loucura e saÚde mental: aspectos histÓricos e...

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1 LOUCURA E SAÚDE MENTAL: ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E DO DIREITO A CIDADANIA Ariane Machado da Silva 1 Lucineide Orsolin 2 RESUMO: Loucura e saúde mental temática relativa á Reforma Psiquiátrica faz uma reflexão teórico-metodológica no campo específico do Serviço Social. Perpassa pela conceituação de Loucura, de Reforma Psiquiátrica e de Saúde Mental, estabelecendo uma relação da prática profissional do Assistente Social com o direito Constitucional á Cidadania. Os procedimentos metodológicos perpassam pela coleta de dados teórico-metodológicos por meio de pesquisa bibliográfica. A partir das diferentes concepções históricas da Loucura faz- se uma análise deste fenômeno relacionando-o a Reforma Psiquiátrica Brasileira, tendo como eixo principal a contextualização dos marcos legais, políticos, teóricos e prático, ressaltando as tensões e conflitos decorrentes da relação Estado e Sociedade. Neste contexto, a prática profissional do Assistente Social na área da Saúde Mental demonstra os avanços da profissão junto as pessoas em sofrimento psíquico; a quebra de velhos paradigmas; o acesso aos direitos sociais; as ações multiprofissionais e o direito à cidadania. A Reforma Psiquiátrica produziu possibilidades de tratamento humanizado - sem a necessidade do isolamento e distanciamento das pessoas em sofrimento psíquico de sua família como anteriormente era submetido. Este passa a ser considerados sujeito de direitos e seu tratamento um direito a cidadania. O Serviço Social que, para além dos muitos espaços sócios ocupacionais em que atua se insere na questão específica da Saúde Mental, contribui com produção de novos saberes neste campo, os quais são fundamentais para construção de processos sociais que prezam pela dimensão psicossocial da Loucura e da Reforma Psiquiátrica. Sua tarefa é valorizar e propor meios que fortaleçam a dimensão social da Reforma Psiquiátrica em tempos de neoliberalismo e, neste sentido, pensar e propor formas de intervenções possibilitando a pessoa em sofrimento psíquico condições dignas de existência, a partir de condições sociais e matérias capazes de fazê-lo desenvolver potencialidades e habilidades que permitam contribuir com sua saúde mental. PALAVRAS-CHAVE: Loucura. Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica. Serviço Social. 1 Formanda do Curso de Serviço Social 1º semestre/2016. URI São Luiz Gonzaga. Email [email protected] 2 Mestre em Desenvolvimento UNIJUÍ Ijuí/RS. Docente e Coordenadora do Curso de Serviço Social. URI São Luiz Gonzaga.Email [email protected]

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LOUCURA E SAÚDE MENTAL: ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA

REFORMA PSIQUIÁTRICA E DO DIREITO A CIDADANIA

Ariane Machado da Silva1

Lucineide Orsolin2

RESUMO: Loucura e saúde mental temática relativa á Reforma Psiquiátrica faz uma

reflexão teórico-metodológica no campo específico do Serviço Social. Perpassa pela

conceituação de Loucura, de Reforma Psiquiátrica e de Saúde Mental, estabelecendo uma

relação da prática profissional do Assistente Social com o direito Constitucional á Cidadania.

Os procedimentos metodológicos perpassam pela coleta de dados teórico-metodológicos por

meio de pesquisa bibliográfica. A partir das diferentes concepções históricas da Loucura faz-

se uma análise deste fenômeno relacionando-o a Reforma Psiquiátrica Brasileira, tendo como

eixo principal a contextualização dos marcos legais, políticos, teóricos e prático, ressaltando

as tensões e conflitos decorrentes da relação Estado e Sociedade. Neste contexto, a prática

profissional do Assistente Social na área da Saúde Mental demonstra os avanços da profissão

junto as pessoas em sofrimento psíquico; a quebra de velhos paradigmas; o acesso aos

direitos sociais; as ações multiprofissionais e o direito à cidadania. A Reforma Psiquiátrica

produziu possibilidades de tratamento humanizado - sem a necessidade do isolamento e

distanciamento das pessoas em sofrimento psíquico de sua família como anteriormente era

submetido. Este passa a ser considerados sujeito de direitos e seu tratamento um direito a

cidadania. O Serviço Social que, para além dos muitos espaços sócios ocupacionais em que

atua se insere na questão específica da Saúde Mental, contribui com produção de novos

saberes neste campo, os quais são fundamentais para construção de processos sociais que

prezam pela dimensão psicossocial da Loucura e da Reforma Psiquiátrica. Sua tarefa é

valorizar e propor meios que fortaleçam a dimensão social da Reforma Psiquiátrica em

tempos de neoliberalismo e, neste sentido, pensar e propor formas de intervenções

possibilitando a pessoa em sofrimento psíquico condições dignas de existência, a partir de

condições sociais e matérias capazes de fazê-lo desenvolver potencialidades e habilidades

que permitam contribuir com sua saúde mental.

PALAVRAS-CHAVE: Loucura. Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica. Serviço Social.

1Formanda do Curso de Serviço Social – 1º semestre/2016. URI São Luiz Gonzaga. Email –

[email protected] 2Mestre em Desenvolvimento UNIJUÍ – Ijuí/RS. Docente e Coordenadora do Curso de Serviço

Social. URI São Luiz Gonzaga.Email – [email protected]

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INTRODUÇÃO

Com o objetivo de abordar a temática no campo específico da Saúde Mental,

Faz-se uma reflexão teórica sobre a atuação do Serviço Social neste campo,

passando pela conceituação de Loucura, a partir de uma trajetória histórica das

diferentes percepções recebidas por ela; pela Reforma Psiquiátrica: seus

antecedentes históricos, o tratamento dispensado às pessoas em sofrimento

psíquico, os movimentos sociais e as legislações, culminando com a relação da

prática profissional do Assistente Social neste contexto, através de um debate

histórico e teórico.

Em um primeiro momento descreve-se fenômeno Loucura desde o

Renascimento até a modernidade e enfatiza-se que não só a maneira de o homem

tratá-la, mas também o modo pelo qual esta foi encarada pela razão, foram

mudando com o passar dos séculos.

Na seuqnência menciona-se a Reforma Psiquiátrica Brasileira, oriunda de

denúncias de abusos e violações cometidos nos hospitais psiquiátricos. Surgiu com

o objetivo de não só tratar mais adequadamente o indivíduo, mas construir um novo

espaço social para a Loucura e, faz-se isso a partir da contextualização dos marcos

legais, políticos e práticos cuja proposta destaca o conceito político, as tensões e

conflitos decorrentes das ações produzidas pela Reforma Psiquiátrica, as quais

provocam e interrogam a relação entre Estado e Sociedade.

E, por fim, se traz uma relação do tema com a prática profissional do Serviço

Social na área da Saúde Mental, ao mostrar teoricamenteos avanços da profissão

junto às pessoas em sofrimento psíquico; a quebra de velhos paradigmas e o direito

à cidadania. A produção de novos saberes neste campo se constitui como

fundamental por ser o Assistente Social um dos profissionais responsáveis por

assegurar a unidade entre o social e o subjetivo, por ser o único profissional cuja

matéria-prima de intervenção é a questão social, tendo a responsabilidade de

trabalhar a dimensão social da Reforma Psiquiátrica, como unidade psicossocial.

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LOUCURA: CONCEPÇÕES HISTÓRICAS

Como qualquer fenômeno humano, a Loucura foi historicamente construída.

Antes de ser definida como uma patologia, ela experimentou várias outras formas

de relação com a cultura. A história pondera como os homens ao longo do tempo se

relacionaram com o inevitável, com o temor de perder o juízo, com o diferente, com

as diferenças. De acordo com cada época e cada contexto sociopolítico ela foi

definida e compreendida.

Na Grécia Roma predominava a ideia de que a origem da Loucura advinha

de causas sobrenaturais, forças e razões de natureza mística. Algumas pessoas

estariam sendo possuídas por espíritos malignos e eram propensas à raiva dos

deuses. Assim, se considerava difícil intervir e tratar. A intervenção baseava-se em

médicos sacerdotes e fundamentava-se em processos médico-religiosos. Aos

pobres mortais caberia apenas rogar aos deuses, quando ainda restasse

consciência para isso (OLIVEIRA, 2010).

Em Roma atribuiu-se caráter científico a Loucura, e no período medieval ela

possui outras concepções: passa a ser entendida como possessão demoníaca.

Tem-se nesse período um retrocesso em relação ao tratamento dado às pessoas

em sofrimento psíquico; a Loucura deixa de ser doença e não é vista como vontade

dos deuses, agora ela é o mal que precisa ser banido.

Esse modelo de pensamento reedita e corrompe o modelo

mitológico da Grécia antiga. Reedita, porque após a visão organicista popularizada pelo galenismo, a loucura passa a ser, de novo, efeito de maquinações de entidades extranaturais. Corrompe, porque agora a loucura é apenas negativa, patológica, estigma de imperfeição e de culpa. Os deuses causavam a loucura, mas a cancelavam. Agora o louco é um campo de batalha entre forças do mal e forças do bem. A loucura era uma questão de relação do homem, na sua autoconsciência, com um ou mais deuses. Agora a relação que se estabelece exclui ou desqualifica a autoconsciência (PESSOTI apud OLIVEIRA, 2010, p. 5).

Os estudos sobre a alienação mental também foram afetados, pois os que

estudavam eram nomeados possessos e isso desanimou a realização de novos

estudos dessa ordem. A sociedade não sabia diferenciar, por exemplo, um epilético

de um libertino ou um maníaco de um herege e assim todos eram incluídos no

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estigma de possessos. Todos eram postos no mesmo patamar e seu destino era o

martírio, a forca, a fogueira ou o internamento (OLIVEIRA, 2010).

Até o final da Idade Média quem ocupa o espaço de alteridade radical é o

leproso. Encarnando o mal e representando o castigo divino, a lepra atinge a

Europa e se espalha rapidamente, causando pavor e sua sentença é a exclusão.

Alguns séculos depois, essas estruturas de exclusão social passam a ser

ocupadas por outras figuras não menos temíveis, os doentes venéreos. Ao final do

século XV elas sucederam a lepra. De bom ou mau grado esses novos doentes

eram recebidos nos hospitais. Para eles eram construídas casas especiais, não

para estabelecer a exclusão, mas para assegurar-lhes o tratamento. No século XVII

a doença venérea se isolou e integrou-se ao lado da Loucura num espaço moral de

exclusão.

Na Renascença, um novo objeto faz aparecimento, é a Nau dos Loucos,

estranho barco que desliza ao longo dos calmos rios.

Mas de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff

é a única que teve existência real, pois eles existiram, esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos. (FOUCAULT, 1972, p. 9).

Descrever o sentido deste costume não é algo fácil. Pode-se pensar que se

tratava de uma medida geral de expurgo que a sociedade fazia recair sobre os

loucos, confiá-los a essa Nau era certeza de evitar que ficassem vagando nas

cidades e ao mesmo tempo de que iriam para longe, era torná-lo prisioneiro de sua

própria partida.

Sistematizando as significações atribuídas à Loucura no Renascimento,

acrescenta-se que “é para o outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é

do outro mundo que ele chega quando desembarca” (FOUCAULT, 1972, p. 12).

Então, por toda a Europa, circulavam navios completamente cheios de pessoas

indesejadas, em sua maioria, loucas.

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A Loucura constitui-se então como um modo de exclusão, devido às

mudanças ocorridas em decorrência do crescimento das cidades, com o poder das

relações políticas e com o desenvolvimento da industrialização. Criam-se então,

nesse período, em território europeu, os primeiros estabelecimentos para

internação, destinados a receber os loucos.

Acontecimento que marcou a percepção clássica da Loucura foi a fundação

do Hospital Geral em 1656, em Paris. Em seu decreto de fundação, ele destinava-se

aos pobres de todos os sexos, lugares e idades, de qualquer qualidade de

nascimento, e seja qual for sua condição, válidos ou inválidos, doentes ou

convalescentes, curáveis ou incuráveis. Um fato é evidente, ele não era um

estabelecimento médico, mas uma espécie de entidade administrativa que decidia,

julgava e executava. Foucault (1972) observa que essas casas de internamento se

espalharam por toda a Europa, muitas delas estabelecidas dentro dos muros dos

antigos leprosários.

Nos séculos XVII e XVIII as pessoas em sofrimento psíquico foram assim

vistas, e com o surgimento das Instituições totais iam sendo aprisionadas e

abandonadas junto a outros desamparados. A Loucura já não possuía o brilho de

antes, de ser obra dos deuses ou do demônio, passou a ser uma marca apenas que

acompanha os que viveram a experiência da internação e nunca mais recuperaram

a plena autonomia, mesmo conseguindo sair do hospital (GOFFMAN, 1974).

Na segunda metade do século XVIII começam a surgir as reclamações dos

internos não loucos por estarem encarcerados como uma massa indiferenciada,

pois, com a animalidade, a Loucura era símbolo de humilhação e injustiça para os

internos, significando assim que apoiavam o internamento, porém, só para os loucos

(MILLANI, 2008).

No fim do século XVIII acreditava-se na Loucura como erro que se enraizava

na imaginação e que, quanto mais o louco fosse coagido, mais a sua imaginação

seria afetada. Ou seja, quanto menos livre mais louco. Dessa maneira persistem

duas visões sobre o internamento. Numa primeira ele era concebido como medida

assistencial, uma medida de segurança contra os perigos da Loucura e, numa

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segunda visão, era entendido como um meio de organização da liberdade. Sendo

assim, ele ganha novo sentido e passa a ser visto como alguém que

merecetratamento. Eram lançadas aí as bases para o surgimento do modelo de

tratamento asilar (RIBEIRO e PINTO, 2011).

O Século XVII é marcado pela compreensão do fenômeno da Loucura como

objeto de saber médico, caracterizando-a como doença mental e, portanto, passível

de cura. É o Século das Luzes, onde a razão ocupa um lugar dedestaque, pois é

através dela que o homem podeconquistar a liberdade e a felicidade.

Ocorrevalorização do pensamento científico e é em meio aesse contexto que surge

o hospital como espaço terapêutico (SILVEIRA, 2005)

Segundo Frayse-Pereira (1984), a tarefa do asilo era homogeneizar todas as

diferenças. Isto é, reprimir os vícios, extinguir as irregularidades, denunciar aquilo

que se opunha aos desejos impostos pela sociedade. Então, a única diferença

possível no interior dessa instituição era a distinção entre o normal e o patológico.

Com a segregação social, o asilo reproduzia em seu interior a racionalidade

burguesa, transformando-se em um espaço de alienação, onde o doente era julgado

e condenado como em um tribunal.

Isso acabou produzindo no louco o remorso, o sentimento de sua

própria culpa. E se, com o tempo, até os castigos morais acabarão por ser dispensados, é porque os juízes da loucura estão certos de que aquele sentimento está definitivamente inscrito no espírito do alienado (FRAYSE-PEREIRA, 1984, p. 87).

O médico era como um juiz do louco e na relação entre paciente e

profissional, o primeiro se submete as vontades do segundo, um tipo de dominação,

com isso a Loucura é silenciada e o discurso científico assume o lugar do doente. A

razão se impõe sobre a desrazão, mas de outra forma. O médico tornou-se capaz

de compreender a Loucura, mas não porque a conhecia, mas porque a dominava.

Entretanto, no século XIX, a consciência crítica insistirá que o louco não

passa de coisa médica. Vale lembrar que essa consciência crítica é a maneira pela

qual se busca dar à experiência da Loucura um sentido moral, religioso e filosófico,

a partir do qual ela se mostra como sendo o lado negativo da ordem e do discurso.

A consciência crítica não dá palavra à Loucura, pelo contrário, ela utiliza o seu

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silêncio para dizer o que ela não é. Porém, nesse mesmo século, a problemática

consciência crítica se converte numa forma de conhecimento (FRAYSE-PEREIRA,

1984).

Segundo Chauí (2008), o discurso competente instalou-se e se conservou

graças a uma regra quepoderia ser assim resumida: não é qualquer um quepode

dizer qualquer coisa a qualquer outro emqualquer ocasião e em qualquer lugar.

Com esta regra, ele produz sua contra face: os incompetentes sociais.

As instituições destinadas ao tratamento às pessoas em sofrimento psíquico

permaneceram hegemônicas até meados do século XX, utilizando-se da internação

como principal condição de tratamento. Os pacientes permaneciam isolados do

resto do mundo e eram submetidos a regras extremamente duras e condições

inumanas (VECHI, 2004).

Após a Segunda Guerra Mundial, com a volta do crescimento econômico e da

reconstrução social, a comunidade profissional chega à conclusão que o hospital

psiquiátrico teria que ser alterado. Por meio de vários movimentos constituídos e

desenvolvidos em diversos lugares do mundo foi que se atingiu o ponto máximo no

questionamento sem precedentes da ordem social contemporânea, influenciando

decisivamente a ruptura do paradigma psiquiátrico construído ao longo dos anos.

Houve, assim, na busca coletiva de criar uma sociedade mais livre, igualitária e mais

solidária, acrescida da descoberta dos psicotrópicos e da adoção da psicanálise e

da saúde pública nas instituições da psiquiatria, a emergência de vários elementos

que viabilizaram os movimentos de reforma psiquiátrica (MILLANI, 2008).

A PSIQUIATRIA NO BRASIL

Loucos, doidos, insanos, dementes, alienados mentais, essa foi a

denominação atribuída às pessoas em sofrimento psíquico ao longo da história. Tais

pessoas, quando de um comportamento socialmente incômodo ou perigoso, eram

reclusas em cadeias públicas, cômodos particulares ou enfermarias de hospitais de

caridade.

Com a chegada da família real e a consolidação do Estado Monárquico, as

pressões sociais que exigiam restrição à livre circulação dos chamados alienados

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aumentaram e cada vez mais surgia reclamos ao poder público para que este

tomasse providência e os retirasse de circulação. Nesta época, a prisão era o único

destino destas pessoas e em casos mais evidentes de desarranjo mental, estes

eram levados até as enfermarias dos hospitais da Santa Casa de Misericórdia,

porém no que se referem às enfermarias, estas não diferenciavam muito das

cadeias públicas.

A Santa Casa de Misericórdia era uma notável confraria de caridade que

concentrava todas as obras de assistência, abrangia o atendimento nos hospitais, a

coleta de doação de esmolas, a criação de crianças abandonadas, a assistência os

presos pobres, os serviços funerários, a concessão de dotes às órfãs pobres, além

de ser executora de testamentos. Essa Santa Casa desfrutava de um enorme

prestígio social, poder econômico e político.

Além da Santa Casa da Corte, outros hospitais de caridade mantinham sob

condições miseráveis, divisões destinadas aos insanos, estes precederam a criação

de hospícios exclusivos para alienados. Vale lembrar que nesta época, os termos

“asilo, hospício, hospital” eram usados indistintamente como sinônimo no sentido de

hospedagem àqueles que dependiam da caridade pública. Tais hospitais contavam

com uma assistência médica precária e sua intenção era caritativa.

A Loucura se transformava em problema de ordem social e a sociedade

médica apontava uma solução para isso, a criação de estabelecimentos que

atendessem de forma adequada as pessoas acometidas dessa patologia. Já as

autoridades trancafiavam essas pessoas em prisões públicas ou hospitais, mas as

fugas eram constantes e os loucos de baixo poder aquisitivo ficavam na condição de

moradores de rua e os que pertenciam às famílias ricas, eram camuflados por seus

parentes, mas também eram deslocados do convívio social. Na perpstiva de enfretar

a Loucura, concebida como problema de ordem social, cria-se o Hospício D. Pedro

II, o qual passou a internar os indivíduos tidos como problema e a tirá-los do

convívio em sociedade.

É importante considerar que mesmo sendo uma época de ascensão do

conhecimento científico, a doença mental parecia não ter seu conceito bem definido,

pois os hospícios recebiam também pessoas acometidas de problemas variados,

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como os paralíticos, os epiléticos, os alcoólatras, as mulheres apaixonadas, etc.

Estas pessoas passavam a ser definidas como loucas e assim condenadas à

exclusão pela sociedade, pois para ser considerada louca, bastava uma pessoa

mudar seu comportamento ou simplesmente emitir uma fala indevida.

Em relação à política de atenção à Loucura, podemos considerar o Decreto

14.8313 e o Decreto 5.148-A4. Este último estabelecia em seu artigo primeiro que a

pessoa, em consequência de doença mental, atentasse contra a própria vida ou a

de alguém, seria recolhida a um estabelecimento apropriado ao tratamento. Nota-se

que a internação só deveria ocorrer após comprovada a alienação mental do

paciente.

A partir de 1930, toma forma uma política nacional de saúde. O governo

Vargas5 modificou a maneira de administrar o Brasil. Na saúde, a principal alteração

foi a criação do Ministério de Educação e Saúde. Retornam as campanhas

sanitárias, elementos importantes no processo de centralização da política de saúde

e de sua caracterização como política nacional. Em relação à saúde previdenciária,

as CAPs foram transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), a

diferença estava na participação do Estado na administração e financiamento das

ações de saúde, pois nas CAPs, a participação do Estado limitava-se a

determinação de sua existência. No campo da Saúde Mental, destaca-se, em 1934,

o Decreto 24.5596, primeiro documento legal a trazer a questão da proteção em sua

ementa, além de incorporar a questão assistencial psiquiátrica à temática dos

direitos legais.

Em 1967, cria-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que

buscava ampliar o contingente de assegurados e expandir a assistência. A solução

escolhida foi a privatização das ações de saúde. A maioria dos recursos, no setor

saúde, foi investida em construções e reformas de hospitais privados. Na área de

Saúde Mental, houve mudanças notáveis, a psiquiatria passava a ser privatizada, a

3 Aprova o Regulamento do Manicômio Judiciário (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1921). 4 Reorganiza a Assistênciaa Psicopatas no Distrito Federal (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1927) 5 Getúlio Vargas ocupou, pela primeira vez, a presidência da República de 1930 a 1945 (Era Vargas). Ascendeu ao poder através de um Golpe de Estado. Seu governo foi dividido em três períodos: Governo Provisório, Governo Constitucional e Estado Novo (AURÉLIO, 2009). 6 Dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos e dá outras providências (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1934).

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doença mental transformava-se em objeto de lucro. Houve a chamada “indústria da

Loucura”. As denúncias em relação a essa “indústria” eram constantes, cobrava-se

mais eficiência.

Desencadeia-se então, a partir daí, um amplo debate em relação aos rumos e

diretrizes da saúde, baseado em sugestões avançadas de reformas e também de

assistência à Saúde Mental.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

O movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira inicia entre os anos 1970 e

1980 e teve como marco o episódio conhecido como a Crise da Divisão Nacional de

Saúde Mental (DINSAM)7. Essa crise surgiu a partir de denúncias feitas por médicos

bolsistas do Centro Psiquiátrico Pedro II às irregularidades nessa unidade

hospitalar. Sucederam-se então várias reuniões, assembleias e debates, ocupando

espaços de entidades da sociedade civil. Os debates envolviam vários atores e

posicionamentos. Amarante (1995) destaca o Movimento de Trabalhadores de

Saúde Mental (MTSM) como sendo o primeiro movimento em saúde com

participação popular.

Também nesse período originou-se o Movimento da Reforma Sanitária, que

teve participação fundamental na discussão de mudanças na política de saúde e no

movimento pela Reforma Psiquiátrica no país. Um marco nesse contexto reformista

foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que, pela primeira vez, teve consulta e

participação popular. Dela surgiu uma nova concepção de saúde, como direito de

todos e dever do Estado e a necessidade da criação de um Sistema Único de

Saúde. Como desdobramento dessa Conferência, foi proposta a realização de

conferências com temas específicos, que passaram a ser realizadas em seguida da

mesma.

Outro importante evento foi o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de

Grupos e Instituições, que possibilitou a vinda ao Brasil dos principais mentores da

Rede de Alternativas à Psiquiatria, do movimento Psiquiatria Democrática Italiana,

7 Órgão do Ministério da Saúde responsável pela formulação das políticas de saúde do subsetor saúde mental (AMARANTE, 1995).

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da Antipsiquiatria, enfim, das correntes de pensamento crítico em Saúde Mental,

dentre eles Franco Basaglia (AMARANTE, 1995).

No ano de 1979, no Rio de Janeiro, realizou-se o I Congresso Nacional dos

Trabalhadores em Saúde Mental, que teve caráter oficial e voltava-se à discussão e

implementação de propostas no âmbito da Secretaria Estadual de Saúde

(AMARANTE, 1995).

Em junho de 1987 foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental e

suas discussões estruturaram-se a partir de três temas básicos: economia,

sociedade e Estado (impactos sobre a saúde e doença mental); Reforma Sanitária e

reorganização da assistência à Saúde Mental; cidadania e doença mental (direitos,

deveres e legislações do doente mental). Paralelo a essa Conferência, o MTSM

propôs a organização do II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde

Mental, que aconteceu em dezembro do mesmo ano. A partir desse encontro, o

movimento assumiu a denominação Movimento Nacional de Luta Antimanicomial

(MNLA) (AMARANTE, 1995).

Novas modalidades de atenção surgiram no que se refere ao modelo

assistencial, passando a representar uma alternativa ao modelo psiquiátrico

tradicional. Por exemplo, surgiu o primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil,

em São Paulo, o CAPS Luiz da Rocha Cerqueira. Além disso, foi implementado

também um sistema psiquiátrico substitutivo ao modelo manicomial, com a criação

dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), sistema que sofreu influência da

experiência italiana de Trieste (HEIDRICH, 2007).

Outro marco histórico para o setor de Saúde Mental foi a II Conferência

Nacional de Saúde Mental, realizada no ano de 1992, onde foram aprovados os

princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica na linha da luta antimanicomial e da

desinstitucionalização. Os movimentos sociais seguiam se fortalecendo. Em1993

ocorreu o I Encontro Nacional de Luta Antimanicomial, que discutiu a relação

manicomial da sociedade capitalista e declarou que o MNLA não pretendia apenas

extinguir os manicômios, mas resgatar o respeito aos cidadãos, a sua forma de

pensar e sua criatividade.

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O ano de 2001 foi um ano de avanços e transformações na Reforma

Psiquiátrica Brasileira, pois após doze anos tramitando no Congresso Federal, o

Projeto de Lei 3.657/89 retorna à Câmara dos Deputados, transformado na Lei

10.216, de 06 de abril de 2001, que “dispõe sobre a proteção e os direitos das

pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em

saúde mental” (BRASIL, 2001, p. 15).

Ainda em 2001 ocorreu a III Conferência Nacional de Saúde Mental, que

consolidou a Reforma Psiquiátrica como política de governo e conferiu aos CAPS o

papel estratégico para a mudança do modelo de assistência. Os CAPS devem ser

públicos, com base municipal, fiscalizados pelo controle social. São diferenciados

entre si: CAPS I (serviços de menor porte, capazes de oferecer resposta efetiva às

demandas de Saúde Mental em municípios com população entre 20.000 e 50.000

habitantes); CAPS II (serviços de médio porte, que dão cobertura a municípios com

mais de 50.000 habitantes); CAPS III (serviços de maior porte, previstos para darem

cobertura a municípios com mais de 200.000 habitantes); CAPS i – Centro de

Atenção Psicossocial Infantil (serviços especializados no atendimento a crianças e

adolescentes em sofrimento psíquico); CAPS ad – Centro de Atenção Psicossocial

Álcool e outras drogas (serviços especializados no atendimento a pessoas que

fazem uso de álcool e outras drogas) (HEIDRICH, 2007).

Outro instrumento efetivo na reintegração social das pessoas com longo

histórico de hospitalização foi a criação do Programa de Volta para Casa (PVC), que

assim como os Serviços Residenciais Terapêuticos, constitui uma reivindicação

histórica do Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Esse Programa foi

instituído por meio da assinatura da Lei Federal 10.708 de 31 de julho de 2003, que

“institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos

mentais egressos de internações” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2003).

Deste modo, pode-se afirmar que o processo da Reforma Psiquiátrica está

sempre em construção e é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das

relações interpessoais, que ele avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e

desafios. Esse processo não ocorre somente por decretos, portarias ou leis, mas se

dá no cotidiano e só será possível na medida em que nossa sociedade assumir o

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desafio de aceitar a diversidade e lutar pela constituição da cidadania para todos os

brasileiros.

SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE MENTAL

A atuação do Serviço Social em saúde mental é marcada por uma forte

indefinição teórica e metodológica, oriunda da dificuldade do aporte teórico

construído pela perspectiva modernizadora em responder às crescentes

expressões da questão social e, principalmente, na perspectiva de pensar o fazer

profissional em um campo fortemente marcado pela subjetividade, recaindo,

sempre e recorrentemente, na psicologização das relações sociais, embora, neste

momento, a profissão é demandada pelo Estado para efetivação das crescentes

políticas públicas, que tinham por objetivo conter as massas (ROCHA, 2012).

Para Bisneto (2011), o Movimento de Reforma Psiquiátrica trouxe questões

importantes para a atuação do assistente social: a ênfase no aspecto político da

assistência social e da assistência psiquiátrica; a necessidade da

interdisciplinaridade e de ultrapassar os limites entre os saberes; a necessidade de

democratizar as relações de poder entre técnicos e usuários, dentre outros aspectos

discutidos.

É neste processo que o Serviço Social deixa de ser demandado como um

agente subalterno do médico e tem seu espaço sócio-ocupacional demarcado pela

investigação das condições objetivas de vida do doente mental, não mais para

culpabilizá-lo, mas sim para potencializar e integrar políticas públicas que

respondam às demandas de reprodução social dos indivíduos e possibilitem ao

doente mental condições objetivas e subjetivas de saúde mental.

Toda experiência manicomial, centrada na exclusão, na desumanidade e na

psiquiatria clássica provou, historicamente e negativamente, que os ambientes, os

determinantes sociais influenciavam na reabilitação – ou não - dos sujeitos. Isto é,

está comprovado que com práticas de isolamento, em ambientes insalubres e falta

de acesso a direitos de cidadania, torna-se impossível reabilitar o indivíduo.

A materialização da Reforma Psiquiátrica rompeu com o paradigma

patologia/cura, passando a abranger outras dimensões da vida social como

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elementos importantes para a compreensão integral da saúde das pessoas em

sofrimento psíquico.

A condição de vida da pessoa em sofrimento psíquico passa a ser

considerada na sua reabilitação, pois se acredita que, se as relações sociais destas

pessoas estiverem caracterizadas pela violação de direitos ou se o seu ambiente de

convívio é marcado por expressões da questão social tais como insalubridade,

dificuldade no provimento de alimentos, falta de medicamentos, entre muitas outras,

certamente o processo de reabilitação encontrará sérios limites.

As atribuições e competências dos profissionais de ServiçoSocial, sejam

aquelas realizadas na Saúde Mental ou em outro espaço sócio-ocupacional, são

orientadas e norteadas por direitos e deveres constantes no Código de Ética

Profissional e na Lei deRegulamentação da Profissão, Lei 8.662, de 07 de junho de

1993, que devem ser observados e respeitados, tanto pelos profissionais quanto

pelas instituições empregadoras.

O Projeto Ético-Político da Profissão fundamenta-se na perspectiva da

totalidade social e tem a base de sua fundamentação na questão social, como já

referido. No âmbito específico da saúde mental alguns conceitos são necessários

para a ação do assistente social: concepção de saúde, integralidade,

intersetorialidade, participação social e interdisciplinaridade.

A atuação em Saúde Mental deve pautar-se na “defesa intransigente dos

direitos humanos e recusa do arbítrio e autoritarismo” (BRASIL, 2012, p. 23). Ou

seja, o Serviço Social é ética e politicamente contrário a tratamentos desumanos,

tortuosos, que violam a integridade física e psíquica da pessoa em sofrimento

psíquico. Neste sentido, a profissão preserva práticas favoráveis a tratamentos

terapêuticos e à administração de psicotrópicos que respeitem e fortaleçam a

autonomia e a integridade do usuário.

Outro aspecto da atuação profissional se constiui na contribuição para

“ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda

sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes

trabalhadoras” (BRASIL, 2012, p. 23). Contribuir para a ampliação da cidadania da

pessoa em sofrimento psíquico é contribuir no processo de consolidação da

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Reforma Psiquiátrica Brasileira e, neste sentido, investir na luta junto aos usuários

da Saúde Mental para sua inserção nas políticas públicas: garantia de acesso aos

direitos sociais, civis e políticos, potencialmente capazes de promover o exercício

da cidadania.

Os profissionais do Serviço Social ganham ênfase e têm a oportunidade de

fazer parte da equipe que atua nesse campo de forma participativa, num processo

educativo através do esclarecimento e orientações, visando aperfeiçoar a

ressocialização social dos indivíduos e sofrimento psíquico. Sua intervenção e

acompanhamento são imprescindíveis, visto que a atuação profissional se inscreve

na atenção à todas as relações sociais oriundas da vivência e convivências dos

sujeitos em sociedade.

CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

Conhecer o processo histórico da Loucura se apresenta como algo

fundamental para que se possa desnaturalizar conceitos e ter a capacidade de

reconstruí-los a partir de uma ótica comprometida com os interesses daqueles a

quem se presta assistência.

No que se refere à Reforma Psiquiátrica, observa-se uma luta acirrada por

mudanças no modo de cuidar do sofrimento humano, através da criação de espaços

de produção de relações sociais, pautados em princípios e valores que

reinventassem a sociedade, constituindo um novo espaço para estes sujeitos. Os

princípios da Reforma Psiquiátrica apontam para a criação de uma sociedade justa,

em que todos os cidadãos sejam livres, iguais e tenham acesso aos bens e serviços

e às ações de prevenção e promoção de saúde.

Por mais que a Reforma Psiquiátrica traga medidas que devem ser aplicadas

com compromisso e seriedade, é visível que seus princípios não foram totalmente

efetivados. Todavia, há muito a avançar no campo da Saúde Mental, para isso é

necessário o desempenho das atribuições e competências firmadas nos princípios

que regem nossa profissão, com vista à consolidação e efetivação da cidadania das

pessoas em sofrimento psíquico.

O Trabalho DO Serviço Social deve estar diretamente envolvido com

processos de formulação, execução, avaliação e acompanhamento de ações que

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visem à promoção da saúde, levando em consideração os determinantes envolvidos

no processo de saúde/adoecimento, e, ainda, o objeto de estudo e intervenção

teórico-práticaque é a questão social em suas expressões, apreendidas no cotidiano

da prática profissional.

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