edição 02 | novembro 2014

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REVISTA Inflação Inimiga mortal da contabilidade (Parte 2) Stewardship, Accountability e outras questões Ganho dos Bancos Períodos pré e pós Plano Real OCPC 07 Menor Volume e Maior Relevância para Notas Explicativas Maria Helena Santana Entrevista 2 a Edição NOVEMBRO/2014 revista.fipecafi.org

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A Revista FIPECAFI tem por objetivo a disseminação de conhecimento contábil voltado para a comunidade profissional e estudantil. O cumprimento do objetivo se dá através da publicação de artigos técnicos que foquem em temas atuais e relevantes para a prática contábil, bem como de artigos oriundos de pesquisas científicas que possuam relevância prática, com linguagem adaptada ao mercado profissional e estudantil. Confira!

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Page 1: Edição 02 | Novembro 2014

REVISTA

InflaçãoInimiga mortal da contabilidade

(Parte 2)

Stewardship, Accountability e outras questões

Ganho dos BancosPeríodos pré e pós Plano Real

OCPC 07Menor Volume e Maior Relevância

para Notas Explicativas

Maria Helena SantanaEntrevista

2a EdiçãoNOVEMBRO/2014revista.fipecafi.org

Page 2: Edição 02 | Novembro 2014

Conselho SupervisorAlexsandro Broedel LopesAriovaldo dos SantosEdilson PauloErnesto Rubens GelbckeGerlando A. F. S. de LimaIran Siqueira LimaLuiz Nelson de CarvalhoNatan SzusterRoberto Quiroga MosqueraSergio de IudícibusTadeu CendonWelington Rocha

Editor ChefeEliseu Martins

Editor ExecutivoEric Aversari Martins

Revisão GramaticalFabíola D’Agostini Peleias

A Revista FIPECAFI é uma publicação trimestral, exclusivamente digital, da

FIPECAFI | Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras

Rua Maestro Cardim, 1170 - Bela Vista - São Paulo/SP(55) 11 2184-2000

[email protected]

REVISTA

2a Edição - Ano 1 - Novembro/2014

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Conteúdo

Editorial 4

Entrevista com Maria Helena Santana 6

Stewardship, Accountability e outras questõesProf. Sergio de Iudícibus

10

Como os bancos substituíram, no período pós Plano Real,

os ganhos que tinham com as altas taxas inflacionárias?Profs. Ariovaldo dos Santos e Fernando Dal-Ri Murcia

16

Dos Velhos para a Nova Geração:

A Inflação é inimiga mortal da Contabilidade35

OCPC 07: Menor Volume e Maior

Relevância para as Notas Explicativas50

REVISTA3

Vol. 2, novembro/2014

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REVISTA4

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Editorial

Neste segundo volume, apresentamos entrevista com Maria Helena Santana. Ex-diretora e ex-presidente da CVM, teve atuação fundamental para a implantação das normas internacionais no Brasil. Atualmente trabalhando em conselhos empre-sariais e como Trustee do IASB, tendo substituído Pedro Malan, nos conta sobre sua experiência como reguladora e participante do mercado.

O Professor Sérgio de Iudícibus apresenta pensata no qual discute questões rela-cionadas aos conceitos de stewardship e accountability à luz do foco atual das IFRS de preparar informações contábeis especificamente para investidores e credores. Tal visão exclui da contabilidade societária regulada aspectos sociais e ambientais. Ainda, navega por outros aspectos da contabilidade, tal como a adoção do valor justo.

Os Professores Ariovaldo dos Santos e Fernando Dal-Ri Murcia divulgam trabalho científico no qual demonstram uma alteração de estratégia adotada pelos ban-cos quando da estabilização econômica advinda do Plano Real. Argumentam os autores que os bancos passaram a ter seus ganhos financeiros reduzidos com o término da inflação e passaram a obter retorno com um aumento de suas receitas de serviços.

Apresentamos também um artigo discutindo a nova orientação do CPC sobre a elaboração das notas explicativas visando a redução do volume de informações e um incremento na sua qualidade. Tal orientação traz um claro foco na relevância da informação, interpretando as normas e leis existentes e indicando a necessidade de divulgação somente das informações que são efetivamente relevantes.

Por fim, apresentamos a segunda e última parte do artigo sobre os efeitos da infla-ção nos balanços das empresas. Agora, são aprofundados os conceitos desenvol-vidos na primeira parte e também aplicados aos balanços dos bancos.

Desejamos a todos uma excelente leitura! E pedimos comentários e sugestões de todos para o aperfeiçoamento da Revista.

Eliseu Martins

Editor-Chefe

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A FIPECAFI obteve importante reconhecimento internacional em educação a distância com o Curso eLearning de Extensão em IFRS e NIA, que recebeu o Prêmio Blackboard Catalyst Award 2014 na categoria Curso Exemplar.

O curso premiado é parte do Projeto de Harmonização das Normas Internacionais de Contabilidade e de Auditoria executado pela FIPECAFI em parceria com o Ibracon e apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID/FOMIN.

Inicialmente destinado a professores de graduação em ciências contáveis que atuam em instituições de ensino superior no Brasil, o curso oferece um programa de atualização em normas internacionais de contabilidade e au-ditoria e agora também está sendo oferecido para o público geral.

O Prêmio de Curso Exemplar do Blackboard Catalyst Award 2014 reconhece os cursos que alcançam o conceito de exemplar em diferentes aspectos relacionados ao desenvolvimento de programas empolgantes e inovadores do ponto de vista educacional e do uso de tecnologia aplicada à educação.

Os cursos são avaliados por grupos formados por clientes da Blackboard, por um Conselho de Revisão e por Diretores, que levam em consideração quatro aspectos: Projeto de Curso, Interação e Colaboração, Avaliação e Suporte aos Alunos.

A FIPECAFI foi reconhecida em todas essas etapas e tornou-se a primeira instituição brasileira a ser reconhecida na categoria de Curso Exemplar do Prêmio Blackboard Catalyst Award desde sua criação.

Uma parceria com: Apoio:

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Entrevista Maria Helena Santana

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Vol. 2, novembro/2014

Maria Helena Santana

A Sra. era Presidente da CVM quan-do foram implantadas as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRSs) no Brasil, estava no olho do furacão nes-se momento. Sentiu receio de que tão grandes mudanças pudessem vir a ser um fracasso? Na verdade, não. Acho que não apenas eu, mas a Diretoria da CVM e sua área de Normas Contábeis, sabíamos que era a coisa certa a fazer. Um país como o Brasil não poderia pretender utilizar uma linguagem contábil própria e ainda assim garantir competitividade para suas empresas no acesso a capital. Portanto, diante de mudanças inevitáveis, toda nos-sa energia se voltou para a solução de pro-blemas e contenção de riscos, sem muito tempo para pensar em fracasso.

Chegou a pensar se poderia vir a ocorrer uma grande frustração se, alguns anos depois, o IASB perdesse credibilidade e adesão mundial por conta, por exemplo, da não convergência dos norte-america-nos ou qualquer outra razão? Algo que nós tínhamos claro naquele momento é que passávamos - o Brasil - a fazer par-te do problema e da solução. O caminho

Maria Helena Santana foi Diretora e depois Presidente da CVM. E estava na presidência exatamente quando da implantação das normas internacionais de contabilidade no Brasil.

Deu total apoio a essa implantação e fez com que o órgão que dirigia, e o Conselho Federal de Contabilidade, fossem o sustentáculo do início dessa nova fase do nosso país.

O mundo da contabilidade, os administradores das companhias abertas, os usuários todos, inves-tidores e credores, devem, e muito, à sua atitude firme e à sua coragem o ingresso do Brasil nesse selecionado rol dos países que fizeram a completa implantação de tais normas.

Folh

apre

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Entrevista Maria Helena Santana

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que havia sido escolhido e inse-rido na legislação, de adoção das normas internacionais, deman-daria grau muito maior do nosso envolvimento nos processos do IASB, na governança em torno do funcionamento e da manutenção do IASB. Certamente é um cená-rio mais complicado do que lidar com a elaboração de normas em nível local, adaptadas às nossas características mais particulares, e por conta de um organismo so-bre o qual fosse possível ter maior controle. Mas essa opção não se-ria capaz de atender às necessida-des da nossa economia, no mun-do atual.

Na sua opinião, valeu a pena tão grande esforço não só por parte da CVM, mas também por parte das empresas, auditores, analis-tas e não só as abertas? Na visão de regulador, a Sra. acredita que tenha mesmo havido melhoria na informação contábil? Não creio que eu seja a melhor pessoa para lhe dar esta resposta, mesmo porque já deixei de ser regulado-ra há mais de 2 anos. Mas minha impressão pessoal é de que hou-ve melhorias, que para mim são muito expressivas. O que vejo hoje, nas empresas em que atuo, são discussões para identificar a essência de determinados fatos econômicos, discussões aprofun-dadas e não cumprimento mecâ-nico de regrinhas. Nem sempre se acerta, num ambiente como esse, mas esse é um risco que se pode ir mitigando com o tempo, o treinamento e educação e com a fiscalização pelo regulador e pelo mercado.

Qual a sua reação mediante o volu-me das publica-ções que cresceu assustadoramen-te? Esse aumento de tamanho das d e m o n s t r a ç õ e s contábeis, na sua opinião, implicou em efetivo aumen-to de qualidade da informação para o mercado? Acho que devemos se-parar duas coisas aqui: o que é de-manda direta das normas e o que é motivado pelo de-sejo de proteger os envolvidos de qualquer problema. Auditores, os que preparam as demonstrações financeiras, muitas vezes os ad-vogados das companhias, podem e têm exagerado no volume de informações por receio de serem alvo de questionamento por parte de reguladores e de investidores. Hoje temos visto um movimen-to de reação a isso, liderado pelo CPC e pelo próprio IASB, buscan-do resgatar o que é essencial e re-levante nas divulgações e libertar o mercado desses volumes enor-mes de informações pouco úteis. Tomara que dê frutos. Isso não quer dizer, no entanto, que não haja exageros e falta de proporção nas próprias normas, mas eu não saberia opinar sobre isso.

A Sra. participou ativamen-te da IOSCO – Associação Internacional das Comissões de Valores Mobiliários – enquanto presidente da CVM. Qual o pa-pel dessa entidade no processo

de convergência mundial às IFRSs? A IOSCO tem hoje um memorando de entendimentos com o IASB/IFRS Foundation em que as duas entidades se compro-metem a trabalhar pela aplicação uniforme das IFRS em todas as jurisdições em que elas são adota-das. Dessa forma, os reguladores de mercado reunidos na IOSCO têm se engajado no esforço pela convergência de verdade, na apli-cação, dado o seu papel no en-forcement de normas. Os grupos técnicos da IOSCO que discutem contabilidade e temas de disclosu-re, a propósito, foram fundamen-tais para fomentar a adoção dos IAS desde a origem.

A Sra. que trabalhou, desde o tempo em que era da Bovespa, na análise e na implementação de mercados de acesso, acha que as novas normas contábeis real-mente ajudam ou representam um problema a mais a dificultar

“Auditores, os que prepa-

ram as demonstrações fi-

nanceiras, muitas vezes

os advogados das compa-

nhias, podem e têm exage-

rado no volume de informa-

ções por receio de serem

alvo de questionamento

por parte de reguladores e

de investidores. “

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Entrevista Maria Helena Santana

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o acesso ao mercado de capitais? Em minha experiência, o que atrapalha o acesso ao mercado das empresas que tenham interesse e perfil não são as dificuldades, que certamente existem, na prepa-ração de DFs, os custos com au-ditoria e com o cumprimento de outras normas do mercado. O que pude observar é que o custo mais relevante para o empreendedor é a diluição de sua participação no negócio que construiu. Ou seja, a precificação justa ou não das ações da empresa é o que mais aju-da ou atrapalha a ida ao mercado acionário. E com demonstrativos financeiros mais transparentes e confiáveis, com boa divulgação de informações não financeiras, é que se dá confiança aos potenciais investidores para pagarem o pre-ço justo. Na captação que envolva dívida, obviamente, o assunto não é diferente.

Hoje, como Trustee da Fundação IASB, do outro lado, tendo suce-dido Pedro Malan, como olha o futuro dessa organização e das IFRSs? É um futuro grande e am-bicioso, como tem sido a sua tra-jetória. E por isso mesmo cheio de dificuldades, períodos de gran-des avanços e outros de espera e acumulação de forças. Quando se tem o alcance que hoje têm as IFRS, muitos interesses em jogo em tantos países, mais de 120, é natural que fique cada vez mais difícil dar grandes saltos. E que se tenha que lidar com pressões. Mas os avanços têm prosseguido, seja pelo inegável sucesso do processo de convergência de importantes normas entre o IASB e o FASB, seja pela crescente adoção das normas IFRS em novos países.

Além do mais, você atua hoje

como conselheira de adminis-tração em várias companhias abertas, ou no comitê de gover-nança etc. Como a Sra. vê, tam-bém do outro lado da mesa, esse processo todo de mudanças nas normas contábeis? Acho que co-mentei um pouco isso ali atrás, mas vejo um processo saudável e um envolvimento maior dos exe-cutivos e conselheiros em discus-sões sobre contabilidade. Claro que também vejo as dificuldades, especialmente quando as compa-nhias não sentem que as normas refletem adequadamente seus modelos de negócios. Quando isso acontece, o fato de estarmos vinculados a um processo global de elaboração de normas torna tudo ainda mais desafiador.

E, fora do âmbito da contabili-dade, como a Sra. se sente des-se lado da mesa, tendo atuado tantos anos como reguladora do mercado? Eu estou aprendendo muito, é um desafio muito interes-sante, mas não é nada confortável. O papel do conselheiro é bem di-ferente daquele do executivo, que faz acontecer, ou do regulador, obviamente.

Qual a Sra. acha que será a posição dos USA no que diz res-peito às IFRSs nos próximos 5 ou 10 anos? Convergirão? Adaptarão? Aceitarão como opção? Penso que, no futuro mais pró-ximo, há uma boa chan-ce de que os Estados Unidos aceitem as IFRS como opção. É muito evidente que as normas internacionais são bas-tante conhecidas por

investidores americanos, que in-vestem montantes enormes no exterior e domesticamente em companhias que adotam o IFRS. Assim, o custo de admitir dois padrões já está em grande parte incorporado ao mercado ameri-cano. Mas é impossível antever a evolução desse processo.

Na sua opinião, qual a relevân-cia para o mundo contábil de uma convergência norte-ameri-cana com os IFRS? Essa seria a melhor opção ou é interessante haver conjuntos de normas que compitam entre si? Esta é a per-gunta mais difícil. Quanto mais países estiverem envolvidos na elaboração e aprovação da mes-ma norma contábil, maiores serão as dificuldades para se garantir a melhor qualidade nesse processo. Há sempre o risco de se adotar o mínimo denominador comum ou algo menos perfeito que reflita o consenso possível. Eu, pessoal-mente, acho que não se deve bus-car convergência a qualquer cus-to. Mas não chegaria a defender a existência de padrões concorren-tes, acho que o custo envolvido não é desprezível.

“Quanto mais países esti-verem envolvidos na ela-boração e aprovação da mesma norma contábil, maiores serão as dificul-dades para se garantir a melhor qualidade nesse processo.”

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Confira as turmas

2015

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CENTRAL DE MATRÍCULAS:

(11) 2184.2020

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Stewardship e Accountability

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Prof. Sergio de IudícibusPUC/SPProf. Emérito da FEA/USP

Stewardship, Accountability E outras questões

“Discourses surronding the evolu-tion of the IASB/FASB conceptual framework: what they reveal about the liviving law of accounting”, autoria de Murphy e outros, in Accounting Organizations and Society, 2013, foi um artigo que me impressionou bastante e do qual obtive algumas inspirações importantes, embora os autores, de forma alguma, possam ser responsabilizados por certas con-clusões minhas. Foi um daqueles artigos que suscitam inquietação e reflexão e que constituem uma base para este.

Um dos trechos mais importantes do trabalho de Murphy e outros nos explica que a contabilidade, desde a antiguidade, tem uma li-ving law1, que poderíamos tradu-zir por lei intrínseca, lei inerente ou, até mesmo, lei eterna, que

1 Eugen Ehrlich, in Fundamental Principles of the Sociology of Law, distinguiu entre “positive law,” que consiste no conjunto de normas que obrigam à implantação obrigatória do que tiver sido normatizado, e “living law,” que consiste nas regras de conduta que as pessoas obedecem porque dominam a vida social.

norma alguma subsequente, derivante de agências regula-doras, pode alterar ou ignorar, qual seja, a stewardship e a ac-countability.

Stewardship corresponde à en-trega de um conjunto de bens e responsabilidades a uma pessoa que depois precisa prestar con-tas de como se desincumbiu, e essa última parte é a accoun-tability. Um governante, por exemplo, atua como steward e depois tem que prestar contas (prestação de contas não é só a parte monetária, financeira, mas também envolve aspectos físicos, sociais, de saúde, edu-cação etc).

Isso se liga diretamente a um estudo do EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group), órgão consultor contábil da União Europeia, segundo o qual IASB e FASB estabeleceram que a estrutura conceitual deveria especificar somente um objetivo para os relatórios financeiros; isto é, prover informação útil para os usuários tomarem decisões de in-vestimento, crédito e de alocação

de recursos. Argumentaram, ain-da, que esse objetivo englobaria prover informação útil para ex-plicar a stewardship da adminis-tração.

Em uma pesquisa realizada pelo citado EFRAG, grande parte dos respondentes, todavia, arguiu que a stewardship (e accountability) deveria se constituir em um obje-tivo à parte.

Muitos autores, atualmente, gos-tariam de substituir o termo

Stewardship corresponde à entrega de um

conjunto de bens e responsabilidades a uma pessoa que

depois precisa prestar contas

de como se desincumbiu, e

essa última parte é a accountability.

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Stewardship e Accountability

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stewardship, muito difícil de ser entendido pelos não anglos, por accountability, embora outros aten-tem para o fato de que, para eles, stewardship é mais amplo do que accountability. Para esses últimos, stewardship encampa a ideia de que a administração, no caso de uma empresa, deveria se esforçar para agir no melhor interesse dos sócios, tendo em vista as atuais circunstâncias e as que poderão prevalecer no futuro. Em contraste, accountability pareceria ser um olhar para o passado e um conceito mais restrito do que stewardship.

Eu definiria accountabi-lity (e stewardship) como a continuada apreciação, quanto à qualidade e aos seus efeitos financeiros, de como ou quão bem a administração utilizou os recursos a ela atribuídos em benefício dos sócios e, até mesmo, em um sentido mais amplo da sociedade. Assim stewardship e ac-countability teriam, tam-bém, um sentido dentro da teoria da agência. De qual-quer forma, o sentido da stewardship é mais quali-tativo e o da accountability mais quantitativo (finan-ceiro). O termo steward-ship vem das atividades do mordomo, que tomava conta das mansões dos lor-des na antiga Inglaterra (e, às vezes, até hoje em dia) .

Importante notar que, em minha opinião, steward-ship e accountability estão intimamente ligados à contabilidade como sendo essa um sistema de infor-mação fluente, continuado e sem sobressaltos, isto é, deveriam, de per si, ser um objeto específico do fi-nancial reporting.

Apenas afirmar que o único objetivo deveria ser for-necer informação economicamente útil não caracte-riza um sistema contábil, mas qualquer informação, até esparsa e emergencial, com conteúdo econômico.

Tudo isso apenas para começar certos questiona-mentos que, a seguir, serão comentados.

Em 2010, FASB/IASB, de comum acordo, estabele-ceram na estrutura conceitual que os stakeholders únicos (na melhor das hipóteses, absolutamente preferenciais) são os provedores de recursos para as entidades, ou seja, acionistas e credores.

Estranho que, em documentos anteriores do IASB, explicitavam-se claramente todos os stakeholders,

além dos provedores, tais como, fornecedores, clien-tes, empregados etc.

Para mim, ao escolherem uma versão absolutamente neocapitalista, certamente não favoreceram o desen-volvimento da contabili-dade social e ambiental. Com tais diretivas, colo-cadas no principal docu-mento conceitual do IASB/FASB, como é que uma empresa como a Petrobrás, por exemplo, vai se sentir compelida a fornecer in-formação realista sobre o meio ambiente em que atua? Prof. Eliseu foi ex-tremamente feliz ao afir-mar, certa vez, “ ..não sou acionista da Petrobrás mas, como cidadão brasileiro, estou profundamente inte-ressado em ter informações sobre como a ela está lidan-do com o meio ambiente....”

Eric Martins, em sua tese de doutorado, provou que, hoje em dia, a contabilidade pode ser vista como a interface entre três conjuntos: o estritamente patri-monial, o econômico e o sócioambiental. Diga-se que, nos dias que correm, todos estão preocupados com o relato integrado, que nada mais é do que um conjunto de informações ligando a parte financeira com a gerencial e a sustentabilidade. Como é que a carta magna de nossa profissão declara que os úni-cos stakeholders são os provedores de recursos? É um passo para trás, sem dúvida.

Ao escolherem uma ver-são absolutamente ne-

ocapitalista, certamente não favoreceram o de-

senvolvimento da conta-bilidade social e ambien-

tal. Com tais diretivas, colocadas no principal documento conceitual do IASB/FASB, como é

que uma empresa como a Petrobrás, por exemplo,

vai se sentir compelida a fornecer informação

realista sobre o meio am-biente em que atua?

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Stewardship e Accountability

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A contabilidade e os contadores não têm sido tão rápidos em ajus-tar-se às mudanças. Como afir-mou Nelson Carvalho, vivíamos,

até a década de 1950, no mundo idílico do custo histórico, (com in-flação e tudo). Aí, segundo o mes-mo Prof. Nelson, os economistas bateram à nossa porta e os con-tadores construíram sistemas de correção monetária, até modelos de custos de reposição etc. Somos adaptativos, apesar de reagirmos mais lentamente às mudanças do que gostaríamos, às vezes.

Diga-se, todavia, que, embora te-nhamos imaginado até sistemas complexos para custos de reposi-ção (uma versão benigna do fair value - valor justo), todos esses aperfeiçoamentos foram realiza-dos de forma escorreita, nunca deixando de lado a fluidez dos relatórios contábeis, de período a outro, sempre considerando a ac-countability e sem destruir o custo histórico, de maneira que os usuá-rios da informação sempre pode-riam avaliar tendências de forma

continuada e sem sobressaltos.

A partir de 1973, FASB e IASB irromperam no cenário contá-

bil americano e mundial, ao mesmo tempo em que a glo-balização avançou de forma avassaladora, aumentando a importância dos órgãos regula-dores contábeis. O argumento principal foi atingirmos um dos ideais de Hendriksen, ou seja, de que a contabilidade se trans-formasse na linguagem univer-sal dos negócios. Isso aportou no Brasil, não sem ingentes es-forços anteriores, em 2007, via IASB, leis, criação do CPC etc.

Sob o ponto de vista da lingua-gem universal dos negócios, a internacionalização da contabi-lidade tem sido um sucesso, ain-da que falte demonstrar, até que

ponto, por pesquisas positivistas. O mesmo ainda não se pode afir-mar com relação ao entendimento dos usuários acerca dos conceitos e normas, sob o ponto de vista da teoria da comunicação.

Sob o ponto de vista essencial-mente técnico, o sistema IASB trouxe progressos inegáveis, como o fim das percentagens, o fim da amortização anual do goodwill adquirido, a contabilidade para derivativos e hedge accounting etc.

Entretanto, a introdução parcial, para certos ativos e passivos, do valor justo, trouxe, a meu ver, certa incongruência conceitual. Melhor teria sido o valor justo para a totalidade de ativos e pas-sivos, mesmo que, nesse aspecto, talvez fugíssemos, de uma vez, da accountability, transformado a contabilidade em uma espécie de valuation na qual, a rigor, nem o uso das partidas dobradas seria

indispensável.

É fácil perceber a mudança: no custo histórico, o balanço é se-melhante a uma demonstração de origens de recursos (passivo e patrimônio líquido) e de suas aplicações (ativos). Se formos mais completos, o balancete de verificação leva isso ao extremo; simplificando: os passivos, o pa-trimônio líquido e as receitas identificam fortemente as origens de recursos, e os ativos e as des-pesas identificam suas aplicações.

Essa figura de origens e aplicações é que se vincula fortemente às fi-guras da stewardship e da accoun-tability. A administração recebe recursos e presta conta deles.

Que tal voltar à época dos inven-tários sucessivos? Aí, utilizaría-mos uma avaliação totalmente a valor justo em cada balanço. Ainda assim, eu preferiria a cus-tos de reposição, a valores de en-trada, admitindo-se valor de saída (valor justo) apenas em casos ex-cepcionais.

A introdução, mesmo que par-cial, do valor justo (que às vezes é obtido através de fórmulas mate-máticas complexas) deixou mui-tos entusiasmados! Finalmente, o balanço terá poder preditivo! Não mais será um mero retrato do pas-sado, como se o passado fosse to-talmente desprovido de potencial preditivo e uma dimensão relegá-vel ao esquecimento!

Contadores sempre serão os me-lhores previsores do passado, ou a partir do passado! É o DNA da ciência contábil! Mesmo que to-dos os ativos e passivos fossem avaliados a valores de mercado, econometricamente, ninguém

Sob o ponto de vista da lingua-

gem universal dos negócios, a inter-nacionalização da contabilidade tem sido um sucesso, ainda que falte

demonstrar, até que ponto, por pesqui-

sas positivistas.

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Stewardship e Accountability

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garantiria que seriam melhores preditores do que os avaliados a valores históricos! O senso comum diria que sim, mas Ohlson (pesquisas da década de 1990 em diante) provou que não!

É o tal negócio: não se pode ir contra o DNA das coi-sas! Lembram-se da accountability? Só para dar dois exemplos atuais no futebol internacional: o Brasil, nos últimos anos, achando que isso era progresso, só aceitou jogadores de porte físico avantajado, dis-pensando, desde as bases, via de regra, aqueles mais franzinos que vinham da várzea e tinham habilida-de. Hoje, poderíamos ter mais de um jogador tão ha-bilidoso quanto Neymar. Já pensaram que diferença isso poderia ter feito no mundial? A tão criticada Itália, pelo seu jogo defensivo, ganhou quatro copas e uma olimpíada com defesas quase intransponíveis e contra-ataques fulminantes. O último técnico quis mudar o DNA, tentando jogar “bonito”, à espanhola (se é que isso é bonito, eu não acho), e seu time foi eliminado na fase inicial.

Por falar em custo histórico, Ohlson, que tem sido o modelista mais bem sucedido nos últimos anos, utilizando variáveis independentes absolutamente contábeis, como lucro por ação, valor patrimonial da ação, simplesmente abomina avaliações contá-beis que não sejam a custos históricos. Também não gosta do IASB e do FASB. Isso foi falado por ele em palestra realizada alguns atrás na FEA/USP.

Interessante ressaltar que, tendo acompanhado al-guns trabalhos positivistas em congressos, e que utilizaram o modelo de Ohlson, houve alguns sinais incongruentes em certos testes, pois os dados anali-sados continham avaliação a valor justo no grupo de ativos biológicos, em contraste com os outros itens, avaliados a custos históricos.

O modelo dele funciona muito bem com valores históricos, mas não tão bem com avaliações mistas. Note-se que o lucro por ação e o valor patrimonial da ação têm muito maior poder preditivo (no mo-delo dele) do que indicadores da moda, como EVA, EBITDA etc.!

É claro que sempre defendemos a prevalência da es-sência econômica sobre a forma jurídica, um grande progresso da estruturação do IASB, que vinha sendo estudada já há muitos anos. Entretanto, o IASB dá a impressão, às vezes, filosoficamente, de que não está

tão interessado com a accountability, ou está interes-sado subsidiariamente. Está mais focado em umae-ventual futura e total avaliação a valores de mercado (valor justo). Contudo, ainda não teve a coragem de impor um sistema totalmente assim mensurado.

Mesmo que se adote um sistema contábil com ava-liações a valores de mercado, ainda preferimos os mecanismos sabiamente explicados por Edwards e Bell, desde 1961, trabalhando a valores de entrada, correntes ou de reposição. Os contadores estão mais à vontade com valores de entrada, os quais combi-nam mais com o postulado da continuidade.

Lembram-se da tão bem sucedida correção integral? O governo houve por bem extingui-la em meados da década de 1990. Veja que descortino! A mais bem sucedida contribuição brasileira à contabilidade in-ternacional banida por nós mesmos! Aliás, dentro do quadro final de sugestões, sem dúvida se faz necessá-ria a reintrodução desse mecanismo, aperfeiçoado e, talvez, simplificado quanto a alguns detalhes.

Enfim, voltando à contabilidade e à sua nobre ori-gem, a avaliação de progresso e a accountability, na verdade, são seus parâmetros históricos, essenciais. Sua living law, como afirmam Murphy e outros no artigo já citado.

Contabilidade não é valuation de forma atabalhoa-da e descontinuada: mas uma ciência única e distinta das demais, e não, apenas, vassala da economia. A definição que os autores citados dão para living law

Lembram-se da tão bem sucedida correção integral? O governo houve por bem extingui-la em meados da década de 1990. Veja que

descortino! A mais bem sucedida contribuição brasileira

à contabilidade internacional banida por nós mesmos!

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é: “a tradição moral ou consuetudinária de determi-nada comunidade ou área de conhecimento”.

Assim, esses conceitos que datam da antiguidade de-sembocam na visão stewardship/accountability e se materializam por meio de sucessivas contabilizações e relatórios obedecendo à sistemática das partidas dobradas, evitando-se avaliações peremptórias e de sobressalto.

Valores atualizados podem e devem ser reportados, talvez em relatórios suplementares, mas sempre a partir dos valores originais corrigidos por algum tipo de coeficiente extraído de índices de preços, ge-rais ou específicos. Ou, então, em colunas a valores justos, mas, de forma completa, com o valor justo também do patrimônio líquido e, consequentemen-te, do goodwill, mas, como informações adicionais, complementares, sem substituição do modelo origi-nal a custo histórico (devidamente corrigido).

Vale notar que as normas do IASB têm sido avança-das e quase temerárias em alguns aspectos, como o valor justo para ativos biológicos, e tímidas ou quase inexistentes na parte de intangíveis criados interna-mente e no discurso social e ambiental. Ainda bem que o CPC conseguiu introduzir na lei a demonstra-ção do valor adicionado nas empresas abertas.

Desse modo, completaríamos que, apesar de aa in-terface com a economia ainda ser a prevalecente, não podemos esquecer aquela com a sociedade e a sustentabilidade, em todos seus variados aspectos.

Algumas conclusões tentativasAccounting follows society e não apenas economics.

Praticantes, é óbvio, têm que se dedicar a aplicar com consciência e profissionalismo as normas do CPC que introduziram, inegavelmente, grande avanço em nossa contabilidade

No entanto, como estudiosos e pesquisadores, inclu-sive de mestrados profissionais, temos que pensar e ir sempre além, mesmo porque a influência do Brasil nos aconselhamentos e sugestões aos Boards do IASB tendem a crescer muito com o tempo. Acredito que, provavelmente, o Brasil seja um dos países mais respeitados pelo IASB, pelo trabalho excelente que os membros do CPC, órgãos reguladores e a acade-mia têm realizado, apresentando críticas e sugestões.

Ao considerar, inclusive, todos os estudos com vistas ao tal do relato integrado, gostaria que eles estivessem ligados a um sólido background teórico-conceitual, a partir das várias visões do patrimônio líquido e de suas teorias, como a do proprietário, da entidade, do fundo e, principalmente, do comando (que seria a visão gerencial do RI). Existe uma teoria avançada do patrimônio, que é uma teoria social e com suas extensões ambientais e de sustentabilidade.

Insistimos no restabelecimento do balanço e da de-monstração de resultados, pelo menos, na perspec-tiva pura dos valores históricos, em relatório princi-pal ou até suplementar, pois é a avaliação que mais reproduz o fluxo de caixa acrescido ao patrimônio líquido da entidade no final de sua atividade, pelo menos o caixa nominal. Adicionalmente, em relató-rio especial, mesmo que a correção integral não seja legalmente reintroduzida, uma administração cons-ciente não pode deixar de apresentar as demonstra-ções na perspectiva da correção monetária integral, até adaptada a taxas de inflação menores, e seus efei-tos no resultado real e tributável. Outras demonstra-ções a valores correntes e de reposição também po-deriam ser retratadas em relatórios suplementares.

As ideias aqui apresentadas são para reflexão e es-tudo, não se tratando de uma volta ao passado, mas de uma perspectiva realista e capaz de evidenciar, cada vez mais, as qualidades da contabilidade, como sistema de informação e, até mesmo, como ciência distinta das demais.

As normas do IASB têm sido

avançadas e quase temerárias

em alguns aspectos, como

o valor justo para ativos

biológicos, e tímidas ou quase

inexistentes na parte de

intangíveis criados internamente

e no discurso social e ambiental.

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1. INTRODUÇÃO

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Brasil já tinha experimentado diversos planos econômicos, cada um deles com bases conceituais, expectativas e estratégias diferentes. Em 1994 não foi diferente; um novo plano econômico foi aplicado, porém, vinha com ingredientes bastante diferentes dos anteriores, afinal, não houve confisco da poupança, conta cor-rente ou qualquer outro ativo financeiro.

Naquele tempo, os índices inflacionários no Brasil atingiram patamares estratosféricos, chegando pró-ximos da casa dos 2.000% ao ano. Mesmo com es-ses índices, ou até devido a deles, e graças à gran-de experiência que fomos acumulando ao longo do tempo no tratamento da inflação, as demonstrações contábeis produzidas pelas empresas naquela época não eram desprezíveis; ao contrário, conseguimos criar no País um mecanismo de tratamento dos efei-tos da inflação nas demonstrações contábeis que foi, em 1988, reconhecido pelo grupo de especialistas da ONU-ISAR (Intergovernamental Working Group of Experts on International Standards Accouting and Reporting – ISAR) como o mais técnico até então utilizado no mundo.

Ainda assim, restaram distorções provocadas pelas altas taxas inflacionárias nas demonstrações. Isso foi apresentado em pesquisa realizada por Santos e Barbieri (1990), quando analisaram os balanços dos 12 maiores bancos do país, relativos ao exercício de 1989. Referidos pesquisadores preocuparam-se em

alertar para o equívoco provocado quando são to-mados os valores nominais dos lucros: naquele ano, a falsa conclusão era de que 95% dos resultados das instituições avaliadas foram alcançados no segundo semestre. Essa falsa conclusão era obtida quando se comparavam, pura e simplesmente, os lucros obti-dos no ano com os resultados do primeiro semestre. Nesse aspecto, residia um equívoco conceitual de avaliação, pois, para que essa comparação pudesse ser feita, os lucros do primeiro semestre, já incluídos no resultado do ano, também deveriam ser atualiza-dos para moeda de final de período.

A evolução na forma de tratamento da inflação nas demonstrações contábeis pode ser compro-vada pela introdução da sistemática de Correção Monetária Integral, exigida pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por meio da Instrução Normativa nº 64/87 para as companhias abertas.

Para se ter ideia dos perversos efeitos provocados pela inflação na leitura e no entendimento das de-monstrações contábeis, em 1994, o Banco Bradesco publicou suas demonstrações contábeis consoli-dadas, não só aplicando as regras impostas pela Instrução Normativa da CVM, ou seja, em moeda constante, mas também incluindo as demonstrações em dólares norteamericanos. A nota nº 1, relativa à apresentação das demonstrações contábeis, infor-mava que:

As informações adicionais em dólares norte-americanos, incluídas nas demonstrações financeiras somente para conveniência do

COMO OS BANCOS SUBSTITUÍRAM, NO PERÍODO PÓS PLANO REAL, OS GANHOS QUE TINHAM

COM AS ALTAS TAXAS INFLACIONÁRIAS?

Prof. Ariovaldo dos SantosUniversidade de São Paulo - FEA/USP

Prof. Fernando Dal-Ri MurciaUniversidade de São Paulo - FEA/USP

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leitor, foram obtidas através da conversão das demonstrações financeiras em moeda de poder aquisitivo constante à taxa de câmbio vigente em 31 de dezembro de 1993, no valor de CR$ 326,105 (1992 – CR$ 12,3875). Essas informações devem ser interpretadas, exclusivamente, no contexto de propiciar uma melhor avaliação das demonstrações financeiras, visando eliminar os efeitos da inflação entre a data base de sua elaboração e a de sua efetiva leitura e análise pelos acionistas e pelo público em geral. (g. n.)

Alguns dados chamavam a aten-ção nessas demonstrações do Banco Bradesco S/A, em espe-cial as cifras que apareciam em seus resultados. O resultado foi positivo e totalizou CR$ mil 120.349.855. Esse número é in-compreensível nos dias atuais, afinal, até a moeda já não é mais a mesma. Contudo, pode ser com-parado a outros que fizeram parte daquela demonstração de resulta-do do exercício. Por exemplo, as despesas com pessoal totalizaram CR$ mil 345.595.593 e, naquela época, o Banco Bradesco conta-va com aproximadamente 74 mil funcionários. Todavia, o número que mais chamava atenção nessa demonstração era o que apare-cia sob a denominação “Ganhos com Passivos sem Encargos, Deduzidos das Perdas com Ativos Não Remunerados”, com o total de CR$ mil 398.785.865. Mas, afinal, o que representava esse número e de onde ele surgiu?

A explicação é simples: sabe--se que manter saldos em con-tas correntes bancárias não

remuneradas, denominados de-pósitos à vista, em períodos infla-cionários, provoca perdas para os correntistas e, consequentemen-te, ganhos para as Instituições Financeiras, que podem utilizar esses recursos sem qualquer ônus. Da mesma forma, os depósitos compulsórios efetuados no Banco Central do Brasil, por também não serem remunerados, provo-cam perdas para essas mesmas Instituições Financeiras. Assim, os Bancos aplicavam a diferen-ça entre os depósitos à vista e os compulsórios e obtinham resul-tados que eram alocados na conta referida, Ganhos com Passivos sem Encargos, Deduzidos das Perdas com Ativos Não Remunerados.

Nos dias atuais, merece desta-que o fato de que o mecanismo continua praticamente o mesmo, com a diferença de que as reduzi-das taxas inflacionárias não mais permitem que aqueles volumes de ganhos, obtidos com a aplica-ção dos saldos líquidos das contas de depósitos à vista, que noutros tempos eram absolutamente nor-mais, possam ser repetidos.

Historicamente, pode-se dizer que, em 1986, com a edição do Plano Cruzado, os bancos pas-saram a entender que suas ope-rações não mais poderiam ser cobertas apenas com ganhos es-peculativos, oriundos, principal-mente, da aplicação financeira realizada com o valor líquido dos depósitos à vista. Assim, uma das fontes de financiamento de suas operações, que passou a ser olha-da de forma diferenciada daquela utilizada até então, foi a cobrança dos serviços que prestavam den-tro da atividade econômica; era um novo tempo e requeria uma

nova forma de atuação. Serviços que anteriormente eram apresen-tados como gratuitos, ccomo ta-lões de cheques, extratos mensais, transferências bancárias, manu-tenção das contas, cópias micro-filmadas de documentos e tantos outros, passaram a ser cobrados diretamente de cada um dos cor-rentistas.

Porém, infelizmente, as expectati-vas relativas ao controle inflacio-nário previstas no Plano Cruzado não se concretizaram, e a inflação, mais uma vez, voltou a afetar a vida das pessoas e das empre-sas. A essa altura, as Instituições Financeiras passaram a ter duas fontes importantes para financiar suas atividades, pois voltaram a ganhar com o processo inflacio-nário e não deixaram de cobrar de seus clientes as taxas por serviços a eles prestados. Nos anos seguin-tes, outros planos econômicos foram implantados e, da mesma forma que o Plano Cruzado, não lograram sucesso no controle da inflação.

Em março de 1994, o Governo Federal adotou um novo plano econômico visando ao controle da inflação, o denominado Plano Real. Esse plano foi implantado em duas partes e a primeira teve início no mês de março, com a introdução da Unidade Real de Valor – URV. Ao contrário de pla-nos anteriores, esse não vinha com congelamento de preços, tablitas, confiscos de contas correntes e poupanças, tampouco controle de preços. Com a implantação da URV, todos os contratos e valores que vigoravam no País naquele instante foram convertidos para esse novo “índice” da economia. Cabe lembrar que a URV não era

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uma nova moeda, mas sim um parâmetro utilizado para a conversão da moeda.

A segunda fase do Plano Real veio em julho do mesmo ano, quando a moeda em circulação passou a ser o Real. Como exemplo da eficácia do plano, a taxa de inflação que, em junho de 1994, alcançou a casa dos 50%, no primeiro semestre de 1995, caiu para 1,7% ao mês. Porém, sabe-se que uma taxa mensal de 1,7% ainda é extremamente alta, pois ultrapassa a casa dos 22% no ano.

Na Tabela 1, a seguir, são apresentadas as taxas inflacionárias nos 10 anos que precederam o Plano Real. Na Tabela 2, é apresentada a inflação acumulada no período pós Plano Real e é destacado o período (1996 a 2009) em que a ela deixou de ter seus efeitos reconhecidos nas demonstrações contábeis das empresas. Apenas como referência, nessas tabelas, são destacados os índices inflacionários comumente utilizados no País:

Tabela 1 - Taxas anuais de inflação – 1984 a 1994 em %

IGP-M (FGV) INPC (IBGE) IPCA (IBGE) IGP-DI (FGV)

1984 223,81 209,11 215,28 223,74

1985 235,13 239,02 242,25 235,00

1986 65,04 59,22 79,66 65,07

1987 415,95 394,62 363,41 415,87

1988 1.037,53 993,29 980,22 1.037,53

1989 1.609,42 1.863,56 1.972,91 1.782,85

1990 1.699,87 1.585,18 1.620,97 1.476,71

1991 458,38 475,11 472,69 480,23

1992 1.174,57 1.149,05 1.119,09 1.157,84

1993 2.567,34 2.489,11 2.477,15 2.708,17

1994 869,74 929,32 916,43 1.093,76

Fonte: Elaborado pelos autores com base de dados do Portal Brasil e IBGE

Tabela 2 Taxas acumuladas de inflação – 1995 a 2009

IGP-M (FGV) INPC (IBGE) IPCA (IBGE) IGP-DI (FGV)

Jul/94 a Dez/94 16,52% 19,81% 18,44% 18,17%

1995 15,24% 21,98% 22,41% 14,71%

1996 9,19% 9,12% 9,56% 9,36%

1997 7,74% 4,34% 5,22% 7,49%

1998 1,79% 2,49% 1,66% 1,71%

1999 20,10% 8,43% 8,94% 19,99%

2000 9,95% 5,27% 5,97% 9,81%

2001 10,38% 9,44% 7,67% 10,40%

2002 25,31% 14,74% 12,53% 26,41%

2003 8,71% 10,38% 9,30% 7,67%

2004 12,41% 6,13% 7,60% 12,14%

2005 1,21% 5,05% 5,69% 1,22%

2006 3,83% 2,81% 3,14% 3,79%

2007 7,75% 5,16% 4,46% 7,89%

2008 9,81% 6,48% 5,90% 9,10%

2009 -1,72% 4,11% 4,31% -1,45%

Acum. 96 a Dez/2009 226,61% 146,71% 142,54% 223,51%

Acum. Plano Real 338,57% 260,55% 251,64% 338,52%

Fonte: Elaborado pelos autores com base de dados do Portal Brasil e IBGE

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Mesmo com todos os méritos que se possa atribuir ao Plano Real, das tabelas anteriores, pode-se con-cluir que a inflação foi bastante reduzida, mas não totalmente eliminada. Ainda assim, e apesar da per-sistência do processo inflacionário, em dezembro de 1995, com o objetivo de eliminar de vez a cultura inflacionária disseminada em nosso País, a Lei nº 9.249, com vigência prevista para janeiro de 1996, determinou que:

Art. 4º Fica revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de que tratam a Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989, e o art. 1º da Lei nº 8.200, de 28 de junho de 1991.

Parágrafo único - Fica revogada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários.

Dessa forma, os efeitos da inflação deixaram de ser considerados para fins fiscais e no cálculo dos divi-dendos, pois, com a restrição legal, não sobrou es-paço para que as empresas pudessem buscar, por exemplo, por meio de suas assembleias de acionis-tas ou alterações contratuais, mecanismos legais que considerassem tais efeitos na proposta de dividen-dos.

Santos (1997), quando se referiu à extinção da obri-gatoriedade de se reconhecer os efeitos da inflação nas demonstrações contábeis, afirmou que:

Com essa proibição de reconhecimento da inflação, as demonstrações contábeis das empresas que entendem proibido divulgar tudo o que a lei não obriga perderão muito da capacidade de auxiliar na análise e administração financeiras das empresas.

Dessa forma, tal realidade acabou por provocar a busca por respostas empíricas para os seguintes questionamentos: a) os bancos, no Brasil, realmen-te se beneficiaram com as altas taxas inflacionárias?; b) em caso de resposta positiva à questão anterior, como tais benefícios, após o Plano Real, foram com-pensados?

Nesse cenário, justifica-se a realização desta pesqui-sa, dado seu ineditismo no Brasil e igualmente no exterior. No âmbito nacional, inexistem trabalhos que: (i) tenham utilizado uma amostra de mais de duas décadas e (ii) que tenham objetivado a analisar

a lucratividade de bancos, antes e após o período in-flacionário, com vistas a analisar especificamente os ganhos com a inflação e as receitas com a cobrança de serviços bancários.

Do mesmo modo, o ambiente brasileiro possui ca-racterísticas peculiares, como períodos de alta infla-ção, planos econômicos, legislações fiscais e societá-rias e a prática de correção monetária de balanços. Por essa razão, tal ambiente propicia condições de pesquisa que não são encontradas em outros países, tornando este trabalho igualmente inédito em âmbi-to internacional.

Adicionalmente, dada a amplitude do tema, que per-meia diversas áreas do conhecimento, e sua relevân-cia prática para os agentes econômicos, os resultados da pesquisa tendem a ser bastante esclarecedores e de interesse de profissionais e acadêmicos das áreas de administração, contabilidade, econômica, finan-ças e direito, dentre outras.

Veja-se, por exemplo, que a questão das tarifas co-bradas pelas instituições financeiras tem sido alvo de discussões no âmbito da sociedade brasileira, inclu-sive de regulamentações específicas. Recentemente, o Banco Central do Brasil aprovou a Resolução Nº 4.196, de 15 de março de 2013, que “dispõe sobre medidas de transparência na contratação e divulga-ção de pacotes de serviços”. Essa Resolução faz parte de um pacote de medidas que buscam aumentar a transparência dessas informações.

A lucratividade dos bancos e os efeitos da inflação também têm sido alvo de diversas discussões no âm-bito econômico e social brasileiro. Recente matéria publicada pela Folha de São Paulo, no dia 4 de mar-ço de 2013, intitulada “Lucro real de BB, Bradesco e Itaú tem 1ª queda em 15 anos” ressaltou que, quando

A lucratividade dos bancos e os efeitos da inflação

também têm sido alvo de diversas discussões no âmbito econômico e social brasileiro.

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considerados os impactos da inflação, os lucros dos bancos tiveram queda no ano de 2012:

“apesar de terem apresentado altos lucros nominais em 2012, os três maiores bancos de capital aberto do país --Banco do Brasil, Itaú-Unibanco e Bradesco-- tiveram queda no lucro ajustado pela inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). No ano passado, a lucratividade dos três bancos apresentaram diminuição de 6,26% em relação ao ano anterior --o equivalente a R$ 2,49 bilhões. Foi a primeira queda desde 1996, segundo levantamento feito pela consultoria Economatica.” (g. n.)

Nesse contexto, justifica-se a realização desta pes-quisa, dada sua relevância prática e acadêmica, des-tacando-se seu recorte diferenciado e inédito.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A correção monetária foi introduzida no Brasil, de forma obrigatória, a partir de 1964, e seu principal objetivo era amenizar os perversos efeitos que a inflação provocava na vida das pessoas e empresas. Outro era transformar a moeda em algo que pudes-se ser considerado uma medida padrão e, assim, ser utilizado em uma de suas funções básicas, que é a de troca. Sobre isso, Famá (1986, p. 62) relatou que:

(...) quando há inflação, a moeda perde sua característica de homogeneidade que é a exigida na tarefa de somar ou agregar todas as transações ocorridas durante o ciclo operacional. A presença da inflação dificulta ou ofusca a percepção real em oposição ao nominal.

Também em relação à correção monetária, Endo (1988, p. 34) manifestou que:

A correção monetária, do ponto de vista conceitual, nada mais é do que a introdução de uma segunda moeda no sistema econômico para suprir a deficiência de algumas das funções da moeda. De fato, como num contexto inflacionário, a moeda legal não é mais adequada para desempenhar suas funções de reserva de valor e de unidade de conta para pagamentos diferidos, é natural que se buscasse um artifício como o da indexação, para suprir tais funções.

O processo inflacionário provoca consequências nefastas à sociedade e os economistas enumeram

aquelas que consideram as principais: os preços so-bem de forma desordenada e atingem os produtos e as diversas classes sociais de forma não homogênea; como regra, do ponto de vista relativo, a classe média é a mais atingida, pois a classe rica sempre encontra mecanismos de defesa, e a classe mais baixa, por já se encontrar no nível de subsistência ou miséria, tem pouca coisa adicional a entregar ou perder; em todos os níveis da atividade econômica, buscam-se meca-nismos para redução e/ou sonegação de impostos; a distância entre o produtor e o consumidor aumenta com o surgimento de atravessadores.

Enfim, essas são apenas algumas das mais citadas consequências do processo inflacionário, mas ainda há outra não menos importante: aquela que repre-senta a total perda de sensibilidade em relação aos preços da economia. Perde-sea noção dos preços e ninguém consegue dizer se determinado produto, trocado por uma quantidade qualquer de moeda, é caro ou barato. Dentre esses ensinamentos dos economistas e da própria sociedade, um deve ser salientado: Samuelson, prêmio Nobel de Economia em 1970 (1975, pág. 288), quando discutiu inflação, deflação e distribuição de renda entre os grupos da sociedade. Ao afirmar seu entendimento de inflação, uma época de alta generalizada dos preços das mer-cadorias e dos fatores de produção, disparou uma frase que merece destaque pela sua atualidade e per-tinência com a pesquisa realizada:: “Em períodos de inflação, qualquer tolo arrojado é um grande finan-cista.” (g. n.)

Deve-se observar que a inflação não ocorre somente nos países do chamado Terceiro Mundo ou naqueles em vias de desenvolvimento. Esse é um processo que também está presente nos chamados países ricos.

Deve-se observar que a inflação não ocorre somente nos países

do chamado Terceiro Mundo ou naqueles em vias de desen-volvimento. Esse é um proces-so que também está presente

nos chamados países ricos.

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Vejamos alguns exemplos extraídos de publica-ções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de taxas acumuladas nos úl-timos 38 anos (1970 a 2008): Estados Unidos da América, 454%; Reino Unido, 868%; Japão, 212%; Alemanha, 208%; Suíça, 199% e Suécia, 683%. Se o Brasil mantiver 4,5% de inflação ao ano, nos próxi-mos 38 anos, acumulará aproximadamente 430% de inflação no período.

Apenas para citar um exemplo, depois de 11 anos sem reconhecer oficialmente os efeitos da inflação nas demonstrações contábeis, a Companhia Energética de São Paulo – CESP publicou suas demonstrações relativas a 2006 e, de forma espontânea, divulgou de-monstrações complementares, considerando-se os efeitos da inflação. O valor do Patrimônio Líquido apresentado sem esses efeitos foi de R$ 10,1 bilhões, enquanto o apresentado com os efeitos da inflação chegava a R$ 25,8 bilhões.

Por esses números, é possível vislumbrar a distor-ção nos índices de rentabilidade e endividamento da empresa e do que a falta de reconhecimento da in-flação está provocando nas demonstrações contábeis das empresas. Santos, Braga e Marques (1997), em trabalho sobre a formação da rentabilidade destina-da aos acionistas, destacaram que:

No Brasil, a redução drástica dos índices inflacionários com os quais estávamos habituados a conviver acabará por exigir de nossos gestores uma maior competência na aplicação dos recursos colocados à sua disposição. Em períodos de altas taxas inflacionárias muitas ineficiências de uma empresa acabam sendo encobertas pela desorganização que a inflação provoca nos sistemas de preços e custos.

Tais efeitos já haviam sido destacados pelo profes-sor norteamericano de Economia já citado neste trabalho, Paul Anthony Samuelson que, em seu livro Introdução à Análise Econômica, edição de 1969 (já são mais de 40 anos!), na página 354, fez a seguinte afirmação: “O valor do dólar – medido de acordo com o que ele pode comprar – foi reduzido a quase metade desde a época em que nasceram os atuais estudantes universitários.” (g. n.) Entende-se que a clareza da afirmação dispensa qualquer comentário adicional.

Ao criticar o fato de termos abolido de nossas

práticas contábeis e legislação o reconhecimento da inflação, o professor Eliseu Martins publicou artigo na Gazeta Mercantil, de 5 de dezembro de 1996 e, de forma irônica, deu o seguinte título: Balanços, esta-mos em boa companhia. Ao se referira essa ausência de reconhecimento da inflação nas demonstrações contábeis, o ilustre professor afirmou o seguinte:

Que pena para os contadores, que estamos perdendo ótima oportunidade de apresentar os fatos como eles são e de nos firmarmos como classe preocupada com a qualidade da informação, apesar de toda a pressão em contrário. (g. n.).

Pode-se dizer que, atualmente, vive-se um paradoxo, afinal, nossa legislação não autoriza, sob qualquer hipótese, que se reconheça nas demonstrações con-tábeis qualquer efeito inflacionário, enquanto a nor-ma internacional IAS 29, do International Accouting Standards Board – Iasb, editada em julho de 1989, estabelece regras que tratam, sob determinadas condições, do reconhecimento da inflação nas de-monstrações contábeis. Sobre esse aspecto, será ne-cessário aguardar um posicionamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, já que isso faz parte do processo de convergência contábil.

2.1. Estudos Anteriores

Conforme já mencionado, esta pesquisa é inédita no Brasil em razão de seu recorte diferenciado. Do mesmo modo, pode ser igualmente considerada iné-dita em âmbito internacional, pois as características específicas do mercado brasileiro, especialmente no que diz respeito ao aspecto inflacionário e a respecti-va forma de seu reconhecimento nas demonstrações contábeis, não se fizeram presentes na maioria dos países do mundo.

Em âmbito nacional, algumas pesquisas similares buscaram analisar o impacto da redução dos índices inflacionários no setor bancário, mas com um enfo-que distinto daquele utilizado neste estudo.

A pesquisa de Cysne e Costa (1997), por exemplo, buscou analisar a evolução do setor bancário antes e logo após o Plano Real. Conforme as análises que compararam os principais indicadores de 90 bancos nos primeiros semestres dos anos de 1994 e 1995,

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os bancos brasileiros foram fortemente afetados pelo programa de estabilização. De fato, embora a liquidez geral (que reflete o equilíbrio estático entre a captação e a aplicação de recursos) e o grau de alavancagem tenham apresentado apenas uma leve deterioração, o conjunto dos bancos analisados experimentou um prejuízo de R$597 milhões no primeiro semestre de 1995. A rentabilidade do patrimônio líquido, em consequência, passou de 6,22% para -1,91%. (CYSNE e COSTA, 1997, pag. 334).

Os autores, entretanto, ressaltaram que tais resul-tados foram fortemente distorcidos pelo Banco do Brasil, que apresentou, no primeiro semestre de 1995, um prejuízo de R$2,4 bilhões. Segundo Cysne e Costa (1997, pag. 335), desconsiderando-se o Banco do Brasil, conclui-se que o conjunto de ban-cos analisados logrou aumentar sua liquidez, reduzir o grau de alavancagem e manter uma rentabilidade do patrimônio líquido razoável no primeiro semes-tre de 1995.

O trabalho de Gabriel (2004) objetivou a verificar os efeitos da inflação na rentabilidade e adequação de capital dos bancos no Brasil. Para isso, utilizou amostra composta pelos 50 maiores bancos comer-ciais, de 1996 a 2002. O autor aplicou a técnica da correção monetária de balanços, em bases mensais, com a utilização do Índice Geral de Preços. Os resul-tados dessa pesquisa evidenciaram que mesmo com baixo índice de inflação (1,71% em 1998), as diferen-ças entre os indicadores analisados foram estatistica-mente significativas. Ademais, evidenciaram que os bancos estavam divulgando rentabilidade nominal maior do que a real, e que havia maior cobertura de riscos pelo capital próprio corrigido.

A pesquisa de Rodrigues (2004) objetivou a estudar o impacto dos planos de estabilização econômica, Plano Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II e Real, implementados no Brasil no período de 1986 a 1994, em uma amostra de 10 bancos. Os resultados pos-sibilitaram as seguintes conclusões: oscilações nos indicadores de rentabilidade, até a consolidação do processo de estabilização de preços; dependendo do plano, ocorreu retração ou expansão do crédito, verificando-se potencial para ampliação do crédito, devido aos níveis de capitalização acima dos míni-mos exigidos pela regulamentação; melhorias na qualidade dos ativos, na liquidez e na eficiência dos bancos analisados.

3. METODOLOGIA

A coleta de dados obtidos a partir de documentos, do ponto de vista conceitual, nas pesquisas de relações sociais, está enquadrada na categoria de comunica-ção de massas. Normalmente, é efetuada por meio de materiais criados e distribuídos pela própria so-ciedade. Assim, o conjunto de demonstrações con-tábeis produzido e divulgado pelas empresas pode, e deve, ser classificado nessa categoria.

As demonstrações contábeis têm como uma de suas principais características a não interferência do pes-quisador, afinal, não foram criadas para ele e tam-pouco com sua participação; o que o pesquisador faz é utilizar-se delas para obter suas observações. Sobre isso, cabeestacar o que nos ensinou (SELLTIZ, 1974, P. 225):

(...) a observação não apenas é uma das atividades mais difusas da vida diária; é também um instrumento básico da pesquisa científica. A observação se torna uma técnica científica na medida em que serve a um objetivo formulado de pesquisa; é sistematicamente planejada; é sistematicamente registrada e ligada a proposições mais gerais em vez de ser apresentada como conjunto de curiosidades interessantes; é submetida a verificações e controles de validade e precisão.

3.1. Características da população pesquisada

A população considerada no trabalho de pesqui-sa incluiu apenas os bancos com ações negociadas em bolsa, isto é, aqueles sujeitos não só às regras do Banco Central do Brasil, mas também às da CVM. A restrição de pesquisa, indicando que foram utili-zadas as instituições sujeitas às regras da CVM, tem sua fundamentação no fato de que o trabalho teve como fonte principal a coleta de dados realizada a partir das demonstrações contábeis elaboradas em Moeda de Poder Aquisitivo Constante, que só eram exigidas das entidades cujos títulos eram negocia-dos nas bolsas de valores. O processo de privatiza-ção e incorporação pelo qual passou o País também acabou por restringir a quantidade de instituições financeiras pesquisadas, pois muitas foram incorpo-radas por outras, principalmente entre 1994 e 2002.

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Bancos e Inflação

REVISTA23

Vol. 2, novembro/2014

As demonstrações contábeis utilizadas na pesquisa foram obtidas nas publicações em diários oficiais da época e, após análise e verificação das demonstra-ções que atendiam às características da pesquisa a ser realizada, foram selecionadas as seguintes ins-tituições: Banco do Brasil, Banco Bradesco, Banco Itaú, Banco Real e Unibanco. Como o período de pesquisa é bastante longo (1989 a 2009), nem sem-pre foi possível obter todas as informações de todas as instituições para todo o período.

Por exemplo, o Banco Real, por ter sido adquirido pelo ABN ANRO, é um exemplo de instituição para a qual não dispomos de informações para todo o pe-ríodo. O mesmo ocorre com o Unibanco, do qual dispomos de informações apenas até 2007, pois, em 2008, fez parte do processo de fusão com o Banco Itaú. Do Banco do Brasil, não temos as informações do ano de 1989.

A pesquisa realizada utilizou-se do conjunto de de-monstrações contábeis elaboradas em valores nomi-nais e com correção monetária integral, divulgadas pelos bancos com ações negociadas em bolsa de va-lores. Dessa forma, foi uma amostragem intencional e seus resultados não podem ser generalizados.

Cabe frisar que, mesmo não sendo possível gene-ralizar, tendo-se em vista o tamanho e a forma co-moa amostra foi determinada, pode-se afirmar que os resultados representam, em boa medida, o que aconteceu no setor bancário no período objeto de análise. Essa afirmação está baseada no seguinte: to-mando-se a edição de 1990 da Revista Melhores e Maiores, as instituições financeiras utilizadas neste trabalho eram responsáveis, em 1989, por 60,6% do patrimônio líquido dos 50 maiores bancos que ope-ravam no País naquele momento. Na edição de 2010 da mesma revista, relativa aos balanços de 2009, após toda a reestruturação pela qual passou o setor, as três instituições restantes do objeto da pesquisa (Banco do Brasil, Itaú-Unibanco e Bradesco) repre-sentavam 49,8% do total dos patrimônios líquidos dos 50 maiores bancos em operação.

3.2. Coleta de dados

Os dados, que são secundários e serviram de base

para a pesquisa, foram coletados das demonstrações contábeis dos bancos relativas a um período de mais de 20 anos. Tal período engloba os anos que vão de 1989 a 2009. A escolha de 1989 como marco ini-cial da pesquisaestá atrelada à disponibilização das informações. Outra razão para a escolha de 1989 está vinculada à Instrução Normativa nº 64/87, da CVM, que passou a obrigar todas as companhias abertas, incluídas aí as Instituições Financeiras, a publicar suas demonstrações contábeis em moeda de poder aquisitivo constante. Essa obrigatoriedade, dentre outras, determinava que os efeitos da infla-ção fossem demonstrados em cada uma das linhas da Demonstração de Resultados (DRE), do Balanço Patrimonial, da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos (DOAR) e da Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido (DMPL).

Anteriormente, tais efeitos, de acordo com as regras estabelecidas pela Lei das Sociedades por Ações, nº 6.404/76, eram explicitados, de forma bastante simplificada, em uma única linha na DRE, na conta Saldo da Correção Monetária do Balanço, e nas con-tas do Ativo Permanente e Patrimônio Líquido. Na DMPL e na DOAR, apenas a linha do Lucro Líquido era apresentada considerando-se os efeitos da infla-ção. As demais informações dessas demonstrações eram todas apresentadas em valores nominais.

Como ano final da pesquisa, foi escolhido 2009, por ser esse o último ano em que Instituições Financeiras pesquisadas disponibilizaram as demonstrações contábeis devidamente atualizadas pelos reflexos da inflação. Consideramos que um período superior a 20 anos, de 1989 a 2009, pode ser considerado bas-tante adequado para os propósitos da pesquisa, afi-nal, nele estão incluídos cinco anos anteriores, 15 anos posteriores e o próprio ano em que foi implan-tado o Plano Real.

3.3. Tratamento dos dados

O ideal seria dispor dos dados de diversas institui-ções, o que possibilitaria a apresentação dos resulta-dos de forma segmentada, como, por exemplo: ins-tituições privadas nacionais, privadas estrangeiras, estatais, bancos denominados “varejistas” e bancos “atacadistas”. Como os dados necessários não estão

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Bancos e Inflação

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disponíveis para todas as instituições financeiras, optou-se por fazer a análise individual de cada uma daquelas que os disponibilizaram.

A decisão de se analisar demonstrações isoladas também está vinculada ao fato de que, nesse perío-do, o sistema bancário passou por processo de inten-sa reestruturação. Bancos estatais foram absorvidos por bancos privados, bancos nacionais foram incor-porados por bancos estrangeiros, bancos privados nacionais foram incorporados por outros bancos privados nacionais, e tudo isso como decorrência, dentre outros motivos, da abertura de nossa econo-mia.

Como consequência da utilização de informações de um período longo, em que a moeda sofreu altera-ções significativas na capacidade de compra e houve mudança até do próprio nome, e pelo próprio obje-tivo da pesquisa, todos os dados extraídos das de-monstrações contábeis foram atualizados para uma moeda de poder aquisitivo constante.

Essa atualização foi realizada com a utilização do ín-dice geral de preços, de abrangência nacional, utiliza-do como referência para o cálculo da inflação oficial, ou seja, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), calculado pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atualização de todos os dados para uma moeda de mesmo poder aquisitivo propicia a apresentação de demonstrações sem os vieses normalmente provocados por mudan-ças nos níveis gerais de preços. Assim, com a utiliza-ção do IPCA, todos os valores estão atualizados para a moeda de dezembro de 2009.

3.4. Limitações da pesquisa

Primeiramente, é mister ressaltar que os resultados desta pesquisa não podem ser generalizados para outras amostras de instituições financeiras, além das analisadas. Apesar de a amostra do estudo ser bas-tante representativa do setor bancário (cerca de 50% do total dos patrimônios líquidos dos 50 maiores bancos em operação no Brasil em 2009), a interpre-tação dos resultados encontrados é restrita à amos-tra e ao período analisado (1989 – 2009).

É igualmente necessário destacar que, o estudo, pelo

seu recorte de pesquisa, restringiu-se a analisar duas variáveis que impactaram o lucro dos bancos: (i) ganhos com a inflação e (ii) ganhos com serviços bancários. Como é sabido, outras variáveis também impactam a lucratividade dos bancos, por exemplo, a taxa básica de juros, a inadimplência, o desempe-nho do mercado financeiro nacional e internacional, a composição das carteiras etc.

Neste trabalho, não são analisadas essas outras va-riáveis, até porque o objetivo não é explicar a lucra-tividade dos bancos no período analisado. Ao con-trário, limita-se a analisar apenas os ganhos com a inflação e os serviços bancários, relacionando-os a outras variáveis, como lucro líquido e despesa com pessoal. Nota-se, portanto, que outros fatores tam-bém afetam as decisões estratégicas de maximização dos lucros de instituições financeiras, mas, neste es-tudo, o limite foi a análise das duas variáveis ante-riormente mencionadas.

4. APRESENTAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE GERAL

A seguir, são apresentadas as tabelas com os dados extraídos das demonstrações contábeis das institui-ções financeiras incluídas nesta pesquisa e suas res-pectivas análises. Deve-se esclarecer que as análises e observações serão elaboradas a partir da busca por respostas às questões de pesquisa propostas. Os gan-hos e as perdas nos itens monetários, como se pode-rá observar em todas as instituições utilizadas neste trabalho, sofreram quedas bastante significativas em 1995, quando já estava implantado o Plano Real e o controle da inflação já se apresentava mais efetivo.

No Banco do Brasil, que também apresentou suas demonstrações com correção monetária integral (CMI) em 1996 e 1997, essa tendência de queda também pode ser verificada, afinal, as taxas inflacio-nárias continuaram apresentando desaceleração em seu ritmo. Esse banco foi a única instituição, dentre as inseridas nesta pesquisa, que, mesmo sem qual-quer exigência normativa ou legal, publicou suas de-monstrações contábeis com CMI até 1997, nos dois anos subsequentes à eliminação da exigência que lhe era imposta por regra da CVM. Seguem na Tabela 3 as informações relativas ao Banco do Brasil:

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Bancos e Inflação

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Tabela 3 - Banco do Brasil

AnoG/P itens

monetários

Receitas de serviços bancários

Despesas de pessoal Lucro líquido

G/P itens monetários/lucro líquido

Serviços bancários/

lucro líquido

G/P itens monetários/despesas de

pessoal

Serviços ban-cários/despesas

de pessoal

1990 9.964.510 942.021 0 954.433 10,44 0,99 N/A N/A

1991 6.993.996 928.152 10.588.660 928.533 7,53 1,00 0,66 0,09

1992 9.061.400 1.194.856 13.857.497 1.564.999 5,79 0,76 0,65 0,09

1993 5.890.205 1.806.714 17.628.842 1.391.257 4,23 1,30 0,33 0,10

1994 9.234.678 2.483.131 18.701.418 321.756 28,70 7,72 0,49 0,13

1995 996.922 4.087.620 16.387.747 -10.315.611 -0,10 -0,40 0,06 0,25

1996 480.105 4.969.840 14.758.607 -17.827.785 -0,03 -0,28 0,03 0,34

1997 720.366 5.393.201 13.399.090 623.758 1,15 8,65 0,05 0,40

1998 5.367.199 11.651.199 1.800.157 2,98 0,46

1999 6.254.477 8.101.885 65.371 95,68 0,77

2000 6.269.215 10.351.226 1.746.273 3,59 0,61

2001 6.299.542 9.601.920 1.801.234 3,50 0,66

2002 6.609.878 8.807.368 2.999.744 2,20 0,75

2003 7.161.053 7.667.222 3.222.659 2,22 0,93

2004 7.984.275 9.181.443 3.803.897 2,10 0,87

2005 8.602.094 9.029.123 4.943.617 1,74 0,95

2006 9.572.041 9.122.851 6.973.914 1,37 1,05

2007 10.202.845 10.267.974 5.587.704 1,83 0,99

2008 10.194.920 9.180.859 9.182.273 1,11 1,11

2009 10.394.473 10.220.429 10.212.577 1,02 1,02

Fonte: Informações extraídas das Demonstrações Contábeis

Dessa tabela, pode-se perceber que as receitas de serviços bancários cresceram de forma significati-va entre 1990 e 2009, representando um aumento equivalente a 10 vezes. As despesas com pessoal, que passaram a ser divulgadas isoladamente a partir de 1991, tiveram, como se verá à frente, comportamen-to relativamente uniforme dentre as instituições pes-quisadas; porém, isso não foi o que aconteceu com o Banco do Brasil. Em verdade, pode-se afirmar que, quando comparado às demais instituições pesqui-sadas, o comportamento dessas despesas para esse banco foi não uniforme.

Essa instituição aumentou suas despesas em pouco mais de 76%, na comparação entre 1991 e 1994, mas também apresentou redução de aproximadamente 60%, quando se compara, por exemplo, 1994 com 2003. Após esse período, suas despesas com pessoal voltaram a crescer e, em 2009, já eram 33% supe-riores às de 2003. Em 2009, com pouco mais de 10 bilhões de reais, esses gastos voltaram, praticamen-te, ao patamar de 1991. A adoção do Programa de Demissão Voluntária (PDV), implantado pela insti-tuição no período analisado, é uma das causas das oscilações observadas.

Nesse banco, em 1991, os ganhos com a inflação fo-ram equivalentes a 2/3 das despesas com pessoal e a mais de 6,5 vezes o total do lucro líquido. No ano anterior, representaram mais de nove vezes o valor do lucro líquido, e as receitas de serviços bancários alcançaram valores praticamente iguais aos do lucro líquido. Em 1997, três anos após a edição do Plano Real, os ganhos com os passivos monetários ainda foram bastante expressivos, afinal, representaram 115% do lucro líquido do período. No período de 2000 a 2009, a relação entre receitas de serviços ban-cários e o lucro líquido teve expressivas oscilações, mas manteve-se sempre acima dos 100%.

Outro dado que chama a atenção nesse banco é a relação entre as receitas de serviços bancários e as despesas com pessoal. Em 1994, ano da implanta-ção do Plano Real, referidas receitas cobriram ape-nas 13% das despesas com pessoal. A partir de 2006, foram sempre suficientes para cobrir, praticamente, toda sua folha de pagamento. Seguem na Tabela 4as informações referentes ao Bradesco:

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Bancos e Inflação

REVISTA27

Vol. 2, novembro/2014

Tabela 4 - Bradesco

AnoG/P itens

monetários

Receitas de serviços bancários

Despesas de pessoal Lucro líquido

G/P itens monetários/lucro líquido

Serviços bancários/

lucro líquido

G/P itens monetários/despesas de

pessoal

Serviços ban-cários/despe-sas de pessoal

1989 33.459.700 125.548 0 1365170 24,51 0,09 N/A N/A

1990 7.678.115 453.769 0 539.151 14,24 0,84 N/A N/A

1991 3.332.143 490.822 2.567.957 599.568 5,56 0,82 1,30 0,19

1992 3.479.451 994.218 2.955.874 1.012.329 3,44 0,98 1,18 0,34

1993 4.380.239 1.150.596 3.331.545 1.320.588 3,32 0,87 1,31 0,35

1994 2.930.645 1.564.094 4.010.130 1.323.230 2,21 1,18 0,73 0,39

1995 260.921 2.250.305 3.805.094 1.309.951 0,20 1,72 0,07 0,59

1996 2.379.082 3.902.081 1.825.098 1,30 0,61

1997 2.792.350 3.648.903 1.747.148 1,60 0,77

1998 3.210.752 4.079.923 2.095.102 1,53 0,79

1999 3.740.079 3.999.537 2.098.689 1,78 0,94

2000 4.585.466 4.236.943 3.119.246 1,47 1,08

2001 4.659.033 4.257.544 3.612.832 1,29 1,09

2002 4.318.369 4.638.969 2.992.217 1,44 0,93

2003 4.425.994 5.044.673 3.121.630 1,42 0,88

2004 5.445.991 5.488.127 3.849.364 1,41 0,99

2005 6.448.376 5.600.500 6.562.851 0,98 1,15

2006 7.037.506 5.882.369 5.831.857 1,21 1,20

2007 7.793.295 5.966.708 8.848.342 0,88 1,31

2008 7.144.943 6.076.472 7.948.670 0,90 1,18

2009 6.308.625 6.269.786 8.119.559 0,78 1,01

Fonte: Informações extraídas das Demonstrações Contábeis

Por essa tabela, pode-se observar que os ganhos com passivos monetários obtidos pelo Bradesco, em 1989, representaram 24,5 vezes o valor do lucro lí-quido, enquanto as receitas com serviços bancários eram iguais a 9% desse mesmo lucro. Em 1991, ano do Plano Collor, esses ganhos tiveram significativa redução, mas, ainda assim, representaram cinco ve-zes e meia o lucro líquido, e foram suficientes para superar em 30% as despesas com pessoal. Naquele ano, as receitas oriundas dos serviços bancários re-presentaram aproximadamente 1/5 das despesas com pessoal.

Outro dado que chama atenção é a relação de 221% quando se compara os ganhos com passivos mone-tários e o lucro líquido dessa instituição em 1994, primeiro ano do Plano Real. Nesse ano, as receitas de serviços bancários já haviam triplicado em rela-ção a 1991, e atingiram praticamente 2/5 das despe-sas com pessoal.

A relação receitas de serviços bancários e despesas com pessoal atingiu seu auge em 2006, quando che-gou a 120%. No período de 1999/2009, teve seu pior resultado em 2003, com 88%, mas, nos demais anos, sempre esteve, praticamente, ao redor de 100%. Isso significa que, nesse período, tais receitas de serviços foram sempre suficientes para cobrir os gastos com a folha de pagamentos. Em números absolutos, em 2009, os 6,3 bilhões de reais obtidos com receitas de serviços bancários foram praticamente iguais aos 6,2 bilhões de reais gastos com pessoal. No período de 1991/2009, o Bradesco aumentou o valor de suas despesas com pessoal em 144%, enquanto as receitas de serviços bancários atingiram a marca dos quase 1.200%.

Na Tabela 5, seguem informações referentes ao Banco Itaú:

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Bancos e Inflação

REVISTA28

Vol. 2, novembro/2014

Tabela 5 - Itaú

AnoG/P itens

monetários

Receitas de serviços bancários

Despesas de pessoal Lucro líquido

G/P itens monetários/lucro líquido

Serviços bancários/

lucro líquido

G/P itens monetários/despesas de

pessoal

Serviços ban-cários/despe-sas de pessoal

1989 7.882.963 504.964 0 952808 8,27 0,53 N/A N/A

1990 -843.292 613.935 0 447.105 -1,89 1,37 N/A N/A

1991 2.277.883 687.067 1.742.780 547.519 4,16 1,25 1,31 0,39

1992 2.772.486 893.560 1.846.009 783.399 3,54 1,14 1,50 0,48

1993 3.065.927 1.028.163 2.271.010 934.074 3,28 1,10 1,35 0,45

1994 2.526.844 1.354.393 2.533.915 950.512 2,66 1,42 1,00 0,53

1995 166.887 2.091.077 2.707.074 906.313 0,18 2,31 0,06 0,77

1996 3.092.961 2.735.361 1.313.665 2,35 1,13

1997 3.584.873 2.559.870 1.355.597 2,64 1,40

1998 2.938.748 2.220.941 2.692.275 1,09 1,32

1999 4.156.199 2.117.607 3.714.795 1,12 1,96

2000 4.016.068 2.536.478 3.280.877 1,22 1,58

2001 4.342.920 2.641.788 4.781.679 0,91 1,64

2002 4.849.274 2.879.584 3.276.546 1,48 1,68

2003 4.759.572 2.609.073 3.226.308 1,48 1,82

2004 4.207.654 2.272.524 2.947.923 1,43 1,85

2005 4.552.874 2.887.798 2.355.575 1,93 1,58

2006 4.771.046 2.913.524 2.284.023 2,09 1,64

2007 5.149.092 3.130.489 3.034.106 1,70 1,64

2008* 12.240.029 8.173.998 8.139.813 1,50 1,50

2009* 15.523.879 10.023.958 10.066.608 1,54 1,55

Fonte: Informações extraídas das Demonstrações Contábeis* - Itau-Unibanco

Essa tabela mostra que o crescimento de aproxima-damente 80% das despesas com pessoal do Banco Itaú, quando tomado antes da fusão com o Unibanco, foi o que apresentou menor alteração relativa no pe-ríodo de 1991/2007.

Outro dado que chama atenção nas demonstrações dessa instituição é quando comparamos os gas-tos com pessoal e os respectivos lucros líquidos. O Banco Itaú, em 1998, pela primeira vez, desde o iní-cio do período analisado, auferiu lucro líquido supe-rior aos gastos com pessoal. Para efeito comparativo, no Bradesco, isso só foi possível em 2005, quando os gastos com pessoal atingiram a marca dos 5,6 bi-lhões de reais e o lucro líquido chegou a 6,6 bilhões de reais.

No período de 1991/1993, no Banco Itaú, os ganhos com os passivos monetários sempre foram superio-res aos gastos com pessoal, atingindo seu ápice em 1992, quando essa relação representou 150%. Em 1994, mesmo com a implantação do Plano Real, os ganhos com esses passivos, no valor de 2,5 bilhões

de reais, foram praticamente iguais aos gastos com pessoal. Naquele momento, as receitas com servi-ços bancários cobriram pouco mais da metade dos gastos com pessoal. Em 2007, quando houve a fusão com o Unibanco, já tinham praticamente triplicado e superaram em 64% o valor das despesas com pes-soal.

Os ganhos com passivos monetários do Banco Itaú, em 1989, representaram 8,2 vezes o valor do lucro líquido do período. Em 1994, essa relação foi de 2,7 vezes. Também chama a atenção o crescimento dos valores das receitas de serviços bancários, que saltou de 505 milhões de reais, em 1989, para 5,1 bilhões, em 2007, o que representa um crescimento de mais de 900%.

Não foi apresentada qualquer análise com base em dados combinados entre o Itaú e o Unibanco em relação aos gastos atuais do Itaú-Unibanco, pois tal comparação poderia apresentar vieses que só seriam eliminados com informações detalhadas, normal-mente não divulgadas.

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Pela Tabela 6, percebe-se que, no Unibanco, as des-pesas com pessoal cresceram, de 1991 para 2007, 175%, enquanto o lucro líquido, nesse mesmo pe-ríodo, cresceu mais de 2.000%. Em 1991, as receitas de serviços bancários representaram 35% dos gastos com pessoal; em 2007, essas receitas foram 16% su-periores aos referidos gastos.

Os ganhos com passivos monetários em 1991 fo-ram suficientes para cobrir 92% da folha de paga-mento, mas essa relação atingiu em 138% em 1993, ano anterior à implantação do Plano Real. Em 1994, com a implantação desse Plano e a consequente re-dução das taxas inflacionárias, essa relação passou a ser de 48%. Em outras palavras, em 1994, tais gan-hos foram suficientes para cobrir 48% da folha de

pagamento. No ano seguinte, os ganhos com a in-flação, no Unibanco, foram suficientes para cobrir apenas 2% dos gastos com pessoal.

A relação igual a 1 entre receitas de serviços bancá-rios e despesas com pessoal, no Unibanco, foi alcan-çada em 1998. A partir daí, até 2007, ano da fusão com o Banco Itaú, essa relação sempre foi superior a 1, exceção feita ao ano de 2001, quando atingiu a marca de 0,97, também muito próxima de 1.

No Unibanco, o lucro líquido, em 1991, foi de apro-ximadamente 24% dos gastos com pessoal; em 2006, esses valores permaneceram iguais. No ano da fu-são com o Itaú, em 2007, o lucro líquido representou 188% dos gastos com pessoal. Seguem na Tabela 6 informações referentes ao Unibanco:

Tabela 6 - Unibanco

Ano G/P itens monetários

Receitas de serviços bancários

Despesas de pessoal

Lucro líquido G/P itens monetários/lucro líquido

Serviços bancários/

lucro líquido

G/P itens monetários/despesas de

pessoal

Serviços ban-cários/despe-sas de pessoal

1989 1.386.842 213.192 0 281392 4,93 0,76 N/A N/A

1990 -279.815 168.534 0 200.863 -1,39 0,84 N/A N/A

1991 676.332 255.548 732.772 174.603 3,87 1,46 0,92 0,35

1992 1.030.307 404.707 947.145 212.217 4,85 1,91 1,09 0,43

1993 1.704.383 537.596 1.230.657 310.350 5,49 1,73 1,38 0,44

1994 634.620 809.206 1.314.493 357.402 1,78 2,26 0,48 0,62

1995 36.154 913.302 1.505.692 374.903 0,10 2,44 0,02 0,61

1996 1.570.707 2.188.414 631.013 2,49 0,72

1997 1.740.682 1.917.332 906.364 1,92 0,91

1998 1.727.858 1.719.374 939.791 1,84 1,00

1999 1.754.007 1.511.249 1.122.061 1,56 1,16

2000 1.683.056 787.635 1.324.932 1,27 2,14

2001 1.757.364 1.817.004 1.618.087 1,09 0,97

2002 2.039.593 1.867.581 1.494.731 1,36 1,09

2003 1.989.798 1.803.446 1.424.350 1,40 1,10

2004 2.036.656 1.946.950 1.614.147 1,26 1,05

2005 2.068.875 1.840.987 2.188.162 0,95 1,12

2006 2.299.140 2.008.958 2.019.338 1,14 1,14

2007 2.352.312 2.022.294 3.808.812 0,62 1,16

Fonte: Informações extraídas das Demonstrações Contábeis

Na Tabela 7, a seguir, estão apresentadas as informações do Banco Real, que operou isoladamente até o ano de 1999. Desde o início da série, 1989, até 1999, as receitas de serviços bancários tiveram aumento de apro-ximadamente 2.800%, ou seja, cresceram o equivalente a 28 vezes.

Os ganhos com passivos monetários nesse banco, no primeiro ano em que as informações foram disponibi-lizadas, representaram seis vezes o lucro líquido. Em 1995, já com os efeitos do Plano Real sobre o processo inflacionário, esses ganhos cobriram 18% da folha de pagamento e foram superiores ao lucro líquido em aproximadamente 33 milhões de reais.

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Outra relação que merece destaque na avaliação do Banco Real pode ser verificada quando se comparam as receitas de serviços bancários com as despesas de pessoal. Em 1991, referidas receitas cobriram 21% dos gastos com pessoal; em 1998, essa relação atingiu seu ponto máximo, quando chegou a 93%; depois, em 1999, foi reduzida a 85%.

Tabela 7 - Banco Real

AnoG/P itens

monetários

Receitas de serviços bancários

Despesas de pessoal Lucro líquido

G/P itens monetários/lucro líquido

Serviços bancários/

lucro líquido

G/P itens monetários/despesas de

pessoal

Serviços ban-cários/despe-sas de pessoal

1989 1.260.710 37.980 0 209851 6,01 0,18 N/A N/A

1990 12.933 80.019 0 124.457 0,10 0,64 N/A N/A

1991 661.841 156.675 756.468 104.161 6,35 1,50 0,87 0,21

1992 -60.442 331.205 816.381 109.967 -0,55 3,01 -0,07 0,41

1993 975.583 329.346 989.021 188.723 5,17 1,75 0,99 0,33

1994 846.984 488.092 1.129.964 211.105 4,01 2,31 0,75 0,43

1995 220.409 602.197 1.210.780 187.357 1,18 3,21 0,18 0,50

1996 0 915.966 1.160.510 747.134 1,23 0,79

1997 0 1.099.401 1.259.344 458.634 2,40 0,87

1998 0 1.093.505 1.170.397 370.857 2,95 0,93

1999 0 1.113.747 1.309.162 288.555 3,86 0,85

Fonte: Informações extraídas das Demonstrações Contábeis

Finalmente, com o objetivo de ilustrar o comportamento dos ganhos com a inflação e das receitas de servi-ços bancários, considerando os cinco bancos pesquisados, são apresentados nas figuras seguintes:

-0,3

0,0

0,3

0,6

0,9

1,2

1,5Real

Unibanco

Itaú

Bradesco

BB

19951994199319921991

Na Figura 1, ilustra-se a relação ganhos/perdas de itens monetários e despesa de pessoal no período de 1991-1995. Nota-se que, conforme já mencionado, esses significativos ganhos foram, em muitos casos, su-ficientes para cobrir a despesa de pessoal dos bancos. Em 1995, com o fim da inflação, esses ganhos tiveram expressiva redução. A análise desse gráfico corrobora o que foi destacado anteriormente e possibilita res-ponder à primeira questão de pesquisa: Os bancos efetivamente se beneficiaram das altas taxas inflacioná-rias no período pré Plano Real!

Figura 1 – G/P Itens Monetários / Despesas de Pessoal

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Com a redução das taxas inflacionárias, fez-se ne-cessário encontrar outras maneiras para a manuten-ção da lucratividade do negócio; uma das formas encontradas (obviamente não a única) foi justamen-te o incremento das receitas de serviços bancários. Na Figura 2, também como já verificado na análise anterior, ilustra-se o crescimento dessas receitas em relação às despesas de pessoal ao longo do período analisado. Nota-se a tendência de crescimento ini-ciada a partir de 1995. Assim, responde-se empirica-mente à segunda questão de pesquisa: uma das ma-neiras encontradas pelos Bancos para compensar a redução de seus resultados com a queda da inflação no período pós Plano Real foi justamente o incre-mento das receitas com serviços bancários.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

Os resultados desta pesquisa demonstram que, até 1994, quando foi implantado o Plano Real, as altas taxas inflacionárias propiciaram aos bancos ganhos significativos, afinal, eles aplicavam os valores man-tidos sob sua guarda a título de depósitos à vista, sobre os quais não pagavam qualquer tipo de remu-neração. Deve-se ressaltar que houve um pequeno período, antes de 1990, em que os depósitos à vista tiveram algum tipo de remuneração, mas sempre em percentuais bastante inferiores às taxas de inflação.

Em 1986, com a edição do Plano Cruzado e a pers-pectiva de ver seus ganhos com a inflação serem re-duzidos, as instituições bancárias passaram a cobrar por serviços até então ofertados aos seus clientes como “gratuitos”. A pesquisa demonstrou que esses serviços, reconhecidos e divulgados nas demonstra-ções de resultados na conta de receitas de serviços bancários, tiveram importância crescente e signifi-cativa na composição dos resultados dos bancos.

Desse modo, com base nos resultados obtidos e nas análises efetuadas, é possível responder positiva-mente, de forma objetiva, que os bancos se benefi-ciavam com as altas taxas inflacionárias. Isso ocorria com a aplicação financeira da diferença entre os de-pósitos à vista recebidos dos clientes e o compulsó-rio efetuado no Banco Central do Brasil. Entre 1989

Figura 2 – Receitas de Serviços Bancários / Despesas de Pessoal

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

RealUnibancoItaúBradescoBB

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

Com a redução das taxas infla-cionárias, fez-se necessário en-contrar outras maneiras para a

manutenção da lucratividade do negócio; uma das formas encon-tradas (obviamente não a única) foi justamente o incremento das receitas de serviços bancários.

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e 1995, quando as taxas de inflação alcançaram níveis elevadíssimos, todas as instituições pesquisadas tive-ram ganhos expressivos com a aplicação da diferença anteriormente referenciada. Essa expressividade pode ser demonstrada quando se verifica, por exemplo, que os gastos com pessoal entre 1991 a 1993, nos bancos Itaú e Bradesco, foram integralmente cobertos por esses ganhos.

O próprio lucro líquido dessas instituições, até a edição do Plano Real, foi constantemente uma parcela, em alguns casos, uma pequena parcela dos ganhos representados pelos chamados ganhos nos itens monetários. Por exemplo, em 1994, o Banco do Brasil apresentou a relação Ganhos com Depósitos à Vista sobre Lucro Líquido no valor de 28,7 vezes; essa relação, em 1989, para o Bradesco e Itaú, foi de 24,5 e 8,3 vezes, respec-tivamente.

No período de 1996, primeiro ano pós Plano Real, a 2009, último ano da pesquisa, de forma geral, os bancos apresentaram lucros crescentes. Por exemplo, o Bradesco, que, em 1996, realizou lucros da ordem de 1,8 bilhão de reais (em moeda de dezembro de 2009), obteve, em 2009, lucros que totalizaram 8,1 bilhões de reais; isso significa um aumento de 345%. Para a mesma compara-ção em relação ao Itaú, foi utilizado o período de 1996 a 2007, ano anterior à fusão com o Unibanco. Nesse perío-do, os lucros do Itaú cresceram o equivalente a 131%.

A partir daí, passou-se a analisar como os bancos com-pensaram os ganhos que anteriormente obtinham com a aplicação dos valores recebidos na forma de depósitos a vista. Com a redução da inflação e a consequente redução dos ganhos que ela pode proporcionar para alguns agen-tes econômicos, os bancos, beneficiários desse processo inflacionário, passaram a buscar alternativas de substitui-ção dessas suas receitas. Uma delas, sem qualquer dúvida, passou a ser a cobrança dos diversos serviços até então oferecidos aos clientes como se “gratuitos” fossem.

Em geral, as receitas relativas à cobrança desses servi-ços passaram a representar parcela bastante significativa nas receitas totais dessas instituições financeiras. Alguns exemplos: o Banco do Brasil, em 1999, tinha 9% de suas despesas de pessoal cobertas com receitas de serviços bancários; em 2009, essas receitas atingiram 102% das despesas com pessoal; no Bradesco, essa relação, no mes-mo período, saltou de 19% para 101%, mas, nos quatro anos anteriores, já tinha superado 100%; o Banco Itaú, que, em 1991, tinha 39% das despesas de pessoal cobertas com receitas de prestação de serviços, atingiu, em 1996, a relação de 113%. Nos últimos 11 anos, o Banco Itaú ob-teve relações que superaram 150%; o Unibanco, que ti-nha essa relação, em 1991, na casa dos 35%, ultrapassou, a partir de 2002 (até 2007, último ano de operação), de forma consistente, 100%. O Bradesco e o Itaú, no período de 1989 a 2009, viram suas receitas de serviços aumen-tarem 50 e 30,7 vezes, respectivamente. O Unibanco, no período de 1989 a 2007, teve essas receitas aumentadas em 11 vezes.

Em suma, os resultados desta pesquisa demonstraram que:

1) as instituições financeiras incluídas na amostra utilizada tiveram elevadíssimos ganhos com os altos índices inflacionários até a edição do Plano Real;

2) a redução das taxas inflacionárias não diminuiu os lucros dos bancos; e

3) após os efeitos do Plano Real, principalmente com a redução das taxas inflacionárias, tais instituições substituíram, em grande parte, os ganhos oriundos da inflação por cobrança de tarifas de serviços.

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Vol. 2, novembro/2014

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Page 34: Edição 02 | Novembro 2014

Bancos e Inflação

REVISTA34

Vol. 2, novembro/2014

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Inflação: Relembrando Parte 2

REVISTA35

Vol. 2, novembro/2014

A INFLAÇÃO É INIMIGA MORTAL DA CONTABILIDADE*

Dos Velhos para a Nova Geração

* Elaborado pela Editoria (Texto original: Prof. Eliseu Martins). Agradecemos ao Prof. Ariovaldo dos Santos pelas valiosas contribuições ao texto.

7o. Exemplo: Juntando Todos os Balanços e Resultados Vistos

Valores históricos puros

Vamos imaginar que todas essas empresas perten-cessem ao mesmo proprietário. Por ser pessoa física, não vai fazer balanço consolidado, mas vai usar das mesmíssimas técnicas para ter uma visão global de seus empreendimentos. Trata-se de uma forma de balanço combinado.

Partindo do princípio de que, para facilitar, não haja nenhuma transação entre todas essas empresas, e como nenhuma participa em outra, basta somarmos tudo. Temos o que poderia também ser: cada balan-ço anteriormente apresentado poderia ser o de uma divisão da empresa propriamente dita, que chama-remos de G, de Global. É como se os 6 exemplos an-teriores fossem a informação por segmento de G. A valores históricos, teremos então, para G, somando tudo:

Balanço Inicial - Histórico

Caixa 200.000 Financiamento 1.800.000

Ap. Financeira 500.000 Capital 4.900.000

Estoques 1.000.000     Terrenos 1.000.000    

Máquinas 2.000.000    

Máq. Financiadas 2.000.000    

  6.700.000   6.700.000

Resultado Histórico

Vendas 5.200.000

CPV E CMV (3.000.000)

Lucro Bruto 2.200.000

Receita Aluguel 100.000

Despesas Operacionais (670.000)

Depreciação (800.000)

Despesas de Juros (198.000)

Receita Financeira 50.000

Resultado Líquido 682.000

Balanço Final - Histórico

Caixa 2.830.000 Financiamento 1.998.000

Ap. Financeira 550.000 Capital 4.900.000

Estoques 0 Lucro Acum. 682.000

Terrenos 1.000.000    

Máquinas 2.000.000    

Máq. Financiadas 2.000.000    

Deprec. Acum. (800.000)    

  7.580.000   7.580.000

A taxa de retorno nominal dos sócios de G é R$ 682.000/R$ 4.900.000 = 13,9%

Entretanto, sabemos que tudo pode ser efetivamen-te diferente: pior, igual ou melhor. Tivemos de tudo nos exemplos vistos. E agora, no global, é lógico que teremos a efetiva mistura e muitos efeitos acabarão se compensando.

(continuando)

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Vamos então à correção simplificada, somando-se também todas as demonstrações com essa correção.

Correção monetária simplificada

Resultado Correção Monetária Simplificada

Vendas 5.200.000

CPV E CMV (3.000.000)

Lucro Bruto 2.200.000

Receita Aluguel 100.000

Despesas Operacionais (670.000)

Depreciação (848.000)

Despesas de Juros (198.000)

Receita Financeira 50.000

CMB 6.000

Resultado Líquido 640.000

Balanço Final - Corrigido

Caixa 2.830.000 Financiamento 1.998.000 Aplic. Financeira 550.000 Capital 5.194.000 Estoques - Lucro Acum. 640.000

Terrenos 1.060.000    

Máquinas 2.120.000    

Máq. Financiadas 2.120.000    

Deprec. Acum. (848.000)    

7.832.000   7.832.000

Repare-se que o lucro líquido histórico de R$ 682.000 passou, após os efeitos da inflação, para R$ 640.000. No global, até que houve pouca diferença; de 6,2% apenas.

Note que o lucro pela correção integral é igual ao da correção simplificada, e que a diferença entre o lucro da simplificada e o histórico é a inserção da conta de correção monetária do balanço e do novo valor da de-preciação.

Estivemos dando esse alerta desde o início. E veja-se que a diferença de R$ 42.00 entre os dois lucros de-corre de uma depreciação a maior nos valores corri-gidos de R$ 48.000, contrabalançada por uma conta de correção monetária credora de R$ 6.000!

Se você estiver convencido de que a correção inte-gral mostrará os mesmos R$ 640 mil de lucro, e de que esse é o número correto devido à inflação de 6%,

aprendeu que, para fins de análise, a diferença entre os lucros históricos e corrigidos reside nisso: diferen-ça entre as depreciações, amortizações e exaustões a valores históricos e a valores corrigidos, e mais, qual seria o saldo da conta de correção monetária do ba-lanço. Essa, por sua vez, é a diferença entre as cor-reções dos ativos não monetários que permanecem por mais tempo na empresa (imobilizado e intangí-vel, principalmente) e o patrimônio líquido. É lógico que isso é fácil aqui nos exemplos apresentados, por-que sabemos quando foram formados, mas isso será discutido mais à frente.

Nos balanços, as diferenças estão, é claro, nesses mesmos ativos passíveis de correção, e no valor e na composição do patrimônio líquido.

A taxa de retorno efetiva de G, após efeitos da infla-ção, então, é de R$ 640.000/R$ 5.194.000 = 12,3%

Apesar de essa taxa ser confiável, sabemos que a de-composição da análise não é completa sem a corre-ção integral.

Correção monetária integral

Pela correção integral, temos o mesmo balanço final que o da correção simplificada, mas outra demons-tração do resultado:

Resultado Correção Monetária Integral

Vendas 5.318.252

CPV E CMV (3.119.126)

Lucro Bruto 2.199.126

Receita Aluguel 100.000

Despesas Operacionais (687.738)

Depreciação (848.000)

Despesas de Juros Reais (90.000)

Receita Financeira Real 20.000

Perda no Caixa (53.388)

Resultado Líquido 640.000

Sabemos que temos receitas de vendas ocorridas durante o período e outras ao final, mas todas estão sendo consideradas com suas datas de formação. O mesmo ocorre com o custo dos produtos vendidos, formado durante o período, e o custo das mercado-rias vendidas, formado no início do período: estão todos corrigidos para moeda de fim. E as despesas operacionais e de depreciação também. Temos ainda

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Inflação: Relembrando Parte 2

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as perdas no caixa, também em medida de final de período. Logo, o lucro de R$ 640 mil está também em moeda final.

Façamos agora uma comparação entre as 3 demonstrações do resultado:

Histórico Cor. Simplificada Cor. integral Integral / Histórico

Vendas 5.200.000 5.200.000 5.318.252 2,3%

CPV E CMV (3.000.000) (3.000.000) (3.119.126) 4,0%

Lucro Bruto 2.200.000 2.200.000 2.199.126 0,0% Receita Aluguel 100.000 100.000 100.000 0,0% Despesas Operacionais (670.000) (670.000) (687.738) 2,6% Depreciação (800.000) (848.000) (848.000) 6,0% Despesas de Juros Reais (198.000) (198.000) (90.000) -54,5%Receita Financeira Real 50.000 50.000 20.000 -60,0% Perda no Caixa     (53.388) na CMB - 6.000 - na

Resultado Líquido 682.000 640.000 640.000 -6,2%

Como já dito, a diferença entre a histórica e a cor-rigida simplificadamente está nas depreciações e no saldo da correção monetária de balanço. Já as dife-renças entre a correção integral e a histórica, que são as que mais nos interessam para comparação, mos-tram algo interessante. As vendas estão diferentes em apenas 2,3%, mas o lucro bruto é praticamente igual. A margem de lucro bruto muda e a margem de lucro líquido sobre vendas também.

É claro que aqui temos compensações enormes, como já vimos. Essa demonstração global, infelizmente, esconde o que está ocorrendo nas entranhas da empresa. Assim, se somarmos todas as empresas do país, a tendência tende a ser essa mesma, a de diminuírem as diferenças. Contudo, o que é válido para o global, absolutamente, pode não ser para cada um dos indivíduos!!! Como toda a estatística.

Além disso, esse efeito aqui é porque misturamos propositalmente as coisas. Num determinado grupo de empresas em particular, isso pode, simplesmen-te, não acontecer, se todas as empresas tiverem um tipo de estrutura patrimonial homogênea, sem que existam essas compensações aqui mostradas.

Todavia, o que chama extraordinariamente a aten-ção nesse exemplo é que as dramáticas diferenças es-tão entre as receitas e despesas financeiras históricas e reais. E como isso engana na análise dos balanços e nos processos de avaliação de empresas. As despe-sas financeiras reais são 54,5% menores do que as

nominais, e as receitas financeiras reais são 60% me-nores do que as nominais.

Façamos uma anatomia do lucro pela correção inte-gral e a valores históricos. Por meio desses, o lucro produzido pelos ativos (incluindo a aplicação finan-ceira) é de R$ 880 mil (excluindo-se apenas as des-pesas financeiras).

A taxa de retorno dos ativos é: R$ 880.000/R$ 6.700.000 = 13,1%

Porém, pela correção integral: R$ 730.000/(R$ 6.700.000 x 1,06) = 10,3%

E o custo da dívida, conforme visto, já que a dívida é única da empresa F:

R$ 198.000/R$ 1.800.000 = 11% a valores históricos e

R$ 90.000/(R$ 1.800.000 x 1,06) = 4,72% a valores reais

A alavancagem é, de fato, favorável até nos valores históricos, mas é muito diferente dizer que a empre-sa está pegando dinheiro a 11% e aplicando a 13,1% do que estar pegando a 4,72% e aplicando a 10,3%!!! Deixaremos para o leitor completar a análise com os raciocínios já desenvolvidos. Lembrar que há um percentual de diferença entre taxas de juros e retor-no dos ativos, mas, no global, a proporção do capi-tal tomado emprestado sobre o capital próprio nada

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Inflação: Relembrando Parte 2

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tem a ver com a do exemplo número 6.

O Ebitda (lucro antes dos juros, impostos e depre-ciações) é de R$ 1.630.000 a valores históricos e R$ 1.558.00 a valores corrigidos. Pequena diferença, apenas 4,4%... Porém,

ConclusãoO lucro líquido histórico de R$ 682 mil é falso. A empresa teve, na realidade,

lucro de R$ 640 mil. Em vez de taxa de 13,9% de retorno, ela é de 12,3%.

Ah, que bom seria se as diferenças entre histórico e corrigido fossem sempre apenas residentes, for-temente, nas receitas e despesas financeiras! Pense bem, nossa empresa G é um amontoado de situações em que se perde com a inflação e em que se ganha com a inflação quando se compara real com nomi-nal. E se seu caso fosse próximo do exemplo 6? Ou do 2?

LEMBRE-SE DE QUE ESTAMOS AQUI, COMO JÁ DISSEMOS, OLIMPICAMENTE DESPREZANDO OS TRIBUTOS SOBRE O

LUCRO, QUE SÃO OUTRO MUNDO À PARTE.

E outro ponto: tudo aqui está considerado numa empresa novíssima, no seu primeiro ano de vida. À medida que vai decorrendo o tempo, maiores vão fi-cando as diferenças entre os valores das depreciações e amortizações históricas e devidamente corrigidas.

Esperamos que tenha ficado muito claro que as es-truturas patrimoniais afetam diretamente o valor dos resultados e dos patrimônios corrigidos. Nesse exemplo, há um flagrante exagero no montante do imobilizado, representando, inicialmente, R$ 5 mi-lhões no ativo total de R$ 6,7 milhões. E um endivi-damento muito baixo, R$ 1,8 milhão desses R$ 6,7 milhões.

Vamos efetuar uma simulação para fugirmos dessa situação, mas antes: essas aparentes “inofensivas” consequências da inflação que se notam em algumas situações tendem a ajudar no processo de considerar que o custo desses ajustes contábeis não compensa com o benefício das novas informações obtidas. O que pode ser por demais enganoso.

7o. Exemplo: Primeira Mudança nos Números Dados

Valores históricos puros

Vamos admitir que, no exemplo 3, os estoques ini-

ciais fossem o dobro, de R$ 2 milhões, e não R$ 1

milhão, e que as receitas e despesas também fossem

o dobro; que, no exemplo dos terrenos, esses fossem

um investimento de apenas metade do original R$ 1

milhão, e suas receitas fossem metade das que foram

apresentadas. E admitamos que o mesmo ocorresse

com os exemplos 4 e 5, com o imobilizado, vendas e

despesas, também reduzidos à metade. Igualmente o

financiamento.

Teríamos, indo diretamente ao balanço G’ histórico

inicial, resultado histórico e balanço histórico final:

Balanço Inicial - Histórico

Caixa 200.000 Financiamento 900.000

Aplic. Financeira 500.000 Capital 4.300.000

Estoques 2.000.000    

Terrenos 500.000    

Máquinas 1.000.000    

Máq. Financiadas 1.000.000      5.200.000   5.200.000

Veja-se que, agora, os ativos imobilizados represen-

tam um pouco menos da metade dos ativos:

Resultado Histórico

Vendas 4.400.000

CPV E CMV (3.000.000)

Lucro Bruto 1.400.000

Receita Aluguel 50.000

Despesas Operacionais (440.000)

Depreciação (400.000)

Despesas de Juros (99.000)

Receita Financeira 50.000 Resultado Líquido 561.000

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Inflação: Relembrando Parte 2

REVISTA39

Vol. 2, novembro/2014

Balanço Final - Histórico

Caixa 3.210.000 Financiamento 999.000

Aplic. Financeira 550.000 Capital 4.300.000

Estoques - Lucro Acum. 561.000

Terrenos 500.000    

Máquinas 1.000.000    

Máq. Financiadas 1.000.000    

Deprec. Acum. (400.000)    

  5.860.000   5.860.000

Taxa de retorno histórica: R$ 561.000/R$ 4.300.000 = 13%

Correção monetária simplificada

Resultado Correção Monetária Simplificada

Vendas 4.400.000 CPV E CMV (3.000.000) Lucro Bruto 1.400.000 Receita Aluguel 50.000 Despesas Operacionais (440.000)

Depreciação (424.000) Despesas de Juros (99.000)

Receita Financeira 50.000 CMB (108.000) Resultado Líquido 429.000

A diferença nas depreciações é de R$ 24.000, mas a conta de correção monetária, que anteriormente era credora, passou a devedora de R$ 108.000. Dessa forma, a diferença entre o lucro histórico e o corrigi-do é a soma dos dois números, R$ 132.000. Agora, a diferença entre os dois lucros é grande.

Balanço Final - Corrigido

Caixa 3.210.000 Financiamento 999.000 Aplic. Financeira 550.000 Capital 4.558.000 Estoques - Lucro Acum. 429.000 Terrenos 530.000    

Máquinas 1.060.000     Máq. Financiadas 1.060.000     Deprec. Acum. (424.000)    

5.986.000 5.986.000

A taxa de retorno efetiva, considerada a infla-ção, é de R$ 429.000/R$ 4.558.000 = 9,4%.

Correção monetária integral

Resultado Correção Monetária Integral

Vendas (meio de fim) 4.459.126

CPV E CMV (3.149.563)

Lucro Bruto 1.309.563

Receita Aluguel 50.000

Despesas Operacionais (meio e fim) (448.869)

Depreciação (424.000)

Despesas de Juros Reais (45.000)

Receita Financeira Real 20.000

Perda no Caixa (32.694)

Resultado Líquido 429.000

E as diferenças entre os lucros:

  Histórico Cor. Sim-plificada

Cor. Integral

Int./Hist

Vendas 4.400.000 4.400.000 4.459.126 1,3%CPV E CMV (3.000.000) (3.000.000) (3.149.563) 5,0%

Lucro Bruto 1.400.000 1.400.000 1.309.563 -6,5%

Rec.Aluguel 50.000 50.000 50.000 0,0%

Desp. Opera. (440.000) (440.000) (448.869) 2,0% Depreciação (400.000) (424.000) (424.000) 6,0%

Desp. de Juros (99.000) (99.000) (45.000) -54,5%

Rec. Financ. 50.000 50.000 20.000 -60,0%

Perda no Caixa     (32.694) na CMB - (108.000) - na Res. Líquido 561.000 429.000 429.000 -23,5%

Novamente, a maior diferença está nas despesas e re-ceitas financeiras. Contudo, o lucro corrigido agora é 23,5% menor do que o histórico. E num ano de inflação de “apenas” 6%.

O lucro bruto corrigido é menor do que o histórico!

Quanta análise poderíamos efetuar, mas deixaremos um pouco do trabalho para o leitor. Apenas perceba que a mudança na estrutura patrimonial e na com-posição dos resultados produziu consequências ago-ra já bem maiores no lucro final corrigido!

8o. Exemplo: Segunda Mudança nos Números Dados – Mudando só as Vendas

Vamos fazer mais uma simulação: E se as receitas de vendas totais, em vez de R$ 4.400.000, fossem de R$ 4.000.000, e nada mais mudasse?

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Não vamos reproduzir aqui todos os números, apenas os das demonstrações do resultado, já devidamente comparadas:

  Histórico Cor. Simplificada Cor. Integral Integral/histórico

Vendas 4.000.000 4.000.000 4.047.301 1,2%

CPV E CMV (3.000.000) (3.000.000) (3.149.563) 5,0%

Lucro Bruto 1.000.000 1.000.000 897.738 -10,2%

Receita Aluguel 50.000 50.000 50.000 0,0%

Despesas Operacionais (440.000) (440.000) (448.869) 2,0%

Depreciação (400.000) (424.000) (424.000) 6,0%

Despesas de Juros Reais (99.000) (99.000) (45.000) -54,5%

Receita Financeira Real 50.000 50.000 20.000 -60,0%

Perda no Caixa     (20.869) na

CMB - (108.000) - na Resultado Líquido 161.000 29.000 29.000 -82,0%

O lucro histórico cairia para R$ 161.000, e o corrigido para R$ 29.000. A diferença entre os dois lucros seria, agora, de 82%%!!!

Veja que agora o lucro bruto caiu mais de 10%.

E se as vendas, em vez disso, fossem bem maiores, na ordem de R$ 5 milhões?

  Histórico Cor. Simplificada Cor. Integral Integral/histórico

Vendas 5.000.000 5.000.000 5.076.864 1,5%

CPV E CMV (3.000.000) (3.000.000) (3.149.563) 5,0%

Lucro Bruto 2.000.000 2.000.000 1.927.301 -3,6%

Receita Aluguel 50.000 50.000 50.000 0,0%

Despesas Operacionais (440.000) (440.000) (448.869) 2,0%

Depreciação (400.000) (424.000) (424.000) 6,0%

Despesas de Juros Reais (99.000) (99.000) (45.000) -54,5%

Receita Financeira Real 50.000 50.000 20.000 -60,0%

Perda no Caixa     (50.432) na

CMB - (108.000) - na

Resultado Líquido 1.161.000 1.029.000 1.029.000 -11,4%

A diferença nos lucros líquidos cairia para apenas 11,4%.

Por que isso?

Basta lembrarmo-nos de que a diferença entre os lucros histórico e corrigido é a soma da diferença nas depreciações com a conta de correção monetária. E qual é a relação das depreciações e correções de imobi-lizado, intangível e patrimônio líquido com as demais receitas e despesas da empresa?

Isso significa simplesmente o seguinte: os efeitos da inflação sobre o lucro da empresa correspondem a uma perda ou a um ganho fixos. Neste exemplo, a diferença é de R$ 24.000 + R$ 108.000 = R$ 132.000, como, aliás, já visto. Logo, essa será a diferença entre os dois lucros em qualquer circunstância, dada a estrutura, no exemplo, dos imobilizados e patrimônio líquido inicial. Desse modo, quanto maior o lucro, menor a diferença proporcional; quanto menor o lucro, maior a diferença proporcional entre o histórico e o corrigido, porque a diferença entre eles é um valor fixo.

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Vol. 2, novembro/2014

Com isso, quanto mais lucrativa a empresa, me-nores, proporcionalmente, os efeitos da inflação sobre seu lucro, e vice-versa.

Outros Dois Lembretes

PRIMEIRO: Nesses exemplos super simples, es-tamos desconsiderando o fato de que os estoques também sofrem efeitos da inflação no balanço, logo, precisariam, na ponta do lápis, ser corrigidos. Aqui, omitimos essa questão que, na prática, não costuma ter efeitos tão significativos (exceto nos casos em que o giro é muito lento e seus valores sejam relevantes).

SEGUNDO: Não estamos também sofisticando com os efeitos dos ajustes a valor presente das operações a prazo, porque, nesses exemplos, consideramos to-das as operações à vista. Isso também introduz ne-cessidades de ajustes, mas que, na prática, têm pouco efeito sobre o resultado da empresa.

Último Exemplo: E o caso dos Bancos?

Valores históricos puros

Se as receitas e despesas financeiras são, nas empre-sas comerciais, industriais e de serviços, as que mais distorção apresentam entre seus valores históricos e corrigidos, então, a distorção nos bancos deve ser enorme, não? Além disso, há outras observações especiais nesse caso?

Vamos admitir os seguintes valores históricos de um banco X, mantendo a taxa de inflação de 6% para o ano:

Balanço Inicial - Histórico

Caixa 100.000 Dep. a vista 1.200.000

Op. de Crédito 2.000.000 Pas. Onerosos 700.000

Imobilizado 100.000 Capital 200.000

Dep. Acum. (40.000) Lucros Acum. 60.000   2.160.000   2.160.000

Logo se vê que o banco não foi fundado no come-ço deste ano. Ele já existe há certo tempo, tendo em vista as depreciações acumuladas logo no balanço

inicial deste ano e os lucros acumulados iniciais:

Resultado Histórico

Receitas de Juros 276.000

Despesas de Juros (63.000)

Receitas de Tarifas 10.000

Despesas Operacionais (160.000)

Depreciação (10.000)

Resultado Líquido 53.000

Balanço Final - Histórico

Caixa 150.000 Dep. a vista 1.400.000

Op. de Crédito 2.276.000 Pas. Onerosos 763.000

Imobilizado 100.000 Capital 200.000 Dep. Acum. (50.000) Lucros Acum. 113.000

2.476.000 2.476.000

A taxa de retorno histórica dos proprietá-rios é de R$ 53.000/(R$ 260.000) = 20,6%

Como as operações de crédito finais correspondem, por simplificação, às iniciais mais as receitas de ju-ros do ano, pode-se dizer que o banco está aparen-temente ganhando receitas financeiras de 13,8% ao ano (R$ 276.000/R$ 2.000.000).

O mesmo ocorre com os passivos onerosos, os re-cursos tomados a juros estão lhe custando, nominal-mente, 9,0% ao ano (R$ 63.000/R$ 700.000). Ganha o banco, assim, um spread de 4,8% sobre os recur-sos tomados emprestados. Dessa forma, 4,8% x R$ 700.000 mostram um ganho de R$ 33.600 direta-mente com o uso dos passivos onerosos.

Os depósitos à vista não lhe custam juros. Dessa ma-neira, ganha 13,8% sobre eles, ou seja, 13,8% x R$ 1.200.000 = R$ 165.600. Somados com o ganho nos passivos onerosos, R$ 199.200.

Como as operações de crédito somam R$ 2 milhões, e os depósitos e passivos onerosos totalizam R$ 1,9 milhão, isso quer dizer que R$ 100 mil das opera-ções de crédito são financiados com capital próprio. Logo, uma renda a mais de 13,8% sobre esse mon-tante de capital próprio: R$ 13.800.

Só que esses não são ganhos líquidos. Afinal de con-tas, existem as despesas operacionais, incluindo de-preciação, tanto para atender aos depositantes quan-to à captação, à aplicação e à gestão em geral, que lhe custam R$ 170 mil. Contudo, há uma recuperação

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Vol. 2, novembro/2014

de R$ 10.000 de tarifas cobradas para ajudar a cobrir essas despesas. Como não temos condição, estando fora do banco, de distribuir essas despesas líquidas de R$ 160.000 pelos custos de captação, de aplica-ção e de gestão, só temos isso a fazer: diminuir os R$ 160.000 da soma daqueles ganhos líquidos de R$ 213.000 (R$ 33.600 + R$ 199.200 + R$ 13.800) e che-garemos ao lucro líquido de R$ 53.000. É uma forma de analisar o lucro do banco.

Todavia, considerando as consequências de inflação, isso pode mudar, correto? Vamos então a elas.

Correção monetária simplificada

O primeiro problema é o seguinte: o balanço inicial do nosso banco não está expresso em moeda dessa data de início, já que possui valores de muito tempo atrás. Vamos admitir que saibamos que existiu uma inflação de 20% desde que o banco foi fundado, e foi nessa data que ele adquiriu seu imobilizado. Assim, basta ajustar o imobilizado inicial e o capital social do banco. E tudo contra lucros acumulados para acertar o balanço inicial, já que os demais ativos e passivos estão em moeda da data de início. Chegamos então ao seguinte, com a hipótese desses 20%:

Balanço Inicial - Corrigido para a data inicial

Caixa 100.000 Dep. A vista 1.200.000

Op. de Crédito 2.000.000 Pas. Onerosos 700.000

Imobilizado 120.000 Capital 240.000 Dep. Acum. (48.000) Lucros Acum. 32.000   2.172.000   2.172.000

Podemos agora efetuar a correção monetária simpli-ficada do ano que estamos analisando:

Resultado Correção Monetária Simplificada Receitas de Juros 276.000 Despesas de Juros (63.000) Receitas de Tarifas 10.000 Despesas Operacionais (160.000) Depreciação (12.720) CMB (12.000) Resultado Líquido 38.280

Repare que o imobilizado precisou ser corrigido em mais 6%, o que levou o custo de aquisição e a depre-ciação acumulada iniciais a gerarem o seguinte na correção simplificada:

Correção do custo do imobilizado: 6% x R$ 120.000 = R$ 7.200

Correção da depreciação acumulada inicial: 6% x R$ 48.000 = R$ (2.880)

Correção do imobilizado inicial = R$ 4.320

Contudo, precisamos também corrigir o capital ini-cial e os lucros acumulados iniciais:

Correção do capital social: 6% x R$ 240.000 = R$ (14.400)

Correção do lucro acumulado inicial: 6% x R$ 32.000 = R$ (1.920)

Correção do patrimônio líquido inicial = R$ (16.320)

A conta de correção monetária do balanço é a di-ferença entre esses dois valores, logo, R$ (12.000), como está no resultado apresentado.

E a depreciação histórica precisa ser substituída pela nova, 10% do novo imobilizado. Veja-se que, como já estamos agora cansados de saber, a diferença en-tre o lucro sem correção e o com correção é a soma desses dois números: diferença nas depreciações, R$ 2.720 no caso, e a conta de correção, também deve-dora, no caso, de R$12.000. Isso explica, na correção simplificada, porque o lucro histórico é R$ 53.000, mas, devidamente corrigido, cai para R$ 38.280.

E o balanço final devidamente atualizado moneta-riamente:

Balanço Final - Corrigido

Caixa 150.000 Dep. a vista 1.400.000

Op. de Crédito 2.276.000 Pas. Onerosos 763.000

Imobilizado 127.200 Capital 254.400 Dep. Acum. (63.600) Lucros Acum. 72.200   2.489.600   2.489.600

E a taxa de retorno real sobre o patrimônio líqui-do inicial devidamente atualizado passa a ser: R$ 38.280/((R$ 240.000 + R$ 32.000)*1,06) = 13,3%. (Era mais de 20% nominalmente.)

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Vol. 2, novembro/2014

Correção monetária integral

Resultado Correção Monetária Integral

Receitas de Juros 156.000

Despesas de Juros (21.000)

Receitas de Tarifas 10.296

Despesas Operacionais (164.730)

Depreciação (12.720)

Ganhos nos Depósitos a Vista 77.913

Perda no Caixa (7.478)

Resultado Líquido 38.280

Todos os números mudaram. Supondo, como já ocorrido, que as receitas financeiras foram gan-has a partir do saldo inicial das operações de cré-dito, temos que, para chegar às receitas financeiras reais, precisamos deduzir dos valores nominais de R$276.000 a inflação de 6% sobre o saldo inicial de R$ 2 milhões. Desse modo, as receitas financeiras reais, acima da inflação, caem para R$ 156.000. E essa é a despesa real dos tomadores de empréstimos. A taxa real de juros ativos do banco é, então = R$ 156.000/(R$ 2.000.000 x 1,06) = 7,36%

(Na prática, precisaríamos de um cálculo mais so-fisticado, considerando receitas ganhas durante o período e movimentação no saldo das operações de crédito também. Porém, deixaremos para outro mo-mento essa outra análise.)

As despesas de juros nominais de R$ 63.000 também são incorretas quando se considera o efeito da infla-ção. Ao tirar os 6% sobre os R$ 700 mil de passivos onerosos, tem-se a despesa de juro real, efetiva, de apenas R$ 21.000! E esse é o ganho real dos aplica-dores! E o custo real do dinheiro tomado empresta-do então é = R$ 21.000/(R$ 700.000 x 1,06) = 2,83%

(Valem aqui os mesmos comentários que fizemos sobre as receitas de juros acima.)

Supondo que as receitas de tarifas tenham sido gan-has durante o ano, homogeneamente, precisam ser corrigidas pela inflação média do período, o que nos dá o valor de R$ 10.296.

Idem para as despesas operacionais, que chegam a R$ 164.730.

As depreciações já tinham sido ajustadas na corre-ção simplificada.

E agora temos uma grande novidade: os depositan-tes mantiveram um saldo de depósitos à vista que começou com R$ 1.200.000 e terminou com R$ 1.400.000. Ora, numa inflação de 6%, esses depo-sitantes perderam poder de compra, por não haver remuneração para tais depósitos, de:

6% sobre o saldo inicial de R$ 1.200.000 = R$ 72.000

2,9563% (inflação média) sobre o acréscimo de R$ 200.000 = 5.913

Logo, os depositantes perderam R$ 77.913.

Assim, o banco ganhou esses R$ 77.913, porque, ao devolver os depósitos, isso foi feito por um valor “real” menor do que o efetivamente recebido!!!

Há, assim, o que se denomina de Ganhos Inflacionários nos Depósitos Não Remunerados!

Na verdade, não só os ganhos, mas todos os que devem valores não submetidos a encargos ganham. Dessa forma, há ganhos nos passivos de impostos a pagar dentro do prazo, dos dividendos a pagar, 13o salário a pagar, férias a pagar etc. E perdas para os credores.

Repare que esse montante de ganho inflacionário nos depósitos à vista se soma ao que esses depósitos ganharam para o banco ao serem aplicados nas ope-rações de crédito. Ou podem ser interpretados como auxiliares no processo de recuperação das despesas operacionais, juntamente com as tarifas. Entretanto, esse assunto é um estudo à parte.

Finalmente, como o banco é obrigado a manter di-nheiro no caixa, e não é pouco, para atender às ne-cessidades de saques, ele é agora vítima da inflação, em razão das nossas já conhecidas Perdas no Caixa. No caso:

6% sobre o saldo inicial de R$ 100.000 = R$ 6.000

Mais 2,9563% sobre o acréscimo de R$ 50.000 = 1.478

Totaliza a perda de R$ 7.478, estampada no resulta-do em correção integral.

Poder-se-ia perguntar: nesse caso, em que o banco e todos nós perdemos, porque ficamos com dinheiro em espécie perdendo por causa da inflação, quem ganha? É incrível, mas isso aparece na correção

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Inflação: Relembrando Parte 2

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monetária integral sabe de quem? Do Banco Central, já que ele tem, no seu passivo, a conta de Meio Circulante, que representa exatamente o valor de todo o dinheiro em papel e em moeda circulando no país. E, para ele, é uma dívida sem ônus. Ele ganha e nós perdemos... Mas ele é nosso....

Comparemos agora as três demonstrações do resultado:

Histórico Cor. Simplificada Cor. Integral Integral/Histórico

Receitas de Juros 276.000 276.000 156.000 -43%

Despesas de Juros (63.000) (63.000) (21.000) -67%

Receitas de Tarifas 10.000 10.000 10.296 3%

Despesas Operacionais (160.000) (160.000) (164.730) 3%

Depreciação (10.000) (12.720) (12.720) 27%

CMB - (12.000) - na

Ganhos nos Depósitos a Vista - - 77.913 na

Perda no Caixa - - (7.478) na

Resultado Líquido 53.000 38.280 38.280 -28%

Realmente, os números mudaram, e como mudaram:

As receitas reais de juros são 43% menores do que as nominais, e as despesas de juros reais são 67% menores do que as nominais!!!

Nas receitas de tarifas e despesas operacionais, a diferença é apenas da inflação média do período.

Na depreciação, a diferença é de 27%, que é a inflação acumulada desde a compra do imobilizado.

Estão explicitados os ganhos nos depósitos à vista e as perdas no caixa.

O lucro líquido é 28% menor do que o histórico.

E o que é pior, continuamos só produzindo as demonstrações históricas, achando e dizendo que estamos produzindo uma informação que representa uma “true and fair view” do patrimônio e sua evolução, ou uma “representação fidedigna” disso etc. etc.

Vejamos agora um pouco melhor o efeito desses novos números, numa análise simples do lucro do banco:

Os passivos onerosos produziram, em termos reais, 7,36% como já visto, e custaram 2,83%. Logo, produ-ziram para o banco o ganho líquido de 4,53% x R$ 700.000*1,06 = R$ 33.600. Nominalmente, o spread parecia menor, de 4,8%. Contudo, o ganho é exatamente igual ao histórico! R$ 33.600. Incrível, não? Esse é um dos raros casos em que o valor em reais de um ganho é exatamente igual em termos nominais e reais: quando se pega dinheiro de terceiros a juros e se o aplica também a juros. Afinal, o que sobra é um saldo em dinheiro sem que qualquer recurso próprio tenha sido aplicado.

Com os depósitos à vista, o banco ganhou 7,36% x R$ 1.200.000 x 1,06 = R$ 93.600. Antes, a valores nomi-nais, parecia ser um ganho de 13,8%, e no total de R$ 165.600. Ou seja, o ganho com os depósitos à vista é menor do que parecia.

Contudo, os depósitos à vista produziram ainda o ganho por inflação de R$ 77.913, que simplesmente não aparece nas demonstrações históricas. Entretanto, a inflação corrói em R$ 7.478 seu caixa mantido na in-flação.

As despesas operacionais, incluindo depreciação, mas líquidas das tarifas, foram de R$ (167.154)

Para resumir e comparar os valores históricos e reais:

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Inflação: Relembrando Parte 2

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Nominal Histórico Corrigido Real Operações Financeiras :

Ganho Bruto com Passivos Onerosos 4,8% 33.600 33.600 4,53%

Ganho Bruto com Depósitos a Vista 13,8% 165.600 93.600 7,36%

Ganho Bruto com Capital Próprio 13,8% 13.800 7.800 7,36%

Ganho nas Operações de Crédito 213.000 135.000  

Inflação:  

Ganho Inflacionário nos Dep. a Vista 77.913

Perda no Caixa (7.478)  

Ganho líquido com a Inflação 70.434  

Estrutural:  

Receitas de Tarifas 10.000 10.296  

Despesas Operacionais (170.000) (177.450)

  (160.000) (167.154)  

   

Lucro     53.000 38.280  

Ou seja, nas operações de tomar e emprestar dinheiro, o ganho real é R$ 135.000, e não R$ 213.000. O lucro, ao se trabalhar com recursos de terceiros, a juros, é o mesmo, com e sem inflação. Esses são os geradores de lucro controláveis pelo banco. Só que, se a inflação acabar e os juros reais forem mantidos, o verdadeiro ganho nas operações de crédito será de R$ 135.000!!!

Por sua vez, a inflação, não controlável pelo banco, está a produzir um ganho líquido de R$ 70.434. E esse número desaparece se a inflação acabar!!!

Ou seja, se a inflação acabar, esse banco entra, automaticamente, em prejuízo, se não forem tomadas medidas de obtenção de novas receitas, ou de alteração das taxas reais de juros ou dos custos adminis-trativos.

Aliás, não foram poucos os bancos que quebraram quando as taxas de inflação baixaram de forma repentina

Quanto mais a comentar e a analisar. No entanto, achamos que já foi um bom introito.

Comentários Finais – Alguns Aspectos Tributários

Só vamos fazer alguns últimos comentários, e com relação aos tributos (imposto de renda e contribuição social) sobre o lucro; pois é, tanto falamos que não iríamos comentar.... mas a tentação e a puxada de orelhas de quem leu este material e deu sugestões valeu!

Imagine a situação do banco em exemplo no último balanço. Ele possui um patrimônio líquido de R$ 326.600, enquanto, a valores históricos, de R$ 313.000. Muito bem, e se o banco recebesse tudo o que tem a receber, vendesse o ativo imobilizado pelo valor corrigido líquido de R$ 63.600 e pagasse suas dívidas, com quanto ficaria de caixa líquido final? Com R$ 326.600? Infelizmente não, porque o fisco iria tributar sobre esse aumento nominal, que deriva do fato de o ativo imobilizado estar por R$ 63.600 a valores corrigidos, mas, a valor histórico, permanecer por R$ 50.000.

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Ou seja, admitindo a alíquota de 34% (na verda-de, a alíquota dos bancos é maior, mas vamos ficar com essa), isso significa que o verdadeiro patrimô-nio líquido que sobraria na mão dos sócios seria R$ 326.600 – 34% x essa diferença de R$ 13.600 = R$ 321.976. Logo, o patrimônio líquido corrigido está incorreto, já que deveria ter sido provisionado o tributo diferido sobre essa diferença de R$ 13.600 (R$ 4.624).

Se tivesse feito a mesma coisa no balanço inicial, pela diferença entre o valor inicial do ano corrigido para o início do ano, teria tido uma diferença, à época, de R$ 272.000 – R$ 260.00 = R$ 12.600; submetida a diferença à alíquota de 34%, deveríamos ter, no ba-lanço inicial corrigido, o tributo diferido, a diminuir o patrimônio líquido e a aumentar o passivo, em R$ 4.284.

Esses R$ 4.284 de tributo diferido, em moeda do iní-cio, corresponderiam a R$ 4.284 x 1,06 = R$ 4.541 em moeda final. Como seu valor justo no balanço final é de R$ 4.624, essa diferença de R$ 83 afetaria o lucro líquido corrigido monetariamente do ano analisado, para menos. Em vez do que já foi mos-trado, o valor de R$ 38.280 seria R$ 38.197. Nesse caso, números não relevantes, mas que podem ser diferentes em algumas situações práticas. Tudo den-tro da filosofia dos tributos sobre o lucro ajustados por competência.

Cabe lembrar que essa tributação na ficção apresen-tada teria ocorrido pela eventual venda do imobi-lizado; mas, se não houvesse a venda, essa mesma tributação ocorreria na forma de depreciações suba-valiadas na demonstração legal, a valores históricos. Esse imposto calculado seria pago da mesma forma, só que ao longo do tempo.

Vê-se assim que ajustes pelos impostos diferidos não é algo tão difícil.... que tal você refazer essas contas para todos os exemplos discutidos?

Segue o comentário final: a tributação brasileira se-gue o maravilhoso exemplo dos países desenvolvi-dos e também ignora total e completamente os efei-tos da inflação (não na hora de mostrar seu próprio desempenho ao fazer o relato da evolução da arreca-dação federal).

Assim, basta lembrar o seguinte: só para simplificar,

admitamos que só fossem cobrados os tributos so-bre o lucro desse banco quando ele fechasse suas portas, e vamos supor que isso ocorresse no final deste quinto ano.

Ao manter a hipótese de que venderia os imobiliza-dos pelo seu valor atualizado monetariamente de-vidamente depreciado, realizaria seus outros ativos e pagaria seu passivo, o banco ficaria, ao final, com um único ativo, o caixa de R$ 326.600, como já mos-trado.

Ao observar do ponto de vista da correção integral, no balanço, do outro lado, teríamos: Capital de R$ 254.400 e lucro total obtido acumulado (supondo que nunca tivesse havido distribuição de lucro) de R$ 72.200. Pagaria então os tributos de 34% admiti-dos x R$ 72.200 = R$ 24.548.

Só que a tributação não é calculada assim, é sobre o acréscimo nominal de riqueza. Logo, será sobre o balanço, em que o patrimônio líquido mostra o capi-tal original nominal de R$ 200.000 e lucro acumula-do de R$ 126.600 (o balanço histórico mostrado no início deste exemplo mostra lucro acumulado de R$ 113.000, que somado ao “lucro” na venda do imobi-lizado de R$ 13.600 – também já visto – chega a esse total de R$ 126.600). Então, o banco iria, de fato, ser muito mais patriota, pagando 34% x R$ 126.600 = R$ 43.044! Loucura! Quanto imposto em excesso!

Bem, isso também não é verdade, porque, quando acabou a correção monetária em 1995, o gover-no, sabendo dessa terrível injustiça, permitiu a de-dução, do lucro tributável, da figura do juro sobre capital próprio. Ao supor que, acumuladamente, durante os cinco anos, como a inflação total foi de 27,2% (20% até o início do último ano + 6% no úl-timo), e sendo bastante otimistas, admitindo que a TJLP, base do juro sobre o capital próprio, tenha sido de inflação mais 1% ao ano de juro real, tería-mos um juro sobre capital próprio total de 33,69% (1,20x1,06x1,01^5-1=33,69%). Assim, tal juro seria de 33,69% x R$ 200.000 = R$ 67.377. Os tributos so-bre o lucro seriam de 34% sobre o lucro acumula-do diminuído desses juros: 34% x (R$ 126.600 – R$ 67.377) = R$ 20.136. (Omitida qualquer verificação dos limites sobre lucro ou reservas de lucro por sim-plificação.) Poxa, que beleza, pensaríamos!!!

Só que há uma tributação adicional nos sócios sobre

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esses juros, de 15%, ou seja, de 15% x R$ 67.377 = R$ 10.107. Com isso, o tributo total sobre o lucro é de R$ 20.136+R$ 10.107 = R$ 30.242!!! Apenas 23% a mais de imposto. Até que acabamos, depois de tira-do o bode da sala, achando que está tudo bem!

E há quem diga que os juros sobre capital próprio são um benefício fiscal. Loucura, é o mínimo que tinha mesmo que ser feito para se evitar uma carga tributária mais absurda ainda!

(Refaça as contas utilizando juro sobre o capital pró-prio exatamente igual à inflação). A empresa pagará, incrivelmente, os mesmos R$ 24.548 que pagaria sob a correção integral, mas haveria ainda mais R$ 8.160 de tributo sobre os juros, totalizando R$ 32.708.

E que não se venha dizer que esses R$ 10.107 ou R$ 8.160 são tributos do sócio e não da empresa; isso se-ria primar pela forma, e não pela essência. Quando se paga só dividendo, ele é totalmente isento de tri-butos no sócio. Quando se paga parte sob a forma de juro sobre o capital próprio e parte sob a forma de dividendo, que na realidade é tudo dividendo, os sócios pagam 15% sobre tal juro e o dividendo é isento. Logo, o fundamental é olhar a tributação total.

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OCPC 07

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Vol. 2, novembro/2014

Já é de senso comum que a adoção das normas internacionais de contabilidade trouxe a reboque um aumento significativo da quantidade de informações divulgadas nas notas explicativas. As exigências de divulgação contidas nos Pronunciamentos do CPC (harmonizados com as normas do IASB) são inúmeras e bastante detalhadas. Todavia, tal incremento em quantidade não necessariamente representa um conse-quente aumento na qualidade da informação.

Basta uma pequena busca nos meios de comunicação para se encontrar diversos depoimentos dos mais diversos atores do mercado financeiro acerca dos problemas gerados pelo grande volume das notas ex-plicativas. Na primeira edição da Revista FIPECAFI, inclusive, foi divulgado artigo da Profa. Isabel Lourenço (Portugal) discu-tindo aspectos da relevância das notas. O excesso de dados não necessariamente rele-vantes, a ausência de foco nas informações efetivamente importantes para a tomada de decisão e a falta de uma linguagem clara e objetiva são preocupações generalizadas no mercado brasileiro.

Ocorre que esse fenômeno não é exclusi-vidade tupiniquim. As mesmas discussões são encontradas em diversos outros países do mundo, tanto que o FASB, o IASB e o EFRAG têm tomado atitudes para buscar solucionar esse problema. Ao final deste artigo apresentamos um breve resumo dos projetos dessas instituições. Como lá pode ser visto, são todos projetos de longo prazo e, como tal, as soluções só virão num futuro mais distante.

Ciente dos problemas não somente no Brasil mas ao redor do mundo, bem como sabedor

Menor Volume e Maior Relevânciapara as Notas Explicativas*

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OCPC 07

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de que as soluções advindas do IASB são expectativas a se realizar no longo prazo, o CPC sai na frente dos demais países e elabora a Orientação Técnica OCPC 07 - Evidenciação na Divulgação dos Relatórios Contábil-Financeiros de Propósito Geral1 que busca trazer uma luz para a solução dessas questões. Nascida de discussões internas e diversas consultas públicas sobre o tema, a OCPC 07 foi colocada em audiência pública em 15 de agosto de 2014 tendo sido seu texto final aprovado em 31 de outubro pelo CPC.

Na sua avaliação do tema, o CPC elaborou uma análise minuciosa das normas vigentes, constatando que já existem diretrizes que permitem uma alteração substancial de como as notas explicativas são realizadas, bastando uma maior atenção ao nelas exposto. Portanto, a OCPC 07 possui o intuito de consolidar as exi-gências já existentes em Pronunciamentos do CPC e na Lei das S/A, trazendo no seu bojo tanto as conclu-sões do Comitê sobre os dispositivos existentes quanto algumas diretrizes adicionais.

As principais orientações contidas na OCPC 07 podem ser vistas na tabela a seguir. Posteriormente, serão discutidas mais detalhadamente.

Principais Orientações da OCPC 07

Relevância

§ Somente itens relevantes devem ser divulgados. § Itens irrelevantes não devem ser divulgados. § Na avaliação da relevância das informações devem ser sempre observadas aquelas que

evidenciem riscos para a entidade.

Declaração de Conformidade § A entidade deve declarar que todas as informações relevantes, e somente as relevantes, estão sendo divulgadas.

Redação § Redação das notas deve ser livre de jargões técnicos, a não ser que inevitável. § Sugestão de apresentação de glossário.

Exigências de Divulgação § As exigências de divulgação contidas nos Pronunciamentos, Interpretações e Orientações

referem-se exclusivamente a informações materiais. § Não devem ser utilizados check-lists como forma padrão de divulgação.

Ordem das Notas Explicativas § As notas não devem ser obrigatoriamente divulgadas na ordem sugerida no CPC 26, mas

pode ser aquela que a administração achar mais adequada. § Recomenda-se uniformidade na ordem de apresentação das notas.

Divulgação das Políticas Contábeis

§ Somente devem ser divulgadas políticas contábeis específicas da entidade. § Políticas não aplicáveis ou que não possuem alternativas não devem ser divulgadas. § Políticas que exigem escolha devem ser divulgadas. § Mudanças nas políticas precisam ser divulgadas. § Políticas podem ser diluídas nas notas dos próprios itens a que se referem.

Referências Cruzadas § Referencias cruzadas devem ser feita entre as notas e as demonstrações contábeis e outras notas a que se refiram.

A seguir, analisaremos mais detalhadamente o conteúdo da OCPC 07.

A Relevância da Informação Contábil

O Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro - é a primeira norma analisada pela OCPC 07. Foram focadas, principalmente, questões relativas à relevância da informação contábil. Tal pronunciamento apresenta que o objetivo das

1 O texto da OCPC 07 colocado em audiência pública pode ser encontrado em www.cpc.org.br.

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OCPC 07

REVISTA52

Vol. 2, novembro/2014

demonstrações contábeis (ou relatório contábil-fi-nanceiro de propósito geral, como nela apresentado) é fornecer informações que sejam úteis a investido-res e credores2. Estes, por sua vez, necessitam de tais informações para tomar decisão quanto ao forneci-mento de recursos para a entidade que reporta.

Ainda, o mesmo documento informa que para uma informação ser útil ela deve estar revestida obrigato-riamente de duas características qualitativas funda-mentais: a relevância e a representação fidedigna3.

Uma informação relevante é aquela que possui ca-pacidade de fazer diferença nas decisões a serem to-madas pelo usuário4. Assim, a informação deve ter potencial para alterar a percepção dos usuários em relação à capacidade de geração de fluxos de caixa da entidade de forma que isso possa influenciar a deci-são sobre manter, aumentar ou diminuir seus inves-timentos e créditos para com a entidade.

O conceito de relevância abrange o da materialida-de: uma informação material é aquela cuja omissão ou distorção pode influenciar na decisão do usuário. Veja-se que não há sempre um vínculo direto entre materialidade e valor do item5; usualmente grandes montantes são relevantes, mas pequenos valores também podem ser materiais dependendo de sua natureza.

Somente observando-se a relevância da informação contábil, uma primeira conclusão a que se pode che-gar é: se a informação contábil deve ser útil e para que ela seja útil deve ser relevante, informações ir-relevantes não são úteis, portanto, não devem ser

2 Parágrafo OB2 da Estrutura Conceitual. Veja nessa edição artigo do prof. Sérgio de Iudícibus comentando esse objetivo.

3 Parágrafo QC 5 da Estrutura Conceitual.

4 Parágrafo QC 6 da Estrutura Conceitual.

5 Parágrafo QC 11 da Estrutura Conceitual.

divulgadas. Mas continuemos...

Como dito, além de relevante, a informação contá-bil deve ter, concomitantemente, a característica de representação fidedigna. Para representar fidedig-namente o evento econômico representado conta-bilmente a informação deve ser completa, neutra e livre de erro6. Uma análise superficial poderia levar a crer que uma informação completa é aquela que apresenta tudo o que ocorreu no período de divulga-ção na entidade, todas as mínimas transações e seus impactos financeiros. E essa visão poderia levar à di-vulgação de informações completas mas sobre itens irrelevantes.

Mas não se pode esquecer que a informação tem que ser completa, mas também relevante. Lembremos, as duas características devem estar presentes7. Dessa maneira, informação completa é aquela que traz tudo aquilo que é necessário para que o usuário en-tenda a realidade econômica retratada. Incluem-se nesse rol de informações não somente aspectos nu-méricos mas também textuais referentes a explica-ções sobre fatos significativos, condições e natureza do item divulgado, mas desde que este seja relevan-te. De nada adianta uma informação completa sobre um item irrelevante.

Nesse sentido, não se deve confundir o termo “com-pleta” com “tudo que se tem para divulgar”, mas sim entendê-lo como “divulgar todo o necessário para que se entenda aquilo que é relevante”. Veja-se o que diz o parágrafo QC 17 da Estrutura Conceitual:

A informação precisa concomitantemente ser relevante e representar com fidedignidade a realidade reportada para ser útil. Nem a representação fidedigna de fenômeno irrelevante, tampouco a representação não fidedigna de fenômeno relevante auxiliam os usuários a tomarem boas decisões.

Corroborando esse entendimento, o documento em análise deixa claro que se deve, primeiro, identificar o fenômeno econômico que tem potencial de ser útil e, posteriormente, os tipos de informações que são mais relevantes para representá-lo fidedignamente8.

6 Parágrafo QC 12 da Estrutura Conceitual.

7 Parágrafo QC 17 da Estrutura Conceitual.

8 Parágrafo QC 18 da Estrutura Conceitual.

Se a informação contábil deve ser útil e para que ela seja útil

deve ser relevante, informações irrelevantes não são úteis, portanto,

não devem ser divulgadas.

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Enfim, assim o CPC conclui sua análise da Estrutura Conceitual:

Resumindo, a Estrutura Conceitual determina que toda a informação é relevante e deve ser divulgada se sua omissão ou sua divulgação distorcida puder influenciar decisões que os usuários tomam como base no relatório contábil-financeiro de propósito geral da entidade específica que reporta a informação. Consequentemente, se não tiver essa característica, a informação não é relevante e não deve ser divulgada. Além disso, a informação quando for relevante, deve ser completa, neutra, livre de erro, comparável, verificável, tempestiva e compreensível.

Esse conjunto citado nos itens anteriores evidencia que o foco a ser considerado na elaboração e na análise das demonstrações contábeis é o da relevância das informações necessárias ao processo decisório de investidores e credores.

Consequentemente, não podem faltar nas demonstrações contábeis as informações relevantes de que a entidade tenha conhecimento, bem como não devem ser divulgadas informações que não sejam relevantes.

Veja-se que o foco nas informações relevantes não é uma novidade, pois isso está, há tempos, explícito na Estrutura Conceitual (e como se verá, também no CPC 26). A OCPC 07 inova ao apontar claramente essa visão de que somente informações relevantes devem ser divulgadas e, também, ao afirmar, tex-tualmente, que não devem ser divulgadas informa-ções irrelevantes.

Diretrizes Adicionais sobre Relevância

O conceito de relevância apresentado pelas IFRS exi-ge um alto grau de subjetividade dos elaboradores e auditores. Ao afirmar que relevante é aquilo que pode alterar a decisão dos usuários, deixa margens enormes para interpretação permitindo uma mul-tiplicidade de entendimentos sobre aquilo que efe-tivamente é capaz de modificar o entendimento da realidade econômica da entidade. A OCPC 07 trás uma nova diretriz para auxiliar na identificação dos itens relevantes: aqueles que podem trazer risco para a entidade.

A Estrutura Conceitual, como já visto, foca fun-damentalmente nos provedores de capital para as

entidades: investidores e credores. E esses usuários estão interessados em comprar, vender ou manter instrumentos patrimoniais ou de dívida. Suas deci-sões irão se basear, fundamentalmente, na capacida-de de geração de dividendos, pagamento de princi-pal e juros e acréscimos nos valores de mercado de seus títulos. A avaliação do momento e montante da realização de tais valores está intimamente associa-da à capacidade que a entidade possui de geração de fluxos de caixa.9

Ocorre que as entidades estão expostas a diversos fatores que influenciam suas capacidades de geração de fluxos de caixa. Inadimplência, volatilidade dos preços no segmento em que opera, grau de endivi-damento, covenants de dívidas, variações das taxas de câmbio e juros, dependência econômica de for-

necedores e clientes, prazos de pagamento e rece-bimento são apenas alguns exemplos de riscos aos quais as entidades estão constantemente expostas. Nesse sentido, é parte fundamental da avaliação de uma entidade a análise dos riscos aos quais ela está exposta.

O parágrafo 125 do CPC 26 – Apresentação das Demonstrações Contábeis - diz que as entidades devem “divulgar informações sobre os pressupostos relativos ao futuro e outras fontes de incerteza nas estimativas que possuam risco significativo”. No parágrafo seguinte, afirma que em muitos casos as estimativas contábeis envolvem a análise do risco associado aos fluxos de caixa.

Nesse sentido, entende o CPC que há uma constante

9 Parágrafo OB3 da Estrutura Conceitual.

A OCPC 07 inova ao apontar cla-ramente essa visão de que so-mente informações relevantes devem ser divulgadas e, tam-

bém, ao afirmar, textualmente, que não devem ser divulga-

das informações irrelevantes.

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necessidade de se enfatizar as informações relacio-nadas aos principais riscos aos quais as entidades estão expostas que podem afetar a sua capacidade de geração de fluxos de caixa futuro. Sendo assim, a OCPC 07 orienta que dentro do conceito de rele-vância deve sempre ser considerada a característica do risco inerente a cada item avaliado, facilitando, inclusive, o entendimento do amplo e subjetivo con-ceito de relevância.

Adicionalmente à visão de risco e relevância, a OCPC 07 introduz diretriz adicional no sentido de chamar a atenção dos elaboradores e auditores para o fato de que determinadas informações podem ser relevantes nos balanços individuais e não serem no balanço consolidado. Sendo assim, na avaliação da relevância, devem ser consideradas de forma segre-gada as demonstrações individuais e consolidadas. Pelo menos enquanto existir a divulgação compul-sória das demonstrações individuais no Brasil.

A Relevância e a Divulgação das Informações Contábeis

O CPC 26 dispõe que a entidade deve divulgar se-paradamente classes materiais de itens semelhan-tes10. Em outras palavras, os itens materiais devem ser agrupados pela semelhança de suas naturezas e funções. Por outro lado, itens individualmente

10 Parágrafo 29 do CPC 26.

imateriais devem11 ser agregados a outros itens, tan-to para divulgação nas demonstrações quanto em nota explicativa, o que está plenamente em linha com o anteriormente apresentado.

Todavia, a OCPC 07 ressalta que, muitas vezes, al-guns itens podem ser imateriais para divulgação nas demonstrações contábeis mas não suficientemente imateriais para não serem detalhados nas notas ex-plicativas12. Cabe, assim, julgamento por parte dos elaboradores (e auditores) para aplicar o conceito de materialidade e relevância (sem esquecer do risco) considerando as divulgações nas demonstrações e em notas.

Em muitos casos, os normativos apresentam expres-sões tais como “divulgação mínima”, “no mínimo” e outras assemelhadas. Todavia, o CPC 26 informa que uma entidade não precisa fornecer uma divul-gação específica, mesmo que ela seja requerida por um Pronunciamento, Interpretação ou Orientação, se a informação não for material13. As divulgações devem sempre ser consideradas à luz da relevância da informação, mesmo quando da existência de exigências mínimas. Assim, não é considerado des-cumprimento da norma a não divulgação de uma informação exigida se ela for imaterial.

Com isso, conclui a OCPC 07 que a abordagem do cumprimento de check-lists não atende ao expresso no CPC 26, uma vez que baseia-se na divulgação de toda e qualquer informação somente porque elas estão listadas no rol de requerimentos das normas, sem a devida análise de sua relevância, o que pode levar à divulgação de informações irrelevantes.

E o contrário também é válido, nenhuma informação considerada relevante pode deixar de ser divulgada, mesmo que não haja requerimento específico explí-cito nas normas contábeis ou na legislação vigente.

11 Parágrafo 30 do CPC 26. Frisamos que este parágrafo usa o verbo “dever”, e não “poder”: Se um item não for individualmente material, deve ser agregado a outros itens, seja nas demonstrações contábeis, seja nas notas explicativas.

12 Parágrafo 30 do CPC 26.

13 Parágrafo 31 do CPC 26.

Há uma constante necessidade de se enfatizar as informações relacionadas aos principais riscos aos quais as

entidades estão expostas.

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Diretriz Adicional sobre Relevância

A OCPC 07 inova ao orientar que a administração da entidade que reporta deve, na sua declaração de conformidade com as normas internacionais, afir-mar que todas as informações relevantes estão sen-do divulgadas, e que correspondem às utilizadas na gestão da entidade. Adicionalmente, deve declarar que somente as informações relevantes estão sendo divulgadas.

A Compreensibilidade e as Notas Explicativas

Além das duas características fundamentais cita-das anteriormente (relevância e representação fi-dedigna), a informação contábil deve ter como características de melhoria, sempre que possível, comparabilidade, verificabilidade, tempestividade e compreensividade14. A OCPC 07 discute especi-ficamente a compreensibilidade no que tange não somente à nomenclatura das contas nas demonstra-ções, mas também ao cuidado que deve ser dado à redação das notas explicativas.

Apesar da Estrutura Conceitual definir que as de-monstrações contábeis devem ser elaboradas para usuários com um conhecimento razoável de negócios e ati-vidades econômicas15, estes não necessa-riamente possuem a mesma profundidade de conhecimento que os especialistas e não obri-gatoriamente conhecem as terminologias específicas relacionadas às atividades ou segmento da entidade.

Sendo assim, a OCPC 07 orien- ta que so-mente se use jargões técnicos em casos inevitáveis. Adicionalmente, ainda em relação à redação e à compreensibilidade, há uma sugestão adicional de

14 Parágrafo QC 19 da Estrutura Conceitual.

15 Parágrafo QC 32 da Estrutura Conceitual.

que seja apresentado um glossário completo e con-ciso nas notas explicativas referentes aos principais termos técnicos utilizados nas demonstrações divul-gadas.

Diretriz Adicional sobre Compreensibilidade

A OCPC 07 apresenta uma diretriz relevante sobre a compreensibilidade: na redação das notas não se deve apresentar repetição de fatos, políticas ou ou-tras informações de forma a evitar o desvio da aten-ção do usuário. Em outras palavras, o texto deve ser objetivo e direto, apresentando claramente as infor-mações relevantes e sem textos desnecessários que possam confundir o entendimento da realidade eco-nômica da entidade.

Ordem das Notas Explicativas

Outro aspecto relevante contido no CPC 26 apon-tado pela OCPC 07 refere-se à ordem das notas ex-plicativas. Segundo aquele Pronunciamento, as no-tas devem ser apresentadas de maneira sistemática e com referên- cias cruzadas com as demonstra-

ções16. Segundo o CPC 26, as notas são normalmente apre-sentadas seguindo a ordem

de declaração de conformi-dade, resumo das políticas contábeis significativas,

informações de supor-te seguindo a sequên-cia constante das de-monstrações e outras

divulgações17. Todavia, não há exigência para que tal

ordem seja obrigatoriamente seguida. Pelo contrário, autoriza a alteração da ordem

das notas explicativas18.

Sendo assim, a administração pode adotar a ordem que achar mais adequada, sendo sempre importan-te a manutenção de uma uniformidade em relação

16 Parágrafo 113 do CPC 26.

17 Parágrafo 114 do CPC 26.

18 Parágrafo 115 do CPC 26.

A administração da entidade que

reporta deve afirmar que todas

as informações relevantes estão

sendo divulgadas e declarar que

somente as informações relevantes

estão sendo divulgadas.

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a períodos precedentes. Todavia, tal uniformidade não implica em jamais se alterar a ordem das notas porque ela já foi utilizada anteriormente; isso pode, e deve, ser feito desde que leve a uma melhor evi-denciação das informações.

Diretriz Adicional sobre a Ordem das Notas Explicativas

A OCPC 07 orienta que, após as notas referentes ao contexto operacional e à declaração de conformida-de, as notas explicativas podem seguir a ordem de relevância das informações. Nesse sentido, não se pode deixar de ressaltar a diretriz adicional já citada sobre a relação entre o conceito de relevância e o de risco, sendo possível, inclusive, que as notas sigam o critério de maior para menor risco. Ainda, tal orien-tação está em linha com a visão da compreensibili-dade da informação contábil. Ao adotar a ordem de relevância, a entidade irá dar uma visão mais clara e facilmente compreensível dos principais riscos aos quais está exposta.

Ainda, relembra a OCPC 07 sobre a exigência de referência cruzada entre as notas explicativas e as demonstrações. Porém, adiciona uma nova diretriz no sentido de que também sejam feitas referências cruzadas entre uma nota explicativa e outras notas que se utilizem da mesma informação, como, por exemplo, a nota de imobilizado e a de despesas por natureza e função que se utilizam da in-formação da depreciação.

Divulgação das Políticas Contábeis e Bases para Elaboração

Um último aspecto analisado pela OCPC 07 refere-se à divulgação das políticas contá-beis. Nesse sentido, o CPC 26 indica que a entidade deve divulgar um resumo das políticas contábeis que sejam significativas. Assim, deve somente apre-sentar as bases de mensuração utilizadas e as políti-cas contábeis adotadas que sejam relevantes para a compreensão das demonstrações contábeis19.

19 Parágrafo 117 do CPC 26.

No mesmo sentido, a Lei das S/A20 exige que as notas explicativas devem apresentar informações sobre a base de preparação e das práticas contábeis especí-ficas da entidade, bem como daquelas aplicadas so-mente sobre negócios e eventos que sejam signifi-cativos. Ainda, devem indicar apenas os principais critérios de avaliação dos elementos patrimoniais.

Conclui, então, a OCPC 07, que a entidade somente deve divulgar as bases para elaboração das demons-trações e as políticas contábeis que sejam a elas apli-cáveis especificamente e que sejam relevantes para o entendimento da demonstração. Em muitos casos, a normas permitem escolhas por parte da entidade, tais como a adoção ou não do valor justo em pro-priedades para investimento. Nesses casos específi-cos em que uma ou outra escolha possa ser adotada, há a necessidade de divulgação da política utilizada e, se possível, das razões dessa escolha. Em caso de normas que não possuem alternativa e não sejam significativas especificamente para a entidade, bem como políticas que não lhe sejam aplicáveis, não de-vem ser divulgadas.

É óbvio que, no caso de mudanças de políticas con-tábeis, a mudança em si, seus efeitos e as razões da mudança precisam ser, obrigatoriamente divulgadas. Mas, de novo, somente se afetarem itens relevantes (ou puderem afetá-los futuramente).

Por fim, observa que as notas explicativas referentes

à base para a ela-boração das de-

monstrações contábeis e às políticas con-tábeis especí-ficas podem

ser apre-s e n t a -

das como seção separada das demonstrações contá-beis. Todavia, não há orien-tação que exija que elas sejam individualizadas,

20 Lei no 6.404/76, art. 176.

Em caso de normas que

não possuem alternativa e não sejam significativas especi-ficamente para a entidade, bem

como políticas que não lhe sejam aplicáveis, não devem

ser divulgadas.

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podendo estar diluídas nas notas específicas de cada item divulgado.

Diretriz Adicional sobre Bases para Elaboração e Políticas Contábeis

A divulgação de bases de elaboração e políticas con-tábeis que não sejam específicas da entidade ou que sejam relacionadas a itens que não sejam relevantes, assim como a excessiva e volumosa repetição de tex-tos dos atos normativos, podem desviar a atenção do usuário dos aspectos efetivamente importantes.

Nesse sentido, a OCPC 07, além de concluir que somente as bases e políticas específicas e relevantes devam ser divulgadas, orienta no sentido de que não sejam repetidos textos das nor-mas. Não há necessidade de repetição textual daquilo que já consta nos próprios atos normativos; isso não se configura como uma expli-cação da política e da posição da entidade mas é somente re-petição de um texto já existente e publicamente disponível e conhecido. Ainda, permite que sejam feitas apenas men-ções aos números e nomes dos Pronunciamentos, Interpretações e Orientações adotados, com um re-sumo dos principais aspectos relevantes e que sejam especificamente aplicáveis à entidade.

Reforça-se que, quando da existência de escolha en-tre políticas contábeis permitidas e da ocorrência de mudança de política contábil, as notas devem escla-recer em detalhes tais fatos, as razões da escolha ou mudança realizada e seus impactos nas demonstra-ções contábeis.

Por fim, entende a OCPC 07 que as políticas contá-beis podem ser divulgadas nas notas dos próprios itens a que se referem. Dessa maneira, não há a obri-gatoriedade de uma seção específica listando todas as políticas, mas sim, estas podem ser diluídas nas notas de cada item divulgado de forma a facilitar não só a própria leitura mas também o entendimen-to por parte do usuário.

O Grande Drama

Dá para perceber que o grande drama de todo esse processo de simplificação da evidenciação está no seguinte: já que somente devem ser divulgadas as informações que sejam relevantes, e todas as infor-mações relevantes precisam ser divulgadas, o afuni-lamento todo se dá na direção da percepção do que seja material, do que seja relevante. E o problema é que não há um conjunto de regras razoavelmente objetivo para determinar, hoje, isso. Assim, enquan-

to não houver uma evolução mais firme nesse sen-tido, teremos ainda um caminho difícil.

E somente a experiência irá guian-do, com o passar do tempo, os

preparadores, os auditores e os usuários das demonstrações contábeis no sentido de uma convergência ao sentido dessa materialidade, dessa relevância.

A OCPC 07 não resolve esse problema, nem se propõe a

isso, mas o CPC e outros orga-nismos estão trabalhando nessa di-

reção (veja-se o exposto à frente sobre as discussões ao redor mundo). De qualquer

forma, no início os preparadores e os auditores pre-cisarão tomar suas decisões sobre o que seja mate-rial, relevante para irem (irmos todos, na verdade) aprendendo a conviver melhor com esse conceito e essa enorme responsabilidade.

De início é provável que haja alguma grande hete-rogeneidade entre as empresas. E o tempo dirá se deverão ser sempre seguidos os aspectos puramen-te qualitativos envolvidos nessa decisão ou se serão adotados pelo menos alguns parâmetros básicos (do tipo: 5% dos ativos, 3% das receitas, 10% do patri-mônio líquido etc.).

A OCPC não pediu e nem mencionou, mas talvez devessem os preparadores iniciar esse processo ex-plicitando nas próprias notas explicativas quais os conceitos e, se adotados percentuais, quais os indi-cadores sendo utilizados para balizar o que é e o que não é material e relevante.

Já que somente

devem ser divulgadas as informações que sejam

relevantes, e todas as infor-mações relevantes precisam ser divulgadas, o afunilamen-to todo se dá na direção da

percepção do que seja material, do que seja

relevante.

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Conclusão

A OCPC 07 deixa claro que os dispositivos norma-tivos e legais existentes já são suficientes para que haja uma alteração na forma como as notas explica-tivas são elaboradas para, se não eliminar, ao menos diminuir os excessos de volume e informações não relevantes que acarretam dificuldades de entendi-mento da realidade econômica que se deseja retratar.

Obviamente que melhorias nas normas, orientações adicionais e até mesmo uma Estrutura Conceitual específica para a divulgação são, não somente ben-vindas, mas necessárias para auxiliar o processo de tomada de decisão dos elaboradores sobre qual deve ser o conteúdo divulgado. E isso tem sido alvo de projetos de inúmeras instituições ao redor do mundo, incluindo-se o EFRAG, o IASB e o FASB. Todavia, tais projetos irão apresentar resultados so-mente no longo prazo.

Assim, considerando a existência dos dispositivos citados ao longo deste artigo e o longo prazo para

que novas normas sejam aprovadas, a OCPC 07 mais do que trazer novidades faz uma leitura mais atenta das normas existentes e busca induzir uma mudan-ça de postura. Assim, o aumento da qualidade das notas explicativas exige dos elaboradores e auditores uma visão menos voltada para a divulgação de tudo e mais focada na análise daquilo que realmente é im-portante para o entendimento da situação patrimo-nial e financeira da entidade.

Os usuários também necessitam adotar uma postu-ra que auxilie o entendimento dos elaboradores de quais são as suas principais necessidades e quais são as informações que consideram mais relevantes. Por outro lado, também os órgãos reguladores precisam se preocupar com a não divulgação das informa-ções relevantes ou com sua divulgação inadequada, de forma alguma se preocupando com a divulgação de todas as informações explicitamente menciona-das ou exigidas nas normas.

Resumo das Principais Discussões no Mundo

A seguir, como uma fonte de informação para aqueles que desejarem se aprofundar no assunto, apresentamos um breve resumo das principais discussões que estão sendo feitas ao redor do mundo sobre a divulgação das informações financeiras. É deveras relevante que os interessados não somente acompanhem os processos, princi-palmente no IASB e no CPC, mas que também participem com suas cartas-comentários.

O Discussion Paper do EFRAG

Em 2012, o European Financial Reporting Advisoring Group – EFRAG – órgão que atua fortemente na discussão e elaboração das IFRS de forma que estas sejam capazes de serem adotadas na Europa, recomendando ou não as suas adoções para a Comunidade Europeia, emitiu um Discussion Paper propondo diversas questões relacionadas à criação de uma Estrutura Conceitual para Divulgação de Notas Explicativas21.

Nesse documento, o EFRAG demonstra que o número de evidenciações está crescendo constantemente. Ainda, argumenta que “a relevância das notas explicativas das demonstrações financeiras tem se deteriorado por uma série de razões”:

§ as notas explicativas passaram a ser repositórios de informações na linha “quanto mais informação melhor”;

§ as transações e os requerimentos de divulgações cresceram em complexidade;

§ a dificuldade prática de se aplicar o conceito de materialidade nos julgamentos;

21 Os documentos originais do EFRAG podem ser encontrados no site www.efrag.org.

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§ a generalizada utilização da abordagem de check-lists; e

§ a pressão do tempo sobre as entidades para emitir os seus relatórios financeiros, considerando outras formas de comunicação existentes.

Assim, o documento apresenta uma série de propostas sobre a criação de uma Estrutura Conceitual que possa auxiliar na solução de como as notas explicativas devem ser elaboradas.

Em maio de 2013, o EFRAG publicou um resumo das cartas-respostas ao Discussion Paper, indicando que houve um consenso entre os respondentes que ação imediata para abordar a questão da qualidade das notas explicativas é necessária. Apesar de não haver um consenso geral sobre qual a melhor forma de solucionar o problema, verificou-se uma noção generalizada de uma ne-cessidade de simplificação dos requerimentos de evidenciação.

Importante frisar que verificou-se um amplo consenso sobre uma das principais causas dos problemas de divulgação: a questão da materialidade. Os elaboradores estão pressionados para cumprir as exigências de divulgação e evitam o esforço de justificar a omissão de informações que podem não ser consideradas relevantes. Nesse sentido, a proposta do EFRAG busca abandonar uma visão de cumprimento de obrigações de divulgação de dados para um conceito de comunicação de informações, também amplamente acatado pelos respondentes.

Aguardemos maiores novidades do EFRAG sobre essa discussão.

O Disclosure Initiative do IASB

Na sua consulta de agenda do ano de 2011, o IASB verificou a necessidade de abordar questões relacionadas à divulgação de forma a garantir que a informação apresentada seja mais relevante para os investidores e reduza as exigências sobre os preparado-res. Posteriormente, foi formado um fórum de discussão sobre o assunto que culminou com a formação de um grupo de estudo denominado Disclosure Initiative22.

Esse grupo está voltado para uma ampla discussão e análise das questões relacionadas à divulgação das informações financeiras. Sua atuação está dividida em dois tipos de projetos: de implementação de pesquisa.

O primeiro projeto de implementação, já tendo sido emitido um Discussion Paper com submissão de comentários encerradas em julho de 2014, está propondo uma revisão da IAS 1- Presentation of Financial Statements. Os principais temas abordados são as Demonstrações de Resultado do Período e Abrangente, as estruturas das notas explicativas, a divulgação de políticas contábeis e o conceito de materialidade. Em outro projeto estão sendo consideradas revisões sobre a IAS 7 a respeito da divulgação da Demonstração dos Fluxos de Caixa.

No que tange aos projetos de pesquisa, o primeiro relaciona-se à questão da materialidade, objetivando analisar a aplicação do conceito na prática e a necessidade de ampliar as diretrizes sobre o assunto por parte do IASB. Ainda, há o projeto sobre Princípios de Divulgação que busca criar um conjunto de princípios que possam ser base para os projetos relacionados aos pro-nunciamentos individuais. No Exposure Draft emitido pelo IASB para a discussão da Estrutura Conceitual, já foi realizada uma primeira consulta sobre tais princípios, indicando o IASB uma busca para a redução do volume e incremento na relevância das informações divulgadas. Por fim, o último projeto de pesquisa é voltado para uma revisão das exigências de divulgação contidas em cada Pronunciamento individual.

O Conceptual Framework for Financial Reporting: Chapter 8: Notes to Financial Statements do FASB

O FASB publicou em 2014, tendo a audiência pública sido encerrada em julho de 2014, um Discussion Paper23 que busca incluir na Estrutura Conceitual um capítulo específico sobre divulgação. Nesse sentido, busca obter dos respondentes suas percepções acerca de diversos itens, tais como o papel das notas explicativas, quais tipos de informação devem ser divulgados, se devem existir informações orientadas para eventos futuros, diretrizes para a definição de quais informações devem ser divulgadas e informações sobre a entidade entre outras diretrizes mais específicas.

Importante mencionar que há um foco específico na relevância e que o FASB somente deve requerer informações que sejam relevantes para os provedores de recursos.

22 Os documentos originais do IASB podem ser obtidos no site www.iasb.org.

23 Os documentos originais do FASB podem ser obtidos no site www.fasb.org.

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Bancos e Inflação

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