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ANNELISE LENZI CAPELLA CARLA ELOISA MINOZZO LÍQUEN PLANO ORAL E A HEPATITE C - UMA CONTROVERSA RELAÇÃO CURITIBA 2012

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ANNELISE LENZI CAPELLA

CARLA ELOISA MINOZZO

LÍQUEN PLANO ORAL E A HEPATITE C -

UMA CONTROVERSA RELAÇÃO

CURITIBA

2012

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ANNELISE LENZI CAPELLA

CARLA ELOISA MINOZZO

LÍQUEN PLANO ORAL E A HEPATITE C -

UMA CONTROVERSA RELAÇÃO

CURITIBA

2012

Trabalho de Conclusão de Curso apresen-

tado ao Curso de Odontologia da Universi-

dade Federal do Paraná como requisito à

obtenção do título de cirurgião dentista.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela Na-

val Machado.

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RESUMO

A hepatite C é uma doença causada por um vírus RNA de fita simples, transmitida geral-

mente por via parenteral. A sintomatologia inclui, na fase aguda, mal estar, fadiga, icterícia, entre

outros. Na fase crônica é assintomática. O diagnóstico é feito por meio de testes sorológicos. As

medicações mais usadas no tratamento são o interferon e a ribavirina, visando inibir a replicação

viral. O líquen plano é uma doença inflamatória autoimune mucocutânea e sua etiologia é desco-

nhecida. Clinicamente mostra linhas brancas semelhantes a rendilhados (estrias de Wickham). En-

volvem a mucosa jugal, bordo e o dorso da língua, palato, gengiva e o vermelhão dos lábios. As ca-

racterísticas essenciais para confirmar o diagnóstico histológico são um infiltrado linfocitário em

banda subjacente ao epitélio com degeneração das células da camada basal, projeções epiteliais em

“dentes de serra” com acantose e hiperplasia, presença de corpúsculos eosinofílicos e graus variá-

veis de orto e paraqueratose. O diagnóstico é feito por meio clínico e histopatológico. Os medica-

mentos mais utilizados são corticosteróides tópicos: betametasona e clobetasol, que promovem alí-

vio dos sintomas. A relação entre a hepatite C e o líquen plano oral (LPO) não é esclarecida. Algu-

mas hipóteses têm sido estudadas e uma delas sugere que o líquen plano poderia ser uma manifesta-

ção extra-hepática da infecção pelo HCV (vírus da hepatite C). As lesões de LPO poderiam ser re-

sultado de uma reação imune induzida pelo HCV, ou seja, este atuaria por vias imunológicas ainda

não conhecidas. Isso resultaria na produção de anticorpos contra a pele ou mucosa oral. Reações

liquenóides em pacientes com HCV também tem sido consideradas. Seu surgimento poderia ocorrer

durante a administração de fármacos utilizados no tratamento da hepatite C, sendo principalmente

discutido o interferon. Esta revisão buscou esclarecer a possível relação entre a hepatite C e o líquen

plano oral.

PALAVRAS CHAVE: hepatite C, líquen plano oral, sistema imunológico

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ABSTRACT

Hepatitis C is a disease caused by a single-stranded RNA virus, transmitted usually through

blood. Symptoms include, in acute disease, malaise, fatigue, jaundice, and others. Chronic disease

is asymptomatic. Diagnosis is made through serological tests. Medicines most commonly used in

the treatment are interferon and ribavirin; they aim at inhibiting the viral replication. Lichen planus

is an inflammatory mucocutaneous autoimmune disease and its etiology is unknown. Clinically it

includes white lines like a lace (Wickham’s stripes). It involves buccal mucosa, lateral and dorsum

of tongue, palate, gum and vermilion of lips. The essential histologic features to confirm diagnosis

are a dense band-like layer of lymphocytic infiltrate within the underlying connective tissue and li-

quefactive degeneration of basal cells layer, normal maturation, saw-tooth appearance of rete

ridges, civatte bodies and varying degrees of ortho and parakeratosis in epithelium. Diagnosis is

made through clinical and histopathological exams. Medicines most commonly used are topical cor-

ticosteroids: betamethasone and clobetasol, which relieve the symptoms. The relationship between

hepatitis C and oral lichen planus (OLP) hasn’t clarified yet. Some hypotheses have been studied.

Lichen planus could be an extrahepatic manifestation of HCV (hepatitis C virus) infection. The le-

sions of OLP could be the result of an immune reaction that would be induced by HCV; it would act

by unknown immunologic ways. It would result in the production of antibodies against the skin or

oral mucosa. Lichenoid reactions in patients with HCV also have been considered. Their appear-

ance could occur during the administration of drugs used in the treatment of hepatitis C, it is mainly

discussed the interferon. This review aims to clarify the possible relationship between hepatitis C

and oral lichen planus.

KEY WORDS: hepatitis C, oral lichen planus, immune system

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INTRODUÇÃO

As hepatites virais (A, B, C, D e E) são doenças causadas pela infecção por vírus com tro-

pismo primário pelo tecido hepático (3). São doenças importantes em âmbito nacional e internacio-

nal em função do elevado número de indivíduos atingidos e pela possibilidade de complicações das

formas aguda e crônica. Além disso, constituem um relevante fator no desenvolvimento de doença

hepática crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular.

Dentre as hepatites virais, destaca-se a hepatite C, a qual é causada pelo HCV (vírus da he-

patite C). Além dos danos ao fígado, essa infecção provoca também lesões em outros órgãos e teci-

dos do organismo, incluindo a mucosa oral. Esses agravos são conhecidos como manifestações ex-

tra-hepáticas da infecção viral (24). O HCV pode estar envolvido na patogênese de pelo menos al-

gumas formas do líquen plano, provavelmente por meio de uma via imunológica ainda a ser escla-

recida (16).

O líquen plano é uma doença mucocutânea inflamatória crônica relativamente comum, fre-

quente entre os 30 e 50 anos, com predileção pelo sexo feminino. A etiologia dessa doença perma-

nece desconhecida, mas vários fatores causais têm sido associados, entre os quais: ansiedade, diabe-

tes, doenças autoimunes, doenças intestinais, drogas, estresse, hipertensão, infecções, materiais den-

tários, neoplasias e a predisposição genética (9). Além disso, tem sido sugerido que o líquen plano

possa ser uma manifestação extra-hepática da hepatite C. O líquen plano oral (LPO) se desenvolve

na mucosa oral em 60 a 70% dos casos.

Essa revisão de literatura tem por objetivo elucidar a controversa relação entre a infecção

pelo vírus da hepatite C e o desenvolvimento do líquen plano oral. Essa relação, se confirmada, po-

derá auxiliar na identificação de pacientes com hepatite, principalmente aqueles assintomáticos

(12).

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DESENVOLVIMENTO

HEPATITE C

As hepatites virais (A, B, C, D e E) são um grave problema de saúde pública no Brasil e no

mundo, e são provocadas por diferentes agentes etiológicos com tropismo primário pelo tecido he-

pático. A distribuição das hepatites é universal, sendo que a magnitude dos vários tipos varia de re-

gião para região. Essas doenças são importantes em decorrência do elevado número de pessoas a-

tingidas, bem como pela possibilidade de complicações tanto da forma aguda como da crônica. Os

vírus das hepatites B e C são uma das principais causas de severidade e morbidade.

Epidemiologia

As taxas de óbitos decorrentes das hepatites agudas B e C, câncer e cirrose de fígado são e-

levados correspondendo a 2,7% do total de óbitos, e prevê-se que essa porcentagem aumentará nas

próximas duas décadas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, até março de 2011, estima-se

que entre 130.000.000 e 170.000.000 pessoas estão cronicamente infectadas pelo vírus da hepatite

C, e que 350.000 pessoas morrem por ano de doenças hepáticas relacionadas a esta infecção (30).

De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, cerca de 17.000 casos foram identificados

no ano de 2006 e em 2007 mais de 1.500 mortes foram registradas decorrentes da infecção pelo

HCV (2,4). No entanto, ainda não existem estudos que mostrem a real prevalência da hepatite C no

Brasil.

Etiologia

O agente etiológico da hepatite C é o HCV (vírus da hepatite C), um vírus RNA de fita sim-

ples que pertence ao gênero Hepacivirus da família Flaviviridae. Este vírus foi identificado em

1989 por Choo et al., (8) e apresenta 6 genótipos diferentes os quais são numerados de 1 a 6, com os

seguintes subgenótipos 1a, 1b, 1c, 2a, 2b, 2c, 3a, 3b, 4a, 5a e 6a. As diferentes prevalências de he-

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patite C no mundo estão relacionadas ao genótipo do vírus. Assim, o subgenótipo 1a é o mais pre-

valente nos Estados Unidos, 1b no Japão, 3a na Escócia e 4a no Egito. No Brasil, o genótipo 1 é

encontrado em aproximadamente 60% dos pacientes, seguido pelo genótipo 3 (20% dos pacientes)

e genótipo 2 (encontrado em baixas percentagens) (1).

Transmissão

A transmissão do HCV é basicamente parenteral, ou seja, pela exposição a sangue contami-

nado. Assim, são considerados pacientes com risco aumentado para a infecção pelo vírus os indiví-

duos que receberam transfusão de sangue ou hemoderivados antes de 1993, usuários de drogas in-

travenosas, hemofílicos, portadores de piercings ou tatuagens, e indivíduos com outras formas de

exposição percutânea, como a exposição ocupacional (cirurgiões dentistas, enfermeiras, médicos e

manicures).

A transmissão vertical (materno-infantil) é rara, ocorrendo em gestantes com carga viral ele-

vada ou que se apresentem coinfectadas pelo HIV. A transmissão sexual é pouco frequente e ocorre

principalmente em pessoas com múltiplos parceiros e com prática sexual de risco, sendo que a coe-

xistência de alguma doença sexualmente transmissível (inclusive o HIV) constitui-se em um facili-

tador da transmissão (3).

Sintomatologia e evolução

Após a infecção, a cronificação ocorre em 70 a 85% dos casos, sendo que um quarto a um

terço dos indivíduos infectados evolui para a hepatopatia grave no período de 20 anos. Os quadros

clínicos agudos das hepatites variam desde formas subclínicas ou com sintomas leves até formas

fulminantes, mas na maioria dos casos há predominância de fadiga, anorexia, náuseas, mal estar e

adinamia (falta de forças físicas que acompanha certas doenças graves). Em pacientes sintomáticos

a fase aguda caracteriza-se pela presença de colúria (termo usado para descrever uma urina escura,

com cor parecida com coca-cola e apresentando espuma amarela), hipocolia fecal (diminuição da

secreção biliar) e icterícia (coloração amarelada de pele e mucosas devido a um acúmulo de bilirru-

bina no organismo). A hepatite crônica é assintomática ou oligossintomática, razão pela qual muitas

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vezes não é diagnosticada. Assim, em geral, as manifestações clínicas aparecem em fases adianta-

das do acometimento hepático.

Diagnóstico

O diagnóstico da infecção pelo HCV bem como da hepatopatia resultante é feito em partes,

e por meio de exames clínico-laboratoriais, pois não existem sintomatologias ou padrões de evolu-

ção patognomônicos dentre os diferentes agentes etiológicos das hepatites virais (3,26). A investi-

gação inicial é realizada pela sorologia para HCV (anti-HCV), e os casos positivos são submetidos

ao exame da PCR (polymerase chain reaction) qualitativa, na procura de cópias do RNA viral. Me-

diante resultado positivo, segue-se à investigação de doença hepática por meio da dosagem das a-

minotransferases (ALT/TGP e AST/TGO). Quando estas taxas estiverem elevadas, indica-se a bi-

ópsia hepática. Os casos de hepatopatia moderada e grave são testados quanto à genotipagem do

HCV (3,13,26).

Tratamento

Não existe tratamento específico para a fase aguda das hepatites virais. Assim, apenas medi-

camentos sintomáticos são indicados para o alívio ou a remissão da sintomatologia. Em se tratando

das hepatites crônicas, uma parcela dos casos necessitará de tratamento, indicado mediante o grau

de acometimento hepático. O tratamento objetiva deter a progressão da doença hepática pela inibi-

ção da replicação viral. A redução da atividade inflamatória costuma impedir a evolução para cirro-

se e carcinoma hepatocelular. Os medicamentos disponíveis, como o interferon (IFN) e a ribavirina,

nos mais diversos esquemas de dosagem, duração ou associações, conseguem atingir os devidos

objetivos em menos da metade dos pacientes tratados (28). Além da ação antiviral, tanto o IFN co-

mo a ribavirina também são imunomoduladores, regulando a resposta imunológica no processo de

eliminação viral.

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Manifestações Extra-hepáticas

O vírus da hepatite C, além de lesões ao tecido hepático, provoca danos a outros órgãos e te-

cidos do organismo. Esses danos são, genericamente, chamados de manifestações extra-hepáticas

(MHEs). Sabe-se que o HCV induz a crioglobulinemia mista (proteínas que se tornam insolúveis

em temperaturas reduzidas), a glomerulonefrite membranoproliferativa, a síndrome de Sjögren, a

tireoidite autoimune, o linfoma maligno e a porfiria cutânea tardia (20).

A associação de algumas dessas manifestações com o HCV é confirmada, enquanto em ou-

tras é uma forte suspeita ou ainda uma tênue indicação. O reconhecimento do tipo e das MHEs são

importantes por várias razões. Em primeiro lugar porque as MHEs podem levar ao diagnóstico e

tratamento precoce da hepatite C. Depois, algumas dessas manifestações podem ter sua sintomato-

logia e quadro clínico melhorados em resposta ao tratamento antiviral contra o HCV. Além disso, as

MHEs podem indicar pessoas infectadas com HCV, mas que desconhecem sua condição (7).

Algumas MHEs podem afetar a cavidade oral, exclusiva ou predominantemente, como por

exemplo, os casos de sialodenites e linfoma de glândulas salivares. Suspeita-se que o líquen plano

oral também seja uma dessas manifestações provocadas por infecção pelo HCV (7,11).

LÍQUEN PLANO

O líquen plano, doença inflamatória crônica que envolve pele e mucosa, é uma das doenças

dermatológicas mais comuns que acometem a cavidade oral, com prevalência de 1% a 2% na popu-

lação geral. As causas que levam ao início desta doença ainda não foram totalmente esclarecidas.

O efeito de medicamentos sistêmicos ou reações a materiais odontológicos (mucosite lique-

nóide), doenças sistêmicas e estados emocionais (estresse ou ansiedade) podem influenciar no apa-

recimento destas lesões (21).

É considerada uma doença autoimune, mediada por linfócitos T que afeta o epitélio escamo-

so estratificado ceratinizado ou não. Esta dermatose acomete, normalmente, a mucosa oral, mas po-

de ocorrer na pele, nas unhas e na mucosa genital. É comum em mulheres de meia-idade na propor-

ção de 3:2 em relação aos homens (6).

A etiologia dessa doença permanece desconhecida, mas vários fatores causais têm sido asso-

ciados, entre os quais: ansiedade, diabetes, doenças autoimunes, doenças intestinais, drogas, estres-

se, hipertensão, infecções, materiais dentários, neoplasias, predisposição genética (6).

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Características clínicas

A maioria das lesões cutâneas são autolimitadas, mas as lesões orais são crônicas e raramen-

te têm remissão espontânea. Na mucosa oral o aspecto clínico do líquen plano pode apresentar vá-

rias formas incluindo a reticular, a papular, em placas, a atrófica, a ulcerativa ou erosiva e a bolhosa

(rara). Pacientes com líquen plano oral (LPO) frequentemente tem outras manifestações em uma ou

mais áreas extraorais (23).

De acordo com a classificação as 2 formas de líquen plano mais comuns são a reticular e a

erosiva. A forma reticular é mais frequente que a erosiva e caracteriza-se por apresentar linhas

brancas finas que se entrelaçam semelhantes a um rendilhado (Estrias de Wickham), sendo assinto-

mática. Envolve a região posterior da mucosa jugal bilateralmente e outras áreas também podem

estar envolvidas concomitantemente, como a lateral e o dorso da língua, palato, gengiva, e o verme-

lhão dos lábios. É chamado líquen plano reticular devido às estrias anteriormente citadas, no entan-

to, em alguns casos pode haver presença de pápulas. São lesões não estáticas, podendo melhorar ou

piorar em questão de semanas ou meses (21).

Na forma erosiva as lesões geralmente são sintomáticas com áreas eritematosas atróficas e

com ulceração central. O líquen plano erosivo é mais significativo para o paciente por apresentar

sintomatologia dolorosa. Dependendo da gravidade das ulcerações, pode haver a separação entre o

epitélio e o tecido conjuntivo subjacente, resultando na apresentação do líquen plano bolhoso que é

muito raro (21).

Ainda sobre as características clínicas, as lesões do LPO podem se apresentar também pe-

quenas e brancas, como pápulas e podem se confundir com lesões hiperceratóticas e leucoplásicas.

As lesões do líquen plano no palato, soalho oral e lábio superior são incomuns (25).

Características histológicas

As características histopatológicas do líquen plano são típicas, porém não são específicas,

porque outras condições, como por exemplo, a reação liquenóide a medicamentos, a reação lique-

nóide a amálgama, a doença do enxerto-versus-hospedeiro (DECH), o lúpus eritematoso (LE), a

estomatite ulcerativa crônica e a reação da mucosa oral à canela, também podem exibir um padrão

histopatológico semelhante (21).

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Os achados histopatológicos clássicos do LPO incluem: liquefação da camada basal, acom-

panhada por um intenso infiltrado linfocitário disposto em faixa (ou em banda), imediatamente sub-

jacente ao epitélio; presença de numerosos corpúsculos eosinofílicos na interface epitélio-tecido

conjuntivo (corpos de Civatte); cristas interpapilares ausentes, hiperplásicas ou, mais frequentemen-

te, em forma de “dente de serra”; variações da espessura da camada espinhosa e graus variáveis de

orto ou paraqueratose. O diagnóstico é baseado nas características clínicas e confirmado pelo exame

histopatológico.

Outro ponto que deve ser considerado no diagnóstico histopatológico do líquen plano oral,

devido principalmente ao seu possível potencial de malignização, é a integridade das margens da

lesão (27).

Ocasionalmente, a resposta inflamatória crônica do hospedeiro a células atípicas da displasia

epitelial pode ser quase indistinguível histopatologicamente do líquen plano, principalmente em ca-

sos mais leves de displasia. Sendo assim, essa ambiguidade pode contribuir para a controvérsia re-

lacionada ao potencial de transformação maligna do líquen plano. As evidências mais concretas do

potencial maligno são observadas em estudos de acompanhamento em longo prazo e incidência re-

trospectiva dos pacientes, no entanto, o assunto ainda permanece muito controverso (6).

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico do líquen plano oral (LPO) deve ser feito por meio de exames clínico e histo-

lógico. No entanto, em lesões clássicas, é possível sugerir o diagnóstico com base na aparência clí-

nica. Na inspeção, o LPO pode se apresentar como estrias brancas (estrias de Wickham) na superfí-

cie da mucosa, pápulas ou placas de cor branca, lesões atróficas, atrófico-erosivas ou vesiculares. O

LPO tipo erosivo, atrófico ou bolhoso é acompanhado de sintomatologia dolorosa variável. O diag-

nóstico diferencial inclui reações liquenóides a drogas ou materiais dentários, leucoplasia, lúpus

eritematoso e doença do enxerto-versus-hospedeiro em pacientes com transplante de medula óssea.

Lesões ulceradas ou eritematosas que afetam completamente a gengiva inserida causam uma

condição chamada de gengivite descamativa (25). O quadro de gengivite descamativa também pode

ser confundido com outras doenças, como pênfigo, penfigóide, dermatite herpetiforme ou doença

linear da IgA; portanto, exames complementares são de fundamental importância para o diagnóstico

(21). As estrias brancas entrelaçadas que aparecem bilateralmente na região posterior da mucosa

jugal são praticamente sinais patognomônicos. Eventuais dificuldades poderão ocorrer caso ocorra o

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surgimento de candidíase que se sobreponha as lesões, pois o microorganismo pode alterar o padrão

reticular da doença (21).

O líquen plano erosivo pode ser considerado mais difícil de ser diagnosticado com base ape-

nas nas características clínicas, sendo, portanto indispensável uma biópsia para descartar outras do-

enças erosivas ou ulcerativas, como o lúpus eritematoso ou a estomatite ulcerativa crônica.

As lesões liquenóides erosivas isoladas, particularmente localizadas no palato mole, borda e

ventre de língua ou no soalho oral devem ser submetidas à biópsia para afastar alterações pré-

cancerizáveis ou malignas.

Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento da doença tem como objetivo o alívio dos

sintomas, pois a cura nem sempre é possível. Os corticosteróides são os medicamentos de escolha

no tratamento do líquen plano, o que se deve a sua capacidade de modular a resposta inflamatória e

imunológica. Os corticosteróides suprimem a atividade imune mediada por células (14,17,25), mas

a resposta terapêutica pode ser diferente entre os pacientes (17). Apesar disso, esses medicamentos

podem ser efetivos, e com danos sistêmicos mínimos, principalmente se usado topicamente. Nos

casos em que os sintomas são graves, pode-se optar pelo uso sistêmico.

Um corticosteróide tópico potente (como por exemplo, fluocinonida, betametasona, clobeta-

sol em gel) aplicado várias vezes por dia nas áreas mais sintomáticas em geral é suficiente para in-

duzir cicatrização dentro de uma ou duas semanas (21).

Pesquisas anteriores têm demonstrado a efetividade do propionato de clobetasol no trata-

mento do líquen plano oral (17). Este é o mais potente dos esteróides tópicos, exercendo atividade

imunossupressora antiinflamatória, além de efeitos antimitóticos que influenciam no crescimento,

diferenciação e função de várias células (22). O clobetasol inibe a produção de fosfolipase A2 e a

formação de subprodutos como lipoxigenases e cicloxigenases, o que explica sua ótima eficácia

(22).

Ainda assim, outros medicamentos têm sido utilizados em casos recorrentes, alta prevalência

e risco de malignidade do líquen plano oral. (14), entre os quais, destacam-se os agentes imunossu-

pressores, como a ciclosporina e o tacrolimus, embora teoricamente tais medicamentos possam au-

mentar a suscetibilidade à transformação maligna, pois, além de atuarem sobre o sistema imunoló-

gico, agem diretamente sobre as células (27). Outros agentes terapêuticos que têm sido estudados

são acitretinas, retinóides, talidomida, interferon alfa e fitoterápicos. (22).

A seguir, para ilustrar, observem as lesões do líquen plano em pele e mucosa oral de um in-

divíduo diagnosticado com a hepatite C.

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Figura 1. Lesão cutânea do líquen plano em indivíduo com hepatite C. As lesões aparecem

como pápulas pruríticas nos braços (1A) e nas mãos (1B).

Figura 2. Lesões orais do líquen plano em indivíduo com hepatite C. Figuras 2A e 2B: Líquen

plano atrófico-erosivo na mucosa jugal bilateral; Figuras 2C e 2D: Líquen plano atrófico-

erosivo no lábio e na língua

1A 1B

2A 2B

2C 2D

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Figura 3. Fotomicrografia exibindo infiltração de

linfócitos em banda, subjacente ao epitélio pavimen-

toso estratificado com degeneração da camada basal

(Aumento Original – 40X, H.E.)

Fotos cedidas pela Profa Maria Ângela Naval Machado e pelo Prof. Adilson.

RELAÇÃO HEPATITE C E LÍQUEN PLANO

Os estudos que confirmaram ou não a possível relação entre a infecção causada pelo vírus da

hepatite C e o líquen plano oral foram descritos na Tabela 1.

Tabela 1. Estudos que demonstraram ou não a possível relação entre LP x HCV

Autores (ano) Número de pacientes Resultado Conclusão

GUERREIRO,T.D.T.;

MACHADO,M.M.;

FREITAS,T.H.P.

(2005)

∙ 66 pacientes com

líquen plano oral

∙ 5 pacientes

apresentaram

sorologia positiva

para HCV

Maior prevalência estatística

de infecção pelo HVC em

pacientes com líquen plano

MICHELE,G.;

CARLO,L.;

MARIO,M.C.;

GIOVANNI,L.;

PASQUALE,M.;

ALESSANDRA,M.

(2007)

∙ 82 pacientes com

líquen plano.

∙ 165 pacientes com

infecção crônica

pelo HCV

∙ 9 pacientes com

líquen plano

apresentaram

sorologia positiva

para HCV.

∙ 5 pacientes

infectados pelo

HCV mostraram

possíveis lesões

de líquen plano

(apenas 2

confirmados

histologicamente)

Fraca relação entre o líquen

plano e a infecção pelo

HCV, com resultados esta-

tísticos não significativos.

KLANRIT,P.;

THONGPRASOM,K.;

ROJANAWATSIRI-

VEJ,S.;

∙ 60 pacientes com

líquen plano oral

∙ 5 pacientes com

líquen plano oral

infectados pelo

HCV.

Prevalência de infecção pelo

HCV em pacientes com lí-

quen plano oral mostrou

diferença estatística signifi-

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THEAMBOON-

LERS,A.;

POOVORAWAN, Y.

(2003)

cativa.

GROSSMAN,S.M.C.;

AGUIAR,M.C.F.;

TEIXEIRA,R.;

CARMO, M.A.V.

(2007)

∙ 50 pacientes com

líquen plano oral.

∙ 215 pacientes com

hepatite C crônica

∙ 1 paciente com

líquen plano foi

diagnosticado com

hepatite C

∙ 5 pacientes com

hepatite C

apresentavam

líquen plano

Os resultados sugerem que o

líquen plano pode ser uma

manifestação extra-hepática

da hepatite C.

FRIEDRICH, R.E.;

HEILAND, M.;

EL-MOAWEN,A.;

DOGAN,A.;

vonSCHERENCK,T.;

LÖNING,T.

(2003)

∙ 156 pacientes com

doenças hepáticas

(HCV, HBV).

Desses 117 com

hepatite C.

∙ 5 pacientes com

hepatite C

apresentaram

lesões suspeitas de

líquen plano (4

confirmados

histologicamente)

Não há aumento da preva-

lência de líquen plano oral

em pacientes com infecção

pelo HCV.

GROSS-

MANN,S.M.C.;

TEIXEIRA,R.;

AGUIAR,M.C.F.;

MOURA,M.D.G.;

CARMO,M.AV.

(2009)

∙ 215 pacientes

com hepatite C

crônica.

∙ 5 pacientes com

hepatite

apresentavam

líquen plano oral.

A associação entre o líquen

plano oral e a hepatite C

mostrou diferença estatística

significativa.

CUNHA,K.S.G.;

MANSO,A.C.;

CARDOSO,A.S.;

PAIXÃO,J.B.A;

COELHO,H.S.M.;

TORRES,S.R.

(2005)

∙ 134 pacientes

com HCV

∙ 2 pacientes com

HCV

apresentavam

líquen plano oral

Os resultados indicam que

não há associação entre o

líquen plano oral e a infec-

ção pelo HCV em brasilei-

ros, não houve diferença

estatística significativa na

prevalência em relação ao

grupo controle.

Alguns estudos tentaram esclarecer a relação entre a hepatite C e a presença de lesões do lí-

quen plano na boca, porém a complexa patogênese ainda não esclarecida, sua prevalência desco-

nhecida e a distribuição das duas doenças concomitantes, contribuíram para tornar a interpretação

dos estudos duvidosa. Não existe até o presente momento comprovação de que a infecção crônica

pelo HCV é um fator de risco para o desenvolvimento do líquen plano oral.

No geral, os estudos avaliaram pacientes com LPO e realizaram testes sorológicos para pes-

quisa do HCV (11,13,15,18) ou ainda, examinaram clinicamente pacientes com hepatite C crônica

para diagnosticar o LPO, posteriormente confirmado pelo diagnóstico histológico (9,10,11,12,18).

Outros estudos avaliaram pacientes com a hepatite C crônica, porém em diferentes estágios da do-

ença (18) e recebendo diferentes terapias medicamentosas (9,10,18) causando um viés no diagnósti-

co das lesões orais (reação liquenóide ou líquen plano).

Alguns estudos sugeriram que a prevalência da infecção pelo HCV aumenta com a idade,

assim como a prevalência do LPO (5,19). Essa associação ocorreria devido à frequência e a distri-

buição da idade de cada uma das doenças na população (18).

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16

Parece também que há diferenças geográficas na coexistência de LPO e da hepatite C. A dis-

tribuição geográfica heterogênea sugere que essas diferenças se devem ao genótipo viral (13).

A associação da infecção pelo HCV e a presença do LPO mostraram resultados conflitantes.

Alguns estudos não encontraram uma relação positiva entre essas duas doenças (9,10,18), enquanto

outros demonstraram essa relação (11,12,13,15).

Se confirmada a relação entre a infecção pelo HCV e o LP, os pacientes diagnosticados com

LPO poderiam ser orientados a fazer os testes sorológicos para detecção do HCV. Além disso, hipo-

teticamente o papel desempenhado pelo HCV na patogênese do LPO seria em parte esclarecido e

auxiliaria na erradicação do vírus em pacientes com HCV e que apresentam lesões do LPO conco-

mitantes (18).

Uma maior prevalência de pacientes com LPO com sorologia positiva para o HCV foi de-

monstrada em dois estudos, numa proporção de (LPO: Sorologia + HCV) 66:5 e 60:5, respectiva-

mente (13,15).

Outros dois estudos sugeriram que o LPO pode ser uma manifestação extra-hepática da in-

fecção pelo HCV, numa proporção de (Hepatite C: LPO) 50:1 e 215:5, respectivamente (11,12).

Em contrapartida, uma fraca relação entre o número de indivíduos com infecção crônica pe-

lo HCV e que tinham o diagnóstico histológico confirmado de LPO, foi encontrada numa proporção

de 165:2 (18). Porém, quando estes mesmos autores avaliaram o número de indivíduos com LPO e

que apresentavam a sorologia positiva para o HCV encontraram uma proporção de 82:9 (18). Esses

resultados corroboraram com aqueles encontrados por Friedrich et al. (10), que não observaram

aumento na prevalência do LPO em indivíduos com HCV (117 Hepatite C: 4 LPO).

No Brasil, um estudo sobre a prevalência do LPO em um grupo de 134 indivíduos com in-

fecção pelo HCV, não mostrou diferença estatística significante em relação ao grupo controle. A

proporção de indivíduos com infecção pelo HCV e que tinham lesões do LPO foi de 134:2 (9).

Diversas hipóteses foram sugeridas para explicar a ocorrência da hepatite C associada ao

LPO. Entretanto, não há uma explicação definitiva para esta associação.

Alguns autores sugerem que a ocorrência concomitante do LPO associado à hepatite C re-

sulte dos fármacos usados no tratamento da hepatite C. Desta forma, o paciente desenvolveria uma

reação liquenóide, causada principalmente pelo interferon (10,13,18).

As reações liquenóides são lesões com aspecto clínico e histológico idênticos às lesões do

LPO, porém apresentam causa ou fator responsável pelo desencadeamento da resposta imunológica

conhecida (29). Estas podem ser desencadeadas por contato, por fármacos (medicamentos) ou ainda

pela doença do enxerto contra hospedeiro (29).

O interferon, além da ação antiviral, possui uma ação imunomodulatória modificando a res-

posta imune à infecção. Os interferons promovem ou inibem a síntese de anticorpos pelos linfócitos

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17

B ativados e também ativam macrófagos, células “natural killers” e linfócitos T. Este fármaco in-

duz a expressão de citocinas, ativam macrófagos e linfócitos, estimulam a expressão das proteínas

MHC de classe I e II.

O interferon influencia os processos inespecíficos da resposta imunitária mediados por mo-

nócitos e macrófagos. No entanto essa hipótese não explica totalmente a coexistência do LPO e da

hepatite C, pois não são todos os pacientes com ambas as doenças que estavam sob tratamento com

interferon.

Além disso, em alguns pacientes ele pode exacerbar dermatoses inflamatórias que se encon-

travam em baixa atividade antes do início do tratamento. Em outros pacientes, entretanto, pode-se

observar melhora ou até mesmo desaparecimento do líquen plano após terapia com interferon-α

(13).

Outro estudo sugere que as lesões de líquen plano possam ser causadas pela replicação viral

na pele e em mucosas, ou ainda que seja o produto de uma reação imune mediada e induzida pela

HCV (13). É possível que o HCV atue por vias imunológicas, acionadas por semelhanças a alguns

componentes das células epiteliais, resultando na produção de anticorpos contra a mucosa oral ou a

pele (13).

Baseado nos trabalhos acima descritos torna-se evidente que ainda não é possível estabele-

cer uma relação direta entre a infecção pelo HCV e o aparecimento de lesões de LPO. Fazem-se,

portanto, necessários mais estudos sobre essa associação, de modo a esclarecê-la se positiva ou não.

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CONCLUSÃO

Ainda existem poucos estudos sobre a possível relação entre o líquen plano oral e o vírus da

hepatite C, tornando este tema controverso e de difícil conclusão.

Na atualidade ainda não existem comprovações de que o HCV é um fator de risco para o de-

senvolvimento do LPO. No entanto, são discutidas várias hipóteses sobre a ocorrência concomitante

dessas duas doenças.

Sabe-se que há uma diferença de cunho geográfico na prevalência dessas duas doenças na

população. Essa frequência heterogênea talvez se deva aos diferentes genótipos do vírus da hepatite

C.

Estima-se que a prevalência da infecção pelo HCV aumente com idade do indivíduo, assim

como a prevalência do LPO.

Tem sido sugerido que o líquen plano oral surja durante a administração de fármacos utili-

zados no tratamento da hepatite C, constituindo na realidade uma reação liquenóide. O principal

fármaco discutido é o interferon. Este possui uma ação imunomoduladora, que é capaz de regular a

resposta imunológica no processo de eliminação viral, ou seja, ele modifica a resposta imune à in-

fecção.

Reações liquenóides em pacientes com HCV são situações a serem consideradas, pois estas

lesões apresentam aspectos clínicos e histológicos idênticos às lesões de líquen plano. Portanto, fa-

tores como restaurações de amálgama, reações a medicamentos e doença enxerto-versus-hospedeiro

devem ser analisados criteriosamente.

Talvez o líquen plano oral possa ser uma manifestação extra-hepática da infecção pelo

HCV, pois o vírus provoca, além de lesões ao tecido hepático, danos a outros órgãos e tecidos do

organismo. Sendo assim as lesões de líquen plano poderiam ser uma resposta a uma reação imune

mediada e induzida pelo vírus da hepatite C, atuando por vias imunológicas, resultando então na

produção de anticorpos contra a pele ou a mucosa oral.

Dos sete artigos relacionados na tabela mostrada neste trabalho, quatro prevêem uma possí-

vel influência do vírus da hepatite C sobre as lesões de líquen plano.

Caso esta relação seja comprovada, é de extrema importância que os pacientes que apresen-

tarem diagnóstico positivo para líquen plano sejam orientados e incentivados a fazerem testes soro-

lógicos para a detecção do HCV. Desta maneira, uma vez confirmada a presença do vírus, o trata-

mento seria iniciado o mais cedo possível, melhorando o prognóstico dos pacientes e evitando, as-

sim, maiores problemas posteriores. Este método seria eficaz para o tratamento precoce da hepatite

C, já que, muitas vezes, esta no início pode se apresentar assintomática

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Pode-se concluir que ainda existem muitos pontos a serem elucidados, e faz-se necessária

maior análise e estudo sobre a possível relação entre o LPO e o HCV, pois ainda não é possível es-

tabelecê-la claramente.

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