direitos humanos- conceitos e preconceitos - revista jus navigandi

12
ASSINE 0800 703 3000 BATE-PAPO E-MAIL SAC Voip E-Mail Grátis Shopping ÍNDICE PRINCIPAL Ir direto ao conteúdo Cadastre-se | Entrar Revista Doutrina + Peças | Fórum | Blogs | Especialistas Blog da Equipe | Siga-nos no Twitter Revista Artigo Direitos humanos conceitos e preconceitos Elaborado em 11/2006. «Página 1 de 1» Alci Marcus Ribeiro Borges a a Recomende esse texto Twitter Facebook Orkut Versão para impressão Nota do artigo: Vote IBEA 0800.282.8180 Doutorado e Mestrado nas férias Univ. Federal www.ibea-rj.com.br Doutorado em Direito Programa de Doutorado em Direito na Argentina exclusivo a Brasileiros. www.isped.com.br Faculdade Direito em Casa Curso de Direito a Distância Online Mestrado Doutorado PhD com Diploma FaculdadeUniversal.com/ProvaOab

Upload: grasiele-vieira

Post on 04-Jul-2015

156 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

ASSINE 0800 703 3000 BATE-PAPO E-MAIL SAC Voip E-Mail Grátis Shopping ÍNDICE PRINCIPAL

Ir direto ao conteúdo

Cadastre-se | EntrarRevista Doutrina + Peças | Fórum | Blogs | Especialistas

Blog da Equipe | Siga-nos no Twitter

Revista

Artigo

Direitos humanos

conceitos e preconceitos

Elaborado em 11/2006.

«Página 1 de 1»

Alci Marcus Ribeiro Borges

aaRecomende esse textoTwitterFacebookOrkutVersão para impressãoNota do artigo: Vote

IBEA 0800.282.8180Doutorado e Mestrado nas fériasUniv. Federalwww.ibea-rj.com.br

Doutorado em DireitoPrograma de Doutorado em Direitona Argentina exclusivo aBrasileiros.www.isped.com.br

Faculdade Direito em CasaCurso de Direito a Distância OnlineMestrado Doutorado PhD comDiplomaFaculdadeUniversal.com/ProvaOab

Page 2: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

RESUMO: O presente texto faz considerações sobre as principais formas de conceituar os direitos humanos epropõe um conceito considerado atualizador. Tece considerações ainda sobre os diversos preconceitos em tornodos direitos humanos e tenta desfazer as distorções geradas por preconceitos negativos.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos humanos, conceitos e preconceitos.

Para começar.

Conceitos são idéias elaboradas, organizadas e desenvolvidas a respeito de um assunto e exigem análise, reflexão e

síntese [01]. Mas, geralmente, antes de chegarmos a um conceito, formamos um preconceito.

O preconceito é uma primeira compreensão, em geral, parcial, incompleta, fosca, de alguma coisa. Uma opiniãoformada sem reflexão. Talvez, por isso, muitos preconceitos têm um sentido negativo. O preconceito pode serum ponto de partida que, se for bem desenvolvido, pode tornar-se um conceito, ou seja, um conhecimento maisamplo e completo. O preconceito só se torna negativo quando ficamos nele, sem desenvolvê-lo. Aí ele nos limita,nos impede de ver as coisas de uma maneira mais desenvolvida, ampla, transparente.

Assim, para chegarmos ao conceito mais recente de direitos humanos, precisamos, portanto, começar pelospreconceitos e tentar desenvolvê-los.

Dos preconceitos aos conceitos de direitos humanos.

DiarioDasLeis.com.br/DireitoImoveis Anúncios Google

Page 3: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

São diversos os preconceitos referentes aos direitos humanos. Vamos começar por alguns que são revelados nasvárias expressões usadas para designar os direitos humanos, tais como direitos naturais, direitos individuais,direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem edireitos humanos fundamentais.

José Afonso da Silva [02] esclarece que não se aceita mais com tanta facilidade a idéia de que os direitos humanossejam confundidos com os direitos naturais, provenientes da natureza das coisas, inerentes à natureza da pessoahumana; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem, mas que são direitos positivos,históricos e culturais, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momentohistórico.

Textos relacionados

Considerações preliminares sobre o direito islâmico ("Shariah"). Visões acadêmicas, históricas, culturais esuas influências na sociedade internacionalO Tribunal Penal Internacional e o Direito brasileiro. Perda da soberania?"Equal protection clause". Os direitos dos estrangeiros à luz dos precedentes da Suprema Corte dosEstados UnidosÁrea de Livre Comércio das Américas - ALCAO papel do Supremo Tribunal Federal no processo de extradição

Norberto Bobbio [03], manifestando seu descrédito quanto a se conseguir elaborar um conceito preciso de direitoshumanos e sobre as diversas tentativas de definição, afirma que a idéia de que os direitos humanos são direitosnaturais, os que cabem ao homem enquanto homem é meramente tautológica, não servindo para traduzir seuverdadeiro significado e seu preciso conteúdo. Acrescenta ainda que a enfática expressão "direitos do homem" ,tomada nesta perspectiva, pode provocar equívocos, já que faz pensar na existência de direitos que pertencem aum homem essencial e eterno, de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus direitos edeveres. No entanto, contrapõe, os direitos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana;enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e ampliação.

As expressões direitos individuais e direitos públicos subjetivos referem-se à concepção individualista da pessoahumana, no Estado liberal, exprimindo a situação jurídica subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, sendo

Page 4: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

geralmente empregada para denominar uma parte dos direitos fundamentais, qual seja, a dos direitos civisconcernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, por isso não são suficientes para traduzir aamplitude dos diretos humanos.

As expressões liberdades fundamentais e liberdades públicas igualmente carregam estreitas ligações com asconcepções de tradição individualista dos direitos individuais e dos direitos públicos subjetivos. Referem-se,geralmente, apenas às liberdades individuais clássicas – direitos civis - e às denominadas liberdades políticas – osdireitos políticos -, sendo, portanto, limitantes e insuficientes para indicar o abrangente conteúdo dos direitoshumanos, nos quais estão também contidos os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

Contra o termo direitos fundamentais do homem, alega-se que o termo "do homem" já não é suficientementeindicativo de toda a espécie humana, ou seja, abrangente dos dois gêneros/sexos, em face da evolução, inclusive nodireito, da situação da mulher, e, seguindo-se a tendência dominante na ordem jurídica e social é preferívelutilizar-se a expressão "pessoa humana".

A expressão direitos humanos fundamentais, ao coligir, num mesmo termo, direitos humanos e direitosfundamentais, pode parecer redundante, reduplicativa, vez que ambas referem-se aos mesmos objetos econteúdos.

Paulo Bonavides [04] entende que quem diz direitos humanos, diz direitos fundamentais, e quem diz estes dizaqueles, sendo aceitável a utilização das duas expressões indistintamente, como sinônimas. Porém, afirma querazões de vantagem didática recomendam, para maior clareza e precisão, o uso das duas expressões com levevariação de percepção, sendo a fórmula direitos humanos, por suas raízes históricas, adotada para referir-se aosdireitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos nacionais,enquanto direitos fundamentais designam os direitos humanos quando trasladados para os espaços normativos.

J.J.Gomes Canotilho aduz que direitos humanos e direitos fundamentais são termos utilizados, no mais dasvezes, como sinônimos. Entretanto, segundo a origem e o significado, podem ter a seguinte distinção:

direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensãojusnaturalista-universalista): direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos humanos arrancariamda própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal: os direitos

fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. [05]

Sérgio Resende de Barros [06], por sua vez, não aceita separação entre direitos humanos e direitos fundamentais econtrapõe o entendimento de que sejam institutos jurídicos distintos, vez que essa dicotomia retira humanidadeao fundamental e fundamentalidade ao humano. No entanto, considera que os direitos humanos devem serdistinguidos dentro de uma escala de fundamentalidade, ao longo da qual se vai dos que prefere denominardireitos humanos principais (porque basilares, fundamentais em sentido amplo em que dão princípio efundamento a seus direitos mais particulares e instrumentais) para direitos humanos operacionais (subsidiáriosdos principais, fundamentais no sentido estrito em que dão concreção a seus principais, instrumentando-os paraos realizar), sempre, porém, em graus sucessivos, mas contínuos, de modo que, nessa interação, todo o humanocontinua a ser fundamental, assim como todo fundamental continua a ser humano, sem separação, enfatiza.

Edilsom Farias [07] indica que, a despeito dessa semelhança, importa assinalar que ultimamente vem-se utilizandoa expressão direitos fundamentais para referir-se à dimensão constitucional desses direitos, reservando-se a

Page 5: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

aplicação da expressão diretos humanos para aludir-se à dimensão internacional dos mesmos, ou seja, quandoproclamados em declarações e demais tratados internacionais.

Diversos conceitos de direitos humanos.

Assim, tomando como ponto de partida as reflexões acima e, confirmando a tradicional polissemia quecaracterizam as tentativas de conceituação dos direitos humanos, apresentam-se múltiplos conceitos, quase todosconstruídos e desenvolvidos a partir de diferentes concepções e preconceitos.

Extrai-se de Vieira de Andrade [08] que essa pluralidade conceitual dos direitos humanos pode ser justificada peladiversidade de perspectivas a partir das quais eles são considerados.

Segundo Vieira de Andrade [09], foi numa perspectiva filosófica ou jusnaturalista que os direitos humanos foramprimeiramente considerados, ou seja, traduzidos, em primeira dimensão, pelo direito natural, vistos, pois, comodireitos de todas as pessoas humanas, em todos os tempos e em todos os lugares, sendo, portanto, absolutos,imutáveis, anespaciais e atemporais. Nesta maneira de ver, são paradigmas axiológicos, anteriores e superioresao Estado e à própria Sociedade. Para ele, esta perspectiva não desapareceu, sendo a ela que às vezes se recorreainda hoje, sempre que há deficiências ou dificuldades na aplicação das normas positivas referentes aos direitoshumanos.

Numa segunda perspectiva, impulsionada pelos efeitos do pós-guerra (II Grande Guerra), os direitos humanossão concebidos como direitos de todas as pessoas, em todos os lugares, sendo declarados, pactuados econvencionados para serem promovidos e protegidos no âmbito da comunidade internacional, numa visãouniversalista ou internacionalista.

E numa terceira perspectiva, os direitos humanos são entendidos como direitos das pessoas ou de certascategorias de pessoas, num determinado tempo e lugar, mais precisamente em seus estados nacionais, comodireitos positivos, constitucionalizados, tornando-se, assim, por meio da consagração constitucional, direitosfundamentais, caracterizando uma visão constitucionalista de tais direitos. Hoje, impulsionados por essemovimento constitucionalista, já não existem notícias de constituições que não apresentem disposições quedestaquem os direitos fundamentais como direitos humanos constitucionalizados.

Assim, basta breve e simples passeio na doutrina e vamos encontrar diversos conceitos de direitos humanos deinspiração jusnaturalista, ou universalista, ou constitucionalista, e até mesmo conceitos híbridos, conjugandoelementos de mais de uma perspectiva, na tentativa de elaboração conceitual mais precisa. Vejamos.

Segundo João Batista Herkenhoff direitos humanos são, modernamente entendidos, "aqueles direitosfundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua natureza humana, pela dignidade que a ela é

inerente." [10]

Selma Regina Aragão também conceitua os direitos humanos como sendo "os direitos em função da naturezahumana, reconhecidos universalmente pelos quais indivíduos e humanidade, em geral, possam sobreviver e

alcançar suas próprias realizações". [11]

Maria Victória Benevides entende, na mesma linha, que os direitos humanos

são aqueles direitos comuns a todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, classe social,

Page 6: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

religião, etnia, cidadania política ou julgamento moral. São aqueles que decorrem doreconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano. Independem do reconhecimento formaldos poderes públicos – por isso são considerados naturais ou acima e antes da lei -, embora devam

ser garantidos por esses mesmos poderes. [12]

Tobeñas, agregando novos elementos ao conceito, afirma que direitos humanos

são aqueles direitos fundamentais da pessoa humana – considerada tanto em seu aspecto individualcomo comunitário – que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência aomesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos a respeitados por todopoder e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu

exercício, ante as exigências do bem comum" [13]

Alexandre de Moraes, numa perspectiva mais constitucionalista e preferindo a expressão direitos humanosfundamentais, considera-os como sendo

o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica orespeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o

estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. [14]

Perez Luño, um dos poucos a enfrentar o desafio de refletir, analisar, desenvolver, fundamentar e sintetizar umconceito de direitos humanos que considere as suas dimensões históricas, axiológicas e normativas, propõe que osdireitos humanos sejam entendidos como sendo

um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigênciasda dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente

pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. [15]

Edilsom Farias, inspirado no conceito de Perez Luño, atualiza-o, acrescenta-lhes os valores fraternidade ousolidariedade, declinando que

os direitos humanos podem ser aproximadamente entendidos como constituídos pelas posiçõessubjetivas e pelas instituições jurídicas que, em cada momento histórico, procuram garantir osvalores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da

solidariedade. [16]

Norberto Bobbio [17] indica o itinerário de desenvolvimento dos direitos humanos, ensinando que estes nascemcomo direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cadaConstituição incorpora Declarações de Direitos), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitospositivos universais.

A expressão e o conceito aqui propostos.

Considerando tais posicionamentos, adotamos a expressão direitos humanos, por sua amplitude, eis que aquinos referimos, principalmente, ao estudo dos Direitos Humanos protegidos no âmbito da comunidadeinternacional, numa visão universalista ou internacionalista.

Page 7: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

Quanto ao conceito, adotaremos aquele apresentado por Perez Luño, com o acréscimo dos valores fraternidade esolidariedade proposto por Edilsom Farias. Porém, em nossa proposta, tais valores são distintos e nãoentendidos como tendo igual significado ou representativos do mesmo momento histórico, mas reveladores dediferentes e novas dimensões dos direitos humanos e refletindo o seu processo histórico evolutivo.

Esclarecendo melhor: Perez Luño justifica que incluiu em seu conceito de direitos humanos os valores dadignidade, da liberdade e da igualdade por considerar que foram sempre em torno deles que os direitos humanosforam historicamente reivindicados. Edilsom Farias, por sua vez, compartilhando com tal perspectiva, acrescentaos valores da fraternidade ou da solidariedade, justificando que tal se dá em virtude de que tais valoresfundamentam os direitos humanos de terceira geração/dimensão, estes não mencionados no conceito de PerezLuño. Tal acréscimo nos parece certo e oportuno. Todavia, o valor da solidariedade parece-nos, hoje,fundamentar os direitos humanos em sua quarta geração/dimensão, já por muitos anunciada, emergindo dasreflexões sobre temas referentes ao desenvolvimento auto-sustentável, à paz mundial, ao meio ambiente globalsaudável e ecologicamente equilibrado, aos direitos relacionados à biotecnologia, à bioengenharia e à bioética, bemcomo às questões relativas ao desenvolvimento da cibernética, da realidade virtual, da chamada era digital, numaperspectiva holística dos direitos humanos.

Assim, os direitos humanos seriam hoje um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momentohistórico, buscam concretizar as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade e dasolidariedade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente, em todos os níveis.

Numa versão mais sintética, ainda podemos considerar os direitos humanos como sendo um conjunto defaculdades e instituições que, em cada momento histórico, buscam concretizar as exigências da dignidade dapessoa humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente em todos os níveis.

É que a dignidade parece-nos um valor aglutinante, embora não superior hierarquicamente, dos valores daliberdade, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade humanas. Ou seja, não pode haver dignidade comliberdade abusivamente cerceada, nem na desigualdade, nem nos contravalores da fraternidade e da solidariedade.

No dizer de Eduardo Bittar e Guilherme Assis de Almeida [18], a dignidade da pessoa humana é o valorinspirador e constitutivo dos Direitos Humanos. E ao mesmo tempo em que aponta uma direção, a meta a seratingida pelo corpus juris dos Direitos Humanos, é sua própria "força-motriz", constituindo-se verdadeirainvariante axiológica.

Um preconceito negativo: uma grave distorção dos direitos humanos ou o discurso"antidireitos humanos".

Um preconceito com grave carga negativa que vem sendo difundido, desde os anos 80, acerca dos direitoshumanos, é a idéia distorcida que insiste em descrever os direitos humanos como instrumento de "proteção dosbandidos contra a polícia" . Tal deturpação vem quase sempre acompanhada das retóricas perguntas: "e osdireitos humanos das vítimas?" ou "por que esse pessoal dos direitos humanos não defende as vítimas dessesbandidos?".

Tal preconceito carrega dois problemas. Primeiro: a tentativa de aprisionar os direitos humanos às questõesmeramente policiais e, segundo, em conseqüência, estigmatizar os defensores dos direitos humanos como"protetores de bandidos".

Page 8: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

Ora, as questões policiais enfrentadas pelos direitos humanos constituem apenas pequena parte (situada no

âmbito dos direitos civis) de seu amplo conteúdo. José Reinaldo de Lima Lopes [19] esclarece que os casos dedefesa dos direitos humanos de meados da década de 70 para cá só parcialmente se referem a questões policiais.A sua imensa maioria – não noticiada pela grande imprensa – esteve concentrada nas chamadas questões sociais(direito à terra e à moradia, direitos trabalhistas e previdenciários, direitos políticos, direitos à saúde, à educação,etc). E no decorrer da segunda metade da década de 80, principalmente nos anos de 1985 a 1988, as organizaçõesde defesa dos direitos humanos multiplicaram informações sobre a Constituição e a Constituinte, inclusiveapresentando proposta (incluída no regimento interno do Congresso Constituinte) de emendas ao projeto deConstituição por iniciativa popular. Assim, a tentativa de restringir os direitos humanos às questões policiais é,senão carregada de ignorância quanto ao amplo conteúdo e alcance dos direitos humanos, motivada de má-fé porgrupos de poder historicamente obstruidores do irreversível processo evolutivo dos direitos humanos.

Quanto ao questionamento referente às vítimas, José Reinaldo de Lima Lopes [20] também esclarece que osdireitos humanos buscam defender a pessoa humana não de um indivíduo qualquer, isolado, atomizado, mas doexercício abusivo do poder, principalmente das instituições do poder político, econômico, social e cultural. Ainda

segundo José Reinaldo de Lima Lopes [21], a expressão direitos humanos refere-se aos conflitos entre as pessoashumanas e as organizações de poder: o Estado, o mercado, organizações burocráticas, impessoais, havendosempre uma situação de desequilíbrio estrutural de forças entre a vítima e o violador, sendo aquela permanente eestruturalmente subordinada a este. Assim, a relação de conflito criminoso x polícia é enxergada pelos direitoshumanos como relação pessoa humana (criminoso) x Estado (polícia), não sendo permitido ao Estado (polícia)abusar do poder (prisões ilegais, torturas, etc) contra as pessoas (mesmo consideradas "criminosas").

Deste modo, temos uma questão de direitos humanos quando se tem uma relação de poder geradora dedesigualdade e discriminação, em que a parte hipossuficiente/vulnerabilizada desta relação é discriminada,subjugada, coagida, submetida, forçada abusivamente aos interesses e/ou vontades da outra parte, como nasrelações de poder entre mercado x consumidor , homem x mulher (relações de gênero), adulto x criança, brancox preto, rico x pobre, hetero x homo, sadio x doente, pessoa não-deficiente x pessoa com deficiência, pessoajovem x pessoa idosa e até mesmo na relação espécie humana x outras espécies. Em todas essas relações depoder, os direitos humanos buscam a defesa da parte hipossuficiente/vulnerabilizada, sendo, portanto direitosdas vítimas, das vítimas de abuso de poder.

CANÇADO TRINDADE enfatiza:

O Direito dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente em defesa dosostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos maisnecessitados de proteção. Não busca um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitosdo desequilíbrio e das disparidades. Não se nutre das barganhas da reciprocidade, mas se inspira nasconsiderações de ordre public em defesa dos interesses superiores, da realização da justiça. É odireito de proteção dos mais fracos e vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têmdevido em grande parte à mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação,exclusão e repressão. Neste domínio de proteção, as normas jurídicas são interpretadas e aplicadas

tendo sempre presentes as necessidades prementes de proteção das supostas vítimas ". [22]

Logo, os direitos humanos não são neutros, mas tomam partido da pessoa humana e buscam proteger, promovere zelar pela sua dignidade, eis que qualquer desrespeito à pessoa humana (independentemente de sua condição)significa amesquinhar, empobrecer e desrespeitar toda a humanidade, porquanto cada pessoa humana, em sua

Page 9: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

imagem, reflete toda a humanidade.

NOTAS

1 SÁTIRO, Angélia e WUENSCH, Ana Miriam. Pensando melhor. Iniciação ao Filosofar. São Paulo:Saraiva,1997. p. 11;

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7ª ed.rev e ampl. de acordo com a novaConstituição. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 157;

3 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:Campus, 1992. p.17-32;

4 BONAVIDES, Paulo. Os Direitos Humanos e a Democracia. In Direitos Humanos como Educação para aJustiça. Reinaldo Pereira e Silva org. São Paulo:LTr, 1998. p. 16;

5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. p.369;

6 BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.36-48;

7 FARIAS, Edilsom. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 27;

8 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa. Coimbra:Almedina,1987. p. 11;

9 ANDRADE, José Carlos Vieira de. op.cit. p. 12-30;

10 HERKENHOFF, João Batista. Curso de Direitos Humanos. v I. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 30;

11 ARAGÃO, Selma Regina. Direitos Humanos na ordem mundial. Rio de Janeiro:Forense, 2000. p. 105;

12 BENEVIDES, Maria Victória. Cidadania e Justiça. In revista da FDE. São Paulo, 1994;

13 BENEVIDES, Maria Victória. Op.cit.;

14 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. 4ª ed. São Paulo:Atlas, 2002. p. 39;

15 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, estado de derecho y Constitución. 3ª ed. Madri:Teccnos, 1990. p. 48. (tradução livre);

16 FARIAS, Edilsom. op.cit p. 26;

17 BOBBIO, Norberto. op. cit. P. 30-32;

Page 10: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

18 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. SãoPaulo:Atlas, 2001. p. 454-456;

19 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito, Utopia e Justiça. Rio de Janeiro: Coleção Seminários nº 09. Institutode Apoio Jurídico Popular. Fase. p. 14;

20 LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit. p. 13;

21 LOPES, José Reinaldo de Lima. op. cit. p. 13-14;

22 Antônio Augusto Cançado Trindade na apresentação do livro de Flávia Piovesan. PIOVESAN, Flávia.Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl.. e atual. São Paulo: Saraiva,2006.p.XXXI/XXXII.

Compartilhe:TwitterFacebookOrkutNota do artigo: VoteRecomende esse textoVersão para impressão

E-mails dos Destinatários (Separados por vírgula)

Seu nome

Seu e-mail

Comentário

Enviar

Page 11: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

Alci Marcus Ribeiro Borges

advogado em Teresina (PI), especialista em Educação em Direitos Humanos pela UFPI/ESAPI, especialistaem Infância e Violência pela USP, professor de Direitos Humanos do Instituto Camillo Filho, professor deDireito da Criança e do Adolescente da Escola Superior de Magistratura do Piauí

Veja todos os artigos publicados pelo autorFale com o autor

Seu nome

Seu e-mail

Assunto

Mensagem

Enviar

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Direitos humanos: conceitos e preconceitos. Jus Navigandi, Teresina, ano11, n. 1248, 1 dez. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9225>. Acesso em: 16 nov. 2010.

Assuntos relacionados: Direitos humanos (Direito Internacional Público) | Direito Internacional Público

Cassoli DiasAdvogadosAssessoria JurídicaAdvocaciaEmpresarialwww.cassolidiasadvogados.com.br

Page 12: Direitos Humanos- Conceitos e Preconceitos - Revista Jus Navigandi

Jus Navigandi

Fale ConoscoAnuncie no JusAjudaPrivacidadeQuem SomosBlog da EquipeLivraria

Jus Navigandi. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.