educaÇÃo fÍsica e alfabetizaÇÃo ... - colégio pedro ii

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MANGI, Ana Cristina C.; MONTEIRO, Renata Vieira; FREIRE, Sandra Rosa; SILVA, Yvone de Lima e Temas em Educação Física Escolar, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, jan./jun. 2016, p. 130-144. 130 EDUCAÇÃO FÍSICA E ALFABETIZAÇÃO: OPERACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES INTERDISCIPLINARES Physical Education and literacy: operational interdisciplinary activities Ana Cristina Calábria Mangi Colégio Pedro II 1 Renata Vieira Monteiro Colégio Pedro II 2 Sandra Rosa Freire Colégio Pedro II 3 Yvone de Lima e Silva Colégio Pedro II 4 Resumo: o presente relato é resultado de uma experiência realizada nas aulas de Educação Física referenciada na metodologia interdisciplinar para a alfabetização. O trabalho desenvolvido realizou-se no campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II, sendo fruto do grupo de pesquisa sobre interdisciplinaridade desenvolvido pelo referido campus e tem como base o encontro entre a aprendizagem significativa lúdica e a interdisciplinaridade, através de atividades complementares às aulas de núcleo comum. A amostra desta pesquisa foi composta por 86 alunos de 1º ano do Ensino Fundamental. É uma pesquisa-ação com abordagem qualitativa, realizada por meio da observação participante. Através da observação do comportamento dos estudantes, foi constatado o desenvolvimento da expressão verbal e não verbal, do raciocínio, da socialização e da linguagem corporal. Conclui-se que ministrar atividades de movimento com enfoque interdisciplinar é uma contribuição valiosa ao processo de alfabetização e que são possíveis iniciativas que caminhem para uma educação mais integradora. Palavras Chave: Interdisciplinaridade. Alfabetização. Educação Física. 1 E-mail: [email protected] 2 E-mail: [email protected] 3 E-mail: [email protected] 4 E-mail: [email protected]

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MANGI, Ana Cristina C.; MONTEIRO, Renata Vieira; FREIRE, Sandra Rosa; SILVA, Yvone de Lima e

Temas em Educação Física Escolar, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, jan./jun. 2016, p. 130-144. 130

EDUCAÇÃO FÍSICA E ALFABETIZAÇÃO: OPERACIONALIZAÇÃO DE

ATIVIDADES INTERDISCIPLINARES

Physical Education and literacy: operational interdisciplinary activities

Ana Cristina Calábria Mangi

Colégio Pedro II1

Renata Vieira Monteiro

Colégio Pedro II2

Sandra Rosa Freire

Colégio Pedro II3

Yvone de Lima e Silva

Colégio Pedro II4

Resumo: o presente relato é resultado de uma experiência realizada nas aulas de Educação Física referenciada na metodologia interdisciplinar para a alfabetização. O trabalho desenvolvido realizou-se no campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II, sendo fruto do grupo de pesquisa sobre interdisciplinaridade desenvolvido pelo referido campus e tem como base o encontro entre a aprendizagem significativa lúdica e a interdisciplinaridade, através de atividades complementares às aulas de núcleo comum. A amostra desta pesquisa foi composta por 86 alunos de 1º ano do Ensino Fundamental. É uma pesquisa-ação com abordagem qualitativa, realizada por meio da observação participante. Através da observação do comportamento dos estudantes, foi constatado o desenvolvimento da expressão verbal e não verbal, do raciocínio, da socialização e da linguagem corporal. Conclui-se que ministrar atividades de movimento com enfoque interdisciplinar é uma contribuição valiosa ao processo de alfabetização e que são possíveis iniciativas que caminhem para uma educação mais integradora.

Palavras Chave: Interdisciplinaridade. Alfabetização. Educação Física.

1 E-mail: [email protected] 2 E-mail: [email protected] 3 E-mail: [email protected] 4 E-mail: [email protected]

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COLÉGIO PEDRO II - Revista do Departamento de Educação Física

RELATOS DE

EXPERIÊNCIA

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Abstract: this report results from an experiment carried out in Physical Education classes, referenced on the interdisciplinary approach to education. The work took place on Engenho Novo I campus of Colégio Pedro II, a project of its research group on interdisciplinarity developed by that campus. It is based on the union between playful, meaningful learning and interdisciplinarity, through complementary activities to the common core classes. The sample included 86 students of first year of elementary school. It is an action research with qualitative approach, carried out through participant observation. By observing student behavior, it was noticed the development of verbal and non-verbal expression, reasoning, socialization and body language. Therefore it is concluded that providing activities with movement through the interdisciplinary approach is a valuable contribution to the education process and that there are possible initiatives towards a more inclusive education. Keywords: Interdisciplinarity. Education. Physical Education. Introdução

Na atualidade, em função do reconhecimento das tendências da Educação no

Brasil e da reflexão teórica em relação ao objetivo da Educação Física, fica evidente

a necessidade de iniciativas educacionais que venham explorar as múltiplas

possibilidades pedagógicas que levem à construção do conhecimento. O Projeto

Ateliê Interdisciplinar tem a pretensão de se lançar neste universo reavaliando e

qualificando o exercício pedagógico por meio de uma aliança entre a pesquisa e a

prática.

A presente experiência é resultado do trabalho de um grupo de pesquisa

sobre interdisciplinaridade, desenvolvido pelo Colégio Pedro II no campus Engenho

Novo I. Esse projeto teve origem na necessidade de preencher dois tempos de aula

para complementar a carga horária dos professores do Departamento do 1º

Segmento. Com isso, o campus Engenho Novo I criou um espaço lúdico onde os

estudantes dos 1ºs, 2ºs e 3ºs anos tivessem a oportunidade de, através de jogos e

brincadeiras, desenvolverem habilidades fundamentais para o ano escolar no qual

se encontram. Dentro dessa perspectiva interdisciplinar, a equipe de Direção do

campus, coordenadora do projeto, convidou outros departamentos, como Música e

Educação Física, a fazer parte do mesmo, denominado “Núcleo Ateliê

Interdisciplinar”.

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O Ateliê Interdisciplinar se baseia no encontro entre a aprendizagem

significativa, que Ausubel (apud MOREIRA; MASINI, 2001, p. 18) define como

aprendizagem de novas informações que tenham interação com conceitos

relevantes existentes na estrutura cognitiva, as atividades lúdicas e a

interdisciplinaridade, que despertem o interesse pela investigação, ação, reflexão e o

entendimento do processo de ensino-aprendizagem.

A proposta tem como finalidade lançar um novo olhar sobre o currículo, que

deve começar desde a alfabetização, em que a linguagem começa a esboçar as

suas primeiras nuanças na leitura e escrita. Para isso, começamos a refletir em

como aplicar intencionalmente atividades específicas da Educação Física em uma

perspectiva interdisciplinar enfatizando o processo de alfabetização.

Para desenvolver essa questão optou-se, no ano letivo de 2015, em

sistematizar essas atividades apenas para um grupo, o 1º ano do Ensino

Fundamental. Escolhemos trabalhar com essa amostra intencionalmente devido aos

seguintes pontos: desenvolvimento das atividades com um grupo de alunos recém-

ingressados na instituição e adequação no horário da Educação Física e do espaço

Ateliê, em que as aulas são no mesmo dia, em tempos sucessivos para cada turma.

O projeto objetiva construir um ambiente de aprendizagem, segundo uma

perspectiva interdisciplinar pautada na ludicidade e na dialogicidade. Então,

podemos afirmar que ele tem o grande desafio de vencer a visão fragmentada e

descontextualizada do ensino, além de estimular o diálogo.

Sendo assim, os jogos, desafios e materiais concretos são ferramentas para

que o ensino-aprendizagem seja mais significativo, visando à formação da

curiosidade científica e o desenvolvimento da autonomia na alfabetização dos

alunos.

A Educação Física, como componente curricular escolar, possui uma gama

de opções, como esportes, lutas, ginástica, jogos e brincadeiras, permitindo que os

alunos construam conhecimento através da cultura corporal. Segundo os PCN’s

(BRASIL, 1998), um de seus objetivos é que os alunos do Ensino Fundamental

sejam capazes de:

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utilizar as diferentes linguagens, verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal, como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo as diferentes intenções e situações de comunicação (p. 7-8).

O relato dessa experiência interdisciplinar foca seus esforços no processo de

alfabetização dos alunos do 1º ano do Ensino Fundamental do campus Engenho

Novo I, através de atividades corporais desenvolvidas nas aulas de Educação

Física.

Discussão teórica

O projeto interdisciplinar está sendo desenvolvido em três vertentes. Como o

próprio nome sugere, a interdisciplinaridade é uma delas. Ela objetiva a formação

integral das crianças, “substituindo uma concepção fragmentária pela concepção

unitária do ser humano e que exige uma mudança de atitude diante do problema do

conhecimento” (FAZENDA, 2011, p. 162).

Em seguida, podemos citar a metodologia lúdica, que segundo Kishimoto

(2000) favorece o gosto pelo ensino-aprendizagem e a autonomia, por meio do

desenvolvimento de regras e da cooperação, muito presente nas aulas de Educação

Física. Pode-se dizer também, que a atividade lúdica funciona como um elo

integrador entre os aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais.

Por fim a dialógica, que fundamenta a teoria freiriana (1987; 1996) em uma

“educação para a libertação, que se constitui como um ato de saber, um ato de

conhecer e um método de transformar a realidade que se procura conhecer”

(GADOTTI, 1996, p. 721). Viabilizando o desenvolvimento do aprendiz pesquisador

crítico.

Refletindo sobre estes conceitos, a postura do mediador deve ser de

pesquisador, com a função de jogador, orientador e aprendiz. Vygotsky (1984) deixa

explícita a sua ideia de ser humano, no sentido de um ser com muitas

possibilidades, e aponta para a necessidade de ambientes que oportunizem essas

possibilidades, salientando o papel do mediador na criação desse ambiente.

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Falar em interdisciplinaridade significa recolocar a questão das disciplinas, a

relação entre elas, é pensá-la como atitude pedagógica, comprometida em superar a

fragmentação do conhecimento escolar, compreendendo que só a reflexão

complexa pode levar à reforma do pensamento na direção da contextualização, da

articulação e da interdisciplinarização (GADOTTI, 1993; FAZENDA, 2011; MORIN,

2005).

Na análise de Frigotto (1995, p. 26), a interdisciplinaridade impõe-se pela

própria forma de o “homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e

objeto do conhecimento social”, ela surge como uma necessidade imposta pelo

aparecimento cada vez maior de novas disciplinas que levaram a necessidade de

pontes de ligação entre as disciplinas (JAPIASSU, 1976).

Portanto, o conhecimento interdisciplinar depende, entre outras coisas, do

intercâmbio de forma contextualizada entre as disciplinas, com o propósito de

fomentar uma compreensão mais abrangente da realidade atual, marcada pela

complexidade e pela pluralidade dos problemas.

Conforme Hoffmann (2003), a interdisciplinaridade não nega as especificidades

de cada Ciência, ela respeita o território de cada campo de conhecimento, bem

como distingue os pontos que os unem e aqueles que os diferenciam. Olga Pombo

(2003, apud THIESEN, 2007, p. 98) afirma que “há um alargamento do conceito de

ciência e, por isso, a necessidade de reorganização das estruturas da aprendizagem

das ciências e por consequência das formas de aprender e de ensinar”.

De acordo com Gadotti (1993) são essas as dimensões que orientam a

qualidade do projeto interdisciplinar: a integração dos conteúdos; a transcrição de

uma concepção fragmentária para uma concepção unitária do conhecimento; a

superação da dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a

pesquisa, a partir da contribuição das diversas ciências; o ensino/aprendizagem

centrado numa visão de que aprendemos ao longo de toda vida (educação

permanente).

Para tal, a disciplina de Educação Física trabalhou com os alunos de 1º ano do

Ensino Fundamental atividades que relacionaram a especificidade da disciplina e a

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alfabetização. Nosso trabalho consistiu em repensar a pedagogia utilizada para o 1º

ano, sob uma perspectiva interdisciplinar para o desenvolvimento dos alunos,

experienciando uma relação entre linguagem motora, linguagem escrita e linguagem

falada. Todas essas linguagens são formas de expressão e comunicação, em que,

com a interação dos sujeitos com seu meio são desenvolvidas.

Segundo Mattos e Neira (2007), a escrita é um dos melhores exemplos de

manifestação expressiva. É um ato objetivo determinado pela cultura, assim como o

jogo de regras, em que há uma necessidade de controle do movimento e uma

capacidade de expressão. Os jogos com regras simples, bem como as atividades

rítmicas e expressivas, possuem grande importância para o desenvolvimento da

criança no primeiro ciclo do ensino fundamental.

Tendo em vista o exposto, a integração entre as disciplinas, particularmente a

Educação Física, é fundamental para ampliar as possibilidades e descobertas dos

alunos nesse ano escolar. As atividades motoras desenvolvidas nas aulas de

Educação Física sustentaram uma formação básica mais totalitária, sem que a

disciplina perdesse a sua especificidade, considerando assim, a formação de um

corpo operatório5 fundamental para a aprendizagem de forma geral.

A Educação Física do Colégio Pedro II tem como princípios orientadores a

inclusão, a diversidade, a contextualização e a interdisciplinaridade (DEF, 2014b).

Os eixos de ação para o 1º ano do Ensino Fundamental são as aprendizagens

perceptivo-motoras e as habilidades motoras fundamentais; através de atividades

que buscam desenvolver a consciência corporal – propriocepção, coordenação

motora, equilíbrio, ritmo – e a estruturação espaço-temporal - orientação espacial,

percepção temporal.

Na busca por ajudar a formar o indivíduo não fragmentado, a Educação Física utiliza recursos lúdicos como jogos, brincadeiras, esportes e outras formas de atividades motoras, que não são fim em si mesmo, mas são meios que facilitam o alcance dos objetivos aos quais ela se propõe. Esses objetivos se colocam nas dimensões afetivas, cognitivas e motoras do ser, mais enfatizado através da dimensão motora, uma vez que o corpo é o

5 Segundo Le Boulch (1987), o corpo operatório diz respeito à fase na qual a motricidade da criança está alinhada com suas representações mentais, ou seja, a partir do controle de seus movimentos com autonomia, usa o seu corpo intencionalmente para efetuar e programar ações.

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instrumento privilegiado para se dialogar, expressar, comunicar, cooperar, em síntese, viver (DEF, 2014ª, s/p).

Dessa forma, o objetivo desse nosso projeto foi desenvolver um trabalho

pedagógico com atividades de movimento que estimulem o interesse pela

alfabetização utilizando os princípios e recursos específicos da Educação Física.

Metodologia

Neste estudo qualitativo, os procedimentos adotados se baseiam nas

orientações metodológicas de Costa e Costa (2012). Trata-se de uma pesquisa-

ação, pois há uma relação estreita entre ação e resolução de problema, visto que

pesquisador e participantes estão envolvidos de modo cooperativo. Como fonte de

coleta de dados, optou-se pela observação participante legítima, quando o

observador está inserido e participa do contexto em questão.

O campus Engenho Novo I possuía quatro turmas do 1º ano do Ensino

Fundamental no ano letivo de 2015, duas no turno da manhã e duas no turno da

tarde. Cada turma tinha em média 20 estudantes, na faixa etária compreendida entre

6 e 8 anos. Para ingressar no Colégio, esses estudantes participaram de um sorteio

feito no final do ano letivo anterior. A heterogeneidade é uma característica relevante

das turmas, percebida em três dimensões: cognitiva, motora e afetiva.

As aulas de Educação Física têm a frequência de duas vezes por semana

com 45 minutos de duração cada. O mesmo acontece no espaço do Ateliê, quando

uma turma está na Educação Física, a outra está no Ateliê alternadamente.

O espaço de aula destinado às atividades corporais é uma quadra de cimento

pintado, com algumas demarcações não desportivas, duas cestas de basquete e

ganchos que possibilitam armar redes e prender diversos materiais. Está localizado

à frente do campus e separado do campus Engenho Novo II por uma tela de ferro.

Há diversos materiais disponíveis para essa faixa etária, tais como: bolas (meia,

basquete, vôlei, bolão, borracha, de encher, de tênis, de iniciação), arcos, cordas

(individual, grande e elástica), pneus, banco sueco, colchões, cones, giz, hidrocor e

folhas de papel.

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O desafio para o professor que ministra aulas nessa quadra está em

conseguir uma concentração adequada dos estudantes à execução e reflexão sobre

as atividades propostas, visto que os estímulos externos são muitos, dentre os quais

o barulho da rua, alunos do outro campus, calor excessivo, áreas molhadas quando

chove, pombos. Por outro lado, há um empenho de toda a equipe gestora em

melhorar o ambiente de aula e propiciar um contexto favorável à implantação de

novas ideias e ao princípio da interdisciplinaridade.

O trabalho da interdisciplinaridade é operacionalizado através de ações tais

como: divulgação do planejamento de todas as disciplinas; estabelecimento de

reuniões trimestrais entre todos os docentes que atuam em cada ano de

escolaridade, refletindo e discutindo projetos; disponibilidade de toda a equipe

gestora em atender às solicitações dos professores, desde as questões pedagógicas

até as questões estruturais e administrativas; empenho dos setores do campus no

sentido de qualificar a prática pedagógica do professor. Em suma, a postura

receptiva e integradora de todos os profissionais tem sido um dos fatores mais

relevantes que possibilitam a efetivação desse tipo de projeto.

Com o acesso aos planejamentos e sem perder de vista os princípios da

Educação Física, transportamos para a realidade das aulas uma proposta integrada

à alfabetização dos alunos. Dentro das falas e atividades desenvolvidas, o grupo era

constantemente estimulado a solucionar problemas utilizando o raciocínio lógico e

desenvolvendo a expressão oral e escrita.

Durante o ano, foram desenvolvidas diversas atividades. Selecionamos as

principais, realizadas com as turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, focadas no

desenvolvimento do projeto de interdisciplinaridade.

Importante registrar que os responsáveis pelos alunos cederam o direito de

uso de imagem para fins acadêmicos. Apesar disso, optamos pelo anonimato

considerando a preservação da imagem de menores em veículo de ampla

divulgação.

Na figura 1, podemos apreciar atividades de movimento desenvolvidas com

diferentes tipos de bola. Somente essa atividade foi desenvolvida com as duas

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turmas ao mesmo tempo pelas professoras do Ateliê e da Educação Física. Para

realizá-la, ocorreu a formação livre de quatro grupos de estudantes. Utilizamos

diversos tipos de bola: de meia, de iniciação, de voleibol, de sabão e bexigas.

Como proposta, trabalhamos: a análise dos diferentes tipos de bola (tamanho,

cor, textura, peso etc.); a exploração dessas bolas; construção de palavras e frases

com cartelas de sílabas.

Figura 1 – Atividades com bolas

Fonte: próprios autores.

Na figura 2, encontramos o registro de uma atividade realizada em circuito

com diversos tipos de amarelinha, em que os alunos as experienciavam por meio de

rodízio. A atividade foi realizada com giz e bola de meia, em que os alunos teriam

que explorar os três diferentes tipos de amarelinha, numerando-as, criando regras,

brincando e nomeando-as.

Em uma das estações, os alunos encontravam o chão sem traçado algum,

nesta eles criavam suas próprias amarelinhas (desenhando, numerando, brincando

e nomeando). Anteriormente a esta aula, os alunos já haviam explorado, de outra

forma, a amarelinha.

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RELATOS DE

EXPERIÊNCIA

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Figura 2 – Circuito de Amarelinha: 4 estações

Fonte: próprios autores.

Na figura 3, ilustramos uma atitude espontânea de um dos alunos: a

organização do grupo para iniciar o jogo da amarelinha. Um aluno aproveitou a

numeração que continha nos coletes, e organizou seu grupo em ordem numérica

crescente.

Figura 3 – Circuito de Amarelinha: organização dos alunos em ordem crescente dos números do colete para iniciar a brincadeira (atitude espontânea

de um aluno)

Fonte: próprios autores.

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Foi realizado, também, um circuito de criação de brincadeiras, do qual

podemos visualizar alguns momentos na figura 4. Nesse circuito, em cada estação

foram disponibilizados dois tipos diferentes de material, como: corda e bola de

iniciação; pneus e bolas de borracha; arcos e bolas de tênis; cones e bolas de meia.

Os alunos criaram as suas brincadeiras em grupo, atribuíram a ela um nome e

escreveram o nome criado no chão.

Figura 4 – Circuito de criação de brincadeiras

Fonte: próprios autores.

Outra atividade desenvolvida foi em dupla, em que, com um giz, realizavam o

contorno do corpo do colega no chão e escreviam o nome do colega no corpo

desenhado. Em seguida os alunos trocavam a posição e repetiam as etapas

anteriores. O registro dessa atividade pode ser visto na figura 5.

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RELATOS DE

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Figura 5 – Desenho do corpo em duplas

Fonte: próprios autores.

Ao fim de cada aula, acontecia a verbalização das atividades desenvolvidas.

Nesse momento aconteciam questionamentos como: o que foi mais fácil, mais difícil,

o que foi bom, o que poderia ser melhor.

Resultados e discussão

A importância da mediação para a elaboração do pensamento foi percebida

quando se constata que é o pensamento que significa qualquer material e este

significado pode ser dado por intermédio da ação sobre o mesmo, e também pelas

relações construídas pelo indivíduo e o mediador. Nesta intenção, cabe aos

educadores criarem meios de concretização, incluindo objetos do cotidiano do

educando e ações significativas que promovam a integração dos conteúdos e o fim

do distanciamento entre as disciplinas.

A proposta desse trabalho interdisciplinar foi muito bem recebida pelas

crianças. Através da observação do comportamento dos alunos percebeu-se uma

enorme satisfação ao executar as atividades sugeridas, bem como a evolução em

resolver os problemas apresentados, ao vencer os desafios e as conexões com

outras áreas de conhecimento. Constatou-se um nítido desenvolvimento da

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expressão verbal e não verbal, da construção de pensamento, do raciocínio, do

trabalho em conjunto, do diálogo, da linguagem corporal, dentre outros. No final do

ano essas atitudes já eram realizadas de forma espontânea.

Os estudantes do 1º ano esperavam ansiosamente pelas sessões de

Educação Física e, com essa animação, a disponibilidade, o interesse e a

criatividade afloraram durante o processo. Às professoras se abriram inúmeras

possibilidades de, em cada aula, elevar a complexidade dos desafios. Foram

estabelecidos vínculos afetivos sólidos e, com isso, a dinâmica da aula fluiu com

muita satisfação. Atribui-se esse contexto à sintonia da linguagem utilizada pelo

docente e o que era significativo para o discente.

É importante ratificar a importância da aplicação de atividades de movimento

com enfoque interdisciplinar como uma contribuição valiosa ao processo de

alfabetização, seja constatado pelo comportamento dos alunos como também pela

atitude de todos os envolvidos no processo do 1º ano, professores regentes,

coordenadores e os professores diretamente envolvidos no projeto: intencionalidade,

motivação, disponibilidade e muito prazer.

Considerações finais

As relações contemporâneas provocaram uma dificuldade em se delimitar

quais conceitos pertencem a determinado campo disciplinar, retirando as arcaicas

divisórias das disciplinas e compondo um cenário no qual novas visões curriculares

são emergenciais.

No entanto, a Escola, como instituição, ainda está aprisionada a essas

divisórias, principalmente em termos administrativos. Esse fato não impede que os

profissionais, envolvidos na missão de educar para contemporaneidade, busquem

modificar as estruturas disciplinares e fragmentadas do nosso atual sistema

educacional. Para tanto, se faz necessário o rompimento com o senso comum, com

os costumes apreendidos sem reflexão ou questionamento e se desenvolva diversas

formas de ensinar e aprender, como o Núcleo Ateliê Interdisciplinar se propõe.

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EXPERIÊNCIA

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O relato aqui compartilhado é um exemplo real de que podemos ser agentes

desse rompimento. Não há manual de instrução, receitas a serem seguidas. O

princípio que norteia cada ação é fator relevante a ser considerado, pois a partir dele

podem-se estruturar inúmeras possibilidades de atividades que propiciem desafios,

interligações, conexões e que sejam significativas para os alunos.

No decorrer do processo aqui exposto foi percebida uma enorme satisfação

entre o grupo. Pelos alunos que se envolveram de forma intensa na proposta, pelas

professoras, que com a mesma intensidade, demonstraram o seu envolvimento nas

diferentes etapas que fazem parte da composição de uma aula. Simultaneamente

surgiu um desejo enorme de compartilhar essa experiência a fim de contribuir na

qualificação da prática pedagógica de outros profissionais, através de palestras e

oficinas a respeito do projeto, bem como no próprio enriquecimento profissional dos

envolvidos. Enfim, essa experiência demonstrou que são possíveis iniciativas que

caminhem para uma educação mais integradora, com o público que se tem, no

espaço que se possui.

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