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2018 FILOSOFIA Prof. Gesiel Anacleto

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Page 1: FilosoFia - UNIASSELVI

2018

FilosoFia

Prof. Gesiel Anacleto

Page 2: FilosoFia - UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:

Prof. Gesiel Anacleto

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

AN532f

Anacleto, Gesiel

Filosofia. / Gesiel Anacleto. – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 215 p.; il.

ISBN 978-85-515-0231-0

1.Filosofia. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 100

Impresso por:

Page 3: FilosoFia - UNIASSELVI

III

apresentação

Olá, caro acadêmico! É com grande prazer que apresentamos para você a disciplina de Filosofia. Nesta oportunidade, nós gostaríamos de destacar a importância da disciplina para a formação humana em suas diversas áreas, incluindo na sua formação profissional.

A filosofia instrumentaliza o ser humano com as ferramentas necessárias e imprescindíveis para o ato reflexivo. Tais ferramentas incidirão nas suas escolhas e decisões diárias. Assim, o conteúdo deste material tem como finalidade básica proporcionar a você um acesso, mesmo que de caráter propedêutico, ao universo da filosofia. O material está dividido em três unidades.

A Unidade 1 tem como tema de estudo a filosofia: origem e trajetória do pensamento filosófico. A unidade tem um caráter mais histórico, pois possibilitar que o acadêmico conheça as origens e o desenvolvimento da filosofia é um passo essencial para compreender o desenvolvimento do pensamento filosófico como um todo e a maneira como a filosofia sofreu transformações e chegou ao que conhecemos atualmente.

A Unidade 2 envolverá as principais áreas de estudo da filosofia geral. Não será possível realizar, nesta unidade, uma abordagem pormenorizada dos principais temas. Contudo, acreditamos que, com as informações apresentadas no decorrer da unidade, haverá a compreensão elementar sobre as áreas da filosofia, bem como sua importância para o desenvolvimento do conhecimento humano.

A Unidade 3 irá tratar da filosofia para hoje. Mesmo em um mundo em que os avanços tecnológicos têm tido espaço considerável nos meios acadêmicos, culturais, sociais e políticos, acreditamos que a filosofia ainda possui um papel importante em meio a todas as mudanças.

Sua importância se deve ao fato de possibilitar uma reflexão e a problematização sobre tudo aquilo que acontece em nossa volta. Faremos uma apresentação sucinta de cada temática e a sugestão de bibliografias complementares e filmes para quem deseja aprofundar um pouco mais seus conhecimentos sobre os assuntos abordados aqui.

Nosso desejo sincero é que todo o conhecimento possa servir de grande proveito para sua jornada acadêmica e formação profissional. Que cada tema abordado possa trazer mais luz e entendimento sobre o seu papel como ser humano e como profissional em um mundo repleto de desafios.

Prof. Gesiel Anacleto

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

UNI

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VII

UNIDADE 1 – FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO .. 1

TÓPICO 1 – A ORIGEM DA FILOSOFIA .......................................................................................... 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 O PENSAMENTO MÍTICO ................................................................................................................ 33 O QUE É FILOSOFIA? ......................................................................................................................... 84 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA ............................................................................................. 12LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 15RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 17AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 18

TÓPICO 2 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA ................................................................................................................................................. 191 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 192 A FILOSOFIA ANTIGA ..................................................................................................................... 20

2.1 O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO OU COSMOLÓGICO ............................................................. 202.1.1 Escola jônica ............................................................................................................................ 202.1.1.1 Tales de Mileto ..................................................................................................................... 212.1.1.2 Anaximandro de Mileto ...................................................................................................... 222.1.1.3 Anaxímenes de Mileto ........................................................................................................ 232.1.1.4 Heráclito de Éfeso ................................................................................................................ 242.1.2 Escola pitagórica .................................................................................................................... 252.1.3 Escola de Eleia ......................................................................................................................... 262.1.4 Escola atomista ....................................................................................................................... 28

2.2 PERÍODO ANTROPOLÓGICO ..................................................................................................... 282.3 OS SOFISTAS E A ARTE DE ARGUMENTAR ............................................................................ 292.4 PERÍODO SISTEMÁTICO .............................................................................................................. 31

2.4.1 Sócrates .................................................................................................................................... 322.4.2 Platão ....................................................................................................................................... 342.4.3 Aristóteles ............................................................................................................................... 38

2.5 PERÍODO HELÊNICO .................................................................................................................... 40LEITURA COMPLEMENTAR 1 ............................................................................................................ 42LEITURA COMPLEMENTAR 2 ............................................................................................................ 44RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 47AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 49

TÓPICO 3 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL ......... 511 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 512 PATRÍSTICA ......................................................................................................................................... 523 ESCOLÁSTICA ..................................................................................................................................... 56

3.1 SÃO TOMÁS E A FILOSOFIA ARISTOTÉLICA ......................................................................... 583.2 AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS ...................................................................................... 59

LEITURA COMPLEMENTAR 1 ............................................................................................................ 62LEITURA COMPLEMENTAR 2 ............................................................................................................ 63

sumário

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VIII

RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 64AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 65

TÓPICO 4 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................................. 671 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 672 FILOSOFIA MODERNA .................................................................................................................... 68

2.1 O ILUMINISMO ............................................................................................................................... 692.2 O RACIONALISMO ........................................................................................................................ 722.3 EMPIRISMO .................................................................................................................................... 74

3 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA .................................................................................................. 763.1 POSITIVISMO ................................................................................................................................. 773.2 IDEALISMO ..................................................................................................................................... 793.3 MARXISMO ..................................................................................................................................... 813.4 EXISTENCIALISMO ....................................................................................................................... 823.5 FENOMENOLOGIA ....................................................................................................................... 84

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 86RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 88AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 90

UNIDADE 2 – PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL ............................. 91

TÓPICO 1 – LÓGICA .............................................................................................................................. 931 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 932 O QUE É LÓGICA?............................................................................................................................... 933 DIVISÃO DA LÓGICA ARISTOTÉLICA OU CLÁSSICA .......................................................... 95

3.1 LÓGICA FORMAL OU MENOR ................................................................................................. 953.2 LÓGICA MATERIAL OU MAIOR ................................................................................................ 96

4 SILOGISMO: O OBJETO DE ESTUDO DA LÓGICA .................................................................. 964.1 MÉTODO DEDUTIVO ..................................................................................................................1014.2 MÉTODO INDUTIVO ...................................................................................................................102

4.2.1 Analogia .................................................................................................................................1045 FALÁCIAS ............................................................................................................................................105LEITURA COMPLEMENTAR 1 ..........................................................................................................107LEITURA COMPLEMENTAR 1 ..........................................................................................................108RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................110AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................111

TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA ........................................................................................................1131 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1132 O QUE É EPISTEMOLOGIA? ..........................................................................................................1133 O QUE É CONHECIMENTO? ..........................................................................................................115

3.1 PRIMEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: CRENÇA .........................................1153.2 SEGUNDO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: VERDADE ......................................1163.3 TERCEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: JUSTIFICAÇÃO .............................119

4 TIPOS DE CONHECIMENTO .........................................................................................................120LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................123RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................127AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................128

TÓPICO 3 – ÉTICA ................................................................................................................................1291 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1292 O QUE É ÉTICA? ................................................................................................................................130

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IX

3 TEORIAS ÉTICAS ..............................................................................................................................1313.1 UTILITARISMO ............................................................................................................................1323.2 ÉTICA DEONTOLÓGICA OU DO DEVER ...............................................................................1343.3 ÉTICA DAS VIRTUDES ...............................................................................................................136

4 BIOÉTICA ...........................................................................................................................................1375 ÉTICA E TÉCNICA ............................................................................................................................139LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................141RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................146AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................147

TÓPICO 4 – ESTÉTICA ........................................................................................................................1491 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1492 O QUE É ESTÉTICA? .........................................................................................................................1493 OBJETOS DE ESTUDO DA ESTÉTICA ........................................................................................150

3.1 O BELO E O FEIO ..........................................................................................................................1503.2 A ARTE ............................................................................................................................................152

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................153RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................154AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................155

UNIDADE 3 – FILOSOFIA PARA HOJE ..........................................................................................157

TÓPICO 1 – FILOSOFIA POLÍTICA .................................................................................................1591 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1592 A POLÍTICA NA GRÉCIA ................................................................................................................1603 PLATÃO ................................................................................................................................................1634 ARISTÓTELES ....................................................................................................................................1645 O ESTADO MODERNO ....................................................................................................................1656 MAQUIAVEL: O PRÍNCIPE .............................................................................................................1667 HOBBES: O LEVIATÃ .......................................................................................................................1688 MONTESQUIEU: OS TRÊS PODERES .........................................................................................1709 REGIMES POLÍTICOS ......................................................................................................................171

9.1 REGIME DEMOCRÁTICO ...........................................................................................................1719.2 REGIME TOTALITÁRIO ..............................................................................................................174

10 FORMAS DE GOVERNO ...............................................................................................................17610.1 MONARQUIA ..............................................................................................................................17610.2 REPÚBLICA ..................................................................................................................................176

10.2.1 Parlamentarismo .................................................................................................................17610.2.2 Presidencialismo .................................................................................................................177

LEITURA COMPLEMENTAR 1 ..........................................................................................................178LEITURA COMPLEMENTAR 2 ..........................................................................................................179RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................181AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................182

TÓPICO 2 – FILOSOFIA DA MENTE ...............................................................................................1831 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1832 O QUE É FILOSOFIA DA MENTE? ................................................................................................1843 O PROBLEMA MENTE-CORPO ....................................................................................................1854 DUALISMO .........................................................................................................................................188

4.1 DUALISMO DA SUBSTÂNCIA ..................................................................................................1884.2 DUALISMO DE ATRIBUTO OU PROPRIEDADE ...................................................................189

5 MATERIALISMO OU FISICALISMO ...........................................................................................190

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X

6 A CONSCIÊNCIA ..............................................................................................................................190LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................193RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................195AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................196

TÓPICO 3 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO .....................................................................................1971 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1972 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO OU EDUCAÇÃO CRÍTICA? ................................1973 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO ..................................................................199

3.1 EPISTEMOLOGIA .........................................................................................................................2003.2 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA ................................................................................................2003.3 AXIOLOGIA ...................................................................................................................................201

4 FILOSOFIA E A FORMAÇÃO HUMANA NA ESCOLA ...........................................................2025 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR .....................................................202

5.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS ..............................................................................2035.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS .................................................................203

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................206RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................208AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................209

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................211

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UNIDADE 1

FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• descrever a origem e o desenvolvimento da filosofia desde o mito até a razão;

• reconhecer a importância do pensamento grego para o desenvolvimento da filosofia;

• conhecer os principais períodos da filosofia;

• avaliar o papel da filosofia no decorrer da história humana;

• analisar o impacto do pensamento filosófico para o desenvolvimento da humanidade;

• conhecer as principais correntes filosóficas.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles, você encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – A ORIGEM DA FILOSOFIA

TÓPICO 2 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

TÓPICO 3 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: CLÁSSICA E MEDIEVAL

TÓPICO 4 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

A ORIGEM DA FILOSOFIA

1 INTRODUÇÃO

Este tópico terá um caráter mais histórico, pois vamos apresentar o contexto cultural, social e político que culminou com o surgimento da filosofia. É necessário para compreendermos o contexto que motivou os primeiros pensadores a buscarem respostas para seus questionamentos, que não fossem de cunho mítico ou religioso. Determinado conhecimento do contexto possibilita que você, acadêmico, consiga compreender aspectos da origem e o desenvolvimento da filosofia.

Inicialmente, vamos discorrer sobre o pensamento mítico e a evolução para uma postura reflexiva, que buscava na razão o fundamento para responder a muitos questionamentos. Embora o pensamento mítico tenha servido aos anseios do ser humano por um longo tempo, o ser humano percebeu que respostas baseadas apenas em afirmações advindas da imaginação já não eram suficientes. Assim, o ser humano caminhou no sentido de encontrar explicações em sua própria razão.

Em um segundo momento, buscaremos responder à seguinte pergunta: o que é filosofia? Nossa proposta é apresentar algumas respostas que foram elaboradas por importantes pensadores, com o intuito de conceituar da melhor maneira o que se entende por filosofia.

No terceiro momento deste tópico, vamos falar um pouco sobre a filosofia na Grécia Antiga. Vamos discorrer sobre os principais períodos, pois será possível perceber como os contextos político e cultural contribuíram para a passagem do pensamento mítico para o pensamento filosófico. Assim, convidamos você a dar início a uma jornada pelo universo da filosofia.

2 O PENSAMENTO MÍTICO

Uma das primeiras formas que o ser humano encontrou para explicar a origem do Universo e das demais coisas, sejam elas físicas ou não, foi por meio do mito. Assim, é fundamental que compreendamos o que é o mito e de que maneira o conceito é entendido ao longo do tempo.

Há certa confusão quando se fala do mito na antiguidade, pois muitos imaginam que seja uma maneira não convencional para explicar os fenômenos naturais e a própria existência. Todavia, vale ressaltar que o mito fazia parte do cotidiano das pessoas, inclusive “durante muito tempo, os primeiros filósofos

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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gregos compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento racional que caracteriza a filosofia” (COTRIM, 2000, p. 73). Assim, o mito não é uma narrativa destituída de racionalidade, muito pelo contrário, a narrativa mítica possuía uma lógica que pretendia responder às questões existenciais.

O pensamento mítico, portanto, consiste na maneira que o ser humano encontrou para explicar aspectos da sua realidade. Explicações míticas podem ser encontrados em narrativas sobre a origem do mundo, sobre os fenômenos naturais, sobre as origens de um povo, suas crenças, tradições e seus valores básicos comuns ou não em cotidiano.

O termo grego mythos significa um tipo de discurso fictício ou imaginário. O discurso imaginário não é o mesmo que uma mentira, embora em alguns momentos o mito possa ter sido um sinônimo de mentira. Entretanto, tem sua origem na capacidade humana de raciocinar e buscar uma explicação diante daquilo que causa espanto. Assim, o mito é concebido como uma narrativa que pretende dar uma direção para aquilo que parece confuso e fora de lugar.

O mito é, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, é uma forma espontânea de o homem situar-se no mundo. E as raízes do mito não se acham nas explicações exclusivamente racionais, mas na realidade vivida, portanto pré-reflexiva, das emoções e da afetividade (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 55).

Quando nos referimos ao mito como ‘uma intuição compreensiva da realidade’, estamos dizendo que o mito é a percepção da realidade, independentemente de um raciocínio puramente lógico ou de uma análise aprofundada dos fenômenos. Diz respeito a uma forma de narrativa direta a partir da percepção imediata da realidade que nos cerca, pois a narrativa mítica é pré-reflexiva, ou seja, antecede o pensamento reflexivo em que os filósofos gregos começaram a questionar seus próprios mitos.

NOTA

Pensamento reflexivo é “a  espécie  de pensamento que  consiste  em examinar mentalmente o assunto e dar a ele consideração séria e consecutiva”. DEWEY, John. Como pensamos. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1959, p. 13.

É importante ressaltar que "o mito não é exclusividade de povos primitivos, nem de civilizações nascentes, mas existe em todos os tempos e culturas como componente indissociável da maneira humana de compreender a realidade" (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 54).

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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O mito, nas civilizações atuais, ganhou outro viés, seja o viés daquilo que é inatingível, ou de uma ideia, mesmo que absurda, mas que atrai o interesse das pessoas. A mitologia é um nicho muito bem explorado pela indústria do entretenimento, pois procura corresponder a muitos dos anseios humanos, tais como o ideal de força, beleza, justiça etc.

Pelo fato de a filosofia ter nascido na Grécia Antiga, o conhecimento do universo mítico dos gregos se tornou mais comum para nós, embora outros povos também possuam seus mitos. Ainda que seja também uma maneira de explicar a realidade, seu papel fundamental é “acomodar e tranquilizar o homem em um mundo assustador” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 56).

A falta de conhecimento acerca da natureza e seu funcionamento fazia com que os homens temessem. O temor assombrava o ser humano e lhe causava inquietude. No sentido de se amparar em algo, que mesmo não vendo ou tocando, construíram seu sistema de crenças do mundo real a partir do sobrenatural. Assim, o apego ao mito era uma maneira de explicar a realidade e trazer tranquilidade diante do desconhecido. De acordo com Aranha e Martins (2005, p. 125):

O ser humano, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emocionais. As coisas não são mais matéria morta nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário, estão sempre impregnados de qualidades e são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e repelentes. Por isso, o ser humano se move dentro de um mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegido, para que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.

A narrativa mítica concebe as forças da natureza, que podemos chamar de identidade ou pessoalidade, pois Poseidon era o senhor dos mares, Apolo era o deus do sol e das artes, Afrodite a deusa do amor, do sexo e da beleza, e assim por diante.

POSEIDON

Poseidon, também conhecido como Netuno para os romanos, era o grande rei dos mares, um homem muito forte, com barbas e sempre representado com seu tridente na mão e às vezes, com um golfinho. Era filho de Cronos, deus do tempo e da deusa da fertilidade Reia. Sua casa era no fundo do mar e com seu tridente causava maremotos, tremores, além de fazer brotar água do solo.

Poseidon era casado com Anfitrite. Quando se conheceram, Poseidon se apaixonou por ela, mas Anfitrite o recusou e Poseidon a obrigou a casar-se com ele, porém ela, para não casar, se escondeu nas profundezas do oceano, só sua mãe sabia onde ela estava.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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Contudo, com o tempo, Anfitrite mudou de ideia e foi atrás de Poseidon, com quem se casou e ficou sendo a rainha do oceano. Com ela, teve um filho chamado Tritão, que aterrorizava os marinheiros com um barulho espantoso que ele fazia quando soprava o búzio, um instrumento, mas também com ele fazia sons maravilhosos.

Entretanto, na sua vida, Poseidon teve muitos outros amores e fora de seu casamento teve mais filhos que ficaram muito conhecidos por sua crueldade: Ciclope e o gigante Orion. Poseidon disputou com Atena, a deusa da sabedoria, para ser a deidade da cidade hoje conhecida como Atenas, porém Atena ganhou a competição e a cidade ficou conhecida com o seu nome.

Na história da Guerra de Troia, Poseidon e Apolo ajudaram o rei na construção dos muros daquela cidade e a eles foi prometida uma recompensa, porém tinham sidos enganados, pois o rei não os recompensou. Foi então que Poseidon muito enfurecido se vingou de Troia e enviou um monstro do mar que saqueou toda a terra de Troia e durante a guerra, ajudou os gregos.

Poseidon é também o pai de Pégaso, um cavalo alado gerado por Medusa. Sempre esteve muito ligado aos cavalos e foi o primeiro a colocá-los na região. Outro caso de amor muito conhecido de Poseidon foi com sua irmã Demeter. Ele a perseguiu e ela, para evitá-lo, transformou-se em égua. Contudo, ele se transformou em um garanhão e com ela teve um encantador cavalo, Arion. Poseidon era um deus muito importante e celebravam em sua honra os jogos místicos, constituídos de competições atléticas e também de músicas e poesias, realizados de dois em dois anos.

FONTE: LIMA, Fernanda. Poseidon. 2018. <https://www.infoescola.com/mitologia-grega/poseidon/>. Acesso em: 24 fev. 2018.

Qual é o fundamento do mito? Como justificar o mito? O mito não é concebido como algo a ser questionado cientificamente. O mito apela para o sobrenatural, ao mágico e sagrado para explicar a realidade. Assim, o mito é uma narrativa que não está preocupada com a possibilidade de comprovação científica ou empírica.

A concepção mítica se dá através das epopeias e da Teogonia. As epopeias consistem em um tipo de poema narrativo extenso, em que são contados os fatos históricos de um povo, seus feitos heroicos, as aventuras, as guerras, fatos históricos de um indivíduo ou mais, mesclando fatos reais, lendas ou mitos.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 63), “os mitos eram recolhidos pela tradição e transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores ambulantes que davam forma poética aos relatos populares e os recitavam de cor em praça pública”. Assim, como não eram textos escritos, também não se sabia quem eram os autores de tais poemas. Assim, o poema não era de domínio particular, mas coletivo, e cada poeta poderia recitar as epopeias por onde passava, como em praças públicas, no sentido de exaltar os feitos de seu povo e seus heróis.

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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Outro aspecto importante das epopeias foi seu caráter didático na vida do povo grego, pois os poemas “descrevem o período da civilização micênica e transmitem os valores da cultura por meio das histórias dos deuses e antepassados, expressando uma determinada concepção de vida. Por isso, desde cedo as crianças decoravam passagens dos poemas de Homero” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 63). A cultura, os valores e os feitos dos povos e seus heróis vão se perpetuando através de uma tradição oral que possibilita o desenvolvimento cultural e a solidificação da cultura.

As epopeias tentam mostrar que há uma relação entre os deuses e os homens, pois “as ações heroicas relatadas nas epopeias mostram a constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar um protegido seu, ora para perseguir um inimigo” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 63).

As ações dos heróis são guiadas pelos deuses, pois o herói depende dos deuses, visto que as forças ocultas estão muito além da capacidade humana de dominá-las. Na Odisseia de Homero, a relação de amizade ou inimizade entre os heróis e os deuses é muito comum. Um exemplo é quando Telêmaco, filho de Ulisses, vai à ágora para convencer os Itacenses sobre seu propósito de procurar seu pai.

Diz o poema que quando Telêmaco se dirigia à ágora (praça principal das antigas cidades gregas), a deusa “Atena derramava divinal graça sobre ele, sua entrada atraiu os olhares de todos e os anciãos cederam-lhe lugar, para que tomasse assento na cadeira de seu pai” (HOMERO, 2003, p. 28).

Observe que o herói é agraciado pelos deuses para que se sobressaísse entre os demais. Se por um lado temos a deusa Atena aliada de Telêmaco, por outro lado seu pai Ulisses sofre em decorrência da ira de Posseidon, o deus dos mares, pois Ulisses havia ferido um de seus ciclopes preferidos.

Hesíodo, outro importante poeta grego, que viveu por volta do século VIII a.C., escreveu a Teogonia, que também é chamada de Genealogia dos deuses. Na obra, o poeta:

Relata as origens do mundo e dos deuses, e as forças que surgem não são pura natureza, mas sim as próprias divindades: Gaia é a Terra, Urano é o Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 63)

A Teogonia trata da progressão que o universo passou até chegar ao que conhecemos hoje. É uma narrativa sobre o surgimento do mundo a partir dos primeiros deuses, seus relacionamentos amorosos e suas terríveis lutas. Assim, neste mito, as divindades representam fenômenos ou aspectos básicos da natureza humana.

Expressa as ideias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo, pois esta obra, juntamente com os poemas de Homero, tinha também uma função

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didática, pois era usada como uma cartilha na qual o povo grego aprendia a ler, a pensar, refletir e compreender o mundo e reverenciar os deuses.

O mito tem muito a nos ensinar ainda nos dias de hoje, pois aparecem na imagem de novos heróis, tais como atores, atrizes, jogadores de futebol, empresários bem-sucedidos, alguns líderes políticos, que se tornam modelos a serem seguidos.

Suas imagens são reforçadas pela mídia, pelo cinema e até mesmo pelas artes. Esses mitos vêm carregados de valores, ideologias, interesses e cabe a cada indivíduo refletir sobre os mitos atuais e filtrar de maneira reflexiva sobre a mensagem que tais mitos passam para a nossa sociedade.

DICAS

Sugestão de filme: A ODISSEIA

O filme é dirigido por Andrey Konchalovskiy. É baseado no poema homônimo de Homero, retrata as aventuras de Ulisses (ou Odisseu) após a Guerra de Troia. Depois de desafiar o deus dos mares Poseidon, Ulisses se vê obrigado a vagar por terras e mares, se vendo afastado de sua família. A partir de então, vive uma série de aventuras, enfrentando deuses e diversos monstros para poder voltar para sua casa.

3 O QUE É FILOSOFIA?

É comum que algumas pessoas tenham certa resistência quanto ao estudo da filosofia. Determinada resistência se deve a vários fatores, entre eles podemos destacar a necessidade de colocar suas certezas à prova, ou seja, duvidar de suas crenças e certezas mais profundas, questionar e buscar uma razão para a ordem das coisas em nossa volta.

“A atividade filosófica enquanto abordagem racional surge no contexto cultural grego, expressando-se inicialmente como tentativa de explicar a realidade do mundo sem recorrer à mitologia e à religião” (SEVERINO, 1994, p. 56). Entretanto, talvez você esteja se perguntando: por que preciso aprender filosofia? Antes de qualquer coisa, observe a figura a seguir e reflita sobre a mesma questão que incomoda o pensador.

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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FIGURA 1 – ATO DE PENSAR

FONTE: <http://editoraunesp.com.br/blog/os-adolescentes-e-a-filosofia-06-08-2013-12-49>. Acesso em: 22 fev. 2018.

Qual é a conclusão a que você chegou ao observar a figura? Qual é o significado do indivíduo estar acorrentado junto a um peso? A filosofia tem, por finalidade, despertar no ser humano o estado de comodismo, cumpre o papel de desvencilhar o ser humano das amarras ideológicas, libertá-lo das ilusões e manipulações que embotam a razão e escravizam a consciência humana.

É o instrumento da reflexão crítica, que permite ao ser humano explorar sua capacidade de pensar, questionar sua realidade e construir sua própria história com autonomia e liberdade. A seguir, leia um breve texto do filósofo alemão Hegel sobre o papel da filosofia:

A tarefa da filosofia é entender o que é, pois o que é a razão. No que diz respeito ao indivíduo, cada um é, por outra parte, filho de seu tempo; do mesmo modo, a filosofia é seu tempo apreendido em pensamentos.

É igualmente insensato crer que uma filosofia pode ir além de seu tempo presente como que um indivíduo que possa saltar por cima de seu tempo. Mas se sua teoria vai na realidade além e constrói um mundo tal como deve ser, este existirá por certo, mas somente em sua opinião, elemento maleável no que se pode plasmar qualquer coisa [...].

Para agregar algo a mais sobre a pretensão de ensinar como deve ser o mundo, assinalemos, por outra parte, que a filosofia chega sempre tarde. Enquanto pensamento do mundo, aparece no tempo só depois que a realidade consumou o seu processo de formação e já se acha pronta.

O que ensina o conceito e mostra com a mesma necessidade a história: só

na maturidade da realidade aparece o ideal frente ao real, e erige a este mesmo mundo, apreendido em sua substância, na figura de um reino intelectual.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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Quando a filosofia pinta com seus tons cinzentos é que já envelheceu uma figura da vida que suas penumbras não podem rejuvenescer, mas somente conhecer; a coruja de Minerva alça seu voo no acaso.

FONTE: HEGEL, G. W. F. Princípios de la filosofia del derecho. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

A segunda pergunta, não menos importante que a primeira, a que devemos responder, antes de aprofundar qualquer estudo sobre a filosofia é: “O que é filosofia?”. Parece ser, em um primeiro momento, uma questão muito simples de responder. Entretanto, ao avançarmos no estudo do pensamento humano, vamos perceber que a filosofia abarca uma quantidade muito ampla de definições.

Como vimos anteriormente, o pensamento mítico predominava entre os antigos gregos. A passagem da consciência mítica para a consciência racional inaugura uma nova era no pensamento humano. Na transição, aparecem os primeiros sábios (gr. Sophos). O termo filosofia (philos+sophia), que significa “amor à sabedoria”, foi usado pela primeira vez por Pitágoras, que também era matemático e viveu durante o século VI a.C.

A filosofia, como uma área do saber, nasce entre o século VII e VI a.C. “Surge promovendo a passagem do saber mítico ao pensamento racional, sem, entretanto, romper bruscamente com todos os conhecimentos do passado” (COTRIM, 2000, p. 73).

O rompimento gradativo da filosofia com o saber mítico significa que o saber mítico possuía uma lógica e uma racionalidade, embora a filosofia possua um método de estudo que vai muito além de um saber alegórico (mito), pois se assenta na argumentação racional. No entanto, é importante atentar para a maneira como alguns filósofos conceituaram o termo filosofia.

Para Platão, a “filosofia é o uso do saber em proveito do homem” (ABBAGNANO, 2012, p. 514). Há uma semente do antropocentrismo, sobretudo de humanismo, pois Platão coloca o ser humano no centro do debate. Na visão de Platão, as coisas só fazem sentido se forem proveitosas para o ser humano.

Assim, a filosofia perguntará qual é a utilidade das coisas para o bem do homem. Não adiantam avanços tecnológicos, produção de riquezas, capacidade de criar, construir etc., caso nada disso promova o bem para as pessoas. A filosofia aponta para o fato de que aquilo que é feito deve ser feito para melhorar a vida dos seres humanos.

Segundo o filósofo, físico e matemático francês René Descartes apud Abbagnano (2012, p. 514), filosofia é uma palavra que:

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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Significa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não se entende somente a prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode conhecer, tanto para a conduta de sua vida, quanto para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes.

Se observarmos, há uma semelhança com a concepção platônica. No fragmento, vemos claramente uma concepção humanística da finalidade da filosofia pelo fato de Descartes ter vivido no início da revolução científica, sendo inclusive chamado de fundador da filosofia moderna.

Sua concepção mostra claramente o espírito da sua época, sendo o homem capaz de construir sua própria história e intervir nos destinos do mundo. Assim, a filosofia pode contribuir para o bom uso dos conhecimentos científicos, pois não se restringe a elaborar princípios de como viver bem no aspecto moral, mas reflete sobre qual a finalidade última das ações humanas e da produção de conhecimento.

Kant apud Abbagnano (2012, p. 514), por sua vez, define a filosofia como a “ciência da relação do conhecimento à finalidade essencial da razão humana”. Na filosofia kantiana, a finalidade essencial da razão humana é a felicidade universal. Assim, a razão em Kant não possui apenas ‘ideias’, mas tem seus ‘ideais’, e o ideal da razão é a felicidade universal. Desta forma, a filosofia estabelece a relação entre todas as coisas com sabedoria através da ciência (ABBAGNANO, 2012).

Ainda que o trabalho filosófico seja essencialmente teórico, é necessário ressaltar que “isso não significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado, com determinado conteúdo, ou que seja um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 72).

A filosofia é uma área que está em constante mudança, pois a reflexão filosófica não está em busca de respostas que sejam absolutas e dogmáticas, que não podem ser questionadas, pois ela não se apega às certezas das doutrinas, nem tão pouco à impossibilidade do conhecimento. Assim, a filosofia não é nem dogmática e nem cética, ela é um fluir constante em busca de respostas para os mais diversos dilemas e problemas relacionados à existência humana.

Embora no início a filosofia e a ciência estivessem estreitamente ligadas, com o passar dos anos foram sendo feitas distinções entre elas, pois de acordo com Aranha e Martins (1993, p. 129), “no pensamento grego, ciência e filosofia achavam-se ainda vinculadas, e só vieram a se separar na Idade Moderna, buscando cada uma delas seu próprio caminho, ou seja, seu método”. Assim, a filosofia se distingue da ciência, pois a filosofia se ocupa em buscar a verdade nos mais diversos aspectos, pois sua visão se volta para o conjunto de coisas.

O campo da filosofia é de certo modo indeterminado, pois é um campo muito vasto devido ao fato de que a filosofia estuda os problemas fundamentais associados à existência, aos valores morais e estéticos, ao conhecimento, à mente, à verdade e à linguagem.

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A ciência, por outro lado, consiste na aplicação de teorias que já foram testadas, possui um caráter empírico e sistemático, segue um método que consiste na observação, hipótese, experimentação e conclusão. “A filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 73). Assim, a filosofia busca um significado, um sentido último para as ações, pois ao perceber a realidade, o filósofo busca dar sentido à experiência.

4 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA

O pensamento filosófico-científico surge na Grécia, por volta do século VI a.C. É importante frisar que a Grécia passa por quatro grandes períodos: Período Homérico; Período da Grécia Arcaica; Período Clássico e Período Helenístico. Observe que estamos falando dos quatro períodos da história da Grécia antiga e não os períodos da filosofia.

Período Homérico – Do século XI ao VIII a.C. – é assim denominado porque neste período teria vivido Homero, o grande poeta grego, que de acordo com os historiadores, é o autor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia. O período consiste em uma fase de transição.

Há a invasão dos povos dórios, povos de origem indo-europeia, que migraram para a Península Balcânica e juntamente com os jônios, eólios e aqueus, participaram da formação de várias cidades-estados da Grécia Antiga.

A invasão dos dórios desencadeou um grande deslocamento de grupos de pessoas da Grécia Continental para a Ásia Menor e as ilhas do Mar Egeu. Sobre determinado acontecimento, Moraes (1993, p. 53) aponta que “com a invasão dórica, ocorreu um retrocesso da produção material e cultural da região. O ativo comércio desapareceu e as cidades foram abandonadas. Houve um retorno ao campo e à vida rural; a sociedade voltou a se organizar em padrões mais simples”. O período é considerado como pré-homérico, pois é marcado por uma nova maneira como a sociedade grega se organizou.

Assim, é importante pensar sobre a maneira como a sociedade grega do período homérico se organizou para superar o processo de transição que marca o período homérico. De acordo com Moraes (1993, p. 53):

A sociedade grega, neste período homérico, passou a ser organizar em génos (ou gens, espécie de clãs), por isso a chamamos de sociedade gentílica. A génos era uma comunidade formada por uma grande família, chefiada pelo patriarca. Esses agrupamentos sociais conseguiam assegurar sua sobrevivência mediante uma atividade coletiva, ou seja, o trabalho, os bens e a produção eram propriedade de todos.

A fase marcou a substituição da cultura micênica pela gentílica (dos génos). A nova organização gerou uma série de problemas, pois a sociedade gentílica foi desaparecendo gradativamente, pois com o aumento populacional e a baixa

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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produção coletiva, não foi capaz de produzir alimento suficiente para o sustento das pessoas, gerando um quadro de fome e pobreza (MORAES, 1993).

O resultado imediato da situação foi o fortalecimento de algumas famílias que se tornaram proprietárias das melhores terras e formaram uma pequena aristocracia comandada pelo Pater, o chefe e autoridade máxima das organizações, que possuía autoridade política, militar e religiosa. Assim, os génos eram sociedades patriarcais, cujos membros compartilhavam laços consanguíneos.

Período da Grécia Arcaica – Do século VIII ao V a.C. – se no período Homérico se deram início às grandes transformações ocorridas na Grécia, no período arcaico ocorreu a fase final de uma nova transformação social e cultural. Os gregos passaram a ser governados por uma aristocracia. É o período em que surgem os primeiros legisladores gregos, pois havia se desenvolvido um ambiente em que foram dados os primeiros passos em direção à construção de uma democracia grega. Ainda, a escrita grega foi revitalizada e novas organizações políticas e sociais se adaptaram.

Período Clássico – Do século V ao IV a.C. – é o período da história

grega tido como o mais glorioso. Ainda que tenha sido um período de intensos conflitos externos e internos, foi marcado por um elevado crescimento econômico e cultural, tendo como principal centro a cidade de Atenas.

De acordo com Moraes (1993, p. 60), “o período conhecido como Grécia Clássica corresponde ao apogeu da cultura grega (principalmente de Atenas), interrompido pela conquista macedônica, mas abrange também acontecimentos como as guerras externas (contra os persas) e internas (Atenas e Esparta)”.

O apogeu de Atenas sobre as demais cidades gregas se deu em grande medida ao governo de Péricles entre os anos 461-431 a.C., pois “as reformas políticas de Péricles ampliaram a democracia ateniense, permitindo maior participação dos cidadãos mais pobres nas assembleias e nas decisões do governo” (MORAES, 1993, p. 62).

A ampliação da democracia, o investimento em obras públicas, o embelezamento de Atenas e fortalecimento econômico da cidade fizeram com que Atenas assumisse uma posição imperialista em relação às demais polis gregas, competindo diretamente com Esparta, outra cidade de grande importância para a Grécia. Naturalmente uma reação foi desencadeada por parte das demais cidades lideradas por Esparta, no sentido de combater a hegemonia ateniense.

A aliança entre as cidades gregas fundou a Liga do Peloponeso. Após a morte de Péricles, os conflitos entre Atenas e Esparta, que liderava as outras cidades, culminaram com a Guerra do Peloponeso, que enfraqueceu as cidades-estados, pois consumia seus recursos e vidas em um conflito que no final foi vencido pela Liga do Peloponeso.

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Contudo, Esparta assume uma posição hegemônica em relação às demais cidades-estados, pois aplicaram ações imperialistas sobre as cidades que haviam sido suas aliadas. Assim, novos conflitos surgiram e houve o enfraquecimento do poder grego, subjugados do poder de Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande.

Período Helenístico – do século IV ao II a.C. – o que caracteriza este período é a expansão significativa da ciência e do conhecimento. A cidade de Alexandria, por exemplo, se tornou o grande centro da cultura helenística, pois segundo Arruda e Piletti (1996, p. 56):

Alexandria ganhava fama no Ocidente e no Oriente com a população numerosa, indústria artesanal, museus, biblioteca com 400.000 obras. A vida intelectual era intensa: Matemática, Geometria e Medicina se desenvolveram. O pensamento filosófico dividia-se em duas correntes: estoicismo, que acentuava a firmeza de espírito, indiferença à dor e submissão à ordem natural das coisas; e epicurismo, que aconselhava a busca do prazer.

Na verdade, podemos afirmar que o helenismo foi o resultado de uma política de integração entre as diferentes culturas, pois como afirma Arruda e Piletti (1996, p. 55), “a civilização helenística resultou da fusão da cultura helênica (grega) com a cultura do Oriente Médio, principalmente persa e egípcia. Seu centro se deslocou da Grécia e do Egeu para o Oriente Médio, para os novos polos irradiadores da cultura: Alexandria, Antioquia e Pérgamo”.

Assim, o protagonismo das três cidades ofuscou o antigo e esplendor de Atenas e Esparta, que havia sido o centro da cultura grega por muito tempo. Determinado deslocamento mostra como a cultura de um povo pode ser assumida e disseminada em outras regiões, pois o legado cultural grego permaneceu e influenciou o mundo ocidental até os dias de hoje. Assim, Arruda e Piletti (1996, p. 56) acentuam que:

A contribuição dos gregos para a humanidade abrange todos os setores da vida humana. Eles fundaram a filosofia. As reflexões de Sócrates sobre a natureza e o homem e os sistemas criados por Platão e Aristóteles tornaram imortal o pensamento grego. Seu teatro chega até nós cheio de vida. Demóstenes, mestre da oratória. O esplendor da arte grega ainda pode ser admirado nas ruínas do Partenon e na Acrópole de Atenas.

Podemos afirmar que a sociedade ocidental possui uma dívida cultural muito grande para com os gregos. No caso da filosofia, o valor que as obras gregas possuem para o mundo é incalculável, pois o pensamento filosófico clássico grego delineou a maneira de pensar do homem ocidental.

Determinado subsídio histórico se faz necessário para compreendermos em que contexto político, econômico e cultural os primeiros pensadores desenvolveram suas ideias. Devemos lembrar que cada filósofo é fruto de seu tempo, pois sua filosofia é uma reflexão sobre as questões que dizem respeito à realidade, ao momento histórico e cultural em que eles viveram.

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TÓPICO 1 | A ORIGEM DA FILOSOFIA

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A FILOSOFIA NO MUNDO

Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força de tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas – existirá realmente? Sua existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar.

A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas.

A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.

Surgem os detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de uma teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada e a filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros.

Muitos políticos veem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixarem tocar pela luz da filosofia.

Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não têm consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia. E os homens não percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida que, se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação.

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não o quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz.

E a verdade, o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito.

No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva o conflito ao extremo, porém, o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo.

Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejo de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade.

Eis o porquê da filosofia não se transformar em credo. Está em contínua pugna consigo mesma.

FONTE: JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971, p. 138.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O mito foi a primeira forma que o ser humano encontrou para explicar a origem do universo e das demais coisas, sejam elas físicas ou não.

• O pensamento mítico consiste na maneira que o ser humano encontrou para

explicar aspectos essenciais da sua realidade.

• O apego ao mito era uma maneira de explicar a realidade e trazer tranquilidade diante do desconhecido.

• O mito apela para o sobrenatural, ao mágico e sagrado para explicar a realidade. É uma narrativa que não está preocupada com a possibilidade de comprová-lo cientificamente ou empiricamente.

• As epopeias tentam mostrar que há uma relação entre os deuses e os homens.

• A Teogonia trata da progressão que o universo passou até chegar ao que conhecemos hoje.

• A filosofia é o instrumento racional que tem por finalidade despertar no ser humano o seu estado de comodismo, cumpre o papel de desvencilhar o ser humano das amarras ideológicas, libertá-lo das ilusões e manipulações que embotam a razão e escravizam a consciência humana.

• A filosofia é uma área que está em constante mudança, pois a reflexão filosófica não está em busca de respostas que sejam absolutas e dogmáticas, que não podem ser questionadas, pois ela não se apega às certezas das doutrinas, nem tão pouco à impossibilidade do conhecimento.

• O campo da filosofia é de certo modo indeterminado, pois é um campo muito vasto devido ao fato de que filosofia estuda os problemas fundamentais associados à existência, aos valores morais e estéticos, ao conhecimento, à mente, à verdade e à linguagem.

• A Grécia passa por quatro grandes períodos: Período Homérico; Período da Grécia Arcaica; Período Clássico e Período Helenístico.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 O pensamento mítico, geralmente, é visto como aquilo que beira a irracionalidade, devido aos seus aspectos fantasiosos e imaginários. Entretanto, o mito teve um papel central para a vida das primeiras civilizações. Explique o que é e como surgiu o pensamento mítico.

2 “O que é filosofia?” É uma questão importante para compreendermos a sua relevância para o conhecimento científico e para a organização das sociedades. Apesar de ser uma questão que não oferece uma resposta tão simples, é possível compreender o que é filosofia a partir de algumas definições que nos foram dadas ao longo de sua história. Sobre o que é filosofia, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Filosofia é a área do conhecimento que oferece todos os tipos de respostas com precisão absoluta que podem ser aceitas universalmente.

( ) A filosofia é o instrumento racional cuja finalidade é despertar o ser humano de seu estado de comodismo.

( ) A filosofia possibilita que o ser humano busque sua realidade e construa sua própria história com autonomia e liberdade.

( ) A filosofia tem como objetivo formar, na mente do ser humano, certezas que jamais poderão ser questionadas.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.b) ( ) F – V – V – F.c) ( ) F – F – V – V.d) ( ) V – V – V – F.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA:

FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Conhecer a história da filosofia é fundamental para compreendermos sua importância em relação aos avanços científicos, culturais, políticos e sociais que ocorreram ao longo dos séculos. Claro que em apenas um tópico não será possível discorrer, nem que seja um pequeno fragmento de uma área do conhecimento humano que vem acumulando saberes ao longo de centenas de anos. Todavia, nossa proposta é discorrer sobre alguns aspectos que consideramos importantes em relação ao desenvolvimento do pensamento filosófico.

Evidentemente que não é algo tão simples situarmos uma determinada corrente filosófica em um período histórico específico, pois a filosofia é dinâmica e as ideias, conceitos, métodos são constantemente revisados, questionados, atualizados, melhorados e pensados à luz do tempo histórico.

Entretanto, determinadas correntes de pensamento ganham força ou são mais bem desenvolvidas em um tempo histórico específico, e assim situamos a corrente de pensamento junto com um determinado tempo e finalidade didática.

Outros movimentos filosóficos surgem especificamente em um tempo histórico específico, mas geralmente consistem na evolução de um pensamento que possa ter iniciado em outro momento da história. O que queremos dizer que não devemos nos preocupar tanto com o período, mas com a corrente de pensamento em si.

Neste tópico, iremos discorrer sobre as principais escolas filosóficas, os principais filósofos da filosofia clássica grega e da patrística. Em seguida, vamos abordar os rumos da filosofia moderna e por fim, uma breve análise sobre a filosofia contemporânea.

Em um primeiro momento, vamos estudar sobre a filosofia antiga. Vamos discorrer sobre cada período que constitui o primeiro momento do pensamento filosófico. Você poderá observar, no decorrer do estudo, que cada período é marcado por um problema, do qual os pensadores se ocupam com o propósito de encontrar uma resposta para aquilo que consideram dilemas.

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UNIDADE 1 | FILOSOFIA: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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2 A FILOSOFIA ANTIGA

A Filosofia Antiga compreende o período que vai do surgimento da filosofia até a queda do Império Romano. Neste período, os pensadores gregos começaram a questionar acerca da racionalidade humana e iniciaram a busca por novas explicações para compreender a realidade.

A filosofia deste período é caracterizada pela pretensão de abranger uma grande quantidade de ideias e campos, ainda que o principal objetivo dos pensadores tenha sido a busca pelo fundamento que se oculta por detrás de todas as coisas.

2.1 O PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO OU COSMOLÓGICO

Os pré-socráticos são os pensadores da Grécia antiga que precederam Sócrates. Também são chamados de filósofos da natureza (physis) ou naturalistas, pois tinham como principal objetivo investigar o princípio das coisas.

Antes de estudarmos as principais escolas de filosofia pré-socráticas e seus representantes mais expressivos, vamos apresentar uma síntese do período pré-socrático, para que você já possa ter uma noção geral de que consiste o período.

Podemos destacar dois grupos de filósofos: os primeiros são os chamados fisiólogos, pois ao apelar para um arché – um elemento básico de onde as coisas se originam e do qual o universo é constituído em sua totalidade – buscavam um princípio ordenador do universo, ou seja, estavam interessados em explicar a physis, a natureza material do universo. O outro grupo, os sofistas, tinha uma preocupação diferente, pois estavam interessados na vida dos homens e na maneira como poderiam participar da vida pública e se fazerem ouvido nos espaços de debates.

Observe que são os principais problemas que irão ocupar a mente dos pensadores do período. Determinados problemas irão gerar inúmeros debates e as diferentes escolas da época irão assumir suas posições, construindo os argumentos que justifiquem seus posicionamentos em relação aos problemas propostos.

2.1.1 Escola jônica

A cidade de Mileto era um centro comercial de grande importância. O fato de ser um centro de comércio demonstrava um trânsito de pessoas de diferentes partes do mundo, além das trocas comerciais e culturais. A escola jônica estava sediada na cidade de Mileto, nos séculos VI e V a.C. O principal filósofo da escola foi Tales de Mileto.

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TÓPICO 2 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: FILOSOFIA ANTIGA E CLÁSSICA

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Os jônios se estabeleceram na região da Ásia Menor e, diferentemente das poleis gregas continentais, que ainda estavam presas às características do Período Arcaico, produziram as primeiras explicações científicas e filosóficas e se transformaram em grandes centros econômicos e culturais, graças à localização geográfica privilegiada, sobretudo nas cidades de Mileto e Éfeso, o que facilitava a navegação, o comércio e o intercâmbio cultural com outros povos (SOUZA apud BRAGA JUNIOR; LOPES, 2015, p. 86).

Podemos afirmar que foi na Escola Jônica que ocorreram as primeiras tentativas racionais de responder às diversas questões sobre a natureza e a realidade. Os filósofos dessa escola estavam preocupados em encontrar uma substância primeira, causadora de tudo, pois eles romperam “com as explicações míticas ainda que muito próximos delas. Os filósofos do período apresentaram explicações do mundo a partir do mundo, e não mais a partir das divindades” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Os principais representantes dessa escola são os seguintes: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de Éfeso. A seguir, veremos brevemente a ideia principal de cada um desses pensadores pré-socráticos.

2.1.1.1 Tales de Mileto

Tales viveu entre 623-546 a.C. e é considerado o pai da filosofia e fundador da Escola de Mileto. Além de filósofo, Tales foi um importante matemático, cientista e político. Para o pensador, a água é princípio que origina todas as coisas.

FIGURA 2 – TALES DE MILETO

FONTE: <http://voupassar.club/tales-de-mileto-biografia-e-filosofia/>.Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Souza (1996, p. 88):

Para a história da filosofia, a importância de Tales advém sobretudo de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água seria a PHYSIS que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de “fonte originária” quanto a de “processo de surgimento e de desenvolvimento”, correspondendo perfeitamente à “GÊNESE”.

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Sua visão unitarista compreendia a ideia de que “a água unifica todas as coisas, desde que ela esteja na base de sua origem e de sua sobrevivência; ela está sob a terra e a sustenta” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Em relação à teoria desenvolvida por Tales, embora submetida a um teste mais rigoroso, podemos perceber suas falhas, entretanto faz sentido. A explicação que ele dá, para defender a tese de que a origem de todas as coisas estava no elemento água, fundamenta-se da seguinte maneira: quando densa, transformar-se-ia em terra; ao ser aquecida, viraria vapor que, quando se resfriava, retornaria ao estado líquido, garantindo assim a continuidade do ciclo. É um ciclo sem fim que geraria novas formas de vida que, em um processo evolutivo, daria origem a todas as coisas existentes no universo.

2.1.1.2 Anaximandro de Mileto

De acordo com a tradição, Anaximandro (610-546 a.C.) foi discípulo e sucessor de Tales na escola Jônica. Assim como seu mestre, Anaximandro buscava por um princípio originador do cosmos – um arché. Todavia, Anaximandro se afastava do pensamento de Tales, pois entendia que “em meio a tantos elementos observáveis no mundo natural – a água, o fogo, o ar etc. –, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como princípio primordial de todos os seres, a arché” (COTRIM, 2000, p. 79).

Diante da impossibilidade de determinar um princípio originador do cosmos e diante de uma realidade indeterminada, ilimitada e invisível, o ápeiron se tornou o conceito chave da cosmologia desenvolvida por Anaximandro.

FIGURA 3 – ANAXIMANDRO DE MILETO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/424182858636078371/>. Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Cotrim (2000), o princípio originador em Anaximandro é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa em uma realidade ao alcance dos sentidos.

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2.1.1.3 Anaxímenes de Mileto

Anaxímenes (588-524 a.C.), diferentemente de seus antecessores, Tales e Anaximandro, afirmava que o ar era a substância primária que deu origem a todas as demais coisas. Deve-se ao fato de que Anaxímenes não concordava com Anaximandro acerca do seu conceito de ápeiron.

FIGURA 4 – ANAXÍMENES DE MILETO

FONTE: <http://www.vanialima.blog.br/2014/01/anaximenes-de-mileto.html>.Acesso em: 28 mar. 2018.

Sobre a teoria de Anaxímenes, Luckesi e Passos (2000, p. 117) apontam que:

Para ele, o princípio de todas as coisas era o Ar, que gera, rege e governa todas as coisas, as que foram e as que serão (inclusive os deuses), por meio dos processos opostos de rarefação e condensação. Rarefazendo-se, o Ar torna-se fogo; condensando-se, torna-se vento; depois, nuvem, água, terra, pedra. Do mesmo processo promanam o frio, como condensação, e o calor, como rarefação. Assim, o Ar garante a força criadora e animadora do mundo. O movimento do mundo é

Anaximandro chegou à conclusão após ter buscado nos mais diversos elementos observáveis, um elemento que fosse a causa, ou princípio originador de todas as coisas. Diante do fato de não ter encontrado um princípio que pudesse ser experimentado pelos sentidos, ele chegou à conclusão que o princípio é o Indeterminado (apeiron).

“O indeterminado governa o universo pela lei permanente do devir, do nascer e do morrer dos mundos infinitos. Tudo tem origem nele e tudo nele se dissolve, mas ele permanece distinto de todas as coisas, como seu princípio imutável e eterno” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 117).

Para resumir a ideia de um princípio originário, Anaximandro entende que a substância causadora de tudo o que existe não está limitada à natureza, mas transcende a ela e aos nossos sentidos, fugindo do campo do observável.

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cíclico, no sentido de que cada coisa, periodicamente, se dissolve no princípio originário, para, depois, regenerar-se.

A tese de Anaxímenes foi uma tentativa de sintetizar as ideias de seus antecessores em um único princípio. No caso da teoria de Tales de Mileto, em que a água sintetizava como regulador de todas as coisas do mundo, na verdade era o ar condensado. O fogo, por sua vez, era o ar rarefeito.

Em relação à teoria de Anaximandro, de que o princípio originador é o Indeterminado, na verdade é o Ar, pois este é infinito, ilimitado e está em constante movimento.

2.1.1.4 Heráclito de Éfeso

É de Heráclito (535-475 a.C.) a famosa expressão “Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Determinada expressão sintetiza de maneira precisa o cerne do pensamento, pois para ele, as coisas estão em um constante devir, ou seja, as coisas mudam constantemente. Assim, sua filosofia é mobilista. Devido à posição, Heráclito é considerado pai da dialética.

FIGURA 5 – HERÁCLITO DE ÉFESO

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/heraclito.htm>. Acesso em: 28 mar. 2018.

Diferentemente dos outros pensadores de sua escola, Heráclito “coloca a fonte de todas as coisas no fogo: o cosmo, que é o mesmo para todos, não foi feito nem por algum homem, nem por algum deus, pois ele foi e sempre será fogo” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 119).

É importante ressaltar que Heráclito estava mais preocupado em compreender o logos, ou seja, a razão universal que ordena todas as coisas que existem e as que virão a existir. Ao usar a figura do fogo, sua intenção é apontar para o fato de que:

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O universo é contínuo vir a ser, decorrente da luta dos opostos: frio/quente; úmido/seco... A morte de um dos polos dos opostos é a vida do outro e vice-versa. A luta dos opostos é a lei do universo, mas eles se unificam no Fogo; a harmonia visível do mundo nada mais é do que o reflexo da harmonia do logos, princípio constitutivo da realidade universal. Como tudo provém do fogo, tudo a ele retorna. Assim, todas as coisas se regeneram eternamente (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 119).

Assim, o fogo é a natureza de todas as coisas que nos são conhecidas. O fogo representa o devir contínuo, pois o próprio fogo, por si, indica mudança em suas propriedades, visto que suas chamas se transformam em cinzas, fumaças e vapores. Heráclito é um mobilista, pois para ele o ser está em constante mudança.

O pensamento filosófico de Heráclito irá influenciar profundamente a filosofia posterior, pois para sua doutrina da unidade dos contrários, em que a mutabilidade é constitutiva da realidade, o ser humano passa a ser o centro da discussão.

Sua filosofia penetra na intimidade do homem e na sua maneira de perceber o mundo, a existência e a vida. Seu pensamento inaugura uma nova maneira de perceber a realidade, visto que até então os pensadores entendiam a realidade como imutável. Vários séculos depois, o filósofo alemão Hegel constrói sua filosofia, que irá se basear em uma concepção dialética que muito deverá para Heráclito.

2.1.2 Escola pitagórica

O nome da escola é em função de seu principal expoente ter sido Pitágoras, que viveu no século VI a.C. A escola pitagórica teve seu ponto de partida na cidade de Crotona e se difundiu por outras partes. Os pitagóricos foram fortemente influenciados exteriormente pelas religiões orientais. Assim, eles se aproximaram das filosofias dogmáticas regidas pela ideia de autoridade, pois a autoridade docente era profundamente rígida.

FIGURA 6 – PITÁGORAS DE SAMOS

FONTE: <https://sites.google.com/site/filosofiapopular/filosofos/pitagoras-de-samos>.Acesso em: 28 mar. 2018.

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Como os demais pensadores e escolas de filosofia do período, a escola estava em busca de um princípio originador de todas as coisas. Para os pitagóricos, “o número é o princípio de todas as coisas, não propriamente no sentido matemático (números que utilizamos para pensar e operar com as quantidades), mas especialmente no sentido ontológico (constitutivo) das coisas” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 119).

Assim, a essência dos seres possui uma estrutura matemática, pois a própria essência do mundo é composta por relações numéricas e pode ser compreendida pelo homem a partir do uso de sua razão.

Para ilustrar a concepção, Pitágoras usa o exemplo da música, pois de acordo com ele, o som agradável dos acordes musicais depende da harmonia entre as notas musicais. Determinada harmonia é possível quando a relação numérica entre as notas musicais tem a medida justa. Entretanto, quando não há uma medida justa, o resultado são os sons sem harmonia e desagradáveis aos ouvidos.

2.1.3 Escola de Eleia

Determinada escola se originou na cidade Eleia, uma antiga cidade da Magna Grécia. Os debates que aconteciam sobre a cosmologia apresentavam pontos de vista muito divergentes. Os eleatas Zenão e Parmênides entraram no debate e deram uma importante contribuição para a discussão. Vamos apresentar apenas a ideia principal de Parmênides, para termos uma noção básica da principal contribuição da escola para o debate filosófico.

FIGURA 7 – PARMÊNIDES DE ELEIA

FONTE: <http://www.materialismo.net/2013/12/historia-do-materialismo-cap-ii-dos.html>.Acesso em: 28 mar. 2018.

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Parmênides (530-460 a.C.) nasceu em uma família nobre da cidade de Eleia e é considerado o fundador da escola eleata. É um filósofo imobilista, pois para ele nada muda, tudo é uno. A ideia se choca frontalmente com Heráclito, que defendia o mobilismo, como vimos anteriormente. Para este pensador, há dois caminhos para se chegar à compreensão da realidade:

A aleteia (caminho da verdade) e a doxa (caminho da opinião); porque duas são as realidades: a do Ser e a do devir (para ele, não ser). A primeira é a via da razão e da persuasão, que conhece o Ser (que é eterno, imutável), e a segunda é a via dos sentidos e das aparências enganáveis, que conhece o devir (aquilo que é mutável) (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 122).

Significa dizer que Parmênides considerava que a razão pode atingir o conhecimento genuíno e a compreensão. Tal percepção do domínio do Ser corresponde às coisas que são percebidas pela mente.

O mundo sensível é o mundo das ilusões, visto que o aquilo que é percebido pelas sensações é enganoso e falso, pois pertence ao domínio do não ser. Assim, ele faz distinção entre o conhecimento racional e o conhecimento sensível, “criando uma dualidade no âmbito do ser e do conhecer” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 123).

Parmênides demonstrou que a noção de Heráclito do “tudo flui”, ou seja, que o ser que está em constante mudança se baseava em uma opinião a partir das percepções sensoriais. Para Parmênides o “Ser é”. Podemos usar como exemplo a foto de uma pessoa com dois anos de idade e a foto da mesma pessoa com 30 anos de idade.

Para Heráclito, a pessoa não é mais a mesma, pois as experiências e o tempo mudaram sua aparência e a essência. Para Parmênides, é a mesma pessoa, mudou a aparência e a pessoa passou por um desenvolvimento cognitivo, contudo sua essência, o Ser, permanece o mesmo.

“Para Parmênides, o movimento existe apenas no mundo sensível, e a percepção levada a efeito pelos sentidos é ilusória”, por outro lado, somente “o mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao princípio que hoje chamamos de identidade e de não-contradição” (ARANHA, MARTINS, 1993, p. 93).

A influência do filósofo Parmênides pode ser percebida na maneira como se concebe a origem do conhecimento, pois em sua obra estão as sementes do racionalismo moderno. A filosofia racionalista coloca a razão como a fonte primária, principal e confiável do conhecimento universalizável.

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2.1.4 Escola atomista

O principal representante dessa escola é sem dúvida Demócrito (460 a.C. — 370 a.C.), que nasceu em Abdera, mas visitou vários locais tais como Babilônia, Egito e Atenas. Foi discípulo de Leucipo e, juntos, desenvolveram a teoria dos átomos. Para essa escola pré-socrática, todos os elementos do universo são compostos por átomos.

FIGURA 8 – DEMÓCRITO DE ABDERA

FONTE: <https://edukavita.blogspot.com.br/2015/06/biografia-de-democrito-de-abdera.html>. Acesso em: 28 mar. 2018.

De acordo com Cotrim (2000, p. 85), “Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas são chamadas de átomos”. Os átomos que compõem o universo estão em movimento constante no espaço.

Os corpos são formados a partir do agrupamento dos átomos, que dependendo da maneira como se agrupam, dão formas variadas aos corpos. Apesar dos átomos serem eternos, contudo os corpos (resultantes do agrupamento de átomos) decaem e perecem. Assim, as coisas nascem quando os átomos se juntam e a morte é a desintegração das coisas.

2.2 PERÍODO ANTROPOLÓGICO

A filosofia clássica marca um período em que a filosofia passa por um amadurecimento, e se destacam três pensadores fundamentais para a filosofia grega e geral como um todo: Sócrates, Platão e Aristóteles.

Diversos fatores contribuíram para a filosofia deste período e seu aprofundamento, pois não podemos esquecer que a filosofia reflete as discussões de seu tempo. Assim, se olharmos para o contexto em que viveram determinados filósofos e a maneira como desenvolveram suas ideias, vamos perceber que estavam interessados em encontrar respostas para os problemas e desafios da época em que viveram.

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Os séculos V e IV a.C. ficaram marcados por um grande desenvolvimento científico, as cidades estavam crescendo e as discussões sobre a democracia estavam em alta nesta época. Tal cenário contribuiu diretamente para o surgimento de diferentes correntes de pensamento filosófico.

Por um lado, por exemplo, tínhamos os sofistas, que cobravam para preparar seus alunos na arte da retórica. Os sofistas recebem muitas críticas devido à maneira como lidavam com a educação, mas se fizermos uma análise mais aprofundada, veremos que estes personagens da história da filosofia também têm seus méritos.

2.3 OS SOFISTAS E A ARTE DE ARGUMENTAR

Você já se deparou com uma situação em que uma pessoa argumenta tão bem, que mesmo que não esteja dizendo a verdade, consegue convencer as pessoas que lhe ouvem? Acontece porque a argumentação é um recurso que tem como finalidade convencer alguém.

Determinado convencimento pode ter várias finalidades, desde a mudança de um comportamento, aceitação de uma ideia, que em última instância geralmente argumentamos no sentido de que aquele que nos ouve pense como nós.

Infelizmente, a arte de argumentar não é um talento que todos possuem. Assim, muitos vão buscar uma forma de melhorar seus argumentos e a maneira como apresentam suas ideias. Na Grécia antiga não era diferente, pois muitos cidadãos queriam melhorar sua retórica para poderem participar das discussões na Ágora. Os sofistas enxergaram nisso uma oportunidade de se sustentarem, pois ensinavam para seus alunos a arte de argumentarem bem. Assim:

Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados (COTRIM, 2000, p. 91).

Apesar das duras críticas que sofreram de Platão, que os considerava impostores, os sofistas tiveram muito sucesso. O sucesso se deve ao momento histórico em que a Grécia se encontrava, pois havia embates políticos muito intensos nas assembleias democráticas, e os participantes desses momentos queriam estar preparados para discutir com seus oponentes.

Os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguirem persuadir em assembleias e, muitas vezes, fazerem prevalecer seus interesses individuais e de classe (COTRIM, 2000).

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Podemos afirmar que o sucesso dos sofistas consiste no fato de que

Souberam captar de modo perfeito essas instâncias da época conturbada em que viveram, sabendo explicitá-la e dar-lhes forma e voz. E isso explica porque alcançaram tanto sucesso, especialmente entre os jovens: eles respondiam a reais necessidades do momento, propondo aos jovens a palavra nova que esperavam, já que não estavam mais satisfeitos com os valores tradicionais que a velha geração lhes propunha nem com o modo como os propunha (REALE; ANESTISERI, 2003, p. 75).

Platão não enxergava os sofistas como filósofos, pois estes não estavam preocupados com a verdade, apenas se preocupavam em preparar seus alunos para o debate público. Eles negavam que houvesse verdade ou a possibilidade de ter acesso a ela.

Assim, a argumentação não busca necessariamente demonstrar a verdade, mas por meio de um jogo de palavras habilmente posicionado, o orador poderá convencer seus ouvintes acerca daquilo que ele acredita. De acordo com Cotrim (2000, p. 91),

As lições sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.

Pelo que vimos até aqui é possível que você esteja pensando: os sofistas não contribuíram em nada com a filosofia? Para responder à pergunta, é necessário apresentarmos pelo menos dois sofistas e suas principais ideias.

Protágoras de Abdera (480-410 a.C.) define o homem com a medida de tudo o que existe, pois de acordo com ele “o homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são” (PROTÁGORAS apud COTRIM, 2000, p. 92).

A concepção é uma expressão do relativismo, que é a corrente filosófica que se fundamenta na afirmação de que não existe qualquer verdade ou valor absoluto. No entendimento de Protágoras, o homem é o responsável pelos destinos do mundo, pois ele é capaz de fazer e desafazer as coisas de acordo com suas vontades. Entretanto, o relativismo de Protágoras abre margem para uma subjetivista do mundo, pois cada pessoa pode afirmar que uma determinada coisa é verdadeira “se para mim parece verdadeira” (COTRIM, 2000, p. 92).

O relativismo trouxe alguns problemas e discussões para a filosofia pós-iluminista, pois na visão de MacIntyre (2001), o fracasso do Iluminismo culminou com o ‘emotivismo’, em que os juízos morais expressam apenas sentimentos e não juízos verdadeiros ou falsos. Assim, as pretensões emotivistas têm impedido que a ética contemporânea chegasse a acordos morais mínimos.

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Na concepção do autor, o emotivismo consiste em teorias falhas que remetem a uma moral, a um subjetivismo e isolou o agente moral de seu contexto histórico. O emotivismo é uma irracionalidade ética, pois os juízos apelam para as emoções em detrimento da razão.

FIGURA 9 – PROTÁGORAS DE ABDERA

FONTE: <https://www.biografiasyvidas.com/biografia/p/protagoras.htm>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Górgias de Leontini (487-380 a.C.) dizia que “o bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa” (apud COTRIM, 2000, p. 92). O fundamento de sua filosofia era o niilismo, pois defendia o ceticismo absoluto ao ponto de afirmar que “a) nada existia; b) se existisse, não poderia ser conhecido; c) mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém” (COTRIM, 2000, p. 93).

Assim, é destruída qualquer possibilidade de se chegar à verdade absoluta. Assim, nós podemos apenas analisar a condição em que nos encontramos, e a partir daí podemos expor nossas ideias sobre a realidade, sem podermos apelar para valores ou verdades absolutas que possam justificar o que fazemos ou deixamos de fazer.

2.4 PERÍODO SISTEMÁTICO

Os principais nomes deste período são Sócrates, Platão e Aristóteles. Este período é assim chamado porque esses pensadores sistematizaram todo conhecimento filosófico produzido até então. Podemos citar Aristóteles, por exemplo, que foi um grande sistematizador, organizador do pensamento.

Para ele, são atribuídas as primeiras divisões e compartimentações da filosofia em diferentes campos: Lógica, Metafísica, Filosofia Natural, Ética, Estética e a Política. A seguir, vamos discorrer resumidamente sobre a principal contribuição que cada um desses pensadores concebeu à filosofia.

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2.4.1 Sócrates

Sócrates nasceu na cidade de Atenas, no ano 469 a.C. A partir de Sócrates, a filosofia grega passou por uma profunda mudança, pois o centro de seu debate é o homem. O período também é chamado de Período Antropológico, pois a filosofia passa a investigar as questões humanas, tal como a ética, a política e as técnicas.

FIGURA 10 – SÓCRATES E A IMORTALIDADE

FONTE: <http://www.novaera-alvorecer.net/socrates_e_a_imortalidade.htm>.Acesso em: 30 mar. 2018.

Um dos aspectos que caracteriza a filosofia de Sócrates é o seu estilo de vida compatível com seu pensamento. Embora tivesse um estilo de vida semelhante aos sofistas e focasse em suas reflexões em torno dos problemas humanos, há pelo menos duas características que o distingue deles: primeiro, Sócrates não vendia seus conhecimentos ou mesmo cobrava por qualquer aula; segundo, Sócrates não aderiu e nem mesmo aceitava as ideias relativistas dos sofistas, pois ele “procurava um fundamento último para as interrogações humanas (O que é o bem? O que é a virtude? O que é a justiça?)” (COTRIM, 2000, p. 94). Apesar de não ter deixado nenhum escrito, seus diálogos foram compilados pelo seu fiel discípulo Platão.

Diante dos saberes e costumes construídos e constituídos ao longo da história, Sócrates tinha uma posição crítica, tanto é que determinada posição lhe custou a vida, pois foi acusado pelos poderosos de que sua maneira de pensar estava corrompendo os jovens atenienses.

O método adotado por Sócrates para ensinar seus discípulos não consistia na mera transmissão de conhecimentos, mas ele prezava pela construção do conhecimento a partir de uma autoanálise, pois o ponto de partida para chegar ao verdadeiro conhecimento é passar pelo reconhecimento da própria ignorância.

Assim, os princípios fundamentais do método socrático consistiam na ironia e na maiêutica. Assim, Sócrates estimulava seus interlocutores a exporem suas opiniões e defendê-las, para em seguida despi-los de suas ilusões e buscarem o conhecimento verdadeiro por meio da razão.

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A primeira parte do método dialético socrático consiste na ironia. É importante ressaltar que o conceito de ironia em Sócrates se difere do sentido que na maioria das vezes é utilizado em nosso contexto.

De acordo com Cotrim (2000, p. 94), “a ironia socrática tinha um caráter purificador porque levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, e antes só julgavam possuir certezas e clarividências”.

Na primeira etapa do método, Sócrates interrogava seu interlocutor acerca daquilo que ele dizia saber. Para isso, Sócrates se colocava na posição de quem nada sabia sobre o assunto e solicitava que este saber, que o interlocutor julgava possuir, fosse compartilhado com ele. Quando o interlocutor apresentava seu argumento, Sócrates fazia perguntas, e a cada resposta uma nova pergunta, com o objetivo de mostrar as contradições internas do raciocínio do seu interlocutor.

Naturalmente encaminhava para uma demonstração de que o interlocutor, que se julgava profundo conhecedor do tema em discussão, na verdade não havia descoberto quão ignorante era. Assim, Sócrates conduzia o diálogo até o ponto em que o seu interlocutor ficava embaraçado por ver seus conceitos serem derrubados um a um. Então, nesta primeira etapa, o interlocutor se dava conta da sua ignorância e, portanto, poderia passar para o segundo estádio que consiste na maiêutica.

A maiêutica, portanto, é a segunda etapa do método socrático. Se na primeira o indivíduo é levado a reconhecer sua ignorância, na segunda etapa ele é conduzido a buscar o conhecimento que está dentro de si. O próprio termo “maiêutica” significa arte de trazer à luz.

A utilização do termo por Sócrates, como um princípio fundamental de seu método, remete à profissão da sua mãe, Fenareta, que era parteira e, portanto, auxiliava as mulheres a parirem seus bebês. Sócrates se coloca como uma espécie de ‘parteiro’ de novas ideias.

Assim como a parteira não gerava o bebê, mas apenas auxiliava para que ele viesse ao mundo, Sócrates não se colocava como o ‘gerador’ do conhecimento, mas apenas aquele que auxiliava as pessoas a exteriorizarem o conhecimento que estava dentro deles.

Sócrates acreditava que cada ser humano é dotado de razão e, portanto, capaz de gerar novos conhecimentos. Suas aulas eram na praça pública, pois acreditava que tanto o escravo, quanto o cidadão comum, senhor, jovem, idoso, homem ou mulher possuem razão e podem produzir novos conhecimentos. Observe a figura a seguir e reflita sobre o que a menina diz.

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FIGURA 11 – APRENDER A PENSAR

FONTE: <http://dimensoesdafilosofia.blogspot.com.br/2012/04/teoria-da-maieutica-ava04.html>.Acesso em: 4 mar. 2018.

O legado de Sócrates ao desenvolver seu método dialético é, sem dúvida, seu empenho em construir uma sociedade composta de pessoas críticas e autocríticas, indivíduos que desenvolvam seus próprios conhecimentos, submetendo-os ao crivo da razão, avaliando suas contradições e reconhecendo suas ignorâncias. Quando uma pessoa está disposta a se autoavaliar de maneira crítica, construir seus valores e conhecimentos por meio de uma autorreflexão, esse indivíduo está indo na direção de uma vida mais autônoma e crítica, qualidades necessárias para autorrealização.

2.4.2 Platão

Platão nasceu em 428 a.C. e viveu em Atenas até o ano de sua morte em 347 a.C., onde fundou sua escola chamada de Academia. Apesar de sua grande contribuição à filosofia, não será possível abordar aqui, mesmo que de maneira resumida, todos os aspectos de seu trabalho. Vamos focar apenas naquilo que a maioria dos estudiosos de filosofia consideram o aspecto central da filosofia platônica.

SERÁ QUE AQUI CABE TUDO OQUE VÃO ME METER NA

CABEÇA?

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FIGURA 12 – PLATÃO

FONTE: <https://pt.lifeder.com/frases-de-platao/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Foi o discípulo mais notável de Sócrates. Depois da morte de seu mestre, fez inúmeras viagens, período importante para ele, pois teve a oportunidade de entrar em contato com diferentes culturas e em decorrência disso, amadureceu suas reflexões filosóficas.

Ao retornar das viagens, fundou seu próprio centro de estudos filosóficos nos jardins de seu amigo Academus. Por esse motivo, sua escola foi chamada de Academia. No espaço, os discípulos de Platão recebiam uma educação formal, pois vale lembrar que Sócrates se tornara o grande nome da filosofia, entretanto Platão e Aristóteles foram os responsáveis por sistematizar e organizar o conhecimento filosófico.

Uma das maneiras para compreendermos as ideias de Platão e resumir seu pensamento será recorrer à alegoria da caverna. Na leitura complementar, ao final deste tópico, você irá encontrar a transcrição da analogia.

Resumidamente, o mito consiste no seguinte: no interior da caverna existem homens que nasceram e permanecem nela, pois estão acorrentados e não podem sair e nem mesmo conseguem olhar para a entrada. A única visão que possuem é do fundo da caverna.

As coisas que passam e acontecem, onde está uma fogueira, são projetadas para o fundo da caverna. Assim, o que eles veem são apenas sombras daquilo que é real. Contudo, se um dos homens conseguisse se soltar, visse a luz do dia e os objetos reais e relatasse para aqueles que permaneceram no interior da caverna, seus companheiros iriam considerá-lo louco, pois considerariam seus relatos mentirosos e sem nenhum sentido.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 95), a análise da alegoria “pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder)”.

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Assim, Platão desenvolve uma teoria das ideias e uma teoria política. Neste estudo, iremos discorrer, ainda que de maneira sucinta, apenas a teoria das ideias formulada por Platão. O método escolhido por ele para desenvolver sua teoria das ideias consiste na dialética.

O método “consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos” (CONTRIM, 2000, p. 97). Lembrando que o método não surge com Platão, mas alguns filósofos pré-socráticos já utilizavam a dialética como o caminho para se chegar ao verdadeiro conhecimento das coisas. Platão via a dialética como um instrumento necessário para se alcançar a verdade.

Em sua teoria das ideias, Platão distingue o mundo em sensível e inteligível. O mundo sensível é o dos fenômenos, ou seja, é o mundo da caverna no qual vivemos e é feito de sombras e aparência da realidade. O mundo que acessamos através de nossos sentidos é povoado de aparências ilusórias, as coisas que vemos nada mais são do que as sombras do verdadeiro mundo, o das ideias.

No mundo sensível, o conhecimento é resultado das experiências sensoriais, responsáveis por formar nossas opiniões (doxa), que na verdade é um tipo de conhecimento inautêntico, pois para se chegar a esse tipo de conhecimento, não precisamos necessariamente seguir um método para obter um conhecimento seguro.

Diante do problema da opinião, como forma de conhecimento, Platão propõe a dialética, pois possibilita que cheguemos ao conhecimento autêntico, passemos da doxa (opinião) para a epistéme (ciência). Determinado processo se faz necessário porque “a opinião nasce da percepção da aparência e da diversidade das coisas.

O conhecimento, por sua vez, é elaborado "quando se alcança a ideia, que rompe com as aparências e a diversidade ilusória” (COTRIM, 2000, p. 97). A opinião antecede o conhecimento verdadeiro, pois o sujeito deve ir além das aparências das coisas e buscar um conhecimento de sua essência. A epistéme ultrapassa a linha do sensível e ilusório e penetra o mundo do Ser, das ideias. De acordo com Luckesi e Passos (2000, p. 137):

O conhecimento sensorial desperta a alma para um conhecimento que existe dentro de si e que, de alguma forma, foi esquecido; o sensorial obriga o ser humano a remeter-se para o seu interior e buscar a verdade. O homem comum se apega às aparências sensoriais, que se apropriam do mundo das sombras, mas o filósofo (o sábio), a partir dos estímulos sensoriais, busca o mundo do Ser, da verdade. A experiência sensorial testemunha o reflexo do mundo do Ser (ideias), que se manifesta nas coisas existentes. Importa ao sábio ser capaz de descobrir as essências para além das manifestações das coisas existentes. Estudando-se as coisas existentes, aprende-se o caminho para se chegar às essenciais.

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Note que Platão não despreza por inteiro o mundo sensível, das opiniões. Contudo, o sujeito não pode se acomodar às opiniões, mas deve, a partir da reflexão filosófica, a partir das opiniões, chegar ao verdadeiro conhecimento.

O segundo estágio é o racional, pois o sujeito se desprende das opiniões e busca pelo verdadeiro conhecimento. Na figura a seguir, podemos perceber de maneira mais clara a maneira com Platão desenvolve sua dialética.

FIGURA 13 – A DIALÉTICA DE PLATÃO

A DIALÉTICA DE PLATÃO

PÍSTIS(CRENÇAS/IMPRESSÕES)

EIKASIA(IMAGENS/ILUSÃO)

NOESIS(VERDADE/SABEDORIA)

DIANÓIA(RACIOCÍNIO)

MUNDO SENSÍVELDOXA (OPINIÃO)

MUNDO INTELIGÍVELEPISTEME (CONHECIMENTO)

DIALÉTICA

FONTE: <https://dougnahistoria.blogspot.com.br/2017/12/platao-busca-pela-verdade.html>. Acesso em: 24 mar. 2018.

É possível observar que na primeira etapa do processo do conhecimento nós temos acesso às imagens através dos nossos sentidos. São ilusões, pois não são as imagens reais, mas apenas sombras das verdadeiras. A partir das ilusões, segundo Platão, são formuladas as crenças e impressões responsáveis pela opinião que temos acerca da realidade em nossa volta. É importante ressaltar que cada indivíduo percebe a realidade que o cerca de maneira diferente. A partir da percepção, ele forma suas opiniões sobre a realidade da qual faz parte.

A dianoia (raciocínio) é o conhecimento intermediário que existe entre a doxa e a episteme. De acordo com Luckesi e Passos (2000, p. 138), a dianoia (pensamento discursivo):

É um nível de conhecimento que está voltado para as essências, mas que, para se processar, necessita ainda utilizar-se das figuras visíveis. A dianoia é o prelúdio indispensável à noésis (conhecimento inteligível das essências). No nível da dianoia, as contradições (igual/diferente, grande/pequeno, simples/diverso etc.) são aplainadas, colocando-se em seu lugar as noções estáveis e idênticas, como faz a matemática, que não admite contradições em seus raciocínios.

A noésis seria o último estágio do conhecimento, pois “só nesse nível cumpre-se o anseio da alma de chegar à verdade” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p.

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138). Ainda que o conhecimento humano nunca seja pleno em relação à verdade, contudo “a filosofia é um modo de preparação permanente do ser humano para retornar ao mundo das essências” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 138).

Esse retorno ao mundo das essências Platão chama de reminiscência, pois ele acreditava que a alma vivia no mundo das ideias ou inteligível, estando em contato com a verdade absoluta. As almas, ao serem condenadas a viver em um corpo físico, passaram a experimentar as limitações dos sentidos. A filosofia é o meio pelo qual a alma pode relembrar a verdade absoluta presente no mundo das ideias, pois conhecer é lembrar. “A verdade está na alma, importa lembrá-la” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 139). A filosofia platônica apela para um retorno ao mundo inteligível, pois somente assim o ser humano poderá conhecer a realidade perfeita.

2.4.3 Aristóteles

Aristóteles nasceu na cidade de Estagira, no ano 384 a.C. e morreu no ano 322 a.C. na cidade de Atenas. Foi aluno de Platão, contudo sua filosofia se distancia da filosofia de seu mestre. Os escritos do filósofo abordam os assuntos mais diversos, pois escreveu na área da física, lógica, zoologia, metafísica, poesia, entre outras.

Ao lado de Sócrates e Platão, Aristóteles é considerado um dos fundadores da filosofia ocidental. Suas obras não apenas influenciaram no campo da filosofia, mas tiveram grande impacto sobre a própria teologia medieval.

FIGURA 14 – ARISTÓTELES

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/aristoteles/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Aristóteles foi responsável por sistematizar, organizar tudo o que havia sido produzido antes dele no campo da filosofia. Entre outras contribuições, ele inaugura uma nova maneira de interpretar as mudanças do ser, pois “conforme Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato” (COTRIN, 2000, p. 102).

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O problema deixado por Heráclito, o mobilismo, tudo está em um constante devir, pois a realidade é dinâmica e está em constante mudança, e por outro lado, o problema de Parmênides, cuja ideia estava centrada no argumento imobilista ou monista, demonstra que o ser é considerado imóvel, imutável e indivisível, se tornou o motivo pelo qual “Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica (relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser devemos distinguir: o ato [...] a potência” (COTRIN, 2000, p. 102).

O que Aristóteles estava querendo dizer com a relação ato e potência que existe nas coisas? No entendimento dele, tudo contém em si ato e potência, ou seja, tudo é uma relação de causa e efeito. Para o estagirita, o ato consiste na forma assumida por um ser em um determinado momento, ou seja, quando as coisas estão atualizadas, realizadas segundo um fim inerente ao ser.

A potência, por outro lado, é aquilo que uma determinada coisa poderá vir a ser, que é o devir heraclidiano. Por exemplo, ao ler este material, há em você o ato, ou seja, atualização da filosofia aristotélica, e potência, que é o conhecimento que está sendo potencializado em você que futuramente poderá ser usado por você para responder a uma questão da avaliação ou fazer uma reflexão filosófica.

Assim, podemos afirmar que “uma potência é a capacidade de tornar-se uma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 98).

Observe que Aristóteles une as concepções de Parmênides e Heráclito para desenvolver a teoria do ato e potência. No ato está o ser, ou seja, a essência, a substância do ser que é imutável e indivisível, na potência está o acidente, aquilo que não é essencial e está em constante mudança.

Foi um admirável discípulo de Platão e o mais cotado para assumir seu lugar na academia, que devido ao fato de não ter nascido em Atenas, fez com que ele se mudasse para a Ásia Menor e pouco tempo depois se tornasse preceptor de Alexandre, o Grande.

Aristóteles critica profundamente a Teoria das Ideias desenvolvida por seu antigo mestre. Para Aristóteles, os dados que são obtidos pelos sentidos nos levam à constatação de que tais objetos são reais. Assim, ele atribuía à ciência um caráter empírico, pois para ele, devemos buscar na experiência sensível a essência do ser.

Para chegar ao verdadeiro conhecimento, Aristóteles abandona o método dialético utilizado por Platão e adota a lógica para alcançar um conhecimento de caráter verdadeiramente científico e universal. Para ele, a lógica é instrumento necessário para o correto pensar. A lógica aristotélica pode ser subdividida em: lógica formal e lógica material. Não iremos aprofundar nosso estudo sobre a lógica aristotélica, apenas iremos apresentar sucintamente o que significa cada uma delas.

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No caso da primeira, lógica formal (ou menor), “estabelece a forma correta de pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio é considerado válido ou correto” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 85). A lógica formal, portanto, é responsável por estabelecer a forma correta das operações intelectuais, está preocupada com a estrutura do raciocínio. Ela não considera necessariamente o conteúdo, pois sua função é organizar o raciocínio, pois devemos considerar o fato de que nem todo raciocínio é lógico.

Um raciocínio lógico precisa atender aos três requisitos ou princípios: princípio da identidade, princípio da não-contradição e o princípio do terceiro excluído. No caso da lógica formal, é avaliada a validade ou não dos argumentos, pois para que um argumento seja válido, é necessário que ele atenda aos três princípios da lógica formal. A lógica formal, portanto, “está preocupada com a estrutura do pensamento” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 85).

A lógica material “trata da aplicação das operações do pensamento segundo a matéria ou natureza dos objetos a conhecer” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 85). Na lógica material, é analisado se o argumento é verdadeiro ou falso. Assim, um argumento é considerado válido somente se as premissas são verdadeiras e estejam adequadamente relacionadas com a conclusão. Portanto, não interessa apenas que o raciocínio seja formalmente correto, mas aponta para o fato de que o raciocínio também respeite a matéria. Significa que o seu conteúdo corresponda à natureza do objeto a que se refere. Em última instância, o raciocínio deve corresponder à realidade.

IMPORTANTE

Na Unidade 2 retornaremos ao estudo da lógica de uma maneira mais ampla.

2.5 PERÍODO HELÊNICO

Este período da filosofia compreende o tempo entre os III a.C. até o século IV d.C. “Trata-se do último período da filosofia antiga, quando a polis grega desapareceu como centro político, deixando de ser a referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia se encontrava sob o poderio do Império Romano” (CHAUÍ, 2011, p. 57).

Em decorrência das mudanças políticas, a própria maneira do homem se conceber no mundo toma outra direção. Ocorre porque os pensadores têm como preocupação fundamental a reflexão sobre as questões morais, a busca por uma definição dos ideais de felicidade, virtude e saber prático. De acordo com Cotrim (2000, p. 104):

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Na história da filosofia, a produção filosófica do período helenístico corresponde basicamente à continuação das atividades das escolas platônicas (Academia) e aristotélica (Liceu), dirigidas respectivamente, por discípulos dos dois grandes mestres, Platão e Aristóteles.

Se olharmos atentamente, vamos perceber como os dois pensadores representam um divisor de águas na história da filosofia, pois suas obras abordaram os mais diversos temas que iam muito além da tentativa de explicar a origem do universo ou questões do gênero.

Platão e Aristóteles contribuíram significativamente para as discussões no campo político, ético e moral. Outra informação importante sobre este período nos é dada por Chauí (2011, p. 57) ao dizer que:

Essa época da filosofia é constituída por grandes sistemas ou doutrinas, isto é, explicações que buscam entender a realidade como um todo articulado e entrelaçado pelas coisas da natureza, os seres humanos, pelas relações entre elas e eles e de todos com a divindade [...]. Predominam preocupações com a física, a ética – pois os filósofos já não podem ocupar-se diretamente com a política, uma vez que esta é privilégio dos imperadores romanos – e a teologia.

Com as transformações sociopolíticas, o ideal democrático deu espaço para o ideal cosmopolita, pois as discussões em torno da cidadania, em um espaço democrático, não faziam mais sentido, já que o que se buscava pelos governantes romanos era a implantação de uma monarquia universal.

Assim, a pólis passou a ser o centro do mundo – cosmos – de onde vem a necessidade de pensar o indivíduo cosmopolita. No interior do novo contexto surgiram várias escolas de pensamento, entre elas podemos destacar: cinismo, pirronismo, estoicismo e o epicurismo.

O cinismo foi uma corrente filosófica fundada por um discípulo de Sócrates chamado Antístenes. Pregava o desprezo total aos bens materiais, pois o próprio termo cinismo tem sua origem no grego kynos, “que significa “cão”, e designa a corrente de filósofos que se propuseram a viver como cães da cidade, sem qualquer propriedade ou conforto” (COTRIM, 2000, p. 105). Diógenes de Sinope levou essa filosofia ao extremo, pois incorporou plenamente a renúncia a tudo aquilo que ia além da necessidade para a sobrevivência.

O pirronismo, fundado por Pirro de Élida (365-275 a.C.), ensinava que nenhum tipo de conhecimento é seguro, não há certeza em nada. Assim, “o pirronismo defendia que se deve contentar com as aparências das coisas, desfrutar o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lançar à busca de uma verdade plena” (COTRIM, 2000, p. 105). Significa que o ser humano é incapaz de encontrar a verdade, portanto, este deve suspender suas opiniões e julgamentos e, além disso, duvidar de tudo.

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O estoicismo foi uma corrente de pensamento fundada por Zenão de Cítio (336-265 a.C.), e pregava austeridade física e moral completa “baseada na resistência do homem ante os sofrimentos e os males do mundo” (COTRIM, 2000, p. 105).

Para os estoicos, o único bem que existe é a retidão da vontade e o único mal, o vício. Assim, o estoicismo não está preocupado necessariamente com aquilo que o homem diz, mas na maneira como ele se comporta diante das diferentes situações da vida. A experiência estoica consiste na tomada de consciência da situação trágica do homem condicionado pelo destino, pois o sofrimento é algo inerente à vida humana, portanto, este deve encarar e enfrentar o sofrimento de maneira serena, sábia.

O epicurismo, fundado por Epicuro (324-271 a.C.), ensinava que o ser humano deve buscar o prazer. Esse prazer deve ser caracterizado pela moderação, visto que o prazer para os epicuristas tem o sentido de um estado de quietude, serenidade, imperturbabilidade de alma e ausência de dor. Somente é possível se conseguirmos controlar nossas emoções, nossos medos e desejos, pois o efeito do autocontrole é o estado de tranquilidade, a ausência da perturbação.

Caro acadêmico, chegamos ao final de mais um tópico. Esperamos que aquilo que foi apresentado aqui tenha servido para o seu desenvolvimento intelectual e pessoal. A seguir, você encontrará leituras complementares e as autoatividades. Esperamos você no próximo tópico!

LEITURA COMPLEMENTAR 1

OS PRÉ-SOCRÁTICOS E A CIÊNCIA

A ciência se inicia com problemas.

Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.

O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento [...].

Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para os tempos em que nossos pais, os gregos, começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem as perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.

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Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos, ouvimos, sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca? “Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio”, dizia Heráclito de Éfeso.

A despeito disso – e aqui está algo que é muito curioso – nós somos capazes de falarmos sobre as coisas, de sermos entendidos, de termos conhecimento.

Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal de ontem. A despeito disso serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram antes e dizer que delas chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como aquela que morreu na velhice, mas serei capaz de identificar numa outra da mesma qualidade e prever quanto tempo levará para começar a dar seus frutos.

Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado junto com suas aparências? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verdade e não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: não são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.

Foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à multiplicidade de suas manifestações [...].

A leitura da filosofia grega nos introduz, passo a passo, às diferentes fases dessa busca a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque, lá no fundo, todas se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente, houve uma passagem da posição, que explica a unidade em termos de substância, para uma outra que considera que a questão fundamental são as relações e funções.

FONTE: ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. p. 40-41. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 87.

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LEITURA COMPLEMENTAR 2

O Mito Da Caverna

Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica de fronte?

Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco – É bem possível.

Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco – Sim, por Zeus!

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Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados.

Glauco – Assim terá de ser.

Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco – Muito mais verdadeiras.

Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco – Com toda a certeza.

Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.

Glauco – Necessariamente.

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Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco – Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco – Por certo que sim.

Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco – Sem nenhuma dúvida.

FONTE: PLATÃO. A República. (Trad. Enrico Corvisieri). São Paulo: Nova Cultural, 1999.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Filosofia Antiga compreende o período que vai do surgimento da filosofia até a queda do Império Romano.

• Os pré-socráticos são os pensadores da Grécia antiga que precederam Sócrates. Também são chamados de filósofos da natureza (physis) ou naturalistas, pois tinham como principal objetivo investigar o princípio das coisas.

• A escola jônica estava sediada na cidade de Mileto nos séculos VI e V a.C. O principal filósofo da escola foi Tales de Mileto.

• Para Tales de Mileto, a água é princípio que origina todas as coisas.

• O princípio originador em Anaximandro é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa em uma realidade ao alcance dos sentidos.

• Para Anaxímenes, o princípio de todas as coisas era o Ar, que gera, rege e governa todas as coisas, as que foram e as que serão (inclusive os deuses), por meio dos processos opostos de rarefação e condensação.

• Para Heráclito, as coisas estão em um constante devir, ou seja, as coisas mudam constantemente. Sua filosofia é mobilista.

• O nome dessa escola é em função de seu principal expoente ter sido Pitágoras, que viveu no século VI a.C.

• Parmênides é um filósofo imobilista, pois para ele nada muda, tudo é uno.

• Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas são chamadas de átomos.

• Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.

• O método adotado por Sócrates, para ensinar seus discípulos, não consistia na mera transmissão de conhecimentos, mas ele prezava pela construção do conhecimento a partir de uma autoanálise.

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• Em sua teoria das ideias, Platão distingue o mundo em sensível e inteligível.

• Aristóteles foi responsável por sistematizar, organizar tudo o que havia sido produzido antes dele no campo da filosofia.

• O período helênico se trata do último período da filosofia antiga, quando a pólis grega desapareceu como centro político, deixando de ser a referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia se encontrava sob o poderio do Império Romano.

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1 O que chama a atenção nas escolas filosóficas do período antigo é que todas estavam em busca de um princípio originador de todas as coisas. No sentido de responder à questão, foram elaboradas as mais diversas teorias. Dentre as escolas a seguir, podemos destacar uma delas que desenvolveu a teoria em que o Número é o princípio de todas as coisas. Sobre qual dessas escolas de filosofia estamos nos referindo?

a) ( ) Escola Jônica.b) ( ) Escola Eleata.c) ( ) Escola Pitagórica.d) ( ) Escola Atomista.

2 Os sofistas foram vistos e tratados por Platão de uma maneira muito preconceituosa. Assim, o termo “sofista” começou a ser usado de maneira pejorativa, ou seja, quando se tem a intensão de denegrir a imagem de alguém. Sobre os sofistas, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os sofistas eram professores que viajavam de cidade em cidade e vendiam seus ensinamentos em filosofia por um determinado preço.

( ) Os sofistas, por exemplo, negavam que houvesse verdade ou a possibilidade de ter acesso a ela.

( ) Os sofistas eram mestres na filosofia, que tinham como objetivo supremo orientar todas as pessoas, independentemente se recebiam ou não algum valor por suas aulas.

( ) Os ensinamentos dos sofistas tinham como finalidade desenvolver em seus alunos o poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.b) ( ) F – V – V – F.c) ( ) F – F – V – V.d) ( ) V – V – V – F.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA:

CLÁSSICA E MEDIEVAL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

A Idade Média compreende o período que vai desde a queda do Império Romano (século IV da era cristã) até o século XV com o início do período renascentista. O período é visto por alguns historiadores de maneira muito negativa, pois segundo eles, a Igreja Católica, ao exercer seu domínio absoluto, foi capaz de dominar todas as áreas do conhecimento humano, impedindo que acontecessem avanços científicos e culturais mais significativos.

No campo da filosofia houve uma vasta produção, pois os filósofos do período refletiram e construíram o arcabouço teórico e contextual que alicerçou a cosmovisão teocêntrica. Foram os responsáveis por preservar muito dos conhecimentos filosóficos antigos por meio das cópias que eram realizadas das obras.

Contudo, a filosofia do período não costuma receber muita atenção por parte dos estudantes de filosofia contemporâneos, pois veem a produção filosófica medieval constituída de um caráter religioso.

Essa conclusão é decorrente do fato de que a filosofia medieval é dogmática, pois os filósofos medievais eram em sua maioria católicos e não aceitavam qualquer outra verdade que contrariasse os dogmas cristãos. Vale ressaltar que a filosofia medieval também contribui para outras áreas do saber, tais como a astronomia, a aritmética, a música e a geometria.

Neste tópico, nós vamos discorrer sobre duas correntes filosóficas distintas que se destacaram no período medieval. São distintas porque uma possui uma vertente platônica e a outra uma vertente aristotélica. Não será possível apresentar todos os filósofos deste período e assim, optamos por estudar brevemente sobre as principais contribuições do principal filósofo de cada período: Agostinho (Patrística) e São Tomás (Escolástica).

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2 PATRÍSTICA

A Patrística compreende o período que vai de meados do século IV ao século VII. Naquele período, os principais escritos foram concebidos pelos padres da igreja. Com a finalidade de defender o pensamento cristão das heresias e do paganismo, os primeiros padres se esforçaram para elaborar um conjunto de doutrinas que servisse de base para a fé e prática do cristianismo.

O principal representante deste período foi Santo Agostinho. Sua filosofia e teologia se voltam para a ideia da dicotomia platônica e a partir daí elabora sua própria teoria da iluminação em que atribui para Deus a revelação das verdades eternas necessárias para a vida presente e a eternidade.

FIGURA 15 – AGOSTINHO DE HIPONA

FONTE: <http://leandronazareth.blogspot.com.br/2015/07/o-ceu-para-santo-agostinho-lugar-de.html>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Agostinho de Hipona, devido à formação intelectual e o seu incansável esforço em promover a fé cristã junto a um patamar mais elevado no aspecto histórico e filosófico, torna-se o principal nome da filosofia patrística. Nascido em 354 em Tagaste, na Numíbia, hoje localizada na Argélia, faleceu no ano 430 em uma cidade próxima da Hipona, onde era bispo.

A conversão de Agostinho ao cristianismo se deu no ano 386 e está narrada de maneira detalhada em seu livro Confissões. Na obra, ele expõe sua necessidade espiritual, sua conversão e posterior desenvolvimento filosófico e espiritual. Sua conversão e vida cristã são influenciadas por santo Ambrósio, por quem tinha profunda admiração, e por Vitorino, um doutor convertido ao cristianismo, do qual Agostinho escreve que:

Vitorino não teve vergonha de se fazer servo de vosso Cristo e criancinha na vossa fonte, sujeitando o pescoço ao jugo da humildade e dobrando a fronte sob o opróbrio da Cruz, ele, o célebre e doutíssimo

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ancião, perito em todas as artes liberais, leitor e crítico de tantas obras filosóficas, preceptor de tantos senadores ilustres (AGOSTINHO, 2000, p. 203).

As palavras de Agostinho nos dão a noção das figuras públicas que influenciaram seu pensamento, pois o platonismo de Vitorino influenciará diretamente no pensamento posterior de Agostinho e seu destemido labor em defender o cristianismo diante dos poderes e pensadores da época.

O pensamento de Agostinho se tornou um marco na história da filosofia. De acordo com Gonzáles apud Olson (2001, p. 259):

Agostinho marca o fim de uma era e o início de outra. É o último dos escritores cristãos da Antiguidade (sic) e o precursor da teologia medieval. As principais correntes da teologia da Antiguidade convergiram para ele e dele fluíram as correntes, não somente do escolasticismo medieval, mas também da teologia protestante do século XVI.

Deve-se ao fato de Agostinho ser uma espécie de transição do pensamento antigo, sendo que está ainda ligado aos clássicos gregos, mas que devido às mudanças pelas quais o mundo estava passando em seu tempo, sua filosofia já apontava para novas perspectivas em que o cristianismo cumpriria um papel determinante na formação cultural, filosófica, política e religiosa.

Após uma passagem pelo maniqueísmo (filosofia religiosa sincrética e dualística), levou-o junto a uma profunda decepção com o movimento. Em decorrência do fato, essa experiência o levou para outro estágio em seu desenvolvimento filosófico: o ceticismo.

Agostinho relata que “ocorreu-me a ideia de ter havido uns filósofos chamados acadêmicos, mais prudentes do que os outros, porque julgavam que de tudo se devia duvidar e sustentavam que nada de verdadeiro podia ser compreendido pelo homem” (apud BOEHNER; GILSON, 2012, p. 148).

Em decorrência da desilusão com o maniqueísmo, Agostinho entra em contato com os acadêmicos. O fato de ter procurado no maniqueísmo respostas mais racionais para as questões que tanto o preocupavam, contudo se decepcionou de tal maneira que viu no ceticismo uma oportunidade de acalmar sua aflição, “e assim veio a cair na perigosa letargia espiritual da epoché (suspensão do juízo)” (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 148).

Como não tinha certeza de nada, e acreditando que nada podia ser tido como verdadeiro, Agostinho prefere acreditar que tudo não passa de especulação e que ao homem está vedado o conhecimento da verdade.

Sua experiência no ceticismo foi fundamental para conduzi-lo para outra etapa da sua vida intelectual. Ao duvidar de tudo, como ocorre com os céticos, não foi capaz de solucionar seus anseios por respostas, pois acreditava que existia uma verdade universal, estava provada na matemática e era seu dever buscá-la.

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Agostinho não se conformava com a ideia de que nada era verdadeiro, pois havia elementos que o faziam pensar o contrário. Assim, ele precisava apenas encontrá-los e formular suas próprias concepções sobre a questão da verdade com base na fé e na razão. Para ser possível, Agostinho recorre ao neoplatonismo a fim de encontrar as respostas para suas indagações, ficando muito claro em seus escritos.

A partir do momento em que Agostinho se volta para o neoplatonismo, a fim de desenvolver sua teoria do conhecimento, é possível perceber a teoria das ideias de Platão, que ganhará outra roupagem no pensamento agostiniano pois, sobre a possibilidade de conhecimento:

Santo Agostinho conclui, na linha das concepções tradicionais da Antiguidade (Platão, Aristóteles, os estoicos) que, dada a convencionalidade do signo linguístico – isto é, as palavras variam de língua para língua e são sinais arbitrários das coisas –, este não pode ter qualquer valor cognitivo mais profundo; não é através das palavras que conhecemos; logo não podemos transmitir conhecimento pela linguagem. A possibilidade de conhecer supõe algo prévio, que torna inteligível a própria linguagem. Sua posição é assim, na mesma direção da filosofia platônica, inatista, ou seja, supõe que o conhecimento não pode ser derivado inteiramente da apreensão sensível ou da experiência concreta, necessitando um elemento prévio que sirva de ponto de partida para o próprio processo de conhecer (MARCONDES, 1997, p. 111).

O argumento do ceticismo consiste na tese de que os sentidos nos enganam, ou seja, todo conhecimento sensível deve ser colocado em dúvida pelo fato de não haver confiabilidade em nossa sensibilidade. Entretanto, era necessário responder à questão aparentemente simples, mas que sempre foi um desafio para a filosofia: qual é a origem do conhecimento?

Se o conhecimento é apenas sensível, os céticos tinham razão, mas Agostinho abandona a ideia do conhecimento sensível e abraça a ideia de que o conhecimento é inatista, estando presente mesmo antes de ser experimentado pelos sentidos, e que de certa forma o conhecimento se torna resultado de reconhecimento daquilo que já está presente no intelecto humano.

Ao trazer determinadas ideias para a esfera da religião cristã, de acordo com Agostinho, a verdade está em Deus e ele revela sua verdade por meios naturais (a razão), por meios especiais (a fé). Para o conhecimento de Deus e da verdade acerca dele a da sua criação, as Escrituras Sagradas ganham muita importância a partir de então, pois ele escreve com relação à leitura da Lei e dos Profetas:

Comecei a lê-los e notei que tudo o que de verdadeiro tinha lido nos livros platônicos se encontrava naqueles, mas com esta recomendação da vossa graça: que aquele que vê não se glorie como se não tivesse recebido não somente o que vê, mas também a possibilidade de ver. “Com efeito, que coisa tem ele que não tenha recebido?” E Vós, que sois sempre o mesmo, não só o admoestais para que Vos veja, mas também para que se cure a fim de Vos possuir (AGOSTINHO, 2000, 196).

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De acordo com o pensamento de Agostinho, os escritos de alguns filósofos estão em consonância com as escrituras sagradas e, portanto, esses escritos contêm verdades divinas.

O filósofo se difere dos demais no conhecimento da verdade, porque estes não procuram o conhecimento apenas através dos sentidos. Através de uma atitude filosófica se voltam para um conhecimento que está presente no espírito e que, portanto, é verdadeiro, é o conhecimento inato.

Assim, ele escreve, “mas depois de ler aqueles livros dos platônicos e de ser induzido por eles a buscar a verdade incorpórea, vi que ‘as vossas perfeições invisíveis se percebem por meio das coisas criadas’” (AGOSTINHO, 2000, p. 194).

Observe que conhecer está intrinsecamente associado à crença na existência de Deus, pois as coisas criadas são uma extensão daquilo que há no mundo espiritual no qual Deus governa e reparte de alguma maneira as belezas espirituais de maneira finita com os seres criados. Aqui nós percebemos, novamente, a presença do pensamento de Fílon sobre o Logos, que é uma herança da filosofia grega.

Agostinho desenvolve uma filosofia que afasta a ideia de que a alma tenha uma extensão no espaço ou que tenha a forma de um corpo, pois sua preocupação não reside na substancialidade da alma, mas na espiritualidade.

Outra questão que incomodou Agostinho em relação à alma diz respeito à origem no homem. Sua dúvida reside em duas possibilidades que dão origem à alma: o criacionismo e o traducionismo, mas há a semelhança dos estoicos e Agostinho pende para a hipótese de que a alma seja resultado da união do homem e da mulher que são seres físicos e espirituais e, que através da união, formam outros seres semelhantes, possuidores de uma alma.

Segundo Boehner e Gilson (2012, p. 182), com relação à ideia de que o homem é um ser criado com uma alma imortal, “Agostinho nunca teve a menor dúvida acerca da imortalidade da alma. Conhece e faz uso das provas de Fédon de Platão, acordando-as à própria orientação”.

Nos diálogos platônicos, a temática central consiste na ideia da imortalidade da alma e de que o filósofo não deve temer a morte, pois ele almeja a libertação da alma, que está aprisionada ao corpo, impedindo-o de alcançar a perfeição.

A tese agostiniana acerca da alma humana demonstra que ela é responsável por comunicar o homem com Deus e, entrar em comunhão com Ele. Sua ideia pode ser resumida da seguinte maneira:

A alma é o elo entre as ideias divinas e o corpo vivificado por ela. Graças à natureza espiritual, ela se abre para aquelas ideias espirituais. O corpo, ao contrário, devido à extensão espacial, é incapaz de

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uma participação direta nas ideias. O ser do corpo resume-se na configuração, na disposição de suas partes, e nas leis dos números a que está sujeito. Tudo isto ele o deve a alma. E esta lho comunica apenas por havê-lo recebido das ideias divinas. Por isso, se o corpo não participasse dessas ideias, ele não seria o que é. Por outro lado, se participasse diretamente delas, ele mesmo seria uma alma. Mas o fato é que, sem ser alma, ele participa, contudo, da ordem e da figura, e, mais evidente ainda, da própria sabedoria suprema da verdade imutável. Donde segue que o corpo não poderia ser vivificado senão por uma alma (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 183).

A centelha divina que habita o corpo é responsável por mantê-lo vivo e capacitá-lo a se relacionar com o mundo em sua volta e com o Criador. Observe que o corpo, sendo matéria, está limitado a participar de todas as qualidades que a alma possui, e assim, a materialidade do corpo torna-o limitado e inferior à alma, que é imaterial, imortal e não está limitada pelo espaço físico.

Determinada ideia de Agostinho é predominante no conceito de alma que predomina no ocidente. Tornou-se basilar para o cristianismo posterior, sendo que em alguns momentos da história da Igreja era tão forte ao ponto de as pessoas desprezarem completamente seus corpos em um processo de mortificação dos membros físicos para obter uma comunhão mais profunda com Deus, prática muito comum nos mosteiros.

Na visão agostiniana, para que o homem se compreenda e encontre Deus, ele deve se voltar para dentro de si, pois Deus está na alma. Se Deus está na alma, esta deve servir como instrumento de Deus para dirigir o corpo, salientando que “como parte superior do ser humano, a alma está incumbida de governar o corpo” (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 180).

O corpo, por sua vez, deve servir aos propósitos de Deus, que se manifestam na alma. Outra questão que surge com a afirmação agostiniana é que a semelhança, do que pensava Platão, o corpo não passa de um receptáculo da alma, que por sua estreita relação com o divino, deve governá-lo.

3 ESCOLÁSTICA

A escolástica recebe determinado nome pelo fato de ser uma tentativa de conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional. Tomás de Aquino é o principal representante da filosofia escolástica ou escolasticismo. Nasceu na cidade de Nápolis, no ano de 1224, e é proveniente de uma família nobre, entrou para a Ordem dos Dominicanos em 1244, contrariando a vontade da família.

No ano de 1245 foi estudar em Paris, onde recebeu influência do mestre Alberto Magno, também dominicano, e foi por este apresentado às obras de Aristóteles. Algo importante sobre a vida de Tomás de Aquino é o fato de ele nunca ter se afastado da vida acadêmica, pois foi professor na Universidade de Paris, entre outras instituições da Itália.

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FIGURA 16 – TOMÁS DE AQUINO

FONTE: <https://he.wikipedia.org/wiki/%D7%A7%D7%95%D7%91%D7%A5:St-thomas-aquinas.jpg>. Acesso em: 30 mar. 2018.

O pensamento de São Tomás se caracteriza pelo fato de ver a teologia e a filosofia como duas ciências que se completam. Ainda que a ambas se diferenciem, “a despeito dessa diversidade essencial entre fé e ciência, ou melhor, entre teologia e filosofia, Santo Tomás está longe de advogar uma separação prática entre as duas esferas do saber. Ao contrário, demanda uma colaboração íntima entre elas” (BOEHNER; GILSON, 2012, p. 451).

Essa é a linha de pensamento que ele irá seguir durante sua vida intelectual. Para São Tomás, Deus criou o homem dotado de razão e, portanto, capaz de usá-la na busca pelo entendimento das coisas do Senhor, além de que a razão capacita o homem a compreender racionalmente a sabedoria de Deus e nos incita a amá-lo e reverenciá-lo e aquele que o conhece profundamente será mais dificilmente enganado pelas sutilezas do mundo.

No interior da tradição católica, a teologia e a filosofia de Aquino se tornaram fundamentais para o desenvolvimento da teologia posterior, e sua habilidade de lidar com temas tão profundos, que dizem respeito a áreas diversas da teologia e filosofia, resultou em obras tão vastas que, para compreendê-las, o estudioso precisa se dedicar com afinco. O historiador eclesiástico Latourette (2006, p. 684) resume bem a contribuição de Tomás de Aquino para a Igreja Católica:

Em Tomás de Aquino, chegamos ao ponto mais alto na realização do escolasticismo. Dotado de uma mente penetrante e de capacidade de síntese, ele aplicou os métodos dos escolásticos à teologia e empregou Aristóteles de tal modo que produziu o que a Igreja Católica Romana veio a considerar como sua formulação padrão de teologia. Um estudioso bem dedicado de Aristóteles, ele fez pleno uso desse filósofo em sua tentativa de pensar de modo sistemático e de apresentar dessa mesma forma a amplitude da teologia cristã. Todavia, ele não o seguiu sem uma tonalidade de independência.

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No fragmento apresentado é possível perceber a grandiosidade do pensamento de Aquino para a filosofia medieval. O primeiro pensador a influenciar São Tomás foi Agostinho, todavia, Aristóteles se torna talvez a base principal do desenvolvimento teológico e filosófico de Aquino.

Por mais que houvesse resistência por parte da Igreja Católica quanto às obras de Aristóteles, Aquino viu nas obras do filósofo grego uma base consistente para desenvolver seu pensamento, pois as obras de Aristóteles se encaixam perfeitamente ao seu pensamento e compreensão dos dogmas cristãos, e a partir de então, tem início uma cristianização da filosofia aristotélica.

3.1 SÃO TOMÁS E A FILOSOFIA ARISTOTÉLICA

Durante o período medieval, desde Agostinho até Aquino, o ponto de partida para as reflexões teológicas era o platonismo, pois a ideia de um mundo ideal permeava o discurso agostiniano e os que lhe sucederam. Todavia, a originalidade do pensamento de Tomás de Aquino está no fato de que ele inovou a maneira de fazer teologia, pois “mostra, então, que a filosofia de Aristóteles é perfeitamente compatível com o cristianismo, abrindo assim uma nova alternativa para o desenvolvimento da filosofia cristã” (MARCONDES, 1997, p. 126).

Um fator relevante quando estudamos sobre o renascimento do aristotelismo na Idade Média é que os árabes já estudavam a filosofia de Aristóteles e comentavam sobre ele. Tanto é que o interesse do aquinate pelas obras de Aristóteles é decorrente dos feitos de Averróis, um filósofo árabe nascido em Córdoba, na Espanha, que escreveu muitos comentários sobre Aristóteles. Não porque Aquino se interessasse pela filosofia averroísta, mas em sua obra Summa contra gentiles, que critica o averroísmo. O interesse de São Tomás pela filosofia é resultado da necessidade que teve de estudá-la para refutar o averroísmo e corroborar autoridade filosófica em suas obras.

O principal ponto de divergência entre Tomás de Aquino e o averroísmo consiste no fato de que Averróis defendia que a alma, sendo uma substância imaterial, não poderia haver mais que uma para cada espécie, sendo apenas uma alma da qual todos os homens são participantes. São Tomás de Aquino refuta o argumento defendendo a ideia, de que, a alma, sendo imaterial, une-se ao corpo como forma, sendo a alma a forma de uma determinada matéria, e com a diversidade de corpos, as almas se individualizam.

A questão do conhecimento é outro ponto de divergência, pois Averróis defende que o objeto do conhecimento já está no intelecto humano, somente assim é possível conceber a existência de um conhecimento universal. Assim, São Tomás argumenta que há diversos intelectos, o objeto é o mesmo, o que difere é como cada intelecto percebe o objeto em si.

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A discussão é resultado de uma leitura diferenciada que cada pensador fez da ideia aristotélica da alma intelectiva. Por mais estranha que pareça a discussão para os nossos dias, no entanto, resultou na ideia moderna da subjetividade, resultando na ideia de que cada indivíduo possui características que os diferenciam dos demais e, portanto, é necessário que se respeite a individualidade de cada ser humano.

3.2 AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS

São Tomás de Aquino desenvolveu uma teoria sofisticada para explicar a existência de Deus: Quinque viis. Por meio das cinco vias (Quinque viis), ele empreenderá um esforço sistemático para provar a existência de Deus, partindo de uma argumentação de que a razão humana é capaz de compreender que existe um Deus e que isso pode ser alcançado naturalmente. Segundo Olson (2001, p. 346):

Aquino apresentou cinco maneiras de demonstrar racionalmente a existência de Deus e todas encontram-se, de alguma forma, na filosofia de Aristóteles. As cinco maneiras apelam às experiências que a mente humana sofre em relação ao mundo natural e mostram que, se Deus não existisse, as experiências não teriam sentido ou seriam impossíveis. De fato, o que estaria sendo experimentado não existiria. Como existem, Deus também deve existir.

A seguir, nós iremos discorrer de maneira resumida sobre as cinco vias para termos uma visão sobre seu argumento.

A primeira via tem seu fundamento na constatação de que no universo existe movimento e que tudo que se move é movido por outro, “portanto, é necessário chegar à causa motriz que não é movida por outra, e todos entendem que se trata de Deus” (AQUINO apud OLSON, 2001, p. 346). Aqui já percebemos a ideia aristotélica de ato e potência.

Antes do movimento, todos os seres estão em potência, e assim, existe a possibilidade de se tornarem diferentes. O ato é aquilo que o ser é, a realização, enquanto a potência é aquilo que o ser poderá se tornar. Nada se move por si só, sempre há uma causa do movimento que é exterior ao próprio ser que está em mudança. Se todo movimento tem um primeiro motor, logo é necessário chegar à causa do primeiro movimento. Partindo do entendimento, o primeiro motor é Deus, ou seja, a causa de todo movimento que há no universo, e Ele é puro ato, pois nunca virá a ser outra coisa que não seja Deus.

A segunda via diz respeito à primeira causa eficiente. Todas as coisas são efeitos de uma causa, e segundo a lógica, todas as coisas necessitam de uma causa para serem causadas. Por exemplo, uma pessoa, para nascer, necessita de uma causa, neste caso seus pais, pois ela é resultado da fecundação de um espermatozoide em um óvulo, ou seja, o ser humano necessita da causa para vir a ser.

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Baseia-se na ideia da necessidade para que uma potência se transforme em ato, e assim constatamos a obrigatoriedade de uma causa eficiente para que as coisas existam. Nada é causa e efeito ao mesmo tempo, e o efeito sempre nos remeterá a uma causa até o infinito, mesmo sendo Deus a causa não causada. Não existe por meios racionais a concepção de que alguma coisa tenha causado Deus.

A terceira via refere-se à necessidade e à possibilidade. Sobre essa via, vamos recorrer às próprias palavras de São Tomás apud Olson (2001, p. 347), pois de acordo com ele:

Encontramos na natureza coisas que têm a possibilidade de existir e de não existir, visto que são geradas e corrompidas e, por isso, é possível que existam e não existam. Mas é impossível que sempre existam, pois o que pode não existir num momento, não existe. Portanto, se tudo pode não existir, logo houve um tempo em que não existia nada. Ora, se assim fosse, mesmo agora não existiria nada, pois o que não existe começa a existir somente a partir de algo já existente. Se, portanto, nada existia, seria impossível que algo viesse a existir; e, portanto, mesmo agora nada existiria – o que é absurdo. Logo, não somente todas as coisas existentes são meramente possíveis, mas deve existir algo cuja existência é necessária. Mas toda coisa necessária pode ter ou não sua necessidade causada por outra. Porém, é impossível progredir infinitamente nas coisas necessárias que têm sua necessidade causada por outra, conforme já foi provado em relação às causas eficientes. Não podemos, portanto, deixar de reconhecer a existência de algum ser que tem sua própria necessidade e que não a recebe de outro, mas que, pelo contrário, causa nos outros a necessidade que têm. A tudo isso o homem chama de Deus.

Seu argumento demonstra que, para que alguma coisa exista, é necessário um princípio. O método aponta para a necessidade da existência de algo que antes dele nada existiu, ou seja, uma causa não causada, um princípio não criado, um ser autoexistente. Determinada via procura a essência dos seres do universo, e aquilo que deve ser o ponto de partida para existirem.

A quarta refere-se aos graus de perfeição do ser. São Tomás apud Olson (2001, p. 346), entende que “[...] deve haver [...] algo que seja, para todos os seres, a causa da existência, virtude e qualquer outra perfeição; e a ela chamamos Deus”.

A via pode ser considerada de índole platônica, pois podemos observar que em todas as coisas há graus hierárquicos, e consequentemente esses níveis de hierarquia e perfeição irão culminar na necessidade de um ser que está acima de todas as coisas e é perfeito. Se há perfeição no mundo, é porque alguém perfeito criou todas as formas de requintes.

Todas as coisas estão classificadas em ordem pelo grau de beleza e nobreza que possuem. Quando uma coisa for mais nobre e bela, concluímos que ela se aproxima de algo mais nobre e belo do que ela, todavia, toda perfeição reside em Deus.

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A quinta diz respeito ao fato de que todas as coisas convergem para um fim, pois segundo Aquino apud Olson (2001, p. 346), “existe algum ser inteligente, por quem todas as coisas naturais são dirigidas para um fim; e esse ser chamamos Deus”.

Essa via nos leva a pensar na ordem existente no cosmos, pois o que existe no universo segue uma ordem de funcionamento e, de acordo com o pensamento de Aquino, a ordem converge para um fim estabelecido por Deus, e o fim para o qual convergem todas as coisas criadas é Deus. É necessária uma inteligência que tenha projetado todas as coisas, pois assim como uma lança só chega ao seu destino se alguém a lançar, podemos concluir que as coisas acontecem no universo porque alguém estabeleceu um fim para o qual ela existe.

Caro acadêmico, acreditamos que foi possível observar, neste tópico, que a Idade Média foi um período em que houve uma intensa produção filosófica. Embora a produção tenha de alguma maneira estado associada ao campo religioso, entretanto não podemos desmerecer o trabalho dos importantes pensadores medievais.

Infelizmente, não é possível discorrer sobre os principais pensadores do período, pois foram muitos e deixaram um importante legado, tanto na teologia quanto na filosofia. Esperamos que o que abordamos aqui tenha sido suficiente para lhe dar uma noção das principais discussões filosóficas medievais.

DICAS

Esta obra trata-se de um manual que mostra como se delineiam as figuras mais representativas e a evolução da filosofia cristã desde Orígenes até o final da Idade Média. Boehner e Gilson empreenderam um grande esforço, no sentido de escrever uma História de Filosofia Cristã, que trouxesse aos leitores informações extraídas diretamente da fonte. Esta obra possui um valor inestimável para aqueles que desejam saber e compreender um pouco mais da filosofia medieval.

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LEITURA COMPLEMENTAR 1

Deus É Imóvel

5. Daqui se infere ser necessário que o Deus que põe em movimento todas as coisas é imóvel. Com efeito, por ser a primeira causa motora, se Ele mesmo fosse movido, sê-lo-ia ou por si mesmo ou por outro. Ora, Deus não pode ser posto em movimento por outra causa motora, pois neste caso haveria uma outra causa anterior a Ele, com o que já não seria Ele a primeira causa motora. Se fosse movido por si mesmo, teoricamente isto poderia ocorrer de duas maneiras: ou sendo Deus, sob o mesmo aspecto, causa e efeito ao mesmo tempo, ou sendo Ele, sob um aspecto, causa de si mesmo, e, sob outro, efeito.

Ora, a primeira hipótese não pode ocorrer, pois tudo o que é movido está em potência, ao passo que o que move está em ato (na qualidade de causa motora). Se Deus fosse sob um e mesmo aspecto causa e efeito ao mesmo tempo, seria necessariamente potência e ato sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, o que é impossível.

Tampouco pode-se verificar a segunda hipótese acima apontada. Pois, se Deus fosse sob um aspecto causa motora, e sob outro efeito movido, já não seria a primeira causa em virtude de si mesmo. Ora o que é por si mesmo, é anterior ao que não o é. Logo, é necessário que a primeira causa motora seja totalmente imóvel.

6. A mesma argumentação pode ser feita a partir das causas motoras e dos defeitos existentes no universo criado. Com efeito, parece que todo o movimento procede de uma causa imóvel, a qual não é movida segundo o mesmo tipo de movimento. Assim, observamos que os processos de alteração, de geração e de corrupção verificados no reino criado inferior se reduzem ao corpo celeste (o Sol) como à primeira causa motora, a qual por sua vez não é movida por nenhuma outra situada dentro da mesma esfera, uma vez que não pode ser gerada, nem corrompida, nem alterada. Conclui-se, portanto, necessariamente que Aquele que constitui o princípio primário de todo movimento é totalmente imóvel.

FONTE: São Tomás de Aquino, Compêndio de Teologia, Col. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 78. In: ARANHA, Maria L.; MARTINS, M. H. Filosofando: Introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.

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LEITURA COMPLEMENTAR 2

O Que É O Tempo

17. Não houve tempo nenhum em que não fizesseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.

Nenhuns tempos Vos são coeternos, porque Vós permaneceis imutável, e se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo (sic) perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.

De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro –, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Contudo, se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar pelo pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser?

FONTE: AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 322 (Coleção Os Pensadores).

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A patrística compreende o período que vai de meados do século IV ao século VII.

• O principal representante da filosofia patrística foi Santo Agostinho.

• Agostinho desenvolve uma filosofia que afasta a ideia de que a alma tenha uma extensão no espaço ou que tenha a forma de um corpo, pois sua preocupação não reside na substancialidade da alma, mas na espiritualidade dela.

• A tese agostiniana acerca da alma humana é que ela é responsável por comunicar o homem com Deus e entrar em comunhão com Ele.

• A escolástica recebe determinado nome pelo fato de ser uma tentativa de conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional. Tomás de Aquino é o principal representante da filosofia escolástica ou escolasticismo.

• O pensamento de São Tomás se caracteriza pelo fato de ver a teologia e a filosofia como duas ciências que se completam.

• São Tomás de Aquino desenvolveu uma teoria sofisticada para explicar a existência de Deus: Quinque viis. Por meio das cinco vias (Quinque viis), ele empreenderá um esforço sistemático para provar a existência de Deus, partindo de uma argumentação de que a razão humana é capaz de compreender que existe um Deus e que isso pode ser alcançado naturalmente.

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1 Entre as muitas questões que incomodaram Agostinho, uma delas diz respeito à maneira como a alma tem sua origem no homem. Entre as muitas teorias desenvolvidas para explicar o mistério, Agostinho também desenvolveu uma maneira de explicar como se dá o processo. Sobre essa questão, Agostinho acreditava que:

a) ( ) A alma resulta da união do homem e da mulher – seres físicos e espirituais que por meio de uma relação formam outros seres semelhantes.

b) ( ) A alma é insuflada no homem por ocasião de seu nascimento, pois somente nesse momento o ser gerado passava a viver.

c) ( ) A alma era uma faculdade intelectiva transmitida pelo homem por ocasião da relação sexual.

d) ( ) A alma era gerada na mulher em decorrência de uma ação de forças espirituais, sem nenhuma relação com o mundo físico e humano.

2 A filosofia desenvolvida por São Tomás de Aquino foi uma tentativa de unir a razão e a fé, conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional. O resultado foi o desenvolvimento de um sistema de pensamento amplo e profundo, pois tentou explicar os grandes mistérios da teologia a partir da elaboração de método de pensamento crítico: o escolasticismo. Sobre a filosofia de São Tomás, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A filosofia de São Tomás tem como fundamento o pensamento platônico, pois a partir desse filósofo grego é que ele desenvolve sua teoria das Cinco Vias.

( ) No pensamento de São Tomás, a filosofia e a teologia são vistas como duas áreas do conhecimento que se complementam.

( ) Ainda que houvesse resistência por parte da Igreja Católica em relação ao pensamento do filósofo grego Aristóteles, São Tomás viu nas obras do filósofo uma base consistente para desenvolver seu próprio pensamento.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F.b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – V.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA

MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, iremos discorrer sobre as principais correntes filosóficas de cada período. As correntes e métodos filosóficos desenvolvidos serviram e ainda servem como guia no sentido de nortear a reflexão filosófica. Não significa que o filósofo não seja livre para pensar, contudo as linhas de pensamento e os métodos servem para orientar a pesquisa.

Por questão de espaço, optamos por apresentar algumas das correntes filosóficas. Sabemos que ficaremos em dívida por não apresentar todas, mas acreditamos que aquilo que abordamos aqui será suficiente para você compreender um pouco mais sobre os principais debates filosóficos na modernidade e na contemporaneidade.

Para um aprofundamento sobre os métodos filosóficos que surgiram no decorrer da história da filosofia ou, as correntes de pensamento, teríamos que ter muito mais tempo e espaço. Contudo, achamos de grande importância que os acadêmicos tenham uma noção básica sobre aquilo que consideramos necessário para refletirem sobre as suas realidades profissionais a partir da filosofia.

Quando tratarmos das correntes de pensamento filosófico na modernidade, optamos por sempre apontar um dos principais representantes de cada período, ou sistema de pensamento. A opção se deve ao fato de considerarmos importante dar um rosto específico aos diferentes sistemas de pensamento filosófico.

Inicialmente, vamos discorrer sobre o pensamento filosófico na modernidade, sendo que o período marca uma ruptura com o pensamento medieval a partir do racionalismo cartesiano. Entretanto, este período lança novos e profundos desafios para os filósofos da contemporaneidade. O homem contemporâneo vai ter que lidar com uma série de novas descobertas e transformações sociais, que suscitarão uma série de novos desafios para a filosofia.

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2 FILOSOFIA MODERNA

É difícil estabelecer uma data precisa para o período exato da Filosofia Moderna. Contudo, podemos afirmar que determinado período pode ser datado entre os séculos XV até meados do século XIX. É marcado profundamente pela mudança de postura em relação à própria concepção que o ser humano tinha acerca de si mesmo, pois houve um deslocamento de uma visão teocêntrica para uma visão antropocêntrica, ou seja, o mundo não gira mais em torno de Deus, mas o ser humano é capaz de intervir e mudar o curso da história por meio do uso da razão.

Um nome que vale destacar no início da filosofia moderna é o de Francis Bacon (1562-1626). Descendente de uma família de nobres, Bacon ocupou importantes cargos políticos e sofreu perseguição ao ser acusado de corrupto. A respeito de sua conduta moral, sua obra Novum Organon, tornou-se uma obra científica de inegável valor.

A contribuição de Bacon consiste no desenvolvimento do método indutivo de investigação científica, pois ele estava preocupado com a questão metodológica de seu tempo. Era necessário desenvolver um método que fosse capaz de levar a um conhecimento objetivo.

De acordo com Bacon, “a ciência deveria valorizar a pesquisa experimental, tendo em vista proporcionar resultados objetivos para o homem. Para isso, era necessário que o cientista se libertasse daquilo que Bacon denominava de ‘ídolos’” (COTRIM, 2000, p. 147). Esses ídolos são os responsáveis pelo insucesso das ciências.

Os ídolos que bloqueiam a mente humana é uma teoria desenvolvida por Bacon. O primeiro eram Ídolos da Tribo, pois se originavam da natureza da mente humana a partir da ideia falsa de que o homem é a medida de todas as coisas. Tais ídolos se referem às noções fundadas na tendência do intelecto humano, que comumente mistura a própria natureza com a natureza das coisas que ele observa.

A segunda espécie são os Ídolos da Caverna, que são os dos homens enquanto indivíduos, pois são aqueles que derivam da pessoa que está fazendo a análise, da sua natureza singular, formada pelas suas experiências, suas leituras, seus hábitos, sua educação e suas relações sociais.

Os Ídolos de Foro ou de Mercado são formados a partir da linguagem, do discurso, pois as palavras exercem grande poder sobre a razão. As palavras possibilitam que os ídolos penetrem no intelecto humano e a maneira como as palavras são impostas podem bloquear o intelecto e perturbá-lo por completo, impedindo que seja frutífero e contribua para o desenvolvimento científico.

Por fim, há os Ídolos do Teatro, que se originam nos dogmas filosóficos. Bacon dá esse nome à espécie, pois segundo ele, a filosofia não passava de uma

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TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

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peça teatral, representando o mundo. Assim, esses ídolos faziam com que as pessoas construíssem uma visão de mundo a partir de um sistema filosófico, que muitas vezes impedia que o sujeito desenvolvesse uma percepção mais abrangente, pois se fixava em um dogmatismo filosófico.

O método indutivo proposto por Bacon tinha como finalidade combater os erros provocados pelos ídolos. Assim, sua contribuição para a ciência moderna “foi apresentar o conhecimento científico como resultado de um método de investigação capaz de conciliar a observação dos fenômenos, a elaboração racional das hipóteses e a experimentação controlada para comprovar as conclusões obtidas” (COTRIM, 2000, p. 149).

2.1 O ILUMINISMO

O Iluminismo moderno pode ser compreendido como o movimento “que vai dos últimos decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII: esse período muitas vezes é designado simplesmente Iluminismo ou século das luzes” (ABBAGNANO, 2012, p. 618).

O fim do sistema de produção feudal e da intensificação das atividades comerciais fizeram com que surgisse uma nova classe social, a burguesia, e consequentemente, um novo sistema de produção e comercialização dos produtos: o capitalismo.

Nesse novo sistema de produção, com o fortalecimento econômico das nações, surge o Iluminismo, que representa os ideais da classe social que havia se fortalecido com a nova dinâmica da economia, neste caso, a burguesia. Para Kant apud Abbagnano (2012, p. 618):

O iluminismo é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia.

Significa dizer que o ser humano é capaz de ser dono de si mesmo e escolher seu próprio caminho por meio da razão, sem a necessidade de ser guiado por uma autoridade arbitrária que o conduz sem que sua racionalidade seja explorada.

Assim, o ser humano, por meio da ciência e da técnica, é capaz de dominar a natureza e atingir o progresso material, moral e intelectual. Não apenas isso, mas sua capacidade racional é capaz de elevar o ser humano a desfrutar da felicidade, pois a razão tenderia a conduzir o ser humano à perfeição.

No texto a seguir, você perceberá a maneira como o Iluminismo pode estar relacionado com as atividades comerciais da burguesia.

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BURGUESIA E O ILUMINISMO

Igualdade jurídica

No ato de comércio, como, por exemplo, a compra e venda, todas as eventuais desigualdades sociais entre compradores e vendedores não são essenciais. Na compra e venda, o que efetivamente importa é a igualdade jurídica dos participantes do ato comercial. Assim, o Iluminismo defendia a igualdade jurídica de todos perante a lei. Todos seriam cidadãos com direitos básicos, embora com diferentes situações socioeconômicas.

Tolerância religiosa ou filosófica

Para a realização do ato comercial, não têm menor importância as convicções religiosas ou filosóficas das pessoas.

Do ponto de vista econômico, seria irracional, absurdo, o processo de compra e venda somente entre pessoas da mesma religião ou filosofia. Seja muçulmano, judeu, cristão ou ateu, a capacidade econômica de um indivíduo não depende de suas crenças religiosas ou filosóficas. Assim, a burguesia assumiu a defesa da tolerância.

Liberdade pessoal e social

O comércio só pode se desenvolver em uma sociedade em que as pessoas estejam livres para realizar seus negócios. A burguesia, então, posicionou-se contra a escravidão da pessoa humana, pois sem homens livres, recebendo salários, não pode haver mercado comercial.

Propriedade privada

O comércio também só é possível entre as pessoas que detenham a propriedade de bens ou de capitais, pois a propriedade privada confere ao proprietário o direito de usar e dispor livremente do que lhe pertence. Assim, a burguesia passou a defender o direito à propriedade privada, que se tornou essencial à sociedade capitalista.

FONTE: GOLDMANN, Lucien. La Ilustración y la sociedad actual. In: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170-171.

Podemos observar o alcance dos ideais iluministas e a maneira como esses ideais podem ser interpretados pelas diferentes classes sociais. No caso dos burgueses, os ideais representavam maior liberdade para a concretização de seus interesses comerciais.

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Assim, é possível afirmar que “o iluminismo não foi um movimento coeso e, por isso mesmo, apresenta uma riqueza e complexidade que lhe são peculiares” (COTRIM, 2000, p. 171). Se por um lado encontramos uma crítica ferrenha ao Absolutismo europeu, que controlava arbitrariamente a vida dos indivíduos, por outro lado os ideais iluministas servem aos interesses de outra classe, que precisava frear o poder dos reis e estabelecer uma ordem social que promovesse os seus interesses, ou seja, os interesses burgueses.

Se, por um lado, temos a influência do Iluminismo no âmbito das relações comerciais, por outro lado, o Iluminismo influenciará no próprio sistema jurídico do Estado. Exemplo é a proposta do filósofo francês Montesquieu (1689-1755), que em sua obra “O espírito das leis”, “discute a respeito das instituições e das leis, e busca compreender a diversidade das legislações existentes em diferentes épocas e lugares” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 222).

Na obra, o filósofo argumenta no sentido de defender que é necessária a separação dos poderes do Estado, pois evitaria os abusos dos governantes que concentravam os poderes de forma absoluta. Assim, ele propõe que os poderes do Estado sejam divididos em poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

A seguir, você poderá perceber a argumentação de Montesquieu, que fundamentou sua proposta para a divisão dos poderes do Estado.

OS TRÊS PODERES

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.

FONTE: MOTESQUIEU. Do espírito das leis. Col. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 157. In.: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

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Observe que a proposta de Montesquieu é a descentralização do poder, pois ao olhar para a história política, é possível perceber os abusos e opressões que foram feitos quando o poder estava centralizado na mão de uma única pessoa, ou nas mãos de um grupo exclusivo de indivíduos, que eram os únicos que criavam as leis, julgavam e executavam.

2.2 O RACIONALISMO

O racionalismo surge em um período de profundas crises, pois no campo da ciência, as teorias de Galileu e Copérnico haviam revolucionado a maneira como o ser humano percebia o universo.

No campo religioso, uma das esferas mais importantes da sociedade, o poder da Igreja Católica, havia sido abalado com a Reforma de Lutero, abrindo caminho para um questionamento profundo acerca do poder universal do Catolicismo. As verdades absolutas, com base em dogmas divinos e que haviam orientado o pensamento até então, foram colocadas em dúvida diante das novas descobertas no campo da física.

Diante da nova realidade, os temas mais variados entraram na pauta das reflexões filosóficas. É importante ressaltar que:

O pensador francês René Descartes, que viveu entre 1596 e 1659, pode ser considerado o pai do racionalismo moderno. Em seus estudos, ele não fugiu de temas como Deus, a alma, o mundo e o pensamento. Essa continuidade com os temas medievais expressa-se principalmente no seu esforço para conciliar a fé cristã com os princípios da ciência nascente e para encontrar uma forma de explicação da ordem social que não levasse ao ateísmo nem ao materialismo, o que não podia ser feito pela via da fé, dada a situação de desestruturação em que a mesma se encontrava na Europa, onde a luta pelo poder dividia os fiéis em católicos e protestantes (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 187).

O racionalismo centrou na razão humana particular e na confiança, ao estabelecer a crença de que é da razão que obtemos conhecimento. Assim, o racionalismo, de maneira geral, consiste na “atitude de quem confia nos procedimentos da razão para a determinação de crenças ou de técnicas em determinado campo” (ABBAGNANO, 2012, p. 967).

Em um sentido mais preciso, “o racionalismo é a posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento" (HESSEN apud SILVEIRA, 2002, p. 28). A razão é a fonte primária capaz de gerar conhecimento, pois somente por meio dela é possível conceber conhecimentos universalmente válidos.

Ao contrário da experiência, que nos proporcionou ideias que, em sua maioria, são confusas e incertas, a razão penetra na essência das coisas, revelando o verdadeiro conhecimento, pois para os racionalistas “a experiência externa ou

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sensível é secundária, podendo até ser prejudicial ao conhecimento” (BUNGE apud SILVEIRA, 2002, p. 29).

O racionalismo, ao relegar a experiência a um plano secundário, estabelece que a única maneira de chegarmos à essência das coisas seria através das “verdades oriundas da intuição pura e abstrata, portanto racional” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 186).

Vamos discorrer um pouco mais sobre as contribuições de Descartes, que é um dos mais importantes filósofos racionalistas. De acordo com Luckesi e Passos (2000, p. 189), “o eixo central do método cartesiano de pensar foi a dúvida; ele a tomou como método, pois acreditava ser preciso duvidar de todas as certezas existentes até encontrar uma que fosse indubitável”. As certezas indubitáveis se tornariam o fundamento sobre o qual se poderia construir um conhecimento verdadeiro.

O método de duvidar de tudo se tornou o critério elementar, pois ao questionarmos tudo e todas as coisas, poderemos chegar a uma certeza acerca de alguma coisa. O primeiro passo foi colocar em dúvida os conhecimentos advindos das percepções sensoriais, pois as ideias oriundas das experiências sensíveis, acerca dos objetos materiais, são incertas.

Assim, Descartes conclui que apenas nossos pensamentos existem, pois segundo ele, “penso, logo existo” (Latim: cogito ergo sum). Acontece porque “na medida mesmo em que estou pensando, tenho a certeza que estou existindo” (DESCARTES apud LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 189). Ao duvidar dos sentidos, por não os considerar confiáveis como fonte do conhecimento, o filósofo concluiu que o único conhecimento do qual não se pode duvidar é que o “eu” é uma coisa que pensa.

Observe que a cadeia de dúvidas é interrompida pelo ser que duvida, pois se o pensamento existe, logo, o ser pensante também existe, porque o pensamento não pode ser dissociado daquele que pensa. A partir da certeza da existência do ser que dúvida, é possível construir um conhecimento verdadeiro. Assim, o método (dúvida) desenvolvido por Descartes se orienta a partir de quatro regras: a evidência, a análise, a síntese e o desmembramento.

A primeira regra – a evidência – consiste em não aceitar qualquer coisa que se possa ter alguma dúvida acerca da sua veracidade, pois ela deve ser clara por si mesma, não abrindo margem para conjecturas e dúvidas.

A segunda regra – a análise – consiste no fato de que as coisas devem ser observadas/verificadas no maior número de partes possíveis, ou seja, devem ser divididas na maior quantidade de partes possíveis para que a razão tenha um entendimento mais perfeito.

A terceira regra – a síntese – é a partir da investigação do mais simples para o mais complexo, é na verdade o ordenamento do pensamento em que

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distinguimos o que são verdades simples, absolutas e independentes, daquelas que são verdades mais complexas, relativas e condicionadas.

A quarta regra – desmembramento – estabelece que o investigador deve enumerar as partes, pois seleciona apenas aquilo que é necessário e suficiente para solucionar um problema, e evita o esquecimento.

2.3 EMPIRISMO

A questão que ocupará a mente dos filósofos modernos gira em torno da busca por conhecer a realidade, para então se chegar a uma verdade sobre a causa dos fatos. O empirismo é a corrente filosófica que vai dar uma verdadeira guinada na busca, pois os representantes dessa linha de pensamento assentam seu método na experiência, pois “o empirista partia do princípio aristotélico de que ‘nada estava no intelecto sem que antes não tivesse estado nos sentidos’” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 194).

Assim, eles negavam o inativismo, pois as experiências decorrentes das percepções sensoriais constituem a fonte do conhecimento, e somente por meio da sensibilidade é possível chegar ao conhecimento verdadeiro. Assim, o que caracteriza de forma mais geral a corrente filosófica é “1) negação do caráter absoluto da verdade ou, ao menos, da verdade acessível ao homem; 2) reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada” (ABBAGNANO, 2012, p. 377-378).

NOTA

“A palavra empirismo vem do grego emperia, que significa “experiência”. O empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 105-106). Na corrente filosófica, a experiência é o critério para se chegar à verdade. O ponto de apoio dos empiristas para se encontrar maior grau de certeza na construção do conhecimento perpassa necessariamente pela experiência.

Entre os pensadores que se destacam nessa corrente de pensamento filosófico, podemos destacar os seguintes: Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e David Hume. Não será possível discorrer sobre o pensamento de todos eles, pois suas contribuições são muito vastas. Assim, vamos discorrer brevemente sobre o pensamento de Locke.

John Locke (1632-1704) nasceu na cidade de Urington, na Inglaterra. Teve um interesse bastante diversificado no que se refere ao conhecimento científico. No âmbito da política, por exemplo, chegou a trabalhar como secretário do Conde de Shaftesbury (Ashley Cooper), chanceler da Inglaterra.

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A oportunidade de transitar pelas diferentes áreas possibilitou que Locke ampliasse seus horizontes e produzisse importantes obra no campo da filosofia, entre elas Ensaio sobre o entendimento humano, publicada em 1690, em que ele desenvolve a sua teoria sobre a origem e a natureza do conhecimento humano.

FIGURA 17 – JOHN LOCKE

FONTE: <http://ordemlivre.org/posts/biografia-john-locke--2>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Locke toma como ponto de partida, no sentido de conhecer os limites do conhecimento humano, uma crítica ao intelecto humano. No entendimento dele, ao nascer, o ser humano é como uma tábula rasa, como uma folha de papel em branco sem ideia alguma registrada na tábula.

Determinada concepção se choca diretamente com a filosofia racionalista de pensadores como Platão, Agostinho e Descartes, que acreditavam que o ser humano, ao nascer, já possuía algumas ideias inatas, portanto, anteriores à experiência sensorial. Para Locke, não fazia sentido, pois apresentava alguns problemas, entre eles a impossibilidade de provar cabalmente que o indivíduo possui ideias desde seu nascimento.

Assim, “os objetos externos suprem a mente com as ideias das qualidades sensíveis, que são todas diferentes percepções produzidas em nós, e a mente supre o entendimento com ideias através de suas próprias operações” (LOCKE apud LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 200). Locke primeiramente faz sua crítica em relação à concepção inatista das ideias, em seguida analisa o desenvolvimento do processo do conhecimento.

Seguindo a linha de pensamento, significa dizer que o conhecimento está fundamentado na experiência, e esta, por sua vez, é responsável por nos fornecer as ideias que constituem tudo aquilo que podemos saber sobre o mundo. Assim, deparamo-nos com a seguinte questão: quais são as fontes dessas ideias? Para Locke, essas fontes são as sensações (o sentido externo) e a reflexão (sentido interno). Sobre isso, cabe citar o próprio filósofo.

3. O objeto da sensação é uma fonte das ideias. Primeiro, nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam

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para nossa mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Recebemos, assim, as ideias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as ideias que denominamos de qualidades sensíveis [...] A esta grande fonte da maioria das nossas ideias, bastante dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o entendimento, denomino sensação. 4. As operações de nossas mentes consistem na outra fonte de ideias. Segundo, a outra fonte pela qual a experiência supre o entendimento com ideias é a percepção das operações de nossa própria mente, que se ocupa das ideias que já lhe pertencem. Tais operações, quando a alma começa a refletir e a considerar, suprem o entendimento com outra série de ideias que não poderia ser obtida das coisas externas, tais como a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, raciocinar, o conhecer, o querer e todos os diferentes atos de nossas próprias mentes. Tendo disso consciência, observando esses atos em nós mesmos, nós os incorporamos em nossos entendimentos como ideias distintas, do mesmo modo que fazemos com os corpos que impressionam nossos sentidos. Toda gente tem essa fonte de ideias completamente em si mesma; e, embora não a tenha sentido como relacionada com os objetos externos, provavelmente ela está e deve propriamente ser chamada de sentido interno [...]. Denomino esta de reflexão (LOCKE, 1999, p. 57-58).

Locke faz outra distinção importante entre ideias, pois segundo ele, existem ideias simples e compostas. As ideias simples são fornecidas pela sensação e reflexão, “são apreendidas passivamente pela mente [...], sem as quais a mente não pode, por si mesma, formar e/ou ter nenhuma ideia” (LOCKE, 1999, p. 91).

As ideias se tornam compostas ou complexas “quando o entendimento já está abastecido de ideias simples, tem o poder de repetir, comparar e uni-las numa variedade quase infinita, formando à vontade novas ideias complexas” (LOCKE, 1999, p. 63). Assim, diante das ideias simples, que constituem o material primitivo e fundamental do conhecimento, a mente é puramente passiva, torna-se ativa na formação das ideias complexas.

3 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

O período denominado de Filosofia Contemporânea compreende a filosofia desenvolvida a partir do final do século XVIII, que tem como marco a Revolução Francesa, em 1789. Engloba, portanto, os séculos XVIII, XIX e XX.

É necessário ressaltar que determinada definição não é aceita de maneira unânime pelos historiadores. Deixando a discussão para o campo da história, vamos discorrer sobre algumas das correntes e sistemas filosóficos que surgiram e se desenvolveram no período.

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3.1 POSITIVISMO

O positivismo é uma corrente filosófica que se originou na França no início do século XIX. A Europa vivia um momento de profundas transformações sociais e econômicas, pois era o momento de transição que a sociedade se tornava cada vez mais urbana e industrial. Diante do quadro, o positivismo se propõe a compreender as mudanças por meio da observação e compreender as leis que regem a natureza e o comportamento humano.

Outro aspecto relevante do Positivismo é destacado por Cotrim (2000,

p. 189): “o positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da industrialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista, guiado pela técnica e pela ciência”, pois a técnica e a ciência concebem ao ser humano a capacidade de intervir na realidade e agir sobre a própria natureza. Assim, o positivismo é uma diretriz filosófica que influenciou diversas áreas do conhecimento humano.

A origem do positivismo é atribuída para Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês, nascido em Montpellier, na França.

FIGURA 18 – AUGUSTO COMTE

FONTE: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de-auguste-comte/>.Acesso em: 31 mar. 2018.

Comte desenvolveu a teoria denominada de Lei dos três estados. A teoria resume o pensamento dele acerca da evolução histórica e cultural da humanidade. A humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três estados no que se refere à concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o estado metafísico e o positivo.

Esses três estados pelos quais a humanidade passou significam, na verdade, os três estágios do conhecimento científico. Essa teoria de Comte tenta explicar o desenvolvimento das concepções intelectuais da humanidade.

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Para Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42), “no estado teológico, o espírito humano [...] apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias existentes no universo”.

Neste estado, as explicações partem da ideia de que há deuses (posteriormente surge a ideia de um único Deus – monoteísmo) que regem os destinos do universo, ou seja, Deus está presente em tudo e tudo o que acontece parte da vontade Dele.

O segundo estado da humanidade, denominado de metafísico, é entendido como o momento em que se conhecem os fenômenos a partir das causas primeiras. Assim, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42) escreveu que:

No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que uma simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente.

No segundo estado, os fenômenos são explicados a partir de forças ocultas, a ideia da existência de um Deus, que rege todas as coisas, vai dando lugar para explicações menos místicas. Em termos simples, significa dizer que os agentes sobrenaturais dão lugar para forças ocultas. As fundamentações desse estado são mais racionais que o primeiro, mas ainda tem o caráter metafísico porque não são demonstráveis experimentalmente.

No terceiro e último estágio, o positivo, a filosofia é substituída pelo conhecimento científico. Assim, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 43) afirma que:

Enfim, no estágio positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter as noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso do bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude.

Neste estágio, o espírito humano renuncia a procura pelos fins últimos, ou seja, abandona a busca de respostas para os últimos ‘porquês’. O ser humano, ao abandonar as respostas religiosas, busca por meio do conhecimento científico compreender as leis que regem os fenômenos no sentido de prever qual deve ser o próximo passo a ser dado para antecipar ao que irá acontecer.

É o estado da capacidade humana, pois consegue superar todas as especulações metafísicas e constrói um conhecimento resultante da verificação e comprovação.

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3.2 IDEALISMO

Quando falamos de idealismo na modernidade, estamos nos referindo mais precisamente ao idealismo alemão. Embora esteja presente na filosofia antiga, o idealismo recebe maior influência dos pensadores do período moderno.

Na ocasião, não iremos tratar do idealismo platônico e nem do idealismo tomado no sentido gnosiológico (ou epistemológico), mas no sentido romântico que se tornou uma grande corrente filosófica “que se originou na Alemanha no período pós-kantiano e que teve numerosas ramificações na filosofia moderna e contemporânea de todos os países (ABBAGNANO, 2012, p. 608).

Assim, deixaremos as divergências de lado acerca das perspectivas teóricas dos filósofos idealistas, pois vamos discorrer brevemente sobre os diferentes tipos de idealismo: Idealismo Transcendental, Dogmático, Imaterialista e Absoluto. Em nosso estudo, iremos abordar apenas o Transcendental e o Absoluto.

Idealismo transcendental é a teoria do conhecimento desenvolvida por Immanuel Kant. Ao elaborar sua teoria do conhecimento, Kant se depara com a dicotomia racionalismo/empirismo. Por um lado, temos uma tradição racionalista (Platão, Descartes, Leibniz e Espinosa) que afirmava que todo conhecimento provém da razão. Por outro lado, a tradição empirista (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume), afirmando que somente os dados provenientes da experiência sensível forneciam as bases para o conhecimento.

Tal dicotomia representava um problema para Kant, pois segundo o filósofo “sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, e intuições sem conceitos são cegas” (KANT, 1983, p. 57). Assim, Kant estava querendo dizer que na sensibilidade (empirismo) o objeto nos é dado, contudo o objeto percebido pela nossa sensibilidade deve ser pensado pelo entendimento (racionalismo).

Portanto, uma teoria do conhecimento precisa superar determinada dicotomia e avançar no sentido de apontar uma solução intermediária, neste caso, uma filosofia transcendental. Para Kant, o enfoque transcendental se constitui em uma revolução copernicana na filosofia, como aconteceu com Copérnico, ao afirmar que era a Terra que girava em torno do Sol e não o contrário, com havia sido afirmado por Ptolomeu e Aristóteles.

Kant aponta para o fato de que até então o conhecimento se regulava pelo objeto, pois as teorias tentavam adequar a razão humana aos objetos, pois estes eram o centro do conhecimento. A filosofia transcendental de Kant proporciona uma virada, pois segundo ele,

Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso

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tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados (KANT, 1983, p. 12).

Com isso, Kant queria dizer que o sujeito possui as condições de possibilidade de conhecer, pois aquilo que o sujeito vê é a representação das coisas na nossa percepção. É o sujeito que dá sentido aos objetos no mundo e não o contrário. Assim, o conhecimento gravita em torno do sujeito que conhece, que percebe e não em torno do objeto do conhecimento, pois é o sujeito que intui sobre o objeto e não o contrário.

O idealismo absoluto foi desenvolvido pelo filósofo alemão Georg W. F. Hegel (1770-1831). Hegel, na sua juventude, estudou teologia, e pode ser notado na maneira como desenvolveu sua própria filosofia, visto que no fundamento dela é possível perceber a influência teológica, embora os aspectos de sua teologia cristã se afastem dos princípios ortodoxos.

FIGURA 19 – GEORG W. F. HEGEL

FONTE: <https://universoracionalista.org/como-fingir-entender-hegel/>. Acesso em: 31 mar. 2018.

O idealismo hegeliano tem como fundamento o conceito de espírito absoluto. Para compreendermos o conceito, é necessário compreendermos antes de tudo, a maneira como Hegel compreende a realidade.

Assim, “Hegel, tomando como ponto de partida a noção kantiana de que a consciência (ou sujeito) interfere ativamente na construção da realidade, propõe o que se chama de filosofia do devir, ou seja, do ser como processo, como movimento, como vir a ser” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 118). A realidade é movimento.

A realidade consiste em uma sequência de acontecimentos e situações que se sucedem de maneira contínua e o movimento dessa sucessão é de superação em relação à situação estabelecida que caminha para uma nova situação que é qualitativamente distinta da situação anterior. Para melhor entendimento, Hegel apresenta um exemplo bem comum que pode ser observado no cotidiano das pessoas:

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O botão desaparece no florescimento, podendo se dizer que aquele é rejeitado por este; de modo semelhante, com o aparecimento do fruto, a flor é declarada falsa existência da planta, com o fruto entrando no lugar da flor como a sua verdade. Tais formas não somente se distinguem, mas cada uma delas se dispersa também sob o impulso da outra, porque são reciprocamente incompatíveis. Mas, ao mesmo tempo, a sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual elas não apenas não se rejeitam, mas, ao contrário, são necessárias uma para a outra, e essa necessidade igual constitui agora a vida do inteiro (HEGEL apud COTRIM, 2000, p. 193).

Determinado exemplo reflete a ideia de que a vida orgânica da planta permanece a mesma, contudo há uma variação de estados da planta que se sucedem durante sua vida.

Essa unidade só é possível em decorrência da sucessão de acontecimentos, que alteram qualitativamente a situação anterior para a posterior. Assim, há três momentos, neste movimento, presente na realidade, que são denominados de tese (em si); antítese (fora de si) e síntese (retorno a si).

“Hegel os concebe como um movimento em espiral, ou seja, um movimento circular que não se fecha, pois cada momento final, que seria a síntese, se torna a tese de um movimento posterior, de caráter mais avançado” (COTRIM, 2000, p. 194).

A ideia básica do idealismo hegeliano pode ser resumida da seguinte

maneira:

O homem tem de viver em dois mundos que se contradizem [...]. O espírito afirma o seu direito e a sua dignidade perante a anarquia e a brutalidade da natureza à qual devolve a miséria e a violência que ela o faz experimentar. Mas esta divisão da vida e da consciência cria para a cultura moderna e para a sua compreensão a exigência de resolver uma tal contradição (HEGEL apud ARANHA, MARTINS, 1993, p. 118).

Assim, o filósofo apresenta a ideia de que a realidade não é estática, mas está em mudança contínua. A força motriz da mudança são as contradições e os embates, um processo que ele denominou de dialética.

3.3 MARXISMO O marxismo é um conceito bastante amplo, pois abarca um conjunto de

ideias filosóficas, políticas, culturais e econômicas elaboradas e desenvolvidas pelo pensador alemão Karl Marx (1818-1883). Embora o conjunto de ideias seja denominado de marxismo, contudo é necessário ressaltar a importante colaboração de Friedrich Engels (1820-1895) para o seu desenvolvimento.

Em relação à composição do pensamento marxista, é possível observar que ele sofreu influência de diversas fontes, pois “da Alemanha, herdou elementos da filosofia idealista hegeliana; da França, influências do seu socialismo; e da Inglaterra, os pressupostos da sua economia” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 227).

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A partir das diversas fontes, o marxismo se constitui como uma teoria social abrangente, pois ele contempla os elementos dialéticos da filosofia hegeliana, embora o critique profundamente; elementos da prática política francesa, pois apela para a participação popular nas decisões do Estado; e elementos da teoria econômica inglesa, apontando para as contradições internas do sistema capitalista.

Outro aspecto importante em relação ao marxismo é que, “esta concepção constitui uma teoria materialista da sociedade, para a qual o mundo material exerce uma predominância sobre o mundo ideológico e no qual o movimento é a sua própria essência” (LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 227). Assim, o marxismo é composto de uma teoria científica – materialismo histórico – e uma teoria filosófica – materialismo dialético.

No materialismo histórico, o ser humano não pode ser pensado de maneira abstrata, mas deve ser pensado em seu conjunto de ralações sociais, pois para Marx apud Cotrim (2000, p. 200), “a essência humana [...] é o conjunto das relações sociais”. As relações sociais definem os comportamentos, a maneira de agir, de pensar e sentir dos indivíduos.

Determinadas relações se dão no campo da produção da vida material, que pretende atender às necessidades humanas para sua manutenção e sobrevivência. Assim, o materialismo histórico explica o processo histórico da humanidade a partir das relações de produção material na sociedade.

É necessário compreender que o materialismo histórico é ao mesmo tempo dialético, pois o homem alienado historicamente busca se opor às condições que o oprimem. Ao se levantar contra as condições materiais e ideológicas que o oprimem – teses estabelecidas pela classe dominante – o homem se coloca como uma antítese.

O embate entre dominadores (tese) e dominados (antítese) faz com que surja a síntese, ou seja, um acordo que pretende estabelecer um novo plano de relações sociais, que visam à superação das desigualdades. Entretanto, o embate de forças está no sentido de superar as constantes contradições que surgem nas relações sociais.

3.4 EXISTENCIALISMO

O existencialismo consiste em uma doutrina filosófica que surgiu na Europa, em meados do século XX. Com o tempo, tornou-se um movimento intelectual muito importante. A principal contribuição desta escola filosófica é sua ênfase na responsabilidade do homem sobre seu destino e no seu livre-arbítrio.

O termo existencialismo designa o conjunto de tendências filosóficas que, embora divergentes em vários aspectos, tem na existência humana o ponto de partida e o objeto fundamental de reflexões. Por isso, podemos designá-las mais propriamente filosofias da existência, no plural (COTRIM, 2000, p. 212).

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Sören Kierkegaard (1813-1855) concebeu ao existencialismo a ideia central da liberdade do homem. A liberdade, contudo, cobra seu preço, pois a ela carrega sua eterna aflição perante a falta de um projeto que regeria a caminhada humana.

Tal condição deixa o indivíduo à mercê de suas próprias decisões e atitudes. A realidade é vista por Kierkegaard como um feixe de possibilidades e o ser, com sua liberdade de escolha, pode optar pelas que mais lhe convém.

FIGURA 20 – KIERKEGAARD

FONTE: <http://www.deutschlandfunk.de/hoerspielklassiker-das-tagebuch-eines-verfuehrers.688.de.html?dram:article_id=344730>. Acesso em: 31 mar. 2018.

O possível diz respeito àquilo que pode ser, existir ou acontecer. De acordo com Kierkegaard (2007, p. 39), “o possível lembra a criança que recebe um convite que lhe agrada e prontamente aquiesce. Não sabe se seus pais darão consentimento. E os pais desempenham a função da necessidade”. O desejo de alguma maneira pode cegar o homem para que ele veja apenas a possibilidade, o que pode ser, existir ou acontecer, mas ignora o fator primordial na relação da liberdade, que é a necessidade.

Um dos conceitos desenvolvidos na filosofia existencialista de Kierkegaard é o da angústia. Para ele:

A angústia é a vertigem da liberdade, que quando surge o espírito quer estabelecer a síntese, e a liberdade olha para baixo, para sua própria possibilidade, e então agarra a finitude para nela firmar-se [...]. No mesmo instante tudo se modifica, e quando a liberdade se reergue, percebe que ela é culpada. Entre esses dois momentos situa-se o salto, que nenhuma ciência explicou nem pode explicar (KIERKEGAARD, 2010, p. 66).

Diferentemente dos animais, que agem instintivamente, o homem faz suas escolhas com base em um assentimento racional. Suas escolhas não são aleatórias, embora possam ocorrer, mas em sua maioria as escolhas resultam de um pensamento, de uma motivação, seja ela boa ou má.

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O ser humano é capaz de, ao se deparar com uma situação, fazer uma análise sobre qual é o melhor caminho. Determinada capacidade de analisar coloca o ser humano junto com as possibilidades, ou seja, sua análise ou capacidade de síntese, ao mesmo tempo, lhe dá vantagens sobre os animais, lhe coloca junto com a angústia.

O animal não tem a experiência da angústia, pois não racionaliza suas escolhas. As escolhas dos animais são instintivas, não havendo a necessidade de frequentemente fazerem escolhas com base em múltiplas possibilidades. O homem precisa sintetizar as possibilidades e fazer a escolha que melhor lhe agrade, ou que melhor atenda às necessidades dele.

A liberdade de escolha desencadeia no homem a angústia, pois “psicologicamente, a queda se explica, de fato, com a angústia da liberdade, na qual o indivíduo se encontra atraído por aquilo que lhe dá medo, e ele tem medo daquilo que o atrai, enquanto é colocado diante da possibilidade tanto da realização quanto do fracasso” (GARAVENTA, 2011, p. 12).

Mais uma vez nos deparamos com a questão da liberdade. Desde muito cedo, o homem quer ser livre. Enquanto criança, suas escolhas geralmente estão muito restritas, pois ainda estão sob os cuidados dos pais. Ao longo do passar dos tempos, a idade vai chegando e o homem tende a ser mais independente, podendo tomar suas próprias decisões. Todavia, essa liberdade tem o seu preço, e o preço é a angústia da liberdade diante da possibilidade.

O existencialismo enquanto escola filosófica teve influência de outros filósofos importantes, dentre eles podemos destacar Nietzsche, Husserl, Heidegger e Sartre. Não é possível discorrer sobre as contribuições filosóficas de cada um desses pensadores, pois suas obras são vastas e profundas.

3.5 FENOMENOLOGIA

A fenomenologia é um método filosófico que surgiu no século XIX. “A fenomenologia pretende realizar a superação da dicotomia razão-experiência no processo do conhecimento, afirmando que toda consciência é intencional” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 123).

A consciência do sujeito é o ponto de partida para compreender o mundo, pois o indivíduo é constituído de uma consciência intencional, pois a consciência é fonte de significado para o mundo, visto que ela “é fonte de intencionalidades não só cognitivas, mas afetivas e práticas” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 123).

O método foi concebido pelo filósofo, matemático e lógico alemão Edmund Husserl (1859-1938). Alguns atribuem a origem da fenomenologia para Franz Brentano e que suas ideias foram depois amplamente desenvolvidas por Husserl, que havia sido discípulo de Brentano.

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TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

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FIGURA 21 – EDMUND HUSSERL

FONTE: <http://www.diocesedelivramento.org/2015/05/ticos-da-fenomenologia-em-husserl.html>. Acesso em: 31 mar. 2018.

O ponto de partida para o fenomenólogo não pode ser nada daquilo que é evidente. Ao se posicionar dessa maneira, a fenomenologia assumiu a tarefa de edificar um edifício filosófico sobre novas bases, e a consciência é a pedra fundamental. “A tarefa efetiva da fenomenologia será, pois, analisar as vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo” (DARTIGUES, 2008, p. 26).

Husserl entendia que havia dois tipos de ciência: dos fatos e das essências ou eidéticas. As ciências eidéticas tinham como objeto a intuição das essências (eidos). A intuição das essências indica que o conhecimento que obtemos a partir dessa intuição, a priori, não é mediado por nenhum dado ou objeto concreto, mas é uma intuição pura acerca daquilo que está por trás dos fatos e se constituem como fundamentos destes.

O que Husserl pretende é apontar um caminho seguro para o conhecimento, livrando-se das amarras do empirismo, racionalismo, cientificismo e do relativismo.

A proposta de Husserl consiste em estabelecer a fenomenologia como um movimento de ideias, que tem seu próprio método. Através desse método filosófico, seu objetivo é alcançar, de modo rigoroso, o conhecimento.

Para que fosse possível, o sujeito deveria se libertar de toda inflexão, ou seja, de todos os elementos desnecessários e se apegar às essências. “Para o processo, Husserl denominou de ‘redução fenomenológica’, ou epoché, e consistia em colocar em suspensão, ou excluir, os dados da nossa subjetividade – hábitos, elementos psicológicos etc. –, bem como os elementos do mundo físico e religioso”

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(LUCKESI; PASSOS, 2000, p. 225). Ao se libertar ou suspender (epoché) todos esses elementos, o sujeito estará preparado para se fixar na essência.

A redução fenomenológica, ou a redução à essência, proposta por Husserl, consiste em todo ato da consciência que visa a identificar não o “objeto em si”, mas o modo como o objeto se apresenta e se revela ao indivíduo. O que Husserl propõe é regressar às coisas mesmas, que significa a vivência original do objeto. Representa uma nova maneira de pensar o problema do conhecimento, agitando toda uma tradição filosófica metafísica.

Neste tópico, buscamos apresentar, ainda que de maneira sintetizada, as principais correntes filosóficas da modernidade à contemporaneidade. Ao discorrer sobre o assunto, observamos a progressão das reflexões filosóficas, que nos ajudavam a chegar ao encontro de respostas para os problemas de cada tempo. Ainda, tais correntes permitiram a construção de várias teorias que se comprometeriam a lidar com as questões que sempre inquietaram a mente humana. A lição que deve servir para nós é que a reflexão filosófica não é estanque, pois cada tempo apresenta desafios, ajudando o ser humano a pensar e repensar os dilemas tão comuns de nossa existência.

LEITURA COMPLEMENTAR

O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO

Jean-Paul Sartre

Na realidade, a palavra humanismo tem dois significados muito diferentes. Por humanismo pode entender-se uma teoria que toma o ser humano como um fim último e como valor supremo. Neste sentido, aparece um humanismo, por exemplo, na história de Cocteau, “A volta ao mundo em 80 horas”, quando um personagem declara, ao sobrevoar as montanhas de avião: “O homem é admirável!” Isto significa que eu, pessoalmente, que não construí aviões, me benefício dessas invenções particulares e posso, pessoalmente, enquanto homem, me considerar também responsável e honrado pelas ações particulares de alguns seres humanos.

Permitiria supor que pudéssemos atribuir um valor ao homem a partir dos atos mais nobres de alguns homens. Este humanismo é absurdo, pois apenas o cachorro ou o cavalo poderiam formar um juízo coletivo sobre o homem e declarar que o homem é admirável, coisa que, com certeza, não lhes interessa fazer, pelo que eu saiba. Mas tampouco se pode admitir que um homem possa emitir um julgamento sobre o homem.

O existencialismo o dispensa de todo julgamento desse gênero: o existencialista nunca tomará o homem como fim, pois ele está por fazer-se. E não devemos crer em uma humanidade a ser cultuada, da maneira de Augusto

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TÓPICO 4 | OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA

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Comte. O culto à humanidade culmina no humanismo fechado sobre si mesmo de Comte e, devemos dizer, no fascismo. Trata-se de um humanismo que não desejamos.

Existe, no entanto, outro sentido para o humanismo, que significa no fundo, o seguinte: o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz o homem existir e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele é capaz de existir; sendo essa superação e apropriando-se dos objetos apenas em relação a essa superação, o homem está no coração, no centro dessa superação.

Não há outro universo senão o universo humano, um universo da subjetividade humana. Esta ligação da transcendência, como constitutiva do homem – não no sentido em que Deus é transcendente, mas no sentido de superação – e da subjetividade, no sentido em que o homem não se encontra encerrado nele mesmo, mas sempre presente num universo humano, denominamos de humanismo existencialista. Humanismo, porque lembramos ao homem que não há outro legislador senão ele mesmo, e que é no desamparo que ele decidirá por si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo, mas sempre buscando fora de si um fim que consiste nessa liberação, nesta realização particular, que o homem se realizará precisamente como humano.

FONTE: SATRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 59-61.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• O Iluminismo moderno pode ser compreendido como o movimento que vai dos últimos decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII: o período muitas vezes é designado simplesmente Iluminismo ou século das luzes.

• O racionalismo centrou na razão humana particular e na confiança, ao estabelecer a crença de que é da razão que obtemos conhecimento.

• O racionalismo é a posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento.

• O empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento.

• Locke toma como ponto de partida, no sentido de conhecer os limites do conhecimento humano, fazer uma crítica ao intelecto humano. No entendimento dele ao nascer, o ser humano é como uma tábula rasa, como uma folha de papel em branco sem nenhuma ideia registrada nessa tábula.

• O positivismo é uma corrente filosófica que se originou na França no início do século XIX.

• Comte desenvolveu a teoria denominada de Lei dos três estados. Resume o pensamento dele acerca da evolução histórica e cultural da humanidade. A humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três estados no que se refere à concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o estado metafísico e o positivo.

• Idealismo transcendental é a teoria do conhecimento desenvolvida por Immanuel Kant.

• O idealismo absoluto foi desenvolvido pelo filósofo alemão Georg W. F. Hegel.

• O idealismo hegeliano tem como fundamento o conceito de espírito absoluto.

• O marxismo é um conceito bastante amplo, pois abarca um conjunto de ideias filosóficas, políticas, culturais e econômicas elaboradas e desenvolvidas pelo pensador alemão Karl Marx.

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• O existencialismo consiste em uma doutrina filosófica que surgiu na Europa em meados do século XX.

• A fenomenologia é um método filosófico que surgiu no século XIX. Pretende realizar a superação da dicotomia razão-experiência no processo do conhecimento, afirmando que toda consciência é intencional.

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AUTOATIVIDADE

1 O debate entre as correntes de pensamento empirista e racionalista dominou as discussões da filosofia moderna. A discussão foi fundamental para a evolução de nosso entendimento acerca da origem do conhecimento humano. Assim, explique as principais divergências entre a corrente racionalista e a empirista.

2 O Idealismo foi uma corrente filosófica que surgiu com o advento da Modernidade. Se opondo ao materialismo, a corrente idealista procura demonstrar que o mundo material só pode ser compreendido a partir de sua verdade espiritual e subjetiva. Sobre o idealismo, analise as sentenças a seguir:

I- Immanuel Kant desenvolveu a teoria do idealismo transcendental, pretendendo superar a dicotomia empirismo/racionalismo.

II- O conceito de idealismo hegeliano foi desenvolvido a partir da dialética marxista.

III- Hegel desenvolveu a teoria do Idealismo absoluto, que tinha como fundamento o conceito de espírito absoluto.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.b) ( ) As sentenças II e III estão corretas. c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

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UNIDADE 2

PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• avaliar a importância da lógica como instrumento do pensar na investiga-ção sobre a validade dos argumentos;

• compreender a necessidade dos métodos científicos válidos na elaboração de novos conhecimentos;

• conhecer os desafios que a ética se propõe a discutir a fim de tomar uma posição nos debates éticos contemporâneos;

• identificar a importância da estética na sociedade contemporânea.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles, você encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – LÓGICA

TÓPICO 2 – EPISTEMOLOGIA

TÓPICO 3 – ÉTICA

TÓPICO 4 – ESTÉTICA

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TÓPICO 1

LÓGICA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, estamos iniciando os estudos do primeiro tópico da Unidade 2. Esta unidade trata de áreas importantes no estudo da filosofia geral. Nosso estudo é apenas introdutório, mas procuraremos estabelecer uma boa base para que você possa ter uma noção geral de cada uma dessas áreas.

Neste tópico, vamos discorrer sobre (i) o que é lógica; (ii) a divisão da lógica clássica ou aristotélica; (iii) o objeto de estudo da filosofia e, por fim (iv), o que são as falácias. A opção por dividir o tópico de tal maneira tem uma finalidade didática: facilitar a aprendizagem.

Diariamente, lidamos com diversas situações, e precisamos refletir de maneira justa para podermos emitir juízo de valor, tomarmos uma decisão ou chegarmos a uma conclusão. Deparamo-nos com inúmeros argumentos sobre os mais diversos assuntos, situações, fatos etc.

Assim, é necessário analisar criticamente tais argumentos que chegam até nós através das mídias ou situações corriqueiras do cotidiano. É nesse contexto comum que a lógica tem um papel extremamente relevante, pois ela nos auxilia a usar corretamente o raciocínio.

Diante do que falamos até aqui, convidamos você a conhecer um pouco mais sobre essa área, para que ela contribua com seu crescimento intelectual e profissional.

2 O QUE É LÓGICA?

A filosofia é uma importante área do conhecimento humano, como já vimos na Unidade 1. Entretanto, para que o conhecimento construído a partir da reflexão filosófica seja válido, é necessário que este seja submetido ao rigor lógico.

Se a filosofia proporciona o espaço para o ser humano refletir sobre os mais diversos assuntos em busca de um conhecimento verdadeiro, válido e correto, não podemos nos esquecer de que, no caminho, deparamo-nos com vários obstáculos, pois o próprio pensamento precisa estar submetido a determinadas regras para a identificação dos argumentos logicamente válidos.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

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Um passo necessário e fundamental para a elaboração de conhecimentos válidos e precisos é recorrer à lógica. É possível encontrarmos inúmeras definições do que é Lógica enquanto ciência, contudo achamos importante compreender também o sentido da palavra, pois “o termo ‘lógica’ vem de uma palavra grega que significa razão. A lógica é, de fato, “a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-las corretamente à procura e à demonstração da verdade” (JOLIVET, 1965, p. 27).

Devido a sua importância, a Lógica é tradicionalmente concebida como uma disciplina introdutória da filosofia, “pois é o instrumento que vai permitir o caminhar rigoroso do filósofo ou do cientista” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 79). Assim, ela trata de raciocínios e, a partir de certas premissas, tenta chegar a uma conclusão. O lógico está interessado nas proposições de um determinado raciocínio, e vale lembrar que:

As proposições são verdadeiras ou falsas e nisto diferem das perguntas, ordens e exclamações. Só as proposições podem ser afirmadas ou negadas; uma pergunta pode ser respondida, uma ordem dada e uma exclamação proferida, mas nenhuma delas pode ser afirmada ou negada, nem é possível julgá-las como verdadeiras ou falsas (COPI, 1978, p. 22).

A proposição é, portanto, o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma afirmação. As proposições são expressas por meio de frases que são formadas por termos. Quando afirmamos que “Maria é mulher”, essa proposição é a atribuição do predicado “mulher” ao sujeito “Maria”.

Os termos de uma proposição podem ser divididos em várias categorias: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão (passividade). No nosso exemplo, “Maria” é a substância e “mulher” é a qualidade.

O principal objetivo da lógica é eliminar as ambiguidades dos argumentos e trazer clareza. Os seus princípios fundamentais são os seguintes:

1) Princípio da identidade: A é A.2) Princípio da não contradição: impossível A é A e não A ao mesmo tempo e sob

o mesmo aspecto.3) Princípio do terceiro excluído: A é X ou não X, não há terceira possibilidade.

Nosso objetivo a seguir é apresentar a maneira como a lógica aristotélica ou silogística está dividida e aprofundar um pouco mais sobre o objeto da lógica clássica. Vale ressaltar que a lógica atualmente se aplica a diversos campos, pois existe a lógica da computação, lógica matemática, dentre outras, mas não é possível abordar cada um dos campos em particular devido à complexidade.

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TÓPICO 1 | LÓGICA

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DICAS

A obra Introdução à lógica (1978), de Irving M. Copi, é um importante tratado sobre o tema. Tanto por sua importância filosófica como por suas aplicações técnicas, a lógica ocupa um lugar central no pensamento contemporâneo. 'Introdução à lógica' constitui uma introdução amena e rigorosa sobre o tema. O livro compreende três partes intituladas, respectivamente, 'Linguagem', 'Dedução' e Indução'. Na primeira se encontra uma análise das diversas funções da linguagem, tema que possui um interesse filosófico intrínseco. Na segunda, o autor apresenta um enfoque atualizado da silogística tradicional e introduz um método gráfico – o dos diagramas de Venn – para decidir sobre a validade dos raciocínios silogísticos. Na terceira parte, o autor se refere à lógica da explicação científica com ilustrações cuidadosamente selecionadas.

3 DIVISÃO DA LÓGICA ARISTOTÉLICA OU CLÁSSICA

A lógica clássica, ou aristotélica, é a mais conhecida no ocidente e se tornou referência para a filosofia grega. Não significa que outros filósofos gregos ou até mesmo outros povos não tenham estabelecido algumas leis do pensamento. O que ocorreu foi que Aristóteles, ao estabelecer leis de pensamento, fez com significativa amplitude e rigor, diferenciando-se de seus antecessores.

Apesar da lógica possuir várias divisões, vamos nos ater apenas à divisão da lógica aristotélica: formal e material. Aristóteles foi criador daquilo que conhecemos hoje como lógica silogística, que veremos mais adiante. A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre a maneira como a lógica aristotélica está dividida.

3.1 LÓGICA FORMAL OU MENOR

A divisão da lógica clássica em formal e material possibilita que os estudantes compreendam dois aspectos essenciais na argumentação, a validade e a verdade, pois um argumento válido não quer dizer necessariamente que é verdadeiro. Assim, denominamos falácias, conceito que veremos mais adiante. A lógica formal:

É a parte da Lógica que estabelece a forma correta das operações intelectuais, ou melhor, que assegura o acordo do pensamento consigo mesmo, de tal maneira que os princípios que descobrem as regras se aplicam a todos os objetos do pensamento, quaisquer que sejam (JOLIVET, 1965, p. 29).

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Na lógica formal, se as regras forem aplicadas corretamente, o raciocínio é considerado válido ou inválido, correto ou incorreto. Assim, é correto afirmar que “a lógica formal trata da relação entre as premissas e conclusão, deixando de se importar com a verdade das premissas. Para ela, interessa dar as regras do pensamento correto” (MUNDIM, 2002, p. 136).

O método de raciocínio da lógica formal é a dedução e a indução que veremos de maneira mais detalhada a seguir. A lógica formal está interessada na forma ou estrutura do raciocínio. A verdade das premissas e conclusões é uma preocupação secundária para esse ramo da lógica. A lógica formal tenta encontrar o método correto para derivar uma verdade da outra. O que interessa à lógica formal é garantir que a passagem das premissas para a conclusão seja bem fundamentada.

3.2 LÓGICA MATERIAL OU MAIOR

A lógica material se difere da lógica formal, pois somente no campo da lógica material que se pode falar da verdade. Assim, o argumento é válido somente quando as premissas são verdadeiras e se relacionam adequadamente à conclusão. A lógica material pode ser entendida como:

A parte da lógica que determina as leis particulares e as regras especiais que decorrem da natureza dos objetos a conhecer. Ela define os métodos das matemáticas, da física, da química, das ciências naturais, das ciências morais etc., que são outras tantas lógicas especiais (JOLIVET, 1965, p. 29).

Portanto, “a lógica material é então a que considera a matéria do conhecimento e determina as vias a seguir para chegar segura e rapidamente à verdade” (JOLIVET, 1965, p. 59). A lógica material está relacionada com o conteúdo do argumento, se eles são certos e verdadeiros, ou errados e falsos.

4 SILOGISMO: O OBJETO DE ESTUDO DA LÓGICA

A lógica permite realizar uma análise crítica do argumento. É por meio dela que conseguimos fazer uma distinção entre os bons e maus argumentos. Para analisar a validade de argumentos compostos com proposições universais e particulares, podemos recorrer à lógica silogística criada por Aristóteles.

Segundo Jolivet (1965, p. 47), “o silogismo é um argumento pelo qual, de um antecedente que une dois termos a um terceiro, tira-se um consequente que une esses dois termos entre si”. O silogismo consiste em uma argumentação, na qual há duas premissas simples (maior e menor) dispostas de determinada maneira, que derivam de uma terceira proposição, ou seja, uma conclusão.

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IMPORTANTE

a) Composição do silogismo: todo silogismo regular se compõe então de três proposições, nas quais três termos são comparados dois a dois. Os termos são:O termo maior (T), assim chamado porque é o que tem maior extensão.O termo menor (t), assim chamado porque é o que tem menor extensão.O termo médio (M) porque é o intermediário entre o termo maior e o menor.

As duas primeiras proposições, que compõem coletivamente o antecedente, se chamam premissas, e a terceira, a conclusão. Das duas premissas, a que contém o termo maior se chama maior. A que contém o termo menor se chama menor.

FONTE: JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1965.

Talvez você esteja se perguntando: o que é um argumento? Argumento não é apenas um conjunto de frases soltas, mas é constituído de um conjunto de sentenças em que uma delas é chamada de conclusão e as outras de premissas. Assim, podemos dizer que o argumento é uma série conectada de proposições que tem a intenção de dar razões para outra proposição.

Os argumentos representam, através da linguagem/palavras, um raciocínio, que consiste em fazer uso da razão para depreender, julgar ou compreender. Significa dizer que a argumentação:

É um tipo de operação discursiva do pensamento, consistente em encadear logicamente os juízos e deles tirar uma conclusão. Essa operação é discursiva porque vai de uma ideia ou de um juízo a outro passando por um ou vários intermediários e exige o uso das palavras. Portanto, é um conhecimento mediato, ou seja, procede por mediação, por meio de alguma coisa (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80).

Assim, a proposição consiste em um conjunto de palavras ou símbolos que exprime um pensamento de sentido completo: fatos, juízos, valor lógico.

Fato: O círculo é redondo.

Juízo: Quem faz exercício físico fica mais saudável.

Valor lógico: Verdadeiro ou falso. O valor lógico se refere ao fato e ao juízo.

Observe que para ser uma proposição, o conjunto de palavras precisa exprimir um fato, ou um juízo e possuir um valor lógico. Um exemplo de frase que não é uma proposição: “Para de jogar bola agora!” A frase não é uma proposição, pois consiste em uma ordem e é impossível determinar o valor lógico dessa expressão, ou seja, não há como determinar se ela é falsa ou verdadeira. Para entendermos melhor o que foi dito, podemos recorrer aos exemplos a seguir:

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Exemplo 1:

Todas as zebras são listradas. (Premissa maior)

Marty é uma zebra. (Premissa menor)

Logo, Marty é listrado. (Conclusão)

FIGURA 1 – ARGUMENTAÇÃO

LISTRAS

ZEBRAS

MARTY

SIMPATICOS

CATARINENSES

MARTY

FONTE: O autor

O diagrama anterior mostra que o argumento é verdadeiro e com conteúdo verdadeiro. No exemplo a seguir, nós temos um argumento com conteúdo falso.

Exemplo 2:

Todos os catarinenses são simpáticos. (Premissa maior)

Marty é catarinense. (Premissa menor)

Marty é simpático. (Conclusão)

FIGURA 2 – ARGUMENTO COM CONTEÚDO FALSO

FONTE: O autor

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Observe que, no caso, o argumento é válido, contudo, o conteúdo é falso. É necessário estar atento, pois um argumento pode ser válido, entretanto a validade do argumento não quer dizer que necessariamente seu conteúdo é verdadeiro. Validade e verdade são duas coisas distintas na argumentação. No exemplo a seguir, deparamo-nos com outro tipo de argumento:

Exemplo 3:

Todos os catarinenses são brasileiros. (Premissa maior)

Alguns brasileiros simpáticos. (Premissa menor)

Alguns catarinenses são simpáticos. (Conclusão)

FIGURA 3 – ARGUMENTO INVÁLIDO

CATARINENSES

BRASILEIROS

SIMPÁTICOS

FONTE: O autor

A partir das premissas, podem existir catarinenses simpáticos ou não. Assim, a conclusão não é necessariamente verdadeira. É um exemplo de argumento inválido, também chamado de sofisma, com conteúdo verdadeiro. Vamos analisar o próximo exemplo de argumentação:

Exemplo 4:

Todos os catarinenses são simpáticos. (Premissa maior)

Marty é simpático. (Premissa menor)

Marty é catarinense. (Conclusão)

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FIGURA 4 – ARGUMENTO COM A CONCLUSÃO FALSA

CATARINENSES

SIMPÁTICOS

• MARTY

FONTE: O autor

A conclusão não é necessariamente verdadeira, pois, de acordo com as premissas, Marty pode ser catarinense ou não. O argumento é inválido e o conteúdo é falso.

Com os exemplos que foram dados, é possível constatar que, ao compararmos a conclusão de um determinado argumento com o conteúdo correspondente, pode ocorrer de o argumento ser válido sem que, obrigatoriamente, o conteúdo seja verdadeiro. Pode ocorrer ainda de um argumento ser inválido e o conteúdo ser verdadeiro.

Observe que nos exemplos dados temos três proposições (a expressão verbal de um juízo). A última proposição, a conclusão, deriva logicamente das duas proposições anteriores, ou seja, das premissas.

É possível perceber que as premissas apontam para uma conclusão lógica inevitável, pois não há logicamente espaço para outra conclusão que não seja esta, a menos que o raciocínio seja inválido ao colocar na conclusão a proposição “Logo, Marty não é listrado”. Aqui há a necessidade de introduzir um conceito importante: a inferência.

O conceito significa que, por meio de uma operação intelectual, afirmamos uma verdade de uma proposição em decorrência de sua ligação com outras já reconhecidas como verdadeiras. Assim, a lógica “examina se a estrutura das inferências é correta ou não” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80).

IMPORTANTE

Proposição é uma frase que se pretende verdadeira ou falsa, não podendo haver uma terceira opção (de acordo com o Princípio do 3º Excluído). As proposições transmitem pensamentos, ou seja, afirmam fatos ou exprimem juízos que formamos a respeito de determinados entes.

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Ocorre quando afirmamos algo (predicado) de algo (sujeito). Lembre-se: toda proposição é uma frase, mas nem toda frase é uma proposição; uma frase é uma proposição apenas quando possui valor de verdade (possibilidade de ser VERDADEIRA ou FALSA).

FONTE: SANTOS, Denise M. R. Introdução à lógica. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/coorlicen/manager/arquivos/AV3nYbBM3U_13042016-introducao_a_logica.pdf>.Acesso em: 5 jun. 2018.

A lógica, portanto, analisa criticamente a validade ou não dos argumentos e, consequentemente, o próprio raciocínio. A argumentação é a maneira como utilizamos o raciocínio com a finalidade de convencer nosso interlocutor acerca de alguma coisa. Para desenvolver uma argumentação, fazemos uso de vários tipos de raciocínio, que devem se basear em normas sólidas e em argumentos aceitáveis.

A nossa mente é capaz de realizar as seguintes operações: a simples apreensão (conceber uma ideia), os juízos (afirmação ou negação de uma relação entre duas ideias) e o raciocínio (a partir de dois ou mais juízos dados, tirar outro juízo que destes decorre).

A simples apreensão é a compreensão direta de uma situação formando um conceito que por fim passa a ter uma denominação. O juízo aborda ideias relacionadas ou separadas que fazem surgir um julgamento da realidade. Já o raciocínio faz parte de uma situação que envolve juízos e proposições e pretende chegar a conclusões adequadas. A seguir, veremos dois métodos argumentativos.

4.1 MÉTODO DEDUTIVO

A dedução é basicamente o tipo de argumento que demonstra que a “conclusão é inferida necessariamente de duas premissas” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80). Um raciocínio dedutivo é caracterizado por apresentar conclusões que devem ser verdadeiras caso todas as premissas sejam verdadeiras, caso tal raciocínio respeite uma forma lógica que seja válida.

Assim, podemos afirmar que a dedução é a inferência que parte de uma premissa geral e, por meio do mecanismo lógico, chega-se a uma conclusão geral ou particular. Um dado importante acerca do raciocínio dedutivo é que para se chegar a uma conclusão, não necessitamos dos dados da experiência sensorial imediata. A seguir, temos um exemplo de argumento dedutivo:

Todas as zebras são listradas. (Premissa maior)

Marty é uma zebra. (Premissa menor)

Logo, Marty é listrado. (Conclusão)

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A conclusão é necessária porque deriva das premissas. A dedução lógica é denominada por Aristóteles de silogismo, que é a conexão ou ligação de ideias, ou seja, consiste na ligação de dois termos por um terceiro.

Se observarmos a premissa maior, contém o termo maior e o termo médio (listradas e zebras), a premissa menor contém o termo médio e o termo menor (zebra e Marty) e a conclusão deve conter os termos maior e menor (listrado e Marty).

O termo “zebra” é o termo médio que estabelece uma ligação entre “Marty” e “listrado”, de modo que a conclusão se torna necessária se todas as zebras são listradas e Marty é uma zebra. Necessariamente, Marty é listrado (“se Z = L”, e “M = Z”, então “M = L”).

FIGURA 5 – DEDUÇÃO

Particulariza

ParticularUniversal

Dedução

FONTE: <http://www.fisica-interessante.com/aula-historia-e-epistemologia-da-ciencia-6-racionalismo-e-empirismo-1.html>. Acesso em: 6 jun. 2018.

A dedução é um modelo de rigor, estéril, não nos ensina nada de novo e apenas organiza o conhecimento obtido. Contudo, mesmo que ela não inove, “não significa que ela não tenha valor algum” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 81). No caso da dedução, a conclusão diz apenas aquilo que as premissas já disseram.

4.2 MÉTODO INDUTIVO

A indução “é uma argumentação na qual, a partir de dados singulares suficientemente enumerados, inferimos uma verdade universal” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 80). O princípio do raciocínio indutivo não trata de uma verdade lógica pura, mas de premissas para inferir uma conclusão.

Quando afirmamos que todos os seres humanos que nasceram vivos morrerão algum dia porque até hoje ninguém deixou de morrer, estamos usando um argumento indutivo. Assim, os argumentos desse tipo se baseiam na experiência passada para sustentar uma conclusão. É um tipo de argumento que parte do particular para o geral, como mostra a figura a seguir.

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Generaliza

ParticularUniversal

Indução

FIGURA 6 – INDUÇÃO

FONTE: <http://www.fisica-interessante.com/aula-historia-e-epistemologia-da-ciencia-6-racionalismo-e-empirismo-1.html>. Acesso em: 6 jun. 2018.

O argumento indutivo procede de proposições particulares ou de termos relativamente menores do que aqueles que estão na conclusão para chegarmos a termos mais universais ou mais extensos. “A indução é um raciocínio pelo qual o espírito, de dados singulares suficientes, infere uma verdade universal” (JOLIVET, 1965, p. 57). Veja o exemplo a seguir:

O ferro conduz eletricidade, O ouro conduz eletricidade, O chumbo conduz eletricidade, A prata conduz eletricidade, ... etc., Logo, todo metal conduz eletricidade.

Observe que, diferentemente da dedução, que demonstra que a conclusão deriva de verdades universais já conhecidas, a indução vai no sentido contrário, pois a conclusão deriva da experiência sensível, dos dados particulares. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 81):

Diferentemente do argumento dedutivo, o conteúdo da conclusão da indução excede o das premissas. Ou seja, enquanto a conclusão da dedução está contida nas premissas, e retira daí sua validade, a conclusão da indução tem apenas a probabilidade de ser correta. Portanto, segundo Wesley Salmon, podemos afirmar que as premissas de um argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa verossimilhança à conclusão.

Assim, um argumento indutivo correto pode, perfeitamente, admitir uma conclusão falsa, embora suas premissas sejam verdadeiras.

O raciocínio indutivo não possui o mesmo rigor lógico do dedutivo, contudo podemos afirmar que a indução é “uma forma fecunda de pensar, sendo responsável pela fundamentação de grande parte dos nossos conhecimentos da vida diária e de grande valia nas ciências experimentais” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 81).

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4.2.1 Analogia

Talvez você já tenha ouvido a seguinte expressão: “para muitas pessoas, a felicidade é semelhante a uma bola: querem-na de todo jeito e, quando a possuem, dão-lhe um chute” (GLAAB, 2018, p. 1).

É um exemplo de analogia, ou seja, a relação de semelhança estabelecida entre duas ou mais entidades distintas. Assim, a analogia pode ser representada pelo seguinte modelo: X está para Y, assim como A está para B. A felicidade está para muitas pessoas, assim como a bola está para o jogador. Logo que a recebe, dá um chute, pois é o destino da bola. A semelhança consiste no fato de que muitas pessoas querem a felicidade e, quando a possuem, agem como o jogador, chutam-na para longe. É um exemplo de analogia um tanto simples.

Antes de continuarmos nossa demonstração sobre a analogia, achamos necessário recorrer à definição mais detalhada de uma analogia. Segundo Aranha e Martins (1993, p. 82), a analogia:

É uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou de alguns fatos singulares não a uma conclusão universal, mas a uma outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da comparação entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos de semelhança.

A analogia tem uma função muito importante para a tomada de decisões, explicação, criatividade, tomada de decisões etc., e não se restringe ao senso comum ou à linguagem diária, mas tem uma função importante na ciência, na filosofia e em outras áreas. A seguir, nós temos um exemplo analógico um pouco mais extenso, exemplo que pode apontar conclusões a partir de inferências:

A primeira revolução industrial, a revolução das “sombrias satânicas”, significou a desvalorização do braço humano pela concorrência da maquinaria. Não há nenhum salário com que um trabalhador de pá e picareta possa viver nos Estados Unidos, e que seja suficientemente baixo para concorrer com o trabalho de uma escavadora mecânica. Do mesmo modo, a moderna revolução industrial [computadores eletrônicos de alta velocidade, as chamadas “máquinas pensantes”] está destinada a desvalorizar o cérebro humano, pelo menos, em suas decisões mais simples e rotineiras. Naturalmente, assim como o carpinteiro, o mecânico e o alfaiate hábeis sobreviveram, em certa medida, à primeira revolução industrial, também o cientista e o administrador hábil poderão sobreviver à segunda (WIENER apud COPI, 1978, p. 313).

É possível perceber que ao traçar uma semelhança entre o que ocorreu com os operários na primeira Revolução Industrial, o autor conclui o que ocorrerá com determinadas profissões com a chegada da moderna Revolução Industrial. Assim, a analogia é uma forma de raciocínio que possibilita prever determinadas situações ou antecipá-las.

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Ainda segundo Copi (1978, p. 313), “a analogia constitui o fundamento da maior parte dos nossos raciocínios comuns. A partir de experiências passadas, procuramos discernir o que revelará o futuro”. Aranha e Martins (1993) consideraram a analogia sendo uma indução parcial e imperfeita.

Ainda, “é logicamente possível que o que aconteceu com os trabalhadores manuais hábeis não aconteça aos trabalhadores intelectuais hábeis” (COPI, 1978, p. 314). Significa que embora existam semelhanças entre uma revolução industrial e outra, não significa dizer que o desfecho da segunda seja necessariamente semelhante ao desfecho da primeira.

5 FALÁCIAS

O sentido primário do termo falácia é enganar. Ao lançar mão de uma falácia, o interlocutor tem por objetivo tornar seu argumento verdadeiro, mesmo que seja logicamente inconsistente, inválido e sem fundamento.

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 83), “a falácia é um tipo de raciocínio incorreto, embora tenha aparência de correção. É também conhecida como sofisma, ou paralogismo, e alguns estudiosos fazem distinção entre eles”.

Sobre a distinção entre sofisma e paralogismo, Jolivet (1965, p. 66) aponta que o raciocínio incorreto é apresentado com aparências de verdade. “Se o sofisma é cometido de boa-fé e sem intenção de enganar, chamá-lo-emos de paralogismo”, mas o autor acrescenta que a distinção, de acordo com a boa ou má-fé, cabe ao moralista.

Para o lógico, sofisma e paralogismo são uma única e mesma coisa. É importante destacarmos a distinção que Jolivet faz entre a lógica e a filosofia moral, pois os conceitos podem ser compreendidos e operacionalizados de maneira diferente de acordo com as particularidades de cada área da filosofia, embora tais conceitos mantenham seus aspectos essenciais.

A falácia é um tipo de raciocínio incorreto. “No estudo da lógica, é costume reservar o nome de ‘falácia’ àqueles argumentos ou raciocínios que, embora incorretos, podem ser psicologicamente persuasivos” (COPI, 1978, p. 73). Assim, o estudo das falácias é uma maneira de nos prevenirmos de possíveis raciocínios enganosos.

As falácias podem ser divididas em formais e não formais. As falácias formais são bastante comuns em nosso cotidiano. Consiste em um tipo de raciocínio que é inválido devido às falhas em sua estrutura lógica, ou seja, o erro está na Forma do argumento. Um exemplo de falácia formal é o seguinte:

Todos os psicopatas são perigosos.

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Eu não sou psicopata.

Logo, não sou perigoso.

Determinada falácia é muito sutil pois, a partir das premissas, infere-se que o fato de um indivíduo não ser psicopata, portanto, não é perigoso. O fato de estar fora do grupo dos psicopatas não significa que se está fora do grupo dos perigosos. Ele pode ser um motorista perigoso, possuir um temperamento que o torna perigoso quando provocado, pode ser possessivo em seus relacionamentos e tal atitude poderá torná-lo perigoso quando é rejeitado.

As falácias não formais consistem em “erros de raciocínio em que podemos cair por inadvertência ou falta de atenção ao nosso tema, ou então porque somos iludidos por alguma ambiguidade na linguagem usada para formular nosso argumento” (COPI, 1978, p. 74). Para entendermos melhor, vamos recorrer ao tipo de falácia não formal: falácia Ad hominem. Exemplo: A filosofia de Francis Bacon é inútil, pois ele perdeu seu cargo de Chanceler da Inglaterra devido aos seus atos desonestos.

Tiramos uma conclusão com base em um aspecto particular da vida de um indivíduo, que nós consideramos negativo. É necessário saber separar a produção filosófica de Bacon dos seus atos considerados desonestos. Seria o mesmo que dizer que “Pedro não pode trabalhar em um açougue porque é vegetariano”. Deve-se identificar que tal ataque, seja ofensivo ou circunstancial, não está baseado no argumento.

Há falácias que se caracterizam devido ao seu forte apelo emocional. No exemplo a seguir, temos uma falácia com apelo emocional: “Jorge não queria comer o seu prato cheio de dobradinha e fígado bovino, mas sua mãe o lembrou de muitas crianças que não têm o que comer em algumas regiões dos países de terceiro mundo”.

O indivíduo tenta convencer seu interlocutor manipulando uma resposta emocional sem utilizar um argumento válido e convincente. Jorge não é moralmente obrigado a comer uma comida que ele não gosta só porque existem crianças passando fome em outras partes do mundo. O apelo às emoções é uma maneira questionável de convencer alguém, pois o interlocutor poderá responder ao apelo emocional sem avaliar racionalmente suas decisões.

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LEITURA COMPLEMENTAR 1

A lógica aristotélica (ou lógica clássica)

Maria Lúcia de Arruda AranhaMaria Helena Pires Martins

A Grécia clássica aparece historicamente como o berço da filosofia. Por volta do século VI a.C., os primeiros filósofos pré-socráticos redigem uma proza, um discurso que se opõe à atitude mítica predominante nos poemas de Homero e Hesíodo.

O novo modo de pensar é decomposto na sua estrutura por Aristóteles (séc. IV a.C.) na obra Analíticos. Como o próprio nome diz, trata-se de uma análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre o assunto foram denominadas mais tarde, em conjunto, Órganon, que significa “instrumento” (de fato, instrumento para se proceder corretamente no pensar). O próprio Aristóteles não usou a palavra lógica, que só apareceu mais tarde.

Embora alguns filósofos anteriores tenham estabelecido algumas leis de pensamento, nenhum o fez com tal amplitude e rigor. Por essa razão, a lógica aristotélica permaneceu através dos séculos até os nossos dias. Segundo Aristóteles, a lógica se subdivide em:

• lógica formal (ou menor), que estabelece a forma correta das operações do pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio é considerado válido ou correto.

• lógica material (ou maior), parte da lógica que trata da aplicação das operações do pensamento segundo a matéria ou natureza dos objetos a conhecer. Enquanto a lógica formal se preocupa com a estrutura do pensamento, a lógica material investiga a adequação do raciocínio à realidade. É também chamada de metodologia, e como tal procura o método próprio de cada ciência.

Uma das mais duradouras contribuições da lógica aristotélica está no estabelecimento dos primeiros princípios, percebidos por intuição, e que são anteriores a qualquer raciocínio, servindo de base para todos os argumentos. Esses princípios, que se relacionam entre si, também dependem da concepção metafísica aristotélica [...]. São eles o princípio de identidade, o princípio de não-contradição e o princípio do terceiro excluído.

É assim que Aristóteles formula na Metafísica o princípio de não contradição: “É impossível que o mesmo determinante convenha ao mesmo ente ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”. Significa que duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras e que não é possível afirmar e negar simultaneamente a mesma coisa.

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Os defensores da lógica dialética no século XIX serão contra os princípios de identidade, não contradição e terceiro excluído.

Na Idade Média, no século XIII, foram introduzidas as célebres fórmulas mnemônicas, que facilitam a retenção pela memória: por meio das palavras latinas, era possível identificar as combinações possíveis das premissas e da conclusão, que redundavam em silogismo válido, a fim de distingui-lo dos sofismas. Também foram organizadas as oito regras do silogismo.

FONTE: ARANHA, Maria L.; MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.

LEITURA COMPLEMENTAR 2

A lógica formal – princípios elementares

Roberto Patrus Mundim

VOCABULÁRIO BÁSICO

Argumento: é uma coleção de enunciados que estão relacionados uns com os outros.

Termo: qualquer substantivo, adjetivo ou nome próprio de um enunciado.Proposição: é um enunciado, uma proposição bem formada, declarativa.• proposições categóricas: é aquela composta apenas por sujeito, verbo de

ligação e predicado. Elas podem se dividir em relação à quantidade e em relação à qualidade.

• Divisão em relação à quantidade:Proposições categóricas universais:Todos os x são y.Proposições categóricas particulares:Alguns x são y.• Divisão em relação à qualidade:Proposição categórica afirmativa:Todos os x são y.Proposição categórica negativa: Nenhumx é y. Alguns x não são y.Particular: conceito que se refere a alguns indivíduos de uma espécie.

Lembre-se de que a própria palavra particular supõe um todo do qual se considera só uma parte.

Exemplos: alguns homens, várias pessoas, muitos cães.Geral: conceito que se refere à totalidade de indivíduos de uma espécie;

que é atribuível a todos os componentes de um grupo, espécie ou gênero. Quando usamos os conceitos “homem”, “pessoa”, “cão”, acabamos nos referimos a todos os homens, a todas as pessoas, a todos os cães.

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TÓPICO 1 | LÓGICA

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Silogismo: é um raciocínio que, a partir de duas proposições que são aceitas como verdadeiras, leva, de maneira necessária, a uma conclusão.

Ex.:Os jovens de idade entre 16 e 18 anos podem votar para presidente este ano.Você é um jovem de 17 anos.Logo, você pode votar para presidente este ano.Premissas: são as proposições do silogismo das quais decorre a conclusão.Falácia ou sofisma: argumentos logicamente incorretos.

FONTE: MUNDIM, Roberto P. A lógica formal – princípios elementares. 2002. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/economiaegestao/article/view/113/104>. Acesso em: 7 jun. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A lógica é, de fato, a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-las corretamente à procura e à demonstração da verdade.

• A proposição é o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma afirmação. As proposições são expressas por meio de frases que são formadas por termos.

• O principal objetivo da lógica é eliminar as ambiguidades dos argumentos e trazer clareza.

• A lógica clássica ou aristotélica é a mais conhecida no ocidente e que se tornou referência para a filosofia grega.

• Na lógica formal, se as regras forem aplicadas corretamente, o raciocínio é considerado válido ou inválido, correto ou incorreto.

• Na lógica material, um processo de razão ou pensamento é analisado em consideração ao conteúdo real de suas premissas e, portanto, deve resultar em uma verdade material, ou seja, em uma conclusão que seja consistente com a realidade.

• O silogismo consiste em uma argumentação, na qual há duas premissas simples (maior e menor) dispostas de determinada maneira, que derivam de uma terceira proposição, ou seja, uma conclusão.

• Um raciocínio dedutivo é caracterizado por apresentar conclusões que devem ser verdadeiras caso todas as premissas sejam verdadeiras, caso tal raciocínio respeite uma forma lógica que seja válida.

• O princípio do raciocínio indutivo não trata de uma verdade lógica pura, mas de premissas para inferir uma conclusão.

• A analogia é uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou de alguns fatos singulares para uma conclusão universal. Contudo, há uma outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da comparação entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos de semelhança.

• A falácia é um tipo de raciocínio incorreto, embora tenha aparência de correção.

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AUTOATIVIDADE

1 A lógica é uma ferramenta que nos auxilia a fazer uma análise crítica dos argumentos. Os argumentos seguem dois métodos, sendo que um deles é o método dedutivo. Sobre determinado método, assinale a questão correta:

a) ( ) No método dedutivo, não precisamos necessariamente da experiência sensorial para chegarmos a conclusões adequadas.

b) ( ) O método de raciocínio dedutivo parte particular para o geral.c) ( ) O método dedutivo é muito importante, pois revela novos

conhecimentos, ensinando-nos sempre alguma coisa nova. d) ( ) O método dedutivo traz na conclusão informações que não estão

contidas nas premissas.

2 A analogia é um recurso importante na argumentação, pois auxilia na compreensão de assuntos difíceis, comparando-os entre si para explicar uma questão abstrata. Sobre a analogia, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) O problema da analogia é que está restrita ao senso comum e à linguagem diária.

( ) A analogia cumpre uma função muito importante, dentre outras, para a tomada de decisões.

( ) A analogia, ao comparar eventos históricos, por exemplo, prevê determinadas situações.

( ) Apesar da analogia ser um recurso importante, não possui utilidade alguma na argumentação.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – F – V.b) ( ) V – F – F – V. c) ( ) F – V – V – F.d) ( ) V – V – F – F.

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TÓPICO 2

EPISTEMOLOGIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios da filosofia e da ciência consiste na elaboração de um conhecimento confiável. É um debate que acompanha a filosofia e a ciência desde os primórdios. Assim, podemos perguntar: é possível elaborar um tipo de conhecimento confiável? Uma pergunta um pouco mais ousada: é possível conhecer alguma coisa? Diante dessas e de muitas outras perguntas sobre o conhecimento, a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento tem se debruçado no sentido de encontrar respostas.

Neste tópico, iremos discorrer de maneira pontual sobre alguns tópicos relacionados ao tema. Primeiramente, vamos oferecer uma resposta sobre o que é epistemologia (i); em seguida, vamos responder o que é conhecimento (ii) e, por último, vamos discorrer sobre os tipos de conhecimento (iii). Nossa finalidade é dar uma noção geral sobre o assunto, pois um estudo mais aprofundado requer um espaço muito maior para apresentarmos os vários aspectos relacionados à temática.

Talvez você esteja se perguntando: por que é importante estudar determinado assunto? Para respondermos à questão, precisamos olhar em nossa volta, pois uma rápida olhada nos permite perceber que vivemos em uma sociedade da tecnologia da informação e do conhecimento.

Cabe a cada pessoa ter um olhar crítico para tudo e diferenciar entre aquilo que é conhecimento e aquilo que é uma mera crença. Neste tópico, você terá a oportunidade de conhecer o processo necessário na elaboração de conhecimento válido, racional e científico.

2 O QUE É EPISTEMOLOGIA?

A palavra epistemologia “é mais usada pelos filósofos de fala inglesa, indicando uma teoria geral do conhecimento, incluindo o método científico” (CHAMPLIN, 2004, p. 406). É, portanto, a área da filosofia que se ocupa do estudo da natureza do conhecimento, da justificação e da racionalidade da crença e dos sistemas de crenças. A Epistemologia e a Teoria do Conhecimento, em termos gerais, são consideradas por muitos como sendo a mesma coisa.

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IMPORTANTE

O termo epistemologia vem do grego, significando "episteme" conhecimento e "logos" ciência ou estudo. Assim, seu nome etimológico estabelece que a ciência epistemológica se concentre na análise do conhecimento, especialmente no que se refere ao conhecimento científico, aquele que conta com um objeto de estudo definido, com métodos e recursos mensuráveis, com estruturas de análises e geração de hipóteses.

FONTE: <http://queconceito.com.br/epistemologia>. Acesso em: 22 jun. 2018.

A finalidade da epistemologia é diferenciar a ciência da pseudociência, ou seja, investiga profundamente e de maneira consciente, afastando-se da superficialidade presente na mera opinião.

O problema fundamental da epistemologia é buscar compreender a relação entre sujeito (o que conhece) e o objeto (aquilo que é conhecido). O sujeito que conhece é o ser pensante, é ser que pensa, emite juízos, pois possui a capacidade cognitiva para aprender, saber e conhecer o objeto.

O objeto, por outro lado, é todo processo, ou fenômeno que pode ser conhecido. É a partir do objeto que o sujeito desenvolve sua atividade cognitiva. O conhecimento, portanto, é resultado da relação entre sujeito e objeto.

A relação pode ser explicada de maneiras diferentes. Há três vertentes importantes que buscam esclarecer a relação: o realismo, o idealismo e o criticismo kantiano. O realismo afirma que o ponto de partida para o conhecimento são as coisas. Assim, a representação que nós fazemos do real depende do objeto. O idealismo, por sua vez, advoga que o ser humano nasce com certos conhecimentos que são universais e necessários e que o tornam capaz de conhecer a realidade.

De acordo com Morente (1980, p. 68), “o idealismo considerará o conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade das coisas”. O criticismo kantiano é o meio-termo entre idealismo e realismo. A vertente é denominada de criticismo em decorrência da crítica da razão desenvolvida por Immanuel Kant, na qual ele traça o que o sujeito pode conhecer.

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TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

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IMPORTANTE

Ao final deste tópico, nós disponibilizamos uma Leitura Complementar sobre outra área importante da filosofia geral: Metafísica. A razão por termos a colocado neste tópico se deve ao fato de a Metafísica ser uma doutrina que busca o conhecimento da essência das coisas.

3 O QUE É CONHECIMENTO?

Quando lidamos com essa questão, estamos lidando com um problema analítico da epistemologia. Esta, mesmo que aparentemente seja simples, não é uma questão fácil de responder, pois o conhecimento difere da mera crença ou opinião que o sujeito possui em relação a diversas questões. Vale destacar que o entendimento da epistemologia envolve também as questões clássicas da crença, verdade e justificação, pois o conhecimento é a crença verdadeira justificada.

3.1 PRIMEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: CRENÇA

De acordo com Abbagnano (2012, p. 254), “no significado mais geral, atitude de quem reconhece como verdadeira uma proposição: portanto, a adesão à validade de uma noção qualquer”. “Podem ser chamadas de crenças as convicções científicas tanto quanto as confissões religiosas, o reconhecimento de um princípio evidente ou de uma demonstração, bem como a aceitação de um preconceito ou de uma superstição” (p. 254).

A preocupação da epistemologia é com o que acreditamos, incluindo a verdade e tudo que nós aceitamos para nós mesmos como verdade. Portanto, uma determinada crença pessoal pode ou não ser verdadeira do ponto de vista epistemológico e significa que nem toda crença é conhecimento. Sobre as crenças particulares, observe a figura a seguir:

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FIGURA 7 – CRENÇAS DIFERENTES SOBRE UMA MESMA SITUAÇÃO

Tudocobertomenos osolhos...O que éuma culturamachista,cruel edominadora!

Tudodescoberto,menos osolhos!!!O que é uma culturamachista,cruel edominadora!

FONTE: <https://apocalipsetotal.wordpress.com/2013/10/22/a-filosofia-do-bahaismo-e-o-seu-conflito-inevitavel/>. Acesso em: 19 jun. 2018.

Comportamentos, fatos e notícias revelam nossas crenças sobre determinadas coisas e que diferem radicalmente uns dos outros. Não queremos aqui introduzir uma discussão moral sobre o que é certo ou errado, qual crença é certa ou errada.

Nosso propósito é apenas demonstrar que uma mesma situação revela

que as crenças não são necessariamente verdadeiras e justificadas ao mesmo tempo do ponto de vista ontológico. No caso apresentado, a crença se remete aos aspectos culturais e religiosos.

Vale ressaltar que a crença não é um elemento descartado na formação do conhecimento, o que ocorre é que a crença deve ser submetida ao critério da verdade justificada. Uma crença não pode ser tomada como um axioma, ou seja, verdades incontestáveis que podem ser aplicadas a todos os campos da ciência.

3.2 SEGUNDO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: VERDADE

Outra questão inquietante em nosso estudo é a seguinte: o que é a verdade? Por mais que seja uma pergunta aparentemente simples, não é. Se atentarmos para a etimologia da palavra, perceberemos que ela poderá nos auxiliar na compreensão do conceito.

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FIGURA 8 – COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS?

No grego, a verdade (aletheia), cujo significado é aquilo que não está oculto, o não escondido, que é manifesto aos olhos e ao espírito, tal como é, fica evidente à razão. No latim, a verdade (veritas) se refere àquilo que pode ser demonstrado com precisão, se refere ao rigor e à exatidão.

Antes de continuarmos nosso estudo, reflita sobre a seguinte questão: você já divulgou notícias falsas em alguma rede social ou em qualquer outro meio? As chamadas “fake news” têm ocasionado o surgimento de muitos boatos e mentiras que são espalhadas de maneira indevida por muitas pessoas. Antes de passar uma notícia adiante, consulte a fonte para que você não seja enganado.

COMO IDENTIFICAR N TÍCIAS FALSAS

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Tradução: Denise Cunha

Avalie se seus valores próprios ecrenças podem afetar seu julgamento.

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É PRECONCEITO?

ISSO É UMA PIADA?

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FONTE: <https://bibliotecaucs.wordpress.com/2018/02/15/8-passos-para-identificar-as-fake-news/>. Acesso em: 29 jun. 2018.

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De acordo com Abbagnano (2012, p. 1182), “é possível distinguir cinco conceitos fundamentais de verdade: 1º a Verdade como correspondência; 2º a Verdade como revelação; 3º a Verdade como conformidade a uma regra; 4º a Verdade como coerência; 5º a Verdade como utilidade”.

A verdade como correspondência tem sua origem na filosofia platônica, pois segundo essa corrente de pensamento, o verdadeiro é aquilo que descreve de maneira precisa o objeto descrito e como ele não é. Assim, é a veracidade dos fatos relatados que garante a verdade.

O segundo conceito diz respeito à verdade como revelação. Esta surge como uma revelação divina através de um ser superior que revela sua vontade, suas leis, a maneira como governa o universo. A verdade é revelada para nós mortais através dos sentidos, intuição (empirista). A concepção da verdade como revelação foi muito defendida pela teologia e metafísica. Assim, ela possui duas formas fundamentais: a empirista e a teológica, ou metafísica.

A verdade como conformidade de uma regra tem sua origem em Platão, quando este afirma que “ao tomar como fundamento o conceito que considero mais sólido, tudo o que me pareça estar de acordo com ele será por mim posto como verdadeiro, quer se trate de causas, quer se trate de outras coisas existentes; o que não me pareça de acordo com ele será por mim posto como não verdadeiro” (apud ABBAGNANO, 2012, p. 1185).

A verdade como correspondência é a verdade que garante a realidade, ou seja, o objeto falado é apresentado como ele é. Assim, a conformidade apresenta uma verdade que se ajusta a um conceito ou a uma regra.

A verdade como coerência, de acordo com Costa (2005, p. 1), tem um pressuposto: “a ideia básica demonstra que uma proposição é verdadeira quando é coerente com o conjunto de proposições que constitui o nosso sistema de crenças”.

A verdade de uma proposição está dependente da verdade de outras proposições às quais está ligada. A tese central da teoria da verdade como coerência é que as proposições não existem isoladamente, mas pertencem a diferentes sistemas, ou jogos de linguagem, ou estão a eles integrados.

A verdade como utilidade ou pragmática se assenta nos resultados ou consequências práticas do que afirmamos (utilidade). Para Nietzsche (apud ABBAGNANO, 2012, p. 1186), “verdadeiro em geral significa apenas o que é apropriado à conservação da humanidade. O que me faz perecer quando lhe dou fé não é verdadeiro para mim: é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser com as coisas externas”.

Seguindo essa linha de pensamento, uma proposição é verdadeira se houver vantagem prática em sustentá-la. Entretanto, se pensarmos a verdade

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somente em termos de utilidade, desde que traga vantagem, deve ser mantida. Ainda, crenças verdadeiras que não são vantajosas também devem ser mantidas. Naturalmente desemboca no relativismo, pois:

Para muitos, crer em Deus é vantajoso. Para o grupo humano dos ateus é desvantajoso crer em Deus, pois isso comprometeria a liberdade humana com ideias primitivas como as de pecado e danação eterna. Quem tem razão? A teoria pragmática não oferece suporte para uma decisão racional (COSTA, 2005, p. 1).

A teoria, falando em termos simples, parece lançar mais confusão do que esclarecimento, pois avaliar uma crença como verdadeira ou falsa, com base na utilidade, é abrir caminho para uma série de falácias. Acreditar que o indivíduo que faz alguma coisa é desculpado quando rouba é justificação estúpida para conduta moralmente condenável.

3.3 TERCEIRO REQUISITO PARA O CONHECIMENTO: JUSTIFICAÇÃO

Argumentamos anteriormente que o conhecimento é a crença verdadeira justificada. Quando acreditamos que alguma coisa é verdadeira, é necessário justificar essa crença e compreender as razões de uma crença e se tais razões têm um fundamento lógico. A crença por si só em uma proposição não é suficiente para sua validade. A crença e a verdade não são suficientes para o conhecimento, pois este requer que as crenças sejam verdadeiras e justificadas.

Podemos observar que nos conceitos fundamentais de verdade, encontramos diferentes justificativas para aquilo que acreditamos ser verdadeiro, como a verdade como coerência, o que justifica uma crença como sendo verdadeira é se a crença “é coerente com o conjunto de proposições que constituem o nosso sistema de crenças” (COSTA, 2005, p. 1).

A justificação consiste em um argumento, em uma defesa, ou conjunto de razões que se pode oferecer para apoiar uma crença. A questão é a seguinte: sobre qual fundamento os argumentos, as razões e defesa deverão se apoiar? Veja o exemplo a seguir:

Pensemos num indivíduo, Clyde, que acredita na história do Dia do Porco do Campo. Clyde pensa que se o Porco do Campo enxergar a sua própria sombra, a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde põe este princípio idiota em prática neste ano. Ele tem informações que fazem pensar que a Primavera virá mais tarde. Suponha-se que Clyde acaba por ter razão acerca deste facto. Se não existir nenhuma conexão lógica entre o facto de o porco do campo ter visto a sua própria sombra e o facto de a Primavera vir mais tarde, então Clayde terá uma crença verdadeira (a Primavera virá tarde), mas não terá conhecimento (SOBER, 2002, p. 1).

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A crença verdadeira de Clyde significa que ela possui conhecimento? O que é necessário para que além da crença verdadeira, Clyde possua conhecimento? A resposta é: justificação. A crença verdadeira precisa se apoiar em uma justificação racional.

Ter razão acerca de alguma coisa, como é o caso de Clyde, não significa que seja uma justificação racional. Assim, crenças verdadeiras que não são justificadas racionalmente não são consideradas casos de conhecimento. A justificação, portanto, consiste na razão (ou razões) que suporta a verdade da crença.

IMPORTANTE

Sobre a origem do conhecimento, consulte a Unidade 1, no Tópico 4 – OS PRINCIPAIS PERÍODOS DA FILOSOFIA: DA MODERNIDADE À CONTEMPORÂNEA, tópico que trata o Racionalismo, Empirismo e o Idealismo.

4 TIPOS DE CONHECIMENTO

A maneira como o sujeito conhece o mundo depende de como ele está posicionado frente ao objeto conhecido. Assim, podemos afirmar que existem diferentes tipos de conhecimento, pois os sujeitos estão posicionados ou se posicionam conscientemente frente ao objeto conhecido. A seguir, vamos discorrer de maneira específica sobre os tipos de conhecimento. Observe a figura a seguir e reflita sobre as falas de cada pessoa.

FIGURA 9 – CONHECIMENTO NO COTIDIANO

É uma pedra!

Era uma pessoa em outra vida!

É um agregado sólidoconstituído por

minerais!

FONTE: <http://www.meugibi.com/gibiimprimir.php?id=63955>. Acesso em: 21 jun. 2018.

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Senso comum ou popular é um tipo de conhecimento espontâneo, pois advém das observações e experiências diárias. Apesar de não possuir um rigor científico, o senso comum é uma fonte importante de conhecimento, pois ele é resultado das vivências do ser humano frente aos desafios e problemas relativos à existência. É interessante observar que o senso comum possui algumas características fundamentais.

Primeiramente, é ametódico e assistemático, pois “nasce diante da tentativa do homem de resolver os problemas da vida diária” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 128). Significa dizer que as pessoas que não tiveram uma formação científica, metodológica e sistematizada podem desenvolver saberes sobre determinadas coisas que são passados de geração em geração. Tais pessoas podem até não saber explicar ou justificar cientificamente as razões pelas quais agem assim ou fazem alguma coisa de uma forma e não de outra.

Um exemplo é a utilização de chá de boldo, pois mesmo que as pessoas não compreendam o funcionamento do organismo humano, utilizam as folhas de boldo para o alívio das dores no fígado. O senso comum, portanto, é baseado na experiência. Assim, o conhecimento empírico, usado no senso comum, não se baseia em métodos ou conclusões científicas, mas sim no modo de assimilar informações e conhecimentos úteis no cotidiano.

O conhecimento filosófico se difere do senso comum, ou popular, porque nasce a partir das reflexões que o ser humano faz sobre questões subjetivas. É o produto da inteligência e da capacidade de reflexão, que é característica da espécie humana.

A finalidade desse tipo de conhecimento é propor a exploração dos acontecimentos, determinando conceitos particulares, pois não se trata de elaborar dogmas ou verdades absolutas, mas questionar e refletir continuamente sobre sua realidade e as coisas em sua volta.

Por meio da reflexão filosófica, o ser humano procura dar sentido aos fenômenos gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência. Deve-se ao fato de que o filósofo não se limita apenas aos dados experimentais da física, da matemática, da biologia ou da química, mas se pergunta sempre quem é, o que é, por que é, de onde vem e para onde vai o homem.

Assim, não se limita somente a se interessar por alguns aspectos particulares da realidade, mas por ela como um todo, pois “a filosofia é a atividade teórica de reflexão e de crítica de problemas apresentados pela realidade, e esses problemas refletem necessidades e exigências de uma época e de uma realidade” (GHEDIN, 2008, p. 55).

O conhecimento científico se diferencia dos demais tipos, não pelo seu objeto ao estudo, mas pela forma como é obtido, por meio da utilização do método científico. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 129):

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A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo de conhecimento sistemático, preciso e objetivo segundo o qual são descobertas relações universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos e também agir sobre a natureza de forma mais segura.

Aqui você pode observar três aspectos essenciais do conhecimento científico: sistemático, preciso e objetivo. Por ser sistemático, o conhecimento científico é um tipo de conhecimento ordenado, e é formado a partir de um conjunto de ideias que são formadoras de uma teoria. O segundo aspecto diz respeito à precisão, pois não se admite a ideia do “eu acho”.

Por ser preciso, o conhecimento científico indica que segue rigorosamente os métodos da pesquisa para obter resultados exatos, embora não sejam resultados infalíveis, pois tal conhecimento é dinâmico por natureza, sempre deixando possibilidades para novas descobertas.

O terceiro aspecto do conhecimento científico (objetivo) contrasta diretamente com o senso comum (subjetivo). Implica afirmar que, nesse tipo de conhecimento, o ponto de vista pessoal cede seu lugar para a observação imparcial, centrada no objeto da pesquisa e não nas opiniões particulares do observador.

O conhecimento mítico ou religioso tem como critério de verdade a fé. É dogmático, pois suas proposições são atribuídas à revelação por uma entidade sobrenatural. Consiste em um conjunto de verdades obtido pelos homens, não com o auxílio da razão, mas em decorrência da aceitação dos dados da revelação divina. Vale-se, de modo especial, do argumento de autoridade.

As fontes de tais conhecimentos são os Livros Sagrados, que são aceitos racionalmente pelos homens. O ser humano procura explicar e lidar com os mistérios da sua existência e trazer conforto e segurança diante das incertezas da vida.

O conhecimento artístico pode ser entendido como um tipo conhecimento baseado na sensibilidade do artista de perceber o mundo em sua volta e o expressar de uma forma não comum. O artista interpreta a realidade e a traduz em forma de arte.

Assim, “a verdade está na representação daquele que comunica sua forma de ver e interpretar a realidade” (TOMELIN; TOMELIN, 2007, p. 80). O conhecimento artístico tem um caráter subjetivo, mas sua finalidade é revelar algo ao expectador.

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LEITURA COMPLEMENTAR

O que é a metafísica?

Richard Taylor

É costume dizer que cada um tem a sua filosofia e até que todos os homens têm opiniões metafísicas. Nada poderia ser mais tolo. É verdade que todos os homens têm opiniões, e que algumas delas – tais como as opiniões sobre religião, moral e o sentido da vida – confinam com a filosofia e com a metafísica, mas raros são os homens que possuem qualquer concepção de filosofia e ainda menos os que têm qualquer noção de metafísica.

William James definiu algures para a metafísica como “apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza”. Não são muitas as pessoas que assim pensam, excepto quando os seus interesses práticos estão envolvidos. Não têm necessidade de assim pensar e, daí, não sentem qualquer propensão para o fazer. Exceptuando algumas raras almas meditativas, os homens percorrem a vida aceitando como axiomas, aquelas questões da existência, propósito e sentido que aos metafísicos parecem sumamente intrigantes.

O que sobretudo exige a atenção de todas as criaturas, e de todos os homens, é a necessidade de sobreviver e, uma vez isso razoavelmente assegurada, a necessidade de existir com toda a segurança possível. Todo o pensamento começa aí, e a sua maior parte cessa aí. Sentimo-nos mais à vontade para pensar como fazer isto ou aquilo. Por isso a engenharia, a política e a indústria são muito naturais aos homens. Entretanto, a metafísica não se interessa, de modo algum, pelos “comos” da vida, mas antes apenas pelos “porquês”, pelas questões.

Pensar metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade e nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido em que são fundamentais e muita coisa depende deles. A religião, por exemplo, não é metafísica e, entretanto, se a teoria metafísica do materialismo fosse verdadeira, e assim fosse um facto que os homens não têm alma, então grande parte da religião soçobraria diante do facto.

A filosofia moral não é metafísica e, contudo, se as teorias metafísicas do determinismo ou do fatalismo fossem verdadeiras, então muitos dos nossos pressupostos tradicionais seriam refutados por essas verdades. Similarmente, a lógica não é metafísica e, contudo, se apurasse que, em virtude da natureza do tempo, algumas asserções não são verdadeiras nem falsas, isso acarretaria em sérias implicações para a lógica tradicional.

Sugere que a metafísica é um alicerce da filosofia e não o seu coroamento. Se for longamente exercido, o pensamento filosófico tende a se resolver em problemas metafísicos básicos. O pensamento metafísico é difícil. Com efeito,

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seria provavelmente correcto afirmar que o fruto do pensamento metafísico não é o conhecimento, mas a compreensão.

As interrogações metafísicas têm respostas e, dentre as várias respostas concorrentes, nem todas poderão ser verdadeiras, por certo. Se um homem defende uma teoria materialista e outro a nega, então um desses homens está errado. O mesmo acontece com todas as outras teorias metafísicas. Contudo, raramente é possível provar e conhecer qual das teorias é a verdadeira.

A compreensão, porém, resulta de dificuldades persistentes em opiniões que frequentemente parecem, com outras bases, ser muito verdadeiras. É por essa razão que um homem pode ser um sábio metafísico sem que, não obstante, sustente suas opiniões e juízos em conceitos metafísicos. Tal homem pode ver tudo o que um dogmático metafísico vê, e pode entender todas as razões para afirmar o que outro homem afirma com tamanha confiança.

Entretanto, ao invés do outro, também vê algumas razões para duvidar e, assim, ele é, como Sócrates, o mais sábio, mesmo em sua profissão de ignorância. Advirta-se o leitor, neste particular, de que quando ouvir um filósofo proclamar qualquer opinião metafísica com grande confiança, ou o ouvir afirmar que determinada coisa, em metafísica, é óbvia, ou que algum problema metafísico gravita apenas em torno de confusões de conceitos ou de significados de palavras, então poderá estar inteiramente certo de que esse homem está infinitamente distante do entendimento filosófico. Suas opiniões parecem isentas de dificuldades apenas porque ele se recusa obstinadamente a ver as dificuldades.

Um problema metafísico é inseparável dos seus dados, pois são estes que, em primeiro lugar, dão origem ao problema. Ora o datum significa literalmente algo que nos é oferecido, posto à disposição.

Assim, tomamos como dado de um problema certas convicções elementares do senso comum que todos ou a maioria dos homens está apto a sustentar com alguma persuasão íntima e teria relutância em abandonar. Não são teorias filosóficas, pois estas são o produto da reflexão filosófica e, usualmente, resultam da tentativa de conciliar certos dados entre si.

Observou Aristóteles: “Procurar a prova de assuntos que já possuem evidência mais clara do que qualquer prova pode fornecer e confundir o melhor com o pior, o plausível com o implausível e o básico com o derivativo” (FÍSICA, Livro VIII, Cap. 3). Exemplos de dados metafísicos são as crenças que todos os homens possuem, independentemente da filosofia de que existem, de que têm um corpo, de que por vezes deliberam sobre tais cursos, de que envelhecem e morrerão algum dia etc. Um problema metafísico surge quando se verifica que tais dados não parecem concordar entre si, que têm, aparentemente, implicações inconsistentes entre si. A tarefa, então, é encontrar uma teoria adequada à eliminação desses conflitos.

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TÓPICO 2 | EPISTEMOLOGIA

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Talvez convenha observar que os dados, como os considero, não são coisas necessariamente verdadeiras e nem evidentes em si. De fato, se o conflito entre certas convicções do senso comum não for tão-só aparente, mas real, então algumas dessas convicções estão fadadas a serem falsas, embora possam, não obstante, serem tidas na conta de dados até que sua falsidade se descubra.

É isso o que torna emocionante, por vezes, a metafísica; nomeadamente, o fato de sermos coagidos, algumas vezes, a abandonar certas opiniões que sempre havíamos considerado óbvias. Contudo, a metafísica tem de começar por alguma coisa e, como não pode começar, obviamente, pelas coisas que já estão provadas, deve começar pelas coisas em que as pessoas acreditam.

Ora, o intelecto do homem não é tão forte quanto a vontade, e os homens, geralmente, acreditam no que querem acreditar, particularmente quando essas crenças parecem dar valor a si mesmos e às actividades. A sabedoria não é, pois, o que os homens buscam em primeiro lugar. Procuram, outrossim, uma justificação para aquilo de que por acaso gostam.

Não surpreende, portanto, que os principiantes em filosofia, e mesmo os que já não são principiantes, tenham uma acentuada inclinação ao se apegarem em uma teoria que os atraia em face de dados conflituantes e neguem, por vezes, a veracidade dos dados, apenas por aquela razão.

Tal atitude dificilmente se pode considerar propícia à sabedoria. Assim, não é incomum encontrarmos pessoas que querem ardentemente acreditar na teoria do determinismo e que, partindo desse desejo, negam, simplesmente, a verdade de quaisquer dados que com ela colidam.

Os dados, por outras palavras, são meramente ajustados à teoria, em vez de a teoria aos dados. Entretanto, deve-se insistir ainda pelos dados, e não pela teoria, que se terá de começar. Se não partirmos de pressupostos razoavelmente plausíveis, onde obter a teoria senão no que os nossos corações desejam?

Mais cedo ou mais tarde poderemos ter de abandonar alguns dos dados do nosso senso comum, mas, ao fazê-lo, será em consideração a certas outras crenças do senso comum que temos ainda maior relutância em abandonar e não em deferência pelas teorias filosóficas que nos atraem.

O leitor é exortado, portanto, ao acompanhar os pensamentos que se seguem, a suspender os seus juízos sobre as verdades finais das coisas, uma vez que, provavelmente, nem o leitor nem qualquer outra pessoa sabe quais são essas verdades e a contentar-se com a apreciação dos problemas da metafísica. Este é o primeiro e sempre o mais difícil passo. O resto da verdade, se alguma vez tiver a boa fortuna de receber uma parte dela, chegar-lhe-á do seu próprio íntimo, se acaso chegar, e não da leitura de livros.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

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O ensaio que se segue constitui uma introdução – literalmente, um “encaminhamento” – à metafísica. Não é uma análise das concepções predominantes, e o leitor buscará em vão os nomes dos grandes pensadores ou o resumo das opiniões que eles defenderam. Os problemas metafísicos vão sendo trazidos à tona, e o leitor é simplesmente convidado a pensar neles de acordo com as diretrizes sugeridas.

É por essa razão que ao desenvolver os problemas mais estreitamente associados com o eu ou com a pessoa e os seus poderes, particularmente nos primeiros três capítulos, a estilisticamente discutível primeira pessoa do singular, o “Eu”, é empregada com frequência na maneira das Meditações de Descartes. O leitor compreenderá que as ideias apresentadas têm por intuito significar as suas próprias e não quaisquer reflexões autobiográficas do autor.

FONTE: TAYLOR, Richard. Metaphysics. 1992. Disponível em: <https://criticanarede.com/met_quee.html>. Acesso em: 18 jun. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A epistemologia é a área da filosofia que se ocupa do estudo da natureza do conhecimento, da justificação e da racionalidade da crença e dos sistemas de crenças.

• O problema fundamental da epistemologia é buscar compreender a relação entre sujeito (o que conhece) e o objeto (aquilo que é conhecido).

• Uma determinada crença pessoal pode ou não ser verdadeira do ponto de vista epistemológico. Nem toda crença é conhecimento.

• A verdade (veritas) se refere aquilo que pode ser demonstrado com precisão, se refere ao rigor e à exatidão.

• É possível distinguir cinco conceitos fundamentais de verdade: 1º a Verdade como correspondência; 2º a Verdade como revelação; 3º a Verdade como conformidade a uma regra; 4º a Verdade como coerência; 5º a Verdade como utilidade.

• A justificação consiste em um argumento, em uma defesa, ou conjunto de razões que se pode oferecer para apoiar uma crença.

• Senso comum ou popular é um tipo de conhecimento espontâneo, pois advém das observações e experiências diárias.

• O conhecimento filosófico se difere do senso comum ou popular porque nasce a partir das reflexões que o ser humano faz sobre questões subjetivas.

• O conhecimento científico indica que segue rigorosamente os métodos da pesquisa para obter resultados exatos, embora não sejam resultados infalíveis, pois tal conhecimento é dinâmico por natureza, sempre deixando possibilidades para novas descobertas.

• O conhecimento mítico ou religioso tem como critério de verdade a fé.

• O conhecimento artístico pode ser entendido como um tipo conhecimento baseado na sensibilidade do artista.

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AUTOATIVIDADE

1 A epistemologia é a área da filosofia que se ocupa com a natureza do conhecimento. Ela procura estabelecer as bases confiáveis para o desenvolvimento do conhecimento científico. Assim, o conhecimento produzido é submetido aos critérios epistemológicos a fim de obtermos o máximo de confiabilidade possível. Podemos afirmar que:

a) ( ) Na epistemologia, o conhecimento do objeto é proveniente apenas da nossa sensibilidade, sem fazer menção da intuição.

b) ( ) Embora a epistemologia tente se afastar da superficialidade presente na mera opinião, não é possível porque uma teoria do conhecimento se desenvolve a partir de opiniões.

c) ( ) A epistemologia busca compreender a relação entre o sujeito, o objeto e o problema fundamental da epistemologia.

d) ( ) A epistemologia se ocupa de provar que tanto o conhecimento mítico quanto o conhecimento popular são científicos.

2 Sabemos que um dos requisitos para o conhecimento é a verdade. Contudo, não é tão simples definir o conceito de verdade, porque é possível distinguir a verdade em cinco conceitos fundamentais. Sobre esses conceitos, associe os itens utilizando o código a seguir:

I- Verdade como correspondênciaII- Verdade como utilidadeIII- Verdade como coerênciaIV- Verdade como revelaçãoV- Verdade como conformidade a uma regra

( ) É verdadeiro aquilo que descreve de maneira precisa um fato ou objeto.( ) É a verdade que garante a realidade e não o contrário.( ) Caracteriza-se pela ausência de contradições dos dados que nós temos

sobre algo. ( ) Uma proposição é verdadeira se há alguma vantagem prática em sustentá-la.( ) Surge como uma revelação divina e foi intensamente defendida pela

teologia metafísica.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – IV – II – I – III.b) ( ) I – V – III – II – IV.c) ( ) I – III – V – II – IV.d) ( ) III – I – V – II – IV.

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TÓPICO 3

ÉTICA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Ao estudar a ética, percebemos a amplitude do assunto, pois todas as áreas da vida humana são sustentadas a partir de uma moralidade, de princípios normativos que orientam a conduta e as decisões individuais e coletivas. Diante na grandeza dessa discussão, nosso estudo contemplará alguns aspectos fundamentais da ética.

A organização da vida social e o agir humano sempre se relacionaram com os limites morais, sejam eles em formas de lei, de tradição, costumes, crenças etc. A convivência entre as pessoas somente se tornou possível quando os indivíduos criaram e estabeleceram normas.

Contudo, aquilo que parece ser justo para alguns, não é aceito por outros, aquele comportamento que é considerado correto para um grupo, às vezes, é visto como errado para outro grupo. Assim, surgiu a necessidade de uma ciência que possibilitasse uma discussão racional acerca dos princípios, normas e regras que fazem parte da vida social.

Com a finalidade de conhecer um pouco mais sobre os desafios éticos da sociedade atual, iniciaremos nosso estudo discorrendo sobre o que é ética (i); conhecer as principais teorias éticas (ii); apresentar a bioética como disciplina fundamental no debate atual (iii); e discorrer, de maneira sucinta, sobre a ética e a técnica. No decorrer do tópico, estaremos sugerindo uma bibliografia complementar e filmes relacionados ao tema.

Este tópico tem como objetivo trazer uma noção geral da ética, pois não é possível aprofundar o estudo de uma ciência que já vem sendo debatida e estudada por mais de dois mil anos. Esperamos que o assunto desperte interesse e que você tenha a curiosidade e disposição para ir um pouco mais adiante no estudo dessa temática que é tão importante para a vida humana. Bons estudos!

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

2 O QUE É ÉTICA?

Em todos os tópicos desta unidade, nós sempre partimos da tentativa de encontrar uma resposta para a questão central do assunto abordado no tópico. Com a ética não é diferente, pois é um conceito amplo que tem gerado muitos debates ao longo da história da filosofia.

Segundo Frankena (1981, p. 16), a ética “é a filosofia moral, ou pensamento filosófico acerca da moralidade, dos problemas morais e dos juízos morais”. Portanto, no campo da ética, estudamos os fundamentos dos modos de vida e convivência.

A ética se preocupa em saber o que é o bom e o correto. Parece algo simples, mas quando nos deparamos com determinados comportamentos e ações dos agentes morais, as pessoas assumem diferentes posições sobre uma mesma situação, pois os juízos de valor dependem de cada indivíduo.

O que é o bom? O que é o certo? Essas perguntas fazem com que as pessoas busquem uma justificativa para os seus comportamentos e ações. Diante de alguma atitude, alguém pode dizer: Não é certo! Por outro lado, outra pessoa poderá responder: Por que não é certo? Assim, a ética busca fundamentar as ações morais com base na razão.

FIGURA 10 – O QUE É CERTO OU ERRADO?

FONTE: <http://www.oqueeetica.com/tag/etica/>. Acesso em: 23 jun. 2018.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 442):

Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª. a conduta dos homens deve ser orientada para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª. a que a considera como uma ciência móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta.

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O que ocorreu ao longo da história da ética foi que a primeira concepção se voltou para aquilo que é a essência, à natureza do homem, enquanto que a segunda concepção está mais direcionada aos motivos e às causas da conduta humana, ou até mesmo às forças que determinam tal conduta (ABBAGNANO, 2012).

A ética procura estabelecer os princípios de vida boa, pois o fim último das ações humanas deve ser o sumo bem, a felicidade. “Se, pois, existe uma finalidade visada em tudo o que fizemos, tal finalidade será o bem atingível pela ação, e se há mais de uma, serão os bens atingíveis por meio dela” (ARISTÓTELES, 2001, p. 25).

Implica dizer que a ética é um estudo da práxis humana e seus fins, pois os agentes morais podem justificar suas ações de vários modos, contudo há a necessidade de que a justificação esteja fundamentada na razão e naquilo que é o bom.

A ética não deve ser confundida com um conjunto de leis, mas ela é a ciência dos princípios morais. Assim, uma lei pode ser boa ou má e quem define é a ética, pois existem muitas leis que são imorais, ou seja, a legalidade não significa necessariamente moralidade no sentido positivo. Assim, o estudo dos fundamentos que justificam a criação das leis, das ações, decisões, práticas etc. é objeto de estudo dos eticistas. Segundo Sidgwick (2010, p. 25):

De acordo com o ponto de vista Aristotélico – que é o da filosofia grega em geral e que tem sido amplamente usado nos últimos tempos – o objeto primordial da investigação ética é tudo o que está incluído na noção do que vem ser, por fim, bom e proveitoso para o homem, tudo que é razoavelmente escolhido ou procurado por ele, não como meio para um fim ulterior, mas por si mesmo.

O fim último que o homem busca é a felicidade, pois é um bem cujo fim é ele mesmo. Entretanto, a felicidade deve ser buscada vivendo uma vida virtuosa. A virtude é a expressão maior da excelência de uma pessoa, de sua integridade, de sua identidade.

A virtude é encontrar, através da razão, o meio-termo entre os extremos. Para o meio-termo, Aristóteles chamou de justo meio. Assim, o tema principal da ética aristotélica é delimitar o que é o “bem” e o significado que ele tem para o homem.

3 TEORIAS ÉTICAS

As teorias éticas se originam e se desenvolvem a partir da necessidade de responder aos desafios nas relações humanas no interior de uma sociedade e fora dela. Assim, é importante atentar para o contexto histórico que originou as teorias éticas e quais problemas a serem enfrentados no campo da moral.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3.1 UTILITARISMO

O utilitarismo é uma teoria baseada em um único princípio: o princípio da utilidade. "O princípio diz que devemos sempre produzir o equilíbrio máximo do valor positivo sobre o desvalor (ou o menor desvalor possível, caso só se possam obter resultados indesejáveis)" (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2013, p. 63).

A teoria consiste em uma ética normativa que apresenta a ação útil como

a melhor ação, a ação correta. As origens clássicas do utilitarismo são encontradas nos escritos de Jeremy Bentahm (1748-1832) e de John Stuart Mill (1806-1873).

O termo utilitarismo foi usado pela primeira vez na carta do filósofo Jeremy Bentham para George Wilson, em 1781, e depois entrou em uso corrente na filosofia por John Stuart Mill, na obra Utilitarismo, publicada em 1861.

Em 1958, Elizabeth Anscombe criou o termo "consequencialismo", pois até então o termo "utilitarismo" era utilizado para se referir às teorias que buscavam sua justificação nas consequências das ações, em contraponto àquelas que buscam sua justificação em máximas absolutas.

Assim, o termo consequencialismo foi adotado como uma categoria e o termo "utilitarismo" passou a designar apenas a teoria mais próxima daquela defendida por Bentham e Mill, a maximização da promoção da felicidade.

Observe a figura a seguir e reflita sobre a seguinte questão: o trem, em seu curso normal, mataria cinco pessoas, mas você pode puxar a alavanca e desviar o trem para matar apenas uma. O que você faria? Para refletir um pouco mais sobre a questão, você encontrará, ao fim deste tópico, uma leitura complementar que possibilitará uma reflexão profunda sobre os dilemas éticos da atualidade.

FIGURA 11 – DILEMA DO BONDE

FONTE: <https://verdadenapratica.wordpress.com/2015/05/29/utilitarismo-e-seus-impactos/>. Acesso em: 23 jun. 2018.

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Na concepção utilitarista, as ações devem produzir o melhor resultado para o maior número de pessoas. A regra, portanto, é o maior prazer possível para o maior número de pessoas possíveis. Apesar da teoria ser atraente, é possível levantar algumas objeções, dentre elas, o fato de que Bentham “não atribui o devido valor à dignidade humana e aos direitos individuais e reduz equivocadamente tudo que tem importância moral para uma única escala de prazer e dor” (SANDEL, 2015, p. 63).

A concepção de Bentham é extremamente calculista e quantitativa, pois uma ação moral é avaliada apenas se as consequências produzirão maior felicidade ou maior sofrimento para o maior número de pessoas.

Assim, diante de um prédio em chamas, se eu tiver que escolher entre salvar um parente próximo ou cinco estranhos, o certo é salvar os cinco estranhos, pois maximiza a felicidade para um maior número de pessoas. Ao exigir decisões dessa natureza, o utilitarismo se tronou uma teoria criticada profundamente.

Diante das severas críticas feitas ao utilitarismo de Bentham, o filósofo John S. Mill procurou ir um pouco além, apontando para uma concepção de utilitarismo menos calculista e mais qualitativa. Em sua obra Utilitarismo, publicada em 1861:

Mill defende, em cinco capítulos, uma versão mais sofisticada de utilitarismo, que se baseia no hedonismo qualitativo. Durante a avaliação de uma ação, além da intensidade e duração dos prazeres, devemos levar em conta a qualidade dos prazeres gerados por ela. Mill os distingue como superiores ou inferiores, de acordo com a sua natureza intrínseca. São superiores os prazeres do intelecto, das emoções, da imaginação e dos sentimentos morais e são inferiores os prazeres corporais. Confrontados por indivíduos que tenham experiência de ambos, os do tipo superior sobressaem-se como preferíveis, sendo então considerados melhores (superiores) do que os outros (GONTIJO, 2010, p. 1).

É importante ressaltar que existem diferentes versões do utilitarismo, contudo, cinco princípios fundamentais são comuns a todas as versões, a saber: princípio do bem-estar; consequencialismo; princípio da agregação; princípio de otimização e a imparcialidade e universalismo.

O princípio do bem-estar estabelece que o objetivo da ação moral deve ser o bem-estar em todos os níveis: físico, moral e intelectual. No princípio do consequencialismo, o valor moral das ações é julgado frente às consequências por elas geradas.

O princípio da agregação considera sempre a maioria dos indivíduos, destacando o sacrifício da minoria, pois o que conta é a quantidade global de bem-estar produzida, ou seja, o saldo líquido da felicidade e do bem. O princípio de otimização é a maximização do bem-estar interpretada como um dever. A imparcialidade e o universalismo dizem respeito ao fato de que não se faz distinção entre o sofrimento e a felicidade, pois são da mesma importância.

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Vale ressaltar que há dois importantes tipos de utilitarismo, o de ato e o de norma, que Frankena (1981, p. 50) denomina de “atoutilitarismo e normoutilitarismo”. O utilitarismo de ato consiste na ideia de que uma ação é correta se, e somente se, promover a maior felicidade para o maior número. O utilitarismo de regra concorda com o de ato, mas acrescenta que precisamos de regras práticas, pois caso contrário não podemos estar o tempo todo a fazer tais cálculos.

Apesar das duras críticas que os utilitaristas receberam e o fato de existirem pessoas que não os aceitam, o princípio básico utilitarista é hoje central nas disputas morais. Se lembrarmos do passado, quando as ideias foram sistematizadas, vamos perceber que foi uma ideia revolucionária. Pela primeira vez na história, filósofos defendiam que a moralidade não dependia de Deus nem tão pouco de regras abstratas.

Ao desenvolverem uma teoria assentada na ideia de que a felicidade do maior número é tudo o que se deve perseguir com a ajuda da experiência, as ações livres e individuais passaram a ter um grande peso no espaço de deliberações morais. Os utilitaristas foram reformadores sociais empenhados em mudanças, tais como a abolição da escravatura, a igualdade entre homens e mulheres, o sufrágio universal, independentemente de deterem ou não alguma propriedade.

3.2 ÉTICA DEONTOLÓGICA OU DO DEVER

A ética deontológica ou do dever tem como questão central a seguinte: O que devo fazer? De início, é fundamental ressaltar que, para os deontologistas, o valor da ação não está na consequência, pois um exemplo clássico dessa concepção é a ética kantiana, que prescreve o dever pelo dever e não por qualquer outra coisa.

Significa dizer que o valor da ação está na própria ação. Um exemplo clássico é a mentira. Kant sustenta que o agente moral não deve mentir nunca, independentemente se sua mentira poderá salvar pessoas ou beneficiar alguém. Mentir é sempre errado. De acordo com Hooft (2013, p. 23):

Uma ética do dever usa termos “deônticos” (do termo grego antigo significa “necessidade”), tais como “certo”, “errado”, “obrigatório” ou “proibido”. Esses termos referem-se ao que é “necessário” fazer, o que “devemos” fazer, ou o que “temos que” fazer. Eles descrevem as nossas obrigações e deveres. Além disso, são usados para se emitir um juízo sumário após uma avaliação minuciosa acerca do status moral de uma ação ou de um tipo de ação.

No caso, o dever é superior ao homem. É importante destacar o que Kant escreveu sobre o dever e a inclinação para uma determinada ação:

Ser criativo quando se pode sê-lo é um dever e há, além disso, muitas almas de disposição tão compassivas que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria e podem se alegrar com o contentamento dos outros enquanto

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é obra sua. Eu afirmo, porém, que neste caso, uma tal acção (sic), por conforme ao dever, por amável que seja, não tem, contudo, nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações (KANT, 2011, p. 28-29).

Agir por dever e em função de uma boa finalidade são os princípios que determinam a boa ação. Agir bem provoca uma boa intenção e uma boa vontade. Assim, uma ação é boa se, e somente se, a intenção for boa e se ela for pensada como boa vontade, ou seja, se for universalizável.

Será universal se aquilo que decidirmos for bom para nós mesmos e para os outros (todos). Se não for uma ação egoísta ou só pensada em função de mim próprio, então terá uma dimensão ética, de modo que, como afirma Kant (2011, p. 73), “age de tal maneira que usas a humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro sempre como um fim e nunca simplesmente como um meio”.

Frankena aponta a distinção entre as teorias deontológicas de ato e de norma. Sobre as teorias deontológicas de ato, o autor sustenta que:

Seu traço principal é o de que não propõe qualquer padrão para determinar o que é certo ou errado em casos particulares. Sustenta que os juízos particulares são básicos e que as regras gerais surgem a partir deles – e não o contrário. Propõe algo como um método para determinar o que é certo: esclarecer-se a propósito dos fatos em pauta e, então, formular juízo acerca do que deve ser feito, recorrendo à “intuição”, como diriam os intuicionistas, ou à “decisão” do tipo que os existencialistas referem. O ato-deontologismo não nos oferece um critério ou princípio orientador (FRANKENA, 1981, p. 39).

As teorias deontológicas de ato consistem em uma reação às teorias ontológicas de regra. Assim, para os deontologistas de ato, existe uma maneira especifica de agir para cada situação, pois não existe uma norma que possa ser seguida de maneira geral. Sustentam que o caráter específico de cada situação, ou de cada ato, impede que possamos apelar para uma norma geral a fim de decidir o que devemos fazer.

Assim, é necessário intuir como devemos operar em um caso determinado, ou decidir sobre ele sem recorrer a uma norma, pois uma norma não é capaz de nos indicar o que devemos fazer em cada caso concreto. Se não há uma norma geral que sirva para orientar como nós devemos agir, em cada caso concreto o que importa é o grau de liberdade com que se age. Quanto às teorias deontológicas de norma, Frankena (1981, p. 42) afirma que:

Ao escolher, julgar e arrazoar em questões de moral, a pessoa está, ao menos implicitamente, admitindo regras ou princípios. Essas observações sugerem, naturalmente, o normo-deontologismo, que sustenta existir um padrão não-teleológico representado por uma ou mais regras, embora essas regras não sejam necessariamente as dominantes.

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Diante de casos particulares, o dever é determinado por normas que, independentemente das consequências de sua aplicação, são válidas. Mentir é sempre errado, independentemente das consequências de não mentir.

Mesmo que seja para salvar uma vida, mentir será sempre errado, pois o dever de não mentir é determinado pela norma e não pelas consequências. É claro que a teoria está sujeita a objeções devido ao seu aspecto categórico, contudo alguns normodeontologistas apontam que não existem regras que não tenham exceção, menos aquelas que são deveres prima facie.

3.3 ÉTICA DAS VIRTUDES

Diferentemente da ética do dever, que está centrada na ação, a ética das virtudes está centrada no agente. Segundo Beauchamp e Childress (2013, p. 79):

Enquanto as teorias utilitaristas e kantianas são expressadas principalmente na linguagem das obrigações e dos direitos, concentrando-se nas situações de escolhas, a ética do caráter ou ética da virtude enfatiza os agentes que executam as ações e fazem as escolhas. Seguindo a tradição de Platão e de Aristóteles, a ética do caráter atribui uma posição proeminente ao caráter virtuoso.

Por possuir seu foco voltado para o agente, a teoria ética das virtudes se direciona para as questões “o que devo ser?”, “como eu devo viver?” e não mais para a pergunta comum nas teorias éticas deontológicas: “o que devo fazer?” Assim, a necessidade prática não é vista como uma obrigação e obediência às normas ou deveres, mas é vista como expressão do caráter e como resposta aos valores pessoais do agente moral, pois de acordo com Hooft (2013, p. 23):

A ética da virtude está mais interessada na condição moral do agente do que em saber se a sua ação está certa ou errada. Ela enfoca o caráter do agente e as virtudes que constituem esse caráter. As ações do agente são vistas como expressões desse caráter, não sendo, portanto, o principal objeto de atenção.

A citação nos faz observar a distinção que Aristóteles faz entre as virtudes do intelecto ou da razão e as virtudes éticas ou do caráter, pois ele diz “que algumas virtudes são intelectuais e outras morais; por exemplo, a sabedoria filosófica, a compreensão e a sabedoria prática são algumas das virtudes intelectuais, e a liberalidade e a temperança são algumas das virtudes morais” (ARISTÓTELES, 2001, p. 39).

Em relação à primeira, seu aperfeiçoamento depende do tempo, pois a virtude intelectual é aprimorada com a experiência, enquanto que a virtude de caráter é resultado do hábito, dos costumes. As virtudes de caráter ou éticas não são parte de nossa natureza, mas são constituídas em nós através dos hábitos.

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As virtudes são adquiridas pela prática e pela ação, pois é por meio da prática de determinadas coisas que o indivíduo se torna o que é. Um bom pianista, por exemplo, alcança a excelência em decorrência de seus esforços, dedicação e ensaio.

Aristóteles (2001, p. 41) diz que “pelos atos que praticamos em nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; pelo que fazemos em situações perigosas e pelo hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes”.

Tais atos ocorrem no interior de um contexto específico em que o indivíduo age a reage às diversas situações da vida. Assim, poderíamos questionar se as virtudes morais não são aperfeiçoadas pelas virtudes intelectuais? Parece-nos que sim, pois a experiência e o conhecimento das coisas possibilitam que as ações particulares expressem uma melhor qualidade.

Entretanto, o que caracteriza uma ação como virtuosa, o que é a virtude em Aristóteles? As virtudes éticas apontam para o meio-termo, que deve ser buscado em relação a nós:

A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões e consistente em uma mediania, isto é, a mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. É um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta, pois nos vícios ou há falta ou há excesso daquilo que é conveniente no que concerne às ações e às paixões, ao passo que a virtude encontra e escolhe o meio-termo (ARISTÓTELES, 2001, p. 49).

O meio-termo entre a falta e o excesso é um ponto alto na teoria ética de Aristóteles. As pessoas encontram dificuldades para viver entre os dois extremos. A felicidade depende da maneira como a pessoa moral consegue manter o equilíbrio em suas ações. A sabedoria consiste em viver moderadamente, escolher o meio-termo.

Outro conceito central na ética aristotélica é a prudência (phrónesis), pois cabe à prudência governar as ações morais do indivíduo. Na Ética a Nicômaco, o conceito revela um agir moral que é realizado nas ações concretas, sem que o agir esteja voltado para um bem transcendente.

4 BIOÉTICA

De acordo com Pessini e Barchifontaine (2005, p. 15), “inicialmente, a bioética foi definida por Potter como a ‘ciência da sobrevivência humana’, em uma perspectiva de promover e defender a dignidade humana e a qualidade de vida, ultrapassando o âmbito humano para abarcar inclusive a realidade cósmico-ecológica”. A finalidade da bioética é refletir sobre os problemas da existência humana a partir de uma perspectiva mais humanista e menos científico-tecnicista. É pensar sobre a vida em sua totalidade.

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A origem da bioética se deve às mudanças profundas que ocorreram nas últimas décadas. De acordo com Byc (2015, p. 19), “suas origens derivam de um duplo fenômeno: por um lado, a revolução biomédica; por outro, a crise da ética universal”.

A revolução biomédica trouxe a possibilidade de mudanças significativas na condição física e psicológica dos seres humanos. Naturalmente desencadeou uma série de debates sobre moralidade ou a imoralidade na intervenção que se faz na condição e na natureza humana.

Quando falamos de uma crise ética universal, estamos nos referindo aos avanços científico-tecnológicos que colocam em risco a própria existência da espécie humana, pois atualmente nos deparamos com as bombas de hidrogênio com potência de até 50 megatons, capazes de causar estragos de grandes proporções.

O principialismo é a abordagem predominante acerca da bioética. A teoria foi desenvolvida por Tom L. Beauchamp e James F. Childress. Segundo os autores, há quatro que devem fundamentar a bioética: o princípio do respeito pela autonomia, da não-maleficência, da beneficência e da justiça.

A bioética tem um caráter interdisciplinar, pois dialoga com as diferentes áreas do saber humano, tais como a psicologia, o direito, a biologia, a antropologia, a teologia, a ecologia, a filosofia, dentre outras. A relação consiste na busca de um discurso ético bem fundamentado nas diferentes formas de vida e concepções de mundo dos seres humanos, pois a bioética lida com os diversos dilemas morais que estão presentes no agir prático dos indivíduos.

A bioética consiste no estudo da moralidade e da conduta humana na área das ciências da vida, buscando examinar o que seria lícito ou científico ou tecnicamente possível. Assim, a bioética requer o comprometimento com a vida (todos os tipos de vida), com a dignidade do ser humano, com sua liberdade e autonomia.

DICAS

Gattaca – Experiência genética (1997). Num futuro não muito distante, um homem menos do que perfeito quer viajar para as estrelas. A sociedade classificou Vincent Freeman como menos do que adequado, dada a sua constituição genética, e ele se tornou uma das subclasses de seres humanos que só são úteis para trabalhos subalternos. Para seguir em frente, ele assume a identidade de Jerome Morrow, um espécime genético perfeito que é paraplégico como resultado de um acidente de carro.

Com aconselhamento profissional, Vincent aprende a enganar o teste de amostras de DNA e urina. Apenas quando ele está finalmente agendado para uma missão espacial, seu diretor de programa é

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morto e a polícia começa uma investigação, pondo em risco seu segredo. O filme traz um debate oportuno sobre as formas de preconceitos, e determinamos quem é melhor ou pior de acordo com suas limitações físicas. É uma crítica também às manipulações genéticas e quais os limites éticos da ciência.

5 ÉTICA E TÉCNICA

Diante dos avanços tecnológicos e dos aperfeiçoamentos das mais variadas técnicas, o que se pensa no campo da ética diz respeito ao futuro da humanidade. Desde os primórdios, o ser humano vem desenvolvendo técnicas para melhorar a vida, pois ela é um meio para a sobrevivência das pessoas.

Podemos usar como exemplo as técnicas de plantio, colheita e armazenamento de alimentos, desenvolvidas desde muito cedo pelo ser humano, cuja finalidade era garantir que os grupos tivessem alimentos o ano inteiro. Contudo, com o passar do tempo, as técnicas também foram se aperfeiçoando e atualmente já discutimos os limites éticos de determinadas técnicas, como a manipulação genética das sementes.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 1106), o sentido geral do termo

(técnica) “coincide com o sentido geral da arte (v.): compreende qualquer conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer”. Técnica, portanto, trata-se de um conjunto de procedimentos que tem como objetivo obter um determinado resultado. Assim, ao se estabelecer uma meta, o cientista, artista, ou qualquer outro técnico opta por um conjunto de regras, normas ou protocolos que é utilizado como meio para chegar ao objetivo estabelecido.

Quando tratamos de ética e técnica, estamos discutindo a moralidade de determinadas técnicas utilizadas em nossa sociedade para se chegar aos objetivos desejados. Atualmente, há grande discussão das técnicas de melhoramento humano, que impactam diretamente na competitividade saudável entre as pessoas.

As técnicas podem ser divididas em dois campos: técnicas racionais e mágicas. O que nos interessa no presente momento são as técnicas racionais, que podem ser divididas em técnicas cognitivas e artísticas, técnicas de comportamento e técnicas de produção. A seguir, vamos discorrer brevemente sobre técnicas de produção devido à importância direta para a sobrevivência humana.

De acordo com Abbagnano (2012, p. 1106), “o terceiro grupo de técnicas é o que diz respeito ao comportamento do homem em relação à natureza e visa à produção de bens”. A supremacia da técnica em detrimento da ética tem sido uma questão preocupante, pois se algo precisa ser feito, deve-se ignorar a necessidade de uma justificação ética. A manipulação da natureza com a finalidade de produção de bens de consumo tem acendido o sinal de alerta.

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A manipulação genética, por exemplo, pode fomentar um mercado que possa vender bebês projetados de acordo com as preferências dos pais. A técnica tinha como objetivo melhorar as condições de vida do ser humano, contudo, o que estamos presenciando é um avanço contínuo da técnica que trouxe efeitos colaterais muito severos.

Atualmente, muitos pensadores das mais diversas áreas têm escrito e discutido intensamente sobre os efeitos negativos da técnica. Tais efeitos são enumerados da seguinte maneira por Abbagnano (2012, p. 1107):

1º exploração intensa dos recursos naturais acima dos limites de seu restabelecimento natural, portanto o empobrecimento rápido e progressivo desses recursos;2º poluição da água e do ar por resíduos industriais e com a multiplicação dos mecânicos de transporte e com a maior densidade demográfica;3º destruição da paisagem natural e dos monumentos históricos e artísticos, em decorrência da multiplicação das indústrias e da expansão indiscriminada dos centros urbanos;4º sujeição do trabalho humano às exigências da automação, que tende a transformar o homem em acessório da máquina;5º incapacidade da técnica de atender às necessidades estéticas, afetivas e morais do homem; portanto, sua tendência a favorecer ou determinar o isolamento e a incomunicabilidade dos indivíduos.

Apesar de se justificar constantemente a necessidade do aprimoramento

e do avanço das técnicas para a sobrevivência humana, é imprescindível que se considere os afeitos negativos e alternativas para remediar os danos. O quarto e o quinto pontos destacados por Abbagnano chamam a atenção devido ao uso da técnica como uma forma de dominação e manipulação dos indivíduos.

Na sociedade contemporânea, a ética ficou sujeita à técnica, resultando em uma deformidade da moral moderna. Galimberti (2006, p. 520) aponta que “a técnica celebra a impotência da ética, a definitiva subordinação do agir ao fazer” em relação ao contexto histórico atual.

DICAS

Ética a Nicômaco é uma obra de Aristóteles escrita no século IV a.C. É um dos primeiros tratados preservados sobre ética e moral da filosofia ocidental e, certamente, o mais completo da ética aristotélica. É composto de dez livros que são considerados baseados em anotações sobre suas palestras no Liceu. O trabalho cobre uma análise da relação de caráter e inteligência com a felicidade. Lembrando que a ética aristotélica continua sendo uma das bases fundamentais do pensamento humano.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Dilemas morais: o que você faria?

Tente responder a 5 famosos dilemas morais e descubra o que suas respostas dizem sobre você.

Fábio Marton

No livro A Escolha de Sofia, de William Styron, que virou filme estrelado por Meryl Streep, uma prisioneira polonesa em Auschwitz recebe um “presente” dos nazistas: ela pode escolher, entre o filho e a filha, qual será executado e qual deverá ser poupado. Escolhe salvar o menino, que é mais forte e tem mais chances na vida, mas nunca mais tem notícias dele. Atormentada com a decisão, Sofia acaba se matando anos depois.

Dilemas morais, como a escolha de Sofia, são situações nas quais nenhuma solução é satisfatória. São encruzilhadas que desafiam todos que tentam criar regras para decidir o que é certo e o que é errado, de juristas a filósofos que estudam a moral.

Cada vez que um filósofo monta um sistema de conduta, procura algo que responda a todas as situações possíveis. O filósofo inglês John Locke (1632-1704), por exemplo, definiu o bem pela não agressão, aquela ideia de que “minha liberdade começa onde termina a sua”. Já Rosseau (1712-1778) considerava o certo a vontade geral, a decisão da maioria.

Agora, os dilemas morais estão virando objeto de estudo de cientistas. E, para alguns deles, talvez os filósofos tenham trabalhado em vão ao se esforçarem tanto para montar teorias morais. É que, segundo novas pesquisas, raramente usamos a razão para decidir se devemos tomar uma atitude ou não.

Analisando o cérebro de pessoas enquanto elas pensavam sobre dilemas, os pesquisadores perceberam que muitas vezes decidimos por facilidade, empatia ou mesmo nojo de alguma atitude. Duvida? A seguir, faça o teste com você mesmo, respondendo a 5 dilemas morais clássicos.

1 O trem descontrolado

Um trem vai atingir 5 pessoas que trabalham desprevenidas na linha. Entretanto, você tem a chance de evitar a tragédia acionando uma alavanca que leva o trem para outra linha, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto, salvando as 5 e matando 1?

O dilema foi apresentado aos voluntários pelo filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard. “É aceitável mudar o trem

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e salvar 5 pessoas ao custo de uma? A maioria das pessoas diz que sim”, afirma Greene em um de seus artigos. De fato, em uma pesquisa feita pela revista Time, 97% dos leitores salvariam os 5.

Fazer isso significa agir conforme o utilitarismo – a doutrina criada pelo filósofo inglês John Stuart Mill, no século 19. Para ele, a moral está na consequência: a atitude mais correta é a que resulta na maior felicidade para o máximo de pessoas. Contudo, há um problema.

A ética de escolher o mal menor tem um lado perigoso – basta multiplicá-la por 1 milhão. Você mataria 1 milhão de pessoas para salvar 5 milhões? Uma decisão assim sustentou regimes totalitários do século 20 que desgraçaram, em nome da maioria, uma minoria tão inocente quanto o homem sozinho no trilho. Ainda, o ato de matar 1 para salvar 5 é o oposto do espírito do direito humano, segundo o qual cada vida tem um valor inestimável em si.

2 O trem descontrolado

Imagine a mesma situação anterior: um trem em disparada irá atingir 5 trabalhadores desprevenidos nos trilhos. Agora, porém, há uma linha só. O trem pode ser parado por algum objeto pesado jogado em sua frente. Um homem com uma mochila muito grande está ao lado da ferrovia. Se você empurrá-lo para a linha, o trem vai parar, salvando as 5 pessoas, mas liquidando uma. Você empurraria o homem da mochila para a linha?

Avaliando pela lógica pura, esse dilema não tem diferença em relação ao anterior. Continua sendo uma questão de trocar 1 indivíduo por 5. Apesar disso, a maioria das pessoas (75% nos estudos de Joshua Greene, 60% no teste da Time) não empurraria o homem.

A equipe de Greene descobriu que, enquanto usamos áreas cerebrais relacionadas à “alta cognição”, ou seja, ao pensamento profundo, para resolvermos o dilema anterior, este aqui provoca reações emocionais, mesmo nos que empurrariam o homem para os trilhos.

Uma versão mais bizarra propõe uma catapulta para jogar o homem pesado nos trilhos e, surpresa, a maioria das pessoas volta a querer matar 1 para salvar 5. Conclusão: estamos dispostos a matar com máquinas, mas não mataríamos com as mãos.

Para Greene, a diferença nas respostas aos dois dilemas pode ser explicada pela seleção natural. Durante milhares de anos da nossa evolução, os seres humanos que matavam outros friamente atraíam violência para si próprios: eram logo mortos pelo grupo, gerando menos descendentes. Já aqueles que conseguiam se segurar, conquistavam amigos e proteção, transmitindo seus genes para o futuro. Assim, ao longo dos milênios, criamos instintos sociais que nos refreiam na hora de matar alguém.

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Acontece que, na maior parte do tempo da nossa evolução, vivemos em cavernas e com lanças na mão, e não operando máquinas, botões ou alavancas. Faz com que nossos instintos sociais não relacionem o ato de apertar um botão ou puxar uma alavanca com o de jogar alguém para a morte. É por esse motivo que, para Joshua Greene, tanta gente mudaria a alavanca na situação anterior, mas não executaria o homem no segundo dilema.

Ele dá outro exemplo. Achamos um absurdo não prestar socorro a alguém que sofreu um acidente na estrada, mas nos esquecemos rapidinho que milhares de pessoas morrem de fome na África. Para Greene, o motivo dessa disparidade também está nos instintos.

“Nossos ancestrais não evoluíram em um ambiente em que poderiam salvar vidas do outro lado do mundo. Da forma como nosso cérebro é construído, pessoas próximas ativam nosso botão emocional, enquanto as distantes desaparecem na mente”.

Para Greene, a diferença de atitudes mostra que os filósofos que lidam com a moral devem levar mais em conta a natureza do homem – não para agirmos conforme a natureza, mas para superá-la. Tendo consciência de que nossos instintos nos tornam capazes de matar friamente por meio de uma alavanca ou de ignorar genocídios distantes, temos mais poder para decidir o que é ou não correto.

3 Totem e tabu

No seu país, a tortura de prisioneiros de guerra é proibida. Você é tenente do Exército e recebe um prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês morrerão às 21h35”. Suspeita-se que ele sabe de um ataque terrorista em uma boate. Para saber mais e salvar civis, você o torturaria?

Recentemente, Israel e os EUA foram duramente criticados pela prática de tortura de terroristas árabes em prisões e pelas tentativas de legalizá-la em forma de “pressão psicológica” ou “pressão física moderada”. Na defesa, os países usaram dilemas como esse. Se você achar que o correto é torturar o prisioneiro, vai legitimar carceragens sangrentas. Por outro lado, caso se recusasse a torturá-lo, poderá deixar inocentes morrer.

A situação também se parece com as anteriores pela razão pura, pois trata-se de salvar o maior número de vidas. Contudo por que, então, é tão difícil tomar a decisão de torturar o homem? Além do instinto básico de não-agressão apontado pelo cientista Joshua Greene, somos movidos por outra emoção primitiva: o nojo. É isso aí, o mesmo nojo que faz você ter uma ânsia de vômito ao olhar um esgoto. “Acreditamos que a aversão moral é nojo mesmo, e não apenas uma metáfora”, diz o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia.

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Em uma de suas pesquisas, Haidt mostrou vídeos de neonazistas a seus voluntários, monitorando a atividade cerebral deles. Concluiu que sentiam nojo, e não uma reprovação racional. É por isso que, em casos que provocam asco, como a tortura, costumamos agir conforme o absolutismo moral: as regras não devem ser transgredidas nem para salvar inocentes, ainda mais se lembrarmos que os países que querem legalizar o método geralmente se valem de dilemas como esse para situações mais leves.

4 Os limites da promessa

Um amigo quer contar um segredo e pede que você prometa não contar a ninguém. Você dá sua palavra. Ele conta que atropelou um pedestre e, por isso, vai se refugiar na casa de uma prima. Quando a polícia o procura, querendo saber do amigo, o que você faz?

O antropólogo holandês Fonz Trompenaars realizou pesquisas em diversos países com dilemas como esse. O mais interessante é que as respostas variaram de acordo com o povo. A maioria dos russos acusaria o amigo na lata. Outros mentiriam para protegê-lo, dando dicas ambíguas à polícia, como os americanos. Já os brasileiros inventariam histórias malucas para dizer que a culpa não era do amigo, mas do pedestre, que era um suicida.

Os gregos antigos já tinham consciência de que cada cultura tem noções diferentes sobre o que é certo ou errado: diziam que havia tantas morais quanto povos no mundo. A princípio, saber que a moral muda de acordo com a cultura é importante para não julgarmos costumes de um povo como se fossem os nossos, descobrindo suas razões particulares.

Foi o que propôs o antropólogo Franz Boas (1858-1942), considerado o pai do relativismo cultural – a ideia de que nenhuma cultura é melhor que outra. Entretanto, quando duas culturas diferentes se chocam, surgem dilemas morais ainda mais difíceis – como o próximo.

5 Choque de cultura

Você é um funcionário da Funai, trabalhando na Amazônia sob ordem expressa de jamais intervir na cultura indígena. Passeando perto de uma clareira, nota que ianomâmis estão envenenando o bebê de uma índia, que está aos prantos. Você impediria a morte do bebê?

Em 2008, a Folha de S. Paulo contou a história do índio Mayutá, de 2 anos, que nasceu de uma gravidez de gêmeos. Como os índios camaiurás acreditam que gêmeos trazem maldição, Mayutá deveria ser envenenado. O irmão dele já havia sido assassinado quando o pai interveio. Com ajuda da ONG Atini, que tenta acabar com o infanticídio entre os índios brasileiros, o pai retirou a criança da tribo.

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A ONG foi formada pelos pais adotivos da ianomâmi Hakani, que viveu um caso parecido em 1995. Depois que Hakani nasceu com hipotireoidismo, seus pais receberam do conselho da tribo a ordem de envenená-la, mas acabaram tomando o veneno eles mesmos. O irmão e o avô foram encarregados de levar a tarefa adiante e não conseguiram – o avô também se suicidou.

Hakani, abandonada, desnutrida e quase morta, acabou adotada por um casal de funcionários da Funai. Um antropólogo do ministério público tentou barrar a adoção, dizendo que era uma agressão à cultura ianomâmi. E aí, o que vale mais: a vida humana ou o respeito às tradições de um povo? Se você acha que o certo é deixar a cultura acontecer, é um relativista cultural. Se considera o valor da vida maior que o das culturas, é um absolutista moral, como o Papa Bento 16.

Talvez a solução do dilema esteja na hesitação dos pais. Ela mostra que o infanticídio não é um consenso entre os índios, ou seja, o terror emocional diante de matar o próprio filho existe mesmo em culturas que admitem matar suas crianças. Assim, converge com a tese do psicólogo evolutivo Steven Pinker: assim como qualquer língua do mundo diferencia verbo e objeto, a moral também tem suas regras universais, que cada cultura trata de forma diferente.

Segundo a teoria da “gramática universal”, de Noam Chomsky, temos uma capacidade de nascença para falar, e o que prova são as semelhanças de sintaxe entre todas as línguas do mundo. Em um artigo para o jornal New York Times, Pinker parodiou a tese de Chomsky: “Nascemos com uma gramática moral que nos permite analisar as ações humanas mesmo que com pouca consciência disso”. Entretanto, como mostram os dilemas morais, nem sempre é fácil fazer a análise.

FONTE: MARTON, Fábio. Dilemas morais: o que você faria? 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/cultura/dilemas-morais-o-que-voce-faria/>. Acesso em: 23 jun. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A ética é a filosofia moral ou pensamento filosófico acerca da moralidade dos problemas morais e dos juízos morais.

• A ética procura estabelecer os princípios de vida boa, pois o fim último das ações humanas deve ser o sumo bem, a felicidade.

• O utilitarismo é uma teoria baseada em um único princípio: o princípio da utilidade.

• A ética deontológica ou o dever tem como questão central a seguinte: O que devo fazer?

• As teorias deontológicas de ato consistem em uma reação às teorias ontológicas

de regra.

• A ética da virtude está mais interessada na condição moral do agente do que em saber se a sua ação está certa ou errada. Ela enfoca o caráter do agente e as virtudes que constituem esse caráter.

• A finalidade da bioética é refletir sobre os problemas da existência humana a partir de uma perspectiva mais humanista e menos científico-tecnicista. É pensar sobre a vida em sua totalidade.

• Quando tratamos de ética e técnica, estamos discutindo a moralidade de determinadas técnicas utilizadas em nossa sociedade para chegarmos aos objetivos desejados.

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1 Ao decorrer dos nossos estudos deste tópico, nós apontamos para um dilema ético muito intrigante: o dilema do bonde. Sobre a situação apontada, reflita sobre a seguinte questão: o trem, em seu curso normal, mataria cinco pessoas, mas você pode puxar a alavanca e desviar o trem para matar apenas uma. O que você faria? Justifique sua resposta a partir das teorias éticas apresentadas neste tópico.

2 A ética tem por finalidade estabelecer os princípios de vida boa, pois o fim último das ações humanas deve ser o sumo bem, além da felicidade. Aristóteles defendia a ideia de que nossas ações devem atingir um fim nobre. Diante do exposto, assinale a alternativa correta:

a) ( ) A ética é a ciência do dever pelo dever, porém se afasta de qualquer possibilidade de estudo da práxis humana.

b) ( ) A ética consiste, portanto, em um estudo da práxis humana e seus fins, visto que os agentes morais devem justificar moralmente suas ações fundamentadas na razão.

c) ( ) A ética é o estudo da moralidade sem a preocupação de ser normativa ou estabelecer princípios que fundamentam as ações humanas.

d) ( ) Do ponto de vista ético, nossas ações não necessitam ser moralmente justificáveis, pois nossa preocupação deve ser apenas com os fins e jamais com os meios.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

ESTÉTICA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, o termo “estética” tem sido empregado para definir os tratamentos de beleza. Entretanto, o uso apenas nesse sentido foge da proposta original desenvolvida pelos filósofos da arte, pois a estética também é chamada de Filosofia da Arte. Assim, a estética não se resume apenas ao aspecto visual de um determinado objeto ou pessoa, mas aponta para aspectos mais amplos e profundos da arte.

Neste tópico, vamos discorrer inicialmente sobre o que é estética (i) e, em seguida, vamos apresentar pelo menos dois objetos de estudo da estética (ii). Nossa proposta é estudar o ponto de partida da estética, pois é uma área da filosofia geral que apresenta uma discussão bastante complexa no sentido de compreender o valor da arte. Vamos à leitura!

2 O QUE É ESTÉTICA?

De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 341), “a palavra estética vem do grego aisthesis, com o significado de ‘faculdade de sentir’, ‘compreensão pelos sentidos’, ‘percepção totalizante’”. Observe que a estética apela fundamentalmente para a sensibilidade, uma aprendizagem pelos sentidos. Assim, uma obra de arte, por exemplo, não é destituída de seu caráter pedagógico, que deve ser captado pelo observador.

Embora na Grécia Antiga outros filósofos já tenham utilizado o termo “estética”, foi o filósofo Alexander G. Baumgarten (1714-1831), que utilizou pela primeira vez a palavra no conceito moderno. O seu intuito era o de estabelecer uma disciplina da Filosofia que fosse encarregada de estudar todas as manifestações artísticas. Embora os primeiros filósofos gregos tenham utilizado a palavra “estética”, atualmente o seu significado corresponde à “doutrina do conhecimento sensível”.

Assim, Baumgarten definiu a estética como sendo uma disciplina que deveria refletir sobre as emoções produzidas pelos objetos que são admirados pelos seres humanos. O filósofo ainda afirmava que a estética deveria ser abordada a partir da consciência de cada indivíduo. Baumgarten entendia que a sensibilidade era a única forma de apreciar uma obra de arte. Assim, a sensibilidade só é possível quando o observador permite contemplar a arte a partir da sua própria subjetividade.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3 OBJETOS DE ESTUDO DA ESTÉTICA

Assim como todas as áreas da filosofia definem um objeto de estudo, com a estética não é diferente. Nesta oportunidade, iremos discorrer apenas sobre o belo e o feio e a arte. Existem outros objetos de interesse da estética, mas vamos destacar apenas esses que foram apresentados.

3.1 O BELO E O FEIO

Ao estudarmos sobre as concepções de feio e de belo, não podemos fugir de questões como: o que é o belo ou o feio? É possível definirmos objetivamente o que é feio ou o que é belo? A beleza ou a feiura depende da subjetividade de cada pessoa? Essas são questões que muitos filósofos que discutiram a arte tiveram que enfrentar. Assim, a grande questão do feio e do belo está na objetividade ou subjetividade.

A discussão em torno do feio e do belo é bastante ampla. Se concebermos o belo como uma manifestação do objeto em si, logo estaremos afirmando que há uma essência própria do belo independentemente da vontade do sujeito.

Em uma concepção mais contemporânea, o belo pode ser concebido como uma manifestação subjetiva, ou seja, a beleza de um determinado objeto é resultado de uma concepção subjetiva e a cultura, os valores e tradições influenciam diretamente na concepção.

Segundo Aranha e Martins (1993, p. 342), “para Platão, a beleza é a única ideia que resplandece no mundo. Se, por um lado, reconhece o caráter sensível do belo, por outro continua a afirmar sua essência ideal, objetiva”. Em decorrência dessa objetividade do belo, os filósofos clássicos deduzem “regras para o fazer artístico a partir desse belo ideal, fundando uma estética normativa” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 342).

A estética normativa se difere da estética profana no seguinte sentido: a normativa trata da produção de conhecimento acerca do que é belo, enquanto que a profana trata do sentimento de beleza para o corpo. Assim, a estética normativa busca objetividade do belo ao adotar regras a partir de uma concepção racionalista da arte e se deve ao fato de que o racionalismo estético dos séculos XVII e XVIII estabeleceu normas claras para o labor artístico.

Segundo Reali e Antiseri (2004, p. 365), o racionalismo estabeleceu que “a arte é imitação da natureza que inclui o universal, o normativo, o essencial, o característico e o ideal”. Ao desenvolver tais princípios, originou-se o academicismo ou o classicismo ensinado nas academias de arte. De acordo com Reali e Antiseri (2004, p. 365), “é a chamada estética normativa, que estabelece regras para o fazer artístico, limitando a criatividade e individualidade da intuição artística”.

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TÓPICO 4 | ESTÉTICA

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Assim, temos a posição de David Hume, que contrapõe essa ideia normativa da arte e aponta para a relativização da beleza de acordo com o gosto de cada pessoa. Assim, a arte é interpretada e assimilada de acordo com o gosto de cada.

Hume não está assumindo que qualquer coisa seja arte, até porque ele entendia que ela é um padrão estabelecido socialmente levando em consideração a beleza, a delicadeza, o gosto e a estética. A questão fundamental é que o belo não segue um único padrão de gosto e não pode ser discutido racionalmente.

Se, por um lado, temos aqueles que tentam objetivar o belo e, do outro, aqueles que tentam relativizar, Kant procurou estabelecer um meio-termo entre essas duas posições. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 342), Kant entendia que:

O objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o conceito de objeto. No entanto, há a possibilidade de universalização desse juízo subjetivo porque as condições subjetivas da faculdade de julgar são as mesmas em todos os homens. Belo, portanto, é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade. Sendo assim, não há uma ideia de belo nem pode haver regras para produzi-lo.

Kant aponta para o fato de que as capacidades subjetivas da faculdade de julgar são comuns em todos os seres humanos. Assim, é possível deduzir que o belo era um dado objetivo, presente nos próprios objetos como um atributo destes, e o gosto era a faculdade humana de julgar o dado. Assim, tais julgamentos, que Kant denomina de juízos de gosto, não eram lógicos, mas estéticos, portanto, sensíveis e subjetivos.

DICAS

Grandes olhos (2014): contará a história dos artistas Margaret e Walter Keane, que foram muito famosos durante os anos 1950 e 1960. O motivo? Seus quadros. Em vez de belas paisagens, como os pintores tradicionais, os de Keane apresentavam pinturas de crianças com grandes olhos, muitas vezes tristes, profundos e sombrios, que de tão diferentes, acabaram por se tornar moda na época.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA GERAL

3.2 A ARTE

Apesar de arte e estética possuírem uma relação muito próxima, no entanto não são sinônimas. A arte é a técnica, o fazer, enquanto que a estética é a impressão que a técnica causará, pois como já vimos anteriormente, a palavra “estética” remete para a “faculdade de sentir”, “compreender pelos sentidos”, à “percepção totalizante”.

Arte nem sempre esteve ligada à estética, pois servia para propósitos diversos, como a fabricação de ferramentas, objetos e pinturas que contavam a história de alguma aventura ou em alguma celebração. Quando a arte é associada à estética, o artista passa a se preocupar não apenas com a funcionalidade do que está sendo fabricado, desenhado, pintado etc., preocupa-se ainda com a possibilidade de agradar a todos, afetando-os como experiência sensível.

A arte pode ser concebida de três maneiras: como imitação, como criação e como construção. É sobre essas concepções que iremos discorrer agora.

A arte como imitação concebe o artista como aquele que é capaz de imitar a natureza, os objetos com a maior precisão possível. O artista não se revela no objeto em si, mas seu mérito reside na escolha do objeto a ser imitado. Assim, o artista tem um papel passivo, pois apenas está reproduzindo o que existe e está dado. A inspiração do artista está intrinsecamente associada à cópia de algum elemento pertencente à natureza, que é representado em uma pintura ou escultura.

A arte como criação se caracteriza pela originalidade, pois é independente da natureza. Assim, a originalidade de uma obra é expressada no próprio sentimento do artista. Ainda, o conceito de arte é característico do romantismo. De acordo com Abbagnano (2012, p. 428):

A tese romântica da arte como criação compõe-se de duas teses diferentes: I, a arte é originalidade absoluta, e os seus produtos não são referíveis à realidade natural; II, como originalidade absoluta, a arte é parte (continuação ou manifestação) da atividade criadora de Deus.

Na criação da obra de arte, o artista pode expressar sua subjetividade, suas sensações e experiências. Tais expressões não são destituídas de intencionalidade, mas são uma atividade da consciência que é revelada em uma pintura, em um poema, em uma escultura etc. Ela representa a capacidade criativa e inovadora do homem.

A arte como construção é revelada quando o artista é capaz de criar uma obra artística na qual ele combina os elementos da natureza e os sentimentos do próprio homem. O artista se afasta da realidade, mas não a ignora. Ele não está totalmente submisso à natureza como acontece na arte como imitação, e nem se desvincula subjetivamente dela como na arte como criação. O artista é livre para se expressar, mas consegue combinando os elementos da natureza com seus próprios sentimentos.

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TÓPICO 4 | ESTÉTICA

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LEITURA COMPLEMENTAR

CARTA XXFriedrich Schiller

Discutindo o estado estético, Schiller esclarece, na carta XX, dirigida ao príncipe Augustenburg:

Para leitores que não estejam familiarizados com a significação deste termo tão mal-empregado pela ignorância, sirva de explicação o seguinte. Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenômeno são pensáveis sob quatro relações diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente ao nosso estado sensível (nossa existência e bem-estar): esta é a sua índole física.

Ela pode, também, referir-se ao nosso entendimento, possibilitando-nos conhecimento: esta é sua índole lógica. Ela pode, ainda, referir-se à vontade a ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: é sua índole moral. Finalmente, ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: é sua índole estética.

Um homem pode ser-nos agradável por sua solicitude; pode, pelo diálogo, dar-nos o que pensar; pode incutir respeito pelo seu caráter; enfim, independentemente disso tudo e sem que tomemos em consideração alguma lei ou fim, ele pode aprazer-nos na mera contemplação e apenas por seu modo de aparecer.

Na última qualidade, nos julgamos esteticamente. Existe, assim, uma educação para a saúde, uma educação do pensamento, uma educação para a moralidade, uma educação para o gosto e para a beleza. Esta tem por fim desenvolver em máxima harmonia o todo de nossas faculdades sensíveis e espirituais.

Para contrariar a corriqueira sedução de um falso gosto, fortalecido também por falsos raciocínios, segundo os quais o conceito do estético comporta o do arbitrário, observo ainda uma vez que a mente no estado estético, embora livre, e livre no mais alto grau, de qualquer coerção, de modo algum age livre de leis.

Acrescento que a liberdade estética se distingue da necessidade lógica no pensamento e da necessidade moral no querer apenas pelo fato de que as leis segundo as quais a mente procede ali não são representadas e, como não encontram resistência, não aparecem como constrangimento.

FONTE: SCHILLER, F. A educação estética do homem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A discussão em torno do feio e do belo é bastante ampla se concebermos o belo como uma manifestação do objeto em si. Logo, estaremos afirmando que há uma essência própria do belo independentemente da vontade do sujeito.

• A estética normativa se difere da estética profana no seguinte sentido: a normativa trata da produção de conhecimento acerca do que é belo, enquanto a profana trata do sentimento de beleza para o corpo.

• David Hume contrapõe a ideia normativa da arte e aponta para a relativização da beleza de acordo com o gosto de cada pessoa.

• Kant aponta para o fato de que as capacidades subjetivas da faculdade de julgar são comuns em todos os seres humanos.

• A arte é a técnica, o fazer, enquanto que a estética é a impressão que a técnica causará, pois como já vimos anteriormente, a palavra “estética” remete para a “faculdade de sentir”, “compreender pelos sentidos”, à “percepção totalizante”.

• A arte pode ser concebida de três maneiras: como imitação, como criação e como construção.

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1 Como qualquer outra área da filosofia, a estética possui objetos específicos de estudo, como a questão do feio e do belo, neste caso. Embora haja muita discussão sobre a caracterização de uma coisa, uma arte, um objeto etc., como feio ou bonito, a estética busca fazer a avaliação de maneira mais profunda a fim de estabelecer os critérios. Sobre o feio e o belo, analise as sentenças a seguir:

a) ( ) Para os racionalistas, o belo é plenamente subjetivo, ou seja, depende da concepção racional de cada sujeito.

b) ( ) A estética normativa procura pela objetividade do belo ao adotar regras tendo como base a concepção racionalista da arte.

c) ( ) O filósofo inglês David Hume se posiciona contrário à concepção racionalista do belo, pois para ele, a beleza está relacionada diretamente às regras objetivas da razão para avaliação do que é o belo.

2 É muito comum as pessoas não fazerem distinção entre arte e estética. Contudo, há diferenças importantes entre elas, embora a arte seja um dos objetos de estudo da estética. A arte, por exemplo, pode ser concebida de três maneiras. Sobre essas maneiras, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A arte como imitação é caracterizada pelo fato de o artista buscar imitar a natureza com maior precisão possível.

( ) A arte como construção reflete apenas a capacidade do artista em construir um objeto, cuja perfeição remete à natureza.

( ) No caso da arte como imitação, o mérito do artista não está em sua criatividade, mas na escolha do objeto a ser imitado.

( ) A arte como criação é a capacidade criativa do artista, pois ela expressa originalidade independente da natureza.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – F – V. b) ( ) V – F – V – V. c) ( ) V – V – F – F.d) ( ) V – F – F – V.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

FILOSOFIA PARA HOJE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• conhecer o panorama histórico da Filosofia Política com a finalidade de compreender seu desenvolvimento até os dias atuais;

• compreender alguns aspectos relacionados à Filosofia da Mente e seus principais problemas;

• avaliar a importância da Filosofia da Educação para o desenvolvimento de uma educação mais crítica e reflexiva.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles, você encontrará atividades que ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – FILOSOFIA POLÍTICA

TÓPICO 2 – FILOSOFIA DA MENTE

TÓPICO 3 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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TÓPICO 1

FILOSOFIA POLÍTICA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A Filosofia Política é uma área da filosofia que possibilita ter uma compreensão mais ampla sobre a maneira como a sociedade se relaciona social, cultural, econômica e moralmente.

Quando falamos em política, estamos nos referindo à maneira como a vida é vivida na coletividade, no espaço plural, diverso. Diversas forças se manifestam e precisam entrar em consenso para que a vida em sociedade seja possível.

No espaço, as instituições foram surgindo e cada uma delas ocupa seu papel na integração social, bem como no estabelecimento das regras, limites e mecanismos de controle social. Devem manter a sociedade coesa, possibilitando a segurança de seus membros e uma convivência pacífica.

Ao voltarmos para a Filosofia Política, será possível perceber como o ser humano teve e tem que lidar com desafios constantes ao longo de sua história, em busca da construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, que deve ser a base de uma sociedade igualitária e que respeita os diversos grupos que dela fazem parte.

Neste tópico, nós vamos discorrer de maneira sucinta sobre os principais momentos e pensadores do campo da Filosofia Política, para compreendermos o contexto atual e os desafios que ainda teremos pela frente.

Devemos dar nossa contribuição para o desenvolvimento de uma sociedade plural e diversificada. As diferenças devem ser discutidas no espaço público e os atores políticos devem dar justificativas racionais e razoáveis para suas crenças, valores, tradições, posições e decisões políticas.

Convido você a iniciar mais uma etapa de sua formação acadêmica!

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

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2 A POLÍTICA NA GRÉCIA

O nascimento da polis grega marca um período de profundas transformações na configuração política da Grécia. Até o surgimento das primeiras cidades-estados (polis), a Grécia havia vivenciado diferentes formas de organização política, como o sistema gentílico, em que a célula básica é o génos (comunidade formada por numerosas famílias e descendentes de um mesmo ancestral).

Na comunidade, os bens eram comuns para todos, o trabalho era desenvolvido de maneira coletiva, cultivavam a terra e criavam gado. Aquilo que era produzido era dividido entre eles. Dependiam das ordens do chefe comunitário (pater), que concentrava o poder e exercia as funções religiosas, administrativas e jurídicas. Entretanto, com o aumento da população, houve um desequilíbrio entre a população e o consumo do que era produzido. Então, o resultado foi a desagregação dos génos.

FIGURA 1 – SURGIMENTO DA POLIS

FONTE: <https://pt.slideshare.net/BriefCase/grcia-2011>. Acesso em: 3 out. 2018.

A desagregação dos génos desencadeou um processo. Houve o crescimento das desigualdades sociais. Em decorrência,

A desigual divisão de terras privilegia alguns, gerando uma aristocracia baseada na riqueza decorrente da propriedade da terra. Em contrapartida, os que perdem seus lotes passam a trabalhar para os ricos e, aos poucos, se desenvolve o sistema escravista (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190).

Com o enfraquecimento e a desintegração do sistema gentílico ou génos, a consequência inevitável do processo foi o aumento do poder da aristocracia “com o conselho de nobres e a assembleia dos guerreiros” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190).

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Até o momento da história grega não é possível dizer que houve ação política propriamente dita. Ainda “resta a crença de que agentes divinos promovem o agir humano” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190). A ação política propriamente dita terá início quando o homem for capaz de decidir sobre seu próprio destino sem a interferência dos deuses.

Um fato importante a ser destacado aqui é que “a passagem do mundo rural

e aristocrático da Grécia homérica para a formação das primeiras aglomerações urbanas no período arcaico é concomitante a mudanças na estrutura social, política e econômica” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 190). A aglomeração contribui para uma divisão do trabalho devido ao sistema escravagista, à ampliação e ao desenvolvimento do comércio e do artesanato.

Na polis grega, o ponto mais alto da cidade era chamado de acrópole, onde ficava a ágora. Na acrópole ficava o templo e era também o local onde se refugiavam os habitantes das cidades, quando se encontravam sob ataque dos inimigos invasores.

A ágora, por sua vez, era “a praça central, onde se estabeleciam as trocas comerciais e os cidadãos se reúnem para debater os assuntos da cidade” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). A ágora configurava o espaço de exposição de opiniões.

FIGURA 2 – ÁGORA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81gora>. Acesso em: 9 ago. 2018.

A ágora é, portanto, o espaço público das cidades gregas escolhido pelos cidadãos para debaterem os mais diversos assuntos. As assembleias aconteciam na ágora, pois os gregos decidiam sobre os mais diversos temas: as leis, a justiça, obras públicas, a cultura etc. Outro detalhe importante sobre as assembleias é que os cidadãos votavam e decidiam através do voto direto.

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As sementes da democracia começaram a germinar nos espaços de discussão. De agora em diante era necessário combater o poder aristocrático e aumentar a participação popular nas decisões políticas da polis. “A luta contra a aristocracia exige a institucionalização da lei escrita, a fim de evitar abusos de poder. Favorecerá a nova classe” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). Para que fosse possível, eram necessárias reformas políticas profundas na sociedade grega.

O primeiro a promover as reformas foi Sólon, em 594 a. C. A democratização em Atenas se ampliou sob o governo de Clístenes no final do século VI a.C. Houve “a redução do poder da nobreza territorial provocada por uma nova distribuição das famílias em diversas tribos” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 191). Contudo, o auge da democracia ateniense aconteceu quando Péricles assumiu o governo no século V a.C. Sua capacidade como orador, general e estadista possibilitou a estabilização política de Atenas e sua hegemonia entre as demais cidades-estados.

FIGURA 3 – PÉRICLES

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4b/Pericles_Pio-Clementino_Inv269_n2.jpg/1200px-Pericles_Pio-Clementino_Inv269_n2.jpg

A história política grega foi responsável por formar importantes pensadores que discutiram a política em suas obras. Dentre os pensadores, não podemos deixar de destacar os pensamentos de Platão e Aristóteles em relação à política grega. Assim, vamos discorrer sucintamente sobre alguns aspectos dos principais temas abordados pelos pensadores.

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3 PLATÃO

A obra A República, escrita por Platão por volta de 380 a.C., é particularmente rica em termos filosóficos, políticos e sociais. O ponto central da discussão entre Sócrates e seus interlocutores está na busca de uma fórmula que garanta uma harmoniosa administração para a cidade. Tal harmonia deve ser buscada com a finalidade de manter a cidade livre da anarquia, dos interesses e disputas particulares e da desordem completa.

“Sócrates discute a natureza da justiça com um número grande de pessoas” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 31). Além de a justiça estar em debate, Platão discorre sobre a cidade ideal e as formas de governo. Na ocasião, vamos discorrer brevemente sobre a justiça e a democracia, que são dois aspectos centrais na política.

Na obra A República, o ponto central gira em torno da seguinte questão: O que é necessário para termos uma sociedade bem ordenada? A cidade bem ordenada é a cidade ideal, mas que não passa de uma utopia, pois a sociedade que ele deseja está muito além do alcance de um projeto político que satisfaça os anseios de todos os cidadãos.

Em A República, a justiça é vista como a maior das virtudes por considerar o outro. Contudo, os conceitos e conclusões ainda consideram que a justiça é a virtude que ultrapassa a lei da polis (legislação). O cidadão deve buscar o que é justo além do costume.

A justiça é melhor definida no Estado e não no indivíduo. A definição do que é justiça, na obra de Platão, não é uma tarefa simples. Assim, vários pensadores e estudiosos tentaram sintetizar o conceito. Jaeger (1996, p. 594) aponta que:

A justiça nada mais é do que a harmonia que se estabelece entre três virtudes, a temperança (lavradores, artesãos e comerciantes), a fortaleza ou a coragem, (guardas) e a sabedoria (governantes). Quando cada cidadão e cada classe social desempenham as funções que lhes são próprias da melhor forma e fazem aquilo que por natureza e por lei são convocados a fazer, então realiza-se a justiça perfeita. Existe, portanto, uma justiça perfeita entre as virtudes da cidade e as virtudes do indivíduo.

A justiça, portanto, é a virtude central na esfera pública. Ela é responsável por estabelecer uma vivência harmoniosa e pacífica entre os indivíduos. Entretanto, o próprio conceito de justiça não é facilmente entendido e aceito pelos cidadãos da polis. As pessoas possuem concepções de justiça que diferem umas das outras. Assim, o espaço público é o local onde as concepções de justiça devem ser submetidas à razoabilidade, ou seja, é necessário encontrar um ponto em comum sobre o que é justiça e de que maneira que ela pode ser exercida e aplicada na esfera pública.

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Quanto à democracia, Platão definiu como o Estado no qual reina a liberdade. Descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos. No seu entendimento, eram os únicos capazes de governar, pois eram os únicos conhecedores autênticos da realidade, que ocupariam o lugar dos reis, tiranos e oligarcas. Contudo, vale ressaltar que Platão vê com certo receio a democracia, devido às desilusões e experiências frustrantes com a política. Voltaremos ao assunto quando tratarmos da democracia propriamente dita.

IMPORTANTE

A República, do filósofo grego Platão (427-347 a.C.), livro escrito há mais de 2.300 anos, continua sendo uma obra de grande atualidade. Deixando de lado as colocações que soam como esquisitas ao homem moderno, é possível perceber a atualidade dos escritos do filósofo.

Faz análises dos sistemas de governo e seus instrumentos e mecanismos de poder e aborda temas antigos, mas sempre atuais, como riqueza e pobreza, justiça e injustiça, verdade e mentira, guerras inúteis, descaso pela cultura e educação. Apresentando sob forma de uma sucessão ininterrupta de diálogos, A República é um livro que merece ser lido. Platão não apenas crítica os governos, mas apresenta soluções para uma estratégia política perfeita.

4 ARISTÓTELES

A política, na Filosofia de Aristóteles, está intrínseca e essencialmente associada à moral. Tal vínculo acontece devido ao fim último do Estado ser a virtude. Para que o fim seja alcançado, é necessário que os cidadãos tenham uma boa formação moral. Assim, o Estado consiste em um organismo moral, é também a condição e o complemento da atividade moral individual. Embora a política esteja associada à moral, é necessário considerar que ela é distinta.

A distinção se deve ao fato de que a moral tem como objetivo o indivíduo, enquanto que a política tem como objeto a coletividade. Assim, é possível afirmar que a ética é a doutrina moral individual, enquanto que a política é a doutrina moral social.

No entendimento de Aristóteles, o Estado é superior ao indivíduo, pois a coletividade é superior ao indivíduo. Aquilo que é considerado como sendo o bem comum deverá ser colocado acima do bem particular. É apenas no Estado que a satisfação de todas as necessidades humanas pode ser satisfeita.

O homem é por natureza um animal político que precisa viver em sociedade, pois ele não pode chegar à perfeição sem a contribuição da sociedade e do Estado. A polis, portanto, é um lugar adequado para o homem desenvolver suas aptidões

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humanas. Na busca do bem, o homem forma a comunidade, que se organiza na distribuição das tarefas especializadas para as necessidades do grupo.

Afastando-se um pouco de Platão, que havia centralizado no conceito de justiça o elemento central da vida em sociedade, Aristóteles defendia que a justiça necessitava estar associada à philia.

O termo remete à ideia de amizade entre os pais e filhos, entre irmãos. Quando se refere à cidade, “significa a concordância entre as pessoas que têm ideias semelhantes e interesses comuns. Resulta em camaradagem, companheirismo. Daí a importância da educação da formação ética dos indivíduos, preparando-os para a vida em comunidade” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 194-195).

A vida social não é possível se os indivíduos forem regidos apenas pela letra fria da lei, que visa garantir a justiça. A vida social depende dos indivíduos. Estes devem contribuir para o bem coletivo e tendo em vista os laços de amizade que estão acima da própria lei. Assim, a educação tem uma importante função na formação humana dos agentes morais, pois tal formação ética tem por finalidade despertar nas pessoas o senso de coletividade e suas responsabilidades.

5 O ESTADO MODERNO

O surgimento do Estado acontece devido à necessidade da sobrevivência. Diante dos desafios impostos pela natureza, os grupos humanos tiveram que se organizar, pois somente de tal maneira seriam capazes de superar as intempéries naturais e desenvolver formas mais sofisticadas que garantissem a superação dos obstáculos naturais.

Por outro lado, o Estado surge para controlar a natureza humana na relação com seus pares. O Estado Moderno, por sua vez, tem um sentido mais amplo, pois se afasta daquela organização social mais rudimentar e de caráter feudal. Passa a se organizar em torno de um conjunto de ideias e instituições melhor estruturadas. Precisamos esclarecer: O que é um Estado? De acordo com Silva e Silva (2009, p. 115):

A palavra Estado vem do latim “status”, verbo stare, manter-se em pé, sustentar-se. Na Antiguidade Clássica, a expressão para designar o complexo político-administrativo que organizava a sociedade era o “status rei pubblicae”, ou seja, situação de coisa pública, em Roma, e pólis, na Grécia. Foi na Europa Moderna que surgiu a realidade política do Estado Nacional. Com Maquiavel, o termo Estado começou a substituir civitas, polis e res publica, passando a designar o conjunto de instituições políticas de uma sociedade de organização complexa.

É possível observar as mudanças ocorridas no entendimento do conceito de Estado e a maneira como o próprio Estado se reorganiza ao longo da sua história. É necessário atentar que, para Weil (1990, p. 198), por exemplo, “o

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Estado Moderno é a organização consciente de uma comunidade que trabalha racionalmente. O governo que dirige os negócios da comunidade-sociedade deve ser informado para poder deliberar e decidir: o aparelho destinado a preencher a função é a administração”.

O governo deve administrar o Estado com o objetivo de executar aquilo que é considerado necessário à vida da comunidade. Para maior eficiência, o governo dispõe da administração pública, que cumpre o papel de auxiliar o governo. A administração não é o governo. Ela coloca em prática as determinações do governo, mas é uma entidade autônoma, ou pelo menos deveria ser, para o bom andamento da máquina pública e da democracia.

6 MAQUIAVEL: O PRÍNCIPE

Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu na cidade de Florença e foi um filósofo e político. Sua obra mais conhecida, O príncipe é um clássico para quem deseja compreender o pensamento político moderno. No tratado, Maquiavel propõe a unificação da Itália por meio da figura de um príncipe.

FIGURA 4 – NICOLAU MAQUIAVEL

FONTE: <https://pt.wikiquote.org/wiki/Nicolau_Maquiavel>. Acesso em: 11 set. 2018.

Na época em que Maquiavel viveu, a Itália estava dividida, tanto é que ele vivia na República de Florença. Tal divisão ocasionava muita instabilidade política na Itália. Tornava um território fragilizado e facilitava a invasão de seus territórios por parte de países vizinhos que tanto cobiçavam e reivindicavam as terras.

Durante parte da sua vida, por pelo menos dez anos, Maquiavel serviu ao republicano Suderini. Ao ocupar a Segunda Chancelaria do governo Suderini, e devido à função de chanceler, teve que realizar inúmeras viagens pelos demais países europeus e cidades italianas. Com o retorno da família Medici ao poder, Maquiavel se retirou de cena para escrever suas obras.

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É importante destacar que, durante as viagens que realizou, ele teve a “oportunidade de entrar em contato direto com reis, papas e nobres, e também com o condottiere César Bórgia, que estava empenhado na ampliação dos Estados Pontifícios” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 204). Foi inspirado na política de unificação de César Bórgia que Maquiavel considerou a maneira de Bórgia agir como “o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 204).

IMPORTANTE

Condottieri: Liderando as notórias companhias mercenárias italianas desde o século XIV, os condottieri se tornaram infames no cenário medieval italiano, principalmente devido às frágeis alianças políticas e ao seu pérfido envolvimento. Mesclando os assuntos militares e usando-os para seu próprio ganho pessoal ou ascensão política, os condottieri acabaram se tornando um dos símbolos da Itália medieval.

O termo “condottiere” significa “contratante”, indicando o status desses homens como capitães de companhias mercenárias. Os contratos eram entregues pelo condottiere para o seu futuro contratador e, geralmente, os contratos possuíam um certo equilíbrio, impedindo os lados de violarem seus termos, e até mesmo fazendo com que o Estado garantisse pensões aos mutilados de guerra de uma das companhias. Os primeiros condottieri, realmente, não eram nativos da Itália.

FONTE: <https://tormentopabulum.wordpress.com/2015/12/13/condottiere/>. Acesso em: 11 set. 2018.

Apesar das controvérsias em torno da sua principal obra, O príncipe, na verdade, trata do desejo de Maquiavel em ver uma Itália unificada, comandada por um legítimo rei, que fosse capaz de defender o povo e a nação de forma incondicional. O conteúdo da obra serve como uma série de conselhos para governantes.

Para entendermos o caráter que o livro possui, Maquiavel trata, por exemplo, das espécies de principados e das maneiras como são conquistados. Ele escreve aos príncipes, que chegaram ao principado pela mercê dos cidadãos, que terão que lidar com o povo e com os poderosos. Maquiavel dá a seguinte orientação:

O principado é instituído ou pelo povo ou pelos grandes, de acordo com a oportunidade. Os grandes, quando descobrem que não podem resistir ao povo, principiam a formar a reputação de um de seus elementos e o tornam príncipe para este, sob sua sombra, satisfazer seus apetites. Também o povo, percebendo não poder resistir aos grandes, cria a reputação de um cidadão e o elege príncipe, para manter-se seguro com a autoridade. Aquele que alcança o principado com o apoio dos poderosos conserva-se mais dificilmente do que

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aquele que é eleito pelo povo; o primeiro terá muita gente a cercá-lo e, por esse motivo, não pode comandar nem manejar como bem quiser. Aquele que se torna príncipe pelo favor popular está sozinho: ou não há ninguém, ou há poucos, ainda não preparados para obedecê-lo. Ademais, não se pode, com honestidade, manter satisfeitos os grandes sem ofensa a outros; ao povo, porém, pode-se satisfazer. No povo, o objetivo é mais honesto do que entre os grandes; estes desejam oprimir e aquele não quer ser oprimido. O príncipe nunca estará seguro contra a hostilidade do povo, porque ele é composto de muitos; quanto aos grandes, isso é possível, uma vez que são poucos (MAQUIAVEL, 1999, p. 73-74).

O que é possível perceber é que o povo possui um papel fundamental para a manutenção do poder do príncipe. O governante precisa estar atento ao clamor e aos anseios populares, pois sua indiferença poderá levar seu governo à ruína. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 204):

As ideias democráticas aparecem também no capítulo IX de O príncipe, quando Maquiavel se refere à necessidade de o governador ter o apoio do povo, sempre melhor do que o apoio dos grandes, que podem ser traiçoeiros. O que está sendo timidamente esboçado é a ideia de consenso, que terá importância fundamental nos séculos seguintes.

A concepção maquiavélica de poder é raramente discutida, pois sempre se refere à obra de maneira negativa, pois alguns veem nela a exaltação de um tipo de governo que está disposto a fazer de tudo para manter o poder. Contudo, é necessário ter em mente que, o príncipe, para Maquiavel, precisa ser sagaz, sem que ele esteja contra todos os interesses do povo.

O governo precisa entrar em consenso com seus governados, pois são

estes que darão sustentação ao seu poder, visto que “os grandes” lutam pelos seus interesses. Segundo Maquiavel (1999, p. 73), “aquele que alcança o principado com o apoio dos poderosos conserva-se mais dificilmente do que aquele que é eleito pelo povo”.

7 HOBBES: O LEVIATÃ

A teoria mais conhecida e, talvez, a mais importante sobre o Estado, foi a desenvolvida por Thomas Hobbes (1588-1679). Sua convivência com a nobreza, da qual recebeu apoio financeiro para estudar, resultou em uma posição de ferrenho defensor do poder absoluto do Estado.

Sua principal e mais conhecida obra, Leviatã (1651), parte da ideia de que os homens vivem em constante conflito devido à natureza perversa. Segundo Hobbes (1983, p. 75), há três causas para a discórdia: “primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória”.

Assim, o resultado do Estado Natural em que o homem se encontra é a guerra de todos contra todos, na célebre formulação de Hobbes. Diante de tal

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quadro é impossível que existam comércio, indústria ou civilização, conduzindo a vida do homem à solidão, pobreza, sujeira e brutalidade. A discórdia ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém. Qual seria a solução para tamanho problema? A criação de um pacto social.

A celebração do pacto social depende de os homens abrirem mão de seu Estado de Natureza, no qual ele tem direito a tudo. De acordo com Hobbes (1983, p. 78):

O Direito de Natureza é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder e, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida. Consequentemente, é poder fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão indiquem como meios adequados.

No Estado de Natureza, cada homem decide como viver, pois ele é a sua própria lei. Contudo, na condição, cada homem está por sua conta e deve se defender como pode para sobreviver e proteger aquilo que é seu, pois a qualquer momento alguém poderá reivindicar aquilo que está em sua posse.

O homem, portanto, pode abandonar sua liberdade de duas maneiras: renunciando ou transferindo. Entretanto, o abandono não é sem motivos. O Estado que Hobbes propõe tem caráter absolutista. O poder do soberano é ilimitado, pois “a transmissão do poder dos indivíduos ao soberano deve ser total. Caso contrário, um pouco que seja conservado de liberdade natural se instaura de novo para a guerra” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 211).

FIGURA 5 – O LEVIATÃ DE THOMAS HOBBES

FONTE: <http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html>. Acesso em: 30 set. 2018.

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Ao utilizar a figura bíblica do Leviatã como um “animal monstruoso e cruel, mas que defendia os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 211), Hobbes estava querendo dizer que o Estado tinha um poder semelhante, ou seja, os pequenos (o povo, os pobres, os fragilizados) abrem mão de sua liberdade para a proteção do Estado contra o abuso dos maiores. O pacto celebrado entre os homens e o Estado objetiva a garantia do bem para si mesmos.

8 MONTESQUIEU: OS TRÊS PODERES

Montesquieu (1689-1755) justifica a necessidade de o poder ser descentralizado sem perder a harmonia, alegando que “quando os poderes Legislativo e Executivo ficam reunidos em uma mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder” (MONTESQUIEU, 1996, p. 168).

O freio do poder é o próprio poder, desde que este não esteja centralizado em uma única pessoa ou instituição. A conclusão de Montesquieu é resultado da situação vivida pela França, durante a dinastia Bourbon, que era uma dinastia absolutista que perdurou até 1789, ano da Revolução Francesa.

A separação dos poderes é a base para o exercício do poder democrático. Cada poder tem uma função específica e limitada em relação aos demais poderes, o que garante o equilíbrio das forças que governam um país. No Brasil, os poderes são divididos em: Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Executivo é composto por presidente, governadores estaduais e prefeitos municipais. A função do Executivo consiste em administrar a coisa pública, ou seja, cabe a este poder governar o povo e administrar os interesses públicos. Sua administração é regida pela Constituição Federal. Em relação ao Executivo:

O presidente é o chefe do Executivo e a autoridade suprema do país. No governo, ele é auxiliado pelo vice-presidente e pelos ministérios. É o Executivo que coloca em prática as leis elaboradas pelo Legislativo (Congresso Nacional formado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal). O presidente pode propor projetos de lei e emendas à Constituição. Ele também pode adotar medidas provisórias em casos de relevância ou urgência (LENZI, 2018, p. 1).

O Legislativo é constituído de senadores, deputados (federais e estaduais) e vereadores. A principal função do Legislativo é elaborar as leis que regulam o Estado. O Legislativo (Congresso Nacional) tem como principais responsabilidades a elaboração das leis e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das administrações diretas e indiretas.

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O Judiciário é composto pelo Supremo Tribunal Federal, tribunais estaduais e os juízes. Sua função consiste em garantir que os direitos individuais, coletivos e sociais sejam atendidos e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado.

O Judiciário tem autonomia administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal. Em relação aos demais poderes, o Judiciário é o mais importante. Não significa que possua mais poder, mas pelo fato de que é seu dever o respeito às leis, entendidas como a base de toda sociedade civilizada, sendo crucial sua independência em relação aos demais.

9 REGIMES POLÍTICOS

Os regimes políticos consistem na maneira como o governo se relaciona com o povo através das suas instituições. O governo se organiza através das instituições que compõem o Estado. A seguir, estudaremos alguns tipos de regimes políticos, com a finalidade de compreender suas estruturas e a forma como se sustentam.

9.1 REGIME DEMOCRÁTICO

Em um sentido geral, a democracia é compreendida como o governo em que o povo exerce a soberania. Não iremos nos aprofundar no estudo do conceito, mas vamos apenas apresentar uma visão geral sobre a maneira como a democracia é entendida por alguns pensadores.

Sobre a democracia, Montesquieu (1996, p. 19) comenta que “o povo é, sob certos aspectos, o monarca; sob outros, o súdito”. Significa dizer que em um regime democrático o povo é o alvo das suas próprias decisões, ou seja, o povo legisla para ele mesmo. Platão, por exemplo, faz críticas em relação à democracia a partir de três argumentos principais:

Em primeiro lugar, argumenta que a maior parte dos indivíduos, afirma ele, julga com base no impulso, com sentimento de pena, com preconceito pessoal e assim por diante [...]. Em segundo lugar, Platão argumenta que a democracia produz maus líderes. O sistema encoraja a promoção de slogans populistas e a tomada de decisão deficiente por parte dos líderes [...]. A democracia pode maximizar a liberdade dos súditos, mas, ao fazer assim, na verdade fortalece a tendência à formação de facções, sectarismo e tribalismo na política (MACKENZIE, 2011, p. 113-114).

Apesar da visão pessimista e, de certo modo, realista da democracia, é o regime no qual o indivíduo tem, ou pelo menos deve ter, sua liberdade garantida. Ainda que o sistema possua suas falhas, a democracia é o regime que objetiva garantir a participação de todos os indivíduos nos rumos da sociedade.

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Diante dos argumentos platônicos, tão pessimistas e desfavoráveis ao regime democrático, nós encontramos outro pensador que, dois milênios depois, “virou esses argumentos do avesso, por assim dizer, em famosa defesa do governo representativo” (MACKENZIE, 2011, p. 1134). Estamos nos referindo a John Stuart Mill.

Segundo Mackenzie (2011, p. 115), “ele defendeu a democracia com base em que participar do governo seria maximizar as próprias capacidades morais e intelectuais e assim alcançar um sentimento de prazer que é qualitativamente superior aos prazeres elementares, meramente transitórios da vida”.

O ser humano é capaz de participar da vida pública e das tomadas de decisão. A participação na vida política traz benefícios pois, segundo ele, “a forma idealmente melhor de governo é aquela em que cada cidadão não apenas tem voz no exercício da soberania, mas também participa de alguma função pública” (MACKENZIE, 2011, p. 116). É a linha argumentativa de Mill que sustentará sua ideia de democracia representativa. O exercício do poder político do povo de um país elege os seus representantes através do voto nas eleições.

FIGURA 6 – DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

FONTE: <https://otambosi.blogspot.com/2018/05/por-uma-democracia-representativa.html>. Acesso em: 19 set. 2018.

Se fizermos um estudo mais detido sobre as democracias representativas, vamos nos deparar com inúmeras falhas. Ainda, deparamo-nos com outro tipo de democracia denominada de deliberativa. “É um modelo de governo democrático que procura superar as falhas do modelo puramente representativo, colocando grande ênfase no valor da ‘deliberação’” (MACKENZIE, 2011, p. 124).

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FIGURA 7 – DEMOCRACIA DELIBERATIVA

FONTE: <https://conexaoc.blogspot.com/2015/08/eu-posso-voce-nao-pode.html?m=0>. Acesso em: 19 set. 2018.

De acordo com Gutmann e Thompson (2016, p. 1):

A democracia deliberativa afirma a necessidade de justificar as decisões tomadas pelos cidadãos e pelos seus representantes. Esperamos que ambos justifiquem as leis que querem impor uns aos outros. Em uma democracia, os líderes devem dar razões que justifiquem as suas decisões e responder às razões que, por sua vez, são apresentadas pelos cidadãos. Mas a deliberação não é necessária para todos os assuntos, nem é necessária em todas as situações. A democracia deliberativa deixa lugar para outros processos de tomada de decisão – incluindo negociações entre grupos e operações secretas ordenadas pelo Executivo –, desde que tenham eles próprios usado as formas de justificação em um momento qualquer do processo deliberativo. A sua primeira e mais importante característica é, então, o requisito de fornecer razões.

A necessidade de dar razões para a tomada de decisão eleva o nível do debate e o refinamento das decisões. Ao darem justificativas para tal decisão, os indivíduos devem apelar para uma racionalização constante das decisões políticas. “Uma percepção que embasa a teoria deliberativa é que o debate e a discussão, se empreendidos racionalmente, podem nos levar a transformar nossas opiniões e preferências” (MACKENZIE, 2011, p. 124).

Na atitude da discussão, o homem interdita a velha luta, a atitude mais primitiva que é comum ao homem e ao animal. O homem que prefere a luta é violento. Assim, inicia-se o processo histórico de constituição da ideia de cidadania razoável quando o homem opta por discutir. Cidadão é o homem que, ao optar por falar, abandona a violência, ou melhor, é o homem domesticado pela atitude da discussão. Dito de outro modo, cada homem ao discutir está, no fundo, se constituindo cidadão pelo uso da linguagem, em vista de resolver seus conflitos, os problemas da comunidade e do Estado (CAMARGO, 2014, p. 64).

A discussão cumpre o propósito de buscar as melhores soluções para os problemas comuns de uma comunidade, pois muitas soluções encontradas sem discussão se tornam solução para uns e problemas para outros.

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Seu objetivo é a busca do consenso, do bem-estar coletivo, de encontrar o lugar do indivíduo na universalidade, pois a maneira de evitar as discussões é o isolamento. Mesmo assim, o indivíduo irá travar uma discussão consigo mesmo sobre o que é melhor ou pior: suportar o peso da discussão coletiva ou a solidão do isolamento.

Assim, a democracia deve garantir ao cidadão o espaço para o debate a fim de que ele seja ouvido e atendido, quando este conseguir justificar suas opiniões e decisões. Portanto, o espaço público é o espaço da justificação.

9.2 REGIME TOTALITÁRIO

O oposto do regime democrático seria o regime totalitário. É uma forma de governo que marcou profundamente algumas nações durante o século XX. No totalitarismo, todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) ficam concentrados na mão de uma única pessoa.

Em um regime totalitário, o governo não reconhece qualquer lei, instituição ou tribunal que possa limitar sua autoridade. O totalitarismo é a exclusão total de qualquer liberdade fora do controle do governo. As características dos regimes totalitários não podem ser comparadas a nenhum outro regime político da história da humanidade, pois é peculiar em sua maneira de ser, se organizar e agir.

FIGURA 8 – TOTALITARISMO

FONTE: <http://systemfailureb.altervista.org/il-totalitarismo-perfetto/>. Acesso em: 17 jan. 2015.

Em um regime totalitário é negado um dos princípios fundamentais da justiça: o direito que o indivíduo tem de se defender. As pessoas são eliminadas, sua identidade e qualquer outra coisa que seja que possa preservar o seu nome. “Nos países totalitários, todos os locais de detenção administrados pela polícia

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constituem verdadeiros poços de esquecimento. As pessoas caem por acidente, sem deixar atrás de si os vestígios tão naturais de uma existência anterior como um cadáver ou uma sepultura” (ARENDT, 2012, p. 577).

Tal prática foi muito comum no campo de extermínio nazista e nos campos

de trabalho forçado na Rússia. Esses regimes negaram os direitos mínimos de um cidadão, incluindo o direito de ser sepultado por seus familiares ou amigos. É a negação extrema da liberdade.

Os meios de comunicação, por exemplo, são apropriados pelos regimes totalitários. Devem ampliar seu poder através da propaganda e censurar aqueles que são contrários à política do regime. Arendt (2012, p. 474) comenta que “somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo; as massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda”.

A propaganda cria um mundo fictício no qual reside a esperança das massas. Desejam fugir de um mundo de problemas, necessidades e privações, refugiando-se na esperança de que aquilo que está sendo proposto será possível com sua adesão ao movimento. Segundo Garcia (2015, p. 11-12):

Os noticiários de jornais, rádio e televisão e documentários cinematográficos transmitem as informações como se fossem neutras, mera e simples descrição dos fatos ocorridos. Contudo, em verdade, essa neutralidade é apenas aparente, pois as notícias são previamente selecionadas e interpretadas de molde a favorecer determinados pontos de vista. Os filmes de ficção, romances, poesias, as letras das músicas e expressões artísticas parecem resultar da livre imaginação dos mais variados artistas. Todavia, a distribuição e a promoção das obras são controladas para que o conteúdo não contrarie as ideias dominantes.

É possível observar que o governo totalitário estende seus tentáculos e define quais conteúdos serão veiculados pelos meios de comunicação. A imprensa, o cinema, a literatura ou a música são destituídos da neutralidade. Tudo o que é desenvolvido nos seguimentos segue as ordens do governo e serve aos interesses do regime.

Assim, a liberdade de expressão deixa de existir, pois os conteúdos a serem veiculados nos meios de comunicação devem ser de interesse do governo e tudo é minuciosamente selecionado para promover a ideologia totalitária.

Outro aspecto fundamental a ser considerado sobre os regimes totalitários

é o controle das massas. São constituídas de pessoas que não pertencem a nenhuma classe política e não estão alinhadas a nenhuma ideologia.

Para Souza (2009, p. 246) “o totalitarismo é um regime que só ganha viabilidade se implantado em grande escala, inclusive em termos populacionais”. As massas se constituem em um elemento facilmente manobrável que possibilita a implantação dos ideais totalitários, inclusive o extermínio. O terror e o aniquilamento, aplicados em uma parcela da população, geram o medo e facilitam o domínio quase absoluto dos demais indivíduos.

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10 FORMAS DE GOVERNO

Vimos anteriormente como alguns teóricos desenvolveram sua concepção de Estado e da figura que governa. Assim, é necessário compreendermos as diferentes formas de governo que são responsáveis por dirigir o Estado e trabalhar pela manutenção do pacto social, que une os homens.

10.1 MONARQUIA

A monarquia é uma forma de governo em que o monarca, que pode ser um rei, uma rainha, um imperador ou uma imperatriz, é o chefe permanente do Estado ou até que a pessoa morra ou abandone a sua posição.

Uma das principais características das monarquias é que os monarcas quase sempre têm reinado vitalício, sendo que a maior parte das monarquias é hereditária. Significa dizer que, quando o monarca morre, um filho, uma filha ou outro parente sucede. Vale destacar que a monarquia pode ser absolutista e constitucional (ou parlamentarista). No caso das monarquias absolutistas, o poder está centralizado totalmente na pessoa do rei, ou seja, é dele a palavra final.

Na monarquia constitucional ou parlamentarista, o poder do rei é estabelecido e limitado pela Constituição. O rei precisa prestar conta ao parlamento. A Grã-Bretanha, por exemplo, é uma monarquia parlamentarista, visto que é o primeiro-ministro o responsável por chefiar o governo e tomar decisões que estejam de acordo com a constituição.

10.2 REPÚBLICA

A República é uma forma de governo na qual os cidadãos, ou seja, seus representantes, o povo, elege um chefe de Estado para representar por tempo determinado. Uma república pode ser parlamentarista ou presidencialista.

10.2.1 Parlamentarismo

O parlamentarismo é uma forma de governo na qual o Legislativo (parlamento) é o responsável por oferecer a sustentação política (apoio direito ou indireto) para o Executivo. Portanto, o Executivo necessita do parlamento para governar. O Executivo é, geralmente, exercido por um primeiro-ministro.

O parlamentarismo é um sistema que pode existir tanto em monarquias como em repúblicas. Ele funciona de maneira a aliar um gabinete de decisão, ou seja, o poder pode ser ocupado por um monarca ou por um presidente, que são apenas os chefes de Estado, pois é o primeiro-ministro o chefe de governo.

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A eleição do primeiro-ministro é realizada por uma democracia indireta, com indicação do parlamento.

A Câmara dos Deputados exerce um papel diferente daquele que é comum no sistema presidencialista, pois aprovará e chancelará o plano de governo a ser apresentado. Sua função consistirá em investigar se o plano estipulado está sendo seguido pelo primeiro-ministro.

10.2.2 Presidencialismo

O Executivo é exercido pelo presidente. No presidencialismo há três poderes que devem funcionar para poderem equilibrar o poder um do outro: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e exercidos, respectivamente, pelo presidente, pelo Parlamento (no caso do Brasil, o Congresso Nacional) e pelo Supremo Tribunal Federal.

Toda a concepção do presidencialismo se baseia na harmonia desses três poderes. Nenhum poder se sobrepõe ao outro. Se houver a tentativa, há uma crise institucional em decorrência dos poderes extrapolarem sua esfera da competência.

Para evitar o desequilíbrio entre os três poderes, há um sistema de freios e contrapesos. Um poder controla o outro e cada um depende dos outros dois. Assim, é competência de o Legislativo aprovar os projetos de lei, assim como o orçamento que fixa as despesas. A ação possibilita controlar o Executivo e o Judiciário. Contudo, compete ao presidente o poder de vetar o que foi aprovado pelo Congresso.

Se observarmos atentamente, vamos perceber que, na República, as duas formas de governo têm o compromisso pela manutenção da democracia. São criados mecanismos que dificultam decisões centralizadas pelos interesses dos cidadãos. Mesmo que as formas de governo não sejam perfeitas, vale ressaltar que objetivam, em última instância, garantir a liberdade e a participação, direta ou indireta, no espaço público.

Para finalizar este tópico, gostaríamos de ressaltar a importância da organização política de um Estado para o bom funcionamento das suas instituições. O princípio básico da vida em sociedade é a liberdade, igualdade e fraternidade.

Desde que os primeiros Estados começaram a se organizar, a reflexão filosófica passou a fazer parte das discussões. É por meio de uma reflexão aprofundada que podemos nortear as políticas públicas dos governos. Discutir política exige mais do que boa vontade, exige que as pessoas tenham o mínimo de conhecimento sobre o funcionamento das instituições e seus papéis na organização da vida pública.

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LEITURA COMPLEMENTAR 1

PÉRICLES: A DEMOCRACIA ATENIENSE

Péricles (495-429 a.C.) faz a oração fúnebre aos guerreiros mortos durante o primeiro ano da Guerra do Peloponeso, e suas palavras são relatadas pelo historiador Tucídides. Convém verificar a divergência entre o texto e o de Platão.

Péricles, filho de Xantipa, tinha sido escolhido para pronunciar o elogio dos primeiros guerreiros mortos. Quinze vezes estratego, é o homem mais eminente de Atenas e o primeiro em tudo, quer pela palavra quer pela ação. Chegado o momento, aproxima-se do túmulo, colocado alto, a fim de ser ouvido do mais longe possível pela multidão [...]. “A nossa Constituição não inveja as leis dos nossos vizinhos”. Ela é antes o protótipo das leis de outros Estados.

“Não imitamos os outros. Pelo contrário, servimos de modelo a alguns”. O governo, próprio de Atenas, “recebeu o nome de democracia porque a sua direção não está na mão de um pequeno grupo, mas sim da maioria” [...]. “Um temor salutar impede-nos de faltar ao cumprimento dos nossos deveres no que toca à pátria. Respeitamos sempre os magistrados e as leis”. Perante elas, todos os atenienses são iguais, iguais na vida privada, “iguais na solução dos diferidos entre particulares, iguais na obtenção das honras as quais são devidas aos méritos e não à classe”. “Podem-se prestar alguns serviços ao Estado? Ninguém deve ser rejeitado por ser desconhecido ou pobre. Dedicam-se aos seus assuntos particulares” e aos do governo.

Os que têm como profissão o trabalho manual não são afastados da política [...]. Não representa para eles somente um direito, mas um dever, visto que todo aquele que se desinteressa do governo da cidade é malvisto. Não existe distinção permanente entre governantes e governados. Cada um será, por seu turno, governante e governado. Vê-se na alternância, não sem razão, um dos traços fundamentais da democracia.

Para a igualdade de direito perante a lei (isonomia), corresponde a igualdade do direito à palavra na assembleia (isegoria). “Todos exprimimos livremente a nossa opinião sobre os assuntos de interesse público”. “Não acreditamos que os discursos entravem a ação; o que parece prejudicial é não esclarecermos primeiro, através do discurso, o que é preciso fazer”.

A afirmação é capital. O orador ateniense confessa a sua crença nas vantagens da deliberação. Na antiguidade, esta é necessariamente oral, visto que os meios de escrita são, tecnicamente, muito limitados.

Péricles responde à concepção antagônica dos lacedemônios, para quem o silêncio e a brevidade das respostas, o “laconismo”, são considerados como virtudes individuais e como méritos coletivos. Inversamente, Atenas, como diz A. Croiset, coloca-se sob “a soberania da palavra eloquente”.

FONTE: ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo:

Moderna, 1993.

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LEITURA COMPLEMENTAR 2

ORIGENS DO TOTALITARISMO

Hannah Arendt

O que prepara os homens para o domínio totalitário é o fato de que a solidão, que já foi uma experiência fronteiriça, sofrida geralmente em certas condições sociais marginais como a velhice, passou a ser, em nosso século, a experiência diária de massas cada vez maiores. O impiedoso processo no qual o totalitarismo engolfa e organiza as massas parece uma fuga suicida da realidade. O “raciocínio frio como gelo” e o “poderoso tentáculo” da dialética parecem ser o último apoio em um mundo onde ninguém merece confiança.

É a coerção interna, cujo conteúdo único é a rigorosa evitação de contradições, que parece confirmar a identidade de um homem independentemente de todo relacionamento com os outros. Prende-o no cinturão de ferro do terror mesmo quando ele está sozinho. O domínio totalitário procura nunca deixá-lo sozinho, a não ser na situação extrema da prisão solitária. Destruindo todo o espaço entre os homens e pressionando-os uns contra os outros, destrói até mesmo o potencial produtivo do isolamento, ensinando e glorificando o raciocínio lógico da solidão.

O homem sabe que estará completamente perdido se deixar fugir a primeira premissa que dá início ao processo. Elimina até mesmo a vaga possibilidade de que a solidão espiritual se transforme em solidão física e a lógica se transforme em pensamento.

As condições em que hoje vivemos na política são realmente ameaçadas por pelas devastadoras tempestades de areia. O domínio totalitário, como a tirania, traz em si o germe da sua própria destruição. O medo e a impotência são princípios antipolíticos e levam os homens à situação contrária à ação política. Também há a solidão e a dedução do pior por meio da lógica ideológica.

Representam uma situação antissocial e contêm um princípio que pode destruir toda forma de vida humana em comum. Não obstante, a solidão organizada é consideravelmente mais perigosa do que a impotência organizada de todos os que são dominados pela vontade tirânica e arbitrária de um só homem. É o seu perigo que ameaça devastar o mundo que conhecemos.

Ainda, permanece o fato de que a crise do nosso tempo e a sua principal experiência deram origem a uma forma inteiramente nova de governo que tende infelizmente a ficar conosco de agora em diante. Ficaram também outras formas de governo surgidas em diferentes momentos históricos e baseadas em experiências fundamentais, como monarquias, repúblicas, tiranias, ditaduras e despotismos.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

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Contudo, permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo. O começo é a promessa, a única “mensagem” que o fim pode produzir.

O começo, antes de se tornar evento histórico, é a suprema capacidade do homem. Politicamente, equivale à liberdade do homem. Initium ut esset homo creatus est ou “o homem foi criado para que houvesse começo”, disse Agostinho. Cada novo nascimento garante o começo. Ele é, na verdade, cada um de nós.

FONTE: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O nascimento da polis grega marca um período de profundas transformações na configuração política da Grécia.

• Com o enfraquecimento e desintegração do sistema gentílico ou génos, a consequência inevitável foi o aumento do poder da aristocracia.

• A ágora é o espaço público das cidades gregas escolhido pelos cidadãos para debaterem sobre os mais diversos assuntos.

• A obra A República, escrita por Platão por volta de 380 a.C., é particularmente rica em termos filosóficos, políticos e sociais. O ponto central da discussão está na busca de uma fórmula que garanta uma harmoniosa administração à cidade.

• A política, na filosofia de Aristóteles, está intrínseca e essencialmente associada à moral.

• O surgimento do Estado vem da necessidade que os seres humanos tiveram em relação aos desafios da sobrevivência.

• Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu na cidade de Florença e foi um filósofo e político. Sua obra mais conhecida, O príncipe, é um clássico para quem deseja compreender o pensamento político moderno.

• Montesquieu justifica a necessidade de o poder ser descentralizado e sem perder a harmonia. Alega que quando Legislativo e Executivo ficam reunidos em uma mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece.

• Em um sentido geral, a democracia é compreendida como o governo em que o povo exerce a soberania.

• Na visão de Mill, é o próprio exercício democrático o responsável pelo aperfeiçoamento e melhoramento da democracia.

• O oposto do regime democrático é o regime totalitário. É uma forma de governo que marcou profundamente algumas nações durante o século XX. No totalitarismo, todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) ficam concentrados na mão de uma única pessoa.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 Nos regimes totalitários, a propaganda totalitária foi um meio escolhido para que pudessem disseminar suas ideologias e doutrinar as massas. Sobre a propaganda totalitária, assinale V para a sentença verdadeira e F para a falsa:

( ) A liberdade de expressão é extinta em regime totalitários, pois os conteúdos são minuciosamente selecionados de acordo com os interesses do governo.

( ) A propaganda é responsável pela criação de um mundo fictício no qual reside a esperança das massas.

( ) A propaganda, nos regimes totalitários, está preocupada em revelar os avanços do governo e seu comprometimento com a verdade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F.b) ( ) V – F – F.c) ( ) F – V – F.

2 Nas cidades gregas, havia um espaço no ponto mais alto da cidade que era chamado de acrópole, onde ficava a ágora. No espaço, os cidadãos se reuniam diariamente, pois era o local onde ocorriam as trocas comerciais. Contudo, a ágora tinha outra função, que ia além da que citamos. Sobre a segunda função, podemos afirmar que:

a) ( ) Consistia em um espaço público de debates dos assuntos relativos à

vida social. b) ( ) Era o espaço reservado para o desfile dos gladiadores e soldados. c) ( ) Era um espaço reservado aos nobres, para que realizassem os jogos

olímpicos.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

FILOSOFIA DA MENTE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Qual é a importância da Filosofia da Mente? Ela se torna fundamental para as demais áreas, tais como Ética, Estética e Filosofia da Linguagem. Tudo começa na mente.

Pelo menos algumas questões inquietaram os filósofos e religiosos durante séculos: O que é a mente? O que caracteriza os fenômenos mentais? Como é possível que a mente exista e exerça influência no mundo físico? Não é possível encontrar uma resposta fácil ou simples, pois muitos elementos estão envolvidos na busca por uma resposta que satisfaça a inquietação humana.

A ciência tem contribuído para esclarecer alguns aspectos de tais perguntas, contudo será necessário avançar muito ainda para se compreender a totalidade da mente, se é que um dia será possível.

Este tópico tem a finalidade de lançar alguma luz no sentido de compreendermos alguns aspectos envolvidos no estudo da mente. Nosso objetivo é analisar de maneira sintetizada, dando atenção aos elementos que consideramos fundamentais para termos uma noção básica do que vem a ser Filosofia da Mente.

DICAS

Assista ao filme “Uma mente brilhante”, que conta a história de John Nash (Russell Crowe), um gênio da matemática que, aos 21 anos, formulou um teorema que provou sua genialidade e o tornou aclamado. Contudo, aos poucos, o belo e arrogante Nash se transforma em um sofrido e atormentado homem, que chega até mesmo a ser diagnosticado como esquizofrênico pelos médicos.

Após anos de luta para se recuperar, ele consegue retornar à sociedade e acaba sendo premiado com o Nobel.

FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-28384/>. Acesso em: 30 out. 2018.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

2 O QUE É FILOSOFIA DA MENTE?

Quando pensamos na palavra “mente”, é comum que tenhamos certa dificuldade em lidar com tudo aquilo que está associado a ela. A Filosofia da Mente é uma das maneiras que encontramos para compreender um pouco melhor o conceito.

FIGURA 9 – FILOSOFIA DA MENTE

FONTE: <https://www.guiadaFilosofia.com.br/Filosofia-da-mente-e-psicologia/>.Acesso em: 1 out. 2018.

Os fenômenos mentais possuem, como característica básica, a impossibilidade de serem visualizados ou medidos, como é comum na maior parte dos fenômenos estudados pela ciência. A “inacessibilidade dos fenômenos mentais torna-os essencialmente subjetivos ou privados” (TEIXEIRA, 2016, p. 17). Significa dizer que a alegria ou tristeza de alguém não pode ser medida em uma escala numérica como é medida, por exemplo, a febre de uma pessoa.

É comum ouvirmos alguém dizer para outra pessoa que perdeu um ente querido: “Eu sei a tristeza que você está sentindo porque já perdi um parente que amava”. Perder um parente não causa o mesmo grau ou sensação de tristeza em pessoas diferentes, pois envolve vários elementos, tais como o grau de proximidade, a convivência etc.

Assim, os fenômenos mentais são subjetivos, ou seja, são únicos para cada pessoa. Contudo, mesmo diante das dificuldades encontradas no estudo da mente, não somos impedidos de tentar entendê-la com aquilo que temos disponível. De acordo com Costa (2005, p. 8):

A Filosofia da Mente consiste em reflexões conjecturais acerca de estados (eventos, processos, disposições) mentais. Em conjunto, constituem o que chamamos de mente. Eis uma classificação das várias espécies de Estados mentais:

1) Sensações: dores, coceiras, cócegas, calafrios...2) Percepções: ver, ouvir, tocar, cheirar...3) Estados quase-perceptuais: sonhar, imaginar, alucinar...

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TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

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4) Emoções: amor, ódio, medo, alegria, tristeza, inveja, pesar...5) Cognições: crer, saber, entender, pensar, raciocinar, conceber...6) Estados conativos: desejar, querer, intencionar...

Surgem as muitas questões que são discutidas pelos filósofos da mente. De acordo com Teixeira (2016, p. 18):

Sempre tiveram por objetivo esclarecer questões fundamentais, tais como: O que distingue a mente de outros objetos que estão no universo? Qual a natureza do pensamento? Será o pensamento algo imortal e eterno? Serão mente e cérebro uma só e mesma coisa? Será a distinção entre espírito e matéria apenas uma ilusão produzida pela nossa linguagem ou pela nossa cultura?

Tais questões orientam as reflexões para compreendermos a maneira como funciona a mente humana. Não há, portanto, respostas definitivas e dogmáticas que deem conta de responder integralmente aos questionamentos humanos. A Filosofia da Mente tem a finalidade de refletir sobre tudo aquilo que consideramos fazer parte da mente.

Um dos problemas centrais da reflexão diz respeito ao problema mente e corpo. É um dos problemas que mais motivou os debates em torno do assunto. De um lado temos os filósofos monistas e, do outro, os dualistas.

3 O PROBLEMA MENTE-CORPO

Como falamos anteriormente, um dos problemas filosóficos é a questão da mente-corpo. Assim, como é possível que a mente exista e exerça influência no mundo físico? Se a mente e o cérebro são coisas distintas, de que maneira a relação entre ambos é estabelecida? É um problema que cabe ao filósofo da mente solucionar.

FIGURA 10 – MENTE-CORPO

FONTE: <http://www.martacogo.it/il-problema-mentecorpo-e-nato-prima-luovo-o-la-gallina/>. Acesso em: 28 ago. 2018.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Cabe ressaltar que a mente, embora seja algo um tanto abstrato, não é uma preocupação apenas da Filosofia, mas é objeto de estudo de outras ciências que utilizam métodos diferentes. A ciência que se dedica a estudar o cérebro se chama Neurofisiologia, que faz parte do campo da Neurociência e tem como objeto de estudo o sistema nervoso.

Contudo, é importante lembrar que determinada ciência lida com as células nervosas e não com as ideias, pois as ideias não podem ser medidas ou observadas. A questão que se levanta aqui é a seguinte: Tais ciências poderão contribuir para resolver as questões relativas à mente? Leia o fragmento a seguir:

IMPORTANTE

Podemos até imaginar um neurocirurgião abrindo a cabeça de alguém e examinando seu cérebro. Certamente, ele verá muitas células nervosas, mas nunca verá uma ideia, um sentimento ou uma emoção. Talvez seja uma maneira de caracterizar a natureza dos fenômenos mentais. Eles são invisíveis. Contudo, será uma boa caracterização?

Os átomos também são invisíveis. Entretanto seria difícil dizer que átomos são fenômenos mentais apenas porque não podemos observá-los. A diferença estaria no fato de que os átomos são invisíveis, mas não significa que um dia eles não possam ser observados. Através de um microscópio eletrônico, que poderia ser construído no futuro, quem sabe? O mesmo não ocorreria com os fenômenos mentais. Assim, parece absurdo supor que, um dia, mesmo com um microscópio eletrônico, poderemos observar uma ideia, um sentimento ou uma emoção.

O neurofisiólogo poderia objetar: “É claro que eu só observo células nervosas quando abro a cabeça de alguém. Não posso observar ideias, sentimentos ou emoções da mesma maneira que o físico não pode observar a "massa", "aceleração" ou "gravidade".

Não quer dizer que o estudo da mente não possa ser feito a partir do estudo do cérebro. Contudo, ao fazer determinada afirmação, o neurofisiólogo estaria se esquecendo de uma diferença fundamental: "massa", "aceleração", "gravidade" podem ser medidas. Não teria sentido dizer que um dia poderemos "medir uma ideia" ou estabelecer a "quantidade de alegria" que sentimos ao descobrir que nosso bilhete de loteria foi premiado.

Falamos de coisas que dão mais alegria ou menos alegria. Seria estranho pensar em ter uma escala para medirmos alegrias: hoje minha alegria está no nível 1,8. Depois de alguns copos de vinho, ela poderá chegar ao nível 3,6. A alegria que sinto quando encontro o bilhete de loteria premiado não é maior nem menor do que aquela que sinto quando a menina que eu paquerava há meses me dá um beijo: elas são alegrias diferentes.

Fenômenos mentais não são apenas invisíveis e impossíveis de serem medidos. A grande diferença estaria no fato de eles serem inacessíveis à observação. Se disser que tenho febre, alguém pode colocar um termômetro em meu braço e, após alguns minutos, afirmar: "Não, você não tem febre, o termômetro marca apenas 36,5 graus". Contudo, se digo “Estou com dor de cabeça", ninguém, exceto eu, pode saber se estou mentindo ou dizendo a verdade. Alguém pode dizer e fingir que está com dor de cabeça. Somente a pessoa saberá se o que diz é verdade ou não. A inacessibilidade dos fenômenos mentais torna-os essencialmente subjetivos ou privados.

FONTE: TEIXEIRA, João F. O que é filosofia da mente. 2. ed. Porto Alegre, 2016.

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TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

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Podemos compreender que é impossível observarmos uma ideia ou emoção, pois são fenômenos imateriais. “Pensamentos não podem ser destruídos: só podemos destruir coisas que estão no mundo” (TEIXEIRA, 2016, p. 17).

Diante da indestrutibilidade das ideias ou da mente, filósofos, místicos e religiosos passaram a considerar a ideia da imortalidade da mente ou da alma, como é mais comum entre aqueles que associam a mente ao mundo espiritual, no entanto, muitos podem argumentar que nem a matéria é destrutível, pois tudo se transforma, mas é outra questão que não cabe discutirmos aqui. Antes de avançarmos em nossos estudos, leia atentamente mais um texto que vem a seguir:

IMPORTANTE

AS MENTES E OS ESTADOS MENTAIS SÃO DISTINTOS DOS CORPOS OU ESTADOS MATERIAIS?

É bastante óbvio que as pessoas têm estados mentais conscientes, incluindo não apenas sensações e sentimentos de vários tipos, como também crenças, desejos e emoções conscientes. As pessoas têm mentes e, ao mesmo tempo, é óbvio que as pessoas têm corpos físicos, incluindo, em especial, seus cérebros, que envolvem vários tipos de estados e processos físicos.

Será que as mentes e estados mentais são distintos dos corpos ou dos estados materiais ou corporais (como o dualismo afirma), sendo que as pessoas seriam constituídas de dois tipos fundamentalmente diferentes de ingredientes? Será que, de algum modo, as mentes e os estados mentais são redutíveis a corpos e a estados materiais (como o materialismo afirma)? A conexão entre os dois aspectos básicos está longe de ser óbvia.

Ao pensar as visões, será útil ter disponível um exemplo simples que envolva estados mentais e materiais. Suponha que eu saia pela porta da frente e pare na metade do caminho em direção ao meu carro, pois percebo que está frio e úmido, que há nuvens escuras e que o vento parece estar aumentando. Eu decido que, provavelmente, irá chover e esfriar. Eu volto para casa para buscar um casaco e um guarda-chuvas e, tendo feito, vou ao carro novamente.

Aqui temos vários estados mentais: sensações de frio, umidade, escuridão e tempo ventoso; crenças perceptivas sobre tudo e ainda a crença de que vai chover e esfriar. Supostamente, um desejo de não me molhar ou sentir frio. Há também vários estados físicos ou materiais.

Além da condição física do meu ambiente, há o comportamento físico do meu corpo. Andando, parando, virando a cabeça e andando outra vez. Ainda, juntamente com a condição física do meu corpo, vários órgãos sensoriais: o frio e a umidade da minha pele, as ondas de luz atingindo meus olhos, e assim por diante.

FONTE: BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

4 DUALISMO

O dualismo é a teoria que parte do princípio de que mente e corpo são duas substâncias diferentes. Substância não no sentido químico, mas no sentido filosófico. Assim, estados mentais, na concepção dualista, “são bem distintos dos estados físicos e materiais” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 199).

“A motivação inicial do dualismo é a constatação de que apenas um grupo de filósofos (os behavioristas lógicos) chegou a negar que os estados mentais conscientes não parecem, na medida em que somos conscientes deles, ser estados do cérebro ou de nenhum tipo de estado físico” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 199). Significa dizer que os estados mentais não se resumem a estados cerebrais, pois então seria necessário abandonar completamente a ideia dualista, pois as atividades cerebrais são físicas, portanto, materiais.

“Os filósofos, muitas vezes, afirmaram que há mais argumentos específicos que mostram, aparentemente, que os estados mentais não podem ser idênticos aos estados físicos de nenhum tipo e, assim, dão mais suporte à abordagem dualista das mentes e dos estados mentais” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200). Há pelo menos duas versões do dualismo que merecem atenção: dualismo de substância e dualismo de atributo.

4.1 DUALISMO DA SUBSTÂNCIA

O dualismo de substância ou cartesiano é um conceito fundamental na filosofia de René Descartes (1596-1650). Tal conceito consiste em uma dicotomia entre corpo e consciência. Significa dizer que o corpo (o elemento material) está submetido a diversos fatores. Dentre eles, podemos destacar o mundo externo, as condições fisiológicas e as leis físicas.

A mente (o elemento imaterial), por outro lado, não possui medida, forma, extensão, peso ou qualquer outro traço que seja característico do corpo. Portanto, a mente está livre dos fatores que condicionam o corpo. Assim, podemos compreender mente e corpo como substâncias de natureza, realidade e funcionalidade diferentes e que se encontram separadas, mas que interagem entre si.

FIGURA 11 – MENTE E CORPO

RES COGITANS RES EXTENSA

Pensamiento MateriaActiva Pasiva

Peinsa, ordena y da sentido Es pensada, ordenada y dotada de sentido por el pensamient

Se trata, en consecuencia, de la realidad más importante y primera

Se trata, en consecuencia, de una realidad secundaria

FONTE: <http://rojas.magnaplus.org/articulo/-/articulo/RT092/el-hombre-ser-espiritual>. Acesso em: 24 set. 2018.

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TÓPICO 2 | FILOSOFIA DA MENTE

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De acordo com Jolivet (1963, p. 639), “substância designa, com efeito, uma realidade não sensível, imanente a todos os fenômenos. A unidade sintética é realizada pela forma substancial, que é o primeiro princípio da existência substancial”.

É imprescindível que se faça a distinção entre objetos e estados mentais e materiais. Segundo Heil (1998, p. 31), “os objectos (sic) materiais são espaciais. Ocupam um lugar no espaço e apresentam dimensões espaciais. Os objectos mentais, pensamentos e sensações, por exemplo, aparentemente não são espaciais”.

Não há como medir o tamanho ou peso de uma ideia em termos físicos. Diante de uma boa ideia, costumamos dizer: “Que ideia genial!”. A genialidade da ideia é um atributo que possui um critério subjetivo de quem avalia, pois a mesma ideia pode ser considerada, por outra pessoa, como simplória ou sem sentido.

Outro exemplo que podemos citar é a sensação de “dor de cabeça”. O que é uma forte dor de cabeça? Depende de cada indivíduo em suportar a dor. Do mesmo modo a sensação de frio. O termômetro pode estar marcando 5° e algumas pessoas estarem sentindo menos frio. Existe o componente físico na relação, mas também existe o componente mental, que é a capacidade de suportar o frio. Ainda que haja um instrumento que possa medir a temperatura de um ambiente, não há como medir a sensação de frio experimentada por cada indivíduo.

4.2 DUALISMO DE ATRIBUTO OU PROPRIEDADE

O dualismo de atributo, que também é denominado de propriedade, consiste na defesa de “uma visão segundo a qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos, propriedades ou características: os atributos mentais ou espirituais e os materiais ou físicos, mas todos eles são atributos da mesma coisa ou substância subjacente” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200).

Que substância subjacente seria? “A substância é o corpo (ou mais provavelmente uma parte do corpo, a saber, o cérebro” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200). Entretanto, devemos atentar para o fato de que “nessa visão, a substância em questão não é nem puramente material nem puramente mental, uma vez que possui ambas as propriedades” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 200).

De acordo com a versão, os filósofos, juntamente com os cientistas cognitivos, irão defender que, embora a mente não seja constituída como uma entidade substancial distinta, ela possui um conjunto de propriedades que são peculiares. Tais atributos são distintos daquelas propriedades que podem ser atribuídas ao corpo. São propriedades completamente independentes.

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5 MATERIALISMO OU FISICALISMO

O fisicalismo é uma tese metafísica que defende que tudo é físico. O nome foi proposto por Otto Neurath “como denominação do Círculo de Viena, que via, na linguagem, o campo de indagação da filosofia” (ABBAGNANO, 2012, p. 539). Para os fisicalistas, o único mundo que existe é o mundo físico. Significa dizer que os estados mentais são, de alguma maneira, estados físicos.

Em relação à mente, a posição filosófica assume que “não há uma mente em um sentido dualista, ou seja, independente do corpo. Ainda, não há atributos, exceto os materiais. A mente e seus estados mentais são, em certo sentido, inteiramente redutíveis aos corpos e aos estados materiais” (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 201). Mente e corpo não podem ser dissociados, pois não há uma mente independente do corpo.

O fisicalismo é a teoria que acredita que tudo o que existe ou tudo o que é real, no mundo espaço-temporal, é um fato físico ou uma entidade física. É preciso considerar que as propriedades dos fatos físicos são propriedades físicas em si ou são propriedades constituídas/realizadas/compostas por propriedades físicas. Assim, a matéria é a única substância da realidade, ou seja, cada objeto material está condicionado/determinado por suas características físicas próprias da matéria.

6 A CONSCIÊNCIA

A consciência é considerada uma das áreas mais desafiadoras. Várias perguntas foram e são feitas quanto à consciência: Pode uma máquina ter consciência? A consciência é um atributo exclusivo dos seres humanos? A consciência pode ser definida como o conhecimento que o homem possui dos seus próprios pensamentos, sentimentos e atos. Assim, tanto um robô quanto um animal possuem “conhecimento” de seus próprios pensamentos? Sobre o conceito de consciência, Abbagnano (2012, p. 217) esclarece que:

O significado que o termo tem, na filosofia moderna e contemporânea [...], é o de uma relação da alma consigo mesma, de uma relação intrínseca ao homem, “interior” ou “espiritual”, pela qual ele pode conhecer-se de modo imediato e privilegiado e, por isso, julgar-se de forma segura e infalível. Trata-se, portanto, de uma noção em que o aspecto moral – a possibilidade de julgar-se – tem conexões estreitas com o aspecto teórico.

Em um sentido mais simples, “a consciência é a experiência integrada que a mente tem da realidade externa e interna” (COSTA, 2005, p. 10). Sem a integração com a experiência não há consciência, pois a consciência é consciência de algo.

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O algo é a experiência que o ser humano vivencia em sua vida. Entretanto, vale ressaltar que não é qualquer tipo de experiência, mas a “realidade da experiência externa e/ou interna [...] entre duas modalidades (sentidos) principais da consciência: a perceptual e a introspectiva” (COSTA, 2005, p. 10).

A consciência perceptual se desenvolve a partir daquilo que vemos, ouvimos e experimentamos pelos nossos sentidos, pela sensibilidade. É a realidade externa, que possibilita termos experiências com o meio. A consciência introspectiva é o que experimentamos como realidade interna por meio da reflexão. É constituída pelo pensamento e pela cognição. De acordo com Costa (2005, p. 14):

Para filósofos como Thomas Nagel, D.J. Chalmers s Colin McGinn, o problema mais importante não é o de classificar formas de consciência ou de investigar os seus traços mais característicos. O grande problema metafísico é o de tornar compreensível como, em um mundo totalmente físico, se faz possível a existência de algo irredutivelmente subjetivo e fenomenal como a consciência. É, para muitos, um inescrutável mistério.

A dificuldade se deve ao fato de que a neurociência está em desenvolvimento. Não significa que o problema metafísico em relação à consciência seja insolúvel pois, para filósofos como John Searle e Daniel Dennett, “a razão pela qual parece impossível conciliar o fenômeno da consciência com o mundo físico estaria apenas no fato de não possuirmos ainda ciência capaz de explicar em detalhes como o cérebro funciona” (COSTA, 2005, p. 14).

A consciência é, portanto, a capacidade que o ser humano possui de se voltar para sua interioridade. É preciso buscar nele mesmo as respostas para as diversas situações da vida, julgar seus atos e avaliar suas ações.

FIGURA 12 – A CONSCIÊNCIA

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/consciencia-moral-liberdade-humana.htm>. Acesso em: 2 out. 2018.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

Ao tratarmos da consciência, não podemos esquecer seu sentido moral. Determinado tipo de consciência se caracteriza pela capacidade humana de avaliar e distinguir o certo do errado. A formação da consciência moral possui um amplo campo de debate, pois é difícil responder se o ser humano possui uma intuição moral para agir certo ou errado, pois até os próprios conceitos de certo e errado são debatidos pela ética.

O que podemos afirmar é que a formação da consciência moral também sofre influência do meio. A educação que uma pessoa recebe influenciará diretamente nas suas concepções éticas. Assim, a educação tem um papel fundamental na formação da consciência moral e crítica de cada ser humano.

Neste tópico, buscamos, de maneira sintetizada, lançar algum esclarecimento sobre as questões de Filosofia da Mente. Devido à amplitude do assunto, sugerimos uma leitura complementar a seguir, bem como uma bibliografia que você poderá estar lendo e se aprofundando.

DICAS

Leia a obra Filosofia da mente, escrita por Cláudio Costa, que traz um debate sobre a Filosofia da Mente de maneira acessível. A obra é uma clara, concisa e atualizada exposição crítica dos problemas mais discutidos pela Filosofia da Mente contemporânea: a natureza da consciência, a relação mente-corpo, a identidade pessoal e a estrutura da ação humana. Vale muito a pena ler!

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LEITURA COMPLEMENTAR

O MISTÉRIO DA MENTE

Desidério Murcho

Os problemas da Filosofia da Mente e das ciências da cognição são extremamente estimulantes. Estudam fenômenos que, até pouco tempo, muitas pessoas consideravam fora do alcance da ciência.

Muitos dos temas foram estudados por filósofos como Platão e Aristóteles, assim como por Tomás de Aquino, Descartes e Locke. Todavia, só com os estudos de John Dewey (1859-1952) e Rudolf Carnap (1891-1970), a moderna filosofia adquire o perfil que hoje conhecemos.

A obra The Concept of mind, de Gilbert Ryle (1900-76), é considerada por muitas pessoas a obra fundadora da filosofia contemporânea. Todavia, a obra A psicologia de um ponto de vista empírico, de Franz Brentano (1838-1917), publicada em 1874, anunciava já um dos temas fundamentais que iria fazer parte da Filosofia da Mente: o problema da intencionalidade.

Tanto Dewey como Carnap procuraram compreender o fenômeno da

consciência de um ponto de vista naturalista. Contudo, a abordagem naturalista dos fenômenos mentais e da consciência tem enfrentado grandes dificuldades e conduzindo, por vezes, alguns filósofos à ideia de que tal coisa será impossível.

O problema da abordagem naturalista da mente é que parece implausível,

além de minar a convicção religiosa de que os seres humanos possuem uma alma imortal, criada à imagem de Deus. Contudo, se fosse impossível explicar cientificamente os fenômenos mentais, significaria que o universo não seria susceptível de ser inteiramente explicado de um ponto de vista naturalista, o que violaria a ideia basilar da ciência: a ideia da completude essencial das explicações naturalistas do universo. O desafio da Filosofia da Mente é, pois, imenso e todas as dificuldades parecem pequenas se pensarmos no que está em jogo.

Os fenômenos mentais são aparentemente muito diferentes dos fenômenos

físicos, químicos, biológicos etc. Assim, qualquer tentativa de reduzirmos os fenômenos mentais para fenômenos biológicos, químicos etc., é extremamente difícil. O chamado “problema da mente-corpo” procura precisamente resolver a questão de saber qual é exatamente a relação entre os dois tipos de fenômenos.

Pense, por exemplo, em uma dor de dentes. O aspecto mental da sua dor é o facto de ser algo que o leitor sente. Por mais que eu diga que a sua dor é um certo fenômeno químico ou neurológico no seu cérebro, parece simplesmente falso. Os fenômenos físicos que ocorrem no seu cérebro são susceptíveis à observação por qualquer pessoa que tenha os instrumentos relevantes à disposição. Contudo, a

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

sua dor de dentes é algo que só o leitor pode realmente sentir. Observar redes neuronais e fenômenos físicos no cérebro de alguém é algo muito diferente de sentir uma dor de dentes.

Assim, é uma das dificuldades que enfrentamos na Filosofia da Mente: a

perspectiva típica da ciência, a perspectiva da terceira pessoa, parece insuficiente no caso dos fenômenos mentais. A perspectiva da primeira pessoa parece, no caso, ser algo intrínseco aos fenômenos mentais. “What is it like to be a bat?”, de Thomas Nagel, e “What Mary didn't know”, de Frank Jackson, são dois artigos muito discutidos hoje em dia e que colocam dificuldades, ou limites, às explicações científicas dos fenômenos mentais.

Contudo, há outros problemas. O problema da identidade pessoal é um dos mais agudos. Locke e Hume o tinham enfrentado. O problema decorre, uma vez mais, do carácter “diáfano” da mente. Não é muito difícil ter uma ideia intuitiva da identidade de objetos materiais, como o nosso corpo, por exemplo. Contudo, como explicar a identidade da nossa mente? Quem está a escrever este artigo é alguém que tem uma história pessoal, uma biografia determinada. Contudo, como poderemos compreender uma biografia e uma identidade de algo imaterial, como a mente?

No Sentimento de Si, António Damásio apresenta várias teorias científicas que procuram resolver alguns dos problemas clássicos da Filosofia da Mente: O que é um fenômeno mental? O que é a intencionalidade? Como se explica a identidade pessoal? O que é a consciência?

Muitos filósofos naturalistas podem agora respirar: algumas das suas ideias parecem confirmadas pela ciência. São os teólogos que têm agora de repensar a sua concepção de alma, pois a concepção tradicional tem, definitivamente, os dias contados.

FONTE: MURCHO, Desidério. O mistério da mente. 1998. Disponível em: <https://criticanarede.com/filos_damasio.html>. Acesso em: 28 ago. 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A Filosofia da Mente consiste em reflexões conjecturais acerca de estados (eventos, processos, disposições) mentais. Em conjunto, constituem o que chamamos de mente.

• Um dos problemas centrais da reflexão diz respeito ao problema mente e corpo.

• O dualismo de substância ou cartesiano é um conceito fundamental na filosofia de René Descartes (1596-1650).

• O dualismo de atributo, que também é denominado de propriedade, consiste na defesa de uma visão segundo a qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos, propriedades ou características: os atributos mentais ou espirituais e os materiais ou físicos. Contudo, todos eles são atributos da mesma coisa ou substância subjacente.

• O fisicalismo é uma tese metafísica que defende que tudo é físico.

• Em um sentido simples, a consciência é a experiência integrada que a mente tem da realidade externa e interna.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 Os fenômenos mentais consistem em um grande desafio para a ciência, pois são essencialmente subjetivos ou privados. Significa dizer que eles ocorrem para nós, para cada indivíduo diferentemente. Sobre os fenômenos mentais, é possível dizer que:

a) ( ) Podem ser facilmente estudados pela neurociência, pois os avanços tecnológicos possibilitaram aos estudiosos acessarem a consciência humana.

b) ( ) Apenas a religião pode explicar os fenômenos mentais devido ao seu caráter espiritual.

c) ( ) Diferentemente dos outros fenômenos, possui como característica básica a impossibilidade de serem visualizados ou medidos.

2 O dualismo é a teoria sobre mente-corpo. Parte do princípio de que mente e corpo são duas substâncias diferentes. Entretanto, os defensores da teoria não são unânimes sobre a relação, pois existem diferentes formas de dualismo. Sobre as formas de dualismo, analise as sentenças a seguir:

I- O dualismo de atributo consiste na defesa de um ponto de vista segundo o qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos: os mentais e os materiais.

II- O dualismo cartesiano consiste na defesa de um ponto de vista segundo o qual há dois tipos fundamentalmente diferentes de atributos: os mentais e os materiais.

III- O dualismo de substância é um conceito fundamental na filosofia de René Descartes e consiste em uma dicotomia entre corpo e consciência.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas. b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.c) ( ) Apenas a sentença III está correta.

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TÓPICO 3

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Quando tratamos de educação, encontramos um debate muito amplo sobre as mais diversas questões e concepções relacionadas a ela. Assim, é possível falar de educação de um ponto de vista pedagógico, psicológico, sociológico etc., e também de um ponto de vista filosófico.

Refletir sobre a educação a partir da filosofia é a oportunidade que temos de desenvolver um senso crítico e analítico sobre tudo o que envolve a educação, desde o currículo, os conteúdos, as práticas de ensino e os métodos avaliativos. Evidentemente que não será possível fazer tudo aqui, pois nossa proposta é apenas apontar alguns temas que são de interesse da Filosofia da Educação.

A questão fundamental que deverá guiar nossa discussão neste capítulo é a seguinte: qual é a relação da filosofia com a educação? A resposta da questão depende da maneira como concebemos a educação. Se pensarmos em educação como apenas a transmissão do conhecimento, a filosofia não fará quase nenhum sentido, diferentemente se pensarmos a educação como uma maneira de contribuir para a emancipação humana e o desenvolvimento de um olhar crítico.

Vamos compreender a área da filosofia que se dedica a refletir sobre os processos e os sistemas educativos, bem como a sistematização dos métodos didáticos, dentre outros temas que estão relacionados com a pedagogia. Seu alvo principal é tentar compreender as relações entre o fenômeno educativo e o funcionamento da sociedade. Partindo de tais pressupostos, vamos discorrer um pouco mais sobre o assunto.

2 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO OU EDUCAÇÃO CRÍTICA?

Se pensarmos a filosofia como “um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar a ele um sentido, um significado compreensivo” (LUCKESI, 1994, p. 22), vamos perceber que o papel é conduzir o sujeito a pensar por ele mesmo. Tal afirmação já demonstra o teor antidogmático da filosofia e seu caráter dinâmico, pois ela não é um conhecimento estático que fica preso a um período histórico. Sua principal característica é que constitui um tipo de conhecimento que vem se

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

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desenvolvendo a partir dos esforços humanos. Tem por finalidade compreender o humano e, a partir da compreensão, dar um sentido para tudo aquilo que é possível conhecer e compreender.

A filosofia possui métodos que fazem o ser humano pensar bem e criticamente. Atualmente, as pessoas são bombardeadas constantemente por ideias prontas e acabadas através das mídias. Há uma visão distorcida da realidade e a disseminação de ideologias que tentam obstruir a capacidade de reflexão do ser humano.

A filosofia, no contexto da educação, objetiva romper com a dominação e provocar as pessoas para que saiam de suas cavernas dogmáticas, superficiais, distorcidas, cheias de ideias, pensadas por outras pessoas.

FIGURA 13 – A FALTA DE FILOSOFIA DA SOCIEDADE ATUAL

OH! MAIOR DAS MÍDIAS DE MASSA, OBRIGADO PORELEVAR A EMOÇÃO, REDUZIR O PENSAMENTO E SUFOCAR A IMAGINAÇÃO.

OBRIGADO PELO ARTIFICIALIS-MODAS SOLUÇÕES RÁPIDAS EPELA INSIDIOSA MANIPULAÇÃODOS DESEJOS HUMANOS PARA FINS COMERCIAIS.

ESTA TIGELA DE MINGAUMORNO REPRESENTA O MEUCÉREBRO. EU O OFEREÇO, EMHUMILDE SACRIFÍCIO. CONCE-DA TUA LUZ CINTILANTE,ETERNAMENTE!

FONTE: <http://joralimatexto.blogspot.com/2018/05/univesp-curso-de-pedagogia-disciplina_17.html>. Acesso em: 22 ago. 2018.

Se você observar o primeiro quadrinho da figura, será possível perceber que a filosofia objetiva justamente o contrário, pois sua finalidade é ampliar o pensamento, os horizontes do conhecimento e liberar a imaginação. “A filosofia não é, de modo algum, uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão” (LUCKESI, 1994, p. 23).

Possibilita romper com a superficialidade, com as respostas prontas. É preciso compreender o universo plural e dinâmico, mas que frequentemente empurra o indivíduo para um comportamento padronizado pela cultura de massa e do consumo.

Ainda, busca romper com a ideia de que educar é transmitir conhecimento. Embora o educador seja um sujeito que possui saberes, a finalidade da educação não é uma transmissão de conhecimento, como se o aluno fosse um recipiente

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TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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que recebesse as informações depositadas pelo professor. Luckesi (1994, p. 32) ressalta um ponto importante na relação educação e filosofia:

Nas relações entre filosofia e educação só existem realmente duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza uma ação educativa consciente ou não se reflete criticamente e se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca existente na cultura vivida do cotidiano. Assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência.

A educação, em uma perspectiva crítica, provoca o aluno no sentido de levá-lo ao desenvolvimento de um senso crítico. Não significa que a educação deve ter um caráter apelativo para a rebeldia, sem uma racionalidade, contra as instituições estabelecidas.

A educação crítica possibilita que o aluno pense por ele mesmo, seja capaz de se posicionar e, a partir de uma reflexão crítica e fundamentada na razão, tomar uma posição que garanta seus direitos e sua liberdade de agir.

DICAS

Assista ao filme “O substituto”, que conta a história de Henry Barthes (Adrien Brody), um professor de ensino médio. Apesar de ter o dom nato para se comunicar com os jovens, só dá aulas como substituto, para não criar vínculos com ninguém. Contudo, quando ele é chamado para lecionar em uma escola pública, encontra-se em meio a professores desmotivados e adolescentes violentos e desencantados com a vida, que só querem encontrar um apoio.

Sofrendo uma crise familiar, Henry verá três mulheres entrando em sua vida e vai começar a perceber como ele pode fazer a diferença, mesmo que isso venha com um alto custo.

FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-193427/>. Acesso em: 30 out. 2018.

3 PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

De acordo com Luckesi (1994, p. 31), “a educação, dentro de uma sociedade, não se manifesta como um fim em si mesma, mas sim como um instrumento de manutenção ou transformação social. Ela necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem e orientem os seus caminhos”.

A educação serve para um propósito maior do que ela mesma. Parte do pressuposto de que educar é possibilitar que o indivíduo desenvolva determinadas habilidades e capacidades necessárias ao processo de socialização. Assim, acreditamos ser necessário discorrer brevemente sobre os pressupostos filosóficos da educação.

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3.1 EPISTEMOLOGIA

Consiste em estudar a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Ela também é conhecida como a teoria do conhecimento. É possível afirmar ter sua origem em Platão, que opõe a crença ou opinião (doxa) ao conhecimento (episteme). Enquanto que conhecimento é uma crença verdadeira e justificada, a opinião consiste em uma crença em um determinado ponto de vista subjetivo, que se baseia no senso comum.

Pode ser dividida basicamente em duas tendências: o racionalismo e o

empirismo. No caso do racionalismo, parte-se da premissa de que são ideias verdadeiras e que vêm da razão. A tendência empirista se assenta na premissa de que o conhecimento só começa após a experiência sensível.

Assim, a Epistemologia se torna um pressuposto da educação, pois a função da educação é possibilitar que o aluno tenha acesso aos conhecimentos que foram construídos ao longo do tempo. A partir dos conhecimentos existentes, ser capaz de lidar com eles e gerar novos conhecimentos.

A escola tem a finalidade de promover o acesso aos conhecimentos que vão além do senso comum. Os educadores devem buscar o aperfeiçoamento constante, a fim de que possam conduzir seus alunos em direção àquilo que há de atual em relação à determinada área de conhecimento. A escola deve promover um espaço de pesquisa e debate. Seus alunos e professores devem submeter suas crenças, valores e conhecimentos à crítica e à análise por parte de seus pares.

3.2 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

Tem por objeto de estudo a estrutura essencial do homem se partirmos da premissa de que a antropologia “é o logos que diz respeito ao antropos, ou seja, o discurso que diz respeito ao ser humano” (CASTORIADIS, 1992, p. 83). Logo, tem por objetivo desvendar o fundamento da existência do homem enquanto pessoa humana.

A racionalidade é o elemento que distingue os seres humanos dos animais e de todas as demais coisas que existem na Terra. Logo, a característica deverá receber atenção especial no processo de ensino. O que caracteriza a racionalidade? É capacidade de exercer a própria razão, ou seja, a habilidade de utilizar o raciocínio para a resolução de problemas. Trata-se, portanto, de uma operação mental complexa que consiste em estabelecer relações entre elementos dados.

A grande questão é: O que é o homem? A concepção que temos de ser humano influencia e muito na maneira como educamos. Assim, a Antropologia Filosófica nos auxilia na maneira como concebemos o ser humano quanto à condição, sua dignidade, sua liberdade, e assim por diante. Compreender a realidade humana não é tão simples quanto compreender a composição mineralógica das rochas.

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TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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Portanto, busca estudar e compreender o ser humano em suas múltiplas dimensões, ou seja, em sua dimensão social, cultural, religiosa etc. No espaço educacional, todas as dimensões se manifestam, pois é o espaço diverso e plural. Assim, um conhecimento básico de antropologia auxilia a compreender o comportamento humano no espaço social e a maneira como se relaciona com seus pares.

3.3 AXIOLOGIA

É o estudo de valores do ser humano na educação, valor no sentido moral, político, estético, entre outros valores que estão presentes e ocupam lugar de destaque em uma determinada sociedade.

Quando falamos na educação, temos em mente que a educação não consiste apenas em conhecimento científico destituído de valores. A educação trabalha com uma perspectiva holística, ou seja, objetiva a formação integral do ser humano. Assim, independentemente de qual disciplina o professor trabalhe, o profissional deverá pensá-la no contexto da formação integral de seus alunos. De acordo com Rayo (2004, p. 125):

A educação está cheia de valores, pois não existe nenhuma educação que possa defender sua neutralidade. O planejamento educativo, a distribuição de recursos, a organização e funcionamento dos centros educativos, o papel dos professores, as matérias curriculares, os critérios utilizados na avaliação e na promoção dos alunos: tudo isso reflete algumas diretrizes prévias e alguma seleção de valores.

A educação baseada em valores tem como finalidade contribuir para a formação de pessoas conscientes do seu papel social, pois devem compreender que cada indivíduo pode ser um agente transformador de um mundo novo e que busca por novos conhecimentos e novas atitudes na esfera particular e coletiva.

Assim, o educador consciente de seu verdadeiro papel social deve contribuir para a mudança da sociedade. A partir do desenvolvimento integral de seus alunos, ele promoverá melhor qualidade de vida individual e coletiva. Segundo Rayo (2004, p. 170):

Educar na liberdade e na responsabilidade deve ser, antes de tudo, um processo de educação integral das pessoas que desenvolvem todas as suas capacidades a partir de situações que possibilitem a autoestima pessoal, a livre escolha entre um conjunto de valores. Que haja uma maturidade não apenas intelectual, mas também moral, nos domínios tanto afetivos como sensoriais. Que conduzam ao desenvolvimento do juízo crítico e da capacidade de transcendência.

No espaço social com diversas pessoas e valores sociais, culturais, religiosos e familiares, deparamo-nos com a necessidade de apontar para os valores que estão para além das concepções particulares de vida. Valores como

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

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liberdade, respeito, dignidade e igualdade transcendem, pois são pilares de sustentação da vida social. Assim, educar contribui para que os indivíduos alcancem a maturidade moral e, com suas ações, construam uma sociedade mais justa e fraterna.

4 FILOSOFIA E A FORMAÇÃO HUMANA NA ESCOLA

O processo de formação do ser humano perpassa por suas experiências cotidianas. O espaço escolar deve possibilitar que o aluno tenha experiências que contribuirão para a sua formação humana integral. É justamente no espaço de convivência entre alunos e professores que se estabelecem importantes relações sociais.

A filosofia pode auxiliar o professor e os seus alunos para que compreendam o momento em que vivem e refletir sobre ele. Não estamos nos referindo às aulas de Filosofia, mas à maneira como a reflexão no contexto escolar poderá contribuir para o desenvolvimento social e humano de cada pessoa. “A filosofia [...] não é apenas um instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus fenômenos. É também um instrumento de ação e arma política e, como tal, tem sido utilizada, em todos os tempos, consciente ou inconscientemente” (LUCKESI, 1994, p. 27).

A filosofia, como instrumento de formação humana, pretende educar o indivíduo para a vida. Educar para a vida é mais do que educar uma pessoa para um campo específico do conhecimento, preparando-o apenas para o exercício de uma determinada profissão.

A formação humana vai mais além, pois prepara o indivíduo para as suas múltiplas relações, sejam elas no campo moral, político, cultural etc. Pensar a educação requer uma reflexão aprofundada sobre o papel da escola, do professor, do aluno, da família e do poder público.

5 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR

O sistema educacional é fruto de seu tempo e dos desafios que são característicos. Nesse sentido, a escola cumpre a função de preparar o cidadão para viver em sociedade e saber lidar com as questões públicas cotidianas. No decorrer da história da educação, surgiram algumas tendências pedagógicas que foram influenciadas pelo pensamento filosófico e social de seu tempo. Assim, vamos discorrer e conhecer algumas dessas tendências, que se tornaram referência para a construção dos parâmetros curriculares e da prática pedagógica.

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5.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS

A primeira coisa que precisamos fazer é conhecer o sentido da palavra liberal no contexto, pois pode facilmente ser confundida com progressista. De acordo com Luckesi (1994, p. 54):

O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista. Ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.

A educação, na concepção liberal, está mais voltada para atender aos interesses econômicos que definem os rumos da sociedade, incluindo, além da economia, também a cultura e a educação. A educação não está comprometida em primeiro lugar com a socialização do indivíduo, no sentido de formar um cidadão para a vida, capaz de assumir uma posição crítica. Segundo Luckesi (1994, p. 55), a Pedagogia Liberal:

Sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais e de acordo com as aptidões individuais. Os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes. Embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições.

No contexto, ignoramos os interesses particulares dos indivíduos, pois ela possui um caráter homogeneizante. Cria pessoas que pensam igual, sem o incentivo para que o indivíduo busque, por meio do conhecimento, a emancipação e a capacidade de avaliar criticamente a realidade. É capaz de tomar decisões de acordo com suas preferências, e não necessariamente de acordo com aquilo que pensa a maioria.

5.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS

As tendências progressistas nasceram diante das situações autoritárias que foram impostas por muitos governos. Tinham como finalidade subjugar a capacidade humana. Assim, a Pedagogia Progressista foi uma reação ao autoritarismo e às políticas de dominação que tanto impediram o progresso da humanidade. De acordo com Luckesi (1994, p. 63):

O termo "progressista", emprestado de Snyders, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente, a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se em uma sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.

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A tendência tem a finalidade de formar indivíduos críticos, ou seja, capazes de pensar por si mesmos e tomar decisões autônomas. No processo de ensino, no interior das escolas de tendência progressista, há uma valorização da experiência do aluno. É o conhecimento da realidade social que contribui para uma sólida formação social e cultural do ser humano.

FIGURA 14 – EDUCAÇÃO PARA TRANSFORMAÇÃO

FONTE: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/10/20/a-hora-da-inovacao-transformadora/>. Acesso em: 18 set. 2018.

É necessário destacar que ainda é dividida em libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. A Tendência Libertadora, idealizada por Paulo Freire, foi construída a partir dos trabalhos com educação popular, na maioria das vezes não estando vinculada necessariamente ao ensino escolar.

A Tendência Libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos, ou seja, cada um deve ser capaz de tomar conta de si e ser um agente transformador da realidade social.

A terceira tendência, Crítico-Social dos Conteúdos, “propõe uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta” (LUCKESI, 1994, p. 64).

Assim, a escola deve se apresentar como um instrumento de apropriação do saber e agente transformador da sociedade. A principal função é preparar os alunos para o mundo no qual eles vivem, criando possibilidade para se tornarem pessoas críticas e conscientes das contradições existentes na sociedade.

As discussões filosóficas sobre a educação podem ser muito produtivas, pois dão a oportunidade de avaliar os problemas e desafios da educação. É preciso considerar as possibilidades e oportunidades de desenvolver uma educação voltada para a construção de uma sociedade mais justa.

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TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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A filosofia é a ferramenta indispensável para pensarmos a educação livre de dogmatismos e tendências ideológicas. Pensar a educação a partir dos métodos filosóficos possibilita que ultrapassemos as discussões rasas do senso comum e cheguemos na causa dos problemas que encontramos nos processos de ensino-aprendizagem.

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UNIDADE 3 | FILOSOFIA PARA HOJE

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LEITURA COMPLEMENTAR

ENSINAR A PENSAR

Immanuel KantTradução de Desidério Murcho

Espera-se que o professor desenvolva, no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento. Depois, o homem de razão e, finalmente, o homem de instrução. O procedimento tem uma vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado a sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e terá se tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.

Se invertermos o método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento ter se desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que foi dependurado.

A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Contudo, ao mesmo tempo, foi corrompida em um grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. É por tal razão que não é infrequente se deparar com homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco entendimento. Ainda, as academias enviam para o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública.

Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos, mas pensar. Deve ser conduzido, mas não levado em ombros. A natureza peculiar da própria filosofia exige um método de ensino assim. Contudo, visto que a filosofia é, estritamente falando, uma ocupação apenas para aqueles que já atingiram a maturidade, não é se de espantar que se levantem dificuldades quando tentamos adaptá-la às capacidades menos exercitadas dos jovens.

O jovem que completou a sua instrução escolar, habituou-se a aprender. Agora pensa que vai aprender filosofia. Contudo, isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar [...]. Para que pudesse aprender filosofia, teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: “Veja, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos”.

O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como disseram alguns filósofos da antiguidade (de ζητειν). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que o método se torna dogmático, ou seja, decisivo.

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TÓPICO 3 | FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si. Para que a colheita do conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes do método.

FONTE: MURCHO, Desidério. Ensinar a pensar. 2002. Disponível em: <https://criticanarede.com/fil_ensinarpensar.html>. Acesso em: 6 set. 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia possui métodos que têm como finalidade levar o ser humano a pensar bem e criticamente.

• A filosofia busca romper com a ideia de que educar é transmitir conhecimento.

• A educação serve para um propósito maior, pois parte do pressuposto de que educar é possibilitar que o indivíduo desenvolva determinadas habilidades e capacidades necessárias ao processo de socialização.

• A finalidade da Epistemologia consiste em estudar a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.

• A Antropologia Filosófica tem por objeto de estudo a estrutura essencial do homem.

• A Axiologia é o estudo de valores do ser humano na educação, valor no sentido moral, político, estético, entre outros valores que estão presentes e ocupam lugar de destaque em uma determinada sociedade.

• O processo de formação do ser humano perpassa por suas experiências

cotidianas. O espaço escolar deve possibilitar que o aluno tenha experiências que contribuirão para a sua formação humana integral.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

1 As tendências pedagógicas dizem respeito à maneira como a educação deve ser aplicada e desenvolvida, seus métodos, conteúdos, objetivos e práticas. Sobre as tendências pedagógicas progressistas, é possível dizer que:

a) ( ) Revela a incapacidade do ser humano de seguir as ordens de seus superiores.

b) ( ) Foi uma das situações autoritárias que foram impostas por muitos governos ao longo do tempo.

c) ( ) Nasceram como uma reação ao progresso científico e tecnológico do ocidente após a revolução industrial.

2 Dentre os pressupostos da educação, ou seja, aquilo que se busca alcançar no processo educativo, podemos destacar a Epistemologia, que possui uma função elementar na formação intelectual dos indivíduos. Sobre a Epistemologia, analise as sentenças a seguir:

I- Podemos afirmar que a epistemologia pode ser dividida basicamente em racionalismo e o empirismo.

II- A epistemologia é a área da Filosofia que se preocupa em estudar os fenômenos mentais e espirituais.

III- O objetivo central da epistemologia consiste em estudar a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.c) ( ) Apenas a sentença I está correta.

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