jornal da abi 356

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa Jornal da ABI 356 JULHO 2010 PÁGINAS 17, 18 E 19 E agora, José? Páginas 42, 43, 44, 45 e 46 Dilma, a mulher, e Lúcia, a filha, com ele na foto à direita, jamais encontraram o seu corpo, para dar-lhe uma sepultura digna. MÁRIO ALVES MEMORIAL NA ABI CELEBRA O JORNALISTA MORTO NO DOI-CODI PLACAR, A CAMISA 10 DO JORNALISMO ESPORTIVO A MAIS LONGEVA DAS PUBLICAÇÕES SOBRE ESPORTES NO PAÍS, A REVISTA CRIOU UM ESTILO DE COBERTURA. PÁGINAS 3, 4, 5, 6 E 7 OS DIREITOS HUMANOS GANHAM IMPULSO NO RJ UM CARLOS LACERDA QUE POUCOS CONHECERAM DEZ ANOS SEM BARBOSA, UM BRASILEIRO EXEMPLAR CONJUNTO DE AÇÕES NESSE CAMPO INCLUI O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO NORTE E NOROESTE DO ESTADO. PÁGINAS 14, 15 E 16 O JORNALISTA QUE MAIS CONVIVEU COM O FUNDADOR DA TRIBUNA, GUIMARÃES PADILHA, NARRA FATOS INÉDITOS. PÁGINAS 20 E 21 PRESIDENTE DA ABI NOS ANOS 20-30 E DE 1978 A 2000, ELE ADOTOU COMO NORTE ESTA DIVISA: MEU PATRÃO É O BRASIL. PÁGINAS 32 E 33 Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, e agora ? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, e agora ? REPRODUÇÃO TUCA VIEIRA/FOLHA IMAGEM

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O Jornal da ABI faz uma homenagem a José Saramago e Barbosa Lima Sobrinho; celebra os 40 anos da revista Placar e comenta o fim do Jornal do Brasil. Na ABI, a inauguração do Memorial Mário Alves.

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI356

JULHO2010

PÁGINAS 17, 18 E 19

E agora, José?Páginas 42, 43, 44, 45 e 46

Dilma, a mulher, e Lúcia, a filha, com ele na foto à direita, jamais encontraram o seu corpo, para dar-lhe uma sepultura digna.

MÁRIO ALVES MEMORIAL NA ABI CELEBRA O JORNALISTA MORTO NO DOI-CODI

PLACAR, A CAMISA 10 DOJORNALISMO ESPORTIVOA MAIS LONGEVA DAS PUBLICAÇÕES SOBREESPORTES NO PAÍS, A REVISTA CRIOU UM

ESTILO DE COBERTURA. PÁGINAS 3, 4, 5, 6 E 7

OS DIREITOS HUMANOSGANHAM IMPULSO NO RJ

UM CARLOS LACERDA QUEPOUCOS CONHECERAM

DEZ ANOS SEM BARBOSA,UM BRASILEIRO EXEMPLAR

CONJUNTO DE AÇÕES NESSE CAMPO INCLUI OCOMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO NORTE ENOROESTE DO ESTADO. PÁGINAS 14, 15 E 16

O JORNALISTA QUE MAIS CONVIVEU COM OFUNDADOR DA TRIBUNA, GUIMARÃES PADILHA,

NARRA FATOS INÉDITOS. PÁGINAS 20 E 21

PRESIDENTE DA ABI NOS ANOS 20-30 E DE 1978A 2000, ELE ADOTOU COMO NORTE ESTA DIVISA:MEU PATRÃO É O BRASIL. PÁGINAS 32 E 33

Sua doce palavra,seu instante de febre,

sua gula e jejum,sua biblioteca,

sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerência,

seu ódio, e agora ?

Sua doce palavra,seu instante de febre,

sua gula e jejum,sua biblioteca,

sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerência,

seu ódio, e agora ?

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AGEM

2 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

EditorialEditorial

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Orpheu Santos SallesDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretora de Assistência Social: Ilma Martins da SilvaDiretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage eTeixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2010-2011Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanhade Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011Presidente: Pery CottaPrimeiro Secretário: Sérgio CaldieriSegundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto

Conselheiros efetivos 2010-2013André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico,Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, OrpheuSantos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Conselheiros efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, FernandoSegismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da SilvaFernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos ArthurPitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), LedaAcquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho,Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros suplentes 2010-2013Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, DanielMazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, SérgioCaldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

Conselheiros suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora,Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) eRogério Marques Gomes.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira Filho (Pereirinha), Maria doPerpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, SidneyRezende,Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAJosé Pereira Filho (Pereirinha), Presidente, Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes deMiranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSLênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, ArcírioGouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves,Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria CecíliaRibas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIALIlma Martins da Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco dos Santos,Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno JatahyDuque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.

Jornal da ABINúmero 356 - Julho de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira,Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luizde Freitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

Representação de São PauloDiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE

LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

UM DESASTRE IRREPARÁVELA DECISÃO DO GRUPO COMERCIAL que

detém o controle do Jornal do Brasil de en-cerrar a sua edição impressa tem um alcanceque transcende o simples marco de umaempresa, para se revestir de uma significa-ção que fere fundo a imprensa do País e acultura nacional, pelo papel que o veículooutrora pertencente à Condessa PereiraCarneiro desempenhou nesses campos da vidanacional, sobretudo a partir da segundametade dos anos 50 do século passado, quandoOdilo Costa, filho liderou, à frente de bri-lhantes profissionais, a modernização daantiga folha de anúncios classificados.

TAL COMO DISSE Rui Barbosa no século 19do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, o JBera mais que um jornal: era uma instituiçãonacional. Como tal, havia que ser preservado,sobreviver à maré de erros cometidos pelosherdeiros da Condessa e, nos últimos anos, pelosque assumiram a sua gestão. Ao cabo dosdesatinos que marcaram as duas últimas dé-cadas do JB, configurou-se o desfecho que aNação agora lamenta: seu próximo desapare-cimento como veículo impresso.

DESDE A REFORMA COMANDADA por Odi-lo e aprofundada por seus sucessores no co-mando da Redação – Jânio de Freitas, OmerMont’Alegre, José Ramos Tinhorão, NilsonLage, Alberto Dines, entre outros —, o JB foio grande paradigma da imprensa diária detodo o País, que o adotou como modelo deabrangência de cobertura, técnica de reda-ção do noticiário e das reportagens, diagra-

mação dos textos, edição de suplementos queganharam forma refinada, como as revistasPrograma e Domingo.

GRAÇAS À SOLIDEZ ECONÔMICA assegura-da pelo seu prestígio como jornal de classifi-cados, que lhe permitia contratar os melho-res profissionais, o JB pôde conduzir a altopatamar a reforma da técnica jornalística ini-ciada pouco antes pelo Diário Carioca sob ainspiração e o comando de Danton Jobim,Pompeu de Sousa e Luís Paulistano. Por issoo JB era admirado e imitado no País inteiro:ele fazia um jornalismo de excelência, comnível de qualidade comparável ao que demelhor se fazia e faz no mundo ocidental.

A COMUNIDADE JORNALÍSTICA E SUAS ins-tituições, como a ABI, a mais antiga destas,a Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaje os sindicatos de jornalistas do País, espe-ram que neste momento tão adverso não sereproduza em relação aos trabalhadores doJB que serão privados de oportunidade de tra-balho aquilo que aconteceu com veículos emeios de comunicação que desapareceramou passaram a ter existência apenas nomi-nal. Para recorrer à linguagem e à imagemdo meio profissional, espera-se que não serepitam, como uma espécie de pernicioso vi-deoteipe, os percalços impostos aos traba-lhadores da TV Manchete, que, após anos eanos, ainda penam para obter no Poder Judi-ciário direitos que lhes são sonegados desdeo seu fechamento. Os jornalistas estão can-sados de reprises do gênero.

03 VVVVVeículos eículos eículos eículos eículos - Placar, uma autêntica camisa 10

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

da imprensa esportiva

11 TTTTTestemunho estemunho estemunho estemunho estemunho - “Cobrir Copa não é prêmio,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

é tarefa”

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12 Reflexão Reflexão Reflexão Reflexão Reflexão - Agosto, desgosto?

13 Celebração Celebração Celebração Celebração Celebração - ABI pede reflexões no

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Dia da Imprensa

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29 Colapso Colapso Colapso Colapso Colapso - O JB no clímax da agonia

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30 TTTTTecnologecnologecnologecnologecnologia ia ia ia ia - A nova velha técnica 3D

31 BarrigaBarr igaBarr igaBarr igaBarr iga - Folha erra em anúncio de

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patrocinador da Seleção

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31 LançamentoLançamentoLançamentoLançamentoLançamento - MTV vai às ruas com jornal gratuito

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32 Lembrança Lembrança Lembrança Lembrança Lembrança - Dez anos sem Barbosa Lima

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33 PioneirismoPioneirismoPioneirismoPioneirismoPioneirismo - Anna Khoury, o sonho dourado

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34 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Oswaldo Miranda

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38 TTTTThe endhe endhe endhe endhe end - Larry King Live chega ao fim

SEÇÕES

0 AAAAA CCCCC O N T EO N T EO N T EO N T EO N T EC E UC E UC E UC E UC E U N AN AN AN AN A A B A B A B A B A BIIIII14 Direitos humanos ganham conjunto

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de ações no RJ

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17 A ABI inaugura o Memorial Mário Alves

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20 A trajetória de Lacerda e seus episódios inéditos

22 Comissão Especial da Câmara ouve as

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razões dos profissionais

LLLLL IIIII BBBBB E RE RE RE RE RDDDDDA D EA D EA D EA D EA D E D ED ED ED ED E I I I I IMMMMM PPPPP RRRRR E NE NE NE NE NS AS AS AS AS A

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26 RSF denuncia repressão a jornalistas no Irã

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27 CQC, alvo freqüente da violência

39 LLLLLIVRIVRIVRIVRIVRO SO SO SO SO S

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O Maracanazo, nossa tragédia em 1950

VVVVV IIIII DDDDDA SA SA SA SA S

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41 Hermano Alves, Amaury Fonseca

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42 José Saramago: Ser amado ou ser amargo?

46 Mais uma vítima de execução: Márcio,

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fotógrafo da TV Globo

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47 Ascendino Leite

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

3Jornal da ABI 356 Julho de 2010

VEÍCULOS

Há 40 anos surgia a revista semanal que revolucionou o jornalismosobre esportes no Brasil, eternizou gols e jogadas em magníficos textos eimagens e mostrou que não é só o resultado que interessa no futebol.

POR MARCOS STEFANO

Temos uma bomba que vaiser uma cagada no País”. Aforça das palavras do jorna-

lista Juca Kfouri, da revista Placar, pegoude surpresa Thomas Souto Corrêa, Vice-Presidente da Editora Abril. Era outubrode 1982 e ele trazia debaixo do braço umcalhamaço de 90 laudas jornalísticas, re-sultado de quase um ano de árdua inves-tigação promovida pelos repórteres Sér-gio Martins e Ronaldo Kotscho.

O explosivo conteúdo denunciava oelaborado esquema de corrupção quehavia tomado conta da Loteria Esporti-va no Brasil, uma febre nacional naque-le tempo. As suspeitas vinham de tem-

pos. Anos antes, o próprio Kfouri forachamado por Milton Coelho da Graça,atualmente Conselheiro da ABI, paracompartilhar suas dúvidas. O númerode acertadores, sua distribuição pelos Es-tados e o acerto das chamadas “zebras”,os resultados mais improváveis, forma-vam uma conta que não batia com alógica matemática.

De posse dessas suspeitas, a revistachegou a passar um tempo atrás de pis-tas em Brasília, mas sem grandes avan-ços por causa do sigilo que a Caixa Eco-nômica Federal mantinha em relação atodos os seus ganhadores. Esclarecer oassunto era quase impossível, mas o pró-

prio Kfouri não desistia. Já Diretor deRedação, desafiava abertamente os repór-teres a empreenderem nova investigação.No ano anterior, 1981, uma declaração doex-Presidente do Botafogo Charles Borerdando conta de que “a loteca é séria só atéa bola rolar” e a acusação contra o radia-lista Flávio Moreira por manipular resul-tados traziam renovado alento.

Diante dessas informações e com vá-rias outras pistas e contatos, Martins eKotscho retomaram o trabalho. No dia 22de outubro de 1982, Placar chegava àsbancas trazendo uma das melhores repor-tagens do jornalismo brasileiro em anos.Um verdadeiro dossiê, com 125 nomes de

árbitros, dirigentes, técnicos, jogadorese personalidades nacionais, relatando pas-so a passo como se dava o esquema de ma-nipulação de resultados que recebeu onome de “Máfia da Loteria”.

Não dá para contar a história do jor-nalismo esportivo no Brasil sem falarsobre as históricas reportagens da “Máfiada Loteria”, iniciadas em 1982, mas quetiveram uma série de suítes depois. Paramuita gente, essa profunda investigaçãofoi o nosso Watergate da bola, acabandocom a idade da inocência no futebolcanarinho e levando o esporte à suamaioridade. Também consagrou umarevista que já vinha sendo um dos gran-

LEMYR MARTINS

4 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

des sucessos da imprensa esportiva des-de a sua criação, a semanal Placar. Aocompletar seus 40 anos, a revista é umamarca de sucesso, responsável por retra-tar os principais lances dentro e fora doscampos nas últimas décadas. Mesmocom tantas instabilidades nas vendas,devido às crises econômicas ou aos fra-cassos dentro das quatro linhas, fatoresque mexem com os ânimos dos apaixo-nados leitores-torcedores, Placar driblouas dificuldades para fazer verdadeirosgols de placa, imortalizando o suor e aluta dos jogadores em textos e imagensde qualidade e se tornando uma escolapara gerações de profissionais.

Até o início dos anos 70, questionava-se muito por que publicações de esporte,sobretudo de futebol, não davam certo noPaís. Afinal de contas, a tradição na áreaera grande e o Brasil já era bicampeãomundial. Na prática, a imprensa sempreprocurou incluir o assunto em suas pá-ginas, mas apenas como coadjuvante. Asexceções eram poucas e restritas aos jor-nais. Assim aconteceu com o suplemen-to A Gazeta Esportiva, criado no final dadécada de 20 pelo jornal A Gazeta, em SãoPaulo, e que se tornou uma publicaçãoindependente, e com o Jornal dos Sports,famoso pela cor rosa, fundado em 1930,no Rio de Janeiro. A profissionalização ea transformação do esporte em negócioajudaram, mas não tanto. Caso mais re-cente é do diário Lance!, publicado des-de outubro de 1997, com a meta de che-gar a 400 mil exemplares diários, mas queestacionou em um quarto disso.

Em termos de revistas, a MancheteEsportiva teve alguns lampejos nos anos50, mas vida curta. Depois do surgimen-to de Placar, tentaram ressuscitá-la, semsucesso. A Revista do Esporte, nascida nosanos 50, no Rio, perdurou apenas até ocomeço da década de 60. Coube aos jor-nais investirem. Entre 1953 e 1957, aprópria A Gazeta Esportiva publicou AGazeta Esportiva Ilustrada; repetindo afórmula, o Lance! agora publica nos finsde semana a revista Lance!A+ e a men-sal Fut!. Todas, porém, são produtosmenores. Apenas nos últimos anos é quenovos produtos têm surgido, como Tri-vela, FourFourTwo e Revista da ESPN.

“Durante muito tempo o esporte foiconsiderado um gênero menor no jorna-lismo, o que é um grande erro, como estácomprovado agora. O esporte não é maisuma questão de lazer ou supérfluo, é vivoe pulsante torcer diariamente pelo timedo coração e, nas copas, pela Seleção Bra-sileira. Creio que parte da culpa por essavisão distorcida é da nossa cultura espor-tiva. Em uma nação de 196 milhões de téc-nicos, todos têm opinião própria e certa.Nesse ambiente, o conhecimento espor-tivo não é adquirido pela leitura, a não serem poucos casos”, avalia o jornalistaBruno Chiarioni, um dos autores do livroOnde o Esporte se Reinventa: Histórias eBastidores dos 40 Anos de Placar (PrimaveraEditorial). “Placar conseguiu quebrar umpouco desse pensamento e tornar-se re-levante por seu conteúdo.”

A Sports Illustrated brasileiraApesar de ter se concretizado apenas

na década de 70, a idéia de produzir uma

revista esportiva é bem mais antiga naEditora Abril. Já em 1952, Cláudio deSouza sugeriu à família Civita a criaçãode uma publicação com muitas fotos,especialmente a seqüência de gols, tex-tos curtos e charges. O nome Placar, naocasião, inclusive teria sido anotado eregistrado. Mas a Abril ainda era umaeditora de quadrinhos, sem qualquer tra-dição em jornalismo.

O projeto continuou engavetado ape-sar do sonho acalentado por Victor Ci-vita de fazer por aqui uma Sports Illus-trated, semanal que desde 1954 circula-va nos Estados Unidos. Em fins dos anos60, com a experiência adquirida princi-palmente com outras publicações comoQuatro Rodas, Cláudia, Veja e, principal-mente, Realidade, o problema estavaresolvido. Aristélio Andrade, MaurícioAzêdo, atualmente Presidente da ABI, ePaulo Patarra, que fora Diretor de Reda-ção da revista , apresentaram uma novaproposta. A Abril encarregou Maurício,que era então Editor de Texto deRealidade, de dirigir a implanta-ção do projeto. Seu Victor, comoera chamado, imaginava associ-ar-se à Caixa Econômica Federale fazer de Placar o veículo ofici-al da nascente loteria esportiva.O volante dos jogos e os resulta-dos seriam veiculados exclusiva-mente na revista.

Houve gritaria generalizada ea Caixa fez a loteca de interessepúblico. Mas o projeto não arre-feceu. Com o foco em grandes re-portagens feitas por jornalistastarimbados e o privilégio às fo-tos, Placar teve quatro edições-piloto, com as chamadas de capaTostão exclusivo: Eu jogo!; Toninho:Saldanha nos traiu; Acorda, João!e A seleção está fora do campo. Otão esperado número 1 chegou àsbancas no dia 20 de março de1970, com a matéria de capa “Va-mos ganhar a Copa. Só nos fal-ta humildade”. A receita era dePelé, figura que seria recorrentenos momentos mais importan-tes da revista pelos 40 anos se-guintes. No expediente, nomesde peso como Cláudio de Souza,diretor nominal da revista, Mau-rício Azêdo, Woile Guimarães,Hamilton de Almeida Filho, JoséMaria de Aquino, Michel Lau-rence e Lemyr Martins.

O primeiro tempo de Placar,nesse começo de anos 70, foi marcadopela busca de influência e de mercado.Daí a escolha do rei Pelé, que vivia ummomento singular na carreira, para an-gariar prestígio. Logo a revista tornava-se a principal referência de informaçãosobre futebol no País, diversidade que osjornais, restritos a suas praças, não con-seguiam abarcar: “A revista atravessoudiversas fases e, para sobreviver, preci-sou sempre se reinventar, descobrir fór-mulas novas. Elas eram fundamentaispara superar as seguidas ameaças de fe-chamento da publicação. Nesse momen-to inicial, o grande diferencial foi sua co-bertura com repórteres espalhados pe-las principais praças do Brasil. Especial-

mente no Campeonato Brasileiro, comeste nome desde 1971, ela passou a tersua melhor época de vendas”, explica ojornalista Márcio Kroehn, também au-tor de Onde o Esporte se Reinventa.

Nessa história, Sobrenatural de Al-meida, o personagem criado por NelsonRodrigues para justificar os lances maisincríveis em jogos da Seleção ou de seuFluminense, não seria o responsável pelosucesso da publicação. Mesmo com aprecariedade das comunicações de então,Placar conseguia levar resultados quen-tes e precisos, um grande resumo da ro-dada, com a ficha técnica de praticamen-te todos os jogos do fim de semana peloBrasil, em seu Tabelão. Fazê-lo não erasimples. Nas noites de domingo, forma-va-se um grupo de atendentes, que fa-ziam ligações para todo o País madruga-da adentro.

Ainda em 1970, a revista criou aque-les que se tornariam os mais prestigiadosprêmios da história do futebol brasileiro.

A Bola de Prata seleciona desde então, noBrasileirão, os onze melhores jogadores,um em cada posição. Já a Bola de Ouro éentregue ao craque da competição, o atle-ta com melhor média durante toda a dis-puta. A eles somou-se em 1999 a Chuteirade Ouro, oferecida para o artilheiro docertame. Dar notas e tabular tudo foi,desde o princípio, um trabalhão. Mas queconferiu ainda mais prestígio à revista. Aponto de, nos anos 90, num momento emque Placar nem mesmo tinha periodici-dade, saindo apenas em edições especi-ais, a revista gastar uma boa quantia paracontratar freelancers para cobrir os jogos,apenas para dar notas e não deixar osprêmios morrerem.

VEÍCULOS PLACAR, UMA AUTÊNTICA CAMISA 10 DA IMPRENSA ESPORTIVA

Revista-pôster e Guia da CopaNo meio esportivo costuma-se dizer

que só o “cabeça de bagre”, aquele joga-dor medíocre, faz boas jogadas logo decara. O craque, o virtuoso, o estilista,prende a bola, cultiva-a cuidadosamentee, quando ninguém mais espera, fazaquela jogada sensacional e mata a par-tida. Os placarianos aprenderam logoessa arte. Primeiro, com a criação denovos produtos. A revista foi pioneira napublicação de edições especiais, os gui-as das principais competições mundiais.Preciso e extremamente analítico, o Guiada Copa 94, por exemplo, serviu de re-ferência para todos os jornalistas queforam cobrir o mundial dos Estados

O fotojornalismo semprefoi um dos pontos fortesde Placar, que publicou

em quatro décadasinstantes memoráveis.Entre eles, está aquelecaptado por Luiz Paulo

Machado, que fotografouPelé em 1970 com uma

marca de suor emformato de coração. Seteanos depois Olívio Lamasclicou o momento em que

André Catimba voa numjogo do Grêmio. Em 1982J.B. Scalco capturou dois

momentos mágicos daSeleção de Telê Santana:Zico roubando a bola de

Maradona e Falcãocomemorando mais umgol. Já em 2009, a foto

curiosa de AlexandreBattibugli mostra DiegoSouza sendo abraçado.

FOTOS: DEDOC/EDITORA ABRIL

5Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Unidos. Sem esse caráter de antagonis-ta do espetáculo, mas com um sucessoeconômico muito maior, a revista-pôs-ter dos campeões foi outra invenção mar-cante. O custo é quase zero. A foto, nor-malmente, já foi feita, os textos são re-aproveitados e não precisa nem cortar opapel na gráfica, já que o pôster vem do-brado em oito partes.

Apesar da importância de todos essesprodutos, o que mais marcou os 40 anosda revista foi a reportagem. Contar mui-tas – e boas – histórias é um verdadeiroesporte para Placar.

“Mesmo antes dela, as editorias deesporte dos jornais no Brasil já faziammatérias de denúncia e investigativas.Mas não havia uma publicação que sepautava por essa linha. Podemos dizer,sim, que o jornalismo investigativo nosesportes surge nos anos 70 por aqui comPlacar”, acredita Márcio Kroehn.

A revista não somente desmascaroua “Máfia da Loteria”, em 1982. Tambémdenunciou casos marcantes de doping,como o de Mário Sérgio, em 1981, e ode Mazolinha, em 1987, este conside-rado o mais marcante depoimento jádado sobre o assunto e premiado como Prêmio Esso de Jornalismo, no anoseguinte. Antes de tudo isso, Placar, quedesde o começo carregou a bandeira daorganização e moralização do futebol,decidida que estava a escancarar os bas-tidores do esporte nacional, publicouuma série de denúncias contra WadiHelu, então Presidente do Corinthians.Era o primeiro ano da revista, mas oclube mais popular de São Paulo esta-va há tempos sem títulos. Por trás des-sa difícil situação, os desmandos dedirigentes que se perpetuavam no po-der e tentavam a eleição para cargoslegislativos às custas da agremiação.

O pontapé inicial dessa história foidado quando o repórter José Maria deAquino visitava a Redação do Jornal daTarde e, quase meio que sem querer, con-seguiu com um dirigente corintiano umpacote. O embrulho trazia diversos do-cumentos denunciando irregularidadesde Helu. O JT não publicaria, considera-va arriscado demais. Placar não tinha taispudores. Milton Coelho, Diretor de Re-dação da revista na década de 70, consi-dera que o trabalho da publicação foi de-terminante para que, nos anos 80, acon-tecesse o célebre movimento da Demo-cracia Corintiana e dirigentes de outrosclubes passassem a respeitar um poucomais seus associados e torcedores.

Em 1988, outro furo. A revista, noperíodo com um tamanho maior, maiscolorida, textos mais curtos e impressacom papel-jornal, o que fazia com quetivesse um preço menor, investigou cin-co grandes estádios no Nordeste. A ma-téria, produzida pelo repórter UbiratanBrasil e pelo fotógrafo Orlando Kissner,mostrava construções imensas, verda-deiros elefantes-brancos erguidos comdinheiro público numa época de ufanis-mo, normalmente superfaturados e queficavam quase totalmente ociosos, rece-

bendo na maior parte do tempo públi-cos modestos. Mais recentemente, emnovembro de 2005, Placar desvendariaoutra máfia, dessa vez a do apito. Em re-portagem de André Rizek, também pu-blicada por Veja, a revista aproveitouuma denúncia anônima para escancararum esquema que envolveu suborno deárbitros e manipulação de resultados porgolpistas de sites de apostas.

“Mas as melhores matérias não foramsomente de denúncia. Muitas vezes con-tando dramas humanos ou casos inte-ressantes, a revista contou ótimas his-tórias”, ressalva Kroehn. Verdade. Foidessa forma que o repórter Celso Kinjôse disfarçou de árabe e “comprou” meiotime do Santos, mostrando como erafácil enganar os dirigentes ainda em umperíodo em que as multimilionárias tran-sações para o exterior não existiam. Oupassando uma semana inteira num pe-queno time quase amador do interior doParaná, como fez o Redator-Chefe Arnal-do Ribeiro, para retratar as dificuldadesda vida de um boleiro. Ainda empreen-dendo uma monumental tarefa de inves-tigação, como fez Kátia Perin, quandodesembarcou na Redação, em 1989. Ká-tia recebeu do Diretor Marcelo Duarte

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uma fotografia, em que o jovem Pelé apa-recia ao lado de outros garotos do juve-nil do Bauru Atlético Clube, o Baquinho,nos anos 50, e foi incumbida de identi-ficar, descobrir onde estavam e o quefaziam os companheiros do primeirotime do craque. Como era “foca”, Kátiasentiu-se na obrigação de resolver omistério. Ninguém sabia nada a respei-to dos demais, a não ser os apelidos es-critos no verso. Em três meses, porém,ela encontrou todos e conquistou o se-gundo Prêmio Esso de Informação Espor-tiva da história da revista.

A tragédia de SarriáNa trajetória de Placar, nem sempre

grandes reportagens tiveram reflexospositivos na venda em bancas. Logo apósa denúncia da “Máfia da Loteria”, em1982, também capitalizada pela tragédiade Sarriá, o estádio onde o futebol forçada Itália de Paolo Rossi acabou com osonho do tetra do futebol-arte da Seleçãoverde-amarela, a revista entrou num pe-ríodo de declínio. Essa situação perdurouaté que em 1984 trouxe de volta um ve-lho sonho da Abril, a transformação dasemanal numa revista de todos os espor-tes, em que as diversas modalidades tives-sem espaços mais equilibrados. Com o tí-tulo adaptado para Placar Todos os Espor-tes, a revista ganhou esse perfil.

“A Placar Todos os Esportes não é aSports Illustrated verde-amarela, mas seaproxima. Porém, não tem público noBrasil para ela”, já avaliava naquele tem-po Juca Kfouri. Dito e feito. A fase nãodurou mais de 33 números.

Depois disso, ainda na década de 80,tornou-se a Placar Mais, uma tentativade torná-la mais popular, quase uma Con-tigo. Também não deu certo. Dessa vez,no entanto, somado a uma grave crise fi-nanceira atravessada pela Abril no come-ço dos anos 90, por muito pouco a publi-cação não sucumbiu. Foi tirada de circu-lação, sendo substituída por outra revistamais voltada para esportes radicais e deelite, a Ação. Placar virou um título espo-rádico, saindo apenas em edições especi-ais por mais de um ano – ainda que todomês tenha sido lançado um número – pormuito pouco o título não foi vendido.

Como a Abril não costuma negociarsuas revistas, a opção seria acabar de vezcom ela. Isso não aconteceu por causa dotetra, que viria em 1994 e traria um novoalento à publicação. Juntamente, claro,com a estabilidade proporcionada peloreal. Em abril de 1995 a revista inovaria

no tamanho e se diversificaria. Não maisatrás de um público diferente, mas daque-les que gostavam de futebol, porém am-pliando o leque para atrair mais gente.Agora, já no segundo tempo de sua exis-tência, era a Placar – Futebol, Sexo eRock’n‘roll, com inédita venda de assina-turas e, definitivamente, mensal. Logo naestréia, aparecia o atacante Edmundo,conhecido pelo jeito difícil e rebeldia,abraçado a um ursinho, com a manche-te ao lado: O animal precisa de carinho.

“Já para produzir o texto foi meiodelicado. Para fazer um perfil do jogador,comecei perguntando macio e apertan-do aos poucos. Ele poderia deixar a en-trevista, mas ficou. Fui surpreendidopela fragilidade da pessoa que se escon-dia por trás do atleta. Trabalhei isso compsicólogos e amigos dele. Deu trabalho,mas mais difícil foi a foto. Pensei que iaapanhar, mas, afinal, conseguimos con-vencê-lo”, conta e diverte-se o atualDiretor de Redação da revista, SérgioXavier Filho, autor da polêmica matéria.

A iniciativa foi uma das mais interes-santes da história do jornalismo espor-tivo no Brasil. O sucesso foi imediato:a revista vendeu 240 mil exemplares e,em pouco tempo, as assinaturas supera-ram as vendas em banca. As matériaseram as mais variadas. Marcelo Duarte,no comando da publicação, fez reporta-gens um tanto quanto exóticas. Um timeda terceira divisão da Finlândia, o San-ta Claus Futebol Clube, foi destaque emmatéria sobre o esporte na terra de Pa-pai Noel. Já no centenário do livro Drá-cula, de Bram Stocker, Duarte foi para a

Romênia e, na cidade do lendário vam-piro, encontrou um time chamado Gló-ria de Bistrita.

Apesar do aumento de publicidade, osgastos também eram altos. E havia dis-cordâncias sobre o que se queria da revis-ta. Para a Abril, Placar já não conservavamais sua identificação com a luta pelatransparência na política esportiva. JucaKfouri, Diretor do Núcleo responsávelpela publicação, discordava. De acordocom ele, era impossível pensar na revis-ta sem desejar a modernização do fute-bol brasileiro. Essas diferenças se acentu-aram com seguidas críticas ao Presiden-te da CBF Ricardo Teixeira e culminaramna saída de Kfouri da empresa, em umepisódio bastante controvertido. Fato éque, tempos depois, com a perda da Copade 1998, na França, a revista outra vez de-clinou, começou a dar prejuízo e passoupor nova reformulação. Voltaria a serapenas Placar, dali por diante.

Ser multimídia, o caminhoTal qual passar pela defesa de um time

que joga na retranca, encontrar a melhorfórmula para uma revista nem sempreé tarefa das mais fáceis. Os placarianos,melhor do que quaisquer outros, sabemdisso muito bem. Depois de 1998, a re-vista continuou mensal, passou a sersemanal, voltou a sair apenas a cada mêse quase fechou de vez às vésperas daCopa do Japão e da Coréia, em 2002. Foiapenas depois do penta que a Abril de-cidiu que Placar já não era somente umproduto, mas uma marca e que o cami-nho era apostar nela.

“Temos que aproveitar toda essa cre-dibilidade. A revista é conhecida e res-peitada no mundo inteiro. Tornou-se re-ferência aqui e lá fora. No Brasil, gera-ções de jornalistas foram formadas porPlacar. Eu, por exemplo, fui alfabetiza-do lendo a revista. Não queria ir ao den-tista, em Porto Alegre, e minha mãe meconvencia prometendo comprar umexemplar para mim na banca”, lembraSérgio Xavier Filho, contando uma ex-periência muito parecida com a vividapor grande parte dos nomes mais conhe-cidos da imprensa esportiva nacional.

Há quem diga que Placar perdeu ocharme de outros tempos e, com ele,também a excelência. Xavier discorda.Afirma que continua a mesma, apenasdiferente. É verdade que não conta maiscom 50, 60 profissionais na Redação,como havia nos anos 70. Está enxuta,com apenas dez, mas isso é um reflexodos tempos atuais. Importa é continu-ar antecipando tendências, inovando eproduzindo material de qualidade.

“Sem ser cabotino, mas a revista sem-pre esteve à frente de seu tempo. Em1994, inovou e ganhou agilidade com ouso da foto digital. Quatro anos depois,montou uma redação inteira na França.Naqueles tempos, essas coisas pareciamloucura. Hoje, são normais. Percebemosque não basta chegar uma vez por mêsnas mãos dos leitores, é preciso uma li-gação mais estreita e estamos entrandoem novas plataformas, buscando diver-sificar nosso público”, diz Xavier.

Atualmente, a revista tem uma tiragemque varia entre 70 mil a 90 mil exempla-

VEÍCULOS PLACAR - UMA AUTÊNTICA CAMISA 10 DA IMPRENSA ESPORTIVA

Ao lado, três capas das edições-testenúmero zero de Placar e a capa escolhida

para a primeira edição (acima).

Três capas que deram o que falar: Edmundo em 1995; Ronaldo na Copa de 1998, e Neymar ao lado de Pelé, em abril deste ano.

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imagem sempre foi vista demodo diferente na revista Placar.Ainda na década de 1970, quan-do grande parte das publicações

usava as fotos apenas para preencher osburacos vazios do texto ou, no máximo,complementar a informação dada porescrito, no semanário esportivo elas eramdestaque na cobertura. Em um tempo emque a televisão ainda não mostrava osprincipais lances para o público, os tor-cedores encontravam na revista os deta-lhes de cada jogada e cada gol em seqüên-cia. Fotos coloridas, às vezes, em páginadupla, conferiam à imagem, sem qualquerexagero, o status de arte.

Talvez nenhum nome representemelhor toda essa revolução no fotojor-nalismo esportivo nacional do que o docatarinense Lemyr Martins. Radicado noRio Grande do Sul, ele iniciou a carrei-ra no começo dos anos 1960, no jornalÚltima Hora. Depois, passou por ZeroHora, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo,Jornal da Tarde e Edição de Esportes, an-

tes de chegar a Placar, ainda em 1969. Fi-cou na revista durante mais de 30 anoscomo repórter-fotográfico, editor defotos, editor de automobilismo e, final-mente, editor executivo. Nesse período,cobriu seis Copas do Mundo, 14 finaisdas grandes competições interclubes defutebol na Europa, 304 corridas de Fór-mula 1 e um sem-número de jogos e ma-térias especiais Brasil afora. Suas lentesforam testemunhas de algumas das ce-nas mais impressionantes do esporte nasúltimas décadas. E registraram momen-tos inesquecíveis, seja Pelé socando o arenquanto comemora mais um gol naCopa de 70, ao lado de Tostão e Jairzi-nho – segundo Lemyr, a foto mais publi-cada do século, superando a de AlbertEinstein mostrando a língua –, seja o vôoespetacular da March do piloto Maurí-cio Gugelmin, na largada do GrandePrêmio da França de Fórmula 1, em 1989.

Apurando, escrevendo e fotografan-do com excelência, Lemyr tornou-sementor e inspiração para gerações de

res. Como acontece com outras publica-ções, devido à enorme quantidade de tí-tulos, a venda em bancas está estável. Masas assinaturas não param de crescer. Des-sa forma, Xavier projeta ultrapassar logoos três dígitos. Mesmo possuindo um pú-blico eclético, um pouco mais concentra-do na faixa etária que vai dos 25 aos 35anos, a ordem é atrair os mais novos. Paraisso, a marca torna-se cada vez mais mul-timídia, com lançamentos de dvds, refor-mulação do site, criação de blogs e comu-nidades virtuais, lançamento de aplicati-vos para celular e inauguração de cama-rotes em grandes estádios, como o Mo-rumbi e o Maracanã. Até a fórmula sema-nal foi recuperada. Se os tempos são ou-tros e a revista não consegue mais concor-rer com a internet e com os tantos canaisde televisão especializados, a solução en-contrada foi a criação do Jornal Placar, pu-blicação com 80 mil exemplares, distribu-ída gratuitamente duas vezes por semananas principais vias da capital paulista.

Para celebrar a nova fase e tambémcomemorar seus 40 anos, Placar aindavirou exposição. Em parceria com a Fun-

dação Armando Álvares Penteado, aFaap, a revista apresentou na tradicio-nal universidade, em junho, 180 fotos,60 capas e dez infográficos que estive-ram em algumas de suas 1.456 ediçõese quase 160 mil páginas durante essasquatro décadas. Há também uma com-pilação de vídeos, um banco de dadoscompleto sobre todas as Copas, além decamisas, luvas, bolas e outros objetos degrandes jogadores.

Se um olho está voltado para o pas-sado, para conservar a mesma qualida-de, originalidade e excelência editorial desua fundação, o outro mira no futuro.Muitos desafios estão por vir. Afinal, oBrasil se prepara para sediar mais umaCopa e, em seguida, sua primeira Olim-píada. Nos próximos anos, o jornalismoesportivo deve ser a bola da vez no mer-cado, mas ainda é preciso superar o ve-lho dilema de que o brasileiro só gostade dois esportes: futebol e levantamen-to de medalhas. Sim, pois pouca gentecostuma acompanhar vôlei, basquete,automobilismo, natação ou outro qual-quer quando não se ganha. Encontrar so-lução para esse dilema parece tão impor-tante para Placar quanto torcer para queo mercado publicitário continue em efer-vescência e permita mais investimentos.

Na esteira de tantas novidades e de-safios, uma certeza paira na Redação darevista. Por mais que se invente, a fórmu-la derradeira para que a publicação con-tinue sendo o camisa 10 da imprensaesportiva nacional é simples e bem an-tiga. Com a palavra, o Redator-Chefe Ar-naldo Ribeiro:

“O segredo de Placar continuará sen-do a análise aprofundada, a reportagembem feita, o furo jornalístico. Às vezes,a presença desse tipo de matéria nãogarante que uma edição venda mais queoutra, mas dá a repercussão que a revistaprecisa ter. Tem peso e gera a discussãonecessária nos outros órgãos de impren-sa, causa debate, reflexão, dá credibili-dade. Um veículo relevante se constróiassim, com jornalismo de primeira,como há 40 anos”.

Com mais de três décadas cobrindo jogos e corridas emcampos e autódromos mundo afora, o fotojornalista

conta causos, fala sobre os bastidores de Placar e revelasegredos que permitiram à publicação revolucionar o

jornalismo esportivo brasileiro.

POR MARCOS STEFANO

Sérgio Xavier: Fui alfabetizado lendo Placar.

A equipe de Placar que cobriu a Copa de 2010 foi composta pelos jornalistas HeberAlvares, Marcos Sérgio Silva, Eduardo Ianicelli, José Vicente Bernardo, Alex Borba, Luis

Eduardo Ratto, Everton Prudêncio, Bruno Favoretto, Ewerton Araújo e Bernardo Itri.

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profissionais da imprensa esportiva, gen-te como JB Scalco, Manoel Morta, Ro-naldo Kotscho, Rodolpho Machado,Sérgio Sade, Ari Gomes, Orlando Kiss-ner, Ricardo Corrêa, Pedro Martinelli,Nelson Coelho e Alexandre Battibugli.

“Antes de mais nada, o fotojornalistadeve ser ousado. O que diferenciou tan-to o trabalho de Placar foi revelar o deta-lhe escondido que mesmo aqueles queiam aos estádios não conseguiam enxer-gar. O olhar apurado e a sensibilidadeaguçada são fundamentais para elaborare executar bem uma grande pauta. Ain-da mais porque pouca gente tem umavisão tão privilegiada quanto aqueles queestão atrás da lente de uma máquina fo-

tográfica”, explica Lemyr Martins.Aos 73 anos, Martins está aposenta-

do, mas continua na ativa, trabalhandocomo freelancer para publicações comoQuatro Rodas. Depois de tantas viagens,competições e cliques, tornou-se umcontador de histórias. Tanto que já lan-çou cinco livros e prepara um sexto, pro-visoriamente com o título de 50 Anos deFotojornalismo, no qual contará aquilo queestá por trás de algumas de suas maismarcantes fotos. Não um making of, masdeliciosas histórias de coberturas, desa-fios e fortes emoções, uma verdadeira aulado melhor jornalismo. Para recordar al-guns desses momentos e analisar a impor-tância de Placar para o jornalismo espor-

tivo brasileiro, ele atendeu a reportagemdo Jornal da ABI. Entre causos e dramas,revelou o segredo das coberturas da revis-ta: “Foi um trabalho que unia criativida-de e paixão. Coisas que só o jornalismoe o esporte podem proporcionar”.

JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ CHEGOU APLACAR E COMO FOI O COMEÇO DA REVISTA?

Lemyr Martins – – – – – Eu trabalhava noEdição de Esportes, jornal especial do Es-

tadão. Era uma época romântica. Paracobrir os jogos no interior de São Paulo,por exemplo, viajávamos em três duplas,sempre repórter de texto e fotográfico,no mesmo avião. A aeronave deixavauma dupla numa cidade, como Arara-quara, seguia para São José do Rio Pre-to, deixava a outra, e ia para PresidentePrudente. Lá, esperava o final da parti-da no aeroporto. Depois, fazia o cami-nho inverso, voltando para São Paulo.Revelávamos os filmes no vôo mesmo.Ao chegar na Redação, era só encaixarna página pré-diagramada. Se a partidativesse um grande personagem, era usa-da um foto horizontal. Se não, era ver-tical mesmo. Parece um sacrifício exage-rado, mas num tempo em que não ha-via internet nem cobertura da televisão,era a única maneira de o torcedor acom-panhar o que acontecia com seu time.Quando cheguei na Abril, em 1969, Pla-car ainda era chamada de Projeto Alfa.A editora já tinha uma tradição em re-vistas bem-sucedidas como Claudia,Realidade, Quatro Rodas. A Veja aindaestava começando. Mas o desafio eradiferente: o Brasil tinha uma tradição denão emplacar revistas sobre esportes.Para vencê-lo, trouxeram o modelo e aqualidade dessas outras publicações,além de uma equipe tarimbada, coman-dada por Hamilton Almeida Filho, WoileGuimarães e Maurício Azêdo, além de re-pórteres talentosos como Hedyl ValleJúnior, José Maria de Aquino e MichelLaurence. Naquele tempo, a fórmula eraconvidar um grande nome e ele trazia suaequipe. Fizemos diversos números zero.Lembro que viajei para o Uruguai, co-brindo a preparação da Seleção local paraa Copa de 1970. Depois, fui para a Ar-gentina, ver o clima do país, já que suaSeleção não conseguiu se classificar.

Além de fotografar, Lemyr Martins também produzia grandes matérias, como essaentrevista em que juntou dois dos maiores craques do futebol: Pelé e Garrincha.

Um ano antesda Copa de

1986, o Méxicofoi abalado por

um grandeterremoto.

Lemyr registroua catástrofe.

LEMYR MARTINS: AS HISTÓRIAS POR TRÁS DAS IMAGENS

Lemyr (agachado, à direita) participava do time de Placar-Veja em 1971, que era formado pelos seguintes craques da Redação: empé, Manoel Motta, fotógrafo; Hedyl Valle Jr., Redator-Chefe; Peninha, diagramador; e os repórteres Tim, Carmo Chagas, Micahel

Laurence. Agachados, Saldanha, diagramador; Ramon, redator; Paulo Henrique Amorim, repórter, e Luizão, diagramador.

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

9Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Perdeu a vaga para o Peru. Placar me deuessa primeira chance de fazer cobertu-ra internacional. Não dá nem para com-parar o hoje com aquele tempo. No co-meço, você ia pelo cheiro, fazia, testemu-nhava. Mais do que fotógrafo, tinha deser repórter.

JORNAL DA ABI - COMO ERAM AS REUNIÕES

DE PAUTA NESSES PRIMEIROS TEMPOS, JÁ QUE

VÁRIOS DE VOCÊS FAZIAM MATÉRIAS SOBRE

ESPORTES EM JORNAIS E PRECISAVAM FAZER

UMA REVISTA?Lemyr - Naturalmente, fazíamos um

crivo, para ver como os jornais tratavamos assuntos. Nossa cobertura deveria serdiferente, a de uma revista. Não podía-mos apenas cobrir, deveríamos projetar,ter algo mais que o jornal, ser mais ana-lítica, com pautas diferenciadas. Assim,nunca nos restringíamos ao jogo. Fazí-amos muitas imagens para arquivo e quepudessem estampar matérias temáticase perfis. Hoje, as reuniões de pauta sãopara três ou quatro. Aceitam-se suges-tões dos demais, mas só por escrito. Nocomeço de Placar, não. Todo mundo eraintimado a participar. E eram reuniõesapaixonadas, já que todos gostavam defutebol. O Maurício Azêdo era um apai-xonado pelo Flamengo; o Teixeira Hei-zer, fanático pelo Fluminense. Eles sejuntavam com os corintianos, são-pau-linos, palmeirenses e santistas, de SãoPaulo, e tínhamos grandes debates. Sem-pre criativos, em que um explorava eampliava a idéia do outro. O desafio erabuscar algo novo, diferente, inusitado.E com abrangência nacional, um dossegredos da revista. Por exemplo, se fôs-semos fazer uma reportagem diferenci-ada sobre a Copa do Mundo da África.Poderíamos pegar dois dos grandes jo-gadores desse mundial, o Robben e oSneijder, da Holanda, para falar sobre oscarecas no futebol. Mandávamos a pautapara Recife, para Porto Alegre, para Sal-vador, para Belo Horizonte e para o Rioe descobríamos os carequinhas do fute-bol brasileiro. Até hoje só a TV Globo fazalgo parecido. Naquele tempo, era algoinédito. Esse trabalho tão importante doMilton Neves, de resgate da memória doesporte brasileiro, procurando onde es-tão grandes ídolos do passado, já fazía-mos nos anos 70, quando fomos atrásdos jogadores brasileiros que disputarama Copa de 1938.

JORNAL DA ABI - ESSES DETALHES CURIO-SOS ERA SÓ PLACAR QUE DAVA...

Lemyr - Naquele tempo, o futebol nãoera o show que é hoje na televisão. Nomáximo, passavam os gols em videotei-pe e uma única câmera, colocada lá emcima do estádio, acompanhava as parti-das. A fotografia esportiva, até então,também trazia muita informação perifé-rica e passamos a focar no detalhe do lan-ce. Tínhamos os melhores equipamentose podíamos trabalhar com planos abertose fechados, dependendo da necessidade.Os closes eram fantásticos. Assim, des-cobríamos detalhes curiosos, mas funda-mentais. Uma vez fizemos uma matériasobre catimba na cobrança de escantei-os. Colocávamos o fotógrafo ali do lado,na hora de cobrar o córner, e descobría-

mos quem eram os maiores catimbeiros.Boas fotos também podiam se transfor-mar em belíssimas pautas. Se o jogadorestivesse muito suado, por exemplo, fa-zíamos uma reportagem sobre suor nofutebol. Procurávamos médicos, endocri-nologistas, preparadores físicos. Íamosatrás do jogador que perde mais peso noNáutico, no Recife, e no Grêmio, em PortoAlegre. A matéria ficava completa, cheiade informações, plástica e curiosa, já quealguns atletas, apesar de suarem muitodentro de campo, não perdiam mais doque alguns gramas. Placar tinha dessascoisas, mas para tanto tivemos que adap-tar uma máxima do jornalismo: lugar derepórter não é na Redação, é ao lado docampo, seja num importante jogo, sejanum simples treino.

JORNAL DA ABI - MATÉRIAS SUAS SURGI-RAM DESSA FORMA?

Lemyr - Várias. Aquilo que você achamais sem importância pode se transfor-mar em tremendas pautas. Certa vez, fuifotografar o jogo do Santos, já perto dofinal do campeonato. A partida não ti-nha maior importância. Naquele ano,apenas Palmeiras e São Paulo ainda ti-nham chances de título e a foto ilustra-ria o Tabelão, uma seção que trazia to-dos os resultados da rodada e era umenorme sucesso, pois todos os progra-mas de rádio a utilizavam para dar infor-mações. Porém, percebi durante a partidaque toda hora o Pelé caía. Foram umas25 quedas. Fiquei curioso e perguntavaa mim mesmo: por que aquele negão caíatoda hora? Depois de acompanhar tam-bém o jogo do tricolor, no interior, vol-tei para a Redação e revelei os filmes. Nareunião relâmpago de pauta, que fazía-mos todos os domingos à noite, paraaproveitar sugestões do pessoal das su-cursais e matérias que poderiam ser fei-tas logo na segunda, antes de os timesviajarem para jogar, apresentei o mate-

rial. Como sabia que toda segunda-fei-ra Pelé tinha sessão de massagem na VilaBelmiro, entre 14 e 15 horas, eu e Car-los Maranhão seguimos, no dia seguin-te, para o litoral. A princípio, Pelé nãoqueria falar conosco, mas depois cedeu.Entrei e fui logo falando: “Rei, precisote mostrar algo”. E ele: “Sempre você.Que é, rapaz?”. Mostrei as fotos. Ele pro-vocou: “E daí, estou caindo”. “Mas vocênunca caiu tanto. E sem reclamar”, re-truquei. “Mas você que é o repórter. Seacha que tem alguma coisa, deveria ex-plicar”, disse ele, sem se dar por venci-do. Mas, no fim, rendeu-se: “Você não es-teve lá em Brangança Paulista, semanapassada?”. Sim, eu havia estado. Tinhaido lá e feito o homem vestir mais de 100camisas diferentes de times e seleçõescontra os quais ele jogou para fotografar.“Pois bem, eu estava lá gravando umaponta num filme do Paulo Goulart. E tivede aprender golpes de capoeira e jiu-jit-su. Agora, uso isso em campo. O cara mepuxa, eu empurro. Se me empurra, eupuxo. Recebo faltas, caio e não me ma-chuco.” A matéria rendeu quatro páginase foi um tremendo sucesso.

JORNAL DA ABI - A FOTO DO PELÉ NA CAPA

DA PLACAR NÚMERO 1 TAMBÉM TEM UMA HIS-TÓRIA CURIOSA. PODE CONTAR?

Lemyr - Na reunião de pauta, o ElifasAndreatto, nosso Chefe de Arte, apre-sentou várias sugestões. A vencedora foia imagem do Pelé, com a Taça Jules Ri-met e uma chamada já definida: Receitapara ganhar a Copa. Fui escolhido paraa missão e enviado ao Rio, ao Itanhan-gá Golfe Clube, onde estava concentra-da a Seleção, para fazer a foto. Mas ha-via várias dificuldades. Primeiro, a taçaoriginal estava na Inglaterra, país cam-peão de 1966. Consegui uma réplica naantiga CBD. Mas era apenas uma lâmi-na de cinco milímetros de espessura eestava quebrada na base inferior. Depois,

tinha que convencer o Pelé a tirar a foto.“O quê? Receita para ganhar a Copa? Dejeito nenhum”, respondeu ele, bem aoseu estilo. Com a ajuda do José Maria deAquino e do Michel Laurence, conven-ci o homem. Mas nada de estúdio. Só po-saria ali mesmo e me daria dez minutos,antes do treino da tarde, sem prorroga-ção. Nem a sugestão de fazer a barba eletopou. Topou usar a camisa da Seleção,mas como o distintivo ia mudar para acompetição, tive que usar uma sem em-blema. Por causa disso, inverti a posiçãoda pose, que era com a taça à direita paraa esquerda do logotipo. A taça, quebra-da na base, ficou escondida entre as mãosdele, mas de forma bem chapada, de fren-te, para não se notar que era uma répli-ca daquelas. Pelé não era somente o me-lhor no ofício da bola, mas também eraentendido sobre posar. Sorriu 108 vezes,nos três filmes que usei. Os dez minu-tos viraram os 45 do tempo regulamen-tar, mais acréscimos para os acertos fi-nais. As imagens, com o belo céu azul ca-rioca ao fundo, além de parte da capa darevista, renderam pôster e ninguém per-cebeu que a camisa não era oficial nemque a Jules Rimet era falsa. A verdadei-ra fotografei Pelé levantando pouco tem-po depois, no México.

JORNAL DA ABI - NA COPA, VOCÊ AINDA

FOTOGRAFOU O PELÉ SOCANDO O AR, NUMA

CENA QUE IMORTALIZARIA ESSA COMEMORAÇÃO.Lemyr - Foi contra a Tcheco-Eslová-

quia, na vitória brasileira por 4 a 1. Elerecebeu um lançamento primoroso dospés do Gérson, subiu, matou a bola nopeito, entre os zagueiros Horvath e Mi-gas, deixou a bola quicar na grama e,quando o goleiro Vicktor saiu em suadireção, só chutou colocado. Registrei aobra-prima e, ao perceber que ele corriaem minha direção, fiquei com as pernasbambas. Mas deu tempo de pegar outraNikon F3, com lente 300, e registrar o

Uma cena impressionante captada pela lente de Lemyr no GP da França de 1989: durante a largada, no Circuito de Paul Ricard, oMarch do piloto brasileiro Maurício Gugelmin bate no carro da frente e decola num vôo espetacular sobre outros dez carros.

10 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

pulo, com o soco no ar, ao lado do Tos-tão e do Jairzinho. Jamais imaginei quefaria tanto sucesso e resistiria tanto tem-po. Tornou-se a fotografia mais publica-da do Brasil, superando até aquela doEinstein mostrando a língua (risos). E foieleita pelo jornal Folha de S. Paulo a fotoesportiva do século.

JORNAL DA ABI - E COMO FOI O USO DA COR

NAS FOTOS, OUTRO DIFERENCIAL DE PLACAR?Lemyr - Muita gente comprava a re-

vista por causa delas. Até 1973, a tele-visão no País ainda era em preto e bran-co e as fotos coloridas e em cromo, umtipo de filme muito sensível e que nãotolera erro, davam vantagem à revista.Além de Placar, apenas Manchete publi-cava fotos coloridas, mas não eram deeventos esportivos. Esse recurso garantiauma qualidade muito maior à revista.Além de serem a cores, eram fotos exclu-sivas. Diferente de outras publicaçõesque publicavam fotos de agências e re-cebidas por aparelhos de telefotos. Mastambém dava muito trabalho produzire enviar esse tipo de material. Não ha-via nada comparado à internet, então.Se a cobertura era no exterior, os filmestinham que ser enviados ao Brasil paraserem revelados. Nas páginas de aberturadas corridas de automobilismo, usáva-mos duas fotos coloridas, uma maior,bonita e com ângulo fechado, que extra-polava uma página. E outra menor, deângulo mais aberto, que mostrava o am-biente. Títulos e legendas podiam serfechados no domingo mesmo, junto como resto da revista, pois a matéria seguiapor telex. As fotos das páginas seguin-tes também, pois iam por radiofoto. Masnão as coloridas. O que eu fazia? NosGrandes Prêmios da Suécia, que cobrientre 1973 e 78, chegava na sexta-feira,por volta do meio-dia e ficava torcendopara fazer um tempo meio nublado. Fo-tografava de oito a 12 filmes, com o pes-soal testando as máquinas, saía do autó-dromo, pegava o carro e ia até o aeropor-to de Gottemburgo, que ficava a uns 250quilômetros. Lá, pegava o avião, fazia es-cala em Copenhague, e ia para Paris. Che-gava na Varig, portando alguma coisa dePlacar para me identificar, e procurava unsdois brasileiros que fossem para São Pauloe pudessem levar os filmes. Tinha queorientá-los para colocá-los junto com abagagem de mão, para não esqueceremou perderem os filmes. Avisava a Reda-ção, descrevendo os portadores, pegavao vôo de volta para Copenhague. Se nãotivesse outro para Gottemburgo à noite,esperava até as seis da manhã do sábado.Nesse horário, embarcava para o tercei-ro país. Às 10h30min, estava no autódro-mo, cobrindo o treino. No domingo, o res-tante do material era enviado depois dacorrida, mas ainda assim era a primeiraparte fechada, por causa do fuso horário.E saíamos em cor, junto com os principaisjornais, como o Estadão, que não circu-lavam nas segundas.

JORNAL DA ABI – VOCÊ SOMENTE FOTOGRA-FAVA OU TAMBÉM ESCREVIA?

Lemyr - Fazia ambas as coisas, já queficaria muito caro para a revista manterduas pessoas direto na Europa, por três

meses. Entre as corridas, cobria futebol.Mesmo esquema. No começo, fazia umtexto que era copidescado depois, masfui me especializando, pegando o jeito.Mas não era só no Velho Mundo que umacobertura dava trabalho. A precarieda-de de condições estava em todo lugar. Noinício de 1971, Pelé estava próximo decompletar 1.000 jogos e Placar estava emcontagem regressiva. O jogo acontece-ria durante uma excursão do Santos pelaAmérica Central e marcamos em cima.Eu comprei os números e minha esposacosturou-os na camisa verde e preta darevista. Coloquei o troféu Bola de Pra-ta, prêmio de hors concours que seriadado a ele, na mala e embarquei. Passeipor Trinidad-Tobago, Jamaica e Surina-me, onde a histórica partida ocorreu. Erao único jornalista brasileiro presente naocasião. Convenci o Pelé e ele entrou coma camisa de Placar e o troféu em campo.Mais difícil foi enviar o material. Despa-chei os filmes com dois portadores, poravião. Como o único lugar que havia te-lex no país era o palácio do Governo, tiveque enviar o texto para Amsterdã, naHolanda. De lá, ele foi retransmitido paraSão Paulo. Se não desse certo, teria de es-perar dois ou três dias para chegar aosEstados Unidos e enviar tudo. Quem nãogostava muito dessa história de viajar,não ter fim de semana, nem feriado, eramas mulheres. Pelo menos uma vez por

mês precisávamos organizar um jantarem que os homens cozinhavam. Tam-bém, com campeonatos que tinham 94clubes, era jogo que não acabava mais.

JORNAL DA ABI - QUE OUTRAS FOTOS FO-RAM BASTANTE MARCANTES PARA VOCÊ?

Lemyr - Além das que já citei, houvemuitas outras. Uma foi tirada em Ma-naus, durante um amistoso do Brasilcontra a Seleção do Amazonas. As no-vidades eram as convocações de DadáMaravilha, o Dario “Peito de Aço”, e doTostão. Naquele jogo, Dadá arrebentou.Quando revelei, percebi que havia umaem que ele parecia ter três pernas. A ilu-são se deu porque Tostão passava justa-mente naquela hora atrás dele. A fotovirou capa de Placar número 5, com otítulo O fenômeno Dario. A partir daí,ninguém mais ficou quieto. Todos pres-sionavam o Saldanha, pedindo o atacan-te no time nacional. Também inesque-cível foi a seqüência da largada do GP daFrança de 1989, no Circuito de Paul Ri-card. A cena mais dramática aconteceuna primeira curva com o piloto brasileiroMaurício Gugelmin. Ele só se recorda doimpacto na traseira de seu March e quebateu no carro da frente, antes de deco-lar num vôo sobre outros dez carros. Viuo mundo ao contrário; quando aterris-sou, de cabeça para baixo, encolheu-setodo, deslizando no asfalto e pensando

no pior, que teria a cabeça arrancada fora.Gugelmin que me perdoe, mas foi incrí-vel. Melhor ao vê-lo saindo do meiodaquela sucata, batendo o pé no chãopara certificar-se vivo e correndo até osboxes para pegar o veículo reserva e dara segunda largada.

JORNAL DA ABI - NO COMEÇO DA CARREI-RA, COBRINDO CORRIDAS, VOCÊ TAMBÉM EXPE-RIMENTOU UM MOMENTO DRAMÁTICO QUE

QUASE LHE CUSTOU A VIDA, CERTO?Lemyr - Em 1971, fui de última hora

para os Estados Unidos cobrir as 500Milhas de Indianápolis. Mas como tudofoi muito rápido, acabei recebendo umapulseira com o número, 127, de cor ver-de, que limitava meu espaço de coberturaà mureta, ao lado da pista. Em qualquercircuito do mundo o lugar seria o ideal,menos lá. Em Indianápolis, o melhorlugar é a tribuna de imprensa, de ondese via toda pista oval. E a tribuna esta-va reservada para pessoas com colete decor vermelha. Pelo menos para tirar umafoto da largada, feita em movimento, ne-gociei com um jornalista cubano. Dei aele 50 dólares para trocarmos de identi-ficação e eu usar o colete vermelho poralguns minutos. Só que descobriram aarmação e tive que me contentar com amureta mesmo. De lá, assisti a um dospiores acidentes de minha vida: o carro-madrinha se desgovernou e chocou-sejustamente contra a tribuna. Os fotógra-fos lá caíram de uma altura de cincometros. Registrei tudo e voltei para oBrasil. Quando cheguei à Redação, nãoentendi toda a emoção do pessoal, queme cumprimentava com beijos e abra-ços apertados. Só descobri quando li otelex recebido pela revista. Ele informavaque uma das vítimas, internada em es-tado grave na UTI do Indiana Memori-al Hospital, era um fotógrafo “moreno,baixinho, de 34 anos, estrangeiro”. Ah,e portador da identificação número 127.Só aí me dei conta de que não havia pe-gado de volta a braçadeira verde. A par-tir daí, sempre que voltava de uma via-gem passávamos horas conversando efalando sobre experiências.

JORNAL DA ABI - APÓS TUDO ISSO, COMO

VOCÊ DEFINE A PLACAR QUE AJUDOU A CRIAR?Lemyr - Uma revista à frente de seu

tempo. Capaz de olhar a fotografia deoutro jeito, de forma plástica, como arte.Não à toa, criou as Imagens de Placar,duas páginas duplas com fotos que nãotinham necessariamente compromissocom os textos. Sempre com bom humore capazes de guiar a notícia. No final doano, também era uma edição apenas comfotos que salvava a pátria. Em períodode férias de jogadores, sem maiores atra-tivos, vendia horrores. Assim como opôster especial. Eram produtos baratos,já que tínhamos todos os fotolitos pron-tos e bastava apenas reaproveitar o ma-terial. Por tudo isso, ainda acho que háespaço para uma revista semanal de es-portes no Brasil. Não como fazem osdiários esportivos ou competindo coma tv. Aí seria loucura. Mas analisando arodada, os grande momentos do espor-te e trazendo imagens espetaculares, namelhor tradição de Placar.

LEMYR MARTINS: AS HISTÓRIAS POR TRÁS DAS IMAGENS

A foto que foi capa de Placar com o título O fenômeno Dario, mostra Dadá Maravilha,com três pernas, fotografado durante um jogo da Seleção pouco antes da Copa de 70.

11Jornal da ABI 356 Julho de 2010

O jornalista Jefferson Klein, do Jor-nal do Comércio de Porto Alegre, subme-teu ao Presidente da ABI, por e-mail,um minucioso questionário, cujas res-postas foram montadas por ele numtexto fluente, que reproduziu com fi-delidade as opiniões do entrevistado.Publicada sob o título “Uma cobertu-ra jornalística com emoção”, antes doinício da Copa, no começo de junho, amatéria comportou dois subtítulos des-tacados “Profissionais enfrentam es-tresse da maratona” e “Soluções móveisintegradas ganharão mais espaço”, estededicado à descrição dos recursos tec-nológicos com que a cobertura da Copacontaria. O texto da reportagem deJefferson Klein é este:

UMA COBERTURAJORNALÍSTICACOM EMOÇÃO

Diferentemente das matérias jorna-lísticas de áreas como economia e po-lítica, a cobertura de esportes, princi-palmente a de futebol, no Brasil levaum ingrediente extra: o sentimento. Opresidente da Associação Brasileira deImprensa, Maurício Azêdo, defendeque, sem eliminar a isenção, a cobertu-ra da Copa do Mundo tem de ser apai-xonada, militante, engajada.

No entanto, ele ressalta que tambémnão pode assumir a idéia de que a Se-leção é a Pátria de chuteiras, como nadefinição de Nélson Rodrigues. Nélsonera um ficcionista, um dramaturgo,podia criar imagens desse tipo, assimcomo personagens fantásticos, comoo Sobrenatural de Almeida, presentenos jogos do seu Fluminense, comen-ta o dirigente. Para ele, o jornalismoesportivo precisa atender ao públiconaquilo que ele quer ver contemplado:sua paixão pelo futebol.

Azêdo afirma que, mais do que osJogos Olímpicos, que constituem ou-tro destacado evento esportivo inter-nacional, a Copa do Mundo de futebolé o mais importante acontecimento daárea esportiva para todos os veículos decomunicação do Brasil. Ele acrescentaque isso independe do formato ou meio– veículos impressos, rádios, televisões.Para os profissionais, é a grande opor-tunidade de mostrar seu talento e com-petência, qualquer que seja a parte quelhes caiba – a reportagem, a crônica, afotografia, a narração, o comentário, aevocação histórica etc, aponta Azêdo.

Quanto às empresas, o dirigenteenfatiza que é o maior momento devenda ou de audiência, bem como defaturamento e de busca de prestígio. É,também, o evento que exige maiorinvestimento e desembolso para amanutenção de numerosa equipe no

exterior, com custo pago em moedaforte – o dólar. “Vale a pena, esse é oprincipal evento em matéria de interes-se do público”, diz o Presidente da ABI.

Além de repórteres, comentaristas,fotógrafos e cinegrafistas, a Copa doMundo exige a participação de profis-sionais de diferentes formação e quali-ficação, desde os engenheiros que cui-dam de pormenores técnicos no cená-rio da Copa e na retaguarda no Brasil atéo mensageiro, sem os quais a cobertu-ra não alcança o nível de eficiência ne-cessário. Em matéria de qualidade dacobertura, de acordo com Azêdo, osmeios de comunicação do Brasil não per-dem em nada para os dos demais países,mesmo aqueles com mais recursos eco-nômicos, como os veículos de impren-sa da Espanha, Itália, França, para men-cionar aqueles países em que a Copa doMundo merece cobertura especial.

PROFISSIONAISENFRENTAM ESTRESSE

DA MARATONAO longo afastamento de casa, da fa-

mília e do País é a principal dificuldadeenfrentada pelos jornalistas na cobertu-ra da Copa do Mundo, aponta o presi-dente da ABI, Maurício Azêdo. Depois,vem o desconforto da vida em hotéis,por mais confortáveis que estes sejam;a diferença de hábitos de refeição e decardápios; a necessidade de mudar decidade para acompanhar a programaçãode jogos; a diferença de fusos horáriosentre a captação da informação. “Por

mais que procurem disfarçar, os profis-sionais, com todas as alegrias que as vi-tórias possam causar, vivem um prolon-gado momento de desconforto, de exaus-tão física e de estresse”, relata Azêdo.

O dirigente acredita que cobrir umaCopa do Mundo não é prêmio, masuma tarefa pesada. Nesta de 2010, naÁfrica do Sul, a todas as dificuldadesdescritas acrescenta-se a da escassez deenergia elétrica no país. O presidenteda ABI salienta ainda que cada meio ecada veículo tem o seu viés de cober-tura. Ele recomenda que o jornal e orádio não repitam secamente o que opúblico já viu pela televisão, têm de sermais criativos, apresentar aquele algoa mais que as câmeras não mostraramou não puderam mostrar.

As revistas, de seu lado, têm que con-siderar que precisam ir além do que jáfoi oferecido a cada dia pelos jornais. Demodo geral, os meios de comunicaçãobrasileiros têm invejável know-hownessa matéria. “Afinal, temos, desde1958, mais de meio século de cobertu-ras dessa natureza”, lembra Azêdo.

SOLUÇÕES MÓVEISINTEGRADAS GANHARÃO

MAIS ESPAÇOMesmo fora dos sistemas de trans-

missão, a tecnologia movimentará aCopa da África. Os sistemas de rastre-amento geográfico, como o GPS, esta-rão nas mãos dos turistas em definiti-vo, dando a eles uma autonomia decirculação jamais vista em eventos

“Cobrir Copa não é prêmio, é tarefa”Em entrevista publicada no Jornal do Comércio de Porto Alegre, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, disse que cobriruma Copa do Mundo impõe ao jornalista um prolongado momento de desconforto, de exaustão física e de estresse.

esportivos. O uso da nanotecnologia jácomeçará a ser vista nos smartcards,que identificarão os torcedores e agi-lizarão a compra de ingressos. Pareceficção, mas ocorrerá o tempo todo naCopa da África. Nas Olimpíadas deInverno de Vancouver, estas inovaçõesjá foram usadas com muito sucesso,explica Ricardo Piccoli, diretor-presi-dente da Criterium Business Mobile.

As empresas de comunicação tam-bém serão beneficiadas pelas tecnolo-gias. A Cisco e a ESPN anunciaram umaparceria para transmissão de eventos– ao vivo e gravações de partidas e en-trevistas – da Copa, por meio de umaferramenta chamada TelePresença, queenvia áudio e vídeo em alta definiçãopor meio da infra-estrutura de bandalarga da Cisco existente na sede dotorneio. Cada unidade do TelePresen-ça custará US$ 80 mil. E uma estima-tiva inicial da ESPN prevê que a econo-mia será de US$ 25 mil por entrevista.

Também caracterizará esta Copa atransmissão dos jogos ao vivo pela in-ternet. Nos sites das empresas de co-municação como a Rede Globo e a Net,será possível assistir ao vivo aos con-frontos. “Esta opção deverá ser muitoútil no Brasil, já que os jogos ocorrerãono horário de expediente no País; porisso, as empresas estão preparadas paraas transmissões online”, observa Eduar-do Pelanda, professor de ComunicaçãoDigital da Pucrs. O uso da internet tam-bém será disseminado com a implemen-tação do wi-fi nos estádios.

TESTEMUNHO

Para acompanhar a jornada da seleção espanhola rumo ao seu primeiro título mundial de futebol, centenas de jornalistas domundo inteiro enfrentaram uma maratona de exaustão física e de estresse durante a cobertura da Copa da África do Sul.

LAUR

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IFFITHS

12 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

uitos anos atrás, no mêsde agosto, a História re-gistrou duas explosões

atômicas, em Hiroshima e Naga-saki. Em poucos segundos, mais de90 mil pessoas morreram, em Hi-roshima. Em Nagasaki, outras 70mil também desapareceram, numpiscar de olhos. Até hoje, agosto temo cheiro dos corpos carbonizados.

Naquela ocasião, meu pai, Valé-rio Konder, comentou queas explosões eram “umpreço terrível”, mas signi-ficavam o fim da guerra.Meu avô materno, JoséMaria Coelho, discordou:nada justificava a morte detantos inocentes. Os doiseram antinazistas, médi-cos e humanistas. Meninode sete anos, achei quemeu pai estava certo (sem-pre achava isso). Hoje,vejo a observação de meuavô com mais admiraçãoe respeito.

A 2ª Guerra Mundial,consequência inevitávelda ascensão do nazismo,na Alemanha, durou seisanos e custou 50 milhõesde vidas. Significou cam-pos de extermínio, novasformas de tortura e o fimda população judaica daEuropa. O austríaco AdolfHitler, apoiado no racismoe na intolerância, valeu-sede um tempo de crise e de-semprego para chegar aopoder, como “o salvador dapátria”. Depois, formou ochamado eixo com a Itáliafascista e o Japão militaris-ta, para dominar o mundoe impor uma nova ordem,por um período mínimode mil anos. Morreu en-louquecido e só, no seubunker, em Berlim, seis anos após ainvasão da Polônia e a deflagração doconflito. A Itália havia sido liberta-da pelas tropas aliadas e logo o Ja-pão se renderia, sob o impacto dasexplosões nucleares.

Ao revelar o poder devastadordas novas armas, a 2ª Guerra mu-

O jornalista Mário AugustoJakobskind foi empossado em 1º dejunho, na sede da instituição, noRio de Janeiro, como representanteda ABI no Conselho Curador daEmpresa Brasil de Comunicações-EBC, responsável pela TV Pública.Mário foi nomeado juntamentecom o engenheiro elétrico Takashipelo Presidente Luiz Inácio Lula daSilva em decreto publicado no dia28 de maio, o qual designou tam-bém para o Conselho a jornalistaAna Veloso, a ser empossada pos-teriormente. Os nomes foram pro-postos por instituições da socieda-de civil, conforme estabelece a leique criou a EBC.

Após ser empossado, Mário Au-gusto Jakobskind ressaltou a im-portância da presença da ABI noConselho e assinalou que “a con-solidação e o fortalecimento da mí-dia pública é um sonho de várias ge-rações de jornalistas desde a fun-dação da ABI até os dias de hoje”.Ele lembrou que o processo de for-talecimento da mídia pública é umdos principais itens da Carta deCabo Frio, elaborada recentementeem um encontro de jornalistas paratratar da implantação das resolu-ções do Congresso de Jornalistas doEstado do Rio de Janeiro.

O engenheiro Takashi disse queespera contribuir para o êxito dotrabalho do Conselho e da EBC. Eleatua no desenvolvimento de tecno-logias de telecomunicações na Fun-dação CPqD, e está engajado empesquisa prospectiva sobre Inter-net do Futuro.

A Presidente da EBC, TerezaCruvinel, deu boas-vindas aos no-vos conselheiros e disse que contacom a experiência de Takashi paradesenvolver aplicativos interativosdestinados à tv digital. Os dois no-vos membros do Conselho assu-mem o lugar de Rosa Magalhães eJosé Bonifácio de Oliveira Sobri-nho, que encerraram seus manda-tos. (José Reinaldo Marques)

REFLEXÃO

Agosto, desgosto?POR RODOLFO KONDER

dou a essência da relação entre osseres humanos, bem como da rela-ção entre eles e o planeta Terra. Apartir do desenvolvimento da tec-nologia atômica, continuar a exis-tir tornou-se uma opção moral di-ária, já que os homens ganharamcondições de eliminar a própriaespécie humana – e a vida, em todoo planeta. Um novo desafio e éti-co surgiu diante dos nossos olhos.

Além disso, aquela guerra mun-dial abriu um enorme alçapão, poronde emergiram os fantasmas, osmonstros e os demônios que aindanos espreitam, abrigados em nos-sa sombra. Quando os soldadosrussos abriram os portões de Aus-chwitz para liberar os sobreviven-

tes macilentos do Holocausto, nãonos mostraram somente os barra-cões acinzentados, as guaritas va-zias, os vagões, os trilhos e as pilhasde cadáveres daquele complexoonde 1,5 milhão de pessoas haviamsido massacradas. Mostraram tam-bém a face oculta do lagarto, ossegredos macabros que se escon-dem em nossos armários. E a des-coberta nos abalou para sempre.

Sessenta e tantos anosdepois, podemos dizer queestamos sobrevivendo aodesafio nuclear. Mas o ra-cismo, a intolerância, o fa-natismo, a crise, o desem-prego, o totalitarismo e opatriotismo continuampor aí. O nazismo freqüen-temente sai do túmulopara nos assombrar, mes-mo que já não disponha daLuftwaffe e das divisõesPanzer. Nos cinco conti-nentes, a crise, o medo, asdesigualdades, a fome e aviolência nos lembram queainda não nos vacinamoscontra nós mesmos. Logopoderemos lançar novasbombas e matar mais ino-centes. Logo poderemosreabrir o complexo Aus-chwitz-Birkenau. Logo –se não agirmos com pres-teza – poderemos nos vernovamente diante dosnossos próprios demôni-os. Bertolt Brecht nos ad-vertiu, um dia: “Muitoantes de tombarmos embatalhas sem sentido, ca-minhávamos pelas ruasque ainda existiam, masnossas mulheres já eramviúvas e nossos filhos jáeram órfãos”. Se os ale-mães estavam mortos an-tes da chegada de Hitler,

talvez todos nós – com nossos pre-conceitos, nosso radicalismo, nos-sa intolerância – também já esta-mos mortos.

Rodolfo Konder, jornalista e escritor, é membro doConselho Deliberativo da ABI e Diretor daRepresentação da ABI em São Paulo. É membrotambém do Conselho Municipal de Educação dacapital paulista.

MJakobskind assume

no Conselho Curadorda TV Pública

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13Jornal da ABI 356 Julho de 2010

A ABI divulgou uma saudaçãoespecial à comunidade jornalística eaos veículos de comunicação pelapassagem do Dia da Imprensa, em 1°de junho, que celebra a fundação doCorreio Braziliense por Hipólito daCosta, em 1808, em Portugal. Estefoi o primeiro órgão editado sob aótica do interesse nacional brasileiro,então subordinado ao domínio daCoroa portuguesa. A data, diz a ABI,enseja reflexões sobre o papel que aimprensa e os meios de comunicaçãoem geral exercem na vida do País e ascondições em que estes atuam.

A saudação da ABI foi feita naseguinte declaração:

“A Associação Brasileira deImprensa dirige uma saudaçãoespecial à comunidade jornalística eaos veículos de comunicação pelapassagem, neste 1º de junho, do Diada Imprensa, que celebra afundação pelo jornalista gaúchoHipólito da Costa, em 1808, emPortugal, do Correio Braziliense, oprimeiro órgão editado sob a óticado interesse nacional brasileiro,então subordinado ao domínio daCoroa portuguesa.

Além de se dedicar à causa daemancipação do Brasil e profetizar queeste, algum dia, poderia rivalizar comas principais potências do mundo,Hipólito da Costa definiu umcaminho não apenas para a imprensaque ele inaugurava, mas também paraa vida social, como ao proclamar que“o primeiro dever do homem emsociedade é ser útil aos membrosdela”, como destacou o jornalistaAlberto Dines na recente edição desua clássica obra O Papel do Jornal.

As palavras de Hipólitoconstituem um estímulo a reflexõessobre questões hoje presentes nocampo da comunicação no País,como as condições em que sedesenvolvem as atividadesjornalísticas, tanto sob o aspectolegal e institucional como sob oângulo das garantias concretas quese oferecem ao exercício dojornalismo. Embora sob o pálio dasinstituições democráticasestabelecidas pela Constituição de 5de outubro de 1988, a liberdade deinformação e a liberdade deexpressão são agredidas atualmentepor decisões que ferem a Carta

Magna, como demonstram acontinuada censura prévia ao jornalO Estado de S. Paulo, que já seestende por mais de 300 dias, e arecente imposição de restrição domesmo teor e gravidade ao jornalDiário do Grande ABC.

Os registros de manifestaçõeshostis à liberdade de imprensaincluem a decisão do SupremoTribunal Federal que cassou a

obrigatoriedade da conclusão docurso de Jornalismo ouComunicação Social para o exercícioda profissão de jornalista,liberalidade que compromete aqualidade técnica, cultural e éticadaqueles que têm o pesado ehonroso encargo de dotar o conjuntoda sociedade de informações que lhepermitam exercer com lucidez econsciência os direitos de cidadania.

Ao referir essas questões, dentremuitas outras que estão a demandarreflexões do mundo profissional, aABI pretende mais do que suscitardebate meramente acadêmico. É seupropósito sobretudo contribuir, comovem fazendo, para ampliar econsolidar as ações que asinstituições de jornalistas promovemem todo o País visando à preservaçãoou restauração de bens jurídicos quelhes estão sendo arrebatados.

Assim fazendo, os jornalistashonrarão o legado que o visionárioHipólito José da Costa Furtado deMendonça lhes transmitiu há maisde 200 anos.

Rio de Janeiro, 1º de junho de 2010.(a) Maurício Azêdo, Presidente.”

ABI pede reflexões no Dia da Imprensa

RETRATO DE HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA. ANÔNIMO,SÉCULO XIX. ACERVO ARTÍSTICO DO MINISTÉRIO

DAS RELAÇÕES EXTERIORES - PALÁCIO ITAMARATY.

CELEBRAÇÃO

14 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

A Secretaria de Assistência Social eDireitos Humanos do Estado do Rio deJaneiro promoveu a reparação simbó-lica de 150 ex-presos políticos do regi-me militar durante o evento DireitosHumanos no Rio de Janeiro: construir amemória para resguardar o futuro reali-zado no Auditório Oscar Guanabarinoda ABI no dia 30 de junho. Durante oato foi anunciado um conjunto de seteações que consolidam a agenda dosdireitos humanos no Estado. Organi-zada pela Secretaria, a solenidade mar-cou a semana pelo Dia Mundial deCombate à Tortura, 26 de junho.

Do ato constou a assinatura peloGovernador Sérgio Cabral do decretode criação do Comitê Estadual de Er-radicação do Trabalho Escravo e das leisque criam o Comitê Estadual para a Pre-venção e Combate à Tortura e o Con-selho Estadual dos Direitos Humanos.Também foi lançado o Programa deProteção aos Defensores de DireitosHumanos, cujo objetivo é proteger ati-vistas ameaçados por sua atuação naárea. Foi também assinado um convê-nio com a Universidade Federal do Riode Janeiro para a revisão do Plano Es-tadual de Direitos Humanos, atravésdo qual serão estabelecidas diretrizese uma agenda efetiva para o setor. Foianunciada então a realização de qua-tro seminários regionais dedicados à

POR CLAUDIA SOUZA

Direitos humanos ganhamconjunto de ações no RJ

Entre elas, a criação de um comitê para a erradicação do trabalho escravo.

construção de diretrizes e metas parapromoção da igualdade racial e étnica.

Participaram da Mesa da concorri-da sessão o Ministro Paulo Vannuchi,da Secretaria dos Direitos Humanos daPresidência da República; Tereza Sou-za, Ministra em exercício da Secreta-ria de Política para as Mulheres; o De-putado Jorge Picciani, Presidente da As-sembléia Legislativa do Estado do Riode Janeiro-Alerj; Ricardo Henriques,Secretário de Assistência Social e Di-reitos Humanos; Maurício Azêdo, Pre-sidente da ABI; Felipe Gonzáles, Pre-sidente da Comissão Interamericanade Direitos Humanos; Wadih Da-mous, Presidente da Ordem dos Ad-vogados do Brasil-OAB, Seccional doEstado do Rio de Janeiro; José Rai-mundo Batista Moreira, Defensor Pú-blico Geral do Estado do Rio de Janei-ro; Regis Fichtner, Secretário de Esta-do da Casa Civil; Luiz Fernando deSouza (Pezão), Vice-Governador doEstado do Rio de Janeiro.

A atriz e cantora Zezé Mota, Supe-rintendente de Igualdade Racial da Se-cretaria de Direitos Humanos, condu-ziu a solenidade e pediu um minutode silêncio em memória dos anistiadospolíticos.

O Presidente da ABI, MaurícioAzêdo, abriu o evento destacando opapel da Casa na defesa das liberdades:“Quero dizer que a ABI se sente mui-to confortada em poder abrigar esta

reunião, que é um momento de afirma-ção dos valores da democracia pelosquais tanto lutamos ao longo do perí-odo 1964-1985”.

HomenagemO papel da ABI na luta em defesa do

Estado Democrático de Direito tam-bém foi destacado pelo Secretário Ri-cardo Henriques: “Na Semana do DiaInternacional de Combate à Tortura,fizemos tudo para realizar este ato naABI, símbolo do passado e do presen-te da democracia. Esta Casa permite oreconhecimento do passado e ao mes-mo tempo uma miragem sólida emdireção ao futuro. Gostaríamos dehomenagear os anistiados políticospresentes em corpo e espírito e a todosos seus familiares, e cumprimentar atodos nas pessoas do professor EmirAmed e da cineasta Lúcia Murat.”

Henriques disse que o Rio de Janei-ro foi colocado na fronteira dos direi-tos humanos no País e ressaltou queo momento concretiza uma agendaurgente e efetiva nesse campo. “Os te-mas têm grande significação para to-dos os indivíduos aqui representadose que tiveram seus direitos violadossob as condições mais degradantes detortura e de trabalho escravo”, disse.Ele enumerou em seguida diversasações que estão sendo efetivadas e asinstituições que são parceiras do Go-verno do Estado:

“Temos um conjunto de agendascontempladas em parceria com a Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj, como o projeto de revisão do Pla-no Estadual de Direitos Humanos. Oobjetivo é atualizá-lo e colocá-lo emsintonia com o PNDH 3. Estamos re-lançando, em conjunto com a Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ,o Plano Estadual de Igualdade Racial.Inauguramos neste momento, junta-mente com a Defensoria Pública, o Pro-grama de Defensores de Direitos Hu-manos que se soma aos Programas deProteção de Testemunhas e de VítimasAmeaçadas e de Proteção de Criançase Adolescentes Ameaçados de Morte.”

Na sequência o Governador SérgioCabral – em conjunto com o MinistroPaulo Vanucchi e o Secretário de Es-tado Ricardo Henriques – assinou aadesão do Governo do Estado do Riode Janeiro ao Plano Nacional de AçõesIntegradas de Prevenção e Combate àTortura e o Termo de Cooperação coma Defensoria Pública para a implanta-ção do Programa Estadual de Proteçãoaos Defensores dos Direitos Huma-nos. No mesmo ato Sérgio Cabral san-cionou o projeto de lei que reordenao Conselho Estadual de Direitos Hu-manos; assinou o decreto que cria oComitê Estadual de Prevenção e Com-bate à Tortura e o decreto de criação doComitê Estadual pela Erradicação doTrabalho Escravo.

Sob as vistas do Vice-Governador Pezão (segundo à direita), Cabral e o Ministro Paulo Vanucchi se cumprimentam após a assinaturade vários atos em defesa dos direitos humanos, entre os quais a adesão do Estado ao plano nacional de combate à tortura.

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15Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Direitos resguardadosJorge Picciani, Presidente da Alerj,

aplaudiu as iniciativas: “Este Parlamen-to foi capaz de anistiar todos aquelesque foram perseguidos. Não há no Par-lamento do Rio de Janeiro um funcio-nário ou parlamentar que, caçado pordefender a liberdade e a democracia,não teve os seus direitos resguardados,garantidos e anistiados. Fizemos istosob a caneta de Marcelo Cerqueira, ex-Procurador-Geral da Alerj, de tantaslutas em defesa das liberdades e con-tra a ditadura. Um dos primeiros atosfoi a anistia do socialista Jamil Haddad.Hoje, quando o Governador sancionaa lei de autoria do Deputado Alessan-dro Mólon e do Deputado GilbertoPalmares e cria o Comitê, que, na ver-dade, é o controle social, de autoria dosDeputados Marcelo Freixo, Luiz Pau-lo Corrêa da Rocha e da minha auto-ria, digo que o Rio de Janeiro está nocaminho para manter a democracia,não permitindo retrocessos, violência,tortura, ou qualquer situação degra-dante contra o ser humano. Com gran-de alegria participo deste ato nestaCasa histórica, a ABI”.

O Presidente da Comissão Intera-mericana de Direitos Humanos, Feli-pe Gonzáles, também destacou a rele-vância da nova agenda dos direitos hu-manos no Estado do Rio de Janeiro e in-formou que representantes da Comis-são Interamericana de Direitos Huma-nos estão em visita ao Brasil para ava-liar a situação da violência policial,racismo e segurança no País e apoiarações para o fortalecimento e proteção

dos direitos humanos. Ressaltando aimportância de participar do ato naABI, Gonzáles alertou que “será pri-mordial que as iniciativas estejam in-terligadas nos níveis estadual e federal,como estão sendo aqui anunciadas”. Aofinal, felicitou o Rio de Janeiro pelainiciativa e também as vítimas da di-tadura e seus familiares pela perseve-rança e a luta sem trégua para alcançara democracia.

Dando continuidade ao evento, Sér-gio Cabral, Paulo Vanucchi e RicardoHenriques fizeram a entrega do pedi-

do oficial de desculpas do Estado do Riode Janeiro contra os atos praticados du-rante a ditadura militar a Jussara Ribei-ro de Oliveira Batista, Nilson Venân-cio e Aquiles Ferrari.

“Com alegria sanciono o projeto delei que remodela o Conselho Estadu-al dos Direitos Humanos. Agradeço aoportunidade de assinar o Convêniodo Plano Estadual dos Direitos Huma-nos, a elaboração do Plano de Igualda-de Racial e o decreto do Comitê de Er-radicação do Trabalho Escravo. Segun-do o Ministério Público do Trabalho,

Em nome dos 150 anistiados políti-cos na cerimônia, Aquiles Ferrari dis-cursou representando o Fórum de Re-paração e Memória do Estado do Riode Janeiro, a Associação dos Anistiadosda Petrobras, a Unidade de Mobiliza-ção Nacional pela Anistia, a Associa-ção Nacional dos Anistiados Políticos,Aposentados e Pensionistas, Associa-ção dos Anistiados Políticos, a Associ-ação dos Trabalhadores Aposentadose Pensionistas Anistiados da Petrobrase Subsidiárias, a Associação de Anisti-ados do Banco do Brasil, a Associaçãodos Metroviários Aposentados e Pen-sionistas, o Sindicato dos Metroviári-os do Estado do Rio de Janeiro, o Fórumdos Operários Navais e Metalúrgicos,o Movimento Democrático pela Anis-tia e Cidadania, o Movimento Nacio-nal dos Direitos Humanos e a Associ-ação dos Militares Pró-Anistia:

“O que nos levou a criar esta rede deentidades foi a luta pela efetivação dodireito à reparação econômica simbó-lica prevista na Lei nº 3.744/2001, e

“Para que nunca mais se esqueça”A palavra das vítimas da ditadura militar.

mos que esta situação volte a se repe-tir. Hoje, 150 de nossos companheirosestão recebendo a compensação econô-mica simbólica. Para muitos, decorri-do quase meio século de espera longademais. Cerca de um terço faleceu, ou-tros adoeceram. Somos uma raça em ex-tinção. Até o momento, foram julgados1.010 dos 1.115 processos. Dos cerca de920 deferidos, apenas 17% receberam areparação até a data de hoje, quandomais 150 estão sendo contemplados”.

Em vídeo, depoimentosApós o aplaudido discurso de Aqui-

les Ferrari, a cerimônia prosseguiucom a exibição do vídeo Memória e Di-reitos Humanos, realizado pela Secre-taria de Estado de Assistência Sociale Direitos Humanos e pelo Núcleo deDireitos Humanos da Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro-Puc-RJ. O trabalho reúne depoimen-tos de presos políticos e de seus paren-tes, como Maria Vitória, irmã do Sar-gento Lucas; Iara Alves, irmã do Sar-

gento Alves; João Luiz Azeredo Rodri-gues e Jayme Henrique de Azevedo Ro-drigues, filhos do Embaixador Jaime deAzevedo Rodrigues; a cineasta LuciaMurat, Emir Ahmed, Sueli Mendes,filha de José Mendes de Sá Roriz.

No encerramento do encontro, o Mi-nistro Vannuchi ressaltou a relevânciada consolidação de ações pelos direitoshumanos: “Hoje se reúnem aqui inú-meros eventos do Legislativo e do Exe-cutivo, com presença de organismos doJudiciário para juntos darmos mais umpasso decisivo neste local simbólico,que é a ABI, onde na próxima semanaestaremos homenageando Mário Al-ves, jornalista, comunista, assassina-do sob tortura em janeiro de 1970, noDoi-Codi. As ações assinadas aqui, commuito destaque para a revisão com aUFRJ do Programa Estadual de Direi-tos Humanos, representam a retoma-da do secular, talvez milenar, sonho deconcretização dos sentidos de liberda-de, igualdade e solidariedade. Parabénsao Rio de Janeiro”.

A Ministra Tereza Souza e o Governador Sérgio Cabral: pela igualdade de direitos.

o Rio de Janeiro foi o Estado campeãoem 2009 de casos de trabalhadores res-gatados do trabalho escravo. Temosum papel importante neste sentido,em especial no Norte e no NoroesteFluminense, onde há muito atrasonesta área. É importante também tra-zer os defensores para a pauta dosDireitos Humanos. O projeto de leique cria o Comitê Estadual do Com-bate à Tortura tem o papel fundamen-tal para a implementação de políticaspúblicas neste campo. Estabelecemosainda a adesão do Estado ao PlanoNacional e a execução da Lei nº 3.744/2001, do Deputado Carlos Minc, quegarante aos ex-presos políticos do Riode Janeiro o direito à reparação doEstado e o pagamento de uma indeni-zação”, disse Cabral.

O Governador apontou também anecessidade de ampliar a parceriacom a sociedade para o avanço dasiniciativas: “Ainda há muitas diferen-ças sociais, desigualdades, discrimi-nação racial, sexual, religiosa, máconduta por parte da sociedade, deservidores públicos, do empresaria-do. Tudo isto só poderá ser enfrenta-do com seriedade e políticas públicasconsistentes com o Estado, inclusivereconhecendo os seus erros. Assimsendo, na qualidade de Governadordo Rio de Janeiro, apresento a todosos anistiados políticos e aos seus fa-miliares presentes – e aqui faço umparêntesis de quem aos sete anos deidade visitou o pai na cadeia na VilaMilitar – o pedido de desculpas doEstado do Rio de Janeiro”.

pela reinstalação da Comissão Estadualde Reparação, que havia, em dezembrode 2006, encerrado seu prazo de exis-tência sem ter examinado 175 reque-rimentos e recursos pendentes. Ao lon-go destes anos a rede de reparação am-pliou sua agenda e a luta pela repara-ção integral; reparação no sentidoamplo do termo, pela verdade, pela me-mória, pela justiça. Por uma reparaçãomais justa para os que viveram a bar-bárie da tortura e que tiveram seuscompanheiros desaparecidos e mortos.Lutamos para que a sociedade conhe-ça o que aconteceu na época da ditadu-ra e para que nunca mais se esqueça.Lutamos para que os responsáveis pe-los atos de violência do Estado sejamidentificados e julgados. Vivemos nacarne a dolorosa experiência da tortu-ra. Milhares foram presos, perseguidos;outros viveram no exílio, foram assas-sinados. Famílias e amigos ainda lutampara conseguir os restos mortais dos de-saparecidos. Tivemos os nossos proje-tos de vida interrompidos. Não quere-

CAR

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Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

O Conselho Deliberativo da ABI re-cebeu no dia 29 de junho a visita de re-presentantes do Núcleo de Estudos dePolíticas Públicas em Direitos Huma-nos-Nepp-DH, órgão suplementar doCentro de Filosofia e Ciências Humanasda Universidade Federal do Rio de Janei-ro-UFRJ. O encontro contou com a pre-sença da Professora Mariléa VenâncioPorfírio, Diretora do Núcleo, de seuscolegas Ricardo Rezende e Vantuil Pe-reira e da militante comunitária ElianaMoura, Coordenadores do Nepp-DH. Oobjetivo do encontro foi apresentar aosConselheiros da ABI os projetos e ati-vidades acadêmicas relacionadas aosdireitos humanos, visando à efetivaçãode parcerias nesse campo.

“Esta Casa é de grande importânciapara a História do País e também paramim, que já participei de várias ativi-dades aqui”, disse Mariléa Venâncio naabertura da reunião. A Professora de-talhou o trabalho desenvolvido peloNúcleo, criado em 2006, e o vínculoentre as ações e o setor social:

“O Nepp-DH se dirige à formação dealunos de todas as áreas que atuam es-pecialmente nos projetos de pesquisa ede extensão. O Núcleo busca a temáti-ca das políticas públicas em direitos

Núcleo da UFRJ relata o que fazA convite do Conselho Deliberativo, professores da UFRJ expõem suas atividades no campo dos direitos humanos.

POR CLAUDIA SOUZA

Coordenador do grupo de pesquisasobre Trabalho Escravo Contemporâ-neo, criado em 2003 na UFRJ com oapoio da Fundação Ford, o ProfessorRicardo Rezende salientou a importân-cia dos estudos nessa área para a soci-edade brasileira:

“O grupo reúne um acervo de milha-res de documentos relativos ao traba-lho escravo no Brasil e no mundo, prin-cipalmente no Sul do Pará. São mais de700 pastas com informações sobre tra-balho escravo e propriedades envolvi-das com trabalho escravo, algumasimportantes e de grupos empresariaisexpressivos. É um material preciosopara a pesquisa e a recomposição daHistória deste País, onde o Poder Públi-co financiou não só a concentração deterra, mas a destruição do meio ambi-ente e as relações de trabalho conside-radas arcaicas, implementadas pelosnovos grupos empresariais brasileiros,principalmente na pecuária.”

Revelou o Professor Ricardo Rezen-de que há pesquisas de campo subsidi-adas pela Organização Internacionaldo Trabalho, que participou da elabo-

humanos como subsídio constante paraas análises não só de alunos, docentes epesquisadores da UFRJ, mas de toda asociedade. Entendemos que a Universi-dade tem que estar colada na sociedade”.

O Nepp-DH promove diversas ini-ciativas e atividades, como o Grupo dePesquisa sobre Trabalho Escravo Con-temporâneo, o Observatório da Laici-dade do Estado, o Observatório da LeiMaria da Penha, o Grupo de Estudos deSociedade Contemporânea, o Observa-tório da Ouvidoria e Democracia Par-ticipativa. O Núcleo também oferececursos como o intitulado Teorias Soci-ais em Produção de Conhecimento, dire-cionado para os integrantes do Movi-mento dos Trabalhadores Sem Terra-MST e ministrado nos meses de feve-reiro e julho.

Destacando que é muito importanteo envolvimento da Universidade commovimentos sociais, disse a Professo-ra Mariléa que os organizadores doMST participam desse curso durante15 dias: “Eles se deslocam dos seusvários assentamentos para o campus daUFRJ na Praia Vermelha, Zona Sul doRio. A grade é elaborada por professo-res da UFRJ e de outras universidades.Após seis semestres, o aluno elabora amonografia sob a orientação de umprofessor ou aluno do doutorado”.

O trabalho escravo, hoje, em 700 pastas

Outro projeto citado foi o Centro deReferência para Mulher da Maré-CRMM, desenvolvido na Vila do João,no Complexo da Maré, para atender àsmulheres vítimas de violência. “A vio-lência perpetrada contra mulheres emtodo o mundo não é diferente no Bra-sil. A punição do agressor não é condi-ção suficiente para que experimente-mos formas mais justas e voluntáriasentre homens e mulheres. O objetivofundamental do Centro é acolher eprestar atendimento psicológico e ju-rídico para as mulheres violentadas”,explicou a Coordenadora do CRMM,Eliana Moura.

Valorização da mulherTambém são oferecidas atividades

culturais, de lazer e de valorização damulher, como o programa OficinasSociais: “Este projeto consiste em umtrabalho de corpo para fazer que a menteassuma o sofrimento do corpo e possafalar. As estagiárias dos cursos de Ser-viço Social e Direito observam as reaçõesdas mulheres e buscam o atendimentoadequado. As oficinas são estratégicaspara nos garantir que as mulheres queentram naquele local não tenham aimagem de que ali é um lugar paramulheres que apanham, e sim um Cen-tro de Referência para Mulheres, onde

se faz artesanato, teatro, dança, litera-tura. Já foram publicados 13 livros”.

Eliana Moura informou que a ofici-na “Cozinhando com Arte” é outro bomexemplo: “Direcionada para a área deeducação alimentar, ela promove a inser-ção no mercado de trabalho. Há aindatrabalhos de capacitação de agentes co-munitários em saúde, em direitos huma-nos e em violência de gênero. Os agen-tes acompanham um conjunto de famí-lias e aprendem a reconhecer situaçõesde violência, como fazer o primeiro aco-lhimento e encaminhar para o CRMM”.

Apesar do grande retorno social,revelou Eliana Moura, os gestores doprojeto encontram algumas dificulda-des em mantê-lo no local. “É a lógicade funcionamento do bairro. A fixaçãode profissionais é complicada devido àsituação de violência, vista em tantascomunidades carentes do Rio. Além doque há um imaginário muito forte deque ali não se encontra segurança ne-nhuma e os profissionais acabam de-sistindo de ficar no projeto, ou nãochegam nem a conhecê-lo”.

Na avaliação de Mariléa Venâncio,a universidade “não vê aquele localcomo uma área de risco para os profis-sionais, porque há uma segurança ga-rantida a eles”: “Nunca ocorreu de fatonada com o Centro”.

ração do I e do II Plano Nacional pelaErradicação do Trabalho Escravo. Ogrupo elaborou também um projeto deextensão realizado em escolas de ensi-no médio sobre o trabalho escravo ru-ral e urbano.

“É muito comum encontrarmos alu-nos que dizem: Eu sobrevivi ao traba-lho escravo”, contou o coordenador,que aplaudiu a contribuição da impren-sa para os avanços no setor. “A ABI foimuito importante na luta pela erradi-cação do trabalho escravo e o papel dosjornalistas também, inclusive para aconstrução da categoria trabalho escra-vo. A Universidade demorou muito autilizar a categoria, mas a imprensa,desde os anos 70, a utiliza com muitainsistência. No levantamento que fize-mos sobre a utilização da categoria, ésurpreendente como mais de 90% daconstatação do problema foram reco-nhecidos pela imprensa como trabalhoescravo. Já estive na ABI diversas ve-zes no passado para reuniões sobreconflitos fundiários e perseguições.”

Após a apresentação dos convida-dos, o Presidente da Comissão de De-

fesa da Liberdade de Imprensa e Direi-tos Humanos da ABI, Lênin Novaes,discorreu sobre a viabilidade de umaparceria entre a Associação e a UFRJ:“A partir deste momento, aí vai umconvite para que a ABI, juntamentecom o Núcleo da UFRJ, possa produ-zir uma ampla discussão na sociedade,em colaboração com a Comissão deDireitos Humanos da OAB e a Comis-são de Direitos Humanos da Assem-bleia Legislativa-Alerj, para, quemsabe, produzirmos a Declaração dosDireitos Humanos no Estado do Rio deJaneiro”.

Ao final do encontro, o Presidenteda ABI, Maurício Azêdo, destacou arelevância do Núcleo e a trajetória deseus membros presentes à reunião: “Ocompanheiro Lênin já nos tinha fala-do sobre a importância da intervençãoque a Professora Mariléa faria nestasessão do Conselho. Eu já estava em-penhado não só em receber os conhe-cimentos sobre o Núcleo de PolíticasPúblicas relacionadas aos DireitosHumanos mas também em prestar ashomenagens da Casa à Professora Ma-

riléa, ao Professor Ricardo Rezende, aoProfessor Vantuil Pereira e à nossa des-tacada militante social Eliana Moura,que trabalha numa das áreas mais im-portantes do ponto de vista social e doponto de vista da ocorrência de lesõesaos direitos humanos, que é o Comple-xo da Maré”.

“Houve um momento em que o Pro-fessor Ricardo Rezende esteve amea-çado de morte em uma área do Nortedo País em que as ameaças geralmen-te são cumpridas e ficam impunes,como o massacre ocorrido em Eldora-do dos Carajás, que há 20 anos nãoconduziu à prisão dos matadores dequase duas dezenas de sem-terras, detrabalhadores rurais. Na época dasameaças mais graves eu era vereador àCâmara Municipal do Rio de Janeiro,que, através de sua maioria progressistana época, tomou posição em defesa dosdireitos pessoais e da vida do ProfessorRicardo Rezende, a quem presto aminha homenagem pessoal e a home-nagem da ABI. Recebam todos a sau-dação muito carinhosa da AssociaçãoBrasileira de Imprensa”.

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“Mário Alves, presente!” A saudaçãofoi feita em coro pelos participantes dacerimônia de inauguração do Memori-al em homenagem ao jornalista MárioAlves de Souza Vieira, preso em 16 dejaneiro de 1970 por agentes da ditaduramilitar perto de sua casa, na Abolição,Zona Norte do Rio. Levado para o quar-tel do Doi-Codi na Rua Barão de Mes-quita, Mário Alves nunca mais foi vis-to. O evento foi realizado na noite de 6de julho, no Edifício Herbert Moses, sededa ABI, e ocupou o Salão Nobre e o Au-ditório Oscar Guanabarino, localizadosno 9º andar da Associação.

O ato de inauguração do Memorial foiprecedido por uma manifestação de res-gate da memória do jornalista, que con-tou com a presença da filha do homena-geado, Lúcia Caldas; do Ministro Che-fe da Secretaria Especial de DireitosHumanos da Presidência da República,Paulo Vannuchi; do Secretário de Esta-do de Assistência Social e Direitos Hu-manos do Rio de Janeiro, Ricardo Hen-riques; do Presidente da Ordem dosAdvogados do Brasil-OAB-RJ, WadihDamous; e da advogada Ana Muller,representante do Fórum de Reparação eMemória do Rio de Janeiro.

Participaram também da Mesa da ses-são especial a Desembargadora Tânia Al-bernaz de Melo Bastos Heine, responsá-vel em 1981 pela corajosa sentença que res-ponsabilizou a União pelo desaparecimen-to de Mário Alves, cujo corpo nunca foiencontrado; a Diretora do Colégio Esta-dual Mário Alves, Professora Flávia RaquelCrespo de Jesus; o Professor Emir Amed,também preso e torturado no Doi-Codi;e Ana Miranda, membro do Fórum de Re-paração e Memória do Rio de Janeiro.

como “um dos maiores combatentes li-bertários que o Brasil já possuiu”. Emconversa com os jornalistas que fizerama cobertura do evento, disse Maurício:

“Mário Alves é merecedor de todas ashomenagens, pelo exemplo que deu demilitância social contra a ditadura e degrande intelectual. Foi diretor do jornaldo Partidão-PCB, Novos Rumos, no qualse destacou pela capacidade de refletirsobre a realidade brasileira e de formu-lar propostas.”

A espera, há 40 anosEm resposta a um repórter que cobria

o evento, Lúcia Caldas disse que sabe dascircunstâncias em que seu pai foi presoe torturado e desapareceu no Doi-Codi,mas que ainda sonha com a possibilidadede encontrá-lo:

“Eu não sepultei o meu pai, o que émuito difícil para os familiares de qualquerdesaparecido político. No plano conscien-te, sei que ele foi trucidado. Mas em so-nhos, me lembro de meu pai e penso se elenão estaria vivo, em algum lugar. É umaesperança que continua aqui dentro.”

Lúcia Caldas festejou a presença nacerimônia dos estudantes do Colégio es-tadual Mário Alves, localizado no Mu-nicípio de Belford Roxo, na Baixada Flu-minense:

“Fiquei muito orgulhosa de vocês te-rem vindo e quero conhecer a escola.Espero que em outras homenagens vo-cês também compareçam, porque temosoutros companheiros que merecem es-sas cerimônias e eu sonho que os jovenstenham mais participações nesses atos.”

Conteúdo de futuroConvidado a se pronunciar, o Secre-

tário de Direitos Humanos Ricardo Hen-riques, que representava o GovernadorSérgio Cabral, falou sobre a representa-

tividade que o Memorial terá para asgerações futuras. Pela sua força política,disse, manifestada na trajetória de vidade Mário Alves e todo o seu sofrimentonas masmorras da ditadura do golpe de1964, “o ato em homenagem ao jornalistadeveria despertar a atenção da popula-ção mais jovem, que felizmente não vi-veu aqueles dias, mas deveria refletirsobre os momentos de horror”:

“O momento nos traz uma enormeemoção, mas expressa, sobretudo, a ho-menagem à trajetória de vida, à dignida-de exemplar de Mário Alves. Este ato exala,entre outros, o seu momento dramáticohorripilante de tortura e morte no cárce-re da Barão de Mesquita, mas a força des-se Memorial, do ponto de vista do Gover-no, sobretudo sob o âmbito das políticaspúblicas, tem um conteúdo de futuro.”

Disse o Secretário que o Governo doEstado do Rio reconhece a força políticade Mário Alves, “um sinal para a juven-tude”. Ele ressaltou a capacidade que ahomenagem a Mário Alves tem de deixarclaro, para os que não viveram o perío-do da ditadura militar, que “é absoluta-mente fundamental se enraizar nessamemória como modo de se projetar aofuturo em direção a uma sociedade nãosó mais justa e solidária, mas sobretudouma nação que é capaz de aprender coma sua História que pode se transformar”.

Dirigindo-se ao Presidente da ABI,disse o Secretário:

“O Memorial erguido nesta Casa é osinal de que a partir do olhar profundoe sóbrio sobre a nossa História somos ca-pazes de redesenhar esse futuro, dizerque o País rejeita de forma veementeaquele abjeto período.”

Voltando-se outra vez para a platéia,o Secretário Ricardo Henriques concluiu:

“Este Memorial tem um conteúdo defraternidade, que nós entendemos que émuito expressivo da sua força política (deMário Alves). É um sinal para a nossa ju-ventude, tão fundamental que nos permiteprojetar o futuro de uma sociedade maisjusta e igualitária. Redesenhá-la com umnovo olhar de que podemos construir umPaís mais democrático e reformador.”

Testemunhos da torturaEm seguida, a advogada Ana Müller

felicitou a ABI por ter “reaberto as suasportas para homenagear Mário Alves”.Ela foi uma das advogadas que aciona-ram a União na Justiça, responsabilizan-do-a pelo desaparecimento do jornalis-ta. Ana é uma das dirigentes do Fórumde Reparação e Memória do Rio de Ja-neiro, “uma entidade em formação queluta pelo resgate da memória das lutasrecentes no País”:

“Com muita honra fui escolhida pelafamília de Mário Alves para compor esta

Jornalista, preso em janeiro de 1970, ele foi assassinado no Doi-Codido antigo I Exército, no Rio. Seu corpo jamais foi encontrado.

A ABI inaugura o Memorial Mário Alves

POR JOSÉ REINALDO MARQUES Foram convidados também para fazerparte da Mesa os Conselheiros da ABISérgio Caldieri. Primeiro Secretário daMesa do Conselho Deliberativo, e LêninNovaes, Presidente da Comissão de De-fesa da Liberdade de Imprensa e DireitosHumanos da Casa; Carlos Eduardo Fayalde Lira, ex-membro da Ação Libertado-ra Nacional-ALN, organização que lutoucontra a ditadura militar, e ex-Deputadoà Assembléia Legislativa do Estado do Riode Janeiro (1983-1987); Modesto da Sil-veira, advogado de presos políticos doregime militar, entre os quais o próprioMário Alves; José Carlos Tórtima, ex-De-fensor Público Geral do Estado do Rio deJaneiro; Deputado federal Jorge Bittar(PT-RJ) e ex-líder estudantil e ex-Depu-tado Vladimir Palmeira.

Um combatente libertárioCoube ao Presidente da ABI fazer a

abertura da solenidade, que teve início,como ocorre em todos os atos cívicos re-alizados na Casa, com a execução do HinoNacional Brasileiro. Logo após, o Presi-dente explicou à platéia o objetivo da ce-rimônia, que seria realizada a seguir nosaguão do Auditório da ABI, “cenário degrandes lutas cívicas do povo brasileiro”:

“A ABI se sente honrada com o con-vite que lhe fez a Secretaria Especial deDireitos Humanos da Presidência daRepública, através de seu atuante Minis-tro Paulo Vannuchi, para sediar estahomenagem, que enche de contenta-mento aqueles que tiveram o privilégiode acompanhar, diretamente ou por in-formações, a trajetória de Mário Alvesna vida política e cultural do País.”

Em nome da Diretoria da ABI, Mau-rício Azêdo saudou os que prestigiaramcom a sua presença o ato em memória ehomenagem àquele que ele classificou

“Eu sei que meupai foi trucidado,mas em sonhosimagino que ele

está vivo emalgum lugar”,

disse a filha deMário Alves, Lúcia

Caldas, emcomovente

depoimento noato na ABI. Ao seu

lado, RicardoHenriques,

Secretário deDireitos Humanosdo Estado do Rio.

ALCYR C

AVALCAN

TI

REPRO

DU

ÇÃO

18 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Mesa, missão que recebo com muito or-gulho e gratidão. O Fórum é uma enti-dade aberta a todos os companheiros quequeiram discutir e engrossar a luta peloresgate da memória das lutas recentes doPaís, em que nossa geração se engajoupor inteiro e tantos companheiros forampresos, torturados, alguns assassinadose tiveram seus corpos ocultados. Mui-tos exilados, banidos e que hoje mais doque nunca se fazem presentes na lutapela abertura imediata de todos os arqui-vos da ditadura, pela responsabilizaçãode todos os que cometeram crime con-tra a Humanidade e defendem a plenaimplantação do III Programa Nacionalde Direitos Humanos.”

Ana Müller fez um breve relato sobrea missão que lhe foi designada em rela-ção “ao companheiro Mário Alves”. Con-tou que em dezembro de 1969 começa-ram as prisões de membros do PartidoComunista Brasileiro Revolucionário-PCBR, fundado por Mário Alves e dissi-dentes do PCB; em janeiro de 1970 forampresos alguns dos dirigentes do Partido,entre eles Mário Alves de Souza Vieira.A tortura e a agonia que o jornalista so-freu no cárcere do Doi-Codi do Rio, lem-brou, foram testemunhadas por algunspresos, entre os quais Raimundo José Bar-ros Teixeira Mendes, José Carlos BrandãoMonteiro, Antônio Carlos Nunes deCarvalho e Manoel João da Silva.

Contou Ana Müller que informaçõessobre a precária situação de Mário Alvesforam passadas para fora do Doi-Codi,numa tentativa desesperada de salvar asua vida. A esposa do jornalista, Dilma,tomou a iniciativa de impetrar um ha-beas corpus de localização, medida usadapara arrancar alguma resposta das auto-ridades visando a preservar a vida do mi-litante político.

A prisão de Mário Alves, as torturasque sofreu e a sua retirada do Doi-Codiforam denunciadas na 3ª Auditoria doExército, mas a resposta dos represen-tantes da ditadura era sempre a mesma:Mário Alves não se encontrava em ne-nhuma das dependências militares doRio, diziam.

Ana Muller contou que tanto a espo-sa, Dilma, quanto a filha de Mário Al-ves, Lúcia Caldas, não pouparam esfor-

ços para localizá-lo, denunciando emtodas as instâncias possíveis, junto às au-toridades, o fato testemunhado peloscompanheiros que tinham sido presoscom o jornalista:

“Naquele momento selamos um com-promisso de reunir dados para ingressarna Justiça com um processo que condenas-se a ditadura pela atrocidade cometida.”

Logo que deixaram a prisão cada umadas testemunhas fez um depoimento porescrito. Esse conjunto de relatos foi re-gistrado na OAB-RJ como uma forma depreservação da prova. Em 1979, após aanistia, foi feita a consignação dos de-poimentos perante a Justiça Federal, deforma cautelar, porque se temia que astestemunhas pudessem sofrer novasprisões ou atentados. Afinal, eles esta-vam prestando depoimentos sobre umfato que o Governo militar procuravaocultar. Em seguida, foi interposta a açãoprincipal, de cunho declaratório, tendoà frente os advogados Arthur Lavigne,Ana Muller e Abigail Paranhos.

Revelou Ana Müller que na ocasiãoa família de Mário Alves queria apenasa condenação na Justiça, não tinha in-tenção de outras interpretações que nãofosse a busca da verdade e a localizaçãodos restos mortais do desaparecido, paradar-lhe a merecida sepultura. Ela frisouque o contexto da ação era tratado pelaUnião como uma “obra de ficção elabo-rada por malfeitores na intenção de des-gastar o Governo”, mas aos poucos ocaso foi se tornando uma realidade:

“Deixou de ser uma estória para fa-zer parte da triste e gloriosa História re-cente deste País, que foi escrita com san-gue e lágrimas e precisa ser recontada,para que não voltem a acontecer as atro-cidades cometidas contra brasileiros queousaram resistir ao arbítrio e à prepotên-cia; dando suas vidas para que este Paísfosse reconhecido como nação sobera-na e democrática”, afirmou.

O quadro começou a mudar quando“a jovem e corajosa” Juíza Tânia Alber-naz de Melo Bastos Heine decretou aprimeira sentença condenatória daUnião que reconheceu que havia víncu-lo entre o Estado e as atrocidades pra-ticadas contra Mário Alves e o seu de-saparecimento.

Tânia Albernaz de Mello Bastos He-ine, desembargadora atualmente apo-sentada, contou que ingressou na Jus-tiça Federal em 1976. Pouco tempo de-pois recebeu o processo do caso MárioAlves e viveu um dilema porque o paitinha sido exilado político no Uruguaide 1964 a 1967 e foi cassado pelo Ato Ins-titucional nº 1; sua irmã também haviasido presa e torturada no Doi-Codi. Elateve receio de que esses antecedentes atornassem improcedente, ou seja, nalinguagem jurídica, “suspeita” para jul-gar o processo. Por outro lado, ela con-siderava que mais do que ninguém po-deria aquilatar melhor o que fosse ditono processo, porque tinha conhecimen-to do que havia ocorrido dentro dasprisões e que sempre era negado.

Diante disso, resolveu prosseguir eouvir toda a prova testemunhal. Trêscoisas eram pedidas no processo: o re-conhecimento e a responsabilização daUnião pelo desaparecimento de MárioAlves e a devolução do seu corpo:

“Era a primeira vez que um pedidodesses era apreciado pela Justiça. porqueo Vladimir Herzog tinha sido classifica-do como suicídio. Era esta a primeira vezem que não havia um corpo. Era precisocriar esse vínculo, mas não havia provasde como ele tinha sido preso, exceto osdepoimentos dos colegas de prisão.

A Dra. Tânia Heine disse recordar-se de que no momento de lavrar a sen-tença teve consciência de que esta te-ria que ser bem fundamentada para quenão houvesse a possibilidade de que ocaso viesse a ser tachado como revan-chismo. Sua sentença foi longa, tevemais de 40 páginas. Com relação à de-volução do corpo, contou que chegoua pedir um conselho ao então Desem-

O dilema de uma jovem juízabargador Osni Pereira Duarte, que tam-bém tinha sido cassado, pois não viacomo determinar a devolução se não sesabia o paradeiro do cadáver de MárioAlves, de quem a União sequer reconhe-cia a existência. Evitou seguir essa linha,porque entendeu que isso “tornaria asentença inexeqüível”.

A Desembargadora afirmou que nãotinha como fazer outro caminho. Ela fezquestão de lembrar que naquele momen-to (1981, ano em que a sentença foi de-cretada) a Lei de Anistia, de 1979, ain-da estava engatinhando no País. Assim,seguindo a sua intuição, ela conseguiuque a sentença fosse mantida dentro dosTribunais superiores:

“Eu me sinto hoje realmente muitogratificada de verificar que isso abriumais uma porta. Naquela época não po-díamos imaginar que tempos depois te-ríamos uma nova Constituição e quemuitos dos torturados e exilados viriama exercer até a Presidência da Repúbli-ca. Eu me sinto feliz porque ajudei umpouco a construir esse caminho para aabertura”, declarou a Dra. Tânia Heinesob intensos aplausos da platéia.

Um colchão ensangüentadoOutro momento de grande emoção na

solenidade foi o depoimento do Profes-sor Emir Amed, que também foi presoe torturado no Doi-Codi, como MárioAlves e outros companheiros de Partido.Ele disse que conheceu Mário Alves pri-meiramente no PCB, depois como autor,“um literato”, da revista Leitura, ligadaao Partido na época, e também no jornalNovos Rumos, nos anos 60. Nos anos 70,foi preso na mesma época e prisão emque se encontrava o colega do Partidão.

Contou Emir Amed que enviou vári-

Coube aoPresidente daABI, a LúciaCaldas e aoMinistro PauloVannuchidescerrar aBandeiraNacional quecobria a placado MemorialMário Alves,localizado noSalão Nobredo AuditórioOscarGuanabarino,cenário dasreuniões cívicasrealizadasna Casa.

A inauguração em todo o País de memoriais como o de Mário Alves, disse o MinistroPaulo Vannuchi, representa o empenho do Governo de “quebrar o ciclo da impunidade”.

ALCYR C

AVALCAN

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JOSÉ REIN

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19Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Num livro,o Expressoda Vitória

Pesquisadoras doDepartamento deDocumentação da EditoraAbril, cujo arquivo jornalísticoé reconhecido no Brasil e noexterior pelo tamanho equalidade de seu acervo,visitaram a ABI no dia 8 dejunho. Vera Lúcia,pesquisadora de textos;Elenice Ferrari, pesquisadorade fotos; e Sissi Diksztejn,coordenadora de memória daeditora, vieram conhecer oacervo da Biblioteca BastosTigre e percorreram também o

os Ministros da Defesa “são meros por-ta-vozes dos Ministros militares”:

“Faço uma ressalva ao Ministro JoséViegas, que se insurgiu contra essa prá-tica, denunciou e não permitiu que oschefes militares fizessem ordem unidaem um dia 31 de março e por isso foiexonerado do seu cargo. Então com aexceção desse ex-Ministro, o Ministérioda Defesa tem-se colocado como umgrande obstáculo àquilo que nós quere-mos que é a busca da verdade.”

Outro episódio lembrado pelo Presi-dente da Seccional Rio de Janeiro da OABfoi a bomba que destruiu o escritório dasede do Conselho Federal da entidade,em 27 de agosto de 1980, matando a se-cretária Lyda Monteiro.

Pelo fim da impunidadeÚltimo componente da Mesa a se pro-

nunciar, antes da cerimônia de inaugu-ração do Memorial, o Ministro PauloVannuchi disse que pela sua grandiosi-dade o evento realizado na ABI deveriaser classificado como uma solenidade dealto astral:

“Nosso propósito é fazer deste even-to um ato de astral pra cima. A dimen-são do Mário Alves que se lembra aquinão é hoje de vítima, mas a do herói ven-cedor.”

O Ministro afirmou que a solenida-de em homenagem a Mário Alves eratambém uma forma de reunir pessoaspara somar uma correlação de forçaspara tornar vencedores os pontos devista que estavam sendo reiterados e decerta forma resgatados, após um ciclo emque o tema (encontrar o paradeiro dosdesaparecidos durante o regime militar)tendia ao esmorecimento, pois envolvedivergências no Governo e no Judiciário.

Paulo Vannuchi destacou que este erao 21º ato em prol da memória dos ativis-tas da esquerda que estiveram à frenteda vanguarda política brasileira. O Mi-nistro fez questão de ressaltar que asinaugurações de memoriais como o deMário Alves em todo o País representamo empenho do Governo de “quebrar o ci-clo da impunidade”:

“Temos o compromisso de multipli-car inaugurações de placas em homena-gem a presos políticos desaparecidos emortos pela ditadura militar”, afirmou.

Ao final do discurso do Ministro PauloVannuchi, o Presidente da ABI deu porencerrada a sessão solene e convidoutodos a se dirigirem ao Salão Nobre, ondeseria descerrada a placa do MemorialMário Alves. Coube ao Ministro, à filhado homenageado e ao Presidente da ABIdescerrar a Bandeira do Brasil que cobriao Memorial, confeccionado pelo arqui-teto Tiago Balen, do Rio Grande do Sul,e pela artista plástica Cristina Pozzobon,de São Paulo.

Abertura ao públicoO Memorial, aberto à visitação públi-

ca, está colocado junto à galeria de fo-tos históricas da ABI que ocupa o SalãoNobre, localizado no 9º andar do Edifí-cio Herbert Moses, na Rua Araújo Por-to Alegre, 71, no Centro do Rio. A pla-ca contém uma foto do jornalista, comtexto que descreve sua trajetória de vida.

os comunicados a Brasília querendo serchamado para contar como morreuMário Alves. No Doi-Codi foi colocadoem várias celas; uma delas, por ironia daditadura, era chamada de “cela do amor”:

“A cela era cor de rosa e escura, doispor dois, com uma luz fluorescente in-termitente para que ninguém dormisse.Fechada rigidamente com um portão demetal pesado. Quando em certo momen-to se acendeu a luz da cela eu me deiconta de que estava em um colchão todoensangüentado, e meu colega de prisãoAlexandre da Silveira me disse que umpouco antes de eu chegar esteve naque-le mesmo colchão, coberto de sangue eempalado, o companheiro Mário Alves.Eu não sabia que havia em nossa Pátriao inferno que eu e vários companheirosconhecemos.”

Ministros que sabotamOrador seguinte, o Presidente da

OAB-RJ, Wadih Damous, reafirmou oengajamento da entidade na campanhapela abertura dos arquivos da ditadura.Lembrou que no lançamento da campa-nha, no mês de abril, a OAB demonstrouo compromisso da advocacia “que nuncafaltou ao povo brasileiro quando foi con-clamada a se manifestar”.

Damous contou que em uma visita aoArquivo Nacional no Rio de Janeiro,onde estão arquivados os documentosrelativos ao período da ditadura, apenasos papéis relativos aos órgãos de repres-são política, como o Dops, estão orga-nizados para serem consultados, masnão há um só documento das ForçasArmadas. Ele classificou isso como “umaresistência do Ministério da Defesa”. Emduras críticas às pessoas que vêm ocu-pando a Pasta, disse Wadih Damous que

Os jornalistas Alexandre Mesquita eJefferson Almeida lançaram na sede da ABI,no dia 30 de junho, o livro Um ExpressoChamado Vitória (Editora iVentura), que narraa trajetória do Vasco da Gama entre asdécadas de 1940 e 1950, período em que otime alcançou vitórias importantes como oCampeonato Sul-Americano de Futebol, em1948, no Chile.

Compareceram à noite de autógrafos, quereuniu dezenas de pessoas no Salão GastãoPereira da Silva, os escritores Ivan Soter, autorde Quando a Bola Era Redonda (2008) eEnciclopédia da Seleção – 1914-2002, eClóvis Martins, outro especialista em futebol,representante no Brasil da InternationalFederation of Football History & Statistics-IFFHS e um dos autores de Flamengo XVasco – Clássico das Multidões eCampeonato Carioca – 96 Anos de História.

Com prefácio do jornalista botafoguenseRoberto Porto, Um Expresso Chamado Vitóriamostra como foi formado em 1942 o timevascaíno que ficou conhecido como“Expresso da Vitória”, relembra os jogos, asconquistas a partir de 1944, os craques,entre eles Ademir Menezes, Jair da RosaPinto, Danilo Alvim, Barbosa, Chico, Augusto,Maneca, Friaça, Tesourinha, Lelé, Eli. Comesse elenco, o Vasco da Gama foi campeãocarioca invicto em 1945, 1947 e 1949. O

Jornalistas lançam na ABI obrasobre o timaço do Vasco que

dominou o futebol brasileiro nosanos 1940-1950 e foi a base da

Seleção na Copa de 1950.

time também foi a base da Seleção vice-campeã mundial na Copa em 1950 e oprimeiro do Rio a se consagrar campeão noestádio do Maracanã, nesse mesmo ano.

“Este livro é muito importante porquepassará a ser uma referência àqueles que seinteressam pelo esporte, particularmentepelo Vasco da Gama e por esse períodohistórico, relevante para o futebol brasileiro”,destacou Luis Carlos Bittencourt, Diretor-Executivo da Editora iVentura.

O jornalista Carlos Fernando, CoordenadorEditorial de Esporte da iVentura, chamou aatenção para a escassez de obras sobre otema. “Entre os quatro grandes clubes do Rio,o Vasco reúne o menor número depublicações, em especial pesquisashistóricas, como esta que resgata o período eo time mais vitorioso do Vasco, base daSeleção Brasileira da Copa de 1950”.

Os autores Alexandre Mesquita eJefferson Almeida se conheceram na décadade 90 na faculdade de Jornalismo e desdeentão compartilham o interesse pelo futebol.Juntos escreveram o livro Clássico Vovô,lançado em 2006, também na sede da ABI.

“Eu e Alexandre somos pesquisadores dofutebol carioca há vários anos. Percebemosque existia esta lacuna na literatura esportivarelacionada à História do Vasco. Até então,existiam poucos registros sobre este timecujos feitos eram até mencionados, mas nãocom a devida importância. Nenhum outrotime colocou seis titulares em uma seleção,nem garantiu a hegemonia no futebol com amesma base durante oito, nove anos”,ressaltou Jefferson.

Alexandre Mesquita acredita que nuncamais haverá um fenômeno como o Expressoda Vitória. “A fórmula para o bomdesempenho deste time, em minha opinião,está na origem da equipe baseada naobservação, resultando em boascontratações, além da valorização dosjogadores da Casa. O que fez a diferençanaquele momento histórico foi a sabedoriapara se montar um time de qualidade”.

Pesquisadoras da Abril descobrem nossa BibliotecaEm visita à Casa, elas ficaram encantadas com o acervo

da BBT e também com o Edifício Herbert Moses, nossa sede.

manusear edições númerozero da revista Placar (foramproduzidas cinco edições darevista antes do seulançamento) que elaspróprias não conheciam.“Nem no arquivo da Abrilexistem todas essas edições”,informou Sissi Diksztejn.

As pesquisadorasafirmaram que já têmsugestões em mente e quea ABI poderá atendê-las nocampo da troca deconteúdos. Vera Lúcia semostrou interessadaprincipalmente no acervo deO Cruzeiro, de que aBiblioteca tem coleçãocompleta.

Além da partedocumental, aspesquisadoras ficaramimpressionadas com osespaços disponíveis noEdifício Herbert Moses, sededa ABI. Elas afirmaram que aedificação é uma referência eo espaço é ideal para abrigaruma série de projetosculturais e parcerias quepodem ser desenvolvidascom a Abril e outrasinstituições.

edifício-sede da ABI,considerado um dos maisimportantes marcos damoderna arquitetura brasileira.

A visita ao Rio, disse VeraLúcia, teve por objetivoconferir a riqueza de dados einformações que pode serencontrada nas bibliotecas earquivos da Cidade, além deconhecer como osrespectivos acervos sãoarmazenados e tratados. NaBiblioteca, as pesquisadorasficaram impressionadas como acervo e se encantaram ao

RAQU

EL BISPO

Mário Alves nasceu em SentoSé, Bahia, em 1923. Iniciou suamilitância política aos 16 anos efoi um dos fundadores da Uniãodos Estudantes da Bahia-UEB.Formou-se em Letras emSalvador. Ingressou no PartidoComunista em 1939 e foi um doslíderes das mobilizações deagosto de 1942 na capital baianacontra o nazifascismo.

Em 1945, passou a integrar oComitê Estadual na Bahia doPCB, sendo eleito em 1954 parao Comitê Central e alçado àComissão Executiva em 1957.Dirigiu os jornais do PartidoNovos Rumos e Voz Operária.

Após abril de 1964, tornou-seum dos líderes da corrente deesquerda do PCB. Foi preso emjulho de 1964 no Rio de Janeiro elibertado um ano depois. Em1966, teve os direitos políticoscassados por dez anos. Em 1968,ao lado de Apolônio de Carvalho,Jacob Gorender e outrosmembros dissidentes da direçãodo PCB, fundou o PCBR.

Mário, umlutador precoce

20 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Episódios obscuros sobre o período daditadura militar e fatos pouco conheci-dos antes do golpe de 1964 estão reuni-dos no livro Lacerda – Na Era da Insani-dade, do jornalista pernambucano Fran-cisco José Guimarães Padilha, lançadoem 14 de junho na sede da ABI. Entre asrevelações, destaque para o atentadocontra Carlos Lacerda que quase explo-diu um túnel ferroviário da Central doBrasil. Lacerda estava então em campa-nha presidencial acompanhado de umacomitiva com mais de duzentas pessoas.

Prestigiaram o lançamento jornalistas,associados da ABI e amigos do autor, entreos quais nomes de destaque na impren-sa que deram depoimentos publicados nolivro, como o Presidente da ABI, Maurí-cio Azêdo, Milton Coelho da Graça e NiloDante. Na obra, que conta as experiên-cias pessoais e profissionais de Padilha,há ainda depoimentos dos jornalistasAlberto Dines, Cícero Sandroni, MuriloMelo Filho, Ayrton Baffa, Ely Azeredo,Nélson Lemos e Dílson Ribeiro.

Lembranças da resistênciaConselheiro da ABI, Milton Coelho

falou da importância da Tribuna da Im-prensa e de Carlos Lacerda para o jorna-lismo brasileiro: “A Tribuna da Imprensafoi o primeiro veículo a se apropriar datécnica americana do lide. Lacerda tinhaaltas idéias de qualidade e revelou umasérie de novos talentos, como NilsonViana e Carlos Lemos”, ressaltou.

Milton também lembrou da resistên-cia no período da ditadura: “Fiquei pre-so durante um ano e seis meses, e passeipor oito cadeias. Assim que entrei para aprofissão, Lacerda já eraum homem famoso, al-guns anos mais velho doque eu. Na primeira par-te da minha vida brigueicontra as idéias dele. So-mente na ditadura nosjuntamos para lutar con-tra ela. Lacerda foi muitoimportante, pois eu tinhaum jornal clandestinochamado Resistência, quepublicou o primeiro de-poimento de Carlos La-cerda na cadeia”.

Sobre a obra, MiltonCoelho destacou o trabalho de Padilha:“Este livro tem uma importância espe-cial porque traz informações de bastido-res nunca antes reveladas, divulgadaspor uma pessoa que conviveu com La-cerda e só agora trouxe essas informa-ções a conhecimento público”.

Apesar da violência e da censura, dis-

da para a extrema direita, grande Gover-nador do Estado da Guanabara e fantás-tico orador. Em todo o meu tempo comorepórter político não me lembro de nin-guém que possa ser comparado a Lacer-da. A grande virtude deste livro é mos-trar a importância histórica desta fase.”

Editor de Lacerda – Na Era da Insani-dade, o jornalista Luiz Erthal aponta comoreferencial do livro a apresentação do per-fil de Carlos Lacerda a partir da observa-ção dos profissionais da imprensa. “Em-bora existam outros livros sobre CarlosLacerda, este o apresenta sob a ótica dosjornalistas e reúne depoimentos de gran-des nomes da imprensa contemporâne-os de Lacerda. O próprio autor foi um doshomens mais próximos de Carlos Lacer-da, que apostou no talento de Padilhadesde que ele, vindo de Pernambuco, ini-ciou a carreira no Rio”.

A rota da fugaPresente ao lançamento, o jornalis-

ta Luiz Carlos de Oliveira Chesther,membro do Conselho Fiscal da ABI, re-cordou momentos de descontração nosbastidores da Tribuna da Imprensa, emmeio ao clima de censura imposto peloregime militar:

“Comecei a trabalhar na Tribuna daImprensa em 1966, como diagramador.

Criamos no jornal o Clubeda Lanterninha, numa alu-são ao Clube da Lanternacriado por Lacerda. HélioFernandes também faziaparte. Ele escrevia a colu-na dele perto da editoriado Padilha, que sempre foium excelente chefe, nun-ca perseguiu ninguém. O

subeditor era o Neil Ha-milton. Todos os dias,

quando terminava a ediçãodo jornal, depois das 22h,Nilo Dante, que era o editor

do Correio da Manhã, ia para aTribuna, que fechava mais tarde.Ele apressava a gente para co-meçarmos dentro da Redaçãoo nosso jogo de pingue-pongueou linha de passe com bola depapel, goleiro e tudo. Na épo-ca da ditadura, de vez emquando tínhamos que fugirda Polícia. Certa vez chega-ram à Redação vários fuzilei-ros navais prometendo que-brar tudo. Conseguimos es-capar pelo buraco do ar-condicionado, que davasaída para a TVE”.

Na orelha do livro, ojornalista Zuenir Ventu-ra lembra a trajetória doautor e sua estreita rela-ção com Lacerda: “De

todos os jornalistas que passaram pelaTribuna da Imprensa, meu velho compa-nheiro de redação e amigo Guimarães Pa-dilha foi um dos que conviveram maistempo com Carlos Lacerda. Desde os pas-sos iniciais da profissão como repórter atéo topo da jornada como chefe de Redaçãoe Diretor responsável, no epicentro da di-tadura militar que se lançou contra o jor-nal, baniu Lacerda da vida política e var-reu de cena os melhores valores da demo-cracia brasileira. (...) Ainda beirando o foca,Padilha foi quem Lacerda escolheu parauma cobertura internacional histórica queo levaria à Havana de Fulgêncio Batista eà Sierra Maestra de Fidel Castro”.

Perfil do autorOutras grandes coberturas marcaram

a carreira do autor como as entrevistascom John Kennedy, nos Estados Unidos,um mês antes do assassinato do Presi-dente norte-americano, e com o Presi-dente João Goulart, poucas horas antesde ser deposto em 31 de março de 1964.

Processado nos Atos Institucionais 3e 4, Padilha foi preso pelos agentes daditadura. No período em que o jornalistaHélio Fernandes permaneceu confinadoem instalações militares da Ilha de Fer-nando de Noronha e em Pirassinunga,SP,Padilha ocupou a direção da Tribuna daImprensa. “Guimarães Padilha foi o gran-de Redator-Chefe da Tribuna da Impren-sa. Existiam outros excelentes jornalis-tas, mas não nas circunstâncias em queo Padilha assumiu o jornal por inteiroantes de completar 30 anos, em plenaditadura, quando fui cassado em 1966,e proibido de escrever ou de dirigir ojornal, numa situação dramática”, recor-da Hélio Fernandes.

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

A trajetória de Lacerda eseus episódios inéditos

As revelações em livro do jornalista Guimarães Padilha, o colaborador queconviveu mais próximo e por mais tempo com o fundador da Tribuna da Imprensa.

POR CLAUDIA SOUZA

se Mílton, o período registrado no livrofoi de extrema importância para o forta-lecimento da imprensa: “O jornalismo es-tava nas primeiras trincheiras. Os donosdos jornais resistiram pouco, mas os jor-nalistas resistiram muito. Todo resgate daHistória brasileira é importante. Temosuma falha no número de historiadores.

Os jovens não conhecema História da República,principalmente a da dita-dura”, avaliou.

“Fantástico orador”O jornalista Nilo Dan-

te também compartilhadessa opinião. Ele consi-dera que a publicaçãodeve ser aplaudida comorelevante referencial his-tórico do período da di-tadura:

“O livro apresenta umareportagem minha sobre

o famoso Comício da Central do Brasil.Foi um episódio tão importante que, ape-sar de eu, na época, ocupar a chefia deRedação da Tribuna fui fazer a cobertu-ra. Também está na obra um artigo queescrevi sobre Carlos Lacerda, um homemcombativo, controvertido, polêmico; umhomem que passou da extrema esquer-

Guimarães Padilha levouhoras assinandoautógrafos (ao alto), entreos quais os destinados aantigos companheiros,como Mílton Coelho(abaixo, à esquerda) eNilo Dante (à direita),que fizeram textos sobreo Lacerda jornalista e oLacerda Governador.

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21Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Por ocasião do lançamento do livro,Guimarães Padilha falou ao Jornal da ABIsobre sua carreira no jornalismo, a con-vivência com figuras como Lacerda eHélio Fernandes e sobre os fatos que, emsua opinião, marcaram a história da im-prensa brasileira e a evolução do jorna-lismo no País.

JORNAL DA ABI – COMO E QUANDO O SE-NHOR INICIOU A CARREIRA NO JORNALISMO?

Guimarães Padilha – Iniciei em 1954 naimprensa de Juazeiro da Bahia e de Petro-lina, em Pernambuco. No ano seguintepassei a integrar o quadro de correspon-dentes do Jornal do Commercio do Recife.

JORNAL DA ABI – QUANDO O SENHOR COME-ÇOU A TRABALHAR NA TRIBUNA DA IMPRENSA?

Guimarães Padilha – Em seguida, metransferi para o Rio de Janeiro. Em 1956,a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda,realizou um curso e um processo de sele-ção para a contratação de um repórter,quando fui escolhido entre mais de 100candidatos. Jornalistas como o próprioCarlos Lacerda, Aloisio Alves, Hilcar Lei-te, Hermano Alves, Murilo Mello Filho eoutras expressões da imprensa carioca daépoca ministraram o curso, que culminoucom a escolha do novo repórter do com-bativo jornal da Rua do Lavradio.

JORNAL DA ABI – COMO ERA A SUA RELAÇÃO

COM HÉLIO FERNANDES E CARLOS LACERDA?Guimarães Padilha – Harmoniosa e de

bom aprendizado. Construíram o meusaber jornalístico.

JORNAL DA ABI – QUE EPISÓDIOS MARCA-RAM A SUA CONVIVÊNCIA COM ESTES DOIS

GRANDES JORNALISTAS?Guimarães Padilha – Na época de Car-

los Lacerda tive a chance de ser escolhi-do pelo próprio para cobrir a RevoluçãoCubana e registrar, pessoalmente, outrosacontecimentos políticos na região doCaribe. Fiz entrevistas com Fidel Castro,Raúl Castro e Che Guevara em SierraMaestra. Cobri também reuniões de aber-tura da Assembléia-Geral das NaçõesUnidas, em Nova York, quando tive achance de entrevistar o Presidente JohnKennedy, pouco antes do atentado que ovitimou. Entrevistei ainda vários outroslíderes mundiais. Na Tribuna da Impren-sa, com Hélio Fernandes, proprietário dojornal, fui repórter, Chefe de Reportagem,Secretário de Redação e Diretor do Jornal.Durante o AI-5 assumi a Direção Geral,no período em que Hélio Fernandes es-teve preso e confinado em Fernando deNoronha e Pirassununga, São Paulo.

JORNAL DA ABI – DE QUE MANEIRA ELES

INFLUENCIARAM A SUA TRAJETÓRIA PESSOAL EPROFISSIONAL?

Guimarães Padilha – Na isenção abso-luta no trato da notícia. Carlos Lacerda

DEPOIMENTO

“Hélio Fernandes e Carlos Lacerdaconstruíram o meu saber jornalístico”

e Hélio Fernandes, mentes absolutamen-te abertas, jamais pediram atestados decomportamento político dos jornalistasque com eles trabalharam. Nem metransmitiram qualquer recomendaçãorestritiva quando passei a dirigir o jor-nal. Mesmo porque eu não as aceitaria.A única exigência era produzir matéri-as isentas, sem tentar impor idéias pré-concebidas. Graças a isso, passaram pelaRedação da Tribuna e ali se revelaramnotáveis valores da nossa profissão, quea honraram e se destacaram em outrosgrandes jornais do Brasil.

JORNAL DA ABI – DURANTE QUANTO TEM-PO O SENHOR TRABALHOU NA TRIBUNA?

Guimarães Padilha – Durante cerca de15 anos. Deixei o jornal após a libertaçãode Hélio Fernandes do confinamento equando a função de censura passou paraa nossa responsabilidade, ou seja, nachamada fase da autocensura. Após ohorror da censura do Exército e da Polí-cia Federal, entendia que a autocensuraseria uma violência ainda maior paranossa missão de informar. Preferi ficardesempregado. Pessoalmente, sempreabominei o reacionarismo de esquerda ede direita porque eles sempre se apresen-tam como paladinos de causas nobres,mas sua face verdadeira mal encobre osobjetivos escusos que não ajudam a de-mocracia e os interesses pessoais e de cadagrupo, nunca lastreados no objetivo pri-mordial do bem comum.

JORNAL DA ABI – QUANDO SURGIU A IDÉIA DE

ESCREVER LACERDA – NA ERA DA INSANIDADE?Guimarães Padilha – Surgiu ainda na

fase da ditadura, quando o nosso primeirolivro Esse Incrível Lacerda, escrito em par-ceria com os grandes repórteres Lídio deSouza e Fernando Bueno, foi apreendidonas livrarias do Rio de Janeiro no dia em

que seria lançado, em outubro de 1962.Até hoje nenhuma explicação me foi dada,como era costume na era da insanidade.

JORNAL DA ABI – EM QUANTO TEMPO OSENHOR FEZ A PESQUISA?

Guimarães Padilha – Desde a apreen-são do livro Esse Incrível Lacerda, passeia reunir dados para produzir Lacerda –Na Era da Insanidade. Era a minha res-posta à era de horror absoluto, à esquer-da e à direita, ocorrido a partir de 1964.Horror de políticos, clero, Forças Arma-das, sindicatos, entidades patronais –todos voltados para os próprios interes-ses, não raro alheios aos da população.

JORNAL DA ABI – QUE CRITÉRIOS FORAM

UTILIZADOS NA ESCOLHA DOS DEPOIMENTOS?Guimarães Padilha – Os critérios da

isenção e que desfizessem as controvér-sias e algumas histórias tanto as verazesquanto as mal contadas em torno deCarlos Lacerda. Acusações levianas.Tentativas de macular a sua trajetóriapolítica comprometendo a verdade emdiversos episódios da época. Não obstan-te a proximidade profissional que me li-gou a Carlos Lacerda por tanto tempo,nunca fui, porém, militante do chama-do “lacerdismo”. Concordei e discordeidele. Mas desconhecer a importância deLacerda na História do Brasil, o seu ex-traordinário papel na defesa dos interes-ses da Pátria, é algo inteiramente absurdoe com que eu não podia concordar.

JORNAL DA ABI – ENTRE OS EPISÓDIOS CITA-DOS NA OBRA, QUAL O MARCOU EM ESPECIAL?

Guimarães Padilha – A determinaçãode Carlos Lacerda pela busca de seus ide-ais, pela defesa de seus princípios e a ca-pacidade altamente produtiva de um jor-nalista e político na administração doEstado da Guanabara. O que o Rio de Ja-

neiro possui de progresso e de modernis-mo é ainda fruto de seu trabalho no Go-verno estadual. Seu Plano Diretor aindaé o norteador, nos nossos dias, do progra-ma de desenvolvimento da cidade.

JORNAL DA ABI – EM QUE ASPECTOS O JOR-NALISMO DA TRIBUNA CONTRIBUIU PARA A HIS-TÓRIA DA IMPRENSA BRASILEIRA?

Guimarães Padilha – Contribuiu emuito. Foi o responsável pelo chamadojornalismo investigativo e pela busca deoferecer ao leitor os dois lados da notí-cia, permitindo que ele tenha a sua pró-pria conclusão. Além do que moderni-zou a linguagem da informação, expur-gando do jornalismo excessos da lingua-gem e a imprensa-marrom.

JORNAL DA ABI – E AS TRAJETÓRIAS DE

LACERDA E HÉLIO FERNANDES, NESTE SENTIDO?Guimarães Padilha – Implantaram um

novo estilo de jornalismo político. Umanova maneira de tornar o jornalismo acei-tável pelo seu público. E no caso especí-fico de Carlos Lacerda, como bem disseMaurício Azêdo: “as ressalvas de caráterpolítico e ideológico, não impediram o re-conhecimento, até mesmo por parte deseus adversários, de que Carlos Frederi-co Werneck de Lacerda foi um dos mai-ores jornalistas que o Brasil conheceu”.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR AVALIA

O ATUAL ESTÁGIO DA IMPRENSA BRASILEIRA?Guimarães Padilha – De desenvolvi-

mento, mas com muita coisa a ser feitaainda. Não podemos esquecer das nefas-tas influências externas, aqui e acolá.Meu objetivo é concluir o meu terceirolivro Por Trás da Notícia, que aborda exa-tamente esse assunto. E não se podeesquecer ainda da concorrência com ainternet, um forte adversário do jorna-lismo escrito. E da leitura de livros pormeio da mídia eletrônica.

JORNAL DA ABI – DE QUE MANEIRA ESTE

LIVRO PODE CONTRIBUIR PARA AS NOVAS GERA-ÇÕES DE JORNALISTAS?

Guimarães Padilha – Pode, na medidaem que procura esclarecer episódios tantoos verídicos quanto os mal contados e en-voltos em mistérios, além das más inten-ções. Quando eu falo na “era da insani-dade” é para mostrar a Torre de Babeldaqueles tempos que vivemos sob tantaindignidade e desnecessária violência.Precisamos buscar cada vez mais a trans-parência, a liberdade de imprensa, a acei-tação dos profissionais sem o carimbo desuas ideologias, a compreensão dos pro-prietários dos jornais, revistas e meiostelevisivos e, por último, o repúdio àsnotícias mal contadas e que tanto malfazem às gerações atuais e futuras. Achofundamental também manter o respeitoaos idosos, tanto em nossa classe quan-to em qualquer outro tipo de atividadeprofissional. Apesar de velhos, eles jamaisdeixarão de ser inteligentes. E serão sem-pre a memória da História, de hoje, de on-tem e de sempre. A minha identidadeideológica é a defesa de meu País, das li-berdades democráticas, da liberdade depensamento e do direito sagrado de ex-pressar opiniões, assim como o de ir e vir.

(Colaborou Raquel Bispo)

Diz Padilha que, apesarde ter trabalhado anos

com Lacerda na Tribuna,nunca militou no

chamado lacerdismo.

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EL BISPO

22 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Um ano depois de o SupremoTribunal Federal-STF estabelecero princípio da não exigência do di-ploma para a prática profissionalde jornalismo acatando parecerdo então Presidente, Ministro Gil-mar Mendes, a ABI recebeu a vi-sita dos Deputados federais HugoLeal (PSC-RJ), Arolde de Oliveira(DEM-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ). Eles integram a Comissão Es-pecial da Câmara dos Deputados,incumbida de emitir parecer sobrea Proposta de Emenda à Constitui-ção (Pec 386/09), do DeputadoPaulo Pimenta (PT-MG), que alte-ra a Constituição Federal para res-tabelecer a necessidade do diplo-ma de curso superior para o exer-cício da profissão de jornalista.

Os parlamentares foram rece-bidos pelo Presidente da Casa,Maurício Azêdo, e membros daDiretoria, entre os quais o Presi-dente do Conselho Deliberativo,Pery Cotta, o Diretor Administra-tivo Orpheu Salles e a Diretora deAssistência Social, Ilma Martinsda Silva. O encontro aconteceu nodia 17 de junho na Sala Belisáriode Souza, localizada no 7º andarda sede da ABI, onde se reuniramjornalistas e membros das entida-des representativas da categoria.

A abordagem de tema tão im-portante para a categoria profis-sional dos jornalistas foi condu-zida por uma Mesa formada porMaurício Azêdo; Sérgio Murilo deAndrade, Presidente da Federação

uma enorme contribuição a esseesforço, como os que se encontrampresentes, tenho esperança de quevamos retomar o processo de con-solidação da nossa profissão.”

A Presidente do Sindicato dosJornalistas do Município do Riode Janeiro, Suzana Blass, salien-tou a importância da participaçãoda ABI no debate público que seconstituiu pela defesa do diplomade nível superior:

“Eu não consigo imaginar lugarmelhor para a gente marcar estedia de hoje do que estar aqui naABI. Isso muda um pouco o enfo-que dessa luta que os sindicatos ea Fenaj têm feito em função da re-presentatividade que a ABI tem nasociedade. Quero pontuar tambémque estar na ABI, no Rio de Janei-ro, na presença de três deputadosdo Estado fazendo parte da Comis-são Especial da Câmara que anali-sa o nosso projeto, é uma vitóriado Estado do Rio de Janeiro no ce-nário nacional, que me desculpemos outros Estados, mas é um deta-lhe que tem que ser apontado”.

Coincidências do momentoO Presidente da ABI, Maurício

Azêdo, ressaltou que a presençados Deputados Hugo Leal, Arol-de de Oliveira e Chico Alencar naABI tinha como propósito umaconsulta técnica, com vista à ela-boração do parecer do DeputadoHugo Leal na Comissão Especialda Câmara dos Deputados, cons-tituída para examinar a propos-ta do Deputado Paulo Pimenta,mas que ao mesmo tempo o en-contro coincidiu com a manifes-tação convocada pela Fenaj comoparte do Dia Nacional de Luta emDefesa do Diploma.

“São manifestações diferentese que caminham para o mesmo fimque é o restabelecimento dos direi-tos dos jornalistas sonegados eeliminados pelo Supremo TribunalFederal. Como Presidente da ABI,quero dizer que ficamos muitohonrados não só pela presença dosparlamentares, mas também comas representações sindicais presen-tes na mesa, especialmente, semdesdouro dos demais, do compa-nheiro Sergio Murilo de Andrade,Presidente da Federação Nacionaldos Jornalistas.”

Maurício declarou também quea ABI tem uma vinculação histó-rica muito estreita com a Fenaj,lembrando que a entidade foi fun-dada por “destacados militantes”sindicais da cidade do Rio de Janei-ro, ainda no tempo do antigo Dis-trito Federal, que se articularamem todo o País atendendo ao quea legislação exigia para a formaçãode uma entidade de caráter naci-onal. Citou os jornalistas JoãoAntônio Mesplé, cujo centenáriode nascimento ocorrerá em setem-bro, Carlos Alberto da Costa Pin-to e Fernando Segismundo, quepresidiu a ABI em mais de ummandato e que, perto de comple-tar 95 anos de idade, é um dos mais

Nacional dos Jornalistas-Fenaj;Suzana Blass, Presidente do Sin-dicato dos Jornalistas Profissio-nais do Município do Rio de Ja-neiro, e José Ernesto Mandel Vi-ana, Presidente do Sindicato dosJornalistas Profissionais do Esta-do do Rio de Janeiro.

Informou então o DeputadoHugo Leal que a Comissão Espe-cial da Câmara dos Deputados járealizara cinco audiências públicaspara debater a exigência do diplo-ma de jornalista, para quem quertrabalhar na profissão. Ele ressal-tou que a reunião de agora tinhaum caráter essencialmente técni-co, visando a assegurar a constitu-cionalidade da emenda propostapelo Deputado Paulo Pimenta.

O Deputado Arolde de Olivei-ra exaltou a responsabilidade deHugo Leal na coleta de informaçõespara se embasar pela média de pa-receres, tarefa que ele consideramuito importante para um relatorequilibrar as opiniões. Nesse casotorna-se mais clara a posição da Co-missão para aprovar a proposta doDeputado Paulo Pimenta, uma vezque o próprio Supremo TribunalFederal levou a entender que so-mente uma emenda constitucionalpode referendá-la”.

O Deputado Chico Alencardisse que considera o projeto doDeputado Paulo Pimenta tãoimportante que este poderia serclassificado como uma iniciativade vários autores, como ele acha

A ABI, a Fenaj e sindicatos expõem a parlamentares argumentosem defesa do restabelecimento da exigência da formação em

Jornalismo ou Comunicação para o exercício da profissão.

Comissão Especial da Câmaraouve as razões dos profissionais

que será, ao ser aprovado peloCongresso Nacional com “aque-la maioria qualificada difícil de seconquistar com Emenda Consti-tucional”. Segundo ele, “o Depu-tado Paulo Pimenta não se oporáa esta construção coletiva de jei-to nenhum”. Em seguida ChicoAlencar fez uma provocação:

“Estamos diante de uma situ-ação muito singular que eu ima-gino que nem aqui possa começara ser resolvida. Está faltando an-tagonismo. Acreditem, o contra-ditório, que é ponto essencial paraa produção legislativa, para mu-dar a lei, não está existindo. Emvárias audiências (referindo-se àsaudiências públicas realizadaspela Câmara) aqueles que anopassado expressaram forte opo-sição à idéia da formação especí-fica agora não estão comparecen-do para argumentar, o que nos au-toriza a dizer que era um interessemenor de precarização das em-presas de comunicação. Está fal-tando alguém nesse debate.”

Cenário e dia adequadosDisse o Deputado Hugo Leal

que a data e o local escolhidos paraa realização do encontro têm umsignificado especial. Primeiro,porque neste 17 de junho comple-tou um ano da polêmica decisãodo STF. Segundo, porque o encon-tro se realizava na ABI, “um am-biente qualificado, de uma enti-dade que tem capilaridade com a

sociedade”. Relator da Pec 386/09Leal informou que a Comissãotem consciência de que vai en-frentar conceitos doutrinários eaqueles das pessoas que defen-dem os princípios do Direito com-parado da Corte norte-americana,além de uma série de outras ques-tões jurídicas.

Ele admitiu que já existe umenfrentamento jurídico em cursoque demanda a superação de vá-rias dificuldades. “Nós temos queentender que já começamos esseenfrentamento e temos que supe-rar essas dificuldades”, ressaltou.Leal salientou que a visita à ABIteve como objetivo a busca deelementos para subsidiar o traba-lho da Comissão, colher informa-ções técnicas do corpo jurídico edos colaboradores da entidade econhecer a opinião dos associadosda Casa, de modo que a Comissãopossa consubstanciar o texto doseu parecer e garantir a constitu-cionalidade da Emenda, evitandoque esta venha a ser questionadapelo Supremo”, declarou o parla-mentar.

O Presidente da Fenaj, SérgioMurilo de Andrade, disse que em17 de junho a categoria profissio-nal do Brasil inteiro comemora otriste aniversário de “uma decisãoinfeliz, equivocada, que foi feitaem nome da liberdade, e todos nóssabemos que as razões que move-ram o Supremo Tribunal Federalao tomar essa decisão muito poucotêm a ver com liberdade de expres-são e liberdade de imprensa”.

Disse Sérgio Murilo que nãofoi à toa que a Fenaj, com o apoiodos sindicatos, tomou a decisãode fazer o protesto central da ca-tegoria no Rio de Janeiro, coinci-dindo com a visita ao Rio da Co-missão Especial da Câmara dosDeputados. “Fizemos isso pelasimbologia, porque foi aqui noRio de Janeiro, na ABI, que come-çou essa luta de conferir dignida-de à profissão de jornalista noBrasil. Aqui teve início a batalhapara se criar uma identidade pro-fissional nacional, que foi cons-truída principalmente por meioda formação superior, de uma ne-cessidade, de um critério demo-crático de acesso à profissão queé o ensino superior e a exigênciado diploma. Este ato é a retoma-da de um direito que nos foi vio-lentamente cortado”.

Sergio Murilo exortou a ABIpara que continue sendo parceiraefetiva como tem sido, exercendoum papel de destaque, “ao lado ouà frente da Fenaj”, nessa luta quenasceu na Casa do Jornalista:

“A ABI tem um papel funda-mental no processo de construçãoda profissão de jornalistas no Bra-sil. Nós temos a esperança de que,com a posição ativa da AssociaçãoBrasileira de Imprensa, junto comos apoios que estamos conquistan-do na sociedade, com entidadescomo a OAB, com apoio de parla-mentares de respeito que têm dado

Sérgio Murilo, Presidente da Fenaj (à esquerda), e Maurício acompanham a exposição do DeputadoHugo Leal, relator da Comissão Especial da Pec do Diploma, acerca da tramitação do projeto.

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23Jornal da ABI 356 Julho de 2010

A Câmara dos Deputados realizou em 23 de ju-nho, em Brasília, audiência pública organizada pelaComissão Especial criada para analisar a Propos-ta de Emenda à Constituição-Pec 386/09, que res-tabelece a exigência de diploma de curso superi-or para o exercício da profissão de jornalista. Deautoria do Deputado Paulo Pimenta (PT-MG), aEmenda pretende modificar o quadro gerado peladecisão do Supremo Tribunal Federal que, em 17de junho do ano passado, acabou com a obriga-toriedade da formação universitária específica paraquem quer exercer o jornalismo.

Participaram do debate Rodrigo Kaufmann,consultor da Associação Brasileira de Emissorasde Rádio e Televisão-Abert; Leise Taveira dos San-tos, professora de Comunicação; Leonel Azeve-do de Aguiar, coordenador do curso de Jornalis-mo da Pontifícia Universidade Católica-Puc-RJ;Carlos Eduardo Franciscato, Presidente da Asso-ciação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo-SBPJor, e Edson Spenthof, Diretor do FórumNacional de Professores de Jornalismo-FNPJ.

Em discurso na audiência, , o relator da Pec 386/09, Deputado Hugo Leal (PSC-RJ) ressaltou queo maior desafio em analisar a matéria é saber ondetermina a liberdade de expressão e começa o exer-cício profissional do jornalista. A Professora Lei-se Taveira dos Santos disse que a decisão do Su-premo de retirar a exigência do diploma surpre-endeu a todos e que “para os estudantes a sensa-ção foi de golpe”, afirmou.

Acesso ao jornalismoQuando visitou a ABI (leia texto na página 22),

o Deputado Chico Alencar (Psol-RJ), um dos inte-grantes da Comissão Especial, disse que no deba-te sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalis-ta estava “faltando antagonismo”, porque muitosdos que se manifestaram contra a idéia da forma-ção específica em jornalismo não têm compareci-do às audiências convocadas pela Comissão (até omomento ocorreram cinco audiências públicas), noque ele classificou de “um interesse menor das em-presas de comunicação” pelo assunto.

Desta vez, porém, o encontro teve a presençade um representante das empresas. Rodrigo Kau-fmann, consultor da Abert, afirmou que o proble-ma é ter o diploma do curso como único meio deacesso ao jornalismo. “O exercício profissional dojornalista se vincula ao direito à liberdade de ex-pressão na nossa Constituição”, argumento queEdson Spenthof, diretor do Fórum de Professor-tes de Jornalismo, aponta como um equívoco con-ceitual. A seu ver, está havendo confusão entre li-berdade de expressão e exercício profissional.Spenthof assinalou que o jornalista, ao exercer suaprofissão, não expressa sua opinião, mas sim faza mediação entre as opiniões e a sociedade. Ele fi-nalizou com um questionamento: “Um anodepois da decisão do STF algum cidadão foi con-tratado por empresa de comunicação para simples-mente expor sua opinião?”

Leonel Azevedo, coordenador do curso de Jor-nalismo da Puc-RJ, defendeu a formação profis-sional específica dizendo que jornalismo contem-porâneo não é local de expressão de opinião, masde produção de informações. Para Azevedo, a qua-lificação profissional é importantíssima na apu-

antigos membros da AssociaçãoBrasileira de Imprensa e talvez oúnico remanescente do grupo desindicalistas que fundou a Fenaj.

Disse Maurício que, apesar dacircunstância, a luta em defesa daformação do jornalista em nívelsuperior aproximou ainda mais aABI da Fenaj e dos sindicatos dejornalistas de diferentes pontosdo País. E completou:

“Essa é uma bandeira que aCasa tem sustentado desde 17 dejunho do ano passado no Jornal daABI, tanto em manifestação emeditorial, como pelo acompanha-mento de todas as iniciativas quevisem a restaurar a dignidade daprofissão de jornalista, tão funda-mente agredida por essa decisão doSupremo Tribunal Federal, que,como lembrou o Deputado ChicoAlencar, evocando Evandro Lins eSilva, segundo o qual o SupremoTribunal Federal é a última instân-cia do direito de errar, como aCorte errou nessa questão, assimcomo erraria recentemente, em 29de abril, com a decisão de perdo-ar os torturadores que cometeramos crimes mais atrozes da Histó-ria política do Brasil”.

Luta quase centenáriaEm sua intervenção, o Presi-

dente da ABI elogiou os integran-tes do movimento sindical e agestão de Sérgio Murilo de Andra-de à frente da Fenaj, afirmandoque este tem dado à entidade “odinamismo necessário ao enfren-tamento dos complexos proble-mas que se oferecem à comunida-de profissional dos jornalistas”.

Ele recordou que a preocupa-ção da ABI com a formação pro-fissional dos jornalistas é antiga.Em 1918, a ABI organizou o ICongresso Brasileiro de Jornalis-tas, que aprovou, entre outrasproposições, a proposta de que aformação dos profissionais deimprensa deveria ser em nível su-perior. Destacou também quenesse período o ensino superiorno Brasil não abrigava institui-ções universitárias. A própriaUniversidade do Brasil, que foi amatriz do sistema universitáriodo País, seria fundada tempos de-

A Comissão Especial incumbida de opinar sobre a proposta do Deputado PauloPimenta (PT-RS) faz nova audiência pública e visita a ANJ, que insiste em

confundir exercício profissional com liberdade de expressão, como fez o STF.

LEGISLAÇÃO

A Câmara debate aemenda do diploma

ração das notícias. Em sociedades complexas comoa brasileira, “é necessário que haja formação su-perior dos jornalistas”.

Carlos Franciscato, Presidente da Associação dePesquisadores em Jornalismo, sustentou que ocurso de Jornalismo garante uma qualificação paraque o profissional tenha uma visão ética e huma-nística da informação. Disse ainda que “informa-ção com qualidade é o melhor para sociedade”.

Rodrigo Kaufmann afirmou que a discussão arespeito da exigência do diploma de jornalismo jáestá ultrapassada: “O Supremo entendeu que a exi-gência do diploma é incompatível com nosso re-gime de liberdade de expressão. O julgamento sebaseia em uma cláusula pétrea da ConstituiçãoFederal”, afirmou, acrescentando que a Abert temtodo o interesse em discutir modelos alternativosque possam valorizar o jornalista.

Reunião na ANJPela manhã, os Deputados Hugo Leal (PSC-RJ)

e Arolde de Oliveira (Dem-RJ), representando a Co-missão Especial, visitaram a Associação Nacionalde Jornais-ANJ, com intuito de conhecer a posiçãoda entidade sobre o tema. Os parlamentares foramrecebidos pelo Diretor-Executivo, Ricardo Pedrei-ra, e Rodolfo Moura, Assessor Jurídico da Abert.

Durante a reunião, que durou cerca de três ho-ras, foram entregues alguns pareceres que, segun-do Rodolfo Moura, sustentam a decisão do Supre-mo. Ele destacou a posição da ANJ: “Entendemosque isso é uma questão que afeta a liberdade deexpressão. Acreditamos na importância das esco-las, mas precisamos oferecer oportunidades paraque quem não é formado em Jornalismo possaexercer a função de jornalista”.

Em entrevista ao ABI Online, Carlos Miler, as-sessor de imprensa da ANJ, justificou a posiçãopública da entidade de não defender a obrigatorie-dade do diploma. Segundo ele, a derrubada do di-ploma não é uma questão relevante para a ANJ, “jáque os jornais contratam a maioria dos profissionaisformados nas escolas e entendem que é melhor, queessas escolas dão a qualidade necessária. Sermoscontra a obrigatoriedade do diploma não significaque somos contra o curso superior e acreditamos queas Redações continuarão contratando os profissio-nais com diploma normalmente”, declarou.

Em relação à desvalorização do profissional dejornalismo e a uma possível diminuição dos salá-rios, Carlos Miler afirmou que a ANJ não acredi-ta numa redução de remuneração; sua opinião pes-soal é que não haveria desvalorização pelo fato deque o salário na imprensa não atrai profissionaisde outras áreas.

Miler disse ainda que “a ANJ defende que a nãoobrigatoriedade do diploma é uma questão de prin-cípio, não deve haver exigência: “Segundo o prin-cípio de liberdade de expressão, ninguém pode to-lher um cidadão de se expressar em um meio decomunicação. Os requisitos para exercer a profis-são não necessitam de um diploma de jornalismo”.

Sobre as dificuldades que algumas faculdades deJornalismo estão enfrentando por força da derrubadado diploma, Miler foi enfático: “Se certos cursos fe-charam é porque não tinham qualidade suficientee tinham que fechar mesmo. O bom curso continu-ará atraindo e formando bons profissionais”.

pois para permitir que houvessea entrega do título de doutor ho-noris causa ao Príncipe Alberto daBélgica, que visitava o Brasil na-quela ocasião.

“A ABI foi tão meticulosa nessaquestão que um dos seus direto-res, João Guedes de Melo, teve asensibilidade e a paciência de nãosó fazer o acompanhamento noplenário do Congresso, comotambém elaborou o que seria aprimeira grade curricular do cursode Jornalismo que seria necessá-rio para o exercício da atividadeprofissional.”

Quem contratou quem?O Presidente do Conselho De-

liberativo da ABI, Pery Cotta,considerou oportuno fazer umasugestão aos membros da Comis-são, afirmando que corroboravatudo o que estava sendo dito du-rante o encontro:

“A minha sugestão é no senti-do de que na visita aos proprietá-rios de veículos de comunicação ossenhores peçam a eles uma lista-gem, referente ao ano que se pas-sou, de profissionais diplomadose não diplomados que eles têmcontratado para trabalhar em seusveículos. Pelo que eu sei, eles sóestão chamando os diplomados,porque dentro das Redações de rá-dio, tv e sites jornalísticos eles pre-cisam é de profissionais de impren-sa. Não precisam de aprendizes defeiticeiros, nem de chefs de cozi-nha, como supunha o ex-Presiden-te do Supremo Tribunal Federal,Gilmar Mendes.”

Pery Cotta disse estar convic-to de que para se trabalhar em ve-ículo de comunicação é precisoconhecimento, informação e cul-tura, requisitos que não impedemque pessoas como o escritor LuísFernando Veríssimo escrevam crô-nicas para jornais, ou que o ex-jo-gador Tostão atue como comen-tarista de futebol. “Ninguém me-lhor do que Tostão para comen-tar a Seleção Brasileira de futebol.Isso é imprescindível e faz partedaquela atração que os veículossempre ofereceram aos intelectu-ais, às pessoas de cultura, saber econhecimento científico de todasas áreas”.

O Diretor Administrativo daABI, Orpheu Salles, que já presidiua Comissão de Defesa da Liberda-de de Imprensa e Direitos Huma-nos da ABI, disse que há algum tem-po perguntou aos Ministros doSupremo Tribunal Marco AurélioMelo, Celso Melo e Carlos AyresBrito se eles eram contra o diplo-ma, e que eles disseram que nãoeram contrários, mas que julgavamde acordo com a lei e a Constitui-ção. A resposta dos membros doSTF arguídos por Orpheu Salles foide que a exigência do diploma eraum assunto que deveria ser resol-vido no Congresso Nacional, paraque a Suprema Corte tivesse meiosde fazer que seja atendida a reivin-dicação da categoria de jornalistas.

Pery Cotta: Alguma empresacontratou jornalista não diplomado?

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26 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

A organização Repórteres Sem Fron-teiras-RSF denunciou que o Governodo Irã está praticando uma “política derepressão sabiamente elaborada” comdetenções de jornalistas no país. Infor-mou a organização que desde a reelei-ção do Presidente Mahmoud Ahmadi-nejad, em 12 de junho de 2009, 170jornalistas e blogueiros foram detidosem um ano e “22 deles foram condena-dos a penas que representam no total135 anos de prisão”, destacou a RSF emum comunicado.

O relatório da RFS aponta que a re-pressão do Governo iraniano aos jorna-listas provocou a saída do país de maisde uma centena de profissionais quetrabalham na imprensa. De acordo como levantamento da entidade, “milha-res de sites foram bloqueados e 23 jor-nais estão proibidos de circular pelasautoridades iranianas”.

A RSF acusa o Governo de MahmoudAhmadinejad de estar implantando noIrã um sistema de erradicação da pro-fissão de jornalista. O mesmo com-portamento se aplica a ativistas soci-ais e observadores internacionais. Asdenúncias da RSF contra o Governo doIrã foram feitas após análise do perío-do de 12 meses decorrido desde a ree-leição de Ahmadinejad, por meio daqual a organização buscava informaçõessobre a liberdade de expressão no Irã.

Entidade de defesa da liberdade deimprensa e da atividade profissional,a RSF afirma que o regime iranianoatuou para “enfraquecer” as redes decomunicação, “seja através da internetou pelo controle das redes telefônicaspara o envio de meras mensagens detexto a celulares”. A organização tam-bém faz críticas às medidas adotadaspelo Governo iraniano para impedir acirculação de informações sobre osprotestos contra o resultado das elei-ções ocorridas no ano passado. A ini-ciativa foi classificada como “guerracontra as imagens”.

Segundo a RSF, até o trabalho doscorrespondentes estrangeiros no Irãvem sendo prejudicado. Com isso, afir-ma a entidade, o Governo iraniano estápromovendo a “demonização” da im-prensa estrangeira, cujos representan-tes no Irã são considerados “espiões aserviço dos Estados Unidos”.

Um dado preocupante, diz a RSF, éa falta de garantias judiciais nos pro-cessos abertos contra jornalistas, cujasprisões ocorrem freqüentemente jun-

A Itália reage àmordaça deBerlusconi

RSF denuncia repressãoa jornalistas no Irã

Desde a reeleição do Presidente Ahmadinejad, em 2009, 170 jornalistas eblogueiros foram presos e 22 deles condenados a um total de 135 anos de prisão.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Em outro comunicado, a RSF cobroudas autoridades hondurenhas pressa noesclarecimento dos assassinatos recen-tes de jornalistas em Honduras. Entreos casos de assassinatos de jornalistaseste ano no país está o do repórter LuisArturo Mondragón, assassinado em 14de junho quando saía do trabalho pordois homens que estavam em um car-ro e dispararam tiros contra ele.

Mondragón era diretor de notícias deuma emissora de tv da cidade de Danlí,em El Paraíso. Segundo a RSF, ele foi ooitavo profissional assassinado em Hon-duras desde o dia 1º de março deste ano.

Afirmou a RSF que quaisquer quetenham sido os motivos que levaram aoassassinato do jornalista nada justificaque a verdade não seja revelada imedi-

Honduras, onde o perigo é maiorDesde março, oito jornalistas assassinados.

Um dia após a aprovação pelo Sena-do italiano da chamada “Lei da Mor-daça”, que pune com penas severas re-pórteres e editores que vierem a publi-car o conteúdo de escutas telefônicas,feitas durante inquéritos judiciais epoliciais, a imprensa da Itália organi-zou uma grande mobilização de pro-testos, como o do jornal de esquerdaLa Reppublica, que publicou na ediçãodo dia 11 de junho sua primeira páginatotalmente em branco com apenasum post-it amarelo com a inscrição “Alei da mordaça nega aos cidadãos o di-reito à informação”.

Esta foi a primeira vez na históriada imprensa italiana que isso aconte-ce. Por meio de um editorial, o editor-chefe do La Reppublica justificou o ato:“Publicamos uma página em brancopara dizer aos leitores que a democra-cia entrou em curto-circuito”.

Em Milão, o Vice-Procurador Ar-mando Spataro – que se especializouem crimes de terrorismo, máfia e cor-rupção – alertou os cidadãos que a leivai dificultar a investigação de cri-mes. “Todos os criminosos se apro-veitam dessa lei. Se for promulgada,os cidadãos devem saber que sua se-gurança estará em risco”, afirmou.

Desde que foi anunciada pelo Co-mitê Judiciário do Senado, a nova leifoi muito contestada pela maioriados meios de comunicação, pelo Sin-dicato dos Jornalistas e também pormembros da magistratura, que te-mem principalmente que o trabalhode combate à corrupção e à máfia sejaprejudicado.

A Lei da Mordaça conta com o apoiodo partido do Primeiro-Ministro Sil-vio Berlusconi e já havia provocadouma manifestação de repúdio pela in-ternet que mobilizou cerca de 76 milinternautas. Para que a medida sejaaprovada definitivamente e entre emvigor, o projeto depende de nova apro-vação pela Câmara dos Deputados edepois tem que ser sancionado peloPresidente da República, Giorgio Na-politano. (José Reinaldo Marques)

Lei proposta por seu Governoimpede a publicação do

conteúdo de escutas telefônicasfeitas em investigações policiais.

to a presos comuns. De acordo com adenúncia há casos “sistemáticos” detortura na prisão de Evin.

Em 3 de maio, Dia Mundial da Liber-dade de Imprensa, a RSF divulgou umalista com o nome de 40 personagensmundiais chamada de “predadores daliberdade de imprensa”, na qual o Pre-sidente Mahmoud Ahmadinejad temseu nome citado ao lado do dirigente

Berlusconi não quer escutastelefônicas divulgadas pela imprensa.

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atamente. “Mesmo que não haja umarelação entre o assassinato e a ativida-de profissional da vítima, não se deveocultar a violência política que está mi-nando o país desde o golpe de Estado de28 de junho de 2009, assim como suastrágicas consequências para a liberda-de de imprensa”, disse o comunicado.

Segundo a agência de notícias Ansa,o porta-voz da Polícia Nacional de Hon-duras, Leonel Sauceda, afirmou que osassassinatos de jornalistas no país nãoforam causados por motivos profissio-nais. Até agora, apenas dois responsá-veis pelas mortes foram detidos no país.

Atualmente Honduras é considera-do pela RSF o país mais perigoso parao exercício da profissão de jornalistasna América Latina.

chinês Hu Jintao e do atual Presiden-te de Cuba, Raúl Castro.

Segundo informações divulgadas naépoca no site da RSF, são “40 políticos,oficiais de governo, líderes religiosos,milícias e organizações criminosas quenão suportam a imprensa, tratam-nacomo inimiga e atacam jornalistas di-retamente. Eles são poderosos, perigo-sos, violentos e acima da lei”.

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A violenta repressão deAhmadinejad provocou

a detenção de 170profissionais da imprensa

no período de um ano.Pode parecer piada mas

no Irã os jornalistasestrangeiros são

considerados espiões aserviço dos Estados Unidos.

27Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Está virando rotina e isso é preocu-pante. No final de junho e começo dejulho, a equipe do programa Custe o queCusta, conhecido como CQC, exibidopela Rede Bandeirantes, foi vítima deviolência durante a realização de suasreportagens. O primeiro incidenteaconteceu em São Bernardo do Cam-po, no ABC paulista, e o segundo, emAnalândia, interior de São Paulo.

Nas duas oportunidades, o repórtere humorista Danilo Gentili e a produ-ção do programa apuravam denúnci-as quando foram agredidos e impos-sibilitados de realizar as matérias. So-frer violência e ser censurado não épropriamente uma novidade para oCQC, mas nos últimos tempos essassituações vêm sendo cada vez mais co-muns, contando até com apoio doPoder Público.

A violência emSão Bernardo

Na tarde de 22 de junho Gentili e aequipe do CQC foram ao Centro deFormação de Professores de São Ber-nardo do Campo-Cenforpe para fazeruma reportagem para o quadro ProtesteJá, denunciando o risco de desaba-mento de uma escola construída aolado de um barranco. Quando saíamdo local, eles foram abordados porintegrantes da Guarda Civil Metropo-litana. De acordo com o repórter e coma matéria que foi ao ar na semana se-guinte no CQC, toda a equipe foiempurrada novamente para dentro doprédio. Cinco dos oficiais o segurarampelo pescoço, torceram seu braço e lhederam socos, inclusive, no rosto. Apósa violência, tentaram algemá-lo e de-ram voz de prisão à equipe, alegandodesacato.

“Foi uma agressão gratuita e covar-de. Tenho todas as imagens para com-provar que sou uma vítima no caso”,declarou Danilo Gentili no twitter.

Os guardas contam uma versão di-ferente. Além de garantir que não fo-ram violentos – mesmo que as cenasgravadas mostrem o contrário –, dizemque Gentili primeiro os ofendeu. Noboletim de ocorrência, eles dizem queo jornalista os teria chamado de “guar-dinhas de merda que não mandavamnada e deveriam estar na praça cuidan-do de pombos”. No 3º Distrito Polici-al, para onde todos foram encaminha-dos, Gentili confirmou que houve ofen-sa, mas só depois da agressão. O repór-ter submeteu-se a exame de corpo de

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CQC, alvo freqüente da violênciaNovas agressões e ameaças contra os profissionais do programa humorístico-jornalístico Custe o que Custar, o CQC, da

TV Bandeirantes, mostram como é frágil a liberdade de expressão no Brasil, sujeita ao mau humor e arbítrio dos donos do poder.

POR MARCOS STEFANO

delito, logo após ser liberado. Para in-vestigar o caso, a Polícia instaurou in-quérito que deverá apurar tanto o afir-mado abuso de autoridade quanto osuposto desacato.

A violênciaem Analândia

Poucos dias depois, em 1º de julho,os profissionais do CQC foram paraAnalândia, onde apurariam irregulari-

Em entrevista ao ABI Online,o ator e jornalista Marcelo Tas,apresentador do CQC, mostrougrande preocupação com osrepetidos incidentes e com atolerância com que a sociedade eas autoridades tratam casos decensura e de violência contra aimprensa:

“Penso que a situação daliberdade de expressão no País

O protesto deMarcelo Tas

municipais em São Bernardo doCampo, quanto em plenoCongresso Nacional. Na mesmasemana ainda tivemos o caso deuma repórter do SBT sendoagredida por um vereador doDemocratas, vejam que ironia!É importante os jornalistas e osveículos tomarem uma posiçãofirme diante de tão perigososprecedentes. Além deinconstitucionais, tais atos vãocontra o rumo do aperfeiçoamentoda sociedade brasileira e da saúdede nossa jovem democracia”.

mostra sintomas de raquitismodiante da truculência eimpunidade dos coronéis desempre. É lamentável, depoisde décadas de luta porredemocratização vermos a plenaforça de mãos pesadas que calamjornalistas, fecham blogs,processam veículos, causandoconstrangimentos profissionais,ameaças emocionais e prejuízosfinanceiros. A nova modalidadedessa nova censura se mostrou nasrecentes agressões às equipes doCQC. Tanto por guardas

dades na administração municipal.Quando tentavam entrar no prédio daPrefeitura local, sofreram nova agres-são. Ao se identificarem, Gentili levouum soco na barriga e o produtor YuriCruz Costa teve sua mão prensada naporta. Vanderley Vivaldini Júnior, re-presentante da Associação dos Amigosde Analândia-Amasa, que acompanha-va a equipe,contou que os jornalistasforam agredidos por José Roberto Pe-

rin, ex-Prefeito do Município e atualChefe de Gabinete do Prefeito, e LuizFernando Carvalho, vereador e cunha-do de Perin.

“Não houve nenhum tipo de discus-são. O Prefeito Luizinho Garbuio sim-plesmente se recusou a atendê-los echamou os assessores, que vieram comtruculência”, contou Vivaldini depoisque Gentili e Costa registraram bole-tim de ocorrência.

A trupe do CQC enfrenta a truculência de políticos incomodados com as reportagens do Proteste Já e de perguntas sem meias palavras.

28 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Agressões no estádioe no Senado Federal

A violência contra os jornalistas doCQC em São Paulo foi apenas mais umcapítulo de uma trajetória de polêmi-cas e outras confusões. No dia 1º dejulho de 2009, o repórter Felipe Andre-oli e sua equipe foram agredidos portorcedores do Internacional, no Está-dio Beira-Rio, em Porto Alegre, RS,quando faziam matéria sobre a decisãoda Copa do Brasil contra o Corinthians.

“Quando tentamos gravar, um gru-po de torcedores se aproximou e co-

Duas manifestações de aplausos aEdição 353 do Jornal da ABI, com datade capa abril de 2010, foram recebidaspela Casa, uma en-viada de Tel Aviv,Israel, pelo jornalis-ta Nahum Sirotsky(foto), que consideraque a publicação de-veria ser vendida embancas, e outra en-caminhada pelo ad-vogado B. CalheirosBomfim, que classi-fica de “excelente” amatéria de contestação das declaraçõesdo General Leônidas Pires Gonçalves.

A ABI agradeceu as mensagens, su-blinhando em e-mail a Sirotsky que di-vulgaria sua manifestação no Site e noJornal da ABI, “para que os leitores co-nheçam o opinamento de um jornalis-ta extraordinário”: ele, Sirotsky res-pondeu: “Oi, Maurício: se eu fosse tãobom assim, isto pensariam de mim noIG, no Último Segundo e no Zero Hora,onde sou mero colaborador”.

Calheiros Bomfim, que é o decanodos advogados trabalhistas do Rio deJaneiro e aos 90 anos ainda atua nosfóruns da Justiça do Trabalho, afirmaem sua mensagem que “o Jornal da ABIpresta relevante serviço à nação, relem-brando as ilegalidades, violências e tor-turas, com o que contribui para man-ter viva a memória da ditadura militar,a fim de que não sejam esquecidas”.

A MENSAGEM DE SIROTSKYO Jornal da ABI que recebi hoje é

para ser vendido em bancas. Está umtrabalho profissionalíssimo até noleiaute. Conhece New York Books?Creio exista no Consulado America-no: é papel jornal que sangra signifi-cados. O Jornal da ABI tem tudo paraser jornal sobre jornalismo. O Obser-vatório da Imprensa é crítico e bom. OABI poderia ser sobre jornalismo emgeral. Há milhares de colegas e estu-dantes que o desconhecem. Pense nis-so: Você tem equipes ansiosas por es-crever sério.”

A MENSAGEM DE CALHEIROS BOMFIM“Prezado Presidente Maurício Azêdo,Permita-me felicitá-lo pelo precioso

número do Jornal da ABI, de maio de 2010.Trata-se de uma edição histórica,

contendo noticiário, reportagens e de-poimentos sobre um período sombrioe nefasto que se abateu sobre o País.

Excelente a matéria desmentindo asdeclarações do General Leônidas PiresGonçalves.

O Jornal da ABI presta relevanteserviço à nação, relembrando as ilega-lidades, violências e torturas, com o quecontribui para manter viva a memó-ria da ditadura militar, a fim de que nãosejam esquecidas.

Com o maior apreço e admiração do(a) Calheiros Bomfim.”

Outro grave caso de violência contrajornalistas envolveu a repórter MárciaPache, da TV Centro-Oeste, retransmis-sora do SBT em Pontes e Lacerda (MT)que foi agredida com um tapa no rostopelo Vereador Lourivaldo Rodrigues deMoraes (Dem-MT), conhecido comoKirrarinha. Registrada pelas câmeras daequipe de TV, a agressão ocorreu no dia28 de junho, quando Márcia tentava en-trevistar o parlamentar que foi indici-ado por esbulho possessório e denunci-ação caluniosa.

Em nota, o Sindicato dos Jornalistasde Mato Grosso-Sindijor-MT repudioua agressão sofrida pela jornalista e co-locou a assessoria jurídica da entidadeà disposição da repórter, que pretendeprocessar o agressor. Esta não é a pri-meira vez que o parlamentar usa de vi-

meçou a nos xingar com palavrões ea nos chamar de corintianos. Tomeiaté uma gravata de um deles. Se nãofosse um santo segurança do estádio,eu, o cinegrafista e o produtor tería-mos apanhado feio. Sorte que o gran-dão e outro torcedor mais conscienteapareceram para nos ajudar”, contouAndreoli na ocasião.

No mesmo dia, mas em Brasília,Danilo Gentili já havia sido agredidopor seguranças do Senado, quandotentava entrevistar seu Presidente,Senador José Sarney (PMDB-AP). Ojornalista tentou abordar o Senador eperguntar se, com sua saída, os escân-dalos ainda continuariam. Nesse mo-mento, os seguranças o impediram e oderrubaram no chão. No ano anterior,o humor debochado do CQC já tinhaprovocado estragos no Congresso, tan-to que em abril de 2008 o programachegou a ser proibido de entrar no Se-nado. Porém, como essa determinaçãosó acabou por dar mais força às sátirasdos repórteres, que passaram a gravardepoimentos com parlamentares sim-páticos, pedindo a volta da equipe aoCongresso, a ordem foi revogada.

Censura préviaem Barueri

Em março deste ano, o incidente foina Prefeitura de Barueri, na GrandeSão Paulo. Após uma ação movida pelo

órgão público, o CQC foi impedidode exibir o quadro Proteste Já comuma reportagem que mostrava co-mo um aparelho de televisão doa-do a uma escola do Município foilocalizado na casa da diretora dainstituição. A ação acatada pelaJuíza Nilza Bueno da Silva, daVara da Fazenda de Barueri, afir-mava que a matéria não poderiaser exibida sem antes ter o direi-

to de resposta. Na época, a direção

da atração reclamou da decisão, clas-sificando-a como uma “proibição ve-lada”, uma “censura prévia”.

Depois da repercussão das últimasagressões a Danilo Gentili e ao pesso-al do CQC, a Prefeitura de São Bernar-do do Campo – cujo Prefeito Luiz Ma-rinho (PT) é responsável também pelacensura prévia imposta judicialmenteao Diário do Grande ABC – divulgou umcomunicado em que informa que abriuum inquérito administrativo para apu-rar a violência. O caso está sendo inves-tigado pela Corregedoria-Geral daGuarda Civil Metropolitana. Na nota,o Secretário de Segurança Urbana,Benedito Mariano, diz que solicitará àprodução do programa a cópia na ín-tegra das imagens, e não somente oconteúdo editado pelo CQC.

Na semana seguinte ao incidente emAnalândia, o CQC enviou uma novarepresentante. Desta vez, a escolhidafoi a jornalista Mônica Iozzi, que sóse dirigiu à cidade depois de ter a ga-rantia de que alguém da Prefeitura areceberia. Apesar de Mônica ter fica-do à espera de algum representante daPrefeitura, ninguém apareceu. O ór-gão apenas comunicou que o trata-mento de esgoto da cidade, no qualforam investidos R$ 2 milhões, con-tinua sem funcionar.

Com ou sem boa vontade das auto-ridades, o fato é que os problemas comcensura e violência contra o trabalhodo CQC não devem ser superados tãofacilmente. Adaptado de uma atraçãoargentina chamada Caiga Quien Cai-ga, a versão brasileira rende muita po-lêmica por transitar entre o humor e ojornalismo. Ninguém é obrigado a rircom o sarcasmo e com as provocaçõesda atração, mas apoiar agressões ouproibição de seus profissionais realiza-rem seu trabalho de denúncia, legítimopor sinal, não tem a menor graça.

Mais agressões a jornalistasolência contra a imprensa. Segundo oSindijor-MT, o jornalista Celso Garcia,da TV Record, foi agredido em 2007pelo Vereador.

Representantes de veículos de im-prensa da região realizaram manifes-tação em frente à Câmara de Vereado-res da cidade para exigir do Presiden-te da Casa, Vereador Claudinei Cela, aabertura de processo para investigaçãode possível quebra de decoro parlamen-tar de Moraes, o que pode provocar acassação do mandato.

Agressão em BebedouroO repórter Marco Antônio dos San-

tos, da Gazeta de Bebedouro, também foiagredido por guardas municipais nofinal de junho ao tentar cobrir uma en-trevista coletiva do Prefeito da cidade

de Bebedouro, SP, João Batista Bianchi-ni, conhecido como Italiano.

A Prefeitura teria anunciado a cole-tiva para outros veículos, com exceçãoda Gazeta e da Rádio Bebedouro AM.No encontro, o Prefeito responderia aquestões relacionadas ao relatório dachamada CPI de Italiano, na qual o Pre-feito Bianchini é investigado. Ao tentarparticipar da entrevista, o repórter foicontido por guardas municipais.

“Não deram mais nenhuma explica-ção, chamaram os guardas para me in-timidar e imobilizar para que eu nãoconseguisse participar da coletiva”, con-tou Marco Antonio. Ele contou que osagressores o soltaram “somente apósordem da assessoria de imprensa, que viuque todos os jornais fotografavam a cena,e me deixaram acompanhar a coletiva”.

MensagensMensagens

Aplausos de Sirotskye Calheiros Bonfim

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Trabalhando noCQC, Danilo Gentili

já foi agredidono Senado, emAnalândia, em

São Bernardodo Campo...

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29Jornal da ABI 356 Julho de 2010

“A decadência do Jornal do Brasil mefaz sofrer profundamente”. Essa foi aconfissão do jornalista Carlos Lemos,que durante muitos anos foi um dosprincipais editores do JB, sobre a notí-cia de que o diário não irá mais circular.Lançado em 9 de abril de 1891, o Jornaldo Brasil se tornou uma das mais impor-tantes publicações do País em 119 anosde existência, mas isso não foi suficientepara mantê-lo vivo: a partir de 1° desetembro próximo o jornal será edita-do apenas em versão para a internet.

A comunicação foi feita pelo empre-sário Nélson Tanure, dono do jornal, nodia 13 de julho, dois dias antes de serpublicado um anúncio de página duplano próprio veículo, que buscava escla-recer a decisão aos seus leitores. Deacordo com o texto da publicidade, amudança de plataforma não vai preju-dicar a tradição do jornal: “O Jornal doBrasil, coerente com sua tradição de pi-oneirismo e modernidade, se colocamais uma vez à frente do seu tempo.A partir de 1º de setembro de 2010,passa a ser o primeiro jornal 100% di-100% di-100% di-100% di-100% di-gitalgitalgitalgitalgital” (grifo do jornal).

Dizem os responsáveis pelo JB quea medida foi adotada depois de umaconsulta que teve aprovação dos leito-res, os quais responderam a uma pes-quisa na internet sobre a mudança daedição impressa para a digital, publica-da na edição do dia 30 de junho. Deacordo, porém, com informações defontes do mercado editorial, a decisãode Tanure de encerrar a carreira impres-sa do JB está ligada a dívidas acumu-ladas pelo diário, estimadas em R$ 100milhões, além da queda na circulação.Como não houve compradores interes-sados em adquirir o centenário veícu-lo, Tanure optou pela edição digital, vi-

“Esse recurso de virar online é umaforma de adiar a sua morte. A histó-ria do JB pode ser resumida em um sé-culo de glória e duas décadas de ago-nia”, declarou Dines em entrevista àRádio CBN.

“É uma das piores notícias que tivecomo jornalista nos últimos anos”,disse Sérgio Cabral, Conselheiro da ABIe um dos grandes colunistas que atu-aram no Jornal do Brasil no seu perío-do áureo. Cabral lamentou muito ahipótese de nunca mais ler o jornal nasua versão impressa:

“O melhor da minha carreira jorna-lística eu vivi no JB, período do qual eutenho muita saudade. O meu sonho eraacertar um prêmio numa dessas lote-rias mundiais e comprar o JB para sal-vá-lo. Essa decisão sobre o jornal é re-almente lamentável”.

O colunista de O Globo AncelmoGois também lamentou a decisão dosdonos do JB, mas disse que já vinha sepreparando para ouvir essa notícia hámuito tempo:

“Na verdade, quando entrou no pro-cesso de decadência eu comecei a nãoreconhecer naquele jornal o meu Jor-nal do Brasil, que me causava tantaemoção, aquele que quando me per-

guntam eu digo que foi o res-ponsável pela minha decisãode me tornar jornalista. En-tão, fui me preparando paraouvir essa notícia.”

Em entrevista ao ABI On-line em 14 de agosto de 2009,Ancelmo contou que quandoera menino em Aracaju já de-monstrava “uma paixão to-tal e absoluta pelo JB”. Tododia ele e um grupo de garotosse dirigiam ao aeroporto dacidade, na carona de um jipevelho, para buscar os exem-plares do Jornal do Brasil quechegavam ao Município emum avião da Varig.

Sindicato de lutoEm entrevista ao site Co-

munique-se, o Vice-Presiden-te do Sindicato dos Jornalis-tas Profissionais do Municí-pio do Rio de Janeiro, RogérioMarques Gomes, disse que osmaiores problemas relaciona-dos ao JB eram os atrasos sa-

lariais e a forma de contratação dos pro-fissionais que atuam na Redação.

“A maior irregularidade do JB é a con-tratação de um grande número de jorna-listas como pessoa jurídica”, salientou.

Disse Rogério Gomes que o Sindica-to estava de luto pelo fim da versãoimpressa do JB e considerou a situaçãopéssima para a democracia, “porque oRio de Janeiro fica numa situação detransmitir praticamente uma opiniãosó, a do grupo Globo”.

Revelou Rogério que a Diretoria doSindicato teme que a situação do JB setransforme em um problema para osjornalistas, como aconteceu com aextinção da TV Manchete.

“Perder o JB é perder uma parte daHistória do Brasil. Vamos acompanharrigorosamente de perto, para que nãoaconteça o que aconteceu com a TVManchete”, declarou.

Ameaça a 180Trabalham no Jornal do Brasil 180

funcionários, dos quais 60 formam aequipe da Redação do veículo, que temuma tiragem de 17 mil exemplaresdurante a semana e de 22 mil aos do-mingos, conforme dados do InstitutoVerificador de Circulação-IVC.

O JB no clímax da agoniaO centenário jornal anuncia o fim a partir de 1 de setembro de sua versão impressa. Esse recurso é uma forma deadiar a morte do jornal, diz Alberto Dines, um dos responsáveis pela qualidade e prestígio do JB em seu apogeu.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES sando a minimizar custos.A notícia contrariou o Pre-

sidente do Jornal do Brasil,Pedro Grossi, que foi demiti-do do cargo por Tanure pordiscordar da medida. Grossiocupava o cargo de Presiden-te da Docasnet, holding queadministra o JB. Ele tomouconhecimento da sua demis-são no dia 12 de julho, e en-viou um e-mail aos editorese diretores do jornal, em queexplicava que deixava a fun-ção porque discordava dadecisão de se limitar a ediçãodo Jornal do Brasil à internet.

A informação de que o Jor-nal do Brasil vai acabar coma sua versão impressa gerouum clima de preocupação en-tre os profissionais que tra-balham na Redação. Os fun-cionários não querem se iden-tificar, mas criticaram a for-ma como a direção do jornalvinha conduzindo o assunto.Reclamam que ficaram sa-bendo do suposto encerra-mento da publicação pormeio de informações divul-gadas em outros veículos.

O começo do fim?O fim da versão impressa do JB foi

assunto na maioria dos jornais brasi-leiros, além de em publicações do ex-terior, como The Guardian (Inglaterra),Clarín (Argentina), ABC Color (Para-guai) e a revista BusinessWeek (EUA).

O jornalista Alberto Dines, que di-rigiu a Redação do JB durante 13 anose atualmente mantém o Observatórioda Imprensa, disse que a migração daedição impressa para digital é apenasuma forma de protelar o fim do jornal.

Depois de sua demissão, o Presidente do JB, Pedro Grossi, enviouo seguinte comunicado aos editores e diretores do jornal:

“Prezados,Em almoço realizado hoje (segunda-feira 12), na presença do Dr.

Ronaldo Carvalho e da Dra. Ângela Moreira, o Dr. Nélson Tanureinformou que publicará na edição de amanhã do Jornal do Brasil umanotificação assinada pela direção da empresa e dirigida aos leitoresna qual explica a transposição do jornal escrito para o tecnológico(internet).

Considerando que isto contraria a razão pela qual fui contratado,solicito, sem perda de meus direitos, que do expediente do jornal ede todas as revistas não conste mais meu nome.”

A reação de Grossi

Nas páginas do JB, a História viva,como no episódio da troca depresos políticos pelo EmbaixadorCharles Elbrick, em 1969.

COLAPSO

30 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

A nova onda 3D, que ressurge comforça total em blockbusters do cinema,aparelhos de tv e jogos eletrônicos, estádespertando a atenção não apenas doconsumidor interessado nas novasexperiências que essa tecnologia podeproporcionar. Ela está chamando aatenção dos profissionais de marketingdos jornais para as novas possibilida-des comerciais que surgem.

Longe de ser algo moderno – revis-tas com conteúdo em 3D já foram pu-blicadas desde a década de 1950 –, anova técnica começou a ser testada no-vamente, não só para tornar os anún-cios mais atrativos, mas também asfotos e ilustrações que acompanham asreportagens. Em março, o jornal fran-co-belga La Deniére Heure publicouuma edição em 3D e em junho foi a vezdo tablóide britânico The Sun e do nor-te-americano Philadelphia Inquirer.

Durante a Copa do Mundo, leito-res brasileiros também se depararamcom imagens aparentemente fora deregistro ao folhear o recém-lançadoMTV na Rua, mas bastava colocar osóculos que foram distribuídos comos exemplares paraque as fotos e ilus-trações ganhassemnova perspectiva.

“A idéia de fazeruma edição especialem 3D surgiu exata-mente porque essatecnologia seria apre-sentada nas trans-missões da Copa doMundo”, disse Noe-lly Russo, Diretorade Redação do MTVna Rua, que publicouum caderno com essatecnologia para pro-mover o veículo na semana de seu lan-çamento, em 11 de junho.

“Imagens em 3D são lúdicas e têmtudo a ver com a nossa proposta, que édevolver ao meio impresso uma certairreverência e o prazer de ler”, salienta.

Folha x EstadãoNo final do mês, a Folha de S. Paulo

e O Estado de S. Paulo repetiram o fei-to, porém com algumas diferençasentre os dois jornais. Ambos estampa-ram fotos e peças publicitárias tridi-mensionais nos seus cadernos de tec-nologia e os preencheram com maté-rias sobre o funcionamento da técni-ca e seu uso no cinema. Porém, enquan-to a Folha destacou na edição de 27 dejunho as transmissões hiper-realistas

lismo e as novas tecnologias – no Ob-servatório da Imprensa. Diz ele que fo-tos e ilustrações em três dimensõesacrescentam informações ao textoapenas quando recebem o tratamentoadequado e são vistas com óculos deboa qualidade.

“Pelo que vi, sobretudo em jornaisamericanos com a tecnologia, não che-gam a causar uma grande impressão”,analisa. “As imagens em 3D agregamuma nova dimensão, mas não sãosubstitutas da realidade, estão longede ser. Por terem altura, largura e pro-fundidade, impressionam bem maisque uma imagem em 2D. É uma expe-riência válida, mas, no momento, issoé muito mais uma jogada de marke-ting do que uma jogada jornalística”,destaca Castilho, que lembra que “épreciso desenvolver conteúdos espe-cíficos para 3D; não se pode aplicar atecnologia em qualquer fotografia,qualquer ilustração”.

Além do orçamentoCriar uma pauta para aproveitar bem

os recursos da tecnologia 3D e tornar aedição atrativa e financeiramente viá-vel não é uma tarefa simples. Mas, comonão faz sentido ficar repetindo a mes-ma pauta e os óculos custam caro – elessó podem ser distribuídos se forem ban-cados por um grande patrocinador –, éprovável que demore algum tempoantes de os veículos lançarem uma novaedição em 3D, apesar da demanda domercado publicitário.

“Percebemos uma oportunidade demercado porque os grandes anuncian-tes de televisores e outros segmentos

TECNOLOGIA

POR SIBELE OLIVEIRA

Jornais de São Paulo lançam produtos com a tecnologia 3D para promoçãoe atraem anunciantes interessados no modismo, novidade nos anos 1950.

A nova velha técnica 3D

dos jogos da África, o Estado, em suaedição do dia 28, apostou no ganchodos produtos eletrônicos e publicouanúncios produzidos em imagens tri-dimensionais em todo o jornal.

“Não é uma inici-ativa pioneira, mas oprojeto foi concebidodesde a pauta parafazer o melhor uso do3D. A gente queriaexplorar e demons-trar para os nossosleitores no meio im-presso o que eles cos-tumam ver nos fil-mes. Tudo foi muitoplanejado e o retornodo público foi positi-vo. Recebemos mui-tos e-mails, mensa-gens no Twitter e nos

blogs”, diz Ilan Kow, Editor-Chefe depublicações de O Estado de S. Paulo.

Imagens em três dimensões não sãomeros recursos estéticos usados paraenfeitar os textos. É o que garante o Di-retor-Executivo de Circulação e Marke-ting da Folha de S. Paulo, Murilo Bussab.

“Se mostradas no formato 3D, ima-gens com um infográfico diferente, umdiagrama, o Palácio Presidencial do Haitidepois do terremoto ou o solo lunar apre-sentam um ganho de conteúdo, inclu-sive ficam mais produtivas do ponto devista jornalístico”.

Puro marketingNão é o que pensa o jornalista Car-

los Castilho, que mantém o blog CódigoAberto – sobre a relação entre o jorna-

estão falando muito em 3D. É o mo-mento do 3D”, reagiu com entusiasmoRoberto Proença, Gerente de Negóci-os Especiais de O Estado de S. Paulo. Agrande preocupação no lançamento docaderno, diz Proença, era informar aoleitor com bastante antecedência e deforma didática sobre a novidade paraque não parecesse que as fotos estavamcom um problema técnico.

“Deu tão certo que já temos consul-tas do mercado para próximas edições.Se houver uma confluência de interes-ses, do ponto de vista dos anunciantese, quem sabe, algo que tenha importân-cia para a nossa Redação, podemos teruma nova edição. Temos, pelo menos,duas datas em vista no segundo semes-tre com opções publicitárias em 3D”,avalia Roberto Proença.

O ônus: os óculosA curiosidade do público até elevou

um pouco o volume de vendas, mas, dizMurilo Bussab, a viabilização dos pro-jetos só foi possível porque os jornaisreceberam patrocínio e não precisarampagar pelos óculos.

“O custo de publicar uma foto em3D não é representativo para o jornal,mas encartar óculos em mais de 300mil exemplares, tiragem daquela data,é muito caro. Representa, em média,R$ 300 mil a mais”, afirma Bussab.“Como a Folha é um jornal altamentebaseado em assinantes – na casa de 95%de assinantes e 5% a 6% de venda avul-sa –, a circulação não aumentou mui-to. Foi mais uma experiência para re-tomar o assunto e atualizar o nossomaterial editorial com o que aconteceno mundo, do que trazer mais leitores.”

Necessidade? NãoAo que tudo indica, as próximas ex-

periências dos veículos impressos coma tecnologia 3D estarão mais próximasde atender a um plano de marketing doque a uma necessidade editorial.

Tanto a Folha quanto o Estadão fizeramchamada de capa para seus respectivos

cadernos de tecnologia impressos em 3D.

31Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Após anos de sucesso consolidado natelevisão, a MTV parte para o mercadode jornais gratuitos, utilizando a mesmareceita com a qual conquistou seu públi-co fiel: irreverência, humor e contesta-ção. Com circulação de segunda a sex-ta-feira e tiragem inicial de 150 mil exem-plares, o MTV na Rua, que teve seusprimeiros exemplares distribuídos em 7de junho nas principais vias da capitalpaulista, faz parte de um projeto daMTV “de oferecer a seu público e clien-tes a possibilidade de mídia em 360graus, com tv, site e jornal”, informoua Diretora de Redação Noelly Russo.

“O MTV na Rua surgiu da percepção deque este formato de jornal, gratuito e tablói-de, tinha total adequação ao público daemissora. As notícias rápidas e curtas, ostítulos mais irreverentes e um portfólio deassuntos que se distancia do cardápio tra-dicional dos grandes jornais fazem que ojornal seja bem recebido pelos jovens, e, oque mais tem nos surpreendido, por leito-res de outros veículos também”, disse.

Além de atrair os jovens, muitos dosquais não cultivam o hábito de ler jor-

BARRIGA

Folha erra em anúncio de patrocinador da SeleçãoO jornal publicou após o jogo contra o Chile uma peça publicitária em tom despedida da Copa, que só ocorreria dias depois, diante da Holanda.

MTV vai às ruas com jornal gratuitoCanal especializado da televisão cria publicação para continuar falando aos jovens, agora a céu aberto.

POR SIBELE OLIVEIRA nais impressos, o MTV na Rua disputacom os concorrentes a preferência dosleitores adultos, mesclando colunas queabordam assuntos mais leves, comobaladas, celebridades e esportes, comtemas mais sérios, como política e cida-dania. Dividida em cinco editorias – Ge-ral (cidades, política, economia e interna-cional), Almanaque (cultura), Arena (es-portes), Combo (estilo de vida) e Etc (qua-drinhos, horóscopo e cruzadas) –, a pautado jornal de 16 páginas é trabalhada semcompartimentar as notícias de maneirafixa, com o propósito de não estabele-cer uma rotina.

“Gostamos de pensar no jornal comoum companheiro que percorre as ruas acaminho do trabalho ou da faculdade,sempre surpreendendo e apresentandoquestões com uma abordagem diferen-te, provocante”, diz Noelly.

Para acompanhar a proposta editorial,o projeto gráfico do MTV na Rua é limpo edireto, sem deixar de ser vibrante e jovem.

“No lugar dos fios dividindo os blo-cos de informação, adotamos colunasfalsas, abrindo áreas brancas para arejaras páginas, com blocos de texto simplessem elementos invasivos atrapalhando

a leitura”, explicou Fábio Machado,Editor de Arte. “Conseguimos energiacom uma paleta de cores pequena, masviva e brilhante, bem definida na tem-peratura. Para completar, uma gamavariada de ícones apresenta assuntos demaneira leve e bem humorada”.

Aposta nos quadrinhosCom a intenção de imprimir uma

identidade criativa ao jornal, os ideali-zadores do MTV na Rua reuniram umtime de cartunistas, que se revezamdurante a semana.

“A decisão de ter um nome diferentea cada dia tem como objetivo aprovei-tar ao máximo o potencial do artistaconvidado e abrir a possibilidade para eleusar linguagens diferentes. É quase comouma tela, na qual ele decide se faz umpainel, uma charge, uma história”, afir-ma Douglas Vieira, Editor de Cultura.

Diz Douglas que desde o início doprojeto a idéia foi misturar nomes con-sagrados do cartum com talentos danova geração.

“Entre os grandes potenciais dos últi-mos anos, trouxemos Arnaldo Branco eAndré Dahmer, que já possuem uma tra-

jetória muito legal na internet”, explicou.Mauro A., que ganhou fama na web

com a tira Wagner & Beethoven, já publi-cada também na revista Playboy, é a apos-ta do MTV na Rua.

“Ele criou exclusivamente para o jornala hq Conan, Repórter Investigativo”, infor-mou Vieira. “Para fechar o grupo, trouxe-mos dois quadrinistas consagrados: Laerte,um dos nomes mais importantes da hqbrasileira, e Gilbert Shelton, criador dosFreak Brothers e ícone da contra-culturanorte-americana dos anos 60. Shelton foireferência para o trabalho do próprio La-erte e também para outros grandes doBrasil, como o Angeli”, concluiu Douglas.

O Departamento Comercial da Folhade S. Paulo cometeu um grave equívocoao publicar no caderno Copa 2010 do dia29 de junho, um dia após a vitória doBrasil sobre o Chile, o anúncio errado darede de supermercados Extra, um dosmuitos patrocinadores da Seleção Bra-sileira. Na peça publicitária o tom era dedespedida. Como se sabe, o Brasil só seriaeliminado da Copa no jogo seguinte,contra a Holanda.

Sem contar um calhau da Kalunga, oanúncio do Extra era o menor dos cin-co publicados naquela edição (CVC,Mercedes-Benz, Band e Rádio Transamé-rica), um rodapé com apenas 8 cm de al-tura e um título confuso que usou o idi-oma Zulu para citar a palavra “seleção”:

“A I quembu le sizwe sai do Mundi-al. Não do coração da gente”.

Se não fosse pela falha cometida pelaequipe da Folha a peça jamais teria sidotão comentada.

O erro provocou a indignação do em-presário Abílio Diniz, Presidente doConselho de Administração do GrupoExtra/Pão de Açúcar, que divulgou notano seu microblog, na qual pede descul-pas “aos brasileiros e, principalmente,aos jogadores da Seleção”. A mensagemde Diniz diz também o seguinte: “Nãocompartilhamos com a impunidade e to-

maremos as providências, que não eli-minarão o erro, mas irão responsabilizaros culpados”.

De seu lado, o supermercado Extradivulgou nota à imprensa lamentandoo erro e afirmando que cabe ao jornal aretratação. “A empresa informa que aFolha de S. Paulo errou na seleção domaterial para publicação e irá se retra-

tar publicamente com a corre-ção do material, visto que,como patrocinador da Seleção,a rede Extra tem sido um entu-siasta do time brasileiro”.

“Mancada”O episódio do anúncio ga-

nhou grande repercussão noTwitter e foi classificado pelaombudsman da Folha, SuzanaSinger, como uma “mancada”.Ela admitiu o erro do jornal epublicou o seguinte: “Saiu anún-cio errado do Extra hoje por pro-blema de inserção da Folha. Sai-rá errata amanhã. Tremendamancada”.

Suzana afirmou que, devido aum problema ocorrido no depar-tamento de inserção de anúnciosdo jornal, o anúncio do Hipermer-cado Extra tinha sido publicado

equivocadamente, e que a Folha lamenta-va o erro. Em sua edição do dia seguinte, aFolha de S. Paulo se desculpou pela confu-são e publicou uma errata e a versão corre-ta do anúncio do Grupo Pão de Açúcar.

A errata, assinada pelo DepartamentoComercial do jornal, que lamenta o erro,também foi veiculada no Caderno Copa2010. “Comunicamos que erramos na

publicação do anúncio do Extra, referen-te ao resultado do jogo entre Brasil e Chi-le, publicado por este veículo de comu-nicação no dia 29 de junho de 2010, pág.D11. Ao invés do anúncio de vitória doBrasil, foi publicado, equivocadamente,anúncio citando a derrota. Lamentamoso ocorrido”, diz o comunicado.

A ampla repercussão do caso na inter-net e nos meios de comunicação fez comque o Extra também veiculasse um anún-cio de página inteira na página 9 do pri-meiro caderno da edição. Sem mencio-nar diretamente o jornal, o texto expli-ca aos leitores por que a peça publicitá-ria foi publicada errada:

“Somos apaixonados por futebol eacreditamos no nosso time. Sempre tor-cemos pela vitória, mas temos que en-carar as duas possibilidades de um jogode mata-mata: ou ganhamos ou perde-mos. Por isso, criamos dois anúncios parao jogo do Brasil: um em caso de vitória(e queremos publicar mais três até aconquista do Hexa) e outro em caso dederrota mostrando nosso apoio tambémnos momentos difíceis. Ontem (terça),infelizmente houve um equívoco e pu-blicaram o anúncio errado. Veja no Ca-derno de Esportes a errata esclarecendo oocorrido. E veja abaixo o anúncio quedeveria ter sido publicado”.

No tablóide Copa 2010 um pequeno anúncio setransformou num grande problema para a Folha.

LANÇAMENTO

32 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Em 16 de julho de 2000, Barbosa LimaSobrinho encerrava sua participação emum capítulo histórico da História doJornalismo e da democracia do Brasil, naqual se destacou pela cultura, competên-cia e fidelidade aos princípios éticos quefizeram dele uma das figuras mais pro-eminentes da imprensa do País, e tam-bém pelo compromisso com que sempretratou as questões da cidadania, dos di-reitos humanos e da prevalência do Es-tado Democrático de Direito.

Com a sua morte abria-se uma lacu-na na vida política e cultural do Brasil, quedificilmente será preenchida, pelo caris-ma e o respeito conquistados pelo Dou-tor Barbosa, por um longo período dosseus 103 anos de vida, tanto na esfera pú-blica – onde exerceu os cargos de Gover-nador de Pernambuco (1948-1951), De-putado federal (1935-1937 e 1946-1948)e Procurador do Rio de Janeiro, quandoeste era capital do País –, quanto nosmeios acadêmico e jornalístico, semprecom a mesma desenvoltura.

Por sua grande atuação na vida polí-tica do Brasil, mereceu entusiasmadoelogio da economista e ex-DeputadaMaria da Conceição Tavares: “Com elemorre também o século XX, pois Barbo-sa Lima Sobrinho estava atuante emtodos os fatos da nossa vida políticanesse período. Era defensor do Estadonacional em favor da coisa pública e amemória viva de uma geração inteira”.

Em 1926, com menos de 30 anos, Bar-bosa Lima Sobrinho foi eleito o sétimoPresidente da Associação Brasileira deImprensa, em substituição a Raul Peder-neiras (1915-1917 e 1920-1926). O pri-meiro mandato foi curto, de 1926 a 1927,mas não impediu que ele, com a suacaracterística de reformador, logo tenhaconvocado uma assembléia-geral pararealizar mudanças no Estatuto da enti-dade. Em seguida, promoveu a regula-mentação da carteira de jornalista e dotítulo de sócio, além do estabelecimen-to de convênios com outras associaçõesde imprensa em outros Estados.

Barbosa Lima Sobrinho voltou à Pre-sidência da ABI em dois outros manda-tos: 1930 a 1932 e 1978 a 2000, este úl-timo interrompido com a sua morte. Oeditorial 103 anos de um imortal, publica-do na primeira página do Jornal da ABI,edição número 279 (julho/agosto de2000), que homenageava o eterno Pre-sidente, ressalta que “enquanto umapessoa é lembrada ela nunca morre”.

tanta desesperança na população de ma-neira geral, em um processo que, segun-do ele, provocou inclusive a exclusão daclasse média do debate e do cenário eco-nômico. “A igualdade é pressuposto bá-sico da democracia, que, sem ela, não temcondições de sobreviver”, afirma BarbosaLima Sobrinho no artigo que escreveupara o JB.

BiografiaAlexandre José Barbosa Lima Sobrinho

nasceu no Recife em 22 de janeiro de 1897.Advogado, jornalista, ensaísta, historia-dor, professor e político, foi eleito em 28de abril de 1937 para a Cadeira nº 6 daAcademia Brasileira de Letras, suceden-do a Goulart de Andrade. Graduou-sebacharel em Ciências Jurídicas e Sociaisna Faculdade de Direito do Recife, em1917. No mesmo ano, logo em seguida àsua formatura, exerceu a advocacia e foiadjunto de promotor no Recife.

Colaborou na imprensa pernambuca-na no Diário de Pernambuco, no Jornal Pe-queno e principalmente no Jornal de Reci-fe, onde manteve uma coluna aos domin-gos, entre os anos de 1919 e 1921. Foi tam-bém colaborador da Revista Americana,Revista de Direito, Jornal do Commercio doRio de Janeiro, Correio do Povo de PortoAlegre, RS, e de A Gazeta, de São Paulo.

Ao se transferir para o Rio de Janei-

ro, trabalhou para o Jornal do Brasil, noqual ingressou em 1921, inicialmentecomo noticiarista e depois, de 1924 até2000, como um dos principais redatorespolíticos, função que exerceu até a suamorte escrevendo um artigo semanal parao jornal.

Entre as principais obras que escreveuno campo da literatura figuram Árvoredo Bem e do Mal, 1926, e O Vendedor deDiscursos, 1935. Sobre os temas Direito,História e Jornalismo foram os livros OProblema da Imprensa, de 1923; A Verda-de Sobre a Revolução de Outubro, de 1934;Pernambuco: da Independência à Confede-ração do Equador, de 1979; Estudos Naci-onalistas, de 1981, e Assuntos Pernambu-canos, de 1986, entre outros.

Barbosa Lima Sobrinho foi um doscríticos mais contundentes da ditaduramilitar instalada no País com o golpe de1964. Em 1973, candidatou-se à Vice-Presidente da República, filiado ao MDB.Em 1992, foi uma das principais lideran-ças do movimento civil que resultou noimpeachment do então Presidente Fer-nando Collor de Mello.

Esse foi Barbosa Lima Sobrinho, umícone nacional, sobre o qual o amigo ejornalista Villas-Bôas Corrêa, que o co-nheceu em 1948, afirmou: “Barbosa LimaSobrinho foi uma das maiores figuras doséculo que não pôde ver terminar”.

PATRÍCIA

SAN

TOS/FO

LHA

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Essa foi realmente uma das principaiscaracterísticas que marcaram a vida deBarbosa Lima Sobrinho. Ele jamais seráesquecido, assim como a sua imagemestá eternizada e se confunde com a daABI, instituição cujo status de “trinchei-ra da liberdade” ajudou a projetar, dan-do continuidade ao projeto do fundadorGustavo de Lacerda, em 1908, e de ou-tro grande Presidente da Associação,Herbert Moses, que presidiu a ABI en-tre os anos de 1931 e 1964.

Por ocasião das comemorações docentenário da ABI, celebrado em 7 deabril de 2008, durante uma cerimônia naAcademia Brasileira de Letras, o entãoPresidente da Academia, Cícero Sandro-ni, lembrou o tempo em que trabalhoucom Barbosa Lima Sobrinho e falou so-bre a emoção em conviver “com a bra-vura cívica e o espírito pacifista e con-ciliador do ex-Presidente da ABI, que,revelou, somente era abalado quando oFluminense perdia: “Ele é eterno pelaspalavras que deixou escritas, muitomelhores do que eu poderia fazer”.

Contou Cícero Sandroni que um diaquestionou Barbosa Lima Sobrinho emrelação à sua jornada de trabalho, porcausa da sua idade, e ouviu dele o seguin-te: “O tempo que perdemos na ABI ga-nhamos pelo Brasil”.

IgualdadeConvidado a falar sobre o amigo, o jor-

nalista Hélio Fernandes, em um artigopublicado na página 16 daquele núme-ro especial do Jornal da ABI, escreveu oseguinte:

“Começa hoje mesmo a glorificação ea consolidação das idéias de Barbosa LimaSobrinho. Veremos todos que tanta lutanão foi, nem poderá ser mesmo, esque-cida ou desperdiçada” – idéias que Barbo-sa Lima Sobrinho, tão brilhantemente ecom um estilo próprio, apresentava àsociedade brasileira por meio de textosque foram publicados inicialmente nojornal Diário de Pernambuco em 1915.

Seu último artigo foi publicado noJornal do Brasil – do qual durante maisde sete décadas foi um dos principaisarticulistas – na edição de 16 de julho de2000. Sob o título A exclusão da classemédia, o texto é uma reflexão do Dou-tor Barbosa sobre as constantes alter-nâncias de crise que o País viveu desdeo golpe militar de 1964, com recorren-tes “confiscos e desilusões”, que amea-çavam a sobrevivência da democracia.

No texto ele cita o desequilíbrio eco-nômico daquele período, que causava

Dez anos semBarbosa Lima

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Aos 103 anos, em 16 de julho de 2000,deixava-nos aquele que foi o mais jovem e o maisvelho jornalista a ocupar a Presidência da ABI.

LEMBRANÇA

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O Brasil perdeu há dez anos uma dasmais influentes mulheres no setor dascomunicações e da informação: DonaAnna Khoury. Tenaz, combativa, reso-luta, Anna Khoury pode ser considera-da a equivalente feminina de Roquette-Pinto e símbolo da luta de emancipaçãodo universo feminino. A história da ra-diodifusão no Brasil pode-se dizer, estádividida em duas etapas: antes e depoisde Anna Khoury.

Carioca, Anna era casada com MichelKhoury, um notável criador de peças emmetais preciosos. Depois de ter desen-volvido seu papel de esposa e mãe, de-cidiu realizar o sonho que alimentavadesde a infância: ser dona de uma emis-sora de rádio. Logo encontrou o primeiroobstáculo, pois a miopia dos represen-tantes brasileiros na convenção de Atlan-ta, Estados Unidos, onde foram distri-buídos os canais exclusivos de rádio naAmérica Latina, causou a carência des-ses canais no Brasil. A freqüência deter-minada para certo país, além da potên-cia de 100 Kw que, teoricamente, cobriao continente inteiro, não podia ser usa-da por outra nação.

Anna Khoury não desistiu: solicitoue obteve do Presidente da República,Eurico Gaspar Dutra, permissão paraentabular, em nome do Governo Brasi-leiro, negociações para a cessão de ban-das de freqüência junto a alguns paísesda América Latina. Naquele tempo depós-guerra, transmissores de rádio eramcaros, importados e de difícil aquisição.A Argentina, a Bolívia e o Paraguai nãotinham ainda conseguido instalar asemissoras a que tinham direito. AnnaKhoury, vislumbrando a possibilidade decompartilhar as freqüências desses paí-ses, mediante a redução de potência detransmissão para 20 Kw, que permitiriaa utilização sem interferências, conse-guiu um acordo com aquelas nações.Uma emissora transmitindo em La Pazcom 20 Kw, por exemplo, consegue co-brir toda a extensão da Bolívia, satisfa-zendo as necessidades de comunicaçãodo país. A mesma freqüência de 550 Kwutilizada no Rio de Janeiro cobre todo oEstado do Rio e grandes extensões dosEstados de Minas Gerais e São Paulo, nãochegando a ameaçar qualquer interferên-cia na emissora boliviana de mesma fre-qüência.

A ABI divulgou no dia 19 de julhodeclaração em que presta homenagema Barbosa Lima Sobrinho, cuja atua-ção na imprensa e na vida pública foiexaltada por diferentes instituições nodécimo aniversário de sua morte, ocor-rida em 16 de julho de 2000, mesesapós ele completar 103 anos. Barbo-sa Lima tinha como norte de sua vida,diz a declaração, esta divisa: “Meupatrão é o Brasil”.

A declaração tem o seguinte teor:“A ABI associou-se na semana que

passou às homenagens prestadas aBarbosa Lima Sobrinho por motivo dodécimo aniversário de seu falecimen-to, há dez anos, em 16 de julho de2000. Barbosa completara então 22anos à frente da ABI, instituição queele presidiu por três vezes, nos anos 20e a partir de 1978 até sua morte. Sem-pre bem humorado, ele chamava aatenção para a singularidade de que eraprotagonista: foi o mais jovem e, tam-bém, mais de meio século depois, omais velho jornalista a ocupar a Pre-sidência da Casa.

Foi o desprendimento de BarbosaLima que permitiu a consolidação daABI, fundada em 7 de abril de 1908pelo jornalista catarinense Gustavo deLacerda, que seria o seu primeiro pre-sidente e faleceria pouco mais de umano depois. Após as gestões de Fran-cisco Souto, que completou o manda-to de Gustavo, de Belisário de Souza,de Dunshee de Abranches, de JoãoGuedes de Melo e de Raul Pederneiras,a ABI viu-se diante do desafio de setornar a única entidade do pessoal deimprensa, então dividido por três as-sociações.

Companheiro de Barbosa no Jornaldo Brasil, o caricaturista e professor deDireito Internacional Pederneiras viuno jovem repórter político vindo em1921 de Pernambuco credenciais su-ficientes para assumir a direção daCasa. A seu convite, Barbosa, que setornara Redator-chefe do Jornal do Bra-sil em 1924, aos 27 anos, exerceu a Pre-sidência em 1926-1927: era o maismoço dos presidentes que a Casa teve.Após o mandato de Alfredo Neves, em1928-1929, Barbosa Lima voltou à pre-sidência para a gestão 1930-1931, masnão a completou: renunciou para as-segurar a eleição de um presidente quepudesse unificar, como unificadas fo-ram, as entidades então existentes:Herbert Moses, que seria o grandeconsolidador da ABI

No dia-a-dia da cobertura política,Barbosa Lima descobriu e sedimentou

AnnaKhoury,o sonhodourado

A criadora, há 55 anos, dasemissoras de rádio FM no Brasil.

POR EDOARDO PACELLI

Dessa forma foi possível assinar umacordo bilateral entre o Brasil e a Bolí-via, para a utilização de sua freqüênciaexclusiva. Acordos similares foram con-cluídos com o Paraguai e a Argentina.Como compensação D. Anna Khouryforneceu os equipamentos de transmis-são para as respectivas nações.

Para alcançar seu objetivo, AnnaKhoury percorreu o Continente, conse-guindo trazer ao Brasil três canais; comoprêmio, recebeu o direito de possuir suaprópria emissora, que, para coroar seusonho dourado, recebeu o nome de Rá-dio Eldorado, emissora que se tornouconhecidíssima. Mas as raposas estavamde atalaia. Obrigada a se associar comoutro, Anna Khoury foi vítima dos jo-gos de poder do sócio, tanto que teve deceder a emissora, mantendo, porém, apropriedade do nome Eldorado.

Quem nasceu pioneira, todavia, nãopode se render a uma derrota. Aceitan-do o desafio, Anna fundou, em janeirode 1955, a Rádio Imprensa FM, a primei-ra emissora em modulação de freqüên-cia do País; como sentia que sua tarefaera a de inovar, criou o serviço de músi-ca ambiente, que permanece no ar 24horas, funcionando por assinatura,como canal privativo irradiado simulta-neamente na mesma banda da emisso-ra principal. Aí nasceu o primeiro serviçode teledifusão por assinatura: os recep-tores eram locados a clientes que ouvi-am música no ambiente de trabalho.

A Rádio Imprensa FM tem o mérito,também, de ter realizado o primeirotransmissor construído no Brasil, devi-do às dificuldades de importação. E aprópria emissora, com o comando de suaPresidente, teve de iniciar a primeiraindústria de rádios receptores de FM.Com programação exclusivamentemusical, sem qualquer locução, a RádioImprensa era, até 1976, a única emisso-ra em FM no ar no Brasil. Somente 20anos depois de sua inauguração, com oboom das FMs, surgiram as outras emis-soras.

Anna Khoury continuará vivendo noscorações de quem teve a sorte de conhe-cê-la e admirá-la: é a pioneira, a mulherque soube fazer de um sonho douradoum Eldorado sonho.

Saudades de umbrasileiro exemplar

a sua vocação para a gestão da coisapública e se lançou nos embates polí-ticos, como o da eleição para Gover-nador de Pernambuco, em 1946, emque levou dois anos para que a Justi-ça Eleitoral o consagrasse como o can-didato eleito, em desfavor de seu rivalNeto Campelo Júnior. Desde entãoteve atuação destacada na vida públi-ca, como Presidente do Instituto doAçúcar e do Álcool-IAA; deputado fe-deral em três Legislaturas (1935-1937,1946-1948, 1959-1963), Deputado cons-tituinte (1946), Governador de Pernam-buco (1948-1951) e, em 1973-1974, sobo regime militar, candidato a Vice-Pre-sidente da República na chapa com queo Deputado Ulisses Guimarães, líderda oposição parlamentar, contestou aescalação do Presidente pelos generaisquatro-estrelas.

Empossado na Cadeira nº 6 da Aca-demia Brasileira de Letras com 40anos, em 1937, Barbosa Lima produ-ziu densa obra como escritor, em quedeixou ver seu talento de polígrafo,com estudos, pesquisas e ensaios emdiferentes campos da vida nacional einternacional: economia, História, li-teratura, Direito, Filologia. Um de seustrabalhos da juventude, O Problema daImprensa, publicado em 1923, quandotinha 26 anos, é considerado um clás-sico da historiografia sobre imprena.No crepúsculo de sua fecunda existên-cia, Barbosa Lima publicou obras queconstituem imprescindível referênciano campo da economia sob a ótica dointeresse nacional: Japão: o capital sefaz em casa, de 1973, e Em defesa do pa-trimônio nacional: desinformação e ali-enação do patrimônio público, de 1994.

Barbosa Lima Sobrinho marcou suapassagem pela imprensa e pela vidapública pela forte adesão às idéias dedefesa da democracia, da economia na-cional e do progresso social. Além dedefensor da liberdade de expressão edos direitos humanos, causas que olevaram já com mais de 80 anos a com-parecer a tribunais militares para de-por como testemunha de defesa dejornalistas perseguidos pela ditadura,entre os quais Hélio Fernandes, Dire-tor da Tribuna da Imprensa, BarbosaLima foi um exemplo de amor ao Paíse ao povo brasileiro, como expressa-va numa divisa que constituiu o nor-te de sua vida: “Meu patrão é o Brasil”.

É esse jornalista e estadista que a ABIreverencia com saudade neste décimoaniversário de seu passamento.

Rio de Janeiro, 19 de julho de 2010.Maurício Azêdo, Presidente.”

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PIONEIRISMO

34 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

JORNAL DA ABI – COMO SE DEU A SUA SA-ÍDA DE PETRÓPOLIS PARA INICIAR A CARREIRA

PROFISSIONAL NO RIO?Oswaldo – A partir de 1934, comecei a

dar umas fugas para o Rio, para começara “piruar” as rádios e o Café Nice, ondese reuniam grandes compositores e todaa turma que freqüentava as emissoras derádio daquela época. Eu queria encontraruma maneira de me intrometer no meiodaquela gente. O Lamartine Babo e o AryBarroso faziam parte dessa turma. Quan-do dava 17h, os cantores e compositoresiam para as suas rádios. Eu conhecia mui-ta gente importante daquela época, fre-qüentava quase todas as rádios, mas nãoconseguia penetrar no meio. Nessa épo-ca, em 1935, ainda não existia a Rádio Na-cional, criada em 1936. A única grandeemissora era a Tupi, instalada em um gal-pão no bairro do Santo Cristo (Zona Por-tuária do Rio). Francisco Alves, de quemtentei me aproximar, tinha um programana emissora.

JORNAL DA ABI – O SENHOR JÁ O CONHE-CIA DO CAFÉ NICE?

Oswaldo – Não. Mas um dia fui procu-rá-lo, pois queria lhe mostrar uma compo-sição minha. Nessa época eu tocava bemviolão e tinha uma ótima voz. Então fiqueiesperando Francisco Alves acabar o pro-grama. Quando ele saiu do estúdio eu o in-

terpelei: “Senhor Francisco, eu quero lhemostrar uma música”. Fui cantando atrásdele por um corredor enorme até à rua.Antes de entrar no carro ele me disse:“Olha, rapaz, sambinha igual a este seueu tenho rejeitado aos montes. Mas nãodesanime, não. Continue tentando”. E pe-gou o carro e foi embora. Esta foi a minhaprimeira frustração como compositor.

JORNAL DA ABI – FOI O RÁDIO QUE LHE

ABRIU AS PORTAS PARA O JORNALISMO?Oswaldo – Na realidade a minha traje-

tória profissional começa pelo jornal, naTico-Tico, que era uma revista infantilmuito interessante, e depois em um jor-nal semanal em Petrópolis chamado AIdéia. No Tico-Tico eu era muito jovem.

JORNAL DA ABI – QUAIS SÃO AS LEMBRAN-ÇAS QUE O SENHOR TEM DESSAS PRIMEIRAS

EXPERIÊNCIAS NA IMPRENSA?Oswaldo – Tinha um corredor petropo-

litano chamado Irineu Correia, que venceuo primeiro circuito da Gávea. Fiz uma ma-téria sobre esse evento, em 1935, para o qualele mandou adaptar a baratinha dele, paraobter mais recursos mecânicos e conseguirconquistar o bicampeonato do Circuito daGávea. Eu peguei o texto, coloquei em umenvelope e fui até o Jornal de Petrópolis e jo-guei o material por baixo da porta de en-trada, na esperança de que alguém encon-

Criador de programas e promoções em jornal, rádio e televisão,Miranda evoca com impressionante lucidez momentos significativos

das sete décadas de sua marcante trajetória profissional.

trasse a minha matéria e corri de vergonha,com timidez. Por sorte minha esse texto foipublicado no jornal no dia seguinte.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SUA REAÇÃO?Oswaldo – Convencido de que eu leva-

va jeito, fui procurar uns amigos na Peque-na Ilustração, um semanário criado por doisidealistas – Armando Martins e Otávio Ve-nâncio –, onde comecei também a escreveruma coluninha diária. Nesse tempo, eu já tra-balhava no DNER, que funcionava no edi-fício do jornal A Noite. Lá, dois amigos meuseram diretores: o português Vasco Lima, queeu conhecia de Petrópolis, e o Luiz de Escrag-noli. Eu fugia do escritório do DNER paraA Noite, para ver se conseguia publicar algu-ma coisa. Isso foi em 1939, e eu lembro queo jornal tinha quatro edições diárias.

JORNAL DA ABI – O SENHOR SE LEMBRA

QUAL FOI A SUA PRIMEIRA MATÉRIA PUBLICA-DA NO JORNAL A NOITE?

Oswaldo – Um dia eu tive que ir aoantigo Ministério da Viação e Obras Pú-

blicas, onde trabalhava um primo meu queera chefe de gabinete do então MinistroMarcos dos Reis. Na mesa dele eu vi umprojeto enorme chamado “Variante Rio –Petrópolis”, que me deixou muito curio-so. Me explicaram que era um projeto doMinistério para desviar o trânsito que vi-nha de Petrópolis e atravessava a Zona daLeopoldina. Peguei uma cópia e fiz uma re-portagem, que o Carvalho Neto, chefe deReportagem, achou sensacional. A maté-ria deu a manchete Será construída a vari-ante Rio–Petrópolis, que viria a ser a Ave-nida Brasil de hoje. Foi a primeira grandereportagem que fiz, publicada com desta-que em outras quatro edições, que eu con-segui por ser bisbilhoteiro.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TAMBÉM PAR-TICIPOU DO JORNAL TRIBUNA DE PETRÓPOLIS.

Oswaldo – Era um jornalzinho român-tico. Foi uma das Redações mais elegan-tes e mais bonitas em que eu trabalhei.Nessa época, o Diário da Noite, daqui doRio, lançou a campanha das pirâmides de

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

DEPOIMENTO

BODAS DE PLATINA NAÁREA DE COMUNICAÇÃO

OSWALDO MIRANDA

Aos 90 anos de idade, com mais de 70 de profissão, o jornalista Oswal-do Miranda continua cheio de idéias e com o mesmo estilo vibrante quemarcou toda a sua trajetória na imprensa, no rádio e na televisão. Miran-da nasceu em 15 de dezembro de 1919 num sobrado em frente à Igreja doSagrado Coração de Jesus, na cidade de Petrópolis, região serrana do Rio.A proximidade de sua cidade natal com a então capital do País levou-o afazer os primeiros contatos profissionais nas rádios da época. Mas foi nojornalismo impresso que logo se destacou. Trabalhou nos jornais Tribunade Petrópolis, A Noite, Gazeta de Notícias; viu surgir a Última Hora de SamuelWainer. Passou pela Rádio Tupi, participou da criação da revista Radiolân-dia, conheceu J. Silvestre, com quem realizou um dos maiores programasda TV brasileira: Show Sem Limite.

Nesta entrevista, Oswaldo Miranda fala de Assis Chateaubriand, de Ge-túlio Vargas, da sua relação com Samuel Wainer, de Carlos Lacerda, e decomo desenvolveu a primeira assessoria de imprensa do Teatro Municipal.

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

35Jornal da ABI 356 Julho de 2010

metal. Tinha a ver com o esforço de guer-ra do Brasil em defesa de seus navios, quevinham sendo afundados pelos alemães.Gostei dessa idéia e quis levá-la para Pe-trópolis. Eu então falei com o Álvaro deMorais, que era o Secretário de Redação.

JORNAL DA ABI – O QUE VEIO A SER A CAM-PANHA DAS PIRÂMIDES DE METAL? O ÁLVARO

APROVOU SUA PAUTA?Oswaldo – A campanha conclamava o

povo a doar qualquer objeto de metal quepudesse ser transformado em munição.Tinha de tudo, panela velha, geladeira,penico, bicicleta velha e outros materiais.O Álvaro me disse que não assumiria oprojeto, mas se eu quisesse fazer podia iradiante. No jornal tinha um cara chama-do Zico Paixão, que resolveu me ajudar. Euaí botei uma faixa na Praça Doutor Saieb,em Petrópolis, pedindo a colaboração dapopulação. No dia seguinte, fomos ver nãotinha nada. Comentei em casa com a mi-nha mãe, peguei umas panelas velhas e fizo primeiro montinho. Aí a coisa explodiu.Pena que a imprensa de Petrópolis na épocanão tinha fotógrafo e essa imagem nãopôde ser registrada.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A REPERCUSSÃO

NA TRIBUNA?Oswaldo – O Álvaro Morais se encan-

tou com o meu entusiasmo. Disse que iafazer as manchetes e os textos. Uma de-las foi Bombas de Petrópolis sobre Berlim eRoma. Nós conseguimos montar 42 pirâ-mides em todo o Município, com doaçõesque iam de um caminhão com chassi in-teiro ao primeiro gerador que deu luz à ci-dade. O Retiro Futebol Clube doou todoo seu acervo de taças.

JORNAL DA ABI – E O QUE FOI FEITO DE

TODO ESSA MATERIAL?Oswaldo – Eu fui falar com o Secretário

de Gabinete do Prefeito, Márcio MoreiraAlves, para pedir ajuda no recolhimento dastoneladas de metal. A Prefeitura me em-prestou dois caminhões, com os quais re-colhemos todo o material, que depois foilevado para a estação de cargas da Leopol-dina. Dali, tudo foi transportado para oArsenal de Marinha, na Ilha das Cobras. Na-quele tempo ainda não se falava em reci-clagem. As peças foram jogadas em umforno para serem transformadas em armas.

JORNAL DA ABI – A PARTIR DESSA CAMPA-NHA A TRIBUNA DE PETRÓPOLIS SE ENGAJOU

EM OUTRAS?Oswaldo – Foi a única campanha cívi-

ca que se fez na Tribuna de Petrópolis e naimprensa do Município, que era muitoacanhada. Pena que no centenário do jor-nal não usaram nem uma linha para con-tar essa história. Hoje eles têm um parquegráfico que é fantástico. Pertence a DomFrancisco de Orleans e Bragança. Ele pe-gou a massa falida da Tribuna, mas apenaspara garantir a tradição. Na minha opiniãoo veículo ainda existe, mas é encaradocomo um negócio menor. O interessemesmo está no parque gráfico, onde en-tra muito dinheiro com a renda da impres-são de jornais do interior.

JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO O SE-NHOR TRABALHOU NO JORNAL A TRIBUNA DE

PETRÓPOLIS?Oswaldo – De 1944 a 1946. Um dia eu

estava na Redação e recebi a visita de duas

pessoas: Francisco Gomes Maciel Pinhei-ro, que na época era a pessoa mais popu-lar do Rio de Janeiro em todas as áreas dacultura, e o Roquette-Pinto, o pai do rádiobrasileiro, cujo currículo dispensa apresen-tação. Eu registrei a presença deles no jor-nal, cujo texto dizia: “Tivemos a honra dereceber aqui na Tribuna o senhor Roquet-te-Pinto, o homem que fez a primeira trans-missão de rádio no Brasil (na Exposição de1922)”. No dia seguinte o Maciel Pinheirovoltou à Redação e me fez um convite paratrabalhar no Rio de Janeiro.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A PROPOSTA?Oswaldo – Ele disse que o Roquette-

Pinto ficou impressionado com a minhadinâmica e criatividade, e achava que Pe-trópolis era uma cidade muito pequenapara eu desenvolver o meu potencial. Fi-quei meio atordoado. Mas eles me garan-tiram que chegaria à cidade com uma vagagarantida no Vanguarda, um jornal quepertencia aos integralistas, na Gazeta deNotícias e no Senac, que acabara de sercriado pelo José Linhares, que foi Presiden-te interino, substituindo Getúlio Vargas.

JORNAL DA ABI – O SENHOR CHEGOU AO

RIO EMPREGADO EM TRÊS LUGARES...Oswaldo – O Maciel tinha muitas ati-

vidades, era também diretor de assuntosculturais do Senac, da difusão cultural doMunicípio e do Teatro Municipal. Por issoele precisava de alguém que cobrisse assuas ausências. Ele viu em mim uma pes-soa de confiança e com competência, daíme contratou. Foi então que eu criei a as-sessoria de imprensa e relações públicas doTeatro Municipal. Não havia agenda cul-tural naquele tempo e nem a imprensadava espaço para cultura como faz hoje.

JORNAL DA ABI – QUAL ERA O PERFIL DO

NOTICIÁRIO DA IMPRENSA NAQUELE PERÍODO?Oswaldo – Essencialmente político e

policial, com aquelas manchetes malucascomo as do Santa Cruz, em O Dia, quelançou uma que ficou famosa: Cachorro fezmal à moça. Para conseguir emplacar no-tícias culturais eu tive a idéia de comprarespaço nos jornais. O negócio foi tentarfazer permuta com a imprensa. Havia uns

15 jornais diários circulando no Rio naquelaépoca. A sugestão era dar dois ingressospara cada Redação nas estréias, em troca osveículos passavam a publicar notícias so-bre os programas de óperas e outras tem-poradas de concertos e recitais que acon-teciam no teatro. O Municipal nunca tinhatido até então tanta divulgação.

JORNAL DA ABI – QUAIS FORAM AS FUN-ÇÕES QUE O SENHOR EXERCEU EM CADA DOS

EMPREGOS PARA OS QUAIS FOI CONTRATADO?Oswaldo – No Senac eu organizei o ser-

viço de documentação. No jornal Vanguar-da assumi uma vaga como repórter depolícia, cobrindo os grandes crimes daépoca, inclusive desastres que ocorriam nacidade. Eu chegava na Redação às 6h, paracobrir o Antônio Correia, que fazia a rondadas notícias policiais de madrugada. Comoo jornal saía às 11h, o pau comia. Eu tinhaque correr para não atrapalhar a edição. NaGazeta de Notícias eu criei uma seção in-titulada Gazetilha de Petrópolis, onde todasemana saía uma reportagem minha comnotícias sobre o Município. A outra par-te do meu tempo era dedicada ao Senac,que assinou um contrato com os DiáriosAssociados, para a produção de um cursopor correspondência pelo rádio, que ia aoar na Rádio Tupi, aos domingos de manhã.

JORNAL DA ABI – QUAL ERA A SUA FUNÇÃO

NESSE PROCESSO?Oswaldo – Na época a Tupi tinha o

Maracanã dos auditórios, instalada em umespaço gigantesco localizado na AvenidaVenezuela, no Centro. À frente da parteartística estavam o Mário Facini e a Babide Oliveira, eu cuidava dos textos comer-ciais. Quando eles saíram, eu assumi tudo.Nessa época quem apareceu por lá para umteste como cantores foram o Cauby Pei-xoto e a Nora Ney, mais tarde o OrlandoDias, que veio de Pernambuco e cantavao repertório do Orlando Silva.

JORNAL DA ABI – QUEM MAIS O SENHOR

CONHECEU NA TUPI NESSA ÉPOCA?Oswaldo – O conjunto do Canhoto, que

era o melhor do momento no Brasil. Oslocutores Gontijo Teodoro, que ficou fa-moso no Repórter Esso, e o Fernando José.

Nesse período a Tupi sofreu um incêndioe nós passamos a fazer os programas noauditório do IAPC, que ficava lotado; dá-vamos oportunidade aos comerciárioscom pendores artísticos. E aí houve umapassagem muito engraçada. Um dia euestava no hall do Senac na Rua Santa Lu-zia, quando a porta do elevador se abriudei de cara com o Chateaubriand, que vi-nha falar com o presidente. Ao ser recebidopela Diretoria, foi direto ao assunto: “Vo-cês têm um contrato com os Associadose eu preciso de 150 mil cruzeiros agora”.Ele estava de posse de uma fatura que ti-nha um valor maior do que o solicitado,mas assinou e levou a quantia que queria.Depois eu fiquei sabendo que ele sempreagia assim, e causava um reboliço danadona Contabilidade.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR CONTI-NUOU CONDUZINDO A SUA VIDA COMO REPÓRTER?

Oswaldo – Havia um deputado chama-do Paranhos de Oliveira, que lançou o jor-nal Voz Trabalhista, onde trabalhou tam-bém o Villas-Bôas Corrêa. A minha fun-ção era cobrir o plenário da Câmara dosDeputados, anotando os debates dos par-lamentares, entre os quais o Carlos Lacer-da. No fim da tarde, eu ia para a Redaçãona Rua Senador Dantas, para entregar asnotícias que eu havia apurado.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TAMBÉM TRA-BALHOU NA ÚLTIMA HORA.

Oswaldo – Depois que me desliguei doVanguarda, de onde saí decepcionado. OSamuel Wainer tinha um semanário inti-tulado Diretrizes, no qual só escreviamferas do jornalismo. Mas ele quis se aven-turar em um projeto mais ousado, queseria a Última Hora, e foi a São Borja atrásdo Getúlio. E foi daí que nasceu a idéia dolançamento de um jornal, que no caso daeleição do Getúlio seria financiado por ele.

JORNAL DA ABI – O SENHOR DISSE QUE SE

DECEPCIONOU COM O VANGUARDA. POR QUÊ?Oswaldo – Na campanha para a Presi-

dência o Vaguarda ficou contra o Getúlio,porque apoiava o Cristiano Machado, deMinas Gerais. O jornal já não pertenciamais aos integralistas, passara para as mãosdos irmãos Duarte, que por sinal eram unspicaretas. Mandaram a mim e a um fotó-grafo para a antiga Galeria Cruzeiro, mon-tar uma banca para fazer uma pesquisavisando a apurar em quem o povo vota-ria. Deu Getúlio disparado. Cheguei naRedação com esta notícia e eles me man-daram inverter o resultado: “O candida-to nosso aqui é o Cristiano Machado”. Ouseja, eu fui usado como instrumento da pi-lantragem deles.

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR SE EN-GAJOU NO PROJETO DO SAMUEL WAINER?

Oswaldo – O Samuel queria que o Ma-ciel Pinheiro fosse trabalhar com ele naÚltima Hora. Como ele não tinha condiçãode absorver mais uma função, resolveu meindicar para o lugar dele. Eu entrei na fun-ção de repórter ganhando um salário que,na época, cobria a remuneração que euganhava em sete outras fontes de renda.

JORNAL DA ABI – QUEM MAIS FAZIA PARTE

DA REDAÇÃO DA ÚLTIMA HORA NESSA ÉPOCA?Oswaldo – Nessa época lá estavam Nél-

son Rodrigues, Oto Lara Resende, SérgioPorto, Marques Rebelo e o Lan. Eu me sentia

O jovem Oswaldo Miranda (à esquerda) entrevista o cantor Sílvio Caldas (ao centro) numevento social. À direita, Geraldo Menezes Corrêa, também admirador do Caboclinho Querido.

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pequenino no meio de gente de tanto ta-lento. Mas fiquei por lá fazendo notas deserviço sobre as reclamações da população.

JORNAL DA ABI – O SENHOR FICOU NESSA

FUNÇÃO MUITO TEMPO?Oswaldo – Até o dia em que o Samuel

me chamou e disse que eu ia passar a tra-balhar na área de promoção do jornal. Foiquando passei a cuidar de sorteios, concur-sos sobre o futebol. Foi um sucesso. Dagrandeza da Última Hora só se fala dosvalores intelectuais, não se comenta sobreo trabalho de base, ninguém fala nisso. Eeu estive por trás disso.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A IMPORTÂN-CIA DESSAS PROMOÇÕES PARA ÚLTIMA HORA?

Oswaldo – O concurso sobre palpite defutebol era fantástico. Ajudou a aumentara venda do jornal. Houve um período em quea Última Hora chegou a ser campeã de ven-das no Brasil. É claro que a pessoa compra-va o exemplar, guardava o cupom e jogavao resto fora. Tinha também o “Prêmio paratoda a família”, em parceria com o Rádio doClube do Brasil, que era do mesmo grupo.Toda semana eu ia para um cinema de umsubúrbio do Rio para realizar os sorteios.

JORNAL DA ABI – A IDÉIA ACABOU ALCAN-ÇANDO SUCESSO?

Oswaldo – No embalo do sucesso daspromoções da Última Hora, chegamos ain-da a fazer um jornal chamado Flan, ondeeu também tinha o meu espaço. Era todocolorido, a sua impressão era feita em SãoPaulo, e depois os exemplares eram man-dados para o Rio de Janeiro de caminhão.Era um jornal meio revista, que circulavasomente no domingo, quando não tinhaedição da Última Hora. Nesse período oLacerda começou uma campanha contrao Samuel Wainer. Ele começou a questio-nar os créditos que o Banco do Brasil libe-rava para a Última Hora. Isso foi crescen-do e todo dia o Lacerda fazia esse questi-onamento, que ganhou apoio do RobertoMarinho e acabou sendo um massacre.

JORNAL DA ABI – QUAL É A SUA OPINIÃO

SOBRE CARLOS LACERDA?Oswaldo – Ele terá sido talvez o nosso

maior político. Um homem culto, de umainteligência fantástica e oratória assombro-sa e contundente. Sabia como conquistara massa. Com a sua verborragia era presençadominante em qualquer situação. E comodeputado foi um dos maiores que nós tive-mos. Agora era um gênio também muitomarcado pelo estigma do mal. Eu mesmofui acusado por ele de comunista.

JORNAL DA ABI – O SENHOR ERA CONTRA

OS QUESTIONAMENTOS DO LACERDA?Oswaldo – Acho que ele poderia estar

com a razão sobre o financiamento doGoverno para um jornal. Com o acesso aocrédito, o Samuel pôde contratar os me-lhores profissionais da época, ganhandomuito bem. Importando paginadores ar-gentinos, como o Parpagnoli e o Guevara– todos muito bem pagos. Eu mesmo tiveum aumento de salário de 7 mil para 17 milcruzeiros. Era muito dinheiro.

JORNAL DA ABI – QUAIS FORAM OS EFEITOS

IMEDIATOS DAS CRÍTICAS DO CARLOS LACERDA

AO JORNAL DO SAMUEL WAINER?Oswaldo – A campanha começou a dar

resultados negativos, com abertura de CPIs,

entre outros desdobramentos. O Samuel foipreso. A prisão dele foi novelesca. Foi apa-nhado na Praça Onze e levado para umadelegacia de Polícia que ficava no bairro doEstácio, onde hoje é o Hospital da PM. E aío Lacerda radicalizou nas críticas ao Gover-no, com acusações cada vez mais bombás-ticas, por causa da fartura de dinheiro queentrava na Última Hora, liberado pelo Ri-cardo Jafet, que na época era o Presidentedo Banco do Brasil.

JORNAL DA ABI – QUANDO AS ACUSAÇÕES DO

LACERDA SE TORNARAM MAIS VEEMENTES, O QUE

ACONTECEU DE FATO INTERNAMENTE NO JORNAL?Oswaldo – A coisa foi ficando muito

difícil. As agências já não anunciavamtanto, e com isso surgiu a dificuldade pararemunerar os jornalistas. O jornal teve queimprovisar, trocando salários por artigosdomésticos. As estrelas foram saindo,sobrando apenas o que eu apelidei de “gru-po de resistência de Stalingrado”, comoPaulo Silveira, Marijô, Álvaro Gonçalvese eu, que passei a acumular funções parabotar a Última Hora na rua.

JORNAL DA ABI – E QUAL FOI O GOLPE FI-NAL DO LACERDA CONTRA A ÚLTIMA HORA?

Oswaldo – Chegou um dia em que oLacerda naquelas suas campanhas incen-diárias foi para a televisão e declarou o fimdo jornal: “Quem quiser ler a Última Horaleia a edição de hoje, porque amanhã nãotem mais”. Mas o Lacerda não dava trégua.

JORNAL DA ABI – O SAMUEL WAINER NÃO

REAGIU?Oswaldo – O Samuel se juntou ao Otá-

vio Malta e ao Baby Bocaiúva e os três co-meçaram a se articular por telefone. Falaramcom o Simões Filho, que era o Governadorda Bahia, e com o Matarazzo, que tambémjá tinha emprestado dinheiro para o Samuel.Nessa confusão, eles conseguiram um con-tato com um milionário de Petrópolis, e memandaram para lá pegar o dinheiro.

JORNAL DA ABI – QUEM ERA ESSA PESSOA?Oswaldo – Eu já não me lembro o nome.

O Samuel me chamou me deu um chequee disse para eu ir receber o dinheiro.

JORNAL DA ABI – QUAL ERA O VALOR DO

CHEQUE?Oswaldo – Eu não sei qual era a transa-

ção, mas levei um cheque de 150 mil cruzei-ros para receber 100 mil em dinheiro. Quan-do eu retornei, o jornal estava pronto pararodar, mas faltava papel. Esse dinheiro erapara ser usado para pagar ao fornecedor.Então nós fechamos a boca do Lacerda,porque o jornal circulou no dia seguinte.

JORNAL DA ABI – HOUVE ALGUMA OUTRA

ESTRATÉGIA PARA TENTAR DRIBLAR OS ATAQUES

DO LACERDA?Oswaldo – O Lacerda continuou com a

sua hipócrita e alucinada campanha con-tra a Última Hora, agora já reforçada peloChateaubriand e o Roberto Marinho.Então eu bolei uma coisa para tentar neu-tralizar a ação destruidora do Lacerda,apresentando ao Samuel Wainer a idéia deuma campanha que acompanhei dos meustempos de criança, o presépio de Natal darevista infantil O Tico-tico.

JORNAL DA ABI – O SAMUEL WAINER

APROVOU A SUA IDÉIA?Oswaldo – Ele autorizou. Todos os dias

publicávamos os desenhos de figuras depresépio, tudo em cores, orientando osleitores, aos milhares, que cortassem taisfiguras, colando-as em cartolina, para, aospoucos, irem montando seus presépios. Foiassim a campanha No Natal, um presépioem cada lar. Num jornal acusado de comu-nista, foi uma jogada sensacional! O po-vão aderiu em massa. Diariamente na Pra-ça Onze chegava gente em busca das edi-ções atrasadas para conseguir figurinhas.Estimo que as duas edições da Última Hora(Rio e São Paulo) tenham levado seus lei-tores a montarem para ornamentar suas

residências cerca de 200 mil presépios. Maseu tive uma outra idéia: pedir ao entãoCardeal do Rio de Janeiro, Dom Jaime Câ-mara, que abençoasse o nosso presépio.Montamos uma equipe, Baby Bocaiúva Cu-nha, João Etcheverry, eu e o fotógrafo Ro-berto Maia e fomos ao Palácio São Joaquim,no Catete. Dom Jaime nos recebeu bem.Pedi-lhe a benção, enquanto eu segurava opresépio solicitei autorização para o Maiafotografar, alegando que tínhamos poucasfotos dele. Dom Jaime concordou. Agrade-cemos e quando saímos os dois diretoresvibravam com o que acabáramos de viver,por conta da minha idéia: um cardeal ben-zendo a promoção de um jornal conside-rado comunista. Deu primeira página, fotoe matéria de capa em quatro colunas.

JORNAL DA ABI – DEPOIS HOUVE O ATEN-TADO AO LACERDA, QUE RESULTOU NA MORTE

DO MAJOR RUBENS VAZ E, EM SEGUIDA, O SUI-CÍDIO DO GETÚLIO.

Oswaldo – Nós fizemos uma edição coma Carta-Testamento do Getúlio na primei-ra página. Foi um estouro de vendas nasbancas. Mas chegou uma hora em que elasnão tinham mais como suportar as vendas.Eu então fui com uma equipe para o Palá-cio do Catete, com jipes carregados de exem-plares da Última Hora, que foram vendidospara as pessoas que formavam uma fila in-terminável em torno do prédio, para ver ocorpo de Getúlio Vargas. Dizia-se que foi umrecorde mundial de venda avulsa de jornalem um só dia. Foram 900 mil exemplares.

JORNAL DA ABI – DEPOIS DESSA SEQÜÊN-CIA DE EPISÓDIOS QUAL FOI O CAMINHO QUE OSENHOR SEGUIU NA IMPRENSA?

Oswaldo – Apareceu o Doutor Rober-to Marinho, querendo saber quem era oOswaldo Miranda, aquele que tinha fei-to grandes promoções quando trabalha-va na Última Hora. Ele me contratou paratrabalhar na Rio Gráfica Editora, que edi-tava as revistas Querida e Cinderela e osgibis Mandrake, Reizinho e Capitão Mar-vel. E eu já fazia parte de uma revista queele quis lançar, que era a Radiolândia, cri-ada pelo Henrique Pongetti, grande teatró-logo, amigo do Marinho e que tinha umacoluna diária no Globo.

JORNAL DA ABI – FALE SOBRE A REVISTA.Oswaldo – O Pongetti foi convidado

pelo Roberto Marinho para criar a Radio-lândia para concorrer com a Revista doRádio, do Anselmo Domingues, que eramuito fraca em termos de impressão, masboa em conteúdo. As estrelas da revistaeram a Marlene e a Emilinha Borba. Gra-ficamente era uma publicação muito feia,mas vendia muitos exemplares.

JORNAL DA ABI – ONDE FUNCIONAVA A RE-DAÇÃO DA RADIOLÂNDIA?

Oswaldo – A Redação ficava instalada noEdifício São Borja, na Cinelândia, onde oIbrahim Sued tinha a revista Senhor. Paratocar o projeto, o Pongetti chamou o Moi-sés Weltman, que era um garotão que fa-zia o boletim infantil Os Curumins do Pro-grama da Tia Chiquinha, que precedia o meuprograma na Rádio Tupi. O Moisés Welt-man não se sentia capaz de cuidar sozinhodo projeto e chamou um amigo meu, Eu-gênio Lira Filho, que era um grande reda-tor publicitário, para implementar a publi-cidade na Radiolândia. Contratou tambémo Martinho Garcia, que era muito bom na

DEPOIMENTO OSWALDO MIRANDA

Num programa radiofônico, Oswaldo Miranda apresenta um dos maiores músicos doBrasil: Waldir Azevedo, criador de Brasileirinho, Pedacinhos de Céu e outros sucessos.

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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parte de paginação. Eu fui convidado parafazer parte do grupo da revista.

JORNAL DA ABI – COMO FOI O LANÇAMEN-TO DA RADIOLÂNDIA?

Oswaldo – A Radiolândia foi lançadacom o apoio da Rádio Globo e do jornal OGlobo. Eu fui incumbido pelo Pongetti debolar a primeira capa. Pensei na EmilinhaBorba, a Rainha do Rádio. E passei a fre-qüentar toda tarde o Programa César deAlencar, na Rádio Nacional. Tentei conven-cê-la por diversas vezes, mas sem suces-so. Foi chegando a hora do lançamento eeu não conseguia marcar uma entrevistacom ela, nem fotografá-la para a capa queseria colorida. Nós tivemos que improvi-sar, para não atrasar o prazo de lançamen-to. Pegamos uma foto em preto e branco,e o Martim Garcia criou um sistema quea transformou em fotografia colorida.

JORNAL DA ABI – E O TEXTO?Oswaldo – Eu tive que inventar uma

história, mas como sabíamos muitas coi-sas sobre a vida da Emilinha isso não foiproblema. O título da capa foi Deus salvea rainha. “O lançamento da Radiolândiaaconteceu em torno da piscina do HotelGlória, com a presença de todas as estre-las do rádio da época, inclusive a própriaRainha do Rádio.

JORNAL DA ABI – E A SUA RELAÇÃO COM ARIO GRÁFICA?

Oswaldo – Eu na Radiolândia não podiaassinar meus textos como Oswaldo Mi-randa, porque nela estava o grupo da cam-panha contra a Última Hora. Assinavaminhas matérias com o nome do meu fi-lho José Luiz Miranda. Fiquei um bomtempo na revista até que o Roberto Ma-rinho me colocou integralmente na RioGráfica, onde fui encarregado de cuidarnão só da Radiolândia como também daspromoções da editora.

JORNAL DA ABI – O SENHOR ESTAVA EM

ATIVIDADE QUANDO HOUVE O GOLPE MILITAR EM

1964. GOSTARIA QUE CONTASSE ALGUM EPISÓ-DIO DESSE PERÍODO.

Oswaldo – Eu estava fazendo televisãono Programa do J. Silvestre, que eu acumu-lava com a função de assessor de impren-sa do Instituto de Aposentadoria e Pensõesdos Bancários-IAPB. No dia 4 de abril de 64um colega me telefonou e disse: “Miranda,você está intimado a comparecer aqui paradepor em um inquérito policial militar-ipm,porque foi acusado de ser comunista”.

JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU DU-RANTE ESSE INQUÉRITO?

Oswaldo – Me trancaram em uma sala,por duas horas e meia, com um major e umcapitão do Exército e um escrivão. Do ladode fora as minhas colegas chorando commedo que eu fosse levado para o quartelda Polícia do Exército da Barão de Mesqui-ta, pensando que eu seria assassinado outorturado.

JORNAL DA ABI – ELES O ACUSARAM FOR-MALMENTE DE SER COMUNISTA?

Oswaldo – Fizeram aquelas perguntasimbecis. “Por que você é comunista? Desdequando, quem eram os seus companheiros?Onde vocês se reuniam?” E eu dizia: “Eu nãosou comunista”. Acho que se eu tivesse umrevólver teria feito uma besteira. Foi horrí-vel, essa situação me deixou arrasado. Nes-

se dia eu fiquei aos pedaços, preocupado como que poderia vir em seguida.

JORNAL DA ABI – NESSA ÉPOCA O SENHOR

JÁ TRABALHAVA NA TV RIO?Oswaldo – Eu ajudava muito a TV Rio,

da qual fui fundador. Fazia tudo o quepodia para ajudar o canal na concorrênciacom a Tupi, que era a dona do pedaço.

JORNAL DA ABI – COMO SE DEU O SEU IN-GRESSO NA TELEVISÃO?

Oswaldo – Eu queria ser da televisão,mas não conseguia espaço. Nessa época euescrevia para uma revista chamada TVGuia. Fiz uma reportagem com o J. Silves-tre, que falou sobre o seu desejo de mon-tar no Rio uma filial da sua agência depublicidade. Ele descreveu o perfil da pes-soa que estava procurando. Eu quase fa-lei que essa pessoa era eu, mas me segureiporque o dono da revista estava ao meulado. Até que surgiu uma oportunidade,eu fui atrás do Silvestre e me apresenteicomo candidato à vaga que ele oferecia. Eleme perguntou se eu poderia viajar a SãoPaulo no dia seguinte. Não tinha dinhei-ro, mas disse que sim. Raspei os últimostrocados que tinha no banco e viajei. Che-gando lá o J. Silvestre me apresentou à suaequipe: “Aqui está o nosso homem no Rio”.

JORNAL DA ABI – COMO FOI A SUA ESTRÉIA

NA TV?Oswaldo – Aconteceu em 1965. A agên-

cia foi instalada em uma sala gigantescana Rua México. O primeiro programa daagência na TV Rio foi Biscoiteste Duchen,que fazia grandes promoções e dava prê-mios.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TAMBÉM TRA-BALHOU COM O J. SILVESTRE NO PROGRAMA

SHOW SEM LIMITE.Oswaldo – O Silvestre foi perdendo a

conta da TV Rio e passamos então a fazeraquele que viria a ser o maior programa detelevisão da época, que foi o Show SemLimite, baseado num programa norte-americano da NBC, que gerou um gran-de escândalo da pergunta combinada, ondeo produtor passava pelo ponto eletrôni-co as respostas para o candidato.

JORNAL DA ABI – POR QUE O SILVESTRE LE-VOU O PROGRAMA PARA A TUPI?

Oswaldo – A Tupi já estava de olho noJ. Silvestre e nós fomos levados para a TVTupi, eu como empregado da agência doSilvestre. Na emissora o programa explo-

diu em toda a rede no Brasil. Batemos orecorde nacional de Ibope.

JORNAL DA ABI – QUAIS SÃO AS MELHORES

LEMBRANÇAS QUE O SENHOR TEM DESSE PERÍ-ODO DA TELEVISÃO?

Oswaldo – São muitas, porque o ShowSem Limite foi um arraso na televisão bra-sileira. Na noite do quadro com o casamen-to da Noivinha da Pavuna, que virou ummito da televisão brasileira, nós demos 80pontos de Ibope, contra 14 da TV Globo,enquanto a Excelsior, a Continental e a TVRio deram traço. Essa marca nunca maisfoi batida por programas de variedades,somente em novelas, com Roque Santeiro,ou quando o homem foi à Lua.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TAMBÉM TRA-BALHOU COM O FLÁVIO CAVALCÂNTI. COMO SE

DEU A SUA APROXIMAÇÃO COM ELE?Oswaldo – Ele estava de olho em mim

há muito tempo. Quando fui trabalharcom ele comecei fazendo jornalismo noquadro A notícia é o espetáculo, que eu fa-zia junto com o Ghiaroni, que foi um gran-de produtor da Rádio Nacional. E faziatambém O repórter da História, uma cria-ção do Deputado Amaral Neto, que inclu-sive lançou um jornal com este título. Essequadro era o momento mais importantedo Programa Flávio Cavalcânti Nós entre-vistávamos vultos da História. Contáva-mos com a participação de atores da TVGlobo, como a Isabel Ribeiro, que inter-pretou a Cleópatra. O Waldir Maia fezAbraão Lincoln, Jaime Barcelos represen-tou Assis Chateaubriand, e o Perry Salesassumiu o papel de Jesus Cristo. Comtodos vestidos a caráter era o momentoprincipal do programa, a ponto de nósproduzirmos um lp com as gravações. Acapa foi criação do Benício, que ainda hojeé um dos maiores desenhistas do Brasil.Falta isso na televisão hoje: cultura.

JORNAL DA ABI – O QUE MAIS O SENHOR

ACHA QUE ESTÁ FALTANDO ÀS EMISSORAS?Oswaldo – O talento de homens como

Walter Clark e o Boni, que foram quemderam o formato inicial da televisão quetemos hoje. O que está faltando à televi-são brasileira hoje em dia é talento paraproduzir programas culturais.

JORNAL DA ABI – E O SEU CONTATO COM A ABI?Oswaldo – Eu sou sócio da ABI desde

1938. Me lembro que em 1956, numa pro-moção da revista Radiolândia, fizemos a 1ªSemana de Música Popular Brasileira. O

evento, que foi precursor dos festivais dacanção que vieram depois, reuniu dezenasde compositores, todos no anonimato. Asreuniões semanais aconteciam na ABI, quetinha uma comissão formada por HerbertMoses e pelos Maestros Alceu Bocchino,Cláudio Santoro e Francisco Mignone paraouvir as músicas inscritas. Quem as canta-va? Eu. Aprendia na hora, assimilava asmelodias, letras na mão, para então cantá-las com o Bocchino ao piano, para que acomissão fizesse o seu julgamento.

JORNAL DA ABI – O SENHOR MORA ATUAL-MENTE EM UM IMÓVEL NO LEBLON, COM DOIS

BLOCOS DE APARTAMENTOS QUE FICOU CONHE-CIDO COMO CONJUNTO DOS JORNALISTAS.COMO COMEÇOU ESSA HISTÓRIA?

Oswaldo – Eu integrei o grupo do Sin-dicato que em audiência com o Presiden-te Getúlio Vargas, no Palácio do Catete,apresentou o projeto da construção da casaprópria para a classe. Éramos eu, LuizGuimarães, Presidente do Sindicato e quehoje dá nome a um dos blocos, AriostoPinto e o José Talarico. Presente tambémo Presidente do Instituto de Aposentadoriae Pensões dos Comerciários-IAPC, que erao órgão de previdência da época, Henriquede La Rocque.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A REAÇÃO DO

PRESIDENTE GETÚLIO QUANDO FOI APRESENTA-DO O PROJETO?

Oswaldo – Getúlio achou a idéia inte-ressante: “Os comerciários têm, os bancá-rios, os inapiários, por que não os jorna-listas?”. E dirigindo-se ao de La Rocqueperguntou: “Quais são as disponibilidadesde terreno?” Este respondeu: “Jacarepa-guá, Cascadura e Leblon, mas este está umpouco embaraçado”. Getúlio perguntou sedava para desembaraçar o terreno do Le-blon. Autorizada a operação, o IAPC pre-parou dois projetos. A partir do segundodeu início às obras, que eram acompanha-das por nós no dia- a-dia.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI O CRITÉRIO

PARA AQUISIÇÃO DOS IMÓVEIS?Oswaldo – O Sindicato indicou uma

comissão para a devida distribuição dosapartamentos. Deu bode! Um dos colegasquis ficar com quatro apartamentos.Outros já negociavam a venda, sem conhe-cer. Era malandragem sobre malandragem.Eu fiquei com o apartamento 1.203, ondevivo até hoje, vizinho do grande repórterJosé Montenegro, no 1.204.

JORNAL DA ABI – O LEBLON É HOJE UM

BAIRRO ONDE O METRO QUADRADO É UM DOS

MAIS CAROS DO RIO DE JANEIRO. ENTÃO FOI UM

GRANDE NEGÓCIO PARA OS JORNALISTAS.Oswaldo – Na época o Leblon estava

estagnado. Não tinha água. A chegada daágua foi o impulso que faltava e fez aque-le pedaço de terra tranqüilo, depois doJardim de Alá, explodir como o mais im-portante bairro da cidade.

JORNAL DA ABI – COMO FOI EFETUADA AVENDA DOS APARTAMENTOS?

Oswaldo – A venda foi um ano de alu-guel simbólico, depois escritura para amor-tização em 20 anos, e pronto! Temos a casaprópria graças ao Getúlio. Deve haver al-gum velhinho que saiba coisas mais impor-tantes do que as que eu conto aqui. Velhi-nho, claro, mas que ainda esteja lúcido econsciente, como eu, já passado dos 90.

Como um dos principais editores de Radiolândia, revista especializada, cabia aOswaldo ciceronear astros que vinham ao Brasil, como o ator e cantor mexicano Tito.

38 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Pela bancada do seu programa já pas-saram alguns dos políticos de maior no-toriedade da História, figuras do show-biz que vivem de alimentar a aura deinacessíveis, personalidades dos maisvariados calibres e até celebridades fabri-cadas instantaneamente pelos realityshows. A atração dava sinais de que ain-da iria durar algum tempo no ar, mas deuma hora para outra Lawrence HarveyZeiger deixou fãs surpresos e executivosda CNN preocupados ao anunciar aovivo que, após 25 anos à frente do Lar-ry King Live, irá desocupar sua cadeira ependurar seus suspensórios.

Embora o talk show não se mantenhanos patamares áureos de audiência – atu-almente é visto por cerca de 725 mil pes-soas todas as noites –, não é difícil en-tender o sentimento de perda dos teles-pectadores e a lacuna de sua ausência naemissora. Larry King, de 76 anos, con-duz o programa de maior longevidade daCNN e conserva o carisma e habilidadeslapidadas ao longo da carreira, como apopularidade que o fez alçar ao estrela-to e sustentá-lo durante tantos anos.

Antes de pertencer ao seleto rol deentrevistadores no qual ele figura comoum dos mais bem-sucedidos, King per-correu longo caminho. Natural de NovaYork, o apresentador lutou muito an-tes de chegar ao topo do sucesso. Seuprimeiro emprego foi na pequena esta-ção de rádio WIOD, em Miami, ondeexecutava diferentes tarefas e adotou opseudônimo Larry King, sugerido porum diretor.

Larry trabalhou ainda em noticiári-os esportivos, como locutor de futebol,e organizou um talk show de esportes atéganhar seu próprio programa, The Lar-ry King Show, na Mutual Radio Network,que foi ao ar de 1978 a 1994, também emMiami, que lhe garantiu o sucesso local.Com a visibilidade conquistada, ele nãodemorou a ser contratado pela CNN.

Dono de um humor ácido e tom pro-vocativo inconfundíveis, Larry King con-tabiliza em torno de 50 mil entrevistas em53 anos de carreira. Na extensa lista deentrevistados aparecem nomes comoNelson Mandela, Barack Obama, YasserArafat, Marlon Brando e Bill Gates. O

THE END

Trinta anos depois de sua fundação aCNN enfrenta sua maior crise de audiência.Embora não esteja enfrentando um de seusmelhores momentos ao completar 30 anosde existência, e volta e meia seja acusada porcríticos de ser resistente a renovações, aCNN tem o mérito de ser a precursora deum formato que colocou o público no olhodos acontecimentos da História recente daHumanidade. O pioneirismo da idéia coubeao empresário Ted Turner, que começou comum canal de tv em Atlanta, EUA, quandoiniciou a Turner Broadcasting System.Inconformado com a ausência de notíciasnacionais nos Estados Unidos, uma vez queas três principais redes televisivas da épocadeterminavam quando as informaçõesdeveriam ser divulgadas, Turner fundou aCNN em 1º de junho de 1980.

Pioneira em transmitir notícias 24 horaspor dia, com reportagens ao vivo e análises, aemissora não demorou a se consolidar comoreferência em coberturas jornalísticas. “Em1980, a CNN definiu as ‘notícias pordemanda’, porque pela primeira vez asinformações ficaram disponíveis 24 horas por

Depois de 25 anos no ar o famoso programa de entrevistas já tem data para encerrar sua carreira na tv.

Larry King Live chega ao fim

Um canal chamado notícia

POR SIBELE OLIVEIRA

dia, 365 dias ao ano”, contou Will King,Diretor de operações de notícias da CNNInternacional, ao jornal Post-Gazzete.

A partir de fatos que causaram grandecomoção mundial, a CNN passou a serconhecida por grande parte do público, comofoi o caso da cobertura sobre o atentado queresultou na morte do ex-Beatle John Lennon,seis meses após sua inauguração. Pouco apouco, os telespectadores foram criando ohábito de sintonizar o canal à procura deinformações sobre acontecimentos deimpacto mundial, especialmente a partir daGuerra do Golfo, em 1991.

Porém, com a concorrência de novoscanais de notícias, como a Fox News e aMSNBC, a CNN vem amargando umasensível perda de audiência; talvez por isso acomemoração de seus 30 anos não foi tãoalardeada. A rede de notícias saudou a datacom a campanha Impact Your World - Give30 for 30, na qual funcionários etelespectadores foram incentivados aparticipar de ações sociais.

Destronada do posto de canal mais vistodo formato, a CNN vive um momento de

impasse: permanecer alinhada à sua posturaneutra, mantendo o foco nos fatos, ou cederàs novas demandas para conter a fuga dopúblico. Mas reverter a queda acentuada deaudiência está longe de ser uma tarefasimples. De acordo com uma matériapublicada por Bill Carter no The New YorkTimes no final de março, a emissora perdeuquase metade de seus telespectadores emum ano e ficou atrás das duas oponentes noprimeiro trimestre de 2010.

A crise não se deve afórmulas obsoletas.Acompanhando astendências tecnológicas, aCNN aderiu às mídiassociais para manter-se atuale cativar o público jovem,caso dos projetos iReport,com conteúdo onlinegerado por usuários, e oRick’s List, noticiárioproduzido a partir denotícias do twitter, umamodernidade que nãoagrada aos maisconservadores. Por outrolado, a saída de nomesimportantes como ChristianeAmanpour, contratada pela

ABC, e o afastamento de Larry King do seuprograma dão indícios de que talvez seja ahora certa para a emissora renovar o casting.

No entanto, não há grandes mudançasprevistas, pelo menos na linha editorial e nocurto prazo. “Nós vamos continuar a ser oque somos: uma organização jornalísticaapartidária. Nada está iminente, nem nósestamos sob pressão para negociar”, garantiuJim Walton, Presidente da CNN Worldwide,ao Atlanta Journal Constitution. (S.O.)

âncora ainda acumula outros feitos no-táveis, capazes de inspirar qualquer jor-nalista. Ele conquistou a segunda maioraudiência da história da CNN durante odebate entre o vice-presidente norte-ame-ricano Al Gore e Ross Perot sobre o Acor-do Comercial entre Estados Unidos,Canadá e México-Nafta, perdendo ape-nas para a transmissão da guerra do Gol-fo; seus livros tornaram-se best-sellers.

Larry King ainda recebeu os títulos de“mais espetacular apresentador de pro-gramas de entrevistas da televisão” pelarevista TV Guide, e de “mestre do micro-fone” pela Time. Para coroar sua trajetó-ria, Larry King Live recebeu um prêmio

Emmy; duas semanas antes de Kinganunciar sua saída, o talk show entroupara o Guinness Book, o Livro dos Recor-des, como a atração que permaneceumais tempo no ar, na mesma emissora,mesmo horário e sob o comando domesmo âncora.

Planos futurosA vida privada de Larry King sempre

foi mais tumultuada que a profissional.Em 1987, o hábito de fumar levou-o auma mesa de cirurgia, vítima de um in-farto. Depois de passar pela experiência,ele escreveu dois livros sobre doençascardíacas e criou a Fundação CardíacaLarry King, que mantém até hoje. Ape-sar de ter planos de continuar vincula-do à CNN, apresentando programas es-peciais, assim que o último Larry KingLive for ao ar, King pretende dedicar otempo livre à sua sétima esposa, ShawnSouthwick King, 50, de quem quase sedivorciou no início do ano, e aos filhos.

Após o anúncio de Larry King, o Pre-sidente da CNN, Jon Klein, afirmou queestá à procura de um sucessor para oapresentador. “Ninguém mais faz essetipo de programa. É uma ferramentaimportante para nós e queremos conti-nuar com isso”.

Entre os mais cotados aparecem anorte-americana Katie Couric, que co-manda o CBS Evening News, dona domaior salário do telejornalismo dos EUA,Ryan Seacrest, que apresenta os progra-mas American Idol e E! News, e Piers Mor-gan, que ficou mais conhecido ao ser umdos jurados que avaliou Susan Boyle noprograma Britain’s Got Talent.

David Walker e Lois Hart apresentaram o primeiro telejornaltransmitido pela CNN no dia da estréia do canal.

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Os ex-Beatles Paul McCartney e Ringo Star foram recebidos por Larry King em seuprograma em 2007, quando deram uma entrevista memorável ao jornalista.

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39Jornal da ABI 356 Julho de 2010

O jornalista Teixeira Heizer lançou nanoite de 1° de junho, na Livraria Argu-mento, o livro Maracanazo - Tragédias eEpopéias de um Estádio com Alma. A obrareúne prefácio de Zico, apresentação deVillas-Bôas Corrêa e crônicas assinadaspor Maurício Azêdo, Presidente da ABI,Eduardo Galeano, Ferreira Gullar, LuizMendes, Manolo Epelbaum, Sérgio Ca-bral e Washington Olivetto.

Dezenas de amigos, parentes e jorna-listas participaram do lançamento, en-tre eles Villas-Bôas Corrêa, Conselhei-ro da ABI, José Carlos Araújo, e sóciosda ABI, como José Rezende, Geraldo Pe-drosa e Raul Martins Bastos, além deamigos do autor, como Álvaro Caldas.

O livro se debruça sobre a derrota doBrasil para o Uruguai na Copa do Mun-do de 1950, episódio que ficou conhe-cido como Maracanazo e, quase seis dé-cadas depois, é lembrado pelo dramá-tico desfecho que abalou os jogadorese os torcedores brasileiros.

“O Maracanazo, como os uruguaiosse referem ao episódio, com um certodesdém e deboche, fica desmistificadocom as informações que eu apresentoneste livro. Porque, na verdade, nós te-mos, de 1950 até hoje, uma temporadaque nos mostra que o futebol brasilei-ro saiu daquela tragédia com o vigor re-novado e alcançou brilhantes perfor-mances e títulos extraordinários comoos que têm acontecido nos últimosanos”, disse Teixeira Heizer, que é mem-bro do Conselho Consultivo da ABI.

Um erro de Flávio CostaAutor da apresentação do livro, Vi-

llas-Bôas Corrêa, decano do jornalismopolítico brasileiro, com mais de seis dé-cadas de atividade, apontou a mudançade endereço da concentração comofator decisivo para o Maracanazo.

“Este é o segundo prefácio que façopara Teixeira Heizer, um amigo de mui-tos anos. Trabalhamos juntos no Estadode S.Paulo. Somos parceiros de paposobre o Maracanã desde aquele tem-po”, lembrou. “Na apresentação do li-vro, sustento que o Brasil perdeu aCopa de 50 na véspera, quando FlávioCosta tirou a Seleção da Casa das Pe-dras, em São Conrado, local paradisí-aco onde os jogadores estavam concen-trados, e foi para São Januário, em SãoCristóvão. Os jogadores passaram duasnoites sem dormir com o tumulto do

Além do talento versátil de Teixei-ra Heizer, os colegas de Redação, comoLuiza Mariani, exaltaram o espíritoharmonioso do jornalista. “Ele semprese destacou pela alegria. Como eu fa-zia a cobertura da cidade e ele de espor-te, sentávamos em lugares diferentes,mas na hora do almoço tínhamos nossomomento de lazer. Teixeira, sempre ex-trovertido, divertia a todos. Foram mo-

LivrosLivros

O livro Maracanazo -Tragédias e Epopéias de umEstádio com Alma conta comdepoimentos emocionados.

MAURÍCIO AZÊDO“Tão doloroso quanto aquelefim de tarde de 16 de julhode 1950 foi a segunda-feira.O condutor do bonde 33evitava tilintar as moedas.Temia que o pequeno ruídoferisse aqueles que, comoele, carregavam uma dorirreparável e mereciam asolidariedade de piedososilêncio.”

VILLAS-BÔAS CORRÊA“A Copa de 50 foi perdida navéspera. E o responsável foiFlávio Costa, ao mudar aSeleção do paradisíacosossego da Casa das Pedras,em São Conrado, para oinferno do estádio do Vasco,em São Januário, antes dafinal contra o Uruguai.”

O Maracanazo, nossatragédia em 1950

Teixeira Heizer mostra que depois da derrota para o Uruguai,em 16 de julho, no estádio recém-inaugurado,

o País do Futebol renasceu para grandes conquistas.

POR CLAUDIA SOUZA bairro. Tínhamos um time fabuloso ea obrigação de vencer”.

O trauma dos jogadoresO jornalista e escritor José Rezende

destacou a abordagem histórica comoum dos pontos altos da obra, em suaopinião referência para antigas e novasgerações de jogadores e de torcedores:

“Em julho, a final da Copa de 1950completa seis décadas. Teixeira Heizer,testemunha deste episódio, foi muitofeliz ao reunir a opinião de outros com-panheiros, alguns que na época aindaeram muito jovens, como Sérgio Ca-bral, que tinha 13 ou 14 anos. Contu-do, todos guardam este acontecimen-to na memória. A obra é importantetambém pela abordagem do lado hu-mano, não se limitando ao aspecto dofutebol. O sofrimento da população foimuito grande. Os jogadores também fi-caram traumatizados, como Barbosa eBigode. O primeiro conseguiu superare jogou por mais 12 anos, encerrandoa carreira só em 1962, no Campo Gran-de. Bigode jogou apenas mais três anose, deprimido, preferiu se recolher”.

Geraldo Pedrosa, um dos grandesnomes do jornalismo esportivo, relaci-onou a relevância do livro ao talento eexperiência do autor:

“Conheci Teixeira Heizer no Esta-dão, ele como editor de Esporte, e eucomo repórter. Formávamos uma tur-ma boa que incluía Paulo Stein, RaulQuadros, José Castelo, Luís Carlos Gui-marães, entre outros excelentes jorna-listas que passaram pelas mãos de Tei-xeira Heizer. Trabalhamos juntos aolongo de mais de vinte anos. Ele tinhao costume de chegar na Redação às 7horas para fazer a pauta e só terminá-vamos entre meia-noite e uma hora damanhã. Nós gostávamos do trabalhoe ele procurava fazer tudo muito bem.Por isto, é autor de vários livros e que-rido por todos.”

LembrançasO jornalista Álvaro Caldas, ex-mi-

litante político, preso durante a dita-dura militar, conviveu com TeixeiraHeizer durante seis anos no Estado deS. Paulo. “Foi uma época especial tra-balhar em um dos jornais que maisenfrentou a censura no País. TeixeiraHeizer, meu grande amigo, teve impor-tante postura de enfrentamento diantedo regime de repressão. Ele está deparabéns pela obra”.

mentos muito marcantes. Tive umagrata surpresa ao saber do lançamen-to do livro”.

Sônia Meinberg, que também traba-lhou na Redação Rio do Estado deS.Paulo, disse que, além de ser um óti-mo jornalista, Teixeira Heizer “é umprofissional com espírito de liderança,que busca a transparência no esporte,sempre disposto a reportar falhas eacertos, principalmente no futebol”.

“Quando ele lecionava, seu entusi-asmo e competência atraíam a admi-ração dos jovens que o cercavam”.

CurrículoCom passagem pelas Redações de O

Estado de S. Paulo, Veja, Placar, MundoIlustrado, Correio Fluminense, O Dia,Diário da Noite, Última Hora, Diário deNotícias, Empresa Brasileira de Notíci-as e pela TV Continental, TV Excelsi-or, TV Tupi e TV Globo, Rádios Conti-nental, Globo e Nacional e pela Rio Grá-fica e Editora, Teixeira Heizer acompa-nhou diversas Copas do Mundo, alémde dezenas de outras competições na-cionais e internacionais. Residiu naFrança, na década de 1990, e lá trabalhouem documentários de sucesso, partici-pou de transmissões especiais paraemissoras estrangeiras, entre as quais aBBC, de Londres; Wrul, dos EstadosUnidos; e Nacional, de Lisboa. É autordo livro O Jogo Bruto das Copas do Mun-do. (Colaborou Raquel Bispo, estagiáriada Diretoria de Jornalismo da ABI)

SÉRGIO CABRAL“Pouca coisa se compara aosgritos das arquibancadas de’fica! fica!’, quando Pelé davaa volta olímpica numa dassuas inúmeras despedidasdo futebol. Não há dúvidade que há entre nós,amantes do futebol, e oMaracanã, um maravilhoso eeterno caso de amor.”

LUIZ MENDES“Corre que a CBD pagouUS$ 15 mil a fim de que StebanMarino não comparecesse aojulgamento para acusarGarrincha (expulso no jogocontra o Chile). O juiz voltoupara Montevidéu, não houve aacusação, nosso craque jogoue vencemos a Copa de 62.”

EDUARDO GALEANO“Caí al suelo.Y de rodillas, llorando, roguéa Dios, ay Dios, ay Diosito,haceme el favor, yo te loruego, no me podés negareste milagro.Y le hice mi promesa.Y entonces el partido se diovuelta y Uruguay ganó elpartido y la copa del mundo,contra todo pronóstico,contra toda evidencia.”

ZICO“Além de ter marcado 333gols, vivi momentos de alegriapraticamente impossíveis de

“Uma dor irreparável”serem descritos. Trafeguei porcaminhos que fizeramsentido muitos anos depois.Derrotas que antecipamvitórias. Sofrimentos que nosensinam a beleza de vencer.”

FERREIRA GULLAR“Como a maioria dos pernas-de-pau, tornei-me torcedor.Depois que me mudei para oRio, fui algumas vezes aoMaracanã torcer pelo Vasco. Oestádio me fascinou,sobretudo porque por alipassaram os grandes heróisque situaram o Brasil notopo da hierarquia mundial.”

MANOLO EPELBAUM“No futebol, bem pequeno,experimentei a dor brasileiracom a derrota de 1950. Gardele Le Pera não construiriam,“al compas”, tangaço de igualdramaticidade. Até o título,zombeteiramente criado pelosvencedores, Maracanazo,mexeu com a alma da gentedo Rio de Janeiro.”

WASHINGTON OLIVETTO“Nasci em setembro de 1951.Mas, não escapei incólume àtragédia. Mesmo sendo umacriança corajosa – sem medode cuca, lobisomem oumula-sem-cabeça –, tinhamedo de uruguaios, medoque me acompanhou atéquase os 19 anos de idade.”

Teixeira Heizer: O futebol brasileiro saiucom vigor renovado da tragédia de 1950

e alcançou títulos extraordinários" .

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40 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

LivrosLivros

Qual é a importância do livro paraa Humanidade? Depois de ser compa-rado à roda, considerado a “roda do sa-ber e do imaginário”, nos últimos tem-pos as previsões feitas sobre seu futu-ro são nebulosas. Muita gente, especi-almente na imprensa, acredita em suamorte com a popularização dos forma-tos digitais. Em 2008, a discussão che-gou à cúpula de Davos, na Suíça. Lá,entre muitos fenômenos que devemabalar o mundo nos próximos 15 anos,como o barril de petróleo a 500 dóla-res ou a água sendo comercializada nabolsa de valores, o desaparecimento dolivro foi um dos destaques.

Mas a discussão não pára: na pró-xima Festa Literária Internacional deParaty-Flip, que acontece em agosto,um dos debates mais concorridos serájustamente sobre o futuro do livro.Entre muitas especulações e apostascomerciais, Não Contem com o Fim doLivro (Editora Record), recém-lança-do no Brasil, é uma das contribuiçõesmais lúcidas quando se discute o as-sunto. Mas não por conta de qualquerprofecia. Pelo contrário, logo no inícioa brochura já trata de desmoralizarqualquer vaticínio:

“Com a internet, voltamos à era al-fabética. Se um dia acreditamos ter en-trado na civilização das imagens, eisque o computador nos reintroduz nagaláxia de Gutenberg, e doravante todomundo vê-se obrigado a ler. E o supor-te não pode ser apenas o computador.Passe duas horas lendo um romanceem seu computador, eseus olhos viram bolasde tênis. Além disso, ocomputador dependede eletricidade e nãopode ser levado parauma banheira, tam-pouco para a cama. Ouo livro permanecerá osuporte da leitura, ouexistirá alguma coisasimilar a ele. O livro écomo a colher, o mar-telo, a roda ou a tesou-ra. Uma vez inventa-dos, não podem seraprimorados. No má-ximo, ele evoluirá emseus componentes. Talvez as páginasnão sejam mais de papel. Mas ele per-manecerá o que é”, garante o texto.

Tais certezas poderiam ser consi-deradas apenas delírios caso não ti-

POLÊMICA

O fim do livro num bate-papo eruditoEm entrevistas concedidas ao jornalista Jean-Philippe de Tonnac, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière passeiam por 5 mil anos

de História da Civilização e garantem que a tecnologia não matará um dos mais importantes símbolos da liberdade de expressão.

POR MARCOS STEFANO

vessem partido de quem partiram.Não Contem com o Fim do Livro é umconjunto de entrevistas do jornalis-ta, biógrafo e ensaísta Jean-Philippede Tonnac com o semiólogo italiano

Umberto Eco e o dra-maturgo e roteiristafrancês Jean-ClaudeCarrière, autor dosroteiros das princi-pais obras do cineas-ta Luís Buñuel. Comoresultado, uma espé-cie de bate-papo eru-dito e bem humorado,sábio e subjetivo, di-alético e anedótico,que não pretende ape-nas entender as trans-formações anuncia-das pela adoção dosformatos eletrônicos,mas desvendar a es-

sência, a alma de uma das mais im-portantes invenções do homem.

“O ser humano é uma criatura im-pressionante. Descobriu o fogo, inven-tou cidades, escreveu obras magníficas

e interpretou o mundo. Mas, ao mes-mo tempo, não cessou de guerrear con-tra seus semelhantes, de enganar e dedestruir seu meio ambiente. Os livrossão reflexos das aspirações e aptidõesda Humanidade, necessariamente tra-duzindo esse excesso de honra e indig-nidade”, aponta Eco, colecionador con-tumaz de obras raríssimas sobre a gran-deza e o erro humanos.

Do papiro ao arquivo eletrônico,Eco e Carrière passam por 5 mil anosde História e analisam como o livrocontribuiu tanto para o melhor quan-to para o pior da Humanidade. Umtrajeto que começa muito antes dosincunábulos da época do criador daprensa de tipos móveis, passa pelatragédia grega e pelo incêndio da bi-blioteca de Alexandria. Com reflexõessimples, mas essenciais.

“Através da História do livro é pos-sível reconstruir a História da Civiliza-ção. Junto com as religiões, certos livrosnão servem apenas de continente, dereceptáculo, mas também de ‘grandeangular’ a partir da qual podemos ob-servar e contar tudo, até mesmo deci-

dir tudo”, argumenta Carrière, outrobibliófilo de obras antigas e raras.

Em momento nenhum, fora da con-vicção de que o e-book não matará o li-vro, eles fecham questão sobre o quequer que seja. De fato, soluções pron-tas não são objeto de delonga para NãoContem com o Fim do Livro. A obra é an-tes um diálogo aberto de dois observa-dores e cronistas do tempo e das soci-edades capazes de observar o que foiescrito além do papel. Em um proces-so quase metafísico, o livro adquirestatus de símbolo da própria cultura e,por que não, da liberdade de expressão.E, nessa conversa, censura, imprensae religião não ficam de fora, uma vezque Eco e Carièrre compõem um inte-ressante mosaico do mundo moderno.Também nesse sentido, é inevitávelpensar: se existe a esperança para o li-vro, da mesma forma existe para a im-prensa e o bom jornalismo. Numa voltaao vernáculo, o trombeteado apocalip-se das letras, amplificado por tecnolo-gias e inúmeros a(u)tores, talvez nãoseja o anúncio do fim, mas a revelaçãode novos tempos e possibilidades.

O semiólogo italiano Umberto Eco (esquerda) e o dramaturgo francês Jean-Claude Carríère, dois bibliógrafos de obras raras, manifestaramsua convicção de que o livro não irá sair de circulação. Foi numa conversa com o jornalista Jean-Philippe de Tonnac, autor do livro.

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41Jornal da ABI 356 Julho de 2010

VidasVidas

Sergipano de Estância, onde nasceuem 10 de novembro de 1924, mas cria-do em Ilhéus, na Bahia, para onde foicom quatro anos, Amaury Fonseca de Al-meida veio para o Rio de Janeiro em 1955e só deixou a cidade por dois anos, en-tre 1972 e 1974, quando se radicou emBrasília para exercer função na Presidên-cia do Banco do Brasil, de que era funci-onário por concurso. No Rio, formou-se em Jornalismo em 1959 na antigaFaculdade Nacional de Filosofia da Uni-versidade do Brasil, marco de uma tra-jetória que incluiu a passagem por inú-meras publicações, entre as quais a deeditor por oito anos, até 1997, do Jornalda ABI, função em que prestava traba-lho voluntário e gratuito.

Como outros nordestinos, Amauryteve uma iniciação precoce no jornalis-mo, pois foi em princípios de 1941, quan-do tinha 16 anos, que começou a traba-lhar no Ilhéus-Jornal, no qual atuaria porcerca de dois anos, até se mudar para o

Bueno, assassinadoA edição número 250 de

Linguagem Viva registra tambéma morte de Wilson Bueno,escritor e jornalista, editor doextinto jornal O Nicolau,assassinado em 30 de maio emsua casa, em Curitiba, Paraná.Bueno, homônimo de outrojornalista, este radicado no Rioe felizmente ainda vivo, eraautor de Mar Paraguayo e de ACopista de Kafka, obra finalistado Prêmio São Paulo deLiteratura de 2008, segundoLinguagem Viva.

Hermano Alves, o irreverente

AmauryFonseca,

nosso editor

Tão talentoso quanto irreverente, deuma irreverência que por vezes pareciadeboche, feito pelo prazer do jogo depalavras, sem intenção de ofender o in-terlocutor ou terceiro sobre o qual fala-va. Assim era Hermano Alves, ou Her-mano de Deus Nobre Alves, um dos maisbrilhantes jornalistas da equipe de fun-dação da Tribuna da Imprensa de CarlosLacerda, em 1949, ao lado de NilsonViana, Carlos Lemos, Zuenir Ventura euma série de outros jovens que começa-vam na imprensa. Foi o início de umacarreira em que se alternaram jornalis-mo e política, o primeiro empurrando-o para a segunda; esta, após percalços esacrifícios, devolvendo-o ao jornalismoaté o seu falecimento, em Lisboa, noprincípio de julho.

Ao lado do jornalista e poeta MárioFaustino, morto prematuramente no céuda Venezuela na explosão de um aviãodetonado por terroristas anticastristas,Hermano foi responsável no começo dosanos 1960 pela fase mais influente doseditoriais do Jornal do Brasil, num tem-po em que, sob a direção de M. F. doNascimento Brito, o jornal da Condes-sa Pereira Carneiro perfilhava as propos-tas progressistas do Governo João Gou-lart, cuja posse na Presidência da Repú-blica fora defendida pelo JB. Foi marcan-te, na época, um editorial sob o títuloPosição Democrática, feito a seis mãos –Hermano, Faustino, Brito —, no qual oJB expunha as razões de seu alinhamentocom as propostas de mudanças no País.

Jornal Oficial do Município de Ilhéus, emque permaneceria até junho de 1944.Nesse ano, aprovado em concurso, in-gressou no Banco do Brasil, no qual tra-balhou até 1974, em Ilhéus, em Brasíliae no Rio, onde dividia seu tempo entreo BB e jornais, como o Diário Carioca, noqual trabalhou um ano, e o Jornal doCommercio, no qual atuou de 1957 a 1972e exerceu destacadas funções, como re-pórter de Economia, Editor de Política,Chefe de Reportagem Geral e Subsecre-tário. Foi também colaborador por doisanos da Revista AFBNDE, publicaçãomensal da Associação dos Funcionáriosdo Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico-BNDE, e durante cinco anoscolaborador da revista Bancário, publica-ção mensal dos Sindicato dos Bancáriosdo Rio de Janeiro, na qual assinava umapágina em caráter permanente.

Após 1974, editou durante cinco anosa revista mensal da Associação dos An-tigos Funcionários do Banco do Brasil.Ele foi também tesoureiro durante trêsanos, na gestão de Domingos Meirelles,da Cooperativa dos Profissionais de Im-prensa do Município do Rio de Janeiro-Coopim, tentativa de numeroso grupode jornalistas de criar, no fim dos anos1970 e começo dos anos 1980, uma al-ternativa de trabalho para a categoria.

A convite de Nestor Jost, Presidente

Hermano, nascido em Niterói em 13de dezembro de 1927, trocou a carreirade Direito, que estudou até o quarto ano,pela iniciação na nascente Tribuna daImprensa, começo de uma carreira que olevou aos principais jornais do País,como o Correio da Manhã, o JB, a Folhade S. Paulo e O Estado de S. Paulo, afora

to cassado e foi privado dos direitos po-líticos por dez anos.

Por sua vigorosa atuação de comba-te à ditadura na Câmara dos Deputados,Hermano tornou-se um dos alvos princi-pais da repressão após a edição do AI-5.Cassado e caçado, teve de empreender umafuga rocambolesca para escapar à prisão.Um companheiro jornalista, Rubem Aze-vedo Lima, repórter da Folha de S. Paulo naCâmara dos Deputados, enviou-lhe porum motorista do Correio da Manhã sua car-teira de identidade, com a qual Hermanopôde passar incólume pelas barreiras po-licais nas estradas para São Paulo.

“Emprestei minha carteira para ele,mas sem trocar a foto, deixei a minhamesmo”, contou Rubem Azevedo Limaa O Globo.”Só que, na hora em que opararam na estrada, o policial só viu seo nome na identidade estava ou não nalista de procurados. Nem olhou para acara dele. E ele conseguiu passar.”

De São Paulo Hermano seguiu para oMéxico, iniciando um périplo de exílioque o levou também à Argélia, à Fran-ça, à Inglaterra e a Portugal.Para a Argéliaseguiram depois sua primeira mulher,Maria do Carmo, e os quatro filhos docasal. Ele voltou para o Brasil nos anos80, após a instituição da anistia, em1979. Casado pela segunda vez, agoracom a portuguesa Maria Helena, Herma-no mudou-se nos anos 90 para Lisboa,onde morreu de um câncer na coluna.Deixou viúva, os quatro filhos do primei-ro casamento e cinco netos.

do Banco do Brasil, Amaury criou a As-sessoria de Imprensa do BB, que passoua funcionar mais intensamente a partirde 1972, com a transferência dos prin-cipais órgãos e diretorias do Banco paraBrasília. Ele participou da equipe querenovou editorial e graficamente os re-latórios anuais do BB, modernizando-os,e a equipe conquistou com isso o PrêmioColunistas como o Melhor Relatório deEmpresa. Vinculado à Assessoria deImprensa do Banco durante cinco anos,nela trabalhou até 1974, quando se apo-sentou por tempo de serviço.

Sócio da ABI desde novembro de1977, Amaury teve atuação destacadanas gestões de Barbosa Lima Sobrinho,como Editor do Jornal da ABI,membro doConselho Deliberativo e Diretor. Por suacontribuição à Casa, recebeu a maishonrosa distinção conferida aos sócios,o título de Benemérito. Maçom, Amauryrecebeu em abril deste ano do GrandeOriente do Brasil a Comenda da Ordemdo Mérito Dom Pedro I, conferida pelaLoja Regeneração Sul Baiana do Orien-te de Ilhéus pelos “relevantes serviçosprestados à Maçonaria, à Patria e à Fra-ternidade Universal”.

Amaury, que faria 86 anos em novem-bro, era conhecido pelos amigos comouma pessoa doce e carinhosa, que todosos anos fazia questão de encaminhar aos

companheiros uma mensagem de Festascom desenhos e fotografias de paisagense aspectos culturais que enriquecia comminuciosas informações, para ilustrar osdestinatários. Ele morreu no dia 18 dejulho no Hospital Copa D’Or, onde es-tava internado. Sua filha Ana Luísa Fon-seca Ribeiro de Jesus fez um pedido à ABIvisando à doação de sangue destinado àreposição da reserva do plasma fornecidoa ele, mas Amaury faleceu antes da di-vulgação do apelo.

Junto com o poeta Mário Faustino, Hermano foiresponsável pelos editoriais mais influentes que o Jornal doBrasil publicou a partir de 1962, no Governo João Goulart.

FOLH

AP

RESS

colaborações eventuaisem diferentes publica-ções periódicas. “Ele foiuma das minhas referên-cias como jornalista. Eraum dos nomes que oCarlos Lacerda mais ou-via”, disse o jornalistaZuenir Ventura em de-claração publicada por OGlobo no registro do fa-lecimento de Hermano,na edição de 6 de julho.

Repórter especial daFolha no Rio na época dogolpe militar de 1º deabril de 1964, Hermanofoi-se engajando na po-lítica nos anos seguin-tes, dado o crédito comque era ouvido nos seto-res de oposição à ditadu-ra. Ele participou ativa-mente dos entendimen-tos para a formação daFrente Ampla, em queantigos adversários po-líticos – Lacerda, Jusce-lino Kubitschek e João

Goulart – se uniram para contestar oregime. Em 1965, elegeu-se Deputadofederal pelo MDB, antecessor do atualPMDB, mas não pôde completar o man-dato que assumiu em janeiro de 1966:com a decretação do Ato Institucionalnº 5, de 13 de dezembro de 1968 – diade seu aniversário –, teve o seu manda-

42 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

VidasVidas

Mais do que no ditado que prega que‘toda unanimidade é burra’, a verdadeparece residir na certeza de que não háopinião ou personalidade que goze dejulgamento unânime neste mundo.Único escritor de língua portuguesa aganhar o Nobel de Literatura, fato ocor-rido em 1998, José Saramago era ama-do por muitos, é verdade. E, também,visto com restrições por outros. Suamorte aos 87 anos, na casa da ilha es-panhola de Lanzarote, em 18 de junho,rendeu cadernos especiais em jornaisde diversos países. As referências, emsua maioria, eram elogiosas. Algumaspoucas, no entanto, nem tanto.

A vasta obra de Saramago combinourealismo mágico e ácida crítica políti-ca, com investidas ferozes contra asinjustiças, o conservadorismo e ospoderes econômicos, além de institui-ções. A Igreja Católica, por exemplo, foialvo preferencial de seu último livro,Caim, lançado em 2009. Ela própria jáhavia sido provocada em O EvangelhoSegundo Jesus Cristo, de 1991, roman-ce que conta a história da vida de Jesusde uma maneira moderna, com seve-ras críticas à religião. Em ambos os lan-çamentos, apesar das reações furiosasda Igreja, ou até mesmo com a ajudadelas, houve imediata repercussão,com a conquista de posições de pres-tígio nos rankings dos mais vendidos.

“Ele era um ateu atuante. E, mais doque isso, atribuía a um ente em que nãoacreditava – ou pensava não acreditar– as grandes desgraças e os pequenosmales do mundo. Culpava Deus portudo. Não compreendia que Ele acei-tasse a imperfeição. Toda a sua obra foiescrita com paixão a revoltar-se com oque os homens fazem aos homens,buscando transformar o real em sonho,num sonho com os contornos do real,numa prosa de música própria e incon-fundível, na qual a beleza teima emagasalhar-nos ainda quando a vida nos

rocrática nota de pesar pelo falecimen-to. Não compareceu ao velório, ao con-trário de líderes socialistas como Má-rio Soares e Jorge Sampaio, e de váriosintelectuais portugueses.

Na Espanha, país de adoção do escri-tor, todos os grandes jornais, sem exce-ção, destacaram a sua morte em man-chetes repletas de afeto e reconhecimen-to. ‘Desaparece a alma do português’,publicou o El País. O jornal dedicou-lheno sábado, 19 de junho, oito páginasinteiras. E no domingo, dia 20, maisduas. Todas elas generosas e altamen-te informativas. No El Mundo podia-seler: ‘Morre Saramago, herói das letrasportuguesas’. No ABC e no catalão LaVanguardia, e no material produzido edivulgado pela agência EFE, o Nobelportuguês foi igualmente o assunto emdestaque. Em Portugal, o esquerdistaPúblico lamentou com ênfase: ‘A litera-tura ficou cega’. Saramago ainda obte-ve destaque na edição de final de semanado I e do Jornal de Notícias.

No Brasil, os jornais também dedica-ram páginas e cadernos a Saramago. EmO Globo, por exemplo, foi publicada areação do fotógrafo Sebastião Salgado,amigo do escritor: “O Saramago foi umamigo, uma pessoa que eu respeitavademais. Ficava em minha casa quandovinha a Paris, mas eu não o via há mui-to tempo. Sempre foi um militante, umhomem de esquerda, comprometidocom todas as causas sociais, principal-mente as de Portugal e do Brasil”.

O Correio Braziliense manteve suaproposta gráfica ousada e presenteouos leitores com uma expressiva carica-tura do escritor, que ocupava quasetoda a parte central da capa da ediçãodo dia 19 de junho – data em que Sa-ramago esteve presente na primeirapágina dos principais jornais de Nor-te a Sul do País.

As publicações abriram espaço pri-vilegiado para a repercussão da morte

POR PAULO CHICO

A morte de José Saramago teve grande espaço na mídia, com as esperadashomenagens à genialidade de sua obra. Contudo, surgiram também

críticas e ressalvas, polêmica que retrata a própria trajetória do escritor eajuda a compreender sua relevância no mundo da literatura e da política.

Ser amado ouser amargo?

maltrate as esperanças”, afirmou Al-berto da Costa e Silva, membro daAcademia Brasileira de Letras-ABL,casa que realizou mesa-redonda de ho-menagem ao escritor em 5 de julho, epara a qual ele fora eleito Sócio-Corres-pondente no ano passado.

Tamanho radicalismo provocou re-ações da mesma proporção junto a não-simpatizantes de Saramago, como aque se tornou pública quando de suacremação, no Cemitério do Alto de SãoJoão, em Lisboa, em 20 de junho. En-quanto centenas de admiradores por-tugueses se despediam do escritor comaplausos e cravos vermelhos – símbo-los da revolução que, em abril de 1974,derrubou a ditadura Salazar – chega-va de Viseu, no Norte do país, a decla-ração do herdeiro do trono português,Duarte Pio Bragança, questionando otom da celebração. “É simbólico queneste momento Portugal homenageiecomo um grande herói nacional umhomem que é contra Portugal”.

Nos jornais, muitos elogios,algumas omissões e críticas

A relação de Saramago com seu paísfoi quase sempre conflituosa. Chegoumesmo ao rompimento. Com a exclu-são de O Evangelho Segundo Jesus Cris-to de uma lista de recomendações parao Prêmio Literário Europeu, por ter sidoconsiderado pelo Governo portuguêsuma blasfêmia ofensiva aos católicos,o escritor mudou-se em 1993 para Lan-zarote, nas Ilhas Canárias, Espanha,para esquivar-se da perseguição religi-osa. Talvez por isso, sua morte tenhasido noticiada apenas com discretareverência em Portugal. O país o home-nageou com luto oficial de dois dias –a fadista Amália Rodrigues, morta em1999, mereceu três. O Presidente Ca-vaco Silva, do PSD, partido de centro-direita, limitou-se a divulgar uma bu-

do escritor. Gabriela Canavilhas, Mi-nistra da Cultura de Portugal, lembrouque “Saramago é o escritor portuguêsmais traduzido e o mais conhecidointernacionalmente”: “Ele sempre va-lorizou muito a liberdade. Era umhomem de determinação e de liberda-de interior elevadíssimas. A sua mor-te é uma perda incalculável”, elogiou,sem, contudo, perder a chance de alfi-netar: “Ele não tinha fé em Deus. Mas,certamente, Deus teve fé nele”.

Ministro da Cultura do Brasil, JucaFerreira disse, em nota oficial, que anotícia da perda era recebida commuita tristeza, “particularmente pelosque têm apreço pela língua portugue-sa e por sua importância cultural emtantos continentes.”

No suplemento Sabático Especial,publicado em 19 de junho, o Estado deS. Paulo centrou o foco de sua coberturanos pensamentos e obras do escritor,bem como em sua militância políticae nas polêmicas com a Igreja Católica.O caderno de seis páginas trouxe ain-da entrevista exclusiva com o críticoamericano Harold Blomm, para quemSaramago se aproximava de WilliamShakespeare por sua versatilidade epela facilidade de trafegar com inteli-gência do drama à comédia.

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“Ele era um homem inigualável. Aliteratura vai sentir muito a sua falta.Entre os vencedores do Prêmio Nobelde Literatura nos últimos anos, creioque ele foi o que realmente mereceu”,disse Harold Bloom.

O prêmio que levou Saramago à gló-ria, no entanto, pode ter abalado asavaliações de sua obra. Isso, pelo me-nos, foi o que apontou João PereiraCoutinho, colunista da Folha de S. Pau-lo, em polêmico artigo publicado no ca-derno de oito páginas dedicado ao es-critor. “Se existe um Saramago queinteressa como escritor, ele existe an-tes do Nobel, não depois dele. A Caver-na ou Ensaio Sobre a Lucidez, para citarapenas dois exemplos recentes, repre-sentam o pior do Saramago pós-Nobel:um escritor moralista e verborrágico,com certa atração pelo maniqueísmomais vulgar”, atacou ele, que escreveuainda sobre a conduta política contro-versa do consagrado autor.

“Agora, na hora da morte, Portugalprepara-se para honrar o escritor, o queme parece justo. Mas é provável que seprepare também para honrar o ‘demo-crata’, o que me parece insultuoso.Comunista até o fim, Saramago assinoualgumas das páginas mais intolerantesdo período revolucionário português,

quando integrou a direção do Diário deNotícias no ano quente de 1975. Umperíodo de violência física (nas ruas) everbais (nos jornais), com Saramago avestir a farda do fanatismo bolcheviquee a salivar de ódio contra os ‘reacioná-rios’ e os ‘burgueses’ (…) Nas culturaslatinas, a morte melhora sempre o ca-ráter. Só se espera que não se faça omesmo com a biografia política do de-funto”, concluiu João Pereira Coutinhono especial da Folha de S. Paulo.

Reações contraditórias aum provocador pessimista

A capacidade de pro-vocar respostas iradas,para muitos críticos, foio grande trunfo da obrade Saramago. Mais atéque seu apurado valorestético, ou a escritarefinada – por vezes di-fícil, complexa e poucopalatável. Seu textodestaca-se por frases eperíodos extensos, quepodem ocupar mais deuma página, com pon-tuação nada convenci-onal. É marcante como

as palavras são disparadas à queima-roupa contra o senso comum. E a ma-estria com que pegava o que estava dadocomo certo para logo colocar em dúvi-da, em xeque. Mais que excepcionalescritor, firmava-se como provocadorcapaz de desfigurar cada certeza e nor-malidade. Democracia, utopia, Deus elinguagem... Tudo era passível de ques-tionamento.

“A obra de Saramago interessa a mimmenos no estilo e mais nas temáticase nas idéias. Cada livro parte de umaidéia muito boa. Como pessoa, ele ti-nha idéias muito próprias e não tinha

receio de expô-las e entrar em polêmi-cas. Nesse sentido, obrigava todos apensar. Isso é relativamente raro emPortugal. Ele procurava a polêmica.Acho isso muito positivo, extraordiná-rio. Um bom escritor é aquele que nãose curva ao debate, cujos livros trazemalguma perturbação e levam as pesso-as a pensar. Ao mesmo tempo, era umpersonagem interessante, com contra-dições. Por um lado, tinha afirmações deextrema descrença na humanidade. Aomesmo tempo era um combatente”,descreveu ao O Globo o escritor ango-lano José Eduardo Agualusa, que conhe-ceu o colega quando participou do júrido Prêmio José Saramago, voltado parao reconhecimento de jovens autores.

Por vezes, suas ações provocavamreações adversas. Foi criticado peloL’Osservatore Romano, jornal do Vatica-no, que o classificou como “populistaextremista, ideólogo anti-religioso, umhomem e um intelectual que não ad-mitia metafísica alguma, aprisionadoaté o fim em sua confiança profundano materialismo histórico, o marxis-mo”. Porém, no dia de sua morte, foielogiado pela Igreja Católica de Portu-gal, instituição com a qual tivera segui-dos embates, nos quais chegou a decla-rar: “Para mim, a Bíblia é um livro.Importante, sem dúvida, mas um li-vro”. Ou ainda: “Penso que não mere-cemos a vida. Penso que as religiõesforam e continuam a ser instrumentosde domínio e morte.”

“Portugal perde um ‘expoente’. E aigreja perde um crítico com o qual sem-pre soube dialogar. Seja como for, odiálogo sempre foi possível. Saramagoolhava para Jesus nem tanto como umachave para o divino, mas como chavepara o humano. Nesse sentido, para umteólogo, é um autor incômodo e fasci-nante. Ele estava apaixonado pelo tex-to bíblico. Seu estilo tem musicalida-de bíblica”, afirmou o Diretor do Secre-tariado Nacional da Pastoral da Culturada Conferência Episcopal Portuguesa,Padre José Tolentino.

Ele conta que fez essa observaçãoao próprio escritor durante um deba-te. Ao que Saramago teria acenadocom um breve sorriso de concordân-cia. “Talvez ele seja o mais bíblico dosgrandes autores contemporâneos. E,ao mesmo tempo, o mais antibíblico”,definiu o religioso.

“Toda a sua obra foiescrita com paixão a

revoltar-se com oque os homens

fazem aos homens”

ARQUIVO FUNDACAO JOSÉ SARAMAGO

44 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

O perfil sisudo, por vezes pessimis-ta, de José Saramago não parece serfruto apenas da imaginação ou perse-guição dos inimigos e desafetos. “Nãosou pessimista. O mundo é que é pés-simo”, disse em entrevista concedidaem 25 de novembro de 2008, quandoesteve no Brasil para o lançamento deA Viagem do Elefante.

“Na longa história da humanidade,em que ponto tomamos uma direçãoerrada que nos levou ao desastre queestamos hoje, do qual somos respon-sáveis? A literatura pode salvar o mun-do? Mas salvar o mundo como? Prin-cipalmente depois de tudo o que já seescreveu... Como não conseguimosmudar o rumo de nossas vidas? Quan-tos delinqüentes existem? A violênciajá atingiu o nível da barbárie. A pala-vra bondade hoje significa qualquercoisa de ridículo”, prosseguiu, numacoletiva na qual se permitiu, por algunsmomentos, inverter os papéis. Era o en-trevistado quem apresentava tais ques-tões aos jornalistas.

O lado mais afável epopular de Saramago

No relato dos muitos amigos, sobre-tudo brasileiros, pouco aparece a perso-nalidade forte ou difícil do escritor. Vistacomo defeito pelos críticos, a crença nocomunismo é alvo de elogios.

“Saramago era um comunista de car-teirinha, uma posição a que chegou emboa parte por ter origem humilde. Foioperário e viveu sob uma das ditadu-ras mais persistentes da modernidade,o regime salazarista. Ele era uma gran-de pessoa, um homem sensível, afeti-

cluiu os estudos secundários em umaescola técnica, mas não cursou a uni-versidade por dificuldades financeiras.Sua primeira experiência profissionalfoi como operário, na condição demecânico. Fascinado pela literaturadesde jovem, visitava com freqüênciaa Biblioteca Municipal Central PalácioGalveias, na capital portuguesa. Só aos19 anos, e com dinheiro emprestadopor um amigo, conseguiu comprar pelaprimeira vez um livro. Também foidesenhista, funcionário público, editor,tradutor e jornalista. O primeiro ro-mance, Terra do Pecado, saiu em 1947.

“Se eu pudesse repetir minha infân-cia, a repetiria exatamente como foi,com a pobreza, com o frio, pouca co-mida, com as moscas e os porcos, tudoaquilo”, disse certa vez.

Saramago casou-se pela primeira vezem 1944 com Ilda Reis, com quem teveuma filha, Violante, nascida em 1947.Permaneceu casado com Ilda por 26 anos.Após se divorciar, em 1970, iniciou rela-cionamento com a escritora portuguesaIsabel da Nóbrega, que duraria até 1986.Em 1988, casou-se novamente, desta vezcom a jornalista e tradutora espanholaMaría Del Pilar Del Río Sánchez, comquem permaneceu até a sua morte.

“Posso dizer que José Saramago eraum grande amigo meu e da minha fa-mília. Quando vinha ao Brasil hospe-dava-se em minha casa, no quarto quefoi da Júlia, minha filha. Ele detestavahotéis. Viu meus filhos crescerem. Fuiconhecer sua casa em Lanzarote logoque se mudou com Pilar, abandonan-do Portugal. Assisti emocionado à ce-rimônia do Nobel em Estocolmo. Poucoantes, no hotel, aprovamos, Lili e eu,

lançado em vida. Atendeu-me comrespostas educadas e elaboradas, quan-do o assunto era literatura, mas curtase secas quando o tema era política, emespecial quando eu insistia em conver-sar sobre sua convicção esquerdista.Saramago era assim. Mantinha-se ge-ralmente na defensiva quando estavacom jornalistas. Por outro lado, eradoce e emotivo com o público, particu-larmente com o público brasileiro”,conta Sylvia Colombo, Editora do ca-derno Ilustrada, da Folha de S. Paulo.

Recentemente, Saramago experi-mentou um boom de popularidadeinédito em sua carreira. Em 2008, Fer-nando Meirelles dirigiu o filme EnsaioSobre a Cegueira, baseado no livro ho-mônimo do escritor, lançado em 1995.A produção abriu o Festival de Cannesdaquele ano, com sucesso de crítica eexpressivas bilheterias, alimentadas, éclaro, pela genialidade da obra. E tam-bém pelo apelo comercial de atorescomo Julianne Moore, Mark Ruffalo,Danny Glover, Gael García Bernal e abrasileira Alice Braga. “Saramago eraum homem lógico. Dizia que a morteé simplesmente a diferença entre oestar aqui e já não mais estar. A luci-dez naquele grau é um privilégio depoucos, e não consigo escapar do clichê:o mundo ficou ainda mais burro e aindamais cego hoje”, lamentou o cineasta.

“Um monumento literárioimponente”, como Pessoa

José Saramago publicou romances,poesias, contos, crônicas, memórias,peças teatrais e até um livro infantil, AMaior Flor do Mundo, de 2001. Nos úl-

“Nós, da comunidade lusófona, te-mos muito orgulho do que o seu talen-to fez pelo engrandecimento do nossoidioma. Como intelectual respeitadoem todo o mundo, José Saramago nun-ca esqueceu as suas origens e tornou-se um militante ativo das causas soci-ais e da liberdade. Neste momento dedor, quero me solidarizar, em nome dosbrasileiros, com toda a nação portugue-sa pela perda de seu filho ilustre”, de-clarou o Presidente.

Editor das obras de Saramago emPortugal, Zeferino Coelho frisou que oescritor deixou um monumento literá-rio imponente:

“Do ponto de vista de Portugal,podemos comparar sua obra à de Fer-nando Pessoa. Ele sempre teve linhaspróprias. Portanto, não há diferençaentre o Saramago escritor e o cidadão.Eu, pessoalmente, perdi um amigo. Umgrande homem, um grande escritor,que construiu uma obra notável: sãomilhares de páginas de poesias, roman-ces e crônicas”, definiu.

Nicole Witt, sua agente internacionalnos últimos três anos, salientou que acondição física do escritor dificultava ocontato com fãs, editores e jornalistas.“Ele foi um amigo de muitos anos. De cor-po, estava bastante frágil. Mas, ao mes-mo tempo, tinha muita serenidade”.

O fim

Contou a família que Saramago pas-sou mal após tomar o café da manhã erecebeu auxílio médico, mas não resis-tiu e morreu. Ele sofria de leucemia e nosúltimos anos fora hospitalizado váriasvezes por problemas respiratórios.

VidasVidas

vo. Vai me deixar muitas saudades”,afirmou o acadêmico Moacyr Scliar, emdeclaração ao Portal Terra.

Secretária-Geral da ABL, Ana MariaMachado também falou sobre Saramago:

“As letras brasileiras se associam àdor de seus leitores por todo o mundo,lamentando sua partida e celebrandosua literatura, que permanece. Umsábio, um grande escritor, um ser hu-mano de primeira grandeza”.

José de Sousa Saramago nasceu naaldeia portuguesa de Azinhaga, provín-cia de Ribatejo, no dia 16 de novembrode 1922, embora no registro oficialconste o dia 18. Filho dos camponesesJosé de Sousa e Maria da Piedade,mudou-se para Lisboa aos 2 anos, ondeviveu grande parte de sua vida. Con-

o vestido de Pilar para o evento. Esta-va em Frankfurt quando ele recebeu anotícia do prêmio. Agora só quero medespedir mais uma vez de José. Com asmelhores lembranças, o amor, e minhasaudade. Maldita palavra, tão portu-guesa, que agora ficará associada aomeu amigo. Mas saudade não tem re-médio, não é, José?”, despediu-se LuizSchwarcz, da Companhia das Letras,em texto publicado no blog da editorae reproduzido em diversos jornais.

“Numa manhã fria de outubro de2008, José Saramago me recebeu parauma entrevista em Lisboa, na sede daFundação que leva seu nome. Ele pre-parava-se para uma visita ao Brasil, naqual lançaria mundialmente A Viagemdo Elefante, seu penúltimo romance

timos anos, aderiu à internet. Em setem-bro de 2007, entrou no mundo virtualao lançar o blog Cadernos de Saramago,onde comentava temas nas esferas dapolítica, literatura, religião e sociedade,ou escrevia relatos sobre suas viagens,muitas delas ao Brasil. Além do Nobel,de 1998, recebeu dezenas de outros prê-mios, como o Camões e o de Consagra-ção da Sociedade Portuguesa de Auto-res, ambos em 1995.

Apesar das críticas diretamente diri-gidas ao seu Governo – “Lula está de pése mãos atados e parece que não vai maisconseguir fazer as grandes medidas queprometeu no plano social. Foi uma de-cepção para o mundo”, disse Saramago–, o Presidente da República manifestoupesar pela morte do escritor:

“Hoje, sexta-feira, 18 de junho, JoséSaramago faleceu às 12h30 horas (ho-rário local) na sua residência de Lanza-rote, aos 87 anos de idade, em conse-qüência de uma múltipla falha orgâni-ca, após uma prolongada doença. Oescritor morreu estando acompanha-do pela sua família, despedindo-se deuma forma serena e tranqüila”, dizia anota assinada pela Fundação José Sa-ramago e publicada na página do escri-tor na internet.

“Não consigo temer a morte”, afir-mara em entrevista à revista Época, em2005. Assim era Saramago. Um escri-tor genial, amado por muitos. Mestreda polêmica. Provocador. De saboramargo para alguns. Por vezes, amea-çador. Coerente até o fim.

45Jornal da ABI 356 Julho de 2010

A trajetória do escritor português JoséSaramago pode ser considerada impro-vável até para a obra de um inspiradoficcionista. Menino pobre, em sua casahavia apenas dois livros, e nenhum de-les era de sua família. Autodidata, come-çou a vida como serralheiro mecânico,tornou-se escrevente e somente aos 53anos passou a se dedicar definitivamenteà escrita ficcional. Mesmo assim, tor-nou-se um dos mais importantes auto-res da literatura contemporânea, o úni-co escritor em língua portuguesa a ga-nhar o Prêmio Nobel.

Contar uma história tão fascinanteassim não é fácil, ainda mais tratando-sede Saramago, que teve na reclusão umadas principais virtudes dos seus últimosdias. Ainda assim, o filósofo e escritorportuguês João Marques Lopes aceitou odesafio proposto e, num vigoroso traba-lho de pesquisas e entrevistas que duroualguns anos, produziu Saramago – Biogra-fia, a primeira obra sobre a vida do escri-tor, lançada recentemente no Brasil pelaEditora Leya.

Apesar do foco na obra, Lopes nãodeixa de falar sobre os momentos maismarcantes da vida de Saramago, sua mi-litância política e episódios polêmicoscomo a censura do Governo português aoseu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo,que acabou por levá-lo ao exílio na ilhaespanhola de Lanzarote, nas Canárias.

Para falar sobre a biografia e a impor-tância da obra de Saramago, Lopes con-cedeu uma entrevista exclusiva ao Jornalda ABI. Nela, o biógrafo também comentaa importância que teve a imprensa na vidado escritor, que entre 1968 e 1972 cola-borou com diários como A Capital e se-manários como Jornal do Fundão.

JORNAL DA ABI - POR QUE O SENHOR DE-CIDIU FAZER UMA BIOGRAFIA DE SARAMAGO?

João Marques Lopes - Quando li En-saio Sobre a Cegueira, logo que foi lançadoem 1995, a obra me conquistou. Desdeentão, comecei a fazer leituras anotadasdas obras de Saramago e a recolher ma-teriais sobre a obra e o homem, mas

apenas na perspectiva de um leitor aten-to e para formar um arquivo pessoal.Porém, entre 2004 e 2005, escrevi biogra-fias sobre Almeida Garrett, Eça de Quei-rós e Fernando Pessoa, todas integradasnuma coleção de biografias dos GrandesProtagonistas da História de Portugal. Emconversas com o coordenador dessa co-leção, o editor António Simões do Paço,surgiu a idéia de avançarmos tambémcom uma a respeito de José Saramago.Para mim foi ótimo, pois comecei a meaprofundar mais no estudo da obra e davida saramaguiana, já com o fito de pu-blicar a biografia.

COMO FOI O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DES-SA BIOGRAFIA?

Foi um trabalho que levou vários anos,pois foi necessário dar vários passos, masum de cada vez. E cada um deles levoubastante tempo para ser eficientementefeito. O primeiro foi ler e reler tudo quan-to Saramago publicou, e arranjar múlti-plas entrevistas que o autor já deu, sobre-tudo desde que se tornou conhecido comLevantado do Chão (1980). Depois, preciseiconsultar uma vasta bibliografia secun-dária sobre a obra do autor e constituirvários dossiês da imprensa literária e ge-neralista, que vão dos fins dos anos 60 atéaos dias de hoje. Por fim, entrevistei al-gumas pessoas próximas de José Sarama-go e ele próprio. Uma das tarefas maiscomplicadas foi arranjar alguns textos eentrevistas de Saramago e sobre ele, so-bretudo dos anos 1970 e princípio dos1980, quando o escritor ainda não tinhaa projeção que sobretudo Memorial doConvento (1982) veio lhe dar. Conseguiros depoimentos de pessoas próximas nemsempre foi fácil e também não posso re-velar as fontes pessoais.

SARAMAGO TINHA FAMA DE SER MUITO RE-CLUSO. ISSO ATRAPALHOU?

E como! O fato de não ter obtido res-posta a uma série de questões endereça-

e acredito que só poderá ser feita por umaequipe de investigadores.

AO CONCLUIR O LIVRO, MUDOU MUITO A FOR-MA COMO O SENHOR VÊ O HOMEM E O ESCRI-TOR JOSÉ SARAMAGO?

Digamos que a admiração que nutridesde cedo pela obra e pelo homem nãosaiu minimamente abalada do conheci-mento aprofundado, decorrente da in-vestigação. A verdade é que, acima detudo, Saramago foi um escritor com umaprosódia narrativa extremamente origi-nal e valores e ideais inabaláveis. Ele re-almente revolucionou em muitos senti-dos a literatura em língua portuguesa.

NO LIVRO, O SENHOR DIZ QUE JOSÉ SARA-MAGO ADQUIRIU O STATUS DE GRANDE ESTRE-LA DA LÍNGUA PORTUGUESA. EM SUA OPINIÃO,QUAL FOI SUA GRANDE CONTRIBUIÇÃO À LITE-RATURA E AO MUNDO MODERNO?

Penso que realmente ele mereceu ta-manha projeção. Por quê? Por causa de seulegado. Em primeiro lugar, por sua capa-cidade de oralizar a escrita, de contar umahistória como se estivesse no meio de umaroda de companheiros, aberta a váriasvozes, rompendo com as regras da pon-tuação e da sintaxe portuguesas. Comisso, Saramago trouxe algo de profunda-mente original à literatura contemporâ-nea. E essa foi a sua grande contribuiçãopara a literatura de língua portuguesa emesmo internacional. Em segundo lugar,ele representava literária e civicamenteuma voz dos explorados e oprimidoscontra a lógica concentracionista e guer-reira do sistema capitalista, e em prol deum outro mundo possível para lá do lu-cro, da concorrência e do individualismodesenfreados. Por isso, milhões de cida-dãos em todas as latitudes identificam oescritor como símbolo de uma alternativacivilizacional. Em terceiro lugar, com assuas desconstruções simbólicas das reli-giões reveladas, e em particular da versãocatólica do cristianismo, que desencade-aram polêmicas bastante midiatizadas.No caso específico do Evangelho SegundoJesus Cristo, convém não esquecer que acensura do Governo português de CavacoSilva se deu num contexto em que a per-seguição dos aiatolás iranianos a SalmanRuschdie ainda estava bem presente. Porcerto, não se pode comparar a gravidadede um caso com o outro, mas havia umamesma essência no fato de ambos osgovernos censurarem a criação artística.Em quarto e último lugar, a excelentepenetração de Saramago no mercado in-ternacional de bens simbólicos com seusprêmios literários na Espanha, Itália ouInglaterra, via adaptações de romancespara óperas, peças de teatro e filmes, viao reconhecimento de críticos literários tãoinfluentes como o italiano Umberto Eco

João Marques Lopes,biógrafo do único

Prêmio Nobel no idiomaportuguês, fala com

exclusividade ao Jornalda ABI sobre a obra eo legado do escritor.

POR MARCOS STEFANO

“Saramago revolucionou aliteratura em língua portuguesa”

das ao escritor, via Fundação José Sara-mago, dificultou o esclarecimento decertos aspectos.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA FOI SUA GRAN-DE OBRA, A MAIS IMPORTANTE?

Esse romance de 1995 foi certamen-te uma das obras mais relevantes do es-critor, mas a que mais contribuiu parao seu reconhecimento nacional e inter-nacional foi, sem dúvida alguma, Memo-rial do Convento (1982).

ESSA É UMA BIOGRAFIA DEFINITIVA? O QUE

FALTOU?Esta é apenas a primeira biografia a

sistematizar o percurso literário, a inter-venção cívico-política e o trajeto pessoalde José Saramago. Daí a sua relevância.Contudo, não pode ser considerada umabiografia definitiva. Ainda não há sufi-ciente distância temporal. E tambéminexiste uma acumulação de dados tãosignificativos quanto, por exemplo, a pu-blicação da correspondência completa deSaramago, tanto enviada por ele quan-to recebida. Igualmente, ainda não háuma edição crítica das obras completas.A maioria dos textos da juventude éinédita. Nem sequer há uma bibliogra-fia crítica integral e fiável. Tudo isso ain-da deve ser feito antes de uma biografiamais aprofundada. É uma tarefa difícil

Saramago discursa para os membros daAcademia Sueca em Estocolmo quando

recebeu o Nobel de Literatura, em 1998.

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46 Jornal da ABI 356 Julho de 2010

VidasVidas

Mais uma vez disparos põem fim acliques. Há pouco mais de um ano, em25 de fevereiro de 2009, o fotógrafo dojornal O Dia André Az, de 34 anos, foimorto na Avenida Brasil, na altura daPenha, quando passava de moto pelapista em direção ao Centro da cidade.A vítima mais recente da violência é otambém fotógrafo Márcio Alexandrede Souza, de 36 anos, da TV Globo, mor-to a tiros de fuzil e pistola, no início datarde de 20 de junho, no bairro de SãoCristóvão. A execução ocorreu na esqui-na das Ruas General Padilha e GeneralAlmério de Moura, área de acesso aoMorro do Tuiuti.

A assessoria de imprensa da emisso-ra informou que Márcio tinha ido aolocal para levar um de seus três filhos,de 11 anos, a uma partida de futebolamador do Vasco, em São Januário. Nomomento do crime ele já estaria retor-nando para casa, próxima ao local.Enquanto caminhava, com outras duascrianças, colegas de time do filho, doishomens teriam se aproximado em umamoto e começado a atirar de fuzil e pis-tola. Márcio trabalhava na TV Globohá mais de cinco anos, fazendo fotosde divulgação e dos bastidores de pro-gramas e novelas. Ele havia retornadoem junho da Itália, onde fotografoucenas da novela Passione, atualmenteexibida na faixa das 20 horas.

Em declaração à imprensa, a assesso-ria da TV Globo lamentou a perda do co-

ou os estadunidenses George Steiner eHarold Bloom. Com esses fatores con-jugou-se com uma rara aceitação jun-to a um público leitor mais lato, até nosEUA e na Inglaterra, que são conheci-dos por terem mercados pouco propí-cios a escritores mais intelectualizados,num movimento que teve o seu pontoalto com o Prêmio Nobel.

TANTO NO BRASIL QUANTO EM PORTUGAL

HÁ OUTROS QUE PODEM SUCEDÊ-LO OU PO-DEMOS NOS CONSIDERAR ÓRFÃOS?

Se entendermos essa questão dosherdeiros do legado saramaguiano nosentido da eventualidade de algum dosatuais escritores de língua portuguesavir a atingir a notoriedade internacio-nal de Saramago e entrar para a shortlist de um prêmio como o Nobel, nãosei responder. Mas posso arriscar queprovavelmente o próximo Nobel emportuguês terá sotaque brasileiro de-vido ao peso econômico e à projeçãoque o Brasil tem alcançado no cenáriocultural mundial. Para ficarmos apenasna literatura de boa qualidade, doucomo exemplo um escritor como Ru-bem Fonseca, que tem uma boa acei-tação no mercado e na crítica literáriaestadunidenses, ou Clarice Lispector,infelizmente há muito falecida, que setornou uma espécie de mito nos mei-os cultos da França, do Canadá ou dosEstados Unidos. Em termos de auto-res que seguem em suas obras os aspec-tos formais e temáticos da obra sara-maguiana, citaria José Luís Peixoto,Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãee João Tordo. Todos ganharam o Prê-mio José Saramago. Peixoto, por exem-plo, tem um romance chamado Ne-nhum Olhar, uma obra que traz algo dorealismo mágico de José Saramago etambém da capacidade de penetrar nomundo rural alentejano do mesmomodo que Levantado do Chão, emboratal incursão tenha contornos diferen-tes em ambos os autores. Também o es-critor moçambicano Mia Couto, quedesenvolve uma inventividade lingüís-tica assinalável e que tem como umadas suas matrizes João GuimarãesRosa. A meu ver, só a morte prematu-ra inviabilizou a entrada de GuimarãesRosa para os nomeáveis ao Nobel, poisa sua criatividade na língua, a sua mito-poética e o seu entrosamento do eru-dito com o popular correspondem a umdos patamares mais elevados da línguaportuguesa e da ficção internacional.

SARAMAGO DESENVOLVEU PARTE DE SUA

CARREIRA NA IMPRENSA. QUAL É A IMPOR-TÂNCIA DE SEU TRABALHO EM JORNAIS PARA

SUA OBRA?Se repararmos em certas crônicas que

ele escreveu no fim dos anos 60 e come-ço dos 70, veremos que o trabalho paraos jornais contribuiu em boa medidapara a posterior elaboração ficcional doescritor e para o apuramento da sua ca-pacidade de escrita. O professor paulistaHorácio Costa, até hoje o melhor estu-dioso do período da formação literáriade José Saramago, reputa mesmo essetrabalho como decisivo para o que o es-critor se tornaria no futuro.

Mais uma vítima de execução:Márcio, fotógrafo da TV Globo

Abateram-no a tiros de fuzil e pistola na saída de um jogo de futebol amadorno Vasco. Ele era justo, correto e grande profissional, disse Tony Ramos.

POR PAULO CHICO

lega. “O Márcio fazia parte da nossaequipe há cinco anos. Muito compro-metido com o trabalho e com a família,era uma pessoa realmente especial. Falamansa, andar tranqüilo, sorriso doce,excelente caráter, conquistou todos nósmuito rapidamente com a sua formafranca e o seu indiscutível talento pro-fissional. Alto, era um gigante com jei-to de menino. Gentil, estava sempre

disposto a escutar e a ajudar. Filho de fo-tógrafo, trazia a fotografia no dna e suaslentes mostraram, ao longo desses anos,a sensibilidade com que olhava o mun-do e a todos nós. O Márcio está fazen-do muita falta.”

Diversos atores da emissora, especi-almente os da novela Passione, manifes-taram seu pesar. “Soube da notícia len-do um jornal. Eu posso confessar a vo-

Na Globo Márcio registrava cenas, como em Dalva e Herivelto, e fazia ensaios fotográficos, como este Pinóquio do Sítio do Pica-pau Amarelo.

Talentoso, Márcio de Souza trabalhava na TV Globo há mais de cinco anos.

DAN

IELA DIN

IZ

47Jornal da ABI 356 Julho de 2010

Autor de mais de 50 obras, entreromances, poesia e crítica literária,como informou em sua edição núme-ro 250, de junho passado, o periódi-co Linguagem Viva, editado em SãoPaulo por Rosani Abou Adal, o parai-bano Ascendino Leite trabalhou noDiário de Notícias, no Diário Cario-ca, no Jornal do Brasil e na Folha de S.Paulo, mas ganhou notoriedade naimprensa do Rio não por méritoscomo jornalista, poeta, escritor ememorialista, mas como chefe daCensura do Governo Carlos Lacerdanos anos 1960.

Chefe de Redação do Diário Cari-oca até pouco antes de assumir essecargo, Ascendino valeu-se dessa con-dição na crise que se seguiu à renún-cia do Presidente Jânio Quadros, emagosto de 1961, para tentar censuraros jornais e proibi-los de publicar ummanifesto do General Henrique Tei-xeira Lott, Ministro da Guerra noGoverno Juscelino Kubitschek, favo-rável à posse do Vice-Presidente JoãoGoulart, vetada pelos Ministros mi-litares, General Odilo Denys, da Guer-ra, Brigadeiro Gabriel Grun Moss, daAeronáutica, e Almirante Sílvio Heck,da Marinha. O manifesto de Lott po-deria ter grande impacto na crise,como teve, isolando os chefes golpis-tas junto aos seus companheiros dasForças Armadas.

Partidário, como seu chefe Gover-nador Carlos Lacerda, do golpe mili-tar contra o Vice-Presidente, Ascen-dino telefonou para o Secretário deRedação do Diário, Everardo Guilhon,indagando se o jornal tinha o texto domanifesto, pois queria conhecê-lo.

“Temos sim, Ascendino. Aliás, ojornal já rodou e estamos publican-do o texto do manifesto.”

“Obrigado, Guilhon”, respondeuAscendino, que logo em seguidamandou a Polícia Política apreendernão apenas o manifesto, mas toda aedição do Diário Carioca.

Nascido em Conceição do Piancó,PB, em 21 de junho de 1915, Ascen-dino morreu de insuficiência respi-ratória em João Pessoa, em 13 de ju-nho, oito dias antes de completar 95anos. Sua obra mais famosa foi seuprimeiro romance, A Viúva Branca,de 1952, em que romantiza o relaci-onamento que iniciou como jorna-lista com a mulher de um médico quecomoveu o País com sua luta contrao câncer e com uma campanha parasensibilizar as autoridades de saúdesobre a necessidade de prevenção etratamento da doença.

Ascendino,jornalista,escritor e

censor

d’água. Era contagiante.Ele estava sempre atentoaos momentos simbóli-cos durante as cenas. Enos bastidores registravacarinhosamente cada de-talhe”, recorda a atriz.

“O Márcio foi uma daspessoas mais queridasque conheci na Globo.Daquelas que você olhanos olhos e de cara iden-tifica o bom caráter, a ge-nerosidade, a educação, adignidade e o profissiona-lismo. Um ser humano damelhor qualidade. Umdia, lá na Itália, o vi cabis-baixo, triste. Quando per-guntei o que era, ele dis-se que não estava conse-guindo falar com a famí-lia e sentia muita sauda-de da mulher e dos filhos.

Não pensei duas vezes: comprei umcartão telefônico fácil de falar e dei aele. Foi um enorme prazer ver que pudesolucionar o seu problema naquele mo-mento. Ele era o tipo de gente que fazfalta de verdade entre nós”, disse Rei-naldo Gianecchini.

O Delegado Pablo Rodrigues, que foiaté o local do crime, informou que a Po-lícia não descartava nenhuma hipóte-se para a elucidação do crime, nemmesmo a de assalto, uma vez que Már-cio teve o celular roubado no episódio.A Delegacia de Homicídios assumiu asinvestigações. Cunhado do fotógrafo,Douglas Carvalho acredita que elepoderia ter sido alvejado por engano.“Só podem ter feito confusão com ele.Márcio não fazia mal a ninguém. Eraevangélico, não consumia bebida alco-ólica, tinha uma vida saudável”, desa-bafou, na porta do IML, contestandoa versão de que, por supostamente serusuário de drogas, Márcio tivesse sidoexecutado num acerto de contas comtraficantes do Morro do Tuiuti.

cês, e a minha mulher que estava ao meulado, o choque, a dor e a tristeza com aperda deste companheiro. Um compa-nheiro justo, correto e grande profissi-onal. Eu conheci o pai dele, Sérgio deSouza, que foi um excelente profissio-nal também. Márcio era ótimo fotógra-fo. Estão aí as fotos dele. Quantas equantas fotos lindas que esse profissi-onal fez comigo, com minha mulher ecom todos os nossos colegas em tantose tantos trabalhos. As coisas que maisadmiro em um homem são a sobrieda-de, a simplicidade, a dedicação, o pro-fissionalismo e a perseverança. O Már-cio tinha tudo isso”, disse Tony Ramos.

Mariana Ximenes, também do elen-co de Passione, disse que o que a impres-sionava em Márcio, além da competên-cia, discrição e gentileza, era o fato deexpressar o amor pelos filhos e pela mu-lher, que tinha acabado de dar à luz.“Ele mostrava fotos da família todoorgulhoso e saudoso por estarmos lon-ge, na Itália. Seus olhos se enchiam

Em junho Márcio esteve na Itália acompanhando a equipe da novela Passione para fazer fotos dedivulgação como a de cima, com Aracy Balabanian e Fernanda Montenegro, e a de baixo, com Tony

Ramos. Paulo Coelho, que fez uma ponta em Eterna Magia, também posou para as lentes do fotógrafo.