aspectos da lÍngua espanhola como elemento de...

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1 ASPECTOS DA LÍNGUA ESPANHOLA COMO ELEMENTO DE TRANSFORMAÇÃO LINGUÍSTICA NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A ARGENTINA: O CASO DO LÉXICO NA POESIA DE APARÍCIO SILVA RILLO E RODRIGO BAUER Solange Dias Sarmento 1 Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a incidência lexical do espanhol na poesia de Apparicio Silva Rillo e Rodrigo Bauer, produzida na fronteira entre o Brasil e a Argentina. É claro observar, na história das línguas, as transformações que estas línguas passam no decorrer dos anos e em face de influências sofridas (também) por aspectos externos, que parece elementar afirmar que as mesmas estão em constante mudança. Este trabalho traz à baila, especificamente, os empréstimos lexicais oriundos do contato Interlinguístico entre português e espanhol nas representações artísticas dos poetas citados residentes em São Borja (RS), fronteira entre Brasil e Argentina. Através de bibliografia específica como Sturza (2004), Hall (2006), Fagundes (2005), Motta, (2010) etc. Buscamos compreender como alguns fatores, em especial o lexical, vêm contribuindo para que esse fenômeno ocorra e que sejam preponderantes para determinar essa interação linguística. Palavras-chave: Léxico. Espanhol. Português. Fronteira. 1 Universidade Federal Fronteira [email protected].

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ASPECTOS DA LÍNGUA ESPANHOLA COMO ELEMENTO DE

TRANSFORMAÇÃO LINGUÍSTICA NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A

ARGENTINA: O CASO DO LÉXICO NA POESIA DE APARÍCIO SILVA RILLO E

RODRIGO BAUER

Solange Dias Sarmento1

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a incidência lexical do espanhol na poesia

de Apparicio Silva Rillo e Rodrigo Bauer, produzida na fronteira entre o Brasil e a Argentina.

É claro observar, na história das línguas, as transformações que estas línguas passam no

decorrer dos anos e em face de influências sofridas (também) por aspectos externos, que

parece elementar afirmar que as mesmas estão em constante mudança. Este trabalho traz à

baila, especificamente, os empréstimos lexicais oriundos do contato Interlinguístico entre

português e espanhol nas representações artísticas dos poetas citados residentes em São Borja

(RS), fronteira entre Brasil e Argentina. Através de bibliografia específica como Sturza

(2004), Hall (2006), Fagundes (2005), Motta, (2010) etc. Buscamos compreender como

alguns fatores, em especial o lexical, vêm contribuindo para que esse fenômeno ocorra e que

sejam preponderantes para determinar essa interação linguística.

Palavras-chave: Léxico. Espanhol. Português. Fronteira.

1 Universidade Federal Fronteira [email protected].

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INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de Especialização em Linguagem e Ensino da

Universidade Federal Fronteira Sul – Campus Cerro Largo abarcará questões do léxico

espanhol incorporado ao vocabulário do português, presentes nas canções e na poesia de

Apparicio Silva Rillo e Rodrigo Bauer, ambos, poetas são-borjenses. Serão analisadas as

seguintes poesias/letras: Contrabando, Retrato, Memória, Viramundo e Das memórias da

estância, de Rillo e Rincão da Alma, A pampa, Das coisas que eu sei, Décima do trançador e

Marca de Fogo, de Bauer.

As línguas estão em constante transformação, fato pelo qual serve de objeto de estudo

para a Linguística em seus vários aspectos. Abordaremos, entretanto, neste trabalho, apenas

as questões lexicais, por se tratar de um tema amplo e que demandaria uma pesquisa maior e

uma análise que se estenderia pelo campo da semântica, da sintaxe e até mesmo da

morfologia, que não seria o objetivo deste estudo.

Ao utilizar uma abordagem teórica, vamos analisar apenas a influência lexical do

idioma espanhol no idioma português e não vice-versa. Embora acreditemos que ela exista da

mesma forma do outro lado da fronteira e que esta influência seja tão importantes como são

deste lado da linha divisória. O que acontece é que, para um artigo de especialização, não

dispomos de tempo e espaço para dissertar sobre as trocas lexicais entre Brasil e Argentina

com a devida relevância.

É importante mencionar que muitos autores já exploram o fenômeno do contato

interlinguístico no espaço fronteiriço em seus estudos, como por exemplo, Eliana Rosa Sturza

em sua tese: Línguas de Fronteiras e Política de Línguas: uma História das Ideias

Linguísticas, Angelise Fagundes em sua dissertação Aldyr Schlee e o entrelugar: a questão da

fronteira em uma terra só. Além de nomes consagrados na crítica, como Guilhermino Cesar,

Sara Mota, etc..

É preciso mencionar, também, que a escolha deste tema se deu pela observação da

incidência do léxico espanhol na língua portuguesa falada na fronteira, presente na fala dos

indivíduos por toda zona limítrofe do Brasil com a Argentina e Uruguai. Afora isto, sou

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fronteiriça, o que nos levou a considerar que este fenômeno merece uma atenção especial por

se tratar de uma prática habitual entre “nosotros” e não esporadicamente também em outras

regiões mais afastadas geograficamente.

Buscaremos, portanto, averiguar o fato especificamente nas poesias de Apparício

Silva Rillo e de Rodrigo Bauer, pelo fato de serem nativos de uma região fronteiriça entre

Brasil e Argentina, a cidade de São Borja. Buscaremos, também, considerar a questão da

fronteira como espaço geográfico, político e cultural, além de analisar de que forma ocorre o

espanhol marcado no verso de Rillo e Bauer, em que circunstâncias ocorrem e qual o

contexto a que se referem.

1 A QUESTÃO DA IDENTIDADE

Identidade é um tema que vem sendo amplamente discutido por vários estudiosos no

âmbito das ciências sociais e da própria psicologia. Em se tratando especificamente da

identidade cultural, teóricos como Stuart Hall, assevera o seguinte:

A identidade nessa concepção sociológica preenche o espaço entre o “interior” e o

“exterior”- entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a

“nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos

seus significados e valores, tornando-os parte de nós, contribui para alinhar nossos

sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e

cultural. A identidade então costura (ou para usar uma metáfora médica “sutura”) o

sujeito à estrutura (HALL, 2005, P. 11).

Neste sentido, podemos considerar que a identidade de um indivíduo se constitui

através das inúmeras experiências culturais que vivenciam ao longo de sua existência.

Percebemos através de vários indícios que a língua é um elemento que define o

indivíduo que reside na fronteira, pois antes de delimitar territórios ela (a língua) estabelece

vínculos entre os habitantes desta zona fímbria e serve de elemento fundamental para os

inúmeros intercâmbios, para relatar a historia cultural.

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Para compreendermos melhor algumas destas questões, nos parece importante

definirmos o que é fronteira.

A própria definição do que seja fronteira e limite, neste território oferece rumos

diferenciados dos que a geopolítica fixa. Para o sujeito habitante deste espaço, estas

delimitações são vagas e imprecisas, pois as trocas – o compartilhamento cultural,

social, linguístico e econômico – são mais intensas que as barreiras geográficas

impostas pelos governos (FAGUNDES, 2010, p. 5).

Tal afirmação sugere que, ainda que a fronteira entre as nações seja definida pelas

autoridades constituídas e faça parte de acordos diplomáticos internacionais, na prática ela

foge do controle desses órgãos instituídos, já que existem elementos alheios ao seu domínio

envolvidos na interação entre os sujeitos que residem nesse território fronteiriço.

Podemos considerar, portanto que as fronteiras, em determinadas situações são

metafóricas, considerando que os indivíduos, no decorrer dos anos passam a desenvolver uma

atitude de integração em relação à comunidade vizinha e isso independe da permissão das

autoridades constituídas.

1.1 A FRONTEIRA

O termo fronteira abrange um sentido muito amplo, o que nos leva a considerar

aspectos geográficos, políticos e culturais relacionados a esse espaço fimbrio. A fronteira

envolve a formação dos povos descrito nas mais diversas áreas das ciências humanas e

sociais, estendendo-se ainda ao âmbito das relações internacionais ao considerar a relação de

pertencimento estabelecido pelos sujeitos envolvidos neste espaço territorial, bem como na

ressignificação desse meio frente às referências externas.

Para tanto, para observarmos as influências fronteiriças na obra de Moodie (1965,

apud FAGUNDES, 2010, p. 7), Corrêa (2002 apud MOTTA, 2010, p.17) e (PESAVENTO,

2006, p.11) vale considerar a existência de tais definições de fronteira, conforme segue:

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2. A LÍNGUA NO ESPAÇO FÍMBRIO: O LÉXICO ESPANHOL PRESENTE NO

PORTUGUÊS DA FRONTEIRA

As obras dos autores analisados neste trabalho manifestam uma linha tênue entre as

fronteiras linguísticas entre Brasil e Argentina, demonstrado pelo entrelaçamento entre esses

dois idiomas. É importante ressaltar que, ainda que a fronteira pertença aos dois lados da

linha demarcatória verificaremos a presença do espanhol na língua portuguesa no espaço

brasileiro pelos brasileiros que ali residem e de certa forma se apossaram de um vocabulário

corriqueiro e fluente no território.

Como menciona Sturza (2005):

As fronteiras geográficas são preenchidas de conteúdo social. Se as fronteiras são

sociais [...] o contato linguístico é uma consequência inevitável e a situação das

práticas linguísticas nessas regiões, de um modo geral, um campo pouco explorado

pela linguística brasileira.

No tocante a esta região, ainda no século XV, quando aqui chegaram os

colonizadores, incorporando nos nativos seus costumes e, obviamente, sua língua, este

território já sofria diversas intervenções e disputa de poder.

De lá para cá, as fronteiras atuais foram inúmeras vezes modificadas, inicialmente

pelo Tratado de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha.

3 RILLO E BAUER: O ESPANHOL MARCADO NO VERSO

Seguindo a análise linguística em questão, onde procuramos destacar a presença do

léxico espanhol na obra dos dois autores apontados: Rillo e Bauer, faremos uma análise de

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trechos de cinco poemas de cada um dos autores onde verificamos a presença de termos

oriundos da língua espanhola na rima, caracterizando a presença da interação linguística, o

que nos permite observar que este é um fenômenos recorrente nesta região fronteiriça,

caracterizando a intercultura ali presente.

De acordo com a Enciclopédia eletrônica Wikipedia:

Apparício Silva Rillo (Porto Alegre, 8 de agosto de 1931 - São Borja, 23 de junho

de 1995) foi um poeta, folclorista e escritor brasileiro. Publicou artigos e ensaios na

imprensa, livros de contos e de poesia e peças de teatro. cidades gaúchas, Já se

vieram 1978 e a série Rapa de Tacho. Em 1962, fundou o Grupo Amador de Arte

"Os Angüeras", o mais antigo em atividade no Rio Grande do Sul. Em 1979 junto à

sede do Grupo organizou o Museu Ergológico da Estância, que na linha folclórica

um dos únicos do Brasil. Foi um dos fundadores do Festival de Músicas para o

Carnaval da cidade de São Borja em 1967. Escreveu diversas músicas em parceria

com Luís Carlos Borges e Mario Barbará. É o autor dos Hinos de São Borja, Cerro

Largo e Santa Rosa.

Já Rodrigo Bauer é um poeta missioneiro. São-borjense de nascimento, desde cedo

interessou-se pelos versos e dedica até hoje grande parte da sua vida à poesia e à musica.

Destacamos aqui uma pequena biografia do autor, retirada do site da web,

Garimpando Letras:

Poeta e letrista, Rodrigo Bauer nasceu em São Borja, no dia 3 de maio de 1974. Aos

16 anos começou a participar dos festivais nativistas. Publicou quatro livros, o

primeiro “Caminhos de mim, o segundo “Magia das horas” em 1998, o terceiro

“Alma Tapera”, em 1999 e o quarto “Recomeço” em 2005. É vencedor da

Califórnia da Canção da Nativa de Uruguaiana, da Moenda de Santo Antônio da

Patrulha, do Festival da Barranca de São Borja, entre vários outros festivais dos

quais participou como letrista e interprete.

Podemos questionar então: o que estes dois autores têm em comum, na sua vida e

obra. Poderíamos dizer que ambos dividiram o mesmo espaço físico, Rillo, enquanto vivo e

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Bauer, desde sempre, vindo inclusive a ser seu seguidor, seu discípulo, no estilo adotado para

retratar a realidade fronteiriça, compartilhando a paixão por versar o cotidiano do cidadão que

ali vive. Ambos imprimem em sua obra o pensar e o sentir e do homem que vive nas

paragens longínquas da cidade, assoberbado com o trabalho campeiro, mas ao mesmo tempo

feliz com seu ofício, homem que cultua os costumes dos antepassados e não se afasta das

tradições. Exaltando-o. Sua obra caracteriza fortemente a poesia regionalista do sul do Brasil,

que traz em seu seio o vínculo com a história. O eu lírico presente nas obras dos nossos

protagonistas muitas vezes se confunde com o poeta, pois está intimamente ligado à sua

vivência, ao seu sentimento de posse do espaço onde vive, o que os identifica como

fronteiriços. Os traços culturais desse espaço geográfico presente na obra de Rillo e Bauer

deixa claro o seu pertencimento a esse território.

3.1 RILLO, DIALOGANDO COM ALMA E TEMPO

Rillo traz no contexto dos seus versos a identidade campeira, o regionalismo, as

façanhas, permeada também por vários termos em espanhol, mas que permite entretanto um

perfeito entendimento por parte do homem assentado na terra e conhecedor dos seus valores

e tradições, o mesmo que cruzava o Rio, a chalana e fazia dela muitas vezes seu ganha pão.

Observemos este trecho de “Contrabando”, presente no livro Cantigas do Tempo

Velho (1984, p.56):

Vai o Barco de farinha

Cruzando o velho Uruguai, (1.1,2)

[...]

Mala suerte!

O barco vinha chegando,

E a carga do contrabando

Com mais dez braças de rio,

Tinha subido a picada,

Da picada pra carreta,

E daí pro caminhão.(2. 1,7)

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Houve um grito de: - La fresca,

O Nico se lastimou!

Mas ninguém botou tenência

No sentido deste grito

Porque a coisa vinha preta(3.1, 5)

[...]

Rillo usa a expressão Mala suerte, do espanhol, para referir-se a uma situação mal

sucedida, ou seja, má sorte. Já a expressão La fresca, é uma interjeição que expressa

admiração, espanto.

Com relação ao conteúdo da narrativa o autor relata uma atividade corriqueira nessa

região da fronteira: o contrabando. Pois, além das disputas territoriais as relações comerciais

sempre foram muito fortes; seja o comércio legal quanto o ilegal, aliás, acredita-se que

principalmente este tenha se tornado em determinadas épocas muito mais expressivo e

identifique um período da história dos dois países em que as estruturas sociais e econômicas

encontravam-se em desenvolvimento.

Destacamos outra poesia de Rillo, do livro Caminhos de Viramundo (1979, p.11);

onde a presença de vocábulos oriundos do espanhol estão presentes:

Viramundo

Mui verde nos quinze anos

Mas porém curioso muito

Pelos mistérios do mundo

Que o pai tropeiro contava

Nas charlas de suas voltas(1.1,5)

E o mundo velho empeçava

Decerto além da cancela

Lá donde a estrada batida

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Cruzava muito de largo

Levando lerdas carretas (2. 3,7)

Na poesia Viramundo notamos que Rillo utilizou varias palavras do vocabulário

espanhol como charlas, donde e largo. Todas estas, seguem o princípio do empréstimo, tendo

como tradução: charla, conversa; Donde, aonde; e largo, significa longo, comprido.

Já o vocábulo mui, não existe em português e estaria com a grafia incorreta em

espanhol, neste caso pensamos que houve um aportuguesamento do termo pela semelhança

na pronuncia da vogal "i" e do homônimo "y" em espanhol, traduzido por muito. O mesmo

acontece com a palavra empeçava, que em espanhol escreve-se com "z" ao contrário do "ç",

mas o significado está de acordo com o contexto que significa começava.

BAUER, COMPONDO ODES EM PORTUGUÊS E CASTELLANO

Seguindo a análise linguística em questão, passamos a explorar a incidência do léxico

hispano na poesia de Rodrigo Bauer, conforme se apresenta na poesia “Das coisas que eu

sei”: presente no livro: Rodrigo Bauer 20 anos de poesia (2011, p.90).

Das coisas que sei e calo

Não guardo mais que a quietude,

Quando o silêncio é tão rude

Me basta, enfim, escutá-lo...

!Soy mismo así, hecho a palo,

Mezcla de tigre y zorzal!

Vem da Espanha e Portugal

Meu flete e minha guitarra

E eu sou formiga e cigarra

cantando o ofício rural!(2.1,10)

Das coisas que eu sei e falo

Aparto algumas verdades:

"Quem cultua a identidade

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Não dança em qualquer embalo;

Difere o bueno do malo,

Sabe da própria razão..."

Pois, dentro do meu galpão,

A minha alma eu encravo

Pra não ser mais um escravo

Da tal globalização!(3.1,10)

O primeiro trecho destacado traduzido por: Sou mesmo assim, feito a pau, mistura de

tigre e zorzal (ave migratória que habita a América do Sul), o poeta expressa a rudeza e a

mescla do personagem descrito, nesse caso o sujeito nativo destas plagas do Rio Grande do

Sul. O autor cita inclusive a presença do colonizador nestas paragens e destaca muito bem o

orgulho que nutre pelas suas raízes, o apego às suas origens e à resistência a unificação das

fronteiras e das culturas imposta pela globalização.

Além do trecho citado destacamos os termos de origem hispânica presentes na poesia,

são eles: Guitarra, traduzido por viola, violão e as palavras bueno e malo, traduzidas por bom

e mau.

Representado pelo sujeito que se apossou das lides e das atividades pastoris,

acostumado ao trato dos animais e a atividades agrícolas, que através dessa experiência

apropriou-se das tradições dos usos e costumes típicos de tais atividades, eis o gaúcho;

personagem que transita pelos dois lados da fronteira, argentina e brasileira,

caracteristicamente identificado inclusive pelo linguajar próprio que da conta de preservar a

sua história.

Como observamos novamente na poesia de Bauer (Rodrigo Bauer 20 anos de poesia,

2011).

A pampa

A pampa é um lugar que transcende,

Fronteiras são impostas pelas guerras;

"y el gaúcho", com certeza, não entende

Três nomes, três brasões pra mesma terra!1. 1, 4)

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O campo a se estender, imenso e plano,

Alarga o horizonte "mas alla"...

Talvez seja por isso que o pampeano

Enxerga além...De onde está! (3. 1,4)

A pampa a que o sujeito lírico se refere está relacionada a esse lugar comum, aos usos

e costumes locais que atravessam a fronteira e se unificam dos dois lados. Em português se

traduz por: O pampa "El gaúcho" o indivíduo que povoa esse lugar comum transita livre e

indiferente aos protocolos políticos.

O pampa, na verdade, sempre foi uma só, seja ele argentino ou brasileiro, pois o

indivíduo que povoou este área, ignorava os limites geográficos e seguiam sua própria

ideologia e sua própria língua.

Destacamos ainda o uso de empréstimos do espanhol nos verso da poesia, o que

ilustra o tema aqui analisado. Os termos em questão teriam a seguinte tradução: "el gaúcho",

o gaúcho; "mas allá", além.

Olhando pelo viés da sociolinguística podemos considerar que a língua cumpre um

papel integrador, onde o sujeito falante exerce o seu direito de expressar-se e interagir com o

mundo à sua volta, incorporando à sua própria linguagem, elementos alheios, como forma de

ganhar espaço no meio e adaptar-se a ela desenvolvendo e aprimorando sua própria

identidade.

Para Chamorro (2008, p.7):

[...] el lenguaje no es sólo un instrumento de comunicación interpersonal. Es

además un medio de representación del mundo socialmente compartido y

comunicable, en consecuencia, está estrechamente vinculado al pensamiento y en

particular, al conocimiento, mediante operaciones cognitivas. Aprender un lenguaje

es aprender un mundo de significados vinculados con un mundo de significantes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta sucinta pesquisa sobre fronteira e sua língua; a influência do espanhol sobre o

português levou-nos a compreender um pouco da dinâmica presente nesse território

fronteiriço.

Por apresentar-se como um espaço de constante troca, evidencia-se a

interculturalidade presente naquele local, onde o léxico é um elemento coadjuvante na

interação cultural do indivíduo nativo dessa região. Essa aproximação através da língua

vemconsolidar a relação entre os conterrâneos, ignorando os limites geográficos, demarcados

pelos acordos geopolíticos.

Como reforça Sturza (2004) em seu artigo presente na Revista Eletrônica Ciência e

Cultura:

[...] No alvorecer do século XXI, registra o reconhecimento da fronteira

compartilhada, de um lugar menos imaginário, de um lugar que tem uma

dinâmica social muito particular, sustentado pelo movimento migratório das

populações e suas continuas transgressões Territoriais.

Compreendemos que a linguagem não consiste apenas num instrumento interpessoal,

mas traz intrínseco o conteúdo incomunicável, o conteúdo subjetivo e comum aos sujeitos.

Desta forma podemos destacar que um dos aspectos observados durante a realização

deste trabalho foi a importância da produção literária e artístico cultural na formação da

identidade linguística de uma região específica, pois é através de tais registros que se

materializa e se consolida a variante linguística ali praticada.

Não temos a pretensão de arrematar este assunto, haja vista a sua infinita possibilidade

de exploração. Esta foi apenas uma demonstração de que existe este viés que sutura a nossa

língua e está presente na comunicação verbal e escrita do indivíduo que coabita esta fronteira.

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