luís augusto may, a malagueta, biografia. · segundo historiografia, luís augusto may esteve ao...

15
Biografia, imprensa e política em Luís Augusto May: um redator controvertido no Império do Brasil. Myriam Paula Barbosa Pires Gouvêa 1 Resumo: Este trabalho objetiva apresentar resultados parciais de pesquisa Doutoral que trata de mapear e analisar aspectos da vida do político, militar e redator Luís Augusto May. Seus periódicos foram A Malagueta e A Malagueta Extraordinária. Estes, circularam na Corte do Rio de Janeiro e constam enquanto principais fontes para a investigação que traz como recorte os anos de 1782 nascimento de May e 1850, ano de sua morte. Palavras-chave: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. Abstract: This paper aims to present partial results of a PhD research that tries to map and analyze aspects of the life of the political, military and editor Luís Augusto May. His periodicals were The Malagueta and The Extraordinary Malagueta. They circulated in the Court of Rio de Janeiro and are as main sources for our investigation that brings as a cut the years of 1782 - birth of May - and 1850, the year of his death. Key Works: Luís Augusto May, The Malagueta, Biography. 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História-PPGH/ UFJF. Bolsista CAPES.

Upload: ngothuan

Post on 11-Feb-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Biografia, imprensa e política em Luís Augusto May: um redator controvertido no

Império do Brasil.

Myriam Paula Barbosa Pires Gouvêa1

Resumo: Este trabalho objetiva apresentar resultados parciais de pesquisa Doutoral que trata

de mapear e analisar aspectos da vida do político, militar e redator Luís Augusto May.

Seus periódicos foram A Malagueta e A Malagueta Extraordinária. Estes, circularam na

Corte do Rio de Janeiro e constam enquanto principais fontes para a investigação que traz

como recorte os anos de 1782 – nascimento de May – e 1850, ano de sua morte.

Palavras-chave: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia.

Abstract: This paper aims to present partial results of a PhD research that tries to map and

analyze aspects of the life of the political, military and editor Luís Augusto May. His

periodicals were The Malagueta and The Extraordinary Malagueta. They circulated in

the Court of Rio de Janeiro and are as main sources for our investigation that brings as a

cut the years of 1782 - birth of May - and 1850, the year of his death.

Key Works: Luís Augusto May, The Malagueta, Biography.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História-PPGH/ UFJF. Bolsista CAPES.

Page 2: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Luís Augusto May – sua história e a imprensa de seu tempo.

Luís Augusto May nasceu em Lisboa no ano de 1782. Começou sua carreira

como militar. Entrou para o Exército aos 16 anos, ascendendo a capitão de artilharia.

Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o

Batalhão Acadêmico de Coimbra à época da ocupação francesa2. Outros nomes de peso

na política luso-brasileira foram seus contemporâneos em Portugal, como: Dom Rodrigo

de Souza Coutinho, afilhado de Marquês de Pombal; José da Silva Lisboa, futuro censor

e também redator de jornais no Rio de Janeiro - o Visconde de Cairú; entre outros que

serão abordados adiante. Nesse sentido, Augusto May foi contemporâneo daquela que

Kenneth Maxwell, em estudo célebre, chamou de “Geração de 1790”. Ou seja, homens

preocupados com o futuro das relações entre Portugal e sua colônia americana3.

Apesar de haver divergências de datas nos cargos os quais ocupou no início

dos oitocentos, consta que a pedido da Coroa foi funcionário da Secretaria de Legação

Estrangeira em Londres. Em 1810, como reconhecimento de seu trabalho, tornou-se

Oficial Adido ao Estado Maior do Exército. Naquele mesmo ano, Augusto May chegou

ao Brasil como intérprete dos trabalhadores suecos da fábrica de ferro de São João de

Ipanema, em Sorocaba4. Segundo o historiador Hélio Vianna, na intenção de manter seu

cargo de militar, correspondia-se a respeito com políticos de destaque, como o Marquês

de Aguiar; com o Conde da Barca, João Paulo Bezerra e com Tomás Antônio Vila Nova

Portugal, todos auxiliares do monarca d. João VI. Ciente de seu valor e da necessidade

de se fazer lembrar, May passou boa parte de sua vida enviando correspondências com

2 Helio Vianna. Contribuição à imprensa brasileira. 3 Kenneth Maxwell. Chocolates, piratas e outros malandros – ensaios tropicais. ”A geração de 1790 e a

ideia de Império luso-brasileiro”. 4 Isabel Lustosa. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas da independência (1821-1823). São Paulo:

Companhia das Letras, 2000, p. 157.

Page 3: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

súplicas por audiências com o Governo; por maior reconhecimento profissional - fosse

pleiteando melhorias de salário e/ou cargos, fosse pensões e honrarias. Como demonstram

estudos da historiadora Camila Borges, a concessão de títulos e cargos constituía-se uma

regra no reinado de d..João VI, tempo em que cargos e títulos eram conquistados por

“amizade” ou “merecimento” diante de serviços prestados ao reino5. Camila observou

que tal prática foi mantida na maioria dos casos por d. Pedro I durante seu reinado, a qual

Augusto May tanto fez uso com seu próprio punho por meio de uma infinidade de

pedidos. Segundo destacou a pesquisadora Isabel Lustosa, “May era ambicioso, não pedia

pouco”6. Os documentos manuscritos encontrados no Arquivo Biográfico do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) trazem os sucessivos pedidos de honrarias e

títulos de nobreza que Augusto May solicitou para si e para seu filho. Em meio a inúmeras

tentativas, conquistou em 1818 o hábito da Ordem de Cristo7. Dois anos depois

conquistou uma pensão por meio do decreto de d. João VI “por préstimo e honra com

que tem servido como Oficial da Secretaria de Estado dos negócios da Marinha”8.

No que concerne a sua inclinação política, exposta muitas vezes em seu

periódico, é possível notar já no primeiro número de A Malagueta, seu esforço em deixar

claro não ser “constitucional por contrato, nem corcunda por inclinação, nem

republicano”9. A divulgação de uma espécie de plano de trabalho do periódico era prática

comum dos redatores ou editores da época. Fato este que não o impediu de continuar suas

investidas em uma carreira política de destaque por meio de súplicas ao monarca, que

passou a ser, no pós independência, d.Pedro I. Em meio às intensas convulsões da política,

em pleno curso de debates em torno da independência, lançou em setembro de 1822 o

escrito “Exposição de motivos dirigidas por May a Sua Alteza Real, o príncipe d. Pedro

I, pelos quais o aconselha a contemporizar, adiando a Aclamação e substituindo-a pela

6 Camila Borges da Silva. “O liberalismo exaltado e a crítica às ordens honoríficas: as visões de Estado e

sociedade de Cipriano Barata e Frei Caneca”. Revista Maracanan, v.10, n.10, jan./dez. 2014, p.121. 6 Lustosa. Op. cit. p.158. 7 Segundo Camila Borges da Silva, a Ordem de Cristo, de São Bento de Avis e de Santiago eram ordens

militares que foram criadas no período medieval e que serviam a todos os monarcas portugueses. Além de

condecorações honoríficas, também conferiam títulos e honrarias àqueles que prestavam serviços ao

Estado. Camila Borges da Silva. Op. cit. p.121. 8 Lustosa. Op. cit. p.159. 9 A Malagueta, n.1, 1821. Interessante ressaltar que a hipótese é que tal inclinação política vai sendo

remodelada conforme o avançar dos acontecimentos e, consequentemente, diante das transformações dos

contextos.

Page 4: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Aclamação da Regência em todo o Reino”. O documento referia-se ao “perigo” de

separação de províncias (especialmente a de Pernambuco) ou de uma delegação do poder

real português, da Bahia para o Norte, na pessoa do Infante d. Miguel ou da Princesa

Maria Thereza10. Do mesmo modo, questões pessoais apareciam como tema e se

confundiam com o curso da política do Império. Uma delas pode ser notada no manuscrito

intitulado de “Última campanha epistolar de May junto a d. Pedro I”. Neste documento

agia por dois lados. De um, aconselhava o Imperador e de outro pedia indenizações pelas

espoliações verbais (publicadas na imprensa) e físicas que tem passado11. O redator não

via com bons olhos a presença de José Bonifácio ao lado de d. Pedro I e escrevera

oferecendo aconselhamento de forma recorrente. No Malagueta de estréia, em dezembro

de 1821, May destacou d. Pedro I tal qual um jovem príncipe abandonado “entregue ao

charlatanismo de outrem”12.Devido a este perfil direto e ofensivo de sua escrita, neste

período envolveu-se em inúmeras querelas. Segundo destacou Carlos Rizzini, em junho

de 1823 May publicou a Carta que a Sua Magestade Imperial dirige ao Redator13.

Conflito reflexo de distintas posições acerca do encaminhamento das decisões políticas.

O periódico “O Espelho”, segundo consta, publicava artigos escritos pelo Imperador

d.Pedro I e pelo seu secretário Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”. Há quem afirme

que fazia uso da pena para o jornal publicar, o Marquês de Rezende. Como resultado de

uma destas querelas, muito citadas na historiografia e vinculada às questões relacionadas

ao futuro da Assembléia Constituinte (May foi espancado duas vezes por motivos

distintos -1823 e 1829), houve consequências físicas no episódio em que May foi

espancado, tendo sua mão deformada.

Pelo que se pode notar a partir da leitura crítica de parte das

correspondências publicadas na imprensa, detectada por Hélio Vianna14, May agia como

uma figura “sinuosa”, no sentido que jogava com seus interesses e o poder para obter

10 IHGB. Manuscritos Biográficos. Coleção do Marquês de Olinda. Luís Augusto May. “Exposição de

motivos dirigidas por May a Sua Alteza Real, o príncipe d. Pedro I, pelos quais o aconselha a

contemporizar, adiando a Aclamação e substituindo-a pela Aclamação da Regência em todo o Reino”

Gaveta 95. lata 216, doc.14,. 30/09/1822. s/pg. 11 Hélio Vianna. Coleção Achegas à Biografia do Malagueta. Seção IV. IHGB. 12 A Malagueta, nº1, 1821. 13 Carlos Rizzini. O livro, a tipografia e o jornal no Brasil (1500-1800). São Paulo: Imprensa Oficial do

estado,1988, p. 391. 14 VIANNA, Hélio. D. Pedro I –Jornalista. São Paulo: Edições Melhoramentos,1967.

Page 5: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

vantagens/estabilidades políticas e financeiras, não obstante as mesmas lhe fossem

negadas por muitas vezes. Em minha proposta, procurarei compreender esta figura

controvertida, politicamente “camaleônica”, de forma mais profunda e abrangente,

buscando perceber as razões que o levaram a seguir tais opções e a investigar como

muitos destes caminhos se deram. O corte cronológico foi escolhido em função de ser

este marco que oferece mapeamento acerca de seu percurso pessoal, profissional e,

quem sabe, intelectual. Apesar de ainda serem esparsas as fontes que revelariam mais

detalhadamente muitas de suas motivações de vida, foi possível encontrar algumas

indicações, como de localização de moradia em São Cristóvão15. Seu gráfico de vida

mostra que estivera, portanto, intimamente relacionado a inúmeras situações desde que

chegou ao Brasil e, mais intensamente, com a fundação de seu jornal. Nesse sentido,

divulgando suas opiniões por meio de seu impresso, May se serviu da imprensa para

múltiplas atividades, uma delas para deixar sua marca no tempo, seus questionamentos

para seu público integrando um grupo de identificação política complexo muitas vezes

distinta do entendimento do Imperador ou de seus homens de confiança, como José

Bonifácio, Chalaça ou o Marquês de Resende. Conforme destacado, todos eles escreviam

em outros periódicos e promoveram muitas querelas com o periódico de May. De acordo

com Isabel Lustosa o perfil de escrita de May trazia um “tom pesado” de questionamento

das decisões do governo. Não obstante esta preocupação, procura-se aqui evitar

enquadrar a personagem em quadros dicotômicos, como tem sido alertado por estudos

recentes16

Como se pode notar, de presença política e intelectual salpicada pelas inúmeras

fases pelas quais passou, muito devido aos constantes embates enfrentados, Luís

Augusto May foi figura marcante na Corte Fluminense durante os anos de 1810 a 1850.

Através de seus periódicos, interferia nas questões políticas mais prementes de seu

tempo. Tendo sido publicado durante 12 anos, embora com interrupções, “A Malagueta”

foi órgão de intensa atividade servindo como instrumento que descortinou muito do

cotidiano político da Corte. Segundo Araújo Porto Alegre, May foi redator que tanto

15 Idem. p. 23. 16 Camila Borges da Silva ressaltou o risco de enquadrar um ator histórico como integrante de um grupo

dotado de única postura política, sendo, desse modo, mais frutífero compreendê-lo por sua ação isolada,

que pode pender ora para um lado, ora para outro. Camila Borges da Silva. Op. cit., p.122.

Page 6: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

“deu o que falar” no tempo da independência. Para ele, “...era homem laborioso,

excêntrico; e de uma sagacidade ao encarar ao acontecimentos”17. Seu periódico, existiu

em três séries com 122 números totais, de agosto de 1821 a dezembro de 183318. Vale

dizer que poucos jornais foram cronologicamente tão longe, uma vez que o contexto

prejudicava as atividades de imprensa de opinião. Em termos práticos o jornal passou por

quatro fases, cada uma sendo produzido em uma tipografia. Durante os doze anos em que

esteve circulando na Corte o referido periódico obteve quinhentos assinantes, o que para

a época no que se refere a condições políticas e técnicas é bastante significativo. Nesse

sentido, o jornal de May se expandia com um número bastante expressivo para a época,

considerado como “o mais popular na corte”. Lustosa completou que “sua publicação era

um ato de destemor de um cidadão comum” frente à pena de homens poderosos. A autora

destacou ainda redatores polêmicos como Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa

estavam sob a proteção da maçonaria enquanto Augusto May “andava só”19. Isto posto,

cabe frisar que por meio de seu jornal May participava ativamente da política e usava a

imprensa como um espaço para sua voz, uma voz “ardida” aos olhos daqueles que foram

se forjando como seus adversários20. Tal postura lhe impingiu o epíteto de O Malagueta.

Em junho de 1823, mês caro ao redator, o jornal Diário do Governo publicou versos

alusivos a Luís Augusto May e ao seu impresso21.

“Que demônio há tão danado,

que não teme a cutilada,

dos fios secos da espada,

do terrível May armado?”22

17 Araújo Porto Alegre. “Discurso de Araújo Porto Alegre em homenagem aos finados sócios e ilustres

funcionários públicos. Revista do Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro, vol XV, pag. 384, 1852. 18 Francisco Innocêncio Silva. “Luís Augusto May”. Dicionário Biobibliográfico Português. vol. XIII,

p.341. 19 Lustosa. Op. cit. p.160. 20 A respeito dos embates na imprensa, no que chamou de arena política, ver: Marcello Otávio Néri de

Campos Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a formação de uma esfera

pública na corte imperial (1829-1834), 2000, p. 327. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro:

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 21 Foi em junho de 1823 que ocorreu a primeira invasão à casa de May, quando este aguardava a visita de

José Bonifácio para uma conversa. Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil, 1960.Op.cit.

p.73. 22 Diário do Governo.17.06.1823 / Apud. IHGB. Hélio Vianna. Coleção Achegas à Biografia do

Malagueta. “Panfletos contra o Malagueta”,1960.

Page 7: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Além de tantas atividades e posições ocupadas no jogo do funcionalismo público,

de acordo com Sacramento Blake, Augusto May foi eleito para a 1ª Legislatura do

Império por Minas gerais como suplente do deputado Marquês de Valença. Após 1840,

exerceu alguns cargos comissionados, como Oficial de Gabinete de Holanda Cavalcanti,

o Visconde de Albuquerque23. Nessa época, a pedido de Holanda Cavalcanti, May

produziu obras de análises da situação geográfica do Império Do Brasil. O curso desta

pesquisa tem revelado, assim, uma face de Augusto May como um escritor de obras que

tratam de distintos temas, descortinando uma nova face do redator. Como produtores de

novos hábitos culturais, redatores, livreiros e impressores foram da mesma maneira

produtores de sentido de mundo; de percepções ligadas à inserção dos indivíduos em um

tempo novo. A análise mais ampla e vertical de suas ações e ideias políticas quando

cotejadas com importantes nome/políticos do Império, indivíduos de notável destaque

político, aparece como um dos caminhos de suprir ainda a escassez de informações sobre

sua existência. Isto posto, vale ressaltar que investigar os porquês de suas escolhas

enquanto sujeito demonstra-se pesquisa altamente instigante para colaborar nos estudos

da conformação do ambiente sócio-político e cultural do Império do Brasil.

Luís Augusto May e a historiografia da imprensa24.

“(...) Assim, ele se apresentava no campo raso da liberdade de

imprensa. Liberdade que, pelos tempos fora; havia de passar por

tantos altos e baixos. À mercê das lutas políticas e dos governos

que a enfrentariam. (...) Do grande Jean Jacques pretendia

Augusto May seguir a independência de espírito e a sinceridade

combativa...Com maior ou menor confiança em si próprio; a

verdade é que se lançou ao combate das ideias e da luta de forma

com toda a energia e todo o desassombro permitidos pela época.

23 BLAKE, Sacramento Augusto Vitorino do. “Luís Augusto May”, Dicionário Biobibliográfico Brasileiro,

vol v., p.364. 24 Debate acerca de clássicos no assunto. A este respeito, ver Ítalo Calvino. Por que ler os clássicos? São

Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Page 8: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

E também a verdade é que era uma época difícil para a imprensa

brasileira” .

(Hélio Vianna,1945)

Desde o início da década de 1990 crescera o número de obras que versam sobre o papel

da imprensa enquanto sujeito / agente e produto dos contextos históricos. Nestas obras, muitas

foram (e são) as temáticas escolhidas para pesquisa que contemplam a atividade em torno

desta. Quanto ao redator Luís Augusto May, entretanto, ainda carece de estudos que

privilegiem sua relevância no cenário político em que esteve envolvido, seja em torno da

independência ou posteriormente, nas Regências ou Segundo Reinado. Menções a respeito de

periódicos lançados e redigidos por May aparecem na historiografia a partir do final do século

XIX. Para este trabalho, destaco aqueles de maior vulto datados a partir de 1945. Embora

sejam de enorme auxílio para esta pesquisa, estes estudos apresentam características de

compêndio, em que demonstram grande preocupação em levantar e sistematizar uma enorme

gama de informações em um único volume, não reservando espaço para análises mais

contundentes. Ademais, mostraram uma imprensa muito influenciada pela política d e u m

m o d o b a s t a n t e d i c o t ô m i c o em que Luís Augusto May é entendido enquanto

integrante de um grupo pró ou contra governo central

Hélio Vianna ,em suas obras: Contribuições à história da imprensa no Brasil, de

1945 e D. Pedro I –Jornalista, registrou muitos dados biográficos a respeito da personagem

Augusto May. Além de destacar seu perfil veemente de linguagem, sua postura de

enfrentamento, com sua pesquisa, esclareceu muitos nós vinculados aos diálogos trazidos pelo

jornal Malagueta identificando, inclusive, através do cotejo das cartas publicadas com seu

original manuscrito 25,os autores camuflados atrás de pseudônimos, como por exemplo o

monarca d. Pedro I e seu Secretário de Gabinete, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça. Foi

fundamental ainda a indicação do autor para o estudo do tema dos Arquivos da Família

Imperial, hoje Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis o qual guarda um grande número de

cartas de Augusto May em seu conjunto somado a outros documentos.

25 Além disso, conforme indicado nesta proposta, em coleção de recortes de jornais da década de 40

a 60 organizou muitas informações que hoje são guardadas pelo IHGB. ver: IHGB. Helio Vianna.

Coleção Achegas à Biografia do Malagueta, 1960.

Page 9: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Outra obra compêndio que merece destaque, é História da imprensa no Brasil, de

Nelson Werneck Sodré. Sua pesquisa, inserida no contexto a que vivia o autor, a influência

marxista traz uma imprensa participante da esfera política restrita à direita ou à esquerda. A

respeito do jornal A Malagueta, insere a imprensa do período em posições políticas bilaterais,

entre a “independência e a liberdade”. Destaca a popularidade do jornal e a independência de

May frente a grupos políticos. Ressalta ainda os ataques de outros periódicos ao redator26.

Carlos Rizzini, por sua vez, dedicou seis páginas a Luís Augusto May. Assim como os

citados, seu estudo é centrado em suas questões biográficas factuais na esfera política

bidimensional, destacando Augusto May enquanto integrante de uma postura única, a favor ou

contra a luta por seus direitos políticos. Desse modo, destacou envolvimentos significativos do

redator em seu contexto, classificando a atividade de May como um “jornalismo de combate”.

Assim, conflitos com José Bonifácio e com o monarca d. Pedro I aparecem como um importante

caminho de compreensão dos principais problemas que o incipiente império atravessava. Este

estudo, embora seja insuficiente, breve e de tom informativo, nos ajuda a perceber quem foi a

figura pública de Luís Augusto May27.

Como destacado anteriormente, os periódicos cuja redação eram de responsabilidade

de Augusto May, apesar de bastante citados, no entanto, ainda necessitam de uma análise mais

ampla e detida, a fim de se poder compreender o papel deste português nos processos com os

quais se envolveu28. Ao trabalhar com percurso biográfico de um redator por meio de seus

principais impressos (A Malagueta e A Malagueta extraordinária) e daqueles com os quais

mais dialogava, acredita-se estar contribuindo para um olhar diacrônico no que diz respeito à

26 Nelson Werneck Sodré,Historia da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro; Civilização Brasileira,

1960,p.71. 27 O autor nos informa muito sobre outros jornais em diálogo com tais questões indicando assim caminhos

para a ampliação de pesquisas. Carlos Rizzini. O livro a tipografia e o jornal no Brasil 1500-1822. São

Paulo: Imprensa Oficial do Estado / Imesp, 1988,pp.379-383 Importante catalogação de jornais e revistas

do Rio de Janeiro, ver: “Catálogo de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro existentes na Biblioteca

Nacional (1808-1889)”. Anais da Biblioteca Nacional. v. 85. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca

Nacional, 1881, pp. 1- 208. Edição fac-similar.

28A respeito dos embates na imprensa, no que chamou de arena política, ver Otávio Néri de Campos

Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a formação dUma o uma esfera

pública na corte imperial (1829-1834), 2000, p. 327. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro:

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sobre o debate

historiográfico pode-se encontrar em: Istvan Iancsó. Independencia: história e historiografia. São Paulo:

EdUSP/FAPESP,2005.

Page 10: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

apreensão da complexidade das ideias e ações na construção das relações de poder no Brasil

recém independente29. Ademais, com seu viés opinativo contribuiu para o enraizamento de uma

nova forma de opinião pública, e de uma postura de ação humana inovadora, ou seja, de crítica

direta aos acontecimentos divulgando-os e reformulando-os a seu modo através de suas

páginas30. Ao iniciar o levantamento das fontes, nota-se a grande gama de contextos a que May

se viu inserido, uma vez que esteve presente no Brasil desde 1810 até sua morte em 1850. Ou

seja: quarenta anos de atividades vinculadas ao Estado, seja enquanto militar, funcionário

público, deputado por três vezes ou o que arriscamos chamar de redator-vigília.

Uma obra de fôlego que contempla as relações políticas dos impressos no entorno

da independência e que destinou espaço para análise de Luís Augusto May, é Insultos

Impressos, a guerra dos jornalistas da independência, de Isabel Lustosa. Além de dados

biográficos, os quais nos auxiliam a perceber aspectos relativos à personalidade bem como às

motivações da personagem, a autora enfatiza a importância de relações entre “O Malagueta”, e

homens poderosos da política, como, José da Silva Lisboa, por exemplo31. Em relação às

características de sua escrita, Lustosa destaca “seu estilo pesado” bem como seu tom

pedagógico “com que se dirigia ao príncipe e à opinião pública”32. Nas palavras da autora,

“May, ao longo de sua trajetória desempenharia os contraditórios papéis de adepto a um projeto

liberal, crítico do governo e seu mais constante bajulador”. Paralelamente, ressalta que “em

meio aos circunslóquio em que vinham envolvidas suas críticas, havia muito bom senso,

29 Entretanto, tal qual construtor de modos de pensar e de agir pode ser entendido como intelectual cuja

principal atuação passou, em determinado período, a se mostrar mais contundente através da imprensa.

Jean-François Sirinelli. “Os intelectuais”. In: René Rémond (org.). Por uma história política. 2ªed. Rio

de Janeiro: FGV, 2003, pp. 231- 270. Sobre o crescimento dos intelectuais à sombra da Coroa. Ver:

Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Intelectuais Brasileiros nos Oitocentos: A constituição de uma

‘família’ sob a proteção do poder imperial (1821-1838)”. In: Maria Emília Prado (org.). O Estado

como vocação. Ideias e práticas políticas no Brasil oitocetista. Rio de Janeiro: ACCES, 1999, pp. 9 -

32.

30 Os estudos sobre a construção da cidadania no Brasil recebem atenção de um grupo de historiadores

ligados ao Núcleo de Estudos do Oitocentos (CEO/PRONEX). Um desses estudos resultou na obra

organizada por José Murilo de Carvalho e por Lúcia Maria Pereira das Neves. Repensando o Brasil dos

oitocentos. Cidadania, Política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2009 31 Isabel Lustosa. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas da independência (1821-1823). São Paulo:

Companhia das Letras, 2000. 32 Isabel Lustosa. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas da independência (1821-1823). São Paulo:

Companhia das Letras, 2000, pp. 159-160.

Page 11: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

pensamento bastante razoáveis e conhecimento de matéria constitucional”33. Este estudo,

embora com grandes limitações, é o que dedica mais atenção ao personagem Luís Augusto May

– objeto desta pesquisa.

Outra obra que muito nos ajuda a pensar a atividade dos livreiros, editores e redatores

no incipiente império e cuja análise destaca a esfera da política de forma ampliada, em diálogo

incessante com a esfera cultural é da autora Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves: Corcundas

e Constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Em sua pesquisa, Lúcia

Neves compôs um quadro detalhado de como eram as relações entre ideias liberais, escrita e

intelectualidade à época da independência. Quanto ao personagem aqui tratado, a autora

destacou sua ascendência enquanto funcionário público e militar (de praça a oficial). Conforme

destacou, era comum àqueles homens de letras depender de atividades paralelas ou de recursos

próprios para sobreviverem em tempos difíceis para viver atividade em torno da leitura em

geral. Complementarmente, integrava um grupo no qual sua postura, que tomava novos

aspectos provindos do Iluminismo, ou seja, homens que transformavam ideias em projetos e

em ações efetivas na interferência da realidade34.

Sendo assim, montar um quadro biográfico deste redator que remou muitas vezes contra

a maré das decisões do Governo pode elucidar pistas acerca de muitos aspectos sócio-políticos

e culturais na formação de um Brasil que se formava imperial35. Como se sabe, a partir de 1821,

com a possibilidade de retorno do monarca d. João VI para Portugal se acirraram as lutas

políticas no Brasil sobretudo na Corte, de modo que a imprensa foi palco importante em dois

movimentos, forjando e sendo forjada pelos acontecimentos. Isto posto, é possível

compreender, que Luís Augusto May foi personagem ímpar na história que cerca o processo

de independência como também posteriormente. Em outras palavras, a escrita direta e

veemente de May bem como de outros homens de letras, redatores do período, incomodava o

poder central e seus apoiadores. O período crítico de nossa separação de Portugal impôs aos

homens de pensamento a necessidade de uma ação intensa. Alguns periódicos e panfletos, eram

33 Idem. Op.,cit.,pag.173. 34 Lúcia Maria Bastos Pereiras das Neves. Corcundas e constitucionais...pp 74-76. 35 A perspectiva de recolhimento de pistas para compor um quadro dos caminhos percorridos por Luís

Augusto May atende ao que preconizou Ginzburg sobre o profícuo viés do recolhimento de pistas, ou seja,

vestígios que estão (ou não) disponíveis para serem interpretados pelo historiador. Cf. Carlo Ginzburg.

Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História. 2ªed.São Paulo: Cia das Letras,1980.

Page 12: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

acusados pelo governo de incendiários e de provocarem a dissolução da Constituinte36. Apesar

de ter convivido dentro do aparelho de estado como funcionário público, militar e por vezes

deputado, Luís Augusto May enfrentava o poder central todas as vezes que pensava estar

lutando por melhorias pessoais ou civis. Devido a isso, recebeu a alcunha de “O Malagueta”,

uma referência ao incômodo que causava aos homens poderosos do governo.

Os documentos e o terreno profícuo na composição de uma história de vida

“O mundo acionado pela imprensa tem sua própria comédie

humaine,tão rica e complexa que não caberia entre as capas de um só

livro”

(DARNTON, 1987)

Para a metodologia de análise das fontes, cabe ressaltar a especificidade do

uso da imprensa no interior da historiografia. Durante muitos anos, a utilização da

imprensa como fonte foi vista com de maneira desconfiada pelos historiadores. A

subjetividade ligada à natureza e às intenções dos discursos e as influências pouco

precisas referentes a estas publicações afastaram os estudiosos deste tipo de fonte.

Somente a partir dos anos 1970 e, mais intensamente 1990, novas pesquisas

contribuíram para que o receio inicial se transformasse em um interesse crescente sobre

os impressos. Apesar de tais publicações estarem em constante articulação e diálogo

com a sociedade e o tempo em que se inserem, a imprensa não deve ser pensada como

reflexo do contexto. São importantes enquanto produtores e disseminadores de

valores e práticas, que muitas vezes não aparecem em uma leitura inicial ou desatenta.

Desta forma, a pesquisa que contempla a imprensa como fonte e objeto não deve

prescindir de refinada leitura a ser ainda cotejada com outros tipos de documentos,

conforme sinalizado acima. Como fontes impressas principais nos serviremos dos já

referidos jornais de Luís Augusto May: A Malagueta e A Malagueta Extraordinária.

Outros periódicos contemporâneos a estes últimos serão utilizados como fontes de apoio

na busca de informações capazes de auxiliarem as respectivas indagações.

36 Carlos Rizzini, Op.cit, p.19.

Page 13: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

Outro conjunto de fontes que será utilizado nesta pesquisa, são os

manuscritos que cortam sua trajetória profissional. Nesse sentido, serão contempladas

cartas com Súplicas de Augusto May ao Imperador ou ao seu secretário de gabinete,

Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”. Serão analisadas com base em documentos que

comprovam sua aproximação intelectual e ativa com importantes nome/políticos do

Império como um modo, entre outras motivações, de se infiltrar cada vez mais nas

redes circunscritas aos homens de cultura e de poder político. As cartas, citadas acima,

serão contempladas na pesquisa como um instrumento relevante capaz de conter aspectos

enfáticos às suas relações sociais. Sendo assim, à luz do método proposto por Skinner,

acreditamos que tais documentos podem revelar muitas das intenções de May. Intenções

estas, presentes na superfície do texto ou, quem sabe, nas camadas subterrâneas de

contextos que um documento, segundo o autor, pode contemplar. Relações entre texto e

contexto que muito nos ajudarão a compreender pontos cruciais da curva biográfica do

sujeito/agente Luís Augusto May. Paralelamente, tentaremos alcançar algumas das

repercussões destas “falas”, identificadas nestes contextos37. Algumas delas podem ser

encontradas pelo próprio diálogo travado pelos jornais. Nesse sentido, uma notícia ou

opinião repercutia intensamente nas páginas de outros impressos. Já os contextos são

vistos aqui como vinculados às opções que o militar, político e redator Augusto May

possuiu para que suas tomadas de posição fossem feitas; ou melhor, para que suas

escolhas fossem tomadas. Em outras palavras: indagações que integram esta pesquisa:

para aonde ir? O que fazer? Que motivações o levaram a ir para um caminho e não por

outro? Aspectos de difícil apreensão, entretanto, primordiais no entendimento e na

reconstrução dos caminhos percorridos por uma vida.

Outro conjunto documental que muito nos servirão são as obras escritas por

May as quais estão guardadas na Seção Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional e,

ao que consta, nunca receberam tratamento analítico38. Para a apreensão de sua

37Ver: Skinner, Quentin. As fundações do pensamento politico moderno. São Paulo: Companhia das etras,1999. A este

respeito, ver ainda: Maria Lucia Garcia Palhares-Burke. As muitas faces da história-Nove entrevistas. São Paulo: Ed. UNESP, 2000, pp.307-339.

383838 Obras encontradas até o momento. Seção Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional. 1)

Apontamento sobre a situação do Brasil, antes de 07/04/1831, a partir de um discurso do Deputado May.

2) Observações acerca da capitania do Grão Pará no Estado do Brasil cujo o primeiro ponto e a situação

Page 14: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

representatividade enquanto deputado na Câmara, da Assembleia Geral Legislativa do

Império, utilizaremos a gama de informações dispostas no Diário da Câmara dos

Deputados à Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil39. Enxergamos este

como um documento importante para a percepção mais profunda da face política de May.

No esforço de estruturação da pesquisa, a biografia aparece como uma

possibilidade metodológica de se alcançar aspectos do universo micro, relacionando-se

de forma relevante para a compreensão do processo histórico que se forjava. Segundo

Regina Xavier,

“ao serem revalorizadas nestas últimas décadas, as biografias históricas,

trouxeram consigo um profícuo debate sobre o papel do indivíduo na

história, problematizando sua liberdade de ação frente às normas e/ou

estruturas sócias”40.

Desse modo, para compor um quadro biográfico intelectual que formou seu modo

de pensar e de agir, utilizar-se-á a noção renovada de biografia41. Para Carlos Rojas os

novos estudos de biografia integram uma preocupação dos historiadores acerca da

renovação da noção de indivíduo. Desse modo, o autor destaca que o indivíduo deve ser

visto não como um ponto de partida da história, mas, ao contrário, como um resultado

criado pelo desenvolvimento desta. Para o autor, a biografia põe em relação dois

dela e mais cousas relativa a sua geografia; 3) "Mapa das cidades, praças, vilas". "Mapa das vilas e

lugares da Ilha Grande de Joanes na Foz do Rio Amazonas". Extra - Todas observações já feita da

capitania do Grão Pará (1751-1806) mapa dos lugares fortificados (praças, castelo...) 4) Observações

sobre o estado dos corpos militares da capitania do Grão Pará, sua força, seu complemento, sua

manutenção, suas vantagens e inconvenientes em caso de guerra na capitania com algumas outras

reflexões próprias. Em anexo lista de oficiais dos regimentos, lista de oficiais do novo corpo da artilharia

de 1803, lista dos oficiais do regimento da infantaria de linha, destacados vindos do Rio de Janeiro em

10802, com algumas observações. Seção Obras Raras: 1) Observações sobre a navegação do Amazonas

por ocasião de baixarem por ele vários rios peruanos em 1844 e outros pontos de política externa que tem

relação com o Brasil.2) Biografia de Manuel Inocêncio Pires Camargo e 1822; 3) Cita-se um escrito

“memórias” que ainda não foi encontrado. 39 Diário da Câmara dos Deputados à Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil, 1826 e 1830.

Disponível em: www2.camara.gov.br/atas/legislações/pdf/1826 e 1830. 40 Regina Célia Lima Xavier. “Biografando outros sujeitos, valorizando outra história: estudos sobre

experiência dos escravos”. Benito Nisso Schmidt (org.). O Biográfico. Perspectivas Interdisciplinares.

Santa Cruz do Sul: EDUNISC,2000, v.1, p97-130. 41 Sobre o conceito de indivíduo e sua complexa relação com o meio, ver: Calos Antonio Aguirre Rojas.

“La biografia como gênero historiográfico. Alguns reflexiones sobre sus possibilidades actuales”. In:

SCHMIDT, Benito Bisso. O Biográfico. Perspectivas Interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,

2000, v.1, pp. 9-47.

Page 15: Luís Augusto May, A Malagueta, Biografia. · Segundo historiografia, Luís Augusto May esteve ao de José Bonifácio integrando o ... títulos de nobreza que Augusto May solicitou

elementos principais que são de um lado, o indivíduo, e de outro, seu meio e sua época/

seu contexto histórico, devendo estes se influenciarem mutuamente -sem primazia de um

lado ou do outro. Em outras palavras: o indivíduo constitui parte do contexto. No que toca

a esta proposta de pesquisa, tentar-se-á, desse modo, compreender os porquês de muitas

de suas escolhas frente às opções que suas relações com sua época (e os respectivos

agentes nela inseridos) se colocam à sua frente42. A biografia nos chegou como

possibilidade através das sugestivas da micro-história, como uma pequena escala da

história social, que pode ser visto na obra de Sabina Loriga43. De acordo com a autora, o

retorno da biografia sob nova roupagem remete a um desejo dos historiadores de captar

experiências do cotidiano; “de subjetividades outras”, e do desejo de trazer para o

primeiro plano da história os excluídos. O que, segundo afirma, análises totalizantes não

foram capazes de dar conta44 .

Conforme demonstram o conjunto de fontes primárias e secundárias aqui

apresentadas, o indivíduo Luís Augusto May possui em seu percurso de vida uma

riqueza de documentação, de movimentos e de relações que exigem e instigam uma

pesquisa mais ampla e atenta. Sendo assim, acredita-se que a possibilidade de uma

pesquisa balizada pelos caminhos escolhidos (que serão enriquecidos com mais três

anos de leituras e pesquisas) possa vir a contribuir para a compreensão de muitas das

relações entre política e cultura impressa em parcela do Brasil Reino e em boa parte

do Brasil Imperial.

42 Debate acerca do papel da narrativa biográfica nos estudos históricos, ver: Márcia de Almeida Gonçalves.

Em terreno movediço – biografia e história na obra de Octávio Tarquínio de Sousa. Rio de Janeiro:

EdUERJ/FAPERJ,2009. Alertas de como tratar uma biografia de forma a cuidar o rigor teórico-

metodológico, ver também: ver a introdução de Jacques Le Goff. São Luís. Biografia. Rio de Janeiro.

Record,1999. Interessante debate relacionando biografia e impressos pode ser visto em: Rodrigo Camargo

de Goddoi. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). UNICAMP, 2014.Tese de

Doutorado. 43 Sabina Loriga. “A biografia como problema”. In: Revel, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da

microanálise. Rio de Janeiro, FGV,1998, pp.225-250. 44 Idem,p.225. Um debate acerca da micro-história pode ser encontrado em: Giovanni Levi. Herança

imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira,

2000. Ver introdução de Jacques Revel. Ver ainda: Carlo Ginszbug. A micro história e outros ensaios. Rio

de Janeiro: Bertrand, 1991.