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MANEJO DE DOENÇAS PARA ALTAS PRODUTIVIDADES [Phytus Técnica] Ricardo Balardin 1 ; Marcelo Madalosso 2 1 Universidade Federal de Santa Maria. 2 Instituto Phytus, Gerente de Pesquisa. Devido a grande diversidade de doenças na cultura da soja o controle de doenças é um exercício de estratégia operacional e técnica. Além disso, reúne uma serie de ferramentas para aumentar a eficiência, tornando o manejo integrado uma estratégia obrigatória para um controle eficiente e sustentável. A complexidade de alvos agrava o problema na cultura da soja, sendo estimado dano significativo devido a diversas doenças (Tabela 1). Com uma crescente diversidade de alvos e precocemente estabelecidos, programas de controle devem considerar cada vez mais as características das diversas cultivares para garantir a sustentabilidade. Cultivares altamente produtivas podem apresentar declínio na rusticidade e, se o ciclo for reduzido, uma progressiva dependência na preservação da área foliar verde. Tabela 1. Efeito das doenças sobre o rendimento da cultura da soja nos principais países produtores considerando dados de 2006 (WRATHER et al., 2009).

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Page 1: MANEJO DE DOENÇAS PARA ALTAS PRODUTIVIDADES … · Fatores do manejo de doenças na soja visando alta produtividade, evidenciando os fatores do ambiente. Santa Maria, 2012. Soja

MANEJO DE DOENÇAS PARA ALTAS PRODUTIVIDADES

[Phytus Técnica]

Ricardo Balardin1; Marcelo Madalosso2

1 Universidade Federal de Santa Maria.

2 Instituto Phytus, Gerente de Pesquisa.

Devido a grande diversidade de doenças na cultura da soja o controle de

doenças é um exercício de estratégia operacional e técnica. Além disso, reúne uma

serie de ferramentas para aumentar a eficiência, tornando o manejo integrado uma

estratégia obrigatória para um controle eficiente e sustentável. A complexidade de

alvos agrava o problema na cultura da soja, sendo estimado dano significativo devido

a diversas doenças (Tabela 1).

Com uma crescente diversidade de alvos e precocemente estabelecidos,

programas de controle devem considerar cada vez mais as características das

diversas cultivares para garantir a sustentabilidade. Cultivares altamente produtivas

podem apresentar declínio na rusticidade e, se o ciclo for reduzido, uma progressiva

dependência na preservação da área foliar verde.

Tabela 1. Efeito das doenças sobre o rendimento da cultura da soja nos

principais países produtores considerando dados de 2006 (WRATHER et al.,

2009).

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Diversos são os fatores ligados ao correto manejo das doenças da cultura da

soja (Figuras 1 e 2). Provavelmente uma hierarquização dos fatores seja impossível de

ser feita tendo em vista sua complementariedade. Contudo, fatores da fazenda e do

ambiente certamente são fundamentais na tomada de decisões operacionais e

técnicas. A tomada de decisão com base nos parâmetros de infraestrutura e

aconselhamento técnico são o ponto de partida. A determinação das fontes de inóculo

e taxa de progresso de cada doença (ou do seu conjunto) são parâmetros

determinantes na interação Ambiente x Patógeno x Hospedeiro.

Figura 1. Fatores do manejo de doenças visando alta produtividade na soja. Santa

Maria, 2012.

Fazenda (1)

Figura 2. Fatores do manejo de doenças na soja visando alta produtividade,

evidenciando fatores da fazenda. Santa Maria, 2012.

Ambiente (2)

Umidade elevada e água livre sobre a folhagem da planta são necessários para

infecções secundárias de muitas doenças fúngicas e bacterianas da parte aérea da

planta (Figura 3). A água pode afetar a sobrevivência, dispersão e inoculação dos

patógenos, favorecendo o estabelecimento das doenças. As sementes infectadas

constituem-se em outra fonte de inóculo importante, além de estruturas de resistência

desenvolvidas pelo patógeno.

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O impacto das gotas da água de chuva ou irrigação projeta os esporos para

outras partes da planta ou mesmo para outras plantas dando inicio à infecção. No

caso dos patógenos fúngicos, após a deposição dos propágulos a penetração pode

ocorrer via aberturas naturais ou diretamente a partir tanto da ação física do tubo de

infecção, como enzimática, através da degradação de compostos constituintes da

epiderme. Em ambos os casos a duração do molhamento foliar é uma das condições

mais predisponentes para o estabelecimento de uma interação compatível.

A disponibilidade de água livre sobre a superfície foliar, causada por

precipitações frequentes ou irrigação, associada à temperatura noturna entre 18 e 26o

C, são as condições fundamentais para o início da infecção, dispersão do patógeno e

desenvolvimento severo da epidemia da ferrugem asiática. A partir da infecção inicial a

ferrugem pode progredir rapidamente, atingindo severidade elevada em menos de 20

dias.

Figura 3. Fatores do manejo de doenças na soja visando alta produtividade,

evidenciando os fatores do ambiente. Santa Maria, 2012.

Soja (3) - Controle genético:

Esforços têm sido despendidos no sentido da obtenção de cultivares com

resistência a doenças. A resistência varietal construída com base oligogênica gera

forte tendência de surgimento de isolados virulentos e consequente instabilidade. Em

diversos casos a rotação varietal associada à proteção química pode aumentar a

durabilidade da resistência em cultivares comerciais.

A preferência do produtor, expressada pela tendência ao aumento de área

cultivada com germoplasma resistente, promove uma pressão de seleção na

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população do patógeno. Em consequência, o surgimento de isolados virulentos acaba

promovendo uma quebra da resistência. Até o presente momento não estão

disponíveis cultivares de soja com resistência vertical ao fungo P. pachyrhizi.

Diferenças varietais com relação à taxa de progresso da ferrugem têm sido

observadas entre cultivares de soja (Figura 4), que apresentam mecanismos de

resistência parcial diferentes entre si. O aumento da resistência durante a fase

vegetativa e posterior diminuição na fase reprodutiva indica a necessidade do

estabelecimento de estratégias protetoras nos estádios iniciais da infecção, que

podem ser observados ainda nos estádios vegetativos.

Figura 4. Variações na curva da taxa de progresso de Phakopsora pachyrhizi nas

cultivares de soja AL83, BRS 184 e Embrapa 48 durante o estádio fenológico V1.

Santa Maria, 2012.

Soja (3) - Época de semeadura:

O que tem sido observado nas últimas safras aponta para uma clara relação entre antecipação da semeadura, encurtamento do ciclo das cultivares e uma baixa densidade de inóculo. Cultivares de ciclo médio e tardio apresentam maior exposição ao inóculo devido ao maior período de permanência no campo, apresentando maior risco de ataque severo da doença. Doenças radiculares tendem a ser favorecidas pela antecipação da semeadura, principalmente no sul do Brasil, onde o solo está mais frio. Podridão por Carvão pode ser favorecida por condições de baixa umidade no solo (mais comum em semeaduras do tarde). Podridão por Phytophtora parece ser mais favorecida em períodos de maior umidade do solo.

Soja (3) - Nutrição:

O manejo das doenças deve considerar como um dos seus pilares o manejo

fisiológico do hospedeiro. Para que a planta atinja a máxima resposta fisiológica é

necessário que esta seja favorecida pelas práticas de manejo como nutrição, arranjo

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de plantas e densidade populacional, de forma que possibilite a máxima conversão de

radiação incidente, dos nutrientes e da água. Estratégias integradas de manejo que

possibilitem a manutenção de área foliar sadia e a máxima atividade fisiológica da

planta a partir do período crítico (florescimento) podem determinar o rendimento de

grãos.

A nutrição das plantas pode alterar a reação das plantas aos patógenos,

influenciando o progresso da doença e, consequentemente, o controle. Usualmente

um suprimento balanceado de nutrientes, que permita um crescimento ótimo, é

também considerado ideal para a resistência de plantas.

Quanto maior a área foliar ativa da planta, maior será a garantia de rendimento.

Assim, a maximização da proteção da área foliar tem impacto significativo na resposta

fisiológica da planta e, por consequência, na produtividade da cultura. Observando o

complexo de doenças de final de ciclo e a ferrugem asiática a grande diferença é que

a ferrugem consegue diminuir a possibilidade de captura de recursos pela precocidade

de ataque e a doença de final de ciclo afeta no final do processo produtivo, conferindo

um menor impacto na expressão de potencial da cultura. Neste sentido, a adubação

com base em diferentes nutrientes influencia (positiva ou negativamente) a severidade

das doenças da soja (Tabela 2).

Tabela 2. Efeito de nutrientes diversos sobre o desenvolvimento de

doenças/patógenos da cultura da soja/feijões diversos. Santa Maria, 2011.

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I – aumenta a severidade; D – diminui a severidade; N – indiferente.

Embora tanto a resistência como a tolerância sejam controladas geneticamente,

o ambiente exerce grande influência sobre ambas, e a nutrição mineral representa um

fator ambiental que pode ser, de certo modo, facilmente manejada. A nutrição mineral

provoca mudanças na anatomia e na morfologia da planta, a qual altera

consideravelmente sua resposta ao ataque de microrganismos patogênicos. Além

disso, vários mecanismos bioquímicos relacionados à sua defesa são extremamente

dependentes de seu estado nutricional.

Trabalhos realizados na Universidade Federal de Santa Maria estudaram o

efeito da nutrição mineral com P, K e Ca na suscetibilidade da soja à ferrugem asiática

visando dar suporte ao manejo integrado de doenças. A variação na quantidade de P e

K adicionada ao solo, bem como as combinações de dosagens, influenciaram

significativamente a severidade e a taxa de progresso da ferrugem da soja. A influência

do K foi mais pronunciada do que P quando foi avaliada a severidade e taxa de

progresso da ferrugem, ambos em baixas quantidades. Este resultado conferido pelo K

pode ser devido à ativação de enzimas envolvidas na respiração e fotossíntese,

processos fornecedores de cadeias de carbono para a síntese de substâncias de

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defesa. Além disto, o K tem rápida reposição para a solução do solo, em comparação

ao P, o que garante maior disponibilidade a planta.

A adubação equilibrada entre P e K produziu os melhores resultados para

ambas as cultivares. Quando esses nutrientes foram reduzidos ou não adicionados na

adubação, foi observada maior severidade da ferrugem. Em contrapartida, a menor

severidade e menor taxa de progresso foram observadas nas maiores dosagens dos

nutrientes (170 e 140 Kg.ha-1 de P e K, respectivamente).

O manejo integrado, na sua concepção plena, é a agregação de todas as

condições e práticas de manejo suficientes e necessárias para que a planta expresse-

se fisiologicamente, permitindo a expressão genética de todo seu potencial de

rendimento e minimizando seu grau de exposição à ação danosa dos patógenos. O

fungicida é apenas um composto que vai auxiliar nesse processo.

Soja (3) - Arranjo populacional:

Aliado ao componente nutricional, o manejo populacional da cultura assume

grande importância na busca por aumentos de produtividade e no manejo de doenças.

A adequação no arranjo de plantas através do aumento do espaçamento entre linhas

pode permitir uma maior interceptação de radiação solar no terço inferior da planta.

Nas folhas sombreadas há menor atividade fotossintética e, por consequência, ocorre

redução na produção de fotoassimilados. Desse modo, a redução no espaçamento

entre linhas irá acelerar esse processo, levando as folhas baixeiras à senescência e

causando um impacto negativo no rendimento da cultura. Elmore (2004) ressalta que a

interceptação de radiação solar é maximizada em espaçamentos equidistantes entre

plantas, resultando em maiores produtividades na cultura da soja pelo melhor

aproveitamento da luz.

Além de preocupações sobre rendimento, também é considerado o impacto do

espaçamento entre linhas sobre as doenças da soja (Figura 5). A incidência do mofo

branco (Sclerotinia sclerotiorum) aumenta sob condições de adensamento de plantas,

pela formação e manutenção de um microclima quente e úmido por mais tempo,

proporcionando condições adequadas para estabelecimento do patógeno (ELMORE,

2004). A redução no espaçamento entre linhas de soja acarreta aumento na área

foliar, com prejuízo à penetração e cobertura do fungicida, comprometendo a eficácia

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de controle químico. Além do mofo branco e das doenças de final de ciclo (DFC), a

ferrugem asiática também beneficia-se do adensamento da cultura (BALARDIN &

MADALOSSO, 2006). Esses dados são coerentes com Debortoli et al. (2006), que

trabalharam com espaçamentos de 45 e 30 cm, verificando diferenças de

produtividade superiores a 1 ton.ha-1 com o maior espaçamento (Figura 6). Da mesma

forma, maior tempo de molhamento foliar, provocado pelo adensamento de plantas,

favorece o aumento da taxa de progresso e disseminação da doença para as demais

plantas.

Figura 5. Elementos da interação patógeno x hospedeiro. Santa Maria, 2012.

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Figura 6. Influência do espaçamento entre linhas sobre a eficácia de dois

programas de controle e dois níveis de adubação. Santa Maria, 2012.

PROTEÇÃO DA CULTURA:

Controle químico - tratamento de sementes:

O tratamento de sementes, além da proteção à semente é importante no

estabelecimento da cultura. Tradicionalmente, o tratamento das sementes é realizado

com produtos curativos, protetores e/ou sistêmicos que propiciam um residual de 12 a

15 dias, controlando um determinado tipo de patógenos. Entretanto, o tratamento de

sementes como alternativa que possibilite maior desenvolvimento radicular, aumento

no vigor da plântula e proteção na parte aérea contra doenças já é uma realidade. O

tratamento de sementes como estratégia para redução do inóculo inicial que origina

uma doença (BERGER, 1977) é importante para doenças como antracnose, mancha

alvo e complexo de final de ciclo. Esta estratégia de controle também atrasa o início da

epidemia e diminui a sua taxa de progresso (BALLICO, 2002). O efeito positivo do

tratamento de sementes na redução da severidade das doenças no estádio vegetativo

sugere que essa prática possa retardar a aplicação de fungicidas na parte aérea e

reduzir o número de aplicações.

Controle químico - preventivo x curativo na parte aérea:

O sucesso do controle químico das doenças da soja depende da fase em que

se encontra a patogênese e a que pressão de inóculo que o fungicida é submetido. O

controle realizado após a visualização dos sintomas (curativo e erradicante) afeta

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Sem adubação

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negativamente a eficiência do ingrediente ativo, bem como o período residual do

fungicida (VITTI et al., 2004). Os fungicidas têm sua eficácia muito reduzida quando

aplicados após o estabelecimento da ferrugem. Um atraso de sete dias na aplicação

do fungicida para controle de ferrugem asiática (após a detecção da doença) pode ser

suficiente para produzir desfolha significativa da cultura.

A aplicação do fungicida de forma curativa afeta a eficácia de controle,

havendo redução na severidade e no progresso da ferrugem, porém com eficiência

comprometida nas aplicações realizadas a partir do terceiro dia após a inoculação. O

efeito curativo erradicante tende a ser mais pronunciado nas primeiras 48 a 72 horas

após a infecção dos patógenos.

Um dos principais fundamentos do controle fungicida preventivo é a prevenção

do aparecimento de mutantes resistentes da ferrugem. A utilização do fungicida em

baixa população do patógeno, além de reduzir o inóculo inicial dentro da lavoura,

elimina as chances de um mutante resistente ou esporo predominar na população do

patógeno (Figura 7). Neste aspecto, a primeira aplicação em base forte (estrobirulina

sistêmica mais triazol) permite uma eliminação racional destas células ou esporos

resistentes por atuar na respiração dos esporos e corpo do fungo (estrobirulina) e

formação de membranas do fungo (triazóis). Este duplo mecanismo de ação permite

maior estabilidade dos sistemas de controle e fungicidas atuais.

Figura 7. Área abaixo da curva de progresso da ferrugem considerando uma aplicação

preventiva (14 dias antes da inoculação), curativa (3 dias após a inoculação) e

erradicante (9 dias após a inoculação) de triazol + estrobilurina e triazol. Santa Maria,

2012.

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Controle químico - preventivo x curativo: residual

Aplicações curativas promovem uma alteração na ação do fungicida devido ao

estádio de progresso em que a doença se encontra, enquanto que nas aplicações

preventivas o fungicida permanecerá um período de tempo nos tecidos da planta sem

que o patógeno tenha iniciado o processo de infecção. Assim, o residual efetivo em

aplicações preventivas é mais prolongado, já que a totalidade do tecido vegetal

encontra-se metabolicamente favorável à ação do fungicida, aliado à ausência de

inóculo sobrevivente após a aplicação. As aplicações preventivas possibilitam um

residual mais longo em relação às aplicações curativas devido ao somatório de

condições fisiológicas da planta, ao nível de inóculo disponível para infecção, aliado a

uma maior probabilidade de o produto ser depositado em uma maior percentagem de

tecido sadio da planta.

O período residual será resultado da estratégia de controle estabelecida na

forma de um plano de manejo integrado (Figura 8). Este pode ser impactado por

fatores tão diversos quanto o momento de aplicação do fungicida em relação ao

desenvolvimento da planta ou da patogênese, densidade populacional do patógeno,

idade do tecido, nutrição e diversos componentes de manejo fitotécnico da planta, ou

mesmo da expressão de genes menores associados à resistência parcial (Figura 9).

Figura 8. Fatores responsáveis pela duração do residual de controle proporcionado

pela aplicação de um fungicida. Santa Maria, 2012.

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Figura 9. Influência da idade do trifólio e do espectro de gotas sobre o residual de

controle de um fungicida. Santa Maria, 2011.

Nas aplicações preventivas, o efeito residual do fungicida é favorecido pela

ausência da interação entre o inóculo do patógeno e a planta hospedeira. Em adição,

o momento adequado de proteger uma planta também tem relação à associação entre

os estádios fenológicos e os momentos fisiologicamente críticos na planta.

Na transição entre o período vegetativo e o reprodutivo, ocorre aumento no

dreno de energia para os órgãos de reserva, aumentando a ineficiência dos processos

de defesa que se tornam mais onerosos do que benéficos, do ponto de vista de

equilíbrio energético. Esta dinâmica favorece o desenvolvimento da doença e reduz a

atividade do fungicida nos tecidos da planta.

O período residual de um fungicida, característica peculiar aos diversos grupos

químicos, consiste na manutenção de um ingrediente ativo no interior dos tecidos da

planta em concentração suficiente para inibir ou retardar a infecção causada por um

patógeno. Neste caso, considera-se como residual absoluto o período de tempo em

que os fungicidas podem conferir proteção à planta, ou seja, benzimidazóis (15 dias),

triazóis (22 e 25 dias) e estrobirulinas (27 e 30 dias). No caso de misturas de

fungicidas de grupos diferentes, o efeito sinérgico poderá conduzir a um período

residual absoluto maior do que observado considerando os produtos isolados. Na

ausência de sinergismos entre os componentes da mistura pode ser observada uma

relação entre o residual da mistura e o observado pelo componente cujo residual for o

de maior duração.

Por outro lado, considerando-se os diferentes estádios da patogênese como

referencial para o momento da aplicação de um ingrediente ativo, o residual efetivo é

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conceituado como o período de tempo compreendido entre a deposição do fungicida

sobre a superfície da planta e o surgimento de sintomas em magnitude superior à

verificada no momento da aplicação. Dois cenários são possíveis: o fungicida é

aplicado antes do estabelecimento da infecção ou já em presença de infecção

estabelecida. Como um longo período de tempo pode decorrer entre a infecção inicial

e a formação de sintomas detectáveis, o residual efetivo manifesta-se de forma

diferente caso a aplicação do fungicida seja realizada de forma curativa ou

erradicante.

O período residual absoluto de um determinado ingrediente ativo é apenas

uma referência já que, por tudo o que é feito do ponto de vista de manejo de uma

cultura e da dinâmica populacional do patógeno, o residual efetivo converte-se no

residual realmente alcançável sob condições de campo. Além disto, a maior

compreensão do próprio conceito de doença permite entender, de forma inequívoca, a

dinâmica fisio-populacional de plantas e patógenos, possibilitando extrair maior

benefício do controle químico, entendido neste ponto como maior período residual

efetivo.

O período residual efetivo de um fungicida perpassa as características

intrínsecas que o ingrediente ativo apresenta sob condições experimentais, podendo

variar em função da relação entre o curso da patogênese e as condições fisiológicas

gerais da planta. De maneira mais explícita, entende-se que o período residual será

resultado da estratégia de controle estabelecida na forma de um plano de manejo

integrado, e que pode ser impactado por fatores tão diversos quanto o próprio

momento de aplicação do fungicida em relação ao desenvolvimento da planta ou da

patogênese, densidade populacional do patógeno, idade, nutrição e diversos

componentes de manejo fitotécnico da planta, ou mesmo da expressão de genes

menores associados à resistência parcial.

O cenário observado em doenças como requeima da batata, brusone do arroz,

ferrugem do trigo ou ferrugem asiática da soja, em contraste à pinta preta do

tomateiro, cercosporiose da soja ou septoriose do trigo, indica a necessidade de uma

leitura cuidadosa de doenças cuja taxa de progresso pode acarretar uma explosão

populacional do patógeno ou daquelas cuja progressão é mais lenta.

Mesmo que o controle preventivo, por conceito, considere a deposição de um

ingrediente ativo previamente ao início da patogênese, o resultado final será diferente

entre as doenças do grupo cuja taxa de progresso é mais elevada. O que esperar,

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então, de uma aplicação realizada após o estabelecimento de uma doença, mesmo

que sua progressão seja mais lenta?

A aplicação de um fungicida, após o início da infecção, sofre reduções tão mais

drásticas no residual quanto maior for a densidade populacional do patógeno no

momento da aplicação. É provável que alguns componentes da patogênese, tais

como, número e distribuição dos locais de infecção aliado à taxa de progresso do

fungo, possam obrigar ao produtor aumento no número de aplicações. Nestas

condições o resultado final é um número excessivo de aplicações associado a um

retorno financeiro incoerente ao investimento realizado e que potencialmente poderia

ser mais satisfatório, se respeitadas as condições da planta, do patógeno e de sua

interação.

Na interação fungicida - patógeno as aplicações curativas resultam em

dificuldade crescente do fungicida em eliminar ou reduzir a evolução da doença.

Nessas condições, o aumento na intensidade de atividade metabólica de defesa da

planta reduz a disponibilidade de elementos constitutivos que possam estar envolvidos

na atividade do fungicida, acelerando sua degradação e reduzindo o período cuja

concentração do ativo na planta mantenha-se em patamar de letalidade eficiente.

Em contrapartida, nas aplicações preventivas, o efeito residual do fungicida é

favorecido pela ausência da interação entre o inóculo do patógeno e a planta

hospedeira, maior concentração de compostos constitutivos devido à reduzida

produção de compostos induzidos que acabam, em conjunto, permitindo uma lenta

extinção do ativo nos tecidos da planta.

Em adição, o momento adequado de proteger uma planta também tem relação

à associação entre os estádios fenológicos e os momentos fisiologicamente críticos na

planta. Um exemplo é a produção de etileno, que acelera a degradação de tecidos ao

mesmo tempo em que favorece o estabelecimento da doença. Nestas condições,

naturalmente o residual do fungicida vai decrescer. Na transição entre o período

vegetativo e o reprodutivo, ocorre aumento no dreno de energia para os órgãos de

reserva, aumentando a ineficiência dos processos de defesa que se tornam mais

onerosos do que benéficos do ponto de vista de equilíbrio energético. Esta dinâmica

favorece o desenvolvimento da doença e reduz a atividade do fungicida nos tecidos da

planta.

O estado nutricional da planta tem efeito direto nesta dinâmica, pois uma planta

bem nutrida tem maior capacidade de reduzir o impacto desse desequilíbrio energético

pela manutenção dos tecidos fisiologicamente ativos por um período mais prolongado.

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Outro fator de relevância prende-se à associação entre a nutrição da planta e seu

manejo cultural.

Alterações no arranjo de plantas devido ao aumento no espaçamento entre

linhas ou à variação na densidade de plantas podem propiciar maior incidência de

radiação solar em toda a planta, mantendo as folhas com uma maior atividade

fotossintética mesmo no dossel inferior. Fatores microclimáticos como redução no

período de molhamento foliar, aumento de aeração e redução na concentração

precoce de etileno retardam ou inibem a infecção pelo patógeno. Consequentemente,

além de uma deposição mais facilitada do fungicida, a redução de atividade

patogênica irá resultar em um aumento no residual do fungicida. Por outro lado, o

adensamento de plantas, juntamente com um elevado índice de área foliar, favorece a

atividade patogênica, prejudicando a penetração e deposição de fungicida sobre o

alvo, refletindo no seu residual. O residual do fungicida será reduzido, obrigando maior

número de aplicações, mas cada vez menos eficazes, devido à associação dos fatores

de má penetração, lenta atividade metabólica da planta e, proporcionalmente, maior

densidade populacional remanescente a cada aplicação.

Além dos fatores nutricionais e do manejo cultural é importante destacar que a

manifestação da resistência parcial através de um maior período de latência e menor

taxa de progressão da doença acarreta menor densidade populacional do patógeno.

Na medida em que a pressão de inóculo diminuir sobre os tecidos do hospedeiro será

observado um aumento no residual do fungicida, à semelhança do observado do ponto

de vista fisiológico.

Se uma correta tecnologia de aplicação for associada a uma adequação no

arranjo espacial e populacional das plantas, favorecendo maior deposição e cobertura

das folhas de todo o dossel da planta pelo fungicida aplicado, o residual dos mesmos

será aumentado. A adequação da tecnologia de aplicação compreende um ajuste de

variáveis como volume de calda, pontas de barra que produzam DMV e DMN

compatíveis com o dossel que se busca cobrir. Outros fatores como arquitetura da

planta, estádio fenológico em que o fungicida é aplicado e local mais provável de

infecção são fatores que afetarão o resultado final de uma aplicação ou, mais

especificamente, o residual do fungicida. Adicionalmente, o horário e as condições

climáticas no momento da aplicação comprometem o residual de um fungicida. É

importante enfatizar que toda a vez que a deposição de um fungicida for afetada por

quaisquer fatores e que uma quantidade inferior de ingrediente ativo for aplicada sobre

a planta, todos os componentes populacionais do patógeno aliado às variáveis

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fisiológicas da planta produzirão um efeito sobre o residual do fungicida ainda mais

relevante.

A associação entre a tecnologia de aplicação de fungicidas líquidos e o manejo fitotécnico pode proporcionar maior adequação no manejo fitossanitário. A tendência atual é a prática de modalidades que requerem menor volume de aplicação. Segundo Giordani (2002) cultivares de soja apresentam diferentes arquiteturas e, dependendo do índice de área foliar sadio, um percentual semelhante na severidade da doença poderá acarretar danos diferenciados entre os cultivares.

CONCLUSÃO

A garantia de um controle confiável não depende apenas do ingrediente ativo,

mas de todos os aspectos envolvidos na estratégia de manejo das doenças. É

fundamental que a utilização do controle químico seja entendida como um

complemento do manejo integrado de doenças. A conjugação dos fatores de dinâmica

epidêmica da doença, limitações operacionais de cada propriedade, limitações de

residual e modo de reação que os produtos químicos possuem devem ser

consideradas e, principalmente, a necessidade de não comprometer a

sustentabilidade do agronegócio da soja. Para que a doença seja controlada, a

expressão fisiológica deverá ser tão eficiente quanto a possibilidade de conversão de

recursos, ao mesmo tempo em que as ações de degradação causadas pelas doenças

sejam minimizadas. O manejo integrado na sua concepção plena é a agregação de

todas as práticas de manejo suficientes e necessárias para que a planta expresse-se

fisiologicamente, permitindo a expressão genética de todo seu potencial de rendimento

e minimizando seu grau de exposição à ação danosa dos patógenos. Neste contexto,

o fungicida é apenas um composto que vai auxiliar nesse processo. Por outro lado, se

a planta não tiver condições de aproveitar essa ferramenta, o processo torna-se

ineficiente.