um mapeamento das atividades criativas e...

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1 UM MAPEAMENTO DAS ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS A PARTIR DA DIVERSIDADE CULTURAL DE SÃO LUIZ GONZAGA 1 FERREIRA, Sandra 2 Resumo: Este artigo visa investigar a diversidade cultural são-luizense e em que medida essa diversidade se manifesta através de atividades criativas. Apresenta definições teórico-conceituais acerca de Cultura, Identidade cultural, Economia da cultura, Atividades criativas e culturais e Cultura missioneira. Utilizou-se, como metodologia, à análise documental e a pesquisa bibliográfica, a partir de literaturas científicas e não científicas. Nas considerações finais destacam-se a diversidade cultural, sobretudo a partir do patrimônio material e imaterial missioneiro; o talento criativo individual, propulsor de uma identidade cultural fomentador do desenvolvimento econômico caracterizado como atividade criativa e cultural. Palavras-chave: Cultura; Identidade Cultural; Diversidade; Atividades criativas e culturais; Cultura missioneira. Abstract: This paper aims to investigate the cultural diversity are luizense - and to what extent this diversity manifests itself through creative activities. It presents theoretical and conceptual definitions about culture, cultural identity, cultural economy, creative and cultural activities and missionary culture. It was used as a methodology, the documentary analysis and literature, from scientific and non-scientific literature. In the final considerations highlight the cultural diversity, especially from the tangible and intangible heritage missionary ; individual creative talent , propellant of a cultural identity developers of economic development characterized as creative and cultural activity. Keywords: Culture; Cultural identity; Diversity; creative and cultural activities; missionary culture. Introdução No ano de 2016, foi realizado em São Luiz Gonzaga o planejamento estratégico, organizado pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), a pedido do poder público municipal, com a participação das entidades culturais, Secretaria de 1 GT 05 Cultura, Sustentabilidade e Desenvolvimento 2 Sandra Ferreira Graduação em Turismo Especialista em Atividades Criativas e Culturais [email protected]

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UM MAPEAMENTO DAS ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS

A PARTIR DA DIVERSIDADE CULTURAL DE SÃO LUIZ

GONZAGA1

FERREIRA, Sandra2

Resumo: Este artigo visa investigar a diversidade cultural são-luizense e em que

medida essa diversidade se manifesta através de atividades criativas. Apresenta definições

teórico-conceituais acerca de Cultura, Identidade cultural, Economia da cultura, Atividades

criativas e culturais e Cultura missioneira. Utilizou-se, como metodologia, à análise

documental e a pesquisa bibliográfica, a partir de literaturas científicas e não científicas.

Nas considerações finais destacam-se a diversidade cultural, sobretudo a partir do

patrimônio material e imaterial missioneiro; o talento criativo individual, propulsor de uma

identidade cultural fomentador do desenvolvimento econômico caracterizado como

atividade criativa e cultural.

Palavras-chave: Cultura; Identidade Cultural; Diversidade; Atividades criativas e

culturais; Cultura missioneira.

Abstract: This paper aims to investigate the cultural diversity are luizense - and to

what extent this diversity manifests itself through creative activities. It presents theoretical

and conceptual definitions about culture, cultural identity, cultural economy, creative and

cultural activities and missionary culture. It was used as a methodology, the documentary

analysis and literature, from scientific and non-scientific literature. In the final considerations

highlight the cultural diversity, especially from the tangible and intangible heritage

missionary ; individual creative talent , propellant of a cultural identity developers of

economic development characterized as creative and cultural activity.

Keywords: Culture; Cultural identity; Diversity; creative and cultural activities;

missionary culture.

Introdução

No ano de 2016, foi realizado em São Luiz Gonzaga o planejamento estratégico,

organizado pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), a pedido do

poder público municipal, com a participação das entidades culturais, Secretaria de

1 GT 05 Cultura, Sustentabilidade e Desenvolvimento 2 Sandra Ferreira Graduação em Turismo Especialista em Atividades Criativas e Culturais [email protected]

2

Educação Cultura e Esporte, instituições de ensino, Setor público ligado ao turismo, para

organizar as principais demandas da cidade na área de cultura, entre demais áreas de

desenvolvimento, onde a comunidade entendeu que uma das vocações do município é a

“Cultura” e a cultura Missioneira, como os valores e princípios do município e do cidadão.

Este estudo foi um dos fatores que motivou a produção deste artigo que visa investigar a

diversidade cultural são-luizense e perceber em que medida essa diversidade se apresenta

através de atividades criativas. Este artigo também aponta reflexões sobre cultura

missioneira e se propõe a colaborar com a discussão com base em estudos já realizados,

para servir de justificativa e referencial às entidades culturais e ao poder público, bem

como fomentar políticas públicas para promoção cultural local. Da mesma forma, ao longo

desse artigo, percebeu-se a possibilidade de colaboração com o fortalecimento da produção

cultural, qualificando, possivelmente, também os serviços turísticos, através das atividades

criativas.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica que tem como fonte alguns

estudos locais (planejamento estratégico do município), literatura científica (artigos, teses,

dissertações, livros), bem como a literatura não científica (artigos em jornais, livros de

poesia), que versam sobre a cultura em São Luiz Gonzaga.

Assim, na sequência abordam-se conteúdos relativos à Cultura e Identidade

Cultural, Hibridismo e Diversidade Cultural e Economia da Cultura: as atividades criativas

e culturais. Na pesquisa de campo a revisão acima citada se efetiva no contexto de São

Luiz Gonzaga, com foco em identificar as atividades criativas e culturais que predominam

conforme o escopo produzido pelo Ministério da Cultura (MINC). As considerações finais

apresentam os principais resultados alcançados com a pesquisa, indicando propostas para

um futuro estudo da Cultura Missioneira como elemento cultural gerador de um diferencial

para o mercado.

Cultura e identidade cultural

A cultura foi alterando o seu significado; começou a ser estudada no séc. XX,

possuía o significado de colere expressão do latim habitar; “colono” e “colona”; adorar em

sentido a culto e também cultivar na acepção de cuidar”. Segundo Cevasco (2008)

3

“somente a partir do século XVI começou a ser definida como metáfora ao sentido das

faculdades mentais ou espirituais”. Para Ostrower (1987, p. 11), “cultura são formas

materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem, nas quais atuam e se

comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para

a geração seguinte”.

O conceito transcrito pela autora reflete o quanto o termo cultura é abrangente, não

se pode falar em cultura sem falar na diversidade de elementos que a compõe, simbologias

e sentimentos de um povo.

Para Domingues a cultura pode ser dividida em cultura popular e cultura erudita.

Na visão tradicional cultura popular consiste em todos os valores materiais e

simbólicos (música, dança, festas, literatura, arte, moda, culinária, religião,

lendas, superstição etc.). Já erudita ou de elite é aquela produzida pelas

camadas letradas, cultas, dotadas de saber ilustrado. (DOMINGUES, 2011, p.

403)

O conceito de cultura deixou o campo das ciências sociais, tendo outro termo

associado a ele a “Identidade”. Segundo Hall (2000). “A identidade consiste em oposições

simbólicas, baseadas na diferença cultural entre nós e eles, a construção da identidade é

tanto simbólica quanto social”. Por que é tão necessário continuar definindo identidade?

Há uma constante alteração do sentido de identidade, como ela é ampla, sofre mudanças e

influências do meio, é sempre necessário o entendimento do princípio. Para Hall (2000,

p. 106), “na linguagem do senso comum a identificação é construída a partir de um

reconhecimento, de alguma origem comum ou de características que são partilhadas com

outros grupos ou pessoas, ou a partir de um mesmo ideal”.

Ainda segundo esse autor os aspectos que definem a identidade “são as concepções

étnicas, raciais, nacionais, históricas, culturais e de gênero, assim, as pessoas identificam-

se em grupos com mesmo gosto e pensamentos”. Indiferente das condições étnicas, o

mesmo ideal o gosto e afinidade de pensamentos, fatores emocionais que prevalecem na

identidade assumida. Segundo Bauman que,

4

Define identidade com uma única palavra “pertencer”, no sentido de origem e

nacionalidade que atribui ao ser humano um espaço no mundo e a um

território. O pertencimento e a identidade não possuem a solidez infinita, ela

está em constante transito e sofre influência de diversas fontes disponibilizadas

por terceiros ou por sua própria escolha. (MADALENA apud BAUMAN, 2005, p.

03)

De acordo com Bauman (2005) a identidade sócioterritorial, tem no território, um

dos fundamentos de sua construção; o território é tão importante para o ser humano, que

alguns grupos buscam formar espaços que imitam o seu território de origem, que se chama

territorialização.

O vínculo estabelecido entre cultura e identidade cultural permite relacionar estes

dois conceitos, partindo do princípio que a noção geral de cultura consiste na “essência” de

que todos nós pertencemos a uma cultura possivelmente nacional ou global, enquanto que

a identidade cultural pressupõe uma classificação, um recorte ou mesmo um sentimento de

pertencer ou não a um determinado grupo cultural.

Hibridismo e diversidade cultural

O Brasil é um país com grande diversidade étnica. Sua população é composta da

miscigenação de vários povos que juntos formaram uma nova identidade cultural. Em cada

um dos estados brasileiros, pode-se identificar a miscigenação de raças e culturas, uma

grande diversidade cultural, que transforma as culturas locais em híbridas, e dá a cada

pessoa uma identificação seja ela étnica ou sincrética, a cada um emerge um sentimento de

“pertencimento” e identificação com as diferentes manifestações culturais.

Cabe um olhar amplo referente à diversidade cultural e os espaços que são

compartilhados e disputados no mesmo território, pelas diferentes manifestações culturais,

pois, cada grupo cultural está representado em muitas emoções e sentimentos em relação à

identidade e a cultura que defende proveniente da cultura de origem, do estado nação e

também aquela integrada pela miscigenação. A Hibridização para Coelho não é somente

mistura de raças.

5

A hibridização refere-se ao modo pelo qual modos culturais ou parte desses

modos se separam de seus contextos de origem e se recombinam com outros

modos ou partes de modos de outra origem, configurando, no processo, novas

práticas. [...] A hibridização não é mero fenômeno de superfície que consiste na

mesclagem, por mútua exposição, de modos culturais distintos ou antagônicos.

Produz-se de fato, primordialmente, em sua expressão radical, graças à

mediação de elementos híbridos (orientados ao mesmo tempo para o racional e

o afetivo, o lógico e o alógico, o eidético e o biótipo, o latente e o patente) que,

por transdução, constituem os novos sentidos num processo dinâmico e

continuados. (COELHO, 1997, p. 125-126).

Atualmente vive-se um momento de valorização das diferentes culturas, cada povo

busca seu espaço no mesmo território e o direito de cultuar as suas tradições e seus

costumes. Para Hall (1999) gera uma diversidade de manifestações culturais, com

múltiplos sentimentos e valores. Portanto:

Refere-se ao “hibridismo” e o sincretismo – a fusão entre diferentes tradições

culturais – são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas de

cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e contestadas

identidades do passado. (HALL, 1999, p. 91)

A diversidade cultural são os múltiplos elementos que representam particularmente

as diferentes culturas, como a linguagem, as tradições, a culinária, a religião, os costumes,

o modelo de organização familiar à política, entre outras características próprias de um

grupo de seres humanos que habitam um determinado território.

Economia da cultura: as atividades criativas e culturais

Segundo Tolila a economia da cultura ou indústria criativa deve ser refletida

buscando o seu desenvolvimento a partir de três horizontes:

São três horizontes de reflexão para instrumentar conhecimentos e debates

sobre a economia cultural: o fortalecimento das políticas públicas culturais, as

relações entre desenvolvimento cultural e desenvolvimento geral, e as

6

implicações que a globalização atual dos intercâmbios e seus desequilíbrios têm

para o desenvolvimento e a diversidade cultural. É em função desses três

horizontes que as grandes questões internas da economia cultural são

abordadas, quer se trate das indústrias culturais, dos direitos autorais, das

novas tecnologias ou ainda da situação dos aspectos “clássicos” da cultura

(patrimônio, espetáculo ao vivo, etc.) (TOLILA, 2007, p.20)

A cultura, na sua diversidade, também é um elemento passível de valor simbólico.

A evolução do capitalismo, sobretudo após a elevação do consumo de bens e serviços,

também outorgou à cultura o status financeiro. A tendência do mercado cultural produz

uma oferta variada de serviços atendendo uma necessidade pessoal, de lazer, questões

sociais, estudo ou fruição, surgindo assim um mercado bem variado de serviços culturais

para atender o consumidor, favorecendo a economia do setor cultural.

A desmaterialização característica de várias fontes de crescimento econômico,

por exemplo, os direitos de propriedade intelectual e a maior distribuição de

bens simbólicos no comercio mundial (filmes, programa de televisão, música,

turismo etc.) deram a esfera cultural protagonismo maior do que em qualquer

outro momento da história da modernidade. Pode-se dizer que a cultura

simplesmente se tornou um pretexto para a melhoria sociopolítico e para o

desenvolvimento econômico. (YUDICE, 2004, p.26)

O autor aponta uma expansão da cultura para o meio político, onde visualiza uma

forma de estimular o crescimento econômico e de inclusão social nas comunidades,

proporcionando a estabilidade das instituições públicas e culturais, bem como a redução de

conflitos sociais.

Como forma de fomentar as políticas públicas para o desenvolvimento da economia

da cultura, o que vem ao encontro do estudo do autor Poul Tolila como o primeiro item de

reflexão, o MINC procurou categorizar os setores como uma maneira de organizar, no

âmbito das expressões criativas e culturais, os modos de criar, produzir e consumir,

classificando as atividades criativas e culturais como todas as atividades configuradas a

partir de valores culturais e ou expressões artísticas e criativas conforme a figura a seguir.

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Pela amplitude do Setor Cultural o termo economia da cultura engloba todos os

setores ligados a cultura, buscando referenciar valor a cada atividade, portanto, a Economia

Criativa ou Indústria Criativa é um termo criado para nomear modelos de negócio ou

gestão que se originam a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de

indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda.

As atividades criativas e culturais são fundamentais para o desenvolvimento

regional; a diversidade cultural gerou o desenvolvimento das atividades criativas3 sendo

que elas possuem grande potencial para o desenvolvimento sociopolítico do contexto

missioneiro, conforme será exposto no capítulo a seguir.

Cultura e identidade missioneira: o caso de São Luiz Gonzaga

A cidade de São Luiz Gonzaga foi uma redução Jesuítica dos Guarany, integrante

dos Sete Povos das Missões, possui em seu território um Sítio Histórico São Lourenço

Mártir, Patrimônio Histórico Nacional. Nos últimos anos a população vem despertando

para a grande importância histórica e cultural missioneira, e sua contribuição na formação

do povo gaúcho. Os acontecimentos históricos aqui vividos influenciam no modo de ser

dos são-luizenses que descendem dos índios, negros, portugueses, alemães e italianos.

Os artistas locais vêm destacando a cidade no contexto cultural desde 1980, pelo despertar

artístico no campo da cultura popular, em especial das artes, música, poesias regionalistas,

3 Fonte SEBRAE 07/01/2016. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-

e-economia-/criativa,3fbb5edae79e6410VgnVCM20 acesso em 20/05/2016.

8

dança folclórica, na literatura e no artesanato.

Pommer (2008, p.245) “O que se pretende é destacar a região Missioneira na

totalidade rio-grandense, através de diversas formas de narrativas, como um lugar cultural

específico”. A autora relata que desde esse movimento cultural ocorrido nas

comemorações dos 300 anos de São Luiz Gonzaga esses grupos culturais vêm buscando

essa atitude missioneira.

Trata-se, portanto, de assumir uma atitude “missioneira”, a partir de aspectos

considerados relevantes do seu passado, presentes na memória coletiva pela

repetição exaustiva. Daí o papel de seus monumentos (ruínas, Música,

artesanato, artefatos publicitários, romarias, fontes sagradas, liturgias místicas,

dentre outros artifícios) assumem, articulando e compondo a paisagem cultural

regional. (POMMER, 2009, p. 77)

A cultura popular tem um papel muito importante para os grupos culturais na

cidade, que conta com uma associação de músicos ASMUS com mais de 200 músicos

associados, ASAS Associações são-luizense de autores, Movimento Virarte, Casa do

Poeta, Centro de Criatividades, Associação de Artesãos entidade com mais de 30 anos,

Instituto Histórico e Geográfico, 17º edição “Mostra da Arte Missioneira” neste cenário de

diversidade de manifestações, observa-se que os grupos culturais têm buscado as suas

referências no período jesuítico reducional, na história das missões, na arquitetura barroca,

nas batalhas vencidas e perdidas, na gastronomia, nos costumes, nos imaginários e ideais.

Surge a identidade missioneira e o orgulho de ser missioneiro, conforme campanha

realizada pelo Departamento de Turismo da Fundação dos Municípios das Missões,

traduzida pelo entrevistado em reportagem ao jornal on line Cick RBS4.

Os resquícios das antigas reduções são o patrimônio material que temos aqui na

região. Mas existe algo maior que tudo isso, que não se pode ver, nem mesmo

tocar. É o nosso patrimônio imaterial. O orgulho de ser deste chão, a terra sem

males. Um sentimento tão sólido quanto às paredes que estão aqui a mais de

300 anos. Um sentimento vivo dentro do coração de cada missioneiro.

(RISTOW, 2014)

4 RISTOW Rafael Matéria Missões: o patrimônio imaterial de um povo, RBS TV Santo Ângelo, série Rota missões. Disponível www.clicrbs.com.br.santoangelo.tag.rotamissoes. Acesso em 21/05/2016.

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A campanha foi criada para promover a identificação com as Missões Jesuíticas,

através de marca que mostra a cruz com dois braços, chamada cruz missioneira, símbolo

maior de identificação com as Missões. Segundo Pippi:

Os remanescentes que integram a geografia e o patrimônio cultural são bem

mais que simples ruínas de pedras ou velhos Santos de madeira. São

documentos materiais impregnados de sentidos imateriais - situados em sítios

históricos. (PIPPI, 2004, p.12)

A autora consegue criar um conceito para muitos, dos sentimentos dos grupos

culturais e de quem conhece e valoriza a história das Missões. O sentimento de valor dado

a essa história e a identificação com ela, não é representada somente por quem vive na

cidade de São Luiz Gonzaga, mas também pelos turistas que visitam a região das Missões.

A autora Roselene Pommer Gomes, realizou um estudo para a tese de doutorado

intitulada Missioneirismo. Segundo Pommer (2008), “No caso específico de São Luiz

Gonzaga, os elementos referidos podem ser tanto objetivos quanto subjetivos, materiais ou

imateriais”. Como a cidade perdeu a sua arquitetura do período reducional no centro da

cidade permanecendo preservado a arquitetura do Sítio Histórico de São Lourenço Mártir,

tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional, (IPHAN) houve uma busca de

referenciais através dos monumentos, eventos como festivais, seminários, Mostras de arte,

música, danças, artesanato, que representa o patrimônio imaterial da cidade.

A identidade missioneira em São Luiz Gonzaga, começou a ser incentivada nos

estudos missioneiros realizados na IV Mostra de Arte Missioneira.

O fato de São Luiz de 1987 localizar-se no mesmo lugar da redução fundada em

1687 foi entendido como sendo o suficiente para dar suporte à elaboração de

um passado glorioso para a cidade. Desse modo ele poderia servir de motivo

unificador na produção de uma identidade tão gloriosa quanto o passado a

missioneira, que faria o são-luizense apresentar-se e ser reconhecido, primeiro,

como um missioneiro de valor, para depois ser gaúcho ou brasileiro. (POMMER,

2009, p.245)

Através dos imaginários, das lendas de personagens como Sepé Tiaraju, de ideais

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resgatados do passado glorioso, do despertar de amor e de valor a terra que um dia foi tão

próspera, foram apelos e motivações para superar a crise econômica que se apresentava. Os

músicos Noel Guarany, Cenair Maicá, Pedro Ortaça e o poeta e Payador Jayme Caetano

Braun, idealizadores de um ritmo musical intitulado como “missioneiro” ficaram

conhecidos como os “Quatro Troncos Missioneiros”. Em suas letras contaram a história

das Missões e amor pela terra. Para o artista Pedro Ortaça “A diferença entre a música

missioneira e a produzida no restante do estado, [...] está na maneira de cantar

denunciando, protestando, levando para o futuro o passado esquecido”. A presença de

inúmeros músicos regionalistas concedeu à cidade no ano de 2012 o título de Capital

Estadual da Música Missioneira através da Lei estadual Nº 72/2012. Esses grupos culturais

criaram uma identidade particular, as outras cidades que fazem parte dos Sete Povos das

Missões, que também se intitulam missioneiras.

O sentimento de ser Missioneiro também vem sendo difundido pelo turismo,

através da imagem de São Miguel das Missões, Patrimônio Cultural da Humanidade,

constantemente há transmissões de documentários, por vários canais de televisão que

contam a história das Missões, o sentimento e orgulho são refletidos através da imagem

reproduzida em meios de transporte, como cenário de casamentos e book fotográficos, ou

seja, a imagem do Patrimônio Cultural da Humanidade mais presente no cotidiano dos

missioneiros. Essa visibilidade na mídia tem contribuído para que o sentimento de ser

missioneiro esteja fortalecido.

Atualmente a identificação com a cidade é despertada através de uma estrofe da

poesia “Bochincho” de Jayme Caetano Braun que é um slogan dos são-luizenses “Não é à

toa Chomisco que sou de São Luiz Gonzaga” como a poesia relata uma “peleja” em um

fandango onde o poeta sai ileso da briga, destacando ousada valentia, por ser de São Luiz

Gonzaga.

De acordo com o escopo5 das atividades criativas apresentadas pelo MINC,

identificamos em nosso campo de pesquisa os seguintes dados:

No campo do Patrimônio material Entidades

5 Detalhamento das ACC em São Luiz Gonzaga à partir do escopo produzido pelo MINC na pg. 09

11

Sítio Histórico de São Lourenço Mártir

tombado pelo IPHAN.

Estatuárias em estilo barroco do período

missioneiro.

Arquitetura Urbana

IPHAN (Instituto Histórico e Artístico

Nacional)

IPHAN

Inventariados pela URI e Instituto Andaluz

do patrimônio Biblioteca,

Museu Arqueológico e Museu Senador

Pinheiro Machado

Arquivo público

Instituto Histórico e Geográfico

Prefeitura Municipal

Entidade cultural Carnaval Liga Independente das escolas de Samba:

Escola de Samba Gavião Dourado

Escola de Samba Fênix Imperial

Artesanato Preservação saberes e fazeres (IPHAN)

Artesanato Centro de Criatividades

FGTAS SINE (possuem carteira de artesão)

Casa do artesão (SINE)

Feira de rua

Culturas populares

Mitos e lendas: Sepé Tiaraju, lenda dos

túneis

Religiosidade:

Procissões, rezas, benzimentos

Gastronomia: CTG Galpão de Estância

DN Carlos Bastos

Cooperativa de produtos

coloniais Quiosque

Missioneiro Eventos Culturais: Mostra da Arte Missioneira,

Feira do Livro, Festival

Juvenil da cada Cançã

da canção (FIJUCA).

Semana Farroupilha

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Artes visuais:

Artes plásticas:

Centro de Criatividades

Atelier Los libres

Atelier Claudia Morais

Esculturas Vinicius Ribeiro

Arte em Madeira Hamiltom Bolicher

Alceu Costa

Desenho a mão Iria Diedrich, Arno Shileder

Música: Regionalista, Missioneira

compositores e direitos autorais.

Associação dos Músicos das Missões.

(ASMUS), artistas independentes.

Artistas reconhecidos Pedro Ortaça e filhos, Noel Guarany, Jorge

Guedes e família, Jayme Caetano Braun.

Artesã Margaret Reichert, escultor Vinicius

Ribeiro

Dança: Tradicional do RS CTG Galpão de Estância,

DN Carlos Bastos do Prado

Dança Folclórica Argentina Grupo de dança Fênix

Literatura

Publicações (Revista Presença) Revista

em quadrinhos: Como é dura a vida no

campo, Xiru Velho

Associação São-luizense de autores (ASAS).

Movimento Virarte:

Casa do Poeta: poetas, payadores e músicos

Instituto Histórico e Geográfico.

Sávio Moura Mídia Impressa Jornal A Notícia

Jornal Missioneiro

No campo das criações funcionais Design Nova Design

Através do quadro acima exposto, pode-se observar que todos os setores criativos

possuem representatividade na cidade, alguns setores com muita relevância, artistas da

música, da escultura e do artesanato, que já possuem uma vertente criativa individual,

13

produzindo para o mercado, e também de setores ligados ao patrimônio que necessitam de

políticas públicas para a preservação.

O talento criativo de um indivíduo é o que destaca as atividades criativas, neste

cenário de diversidade cultural destaca-se o caso do escultor Vinicius Ribeiro6, autodidata,

que ao longo dos anos, buscou inspiração para suas esculturas, no passado reducional

através do personagem histórico líder da resistência indígena na Guerra Guaranítica, herói

nacional, Sepé Tiaraju e nos músicos Noel Guarany, Cenair Maicá e o poeta Jayme

Caetano Braun, que, tornou-se uma atração para a cidade, vêm se destacando na produção

de um estilo intitulado por ele como realismo missioneiro, que tem agradado os

consumidores, pois, seu trabalho pode ser visto nas cidades de São Luiz Gonzaga,

Bossoroca, São Borja, Porto Alegre e até no Mato Grosso do Sul, o escultor demonstra

uma criatividade inovadora para a região missioneira.

Do músico missioneiro, Pedro Ortaça “Mestre das Culturas Populares” título

recebido pelo MINC em 2008, junto com os filhos possui muita representatividade na

Música Missioneira, a partir de seu trabalho musical e sua influência artística e de

identidade com as missões jesuíticas, tem exercido grande influência na população local,

contribuindo com a divulgação da identidade missioneira, na abertura de seus shows recita

esse verso:

Quem tem a cruz missioneira plantada dentro do peito Dois braços

pelo esquerdo, dois braços pelo direito Ama sempre em dose

dupla, exige duplo respeito.

Assim ensino aos meus filhos porque aprendi desse jeito.

(Pedro Ortaça)

O artesanato é outro setor de destaque no município, que possui três lojas de venda

e o número de 200 profissionais cadastrados no SINE. Além do Atelier Los Libres, que é

uma entidade cultural que possui integrantes que trabalham com artes visuais e com uma

escola de desenho que atende a rede pública municipal. Os talentos individuais aqui citados

como referência de artistas com uma identidade definida, com produtos para o mercado; o

Patrimônio Histórico Nacional, São Lourenço Mártir, e os remanescentes deixados pelos

6 Disponível em: http://viniciusribeiroescultor.blogspot.com.br/acesso em 21/05/2016.

14

índios Guarany e os padres jesuítas, são os setores de maior representatividade nas

atividades criativas e culturais para a cidade.

Considerações finais

O conceito definido por Ostrower (1987, p. 11) “Cultura são formas materiais e

espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem nas quais atuam e se comunicam

e são transmitidas através de vias simbólicas para a geração seguinte” é o conceito que

melhor traduz o quanto a cultura apresenta diversidade de elementos. Já a cultura

Missioneira tão em evidência nos últimos anos, como diz Pommer (2009, p.77) “Trata-se

de assumir uma atitude ‘missioneira’ a partir de aspectos considerados relevantes do seu

passado. Daí o papel de seus mnmentos, ruínas, música, arteafatos publicitários”.O que

leva a identificar que os sentimentos e pensamentos ainda muito diversos propõem desafios

para se pensar a cultura missioneira enquanto atividade criativa e cultural.

O estudo apresentado nesse artigo aponta para uma diversidade cultural existente,

como mostra o quadro baseado nos setores criativos apresentado no escopo produzido pelo

MINC, das atividades criativas e culturais. Um fator importante é que essas manifestações

são produzidas pelas entidades culturais que tem lutado bravamente para obter

reconhecimento junto aos órgãos públicos municipal, estadual e federal, que não entendem

a cultura local como prioridade e na esfera municipal como geradora de desenvolvimento

econômico. Ou que não propõe ações que envolvam a preservação com o

desenvolvimento, que é o caso do IPHAN; que segundo o Plano das Atividades Criativas e

culturais deveria ser um dos órgãos governamentais fomentadores das atividades criativas

e culturais em relação ao patrimônio. O município mantendo a cultura como um Setor

ligado à Secretaria de educação, só promoverá o desenvolvimento se entender que a cultura

compreendida nos amplos aspectos apontados no estudo aqui desenvolvido e não apenas os

ligados a educação, ou seja, é preciso compreender a cultura na sua ampla diversidade, que

gera desafios igualmente diversos e amplos.

O planejamento estratégico8 pode contemplar as necessidades da cultura para o seu

desenvolvimento econômico, basta que o mesmo seja instituído pelo poder público

municipal sendo incluído no Plano Plurianual, consequentemente nas de Lei de Diretrizes

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Orçamentárias, a criação do conselho Municipal de Cultura também é uma forma de

diálogo entre os setores. A cultura missioneira merece ser inventariada, e legitimada por

órgãos de proteção à cultura, para que não se misture demais ao ponto de perder-se ,precisa

ser preservada em sua origem, pois, agrega valor ao que for produzido com esse tema e já

possui um potencial de mercado, sendo um deles o turismo. As entidades culturais

precisam se profissionalizar para uma busca de recursos, para fomentar as atividades

criativas, para que não haja uma dependência de auxílio do estado é necessário organizar-

se para buscar junto ao poder público reconhecimento e investimentos em cultura, mas que

este não seja a única fonte de renda.

Pommer (2008) também considera, que a busca de uma identificação com o

passado reducional, que foi um dos objetivos da criação do evento Mostra da Arte

Missioneira em 1980, atingiu seus objetivos em partes, pois, a partir dela teve início

mesmo que timidamente, a produção de uma consciência histórica que gerou

possibilidades de se desenvolverem atividades turísticas, não desencadeou expressivo

crescimento regional. Também não conseguiram naquele momento consolidar uma

identidade missioneira. Podemos considerar que após 36 anos dos primeiros movimentos,

o talento criativo dos artistas que foram inspirados muitos pelos eventos e resgates

promovidos pela Mostra da Arte Missioneira e as principais entidades culturais que

surgiram em função desse movimento cultural é o que permitiu grande parte da diversidade

cultural predominante atualmente, ou seja, a longo prazo, esse processo de identificação

lançado em 1980, está se consolidando através da identificação da população com a cultura

missioneira, quando aponta como valores e princípios dos cidadãos de São Luiz

Gonzaga. O grande desafio é compreender a diversidade cultural, as diversas formas de

produtos e manifestações culturais a partir de um elemento identitário comum, ou seja, o

elemento missioneiro, que se apresenta como um diferencial para o contexto da cultura

local. Destaca-se, nas considerações finais, que as atividades criativas se fazem presentes,

mas ainda no âmbito da prática cultural individual de artistas que enxergaram esse

potencial criativo.

Resta, portanto, saber se o poder público e as entidades associativas saberão, ao

longo do tempo, organizarem-se em torno desse potencial, para que novos sujeitos

culturais possam não apenas evidenciar suas produções, mas, acima de tudo, fortalecerem

16

os laços coletivos da produção cultural local.

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