributo deve ser analisado sem a insistência de exclusividade de funções, fiscais e

extrafiscais. Como dá conta Diego Bomfim58, “(...) não existem, propriamente, tributos fiscais

ou extrafiscais, mas tributos com função preponderantemente fiscal ou extrafiscal, já que não

há tributo que ostente apenas um viés de fiscalidade ou extrafiscalidade”.

No mesmo sentido assevera Alfredo Augusto Becker59:

Neste ponto germinal da metamorphose jurídica dos tributos, a transfiguração que ocorre é, em síntese, a seguinte: na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico.

                                                            58 Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 69. 59 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª Edição. São Paulo: Noeses. 2007. p. 632.

 

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49  

Por esta concepção, a fiscalidade e a extrafiscalidade dos tributos são funções

que percorrem caminhos que se cruzam em determinados instantes da trajetória, ou seja,

interseccionam-se. Com isso, resta demonstrado que o exercício da competência tributária,

levando em conta a identificação funcional predominante dos tributos, terá como resultado a

frutífera percepção das influências das normas tributárias sob as normas concorrenciais.

Por esse modelo de estudo, no qual é preciso perceber as influências entre os

chamados subsistemas jurídicos – tributário e econômico –, o enfoque pragmático alia-se à

sintática das normas, para juntos alcançar os pontos de acoplamento entre os sistemas

jurídicos. Fala-se aqui em considerar além do fechamento operativo/estrutural, a abertura

semântica e pragmática dos sistemas que traça os contornos de uma interação contínua e

transformadora capaz de induzir ou promover condutas intersubjetivas em favor da mudança

e do desenvolvimento social, em função das atuais necessidades do Estado.

2.5. Sistema Jurídico Econômico: a ordem econômica constitucional

“Ainda que se oponha à ordem jurídica a ordem econômica, a última expressão é usada para referir uma parcela da ordem jurídica. Esta, então – tomada como sistema de princípios e regras jurídicas – compreenderia uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica, uma ordem social.” 60

Neste item estabeleceremos um corte conceptual, recortaremos a

abrangência semântica do termo “ordem econômica” para direcionar as atenções somente                                                             60 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 9a Edição. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 51

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para os meandros de seu caráter jurídico. Ou seja, na presente etapa, percorreremos o

conceito de “ordem econômica” enquanto um conjunto de normas jurídicas que regulam a

ação econômica, fazendo anotações atinentes à ordem jurídica da economia disciplina na

Constituição Federal de 1988. Isso porque não compete a nós juristas a missão de estudar a

ordem econômica enquanto um conjunto de fatores econômicos materiais, de mecanismos e

estratégias mercadológicas, tão somente por nos falar linguagem para tanto.

A ordem econômica regulada pelo repertório jurídico-positivo, a ordem

econômica enquanto subsistema jurídico é a porção sobre a qual pretendemos nos debruçar.

A ordem econômica enquanto realidade do mundo do ser normatizada, conduzida à

linguagem do universo prescritivo, à linguagem do direito.

Eros Roberto Grau, tratando da ordem econômica, conceitua como “o

conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção

econômica. Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser), não é

senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo

do ser).” 61

A partir da regulação constitucional da ordem econômica, o direito passa ter

linguagem competente – regras e preceitos – para instrumentalizar políticas públicas,

promovendo intervenções62 positivas ou negativas do Estado no entorno a fim de aprimorar e

                                                            61 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 9a Edição. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 63 62 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 9a Edição. São Paulo: Malheiros. 2004. “(…) Intervir é atuar em área de outrem: atuação, do Estado, no domino econômico, área de titularidade do setor privado, é intervenção. Atuação do Estado além da esfera do publico – isto é, na esfera do

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preservar os artefatos sistêmicos da ordem econômica normatizada, a partir de um conjunto

de princípios ordenador do sistema econômico. O direito, nesse contexto, enquadra-se como

o legitimador das relações de produção, como o sistema que define a forma e o dever ser

econômico juridicamente institucionalizado.

Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 no bojo de seu art. 170, caput

e incisos, traz os seguintes enunciados prescritivos, in verbis:

Art. 170. CF/88. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (destacamos)

                                                                                                                                                                                          privado – é intervenção. De resto, toda atuação estatal pode ser descrita como um ato de intervenção na ordem social.” p. 65.

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52  

Os enunciados atribuídos pela Carta Magna à ordem econômica preconizam

a introdução dos princípios e valores que devem orientar a produção normativa indutoras de

efeitos econômicos e até mesmo aquelas de natureza jurídica voltada aos fatos econômicos.

Pela leitura atenta do caput do art. 170, logo se percebe que a ordem econômica deve

prestigiar, ao menos, dois paradigmas: o trabalho humano e a livre iniciativa. De modo que

para viabilizá-los, a ordem econômica não pode se afastar de princípios (valores), como: a

soberania, a propriedade privada e sua função social, a livre concorrência, o meio ambiente,

o direito do consumidor, a redução de desigualdades, dentre outros.

É sabido que o núcleo de um sistema econômico volta-se para os conceitos

de propriedade privada e liberdade contratual, estes que em si regulados já seria suficientes

para promover limites à ordem econômica material. Ora, mas a Carta Magna preferiu ir mais

além, ao impor uma gama de valores que devem orientar a constituição de fatos que

intervenham, ainda que mediatamente, na economia.

Os princípios enunciados no art. 170 da CF/88 são limites ao poder de

legislar, ao livre poder de contratar, à atuação e intervenção do Estado na economia,

inclusive, são limites ao poder de instituir e exonerar tributos – poder de tributar. Dessa

assertiva surge a necessidade de definir quais os limites à intervenção do Estado no domínio

econômico, até onde é possível o Estado intervir sem dirigir a economia, se é que existe essa

possibilidade.

O domínio econômico, neste contexto, é o fluxo de atos percebidos no

mundo do ser, um conjunto de relações sociais vinculadas às atividades econômicas em

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sentido estrito, ou seja, que estão diretamente relacionadas à produção, circulação de bens e

prestação de serviços voltados para o mercado.63 Trata-se do universo de condutas

intersubjetivas regulado pela ordem econômica constitucional. O domínio econômico, em

sendo um conjunto de relações sociais, pode ser definido como um estrato de linguagem

descritiva de relato fático que se refira à captação de lucros e produção de riquezas, sem,

portanto, a normatividade prescritiva que encampa a linguagem da ordem econômica.64

Por todo o exposto, pode-se concluir que o termo domínio econômico

refere-se à parcela do mundo do ser – relações sociais relacionadas à produção, circulação de

bens e prestação de serviços voltados para o mercado – regulado pelas normas jurídicas que

compõem a ordem econômica.

Contudo, ainda que estejamos a falar em intervenção do Estado e domínio

econômico é certo que nenhuma linguagem prescritiva do sistema jurídico implica imediata

transformação ou alteração no mundo do ser – descritivo. Isso porque os sistemas operam de

uma forma autônoma, com códigos, funções e programas distintos, de modo que as

realidades dos sistemas – jurídico e econômico – não se confundem entre si, sequer

interferem uma nas outras.

O direito, para processar a realidade econômica e exercer seu poder

regulatório, necessita produzir linguagem prescritiva que se adeque à realidade descrita,

normas dirigidas à regulação pelo Estado do domínio econômico. Além dessa ação normativa

                                                            63 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin,2003. p. 230. 64 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin,2003. p.231. 

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do Estado, deve-se considerar que o ente público pode atuar como um agente econômico,

produzindo, circulando bens e prestando serviços para o mercado – participando efetivamente

no setor da atividade econômica.

A participação do Estado na economia e seus limites de atuação estão

previstos no art. 173 da Constituição Federal de 1988, dispondo o que segue, in verbis:

Art. 173. CF/88. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

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§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Pelos termos do art. 173 da CF/88, o Estado poderá sim participar da

atividade econômica desde que obedeça algumas regras. A primeira delas refere-se à

exigência de que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida

quando necessária à segurança nacional ou ao interesse coletivo, circunstâncias que deverão

estar devidamente qualificadas e previstas em lei. É também a lei que deverá definir o

estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias,

para preservação dos princípios da ordem econômica, descritos no art. 170 da Carta Magna

de 1988.

A Constituição Federal de 1988, em face da evidente situação privilegiada

do Estado, seja em termos econômico-financeiros como políticos, cuidou de deixar

expressamente determinada a proteção ao princípio da livre-concorrência ao determinar que

as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios

fiscais não extensivos às do setor privado. Ou seja, ao ingressar no domínio econômico

exercendo uma função participativa, o Estado não pode gozar de prerrogativas ou benefícios

fiscais que lhes sejam exclusivos, isso porque o Estado passa a explorar a atividade

econômica sob o regime de direito privado, devendo ser reprimido por lei todo e qualquer ato

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de abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da

concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Dessa forma, o Estado poderá exercer dois tipos de ação: (i) participativa e

(ii) normativa. A atividade participativa situa o Estado na posição de agente econômico,

inserido no regime de direito privado e obedecendo regras que reprimem o abuso do poder

econômico.

A atividade normativa, por sua vez, prevista no art. 174 da CF/88, está

vinculada à construção de normas jurídicas que possibilitem a fiscalização e a viabilização da

atividade econômica. Viabilização que neste caso significa condições de desenvolvimento,

crescimento e estímulos àqueles que exercem alguma atividade econômica. Nesse contexto, o

Estado regulador atua planejando o desenvolvimento de determinado setor da economia,

verdadeiro instrumento de racionalização.

Art. 174. CF/88. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

Adotando a classificação de Eros Roberto Grau, enquanto regulador

legislativo, o Estado pode exercer sua atividade normativa sobre o domínio econômico por

direção ou por indução. “Quando o faz por direção, o Estado exerce pressão sobre a

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economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os

sujeitos da atividade econômica em sentido estrito.” 65 O termo direção é atribuído às normas

de intervenção que expressam comandos imperativos que exigem o cumprimento imediato

por todos os agentes econômicos, sob pena de sanção. São normas que exigem um tipo de

comportamento, normas cogentes.

Noutra monta, “Quando o faz, por indução, o Estado manipula os

instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o

funcionamento dos mercados.” 66 A intervenção sobre o domínio econômico por indução é

aquela que opera estímulos positivos ou negativos para que os agentes econômicos

empreendam determinadas condutas mediante a utilização de normas jurídicas

promocionais.67

As normas indutoras de conduta, diferentemente das normas de direção, são

normas que instituem estímulos (positivo) ou desestímulos (negativo) à realização de

determinados comportamentos. O Estado atua como regulador legislativo seduzindo o agente

econômico a praticar ou a não praticar determinada conduta. E é exatamente neste contexto

de normas promocionais indutoras de comportamento que vamos trabalhar a ideia de

tributação como instrumento de intervenção.

                                                            65 GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na Constituição de 1988. 9ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 133. 66 GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na Constituição de 1988. 9ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 133. 67 BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 99.

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2.6. Anotações sobre a interação entre os subsistemas jurídicos: tributário e econômico

Surgem das linhas adrede escritas as ideias entusiasmadas de

desenvolvimento, mudança social, transformação, previsão normativa de dados-de-fato, o

poder da mudança pelo direito, sempre analisando perspectivas extra e intra-jurídicas.

Visualizando o crescente aumento das complexidades do ambiente e as necessárias

sensibilizações refletidas no sistema jurídico.

Pois muito bem, é exatamente nesta atmosfera de abrangência semântico-

pragmática do sistema jurídico e dos demais sistemas, observada a partir do processo

dialético de mudanças e institucionalizações, que ousaremos defender a interação entre o

direito e a economia, propondo como técnica a inclusão do quantum econômico na forma

(linguagem) jurídica.

No caminho da consecução dos objetivos epistemológicos deste estudo,

consideramos pertinente enunciar a posição de Lourival Vilanova68 quanto ao que acabamos

de expor, com a finalidade de destacar com clareza a inequívoca relação entre o direito e a

estabilidade, entre o direito e as alterações sociais, vejamos:

“O social é um processo dialético de estabilização e mobilidade, de consolidação em estruturas e modificações nas relações dos fatores integrantes das estruturas. Os momentos de estática e dinâmica coexistem num equilíbrio lábil, sempre a romper-se lentamente, imperceptivelmente, ou abruptamente, com violência e consciência de

                                                            68 Cf. Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento. in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. p. 492/493.  

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mudança. O direito tanto sofre a mudança, a passagem de subdesenvolvimento para o desenvolvimento, como por sua vez opera como fator, detendo ou promovendo a mudança. Faz as vezes de forma, de receptáculo dos fins novos, dos novos projetos que a sociedade adota, das novas atitudes e valorações. E, sabe-se, que a forma jurídica, como toda forma, se não faz os fatos ou matérias de fato, modela-os, dá-lhes os contorno, imprime-lhes sentidos e finalidades. A forma eleva a mera relação factual de permuta entre coisas a uma relação jurídica, um tipo de negócio jurídico (...)”69 (destacamos)

É o sistema jurídico atuando como poder, como controlador das relações,

inclusive no processo de desenvolvimento econômico, ou seja, é o direito agindo como

instrumento dos fatores econômicos (propriedade, contrato, lucros, preços, etc.), protegendo70

os negócios, reprimindo os abusos e assegurando as condutas através do viés de

previsibilidade próprio do direito frente ao universo mutante dos fatos.

É a forma jurídica do desenvolvimento que torna as mudanças realizáveis;

que constroi, no interior do sistema positivo, um consolidado conjunto de normas que

disciplinam o funcionamento da economia, que oferece estabilidade e segurança para o

contexto social, uma vez que toda matéria direta ou indiretamente interfere na economia (lato

e stricto sensu). Portanto, o acoplamento estrutural entre o direito e a economia se dá através

da forma jurídica, i. e, pela linguagem do direito, num trajeto que envolve condutas

recíprocas e alcança a mobilidade dos subsistemas sociais.

                                                            69 Cf. Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento. in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. p. 477. (destacamos) 70 O sistema jurídico cria meios para proteger a propriedade e punir o abuso deste direito. 

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Noutros termos, ao prescrever o comportamento social, conduzindo as

condutas intersubjetivas pelo caminho da “justiça”, o direito aperfeiçoa os elementos do

entorno revestindo-lhes de uma forma propriamente jurídica capaz de causar efeitos de

transformação, ainda que mediata. Ocorre que, do ponto de vista interno ao sistema jurídico,

diversos subsistemas coexistem e se diferenciam pela função exercida em seus domínios,

numa compatibilidade gerada pela lei71 (norma) e numa incompatibilidade por efeitos

divergentes entre os interesses de seus respectivos subgrupos jurídicos.

A lei é o instrumento sintático de inserção de dados-de-fato dentro do

sistema jurídico, o texto positivo. As normas jurídicas são o conteúdo construído a partir da

análise desses enunciados prescritivos. Não é por outro motivo que Lourival Vilanova insiste

em afirmar que onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo leis72.

A compatibilidade repercute o aspecto sintático-semântico do princípio

includente da legalidade, vez que os elementos, em razão da lei (norma), passam a ser

classificados como jurídicos ou não jurídicos, incluídos na classe do sistema do direito. Por

esta razão, arriscamo-nos, inclusive, a afirmar que o princípio da legalidade é o critério de

inclusão que autoriza a pertinencialidade de um dado ao sistema jurídico, pois como afirma

Lourival Vilanova:

“Sem norma, um fato não adquire qualificação de fato jurídico. E sem fato jurídico, efeito (eficácia) nenhum advém. De onde depreende que os fatos jurídicos são internos a cada sistema. não há fato jurídico fora do sistema normativo. É o sistema que decide que fatos

                                                            71 Lei (sintática) – texto jurídico positivo – veículo introdutor de normas. Norma (semântica e pragmática) – reconstrução do texto jurídico a partir do processo hermenêutico: leitura – interpretação – compreensão. 72 Cf. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses. 2008. p. 250.

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são jurídicos (juridicização do fáctico), e que fatos deixam de ser jurídicos (desjuridicização do fáctico).” 73 (destacamos)

Noutro dizer, uma conduta intersubjetiva somente será qualificada como

jurídica quando os seus aspectos/elementos estiverem devidamente previstos na forma de

hipótese normativa veiculada por lei. Assim, “a abertura por onde entram os fatos são as

hipóteses fácticas; e suas conseqüências em fatos se transformam pela realização dos

efeitos.” 74

A lei (em sentido amplo) é a estrutura sintática que insere um conjunto de

textos jurídicos no interior do sistema. A lei é o suporte físico para a construção das normas –

entidades significativas, cuja configuração estrutural é hipotético-condicional (hipótese fática

consequência jurídica), que detêm mensagens prescritivas capazes de regular as condutas

intersubjetivas e qualificá-las como jurídicas.

Não é por outro motivo que Hans Kelsen afirma:

O que transforma um fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma. A norma funciona como um esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o

                                                            73 Cf. Causalidade e relação no Direito. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 53. 74 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 55. 

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resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa.75

O princípio da legalidade está expressamente disposto no art. 5º, inciso II

da Constituição Federal de 1988, prescrevendo que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer algo se não em virtude de lei”, ou seja, ninguém será compelido a praticar ações

diversas daquelas prescritas pelos representantes legislativos76.

Apegando-se às referidas disposições, Paulo de Barros Carvalho ensina que,

verbis, “Por força do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), a ponência de normas jurídicas

inaugurais no sistema há de ser feita, exclusivamente, por intermédio de lei, compreendido

este vocábulo no seu sentido lato. Em qualquer segmento da conduta social, regulada pelo

direito, é a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos que criam direitos e deveres

correlatos.” 77

Destarte, se as condutas intersubjetivas deonticamente modalizadas devem

estar hipoteticamente descritas em normas gerais e abstratas inseridas no ordenamento por

meio de lei, então as consequências jurídicas também devem estar devidamente prescritas no

conjunto normativo do direito posto, disciplinando a multiplicidade heterogênea das relações

sociais.

Nesta esteira, temos o princípio da legalidade como o valor diretor do

sistema jurídico, enraizando-se como o limite do repertório jurídico, a fim de manter

                                                            75 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 4. 76 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008. p. 282. 77 Cf. Curso de Direito Tributário. 22a Edição. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 266.

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formalizada a exclusiva prescritividade deôntica pertinente à linguagem do direito positivo. É

também pela lei 78que o sistema jurídico consegue interferir nos demais sistemas sociais,

inclusive no econômico.

Isso não quer dizer que tomamos uma postura positivista-legalista, muito

pelo contrário. Ao considerarmos a lei um critério sintático de inclusão de linguagem na

forma jurídica, estamos identificando a forma como um texto ingressa no sistema jurídico.

Estamos, ainda, identificando como surge o instrumento vetorial indutor de condutas, pois é a

partir do texto de lei que serão construídas as normas jurídicas, unidades elementares do

sistema jurídico, cuja função é disciplinar o comportamento do homem social.

A fim de esclarecer um pouco mais esse percurso de construção do direito,

levamos em conta a estrutura trilateral de Edmund Husserl, em que se têm: suporte físico,

significado e significação. No universo do sistema jurídico, o suporte físico seria o texto de

lei, o significado estaria nas condutas dos sujeitos e a significação seria o vasto repertório que

o jurista extrai, compondo juízos lógicos, a partir do contato sensorial com o suporte físico, e

com referência ao quadro dos fatos e das condutas juridicamente relevantes 79. Partindo

dessa construção husserliana, Paulo de Barros Carvalho80 defende que o texto escrito, na

                                                            78 “Em geral concordamos com as leis, ou por causa da autoridade do estado, que a impõe, ou por causa da justiça de seu conteúdo. De qualquer forma, concordemos ou não, devemos obedecê-la, sob pena de arcarmos com a respectiva sanção. A este caráter da norma jurídica, que lhe permite atribuir qualidade e efeitos às coisas e comportamentos, que lhe dá a virtude de imputar efeitos próprios seus (jurídicos) às coisas que recaem sob seu poder, dá-se o nome de atributividade.” Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 28. (grifamos) 79 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do fato gerador – Direito e sua autonomia – O paradoxo da interdisciplinariedade. 80 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do fato gerador – Direito e sua autonomia – O paradoxo da interdisciplinariedade.  

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singela expressão de seus símbolos, não pode ser mais do que a porta de entrada para o

processo de apreensão da vontade da lei.

O Estado se manifesta através do direito, e é por meio dele que consegue

conduzir os comportamentos intersubjetivos da direção dos ditames prescritivos dispostos na

ordem jurídica vigente. Nesta medida, é o direito o único sistema que ostenta como

instrumento operativo a coercitividade, capaz de aplicar sanções àqueles que descumprirem

seus mandamentos. O Estado (lato sensu), enquanto revestido do poder executivo, legislativo

e judiciário, atua direcionando os atos econômicos, na medida em que os disciplina na forma

de linguagem jurídica81.

Cumpre-nos observar que o sistema jurídico (sistema comunicacional) é

capaz de emitir atos jurídicos de fala com interferência mediata no entorno econômico, sem,

no entanto, emitir atos econômicos, uma vez que somente o sistema econômico detém

instrumentos hábeis para tanto. E assim, a interferência do Estado na economia dá-se através

da regulamentação dos atos econômicos82 pelas normas jurídicas, devidamente positivadas,

que prescrevem matérias de conteúdo econômico, de modo a limitar a liberdade econômica e

seccionar o universo de relações juridicamente possíveis.

As estruturas normativas, portanto, são veiculadas por meio de lei, são o

resultado da manifestação de vontade dos representantes do atual Estado de Direito, e por isso                                                             81 “(...) a ordem jurídica é a única com aparato coercitivo, o que confere às suas emissões um poder de persuasão infinitamente superior a qualquer outro sistema. Destarte, como o direito acarreta sanções ao descumprimento de seus mandamentos, acaba restando um grau de liberdade muito restrito aos destinatários normativos, dentre eles, os agentes econômicos.” Cf. CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 265.  82 CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 260. 

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ocupam a posição de reguladoras das condutas sociais, enquanto voz com função de

direcionar os comportamentos dos demais subsistemas da sociedade. Isso significa que,

através das normas jurídicas, o Estado regula os subsistemas sociais, inclusive o econômico.

O sistema jurídico intervêm no sistema econômico a partir de contínuos

estímulos inter-sistêmicos induzidos por normas jurídicas. O sistema econômico, por sua vez,

reage processando as regras e aplicando-as de acordo com seus próprios critérios. Sendo

assim, é inegável que a liberdade econômica fica limitada pela ordem normativa do Estado de

Direito, a ordem econômica constitucional, assim como toda e qualquer manifestação social

regulada normativamente.

Existem diversas formas de estímulo inter-sistêmico que, de modo geral,

partem do sistema jurídico tributário e econômico: concessão de benefícios fiscais,

imposições tributárias, leis anti-truste, controle de preços e juros, etc. Ao recepcionar esses

estímulos, o sistema econômico pode reagir positiva ou negativamente às regras jurídicas

imperativas, acatando ou recusando-se a obedecê-las, respectivamente.

Mas, para que a ordem econômica possa alcançar uma boa sinergia

sistêmica, é necessário que os valores jurídicos positivados para a economia sejam validados e

processados pelos atos econômicos, pois é pelo poder coercitivo da ordem jurídica que a

economia pode garantir o alcance da livre concorrência, da divisão de trabalho, da

neutralidade concorrencial estatal, da igualdade tributária, etc.

Com isso, não se quer dizer que a economia caminha nos passos do direito,

muito pelo contrário, o domínio econômico é autônomo e se articula com seus próprios

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critérios, o que o torna auto-regulável (perspectiva endógena). Nesse contexto, o direito

(sistema jurídico) ingressa como instrumento interventivo do Estado na regulação, inibição

(intervenção negativa) ou no estímulo de fatos econômicos (intervenção positiva),

descontinuando a ordem espontânea desses fatos. Essa atividade de regulação, inibição e

estímulo de comportamentos é operada pelas normas promocionais indutoras de

comportamentos.

Nesse contexto, as normas tributárias não são diferentes, também agem

como indutoras de condutas83, instituindo os tributos, dentro dos limites constitucionais,

verdadeiros instrumentos de intervenção estatal no domínio econômico. É o texto

constitucional quem estabelece, de forma programada, o modo como a tributação deve agir

enquanto instrumento de intervenção do Estado na economia, definindo as competências, as

hipóteses de incidência e os regimes jurídicos de cada tributo.

Desse modo, a utilização dos tributos como forma de intervenção do estado

no domínio econômico-social se estabelece dentro de todas as limitações constitucionais

reputadas à tributação fiscal, não havendo de se argumentar pela flexibilização de uma ou de

outra limitação garantida pela Constituição sob pretexto de efetivação de um valor

                                                            83 Cf. BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. “A tributação, no entanto, só se manifesta mediante a intervenção por indução, nunca por direção. É que o contribuinte não pode ser obrigado, mesmo por lei, a praticar o fato gerador (fato jurídico tributário) de determinado tributo, sob pena de ofensa ao princípio do não confisco, bem como de quebra da fenomenologia tributária, toda ela baseada na possibilidade de o sujeito passivo optar pela não realização de atos que atraiam a incidência da norma tributária.” p. 102.  

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extrafiscal.84 Isso porque os limites da competência tributária estão rigidamente previstos na

Carta Magna de 1988, não restando margem para o desrespeito ao regime tributário posto.

Sendo assim, considerando a Constituição Federal o fundamento de

validade do sistema jurídico, instituidor dos limites e fundamentos dos subsistemas jurídicos –

tributário e econômico – devemos determinar quais limites a tributação impõe ao princípio da

livre-concorrência e vice-versa.

                                                            84 Cf. BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 103. 

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SEGUNDA PARTE: AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS E O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

Capítulo III – Competência Tributária: aptidão para instituir e exonerar tributos

“A tributação é atividade exercida pela criação de normas. Os fatos políticos, econômicos, religiosos, éticos, dentre outros, interessam à Ciência do Direito se – na medida em que – forem traduzidos para a linguagem das normas que dão forma ao Sistema Tributário Nacional. Por isso, o conjunto que regula direta ou indiretamente a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos não é outra coisa senão normas.”85

3.1. Sobre o conceito de competência

O Sistema jurídico é formado por um conjunto de normas jurídicas

prescritivas. A natureza jurídica das normas se deve à necessária obediência aos critérios de

pertinencialidade dispostos no próprio sistema jurídico. Isso implica a assertiva de que os

critérios jurídicos de pertinencialidade, do ponto de vista semântico-pragmático, também são

normas jurídicas, unidades elementares do sistema capazes de fazer surgir novas normas no

universo do direito posto.

As normas jurídicas de competência são entidades que dispõem sobre

pressupostos para realização da ação86 jurídica, critérios de pertinencialidade, que determinam

                                                            85 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária. São Paulo: Noeses. 2009. XXVI. 86 “La acción en sentido proprio posee los dos elementos, el externo y el interno. El movimiento o conjunto de movimientos que la caracterizan constituye un entramado físico y psíquico, externo e interno. Ahora bien, la

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que específico sujeito pode, mediante a realização de um procedimento adequado, inserir

nova norma jurídica para disciplinar coercitivamente a conduta humana na sociedade87.

O Sistema jurídico, em sua completude, pretende-se detentor de normas

jurídicas que possam ser fundamento de validade de outras novas normas jurídicas,

estabelecendo como e de que forma deve se dá esse cíclico mecanismo de criação normativa.

Hans Kelsen, com o intuito de encerrar especulações sobre qual norma teria

inaugurado o sistema jurídico, realizando um corte metodológico, reduziu a amplitude

semântica do processo inesgotável de fundamentação das normas a fim de alcançar o

fundamento de validade de todo o sistema jurídico, que chamou de norma hipotética

fundamental. Por essa corrente normativista, as normas jurídicas estão dispostas de uma

forma escalonada, na qual cada uma ocupa seu específico espaço hierárquico.

A norma hipotética fundamental ingressa no estudo do direito como um

axioma, um paradigma impecável que identifica o fundamento de validade do sistema jurídico

como uma norma pressuposta. Ou seja, um axioma para garantir a homogeneidade e

uniformidade deste objeto de estudo88. Essa posição kelseniana se instaura a partir de uma

construção exclusivamente intra-sistêmica, que isola o estudo do direito de qualquer tipo de

                                                                                                                                                                                          acción no es un mero fenómeno físico-psíquico. Es su significado. Esto se demuestra sin grave dificultad desde el momento en que un mismo complejo de movimientos puede tener diversos significados. O dicho de otra forma: un mismo conjunto de movimientos puede constituir distintas acciones.” Cf. ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 2ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. Pág. 255.  87 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária. São Paulo: Noeses. 2009. XXVII.  88 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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relação sintática com elementos extra-jurídicos, sejam eles econômicos, políticos, éticos,

dentre outros, pertencentes aos demais subsistemas sociais.

Neste ponto, a noção normativista de construção do direito é acolhida pela

nossa convicção de fechamento operativo do sistema jurídico, cujo conjunto de elementos

(normas jurídicas) é exclusivo do direito, e não mantém qualquer relação de validade com

recursos extra-sistêmicos. Isso não significa que adotamos o normativismo kelseniano

firmado pela Teoria Pura como o nosso princípio metodológico fundamental. Do ponto de

vista sintático, pensamos o direito como um sistema operativamente fechado, contudo,

admitimos a existência uma abertura semântico-pragmática que autoriza a incursão no

universo da cultura, dos valores, dos elementos que não são rigorosamente identificados como

jurídicos. Essa noção de inter-relação sistêmica não foi abandonada por Kelsen, entretanto o

autor defende sua posição perante sua Teoria Pura nos seguintes termos: “Quando a Teoria

Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face dessas disciplinas, fá-lo não

por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar o

sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que

lhe são impostos pela natureza do seu objeto.” 89

As normas jurídicas são um esquema de interpretação, motivo pelo qual

situa a posição cognoscente do cientista do direito na direção dos instrumentos prescritivos

que conferem juridicidade aos fatos e atos praticados pelo homem social. O Sistema jurídico –

leia-se: o direito –, é uma ordem que regula coercitivamente o comportamento humano,

                                                            89. Cf. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Pág. 2.  

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regulação essa que poderá acontecer de uma forma positiva ou negativa, tal como defende

Hans Kelsen:

A conduta humana é regulada positivamente por um ordenamento positivo, desde logo, quando a um indivíduo é prescrita a realização ou omissão de um determinado ato. (...) quando a um indivíduo é conferido, pelo ordenamento normativo, o poder ou a competência para produzir, através de uma determinada atuação, determinadas conseqüências pelo mesmo ordenamento normadas, especialmente – se o ordenamento regula sua própria criação – para produzir normas ou para intervir na produção de normas. O caso é ainda o mesmo quando o ordenamento jurídico, estatuindo atos de coerção atribui a um indivíduo o poder ou competência para estabelecer esses atos coercitivos sob as condições estatuídas pelo mesmo ordenamento jurídico.90 (destacamos)

Destarte, se as normas jurídicas prescrevem condutas humanas em seu

sentido amplo, então as normas jurídicas também regulam a sua própria criação, pois a

competência ou o poder para intervir na produção de normas jurídicas concretiza-se através da

conduta humana. É a chamada auto-referencialidade do sistema, ou seja, a capacidade que o

sistema jurídico tem de falar sobre si mesmo, através de normas que prescrevem a produção

de outras normas jurídicas91 – as chamadas normas de competência.

O direito positivo é um sistema capaz de regular a sua própria criação. Ou

seja, as unidades elementares do sistema jurídico – normas jurídicas – impõem o

procedimento necessário para criação de outras normas. Dessa forma as normas de

                                                            90 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Pág. 16/17. 91“Uma ordem jurídica é um sistema de normas gerais e individuais que estão ligadas entre si pelo fato de a criação de toda e qualquer norma que pertence a este sistema ser determinada por uma outra norma do sistema.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Pág. 260. 

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competência devem ser encaradas como vetores de conduta, em razão da inequívoca função

direcional que desempenha sobre a criação das demais normas jurídicas.

Nessa linha, convém abrir parênteses para tecermos considerações acerca da

classificação das normas em: normas de conduta e normas de competência, defendida por

Norberto Bobbio. Para esse autor, as normas de conduta ou comportamento seriam aquelas

que regulam os comportamentos intersubjetivos em seu sentido amplo. Enquanto as normas

de estrutura (competência) seriam aquelas que indicam a forma de regulação desses

comportamentos, numa espécie de prescrição de procedimentos para criação normativa92.

Nesse caso, Norberto Bobbio diferençou as normas que regulam

comportamentos daquelas que criam outras normas. Logo, por essa corrente, o conceito de

normas de competência inevitavelmente subsume-se ao de norma de estrutura, ainda que não

concordemos com essa assertiva. A contradição dessa classificação reside justamente no fato

de que ao exerce o seu poder, um órgão – possuidor de aptidão para criar novas normas

conforme previsão em normas de competência – acaba por realizar uma conduta. Sendo

assim, as normas de competência também seriam normas de comportamento. Daí a sempre

reiterada afirmação de que o direito é um conjunto de normas jurídicas que regulam as

condutas intersubjetivas.

                                                            92 “Existem normas de comportamento ao lado de normas de estrutura. As normas de estrutura podem também ser consideradas como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como as normas que regulam os procedimentos de regulação jurídica. Elas não regulam o comportamento, mas o modo de regular o comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras.” Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. Pág. 45.

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O caráter auto-referencial do sistema jurídico – auto-regulação/autopoiesis –

não implica uma classificação cujo critério seja “regular comportamento/não – regular

comportamento”. Todas as normas do sistema jurídico regulam comportamento. Se assim o

é, então não há que se falar em normas que não regulam comportamentos intersubjetivos.

Gregorio Robles, ao se deparar com a possibilidade de classificação das

normas jurídicas, defende que no sistema jurídico há dois tipos de normas: as normas indiretas

da ação e as normas diretas da ação. Pela perspectiva da Teoria Comunicacional do Direito,

numa atitude atenta à funcionalidade comunicativa das entidades linguístico-prescritivas

denominadas normas jurídicas, não se admitem normas que não orientem a ação, muito pelo

contrário, todas as normas são construídas para orientar a ação humana, só que umas de modo

indireto, outras orientam diretamente os comportamentos. Dessa forma, adotamos essa

corrente para tratar das normas de competência, pelos motivos que seguem.

O conceito de ação é intrínseco ao conceito de sistema jurídico. Tudo no

direito leva à ação humana. Toda regra jurídica se põe em função da ação humana. A ação é

um elemento onipresente93, conexo a todas as entidades comuns de um sistema cultural, vez

que lida com os movimentos físico-psíquicos da pessoa humana, o verdadeiro objeto de

regulação das normas jurídicas.

Isso implicar dizer que a idéia de ação vai além da formatação genérica do

exercício de uma atividade, além do mero ato concreto. A ação é o significado de um

conjunto de movimentos interiores (atos de consciência) e exteriores (manifestações

                                                            93 ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 2ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. p. 251.

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concretas), um entrelaçar de atos e movimentos, que juntos oferecem suporte ao labor

hermenêutico de construção de um significado94. É o produto de um processo mental que

acompanha os estágios intra-psíquicos (forma e conteúdo de consciência95) e que se

concretiza com um ato de fala, suporte físico externo, que apresenta a ação como o resultado

concreto de um processo interpretativo.

Sendo assim, toda ação (significado) é construída a partir da conjunção de

pelo menos três elementos: procedimento, conteúdo e forma. O procedimento reflete os

mecanismos para realização de um ato, o conjunto de requisitos convencionais que

formalizam um tipo de movimento característico de determinada ação. O conteúdo, por sua

vez, é o objeto, o significado que concilia a manifestação físico-psíquica às condições de

espaço e tempo, identificando pelo tipo de movimento o significado da manifestação. Por fim,

a forma é o espectro sintático, o ato em sua configuração lógica, a verbalização formal do

objeto reconhecido, a ação em sentido estático, o resultado pronto e acabado da expressão

linguística de um conjunto de movimentos artificiais.

                                                            94 “La acción en sentido proprio posee los dos elementos, el externo y el interno. El movimiento o conjunto de movimientos que la caracterizan constituye un entramado físico y psíquico, externo e interno. Ahora bien, la acción no es un mero fenómeno físico-psíquico. Es su significado. Esto se demuestra sin grave dificultad desde el momento en que un mismo complejo de movimientos puede tener diversos significados. O dicho de otra forma: un mismo conjunto de movimientos puede constituir distintas acciones.”Cf. ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 2ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. Pág. 255.

95 “Como unidade dos processos psíquicos, que governam a intelecção pelo homem do mundo objetivo e território imanente a suas subjetividades, a consciência é forma superior e exclusiva à espécie humana... Agora tudo isso se faz mediante formas, produzidas por atos que, por sua vez, têm um conteúdo. São três faces diferentes: o ato de consciência, o resultado do ato (que é a forma) e o conteúdo do ato (que é o seu objeto). Uma coisa é exercer o ato de pensar que gera a forma ‘pensamento’ e se dá num determinado instante; outra é o conteúdo desse pensamento (seu objeto), que pode ocupar-se de qualquer situação da vida, inclusive dele mesmo, ‘pensamento’... O ato de consciência produz a forma de consciência, dotada de conteúdo (objeto).” Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e método. São Paulo: Noeses. 2008. Pág. 10.

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Nesses termos, reconhecendo-se a ação como um significado e o sistema

jurídico como uma classe de normas jurídicas que orientam a ação, pode-se afirmar, segundo

as lúdicas lições de Gregorio Robles, que as normas não descrevem, nem explicam, nem

oferecem predicados à ação, as normas simplesmente orientam direta ou indiretamente a ação

humana, numa atitude competente revestida de natureza prescritiva.

As normas jurídicas, nesse formato, são construções de sentido obtidas a

partir do contato do intérprete com o repertório do direito positivo, o resultado de uma

ininterrupta associação de idéias e noções, ou seja, um juízo de valor, uma proposição96.

Trata-se, substancialmente, do sentido que emerge da leitura do texto e que ocupa o nosso

espírito.

As normas são o substrato do processo hermenêutico de criação da realidade

jurídica, o significado que constitui o rito de elaboração do sistema e que se destina a regular

as ações humanas. O termo norma abriga, em sua abrangência semância, a noção de conteúdo

construído a partir do texto. Norma não é texto posto, nem processo de interpretação dos

textos, norma é o produto da atividade hermenêutica que pertence exclusivamente ao campo

das significações.

Se atinarmos para o conceito de ação e o relacionarmos com conceito de

norma, poderemos perceber que ambos se referem a proposições de linguagem, entidades

repletas de significado, todavia, são conceitos que não se confudem, pois ocupam planos

                                                            96 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. Pág. 8.  

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distintos. Ação é objeto regulado. Norma é instrumento regulador. Relação de

interdependência recíproca.

Logo, sem ação não há norma, sem normas não há direito, sem ação não há

direito97. Todo sistema de normas adquire seu sentido em conexão com as ações que regula98.

Uma ação será considerada jurídica sempre que houver uma norma jurídica que a regule, sem

norma uma ação não ingressa no sistema jurídico, reside numa região não-jurídica, portanto,

fora dos limites sistêmicos do direito.

3.1.1. As normas indiretas da ação

3.1.1.1. A ontologia das normas jurídicas

Sempre que existir o homem, haverá onticidade.

Partindo do sentido etimológico do prefixo “ont-o”, palavra que deriva do

grego ón óntos que significa ser, ente, indivíduo99, pode-se dizer que o estudo da onticidade

das normas jurídicas advém da mesma base linguístico-epistemológica, pois se trata de um

conceito inserto na atmosfera do mundo do ser, humano, que concilia a referência do homem

no centro do universo à ação como elemento central do direito. Paulo de Barros Carvalho,

                                                            97 ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 3ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. Pág. 273. (traduzimos) 98 ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 3ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. Pág. 271. (traduzimos) 

99 CUNHA, Antônio Geraldo Da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007.

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nesse sentido, assevera que o ser humano é o centro a partir do qual os objetos do mundo são

considerados. (...) o núcleo que integra todas as tentativas de localização dos objetos100.

O direito, por esta perspectiva antropocêntrica, surge como objeto criado

pelo homem e impregnado de onticidade, convenção que intervém no entorno circunstante

para implantar valores. O direito é, enquanto convenção, um conjunto de caracteres reais,

existentes no tempo e no espaço, desprovidos de neutralidade axiológica. Isso porque o ato

gnosiológico de compreensão do direito encontra-se impregnado de valores, valiosos, positiva

ou negativamente, e que regem a experiência fenomenológica do dado cultural101.

A ação humana, assim como o direito e todos os demais elementos

artificiais que o circunda, é resultado de um processo de criação que atravessa séculos de

cultura e que denota a linguagem dos valores de gerações, o emblema convencional de

sucessivos atos realizados para viabilizar o convívio social.

Gregorio Robles, ao delimitar os meandros de sua Teoria Comunicacional

do Direito, acrescenta que “el carácter convencional del Derecho indica que es producto de

la voluntad de los hombres, que tiene un origen artificial y que, por consiguiente, no deriva

de la naturaleza de las cosas”102.

                                                            100 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e método. São Paulo: Noeses. 2008. p. 16.

101 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2003. p.137.

102 ROBLES, Gregorio. Las reglas Del Derecho y Las Reglas de los Juegos. Facultad de Derecho de Palma de Mallorca. Madrid, 1982. p. 36.

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Nessa configuração, definir um conceito de Direito, produto da vontade do

homem, supõe a determinação de uma classe de elementos existenciais prévios, regras que

necessariamente aparecem como proposições ônticas ou técnicas e que compõem o

denominado âmbito ôntico-prático103 das convenções.

A convenção, por ser um dado cultural complexo, pode ser observada sob

dois aspectos, o estático e o dinâmico. O aspecto estático refere-se à convenção pronta e

acabada, à linguagem que revela o resultado do processo fático de criação (aspecto dinâmico)

deste objeto convencional, que se mostra inteiramente independente do seu mecanismo de

criação. Depreende-se disso que se o produto da dinamicidade do processo de criação do

direito é linguagem jurídica, então, a convenção é linguagem com forma (sintaxe) e conteúdo

(semântica), regida pela ontologia da decisão, ato de vontade humana.

A decisão, por sua vez, mostra-se como o momento último do processo

criador da convenção, ato livre que supõe um universo ilimitado de possibilidades, ato

decisório de criação do ser convencional, razão pela qual recebe o predicado “ôntica”.

Observada tal sinuosidade, a decisão ôntica é construção pré-sistêmica que reúne os

elementos especiais necessários à realização da ação, portanto, é ato de consciência que atua

catalogando e elegendo os elementos indispensáveis à concretização da ação humana.

Gregorio Robles, dessa forma, afirma que:

                                                            103 Cf. ROBLES, Gregorio. Comunicación, Lenguaje y Derecho. Real Academia de Ciencias Morales y Políticas. Madrid. 2009. “La heterogeneidad de elementos que componen un ámbito óntico-práctico se tiene que reflejar necesariamente en el texto o textos que lo expresan.” p.60.

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La decisión óntica crea la convención, la cual es en lo esencial el establecimiento de los elementos necesarios para la toma de decisiones intrasistemáticas. Una decisión es intrasistemática cuando afecta a una acción que tiene lugar en el espacio y en el tiempo establecidos por la convención y cuando el sujeto, la competencia de éste y el procedimiento utilizado en la acción corresponden a lo establecido convencionalmente. En la medida en que la acción es el resultado de una decisión puede decirse que nos encontramos ante una decisión intrasistemática cuando ésta da lugar a una acción que se inserta en el ámbito óntico establecido convencionalmente con carácter de necesidad.104

Infere-se do exposto que a atitude ôntica é necessária a toda e qualquer

manifestação humana, pois é ato decisório que consiste em identificar os critérios semântico-

contextuais mínimos para o reconhecimento de uma ação com sentido. Sendo assim, segundo

os ensinamentos do Professor Gregorio Robles, os pressupostos semânticos mínimos que

demarcam a ação humana são: as coordenadas de espaço e tempo, os sujeitos e as

competências. Verdadeiras condições da ação.

Estabelecidas tais premissas, passemos à análise das normas ônticas.

3.1.1.2. As normas jurídicas ônticas

Na linha de consecução do raciocínio, fazendo-se um paralelo com os

conceitos adrede dispostos, as normas jurídicas ônticas, entidades elementares do sistema

jurídico, são aquelas que exercem a mesma função das decisões ônticas, na medida em que

são postas no ordenamento jurídico para prescrever os pressupostos da ação. Do ponto de

                                                            104 ROBLES, Gregorio. Las reglas Del Derecho y Las Reglas de los Juegos. Facultad de Derecho de Palma de Mallorca. Madrid, 1982. Pág. 41. (destacamos)

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vista intra-sistêmico, as normas ônticas são entidades do sistema que se dirigem às condições

mínimas da ação.

As regras ônticas possuem um caráter vetorial105, não apresentando qualquer

relação com uma realidade prévia, vez que antes da referida onticidade não há nada. As regras

ônticas são resultado de um ato de decisão que cria uma realidade convencional, motivo pelo

qual jamais estarão sujeitas aos valores: verdadeiro ou falso. Estas regras ônticas não se

confundem com as definições ou denominações, pois definir ou denominar são atos que

apresentam caráter referencial e que, portanto, têm ligação com uma realidade preexistente.

As definições não criam uma realidade, apenas delimitam aquela que já existe, ao contrário do

que fazem as normas de natureza ôntica.

Sobre o assunto, Gregorio Robles esclarece que:

(…) esto no significa que el algo creado convencionalmente no tenga relación con una realidad física. (…). Para que un individuo pueda ser sujeto de la acción del ámbito óntico-práctico es necesario que exista físicamente como tal individuo, pero la capacidad para realizar la acción y el ámbito de su competencia no son elementos que ya existan ahí, en la realidad natural, sino que son creados convencionalmente por medio de las reglas ônticas.106

                                                            105 ROBLES, Gregorio. Las reglas Del Derecho y Las Reglas de los Juegos. Facultad de Derecho de Palma de Mallorca. Madrid, 1982. p. 137.

106 ROBLES, Gregorio. Las reglas Del Derecho y Las Reglas de los Juegos. Facultad de Derecho de Palma de Mallorca. Madrid, 1982. p. 138.

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Destarte, as normas jurídicas que têm como função a determinação das

condições “a priori” da ação: espaço, tempo, sujeitos e competências, são regidas pelo nexo

verbal “ser” 107 em sentido diretivo/prescritivo e denominadas de normas jurídicas ônticas.

Numa breve análise dos referidos pressupostos da ação, tem-se:

(i) espaço e tempo

Nada na onticidade do universo cultural escapa às coordenadas de espaço e

tempo. Tudo surge com prazo para deixar de existir. O mesmo se pode dizer a respeito das

normas jurídicas e instituições do direito que vão se transformando ao longo do aumento das

complexidades e da evolução social até serem excluídas do sistema.

Neste necessário percurso vital – nascimento, desenvolvimento e morte – o

direito milita construindo e desconstruindo os seus limites espaciais e temporais, no

ininterrupto caminho regulador do interesse comum da sociedade. O direito, neste ritmo

evolutivo, desconstitui o tempo natural, criando seu próprio tempo, lapso temporal apto a

delimitar o período de vida e de morte do sistema jurídico e de todos os seus elementos,

entidades e instituições.

As normas ônticas temporais108, segundo as lições de Gregorio Robles, são

aquelas que inauguram a existência de um ordenamento, determinam quando um conjunto

                                                            107 Verbo “ser” encontra-se em sentido convencional, diretivo, prescritivo, não natural/físico. O direito por ser um objeto da cultura ocupa um plano artificial, trata-se de um subsistema social criado pelo homem para a ele servir como instrumento de viabilização da harmonia social. Em nenhuma instância o direito toca a realidade natural, vez que o direito cria sua própria realidade, é metalinguagem, uma dimensão linguística prescritiva convencional.

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normativo entra em vigor, destacam o lapso temporal no qual devem perdurar determinadas

situações jurídicas concretas, suprimem ou derrogam temporalmente outras normas e, por fim,

especificam prazos, especialmente aqueles que demarcam a decadência e a prescrição de

direitos109.

O marco temporal, desta feita, especifica a vigência, validade e eficácia das

demais normas, condicionando, inclusive, a situação jurídica das pessoas (maior ou menor

idade, por exemplo). Logo, as normas destinadas a identificar os elementos temporais de um

ordenamento jurídico, situam as ações nos limites do tempo do direito, sem interferir

diretamente na sua evolução, daí porque insistir no termo normas “indiretas”.

(iii) os sujeitos titulares dos direitos

As normas ônticas funcionam como seletoras diretivas, vetores que

direcionam suas expressões linguísticas para a demarcação dos sujeitos das ações e

identificação dos verdadeiros destinatários das normas jurídicas diretas (as normas técnicas e

deônticas, aquelas que estabelecem procedimentos e obrigações, permissões e proibições,

respectivamente).

As normas ônticas subjetivas elegem os sujeitos que assumem a posição de

destinatários das normas jurídicas diretas perante o ordenamento jurídico, qualificando

                                                                                                                                                                                          108 “En fin, nadie puede poner en duda que, al igual que el espacio, el tiempo constituye un marco dentro del cual todo lo jurídico se desarrolla y, por tanto, ha de afectar necesariamente a aspectos muy variados.” Cf. ROBLES, Gregorio. Comunicación, Lenguaje y Derecho. Real Academia de Ciencias Morales y Políticas. Madrid. 2009. Pág. 64.

109 ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 3ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. p. 229.

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juridicamente os sujeitos de direito e de deveres. Dentre as quais, podemos citar aquelas que

determinam quem são as pessoas físicas, as jurídicas, os cidadãos natos, os naturalizados, os

estrangeiros, os órgãos da administração pública direta ou indireta, etc.110

E, finalmente, (iv) as competências.

As normas ônticas de competência são aquelas que definem os sujeitos que

podem desempenhar um conjunto de ações juridicamente possíveis, ou seja, prescrevem os

poderes, o conteúdo e a forma do seu exercício, delimitando as ações potenciais dos sujeitos.

Competência, portanto, é a capacidade de realizar uma ação, é a atribuição

de um poder convencional. Termo poder que se refere tanto à prática de atos decisórios intra-

sistêmicos por autoridades quanto à capacidade de assumir a titularidade de direitos

subjetivos, concretizando competências. A competência é uma autorização, disposta no

sistema jurídico-normativo, concedida a determinados sujeitos para que possam criar outras

normas através de procedimentos específicos.

Enunciados os pressupostos necessários à realização da ação humana, logo

se percebe que as normas jurídicas ônticas trabalham na construção dos alicerces do objeto

regulado pelo direito, atuam elaborando a realidade artificial na qual uma ação poderá se

concretizar e ser qualificada como jurídica.

As normas jurídicas de competência, por tudo quando exposto, ocupam o

universo estrutural ôntico do sistema jurídico, pois são normas jurídicas ônticas que não                                                             110 ROBLES, Gregorio. Teoría Del Derecho. 3ª edición. Volumen I. Thomson Civitas: España. Pág. 230.

 

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prescrevem procedimentos, nem obrigações, permissões ou proibições, muito pelo contrário,

são entidades linguísticas prescritivas anteriores à ação e que exercem a função de vetor das

manifestações intersubjetivas juridicamente reguladas. As normas de competência devem ser

consideradas normas indiretas da ação, na medida em que são construídas para orientar a

criação da outras normas jurídicas.

Sendo assim, identificando as normas de competência como normas ônticas

que orientam indiretamente as ações humana, passemos à análise das normas de competência

inseridas no universo jurídico da Constituição da República Federativa o Brasil de 1988.

3.2. Competência tributária e a Constituição Federal de 1988

No Brasil, a competência tributária é um tema exaustivamente tratado pela

Constituição Federal de 1988, ao definir os meandros do poder de tributar, o modo de

produção das normas tributárias e quem é competente para editá-las. Daí porque o Professor

Roque Antonio Carrazza insistir na afirmação: A Constituição é a carta das competências.111

A assertiva é contundente e repercute para além das finalidades retóricas,

alertando os distraídos de que todo e qualquer assunto referente às competências tributárias112

                                                            111 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14ª edição. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 32. 112 “A repartição do poder tributário caracteriza o princípio da competência tributária. Esta se exerce ordinariamente através de lei.” Cf. BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª edição. São Paulo: Malheiros. p. 30.

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está contido no texto da Carta Magna, não restando margem para que lei infraconstitucional

tente alterar, adicionar ou subtrair as disposições esgotadamente disciplinadas, vez que é a

Constituição Federal quem assume a supremacia normativa do ordenamento jurídico

brasileiro113.

A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen foi responsável pela dignificação

da ciência do direito, pois trouxe uma perspectiva estrutural para o sistema do direito positivo,

apresentando-o como um conjunto de normas jurídicas escalonadas, ou seja, um organismo

lógico onde as normas superiores oferecem suporte de validade às normas de natureza

inferior.

De fato, o que logo se pode notar é que a tese kelseniana apresentou a

hierarquização do mundo jurídico, catalogando as normas, processando-as e formalizando-as

em arquétipos com características exclusivas da ordem jurídica. E foi no tracejar desta

hierarquia que conseguiu situar a Constituição no topo do poder normativo, enquanto

fundamento de validade de todo o sistema.

Resulta daí a situação de a Constituição ser a detentora do absoluto domínio

legitimador, distribuindo competências e veiculando normas e valores capazes de demarcar o

percurso do legislador infraconstitucional. Noutros termos, a Constituição reúne os conteúdos

                                                            113 “A Constituição Federal é, como se sabe, a norma fundamental do nosso sistema jurídico. Ocupa, dentro da chamada pirâmide jurídica, posição de inconteste supremacia, tanto que dá fundamento de validade a todas as manifestações normativas não só do Estado, como das pessoas, físicas ou jurídicas, que se encontram sob sua tutela”. Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 35.

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prescritivos mais importantes do sistema, aqueles que, em hipótese alguma, poderão deixar de

ser observados e cumpridos.

Em matéria tributária, o panorama não é diferente. Os entes políticos

detentores de competências para criar tributos devem seguir o rígido perfil constitucional

desenhado pelo legislador constituinte, a fim de garantir a harmonia e congruência da

tributação. Diante disso, a primeira pergunta que surge é: Que rígido perfil seria este? Bom, a

resposta é razoavelmente simples. A Constituição Federal de 1988, além de esgotar o tema

das competências, traz em seu conjunto de textos todos os elementos essenciais à composição

da norma jurídica instituidora dos tributos, quais sejam: as hipóteses de incidência, os sujeitos

(passivo e ativo), as bases de cálculo e as alíquotas114.

Portanto, ao demarcar a regra matriz de incidência dos tributos, a

Constituição Federal de 1988 prescreve verdadeiras regras que talham a liberdade do

legislador ordinário no exercitar das habilitações para tributar, impondo-lhe limites materiais

e formais intransponíveis. Não por outro motivo, Paulo de Barros Carvalho115 afirma que “o

estudo da competência tributária é um momento anterior à existência do tributo, situando-se

no plano constitucional.”

Na linha de consecução desse raciocínio, Tácio Lacerda Gama afirma que a

competência tributária nada mais é que “(...) a aptidão, juridicamente modalizada como

permitida ou obrigatória, que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema do

                                                            114 Cf. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 38. 115 Cf. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 268.

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direito positivo, mediante a introdução de novas normas jurídicas que, direta ou

indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.” 116

As normas de competência tributária, dessa forma, definem o conteúdo

semântico mínimo de cada tributo, que deve ser obrigatoriamente respeitado pelos sujeitos

(pessoas políticas) aptos a exercer o poder de tributar117. Logo, a aptidão para criar tributos

(poder para estabelecer e aplicar normas) permeia a chamada competência material, enquanto

os procedimentos específicos para essa criação (quem e como deve ser instituído o tributo)

são delineados por uma competência formal 118, daí os limites materiais e formais ao exercício

do poder de tributar.

Sendo assim, o legislador infraconstitucional não pode transitar livremente

em matérias que envolvam normas de competência, pois o conteúdo e o alcance das normas

tributárias de competência são matérias exclusivas da Constituição Federal. O que as pessoas

políticas podem fazer, sim, é utilizar, em toda latitude, as competências tributárias que

receberam da Constituição Federal 119.

Levando em consideração a inescusável orientação do princípio da

legalidade tributária (art. 5º II, e art. 150, I), delineado na Carta Magna, é possível inferir que

a competência tributária, exaustivamente prevista no texto constitucional, somente poderá ser

exercida mediante lei, i. e, exclusivamente por meio de lei – limite formal para o exercício da

                                                            116 Cf. Competência Tributária. São Paulo: Noeses. 2009. p. 218. 117 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 39. 118 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 39. 119 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 42. 

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competência. O que implica dizer que a lei poderá sim instituir a tributação, majorar ou

minorar a carga tributária, oferecer isenções e/ou benefícios fiscais, desde que atente para a

delimitação das competências, para os valores prestigiados pelo texto constitucional e

cumpra-os em sua inteireza120.

Por isso, valendo-nos das palavras de Roque Antonio Carrazza,

“destacamos que, o legislador, ao exercitar quaisquer das competências tributárias

reservadas à sua pessoa política, deverá ser fiel à regra-matriz do tributo, pré-traçada na

Carta Magna.” 121Isso porque o fundamento de validade das normas de competência está

situado no texto da Constituição, nessa onde se encontra o conjunto semântico mínimo para

criação in abstracto dos tributos em consonância plena com os direitos e garantias

fundamentais do contribuinte.

Dentre esses direitos e garantias fundamentais do contribuinte, instituídos

como proteção contra excessos dos órgãos da administração pública direta – Fazenda Pública,

encontram-se: a igualdade tributária, a estrita legalidade, a reserva de competência

tributária122, a neutralidade concorrencial do Estado, a proporcionalidade, razoabilidade, a

livre-concorrência, o não-confisco, dentre outros123.

                                                            120 “Salientamos que é o exercício, por meio de lei, da competência tributária, que cria in abstracto o tributo. De fato, somente após a Edição da lei que desenha a norma jurídica tributária, em todos os seus elementos essenciais (hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota), podemos falar que a exação encontra-se instituída. É, pois, a norma infraconstitucional – obviamente quando em comparado com o Diploma Supremo – que obriga seu destinatário a adotar o comportamento de levar dinheiros aos cofres públicos”. Cf. CARRAZZA. Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 46. 121 Cf. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 44. 122 “As normas constitucionais que discriminam competências tributárias encerram duplo comando; a saber: a) habilitam a pessoa política contemplada – e somente ela – a criar tributo; e, b) proíbem as demais de fazê-lo. Daí

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Nesta esteira, a multiplicidade de valores deve convergir para um cenário de

segurança jurídica para o contribuinte – sujeito passivo de obrigações tributárias. Ou seja, ao

considerar que o ordenamento jurídico é um sistema, a interpretação sistêmica deve construir

resultados semânticos compatíveis, consistentes e igualitários.

Dentre os valores acima dispostos, os princípios da ordem tributária e da

ordem econômica, juridicamente disciplinados, misturaram-se ou, ao menos, agregaram-se na

composição dos limites à atuação do legislador e da própria Administração Pública. Isso

significa que a ordem jurídica tributária atua com princípios como a essencialidade,

seletividade, a proporcionalidade, a capacidade contributiva, enquanto a ordem jurídica

econômica apresenta outros fatores, como: a proteção à livre-concorrência (liberdade de

iniciativa), função social da propriedade, neutralidade concorrencial do Estado, dentre outros.

Contexto jurídico esse inteiramente previsto e disciplinado na Constituição Federal de 1988.

O legislador para exercer as competências constitucionais de tributar deve

atentar com rigidez para as regras e princípios da tributação, sem olvidar os demais princípios

prestigiados pela Constituição Federal de 1988. Isso significa que prestigiar os princípios da

tributação não implica o afastamento dos princípios que regem a ordem econômica

                                                                                                                                                                                          falarmos em princípio da reserva de competências tributárias. (...) A reserva de competência tributária importa, a contrario sensu, interdição, que resguarda a eficácia de sua singularidade. Ao mesmo tempo em que afirma a aptidão daquela pessoa política, para criar aquele determinado tributo, nega a das demais, para fazerem o mesmo, ou seja, para instituírem.”  Cf. CARRAZZA. Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 47.

“Em caso de não aproveitamento da faculdade legislativa, a pessoa competente está impedida de transferi-la a qualquer outra. Trata-se do princípio da indelegabilidade da competência tributária (…)”. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 268. 

123 Cf. CARRAZZA. Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 44. 

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constitucional, pois os textos constitucionais não devem ser tratados como capítulos estanques

de realidades distintas.

O ordenamento jurídico é uma realidade jurídica e qualquer manifestação

normativa só tem competência para induzir efeitos jurídicos. Logo, as normas jurídicas

tributárias são naturalmente um fator de indução de efeitos jurídicos no entorno social,

especialmente no ambiente econômico. O exercício da competência tributária, seja para

instituir ou exonerar tributos, deve atentar para a harmônica relação entre as ordens

constitucionalmente disciplinadas, sob pena de prescrever mandamentos inconstitucionais.

Ora, então que parâmetros devem ser usados para interpretar as implicações

recíprocas dos dois universos juridicamente disciplinados (tributação e economia) sem se

afastar da constitucionalidade? Seria possível exercer competência tributária atentando ainda

que mediatamente para os princípios da ordem econômica? A resposta imediata seria não.

Ainda que se trate de um sistema jurídico constitucional, devem ser encarados como

subsistemas jurídicos, com características e valores distintos, o tributário e o econômico.

A convivência harmônica dos subsistemas jurídicos consiste no respeito às

regras constitucionais, no exercício das competências materiais e formais em conformidade

com os ditames previstos na Carta Magna. A ordem jurídica é um todo que se pretende

harmônico, razão pela qual os subsistemas devem interagir viabilizando o funcionamento um

dos outros.

Logo, o subsistema tributário, assim como o subsistema econômico, é

autopoiético, opera com código binário próprio, exercem funções diferentes, ainda que devam

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convergir para a funcionalidade do macro-sistema jurídico. Essa afirmativa não implica dizer

que os subsistemas são estanques ou fechados, significa apenas que em termos sintáticos cada

subsistema apresenta categorias exclusivas e inconfundíveis. Entretanto, semântica e

pragmaticamente os subsistemas interagem, noutros termos, induzem efeitos entre si.

É de Luís Eduardo Schoueri a lição de que norma tributária que contraria os

preceitos desenhados pela ordem econômica constitucional surge com suspeita de

inconstitucionalidade124. Nesse sentido, patrocinando o princípio da igualdade, Schoueri

leciona que, in verbis:

“(...) diferentes situações tributárias devem ter por base uma proporcionalidade, de modo que quanto mais diversa a situação, tanto mais aceitável e exigido tratamento tributário diferenciado. Consequentemente, reconhecido na norma tributária seu efeito indutor sobre a economia, há de se avaliar também sob o prisma a norma tributária, já que a má escolha do legislador poderá implicar, mais uma vez, desrespeito à igualdade.

(...)

Pois é essa a coerência que exigirá que o legislador tributário, a quem é facultado utilizar-se da norma tributária para a correção de falhas de mercado (intervenção negativa) ou para busca de objetivos prestigiados pela Ordem Econômica (intervenção positiva), não seja, ele mesmo causador das falhas que pretende reparar. Não faria sentido, por exemplo, que o próprio Estado contribuísse para o aumento das desigualdades regionais ou setoriais, se justamente se espera dele uma atuação positiva, n sentido de reduzir aquelas desigualdades.

(...)

Não seria aceitável que houvesse, no ordenamento jurídico, normas tributárias que utilizassem como critério discriminador fatores que induzissem a prática da livre concorrência e, ao mesmo tempo, o próprio legislador tratasse de desestimular aquela, retirando a igualdade de condições competitivas, mediante caras tributárias

                                                            124 “Tributação e indução econômica: os efeitos econômicos de um tributo como critério para sua constitucionalidade” in Princípios e Limites da Tributação 2: Os Princípios da Ordem Econômica e a Tributação. Coordenação Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. Pág. 157.

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díspares, inviabilizando a própria concorrência que deveria prestigiar.”

Por essa proposta, as normas tributárias induzem um comportamento

econômico de modo que serão constitucionais quando construídas, editadas ou modificadas

em consonância com os princípios das ordens tributária e econômica constitucionais,

devendo, portanto, preservar os interesses do sistema constitucional, intervindo positivamente

no entorno social a fim de equilibrar as desigualdades. Contudo, essa conclusão não é tão

óbvia. As regras da tributação permeiam a realidade jurídica de um sistema tributário

constitucional.

Dessa forma, o rol de garantias suso transcrito e o tracejar das competências

no texto constitucional, além de oferecerem previsibilidade quanto a eventuais atos

harmônicos dos poderes executivo legislativo e judiciário, devem inaugurar um universo de

segurança jurídica para os contribuintes que não poderão ser tributados por fatos que sequer

estão regulados por normas jurídicas constitucionais, sequer a tributação poderá contribuir

com o aumento das desigualdades.

Ou seja, um fato que não se enquadra na classe dos juridicamente

tributáveis, pela simples ausência de linguagem competente que lhe confira juridicidade, não

assume natureza jurídica e, portanto, jamais será “fato gerador” 125 de obrigação tributária.

                                                            125 Leia-se: fato jurídico tributário.

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Pela orientação perfilhada por Paulo de Barros Carvalho126, destarte, se “a

competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir

regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo”, então “a competência tributária, em

síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as

pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas

jurídicas sobre tributos” 127.

                                                            126 Atenção: Paulo de Barros Carvalho toma competência tributária como poder legiferante em seu sentido amplo, pois considera que todos nós, em algum momento, assumimos o papel de legislador. 127 Cf. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010. Pág. 266/267

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Capítulo IV – As Imunidades Tributárias do art. 150, VI da Carta Magna de 1988

4.1. A definição do conceito de imunidade tributária

Sacha Calmon Navarro Coêlho128, ao tratar da matéria - sob o título “Teoria

da Exoneração Tributária”, elegeu uma classificação para melhor compreender o fenômeno

exonerativo no Direito Tributário. Segundo o Autor, “as alterações legislativas que podem

ocorrer nas hipóteses das normas de tributação, subtraindo ou acrescentando fatos,

determinam tipos específicos de exoneração tributária, e as alterações legislativas que se dão

nas consequências dessas mesmas normas acarretam mutações no perfil do dever jurídico” 129.

Fundado neste enunciado, Sacha Calmon entende que as leis tributárias que

introduzem alterações na hipótese de incidência130 das normas jurídicas, afetando a

materialidade, o tempo ou o espaço das respectivas hipóteses fáticas, provocam mudanças

qualitativas nas normas de tributação. Ou seja, as alterações qualitativas impedem a

incidência da norma tributária, pois identificam critérios fáticos que impedem a tributação,

situação na qual sequer se poderia falar em dever jurídico tributário.

Por outro lado, as alterações legislativas que interferem no consequente na

norma tributária – base de cálculo e alíquota – devem ser consideradas quantitativas, uma vez

                                                            128 Cf. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3ª edição. São Paulo: Dialética. 2003. 129 Cf. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3ª edição. São Paulo: Dialética. 2003. p. 199/200. 130 Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 78.

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que afetam o quantum de obrigação principal, fazendo incidir a norma tributária com

alterações que redimensionam o dever jurídico de pagar tributo.

Logo se percebe que a ideia de tipos de exoneração e alterações legislativas

está ligada à estrutura da norma (critério classificatório) e ao fenômeno de incidência. Por esta

razão, Sacha Calmon, ao classificar as exonerações, divide-as, primeiramente, em dois

grupos: (I) as exonerações internas à estrutura da norma e (II) as exonerações externas à

estrutura da norma, da forma que segue no gráfico131:

Imunidades Exonerações Exonerações nas hipóteses Internas (qualitativas) Isenções Reduções diretas de base de cálculo e de alíquotas. Exonerações nas conseqüências (quantitativas) Deduções tributárias de despesas presumidas e concessão de créditos presumidos. Exonerações Remissões Externas Devolução de tributos pagos legitimamente

Dentre as exonerações internas encontram-se as exonerações nas hipóteses

de incidência, denominadas: qualitativas, nas quais podemos visualizar as Imunidades

                                                            131 Cf. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3ª edição. São Paulo: Dialética. 2003. p. 201. 

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Tributárias. Sacha Calmon observa que “o dispositivo constitucional que põe a imunidade

atua na hipótese de incidência, excluindo de certos fatos ou aspectos destes a virtude

jurígena” 132. Logo, as imunidades tributárias seriam o resultado de alterações legislativas

qualitativas, introduzidas por leis constitucionais, que afetam a hipótese de incidência das

normas tributárias impedindo a tributação de determinados fatos e seus aspectos, numa

espécie de redução da abrangência da hipótese de incidência, delimitação negativa do fato

jurídico.

Ora, partindo das lições de Geraldo Ataliba acerca da hipótese de incidência

tributária, podemos perceber a incongruência que impregna o conceito de imunidade

discorrido por Sacha Calmo Navarro Coêlho. Para Geraldo Ataliba:

“A hipótese de incidência é a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concreto a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária. Pois esta categoria ou protótipo se apresenta sob vários aspectos cuja reunião lhe dá identidade. Tais aspectos não vêm necessariamente arrolados de forma explícita e integrada na lei. Pode haver – e tal é o caso mais raro – uma lei que enumere e especifique a todos, mas normalmente os aspectos integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou em diversas leis, sendo que muitos são implícitos no sistema jurídico.”133

Percebe-se, do exposto, que a hipótese de incidência é uma descrição

legislativa de um fato, com todos seus aspectos determinados, ainda que implicitamente, fato

                                                            132 Cf. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3ª edição. São Paulo: Dialética. 2003. p. 205. 133 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 78.  

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esse que em ocorrendo determinará o surgimento de uma obrigação de pagar tributo. Se assim

o é, então as competências para tributar estariam plenamente determinadas na Carta Magna,

as entidades tributantes seriam competentes para instituir tributos através da criação de

normas jurídicas tributárias (hipótese de incidência consequente normativo), e somente

após essa delimitação do quadro de competências é que as normas imunizantes ingressariam

no sistema jurídico para reduzir a abrangência das hipóteses de incidência – do universo de

fatos hipotéticos sujeitos à tributação.

Por essa concepção, estabelece-se o fato jurídico através de lei

infraconstitucional, para só então delimitá-lo negativamente através de lei constitucional,

circunstância que nos parece logicamente incongruente. Ou seja, estabelecida a hipótese de

incidência por lei, outra lei teria o poder de retirar a virtude jurígena de alguns desses fatos

hipotéticos passíveis de tributação, circunstância que também nos parece logicamente

incongruente.

Além disso, pelas lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho, percebemos que

existe, por parte do jurista, certo reducionismo quando da inserção das imunidades e das

isenções na classe das exonerações qualitativas. Isso por que simplificação dos conceitos não

auxilia na diferenciação dos institutos jurídicos, não aprofunda o estudo das espécies de

benefícios fiscais, sequer aponta um universo sólido onde cada espécie de exoneração possa

transitar livremente, sem que sejam confundidas umas com as outras.

Pela classificação do referido Autor, as imunidades e as isenções são

definidas como exonerações qualitativas – introduzidas por alterações legislativas que

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ocorrem nas hipóteses das normas de tributação, e o único elemento que as difere uma da

outra é o tipo de veículo introdutor de normas jurídicas modificativas no sistema tributário. A

primeira, lei constitucional. A segunda, lei infraconstitucional. Ora, se as imunidades e as

isenções tributárias são técnicas legislativas destinadas a delimitar negativamente o fato

jurídico tributável, evitando a tributação pela interferência na hipótese de incidência da norma

tributária, então as operações imunes ou isentas não provocariam quaisquer efeitos no plano

da tributação.

Daí por que entendemos que as imunidades tributárias não atuam no âmbito

da incidência tributária, muito pelo contrário, as normas imunizantes atuam em momento

logicamente anterior, quando da delimitação das competências, ou melhor, das

incompetências para tributar. As imunidades são normas exclusivamente constitucionais que

atuam na competência tributária, impedindo a criação de leis que instituem tributos sobre

fatos qualificados como imunes. Estamos aludindo, nesta hipótese, à inexistência de lei

tributária para as hipóteses destacadas na CF/88 como imunes.

Hugo de Brito Machado134, por sua vez, inclui a temática das imunidades

tributárias no capítulo de competência tributária de seu Curso de Direito Tributário.

Entendendo por imunidades tributárias “o obstáculo decorrente de regra da Constituição à

incidência da regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade

impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É

                                                            134 Cf. Curso de Direito Tributário. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros.

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limitação de competência tributária” 135. Lendo a primeira afirmação “o obstáculo decorrente

de regra da Constituição à incidência da regra jurídica de tributação”, temos a impressão de

que o Autor sugere o conceito de imunidade como restrição à incidência da norma tributária

constituída, na linha do que pretende afirmar Sacha Calmon Navarro Coêlho, contudo essa

impressão é ligeira e falsa.

Hugo de Brito Machado é categórico ao afirmar que as imunidades são

limitações à competência tributária, no sentido de que são normas jurídicas constitucionais

que impedem o legislador de definir hipóteses de incidência de regra de tributação sobre

determinados fatos e seus aspectos. Por essa perspectiva, as normas imunizantes separam uma

parte da realidade circunstante e afasta do alcance da tributação. Dessa forma, as imunidades

tributárias são normas jurídicas constitucionais que atuam antes do exercício da competência

para instituir tributos, demarcando o poder de tributar.

Roque Antônio Carrazza, na linha de raciocínio traçada por Hugo de Brito

Machado, afirma que as imunidades tributárias são “normas constitucionais que, direta ou

indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades

tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica,

seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.” 136 Neste sentido, as

imunidades tributárias atuariam no plano da competência tributária, como uma espécie de

norma de demarcação de incompetência das pessoas políticas – União, Estados e Municípios

– para tributar, in abstracto, determinados fatos, pessoas e situações.                                                             135 Cf. Curso de Direito Tributário. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros. p. 296. 136 Cf. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª Edição. São Paulo:Malheiros. 2005. p. 676

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Perceba que ao longo deste item falamos sempre em limitação ao poder de

instituir tributos, não impostos. Isso por que, não obstante o art. 150, VI, da Constituição

Federal de 1988 afirme que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios instituir impostos sobre (...), a verdade é que para atender às finalidades traçadas

pelas normas imunizantes – preservação dos valores sociais pela defesa da impossibilidade de

tributação recíproca, dos cultos e crenças, da leitura e da formação de partidos políticos,

entidades sindicais, instituições de ensino e assistência social sem fins lucrativos – não faria

qualquer sentido limitar as imunidades somente à classe dos impostos. A doutrina137 vem

concordando que a interpretação do termo impostos do art. 150, VI, da Carta Magna de 1988

deve ser ampla, haja vista que nenhum tributo poderia ficar fora do alcance das normas

imunizantes.

Paulo de Barros Carvalho, ainda sobre o assunto, expõe que “a proposição

afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impostos carece de consistência

veritativa. Traduz exarcebada extensão de uma particularidade constitucional que pode ser

facilmente enunciada mediante a ponderação de outros fatores, também extraídos da

disciplina do Texto Superior.” 138 E completa, “Não sobeja repetir que, mesmo em termos

literais, a Constituição brasileira abriga regras de competência da natureza daquelas que se

conhecem pelo nome de imunidades tributárias, e que trazem alusão explícita às taxas e à

contribuição de melhoria, o que basta para exibir a falsidade da proposição descritiva.” 139

                                                            137 Hugo de Brito Machado, Roque Antonio Carrazza, Paulo de Barros Carvalho, dentre outros.  138 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 231 139 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 231

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Misabel Derzi140 prefere afirmar que “as imunidades não passam de regras

expressas da Constituição (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência

das pessoas políticas da Federação para tributarem certos fatos ou situações, de forma

amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma

de atribuição de poder tributário.” E acrescenta, que “a imunidade é, portanto, regra de

exceção, somente inteligível se conjugada à outra, que concede o poder tributário, limitando-

lhe a extensão, de forma lógica e não sucessiva no tempo”.141

As imunidades tributárias afastam fatos, pessoas e situações – definidos pelo

texto Constitucional – do poder de tributar das entidades tributantes. Em se tratando de regras

constitucionais que definem a incompetência para instituir tributos, as imunidades tributárias

prescrevem verdadeiras regras que talham a liberdade do legislador ordinário no exercitar das

habilitações para tributar, impondo-lhe limites materiais e formais intransponíveis ao poder de

tributar, como uma espécie de regra negativa de competência 142.

As imunidades tributárias não atuam no âmbito da incidência tributária,

muito pelo contrário, as normas imunizantes atuam em momento anterior, quando da

delimitação de competências, ou melhor, de incompetências para tributar.

Para José Souto Maior Borges, “ao proceder à repartição do poder

impositivo, pelo mecanismo da competência tributária, a Constituição Federal coloca fora do

                                                            140 Cf. notas à obra: Limitações ao poder de tributar de Aliomar Baleeiro. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. 1997. p. 16 141 Cf. notas à obra: Limitações ao poder de tributar de Aliomar Baleeiro. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. 1997. p. 14. 142 Cf. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. p.219.

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campo tributável reservado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios certos

bens, pessoas e serviços, obstando, assim - com o limitar âmbito de incidência da tributação –

o exercício das atividades legislativas do ente tributante” 143.

Neste quadro, a imunidade é uma limitação ao poder de tributar, ou como

continua afirmando José Souto Maior Borges “a imunidade é um princípio constitucional de

exclusão de competência” 144. Contudo, quando o Autor identifica as normas imunizantes

como um “limitar o âmbito de incidência da tributação”, revela sua tendência em configurar

as imunidades tributárias também como hipóteses de não-incidência constitucionalmente

qualificada, pois compreende o fenômeno da não-incidência como efeito da regra de exclusão

de competência tributária.

A imunidade tributária é um princípio de reserva constitucional – matéria

sob reserva constitucional, ao contrário das isenções tributárias que seriam uma matéria

reservada à lei infraconstitucional.

Do exposto, José Souto Maior Borges define:

“A regra jurídica da imunidade insere-se no plano das regras de competência ou mais precisamente das regras negativas de competência. O setor social abrangido pela imunidade está fora do âmbito da tributação. Previamente excluído, como vimos, não poderá ser objeto de exploração pelos entes públicos. A imunidade reduz a extensão do próprio poder de tributar, uma vez que, através dela, certos fatos ou pessoas são subtraídos do campo reservado ao exercício da competência tributária.” 145

                                                            143 Cf. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 217. 144 Cf. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 217. 145 Cf. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 219. 

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Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário, defende que

o tema das imunidades tributárias não alcançou uma elaboração teórica adequada, tendo em

vista as inúmeras incoerências praticadas pela doutrina ao descrever o referido instituto das

imunidades. Por esta razão, o Autor, ao invés de trabalhar diretamente a definição de

imunidades, preferiu “submeter as cláusulas do conceito habitual ao teste de congruência

lógica, perguntando do cabimento semântico de cada afirmação, à luz de seus desdobramentos

sistêmicos”.146

Paulo de Barros Carvalho, em sua avaliação crítica, elege as três premissas

mais adotadas pela doutrina e em seguida expõe os motivos de incongruência. As premissas

são: a) A imunidade é uma limitação constitucional às competências tributárias; b)

Imunidade como exclusão ou supressão do poder de tributar; c) Imunidade como providência

constitucional que impede a incidência tributária - hipótese de não-incidência

constitucionalmente qualificada;

Paulo de Barros Carvalho, no que se refere à premissa de que a imunidade é

uma limitação constitucional às competências tributárias, inicia sua avaliação crítica

afirmando que não existe cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a

ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador para em

seguida ser mutilada ou limitada pela regra da imunidade147.

                                                            146 Cf. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 221 147 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 221 

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Segundo o autor, as imunidades tributárias, em termos sintáticos, não são

normas que surgem no sistema em etapa posterior para limitar as competências tributárias já

dispostas, mas são normas que firmam a hipótese de imunidade como um desenho

constitucional da parcela de competência adjudicada às entidades tributantes.

As imunidades seriam normas de competência dirigidas ao legislador

ordinário, que compõem o tracejo emblemático da distribuição constitucional das

competências tributárias. Obviamente, que uma regra que poda uma competência que se

pretendia mais ampla, está limitando-a, e limitar, neste contexto, significa colaborar com o

desenho do quadro de competências impondo dispositivos vedatórios ou proibitivos.

Quanto à premissa da imunidade como exclusão ou supressão do poder de

tributar, Paulo de Barros Carvalho demonstra que as imunidades não excluem nem suprimem

competências tributárias, pois estas são o resultado de uma conjugação de normas

constitucionais das quais fazem parte as imunidades tributárias. Isso se justifica por que as

imunidades são as próprias regras de competência, são normas que prescrevem o rol de

competências constitucionais, portanto, não faria sentido afirmar que as imunidades suprimem

o poder de tributar, haja vista que são elas, as normas imunizantes, algumas das regras que

estabelecem o próprio poder de tributar e o seu respectivo alcance.

O poder de tributar é definido por um quadro de competências

constitucionais. Dentre as regras que compõem este quadro de competências, encontram-se as

imunidades tributárias. Logo, a Constituição Federal de 1988 ao definir o poder de tributar,

levou em consideração o conjunto de normas de competência, verdadeiras regras que

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definem, ampliando e talhando, liberdade do legislador ordinário no exercitar das habilitações

para tributar, impondo-lhe limites materiais e formais intransponíveis.

As normas de competência tributária definem o conteúdo semântico mínimo

de cada tributo, que deve ser obrigatoriamente respeitado pelos sujeitos (pessoas políticas)

aptos a exercer o poder de tributar148.

Sendo assim, a aptidão para criar tributos (o poder para estabelecer e aplicar

normas) permeia a chamada competência material, enquanto os procedimentos específicos

para essa criação (quem e como deve ser instituído o tributo) são delineados por uma

competência formal 149, daí os limites materiais e formais ao exercício do poder de tributar.

Não por outro motivo, as imunidades tributárias fazem parte do conjunto de competências

materiais, pois são elas que estabelecem o alcance e os limites ao poder de tributar, sem que

isso signifique a exclusão ou supressão de competência tributária.

No tocante à premissa de vislumbrar a imunidade como providência

constitucional que impede a incidência tributária - hipótese de não-incidência

constitucionalmente qualificada, Paulo de Barros Carvalho é categórico, “não temos por que

aludir às imunidades como barreiras, embaraços ou obstâncias à incidência dos tributos, como

se tem copiosamente difundido” 150. As imunidades tributárias definem os campos de

competência das entidades tributantes, e não a possibilidade de incidência da norma tributária

                                                            148 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 39. 149 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses. 2011. p. 39. 150 Cf. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 226. 

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já criada pela entidade tributante (competente para instituir e revogar tributos) numa

sucessividade lógica151.

Isso nos parece razoável, afinal, como falar em providência constitucional

que impede a incidência tributária, se as imunidades tributárias lidam com regras que

estabelecem o alcance e limites do poder de tributar, dessa forma, sequer poderíamos falar em

hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, tendo em vista tratar-se de uma

etapa logicamente posterior à definição das competências.

Exposta a avaliação crítica acerca das três principais premissas, Paulo de

Barros Carvalho posiciona-se no sentido de que as imunidades são normas constitucionais que

atuam no campo da competência tributária, operando no sentido de impedir as pessoas

políticas de produzir leis que veiculem a instituição ou criação de tributos sobre específicos

fatos considerados imunes. São normas de natureza constitucional que atuam proibindo

expressamente as pessoas políticas de emitir regras jurídicas instituidoras de tributos.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, a imunidade é:

“(...) classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”.152

                                                            151 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 226. 152 Cf. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 232.

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Consoante o autor, as imunidades tributárias são somente aquelas que estão

explicitadas na Carta de 1988, daí por que serem uma classe finita e determinável, pois se não

estiverem expressas, não podem ser qualificadas como normas imunizantes. “Tão somente

aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental, entretanto, guardarão a

fisionomia jurídica de normas de imunidade.”153 Isto nos faz sentir que a proibição que tolhe

o legislador ordinário de emitir regras jurídicas instituidoras de tributos deve ser sempre

expressa, sob pena de não produzir efeitos em razão da implicitude.

4.2. As Imunidades tributárias do art. 150, VI da CF/88

4.2.1. A Imunidade Recíproca

Art. 150. CF/88. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

A imunidade tributária definida na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da

CF/88 é a chamada imunidade recíproca. Analisando a etimologia do termo recíproco tem-se:

                                                            153 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 235.

  

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origem do latim reciprocus que significa “troca ou permuta, ou que se permuta entre duas

pessoas ou dois grupos” 154.

Paulo de Barros Carvalho defende que a imunidade recíproca “é uma

decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado

pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios.” 155, ou seja, a

verdadeira expressão do princípio federativo156, imutável por meio de emenda à Constituição

(art. 60, § 4º da CF/88). A respeito, Mizabel Derzi leciona que “no Estado do tipo federal, a

isonomia entre as ordens jurídicas que nele coexistem é corolário lógico e necessário da

descentralização dinâmica (jurídico-política).” 157 E prossegue suas lições afirmando que

“sendo corolário de uma relativa descentralização político-jurídica do Estado federal, que se

assenta na isonomia das ordens jurídico-estatais que nele convivem, a imunidade recíproca

não precisa estar expressamente prevista na Carta Constitucional. Aliás, a evolução da teoria

                                                            154 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007. p. 668. 155 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 238. 156 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. “A imunidade recíproca assenta-se basicamente no princípio federal. Esse princípio, consagrado desde a primeira Constituição republicana brasileira, informa o Estado, no qual tanto as descentralizações político-jurídicas regionais e locais (Estados e Municípios) como a Federação (União) têm natureza estatal.” p. 121.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª edição. São Paulo: Malheiros. 2006. “Assim, a regra da imunidade está protegida contra possível emenda constitucional, por força do disposto no art. 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual ‘não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) a forma federativa do Estado’. (...) em razão do princípio federativo a imunidade recíproca abrange, seguramente, também os demais tributos. É que o tributo, como expressão que é da soberania estatal, não pode ser exigido de quem a tal soberania não se submete, porque é parte integrante do Estado, que da mesma é titular. Qualquer emenda que porventura autorizar a União a cobrar qualquer tributo do Estados, ou dos Municípios, ou autorizar qualquer destes a cobrar qualquer tributo da União, ou de qualquer outro Estado, ou Município, é inconstitucional.” p. 298. 157 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 122.

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da imunidade recíproca dependeu, em suas linhas básicas, a evolução da teoria do Estado

federal.” 158

É de se notar que não faria qualquer sentido o texto constitucional, por um

conjunto de normas, estabelecer a igualdade jurídica entre os entes políticos tributantes e por

outras normas autorizar a tributação do patrimônio, a renda e dos serviços dos entes entre si.

A imunidade recíproca é um instituto constitucional posto no sistema jurídico para promover

incentivos à prestação dos serviços públicos, impedindo que a tributação afete o alcance das

finalidades essenciais do estado, interferindo na própria autonomia dos estados. “Não é dado a

uma pessoa política, por meio de impostos, criar embaraços ou anular a ação de outra.”159

“A imunidade recíproca se justifica ainda pelo fato de que as pessoas

estatais não estão sujeitas ao dever de solidariedade no pagamento dos impostos (art. 3º, I),

uma vez que todos os seus bens, patrimônio, rendas e serviços estão exclusivamente voltados

ao interesse público. E são, nesse sentido, instrumentos de governo que devem ser protegidos

para servir, exatamente, aos interesses superiores da coletividade.” 160

Em seu art. 150, VI, a Constituição Federal de 1988 dispõe que a União, os

Estados e os Municípios não poderão cobrar tributos sobre patrimônio, renda ou serviços uns

                                                            158 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 122. 159 CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª edição. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 692. 160 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 135.

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dos outros, ou seja, estão protegidos pela imunidade o patrimônio, a renda e os serviços das

entidades políticas integrantes da Federação e suas autarquias e fundações161.

No entanto, há limites à proteção das entidades políticas pela imunidade, tal

como prevêem os parágrafos 2º e 3º do art. 151, VI, da Carta de 1988, quais sejam:

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A imunidade recíproca será extensiva ao patrimônio, à renda e aos serviços

das autarquias e fundações das entidades políticas integrantes da Federação somente se

estiverem vinculados às finalidades essenciais do exercício do poder público ou às delas

decorrentes. E mais, se o patrimônio, a renda e os serviços estiverem relacionados à

exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos

privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, não

se aplica a imunidade recíproca prevista no art. 151, VI, “a” da CF/88, nem exonera o

promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

                                                            161 Cf. § 2º do inciso VI do art. 151 da CF/88.

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Logo, existem pelo menos duas hipóteses previstas na Carta de 1988 em que

não se aplica a proteção da imunidade recíproca à tributação do patrimônio, da renda ou dos

serviços dos entes públicos – União, Estados e Municípios, quais sejam: (i) quando o

patrimônio, a renda e os serviços estiverem relacionados à exploração de atividades

econômicas regidas por regras aplicadas às empresas privadas, e (ii) quando houver

contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.

“A imunidade recíproca, caracterizada por impedir a autofagia do Estado

por meio da tributação de suas próprias riquezas, prestigia o princípio federalista, sendo

extensiva às autarquias e fundações públicas, no que se refere às suas finalidades essenciais,

não podendo, no entanto, ser aplicada quando o Estado, sob regime de direito privado, explora

atividade econômica ou empreende atividades em que haja contraprestação ou pagamento de

preços ou tarifas” 162.

Para Hugo de Brito Machado163, aplicar a imunidade tributária ao

patrimônio, à renda e aos serviços de entidades públicas que desempenham atividade

econômica sob o mesmo regime aplicado às empresas privadas, significaria estabelecer um

desequilíbrio concorrencial entre as empresas públicas e as empresas privadas, evidenciando

uma violação frontal ao princípio da livre iniciativa, dentre outros. O fato de uma empresa

pública exercer atividade empresarial sob o regime de direito privado já configura a

descaracterizada atuação do poder público em cumprimento às finalidades essenciais do

Estado.                                                             162 BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 229 163 Cf. Curso de Direito Tributário. 27ª edição. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 297.

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A exploração de atividade econômica com fins lucrativos pelos entes

públicos situa-os em par de igualdades com as empresas privadas que desenvolvem a mesma

atividade, por isso que também se explica o motivo pelo qual se excluem da imunidade

recíproca as empresas públicas organizadas em regime de direito privado164. Assim como

dispõe o art. 173, § 2º, da Carta de 1988, in verbis: “As empresas públicas e as sociedades de

economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.”

Segundo Misabel Derzi, na linha do que propõe Hugo de Brito Machado, “a

imunidade não beneficiará atividades, rendas ou bens estranhos às tarefas essenciais das

pessoas estatais e de suas autarquias, que tenham caráter especulativo ou voltadas ao

desempenho econômico lucrativo, em respeito ao princípio da livre concorrência entre as

empresas públicas e privadas e à tributação segundo o princípio da capacidade

contributiva.”165

Mizabel Derzi justifica afirmando que:

“Garantia adicional da liberdade e da democracia, o Estado federal se compenetrou da igualdade, da necessidade de redução das grandes disparidades regionais e das metas intervencionistas que caracterizam o federalismo integrativo e cooperativo, trazendo limitações à imunidade recíproca: ela não se estende a particulares, nem deve beneficiá-los, de modo que são tributáveis as remunerações de serviços públicos, sem distinção de cargo ou função e a renda dos títulos da dívida pública; igualmente, se excluem da imunidade recíproca os serviços públicos concedidos e a atividade

                                                            164  BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 125. 165  BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 128/129. 

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empresarial do Estado, na qual ele persegue o lucro e se submete às regras do Direito Privado, despindo-se do seu poder de império.” 166

Outro assunto que instiga discussões diz respeito à aplicação da imunidade

recíproca no caso dos impostos em que o encargo econômico é suportado por terceiros, tais

como o ICMS e o IPI. Ou seja, nas situações em que os entes públicos, como adquirentes de

mercadorias e produtos industrializados, suportam economicamente o IPI ou ICMS incidente

na operação. Em sua obra, Direito Tributário Brasileiro, Aliomar Baleeiro defende que: “Não

há, pois, razão nem cabimento para invocar-se imunidade recíproca nas operações de

entidades públicas, cuja tributação deverá ser suportada por particulares. Se o órgão oficial

vende, por exemplo, alimentos de uma produção ou adquiridos de terceiros, para melhoria das

condições de vida de servidores públicos ou do povo em geral, nada justifica benefício

adicional da isenção de imposto pago por todos os habitantes.” 167

Não por outra razão, são assuntos intensamente debatidos nos tribunais

superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal, conforme anotações que seguem.

4.2.1.1. A Imunidade Recíproca e os casos de repercussão geral no Supremo Tribunal

Federal

                                                            166  BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 125. 167 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense. 1970. p. 232.

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4.2.1.1.1. Imunidade Recíproca – IPTU – imóvel de propriedade de ente público

explorado por concessionária – empresa privada.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE ENTE PÚBLICO. CONCESSÃO DE USO. EMPRESA PRIVADA EXPLORADORA DE ATIVIDADE ECONÔMICA COM FINS LUCRATIVOS. CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. QUALIFICAÇÃO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Repercussão geral em Recurso Extraordinário 601.720 Rio de Janeiro. DJe nº 122. Divulgação 27/06/2011. Publicação. 28/06/2011. Ementário nº 2552-1. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski.

O caso em referência trata de Recurso Extraordinário interposto pelo

Município do Rio de Janeiro em face de acórdão que entendeu que a imunidade recíproca

alcança imóvel de propriedade da União Federal cedido à empresa privada que desenvolve

atividade econômica com fins lucrativos. No caso em epígrafe, a União Federal cedeu a título

oneroso o uso do imóvel à empresa privada que realiza a atividade de comercialização de

veículos automotores.

O Município do Rio de Janeiro defende em Recurso Extraordinário que a

imunidade recíproca, disposta no art. 150, VI da Carta de 1988, se propõe a proteger da

tributação o patrimônio, a renda e os serviços dos entes públicos que desempenham suas

finalidades essenciais – de interesse público. Logo, quando uma empresa privada explora suas

atividades econômicas com fins lucrativos no imóvel cedido pela entidade de direito público,

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a imunidade recíproca não se aplicaria, haja vista que os imóveis não estariam sendo

utilizados para destinação pública, mas privada, visando lucro.

O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu

origem ao Recurso Extraordinário em referência, posicionou-se no sentido de que a

concessionária – empresa privada – não exerce nenhum direito de posse, uso e gozo sobre o

imóvel do ente público, circunstância que impediria a sua inclusão no pólo passivo da

obrigação tributária de pagar IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano.

Nesse julgamento, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, baseado no art.

34 do Código Tributário Nacional, entendeu que a empresa privada não poderia ser

qualificada como contribuinte do IPTU, por não ter domínio ou posse do bem, portanto, o

Município do Rio de janeiro estaria impossibilitado de proceder à cobrança do tributo.

O Recurso Extraordinário foi admitido na origem e à matéria em discussão

reconhecida a repercussão geral pelo cumprimento dos requisitos do § 1º, do art. 534-A do

CPC. Será reconhecido o status da repercussão geral sempre que a matéria trouxer discussões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassando o interesse

subjetivo da causa. Ou seja, desde que se trate de questão constitucional que ultrapasse o

interesse das partes que atuam no feito, com repercussões de cunho econômico-social. No

caso em questão, a discussão é de natureza tributária, razão pela qual os reflexos nas finanças

do ente tributante são inevitáveis e absolutamente relevantes do ponto de vista econômico-

social, uma vez que alcançam toda a coletividade.

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116  

Analisando o caso concreto a partir da observância dos argumentos

colacionados pelas partes e dos fundamentos do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Rio de janeiro, percebemos que o centro da discussão é a aplicação de imunidade recíproca ao

patrimônio de ente público cedido à empresa privada para exploração de atividade econômica,

com fins lucrativos, desvinculada de qualquer finalidade pública essencial e regida por

normas aplicáveis aos empreendimentos privados.

Ora, o art. 150. VI, “a”, § 3º da Constituição Federal de 1988 não aplica o

instituto da imunidade recíproca “ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com

exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos

privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário

(...)”. Isso significa que o imóvel, pertencente ao ente público, utilizado por empresa privada

revendedora de veículos automotores com fins lucrativos, não poderia estar sujeito à

imunidade recíproca, pois violaria a liberdade de iniciativa, provocando discrepâncias no

funcionamento da ordem econômica e a consequente inviabilidade da prática da livre

concorrência.

Como será mais bem explorado adiante, o conjunto de normas gerais da

atividade econômica deve ser aplicado com a finalidade precípua de reprimir o abuso do

poder econômico, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento

arbitrário dos lucros. E a livre concorrência significa a garantia de que as atividades

econômicas serão exercidas de modo que as habilidades de cada um determinem o seu êxito

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117  

ou o seu insucesso, não podendo o Estado, em princípio, favorecer ou desfavorecer

artificialmente este ou aquele agente econômico168.

“Em outras palavras, o direito à livre concorrência é assegurado por uma

norma, com estrutura de mandamento de otimização, segundo a qual o Estado deve garantir a

todos, na medida do que for factual e juridicamente possível, o livre exercício de atividade

econômica, sem criar ou permitir interferências indevidas que prejudiquem a livre competição

dos cidadãos.” 169

Sendo assim, aplicar a imunidade recíproca a este patrimônio – imóvel de

ente público explorado por empresa privada revendedora de veículos automotores –

representaria uma afronta à livre iniciativa, um desequilíbrio concorrencial extremamente

nocivo ao bom funcionamento das regras de mercado, uma violação às normas gerais da

atividade econômica, ou seja, um ato inconstitucional. Por essa razão, utilizando-nos das

palavras de Mizabel Derzi, concluímos que “a imunidade recíproca não beneficia particulares,

terceiros que tenham direitos reais em bens das entidades públicas”.170

                                                            168 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 169 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 170  BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 128.

 

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118  

4.2.1.1.2. Imunidade recíproca – Sociedade de Economia Mista – entidades que prestam

serviços de saúde.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ENTIDADES QUE PRESTAM SERVIÇOS DE SAÚDE. HOSPITAIS. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTUITO DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. VINCULAÇÃO AO MINISTÉRIO DA SAÚDE. CONFIGURAÇÃO COMO ENTIDADE DE INTERESSE PÚBLICO. ART. 150, VI, A, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Repercussão geral em Recurso Extraordinário 580.262-7 Rio Grande do Sul. DJe nº 206. Divulgação 30/10/2008. Publicação. 31/10/2008. Ementário nº 2339-9. Relator: Ministro Joaquim Barbosa.

O caso em referência trata de Recurso Extraordinário interposto pelo

Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul que considerou não ser imune à tributação por impostos estaduais sociedade de

economia mista que atua na área de prestação de serviços de saúde.

A particularidade do caso reside na composição societária do grupo

hospitalar, pois, segundo consta dos autos, a participação privada no quadro societário é

irrisória, o que configuraria a entidade como uma extensão do poder público. E apontam

ainda, que a partir de 2003 o grupo passou a atender exclusivamente pacientes do SUS –

Sistema Único de Saúde, de modo que a receita passou a ser proveniente de repasses públicos.

O grupo hospitalar recorrente invoca que a função social desempenhada e a

inexistência de exploração econômica da atividade caracterizam-no como entidade paraestatal

de interesse público, razão pela qual deveria se beneficiar da proteção constitucional da

imunidade tributária recíproca.

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119  

O Ministro Joaquim Barbosa, em sua manifestação acerca da repercussão

geral em Recurso Extraordinário 580.264-7, afirma que, neste caso concreto, “está em jogo,

de um lado, a proteção conferida pela Constituição à autonomia dos entes federados, quando

executam indiretamente ações que asseguram o direito fundamental à saúde, em quadro

aparentemente marcado pela utilização atípica da forma societária da sociedade de economia

mista.” E acrescenta que “em posição antípoda estão a necessidade de preservação da livre

iniciativa e da concorrência, a proibição de extensão de vantagens à iniciativa pública no

campo da exploração exclusivamente econômica e de mercado e o risco de utilização de um

benefício próprio do Estado para entidades mais próximas do setor privado.”

Neste ponto é relevante destacar que as sociedades de economia mista, pela

definição exposta por Hely Lopes Meirelles, são pessoas jurídicas de Direito Privado, com

participação do poder público e de particulares no seu capital e na sua administração, para

realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. São sociedades

mercantis, admitem lucro, regem-se pelas normas de direito privado, integram a

Administração indireta do Estado e atuam como instrumento de descentralização dos serviços

públicos. 171

As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado

criadas com o objetivo de trazer melhorias à prestação do serviço público ou à exploração de

atividade econômica, a partir de um modelo privado de empresa, com a captação de capital

privado e participação privada na administração da empresa. Trata-se de uma parceria entre o

                                                            171 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª edição. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 393.

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120  

interesse público e a estrutura privada de empresa, que pode visar renda ou lucro. Às

sociedades de economia mista, apesar de contar com a participação ativa do Estado e do

particular no seu capital e na sua direção, são aplicadas as normas de empreendimentos

privados.172

Como admite Hely Lopes Meirelles, “pode o Estado subscrever parte do

capital de uma sociedade sem lhe atribuir o caráter de empresa governamental. O que define a

sociedade de economia mista é a participação ativa do Poder Público na vida e realização da

empresa. Não importa seja o Estado sócio majoritário ou minoritário; o que importa é que se

lhe reserve, por lei ou convenção, o poder de atuar nos negócios sociais.” 173

Tanto é assim que Decreto-lei 200/67 conceitua a sociedade de economia

mista como, in verbis, “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada

por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas

ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração

Indireta” (art. 5º, III) 174.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, ao estabelecer as normas

gerais aplicáveis às atividades econômicas, em seu art. 173, § 2º, dispõe expressamente que

“as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios

fiscais não extensivos às do setor privado.” Isso por que, dentre os princípios constitucionais

                                                            172 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª edição. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 393/394. 173 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª edição. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 394. 174 Grifos não originais.

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121  

da ordem econômica, encontram-se: o da livre iniciativa e o da liberdade de concorrência. E

ainda no texto constitucional, o art. 150, VI, § 3º, veda expressamente a aplicação da

imunidade recíproca ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de

atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados.

Na consecução deste raciocínio é que Misabel Derzi advoga que:

“Via de regra, as atividades econômicas industriais, comerciais ou financeiras sem monopólio, mesmo exercidas pelo Estado, mas voltadas ao lucro ou à especulação, evidenciam organização empresarial e estão, por norma constitucional expressa, excluídas da imunidade, no art. 150, VI, § 3º; Manifestam presença de capacidade econômica, pela natureza de suas atividades e de seus fins.” 175

Ora, as alegações suscitadas pelo Grupo Hospitalar recorrente tentam

descaracterizá-lo enquanto sociedade de economia mista, a fim de constituí-lo como empresa

pública que desempenha as finalidades essenciais sem explorar economicamente a atividade

de prestação de serviços hospitalares. Contudo, conforme adrede descrito, as sociedades de

economia mista são empresas regidas pelas normas de direito privado, com participação ativa

do Estado, ainda que se trate de uma participação majoritária na sociedade, em termos de

capital, direção e interesse público.

Logo, quando as sociedades de economia mista desenvolvem uma atividade

econômica elas precisam obedecer às normas constitucionais de livre iniciativa e livre

concorrência, sujeitando-se às normas aplicáveis aos empreendimentos privados e ao regime

                                                            175 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 132. 

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122  

tributário que lhes é comum. Ainda que as referidas sociedades tenham participação do

Estado, elas não gozam de privilégios ou prerrogativas inerentes aos entes públicos, pois para

garantir a competitividade no mercado, qualquer tipo de benefício somente será concedido por

intermédio de lei específica.

Entretanto, no que se refere à aplicação da imunidade recíproca, quando as

sociedades de economia mista desempenham uma atividade econômica regidas por normas de

direito privado, não serão protegidas por esse instituto, haja vista a expressa proibição

constitucional à possibilidade de as referidas sociedades alcançarem privilégios fiscais não

extensivos às do setor privado.

Sob outra perspectiva, Roque Antonio Carrazza compreende que “as

empresas públicas e as sociedades de economia mista, quando delegatárias de serviços

públicos ou de atos de polícia, em seu favor incide o disposto no § 2º do art. 150, VI da

CF/88, sem as ressalvas do § 3º desse mesmo dispositivo, razão pela qual são tão imunes aos

impostos quanto às próprias pessoas políticas, a elas se aplicando, destarte, o princípio da

imunidade recíproca, sendo irrelevante para o desfrute da imunidade em pauta, que a

delegatária cobre preço, tarifa ou taxa do usuário.” 176 Preço ou tarifa que será estabelecida

por lei, com a finalidade de cobrar o valor adequado para equilibrar o custo da atuação estatal

frente ao valor desembolsado pelo usuário, pois os serviços públicos destinam-se a promover

o bem comum.

                                                            176 Curso de Direito Constitucional Tributário. 21º Edição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 694/699

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123  

O autor compreende que o exercício de serviços públicos de forma

exclusiva por empresas públicas e sociedades de economia mista é capaz de caracterizá-lo

como serviço de ente público que deve ser alcançado pela proteção constitucional da

imunidade recíproca. Pois, a circunstância de serem revestidas da natureza de empresa pública

ou sociedade de economia mista não lhes retira a condição de pessoas administrativas, que

agem em nome do Estado, para consecução do bem comum.

Isso não significa uma violação ao art. 173, § 2º, que dispõe expressamente

que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de

privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. A situação em pauta versa sobre um

caso concreto distinto. Trata-se de empresa pública ou sociedade de economia mista que

exerce serviço público, exploram atividade em prol do bem comum, com o intuito de alcançar

as finalidades essenciais do Estado. Nessas circunstâncias, as pessoas jurídicas em referência

não se vestem de empresas privadas, mas de entidades políticas prepostas à atividade

administrativa.

Por esta razão, a regra constitucional que lhes alcança não é aquela prevista

no § 3º do art. 150, VI da CF/88, mas o § 2º que afirma a extensão da imunidade recíproca às

autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao

patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas

decorrentes. Assim, por titularizar interesses públicos, as pessoas administrativas delegatárias

de serviços públicos quando desempenharem típicas funções típicas, devem ser alcançadas

pelo benefício constitucional da imunidade recíproca.

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124  

Contudo, o reflexo da extensão das imunidades recíprocas nos domínios da

concorrência e da livre-iniciativa é o que mais preocupa neste universo de alcance de

benefícios, uma vez que estar-se-ia oferecendo às empresas públicas e sociedades de

economia mista o desfrute de privilégios fiscais não aplicáveis a todo o setor privado. Pois, é

inequívoco que o privilégio fiscal teria o condão de desonerar as atividades econômicas

desenvolvidas pelo Estado em relação às mesmas atividades desenvolvidas pelas empresas

privadas não alcançadas por tais privilégios, o que representaria a decretação de um universo

de concorrência desleal.

Ao tratar do assunto, Roque Antônio Carrazza justifica que:

“Os particulares só ingressam no capo reservado aos serviços públicos ou aos atos de polícia quando contratados pelo Estado, segundo as fórmulas de concessão e permissão. Não migram, por força da concessão ou permissão, para as hostes do direito privado. O que estamos querendo significar é que, do mesmo modo, em que há um campo reservado à livre iniciativa (art. 170 da CF), há m outro reservado à atuação estatal (art. 175 da CF)” 177.

Da justificativa descrita pelo autor, entendemos que quando as empresas

públicas ou sociedades de economia mista são, por lei, delegatárias de serviços públicos ou de

poder de polícia, elas não ofereceriam risco à livre concorrência ou à livre iniciativa, pois

exercem o papel de entidades públicas, fazendo as vezes de autarquias, ainda que com elas

não se confundam.

                                                            177 Curso de Direito Constitucional Tributário. 21º Edição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 701. 

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125  

4.2.1.1.3. Imunidade recíproca – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – Serviços

sob o Regime de Concorrência

TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. ICMS. INCIDÊNCIA. TRANSPORTE DE BENS E MERCADORIAS SOB O REGIME DE CONCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Repercussão geral em Recurso Extraordinário 627.051 Pernambuco. DJe nº 115. Divulgação 15/06/2011. Publicação. 16/06/2011. Ementário nº 2545-1. Relator: Ministro Dias Tofoli.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DISTINGUE ENTRE SERVIÇOS SUJEITOS AO MONOPÓLIO E SERVIÇOS PRESTADOS EM REGIME DE CONCORRÊNCIA PARA EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 150, VI, A E §§ 2º E 3º DA CONSTITUIÇÃO. PROCESSO CIVIL. PROPOSTA ENCAMINHADA PELA EXISTÊNCIA DO REQUISITO DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL.

Repercussão geral em Recurso Extraordinário 601.392 Paraná. DJe nº 228. Divulgação 03/12/2009. Publicação. 04/12/2009. Ementário nº 2385-6. Relator: Ministro Joaquim Barbosa.

O primeiro Recurso Extraordinário interposto pela Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que

entendeu, com base no at. 173, II, da CF/88, pela não aplicação da imunidade tributária à

empresa pública federal – pessoa jurídica de direito privado – no que se refere à incidência de

ICMS sobre as operações de transporte de mercadorias/encomendas.

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126  

O segundo Recurso Extraordinário interposto pela Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos – ECT em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

que entendeu pela incidência de ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza –

relativamente às atividades postais de natureza privada e realizadas em regime de

concorrência com as demais empresas do setor. A Recorrente, ECT, que a exerce serviços

próprios da União e correlatos, de modo permanente e sem fins lucrativos, logo a imunidade

deveria alcançar todas as atividades postais realizadas pela empresa.

A norma constitucional que disciplina estes fatos in concreto dispõe que a

imunidade recíproca não deve ser aplicada à exploração de atividades econômicas regidas

pelas normas que regem os empreendimentos privados ou quando haja contraprestação ou

pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Invertendo a ordem da afirmativa temos que as

pessoas políticas serão imunes quando exercerem atividades econômicas não regidas por

normas de direito privado e sem contraprestação ou pagamento de preços e tarifas pelo

usuário do serviço.

O serviço postal é de interesse geral da coletividade, pois é de interesse de

todos que cada município da Federação seja alcançado pelo serviço de entrega e envio de

cartas, documentos, e todos os demais objetos previstos em lei, com a maior eficiência

possível. Por esta razão, o fornecimento do serviço postal não pode ser mera faculdade do

Poder Público. Tanto é assim que a Constituição Federal de 1988 em seu art. 21, X, dispõe

que o serviço postal é de monopólio estatal, in verbis, “Compete à União manter o serviço

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127  

postal e o correio aéreo nacional”. Portanto, nessa linha, o serviço postal seria um serviço

público inerente ao modelo federativo preconizado na Carta de 1988.

Os serviços considerados tipicamente postais, em regime de monopólio pela

União, estão dispostos no art. 9º da Lei nº 6.538/78, quais sejam:

Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada: III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. § 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal; a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal. § 2º - Não se incluem no regime de monopólio: a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial; b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

Entretanto, como observa o Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto na

ACO 756-Agr, nem todos os serviços realizados pela Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos são considerados serviços postais, exercidos pela União em regime de monopólio,

tais como o “Banco postal”, “dinheiro fácil”, “importa fácil”, etc., que ao contrário disso, são

serviços privados, lucrativos, exercidos, em alguns casos, em regime de concorrência.

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128  

A preocupação do Ministro Ricardo Lewandowski é aplicar a imunidade

recíproca aos serviços exercidos pelas empresas privadas terceirizadas contratadas pelos

Correios para explorar serviços não postais. Isso por que a circunstância de a empresa pública

executar serviços que não são púbicos, sequer postais, exige uma ponderação quanto aos

serviços protegidos pela imunidade recíproca.

O regime de concorrência é modalidade de licitação obrigatória em

contratos de elevado valor, especialmente em contratações de obras, serviços e compras; que

admite a participação de quaisquer interessados que satisfaçam as condições do edital,

empresas públicas, privadas, sociedades de economia mista, dentre outros. São serviços que

não estão sob o regime de monopólio da União, de modo que podem ser exercidos por

quaisquer empresas privadas ou públicas.

Significa dizer que os serviços tipicamente postais são exercidos sob regime

de monopólio da União, motivo pelo qual são abrangidos pela proteção da imunidade

tributária recíproca. Entretanto, as contratações em regime de concorrência põem as empresas,

que satisfazem as condições do edital de licitação, em situação de igualdade, pois todas estão

explorando atividades econômicas com fins lucrativos e são regidas pelas normas aplicáveis

aos empreendimentos privados.

Aplicar a imunidade tributária aos serviços que não são tipicamente postais,

que podem ser explorados por empresas privadas e que estão sujeitos à contraprestação ou

pagamento de tarifa pelo usuário violaria frontalmente a Carta Constitucional de 1988, art.

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129  

150, VI, § 3º. E essa conclusão não vai de encontro a alguns precedentes178 do Supremo

Tribunal Federal que se posicionaram pela índole pública dos serviços postais, por se tratar de

serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, contexto que permitiria a

extensão da imunidade tributária recíproca aos serviços postais.

Fala-se aqui em extensão da imunidade tributária recíproca aos serviços não

postais, o que nos parece uma violação ao princípio da livre iniciativa e livre concorrência

dispostos nos arts. 170 e 173, II, da Constituição Federal e § 4º - A lei reprimirá o abuso do

poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao

aumento arbitrário dos lucros.

A exemplo disso, o Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto na Repercussão

geral em Recurso Extraordinário 601.392 Paraná, informa que a lista anexa do Decreto-lei

406/1968, em seu item 95, traz serviços tipicamente privados que, mesmo sendo exercidos

por empresa pública federal que desempenha predominantemente serviços postais

considerados essenciais à coletividade, devem ser tributados pelos Municípios por via do ISS,

haja vista a exploração em regime de concorrência, vejamos:

Item 95. Cobranças e recebimentos por conta de terceiros, inclusive direitos autorais, protestos de títulos, sustação de protestos, devolução de títulos não pagos, manutenção de títulos vencidos, fornecimentos de posição de cobrança ou recebimento e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento (este item abrange também os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);

                                                            178 RE nº 407.099. Ministro Carlos Velloso. Segunda Turma. DJ 06.08.2004, RE nº 354.897. Ministro Carlos Velloso. Segunda Turma. DJ 03.09.2004, RE nº 398.630, Ministro Carlos Velloso. Segunda Turma. DJ 17.09.2004, dentre outros.

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130  

Para atender às necessidades de todo o território nacional, diversas empresas

privadas – empresas do ramo da distribuição – surgiram no mercado nacional para fornecer

serviços de logística, de distribuição de malotes, revistas, periódicos, cartas de cobrança, de

pequenas encomendas, cartas de cobrança de luz, gás e telefone, dentre outros, todos

autorizados por lei, sem que isso representasse a realização de serviço postal sob o monopólio

da União Federal. E respeito à livre concorrência e à liberdade de iniciativa, qualquer

tentativa de abuso de poder econômico, dominação de mercados e eliminação de concorrentes

sob o argumento de monopólio dos serviços pela União Federal. Os serviços sob monopólio

da União estão taxativamente previstos no art. 177, da Constituição, de modo que banir o

ramo da distribuição da exploração dos diversos modos de serviços de distribuição e logística

– não postais, representaria uma ameaça à ordem econômica e ao desenvolvimento de uma

atividade econômica competitiva e eficiente.

Nos casos em questão, os Correios não prestam serviços postais, serviços

públicos em regime de monopólio ou de exclusividade da União, portanto, jamais poderiam

ser equiparadas às empresas públicas delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia,

em seu favor das quais incide o disposto no § 2º do art. 150, VI da CF/88, sem as ressalvas do

§ 3º desse mesmo dispositivo. Na hipótese de não exercer um serviço tipicamente público –

como o serviço postal – os Correios não ficam imunes aos impostos, pois se os Correios ao

exercerem serviços não postais ficassem protegidos pela imunidade recíproca, as empresas

privadas não teriam condições de igualdade tributária para competir, pois restaria evidente o

desequilíbrio fiscal gerado pela aplicação seletiva de privilégios fiscais.

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131  

Na presente situação, a empresa pública explora atividade econômica

com fins lucrativos, não exercem serviço público, sequer explora a atividade em prol do bem

comum, com o intuito de alcançar as finalidades essenciais do Estado. Nessas circunstâncias,

a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é empresa pública que veste os trajes de

empresa tipicamente privada, obstinando lucro e regida por todas as regras de direito privado,

jamais podendo ser equiparada às entidades políticas prepostas à atividade administrativa, não

podendo, destarte, ter os serviços não postais alcançados pela imunidade tributária recíproca.

Pois, se assim o fosse, representaria a homologação da concorrência desleal, uma afronta à

livre iniciativa e a todos os princípios que regem a ordem econômica.

4.2.2. Imunidade dos tempos de qualquer culto

Art. 150. CF/88. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: 

b) templos de qualquer culto;

O art. 150, VI, “b” da Carta Constitucional de 1988 vem reforçar o direito à

liberdade de crença e de prática religiosa prestigiada pelo art. 5º, VI a VIII no mesmo

diploma. Com a aplicação da imunidade aos templos de qualquer culto, fica garantida a

desoneração fiscal (leia-se: não tributação) do exercício de qualquer culto ou prática religiosa.

Isso vem tornar imunes à tributação os templos e cultos religiosos.

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132  

Por templo, deve-se entender edifício público destinado ao culto religioso179,

ou seja, o local destinado às cerimônias religiosas, inclusive a entidade mantenedora dos

templos. Pois a Constituição visa proteger as manifestações de fé e fomentar a religiosidade

das pessoas, através da não tributação da liberdade e isonomia de crenças. É inviolável a

liberdade de consciência e de crença, sendo livre o exercício dos cultos religiosos e protegidos

os locais de culto e liturgias (art. 5º, VI, da CF/88). E ainda, ninguém será privado de direitos

por motivo de crença religiosa (art. 5º, VIII, da CF/88). E para viabilizar tudo isso, a

Constituição veda, por meio das imunidades tributárias, a cobrança de qualquer imposto sobre

os templos de qualquer culto.

Isso significa que, como defende Roque Antonio Carrazza, sobre o imóvel

onde o culto se realiza não pode incidir o imposto predial e territorial urbano – IPTU; sobre o

serviço religioso não deve incidir Imposto sobre Serviço – ISS; sobre as esmolas, dízimos,

doações não pode incidir o Imposto sobre a Renda; sobre a aquisição de imóveis pelas

entidades mantenedoras não deve incidir o Imposto sobre a transmissão “inter vivos”, por ato

oneroso, de bens imóveis – ITBI; sobre o veículo usado para catequese e serviços de culto não

deve incidir o IPVA, e assim avante. Nenhum desses impostos – nem qualquer outro – pode

incidir sobre os templos de qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante180.

Entretanto, na hipótese de as entidades mantenedoras dos templos e cultos

religiosos explorarem atividades tipicamente comerciais, visando auferir renda ou lucro, a

                                                            179 CUNHA, Antônio Geraldo Da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon. 2007. P. 762 180 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 709.

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133  

imunidade tributária não deve alcançá-las, pois não se trata do exercício de funções essenciais

ao culto.

Ainda que possa questionar a manutenção da imunidade, quando da prática

de atividade econômica não relacionada diretamente à finalidade essencial pelas referidas

entidades, o mesmo não poderá ocorrer quanto à permissão para o exercício da atividade.

Tendo em vista que art. 170, da CF/88, em seu parágrafo único, assegura a todos o livre

exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos

públicos, não havendo qualquer dispositivo que impeça exercício de atividade econômica seja

pelos templos de culto religioso, como pelos partidos políticos, entidades de assistência social

e educacional consideradas imunes.

4.2.3. Imunidade dos partidos políticos e das instituições educacionais ou assistenciais

Art. 150. CF/88. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: 

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Não será tributado o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos

políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições

de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (art.

150, VI, “c”, CF/88).

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Os requisitos para a aplicação da imunidade tributária prevista no art. 150,

VI, “c”, da CF/88 estão dispostos no art. 14 do Código Tributário Nacional – artigo este que

oferece plena eficácia e total aplicabilidade à referida imunidade do diploma constitucional –

, quais sejam, in verbis: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas

rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na

manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e

despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Assim, só podem se beneficiar das imunidades as referidas entidades que

não tenham fins lucrativos, portanto, não distribuam parcelas de seu patrimônio, renda ou

parcelas de resultados econômicos positivos obtidos no exercício; apliquem todos os recursos

no Brasil e escriturem as receitas em consonância com as formalidades e exigências –

obrigação tributária acessória. Convém salientar, que somente terão direito à imunidade

tributária, o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas

fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de

assistência social, legalmente constituídos.

O não cumprimento de quaisquer desses requisitos autoriza a autoridade

competente a suspender a aplicação do benefício, e ainda, se os serviços exercidos não

estiverem diretamente ligados aos objetivos institucionais dos partidos políticos, inclusive

suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de

assistência social, não poderão ser protegidos pela imunidade tributária. Logo, os serviços

deverão ser exercidos exclusivamente visando as finalidades essenciais das entidades em

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referência (art. 150, § 4º da CF/88), sob pena de não ver aplicada a imunidade tributária do

art. 150, VI, “c” da CF/88.

Os requisitos essenciais à aplicação da imunidade tributária estão dispostos

exclusivamente no art. 14 do Código Tributário Nacional, lei complementar, o que impede

que lei ordinária crie novos requisitos para que os partidos políticos, inclusive suas fundações,

das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social

gozem da imunidade tributária do art. 150, VI, “c”, da CF/88.

Os partidos políticos são instituições, pessoas jurídicas de direito privado,

criadas com a finalidade de organizar os interesses políticos de uma sociedade, são

representantes dos interesses da coletividade que se filiam aos partidos para discutir

programas e metas de desenvolvimento e melhoria das condições de vida de toda a sociedade.

São entidades que “visam assegura a autenticidade do regime representativo no interesse da

democracia” 181.

O direito à educação está previsto na Constituição Federal de 1988,

especialmente no art. 205, que prevê, in verbis: “A educação, direito de todos e dever do

Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”. E para promover e incentivar o direito à educação, a própria

Carta Constitucional de 1988 proclamou a imunidade tributária às instituições de educacionais

que satisfaçam os requisitos da lei, no caso, o art. 14 do CTN, pois é assente que instituições

                                                            181 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 718.

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136  

de ensino desempenham em relevante papel para a realização do interesse da coletividade de

acesso à educação.

As instituições assistenciais, por sua vez, são aquelas pessoas jurídicas que ,

sem fins lucrativos, ao direitos sociais à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à

segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, na forma do art. 6º da

Constituição Federal de 1988.

Como o Estado por si não consegue prover todos esses direitos sociais, o

texto constitucional oferece o privilégio fiscal da imunidade às entidades se assistência social

beneficente que, sem fins lucrativos e exercendo exclusivamente suas finalidades

institucionais essenciais, aplicam as receitas e sobras financeiras integralmente no território

nacional, não distribui patrimônio e escritura dentro das formalidades as receitas. Pois em

caso de desvio de finalidade, o benefício da imunidade poderá ser cassado pela autoridade

fiscalizatória competente.

4.2.4. Imunidade dos livros, periódicos e do papel destinado à sua impressão

Art. 150. CF/88. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre:

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Pelo art. 150, VI, “d” da Constituição Federal tem-se que todo e qualquer

livro ou periódico, bem como o papel utilizado na impressão, sem restrições, deverão ser

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alcançados pela imunidade tributária. Como assevera Hugo de Brito Machado, os termos

“livros”, “periódicos”, “jornais” e “papel utilizado na impressão” devem ser entendidos em

seu aspecto finalístico182. “Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material

necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou

daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir

sobre qualquer insumo, ou mesmo, sobre qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que

sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos.” 183

A interpretação da Constituição Federal de 1988, em virtude do avanço da

tecnologia, deve ser extensiva, a fim de que a imunidade tributária alcance e-books, cd-roms,

disquetes, etc. A finalidade do ordenamento jurídico é garantir direito de expressão, a

divulgação de culturas, o incentivo à leitura, etc., por isso é imprescindível que as imunidades

também alcancem os meios magnéticos de acesso à leitura e à informação, uma vez que o

direito deve acompanhar o avanço e as necessidades de uma sociedade em desenvolvimento.

No entanto, a imunidade deverá recair somente sobre os tributos que

alcançam a importação (II), a produção industrial (IPI) e a circulação de mercadorias (ICMS),

uma vez que se busca reduzir tão somente o custo dos produtos para facilitar o acesso à

sociedade, pois, onerar a produção desse material significaria desestimular o acesso à cultura,

à leitura, à informação.

                                                            182 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 302. 183 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 303.

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A imunidade deve abranger todo o conjunto de serviços necessários à

confecção de livros, jornais e periódicos, inclusive a redação, a parte editorial, a revisão dos

exemplares e a publicidade dos anunciantes. Pois, os meios necessários à prestação de

serviços essenciais à informação da sociedade devem ser abrangidos pela imunidade

tributária.

No que se refere a não extensão da imunidade tributária ao imposto sobre a

renda incidente sobre a receita com a venda dos livros, periódicos e jornais, Mizabel Derzi é

categoria ao afirmar que:

“Não tem recebido acolhida entre nós a tentativa de alguns de estender a imunidade aos impostos sobre a renda ou patrimônio, já que as imunidades não beneficiam particulares. Apesar de representarem atividade de interesse público, quando organizadas em empresa com finalidade econômica, as pessoas titulares de jornais, edição de livros, periódicos apropriam-se de seus lucros. Se, não obstante, organizarem-se em instituições sem finalidade lucrativa, é claro, gozarão da imunidade do art. 150, VI, c, ao lado das demais que tem finalidades culturais.”

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139  

Capítulo V – Anotações sobre o princípio da livre concorrência

5.1. As normas jurídicas econômicas

Ao longo da primeira parte deste estudo, advogamos o fechamento

operativo – estrutura sintática homogênea – e a abertura semântica e pragmática –

heterogeneidade – do sistema jurídico. Na consecução do raciocínio defendido, a lógica que

estrutura todas as normas jurídicas é a deôntica, segundo a qual as normas são expressas

mediante um juízo hipotético-condicional – “Se P, então Q”. Por essa perspectiva o direito

ocupa o universo do dever-ser, e não o universo do ser.

Tomando como axioma a estrutura sintática homogênea do sistema jurídico,

devemos afirmar que a forma das normas jurídicas apresenta o mesmo padrão hipotético-

condicional – o padrão da lógica deôntica, não restando margem para a inclusão de quaisquer

outras lógicas não delineadas pelo sistema jurídico.

Nesse contexto, o que difere uma norma jurídica da outra é o seu conteúdo,

sua heterogeneidade semântica e pragmática. As normas tributárias, apesar de apresentar a

mesma estrutura hipotético-condicional, dispõem sobre fatos, elementos, princípios e

procedimentos diferentes daqueles tratados pelas normas econômicas, penais, trabalhistas,

cíveis, etc. Dentre as normas jurídicas (estruturalmente homogêneas) o que pode haver é a

flexibilização semântica da hipótese normativa, circunstância que se mostra evidente quando

tratamos dos princípios.

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Os princípios, que pela classificação de Gregório Robles são chamados de

normas ônticas, são normas jurídicas184com conteúdo semântico mais amplo, ou seja, são

normas que apresentam maior carga axiológica se comparas às demais normas. Com o

princípio da livre concorrência não é diferente. Trata-se de uma norma de elevada carga

valorativa incluída no rol de princípios da ordem econômica constitucional.

A ordem econômica constitucional, prevista no art.170, da Constituição

Federal de 1988, encontra-se solidamente estabelecida para garantir a todos uma existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da livre concorrência,

pleno emprego, propriedade privada, soberania nacional, dentre outros. Neste Capítulo I, do

Título VII da Constituição Federal, os princípios gerais da atividade econômica são abordados

com finco à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa.

A ordem jurídica econômica atua na regulação dos fatos econômicos, como

um conjunto de mecanismos de que regulam o sistema econômico, numa implantação

prescritiva de enunciados que orientam as condutas intersubjetivas.

Destarte, esse conjunto de normas gerais da atividade econômica deve ser

aplicado aos casos concretos com a finalidade precípua de reprimir o abuso do poder

econômico, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário

                                                            184 A deonticidade é inerente ao sistema jurídico – mundo do dever-ser. A lógica jurídica é aquela que orienta o estudo sintático do direito, de modo que todas as normas do sistema jurídico são classificadas como deônticas pelo fato de estarem inseridas do universo artificial do dever-ser. Dessa forma, a flexibilização semântica da hipótese normativa de algumas normas não as desqualifica enquanto deônticas, enquanto estruturas hipotético-condicionais.

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dos lucros185. Logo se percebe que os objetivos prescritos para a ordem econômica, ou seja, os

princípios que regem a atividade econômica apresentam elevada carga axiológica que exige

uma atitude hermenêutica comprometida e abrangente.

Essa atitude hermenêutica, para que esteja em pelo acordo com as diretrizes

constitucionais, precisa reconhecer a carga semântica dos princípios da ordem econômica

sempre em consonância com a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano,

fundamentos da ordem econômica. A livre iniciativa, tal como o termo prenuncia, trata da

liberdade de atuação do particular no domínio econômico, representa a livre possibilidade de

exercer uma atividade econômica sem a obstaculização do poder público.

Como assevera Hugo de Brito Machado Segundo186:

“Não incorrendo em grande falha e consagrando expressamente a liberdade, no plano econômico, como direito fundamental, o art. 170 da Constituição Federal de 1988 elenca a livre iniciativa e, no que mais perto interessa a este texto, a livre concorrência como princípios fundamentais da ordem econômica, vale dizer, valores, metas ou objetivos a serem buscados e prestigiados no âmbito do disciplinamento jurídico da atividade econômica.”

Neste sentido, a livre iniciativa é um princípio que informa a liberdade, seja

na escolha de meios, seja na escolha dos fins almejados pelo particular no desenvolvimento de

uma atividade economia. É norma jurídica com elevada abrangência semântica e flexível

hipótese normativa que permite a atuação no domínio econômico visando à produção de

                                                            185 Constituição Federal, art. 173, § 4º.  186Cf.  Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 

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riquezas, à circulação de bens e à prestação de serviços voltados ao mercado. Dessa forma, a

livre iniciativa representa o exercício real do poder econômico pelos agentes.

Hugo de Brito Machado Segundo187, ainda em estudo sobre o tema,

conceitua o princípio da livre iniciativa como “a liberdade, conferida a todos, de exercer uma

atividade econômica, vale dizer, de produzir e disponibilizar a terceiros os recursos materiais

necessários ao bem-estar (através da prestação de serviços, a fabricação e comercialização de

bens, etc.)”

Sendo assim, o princípio da livre iniciativa atua como premissa para o

exercício das demais garantias constitucionais, o ponto de partida para aplicação e cogitação

dos demais princípios. Diego Bomfim188, ao tratar da matéria, expõe que “sem a presença da

livre iniciativa não há de se falar em livre concorrência, surgindo, nesse ponto, a identificação

da relação entre dois princípios, uma relação de desdobramento artificial em que o segundo

(livre concorrência) funciona como delineador do primeiro (livre iniciativa), numa relação

circular de autoingerência”.

Contudo, a liberdade de iniciativa deve ser considerada sempre nos limites

do próprio sistema jurídico, isso porque a possibilidade de exercer uma atividade econômica

livremente não significa exercer uma atividade econômica sem limites, ilimitada ou

desenfreada.

                                                            187Cf. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 188 Cf. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 175.

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A ordem econômica delineada na Constituição Federal ao prever um rol de

princípios e valores que devem reger a atividade econômica, está estabelecendo os limites de

atuação dos setores - público e privado189 - no domínio econômico. Logo, a liberdade de

iniciativa fica atrelada às limitações veiculadas na própria Carta Magna de 1988. Entenda-se

por limites, o abstrato delineamento do sistema, a conformação190 entre os conteúdos jurídicos

dos valores que regem a ordem econômica constitucional.

Um dos limites constitucionais à livre iniciativa é o princípio da livre

concorrência, pois estranho seria se o agente econômico ao exercer o seu direito à livre

iniciativa provocasse discrepâncias no funcionamento da ordem econômica, impossibilitando

a livre concorrência – norma jurídica econômica de elevada carga axiológica.

A livre concorrência significa a garantia de as atividades econômicas serão

exercidas de modo que as habilidades de cada um determinem o seu êxito ou o seu insucesso,

não podendo o Estado, em princípio, favorecer ou desfavorecer artificialmente este ou aquele

agente econômico191. “Em outras palavras, o direito à livre concorrência é assegurado por

                                                            189 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2004. “Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. A Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela só opõe, ainda que não a exclua, a ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, assim, como bem pertinente apenas à empresa. É que a livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo, corolária da valorização do trabalho, do trabalho livre – como observa Miguel Reale Júnior – em uma sociedade livre e pluralista. Daí por que o art. 1º, IV do texto constitucional – de um lado – enuncia como fundamento da República Federativa do Brasil o valor social e não as virtualidades individuais da livre iniciativa e – de outro – o seu art. 170, caput coloca lado a lado trabalho humano e livre iniciativa, curando contudo no sentido de que o primeiro seja valorizado.” p. 190. 190 Conformação que nada tem a ver com a relativização de princípios. Os princípios fundamentais da ordem econômica não admitem relativização, apenas a preservação ao máximo. 191 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402.

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uma norma, com estrutura de mandamento de otimização, segundo a qual o Estado deve

garantir a todos, na medida do que for factual e juridicamente possível, o livre exercício de

atividade econômica, sem criar ou permitir interferências indevidas que prejudiquem a livre

competição dos cidadãos.” 192

5.2. O princípio da livre concorrência e a Lei nº 8.884/94

A Constituição Federal em seu art. 219 determina que “o mercado interno

integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento

cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País,

nos termos da lei federal.” Isso demonstra que o texto constitucional impõe a viabilização e

desenvolvimento econômico através de incentivos postos pela legislação federal.

Nesse contexto instituiu-se a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, veículo

introdutor de normas jurídicas, com a finalidade de prevenir e reprimir193 as infrações contra a

ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre

concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do

                                                            192 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 193 Cf. BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da Concorrência e Tributação – à luz do art. 146 – A da Constituição. Série Doutrina Tributária Vol. II. São Paulo: Quatier Latin. 2009. “Reconhecendo que a livre concorrência pode ser afetada tanto por falhas estruturais quanto por comportamentos dos agentes econômicos, a legislação brasileira aborda ambos os aspectos da defesa da concorrência, utilizando-se de instrumentos de prevenção e repressão concentrados nas Leis nºs 8.884/94, 9.279/96 e 8.137/90. Trata-se de instrumentos compulsórios de controle e imposição de comportamentos, o que configure intervenção estatal por direção sobre o domínio econômico.” p.90.

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poder econômico (art. 1º). Lei esta que estabelece como titular dos bens jurídicos protegidos a

coletividade (parágrafo único do art. 1º).

Trata-se de lei voltada à preservação do modo de produção capitalista194, lei

que estabelece regras e procedimentos para proteção dos valores da ordem econômica,

elencados no art. 170 da Constituição Federal de 1988.

Sobre isso, Eros Roberto Grau195 prefere afirmar que:

“As regras da Lei 8.884/94 conferem concreção aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico, tudo em coerência com a ideologia constitucional adotada pela Constituição de 1988. Esses princípios coexistem harmonicamente entre si, conformando-se, mutuamente, uns aos outros. Daí porque ao princípio da liberdade de concorrência ou da livre concorrência assume, no quadro da Constituição de 1988, sentido conformado pelos demais princípios por ela contemplados; seu conteúdo é determinado pela sua inserção em um contexto de princípios, no qual e com os quais subsistem em harmonia.”

Fala-se em livre concorrência no sentido de igualdade de condições de

competir, igualdade de condições entre os agentes econômicos que disputam o mesmo

mercado, tudo com o propósito de permitir o desenvolvimento econômico. “Não há que se

falar, portanto, em igualdade entre competidores, e sim de oportunidade de competir”. 196

                                                            194 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2004. p.195.  195 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 196/197. (destacamos). 196 Cf. BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 180. 

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Sobre o assunto, Ives Gandra da Silva Martins197 anota:

“Há descompetitividade empresarial e concorrência desleal sempre que ocorra sonegação tributária, visto que, neste ponto, a empresa que sonega leva incomensurável vantagem sobre seus concorrentes que pagam tributes. A questão mais grave acontece, se a empresa que sonega considera haver pequena possibilidade de ser fiscalizada, pela dificuldade de apuração de suas atividades, pela multiplicidade de contribuintes ou pelo tipo do produto que fabrica, com o que o Fisco, com quadro reduzido de agentes fiscais, torna-se impotente em combatê-la.”

Não por outro motivo, a Lei nº 8.884/94, lei antitruste, em seu art. 20, § 1º,

define que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência

de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito de dominação

de mercado relevante de bens ou serviços.

Sendo assim, não se trata de infração da ordem econômica toda e qualquer

manifestação dos agentes econômicos no sentido de aumentar a eficiência e o poder de

disputar espaço no mercado perante a concorrência. Pois o processo natural de

desenvolvimento e conquista de parcela do domínio econômico pela eficiência e respeito aos

valores constitucionais não fere as normas gerais da ordem econômica.

Tanto é assim que são consideradas infrações da ordem econômica, os atos,

sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir (ainda que não

sejam alcançados) os seguintes efeitos: (i) limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência e

a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens e serviços (com a ressalva da

                                                            197 Cf. Obrigações acessórias no interesse da Fiscalização e da livre Concorrência entre empresas. Direito assegurado ao Fisco pelas Leis Suprema e Complementar. In Revista Dialética de Direito Tributário º. 105. 2004. p.130.

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conquista pela efetividade); (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; (iv) exercer de forma

abusiva posição dominante - entenda-se por posição dominante o controle de parcela

significante ( > 20%) do mercado; (v) fixar ou praticar, em acordo com a concorrência, preços

e condições de venda - quartéis; (vi) adoção de conduta comercial uniforme; (vii) limitar ou

impedir acesso de novas empresas; dentre outros.

Pelo exposto, são consideradas infrações as manifestações de agentes

econômicos que ofendem de algum modo os princípios da ordem econômica, trazendo

prejuízos à coletividade – titular dos bens jurídicos protegidos pela Constituição de 1988 e

pela Lei antitruste.

5.2.1. CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica: algumas considerações

Lei nº. 8.884/94 foi editada com a finalidade de transformar o CADE -

Conselho Administrativo de Defesa Econômica198 – em Autarquia Federal dispor sobre a

prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos princípios

constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos

consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

O CADE é uma Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Justiça, órgão

judicante com jurisdição em todo território nacional. O Plenário do CADE é composto por um

Presidente e seis Conselheiros, nomeados pelo Presidente da República, com mandato de 2                                                             198 Criado pela Lei nº. 4.137 de 10 de setembro de 1962.

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(dois) anos, permitida uma recondução. Junto ao CADE funciona uma Procuradoria, chefiada

pelo Procurador-Geral, indicado pelo Ministro da Justiça e nomeado pelo Presidente da

República.

O Regimento Interno do Conselho, aprovado pela Resolução nº 12, de 31 de

março de 1998 estabelece as normas de funcionamento processual, incluindo os aspectos

relativos a sigilo, instrução do processo, julgamento, realização de sessões reservadas para

julgamento de recursos de ofício em Averiguações Preliminares, execução e disposições

gerais.

A principal atividade do CADE envolve a instrução de atos de concentração,

processos administrativos e consultas e, principalmente, seu julgamento. Dentre os processos

administrativos, verifica-se uma subdivisão em matérias a serem apreciadas pelo Colegiado:

são os processos administrativos propriamente ditos, os recursos voluntaries, pedidos de

reconsideração e impugnações em autos de infração, averiguações preliminares e

representações.

Ainda compete ao CADE: (i) zelar pela observância da lei e regimento

interno do Conselho; (ii) decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar

as penalidades previstas em lei; (iii) decidir os processos instaurados pela Secretaria de

Direito Econômico do Ministério da Justiça; (iv) decidir os recursos de ofício do Secretário da

SDE; (v) ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica; (vi)

aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do compromisso de desempenho,

bem como determinar à SDE que fiscalize seu cumprimento; (vii) apreciar em grau de recurso

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149  

as medidas preventivas adotadas pela SDE ou pelo Conselheiro-Relator; (viii) requisitar

informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas,

respeitando e mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como determinar as diligências

que se fizerem necessárias ao exercício das suas funções; (ix) requisitar dos órgãos do Poder

Executivo Federal e solicitar das autoridades dos Estados, Municípios, Distrito Federal e

Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta lei; (x) contratar a realização de

exames, vistorias e estudos, aprovando, em cada caso, os respectivos honorários profissionais

e demais despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se vier a ser punida nos

termos desta lei; (xi) apreciar os atos ou condutas, sob qualquer forma manifestados, sujeitos

à aprovação nos termos do art. 54, fixando compromisso de desempenho, quando for o caso;

(xii) responder a consultas sobre matéria de sua competência; (xiii) instruir o público sobre as

formas de infração da ordem econômica; além do desempenho de todas as atividades referente

ao funcionamento administrativo do Conselho.

5.3. O princípio da livre concorrência e o art. 146-A da Constituição Federal de 1988

Os princípios constitucionais – tributários ou da ordem econômica - estão

em constante comunicação, em uma permanente interação. Dentre os princípios da ordem

econômica elencados no texto constitucional, interessa-nos o princípio da livre concorrência.

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150  

Ricardo Lobo Torres199 afirma que “a concorrência ganhou estatura

constitucional com a Emenda nº. 42, de 19/12/2003, que acrescentou ao Texto Fundamental o

seguinte: Art. 146-A – Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação,

com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a

União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.

Se a Carta Magna de 1988, em seu art. 146 – A, prescreve a possibilidade de

lei complementar estabelecer critérios especiais de tributação com a finalidade de assegurar o

princípio da livre concorrência, prevenindo distúrbios concorrenciais, então que critérios

especiais seriam esses?

Em se tratando de tributação, antes mesmo da Emenda Constitucional nº.

42/2003, o Estado só poderia exercer seu poder interventivo e fomentador respeitando a

legalidade, a capacidade contributiva, e os demais princípios constitucionais, inclusive, o

princípio da neutralidade concorrencial.

O Estado, na posição de titular da competência tributária, deve atuar com o

intuito de evitar desequilíbrios na livre concorrência, ainda que pra isso se valha de critérios

especiais de tributação – fórmulas para reduzir a evasão fiscal em determinados setores da

economia e com isso reduzir os desequilíbrios.200

                                                            199 Cf. Interação entre princípios constitucionais tributários e princípios da ordem econômica. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 493. 200 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 422. 

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151  

A função do valor constitucional da neutralidade concorrencial do Estado é

impedir que os entes estatais interfiram de forma negativa a viabilização da livre

concorrência. A situação de ente público é a de atuar perante os agentes econômicos em

igualdade de condições, numa atitude imparcial de garantidor do equilíbrio da concorrência.

Esse princípio na neutralidade concorrencial, no âmbito tributário, reveste-se como

neutralidade tributária, segundo a qual o Estado não pode oferecer desequilíbrios entre

concorrentes em virtude da instituição de tributação desigual. 201 “Ao Estado Fiscal incumbe

não apenas se manter neutro frente à concorrência, mas também lhe compete promover o

ambiente propício ao desenvolvimento das forças do mercado.” 202

Do enunciado do art. 146-A da Constituição Federal de 1988 podemos

extrair normas de competência tributária, ou seja, valores que determinam: quem (União),

como (através de Lei Complementar) e o que (estabelecer critérios especiais de tributação)

deve ser praticado para atingir determinada finalidade (prevenir desequilíbrios da concorrência).

A Constituição de 1988, neste contexto, prevê a possibilidade de edição de

lei complementar que estabeleça normas gerais para a indicação dos critérios especiais de

tributação, tudo pautado nos limites para o exercício das competências, os valores

constitucionais – tributários e econômicos na medida da interação entre os referidos

subsistemas jurídicos. Por esta razão é que Diego Bomfim203 afirma que a edição do art. 146 -

                                                            201 Cf. BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 202. 202  TORRES, Ricardo Lobo. Interação entre princípios constitucionais tributários e princípios da ordem econômica. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 494. 203 Cf. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 187

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A da Constituição de 1988 serviu como reforço do entrelaçamento do direito tributário com o

direito econômico.

A ideia de neutralidade tributária, neste estudo, repousa na real influência da

tributação – direta ou indiretamente – nas decisões dos agentes econômicos, ou seja, na

influência da tributação sobre as atividades econômicas desenvolvidas pelos contribuintes.

Independente da função predominante – fiscal ou extrafiscal –, a tributação, inequivocamente,

gera efeitos econômicos, ainda que de forma indireta. Logo, não se cogita a possibilidade de

cogitar a tributação como um mero instrumento de arrecadação de recursos para os cofres

públicos que não provoca nenhuma repercussão no comportamento dos agentes econômicos,

sequer influências no domínio econômico.

Neste sentido, Humberto Ávila204 esclarece:

“(...) tanto os tributos com finalidade fiscal quanto aqueles com finalidade extrafiscal influem no comportamento dos contribuintes: os tributos com finalidade fiscal exercem uma influência indireta, na medida em que a cobrança maior ou menor estimula ou desestimula comportamentos, mesmo que isso não seja o propósito imediato da lei; os tributos com finalidade extrafiscal exercem influência direta, na medida em que visam precisamente a induzir o contribuinte a fazer ou deixar de fazer alguma coisa por meio da tributação.”

Destarte, a neutralidade tributária deve caminhar junto à neutralidade

concorrencial do Estado para traçar o exercício da competência tributária, seja com pretensão

fiscal ou extrafiscal, tudo para usar o poder estatal com imparcialidade e a favor de uma

política tributária que previna e repreenda, quando for o caso, desequilíbrios e ofensas ao

                                                            204 Cf. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 97 - 98

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valor constitucional da livre concorrência, sempre respeitando a igualdade de condições, sem

diferenciações tributárias entre os agentes econômicos que praticam a mesma atividade.

Do exposto, a livre concorrência, aliada à neutralidade e igualdade

tributária, deve atuar como um vetor de conformação da tributação impedindo discriminações

não homologadas pelo sistema jurídico.

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TERCEIRA PARTE: CONCLUSÕES

1. A sociedade é um sistema comunicacional em constante evolução. 

2. A comunicação, neste contexto, toma a consistência intersubjetiva de

mecanismo de transmissão de mensagens, cujo conteúdo reflete, a cada tempo, expectativas

evolutivas que se renovam.

3. A cada contexto histórico estaticamente demarcado, é possível

visualizarmos diversas situações novas inaugurando diferentes necessidades; circunstâncias

essas que exigem novos mecanismos de harmonização das relações intra-sistêmicas e

intersubsistêmicas, assumindo a função de reduzir as complexidades e administrar a

contingência do mundo, tudo por intermédio do mais alto grau de diferenciação comunicativa.

4. Contingência é expressão da lógica formal utilizada para demonstrar a

existência de um universo fático de absoluta diversidade, onde o futuro é imprevisível e

incontrolável, e que a qualquer tempo as possibilidades poderão se tornar impossibilidades ou

vice-versa.  

5. A sociedade moderna é formada por um conjunto plural de esquemas

comunicativos autônomos. 

6. Mesmo autônomo-independentes, os arquétipos comunicativos do

sistema social precisam realizar vínculos entre si (contatos), a fim de recepcionar

internamente as mudanças do entorno. Para isso precisam elaborar mecanismos internos que

garantam a efetiva continuidade da comunicação, e é nesse sentido que cogitamos a real

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possibilidade de interdependência cognoscitiva e independência operativa dos sistemas

parciais. 

7. O sistema jurídico, assim como os demais sistemas, em que pese o seu

fechamento sintático, apresenta uma abertura semântico-pragmática que assimila as diversas

determinações do ambiente e as insere no sistema sempre que seus próprios critérios

atribuem-lhes forma. 

8. De uma perspectiva funcional do direito, o que se observa é uma

acentuada e contínua intersecção entre os subsistemas sociais. No específico caso dos

subsistemas jurídicos: tributário e concorrencial/econômico, a situação não é diferente. 

9. O direito tributário é o instrumento legitimador de políticas fiscais, é o

instrumento normativo à disposição do Estado para a intervenção no domínio econômico e

concretização de direitos sociais.

10. É através das formas de tributação que é possível evitar distorções

econômicas (concorrenciais), tendo em vista que qualquer atividade fiscal afeta direta ou

indiretamente as relações econômicas, bem como todas as demais relações sociais, tais como

impactos financeiros em orçamentos de entes tributantes e na própria coletividade de cidadãos

que têm serviços públicos custeados pela tributação, etc.

11. A política fiscal caminha na dinâmica dos acontecimentos sociais,

evoluindo e redefinindo complexidades para atender aos interesses dos indivíduos em

constante mudança. É a ação do Estado que impulsiona o aperfeiçoamento das regras jurídicas

e otimiza o ajuste de interesses públicos e privados. 

 

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12. A delimitação sintático-formal do sistema é traçada o primeiro

momento, pela intuição.

13. O sistema é uma construção intelectiva, o mais alto grau de sofisticação

do pensamento humano

14. A construção de uma ordem, inicialmente intuitiva, capaz de articular a

ideia de sistema, é que viabiliza o mapeamento da realidade, o fornecimento de mecanismos

de intervenção nos planos racionalmente dispostos e a elaboração de uma arquitetura de

relações compatíveis com a concretização de um sistema sociocultural. 

15. É pelo mecanismo intuitivo (sensibilidade, emoção e intelecção) que se

realizará a fixação e catalogação das aparências parciais do ambiente/mundo e que se

construirá abstratamente uma categoria provida de altíssima sofisticação – verdadeiras

construções intelectivas elaboradas a partir da coleta de elementos empíricos – e que

chamaremos de sistema.

16. Nesta faixa cognitiva de compreensão do conceito de sistema, de coleta

empírica de dados e necessária ordenação em categorias, é que poderemos vislumbrar a

sociedade como um sistema, e todas as demais categorias existentes insertas como

subsistemas sociais, separados estruturalmente e autônomos em virtude de funções e

linguagens distintas. 

17. O sistema é construção intelectiva que elege uma das perspectivas do

ambiente, cujo resultado é a identificação e reunião de elementos que se encontram

interligados por um código universal: a comunicação. Logo, o ambiente é mais complexo que

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o sistema, apresenta dimensões infinitamente mais amplas, e que o homem é um elemento

atuante no sistema, não um dado comunicacional, é agente viabilizador da comunicação. 

18. O sistema jurídico é um subsistema social. 

19. Enquanto subsistema social, o sistema jurídico assume todos os perfis

conceptuais inerentes à noção de sistema, inclusive, o aspecto comunicacional, o fechamento

operativo-sintático e o mecanismo autônomo e ininterrupto de autopoiesis.

20. Os elementos cuidadosamente eleitos como caracterizadores da ideia de

sistema (aspecto comunicacional, o fechamento operativo-sintático e o mecanismo autônomo

e ininterrupto de autopoiesis) passam a ser critérios exigidos para inclusão dos subsistemas na

classe (conjunto) do macrossistema social, surgindo, portanto, uma relação lógica de

pertinência. 

21. Linguagem é instrumento da comunicação; é toda manifestação capaz

de realizar acoplamentos entre as estruturas sistêmicas; é mensagem com sentido.

22. A linguagem jurídica é forma de constituição da realidade jurídica. 

23. Toda forma de manifestação humana implica linguagem, que

verbalizada em palavras, formam enunciados com sentido. 

24. Os textos jurídicos (conjunto de palavras) devem se mostrar escritos,

uma vez que é requisito essencial à legitimidade das construções linguísticas, i. e, um dos

critérios de inclusão na classe do ordenamento jurídico. 

25. A forma estabelecida é aquela que se mostra em linguagem

competente, ingressando no sistema a partir de um procedimento legítimo. 

 

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26. Sempre que observados os enunciados jurídicos, cogitamos a existência

de um esquema formal composto por três elementos: 1) Hipótese fática, 2) implicação (modal

deôntico: dever-ser) e, 3) Consequência jurídica. Esquema sintático que denominamos de

norma jurídica. 

27. Hipótese fática (H) Consequência jurídica (C) 

28. As normas jurídicas são as unidades elementares do ordenamento

jurídico. 

29. As normas jurídicas seriam o resultado da atividade interpretativa dos

sujeitos competentes e aptos para aplicar o direito. Apresentam construções lógico-formais

predominantemente homogêneas, entretanto, heterogêneas em termos semânticos e

pragmáticos.

30. A concepção homogênea compreende o ordenamento como um sistema

de normas jurídicas, cuja estrutura lógico-formal obedece ao perfil sintático de uma hipótese

implicando uma consequência (H C). 

31. A grande marca da sociedade moderna é a inequívoca necessidade de

atribuir papeis especializados, é a identificação funcional caracterizando e diferençando

sistemas, reduzindo complexidades. 

32. Os mecanismos da sociedade diferenciada elegem o aspecto funcional

como efetivo meio capaz de propagar o desenvolvimento e garantir as implicações recíprocas

intra-sistêmicas. Função capaz de diferenciar os subsistemas entre si, construindo universos

operativamente fechados, auto-reprodutivos com amarras reacionárias. Subsistemas com

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estruturas fechadas que estabelecem diferenças não só através das funções e dos códigos

binários, mas também dos meios, programas e operações diferenciadas.

33. O sistema tributário exerce suas funções com o fim de promover a

transformação e desenvolvimento através do exercício da fiscalidade e da extrafiscalidade. 

34. As funções são exercidas de modo preponderante, motivo pelo qual um

tributo deve ser analisado sem a insistência de exclusividade de funções, fiscais e extrafiscais. 

35. Os enunciados atribuídos pela Carta Magna à ordem econômica

preconizam a introdução dos princípios e valores que devem orientar a produção normativa

indutoras de efeitos econômicos e até mesmo aquelas de natureza jurídica voltada aos fatos

econômicos. 

36. O núcleo de um sistema econômico volta-se para os conceitos de

propriedade privada e liberdade contratual, estes que em si regulados já seria suficientes para

promover limites à ordem econômica material. 

37. Os princípios enunciados no art. 170 da CF/88 são limites ao poder de

legislar, ao livre poder de contratar, à atuação e intervenção do Estado na economia, inclusive,

são limites ao poder de instituir e exonerar tributos – poder de tributar. 

38. O domínio econômico refere-se à parcela do mundo do ser – relações

sociais relacionadas à produção, circulação de bens e prestação de serviços voltados para o

mercado – regulado pelas normas jurídicas que compõem a ordem econômica.

39. O direito, para processar a realidade econômica e exercer seu poder

regulatório, necessita produzir linguagem prescritiva que se adeque à realidade descrita,

normas dirigidas à regulação pelo Estado do domínio econômico. 

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40. É o sistema jurídico atuando como poder, como controlador das

relações, inclusive no processo de desenvolvimento econômico, ou seja, é o direito agindo

como instrumento dos fatores econômicos (propriedade, contrato, lucros, preços, etc.),

protegendo os negócios, reprimindo os abusos e assegurando as condutas através do viés de

previsibilidade próprio do direito frente ao universo mutante dos fatos.

41. Ao prescrever o comportamento social, conduzindo as condutas

intersubjetivas pelo caminho da “justiça”, o direito aperfeiçoa os elementos do entorno

revestindo-lhes de uma forma propriamente jurídica capaz de causar efeitos de transformação,

ainda que mediata. 

42. A lei é o instrumento sintático de inserção de dados-de-fato dentro do

sistema jurídico, o texto positivo. As normas jurídicas são o conteúdo construído a partir da

análise desses enunciados prescritivos. 

43. O Estado se manifesta através do direito, e é por meio dele que

consegue conduzir os comportamentos intersubjetivos da direção dos ditames prescritivos

dispostos na ordem jurídica vigente. Nesta medida, é o direito o único sistema que ostenta

como instrumento operativo a coercitividade, capaz de aplicar sanções àqueles que

descumprirem seus mandamentos. 

44. O sistema jurídico intervêm no sistema econômico a partir de contínuos

estímulos inter-sistêmicos induzidos por normas jurídicas. O sistema econômico, por sua vez,

reage processando as regras e aplicando-as de acordo com seus próprios critérios. Sendo

assim, é inegável que a liberdade econômica fica limitada pela ordem normativa do Estado de

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Direito, a ordem econômica constitucional, assim como toda e qualquer manifestação social

regulada normativamente.

45. Para que a ordem econômica possa alcançar uma boa sinergia

sistêmica, é necessário que os valores jurídicos positivados para a economia sejam validados e

processados pelos atos econômicos, pois é pelo poder coercitivo da ordem jurídica que a

economia pode garantir o alcance da livre concorrência, da divisão de trabalho, da

neutralidade concorrencial estatal, da igualdade tributária, etc.

46. O domínio econômico é autônomo e se articula com seus próprios

critérios, o que o torna auto-regulável (perspectiva endógena). Nesse contexto, o direito

(sistema jurídico) ingressa como instrumento interventivo do Estado na regulação, inibição

(intervenção negativa) ou no estímulo de fatos econômicos (intervenção positiva),

descontinuando a ordem espontânea desses fatos. 

47. O Sistema jurídico é formado por um conjunto de normas jurídicas

prescritivas. A natureza jurídica das normas se deve à necessária obediência aos critérios de

pertinencialidade dispostos no próprio sistema jurídico. 

48. O Sistema jurídico, em sua completude, pretende-se detentor de normas

jurídicas que possam ser fundamento de validade de outras novas normas jurídicas,

estabelecendo como e de que forma deve se dá esse cíclico mecanismo de criação normativa. 

49. As normas jurídicas são um esquema de interpretação, motivo pelo

qual situa a posição cognoscente do cientista do direito na direção dos instrumentos

prescritivos que conferem juridicidade aos fatos e atos praticados pelo homem social. 

 

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50. Destarte, se as normas jurídicas prescrevem condutas humanas em seu

sentido amplo, então as normas jurídicas também regulam a sua própria criação, pois a

competência ou o poder para intervir na produção de normas jurídicas concretiza-se através da

conduta humana. É a chamada auto-referencialidade do sistema, ou seja, a capacidade que o

sistema jurídico tem de falar sobre si mesmo, através das chamadas normas de competência. 

51. O caráter auto-referencial do sistema jurídico – auto-

regulação/autopoiesis – não implica uma classificação cujo critério seja “regular

comportamento/não – regular comportamento”. Todas as normas do sistema jurídico regulam

comportamento. 

52. Pela perspectiva da Teoria Comunicacional do Direito, numa atitude

atenta à funcionalidade comunicativa das entidades linguístico-prescritivas denominadas

normas jurídicas, não se admitem normas que não orientem a ação, muito pelo contrário,

todas as normas são construídas para orientar a ação humana, só que umas de modo indireto,

outras orientam diretamente os comportamentos. 

53. O conceito de ação é intrínseco ao conceito de sistema jurídico. Tudo

no direito leva à ação humana. Toda regra jurídica se põe em função da ação humana. 

54. A ação é o significado de um conjunto de movimentos interiores (atos

de consciência) e exteriores (manifestações concretas), um entrelaçar de atos e movimentos,

que juntos oferecem suporte ao labor hermenêutico de construção de um significado. 

55. Ação é objeto regulado. Norma é instrumento regulador. Relação de

interdependência recíproca.

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56. Uma ação será considerada jurídica sempre que houver uma norma

jurídica que a regule, sem norma uma ação não ingressa no sistema jurídico, reside numa

região não-jurídica, portanto, fora dos limites sistêmicos do direito.

57. As normas ônticas são entidades do sistema que se dirigem às

condições mínimas da ação.

58. As regras ônticas são resultado de um ato de decisão que cria uma

realidade convencional, motivo pelo qual jamais estarão sujeitas aos valores: verdadeiro ou

falso. 

59. As normas jurídicas que têm como função a determinação das

condições “a priori” da ação: espaço, tempo, sujeitos e competências, são regidas pelo nexo

verbal “ser” em sentido diretivo/prescritivo e denominadas de normas jurídicas ônticas.

60. As normas ônticas de competência são aquelas que definem os sujeitos

que podem desempenhar um conjunto de ações juridicamente possíveis, ou seja, prescrevem

os poderes, o conteúdo e a forma do seu exercício, delimitando as ações potenciais dos

sujeitos.

61. Competência, portanto, é a capacidade de realizar uma ação, é a

atribuição de um poder convencional. 

62. As normas jurídicas de competência, por tudo quando exposto, ocupam

o universo estrutural ôntico do sistema jurídico, pois são normas jurídicas ônticas que não

prescrevem procedimentos, nem obrigações, permissões ou proibições, muito pelo contrário,

são entidades linguísticas prescritivas anteriores à ação e que exercem a função de vetor das

manifestações intersubjetivas juridicamente reguladas. As normas de competência devem ser

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consideradas normas indiretas da ação, na medida em que são construídas para orientar a

criação da outras normas jurídicas.

63. No Brasil, a competência tributária é um tema exaustivamente tratado

pela Constituição Federal de 1988, ao definir os meandros do poder de tributar, o modo de

produção das normas tributárias e quem é competente para editá-las. 

64. Ao demarcar a regra matriz de incidência dos tributos, a Constituição

Federal de 1988 prescreve verdadeiras regras que talham a liberdade do legislador ordinário

no exercitar das habilitações para tributar, impondo-lhe limites materiais e formais

intransponíveis. 

65. As normas de competência tributária, dessa forma, definem o conteúdo

semântico mínimo de cada tributo, que deve ser obrigatoriamente respeitado pelos sujeitos

(pessoas políticas) aptos a exercer o poder de tributar. 

66. O legislador infraconstitucional não pode transitar livremente em

matérias que envolvam normas de competência, pois o conteúdo e o alcance das normas

tributárias de competência são matérias exclusivas da Constituição Federal. 

67. O legislador para exercer as competências constitucionais de tributar

deve atentar com rigidez para as regras e princípios da tributação, sem olvidar os demais

princípios prestigiados pela Constituição Federal de 1988. 

68. Prestigiar os princípios da tributação não implica o afastamento dos

princípios que regem a ordem econômica constitucional, pois os textos constitucionais não

devem ser tratados como capítulos estanques de realidades distintas.

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69. O exercício da competência tributária, seja para instituir ou exonerar

tributos, deve atentar para a harmônica relação entre as ordens constitucionalmente

disciplinadas, sob pena de prescrever mandamentos inconstitucionais.

70. A convivência harmônica dos subsistemas jurídicos consiste no

respeito às regras constitucionais, no exercício das competências materiais e formais em

conformidade com os ditames previstos na Carta Magna. 

71. O subsistema tributário, assim como o subsistema econômico, é

autopoiético, opera com código binário próprio, exercem funções diferentes, ainda que devam

convergir para a funcionalidade do macro-sistema jurídico. Essa afirmativa não implica dizer

que os subsistemas são estanques ou fechados, significa apenas que em termos sintáticos cada

subsistema apresenta categorias exclusivas e inconfundíveis. Entretanto, semântica e

pragmaticamente os subsistemas interagem, noutros termos, induzem efeitos entre si.

72. As normas tributárias induzem um comportamento econômico de modo

que serão constitucionais quando construídas, editadas ou modificadas em consonância com

os princípios das ordens tributária e econômica constitucionais, devendo, portanto, preservar

os interesses do sistema constitucional, intervindo positivamente no entorno social a fim de

equilibrar as desigualdades. 

73. O rol de garantias suso transcrito e o tracejar das competências no texto

constitucional, além de oferecerem previsibilidade quanto a eventuais atos harmônicos dos

poderes executivo legislativo e judiciário, devem inaugurar um universo de segurança jurídica

para os contribuintes que não poderão ser tributados por fatos que sequer estão regulados por

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normas jurídicas constitucionais, sequer a tributação poderá contribuir com o aumento das

desigualdades.

74. A aptidão para criar tributos (o poder para estabelecer e aplicar normas)

permeia a chamada competência material, enquanto os procedimentos específicos para essa

criação (quem e como deve ser instituído o tributo) são delineados por uma competência

formal, daí os limites materiais e formais ao exercício do poder de tributar. Não por outro

motivo, as imunidades tributárias fazem parte do conjunto de competências materiais, pois

são elas que estabelecem o alcance e os limites ao poder de tributar, sem que isso signifique a

exclusão ou supressão de competência tributária.

75. As imunidades tributárias definem os campos de competência das

entidades tributantes, e não a possibilidade de incidência da norma tributária já criada pela

entidade tributante (competente para instituir e revogar tributos) numa sucessividade lógica. 

76. As imunidades seriam normas de competência dirigidas ao legislador

ordinário, que compõem o tracejo emblemático da distribuição constitucional das

competências tributárias. Obviamente, que uma regra que poda uma competência que se

pretendia mais ampla, está limitando-a, e limitar, neste contexto, significa colaborar com o

desenho do quadro de competências impondo dispositivos vedatórios ou proibitivos.

77. A imunidade recíproca “é uma decorrência pronta e imediata do

postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do

Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios.” 205, ou seja, a verdadeira expressão do

princípio federativo, imutável por meio de emenda à Constituição (art. 60, § 4º da CF/88). 

                                                            205 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 238. 

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78. A imunidade recíproca é um instituto constitucional posto no sistema

jurídico para promover incentivos à prestação dos serviços públicos, impedindo que a

tributação afete o alcance das finalidades essenciais do estado, interferindo na própria

autonomia dos estados. 

79. A imunidade recíproca será extensiva ao patrimônio, à renda e aos

serviços das autarquias e fundações das entidades políticas integrantes da Federação somente

se estiverem vinculados às finalidades essenciais do exercício do poder público ou às delas

decorrentes. 

80. Se o patrimônio, a renda e os serviços estiverem relacionados à

exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos

privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, não

se aplica a imunidade recíproca prevista no art. 151, VI, “a” da CF/88, nem exonera o

promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

81. Existem pelo menos duas hipóteses previstas na Carta de 1988 em que

não se aplica a proteção da imunidade recíproca à tributação do patrimônio, da renda ou dos

serviços dos entes públicos – União, Estados e Municípios, quais sejam: (i) quando o

patrimônio, a renda e os serviços estiverem relacionados à exploração de atividades

econômicas regidas por regras aplicadas às empresas privadas, e (ii) quando houver

contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.

82. A exploração de atividade econômica com fins lucrativos pelos entes

públicos situa-os em par de igualdades com as empresas privadas que desenvolvem a mesma

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atividade, por isso que também se explica o motivo pelo qual se excluem da imunidade

recíproca as empresas públicas organizadas em regime de direito privado. 

83. Isso significa que o imóvel, pertencente ao ente público, utilizado por

empresa privada revendedora de veículos automotores com fins lucrativos, não poderia estar

sujeito à imunidade recíproca, pois violaria a liberdade de iniciativa, provocando

discrepâncias no funcionamento da ordem econômica e a consequente inviabilidade da prática

da livre concorrência.

84. O conjunto de normas gerais da atividade econômica deve ser aplicado

com a finalidade precípua de reprimir o abuso do poder econômico, a dominação dos

mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. E a livre

concorrência significa a garantia de que as atividades econômicas serão exercidas de modo

que as habilidades de cada um determinem o seu êxito ou o seu insucesso, não podendo o

Estado, em princípio, favorecer ou desfavorecer artificialmente este ou aquele agente

econômico206. 

85. Quando as sociedades de economia mista desenvolvem uma atividade

econômica elas precisam obedecer às normas constitucionais de livre iniciativa e livre

concorrência, sujeitando-se às normas aplicáveis aos empreendimentos privados e ao regime

tributário que lhes é comum. Ainda que as referidas sociedades tenham participação do

Estado, elas não gozam de privilégios ou prerrogativas inerentes aos entes públicos, pois para

                                                            206 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402.

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garantir a competitividade no mercado, qualquer tipo de benefício somente será concedido por

intermédio de lei específica.

86. O exercício de serviços públicos de forma exclusiva por empresas

públicas e sociedades de economia mista é capaz de caracterizá-lo como serviço de ente

público que deve ser alcançado pela proteção constitucional da imunidade recíproca. Pois, a

circunstância de serem revestidas da natureza de empresa pública ou sociedade de economia

mista não lhes retira a condição de pessoas administrativas, que agem em nome do Estado,

para consecução do bem comum.

87. A regra constitucional que lhes alcança não é aquela prevista no § 3º do

art. 150, VI da CF/88, mas o § 2º que afirma a extensão da imunidade recíproca às autarquias

e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda

e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Assim, por

titularizar interesses públicos, as pessoas administrativas delegatárias de serviços públicos

quando desempenharem típicas funções típicas, devem ser alcançadas pelo benefício

constitucional da imunidade recíproca.

88. Quando as empresas públicas ou sociedades de economia mista são, por

lei, delegatárias de serviços públicos ou de poder de polícia, elas não ofereceriam risco à livre

concorrência ou à livre iniciativa, pois exercem o papel de entidades públicas, fazendo as

vezes de autarquias, ainda que com elas não se confundam.

89. A empresa pública explora atividade econômica com fins lucrativos,

não exercem serviço público, sequer explora a atividade em prol do bem comum, com o

intuito de alcançar as finalidades essenciais do Estado. Nessas circunstâncias, a Empresa

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Pública que veste os trajes de empresa tipicamente privada, obstinando lucro e regida por

todas as regras de direito privado, jamais podendo ser equiparada às entidades políticas

prepostas à atividade administrativa, não podendo, destarte, ter os serviços não postais

alcançados pela imunidade tributária recíproca. Pois, se assim o fosse, representaria a

homologação da concorrência desleal, uma afronta à livre iniciativa e a todos os princípios

que regem a ordem econômica.

90. Por templo, deve-se entender, além do edifício público destinado ao

culto religioso, ou seja, o local destinado às cerimônias religiosas, a entidade mantenedora dos

templos. Pois a Constituição visa proteger as manifestações de fé e fomentar a religiosidade

das pessoas, através da não tributação da liberdade e isonomia de crenças. É inviolável a

liberdade de consciência e de crença, sendo livre o exercício dos cultos religiosos e protegidos

os locais de culto e liturgias (art. 5º, VI, da CF/88). E ainda, ninguém será privado de direitos

por motivo de crença religiosa (art. 5º, VIII, da CF/88). E para viabilizar tudo isso, a

Constituição veda, por meio das imunidades tributárias, a cobrança de qualquer imposto sobre

os templos de qualquer culto.

91. Na hipótese de as entidades mantenedoras dos templos e cultos

religiosos explorarem atividades tipicamente comerciais, visando auferir renda ou lucro, a

imunidade tributária não deve alcançá-las, pois não se trata do exercício de funções essenciais

ao culto.

92. O reflexo da extensão das imunidades recíprocas nos domínios da

concorrência e da livre-iniciativa é o que mais preocupa neste universo de alcance de

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benefícios, uma vez que estar-se-ia oferecendo às empresas públicas e sociedades de

economia mista o desfrute de privilégios fiscais não aplicáveis a todo o setor privado. Pois, é

inequívoco que o privilégio fiscal teria o condão de desonerar as atividades econômicas

desenvolvidas pelo Estado em relação às mesmas atividades desenvolvidas pelas empresas

privadas não alcançadas por tais privilégios, o que representaria a decretação de um universo

de concorrência desleal.

93. A ordem econômica constitucional, prevista no art.170, da Constituição

Federal de 1988, encontra-se solidamente estabelecida para garantir a todos uma existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da livre concorrência,

pleno emprego, propriedade privada, soberania nacional, dentre outros. 

94. A ordem jurídica econômica atua na regulação dos fatos econômicos,

como um conjunto de mecanismos de que regulam o sistema econômico, numa implantação

prescritiva de enunciados que orientam as condutas intersubjetivas.

95. A livre iniciativa é um princípio que informa a liberdade, seja na

escolha de meios, seja na escolha dos fins almejados pelo particular no desenvolvimento de

uma atividade economia. É norma jurídica com elevada abrangência semântica e flexível

hipótese normativa que permite a atuação no domínio econômico visando à produção de

riquezas, à circulação de bens e à prestação de serviços voltados ao mercado. Dessa forma, a

livre iniciativa representa o exercício real do poder econômico pelos agentes.

96. A liberdade de iniciativa deve ser considerada sempre nos limites do

próprio sistema jurídico, isso porque a possibilidade de exercer uma atividade econômica

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livremente não significa exercer uma atividade econômica sem limites, ilimitada ou

desenfreada.

97. A ordem econômica delineada na Constituição Federal ao prever um

rol de princípios e valores que devem reger a atividade econômica, está estabelecendo os

limites de atuação dos setores - público e privado - no domínio econômico. 

98. A livre concorrência significa a garantia de as atividades econômicas

serão exercidas de modo que as habilidades de cada um determinem o seu êxito ou o seu

insucesso, não podendo o Estado, em princípio, favorecer ou desfavorecer artificialmente este

ou aquele agente econômico. “Em outras palavras, o direito à livre concorrência é assegurado

por uma norma, com estrutura de mandamento de otimização, segundo a qual o Estado deve

garantir a todos, na medida do que for factual e juridicamente possível, o livre exercício de

atividade econômica, sem criar ou permitir interferências indevidas que prejudiquem a livre

competição dos cidadãos.” 207

99. A Constituição Federal em seu art. 219 determina que “o mercado

interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o

desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia

tecnológica do País, nos termos da lei federal.” Isso demonstra que o texto constitucional

impõe a viabilização e desenvolvimento econômico através de incentivos postos pela

legislação federal.

                                                            207 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 

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100. Fala-se em livre concorrência no sentido de igualdade de condições

de competir, igualdade de condições entre os agentes econômicos que disputam o mesmo

mercado, tudo com o propósito de permitir o desenvolvimento econômico. 

101. A Lei nº 8.884/94, lei antitruste, em seu art. 20, § 1º, define que a

conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente

econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito de dominação de mercado

relevante de bens ou serviços.

102. Não se trata de infração da ordem econômica toda e qualquer

manifestação dos agentes econômicos no sentido de aumentar a eficiência e o poder de

disputar espaço no mercado perante a concorrência. Pois o processo natural de

desenvolvimento e conquista de parcela do domínio econômico pela eficiência e respeito aos

valores constitucionais não fere as normas gerais da ordem econômica.

103. Os princípios constitucionais – tributários ou da ordem econômica -

estão em constante comunicação, em uma permanente interação. Dentre os princípios da

ordem econômica elencados no texto constitucional, interessa-nos o princípio da livre

concorrência.

104. A função do valor constitucional da neutralidade concorrencial do

Estado é impedir que os entes estatais interfiram de forma negativa a viabilização da livre

concorrência. A situação de ente público é a de atuar perante os agentes econômicos em

igualdade de condições, numa atitude imparcial de garantidor do equilíbrio da concorrência. 

 

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105. A ideia de neutralidade tributária, neste estudo, repousa na real

influência da tributação – direta ou indiretamente – nas decisões dos agentes econômicos, ou

seja, na influência da tributação sobre as atividades econômicas desenvolvidas pelos

contribuintes. Independente da função predominante – fiscal ou extrafiscal –, a tributação,

inequivocamente, gera efeitos econômicos, ainda que de forma indireta. 

106. A neutralidade tributária deve caminhar junto à neutralidade

concorrencial do Estado para traçar o exercício da competência tributária, seja com pretensão

fiscal ou extrafiscal, tudo para usar o poder estatal com imparcialidade e a favor de uma

política tributária que previna e repreenda, quando for o caso, desequilíbrios e ofensas ao

valor constitucional da livre concorrência, sempre respeitando a igualdade de condições, sem

diferenciações tributárias entre os agentes econômicos que praticam a mesma atividade.

 

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