iniciativas para alavancar o turismo e a...

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1 INICIATIVAS PARA ALAVANCAR O TURISMO E A GASTRONOMIA MISSIONEIRA: O FESTIVAL INTERNACIONAL DA COZINHA MISSIONEIRA 1 Aline Prestes Roque 2 Camila Nemitz de Oliveira Saraiva 3 Flavia de Araújo Pedron 4 Laiane Flores 5 Resumo: O presente artigo tem por objetivo divulgar as iniciativas para alavancar o turismo e a gastronomia na região missioneira. Para tanto, foi realizado o Festival da Cozinha Missioneira que apresentou alternativas de desenvolvimento para à região missioneira por meio de festivais do turismo e da gastronomia. O I Festival da Cozinha Missioneira ocorreu em dezembro de 2014, no Instituto Federal Farroupilha em São Borja - RS, foi uma promoção de muitas entidades do âmbito público e privado, com o intuito de preservar os saberes e fazeres da culinária local. O II Festival Internacional da Cozinha Missioneira ocorreu na mesma Instituição de ensino em novembro de 2016, obteve maior visibilidade e tornou-se um evento internacional com a participação da Municipalidad Santo Tomé Argentina. O resultado foi a promoção da cultura, culinária local e a participação de alunos, professores, instituições de ensino, agricultura familiar, comércio local e comunidade local. O evento apresentou várias atrações que nunca tinham sido trazidas à região missioneira, fazendo com que centenas de pessoas participassem, no Brasil e na Argentina, manifestando a união de povos através da gastronomia. Palavras-chave: Gastronomia, Turismo, Região Missioneira. INTRODUÇÃO A alimentação se constitui como uma necessidade fisiológica básica para sobrevivência do ser humano, mas também pode ser entendida e compreendida como fonte de identificação dos laços e das representações da cultura popular de diferentes povos. O fenômeno que estuda os processos relativos à relação do homem com a alimentação, à cultura alimentar e a todos os fatos ligados a eles é chamado gastronomia (GODOY; D’ ÁVILA, 2009). Schülter (2003) chama a atenção para o fato de que este tema de estudo está adquirindo cada vez mais importância e busca se afirmar através de raízes culinárias e da forma de se entender as manifestações culturais e de um lugar e as suas contribuições com o próprio local. Os eventos gastronômicos, ou festas populares e gastronômicas, como também são chamados, 1 Gastronomia, turismo e sustentabilidade 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]. 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]. 4 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected] 5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]

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1

INICIATIVAS PARA ALAVANCAR O TURISMO E A GASTRONOMIA

MISSIONEIRA: O FESTIVAL INTERNACIONAL DA COZINHA MISSIONEIRA1

Aline Prestes Roque2

Camila Nemitz de Oliveira Saraiva3

Flavia de Araújo Pedron4

Laiane Flores 5

Resumo: O presente artigo tem por objetivo divulgar as iniciativas para alavancar o turismo e a gastronomia na

região missioneira. Para tanto, foi realizado o Festival da Cozinha Missioneira que apresentou alternativas de

desenvolvimento para à região missioneira por meio de festivais do turismo e da gastronomia. O I Festival da

Cozinha Missioneira ocorreu em dezembro de 2014, no Instituto Federal Farroupilha em São Borja - RS, foi uma

promoção de muitas entidades do âmbito público e privado, com o intuito de preservar os saberes e fazeres da

culinária local. O II Festival Internacional da Cozinha Missioneira ocorreu na mesma Instituição de ensino em

novembro de 2016, obteve maior visibilidade e tornou-se um evento internacional com a participação da

Municipalidad Santo Tomé – Argentina. O resultado foi a promoção da cultura, culinária local e a participação de

alunos, professores, instituições de ensino, agricultura familiar, comércio local e comunidade local. O evento

apresentou várias atrações que nunca tinham sido trazidas à região missioneira, fazendo com que centenas de

pessoas participassem, no Brasil e na Argentina, manifestando a união de povos através da gastronomia.

Palavras-chave: Gastronomia, Turismo, Região Missioneira.

INTRODUÇÃO

A alimentação se constitui como uma necessidade fisiológica básica para sobrevivência

do ser humano, mas também pode ser entendida e compreendida como fonte de identificação

dos laços e das representações da cultura popular de diferentes povos. O fenômeno que estuda

os processos relativos à relação do homem com a alimentação, à cultura alimentar e a todos os

fatos ligados a eles é chamado gastronomia (GODOY; D’ ÁVILA, 2009). Já Schülter

(2003) chama a atenção para o fato de que este tema de estudo está adquirindo cada vez mais

importância e busca se afirmar através de raízes culinárias e da forma de se entender as

manifestações culturais e de um lugar e as suas contribuições com o próprio local. Os

eventos gastronômicos, ou festas populares e gastronômicas, como também são chamados,

1Gastronomia, turismo e sustentabilidade 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]. 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]. 4 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]

5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. [email protected]

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surgiram como uma forma de atrair pessoas para que voltem a sua atenção para os grandes

atrativos que são a devoção, a preservação da cultura, o lazer e apreciação da boa comida.

O Festival

Internacional da Cozinha Missioneira, foi um evento promovido em parceria pelo Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha - Campus São Borja, Prefeitura

Municipal de São Borja, Municipalidad Santo Tomé, Turismo Santo Tomé Corrientes -

Secretaria de Turismo y Cultura Municipal e Associação Comercial, Industrial, de Prestação

de Serviços e Agropecuária de São Borja - ACISB, e contou com importantes patrocinadores

e apoiadores para sua realização. O I e II

Festival Internacional da Cozinha Missioneira, assumiram compromisso com a preservação da

memória, da história e da cultura alimentar da fronteira São Borja / Santo Tomé. No evento

ocorreram muitas atividades culturais, artesanatos, pratos regionais, bebidas locais e produtos

da agricultura familiar. O público que participou do evento constituiu-se de produtores locais,

em especial da agricultura familiar, pesquisadores, professores e estudantes de gastronomia e

nutrição, jornalistas especializados em gastronomia e agricultura, setores públicos e privados,

turistas e comunidade local. Diante do exposto, a

pesquisa que resulta este artigo, identifica que a cultura gastronômica de um local pode ser

presença de desenvolvimento socioeconômico e cultural. O intuito deste estudo foi de verificar

a propagação cultural por meio da gastronomia e de festivais, e a sua participação no processo

de desenvolvimento dos municípios missioneiros.

Desenvolvimento do Turismo e da Gastronomia por meio de Festivais

O turismo é um setor prestador de serviços, e tem o papel relevante na economia de

lugares que o utilizam como ferramentas de desenvolvimento. Masina (2002) argumenta que

os impactos econômicos positivos do turismo provocam um aumento da renda na economia do

país receptivo, estimulando novos investimentos, gerando empregos diretos e indiretos. O

autor considera que além dos ganhos econômicos, o turismo bem planejado realça outros

importantes aspectos socioculturais, como: melhor nível de escolaridade, qualificação da mão

de obra e desenvolvimento de uma consciência da preservação ambiental e cultural.

É importante mencionar a ligação do turismo com os outros setores da sociedade, bem

como, a importância do fomento da atividade por meio de políticas públicas em diferentes

níveis: municipal, estadual ou federal. Como salienta Barreto (2000, p. 45):

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O fenômeno turístico, ou a atividade turística, como preferiu denominá-la, tem um

aspecto social tão importante quanto o desenvolvimento econômico, isto é, a

possibilidade de expansão do ser humano, seja pelo divertimento, seja pela

possibilidade de conhecer novas culturas e enriquecer conhecimentos por meio de

viagens. É uma atividade que deve ser fomentada por políticas públicas, não só como

fonte de divisas, mas também como saudável prática de lazer.

A mesma autora explica que o turismo possui um aspecto social tão importante quanto

o econômico, pois dá possibilidades do ser humano se expandir, se divertir e conhecer novas

culturas. Afirma ainda ser uma atividade que merece atenção por parte do poder público por

trazer divisas e lazer tanto para quem pratica como para quem recebe. O turismo pode ser

considerado um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário de

indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos de recreação, descanso,

cultura ou saúde, saem do seu local de residência habitual para outro (BARRETO, 2000).

Boullón (1991) explica que a melhor forma de determinar um espaço turístico é

analisando empiricamente a distribuição territorial dos atrativos, definindo agrupamentos e

concentrações proeminentes. Neste sentido, o turismo cultural no contexto gastronômico

possibilita aos turistas conhecer os costumes, tradições culinárias e a história do lugar visitado,

através da exploração de suas tradições, muitas populações locais usam seus costumes como

um atrativo turístico, buscando atrair os turistas para suas localidades. O turismo

gastronômico cultural contribui para o desenvolvimento das comunidades locais. Neste

contexto, Figueiredo (2006) assevera que a concepção de desenvolvimento aí presente não se

resume ao desenvolvimento econômico, abarcando também, a melhoria de qualidade de vida

dos atores sociais envolvidos. O turismo

cultural corresponde à valores criados pelo homem como cultura, tradição e história. A

identidade dos povos e, também em razão do princípio de alteridade que lhe é inerente, a

diversidade cultural. No turismo cultural, a motivação central corresponde à busca do

conhecimento, busca essa que envolve satisfação da curiosidade, inclusive em relação ao

patrimônio humano (IRVING; AZEVEDO, 2002). A cultura alimentar nas Américas está

fortemente associada aos povos que trouxeram hábitos, necessidade, variedades de alimentos,

tempero (SCHÜLTER, 2003). Na concepção de Martins (2003), a cozinha brasileira é o

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resultado das influências portuguesas, negra e indígena, mas também de outros imigrantes que

aqui se instalaram: italianos, alemães, japoneses, espanhóis, árabes, suíços e outros. A região

das missões fronteira – oeste e noroeste do Rio Grande do Sul fazem parte desta miscelânea de

sabores.

A gastronomia, para Franco (2006), é antes de tudo, cultura, expressão e arte de um

povo. Nutre-se das tradições culinárias de todas as camadas sociais. É um grande caldeirão

cultural onde se tem representados os elementos mais simples. A gastronomia induz a fazer do

comer uma imensa fonte de satisfações, uma experiência sensorial total.

Sendo assim, a gastronomia como patrimônio local está sendo incorporada aos novos

produtos turísticos orientados a determinados nichos de mercado, permitindo incorporar os

agentes da própria comunidade na elaboração desses produtos, assistindo ao desenvolvimento

sustentável da atividade (SCHÜLTER, 2003).

Os elementos intangíveis subjacentes como a gastronomia realocam a cultura e podem

cooperar de múltiplas formas. A cultura deve ser avaliada como um processo de compreensão

e transformação de lugares, no qual se estabelecem relações inerentes entre diferentes aspectos

da vida humana e ao qual se incorporam normas econômicas, sociais, intelectuais, entre outros

(OLIVEIRA; MARINHO, 2006). Conforme

salienta Lévi-Strauss (apud MATTE, 2004, p. 62) a preservação das diversidades culturais se

faz relevante:

Para preservar a diversidade das culturas não basta acalentar tradições locais,

concedendo uma trégua aos tempos passados. O que deve ser salvo não é o conteúdo

histórico que cada época lhe deu e que nenhuma sociedade seria capaz de perpetuar

para além de si mesma. A atitude perante a diversidade de conteúdos e formas de

expressões sociais é de prever, compreender e promover o que cada forma seja uma

contribuição para a maior generosidade das outras.

Sendo assim, pode-se comparar aos eventos voltados à alimentação que surgiram como

forma de atrair pessoas, e mover a sua atenção para os grandes atrativos que fazem do ato de

se alimentar um lazer. De acordo com Gregson (2005, p. 49), um evento com enfoque em uma

cultura específica tem nos alimentos o complemento à retratação almejada.

O festival gastronômico é um retrato momentâneo de uma localidade, povo e/ou região

geográfica, preparado de maneira especial, com serviço cuidadoso e com oferta abundante de

alimentos típicos e característicos da cultura retratada.

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Os eventos possibilitam um dos principais atrativos de uma região, tanto para

moradores locais quanto para visitantes, gerando momentos de lazer e descontração por parte

de todos os envolvidos (VENDRUSCULO, 2009). Transmite também, informação sobre os

participantes e sobre suas tradições culturais. Realizados ano após ano, geração após geração,

os rituais traduzem mensagens, valores e sentimentos do momento. São atos sociais em que

alguns participantes se sentem mais envolvidos do que outros (SCHÜLTER, 2003).

O desenvolvimento do turismo cultural através de eventos é estimulado em razão de

sua capacidade de gerar receita e empregos no lugar em que se manifesta. A identidade também

é expressa pelas pessoas através da gastronomia, que reflete suas preferências e aversões,

identificações e discriminações, e, quando imigram, a levam consigo, reforçando seu sentido

de pertencimento ao lugar de origem (BARRETO, 2008). A

apresentação deste patrimônio intangível deve ser compreendida como necessidade de partir

do conceito de instrumento de valorização e proteção de uma prática cultural, de forma que a

gastronomia não pode ser vista como um conhecimento que se encerra no preparo de um prato,

mas sim como algo que agrega, por trás daquele produto final, um universo simbólico que

envolve conhecimentos, práticas e tradições, resgatando o legado das mais diversas culturas

(SCHÜLTER, 2003).

METODOLOGIA

Os procedimentos que fazem a consolidação desta pesquisa são o bibliográfico e o

documental. O bibliográfico foi efetivado através da pesquisa em livros e artigos científicos

relacionados ao tema, para melhor compreensão dos objetos de estudo e área de trabalho. Para

Dencker (1998, p. 68) “nenhuma pesquisa se inicia do nada”. O documental foi levantado

através da coleta de documentos em arquivos públicos e particulares (TRIVIÑOS, 1987).

No entendimento de Pádua (2004), a pesquisa é tomada num sentido amplo, refere-se a

toda atividade voltada para a solução de problemas: como atividades de busca, indagação,

investigação e inquirição da realidade. A autora enfatiza que desta forma, toda pesquisa possuí

uma intencionalidade de elaborar conhecimento, possibilitando compreender e transformar a

realidade (PÁDUA, 2004). Vergara

(2004) ressalva que os sujeitos da pesquisa são as pessoas que fornecem os dados de que o

pesquisador necessita. A autora considera as pessoas em si, os atores locais que reportam as

informações referentes à história, tradições, práticas, conhecimentos, hábitos, comportamentos

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e atitudes que conduzirão estas representações, constituindo-se estas em importantes

mananciais para se alcançar um conjunto de elementos para a pesquisa. Para tanto a pesquisa

se deu através de entrevista e contato direto com os sujeitos da pesquisa, a entrevista seguiu

um roteiro estruturado e os dados foram gravados.

I Festival de Cozinha Missioneira de São Borja

O I Festival ocorreu nos dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2014, foi uma promoção da

ACISB (Associação Comercial, Industrial, de Prestação de Serviços e Agropecuária de São

Borja), juntamente com o GT Gastronomia Regional do Palácio Piratini do RS, EMATER,

IFFar, Prefeitura Municipal de São Borja, UNIPAMPA e SENAC e que contou com patrocínio

do IRGA, conforme o folder do evento apresentado na figura 01. Foi uma ação voltada para a

valorização da produção primária do Estado e preservação de saberes e fazeres da culinária

gaúcha.

Figura 01: Folder do I Festival da Cozinha Missioneira

Fonte: Site do evento (2017).

Os objetivos do Festival foram, de acordo com os dados do projeto de realização do

evento, fornecido pela ACISB:

1. Valorizar a gastronomia da região das Missões e os produtos regionais, através de

ações de pesquisa, debates, aulas-shows, que auxiliem a potencializar o turismo, a gastronomia,

a produção agropecuária e o setor de bebidas regionais;

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2. Promover e valorizar a diversidade da gastronomia regional por meio do resgate de

hábitos alimentares, história e cultura, divulgação de métodos sustentáveis na preparação e

consumo de alimentos, além de destacar a produção primária da região;

3. Incentivar o turismo gastronômico da Região das Missões, dando visibilidade com a

presença de chefs do Rio Grande do Sul e de outros estados que tenham trabalhos e pesquisas

formatados;

4. Promover um debate em torno da valorização da cultura alimentar regional e dos

produtos locais dentro da merenda escolar, tendo como público alvo as merendeiras da rede

escolar municipal e estadual;

5. Promover os produtos locais, incentivando os pequenos produtores a participarem da

Feira da Agroindústria Familiar (parte da programação do Festival), com o objetivo de divulgar

a sua produção para os participantes do evento.

Durante o evento, ocorreram diversas atividades como palestras e aulas-shows nas quais

chefs e profissionais de cozinha, historiadores, técnicos de turismo e nutrição, além de

produtores, apresentaram temas da gastronomia e cultura alimentar missioneira. Ocorreu

também a comercialização de produtos regionais, com exposição destes, para que os visitantes

conhecessem a riqueza dos produtos oriundos da agricultura familiar da região, estimulando

possibilidades de negócios para os produtores locais.

Paralelos a esta programação, ocorreram cursos de boas práticas e utilização integral de

alimentos para os trabalhadores de restaurantes, ambulantes locais e para as merendeiras da

rede pública municipal e estadual de ensino. Na abertura do Festival, aconteceu um coquetel

de integração cultural, em que os chefs desenvolveram pratos com produtos locais para

salientar a importância da valorização destes e dos pratos da culinária missioneira. Esse evento

foi de extrema importância para que a comunidade são-borjense se sensibilizasse ainda mais

para a imensa gama de hábitos e produtos locais, que são de grande valor cultural e precisam

ser cultivados, conforme relato da coordenadora do evento. Foi importante também, para a

divulgação da gastronomia local, com a presença de chefs no Rio de Janeiro, Porto Alegre e

São Paulo, pois, muitas vezes, por São Borja ser um território distante dos grandes centros, fica

resguardada apenas nas suas fronteiras ou na sua região

A coordenadora do evento afirmou que “a longo prazo, pretendemos que este Festival

firme-se como um grande evento da região atraindo turistas e gerando aumento de renda e

desenvolvimento social e cultural”. Acrescentou ainda, sobre o tema da gastronomia, cultura

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e desenvolvimento, que a comida, os hábitos alimentares e a cultura gastronômica de um local

é o patrimônio material e imaterial presente, que fala de toda a história da região, da produção,

da cultura local, das relações sociais dos atores envolvidos no cotidiano da comunidade

(Coordenadora do evento e do GT de Gastronomia Regional). O

desenvolvimento regional seja ele, econômico, cultural ou social, só ocorre se houver um

compartilhamento de responsabilidades do poder público, do privado, do papel de cada ator e

das universidades ou instituições de ensino que cumprem um papel fundamental, de

salvaguardar esse patrimônio através de pesquisas, do ensino, da criação de novos paradigmas

e pensamentos para uma comunidade. “O desenvolvimento regional se dá na organização

pública e privada, social que pode constituir um elemento agregador e a gastronomia pode

ser um belo elemento agregador nos municípios” (Coordenadora do evento e do GT de

Gastronomia Regional). Ainda de

acordo com a entrevistada: em São Borja, a gastronomia é um vetor do desenvolvimento para

o município, e isso foi bem explorado no Festival, pois reuniu os produtores, as pessoas que

trabalham na preparação de alimentos, os estudantes de gastronomia e turismo, professores e

todos os envolvidos nesta cadeia no município. Afirmou que é necessário que ocorram mais

eventos desse tipo, para que esse contato e trocas de experiências perdurem e continuem

acontecendo.

II Festival da Cozinha Internacional Missioneira

Dado o sucesso da I edição, reedita-se o II Festival Internacional da Cozinha

Missioneira, na figura 02 consta o folder de divulgação do evento. O festival foi realizado entre

os dias 03 à 11 de novembro de 2016, em São Borja. Teve como tema: Valorização dos

produtos e produtores locais - preservação da cultura alimentar regional. O evento foi realizado

através da parceria entre o IFFar - São Borja, Prefeitura Municipal de São Borja e ACISB. Teve

como objetivo recuperar e valorizar a cultura alimentar missioneira e os produtos locais, dando

visibilidade e capacitando o mercado gastronômico de fronteira São Borja/Santa Tomé -

Argentina, construindo uma rede de conhecimento através de palestras, oficinas práticas, aulas

shows, exposições, visitas guiadas e city tours, buscando atender aos profissionais, estudantes

e interessados na área da gastronomia.

Figura 02: II Festival Internacional da Cozinha Missioneira de São Borja

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Fonte: Site do evento (2017).

O objetivo do evento de 2016 foi de recuperar e valorizar a cozinha missioneira, através

de ações de integração, cooperação e convivência com os países vizinhos, auxiliando na

potencialização da gastronomia regional, do turismo, da produção local, revelando toda a

singularidade e diversidade desta região. De acordo com os dados do projeto, fornecidos pela

ACISB, os principais objetivos do festival foram:

1. Dar visibilidade às pesquisas e estudos relacionados à cultura alimentar na região das

Missões;

2. Promover e valorizar a diversidade da culinária e das bebidas regionais, por meio de

estudos de produtos, da recuperação de hábitos alimentares, história e cultura;

3. Debater e divulgar métodos sustentáveis de produção, preparo e consumo de

alimentos;

4. Apresentar trabalhos que abordem a temática do turismo na região das Missões e sua

relação com a gastronomia e o desenvolvimento regional;

5. Promover debates e ações acerca do papel da alimentação escolar na atualidade, na

formação dos hábitos das crianças e adolescentes;

6. Incentivar a comercialização dos produtos locais, através dos pequenos produtores e

participantes da feira de agroindústria familiar.

Durante o evento ocorreram muitas atividades voltadas à cultura missioneira. Como foi

um evento intenso, pode-se demonstrar muito do que se tem na cultura missioneira.

Durante todo o período do Festival, aconteceu o Circuito de Pratos Missioneiros, onde

restaurantes apresentaram pratos que remetessem à cultura missioneira. O festival contou com

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a participação de estabelecimentos do setor de restauração de São Borja e Santo Tomé. No

primeiro dia de evento ocorreu o Jantar de abertura, como o tema “Nossos Peixes, Nosso Rio”,

tendo sido realizado na “Casa do Peixe” da Dona Maria, foi apresentado “o histórico do bairro

do Passo e as famílias ribeirinhas”, ministrado por professores da Universidade Federal do

Pampa UNIPAMPA. No segundo dia de evento os professores do IFFar ministraram oficinas

em uma escola estadual e outra municipal, com o tema “Chef na Escola”, que teve como

objetivo a alimentação saudável e a readaptação do cardápio escolar, objetivando a alimentação

mais atrativa e nutritiva para os estudantes. A EMATER e a Secretaria

de Agricultura Municipal promoveram visitas guiada ao mercado público, e visita à uma

agroindústria da agricultura familiar. O público presente teve a oportunidade de conhecer o

trabalho destes profissionais e prestigiar o produtor local. Durante o evento ocorreu

também o I Seminário de Alimentação Escolar, em parceria com o CREA e a Secretaria de

Educação Municipal. O evento foi destinado às merendeiras das escolas. As palestras

ministradas no seminário foram: Cultura, alimentação, consumo e saúde; O uso dos produtos

na Alimentação Escolar (PNAE); Hortas escolares; Oficina de boas práticas. O seminário foi

de grande relevância e atingiu o público visibilizado. Para prestigiar a colônia de

pescadores do Município, foi realizado o Passeio de Barco - Encontro Binacional nas Águas

do Rio Uruguai, realizado no Cais do Porto de São Borja e Santo Tomé. O grupo amador

“Os Angueras” participou do Festival através da abertura do museu, com a apresentação

cultural do “Museu Vivo”. Também foi realizado o Jantar da Culinária Campeira São-borjense

com show cultural. Santo Tomé também realizou um jantar cultural. Dando destaque aos

museus do município, o IFFar promoveu o City Tour “Conhecendo o Primeiro dos Sete Povos

das Missões”. A visita iniciou-se pela Praça XV de Novembro e percorreu três museus da

cidade. Na Praça da Estação Férrea, ocorreu o

Piquenique Cultural, possibilitando o público presente conhecer o Centro Cultural de São Borja

e prestigiar a exposição fotográfica do V Memória em Foco, foram apresentados Shows

culturais, participação de Food Trucks com comidas típicas, exposição da agricultura familiar

e de produtos locais. Durante o festival procurou-se incentivar o

contato entre o pequeno agricultor e os estabelecimentos do setor alimentício. Para tanto, foi

realizado uma “Rodada de Aproximação entre produtores locais, hotéis, bares, restaurantes e

similares” contando com a palestra “Atualidades e Rumos do Mercado Gastronômico”,

ministrado pelo SEBRAE. No SINDILOJAS e no IFFar foram promovidas oficinas de “Boas

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Práticas de Manipulação dos Alimentos e Atualização de Serviço de Salão.

Um importante tema apresentado no Festival foi a Mostra

de Cadernos de Receitas e apresentação de receitas antigas, uma vez que tem sido ao longo do

tempo, instrumento fundamental de socialização da cultura culinária, objeto de interesse e

investimento feminino. Nesta programação contou-se com a participação de grupos de Melhor

Idade, alunos do IFFar e pessoas da comunidade local.

O IRGA participou do Festival com duas oficinas, com a temática

“Arroz”, intitulada "Os benefícios do Consumo do Arroz na Alimentação Diária" e "Pratos

Tradicionais à Base de Farinha de Arroz", incentivando o consumo deste produto que faz parte

da economia local. Neste mesmo dia foi apresentada a pesquisa realizada pelo grupo GT de

Gastronomia Regional de 2011 a 2014, “Lombo de Xirú”.

O festival conseguiu reunir três vinícolas da região Missioneira, apresentando o melhor

da produção vitivinícola regional, com a participação da Malgarin Vinhos, Vinícola Campos

de Cima e Vinícola Fin, através da introdução ao mundo do vinho e degustação orientada. No

último dia do evento houve participação de Universidades e entidades, no quadro 01 apresenta-

se a relação das mesmas e temática abordada no evento, através de palestras e aulas shows.

Quadro 01: Palestras e aulas shows apresentadas no evento

Entidade Representante Temática

Fernanda Valente e

Rodrigo Schlee

Mate Chimarrão - A bebida símbolo dessa fronteira

UFPEL Alcides Gomes Uma combinação clássica da pampa gaúcho: mandioca e

cordeiro

UNISINOS Ágata Moreno de

Britto

Uma aula de confeitaria a partir de alguns produtos

básicos presentes na culinária Guarani

Alimentação dos

Cozinheiros

Movimento Slow Food

Argentina

Perla Herro O movimento Slow Food, que trabalha

pelo alimento bom, limpo e justo

Empresária Arika Messa Valorização de linguiças artesanais e produtos do nosso

Mercado Público Municipal

FEEVALE Daniel Bonho Valorizando os peixes do rio Uruguai e frutas nativas

IPHAN Raquel Rech A Integração Histórica, Cultural e Econômica das

Missões através da alimentação

Fonte: Autores, (2017).

Concomitantemente ao II Festival da Cozinha Missioneira ocorreu o II Fórum

Científico Internacional de Gastronomia Missioneira, em parceria com a Universidade

Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI – Santo Ângelo. Foram apresentados

artigos científicos relacionados aos GT’s de Gastronomia onde os alunos e comunidade

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regional puderam expor seus trabalhos de pesquisas relacionados à Gastronomia, conforme

quadro 02.

Quadro 02: Relação de temáticas apresentadas pelos grupos de GT’s

GT’s Tema

Gt 1) Gastronomia, identidade e turismo

Gt 2) Gastronomia e qualidade alimentar

Gt 3) Gastronomia e desenvolvimento territorial

Gt 4) Gastronomia contemporânea

Gt 5) Gastronomia e gestão organizacional

Gt 6) Gastronomia e patrimônio histórico-cultural

Fonte: Autores, (2017).

O quadro 03 apresenta a relação de palestras, mesas de debates e palestrantes que

participaram do II Fórum Científico Internacional de Gastronomia Missioneira.

Quadro 03: Relação de palestras e mesas de debates apresentadas no evento

Palestra/Mesa de Debate Tema Palestrantes

Palestra

“A produção, distribuição e

consumo das leguminosas nas

Missões: uma gestão para a

sustentabilidade?”

Luís Claudio Villani Ortiz

Mesa de Debate

“Gastronomia, turismo e

desenvolvimento de Território”

Mediadora: Raquel Lunardi

(IFFar-SB)

Perla Herro (Aliança dos

Cozinheiros do Slow Food da

Argentina); Priscyla Hammerl

(IFFar-SB); Lurdes Froemming

(UNIJUÍ), Rodolfo Meyer (PUC);

Carmen Regina Dorneles

(UNIPAMPA – SB)

Mesa de Debate

“A integração histórica, cultural e

econômica das Missões através da

alimentação”

Mediador: Fernando Rodrigues

(Centro Cultural de São Borja)

Debatedores: Eilamaria Lombardi

(URI_ AS); Rachel Rech

(IPHAN); Ricardo Almeida

(Assessor do Comitê de

Fronteira)

Palestra “Mate Chimarrão: patrimônio

imaterial”

Fernanda Valente e Rodrigo

Schlee (pesquisadores de Arte e

Cultura Gaúcha)

Palestra “A formação da Culinária

Brasileira”

Dr. Carlos Alberto Dória (SP)

Fonte: Autores, (2017).

O público participante do II Fórum Científico Internacional de Gastronomia

Missioneira, foram os alunos do IFFar, alunos da URI – Santo Ângelo, alunos da UNISINOS,

alunos do IF Sul – Santana do Livramento, alunos da UNICRUZ, alunos da Escola de

Gastronomia de Santo Tomé e comunidade local/regional.

O Fórum foi finalizado com a palestra do Sociólogo Dr. Carlos Alberto Doria, com a

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palestra "A formação da Culinária Caipira: o Guarani na Cultura Culinária Brasileira". No final

da palestra foi assinado o Protocolo de Cooperação entre instituições participantes firmando

ações futuras para auxiliar o desenvolvimento da Região Missioneira por meio da gastronomia.

Houve também um jantar de encerramento e integração, promovido pelos Chefs das

Universidades já citadas e os alunos do Curso Técnico em Cozinha e Tecnologia em

Gastronomia do IFFar, o cardápio servido no jantar encontra-se no quadro 04. Durante o jantar

teve lançamento do livro "Vida no Butiazal” e do vídeo Amamos Butiá por Alberi Noronha

(EMBRAPA – Clima Temperado).

Quadro 04: Cardápio do jantar de finalização do 2º Festival Internacional da Cozinha Missioneira

Couvert Entrada Prato Principal Sobremesa

Pão Missioneiro de

Erva Mate,

acompanhado de

pasta de azeitonas,

geleia de pimentas.

Primeira Entrada: Bolinho

de miolos com molho.

Segunda Entrada: Mix de

folhas acompanhado de iscas

de matambre, regado ao

vinagrete de butiá e mel.

Primeiro Prato: Humita de

milho verde, file de peixe do

rio.

Segundo Prato: Costela

desossada acompanhado de

legumes missioneiros na

brasa.

Biscoito de milho,

cocada mole, doce de

leite e frutas

regionais.

Fonte: Autores (2017).

O evento contou com várias atrações que nunca tinham sido trazidos ao público,

fazendo com que centenas de pessoas participassem, tanto no Brasil quanto na Argentina,

mostrando a união de povos através da gastronomia. A Comida é um dos principais elementos

formadores da cultura, da história, das memórias e as paisagens culturais que fazem parte do

turismo em localidades, da valorização e da recuperação do patrimônio cultural de regiões.

Um evento pode ser uma fonte das atividades econômicas, uma fonte de lazer e

qualidade de vida da população, uma circunstância para fomentar as relações sociais da

sociedade em que está inserido, além de uma motivação para se preservar e divulgar a cultura

local, neste contexto a região Missioneira foi evidenciada no II Festival Internacional da

Cozinha Missioneira.

CONCLUSÃO

A alimentação, é muito mais do que simples necessidade básica para a sobrevivência

humana, adquire cada vez mais uma série de simbolismos que estão estritamente interligados

com várias vertentes, a cultura de localidades é uma delas. Nessa perspectiva, a alimentação

deixa de ser apenas uma necessidade básica de sobrevivência para se tornar também uma

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importante marca de distinção social de povos.

São Borja é um município missioneiro que comporta uma comunidade de pequenos e

médios agricultores e agroindústrias, quais necessitam de alternativas sustentáveis para sua

sobrevivência. Sua importância reveste-se pela demanda por qualidade organizacional e

empresarial de forma a atender as necessidades socioeconômicas, mercadológicas e políticas

relacionadas aos alimentos que produzem.

O Festival Internacional da Culinária Missioneira foi de extrema importância para que

a comunidade são-borjense se sensibilizasse ainda mais para a imensa gama de hábitos e

produtos locais, que são de grande valor cultural e precisam ser cultivados.

Os elementos intangíveis subjacentes como a gastronomia realocam a cultura e podem

cooperar de múltiplas formas. Nesse sentido, inciativas como o Festival Internacional da

Cozinha Missioneira incentivam este olhar diferenciado para a gastronomia e o turismo local.

Divulgando a região missioneira como fonte de Patrimônio Cultural material e imaterial, que

se consolida no cenário nacional como destino turístico histórico, cultural e gastronômico.

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