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Revista de Linguagens do Colégio Pedro II. Ano 3. N. 2. ISSN: 2595-5349. p. 104-121
Travessias entre modalidades: a
transdução de um conto para vídeo de
alunos
Maria Das Graças Lino Labrunie
Resumo: Este trabalho é parte dos estudos de uma pesquisa de doutorado que analisou as
práticas de produção de vídeos por alunos da Educação Básica. Com base no conceito de
multimodalidade de Kress e Van Leeuwen (2006), partimos do pressuposto de que os vídeos
são enunciados digitalizados que projetam seus sentidos através de uma multimodalidade
discursiva, ou seja, incorporam diferentes modos de representação e de produção semiótica,
como signos alfabéticos, imagem, movimento e, às vezes, som e música. Cada modalidade
tem sua materialidade e seus princípios organizacionais únicos, que envolvem elementos
em convenções que não têm significados equivalentes. Para se fazer a mudança de uma
modalidade para outra, envolve-se num processo contínuo de transformação de significado
chamado por Kress (2006) de “transdução”. Na escola onde foi feita a pesquisa, os docentes
de Língua Portuguesa pedem que seus alunos criem vídeos a partir de textos ou livros lidos
em sala de aula (para desenvolver diferentes linguagens e habilidades em seus alunos), o
que permite, então, verificar o processo de transdução na prática. O objetivo deste trabalho
é discutir de que modo os alunos “reconfiguraram” e “reformataram” o material semiótico de
acordo com as affordances de cada modalidade. Tomamos um vídeo ilustrativo e fizemos
entrevistas com a professora e com os alunos-autores para compreender de que modo eles
deram sentido ao que produziram. Neste artigo, trazemos as reflexões iniciais feitas sobre a
forma como os alunos realizaram a transdução. Uma análise flutuante do texto e do vídeo
permite verificar que as modificações geradas na transdução incluem elementos da
cotidianidade dos alunos, seu conhecimento prévio sobre o assunto e as escolhas feitas sobre
os aspectos do conto de modo a projetar suas identidades de adolescentes. No caso a ser
exibido, os alunos precisaram pesquisar e aprofundar a leitura do conto para fazer as
adaptações necessárias de modo a manter sua essência e manifestar o interesse
comunicativo dos alunos. Desse modo, os vídeos escolares, mesmo “reproduzindo os
“retalhos da opacidade e mesmice” (FRESQUET, 2013, p.100) que nos trazem a cultura do
consumo, abrem ricas possibilidades de expressão pessoal dos alunos.
Palavras-chave: Produção de vídeos. Transdução. Multimodalidade.
INTRODUÇÃO
A entrada das tecnologias digitais na escola foi vista por vários educadores
como propiciadora de novos paradigmas na pedagogia e na prática criativa: o
computador, por causa da possibilidade de tratamento de dados, de acesso à
informação e de interação entre as pessoas; o vídeo digital, pela possibilidade de se
fazer um trabalho de debates sobre filmes e também de construção de vídeos pelos
Maria das Graças Lino Labrunie possui graduação em Comunicação Social pela UFRJ
(1988), Complementação Pedagógica pela USU (1986), Especialização em Língua Inglesa
pela PUC-Rio (1995), Especialização em Informática Educativa pela UERJ
(2002), Mestrado em Educação pela PUC-Rio (2004, com bolsa CNPQ) e Doutorado em
Educação pela UNESA (2017). Tem experiência como professora de inglês em ensino
fundamental e médio no Colégio Pedro II desde 1995, tendo atuado como coordenadora
durante 8 anos. Suas áreas principais são o Ensino de Língua Inglesa, e o
uso das tecnologias na escola. Participou durante 2 anos do grupo de pesquisa
GRUPEM (Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia) na PUC-RIO. E-mail:
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estudantes. Na instituição escolar, regida por práticas tradicionais e conservadoras,
as tecnologias digitais acenaram com novas possibilidades e dinâmicas
pedagógicas. Mas será que as práticas com o uso dessas máquinas modificaram os
paradigmas da escola? Dentro desse contexto e desse questionamento é que este
estudo acontece. Ele parte de uma busca pela compreensão de como o vídeo digital
está sendo utilizado na escola, seus ganhos e problemas, a percepção de como os
agentes da instituição usam e avaliam esse instrumento tecnológico. Nesta
pesquisa fazemos uma triangulação entre os vídeos, os docentes e os discentes:
analisamos os vídeos resultantes das atividades, verificamos os objetivos dos
professores e os critérios dos alunos para conduzir o trabalho. Dentro do material
coletado notamos que o que denominamos de “uso do vídeo digital na escola” refere-
se a uma variedade de diferentes atividades, com objetivos diversos e níveis de
demanda de criatividade para os alunos. Elas vão desde a montagem de narrativas
e histórias utilizando imagens baixadas na internet, passando por adaptações de
contos literários para vídeos, até a criação de um vídeo completo (escrita de roteiro,
atuação, edição, cenário, figurinos) tendo alunos como atores.
Neste artigo fazemos uma reflexão focalizando uma dessas atividades: a da
adaptação de contos literários para vídeo. Essa atividade é proposta na disciplina
de Língua Portuguesa por alguns professores na escola onde foi realizada a
pesquisa. Na verdade, é uma prática comum aos professores de português dessa
escola pedir que os alunos elaborem uma peça de teatro sobre o texto lido. Porém,
tal costume vem sendo mudado por influência dos próprios alunos, que acham mais
funcional fazer um vídeo. No caso a ser relatado, a professora de português pediu
que eles fizessem uma peça sobre o conto, mas um grupo decidiu produzir um vídeo.
A professora, a princípio, relutou em autorizar a mudança, mas acabou aceitando e,
por fim, se declarou satisfeita com o resultado. O conto faz parte do livro “Contos de
Taverna”, de Álvares de Azevedo, onde os frequentadores da taverna contam as
histórias de suas vidas. Os alunos escolheram o conto BERTRAM (ver resumo no
apêndice). De acordo com a professora, a leitura do conto faz parte do conteúdo
programático de literatura para a 2ª série de ensino médio, a saber, os autores da
segunda geração romântica brasileira.
Neste estudo, fizemos uma análise prévia do vídeo nos utilizando do
referencial teórico da Semiótica Social, entrevistamos alguns estudantes membros
do grupo autor do vídeo e também a professora de português. Nosso objetivo foi
compreender de que modo os alunos transformaram o conto lido na aula de
português em um vídeo, ou seja, de que modo fizeram a “transdução” de um modo
semiótico para outro.
REFERENCIAL TEÓRICO
Para a análise do vídeo, nos apoiamos na teoria da Semiótica Social, nos
conceitos de multimodalidade e “transdução” de Kress e Van Leeuwen (2006).
A multimodalidade é entendida como conjunto de vários modos de
linguagem que estão presentes nas mensagens comunicativas e que interagem na
construção dos significados da comunicação social. Nessa visão de uso de
linguagens, “os modos não funcionam separadamente, funcionam em conjunto,
sendo que cada modo contribui de acordo com a sua capacidade de fazer
significados”. (HEMAIS, 2010, p.1). Em outras palavras, a multimodalidade
procura entender a articulação dos diferentes modos semióticos que são usados nas
práticas sociais com o intuito de comunicar.
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De acordo com Kress (2006), quando uma pessoa quer se comunicar, ela é
motivada por um interesse em construir um sentido na sua comunicação. Além
disso, para atingir seus objetivos, ela tem escolhas dentre vários recursos e
ferramentas que existem, como a língua escrita, a imagem, a cor, o suporte da
comunicação. Então, ela escolhe a modalidade que tornará sua comunicação a mais
adequada possível. As escolhas de como os recursos são combinados mostram os
objetivos, a história e os valores do interlocutor.
A exposição das pessoas a textos multimodais aumentou
consideravelmente com a chegada das tecnologias. Na TV, nas telas dos
computadores, na mídia impressa, nos livros didáticos, as imagens proliferam e
geram uma urgência de se estudar de que forma essa modalidade se encarrega de
transmitir as mensagens além da modalidade escrita. Para Kress (2010) é
impossível interpretar textos focalizando exclusivamente a linguagem escrita, uma
vez que consiste em apenas um dos modos dos elementos representativos de um
texto. Para ele, o texto é sempre multimodal e por isso deve ser lido a partir da
combinação de todos os modos semióticos nele dispostos. “Como toda imagem
possui um significado, já não basta apenas identificá-la, mas ler e interpretá-la
para compreender as implicações discursivas” (SANTOS, Z., 2011, p.3). Para esse
empreendimento, Kress e Van Leeuwen (2006) criaram a teoria da Semiótica
Social, a qual envolve a descrição de recursos semióticos com o objetivo de entender
como as coisas que as pessoas dizem e fazem com as imagens, podem ser
interpretadas. Ela trabalha na análise dos significados que formam o texto no seu
intento de comunicar. Nesse sentido, a semiótica social focaliza os processos da
produção e reprodução, recepção e circulação dos significados, compreendendo-os
como fenômenos inerentemente sociais em suas origens, funções, contextos e
efeitos. Distancia-se da semiótica estruturalista, que compreende os sistemas
semióticos como códigos ou conjunto de regras que conectam signos e significados.
Dessa maneira, uma vez que uma ou mais pessoas dominem os mesmos códigos,
elas são capazes de comunicar os mesmos significados e compreender umas às
outras. De acordo com Jewitt e Ohama (2001), para a semiótica estruturalista, não
é importante quem fez os códigos ou como eles surgiram. Algumas formas de
comunicação visual funcionam desta forma, como os códigos de trânsito, por
exemplo. Mas como interpretar desenhos de crianças ou formas de arte moderna?
Nesses casos, não há códigos compartilhados. As imagens são criadas a partir de
recursos semióticos que a cultura ocidental desenvolveu através dos séculos, mas a
forma como a criança ou o artista as usam não se sujeita ao mesmo conjunto de
regras que o código de trânsito. Esses desenhos (ou pinturas, vídeos, etc.) são
criados a partir do interesse do criador, com o objetivo de comunicar alguma coisa.
Por isso, a sua criação deve ser vista associada a interesses de pessoas com suas
histórias culturais, sociais e psicológicas. É dessa maneira que a semiótica social
entende os sistemas semióticos: como conjuntos de recursos disponibilizados pela
cultura e que são apropriados por pessoas com uma motivação para criá-los.
Os vídeos feitos pelos alunos têm, a princípio, uma motivação externa, que
lhe é dada pelo professor. No entanto, na hora de confeccionar o vídeo (considerado
aqui como um texto multimodal), eles podem empregar diversos recursos semióticos
relativos a seus próprios interesses para comunicar suas ideias da forma mais
compreensível possível. Há casos em que os alunos partem de um texto escrito para
transformá-lo num vídeo, ou seja, num suporte comunicativo que utiliza a
linguagem visual, gestual e musical. Esse deslocamento de uma linguagem (ou
modalidade) para outra aciona um processo incessante de “tradução” entre uma
variedade de modos semióticos (Kress, 2006), denominado como “transdução”. Esse
conceito descreve a estrutura de sistema de signos e suas convenções – palavra
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escrita, desenho, dança, música, web design, produção de vídeo – e as conexões
entre eles para criar sentido na experiência humana. É um processo no qual
alguma coisa, que é configurada em uma ou mais modalidades, é reconfigurada de
acordo com as possibilidades de uma modalidade diferente. Lima (2007), diz que “os
diversos modos de linguagem não traduzem o mesmo significado de uma mesma
maneira (ou nem mesmo transmitem o ‘mesmo’ significado)” e que não há apenas
uma “tradução” de um modo de linguagem para outro, mas uma “transdução”
(LIMA, 2007, p.2). Ou seja, “transdução” é um termo usado para denominar o
processo de mudança de um modo semiótico para outro (por exemplo, do verbal
para a imagem, em que o cérebro decodifica simultaneamente a linearidade da
palavra e a espacialidade da imagem) e consequentemente de mudança relativa de
significado.
De acordo com Mills (2011), visto que cada modalidade tem sua
materialidade e seus princípios organizacionais únicos, que envolvem elementos em
convenções que não têm significados equivalentes, a pessoa que tiver que fazer a
mudança de uma modalidade para outra será incentivada a fazer a “transdução”.
É importante enfatizar que, ao fazer a transdução de um modo para outro,
o autor deve fazer escolhas para tornar sua comunicação mais adequada possível
para se fazer entender. Essas escolhas conduzem necessariamente a um
“comprometimento epistemológico” (KRESS, 2010, p.16). Em outras palavras, o
autor assume a responsabilidade pelas mudanças quando fizer o processo de
transdução.
O objetivo deste trabalho é discutir de que modo os alunos
“reconfiguraram” e “reformataram” um conto literário e o reconstruíram em vídeo,
ou seja, como adaptaram o material semiótico de acordo com as affordances1 de
cada modalidade.
Metodologia
A escola onde a pesquisa está sendo realizada é um dos campi de uma
escola pública federal do Rio de Janeiro, de grande porte (8 campi em diferentes
bairros da cidade), fundada em 1837. A escola tem um perfil tradicional, mas
aberta a experiências pedagógicas com o uso de tecnologias. O campus pesquisado
fica num bairro de classe média da zona sul carioca e o perfil socioeconômico dos
alunos é, majoritariamente, de camadas provenientes deste segmento. No entanto,
por se tratar de uma escola pública, possui também alunos de camadas mais
pobres, moradores de comunidades próximas ao colégio.
A partir de conversas com diversos professores, descobrimos quais deles
haviam trabalhado com produção de vídeo com seus alunos e pedimos se poderiam
nos ceder os trabalhos. Soubemos pela professora de português que seus alunos
haviam feito o vídeo sobre o conto e ela gentilmente nos cedeu. A princípio fizemos
uma análise inicial para averiguar os recursos semióticos utilizados pelos alunos
para representar suas ideias. Depois fizemos entrevistas com os professores e com
os alunos-autores para compreender de que modo eles deram sentido ao que
produziram. Nas entrevistas com os alunos, perguntamos o porquê de terem
adotado certas soluções para a adaptação do conto. De acordo com a Semiótica
Social, é importante verificar não apenas o contexto de criação, mas quem cria e
quais são suas concepções, pensamentos e objetivos. Lembramos que o autor de um
texto multimodal é um sujeito que tem uma história, faz parte de uma cultura e
1 O conceito de affordances usado aqui diz respeito às características e usos potenciais de um objeto que
surgem a partir de suas propriedades perceptíveis e sempre em interação com os interesses de um agente.
(KRESS, 2010)
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sociedade, fatores que irão influenciar na sua criação. Neste artigo, apresentaremos
algumas reflexões sobre como os alunos de uma turma de 2ª série de EM de uma
escola pública federal do Rio de Janeiro fizeram a transdução de um dos contos do
livro Contos de Taverna, de Álvares de Azevedo, Bertram, para um vídeo.
Roteiro
Antes de transformarem o conto em vídeo, duas alunas do grupo
escreveram um roteiro para uma peça de teatro, tarefa solicitada pela professora. O
roteiro seria uma espécie de etapa intermediária entre o conto e o vídeo, uma forma
de deixar o texto de Álvares de Azevedo mais “visual” e “dialógico”. As alunas foram
escolhidas para escrever o roteiro porque uma delas diz que gosta muito de escrever
(e pretende ser roteirista) e a outra “tem muita imaginação”. Numa análise
baseada na Semiótica Social, é importante compreender as concepções e crenças
dos autores, pois são esses elementos que fundamentam as escolhas ao fazer a
transdução, por isso decidimos entrevistar as alunas roteiristas. Essas alunas, bem
como os outros componentes do grupo, são majoritariamente adolescentes de 15 a
16 anos, pertencentes às camadas médias e moradores da zona sul do Rio de
Janeiro. São alunas que têm TV por assinatura, Netflix e costumam assistir a
séries americanas. As autoras do roteiro disseram que, ao escrever o texto, tiveram
alguma influência de suas vivências como espectadoras de séries de TV como
“Revenge” e Dexter”2: na série tem, mais ou menos esse tempo de filme que a gente
precisa fazer. Então a gente vê como que o diretor divide. As cenas,
os cortes. Então, isso facilita também na hora de você fazer o seu
roteiro.
Decisões iniciais
A primeira decisão do grupo foi determinar o formato do trabalho: por que
preferiram o vídeo em vez da peça de teatro pedida pela professora? As alunas que
escreveram o roteiro explicaram que estavam com pouco tempo para estudar e para
decorar as falas. E que com o filme “a gente fica com o roteiro do lado, se a gente
esquecer alguma coisa, a gente corta”. Essa fala demonstra que as características e
possibilidades do vídeo (suas affordances) determinaram a escolha do formato do
trabalho pelos alunos. As condições que a produção de um vídeo oferece, de
possibilitar a edição, a repetição das filmagens, o improviso sem o detrimento do
sentido geral, foi um aspecto decisivo para sua escolha em vez da peça de teatro.
Logo depois veio a escrita do roteiro, a etapa intermediária antes de o vídeo
ser efetivamente posto em prática. Nesse lugar intermediário, as concepções das
autoras sobre a história e sobre os personagens são importantes para compreender
como elas nortearam a escrita do roteiro.
Em primeiro lugar, elas transformaram o conto, que não tem diálogos, num
relato mais “visual” e dialógico. Além disso, no texto escolhido, o vocabulário e as
referências que o personagem Bertram faz remetem à literatura antiga, muitas
vezes inacessíveis aos alunos de hoje (por exemplo: “Entre aquele homem brutal e
valente, rei bravio ao alto mar, esposado, como os Doges de Veneza ao Adriático”).
Apesar das dificuldades, as alunas roteiristas tomaram algumas decisões
importantes para fazer sua escrita: uma delas foi determinar um público-alvo
imaginário, outra foi tornar o conto mais leve e descontraído e, ainda,
manter a época em que a história se deu no vídeo.
2 Ambas são séries de canais a cabo de TV que tratam de temas como vingança e assassinatos em série.
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Concepções que influíram nas adaptações
A linguagem
De acordo com elas, o vocabulário e as palavras do conto eram
“complicadas e o conto, difícil de interpretar”. Por isso, ao escrever o roteiro,
estabeleceram que queriam criar uma história de modo que crianças de 6º ou 7º ano
pudessem entender. A imagem de crianças foi evocada por elas apenas para terem
uma referência de pessoas com menor compreensão linguística para poder
direcionar a linguagem do roteiro. Devido a essa decisão, elas o escreveram
focalizando apenas a sequência cronológica de fatos da vida do personagem do
conto, suprimindo toda a cena inicial, a cena da taverna. Na introdução do conto
(tabela 1), o personagem Bertram introduz seu relato, indicando um tom obscuro,
com alusão à morte, o que feria a intenção das alunas de escrever para crianças:
“Um outro conviva se levantou.
Era uma cabeça ruiva, uma tez branca, uma daquelas criaturas
fleumáticas que não hesitarão ao tropeçar num cadáver para ter mão de um fim.
Esvaziou o copo cheio de vinho, e com a barba nas mãos alvas, com os olhos
de verde-mar fixos, falou:”
Tabela 1 – introdução do conto
Além do público-alvo, outro motivo que determinou a exclusão da cena
inicial foi que, de acordo com elas, o conto era longo e elas queriam torná-lo mais
leve, e, por isso, como a cena alongava a história e era sombria, não cabia em seus
objetivos. Desse modo, para elas, a parte da taverna era “desnecessária”. Outra
explicação dada foi que “queriam já saber o final”.
Em nossa pesquisa, tem sido recorrente na fala dos alunos dessa faixa
etária que eles preferem séries a filmes porque as histórias são mais rápidas,
apresentam um desfecho que demanda menos tempo de atenção e, a cada episódio,
trazem surpresas. Para eles, o filme dura tempo demais. Por isso, nos
questionamos se essa ansiedade de saber logo o final não teria a ver com um ritmo
impaciente na apreensão de informações.
A época
Mesmo adaptando a linguagem, elas tiveram a preocupação em retratar a
época do conto (século XIX) através da manutenção de algumas palavras e
expressões antigas do conto (por exemplo, Bertram: ...Eis aí quem eu sou, se eu
quisesse contar longas histórias de minha vida, suas vigílias correriam breves
demais... – tabela 4) e também através da inserção de um aspecto cultural da
época: um pai severo. Em dois momentos diferentes da história nos diálogos, as
autoras mencionaram um pai que decide sobre a vida das filhas de forma
autoritária. Esse pai não existe no conto. Quando questionamos às autoras porque
o incluíram, elas replicaram que imaginavam que uma moça daquela época devia
ter um pai que determinava seu destino. Essa adaptação foi feita a partir de seu
conhecimento da época pelo que elas já tinham lido em livros e assistido em filmes.
Ou seja, as roteiristas fizeram uso de suas experiências culturais e pessoais para
gerar um texto mais adequado para interagir conto de Álvares de Azevedo.
Podemos ver na tabela 2 os dois momentos da menção ao pai no roteiro.
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Conto Roteiro
EX. 1
Amei muito essa moça,
chamava-se Ângela. Quando eu estava
decidido a casar-me com ela, quando
após das longas noites perdidas ao
relento a espreitar-lhe da sombra um
aceno, um adeus, uma flor, quando
após tanto desejo e tanta esperança eu
sorvi-lhe o primeiro beijo, tive de partir
da Espanha para Dinamarca onde me
chamava meu pai.
Foi uma noite de soluços e
lágrimas, de choros e de esperanças, de
beijos e promessas, de amor, de
voluptuosidade no presente e de
sonhos no futuro... Parti. Dois anos
depois foi que voltei.
(Bertram e Ângela no palco,
luzes acesas, árvores em volta, fim de
tarde)
Ângela (chorando): Por favor,
Bertram, eu lhe imploro, não vá, não me
deixe sozinha.
Bertram: Juro por tudo que amo
que não quero ir. Mas não posso fugir
dessa viagem, meu pai precisa de mim,
não posso abandoná-lo em seus últimos
momentos.
Ângela: E o que devo dizer ao
meu pai? Nos casaríamos daqui a dois
meses! Ele irá te caçar na Dinamarca,
irá até o inferno se for preciso.
Bertram: Diga a ele que volto, é
só isso que preciso, que você me espere.
Me prometa isso.
Ângela (chorando): Tudo bem,
eu entendo, você precisa ir, precisa se
despedir de seu pai. Se pudesse iria com
você, mas seria apenas mais um motivo
para meu pai não aprovar nosso
casamento.
(Bertram beija Ângela e seca
suas lágrimas.)
Bertram: Eu voltarei. Adeus,
Ângela.
Ângela: Adeus, Bertram.
(Bertram sai do palco e Ângela
cai ajoelhada, ainda chorando. As luzes
se apagam.)
EX. 2
O comandante trazia a bordo
uma bela moça. Criatura pálida,
parecera a um poeta o anjo da
esperança adormecendo esquecido
entre as ondas. Os marinheiros a
respeitavam: quando pelas noites de
lua ela repousava o braço na amurada
e a face na mão aqueles que passavam
junto dela se descobriam respeitosos.
Nunca ninguém lhe vira olhares de
orgulho, nem lhe ouvira palavras de
cólera: era uma santa. (...)
(...) E ela!?... ela no meio de
sua melancolia, de sua tristeza e sua
palidez, ela sorria às vezes quando
Bertram: E o que lhe aconteceu
para ser tão melancólica e solitária?
Mulher do Comandante: Casar
com um homem que não amo e ser
obrigada a passar o resto dos meus dias
neste navio é motivo suficiente para
você?
Bertram: Foi um casamento
arranjado?
Mulher do Comandante: Sim,
meu pai me obrigou.
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cismava sozinha, mas era um sorrir
tão triste que doía. Coitada!
Tabela 2 – A inserção de uma figura paterna no roteiro para marcar a época do
conto
O tom
Com o objetivo de manter uma correspondência com o texto de Álvares de
Azevedo, e preservar algum tom sombrio, as roteiristas incluíram uma história
paralela num trecho em que um marinheiro conversa com o personagem principal,
a saber, a história de uma mão cortada:
Conto Roteiro
… Pobres doidos! parece que esses
homens amam muito! A bordo ouvi a
muitos marinheiros seus amores singelos:
eram moças loiras da Bretanha e da
Normandia, ou alguma espanhola de
cabelos negros vista ao passar sentada na
praia com sua cesta de flores, ou
adormecida entre os laranjais cheirosos, ou
dançando o fandango lascivo nos bailes ao
relento! Houve-as... junto a mim, muitas
faces ásperas e tostadas ao sol do mar que
se banharam de lágrimas...
Marinheiro: Não posso fazer
nada se aquela moça da Normandia
me encantou. Ela era tão linda, uma
verdadeira guerreira. Já te contei a
história de quando ela cortou a mão
de um homem? Ele devia dinheiro a
ela, e se negou a pagar, e ainda
entrou numa briga com ela. Coitado,
nunca imaginou que o preço ia ser...
Bertram (o interrompe): ...a
sua mão. Sim, você contou essa
história umas cinco vezes desde que
eu cheguei nesse barco.
Marinheiro: Isso porque
ainda não lhe contei a história da
Espanhola, mas essa deixa pra outro
dia.
Quando perguntadas sobre a razão desse elemento, elas disseram que
incluíram a história da mão para “dar um ar mais misterioso e violento, tentar
trazer mais elementos da época, algo mais sombrio”. Acrescentaram, ainda, que as
ideias para o diálogo foram tiradas de filmes e um pouco das suas vivências
também. A inserção da história da mão demonstra que as alunas fizeram uso de
seu conhecimento intuitivo do que pode criar um tom mais lúgubre e sombrio,
revelando que fizeram conexões texto-mundo-texto. O mesmo aconteceu com a
inclusão do elemento paterno. Pode parecer paradoxal que elas quisessem criar um
roteiro mais leve e, no entanto, inserirem uma história nova que segue no sentido
oposto. Isso sugere que o esforço de ser fiel ao sentido e tom do texto também é
bastante forte na hora de fazer a adaptação.
A referência
Outra mudança feita na adaptação do conto para o roteiro foi a passagem
da narração de primeira para a terceira pessoa (tabela 3). Quando o próprio
personagem narra sua história, todos os acontecimentos giram em torno de si
mesmo, sendo, assim, uma narrativa parcial. O leitor é induzido a compartilhar dos
sentimentos vividos pelo personagem, o que dificulta outros pontos de vista da
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história. Normalmente, quando a terceira pessoa é utilizada, há uma espécie de
distanciamento do personagem para o leitor, o narrador intermedia a relação entre
eles. Nesse caso, o narrador é onisciente e sabe de tudo, além de conhecer todos os
aspectos da história e de seus personagens (até mesmo seus sentimentos e
pensamentos). Ao questionar as alunas por que elas fizeram essa mudança, elas
próprias não souberam explicar. No entanto, mesmo mudando algumas coisas do
conto, a professora, quando questionada, avaliou que elas se preocuparam em
“preservar o que há de mais importante em cada passagem.” Notamos que a
adaptação do roteiro oscila entre as intenções das autoras e a necessidade de
manter o que a professora chamou de a “essência” do conto. Como é um trabalho
escolar, sabemos que a pressão do currículo e da autoridade docente estão sempre
pairando sobre as criações dos alunos.
Conto Roteiro
— Sabeis, uma mulher levou-me
a perdição. Foi ela quem me queimou a
fronte nas orgias, e desbotou-me os
lábios no ardor dos vinhos e na moleza
de seus beijos: quem me fez devassar
pálido as longas noites de insônia nas
mesas do jogo, e na doidice dos abraços
convulsos com que ela me apertava o
seio! Foi ela, vós o sabeis, quem fez-me
num dia ter três duelos com meus três
melhores amigos, abrir três túmulos
àqueles que mais me amavam na vida —
e depois, depois sentir-me só e
abandonado no mundo, como a
infanticida que matou o seu filho, ou
aquele Mouro infeliz junto a sua
Desdêmona pálida!
(Narrador no palco escuro,
apenas uma luz clara nele)
Narrador (gritando para a
plateia): Sabe, uma mulher levou-o a
perdição. Foi com ela quem ele teve as
melhores noites de sua vida, quem o
amolecia com beijos, quem o
aconchegava em abraços, foi ela que o
fez passar longas noites de insônia nas
mesas de jogo. Foi ela quem o fez um
dia ter três duelos com seus três
melhores amigos, abrir três túmulos, e
depois, sentir-se só e abandonado no
mundo. Pois bem, vou contar a história
de Bertram e Ângela. Senhores! A quem
tem vinho de Espanha, encheis os copos
– à saúde das Espanholas!
(As luzes se apagam e o
Narrador sai do palco)
Tabela 3 – Mudança da referência do narrador da primeira para a terceira pessoa
A percepção do personagem
Um trecho no qual o protagonista faz um discurso se explicando chamou
nossa atenção para a percepção das autoras sobre ele. Nesse momento, elas se
posicionaram quanto ao personagem e descolaram do texto. Para elas, Bertram era
um sedutor malandro e cruel. “É como se dar um tiro numa pessoa fosse uma coisa
comum para ele, assim, normal, de torturar. Todo dia eu vou matar uma pessoa.
Não que a gente achasse que ele fosse um psicopata, mas ele era sedutor”. “Ele era
o bom moço, mas no fundo, no fundo, ele era cruel, maluco.” Talvez por essa
percepção, elas criaram um discurso “simpático” ao personagem, que, no vídeo, foi
representado por um aluno-ator sorridente (tabela 4).
Conto Roteiro
Eis aí quem eu sou: se quisesse
contar-vos longas histórias do meu viver,
CENA VI
(Itália, século XIX. Bertram
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vossas vigílias correriam breves demais…
Um dia — era na Itália —
saciado de vinho e mulheres eu ia
suicidar-me A noite era escura e eu
chegara só na praia. Subi num rochedo:
daí minha última voz foi uma blasfêmia,
meu último adeus uma maldição, meu
último... digo mal, porque senti-me
erguido nas águas pelo cabelo.
Então na vertigem do afogo o
anelo da vida acordou-se em mim. A
princípio tinha sido uma cegueira, uma
nuvem ante meus olhos, como aos daquele
que labuta na trevas. A sede da vida veio
ardente: apertei aquele que me socorria:
fiz tanto, em uma palavra, que, sem
querê-lo, matei-o. Cansado do esforço
desmaiei...
no centro do palco, é noite, uma praia
com rochas e mar forte.)
Bertram: Queria poder dizer
que sou uma pessoa boa e honesta,
que alguém algum dia poderia sentir
orgulho de mim, que eu não sentisse
vergonha de ser quem eu sou, mas, ao
mesmo tempo, não me arrependo de
nada. Tudo que fiz foi sem um pingo
de arrependimento. Eis aí quem eu
sou, se eu quisesse contar longas
histórias de minha vida, suas vigílias
correriam breves demais.
(Bertram anda até o fim do
palco e pula dele. As luzes se apagam)
Tabela 4 – Bertram fazendo um discurso “simpático”. No trecho sublinhado há um
exemplo de manutenção de um linguajar antigo no roteiro.
Linguagem do vídeo
De acordo com as autoras, a movimentação do corpo e a imagem
concretizada na tela tornam o texto mais leve, ou seja, as próprias affordances do
vídeo transformam o texto em algo mais descontraído e leve: Mas, quando está em um filme, em uma peça, na televisão, é uma
coisa leve, daí você consegue entender com ele falando e a
movimentação do corpo também. Porque no livro você precisa
imaginar. E aí você fica com aqueles bonequinhos de palito. Tipo
assim, sem rosto, sem nada. Sem saber se é magro ou gordo. Sem
saber sei lá o quê. E aí, com a peça e o filme, é mais fácil. Não
precisa imaginar. Você está vendo.
É interessante notar que, para uma das autoras, a imaginação do
espectador é suprimida ao assistir ao vídeo, diferentemente do texto escrito onde a
imaginação é feita de “bonequinhos palito”. Haveria aí um exemplo de simplificação
e precarização da imaginação?
Outra de suas crenças diz respeito à importância da interpretação dos
colegas para comunicar pensamentos e sentimentos. Na verificação da transdução,
constata-se que as roteiristas transferiram algumas sutilezas do texto que descreve
o íntimo do personagem à interpretação dos colegas: “Tinha que ser tudo na
interpretação. Porque não dava para a gente ficar falando: “Ah, eu estou me
sentindo assim,”, porque, na verdade, tecnicamente ele não sentia. Então aquilo era
dentro dele.”
As autoras mencionam, aqui, uma das dificuldades que os produtores de
cinema e audiovisual têm na adaptação de duas linguagens ou modalidades
diferentes. Furtado (2003) diz que há muitas diferenças estéticas/técnicas e éticas
entre a linguagem escrita e a linguagem audiovisual. No campo da estética/técnica,
o autor lembra que A primeira e mais evidente diferença é que na linguagem
audiovisual toda a informação deve ser visível ou audível. Isto
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parece uma obviedade ululante, mas quem já tentou fazer um
roteiro sabe como é difícil evitar a tentação de escrever: “João
acorda e lembra de Maria”. Isso é muito fácil escrever e muito
difícil de filmar. Palavras como pensa, lembra, esquece, sente, quer
ou percebe, presentes em qualquer romance, são proibidas para o
roteirista, que só pode escrever o que é visível.
Para ele, a segunda diferença é que, na leitura de um texto, o leitor
imagina sua própria cena a partir do que o autor informou (no caso da aluna, essa
imaginação é simplificada e representada por bonequinhos palito). No cinema,
cineastas – e os roteiristas – precisam fazer grande parte do trabalho do leitor como
a caracterização do personagem, o cenário. Mesmo que essas caracterizações sejam
respondidas no livro, numa criação audiovisual, o cineasta precisa tomar essas
decisões, adiadas pelo autor. “Lendo, cada leitor cria suas próprias imagens, sem
custos de produção e limites de realidade. É natural que se decepcione quando veja
as imagens criadas pelo cineasta e diga: “gostei mais do livro”.” (FURTADO, 2003)
Ele menciona também a ordem em que as informações são liberadas
no livro e que na narrativa audiovisual é diferente. Às vezes uma cena que vai
sendo lentamente revelada no livro, no filme tem que ser revelada de imediato. E,
ainda, como terceiro aspecto estético diferente, o autor diz que no cinema o tempo
de apreensão das informações é definido exclusivamente pelo autor. No livro, o
leitor tem seu tempo para usufruir a narrativa, imaginar os cenários e os
personagens. No filme este tempo é imposto pelo cineasta e é igual para todos os
espectadores. Esses determinantes do cinema foram percebidos e concretizados
pelas alunas na hora de escrever o roteiro. Por exemplo, na cena em que o autor
descreve a situação em que os personagens ficam no barco à deriva, ele esmiúça as
sensações de desespero dos personagens, devaneia e filosofa. No roteiro e no vídeo,
os diálogos são poucos (“há quantos dias estamos aqui?”), as imagens são
simplificadas, são retratados os três sobreviventes no barco, com expressão triste e
cansada. As cenas são focalizadas nas ações que podem ser visualizadas (quando,
por exemplo, os personagens resolvem tirar na sorte quem vai ser morto para ser
comido pelos demais).
Transdução: do conto para o vídeo
Antes de iniciar a análise da transdução propriamente dita, achamos
pertinente explicitar alguns pressupostos da Semiótica Social para a análise de
filmes. De acordo com Iedema (2004, p.187), a semiótica social mostra que a posição
de leitura da pessoa que analisa vídeos é passível de guiar suas interpretações, mas
vê isso como uma força e não fracasso. A análise da Semiótica Social é centrada na
questão de como o espectador é posicionado pelo vídeo em questão e como ele vê
certos valores sendo promovidos em detrimento de outros. Desse modo, a semiótica
social nega que exista uma lacuna entre o texto e a audiência. A análise é uma
leitura fortemente influenciada pela experiência étnica, social, econômica, de
gênero e conhecimento da pessoa que irá examinar o vídeo. Dessa maneira, o
resultado da análise não é uma verdade universal, mas um ponto de vista. Ainda
segundo esse autor, os filmes só mostram o que é considerado artística ou
logicamente necessário; por isso, ele mostra sempre menos do que aconteceu no
tempo ‘real’ e para isso usa técnicas para comprimir o tempo e espaço. Uma delas é
a continuidade-edição, que tenta suavizar as lacunas que marcam as mudanças de
foco. Desse modo, naturaliza a ‘forma’ da sequência editada. “Enquanto a
continuidade espacial é construída fazendo os campos visuais se sobreporem, a
continuidade temporal é normalmente alcançada mantendo a continuidade sonora
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através dos cortes visuais” (IEDEMA, 2004, p.187) A semiótica social atenta para
essas técnicas de modo a apontar o que foi incluído na edição e para mostrar o que
foi deixado de lado. Essa teoria também se interessa pelas razões sobre as escolhas
que os produtores de filme e TV fazem em relação aos campos socioculturais que
eles decidem focar.
Numa análise da transdução, como o que existe é uma releitura de um
conto já escrito por outro autor, essas escolhas não dizem tanto respeito ao foco
sociocultural a adotar, mas sim às adaptações necessárias para manter a
equivalência da materialidade de um campo semiótico para outro.
Já mencionamos que, ao compor o roteiro, algumas soluções para a
adaptação do conto já haviam sido oferecidas pelas alunas-roteiristas: a mudança
do vocabulário com o objetivo de facilitar a compreensão do público-alvo, a inclusão
ou exclusão de alguns elementos para adaptar o tom do conto e torná-lo mais leve
mas também mais condizente ao tom do texto.
Mas o que especificamente foi feito na transdução?
Entrevistamos a aluna-diretora para compreender de que modo ela pensou
a realização do roteiro. Essa aluna tem um canal no Youtube e alguma experiência
com edição e filmagem e por isso foi escolhida para dirigir o vídeo. Uma de suas
características é que, quando ela assiste a um filme, ela se interessa mais pela
técnica do cinema e que isso chama mais sua atenção do que o conteúdo (deu como
exemplo o filme Birdman, que foi realizado sem cortes e isso a fascinou). De
qualquer forma, em sua entrevista, soubemos que ela trabalha a parte técnica
intuitivamente, se baseando na sua experiência com o Youtube e observação de
filmes. Quando questionada sobre o que ela achou sobre a supressão da cena da
taverna no roteiro, ela disse que “normalmente a gente faz o que cabe a gente”,
revelando a divisão de tarefas no grupo e a não integração dos alunos em todas as
etapas da criação. No entanto, dentre o grupo que atuou e participou das filmagens,
a aluna-diretora disse que as decisões eram tomadas em conjunto e que um ajudava
o outro. Quanto à designação de papéis, o ator principal que fez o papel de Bertram
foi escolhido porque “consegue decorar falas muito rápido”. Os outros foram
alocados pela própria vontade deles. Cada um escolheu qual personagem queria
fazer.
Analisamos alguns elementos do vídeo como a) as telas de transição e o
narrador; b) o enquadramento/efeitos especiais, c) o papel da música e sonorização
em cenas importantes da história; d) os cenários e figurinos, para compreender
como os alunos solucionaram visualmente, sonoramente e dramaticamente o texto
escrito.
a) As telas de transição, sempre pretas com letras brancas (figuras 1 e 2),
serviram para mostrar a passagem do tempo e para suprir a falta de cenário. Como
o tempo para fazer o vídeo era curto, os estudantes optaram em dividir o tempo
histórico com a introdução de algumas telas. Nesse caso, a solução das telas foi
motivada pelo pouco tempo disponível. Algo similar ocorreu com a narração: “eu
lembro que tinha alguma cena do conto que a gente não tinha como atuar, não
tinha como explicar. E pulava um bom tempo. E aí acontecia isso, acontecia aquilo
e aí a gente falou: “Ah, vamos narrar”. A função da narração e das telas de
transição foi também para reduzir o tempo do vídeo e para não ficar cansativo.
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Figuras 1 e 2 – telas de transição
b) Enquadrar é decidir o que faz parte do filme em cada momento de sua
realização. Enquadrar também é determinar o modo como o espectador perceberá o
mundo que está sendo criado pelo filme3. De acordo com Fresquet (2014, p.185),
“Enquadrar confere uma série de atos de escolha, disposição e ataque que, reunidos
em um único momento, materializam um recorte do que se vê e do que se quer dar
a ver.” Observamos que os alunos usaram o enquadramento médio4 na maior parte
do vídeo e alguns poucos closes5. Estes apareciam quando havia uma cena mais
dramática e vinham acompanhados de alguma música. A aluna-diretora disse que
as mudanças de enquadramento surgiram para dar mais dinamismo ao vídeo, mas
que foram feitos por tentativa e repetição. Se estivesse bom, eles mantinham; se
não, mudavam. Não houve muita reflexão sobre o que queriam deixar de dentro e
de fora da cena enquadrada. Os alunos usaram sua experiência e intuição para
definir qual seria o melhor enquadramento para cada cena. Da mesma forma,
intuitivamente, usaram dois efeitos especiais, a câmera lenta e a repetição da
sequência em alguns momentos dramáticos – como a morte do marinheiro em
batalha e os pés de Bertram quando foi se suicidar. O objetivo desse uso foi
provocar força dramática às cenas.
c) A sonorização foi usada principalmente na cena da batalha entre os
navios. Álvares de Azevedo faz uma descrição bem detalhada da batalha, mas,
devido às restrições da modalidade fílmica, já mencionadas acima – que apresenta
dificuldades para o que acontece no íntimo do personagem – os alunos resolveram o
problema caracterizando a guerra com seu ícone principal: as armas. A atuação e a
sonorização (som de tiros) também foram importantes para dar o tom de tensão e
nervosismo. Ou seja, no processo de “transduzir” conteúdo semiótico expresso em
palavras para imagens em movimento na tela, os alunos se adaptaram às
affordances e limitações da mídia fílmica, estabelecendo objetos para caracterizar
visualmente a cena do conto e imitar a ambiência da história (tabela 5).
Quanto às músicas, foram baixadas da internet e surgiam em cenas de
suspense e de amor. De acordo com a diretora, a música “deixa o vídeo menos
monótono e antecipa o que vai acontecer”. Eles usaram três músicas que se
repetiam no vídeo nos momentos tensos e nos momentos tristes.
3 (http://www.primeirofilme.com.br/site/o-livro/enquadramentos-planos-e-angulos/) 4 No enquadramento médio, a câmera está a uma distância média do objeto, de modo que ele ocupa uma
parte considerável do ambiente, mas ainda tem espaço à sua volta. 5 No close, a câmera está bem próxima do objeto, de modo que ele ocupa quase todo o cenário, sem
deixar grandes espaços à sua volta.
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Roteiro Vídeo
CENA III
(Meses depois. Bertram e a
mulher do comandante dormem no
chão de um dos cômodos do navio.
Escutam o barulho de tiros e canhões e
acordam assustados.)
Mulher do Comandante
(assustada): O que e isso? Que
barulhos são esses?
Bertram: São tiros, estamos
sendo atacados!
(Entram o Comandante e
marinheiro armados no cômodo.)
Comandante (irritado): O que
faz aqui mulher? Não deveria estar no
seu quarto?
Mulher do Comandante
(nervosa): Vim buscar ajuda quando
escutei os barulhos, o quarto de
Bertram era o mais próximo do meu.
Marinheiro: Não temos tempo
para isso. O navio inimigo está
atacando cada vez mais, malditos
piratas!
Comandante (ainda irritado):
Vamos, pegue sua arma, Bertram, e
você, se esconda o mais rápido possível.
(Bertram, o Comandante e os
marinheiros começam a atirar na
direção do navio pirata. Os tiros
aumentam cada vez mais. Um dos
marinheiros leva um tiro e cai
sangrando.)
Comandante (gritando):
Atirem mais rápido! Eles estão em
maior número!
(Os tiros atingiram o resto dos
marinheiros enquanto Bertram e o
Comandante davam os últimos tiros da
batalha.)
Tabela 5 – As armas e os sons de tiros
d) A época em que acontece a história foi retratada, visualmente, através
do figurino. Um figurino simplificado com o uso de ícones representativos de uma
época: o suspensório e chapéu no ator principal, o coque e xale na primeira mulher
pela qual Bertram se apaixona. O figurino também foi a solução apresentada para
representar a profissão do comandante do navio. Ele estava sempre com o quepe,
outro ícone que ajuda o espectador a imediatamente detectar seu papel e posição.
(Figuras 3 e 4)
Quanto ao cenário, os alunos planejaram previamente e se organizaram
onde iriam filmar. Eles demonstraram alguma preocupação em adequar os locais à
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época (como esconder as tomadas elétricas do campo de visão), se dirigiram à praia
para filmar as cenas do mar. Mas nem sempre tiveram a cautela de esconder as
referências modernas (os prédios da praia de Copacabana aparecem). De qualquer
modo, houve a compreensão de que a cenografia é um elemento importante para se
contar uma história em vídeo. A partir da cena da batalha até o fim, as filmagens
foram feitas na praia. Lá os alunos encontraram barquinhos de pescadores e
pagaram ao dono dos barcos para os usarem enquanto filmavam.
Constatamos que a transdução envolveu um processo de continuamente
antecipar, avaliar e revisar as intenções enquanto adequavam os significados
através das modalidades. Nos exemplos acima, os alunos tiveram que planejar os
figurinos e cenários para manter a equivalência com o conto. As cenas finais do
vídeo acontecem no barco e na praia, e a dramatização dos alunos é um elemento
fundamental nessa parte onde há mais ação (figuras 5 e 6).
Figuras 3 e 4 – As roupas imitando a época e o quepe para determinar a
profissão
Figuras 5 e 6 – A importância da interpretação na parte mais dramática
Outras observações
Um aspecto interessante que surgiu na entrevista com as alunas
roteiristas foi a exteriorização da vontade de ter cenas engraçadas no vídeo. Uma
das alunas falou: “É que até ficou um pouco engraçado. Sabe? Tinha umas cenas
engraçadas”. Uma história como esta de Álvares de Azevedo não tem cenas
engraçadas, apenas tragédias, violência e drama. No entanto, a cena da tentativa
de suicídio de Bertram, para elas, ficou engraçada porque era um afogamento no
mar, mas, como eles não podiam ir ao mar naquele momento, o aluno-ator se jogou
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de roupa numa piscina, o que deve ter gerado risos entre seus colegas na hora da
exibição (figura 7). Nesse ponto, queremos apontar para um outro fator que parece
definir e determinar alguns aspectos na hora de fazer a transdução pelos
adolescentes na escola: a preocupação com os colegas-espectadores. O desejo do
grupo de fazer um trabalho descontraído e engraçado decorre também do fato de
que sabem que passarão pelo crivo e crítica de seus pares. Notamos, em nossa
pesquisa, que os alunos tendem a fazer algumas cenas engraçadas para que seu
trabalho seja popular e provoque o riso entre os colegas-espectadores (como o
making-off e erros de gravação no fim). Quando esse trabalho inclui atuação e a
exibição da própria imagem dos alunos, desconfiamos que há um certo
constrangimento que é resolvido através do humor. Como o conto Bertram não
apresenta cenas cômicas, os alunos as inserem sutilmente, como foi o caso do aluno
se jogando de roupa na piscina. Desse modo, inventam conexões entre palavra e
imagem móvel criando novos significados através de conexões que não existiam a
priori. Isso ilustra o potencial da transdução.
Figura 7 – Aluno (Bertram) se atirando de roupa na piscina/mar
Considerações finais
A disponibilidade crescente das tecnologias digitais gera novas
possibilidades para a produção textual em diferentes modalidades e
consequentemente do emprego do processo de transdução em composições de
jovens.
A multiplicidade de significados a que os adolescentes são expostos
demanda que eles aprendam a fazer a transdução entre as modalidades de forma
flexível. A transdução é fundamental para o papel cada vez mais importante das
tecnologias digitais na comunicação hoje, requerendo o remodelamento do
significado através do contexto e plano de expressão de múltiplas estruturas
semióticas. Este artigo demonstrou que este processo sofre a influência: a) da
intenção dos autores, b) de suas experiências culturais, c) de suas concepções e
crenças sobre os diversos elementos envolvidos, d) das affordances do meio
tecnológico, e) das limitações do tempo, do cenário, do conhecimento e da atuação
dos personagens e f) das pressões escolares, ou seja, do professor e do currículo.
Mesmo num caso restrito de geração de conhecimento, tal como recontar um conto
através de um vídeo digital, algum grau de transformação é detectado. Isso
acontece porque cada sistema de signos tem princípios organizacionais
particulares, que envolvem elementos e convenções que não têm significados
equivalentes. Para manter a equivalência de sentidos entre as modalidades, os
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alunos, em sua criação fílmica, transformam um texto escrito por outro autor em
algo mais próprio deles, porque incluem suas subjetividades, mas mantêm a
correspondência com a escrita do autor. No caso relatado neste artigo, mostramos
como os alunos procuraram manter a equivalência linguística, temática, temporal e
estilística com o conto. Verificamos que no contexto da produção fílmica, a
transdução foi caracterizada como um processo de contínua adaptação de intenções
para representar o conhecimento em resposta às possibilidades e limitações dos
sistemas produtores de signos e seus potenciais de significado. A busca por
semelhanças através de modalidades diferentes, que não tem uma correspondência
um-a-um, criou “anormalidades” que deram lugar a um pensamento gerador e de
resolução de problemas enquanto novas conexões eram feitas entre os planos de
expressão pelos alunos, como quando fizeram a exclusão e inclusão de alguns
elementos para fazer valer seus objetivos.
Ao propor uma atividade como essa, os professores estão fornecendo ricas
oportunidades para que os alunos desloquem significados através de múltiplas
modalidades em vez de se basear exclusivamente na palavra escrita. Encorajar os
estudantes a se engajarem na criação de mídia digital, tal como filmes, permite eles
irem além da simples reprodução do conteúdo literário em direção à transformação
do significado e do conhecimento.
Apêndice
Um breve resumo do conto
O conto relata uma sequência de acontecimentos na vida de Bertram, um
dos frequentadores da taverna, contados por ele mesmo. Ele era um dinamarquês
que se apaixonou por Ângela, uma espanhola, mas, como teve que voltar à
Dinamarca para ver seu pai doente, ficou longe dela por dois anos. Quando
retornou para casar com ela, soube que ela estava casada e tinha um filho. Mas isso
não foi empecilho para a mulher voltar para Bertram: ela mata seu marido e filho e
foge com seu amado. A vida dos dois é tumultuada, com muitas bebedeiras e orgias.
Um dia Ângela abandona Bertram, e ele tenta esquecê-la na bebida, nos jogos, nos
duelos. Um dia é acolhido por uma família de um viúvo, convive com eles e desonra
a filha do seu anfitrião. Leva-a embora e logo enjoa dela, vendendo-a numa dívida
de jogo. Ela se suicida. Logo depois, ele também tenta o suicídio se jogando ao mar,
mas é recolhido por um navio e acaba trabalhando na embarcação. Só que o
comandante tem uma mulher bonita, e logo Bertram e ela se apaixonam e traem o
comandante. Algum tempo depois, há o ataque de piratas, e o navio acaba
afundando. Apenas Bertram, o comandante e sua mulher ficam vivos. Depois de
muitos dias no mar, eles decidem tirar a sorte de quem irá morrer para servir de
alimento aos outros. O comandante é sorteado e Bertram o mata. A mulher
enlouquece, e Bertram termina por matá-la também. No fim, sabemos que ele é
resgatado por outro navio e fica vivo para contar essa história.
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