jornal da abi 357

48
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa Jornal da ABI 357 AGOSTO 2010 PÁGINAS 44 E 45 TCU É CONTRA A ANISTIA Páginas 20, 21, 22 e 23 Páginas 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 42 A TRISTEZA MARCA FIM DO JB IMPRESSO O TEMOR É QUE A EDIÇÃO DIGITAL DO JORNAL SEJA O PRENÚNCIO OU A ANTEVÉSPERA DE SEU FINAL. PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8 E 9 MERCADO EM CRISE? O IVC DIZ QUE NÃO BETINHO E MÁRIO ALVES FINALMENTE ANISTIADOS AUMENTAM AS VIOLÊNCIAS CONTRA OS JORNALISTAS A CIRCULAÇÃO CRESCE, EMBORA POUCO, JORNAIS SÃO LANÇADOS, OUTROS REFORMADOS. E DAÍ? PÁGINAS 15, 16, 17, 18 E 19 COMO EM OUTROS CASOS, O ESTADO PEDE DESCULPAS A AMBOS PELO SOFRIMENTO QUE A DITADURA MILITAR LHES IMPÔS. PÁGINA 35 EM ALAGOAS, UM JUIZ ELEITORAL FEZ O QUE A CONSTITUIÇÃO VEDA: IMPÔS CENSURA E MANDOU APREENDER JORNAL. PÁGINAS 28, 29, 30 E 31 Recebido com carinho, o jornalista Edmilson Caminha recolheu opiniões e confissões do autor de Sentimento do Mundo DRUMMOND COMO UM REPÓRTER E POETA VENCEU A RESISTÊNCIA DELE A ENTREVISTAS Atribuindo-se poder que não tem, o Tribunal quer rever atos praticados com absoluto respeito à lei. Páginas 32 e 33 e Editorial na página 2 FRANCISCO UCHA FRANCISCO UCHA DIVULGAÇÃO

Upload: francisco-ucha

Post on 01-Feb-2016

344 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

O jornalista Geneton Moraes Neto e o poeta Ferreira Gullar são os entrevistados desta edição do Jornal da ABI, que traz também uma matéria completa sobre o fim do JB; uma entrevista que o jornalista Edmilson Caminha fez com Drummond; as mudanças no grupo O Dia e Diário de S.Paulo, além das denúncias de agressões a jornalistas e da ameaça do TCU contra as anistias.

TRANSCRIPT

Page 1: Jornal da ABI 357

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI357

AGOSTO2010

PÁGINAS 44 E 45

TCU É CONTRA A ANISTIA

Páginas 20, 21, 22 e 23Páginas 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 42

A TRISTEZA MARCAFIM DO JB IMPRESSO

O TEMOR É QUE A EDIÇÃO DIGITAL DO JORNALSEJA O PRENÚNCIO OU A ANTEVÉSPERA DE

SEU FINAL. PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8 E 9

MERCADO EM CRISE?O IVC DIZ QUE NÃO

BETINHO E MÁRIO ALVESFINALMENTE ANISTIADOS

AUMENTAM AS VIOLÊNCIASCONTRA OS JORNALISTAS

A CIRCULAÇÃO CRESCE, EMBORA POUCO,JORNAIS SÃO LANÇADOS, OUTROS REFORMADOS.

E DAÍ? PÁGINAS 15, 16, 17, 18 E 19

COMO EM OUTROS CASOS, O ESTADO PEDEDESCULPAS A AMBOS PELO SOFRIMENTO QUE A

DITADURA MILITAR LHES IMPÔS. PÁGINA 35

EM ALAGOAS, UM JUIZ ELEITORAL FEZ O QUE ACONSTITUIÇÃO VEDA: IMPÔS CENSURA E MANDOUAPREENDER JORNAL. PÁGINAS 28, 29, 30 E 31

Recebido com carinho, o jornalista Edmilson Caminha recolheu opiniões e confissões do autor de Sentimento do Mundo

DRUMMOND COMO UM REPÓRTER E POETA VENCEU A RESISTÊNCIA DELE A ENTREVISTAS

Atribuindo-se poder que não tem, o Tribunal quer rever atos praticados com absoluto respeito à lei. Páginas 32 e 33 e Editorial na página 2

FRAN

CIS

CO

UC

HA

FRAN

CISC

O U

CH

AD

IVULG

ÃO

Page 2: Jornal da ABI 357

2 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

EditorialEditorial

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Orpheu Santos SallesDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretora de Assistência Social: Ilma Martins da SilvaDiretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage eTeixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2010-2011Jarbas Domingos Vaz, Presidente; Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, JorgeSaldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011Presidente: Pery CottaPrimeiro Secretário: Sérgio CaldieriSegundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto

Conselheiros efetivos 2010-2013André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico,Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, OrpheuSantos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Conselheiros efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, FernandoSegismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da SilvaFernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos ArthurPitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), LedaAcquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho,Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros suplentes 2010-2013Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, DanielMazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, SérgioCaldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

Conselheiros suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora,Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) eRogério Marques Gomes.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira Filho (Pereirinha), Maria doPerpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, SidneyRezende,Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAJosé Pereira Filho, Pereirinha, Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSLênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, ArcírioGouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves,Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria CecíliaRibas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIALIlma Martins da Silva, Presidente; Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco dos Santos,Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George BenignoJatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.

Jornal da ABINúmero 357 - Agosto de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,Conceição Ferreira, Ivan Vinheris, Guilherme PovillVianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

Representação de São PauloDiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DELÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

OS FILHOTES DA DITADURAAINDA QUE DISFARÇADA pelo suposto em-

basamento jurídico com que é apresentadaà opinião pública, a decisão do Tribunal deContas da União de se atribuir o poder derevisão dos atos da Comissão de Anistia queconcederam anistia a milhares de vítimas daditadura militar tem o vinco de clara mani-festação política, como resposta de segmen-tos ultramontanos enquistados no aparelhode Estado aos avanços registrados no País nadireção de uma sociedade efetivamente de-mocrática.

NA ANÁLISE DO CASO, é oportuna e ade-quada a lembrança da imagem plasmada peloGovernador Leonel Brizola na campanhapolítica de sua vitoriosa candidatura ao Go-verno do Estado em 1982: há filhotes daditadura, nela formados e por ela cevados,que não se conformam diante da reparaçãoque o Estado Nacional foi e está sendo com-pelido a proceder após o fim do regime mi-litar. Esse é o núcleo central, real, da ques-tão que o TCU acolheu por maioria de votosdo seu plenário, por proposta do ProcuradorMarinus Marsico. O resto são lantejoulas,forma de dourar a pílula do retrocesso quese pretende.

NO AFÃ DE REVERTER o processo de avan-ço democrático, esses setores não vacilamem recorrer à desfiguração e deturpação defatos concretos, como ao atribuir à Comis-são de Anistia do Ministério da Justiça aautoria de decisões que favoreceram anisti-ados de renome. Foi o caso do Capitão Car-

los Lamarca, que ganhou promoções póstu-mas por determinação do Poder Judiciário,assim como o do jornalista e escritor Ziral-do Alves Pinto, favorecido por decisão daJustiça Federal no Estado do Rio de Janeiro,a qual, aliás, carece de implantação, comorevelou esse notável artista, após seu nomeser mais uma vez objeto de tentativa de achin-calhamento, como suposto pleiteante debenefícios indevidos. A menção a tais episó-dios na postulação de revisão dos atos da Co-missão de Anistia teve caráter de puro mar-keting, destinado a justificar para a socieda-de os cortes de indenizações que constitu-em tardia reparação pelos malefícios que aditadura impôs a dezenas de milhares deadversários de suas idéias e de suas práticas.

O PREOCUPANTE NESSE episódio é que eleintegra uma série de manifestações e com-portamentos que indicam a existência de forteenraizamento de concepções e procedimen-tos contrários à implantação de uma socie-dade verdadeiramente democrática entre nós,de que é exemplo a resistência à abertura dosarquivos da ditadura, sobretudo dos orga-nismos militares, como os sinistros Doi-Codido Rio de Janeiro e São Paulo, responsáveispor crimes que envergonham a consciênciamoral do País. É igualmente preocupanteregistrar que sob esse aspecto a ditadura fezescola, deixou filhotes, como sentenciou oGovernador Leonel Brizola. Como pergun-tar não ofende, cabe indagar: onde estava eo que fazia o Procurador Marinus Marsicoquando tanta ignomínia governava o País?

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 VVVVVeículos eículos eículos eículos eículos - O JB sai das bancas. Ou de cena?

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

10 História História História História História - Nossos demônios, por Rodolfo Konder

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

12 LegLegLegLegLegislação islação islação islação islação - O STJ contra 800 da TV Manchete

12 Ambiente Ambiente Ambiente Ambiente Ambiente - A Pátria das Águas,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por Paulo Ramos Derengoski

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

14 LegLegLegLegLegislação islação islação islação islação - A Pec do Diploma fora da pauta

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

15 Mercado Mercado Mercado Mercado Mercado - Crise? Que crise?

16 MercadoMercadoMercadoMercadoMercado - Um diário em SP para

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

se repensar o jornal

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

17 MercadoMercadoMercadoMercadoMercado - A Folha Dirigida comemora 25 anos

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

18 Mercado Mercado Mercado Mercado Mercado - Nova ordem do Dia em São Paulo

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

19 Mercado Mercado Mercado Mercado Mercado - Nas bancas, para ser o maior

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

20 EspecialEspecialEspecialEspecialEspecial - Ferreira Gullar

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

36 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Dossiê Geneton Moraes Neto

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

42 MemóriaMemóriaMemóriaMemóriaMemória - A paixão segundo Saramago

43 Memória - Memória - Memória - Memória - Memória - “Saramago traz consigo o

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

sentimento do mundo”

44 Lembranças - Lembranças - Lembranças - Lembranças - Lembranças - “Como conheci Drummond

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

graças a um doce de caju”, por Edmilson Caminha

SEÇÕES0 AAAAA CCCCCO N T EO N T EO N T EO N T EO N T EC E UC E UC E UC E UC E U N AN AN AN AN A A B A B A B A B A BIIIII

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

11 Um prêmio Acerj e ABI para o jornalismo esportivo

13 MMMMM E NE NE NE NE NS AS AS AS AS AG E NG E NG E NG E NG E NSSSSS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Simon quer um Senado eficaz e menos oneroso

LLLLL IIIII BBBBB E RE RE RE RE RDDDDDA D EA D EA D EA D EA D E D ED ED ED ED E I I I I IMMMMM PPPPP RRRRR E NE NE NE NE NS AS AS AS AS A

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

26 Tribunal derruba sentença contra Boechat

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

27 “Uma ofensa à memória de Tim Lopes”

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

28 Juiz Eleitoral de Alagoas manda apreender jornal

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

29 MPF denuncia crimes contra jornalistas

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

30 Agressões e ameaças a jornalistas pelo Brasil

DDDDD IIIII RRRRR E I TE I TE I TE I TE I TO SO SO SO SO S H H H H HUUUUU M A N O SM A N O SM A N O SM A N O SM A N O S

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

32 TCU quer mandar na anistia

34 A tímida caminhada dos direitos humanos,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por Fábio Lucas

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

35 Mário Alves e Betinho anistiados

LLLLL I V R O SI V R O SI V R O SI V R O SI V R O S

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

46 O traço selvagem de Joe Kubert

47 O Padim Ciço que a batina escondeu

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

Page 3: Jornal da ABI 357

3Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

VEÍCULOS

A decisão de acabar com a edição impressa do centenário Jornal do Brasilmexeu demais com os jornalistas. Entre lamentações e lembranças repassadas

de saudosismo, uma questão fica no ar. Será a alardeada migração para o meiodigital a pedra que faltava no túmulo de um dos mais importantes jornais do País?

POR PAULO CHICO

Poucas vezes a morte de um ór-gão de imprensa foi tão anunci-ada. Um desfecho trágico, resul-tado de uma agonia lenta e explí-cita, em praça pública. Talvez,isso ajude a entender por que oanúncio de que, em setembro, aedição impressa do Jornal do Brasildeixaria de circular tenha causa-do certa comoção, mas não sur-presa. Nas palavras de antigos co-laboradores, que ajudaram aconstruir o prestígio da centená-

O JB sai das bancas.Ou de cena?

ria publicação, notas de pesar. E,por mais contraditório que pos-sa parecer, para alguns o quesobrou foi um indisfarçável sen-timento de alívio. Para estes jor-nalistas, lamentavelmente, o JBmorreu, sim. E faz tempo. Já háalguns anos, o jornal que resis-tia nas bancas não era digno donome que estampava no alto desua primeira página.

“O JB era um cadáver insepul-to. Digo isso com meu coração na

mão. O que se anuncia agora éapenas um enterro de segunda –e, o pior, com o uso de uma menti-ra: a migração do jornal para a in-ternet como uma antecipação detendência de mercado. Balela. Édifícil dizer quando exatamenteo JB acabou, mas, certamente, nãofoi agora. Respeito o trabalho doscoleguinhas que fizeram o jornalnos últimos anos. Eles lutaramcom todas as suas energias paramanter a chama acesa. Mas o jor-

nal que estava sendo feito eraoutro. A crise financeira fez o jor-nal perder o seu caráter. O Jornaldo Brasil foi, durante muito tem-po, o melhor jornal brasileiro, enão apenas pela presença de al-guns dos melhores jornalistas. Eraplural, polêmico, inquieto, van-guardista... Era o JB”, diz Ancel-mo Góis, colunista de O Globo eum dos antigos editores do Infor-me JB, na época em que esta era acoluna mais lida do jornal.

Page 4: Jornal da ABI 357

4 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

ançado em 9 de abril de 1891,o Jornal do Brasil, anunciouem suas próprias páginas, nodia 13 de julho de 2010, o fimda edição impressa, com a mi-

gração de todo o conteúdo editorialpara o formato online. O anúncio foifeito pelo empresário Nélson Tanure,atual dono do jornal. Menos que umainovação, como destacou Ancelmo, olance revela o triste capítulo final deuma história de glórias. O JB teve, cer-tamente, papel pioneiro quando se fir-mou, em 1995, como o primeiro jornalbrasileiro a consolidar-se na internet.A situação atual, no entanto, é comple-tamente outra. Afinal, como um jornaldo tamanho e com o status do JB, dei-xou-se naufragar?

“É claro que o problema maior foi degestão empresarial. A construção deuma nova sede na Avenida Brasil foiuma decisão desastrada. Mas é preci-so não esquecer que várias empresasgigantes e bem geridas também sucum-biram por causa do caos econômico queo Brasil viveu, com juros e inflação al-tos, além do dólar desembestado. Ojornal sentiu o es-vaziamento econô-mico do Rio, com afuga em massa deempresas para SãoPaulo. Houve aindaperseguição políti-ca, como bem pro-vou o jornalista ElioGaspari, ao revelardocumentos quemostravam o Gene-ral Hugo Abreu,então Ministro doGoverno Geisel,detalhando comoseriam pressiona-dos os anunciantes,e de que maneira amáquina do Estadoseria usada para fa-zer devassas fiscais no grupo”, descreveAncelmo, que ainda traduz, num relatoemocionado, o sentimento que o velhoJB despertava nos jornalistas.

“Eu aprendi a gostar de jornal len-do o Jornal do Brasil. Quando era ado-lescente, em Aracaju, toda tarde eu mejuntava ao grupo que ia esperar o JBchegar no aeroporto. Foi o jornal daminha vida. Em 1985, a convite deMarcos Sá Corrêa, fui trabalhar lá,onde, por seis anos, fui titular da colunaInforme JB. Aliás, no primeiro dia detrabalho, tive uma crise de choro. Paramim, trabalhar naquele jornal repre-sentava tudo o que eu tinha sonhadona minha vida e na minha profissão. Nojornal, mesmo sem deixar a coluna, fuieditor do Caderno Cidade e coordeneias editorias de Política e Economia”, re-corda ele, que, mídias digitais à parte,ainda aposta nas edições impressas.

“O caso do JB é grave, pois o Rioperde mais um jornal, com conseqüên-cias que agravam o mercado de traba-lho para os jornalistas. Mas, eu, pesso-almente, não acredito no fim do jornal

de papel. Essa é a opinião de um dinos-sauro que mantém uma relação deamor com o papel. O jornal impressonão vai acabar porque eu não quero...(risos) Agora, falando sério: a migraçãopara a internet é, a meu ver, inevitávelpara, acho, sei lá, 70% do que sai hojeem papel. Mas, sonho, o impresso podeocupar os 30% restantes”, resume.

A tristeza de DanusaAssim como o próprio JB, ela tem a

cara do Rio. Começou a escrever crô-nicas no jornal em 1992. Já no ano se-guinte tornou-se titular de uma colu-na social, que teve grande repercussãoaté a sua saída do grupo, em 2001. Coma palavra, Danuza Leão.

“Vejo esse anúncio com alívio. OJornal do Brasil não merecia ter se tor-nado o que se tornou nestes últimosanos, depois que saiu das mãos da fa-mília Nascimento Brito. Na verdade,foi aí que ele morreu. E é claro que nãovai funcionar na internet. Melhor as-sim”, pondera.

A ex-modelo e jornalista lamenta oquadro sombrio que se desenha no Rio

de Janeiro. “O JBsair de cena é umagrande perda, alémdo fato de, hoje, oRio só ter um gran-de jornal, o que nãoé bom em nenhumsentido. Fica umvácuo, que dificil-mente será preen-chido. Trabalhar noJB foi uma experi-ência maravilhosa,apesar de dificíli-ma. Quando apare-cia uma supernotí-cia que dizia respei-to a um amigo ouamiga, ficava sem-pre na dúvida entrea profissão e a ami-

zade. Ganhou sempre a amizade, oque prova que não sou jornalista”,brinca Danusa, que, tendo sido casa-da com Samuel Wainer, recorda-se deoutro importante veículo que já dei-xou a cena.

“Passei por coisas parecidas com aÚltima Hora, e revivo a mesma tristezacom o JB, um jornal que eu adorava.”

“Uma espécie de necrofilia”Alberto Dines, que comanda o Ob-

servatório da Imprensa, na TV Brasil, éoutro que chora o fim da edição impres-sa do JB.

“Isso já era esperado. O empresárioNélson Tanure tem uma estranha espe-cialidade: compra veículos agonizantese logo acaba com eles. É uma espécie denecrofilia. Esse fim é desastroso paratodos, para o Rio especialmente, mastambém para o leitor qualificado dosdemais Estados. O JB era nosso únicotítulo efetivamente nacional. Os doisjornalões paulistanos jamais consegui-rão fazer um jornalismo nacional. E OGlobo tem uma formidável vocação lo-

cal que não deveria ser descartada. Estedesaparecimento representa duro gol-pe no cerne do processo jornalísticobrasileiro, pois praticamente extinguea competição. Sem competição não hádiversidade. E sem diversidade a im-prensa não consegue cumprir plena-mente seu papel”, sentencia.

Dines chegou ao JB numa segunda-feira, 8 de janeiro de 1962. Foi demiti-do “por indisciplina”, como ele próprioafirma, no dia 6 de dezembro de 1973.Foram, então, 11 anos e 11 meses, sem-pre na mesma função – a de Editor-Chefe. Tanto tempo à frente da publi-cação, onde foi responsável por refor-mas e modernizações que ditaram ru-mos para a imprensa brasileira, capa-cita-o a listar erros e acertos do grupo.

“Eu diria que a causa mortis foramas más companhias. O jornal levou umtranco em 1973, quando tentou en-frentar a candidatura do General Gei-

sel e preferiu o Chefe da Casa Civil deMédici, o jurista Leitão de Abreu. Numademocracia, é legítimo que um jornaldeclare apoio. Mas numa ditadura umjornal sério não se mete com os generais.A guinada para contentar o Geisel teveum preço. Depois, o jornal apoiou Ma-luf, o Collor e, no fim, entregou-se aocasal Garotinho. O JB aderiu ao golpepara derrubar o Presidente João Gou-lart, assim como o resto da imprensa,exceto a Última Hora. Mas, quando foidecretado o AI-5, em 1968, mesmo queautocensurado, o JB conseguiu manterum alto padrão de excelência”.

No lugar de Grossi, ÂngelaSe não pegou de surpresa o merca-

do, a decisão de tirar de circulação aversão impressa provocou rachas inter-nos no JB. A opção por encerrar a car-reira do jornal nas bancas estaria liga-da a dívidas acumuladas pelo diário,estimadas em R$ 100 milhões, aliadasà contínua queda na circulação. Comonão houve compradores interessadosem adquirir a marca – uma vez que ogrupo praticamente não possui maisbens físicos – Tanure optou pela ediçãodigital, para minimizar custos. A novaestratégia empresarial contrariou oPresidente do JB, Pedro Grossi, que dei-xou o cargo.

Grossi ocupava o cargo de Presidenteda empresa Docasnet, holding queadministra o JB. Ao tomar conheci-mento de sua demissão, enviou um e-mail aos editores e diretores do jornal,explicando que deixava a função pordiscordar da decisão de o Jornal do Brasilsó poder ser lido pela internet.

“Considerando que isto contrariaa razão pela qual fui contratado, so-licito, sem perda de meus direitos,que no expediente do jornal e de to-das as revistas não conste mais meunome”, escreveu.

O anúncio do fim do impresso gerouum clima de preocupação entre os pro-

VEÍCULOS O JB SAI DAS BANCAS. OU DE CENA?

l

Ancelmo Góis: A migração do jornalpara a internet como uma antecipação

de tendência de mercado é pura balela.

Danusa Leão: O JB não merecia ter setornado o que se tornou nos últimos anos.É claro que não vai funcionar na internet.

Para Alberto Dines, Nélson Tanure temuma estranha especialidade: compra

veículos agonizantes e logo acaba comeles numa espécie de necrofilia.

ROG

ÉRIO

REIS

FRAN

CISC

O U

CH

ARAFAEL AN

DR

ADE/FO

LHAPR

ESS

CPDOC JB

Page 5: Jornal da ABI 357

5Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

fissionais da Redação do JB. Funcioná-rios que não querem se identificar cri-ticam a forma como a Direção da casavem conduzindo o assunto. E recla-mam que somente ficam sabendo so-bre as novas diretrizes do jornal pormeio de informações divulgadas emoutros veículos. Eles temem que talpolítica termine por resultar em maiscortes de pessoal – hoje, restariam pou-co mais de 100 profissionais no JB, boaparte deles no esquema de pessoas ju-rídicas. Ainda segundo essas fontes,descrentes do processo de transição dopapel para o digital, pelo menos seiseditores já teriam deixado os quadrosda empresa, recentemente.

Em comunicado oficial, datado de 26de julho, Nélson Tanure anunciou Ân-gela Moreira, diretora da Docas e daCompanhia Brasileira de Multimídia-CBM, como responsável pelos assun-tos relacionados à gestão das empresasda área de mídia.

“Ela tem poderes e nosso apoio paratomar quaisquer decisões, especial-mente as relacionadas ao Jornal do Bra-sil. Pedimos a todos a habitual colabo-ração para as mudanças necessárias,neste momento, da migração da ediçãoimpressa para a digital”, escreveu ele.

Procurada, Angela prontamente aten-deu ao pedido de entrevista feito peloJornal da ABI. Com foco nos esclareci-mentos sobre a situação atual e o fu-turo do JB, suas declarações podem serlidas nesta edição

Brito era “dono de jornal”Em seu site Conversa Afiada, Paulo

Henrique Amorim republicou textooriginalmente escrito em fevereiro de2003 – quando da morte de Nascimen-to Brito, dono e Diretor do JB.

“O Dr. Brito tinha atributos que osoutros, como Chateaubriand e RobertoMarinho, não tinham. A começar pelaaltura. E, especialmente, o garbo. Elenão era um empresário, no sentido de

empreendedor. Nem um administra-dor. Era ‘dono de jornal’, atividade quedispensa as outras. Aliás, Chateaubri-and e Roberto Marinho também forammais ‘donos de jornal’ do que empre-sários. Esse cargo precede a profissio-nalização do negócio da comunicação.E tinha muito a ver com controle polí-tico e glamour”, escreveu o atual apre-sentador do Domingo Espetacular, daTV Record, que prosseguiu.

“Com o Dr. Nascimento Brito vivialgumas das experiências mais ricas domeu trabalho como jornalista. Traba-lhei com ele no período que começouem Geisel e quase chegou a Tancredo.Fui Editor de Economia, Redator-Chefee Editor-Geral. Trabalhei no Jornal doBrasil quando ele era o melhor jornaldo Brasil. Fiz muita coisa que não que-ria. E fiz muita coisa que só seria pos-sível no Jornal do Brasil”, afirmou PauloHenrique Amorim, para quem o declí-nio do JB tem boa parte de suas causasnuma disputa desleal. “Roberto Mari-nho matou Nascimento Brito a conta-gotas. Vendeu anúncios em O Globo apreço de dumping, com os quais o JBnão podia competir”, apontou.

Nas páginas de O Globo, por sua vez,Zuenir Ventura escreveu, em sua colu-

na de 20 de julho de 2010. “Foi dito queo Jornal do Brasil deixará de circular empapel para ‘entrar na modernidade’.Acho que o melhor epitáfio não é esse,mas outro: ‘Deixou a vida para entrarna História’, como Getúlio Vargas. Sim,porque o JB não morreu de morte na-tural, mas de suicídio – lento e aguar-dado, melancólico, deixando órfãs vá-rias gerações. Não há jornalista commais de 40 anos que não tenha passa-do pelo JB, ou não tenha querido pas-sar. Ele foi uma escola, um laboratório

de experimentação técnica e um espaçode resistência cívica. A bravura comque enfrentou o AI-5 em 1968, na di-tadura militar, é lendária. Por isso, elenão tinha leitores, mas torcedores”.

“Jogaram dinheiro fora”Dois experientes jornalistas têm visões

distintas sobre o fim do JB impresso.“O jornal foi realmente importante.

No mundo inteiro, nenhum teve aomesmo tempo, como Redator-Chefe,Rui Barbosa, o maior brasileiro vivo naépoca, e ainda Joaquim Nabuco, o es-tadista da República. E eles não em-prestavam apenas seus nomes, davamexpediente diário. O que aconteceu éuma lástima, mas o JB já não existia hámuito tempo. E a morte não veio em-brulhada quando, recentemente, elemudou para o formato tablóide”, afir-ma Hélio Fernandes, que concorda com

“O JB é outrojornal cujamorte não foiprovocada pelainternet, mas elevai se refugiarnela para tentarmanter asobrevivência.”

Zuenir Ventura:O JB não morreude morte natural,mas de suicídio –

lento e aguardado,melancólico,

deixando órfãsvárias gerações.

Nélson Tanure: Dívidas acumuladas equeda nas vendas pesaram na decisão deinterromper a circulação em bancas do JB.

Circulando desde9 de abril de 1891(primeiro àesquerda), oJornal do Brasilacompanhou astendências gráficasao longo dos anose produziu capasespeciais como ada comemoraçãodo centenário daIndependência doBrasil, totalmenteilustrada. Em 1928,os desenhoscontinuavamtendo destaquena primeira página,onde apareciatambém uma tiraem quadrinhossobre Edison e seus“geniaes” inventos.

DIVU

LGA

ÇÃ

O

LEO PIN

HEIRO

/VALOR/FO

LHAPR

ESS

Page 6: Jornal da ABI 357

6 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Ancelmo Gois quanto às causas queinstalaram a crise no jornal.

“Riquíssimos, seus donos esbanja-vam dinheiro. No início dos anos 1980,construíram o edifício da Avenida Bra-sil, que passou a ser conhecido como‘elefante- branco’. E era mesmo! O Jor-nal do Brasil foi enterrado ali. Jogaramfora o dinheiro que tinham e levarama idéia até o fim. O espaço era tão gran-de que vai funcionar ali um Centro deTraumatologia, o maior da AméricaLatina. Abusando do prestígio antigo,foi ‘tomando’ dinheiro de bancos eoutros órgãos, e ninguém resiste a isso.O JB é outro jornal cuja morte não foiprovocada pela internet, mas ele vai serefugiar nela para tentar manter a so-brevivência”, avalia o jornalista, dire-tor da extinta Tribuna da Imprensa.

Há mais de cinco décadas no JB,Villas-Bôas Corrêa avalia as recentesmudanças de estratégia empresarial.

“Eu confesso que tenho muita difi-culdade de fazer uma análise críticadesta situação porque, em 55 anos,nunca tive do que reclamar em relaçãoà conduta do jornal. Assim que o Nél-son Tanure assumiu o comando, cha-mou a mim e a meu filho, Marcos SáCorrêa, para conversar sobre os rumosda publicação. Na época, o Marcos erao Editor e fez um projeto completo que,posteriormente, entregou a ele. Nesseprojeto já constava a proposta de va-lorizar a internet. Aliás, o Marcos deuum conselho, na hora, ao Tanure. ‘Pu-blica este jornal na internet. Ela é ofuturo’, disse. E, no final das contas,estava certo. Eu não deixo de ler osjornais impressos, sei que muita gen-te também não, mas a realidade hoje écompletamente diferente daquela dostempos áureos do JB”, conta Villas, queaprofunda sua avaliação.

“Desde que o Tanure assumiu o jor-nal, se eu fui à Redação cinco vezes, foimuito. Aquilo parecia um sanatório,um hospital – uma coisa morta. Não há

mais as discussões de pauta do passa-do, aquelas conversas no cafezinho querendiam matéria. Faltam contato econvívio humano, que são fundamen-tais para a ‘feitura’ de um bom jornal.Você vê as pessoas sentadas, acompa-nhando o noticiário na tv. Nós sabemosque a transição para a internet já vinhasendo realizada, e culminou agora coma pausa no impresso. Espero que o jor-nal possa voltar a ser publicado, poismanter apenas o portal na internet, naminha opinião, é suicídio. De qualquermaneira, a história nos conta que gran-des jornais, aliás os melhores e maisvendidos de suas épocas, também aca-baram. Os exemplos do Correio daManhã e do Diário de Notícias estão aí.Certo mesmo é que, com essa decisão,passamos a ter só O Globo como jornalde classe média no Rio, o que é muitoruim para o mercado e, principalmen-te, para o leitor”, pondera Villas-Bôas.

Má gestão e conduta de oposiçãoTendo iniciado sua trajetória como

estagiário na Rádio JB, em 1974, Dan-te Gastaldoni teve várias passagens ecargos no Jornal do Brasil. “Vejo esseanúncio do fim da circulação com me-

lancolia, mas sem ilusões. A conjunçãode forças no poder e as crises financei-ras já decretaram o fim de muitos jor-nais. Acho que com o JB não vai ser di-ferente. De mais a mais, manter esseJB que está aí ‘vivo’ acaba alimentan-do a nossa nostalgia sobre o grandejornal que um dia ele foi. Lembro-mede andar pelos corredores daquele cai-xotão da Avenida Brasil e topar comDrummond, João Saldanha e CarlosCastelo Branco, entre tantos outrosfigurões. Dá para imaginar a injeção deidealismo que isso significava na almade um jovem jornalista?”, desafia ele,que hoje é professor de Fotojornalismona Uff e na UFRJ, além de coordenadoracadêmico da Escola de Fotógrafos Po-pulares, no Complexo da Maré, tam-bém no Rio de Janeiro.

“Em primeiro lugar, acho que ocor-reram problemas de gestão no jornal.Lembro-me que a Direção comprou umsistema caríssimo de rotativas que nãoera o mais adequado ao processo deinformatização que se anunciava. Daípassamos a atuar em um sistema híbri-do, com máquinas de fotocomposiçãoe arte-finalistas montando o jornal nosexto andar, a uma temperatura de 21

graus centígrados enquanto no térreoas caldeiras derretiam chumbo paramontar as páginas que seriam impres-sas. Acho também que o JB pagou opreço por ter sido, por muito tempo,um jornal de oposição. Com o desenhopolítico que sucedeu aos governos mi-litares ele ficou meio perdido, sem sa-ber que lugar ocupar no cenário naci-onal”, sugere Dante, sem esperanças dever o JB recuperar seu prestígio.

“Uma perda múltipla”A escritora Marina Colasanti teve

três passagens pela Redação do Jornaldo Brasil. Onze anos da primeira vez,como funcionária. Depois, mais doisrounds de alguns poucos anos, comocronista.

“A primeira etapa foi de 1962 a 1973.Ao longo desses anos fui repórter, re-

VEÍCULOS O JB SAI DAS BANCAS. OU DE CENA?

MarinaColasanti: É uma

perda múltipla.Não é apenasum elementocotidiano quedesaparece, é

um espaço paraa discussão de

idéias; um olharvigilante aserviço da

sociedade. O JBfoi um jornal

combativo,corajoso.

Dante Gastaldoni: O JB tambémpagou o preço por ter sido, por muito

tempo, um jornal de oposição.

O Jornal do Brasil em2 de junho de 1959apresentou a suarevolucionáriareforma gráfica eeditorial. Pouco maisde um ano depois,em 15 de setembro,o Caderno B estreavaabrindo fotos eexplorando espaçosem branco. Durantea ditadura militar ojornal enfrentou acensura e a repressão.

FRAN

CISC

O U

CH

A

CPDOC JB

DIVU

LGA

ÇÃ

O

Page 7: Jornal da ABI 357

7Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

datora, cronista, chefe de reportagem,colunista, ilustradora, secretária de tex-to, subeditora, sempre no Caderno B. Efui editora do Caderno I, destinado aopúblico infantil. Depois, voltei de maiode 1991 até abril de 1993. E, para umaúltima rodada, de maio 2005 até abril2006”, recorda.

Com seu olhar crítico, ela dá novadimensão ao caso JB. “É uma perdamúltipla. Não é apenas um elementocotidiano que desaparece, um notici-ário. É uma tradição; um espaço paraa discussão de idéias; uma fonte detrabalho para jornalistas; um olharvigilante a serviço da sociedade. O Jor-nal do Brasil foi um jornal combativo,corajoso, tantas vezes na oposição. ORio fica entregue a um único grandejornal, o que não é bom nem mesmopara esse veículo. Desaparecem a pos-sibilidade de confronto que havia en-tre os dois ‘jornalões’, numa espécie deFla-Flu da imprensa carioca, e a possi-bilidade de o leitor acompanhar o du-plo desdobramento dos fatos, as aná-lises feitas de um e de outro ponto devista. Um duplo olhar é necessário. Porisso, o próprio Roberto Marinho diziaque “jamais deixaria morrer o JB”, afir-ma Marina, numa linha de raciocínioque entra em choque direto com o re-lato feito por Paulo Henrique Amorim.

Apesar de estampar o nome do Paísna capa, o Jornal do Brasil, decidida-mente, foi, durante muito tempo, acara do Rio, como destaca MarinaColasanti.

“O JB dos bons tempos representa-va plenamente o espírito carioca. Erainventivo, vívido, inovador, alegre,embora sério. O Caderno B era a plenavoz carioca. Atento, antenadíssimo,captava tudo o que estava por vir oucomeçando a nascer, e o relançava parao Brasil inteiro. As coisas só aconteci-am, de fato, se passassem pelo B. DaRedação daquele caderno fizeram parteescritores estupendos, cineastas, dra-

maturgos. Era uma Redação eferves-cente, um viveiro de idéias. Criávamospáginas novas, comemorávamos o ve-rão, abríamos espaço para a poesia,tratávamos dos astros e do cotidiano,tínhamos os melhores críticos e cronis-tas. Era uma festa da cultura e da in-teligência.”

Descrente do ressurgimento do JBnos velhos moldes,Marina Colasanti vêraízes bem antigas no processo de de-terioração do jornal que, com o fim doimpresso, parece chegar ao seu mo-mento crítico.

“O processo que levaria o JB à mortecomeçou quando ele ainda palpitava devida. Um jornal não morre como umdinossauro, de chofre. Vai armando ocenário do seu fim aos poucos, atravésde escolhas erradas, erros empresariais,falta de visão. Um jornal morre de fa-lência múltipla dos órgãos, e os órgãosdo JB estavam doentes, há muito. A par-tir de certo ponto, todos sabíamos quemorreria. Jornais podem ser salvos, emuitos o foram. Mas para salvar umjornal é necessária uma determinaçãofeita de amor ao jornal em si, e não ape-nas ao negócio”, diz Marina.

“Na internet qualquer coisasobrevive”

“O Jornal do Brasil morreu, em de-finitivo, quando Tanure o comprou.Mas pode, sim, sobreviver, pois qual-quer coisa vive na internet”.

A declaração radical é feita por ou-tra jornalista de destaque, Dora Kra-

mer, que trabalhou no JB durante20 anos – de 1984 a 2004. “Fuicopy, repórter e colunista. É uma

pena este final, mas o JB, talcomo era nos bons tempos,acabou há muitos anos. Jána década de 1990, não erao indutor político e cultu-

ral que havia sido até então. De fato,o Rio de Janeiro precisa é de mais jor-nais com credibilidade nacional. Hojesó há O Globo”, diz a comentarista daBandnews FM e colunista de O Esta-do de S. Paulo, cujo texto é distribuídoe publicado em diversos veículos.

Respeito aos profissionaisIsrael Tabak começou no JB, como

estagiário, em abril de 1966. Ficou atéabril de 1997. Depois, voltou em 2000

e lá permaneceu até 2007. Nestes 37anos, atuou como repórter, repórterespecial, pauteiro, chefe de reportageme esteve à frente de diversas editorias.

“Tive a sorte e a honra, quando jo-vem, de integrar o JB nos seus melho-res tempos, quando revolucionou aimprensa brasileira, modernizandoformato e conteúdo. Em 1975, eu e omeu mestre, o repórter José GonçalvesFontes, ganhamos menção honrosa doPrêmio Esso, e o Troféu Imprensa dereportagem do ano, com uma série dereportagens sobre a calamidade daeducação brasileira. Isso foi há 35 anos,portanto. Como a situação nestes úl-timos anos piorou, podemos avaliar acatástrofe que é hoje a formação deprofissionais em todas as áreas, e tam-bém no jornalismo. Na maioria dasRedações os equívocos editoriais, quena realidade são de concepção jornalís-tica, se somaram a essa formação de-ficiente”, provoca.

Tabak considera que a importânciado antigo Jornal do Brasil deve ser re-gistrada não apenas na esfera do jorna-lismo que praticava, mas também nozelo e respeito a seus profissionais.

“No JB, o repórter, pela primeira vezna imprensa diária brasileira, foi valo-rizado e profissionalizado. O jornalis-mo deixou de ser um ‘bico’. O jornalinvestiu em qualidade, nas grandesmatérias, e buscava contratar os me-lhores jornalistas do mercado. O salá-rio de um bom repórter do JB era, emmédia, seis vezes maior do que o de umcompanheiro de O Globo. Correspon-dentes bem pagos e capacitados traba-lhavam nas principais cidades do mun-do. Os repórteres, entusiasmados,competiam amigavelmente, buscandosempre a melhor matéria. Havia cam-peonatos de lide. Era uma glória paraqualquer repórter ter o seu lide reco-nhecido pelos colegas. O importantenão era apenas dar o furo. Era capricharna apuração e redação”.

Diz Israel Tabak que o fim da ediçãoimpressa do JB deve ser compreendidonum contexto mais amplo, que refle-te uma crise conceitual do jornalismo.

“Pela mão dos burocratas, que au-mentaram o seu poder nas Redações,os repórteres, que sempre foram a ra-zão de ser e o fundamento do bom jor-nalismo, se transformaram em meros‘provedores de conteúdo’. Mal remu-nerados, são obrigados a ‘convergir ’para todas as mídias, ganhando apenaspor uma. Por isso, o que mais me pre-ocupa não é a discussão sobre a sobre-vivência do jornal impresso em razãoda emergência do jornalismo eletrôni-co. O mais sério é o arrasador declíniode qualidade e criatividade em todas asmídias. O fundamental é que o bomjornalismo, a reportagem de qualida-de, equilibrada e responsável, reúnacondições para sobreviver em qualquertipo de veículo”, afirma.

É nesse contexto que Israel prefereavaliar o fim do JB: “É bom notar que,como referência, como símbolo únicode uma era, o Jornal do Brasil morreu

“Lembro-me deandar peloscorredores daquelecaixotão daAvenida Brasil etopar comDrummond, JoãoSaldanha e CarlosCastelo Branco,entre tantosoutros figurões.Dá para imaginara injeção deidealismo que issosignificava naalma de um jovemjornalista?”

Villas-Bôas Corrêa:Dificuldade defazer uma análisecrítica da situaçãoporque, em 55anos, nunca tevedo que reclamarem relação àconduta do jornal.

DoraKramer:

Qualquercoisa

sobrevivena internet.

DIV

ULG

ÃO

MARCELO CARNAVAL/CPDOC JB

Page 8: Jornal da ABI 357

8 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

ogo que teve acesso aocomunicado, assinado porNélson Tanure, que davaconta de que ÂngelaMoreira se tornara a

responsável pelas decisões a respeitodo Jornal do Brasil, o Jornal da ABIpartiu em sua procura. Prontamente,ela topou conceder-nos a entrevista,que demorou uma semana para serrespondida por e-mail. Foramenviadas cerca de 12 perguntas,algumas indispensáveis e delicadas,mas que buscavam justamenteesclarecer junto ao mercado, aosleitores e aos próprios colaboradoresdo JB para qual direção a publicaçãocaminha. O formato das respostasenviadas, infelizmente, impede apublicação de uma entrevista em seuformato tradicional, isto é, comperguntas diretas seguidas derespostas objetivas.

“Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2010.À Associação Brasileira de Imprensa.Em atenção ao pedido de

informações da ABI, sobre a novafase digital do JB, antecipamos umasérie de argumentos a respeito doassunto”, começa a mensagemoficial da direção. O que se segue éuma longa lista, formada por exatos50 tópicos, que procuram justificaras recentes decisões do grupo.

Por isso, certamente, algumas dasperguntas enviadas ficaram semresposta. Com base no textooriginal, optamos por organizar asdeclarações de Ângela Moreiraagrupando-as em temas, até paratorná-las mais claras e inteligíveisaos leitores. Mais jornalísticas, emenos relatoriais. E também por

não vermos razão em publicar oextenso e-mail de resposta naíntegra. Acreditamos que estematerial, que confirma o fim daedição impressa do JB, ajuda acompreender a atual situação dojornal, bem como o que o aguardano futuro. A seguir, as respostas.

MIGRAÇÃO PARAO FORMATO DIGITAL“Destacamos que, a partir do dia 1ºde setembro de 2010, o JBcontinuará existindo – ágil,moderno e influente. A decisão,fruto de análise responsável dosrumos da imprensa escrita em todoo mundo, resultou também depesquisa diária que o jornalpromoveu mediante anúncios emsuas páginas e no sitewww.jb.com.br. Nela, convidouleitores e internautas a opinaremsobre preferências e hábitos deconsumo de mídia – incluindo-se asinovadoras plataformas digitais. Àsemelhança de tantos veículos decomunicação de elevado prestígiono mundo todo, o JB quer atualizarseus modos de interação com opúblico leitor, privilegiar práticasecologicamente sustentáveis eaperfeiçoar-se em tecnologias deúltima geração.”

RAZÕES ECOLÓGICAS“A cada dia em que um jornal comoo JB não é impresso em papel, 72árvores deixam de ser cortadas.Dado o maior ou menor número decadernos durante a semana, aolongo de um ano são mais de 30 milárvores poupadas. Para se fazeruma edição em papel consomem-

há muito tempo. Historicamente, seulongo fim não traz novidades. Em vá-rios países há exemplos semelhantes dejornais famosos que sofreram umaagonia de décadas. O que mais dóinaqueles felizardos, como eu, que vi-venciaram os tempos de glória, é quenão vemos indícios de que temposcomo aqueles possam voltar tão cedo.A primazia do investimento na qua-lidade parece um sonho distante, empapel ou no online. Apuração e reda-ção deficientes, equívocos editoriaisdecorrentes da falta de perspicácia esensibilidade, matérias tendenciosasapresentadas como jornalismo ‘críti-co’ ou ‘investigativo’. Esta é uma si-tuação recorrente, com algumas lou-váveis exceções.”

Neste caso, pela avaliação de Tabak,a perda de um veículo do porte do Jor-nal do Brasil pode ser vista como sin-toma de uma crise mais ampla que, sepor um lado, representa o empobreci-mento do cenário jornalístico do País,de outro fere, sobretudo, o Rio.

“Jornal de referência nacional, o JBtinha também a cara do Rio, no tem-po em que a cidade ainda era a capi-tal cultural do País, ditando tendên-cias e infuenciando comportamentos.A longa agonia do JB foi uma grandeperda para a cidade, tão esvaziada, emtodos os sentidos, desde a ida da ca-pital para Brasília.”

Tabak, que hoje trabalha na assesso-ria de imprensa da Transpetro, conta queser repórter no JB era, sobretudo, umaaventura e uma emoção que se renova-vam a cada dia. “Trabalhava-se com pra-zer, com vontade. Com espírito vanguar-dista, o JB criou o primeiro departamentode pesquisa, a primeira Editoria de Cida-de. Foi inovador, também, ao criar, ain-da na década de 1960, a primeira publi-cação periódica especializada em discu-tir grandes temas. Carlos Lemos, um doslíderes da Redação desses tempos ines-quecíveis, dizia e repetia que ‘a boa no-tícia não tem preço’. O jornal estava sem-pre disposto a investir em busca da in-formação de qualidade. A enxurrada deprêmios de reportagem que ganhamosfoi apenas uma conseqüência da revolu-ção comandada por Alberto Dines noJornal do Brasil.”

Dines acredita em milagresApós tantas lembranças saudosis-

tas e visões pessimistas sobre o futu-ro do Jornal do Brasil, ninguém melhordo que Dines para encerrar esta maté-ria, também uma homenagem ao bome velho JB. Questionado se ainda acre-dita na possibilidade de o jornal man-ter-se em circulação, recuperando aqualidade e o prestígio de outrora, eleresponde, de forma desconcertante:

“Tenho esperanças. E acredito emmilagres.”

VEÍCULOS O JB SAI DAS BANCAS. OU DE CENA?

A POSIÇÃO OFICIAL DADIREÇÃO DO JORNAL DO BRASIL

“A cada dia emque um jornal

como o JB não éimpresso em papel,72 árvores deixamde ser cortadas”

l

Page 9: Jornal da ABI 357

9Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

se, aproximadamente, 10 mil litrosd’água e 40 Mw/hora de energiapor dia. Não está distante omomento em que um país comjornais de grande circulação empapel será sinônimo desubdesenvolvimento, desrespeitoao meio ambiente e anacronismodigital. O JB estará compatível comtodos os leitores digitais (iPad,Kindle, Alfa, Nook, Mix, Libre).Sua diagramação moderna eamigável, em papel eletrônico, seráautomaticamente adaptada à telade qualquer computador. Aindaassim, qualquer leitor poderáimprimir, seletivamente e semdesperdício de papel, a parte dojornal que deseja em sua casa ouescritório.”

NOVAS MÍDIAS“No tempo em que vivemos, é umerro achar que o jornal é um objetofísico. Na mesma medida, a músicanão é o disco de vinil, a fita-casseteou o compact-disc. Tampouco amúsica é a vitrola, o toca-fitas, odisc-player ou o iPod. Julgar quejornal e papel são sinônimosequivale a achar que um canal detelevisão é o próprio aparelho de tv.Ou que a emissora de rádio não teráêxito se não for também produtorade rádios portáteis ou de mesa. Ouentão que sites deveriam fabricarseus próprios computadores. Seráque ainda é possível a alguém, commínimos poderes de observação,lucidez e honestidade intelectual,achar que o jornal em papelcontinua a ser um ‘veículo’ decomunicação?”

EM VEZ DE PERDAS,EXPANSÃO“Ao dar efetividade a esse processo, oJB trabalha para que sua centenáriamarca e conteúdo de qualidade sefaçam presentes, de maneira cadavez mais influente, para as atuais efuturas gerações de leitores. Nessasúltimas semanas, alguns leitores doJB – e, sobretudo, muitos não-leitores – manifestaram-se legítima edemocraticamente favoráveis àmanutenção da versão em papel dojornal. Em suas argumentações,fizeram-se referências à sua história,seus grandes personagens; à gloriosatrajetória como espaço de liberdades.O fato é que esses ativos não sãoperdidos, mas expandidos, no meioeletrônico. Não se pode optar porfechar os olhos – não ao futuro -,mas ao próprio presente da mídia emtodo o mundo: o rumo, inexorável ecrescente, à era digital. Assim, aocontrário do que vêm propagandoalguns poucos mal-informados,irresponsáveis e mal-intencionados,o Jornal do Brasil está caminhandopara uma nova e melhor fase.”

NÚMERO DECOLABORADORESInformamos que nessa nova fase,100% digital, o JB conta com umaequipe de mais de 120 colaboradoresdentre pessoal de conteúdo, marketinge gestão. É um número adequado àdimensão dos desafios do jornal, quetem sua Redação comandada hojepelos jornalistas Marcelo Migliaccio(Editor-Chefe) e Débora Lannes,Fernando Santana e RicardoGonzalez (Editores-Executivos).”

MUDANÇAS NA REDAÇÃO“Na transição da antiga fase do papelpara a fase digital, promove-setambém uma mudança de perfis,atitudes e rotinas de trabalho nopróprio ambiente do jornal. ARedação não é mais apenas uma saladelimitada fisicamente. É uma redeem que cérebros e talentos estãoconectados em tempo real – às vezesa milhares de quilômetros dedistância. Nessa dinâmica, houve odesligamento de alguns profissionaisdo JB. Outros chegam, estãocontratados. Trabalham a plenovapor. Este é um processo orgânico ecaracterístico da evoluçãoempresarial e tecnológica que marcanossos dias. Tal mudança, como é dese esperar em qualquer câmbio derumos, traz incertezas. Ainda maisporque as mudanças no jornal não seproduzem numa atmosferaconcorrencialmente idílica.”

O PRODUTO DIGITAL“Nessa nova fase, o conteúdo digitaldo JB se dividirá em 3 áreas deconcentração.Tempo Real – Alimentado eproduzido por fontes próprias e asmelhores agências de notíciasbrasileiras e internacionais, tambémtrará ‘aperitivos’, como pequenasnotas ou, no caso de matérias maisextensas, parágrafos que agucem oapetite para que o leitor venha aaderir à versão de conteúdoreservado do JB Digital. Essa áreacontará com recursos de foto, vídeoe som.JB Digital – O tradicional Jornal doBrasil que concentra os grandesdiferenciais de conteúdo que semprecategorizaram o jornal.Inicialmente, será, como hoje, umproduto diário desenhado paraplataformas de software amistosasao leitor em computadores eaparelhos móveis de qualquer tipo.Bastará ao leitor acessar o sitewww.jb.com.br e clicar no ícone doJB Digital para que as páginaseletrônicas se adaptemimediatamente ao formato da tela deseu computador. Com o mouse, ouonde disponível, por telasinterativas, será possível aumentarou diminuir a fonte e as imagens decada matéria. Este produto estarádisponível mediante assinaturamensal de R$ 9,90, o equivalente a20% do preço da antiga assinaturaem papel. Ícones da imprensabrasileira que hoje honram edistinguem o JB estão conosco nessanova e alvissareira etapa. Além doconteúdo de qualidade do New YorkTimes, Le Monde Diplomatique eoutros clássicos do jornalismomundial. Não haverá, nessecontexto, qualquer alteração nalinha editorial de independência equalidade que há 119 anos distingueo Jornal do Brasil.Blogosfera – Haverá muitos blogs

interativos com os principaiscolunistas e articulistas do JB. Alémda mídia colaborativa mediante aeditoria ‘Sociedade Aberta’, marcoda democracia digital no Brasil, emque o leitor é repórter e articulista.Assim é nas marcas de mídia dasdemocracias mais avançadas domundo. O Blogosfera também traráo inovador JBWiki, jornal produzidoe alimentado 100% pelos leitores.”

INCENTIVO AO DEBATE“O Jornal do Brasil tambémcontinuará cada vez mais apromover sua área de conferências eeventos. Debater o Rio de Janeiro e oBrasil em várias partes do Brasil e domundo tem sido um traço marcantedo JB. Nos últimos cinco anos, ojornal realizou mais de 100 eventosem temas como educação,telecomunicações, saúde,desenvolvimento sustentável, moda,infra-estrutura em 15 Estadosbrasileiros e em 3 continentes.”

O ACERVO PRESERVADO“O JB está preservando física edigitalmente a memória de seus 119anos em seu Centro de Pesquisa eDocumentação (CPDoc). Ele contacom estrutura adequada,organizada em torno de padrões debiblioteconomia, umidade etemperatura controladas. Alémdisso, a maior parte do acervo do JBjá se encontra digitalizada graças àparceria com o Google Archives,pioneira no Brasil e disponível àconsulta em qualquer lugar doplaneta.”

QUESTÕES JUDICIAIS“Desconhecemos um supostoprocesso judicial pela manutençãodo formato impresso do Jornal doBrasil – especulação que nos foiapresentada pelo Jornal da ABI.Enfatizamos, ainda, que o JBtrabalha para dar a solução maisadequada às questões trabalhistas,presentes em todas as empresasprivadas do País.”

MODERNO, COMO SEMPRE“A partir de 1º de setembroseguramente haverá muitas falhas.Elas serão corrigidas e o ambienteaperfeiçoado. O grande número deassinaturas que o JB Digital vemrecebendo nas últimas semanas,contudo, tem excedido as maisotimistas expectativas. Em breve, oJB também relançará, com novasferramentas tecnológicas, suastradicionais marcas Programa eDomingo. Todos os colaboradores doJB estão se esforçando muito paraconstruir esse novo jornal. Hágrande orgulho em transformá-lo noprimeiro jornal 100% digital do País.O JB sempre foi moderno e ocontinuará sendo. Agora emplataformas utilizadas por atuais efuturas gerações.”

Ângela Moreira:Não está distante

o momento emque um país comjornais de grande

circulação impressosem papel será

sinônimo desubdesenvolvimento,

desrespeito aomeio ambiente e

anacronismo digital.

DIVU

LGA

ÇÃ

O

Page 10: Jornal da ABI 357

10 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

i o Presidente João Goulart pela tercei-ra e última vez ao me despedir dele, emMontevidéu. Logo, eu iria atravessar

clandestinamente a fronteira com o Brasil, emRivera e Santana do Livramento, orientado peloex-Deputado Demistóclides Batista. O ex-De-putado e eu fomos encontrar o Presidente numapraça central da capital uruguaia, onde o abra-cei. Ele me desejou sorte. “Estaremos esperan-do a sua volta”, eu disse sem muita convicção.

Estivera com ele meses antes, em Brasília. Éra-mos três dirigentes sindicais – Fernando Autran,Cid Salgado e eu – que o procurávamos em nomede todos os sindicatos de petroleiros do País.Lembro-me de que o Presidente entrou na salafurioso, mancando e esbravejando: “vocês sóvêm aqui para me ameaçar. Isso é intolerável.Sou o Presidente dos trabalhadores, sempre deiforça aos sindicatos, mas vocês estão me pres-sionando, isso eu não admito mais”.

“Presidente”, respondeu Autran, “não viemosaqui para pressioná-lo, nem para polemizar”.Na verdade, os sindicatos queriam negociarcom ele a substituição do Presidente da Petro-brás, Francisco Mangabeira. “Entendemos per-feitamente”, prosseguiu Autran, “que o senhorqueira colocar alguém da sua confiança na pre-sidência da empresa...”.

Jango se acalmou. Sorriu.“Vamos nos sentar aqui”.Sentamo-nos num sofá de couro, ele se aco-

modou numa poltrona, uma perna esticada.

HISTÓRIA

Dois encontros com o Presidente João Goulart, um no poder,outro no exílio, em Montevidéu, após o golpe militar de 1964.

POR RODOLFO KONDER

Rodolfo Konder, jornalista e escritor, é Diretor da ABI em São Paulo emembro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Pauloe Conselho Deliberativo da ABI.

“Manda vir um café”, gritou para o assessorparado junto à porta. Autran retomou a palavra:

“Mas gostaríamos que os diretores fossemquadros de comprovada capacitação técnica,saídos das fileiras da Petrobrás – e indicados pelossindicatos”.

O Presidente puxou um bloco de papel que es-tava sobre a pesada mesa de centro, tirou umacaneta de bolso e perguntou:

“Quais são os nomes?”.Naquele momento, nascia um sistema de co-

gestão na maior empresa da América Latina –uma experiência de vida curta. E eu tinha meuprimeiro encontro com o Presidente João Belchi-or Marques Goulart, o Jango, então com 46 anos,herdeiro político de Getúlio Vargas.

Estive com ele uma segunda vez, depois dogolpe militar que o destituiu, numa reunião deexilados, em Montevidéu. Era um derradeiroesforço que empreendíamos – os dirigentes ban-cários Osmildo Stafford e Huberto Pinheiro, eeu – para tentar unir os brasileiros que ali vi-viam. Participaram do encontro: o PresidenteJango, o ex-Governador Leonel Brizola, DarciRibeiro, Valdir Pires, Demistóclides Batista,Moniz Bandeira, Stafford, Huberto e outros po-líticos, cujos nomes agora me fogem. Nossainiciativa resultou num fiasco total. As posi-ções moderadas de Jango, um homem habitu-almente conciliador, esbarravam nas propos-tas radicais de Brizola, que pretendia provo-car um levante da Brigada Militar gaúcha, para

retomar o Rio Grande do Sul e enfrentar Bra-sília. A divisão entre os exilados se manteve.Pior: aprofundou-se.

Jango nunca retornou. Morreu no exílio, em1976. Filho de fazendeiro, formado em Direito,herdeiro de Getúlio, fez carreira política no Par-tido Trabalhista Brasileiro (PTB). Era um homemprofundamente dividido entre sua condição degrande proprietário de terras e sua posição comolíder do populismo reformista de Getúlio, entrea permanência e a mudança, entre o conserva-dorismo e a modernização.

O Presidente tinha um sorriso de menino edormia de luz acesa. Depois de sua morte, fiqueisabendo que ele não gostava de ficar no escuro,à noite. Já separado da mulher, Maria Teresa,dormia sozinho. Mas frequentemente chama-va o amigo Raul Ryff, para que ele se sentassenuma poltrona junto à cama. Os dois conversa-vam, Ryff lia até tarde – e só ia embora quandoJango estivesse finalmente adormecido.

Ao conhecer esse detalhe significativo da in-timidade presidencial, tentei imaginar as angús-tias que o acossavam, os fantasmas que povoa-vam as noites de João Goulart. Nem no Palácioele conseguia escapar de seus pesadelos.

E você? O que você vê, quando está no escu-ro e os demônios chegam?

Nossos demônios

V

JANGO HOMENAGEADOPELOS SARGENTOS NOAUTOMÓVEL CLUB NO

RIO DE JANEIRO, EMMARÇO DE 1964.

BR

AZ B

EZERR

A/AJB

Page 11: Jornal da ABI 357

11Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

A Associação dos Cronistas Espor-tivos do Rio de Janeiro-Acerj vai insti-tuir em colaboração com a ABI umconcurso destinado a premiar os me-lhores trabalhos de cobertura esporti-va tanto na imprensa como em rádio,televisão e sites jornalísticos, a seremescolhidos por um júri de alto nível aser constituído pelas duas entidades. Aentrega dos primeiros prêmios, abran-gendo os trabalhos realizados neste anode 2010, será realizada em março de2011, em data a ser fixada pela Acerj.

A criação do prêmio, cuja denomina-ção será anunciada proximamente pelaAcerj após pesquisa junto ao seu corposocial, foi o tema da reunião realizadana ABI em 29 de julho, com a participa-ção do Presidente da Casa, MaurícioAzêdo; do Presidente da Acerj, EraldoLeite, e do Presidente do Conselho Su-perior da Associação dos Cronistas, Ló-

O Auditório Oscar Guanabarino,da ABI, foi palco de uma homenagemem memória aos 25 anos de mortedo cantor Carlos Galhardoorganizada por Norma Hauer,autora do livro Carlos Galhardo –Uma Voz Que é um Poema, de 1988, egrande pesquisadora da músicapopular brasileira. “Galhardo partiuem 25 de julho de 1985, há 25 anos.Estamos aqui hoje para reverenciarsua memória relembrando um poucode seu imenso repertório,constituído de valsas, canções etodos os ritmos que fazem parte denosso cancioneiro”, disse Norma naabertura do evento.

Foram convidados para ahomenagem os cantores JairoAguiar, Therezinha Senna, Léo Vaz,Milton Dantas, Osvaldo Souza,Sílvio Roberto, Célia de Souza,Edson Grey, Vera Lúcia, Castiliano eD’Lourdes. No repertório, dezenasde canções, entre as quais Eu SonheiQue Tu Estavas tão Linda, de JoséMaria de Abreu e Francisco Matoso;Maringá, de Joubert de Carvalho;Bodas de Prata, de Roberto Martins eMário Rossi, e Fascinação, deMarchetti e Armando Louzada.

A homenagem teve início com aexibição do programa Memóriasdedicado a Carlos Galhardo e que foiveiculado na década de 1970 pela TVEducativa, no qual o cantor foi

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

O primeiro deles seria entregue em março de 2011, após escolha por um júri de alto nível indicado por ambas.

Um prêmio Acerj e ABIpara o jornalismo esportivo

ris Baena Cunha, que é também mem-bro do Conselho Fiscal da ABI.

Pela proposta preliminar da Acerj, osprêmios serão concedidos ao melhorrepórter de jornal e revista, ao melhorfotógrafo de veículos impressos e aomelhor cinegrafista de veículos eletrô-nicos, aos melhores narradores, comen-taristas e repórteres de campo de emis-soras de rádio e televisão do Estado doRio, ao melhor colunista, ao melhorchargista e ao melhor comentarista derádio e televisão, bem como aos auto-res dos melhores livros esportivos. Eral-do Leite sublinhou que a premiação delivros dará dinamismo a um processoatualmente em curso, que é o aumen-to da edição de livros sobre esporte,abrangendo vários campos, desde ofutebol ao ciclismo e à relação do esportecom a vida política e social.

A cerimônia de premiação, a se rea-

Saudades de Galhardo, o Rei da ValsaSua biógrafa, escritora Norma Hauer, organizou um sarau para assinalar o 25º aniversário da morte de um dos nossos maiores cantores.

entrevistado por personalidades damúsica e da imprensa, como LúcioAlves, Luís Cláudio, Nássara eMister Eco.

Conhecido como o Rei da Valsa,Carlos Galhardo foi um dosprincipais cantores da Era do Rádio,ao lado de Francisco Alves, OrlandoSilva, Vicente Celestino e SílvioCaldas. “Ele foi intitulado o Rei daValsa pelo apresentador de tv Blota

Júnior, mas a sua primeira gravaçãoforam os frevos Você Não Gosta deMim, e O Teu Cabelo Não Nega, dosIrmãos Valença, em 1933. Ao longoda carreira ele cantou muitos frevose sambas”, ressaltou Norma.

O primeiro grande sucesso datrajetória de Carlos Galhardo foiBoas Festas, gravada em 1933. Umano depois, o cantor conquistou oprimeiro sucesso com a música decarnaval Carolina. Em 1935, estreoucomo cantor romântico com a valsaCortina de Veludo, de Paulo Barbosa eOsvaldo Santiago. A primeira valsade sucesso de Carlos Galhardo foiApenas Tu, de Roberto Martins,gravada em 1936. A valsacarnavalesca Nós Queremos UmaValsa também ficou muito famosa,assim como a música de carnavalAlá-lá-ô, de Nássara.

Diz Norma Hauer que o grandelegado do artista foi sua dedicaçãoao cancioneiro nacional. “Ele fezmuito pela música brasileira,especialmente entre os anos 1930 e1960, no rádio e também na tv, onde,além de cantar, foi apresentador deum programa só dele naContinental”.

Um lutadorNorma sublinha ainda a

contribuição de Galhardo para adefesa da classe:

“Ele lutou pelos direitos dosartistas. Naquela época, apenas oscompositores tinham algumagarantia. Foi um dos fundadores daSociedade Brasileira deAdministração e Proteção deDireitos Intelectuais-Socinpro, em1962, cujo objetivo é administrar eproteger obras artísticas de músicos,intérpretes, compositores, autores,editores e produtores. A partir daí, oartista passou a receber o direito pelaexecução, antes era só na venda.Com o trabalho nesta entidade,Galhardo acabou se afastando umpouco da música. Por tudo o querepresentou permanecerá nalembrança de todos nós quepodemos ouvi-lo através dos discosque ainda estão aí.”

lizar no Auditório Oscar Guanabarinoda ABI, incluirá uma exposição de fo-tografias e de caricaturas e charges es-portivas de autoria dos jornalistaspremiados e de outros profissio-nais que oferecerem colaboraçãoao evento.

Lóris Baena saudou a adesão daCasa à proposta da Acerj, entidadenascida praticamente na ABI na gestãode Herbert Moses, que manteve um se-tor especializado para os jornalistas es-portivos, o conhecido Departamentode Imprensa Esportiva-Die, dirigidopelo jornalista Canor Simões Coelho eque foi o embrião da Associação dosCronistas que este fundaria.

Sugestões sobre o prêmio esua denominação poderãoser encaminhadas à Acerj e àABI através do email [email protected].

Homenageado na ABI, Galhardo foi umdos cantores mais populares de sua épocae capa da Revista do Rádio diversas vezes.

REPR

OD

ÃO

Page 12: Jornal da ABI 357

12 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

LEGISLAÇÃO

AMBIENTE

A Pátria das ÁguasSe as queimadas não cessarem na Amazônia, o milagre

verde poderá transformar-se em deserto da morte.

POR PAULO RAMOS DERENGOSKI

Ao invés disso queima-se a florestapara plantar... capim...

O Amazonas é o maior Estado do Bra-sil. Poderia ser mais rico. Tem ouro, man-ganês, petróleo... Mas, à exceção da ZonaFranca, ainda se concentra no extrativis-mo. Durante muitos anos foi uma co-marca do Grão-Pará e só em 1850, depoisda revolta paraense da Cabanagem, ou-torgou-se-lhe a independência.

De Oeste para Leste, de BenjamimConstant a Parintins, ou do Norte parao Sul, da Serra do Curupi, onde estásituado o pico da neblina, o mais altodo Brasil, com 3.014 metros de altu-ra até à Boca do Acre, nos cerradosfinais da divisa com Mato Grosso. Eleé a Pátria das Águas, o milagre verdeem busca da vocação regional, da pre-servação da natureza.

A arca do tesouro da futura Biotec-nologia, o maior banco ambiental doplaneta, com as hidrovias de maiorporte, com possibilidades infinitas deum turismo que vai desde a riqueza

ainda insuperada em luxo de um Tea-tro de Manaus, até à aventura na flo-resta virgem.

Não por acaso, espanhóis, franceses,ingleses e americanos já tentaram “in-ternacionalizar” a Amazônia. O últi-mo foi um milionário excêntrico queenterrou seus sonhos nas barrancas doJarí. Mas o Amazonas lá está! Com suasgrandes águas que correm sempre. Cor-

Não se fala sobre Estado do Amazo-nas sem antes descrever o rio. Rolandodesde o Urubamba, lá da Cordilheira pe-ruana dos Andes, ele é a linha central damaior bacia hidrográfica da terra.

O homem branco avistou-o há ape-nas 500 anos. O primeiro a descer porele foi Francisco de Orellana, lugar-te-nente de Pizarro. O primeiro a subi-lofoi o português Pedro Teixeira.

Mas os índios lá estavam: waimiris,atroaris, caraíbas. Primeiramente cha-maram-no Santa Maria do Mar Doce.Os índios aruaques chamavam-no Gui-eni e os tupis, Paraguaçu. De Manausaté à fronteira do Pará alguns o cha-mam Solimões e Maranõn.

É a maior malha de afluentes, ca-nais, igarapés, ilhas fluviais, lagos evárzeas do mundo. Se fosse explora-do racionalmente para criação depeixes, como a piraíba por exemplo(que chega a pegar mais de 200 qui-los) poderia alimentar a populaçãoda Terra.

A Segunda Seção do Superior Tribu-nal de Justiça-STJ proferiu, recente-mente, acórdão em conflito de compe-tência que provocou verdadeira crise naJustiça do Trabalho. O caso envolvecerca de 800 trabalhadores da antigaTV Manchete e do Grupo Bloch, quepossuem ações na Justiça do Trabalhocontra a chamada RedeTV (denomina-da formalmente de TV Omega Ltda.).

Os trabalhadores alegaram que a TVOmega Ltda. seria responsável pelasdívidas trabalhistas da antiga TV Man-chete Ltda. por ter assumido a explo-ração econômica do canal de televisão.Foi provado, nos respectivos processostrabalhistas, que a concessão do canalde televisão foi transferida em transa-ção particular e onerosa entre os anti-gos donos da TV Manchete Ltda. e TVOmega Ltda. As disputas judiciais trans-correram por mais de dez anos na Jus-

Através de sua Segunda Seção, o Tribunal toma o partido da TV Omega, nome real da Rede TV,em prejuízo dos empregados da emissora que lutam por seus direitos na Justiça do Trabalho.

A decisão subtrai da Justiça do Trabalho competência que lhe cabe desde 1943.

O STJ contra 800 da TV Manchete

POR SÉRGIO BATALHA tiça do Trabalho, e os trabalhadores fo-ram vitoriosos com a tese de sucessãotrabalhista na esmagadora maioria dasações, cristalizando jurisprudência nes-te sentido no próprio Tribunal Superiordo Trabalho-TST.

No entanto, quando a maior partedas ações já havia transitado em julga-do, a TV Omega Ltda. engendrou umamanobra jurídica tão absurda quantoinusitada. Simplesmente, invocou um“conflito de competência” entre quase800 processos trabalhistas e uma úni-ca ação existente no Tribunal de Justi-ça do Rio, na qual os antigos proprietá-rios da TV Manchete Ltda. discutiamcom a TV Omega Ltda. a responsabili-dade sobre as dívidas fiscais e trabalhis-tas sob o ponto de vista do contratoentre eles firmado. A alegação da TVOmega Ltda. seria a de que haveria con-flito entre a discussão dos limites da su-cessão sob os pontos de vista empresa-rial e trabalhista. Surpreendentemente,

a empresa obteve uma liminar sobres-tando os processos trabalhistas e, aofinal, em uma apertada decisão com amaioria de um voto, a Segunda Seçãodeclarou que a Justiça comum deveriadecidir sobre a ocorrência de sucessãonos processos dos trabalhadores.

Na prática, a decisão significaria adesconsideração das sentenças e dosacórdãos trabalhistas proferidos emquase 800 processos, a maioria comtrânsito em julgado, e a supressão decompetência da Justiça do Trabalhopara apreciar a responsabilidade sobredívidas trabalhistas nos casos de trans-ferência da atividade econômica. Oacórdão da Segunda Seção do STJ ain-da não transitou em julgado, e foramopostos dezenas de embargos de decla-ração. Entre as falhas do acórdão, apon-ta-se a existência de coisa julgada namaioria dos processos, o que afastariaa incidência do conflito nos termos daSúmula nº 59 do próprio STJ para diri-

mir conflito com processos sob a juris-dição do TST (por força do artigo 102da Constituição) e, por fim, a impossi-bilidade de conflito entre os conceitosde sucessão trabalhista e empresarial.

De fato, o alegado “conflito de com-petência” não existe. Os juízes da Jus-tiça do Trabalho analisaram a ocorrên-cia de sucessão sob o ponto de vista doDireito do Trabalho, sendo que tal de-claração produz efeitos apenas em re-lação ao pagamento dos créditos dos tra-balhadores. Já o juiz da Justiça comumanalisou a sucessão entre empresas doponto de vista cível, com efeitos limi-tados à relação entre os contratantes.

Assim, o fato de as dívidas trabalhis-tas e fiscais da TV Manchete Ltda. se-rem pagas pela TV Omega Ltda. na Jus-tiça do Trabalho e na Justiça Federalnão impede que esta última cobre taisdívidas dos antigos donos da TV Man-chete na Justiça comum, sob a alega-ção de que não estava prevista no con-

rem de dia e de noite, correm em nos-sos sonhos. Correm nas democracias ecorrem nas ditaduras. E sepultarãosempre, em enchentes arrasadoras, emturbilhões, os sonhos loucos de quemtentar dominá-las.

Com o mundo apavorado diante dofenômeno do aquecimento global, asqueimadas na Amazônia têm que aca-bar. Nem que seja na marra! Os gigan-

Page 13: Jornal da ABI 357

13Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Paulo Ramos Derengoski, jornalista e escritor, sócioda ABI, é radicado em Lages, SC, sua terra.

Sérgio Batalha é Presidente do Sindicato dosAdvogados do Estado do Rio de Janeiro eConselheiro da OAB/RJ. Este texto foi publicadooriginalmente na edição nº 491, maio de 2010, daTribuna do Advogado, órgão oficial da Ordem dosAdvogados do Brasil–Seção do Estado do Rio deJaneiro/OAB-RJ, sob o título Justiça do Trabalhosofre ataque do STJ.

Simon quer um Senadoeficaz e menos oneroso

Em mensagem com que enviou à ABI seu livro O Se-nado nos Trilhos da História, o Senador Pedro Simon(PMDB-RS) defendeu a adoção de medidas “para tor-nar o Senado Federal mais efetivo, menos oneroso, maistransparente e mais ajustado às expectativas do Brasil,a quem todos nós Senadores devemos atender”.

Simon, que representa o Rio Grande do Sul no Se-nado há 32 anos, presta homenagem à imprensa e aosjornalistas brasileiros, graças aos quais “ficamos saben-do, ao longo de 2009, que havia um outro Senado, ig-norado pelo País e até mesmo por nós, Senadores daRepública”.

No volume, de 122 páginas, Simon reproduz a ín-tegra do projeto de reforma administrativa elaboradopela Fundação Getúlio Vargas por contrato com o Se-nado e um resumo do discurso que proferiu na tribu-na, analisando o Projeto de Reforma Administrativado Senado. Diz o Senador que repassa o livro aos seusamigos jornalistas, “origem e base dessa saudável re-flexão que se faz sobre as fragilidades e as necessida-des do Senado Federal”.

Foi esta a mensagem de Simon à ABI:“Graças à Imprensa e aos jornalistas brasileiros, fi-

camos sabendo, ao longo de 2009, que havia um outroSenado Federal, ignorado pelo País e até mesmo por nós,Senadores da República.

A fachada oculta do Senado se regia por atos secre-tos, por decisões de gaveta, por nomeações quase clan-destinas, por desatinos administrativos, por favores in-justificados e por violações normativas justamente naCasa do Parlamento que, por definição constitucional,tem a nobre missão de revisar as leis que devem ser res-peitadas por todos os brasileiros.

Esta amarga revelação sobre nossas próprias defici-ências obrigou o Senado a uma funda reflexão para cor-rigir seus erros e procurar os acertos que nos devolves-sem, de novo, a admiração e o respeito do povo brasi-leiro, a quem devemos o voto e toda nossa dedicação.

A conclusão de todos, dentro e fora do Senado, co-incidiu na necessidade de uma profunda reformulação

de atos, métodos e procedimentos na ação, na forma-tação e na gestão administrativa e estrutural da Casa,que não poderão nunca ser mais importantes do que adimensão política do Parlamento e a estrutura ética detodos os seus Senadores.

Contratou-se a Fundação Getúlio Vargas-FGV parafazer um diagnóstico interno da Casa e para sugerir mu-danças e aperfeiçoamentos em sua estrutura.

No âmbito da Comissão de Constituição e Justiça-CCJ, criou-se uma Subcomissão Temporária da Refor-ma Administrativa, que eu tenho a honra de integrar,com a dupla finalidade de analisar a proposta da FGVe de recolher a contribuição do corpo funcional do Se-nado.

A Subcomissão já realizou 15 reuniões, incluindouma audiência pública com especialistas da FGV, eabriu espaço para ouvir os diferentes setores adminis-trativos da Casa.

O trabalho da FGV me deu a oportunidade de elaboraruma análise crítica da proposta, onde apresento outrasalternativas para tornar o Senado Federal mais efetivo,menos oneroso, mais transparente e mais ajustado àsexpectativas do Brasil, a quem todos nós, Senadores, de-vemos atender. Meu trabalho mereceu uma bela sínteseda lavra do próprio presidente da Subcomissão da Re-forma Administrativa, Senador Jarbas Vasconcelos.

Anexei a estes documentos a íntegra do projeto daFGV e um resumo de meu discurso da tribuna do Se-nado onde apresentei minha analise, para conhecimentodo País e de todos os Senadores.

Todo este conjunto está reunido, agora, neste livro,que repasso aos meus amigos jornalistas, origem e basedessa saudável reflexão que se faz sobre as fragilidadese as necessidades do Senado Federal.

Ali, com certeza, poderão ser encontrados elemen-tos de reflexão para ampliar e aprofundar esse saudá-vel debate que nos une em torno de um mesmo, de umsó objetivo: um Senado produtivo, transparente, eficaze respeitado.

(a) Senador Pedro Simon”

trato a assunção de tais dívidas. O quepretende a TV Omega Ltda. é que onegócio jurídico firmado com os anti-gos donos da TV Manchete prevaleçasobre as normas de ordem pública queprotegem os créditos trabalhistas.

Preocupa efetivamente todos os ju-ristas que militam no Direito do Tra-balho esta tentativa de subtrair da Jus-tiça do Trabalho a competência paradeclarar a existência de sucessão traba-lhista, prevista nos artigos 10 e 440 daCLT desde 1943. Há, evidentemente,fortes interesses empresariais por trásdesta manobra e há um temor de que,caso seja bem sucedida, a sucessão tra-balhista deixe de existir na prática, jáque os juízes cíveis analisariam contra-tos semelhantes somente sob a ótica doDireito Empresarial.

Na verdade, toda a sociedade espe-ra que o STJ faça jus à alcunha que elepróprio se atribuiu, “Tribunal da Cida-dania”, repondo a competência da Jus-tiça do Trabalho em seu leito históri-co, antes que este conflito de compe-tência se transforme em um conflitoinstitucional.

Aconteceu na ABIAconteceu na ABIMensagensMensagens

tescos incêndios começam em junho,na estação seca.

Para derrotar os incendiários, só oExército batendo mato por terra, a Ma-rinha levantando ferros e adentrandopelos rios e a Força Aérea controlandotudo das alturas... Ou a Pátria das Águasse transformará em deserto da morte...

GER

ALD

OM

AGELA

/AGÊN

CIA

SENA

DO

AG

ECO

M

Page 14: Jornal da ABI 357

14 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Terminou frustrada a expectativa devotação da Proposta de Emenda Cons-titucional nº 386/09 na Câmara dosDeputados, em Brasília. De autoria doDeputado Federal Paulo Pimenta (PT-RS), a proposta busca restabelecer a exi-gência do diploma de curso superior emJornalismo para o exercício da profissão.Além da falta de mobilização dos polí-ticos nas atividades legislativas, fruto doperíodo de campanha eleitoral, a votaçãofracassou por uma questão de seguran-ça. Por determinação do Presidente daCâmara, Michel Temer (PMDB-SP), apauta de votação foi suspensa por cau-sa de uma manifestação ocorrida em 17de agosto que culminou na invasão dosalão verde da Casa. A expectativa, agora,é de que a agenda de votações somenteseja retomada após as eleições.

A manifestação foi realizada por po-liciais, bombeiros e agentes penitenciá-rios, que cobram a aprovação de proje-tos de interesse de suas categorias, taiscomo piso salarial. No dia seguinte ao ato,parte dos manifestantes ainda continu-ava no local, o que provocou o cancela-mento das atividades da tarde de 18 deagosto – data prevista para os debates arespeito da Pec do Diploma. A assesso-ria da Câmara informou que, durante ainvasão, servidores da Casa teriam sidoagredidos – ações que terminaram porgerar um clima de insegurança que im-pediu a realização da sessão no plenário.Contribuiu também para o cancelamen-to a falta de acordo entre os líderes so-bre a pauta. Com isso, o chamado “esfor-ço concentrado”, prometido pela Casapara agilizar a apreciação de projetos,mais uma vez, não obteve êxito.

“Na realidade, apesar deste atraso,cabe ressaltar que nós estamos confian-tes em relação à aprovação do texto. Amobilização da sociedade, em especialna internet, foi fundamental para garan-tir agilidade ao processo. Agora, temosque trabalhar no sentido de garantir aaprovação do texto em plenário. É im-portante salientar que, por se tratar deProposta de Emenda à Constituição,regimentalmente é exigido um quórumqualificado e expressivo de parlamen-tares. Queremos fazer a votação o maisrápido possível. Porém, é necessário tera margem de segurança em relação aosparlamentares que apóiam a iniciativa.Caso contrário, seria um risco, e até umairresponsabilidade, colocar o texto emvotação. Neste momento, qualquer ati-tude precipitada pode prejudicar todoo trabalho que está sendo realizado desdea queda do diploma”, disse o DeputadoPaulo Pimenta.

A Pec do Diploma fora da pautaPor causa de uma manifestação, que colocou em risco a segurança de servidores e parlamentares, foi

suspensa a sessão plenária de 18 de agosto da Câmara dos Deputados. Com isso, projeto de autoria dePaulo Pimenta (PT-RS) ainda não tem nova data prevista para entrar na pauta de votações.

POR PAULO CHICO Manifestações de categorias profissi-onais e período eleitoral à parte, qual será,de fato, o sentimento geral dos parlamen-tares em relação à proposta?

“A volta do diploma é um clamor dasociedade. Segundo pesquisa da Fede-ração Nacional dos Jornalistas, 77% dapopulação são favoráveis à volta da exi-gência do diploma. E, acredito, nossoscolegas serão sensíveis à opinião públi-ca. A Pec transmite garantias à socie-dade de um trabalho profissional, sé-rio e comprometido com o interessesocial. Maus profissionais existem emdiferentes áreas. E não é por isso que vãoacabar com o diploma de outras carrei-ras, como Medicina, Engenharia ouDireito”, disse Pimenta.

Comissão EspecialDurante as audiências realizadas na

Comissão Especial da Câmara dos Depu-tados, várias instituições manifestaramapoio ao texto. “Cito como exemplo, emespecial, a Ordem dos Advogados doBrasil, já que a decisão do fim do diplo-ma se deu, em última instância, no cam-po jurídico, pelo Supremo Tribunal Fe-deral. Portanto, ter a OAB ao nosso ladonesse processo de restabelecimento dodiploma tem sido fundamental, já queessa entidade tem autoridade para con-trapor o entendimento dos ministros”,ressalta Paulo Pimenta, único Deputadoa acompanhar o julgamento no STF.

“Após a decisão, fui à tribuna da Câ-mara e denunciei o equívoco que haviasido cometido. Imediatamente, decidique apresentaria alguma proposta le-gislativa para tentar invalidar a posi-ção do STF”.

Nem todos os setores, contudo, têm-se manifestado favoravelmente à Pec386/09, como avalia Paulo Pimenta: “A

grande mídia, de modo geral, tem-semanifestado contrariamente à propos-ta. Sinceramente, não entendo os mo-tivos dessa posição, pois, com a deci-são do STF, a sociedade ficou mais frágile menos crítica. E ao longo do temposerá cada vez mais manipulada pelosgrandes grupos de comunicação doPaís. A falta de exigência do diplomarepresenta ainda um retrocesso na áreada pesquisa científica no campo dacomunicação, com a diminuição donúmero de mestres e doutores na área,em virtude da queda na procura peloscursos. Dessa forma, o setor acadêmi-co do Jornalismo ficará sem avaliaçãoe sem autocrítica, fatores que são fun-damentais para sua evolução”.

Se for aprovada em dois turnos naCâmara, ou seja, recebendo 3/5 dosvotos favoráveis ao texto, a Pec segui-rá para apreciação no Senado. Se apro-vada nas duas Casas, a proposta nãonecessita de sanção presidencial paraentrar em vigor.

“Estou muito otimista em relação àaprovação. A Pec já foi aprovada emtodas as Comissões pelas quais trami-tou aqui no Congresso, e vamos rever-ter o equívoco que o STF cometeu aoconfundir os conceitos de liberdade deexpressão e informação jornalística.Afinal, se a alegação era de que o diplo-ma impedia a liberdade de expressão, eupergunto aqui se, por acaso, a popula-ção brasileira passou a se exprimir maislivremente agora? Aumentou a liberda-de de expressão nos meios de notícias?A decisão do STF contra a profissão dosjornalistas foi equivocada. Provocou umretrocesso em toda a educação brasilei-ra. Mas certamente vamos reparar essemal que os ministros fizeram à nossasociedade”, conclui Paulo Pimenta.

Deputado Paulo Pimenta: Equívoco do STF denunciado na tribuna da Câmara.

SAULO

CR

UZ/AG

ÊNC

IA CÂM

ARA

LEGISLAÇÃO

Por proposta do jornalistaRodolfo Konder, membro doConselho Deliberativo da ABI, oConselho Municipal de Educaçãoda Cidade de São Paulo condenouo corte no Orçamento doMinistério da Educação. Konder,que é membro titular doConselho Municipal deEducação, destacou na propostaque “o País exige mais apoio,porque a educação é a morada donosso futuro”.

Aprovada por unanimidadepelo Plenário do ConselhoMunicipal de Educação eintitulada “A educação em alerta”,a moção tem o seguinte teor:

“O Governo Federal anunciaum corte dramático e prioritáriono orçamento do Ministério daEducação. Um corte nesta áreajamais deveria ser prioritário,muito menos dramático. Aocontrário, a Pasta precisariareceber recursos bem maisvolumosos do que já recebe. OPaís exige mais apoio, a educaçãoé a morada do nosso futuro.

O Conselho Municipal deEducação da Cidade de São Paulosabe perfeitamente que educarnão significa somente instruir,transmitir conhecimentos,ensinar a calcular e raciocinar.Significa também promover opleno desenvolvimento dapessoa, o respeito aos direitoshumanos e às liberdadesfundamentais. Um povo educadoterá necessariamente suaautonomia e sua liberdade,sempre dentro dos princípios daética e da tolerância.

O Conselho Municipal deEducação está preocupado – etemeroso. Sabe que a educaçãoprecisa perseguir um sonho. OPaís precisa perseguir um sonho,mas só poderá fazê-lo por meioda educação. Não deve e nãopode empobrecê-la. Se o fizer,estará empobrecendo o seupróprio futuro.”

Konder lideraprotesto naEducação

FRAN

CISC

O U

CH

A

Page 15: Jornal da ABI 357

15Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

á faz algum tempo que especialis-tas em mídia vaticinam o fim dosjornais. Também é uma constanteo clima de desânimo na direção de

algumas Redações, sobretudo diante dasuposta perda da força da palavra im-pressa em papel. Os números, contudo,contradizem esses sentimentos negati-vos que, por vezes, parecem dominar amídia no Brasil. É o que mostra, porexemplo, pesquisa realizada pelo Insti-tuto Verificador de Circulação-IVC. Se-gundo o levantamento feito com baseem 94 títulos de publicações filiadas àentidade e divulgado no final de julho,a circulação de jornais cresceu 2% noprimeiro semestre de 2010 no País. En-tre janeiro e junho deste ano, a médiade circulação dos jornais no Brasil foi de4.255.893 exemplares por dia.

Quer dizer, então, que os jornaisbrasileiros vivem um período fértil? Eo que explicaria isso? Com a palavra oPresidente Executivo do IVC, PedroMartins Silva:

“Desde 2004 os jornais iniciaramuma retomada na circulação média,com aumentos consecutivos até 2008.No ano passado, tivemos queda porconta de um acontecimento de propor-ções extremas e em escala mundial, quefoi a crise econômica. No entanto, as-sim que houve o primeiro sinal de ar-refecimento a circulação dos jornais re-fletiu com recuperação e volta a ter nú-meros positivos. Esse cenário indicaque os jornais vivem bom momento eisso fica ainda mais evidente com omovimento de editoras lançando diver-sos novos títulos”, resume ele, que fazprevisões ainda mais otimistas:

“Nós consideramos uma projeção decrescimento na circulação para o anode 2010 que pode ultrapassar 5%”.

estabilidade econômica. Fora destecontexto é difícil ter perspectivas emqualquer setor de atividade”, pondera.

Pedro Silva faz uma breve análisecomparativa entre o potencial do mer-cado brasileiro e o de outros países: “Éimportante ter a compreensão de queno Brasil nós temos um cenário para osjornais diferente do que encontramosem países desenvolvidos, como Esta-dos Unidos e Europa. Neles, o merca-do tem a relação entre população enúmero de exemplares circulando comuma proporção de saturação mais ele-vada. Por outro lado, no Brasil esse ín-dice é bem menor. Há muito mais no-vos leitores possíveis. Isso abre espaçopara que os jornais possam crescer empenetração. Temos um potencial dife-renciado de evolução na circulação”.

O JB: crise longaO momento, no entanto, não é po-

sitivo para todos. Algumas publicações,como o Jornal da Brasil, enfrentam di-ficuldades. Para o Presidente Executivodo IVC, casos como esse são específicos.

O Instituto Verificador deCirculação é uma entidadesem fins lucrativos tripartiteformada e dirigida pelomercado publicitáriobrasileiro, com o objetivo deassegurar a transparência econfiança dos números decirculação de veículosimpressos e digitais.

Os recursos quemantêm a operação da

POR PAULO CHICO

MERCADO

Crise?Quecrise?Pesquisa do Instituto

Verificador de Circulação-IVCrevela movimento e tendênciade crescimento do mercado

brasileiro de jornais, emcontraposição à tese que

dá como certa a redução doalcance da mídia impressa.

Aqui, cabe uma explicação técnica,que diferencia tiragem e circulação. OIVC audita apenas a circulação das pu-blicações que considera efetivamenteo número de exemplares comercializa-dos, ou seja, que realmente chegam àsmãos dos leitores. É um dado maisconcreto e de mais importância para omercado do que a tiragem bruta.

“Creio que o aumento na circulaçãobaseia-se na retomada dos investimen-tos. Com a diminuição da crise econô-mica, as empresas de diversos segmen-tos voltaram a investir, inclusive aseditoras de jornais. Os investimentosnão apenas colocam novos títulos nomercado, mas também geram açõespara tornar os títulos já existentes maisatraentes. Paralelamente, a melhora daeconomia cria um ambiente mais favo-rável para que as pessoas compremjornais. Creio que todo esse ciclo po-sitivo é a principal explicação para oaumento na circulação das publica-ções”, diz Pedro Silva.

Há campo para crescerEsse fenômeno será mesmo susten-

tável, ou em parte é explicado tambémpor ações de marketing, como as cen-tenas de promoções que tentam, mui-tas vezes a qualquer custo, agregar va-lores e produtos aos jornais?

“Com a retomada dos investimen-tos, os veículos se movimentam paraimplementar ações de promoção. Con-sidero que este é, sim, um dos fatoresque contribuem fortemente para oaumento da circulação. O crescimen-to existe. E há indícios de que ele podeser sustentável, como foi entre 2004 e2008. Evidentemente, considero essahipótese em uma situação comum,como a nossa atual, tendo o mínimo de

“O quadro do JB se delineou ao lon-go de um período longo, e não de ma-neira súbita. O que acontece com elenão é reflexo de uma situação que podeser transferida para todo o meio jornal.Entendo que se trata de um caso iso-lado. Além disso, se considerarmos osúltimos cinco anos, por exemplo, te-mos um volume muito superior de tí-tulos que foram lançados em relaçãoaos que foram descontinuados”, afir-ma, colocando por terra outra crençadada como certa: poderia a internetdecretar o fim dos veículos impressos?

“Obviamente, o avanço da internettem impacto não somente sobre os jor-nais, mas sobre todas as mídias. Contu-do, esse é um impacto que neste momen-to está bem absorvido. Prova disso sãoos aumentos na circulação média domeio jornal. De uma forma geral, asempresas editoras de jornais estão seadaptando bem à nova realidade. E im-portante é o movimento delas no senti-do de buscar novos modelos de negóci-os que incluam o digital. Vivemos ummomento de dinamismo tão grande porconta dos avanços tecnológicos que édifícil imaginar como serão os jornais dofuturo. Isso vai depender essencialmentedo modelo de negócios que for adotado.Novas tecnologias como iPad reduzema distância entre a experiência de ler umimpresso ou digital. E novas tecnologi-as vão melhorar ainda mais esta percep-ção do leitor. Os editores estão atentose ativos neste caminho e saberão apro-veitar a convergência que resultará des-sas tecnologias”, acredita Pedro Silva.

Indicador positivoA circulação segue mesmo com ten-

dência de alta. E a imagem dos jornais?Como anda a credibilidade deles junto aosleitores? E a sua captação no mercadopublicitário? Têm perdido espaço paraoutros formatos de mídia? Os números,sabemos, fazem retratos instantâneos,captam apenas imagens frias. Quase nun-ca revelam além do primeiro olhar.

“O IVC não verifica os dados de in-vestimentos publicitários, nem o graude credibilidade ou pesquisas de opiniãoa respeito dos veículos. Mas, nessesaspectos, acreditamos que o crescimen-to da circulação como um todo é umindicador positivo”, explica Pedro Silva.

Pode ser. Alguém aí se arrisca a fa-zer uma nova pesquisa?

O IVC: COMO É,O QUE FAZ,QUEM PAGA

entidade são provenientesda receita gerada pelaauditoria de cada veículofiliado e, ainda, pelascontribuições de agências eanunciantes filiados, alémde assinantes que se filiamao Instituto para ter acessoaos dados levantados.

Com unidades no Rio deJaneiro e São Paulo, o IVC éfiliado à InternationalFederation of Audit Bureauxof Circulations-IFABC,entidade que congrega osprincipais institutos de

auditoria de circulação domundo. Para isso, atende adiversos requisitos, taiscomo ter um Conselhoeleito com os representantesdos três segmentos domercado publicitário(anunciantes, agências depropaganda e veículos) eum presidente que sejarepresentante do segmentode agências ou anunciantes.E precisa atuar tendo comobase procedimentosnormatizados de auditoriade circulação.

J

Pedro Martins Silva:A circulação dosjornais refletiu a

recuperaçãoeconômica. Isso ficamais evidente comos novos títulos que

são lançados.

DIV

ULG

ÃO

Page 16: Jornal da ABI 357

16 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Qual será o futurodos jornais? Diantedas transformaçõespelas quais a impren-sa passou nas últimasdécadas e com a crisedos impressos e seusingredientes, que inclu-em quedas freqüentesnas tiragens, redução dasverbas de publicidade efragmentação da audiên-cia, cada vez mais disputa-da pela televisão e pela internet, respon-der a essa pergunta deixou de ser exercí-cio dos teóricos da comunicação para setornar necessidade para a sobrevivênciade muitos veículos. Enquanto uns fe-cham as portas, outros passam por mu-danças e remodelações na busca dos lei-tores perdidos. Mas também há aquelesque, em suas transformações, vão maislonge, a ponto de buscar novas alterna-tivas e repensar o modo tradicional comose faz um jornal diário. Esse parece ser ocaso do Diário de S. Paulo, que passou noúltimo mês de julho por uma das maisradicais reformas gráficas e editoriais emmais de um século de circulação.

“As mudanças são conceituais. Nãoqueremos um jornal apenas informati-vo ou reflexivo, mas pós-noticioso, comcara de revista mesmo”, explica o jorna-lista Leão Serva, Diretor de Redação doDiário. Com experiência tanto em im-presso quanto na internet e passagenspela Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde eportal IG, Serva foi contratado paracomandar o processo. Em termos maispráticos, como ele mesmo explica, ojornal pretende deixar a vocação de dara informação a cargo da internet, dorádio e da televisão, para se concentrarnos bastidores, no desdobramento danotícia. “Não anunciamos um novo pla-no ou uma mudança na economia. Tra-balhamos as consequências”, diz.

O discurso não é propriamente umanovidade, já que a maioria dos jornaisbusca esse caminho. Mas basta pegar anova edição do Diário para comprovar asdiferenças. A começar pelo formato.Antes em tamanho standard, a publica-ção decidiu investir na tendência de for-matos mais compactos e adotou o berli-ner, um tablóide um pouco mais alonga-do, o mesmo utilizado pelo Jornal da ABI.Nesse novo tamanho, o veículo passoua ter 64 páginas inteiramente coloridas

PromoçõesPara valorizar o novo formato, a di-

reção da empresa prepara promoções ecampanhas publicitárias. Em agosto,por exemplo, teve início uma promoçãoque premiará os leitores com dois car-ros zero quilômetro, 60 motos e milha-res de outros pequenos prêmios. O ob-jetivo é criar um elo com o leitor e o slo-gan já foi escolhido: “Meu querido Di-ário”. O alvo é aumentar a tiragem mé-dia, passando dos 42.435 exemplares dosprimeiros meses, de acordo com o Ins-tituto Verificador de Circulação-IVC,para 100 mil exemplares por dia até o fimdo ano e aumentar a base de assinantes,atualmente na casa dos 12 mil.

O desafio não é simples. Centenário,o Diário já foi considerado um dos maisimportantes jornais do Brasil. Fundadoem 1884 por José Maria Lisboa e Amé-rico de Campos com o título de DiárioPopular, era uma publicação de brevesanúncios, voltada para pequenos negó-cios. Com uma tiragem razoável, nãodemorou para conquistar uma situaçãofinanceira sólida. Entre 1950 e 1970, oDipo, como se tornou conhecido, viveuseu apogeu, destacando-se como o jor-nal que “falava a língua do povo”. Entreos importantes profissionais que passa-ram por sua Redação há nomes de peso,como Joaquim Alessi e José RobertoAlencar. O sucesso atraiu a atenção deAssis Chateaubriand e de seus DiáriosAssociados, que compraram o veículo.

Os anos 1980 trouxeram tempos dedeclínio para o jornal, principalmentepor causa do crescimento de seus con-

POR MARCOS STEFANO

MERCADO

Um diário em SP parase repensar o jornal

Com cara de revista, o Diário de S. Paulo lança seu novo projeto editoriale gráfico falando em revolucionar o jornalismo impresso no Brasil.

na maioria das edições esem divisões de cadernos, caracterís-

ticas que já faziam parte dos jornais daRede Bom Dia, da qual a folha paulista-na agora faz parte. De acordo com notadivulgada pelo Grupo Traffic, dono daRede, para que essas alterações fossempossíveis foram investidos US$ 1,5 mi-lhão no parque gráfico.

No logotipo, a tradicional cor pretacedeu lugar à azul da Rede Bom Dia. Maso destaque maior ficou para a marca “di-ário” – assim mesmo, toda em caixa baixa– que aparece no retângulo vermelho.Uma outra mudança atingiu diretamentea Redação, que ganhou nova planta in-terna, bastante diferente da convencio-nal. Isso porque as várias editorias foramabolidas e diluídas em três macroedito-rias. A Dia a Dia, de cor azul, concentraa cobertura de economia, Brasil, interna-cional, policial, cotidiano e cidades. Viva,de verde, traz cultura, lazer, entreteni-mento, saúde e educação. A Esportes fi-cou com a laranja. Além delas, há os su-plementos S!, com o guia cultural da se-mana, e R!, com indicação de bares, res-taurantes e baladas. Com dobraduras eparecendo mapas, eles circulam às quin-tas e sextas-feiras, respectivamente. A re-vista dominical Diário Dez! e os classifi-cados, às quartas, sábados e domingos,continuam circulando.

RupturaA repaginação gráfica e de conteú-

do contou com o apoio dos consulto-res da espanhola Innovation. Antes dolançamento, foram produzidos cinconúmeros zero para fazer todos os ajus-tes necessários. Entre as principaisapostas desse novo formato está a capada publicação, que traz menos chama-das. E não será surpresa quando a prin-cipal chamada ocupar quase metade daprimeira página. Se não houver anún-cio publicitário, a quarta capa do Diá-rio também receberá tratamento de

capa, destacando a cobertura esporti-va. O mesmo vale para a página duplacentral. Quando não for comercializa-da, terá uma reportagem fotográfica.

“Esse projeto representa uma ruptu-ra de modelo. Hoje, exploramos bemmais as fotos. Como numa revista, os es-paços em branco e o tamanho maior va-lorizam as imagens. A combinação des-ses recursos com letras maiores, gráficose textos curtos dará agilidade para quemlê seu jornal no ônibus, no metrô ou nocarro”, diz Renata Maneschy, Editora deArte. “As mudanças não se restringem aoimpresso. Podem ser vistas no site doDiário, que está em ampliação para con-centrar o conteúdo informativo. “Antes,tínhamos um texto principal e três re-trancas no jornal impresso. Agora, haverámatérias independentes e relacionadas aosite. Quando o repórter sai da reunião depauta para apurar uma matéria, já vaipensando em que conteúdo produzirá nopós-noticiário”, completa Maneschy.

Apesar de falar em pós-noticiário, adireção do Diário não acredita que a pu-blicação se torne mais fria. Pelo contrá-rio, o notícia diária continua, mas comum tratamento diferente. Exemplo clarodisso se deu logo na estréia do novo for-mato, no domingo 25 de julho. A capado veículo destacava a disputa eleitoralentre os presidenciáveis José Serra(PSDB) e Dilma Rousseff (PT). Além deuma matéria sobre como andava o em-bate e como foram as trocas de farpasdurante a semana, outra reportagemtrazia o curioso perfil de outro José eoutra Dilma, estes casados há 34 anos.

Fotos abertas,capas arejadas einfográficos são

as armas doDiário de S.Paulopara atrair novos

leitores. ParaLeão Serva, ojornal de hoje

não deve serapenas informativo

ou reflexivo, maspós-noticioso, com

cara de revista.

FRANCISCO UCHA

Page 17: Jornal da ABI 357

17Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Em uma festa marcada pela emoçãoe pela presença de figuras de destaqueem vários segmentos, a Folha Dirigidacomemorou seus 25 anos com um jan-tar no Copacabana Palace, no Rio deJaneiro. O evento ocorreu no dia 12 deagosto e reuniu cerca de 800 convida-dos. Personalidades das áreas da educa-ção, do turismo e do trabalho que fize-ram questão de prestigiar o jornal pu-deram, assim, se confraternizar durantecoquetel servido nos salões do hotel.

No início da solenidade, os convida-dos assistiram a um vídeo sobre a tra-jetória do jornal, fundado em 1985. Ovídeo também mostrou a ampliação dofoco editorial. Inicialmente criado comoum jornal de concursos, a Folha Dirigi-da passou a fazer parte de um grupoeditorial que coloca no mercado perio-dicamente publicações com uma cober-tura permanente nas áreas de educação,turismo e trabalho, sempre com o viésde fortalecimento da cidadania.

Diversas autoridades, entre elas oMinistro do Turismo, Luiz Barretto,participaram do evento. Ele destacoua contribuição que o Grupo Folha Di-rigida, através das publicações Folha doTurismo e Mercado & Eventos, traz aodebate das políticas públicas e questõesprimordiais para o setor.

“É fundamental ter uma imprensasegmentada, especializada, que nosajuda não só a divulgar questões impor-tantes do turismo brasileiro mas, tam-bém, que coloca questões relevantesem debate”, salientou o Ministro.

O Ministro do Trabalho e Emprego,Carlos Lupi, enviou mensagem em ví-deo, destacando a linha editorial que,ao divulgar sistematicamente as infor-mações sobre concursos públicos, tempossibilitado maior qualificação dosquadros de pessoal de órgãos públicosoficiais. “A Folha Dirigida é um jornalindependente, que mostra cada vezmais a importância do serviço público,do servidor público e do Estado”, frisou.

A festa reuniu diversas autoridadesda área de educação, à qual a Folha Di-rigida também se dedica. Entre elas, oProfessor Cícero Rodrigues, que repre-sentou o Ministro da Educação, Fernan-do Haddad; o Presidente da AcademiaBrasileira de Educação, Carlos AlbertoSerpa de Oliveira; o Presidente da Aca-

correntes. Ainda assim, ao ser adquiri-do pela Infoglobo em 2001, o Dipo eraa quarta força entre os jornais paulistas.Na época, a aquisição foi muito badala-da, pois era vista como a grande opor-tunidade do grupo comandado por Ro-berto Marinho de entrar no concorridomercado de jornais diários da maiorpraça brasileira. Para tanto, nesse mes-mo ano, o veículo sofreu uma grandereformulação. Teve o título mudadopara Diário de S. Paulo e, mesmo man-tendo a linha popular, deixou um pou-co de lado as matérias sobre polícia, di-minuindo o tom sensacionalista.

Quando o empresário J. Hawilla, dono

A FolhaDirigida

comemora25 anos

Solenidade especial foi realizadanos salões do CopacabanaPalace, seguida por jantar

de confraternização para oscerca de 800 convidados.

demia Brasileira de Medicina, PietroNovellino; além de reitores, dirigenteseducacionais, pesquisadores, políticose outras figuras de destaque no setor.

Como ArinosPresente ao ato, o Presidente da ABI,

Maurício Azêdo, destacou em discur-so a perseverança, o talento e a capa-cidade de trabalho de Adolfo Martins,criador do jornal, como aspectos fun-damentais para o Grupo Folha Dirigi-da transformar-se em poderoso instru-mento de comunicação, que hoje atin-ge 2 milhões de leitores por mês.

Lembrou o Presidente da ABI que opoeta Carlos Drummond de Andradedefiniu Afonso Arinos de Melo Francocomo “um trabalhador muscular dacultura”, quando este lançou o livro OÍndio Brasileiro e a Revolução Francesa,tal o vulto da pesquisa que realizara eo fôlego da produção intelectual que oconjunto de sua obra então alcançara.

“Tal como Drummond disse de Ari-nos, podemos dizer que Adolfo Martinsé um trabalhador muscular do jorna-lismo”, disse Maurício, acrescentandoque “a ABI se sente muito gratificadaem poder participar desta solenidadeque marca os 25 anos da Folha Dirigi-da e do idealismo do companheiroAdolfo Martins”.

Tudo com éticaAdolfo Martins, Presidente do Gru-

po, em seu discurso de saudação e agra-decimento, lembrou um dos pilares dojornal para alcançar a evolução que tevenos últimos 25 anos. “O mais impor-tante em nossa organização, desde oprimeiro dia, não tem sido conquistarvitórias. O fundamental tem sido aforma como conseguimos estas vitóri-as”, salientou Adolfo ao falar sobre ocompromisso ético que tem pautado aatuação dos veículos da casa.

No encerramento de sua fala, Adol-fo Martins chamou ao palco os direto-res do Grupo, numa homenagem sim-bólica a todos o funcionários e colabo-radores do jornal.

Adolfo: O fundamental em nossaempresa não são as vitórias, mas a

forma como conseguimos estas vitórias.

Textos curtos, informação ágil de fácilcompreensão e muitos elementos gráficos.Essa receita que fez o sucesso da internettambém foi a responsável pelapopularização da maior rede de jornais doBrasil. Criada no final de 2005 pelo GrupoTraffic, mais conhecido por ser líder demarketing esportivo e dono dos direitos decomercialização dos principaiscampeonatos de futebol da AméricaLatina, entre eles a Copa Libertadores, aRede Bom Dia cresceu no interior paulista.Em cidades como Bauru, Jundiaí,Sorocaba, Marília e Catanduva, a empresamontou jornais com o mesmo nome, omesmo padrão gráfico e os mesmosprincípios editoriais. Enquanto uma centralde produção fornece as matérias e colunascomuns a todos os veículos, pequenasRedações, em cada praça, sãoresponsáveis pelo conteúdo local.

Comercialmente, a fórmula tem sidoum sucesso. Atualmente, são sete jornaisdiários próprios, além de vários outroslicenciados e do Diário de S. Paulo, que foicomprado em outubro de 2009 e garantiua entrada do Grupo na capital paulista.Sem falar nos planos de expansão dessarede, que pode contar até o fim de 2010com 23 jornais.

Mesmo com tanta força e apetite, oimpresso é apenas uma das facetas daTraffic. A outra é a televisão. Afiliada daRede Globo, a TV TEM é formada por umarede de quatro emissoras, com sedes efiliais em alguns dos mais importantescentros do interior paulista. No total, essarede atinge uma população de quase 8milhões de pessoas, em 318 Municípios, oque corresponde a quase metade doEstado de São Paulo.

A maior rede dejornais do Brasil

da Traffic, anunciou a compra do diárioe de seu parque gráfico, em outubro doano passado, a notícia causou certa es-tranheza.

“A decisão de vender foi tomada apartir de uma proposta do Grupo Traffic.Porém, está em linha com a estratégia daInfoglobo de focar seus esforços nas árease segmentos em que a empresa é líder,como a televisão, e ampliar o investimen-to em novos negócios analógicos e digi-tais”, disse na ocasião Paulo Novais, Di-retor-Geral da Infoglobo. Claro que omau momento pelo qual o jornal atraves-sava pesou na venda, mas o negócio foimuito comemorado por Hawilla, quevislumbrou a possibilidade de entrar fortenum mercado há muito desejado. “Estaé nossa grande oportunidade de entrar nacapital do Estado, onde temos jornais tra-dicionais e de qualidade. Será um estímu-lo a mais para implantarmos nosso mo-delo de um jornalismo da era da internet,que caracteriza a Rede Bom Dia no inte-rior de São Paulo”, declarou Hawilla.

Rotina de trabalhoSe vai dar certo ou não, só o tempo e

as respostas dos leitores dirão. Por en-quanto, tem provocado profundas mu-danças na rotina de trabalho. Literalmen-te, o jornal acorda mais cedo, já que asreuniões de pauta e a diagramação foramantecipadas. Por outro lado, a intensa ati-vidade tem aberto novas vagas e oportu-nidades para jornalistas.

“Mesmo com a redução do consumode jornais dos últimos anos, avaliamosque existe um potencial muito grande.É um investimento a longo prazo”, dizLeão Serva.

Mas se os jornais tiverem o perfil derevistas, como ficam as próprias revis-tas de informação semanais?

“O mercado dá a elas espaço seme-lhante a outras publicações mensais.Não é de hoje que temos uma reduçãodo hard news nesses veículos. A não serque se tenha um furo ou um texto maisanalítico sobre um acontecimento, ascapas são de temas mais frios, compor-tamentais. Mais ligados ao indivíduo doque ao mundo ao redor”, analisa o Di-retor de Redação.

Quer se goste, quer se critique a maneiracomo está sendo feita a reforma do Diáriode S. Paulo, discutir o jornalismo impressodo dia-a-dia é oportuno e necessário. Ain-da mais se isso é feito na prática.

FOLH

A DIR

IGID

A

Page 18: Jornal da ABI 357

18 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Ao mesmo tempo em que lamentao fato de um de seus maiores títulos –o Jornal do Brasil – despedir-se das ban-cas e migrar para o online, o Rio deJaneiro assiste a uma operação de mer-cado em sentido contrário, isto é, deaposta na expansão da circulação deveículos impressos. A Empresa Jorna-lística Econômico-Ejesa, que controlao Grupo O Dia, ampliou no dia 19 dejulho a sua atuação no mercado edito-rial, ao lançar a versão paulista do jor-nal carioca Meia Hora. Conhecido porsuas capas quase sempre irreverentes epela proposta de leitura rápida, o ta-blóide, voltado para as classes C eD, chega a São Paulo mantendoseu formato, sua periodicidadediária e o preço de capa de R$ 0,50.As novidades não param por aí.

“Depois da compra da Edito-ra O Dia pela Ejesa, empresabrasileira que publica desdeoutubro o Brasil Econômico,trouxemos o Meia Hora paraSão Paulo e fizemos uma gran-de reformulação no Campeão!.O esportivo passou de 24 para32 páginas e cresceu também emtamanho, adotando o formato ber-liner nos moldes de O Dia e do BrasilEconômico. Entre repórteres, redatores,editores, fotógrafos, diagramadores eequipe da Arte, foram em torno de 40contratações nesse processo de chega-da dos dois títulos a São Paulo. Num mo-mento em que são noticiados o fecha-mento de jornais, o fim de edições im-pressas ou o enxugamento de Redações,estamos falando aqui da criação de pos-

ria. Vale lembrar que estamos tratandodos pólos do futebol internacional: a Es-panha, atual campeã do mundo que vaiquerer defender o título em 2014, e oBrasil, sede da próxima Copa e com aobrigação de conquistar o hexa. Marca,na Espanha, e Marca Campeão!, no Bra-sil, são os jornais que vão tratar de for-ma mais profunda essa conexão entreos países mais importantes do futebolna atualidade”, aposta Freeland.

A equipe do Marca Campeão! temacesso à pauta diária em Madri e podeselecionar o que considera de maiorinteresse para o leitor brasileiro: repor-tagens, infográficos, fotos. Foi assim,por exemplo, com a entrevista exclu-siva de Kaká, em que ele revelou terfeito infiltrações para jogar na Copa.Foi publicada a íntegra da entrevista,com fotos exclusivas. Um furo mundial,que demarcou as vantagens dessa par-ceria para o público brasileiro já na pri-meira semana do Marca Campeão!. E oMarca também publica histórias brasi-leiras, como a do Ganso, do Santos,admitindo seu sonho de jogar no RealMadrid ao lado do próprio Kaká e deCristiano Ronaldo. O Marca Campeão!concentrou boa parte dos recentes in-vestimentos feitos pela Ejesa no grupo.

Mais empregos“O jornal aumentou sua equipe no

Rio, montou uma Redação em São Pau-lo e aprofundou a cobertura dos clubes.A arte é um dos pontos altos no Mar-ca Campeão!. Não existe no Brasil jor-nal mais bem desenhado, com designmais arrojado e no qual informação erecursos gráficos sejam usados de for-ma tão criativa em benefício do leitor.Tudo isso graças ao projeto desenvol-vido pelo André Hippertt e pelo Saulo

MERCADO

Nova ordem do Dia em São PauloGrupo O Dia retoma investimentos e aposta no mercado de São Paulo, onde lança suas publicações Meia Hora e Marca Campeão!

POR PAULO CHICO

tos de trabalho com as iniciativas daEjesa”, comenta Alexandre Freeland,Diretor de Redação de O Dia.

A publicação esportiva foi tambémrebatizada. “Desde que criamos o Cam-peão!, há pouco menos de um ano, ojornal Marca tem sido uma referência,pela importância que tem no jornalis-mo esportivo mundial e pela alta qua-lidade de seus produtos, que vão mui-to além do veículo impresso. Eles têmo melhor site – e também o mais aces-sado. Fazem uma bela operação na rá-dio. No processo de reformulação doCampeão!, mandamos uma equipepara Madri para estagiar e conhecer ométodo de trabalho do maior jornalesportivo do mundo. Estiveram lá oMarcelo Torres, que é Editor-Assisten-te, o Léo Corrêa, Editor de Fotografia,e o Saulo Santana, Editor de Arte. Osespanhóis também tiveram a oportuni-dade de conhecer o nosso projeto emdetalhes. E assim se consolidou a parce-

Santana. O site também foi reformu-lado e ganhou em interatividade. Am-pliamos a cobertura de esportes olím-picos e de modalidades como automo-bilismo, uma das preferidas do públicoem São Paulo. Nos próximos dias, va-mos começar a apresentar os novoscolunistas. E, é claro, a equipe é artilheiranaquilo que simboliza o gol do jornalis-mo: o furo, a informação exclusiva”,explica o Diretor de Redação de O Dia.

Na prática, neste momento, as ope-rações de O Dia nas praças do Rio e deSão Paulo funcionam assim. Há duascapas diariamente para o Meia Hora eo Marca Campeão!. O Meia Hora dámais destaque às notícias locais de acor-do com a sua praça. Ou seja, no Rio, en-fatiza isso na primeira página e abre usu-almente as páginas internas com o no-ticiário do Estado do Rio. Em São Paulo,o jornal conta antes as histórias de lá. Nocaso do esporte, do futebol em especial,prioriza também os clubes locais.

Plano: investir“Os dois jornais vão muito bem,

dentro do nosso plano de crescimento.Montamos uma operação própria paradistribuição dos jornais em São Paulo,banca a banca”, conta Freeland, quefala de outros lances nessa política derevitalização do grupo.

“A Ejesa tem planos de investir ain-da mais no jornal O Dia. A marca seráfortalecida. Inovações estão previstaspara breve, mas ainda não posso dardetalhes. Só uma coisa não mudou,nem vai mudar forma alguma: a firme-za no compromisso com as bandeirashistóricas de O Dia, um jornal quedefende os interesses de seus leitores,daquilo que é melhor para o Rio e parao Brasil. Essa, aliás, é a marca da Reda-

Com acesso à pauta diária do jornalespanhol Marca, a edição brasileira

publicou entrevista exclusiva com Kaká.

O ilustrador Nei Lima, cuja caricatura deZico foi publicada na edição de estréia danova fase do Marca Campeão!, foi um dos

reforços contratados da nova equipe.

Dinâmicas e bem ilustradas, o Marca Campeão! mostra suas duas caras: a paulista e a carioca.

Page 19: Jornal da ABI 357

19Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

O fim da Copa do Mundo da Áfri-ca não trouxe novidades apenas aomundo do futebol. Já no clima da pró-xima competição, que acontecerá jus-tamente no Brasil, em 2014, a impren-sa esportiva começa a se preparar paraaproveitar o bom momento do espor-te nacional. Um dos primeiros passosfoi da Editora Abril e envolveu umadas marcas mais prestigiadas da mí-dia esportiva brasileira. Desde o mêsde julho o Jornal Placar, que antes eradistribuído gratuitamente nos princi-pais cruzamentos das ruas da cidadede São Paulo, ganhouas bancas e passou aser vendido.

Outra mudançaacontece na periodici-dade. Normalmente, apublicação saía todasas segundas e sextas-feiras; durante a Copa,tornou-se diária. Ago-ra, virou semanal, lan-çado todas as segun-das. Com o preço decapa a R$ 1,00, o peri-ódico passa a ter umatiragem de 100 milexemplares por edi-ção, que o transformano jornal esportivo demaior tiragem na re-gião e o faz presentenas bancas de toda aGrande São Paulo, in-cluindo o ABCD. Onúmero de páginastambém aumentou. Aprincípio, de 12 para24, mas há planos parachegar a 36.

Nota divulgada pelos editores in-forma que as mudanças do modelogratuito para o pago e de duas ediçõespor semana para uma estavam nosplanos da Abril desde o lançamento dapublicação, em 2008. “Amadurecemosa idéia e estabelecemos o fim da Copado Mundo como o momento para es-sas mudanças”, explica Marcos EmílioGomes, Diretor do Núcleo.

A opção por mudar a periodicidadee migrar para as bancas foi finalmenteimplementada após dois fatores prin-cipais que giraram em torno da compe-tição mundial. O primeiro é a naturaldiminuição dos anúncios, que durantea Copa permitiram à publicação serdiária. O segundo foi a resposta do pú-blico. Muita gente queria o jornal, mascomo ele estava restrito a algumas re-

ção de O Dia, uma equipe combativae de alta qualidade, que reúne algunsdos melhores profissionais do Brasil emreportagem investigativa e outros quetrabalham focados em áreas de gran-de importância para o desenvolvimen-to. Temos, por exemplo, uma coberturasistemática e em profundidade de edu-cação pública. Isso se reflete na quan-tidade de prêmios jornalísticos con-quistados pelos nossos profissionais. Omais recente foi o Prêmio Sip na cate-goria Crônica, com uma série especialsobre a participação dos militares bra-sileiros na Segunda Guerra Mundial.Os vencedores foram Marco AurélioReis, Aline Salgado e Élcio Braga, osúnicos de um veículo brasileiro a ga-nhar este ano um Prêmio de Excelên-cia com reportagem na Sociedade In-teramericana de Imprensa”.

Freeland explica ainda a polêmicadecisão da Eseja que, no dia 26 de ju-lho, enviou mensagem à AssociaçãoNacional de Jornais-ANJ, pedindo a suadesfiliação da entidade. A Ejesa vinhasendo acusada pela própria ANJ e pelaAbert de suposto descumprimento doartigo 222 da Constituição, que prevêum mínimo de 70% de capital nacio-nal para empresas jornalísticas e derádio e TV, e alega que se sentiu preju-dicada com as notícias que têm sidodivulgadas, com suspeitas de que ocontrole da empresa pertença ao gru-po português Ongoing.

“A Ejesa é uma empresa brasileira,opera rigorosamente dentro do queprevê a lei brasileira, cria empregos eoportunidades para brasileiros, aque-ce o mercado de comunicação, acredi-ta no potencial do País e vê enormeperspectiva de crescimento e prospe-ridade para todos. Está fazendo a suaparte para movimentar a economiabrasileira e a melhor prova disso já estádiariamente nas ruas, nas bancas doRio e de São Paulo. Por meio do Insti-tuto Ary Carvalho, aprofundou suapreocupação social, seu trabalho comcomunidades do Rio do Janeiro. A ANJnegou injustificadamente a filiação doBrasil Econômico e lançou denúnciasinverídicas sobre a Ejesa, que sempreatuou de forma transparente. Essadecisão pela desfiliação do jornal O Diae dos outros títulos é uma resposta àpostura antiética e moralmente inde-fensável da ANJ”, rebate Freeland.

O futuro: jornal popularDiretor-Executivo Comercial de O

Dia, Paulo Fraga destaca a importân-cia estratégica dos lançamentos daspublicações do Grupo em São Paulo.

“Vale lembrar que este é o maiormercado do Brasil, com importâncianacional e grande peso econômico.Nossa decisão, por exemplo, de lançaro Meia Hora paulista teve como funda-mento, sobretudo, a nossa percepção deque faltava, naquela praça, uma propos-ta mais clara e ampla de jornal popular.Por isso, optamos por buscar nosso es-paço nesse segmento. E, neste primei-ro momento, nosso principal desafio foi

Nas bancas, paraser o maior

A Editora Abril lança nova estratégia na cobertura esportiva e Jornal Placar deixa de ser gratuito para aumentar sua presença na Grande São Paulo.

POR MARCOS STEFANO giões, acabava sem. O problema era ain-da maior nos fins de semana, quandooutros gratuitos não costumam circu-lar e toda a dinâmica do fluxo de pessoasem São Paulo é alterada.

PlataformasO novo Jornal Placar faz parte de

uma estratégia mais ampla, que en-globa todas as plataformas da marcaPlacar. A cobertura diária e gratuita deeventos esportivos, principalmentedo futebol, será centrada no site da pu-blicação. O objetivo é alcançar a marcade três milhões de page views mensaisainda em agosto. Já a revista Placar se

manterá mensal, vol-tada para reportagensespeciais, entrevistase matérias mais analí-ticas. Marcas que fi-zeram a publicação seconsolidar como umadas principais do Paísnas últimas décadas.

“O jornal não deve-rá simplesmente com-petir com os diários,pois não se limita acobrir a rodada do fimde semana dos cam-peonatos de futebol.Também analisa asequipes e projeta orestante da semana.Funciona como umaespécie de revista se-manal. O hard newsestá por conta do site,com um perfil maisnoticioso. Já a revistacontinua mais analí-tica. São mídias com-plementares, que fa-lam com o público

mensalmente, semanalmente e a cadamomento do dia também. Vamos es-perar para conferir os resultados, masnão acredito que uma vá canibalizara outra”, afirma Sérgio Xavier, Dire-tor de Redação dos veículos Placar.Segundo ele, as matérias do jornal sócomeçarão a entrar na internet a par-tir da quarta-feira, enquanto o jornaljá poderá ser encontrado nas bancasna segunda.

Com 40 anos completados em 2010,Placar não é apenas uma das principaisrevistas brasileiras. Transformou-senuma marca de negócios, uma verda-deira grife, quando o assunto é fute-bol, que realiza anualmente diversoseventos, incluindo o Bola de Ouro,um dos principais prêmios do futebolbrasileiro.

adequar o formato tradicional, já con-sagrado no Rio, ao perfil do consumidorpaulista. É preciso respeitar o perfil lo-cal do leitor – seus hábitos, cultura e atémesmo linguagem. Pelos resultadosiniciais, podemos afirmar que estamosobtendo êxito neste trabalho”, afirmaFraga, que, assim como Freeland, tempassado quase todos os dias da semanana capital paulista.

Paulo Fraga aposta alto no papel doschamados jornais populares, bemcomo nos veículos esportivos, para asustentação da mídia impressa no Bra-sil. Se conseguem somar expressivastiragens, não faltariam, ainda, a títu-los como o Meia Hora prestígio e pesocomercial? Fraga diz que não.

“Isso não é verdade. O Meia Hora éum sucesso de vendas no Rio, e tam-bém um vitorioso na área comercial.Essas publicações têm conquistadoespaços crescentes no mercado, inclu-sive pelo fato de as classes C e D, àsquais são destinadas, apresentarem umpoder cada vez maior de compra. Elasagora são comsumidoras. E esses jor-nais aumentam o vigor do mercado ea audiência no target que muitos anun-ciantes querem atingir”, avalia o Dire-tor-Executivo Comercial, que, no casodo Marca Campeão!, aposta na força docalendário de eventos esportivos noBrasil como promessa de crescimentodo número de leitores:

“Com a Copa do Mundo e as Olim-píadas, o esporte está cada vez maispresente na cabeça das pessoas. E repre-senta um business importante, queatrai um grande número de expressi-vos anunciantes.”

Com manchetes criativas, o Meia Horadesembarcou em São Paulo disposto a

garantir seu espaço nas bancas.

Page 20: Jornal da ABI 357

20 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

JORNAL DA ABI - COMO FOI A SUA INFÂN-CIA? DESDE AQUELA ÉPOCA VOCÊ JÁ TINHA

CONTATO COM OS LIVROS?Ferreira Gullar - Eu nasci em São Luís

em 10 de setembro de 1930. Meu pai erajogador de futebol, da seleção maranhen-se. Era center-forward, como se chama-vam os centro-avantes na época. Elejogava no Luso-Brasileiro. Já a minhamãe era muito mais voltada para as coi-sas intelectuais. Não era intelectual,porque não tinha grandes estudos, masgostava muito de ler. Na verdade deveter sido dela que herdei o meu interessepela arte. Meu pai era mais futebol, co-mércio. De modo que a minha infânciafoi em São Luís. Eu vivia na rua com doiscolegas, vivíamos descalços jogandobola, roubando coisas no bar, fazendoestripulias de moleque. Pedíamos trêscopos de água e devolvíamos dois. Quan-do tínhamos dez copos juntados vendí-amos para o quitandeiro e íamos ao ci-nema. Coisas desse tipo. Eu estudei pri-meiro em casa, depois em um bom co-légio, o São Luís de Gonzaga, famoso noMaranhão pela sua qualidade. No giná-sio eu fui para o Ateneu Teixeira Men-des, que era pago. Quando meu pai teveproblemas financeiros, fui estudar naEscola Técnica de São Luís, que era gra-tuita. Lá aprendi várias profissões, como

POR FRANCISCO UCHA E BRUNO VAZ

“Tudo o quea gente faz só

tem sentido porcausa do outro”

Da infância rebelde em São Luís do Maranhão aoscírculos literários do Brasil e do exterior, o poeta completa

80 anos, ainda se emociona com a recepção à sua obrae diz que o leitor é que vai carregar no colo os seus poemas.

ESPECIAL

Poeta, revolucionário, jornalista. O maranhen-se José Ribamar Ferreira, mais conhecido como Fer-reira Gullar, já teve muitas experiências revoluci-onárias em seus 80 anos de vida, que ele completaagora em 10 de setembro. Poeta consagrado da li-teratura mundial, Gullar tinha boas chances decriar pavor à literatura ao queimar seus livros es-colares após uma grande decepção no colégio. Apaixão pelas letras, porém, tornou-o um dos au-tores mais admirados do País.

Suas opiniões e seu caráter idealista fizeram deleum exilado político perseguido pelo regime militar.Ao contrário de se abater, contudo, a angústia e odesespero alimentaram o poeta com o que ele tinhade melhor: o poder de se expressar e contar para omundo suas convicções. Longe do país que ama, emBuenos Aires, escreveu Poema Sujo, considerado pelo

F E R R E I R A

Gullar

poetinha Vinícius de Moraes o mais importante daliteratura nacional.

No campo jornalístico, além de trabalhar em im-portantes publicações, como O Cruzeiro, Manchetee O Estado de S. Paulo, e atualmente colaborar coma Folha de S. Paulo, participou da marcante reformagráfica e editorial do Jornal do Brasil, que deu novadimensão ao jornalismo brasileiro.

Neste 2010 Gullar lança Em Alguma Parte Algu-ma, novo livro de poesias após dez anos de hiato,e recebe a mais alta distinção da literatura em lín-gua portuguesa, o Prêmio Camões. Um período dosmais agitados, mas nada demais para este mara-nhense de fala mansa, físico franzino, mas queatravés das palavras se tornou um dos grandes eferozes contestadores das injustiças sociais no País.Com vocês, Ferreira Gullar.

ELIANE SO

ARES

Page 21: Jornal da ABI 357

21Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

serralheria, marcenaria, sapataria; sem-pre fui muito artesão, fazia tudo commuito prazer. Essas escolas, na época,eram muito boas, tinham bons profes-sores. Lá, eu escrevi uma redação sobreo Dia do Trabalho em que ironizava ofato de que nesse dia ninguém trabalha-va. A professora gostou muito do textoe disse: “Eu só não vou te dar dez porqueo texto tem dois erros de português”. Apartir daí, pensei que podia virar escri-tor e, por causa desses erros, me dediqueimuito à gramática. Mas antes de concluiro curso tive um problema nessa escola.O professor de Educação Física, fortão,mas meio burro, colocava os alunos emfila para que um carregasse o outro nascostas. E eu, um esqueleto, franzino,tinha que carregar um outro aluno muitomaior. Falei com o professor que nãotinha condições de carregar alguémmuito maior do que eu e pedi que colo-casse sempre um do meu tamanho paraque eu fizesse o exercício. Mas o profes-sor não aceitava o argumento. Assim pa-rei de ir à aula de Educação Física. Nofinal do ano tirei dez em Português, oito,sete em outras matérias, e tirei zero emEducação Física. Acabei reprovado! Aí eulevei os livros para o fundo do meu quin-tal e queimei todos. Nunca mais estudeiem escola alguma!

JORNAL DA ABI – VOCÊ PAROU DE ESTU-DAR? E COMO FOI SEU INÍCIO NO MUNDO DAS

LETRAS?Ferreira Gullar - A partir daí estudei

por minha conta. Passei a me envolvercom poesia, arte, isso aos 15 anos deidade. Desta maneira comecei a me en-volver com o meio literário. Eu lia embibliotecas públicas, passei a estudar ascoisas que me interessavam. Aos dezoitoanos comecei a trabalhar na Rádio Tim-bira, aos dezenove escrevi meu primei-ro livro de poesias. E, com isso, passeilidar com o pessoal do meio literário. Unstrabalhavam em jornais e me convida-ram para escrever para o Diário de SãoLuís. Às vezes eu colaborava para o su-plemento do jornal, escrevia artigossobre temas que me interessavam, lite-ratura. Lá em São Luís, porém, minhaprofissão era locutor de rádio, eu nãoexercia o jornalismo profissionalmente.Mais tarde passei a colaborar no JornalPequeno, escrevendo artigos sobre polí-tica, porque houve um fato na campa-nha presidencial de 1950 que me tornouconhecido na esfera política local.

JORNAL DA ABI - QUE FATO FOI ESSE?Ferreira Gullar - O Getúlio Vargas fa-

zia campanha e o Ademar de Barros oapoiava. O Ademar, então, foi a São Luísfazer comício e o Governo maranhenseera liderado pelo pessoal da UDN, quefazia oposição ao Getúlio. Para atrapa-lhar o comício, a Polícia cercou a princi-pal praça da cidade, a João Lisboa, fe-chando o local, e o comício teve que serfeito na Praça Deodoro, distante doCentro. À noite, meu pai e eu fomos emdireção à Praça João Lisboa, ele para irao cinema e eu para trabalhar. Quandochegamos lá, o comício já tinha acaba-do e o pessoal levou o Ademar até o hotel,perto da Praça. Deixaram-no no hotel e

voltaram e invadiram a Pra-ça. A Polícia estava escon-dida em uma esquina e co-meçou a atirar nos caras. AKombi onde estávamos ti-nha acabado de chegar aolocal. Quando vimos a confusão, os ti-ros, nos jogamos no chão. Chegou ou-tra Kombi que nos ajudou. Meu pai mepuxou para dentro dela e conseguimossair da praça. Mas eu queria voltar paraver o que ia acontecer. Me desvencilheidele e voltei. Vi o pessoal carregando umcorpo e avançar contra a Polícia. A Polí-cia recuou, foi embora e a coisa se acal-mou. No dia seguinte, quando fui traba-lhar na Rádio, tinha uma nota do Gover-no dizendo que os comunistas tinhammatado um operário. Eu peguei a notae não li. Aí veio um funcionário da Rá-dio e pediu para eu ler a nota. Eu falei:“Tá bom”. E continuei com o programa.Ele veio novamente e eu disse que nãoia ler porque aquilo era mentira. Ele fa-lou: “Mas você não tem nada a ver comisso”. E eu retruquei: “Você não sabe,mas eu tenho muito a ver com isso”. Eu,então, falei que ele mesmo poderia leraquela nota. Foi uma confusão na Rádioe acabei demitido. Essa notícia correu equando saí da rádio encontrei um jorna-lista me esperando e no dia seguinte ojornal estampou: “A juventude se rebe-la contra o governo”, onde eu era a ju-ventude. Aquilo criou uma encrenca e aoposição ao Governo me chamou paratrabalhar com eles. Eu não entendia nadade política, mas fui, porque estava de-sempregado. Aí eles me enviaram parao interior do Maranhão fazer campanha.

JORNAL DA ABI - NESSA ÉPOCA VOCÊ JÁTINHA LANÇADO UM LIVRO...

Ferreira Gullar - Sim, o meu primeirolivro Um Pouco Acima do Chão. Mas esteeu acabei deixando de lado, nem incluíem minhas obras completas, porqueconsidero uma publicação imatura. Eupaguei a impressão com meu salário,

minha mãe me ajudou a bancar. Nóscolocamos nas livrarias, consegui umalista com endereços de livrarias no Su-deste para mandar mas eu nem sei se oscaras colocaram na vitrine. Este livro medeixou um pouco em evidência com opessoal mais velho e do meio acadêmicono Maranhão. Com o pessoal mais jovemnão, porque o livro era um pouco careta.Ele serviu para me lançar em São Luís.

JORNAL DA ABI - JÁ QUE O SENHOR CON-SIDERA A OBRA IMATURA, QUANDO, REALMEN-TE, PASSOU A SE CONSIDERAR UM ESCRITOR DE

VERDADE?Ferreira Gullar - Eu, na realidade, já me

achava um escritor nessa época. Quan-do escrevi o livro eu o achava muito bom.A partir daí, porém, passei a ler mais,poetas de várias correntes, não apenasda minha geração, o que me fez ter umaoutra visão sobre a publicação.

JORNAL DA ABI - O QUE O FEZ SAIR DO

MARANHÃO?Ferreira Gullar - Meu interesse pela

poesia e pela arte. São Luís era muitopequena na época. Era muito difícil con-seguir livros. Dessa maneira, após traba-lhar para a oposição na campanha, resolviinvestir na literatura. Inclusive brigueicom o cara que me convidou para esse tra-balho logo após o final das eleições. Issoporque eles inauguraram uma escola nointerior e, ao final da campanha, essapessoa disse que não precisava contratarprofessores para a escola. “Fecha aquilolá”. Era só fachada para ganhar as eleições.Aí eu me revoltei com aquela situação,chamei o cara de escroto, tive que sair dacasa onde eu estava morando durante a

campanha. Eu era meio maluco na épo-ca, mas estava fazendo o que era direito.

JORNAL DA ABI - CHEGANDO AO RIO,COMO O SENHOR FEZ PARA SE MANTER?

Ferreira Gullar - No final de 1950, euganhei o prêmio do Jornal de Letras como poema O Galo, que não é o poema quefoi publicado. E isso me deu ânimo paravir ao Rio. O meu interesse era partici-par do mundo. E São Luís era uma cida-de à margem do mundo. Eu via os avi-ões passando pela minha cabeça, indopara Paris, Nova York, e decidi ir para ocentro do mundo, o Rio, onde eu podiaviver a vida contemporânea. Isso foi em1951. Uma escritora maranhense, LuiTeixeira, que tinha estudado em Belo Ho-rizonte e se dava com pessoas como OtoLara Resende, Hélio Pellegrino, CarlosCastelo Branco, conversou comigo e medeu força para ir. Ela falou com o tam-bém maranhense Odilo Costa, filho, quetinha contato com o Instituto de Apo-sentadorias e Pensões dos Comerciários-IAPC. Daí, vendi o que tinha e vim parao Rio morar numa vaga em um quartocom mais três, e fui trabalhar na revis-ta dos funcionários do IAPC. Era uma re-vista de circulação interna e um cabidede empregos, ou seja, ninguém trabalha-va. Estavam lá o Oto, o Hélio, Lúcio Car-doso, todos colaboravam com a revista,

Uma vida em 3x4:Gullar retratado

em vários momentos, inclusive de bigodena época da clandestinidade quando

teve que usar documentos falsos.

Após deixarSão Luís, suaterra, Gullarenturmou-se noRio com opessoal de artee do jornalismo.Aqui estão ele(primeiro àesquerda), LígiaPape, TheonSpanudis, LígiaClark e ReinaldoJardim, com ofilho Joaquim.Na visão dele, oRio era o centrodo mundo.

FOTOS: ACERVO PESSOAL

Page 22: Jornal da ABI 357

22 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

mas não apareciam; só assinavam o pon-to e de vez em quando escreviam algu-ma coisa. Eu, que não tinha onde morar,fiz da revista o meu escritório. Para mimera ótimo, tinha telefone, máquina de es-crever, cafezinho. Então, me instalei lá,na Rua Alcindo Guanabara, era o únicocara que trabalhava na revista porque es-tava sempre lá. Não havia grande coisapara fazer porque a revista era pequena.Lá eu me tornei amigo do Lúcio Cardo-so e vivíamos rodando pela cidade semrumo. E às seis da tarde íamos para o Ver-melhinho, em frente ao prédio da ABI.Naquela época, a Escola de Belas-Artesfuncionava no Museu Nacional de Be-las-Artes, próximo dali. Então, o pessoalque ensinava arte na Escola ia para lá etodos se encontravam no local. Eu fica-va por lá com o Mário Pedrosa, crítico dearte, conversava com os artistas. Depoiscada um ia para sua casa e eu ficava porali porque eu não tinha casa.

JORNAL DA ABI - A PARTIR DAÍ O SENHOR

PASSOU A TER UM MAIOR CONTATO COM A ARTE

CONTEMPORÂNEA?Ferreira Gullar - Sim, muito através do

Mário, que era uma pessoa espetacular.Ele era o precursor da arte concreta noPaís e eu passei a ter contato com esteestilo de arte. Era uma coisa muito revo-lucionária. A arte moderna exaltava abrasilidade. Já a arte concreta não tinhanada a ver com isso, eram formas. O sur-gimento da arte concreta no País foi umacoisa muito importante para o meio ar-tístico, porque nos permitiu convivercom outra realidade que não apenas a artemoderna. A partir deste contato com aarte concreta e com estes artistas no Riode Janeiro, comecei a desenvolver o meutrabalho poético, que culminou com apublicação da minha primeira obra, ALuta Corporal, que demorou dois anospara ser escrita.

JORNAL DA ABI - E COMO PASSOU A SER,TAMBÉM, A SUA RELAÇÃO COM A IMPRENSA?

Ferreira Gullar - A partir desse contatoque eu tive com escritores e com a inte-lectualidade brasileira da época, come-cei a escrever sobre arte e ingressei naimprensa na famosa revista O Cruzeiro,como revisor de textos. Foi uma épocamuito boa, já que a revista era o que demelhor havia na época em termos deimprensa. A partir daí, trabalhei na Man-chete e no Diário Carioca, como redator,antes de ser convidado para elaborar oSuplemento Dominical do Jornal do Bra-sil e também para realizar a reforma grá-fica do jornal, em 1955. Esse foi ummarco na minha carreira jornalística,porque passou a nortear a imprensa daépoca. Antes dessa reforma, os jornaiseram uma bagunça gráfica. Não tinhampadrão de fontes, a notícia da manche-te continuava no interior, algumas ve-zes chamando para a página errada. Ouseja, essa reforma serviu para padroni-zar o jornal, e ficou bem legal. O sujei-to folheava o jornal e tinha uma lógica;os setores foram definidos, foi um tra-balho muito interessante. Depois disso,trabalhei, também, em O Estado de S.Paulo e colaborei com O Pasquim e Opi-nião. Atualmente, escrevo uma colunasemanal na Folha de S. Paulo.

JORNAL DA ABI - APÓS ESSA EXPERIÊNCIA

ENRIQUECEDORA NO JB, COMO O SENHOR VÊ OFIM DO JORNAL, ANUNCIADO RECENTEMENTE?

Ferreira Gullar - Com muita tristeza.

Quando ele virou tablóide eu cancelei aminha assinatura imediatamente. Nãoquis acompanhar o fim do jornal. Eupensei comigo mesmo: “Não foi isso queeu ajudei a criar”. De qualquer manei-ra, é melancólico saber que uma coisaque você ajudou a criar acaba dessamaneira. Eu acredito que o JB começoua ruir quando da construção daqueleprédio na Avenida Brasil. Além de ser umprédio enorme, onde deve ter sido gas-to muito dinheiro, ele é muito mal loca-lizado, de difícil acesso. Numa época emque o dinheiro circulava com mais faci-lidade, o JB começou a se encrencar aoconstruir aquela sede e o resultado foianunciado agora.

JORNAL DA ABI - COMO ERA A SUA RELA-ÇÃO COM O PASQUIM?

Ferreira Gullar - Trabalhar no Pasquimera fantástico, porque os profissionaisque trabalhavam lá, pelo caráter humo-rístico da publicação, podiam tratar dasmazelas do País na época. E isso davauma certa liberdade que era muito bemaproveitada por pessoas das mais talen-tosas. Uma vez, fizemos um mutirãoporque quase toda a Redação havia sidopresa. Nos reunimos e conseguimoscolocar o jornal na rua. Esse era o espí-rito do Pasquim, um lugar muito leve eprazeroso de se trabalhar.

JORNAL DA ABI - NESSA ÉPOCA O SENHOR

PASSOU A VIVER NA CLANDESTINIDADE E POS-TERIORMENTE TEVE QUE SE EXILAR EM ALGUNS

PAÍSES. PARA UM JOVEM QUE NÃO GOSTAVA DE

POLÍTICA, COMO O SENHOR ACABOU NESTA SI-TUAÇÃO?

Ferreira Gullar - Na realidade, eu erafiliado ao Partido Comunista e em deter-minado momento ocupei a diretoria es-tadual. Acontece que meu nome foi lem-brado para compor uma chapa maismoderada. O fato é que havia dois gru-pos dentro do Partido disputando o po-der: um queria pegar em armas e o outrodiscordava dessa opção. Assim, o grupomoderado me chamou para compor achapa porque meu nome dava relevo, eraaglutinador. Nossa chapa foi vitoriosamas eu não participava das reuniões doPartido e não sabia das decisões e do queestava acontecendo. Num momento demaior repressão, a direção achou melhoreu desaparecer por uns tempos. Falaram:

“Gullar, você não tá sabendo denada do que acontece aqui. Se teprendem, vão te torturar e você nãovai ter o que contar. Eles vão aca-bar te matando porque não vãoacreditar em você!” Assim, por umtempo, passei a viver na clandesti-nidade, ou seja, escondido em lu-gares diferentes para despistar osmilitares. Só que, em determinadomomento já não havia mais paraonde ir e comuniquei isso ao Par-tido. Se eu continuasse no País, embreve seria preso. Eles então con-seguiram me tirar do Brasil. Primei-ro fui para Moscou, onde fiz umcurso de arte muito bom com umprofessor espanhol. Posteriormen-te, me mudei para o Chile e assimque cheguei houve o golpe militar

local. Os militares chegaram a entrar emmeu apartamento, mas como eu tinhaacabado de chegar não encontraram nadaque pudesse me incriminar. Dali eu fuipara Lima e, por fim, Buenos Aires.

JORNAL DA ABI - NA CAPITAL ARGENTINA

NASCEU O POEMA SUJO, SUA OBRA MAIS FA-MOSA. FALE UM POUCO DA SUA CONCEPÇÃO.

Ferreira Gullar - Na realidade, houveum momento em Buenos Aires em queeu achava que não tinha mais saída. Asituação estava se apertando, eu nãotinha mais para onde ir. Sentindo que ofinal podia chegar a qualquer momen-to, resolvi escrever exatamente aquiloque estava sentindo, aquilo que havia emmeu coração naquela época de extremarepressão. Daí saiu o Poema Sujo. É porisso que eu sempre digo que um poemanão é comandado pelo poeta, mas porele mesmo. Recentemente, com a pro-ximidade de terminar o meu último li-vro Em Alguma Parte Alguma, minhaeditora me cobrava: “Gullar, quandovamos terminar?”. E eu dizia para ela:“Quando os poemas quiserem”. O po-ema é uma coisa que vem de dentro doautor, que não pode ser cobrado porquetem vida própria. Ele nasce quando quere termina quando quer. E foi assim comPoema Sujo. Naquela situação, eu tireido meu interior as palavras que meconsumiam e escrevia descontrolada-mente, sempre guiado pelo poema. Po-rém, no final eu sabia que não haviaterminado mas também não tinha maisinspiração para escrever. Estava cansa-

ESPECIAL FERREIRA GULLAR

Num passeio pelaAvenida Atlântica,Antônio LuísGuimarães, LagoBurnett (de óculosescuros) e Gullar,num flagrantequando acendiaum cigarro. Abaixo,o encontro de trêspoetas: ele, Correade Araújo e LagoBurnett, amigo davida inteira.

FOTOS: ACERVO PESSOAL

Page 23: Jornal da ABI 357

23Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

do. Fiquei um bom tempo esperando ofinal chegar. Esperei pelo final certo. Foiquando lembrei de uma frase do Hegelcitada por Lênin. “No ramo da árvoreestão o universal e o particular”. Pareipara pensar: “O que ele quis dizer comisso?” Então achei a inspiração que fal-tava para escrever o final do poema.Quando ele diz que a árvore é o univer-sal, é o todo, e o ramo é parte dela, o par-ticular. Quer dizer que eu posso arran-car o ramo da árvore, mas a árvore con-tinua nele. Como São Luís está em mimmesmo quando eu estava em BuenosAires. Aí eu terminei o poema, aliás, elese completou através de uma frase doHegel citada pelo Lênin.

JORNAL DA ABI - POEMA SUJO É SUA

OBRA-PRIMA?Ferreira Gullar - É a publicação mais

conhecida, muito em parte pela divulga-ção que teve através do Vinícius de Mo-raes. Sob esse prisma sim, mas os poemas,como eu mesmo disse, têm personalida-de própria, são todos diferentes, e é com-plicado julgar ou eleger um melhor.

JORNAL DA ABI - COMO O SENHOR VÊ ACULTURA NO PAÍS ATUALMENTE?

Ferreira Gullar - Acho que vivemos ummomento muito delicado, porque esta-mos correndo o risco de passarmos porum período de sérias restrições às liber-dades individuais. O Governo atual, soba premissa de um forte apoio popular, seacha no direito de intervir, de impor oque deve ser feito. E isso é muito peri-goso. Como também é sempre ruim umacontinuidade no poder por muito tem-po. Na área cultural nós estamos vivendoesse fenômeno, com uma intervençãoestatal cada vez maior. Isso é perigosoporque o Poder Público se acha no direitode dizer que tipo de arte deve ser feita,quando a arte vem do povo e não doGoverno. O que precisa ser feito é finan-ciar as manifestações artísticas do povo,a função do Governo é essa. E isso, in-felizmente, não vem acontecendo. Ecomo estamos próximos de uma eleição,devemos refletir sobre a importânciadeste momento para os próximos anosno País. Um país sem cultura não é nada.A cultura é fundamental para o bem-es-tar, para o desenvolvimento, porque fazpensar. E qual o melhor remédio para sedesenvolver do que pensar, do que estu-dar? Infelizmente, o quadro que vemsendo traçado em nosso País é desanima-dor sob esse ponto de vista.

JORNAL DA ABI - O SENHOR FOI O CURA-DOR, AO LADO DE JÚLIA PEREGRINO, DA EXPO-SIÇÃO SOBRE CLARICE LISPECTOR QUE ACONTE-CEU EM 2007 NO MUSEU DA LÍNGUA PORTU-GUESA. QUAL FOI A ORIENTAÇÃO PARA SINTE-TIZAR A COMPLEXIDADE DA OBRA DA ESCRITO-RA NESSA EXPOSIÇÃO? NA SUA AVALIAÇÃO, OQUE SE CONSEGUIU RESSALTAR PARA O PÚBLICO?

Ferreira Gullar - Tomei, de saída, a de-cisão de que não devíamos facilitar ascoisas para os visitantes da exposição,nada de mostrar uma outra Clarice, maisfácil de entender. Isto posto, comecei areler as suas obras e destacar as frases queme pareciam reveladoras da beleza de sualiteratura, de sua riqueza e também de

sua inconformação com os limites da ex-pressão. Ela deixa claro que o mistérioda existência é intraduzível em palavrase, se traduzido fosse, deixaria de ser mis-tério. O resto se deve à dedicação de JúliaPeregrino, à criativa de Daniela Thomase Felipe Tassara e à equipe inteira, de altacompetência.

JORNAL DA ABI - NA SUA OPINIÃO, O JO-VEM QUE QUER SE TORNAR ESCRITOR TEM MAIS

OPORTUNIDADES ATUALMENTE DO QUE NA

ÉPOCA EM QUE O SENHOR COMEÇOU SUA CAR-REIRA DE ESCRITOR?

Ferreira Gullar - Hoje existem maiseditoras, isso é um fato, mas dizer queo jovem tem mais oportunidade não éuma coisa verdadeira. Principalmente nocampo poético, onde faltam atenção edivulgação aos jovens autores. Estesescritores precisam ser incentivados e euvolto a dizer que falta uma política nestesentido, e para a cultura em geral no País.Essa molecada tem que escrever, ter a suapublicação divulgada. Se vai ser bom ouruim só saberemos lendo. Mas falta in-centivo a esses jovens escritores.

JORNAL DA ABI - NESTE SENTIDO, COMO OSENHOR VÊ A COBERTURA DA MÍDIA?

Ferreira Gullar - Eu considero uma boacobertura. Durante um tempo os suple-mentos literários ficaram esquecidos,mas atualmente nós temos visto estaspublicações voltarem, o que é muitoimportante para a literatura nacional. Amídia tem feito bem a sua parte de di-

vulgar a cultura nacional, eu não tenhomuitas restrições a fazer neste campo.

JORNAL DA ABI - E QUAL É O PAPEL DA ABINESTE CONTEXTO?

Ferreira Gullar - O papel da ABI émuito importante na medida em quevaloriza o trabalho da imprensa no País,divulgando as suas atividades e lutandopor uma cobertura jornalística melhore mais ética. Este papel vem sendo de-senvolvido há algum tempo e posso di-zer que vem sendo bem executado.

JORNAL DA ABI - QUAL FOI A SENSAÇÃO DE

RECEBER ESTE ANO O PRÊMIO LITERÁRIO MAIS

IMPORTANTE DA LÍNGUA PORTUGUESA, O CA-MÕES E, RECENTEMENTE, SER APLAUDIDO DE PÉ

NA FEIRA LITERÁRIA DE PARATI, A FLIP?Ferreira Gullar - Essa identificação das

pessoas comigo, que eu constatei na Flip,é uma coisa que me deixa feliz. Essa é umaprova de que as coisas que eu falo atin-gem as pessoas. E tenho a impressão deque elas ajudam as pessoas. As pessoasvêm tão agradecidas falar comigo. E al-gumas delas dizem coisas que deixamclaro que a minha obra as deixa mais fe-lizes. E isso me gratifica muito. Eu achoque o sentido da vida é o outro, eu nãotenho dúvida nenhuma disso. Tudo o quea gente faz só tem sentido por causa dooutro. Inclusive é o outro que vai lembrardaquilo que fizermos, é o seu filho, o seuneto, o seu leitor, que vai carregar no coloos seus poemas. Então, quando um carame dá o Prêmio Camões, o sentido dis-

Diante da necessidade de se refletir so-bre algumas situações do cotidiano, a me-lhor rima de um poeta pode ser mesmo ada prosa trivial, bem-humorada e sem mei-as-palavras. Esse é um dos segredos de Res-mungos, livro lançado em 2006 pela Im-prensa Oficial do Estado de São Paulo e quefoi o Livro do Ano de Ficção do Prêmio Ja-buti de 2007. O outro segredo é a exube-rância gráfica do livro, fruto de uma parce-ria entre o escritor Ferreira Gullar e o ilus-trador Antônio Henrique Amaral.

O título Resmungos é bem típico deGullar, conhecido por seu gênio e palavrasfortes. O termo foi usado para batizar suaseção no site Portal Literal e, depois, a co-luna dominical que passou a escrever naFolha de S. Paulo. É dessa coluna que o li-vro tira suas 44 crônicas, todas publicadasoriginalmente em 2005. Mas a reedição dostextos não segue a ordem cronológica nemtem qualquer preocupação de datação.Foram organizadas em quatro seções temá-ticas: Idéias, Evocações, Temas Sociais e Po-lítica, justamente com o objetivo de quetenham uma nova leitura.

Contando experiências pessoais ou anali-sando questões nacionais Ferreira Gullar con-segue entreter, envolver o leitor, quase criaro clima de uma conversa de bar. E é mordazem algumas de suas tiradas. Ao falar sobre afebre dos programas de televisão e publica-ções que fazem previsões pessimistas sobre

so, para mim, é que pessoas que estãodistantes de mim, pessoas que muitasdelas nem me conhecem, resolveram medar este prêmio, reconhecer a qualidadedo meu trabalho, significa que estou cum-prindo o meu papel. Que o outro, seja eleAntônio, Maria, Francisco, seja quem for,recebe o que eu fiz e isso o gratifica, o aju-da, dá sentido à sua vida. E isso eu achoque é a coisa fundamental.

JORNAL DA ABI - E COMO O SENHOR SE

SENTE ESCREVENDO UM NOVO LIVRO DEZ ANOS

APÓS A PUBLICAÇÃO DO ÚLTIMO?Ferreira Gullar - A minha trajetória

literária tem sido assim, um bom espa-ço de tempo entre um livro e outro. Issopara mim não é novidade. Quanto aolivro, acredito que este seja diferente dosoutros, tenha vida própria, nada que fujaàs minhas características como autor.Quando percebi que era hora de lançaruma nova publicação, que os poemasestavam prontos, resolvi lançar este.

JORNAL DA ABI - É MAIS FÁCIL ESCREVER

UM LIVRO NUMA IDADE MAIS MADURA?Ferreira Gullar - É indiferente. Como

eu mesmo disse, o poema vem até você.É claro que com 80 anos o autor tem maisexperiência de vida, passou por mais coi-sas que lhe garantem mais subsídios paracontar uma história ou escrever poesia.Porém a idade não é garantia de boa obra,como mostram autores que escreveramgrandes obras mais novos e outros queescrevem mal depois de velhos.

POR MARCOS STEFANO

Os resmungos do poeta na imprensao futuro da Humanidade por causa do des-caso com o meio ambiente, ele escreve:

“Abri a revista cheio de curiosidade, e eisque uma visão assustadora foi tomandoconta de mim: a floresta amazônica estavaprestes a ser destruída; os mananciais deágua estavam em grande parte poluídos; asmetrópoles, envenenadas pelo petróleo,aqueciam o planeta, o que provocaria oderretimento das calotas polares; sem falarno crescimento do buraco de ozônio quenos ameaça com câncer de pele... Pus arevista de lado e fiquei ali, sem ânimo paracontinuar vivendo.”

Depois, completa:“Ao ver o Papa pedindo ajuda para os

atingidos pelo tsunami, resmunguei: Deviaera ter pedido a Deus que não fizesse isso.Mas logo me corrigi: foi exatamente porcausa desse desamparo que o homem in-ventou Deus”.

Mais adiante o escritor cria uma “ópera”para recontar os diálogos dos envolvidos noescândalo do mensalão:

“Cena 5. Semanas depois. Descobre-seque Waldemar recebeu dinheiro do men-salão. Waldemar: ‘Dirijo-me ao presidentedesta Casa e aos senhores deputados parainformar que, neste momento, renuncio aomeu mandato’. Silêncio no Plenário. Walde-mar: ‘Tomei esta decisão para mostrar queainda existem homens dignos neste País!’.Risos. Enquanto isso, Lula chora num palan-que em Garanhuns: ‘A mãe de todo mun-do nasceu sabendo ler, só a minha nasceu

analfabeta!’. Suplicy: ‘Sempre disse que asolução era a renda mínima”.

“Escrevo sobre qualquer coisa. Resmun-go muito, mas também faço graça, criticoo governo. Mas é um livro original, arte so-bre crônicas efêmeras”, disse Gullar na en-trega do Jabuti.

Ainda que exagere ao qualificar suas efe-mérides, ele tem razão. O trabalho do artistaplástico Antônio Amaral não dá apenas supor-te ao texto. É parte importante da obra, aponto de dar ritmo às palavras. Nisso, suasilustrações também são originais. Uma vezque não estaria limitado ao espaço e à regu-laridade do jornal, Amaral usou técnicas comoaquarelas, xilografias, óleos, acrílica, colagense intervenções feitas com computador, paracriar detalhes e dar novo foco para o leitor.

Page 24: Jornal da ABI 357
Page 25: Jornal da ABI 357
Page 26: Jornal da ABI 357

26 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Acolhendo por unanimidade o votodo relator, Desembargador Raul Cel-so Lins e Silva, a 17ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado do Rioanulou a sentença de primeira instân-cia que condenara os jornalistas Fer-nanda Job e Ricardo Boechat e a RedeBandeirantes de Televisão e a Edito-ra JB a pagar R$ 10 mil cada um aoTenente da Polícia Militar André LuizOliveira de Albuquerque, que pleite-ara indenização por dano moral novalor de R$ 90 mil pelo noticiário acer-ca de um episódio em que ele e a jor-nalista se viram envolvidos em 10 denovembro de 2005.

Ao julgar os recursos formuladospelas partes, o Desembargador RaulCelso reproduziu decisões sobre o temaadotadas pelo Superior Tribunal deJustiça e por Câmaras Cíveis do Tribu-nal de Justiça do Estado, entre as quaisa própria 17ª Vara Cível. Ele transcre-ve trechos da manifestação do Minis-tro Carlos Ayres Britto como relator doprocesso em que o Supremo TribunalFederal revogou a Lei de Imprensa (Leinº 5.250m de 9 de fevereiro de 1967).Entre os trechos do voto de Ayres Brittodestacados pelo Desembargador RaulCelso figuram estes:

“...A liberdade de informação jorna-lística é versada pela Constituição Fe-deral como expressão sinônima de li-berdade de imprensa. Os direitos quedão conteúdo à liberdade de imprensasão bens de personalidade que se qua-lificam como sobredireitos... “.

“...Não há liberdade de imprensa pelametade ou sob as tenazes da censuraprévia, inclusive a procedente do PoderJudiciário, pena de se resvalar para oespaço inconstitucional da prestidigita-ção jurídica. Silenciando a Constituiçãoquanto ao regime da internet (redemundial de computadores), não hácomo se lhe recusar a qualificação deterritório virtual livremente veiculadorde idéias e opiniões, debates, notícias etudo o mais que signifique plenitude decomunicação... “

GRAVATA, ALGEMAS E GÁS DE PIMENTACONTRA A JORNALISTA FRANZINAApós enunciar a finalidade dos re-

cursos apresentados à 17ª Vara Cível,o Desembargador Raul Celso Lins e

Induvidosamente, estão confirma-dos o emprego do gás de pimenta e ouso despropositado de algemas pelopróprio colega do policial autor, denome Samuel, a confirmar a absolutadesproporção entre a reação da jorna-lista ao transtorno de que fora prota-gonista e a conduta policialesca dossupostamente mantenedores da ordeme respeito aos direitos individuais.

Para corroborar a estupidez das agres-sões à primeira demandada, confira-seo Termo de Encaminhamento ao IML,lavrado pelo Delegado da 15ª Delegacia(fls. 158) e a confirmação pelo auto deexame de corpo de delito:

“Observações : Tem escoriações nospulsos, no braço direito, pescoço e olhos”;

“equimose violácea irregular circun-dando (...) os punhos produzidas poralgemas”.

O certo é que o Tenente Albuquer-que praticou alguns delitos penais con-tra a jornalista, quais sejam lesões cor-porais, abuso de poder ou violação dedever inerente ao cargo.

Compreende-se sua inexperiência,eis que muito jovem, sem qualquerpreparo para o exercício da profissão,prestigia a violência, o destempero e odesequilíbrio no trato com as pessoas.

Em nenhuma oportunidade a jorna-lista pronunciou palavras ofensivas aoautor. Tão somente protestou contraa blitz da qual fora prejudicada no seuretorno ao lar. Jamais se dirigiu ao au-tor e, mesmo assim, transformou-seem vítima da violência do demandan-te e ré de ação onde se pede indeniza-ção por suposto dano moral.

Os acontecimentos pelos quais a jor-nalista passou, foram transmitidos àmídia com a finalidade de desagravar

a vítima, depurar a Polícia Militar deelementos despreparados para o exer-cício da profissão e criar a consciênciade que se deve protestar sempre que sevislumbrar atitudes inconvenientespor parte do agente público.”

Quanto mais reclamava a demanda-da, mais o policial apertava-lhe a algemae o pescoço, jogando-a na mala do cam-burão saindo em disparada pela contra-mão em direção à Delegacia Policial.

Destaque-se, como se viu, que o tra-tamento dispensado pelos policiais àfranzina e frágil jornalista FernandaJob não é comum àquele dedicado aosmarginais e bandidos.

A narrativa, extraída do Registro deOcorrência (fls.39) é absolutamenteconfiável e autêntica, porquanto pres-tada pouco tempo depois dos lamen-táveis acontecimentos.”

O OFICIAL NÃO PODERIA SER“ARROGANTE, DESCORTÊS E VIOLENTO”

O Desembargador Raul Celso conti-nua a narração do episódio, agora comcomentário sobre o oficial autor da ação:

“Com toda a certeza, os fatos viven-ciados pela ré (que pode ser tambémchamada de vítima) não poderiam fi-car circunscritos à repartição policial,aos poucos passageiros do ônibus e aoscuriosos que assistiram as cenas inacre-ditáveis, eis que protagonistas polici-ais que deveriam oferecer exemplos deequilíbrio e educação no tratamento aoscidadãos que pagam impostos, conse-qüentemente, os seus salários.

O que fez ela? Publicou os terríveismomentos vivenciados no tranqüilobairro do Jardim Botânico, como seestivesse em guerra na Bósnia, Afega-nistão ou Iraque.

Tenente da PM-RJ processara o âncora da TV Bandeirantes por noticiarviolências praticadas contra uma jornalista que protestara contra uma

blitz que engarrafou o trânsito. Ao anular a sentença de primeira instância,a 17ª Câmara Cível definiu o oficial como “arrogante, descortês e violento”.

Tribunal derrubasentença contra Boechat

Silva expôs o incidente que gerou a açãodo Tenente Albuquerque:

“Tudo que aconteceu durante e apóso entrevero entre Fernanda Job e opolicial, autor da ação, deveu-se aorelato da jornalista àqueles que derampublicidade ao fato lamentável, à suaindignação perfeitamente compreen-sível ante a gravidade do acontecido,mesmo que levada à internet.

Vinha ela, no dia 10/11/2005, pas-sageira de ônibus coletivo, após umdia de trabalho estafante, de volta aolar, por volta das 21h25min, pela RuaJardim Botânico, zona sul desta cida-de, quando o trânsito caótico ficouinterrompido, levando 25 minutospara percorrer cinco quarteirões, emrazão de uma blitz promovida porpoliciais militares, entre os quais odemandante.

O desespero tomou conta de suasreações. Colocou a cabeça para fora dajanela e afirmou ser aquilo uma faltade respeito com o cidadão; sem a inten-ção de desacatar ninguém, reclamavacontra a interrupção do trânsito semmotivo aparente.

Logo que determinado pelo autorque ela saltasse do ônibus, porquantoo teria desacatado, tentou portar o te-lefone celular para se comunicar comseu marido, momento em que outrospoliciais adentraram no veículo pelasportas traseira e dianteira e o autor in-formou que ela estaria presa e sairia al-gemada, atirando-lhe spray de pimentae lhe arrancando o telefone.

Como prometera, o policial levan-tou a ré de seu banco, arrastou-a, alge-mando-a com a ajuda de um compa-nheiro de violências, quase sufocandoa então vítima que passou a gritar pe-dindo socorro.”

A “ESTUPIDEZ DAS AGRESSÕES”CONTRA UMA MULHER FRANZINAProssegue o Desembargador Raul

Celso:“Palavras da jornalista às fls. 139: “...

ao manifestar a sua indignação dian-te daquele transtorno, fosse agredidae achacada pelo Autor e seus colegas,dentro do ônibus em que viajava. Foi,de fato, o que ocorreu...”, “... o Autorpreferiu achacá-la imediatamente, in-tervindo de forma violenta...”.

Além de considerar ojornalista destemido, o

voto do DesembargadorRaul Celso concluiu que

Ricardo Boechat “foi meroporta-voz dos sofrimentosda vítima e prestou-se ao

papel de divulgar ainacreditável violência”.

REPR

OD

ÃO

Page 27: Jornal da ABI 357

27Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Pela dinâmica dos fatos, verifica-seque o autor, no exercício de sua profis-são de policial militar, não deveria tersido tão arrogante, descortês e violen-to, importunando Fernanda, dentro deum ônibus, em “... operação, ainda semresultados práticos (...) a combater osassaltos praticados por motociclistasna via... “ (segundo palavras do Coman-dante do 23. Batalhão da Polícia Mili-tar - fls. 49), quando ela se manifestacontrária àquelas providências polici-ais a impedir o trânsito do coletivo,levando seu inconformismo à publici-dade, daí porque delineada a sua legi-timidade passiva, afastada a preliminarlevantada, ante o julgamento do agravode instrumento cujo Acórdão encon-tra-se às fls. 362/364.

A outra preliminar argüida e tambémafastada diz respeito ao entendimentomanifestado pela ré, de julgamentoextra petita, vez que a sentença em suafundamentação, mantém coerência aoatender o pedido inicial, muito embo-ra ao desagrado da jornalista.

Afastadas as prévias, observa-sequem relatou os fatos, dentro da tris-te realidade, aos demais réus, fora aprópria jornalista indignada e revolta-da com a truculência praticada, comlançamento de spray de pimenta emseus olhos, imobilizada e algemada,transportada à Delegacia Policial porcamburão, sem motivos a justificar aviolência.

E estes últimos demandados, ante osrelatos da primeira, tão somente, pu-blicizaram os fatos chegados ao seuconhecimento, o que configura o direi-to de informar com os comentários quelhes pareceram convenientes e propor-cionais ao tipo de comportamento ado-tado pelo autor.

Entendo que a matéria jornalísticase ateve a narrar fatos de interesse co-letivo (animus narrandi) e a tecer crí-ticas (animus criticandi), estando, as-sim, sob o pálio das “excludentes deilicitude”, dispostas no artigo 27 da Leinº 5.250/67, não se falando, assim, emresponsabilização civil por ofensa àhonra, mas em exercício regular dodireito de informação.”

VOTO APONTA BOECHAT COMO “CORAJOSO E INDEPENDENTE”

No voto, o Desembargador Raul Celsofaz referências lisonjeiras ao jornalistaRicardo Boechat, da Rede Bandeirantesde Televisão, descrevendo-o como “jor-nalista corajoso e independente” e, logoadiante, “intrépido e destemido”.

“O réu, jornalista Ricardo EugênioBoechat, transformou-se em meroporta-voz dos sofrimentos da vítima eprestou-se ao papel de divulgar a ina-creditável violência. Repercutiu a no-tícia exatamente como ela ocorrera,absolutamente verdadeira, sob um tí-tulo que até denigre a imagem da raçacanina se comparados os comporta-mentos dos protagonistas.

A solidariedade com a ré ou comqualquer outra pessoa vítima daqueletipo de violência, como sempre vem

acontecendo, teve a guarida do jorna-lista corajoso e independente.

À Rádio e Televisão Bandeirantes doRio de Janeiro Ltda., coube levar ao ara defesa da jornalista Fernanda Jobcompetentemente a cargo do intrépi-do e destemido Ricardo Boechat, repór-ter com programação diária com eleva-dos índices de audiência em razão desuas lúcidas intervenções em comen-tários relacionados com os aconteci-mentos de cada dia.

A empresa levou ao ar matéria decunho informativo que se baseou ementrevista concedida pela assustadajornalista Fernanda Job, que ratificoucomentários anteriormente veiculadospor outras empresas jornalísticas.

A indignação dos órgãos da impren-sa e de seus articulistas resultou naveiculação da matéria dando conta daviolência praticada pelo policial, autorda ação.

Aliás, tornou-se rotina e a impren-sa publica, diariamente, o envolvimen-to de policiais em atos ilícitos, daí por-que, sem a vontade de ofender, ausenteo animus injuriandi, não há o dever deindenizar.

Não consta de qualquer dispositivolegal a punição pelo exercício de noti-ciar fatos, sobretudo aqueles que dizemrespeito ao desempenho do agentepúblico, do policial militar no exercí-cio de sua atividade.

Enfim, difundir informações insere-se na atividade jornalística, principal-mente quando a repercussão atinge opolicial militar que exorbitou de suasfunções, agiu como os autos noticiamna prática de violência contra umaindefesa senhora que manifestou-secontra uma blitz sem resultados prá-ticos, como informado por Comandan-te de Batalhão.

O que resulta do exame dos autos éque Fernanda teve a coragem de pro-testar contra a insensatez policial e osdemais réus a independência de reper-cutir a sua indignação com um bastaà truculência a pretender remuneraçãoindenizatória.

Como o autor/primeiro apelantepretendia a majoração da condenaçãoa título de dano moral imposta aossegundos apelantes, constatada a au-sência do nexo de causalidade a confi-gurá-lo, conforme já tratado, está,portanto, prejudicado o exame domérito de seu recurso.

São estas as razões pelas quais re-formo a sentença para julgar impro-cedente a demanda, invertidos os ônussucumbênciais, respeitada a conces-são dos benefícios da gratuidade deJustiça, daí porque, conheço dos recur-sos para não acolher as preliminaresargüidas e prover os apelos formula-dos pelos segundo e terceiro apelan-tes*, quais sejam, primeiro, segundoe quarto réus, prejudicado o exame daprimeira apelação.”

Nota da Redação – Segundo e terceiro apelantes,TV Bandeirantes do Rio de Janeiro Ltda. e RicardoBoechat; jornalista Fernanda Job.

Dois dias depois que o programaFantástico, da Rede Globo, exibiuimagens do traficante Elizeu Ferreirade Souza, o Zeu, armado e venden-do drogas no Morro do Alemão, aOrganização Repórteres Sem Fron-teiras divulgou um comunicado emseu site protestando contra a impu-nidade no Rio de Janeiro.

Na nota, publicada no dia 10 deagosto, a RSF afirma que “é incom-preensível que as autoridades do Riopermitam que perdure uma situaçãoque constitui uma ofensa à memó-ria de Tim Lopes” e destaca tambémser “igualmente chocante que tenhasido concedido com tanta rapidezum regime de semiliberdade ao au-tor de um crime desta violência”.

No mesmo dia o Disque-Denún-cia do Rio de Janeiro aumentou de R$2 mil para R$ 10 mil, o valor da re-compensa oferecida por informaçõessobre o criminoso, que foi condena-do a 23 anos e meio de prisão pelo as-sassinato do jornalista Tim Lopes em2002, na Vila Cruzeiro. O jornalis-ta estava no local investigando de-núncias de prostituição de menorese tráfico de drogas nos bailes funk.Em 2007, após cumprir cinco anos dasentença, Elizeu Ferreira de Souza foibeneficiado pelo regime semi-aber-to e fugiu.

Antes da veiculação da matéria, oDisque-Denúncia recebeu 109 liga-ções alertando sobre a presença dotraficante no local.

Incrível passividadeA notícia publicada no site da RSF

tem o seguinte teor:Declarado culpado do assassina-

to, em 2002, de Tim Lopes, jornalistada TV Globo, Eliseu Felício de Sou-za, conhecido como Zeu, foragido hácerca de três anos, dedica-se sementraves ao tráfico de droga na zonanorte do Rio de Janeiro. Uma repor-tagem transmitida pela TV Globomostra-o circulando pela favela doMorro do Alemão, armado e venden-do crack em plena luz do dia. Emboraas autoridades do Estado do Rio te-nham oferecido uma recompensa

“UMA OFENSAÀ MEMÓRIA

DE TIM LOPES”A Repórteres Sem Fronteiras estranha a liberdade

de Zeu, um dos matadores do jornalista da Rede Globo,o qual cumpriu apenas parte da pena de 23 anos, ganhou

regime semi-aberto e voltou a traficar no Morro do Alemão.

por qualquer informação que possalevar à sua captura, já foram recebi-das mais de uma centena de chama-das de moradores alertando a Políciadas atividades de Zeu.

É incompreensível que as autori-dades do Rio permitam que perdureuma situação que constitui umaofensa à memória de Tim Lopes. A re-portagem sobre a “nova vida” de Eli-seu Felício de Souza deverá colocarum ponto final à sua incrível passi-vidade perante um tal escândalo. Poroutro lado, é igualmente chocanteque tenha sido concedido com tan-ta rapidez um regime de semiliberda-de ao autor de um crime desta violên-cia. Os critérios para os ajustes depena devem, em nossa opinião, serrevistos.

Condenado a vinte e três anos emeio de prisão pela sua participaçãono assassinato de Tim Lopes, “Zeu”aproveitara a sua primeira autoriza-ção de saída, no âmbito do regimesemi-aberto obtido após cinco anosde detenção, para pôr-se em fuga.

Tim Lopes desapareceu na noite de2 a 3 de junho de 2002, quando leva-va a cabo uma investigação com câ-mara escondida sobre a exploraçãosexual de menores na favela de VilaCruzeiro. O seu cadáver calcinado foiachado dias depois. Zeu comprou agasolina com que foi queimado o cor-po do jornalista, vítima de torturasantes de ser executado. No total, setepessoas envolvidas no seu assassina-to foram condenadas a penas com-preendidas entre vinte e três e vintee oito anos de prisão.

Outro dos condenados, ÂngeloFerreira da Silva, à semelhança deZeu beneficiário de um regime semi-aberto, também aproveitara parafugir no passado mês de maio, antesde se entregar às autoridades.

Considerando a crueldade comque o jornalista foi torturado e exe-cutado, expressamos a nossa surpre-sa perante o fato de que vários dosseus assassinos tenham podido des-frutar de um regime de semi-liberda-de menos de cinco anos após teremsido julgados.”

Page 28: Jornal da ABI 357

28 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Uma decisão judicial legítima ouarbitrário ato de censura política quea Constituição veda expressamente?Essa é a questão que envolve o jornalsemanal Extra, de Alagoas, proibido decircular por determinação do Juiz Elei-toral Pedro Ivens.

A medida extrema ocorreu em res-posta ao pedido de Ronaldo Lessa, can-didato do PDT às eleições para o Gover-no do Estado, que, segundo pesquisaque teria sido publicada na edição reco-lhida, estaria perdendo em intenções devoto para Teotonio Vilela Filho (PSDB),um de seus adversários na corrida elei-toral. O Extra teria, assim, descumpri-do a legislação ao publicar os dados semcitar o instituto de pesquisa responsá-vel, o período e o local em que foi reali-zada a análise, bem como o número deeleitores ouvidos. Essa acusação, noentanto, é prontamente rechaçada porFernando Araújo Filho, Editor do Extra:

“O jornal não publicou nenhumapesquisa eleitoral. Divulgou uma notade coluna informando aseus leitores sobre a po-sição dos três principaiscandidatos ao Governode Alagoas, sem citar ín-dices. A nota diz que asúltimas pesquisas reve-lam que Teotonio Vilela,que estava em terceirolugar, ultrapassou Ro-naldo Lessa. E que Co-llor mantêm-se na lide-rança. Notas idênticas,com o mesmo teor, tam-bém foram divulgadasna Gazeta de Alagoas, depropriedade de Collor. ELessa não as contestou”.

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Juiz Eleitoral de Alagoasmanda apreender jornal

Por decisão dele, foi retirada das bancas edição do jornal semanal Extra, atendendo a pedido do candidato do PDTao Governo do Estado, Ronaldo Lessa. A medida preserva a lisura do pleito ou faz o que a Constituição não admite?

POR PAULO CHICO A causa seria outraA verdadeira razão da interpelação ju-

dicial, acredita Fernando, teria sido outra:“O que motivou a ira de Lessa foi uma

série de matérias publicadas sobre osdesmandos administrativos em seusdois governos, sua condenação porimprobidade e os processos que enfren-ta na Justiça. E não se trata aqui de re-quentar fatos para prejudicá-lo. Desdeque assumiu o Governo, em janeiro de1999, o Extra vem denunciando a farsapolítica em que se transformou a sua de-sastrosa administração. Depois de meioséculo combatendo a oligarquia do açú-car, as esquerdas chegaram ao podercom Lessa vendendo a esperança de umgoverno socialista, que nunca aconte-ceu. Traindo o que pregou, ele terminoucomo aliado dos usineiros, a quem clas-sificava de ‘forças do atraso’. No apagardas luzes de seu segundo mandato,perdoou a dívida fiscal de R$ 1 bilhãodevida pelo setor açucareiro”, aponta.

Ainda segundo o jornalista, Lessateria sido reeleito condenando o cha-mado ‘Acordo dos Usineiros’, assinado

no Governo Collor, e feito do calote dostítulos públicos de Alagoas, emitidosno Governo Suruagy, sua principalbandeira de campanha. No entanto,uma vez eleito, teria logo se aliado aosusineiros, renegociando os títulos po-dres e impondo aos credores um desá-gio de 37% do calote, o que rendeu aoEstado um reforço de caixa de R$ 485milhões. Recursos que teriam sido uti-lizados para garantir sua reeleição.

“Essa negociata dobrou a dívidapública de Alagoas, que hoje passa dosR$ 7 bilhões. E custa uma sangria men-sal de R$ 45 milhões, somente paraamortecer os juros. À custa de milio-nária propaganda enganosa, RonaldoLessa passou oito anos no Governovendendo ao País a imagem de moder-no administrador, sem mudar a situa-ção de atraso do Estado, que continuana rabeira de todos os indicadores so-ciais. Hoje, temos mais da metade denossa população de três milhões dehabitantes vivendo na miséria. E de-pois de toda essa patifaria o Sr. Ronal-do Lessa ainda tem a cara-de-pau de

pleitear um terceiro mandato. É con-tra isso que o jornal se insurgiu.”

Um cerco judicial?Pela decisão do Juiz Pedro Ivens, a

Justiça Eleitoral determina que todapesquisa deve ser registrada junto aoTRE, além de ser citada a fonte, “sob penade induzir o eleitorado a uma realidadefalsa”. Além de mandar recolher os jor-nais do dia 16 de julho das bancas, a Jus-tiça Eleitoral aplicou a multa de R$ 56mil, prejuízo do qual o jornal dificilmen-te terá como se recuperar.

“Novas denúncias foram feitas eenfrentamos ameaças de censura, alémde multas e publicação de direito de res-posta. Vale lembrar que o semanário hámuito vem enfrentando um verdadeiro‘cerco judicial’, com apoio de um PoderJudiciário apodrecido. Por isso, o Extraestá com todo o seu patrimônio físicoe equipamentos penhorados para ga-rantir o pagamento de tais ‘danosmorais’, na maioria envolvendo juízescorruptos e políticos inescrupulosos”,acusa Fernando Araújo Filho.

No alto da página a capa do jornal Extra de Alagoas, número 35, de 16 a 22 de julho, que foi censurado, e as capas das edições 36, 37 e 39: denúncias decorrupção estariam incomodando o Governo de Alagoas. Acima, as páginas 6, 8, 9 e 10 da edição censurada: matérias não dão trégua aos políticos.

Page 29: Jornal da ABI 357

29Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

O Ministério Público Federal em MatoGrosso ofereceu denúncia contra umgrupo de empresários, políticos e poli-ciais militares do Município de Juína-MT, por manterem jornalistas e ambi-entalistas do Greenpeace em cárcereprivado, nos dias 20 e 21 de agosto de2007. Relata a denúncia (ação penal) queambientalistas e jornalistas brasileirose estrangeiros estiveram na cidade deJuína para produzir um documentário naterra indígena Enawene Nawe, mas fo-ram impedidos de realizar os trabalhospor um grupo composto por dezenas defazendeiros, empresários e autoridadesda cidade, entre eles o então PrefeitoHilton Campos, o Presidente do Conse-lho de Segurança Municipal NatalinoLopes dos Santos e o Presidente da Câ-mara Municipal de Juína, Francisco deAssis Pedroso.

Os fazendeiros e autoridades de Juí-na ocupavam áreas reivindicadas pelospovos indígenas e temiam que os jorna-listas e ambientalistas estivessem ali paratratar da demarcação dessas terras. Paraevitar que a suposta demarcação se con-cretizasse, na manhã do dia 20 de agos-to de 2007 os fazendeiros, empresários

MPF denuncia crimes contra jornalistasTrês anos depois, bando de empresários, políticos e policiais é denunciado criminalmente por terem mantido em cárcere privado

jornalistas e ambientalistas que pretendiam fazer um documentário sobre a invasão e apropriação de terras de índios de Mato Grosso.

POR CLAUDIA SOUZA e autoridades da cidade cercaram o ho-tel onde estavam hospedados os repór-teres e ambientalistas e exigiram que elesse retirassem do Município.

Como se recusaram a cumprir as exi-gências, jornalistas, ambientalistas doGreenpeace, índios e representantes daOperação Amazônia Nativa-Opan fo-ram levados à Câmara Municipal da ci-dade, onde foram coagidos a permane-cer por seis horas, sob ameaças de quehaveria guerra se eles resolvessem con-tinuar a viagem.

Após a passagem pela Câmara Muni-cipal de Juína, os ambientalistas e jorna-listas ficaram sitiados no hotel e durantetodo o tempo que estiveram na cidadeforam acompanhados e ameaçados pe-las autoridades, e até agredidos pelosfazendeiros que buscavam se certificarde que eles não tratariam da demarcaçãodas terras. Mas as restrições aos direitosdo grupo não pararam por aí.

Há informações no processo de queo piloto do avião que transportou osjornalistas foi obrigado a voltar à cida-de de Vilhena, Rondônia, para garantira segurança pessoal dele e a integrida-de do avião; e de que, depois de passara noite cercado no hotel, o grupo de jor-nalistas e ambientalistas foi levado por

O clima anda quente no México.Dezenas de repórteres, fotógrafos, edi-tores e cinegrafistas de diferentes veícu-los de comunicação reuniram-se no dia18 de agosto com o relator especial paraa Liberdade de Expressão da Organiza-cao das Nações Unidas, Frank La Rue, naCiudad Juárez, considerada a localida-de mais violenta do México. No encon-tro, que durou cerca de duas horas, osprofissionais de imprensa pediram queo jornalismo seja considerado um traba-lho de alto risco e solicitaram apoio paratirar do país os colegas que se encontramem situação de perigo.

Tamanho temor não parece exagero,sobretudo quando confrontado comdados. Desde 2008, Ciudad Juárez é con-siderada a localidade mais violentado México pelo número de assassinatos.Neste ano, mais de 1.700 pessoas mor-reram em incidentes atribuídos à guer-ra entre grupos rivais do narcotráfico,uma média de oito mortes por dia. Namesma cidade, desde o ano 2000, 27 jor-nalistas foram assassinados em represá-lia por suas informações, segundo rela-tou o Comitê de Proteção aos Jornalis-

Jornalistas do México sob violência constanteAssassinatos, seqüestros e atentados a órgãos de imprensa são comuns no cotidiano desses profissionais.

pertino. Os reféns foram libertados nofinal do mês, após confronto entre agen-tes do crime organizado e policiais. Osseqüestradores exigiam a transmissãode vídeos que denunciavam a ligaçãoentre o Governo de Durango com ocartel de Los Zetas, inimigo do grupoEl Chapo Guzmán.

Mais um seqüestro foi realizado emagosto. A organização não-governa-mental Repórteres Sem Fronteiras-RSFanunciou no dia 11 deste mês que o jor-nalista mexicano Ulisses GonzálezGarcía, editor do jornal La Opinión, de-saparecido desde o dia 29 de julho, foilibertado no dia 9 de agosto. Ainda deacordo com a RSP, o jornalista apresen-tava sinais de tortura e foi encaminha-do a um hospital. García foi seqüestradoem sua residência, na cidade de Jerez,por homens armados.

No dia 4 de agosto, a Comissão Es-tatal de Direitos Humanos-CEDH deChihuahua, na fronteira com os Esta-dos Unidos, anunciou medidas paraproteger os jornalistas na região, entreelas a sugestão para que em coberturasde fatos vinculados ao narcotráfico re-pórteres utilizem coletes à prova de balae capacetes.

dezenas de fazendeiros e policiais mi-litares até o aeroporto para deixar a ci-dade de Juína, o que foi consideradopelos procuradores um verdadeiro pro-cesso de expulsão.

Ainda conforme a ação penal, PauloPerfeito e o empresário Aderbal Bento,na companhia de dezenas de pessoas nãoidentificadas, também invadiram o es-critório da Fundação Nacional do Índio-Funai, dizendo que Juína não era lugarpara índios e desacataram e ameaçaramde morte dois servidores públicos fede-rais, para que dessem fim à demarcaçãode terras indígenas na região.

De acordo com os Procuradores daRepública responsáveis pelo caso, Dou-glas Santos Araújo e Mário Lúcio deAvelar, lamentavelmente esses episódi-os não são raros. “A violência pratica-da contra os povos indígenas vem se tor-nando cada vez mais recorrente e temcomo pano de fundo sempre a mesmaproblemática, que é a disputa de terras”,explicam.

Para o Procurador da República Dou-glas Santos Araújo, “não obstante exis-tam esforços empreendidos por determi-nados setores públicos e privados decombate à violência física e moral, comgrandes doses de racismo e discrimina-

ção, verifica-se que a situação dos indí-genas no Brasil está longe de ser consi-derada razoável”: “É preciso que hajauma política pública séria, que propor-cione assistência aos povos indígenas,principalmente no que diz respeito àeducação, à saúde, e à aceleração do pro-cesso de demarcação de terras para com-bater a grilagem”.

O MPF concluiu que autoridades eempresários da cidade de Juína ameaça-ram e cercearam a liberdade de locomo-ção de jornalistas brasileiros e estrangei-ros e ambientalistas que estiveram emJuína nos dias 20 e 21 de agosto de 2007.Por isso, pede a condenação de AderbalBento, Geraldo Bento, Natalino Lopesdos Santos, Hilton Campos, Paulo Per-feito e Francisco de Assis Pedroso porconstrangimento ilegal, seqüestro e cár-cere privado. O MPF quer ainda quePaulo Perfeito e Aderbal Bento tambémsejam condenados por desacatarem osfuncionários públicos da Funai.

Os outros denunciados são o dono doImperial Palace Hotel, João MarquesCardoso, pelo crime de falso testemu-nho, e o coronel da Polícia Militar Ri-cardo Almeida Gil, por ter se omitidodiante dos crimes, quando seu dever erareprimi-los.

tas, com sede em Nova York. Oito delesteriam sido executados somente esteano. Por isso, os profissionais do setorpediram ao relator que pressione o Go-verno mexicano com a finalidade de cri-ar, juridicamente, medidas que permi-tam a investigação de abusos contrarepresentantes da imprensa.

O ponto mais críticoLa Rue considerou Ciudad Juárez “o

lugar mais crítico de todo o país” paraexercer o jornalismo e reconheceu o riscopara os jornalistas. Após a reunião, orelator especial da Onu disse ter perce-bido “muita frustração e ceticismo” eafirmou sentir-se “mais convencido deque este é um momento crítico”. Dian-te das reivindicações feitas, de acordocom a agência de notícias Efe, o Gover-no mexicano teria garantido empenhopara reforçar a segurança dos jornalis-tas contra as ações do crime organiza-do e para investigar os assassinatos deprofissionais da imprensa.

Algumas dessas ações são de grandeporte, como o atentado à sede da TVTelevisa, a maior emissora de tv, alvo deuma explosão no dia 15 de julho, na ci-dade de Monterrey. De acordo com a

imprensa local, o artefato teria sido ar-remessado de uma caminhonete contraa entrada do prédio da emissora, que teveos vidros estilhaçados. Não houve feri-dos. Nos últimos três meses, este foi oterceiro ataque contra instalações daTelevisa no Norte do México. No dia 12de julho, um carro-bomba explodiu emfrente ao edifício que abriga a RádioCaracol e a sede em Bogotá da agênciaEfe, em mais uma ação de intimidaçãoa jornalistas que investigam e denunci-am o crime organizado no país.

Seqüestro por atacadoO rol de violências contra os profis-

sionais de imprensa inclui seqüestros.A Comissão Nacional dos Direitos Hu-manos do México-CNDH denunciouem 27 de julho o desaparecimento dequatro jornalistas na cidade GómezPalácio, em Durango, quando cobriammanifestação em um presídio local, cujodiretor foi acusado de libertar presospara que cometessem assassinatos paraum cartel de drogas. As vítimas foramJaime Canales, repórter da TV Milênio;Alejandro Hernández, cinegrafista daTelevisa; Héctor Gordoa, repórter daTelevisa, e Oscar Solís, do jornal El Ves-

POR PAULO CHICO

Page 30: Jornal da ABI 357

30 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

AGRESSÕES

Embora o Goiás Esporte Clubetenha divulgado uma nota em seusite oficial inocentando o técnicoEmerson Leão e alguns jogadores doclube, entre eles Rafael Moura,pelas agressões contra o repórterRoque Santos, da Rádio Metrópolede Salvador, logo após a partidaentre Goiás e Vitória, na noite dodia 21 de julho no Estádio ManoelBarradas, na capital baiana, oSuperior Tribunal de JustiçaDesportiva-STJD considerou osdois culpados pelos incidentes.

Em sessão realizada no dia 3 deagosto, Leão e Rafael Moura forampunidos pela Segunda ComissãoDisciplinar do STJD com suspensãode três e seis jogos respectivamente.

Romerito, quetambém foijulgado, foiabsolvido detodas as

acusações, pois foi comprovado quenão participou das agressões.

Em sua acusação, o procuradorWilliam Figueiredo disse que,mesmo sendo inconveniente aatitude do repórter Roque Santos, aagressão não se justifica e pediu aostreinadores e jogadores que não se

Diretor do Goiás acusa repórterpela agressão que este sofreu

BAHIA

Superior Tribunal da CBF puniu o técnico Leãoe o jogador Rafael Moura, autores da agressão.

dirijam ao trio de arbitragem ao fimdas partidas.

Microfone agressorApesar de as imagens

comprovarem o contrário, oPresidente do Goiás, Syd de Oliveira,disse que a culpa foi do jornalista,pois a delegação do Goiás foiprovocada pela imprensa local.

“Todo mundo viu que o repórteragrediu o Leão com o microfone,quando o treinador se dirigia parafalar com o árbitro. Tem hora quenão dá para agüentar. A reação delesé totalmente compreensível. Vamosapurar o caso, mas não pretendopunir ninguém, por entender queeles foram provocados. Inclusive,espero que esse caso sirva deexemplo para mostrar a forma comoalguns repórteres trabalham”.

A confusão teve início após oempate de 2 a 2 entre Vitória eGoiás pela 10ª rodada doCampeonato Brasileiro. O técnicoLeão entrou em campo parareclamar com o árbitro da partida.Nesse momento, alguns jornalistasforam na direção do treinador paraouvi-lo. Irritado, Leão discutiu como radialista Roque Santos,

empurrando-o. Logo em seguida orepórter foi derrubado com um socopelo atacante Rafael Moura.

O técnico e os jogadoresenvolvidos prestaram depoimentona 10ª Delegacia de Polícia da capitalbaiana e fizeram exame de corpo dedelito no Instituto Médico Legal-IML. Após apresentar queixa contraos agressores, o radialista tambémfoi encaminhado ao IML.

Em entrevista à Rádio Metrópole,o repórter Roque Santos disse que

teve quatro dentes deslocados pelosoco de Rafael Moura, que umfuncionário do clube o teriaprocurado para tentar encerrar o casoe que pretende processar osagressores. A Associação Brasileirade Emissoras de Rádio e Televisão-Abert divulgou comunicado emrepúdio ao fato. “A reação violentaque impediu o trabalho docomunicador é extremamente gravee merece plena apuração dasautoridades”, diz a nota.

Elcias Azevedo, em 19 de julho.Elcias teria dito que só não tirava avida do radialista porque ele estavaacompanhado de um amigocomum. No momento da ameaça,Luiz Cláudio estava trabalhando

na Coordenação da caravanada Coligação Paraíba Unida.

Outra denúncia foipublicada no site PB Agora.

Desta vez a vítima foi ojornalista paraibano Bruno de

Lima, do Combate à Pedofilia emMunicípios-CPM, que disse ter sido

vítima de uma tentativa deassassinato por um sargento do 6ºBatalhão da Polícia Militar daParaíba conhecido como André. O

crime teria sido encomendado porJucinério Felix, Secretário de AçãoSocial do Município de Cajazeiras,citado em uma reportagem de Brunosobre um caso de pedofilia, na qualinclusive ele aparece em umafotografia seminu acompanhado dedois homens.

O noticiário do site afirma que

Mais um caso de violência contrajornalistas foi denunciado pelaAssociação de Imprensa do SertãoParaibano-AISP, que divulgou notade protesto contra a agressãocometida contra o jornalista CíceroAraújo, colunista do Correio daParaíba, pelo Vereador Sales Júnior,do Município de Patos. O incidenteaconteceu no dia 23 de julho, na sededa Superintendência de Transporte eTrânsito-STTrans.

Contou Cícero Araújo que ele eSales Júnior aguardavam para falarcom o superintendente do órgão,Alexandre Nóbrega. A briga teriacomeçado quando o parlamentar e opai dele, Francisco Sales, impediram

PARAÍBA

Violênciasem série

Cícero de entrar no gabinete, e,sem motivo, começaram aagredi-lo com socos.

O portal de notícias PB Agorainformou que este foi o terceiro casode agressão a profissionais deimprensa registrado recentemente noEstado, todos praticados por políticosou seus apadrinhados. A primeiravítima foi uma jornalista do próprioportal, Simone Duarte, que em 11 demaio denunciou ter sido hostilizadapor um assessor da Vereadora IvoneteLudgério (PSB), de Campina Grande,por ter assinado matéria sobre asconstantes faltas da parlamentar.Informou Simone que em tom alto egrosseiro o assessor a coagiu na frentede outros colegas de imprensaexigindo retratação, mesmo após oportal ter reconhecido e concedido odireito de resposta.

O segundo caso envolveu oradialista Luiz Cláudio de Souza,apresentador do programa Show daManhã na Rádio Caaporã FM, queteria sido ameaçado pelo Vereador

Bruno Lima sofreu a ameaça demorte no dia 8 de agosto dentro deum shopping da cidade. Ele contouque o policial militar o agrediu norosto antes de se dirigir para o carropara apanhar a arma que usaria paramatá-lo. Foi nesse intervalo que eleaproveitou para fugir.

Esta não é a primeira vez queBruno Lima sofre ameaça de umpersonagem citado em suas matériassobre casos de pedofilia.Recentemente, ele disse ter sidoespancado por sete homens noMunicípio de Baía da Traição.

Em nota divulgada pelaAssessoria de Comunicação daPrefeitura de Cajazeiras, o SecretárioJucinério Felix negou as acusações deBruno Lima e informou que vaiprocessá-lo por difamação.

O CPM, onde Bruno trabalha,informou que encaminhará ofício esolicitação ao Ministério Público, àPolícia Militar, à Corregedoria e àPolícia Federal, para que o caso sejasolucionado.

Segundo relato da diretoria do Goiás, o técnico Emerson Leão foi agredido com omicrofone do radialista durante a confusão que aconteceu ao final da partida.

FELIPE OLIVEIRA/AGIF/FOLHAPRESS

Page 31: Jornal da ABI 357

31Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

E AMEAÇAS A JORNALISTAS PELO BRASIL

O Sindicato dos Jornalistas doAcre-Sinjac divulgou comunicado nodia 11 de agosto em repúdio àagressão cometida pelo ex-DeputadoJoão Correia – candidato ao Senadopelo PMDB do Acre – ao jornalistaDemóstenes Nascimento durantegravação de entrevista na TV 5,filiada da TV Bandeirantes, ocorridano dia anterior. Correia é um dosenvolvidos no esquema de desvio deverba para a compra de ambulâncias,que originou a CPI das Sanguessugas.

O ex-Deputado participava de umquadro de entrevistas da TV 5 comcandidatos às eleições deste ano,mediado pelo jornalista DemóstenesNascimento. Durante o programa,João Correia fez acusações aoGoverno do Estado e à emissora detv e agrediu fisicamente o jornalista,que prestou queixa no 8º DistritoPolicial de Rio Branco.

A participação do candidato foiacordada entre a TV 5 e a coligaçãoProduzir para Empregar, através doPMDB. O entrevistado responderiaàs perguntas escolhidas pelosdirigentes do partido que tambémparticiparam do sorteio dasentrevistas.

ACRE

No ar, agressão a jornalistaCandidato a senador pelo PMDB reage com

violência a perguntas que o entrevistador lhe fazia.

“A atitude do candidato aoSenado, João Correia, surpreendeu atodos e demonstrou a falta depreparo para ocupar um cargo tãoimportante. O Sindicato e aFederação Nacional dos Jornalistas-Fenaj repudiam esta e qualqueroutra ação repressora à classe.Vivemos um novo momento, a erada ditadura já acabou, estamossolidários e à disposição do colegaDemóstenes no que couber aoSinjac”, afirmou o Presidente daentidade, Marcos Vicentti.

Já a relatora do processo que foiinstaurado para apurar o caso, JuízaDenise Bomfim, do Tribunal RegionalEleitoral do Acre-TRE-AC, solicitou àTV 5, afiliada da TV Bandeirantes, aíntegra das imagens do programa emque ocorreu a briga entre João Correiae Demóstenes Nascimento. “Soliciteiimagens sem edição porque estas aque todos nós tivemos acesso forameditadas e podem comprometer asinvestigações”, explicou a magistrada.

Tanto o jornalista quanto ocandidato registraram boletim deocorrência na Polícia Civil. JoãoCorreia levou o caso também paraPolícia Federal.

Em nota assinada pelo Presidente doDiretório Estadual, Flaviano Melo, oPMDB, no entanto, acusou a TV 5 demanipular as imagens que mostram aagressão de João Correia ao jornalista.O texto tem o seguinte teor:

“O Partido do MovimentoDemocrático Brasileiro no Acre(PMDB-AC) vem a público externarseu mais amplo e profundo repúdio àagressão covarde, antidemocrática,retrógrada e criminosa sofrida pornosso candidato a senador, JoãoCorreia, na tarde de terça-feira (10de agosto).

Convidado para a gravação de umaentrevista na TV 5, repetidora da RedeBandeirantes de Televisão, João Correiacompareceu desarmado de espírito,crente na garantia de seu direito deliberdade de expressão. Porém, comouma vítima atraída a uma armadilha,foi covardemente espancado peloapresentador, entrevistador e diretorde jornalismo da emissora,Demóstenes Nascimento, dentro doestúdio de uma empresa que detémuma concessão pública.

A defesa do PMDBA agressão não atingiu somente o

candidato ao Senado e professorJoão Correia, mas feriuprofundamente o EstadoDemocrático de Direito e a garantiaconstitucional da liberdade deexpressão, que há anos vêm sendovilipendiados no Acre.

Repudiamos a forma como aemissora manipulou imagens einformações para repassar umaversão inverídica ao público, na qualo agressor aparece como vítima.

Nos solidarizamos com oProfessor João Correia,peemedebista que há décadas pelejana luta pela democracia, por seufortalecimento e por um Acre commais liberdade, maisdesenvolvimento e mais justiçasocial para seu povo. E exigimos asprovidências necessárias pelosórgãos responsáveis pelamanutenção da democracia, pelaética no jornalismo e pelocumprimento das regras que regemas concessões públicas nacomunicação em nosso País”.

A nota do Sindicato dosjornalistas de Mato Grosso tem oseguinte teor:

“O Sindicato dos Jornalistas deMato Grosso (Sindjor-MT) vem apúblico repudiar os atentados pelosquais a jornalista Vânia Costa,funcionária do jornal O MatoGrosso, de Várzea Grande, afirmater sofrido, após ir a Sinop (500quilômetros de Cuiabá ao Norte),para apurar indícios de desvio deverba na Prefeitura do Município.Segundo Vânia, não é somente elaque tem sofrido perseguição porconta dessa matéria.

Apesar de ela não terencontrado, em sua apuração,informações seguras quejustifiquem uma publicação, noretorno o carro de Vânia foiinterceptado por homens que sediziam policiais civis, cobrando

Denúncia de ameaçasO Sindicato dos Jornalistas de

Mato Grosso-Sindijor-MT divulgounota no dia 23 de julho em repúdio àsameaças contra a jornalista VâniaCosta, do jornal O Mato Grosso. Eladenunciou ao Ministério PúblicoFederal que está sendo perseguida porcausa das investigações que faz sobrepossível desvio de verba federal nacidade de Sinop, em Mato Grosso.

De acordo com o jornal Folha deS.Paulo, Vânia afirmou ter sidoabordada por pessoas que seidentificaram como policiais civis,que teriam exigido acesso a

O protesto do Sindicato

MATO GROSSO

documentos e informações sobre asapurações feitas por ela. Trêshomens a seguiram depois que elasaiu do trabalho; um deles sacouuma arma tentando obrigá-la aparar, porém ela se assustou eacabou batendo o veículo. Vâniaregistrou queixa na Polícia Civil.

Até o momento em queaconteceram as ameaças, o caso desuposto desvio de verbas não haviasido publicado pelo jornal por falta deprovas. Segundo Vânia, documentosque comprovam a denúncia nãohaviam sido encontrados.

documentos que ela teria idobuscar em Sinop. Vânia avisou quenão tinha nada e, depois de muitapressão, o carro foi liberado, mas seinstalaram na vida dela o medo e oterrorismo. No segundo atentado,motoqueiros fecharam o carro deVânia, que, desgovernado, bateuem um muro. A vítima registrouboletim de ocorrência policial. Ajornalista Maritza também teriasido perseguida conforme o boletim.

Toda a categoria dos jornalistasde MT está chocada com estahistória de violência e coerção.

O Sindjor-MT se coloca àdisposição para levar o caso àsautoridades e à sociedade e pede ainvestigação urgente dos fatos,para que os responsáveis sejamenquadrados criminalmente epunidos e para garantir a integridadefísica e psicológica da jornalista.”

Page 32: Jornal da ABI 357

32 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

“A Comissão de Anistia tomou co-nhecimento, por meio da imprensa,de decisão do TCU que acolheu soli-citação do Procurador Marinus Mar-sico para que todas as indenizaçõesconcedidas como prestações continu-adas sejam reapreciadas pelo Tribu-nal, com fulcro em suposto caráterprevidenciário das mesmas e em pos-síveis ilegalidades.

Como contribuição ao debate demo-crático junto à sociedade e às institui-ções públicas brasileiras, a Comissão deAnistia manifesta preocupação no sen-tido de que a decisão do TCU incorraem um equívoco jurídico, político e umretrocesso histórico.

1. Do ponto de vista jurídico impor-tam dois registros.

O primeiro o de que, para tentarcomprovar a possível existência de “ile-galidades” nas indenizações utiliza-ram-se de 3 casos emblemáticos: Car-los Lamarca, Ziraldo Alves Pinto eSérgio Jaguaribe.

Ocorre que a decisão não abrangeuinformações fundamentais. No caso doCoronel Carlos Lamarca, assassinadona Bahia, faltou a informação de queo direito devido à sua viúva é objetode decisão da Justiça Federal mera-mente atualizada pelo Ministério daJustiça. Faltou registrar também querecentemente a Justiça Federal do Riode Janeiro confirmou a correição da de-cisão da Comissão de Anistia no casodo jornalista perseguido Ziraldo e quepossui situação idêntica à de Jaguar.Estaria a Justiça Federal cometendoilegalidades?

Nos três casos, os critérios indeni-zatórios estão previstos na Constitui-ção e na Lei n° 10.559/2002. Vale res-saltar que o artigo 8º do ADCT prevêque a anistia é concedida “asseguradas

dos os benefícios decorrentes de anis-tia sob tutela previdenciária do INSSsejam convertidos para a modalidadeindenizatória e pagos pelos Ministériosdo Planejamento e da Defesa: “O pa-gamento de aposentadoria ou pensão ex-cepcional relativa aos já anistiados po-líticos, que vem sendo efetuado pelo INSSe demais entidades públicas, bem comopor empresas, mediante convênio com oreferido Instituto, será mantido, sem so-lução de continuidade, até a sua substi-substi-substi-substi-substi-tuição pelo rtuição pelo rtuição pelo rtuição pelo rtuição pelo regimeegimeegimeegimeegime de prde prde prde prde prestação mensal,estação mensal,estação mensal,estação mensal,estação mensal,permanente e continuada, instituído porpermanente e continuada, instituído porpermanente e continuada, instituído porpermanente e continuada, instituído porpermanente e continuada, instituído poresta Lesta Lesta Lesta Lesta Leieieieiei”.

Assim, questão basilar no direito bra-sileiro, os direitos indenizatórios não seconfundem com os direitos previden-ciários. A tentativa de igualar as pres-tações mensais a um benefício de na-tureza previdenciária é um exercícioimaginativo forçado, cujo resultadoinadequado seria uma assimetria entreas reparações de prestação única e as re-parações de prestação mensal. Confor-me a decisão, os perseguidos políticosque recebem reparação em prestaçãoúnica seriam “indenizados” e os que re-cebem prestação mensal seriam titula-res de “beneficio previdenciário”. A leibrasileira não estabelece esta distinção,ao contrário, dispõe que ambas repa-

rações são resultantes do mesmo fatogerador, são reguladas pelos mesmosrequisitos, com regime jurídico próprioe, óbvio, sob o teto de uma mesma lei.Neste sentido, estabelecer uma analo-gia entre a indenização em prestaçãomensal e a previdência social seria fran-camente exorbitante e ilegal, pois queprocura, por meio do controle de con-tas, redefinir a natureza jurídica doregime do anistiado político, previstona Constituição e regulamentado naLei n.º 10.559/2002.

2. Do ponto de vista político, o te-merário gesto do TCU ao se “autocon-ceder” uma competência explicita-mente inexistente na Constituiçãopode enfraquecer a própria democra-cia. Incorre em erro a idéia difundidade que “[...] quem paga não foi quemoprimiu. É o contribuinte. Não é o Esta-do quem paga essas indenizações. É asociedade.”, expressa recentemente pelopatrocinador da causa. Todo o direitointernacional e as diretivas da Onu sãobasilares em afirmar que é dever deEstado, e não de governos, a reparaçãoa danos produzidos por ditaduras. Odever de reparação é obrigação jurídi-ca irrenunciável em um Estado de Di-reito. Mais ainda: o sistema jurídico

Direitos humanosDireitos humanos

TCU QUER MANDAR NA ANISTIACom base em proposta do Procurador Marinus Marsico, a Corte de Contas da Uniãodecidiu atribuir-se o poder de rever os atos da Comissão de Anistia, que considera

a medida como “um equívoco jurídico, político e um retrocesso histórico”.

as promoções, na inatividade, ao cargo,emprego, posto ou graduação a que teri-am direito se estivessem em serviço ativo”.

A segunda impropriedade reside empossível exorbitância das competênciasdo TCU, que abrangem a apreciaçãoda: “III - legalidade dos atos de admissãode pessoal e de concessão de aposentado-aposentado-aposentado-aposentado-aposentado-riasriasriasriasrias, reformas e pensões pensões pensões pensões pensões civis e militares”nos termos do art. 71 da Constituição.

Ocorre que a Lei nº 10.559/2002,criada por proposição do Governo Fer-nando Henrique e aprovada por una-nimidade pelo Congresso Nacional, emseu art. 1º criou o específico “regimejurídico do anistiado político”, compre-endendo como direito: “II – reparaçãoeconômica, de caráter indenizatóriode caráter indenizatóriode caráter indenizatóriode caráter indenizatóriode caráter indenizatório, emprestação única ou em prestação mensal,permanente e continuada, asseguradasa readmissão ou a promoção na inativi-dade, nas condições estabelecidas nocaput e nos §§ 1o e 5o do art. 8º do Atodas Disposições Constitucionais Transi-tórias;”. Ainda, o artigo 9º caracterizade forma inequívoca a reparação comoparcela indenizatóriaindenizatóriaindenizatóriaindenizatóriaindenizatória, destacando que“Os valores pagos por anistia não ponão ponão ponão ponão po-----derão derão derão derão derão ser objeto de contribuição ao INSS,a caixas de assistência ou fundos de pen-são ou previdência, nem objeto de ressar-cimento por estes de suas responsabili-dades estatutárias”. Avançando aindamais, a Lei prevê, em seu parágrafoúnico, que “os valores pagos a título dea título dea título dea título dea título deindenização indenização indenização indenização indenização a anistiados políticos sãoisentos do Imposto de Renda”.

Se a equiparação entre a indeniza-ção reparatória e a previdência socialfosse o objetivo da Lei n.º 10.559, nãoteria ela em seu artigo 1º estabelecidode forma expressa o referido “regime doanistiado político” em oposição aosregimes especiais da previdência jáexistentes à época. Justamente o opos-to: o 9º artigo da Lei determina que to-

Assim que tomou conhecimento da decisão do Tribunal de Contasda União, em sessão no dia 12 de agosto, de revisão das decisões ado-tadas em processos de anistia, o Presidente da Comissão de Anistia,Paulo Abrão Pires Júnior, apontou a manifestação do TCU como “umequívoco jurídico, político e um retrocesso histórico”. Em longa eminuciosa declaração, Abrão e a Vice-Presidente da Comissão, SueliBellato, contestaram os argumentos do Procurador Marinus Marsi-co, que suscitou a manifestação, acentuando que a decisão do TCU“não abrangeu informações fundamentais”, como nos casos dos anis-tiados Carlos Lamarca e Ziraldo Alves Pinto. É esta a integra da “Notade Opinião” da Comissão de Anistia:

Paulo Abrão: O TCU não pode abandonar seu papel de fiscal de contas arvorando-severdadeiramente em nova instância decisória para a concessão dos direitos reparatórios.

JOSE C

RU

Z/ABR

Page 33: Jornal da ABI 357

33Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

nacional reconheceu esta responsabili-dade nas Leis n.º 9.140/1995 e n.º10.559/2002 e o Supremo Tribunal Fe-deral definiu de forma claríssima quetais reparações fundamentam-se na“responsabilidade extraordinária doEstado” absorvida dos agentes públicosque agiram em seu nome (ADI 2.639/2006, Relator Min. Nélson Jobim).Deste modo, os critérios de indenizaçãoforam fixados pela Constituição de 1988e pela Lei nº 10.559/2002 e qualqueralteração nestes critérios cabe somen-te ao poder Legislativo ou ao poder cons-tituinte reformador, e não a órgãos defiscalização e controle.

3. Do ponto de vista histórico tem-se que a anistia é um ato político ondereparação, verdade e justiça são indis-sociáveis. O dado objetivo é que noBrasil o processo de reparação tem sidoo eixo estruturante da agenda aindapendente da transição política. O pro-cesso de reparação tem possibilitado arevelação da verdade histórica, o acessoaos documentos e testemunhos dosperseguidos políticos e a realização dosdebates públicos sobre o tema.

O Estado brasileiro demorou empromover o dever de reparação. Osvalores retroativos devidos aos perse-guidos políticos somente são altos emrazão da mora do próprio Estado emregulamentar as indenizações devidasdesde 1988. O somatório da inafastá-vel dívida regressa é proporcionalmen-te igual à demora no processo de repa-ração. Questionar as “altas indeniza-ções” tomando por base os valores dosretroativos, e não das prestações men-sais em si importa em distorção dosfatos e do Direito. Como a Constitui-ção determina, os efeitos financeiros ini-ciam-se em outubro de 1988, o cálculode retroativos que conduz aos altos va-lores é simplesmente aritmético, apli-cada a prescrição qüinqüenal das dívi-das do Estado. Não há, neste sentido,qualquer juízo administrativo sobreesse valor que possa ser corrigido semflagrante desrespeito à Constituição.

Nas agendas das transições políticas,as Comissões de Reparação cumpremum duplo papel: juridicamente sanamum dano e, politicamente, fortalecema democracia, restabelecendo o Estadode Direito e recuperando a confiançacívica das vítimas no Estado que antesas violou. É por esta razão que legisla-ções especiais, como a Lei n.º 10.559,criam processos diferenciados para aconcessão de reparações, com simpli-ficação das provas (muitas vezes, comono caso brasileiro, parcialmente destru-ídas pelo próprio Estado) e critériosdiferenciados de indenização (que nãoa verificação do dano moral e materi-al). São órgãos públicos específicos parapromover um amplo processo de oiti-va das vítimas, registrar seus depoi-mentos, processar as suas dores e trau-mas, em um ambiente de resgate daconfiança pública da cidadania viola-da com o Estado perpetrador das vio-lações aos direitos humanos.

Após 10 anos de lenta e gradual in-denização às vítimas, o anúncio públi-co por parte do Estado brasileiro derevisar as impagáveis compensaçõesdecorrentes do “custo ditadura”, ouseja, dos desmandos cometidos peloEstado nos períodos ditatoriais comotorturas, prisões, clandestinidades,exílios, banimentos, demissões arbitrá-rias, expurgos escolares, cassações demandatos políticos, monitoramentosilegais, aposentadorias compulsórias,cassações de remunerações, puniçõesadministrativas, indiciamentos emprocessos administrativos ou judiciais– pode implicar em quebra do proces-so gradativo de reconciliação nacionale de resgate da confiança pública da-queles que viram o seu próprio Estadoagir para destruir seus projetos de vida.Tantos anos depois, torna-se inoportu-no e injustificável para as vítimas oEstado valer-se da criação de procedi-mentos de revisão diferentes daquelesinicialmente estipulados, estabelecen-do uma instância revisora com um con-trole diferenciado, impondo ao perse-guido político mais uma etapa para aobtenção de direito devido desde 1988,ampliando a flagrante violação ínsitana morosidade do Estado em cumprircom seu dever de reparar.

É importante destacar que a Comis-são de Anistia não se opõe que o TCUpromova fiscalização de legalidade con-creta. A propósito, o Ministério da Jus-tiça já observou algumas destas reco-mendações em outras oportunidades.O que não se pode concordar, nestemomento, é com o fato de que a Cortede Contas abandone seu papel de fis-cal de contas arvorando-se verdadei-ramente em nova instância decisóriapara a concessão dos direitos repara-tórios. O sentido das Comissões de Re-paração é o de estabelecer um procedi-mento mais simples, célere e homogê-neo que o procedimento judicial, comoforma de garantir a restituição dos di-reitos às vítimas ainda em vida ou aosseus familiares. Não guarda qualquerrelação com este objetivo remeter aoTCU o trabalho arduamente realizadopor 7 diferentes Ministros da Justiça aolongo de 10 anos.

A inclusão de um procedimento re-visor nos dias de hoje pode abalar aconfiança cívica que as vítimas depo-sitaram no Estado democrático e a pró-pria reparação moral consubstanciadano pedido oficial de desculpas a eleofertado pelo Estado, prejudicando oprocesso de reconciliação nacional.

Trata-se de um grave retrocesso naagenda da transição política e da con-solidação dos direitos humanos no Bra-sil. Em outros países que enfrentaramregimes de exceção a agenda nacionalmove-se no sentido de avançar, com oChile abrindo a integralidade dos arqui-vos disponíveis, a Espanha retirandoestátuas e denominações de espaçospúblicos alusivas à ditadura de Franco,a Argentina condenando torturadores,e todos os países (desde o fatídico epi-sódio nazista na Alemanha) estabele-cendo programas de reparação às víti-mas e depurando dos serviços públicosaqueles que promoveram violações gra-ves aos direitos humanos. Esta decisãono Brasil orienta-se no sentido oposto:recoloca sob o plano da incerteza e dainsegurança as reparações destinadas àsvítimas ao invés de lançar-se sobre ainvestigação dos perpetradores.

É imperativo avançar com a locali-zação e abertura dos arquivos das For-ças Armadas; com a proteção judicialdas vítimas, com uma reforma amplados órgãos de segurança; com a locali-zação dos restos mortais dos desapa-recidos políticos entre outras tantasmedidas já dadas pelo exemplo dospaíses que viveram experiências simi-lares à nossa e pelo que está dispostonos tratados internacionais sobre amatéria. Caberia agora ao Brasil debru-çar-se sobre os arquivos das vítimas,não para querer rever os critérios cria-dos pelo legislador democrático dian-te do incomensurável custo ditadura,

Diante da vigorosa reação daComissão, a ABI enviou-lhe oseguinte e-mail:

“Caro Dr. Paulo Abrão PiresJúnior, estimada ConselheiraDra. Suely Bellato,

Parabéns pelo vigor damanifestação da Comissão deAnistia em repúdio à decisão doTribunal de Contas da União dese arvorar em árbitro de atospraticados por esse órgão doMinistério da Justiça comabsoluto respeito à legalidade.

Essa decisão demonstra que ofascismo disseminado peladitadura militar fez escola juntoa membros do Plenário do TCU ede seu Ministério Público, quedisfarça sua verdadeira faceliberticida com argumentos que anota da Comissão de Anistia

mas sim para encontrar-se com os mi-lhares de relatos das atrocidades impos-tas aos anônimos que os meios de co-municação ainda não se interessaramem propalar.

Por fim, a Comissão de Anistia reco-nhece a legitimidade do TCU para ocontrole de contas pontual e concreto,mas opõe-se ao extrapolamento ora emcurso que pretende identificar o regi-me indenizatório com o regime previ-denciário e proclamar uma nova ins-tância revisora de todas as indeniza-ções mensais. A Comissão de Anistiaainda reconhece todas as demais for-mas de controle da AdministraçãoPública a que está submetida, como asesferas de controle interno e o próprioMinistério Público Federal.

Se há algum ponto positivo a ser ex-traído da decisão de ontem no caso deesta ser mantida por instâncias recur-sais superiores, trata-se da possibilida-de reaberta para que o Estado, uma vezmais, possa através de um órgão públi-co dar publicidade às histórias de vio-lações praticadas durante os anos deexceção no Brasil. Numa eventual rea-preciação de todo o conjunto de proces-sos julgados espera-se que o Tribunal deContas não transforme um processo dereparação política em processo mera-mente contábil e saiba ouvir e divulgaros relatos das vítimas, verificando coma devida sensibilidade histórica a lega-lidade de todas as concessões empreen-didas pelo Ministério da Justiça. Somen-te deste modo a atual medida poderácontribuir para o fortalecimento dademocracia e dos direitos humanos.

Brasília, 12 de agosto de 2010.(a) Paulo Abrão Pires Júnior, Presiden-

te da Comissão de Anistia, Ministérioda Justiça; Sueli Aparecida Bellato, Vice-Presidente da Comissão de Anistia.”

DO PONTO DE VISTAPOLÍTICO, O TEMERÁRIO

GESTO DO TCU AOSE “AUTOCONCEDER”UMA COMPETÊNCIA

EXPLICITAMENTEINEXISTENTE NA

CONSTITUIÇÃO PODEENFRAQUECER A

PRÓPRIA DEMOCRACIA.

Apoio da ABI à Comissão

mostra como são inconsistentes ebaseados em pressupostos falsos,como no caso do Capitão CarlosLamarca e do caricaturista,jornalista e escritor Ziraldo AlvesPinto, beneficiados por límpidasdecisões do Poder Judiciário.

Para utilizar imagem dosaudoso Governador LeonelBrizola, estamos diante de umespasmo ditatorial temporão esaudosista dos filhotes daditadura encastelados no TCU.

A ABI vai divulgar opronunciamento da Comissão deAnistia em seu Site, para alargara repercussão de manifestaçãotão oportuna que VossasExcelências firmaram.

(a) Cordialmente, MaurícioAzêdo, Presidente da AssociaçãoBrasileira de Imprensa.”

Page 34: Jornal da ABI 357

34 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

A Secretaria de Assistência Social eDireitos Humanos do Estado do Riocomeçou a pagar em 12 de agosto areparação moral instituída pela Lei nº3.744/2001 às vítimas de prisões e tor-turas durante a ditadura militar. A in-denização, no valor de R$ 20 mil, foidepositada no Banco Itaú e pôde ser

Perante solicitação amiga, dirigimo-nos ao jornalista Maurício Azêdo, a fimde abordar a tímida caminhada dos di-reitos humanos no quadro cultural bra-

sileiro. A herança lati-fundiária, paternalis-ta e escravocrata pesamuito. É tão profundaque as oligarquias so-brevivem graças à ali-ança com a classe bur-guesa e as organiza-ções financeiras. Nãoé fácil falar em liber-dade política e de ex-pressão numa socie-

dade dominada por oligopólios. A pró-pria imprensa brasileira tem pudor denomear nossos ditadores. Estes são de-nominados, até hoje, “Presidentes”. Go-zaram de distinções, altas pensões e se-gurança, tudo à custa do povo que os di-tadores humilharam. Violência dos di-reitos humanos? Nenhum foi processa-do. Reproduzo adiante o conteúdo de mi-nha carta, que tinha objetivo público.

Caro Maurício Azêdo: em mãos oexemplar do Jornal da ABI nº 351 de

Direitos humanosDireitos humanos

RJ paga a reparação morala 150 vítimas da ditadura

A justiça chegou tarde demais para 32 delas,que faleceram antes da decisão de seus processos.

Abelardo Rosa dos SantosAdson de Souza LeiteAffonso Henriques G. CorreaAirton de Albuquerque QueirozAlípio Cristiano de FreitasÁlvaro Machado CaldasAntonieta Vieira dos SantosAntonio Clímaco FilhoAntonio de OliveiraAquiles FerrariAriceu VieiraArmanildo da Silva NunesArnaldo Alberto WerlangArnaldo Alexandre de LimaArthur José PoernerArtur SilvaÁurea C. de M. ChlebnicekBenedito Rosa de AlmeidaCarlos Augusto de CarvalhoCarlos Augusto Dias RibeiroCarmem Wille Ribeiro MotaChricio Ciryllo OliveiraDario de Souza GeraldeliDelso Gomes de AzevedoDelzir Antonio MathiasDirceu da Fontoura TrilhaDiva Borges NoronhaDorma Tereza de O. BarbosaEdemundo Paulino PintoEduardo RodriguesElliston SilvaEmir Mamoud AmedFábio Henninger de AraújoFlávio Carvalho MolinaFrancisco Flávio A. CostaFrancisco P. da S. Medeiros

procurada em qualquer agência deste.Entre essas vítimas estão os associadosda ABI Antonieta Vieira dos Santos,Arthur José Poerner, Jorge Saldanha deAraújo, Ronaldo David Aguinaga, So-lange Albernaz de Melo Bastos e Um-berto Trigueiros Lima. A lista inclui 32vítimas da ditadura que já faleceram.

Acymar FernandesArydio Xavier da CunhaCarlos Monteiro ValenteCarmela PezzuttiClaudionor Soares de SenaDemisthóclides BaptistaEdson AntonioEduardo L. de Sá RorizEjay DiasGerardo Galisa RodriguesHerval Arueira

Gerço Carvalho de S. RodaGilson Ribeiro da SilvaHenri AcselradHonório Gil RegoHorácio Carlos dos S. MelloIedson Lopes BastosIsmar Teixeira BarbosaJair Kelly MarizJamil José MiguelJamilton Mendonça de BarrosJanuário José P. A. OliveiraJoão Batista MoreiraJoão Carlos Reis HortaJoão FigueiroJoão Luiz de S. D. B. QuentalJoão Vicente de LimaJorge Saldanha de AraújoJorge Santos GomesJosé Arimathea C. LimaJosé Carlos de OliveiraJosé de OliveiraJosé Gomes TeixeiraJosé Gonçalves AlvesJosé LazariniJosé Luiz Homem da CostaJosé Nascimento de FrançaJosé Oto de OliveiraJuarez Cícero P. CoqueiroJussara Ribeiro de OliveiraLaerte RibeiroLúcia Maria M. VasconcelosLuiz Gonzaga de MacedoManoel da Silva MartingilManoel de Oliveira CandecoManoel José de P. DuqueManoel MartinsMaria de Fátima M. PereiraMaria de Lourdes Freitas PachecoMaria Helena do NascimentoBarbosa

Maria Lúcia W. C. LeiteMaria Lucy R. M. CarneiroMário CoutinhoMarly Dionizia Santos WerlangMenandro Sandes LimaMilton Lopes da CostaMiriam Gomes BurgerNey Freitas de QuadrosNicodemos Alves MachadoNilson VenâncioOberland Pacheco BarretoOlavo Alves PereiraOsmar de Jesus M. BarbosaOswaldo CarminattiPaulo Cezar de AzevedoPaulo Roberto JaburPedro Alves FilhoPedro França ViegasPriscila Melillo MagalhãesRaimundo Conceição da SilvaRaimundo José B. T. MendesRomeu BertolRonald Santos BarataRonaldo David Aguinaga,Samuel Henrique Dibe MalevalSelma Martins de O. SilvaSidney LianzaSolange Albernaz de Melo BastosTereza Cristina D. MartinsUlysses Silva do AmaralUmberto Trigueiros LimaValdeci Aleixo de SouzaVitória Lúcia M. P. MonteiroWagner Joaquim M. MendonçaWalter Batista dos SantosWalter Quaresma CostaWanda Cozetti MarinhoWilson do N. BarbosaYoshio IdeZamir Silva

Horalto Alves da SilvaJayme Azevedo RodriguesJoão Barbosa FulyJoão Lucas AlvesJosé Custódio de SousaJosé Mendes de Sá RorizJosé Pio (Michel) de GodoyJosé RomanJosé SallesJosé TominesJosias Nunes de A. Santos

Maria Auxiliadora Lara BarcellosNielse FernandesPedro Ricardo da C. CoimbraQuinidio Eugênio AlvesRita de Cássia BenchimolSebastião Bastos BatistaSetembrino Dias LacerdaTanus Jorge BastianiUberahy Francisco GonçalvesUbirajara MunizWalter Machado

Os 32 injustiçadosEstas são as vítimas da ditadura que não viveramo suficiente para terem seus direitos reparados.

POR FÁBIO LUCAS

A tortura, todos sabem, constitui resquício da escravidão, do programa de terror queos latifundiários organizaram para intimidar os servos da terra e a população em geral.

A tímida caminhadados direitos humanos

fevereiro de 2010, cuja leitura me rea-proxima do jornalismo opinativo dememorável história em nosso País.Devo essa conquista aos préstimos deRodolfo Konder. Pluralista e franca-mente aberto, o Jornal da ABI se alinha-va ao lado dos escassos órgãos de aná-lise e informação que se dignam defugir do servilismo reinante nos jornaise revistas de grande circulação, todosatados às agências que lhes fornecem,a preço camarada, imagens e palavrassubservientes, adequadas aos interes-ses das corporações internacionais.

Retóricos defensores da imprensalivre, os jornalões e periódicos oferecemao leitor o grau zero de alternativa,como se estivéssemos numa colônia ali-enada pelo monopólio das fontes e dosvalores. Nem na última ditadura seteve tamanho controle do informe demodo tão unidimensional. Pois o Jor-nal da ABI surpreende pela abertura deavaliações da conduta pública, dandoa jornalistas livres o espaço da opinião,do deleite e da contradita.

Quanto ao Programa Nacional dosDireitos Humanos, objeto do Editori-al, pouco se fala sobre o fato de que aAnistia foi gestada no ventre da dita-

dura e enfiada goela abaixo na boca dosdemocratas, a fim de conceder imuni-dade aos que, a partir do golpe de Es-tado, se acostumaram na prática dedelitos. Ao sucesso do primeiro delito(golpe de Estado) seguiu-se a rotina dosdemais (seqüestro de cidadãos, tortu-ra, assassinatos e corrupção).

Refeito o quadro democrático, nãohá que “ouvir o outro lado”, senão parafins de punir os culpados e reparar asvítimas, mesmo aquelas que tentaramreagir pela força, em legítima defesa dasinstituições democráticas. O “outrolado” é o próprio povo brasileiro, alvodo golpe desfechado com inspiração eapoio externos. Toda essa matéria dis-pôs de alta manifestação jurídica epolítica por parte dos autores do nívelde Paulo Sérgio Pinheiro (Folha de S.Paulo, 15-1-2010), Mino Carta (Carta-Capital, Editorial 1, 20-1-2010) e Alber-to Dines (“Observatório da Imprensa”,programa da Rádio Cultura da Funda-ção Padre Anchieta).

Todo o material constante do nº 351do Jornal da ABI é digno da mais acura-da leitura. Assim como o anterior, nº350, pois o conteúdo de ambos mereceser conhecido e arquivado para futuras

consultas. Assim se constrói o saber pul-sante da sociedade brasileira, acoimadade omissa e propensa ao esquecimento.O Professor Lênio Streck trabalhou bemo aspecto jurídico da Anistia, na entre-vista publicada sob o título Tortura nãoé crime político. Está fora, portanto, da Leida Anistia. A tortura, todos sabem, cons-titui resquício da escravidão, do progra-ma de terror que os latifundiários orga-nizaram para intimidar os servos daterra e a população de modo geral. Atéhoje o Brasil não se libertou do autori-tarismo despótico e violento.

Não se pode ir mais longe neste bre-ve recado. Fica o meu agradecimento ea esperança de que o Jornal da ABI con-tinue a alistar-se ao lado de nossa rarae escassa imprensa livre. Antes, porém,pequeno lembrete: Mauro Santayana,em crônica no JB deste ano, aponta,comparativamente, os Presidentes quesustentaram, nos EUA, o poder civil eo civilismo no poder. E define o momen-to histórico de capitulação de D. PedroI perante o poder militar, no caso daoperação que levou ao assassinato doFrei Caneca. Enquanto isso, a Folha deS. Paulo em reportagem de FernandoGallo, noticia Brasil começa a ser julga-do por desaparecidos no Araguaia. E OEstado de S. Paulo de 15 de junho de 2010reproduz matéria sobre a rejeição dosEstados Unidos ao atual trabalho escra-vo no Brasil, em artigo da jornalistaDenise Chrispim Marin.

Fábio Lucas é escritor, crítico literário e membro daAcademia Paulista de Letras e da Academia Mineirade Letras. Este artigo foi publicado originalmente noperiódico Linguagem Viva, de São Paulo, SP, anoXX, nº 251, julho de 2010, sob o título Onde estãoos direitos humanos?

É esta a lista dosdemais destinatáriosdo pagamento:

Page 35: Jornal da ABI 357

35Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

O jornalista Mário Alves de Sou-za Vieira, o sociólogo, escritor e ati-vista dos direitos humanos HerbertJosé de Souza, o Betinho, e mais cin-co participantes da resistência à di-tadura militar foram anistiados pela41ª Caravana da Anistia, organiza-da pelo Ministério da Justiça, em ses-são especial realizada no dia 18 deagosto em Brasília.

Foram também anistiados nessasessão o bancário Raul de Carvalho,filho de Apolônio de Carvalho, quelutou no lado republicano na GuerraCivil da Espanha e na Resistênciafrancesa contra a ocupação da Françapelos nazistas, o Major do ExércitoJefferson Cardim de Alencar Osório,que pegou em armas contra a dita-dura militar, o líder camponês JoséMoraes Silva, perseguido entre 1972e 1975 como suspeito de participarda Guerrilha do Araguaia, o diploma-ta Jom Tob de Azulay e a militantedo PCBR Maria do Socorro, líder es-tudantil quando fazia o curso de Le-tras no Ceará, seu Estado.

Tiveram assento à mesa da ses-são de julgamento o Presidente daComissão de Anistia, Paulo Abrão,e, como convidados especiais, o ex-Presidente do Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil-OAB, Cezar Britto, que deu ênfaseem sua gestão à defesa dos direitoshumanos, e a advogada Deisy Ven-tura, doutora em Direito. A sessãointegrou a programação do 4º Semi-nário Latino-Americano de DireitosHumanos e Anistia Política, promo-vido desde o dia 16 pela Comissãode Direitos Humanos e Minorias daCâmara dos Deputados.

Em funcionamento desde 2001, aComissão de Anistia analisa proces-sos de quem foi perseguido politica-mente no Brasil entre 1946 e 1988.Desde então, a Comissão julgou cer-ca de 57 mil processos – 33 mil foramdeferidos e em 12 mil houve algumtipo de reparação econômica.

A Caravana da Anistia já percor-reu 18 Estados e apreciou publica-mente mais de 800 processos. Entreos anistiados durante as Caravanas,a primeira das quais realizada naABI em 3 de abril de 2008, estão per-sonalidades que marcaram a Histó-ria do País, como o educador PauloFreire, o líder seringueiro ChicoMendes, o Governador Leonel Bri-zola e o Presidente João Goulart,entre outros.

Mário Alves e Betinho anistiadosEm sessão em Brasília, a Caravana da Anistia aprova a anistia aos dois e a mais cinco perseguidos

pelo regime, entre os quais o bancário Raul de Carvalho, filho de Apolônio de Carvalho, e o Major JeffersonCardim de Alencar Osório, preso, torturado e condenado por pegar em armas contra a ditadura militar.

Os processos julgados e deferidos pela41ª Caravana da Anistia foram os destasvítimas da ditadura:

HERBERT JOSÉ DE SOUZA, BETINHOFoi um dos fundadores da organizaçãomarxista Ação Popular-AP e um dossímbolos da campanha pela anistia,que o mencionava na canção O Bêbadoe a Equilibrista, de Aldir Blanc e JoãoBosco, pelo sonho da “volta do irmãodo Henfil”, o cartunista. Mineiro,Betinho era o terceiro homem dos oitofilhos de Dona Maria, celebrizada emcartas de Henfil. Ele se formou em1962 em Sociologia e Política e emAdministração Pública na Faculdade deCiências Econômicas da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Com o golpede 1964, passou a atuar na resistênciaclandestina à ditadura militar, dirigindoorganizações de cunho democrático nocombate ao regime. No começo dadécada de 1970, foi para o exílio noChile, Panamá, Canadá e México. Em1979, com a anistia, retornou ao Brasile criou o Instituto Brasileiro de AnálisesSócio-Econômicas-Ibase em defesa daspopulações pobres e o direito à vidae à dignidade dos portadores do HIV/aids. Idealizou a campanha Natal semfome, que deu origem aos programasde cestas-básicas do Governo Federal.Hemofílico, contraiu numa transfusãode sangue o vírus da aids, que omataria.

MÁRIO ALVES DE SOUZA VIEIRAJornalista, diretor do jornal Momento,de Salvador, órgão do PartidoComunista Brasileiro-PCB, do qualdirigiu também os jornais Voz Operáriae Novos Rumos. Membro do ComitêCentral do PCB, dissentiu da linhapolítica do Partido e fundou com outroscompanheiros, entre os quais ojornalista e escritor Jacob Gorender, oPartido Comunista BrasileiroRevolucionário-PCBR, que defendia oenfrentamento da ditadura até nocampo militar. Seqüestrado e torturadono Doi-Codi do Rio de Janeiro, nuncamais foi visto. É consideradodesaparecido político, de acordo com aLei nº 9.140/95, e foi o primeiro presopolítico a ter a responsabilidade peloseu desaparecimento imputada aoEstado, em ação movida por suamulher, Dilma Vieira, por decisão daJuíza Federal Tânia de Melo BastosHeine, em 1970. Em sua memória aSecretaria de Direitos Humanos daPresidência da República criou o

OS PROCESSOSJULGADOS

Memorial Mário Alves, instalado em 8de julho no hall do Auditório OscarGuanabarino, nono andar do EdifícioHerbert Moses, sede da ABI.

JOSÉ MORAES SILVACamponês, foi perseguido durante aGuerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975.

RAUL DE CARVALHOEscriturário do Banco Lar Brasileiro foipreso em 1969 e detido diversas vezesno Doi-Codi do I Exército, sediado noRio. Condenado, teve os direitospolíticos suspensos. Cumpriu pena naIlha Grande, litoral do Estado do Rio,entre 1970 e 1972. É filho de Apolôniode Carvalho, participante da brigadainternacional que lutou do ladorepublicano na Guerra Civil da Espanhae participante, com sua mulher, afrancesa Reneé, da Resistência francesaà ocupação nazista. Preso, foi banido doPaís após o seqüestro do Embaixadornorte-americano Charles Elbrick.

JOM TOB DE AZULAYIngressou por concurso público noInstituto Rio Branco em 1965. Sofreuperseguição em seu ambiente detrabalho, o que o obrigou a solicitar

remoção para o Consulado-Geral emLos Angeles, Estados Unidos, ondepermaneceu até 1974. Persistindo aperseguição, afastou-se do trabalho noItamarati em 1976 e passou a sededicar ao cinema.

JEFFERSON CARDIM DE ALENCAR OSÓRIOMajor do Exército, foi líder da OperaçãoTrês Passos, articulada por ummovimento guerrilheiro no Rio Grandedo Sul. Considerado comunista, foireformado pelo Ato Institucional nº 1 econdenado a oito anos de prisão em1964. Seus direitos políticos foramcassados por dez anos pelo ConselhoEspecial de Justiça da 5ª Região Militar.Fugiu para o Paraná, onde foi preso.Cumpriu pena até 1977.

MARIA DO SOCORROParticipou do movimento estudantil emFortaleza, onde cursava Letras naFaculdade de Filosofia do Ceará e faziaparte do Partido Comunista BrasileiroRevolucionário-PCBR. Por causa dasperseguições, abandonou a faculdade eo trabalho como professora. Mudou-separa o Recife e trocou de nome. Foipresa e processada. Retornou em 1972ao Ceará, onde foi novamente presa.

POR CLAUDIA SOUZA

Betinho(Herbert Joséde Souza) nummomento depoesia, semprepresente emsua vida,dedicada àprática dobem. SuacampanhaNatal semFome gerou oBolsa Família.

PATRIC

IASA

NTO

S/FOLH

AP

RESS

Page 36: Jornal da ABI 357

36 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

POR PAULO CHICO E FRANCISCO UCHA

A trajetória e atécnica de um

jornalista que se definecomo um “agente

provocador”.

“Tenho mais de mil perguntas, e não quero ouviras respostas”. A frase, por si só bastante curiosa, tor-na-se ainda mais intrigante quando identificado seuautor. Faz parte de um artigo assinado por um inici-ante Geneton Moraes Neto. Foi publicada em setem-bro de 1974, no experimental O Outro, fanzine edi-tado por um grupo de estudantes da capital pernam-bucana. Quase quatro décadas depois, o jornalista tor-nou-se referência na arte de entrevistar. De provo-car. Sabe fazer as perguntas. E apurou um ouvido afi-ado para decifrar as respostas.

O título desta entrevista, menos que uma brinca-deira, é uma referência ao trabalho de Geneton. Mui-tos de seus livros trazem o termo ‘dossiê’ na capa. Éjusto. Suas obras costumam revelar em detalhes, ecom altas doses de ineditismo, os pensamentos e per-fis até então ocultos dos entrevistados. De CarlosDrummond de Andrade a Fernando Gabeira. Dos ex-Presidentes da República José Sarney, FernandoCollor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardo-so – todos publicados no Dossiê Brasília. Além dos bas-tidores de episódios históricos, como a Copa de 1950.

Como a entrevista feita por ele com Drummond,nosso papo, na sede da TV Globo, no Jardim Botâni-co, durou mais de duas horas. Ainda assim, exigiu bre-ves contatos posteriores, para complementar a apu-

ração. Como entrevistado, Geneton é menos objeti-vo do que como entrevistador. Por vezes, parece esca-pulir das perguntas. Sua narrativa é marcada por des-vios de rota e interrupções. Nada intencional, que ficabem claro. E absolutamente natural para alguém que,ao longo de tanto tempo de ofício, colecionou boashistórias. E não perde o hábito de querer contá-las.

Uma das polêmicas definições apresentadas pelorepórter, atualmente na Globo News, dá conta de quefazer Jornalismo é tornar, por meio de criteriosa edi-ção do material bruto, as pessoas mais interessantesaos olhos do público. Para isso, o desafio é destacaro que nelas há de mais especial e marcante. Cá entrenós, no caso desta entrevista com Geneton, tal mis-são até que foi fácil. Torná-lo um personagem inte-ressante é tarefa que não exige sacrifício. Aproveitevocê também. Boa leitura.

DEPOIMENTO

FRAN

CISC

O U

CH

A

Page 37: Jornal da ABI 357

37Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

JORNAL DA ABI – GOSTARIA DE COMEÇAR

POR UM DE SEUS TRABALHOS MAIS RECENTES,E QUE TEVE GRANDE REPERCUSSÃO. O PRO-GRAMA GLOBO NEWS DOSSIÊ, COM ENTREVIS-TAS COM GENERAIS DA ÉPOCA DA DITADURA. OQUE O LEVOU, TANTO TEMPO DEPOIS, A FALAR

COM ESSES MILITARES?Geneton Moraes Neto – – – – – Convivi 20

anos com Joel Silveira, tido por muitoscomo o melhor repórter do Brasil. Foiuma relação engraçada, pois ele tinhaidade para ser meu pai, mas a gente fi-cou amigo íntimo. Fui pra casa do Joelfazer uma entrevista com ele, acho queem 1987, e neste mesmo dia ele já meconvidou para fazer um livro. Tivemosuma identificação imediata. Termina-mos fazendo dois livros, o Nitrogliceri-na Pura, com documentos de governosestrangeiros sobre o Brasil, e o Hitler-Stalin: Pacto Maldito, no qual ele fez maisa parte histórica e eu fiquei com as en-trevistas, tratando do acordo de não-agressão entre esses dois líderes e os efei-tos disso aqui, sobre a esquerda brasilei-ra. Estou citando o Joel pois me lembrode ele perguntar: “Se você estivesse hojenuma chefia de grande jornal, quais as-suntos pautaria?”. E ele próprio respon-dia, listando dezenas deles. “Zuzu An-gel, por exemplo. Aquilo foi acidente ouassassinato? Cadê o corpo de RubensPaiva? Quem matou Vladimir Herzog?”.Esse era um exemplo de fogo do repór-ter, que Joel sempre manteve aceso,mesmo depois de tanto tempo de estra-da. O jornalista lida tanto com fatos tãoinusitados que, depois de um certo tem-po, cai na tentação terrível de achar queos fatos extraordinários são ordinários.Vira aquela figura triste, que é o ‘derru-bador de matérias’, um cara meio blasé....Isso é um risco grave. Uma coisa que eutento evitar 24 horas por dia. Quando eutiver essa atitude meio desinteressada,prefiro partir pra estudar medicina, oucriar galinhas em Rondônia... Fazer qual-quer outra coisa. Eu concordo com o Joelquando ele dizia que se houvesse justi-ça no mundo no expediente dos jornaisem primeiro lugar viriam os nomes dosrepórteres, e só depois os dos donos dojornal. Estou citando Joel Silveira aquipara mostrar que, assim como ele, acre-dito que não há assunto esgotado. His-toricamente, o jornalismo se divide en-tre os carrascos, que matam as matéri-as, e os ressuscitadores, que dão vida aelas. Os carrascos sempre foram maio-ria. A vida é assim. Neste minuto, umacriança nasce, um avião decola, o planetagira. E em alguma Redação um editorjoga no lixo uma história interessante.

JORNAL DA ABI – DE QUE FORMA, NA PRÁ-TICA, ISSO SE APLICA A ESSE PROGRAMA DA

GLOBO NEWS, ESPECIFICAMENTE?Geneton Moraes Neto – – – – – Como assun-

to jornalístico, os chamados ‘Anos deChumbo’ são fascinantes. O assunto nãose esgotou, ainda. Tento me libertar da‘ditadura do gancho’, que obriga o jor-nalista a ter sempre que justificar a es-colha da pauta. O que justifica de verda-de, acredito, é o interesse pelo assunto.Se eu tivesse essa atitude de achar queas coisas estavam contadas, me desse porsatisfeito, eu não teria batido na porta

num quarto de estudante, com livros emáquina de escrever. Não é nem compu-tador. É máquina de escrever mesmo!

JORNAL DA ABI – COMO É ESTAR DIANTE DE

UM ENTREVISTADO E TER A CERTEZA DE QUE ELE

NÃO ESTÁ FALANDO A VERDADE? OU DESCON-FIAR SERIAMENTE QUE ELE ESTÁ MENTINDO?

Geneton Moraes Neto – – – – – Houve momen-tos nestas entrevistas em que eu fiqueinuma situação difícil. Tratava-se de umprato-cheio para o jornalista ficar fazendodiscurso político, não é? Era até tentador.Dava vontade de entrar numa de rebateras afirmações deles. Em dois ou trêsmomentos, eu fiz uma coisa que o jorna-lista não deve fazer. Não deve, mas eu fiz(risos). Fiz afirmações, e não perguntas.Com o Leônidas, fiz isso, por exemplo,quando afirmei que os outros presos ti-nham, sim, visto o Vladimir Herzog sermaltratado. Eles podem até insistir na tesede que ele se matou. Mas não há discus-são sobre esse ponto, de ele ter sido tor-turado. Isso é fato. Mas, sinceramente,os dois generais me deram a impressão deconvicção. Eles estavam 100% certosdaquilo que diziam. Rebati algumas coi-sas, que achei que deveriam ser rebatidas.Como quando o Leônidas disse que erauma autoridade acessível. E eu imediata-mente retruquei: “Sinto muito, mas nãoera, não! A gente não conseguia chegarperto do senhor”.

JORNAL DA ABI – UM DOS PONTOS MAIS

POLÊMICOS DESTA ENTREVISTA FOI A QUESTÃO

DE TER OCORRIDO, OU NÃO, TORTURA NAS DE-PENDÊNCIAS DO DOI-CODI DURANTE A ADMI-NISTRAÇÃO DO PRÓPRIO LEÔNIDAS...

Geneton Moraes Neto – – – – – Ele disse: “Ascoisas que eu digo, eu falo com a maiorconvicção. Eu estou com 86 anos, achaque eu vou ficar inventando coisas aqui?E outra coisa. Você conhece alguém queassuma que trabalhou no Doi-Codi? Poiseu digo que no ‘meu’ Doi-Codi não hou-ve torturas”. Bom, logo após o programair ao ar apareceu um grupo de ex-presospolíticos. Eles estão se mobilizando paracomprovar que houve, sim, tortura nes-tes tempos no Doi-Codi do Rio de Janei-ro. Li também o depoimento do próprioMaurício Azêdo, Presidente da ABI, so-bre o tempo em que ficou preso lá. Aí, vaificar complicado... Ninguém é louco deafirmar que não houve tortura no Doi-Codi no Rio. O que o General Leônidas afir-mou é que ele não tinha conhecimento denada neste sentido. Agora, como ele mes-mo fez a ressalva, vá saber ao certo o queacontecia ‘na calada da madrugada’...

JORNAL DA ABI – EM ARTIGO RECENTE

VOCÊ AFIRMOU QUE, QUANDO DO PREENCHI-MENTO DE UMA FICHA DE HOTEL, VOCÊ SE IDEN-TIFICA COMO ‘AGENTE PROVOCADOR’. ESSES

DOIS PERSONAGENS ERAM UM BELO CONVITE ÀPROVOCAÇÃO, IMAGINO. COMO, NA PRÁTICA

DA ENTREVISTA, DOSAR ESSA MEDIDA?Geneton Moraes Neto – – – – – Sou suspeito

pra falar disso. E fico um pouco constran-gido, pois pode ficar parecendo que ojeito que faço, e defendo, é a única ma-neira correta. Jornalista que não mordenão pode ser levado a sério. É como umpitbull desdentado! Não serve para rigo-rosamente nada! Fazer jornalismo é jo-

gar pedra na vidraça! É o seguinte. Háuma praga no jornalismo brasileiro que éo ‘compadrismo’. Sobretudo, na área decobertura de celebridades. Cerca de 98%do que se pergunta ou se responde é con-versa de comadre. A chance de sair algu-ma coisa de útil dali é igual à probabilida-de de a Nasa abrir uma base de lançamentode foguetes em Teresina, no Piauí... Vejasó as entrevistas americanas, até mesmoas feitas na Casa Branca. Em alguns mo-mentos, os repórteres chegam quase nolimite da agressividade. O cara não hesi-ta em dizer: “Presidente, me desculpe,mas o senhor mentiu. Disse tal coisa naentrevista, mas fez exatamente ao con-trário”. Aqui, fica tudo no tapinha nascostas. Parece que prevalece a camarada-gem ao interesse público, ou do público.Eu acho mesmo que o jornalista, especi-almente nas entrevistas, tem que fazerum pouco esse papel de ‘agente provoca-dor’. De extrair algo do entrevistado. Nãoé bancar o menino zangado, o que é fácilde se fazer, mas é tolo também... Essas en-trevistas às quais temos assistido por aí,essas conversas, em televisão especial-mente, mostram o reinado do compadris-mo. É diferente de quando você assiste aoGeneral Newton Cruz peitar o repórter,como fez comigo... “Você queria que eufizesse o quê na noite do atentado noRiocentro?”, perguntou. “Que o sr. ligassepara o Presidente, para avisar a alguémsobre o que acontecia”, respondi. “Mas,avisar a quem? Não dava tempo de acio-nar o Presidente”, retrucou. “Então, a seuchefe”. “Sobre o quê?”. “O atentado,General!” (risos). Ficamos neste debate...Acho que essa postura é fundamental.

JORNAL DA ABI – MAS, SE DESCAMBAR

PARA O LADO AGRESSIVO, NÃO HÁ RISCO DE AENTREVISTA SE PERDER?

Geneton Moraes Neto – – – – – Existe umahostilidade inegável e compreensívelentre esses dois lados. Dos militares emrelação aos repórteres, e destes em rela-ção aos militares. Eu diria que isso é na-tural, e até saudável. Mas, no final daentrevista, o Newton Cruz me levou aoelevador, cantarolando uma música an-tiga, que dizia: “Falam de mim, mas eunão ligo, falam de mim, que sempre fuiamigo. Um rapaz como eu não mereceessa ingratidão. Falam de mim, falam demim. Mas quem fala não tem razão”. Naverdade, era ele querendo me dizer que,ao menos, parte da fama atribuída a elenão procedia. Na saída da casa dele, naporta do elevador, eu disse: “Vou ser sin-cero com o senhor, General. Não estouquerendo dar uma de bom moço. Masjornalisticamente o senhor me interessatanto quanto o Luís Carlos Prestes, aquem também entrevistei”. E é isso mes-mo! Enquanto jornalista, sou contra apatrulha ideológica. Só a admito na horade dar meu voto na urna. Tem muito jor-nalista que, embalado pela herança ruimda ditadura, derruba pautas. “Ah, peloamor de Deus! Falar com esse general...”,reclamam. Mas, ao adotar essa postura,o jornalista está cometendo uma falhagravíssima, que é a censura ideológica.‘Imparcialidade’ total não existe. É ficção.Mas honestidade profissional existe, sim.É não deixar a simpatia política contami-

dos generais. Então, em primeiro lugar,fui movido mesmo pela curiosidade. Masse fosse preciso o tal gancho até teria um.É a data redonda de 25 anos do fim doregime militar. Pensamos logo no Leôni-das Pires Gonçalves, pois ele foi o gene-ral que viveu a transição do último go-verno militar para o primeiro civil. Já ha-via sido escolhido para ser Ministro, mas,com a morte do Tancredo, terminou pordesempenhar papel vital na condução deSarney ao Governo. E virou uma figuraemblemática no imaginário da época,sendo um representante da linha dura,um militar que gritava com jornalistas...O outro foi o Newton Cruz. A primeirareação de ambos foi dizer não ao meupedido. E, veja só, não havia combina-ção nisso. Não havia contato entre eles,a relação estava, inclusive, estremecida.Insisti quatro vezes, com cada um deles,até que na quinta investida os dois, porabsoluta coincidência, toparam falar. ONewton Cruz até brincou comigo:“Olha, sou mal educado! Quando falo,eu grito. Então, não quero mais me meterem confusão”. Venci pela insistência.Dizia que desejava ouvir a versão deles.No fundo, acho que acabei tocando navaidade pessoal deles. É um velho gol-pe... (risos). Com o Leônidas, eu queriasaber em detalhes sua atuação no episó-dio da doença e morte do Tancredo,naquele contexto de definir quem assu-miria a Presidência. O que ele havia con-versado, como Ministro do Exército? Oque havia dito exatamente a UlissesGuimarães... Foi até engraçado, pois,marcada a entrevista, voltei a ligar parareconfirmar. E ele: “Você se esqueceu queeu sou um milico? Está marcado parasexta-feira, às duas da tarde, e ponto.Palavra de militar!”. O Newton Cruzfalou comigo no apartamento da filha,na Barra da Tijuca, onde mora quase que

Fazer jornalismoé jogar pedra na

vidraça!É o seguinte.

Há uma pragano jornalismo

brasileiro que é o‘compadrismo’.

Sobretudo, na áreade cobertura

de celebridades.Cerca de 98%

do que se perguntaou se respondeé conversa de

comadre.

Page 38: Jornal da ABI 357

38 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

nar o jornalismo. Confesso aqui. Pertençoa um partido. O Partido dos Perguntado-res do Brasil (PPB). É o único que não podenem deve ter ideologia. Ponto.

JORNAL DA ABI – QUE OUTRA REPORTA-GEM, TAMBÉM JÁ DADA COMO ASSUNTO EXPLO-RADO E ENCERRADO, O LEVOU A DESCOBRIR

NOVOS FATOS?Geneton Moraes Neto – – – – – Fiz, recente-

mente, uma entrevista longa com o Fer-nando Gabeira, que virou um livro, Dos-siê Gabeira. E um jornalista me pergun-tou, quando do lançamento. “Para quevoltar a um assunto já tão esgotado,sobre o seqüestro do embaixador norte-americano no Brasil?”. E eu respondi jus-tamente com a tese de que não acreditoque exista assunto esgotado.Acho que até a crucificação deJesus Cristo deve ser revista,entendeu? (risos) Como acon-teceu? Quem fez o quê? Comque intuito? O jornalista nãopode ter essa atitude de acharque tá tudo esclarecido. Hásempre o que se apurar. Hásempre fatos que não foramcontados. Às vezes, coisasimportantes. Ou banais mes-mo. Neste livro do Gabeira,dissemos, pela primeira vez,que o ator Carlos Vereza foiquem disfarçou os seqüestra-dores do embaixador, após aação de captura. Ele, porexemplo, pintou de louro oscabelos do Gabeira.

JORNAL DA ABI – É FREQÜEN-TE, EM SUAS ENTREVISTAS E LIVROS,O USO DO TERMO ‘DOSSIÊ’. O QUE ISSO REVELA

SOBRE SEU TRABALHO?Geneton Moraes Neto – – – – – A primeira vez

que usei o termo foi no Dossiê Drummond,em 1994, fruto de uma entrevista lon-ga feita por telefone. Esse caso foi outralição de como, às vezes, vale a pena vocêser impertinente e até inconveniente. Eue todos os repórteres do Brasil sonháva-mos em entrevistar o Carlos Drummondde Andrade. Até que, mais para o finalda vida, ele começou a falar, mas em geralfugia do contato pessoal. Era acessívelno contato telefônico. O pretexto, o taldo ‘gancho’ para eu tentar essa entrevistaeram os 60 anos daquele poema No Meiodo Caminho, que tinha saído em 1928 efaria aniversário em 1988. Sabia que afilha dele estava doente. Preparei umquestionário, com tudo aquilo que eugostaria de perguntar. Acho que mais de60 perguntas... Telefonei, e ele próprioatendeu. Ele atendia! Era outra época,pois hoje qualquer suposta celebridadedo BBB tem assessor de imprensa... (ri-sos). Drummond não tinha nem secre-tária eletrônica... Ele disse: “Minha filhatá doente, eu tenho ido ao hospital todosos dias, só venho em casa para tomarbanho, trocar de roupa... Quem sabedepois?”. Eu sabia que aquele ‘depois’ nãoexistiria... E disparei: “E se a gente fizes-se agora, por telefone?”. “É, pode ser,agora eu estou disponível”, respondeu.Aquilo, pra mim, foi como fazer um golno Maracanã! Já estava com a gravaçãoengatilhada. Quando ele disse ‘alô’ eu já

estava gravando. Foram mais de duashoras de entrevista, resultando em maisde mil linhas datilografadas. Depois de al-guns dias, já abusando, liguei de novo, sópara esclarecer alguns pontos, como da-

tas e nomes. Foi curioso, poisaí ele me disse uma coisa que,até hoje, eu não sei se foi umacrítica ou um elogio. Na dúvi-da, tirei como um diploma pramim. Ele disse: “Você é impla-cável!”, quando eu estavacomplementando a apuração.Meio que sem querer, pois nãoera essa a intenção, isso aca-bou por virar um testamentodo Drummond, que morreupoucos dias depois, coisa deduas semanas. A partir daí,passei a usar esse termo ‘dos-siê’. Acho que soa bem e dáuma idéia do que é o trabalho.É sempre uma reunião de do-cumentos e depoimentos so-bre alguém ou algum caso. Eacho mais. O livro terminouvirando o espaço nobre paraa reportagem no Brasil, já que

os grandes jornais abriram mão disso, in-felizmente. Não existe mais uma revis-ta de reportagem... Existem as revistassemanais. Não temos mais publicaçõescomo a Realidade, da qual todo mundosente falta.

JORNAL DA ABI – O QUE FAZ DE UMA RE-PORTAGEM OU ENTREVISTA UM MATERIAL DE

QUALIDADE? O QUE FAZER, POR EXEMPLO, DI-ANTE DE UM ENTREVISTADO MONOSSILÁBICO?

Geneton Moraes Neto – – – – – Primeiríssimaregra para uma entrevista ruim: trate oentrevistado como se ele fosse um papae você, um cardeal. Desastre certo. Semexceção. Li uma vez uma definição deuma jornalista inglesa, num livro. Elacontou que tinha passado a manhã todanum hotel, entrevistando o Robert Red-ford, e que ele não dissera uma fraseinteressante. Ela voltou para a Redação,contou sua decepção para os colegas erefletiu sobre o trabalho do jornalista.Pensou: “O leitor não vai aceitar se eudisser que o Robert Redford, mito docinema, admirado por milhares de pes-soas, não tem nada de interessante paracontar. Não é aceitável”. A partir daí,concluo que o trabalho do jornalista, nofundo, é tornar as pessoas um poucomais interessantes do que elas são. Nãoé inventar nada, nem fazer ficção. Àsvezes, o cara fala meia hora de ‘abobri-nhas’, e bem no final dispara algo inte-ressante. Aí, entra a questão técnica, deperceber e trabalhar esse dado no lide.Pronto, você, pelo menos, já consegue,

no início, despertar e prender a atençãodo leitor ou telespectador. A função dojornalista também é um pouco criar umoutro tempo que não é o tempo real. Vocêvai entrevistar um camarada, num papoque leva duas horas. Se colocar essa fitabruta no ar, na televisão, fica chatomesmo. Agora, se você transforma essematerial, enquadra-o no tempo televisi-vo, de cinco ou dez minutos, ou até trin-ta, como temos na Globo News, e signi-fica uma eternidade em televisão, vocêenriquece o personagem. Pega apenas osmelhores takes, as melhores imagens edeclarações. No final das contas, fazerjornalismo é tornar a vida mais interes-sante do que ela é. O jornalismo é a gran-de, divertida e, freqüentemente, inútiltentativa de tornar os fatos mais interes-santes do que eles na verdade são. É pro-duzir informação e entretenimento in-teligíveis. É uma lástima que inspiretanta empáfia em tantos que o praticam.

JORNAL DA ABI – NESTE ESFORÇO DE DES-PERTAR O INTERESSE DO PÚBLICO, A EDIÇÃO ÉFUNDAMENTAL. POR VEZES, NÃO DÁ PENA DE

DEIXAR PARTE DO MATERIAL DE FORA?Geneton Moraes Neto – – – – – No caso dos

generais, isso nem ocorreu, pois a gen-te usou 90% do que gravou. Um poucomenos, talvez. O programa teve muitotempo na grade. Nestes casos, eramentrevistas detalhadas, polêmicas, eambos já estavam treinados, vacinadosem relação a jornalistas. Pediram, então,que não fossem desconectadas no pro-grama frases polêmicas, do tipo “nãohouve tortura no Doi-C odi’, fora de seusrespectivos contextos. Tanto que, naedição, para esclarecer o telespectador,fiz questão de usar imagens do makingoff com o Newton Cruz pedindo isso,quando o câmera ainda montava o equi-pamento. “Olha, eu estou aqui falandotudo, mas vocês não utilizem minhaspalavras sem uma ordem lógica”. Tan-to que assumi, com ambos, o compro-misso de que, quando fôssemos abordardeterminado tema, o faríamos por intei-ro, com todas as falas a respeito, e nãocom uma edição salpicada.

JORNAL DA ABI – UMA CARACTERÍSTICA

MARCANTE DE SEU TRABALHO NA TELEVISÃO ÉO HÁBITO DE EXPLORAR OS BASTIDORES, MOS-TRAR A PRÉ-ENTREVISTA OU DETALHES DE

COMO É FEITA A EDIÇÃO. ÀS VEZES, VOCÊ SE-QUER APARECE. AS PERGUNTAS SÃO FEITAS EM

OFF, E SOMENTE A SUA ASSINATURA, NO CRÉ-DITO FINAL, IDENTIFICA A AUTORIA. COMO EQUANDO SE DÁ ESSA OPÇÃO?

Geneton Moraes Neto – – – – – Eu sempre fuimeio ET na televisão. Nasci em jornal,adoro o impresso até hoje, e caí na tele-

visão por acidente. Digo isso tranqüila-mente, e longe de querer considerar a te-levisão um coisa secundária ou menor,até porque no Brasil ela é extremamen-te importante. Mas, como venho de jor-nal, sempre tive um certo desconfortona televisão. Como não sou aquele repór-ter de vídeo, arrumadinho de paletó, gra-vata e cabelo penteado, prefiro nemaparecer. Aliás, uma receita infalível parao desastre televisivo é o repórter que queraparecer mais do que o assunto. Não háexceção. O resultado é sempre constran-gedor. Outro dia, brinquei, numa posta-gem no G1, dizendo que uma jaguatiri-ca da serra – aliás, nem sei se existe estebicho – minimamente maquiada é dezvezes mais fotogênica do que eu... (risos).A verdade é que eu não me sinto à von-tade diante de uma câmera. Na juventu-de, eu queria fazer cinema. Acho quetento dar vazão a isso na televisão. Sem-pre trabalhei junto com o câmera, ten-tando propor um enquadramento dife-rente, valorizando o que se chama de‘olho da câmera’. Ou seja, buscando umaimagem que acrescente algo em relaçãoàquilo que, naturalmente, captaria oolho humano. Filmamos o entrevistadonuma perspectiva de baixo para cima,num close extremamente fechado...Enfim, focos que só a câmera pode fazer.

JORNAL DA ABI – OUTRA FACETA DE SEU

TRABALHO É A NÍTIDA PREOCUPAÇÃO COM OTEXTO, EXTREMAMENTE BEM ACABADO E ENXU-TO, EXATO. VOCÊ TEM UMA OBSESSÃO EM RE-LAÇÃO ÀS PALAVRAS?

Geneton Moraes Neto – – – – – Tenho, sim,uma obsessão. Aliás, isso deveria sercomum a todo jornalista. É claro que natelevisão você não pode comparar o ní-vel de exigência com o texto em relaçãoao jornal ou à revista. O texto de televi-são está justamente no meio do caminhoentre o texto escrito e a linguagem fala-da. É difícil encontrar um ponto de equi-líbrio. Mas, admito, algumas coisas emtelevisão me chocam. ‘Tem gente que’...Eu não escrevo isso. Isso se fala, mas naminha opinião não se escreve. Cuidadobásico: jornalista precisa ser cão de guar-da do idioma. É obrigação. Não pode, porexemplo, dizer ‘o óculos’. Ou ‘pra mimver’. Não pode! Uma das coisas boas deter saído do Nordeste, cumprindo a sinade vir tombando, até chegar ao Rio, foiter conhecido e convivido com grandesmestres do jornalismo. Há uma frasegenial do Paulo Francis. Ele dizia umacoisa que acho brilhante. Ele lamentavaque no Brasil a gente não tivesse, e, acre-dito, ainda hoje não tenha, criado “a tra-dição de uma prosa clara e instruída”.Aqui, criou-se o equívoco de que escre-

DEPOIMENTO DOSSIÊ GENETON MORAES NETO

A CANTIGADO GENERAL

Falam de mimMas eu não ligo.Todo mundo sabeQue eu sempreFui amigo.Um rapaz como euNão mereceEssa ingratidão.Falam de mim,Falam de mim,Mas quem falaNão tem razão.

Samba deCarnaval cantadopelo GeneralNewton Cruz aolevar Geneton atéo elevador, apósa entrevista àGlobo News.

Geneton gravou parao Fantástico, da RedeGlobo, uma série de

entrevistas comquatro ex-Presidentes:Sarney, Collor, Itamare Fernando Henrique.

O texto integral foipublicado no livroDossiê Brasília: Os

Segredos dosPresidentes.

Page 39: Jornal da ABI 357

39Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

ver difícil é escrever bem. Quando é exa-tamente o contrário. Aliás, as pessoas,quando lembram do Paulo Francis, ain-da se prendem muito ao personagem.Mas ele deu essa grande contribuição aojornalismo brasileiro. Passou adiante, deforma pioneira, para as gerações maisnovas, um texto mais legível. Indepen-dentemente do que ele dizia, ou deixa-va de dizer, você lia a coluna inteira, queera uma página de jornal, duas vezes porsemana. Eu tento humildemente seguiressa escola, que é marca de todos os gran-des textos jornalísticos. Se você come-ça a ler os melhores jornalistas, vai per-ceber isso. É preciso ter elegância, nãopode dar carrinho, pontapé, pisar noadversário, tirar a visão do goleiro... Nãodá pra ser Felipe Melo... (risos)

JORNAL DA ABI – FALANDO EM FUTEBOL,VOCÊ JÁ ESCREVEU LIVRO SOBRE O TEMA E FEZ

ENTREVISTAS COM ÍDOLOS DO ESPORTE...Geneton Moraes Neto – – – – – Eu não sou

jornalista esportivo. Minha única expe-riência na área foi mesmo fazer esse li-vro, Dossiê 50 – Os Onze Jogadores Reve-lam os Segredos da Maior Tragédia doFutebol Brasileiro. E isso muito me orgu-lha. Sei que é uma gota no oceano, masacho que dei minha contribuição para amemória nacional. Isso, aliás, é uma daspoucas coisas úteis que o jornalista podefazer. No final das contas, é o que fica.Acho que o jornalismo deve produzirinformação, que vai ser consumida deimediato. E, além disso, memória, queserá consumida a longo prazo. Fiz esselivro num esquema bem brasileiro. Nãopedi dinheiro a ninguém, nem patrocí-nio da Brahma. Fiz por minha conta.Tirei grana do meu bolso, comprei umapassagem pra Salvador, procurei um porum os jogadores da Seleção que perde-ram a final para o Uruguai, no Maraca-nã. Estavam todos vivos em 2000. Euconsegui falar com todos, mais o técni-co, e publiquei, sem cair na tentação defazer subliteratura, o que é muito co-mum no futebol. Depois de Nélson Ro-drigues, acho que deveria ser proibidoescrever sobre futebol no Brasil, pois eleé insuperável... Genial... Tive até umaexperiência inesquecível, que foi ver umjogo da Seleção Brasileira ao lado dele.

JORNAL DA ABI – COMO FOI ISSO?Geneton Moraes Neto – – – – – Foi em 1978.

Agendei a entrevista, no apartamentodele, no Leme, para o dia 1º de maio. Elemarcou nosso encontro pra hora do jogoda Seleção Brasileira, às vésperas da Copado Mundo. Então, pensei. Será que elese enganou? Não é possível que ele váfalar comigo bem na hora do jogo... Mas

lá fui eu. Um amigo meu foi com umamáquina fotográfica, toquei a campai-nha, me identifiquei como repórter doDiário de Pernambuco. E a cena que vi foiinesquecível. O Nélson esparramadonuma poltrona, de suspensório, semsapatos, com meia, e com a perna apoi-ada num banquinho. Assim que abrirama porta, ele gritou: “Conterrâneo!”. Fi-cou gritando isso na sala, pois eu haviadito que era pernambucano. Perguntei:“O senhor quer que eu volte depois? Vaipassar o jogo agora”. “Não, não”, disseele, colocando a mão no peito, sempremuito dramático. “Tire o som desseaparelho”, pediu ele, deixando a televi-são apenas com as imagens. “O Brasil mefaz mal! O Fluminense me faz mal!”,reclamou. Tiramos o som e, então, co-meçamos a entrevista. Era aquela Sele-ção de Reinaldo, Zico... Ele falou: “Essesmeninos são gênios, são gênios!”. Quan-do deram o replay do gol, ele achou quejá fosse o segundo, e vibrou de novo (ri-sos). E eu só pensando: “Meu Deus docéu, como é que ele vai escrever a colu-na de amanhã? Nem tá vendo o jogo!”.Lembro que na entrevista ele reclamouda frieza da imprensa brasileira, quehavia abandonado o uso de pontos deexclamação. “Um absurdo: o cadáver doKennedy ainda estava quente e o Jornaldo Brasil não concedeu um ponto deexclamação na manchete. ‘Mataram oKennedy’. Publicou-a friamente!” (risos).Ele reclamava que a imprensa brasilei-ra estava dominada pelos ‘idiotas daobjetividade’... Pois bem, terminou ojogo, ele continuou a entrevista. Nãodaria mais tempo, àquela hora, de escre-ver a coluna. Comprei o jornal no diaseguinte e lá estava ela, sem o placar, masobviamente com todas as suas pondera-ções bombásticas, apaixonadas, do tipo‘o escrete brasileiro honrou a camisa’...

JORNAL DA ABI – AINDA SOBRE FUTEBOL...COMO AVALIA A TRAGÉDIA DA SELEÇÃO BRA-SILEIRA NESTA COPA DE 2010? COMO A IM-PRENSA SE COMPORTOU?

Geneton Moraes Neto – – – – – Desde o inícioeu já estava me preparando para ouviro Galvão Bueno falar a fatídica frase:“Fica dramática a situação do Brasil!”(risos). E ele realmente soltou essa aos 30minutos do segundo tempo do jogo con-tra a Holanda. Me questionei seriamen-te. Se essa Seleção tivesse vencido, qualseria o efeito disso para o futebol brasi-leiro? Seria justo consagrar uma Seleçãode jogadores medianos demais? Isso,claro, é uma opinião de torcedor, mas to-dos disseram a mesma coisa: Em qual-quer lugar do mundo o Paulo HenriqueGanso teria sido convocado, menos no

Brasil. Prevaleceu essa coisa do Dunga,fechada demais, meio militarista...

JORNAL DA ABI – FECHADA DEMAIS EM

RELAÇÃO À PRÓPRIA IMPRENSA...Geneton Moraes Neto – – – – – Mas, aí, veja

bem. Eu acho que, em alguns momentos,no passado, ocorreram certos exageros...Nem uma coisa, nem outra. Pode parecerum sacrilégio eu falar isso aqui, dentro daTV Globo, mas tenho sérias dúvidas so-bre a propriedade de colocar um repórterda emissora dentro do ônibus da Seleção.Acho esse um procedimento perfeita-mente discutível. Por que dar passagema alguém da TV Globo, enquanto o carada TV Bandeirantes tá lá na porta, no frio,tentando entrar? Por outro lado, não temsentido algum dar uma bronca no Robi-nho por ele ter dado uma entrevista a umrepórter num corredor. Pelo amor deDeus! Aí vira uma coisa de quartel.

JORNAL DA ABI – HÁ MOTIVOS PARA OTÉCNICO DUNGA TER TANTA BRONCA DA IM-PRENSA ASSIM?

Geneton Moraes Neto – – – – – Com certeza,ele não gostou dessa história de ‘EraDunga’, que virou sinônimo de medio-cridade. Pode ver que a primeira atitu-de, quando ele recebeu a taça em 1994,foi falar um palavrão. Uma coisa louca!O sujeito está no auge da carreira, viven-do um momento que dificilmente iria serepetir, e, no lugar de dizer, ‘ganhamos!’,diz aqueles absurdos. Agora, tenho umaboa história pessoal com o Dunga. Es-tava em Londres, em 1995, quando aSeleção Brasileira foi jogar contra a In-glaterra. Fui com meu filho, que tinhaquatro anos, e um colega. Na muvuca,na porta do hotel, o Dunga foi um dospoucos que atenderam aos torcedores.Meu filho tirou uma foto com ele, quesubiu de volta para o quarto, e voltoucom postais autografados. Uma atitudesimpática. Olhando hoje, quase impen-sável. Inclusive, é interessante, várioscolegas aqui da emissora vieram, nessesdias pós-eliminação, sugerir que euentrevistasse o Dunga...

JORNAL DA ABI – DIGAMOS QUE ELE TO-PASSE FALAR. O QUE, LOGO DE CARA, VOCÊ

PERGUNTARIA?Geneton Moraes Neto – – – – – Faria pergun-

tas diretas. Quem, dos que você levou,você cortaria, hoje, depois de encerradaa campanha? Você não acha que, na horaem que decidiu não levar o Paulo Hen-rique Ganso e o Neymar, agiu comoaquele cara que tá na contramão, vêtodos os carros vindo na direção contrá-ria e mesmo assim acha que está certo etodo o resto do mundo errado? E, por

fim, Você diria em voz alta o que apenassussurrou para o Alex Escobar durantea coletiva de imprensa, na África do Sul?Poderia repetir aquelas palavras e expli-car a razão de tê-las dito?

JORNAL DA ABI – E A SÉRIE ESPECIAL EX-TRACAMPO, TAMBÉM EXIBIDA NA GLOBO

NEWS? COMO SURGIU?Geneton Moraes Neto – – – – – A idéia ali era

falar do futebol sob o ponto de vista doque acontece fora do gramado, que àsvezes é o mais interessante. Pois o jogoem si o torcedor vê. Por exemplo, pega-mos o Ricardo Rocha para saber o queele dizia no ouvido do atacante adversá-rio, quando se trombavam em campo.Ou o Zico falando do Paolo Rossi, quefoi o maior carrasco da Seleção Brasileiraem 1982, fazendo os três gols da Itáliacontra a gente. Eles se encontraram tem-pos depois. E o Rossi revelou ao Zico quenaquele dia os jogadores italianos ti-nham tanta certeza de que iriam perderpara o Brasil que foram jogar com asmalas já arrumadas no hotel. No final,quem voltou pra casa fomos nós, e elesacabaram campeões. A idéia era explo-rar essas histórias ocultas, falar de fute-bol para leigos. E também mudar umpouco o enfoque da cobertura nessa área,onde, em especial, há uma certa promis-cuidade na relação da imprensa com osdirigentes e jogadores.

JORNAL DA ABI – O QUE EXPLICA ISSO?Geneton Moraes Neto – – – – – Essa postura,

apesar de equivocada, é até compreensí-vel, diante do perfil do próprio brasilei-ro, de fazer amizades facilmente, de teruma vocação conciliatória. O problemaé que, quando você se confunde com asfontes, acaba se anulando enquanto jor-nalista. Eu até evito isso. Já tive chancesde conviver com celebridades com asquais falei, mas evito ao máximo. Imaginase eu vou jantar na casa do Caetano Ve-loso, ele fala coisas interessantes, e eu nãogravei, nem anotei... Se eu estou falandocom alguém conhecido, e não estou como gravador ligado, acho um absurdo! Umaperda de tempo! Tenho a sensação de queestou na pele errada, de que estou perden-do alguma coisa. Eu tenho essa ‘deforma-ção profissional’... (risos)

JORNAL DA ABI – COMO FOI O INÍCIO DE

SUA CARREIRA NO JORNALISMO?Geneton Moraes Neto – – – – – Comecei cedo,

aos 13 anos, no suplemento infantil doDiário de Pernambuco, que se chamavaJúnior. Ali eram publicadas colaboraçõesde leitores. Era só mandar textos para lá.Quem encaminhou meu texto foi umaprima distante do meu pai...

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Eu sempre fui meioET na televisão.Nasci em jornal,adoro o impressoaté hoje, e caí na

televisão poracidente.

Page 40: Jornal da ABI 357

40 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

JORNAL DA ABI – SEUS PAIS INFLUENCIARAM

OU INCENTIVARAM SUA ESCOLHA PROFISSIONAL?Geneton Moraes Neto – – – – – Não posso

dizer que tive influência. O meu pai eraagrônomo e fazendeiro. Se eu fosse seguira vocação da minha família, por parte depai, teria estudado Agronomia, Veteriná-ria ou ido criar boi. Minha mãe tinha sidoprofessora. Deixou tudo para criar os cin-co filhos. Nenhum outro é jornalista. Omeu irmão mais novo cumpriu a vocaçãofamiliar. Estudou Zootecnia, é fazendei-ro... As três irmãs não têm qualquer liga-ção com jornalismo. Uma é dentista, asoutras duas, nutricionistas.

JORNAL DA ABI – E QUANDO VOCÊ SE PRO-FISSIONALIZOU?

Geneton Moraes Neto – – – – – Comecei a tra-balhar de verdade aos 16 anos, quando mechamaram para a reportagem geral nomesmo Diário de Pernambuco. Comecei atrabalhar no auge da ditadura, em 1972.

JORNAL DA ABI – CHEGOU A TER PROBLE-MAS COM ELA?

Geneton Moraes Neto – – – – – Lembro que eraproibida qualquer referência, comentárioou entrevista sobre a peça Calabar, deChico Buarque e Rui Guerra. “A peça foiproibida, o Diário de Pernambuco não podefalar nada”, me avisaram. Mas aí entrouem cartaz o Toda Nudez Será Castigada.Adorei o filme! Tinha a Darlene Glória...Passou apenas duas semanas em cartaz, efoi proibido. Escrevi uma nota na colunacultural Ensaio Geral, com o título ‘TodaNudez será censurada’. Escrevi que o fil-me era muito bom. No final, disse que erauma pena que tivesse sido tirado de car-taz. E fechei essa frase com três ponti-nhos... Por incrível que pareça, a Polícia doRecife se mobilizou por causa dessas re-ticências. A coluna saiu num domingo, equando cheguei para trabalhar na segun-da, me chamaram na sala do Dr. AntônioCamelo, Diretor do jornal e jornalista dasantigas, um sujeito que fazia vibrar a Re-dação. Um tipo que hoje é difícil de serencontrado. Entrei e notei o clima estra-nho. Estava também o Gladstone Vieira,que é Diretor de lá até hoje, além do cro-nista social, João Alberto, que também estálá, e me contou: “Hoje passei uma por suacausa”, começou. A PF havia visitado aRedação, me procurando. Como eu nãoestava, perguntaram quem era o Editor dosuplemento cultural. Era ele. Pronto, leva-ram o João Alberto! E ele disse, tentou seexplicar: “Esse Geneton é um menino quetá começando”. Ao que os policiais respon-deram: “É uma irresponsabilidade entre-gar uma coluna dessas a um estudante. Eesses três pontinhos são uma ironia coma PF”. E eram mesmo... (risos). Sabe, eu souaté agradecido à atitude, à postura dessaspessoas do jornal na época, pois elas po-deriam até ter me amedrontado, dito:“Poxa, tenha cuidado com o que você es-creve. Você quer fechar o jornal?”. Mas,não. Eles disseram: “Olha, isso já aconte-ceu, e vai acontecer outras vezes. Pode fi-car tranqüilo, não deixa isso te melindrar!”.Essa foi uma atitude legal para quem es-tava começando. Apesar de eu ter ficadoassustado, pois pensei: “Meu Deus, porcausa de uma nota boba dessas eu possosair daqui direto pra Polícia Federal!”.

JORNAL DA ABI – DESSA FASE DE COMEÇO

DE CARREIRA, HÁ ALGUMA OUTRA HISTÓRIA

MARCANTE?Geneton Moraes Neto – – – – – O Antônio

Camelo me chamou e disse: “Você vaifazer uma reportagem no hospital psi-quiátrico público lá da Tamarineira. Digaque você tem uma irmã lá dentro, puleo muro, se vire... Eu quero é uma maté-ria!”. E eu, com a petulância de quem tem16 anos, disse: “Deixa comigo!”. Fui como fotógrafo, que ficou do lado de fora, eentrei. Era aberta essa ala do hospital,com os doidos ‘mansos’, digamos assim.Consegui me misturar a eles. É uma coisaque me intriga até hoje. Ninguém notouque eu não era um interno, né? (risos).Ninguém notou a diferença, eu estavaem casa... Lembro que os pacientes di-ziam: “A comida daqui é horrível, vempedra dentro do feijão, a carne pareceuma borracha”. Saí, e voltei já com ofotógrafo, me apresentei à direção comorepórter. E tive aquela lição de jornalis-mo. A Diretora do hospital disse que láhavia uma equipe de nutricionistas queorientavam o cardápio, que segunda-feira era servido peixe, carne na terça...Ou seja, exatamente o contrário do quetinham falado os pacientes. Ali recebi naprática um tratamento de choque. Per-cebi que existem dois lados bem distin-tos. A versão oficial dos fatos e a reali-dade, que é muito mais evidente.

JORNAL DA ABI – VOCÊ PERMANECEU NO

DIÁRIO DE PERNAMBUCO ATÉ QUANDO?Geneton Moraes Neto – – – – – Fiquei até 1975.

Deste ano até 1980 fiquei na sucursal doEstado de S.Paulo no Recife. Foi uma épocarica, pois peguei o início da abertura po-lítica, viajei com o Ulisses Guimarães,cobri uma visita de Lula a Dom Hélder.Desse episódio, me lembro do Lula afir-mar, durante entrevista, que quando aca-basse aquele mandato sindical, ele que-ria ajudar a Marisa a cuidar dos filhos.“Não tenho tido tempo para minha famí-lia. E só sei de uma coisa: Eu não tenhovocação para política”, me disse Lulanaquela ocasião...(risos). A verdade é quenão consigo passar muito tempo fazen-do a mesma coisa, no mesmo lugar. As-sim, todo mundo pensou que eu estivesselouco quando pedi demissão do jornal.Pensava em fazer cinema. Fui pra Paris,fiz um projeto de tese na Sorbonne. Eraum negócio chamado Cinema e Subdesen-volvimento – O Caso Brasileiro. Primeiro,eu definia o termo, com base nos funda-mentos de Celso Furtado e outros acadê-micos. E lançava a questão: Poderia oBrasil, um país subdesenvolvido, produzirum cinema esteticamente desenvolvido?Aí, citava as obras de Gláuber Rocha,como exemplo. Surpreendentemente, fuiaceito. Fiquei por lá um ano e meio. Mas,na fase de início da abertura, antes de irpra Paris, me lembro que fiz boas maté-rias. Para a IstoÉ, fiz um frila sobre a vol-ta do Miguel Arraes. Fiz a cobertura, comtodo mundo no aeroporto querendo abra-çá-lo... Foi uma cena bonita. E a matériasaiu na íntegra, não mexeram uma vírgu-la, o que significava muito naquela Re-dação, que tinha como símbolo o MinoCarta. Eu já sofri muito na mão de edi-tores. Tenho trauma com isso.

JORNAL DA ABI – COMO ASSIM?Geneton Moraes Neto – – – – – O editor era o

sujeito que destroçava o texto, botavaum título chato, palitava os dentes e iapra casa dormir. A internet acabou coma raça. Ela acabou com essa ditadura doeditor, em especial em relação ao espa-ço. Presenciei casos em que o editor de-veria ter saído algemado da Redação! Jáaconteceu comigo diversas vezes. Man-dar um texto de Londres aqui pra Reda-ção, e o cara, simplesmente, alterar tudo.Ele acrescenta uma informação erradano texto que você mandou, e aquilo saicom a sua assinatura. Já tive clássicos,como o Editor mudar a ‘exceção’ do meutexto por ‘excessão’, e sair assim, commeu nome. Eu pensava, não é possívelque o cara tenha feito isso! Houve umlançamento de uma antologia dos Bea-tles, em 1995, na Inglaterra. Foi um acon-tecimento. Havia uma coletiva, um gran-de esquema, com 50 equipes de televi-são do mundo todo. Na mesa estava oGeorge Martin, produtor, mas nenhumdos Beatles vivos – George Harrison, PaulMacCartney e Ringo Star. Eles exibiram,num telão, um trecho do dvd com os trêsdando depoimentos, falando do lança-mento. Aí, na matéria que mandei paraO Globo, citei que o Paul estava com umacamisa vermelha, o Ringo de tal jeito...Fui descrevendo como eles se apresen-taram no vídeo. E dizia, lá embaixo, noquarto parágrafo, que havia apenas umdetalhe, algo a lamentar. Nenhum dostrês esteve pessoalmente no local. Ha-viam participado através da gravação

DEPOIMENTO DOSSIÊ GENETON MORAES NETO

projetada no telão. Era um texto para oSegundo Caderno, o que permite certagraça no texto. Você acredita que a ma-téria que saiu no O Globo no dia seguin-te saiu com esse parágrafo cortado? Cor-taram pelo pé! Para quem leu a matéria,fui o único repórter do mundo que viuos três ali, lado a lado, na coletiva!

JORNAL DA ABI – VOCÊ DISSE QUE QUERIA

FAZER CINEMA, MAS NA REALIDADE DESCOBRI-MOS QUE VOCÊ FEZ CINEMA. O FILME CONTEÚ-DO ZERO, COM CAETANO VELOSO, FOI UM DE-LES. CONTE COMO FOI ESSA EXPERIÊNCIA.

Geneton Moraes Neto – – – – – Fiz cerca de dezfilmes Super-8, em curta-metragem,entre o início dos anos setenta e o iníciodos anos oitenta, no Recife. ConteúdoZero foi realizado a partir de uma entre-vista gravada em áudio com CaetanoVeloso, no Recife. Trechos da entrevis-ta são intercalados com imagens de umshow que ele fez no Teatro do Parque,noRecife, também em 1973. Pela primei-ra vez na vida, empunhei uma câmera –que eu tinha comprado numa viagem aManaus. A viagem – por sinal – foi umprêmio que recebi como segundo colo-cado do Festival Nacional de Poesia Se-cundarista, que era realizado na Bahia ereunia estudantes de todo o País. Nestecaso, a poesia se misturou ao cinema. Ouseja: o prêmio que recebi num festivalde poesia me deu a chance de compraruma câmera. Uma coisa me levou a ou-tra. Para alívio do Brasil, não levei adi-ante minha carreira de “poeta”. Mas,pelo menos, ganhei este prêmio e, com

Geneton em suamesa, na Redação doFantástico; com AbdelBari Atwan, o homem

que entrevistou BinLaden e, na página

ao lado, bem jovem,acompanha Geiselnum evento como

repórter da Sucursaldo Recife de

O Estado de S.Paulo.

Page 41: Jornal da ABI 357

41Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

ele, a chance de comprar uma câmera. Ofilme, inteiramente amador, como, ali-ás, a maior parte da produção do chama-do Movimento Super-8, foi exibido emvários festivais – entre eles, a Jornada deCurta-Metragem de Salvador, em 1974.Quatro filmes que realizei em Super-8foram premiados: Esses Onze Aí, em par-ceria com Paulo Cunha, venceu o Festi-val de Cinema do Recife de 1978; A Flordo Lácio é Vadia, Funeral para a Décadadas Brancas Nuvens e Fabulário Tropical.

JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ FOI PARAR

NA TELEVISÃO?Geneton Moraes Neto – – – – – Quando voltei

de Paris, estava em Recife, na praia, li-teralmente pensando o que fazer na vida.Cruzei com um cara que havia sidoChefe de Reportagem meu no Diário dePernambuco e no Estadão e, por coincidên-cia, ocupava agora o mesmo cargo na TVGlobo de lá. Era o Ricardo Carvalho, queme chamou: “Quer ir pra televisão?”.Não tinha interesse, mas, como não ti-nha nada, comecei a fazer matérias,entrevistas pra eles. Mas pedi demissão,de novo, e fui pra Londres. Novamente,fiquei um ano e meio fora. Sempre sen-ti simpatia maior por Londres do que porParis. Dessa vez, fui até camareiro dehotel e motorista de madame, para so-breviver. O dinheiro foi acabando, e tiveque me virar. Em Londres, fiz frilas noserviço brasileiro da BBC e no próprioescritório da TV Globo – que já me co-nhecia do Recife. Sempre fui meio domundo. Pedia demissão, juntava dinhei-ro e seguia viagem. Nesta temporada lon-drina, fiz muitas entrevistas, que oferecia diversos veículos quando voltei, no se-gundo semestre de 1985. Muitas saíramem jornais e até na Manchete. De volta,lá estava eu pensando de novo na vida,no Recife. Aí me chamaram para a TVGlobo do Rio. Comecei na Editoria Rio,no RJ-TV. Era uma loucura, pois até hojeeu não tenho a menor noção geográficada cidade. Se me perguntarem a direção

de Madureira, vou para nemsei aonde... (risos). Mas eraum trabalho quase técnico,de fechar o jornal. Meses de-pois me chamaram para oJornal da Globo, depois fuiEditor-Executivo do mesmojornal. Tudo em questão demeses. Logo virei Editor doJornal Nacional, cobrindoférias de um colega, e assu-mi a Chefia do Jornal da Glo-bo. Foi uma coisa muito rá-pida. A ascensão e a quedatambém, pois fui demitidopouco depois, numa greve!(risos). Houve uma paralisa-ção nacional, não especifica-mente da TV Globo, depoisdo Plano Cruzado, em de-zembro de 1986. Era umamanifestação política emfunção de um pacote lança-do após as eleições. Foi umacoisa inédita, histórica, quejamais se repetirá aqui na TVGlobo, por exemplo. Paroutodo mundo aqui dentro. Foiuma situação dramática. Os

editores-chefes foram chamados pelaDireção do Jornalismo na época, que afir-mou que todos teriam que trabalhar nodia seguinte, marcado para a greve. Euestava interinamente na Chefia, mas fi-quei numa situação difícil. Todos esta-riam parados, desde o contínuo até osRepórteres e Editores... Eu não tinhacomo fazer o jornal sozinho, né? No diada greve, não apareci para trabalhar... Eos editores dos outros jornais tambémnão. Naquele dia, os Diretores é que des-ceram das salas para fazer o Jornal Na-cional. Colocaram até imagens do jornalO Globo, impresso, no ar, para ilustrarmatérias. Foi uma loucura! Assim, de-pois, havia pelos corredores da emisso-ra os boatos de três desfechos possíveispara esse episódio. Um deles dava con-ta de que o Dr. Roberto Marinho acabariacom todos os telejornais, pois teria ficadocom raiva. A outra é de que haveria umademissão generalizada da maioria dosfuncionários – todos os que aderiram àgreve. E, por fim, a versão de que somenteos chefes seriam demitidos. Ficamos uma

semana nesta agonia. Um belo dia, quan-do chego aqui, me lembro bem, estavaaquela confusão na calçada. Nem descido carro... As pessoas vieram até mim edisseram: “Saiu a lista, e você está nela”.Eu já esperava um pouco por aquilo.

JORNAL DA ABI – E AÍ, QUAL FOI SEU EM-PREGO SEGUINTE?

Geneton Moraes Neto – – – – – Pensei queaquela seria uma boa chance de pararcom essa história de televisão. Foi umacerta comoção, colegas me ofereceramemprego na TV Manchete, na TVE.Resolvi dar um tempo. E, de novo, pe-guei o avião e fui pra Londres... (risos).Não fui para morar. Fui pra passar doismeses, na casa de um amigo, e pensei:“Quer saber de uma coisa? Vou fazer ummonte de entrevistas e, na volta, tentopublicá-las”. Em Paris, o Rubem Fonse-ca estava fazendo uma conferência. Eleestava no auge. E detesta jornalistas, nãodá entrevistas. Tentou escapar do meupedido, disse ser tímido. Mas permitiuque eu gravasse o que ele falasse na pa-lestra. Não tinha idéia de que aquilosairia num grande jornal. Gravei e, quan-do voltei, em 1987, liguei para o Jornaldo Brasil, para falar com o Zuenir Ven-tura, a quem não conhecia pessoalmen-te. Ele havia lançado o caderno literárioIdéias. Liguei e falei: “Sou jornalista,Geneton Moraes Neto, e tenho umaentrevista com o Rubem Fonseca”. Asecretária deu este recado a ele, que re-agiu. “Não é possível! Primeiro, porqueo Rubem Fonseca não fala! E segundo,não é possível alguém se chamar Gene-ton e, ainda por cima, Neto! Três gera-ções com esse nome, não acredito!” (ri-sos). O Zuenir conta essa história atéhoje por aí... Deixei o artigo na porta doJB, e sou grato a ele até hoje, pela atitu-de extremamente profissional que teve.Quando peguei o Idéias, no sábado, es-tava lá, na primeira página: ‘RubemFonseca Fala’. Uma grande foto, a cha-mada e a matéria inteira. Não cortaramuma linha! Para mim, que já adoravajornal, aquilo foi o máximo. E pensei:quem será o próximo entrevistado im-possível? Foi aí que fui atrás do Drum-mond. Fiz a entrevista pelo telefone,saíram as matérias no mesmo JB e, de-pois, o livro Dossiê Drummond.

JORNAL DA ABI – COMO, ENTÃO, RETOR-NOU À TV GLOBO?

Geneton Moraes Neto – – – – – Eu ia acabarficando no JB... O Alberico Souza Cruz

me chamou na TV Globo, e disse: “Aque-la história da demissão foi superada.Quer voltar pra cá?”. Ele chegou a fazerapelos emocionais, me alertando que eutinha duas filhas para criar. Dispensei,deixei uma mensagem na portaria daemissora, agradecendo, mas afirmandoque não queria mesmo voltar a trabalharcom televisão. Ele me ligou e disse: “Jásei o que você quer? Você quer é ganhardinheiro, não é isso?”. Ele estava preci-sando de alguém pra colocar no ar umprograma que estava começando, e estána grade até hoje, chamado PequenasEmpresas & Grandes Negócios. Eu nãotinha nada a ver com aquilo, mas elequeria alguém pra formatar o programa.E me indicou para fazer isso. Era umsalário de editor-chefe, e acabei ficandolá. Me chamaram para o JB na mesmaépoca. Acho que o convite veio pelo Ar-tur Xexéo, que me ligou dizendo quehavia pintado uma vaga. Na verdade, osalário da TV Globo era o triplo do ofe-recido pelo JB, mas se você me pergun-tasse o que eu gostaria de fazer, digo queficaria no Jornal do Brasil. Mas termineificando nos dois, na TV Globo e fazen-do apenas frilas para o JB. Fiz o JornalNacional. Fazia a escalada. Gostava defazer, pois é ela quem dá a temperaturado jornal. Era plena Guerra do Golfo!Então, escrever aquelas chamadas parao Sérgio Chapelin e o Cid Moreira leremera o máximo. Eu estava feliz como pintono lixo! Era uma coisa eletrizante! E quese perdeu um pouco, né? Essa coisa decolocar jornalistas para apresentarem ostelejornais, no lugar dos apresentadores,tem seu lado bom, mas fez com que algodo impacto da notícia fosse perdido... Eu,tendo a chance de chamar o Sérgio Cha-pelin, com quem eu cruzo aqui peloscorredores, para ler as minhas matérias,é claro que eu vou chamar!

JORNAL DA ABI – VOCÊ ATUOU NO FANTÁS-TICO TAMBÉM, NÃO FOI?

Geneton Moraes Neto – – – – – Em 1992 fuipara o Fantástico, fazendo matérias. Em1995 voltei pra Europa, oficialmente pelaTV Globo, para o escritório de Londres.Saí da emissora em 1998, para ser cor-respondente de O Globo. E logo voltei,para ser Editor-Chefe do Fantástico, ondefiquei até 2006. O que é uma eterna bri-ga particular para mim. Eu não quero serchefe de nada, nem de ninguém! E essascoisas acabam acontecendo. Pedi parasair da chefia e fiquei só na reportagem– o que não deu muito certo, pois faziaas matérias e elas não iam para o ar, pormil motivos. Até que pedi para ir para aGlobo News... Atenderam meu pedido,e está dando certo. Lá tenho mais espa-ço. Em função da disputa louca de au-diência, o leque de assuntos da televisãoaberta acabou se estreitando. A pautaficou pobre, e o tipo de matéria que eugosto de fazer acabou ficando sem espa-ço. Isso deveria até ser alvo de estudos:a dívida que a tv aberta brasileira estáacumulando com a cultura do País.

JORNAL DA ABI – RECENTEMENTE, UMA

BRINCADEIRA NO TWITTER, TENDO COMO PER-SONAGEM O NARRADOR GALVÃO BUENO, ACA-BOU POR PAUTAR A CAPA DA REVISTA SEMANAL

FOTOS: ACERVO PESSOAL

A pauta ficoupobre, e o tipo de

matéria que eu gostode fazer acabou

ficando sem espaço.A tv aberta brasileira

está acumulandouma dívida com acultura do País.

Era plena Guerrado Golfo! Então,escrever aquelaschamadas para

o Sérgio Chapeline o Cid Moreira

lerem era o máximo.Eu estava feliz como

pinto no lixo! Erauma coisa eletrizante!

Page 42: Jornal da ABI 357

42 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Quando você ouvir falar, veja, não corra,cante comigo. Eu sei que dois e dois sãoquatro. Mas esse tempo de mormaço nãome deixa aprender a somar. E o resultadonão é nada, além de um cansaçoescondido sob o sol tropical e umavontade quase estranha de sentar à beirado caminho e entregar as pontes aodestino. É lucidez/destino.

E vou. Ouvindo aquela canção, dizendo“tudo legal”, quando tudo vai mal, vendo otempo me consumir a mim e a tudo queeu quis.

Pavão Mysterioso, pássaro formoso, noescuro dessa noite me ajuda a cantar.Derrama essas faíscas, despeja esse trovão.Desmancha isso tudo, que não é certo não.O disco O Romance do Pavão Mysterioso,de Ednardo, ex-Pessoal do Ceará, é ferrona boneca. Com os ouvidos abertos paratudo, Ednardo canta frevo, baião, músicasem rótulo e um bolero (Doroty Lamour),lindo como esses olhos de mar azul ondesó não naufraga quem sabe navegar. Eutomo uma Coca-cola, deixo no ar. E umacanção consola, como sempre.

Eu sou careta, ando fora da moda, atoda hora, porque afinal, não há nada aperder. O que eu possa ou deva fazer, alémde me reconhecer apenas comoconsumidor de tudo que invade os ouvidos,enche os olhos de cores, através do som,da imagem ou de seja o que for? Eu, nós,

que resta dizer acerca damorte de José Saramago?A imprensa, mesmo com

revistas e cadernos de finais de sema-na fechados, conseguiu se desdobrarem edições especiais recheadas de de-poimentos de críticos e amigos do es-critor. Em meio aos comentários so-bre a Copa do Mundo em lotações,filas e bares, havia, sim, quem falasse“Você viu...? O Saramago morreu...”

Sabe-se que a melhor homenagemé convidar o público a ler seus livros.Sejam eles obras polêmicas como OEvangelho Segundo Jesus Cristo, mos-trando um menino Jesus humano,que “chorou porque o fizeram chorar,e chorará por esse único e mesmomotivo”, ou como seu O Conto da IlhaDesconhecida, com a corajosa viagempor caminhos que nenhum mapapode registrar. No entanto, apenasindicar seus livros não parecerá sufi-ciente para quem se lembra vê-lo eouvi-lo pessoalmente, mesmo que emeventos como o lançamento do livroA Viagem do Elefante, em 2008, noSesc Pinheiros, em São Paulo.

Quem esteve lá deve se lembrar quetal experiência é mais do que estar di-ante de um autor renomado. Trata-sede uma oportunidade para abrir osolhos diante do que é óbvio, mas tan-tas vezes ignorado: há sempre um serhumano por trás de uma grande obra.

Naquele evento, todos viram seuesforço para chegar ao palco com asaúde debilitada aos 86 anos. Ouvi-ram suas considerações sobre as van-tagens de envelhecer, quando setoma em conta qual seria a única al-ternativa possível; ouviram seus ar-gumentos para destacar que foi um“milagre da ciência” ele ter escapa-do da morte em fevereiro daqueleano e que, é claro, Deus não tinhanada a ver com isso.

A paixãosegundo

SaramagoPOR RITA BRAGA

A Zorra de Moraes NetoUm texto do jornalista quando jovem.

somos como consumidores, nossa posiçãoé a de ouvir, ver, gostar (ou não) de tudoque, na arte, chega até nós. A posição dequem consome é diferente da de quemcria. A verdade, contudo, é que há muitosnaquela de copiar, pura e simplesmente,pontos de vista, atitudes, e até maneiras depensar/vestir/falar dos que produzem aarte. E pensam estar “por dentro”, quando,na realidade, estão mais por fora que eu.Sou careta, graças a Deus, ando tão porfora da moda, que me comovo com umadeus. Moraes Neto já era, brothers.

Eu tenho mais de mil perguntas. E nãoquero ouvir as respostas, porque elasapenas iriam aumentar a vontade desentar à beira do caminho e entregar aspontas ao destino.

Conteúdo Zero é somente um filmepara desentendidos, colorido, baratinado,comportado, distanciado da perfeição,uma meta perseguida pelo goleiro quejoga na seleção. E acontece que não souPelé. E nem sequer um tostão. O certo édar prêmios para os filmes de FernandoSpencer, porque eles merecem. Não há amenor necessidade de negar queFernando Spencer é uma das pessoasmais dedicadas e dispostas da cidade doRecife, no trabalho com super-8.

Toda essa gente se engana ou entãofinge que não vê que esse cinema/super-8 é superbacana.

Geneton – que assinava apenas “Moraes Neto” em sua coluna Zorra – escreveuo texto a seguir, publicado no número 4 de O Outro, fanzine que circulou nos doisúltimos meses de 1974 no Recife. Repleto de referências musicais, o texto do jo-vem jornalista de apenas 18 anos mostra a inquietude e o desconsolo de quemvivia numa época de grande repressão política. Num curto espaço, ele aplaude amúsica de Ednardo, o cinema de Fernando Spencer e já exercita sua veia críticaironizando quem se acha na moda.

DEPOIMENTO DOSSIÊ GENETON MORAES NETO

Esses detalhes, ainda que até cer-to ponto sentimentais, são impor-tantes, porque naquela noite cente-nas de pessoas o fotografaram, o fil-maram na telinha do celular, e, prin-cipalmente, compraram seu livro àespera de um desejado autógrafo.

Deve haver quem se lembre tam-bém do olhar interrogativo de Sara-mago quando, após tecer seus co-mentários e conselhos aos jovensescritores, pronunciou a palavra “fi-nalmente” para concluir a palestra.Nesse momento houve um alvoro-ço na platéia e em todas as fileiraspessoas se levantavam para correraté à fila no saguão à espera de umautógrafo.

Mas, se todos sabiam de seu esta-do de saúde e do quanto essa tarefaseria desgastante (aliás, houve nosjornais comentários acerca de seuesforço para atender a tal demandanessa noite e em outras ocasiões),fica ainda hoje a pergunta: será queaqueles admiradores viram mesmoo homem por trás do livro?

O fato é que o público presente tes-temunhou a capacidade daquele ho-mem de arrancar suspiros da platéia.Isso aconteceu quando, além de dizerque a esposa Pilar o havia seguradopelo colarinho para que ele não mor-resse – e que na verdade somente porisso ele não se foi –, acrescentou umadeclaração de amor:

“Tenho oitenta e seis anos, mas seeu tivesse morrido um dia antes deconhecer Pilar teria morrido muitomais velho do que sou hoje.”

Enfim, recentemente comentaramtambém outra declaração à esposa:

“Eu tenho pena de morrer...A vida é tão bonita.”...Nós também temos, José. Então, dei-

xaremos você vivo, conosco, sempre.

O

DE MAIOR CIRCULAÇÃO DO PAÍS. VOCÊ ACRE-DITA QUE A INTERNET SEJA UMA AMEAÇA ÀMÍDIA IMPRESSA E TELEVISIVA?

Geneton Moraes Neto – – – – – Minha taxa dehostilidade em relação à revolução di-gital é zero. Acho muito saudável, inclu-sive. Dessacralizou totalmente o jorna-lista, que antigamente era o único inter-mediário entre o fato e o público. Hoje,o profissional de mídia pode ser atrope-lado. Quebrou-se totalmente a hierar-quia. No incêndio que ocorreu recente-mente num morro na Lagoa, causadopor um balão, em dez minutos já haviagente postando fotos no Twitter. Infor-mação muito mais rápida do que a da te-levisão, dos jornais, e dos próprios sites,que, inclusive, pedem para que os leitoresenviem material. Isso é bem saudável.Mas, é claro, há também a questão daqualidade. Ter um jornalista bem prepa-rado, que saiba hierarquizar as informa-ções, com um texto atraente, que saibaentrevistar e escrever direito, faz a dife-rença. Ele será sempre necessário. Se bemque as coisas mudam... Há algum tem-po eu tinha certeza absoluta de que osjornais impressos não iriam acabar. Hoje,tenho dúvidas... Às vezes, tenho a im-pressão de que até os telejornais já co-meçam velhos. O modelo de alguémfalando pra muita gente, num determi-nado espaço de tempo, já era. Hoje, vocêtem muita gente falando com muita

gente, ao mesmo tempo. Esse modelo noqual as tvs foram criadas, acredito, só vaisobreviver em grandes eventos, comojogos de finais de Copa do Mundo. Na-quele instante, vai estar todo mundoassistindo à televisão. Mas, um minutodepois, um vai pra o blog, outro proTwitter, um terceiro estará navegandopelo celular... E os próprios jornais nãoajudam, não se fazem competitivos, né?Há jornais que ainda insistem em publi-car na manchete de amanhã o placar dojogo de ontem – informação de que àque-la altura 99% da população já têm conhe-cimento. É a manchete do óbvio. O queeu acho inacreditável é que há pelo me-nos 20 anos, nos encontros e congressosde comunicação, as pessoas discutemisso. Todos afirmam que o jornal não podeser um clone da televisão, repetir a mes-ma coisa, tem que trazer textos atraen-tes, matérias exclusivas, analíticas... Ouseja, todo mundo sabe o diagnóstico. Masquando você pega os jornais impressos,vê que todo mundo faz tudo errado.

JORNAL DA ABI – POR QUE ISSO OCORRE?Geneton Moraes Neto – – – – – Acho que fal-

ta coragem, falta ousadia. O nosso jor-nalismo, em geral, é muito burocrático.Vou citar de novo o meu guru PauloFrancis. “Nossa imprensa é previsível,empolada e chata. Meu Deus, como échata!”, dizia ele.

TUCA VIEIRA/FOLHA IMAGEM

Saramago éaplaudido no

lançamento dolivro A Viagemdo Elefante noSesc Pinheiros.

Page 43: Jornal da ABI 357

43Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

“Saramago traz consigoo sentimento do mundo”

MEMÓRIA

“Cara jornalista Pilar,No dia 18 do corrente mês, um eco

melancólico se distendeu pelo mundoensombreando as inteligências livres.De onde vinha? Das Ilhas Canárias.

Abraçado à sua imensa obra, na qualdesfilam geniais personagens dos con-trastes da vida, tombava este giganteda literatura mundial, José Saramago.

Em torno do ser humano, com assuas angústias, dores, injustiças, mui-tas das quais manipuladas pelos pode-rosos, Saramago ergueu a sua obra, edela emergiu o crítico mordaz contraas mazelas sociais e o joguetear opres-sivo da politicalha e do misticismo.

Nos meus passos iniciais pelo mun-do literário, recebi de Saramago pala-vras de incentivos que muito me enco-rajaram. Em certo dia de 2004, desper-ta-me mensagem vinda de Lanzarote(Canárias), na qual ele expressava o seuestímulo ao livro A República das Eli-tes que eu acabara de lançar.

Na sua passagem pela vida, ele dei-xou o ruído dos fortes e jamais se ver-gou ante qualquer forma de opressão.Saramago encheu o século XX comgrandeza, na mesma dimensão de umLévy-Strauss, um Ernesto Sábato, umDarci Ribeiro, um Pablo Neruda, umChe Guevara.

Transcendendo o seu enorme acer-vo literário, ele projetou-se como umhomem-histórico e aí se fez um cata-

lisador dos sentimentos humanos naobra criadora que nos legou e na suavisão de mundo. Assim, ele soube olharo povo na sua marcha pelos tempos eidealizou uma humanidade como agrande pátria dos homens livres.

Tivemos até poucos dias diante denós um homem que procurou cons-truir um mundo em que a mentira ea hipocrisia dos poderosos se calas-

sem e uma nova ordem social se im-plantasse.

Que vulto carregou tão grande utopia?!Perto dele, ao ouvi-lo, sentia-me um

forte. Nele, tudo era simples. Vi naque-le semblante a chama de uma constan-te e enorme indignação contra certashordas que, em nome da democracia,assaltam e saqueiam os povos.

Certa vez, olhando-o, pensei comi-go mesmo: este homem traz consigo osentimento do mundo e não se deixadirigir pelos fatos e nem pelo oportu-nismo. Podemos assim perfilá-lo comocidadão urbis–orbi.

No seu silêncio em Lanzarote, elemarcou um mistério entre a vida e aeternidade, e dali pôde mergulhar naprofundidade do Eu humano, no qualencontrou sedimentos, no fundo dostempos, na construção de sua genialobra literária e de sua forte visão domundo e dos homens, repelindo sem-pre aqueles que na posse do poder es-magam e usurpam os povos.

Veio Saramago para a vida não pararepetir esse entulho de mentiras e hi-pocrisias que uma sociedade, em nomede uma falsa cultura e democracia, lan-ça à face de todas as gerações. Renegoueste nascer. Engrandeceu-se porqueacreditou na condição humana. Er-gueu-se forte e conservou-se erectomesmo diante de graves acontecimen-tos. Captou a flama revolucionária do

mundo e os grandes ideais da nossaépoca. Fez o momento histórico, antesde se fazer a História. Moveu-se cons-truindo utopias e deixou o mito, o re-torno eterno em torno de ideais. Assimvarou a existência José Saramago.

Deixou a saudade de sua vida, relem-brada sempre como um perpétuo en-contro e reencontro de gerações.

Foi um daqueles homens fadado a fa-zer História. Teve sempre uma fé profun-da no saber, nos valores morais, na leal-dade, na justiça e respeito aos infortuna-dos. Personagem orgulhosa de si, carre-

gava um desprezo olímpi-co pelos poderosos e um ca-rinho quase fraternal pelosdesvalidos. Frente a ambos,deixou as suas pegadas nasareias do tempo. Divisavaa literatura como uma for-ça autoconsciente subjetivade uma sociedade em per-manente revolução.

Com sua indomável vo-cação de olhar o ser huma-no numa grande dimensãode liberdade, ele abraçou asgrandes utopias, no pensa-mento criativo de sua obrae na sua visão ideológica.Plasmou os seus livros ou-vindo o ruído dos povos eas angústias e dores dos de-sencontrados, desde as ce-gueiras que irrompem nasnoites dos tempos ao fana-tismo místico embalado emparábolas e nas transfigura-ções dos profetas.

Lá, da ilha de Lanzarote, ele contem-plava o céu infinito, e algo parecia lhedespertar. Era o sentimento do mun-do que se manifestava naquele homem,nas suas horas interrogativas. Senti-mento que nos domina e nos conduza elucubrações. É o encontro com o Euprofundo. Ali se albergam as imprevi-síveis manifestações do ser humano.Ele soube compreender os homens. Re-levava as suas fraquezas, sem, no en-tanto, tergiversar com os pusilânimese os réprobos morais.

Certa vez, lá em São Paulo, ele me dis-se: “Como é difícil encontrar homens”.

De onde veio José Saramago? Veio deAzinhaga. Naquele meu pedaço de ter-ra, dizia, cabem Portugal e o mundo.

Veio de Portugal, nação que numahora fulgaz do século XVI construiu omaior império da Terra.

Veio carregando os sonhos e quime-ras da eterna juventude, que se renovade geração a geração. Veio do chão daHistória, no orgulho dos que almejame fitam novos mundos. Veio na corageme no desprendimento para a construçãode uma obra revolucionária. Veio noscânticos de Fernando Pessoa, de CastroAlves e Pablo Neruda. Veio no sonho dosidealistas de todos os tempos.

Oh, guerreiro Saramago, que gran-de legado deixaste à humanidade!

Sentidas condolências (a) AgassizAlmeida.”

O jornalista e escritor AGASSIZ ALMEIDA manda à jornalista Pilar Del Rio, viúva de José Saramago,uma carta emocionada em que lamenta a perda do escritor português ganhador do Prêmio Nobel.A mensagem define-o com uma imagem presente no poema de Carlos Drummond de Andrade.

“Lá, da ilha deLanzarote, ele

contemplava océu infinito, ealgo parecia

lhe despertar”.

SARAMAGO EM LANZAROTE EM 1996. FOTO DE SEBASTIÃO SALGADO.

DIVU

LGA

ÇÃ

O/LEYA

SARAMAGO NA CASA DE JORGE AMADO E ZÉLIA GATTAI, COM A FILHA DO CASAL, PALOMA AMADO EM PARIS. MAIO DE 1994.

ARQU

IVO D

A FUN

DAÇ

ÃO SAR

AMAG

O

Page 44: Jornal da ABI 357

44 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

Ao longo de quase toda a vida, Car-los Drummond de Andrade negou-sea atender admiradores e repórteres,alheio à badalação e às luzes com quetantos sonham. Em 1977, quando com-pletou setenta e cinco anos, a revistaVeja deu-lhe capa e nada menos do quenove páginas – mobilizou jornalistas,tentou chegar ao poeta por meio deamigos e nem assim conseguiu entre-vistá-lo. Ele próprio contribuía para aimagem de recluso, na esperança de sever livre das muitas pessoas que lhebatiam à porta. Aos poucos eleitos aquem recebia mostrava-se, porém, umhomem da maior educação, espirituosoe de bom humor, que simplesmentenão deixava carta sem resposta. Ergue-ra o muro apenas para poder escrever,produzir a obra que lhe reclamava tem-po, constância e trabalho.

Ouvir perguntas cujas respostasestavam à mão nas enciclopédias e nosmanuais de literatura era o que maisaborrecia Drummond. Certa vez, mar-cou hora para uma entrevista com meiadúzia de estudantes. “Em que ano osenhor nasceu? Qual o primeiro livroque publicou? O senhor se sente rea-lizado?” – queriam saber os pequenos.Satisfeita a curiosidade, o cronista en-trou em pânico ao saber que mais trêsgrupos aguardavam na portaria doprédio: é que a professora havia divi-dido a turma em equipes, não semantes dizer-lhes o que perguntar aopoeta Carlos Drummond de Andrade...

Em outra ocasião, quando lançouuma das suas coletâneas, recebeu tele-fonema de um diretor de jornal:

– Eu sei que você detesta ser entre-vistado, mas gostaria de saber se umarepórter nossa poderia visitá-lo paraconversar sobre o novo livro. Afinal,você é cronista da casa...

Não havia como dizer não, e lá che-gou a mocinha do Caderno B – a lem-brar, talvez, a estagiária famosa deNélson Rodrigues:

– Qual é mesmo o livro que o senhorestá lançando?

O jornalista e escritor EDMILSON CAMINHA narra seu primeiroencontro com o poeta, que o recebeu em Casa para uma

conversa-entrevista que se estendeu das 9 às 11 da manhã.

“Como conheciDrummondgraças a umdoce de caju”

Surpreso com a pergunta, Drum-mond logo percebeu que não se trata-va de uma especialista:

– Quer dizer que você não leu oexemplar que mandei para a Redação?

– É que não deu tempo, o editor mepassou agora pela manhã...

– E aí, o que você quer saber?– Eu prefiro que o senhor fale,

depois eu dou forma à entrevista...– Vamos combinar o seguinte,

minha filha: eu faço as perguntas evou dando as respostas, não é melhor?

E assim foi feito, no dia em que opoeta se entrevistou a si próprio, napresença – dispensável – de uma repór-ter da chamada “grande imprensa”...

Quando lhe mandei, em 1978, o li-vro de poemas que publicara – semnenhum valor, reconheço hoje – Drum-mond acusou o recebimento da minha“boa carta” e do volume com “a poesiajovem que ele revela”. Como se vê,sentia-se obrigado à elegância do regis-tro mas não ao fingimento do elogio:a carta era boa, mas a poesia... jovem,isto é, imatura, insignificante – ruim,em uma palavra. Mesmo com tão pou-co, receber um cartão do poeta, escri-to de próprio punho, encheu-me dealegria. Passamos a nos correspondercom frequência, e eu a lhe presentear,entre janeiro e fevereiro, com o sabo-rosíssimo doce de caju fabricado porminha tia Zuleica em Aracati, no lito-ral cearense, só para o consumo fami-liar. A gentileza do escritor me deuânimo para conhecê-lo pessoalmente,três anos depois. Chegado ao Rio namadrugada de uma segunda, plantei-me ao telefone já às nove da manhã.“Não, ele já saiu”, “ainda não voltou”,“ligue mais tarde, talvez o encontre”.Até que me veio a ideia:

– Diga pra ele, por favor, que é aquelecearense que lhe manda o doce de caju...

Foi tiro e queda. Às oito da noite,achei quem queria:

– É Carlos Drummond de Andradefalando.

Disse-lhe da minha admiração, do

desejo que tínhamos, Ana Maria e eu,de cumprimentá-lo, não tomaríamosmais do que cinco minutos do seutempo:

– Bobagem, vocês vêm aqui à minhacasa e nós vamos conversar despreocu-pados. Que tal quarta-feira às nove damanhã, está bom?

Se não tive poesia bastante paratocar o coração do poeta, agarrei-o peloestômago. Daí por que estas lembran-ças bem se poderiam chamar “ De comoconheci Drummond graças a um docede caju”...

* * *Ipanema, Rua Conselheiro Lafaiete,

Edifício Luiz Felipe, 7º andar. No pe-queno hall, à saída do elevador, um de-senho de Bianco. O apartamento éamplo, discreto e confortável. Domi-nando o ambiente, dois grandes qua-dros de Portinari: Maria Julieta, a filhaadorada, aos onze anos, e um belo re-trato de negro. Móveis antigos e anti-gas imagens de santos fazem Minaspresente, a Minas de antigamente.

Drummond vem chegando pelo

corredor: magrinho, esperto, ligeiro,meio gauche, como lhe ordenara o anjono Poema de sete faces. Frustrou-me oabraço que lhe queria dar: Cyro dosAnjos já me dissera que ele estendia amão ao mesmo tempo em que a puxa-va, mal consentindo o aperto. Logodepois aparece Dona Dolores, frágil,pequenina, simpática, casada com opoeta desde 1925. Sentamo-nos e de lásó saímos às onze. Foram duas horas depapo, em que, naturalmente, ouvimuito mais do que falei.

Posso dizer que conheci outroDrummond, talvez o mais verdadeiro,ignorado pela maioria dos seus milha-res de leitores: bem-humorado, afável,simples, surpreendentemente ativopara os 78 anos a que chegara. Nãoanotei nem gravei o que me disse, poisnos encontrávamos apenas para umaconversa – três anos depois, em 1984,me daria uma das melhores e mais lon-gas entrevistas que já concedera. Ànoite, passei para o papel o que tive oprivilégio de receber do poeta CarlosDrummond de Andrade, cuja obra fa-ria maior e mais respeitável qualquerliteratura:

LEMBRANÇAS

FOTOS: DIVULGAÇÃO EDITORA RECORD

Page 45: Jornal da ABI 357

45Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

QUINTANA,BANDEIRAE OUTROS

Escrever já é, para mim, umtrabalho cacete. Afinal de contas, hácinqüenta anos venho fazendo isso.

Não entendo aqueles que queremser poetas sem nunca ter lido osverdadeiros e grandes poetas dalíngua, como Cláudio Manuel daCosta, Gonçalves Dias e Castro Alves.

Mário Quintana é um grandepoeta. Pena que lhe tenham posto nacabeça – ele que vivia tranqüilo emPorto Alegre – essa bobagem deAcademia. Agora o Quintana achaque, se perder, será uma desfeita aoRio Grande; pelo contrário, será umaglória. E ele vai perder.

Acho que a dúvida, a inquietação,o questionamento contínuo são,para o artista, algo muito salutar.Desconfio de todo aquele que tem acerteza de estar construindo umagrande obra.

Dificilmente meus poemas ficamcomo foram concebidos.Quase sempre os modifico,transformo, reescrevo, paraentão publicá-los.

Bandeira tem um poemaque começa assim: “Estaminha estatuazinha de gesso,quando nova”... Pois bem:Manuel levou trinta anos paraencontrar a forma definitivadesse verso. Se ele, que foi umprofundo conhecedor dalíngua, era tomado peladúvida, acho que tambémtemos direito a ela, não?

O poeta, como todo artista,aperfeiçoa-se no seu trabalho.O verdadeiro artista raramenteestá satisfeito com o que faz.Bandeira dizia que seusprimeiros poemas eram umasporcarias.

Concordo com Paulo MendesCampos, quando diz que todas aspessoas nascem poetas, masalgumas desaprendem a sê-lo. Umanalfabeto, ao se sensibilizar com abeleza da lua, de uma flor ou deuma criança, está experimentandouma emoção poética. Uma minoria,é verdade, sabe expressar essaemoção com palavras.

Não me recuso a receberninguém em minha casa. Não souum bicho do mato, como se diz poraí. O problema é que hoje em dia,nos colégios do Rio, os professoresde Português não dão a matéria, ecobram dos alunos entrevistas comescritores sem lhes dar a mínimaorientação. Eles vêm e perguntamqual a minha idade, quantos livrosjá escrevi, se me sinto realizado,essas bobagens todas. Resolvi,então, só dar entrevistas porescrito.

Prefiro a visita de uma criança,com quem possa divertir-me, a ter deaturar uma comissão de estudantes,que nada sabem da minha vida ou daminha obra.

OS ANDRADE,UM BOM,OUTRO MAU

Houve um tempo em quepretendi determinar a genealogia daminha família – por brincadeira, éclaro. Cheguei a dois antepassadosportugueses: Andrade, o Bom, eAndrade, o Mau. Como o primeironão se casou nem deixoudescendentes, concluí que todosnos originamos de Andrade, oMau. Pelo lado dos Drummonds,descobri um ancestral de nomeEduardo, o Bandido. Aí pareiminhas pesquisas.

Quando Gustavo Capanema eraministro da Educação, convidaram-no para paraninfar uma formaturaem Passa Quatro, no interior deMinas. À última hora houve umproblema e ele me pediu que fosserepresentá-lo, como seu chefe degabinete. Mas eu não sei falar deimproviso, argumentei. “Pois entãoescreva”, disse. Me deu logo dor debarriga. Escrevi às pressas, na horado almoço, entrei no carro, viajeioito horas, fiz o discurso e voltei.

Eu, o maior poeta vivo domundo?! Sou apenas o maior poetavivo da Rua Conselheiro Lafaiete.Antigamente era o único: agoraapareceu uma moça, aqui perto,escrevendo coisas muito boas. Tivede partilhar o título com ela.

Acho que todo poeta tem aobrigação de conhecer a obra dosmúsicos e dos pintores do seu tempo.Da minha geração, sou dos poucosque não tiveram formação musical.

Concluí, por experiência própria,que o ideal é o livro de poemas nãoter ilustrações. É muito difícililustrar poemas, mesmo para umbom desenhista.

NINGUÉMINVENTOUA POESIA

Não sou modesto, apenas sei domeu verdadeiro valor. Sou tão-somente um entre milhares depoetas, que formam uma infinitaprocissão desde o começo dostempos. Ninguém inventou a poesia.

Não conheço Fortaleza – aliás, nãoconheço o Norte nem o Nordeste doBrasil. Não gosto de viajar. É um dosmeus defeitos.

Não sou rico. Não compreinenhum dos quadros que você vêaqui. Os de Portinari me foram

dados por ele, que gostava depresentear aos amigos.

Portinari dividia o mundo em duaspartes: a dos que gostavam e a dosque não gostavam dele. Esta últimasimplesmente desprezava. Era umhomem muito ciumento da sua obra.

Apesar da crise por que passa a

universidade brasileira, é melhorfazer um mau curso superior do quenão fazer nenhum.

É interessante para o escritor fazerum curso em que possa aprofundar-se na língua e na literatura do seupaís – como o de Letras, porexemplo. Escolhi Farmácia porqueera o mais rápido, já pensando emnão exercê-la. Minha formaçãointelectual é deficiente.

Não me considero bom cronista.Para tanto, teria de conhecer omundo, procurar viver todas as suasexperiências. Como viajo pouco,minhas crônicas são mais ou menosde gabinete. Acho o José Carlos deOliveira um excelente cronista.

O ESTRUTURALISMO,UMA BOBAGEM

Para mim, o estruturalismo quedomina atualmente a crítica literáriaé uma grande bobagem. Um texto deEça de Queirós, por exemplo, étransformado numa coisachatíssima, reduzido a fórmulas,esquemas e gráficos. Ora, o bom em

Eça é exatamente a fluidez, aespontaneidade, anaturalidade do estilo. Masisso passa, já está passando.

Por ocasião do modernismo,a maioria dos professores dePortuguês estava despreparadapara entendê-lo e explicá-loaos alunos. Por isso éramoscriticados e até ridicularizadosnas salas de aula. Eu fui umadas maiores vítimas. Omodernismo brasileiro foiapenas um movimento derenovação artística, que jáhavia ocorrido em outraspartes do mundo.

O modernismo foirealmente necessário. Aúltima grande escola na época,o parnasianismo, estavaexaurida, até pela morte dosseus principais representantes:

Raimundo Correia morrera em1911; Bilac, em 1918.

Na minha juventude, em BeloHorizonte, tive grande ascendênciasobre Pedro Nava, que é apenas umano mais novo do que eu. Se oconvidasse para soltar uma bombano palácio do governo, Nava topariana hora.

Confissões eopiniões do poeta

Publicado originalmente no livro Inventário deCrônicas (Brasília: Thesaurus, 1997), sob o título Natoca do urso polar, e reproduzido com autorizaçãodo autor, com título e intertítulos da Redação doJornal da ABI.

Page 46: Jornal da ABI 357

46 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

LivrosLivros

No final do século 19, mundos pri-mitivos e selvagens levavam às popu-lações da Europa e Estados Unidos cer-to ar de mistério e fascinação, fossemeles no fundo do mar, nas profundezasdo centro da Terra, na imensidão doespaço ou mesmo em terras ainda des-conhecidas pela civilização ocidental.Artistas buscavam inspiração em ter-ras longínquas para suas obras. A lite-ratura, a pintura, o teatro, o cinemaapresentavam à população ávida pelodesconhecido os mundos que se descor-

empregos e tentativas comerciais e semdinheiro para se sustentar, Burroughsdecide fazer o que sua vocação exigia hátanto tempo: escrever. Sua primeira his-tória, uma aventura de ficção científi-ca, lhe traz alguma esperança. Mas écom Tarzan, publicado em outubro de1912 na revista All-Story Magazine, queo escritor alcança rapidamente o suces-so. A história de um menino, filho de no-bres ingleses, criado por macacos nasmisteriosas selvas africanas depois damorte dos pais, transformou-se num fe-nômeno e apenas seis anos depois eraadaptada para os cinemas, ainda semsom, estrelado por Elmo Lincoln.

Enquanto isso, os quadrinhos nor-te-americanos também se sedimenta-vam nos jornais, aumentando suas ti-ragens e trazendo novos leitores atra-ídos pela novidade. Essas narrativas de-senhadas eram dominadas por tipos sa-tíricos, humorísticos, cômicos ou,como se costumou a falar na época,comics. Na década de 1920 começam asurgir os primeiros personagens nãocaricatos e que viviam novas aventu-ras em tiras e pranchas dominicais. Nofinal dessa década a aventura ganha umnovo patamar com o surgimento deBuck Rogers e de Tarzan, em janeiro de1929, às vésperas da grande depressãoamericana e no início da era douradados quadrinhos nos EUA.

As aventuras de Tarzan saem da li-teratura pulp para ganhar as páginasdos jornais através do traço marcantede Harold Foster. A partir de então, oHomem-Macaco se torna sucesso ab-soluto nos quadrinhos. Depois de Fos-ter, Burne Hogart assume o Rei das Sel-vas. Começou imitando o mestre, mas

QUADRINHOS

POR FRANCISCO UCHA

Quase 38 anos depois de lançadas no Brasil, a Devir reedita as históriasde Tarzan produzidas por um dos mais respeitados autores de quadrinhos.

O traço selvagem de Joe Kubert

tinavam. E o continente africano eraum desses lugares que permeavam oimaginário de americanos e europeus,sedentos por aventuras exóticas e peladescoberta de novas emoções.

Nessa época, milionários se aventu-ravam em safáris dentro do chamado“Continente Negro”. Um bom exem-plo disso aconteceu com TheodoreRoosevelt, um dos mais populares Pre-sidentes dos Estados Unidos. Em mar-ço de 1909, assim que deixou a Presi-dência dos Estados Unidos, Rooseveltembarcou com uma grande equipe paraaquela que seria uma de suas maioresaventuras e chegou a Mombasa, ondepartiu para diversos países africanos. Aexpedição era financiada pelo Smith-sonian Institution e tinha oficialmentecunho científico, mas o objetivo daaventura também era a prática da caça.Em sua viagem, o grupo liderado peloex-Presidente matou e capturou maisde 11 mil animais. Desses, foram mor-tos mais de 500 espécimes de grandeporte, incluindo seis exemplares de ra-ríssimos rinocerontes brancos.

O fato é que, antes de ser antiecoló-gica, a jornada de Roosevelt foi um acon-tecimento que criou no imaginário po-pular a fantasia do homem civilizadodesbravando terras desconhecidas. Énesse cenário que vive Edgar Rice Bur-roughs. Depois de fracassar em diversos

depois consolidouseu estilo próprio,um traço nobre e so-fisticado que, mes-mo assim, consegueressaltar toda a fú-ria selvagem do Reidos Macacos.

O Tarzan de Bur-roughs teve sorteem suas adaptaçõespara os quadrinhos,pois foi desenhadopor talentosos artistas, como Russ Man-ning, John Celardo, Bob Lubbers, NickCardy, só para citar alguns dos nomesque continuaram a desenvolver a mito-lógica figura do homem das selvas atéà década de 1970. Mas foi somente em1972, quando a DC Comics adquiriu osdireitos para publicar as revistas com asaventuras do herói, que Tarzan volta-ria ao patamar de excelência jamais al-cançado depois de Foster e Hogart.

Foi assim: Carmine Infantino, exímiodesenhista e então diretor editorial daDC, chama Joe Kubert, outro lendáriomestre dos pincéis, para uma reunião.Quando se encontram, Carmine, sorrin-do, pergunta: “Joe, o que você acha defazer Tarzan?”. Quem conta essa histó-ria é Kubert no texto de introdução dolivro Tarzan - A Origem do Homem-Macaco e Outras Histórias, recém lan-çado pela Devir. E ele explica: “Carminee eu nos conhecíamos desde que entra-mos nesse negócio. Se havia alguémque sabia do meu amor por Tarzan deBurroughs, esse alguém era ele”. E issofica absolutamente claro em todas asquase 200 páginas de histórias dese-nhadas e escritas pelo artista. Joe Ku-

IMAGENS: DIVULGAÇÃO

Resgate histórico:Devir lança álbumcom as primeiras

histórias deTarzan

desenhadaspor Kubert.

Page 47: Jornal da ABI 357

47Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

bert tinha uma verdadeira devoçãopelo Homem-Macaco desde a épocaem que Foster era seu desenhista.

“Naqueles desenhos belissima-mente representados, mas engano-samente simples, Tarzan, o Homem-Macaco, tornara-se uma entidadeviva. As figuras eram reais e inten-sas. E a credibilidade dos persona-gens e cenários transportavam umgaroto morando (...) em Nova Yorkpara o misterioso mundo verdejan-te e vibrante da selva africana”, es-creve Kubert, concluindo que “a ha-bilidade com que Hal Foster conse-guia criar aquela sensação de total re-alismo e credibilidade era mágica”.

Ao receber a incumbência de In-fantino, Kubert não decepcionou.Autor de histórias repletas de emo-ções e traços fortes, como SargentoRock, ou super-heróis diferentes dopadrão, como Gavião Negro, Kubertdevolveu a Tarzan a grandiosidadeque o personagem de Burroughsameaçava perder. Num trabalho defôlego e de grande respeito, o dese-nhista releu todos os livros escritose estudou o material produzido porHal Foster e Burne Hogarth nas dé-cadas de 1920-30. O resultado é umconjunto de histórias que recriam omito do herói das selvas como jamaisfoi realizado nos quadrinhos. Desdea fidelidade de adaptação dos livrosde Burroughs aos seus traços visce-rais e modernos, Tarzan - A Origemdo Homem-Macaco e Outras Históri-as, é uma obra fundamental na his-tória das histórias em quadrinhos.

Com essa obra, a Devir resgata ummaterial precioso que já havia sidopublicado no Brasil a partir de 1972pela Editora Brasil-América, de Adol-fo Aizen. A Ebal publicou dois álbunsde luxo, num formato um poucomaior do que este recém-lançado, euma série de revistas mensais emcores. A primeira delas trouxe a his-tória Terra de Gigantes, também pre-sente no livro da Devir, que mesclaos desenhos de Hogart com os deKubert resultando num trabalhointeressante e atraente para estudi-osos dos quadrinhos. A obra tambémtraz as quatro histórias que com-põem a adaptação do livro Tarzan dosMacacos realizada por Kubert, alémde outras três aventuras curtas.

O livro da Devir é o primeiro deuma série lançada pela Dark Horse,editora que detém os direitos do per-sonagem atualmente nos EstadosUnidos. Que venham os outros vo-lumes. Eles fazem parte da grandehomenagem que Joe Kubert, respei-tosamente, fez ao criador e seu he-rói mais famoso.

Santo ou herético? Charlatão ou vi-sionário? Impostor ou verdadeiro?Quando se trata de Cícero Romão Ba-tista, fazer essas distinções é sobremo-do complicado. Não somente porqueele divide opiniões e provoca cisões in-conciliáveis, mas por causa de uma his-tória que mistura a toda hora fato efantasia. Seja na infância pobre, natransformação em líder religioso, nobanimento da igreja ou na reinvençãocomo político, a existência de Cícero,um dos mais importantes líderes reli-giosos brasileiros, é cercada por misti-cismo e lendas. Separar o joio do trigo,sem deixar de lado os elementos da fépopular que transformaram a persona-gem num fenômeno de massa nos tem-pos atuais, é o grande mérito da biogra-fia Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra noSertão, escrita pelo jornalista Lira Netoe publicada pela Companhia das Letras.

Em um monumental trabalho de in-vestigação e apuração que lhe custoudez anos, Lira Neto remonta a trajetó-ria de Cícero, começando pela infânciapobre em Crato e passando pela orde-nação como padre. Analisa os supostosmilagres do religioso e, principalmen-te, como eles provocaram os primeirosconflitos com o Bispado cearense edepois chegaram ao Vaticano, culmi-nando em seu afastamento da IgrejaCatólica. Na narrativa, produzida emtons jornalísticos, não faltam boas his-tórias. Padre Cícero pode ser um dosmelhores exemplos daquilo que quisdizer Gay Talese quando afirmou queo “realismo é fantástico”. Elas come-çam pela reinvenção do religioso, que,depois de expulso da comunidade da fé,teve que se reinventar como político.Era nessas duas esferas que ele transi-tava. Certa vez, Cícero abençoou umexército de jagunços. Tratava-se deuma revolução armada que derrubaria

O PadimCiço quea batinaescondeu

Depois de uma década depesquisas e acesso adocumentos inéditos,

o jornalista Lira Neto compôsa biografia de um dos mais

importantes líderes religiososda História do Brasil.

POR MARCOS STEFANOo governo local. Da mesma forma queprovocava a guerra, como quando seaproximou de Lampião para combatera Coluna Prestes, também arquiteta-va a paz, ensejando um pacto históri-co entre os coronéis sertanejos paraapaziguar a região e fazer de Juazeiroo centro das aristocracias cearenses.

“Como político, ele foi tão controver-tido quanto como sacerdote. A imagemque sempre tive, e continuo a ter depoisdesse trabalho, é de um homem comple-xo, impossível de definir com uma sófrase. Por isso, procuro fugir das interpre-tações maniqueístas e taxativas. Buscotraçar contornos os mais precisos pos-síveis e mostrar fraquezas, talentos emotivações”, explica Lira Neto.

Para tanto, pesquisas e entrevistasforam fundamentais. Mas não tantoquanto construir fontes seguras, fora eprincipalmente dentro do clero, que lhegarantissem acesso a documentos reser-vados, os chamados “arquivos secretos”.Conseguidos principalmente no Vatica-

no, eles foram essenciais para desven-dar o conflito entre o catolicismo euro-

cêntrico oficial e aquele popular pra-ticado por Cícero.

E também para conduzir a nar-rativa. Mesmo sem se aprofun-dar na construção mítica do“Padim Ciço”, feita pelos fiéisnos últimos 75 anos, desde suamorte, a obra visita a Juazei-ro do Norte moderna, mos-trando as proporções alcança-das pela devoção ao religioso.A gênese da construção domito está no texto, mas as di-mensões que sua adoração al-cança são parcialmente perce-bidas pelo passeio que Lira

Neto faz pelos locais históricos.Aliás, esse é outro ponto impor-

tante do livro: não se restringir aobiografado. Com isso, o jornalista

consegue elaborar um panorama doNordeste dos tempos dos coronéis e deuma boa parte da sociedade brasileira,fazendo uma rigorosa reconstituiçãode práticas e costumes de época. Vári-as das inquietações políticas e sociaisapresentadas pela obra ajudaram amoldar o Brasil moderno.

Falando em presente, Neto aindamira seus holofotes para o futuro, per-correndo os bastidores da Santa Sé eapresentando o plano do clero pararedimir Cícero, que até hoje é ignora-do pelo culto oficial. Seja como armapara combater o avanço das igrejasevangélicas e neopentecostais no Bra-sil, seja pela necessidade de arrebatara multidão de devotos que permaneceà margem da religião institucional,Padre Cícero promete continuar polê-mico por muito tempo. Importante écompreender que não se tornou tudoisso apenas porque era um apóstolo vi-sionário capaz de converter multidõescom sua singela pastoral sertaneja,nem somente por sua astúcia em ame-alhar fortuna e apoio, aproveitando-seda ignorância e miséria da população.Abençoado seja Lira Neto pela busca doequilíbrio e dos fatos.

Longe das interpretações maniqueístas, Lira Neto procurou mostrar fraquezas, talentos emotivações do Padre Cícero: “É um homem complexo, impossível de definir com uma só frase”.

RENATO

PARAD

A

DIVU

LGA

ÇÃ

O

Page 48: Jornal da ABI 357