jornal da abi 371

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa 371 OUTUBRO 2011 PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22 E 23 LUIZ LOBO Roberto Marinho saiu de casa para editar cinco páginas sobre o fim do Capitão Lamarca CARLOS ESTEVÃO Os 90 anos do humorista que retratou o brasileiro com ironia PÁGINAS 30, 31, 32, 33, 34 E 35 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa PÁGINA 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2: A ANISTIA EM MARCHA A . LYGIA FAGUNDES TELLES E SUAS LEMBRANÇAS DE CLARICE EM ENCONTRO COM LEITORES, A ROMANCISTA FALA DO LADO IGNORADO DOS AMIGOS. PÁGINAS 14, 15 E 16 SENADORES QUEREM FIRMEZA NA LUTA ANTICORRUPÇÃO A MÍDIA ABANDONOU A DANÇA CLÁSSICA COMISSÃO DA VERDADE: NOSSA PRIMEIRA VITÓRIA EM REUNIÃO NA ABI, PEDRO SIMON E RANDOLFE RECLAMAM AÇÕES CONCRETAS. PÁGINAS 8 E 9 O DESABAFO SERENO DE DALAL ACHCAR, A MAIOR COREÓGRAFA DO BRASIL. PÁGINAS 10 E 11 APROVADO NO SENADO, O PROJETO Nº 7.376/10 AGORA DEPENDE DA CÂMARA. PÁGINA 29 Ele foi vítima de um erro clamoroso da Comissão de Anistia e dos Ministros Luiz Eduardo Barreto e José Eduardo Cardozo. Há muitos outros requerimentos sem solução na Comissão de Anistia, que está trabalhando em ritmo muito lento. UCHA

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Nesta edição, o Jornal da ABI faz um novo alerta: a Comissão de Anistia sofreu um retrocesso, como fica evidente com o caso do jornalista Antônio Idaló, que foi vítima de um erro clamoroso da Comissão e dos Ministros Luiz Eduardo Barreto e José Eduardo Cardozo. Também relatamos quais os problemas que as Faculdades de Jornalismo enfrentaram após a derrubada da exigência do diploma. Rodolfo Konder lembra o estilo de Marcos Faerman, um escultor de textos. Leia também a homenagem aos 90 anos de Carlos Estevão, o humorista que retratou o brasileiro com ironia; os depoimentos de Luiz Lobo e Lygia Fagundes Telles, e a visita à ABI dos Senadores que querem firmeza na luta anticorrupção. Celebramos os 75 anos da Rádio Nacional; destacamos a redescoberta do escritor Robert E. Howard e acompanhamos o lançamento do livro 68, A Geração Que Queria Mudar o Mundo - Relatos.

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

371OUTUBRO

2011

PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22 E 23

LUIZ LOBO Roberto Marinho saiu de casa paraeditar cinco páginas sobre o fim do Capitão Lamarca

CARLOS ESTEVÃO Os 90 anos do humoristaque retratou o brasileiro com ironia

PÁGINAS 30, 31, 32, 33, 34 E 35

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

PÁGINA 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2: A ANISTIA EM MARCHA A RÉ.

LYGIA FAGUNDES TELLES ESUAS LEMBRANÇAS DE CLARICE

EM ENCONTRO COM LEITORES, AROMANCISTA FALA DO LADO IGNORADO

DOS AMIGOS. PÁGINAS 14, 15 E 16

SENADORES QUEREM FIRMEZANA LUTA ANTICORRUPÇÃO

A MÍDIA ABANDONOUA DANÇA CLÁSSICA

COMISSÃO DA VERDADE:NOSSA PRIMEIRA VITÓRIA

EM REUNIÃO NA ABI, PEDRO SIMONE RANDOLFE RECLAMAM AÇÕES

CONCRETAS. PÁGINAS 8 E 9

O DESABAFO SERENO DE DALAL ACHCAR,A MAIOR COREÓGRAFA DO BRASIL.

PÁGINAS 10 E 11

APROVADO NO SENADO, O PROJETONº 7.376/10 AGORA DEPENDE

DA CÂMARA. PÁGINA 29

Ele foi vítima de um erro clamoroso daComissão de Anistia e dos Ministros LuizEduardo Barreto e José Eduardo Cardozo.Há muitos outros requerimentos semsolução na Comissão de Anistia, queestá trabalhando em ritmo muito lento.

UC

HA

2 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

EditorialEditorial

A ANISTIA EM MARCHA A RÉ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 Diploma Diploma Diploma Diploma Diploma - Ter ou não ter, eis a questão

07 Memória Memória Memória Memória Memória - Marcão, um escultor de textos,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por Rodolfo Konder

12 Prêmio Prêmio Prêmio Prêmio Prêmio - Cobertura do Alemão deu ao

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Jornal Nacional o Oscar da televisão

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

14 Homenagem Homenagem Homenagem Homenagem Homenagem - À mestra, com carinho

16 ArteArteArteArteArte - Paul Gauguin, o selvagem,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Por Paulo Ramos Derengoski

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

17 Depoimento Depoimento Depoimento Depoimento Depoimento - Luiz Lobo

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

30 MemóriaMemóriaMemóriaMemóriaMemória - Carlos Estevão, 90 anos

36 AniversárioAniversárioAniversárioAniversárioAniversário - A Rádio Nacional celebra

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

seus 75 anos, após muitos dramas

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

38 FotografiaFotografiaFotografiaFotografiaFotografia - Mostra traz a estética do limite

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

40 Projeto Projeto Projeto Projeto Projeto - O futuro Mis, ousado e futurista

42 LivrosLivrosLivrosLivrosLivros - A redescoberta de Robert E. Howard,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

bárbaro e multimídia

44 LivrosLivrosLivrosLivrosLivros - Lembranças de uma geração

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

marcada pela contestação

SEÇÕES0 ACONTECEU NA ABI08 Ação contra a corrupção deve incluir

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

seis metas iniciais

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

10 A mídia abandonou a dança

26 LIBERDADE DE IMPRENSA

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

José Dirceu acusa Veja de agredir a ética

DIREITOS HUMANOS27 Jornalista Antônio Idaló morre sem a anistia

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

requerida há dez anos

28 As imagens dos Direitos Humanos no Brasil

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

ganham exposição

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

29 O Brasil a um passo da Comissão da Verdade

VIDAS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

45 Um repórter sem medo: Sílvio Paixão

46 Meirelles Passos, universal,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

sem perder a brasilidade

47 Benoni Alencar, Edison Cattetee Marcos Santarrita

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

UMA DAS NECESSIDADES AGUDAS da vida na-cional nos dias presentes é a instituição da Co-missão Nacional da Verdade, para que se possapassar o Brasil a limpo, como reclamava o Pro-fessor Darci Ribeiro, e proceder à identificaçãoe responsabilização daqueles que, utilizando deforma covarde e criminosa o poder do Estado,torturaram, mataram e liquidaram, dando su-miço a seus corpos, centenas de brasileiros quenão aceitavam viver sob o regime tirano impos-to a ponta de baioneta ao País pelo golpe militarde 1º de abril de 1964. Sem isso, ao contrário doque sustentam velhos e novos cúmplices doregime ditatorial, será impossível virar a pági-na, como muitos apregoam, e abrir um novomomento da nossa História.

TÃO NECESSÁRIA QUANTO A INSTITUIÇÃO daComissão Nacional da Verdade é a conclusão dosprocessos de anistia de milhares de brasileirosque padeceram horrores sob a ditadura, os quaisaguardam o exame das razões e dos documen-tos que apresentaram e a decisão sobre fatosque em inúmeros casos já se arrastam por quasemeio século, desde que os golpistas instituí-ram seu sistema de terror. Muitos dos autoresdesses pedidos de reparação, que é tanto moralquanto pecuniária, já foram colhidos pelaindesejada das gentes de que falava o poetaManuel Bandeira; se se procrastina a decisão,outros tantos não verão a justiça que recla-mam há décadas.

É NECESSÁRIO ASSINALAR QUE A CONDUÇÃOda anistia não vive um bom momento, em ra-zão de motivos dentre os quais não parece menoro da mudança de Governo, que mergulhou osassuntos da Comissão de Anistia do Ministério

da Justiça numa espécie de afasia, em contrastecom o impulso que tão relevante assunto me-receu no Governo Fernando Henrique, o qualpromoveu entre outras iniciativas a instituiçãoda Lei nº 10.559/2000, pela qual a anistia dei-xou de ser platônica delaração constitucional ese tornou matéria passível de procedimentosadministrativos concretos.

ESSES PROGRESSOS FORAM MAGNIFICADOS noGoverno Lula pela gestão do então Ministro daJustiça Tarso Genro, que designou para a pre-sidência da Comissão um profissional da maiorqualificação jurídica e política, o professor deDireito Paulo Abrão Pires Júnior, e dotou o ór-gão de conselheiros que se dedicaram com omaior espírito público, sem perceber qualquerremuneração, à análise de milhares de proces-sos que pendiam do pronunciamento oficialacerca de sua procedência ou não. Paralelamen-te, determinou o Ministro Tarso Genro quefossem proporcionados à Comissão de Anistiaos meios materiais necessários ao eficaz desem-penho de seus encargos. Com isso pôde a Co-missão multiplicar por três o número de pro-cessos examinados e decididos.

SOB O NOVO GOVERNO A COMISSÃO de Anis-tia sofreu um retrocesso, perdeu o ímpeto quelhe dera o Ministro Tarso Genro. Se o Presiden-te da Comissão foi mantido e se foi igualmentemantido o conjunto de conselheiros, esse passoatrás deve ser explicado pelo novo Ministro daJustiça, José Eduardo Cardozo, que tem a respon-sabilidade de gerir um passivo político e jurí-dico que em breve completará 48 anos. Os quedependem de sua diligência e de sua atuaçãonão podem mais esperar.

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Orpheu Santos SallesDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretora de Assistência Social: Ilma Martins da SilvaDiretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage eTeixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2011-2012Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, JorgeSaldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e ManoloEpelbaum.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012Presidente: Pery CottaPrimeiro Secretário: Sérgio CaldieriSegundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda

Conselheiros Efetivos 2011-2014Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, DácioMalta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho daGraça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn,Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros Efetivos 2010-2013André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José GomesTalarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, MárioAugusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Conselheiros Efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles,Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, JoséÂngelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães,Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros Suplentes 2011-2014Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,

Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira daSilva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa,Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros Suplentes 2010-2013Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, DanielMazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, SérgioCaldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

Conselheiros Suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (MiroLopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, JordanAmora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus AntônioMendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo CoelhoNeto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIACarlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva(Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes deMiranda.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSAlcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro,Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, GilbertoMagalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Lucy Mary Carneiro,Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, MarthaArruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIALIlma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do PerpétuoSocorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George BenignoJatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.

REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAISJosé Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),CarlaKreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José BentoTeixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz eRogério Faria Tavares.

Jornal da ABINúmero 371 - Outubro de 2011

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

Editores: Maurício Azêdo e Francisco [email protected] / [email protected] gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,André Gil, Conceição Ferreira, Guilherme PovillVianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz deFreitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULODiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]ÇÃO DE MINAS GERAISDiretor: José Eustáquio de Oliveira

Impressão: Gráfica Lance!Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ

3Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

DIPLOMA

oi no dia 17 de junho de 2009. O golpebaixo veio de cima. Naquela data, o Su-premo Tribunal Federal, na figura doMinistro Gilmar Mendes, cassou a exi-

gência de formação de nível superior para o exer-cício da profissão de jornalista. A repercussão foiimediata. Enquanto órgãos de classe alertavampara a ameaça que a decisão representava parao exercício de um jornalismo ético, qualificadoe responsável, grandes grupos de comunicaçãopareceram não se ocupar muito da pauta. Tal-vez preocupados mais com seu negócio do quecom os interesses de seus leitores, ouvintes e te-lespectadores. No meio disso tudo, a controver-tida decisão do Supremo Tribunal colocou emxeque o papel dos cursos superiores de Jorna-lismo. Teriam eles perdido o sentido? Estariamfadados à extinção?

Passados quase dois anos e meio da derrubadado diploma, parece que não. Os cursos de gra-duação em Jornalismo seguem abertos e, espe-cialmente nas universidades públicas, continuama constar da lista dos mais procurados. Houve,sim, casos de fechamento de alguns cursos emuniversidades menores. E, possivelmente, atémesmo o cancelamento da abertura de novoscursos programados. Seriam efeitos diretos dadecisão do Supremo? Talvez, sim. Certamenteapenas em parte, e não exatamente como umtodo. Por trás dessa diminuição na oferta de cur-sos também estão questões particulares, comoa dura realidade de mercados locais e a questio-nável qualidade acadêmica do ensino oferecidopor algumas instituições. Enfim, problemas queafligem cursos de todas as áreas de conhecimen-to, e não só os de Comunicação.

Ter ou não ter,eis a questão

Pouco mais de dois anos após a derrubada da exigência do diploma,o Jornal da ABI sai a campo para verificar, nas instituições de ensino, asconseqüências dessa desastrada decisão do Supremo Tribunal Federal.

Elas foram muito menores do que se poderia imaginar. De modogeral, estudantes, professores e mercado de trabalho sabem que

apostar na formação acadêmica criteriosa ainda é o melhor caminhopara o exercício de um jornalismo competente, ético e responsável.

POR PAULO CHICO

Ter ou não ter,eis a questão

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4 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

DIPLOMA TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO

a UFRJ, a nossa percepção éde que não mudou nada.Não houve desvalorizaçãodo curso. Ao contrário, a boaformação continua sendoexigida no mercado de tra-

balho. A grande mídia continua dandopreferência aos alunos que tenham gradu-ação. O que fica muito claro é que aquelediscurso passa muito mais pela questãocartorial e corporativa da exigência do di-ploma do que da formação do profissional.O que importa é a possibilidade de ter umaformação diferenciada, como o nosso cur-so e outros que trabalham com a Comuni-cação de maneira mais ampliada, e não sócom o Jornalismo, têm proposto”, defen-de Ivana Bentes, Diretora da Escola de Co-municação-Eco da Universidade Federaldo Rio de Janeiro.

A professora Ivana acredita que o focodas discussões deveria ser outro. “Claro quea formação faz diferença, ela é semprevalorizada. É necessário até ampliá-la,inclusive pela educação não-formal. Ossindicatos deveriam estar mais preocupa-dos em formar bons jornalistas dentro efora da universidade. Aqui na UFRJ, temosconvênio com a Central Única das Favelasna produção audiovisual, e com a Escola deComunicação Crítica da Maré. Estamospreocupados em qualificar as pessoas quevão trabalhar no campo da mídia, com ousem diploma. Essa é a preocupação. Aminha crítica é que os sindicatos dos jor-nalistas não cuidam do contingente depessoas que mais precisam de uma associ-ação. Falo do autônomo, do freelancer. Sãoessas pessoas que precisam de formação,direitos, apoio. Quem entra no mercadoformal já vai usufruir das conquistas his-tóricas obtidas”, aponta.

Na avaliação de Ivana Bentes, a deci-são do STF enfraqueceu os cursos de Jor-nalismo que viviam da venda de diploma.E que só sobreviviam no mercado exata-mente devido à existência da exigênciado ‘canudo’. “Esses, sim, desapareceram,quando caiu essa exigência do diploma,que era artificial. Se tem que haver diplo-ma para jornalista, tem de haver paratodas as outras áreas. Não há campanhapara exigir diploma dos publicitários,embora a Publicidade influencie a opi-nião e lide com questões éticas tão impor-tantes quanto o Jornalismo. Por isso,nunca entendi o motivo de regular oJornalismo, e não a Publicidade. Ela matacriancinhas vendendo gordura trans. Criauma sociedade de consumo totalmentedistorcida”, dispara.

Ivana conta que na época da decisão doSTF houve discussões, debates internos naescola. Havia opiniões contrárias dentro daEco. Alguns professores defendiam, outroscriticavam o fim da obrigatoriedade do di-ploma. Entre os alunos, também haviacerta ansiedade e medo, pois eles estavamvivenciando incertezas. Na prática, con-tudo, a decisão não reconfigurou o merca-do, nem mesmo a forma de ensino. Asempresas continuaram dando privilégio aquem tem formação: “Não conheço ne-nhuma empresa de grande mídia que tenhapassado a contratar não formados, comsalários mais baratos. Isso seria ruim paraos negócios. Que empresa vai contratar al-guém sem formação, sem cultura geral? O

mercado exige qualidade. Nunca a forma-ção foi tão importante quanto agora queo diploma caiu, pois é ela que difere o pro-fissional”.

Assim sendo, diz ela, os bons cursosnão correm risco de extinção. “Mas elesprecisam se atualizar, principalmente noque tange ao novo perfil do jornalistamultimídia. Nós, jornalistas, comunicó-logos, temos de estar à altura das mudan-ças. A atualização do currículo era neces-sária com ou sem o fim do diploma. Adiscussão das novas mídias, internet,redes sociais, a idéia de uma formação doque chamam o webjornalismo, a incorpo-ração pelo jornalismo de linguagens pro-venientes de outros campos, do cinema,dos quadrinhos, que aparentemente nãotêm nada a ver com o Jornalismo... Essasexigências independem da questão dodiploma. Resumindo, essa é uma questãode reserva de mercado e de cartório. O sin-dicato tem de estar à altura das mudanças,não dá para ficar na retaguarda. Não podeficar apenas com um discurso reativo”.

MESMO CENÁRIONUMA TRADICIONAL

INSTITUIÇÃO PRIVADANa linha de Ivana Bentes, Leonel Agui-

ar, Coordenador do curso de Jornalismoda Puc-Rio, alerta que esse debate já ul-trapassou a questão do diploma. “Há umadiscussão no Mec, no Conselho Nacionalde Educação, que prevê a volta dos cursosde Jornalismo. É uma proposta de diretri-zes curriculares nacionais. Hoje, nosformamos em Comunicação Social, comhabilitação em Jornalismo ou Publicida-de. O Ministério tem uma proposta, quevem sendo amadurecida há anos, de terbacharelado em Jornalismo, Publicidade.A Comunicação deixaria de ser curso parase tornar área, como deve ser do ponto devista acadêmico. Ela é a única faculdadeem que o estudante se forma em habilita-ções. A proposta está nos últimos trâmi-tes no CNE. Essa divisão teve a ver comuma manobra na época da ditadura, nadécada de 1960, para esvaziar o potenci-al crítico dos jornalistas, formados emcursos mais genéricos”, lembra.

Na Puc-Rio, garante Leonel, a decisãodo Supremo também não trouxe altera-ções. “Continuamos com muitos alunos.O curso de Jornalismo continua com 800estudantes. Aqui também temos Publici-dade e Cinema, cursos nos quais nuncahouve obrigatoriedade do diploma para oexercício profissional. Eles também nãosofreram redução do número de alunos.Mas não saberia dizer o que houve emoutras universidades, principalmente asmenores”, afirma o Coordenador, que fazquestão de frisar:”Aqui estamos na van-guarda dessa luta pela defesa do diploma.Acreditamos que isso é bom para a soci-edade. É bom para a categoria. Estamosbrigando com o lado patronal”.

Segundo os coordenadores de cursos deJornalismo ouvidos pelo Jornal da ABI paraesta reportagem, a exigência do diplomapoderia interferir, quando muito, somentena formação de quadros das grandes em-presas jornalísticas do País, que têm umlucro fabuloso. Não teria impacto na açãode organizações não-governamentais,rádios e jornais comunitários ou mesmoblogs. Essa é outra falácia utilizada parajustificar a derrubada do diploma: afirmarque a sua obrigatoriedade acabaria com asiniciativas de comunicação comunitária.

“Isso é conversa fiada! Assim como asnovas tecnologias não o fizeram. Uma coi-sa é regulamentação da profissão, e outraé a liberdade de expressão, de pensamen-to. Estamos falando dos jornalistas que atu-am nas empresas jornalísticas. Isso trata daexigência do diploma para o exercício daprofissão apenas nas empresas formais”,acredita Leonel.

O curso de Jornalismo da Puc-Rio com-pleta 60 anos em 2011. É muito tradicio-nal, ao ponto de manter estável o grau deprocura dos estudantes, bem como o per-fil dos futuros jornalistas que nele ingres-sam. “Não vi mudança no padrão de quemprocura o curso de Jornalismo. Continu-am sendo aquelas pessoas que acreditamque a profissão tem capacidade de trans-

formação social, como instru-mento de melhoria das condi-ções de vida da população, deuma maneira geral. Essa utopiados nossos jovens se reflete logoquando ingressam. Isso ainda éuma marca dessa vocação pro-fissional, da cidadania. É umaparticularidade muito grandedos alunos de Jornalismo. Essaperspectiva vocacional quenossos estudantes têm pode serconsiderada utópica, mas elesacreditam que o Jornalismo éum poderoso instrumento detransformação social”.

O coordenador do curso daPontifícia Universidade Cató-lica do Rio de Janeiro não vêdiferença no momento deconclusão da graduação, isto é,quando do ingresso dos re-cém-formados no mercado detrabalho. “Nossos alunos con-tinuam estagiando e depoistrabalhando nas grandes em-presas aqui do Rio de Janeiro.Assim como as agências depublicidade, que sempre pro-curaram seus profissionais nas

escolas de Publicidade. As empresas jor-nalísticas não começaram a contratarprofissionais de outras áreas. Elas conti-nuam procurando estagiários e formadosnos cursos de Jornalismo.”

A polêmica em torno do fim da obriga-toriedade do diploma tem sua origem, emgrande parte, no efeito ausado pela deci-são do STF. Ela pegou as entidades sindi-cais de surpresa, por mais que a discussãotenha se arrastado desde 2001. O mesmoocorreu com as universidades e os própriosestudantes. Os alunos, de maneira geral,estão divididos, dizem os coordenadores.Alguns são a favor, outros contra a derru-bada do diploma. A bem da verdade – alô,alô, faculdades de Comunicação! –, nun-ca se fez uma pesquisa sobre o tema.

“O estudante de Radialismo, prova-velmente, será contra a exigência do di-ploma, pois pode pintar uma oportunida-de para ele em jornalismo. O de RelaçõesPúblicas também. Mas discordo dessetipo de pensamento, de um estudanteingressar em Radialismo, Relações Públi-cas em uma universidade, por ser menosconcorrido, e tentar mudar depois paraJornalismo. É uma falha ética estar como diploma de uma dessas áreas e dar ‘umjeitinho’ para tentar uma vaga que seriadestinada a profissionais de Jornalismo.O aluno tem que fazer o vestibular paraJornalismo, mesmo sendo este mais con-corrido. Caso contrário, já vai ter um des-vio ético na sua formação profissional. OVestibular e o Enem são formas democrá-ticas de ingresso no ensino superior. Co-municação não é tudo igual! Os cursos sãoseparados exatamente por haver diferen-ça entre eles”, esclarece Leonel.

ESTABILIDADE NA PROCURAPELO CURSO NAS

UNIVERSIDADES PÚBLICASO curso de Jornalismo continua a ser

um dos mais procurados nas universidadespúblicas do País, assim como nas particu-lares de prestígio, como a Puc-Rio. O ves-

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Ivana Bentes, da UFRJ: Crítica aos sindicatos dos jornalistasque não cuidam dos profissionais autônomos e dosfreelances, que mais precisam de uma associação.

Leonel Aguiar, da Puc-Rio: Uma coisa éregulamentação da profissão, e outra é aliberdade de expressão, de pensamento.

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5Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

tibular deste ano da Universida-de Federal Fluminense-Uff com-prova essa tese com números. Na liderançaabsoluta do ranking dos cursos mais pro-curados na Uff, Medicina reúne 10.420inscritos para as 144 vagas em oferta, comuma assombrosa relação de 72,36 candida-tos/vaga. Jornalismo ocupa um honrosoquarto lugar nessa lista, com relação de22,78 candidatos/vaga – atrás apenas deoutra habilitação de Comunicação, Publi-cidade e Propaganda (com 30,8) e Engenha-ria Civil (com 27,12).

Na Usp, o quadro se repete. Depois dequedas consecutivas no número de ins-critos, a Universidade de São Paulo regis-trou um pequeno crescimento na pro-cura pelo curso de Jornalismo para ovestibular deste ano. A relação can-didatos/vaga na universidade para2011 é de 34,62, contra 32,30 em2010. Contudo, vale lembrar que,no início da década passada a gradu-ação em Jornalismo da Usp che-gava a atrair mais de 50 estu-dantes por vaga.

“Aqui na escola, até o anopassado, a relação candidato/vaga no vestibular teve pouca alte-ração. A redução (cerca de 10%) acompa-nhou a tendência geral do vestibular daFuvest, onde a procura diminuiu poucomais de 8% em relação ao ano anterior. Issosignifica que, para os ingressantes da Eca,a visão do mercado profissional, mesmocom a não obrigatoriedade do diploma,ficou quase inalterada. Entretanto, não sepode negar que houve uma perda muitogrande da qualidade do jornalismo. Esta-mos voltando ao que era antes da regula-mentação profissional quando o jornalis-mo era um ‘bico’ e uma profissão que tinhauma casta muito bem preparada e um con-tingente enorme de ‘profissionais’ quecumpriam a pauta sem criatividade. Eramburocratas da informação”, critica JoséCoelho Sobrinho, Chefe do Departamen-to de Jornalismo e Editoração da Eca.

Para o professor José Coelho, é possívelobservar no mercado especialistas que malsabem articular o pensamento dando opi-niões e fazendo entrevistas sobre temassérios, num profundo desrespeito ao inte-resse público e aos direitos básicos do ci-dadão. Eles não agregam nenhum valor àinformação para que ela seja consideradaefetivamente uma notícia. “Não vejo omercado orientando a profissão de jorna-lista. Entendo o jornalismo como umaatividade necessária à sociedade. Percebo-o como um direito do cidadão de ser beminformado. E como instrumento que temno campo ético o dever de disseminar aopinião das pessoas”, disse José Coelho.

“Entendo que é necessária a volta daobrigatoriedade do diploma. Contraria-mente ao que pregam alguns juristas, po-líticos e mesmo alguns colegas, foi a regu-lamentação da profissão que impediu quea ditadura invadisse com seus simpati-zantes grande parte das escolas de Jorna-lismo, algumas Redações e mesmo os Gabi-netes do Planalto. Aqui na Eca, por contada necessidade do diploma para ministraraulas de Jornalismo, impediu-se que o cor-po docente fosse infestado de jornalistasatrelados ao poder, no lugar dos colegascassados”, destaca ele.

ro. Atualmente, coordena um curso de pós-graduação em Jornalismo na ESPM. Comtamanha estrada, é impossível deixar deconsultá-lo numa questão delicada. Comoexplicar a sensação de que os jovens quechegam ao mercado, tendo sido formal erecentemente formados, apresentem, em

geral, tantas deficiências?“A explicação é muito

simples: há muita escolaruim entre nós. Há, tam-bém, disciplinas mais fra-cas em faculdades com boa

reputação. A vida é dura. Umadas medidas mais urgentes para que me-lhoremos a imprensa no Brasil está justa-mente nas escolas: é preciso melhorá-las.Eu, pessoalmente, tenho uma propostapara a mudança dos cursos de Jornalismono Brasil. Eu a publiquei no Observatórioda Imprensa há cerca de dois anos (ver boxena página 6). É muita coisa para mudar-mos. Não caberia numa resposta desta en-trevista”, avalia.

Bucci afirma não ter verificado altera-ções expressivas nos cursos, ao menos nasescolas com as quais tem contato. “Há os-cilações, sim, mas não diria que sejam ex-pressivas. Agora, é bastante natural que asescolas que sobreviviam porque as pesso-as precisavam de diploma para exercer aprofissão tenham enfrentado mais turbu-lências. As boas escolas são procuradas por-que os alunos sabem que lá aprenderão, seaprofundarão em conhecimentos essenci-ais para quem quer dedicar a vida à impren-sa. Aí, é possível que o nível até melhore”.

De qualquer forma, explica EugênioBucci, polêmicas à parte, essa não é umaquestão central para a sociedade brasileira.“Cada professor tende a ver refletidas nosolhos dos alunos as suas próprias miragens.Como, nesse caso, a minha miragem é umacerta irrelevância da questão – não meparece que a exigência ou não do diplomaseja o alicerce da qualidade do nosso ensi-no e da nossa imprensa – não vejo maiorespreocupações quanto a isso entre os meusalunos. Não falamos disso em sala, salvoocasionalmente. Não formo alunos paraserem diplomados, mas para serem bonsjornalistas, dotados de boas capacidades in-telectuais, mentes autônomas, com gostopela leitura, pela pesquisa, pelas liberdadesdemocráticas e pela vida em geral.”

MERCADO FICOUMAIS ESTREITO.

E AINDA MAIS DIFÍCILHá, contudo, quem identifique, sim,

algumas alterações no mercado de traba-lho após a derrubada da exigência do di-ploma de Jornalismo.

“As empresas jornalísticas, evidente-mente, se fortaleceram, na medida em quetêm à sua disposição um contingente mai-or de possíveis contratados. O mercado,que já era estreito, se tornou um poucomenor. Mas, o mais importante, na minhaopinião, é o impacto psicológico da deci-são do STF, atestando a fraqueza dos sin-dicatos de jornalistas, da Fenaj e da cate-goria como um todo”, dispara Igor Fuser,Coordenador do curso de Jornalismo daFaculdade Cásper Líbero e com passagenspor veículos como Veja e Época.

Ele destaca que os cursos da área, na suamaioria, procuram combinar a formação

Nos últimos anos foram feitas algumastransformações curriculares no curso deJornalismo da Eca. José Coelho Sobrinho,porém, não vincula essas ações à extinçãoda exigência do diploma. Assim, tambémdo ponto de vista acadêmico, minimizaos efeitos da decisão do STF.

“As adaptações feitas anualmente sãopontuais, sem modificação do projeto po-lítico-pedagógico. Está sendo planejadauma mudança para 2013 que trabalha como conceito de Jornalismo estruturado so-bre Ética, Direitos Fundamentais do Ci-dadão e Interesse Público. O corpo docen-te do Departamento não considera o Jor-nalismo uma profissão técnica, estrutura-da unicamente sobre conhecimentos deregras de redação jornalística, operação deprogramas de edição e editoração eletrô-nica, além de saberes enciclopédicos. A di-ferença entre mídia e Jornalismo é bastan-te clara para que a profissão não se resumaa isso. Portanto, as mudanças não ocorre-ram e não ocorrerão por conta da supres-são do diploma ou de exigências imediatasdo mercado de trabalho. Elas são movidaspelo reconhecimento de que o jornalismotem um papel importante na formação dacidadania, do progresso social e na defesados direitos de informação e opinião.”

Para Coelho, cabe às escolas sérias a ta-refa de formar profissionais de jornalismoconscientes de seu papel. “Serão eles a ofe-recer aos leitores informações agregadas devalores socialmente importantes para oaprimoramento das relações humanas. Epara que tenham capacidade para fazer esseagendamento e abordem com propriedadeos temas eleitos como pauta, é inegável anecessidade de uma formação específica,como acontece com médicos, advogados eengenheiros. E vou além: como queria Frei-tas Nobre, deveríamos ter uma ordem ouum conselho para a profissão. O direito à li-berdade de expressão não passa pela falta denormas. São elas que vão garantir que os ci-dadãos se expressem por meio de jornalis-tas comprometidos com a Ética.”

NO SETOR DAS FACULDADESPARTICULARES,

UM CENÁRIO DE CRISESe a procura pelos cursos de Jornalismo

nas universidades públicas se mantém es-tável, a realidade do setor privado é dife-rente. Com exceção de instituições reco-nhecidas pela excelência, como a Puc-Rio,é possível perceber redução na oferta devagas na graduação desta habilitação daComunicação Social. Em 2009, a Univer-sidade de Uberaba-Uniube e a Universida-de Mogi das Cruzes-UMC suspenderam aturma de Jornalismo de um semestre. Já aFaculdade de Campinas-Facamp foi maisradical: decidiu extinguir o curso.

Em março de 2010, o Centro Univer-sitário Senac anunciou o fechamento desua graduação em Jornalismo, menos denove meses depois de o STF ter derruba-do a obrigatoriedade do diploma. De acor-do com a instituição, em comunicadodivulgado na imprensa na época, o térmi-no da graduação se justificou pela desis-tência de alunos do curso, criado um anoantes, no primeiro semestre de 2009. Oscerca de dez matriculados no Senac, cujocurso tinha mensalidades de R$ 790, fo-ram transferidos para outras instituições.

Houve, no mesmo setor privado, quemcaminhasse no sentido contrário. Em meioà crise da profissão, desprestigiada com aderrubada do diploma, a Escola Superior dePropaganda e Marketing de São Paulo lan-çou sua graduação em Jornalismo, em se-tembro de 2010. O momento de aparen-te adversidade, repleto de apreensões, foivisto como uma oportunidade. Uma apos-ta de que caberá ao mercado a tarefa dereconhecer a qualidade dos cursos e man-tê-los – ou não – funcionando.

Eugênio Bucci é um dos mais experien-tes jornalistas brasileiros, dentre os queatuam em veículos de imprensa e no meioacadêmico. No primeiro grupo, soma pas-sagens pela Veja, Estado de S. Paulo, Folha deS.Paulo, Jornal do Brasil, Superinteressante,Playboy, Quatro Rodas e Radiobrás. Comoformador de novas gerações de profissio-nais, passou pela Usp e pela Cásper Líbe-

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específica (em Jornalismo, Publicida-de...) com conteúdos ligados à chamadacultura geral e um pouco de teoria das co-municações. “É essa a orientação do Mece me parece perfeitamente razoável queseja assim. O problema dos cursos de Co-municação passa longe do currículo. Suasdeficiências têm a ver, principalmente,com problemas estruturais, ligados à criseda educação no País e ao caráter elitista,conservador e alienante dos meios em-presariais de comunicação, onde os for-mandos, na sua maioria, irão trabalhar,caso consigam emprego.”

Igor Fuser lembra que a formação defi-ciente é um problema que afeta todas asprofissões. “Essa deficiência, fortementesentida no Brasil, se deve sobretudo à baixaqualidade do ensino básico e do ensinomédio e à formação cultural precária daampla maioria da população, inclusive dasclasses mais privilegiadas economicamen-te. O Brasil é um país onde se lê muitopouco e onde a atuação dos meios de comu-nicação de massa, especialmente a televi-são, com seu conteúdo alienante e imbe-cilizante, exerce um efeito altamentenefasto para a formação intelectual e onível de consciência político-social daquase totalidade da população.”

Na sua esmagadora maioria, os alunosda Cásper, mais uma instituição que nãoregistrou queda na procura pelo curso deJornalismo, são a favor da obrigatoriedadedo diploma. E acham um absurdo que ‘qual-quer um’ agora possa exercer a profissão.Mas, revela Igor, esse assunto tem perma-necido muito distante das discussões nassalas de aula e dos eventos que ocorremna Faculdade. De modo geral, estudantese professores consideram a queda do di-ploma como um fato consumado. “Achoque de modo algum os bons cursos deJornalismo correm risco de extinção. Paraquem pretende se tornar um jornalista, omelhor caminho ainda é o de cursar a gra-duação em Jornalismo. Essa é uma verda-de que independe da obrigatoriedade dodiploma. Há um amplo consenso em tor-no dessa idéia.”

UM NEGATIVOIMPACTO REAL NO

IMAGINÁRIO COLETIVOSobretudo no meio acadêmico, que

parece ter sobrevivido à decisão da derru-bada da exigência do diploma, prevalecea visão de que o STF agiu como porta-vozdos interesses dos proprietários da mídia,ao confundir a liberdade da imprensacom a liberdade das empresas de comuni-cação. Afinal, é sabido que a liberdade deexpressão, em toda e qualquer sociedade,não se limita à atividade jornalística livre.Depende dela, certamente. Mas vai muitoalém dos muros das Redações. Em temposde revolução digital, a informação cadavez mais está ao alcance de todos. E éproduzida por todos.

Infelizmente, a sentença de 17 de ju-nho de 2009 parece ter surpreendido po-líticos, jornalistas, professores, entidadesde classe e ministros do Governo Federal,além dos próprios órgãos de imprensa einstituições de ensino. Embora houvesseum debate estabelecido sobre o tema,ninguém acreditava na suposta aprova-ção da derrubada do diploma pelo STF.

Num primeiro momento – há vários re-latos de professores neste sentido – osalunos dos cursos de Jornalismo ficarambastante aturdidos. Felizmente, muitossabem da importância dos estudos cien-tíficos acerca da Comunicação Social e opapel da mídia. A maioria permaneceu noscursos. Não todos.

“Penso que o processo de extinção daexigência do diploma desestabilizou oscursos, no sentido de que a procura poreles, principalmente nas universidadesprivadas, passou a ser medida pela relaçãocusto-benefício. Não alterou o interesse,mas prejudicou no sentido de que as fa-mílias passaram a resistir à idéia de pagarpor algo que não teria mais valor, teorica-mente, no mercado. A decisão do STFatingiu, sim, o imaginário das pessoas”,lamenta Rosana Cabral Zucolo, formadaem Jornalismo pela Universidade Fede-ral de Santa Maria, no Rio Grande do Sul,onde também fez o mestrado, e aluna dedoutorado da Unisinos (Universidade doVale do Rio dos Sinos), na também cida-de gaúcha de São Leopoldo.

Rosana é professora no curso de Jorna-lismo do Centro Universitário Francisca-no, na mesma Santa Maria, curso por elaprojetado, no ano de 2001. Foi responsá-vel, ainda, pelo projeto do curso de Jorna-lismo da Faculdade Social da Bahia, em Sal-vador, no ano 2000. Tamanha bagagemacadêmica lhe permite discordar dos de-mais entrevistados desta reportagem em,pelo menos, um ponto. “As faculdades nãoforam pegas de surpresa, não. Penso queninguém foi. A questão estava sendo anun-ciada. O que faltou foi articulação entrejornalistas e instituições de ensino superi-or, que poderiam ter desenhado a defesa dosseus cursos em instâncias maiores.”

Na opinião de Rosana, os jornalistascontinuam encontrando um mercadoinchado e com aproveitamento dos profis-sionais formados, preferencialmente. Aomenos no âmbito das cidades de médio egrande porte. “Na realidade, o jornalismoestá mudando e as causas não remetem aofim do diploma. É preciso ter uma visãohistórica desses processos em que ele estáimerso. Não acredito que muitos cursosserão extintos. Acredito que deverão seadaptar, não ao fim do diploma, mas àsnovas realidades que se impõem. A socie-dade muda rapidamente, são mudançastecnológicas. E elas acarretam alteraçõesprofundas no modo de ser e fazer jornalis-mo. É preciso estar atento a isso e buscaralternativas, tanto na formação da gradu-ação, quanto na pós-graduação.”

Alternativas que, por vezes, esbarramnas características intrínsecas às novasgerações de crianças e adolescentes: “A di-ficuldade do meio acadêmico é tambémsobre ‘como’ ensinar. Penso que temos aíuma questão geracional. As novas gerações– no mundo todo, e não apenas no Brasil –têm apresentado outras formas de aprender.Vive-se o tensionamento entre um modomais clássico de estudar e uma realidadeonde a leitura, a paciência e a capacidade deescuta têm sido secundarizadas, sobretudoao se priorizar o imediatismo, a velocidade,a liquidez. Achar a via possível entre essesdois pólos é o nosso desafio.”

Colaborou Mário Boechat.

No artigo “As faculdades de jornalismo eseu conteúdo”, publicado no Observatórioda Imprensa em 26 de maio de 2009,Eugênio Bucci discorre sobre asdificuldades de rever as diretrizescurriculares dos cursos de jornalismo.Segundo ele, a imprensa cumpre umafunção indispensável à democracia. “Nessesentido, a formação dos jornalistas deve seorganizar em torno do projeto de formarprofissionais capazes de entender, criticar eexercer a fiscalização do poder, de modoindependente, comprometida com averdade dos fatos e com o livre trânsito dasidéias e opiniões as mais diversas”. A partirdessa perspectiva, Bucci afirma que osconteúdos oferecidos pelos cursos deJornalismo devem “se articular em torno desete eixos”, que o Jornal da ABI reproduz aseguir. Para ler o artigo completo digite oendereço goo.gl/Ld2pe em seu navegadorda internet e veja a página correspondenteno site do Observatório da Imprensa.

1. LINGUAGENSNo eixo das Linguagens, proponho o estudodo estilo, da retórica e da lógica no texto,tanto em ficção como em não-ficção. Aí,também, incluo as linguagens audiovisuais eas técnicas da era digital, que o estudantedeve conhecer, compreender e dominar naprática. Já não há sentido na divisãoesquemática, hoje ainda em voga nasfaculdades, que põe de um lado a disciplinade "Jornalismo impresso" e, de outro, o"Jornalismo online". Ainda nesse mesmoeixo deveriam comparecer a estatística e amatemática elementar. Em apoio a esseprimeiro eixo, teríamos oficinas práticas degramática e de línguas estrangeiras.

2. DEMOCRACIA E LIBERDADEEm Democracia e Liberdade, a partir dematérias vindas do Direito e da CiênciaPolítica, o aluno conheceria os fundamentosda democracia, o funcionamento dospoderes e a administração pública. DireitosHumanos, cultura da paz, políticas públicas,transparência e terceiro setor ocupariam lugar

de destaque no programa. Legislações deimprensa e História da Imprensa seriamestudadas também aqui.

3. ESTUDOS DA COMUNICAÇÃOPenso que os Estudos da Comunicação, quevários especialistas consideram um campoestranho ao jornalismo, não podem faltar naformação de bons profissionais. Emborapossam ser vistos também no eixo dasLinguagens, os temas deste terceiro eixomerecem atenção à parte. Não há muitocomo escapar: a reflexão sobre os processoscomunicacionais mora no âmago daconsciência profissional.

4. HUMANIDADESTodos afirmam, com razão, que o bomjornalista vem de uma boa formaçãohumanística. A questão é como sistematizare modelar essa formação. Assim, asHumanidades, no currículo das faculdadesde Jornalismo, deveriam produzir umaprimeira síntese a partir do qual o estudantefosse capaz de mapear esse conhecimentoe prosseguir seu aprendizado mais adiante.História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia(e a Ética), Psicologia e outras entrariam aqui.

5. REPORTAGEMNesse eixo essencialmente prático, e de longaextensão durante o curso, o aluno se iniciariaem técnicas de apuração, contato qualificadocom as fontes, investigação de contaspúblicas e da conduta de autoridades etc.

6. CULTURA E CRÍTICAEm Cultura e Crítica seriam vistos, emdestaque, as artes, as práticas culturais e suacompreensão crítica. Naturalmente, haveriaum forte entrelaçamento entre este e oseixos 1, 3 e 4.

7. GESTÃO E NEGÓCIOPor fim, e aqui contrariando Pulitzer, pensoque o jornalista precisa ter noções sobregovernança, planejamento e liderança deequipe logo em sua primeira formação. Isso oajudará, mais tarde, a empreender novas idéias.

Diretrizes curriculares: sete fundamentos

DIPLOMA TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO

Eugênio Bucci, quecoordena o recém-

criado curso deJornalismo da Escola

Superior de Propagandae Marketing: Não formo

alunos para seremdiplomados, mas paraserem bons jornalistas.

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ÃO

MEMÓRIA

POR RODOLFO KONDER

RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretorda Representação da ABI em São Paulo emembro do Conselho Municipal de Educação daCidade de São Paulo.

Marcão, umescultor de textos

Marcos Faerman, o amigo Marcão, es-culpia suas histórias com precisão me-ticulosa. Era um escultor de textos. Umrepórter atento, competente e domi-

nado por saudáveis inquietações. Em seus trabalhoshavia sempre espaço generoso para a presença sub-jetiva do homem, do observador inconformado que,a golpes de um cinzel implacável, fazia emergir a durarealidade dos oprimidos, dos marginalizados, dosperseguidos. Mas Marcão não os via de longe, comoalguém na platéia fria, diante de personagens quedesfilam na penumbra do palco. Não. O repórtertambém tinha a sua história de homem persegui-do, como judeu e como militante político. Por issomesmo esculpia com carinho, escolhia as palavras,selecionava adjetivos, montava frases. Gostava deafagar os tipos que povoavam suas reportagens.Fazia um jornalismo denso, capaz de revelar reali-dades extremamente complexas, obrigando os lei-tores a inquirir, a questionar o mundo que nos cer-ca. O painel fantástico que ergueu com o seu em-penho nos faz lembrar um Rulfo, um Arreola, umFuentes, naquilo que a literatura latino-america-na tem de mais contundente – o seu compromissocom o ser humano, com a liberdade, com a vida.

O estilo irretocável da seleção de reportagens do fundador dojornal alternativo Versus, morto em 1999, com apenas 46 anos.

Entre os livros que ele nos deixou está uma co-letânea de belas reportagens: Com as Mãos Sujasde Sangue. Marcão nos conta como o corpo de umamoça despencou do sexto andar de um prédio naBaixada do Glicério. Ele acompanha a Polícia atéo quarto da moça, onde “vêem uma boneca de panona parede, violão na cama, uma tv, máquina detricô, laranjas e peras numa cestade vime, poltronas vinho de cur-vin, dois pares de chinelos”. De-pois, Marcão descreve como o vi-gia de um banco matou com umtiro no peito um jovem assaltan-te que “ficou caído no meio devidros sujos de sangue, a cabeçavoltada para o chão, a barriga apa-recendo entre a camisa azul e acalça bege amarrotada”. Um de-talhe: os cordões dos sapatos domorto estavam amarrados nos cal-canhares para que pudesse fugirmais depressa depois do planeja-do assalto ao banco.

O repórter tira o sono da gen-te contando como a Polícia fuzi-

lou, de maneira impiedosa, um rapaz que gritava“eu não sou marginal, não me matem”. Os polici-ais atiraram. O corpo de Jaime Nunes ficou caídono meio da rua, esguichando sangue. Ele moravanum quartinho da Vila Miriam e tinha acabadode dar baixa no Exército.

As reportagens são de autor. Matérias de in-teresse humano, como dizemos em jargão jorna-lístico. Em todas elas, porém, há mais do quefatos. Há sofrimento, há solidariedade. Há es-paço para o subjetivismo honesto do autor. Hápalavras selecionadas com carinho, adjetivosescolhidos com a meticulosidade de um ourives.“Estamos diante de uma obra que, ao apontar paraa fragilidade da fronteira entre o fato e a ficção,entre o imaginário e o real, abre-se para vários

níveis de leitura”, diz o poetaCláudio Willer no prefácio.

Com as Mãos Sujas de Sangue éum canto de amor aos persegui-dos. Marcão – vítima, ele tam-bém, de lamentáveis persegui-ções, conhecedor atávico do dra-ma de todos os perseguidos, detodos os desalojados, de todos oserrantes e de todos os explorados– coloca-se por inteiro ao lado dosoprimidos, com sua força de re-pórter e escritor. E, ao fazer isso,caminha com a História.

A capa do número 1 do jornal Versus, ilustrada por Luiz Gê.

REPRODUÇÃO

8 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Diretores e Conselheiros da ABI reu-niram-se no dia 6 de setembro com os Se-nadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Ran-dolfe Rodrigues(Psol-AP) para discutir asprincipais ações do Movimento contra aCorrupção e a Impunidade. Entre os ob-jetivos principais, ganharam destaque aspropostas de (1) declaração do crime decorrupção como hediondo; (2) aumentoda pena inicial para o crime de corrupção,atualmente de dois anos; (3) aplicação daLei da Ficha Limpa para as eleições de2012; (4) celeridade no julgamento decasos envolvendo crimes de corrupção;(5) fim do voto secreto legislativo emtodas instâncias; (6) fim das emendas par-lamentares individuais.

A frente de “Ações contra a Corrupçãoe Impunidade no País”, que defende a“limpeza da Administração Pública”, foilançada no dia 23 de agosto em audiênciapública no Senado, convocada a partir derequerimento proposto pelo Senador Pe-dro Simon e por seus colegas Paulo Paim(PT-RS), Cristovam Buarque (PDT-DF),Luiz Henrique (PMDB-SC), Ana Amélia(PP-RS), Eduardo Suplicy (PT-SP), Moza-rildo Cavalcânti (PTB-RR), RandolfeRodrigues, Pedro Taques (PDT-MT), Mar-celo Crivella (PRB-RJ) e Casildo Malda-ner (PMDB-SC).

Diversas entidades participam da mo-bilização, entre as quais a ABI, a Ordem dosAdvogados do Brasil-OAB, a ConferênciaNacional dos Bispos do Brasil-CNBB, e aUniversidade de Brasília-UNB, que apoi-aram a Marcha Contra a Corrupção reali-zada no dia 7, quando se comemorava oDia da Independência do Brasil, na Espla-nada dos Ministérios, em Brasília. A Mar-cha foi organizada pela sociedade civilatravés das redes sociais e incluiu mani-festações em vários Estados.

O Presidente da ABI, Maurício Azêdo,recebeu os Senadores Pedro Simon e Ran-dolfe Rodrigues na Sala Belisário de Sou-za, no 7º andar do edifício sede da ABI,onde foi realizada a reunião de definiçãoda agenda política da frente de “Açõescontra a Corrupção e Impunidade noPaís”. Entre os representantes da ABI esti-veram presentes o Vice-Presidente, Tarcí-sio Holanda, o Presidente do Conselho De-liberativo, Pery Cotta, o Diretor de Culturae Lazer, Jesus Chediak, o Diretor Econômi-co-Financeiro, Domingos Meirelles, a Di-retora de Assistência Social, Ilma Martinsda Silva, o Primeiro e Segundo Secretári-os do Conselho Deliberativo, Sérgio Cal-dieri e Marcus Miranda, o Coordenadorde Publicidade e Marketing, FranciscoPaula Freitas, e o Conselheiro Villas-Bôas

nhamos há algumas décadas, e também oSenador Randolfe Rodrigues, o advoga-do Marcelo Cerqueira, companheiro deVossa Excelência em muitas lutas, além demilitante nas causas nas quais os jorna-listas se empenharam ao longo das quatroúltimas décadas.”

SIMON: “O BRASILCHEGOU AO FUNDO DO POÇO”Pedro Simon destacou a importância

de iniciar na ABI as ações do movimen-to contra a corrupção:

“Gostaria de agradecer o carinho de Mau-rício Azêdo e dizer que admiro a sua biogra-fia, a sua história e a sua luta. Fizemos ques-tão absoluta de fazer esta reunião na ABI.Desejamos que esta caminhada se transfor-me em uma discussão muito grande. OBrasil, em termos da ética e moral, chegouao fundo do poço. Esse movimento de re-novação nasceu com a Presidente Dilma,pois Lula fez um grande Governo no cam-po da ética, mas no campo do combate àcorrupção deixou muito a desejar. Criamosuma CPI, mas o Governo não agiu. Vejo commuita alegria o que está acontecendo hojenas redes sociais, na internet, a começarpelo mundo árabe. E vale lembrar que asredes sociais estão mobilizando a popula-ção também no Brasil. Amanhã teremos aMarcha Contra a Corrupção. Se nós cami-nharmos juntos, vamos fazer um grandeGoverno, e a ABI terá importante partici-pação. Vamos terminar com esta história deo Brasil ser o país do jeitinho.”

O jornalista Villas-Bôas Corrêa expres-sou preocupação com o enfraquecimentoda política e o aumento dos casos de vio-lência no País:

“Estamos vivendo uma crise muitogrande na política. Os grandes jornais,como O Globo, já não vendem. O proble-ma imediato é a violência que tomou contado Brasil. Tenho medo de sair na rua. Nadaimpede que alguém apareça e, por umacarteira, me mate. O problema do Brasil éa violência. Não tenho nenhuma confian-ça no Congresso, que não é representati-vo e só faz oposição ao que é Governo.

O Diretor Cultural Jesus Chediak tam-bém sublinhou o viés político da corrupção:

“Tudo isto acontece porque o neolibe-ralismo assumiu o controle do poder po-lítico de tal forma que o cidadão, o leitor,que tem história, identidade, responsabi-lidade, se transformou em consumidor. Eessa é a questão central. O poder econô-mico desmoralizou sistematicamente opoder político.”

“O FUNDAMENTAL ÉA MOBILIZAÇÃO”

O Senador Randolfe Rodrigues grifoua pauta da luta contra a corrupção e a im-punidade para o resgate da confiança napolítica e salientou o papel da ABI nacondução do processo:

“As principais mobilizações da socieda-de brasileira dos últimos 30 anos, como ofim da ditadura, a luta pela anistia ampla,geral e irrestrita, as Diretas Já, o impeach-ment do Presidente Collor, e, recentemen-te, as duas concretas reformas política, sãoexemplos a serem seguidos. A nossa expec-tativa é em torno desta mobilização, sob aliderança do Senador Pedro Simon no Se-nado. Os jornais estão noticiando o com-bate à corrupção, que está unindo políticosde governo e de oposição. Precisamos lutarporque com apenas uma dúzia de Senado-res comprometidos com essa causa nãoteremos nada. Por isso, Villas-Bôas Corrêa,concordamos com o senhor e podemos di-zer que iniciamos um movimento que nãoé governo nem oposição, é de combate à cor-rupção. Temos uma CPI circulando, mas ofundamental não é ter a CPI, e sim uma mo-bilização contra a corrupção, com o apoioda OAB, CNBB, ABI, onde estamos hoje. Ofato de a primeira reunião ser na ABI já é umbom sinal, pois o movimento das Diretas Jácomeçou aqui, assim como a luta contra oregime militar em 1964, com Barbosa LimaSobrinho. Daqui da ABI saíram os princi-pais movimentos pela cidadania do Brasilnos últimos anos.”

Em seguida, o Senador listou os pon-tos principais do movimento:

“Na reunião de ontem com represen-tantes da CNBB, OAB e ABI surgiramalguns temas fundamentais, como o cri-me de corrupção ser declarado crimehediondo; a lei para garantir que órgãos

POR CLÁUDIA SOUZA

Ação contra a corrupçãodeve incluir seis metas iniciais

Reunidos com diretores e conselheiros da Casa, os Senadores Pedro Simon e Randolfe Rodriguesexpõem propostas para tornar mais eficaz a mobilização nacional contra a corrupção e a impunidade.

Corrêa, decano do jornalismo políticobrasileiro.

O debate contou com a participaçãoexpressiva dos Conselheiros Antônio Car-los Austregésilo de Athayde, Bernardo Ca-bral, Nacif Elias Hidd Sobrinho, José Perei-ra Filho, Lêda Acquarone, Maria InêsDuque Estrada Bastos, Mário AugustoJakobskind, Miro Lopes, Moacyr Lacerda,Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) e Pinhei-ro Júnior. O Presidente da ABI deu inícioà atividade saudando os presentes:

“Para nós é um motivo de grande ale-gria tê-lo aqui, Senador Pedro Simon, cujatrajetória de militância e de luta acompa-

Sempre contundente em sua condenação à corrupção, o Senador Pedro Simon defende umamudança radical de costumes: Vamos acabar com essa história de o Brasil ser o país do jeitinho.

FOTOS AVANIR NIKO

Maurício Azêdo: Pesquisa recentemostra que 96% dos casos de violência

não são apurados nem esclarecidos.

9Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

públicos tenham transparência nas suascontas públicas; a aplicação da Lei daFicha Limpa, que está sob risco. Agora emoutubro, o Supremo Tribunal Federal vaijulgar a constitucionalidade para 2012.Isso é importante porque é uma conquis-ta da sociedade. Temos que ampliar a Fi-cha Limpa para cargo eletivo e cargo emcomissão. O crime de corrupção tambémprecisa ter prioridade no julgamento.”

A absolvição da Deputada JaquelineRoriz(PMN-DF), que aparece em umvídeo recebendo dinheiro do delator doescândalo do Mensalão do Dem, DurvalBarbosa, foi um exemplo de corrupçãocitado pelo Senador:

“Na semana passada, a Câmara dos De-putados protagonizou um escândaloinocentando uma deputada. Todos viramque havia dinheiro público envolvido. Nahora do julgamento, cinco deputadosfalaram sobre a cassação do mandato eapenas um fez a defesa. Mas, no resulta-do final, 266 deputados votaram contraa cassação e 160 votaram a favor. Na horado voto, que é secreto, triunfou a impu-nidade. Então, o voto secreto no Legisla-tivo tem que acabar. O parlamentar deveprestar conta dos seus atos.”

AS EMENDAS, FORMADE ENRIQUECER

O aspecto econômico na origem dacorrupção política foi destacado tambémpor Tarcísio de Holanda, Vice-Presiden-te da ABI:

“A emenda parlamentar foi a formaencontrada pelos parlamentares para re-tribuir favores, a verba que um grupo eco-nômico deu para a campanha eleitoral.Não são poucos os que enriquecem dessaforma. São emendas para a construção deestradas, grandes hidrovias, portos, aero-portos. Essa campanha contra a corrupçãoé elogiável, mas pode se perder se não ti-ver objetivos concretos, se não partir parasoluções que representem o combate àcorrupção, que no Brasil está em um nívelmuito acima do tolerável. O que vemos éum desvio descarado de recursos públicos,enquanto a maioria da população vivemiseravelmente, sem acesso à educação, àsaúde. Todo mundo sabe como se proces-sa essa relação promíscua.”

A participação da imprensa no comba-te à corrupção e à impunidade será essen-cial, na opinião de Pery Cotta:

“Essa bandeira que o Senador PedroSimon está empunhando, essa caminhadaque os senhores Senadores estão inician-do, tem todo o apoio da ABI, porque é fun-damental para o desenvolvimento do País.

Portanto, podemos iniciar esse movimen-to colaborando com ele, a despeito de parti-darismos ou tendências. Esses ideais repre-sentam os valores humanos, eu diria atéespirituais. Não podemos deixar de dar ototal apoio da ABI e, como alguns colegassugeriram, tentar definir tópicos para desdo-brarmos essa campanha.”

CORRUPÇÃO, UMMEIO DE DOMINAR

O Diretor Domingos Meirelles assina-lou o avanço da corrupção no Brasil nocontexto da disputa de classes:

“A corrupção não é só uma questão quedeve ser condenável do ponto de vista éti-co ou moral, pois é, na verdade, um instru-mento político de dominação de uma clas-se sobre as demais, que são as elites que uti-lizam a corrupção como instrumento deconsolidação do poder sobre as outras clas-

A eficiência no combate à corrupçãoexige “modificações reais, concretas” noâmbito dos Três Poderes da República,reclama a declaração firmada nesta terça-feira, 7 de setembro, pela Ordem dos Ad-vogados do Brasil, a Conferência Na-cional dos Bispos do Brasil-CNBB e a ABI,após reunião realizada na véspera emBrasília, como parte das articulações daluta pela ética na administração públicaintitulada “O Brasil em movimento con-tra a corrupção”, diz a declaração:

“A corrupção, que em nosso País se alas-tra como uma pandemia e ameaça a credi-bilidade das instituições e do próprio sis-tema democrático, impõe à sociedade ci-vil organizada uma reação que não pode seesgotar em discursos ou manifestações.

A Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), a Conferência Nacional dos Bis-pos do Brasil (CNBB) e a Associação Bra-sileira de Imprensa (ABI) trazem seu apoioà MARCHA CONTRA A CORRUPÇÃOpara cobrar modificações reais, concretas,nas esferas dos Poderes Executivo, Legis-lativo e Judiciário capazes de eliminartoda e qualquer forma de prática nociva aointeresse público, de romper vícios perni-ciosos em nosso sistema eleitoral e de as-segurar que a máquina governamental fun-cione com transparência.

Para tornar vívido o sentimento de Colaboração de Renan Castro, estudante de Comunicação,estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.

ses sociais. E isso acaba se espalhando portodo o tecido social. Na última segunda-feira, assisti a um documentário que foiexibido na Escola da Magistratura do Riode Janeiro, extraído de fragmentos dematérias exibidas na televisão nos últi-mos 15 anos sobre a chacina de VigárioGeral. Havia uma fala de um ex-policialmilitar preso pelo envolvimento no caso.Ele foi ouvido pelos juízes e depois leva-do para a cela, onde fez um pronuncia-mento brilhante sobre a sociedade e acorrupção; um desabafo que me impres-sionou. Este material foi comprado poruma emissora de tv. O crime é uma ativi-dade ilegal que tem o objetivo de gerarlucro. É preciso ter um olhar diferencia-do sobre essas questões e não ficar repe-tindo a crítica com viés de natureza morale ética. É preciso entender essas questõesà luz da própria sociedade.”

Ação anticorrupçãoexige atos concretos

independência em cada brasileiro, devemos poderes eleger PRIORIDADES quereflitam a vontade da população, desta-cando-se, no Executivo, a necessidade demaior transparência nas despesas, a efeti-va aplicação da lei que versa sobre essetema, bem como a aplicação da “Lei daFicha Limpa” aos candidatos a cargos co-missionados, que também deveriam ser re-duzidos. No Legislativo, a extinção dasemendas individuais ao Orçamento, a re-dução do número de cargos em comissão,o fim do voto secreto em todas as maté-rias e uma reforma política profunda, ex-tirpando velhas práticas danosas ao aper-feiçoamento democrático. No âmbito doJudiciário e do Ministério Público, agili-dade nos julgamentos de processos e nosinquéritos relativos a crimes de corrupçãoe improbidade por constituírem sólida bar-reira à impunidade, bem como o imedia-to julgamento da ADC sobre a Lei Comple-mentar n° 135/2010 (Ficha Limpa).

Acima de ideologias e de partidos, oenfrentamento da corrupção no Brasilexige coragem, determinação e compro-metimento ético, sem os quais não cons-truiremos uma verdadeira democracia.Brasília, 7 de setembro de 2011Ordem dos Advogados do BrasilConferência Nacional dos Bispos do BrasilAssociação Brasileira de Imprensa.”

“VAMOS VENCERA IMPUNIDADE”

Maurício Azêdo advertiu para a crescen-te relação impunidade-violência no País:

“Esta questão da violência assinaladapor Villas-Bôas Corrêa, que encontra cor-respondência no noticiário recente daimprensa, é também uma discussão sobrea impunidade. Os jornais do Rio de Janei-ro desta semana apontam que 96% doscasos de violência e de crimes não sãoapurados nem esclarecidos pelas autori-dades de segurança, segundo levantamen-to feito pela Procuradoria-Geral de Justi-ça do Estado. E Vossa Excelência, SenadorPedro Simon, tinha abordado no início dadiscussão a questão da impunidade, queé a matriz de todo esse assalto ao qual nósassistimos em relação ao dinheiro públi-co. Ficou claro na audiência pública queVossa Excelência comandou na Comissãode Direitos Humanos que temos pelomenos 40 ou 50 pontos que mereceriamo nosso exame, o nosso interesse, a nos-sa aplicação e também a nossa interven-ção e a nossa divulgação em relação àeficácia dessa campanha de combate àcorrupção. Eu pergunto, então, a VossaExcelência: se estivesse em uma Redação,nesse momento, inclusive em decorrên-cia desta concorrida reunião, qual VossaExcelência acha que deveria ser o centroimediato da nossa intervenção?”

Pedro Simon defendeu a participaçãoda sociedade e do Governo para a recon-quista da moralidade:

“A Presidente Dilma precisa avançar nocombate e ter cobertura dos parlamenta-res para não atirar no vazio. Precisamosampliar esse leque de pessoas que vão darcobertura para o fim da impunidade. Va-mos escolher os tópicos exatamente comoaconteceu com a Lei da Ficha Limpa emobilizar a sociedade inteira, não a favorde partido, nem a favor de A ou de B, masa favor dos princípios que regem a OAB,a ABI e a CNBB. A imprensa vai publicare dar início à mudança. Vamos recolher mi-lhões de assinaturas, como aconteceu naLei da Ficha Limpa, que seguirão para oCongresso, e nós votaremos. A Lei da Fi-cha Limpa passou porque reuniu 1 milhãoe 500 mil assinaturas em um projeto deiniciativa popular, além dos 4 milhões deassinaturas em solidariedade à causa. Emoutras palavras, nós, parlamentares, agi-mos sob a pressão social. Com o apoio detodos, vamos vencer a luta contra a cor-rupção e a impunidade.”

Villas-Bôas Corrêa (primeiro à esquerda) confessou que se sente inseguro ao andar pelas ruas do Rio. O Senador Randolfe Rodrigues,os jornalistas Pery Cotta e Jesus Chediak e o advogado Marcelo Cerqueira consideram que a impunidade alimenta a violência.

FOTOS AVANIR NIKO

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Ao abrir o debate, Dalal Achcar ressal-tou a importância das ações voltadas paraa preservação da memória histórica ecultural no Brasil:

“Um País que não tem memória não temHistória. Os jovens não sabem quem foiGetúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck. Aspessoas têm informação demais sobre odesenvolvimento tecnológico em detri-mento de outros valores humanos, o que criaum problema especialmente para a juven-tude que vive o hoje como se não houves-se o amanhã. Neste cenário de imediatis-mo falta espaço para a memória. Em 40anos de carreira consegui reunir um gran-de acervo e há cerca de quatro anos estoulutando para doá-lo. Doação no Brasil émuito difícil, porque para manter temque ter dinheiro e o País não tem o hábi-to de manutenção. Já recebi muitos pedi-dos de pessoas interessadas neste volumede informação, entre as quais pesquisado-res e historiadores. O acervo reúne 44 milclippings de jornais sobre a História daDança no Brasil, 3 mil livros, 2 mil revis-tas e outras publicações, músicas e parti-turas. Estou lutando para digitalizar omaterial e depois criar um centro de cul-tura e pesquisa da dança. É preciso culti-var a memória.”

Dalal Achcar falou sobre o papel dacrítica e o espaço dedicado às artes na im-prensa: “No mundo inteiro o número decríticos de dança está reduzindo. Haviamuitos críticos de dança quando comeceia estudar balé, assim como havia vários jor-nais. Atualmente, no Rio de Janeiro exis-te um jornal importante e os demais estãodesaparecendo. No meu acervo, por exem-

plo, há material de cinco jornais: Diário deNotícias, Última Hora, Jornal do Brasil, OGlobo e Correio da Manhã. Em todos eles,inclusive na Tribuna da Imprensa, haviacríticos de dança, música, ópera, todos es-pecializados. Hoje, com pequenas exce-ções, as pessoas que têm espaço para escre-ver críticas ou artigos, em geral, são jovensestagiários. Porque o jornal não quer pagarsalário, e estes jovens estagiários saem dafaculdade sem vivência, sem leitura. Elesnão sabem sobre o que estão escrevendo,não sabem a origem do balé russo, de ondeque veio. Vão lá e entrevistam como seentrevista um cantor de rock, que chegoude passagem por aqui. A dança, a músicae o teatro são inerentes ao processo danossa civilização, da nossa cultura, nãosão coisas passageiras. De vez em quandoo jornal dá mais espaço e convida uma pes-soa que sabe escrever, que entende do as-sunto. Outras vezes você vê observaçõese críticas incompreensíveis. Excetuandoas grandes obras já conhecidas, clássicasou contemporâneas, é muito difícil fazera crítica, justamente porque estamos vi-vendo um período de desconstrução detudo aquilo que a sociedade tinha estabe-lecido, em busca de um novo milênio, deuma nova forma.”

Ainda sobre a crítica, Dalal sublinha asmudanças de paradigma no cenário glo-bal: “Tudo o que está inserido dentro daarte e da cultura dos séculos 19 e 20 estásendo desconstruído. Estamos vivendoum período muito difícil para a crítica.Criticar deve ser uma maneira para aju-dar a construir caminhos. Já tivemos umacrítica que derrubava uma temporada.

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

A MÍDIA ABANDONOU A DANÇAA ABI abre o debate sobre grave empobrecimento cultural no País: o desaparecimento da

crítica de dança clássica na imprensa. Em todo o Brasil há apenas três especialistas em atividade.

POR CLÁUDIA SOUZA

A ABI iniciou no dia 13 de setembro oSeminário A ABI Pensa a Dança, que foiaberto por uma exposição de uma dasmaiores personalidades do balé clássico noPaís, a coreógrafa Dalal Achcar, ex-Diretorado Balé do Teatro Municipal do Rio de Ja-neiro e especialista de renome internacio-nal. De forma didática, Dalal Achcar ex-pôs a situação da dança entre nós, mostran-do seu abandono pela mídia. Ao contráriodo que ocorria até os anos 1950-1960, emque os grandes jornais diários mantinhamcríticos especializados, atualmente o ofí-cio de informar os leitores está restrito aum número muito baixo: no Rio de Janei-ro, que se proclama “capital cultural doPaís”, há apenas um crítico de dança em ati-vidade na imprensa. No Brasil todo sãotrês: esse do Rio, um em São Paulo e outroem Minas Gerais.

A intervenção de Dalal foi fundo noaspecto que motivou a organização do Se-minário, cujo objetivo é discutir a mídiacomo espaço privilegiado de informação evalorização da dança. Jornalistas, pesquisa-dores e grandes nomes da dança participa-ram do debate, transmitido ao vivo pelosite idanca.net. Além de Dalal Achcar, par-ticiparam de debates a Professora da Uni-versidade Federal Fluminense-Uff, BeatrizCerbino e a jornalista Giselle Ruiz, pesqui-sadora da Escola de Belas-Artes da UFRJ,que enriqueceram o conhecimento do temacom informações sobre os estudos e pes-quisas que realizaram. O jornalista Domin-gos Meirelles, Diretor Econômico-Financei-ro da ABI, mediou a discussão, promovidapela Diretoria de Cultura e Lazer da ABI.

Na abertura do encontro, DomingosMeirelles sublinhou o compromisso histó-rico da ABI com os movimentos culturais:“A ABI tem uma tradição cultural ao longode toda a sua existência. Todos os movimen-tos de cultura de certa forma passaram pelaABI, que sempre foi freqüentada por gran-des nomes da música e da cultura. Nos anos1940 era comum a realização de vernissa-ges na ABI. Grandes nomes do teatro, comoMário Lago, Procópio Ferreira e RodolfoMaia freqüentaram a Casa. O compositore maestro Vila-Lobos era nosso vizinho da

Rua Araújo Porto Alegre e fazia parte daturma que jogava sinuca e bilhar-francêsno 11º andar, onde funciona o espaço so-cial da ABI. A renomada pianista GuiomarNovaes também tinha grande apreço pelaABI, à qual doou o seu piano quando seaposentou. O piano está no palco do Au-ditório Oscar Guanabarino, no 9º andar,onde há cerca de seis anos Arthur Morei-ra Lima se apresentou em um recital co-memorativo ao aniversário desta Casa.Entre uma música e outra, Arthur Morei-ra Lima fazia comentários agradáveis, atéque, muito emocionado, parou de tocar erevelou a forte emoção que sentia no pal-co da ABI, onde ele fez o seu primeiro re-cital aos oito anos de idade. Ele disse issocom os olhos banhados de emoção.”

Em seguida, Domingos fez a apresenta-ção dos participantes do debate: Dalal Ach-car, bailarina e coreógrafa, foi Diretora Ar-tística do Balé do Teatro Municipal do Riode Janeiro e ocupou por duas vezes a Pre-sidência da Fundação Teatro Municipal.Dalal fundou a Associação de Amigos doTeatro Municipal, a primeira do gênero doPaís; na Presidência da Fundação TeatroMunicipal, criou a série Educação comArte, com espetáculos exclusivos de ópe-ra e balé para a platéia de estudantes darede pública de ensino do Rio de Janeiro.Dalal criou também o primeiro curso su-perior de formação de professores de dan-ça no País. Foi condecorada pela RainhaElizabeth II com a Order of the BrittishEmpire e pelo Ministério da Cultura coma Ordem do Rio Branco e a Ordem do Mé-rito Cultural. O Governo do Distrito Fe-deral a agraciou com a Medalha do Méri-to da Alvorada.

“Nossa outra debatedora é Beatriz Cerbi-no, Professora da Uff, no curso de ProduçãoCultural e do Programa de Pós-Graduaçãoem Ciência da Arte. Graduada em licencia-tura em Dança pela UniverCidade, mestreem Comunicação e Semiótica pela Puc deSão Paulo e doutora em História pela Uff.Também faz parte da mesa de debates Gise-lle Ruiz, formada em Jornalismo na Puc-Rio,pesquisadora do Centro de Cultura e Açãoda Rede Globo. Escreveu vários artigos parajornais e revistas e especializou-se em baléclássico”, disse Domingos.

Dalal: Somos um país semmemória. Hoje são estagiários

que escrevem sobre dança

Domingos Meirelles fez a apresentação da Professora Beatriz Cerbino e da jornalista Giselle Ruiz.

Dalal Achcar: Dificuldade para doar um grande acervo reunido durante seus 40 anos de carreira.

FOTOS RENAN CASTRO

11Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Uma crítica da Broadway, por exemplo,poderia acabar com um espetáculo. Hojeem dia, as críticas podem ser muito ruins,mas a obra continua fazendo sucesso, amassa vai assistir. Isso quer dizer que ocrítico é ruim? Não, quer dizer que o críti-co tem que perceber que estamos vivendooutros tempos, é preciso entender como aspessoas querem ver coisas”.

Dando seqüência ao debate, DomingosMeirelles chamou a atenção para os pos-síveis estereótipos que cercariam a dançaclássica no Brasil: “Pergunto se a dança clás-sica seria vítima de um certo preconceitopor parte do poder, sendo vista como umluxo, uma coisa da alta burguesia, de refi-namento. Há algum tempo, eu estava fa-zendo uma reportagem sobre outro assun-to quando fui levado ao Teatro Bolshoi, emSanta Catarina. Fiquei perplexo com asinstalações. Eu não acreditei que estives-se no Brasil quando entrei naquele salão.A senhora acha que o Estado teria umaparcela de culpa neste quadro desalenta-dor da dança no País?”, Dalal respondeu:

“As grandes obras clássicas têm públicocerto, vivem lotadas. Um país do tamanhodo Brasil tem que atender a várias deman-das, como educação e saúde, que são bási-cas para que o povo possa viver e pensar.Não é só no Brasil, mas em todos os paísesem desenvolvimento a cultura é o últimoponto a ser promovido. Acho que a nossasociedade é muito alienada, não tem cultu-ra suficiente, e não é apenas culpa do Go-verno, porque os nossos empresários pen-sam que é mais fácil fazer uma Lei Rouanetpara quem você já sabe que vai ser sucessodo que dar oportunidade para um jovemnuma companhia de dança ou de música.Você não pode arriscar, afinal os acionistasestão querendo resultados. Antigamentehavia a figura dos mecenas, pessoas que ti-nham gosto pela música, pintura ou dança,que davam dinheiro, participavam dessa co-munidade. Hoje em dia, os mecenas são osjovens que vão tomar conta das empresase têm que apresentar resultados para os aci-onistas, são cobrados o tempo todo. Por issonão surgem coisas novas. Surgem apenastecnologias novas. Nós atravessamos umadécada com espetáculos nos quais os desta-ques eram os efeitos técnicos e visuais. NaBroadway, o espetáculo mais humano foio Rei Leão, com um trabalho de corpo etexto maravilhoso.”

Apesar dos impasses, Dalal Achcar acre-dita na ampliação dos projetos de incen-tivos à dança no Brasil e no apoio ao de-senvolvimento dos artistas: “Apesar dasdificuldades, estamos retornando à dra-maturgia, à essência do homem. Sou mui-to otimista e acho que o Brasil vai ocuparna dança, ainda neste século, a projeçãoda Rússia nos séculos 19 e 20. Temos va-lores, talentos e criatividade. Precisamosde apoio e de mais informação. Com isso,o Brasil vai obter na dança o mesmo su-cesso do futebol. Precisamos nos prepa-rar para educar os jovens, abrindo os mu-seus, por exemplo. Na última exposiçãode Monet, tivemos longas filas de estu-dantes. O Rio de Janeiro é uma cidade vol-tada para o turismo cultural e o lazer. Sesoubermos aproveitar esta oportunida-de, seremos o centro cultural mais im-portante da América Latina, que até omomento é Buenos Aires. Há mais de 40anos os argentinos fazem exposições emNova York, Paris e Londres. Os brasilei-ros estão aparecendo agora. Espero ver oBrasil chegando lá’.

Cerbino: Jacques Corseuil,o primeiro crítico, defendiaa idéia de um balé nacional

À Professora Giselle Ruiz coube comen-tar sobre trechos de críticas jornalísticas dedança na década de 1970, que constam na suatese de doutorado, e compará-las com as crí-ticas veiculadas na imprensa atualmente.

“Eu me sinto de alguma forma voltandoàs minhas origens, porque antes de me es-pecializar em dança eu me formei em Co-municação e cheguei a trabalhar como jor-nalista durante um bom tempo. Minhapesquisa atual é estabelecer relações entre asartes visuais e as artes cênicas. No meu dou-torado, como disse o Domingos Meirelles,trabalhei o período dos anos 1970, no Mu-seu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, umperíodo de grande ebulição, um momentode ditadura, em que os artistas estavam serebelando contra tudo. Na minha pesquisano mestrado resgatei a memória de um gru-po de dança contemporânea no Rio de Janei-ro na década de 1970, que foi o Grupo Corin-ga, dirigido pela coreógrafa uruguaia Graci-ela Figueroa, de onde saíram talentos comoDébora Colker e Mariana Muniz. Desvieium pouco da minha pesquisa atual e volteipara essas pesquisas anteriores para falarsobre críticas e matérias jornalísticas dosanos 1970, época em que a dança contem-porânea estava engatinhando.”

“O espaço que a dança contemporâneatinha na mídia era muito grande, as críti-

Em seguida, Beatriz Cerbino destacou aimportância da imprensa como fonte depesquisa para a História da Dança no Bra-sil, e também lamentou a escassez de críti-cos de dança no País: “É muito importantenum evento como este fazermos uma refle-xão sobre a questão da memória. O proje-to virtual wikidança é muito interessanteneste sentido, pois reúne nomes importan-tes da dança no Brasil. Além da falta deprojetos de resgate da memória, há tambémescassez de críticos de dança. No meu dou-torado e na minha pesquisa atual no CNPq,analiso as críticas de dança como fontes deconstrução dessa memória. É fundamentalentender o olhar que lançamos para as crí-ticas, para matérias e outros textos publica-dos nos periódicos cariocas nas décadas de1940 e 1950. Esse é o meu recorte tempo-ral, mas precisamos olhar para todas as dé-cadas. É fundamental acessarmos esta par-te da História para entendermos o que é adança hoje. Na década de 1940, na cidadedo Rio de Janeiro você tinha às vezes doisou três críticos discutindo o mesmo assun-to. Era maravilhoso ver o debate de idéiaspara entender o repertório e construir umolhar sobre a dança, estabelecendo um fa-tor de referência”.

Beatriz Cerbino também assinalou arelevância da crítica para o incentivo àpesquisa sobre a arte brasileira e resgatou

nomes que marcaram o contexto da crí-tica sobre a dança no Brasil: “Os jornaise as revistas são fontes fundamentais paraos pesquisadores e outros profissionaisque se debruçam sobre a História da Dançano Brasil. Jaques Corseuil foi o primeiro ase especializar em dança no Brasil. Eleescrevia para O Globo e outras dezenas dejornais e revistas importantes, como CenaMuda, Brasil Musical, Cinearte, Correio daManhã, Diário Carioca, Folha Carioca. Ja-cques Courseil atuou em diferentes veí-culos e periódicos, mas sempre com umaescrita muito clara, muito importante paraa construção do pensamento em dança,que naquele momento trabalhava com aidéia de um bailado nacional, além do pa-râmetro do balé russo, e que depois deulugar a outros paradigmas.Trabalhei commatérias de jornais e com as críticas apartir dessas questões que ajudam a en-tender a identidade de um corpo nacio-nal, de um corpo individual e do corpo co-letivo para aquele momento. Identifi-quei três diferentes maneiras que JacquesCourseil tinha ao escrever sobre dança: acrítica, quando ele falava sobre os espe-táculos a que tinha assistido; as matériassobre a visita de um acompanhante espe-cial ou de determinado bailarino; e o per-fil, que ele chamava de figuras do balé oufiguras da dança”.

Informou Beatriz Cerbino que JacquesCourseil utilizou a imprensa para apresen-tar bailarinos estrangeiros e brasileiros,entre os quais os novos valores do balé na-cional, em sua maioria jovens da alta soci-edade carioca. “Ele foi fundamental para oprocesso de formação e informação dopúblico de que a dança era uma arte séria.Costumava dizer que não era para ficarmostrando as pernas no palco, e sim paramostrar a arte. As pessoas que escreviamsobre a dança também faziam matériassobre ópera e teatro. Jacques era o único noRio e no Brasil que só escrevia sobre dança,defendendo o talento dos bailarinos brasi-leiros frente aos estrangeiros, e questionan-do as autoridades políticas sobre a falta deincentivo à arte. O trabalho dele e de outrosgrandes jornalistas foi fundamental para oentendimento da arte brasileira. Hoje noBrasil produzindo regularmente textos so-bre dança temos apenas a Silvia Soter, emO Globo, a Professora Helena Katz, no Es-tadão, e o Marcelo Avellar, no Estado deMinas. No passado, apenas no Rio de Janei-ro atuavam mais de 20 críticos.”

Domingos Meirelles também acentuouo papel de destaque da crítica de dançaentre 1920 e 1940: “Nesse período, os gran-des teatros, como o Fênix e o Municipal, nãosó para espetáculos de dança, mas tambémpara temporadas, tinham um lugar marca-do para o crítico teatral. Na almofada doencosto da poltrona lia-se “imprensa” e “crí-tico”. E havia uma fileira de poltronassempre em locais privilegiados, destina-dos exclusivamente à crítica teatral. Eudigo isto porque gosto de História e o re-corte que estudo é o da República Velha,de 1910 a 1930.”

Giselle Ruiz: O crítico tem de entenderque não é juiz, é testemunha

cas eram longas, verdadeiras críticas ensa-ísticas, verdadeiras resenhas. Em 1981, porexemplo, foi publicada uma reportagemenorme no Jornal do Brasil, que dedicouduas páginas a entrevistas com artistas ecoreógrafos que participavam de um mo-vimento das companhias independentesde dança no Rio de Janeiro. A revista Re-alidade, os jornais Última Hora, Diário deNotícias, O Globo, Tribuna da Imprensa, Opi-nião, entre outros veículos, noticiavam even-tos relacionados à dança.”

Giselle Ruiz falou também sobre as ca-racterísticas do relacionamento entre críti-cos e artistas nos anos 1970: “Nesse períodoos críticos tinham uma cumplicidade mui-to grande com os artistas. Era um períodode ditadura, de repressão muito forte. NoMuseu de Arte Moderna havia um movi-mento de contracultura e de conteúdo po-lítico muito forte, talvez por isso os críticoseram tão próximos dos artistas, que criavamseus trabalhos nos espaços do Museu, nãoapenas artistas plásticos, mas também dire-tores de teatro, coreógrafos, bailarinos. E oscríticos circulavam por ali e acompanhavamo trabalho dos artistas muito de perto, e atéprotegiam os artistas quando, eventualmen-te, alguma exposição era alvo de alguma cen-sura mais violenta, ou era fechada. Um maiorinteresse intelectual e ético da crítica no

Brasil foi representado por Mário Pedrosa,já falecido. É interessante ver o espaço queos jornais davam a essas reportagens e àscríticas de arte em geral”.

Giselle chamou a atenção para a ausên-cia de políticas públicas direcionadas àsartes no País e a responsabilidade da críti-ca no contexto social: “Dalal Achcar falousobre o encolhimento da crítica jornalísticanas últimas décadas. Será que este proble-ma é um problema exclusivo da crítica?Que outras formas de circulação além dosjornais ganharam repercussão sobre arte?Como a escrita da crítica e a sua maneira dedialogar com os processos de criação setransformaram? O professor e crítico LuizCamilo Osório, Curador do Mam-RJ, dizque a crise da crítica tem relação direta coma crise da política, atividades voltadas parao debate, para a pluralidade de vozes, e quetoda recepção é uma forma de crítica. Se háuma crise da crítica jornalística não se podeperder de vista a necessidade do discerni-mento, da responsabilidade do diálogo, danegociação de sentidos associados ao sen-so crítico, independentemente de onde ecomo ele se realiza. Se a arte tem mudadoradicalmente, desde pelo menos a década de1960, é fundamental que a crítica tambémse ponha em questão, revendo seus méto-dos, interesses e formas de disseminaçãopública. A crítica é escrita para o público,não a serviço da arte. Há de se pensar a crí-tica deslocando-a da posição de juiz, que éa maneira tradicional de ver o crítico, paraa de testemunha, que deve estar atenta aosfatos para trazê-los ao público”.

12 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Para o Jornal Nacional, um reconheci-mento internacional. No dia 26 de setem-bro, em cerimônia realizada no LincolnCenter, em Nova York, o principal telejor-nal da TV Globo recebeu o prêmio inter-national Emmy Awards 2011, na catego-ria ‘Notícia’. O tradicional noticiário, exi-bido de segunda a sábado no horário nobre,a partir das 20h30min, foi o vencedordevido à cobertura da invasão do Comple-xo do Alemão, ocorrida em novembro de2010. Esta foi a maior operação das forçasde segurança nacional para retomar ocontrole daquela localidade, então quar-tel-general dos traficantes de drogas naZona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Mais de 20 repórteres da emissoraparticiparam diretamente da coberturadurante o cerco e a tomada da favela. A TVGlobo transmitiu toda a operação ao vivo,com uma Redação inteira a postos paralevar ao ar as imagensque fizeram o Brasil pa-rar em frente aos apare-lhos de tv. Fazem partedessa cobertura as im-pressionantes imagensda fuga de centenas detraficantes armados fei-tas pelo Globocop, a des-coberta de que bandidosutilizaram o esgoto parafugir e o espaço dadopara que os moradoresfalassem da sensação deliberdade após a chega-da dos policiais.

Compareceram à ce-rimônia de premiação em Nova York oDiretor da Diretoria Geral de Jornalismoe Esporte, Carlos Henrique Schroder;William Bonner, Editor-Chefe e apresen-tador do JN; o repórter André Luiz Aze-vedo e Ana Paula Araújo, repórter do JNnaquela edição e apresentadora do RJ-TV,que no dia da invasão permaneceu mais desete horas no ar. Também viajaram para asolenidade nos Estados Unidos os Chefesde Redação Carlos Jardim e Marcio Ster-nick; o cinegrafista Sérgio Costa e o ope-rador de Câmera do Globocop, Franciscode Assis, que flagrou a já antológica cenados traficantes em fuga desesperada, sen-do alvejados por policiais.

Em nove anos, esta foi a sétima vezque o JN esteve entre os finalistas do prê-mio na categoria ‘Notícia’ – sendo esta aquinta indicação consecutiva. Concorre-

Cobertura do Alemãodeu ao Jornal Nacionalo Oscar da televisão

Após figurar durante sete anos como indicado, o principal telejornal do País recebe em Nova York oprêmio na categoria ‘Notícia’, pela cobertura da operação policial no Complexo do Alemão, em 2010.

PRÊMIO

POR PAULO CHICO

ram este ano com o telejornal de maior au-diência do Brasil as produções da RUVIcelandic National Broadcasting Service,da Islândia; da Sky News, do Reino Uni-do; e da ABS-CBN, das Filipinas. “Na úl-tima década, o JN por sete vezes estevecolocado entre os quatro melhores tele-jornais do mundo. Isso é uma prova daqualidade da televisão que nós fazemosno Brasil, e do telejornalismo que nósfazemos na TV Globo”, afirma WilliamBonner.

A importância da premiaçãoOs jornalistas da TV Globo que com-

pareceram à cerimônia do InternationalEmmy Awards 2011 comemoram o prê-mio inédito do Jornal Nacional. Para AnaPaula Araújo, repórter que participouativamente daquela cobertura, trata-se

de um reconhecimento especial para ojornalismo da emissora. “O Emmy é oprincipal prêmio da tv mundial, o Oscarda televisão. A importância deste prêmioextrapola o JN. Ganhar o Emmy signifi-ca que estamos no caminho certo, o defazer um jornalismo cada vez mais com-petente e transparente, respeitado e reco-nhecido no mundo todo”, comemorou.

“A cobertura do Complexo do Alemãomostrou como um trabalho que une expe-riência, competência, equilíbrio, corageme sofisticação tecnológica pode servir à so-ciedade. Todos nós, que estávamos nofront, nas ruas, becos e vielas, ou pelo altonos helicópteros, ou ainda na retaguardatão importante da Redação, sentimosnaquela cobertura que estávamos regis-trando e participando de um momentohistórico de transformação da nossa cida-

de. O Emmy é o reconhecimento mundi-al desse esforço”, ponderou o repórter An-dré Luiz Azevedo, que participou da cober-tura da ocupação ao lado de colegas expe-rientes, como Sandra Moreyra, Bette Luc-chese, Sandra Passarinho e Lilia Teles.

“Esse é o prêmio mais importante quea gente já conseguiu até hoje. E eu diriaque é o reconhecimento e a confirmaçãodo trabalho que a gente vem fazendo noBrasil e no dia-a-dia nos nossos telejor-nais. É o Jornal Nacional que está receben-do este prêmio, mas eu diria que todo otrabalho de jornalismo da Rede Globoestá homenageado através dele”, declarouCarlos Henrique Schroder.

O troféu na bancadaDe volta ao Brasil, William Bonner fez,

diretamente da bancada do JN, na noite dodia 4 de outubro, uma homenagem ao pú-blico do telejornal. “Vamos colocar aqui,sobre a mesa, o troféu que foi conquista-do pelo Jornal Nacional. Do momento emque o nome do jornal foi anunciado comovencedor, eu me lembro apenas dos gritos.Eu estava acompanhado de um grupo decolegas, que representavam as cerca de 200pessoas que estavam envolvidas neste tra-balho maravilhoso. Eles gritaram com oimpacto da notícia! Eu não gritei, não...Juro que fiquei quieto! Eu tomei até umsusto com a reação deles”, brincou Bonner.

Tal como Ana Paula Araújo, Bonnerdestacou que o Emmy é o Oscar da tele-visão. É mesmo o principal prêmio ame-ricano, com possibilidade de reconheci-mento para programas estrangeiros. “Nosúltimos anos, o JN tem sido freqüente-mente um dos finalistas. Finalmente, esteano, ganhamos. Eu voltei ontem, fiz ovôo de Nova York para cá o dia inteiro. Erecebi cumprimentos dos passageirosdentro do avião. Quando desci no aero-porto do Rio de Janeiro, recebi novoscumprimentos, dessa vez, de todo mun-do. Vieram falar comigo desde o pessoalda Polícia e da Receita Federal, até osfuncionários da limpeza. Havia um orgu-lho de todo mundo pelo fato de que oJornal Nacional tivesse sido premiado”,disse, para concluir em seguida.

“E aí está o segredo dessa coisa toda. OJN foi premiado. O jornalismo da TV Glo-bo foi premiado. O telejornalismo brasi-leiro foi premiado. E a gente faz aqui, comque essas coisas aconteçam, não por aca-so. É para atender a uma demanda do pú-blico. É ele quem exige essa qualidade. Porisso resolvemos colocar esse troféu namesa. Para dividir o prêmio com o públi-co, com você de casa, que entrega ao JornalNacional sua confiança e seu carinho. Esseprêmio é seu também. É dos câmeras queestão aqui conosco, fazendo o JN do estú-dio, de todo o pessoal da Redação, todos osprofissionais do jornalismo da Globo, noBrasil e no exterior. Pessoas que fazem oJN e os demais telejornais da Casa que,com unidade de qualidade, podem sermerecedores de um prêmio como esse.”

Três vezes laureadaA TV Globo já ganhou o Emmy Inter-

national três vezes, na categoria ‘Entrete-nimento’. A primeira vez em 1981, com AArca de Noé, especial dirigido por AugustoCésar Vanucci, voltado para as crianças,

William Bonner segura a medalha que os indicados ao prêmiorecebem e, no detalhe, Ana Paula Araújo segura o Troféu da vitória:

“Ganhar o Emmy significa que estamos no caminho certo.”

FOTOS TVGLOBO/LUIZCRIBEIRO

13Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Uma nova distinção jornalística atraiugrande número de profissionais da comu-nicação e especialistas de diferentes áreas:os Prêmios Longevidade Bradesco Segu-ros de Jornalismo e de Histórias de Vi-das, cuja solenidade de premiação foi re-alizada no dia 4 de setembro no HotelUnique, em São Paulo, durante o VI Fó-rum da Longevidade. O encontro reuniumais de 500 participantes, entre os quaisespecialistas de diversas áreas que deba-teram temas relacionados à saúde, bem-estar e longevidade.

O objetivo dos Prêmios LongevidadeBradesco Seguros é promover o diálogo ea troca de experiência entre gerações, nar-rar depoimentos de pessoas longevas, in-centivar o estudo acadêmico aprofunda-do e a produção de matérias jornalísticassobre longevidade, que resultem em qua-lidade de vida. Concorreram ao PrêmioLongevidade de Jornalismo matérias, re-portagens e artigos publicados em mídiaimpressa (jornal e revista) e mídia eletrô-nica (tv, rádio e internet), entre janeiro de

com músicas de Vinicius de Moraes inter-pretadas por nomes como Toquinho, ElisRegina, Ney Matogrosso, Moraes Morei-ra, Chico Buarque e As Frenéticas, entreoutros artistas. A segunda premiação ocor-reu logo no ano seguinte, em reconheci-mento a Morte e Vida Severina, teleteatrodirigido por Walter Avancini, com versosde João Cabral de Melo Neto e música deChico Buarque. No elenco da produção,destaque para os nomes de José Dumont,Elba Ramalho e Tânia Alves.

Reconhecida no mercado internacio-nal, a excelência das telenovelas da emis-sora foi premiada pelo Emmy em 2009,com Caminho das Índias, escrita por GlóriaPerez e com direção-geral de Marcos Sche-chtman, com elenco encabeçado por Ju-liana Paes, Rodrigo Lombardi e MárcioGarcia. A TV Globo também levou o prê-mio especial Directorate Awards, recebi-do por Roberto Marinho em 1983 pelo‘conjunto da obra’. Ela é, agora, a únicaemissora brasileira premiada também naárea do Jornalismo.

Erick Brêtas, Diretor Regional de Jor-nalismo TV Globo Rio, salientou a im-portância do prêmio recebido, este ano,neste campo. “Durante aquela semana, foimuito importante separar o que era fatodo que era boato do que era especulação.E o trabalho dos nossos jornalistas foi muitoimportante, porque graças à apuração ri-gorosa, à apuração isenta das notícias, nósconseguimos transmitir para a populaçãoo que de fato estava acontecendo. Eu achoque a gente prestou um grande serviço paraa população do Rio.”

Esse sentimento é reforçado por AliKamel, Diretor da Central Globo de Jor-nalismo, que, ao comentar a conquista doJN, lembrou do empenho e dedicação deum profissional da casa, morto há quaseuma década exatamente por traficantesdaquela região. “Em 2002, o Tim Lopes,nosso colega, foi assassinado ali na VilaCruzeiro, denunciando o tráfico. Na oca-sião, a gente prometeu continuar denun-ciando o crime e completar a história queo Tim não pôde. Quando recebemos oEmmy, os jurados sequer imaginavam queessa premiação teria ainda mais esse sim-bolismo. A conclusão de uma história queTim começou em 2002.”

O Emmy é considerado uma das princi-pais premiações destinadas a programastelevisivos. A criação da Academia de Tele-visão, Artes & Ciência, que concede oEmmy Awards, coincide com o início daprópria indústria da televisão. Syd Cassyd,fundador da Academia, quando vislumbroua organização, a imaginou como um fórumde discussão dos principais assuntos dosetor. O prêmio consagra não apenas ato-res e diretores, mas também profissionaisenvolvidos com a produção, como efeitosespeciais, edição, figurino e fotografia.

A primeira cerimônia de premiação doEmmy Awards foi realizada em 1949. Noevento, Shirley Dinsdale, personalidade dorádio e televisão, foi a primeira homenage-ada. Criada por Louis McManus, a estatu-eta do Emmy representa uma mulher aladasegurando um átomo, que simboliza a mis-são da Academia de Televisão em apoiar eincentivar as artes e as ciências. Um reco-nhecimento que agora chega ao JN, queestreou em 1º de setembro de 1969.

Os três primeiros classificados nas ca-tegorias Mídia Eletrônica e Mídia Impres-sa receberam troféus assinados pelo artistaplástico Toso Pimentel. A Rádio CBN foia grande vencedora na categoria Mídia Ele-trônica com a série de reportagens sobre obem-estar após os 40 anos, de Petria Cha-ves. A TV Bahia conquistou o segundo lu-gar com Centenários, de José Raimundo, DaviMelo, Paulo Neto, Sandro Abade, MelissaFernandes e Alanderson Santana. A ter-ceira colocada foi a TV Tem, de São José doRio Preto, com a reportagem Economia naTerceira Idade, de Maurílio Goeldner, AlcirMedeiros, Agnaldo Alves, Daniela Golfi-eri, Juliana Barriviera, Mauricio Marquese Thiago Simão.

Em Mídia Impressa venceu a matériaMuitos anos de vida do Jornal de Santa Ca-tarina, de Daiane Costa e Rafaela Mar-tins, seguida pela revista IstoÉcom a sériede reportagens Envelhecer Bem, de Débora

CBN, a grande vencedora

Longevidade também tem prêmio

2010 e agosto de 2011, produzidos por jor-nalistas com registro profissional.

Foram analisados a contextualização epluralidade dos aspectos abordados, a diver-sidade e qualidade das fontes, a qualidade

Rubin de Toledo e Paula Rocha. O CorreioBraziliense conquistou o terceiro lugarcom a reportagem Retratos de um País quenão sabe envelhecer, de Renata Mariz, AnaDolores e Marcelo Fonseca.

Felipe Leal Barquete venceu o PrêmioHistórias de Vida com Delírios de um cine-maníaco sobre um homem que dedica a vidaao cinema. Larissa Tsuboi Ogusico ficouem segundo lugar com Trabalhar é a alegriade viver, sobre a saga de uma família japo-nesa. Regina de Castro Pompeu foi a ter-ceira colocada com De repente, 60, sobre ex-periências de vida após os 60 anos.

A atriz Shirley MacLaine, 77 anos, par-ticipou da solenidade e discursou sobre aimportância do debate em torno do temalongevidade. Ela considera que sua carreiramelhorou na fase madura e que a medita-ção é uma boa prática para quem quer serelacionar de forma saudável e harmoni-osa com as pessoas e com o mundo.

do texto, a utilização de terminologias econceitos apropriados ao tema e o uso ade-quado na interpretação de pesquisas e ma-teriais de referência.

O Prêmio Longevidade Histórias de Vidaé direcionado a participantes acima de 18anos. O objetivo é premiar histórias bemelaboradas que valorizem o ser humano ea memória. Do total de 294 inscritos, 197foram para o Prêmio Histórias de Vida e 97para Jornalismo. O Júri dos Prêmios deJornalismo e de Histórias de Vida foi forma-do pelos jornalistas José Roberto WhitakerPenteado, Diretor e Professor da Escola Su-perior de Propaganda e Marketing-ESPM,Sérgio Caldieri, Primeiro Secretário da MesaDiretora do Conselho Deliberativo da ABI,Théo Rochefort, Diretor de Comunicaçãoda Associação Brasileira de Emissoras deRádio e TV-Abert, e Sérgio Mota Melo, Pre-sidente da TV1, e ainda pelo gerontologis-ta Alexandre Kalache, e Mônica Medina,Diretora da Ogilvy/RP-Diferencial. A vete-rana atriz Nicete Bruno foi a Presidente deHonra do Júri do Prêmio Histórias de Vida.

A atriz Shirley MacLaine discursouno evento: A meditação é uma boaprática para alcançar a harmonia.

Petria Chaves, da CBN, entre os jurados Mônica Medina, José Roberto Whitaker Penteado, Sergio Motta Mello e Sergio Caldieri, segura otroféu pela vitória na categoria Mídia Eletrônica. Ao lado, José Raimundo e Melissa Fernandes recebem o Troféu pelo segundo lugar.

Daiane Costa e a fotógrafa Rafaela Martins,do Jornal de Santa Catarina, vencedoras do

prêmio jornalismo-mídia impressa.

FOTOS LUVIZZUTTO

14 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

HOMENAGEM

POR MARCOS STEFANO

O alemão deJoão Ubaldo Ribeiro

Estive certa vez em Berlim, na Alema-nha, com figuras como Ignácio de LoyolaBrandão, Márcio de Souza e João UbaldoRibeiro. Andar com essa turma é certezade boas idéias e muitas gargalhadas. Esta-va andando com o Ubaldo e entramosnuma farmácia. Precisava comprar creme,estava com a pele ressecada. Ele me dissepara não me preocupar e falou em alemãocom o atendente. Fiquei impressionadacom a fluência dele. Conversava com o ra-paz e mostrava entender tudo muito bem.Peguei o pacote, paguei e voltamos para ohotel. Mas como a bula era em alemão, de-cidi usar só em São Paulo. Sorte a minha.Já na sede da Academia Paulista de Letras,conhecia um cara que sabia bem o alemãoe pedi que ele me explicasse a bula. Aí veioa surpresa. “Lygia” – disse ele – “Esse cre-me é para ajudar no crescimento da barba”.“Ah, fica para você. Presente do João Ubal-do Ribeiro”, brinquei.

Simplesmente ClariceA Clarice Lispector era uma pessoa

extraordinária. Mas tinha um problema:nunca ria. Fomos juntas para a Colômbia,para participar de um congresso interna-cional de escritores. Na viagem, ela medisse com aquele sotaque meio alemão, quetem a língua meio presa e solta os erres: “Ly-gia, você tem um defeito: dá muita rrrisa-da”. Não agüentei e comecei a rir, era muitodivertida. “Não pode rrrrirrr muito. Porrr-que, se rrrirrrmos, ninguém nos levará asérrrio”. As fotos dela mostravam isso. Elanunca aparecia rindo.

ProfeciaNesta mesma viagem, estávamos no

avião, quando começou uma turbulência.O aparelho subia e descia, assustandotodo mundo. Costumo dizer que as duascadeiras mais confortáveis, mais higiêni-cas e também mais detestáveis que exis-tem no mundo são a de um avião e a dodentista. Mas, em meio ao alvoroço, coma aeronave rangendo e tremendo, Clari-

A sexta edição do Encontro Interrogações,realizada pelo Itaú Cultural em São Paulo, reuniu50 jovens escritores para falar da intranqüilidadena criação literária. Mas o grande destaque foi ahomenagem feita à contista e romancista Lygia

Fagundes Telles, uma das mais importantesescritoras brasileiras de todos os tempos.

À mestra,com carinho

FOTOS CAIO PALAZZO

istoricamente, a intranqüi-lidade sempre foi uma molapropulsora para a criação li-terária. Seja ela causada pelo

amor não correspondido, pela doença oumesmo pela loucura. Bem, pelo menos foiassim nos séculos passados. Hoje, as per-turbações de um autor têm mil outras ra-zões, que vão das pressões do mercado edi-torial à falta de inspiração da vida virtu-al e instantânea. Para debater essas novasfacetas do universo das letras, o Institu-to Itaú Cultural promoveu, de 7 a 9 de se-tembro, em São Paulo, a sexta edição deseu Encontros de Interrogação. Apesar dapresença nas mesas de discussão de maisde 50 escritores brasileiros, entre desta-cados ficcionistas, jornalistas, críticos,poetas e professores, grande parte, jovenstalentos, o grande nome do evento émesmo da velha guarda. No auge de seus88 anos, Lygia Fagundes Telles foi home-nageada em uma mesa especial e, commuito bom humor e uma disposição inve-jável, contou histórias de sua carreira efalou sobre os segredos da produção debons livros.

O atual momento da literatura naci-onal foi assunto para quase todos os de-bates do 6º Encontros de Interrogação.Uma das mais concorridas, a mesa “Escre-ver é apenas narrar?” reuniu João Silvé-rio Trevisan, Joca Reiners Terron, Nélsonde Oliveira, Paulo Scott, Rubens Figuei-redo e Paulo Werneck para discutir se a re-presentação do real ainda tem espaço nahora de contar histórias. Além desse, tam-bém houve debates sobre as transforma-ções do mercado editorial em tempos deinternet, a criação de novos gêneros emnovas plataformas, a formação e o papeldo crítico literário, o espaço de reflexãona ficção e na poesia atualmente, litera-tura infantil e a importância dos autoresmarginais para alcançar novos públicos.

Com grande presença do público joveme de estudantes nos debates, o encontroteve momentos de intensa troca de expe-riências. “Acho muito salutar essas trocas.Já desisti de projetos ruins, inclusive, de

roteiros de cinema. Para facilitar o processode escrita, antes de começar a escrever,pesquiso muito, reúno informações. Nor-malmente, não tenho toda a história defi-nida. Mas se não tiver um final, não con-sigo continuar a desenvolvê-la”, explicouFernando Bonassi, que participou da mesa“As intranqüilidades da primeira página:como atravessá-la sem desistir?”, ao ladode João Paulo Cuenca, Luiz Vilela, PalomaVidal e Claudiney Ferreira. Outras mesasdebateram ainda temas como os limitesentre a biografia e a ficção e o que represen-tam para o escritor aqueles momentos emque ele não escreve, em viagens, contato comoutros autores e leitores, participando depalestras ou imerso em leitura.

Na mesa que homenageou Lygia Fagun-des Telles, no feriado de 7 de setembro, ànoite, a escritora tratou, de um modo oude outro, de vários desses assuntos. O for-mato escolhido foi o de uma entrevista,mediada por Flávio Carneiro e que tevecomo entrevistadores Fabrício Capinejar,Marcelino Freire e Maria José Silveira.Em pouco mais de uma hora, a autora deAs Meninas e Ciranda de Pedra falou sobrea literatura e sobre seu processo de cria-ção em particular. “Para mim, o leitor nãoé somente um parceiro, mas um cúmpli-ce. Já fui cobrada pela morte de persona-gens na rua. E gostei”, confessou.

De fato, Lygia mostrou por que é umadas mais importantes contistas e roman-cistas brasileiras de todos os tempos. Masainda mais fascinante que o lado profis-sional é o pessoal. Ela também contouvários episódios que passou ao lado deoutras personalidades literárias do Brasile do mundo. Gente como João UbaldoRibeiro, Clarice Lispector, Hilda Hilst eJorge Luis Borges. Em suas palavras, mi-tos ganharam corpo, forma e identifica-ção. Com a autorização do Itaú Culturale dos curadores do encontro, ClaudiaNina e Thiago Rosenberg, o Jornal da ABItambém pôde homenagear Lygia Fagun-des Telles, apresentando a seguir os prin-cipais trechos de sua entrevista no En-contros de Interrogação.

ce veio para o meu lado: “Lygia, não tenhamedo. Porrrque não vamos morrerrr.Minha carrrtomante disse que eu mor-rerrrei na cama”. Ah, então tá.

A melhor parteJá na Colômbia, a programação do

evento indicava a próxima atividade.Clarice me puxou pelo braço: “Não vamosà sala de audiência. É muito chato. Vamosconverrrsarrr e tomarrr um vinho nobarrr”. Fomos para o bar. Ela pediu uísque.Eu, vinho branco. Mas o melhor eram oscigarros colombianos. Hoje, fumar podeser politicamente incorreto, mas naquelemomento eles estavam deliciosos. Come-çamos a falar em traição. Aí, ela pergun-tou: “Quem faz mais escândalo, é maisperrrigoso quando é trrraído? Homem oumulherrr?”. Chegamos à conclusão de queera a mulher, que conta para a amiga e aamiga conta para outra amiga e assim vai.Como disse a Clarice: “Mulherrr é o dia-bo!”. Quando saímos do bar, estavamtodos saindo da atividade na outra sala.Pegamos um chiclete para disfarçar ohálito e novamente Clarice me puxou:“Está vendo como os demais congrrressis-tas estão trrristes e abatidos? Já nós esta-mos rrradiosas”. Ganhei o dia.

Hilda HilstA Hilda era muito divertida e brinca-

lhona. Também fez Direito no Largo deSão Francisco. Começou a aprontar lá.Fazia parte do Grupo dos Birutas, a pre-sidente. Era da turma. Ela herdou da mãeuma fazendinha perto de Campinas, aCasa do Sol. Arrumou tudo como ummosteiro com a ajuda de Alfredo Mesqui-ta. Era deslumbrante. Ali, criava umamatilha de cães. Acho que tinha mais de500. Bastava encontrar um bichinhoabandonado na rua para levá-lo com ela.Poeta e prosadora, vivia me dizendo:“Lyginha, temos de mudar de profissão.Escrever não dá dinheiro”. Ela sabia queera tarde para aquilo. Não que não tentas-se diversificar. Certa vez, comprou umaparelho que supostamente captava vo-

H

15Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

zes do além, dos mortos, das almas pena-das. E queria que eu ficasse ouvindo comela. Também acreditava em discos-voado-res. Mas aí eu retrucava que só ladrõesestivessem neles. De que outra maneiraexplicar roubos e golpes tão sensacionaisque ocorrem atualmente e ninguém vê?

Revolução femininaTive um professor na Faculdade de

Direito do Largo de São Francisco, o filó-sofo e jurista Miguel Reale, que certa veznos disse: “A mais importante revoluçãodo século XX foi a das mulheres”. Umagrande verdade. Antes, a mulher não par-ticipava de nada e se limitava a viver reco-lhida, espiando da janela a vida passar. NaII Guerra Mundial, enquanto os homensestavam no front, elas tomaram as fábri-cas, escritórios e bancos universitários.Mas na minha turma, éramos seis ou setemocinhas virgens, apavoradas com tudo.Quando nos aproximamos da formatura,um colega se virou para mim e questionou:O que vocês vieram fazer aqui? Casar?”.Respondi: “Também”. Tanto que acabeicasando com um dos professores, Gofre-do da Silva Telles Júnior, meu primeiromarido. Começava a nossa revolução.

Leitor e cúmplicePara mim, o leitor é mais que um par-

ceiro. É um cúmplice. Certa vez, encon-trei uma leitora na rua, que foi logo mecobrando: “Li seu livro As Meninas e gos-tei demais. Mas por que a Ana Clara mor-reu? Ela não podia morrer, era a melhorpersonagem”. Ela começou a tomar satis-fação. Para muitos, seria um abuso. Mas eunão, gosto disso.

Ficção e realidadeQuando respondi a essa leitora, disse

que a Ana Clara precisava morrer, pois nãoapenas ela, mas o livro era o testemunhode um tempo e de uma sociedade. Naépoca, a droga corria solta e denuncieiisso por meio da personagem, que erachamada de Ana “Turva” pelas amigas.Mas também havia a bonitinha e arruma-dinha Lorena e a militante, a política Lia.“Lião”, como era mais conhecida. Sempreque me entrevistam perguntam sobre aditadura militar, como eu me portei emrelação ao clima político no Brasil. AsMeninas foi lançado em 1973. No roman-ce, Lia lê um texto que eu havia recebidoem casa e era uma denúncia contra osabusos e as torturas que o regime militarestava cometendo. Eu reproduzi o panfle-to no livro, para combater aquela barbá-rie que acontecia no Doi-Codi. Ainda hojecontinua o mesmo clamor, pedindo quese investiguem tantas denúncias. Comoantes, continuo apoiando. O escritor bra-sileiro, do Terceiro Mundo, deve contartudo o que se passa em sua realidade.Mesmo fazendo ficção, ele é uma teste-munha de seu tempo e de sua sociedade,leva ao leitor sua experiência.

Como nasce um contoMuito do que escrevo é alicerçado no

que vivo. Meu último livro, Histórias deMistério, é exemplo disso. Lá há um con-to que, de certa forma, veio da realidade.A história de As Formigas começou aindana faculdade. Eu fazia Direito, mas tinha

uma amiga que fazia Medicina, a Ondi-na. Um dia fui à casa dela e ela estava in-quieta, mexendo num colar esquisito emseu pescoço. O colar não era formado porpedras, mas por peças que pareciam ossos.E qual não foi meu susto quando ela fa-lou que eram ossos de um anão. Ela pre-cisava estudar para uma prova e aquilo eraa melhor maneira de decorar os nomes dosossos do corpo humano, muitos com ra-ízes no latim e no grego. Apenas a acon-selhei a tirar aquilo à noite, quando fos-se para a cama. No conto, tenho umaprima e vamos morar juntas numa pen-são. Lá, encontramos uma caixa que per-tencia ao antigo ocupante do quarto, umestudante de Medicina, e quando abrimoso recipiente, há ossos dentro. Ossos de umanão. À noite, as formigas sempre vêmpara misteriosamente, reconstruir aquelecorpo. Não quero resolver o problema,mas aumentá-lo e passar para frente, parao leitor, meu cúmplice. Forma só não bas-ta, é preciso cativar o cúmplice. Prendê-loquando ele tenta se afastar.

Noutra ocasião, meu segundo marido,o cineasta Paulo Emílio Salles Gomes,estava na Europa por conta das persegui-ções da ditadura militar brasileira. Maisexatamente, em Paris. Na ocasião, abriuo jornal e leu uma história extraordiná-ria. Quando a II Guerra já terminava, umbrasileiro, filho de alemão, foi para aAlemanha. Mais tarde, conheceu umamoça, filha de um farmacêutico, que usa-va perna mecânica. Esse tipo de perna eracaríssima. Normalmente, só heróis deguerra conseguiam uma, pois ganhavam.Mas, na primeira noite do casal, depoisque ela adormeceu, o cara roubou suaperna mecânica e fugiu. Inacreditável.Nunca mais tiveram notícia do sujeito.Quando Paulo me contou, não acreditei.Mas ele insistiu; “Cuco” – era assim queme chamava – “É verdade”. Uma dúvidameio boba surgiu na minha cabeça: era aperna direita ou a esquerda? Não davapara saber, o jornal não dizia. Então, Paulome desafiou a responder a questão numahistória. Nela, eu era o cara e, depois doroubo, fiz negócios com a perna mecâni-ca e com penicilina, outra riqueza no pe-

Em uma antiga pensão, duas jovens universitárias se deparam com formi-gas que parecem ter como missão reconstituir e dar vida aos ossos de um cai-xotinho. Já a bordo de uma rústica embarcação, a narradora tenta cruzar umrio à noite, na companhia de um velho bêbado adormecido e de uma mulhercom um bebê nos braços. Uma situação tão inusitada quanto a da adolescenteque vai ao casamento do tio e percebe que, mesmo prestes a se unir com umamoça lindíssima, ele parece paralisado pelo medo. Um pé na realidade e outrono sensacional: essa é a receita que move os seis contos de Histórias de Misté-rios, de Lygia Fagundes Telles, obra publicada originalmente em 2004 e, queagora, ganha nova edição pela Companhia das Letras.

Aparentemente, as histórias nada trazem de assustador no começo. Os tí-tulos, inclusive, tratam de situações banais, relacionadas ao cotidiano: AsFormigas, A Caçada, Natal na Barca, O Jardim Selvagem, Lua Crescente em Ams-terdã e Onde Estiveste de Noite?. Mas é a partir delas que a escritora mergulhano desconhecido. Desconhecido que nasce de uma incompreensão, mas que,ainda mais surpreendente, a autora não busca resolver e, sim, aumentar, pas-sando para o leitor a tarefa de resolveros enigmas, um processo que mexe eremexe com o íntimo da pessoa.

O conto em que as formigas ten-tam reconstruir o pequeno esqueletoé exemplo dessa fórmula. Em meio àempolgação e aos desafios de moraremsozinhas pela primeira vez, novidadeque qualquer um enfrenta, as jovens sedeparam com os obstinados insetos.Tentam matá-los e até julgam ter con-seguido. Mas descobrem que, de for-ma sobrenatural ou não, elas continu-am empenhadas em realizar sua mis-são. No fim, não se trata de um inciden-te isolado em seu quarto. A pensão emque moram, suas próprias vidas, tudoparece impregnado pelo assombro epela dúvida.

Desde romances como As MeninasLygia tornou-se extremamente hábilnessa arte de usar o cotidiano para mos-trar algo mais para seus leitores. Ele-mentos que estão ocultos, que miste-riosamente pairam no ar buscandosolução quase impossível e são capazes de dar o ar da graça à boa ficção. “O leitornão é somente meu parceiro, é meu cúmplice. Por isso, escrevo dessa manei-ra”, costuma dizer. Mas sua obra também é prova de que a realidade pode serberço para as melhores histórias que a imaginação possa conceber.

Voltando ao conto das formigas, a trama tem como inspiração a juventu-de da própria escritora e de uma amiga, que fazia Medicina. Certo dia, quandoainda cursava a faculdade do Largo de São Francisco, Lygia passou pela casadessa amiga, que estava estudando para uma prova sobre os ossos do corpohumano com um estranho colar no pescoço. “São ossos de anão”, disse ela à

escritora. Um clima de mistério tão surpreenden-te quanto o relatado no conto Onde Estiveste deNoite, que fecha a coletânea e no qual Lygia narracomo recebeu a notícia da morte da amiga Clari-ce Lispector. Corria o ano de 1977 e ela estava emMarília, no interior paulista, preparando-se paraum curso de literatura na universidade local. Ànoite, foi acordada pelo barulho de asas. Seria ummorcego? Ou um pássaro? Era uma andorinhacom seu exuberante azul a brilhar na noite. Mes-mo quando abriu a janela, o bichinho demoroupara sair. Parecia querer dizer algo. Quando se foi,a escritora deu adeus e sentenciou: “Você está li-vre”. No dia seguinte, ao chegar ao saguão do pré-dio em que ministraria seu curso, recebeu a notíciada partida de Clarice. Ao que só pôde confirmar:“Eu sabia. Eu já sabia”. (Marcos Stefano)

Mistériosde Lygia

16 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Em Paul Gauguin a vida e a arte se mesclaram. Nascido nos diasda Comuna de Paris em 1848, desde cedo foi um errante. Neto dalegendária feminista Flora Tristan, morou no Peru durante a infân-cia e se dizia descendente de incas.

Marinheiro aos 17 anos, esteve no Brasil mais de uma vez. Masaos 35 anos já era destacado corretor da Bolsa de Valores da Fran-ça. Pintava só aos domingos e chegou a colecionar quadros de Mo-net, Renoir e Cézanne.

Logo a paixão pelas tintas fê-lo abandonar tudo. Rejeita a famíliae a pintura convencional. Vai para a Bretanha e passa a usar só três coresbásicas: amarelo, azul e vermelho. Não mais respeita a dimensão tri-pla. Entra pelo mundo dos arabescos, das curvas voluptuosas, doexotismo dos povos primitivos, então – como hoje – em moda.

Em 1887 vai para o Panamá e depois para a Martinica. Volta paraa França, fica amigo do holandês louco Van Gogh e se intitula um“essencialista”. Flores e curvas passam a adquirir um sentido sim-bólico, misterioso, surgem idéias, emoções, sentimentos, transcen-dências, metáforas, essências, símbolos.

Volta para o Taiti, em busca do espaço natural, do incontami-nado, da ecologia. Seus quadros e esculturas parecem totêmicos.Mas nada vende. Começa a ficar pobre e até miserável. Adquire do-enças tropicais. Em 1901 tenta suicídio. Alguém lhe consegue umemprego colonial. É tarde. Foi vencido pela miséria. Quase louco,não mais usa telas: pinta as paredes de seu rancho miserável. Ain-da faz um último quadro: Cavaleiros na Praia, um reencontro coma vida. Em março de 1903 é preso. No dia 8 de maio um índio seuamigo avisa às autoridades que Paul Gauguin morrera na triste en-xovia onde estava algemado.

Seus quadros hoje valem milhões, pois expressam uma visão total domundo, integrando pensamento e sensação. Seu universo foi a um sótempo primitivo, mágico e cotidiano. Influenciou decisivamente to-dos os expressionistas modernos e os fauvistas (“selvagens”).

ríodo, e fiquei rico. Voltei assim para oBrasil. Com muito dinheiro, mas sem paz.Nunca mais. Mesmo indo a centros, igre-jas e psicanalistas. Nada adiantou. Esseconto chama-se Helga e está no livroAntes do Baile Verde. Um conto verídico.Trabalho muito assim. Sento com umaidéia e peno para desenvolvê-la. Mas énormal. Para comer o fruto é necessáriotirar a casca. O sabor está lá no fundo.Parece loucura novamente? Bom, todoescritor tem um pouco dela.

Personagens e identificaçãoLembro-me de que terminei As Meninas

na chácara de um irmão meu, em Barra deSão João, um Município do Rio de Janeiro.Enquanto terminava o livro, chorava. Sem-pre me comovo muito com minhas perso-nagens. A Ana Clara, essa drogada, sai às ruase, quando percebe que está sangrando ocoração de Jesus Cristo em seu peito, cobre-se toda. Foi marcante. Em seguida, ela saiudaquelas páginas, sentou-se no meu colo eme questionou: “Por que você me matou?Vou voltar.” Não estou louca, a cabeça estáboa ainda. Mas a sensação era essa. No fim,alguns personagens sempre acabam vol-tando, mas mascarados.

Poder das palavrasSer escritor é muito bom. A profissão

te dá condições de oferecer consolo ànação e ao mundo. Sempre que leio osjornais, com tantas notícias horríveis,volto ao trabalho e digo a mim mesma: “É

preciso sonhar”. Então, recordo as pala-vras do romeno Emil Cioran, grande filó-foso e escritor, que disse: “Não quero alucidez da desilusão, mas quero a névoada ilusão, que é o sonho”. O escritor podeser corrompido, mas não corrompe o lei-tor. Pode ser louco, mas ajuda o leitor aficar lúcido. Pode ser triste e solitário,mas não deixa o leitor sozinho.

Primeiro livroComo escreveu o próprio Antonio

Candido, o livro que marca minha matu-ridade é Ciranda de Pedra. Antes disso,esqueça. Também o considero o começoda minha carreira. Apesar de meu primei-ro trabalho ter se chamado: Porão e Sobra-do. Quando o escrevi, estava prestandovestibular. Imprimi em uma tipografia,economizando minha mesada. Mas des-cobri que era imaturo. Quando mostrei aum amigo da faculdade, o Péricles da Sil-va Ramos, ele foi direto: “Desista disso!”.Acumulei coragem, engoli em seco e des-truí o trabalho. Foi difícil, mas a juventu-de não justifica um mau livro. Ainda bemque nenhum escritor nasce pronto.

MachadoMachado de Assis era deslumbrante.

Conseguia tirar tudo do nada. Mulato,feio, epilético e pobre. Quando tinha umataque, a mulher, portuguesa, enfiava umarolha em sua boca. O homem babava, masnão mordia a língua. Simplesmente, foio nosso maior escritor. Para mim, foi um

privilégio participar da releitura de seuconto Missa do Galo. A história se passanuma pensão. Um rapaz lê um livro en-quanto aguarda o amigo bater em suajanela, chamando-o para ir à igreja meia-noite, na Missa do Galo. De repente,entra a dona da pensão. De dia, era umamulher comum. Mas à noite, com os ca-belos soltos, um belo chambre e negligéecomprida, vira uma sedutora. Ela provo-ca, andando ao redor dele. E o desejo deleacende diante da bela mulher que andapelo quarto como uma mariposa voa emtorno da luz. No conto original, o climaé quebrado pelo amigo, que bate à janela.Mas na minha malícia – e releitura – an-tes de tudo acabar, ela ir para o quarto eele para a igreja, sobra um antigo sofá emque as almofadas estão amassadas. Foiminha contribuição machadiana.

Velhice na metrópoleMorar em uma cidade caótica como

São Paulo não é fácil. Depois que quebreio fêmur da perna direita, tenho sobrevi-vido graças ao carinho que as pessoas têmpor mim. Aconteceu esses dias. Não te-nho carro e só ando de táxi. Mas agorapreciso ir com calma, na frente, sentadaao lado do motorista. Como tenho o tron-co pequeno e pernas longas, preciso des-se lugar mais firme para sentar. Às vezes,demoro para sair, o pessoal atrás começaa buzinar, é terrível. Nesse dia, demoreipara sair, houve confusão, mas tudo bem.Quando voltei, o táxi me levou de volta

para casa e, na saída, a mesma dificulda-de. Constrangida, argumentei com o cho-fer que havia quebrado a perna e estavame recuperando. Ele respondeu: “Por quea senhora não disse antes? Se soubesse,teria lhe carregado no colo”.

Ao poeta a poesiaAdoro ler poesias e algumas crônicas.

Estas na imprensa. Em 1970, participei dacomissão julgadora de um prêmio intera-mericano de literatura, o Matarazzo So-brinho, durante a Bienal do Livro, no Se-minário de Literatura das Américas. Paramim, deveríamos escolher Manuel Ban-deira ou Carlos Drummond de Andrade.Mas Francisco Matarazzo, o Ciccillo, nãoqueria que parecesse que estávamos pro-tegendo os brasileiros. Fez questão de quefosse escolhido naquele ano o argentinoJorge Luis Borges. Assim, o conheci e apren-di a admirá-lo. Em 1984, Borges voltou aoBrasil para ser homenageado e eu fui en-carregada de ciceroneá-lo. Já estava cegoe quando o encontrei, estava com umaenorme bengala. Em 1970, descobri queele adorava gatos, dizia que eram os bichosque melhor conheciam o paraíso perdido.Uma paixão que eu e o Paulo Emílio tam-bém partilhávamos. Mas a visita dos anos1980 soou como uma despedida. Ele melembrou que, na vida, precisamos sonhar.E eu lhe recitei um poema: “É pelo sonhoque vamos, comovidos e mudos. Chega-mos, não chegamos? Haja ou não frutos,é pelo sonho que vamos”.

ARTE

Paul Gauguin, o selvagemPOR PAULO RAMOS DERENGOSKI

CAVALIERS SUR LA PLAGE I, 1902. ÓLEO SOBRE TELA. 66 × 76 CM. MUSEUM FOLKWANG, ESSEN

HOMENAGEM À MESTRA, COM CARINHO

17Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

aproximação de Luiz Lobo ao jornalismo se deuquando ainda era criança, aos nove anos de ida-de, quando cursava o antigo curso primário noLiceu Imaculada Conceição, em Nova Lima(MG), onde fazia um jornal chamado O Abe-lhudo. Em 1944, ele veio morar no Rio de Ja-

neiro e ingressou no internato do Colégio Pedro II, que funci-onava no bairro de São Cristóvão.

No Pedro II, assim que chegou começou a editar um jornal ma-nual em quatro folhas de papel almaço chamado Pedrão, que ti-nha um único exemplar que circulava nas salas de aula. “A mi-nha mãe queria que eu fosse para o Itamaraty, mas eu queria fazerjornalismo”, disse Luiz Lobo ao Jornal da ABI.

Nesta entrevista, Luiz Lobo fala sobre os seus 60 anos de car-reira, iniciada como estagiário na Tribuna da Imprensa. Ele

narra a sua convivência com Carlos Lacerda, ascoberturas do Palácio do Catete, a morte

de Getúlio e sobre o tempo em que tra-balhou no JB, em O Globo e nas re-

vistas Senhor e Claudia, e conta ahistória dos prêmios conquista-

dos quando trabalhava na RedeGlobo de Televisão.

DEPOIMENTO

Repórter que relatou acontecimentos dramáticos, como o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954,e o fim do Capitão Carlos Lamarca, nos anos 1970; membro da equipe de criação de revistas que ficaram na História(Senhor) ou que ainda circulam com êxito (Claudia); redator de jornais diários e de textos para a televisão, Luiz Jorgede Azevedo Lobo, ou simplesmente Luiz Lobo, passa em revista suas seis décadas de atividade profissional e conclui

que o jornal não vai acabar, porque nenhuma forma de mídia desbanca aquela que já se encontra no mercado.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

LUIZ LOBONenhuma mídia substitui

aquela que já existe

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18 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

JORNAL DA ABI – QUANDO O SENHOR DECIDIU QUE

DEVERIA EXERCER A PROFISSÃO DE JORNALISTA?Luiz Lobo – A minha mãe queria que eu

fosse para o Itamaraty, mas eu queriafazer jornalismo. Eu fiz exame vestibu-lar para Jornalismo, Direito e tambémprova para o Itamaraty. Para o meu azarpassei nos três. E aí fiquei na dúvida por-que não queria contrariar a minha mãe,nem contrariar a mim mesmo.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR RESOLVEUESSA QUESTÃO?

Luiz Lobo – Na época, verificamos queo enxoval para o Itamaraty era muito caroe não dava para a gente arcar com as des-pesas. Então eu fui cursar Direito e Jorna-lismo ao mesmo tempo, que nessa épocaera uma cadeira na Faculdade Nacional deFilosofia, na antiga Universidade do Bra-sil. Mas fui obrigado a optar, porque cur-sar as duas faculdades era ilegal. Eu entãooptei pelo Jornalismo.

JORNAL DA ABI – O SENHOR ACHA QUE FEZ AOPÇÃO CERTA?

Luiz Lobo – Não sei, mas era o que euqueria e isso foi o que mais me interessounaquele momento. Eu tinha um professorque se ofereceu para me dar uma carta derecomendação para o jornal em que euquisesse fazer estágio, que naquela épo-ca não era remunerado. Ele me deu duascartas: uma para o Diário Carioca e outrapara a Tribuna da Imprensa.

JORNAL DA ABI – MAIS UMA VEZ O SENHOR SE

VIA DIANTE DE UMA SITUAÇÃO EM QUE TERIA QUE

OPTAR ENTRE UMA COISA E OUTRA. QUAL FOI A SUADECISÃO?

Luiz Lobo – Eu fui aos dois jornais. NoDiário eu fui recebido pelo Luiz Paulista-no, e na Tribuna por um cidadão, que eupensei que fosse o porteiro, despenteado,desdentado, gravata no meio do peito,malvestido, que me perguntou o que euqueria. Eu disse a ele que tinha uma car-ta para entregar ao Carlos Lacerda. Ele meperguntou onde eu morava e eu falei queera na Tijuca. Ele então me mandou fa-zer uma matéria sobre os problemas domeu bairro. Depois eu descobri que aqueleera o Hilcar Leite, que foi muito impor-tante na minha vida e me ajudou muito.

JORNAL DA ABI – E POR QUE O SENHOR ESCO-LHEU A TRIBUNA DA IMPRENSA?

Luiz Lobo – Por causa do horário eupreferi a Tribuna e acho que fiz uma op-ção muito certa, porque ela e o Diárioeram os únicos jornais da época que usa-vam as técnicas de redação corretamen-te, como o lide.

JORNAL DA ABI – QUEM FOI O SEU PRIMEIROORIENTADOR NA TRIBUNA DA IMPRENSA?

Luiz Lobo – Eu caí na mão do NilsonViana, que depois foi meu padrinho decasamento, que era uma doce figura, sa-bia tudo de Redação e me ensinou o bá-sico. Eu comecei a trabalhar, sem remune-ração alguma, e fui mandado para a edi-toria que cobria o Fórum.

JORNAL DA ABI – FOI CUMPRIR A ANTIGA FUN-ÇÃO DE REPÓRTER SETORISTA.

Luiz Lobo – Lá eu verifiquei que existiauma sala de imprensa, onde os repórteresse reuniam no final da tarde para trocarinformações, e com isso todos acabavamdando as mesmas notícias. Logo depois,descobri que quase todos os jornalistas

JORNAL DA ABI – ENTÃO O SENHOR JÁ COMEÇOU

A SUA CARREIRA PROFISSIONAL COMO COLUNISTA?Luiz Lobo – Colunista, mas sem opinar,

eu apenas produzia as notícias. Mas des-cobri que, por preconceito, todos os che-fes de reportagem jogavam fora o envelopeque vinha da Agência Nacional sem sequerabri-lo. Eles faziam isso porque considera-vam aquele noticiário como “chapa bran-ca”. Eu então comecei a verificar o conteúdodos envelopes e tirar as notícias que diziamrespeito à Presidência da República.

JORNAL DA ABI – ESSE PASSOU A SER O DIFE-RENCIAL DA SUA COLUNA?

Luiz Lobo – A coluna era bem informa-da porque ninguém dava aquele tipo denotícia. E isso me abriu portas. O Presiden-te era o Getúlio, cujo Chefe da Casa Civilera o Lourival Fontes; e a Sala de Impren-sa ficava fora do Palácio, do outro lado daRua Silveira Martins (Zona Sul do Rio).

JORNAL DA ABI – ISSO DIFICULTAVA MUITO O TRA-BALHO DOS REPÓRTERES?

Luiz Lobo – Era muito difícil fazer qual-quer coisa. Um dia a porta principal doPalácio se abriu para a entrada de integran-tes do Sindicato dos Portuários, que erafortíssimo na época. Eu então me mistureiao grupo e entrei junto com eles no SalãoNobre. O Getúlio veio cumprimentandoum a um. Quando chegou a minha vez, elefalou comigo, olhou a minha mão, esfregoue disse: “Você não é portuário”. Eu disse a eleque era jornalista. Ele então me perguntou:“Mas não é credenciado?” Eu respondi afir-

mativamente e ele retrucou: “Como, se eununca fui apresentado a você?” Eu disse aele que o Ministro Lourival Fontes não medeixava chegar perto dele.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A REAÇÃO DO GETÚLIO?Luiz Lobo – Ele mandou chamar a Ive-

te (Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio) epediu a ela que confirmasse se eu eramesmo um jornalista credenciado noPalácio. Como ela confirmou, o Getúlioolhando para mim disse: “De hoje emdiante ele está autorizado pessoalmentepor mim a entrar no Catete para apurarnotícias. Informe isso ao Lourival”.

JORNAL DA ABI – COMO A ORDEM PARTIU DO

PRÓPRIO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, O SENHORGANHOU UMA CREDENCIAL DE TRÂNSITO LIVRE.

Luiz Lobo – Não adiantou muita coisanão, mas pelo menos eu pude passar aentrar no Palácio do Catete e observar afigura do Getúlio mais de perto.

JORNAL DA ABI – MAS O FATO DE PODER APURAR

A NOTÍCIAS DENTRO DO PALÁCIO DEVE TER FACILI-TADO MUITO O SEU TRABALHO.

Luiz Lobo – Nessa época a Tribuna tinhauma chargista de origem alemã chamadaHilde Weber, que fazia umas charges doGetúlio que eu achava absolutamente in-justas. Ele aparecia sempre com o cabelodespenteado, a gravata com nó frouxoposicionada na altura do peito. Essa erauma imagem que eu nunca tinha visto doPresidente.

JORNAL DA ABI – POR QUE VOCÊ ACHAVA QUE AHILDE ERA INJUSTA COM O GETÚLIO?

Luiz Lobo – Ele estava sempre bem-ves-tido e com o cabelo arrumado. Principal-mente, porque, se isso eventualmenteacontecesse, o Gregório Fortunato, o AnjoNegro, penteava o cabelo dele e não odeixaria aparecer em público daquele jei-to. Mas aconteceu um fato curioso. No diada última reunião do Ministério, debaixoda pressão para que Getúlio se afastasse doGoverno, eu fui cercar a saída dele e nãoa dos Ministros. E quando ele saiu, estavadespenteado, com a gravata frouxa, a suafigura parecia com a charge da Hilde.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA PRIMEIRA REAÇÃOQUANDO VIU A CENA?

que cobriam aquela área tinham o traba-lho na imprensa como um bico. O jorna-lismo não era a atividade principal.

JORNAL DA ABI – OS SALÁRIOS ERAM MUITOBAIXOS?

Luiz Lobo – O jornalismo pagava mui-to mal naquela época. Eu me lembro quecheguei lá com mais dois repórteres, queestrearam no Fórum naquele mesmo dia.Um deles chamava-se Armando Noguei-ra, que também estava começando noDiário Carioca. Nós nos recusamos a par-ticipar da sala de imprensa.

JORNAL DA ABI – POR QUÊ?Luiz Lobo – Nós fomos conversar com

gente com experiência no Fórum e perce-bemos que era praticamente impossívelfazer a cobertura das varas criminais, cíveis,de família e do trabalho juntas. Não davapara percorrê-las todas em um único dia.

JORNAL DA ABI – DE QUE MANEIRA O SENHOR

CONTORNOU ESSE PROBLEMA?Luiz Lobo – Ensinaram-me a ler o Diá-

rio de Justiça. Eu passava de manhã bemcedo, por volta das 6h, na Imprensa Ofi-cial, comprava o jornal e começava aprocurar nomes conhecidos que fossemnotícia. Depois percorria algumas varasestabelecendo amizade com os escrivães,batia um papo mesmo quando não rendianada. Acabou que essa iniciativa um diacomeçou a gerar frutos.

JORNAL DA ABI — COMO ASSIM?Luiz Lobo – Eu ia muito a um bar que

ficava em frente ao Palácio da Justiça,chamado Bar do Aranha, onde os advoga-dos se reuniam e aconteceu um caso queacabou me rendendo um processo.

JORNAL DA ABI – POR QUÊ?Luiz Lobo – Eu vi um advogado receber

o pagamento dos honorários de um clientetodo em moeda. Investiguei o caso que eletinha defendido e descobri que a pessoatinha sido acusada de roubar cofres deigreja, mas acabou sendo inocentada. Eunoticiei o caso sem nenhuma insinuação,mas o advogado me processou por difa-mação porque se sentiu ofendido.

JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO O SENHOR

PASSOU COBRINDO O JUDICIÁRIO?Luiz Lobo – Eu fiquei um pouco mais de

um ano trabalhando no Fórum, sem ne-nhuma remuneração. Um dia eu fui cha-mado pelo Nilson, que me ofereceu pas-sar para a editoria de Política, na qual afunção era remunerada. Eu fui fazer a co-bertura do Palácio do Catete, e passei a es-crever para a coluna As Águias do Catete.

Ao lado, a carteira do Colégio Pedro II, de 1947.Acima, a primeira Carteira de identidade, tirada

em 1951, ano em que Luiz Lobo começou atrabalhar na Tribuna da Imprensa.

Na charge de Hilde, GetúlioVargas lê um jornal censurado

por Lourival Fontes.

DEPOIMENTO LUIZ LOBO

19Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Luiz Lobo – Aquilo primeiro me chocoue depois me emocionou. Eu cheguei naRedação da Tribuna, contei isso para aHilde e pro Nilson Viana e a coluna co-meçou assim: “Getúlio hoje pareciaa charge da Hilde”.

JORNAL DA ABI – ESSA VISÃO DO GE-TÚLIO DESALINHADO NÃO LHE AGUÇOU

O FARO JORNALÍSTICO DE QUE ALGO DEMUITO RUIM ESTAVA PARA ACONTECER?

Luiz Lobo – O Nilson Vianame perguntou se eu achava queo Presidente tinha renunciado.E me mandou voltar ao Paláciodo Catete para apurar se haviamais alguma coisa. Eu estava indopara casa, mas voltei. Quando euestava entrando veio a notícia dosuicídio do Getúlio. Houve aquelacorreria e o Major Dickson, da CasaMilitar, desceu e disse que o Getúliohavia se matado. Eu liguei para o jornale dei a notícia.

JORNAL DA ABI – O SENHOR FOI UM DOS PRIMEI-ROS REPÓRTERES A SABER DA MORTE DO GETÚLIO?

Luiz Lobo – Para começar não tinhajornalista no Palácio naquele momento.Depois é que começou a juntar gente naporta, porque ouviu falar pela RádioContinental, que foi a primeira emisso-ra a noticiar a morte do Getúlio Vargas.

JORNAL DA ABI – QUAL ERA A REAÇÃO DAS PES-SOAS QUE CHEGAVAM AO PALÁCIO DO CATETE?

Luiz Lobo – O Palácio foi logo cercadopor agentes das Forças Armadas. Haviaum grupo que vaiava e outro que aplaudiaos militares. Mas quando foi confirmadaa notícia da morte as mesmas pessoaspassaram a vaiar.

JORNAL DA ABI – E QUAIS FORAM OS SEUS PAS-SOS A PARTIR DAÍ?

Luiz Lobo – Eu fui para a Tribuna. Ten-taram invadir o jornal e eu tive que sairpelo muro que dava para o Correio daManhã, que, aliás, era um procedimentonormal entre os jornalistas que trabalha-vam lá naquela época. E com isso encer-rou-se a minha carreira no Palácio doCatete, porque logo depois com o CaféFilho não tinha notícias e o Carlos Lacer-da me chamou para acompanhá-lo naCaravana da liberdade, que era uma coi-sa chatíssima, chapa branca.

JORNAL DA ABI – HOUVE ALGUMA INFLUÊNCIA

DO LACERDA E DA TRIBUNA DA IMPRENSA NO DES-FECHO DA MORTE DO GETÚLIO VARGAS?

Luiz Lobo – Eu tenho a impressão de queo Getúlio se matou por medo de que omandante do crime (a morte do MajorRubens Vaz, durante um atentado contraCarlos Lacerda) fosse o irmão dele e queisso viesse a ser descoberto. Ele tinha sériadesconfiança em relação ao BenjamimVargas. Sobre o “mar de lama”, levantadopelo Lacerda, importava pouco como atéhoje importa. Eu acho que foi o medo deque o irmão tivesse envolvido na históriaque o levou ao suicídio. É evidente que apressão da Tribuna da Imprensa era terrível,mas foram publicadas muitas coisas erra-das e bobagens. Mas a briga do CarlosLacerda não era com o Getúlio.

JORNAL DA ABI – COM QUEM ERA ENTÃO?Luiz Lobo – Era do Lacerda com o Sa-

muel Wainer por conta dos favorecimen-tos do Getúlio ao jornal Última Hora.

JORNAL DA ABI – QUAL É A SUA OPINIÃO SOBREO CARLOS LACERDA?

Luiz Lobo – Carlos Lacerda era um óti-mo chefe, porque dava aulas de redação.Chamava a turma e mostrava o que esta-va errado. Ele tinha uma cartilha onde fi-guravam as palavras proibidas de seremusadas nas matérias. Por exemplo: noso-cômio era uma delas. Um dia ele segurouum repórter pela roupa e perguntou a ele:“O que é isso?” E o cara respondeu que eraa sua blusa. O Lacerda então continuou:“Mas não é a sua roupa?” Como o jornalis-ta respondeu que sim, o Lacerda foi falan-do: “Então por que quando alguém botafogo na roupa você escreve que atirou fogoàs vestes?” O Carlos Lacerda foi, junta-mente com o Luiz Paulistano, o primeirojornalista a se preocupar com a maneira dese escrever na imprensa naquela época,que era muito antiquada. Usava-se um lin-guajar que não combinava com os termosfalados no dia-a-dia pelas pessoas.

JORNAL DA ABI – ESSE PROCEDIMENTO DO LA-CERDA ERA RECORRENTE?

Luiz Lobo – Essa história me fez lembrarde outro episódio engraçado que aconte-

ceu na Tribuna. Havia uma moça da alta-sociedade que estagiava no jornal, fala-

va inglês e francês e um dia escreveuuma matéria sobre a Semana Santa.A reportagem dizia: “Não faltará pei-xe na Semana Santa, declarou fula-no de tal. Segundo o presidentedaquele órgão...”. O Carlos Lacer-da virou-se para ela e disse: “Mi-nha filha, aquele órgão é o cara-lho”. Ele não gostava desse tipo detexto jornalístico daquela época.E foi muito importante ensinan-do toda uma geração, com NilsonViana e o Hilcar Leite.

JORNAL DA ABI – ALÉM DOS PROFIS-SIONAIS JÁ CITADOS PELO SENHOR, QUE

OUTROS JORNALISTAS FORAM IMPORTAN-TES PARA A REFORMA DA IMPRENSA CARIO-

CA DOS ANOS 1950 E 1960?Luiz Lobo – O Newton Carlos, que

fazia a cobertura de sindicatos e o noti-ciário trabalhista e que também escreviamuito bem. Walter Cortes, que cuidou doSegundo Caderno durante um bom tempoe fez também um suplemento muito bom,com o qual eu colaborei, que falava sobreas histórias da cidade. A cada edição con-távamos a história de um bairro do Rio,relatando curiosidades e destacando aspersonalidades locais. O caderno chama-va-se “Nossa cidade”. Havia também oQuintino Carvalho, que era um brilhan-tíssimo redator do copidesque. Do depar-tamento de pesquisa vieram José-Itamarde Freitas e Zuenir Ventura. Este entãome deu uma grande oportunidade.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI?Luiz Lobo – Com ele eu tive a oportu-

nidade de criar aquele que eu consideroaté hoje o meu melhor título. Ele enviouuma reportagem da Argélia contanto asbesteiras que a CIA tinha feito tentandoapoiar os militares franceses no país, ouseja, optando pelo lado errado. A matériaera excepcionalmente boa, e nós a publi-camos na última página com o título queeu sugeri: “Inteligência americana fazburrice na Argélia”. Havia ainda outrosbons profissionais como Jaime Negreiros,Adirson de Barros.

JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO DUROU A SUATEMPORADA NA TRIBUNA DA IMPRENSA?

Luiz Lobo – Eu fiquei lá até ser convi-dado pelo Odylo Costa, filho para parti-cipar da reforma do Jornal do Brasil, que naépoca era uma porcaria, basicamente declassificados. Eu tinha proximidade como Odylo porque ele tinha sido o homemde imprensa do Café Filho no Palácio doCatete. Nós fizemos amizade, que nasceuda minha curiosidade intelectual por ele.Quando eu fui chamado não sabia nadasobre o projeto, o salário era um poucomelhor e eu fui trabalhar no JB, cuja sedefuncionava na Avenida Rio Branco.

JORNAL DA ABI – O QUE O SENHOR PODERIA NOS

FALAR SOBRE ESSA EXPERIÊNCIA?Luiz Lobo – Foi muito boa. Eu acabei

sendo um dos Secretários da primeira pá-gina e tive a oportunidade de fazer algunstítulos que provocaram escândalo.

JORNAL DA ABI – DÁ PARA CITAR UM DELES?Luiz Lobo – Houve uma matéria sobre

um verme descoberto no oceano, sobre oqual os cientistas diziam que era cego erepresentava o começo da passagem dos

seres da água para os seres da Terra, por-tanto estava na raiz do homem. Eu entãofiz o seguinte título: “Minhocão sem olhopode ser o pai do homem”. Isso provocoua ira de um ministro, que pediu a minhademissão. O outro foi sobre o primeirocidadão latino-americano canonizado eelevado à condição de santo, que era SãoMartinho de Porres. O título que eu dei aessa matéria foi “Santo de Porres elevadoao altar”. Houve muito protesto da Igreja.

JORNAL DA ABI – PARA O SENHOR O QUE HOUVEDE MAIS MARCANTE NA REFORMA DO JORNAL DO

BRASIL?Luiz Lobo – Eu acho que ela foi fundamen-

tal até para o restante da imprensa brasilei-ra; e o Odylo até hoje é muito injustiçado.

JORNAL DA ABI – POR QUÊ?Luiz Lobo – Porque quando se fala da

reforma só é citado o que se passou nasegunda fase, e não na primeira. E o Odylo,entre outras coisas, ao chamar o Amílcarde Castro para ser o diagramador do jornalpraticamente reinventou a imprensa noRio. Digo isso porque o Amílcar era umesteta, que destacava uma fotografia peloseu valor pictográfico e não apenas pelosignificado direto da foto.

JORNAL DA ABI – ESSA FOI UMA DAS INOVAÇÕES

DO JB?Luiz Lobo – Na área de esportes, por

exemplo, naquele tempo só valia foto degol, mas o jornal passou a destacar lancesisolados da partida que tinham tambémum grande significado para o conjunto dotema. Eram fotos belíssimas e os fotógra-fos começaram a se aprimorar, no senti-do de procurar a beleza da fotografia. Issofoi muito importante.

JORNAL DA ABI – NESSE CASO SERIA LEGÍTIMO

AFIRMAR QUE O JB INICIOU UM PERÍODO FÉRTIL

DO FOTOJORNALISMO BRASILEIRO?Luiz Lobo – Saíram algumas besteiras

também. O Foster Dulles (John Foster Dul-les) era o Secretário de Estado norte-ameri-cano (de 1953 a 1959), veio ao Brasil e foirecebido pelo Juscelino. O fotógrafo Antô-nio Andrade chegou atrasado ao encon-tro e não pôde fazer as fotos protocola-res. Ele foi ao Presidente e disse que perde-ria o emprego se voltasse para a Redaçãosem as imagens. O Juscelino pegou umacaderneta que estava em cima da mesa,abriu e fez pose ao lado do Foster dizen-do a ele o seguinte: “Você vê o que somosobrigados a fazer para atender à impren-sa?”. Andrade conseguiu a sua fotografia,mas o redator Quintino Carvalho fezuma legenda que dizia “Me dá um dinhei-ro aí!”, sugerindo que o Juscelino tinhapedido dinheiro ao Secretário de Estadodos Estados Unidos.

JORNAL DA ABI – E QUAL FOI A REPERCUSSÃO

DESSA FOTOGRAFIA?Luiz Lobo – Teve uma repercussão enor-

me. Eu acho que essa fotografia e aquelado Erno Schneider em que o PresidenteJânio Quadros aparece com os pés troca-dos foram as que mais repercutiram naimprensa na época.

JORNAL DA ABI – ALÉM DA QUESTÃO DA IMAGEM

QUE OUTRAS CONTRIBUIÇÕES O JB DEU AO PADRÃO

DA IMPRENSA DOS ANOS 1950 E 1960?Luiz Lobo – O Jornal do Brasil, além de

revolucionar a edição de fotografias, ino-vou ao criar o departamento de pesquisa,

“Carlos Lacerda era um ótimochefe, porque dava aulas deredação. Chamava a turma e

mostrava o que estava errado.Ele tinha uma cartilha onde

figuravam as palavrasproibidas de serem usadasnas matérias. Lacerda foi,

juntamente com o LuizPaulistano, o primeiro

jornalista a se preocuparcom a maneira de se escrever

na imprensa. Usava-se umlinguajar que não combinava

com os termos falados nodia-a-dia pelas pessoas.”

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20 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

sob a responsabilidade do Fernando Ga-beira. O jornal tinha também um copides-que bem estruturado com os melhorestextos do Brasil, com Quintino Carvalho,Luiz Garcia, entre outros, que formavamuma turma poderosa. Já a pauta era umacoisa meio desorganizada.

JORNAL DA ABI – AINDA NÃO EXISTIA A FIGURADO PAUTEIRO?

Luiz Lobo – Exatamente. No Jornal doBrasil um dos jornalistas que melhor cum-priu essa função naquela época foi o Ar-mando Nogueira. Ele iniciava sempre aspautas com uma frase: “Não vive a vidana flauta quem vive de fazer pauta”. Erampautas ótimas, porque ele não só pedia oque queria, mas dava a informação a res-peito do assunto e assim criou-se o hábi-to da pauta bem-feita.

JORNAL DA ABI – FICAMOS SABENDO QUE O SE-NHOR DEIXOU O JB NO MESMO MOMENTO EM

QUE O ODYLO COSTA, FILHO SE RETIROU DO JOR-NAL. POR QUÊ?

Luiz Lobo – O Nahum Sirotsky me cha-mou para fazer uma revista, cujo projetoele ainda não conhecia bem, mas que tinhasuporte financeiro da editora GuanabaraKoogan. Isso começou quando a editoraquis imprimir no Brasil o Delta Larousse.Mas os donos da publicação ponderavamque não havia no País um local que pudes-se fazer a impressão com a qualidade grá-fica exigida.

JORNAL DA ABI – COMO NASCEU A IDÉIA DA REVISTA?Luiz Lobo – O Abraão Koogan e Simão

Waisseman disponibilizaram o dinheiropara que se fizesse uma revista, não impor-tava o tema, contanto que graficamentefosse muito bem-feita. O Nahum chamoua mim, o Paulo Francis e o Carlos Scliar,que naquele momento tinha interrompi-do a pintura para fazer uma temporada dedesenho, porque dizia que a pintura no

Brasil estava vivendo um período muitoestranho, recheada de modernismo, e issoo incomodava, porque ele era figurativis-ta. Então o Scliar acabou fazendo o plane-jamento gráfico da revista.

JORNAL DA ABI – E QUAL ERA O NOME DA REVISTA?Luiz Lobo – Nós discutimos muito sobre

que tipo de revista seria e acabamos optan-do por uma publicação masculina, cujotítulo era Senhor. Idealizamos uma publi-cação que pudesse ser lida também pelopúblico feminino e que fosse um portopara boa manifestação intelectual, princi-palmente para os autores de ficção brasi-leiros. A revista começou a comprar osoriginais dos melhores escritores da épo-ca, como Clarice Lispector, Jorge Amadoe Guimarães Rosa. Ela foi muito bem rece-bida e fez sucesso, embora fosse cara.

JORNAL DA ABI – O QUE A REVISTA SENHOR TI-NHA DE MAIS INTERESSANTE?

Luiz Lobo – Era um material graficamen-te interessante, e por incrível que pareçafeita na gráfica que imprimia bilhetes daLoteria Federal, listas telefônicas e maisnada. Houve estranhamento em relaçãoa essa escolha, mas o Scliar confiou alegan-do que lá existiam artistas que sabiamtrabalhar, mas que não tinham oportuni-dade de fazer algo que prestasse. E de fatoa revista era muito bonita graficamente.

JORNAL DA ABI – A PARTIR DESSA EXPERIÊNCIA OABRAÃO KOOGAN E O SIMÃO WAISSEMAN CON-SEGUIRAM EDITAR O LAROUSSE?

Luiz Lobo – Conseguiram, mas o compro-misso que eles tinham conosco de deixar arevista sob a nossa administração não secumpriu. Porque eles desejavam recuperaro dinheiro que tinham investido e resolve-ram vender revista. Então pedi demissão, atéporque o salário era muito curto.

JORNAL DA ABI – E FOI FAZER O QUÊ?Luiz Lobo – Eu recebi um convite para ir

para Natal trabalhar com o Aloísio Alves,que eu tinha conhecido na Tribuna da Im-prensa e que havia sido eleito Governa-dor do Rio Grande do Norte. Ele me con-vidou para instalar uma faculdade de Jor-nalismo, que viria a ser a primeira do Nor-deste. Eu fui com muitos planos, mas logoem seguida veio o golpe militar de 1964.

JORNAL DA ABI – O GOLPE ATRAPALHOU O PROJETO?Luiz Lobo – De início, não. E foi muito

curioso porque o Aloísio estava agendadopara uma entrevista com um repórter doThe New York Times, que a primeira coisaque fez quando chegou foi, com um sorrisoirônico, fazer o seguinte comentário: “Vo-cês deram outro golpe de Estado, isto é umadoença brasileira”. Antes que o Aloísio res-pondesse, eu disse a ele: “Olha a diferençaé que nós quando não estamos satisfeitoscom um Governo o derrubamos, e vocêsmatam o Presidente, como já fizeram váriasvezes”. O Aloísio reforçou essa teoria e ojornalista foi correto o bastante para publi-car isso no jornal.

JORNAL DA ABI – E O QUE ACONTECEU DEPOISDESSE ENCONTRO?

Luiz Lobo – Haveria uma reunião entreos Governadores do Nordeste no Recife,mas como o Aloísio não andava de aviãofomos de carro juntamente com o MiguelArraes. Na viagem eu ouvi o Arraes dizero seguinte: “Tem aí um golpe, não sei seé de esquerda ou de direita, mas estou certo

de que a primeira cabeça que vai rolar é aminha”. E de fato foi o que aconteceu.

JORNAL DA ABI – COM TODO ESSE CLIMA O SE-NHOR PERMANECEU EM NATAL E INAUGUROU AFACULDADE?

Luiz Lobo – Nós inauguramos a Facul-dade Eloy de Souza, em homenagem a umdos maiores jornalistas de Natal. Da pri-meira turma que se formou todos os in-tegrantes foram exercer cargos de chefia,no próprio Estado ou em outras praças doNordeste. Foi uma experiência bem-suce-dida. Mais tarde a faculdade foi incorpo-rada pela Universidade Federal do RioGrande do Norte.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI O SEU DESTINO DE-POIS QUE SAIU DE NATAL?

Luiz Lobo – Fui para São Paulo atenden-do a uma oferta do Thomaz Souto Corrêapara fazer a revista Claudia. Esta foi tam-bém uma experiência muito interessan-te, porque a publicação tinha uma linhaeditorial para mulheres muito “fresqui-nhas” na minha definição. Eu então suge-ri que se fizesse uma revista dedicada amulheres que trabalhavam fora, inteli-gentes, independentes e provavelmentecom mais recursos para gastar.

JORNAL DA ABI – E DE QUE MANEIRA VOCÊS IM-PLEMENTARAM A SUA IDÉIA?

Luiz Lobo – Com base em uma seção daQuatro Rodas, que fazia testes de automó-veis, nós fizemos um contrato com o In-

metro e começamos a testar geladeira,fogão, aspirador de pó, entre outros produ-tos. Isso deu um resultado extraordinário,a tal ponto que um refrigerador cuja mar-ca era praticamente desconhecida, do diapara a noite se transformar no aparelhomais vendido do Brasil. Era a Prosdócimo,de Santa Catarina.

JORNAL DA ABI – A REVISTA CLAUDIA TROUXETAMBÉM OUTRAS INOVAÇÕES PARA O CONTEXTO

EDITORIAL FEMININO?Luiz Lobo – Nós criamos a seção A Cozi-

nha Experimental de Claudia, que teve umresultado satisfatório e contratamos al-gumas figuras importantes para escreverna revista. Inclusive fizemos uma seçãomuito inteligente, por meio da qual pelaprimeira vez a imprensa brasileira abor-dou o homossexualismo.

JORNAL DA ABI – O QUE GARANTIA A SUSTENTA-BILIDADE DA REVISTA?

Luiz Lobo – A Claudia fechou algunscontratos para fazer números especiaispelo mundo, em capitais como Paris, Lon-dres, Nova York e Moscou, por meio deuma parceria com a Rhodia, que pagavapraticamente todas as despesas e cedia osmodelos que seriam fotografados. Essesnúmeros especiais foram grandes suces-sos de venda.

JORNAL DA ABI – O SENHOR CHEGOU A PARTICI-PAR DE ALGUMA DESSAS PRODUÇÕES DA REVISTA?

Luiz Lobo – Eu viajei a Moscou na pri-mavera e saí do Brasil com a informaçãodo Consulado de que a temperatura eramuito agradável nessa época. Quando eue a equipe chegamos fazia 14 graus abai-xo de zero. Mas foi uma experiência impor-tante, porque, apesar da marcação cerrada,conseguimos burlar a vigilância e fazer ma-térias que não estavam na pauta deles.

JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE REPORTAGENS VOCÊSCONSEGUIRAM FAZER DRIBLANDO A CENSURA DOS

SOVIÉTICOS?Luiz Lobo – Conseguimos mostrar o lado

pobre de Moscou, onde, nessa época, apartir das 9 horas da noite era interrompi-da a circulação de transportes, não haviatrens, táxis, ou outro meio de locomoção.Moscou tinha uma vida undergroundmuito forte, e nós nos deparamos comalgumas surpresas incríveis.

JORNAL DA ABI – O SENHOR PODERIA CITAR UMEXEMPLO?

Luiz Lobo – Nós verificamos que depoisdo Rio de Janeiro o lugar onde se tocava maisbossa nova com boa qualidade era Moscou.Eles já tinham a tradição do jazz e passa-ram a atrair músicos e cantores talentosos,que foram para lá e gravaram coisas quenão tinham sido registradas no Brasil. AElizeth Cardoso foi uma dessas artistas quefizeram sucesso em Moscou. O Johnny Alffoi outro. Eu fiquei quatro anos na Clau-dia e considero este um dos melhores mo-mentos da minha vida profissional. Além depagar muito bem, dava liberdade de trabalho.

JORNAL DA ABI – E POR QUE O SENHOR LARGOU

ESSE TRABALHO QUE ERA TÃO BOM?Luiz Lobo – Eu voltei para o JB. O edi-

tor na época era o Alberto Dines. Partici-pei da formatação da Revista de Domingo.Eu era colunista, mas não fiz nada de maismarcante na minha carreira nesse período.

JORNAL DA ABI – EM UM SEMINÁRIO REALIZADO

DEPOIMENTO LUIZ LOBO

“Idealizamos uma publicaçãoque fosse um porto para boa

manifestação intelectual,principalmente para os autores

de ficção brasileiros.”

Luiz Lobo em Natal: convidado a implantar aprimeira Faculdade de Jornalismo do Nordeste.

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21Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

AQUI NA ABI SOBRE O JB FALOU-SE SOBRE UMA

CARTILHA DOS TEMAS QUE NÃO PODIAM SER NOTI-CIADOS. O SENHOR SE LEMBRA DISSO?

Luiz Lobo – No Jornal do Brasil a princi-pal preocupação da Condessa Pereira Car-neiro era com a religião. Tudo o que fossenotícia que mencionasse a religião católicatinha que passar pela mão dela, e algumascoisas não saíram. O primeiro escândalode pedofilia é dessa época, e não foi noti-ciado. A outra preocupação era com o ladodo Governo, havia uma certa cerimôniacom algumas figuras, e isso também pas-sava pelo editor político antes de seguirpara a impressão.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR FA-LASSE SOBRE O PRÊMIO ESSO DE REPORTAGEMQUE CONQUISTOU.

Luiz Lobo – Foi uma campanha que nósfizemos na Tribuna da Imprensa a favor davacinação antipólio. Naquela época issoainda era feito no Brasil por meio de inje-ção. Tratava-se de uma situação gravíssimacom o País sendo apontado como um dosque apresentava o maior índice de polio-mielite.

JORNAL DA ABI – O SENHOR SE LEMBRA O TÍTU-LO DA CAMPANHA?

Luiz Lobo – O mote da campanha era“Qual é o futuro que você quer para o seufilho?” Foi uma promoção muito apelativabaseada no número de pessoas que sofreramcom a pólio; o resultado foi muito positivo.

JORNAL DA ABI – COMO OSENHOR VÊ A ATUAÇÃO DA IM-PRENSA HOJE NA PRESTAÇÃODESSE TIPO DE SERVIÇO?

Luiz Lobo – Eu acho queestá muito abaixo do quepoderia ser feito. Atribu-em à mídia uma excessivaresponsabilidade que elanão quer ter. A mídia nãofoi criada com esse objeti-vo, essa não é a sua função,mas eu acho que ela deve-ria atuar também nessesentido. Só que se a gentefor analisar todos os últi-mos grandes encontrosnas Nações Unidas paradiscutir questões de gêne-ro, habitação, população, criança, fome,entre outros assuntos, vamos verificar queos documentos gerados nessas assembléiascobram uma participação mais efetiva damídia nesse debate. Não considero que sejauma obrigação, mas acho que a mídia deve-ria cumprir esse papel.

JORNAL DA ABI – OUTROS VEÍCULOS PARA OS QUAIS

O SENHOR TRABALHOU PRATICARAM ESSE TIPO DEJORNALISMO?

Luiz Lobo – Eu fui trabalhar em O Globoe dava sempre um espaço grande na pau-ta para educação, saúde e relações sociais;às vezes até com um pouco de exagero. De-pois eu me transferi do jornal para a Cen-tral Globo de Comunicação (CGCom), naRede Globo, e lá me dediquei extremamen-te ao social.

JORNAL DA ABI – EM QUE TIPO DE PROJETO OSENHOR SE ENVOLVEU NA REDE GLOBO?

Luiz Lobo – Lembro-me perfeitamenteda vez em que estava na sala do João Car-los Magaldi, que era o Diretor da CentralGlobo de Comunicação-CGCom, quan-do entrou o representante do Unicef no

Brasil na época, John Donohue, acompa-nhado do oficial de comunicação, Salva-dor Herencia. John comentou que a RedeGlobo, com a força que tinha – que ele com-parou à de canhão –, não fazia nada pelacriança no Brasil. Eu disse a ele que oUnicef também era um canhão das Na-ções Unidas e poderia fazer mais pelas cri-anças brasileiras. E complementei dizen-do que eles não eram exatamente as pesso-as mais indicadas para criticar a Globo. Dis-se também que se eles quisessem nós pode-ríamos trabalhar juntos, desde que eles as-sumissem o fato de que o Unicef não fazianada pelas crianças do nosso País.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI O DESDOBRAMENTO

DESSA CONVERSA?Luiz Lobo – O John Donohue ficou meio

espantado, porque não esperava por aque-la bofetada, mas disse que eu tinha razão. Eperguntou se nós tínhamos uma boa pesqui-sa que apontasse as demandas mais críticasdas crianças no Brasil. A partir dessa con-versa o Unicef começou a fazer relatóriossobre os problemas das meninas e meninosbrasileiros, que até então não fazia. Foi combase nesse levantamento que nós criamoso projeto Criança Esperança, que foi mui-to bem-sucedido.

JORNAL DA ABI – A REDE GLOBO ENTÃO USOU

TODO O SEU PODER DE COMUNICAÇÃO EM BENEFÍ-CIO DA CRIANÇA BRASILEIRA?

Luiz Lobo – O Criança Esperança foi umprojeto criado pela RedeGlobo, em parceria como Unicef, para arrecadarrecursos. Mas a emisso-ra sempre se preocupouem deixar claro que o seuinteresse na campanhaera a comunicação soci-al em benefício da crian-ça. Por sugestão do Ma-galdi, traçamos a estraté-gia de abordar assuntosque pudessem ser resolvi-dos pela própria comuni-dade sem a intervençãonecessária do Estado, queera sempre uma questãodiscutível. As campanhasnão podiam depender daAdministração pública.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI O TEMA DA PRIMEI-RA CAMPANHA?

Luiz Lobo – A primeira campanha promo-via o aleitamento materno, pois observamosque em 50 anos a publicidade da Nestlé fezque a mulher brasileira não acreditasse novalor nutriente do seu próprio leite. Porisso, foi uma campanha difícil criada parachamar a atenção das mulheres sobre a im-portância do aleitamento materno.

JORNAL DA ABI – A NESTLÉ GASTA MUITO DI-NHEIRO EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS NA TV.HOUVE ALGUM CHOQUE DE INTERESSES DURANTEA CAMPANHA DO LEITE MATERNO DO CRIANÇA ES-PERANÇA?

Luiz Lobo – Houve sim, mas o Magal-di era uma pessoa muito forte, que absor-veu bem essa questão. Ele bancou a veicu-lação da campanha, principalmente emrelação à Nestlé, que pegou pesado, mas foiconvencida pelo próprio pessoal da publi-cidade de que não anunciar seria pior,porque a empresa passaria a levar porradasem o respaldo da veiculação da sua pró-pria publicidade.

JORNAL DA ABI – FORAM ALCANÇADOS OS RE-SULTADOS ESPERADOS?

Luiz Lobo – A campanha foi veiculadadurante três anos e de fato nós mudamoso perfil do aleitamento materno no Bra-sil. E foi muito importante, porque con-seguimos inclusive o apoio da Sociedadede Pediatria do Estado do Rio de Janeiro,que demorou um pouco a se engajar nacampanha devido aos patrocínios que re-cebia para congressos. A segunda grandecampanha falava sobre o soro caseiro, quan-do foi constatado que a maior causa damortalidade infantil era a desidratação,que provocava infecções variadas comoa diarréia. Nessa campanha nós tivemosum problema.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI?Luiz Lobo – O soro que o Ministério da

Saúde distribuía era acondicionado em litro,e a nossa proposta era de que fosse em copo.

JORNAL DA ABI – POR QUÊ?Luiz Lobo – Porque a qualidade da água

brasileira era precária, o Brasil tinha mui-tos problemas de meio ambiente e a nos-sa preocupação era de que na embalagemem litro a água se contaminasse rapida-mente. Por meio do copo o consumo seriaimediato. Só que os laboratórios tambémtrabalhavam com litro e resistiram violen-tamente à campanha. A tal ponto que ummédico safado mexicano, da OrganizaçãoPan-Americana de Saúde, chegou ao Rio edeclarou que o soro caseiro estava matan-do crianças no Nordeste.

JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE PROVIDÊNCIA AREDE GLOBO TOMOU EM RELAÇÃO A ISSO?

Luiz Lobo – Nós pedimos ajuda ao setorde Jornalismo, verificamos onde o mexi-cano ia estar e fomos ao seu encontro. Nósentão pedimos a ele que provasse a sua de-núncia. Ele se defendeu dizendo que ti-nha ouvido rumores, e como não apresen-tou realmente nenhum fato concreto euo chamei de boateiro e o pressionamospara que fizesse uma retratação pública.Exigimos que ele fosse ao jornal e desseuma declaração de que não havia verda-de nas suas acusações.

JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU COM ESSE

MÉDICO DEPOIS DESSA HISTÓRIA?Luiz Lobo – Ele acabou sendo demitido,

e nós ganhamos vários prêmios com essascampanhas. Eu poderia ter ganhado outroprêmio de jornalismo pelo Globo não fos-se a pressão que sofremos de colegas jorna-listas contra a nossa candidatura.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR NOS

CONTASSE ESSE CASO.Luiz Lobo – Eu era chefe de reportagem

no Globo. Um dia eu cheguei à Redação numsábado, às 6h, e o repórter de plantão esta-va nervosíssimo porque o pai de outro re-pórter havia telefonado do interior daBahia comunicando que o Lamarca tinhasido morto pelo Exército, e que ele comoprefeito havia visto o corpo que estavasendo levado para Salvador.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA REAÇÃO IME-DIATA?

Luiz Lobo – Chovia muito e o aeropor-to de Salvador estava fechado. Telefoneipara a casa do Roberto Marinho e pedipara chamá-lo. O mordomo disse que nãopodia acordá-lo àquela hora. Mas eu disseque era notícia jornalística importantís-

sima que o Doutor Roberto ficaria aborre-cido com a demora em ser informado.

JORNAL DA ABI – ROBERTO MARINHO LHEATENDEU?

Luiz Lobo – Ele veio ao telefone eu entãoexpliquei a ele que só o plantão de jorna-lismo estava funcionando. Que eu nãotinha dinheiro suficiente para levar umaequipe a Salvador, mas que era importan-tíssimo que nós corrêssemos para lá, por-que toda a imprensa certamente o faria. Elepediu que aguardasse 15 minutos. E noprazo marcado chegou ao jornal com umamaleta contendo dinheiro vivo para pagaras despesas de viagem da equipe de repor-tagem. Roberto Marinho nos ofereceu tam-bém outra maleta que transmitia fotos portelefone, novidade absoluta na época.

JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU EM SEGUIDA?Luiz Lobo – Eu havia convocado para ir

a Salvador repórteres que não sabiam quenós estávamos informados das suas rela-ções (do Roberto Marinho) nos órgãos desegurança do Exército, Marinha e Aero-náutica. O Doutor Roberto comunicou-secom o Governador Antônio Carlos Maga-lhães, que abriu o Palácio para O Globo,para que nós pudéssemos transmitir asinformações pelo telex. Na viagem leva-mos gravadores especiais que RobertoMarinho tinha trazido do Japão. A ordemera para gravar tudo. Fizemos a coberturae descobrimos, por exemplo, que o Lamar-ca havia sido morto dormindo, pela traje-tória das balas que rasgaram o seu corpo,o que foi confirmado pelo diretor do Ins-tituto Médico Legal-IML.

“A partir dessaconversa o Unicefcomeçou a fazer

relatórios sobre osproblemas das meninase meninos brasileiros,

que até então nãofaziam. Foi com basenesse levantamentoque nós criamos o

projeto CriançaEsperança, que foi

muito bem-sucedido.”

“Com as informaçõesexclusivas que levantamos,Roberto Marinho foi para aRedação do Globo e cuidou

pessoalmente da edição.Ao saber que nenhuma

outra equipe havia chegadoa Salvador resolveu dar

todo o material, queocupou cinco páginas.”

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ÃO

22 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

JORNAL DA ABI – PELO VISTO O GLOBO TINHA

EM MÃOS UMA GRANDE MATÉRIA QUE PODERIA SE

TRANSFORMAR EM UM FURO DE REPORTAGEM. FOIO QUE ACONTECEU?

Luiz Lobo – Conseguimos também odiário de Lamarca, que estava em poderde um oficial da Aeronáutica e que já ti-nha selecionado o que dizia ser “os melho-res trechos”. O comandante do Exércitoestava na praia. Fizemos toda a cobertu-ra sem sermos incomodados e com a co-laboração de oficiais, sargentos e praçasque há meses andavam no encalço do La-marca, inclusive subindo e descendo o RioSão Francisco como se fossem pescadores.Com todas essas informações, RobertoMarinho foi para a Redação do Globo ecuidou pessoalmente da edição. Ao saberque nenhuma outra equipe havia chega-do a Salvador resolveu dartodo o material, que ocu-pou cinco páginas, emlugar das duas anterior-mente abertas para noti-ciar o assunto. Mas foi aíque começaram os nossosproblemas.

JORNAL DA ABI – QUE TIPO

DE PROBLEMAS?Luiz Lobo – Quando

chegamos ao Rio estáva-mos todos presos e fomoslevados para o antigo Mi-nistério da Guerra e inter-rogados por um coronel doExército, que nos acusavade sermos comunistas aserviço da contra-revolução. O RobertoMarinho foi lá e disse que se alguém de-veria estar preso era ele, porque haviamandado fazer a cobertura e editado omaterial. Que não havia qualquer parti-cipação dos repórteres na versão publica-da a não ser recolher os depoimentos, eque ele podia provar isso com a gravaçãode tudo, oferecendo cópia ao coronel. Elerevelou também que todos os repórterestrabalharam como informantes do Exér-cito, Marinha e Aeronáutica. Fomos todosdispensados.

JORNAL DA ABI – ENTÃO HOUVE UM FINAL FE-LIZ? E POR QUE A REPORTAGEM NÃO PÔDE CON-CORRER AO PRÊMIO ESSO DE JORNALISMO?

Luiz Lobo – Inscrevemos a reportagempara concorrer ao Prêmio Esso de Jorna-lismo (1971) e imediatamente começoua pressão para que retirássemos a nossacandidatura. Várias fontes diziam que osmilitares não aceitariam o “desaforo” da-quela cobertura. Uma dessas pessoas era ocoordenador do Prêmio na época, Alber-to Dines. Ele sugeriu que apresentássemoso material no ano seguinte, o que eviden-temente não aceitamos, porque depois aEsso diria que o material teria sido apre-sentado fora do prazo. Mesmo assim acobertura foi retirada e deixamos de ga-nhar o Prêmio, para o qual éramos favo-ritos absolutos.

JORNAL DA ABI – NA REDE GLOBO O SENHOR

TAMBÉM PARTICIPOU DA CRIAÇÃO DO FANTÁSTICO.FALE DO SEU ENVOLVIMENTO COM O PROGRAMA.

Luiz Lobo – O Boni (José Bonifácio deOliveira Sobrinho) já tinha a idéia do novoprograma, que deveria ter o formato derevista, nas noites de domingo, abordan-do assuntos variados. A proposta era queapresentasse também atrações musicais,entre outras. Ele nos convocou para essa

reunião, e nós da CGCom aproveitamospara puxar a brasa para a nossa sardinha,pedindo que a programação dedicasse umespaço para serviços. Quando o Fantásti-co foi ao ar, apesar de eu não fazer parte daequipe de Jornalismo, tive uma pequenaparticipação no programa como pauteiro.Depois fui substituído pelo José-Itamarde Freitas.

JORNAL DA ABI – O SENHOR SE LEMBRA DE AL-GUMA PAUTA INTERESSANTE QUE MARCOU A SUAPASSAGEM PELO FANTÁSTICO?

Luiz Lobo – Foi uma matéria sobre di-abetes, que chamamos de “o assassino si-lencioso”. Causou um certo escândalo naépoca, mas depois toda a mídia foi atrásdo assunto e durante um bom tempodebateu-se sobre a doença, que conforme

um levantamento quefizemos atingia cerca de6% da população.

JORNAL DA ABI – O QUE OSENHOR ACHA DO FANTÁSTI-CO ATUALMENTE?

Luiz Lobo – Eu sintouma saudade enorme doprograma original. Pri-meiro, porque a Casa ti-nha as suas próprias or-questras sinfônica e po-pular, que foram extintas.Tinha um balé, que tam-bém acabou. Os númerosmusicais e de balé do Fan-tástico inicial eram extra-ordinários, do nível dos da

Broadway. Eu me lembro de um programaque mostrou um solo de sapateado querodou o mundo inteiro. Mesmo no cam-po do jornalismo eu acho que se faziamatéria um pouco mais aprofundada.

JORNAL DA ABI – E QUAL FOI O MOTIVO DA SUA

SAÍDA DA REDE GLOBO?Luiz Lobo – O meu vínculo com a Glo-

bo durou até o dia em que uma senhora,que havia falido com a Mesbla, foi para aemissora e decretou down sizing. No final,eu fui demitido porque era velho demais.Então quando eu achava que estava noauge da minha capacidade de produçãointelectual fui colocado para escanteiopor causa da idade. Para mim foi uma sa-ída traumática. É curioso porque depoisfui chamado várias vezes para fazercoisas que fazia antes ganhando muitomais do que ganhava quando era funci-onário da Casa.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TEVE OUTRA EXPE-RIÊNCIA EM TELEVISÃO?

Luiz Lobo – Na TV Brasil, quando estaainda era TV Educativa. Foi um períodomuito curioso, porque eu enfrentei umasenhora que fazia censura em nome dapedagogia. Nessa época eu fazia o site daemissora e era chamado para participardas reuniões de pauta.

JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE CENSURA O SE-NHOR SOFREU NA TV EDUCATIVA?

Luiz Lobo – Para responder a esta per-gunta preciso contar uma historinha. Umdia o maestro da emissora me chamou edisse que estava terminando de produzirum programa sobre a cantata cênica Car-mina Burana. Eu comentei com ele que erauma peça muito bonita, mas que se não ti-vesse tradução para explicar o seu signi-ficado seria uma sacanagem com o públi-

co. Disse a ele que era uma obra moderna,mas que era pesada e que eu achava quenós tínhamos que dar alguma informaçãosobre o que ela representava.

JORNAL DA ABI – O MAESTRO CONCORDOU COMO SENHOR?

Luiz Lobo – Ele disse que concordavacom a minha observação. Nós então pre-paramos um programa em que um apre-sentador lia pequenos textos explicandoas passagens do balé. Por sinal, uma obrabelíssima.

JORNAL DA ABI – O SENHOR AINDA NÃO FALOUSOBRE A CENSURA.

Luiz Lobo – Na emissora havia uma co-ordenadora pedagógica conhecida comoDona Adolfina, que achou o texto chocan-te e quis vetar o programa. Eu apelei parao então presidente da Fundação Roquet-te-Pinto. Ele se espantou, pediu para ver omaterial, aprovou e colocou o programa noar à revelia da orientação da Dona Adol-fina. Não houve protestos.

JORNAL DA ABI – ALGUM TRABALHO SEU JÁ PRO-VOCOU ALGUM TIPO DE PROTESTO?

Luiz Lobo – Aconteceu quando eu pu-bliquei uma charge do Jaguar na Tribunada Imprensa. Foi uma besteira sem tama-nho, porque era Semana Santa e o dese-nho mostrava o Cristo na cruz e MariaMadalena aos seus pés. A legenda dizia oseguinte: “Hoje não, Madalena, porque euestou pregado”. Isso deu um bode danado.

JORNAL DA ABI – QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ACOBERTURA JORNALÍSTICA ATUAL?

Luiz Lobo – Como eu sou basicamenteum redator, a minha preocupação é coma qualidade dos textos, que eu consideropéssima. O que eu ouço de bobagem na tv,leio de besteira nos jornais devido à fal-ta de conhecimento mínimo da língua eaté mesmo do valor das palavras, é algoque me deixa entristecido. Eu faço partede uma geração de jornalistas que cuidoumuito da língua, nós tínhamos competi-ção entre os jornais pela qualidade do tex-to da notícia. E hoje, aqueles que eu chamode filhos da Puc, não têm esse cuidado coma língua portuguesa.

JORNAL DA ABI – O SENHOR ACHA QUE A INTER-NET TEM ALGUMA INFLUÊNCIA NESSE PROCESSO?

Luiz Lobo – É só verificar como a garo-tada escreve pela rede. Eles não têm res-peito nem interesse pelo idioma. Na ne-cessidade de noticiar rapidamente, fala-se e escreve-se de maneira capenga. Essecomportamento empo-breceu o jornalismo.

JORNAL DA ABI – FOI RUIMPARA OS JORNAIS, PRINCIPAL-MENTE, ACABAR COM A FUN-ÇÃO DE REVISOR?

Luiz Lobo – Isso foi umabsurdo. Primeiro, usaressa linguagem idiota docomputador, que nos dáas sugestões mais absurdas possíveis parasubstituir uma palavra. Usar o corretordigital é uma bobagem que não tem tama-nho. Com isso acabaram com uma das maisrespeitáveis funções do jornalismo, queera a bancada de revisores, onde trabalha-ram pessoas de grande qualidade literáriae que davam soluções em muitos textos queeram capengas. Tínhamos figuras notáveisna revisão. Acho que abolir essa função foi

um dos grandes erros do jornalismo con-temporâneo.

JORNAL DA ABI – O SENHOR CONSEGUE ENXER-GAR ALGUMA JUSTIFICATIVA PARA ESSA DECISÃO?

Luiz Lobo – Acho que os donos de jor-nais não estavam preocupados com aqualidade. Eu sou do tempo em que haviajornais matutinos e vespertinos. Isso faziauma grande diferença. Hoje é um bloco só.Falta respeito pela notícia. O mais impor-tante é o jornal distribuir seus exemplaresem todas as praças do País.

JORNAL DA ABI – E COMO É QUE O SENHOR VÊ OFUTURO DO JORNALISMO, A PARTIR DA PREDOMI-NÂNCIA DA TECNOLOGIA E DA LINGUAGEM DIGITAL?

Luiz Lobo – Na minha modesta opiniãonenhum canal substitui o canal anterior.Nenhuma mídia substitui a sua preceden-te. Sempre se disse que o rádio ia matar ojornal, que a tv faria o mesmo e nada dissoaconteceu. O jornal não vai morrer. O pro-blema é que os jornais não estão adaptan-do-se à evolução da comunicação. Acho queesses veículos deveriam se aprofundarmais nos assuntos.

JORNAL DA ABI – ESSE COMPORTAMENTO EDITO-RIAL AJUDARIA A MANTER A FIDELIDADE DOS LEI-TORES AO JORNAL?

Luiz Lobo – Eu me lembro de que a gen-te esperava o Repórter Esso para ter certe-za se a notícia era verdadeira ou não.Antes do lançamento desse programa jor-nalístico, se o assunto não saísse no jornal,não era notícia.

JORNAL DA ABI – NA SUA OPINIÃO, OS JORNAISESTÃO ACOMPANHANDO ADEQUADAMENTE AS EXI-GÊNCIAS DO NOVO MERCADO DE COMUNICAÇÃO?

Luiz Lobo – Os jornais não se deramconta das modificações aceleradíssimasque estão ocorrendo no setor de comuni-cação e não se prepararam para essa mu-dança devidamente. É por isso que estãomorrendo tantos jornais em todo o mun-do. Outra coisa que esses veículos perde-ram é o bom humor.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE O SENHOR EX-PLICASSE MELHOR ESSE PONTO DE VISTA.

Luiz Lobo – Quando o Times anuncioua morte do Bernard Shaw, ele escreveu umdos melhores artigos de humor que euconheço: uma carta endereçada ao jornalque dizia que as notícias sobre a morte deleeram exageradas. E pedia que fosse feita acorreção. O editor respondeu afirmandoque o Times jamais se desmentia e que iapublicar na coluna de nascimentos que ele

havia renascido (risos).Ou seja, a relação do jor-nal com o leitor era bem-humorada, com base nes-sa troca de gentilezas.

JORNAL DA ABI – O QUE OSENHOR ACHA DA CRIAÇÃO DE

MECANISMOS DE REGULAÇÃO

DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.É O MESMO QUE CENSURA?

Luiz Lobo – Desde o começo do jorna-lismo o jornalista é perseguido, pelo mo-tivo mais simples: há notícias que são ver-dadeiras armas. É justo que as vítimas e aspessoas ofendidas tentem uma reação paratirar esse poder da imprensa. Toda formade censura, e não somente na imprensa,é detestável, antidemocrática e eu acres-centaria que é anti-humana também. Nãovai colar.

“Faço parte de umageração de jornalistasque cuidou muito dalíngua, nós tínhamoscompetição entre os

jornais pela qualidadedo texto da notícia.E hoje, aqueles queeu chamo de filhos

da Puc, não têmesse cuidado com alíngua portuguesa.”

DEPOIMENTO LUIZ LOBO

“Toda forma decensura, e não

somente na imprensa,é detestável,

antidemocrática e euacrescentaria que é

anti-humana também.”

23Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

JORNAL DA ABI – MAS A MÍDIA PRECISA OU NÃODE REGULAMENTAÇÃO?

Luiz Lobo – O problema é que nós damídia também não temos nos compor-tado muito bem em relação à regula-mentação. A nossa auto-regulação de-veria ser mais exigente. Nós temos al-guns casos célebres de pessoas que fo-ram extremamente agredidas pelosveículos de comunicação e que depoisse revelaram inocentes. E a mídia nãodeu, como nunca dá, o mesmo valor aodesmentido que deu quando errou.

JORNAL DA ABI – O SENHOR GOSTARIA DE CI-TAR ALGUM CASO?

Luiz Lobo – O Alcenir Guerra (ex-Mi-nistro da Saúde do Governo Collor acu-sado de corrupção, em 1992) é um exem-plo, pois foi evidentemente injustiçado.O nome dele virou sinônimo de bandi-do e de corrupto.

JORNAL DA ABI – É DIFÍCIL LIDAR COM A MÍDIA?Luiz Lobo – Quando o Passarinho (Jar-

bas Passarinho) era Ministro reclamavamuito da imprensa. Eu argumentei queele não sabia lidar com ela, pois ao invésde responder às perguntas dos jornalis-tas reagia agressivamente. Eu disse a eleque era preciso andar sempre com umabalinha no bolso para distribuir para orepórter.

JORNAL DA ABI – QUAL É O SIGNIFICADO DISSO?Luiz Lobo – Eu disse ao Passarinho que

todas as vezes que um jornalista lhe fi-zesse uma pergunta que ele não gostariade comentar ele falassesobre outra coisa que fos-se do seu interesse, masque significasse uma boainformação para o re-pórter. Eu provei que eleficaria mais simpáticopara a imprensa e nãoseria mais “agredido”. Erealmente depois dessaconversa o Passarinho,de uma figura extrema-mente antipática, passou a colher a sim-patia dos jornalistas que o entrevista-vam. Ele aprendeu a lidar com a impren-sa: nem sempre de maneira correta e ver-dadeira, mas absorveu o meu conselho.

JORNAL DA ABI – O QUE O SENHOR ACHOU DA

PROPOSTA DE REGULAÇÃO DA MÍDIA APRESENTA-DA NO GOVERNO LULA PELO EX-MINISTRO

FRANKLIN MARTINS?Luiz Lobo – O Franklin Martins de bom

só tem o sobrenome. A mãe dele, MariaMartins, é uma pessoa maravilhosa, o paitambém, mas ele é um sujeito de baixoescalão. Porque um jornalista que sugerecensura pra mim não merece o título dejornalista.

JORNAL DA ABI – ESSE ASSUNTO FOI RETOMADO

RECENTEMENTE PELO PT NA SUA REUNIÃO ANUAL.Luiz Lobo – Eu acho que o PT tem to-

dos os motivos para querer censura, por-que é um partido que participa da corrup-ção com a mais descarada naturalidade.O “Mensalão” é um caso evidente dedescalabro político e público e o partidoassumiu uma postura que aquilo era nor-mal. Logo o PT, que teve um início ma-ravilhoso, com ótimas intenções. Mascomo de boa intenção o inferno estácheio, assim que se viu no poder esque-ceu tudo o que havia prometido antes.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR AVALIA OENSINO DE JORNALISMO ATUAL?

Luiz Lobo – Eu acho que está muitomal. Quando eu criei a faculdade de Jor-nalismo em Natal briguei muito com oConselho Federal de Educação. Porque euqueria que o currículo normal tivessedisciplinas técnicas.

JORNAL DA ABI – O SENHOR PODERIA NOS DAR

UM EXEMPLO?Luiz Lobo – Ensinar Português e Técni-

ca de Redação são duas coisas completa-mente diferentes. Aca-bar com o ensino de Téc-nica de Redação para fi-car só com o de línguaportuguesa não é bompara a formação do jor-nalista. Ética é um as-sunto que se resolve emmeia dúzia de aulas, nãoprecisa de dois semes-tres inteiros para essetipo de matéria.

JORNAL DA ABI – POR QUE O SENHOR ACHA

QUE OS CURSOS DE JORNALISMO ESTÃO CHEIOS

DE DISCIPLINAS QUE SERIAM DISPENSÁVEIS PARA AFORMAÇÃO PROFISSIONAL?

Luiz Lobo – Porque quem cuida do Con-selho Federal de Educação resolveu for-mar comunicólogos, ao invés de jornalis-tas. Nós não precisamos de comunicólo-gos, mas de bons jornalistas. Mas o Con-selho sempre se recusou a incluir maté-rias técnicas, porque diz que a faculda-de não é uma escola técnica. É por issoque não estamos formando bons jorna-listas. Qualquer recém-saído das faculda-des de Jornalismo atualmente quando en-tra na Redação não funciona, porque lhefalta a formação específica.

JORNAL DA ABI – E O QUE É PRECISO PARA SE

TORNAR UM BOM JORNALISTA?Luiz Lobo – Saber escrever, usar bem os

equipamentos à sua disposição e fazeranotações rápidas. A pessoa que desejaingressar no jornalismo e não tem essashabilidades é um castrado, já começa mal.

JORNAL DA ABI – O DIPLOMA FAZ A DIFERENÇA?Luiz Lobo – Deveria fazer, mas para

mim especificamente não fez. Pessoasque trabalharam junto comigo e não fi-zeram faculdade de Jornalismo são tão

ou mais capacitadas do que eu.A faculdade me serviu do pon-to de vista da formação intelec-tual e humanista e me abriu ou-tros caminhos. Mas para o exer-cício da profissão não acho queo diploma seja indispensável.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE OSENHOR FALASSE SOBRE A SUA PRISÃODURANTE A DITADURA MILITAR.

Luiz Lobo – Eu fui preso emcasa por agentes do Doi-Codi,que me conduziram para a De-legacia de Vigilância, em Pilares.Por sorte durante muito tempoeu participei de uma mesa-re-donda de futebol e fui reconhe-cido por um dos agentes que medisse que também era Flamengoe que a minha prisão era apenaspara me assustar. Mais tarde euvi chegar na DP uma pessoa quetinha sido meu colega de turmano Colégio Pedro II.

JORNAL DA ABI – FOI A SUA SORTE?Luiz Lobo – Eu me dirigi a ele, que me

respondeu que não falava com subversi-vo. Aquilo me revoltou. Fiquei cinco diasem uma cela com quase um palmo deágua, sem dormir ou comer. De iníciofiquei com muito medo, mas depois fuientrevistado por um oficial de Cavalariaque me perguntou se eu tinha ficado sa-tisfeito com a derrota da Seleção Brasilei-ra de Basquete para a da União Soviética.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA RESPOSTA?Luiz Lobo – Eu respondi que aquela era

uma pergunta imbecil, e indaguei se oresultado o deixara contente. Ele respon-deu que não, porque não era comunista.Eu disse que eu também não, e caso fos-se também não teria gostado da derrotaporque seria um comunista brasileiro.

JORNAL DA ABI – O MILITAR FICOU CONVENCI-DO COM A SUA EXPLICAÇÃO?

Luiz Lobo – Ele me perguntou se eu játinha estado em Moscou? Eu disse quetinha ido lá a trabalho. Ele então me per-guntou se eu sabia a letra do Hino Naci-onal. Eu lhe fiz uma proposta: eu canta-ria um hino patriótico e ele outro, até queum de nós desistisse. Antes que ele topas-se fazer a aposta eu lhe disse que tinhasido aluno do Vila-Lobos no Colégio Pe-dro II e que sabia inclusive o hino da cor-poração de que ele fazia parte, cuja ori-gem provavelmente ele desconhecia. Eleficou irritado e continuou me fazendoperguntas idiotas.

JORNAL DA ABI – COMO FOI O DESFECHO DESSE

INTERROGATÓRIO?Luiz Lobo – A certa altura, depois de ele

tanto insistir nas perguntas imbecis, in-clusive sobre o que eu achava da PrincesaIsabel, a Redentora, um sujeito que assis-tia ao interrogatório e eu não sabia, medisse que eu poderia ir embora. Eu penseique teria que voltar à cela, mas ele me disseque eu estava sendo libertado. Depois eusoube por um amigo meu, que era o che-fe do Doi-Codi, que eu tinha sido presopor ordem pessoal do irmão do PresidenteErnesto Geisel, que não gostou de um ar-tigo que eu escrevi no Correio da Manhãintitulado O regime não presta. Os milita-res admitiam tudo, menos que se discutis-se o Governo deles.

“O Franklin Martinsde bom só tem o

sobrenome. Porqueum jornalista que

sugere censura pramim não merece otítulo de jornalista.”

ERRATA

EDIÇÃO 370 - SETEMBRO DE 2011Página 47 - Na matéria Lan – Umapaixão carioca nota intitulada Maissobre Lan, publicada no pé da quintacoluna, penúltima linha, leia-se ZéliaDuncan; Jards Macalé, por JoãoPimentel, e Turíbio...

MensagensMensagens

A IMPRENSA PERSEGUIDACaro Ucha:Acabei de ler o conjunto especial de

matérias sobre “A imprensa perseguida”e a maioria dos demais textos publicadosna edição de agosto do Jornal da ABI. Oconjunto da edição é um trabalho valio-so, relevante no conteúdo e belo na for-ma. Parabéns a Maurício Azêdo, a você ea seus colaboradores.

Permita-me fazer duas ressalvas a pas-sagens de matérias do dossiê especialsobre “A imprensa perseguida”. Numadelas se afirma que o semanário Opiniãofoi “secretamente instruído pelo comitêcentral da Ação Popular”. Esta versão,destituída de qualquer fundamento e jádesmentida várias vezes, foi inventadapor Bernardo Kucinski em sua históriaconspiratória da imprensa alternativa.

Noutra matéria se afirma também que,“com exceção de A Voz Operária, do PCB,e A Classe Operária, do PCdoB, o restan-te [das publicações alternativas, clandes-tinas ou no exílio] eram títulos de queraramente saíam mais que uns poucosnúmeros”. A informação não é correta. Noacervo documental que doei ao ArquivoEdgard Leuenroth, da Unicamp, transfor-mado no “Fundo Duarte Pereira”, há umacoleção praticamente completa do jor-nal Libertação, da Ação Popular, que du-rou vários anos.

Abraço amigo,Duarte Pereira

Caro Duarte PereiraGrato pelas palavras de elogio e as cor-

reções pertinentes. Embora sua última obser-vação não consista em erro da Redação doJornal da ABI: o jornal Libertação é umdos raros casos de publicação que durouvários anos em comparação à enorme quan-tidade de veículos que não passaram depoucas edições. (Francisco Ucha)

ESPECIAL DE ENTREVISTASShow de bola! O Jornal da ABI poderia

e deveria circular fora dos círculos jorna-lísticos. É de alto nível. E graficamentesuperbonito. Fico honrado em estar nes-tas páginas...

Geneton Moraes Neto

AR

QU

IVO PESSO

AL

A elegância de Luiz Lobo em foto oficial comoRedator-Chefe da revista Conjuntura Social.

26 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Com armas calibre 40 e 9 milíme-tros, usadas geralmente por bandidosde alta periculosidade ligados ao nar-cotráfico, dois homens não identifica-dos até o fim de setembro atacaram atiros a TV Maringá, afiliada da RedeGlobo nesse Município do Norte doParaná, num atentado apontado pelaAssociação Brasileira de Emissoras deRádio e Televisão-Abert como “umaevidente tentativa de intimidação aoveículo de comunicação que é reconhe-cido por sua linha editorial indepen-dente e o seu compromisso com osinteresses da comunidade”.

O atentado ocorreu na madrugadade 29 de agosto, quando dois homensatiraram de uma motocicleta contra arecepção e a cozinha da emissora. Fo-ram disparados 15 tiros, 12 dos quaisatingiram a recepção, onde um dos se-

Através de fundamentada petição fir-mada pelos advogados Maurício Verde-jo e José de Castro Meira Júnior, do es-critório J. Meira Advogados, sediado emBrasília, a União dos Advogados Públi-cos Federais do Brasil-Unafe e a ABI in-gressaram no Supremo Tribunal Federal,no dia 3 de setembro, com uma Ação Di-reta de Inconstitucionalidade de dispo-sições da Lei Complementar nº 73, de 10de fevereiro de 1993, e da Medida Pro-visória 2.229-43, de 6 de setembro de2001, as quais são apontadas pelas duasinstituições como uma mordaça que seimpõe aos advogados da União. O rela-tor da Ação é o Ministro Joaquim Barbo-sa, que deverá decidir sobre o pedido detutela antecipada formulado pelas re-querentes.

Os dispositivos questionados pelaUnafe e pela ABI são o inciso III do arti-go 28 da Lei Complementar nº 73, e oinciso IIII do parágrafo 1 do artigo 38 daMP 2.229-43. que proíbem os membrosefetivos da Advocacia-Geral da União de“manifestar-se por qualquer meio de di-vulgação sobre assunto pertinente às suasfunções, salvo se expressamente autori-zados pelo Advogado-Geral da União”.Tal proibição, diz a petição, contraria osincisos IV e IX do artigo 5º da Constitui-ção Federal, este último incisivo ao decla-rar que “é livre a expressão da atividadeintelectual, artística, científica e de co-municação, independentemente de cen-

Advocacia da União postula no Supremofim de leis que a impedem de falar

Em petição firmada também pela ABI, a União dos AdvogadosPúblicos Federais do Brasil-Unafe questiona dispositivos legais que

condicionam entrevistas à ordem ou autorização do chefe.

sura ou licença”, e o artigo 220 da CartaMagna, que estabelece:

Art. 220 – A manifestação do pensa-mento, a criação, a expressão e a informa-ção, sob qualquer forma, processo ouveículo, não sofrerão qualquer restrição,observado o disposto nesta Constituição.

Parágrafo 1º - Nenhuma lei conterádispositivo que possa constituir embaraçoà plena liberdade de informação jornalís-tica em qualquer veículo de comunicaçãosocial, observado o disposto no art. 5º, IV,V, X, XIII e XIV.

Parágrafo 2º - É vedada toda e qualquercensura de natureza política, ideológicae artística.

No expediente em que comunicou àABI o ajuizamento da Ação, o Presiden-te da Unafe, Luís Carlos Rodriguez Pala-cios Costa, assinalou que a Casa, ao seassociar à iniciativa de questionamentodos dois textos legais, “demonstra firmezana defesa da ordem e da legalidade, emconsonância com sua tradição de vanguar-da nos principais momentos da Históriado País, mormente na consolidação doEstado Democrático de Direito”. Diz ain-da o comunicado da Unafe:

“O êxito do nosso pleito junto ao STFrepresentará a garantia de um dos prin-cipais pilares da democracia para a soci-edade brasileira, principalmente no quese refere às prerrogativas para atuaçãodos profissionais da imprensa e dosmembros da AGU”.

Pistoleiros atacam tv no Paraná

guranças do prédio se atirou no chãopara escapar à fuzilaria. O DelegadoOsnildo Lemes, da 9ª. Subdivisão Poli-cial de Maringá, apontou o uso de armascalibre 40 e 9 milímetros como indica-ção de que os bandidos “não eram pes-soas comuns, que quisessem fazer al-gum tipo de protesto”.

Foi esse o segundo atentado come-tido em Maringá com as mesmas carac-terísticas. Um mês antes, dois homenstambém numa motocicleta fizeramdisparos com armas calibre 9 milíme-tros contra o mesmo prédio, onde fun-cionam a RPC TV Maringá e o jornalGazeta de Maringá, que publicara re-portagem com denúncia de repassesno total de R$ 12 milhões do Ministé-rio do Turismo para a Prefeitura de Jan-daia do Sul, também situada no Nortedo Paraná.

Em comunicação à ABI, o ex-Chefe da Casa Civil pedea adoção dos procedimentos cabíveis para que a revista o trate

com respeito às normas éticas da atividade jornalística.

Este é o segundo atentado cometido emMaringá com as mesmas características.

Considerando-se ofendido com a for-ma como a Veja o tratou em matériapublicada na edição 2232, ano 44, nú-mero 35, data de capa 31 de agosto de2011, o ex-Deputado José Dirceu (PT-SP) pediu à ABI que adote os procedi-mentos cabíveis para que a revista res-peite as normas éticas da atividade jor-nalística, as quais, em seu entendimen-to, teriam sido violadas na produção damatéria a que se faz menção.

Em comunicado à ABI, no princípiode setembro, o ex-Chefe da Casa Civilda Presidência da República no primei-ro Governo Lula queixou-se dos méto-dos utilizados por Veja para produzir amatéria de capa da edição citada, que oapresenta como O Poderoso, título dareportagem, assinada pelos jornalistasDaniel Pereira e Gustavo Ribeiro, e dizque “o ex-ministro José Dirceu man-tém um ‘gabinete’ num hotel em Bra-sília, onde despacha com graúdos daRepública e conspira contra o governoda presidente Dilma”.

No texto da revista, publicado naspáginas 72 a 80, a reportagem apresentao título Ele ainda manda em ministro,senador... e publica fotografias de auto-ridades e personalidades que estiveramcom o ex-Deputado no hotel em que elese hospedara em Brasília, como o Minis-tro do Desenvolvimento Fernando Pi-mentel, os Senadores Walter Pinheiro(PT-BA), Delcídio do Amaral (PT-MS) eLindbergh Farias (PT-RJ), os três no mes-mo encontro, e Eduardo Braga (PMDB-AM), os Deputados Devanir Ribeiro (PT-SP), Cândido Vaccarezza (PT-SP), Eduar-do Gomes (PSDB-TO) e Eduardo Siquei-ra Campos (PSDB-TO). Ilustrada comfotografias dos visitantes, a matériainforma a duração de cada encontro, do

José Dirceu acusa Vejade agredir a ética

mais demorado, o do Deputado SiqueiraCampos, que durou 41 minutos, ao maisbreve, o do Senador Eduardo Braga, com24 minutos. Veja registrou também avisita do Presidente da Petrobras, JoséSérgio Gabrielli, que durou 24 minutos.Juntos, os três Senadores do PT estiveram54 minutos com o ex-Deputado.

José Dirceu queixou-se à ABI especi-almente do comportamento do repór-ter Gustavo Ribeiro, que teria tentadoentrar no apartamento onde o ex-Depu-tado se hospedara, possivelmente à pro-cura de documentos e anotações quealimentassem a campanha que Veja pro-move contra ele. Disse Dirceu que o jor-nalista Gustavo Ribeiro chegara a alegarà camareira do andar que estava hospe-dado naquele apartamento, mas nãoobteve êxito. Dirceu comparou essemodo de buscar informações com osutilizados pelo semanário britânicoNews of the World, do grupo do magnataaustraliano Rupert Murdoch, que fe-chou a publicação diante da repercussãodas denúncias de que suas equipes usa-vam métodos antiéticos e até crimino-sos para produzir matérias.

A Diretoria da ABI decidiu encami-nhar a queixa do ex-Deputado à Comis-são de Ética dos Meios de Comunica-ção, órgão do Conselho Deliberativo aque estão afetas questões do gênero. AComissão é raramente convocada parase manifestar sobre aspectos éticos doexercício profissional, indicação de quesob esse aspecto o comportamento dejornalistas e veículos não tem motiva-do queixas ou reparos. Atualmente aComissão é integrada pelos associadosAlberto Dines, Arthur José Poerner,Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho ePaulo Totti.

Dirceu enviou mensagem à ABI questionando o comportamento do repórter Gustavo Ribeiro.

ELZA FIÚZA/AB

R

27Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Paulo Abrão comemorouo parecer da AGU: Vitória

jurídica para a Comissãoe para os anistiados.

Demitido do Departamento de Co-municação da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro/Puc-Rio nosegundo semestre do ano letivo de 1979e há mais de dez anos à espera do deferi-mento do pedido de anistia que formu-lou em 2002, o jornalista e professor deComunicação Antônio Idaló Neto mor-reu em 13 de setembro sem encontrar ajustiça que merecia, em razão de umjulgamento equivocado na Comissão deAnistia e da omissão de dois Ministros daJustiça, o atual, José Eduardo Cardozo, eseu antecessor, Luiz Eduardo Barreto, quenão atenderam ao pedido de reconside-ração do indeferimento na Comissão porele apresentado. Entre um e outro aci-dente dessa natureza, Idaló viu-se vítimatambém de um erro do Tribunal Federalda 1ª Região, sediado em Brasília, numprocesso que lá ajuizara, no qual umdesembargador se referiu ao seu casocomo ocorrido na Universidade de Bra-sília, e não na Puc-Rio, numa indicaçãode que esse magistrado não leu ou fezuma leitura incorreta dos autos.

Estes dez anos foram de desesperan-ça e acabrunhamento para Idaló, que seviu afastado do mercado de trabalho,pelo estigma que a demissão da Puc lheimpusera, e, talvez por desgosto, foi aco-metido por um câncer que terminoupor matá-lo agora em setembro. Sua de-pressão só não foi maior porque elepôde contar nestes anos todos com a so-lidariedade da esposa, a arquiteta MariaElizabeth, transformada em arrimo dacasa, e com o carinho do filho, de 25anos, filho de Elizabeth e que ele criaradesde os seis anos.

A longa provação de Idaló começoucom a sua demissão da Puc, que em 1979decidiu fazer uma correção de rumospolíticos, deixando de ser cenário demovimentos de resistência à ditadura,na qual estudantes dos seus diferentescursos se engajavam ao lado dos de ou-tras faculdades e entidades estudantis doRio. Sob o comando absolutista do entãoReitor, Padre João MacDowell, a Pucpromoveu vasto expurgo ideológico,demitindo quatro professores do Depar-tamento de Comunicação (AntônioIdaló Neto, Carlos Henrique Escobar,Luiz Alberto Muniz Bandeira e Maurí-cio Azêdo) e 32 do Departamento deSociologia, à frente uma festejada inte-lectual, Professora Myriam Limoeiro. Emsolidariedade com os demitidos e em

Direitos humanosDireitos humanos

Jornalista Antônio Idaló morresem a anistia requerida há dez anos

defesa da liberdade de cátedra, os estu-dantes promoveram prolongada greve,mas o Reitor MacDowell se mostrouirredutível e recusou qualquer revisão dadepuração que determinara.

Em 2001, Idaló cedeu à pressão doscompanheiros que o instavam a lutarpor justiça e ingressou com um requeri-mento na Comissão de Anistia do Minis-tério da Justiça, pleiteando reparação pelapunição política que lhe fora impostapela Puc. Após 90 andamentos, com cum-primento de exigências que ele atendeucom presteza, seu processo (número2001.02.01752) foi submetido a julga-mento em 25 de setembro de 2009 numasessão tumultuada pela intervenção da

Conselheira Suely Bellato, que divergiuda relatora, após esta manifestar-se pelaconcessão da anistia, e sustentou que asdemissões feitas pela Puc-Rio tiveram nomáximo uma motivação teológica, enão política. No clima conturbado queentão se criou, um dos conselheiros pe-diu vista do processo. Em sessão posterior,a petição foi indeferida por seis votos atrês.

Como admitido pela legislação, Ida-ló formulou um Pedido de Reconsidera-ção ao então Ministro da Justiça TarsoGenro, mas este não chegou a se pronun-ciar sobre o pedido, que chegou ao Gabi-nete do Ministério da Justiça no dia emque ele se afastou do cargo para concor-

rer a governador do Rio Grande do Sul,na eleição de novembro de 2010. Idaló ea ABI insistiram no Pedido de Reconside-ração em expedientes ao Ministro LuizEduardo Barreto, sucessor de Tarso Gen-ro, e ao Ministro José Eduardo Cardozo,este através de expedientes dirigidos aoPresidente da Comissão de Anistia, Pau-lo Abrão Pires Júnior, a quem o CasoIdaló foi exposto também verbalmente,como se deu na 49ª. Caravana da Anistia,realizada na ABI em 30 de abril passado.

Nenhum dos expedientes de Idaló eda ABI mereceu consideração da Comis-são da Anistia e dos dois Ministros daJustiça citados, que nem sequer acusa-ram seu recebimento.

Parecer da AGU reprova tentativa doTCU de anular as anistias concedidasA anistia não tem caráter previdenciário e não está sujeita ao crivo

do Tribunal de Contas, sustenta a Advocacia-Geral da União.

A Advocacia-Geral da União é contrá-ria ao entendimento do Tribunal de Con-tas que pretende anular as anistias conce-didas às vítimas da ditadura militar, sob fun-damento de que o benefício instituído peloartigo 8º do Ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias estaria sujeito a regis-tro e fiscalização da Corte de Contas. “Aanistia é regime jurídico especial, de cará-ter indenizatório”, diz o parecer da AGU.

A manifestação da Advocacia-Geralda União foi apontada pelo Presidente dacomissão de Anistia do Ministério da Jus-tiça, Paulo Abrão Pires Júnior, como “im-portante vitória jurídica para a Comissãoe para os anistiados”. Em e-mail a dezenasde instituições e personalidades engaja-das na luta pela anistia, diz Abrão:

“Hoje tivemos conhecimento de umaimportante vitória jurídica para nós daComissão e para os anistiados.

Todos se lembram da decisão do TCUexpedida em agosto no ano passado que-rendo rever todas as indenizações já con-cedidas. A Comissão de Anistia e a Consul-toria Jurídica do MJ interpuseram umpedido de reexame contra a decisão emsetembro do ano passado (o que fez suspen-der os efeitos da decisão do TCU) e ofici-amos para que a AGU (órgão jurídico paradefesa das decisões de governo) assumis-

se a defesa das decisões da Comissão e dosMinistros das Justiça junto ao TCU.

Ocorre que a Consultoria Jurídica doMinistério da Defesa defendeu junto àAGU a correção da posição do TCU.

Após longos debates e pareceres, aAGU elaborou seu parecer final:

a) a anistia é regime jurídico especial,de caráter indenizatório;

b) não cabe ao TCU equipará-las aoregime previdenciário e, portanto, estenão tem competência para registro e fis-calização;

c) as indenizações não são atos jurí-dicos complexos, ao contrário, são atosadministrativos compostos, ou seja “o atoé formado pela vontade única deum órgão (no caso, o pare-cer favorável da Comissão deAnistia), sendo apenas rati-ficado por outra autoridade(a publicação da portariapelo Ministro de Estado daJustiça)”. fls 181.

O diretor do Departamento deOrientação e Coordenação de Ór-gãos Jurídicos (DECOR) da AGU

acolheu estes entendimentos, “pois estãoem sintonia com aqueles defendidos pelaCONJUR/MJ, exposto no Pedido de Ree-xame protocolado pelo MJ perante o TCU”.

Estes pareceres foram ratificados peloConsultor-Geral da União e pelo Advo-gado-Geral da União, Luis Inácio Adams.Todos concluíram pela atuação daAdvocacia-Geral da União, atravésdo Departamento de Assuntos Ex-trajudiciais, junto ao TCU, no sen-tido de buscar provimento ao Pedi-do de Reexame interposto pela Co-missão de Anistia e a CONJUR do Mi-nistério da Justiça.

Vamos agora aguardar a defesa da AGUjunto ao TCU e verificar a decisão

final daquele órgão. A vitóriaainda não está dada. O de-safio ainda está no TCU.

Seguem em anexo os pa-receres completos para co-nhecimento geral de todose todas.”

AGÊNCIA CÂMARA/JANINE MORAES

Vítima de um dos erros mais grosseiros da Comissão de Anistia e da omissão de dois Ministrosda Justiça, que não reconheceram a violência de sua demissão da Puc do Rio por motivo político

há mais de 30 anos, ele esperou em vão pelo deferimento do processo que lhe faria justiça.

28 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Direitos humanosDireitos humanos

Lançado em 2010, Diretos HumanosImagens do Brasil, de Gilberto Maringoni,apresenta por meio de textos e imagensa história dos direitos humanos no Brasil.Com cerca de 230 páginas, a luxuosa edi-ção em três idiomas (português, inglês,espanhol), não esqueceu as origens dessaslutas no plano mundial.Em quase 40 páginas, ofe-rece um resumo dessasaga de conquistas tam-bém em outros lugares doplaneta. Desde o códigode Hamurabi em 1700A.C até os campos de pri-sioneiros surgidos entre2003 e 2008 depois doatentado de 11 de setem-bro de 2001 em NovaYork, há um resumo dosprincipais fatos que sederam no exterior nesseperíodo de tempo. Só en-tão, a partir do Brasil co-lônia, com a captura dosíndios logo após a chega-da de Pedro Álvares Ca-bral, começa o relato dasconquistas e retrocessos nesta nação.

Escritor, doutor em História pela Uni-versidade de São Paulo, cartunista e jorna-lista que atualmente atua na Agência Car-ta Maior, e professor da Faculdade CásperLíbero, Maringoni fez Direitos HumanosImagens do Brasil seguindo a idéia da edito-ra Denise Carvalho. “Ela me convidou pararealizar o projeto que havia proposto aoentão Ministro da Secretaria de DireitosHumanos da Presidência da República,Paulo Vanucchi”, explicou o autor. “Minhaligação com o tema vem especialmente deminha tese de doutorado, editada em livro(Angelo Agostini – A Imprensa Ilustrada daCorte à Capital Federal, 1864-1910). Atravésda trajetória desse grande artista gráfico, euexamino os anos finais da escravidão noBrasil. A iniciativa da Denise se deu porconta dos debates e das campanhas pelodireito à memória, focadas nas violações dosdireitos humanos no período da ditadura.A proposta era situar a questão na Históriado Brasil, para que ela fosse colocada de umamaneira didática.” Vanucchi escreveu aintrodução onde, entre outros aspectos,ressalta: “Imagens e textos sublinham ocaráter de conquista política e de contí-nua transformação na visão de mundoque permeia os direitos humanos.”

Mas, como disse Maringoni, não foifácil o seu trabalho, apesar das experiên-

cias anteriores nesse campo. Como o pro-jeto gráfico e a pesquisa iconográfica deJornal do Século XX, que lhe valeu o prêmioJabuti de melhor livro didático de 1999.“As maiores dificuldades estavam em clas-sificar exatamente o que são os direitoshumanos. Que métrica eu deveria usar nanarrativa? O conceito de direitos indivi-duais é relativamente recente, surge em1789, na Revolução Francesa. Ao longo doséculo 19, com as lutas dos trabalhadores– especialmente os socialistas – surge oconceito de direitos sociais. Isso quer di-zer que os direitos individuais têm de servistos sob o prisma das classes e direitos dasociedade. Os direitos humanos, que en-globam as duas dimensões, são classifica-dos a partir de 1948, na Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos da Onu.Decidi adotar então o partido de que a lutapelos direitos humanos sempre foi a lutados de baixo, dos pobres e oprimidos. Ven-do assim, trata-se de uma história indisso-ciável das lutas contra a opressão, pelademocracia e pela transformação socialem todos os tempos.”

Seleção e lacunasMaringoni deixou claro que, desde o

início, os projetos do livro e da exposiçãoforam pensados juntos. “O livro compre-ende dois pequenos ensaios e cerca de 200

imagens com legendas, destacando pon-tos essenciais da luta pelos direitos noBrasil. A exposição, já vista em algumascidades do País, apresenta apenas sessen-ta. Ela é uma síntese do livro que já é umahistória resumida.” Com essa redução nu-mérica, foi necessário um exaustivo pro-cesso de seleção e cortes. Segundo o autor,na síntese de uma evolução tão comple-xa, a escolha acaba sendo arbitrária e as la-cunas são inevitáveis.

A mostra apreciada no prédio da Cai-xa Econômica Federal, em São Paulo, ini-cia-se com guaches, aquarela e gravurasdos séculos 18 e 19 reproduzindo o exter-mínio de inúmeros povos indígenas evárias situações ligadas aos escravos vin-dos da África. Depois, passa por importan-tes momentos da nossa História, como aGuerra do Paraguai entre 1864 e 1870, oMassacre de Canudos em 1896 e a Revoltada Chibata em 1910, chegando ao lança-mento do Programa Nacional de DireitosHumanos-PNDH-3 pelo Presidente Lulana 11ª Conferência Nacional de DireitosHumanos, em dezembro de 2009. Poucoantes desse epílogo, cerca de 15 imagenstrazem o ativismo político, as conseqü-ências e a evolução das aspirações liber-

As imagens dosDireitos Humanosno Brasil ganham

exposiçãoPOR ALFREDO STERNHEIM

tárias dos que enfrentaram a ditaduramilitar instalada no Brasil a partir de1964. Algumas cenas trazem censura (aapreensão da revista Realidade em 1967),humilhação e tragédia (o líder camponêsGregório Bezerra na prisão, os corpos deLamarca fuzilado e do jornalista Wladi-mir Herzog enforcado no quartel). Ou-tras têm um clima mais heróico, como asdo deputado Ulysses Guimarães enfren-tando a Polícia de Salvador em 1974; osestudantes da Faculdade de Direito doLargo de São Paulo em 1977, colocandofaixas que pedem liberdades democráti-cas, e uma imensa manifestação pelas Di-retas Já, por volta de 1982.

Direitos Humanos - Imagens do Brasiloferece uma evocação didática para aque-les que desconhecem uma parte impor-tante de nossa História e acirra a cons-cientização de muitos sobre o tema. Porisso, Gilberto Maringoni já tem um pro-jeto de editar um livro similar. “Será comos desenhos de Angelo Agostini sobre avida cotidiana no Rio de Janeiro, nasúltimas décadas do século 19. Não é umlivro sobre direitos humanos, mas a es-cravidão e as respostas populares apare-cerão com destaque.”

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Cenas de arrepiar: a apreensãode toda a edição da revista

Realidade número 10, de janeirode 1967; Comício do PCB naPraça da Sé, em São Paulo,

dissolvido pela polícia em 1947, eilustração de Angelo Agostini quedenuncia a tortura aos escravos.

29Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Sem alarde e também sem discussões,numa indicação de que se firmou um con-senso sobre o tema, o Plenário da Câmarados Deputados aprovou em 21 de setem-bro o Projeto de Lei nº 7.376/2010, que criaa Comissão da Verdade, a qual, pela pro-posta enviada ao Congresso Nacionalpelo Poder Executivo, poderá investi-gar violações de direitos humanosocorridas entre 1946 e 1988, períodoque inclui a ditadura. A matéria aindadepende da aprovação do Senado.

A Comissão vai esclarecer casosde tortura, mortes, desaparecimentosforçados e ocultação de cadáveres;identificar as estruturas, as instituiçõese os locais relacionados à prática de vi-olações de direitos humanos; recomen-dar medidas para prevenir a violaçãodesses direitos e para promover a recon-ciliação nacional; encaminhar aos órgãoscompetentes informação que ajude nalocalização e identificação de corpos.

As ações e o relatório final da comissãodeverão observar as leis da Anistia (6.683/79), de criação das Comissões sobre Mor-tos e Desaparecidos Políticos (9.140/95) esobre anistiados políticos (10.559/02). Otrabalho será desenvolvido no âmbito daCasa Civil e se estenderá por dois anos.

A Comissão, constituída por sete mem-bros nomeados pela Presidente da Repú-blica, poderá requisitar informações aórgãos públicos, convocar testemunhas,promover audiências públicas e solicitarperícias. Suas atividades serão públicas,exceto se a manutenção do sigilo for re-levante para o alcance de seus objetivosou para resguardar a intimidade, vidaprivada, honra ou imagem de pessoas.

Os sete integrantes da Comissão Na-cional da Verdade vão receber R$ 11.179,36mensais e contarão com a colaboraçãodos ocupantes de 14 cargos DAS (Direçãoe Assessoramento Superior) para apoiá-los no trabalho.

Se alguma pessoa for ameaçada porcolaborar com esse trabalho, a Comissãopoderá requisitar proteção aos órgãospúblicos. Será obrigatória a colaboraçãode servidores civis e militares.

O Governo e os partidos de oposiçãoformalizaram um acordo para que o projetofosse votado com a incorporação de emen-das. A negociação, de que participou a Pre-sidente Dilma Rousseff e ministros, e re-presentantes da oposição, durou cerca deduas horas. Dilma chegou a telefonar deNova York para os ministros que participa-ram da reunião com os parlamentares paranegociar diretamente a redação. Participa-ram os Ministros da Secretaria Especial dos

Outra emenda, do Psol, inicialmenteaceita pelo líder do Governo, DeputadoCândido Vaccarezza (PT-SP), não pôdeser incorporada ao texto porque é modifi-cativa. O partido pretendia retirar do subs-titutivo a referência a leis que tratam dereparações e da anistia para definir melhoro período de apuração dos fatos. O Psolapresentou outras emendas que não fo-ram aceitas pelo Governo, como a ampli-ação do número de integrantes, de setepara 14; a possibilidade de prorrogaçãodo período de funcionamento para pelomenos quatro anos; autonomia financei-

O Mecanismo Estadual de Prevençãoe Combate à Tortura, órgão operacionaldo Comitê Estadual de Combate à Tortu-ra, ganhou em setembro, em caráter per-manente, um espaço físico próprio na As-sembléia Legislativa do Rio de Janeiro-Alerj, com uma sala equipada com com-putadores para a realização dos seus tra-balhos. A iniciativa do Presidente da Alerj,Deputado Paulo Mello (PMDB-RJ), foisaudada pela ABI, que enviou telegramaao parlamentar felicitando-o pela deci-são, que “tornará mais eficaz a atuaçãodesse importante órgão da Alerj”.

No entendimento do jornalista Ger-mando de Oliveira Gonçalves, Conselheiroda ABI e membro da Comissão de Defesa daLiberdade de Imprensa e Direitos Humanosda Casa, “o combate à tortura acaba de ga-nhar apoio fundamental em favor dessacausa”, com a providência adotada pelaAlerj, que está sediada num dos pontos

O Brasil a um passoda Comissão da Verdade

O Plenário da Câmara dos Deputados aprova o projeto que podepermitir o conhecimento dos crimes cometidos durante a ditadura militar.

POR CLÁUDIA SOUZA

Direitos Humanos, Maria do Rosário; daJustiça, José Eduardo Cardozo; da Defesa,Celso Amorim; e o Secretário Especial doMinistério da Defesa, José Genoino.

Os pontos modificadosA primeira emenda incluída no projeto

de lei prevê que qualquer cidadão interessa-do em esclarecer situação de fato revelada oudeclarada pela Comissão terá a prerrogativade solicitar ou prestar informações para es-clarecer a verdade. Seu autor é o líder doPSDB, Deputado Duarte Nogueira (SP).

A segunda emenda, de autoria do líderdo Dem, Antônio Carlos Magalhães Neto(BA), estabelece que não poderão ser es-colhidos para membros da Comissãoaqueles que exerçam cargos executivos empartidos políticos, exceto se de naturezahonorária; os que não tenham condiçõesde atuar com imparcialidade; e os que es-tejam no exercício de cargo em comissãoou função de confiança em quaisquer es-feras do Poder Público.

Por um destaque do PPS, o Plenário apro-vou ainda emenda do líder Rubens Bueno(PR) que determina o envio de todo o acer-vo apurado ao Arquivo Nacional.

O Plenário rejeitou emenda do Deputa-do Jair Bolsonaro (PP-RJ) que proibia adenúncia criminal ou aplicação de sançãopunitiva de qualquer tipo aos militares quese recusarem a colaborar com a Comissãoda Verdade. O projeto torna obrigatória acolaboração dos servidores civis e militares.

Um dos dispositivos do texto especi-fica que as atividades da Comissão nãoterão caráter jurisdicional ou de persegui-ção. Havia temores na cúpula militar deque a Comissão sirva para condenar agen-tes militares e das forças de segurança porcrimes contra os direitos humanos come-tidos no período da ditadura (1964-1985).

ra da Comissão; e a obrigatoriedade deampla divulgação do relatório final.

A única divergência declarada à Comis-são foi manifestada pelo Deputado Jair Bol-sonaro (PP-RJ), que a considera um instru-mento criado para punir os militares.

“A exemplo de Comissões criadas emoutros países, essa é uma iniciativa paraa reconciliação nacional”, afirmou o re-lator do projeto, Deputado Edinho Ara-újo (PMDB-SP).

CríticasA Comissão Nacional da Verdade foi pro-

posta na terceira versão do Plano Nacionalde Direitos Humanos (PNDH-3), instituí-da pelo Decreto nº 7.037/10, com o objeti-vo de promover o direito à memória e àverdade. O texto lista 521 iniciativas e pre-vê 27 projetos de lei – o que cria a Comissãoé o primeiro encaminhado ao Congresso.

Desde o lançamento, o Plano foi alvode críticas e o Governo acabou alterandopartes do texto, através do Decreto nº7.177/10. Setores das Forças Armadas, por

exemplo, viram nela um risco de revi-são da Lei da Anistia.

O Supremo Tribunal Federal-STFdescartou essa hipótese em abril de

2010, ao decidir contrariamente so-bre um pedido da Ordem dos Advoga-dos do Brasil-OAB para anular o perdãodado pela lei aos representantes do Es-

tado acusados de praticar tortura duran-te o regime militar.

Entretanto, a Corte Interamericana deDireitos Humanos apresentou sentençadiferente, em novembro de 2010, evocan-do a Convenção Americana sobre Direi-tos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Organizações da sociedade civil cria-ram cerca de duas dezenas de “Comitês daVerdade” para discutir o tema e pressio-nar o Congresso. Em julho passado, o Mi-nistério da Justiça deu acesso irrestrito atodos os documentos do Arquivo Nacio-nal para um grupo de 12 familiares de mor-tos e desaparecidos políticos durante o re-gime militar (1964-1985).

Um espaço na Alerj contra a torturaAs ações contra as violências passam a contar

com uma importante base física no Centro do Rio.mais centrais da capital fluminense, próxi-ma ao Tribunal de Justiça do Estado.

A missão do Mecanismo Estadual dePrevenção e Combate à Tortura será visi-tar unidades de privação de liberdade,como asilos e colônias penais, para detec-tar situações de risco e de violação dosdireitos humanos e de prática de todas asformas de tortura.

O aparelhamento do órgão pelo Depu-tado Paulo Mello foi exaltado tambémpelo Presidente da Comissão de Defesa dosDireitos Humanos e Cidadania da Alerj,Deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), sob oargumento de que esse “é um passo efici-ente para ao sucesso da nossa luta”.

O Mecanismo Estadual de Prevenção eCombate à Tortura é composto de seis mem-bros, representantes de entidades civis,como a Justiça Global, Projeto Legal, Gru-po Tortura Nunca Mais e a Rede de Comu-nidades e Movimentos contra a Violência.

Charge de Duayer publicada em 1981 nolivro No País das Maravilhas (Codecri).

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ano de 1921 viu Anatole Fran-ce e Albert Einstein serem lau-reados com o Nobel. No Bra-sil, as coisas estavam calmase sob o comando de EpitácioPessoa, paraibano nascido napequena Umbuzeiro, que

ele ajudara a transformar em Município.Foi um ano pródigo em nascimentos de ar-tistas: Lana Turner, Donna Reed, Jane Rus-sell, Deborah Kerr, Yves Montand, SimoneSignoret, Giulietta Masina e Cacilda Becker.No Recife, nascia um artista que iria carica-turar, sem piedade, seus contemporâneos.

Carlos Estevão de Souza nasceu no dia16 de setembro de 1921. Era o segundo deseis filhos de Estevão Pires de Souza e MariaSalomé de Souza. O pai fabricava balas, amãe costurava. A família morou em várioslugares: na vizinha Olinda e nos bairros daMadalena, Capunga e Boa Vista. Diz a len-da que foi neste último que o menino Car-los, então com uns seis anos, fez a carica-tura da avó no muro da casa onde mora-vam, na Rua do Rosário. Fez o curso primá-rio com Dona Adélia Nogueira de Lima,depois passou pelo Ginásio Pernambucanoe pelo Colégio Salesiano. O pai percebeuque a escola não era o melhor caminho etratou de lhe arranjar um emprego na Se-cretaria de Agricultura, Indústria e Comér-cio. Fazendo o quê? Desenhando, claro.Desenho técnico, mas era desenho.

A Segunda Guerra Mundial começa emsetembro de 1939, mês em que ele completadezoito anos, mas o Brasil só entraria noconflito em agosto de 1942. Certa vez,durante uma manobra na qual os soldadoscarregavam armas pesadas subindo ummorro, percebeu que os padioleiros só leva-vam as camas de campanha. Fingiu de do-ente e subiu o morro deitado, carregado pordois deles (anos depois, a cena viraria umcartum em que o folgado acabava sendocastigado ao ser atingido por um coco). Deubaixa, como cabo, em junho de 1945.

Em agosto, a um mês de completar 24anos e a quinze dias do término da guer-ra, casou-se com Neusa Torres Correia deAraújo, que havia acabado de fazer 18 anos.Em junho de 1946, apenas dez meses apóso casamento, nasce Carlinhos, o primeirofilho do casal. A esta altura, Carlos Estevãojá havia partido para o Rio de Janeiro. A es-posa e o filho, que ele ainda não conhecia,iriam depois, de navio.

O ILUSTRADOR E O HUMORISTANo Rio de Janeiro, Estevão morou pri-

meiro em Niterói. Depois, na Ilha do Gover-nador. “Dali, criei coragem para enfrentaro centro da cidade”, diria ele em uma entre-vista. Trabalhou em Diretrizes e no Diário daNoite, dos Diários Associados, onde é admi-tido em março de 1948. Neste mesmo ano,

POR SANDRO FORTUNATO

MEMÓRIA

Com seu traço versátil,ele desnudou comopoucos o caráter dobrasileiro através decharges que podiam

ser politicamentecorretas ou não. Afinal,

naquela época nãohavia esse tipo de

censura e o humor eramuito mais refinado.

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Ignorabus: os talentosde Millôr Fernandes,que assinava Vão Gôgo,e Carlos Estevão juntosnuma história emquadrinhos repleta demetalinguagem.

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31Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

sua veia humorística e de quadrinista come-ça a ser apresentada ao público. Em parce-ria com Millôr Fernandes, que fazia o tex-to, desenha a série de tiras do personagemIgnorabus, o Contador de Histórias.

Mais algum tempo e, por intermédiodo amigo Augusto Rodrigues, é apresen-tado a Accioly Netto, Diretor de Redaçãoda revista O Cruzeiro. De início vemosCarlos Estevão como ilustrador, mostran-do imagens carregadas, sérias e dramáti-cas. Paisagens, figuras e objetos parecemsurgir das sombras. Seus primeiros dese-nhos em O Cruzeiro ilustram as crônicasde Austregésilo de Athayde, que tambémera Diretor-Secretário da revista.

Quase imediatamente, seu nome apa-rece na seção de humorismo. Estevão de-senvolve histórias de duas páginas comoDe amor também se morre... (edição de 4 denovembro de 1950) e Bem-vindo ao Rio! (23de dezembro). Nesta última, ele mostra asdesventuras de Papai Noel ao tentar entre-gar presentes no Rio de Janeiro. O pobrevelhinho é agredido por um Senador, ame-açado por um policial, assaltado, preso, tor-turado e passado para trás por um mecâni-co que cobra uma fortuna pelo consertodo seu carro, que havia quebrado no inícioda história. O pensamento de que o ser hu-mano não presta e a forma ácida de denun-ciar isso sempre estiveram presentes nohumor de Carlos Estevão.

Nessa época é possível notar sua ver-satilidade como desenhista: as ilustraçõesdos textos de Austregésilo de Athayde nãoparecem ter sido feitas pela mesma pes-soa que produz os traços caricaturais ebem-humorados das historietas. Mais àfrente, essa versatilidade se mostrariaincontestável. É impossível rotular Car-los Estevão apenas como chargista oucaricaturista. Não havia limites para seupotencial artístico nem para as formas emque ele expressava isso no papel.

Histórias temáticas, muitas vezes comlongos textos, deram o tom do humor deEstevão em seus primeiros anos de O Cru-zeiro. É pouco provável que os leitores daépoca tenham percebido que muitos dospersonagens que no futuro marcariam agaleria criada por Carlos Estevão aparece-ram nessas histórias. Ele mesmo só deveter se dado conta dessa gestação quando,tempos depois, os personagens já estavamdefinidos e apareciam com regularidade.

UM TIME DE TALENTOSQuando Carlos Estevão chegou a O Cru-

zeiro, ela já era uma potência. No início dosanos 1950, além de Austregésilo de Athay-de, escreviam na revista Gilberto Freyre,Rachel de Queiroz, José Amádio e DavidNasser, dentre outros. Na área do humor,estavam presentes Millôr Fernandes (assi-nando como Vão Gôgo), Alceu Penna (esuas garotas) e o também pernambucanoPéricles Maranhão, que ilustrava o Pif-Paf(escrito por Millôr) e desenhava o mito-lógico Amigo da Onça, que existia desde1943. Era uma publicação distribuída emtodo o País e que chegou a uma tiragem de750 mil exemplares quando o Brasil tinha50 milhões de habitantes. Isso dava umarevista para cada 66 habitantes. Se imagi-narmos que cada exemplar era lido porquatro pessoas, podemos dizer que a cadagrupo de 16 brasileiros um havia folheadoa revista. Estar freqüentemente nas pági-nas de O Cruzeiro naquela época era comoestar sempre no Jornal Nacional: todomundo sabia quem você era.

Qual era o cacife do jovem Carlos paraentrar nesse jogo de pesos-pesados? Talen-to ele tinha. A questão era como mostraristo e se tornar uma marca, uma grife,como alguns já eram e outros viriam a serdurante aquela década em que O Cruzeiromanteve uma tiragem média acima de 500mil exemplares.

Depois das histórias temáticas ou foca-das em determinada característica huma-na, vieram as charges, os cartuns e as his-torietas mudas. Durante esse processo,alguns personagens aparecem, mas aindanão são definitivos ou constantes, assimcomo as séries. Algumas apareceram antesnas páginas da revista A Cigarra. É só nasegunda metade da década que elas se fir-mam e fazem a fama de Carlos Estevão: SerMulher..., O Casamento Antes e Depois, AsDuas Faces do Homem, Acredite Querendo,Perguntas Inocentes, Heróis da Noite, Nãodiga isso!, As Aparências Enganam e Pala-vras Que Consolam, dentre outras (vejatexto na página 34).

Com suas séries apontando o comporta-mento grotesco do homem, Carlos Estevãogarantiu seu nome no panteão dos grandeshumoristas da época e da História do humorno País. Era um humor popular, sim, e nãohavia qualquer crime nisso, como acusavamalguns críticos. Mas não grosseiro comopoderia parecer à primeira vista. As aparên-cias enganam. Cada época tem suas prefe-rências, suas variações de humor, suas carac-terísticas marcantes.

Mas faltava algo para Carlos Estevão.Talvez um personagem. Assim, na ediçãode 9 de outubro de 1954 de O Cruzeiro, eleapresentou o Doutor Macarrão, uma fi-gura que se fazia de fina, bem relaciona-da e sempre tinha uma história da qual segabar. Em 26 de novembro de 1955, amesma figura (pelo menos com o mesmotraço e características físicas) apareceriacomo O Belo Brummell de Catumbi, ummalandro que se aprontava desde muitocedo para parecer gente fina na gafieira.O personagem só iria se firmar – e porpouco tempo – na década seguinte com onome de Dr. Macarra.

Dr. Macarra era inspirado em um famo-so vigarista do Recife (PE) que se faziapassar por engenheiro ou militar e aplica-va golpes em mulheres carentes com maisde 30 anos. O personagem chegaria a tersua própria revista, em 1962 (veja quadrona página 32).

ANOS DE MUDANÇASA nova década começa com muitas

mudanças para Carlos. Ele se separa da es-posa (desquite, pois na época não havia di-vórcio no Brasil), assume um novo relaci-onamento (com Helena Couto) e se mudapara Belo Horizonte. A idéia era ter umavida nova, mais calma e distante de tudoaquilo que já não o agradava. A carreira emO Cruzeiro continuava, ele só não freqüen-taria mais a Redação no Rio, mas os traba-lhos continuariam sendo enviados.

Uma tragédia no último dia de 1961iria trazer mudanças futuras para Estevão:Péricles Maranhão, o autor de O Amigo daOnça, se suicida. Nas semanas seguintes,o personagem continua a ser publicadocom algumas pranchas deixadas pelo seuautor. Depois, os desenhos foram manti-dos e eram apresentados como “Criaçãoimortal de Péricles – Original da equipe deO Cruzeiro”. Mas, havia uma pressão paraque Carlos Estevão assumisse o persona-gem. Ele não se mostrava disposto a isso.

Além de criar as charges, Carlos Estevão ilustrava as crônicas de Austregésilo de Athayde.

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Em um momento de tantas mudanças,inclusive em seu estilo de humor e complanos de fortalecer seus personagens,assumir o Amigo da Onça, um mito que jáexistia há quase vinte anos, não pareciauma boa idéia. Em certa ocasião, talvez játramando sua morte, o próprio Péricleshavia feito o pedido: “Carlos, se eu morrer,você faz o Onça pra mim?”

Porém, Carlos Estevão estava completa-mente envolvido num grande projeto pes-soal: a criação da revista Dr. Macarra, total-mente escrita e desenhada por ele. Quatromeses depois da morte de Péricles, chega àsbancas a sua revista com circulação nacio-nal e periodicidade mensal. Beirou os 100mil exemplares em seu pouco tempo devida. Durou apenas nove edições.

Na vida pessoal, outra novidade viriaadoçar o ano de 1962: Stephanie, filha deCarlos e Helena, nascia. O Amigo da Onçaseguia nas mãos da “equipe de O Cruzeiro”.É até possível que Estevão tenha feito al-guns dos desenhos nesse período e mesmoantes da morte de Péricles, devido aosatrasos deste na entrega. Carlos era umamáquina de desenhar.

Nesse período a revista O Cruzeiro ten-tava se modernizar para acompanhar asnovidades do mercado. Ela ganha maiscores, experimenta novas formas de seapresentar, busca um jornalismo que des-conhece, mas começa a perder o estreito epromíscuo contato que sempre mantive-ra com o poder político: a Capital é trans-

ferida para Brasília e Chateaubriand tema trombose que o deixa bastante debilita-do. E a grande concorrente, a revista Man-chete, da Bloch, estava firme e prestes acompletar dez anos.

Entre os desenhistas, Appe, até entãorestrito às caricaturas e charges políticas,ganha uma página (ainda não o BlowAppe,que só apareceria na década seguinte).Uma nova leva de humoristas aparece nosuplemento O Centavo: Ziraldo, Zélio,Henfil, Juarez Machado, Fortuna, DanielAzulay. No ano de 1963 o humor em OCruzeiro é inconstante. No primeiro se-mestre há páginas de Ziraldo, Zélio, Appee Borjalo, além de O Amigo da Onça, O Pif-Paf e Carlos Estevão. No segundo semes-tre, quase todos somem, inclusive Este-vão. Há edições em que aparecem apenasO Amigo da Onça e Fotofofocas (fotos combalões criando frases cômicas ou cons-trangedoras para a pessoa retratada).

O AMIGO DA ONÇA RENASCEFinalmente em 1965 Carlos Estevão

aceita o encargo de assumir O Amigo daOnça. O primeiro desenho do personagemassinado por ele é publicado na edição de8 de maio. É uma fase extremamente pro-dutiva para o artista. A partir daí, há edi-ções de O Cruzeiro nas quais ele aparece emvários espaços: com uma de suas séries,ilustrando os textos de Stanislaw PontePreta (Sérgio Porto) e ainda publicandoalguma charge, além de assinar a página deO Amigo da Onça. Desenha também parao jornal O Estado de Minas (dos DiáriosAssociados) e para campanhas publicitá-rias. Só de piadas, são mais de 450 por ano.

Dr. Macarra, o personagem, estava mor-to. O Amigo da Onça ganhava um novo paie uma vida mais decente a partir dali. Nãose pode comparar os dois. O próprio Car-los Estevão explica: “Doutor Macarra é ape-nas um gozador da vida. Dá os golpes paracontinuar vivendo. Sempre nos grandesmeios. É um protótipo do nosso atual BetoRockfeller. Já o Amigo da Onça é mau. Sá-

dico. Morre de rir da desgraça alheia. Qual-quer dia, eu o mato.”

Como veríamos mais adiante, não foibem isso o que aconteceu. O interessantenessa relação de Carlos com o Amigo daOnça é que o desenhista tantas vezes acu-sado de ser grosseiro, demasiado ácido e to-talmente descrente da humanidade se sen-te incomodado com a maldade do perso-nagem e provoca nele uma transformação.Ele fica menos cruel e até mais fácil de serassimilado pelo público, que vai encontrarmais tipos parecidos com esse novo Ami-go da Onça. Um tipo que emperra a vidados outros, cria intrigas, provoca confu-sões, mas não mata mais as pessoas (a nãoser aquelas que o desenhavam).

O Amigo da Onça pode ter sido o per-sonagem de maior sucesso – e até hoje omais lembrado – da História do humorbrasileiro, mas Carlos Estevão é o nomemais popular do humor na história darevista O Cruzeiro. O Amigo da Onça es-condia Péricles, que não tinha uma per-sonalidade sociável e expansiva como ade Carlos. O próprio Estevão era o seupersonagem principal, acima de todos osoutros. E a união do personagem maispopular com o desenhista-humorista maispopular acabou se mostrando um grandesucesso. Hoje, quando se fala no nome deCarlos Estevão, geralmente alguémemenda: “aquele que desenhava o Amigoda Onça, né?” Péricles Maranhão criou edesenhou o personagem por 18 anos.Estevão o desenhou por apenas sete. Foia junção dos dois nomes fortes que ficouno imaginário e na lembrança popular.

UMA CELEBRIDADE EM MINASEssa personalidade tão conhecida, que

vivia no Rio de Janeiro, centro culturalcapital do País, se torna uma celebri-dade entre artistas e políticos deMinas Gerais. Em 1967, aos 45anos, faz uma exposição emOuro Preto na qual “apareceude tudo, desde o simples operá-rio ao graúdo representante dogovernador. Todos com umaadmiração comum: Estevão”,como informou a notícia pu-blicada em O Cruzeiro de 12de agosto de 1967. A apre-sentação, no folder, foi fei-ta por José Nava (psiquiatra, co-ronel-médico da Polícia Militar, irmãodo escritor Pedro Nava). Tinha queser alguém que entendesse de loucospara apresentá-lo: “O humorista sente oridículo, apreende o grotesco e interpretatodas as extravagâncias do homem e domundo, apontando os enganos e as falhas

Sebastião Morato de Alcântara era o nomedo sujeito. Nasceu no dia 11 de setembro de1921, no Município pernambucano deBarreiros, a 102 quilômetros e cinco dias dedistância do nascimento de Carlos Estevão.Para as mulheres solteiras e carentes commais de 30, ele se apresentava como DoutorZilá Camboim, às vezes engenheiro, outrasmilitar, sempre elegantemente trajado, muitoeducado e solícito. Na verdade, tinha apenaso primário, era casado (mas vivia separado daesposa) e era velho conhecido da Polícia, queo chamava de Doutor Macarrão. Passou quase20 anos ludibriando mulheres para lhes roubardinheiro e jóias. Vivia disso. Este era o seu ofício.

No papel o Dr. Macarra não era alguémde quem se pudesse ter raiva ou quererprender. Era um pobre coitado já tãocastigado pela vida que para os leitores (ou“vedores”, como dizia Carlos Estevão), sórestava rir da sua desgraça e das tentativasde se passar por um homem de respeito.

A revista com seu nome durou apenasnove edições, de abril a dezembro de 1962,mas ele só aparece na capa da primeira.Além das histórias do personagem-título, hátambém as Novas Aventuras de SharleckHalmes (apresentadas por Sir CharlesStevens), além de séries e charges com ostemas de costume. Tudo roteirizado,

de nossa fraqueza. Na nobre intenção deremediar os erros. Entretanto, sua percep-ção aguçada lhe mostra a desesperança destedesígnio, dada a debilidade de nossa espé-cie, cujo orgulho, mesclado de vaidade, im-pede aceitar qualquer orientação.” Sínteseperfeita do humor de Carlos Estevão.

Tudo parecia ir bem até que, em 1968,Estevão tem um coma diabético. Os anosde abuso de álcool e displicência com asaúde começaram a apresentar a conta. Apartir daí, não beberia mais, mas continu-ava sendo compulsivo. Deixou o álcool,mas não os doces, que adorava. O estra-go já estava feito. Os anos seguintes seri-am de idas e vindas a hospitais, sem quejamais deixasse de trabalhar. Era outracompulsão. Em fevereiro de 1970, Fer-nando Richard faz um perfil do desenhis-ta na seção Quem é Você em O Cruzeiro:“Carlos Estevão é um sujeito extrema-mente bom. Boa praça. Amigo. Humano.Querido por todos. Poderia ser reporta-gem de muitas páginas. Mas, mesmo as-sim, não se conseguiria dizer nada dele.”

Carlos Estevão faleceu na noite de 14 dejulho de 1972, aos 50 anos. Todos os jornaisde Minas deram a notícia em primeira pá-gina. No dia seguinte, o Jornal Nacional in-formou ao resto do País: “Hoje, o Brasilacordou mais triste.” Tudo o que foi escri-to no calor do momento demonstravaimensa admiração e profunda tristeza.

Mais de 60 anos depois de ter começa-do a fazer humor, a obra de Carlos Estevãose mostra atual e, em uma época em quefazer graça é sinônimo de ser grosseiro,finalmente percebemos sua sensibilidade.Estevão não era agressivo em suas críticas.Ele apenas mostrava o que estava vendo.Expunha o ridículo do ser humano e a fal-

ta de esperança em sua melhora.Hoje, sabemos que ele esta-

va com a razão. Nem é pre-ciso sair às ruas para veros tipos grotescos queele desenhava. Basta li-

gar a tv ou conectar-se àinternet. O mundo de Car-

los Estevão é o nosso mundo.

O verdadeiro Dr. Macarra

desenhado e finalizado por Estevão.Dr. Macarra foi um herói da Força

Expedicionária Brasileira, esteve em Cuba e naselva africana, foi astro do cinema, membro daAcademia Brasileira de Letras, artista demúltiplos talentos, um grande político ecirculou por Paris. Tudo em sua imaginação enas histórias que contava para alguma figurafeminina. A realidade, sempre mostrada noquadro seguinte, era bem diferente.

Era um personagem mais humano e muitomais rico que o Amigo da Onça. E talvez estetenha sido também o causador de sua morteprecoce. Você não conhece um Dr. Macarra?Você não já deu uma de Dr. Macarra? Abraagora o Twitter ou o Facebook e veja quantagente inteligente, bem-sucedida, rica,freqüentadora das melhores festas, amigas decelebridades, que tem tudo que o dinheiropode comprar e que viaja pelo mundo todo.Você acredita mesmo que todas as pessoasque conhece vivem do jeito que demonstram?Você pode até conhecer um ou dois amigosda onça, mas Dr. Macarra, garanto, vocêconhece um monte.

MEMÓRIA CARLOS ESTEVÃO - 90 ANOS

SharleckHalmes correpara resolver

mais um casomisterioso.

33Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Excertos de sua última entrevista,concedida a Procópio e Geraldo Maga-lhães, originalmente publicada no Diá-rio da Tarde, jornal mineiro, em 4 demarço de 1972, apenas quatro mesesantes de sua morte.

“PROCURO FAZER UM HUMOR RISÍVEL.Isto é importante para mim: que o hu-mor seja risível. Não tenho pretensõesintelectuais e não quero ser um BernardShaw brasileiro.”

“NUNCA FREQÜENTEI NENHUMA PA-NELINHA. Mas tive que enfrentar a famo-sa luta pela vida. Veja um exemplo: sevocê vai fazer uma caçada, mata umapaca, arrasta e corta, cozinha e come apaca, isto lhe dá um prazer imenso. Ago-ra, se você vai a um concurso de caça, paraver quem consegue matar a paca maior,mesmo que seja a sua vencedora, não háprazer nenhum nisto, ou, se há, já estácontaminado. Já houve competição, pres-são de grupo, obrigação.”

“EU RARAMENTE SAIO DE CASA. Comonão gosto de Flávio Cavalcânti e essas coi-sas, deixo a família vendo a televisão lá em-baixo e me refugio neste cantinho. Aqui,faço de tudo. Conserto ferro elétrico, in-vento acendedores, gravo imitações, ouçomúsica clássica e tango. Aqui eu conquis-to um pouco daquela liberdade de fazer oque quero sem sofrer restrições.”

“NÃO CONSIGO SER AGRESSIVO POR-QUE OLHO MUITO O LADO HUMANO DASCOISAS E DAS PESSOAS. Não faço críticadirecional. Posso criticar uma situaçãogeral, sem especificar, sem citar nomes.Olha, eu quero atualmente um pouco desossego, uma certa marginalização. As-sistir de camarote os atletas se digladian-do, correndo para ver quem vence na vida.Por exemplo: não gosto do tipo de humordo Pasquim. O pessoal é excelente, conhe-

Enfim, o Amigo da Onça havia mata-do mais um. E, novamente, de forma trá-gica. A edição de 2 de agosto de 1972 deO Cruzeiro, duas semanas após a morte deEstevão, perguntava a vários desenhistase ao público se o personagem deveria con-tinuar existindo. Alvarus, Ziraldo, Zélio,Otelo, Nelson Coletti, Appe, Hilde, Da-niel Azulay, Miguel Paiva, Lan e JuarezMachado opinaram e desenharam ver-sões do Amigo da Onça.

Os irmãos Zélio e Ziraldo concorda-ram com a morte do Onça para que elenão matasse mais alguém. “(...) já quan-do Péricles morreu, achava que com eledevia ter ido o Amigo. Já que não foi,acho de bom alvitre que não se perca aoportunidade. Afinal, o Amigo da Onçaestá provando que o é, pois já enterroudois e duvido que exista alguém maisque se candidate”, disse Zélio.“Quando Péricles morreu, oAmigo da Onça deveria termorrido com ele”, re-forçou Ziraldo. “Car-los Estevão, eu melembro, só aceitou fa-zer o Amigo da Onçamuito tempo depois,mas, na realidade, ele– o personagem – jáestava morto. Se oAmigo da Onça so-breviver ao Estevãonas páginas de O Cru-zeiro, cometerá, maisuma vez, a sua malda-de terrível.”

Hilde, Juarez Ma-chado, Daniel Azu-lay e Nelson Coletti,em seus comentários,enalteceram o traba-lho de Carlos Estevão

O Amigo da Onça deve continuar?

ço quase todos, são meus amigos. Mas elesfazem um humor muito agressivo, ci-tam nomes, etc. Sei lá, todo mundo é hu-mano e tem suas falhas...”

“ACABO DE COMEMORAR MEU CIN-QÜENTENÁRIO. Nessa altura, realizandoum balanço de tudo o que fiz e o que sou,tenho a sensação de que, apesar da fama,apesar de ser um nome nacional, não erabem isso o que queria. Desejava não terme envolvido, não ter participado destacompetição pela vida, dessa escravidãodeterminada por obrigações e impostos.Procuro uma vida livre, desvinculada decompromissos. As coisas simples, atual-mente, são as que me atraem.”

“O IDEAL DA VIDA É FAZER O QUE AGENTE GOSTA. (...) Já perceberam que ascrianças e os animais são felizes? E porquê? Por causa do imediatismo de suasvidas, da inconseqüência. Eles não pen-sam no futuro, não planejam, vivem odia de hoje e são felizes. Sei lá... eu que-ria ser criança...”

junto ao personagem. “(...) depois queCarlos Estevão substituiu Péricles, A.O.ganhou em qualidade, pois Estevão eramelhor artista que Péricles. Agora, coma morte de Estevão, não julgo que o per-sonagem deva ser perpetuado”, disseHilde, que ilustrou sua opinião comuma mão cadavérica saindo do túmu-lo do Amigo da Onça e o pedido: “Pa-rem com isso!”.

Juarez Machado disse que “CarlosEstevão se apoderou dele de uma for-ma mais dentro do próprio papel doAmigo da Onça. O personagem pas-sou a ser mais dele que do próprio Pé-ricles. (...) O Carlos Estevão o pôsnuma ambientação certa que um ou-tro talvez não fizesse e se fizesse ofaria mal.” Juarez também foi contra

a continuação do persona-gem. Daniel Azulay fez

elogios à obra e aotalento de Carlospara depois dizerque era a favor dacontinuação do

Amigo da Onça:“O povo precisa dele

para se ver no espelho.”Nelson Coletti refor-çou o que muitos pen-sam a respeito do dese-nhista ter dado maisqualidade ao persona-gem: “Carlos Estevãodeu ao tipo mais força eum desenho mais mo-derno, caracterizando-o com o humor carioca,e conseguiu manter otipo sempre na onda.”O personagem conti-nuou, mas não mante-ve a mesma força.

Carlos, por Estevão

Carlos Estevão dá os últimos retoques numa caricatura da cantora Maysa, em 1955.

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Carlos Estevão foi um incansável criador deséries de humor para a revista O Cruzeiro. Asséries Ser Mulher... e O Casamento Antes eDepois eram um reflexo da vida pessoal doartista. Típico macho nordestino da época,jovem e mulherengo, vivia o conflito de estarcasado (e, àquela altura, com três filhos:Carlinhos, Jader e Dóris) e querer aproveitara vida boa que o sucesso profissional e agrande exposição proporcionavam. Vejaalgumas de suas criações:

SER MULHER...Apresentava uma situação em que a figurafeminina demonstrava vaidade ou algumtipo de afetação para, em seguida, mostrarque a mulher deveria ser submissa aohomem e sempre fazer suas vontades, pormais absurdas que fossem (como,literalmente, pentear macacos ou catarminhocas no asfalto).

AS DUAS FACES DO HOMEMMostrava as bravatas e a coragema respeito de uma situaçãohipotética para, no quadroseguinte, mostrar a covardia oufalta de caráter do personagemquando a situação se tornava real.

HERÓIS DA NOITETinha a mesma lógica, masapresentava no primeiroquadrinho o pensamento decididode um homem sobre determinadoassunto; no segundo, botava issoabaixo numa situação durante odia. O momento de revolta,coragem ou consciência sóacontecia quando ele estava nacama, sem possibilidade de sercolocado à prova.

NÃO DIGA ISSO!Mostrava, geralmente, uma mãe orgulhosade alguma característica apresentada pelofilho e a sugestão para que ela nãodissesse isso, pois a realidade poderia serbem diferente.

AS APARÊNCIAS ENGANAMTalvez seja a mais marcante e original desuas séries. No primeiro quadro, vêem-seapenas sombras e contornos acompanhadosde um texto que sugere uma situação deextremo perigo. No quadro seguinte, a cenase revela e mostra um momento prosaico,desprovido de qualquer risco ou dramaticidade.

PERGUNTAS INOCENTESCharge em quadro único (ao lado), ondeum personagem faz uma perguntatotalmente dispensável já que a própriasituação a responde (um ladrão debaixoda cama de um casal, a mulher perguntaao marido visivelmente apavorado “Estácom medo?”).

O criador de séries

O CASAMENTO ANTES E DEPOISEra uma série de dípticos que mostrava ocomportamento (geralmente o do homem)durante o namoro e, em situação parecida,depois de casado. Antes, o homem faz umsabiá se calar para que o pobre pássaronão atrapalhe o canto de sua amada;depois, ele cala a boca da esposa paraouvir “uma vaquinha mugindo”.

PALAVRAS QUE CONSOLAMTambém em quadro único (como a chargede baixo), mostra aquela típica situação emque alguém solta uma frase para desculparo indesculpável ou para se mostraragradecido por uma circunstânciadesagradável e da qual ele não tem comosair (diante do amigo com o rosto todoarrebentado, o outro diz: “É, pelo menos ociúme é uma prova de amor!”)

MEMÓRIA CARLOS ESTEVÃO - 90 ANOS

35Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

UM LEGADO PARA A POSTERIDADENa década de 1980, a Editora Record lançou duascoletâneas de Estevão. Dr. Macarra - Um Playboy na FEBe outras histórias (1981) e Ser Mulher (1986) foram ostítulos. O mercado editorial ainda não apostava no humorpara além das revistas. As coletâneas serviram mais comoum mimo para colecionadores e desenhistas da geraçãopós-Pasquim, que tentavam descobrir um novo humorque se encaixasse naquele momento de transição daditadura militar para a democracia.Em outubro de 2003, o humor de Carlos Estevão chegouà Internet pelo site em homenagem à revista O Cruzeirono portal Memória Viva (memoriaviva.com.br/ocruzeiro).Quatro anos depois, ganhou site próprio (memoriaviva.com.br/carlosestevao). Neste ano, Estevão foi um doshomenageados pelo Troféu HQMix e aparece nos cardsespeciais lançados na cerimônia de premiação, queaconteceu em 16 de setembro, dia em que ele estariacompletando 90 anos. Para 2012, ano que marca os 40anos de sua morte, estão sendo preparados olançamento de sua biografia e uma exposição.

Que me desculpem os artistas de tele-visão por usar seu clichê preferido aofalar do processo de pesquisa para a bio-grafia de Carlos Estevão, mas “este traba-lho foi um presente para mim”.

A história teve início em 2006. Eu esta-va em Campinas (SP), na casa de João An-tônio Buhrer, sebista, colecionador de pe-riódicos e enciclopédia viva dos quadrinhosnacionais. Durante uma conversa, ele meperguntou: “Por que você não escreve abiografia do Appe?” Ótima idéia! Char-gista político de O Cruzeiro, Appe andavasumido há décadas. De volta a Brasília,onde morava à época, comecei a procurá-lo. Meus contatos não sabiam dizer ondeele estava. Acionei Ziraldo, Antônio Ac-cioly (filho de Accioly Netto), colegas doJornal do Brasil, da Folha de S.Paulo, Jal(cartunista e senhor de todos os contatosdos artistas gráficos do País), WanderleyPeres (editor d’O Diário de Teresópolis, cida-de onde Appe havia ido morar) e, em umato de desespero, liguei para todas as pes-soas de sobrenome Pedrosa que moravamem Teresópolis. Nada.

Qualquer notícia seria bem-vinda. Me-nos a que Jal me deu numa noite de segun-da-feira. Amilde Pedrosa, o Appe, haviamorrido na sexta anterior, 4 de agosto, aos86 anos. Estava morando em São Pedro daAldeia, no Estado do Rio de Janeiro.

Arrasado por não tê-lo encontrado atempo, escrevi a respeito disso em meublog. Quatro meses depois, achei estranhoquando apareceu um comentário naqueletexto. A pessoa se apresentava como ente-ada de Appe e dizia que se eu ainda quisesseescrever a biografia sua mãe estava colo-cando seu acervo à minha disposição. Aofinal da mensagem, ela assinou: “Dóris.Ah! E eu sou filha do Carlos Estevão.” Neu-sa, a primeira esposa de Carlos Estevão,havia casado com Appe.

Em abril de 2007, comecei a pesquisar,ao mesmo tempo, a vida de Appe e deCarlos Estevão. Lá se vão quatro anos deidas a São Pedro, Rio, Brasília e Recife. Abiografia de Appe está quase finalizada. Ade Carlos Estevão, desde o início, eu sabiaque seria mais trabalhosa. Appe viveu 86anos, mas teve uma vida tranquila. CarlosEstevão viveu apenas 50 anos, mas fez issocomo um vulcão em eterna erupção.

Contemporâneos e tendo trabalhadona mesma empresa por mais de duas déca-das, é claro que tinham muitos conhecidosem comum. Nas entrevistas, falávamossempre de um e de outro. Durante esseprocesso, conheci pessoas maravilhosas.Sem qualquer desmerecimento para qual-quer outra, duas delas foram muito espe-ciais e de extrema importância para a pes-quisa: Antônio Estevão, irmão, e HelenaCouto, segunda esposa de Carlos.

Antônio foi a principal fonte sobre ainfância de Carlos Estevão. Helena jogou

luz sobre os últimos doze anos, períodoem que ele esteve mais reservado, mo-rando em Belo Horizonte. Antônio eHelena são especiais não apenas por te-rem convivido intimamente com Carlose confiado em mim ao falar sobre suasvidas, mas também porque parecem teresperado pacientemente que eu chegasseaté eles para fazer isso. Pouco tempo de-pois de nossos encontros, eles tambémescreveram os pontos finais de suas his-tórias. Antônio nos deixou no final de2008; Helena, em julho de 2009.

Durante esse tempo, Carlos Estevão foise transformando em Carlão, como pas-sei a chamá-lo. Comecei a perceber que oendeusamento que fazem em torno deseu nome, longe de ser um elogio, é umaverdadeira ofensa. Endeusá-lo é tirar oque tinha de melhor e mais rico nele: suaalma humana, cheia de contradições, sen-sibilidade, qualidades e defeitos.

O homem que inventava aparelhos parafacilitar a vida doméstica e ouvia músicaclássica ou Caymmi enquanto desenhavanunca posou de santo ou fez o tipo inte-lectual, moralista, que quisesse criticargratuitamente as pessoas e os costumescomo se ele fosse superior. Era machista,mulherengo, beberrão, de maus modos,mas também capaz de demonstrar, comopoucos, amor e carinho aos filhos e amigos.

Uma merecida e justa biografia de Car-los Estevão não pode fazer dele um Dr.Macarra. Deve pôr abaixo qualquer miti-ficação e mostrar sua história de formarealista, desde a infância livre em Recifeaos últimos traços em Belo Horizonte,onde morreu vitimado por seus excessose total falta de preocupação com a saúde.Devem ser mostrados defeitos e virtudesque fizeram dele o mais humano dos char-gistas brasileiros. Bem contada, sua históriamostrará que às vezes ele parecia ser umacoisa, mas era outra. Do jeito que ele faziacom seus personagens.

A vida e a obra deSir Charles Stevens,

por Sandro Fortunato

Era nesse ambiente caótico, o estúdio em Minas Gerais, que Estevão produzia seus desenhos.

SANDRO FORTUNATO é editor do site memoriaviva.com.br

DEPOIMENTO

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36 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

No mesmo dia em que se comemora-va a Independência do Brasil, foram ce-lebrados os 75 anos das duas mais antigasemissoras de rádio do País. A Rádio Mecfoi a primeira delas, mas a Rádio Nacio-nal, que também integra a Empresa Bra-sil de Comunicação-EBC, foi a pioneirano alcance verdadeiramente naci-onal. Ela foi inaugurada cinco diasdepois da Rádio Mec, também em1936. Por isso, no mesmo dia 12 desetembro, houve um evento na Pra-ça da República, no Centro do Riode Janeiro, com a programação dasrádios ao vivo junto ao público e osartistas considerados prata da casa,segundo os organizadores.

O Gerente Regional da Superin-tendência de Rádio da EBC no Riode Janeiro, Cristiano Menezes, afir-ma que a História da Rádio Nacio-nal é de glórias e traumas. Segundoele, é preciso reconhecer que a emis-sora sempre buscou uma programa-ção eclética, criou uma linguagemradiofônica e definiu o ritmo dorádio no País.

“O evento comemorativo resta-belece essa tradição de espaço decriação, e sua diversidade: música clássica,mpb, funk, instrumental, etc. Cada umatem o seu dna. A Rádio Nacional tem umacaracterística mais popular e a Rádio Mectem um viés para a música clássica”, afirmaMenezes.

A Rádio Nacional (1130 AM) foi cri-ada cinco dias depois de Edgar Roquette-Pinto ter doado a Rádio Mec (94 FM) aoGoverno Federal. Ela fica na Praça Mauá,no histórico Edifício A Noite, empresajornalística que se endividou e teve defazer hipotecas até que Percival Farquhar,empreendedor norte-americano ousado,comprou o espaço e implantou o projetoda Rádio Nacional, que já existia no pa-pel. Foi em 1940 que o então PresidenteGetúlio Vargas, atento à conjuntura in-ternacional e à importância dos meios decomunicação, comprou uma série de em-presas que estavam inadimplentes com aUnião e designou Gilberto de Andrade,homem de sua confiança e comunicador,para tocar o projeto. Com recursos dispo-níveis e uma equipe de qualidade, a Rádiocresceu e chegou a contar com 700 funcio-nários, maestros, orquestras, cantores e

ANIVERSÁRIO

A Rádio Nacionalcelebra seus 75 anos,após muitos dramas

Criada em 1936, a emissora definiu um padrãopara o rádio brasileiro no campo da música

popular, no radioteatro e no jornalismo.

POR EDUARDO SÁ

atores e criou o hábito das radionovelas,já que ainda não existia a televisão noBrasil. A Rádio lançou artistas como LuizGonzaga na música popular brasileira, oprograma Repórter Esso no jornalismo e oBalança Mas Não Cai no humor.

Seu primeiro trauma foi o baque gera-do pela morte de Vargas em 1954: quandoela ia se transformar em televisão, seria aprimeira tv pública do País, os equipamen-tos já estavam comprados, havia euforianos estúdios, realizavam-se testes, o entãoPresidente Juscelino Kubitschek foi inti-midado por Assis Chateaubriand, barãodas comunicações na época, sob a ameaçade que se ele desse a concessão à Rádio Na-cional sua cadeia midiática iria bater noGoverno até o último dia. JK abortou a cri-ação da TV Nacional, que teria seguido oprocesso de desenvolvimento dos meiosde comunicação através do Poder Público,como ocorreu com a BBC na Inglaterra.

Elementos subversivosOutro impacto negativo para a Rádio

foi quando adveio o golpe militar de 1964,e um grande comunicador e personagem

da História da Rádio Nacional, César deAlencar, denunciou vários de seus colegasaos militares, apontando-os como “ele-mentos subversivos”, jargão da época.Muitos foram cassados ou demitidos,como Mário Lago, João Saldanha, Oduval-do Viana, Paulo Gracindo, Gerdal dos San-tos, etc, gerando instabilidade na emisso-ra. Depois, em 1972, com a criação da Ra-diobrás, transferiu-se o centro de decisõesda regional para Brasília. Em 1990 foiextinta a Empresa Brasileira de Notícias-EBN, agência de notícias do Governo. Seusfuncionários foram transferidos para aRadiobrás, que teve diversas das suas emis-soras vendidas nesse mesmo período.

“O núcleo radiofônico da empresa sediluiu e se enfraqueceu. Toda essa históriacomo espaço de criação e programaçãoplural foi-se deteriorando, inclusive fisi-camente. No Governo FHC ela quase aca-bou, quase foi municipalizada. Até que noGoverno Lula reinicia-se um processo derevitalização no Rio”, afirma Menezes.

Em 2003 a Rádio Nacional firma umconvênio com a Petrobras, o que permitiua reconstrução do seu auditório, com 150

lugares (o auditório original chegou a terquase 500), a compra de novo transmissore a reforma de alguns estúdios. Lula, primei-ro Presidente a visitar a sede da Rádio Na-cional, inaugurou o espaço em ato com a pre-sença de ministros, da então GovernadoraBenedita da Silva e diversos artistas.

“A emissora retomou seus programas deauditório e o público recuperou o hábitode freqüentá-lo. A Rádio Nacional voltoua ter vida. Até que surpreendentemente amesma gestão da Radiobrás promoveu umacentralização em Brasília. A Rádio perdeusua identidade e a tão propalada revitaliza-ção que merecera a vinda do Presidente foiabandonada. As coisas começaram a sedeteriorar novamente porque não era fei-ta manutenção, até que foi criada a EBC.São oito emissoras, e com a superintendên-cia, novo orçamento, nova estrutura. AsRádios ganharam força nesse contexto”,diz Cristiano Menezes.

Foram criados três núcleos para esseprojeto de revitalização: um de esporte,um de radiodramaturgia e outro de progra-mas infanto-juvenis. A idéia dos diretoresé devolver às emissoras a condição de es-paço de criação, pois elas devem ser coeren-tes com as suas histórias, mas inserindoelementos da contemporaneidade. A atualprogramação contempla programas musi-cais que incluem desde o funk à músicanordestina, passando pelo samba.

Na capa da Revista da Rádio Nacional as duasgrandes estrelas: Marlene e Emilinha Borba.

Mário Lago foi um dos denunciados por Césarde Alencar como “elemento subversivo”.

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Astros da música, o Trio Melodia eracomposto por Paulo Tapajós, Nuno

Roland e Albertinho Fortuna. Abaixo,o galã Álvaro Aguiar se notabilizou

vivendo o herói do seriado AsAventuras do Anjo no radioteatro da

Nacional. Ao lado, o locutor HeronDomingues que, a partir de 1944,

passou a deixar o Brasil beminformado: “Aqui fala o Repórter

Esso, testemunha ocular da História”.

37Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Com a revitalização da Nacional foicriado um Núcleo de Esporte, coordenadono Rio pelo jornalista Márcio Gomes eque visa a regularizar as transmissões dosjogos de futebol, em que a Rádio Nacionalfoi pioneira desde a inauguração do Mara-canã, em 1950, e a cobertura de diversasmodalidades esportivas. É ela a única rádiopública esportiva no cenário nacional.

Na visão de Cristiano Menezes, amissão da emissora pública é também co-brir esportes que estão fora da mídia co-mercial, pelo sentido social que a práticaesportiva tem como ferramenta de soci-abilidade, inclusão social e formação pro-fissional. Ele informa que a Rádio aindanão tem condições, mas pretende incluiros esportes indígenas na programação.

“A cobertura das competições parao-límpicas, estudantis, universitárias, co-munitárias, faz um diferencial muitoimportante com relação às emissoras co-merciais. Temos uma amplitude bem in-

A informação pública, na visão dosdiretores do Rio, tem um importantepapel de prestar um serviçoalternativo à mídia comercial, queapresenta sempre um mesmo olharsobre determinados temas por meio deum formato padronizado. O dilema,no entanto, é superar o alinhamentoao Estado, a informação chapa branca,que ainda existe no Brasil.

No caso da Rádio Nacional, existeo problema da centralização dasinformações em Brasília,dificultando a própria pauta daprodução jornalística local.Cristiano Menezes afirma que issotem melhorado, mas durante oprocesso de revitalização a gestão derepente tentou fazer uma rádioeminentemente jornalística.

“Recuaram um pouco porquerepercutiu mal, mas o fato é quedesmobilizou bastante e o jornalismopassou a ser ligado diretamente aBrasília. A pauta não era feita aqui, aRádio ficou desconectada da pulsaçãocotidiana do Rio. Isso é uma coisainadmissível”, criticou.

Orlando Guilhon não condena arádio comercial, até porque ela estáprevista na complementaridade entreos sistemas público, estatal e comercialna Constituição, mas destaca quegeralmente ela não cumpre ospreceitos da sua concessão pública.

“Faz parte da consolidação de umanação democrática. Essas empresasesquecem que são privadas mas aconcessão é pública, como ostransportes, por exemplo. Então

Quando se fala em comunicação públi-ca logo surgem duas indagações: o veículoé chapa branca, com informações que enal-tecem o Governo? Seus projetos têm con-tinuidade, ou se mudar a gestão muda tudo?O Superintendente de Rádio da EBC, Or-lando Guilhon, que também preside háalguns anos a Associação das Rádios Públi-cas do Brasil-Arpub, diz que o conceito decomunicação pública no Brasil sempre es-teve muito associado ao de estatal no ima-ginário da população. Para ele, do segundomandato do Governo Lula para cá melho-rou um pouco, mas esse é um processo difícilde ser alterado e requer tempo.

“Os governantes precisam mudar a suamaneira de pensar, no sentido de entenderque aqueles meios de comunicação que sedizem públicos não pertencem a este ouàquele Governo. É uma mudança de cul-tura que depende de um tripé: mudança depensar dos governantes, da maneira depensar dos gestores e da população. É umamão dupla: se a população não se apropriardesse conceito, como está começando, nãoadianta, a democracia será sempre uma ruade mão única para quem está no controleda gestão”, defende Guilhon.

Desde que a EBC foi criada, três audiên-cias públicas foram realizadas e a quartaserá agora em outubro, com a participaçãode cidadãos e entidades civis com propos-tas e críticas. O Conselho Curador da EBCtem cobrado das Diretorias um conteúdoque se aproxime mais do público, e não doGoverno. Vários programas, segundo a Di-reção, têm surgido por meio de colóquioscom parceiros e a Ouvidoria.

Guilhon considera naturais as mudan-ças de gestão como conseqüência de elei-ções e diz que não se pode esquecer que o

Os equívocosdo comando,em Brasília

existe ali uma tarefa pública nacomunicação que dificilmente a áreaprivada e comercial conseguecumprir, porque ela coloca o lucro nafrente de qualquer interesse coletivo.E aí eu acho que a mídia pública, equanto mais pública e menos estatal,é fundamental”, observa Guilhon.

Nesse aspecto, a chamadainformação chapa branca ainda évista como uma coisa a ser superada,pois, segundo ele, existe por partedos Governos estadual e municipalmuita intervenção. No entanto, comas iniciativas da sociedade civil, comfóruns e conferências, sinalizandocaminhos para os governantesconstruírem o sistema público decomunicação, avanços estãoocorrendo.

“Na área de informação o nossocontraponto é dar garantia dequalidade. Às vezes, muitainformação é igual a nenhuma,então a qualidade é que diferencia:apurar e construir melhor essanotícia, ver os vários lados daquestão, não dar só uma versão,conseguir promover o debatepúblico sobre cada tema querealmente interessa à sociedade. Agrande mídia acaba sendocontagiada pela grande indústriacultural. Aí, às vezes, você tem umbaita talento na periferia que nãotem espaço”, defende Guilhon.

A rádio comunitária não estáexcluída desse debate, pois, ainda deacordo com o Superintendente, elatalvez seja a mais pública entre asrádios, quando não é dominada porgrupos políticos ou religiosos. Porisso a EBC tem projetos de parceriacom esse setor e aguarda asdefinições do marco regulatório,pois acredita que elas devem serreconhecidas como um atorfundamental no campo público.

O esporte reencontra seu lugarteressante nesse sentido. E vamos à Copado Mundo, contratamos uma equipe re-cém-saída das universidades que está cadavez mais amadurecendo. Eles cobriram osJogos Mundiais Militares e vão tambémpara as Olimpíadas”, destaca.

As transmissões de futebol foram rei-niciadas em 2009 e hoje a equipe é forma-da por quatro repórteres, um produtor,três narradores e comentaristas. MárcioGomes explica que, além da transmissãoao vivo de jogos de futebol, vôlei e outrosesportes, a programação conta com am-pla cobertura jornalística.

“Para você ter um exemplo, nós saímosda cobertura bem intensa que fizemos nasúltimas 44 horas de programação duranteos Jogos Militares. Agora estamos indopara São Paulo para cobrir o Comitê Para-olímpico brasileiro, que é a terceira olim-píada paraescolar que se realiza no Brasil.A EBC, através das suas emissoras, não sepresta só a cobrir o top”, diz.

O que é público é de todos,e não do Governo

A visão de Orlando Guilhon, um dos diretores da Nacional.....

modelo da EBC é estatal; quanto mais con-solidado estiver um projeto político, maisdifícil será um governo mudá-lo. Ele exem-plificou seu raciocínio com a gestão da BBC,na Inglaterra, que já bateu de frente com oGoverno britânico diversas vezes.

“Ali há um sentimento cultural difundi-do na população britânica de que o Governonão pode fazer esse tipo de intervençãobranca nas mídias públicas. Eu acredito queisso ainda não existe no Brasil. O projeto daEBC ainda é muito recente e não está total-mente consolidado. O nosso desafio é con-solidar mais esse projeto, de modo que nãofique à mercê das mudanças políticas. E osmarcos regulatórios também são importan-tes. O marco da EBC talvez tenha sido omais avançado na área de comunicação pú-blica. Ainda tem deficiências, pode sermelhorado”, diz Guilhon.

Guilhon: O Governo não pode fazerintervenção branca nas mídias públicas.

Um dos quadros de humor de maior sucesso da rádio: Paulo Gracindo e Brandão Filho faziamo Primo Rico, Primo Pobre no programa Balança, Mas Não Cai, criação de Max Nunes.

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38 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Trazendo uma seleção feita a partir doacervo da Maison Européene de La Photo-graphie-MEP, que possui mais de 25 mil fo-tografias originais, Extremos é uma versãoreduzida da mostra acontecida em novem-bro de 2010 no Mois de La Photo (Mês daFoto), em Paris. Eram mais de 200 fotogra-fias. Agora são cerca de 100. A exposição,que já passou pelo Rio de Janeiro entrejunho e agosto deste ano, no momento estáem São Paulo, no Instituto Moreira Sales-IMS. Na curadoria estão o francês Jean-LucMonterosso, diretor da MEP e criador em1980 do Mois de La Photo, o brasileiro Mil-ton Guran, coordenador do movimentoFotoRio, mais a colaboração de Sergio Bur-gi, Coordenador de Fotografia do IMS.

O evento se propõe a oferecer situaçõesextremas da História, das sociedades e dosindivíduos ao longo dos últimos 65 anos,através de expressivos e, às vezes, incômo-dos registros feitos por renomados fotógra-fos do planeta. Os curadores lembram queno período delimitado pelos trabalhos reu-nidos na mostra ocorreram mudanças ra-dicais no âmbito da cultura e da comuni-cação, alterando a percepção que existehoje do mundo e da fotografia.

“É nesse contexto de permanente trans-formação da fotografia que a exposiçãodeve ser apreciada tanto por aquilo quetraz de icônico e emblemático, quanto, poroutro lado, pelo que eventualmente revela

“O meu trabalho é propor idéias que setransformam em conceitos que, por suavez, se transformam em exposições. Porexemplo: em outra ocasião, aconteceu aexposição Felicidade. Foi só com instan-tâneos. Porque ninguém é feliz a vida in-teira, e daí a idéia de um momento, uminstantâneo.”

Tanto o curador brasileiro como o fran-cês levam em conta a popularização da arte:

“O que nos move é apresentar ao gran-de público a cultura fotográfica erudita. Écomo tocar Vila Lobos no Parque Ibirapu-era, em São Paulo. É tornar essa arte atra-ente para uma massa maior de público. Ecomo é que fazemos isso? Embalando essacultura erudita em uma roupagem maispalatável para o grande público. Foi assimem Felicidade, que não foi apresentada emSão Paulo. No Rio de Janeiro, em quaren-ta e cinco dias, recebeu 145 mil visitantes”.

Depois dessa mostra, a dupla franco-brasileira passou a tratar de Extremos. Noinício, trabalharam o conceito. “Acho que,na nossa cooperação, colabora muito ofato de Jean-Luc ter uma formação emfilosofia, além da fotografia, naturalmen-te, e o fato da minha formação em antro-pologia, além da fotografia”, contou Gu-ran. “Isso nos permite transitar com con-forto por um campo muito mais amplo doque, especificamente, o da fotografia. En-tão, nós partimos do pressuposto de que osextremos são, na verdade, abrangidos porum tempo que vai da extrema beleza do

sublime ao extremo horror, sabendo que obem é sinistro, mas o mal não é, o mal é omal em si mesmo. Por exemplo: quandovocê está feliz, não pode estar mais feliz.Quando você está explodindo de felicida-de, está explodindo de felicidade. Já a des-graça pode ser bem pior, sempre vai alémda imaginação. Com a felicidade, não. Nor-malmente, quando você pensa na felicida-de, consegue imaginá-la. É algo mais palpá-vel. Então, nós construímos nosso concei-to de nossa maneira e daí, fomos à coleçãoda MEP.”

Percebendo lacunasDeu-se início então à meticulosa busca

de imagens adequadas para dialogar como conceito estabelecido por Jean-Luc e Gu-ran. Este lembra que, com Extremos, existiumais tempo para trabalhar na exposição.

“Assim, nós percebemos muitas lacunas.É claro que nenhuma coleção pode se pro-por a ter tudo. Mas havia alguns aspectosque podiam ser contemplados. Vou dar doisexemplos. Um, não tinha a bomba em Hi-roshima. Por quê? Porque a MEP não se pro-põe a colecionar documentos fotográficos.Ela se empenha em ter expressão fotográ-fica. Só que, em determinado momento,imagens que são verdadeiramente docu-mentais se transformam em ícones incor-porados indelevelmente à consciência crí-tica e à cultura visual da humanidade. É ocaso da bomba de Hiroshima e também dohomem na Lua.”

POR ALFREDO STERNHEIM

FOTOGRAFIA

Mostra traz a estética do limiteCom imagens assinadas por consagrados fotógrafos brasileiros e estrangeiros, a exposição Extremos vai do sublime ao horror.

como fugaz e transitório, em função daprópria dinâmica da vida, dos costumes eda cultura”, afirma Sergio Burgi, do IMS.

Extremos é mais uma consequência daparceria que existe entre o FotoRio e a Mai-son Européene de La Photographie. “Nóstemos uma cooperação que, em dez anos,já possibilitou umas cinco mostras”, ex-plicou Milton Guran. Sócio da ABI, ex-repórter fotográfico que abordou ques-tões indígenas e antropólogo com mestra-do que se orgulha de ser, nessa área,o pri-meiro brasileiro a fazer pesquisa de cam-po na África, Guran atua como pesquisa-dor associado do Laboratório de HistóriaOral e Imagem da Universidade FederalFluminense, além de coordenar o FotoRio.

“Existe um sistema de trabalho com oJean-Luc Monterosso que se mostrou mui-to eficiente. Ele criou a maior coleção defotografias da Terra, com imagens funda-mentais da metade do século XX para cá.E a instituição francesa tem uma comissãode compras que inclui o brasileiro Gilber-to Chateaubriand.”

Filho do magnata da imprensa AssisChateaubriand, o diplomata e empresárioGilberto, atualmente com 86 anos, costu-ma ser apontado como o maior coleciona-dor de arte no Brasil; seu acervo, com maisde sete mil obras, desde 1993 foi cedido emcomodato ao Museu de Arte Moderna doRio de Janeiro.

Guran explica a sua maneira de agir jun-to de Jean-Luc Monterosso:

ROGÉRIO REIS, DA SÉRIE SURFISTAS DE TREM. RIO DE JANEIRO, 1980.

39Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Quanto a essa conquista espacial, a mos-tra incluiu uma fotografia do astronautaNeil Armostrong, em que ele aparece refle-tido no capacete do colega Edwin “Buzz”Aldwin na histórica viagem do Apolo 11,em julho de 1969.

Durante a concepção e execução de Ex-tremos, os curadores se deram conta da ne-cessidade de incluir brasileiros. “Era preci-so, para o público ter essa compreensãomágica do mundo, de nossos aspectos nes-se sentido que não podem ficar de fora. Porisso, as imagens de nossos índios, como asfeitas por Claudia Andujar”, frisa Guran. Éda série O Invisível, de 1976, o registro queela fez de momentos aparentemente afli-tivos de um indígena. Outros flagrantesexpressivos de nossa realidade estão emSurfistas de Trem, feita em 1990 pelo cario-ca Rogério Reis, atualmente com 57 anos,e a antológica A Bicicleta do Pelé, obtida em3 de junho de 1965 durante a partida entreBrasil e Bélgica no Maracanã.

“É algo incrível em termos de perfei-ção esportiva”, disse Guran. “O seu autorfoi Alberto Ferreira, paraibano que desen-volveu a sua carreira no Jornal do Brasil, na

fase áurea dessa publicação carioca”. Porcerca de 25 anos, chefe da equipe de fotó-grafos do JB, Ferreira morreu em 2007 nacidade fluminense de Cabo Frio, aos 75anos de idade.

Outros brasileiros estão na mostra.Como o consagrado Sebastião Salgado,que comparece com Sprays Químicos Pro-tegendo Bombeiros, feita em 1991 em umcampo petrolífero no Kuait, e Vik Muniz,paulistano que, perto dos sessenta anos,vive uma fase de grande visibilidade gra-ças à telenovela Passione e ao documentá-rio Lixo Extraordinário, sobre seu trabalhocom catadores de lixo, premiado nos Festi-vais de Cinema de Berlim e de Sundance.“Esses dois, assim como Claudia Jaguaribe,Miguel Rio Branco, não estavam lá, mas aolongo dessa cooperação com o Jean-Luc elefoi aos poucos mapeando a produção bra-sileira. E com esse mapeamento propôsaquisições importantes. Uma das mais re-centes é a de Rodrigo Braga.” Desse jovemamazonense radicado em Recife, Extremostraz a série Comunhão, feita em 2006, quemostra um homem em postura extrema-mente afetiva com um bode.

Entre os estrangeiros estão nomes devárias gerações e tendências. O mais famo-so é Henri Cartier-Bresson (1908-2004),considerado por muitos como o pai do fo-tojornalismo e um dos fundadores da agên-cia Magnum, em 1947. Outro francês céle-bre no século XX é Pierre Verger (1902-1996), um parisiense de família abastadaque se notabilizou como fotógrafo e etnó-logo. Ele morreu em Salvador, onde mora-va desde 1946; lá surgiu a Fundação Pier-re Verger, que criou em 1988 como decla-rada conseqüência de “dois de seus amores:o que sinto pela Bahia e aquele que tenhopela região da África situada no golfo deBenin”. Nesse local foi feita a pose que estána exposição. Também nasceu na Françao fotógrafo e cineasta Raymond Depardon.Aos 69 anos, já ganhou prêmios com al-guns de seus 42 curtas e longas nas áreas dodocumentário e da ficção. Suas imagensem um bairro semi-destruído pela guerracivil em Beirute estão na exposição.

Entre os norte-americanos, dois nomesse destacam. Um é o de Richard Avedon(1923-2004), que criou fama como fotó-grafo da alta costura nas revistas Harper’sBazaar e Vogue. Nessa condição, ele inspi-rou e supervisionou visualmente o filmeCinderela em Paris (Funny Face), musicaldirigido por Stanley Donen em 1957,com Audrey Hepburn e Fred Astaire. Nasdécadas de 1960 e 1970, fotografou os mo-vimentos pacifistas nos Estados Unidos ea guerra do Vietnam. O segundo nome é ode Robert Mappethorpe (1926-1989), quecriou polêmica com as suas imagens da

cena gay (de preferência em momento sa-domasoquista) e do nu masculino. Outrodestaque é o inglês Martin Parr, atualmen-te com 59 anos. Ele se fez notar nos anosde 1980, ao voltar suas lentes para a vidasuburbana de seu país. São da série LastResort: Photographs of New Breighton as ima-gens que estão na mostra. Elas oferecemuma tranqüilidade que contrastam com oclima bizarro de Sue, Debbie, Berlim, feitapela dupla Ralf Marsaut e Heino Müller,também exposta.

Além dos fotógrafos citados, Extremosconta com Andrés Serrano, Ansel Adams,Bernard-Pierre Wolf, Bettina Rheims, BillBrandt, Bruce Davidson, Claude Alexan-dre, Cristine Spengler, David Nebrada,Diane Arbus, Don McCullin, Duane Mi-chals, Edward Weston, Emmet Govin,Fouad Elkhoury, Gabrielle Basilico, Geor-ge Dureau, George Robert Caron, Hel-mut Newton, Irving Penn, Jean Depara,Jean-Philippe Charbonier, Jeanloup Sie-ff, Joe-Peter Witkin, Larry Clark, Manu-el Álvarez Bravo, Marc Ribaud, MartianCherrier, Oumar Ly, Pierre et Gilles, Pier-re Molinier, Raphael Dallaporta, RobertFrank, Roger F. Ballen, Seymour Jacobs,Shomei Tomatsu, Tony Ray-Jones, Touha-mi Ennandre, Valerie Belin e Elliott Erwitt,um filho de imigrantes russos nascido na Pa-ris de 1928. Radicado nos Estados Unidos,tornou-se documentarista cinematográfi-co, diretor de comerciais e fotógrafo. Deleé o registro do preconceito racial na Caro-lina do Norte dos anos 1950, que ilustra acapa do catálogo da exposição.ALBERTO FERREIRA, A BICICLETA DE PELÉ. ESTÁDIO DO MARACANÃ, JOGO BRASIL X BÉLGICA.

NEIL ARMSTRONG FOTOGRAFOUSEU COMPANHEIRO NA MISSÃO

APOLLO 11, O ASTRONAUTAEDWIN “BUZZ” ALDRIN, EM 21

DE JULHO DE 1969. ALLIOTTERWITT E O RACISMO NA

CAROLINA DO NORTE, EUA,EM 1950. MARC RIBOUD E AMANIFESTAÇÃO PACIFISTA EM

WASHINGTON, 1967.

40 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Concebido em 2008, o novo Museu daImagem e do Som-Mis esperará cincoanos para nascer imponente em 2013. Enão poderia surgir mais majestoso e cari-oca: em Copacabana, Av. Atlântica, maisprecisamente onde antes havia a boateHelp. O projeto do prédio, extremamen-te ousado e futurista, é inspirado nosdesenhos famosos de pedras portuguesasdo calçadão e se prolonga para cima, comose os ondulantes desenhos – cartão-pos-tal do bairro no mundo –, em uma inte-ração com o edifício, quisessem alcançaro céu ou uma dimensão onde estejam osgênios que constituem seus arquivos.

O Museu será construído em um ter-reno de aproximadamente 1.600 metrosquadrados, de frente para o mar, e teráárea total de 6.000 metros quadrados. “Onovo Mis será o museu-referência do Riode Janeiro, reforçando a identidade cul-tural da cidade. Estará situado no princi-pal cartão-postal do País, com um proje-to arquitetônico que traduz o século atu-al e um acervo que será disponibilizadoconforme as mais novas tecnologias”, dizAdriana Rattes, Secretária de Cultura doEstado do Rio de Janeiro. “É um projetoque, além de criar um ícone arquitetôni-co para a paisagem, estabelece uma lin-guagem que dialoga diretamente com acalçada. Um diálogo estético, conceitu-al e espacial, oferecendo uma continua-ção do calçadão de Copacabana dentro doMuseu”, afirma Hugo Barreto, Secretário-Geral da Fundação Roberto Marinho.

O projeto do novo Mis é fruto de umtrabalho conjunto da Secretaria Estadual deCultura e da Fundação Roberto Marinhoe tem como um de seus objetivos dar à ci-

arquitetura norte-americano Diller Scofi-dio + Renfro foi o vencedor, através de par-ceria com seu representante brasileiro, a em-presa Índio da Costa”, disse a Presidente.

Rosa Maria conta que o ano passado foide exaustivos trabalhos para adequar o fu-turo Museu aos padrões mais modernos domundo em matéria de funcionalidade:“Nessas reuniões discutimos questões comoestabelecimento de espaços para museogra-fia, redimensionamento dos espaços desti-nados ao centro de documentação, banhei-ros com facilidades para deficientes, proble-mas relacionados à acústica, melhor solu-ção para o teatro, fachada, materiais e sus-tentabilidade. A conveniência de colocaçãode pequenos jardins em alguns andares,além da cobertura e vários detalhes geraiscom a única intenção de entregar à popu-lação um museu que esteja à altura da es-plêndida e incomparável genialidade denossa cultura popular”.

Um júri da pesadaO vencedor do concurso de projetos foi

escolhido por uma comissão presidida pelaSecretária Ana Rattes e que contou comprofissionais renomados, entre eles: BelLobo, arquiteta; Hugo Barreto, filósofo eSecretário-Geral da Fundação Roberto Ma-rinho; Jaime Lerner, arquiteto e urbanis-ta; James Cathcart, arquiteto e membro daequipe de Ralph Appelbaum, um dos mai-ores designers de museus do mundo; Jor-di Pardo, arqueólogo e consultor do Labo-ratório de Cultura da empresa BarcelonaMedia; Lucia Basto, arquiteta e gerente-geral de Patrimônio da Fundação RobertoMarinho; Magaly Cabral, museóloga eDiretora do Museu da República; PauloHerkenhoff, ex-Diretor do Museu de Be-las-Artes e crítico de arte; Rosa Maria deAraújo, Presidente do Mis, e Sérgio Dias,engenheiro civil e Secretário de Urbanis-mo do Município do Rio de Janeiro

Os critérios utilizados para avaliar osprojetos foram: inovação e originalidadetecnológica e estética, adequação física eestética ao local, atendimento aos requi-sitos estabelecidos no programa funcio-nal, exeqüibilidade do projeto e atendi-mento aos parâmetros de sustentabilida-de, tais como eficiência energética e usode água, além de acessibilidade universal,ou seja, facilidade de acesso para todos osusuários e portadores de deficiência.

Quem concorreuSete dos mais importantes escritórios

de arquitetura do Brasil e do mundo par-ticiparam do “Concurso Idéias”, quatrobrasileiros e três estrangeiros. Do Brasilparticiparam os escritórios Sérgio Bernar-des, Isay Weinfeld, Brasil Arquitetura eTacoa Arquitetos. Dos estrangeiros, o es-critório do arquiteto Daniel Liberkind,autor da Freedom Tower, edifício projeta-do para o lugar do World Trade Center e doMuseu do Holocausto, em Berlim; DillerScofidio + Renfro; e o escritório do arqui-teto Shigeru Ban, responsável pela filial doMuseu de Arte Moderna Georges Pompi-dou em Metz, na França.

A escolha da praia de Copacabana comonovo endereço para a sede do Mis está in-timamente ligada ao caráter plural do bair-ro, um dos cartões-postais mais conheci-dos no mundo. O bairro tem fácil acesso,recebe grande contingente de turistas, emseus mais de 80 hotéis, e ainda serviu de ins-piração para músicos, escritores, artistasplásticos e fotógrafos, virando referênciaturística no Brasil e no mundo: “Teremosainda o Museu da Rádio Nacional e abri-garemos também o Museu Carmem Mi-randa. E certamente virá mais por aí. O Mismerece, pois é o único do mundo no gêne-ro. Não existe nada igual em outro país eo brasileiro precisa ter noção dessa impor-tância. Afinal, ele não é só do carioca, masde todo o Brasil”, diz Rosa Maria.

Perfil dos ganhadores

Com sede em Nova York, o escritóriovencedor do projeto do novo Mis foi fun-dado por Elizabeth Diller e Ricardo Sco-fidio, sendo particularmente conhecidopor sua abordagem interdisciplinar da ar-quitetura. Diller e Scofidio foram os pri-meiros arquitetos a ganhar o Prêmio Ma-cArthur. Em 2004, Charles Renfro se juntoua eles. Elizabeth Diller permaneceu nomundo acadêmico, e atualmente leciona naPrinceton University. Charles Renfro é pro-fessor da Columbia University e Rice Uni-versity, enquanto Ricardo Scofidio foi re-centemente nomeado professor eméritoda Cooper Union. Obras importantes dotrio são Blur Building – Expo Internacio-nal 2002 (Suíça), The Brasserie (EUA),Eyebeam Institute (EUA), Institute ofContemporary Art (EUA), High Line Park(EUA) e Lincoln Center (EUA).

O futuro Mis,ousado e futurista

Até 2013 Copacabana vai ganhar uma edificação ultramoderna queabrigará, num espaço interativo, a mais importante documentação

audiovisual sobre a vida cultural brasileira no século XX.

POR ARCÍRIO GOUVÊA NETO dade um símbolo arquitetônico do século21, de projeção nacional e internacional. Oprédio terá vestíbulo, com espaço para abilheteria; guarda-volumes; área para oencontro de grupos; salas de exposiçãofixas e temporárias; auditório; espaço paraatividades didáticas; salas para consulta epesquisa; lojas; cafeteria, restaurante pa-norâmico; bar/terraço, piano-bar e ummirante, além de áreas administrativas,salas especiais para guardar o acervo e 1.500metros quadrados destinados a estaciona-mento, carga e descarga.

O dia do julgamento

A Presidente do Mis, Rosa Maria Ara-újo, fala com entusiasmo do projeto: “Opúblico vai adorar o novo Mis. Ele será umconvite irresistível para conhecer a Histó-ria da música e da imagem desta cidade deuma forma divertida e agradável. O dia dojulgamento, ou seja, da escolha do projeto,nos fez voar alto e ter um lindo sonho como novo Museu. A idéia original consistiu emconstruir um novo Mis, que, além de darcontinuidade aos trabalhos desenvolvidosatualmente, passaria a funcionar como ummuseu total, abrangendo também ativida-des expositivas, educativas e uma vastaprogramação cultural. Seu acervo será exi-bido de forma moderna, fazendo uso denovas mídias e da mais alta tecnologia einteratividade, com a intenção de encan-tar seus visitantes”.

“Durante o ano de 2009, algumas visitasforam realizadas a museus similares na Eu-ropa por representantes do Mis e da Secre-taria Estadual de Cultura. Em agosto dessemesmo ano, realizamos o ‘Concurso Idéias’para o projeto arquitetônico, com a partici-pação de quatro escritórios brasileiros e trêsestrangeiros. E o escritório de engenharia e

PROJETO

O projeto vencedor destoa da paisagem: essa ousadia não irá custar caro demais para o Mis?

FOTOS DIVULGAÇÃO

41Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

O novo Museu da Imagem e do Som doRio é alvo de algumas ressalvas no meio aca-dêmico. Menos que o projeto vencedor emsi, o alvo principal das críticas é o processode apresentação e escolha dos candidatosque fizeram parte da disputa. “O escritórioDiller Scofidio + Renfro é reconhecido poralguns trabalhos de referência no panora-ma atual da arquitetura, como o reconhe-cido High Line Park, de Nova York. Portan-to, tem todas as qualificações. A questão é:será que esta era mesmo a melhor propos-ta? Não que o resultado, do ponto de vistada qualidade arquitetônica, possa ser ques-tionado. O problema é que não houve con-dições para que a crítica e o público pudes-sem ou tivessem a oportunidade de parti-cipar de tal discussão”, lamenta João MasaoKamita, crítico e historiador de Arquitetura.

Professor do Departamento de Histó-ria e do curso de Arquitetura da Puc-Rio,Kamita lembra que o Mis é um órgão pú-blico, subordinado à Secretaria Estadualde Cultura. Como tal, deveria prezar pelocompromisso com a transparência, fatoressencial para o conceito de bem públicodo qual faz parte.

“No entanto, não houve divulgação doedital do concurso, e muito menos daseleção para os convites fechados aosescritórios participantes. Apenas a divul-gação do resultado final. Tampouco oscritérios do júri foram explicitados. Parafinalizar, os projetos concorrentes e ovencedor não foram expostos ao público.Diante dessas obscuridades, como afir-mar que fora o melhor projeto o vencedor,se tudo foi tratado como um processo fe-chado?”, questionou o professor.

Doutor pela Faculdade de Arquitetu-ra e Urbanismo da Universidade de SãoPaulo-Usp, Masao Kamita lembra, comocontraponto, que vários projetos recen-tes foram objeto de concurso, graças àintervenção do Instituto de Arquitetosdo Brasil, Seção Rio de Janeiro.

O Museu da Imagem e do Som do Rio deJaneiro foi inaugurado em 5 de setembro de1965, pelo Governo do extinto Estado daGuanabara, como parte das comemoraçõesdo IV Centenário da Cidade. Primeiro mu-seu audiovisual do País, o Mis foi instituí-do a partir da aquisição pelo Banco do Es-tado da Guanabara de importantes coleçõesrelacionadas à História cultural da cidade,com o objetivo de preservar e expor ao pú-blico o seu patrimônio.

Para abrigar essas coleções, o Governorealizou uma ampla reforma em um ma-jestoso prédio na Praça XV, que havia sido

Falta de transparência geraum estranho no ninho

“A partir dessa ação, houve casos comtransparência e participação, ou seja, fa-cultando ao público interessado a possi-bilidade de se posicionar e discutir que ci-dade quer. O Porto Maravilha e o ParqueOlímpico são alguns dos exemplos de de-bate democrático. Como a cidade do Rio,por conta dos grandes eventos, está pas-sando por fortes mudanças urbanas, numritmo acelerado e abrupto, um mínimo dediscussão e posicionamento crítico é oque se deveria exigir. A fatalidade histó-rica não pode ser álibi para se aderir irre-fletidamente à oportunidade que se apre-senta”, pondera.

A ‘cultura oficial’ e a ‘cultura da praia’Questionado se consegue ver no proje-

to vencedor as supostas referências ao Riode Janeiro, tal como a reprodução do cal-çadão de Copacabana, o professor faz umaanálise técnica da proposta escolhida.

“Em recente palestra na Puc-Rio, um dosautores do projeto, a arquiteta ElizabethDiller, afirmou ser este um dos aspectosconsiderados, falando inclusive de um de-sejo de que o edifício funcione como umaespécie de ponto de intercâmbio entre a‘cultura oficial’ e a ‘cultura da praia’, aindaque não fique muito claro o que isso quei-ra dizer. Assim, a idéia do percurso contí-nuo parece ser o gesto básico do projeto,algo meio recorrente nos projetos do escri-tório, e que revela certa visão do edifícioaberto ao fluxo urbano. Daí a calçada quecontinua e a fachada transparente, pararevelar o que acontece em seu interior.”

Será que o novo prédio, a ser inaugura-do em 2013 ao custo de milhões de reaisaos cofres públicos, terá harmonia com oconjunto arquitetônico de Copacabana?Ou será um estranho no ninho?

“Certamente, o projeto considerou a es-cala do entorno e as características gerais dasituação. Mas, como fruto de um desenhode arquitetura contemporâneo, o projetodo novo Mis certamente se destacará dasconstruções vizinhas. Contudo, não acho

que seja justo cobrar dele, só porque foifeito por arquitetos estrangeiros, unidadecom o contexto, se isso não conta para acidade do Rio como um todo, cujo traça-do urbano é resultado de um processo desegregação e desigualdades históricas.”

Transferir ou revitalizar?É no foco de historiador de Arquitetura

que Masao Kamita faz sua maior restriçãoao novo Mis. Em especial, à decisão de trans-feri-lo para a imponente Copacabana. Emartigo escrito em 2009 e divulgado na inter-net, o professor chegou a defender a nãotransferência do Museu, propondo uma açãocoordenada e coletiva para a cidade, com arecuperação de diversos prédios importan-tes e a revitalização da região em que ele hojese situa, como explica ao Jornal da ABI:

“Tenho estudado a área central, especi-almente o trecho que restou após a demoli-ção do Morro do Castelo. Justamente ondese encontra o atual Mis. Apesar do gestodrástico de destruição de um morro intei-ro em nome do desafogo, da ventilação, damelhoria da circulação, da higiene e doprogresso, surpreende que a área permaneçaindefinida. Lá podem ser encontrados frag-mentos de diversos períodos da cidade. OMis é o resto da Exposição Comemorativado Centenário da Independência, ocorridaem 1922, assim como o próprio MuseuHistórico Nacional, o Centro Cultural daSaúde e a Academia Brasileira de Letras.

Como remanescentes do período colonial,temos o arranque da Ladeira da Misericór-dia (que dava acesso ao topo do Morro), aSanta Casa de Misericórdia e a Igreja deSanta Luzia. Temos uma praça que ninguémvê – a Praça dos Expedicionários. Todosesses equipamentos culturais estão entre-meados por vazios, jardins abandonados,áreas de estacionamento, o elevado da Pe-rimetral e um terminal urbano. Uma con-fusão de fluxos, atividades informais edegradação de espaços, numa área centrale cheia de vitalidade”, afirma Kamita, quesegue em sua análise.

“A sede atual do Mis é pequena e ilha-da, nessa terra de ninguém. Logo, tem ra-zões para querer ampliar e melhorar seusespaços. Não acho que o problema seja dainstituição em si. Mas o Museu se encon-tra numa área que concentra outros tan-tos aparelhos culturais que, como tal, as-piram a um maior fluxo de público. O queprocurei sugerir no artigo é que mudar deendereço é a saída mais fácil e, do ponto devista urbano, mais custosa e injusta comuma área que tem tanta importância his-tórica e concentra várias instituições pú-blicas. E que, por isso, mereceria um proje-to de revitalização completo, integrandoos bens culturais ali instalados à rede detransportes públicos. Mas parece-me queo problema é que o Poder Público, por aqui,não tem conceito de público. E, pior do queisso, não atua publicamente.”

Para servir aquem pesquisa

construído por ocasião da Exposição doCentenário da Independência do Brasil,realizada em 1922, no Rio de Janeiro. Nofinal da década de 1980, foi criado maisum espaço para o Museu, na Lapa, em umprédio projetado para ser um hotel noinício do século XX, mas que serviu detudo um pouco e que abriga hoje a admi-nistração e parte do acervo.

O Mis possui duas salas de consulta,uma em cada sede. O atendimento nasduas salas é feito de segunda a sexta-fei-ra, das 11 às 17 horas, com uma média de1.300 visitas por ano. O atendimento aopesquisador também é feito via telefo-ne ou e-mail. A Presidente Rosa MariaAraújo revela que a maioria das consul-tas é pelas partituras: “Elas realmente,muitas por serem raras e originais, atra-em a atenção dos pesquisadores de músi-

ca popular. Mas o visitan-te que não esteja interes-sado em pesquisa tam-bém pode entrar e visitaro prédio, onde temos al-gumas peças expostas”.

Desde sua fundação, oMis vem desenvolvendoatividades de exposições,cinema, seminários, pales-tras, cursos, vídeo educati-vo, além da guarda e trata-mento de um importante acervo so-bre a História cultural do Rio de Janeiro,acervo esse aberto à consulta e com maisde 20 coleções privadas de personalida-des vinculadas à cultura carioca.

Na sede principal, na Praça XV, estãoo acervo iconográfico, os vídeos da cole-ção Depoimentos Para a Posteridade e das

Mesmo sendo um órgão público, o Museudecidiu como uma instituição privada.

POR PAULO CHICO

outras coleções do Mis, bemcomo as partituras e a heme-roteca da Coleção Almiran-te, que podem ser pesquisadasna sala de consulta.

Na sede da Lapa três ter-minais de computadores es-tão disponíveis para os usu-ários acessarem as antigasbases de dados ainda em fun-cionamento, além do novo

banco onde quase 30% doacervo já se encontram inseri-

dos. Estão disponíveis também equipa-mentos que permitem o acesso aos docu-mentos sonoros nos mais diferentes su-portes (discos, lps, cds, fitas cassetes e fi-tas rolos). Nessa sede também é possívelconsultar os documentos de textos das di-versas coleções do Mis.

Uma das sedes do Museu da Imagem e do Som, na Praça XV, região que deveria ser revitalizada.

42 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

epois de quase um século, final-mente as editoras brasileiras pa-recem ter descoberto os atrativosda weird fiction, estilo narrativo

desenvolvido em revistas pulp como a WeirdTales, editada em 1923 por J.C. Henneber-ger, em Chicago, Estados Unidos. Há pou-cas semanas chegou às livrarias brasileiras,pela Editora Évora, a coletânea Conan, OBárbaro, de Robert E. Howard, a reboque dolançamento da produção cinematográficahomônima, dirigida pelo alemão MarcusNispel, remake do grande sucesso de 1982,estrelado pelo gigante Arnold Schwarze-negger. O livro publica alguns textos inédi-tos no Brasil deste personagem que é umabem-sucedida franquia internacional e seespalha por diversas mídias como o cinema,os quadrinhos, a televisão e os videogames.

A Weird Tales apoiou-se inicialmente narepublicação dos contos de Edgar Alan Poe,cujo duplo centenário foi bastante come-morado em 2009. Logo, a revista abriu es-paço para autores criativos como H. P. Love-craft e Clark Ashton Smith. Oferecia textoselaborados com uma técnica naturalistaeficiente que, anos depois, daria origem aosgêneros da fantasia, horror e ficção cientí-fica como são hoje identificados.

A partir do estilo estranho de Poe, osautores da Weird Tales foram além e cons-truíram universos assustadores e bizarros,contudo convincentes. Entre seus novostalentos, despontou rapidamente o nomedo então jovem Robert Ervin Howard, cujaestréia aconteceu em 1925. Howard desen-volveu ali um trabalho original, com umasérie de narrativas aventurescas que se tor-naram muito populares durante a Gran-de Depressão, período de dificuldadessociais e econômicas advindas da quebrada Bolsa de Nova York em 1929.

O autor e sua obraHoward nasceu em dezembro de 1906,

em Peaster, Texas, e nos breves 30 anos emque viveu construiu uma saborosa mitolo-gia ancestral, amálgama de histórias deguerras medievais com fantasias das Mil eUma Noites, que hoje é conhecido como ogênero Sword and Sorcery (Espada e Magia).Nessa versão delirante do passado da huma-nidade trafega Conan, guerreiro das mon-tanhas geladas de algum lugar que parece sero Norte da Europa que, no mundo criadopor Howard, chama-se Ciméria. Aliás, Ho-ward redesenhou o mapa do mundo, defi-nindo um continente estranho, no qual sepode identificar versões de diversas cultu-ras recentes, como os turcos, os árabes, os

O nosso Maurício Azêdo teve a bondade de me pedirtexto sobre o Museu da Imagem e do Som. Ora, qualquerpedido para o Mis eu não nego jamais, sobretudo quandosolicitado por amigo tão estimado.

O Museu, sobre o qual escrevi um livro MIS – Rastros deMemória, (Sextante, 2000), é e sempre foi uma das mais apai-xonadas referências de toda a minha vida. Ele se plasmariaa mim com a força de um filho. Explico: designado para serseu Diretor Executivo por Raphael de Almeida Magalhães,em 1965, logo entreguei o cargo ao novo Governador da Gua-nabara, Negrão de Lima. Mas, solicitado por meus amigos jor-nalistas Luiz Alberto Bahia, Álvaro Americano e HumbertoBraga, trio que comandava o Governo Negrão, fui instado apermanecer à testa daquele novo museu, que ninguém sabiabem o que era e para que servia. E eu – no verdor dos 25 anos– topei o desafio. Sem dinheiro, sem verba, sem nada. A sagapara mantê-lo funcionando, com seus menos de 20 funcio-nários, foi feita com cursos os mais variados, de relaçõespúblicas, de cinema, de qualquer ramo de arte que pudessechamar a atenção do distinto público.

Até cursos de Inglês e Francês, com os quais, aliás, come-çamos a fazer um bom dinheirinho. Até uma revista, a Gua-nabara em Revista, que o Museu editou, ajudava a carrear parao Mis verbas de publicidade. Faltava, evidentemente, dizerao Rio (e ao País) para que servia o Museu na sua essência.Criei, então, aquilo que chamei de Depoimentos Para a Posteri-dade. Foi a chave que consagrou o Museu, até porque come-çamos os depoimentos com os pioneiros do samba, Donga,João da Bahiana, Heitor, Ataulpho, Pixinguinha. Ora, todoseles (em plena época dos festivais de jovens universitários,ou seja, 1966-1970), os velhos da mpb (pobres, semi analfa-

betizados, negros), faziam uma radiosa diferença, ao se sen-tarem no “podium” da posteridade. A imprensa Rio–São Pauloabria primeiras páginas a quase cada semana para os testemu-nhos, anteparados pelos conselhos específicos que paralela-mente (soprado por Ary Vasconcellos e Almirante) criei paravotar os nomes que mereciam a posteridade. A febril atuaçãodo Museu era de tal ordem, e a falta de recursos pontuais tam-bém, que aceitávamos doações de todas as origens. Uma his-torinha saborosa e verdadeira (que Sergio Cabral, companhei-ro de então, conta com muita graça): recebemos, certa feita,uma doação de cem fitas (as de rolo) da Aliança para o Pro-gresso, com discursos de Senadores no Congresso America-no. Pois bem: como precisava gravar a nossa atualidade urgen-temente, apaguei os desconhecidos congressistas e registreina mesma fita nossa vida pulsante. Ao primeiro Conselho, oda MPB, seguiram-se os de Literatura, Cinema, Teatro, ArtesPlásticas, Esportes e Música Erudita. Com cerca de 200 inte-lectuais reunidos no Museu, tive a idéia de sugerir ao Embai-xador Negrão de Lima que eles (os seis Conselhos) tambémvotassem nas premiações de final de ano para cada uma dasvertentes dos depoimentos. O sucesso dos prêmios Golfinhode Ouro (para criador) e troféus Estácio de Sá (para mecena-to) chegaram a consagrar mais de trezentos brasileiros, de pri-meiríssima linha, desde 1967 até 2006. E até hoje estão nasestantes dos melhores talentos que este País já produziu.

Portanto, qualquer palavra que seja para apoiar o Mis, emqualquer sentido, em qualquer mudança, ou sobretudo emqualquer crise, contem sempre comigo. Tal como um pai cui-da dos caminhos a serem percorridos por um filho.

Os tesourosdo Museu

Um dos mais significativos e abran-gentes acervos do museu, DepoimentosPara a Posteridade faz uma viagem porvários segmentos das culturas popular eerudita brasileiras, sendo de fundamen-tal importância e representatividade nafixação documental do pensamento ehistória de destacados e relevantes nomesnas áreas da música, literatura, dança,artes plásticas, cinema e teatro. São maisde 1.000 depoimentos gravados em áudioe vídeo de figuras notáveis, como CacáDiegues, Cartola, Chico Buarque, JorgeAmado, Nelson Rodrigues, Gilberto Bra-ga, Dona Ivone Lara, João Ubaldo Ribei-ro, Paulo Moura, Walter Firmo, ChicoAnísio, João Bosco, Ana Botafogo, LuizFernando Veríssimo, Bárbara Heliodora,Hugo Carvana, entre outros.

As coleções do MIS encerram relíqui-as que hoje representam documentosimprescindíveis para compreensão e es-tudo da nossa cultura, entre elas: AbelFerreira, Almirante (partituras, roteirosde programas, fotografias e recortes dejornais), Augusto Malta (uma das maisimportantes, constituída de fotografias,negativos em vidro e panorâmicas, re-trata o Rio, e suas transformações urba-nas e sociais, de 1903 a 1936), ElizethCardoso, Irmãs Batista – Linda e Dirci-nha, Guilherme Santos (registros foto-gráficos utilizando a estereoscopia re-tratam o Rio de Janeiro e São Paulo daprimeira metade do século XX), ColeçãoMis (constituiída de doações nos maisdiferentes segmentos da cultura).

O Museu, como um filho queridoPOR RICARDO CRAVO ALBIN

ESPECIAL PARA O JORNAL DA ABI

Criador do Museu da Imagem e do Som, RICARDO CRAVO ALBIN é Presidentedo Instituto Cultural Cravo Albin.

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UÇÃO

O ACERVO, EM NÚMEROSDOCUMENTOS VOLUME DIGITALIZADOSTextoTexto/PartiturasIconográfico*Sonoro/discosSonoros/fitasAudiovisual (Vídeos)Audiovisual (Películas)TridimensionalBibliotecaTotal

*Partituras, cartazes, desenhos, etc

15.78727.000

–9.2781.06167378––

65.844

15.78760.3001.213

70.0005.8611.244543994

8.500249.441

Jacob do Bandolim (partituras, dis-cos, livros, fotos), Jorge Murad, JurandyrNoronha (vasta documentação sobre ocinema nacional desde a década de 1920),Nara Leão, Maurício Quadro (música deautores clássicos, além do registro de vo-zes de figuras de renome internacionalcomo Rui Barbosa, Lênin, Leon Tolstoi,Charles de Gaulle, Franklin Roosevelt,Adolf Hitler, Mussolini, Churchill, en-tre outros personagens da História dosséculos XIX e XX), Nelson Motta, OdeteAmaral, Rádio Nacional (aproximada-mente um terço do arquivo do Mis), Sal-viano Cavalcânti de Paiva (livros, catá-logos, cartazes e fotografias sobre o ci-nema do Brasil e do mundo), Sérgio Ca-bral e Zezé Gonzaga.

As partituras e ahemeroteca daColeção Almirante(à esquerda), podemser pesquisadas nasala de consulta nasede principal doMis, na Praça XV.

PROJETO O FUTURO MIS,OUSADO E FUTURISTA

43Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

e a Espada (The Phoenix on the Sword), vistoem 1973 no número 7 da revista Planeta(Editora Três), então editada pelo jorna-lista e escritor Ignácio de Loyola Brandão.Outro texto de Howard só iria aparecerem 1990: O Povo do Círculo Negro (ThePeople of the Black Circle), publicado naantologia Isaac Asimov Apresenta: Magos,Os Mundos Mágicos da Fantasia (EditoraMelhoramentos). Em 1995,a editora Mercúrio, peloselo Unicórnio Azul, dis-tribuiu nas bancas três vo-lumes do periódico Conan:Espada e Magia, com umaseleção de histórias do bár-baro escritas por Howarde seus seguidores. No anoseguinte, a editora NewtonCompton Brasil distri-buiu, do mesmo modo, umvolume com a novela Pre-gos Vermelhos (Red Nails),um dos maiores clássicosdo personagem. Em 2006,a Editora Conrad publicou dois volumessomente com contos de Conan escritospor Howard, na sua seqüência original.

Howard passou quase toda a sua vidano vilarejo de Cross Plains, no Texas, deonde nunca chegou a sair. Manteve far-

egípcios e até os romanos. A arquitetura des-crita também se apóia nas desses povos, comuma boa dose de medievalismo europeu. De-pois de bem cosida, Howard fixou essamixórdia cultural numa época 12 mil anosatrás, 4 mil anos depois do desaparecimen-to da lendária Atlântida, a qual ele chamoude Era Hiboriana. O ambiente é tão rico quepermitiu a criação de outros personagens,como o Rei Kull, que governou a Atlântidaem seus últimos dias.

Por conta disso, muita gente acreditaque o mérito do escritor apóia-se apenasna saga Hiboriana, mas Howard realizououtras séries interessantes, como as do sel-vagem celta Bram Mak Morn ou a do pu-ritano caçador de bruxas Salomon Kane,que têm backgrounds mais realistas, masainda bastante fantasiosos. Mesmo RedSonja – versão feminina de Conan – sórecentemente foi incorporada ao univer-so hiboriano; originalmente tinha suashistórias situadas no século XVI. Howardtambém escreveu histórias de faroeste,terror, aventuras policiais e de ficção ci-entífica, peças e poesias.

Quase todas as histórias de Conan fo-ram escritas entre 1926 e 1930 e publica-das principalmente na Weird Tales. A pri-meira história impressa foi chamada ThePhoenix on the Sword, publicada em 1932.A série original completa conta com ape-nas 21 textos, três dos quais publicadospostumamente.

Na década de 1950, o material foi re-publicado nos Estados Unidos em formade livro pela Gnome Press e reeditado em1966 com belíssimas capas ilustradas peloantológico Frank Frazetta, que lhe rende-ram o sucesso atual. Autores como L. Spra-gue de Camp e Lin Carter deram seqüên-cia às aventuras de Conan, algumas a par-tir de manuscritos incompletos posterior-mente descobertos.

Em 1970, começou a ser publicada arevista em quadrinhos Conan, the Barbari-an, pela editora norte-americana MarvelComics, com roteiros de Roy Thomas e osdesenhos exóticos de Barry WindsorSmith. Essas revistas foram um enormesucesso de vendas e hoje são muito valo-rizadas pelos colecionadores. Tiveramvárias reedições, algumas de alto luxo, e odesign de Barry Smith tornou-se determi-

POR CESAR SILVA

LIVROS

A redescoberta deRobert E. Howard,

bárbaro e multimídianante na construção visual da Era Hibo-riana. Mas o ilustrador que mais produziuaventuras para Conan foi John Buscema,um dos principais estilistas do MarvelWay nos anos 1970 e 1980. Roy Thomasfoi o principal roteirista e criou muitasaventuras inéditas para o guerreiro e ou-tros personagens de Howard, inclusive osroteiros dos dois primeiros filmes reali-zados para o cinema, Conan, O Bárbaro(John Millius, 1982) e Conan, O Destrui-dor (Richard Fleischer, 1984). Red Sonjaganhou um longa-metragem homônimoem 1985, também dirigido por Fleischer:Salomon Kane: O Caçador de Demônios foifilmado em 2009 por Michael J. Bassett.

As adaptações em quadrinhos foramtraduzidas primeiramente pelas editorasGorryon e Gep, nos anos 1970, e depoispela Bloch. A Editora Abril manteve pormuitos anos vários títulos simultâneoscom os quadrinhos de Conan. O princi-pal deles, A Espada Selvagem de Conan,também apresentou histórias de RedSonja, King Kull, Bran Mak Morn e Salo-mon Kane. Mais recentemente, os qua-drinhos de Conan foram publicados pelaEditora Mythos.

No Brasil, os textos de Howard forampouco publicados. A primeira tradução deque se tem notícia foi a do conto A Fênix

ta correspondência com outros autorescontemporâneos, especialmente comH.P. Lovecraft, com o qual seu trabalhodialogava muito proximamente. Sua obratambém influenciou outros grandes au-tores, como Edgar Rice Burrougs, J.R.R.Tolkien, C. S. Lewis, Michael Moorcocke George R. R. Martin.

Curiosamente, Howard guardou suaúltima grande história para si mesmo.Profundamente deprimido com o comairreversível de sua mãe, no dia 11 de ju-nho de 1936 às oito horas da manhã, sen-tado no banco de seu automóvel, Howarddisparou um tiro contra a cabeça, e mor-reu oito horas depois. A mãe morreu emseguida. Ambos compartilharam o mes-mo funeral e estão sepultados no cemité-rio Greenleaf, em Brownwood.

Domínio públicoRecentemente fundada, a editora pau-

listana Évora tem um catálogo diversifica-do e decidiu investir também na literatu-ra fantástica com a coletânea Conan oBárbaro, de Robert E. Howard, apresentadaatravés do selo Generale. Além do apelo daestréia do filme no cinema, a editora sebeneficiou do fato de o material do autorestar em domínio público desde 2006.

Trata-se da tradução da antologia Conan,The Conqueror, que apresenta quatro textos:o já anteriormente visto Os Profetas do Cír-culo Negro, mais os inéditos Além do RioNegro (Beyond the Black River), As NegrasNoites de Zamboula (Shadows in Zamboula)e o romance A Hora do Dragão (The Hour ofthe Dragon), o único escrito por Howardcom seu personagem mais famoso.

Os textos têm tradução de AlexandreCallari, um autor da casa pela qual teverecentemente publicado o romance Apo-calipse Zumbi. Callari assina também otexto de apresentação da coletânea, queainda tem prefácio do roteirista norteamericano Roy Thomas, comentando asua adaptação para os quadrinhos, o quesoa um pouco deslocado no contexto deum volume literário, especialmente paraaqueles leitores que não acompanhamConan nos quadrinhos.

O livro tem 362 páginas, mais 22 pá-ginas numeradas em algarismos romanos,e um caderno de oito páginas em papelcouchê com fotos em cores do remakecinematográfico. A capa reproduz o car-taz de divulgação do filme e o resultadoé um volume bem produzido, no estadoda arte dos livros do mercado moderno.

O grande risco de se associar a publi-cação de um texto clássicocomo este a uma adaptaçãocinematográfica é a enor-me possibilidade de que ofilme seja mal recebidopela crítica e pelo público.Pois, quando o filme nãovai bem, seus subprodutostendem a seguir-lhe a tra-jetória, o que seria umapena no caso deste livro,que tem qualidades sufici-entes para sustentar-se.Afinal, se há um subprodu-to aqui, ele é o filme.

O momento atual, emque títulos como O Senhor dos Anéis, Crô-nicas de Nárnia e A Guerra dos Tronos estãoentre os mais vendidos nas livrarias, éuma ótima oportunidade para dar umachance a Howard, que foi aquele que deuforma original ao gênero.

A revista Weird Tales publicou as primeirashistórias de Robert E. Howard (à esquerda, a

foto mais conhecida do escritor, feita em umestúdio em 1934) e de Conan, cujas capas

eram desenhadas por Margaret Brundage. Mas,na década de 1960, a arte fantástica de FrankFrazetta deu forma final ao bárbaro (direita).

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Nada melhor para entender determi-nado período histórico do que ouvir osrelatos dos personagens nele diretamenteenvolvidos. Por isso mesmo, o lançamen-to do livro 68, A Geração Que QueriaMudar o Mundo - Relatos tem sido motivode celebrações em diversas capitais doPaís. Foi assim também no Rio de Janei-ro, na noite do dia 15 de setembro, emsolenidade que reuniu mais de 400 pesso-as no Plenário Barbosa Lima Sobrinho,na Assembléia Legislativa do Estado. Aobra é composta por relatos de uma cen-tena de ex-militantes políticos, organiza-dos e sistematizados por Eliete Ferrer, dogrupo Os Amigos de 68. Trata-se de umapeça vital para a difusão da memóriadaqueles que combateram o regime mili-tar, pois descreve as percepções e concep-ções de vida que eles sustentaram, o modocomo lutaram e os percalços enfrentados.

“Nosso público-alvo são os jovens. Nos-so objetivo é fazer chegar às novas gera-ções a nossa versão dos fatos. Queremosque os jovens conheçam a nossa alma, ossentimentos dos que lutaram contra a di-tadura. Que saibam que somos uma geraçãogenerosa, que queria um mundo melhorpara todos. Assim, o livro reúne históriasreais ocorridas desde 1964 até a abertura po-lítica – nas reuniões, na militância, nas ma-nifestações, nas discussões, na prisão, nasações armadas ou não, nos treinamentos,na clandestinidade, no Brasil ou no exteri-or, no exílio. O diferencial do nosso livrocaracteriza-se pela revelação do lado huma-no e afetivo daqueles que não aceitaram aprepotência do golpe de 1964, concebido eengendrado nos Estados Unidos”, contaEliete Ferrer, ativista política nos anos 1960,professora e responsável pela seleção, orga-nização e revisão dos textos.

Diz Eliete que a obra contém relatossérios, engraçados, trágicos, pitorescos,dramáticos e emocionantes. Cada páginaé um testemunho vivo de eventos autên-ticos, pequenos detalhes, retratos instan-tâneos de um período que marcou todauma geração, indignada com as arbitrari-edades estabelecidas pelos golpistas. Osdepoimentos certamente despertarão ointeresse de historiadores, roteiristas, ci-neastas, teatrólogos e jovens de todo o gê-nero e escolas, interessados em compre-ender o mundo de pessoas iguais a eles,que viveram, morreram ou escaparam porum triz, em situação-limite.

Nos relatos, sempre escritos em pri-meira pessoa, são expostas as experiênciasda vida clandestina, de ações revolucio-nárias e de assaltos a bancos. Dentre os100 colaboradores do livro estão nomescomo Leoncio de Queiroz, Ivan Cavalcan-

de 68 homenagearam o colega Elmar deOliveira, então recentemente falecido, naTaberninha da Glória. O encontro foi mui-to afetivo, alguns discursaram e muito sefalou de Elmar, das lutas contra a ditadura,do companheirismo, das reuniões, damilitância e dos exílios.

“Concluímos, naquele dia, mais umavez, que tínhamos que dar início a um li-vro de memórias, que deveria estar pron-to até meados do ano seguinte para sereditado e lançado no início de 2008,quando o ápice do nosso movimentocompletasse 40 anos. A maneira comodevemos passar nossas vi-vências para os nossos filhose netos sempre foi motivode preocupação para nós,atentos ao que é ensinadonas escolas, inquietos coma desinformação geral dosjovens. Somente com o co-nhecimento de sua própriaHistória o povo brasileiropoderá trilhar o caminhoem busca da plenitude dacidadania”, aposta ElieteFerrer.

A partir daí, formou-se um grupo inte-ressado nos cuidados com a publicação,que participaria da seleção dos trabalhos,que depois de revisados entrariam na com-

Lembranças de uma geraçãomarcada pela contestação

LIVROS

POR PAULO CHICO

Por meio dos relatos de ativistas políticos de 1968, livro resgata a história de brasileiros que seempenharam na luta contra o regime militar, em defesa do restabelecimento da democracia no País.

ti Proença, Milton Coelho da Graça, Ar-thur Poerner, Paulo de Tarso Carvalho,Emilio Mira y López, Marilia Guimarães,Maria Lúcia Dahl, Silvio Tendler, NormaBengell e José Pereira da Silva.

Elmar, a inspiraçãoA idéia do livro surgiu no fim de 2006,

quando integrantes do grupo Os Amigos

posição do livro. E ele acabou por sereditado pela Comissão de Anistia do Mi-nistério da Justiça, que desde 2007,por incumbência constitucional, passoua empreender diversas ações inovadorascom fundamento no conceito global de‘reparação’ aos perseguidos.

“A publicação dessa obra é um ato dereparação moral, pois contribui para aconexão da geração de 1968 com a Histó-ria do País, permitindo que suas lutas ememórias constituam efetivamente parteda identidade nacional brasileira. O livroque agora editamos não tem o objetivo deconstituir-se em ‘a verdade oficial’ sobrequalquer fato, mas quer apenas viabilizaràs novas gerações e aos estudiosos doperíodo a leitura de depoimentos pesso-ais sobre uma série de fatos por demaisnarrados tanto na História dos ‘arquivosoficiais’, quanto em outros relatos indi-retos, para que estes possam ser avaliadose compreendidos hoje, dentro de umnovo contexto social e político”, afirmaPaulo Abrão, Presidente da Comissão deAnistia do Ministério da Justiça.

Abrão acredita que ao divulgar os re-latos dos perseguidos a Co-missão contribui para plu-ralizar as fontes de pesqui-sa sobre a ditadura no Bra-sil. “Trata-se de dar reper-cussão às vozes caladas nopassado. O Ministério daJustiça cumpre sua funçãolegal de divulgar a memóriado período que se estendeentre 1946 e 1988. E forta-lece valores necessários àdemocracia. Nosso com-promisso é com a verdade

das vítimas. Significativa parte do con-teúdo deste livro está presente nos pro-cessos administrativos de anistia, cons-tituindo-se em fatos já reconhecidos pelo

“Como se vê, a rebelião da juventude em1968, que afetou países tão pouco semelhantescomo o México e a Tchecoslováquia socialista,não era só política e ideológica, contra estruturasarcaicas de governo e administração ou pelaconcretização de direitos humanos àquelasalturas já consagrados em tantos documentosuniversais. Era, também, contra o reacionarismoe a caretice que, mesmo em países do chamadoprimeiro mundo, como a França, aindapretendiam ditar as normas de relacionamentoentre os sexos. No Brasil, esse movimentodemocrático e progressista que arejava o mundofoi brutalmente interrompido pelo AtoInstitucional nº 5, em 13 de dezembro.Enquanto Alberto Cury lia os drásticosdispositivos em cadeia nacional, forças policial-militares invadiam o Correio da Manhã. NaRedação, no 3º andar, fomos avisados, eu e oseditorialistas Franklin de Oliveira e EdmundoMoniz, de que deveríamos tentar sair pela janela,do velho prédio da Gomes Freire para umedifício vizinho da Lavradio. Quando entrei,graças a uma prancha improvisada, pela janela doapartamento de um casal desconhecido, nãopoderia imaginar que aquela noite de derrotaante a força das armas poderia ser vista, 40 anosdepois, como prenúncio da vitória de uma boaparte das nossas idéias.” AAAAARRRRRTHTHTHTHTHUUUUURRRRR P P P P POEROEROEROEROERNNNNNERERERERER

Aqueles dias tormentosos“A tortura foi institucionalizada. Os centros

de tortura consolidaram-se como um fato real ehorripilante. A tortura não quer ‘fazer’ falar, elapretende calar e é justamente esta a terrívelsituação: por meio da dor, da humilhação e dadegradação tentam transformar-nos em coisa,em objeto. Resistir a tal violência revela-secomo enorme e gigantesco esforço para nãoperder a lucidez, para não permitir que otorturador penetre em nossa alma, em nossoespírito, em nosso pensamento. Em especial, atortura perpetrada à mulher mostra-sebrutalmente machista. Inicialmente, osxingamentos, as palavras ofensivas e de baixocalão ditas agressiva e ferozmente caracterizam-se como forma de anular a pessoa, o serhumano, a mulher, a companheira e a mãe. Édifícil calcular o número daqueles que seopuseram à ditadura após o golpe de 1964, emnosso País. Mais difícil ainda apontar quantasmulheres participaram desse processo. NoProjeto Brasil Nunca Mais, consta que 884mulheres foram presas e denunciadas à JustiçaMilitar à época. Entretanto, acredito que essenúmero seja bem maior, tendo em vista quemuitas presas – como foi o meu caso – nãoforam levadas à Justiça Militar e muitas quemilitaram no período não chegaram a serpresas.” CCCCCEEEEECÍLIACÍLIACÍLIACÍLIACÍLIA C C C C COIOIOIOIOIMMMMMBBBBBRRRRRAAAAA

“Assim que o meu companheiro Luiz Carlosfoi solto, ingressei com pedido de passaportecomo qualquer pessoa. Quando ele saiu doDops, entramos os dois na clandestinidade edecidimos deixar o País. Tínhamos pressa, poiso Luiz Carlos poderia ser preso, outra vez, aqualquer momento. Não havia tempo paraesperar e não sabíamos se o documento iriaser concedido. Tínhamos muita pressa deabandonar o País. Iríamos para o Chile.Estávamos vivos. Depois de passar pela fasedo pau-de-arara, da tortura, no Doi-Codi do Rioe na Oban de São Paulo, ele foi transferido parao Dops, onde o vi pela primeira vez desdeaquela manhã de abril do dia em que a PE oseqüestrou na porta do Correio da Manhã.Ainda estava muito machucado, com marcas dehematomas e feridas dos choques elétricos.Magro e abatido. Menciono as marcas físicas.Quase milagre o fato de ele estar vivo. Temosciência de que os governos militares quetomaram o poder em 1º de abril de 1964,orquestrados pelo governo estadunidense,cometiam todos os tipos de ilegalidade eatrocidades com supostos opositores doregime: seqüestravam, mantinham presos,torturavam, assassinavam e executavampessoas e, ainda, desapareciam com seuscorpos.” EEEEELILILILILIEEEEETETETETETE F F F F FERERERERERRRRRRERERERERER

Eliete Ferrer: o objetivo é fazer chegar aosjovens a versão dos fatos dos oprimidos.

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45Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

Há anos em luta contra a ameaça in-sidiosa e mortal que se instalou em seucorpo, mas deixou-lhe a alma intactapara curtir até o final atividades comoa de Conselheiro da ABI, o jornalistaSílvio Paixão morreu aos 81 anos no dia2 de setembro, vencido na batalha diá-ria contra a morte, seu principal impulsopara viver.

Afeiçoado ao perigo como repórter ecom a emoção sempre a segui-lo de per-to, presentes em sua carreira desde mui-to jovem, ele foi um intimorato jornalis-ta, que, nos anos 1960, ao emigrar da bu-cólica Itaperuna de sua infância no No-roeste fluminense, buscou o jornalismoprofissional para se realizar. Ele gostavade dizer que Itaperuna foi sua “segundacidade natal”, desde que, aos dois anos,sua família deixou Caratinga, MG, ondeele nasceu a 27 de março de 1930.

Foi nesses anos 1960 que ele ingressouna Última Hora do Rio de Janeiro e o fez– contavam colegas de Redação –“a san-gue frio, no peito e na raça”, todos espan-tados com seu repentino ingresso em UHao se apresentar anonimamente – “comoum simples jornalista diletante” – ao edi-tor Flávio Brito e ser aceito como repór-ter de assuntos policiais. Ingressava, as-sim, na mais aguerrida das editorias espe-cializadas não só de UH, como tambémda imprensa do Rio de Janeiro.

Nessa seção de Polícia com fama de“nunca ser furada” e, muito ao contrário,de “sempre dar furos”, o repórter SílvioPaixão se formou e mergulhou fundo naapuração de crimes, alguns graves deli-tos oficiais/oficiosos, como foram os ca-sos dos Esquadrões da Morte, que neletiveram um vigilante autor de reporta-gens-denúncias. Suas investigações che-garam a livrar da execução pelo menosum condenado, não tivesse sido ele – ocondenado – localizado por Sílvio Pai-xão em um dos “xadrezes da morte” quefuncionava na Baixada Fluminense. E ofez conseguindo que um advogado deconfiança visitasse o preso em encon-tro fotografado e publicado em UH “an-tes que fosse tarde demais”.

Fechada a Última Hora pelos golpesda ditadura militar, Sílvio Paixão já fi-zera fama como repórter de cidade. Foitrabalhar em O Globo, após passagempelos Diários Associados, Jornal do Bra-sil e O Fluminense, onde exerceu a che-fia de Reportagem por longos anos. De-pois de O Globo, foi Subeditor da revistaBrasil Mais, publicada pela EditoraEuropa do Rio.

Militante sindical desde o ingressona atividade profissional, em 1999 elese elegeu Presidente do Sindicato dosJornalistas do Estado do Rio de Janeiro.Sua plataforma foi a recuperação da en-

Sábado, 3 de setembro.12h10min. O telefone toca. Quematende é o jornalista José CarlosRocha, produtor do programa SuaCidade e Seus Valores, apresentadopelo comunicador Nélson Carneirona Rádio Fluminense AM. Dooutro lado da linha, o jornalistaMário Dias.

Choque. Incredulidade. No halldo prédio do Grupo O Fluminense,o comunicador Nélson Carneiro,José Carlos Rocha, o Presidente daOrdem dos Advogados do Brasil/Subseção de São Gonçalo, José LuizMuniz e o professor GabrielLoureiro não acreditam no queouvem. Morrera na véspera ojornalista Sílvio Martins Paixão,que dentro de duas horas seriasepultado no Cemitério dasCharitas, em Niterói.

A trágica notícia gelou o sangue.A jovem Betânia, minha filha,sentiu que o pai ficou quaseparalisado. Nélson Carneiro, aolado do amigo José Luiz Muniz,perguntou o que houve. Respondiemocionado: “Morreu um irmão,um amigo querido”. Eu ia pra casa,mas mudei de rota e fui à despedida.

Um repórter sem medo: Sílvio PaixãoFormado na Última Hora de Samuel Wainer, na qual ingressou em 1960, Paixão levouessa marca para toda a sua vida profissional: como aprendera em UH, denunciou os

policiais que adotavam no Esquadrão da Morte a máscara de justiceiros que jamais foram.

POR PINHEIRO JÚNIOR

Pinheiro Júnior, membro do Conselho Deliberativoda ABI, trabalhou com Sílvio Paixão por quase 30anos em vários jornais do Rio de Janeiro e Niterói.

tidade, dando continuidade à missãoiniciada por seus antecessores na Pre-sidência – Gilson Monteiro e Gentil daCosta Lima.

Paixão morreu no Hospital de Clíni-cas de Niterói assistido pela esposa Ma-ria Helena e os filhos Sávio, Saulo e Sa-brina. Foi sepultado na tarde de 3 desetembro na Charitas, um bucólico cam-po-santo que lembra os cemitérios desua Itaperuna. Os companheiros que fo-ram ao adeus lembraram o metafísicopoeta John Donne, um inglês do sécu-lo XVII, que pregava o coletivismo aténo ato final da vida: “Ninguém morresozinho, a morte de um é parte da mor-te de todos”.

Com a partida do companheiro Pai-xão vai muito de todos os jornalistas eamigos que o admirávamos/amávamos/respeitávamos.

VidasVidas

Uma notícia degelar o sangue

POR PEREIRA DA SILVA (PEREIRINHA)

Sílvio Paixão foi um bravocompanheiro, que brigava pelanotícia. Brigava pela verdade.Como chefe, sempre valorizou oprofissional da imprensa, dacomunicação. Foi um amante edefensor das liberdades depensamento e de expressão.

No Cemitério das Charitas,encontrei a viúva, Maria Helena,e os filhos, Sávio, Saulo e Sabrina.Lá estavam também os jornalistasPinheiro Júnior, ContinentinoPorto, Gilson Monteiro, ErnestoViana, Inaldo Batista e SérgioCaldieri, o ex-deputado e advogadosindicalista Sílvio Lessa e seu filhoBruno, além de muitos amigos.

Pinheiro Júnior, que foi chefe deReportagem da Última Hora deSamuel Wainer, escreveu uma coisabonita: Sílvio Paixão, o repórtersem medo. Paixão ingressou na UHde Samuel em 1960. E o fez nopeito e na raça, conta Pinheiro.

Que Deus o tenha ao seu lado.À sua família e aos seus amigos, oconforto da nossa solidariedade.

Pereira da Silva é membro do Conselho Deliberativoe Presidente da Comissão de Sindicância da ABI.

Silvio Paixão: um jornalista obstinado eautor de diversas reportagens-denúncias.

Estado brasileiro. Assim sendo, o objeti-vo de publicar a obra não é gerar consen-sos, justo o oposto! Pretende-se ampliarpossibilidades de leitura e permitir a maisatores sociais que falem livremente so-bre aquilo que viveram e sobre o quepensam dessas experiências”, escreveuPaulo Abrão na apresentação da obra.

Momento de rever a HistóriaPor coincidência, na semana seguinte

ao lançamento de 68, A Geração QueQueria Mudar o Mundo – Relatos no Rio,a imprensa de todo o País anunciava aaprovação do Projeto de Lei nº 7.376/10na Câmara dos Deputados, ocorrida em21 de setembro, criando a Comissão Na-cional da Verdade. “Nossa publicação saiudo forno no momento de grande discus-são a respeito da nossa luta pela abertu-ra dos arquivos, pelo cumprimento dadecisão da OEA (Organização dos Esta-dos Americanos). Esperamos que o conhe-cimento proporcionado pela publicaçãodesta obra, junto com a abertura dos ar-quivos secretos da ditadura, contribuapara que esses fatos nunca possam ocor-rer novamente”, torce Eliete Ferrer.

A organizadora do livro faz ainda, apedido do Jornal da ABI, um balanço dosrelatos por ela recolhidos. “Certamente,todas essas pessoas vivenciaram o perí-odo de autoritarismo, com a crença deque poderiam alterar a história do Bra-sil. Alteramos. Conseguimos muito.Continuamos querendo mudar o mun-do. Marcas? Ficaram muitas, de todotipo. Fomos muito corajosos, mas somoshumanos, não somos suicidas. O medotambém esteve presente. Para você teruma idéia, depois da minha experiênciade prisão no Chile, fiquei anos sem po-der ver filmes de guerra. Muita gentetem sérias seqüelas físicas provenientesda tortura sofrida. Sem falar nas psico-lógicas”, conta Eliete, que aponta valo-res como generosidade, inteligência, oti-mismo e coragem como marcas princi-pais dos depoimentos.

Com mais de 600 páginas, o livro edi-tado pela Comissão de Anistia do Minis-tério da Justiça evidencia o quanto eraespecial a geração de 1968. “Como carac-terísticas, tínhamos generosidade e espí-rito de luta. Foi uma geração questionadorae transgressora. Como bem descreve Leon-cio de Queiroz em nosso livro, essa gera-ção cuja adolescência e juventude coinci-diram com esse período, vivenciou umestímulo intelectual, uma colocação denovas idéias e uma sociedade em transfor-mação rápida e positiva como nenhumaoutra. Coube a ela questionar tabus arrai-gados, preconceitos cristalizados e realizaruma revolução nos costumes e na menta-lidade então predominantes. Esta foi a ge-ração do feminismo, do amor livre e doanti-racismo”, cita Eliete.

O livro foi editado com a tiragem inicialde três mil exemplares e não será vendido,apenas distribuído. Todas as bibliotecasbrasileiras receberão um exemplar. Os in-teressados podem solicitá-lo à Comissão deAnistia. A obra também está disponível, naíntegra, no site do Ministério da Justiça.Basta acessar portal.mj.gov.br, e clicar noslinks Cidadania, Publicações, Categoria Li-vros, nesta ordem.

ARQU

IVO FAM

ILIAR

46 Jornal da ABI 371 Outubro de 2011

VidasVidas

Foram 62 anos de vida, 40 deles dedi-cados ao Jornalismo. No último dia 31 deagosto, José Meirelles Passos perdeu a lutacontra o câncer, que travava desde o anoanterior. Apaixonado pelo Jornalismodesde muito jovem, “estava ainda no gi-násio”, segundo declarou em entrevista,Meirelles formou-se na cidade paulista deSantos, onde iniciou sua carreira no hojeextinto jornal Cidade de Santos, perten-cente ao Grupo Folha. Transferiu-se de-pois para a sucursal santista de O Estadode S.Paulo, ao mesmo tempo em que come-çou a colaborar para o jornal Movimentoe para a revista IstoÉ, ainda sob o coman-do de Mino Carta. Quando Mino fundouo Jornal da República, convidou Meirellespara trabalhar na capital, mas o jornaldurou apenas poucos meses. Meirellesacabou ficando na IstoÉ, onde foi repór-ter de várias editorias. Foi lá que iniciousua atuação como correspondente inter-nacional, viajando por toda a AméricaLatina. Um de seus primeiros trabalhosnesta área foi cobrir o golpe de estado naBolívia, em julho de 1980.

Logo no ano seguinte, com o “know-how adquirido”, Meirelles tornou-se o úni-co jornalista estrangeiro a cobrir um novogolpe de Estado no mesmo país, em 1981.Como ficou sabendo do golpe um dia an-tes que acontecesse, ele teve uma visão pri-vilegiada dos fatos que culminaram coma queda do então Presidente Garcia Meza.

Meirelles Passos, universal,sem perder a brasilidade

POR CELSO SABADIN

Nos anos de chumbo no Uruguai, naArgentina e no Chile, sofreu pressões peloque escreveu e pelo que poderia ter escri-to. Mais tarde, no Iraque e no Irã, era im-pedido de andar pelas ruas sem a compa-nhia de um funcionário oficial.

Em janeiro de 1984, Meirelles mudade revista, e passa a ser correspondenteda Veja em Buenos Aires. Dois anos e meiodepois, permanece na cidade, mas trans-fere-se para O Globo, jornal que muito ra-

pidamente – em apenas seis meses – per-cebe seu talento e o transfere para Wa-shington, onde permanecerá por maisde 20 anos.

Como correspondente de O Globo e daRede Globo na capital dos Estados Uni-dos, Meirelles cobre não apenas os prin-cipais acontecimentos do país, comotambém realiza freqüentes viagens paraas mais diversas coberturas jornalísticas.Entre elas, a Guerra das Malvinas, em

1982; a invasão do Panamá pelos EstadosUnidos, em 1989; e as duas guerras noIraque, em 1991 e 2003.

Washington foi seu trampolim pararealizar também reportagens em Dubai,Bangkok, Berlim, Paris, Hong Kong, Taiwan,Bagdá, Cairo, Bogotá, Caracas, Ilhas Cai-man, Teerã, Moscou, Havana. Certa vez,quando perguntado sobre quantas viagensjá havia feito, Meirelles respondeu: “Me-nos do que eu gostaria”.

Sua vivência latina o levou a escrevero livro A Noite dos Generais: Os Bastidoresdo Terror Militar na Argentina, um minuci-oso relato de fôlego sobre o julgamento,em 1985, das três juntas militares quegovernaram a Argentina de 1976 a 1982.

Versátil, entrevistou de Jorge LuisBorges a Julio Cortázar, de Gabriel Gar-cía Márquez a Woody Allen. Mas tinhacomo método de trabalho jamais rompero cordão umbilical com as origens, nun-ca perder o foco do que é interessante parao leitor que o acompanhava nos veículosbrasileiros. Pregava um “olhar nacional”sobre toda e qualquer notícia.

Achava divertida a expressão “bater amatéria”, vinda do tempo das barulhen-tas máquinas de escrever. “Eu não bato,mas escrevo matérias”, dizia.

Retorna ao Brasil no início de 2009 eassume a função de repórter especial deO Globo, atuando, como era de sua prefe-rência, novamente em diversas editorias.

“Prefiro não me especializar. Gosto dodesafio de estar pronto para o que der evier. Exige muito esforço, leitura, atenção.E viver intensamente”, afirmou certa vez.

Assim, mesmo retornando ao Brasil,Meirelles nunca perdeu o hábito das co-berturas internacionais. No ano passa-do, viajou à África do Sul, país que con-tabilizou como sendo o 41º que visitou,onde cobriu a Copa do Mundo de Fute-bol. De volta ao Rio, fica sabendo da do-ença, mas não se deixa abater e compraum tablet para acompanhar o noticiárioe planejar novas reportagens que aindadesejava fazer.

Para Meirelles, uma frase ouvida nometrô, um papo de botequim, tudo pode-ria servir de inspiração para uma grandereportagem. Dizia, brincando (mas nãomuito), que lia com atenção até bula deremédio. Ele deixa um invejável currícu-lo de prêmios, incluindo o Esso (em1989, com a matéria O Brasil na Era Nu-clear, em O Globo), Vladimir Herzog, Fe-braban e Sociedade Interamericana deImprensa. E deixa também duas filhas edois netos que moram em Washington.

Durante a cobertura da segunda guerra no Iraque para O Globo, Meirelles sedeixou fotografar num depósito de alimentos da Onu em Bagdá, em 2003.

FOTOS: ARQUIVO ABI

Duas credenciais: umade correspondente

estrangeiro no Chile,em 1984, para a

revista Veja, e outrapara trabalhar em

Moscou para O Globona época da eleiçãode Putin, em 2000.

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Edison Cattete Reis sempre serálembrado como um exemplo dehonradez e competência no exercícioda profissão de jornalista em todos osveículos com os quais colaboroudurante a sua trajetória na imprensacarioca. Formado em Letras Neo-Latinas, foi copidesque no Jornal doCommercio do Rio de Janeiro de 1957a 1974 e escrevia crônicas para osgrandes jornais do Rio de Janeiro,como O Globo e o Jornal do Brasil, nasdécadas de 1940 e 1950.

Cattete Reis foi tambémadministrador do IBGE, de 1947 a1991 e, mesmo no período daditadura militar nunca deixou depublicar toda informação útil aopovo brasileiro. Falecido no dia 1º dejunho, aos 87 anos, Edison sempre foireconhecido como ótimocompanheiro de trabalho e um chefecompreensivo e responsável,exemplo de eficiência e equilíbrio emtodas as suas decisões.

No IBGE, participou daorganização da infra-estrutura dosCongressos Internacional eInteramericano de Estatística em1955. Também foi Chefe de Gabineteda Presidência e Chefe de Gabineteda Secretaria-Geral do ConselhoNacional de Estatística.

Deixou dois livros: Entre o Que Foi eO Que Virá, que reúne crônicas, e VivaGuidoval, Imortal (2009), com históriassobre sua cidade natal, Guidoval, nointerior de Minas Gerais.

Benoni Alencar, um mistérioPoliciais da Delegacia de Casimiro de

Abreu (121ª DP), no Norte fluminense,não conseguiram identificar a causa e ascircunstâncias da morte do jornalistaBenoni Alencar, 66 anos, cujo corpo foienterrado no último dia 28 de setembroem Rio das Ostras, Região dos Lagos.Alencar foi encontrado morto na vés-pera, em sua residência, no Distrito dePalmital, entre Casimiro de Abreu e Riodas Ostras, com marcas no pescoço, pos-sivelmente decorrentes de estrangula-mento. A Polícia trabalhava inicialmen-te com a hipótese de latrocínio, já queparentes relataram o roubo de um com-putador, objetos pessoais e dinheiro. Ovelório foi realizado na sede da bibliotecacomunitária em Palmital, de que ele foium dos fundadores.

Nascido no Piauí, Benoni Alencar par-ticipou de lideranças estudantis contraa ditadura militar de 1964 e chegou a serpreso na capital, Teresina. Em face daperseguição política em seu Estado, mu-dou-se para o Rio de Janeiro, onde traba-lhou nas Redações de O Globo e Jornal doBrasil. Ao longo de sua trajetória foi de-fensor das causas populares e ambien-tais. Fundou núcleos partidários no PT,nos anos 1980, e no Psol, recentemente.

Na década de 1990, Benoni criou em

Santarrita, talentosergipano

Redator de jornais e revistas, contis-ta, romancista e tradutor, o sergipanoMarcos Santarrita criou uma obra fe-cunda no Rio de Janeiro e na Bahia, ondese iniciou muito moço na atividade li-terária, como cronista e tradutor de im-portantes veículos, como A Tarde, o Jor-nal da Bahia e o Diário de Notícias. Nas-cido em 16 de abril de 1941 em Aracaju,Santarrita criou-se em Salvador, ondeteve a audácia, junto com outros jovensescritores, de fundar o periódico literá-rio Revista da Bahia. Em 1967, já morandono Rio de Janeiro, foi redator de O Glo-bo, Jornal do Brasil, Última Hora e Fatos &Fotos. Nessa época também colaboroucom a Folha de S. Paulo e a revista IstoÉ.

Autor de mais de uma dezena de títu-los, entre contos e romances, Santarri-ta era também tradutor dos mais respei-tados, de autores e estilos diversos, comoH.G.Wells, Henry James, Alexandre Du-mas, Eric Hobsbawm, Dashiell Ham-mett. Traduziu também a autobiografiado trompetista Miles Davis.

Foi duas vezes premiado pela Acade-mia Brasileira de Letras: como ficcionis-ta, em 2001, com Mares do Sul, que falade duas rebeliões de escravos na Ilhéusdo século XVIII, e como tradutor, peloconjunto da obra, em 2004. Recebeutambém o Prêmio Pen Clube do Brasil,como prosador.

Ele morreu no dia 4 de outubro de pro-blemas pulmonares em sua casa, em Co-pacabana, e foi sepultado no dia seguin-te no Cemitério São João Batista, no Rio.Estava com 70 anos.

Edison Cattete,o eficiente

Niterói o Caderno Oceânico, com a aju-da da mulher, a jornalista, poetisa e mili-tante política Sílvia Thomé, brutalmen-te assassinada em 1994, numa praia emNiterói. O crime gerou comoção e protes-tos e foi relatado em um documentáriocurta-metragem. Anos depois, BenoniAlencar mudou-se para a Região dos La-gos. Lá trabalhou na função de editor du-rante três anos da Folha dos Municípios.

Em 2001 Benoni fundou um periódi-co em Casimiro de Abreu, mas inter-rompeu a atividade em virtude de umacidente vascular cerebral, que lhe cau-sou problemas de locomoção. Aprovadoem um concurso público, trabalhou nosúltimos anos no Tribunal de Justiça doEstado, com exercício em Rio das Ostras.

“Ele era um jornalista muito rigoro-so, exigia uma compreensão enorme dalíngua portuguesa. Primava pela conci-são e tinha em Graciliano Ramos umaespécie de padrão. Lembro que ele ti-nha uma personalidade explosiva e nãotinha medo de bater de frente com aspessoas”, recorda o editor da Folha dosMunicípios, Aldo Gomes, que iniciou acarreira no Caderno Oceânico e foi che-fiado por Benoni Alencar.

Benoni Alencar deixou três filhas,uma delas repórter de O Estado de S. Paulo.

ASCÂNIO SELEMEDIRETOR DE REDAÇÃO E EDITOR RESPONSÁVEL DE O GLOBO

“Era uma instituição dentro do jornal.Respeitadíssimo por todos os seus colegas,no jornal e fora dele. Voltou ao Brasil há doisanos. Quem imaginava que Meirelles sentariana glória de tantos excelentes serviçosprestados ao Globo enganou-se. Parecia umfoca no Rio. Queria cobrir tudo, em qualquercircunstância, não havia para ele pauta ruim. Enunca voltava para a Redação de mãos vazias.”

CLAUDIA SARMENTOCORRESPONDENTE DE O GLOBO EM TÓQUIO

“Há pouco tempo Meirelles me disseuma coisa que eu nunca esquecerei: ‘Nãovire uma japonesa, não pense demais comoos japoneses. Não se acostume demais como Japão e com nenhum outro lugar. Sejasempre estrangeira, uma repórter que estáfora de seu país, mas mantém a curiosidadee percebe o que é diferente’.”

GILBERTO SCOFIELDREPÓRTER DA SUCURSAL DE SÃO PAULO DE O GLOBO

“Mais que um mestre jornalistaexcepcional, Meirelles foi um amigo querido,gentil e generoso.”

AYDANO ANDRÉ MOTTAEDITOR DA COLUNA ANCELMO

“Depois de uma estrelada carreira comocorrespondente, chegou ao Rio e se ofereceupara cobrir o Carnaval. Meteu-se numa vanpara Nilópolis, numa quinta-feira à noite, paraconhecer o ensaio da Beija-Flor, visitou aCidade do Samba e cruzou duas madrugadasno desfile na Sapucaí, sempre com aquelebrilho de iniciante apaixonado no olhar. “

SILVIA PISANICORRESPONDENTE DO LA NACIÓN EM WASHINGTON DC.

“Me lembro dele concentrado em seuspensamentos e sorrindo, sempre sorrindo.Até quando ficava bravo José mantinha ohumor, o que revela muita inteligência.”

ANA BARÓNCORRESPONDENTE DO CLARÍN

EM WASHINGTON DESDE 1985

“O que eu gostava do Meirelles comojornalista era que ele sempre buscava fazercoisas diferentes. Queria sempre agregar algonovo. A outra coisa linda que ele tinha é queera muito divertido, era sempre ele quemorganizava os jantares depois das coberturas,era um tipo que gostava muito da vida.”

JAIME HERNÃNDEZCORRESPONDENTE DO JORNAL MEXICANO

UNIVERSAL EM WASHINGTON

“A primeira vez que me encontrei comJosé Meirelles, ele me pegou pelo braço eme levou até seu escritório, sempre cheiode jornais, e me disse com uma voz calma e

Depoimentos extraídos de O Globo

sossegada: ‘Não te deixe devorar pelomonstro’. Corria o mês de dezembro de2007 e lá fora o barulho da campanha eleitoralde Barack Obama, de Hillary Clinton e essebatalhão de republicanos encabeçados porJohn McCain e Sarah Palin se multiplicava portodo o país. Sem que eu dissesse uma sópalavra, José já sabia o que me intrigava pordentro: uma onda de angústia e terror pelainexperiência como correspondente recém-chegado a Washington.”

LUÍS FERNANDO SILVA PINTOCORRESPONDENTE DA TV GLOBO

EM WASHINGTON DESDE 1986

“Ele era um leitor ávido e muito rápido.Ele ia buscar informações, ângulos, ondevocê tinha que suar pra pegar. Volta e meiavocê abria o jornal e pensava “Onde é queele foi achar isso?”

WILLIAM WAACKEDITOR-CHEFE E APRESENTADOR DO JORNAL DA GLOBO

“Havia duas coisas irresistíveis noMeirelles: um extraordinário senso de humore uma imensa astúcia. O Meirelles estavasempre na frente da piada. E sempre nafrente também para identificar as melhoresoportunidades. Várias vezes tive a sensaçãode que havia me esforçado muitíssimo paraconseguir alguma coisa (chegar a Bagdá, porexemplo, pouco depois da invasão do Kuwait,em 1990) e o Meirelles tinha conseguido omesmo com muito menos esforço.”

SÉRGIO DÁVILAEDITOR-EXECUTIVO DA FOLHA DE S.PAULO

“Não importa de que veículo, todocorrespondente que chegava a Washingtonsabia que tinha duas tarefas no primeiro dia:deixar as malas no hotel e procurar JoséMeirelles Passos.”

HÉLIO CAMPOS MELLOFOTÓGRAFO, DIRETOR DE REDAÇÃO

E EDITOR DA REVISTA BRASILEIROS

“Estivemos, lado a lado, na invasãoamericana no Panamá, em 1989 e na Guerrado Golfo, a primeira, em 1991. Perto do finaldo conflito tomamos caminhos diferentes eeu e o William Waack acabamos presos noIraque. Libertados depois de uma semanafomos levados para a fronteira com aJordânia. Meirelles estava lá. Ele foi nosreceber como amigo e fez a foto que tenhona parede. Além de ser um dos maioresrepórteres que conheci, adorava fotografia eera um tremendo retratista.”

TATIANA BAUTZERREPÓRTER DA REVISTA ISTOÉ DINHEIRO

“Foi um dos colegas mais solidários eentusiasmados pela profissão que jáconheci. ‘O que eu gosto mesmo na vida éde contar boas histórias’, dizia.”

A lembrança dos colegas

Em 1980 Meirelles teve a oportunidade de entrevistar Jorge Luís Borges para a IstoÉ.